A Visão Federal e os Padrões de Westminster: Análise, Exposição e
Comparação. Copyright © 2016 | Os Puritanos Todos os direitos da publicação em português reservados à Editora Os Puritanos © 2016 É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem a autorização por escrito do editor, excetuando-se citações em resenhas desde que citada a fonte. Primeira edição digital: Junho de 2016 Editor: Manoel Canuto Revisor: Manoel Canuto Designer: Heraldo Almeida www.os-puritanos.com
Foto de capa: Auburn Avenue Presbyterian Church
Mas aprouve a Deus, de acordo com as riquezas da sua insondável sabedoria, estabelecer essa violação do pacto legal como um fundamento para suas obras estupendas, pois ele teve a oportunidade de criar um novo pacto da graça, no qual ele pode mostrar mais claramente os tesouros inestimáveis da plenitude da sua suficiência [...] e assim, ele descobriu o que parecia superar toda crença e compreensão: que Deus, que é justo, verdadeiro e santo, poderia, sem qualquer diminuição das suas adoráveis perfeições, mas, em vez disso, com uma exibição mais vívida delas, tornar-se o Deus e a Salvação do pecador .
— Herman Witsius
SUMÁRIO APA A CAP DICA CATÓ TÓRIA RIA DEDI GRAD DECI CIMEN MENTOS TOS AGRA PRESE SEN NTAÇÃO APRE TROD DUÇÃO INTRO PÍTU TULO LO 1 – PANO NORA RAMA MA HIS ISTÓ TÓRI RICO CO DA VISÃO FEDE DERAL RAL CAPÍ PÍTU TULO LO 2 – O CON ONCEI CEITO TO DE PAC ACTO TO SEGUN GUNDO DO A VISÃO CAPÍ DERA RAL L FEDE PÍTU TULO LO 3 – A VISÃO FEDE DERAL RAL E A JUS USTI TIFI FICA CAÇÃO ÇÃO PELA FÉ CAPÍ PÍTU TULO LO 4 – O PAC ACTO TO E A SEGU GURAN RANÇA ÇA DA SAL ALV VAÇÃO NA CAPÍ DERAL RAL VISÃO FEDE ONCLU CLUSÃO SÃO CON FERÊN RÊNCI CIAS AS BIBLI BLIO OGRÁ GRÁFI FICAS CAS REFE DIAS AS MÍDI OSSOS SOS LI LIVROS VROS NOS
DEDICATÓRIA
A
Deus, o Senhor soberano, que graciosa e amorosamente me chamou para um relacionamento pactual. À minha amada esposa Joanne Laricy Gomes de Lima Alexandrino, amiga, irmã, amante, fiel companheira e piedosa guardadora do Pacto. Aos meus dois filhos Esdras Saavedra Gomes de Lima Alexandrino e Ana Laura Gomes de Lima Alexandrino, que, juntamente comigo, são beneficiários do Pacto da Graça. Às outras duas mulheres que amo, Ana Alixandrino Neta e Juliana Alexandrino Lima, mãe e irmã, sustentáculos sempre presentes.
AGRADECIMENTOS
A
gradeço ao Deus Pai Todo-Poderoso que está assentado em seu trono, pois mesmo sendo santo, reto e justo resolveu, por meio do seu Filho Jesus Cristo, entrar em Aliança com um pobre pecador como eu, e me transformou em alguém que ama servi-lo. A Ele seja a glória, a honra e o louvor pelos séculos dos séculos. À minha querida esposa, Joanne Laricy Gomes de Lima Alexandrino, pelo sacrifício feito durante o período de produção do presente trabalho, pois não foram poucas as noites em que ela ficou sozinha na cama, dormindo e acalentando nosso filho, enquanto me debruçava sobre os livros e passava as madrugadas na frente do computador. Também foram incontáveis as ocasiões quando eu me encontrava desanimado em relação a esta dissertação e ela, amorosamente, passava a me encorajar. À minha mãe, Ana Alixandrino Neta, pois em meio a tantas dificuldades e lutas sempre acreditou e investiu preciosa parte do seu tempo na minha formação intelectual, emocional e espiritual. A minha melhor professora, uma mulher da qual “o mundo não é digno” (He breus 11.38). Ao meu orientador, Rev. Dr. Heber Carlos de Campos Júnior, pela atenção dispensada e por suas contribuições significativas, sem as quais não teria concluído esta pesquisa, e, acima de tudo, pela amiza-
de dispensada a mim. Ao Rev. Dr. Heber Carlos de Campos, que mesmo não sendo o meu orientador e tomado por uma enorme quantidade de afazeres, muito contribuiu para minha formação no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Levarei comigo a imagem de um mestre que une mente e coração, intelecto e paixão, luz e calor nas suas aulas. Cada módulo era, ao mesmo tempo, uma aula em Teologia Sistemática e em Teologia Pastoral. Aos demais mestres do CPPAJ com os quais pude crescer em aprendizado e no ministério pastoral: Rev. Dr. Alderi Souza de Matos, com quem tive o privilégio de aprender sobre Jonathan Edwards; Rev. Dr. Mauro Fernando Meister, a quem gostava de visitar em sua sala e me encantar com sua biblioteca; e Rev. Ms. João Alves dos Santos, que expandiu meus horizontes quanto ao pensamento teológico do reformador João Calvino. Foram momentos muito agradáveis e enriquecedores. Aos meus colegas e amigos do Mestrado, Gaspar Rodrigues de Souza Neto, Jeferson Roberto Lustosa, Ewerton Barcelos Tokashiki, Manoel Lima, Dilsilei Monteiro e Davi Emerick de Azevedo. Grande parte da expectativa em relação a cada módulo girava em torno de poder desfrutar da companhia e da amizade de vocês. A todos, os meus sinceros agradecimentos. — Alan Rennê
APRESENTAÇÃO
C
oube a mim o privilégio de fazer uma apresentação deste excelente trabalho acadêmico de Alan Rennê Alexandrino Lima. Quando esta dissertação foi apresentada ao Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper para obtenção do grau de Sacrae Theologiae Magister (lit. Mestre em Teologia Sacra), fiquei com o título de orientador, mas confesso que Alan Rennê não precisou de tantas orientações de minha parte para confeccioná-la. Ele já possuía aptidões de um pesquisador e escritor quando entrou no curso. Tais qualificações foram demonstradas e aprimoradas nas diversas monografias escritas ao seu professor de Teologia Sistemática, o Dr. Heber Carlos de Campos (o pai), a quem ele carinhosamente chama de “mestre”. Quando foi testado pela banca em suas proposições, respondeu com tanta maestria que acabou recebendo a honra devida a excelentes tra balhos acadêmicos: magna cum laude (aprovado “com grande louvor”). Por isso, orientá-lo foi mais honra minha do que necessidade dele. Digo que ele atingiu excelência acadêmica porque evidenciou várias habilidades acadêmicas na exposição do seu assunto. Seu trabalho é uma avaliação crítica da Visão Federal à luz da teologia reformada exposta nos padrões de fé de Westminster. Como esse movimento norte-americano nascido em igrejas presbiterianas é desconhecido do
público brasileiro, Alan Rennê procurou fazer um histórico detalhado do movimento e um panorama das contribuições de seus principais representantes (capítulo 1). Nos capítulos que compõem o corpo do trabalho (capítulos 2 a 4), ele expõe doutrinas chaves como o conceito de pacto, a doutrina da justificação pela fé, e as doutrinas correlatas da perseverança dos santos e segurança da salvação. Tanto na exposição histórica quanto na doutrinária, o autor se mostra leal aos proponentes da Visão Federal, fazendo vasto uso de fontes primárias e descrevendo as posições nas palavras deles mesmos. Essa integridade acadêmica é aliada a um apurado senso crítico no qual Alan Rennê expõe os perigos da Visão Federal à luz da tradição reformada clássica. Sua ha bilidade crítica pode ser exemplificada quando o autor demonstra o distanciamento teológico dos “visionistas” mesmo quando eles não se veem fora dos limites confessionais. Engana-se, porém, quem pensa que trabalho acadêmico não é benéfico para a saúde da igreja. Primeiramente, Alan Rennê pretende soar um alerta às igrejas reformadas brasileiras para um movimento ainda pouco conhecido no Brasil, mas que traça suas primeiras investidas em nosso país com literatura e plantação de igrejas. Em segundo lugar, tal trabalho beneficia a saúde da igreja porque discorre com perspicuidade e precisão doutrinas chave da tradição reformada. Como é importante conhecermos mais a fundo como o conceito de alianças funciona como estrutura arquitetônica de nossa teologia, como a doutrina da justificação amarra a Cristologia e a Soteriologia de forma coesa, e como a doutrina da segurança da salvação não minimiza nossos esforços na caminhada cristã ainda que sejam sem mérito. Em terceiro lugar, o autor proporciona à igreja uma discussão solidamente bíblica e confessional de temas que são mais difíceis do que comu-
mente percebido pelo público destreinado em teologia. Ele discorre sobre as implicações do caráter instrumental de fé e arrependimento na justificação, o lugar das boas obras, o caráter externo e invisível da membresia pactual, a relação entre justiça e fidelidade, a necessidade dos fundamentos objetivos e subjetivos na segurança do crente, dentre outros. Tais discussões teológicas em diálogo crítico com os visionistas reflete a riqueza da teologia e a necessidade que temos de mestres que nos firmem em bom ensino da Palavra. Que Deus faça bom uso desse trabalho na mão do leitor. Quanto mais soubermos aliar boa pesquisa com a preocupação piedosa pela saúde da igreja, mais serviremos com propriedade o corpo de Cristo. — Heber Carlos de Campos Júnior São Paulo, 6 de maio de 2016
INTRODUÇÃO
H
á várias décadas a comunidade presbiteriana norte-americana tem travado uma enorme batalha contra um sistema teológico nascido em seu seio, sistema este denominado Visão Federal (Federal Vision), também conhecido como Teologia da Avenida Auburn [*] (Au burn Avenue Theology). As raízes deste movimento podem ser rastreadas até à década de 70, na famosa controvérsia em torno da doutrina da justificação pela fé, que teve lugar no renomado Westminster Theological Seminary, na cidade da Filadélfia. Não obstante, o seu ápice se deu na década passada, quando várias denominações presbiterianas, como a United Reformed Churches in North America (URCNA), a Reformed Church in the United States (RCUS), a Orthodox Presbyterian Church (OPC) e a Presbyterian Church in America (PCA) se viram obrigadas a se posicionarem de forma contrária aos postulados teológicos da Visão Federal. [1] Um questionamento inicial que pode ser feito gira em torno da relevância acadêmica do presente trabalho, bem como da sua utilidade para o presbiterianismo brasileiro, afinal de contas, a Visão Federal não é um problema com o qual o presbiterianismo brasileiro precise se preocupar. Bem, pelo menos ainda não. Contudo, existem basicamente duas razões que justificam a relevância desta pesquisa para o cenário presbiteriano nacional. Em primeiro lugar, escritos de partidários
da Visão Federal já estão se tornando conhecidos do público protestante reformado brasileiro. Algumas editoras nacionais publicaram obras de homens como Douglas Wilson, mais conhecido no Brasil por seus escritos sobre família e apologética, e Mark Horne, que teve pu blicada uma obra sobre batismo infantil. Assim, a expectativa é que o público brasileiro se torne cada vez mais familiarizado com o que estes e outros adeptos têm produzido. A segunda razão, consequência da primeira, é que a Visão Federal já é alvo de avaliações positivas por parte de clérigos brasileiros, que através dos seus blogs têm passado uma impressão de que se trata de um sistema teológico saudável e benfazejo, destacando como positivos os seguintes pontos: 1. A tolerância para com divergências; 2. A ênfase do status das crianças como verdadeiros membros da Igreja,
incluindo a defesa da pedocomunhão por parte de alguns visionistas federais; 3. A celebração semanal da Ceia do Senhor; 4. Uma ênfase na catolicidade da Igreja; 5. Um conceito muito forte sobre Eclesiologia; 6. Valorização da Teologia do Pacto; 7 . Uma alta estima pela Lei de Deus; 8. Ênfase na Teologia Bíblica; e 9. O pós-milenismo.[2]
É a convicção do autor da presente pesquisa que, conquanto todos os pontos supramencionados sejam importantes, eles nem são distintivos exclusivos nem se constituem no cerne ou na essência do que
a Visão Federal é. E é justamente na essência do seu sistema teológico que muitas dificuldades e potenciais prejuízos podem ser percebidos. Apesar de ser construída a partir da Teologia do Pacto, a Visão Federal se volta contra as definições clássicas da Teologia Federal e dos Padrões de Westminster, Símbolos de Fé das igrejas presbiterianas ao redor do mundo, incluindo a Igreja Presbiteriana do Brasil, redefinindo algumas e rejeitando outras. Além da doutrina do Pacto, outras doutrinas de primeira ordem, como por exemplo, a Eleição, a Justificação pela Fé Somente e a Segurança de Salvação são drasticamente redefinidas. Portanto, a relevância do presente trabalho se encontra em sua intenção preventiva. O propósito, então, é demonstrar por meio de uma exposição teológico-sistemática, que a Visão Federal, conquanto exista justificada hesitação em reputá-la como heresia, deve ser considerada como um desvio da ortodoxia reformada. O interessante é que, ainda assim, os partidários da Teologia da Avenida Auburn reivindicam fidelidade aos Padrões de Westminster e, em alguns casos, afirmam estar resgatando o seu entendimento original. Quando confrontados em razão das suas redefinições e rejeições, os visionistas federais argumentam que a raiz do problema está numa compreensão equivocada dos seus escritos. A presente pesquisa consistirá de um exame das principais fontes primárias da Visão Federal, incluindo colóquios entre adeptos e críticos, bem como livros e artigos. É necessário destacar a impossibilidade de um exame exaustivo em toda a produção bibliográfica dos seus adeptos, uma vez que, através da Internet eles têm disseminado as suas visões em todo o mundo. Embora não tenham publicado tantos livros, seus artigos contabilizados e disponibilizados da rede mundial de computadores chegam às centenas. É importante notar que os
adeptos da Visão Federal frequentemente afirmam que há grande diversidade dentro do movimento. Por esta razão, serão analisadas as doutrinas nas quais há concordância geral entre todos os proponentes da Visão Federal, haja vista que doutrinas como a escatologia pós-milenista e a pedocomunhão não são abraçadas por unanimidade. O primeiro capítulo apresentará a história da Visão Federal. Tomar-se-á como ponto de partida a controvérsia sobre a doutrina da Justificação pela Fé Somente, que teve como personagem central Norman R. Shepherd, antigo professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary. Neste capítulo será feito um tipo de recorte na história. De modo intencional não será levantada a possível influência que Klaas Schilder, outro renomado teólogo exerceu sobre a Visão Federal. A razão para isso está na relação direta existente entre Norman Shepherd e a denominação presbiteriana. Schilder está mais diretamente relacionado com denominações reformadas holandesas e canadenses. Os capítulos seguintes abordarão, respectivamente: 1. O panorâmica histórico da Visão Federal (Cap. 1); 2. O conceito de Pacto da Visão Federal (Cap. 2); 3. A doutrina da justificação pela fé (Cap. 3); e 4. As doutrinas da segurança de salvação, perseverança dos santos e apostasia (Cap. 4); Conclusão.
[1] É possível ter acesso aos posicionamentos destas denominações presbiterianas a respeito da Visão Federal nos seguintes links, respectivamente: ,
/Final_Federal.Vision.Report%5B1%5D.pdf>, e . Além dessas denominações, o Mid-America Seminary, em Dyer, Indiana, também se posicionou oficialmente contra a Visão Federal: . [2] Cf. LEMOS, Marcelo. Visão Federal – O que tem de bom?. Disponível em: . Acesso em: 24 novembro 2015.
[*] Imagem da capa: Templo da Auburn Avenue Presbyterian Church, situada na cidade de Monroe, estado da Louisiana, considerada como um importante centro nervoso desse movimento, além de organizar e sediar, anualmente, uma conferência teológica para pastores, na qual as doutrinas características da Visão Federal têm sido defendidas e propagadas. Esta conferência ficou conhecida como a Auburn Avenue Presbyterian Church Pastors Conference.
CAPÍTULO 1
PANORAMA HISTÓRICO VISÃO FEDERAL
DA
A Controvérsia sobre Norman Shepherd
N
ão há como falar acerca da Visão Federal sem falar primeiramente de Norman Shepherd, professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia, de 1961 a 1982. Sob muitos aspectos o nome de Norman Shepherd é basilar para o desenvolvimento da Visão Federal. Tanto é assim que, de acordo com Calvin E. Beisner, o movimento também é conhecido como “Shepherdismo”, dada a influência e o papel seminal do ex-professor do Westminster sobre os visionistas federais. [3] Tal influência pode ser perfeitamente aferida a partir dos endossos dos escritos de Shepherd feitos por alguns proponentes da Visão Federal, tais como Peter J. Leithart, Mark Horne e Rich Lusk. Leithart chegou a dizer que o artigo intitulado “The Covenantal Context of Evangelism”, em que Shepherd argumenta que a eleição deve ser vista da perspectiva do pacto, não o contrário, é “extremamente útil”. [4] Mark Horne, numa apreciação do livro The Call of Grace, escrito por Shepherd em 2000, afirma que, trata-se de “um excelente manual para
colocar nas mãos de leigos, a fim de ensiná-los a descansar na graça de Deus, enquanto levam a sério o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. É o único livro escrito em nível popular que explica a teologia do pacto”. [5] Já Rich Lusk, tratando da relação entre pacto e eleição, recomenda o mesmo livro de Shepherd, como a melhor exposição sobre o assunto. [6] Ele afirma ainda que Norman Shepherd “procurou reformular algumas doutrinas reformadas, não para alterar sua substância, mas para abordar mais plenamente a perspectiva pactual da Bíblia”.[7] Além disso, basicamente todos os pontos advogados pela Visão Federal podem ser encontrados, originariamente, nos escritos de Shepherd. Norman Shepherd foi a principal figura na controvérsia a respeito da doutrina da Justificação pela Fé Somente, que se instalou no Westminster Theological Seminary, na década de 1970 e início de 1980. No outono de 1974 Shepherd apresentou à faculdade do seminário um relatório dos seus estudos sabáticos sobre a doutrina da justificação. Nesse relatório ele afirmava a necessidade de uma doutrina da justificação mais consistente e distintivamente reformada. W. Robert Godfrey afirma que Shepherd “acreditava que a teologia reformada precisava se distanciar de um entendimento luterano acerca da justificação. Uma verdadeira doutrina reformada deveria incorporar mais completamente tanto o ensino de Tiago quanto a revelação bíblica de um julgamento final de acordo com as obras”. [8] Ainda de acordo com Godfrey, o relatório destacava duas chaves importantes para a formulação de uma doutrina da justificação distintivamente reformada, a saber, “reconhecer, primeiro, que a justificação era tanto definitiva quanto progressiva, e, segundo, que existem dois instrumentos da justificação: fé e obras”. [9]
Todavia, a controvérsia só surgiu de maneira efetiva no ano seguinte. O. Palmer Robertson registra que, em 1975 foi relatado que alguns alunos de Shepherd, quando examinados pelos concílios de várias igrejas, foram encontrados sustentando uma posição, que ensinava que a justificação era pela fé e pelas obras. [10] O Presbitério de Ohio da Orthodox Presbyterian Church (doravante OPC) adiou a licenciatura de um candidato chamado David Cummings, “por causa das suas respostas insatisfatórias, no que diz respeito à relação entre as boas obras e a justificação”.[11] Inicialmente, foi dito que um professor não poderia ser responsabilizado pela forma como os seus alunos o compreenderam. Não obstante, posteriormente ficou claro que no programa de aulas de 1974, Shepherd ensinava que “justificação pressupõe fé. A fé não é o fundamento da justificação. Fé é o instrumento da justificação. A justificação pressupõe boas obras. As boas obras não são o fundamento da justificação. As boas obras são o instrumento da justificação”.[12] Claro está que Shepherd desejava evitar a ideia de que as obras são o fundamento ou a causa da justificação. Apesar disso, explicitamente ele colocou as boas obras lado a lado com a fé, como o instrumento da justificação. Em 14 de abril de 1975, durante uma reunião informal, ele questionou a doutrina da justificação pela fé como “um indexador da ortodoxia, visto que, como ele argumentou, o que pode ser dito da fé pode ser dito também das boas obras; nenhuma pode ser o fundamento da ustificação, mas ambas podem ser o instrumento”. [13] O Conselho de Curadores do seminário entendeu que os ensinamentos de Norman Shepherd eram diametralmente opostos às afirmações dos Padrões de Westminster. A Confissão de Fé de Westminster afirma ser a fé “o único instrumento da justificação” (XI.2), além dela, o Breve Catecismo de
Westminster afirma que a justiça de Cristo imputada ao eleito é rece bida “só pela fé” (Pergunta 33), e o Catecismo Maior de Westminster[14] , na resposta à pergunta 70, afirma que a perfeita obediência e a plena satisfação de Cristo são recebidas pelos eleitos “só pela fé”. Em maio de 1976 foi exigido que Shepherd apresentasse um tra balho explicando as suas afirmações afirmações a respeito da relação entre a justificação e as obras. Assim, no dia 1º de outubro do mesmo ano, ele apresentou um artigo de 53 páginas intitulado The Relation of Good Works to Justification in the Westminster Standards, que foi amplamente discutido na faculdade durante os oito meses seguintes. Nesse artigo, o professor Shepherd defendeu algumas premissas que podem aqui ser destacadas: 1) A fé não é o único instrumento necessário para a justificação. Ações concretas de arrependimento também são necessárias como instrumentos da justificação. Shepherd diz, após afirmar que o perdão é constitutivo da justificação: “Se o perdão é constitutivo para a justificação e arrependimento é indispensável para o perdão, segue que o arrependimento é indispensável para a justificação”. [15] 2) Não apenas a fé e o arrependimento, mas também boas obras e o devido uso dos meios de graça são imprescindíveis para que a justificação seja realizada. Numa leitura errada das afirmações dos padrões de Westminster sobre a fé, Shepherd afirma: “Pelo contrário, os Padrões sugerem que mesmo a fé em si, em sua identidade específica deve ser vista como uma boa obra. Como vimos, ela é definida como um ato, mais especificamente como uma série de atos”.[16] Um pouco antes, ele disse: “O que é necessário para essa justificação não é a fé somente, mas fé e arrependimento. Mas os catecismos dizem mais. Também é requerido o uso diligente dos meios exteriores de graça”. [17] Palmer Robertson esclarece que, num artigo subsequente, Shepherd tentou
explicar esta última afirmação sobre o uso dos meios de graça, afirmando que a referência feita por ele foi em relação à justificação do último dia.[18] 3) Boas obras são imprescindíveis, para que o crente permaneça desfrutando da condição de “justificado”. A justificação não é uma declaração definitiva da parte de Deus. Trata-se de um estado mutável, de maneira que para poder permanecer justificado o indivíduo precisa realizar boas obras. Comentando o capítulo XV da CFW, ele argumenta que o caput do capítulo não fala de arrependimento de modo vago, mas é bem específico na forma como o nomeia: “Do Arrependimento para a Vida”. A respeito do parágrafo 3, Shepherd diz o seguinte: A Confissão está afirmando que o mesmo arrependimento que é necessário para entrar na esfera da bênção e privilégio do pacto também é necessário para manter a condição de alguém como membro da aliança da graça. Como tal, ele corresponde à fé que é necessária não apenas para entrar no estado de justificação, mas para a permanência de alguém naquele estado.[19]
Logo após a publicação, esse trabalho foi discutido pela diretoria da Faculdade durante dezoito meses, visando definir se as afirmações de Shepherd se configuravam como sérios erros doutrinários ou se tudo se tratava apenas de modos de expressão que levavam a uma má compreensão, visto a ambiguidade em suas afirmações. No final, a decisão foi que, “certas afirmações do Sr. Shepherd a respeito da justificação requerem posterior consideração e modificação, a fim de evitar obscurecer o ensinamento das Escrituras e dos Padrões de Westminster”.[20] Ainda que não classificando as posições de Shepherd como sérios erros teológicos, a Faculdade exigiu que suas afirmações fossem modificadas. Todavia, no ano seguinte, num relatório datado de 25 de
abril, essa decisão foi revista e suplantada pelo entendimento de que, ainda que as posições de Norman Shepherd criassem um mal-entendido, suas formulações a respeito da doutrina da justificação pela fé se encontravam dentro dos limites dos Padrões de Westminster. No mesmo ano, em 18 de novembro, Shepherd submeteu ao Pres bitério da Filadélfia da da Orthodox Presbyterian Presbyterian Church, um documento intitulado Thirty-Four Theses on Justification in Relation to Faith, Repentance, and Good Works. Essas teses foram preparadas no contexto das discussões travadas no Westminster Theological Seminary. De acordo com Ralph Boersema, o propósito da sua apresentação era a “apreciação quanto à solidez bíblica e confessional e se as opiniões nelas expressas poderiam ser legitimamente sustentadas na igreja”. [21] Pelo que consta, as teses mais controvertidas foram as seguintes: 20. A afirmação paulina em Romanos 2.13, “os que praticam a lei hão de ser justificados” não deve ser entendida hipoteticamente, no sentido de que há pessoas que se enquadram nessa categoria, mas no sentido de que os fiéis discípulos do Senhor Jesus Cristo serão justificados (Compare Lucas 8.21; Tiago 1.22-25). 21. O fundamento exclusivo da justificação do crente no estado de justificação é a justiça de Jesus Cristo, mas sua obediência, que é simplesmente a perseverança dos santos no caminho da verdade e da justiça, é necessária para a continuidade continuidade num estado de justificação (Hebreus 3.6,14). 22. A justiça de Cristo permanece para sempre como o fundamento exclusivo da justificação do crente, mas a piedade pessoal do crente tam bém é necessária para a sua justificação no julgamento do último dia (Mateus 7.21-23; 25.31-46; Hebreus 12.14). 23. Porque a fé que não é fé obediente é fé morta, e porque o arrependimento é necessário para o perdão do pecado incluído na justificação, e porque permanecer em Cristo, guardando os seus mandamentos (João
15.5,10; 1João 3.13,24) são todas as medidas necessárias para a continuidade do estado de justificação, boas obras, obras feitas a partir da verdadeira fé, de acordo com a lei de Deus, e para sua glória, sendo a nova obediência operada pelo Espírito Santo na vida do crente unido a Cristo, embora não seja o fundamento da sua justificação, são, no entanto, necessárias para a salvação da condenação eterna e, portanto, para a justificação (Romanos 6.16,22; Gálatas 6.7-9).[22]
É bem verdade que Shepherd afirma explicitamente que a justiça de Jesus Cristo é o único fundamento ou, nas suas próprias palavras, “o fundamento exclusivo” da justificação do crente. Boersema, numa defesa das teses de Shepherd, afirma: “Dadas as suas afirmações, citadas acima, que o fundamento exclusivo para a justificação é a justiça de Cristo e que a justificação é pela fé somente, não há base para falar de legalismo em Shepherd e subversão do evangelho não pode ser encontrada nessas teses”. [23] Não obstante, diversas vezes Shepherd fala sobre continuidade no estado de justificação e coloca tal continuidade em relação de dependência com o que chama de “fé obediente”, ou seja, a prática de boas obras e o exercício do arrependimento e da fé. Assim, ainda que afirme que a justificação se dá pela imputação da ustiça de Cristo, Shepherd também afirma a indispensabilidade das obras para que o crente se mantenha justificado. Com tal construção ele dá a entender a possibilidade da perda da justificação. Esse tam bém é o entendimento de Robertson acerca das teses em questão: “Seu uso ambíguo da frase ‘obediência da fé’ serve como um meio de comunicar a ideia de que a justificação é pelos atos obedientes feitos em fé bem como pela fé, que, inevitavelmente, tem expressão na obediência a Deus”.[24] Interessantemente, o Presbitério da Filadélfia se viu incapaz de tomar qualquer decisão acerca das teses apresentadas pelo Dr. Nor-
man Shepherd. Num primeiro momento, em 1980, uma comissão especial nomeada pelo presbitério apresentou um relatório no qual as teses foram achadas em conformidade com as Escrituras e com os Padrões de Westminster. Todavia, por um voto a moção em apoio ao relatório não foi aprovada. Logo em seguida, outra moção foi apresentada, segundo a qual as teses estavam em desacordo com as Escrituras e os Padrões. Esta moção também foi rejeitada, dessa vez por uma ampla maioria dos votos. De acordo com Robertson, “após um ano de deliberação, o presbitério estava dividido. Ele não conseguia decidir se essas formulações estavam de acordo com a Escritura e a Confissão”. [25]
O que pode ser aferido a partir de uma comparação entre as teses apresentadas ao Presbitério da Filadélfia e o artigo de 1976, é que Shepherd não alterou, em nada, seu pensamento acerca da necessidade de boas obras para a justificação. O resultado do impasse em que se encontrou o presbitério pode ser visto na maneira como Robertson se pronuncia: Em todo caso, uma situação muito ambígua prevaleceu. As formulações distintas do Sr. Shepherd não foram nem condenadas nem aprovadas pelo seu presbitério. Como consequência, um homem, cujas formulações sobre a doutrina crucial da justificação não encontraram a aprovação do seu próprio presbitério, continuava a preparar homens para o ministério evangélico.[26]
Uniformidade de perspectiva também não foi obtida por uma conferência organizada no ano de 1978, a Downingtown Fall Conference, que tinha o objetivo de chegar a uma posição definida a respeito do pensamento de Shepherd. Para essa conferência foram convidados: o próprio Norman Shepherd, o Presidente do Westminster Theo-
logical Seminary, Edmund Clowney, o Deão Robert G. Strimple, W. Robert Godfrey, Richard B. Gaffin Jr., Meredith G. Kline e O. Palmer Robertson, posteriormente substituído por Leslie W. Sloat. Incialmente a discussão giraria em torno das 34 teses apresentadas ao Presbitério da Filadélfia. Após várias horas, “um senso de progresso no entendimento parecia prevalecer. Mas, então, a discussão tomou um rumo inesperado. Em resposta a uma observação do Sr. Godfrey, o Sr. Shepherd afirmou que acreditava na possibilidade de uma pessoa perder a sua justificação”.[27] A partir daí, a conferência falhou em atingir o seu objetivo inicial. No ano seguinte, mais especificamente em maio de 1979, dez membros do Conselho de Curadores do seminário assinou um documento afirmando que ainda não havia sido demonstrado que as formulações de Shepherd a respeito da doutrina da justificação estavam em conformidade com as Escrituras e com os Padrões de Westminster. Em resposta, o presidente do seminário, Edmund Clowney recomendou a criação de uma comissão especial, que deveria preparar um estudo e uma declaração de fé a respeito da justificação pela fé. A comissão teria em mãos todos os documentos a respeito da doutrina da justificação, incluindo o texto publicado por Shepherd, em 1976. Nesse processo, a comissão se comprometeu de procurar o conselho de outros teólogos de fora do seminário. Dentre os componentes eleitos para a comissão estava o Dr. Richard B. Gaffin Jr., visto como aquele que defendia as formulações de Shepherd. [28] Mark W. Karlberg chega a dizer que, na verdade, Gaffin foi o “coautor, se não o pai, da nova teologia de Westminster. Shepherd, por sua vez, era e permanece sendo o homem de frente do movimento, o principal porta-voz”. porta-voz”. [29] Também foi apontado para compor a comissão, como oponente do ensino de
Shepherd, o Dr. O. Palmer Robertson. Também foram contatados teólogos reconhecidos, que deveriam enviar respostas a uma consulta feita pela comissão, dentro do prazo de quatro semanas. Destacam-se os nomes de: D. Martyn Lloyd-Jones, Roger Nicole, William Hendriksen, Fred Klooster, R. C. Sproul, Morton H. Smith, Iain Murray e G. I. Williamson. Em sua resposta, Lloyd Jones observou que, “o ensinamento do Sr. Shepherd é uma forma sutil de legalismo e, eventualmente, chega a ser ‘outro evangelho’”. [30] Hendriksen fez avaliação semelhante: “Como eu vejo, devemos escolher entre a visão de Shepherd e a de Paulo”. [31] Robertson destaca que respostas similares foram enviadas por R. C. Sproul, Morton Smith, Iain Murray e outros. Já Fred Klooster e G. I. Williamson afirmaram não encontrar nenhum erro doutrinário significativo. Para este, por exemplo, tudo se tratava apenas de um uso provocativo da linguagem.[32] No ano de 1980 a comissão continuava o seu trabalho produzindo afirmações e negações a respeito da doutrina da justificação pela fé e os ensinamentos de Shepherd. É digno de nota que ao longo do trabalho da comissão, em várias ocasiões, Shepherd não respondeu aos questionamentos levantados, limitando-se a dizer que não havia sido compreendido. Convém citar a Negação II.3, visto que ela contraria a afirmação de Shepherd, no sentido de que a fé que justifica é uma fé obediente: “Negamos que a fé justificadora possa ser definida corretamente, de maneira que, virtualmente, inclua em sua essência a nova obediência que a fé inevitavelmente produz”. [33] Ainda assim, no encerramento dos seus trabalhos, em maio de 1980, três membros do Conselho de Curadores que serviram nessa comissão especial apresentaram uma moção para encontrar uma causa justa para a demissão
de Norman Shepherd. Norman Shepherd foi demitido do Westminster Theological Seminary em novembro de 1981. Ele chegou a ser inocentado das acusações de heterodoxia em três ocasiões, após a conclusão dos trabalhos da comissão especial nomeada pelo Conselho do seminário. No dia 11 de novembro de 1981, o presidente Edmund Clowney, num artigo que era, na verdade, uma reavaliação das formulações doutrinárias de Shepherd, afirmou que, “suas visões diferem de nossos Padrões confessionais e parecem ameaçar posições doutrinárias importantes”. [34] Após esse novo posicionamento do presidente do seminário, o Conselho de Curadores determinou que, primeiramente, Shepherd fosse suspenso das suas atividades e, então, removido da sua posição de professor de Teologia Sistemática no seminário de Westminster, no dia 1º de janeiro de 1982. Sua demissão do Westminster Theological Seminary, no entanto, não pôs fim à controvérsia. Shepherd continuou divulgando suas formulações a respeito do papel do arrependimento, da fé e das boas obras na justificação. Além disso, em 1982 ele deixou a Orthodox Presbyterian Church e se filiou à Christian Reformed Church, onde serviu como pastor até 1998. De acordo com Mark Karlberg, essa mudança “ocasionou renovados esforços da sua parte para abordar temas polêmicos e questões divisivas de modo mais agressivo e confrontacional”. [35] No ano de 2000 Shepherd publicou uma obra já mencionada, The Call of Grace, que, de acordo com ele, é uma tentativa de responder aos seguintes questionamentos: “Como pregar graça sem sugerir que ela não faz diferença na forma como você vive? Em outras palavras, como pregar graça sem ser antinomiano? Por outro lado, como pregar
arrependimento sem pôr em xeque a questão da salvação pela graça à parte das obras? Como insistir em obediência sem ser legalista?”. [36] A resposta oferecida por Shepherd pode ser percebida na seguinte sentença: “Salvação é pela graça e através da fé. Estas são duas partes do pacto: graça e fé, promessa e obrigação. A graça não é sem condições, e uma viva e ativa fé não é uma realização meritória”. [37] A tese central dessa obra de Shepherd é que a tradição Reformada tem compreendido de maneira equivocada o relacionamento entre pacto e eleição. De acordo com Guy Waters, sua principal afirmação é que, “a tradição Reformada tende a ler o pacto através dos olhos da eleição. Em vez disso, é a eleição que deve ser lida através dos olhos do pacto”. [38] Tal afirmação, que será devidamente abordada posteriormente, proporciona a base para as afirmações a respeito da possibilidade de uma pessoa justificada perder a sua justificação. Em 9 de agosto de 2003, durante uma conferência teológica organizada pelo Southern California Center for Christian Studies, Shepherd “claramente rejeitou a doutrina reformada clássica da obediência ativa de Cristo”.[39] Suas palestras foram intituladas Contemporary Perspectives on Covenant Theology, e nelas ficou bastante “evidente que Shepherd estava demonstrando seu desvio de uma compreensão bíblica e histórica da fé reformada”.[40]
A Conferência na Auburn Avenue Presbyterian Church A relação entre Norman Shepherd e a Visão Federal pode ser percebida muito claramente quando se considera outra designação para o movimento: The Auburn Avenue Teology. Esta designação é tomada
a partir da Auburn Avenue Presbyterian Church, situada na cidade de Monroe, estado da Louisiana, considerada como “um importante centro nervoso desse movimento”. [41] Sua importância se concentra nos fatos de que esta igreja até então era federada à Presbyterian Church in America (PCA), e ela também tem oferecido amplo suporte à Visão Federal, indo desde a organização de uma editora que tem publicado o material do movimento [42] , passando pela manutenção de dois ministros cuja função específica é escrever seu material – Steve Wilkins e Rich Lusk –, até a elaboração de uma afirmação doutrinária em suporte das doutrinas do pacto, eleição e sacramentos, conforme defendidas pela Visão Federal. Além disso, a Auburn Avenue Presbyterian Church tem organizado e sediado, anualmente, uma conferência teológica para pastores, na qual as doutrinas características da Visão Federal têm sido defendidas e propagadas. Esta conferência ficou conhecida como a Auburn Avenue Presbyterian Church Pastors Conference. A primeira conferência foi realizada em janeiro do ano de 2002 e teve como tema The Federal Vision: An Examination of Reformed Covenantalism. A conferência foi organizada em forma de diálogo e contou como palestrantes Steve Wilkins, Steve Schlissel, Douglas Wilson e John Barach. É digno de nota que Norman Shepherd foi convidado para ser um dos palestrantes da primeira conferência, mas, em virtude da morte da esposa, foi substituído por John Barach. [43] Como indicado pelo tema geral, a ideia da conferência era oferecer uma análise da maneira como a comunidade reformada tinha compreendido o pacto ao longo da história. As palestras apresentadas foram: “The Legacy of Half-Way Covenant”, “Covenant and History”, “Covenant and Evangelism”, “Covenant and Election”, “Covenant Reading”, “Covenant Thinking”, “Covenant Hearing”, “The Curses of the New Covenant”,
“Heretics and the Covenant” e “Visible and Invisible Church Revisited”. Além das palestras, duas sessões de perguntas e respostas foram organizadas. Conquanto a conferência realizada em janeiro de 2002 não possa ser considerada como o surgimento oficial da Visão Federal, visto que existe grande discussão a este respeito, sendo que há quem atribua o seu surgimento à publicação de The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evagelism, de Norman Shepherd, publicado no ano 2000 [44] , e quem prefira uma data um pouco posterior, outubro de 2001, por meio de uma palestra feita por Steve Schlissel, no Redeemer College, em Ontário, Canadá [45] , pode-se dizer que, no mínimo, ela serviu para desencadear uma série de reações à Visão Federal. A primeira denominação presbiteriana a reagir à conferência foi a Reformed Presbyterian Church in the United States (RPCUS), que em unho do mesmo ano publicou um documento convocando os quatro palestrantes ao arrependimento. O documento possui o seguinte teor: “O Covenant Presbytery da RPCUS declara que o ensino apresentado na Conferência para Pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church, em 2002, envolve uma negação fundamental da essência do evangelho cristão na negação da justificação pela fé somente”. [46] A acusação de negação da essência do evangelho é fundamentada pelos seguintes pontos: 1. O ensino apresentado na conferência introduzia falsos princípios hermenêuticos, sacerdotalismo, e a redefinição das doutrinas da igreja, sacramentos, eleição, vocação eficaz, perseverança, regeneração, justificação, união com Cristo e a natureza e instrumentalidade da fé; 2. A rejeição da Bíblia como proposicional e a introdução de uma mentalidade judaica pós-exílio como esquema interpretativo; 3. A negação da distinção histórica entre igreja visível e igreja invisí-
vel; 4. Grande semelhança com a doutrina da regeneração batismal católico romana; 5. Redefinição da doutrina da união com Cristo; 6. Uso superficial e errôneo da linguagem teológica calvinista. [47] O documento encerra com a seguinte declaração: Portanto, resolvemos que tais ensinamentos são heréticos. Conclamamos esses homens ao arrependimento. Convocamos a igreja de Jesus Cristo a desprezar os ensinamentos deles. Apelamos aos tribunais das igrejas que são responsáveis por esses homens para que instituam processo judicial contra eles e reivindiquem a honra de Cristo e da verdade do evangelho cristão, trazendo julgamento sobre eles, suspendendo-os dos seus ofícios e removendo-os da comunhão da igreja caso não se arrependam. [48]
John M. Otis afirma ainda que, “a RPCUS enviou cartas a cada órgão com autoridade sobre estes homens, solicitando que esses órgãos os disciplinassem por ensino heterodoxo”. [49] O posicionamento da RPCUS suscitou várias respostas dos adeptos da Visão Federal que haviam palestrado na conferência. Douglas Wilson, por exemplo, há algum tempo vinha trabalhando num livro, e aproveitou para incorporar ao livro a sua defesa contra as acusações da RPCUS. [50] A partir de 2002 várias denominações, como a Presbyterian Church in America (PCA) e a Orthodox Presbyterian Church (OPC) se posicionaram a respeito da Visão Federal. Outro exemplo de como a conferência para pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church serviu como ponto de partida para a discussão a respeito da Visão Federal foi que, no ano seguinte, em 2003, o Knox Theological Seminary, em Fort Lauderdale, na Flórida, organizou um colóquio ente vários proponentes e vários adversários da Visão Federal. Tendo elucidado como a controvérsia irrompeu no meio presbite-
riano americano, é pertinente conhecer melhor os principais proponentes da corrente teológica em questão.
Os Principais Adeptos da Visão Federal São muitos os pastores e acadêmicos que advogam favoravelmente em relação aos distintivos teológicos da Visão Federal. Em 2007 onze ministros elaboraram, subscreveram e publicaram um documento intitulado A Joint Federal Vision Profession [51] , que nada mais é do que uma espécie de documento confessional. De acordo com o teólogo canadense Wes Bredenhof, “qualquer tratamento responsável da Visão Federal necessita levar em conta essa declaração”. [52] Os pontos afirmados nessa declaração de fé relacionados à Teologia do Pacto serão devidamente abordados posteriormente. Agora, faz-se necessário apresentar, ainda que brevemente, alguns dos seus onze signatários, sendo que alguns deles já são conhecidos dos cristãos reformados brasileiros, visto que livros de sua autoria começaram a ser traduzidos e publicados. Além da assinatura constante da declaração, os indivíduos inframencionados têm, em vários lugares, se identificado como defensores do entendimento pactual da Visão Federal. Ao longo da pesquisa outros nomes associados ao movimento serão mencionados e suas obras abordadas. Douglas Wilson
Douglas Wilson é pastor da Christ Church, uma igreja federada à Confederation of Reformed Evangelical Churches (CREC) [53] e localizada na cidade de Moscow, no estado Americano de Idaho. Wilson descreve a si mesmo como “adepto do pensamento pós-milenista, calvinista, presbiteriano, vantiliano, teonômico e reformado”. [54] Sua in-
fluência como adepto da Visão federal pode ser percebida através da revista teológica criada por ele, Credenda/Agenda, e também da sua própria editora, a Canon Press, que além dos livros de sua autoria pu blica as obras de outros visionistas federais. Além disso, ele também fundou, em 1994, o New Saint Andrews College, uma instituição de ensino teológico, da qual ainda é o diretor administrativo. De acordo com Guy Waters: “Suas impressionantes habilidades retóricas e sua sátira e humor característicos também ajudaram a atrair um público substancial dentro da comunidade reformada”. [55] Este, certamente, é também o adepto da Visão Federal mais conhecido dos brasileiros graças a vídeos publicados na Internet, nos quais ele participa de debates em defesa da fé cristã. Digno de menção foi o debate travado com o já falecido neoateu Christopher Hitchens, a respeito da bondade e da utilidade do Cristianismo para o mundo. [56] Este debate foi, posteriormente, publicado em português com o título O Cristianismo É Bom para o Mundo? Um Debate. [57] Outra publicação de Wilson na área de apologética é o livro Persuasões: Um Sonho da Razão Encontrando a Incredulidade [58] , no qual ele apresenta princípios da apologética pressuposicionalista através do diálogo entre um homem chamado Evangelista e várias pessoas que cruzam o seu caminho. Entretanto, é possível que o conhecimento que os cristãos reformados têm acerca de Douglas Wilson se deva à publicação em português de alguns dos seus livros sobre família e criação de filhos: Futuros Homens: Criando Meninos para Enfrentar Gigantes [59] e Reformando o Casamento: A Vida Conjugal conforme o Evangelho. [60] É importante salientar que, mesmo nestes livros sobre vida familiar os conceitos a respeito do Pacto, segundo a Visão Federal, estão presen-
tes.[61] Peter Leithart
Outro signatário da declaração de fé da Visão Federal é Peter J. Leithart. Ele é descrito por Guy Waters como “um dos proponentes da Visão federal mais intelectualmente precoces e amplamente lidos, tendo completado o seu doutorado como aluno de John Milbank, em Cambridge”.[62] Interessantemente, sua tese de doutorado versou so bre a teologia do batismo, justamente um dos pontos nevrálgicos da Visão Federal.[63] Leithart é um ministro filiado à Presbyterian Church in America (PCA), mas atualmente está servindo numa congregação pertencente à CREC. A 34ª Assembleia Geral da PCA, no ano 2007, aprovou um relatório sobre a Visão Federal, a Nova Perspectiva sobre Paulo e a Teologia da Auburn Avenue, juntamente com nove declarações e cinco recomendações.[64] Logo após a Assembleia Geral, Leithart escreveu suas respostas às nove declarações e solicitou que o seu presbitério, o Pacific Northwest, julgasse se suas formulações estavam de acordo com os padrões confessionais da PCA, no caso, os Padrões de Westminster. Interessantemente, o presbitério chegou à conclusão de que as opiniões teológicas de Leithart estavam em pleno acordo com os padrões confessionais da denominação. Após isso, alguns membros do presbitério, entraram com um recurso alegando erro do presbitério na decisão. Seguiu-se, a partir daí, uma batalha nos tribunais da PCA, sendo que, finalmente, a Comissão Judicial Permanente, instância máxima da denominação, decidiu por apoiar a decisão do presbitério, eximindo, assim, Leithart de todas as acusações. Há, evidentemente, uma contradição entre o relatório aprovado pela PCA, que condena os ensinamentos da Visão Federal, e as declarações dos seus tribunais
eclesiásticos, no sentido de que as opiniões teológicas de Peter Leithart, um proponente conhecido do movimento, estão em pleno acordo com os padrões confessionais da denominação. Dentre as suas principais obras escritas em defesa e promoção da Visão Federal estão: The Kingdom and the Power: Rediscovering the Centrality of the Church [65] , Against Christianity[66] e The Baptized Body.[67] Além desses livros, Leithart escreveu muitos artigos favoráveis à Visão Federal em outros livros e periódicos. . Steve Wilkins
Outro signatário do documento “A Joint Federal Vision Profession” e destacado proponente da Visão Federal é Steve Wilkins que, assim como Peter Leithart, é ministro da PCA, tendo sido ordenado em 1976. Desde o ano de 1989 serve como Pastor Senior da Auburn Avenue Presbyterian Church, em Monroe, Louisiana. Wilkins é o idealizador e o organizador da conferência anual para pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church. Sua contribuição para as discussões a respeito do movimento, além das palestras feitas nas sucessivas edições da conferência, gira em torno de ensaios para vários livros, sendo que ele é um dos editores de uma das principais fontes primárias so bre a teologia da Visão Federal, o livro The Federal Vision [68] , publicado em 2004, ainda no calor das controvérsias suscitadas pela primeira conferência realizada no ano de 2002. Rich Lusk
Rich Lusk serviu como ministro da PCA, na Redeemer Presbyterian Church, em Austin, Texas, e também como pastor assistente da Au burn Avenue Presbyterian Church, em Monroe, Louisiana, até o ano de 2004. Em 2005 ele assumiu o pastorado da Reformed Heritage
Presbyterian Church, na cidade de Birmingham, Alabama. Esta igreja também era federada à PCA, mas em outubro do mesmo ano a liderança da igreja votou por se desligar da PCA e se filiar à CREC, sendo que o nome da igreja local também foi alterado, passando a se chamar Trinity Presbyterian Church. A razão dessa ampla mudança foi o indeferimento da transferência de Rich Lusk para o Evangel Presbytery, por causa das suas opiniões teológicas que eram as professadas pela Visão Federal. Rich Lusk escreveu um livro intitulado Paedofaith: A Primer on the Mystery of Infant Salvation and a Handbook for Covenant Parents,[69] no qual defende a ideia de que os filhos dos crentes são mem bros plenos da comunidade pactual, possuindo o direito de desfrutarem de todos os privilégios associados a esta membresia, como por exemplo, o acesso à mesa da comunhão, além da certeza de salvação concedida por meio do sacramento do batismo. Ele também é um dos autores da obra editada por Gregg Strawbridge, The Case for Covenant Communion. [70] Steve Schlissel
Desde o ano de 1979 Steve Schlissel é pastor da Messiah’s Congregation, em New York City, uma congregação anteriormente filiada à Christian Reformed Church (CRC), mas agora independente. De acordo com Guy Waters, “ele foi um dos palestrantes convidados tanto em 2002 quanto em 2003 na Auburn Avenue Presbyterian Church Pastor’s Conference e se tornou conhecido por sua extravagância retórica”.[71] Ele não aparece como um dos signatários da declaração de fé da Visão Federal. Bredenhof afirma que isso se deu “por várias razões”. Ao menos uma dessas razões pode ser elucidada. Steve Schlissel não é defensor da pedocomunhão [72] , ideia defendida por muitos
ligados à Visão Federal, e que é afirmada na declaração de fé do movimento. Ademais, logo na introdução ao documento há a seguinte asserção: “Por outro lado, existem muitas pessoas que deveriam ser consideradas como participantes plenos e amigáveis na ‘conversa’ sobre a Visão Federal, que não podem assinar esta declaração, muito embora elas queiram) por causa de uma ou duas questões: pedocomunhão e pós-milenismo”.[73] ames B. Jordan
James Jordan também não é signatário do documento supramencionado; não obstante, é um dos mais conhecidos partidários da teologia da Visão Federal. Foi ordenado ministro da Association of Reformation Churches (ARC), no ano de 1982 e serviu como pastor na Westminster Presbyterian Church, em Tyler, Texas, pelo período de cinco anos, ao final dos quais deixou o ministério pastoral, a fim de se dedicar com exclusividade à escrita e docência teológica.[74] Apesar disso, de não exercer atualmente nenhum ofício eclesiástico e de não ser um dos signatários do “documento confessional” da Visão Federal, Jordan exerce ampla influência por meio das suas palestras e escritos. Guy Waters sumariza o lugar ocupado por Jordan dentro do movimento da seguinte forma: A influência de Jordan se deu em grande parte através de mais de duas décadas de boletins, livros autopublicados e simpósios, através dos quais ele tem promovido tanto o cristianismo teonomista quanto suas engenhosas leituras bíblico-teológicas da Escritura. Em muitos aspectos, ele carrega uma grande parte da responsabilidade por gerar a massa crítica dentro do movimento teonomista que resultou na Visão Federal, um movimento com o qual ele se identificou.[75] Mark Horne
Mark Horne é outro ministro da PCA envolvido com a Visão Federal. Foi ordenado em 1999 e atualmente serve na Providence Reformed Presbyterian Church, em Saint Louis, Missouri. Ele também é um dos signatários da declaração de Fé do movimento, sendo também um dos seus mais destacados defensores. Mantém um website com inúmeros artigos e ensaios simpáticos à Visão Federal escritos tanto por ele como por outros visionistas. Horne é relativamente conhecido do público reformado brasileiro, uma vez que uma das suas obras já foi publicada em português. Trata-se do livro Por que Batizar Crianças? Explicação da Teologia e Prática das Igrejas Reformadas. [76] Dos advogados da Visão Federal é um dos que mais trabalha a teologia sacramental sendo, inclusive, um ardoroso defensor da prática da pedocomunhão. [77]
[3] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2006. p. vii. [4] LEITHART, Peter J. The Kingdom and the Power: Rediscovering the Centrality of the Church. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1993. p. 237. [5] HORNE, Mark. “Book Review: The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evangelism”. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2014. [6] LUSK, Rich. Covenant and Election FAQs. Version 6.4. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2014. [7] Ibid. [8] GODFREY, W. Robert. “Westminster, Justification, and the Reformed Confessions”. In: David VanDrunen (Ed.). The Pattern of Sound Doctrine: Systematic Theology at the Westminster Seminaries. Phillipsburg, NJ: P&R
Publishing, 2004. p. 137. [9] Ibid. [10] ROBERTSON, O. Palmer. The Current Justification Controversy. Unicoi, TN: Trinity Foundation, 2003. p. 14. [11] Reason and Specifications Supporting the Action of the Board of Trustees in Removing Professor Shepherd. Westminster Theological Seminary, 1982. p. 3. [12] Ibid. [13] CLARK, R. Scott. “How We Got Here: The Roots of the Current Controversy over Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry: essays by the Faculty of Westminster Seminary California. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007. p. 17. [14] Doravante os Padrões de Westminster serão referenciados, respectivamente, como CFW (Confissão de Fé de Westminster), BCW (Breve Catecismo de Westminster) e CMW (Catecismo Maior de Westminster). [15] SHEPHERD, Norman. The Relation of Good Works to Justification in the Westminster Standards. p. 13. [16] Ibid. p. 17. [17] Ibid. p. 15. [18] ROBERTSON, O. Palmer. The Current Justification Controversy. p. 21. [19] SHEPHERD, Norman. The Relation of Good Works to Justification in the Westminster Standards. p. 14. [20] ROBERTSON, O. Palmer. The Current Justification Controversy. p. 21. [21] BOERSEMA, Ralph F. Not of Works: Norman Shepherd and His Critics. Minneapolis, MN: NextStep Resources, 2012. p. 189. [22] SHEPHERD, Norman. Thirty-Four Theses on Justification in Relation to Faith, Repentance, and Good Works. Disponível em: . Acesso em: 18 junho 2014. [23] BOERSEMA, Ralph F. Not of Works: Norman Shepherd and His Critics. p. 21. [24] ROBERTSON, O. Palmer. The Current Justification Controversy. pp. 95-96. [25] Ibid. p. 35. [26] Ibid. p. 37. [27] Ibid. p. 39. [28] Ibid. p. 46.
[29] KARLBERG, Mark W. Federalism and the Westminster Tradition. Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, 2006. p. 40. [30] Apud ROBERTSON. The Current Justification Controversy. p. 48. [31] Ibid. p. 49. [32] Ibid. p. 50. [33] Ibid. p. 51. [34] Ibid. p. 67. [35] KARLBERG, Mark W. Federalism and the Westminster Tradition. p. 40. [36] SHEPHERD, Norman. The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evangelism. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2000. pp. 8-9. [37] Ibid. p. 63. [38] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 97. [39] GODFREY, W. Robert. “Westminster, Justification, and the Reformed Confessions”. In: David VanDrunen (Ed.). The Pattern of Sound Doctrine: Systematic Theology at the Westminster Seminaries. p. 139. [40] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. Corpus Christi, TX: Triumphant Publications, 2005. p. 9. [41] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 3. [42] A Athanasius Press: . [43] ROBBINS, John W. A Companion to the Current Justification Controversy. Unicoi, TN: Trinity Foundation, 2003. p. 58. [44] David J. Engelsma é partidário dessa opinião: “A publicação de The Call of Grace foi o nascimento da visão federal. O resultado desse livro tem sido uma série de escritos em livros e periódicos, colóquios de alto nível, conferências, decisões oficiais de igrejas sobre casos concretos, relatórios de comissões de estudo e, pelo que é relatado, discussões sem fim na internet”. Cf. ENGELSMA, David. Federal Vision: Heresy at the Root. Jenison, MI: Reformed Free Publishing Association, 2012. p. 18. [45] Waters afirma o seguinte: “Enquanto alguém possa traçar os rumores acerca das preocupações da objetividade sacramental, que seriam incorporadas à Visão Federal no início dos anos 80 e meados dos anos 90, a Visão Federal, pode ser propriamente dito, teve o seu início do final de 2001. Em outubro de 2001, Steve Schlissel fez um discurso controverso no Redeemer College (Ancaster, Ontário),
‘Mais do que Antes: A Necessidade de Consciência Pactual’ [...] Nesse discurso Schlissel argumentou em favor de duas coisas que caracterizariam seus discursos posteriores e seriam igualadas a outras peças da Visão Federal. Primeiro, Schlissel acusou a tradição reformada de sucumbir ao dispensacionalismo, e às teologias ‘fundamentalista’ e ‘batista’ [...] Segundo, Schlissel também argumentou que a tradição reformada sucumbiu a um problema hermenêutico”. Cf. WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 7. A respeito deste Segundo ponto, a acusação feita por Schlissel é que a tradição reformada tem enfatizado em demasia a sistematização doutrinária, a ponto de não conseguir mais ler as Escrituras da maneira como Deus intenta que elas sejam lidas. Uma das características da Visão Federal é exatamente o seu apego à história bíblica desassociada da sua sistematização. [46] Covenant Presbytery. “A Call to Repentance”. In: The Council of Chalcedon. Issue 1. Cummings, CA: Julho/Agosto, 2002. p. 13. [47] Ibid. [48] Ibid. [49] OTIS, John M. “Steve Wilkins’ Re-examination Reveals Unorthodoxy”. Disponível em: . Acesso em: 05 fevereiro 2015. [50] Douglas Wilson escreveu no prefácio do livro: “O projeto deste livro já estava em andamento quando tudo isso aconteceu e, assim, ele não pode ser entendido como uma plena resposta às acusações. Ao mesmo tempo, dada a natureza do assunto que este livro discute, o material aqui pode ser considerado como parte de uma provocação e alguma coisa de uma resposta. Em primeiro lugar, o tema básico deste livro é o que suscitou as acusações e em mais de umas poucas passagens eu escrevi com as acusações e mente”. Cf. WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. Moscow, ID: Canon Press, 2010. p. 9. [51] Disponível em . [52] BREDENHOF, Wes. Federal Vision: A Canadian Reformed Pastor’s Perspective. Grandville, MI: Reformed Fellowship Inc., 2014. p. 3. [53] De acordo com o Dr. R. Scott Clark, a Confederation of Reformed Evangelical Churches (CREC) é o lar e a base do movimento. Disponível em:
orthodoxy/>. Acesso em: 25 fevereiro 2015. [54] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 9. [55] Ibid. [56] Disponível em . [57] HITCHENS, Christopher e WILSON, Douglas. O Cristianismo É Bom para o Mundo? Um Debate. São Paulo: Garimpo Editorial, 2010, 78p. [58] WILSON, Douglas. Persuasões: Um Sonho da Razão Encontrando a Incredulidade. Brasília: Monergismo, 2009, 144p. [59] WILSON, Douglas. Futuros Homens: Criando Meninos para Enfrentar Gigantes. Recife: CLIRE, 2012, 210p. [60] WILSON, Douglas. Reformando o Casamento: A Vida Conjugal conforme o Evangelho. Recife: CLIRE, 2013, 154p. [61] Por exemplo, na dedicatória do livro Reformando Casamento à sua esposa, Nancy, Douglas Wilson usa a seguinte expressão em latim: “Foedus amorum est”, que significa “O amor é o pacto”, evidenciando, assim, o entendimento reducionista que a Visão Federal possui acerca do Pacto, como sendo nada mais que o relacionamento entre Deus e o cristão. Mais à frente este entendimento será devidamente explorado. [62] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 9. [63] LEITHART, Peter J. The Priesthood of the Plebs: A Theology of Baptism. Eugene, OR: Wipf & Stock, 2003, 336p. [64] Disponível aqui: . [65] LEITHART, Peter J. The Kingdom and the Power: Rediscovering the Centrality of the Church. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1993, 270p. [66] LEITHART, Peter J. Against Christianity. Moscow, ID: Canon Press, 2003, 162p. [67] LEITHART, Peter J. The Baptized Body. Moscow, ID: Canon Press, 2007, 146p. [68] WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. Monroe, LA: Athanasius Press, 2004, 304p. [69] LUSK, Rich. Paedofaith: A Primer on the Mystery of Infant Salvation and a Handbook for Covenant Parents. Monroe, LA: Athanasius Press, 2005, 174p. [70] STRAWBRIDGE, Gregg (Ed.). The Case for Covenant Communion. Monroe, LA: Athanasius Press, 2006, 210p. [71] WATERS, Guy Prentiss. Covenant Theology and Federal Vision. p. 9.
[72] Steve Schlissel travou um vigoroso debate sobre a pedocomunhão com outro defensor da Visão Federal, Tim Gallant. Schlissel se posicionou contrário à prática, enquanto Gallant a defendeu. O debate está disponível em < http://www.wordmp3.com/details.aspx?id=1027>. [73] A Joint Federal Vision Profession. p. 1. [74] Disponível em: . Acesso em: 27 fevereiro 2015. [75] WATERS, Guy Prentiss Covenant Theology and Federal Vision. p. 9. [76] HORNE, Mark. Por que Batizar Crianças? Explicação da Teologia e Prática das Igrejas Reformadas. Brasília: Monergismo, 2011, 64p. [77] Ele evidencia a sua simpatia pela pedocomunhão, ao afirmar o seguinte no apêndice à sua obra sobre pedobatismo: “Deus disse implicitamente, mas também disse explicitamente que quer comer e beber com nossos filhos, tanto quanto quer comer e beber conosco”. Cf. HORNE, Mark. Por que Batizar Crianças? Explicação da Teologia e Prática das Igrejas Reformadas. p. 55. O restante do apêndice é um arrazoado, a fim de demonstrar que a única exigência para se ter acesso à Ceia é o batismo.
CAPÍTULO 2
O CONCEITO DE PACTO SEGUNDO A VISÃO FEDERAL
Superestimação da Analogia de Pacto como “Relacionamento”
A
pós o levantamento histórico a respeito do surgimento e desenvolvimento da Visão Federal, é pertinente passar ao exame da “visão” em si, ou seja, do entendimento que os visionistas possuem a respeito do Pacto de Deus com o seu povo, bem como de doutrinas diretamente relacionadas, como, por exemplo, a justificação pela fé e a obediência ativa de Cristo. Ficará evidente que as doutrinas redefinidas não são, de maneira alguma, de natureza secundária, mas, sim, doutrinas capitais que discorrem sobre como o homem pode ser salvo. John M. Otis afirma que, “os erros da Visão Federal atacam a verdadeira natureza do evangelho”. [78] Assim, será estabelecido que os adeptos do movimento não estão dentro dos limites da ortodoxia confessional reformada. Como o principal rótulo do movimento deixa claro [79] , a teologia do pacto é o elemento distintivo da Visão Federal. David J. Engelsma afirma que este nome foi bem escolhido, pois a Visão Federal “é essen-
cialmente uma doutrina e prática correspondentes do pacto”. [80] De modo um tanto reducionista, concentrando a sua atenção apenas ao modo como o movimento discute a posição dos filhos dos crentes dentro da aliança, Engelsma diz que “a Visão Federal, em sua raiz, é uma doutrina do pacto que sustenta que Deus estabelece seu pacto igualmente com todos os filhos físicos e batizados de pais crentes, unindoos todos a Cristo, da mesma maneira graciosa e espiritual, de acordo com sua graciosa promessa pactual a todos indistintamente”. [81] Todas as demais doutrinas, tanto negadas quanto redefinidas pela Visão Federal são como que elementos consequentes do seu entendimento pactual. Por exemplo, como será observado posteriormente, a negação do Pacto das Obras redunda numa redefinição da doutrina da justificação e numa negação da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo. Como ficou demonstrado no capítulo anterior, a Visão Federal teve a sua origem e alcançou um relativo desenvolvimento dentro de denominações reformadas. Isto posto, é compreensível a ênfase dada à teologia do pacto, uma vez que, no dizer de Michael S. Horton, “teologia reformada é sinônima de teologia do pacto”. [82] Não significa, porém, que ela é a doutrina distintiva ou central da teologia reformada. Isso porque a teologia do pacto é apenas mais uma doutrina dentro da teologia dogmática reformada, mesmo que se entenda que se trata de uma doutrina que possui conexões com outras doutrinas. Como o próprio Horton pontua, a teologia do pacto funciona como uma espécie de “estrutura arquitetônica”, que sustenta e liga todo o sistema doutrinário reformado. Discutindo acerca do que une todos os temas abordados pela teologia reformada, ele diz: Assim sendo, o que une todos esses temas? O que os junta não é em si um dogma central, mas uma estrutura arquitetônica, uma matriz de vi-
gas mestras e pilares que juntos sustentam a estrutura da fé e da prática bíblica. Essa estrutura arquitetônica particular, à qual cremos que as próprias Escrituras fornecem, é o pacto. Não é simplesmente o conceito de pacto, mas a existência concreta dos tratamentos pactuais de Deus na história que provê o contexto dentro do qual reconhecemos a unidade da Escritura em meio à sua notável variedade.[83]
Como estrutura arquitetônica da fé e prática bíblica o pacto, obviamente, desempenha uma função precípua em relação a todos os dogmas professados pela teologia reformada. Não surpreende, portanto, que a Visão Federal dedique muito do seu arrazoado ao pacto e que as demais afirmações visionistas sejam nada mais nada menos do que consequências lógicas do seu entendimento pactual. A Visão Federal, ao tratar do pacto, inicia com uma definição reducionista, modificando a essência do que é o pacto de Deus com o homem, que é definido meramente em termos relacionais, de maneira que, à figura do matrimônio é atribuída grande importância. À medida que as definições de pacto fornecidas pelos visionistas forem apresentadas, tornar-se-á evidente o diagnóstico do Dr. Richard D. Phillips, a respeito do atual esvaziamento do significado do pacto. Ele alerta para o mau uso e para a superexposição do termo: Há uma linha tênue entre o uso e o uso excessivo de uma palavra. O mesmo acontece com as figuras públicas. Quando alguém recebe exposição ficamos animados com ele, mas quando ele é superexposto, então, ficamos embaraçados com ele. Em minha opinião, a palavra pacto cruzou essa linha nos círculos cristãos. Como tal, muitas vezes a ouvimos aplicada de formas duvidosas. Passamos de povo do pacto e filhos do pacto a escolas do pacto e empresas do pacto [...] Hoje, se você deseja expressar um zelo por ser distintamente cristão, e especialmente se você é de tendência reformada, é muito provável que aplique a palavra pacto à sua atividade, grupo ou produto. Nesse processo, a palavra começou a per-
der a sua definição e assumir pouco mais que uma vaga auréola. [84]
Phillips salienta ainda que o problema é mais grave que a simples superexposição da palavra. A maior dificuldade, segundo ele, é que o mau uso da palavra tem auxiliado no surgimento de novas definições que estão sendo apresentadas. Essas novas definições são oriundas de uma nova teologia: “Há uma confusão crescente a respeito do que os pactos são e de como eles moldam o nosso relacionamento com Deus. Acredito que o resultado é a propagação de um evangelho novo e diferente daquele ensinado nas grandes confissões reformadas e na Bí blia”.[85] Com esta advertência em mente, o que é o pacto, de acordo com os proponentes da Visão Federal? Primeiramente, o pacto é tratado em termos arquetípicos, isto é, ele é definido em termos de um relacionamento eterno entre as Pessoas da Divindade. Ralph Allan Smith, um visionista federal ainda não mencionado, é quem mais tem se dedicado a pensar sobre como a Trindade deve estruturar a teologia do pacto. Segundo ele, a Trindade deve ser pensada em termos essencialmente pactuais. Numa obra pu blicada em 2002, Smith interage com os pensamentos de Cornelius Planting Jr., Cornelius Van Til e Abraham Kuyper a respeito da Trindade, estabelecendo uma análise comparativa entre os três e chegando à conclusão de que o pensamento kuyperiano é o que melhor descreve a doutrina da Trindade, visto que faz jus ao relacionamento pactual existente dentro da Divindade. Smith assevera que na discussão a respeito do Ser de Deus a teologia reformada tem capitulado diante do aristotelismo e das definições medievais de “substância” e “essência”. O resultado disso, de acordo com Smith, é que “a teologia reformada tradicional parece pressupor algo muito próximo à própria noção à qual Van Til se opôs: a ideia de que a essência de Deus é um substrato
pessoal”.[86] Apesar da menção a Van Til como alguém que se opôs à noção tradicional da essência divina, Smith argumenta que falta na teologia de Van Til o entendimento da Trindade como comunidade pactual: “O elo perdido na abordagem de Van Til é a doutrina reformada de que as pessoas da Trindade estão eternamente unidas por um laço de amor pactual”. [87] A solução para isso, então, é apresentada pelo pensamento de Kuyper, que considerava o pacto entre as pessoas da Trindade uma importante doutrina para um correto entendimento do Ser divino, conforme citação feita pelo próprio Smith: Só se pode escapar deste perigo [triteísmo], quando a economia divina das três Pessoas é apresentada natura sua[88] , como uma relação pactual... Então, nós confessamos que a personalidade da essência divina consiste de uma distinção tripessoal, que tem na relação pactual sua unidade e um laço inseparável. De acordo com esta concepção, o próprio Deus está não apenas em cada pacto, mas ele é a própria ideia de pacto, sendo deste o fundamento vivo e eterno. E a unidade essencial [da divindade] tem na relação pactual sua expressão consciente. [89]
A importância do entendimento de Kuyper, para Smith, é evidente. Ele afirma que “sem a doutrina do pacto entre as Pessoas da Trindade, a tendência à abstração domina o pensamento sobre Deus, e também não pode ser encontrada uma ligação real entre Deus como ele é em si mesmo e Deus como ele se relaciona com o homem”. [90] Isto posto, a essência divina, conclui Smith, deve ser pensada em termos estritamente pactuais/relacionais: Se as palavras usadas na Bíblia para descrever os atributos de Deus são termos pactuais e se levarmos em consideração a revelação de Deus so bre si mesmo na economia como uma verdadeira revelação de quem ele é, então, podemos inferir, a partir desta linguagem pactual, que existe uma relação pactual entre as Pessoas da Trindade que é, em última análi-
se, um relacionamento pactual eterno, no qual palavras como amor, lealdade pactual e justiça têm o seu significado. [91]
Todos os atributos mencionados são definidos em termos estritamente relacionais, não ontológicos. A fidelidade, por exemplo, é definida como “o total compromisso de todas as pessoas da Trindade ao relacionamento pactual entre elas, o absoluto compromisso de cada uma com as outras”. [92] A justiça, por sua vez, significa que “cada uma das pessoas da Trindade é totalmente dedicada a preservar as propriedades das outras. Elas nunca transgridem os limites da sua personalidade. Antes, agem para protegê-la ao bendizerem e glorificarem umas às outras”.[93] Fica evidente que ao falar sobre um relacionamento pactual intratrinitário Smith não tem em mente o que na teologia reformada é comumente conhecido como Pactum Salutis ou Pacto da Redenção, que é o acordo mútuo estabelecido entre o Pai e o Filho, que envolve estipulações e promessas do Pai ao Filho, e que “diz respeito mais especificamente à preparação do Redentor para executar a obra da redenção”.[94] Antes, o pacto intratrinitário constitui a própria essência do Ser divino. Além disso, o pacto aludido pelos visionistas federais envolve não apenas o Pai e o Filho, mas também o Espírito Santo. Steve Wilkins, por exemplo, deixa isso bem claro: “O pacto ao qual somos trazidos é o mesmo pacto que sempre existiu dentro da Divindade desde a eternidade”.[95] Obviamente, não se trata do mesmo pactum salutis. A partir daí e entendendo que o relacionamento pactual eterno entre as Pessoas da Trindade é “o pacto original do qual todos os outros pactos são originados” [96] , qual é, então, a definição de pacto apresentada por Ralph Smith? Eis a sua definição oferecida alhures:
“O pacto trinitariano não é um simples acordo entre três Pessoas. Pacto significa relacionamento, e a essência do relacionamento pactual é o amor”. [97] Ele cita com aprovação uma definição dada por outro visionista federal, o já mencionado James Jordan: “O pacto é um vínculo pessoal-estrutural que une as três Pessoas de Deus numa comunidade de vida, e no qual o homem foi criado para participar”. [98] Em sua palestra na Conferência de Pastores da Igreja Presbiteriana da Auburn Avenue, intitulada Covenant and History (Pacto e História), John Barach apresentou a seguinte definição de pacto: “Pacto não é uma coisa. O pacto não é uma coisa que você pode analisar – o pacto é um relacionamento. É uma relação pessoal, ordenada e formalmente vinculativa. É pessoal, não é uma relação legal. Algumas vezes as pessoas apresentam o pacto como se fosse algo frio e impessoal, como um contrato de negócios”. [99] Steve Schlissel, num artigo escrito em 2001, depois de afirmar que o pacto é básico para se poder compreender toda a realidade criada, define o pacto puramente em termos de relacionamento: “É muito importante que entendamos o que o pacto é e eu direi em palavras muito simples o que o pacto é. Pacto é relacionamento. É isto o que o pacto é. Relacionamento. Agora, quando falamos de pacto, de modo especial, estamos falando dele como um relacionamento definido”. [100] Basicamente o mesmo é dito em outro artigo: “Para nos ajudar ainda mais a compreender a verdade bíblica do pacto pensemos nele como uma ‘relação definida’. Relacionamento realmente está no cerne da ideia, mas um pacto, um relacionamento, sempre é, de algum modo, definido”. [101] Tal relacionamento foi definido na sua palestra proferida na conferência para pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church, em 2002, intitulada Covenant Thinking: “O pacto é o relacionamento que
Deus estabeleceu conosco, no qual os nossos pecados são perdoados”. [102] O que pode ser percebido nas definições aqui apresentadas, é que todas, unanimemente, resistem à ideia de definir o pacto em termos legais. Ele nada mais é do que um relacionamento amoroso. Na sua principal obra sobre a Visão Federal, Douglas Wilson apresenta uma definição de pacto que não é tão clara a respeito da sua natureza como relacionamento e, portanto, parece ortodoxa: “Pactos entre os homens são vínculos solenes, soberanamente administrados, com bênçãos e maldições que os acompanham”. [103] Não obstante, alhures Wilson é mais específico acerca do que vem a ser um pacto: Um pacto é um relacionamento entre pessoas. Esse relacionamento tem condições, estipulações e promessas. Dito de outra forma, não existe algo como um pacto abstrato ou sem pessoas. Dito ainda de outra maneira, um pacto não consiste numa lista de nomes, mas sim num relacionamento entre pessoas.[104]
É importante destacar ainda que, visando reforçar a definição de pacto em termos reducionistas de relacionamento, os adeptos da Visão Federal se apropriam da metáfora do casamento. O raciocínio apresentado é que, visto que o pacto é, essencialmente, um relacionamento entre duas partes, não um acordo de caráter legal, não há outra figura para falar de um relacionamento pactual além do relacionamento matrimonial. Isso pode ser percebido, ainda que de modo bastante sutil, no pensamento de Wilson, numa proposta de aplicação do conceito do evangelho ao casamento entre um homem e uma mulher: Podemos, portanto, ver como a base do casamento é pactual. O relacionamento de Deus conosco por meio de Cristo é pactual – é a Nova Aliança – e nosso casamento é uma figura dessa verdade. A base de uma vida matrimonial piedosa é a mesma de toda a vida piedosa – buscar a glória
de Deus em tudo que fazemos. Nosso Deus triúno fez e guarda alianças, e ele escolheu o casamento como um dos melhores instrumentos pelo qual homens caídos podem glorificá-lo. [105]
A mesma ênfase reducionista pode ser aferida a partir dos escritos de outros visionistas federais. Por exemplo, John Barach assim se expressa a respeito da natureza do pacto: “Quando a Bíblia fala sobre pacto, ela está falando em termos de um casamento, por exemplo. Você pode optar por ver seu casamento como um contrato legal, mas sua esposa não apreciaria isso. Esperançosamente, seu casamento é mais do que apenas um contrato legal”. [106] A Bíblia fala de pacto em termos de casamento. Não há qualquer espaço para outro entendimento a respeito da natureza do pacto. Um indivíduo pode escolher enxergar seu relacionamento matrimonial por um viés estritamente legal, mas, ainda assim, trata-se da perspectiva do indivíduo, não da natureza do pacto em si. Ralph Smith diz algo semelhante: “Para definir o pacto biblicamente, precisamos levar em conta o fato de que, de todos os pactos que aparecem na Bíblia, nenhum tipo é usado com mais frequência ou emoção mais profunda para descrever o relacionamento de Deus com o seu povo, do que o pacto do casamento”. [107] Para Smith, o pacto nada mais é do que relacionamento. Por esta razão, a essência do pacto é o amor. [108] Para fazer justiça a essa ideia é preciso que o pacto seja definido pura e simplesmente em termos de matrimônio: Para entender a natureza de um pacto, o exemplo bíblico mais útil e significativo é o relacionamento matrimonial. O matrimônio é um “acordo”, mas é um tipo muito especial de acordo. O casamento, ao contrário do acordo contratual, é celebrado com um voto. O voto de casamento expressa de forma bela o que o pacto é, uma promessa de amor e carinho mútuo até à morte. O voto expressa compromisso total, uma entrega
auto sacrificial em amor. Não existe cláusula de “escape” se uma parte decide que não está recebendo o que desejava do acordo. As palavras “até à morte” sugerem, na medida em que a vida está conectada a este mundo, que não existe tempo limite. Embora a aliança matrimonial possa ser quebrada e dissolvida, não é realmente acurado chamá-lo de pacto “condicional”, pois as promessas do voto matrimonial não se constituem em condições. O casamento humano, na melhor das hipóteses, é apenas uma imagem fraca do pacto de Deus. O amor pactual de Deus por seu povo reflete algo muito mais profundo e maravilhoso: o amor mútuo eterno e abnegado de cada uma das Pessoas da Trindade. [109]
Nitidamente, há uma relutância por parte dos advogados da Visão Federal em falar do pacto em termos de um acordo contratual de natureza forense. Em praticamente todas as tentativas de definição do pacto a natureza forense do pacto é subestimada em preferência do seu aspecto relacional que, verdade seja dita, também é afirmado pela teologia reformada clássica. É inegável que as Sagradas Escrituras falam da aliança entre Deus e o seu povo utilizando a metáfora de um relacionamento matrimonial. O próprio Deus se dirige ao povo pactual como o seu “marido” (Is 54.5). Ele se alegra do seu povo com a mesma alegria do noivo pela sua noiva: “Porque, como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposarão a ti; como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus” (Is 62.5). Nas suas famosas instruções pastorais a respeito dos papéis do esposo e da esposa, o apóstolo Paulo fundamenta toda a sua argumentação no relacionamento entre Jesus Cristo e a igreja. Assim, não se pode negar que o pacto possua em sua essência um aspecto relacional, e que o matrimônio seja uma figura apropriada para falar desse relacionamento. Todavia, a Visão Federal labora em erro ao se apegar a este aspecto em detrimento dos demais.
A Objetividade Pactual Diretamente ligada ao entendimento de pacto como consistindo substancialmente em relacionamento está outra doutrina da Visão Federal, que veio a ser conhecida como objetividade pactual, que discute o status do membro da comunidade pactual e como ele deve considerar a si mesmo independentemente de qualquer coisa. Esta doutrina preconiza a existência de um relacionamento pactual objetivo entre Deus e o indivíduo, independentemente do sentimento ou da percepção deste acerca do relacionamento. Waters afirma que o questionamento gira em torno de “como qualquer membro do pacto da graça, em qualquer momento, pode considerar a si mesmo e sua posição diante de Deus; e como membros do pacto da graça devem ser definidos e considerados no ensino público da igreja”. [110] De acordo com a objetividade pactual, o membro da igreja é eleito pactualmente, ainda que não seja eleito decretivamente. Também é extremamente importante levar em consideração a observação feita por Waters a respeito do lugar que esta doutrina ocupa na teologia da Visão Federal. Ele chama a atenção para o fato de que, em muitos aspectos, a doutrina da objetividade pactual aparece na superfície do entendimento da Visão Federal acerca da perseverança dos santos, apostasia e sacramentos. [111] Trata-se de uma doutrina capital para a Visão Federal. Douglas Wilson apresenta o conceito da objetividade pactual ao definir o termo “cristão”, destacando que mesmo aquele que não foi regenerado pelo Espírito Santo, mas que é membro comungante de uma igreja local, pode ser considerado como um genuíno cristão. Ele diz: “Um cristão, num sentido, é alguém que foi batizado no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo por um representante autorizado da
igreja cristã”.[112] Alguém nesta situação necessita se tornar cristão em outro sentido: recebendo a nova vida em Cristo, através da operação soberana do Espírito Santo. Independentemente disso, dada a sua membresia na igreja, esse alguém pode ser, sim, considerado como cristão. Wilson apresenta a seguinte ilustração, a fim de explicar o seu argumento: Entretanto, isto é comparável a um homem que já era casado há dez, mas era, regularmente, infiel, mas que, finalmente, teve uma mudança verdadeira em seu coração. Após dez anos, ele pode dizer, bem como sua esposa, que no dia em que se arrependeu ele, finalmente, tornou-se um esposo. E ele realmente se tornou – finalmente ele sabia o que isso significava. Mas nós precisamos lembrar que, pactualmente, ele era um esposo o tempo todo, e possuía todas as obrigações do casamento. [113]
De acordo com Wilson, “a membresia na fé cristã é objetiva”. [114] Em sua palestra na AAPCPC, no ano de 2002, Steve Wilkins argumentou contra a declaração confessional de que o pacto da graça foi estabelecido por Deus, em Cristo, com os eleitos. [115] Ele argumenta que essa teologia do pacto da graça ignora completamente o significado do batismo como o rito que, de modo objetivo, torna o individuo participante do corpo de Cristo. De acordo com ele, os puritanos “ignoraram completamente o significado do batismo e, consequentemente, compreenderam mal a natureza da salvação”. [116] Além disso, “para os puritanos da Nova Inglaterra e para muitos dos seus herdeiros no moderno protestantismo e presbiterianismo, o batismo não era e não é nada mais do que um culto molhado de dedicação”. [117] No ano seguinte, a revista The Christian Renewal entrevistou os quatro palestrantes da conferência do ano anterior. A revista questionou Steve Wilkins sobre algumas das suas declarações na palestra do ano an-
terior, que trataram da questão da membresia da igreja e, consequentemente, da natureza objetiva do pacto: Pergunta: Steve Wilkins, em seu discurso você afirmou que os puritanos
e os presbiterianos creem que o batismo traz uma criança meramente a um pacto eclesiástico. O que ele faz além disso? Steve Wilkins:
A moderna teologia presbiteriana tem feito uma distinção entre membresia externa e membresia real no pacto. Obviamente, pelo batismo nos tornamos membros da igreja, mas ser um membro da igreja é ser um membro do corpo de Cristo e, biblicamente falando, isso significa que o batizado está unido a Cristo. Pergunta: Nós podemos estar na igreja, mas não unidos a Cristo? Steve Wilkins: Essa é uma distinção que a Bíblia não faz. Eu vejo o que
eles estão tentando preservar, mas essa distinção não é bíblica. A igreja histórica e visível é o corpo de Cristo e, assim, estar unido a ela pelo batismo é estar unido a Cristo. Pelo batismo Deus nos oferece e nos dá Cristo. Mas esse dom precioso deve ser recebido pela fé ou nossa união batismal com Cristo trará julgamento, não salvação. [118]
De acordo com Wilkins, não há possibilidade de alguém ser membro da igreja e não ser um membro verdadeiro do pacto. Ser membro da igreja é ser membro do corpo de Cristo, e ser membro do corpo de Cristo implica dizer que se está unido a Cristo. Para Wilkins, o fato de uma pessoa ser batizada se constitui no critério objetivo para se poder dizer que ela é beneficiária do pacto da graça. Ser membro da igreja e ter recebido o sacramento do batismo é igualado a ser verdadeiro partícipe dos benefícios da obra redentiva de Cristo: A Bíblia nos ensina que o batismo nos une a Cristo e seu corpo pelo poder do Espírito Santo (1Co 12.13). O Batismo é um ato de Deus (através dos seus ministros) que significa e sela nossa iniciação dentro da comu-
nhão Triúna (somos “batizados em nome do Pai, Filho e Espírito Santo”). No batismo nós somos vestidos com Cristo, unidos a ele e à sua igreja, que é o seu corpo (Gl 3.26-28). A igreja, portanto, não deve ser divorciada de Cristo e das bênçãos do pacto. “Nós somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos”, diz Paulo (Ef 5.30). É por essa razão que a Confissão de Westminster afirma que fora da igreja não há possibilidade ordinária de salvação (CFW 25.2). Isso é verdade simplesmente porque não existe salvação fora de Cristo.[119]
Randy Booth, pastor da Grace Covenant Presbyterian Church, em Nagocdoches, no estado do Texas, é outro signatário da declaração de fé da Visão Federal. Ele afirma que a objetividade do pacto é o único princípio verdadeiro que permite fazer uma distinção real entre as pessoas, mas tal distinção não ocorre dentro do grupo daqueles que são membros da igreja, como normalmente é feito pela teologia reformada: membros interiores do pacto e membros exteriores. Antes, de acordo com ele, a distinção feita pela objetividade pactual é entre os membros da igreja e os incrédulos: “A antítese pactual objetiva, indicada no rito iniciatório do batismo, nos capacita a distinguir entre aqueles que estão verdadeira, real e genuinamente na igreja, que é o corpo de Cristo, e aqueles que estão do lado de fora”. [120] Uma dificuldade criada por esta distinção, e reconhecida por Booth, gira em torno de como explicar o status pactual de alguém que cai ou apostata. Em sua perspectiva, afirmar que tal pessoa nunca esteve realmente incluída no pacto é enganoso, visto que pelo fato de ela cair, isso “pressupõe que ela realmente caiu de alguma coisa”. [121] Booth assevera que apelar para o argumento de que aqueles que apostatam nunca foram, de fato e de verdade, membros do pacto da graça, é uma arrumação malfadada, uma imposição da teologia sistemática. Para fundamentar sua afirmação, ele evoca a passagem de João 15.1-8, onde Jesus
se apresenta como a Videira e fala de ramos infrutíferos que são cortados pelo Pai. De acordo com Booth, afirmar que os ramos cortados nunca foram ramos verdadeiros é apelar para “uma rodada de mala barismo exegético”.[122] O mesmo é verdade em relação a Romanos 11: “Quando Paulo fala de ramos sendo cortados e outros sendo enxertados na oliveira, são ramos verdadeiros que são enxertados e ramos verdadeiros que são cortados”. [123] Outro argumento apresentado por Booth, a fim de melhor fundamentar a objetividade, é o pacto como uma realidade sensível, ou seja, trata-se de algo que pode ser sentido. Muitas vezes os visionistas federais afirmam que a teologia reformada tem caído no erro da reificação, isto é, abstração das realidades escriturísticas. De acordo com eles, a reificação tem lugar quando realidades bíblicas que caracterizam o relacionamento entre e o seu povo são transformados em meras realidades conceituais, como por exemplo, a graça e o pacto. Dado o fato de que o pacto não é um acordo legal e forense, sendo, antes, um relacionamento caracterizado pelo amor entre Deus e o seu povo, que tem como arquétipo o amor manifestado de modo intratrinitário, segue-se que o pacto não pode ser pensado em termos meramente abstratos ou mesmo conceituais. Em vez disso, o pacto é uma realidade real, verdadeira, tangível e concreta ou, como Booth qualifica, o pacto é sensível: “O pacto é mais do que uma abstração ou um construto teológico. O pacto é real. Nós não apenas podemos ler sobre ele ou pensar sobre ele, nós também podemos vê-lo, tocá-lo, cheirá-lo, ouvi-lo e prová-lo – ele é sensível”.[124] Os Sacramentos e a Objetividade Pactual
Na discussão a respeito da objetividade do pacto é necessário abordar o seu relacionamento com os sacramentos. De acordo com a
Visão Federal, os sacramentos – principalmente o batismo – funcionam como uma espécie de atestado que prova que uma determinada pessoa está incluída no pacto da graça. Guy Waters reconhece isso quando diz que, “a doutrina da objetividade pactual foi fundamentada, em parte, sobre um entendimento do sacramento do batismo como admitindo todos os congregantes batizados, precisamente, às mesmas bênçãos e benefícios pactuais”.[125] Esse é um dos pontos que tem dado margem para que os proponentes da Visão Federal sejam acusados de sacerdotalismo. [126] Para os visionistas, o batismo é o que estabelece o relacionamento pactual: Nós temos notado repetidamente que o batismo em água é objetivo, e que ele estabelece um relacionamento pactual objetivo com o Senhor do pacto, Jesus Cristo [...]. Portanto, como eu tenho dito, o batismo realiza algo da mesma forma como a palavra “aceito” realiza algo num casamento.[127]
Wilson cita com aprovação uma afirmação feita por Peter Leithart acerca do caráter objetivo do pacto estabelecido pelo batismo: “Objetivamente, o batismo me faz um membro do corpo de Cristo, e isso se torna um episódio na história de quem eu sou”. [128] Isso significa que, por causa do batismo, uma pessoa é membro do pacto da graça independentemente da sua fé ou de ser realmente salva. É dessa maneira que Wilson arremata: “Este é um episódio na história de quem eu sou, independentemente da minha fé ou da ausência dela”. [129] Dessa forma, não se pode falar em cristãos reais e cristãos nominais como mem bros da igreja. Antes, deve-se falar em termos de cristãos fiéis ao pacto e cristãos transgressores do pacto. Ainda assim, independentemente da infidelidade, todos são membros pactuais: “Assim, não existem
cristãos nominais, mas existem cristãos perversos e incrédulos”.[130] Wilson vai mais além ao falar dos sacramentos como o sacramento de uma segurança de salvação objetiva: Segurança objetiva é encontrada na fé verdadeira respondendo a um evangelho objetivo. Segurança objetiva nunca é encontrada por meio de tentar perscrutar os conselhos secretos de Deus ou nos recessos sombrios do seu próprio coração. O evangelho é pregado, a água foi aplicada, a Mesa está preparada. Você crê? A pergunta é simples. Um cristão fiel olha para o seu batismo procurando por segurança, mas ele necessita ver mais ali do que apenas água. A Palavra sempre acompanha o sacramento. E assim, um cristão procurando pela segurança bíblica deveria tomar estas passagens da Escritura, ver como todas elas são cumpridas na fonte e na Mesa e, então, descansar em sua salvação.[131]
Randy Booth esposa opinião semelhante a respeito do papel exercido pelo batismo. Buscando responder ao questionamento sobre como saber quem realmente está incluído no pacto, Booth assim se expressa: Como sabemos se um homem é um “genuíno” membro do pacto? Como sabemos se ele “realmente” está na aliança? Podemos saber baseados em quem fez o juramento ou voto pactual. Há uma cerimônia pública com forma e proclamação, testemunhas são reunidas, promessas são feitas, o status é mudado. A ele é dado um nome e lugar entre o povo de Deus com respectivos privilégios e responsabilidades. Naquela hora, a linha da antítese é traçada entre aqueles que estão dentro e aqueles que estão fora do pacto. Este é um evento visto e ouvido no céu e sobre a terra – “o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus” (Mt 18.18). [132]
Ainda de acordo com Booth, o momento do juramento ou voto pactual é o momento do batismo: “No sacramento do batismo cristão ele faz um voto de fidelidade a Cristo. Ele jurou, por assim dizer”. [133]
Fica evidente pela citação acima, que, no pensamento dos visionistas federais, o fato de uma pessoa se submeter ao batismo cristão e fazer um juramento de lealdade a Cristo se configura como firme fundamento para que tal pessoa seja considerada como um cristão, na real acepção do termo[134] , e como verdadeiro membro da aliança da graça. Dos proponentes da Visão Federal, Peter J. Leithart é celebrado por sua erudição e por sua vasta produção teológica. Além disso, ele tem se destacado pelo espaço que os sacramentos ocupam em seus escritos. Waters afirma que, “Leithart, portanto, oferece ao leitor algumas das mais profundas e extensivas reflexões sobre os sacramentos disponíveis entre os proponentes da Visão Federal”. [135] Os sacramentos ocupam um lugar tão importante no pensamento de Leithart, que ele chega a fazer a seguinte afirmação sobre a importância do batismo: “A próxima assembleia para comunhão terá um efeito mais profundo no mundo do que a próxima assembleia do Congresso. O batismo é uma realidade mais crucial do que o tamanho do orçamento federal”. [136] Leithart também rejeita definir os sacramentos como “meios de graça”, pois “descrever os sacramentos como ‘meios de graça’ pode ser enganoso e adicionar complicação desnecessária”. [137] Um aspecto dessa complicação desnecessária é que, “falar dos sacramentos como ‘meios’ tende a mecanizá-los, transformando os sacramentos em máquinas que fornecem graça”. [138] Outro aspecto é que, esse modelo repousa sobre uma doutrina equivocada de Deus, pois não há força impessoal em Deus, nem há qualquer “energia” que media Deus e a criação. O Deus revelado na Escritura e em Jesus Cristo é exaustiva e eternamente pessoal, eternamente na comunhão do Pai, Filho e Espírito Santo [...] A “força” que age em nós, seja nos sacramentos ou na comida e no lavar ordinários, é o próprio Deus. [139]
A solução, para Leithart, é proceder com um refinamento da linguagem confessional, de maneira que, “em vez de dizer que os sacramentos são meios pelos quais os benefícios de Cristo nos são comunicados, devemos simplesmente dizer que os sacramentos estão entre os benefícios que Cristo, bondosamente, nos tem dado. Os sacramentos não são meios de graça, mas são, eles mesmos, graças, dons de um Deus gracioso”.[140] Importante também, a fim de compreender o pensamento de Leithart em relação à objetividade sacramental, é atentar para a maneira como ele se apropria do pensamento trinitariano de um teólogo ortodoxo grego chamado John Zizioulas. Explorando o pensamento de Zizioulas, Leithart afirma que, a teologia cristã protestante, influenciada por Platão e Aristóteles, é incapaz “de dar pleno significado à personalidade humana”.[141] Os pais gregos, entretanto, fizeram uma grande contribuição, ao traçarem a discussão até o ser de Deus, enfatizando que, “Deus, em si mesmo, é pessoas em relação”. [142] Isso significa que Deus é um ser em comunhão. A implicação desse pensamento, é que, nas palavras de Leihart: Como um resultado, o amor se torna a realidade ontológica final. Deus é eternamente amor porque ele é eternamente pessoas em relação. O amor e comunhão das três pessoas da Trindade constitui o ser de Deus. Relações de um ao outro também se tornam ontologicamente finais, de maneira que cada pessoa é constituída, em sua individualidade, por sua relação com as outras. O Pai é o Pai apenas porque ele tem um Filho, o Filho é Filho em relação ao Pai, e o Espírito é singular e distinto apenas pela relação com os outros dois. Relacionamento constitui o caráter pessoal, a singularidade de cada membro do relacionamento.[143]
Para Zizioulas, a essência do pecado original é “tentar cortar o outro do relacionamento e comunhão, tentando viver como um indiví-
duo autônomo e isolado”. [144] Quando Cristo redime um indivíduo, ele restaura a verdadeira personalidade por colocá-lo em comunhão. [145] Essa comunhão se dá “com Deus, outras pessoas e com o mundo”.[146] O que isso tem a ver com a objetividade do pacto e o papel desempenhado pelo sacramento do batismo? Leithart afirma que, “o reconhecimento de Zizioulas de que a identidade pessoal e a existência são constituídas por relacionamentos tem profundas implicações para a teologia sacramental”. [147] Que implicações seriam essas? Se eu fui batizado, eu sou um membro do sacerdócio real, e este fato relacional é parte do que constitui a minha identidade. Eu posso ser fiel ou infiel nesse papel, mas o papel me define. Além disso, uma vez que Deus se relaciona comigo como eu sou, o fato de que eu fui batizado na comunidade visível de crentes significa que Deus se relaciona comigo diferentemente de antes de eu ser batizado. Após eu ter passado pelas águas do batismo, eu tenho uma posição diante de Deus e do homem que eu não possuía antes.[148]
Como o próprio Leithart afirma em seguida, “esses relacionamentos entre Deus e os homens pode existir apenas por meio do uso e da troca de símbolos”, sendo o batismo um desses símbolos. Assim, o batismo é um símbolo que entabula o relacionamento entre Deus e o indivíduo, uma vez que não apenas Deus, mas o próprio homem tam bém foi criado para ser um “ser-em-comunhão”. Em artigo escrito alhures, Leithart reafirma este princípio: A igreja consiste daquelas pessoas que foram unidas ao Filho encarnado através do seu Espírito, o Espírito ativo na Palavra e nos Sacramentos. Visto que a Igreja é uma sociedade divino-humana, e uma vez que ela é esse tipo de comunidade, é impossível que a membresia na igreja visível seja meramente externa, social ou legal. Se você é batizado no corpo, você é batizado numa união real com o Filho encarnado. Você é um filho
no Filho.[149]
Assim é que, Peter Leithart escreveu uma obra inteira dedicada a responder ao questionamento: O que o batismo faz ao batizado? Em sua resposta, Leithart afirma que “a ‘autoimagem’ é fundada em e moldada pelo fato do seu batismo”. [150] Mas, como? De acordo com ele, o batismo efetua uma mudança real e completa numa pessoa. Ele argumenta que, tudo o que ocorre com uma pessoa não ocorre apenas com o seu corpo, mas com a pessoa em sua inteireza. Visando introduzir a sua argumentação sobre o modo como o batismo opera, Leithart afirma que, “a Escritura, nitidamente, não distingue as realidades espirituais interiores das realidades físicas exteriores”. [151] Isto posto, os pensamentos e os desejos interiores de um homem encontram sua expressão no exterior. De igual modo, aquilo que acontece na sua parte externa, de acordo com Leithart, afeta o seu interior. Como fundamentação, ele apresenta, dentre outras passagens, Provérbios 22.15: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela”. A disciplina física tem efeitos no interior, no coração da criança. Todo o arrazoado de Leithart o conduz à seguinte conclusão: Dada esta antropologia bíblica, nós podemos observar como eventos externos, como o batismo, podem afetar a pessoa como um todo. Um não sacerdote se torna um sacerdote através do rito da ordenação, um homem solteiro se torna um marido através da cerimônia de casamento, um cidadão desconhecido ganha autoridade pública pela posse. Estas novas identidades são novas identidades: O ordenado é um sacerdote, o homem é um marido, o cidadão é um presidente. Não podemos dizer que há um não sacerdote espreitando sob a pele, ou que o presidente o é apenas “externamente”. Por que deveríamos dizer que existe um eu “não batizado” dentro do batizado?[152]
O batismo, então, opera uma mudança radical no indivíduo, tornando-o, de fato e de verdade, um membro do pacto da graça, alguém verdadeiramente unido a Cristo em sua morte e ressurreição. O batismo torna o indivíduo um verdadeiro partícipe de Jesus Cristo, como o próprio Leithart deixa claro, ao defender o seguinte silogismo: 1. O batismo admite o batizado à igreja. 2. A igreja é o corpo de Cristo. 3. Portanto, o batismo admite o batizado ao corpo de Cristo. [153]
Seu raciocínio é complementado quando ele afirma: “O que ela [a Escritura] ensina é que a igreja é o corpo de Cristo. Cabeça e corpo formam uma única realidade, que Paulo está disposto a descrever como ‘Cristo’”.[154] Assim, ser admitido ao corpo de Cristo e estar unido a este corpo é o mesmo que desfrutar de comunhão com o próprio Cristo e estar unido a ele. Separar estas realidades, para Leithart, é cair numa espécie de “nestorianismo eclesiástico”. [155] A relação entre o sacramento do batismo e a objetividade pactual pode ser sumarizada através de mais uma declaração de Leithart: O batizado é implantado no corpo de Cristo, e nele compartilha de tudo o que ele tem para dar. O que o batismo dá não é alguma coleção de bênçãos, mas o metapresente de Cristo, união com o Cristo completo, cabeça e corpo – necessariamente cabeça e corpo, pois Cristo não está dividido. Membresia no corpo de Cristo não existe sem uma conexão à cabeça. E nenhuma conexão à cabeça existe sem união com o corpo. [156]
Objeção ao Conceito de Pacto das Obras Outra característica da Visão Federal é o seu monopactualismo, isto é,
a sua rejeição da tradicional doutrina reformada do Pacto das Obras. De acordo com os visionistas federais, nunca existiu tal coisa como um pacto cujos princípios operacionais eram as obras e o mérito. Deve-se ressaltar que, num primeiro instante tal negação parece contradizer outro ponto da teologia dos visionistas, uma vez que as obras executadas por um indivíduo têm participação na sua justificação, como será observado posteriormente. Não obstante, a negação do Pacto das Obras pela Visão Federal é uma necessidade lógica exatamente por causa do seu entendimento a respeito de como uma pessoa é justificada e também pela forma como ela nega a doutrina da imputação da obediência ativa de Jesus como fundamento da justificação pela fé somente. Outro detalhe importante é que a atribuição de monopactualismo à Visão Federal deve ser devidamente qualificada, uma vez que os seus adeptos negam com veemência a acusação de serem monopactualistas. James Jordan, por exemplo, num artigo em seu site, publicado em 2010, fez a seguinte afirmação: Entre as mentiras constantemente repetidas pelos opositores que não pensam está a acusação de “monopactualismo”. De acordo com eles, os “visionistas federais” negam que há dois pactos na história humana. Uma vez que ninguém jamais disse isso, a acusação é uma mentira. Alguém começou com essa mentira, e os opositores desatentos, preguiçosos para verificarem por si mesmos, simplesmente a repetem de novo e de novo.[157]
De acordo com Jordan, a Visão Federal afirma, sim, a existência de dois pactos na história da humanidade. Porém, não os mesmos pactos afirmados pela teologia reformada tradicional. Ele diz: A raça humana foi criada em comunhão pactual com Deus, mas numa
forma infantil desse relacionamento. Os seres humanos estiveram sob a “lei” administrada por anjos até crescerem. Quando a raça humana estava pronta, Deus estabeleceu um novo pacto, uma aliança adulta com a humanidade. O primeiro pacto foi em Adão e nos seres humanos que vieram dele, incluindo Jesus, o Cristo. Jesus nasceu no primeiro pacto e, em seguida, através da sua morte e ressurreição trouxe o novo pacto, o pacto de maturidade ou glória. Assim, existem dois pactos globais. [158]
Outro visionista, Rich Lusk, afirma que não se pode negar a existência de um pacto pré-queda estabelecido com Adão: “A ausência da palavra ‘pacto’ nos primeiros capítulos de Gênesis é uma razão insuficiente para negar a realidade de um ‘pacto adâmico’ ou ‘pacto da criação’”.[159] Ainda de acordo com ele, logo nos capítulos de abertura de Gênesis, “o homem é apresentado como uma criatura pactual, debaixo do senhorio (bênçãos e maldições) do seu Rei pactual”. [160] Deve-se notar, no entanto, que a acusação de ser a Visão Federal um movimento monopactualista não é, de forma alguma, injustificada, uma vez que ela, por meio dos seus adeptos, nega a existência do Pacto das Obras estabelecido soberanamente por Deus com o primeiro Adão. Como pode ser aferido a partir das palavras de Jordan, no lugar de um pacto de obras o que existiu foi um pacto numa forma infantil. Em vez de mérito, o fim do primeiro pacto era conduzir a humanidade à maturidade, o que veio através de Jesus Cristo. Ademais, o monopactualismo da Visão Federal se torna claro em face das repetidas afirmações dos seus defensores, no sentido de que tanto o primeiro quanto o segundo pacto são o que é conhecido como Pacto da Graça: “Como nós veremos, a Escritura ensina que existe apenas uma história pactual, que podemos chamar de pacto da graça”. [161] Douglas Wilson admite que um pacto foi feito com Adão antes da Queda: “Antes da Queda, Deus fez um pacto com a humanidade em
Adão, o qual nós violamos através do nosso pecado”. [162] Apesar dessa admissão, Wilson não reconhece este primeiro pacto como sendo um pacto das obras. Opondo-se à designação usada pelos teólogos de Westminster, ele prefere chamar este primeiro pacto de “um pacto da graça criacional”. [163] Para ele, chamar este primeiro pacto de “pacto das obras” é problemático, pois “leva as pessoas a confundi-lo ou com a economia do Antigo Testamento ou com as distorções farisaicas da lei [...] Chamá-lo de obras o coloca em oposição, na terminologia escriturística, à graça”. [164] A promessa feita a Adão e aos seus descendentes nesse primeiro pacto era a vida como fruto de obediência pessoal e perfeita. Porém, Wilson contende que isso não significa que a graça se opõe a esse pacto. Muito pelo contrário, pois, na verdade, “a graça permeia o todo” desse pacto da graça criacional. [165] Rich Lusk é outro visionista que, apesar de admitir a existência de um pacto pré-lapsariano, se opõe à designação “pacto das obras”, pois de acordo com ele, “o modelo de pacto das obras chega ao ponto de reduzir o pacto a um contrato, fazendo de Adão um empregado que tinha que ganhar o salário da vida eterna”. [166] A maior dificuldade de Lusk e de outros visionistas federais está relacionada ao seu entendimento de que o conceito de pacto das obras, necessariamente, encerra em si a ideia de que a obediência de Adão lhe concederia mérito diante de Deus, o Senhor pactual, tornando este, consequentemente, devedor àquele.[167] De acordo com ele, o conceito de mérito obscurece o relacionamento pactual amoroso entre Deus e o homem, visto que tal conceito é oriundo dos tratados de suserania do Antigo oriente Próximo, não do relacionamento pactual intratrinitário, que é o paradigma para o pacto entre Deus e o homem. Lusk escreveu: A Trindade, não os tratados de suserania do Antigo Oriente Próximo,
deve definir nossa compreensão do pacto. Vários teólogos têm argumentado recentemente que Pai, Filho e Espírito estão relacionados pactualmente não apenas nas economias da criação e da redenção, mas também eterna e ontologicamente. Assim, se esse pacto original não era uma relação não meritória de amor e favor, a primeira manifestação desse pacto na criação também não o era. O pacto dentro da Trindade é o modelo para os pactos extratrinitarianos. Ou, melhor, o pacto com a criação é o modo como Deus traz o homem para dentro da comunhão pactual e vida do Pai, Filho e Espírito. O pacto da criação é apenas o amoroso alcance e transbordamento do pacto intratrinitariano. [168]
Para Lusk, “o pacto meritório das obras, tem coisas por trás, sugerindo que o favor de Deus só poderia vir no final, após Adão ter feito obras para Deus”. [169] O primeiro pacto é inteiramente gracioso e, por isso mesmo, não pode conter nenhum elemento meritório. Contra a noção de que a obediência de Adão o habilitaria ou lhe concederia mérito para participar da árvore da vida, Lusk afirma que, “o único prérequisito para participar da árvore da vida era a fome”. [170] Longe de conceder qualquer mérito a Adão, a sua obediência apenas demonstraria estar enraizada na fé. O grande problema com a teologia reformada tradicional, na visão de Lusk, é que “usualmente, os proponentes de um pacto das obras colocam o caminho das obras em agudo contraste ao caminho da fé”. [171] Ao falar de obediência enraizada na fé, Lusk afirma salvaguardar o mesmo princípio operacional do pacto pós-queda. O Conceito de “Maturidade” em Oposição a “Mérito”
Assim é que, em vez de falar de mérito, deve-se falar em termos de maturidade. O primeiro pacto estabelecido com Adão não era um pacto meritório, pelo qual Adão pudesse, em virtude da sua perfeita obediência, merecer vida eterna para si mesmo e para a sua descen-
dência. Em vez disso, o primeiro pacto tinha em vista tão somente o crescimento, a maturação do homem rumo a uma forma escatológica de vida. Baseando o seu argumento numa leitura forçada de 1Coríntios 15.44-45, [172] Lusk afirma que o primeiro pacto objetivava o progresso de Adão de glória em glória, de modo que, esperando pacientemente em obediência, ele receberia maiores dádivas da parte de Deus. Eis o seu arrazoado: Então, agora devemos perguntar: Adão merecia essa forma escatológica de vida? Ele receberia como pagamento essa vida glorificada ou ele amadureceria para ela através de paciente e fiel serviço? A Escritura é clara: Isso, também, seria uma livre dádiva. Afinal, ele só viveria uma vida de fidelidade mantida na medida em que o Espírito de Deus o capacitasse a isso. Obviamente, os eventos de Gênesis 3 revelam que o Espírito não tinha nenhuma obrigação de manter Adão no caminho da justiça [...] Além disso, Adão só poderia progredir em direção ao objetivo escatológico por desfrutar, regularmente, das dádivas não merecidas do reino, mais especialmente a Árvore da Vida. Ele faria dessa forma para poder atingir o objetivo da maturidade pela fé, não por galgar pontos mágicos num sistema de mérito.[173]
O visionista federal James Jordan chegou a escrever um dos principais textos defendo o conceito de maturidade em oposição à ideia de mérito no pacto das obras, que desemboca, como será observado posteriormente, numa completa redefinição da obra de Jesus Cristo e suas implicações para a justificação do crente. Jordan inicia a sua argumentação contra o pacto das obras apresentando uma justificativa no sentido de que expressar reservas a respeito da tradicional doutrina reformada era algo comum. Partindo de Romanos 5.12-21 e 1Coríntios 15.44, Jordan pugna que, em vez de pensar em termos de “pacto das obras” e “pacto da graça”, é preferí-
vel falar da existência humana como dividida em dois estágios: infância e maturidade.[174] De acordo com ele, o pacto no Éden tinha como objetivo levar Adão da infância à maturidade e isso, definitivamente, não se coaduna com a ideia de um pacto das obras: “Uma pessoa não se torna um adulto maduro por ‘conquistar’ ou ‘merecer’ isso através de boas obras”.[175] Para Jordan, “a noção de conquistar a vida eterna glorificada através de obras meritórias” é problemática. [176] A partir daí Jordan volta a sua atenção para os capítulos 19.1 e 7.2-3, da Confissão de Fé de Westminster: 19.1. Deus deu a Adão uma lei, como um pacto de obras. Por esse pacto, Deus o obrigou, bem como a toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, inteira, exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição de ele cumprir a lei, e o ameaçou com a morte caso ele a violasse, e dotou-o com poder e capacidade para guardá-la. [177] 7.2. O primeiro pacto feito com o homem foi um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal. 7.3. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio deste pacto, o Senhor dignou-se de fazer um segundo pacto, geralmente chamado o pacto da graça; neste pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo, exigindo deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Espírito Santo a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.[178]
Sobre o capítulo 19.1, Jordan diz que a “afirmação não é tão errada quanto incompleta e um tanto ambígua”. [179] Ele vai mais além, afirmando que a afirmação confessional é, “na melhor das hipóteses, confusa e, na pior, enganosa”. [180] Ao se referir às seções do capítulo 7, as palavras de Jordan são mais incisivas. Para ele, este trecho é “ainda
mais problemático”, visto que o princípio da vida como recompensa das obras é explicitamente afirmado. [181] Jordan claramente se volta contra a afirmação confessional propondo, inclusive uma reformulação de 7.2: “O primeiro pacto, no qual Deus criou Adão, livremente providenciou vida inicial a ele, e lhe prometeu vida glorificada, e nele, à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência e fidelidade pessoal”.[182] Interessantemente, Jordan acusa a CFW de deixar a fé obliterada como princípio motivador da obediência do homem. Entretanto, ao propor uma explicitação da fé ele reduz o conceito de fé a “fidelidade pessoal”. Para a Visão Federal, fé nada mais é do que fidelidade pessoal. Tem-se, portanto, uma negação da doutrina do pacto das obras e, ao mesmo tempo, a afirmação da fidelidade pessoal (obras), a fim de que o homem se apropriasse da vida escatológica. É importante entender ainda que, no pensamento de Jordan, o que foi prometido a Adão e obtido por Jesus, não era algo a ser ganho como uma espécie de pagamento ou “mesada semanal”, ou em resposta ao acúmulo de muitas boas obras. Em vez disso, “foi um privilégio de amadurecimento que ele receberia quando tivesse a idade adequada para recebê-lo”. [183] O pecado de Adão e, consequentemente, o seu fracasso não foi o de receber méritos por sua obediência ao mandamento divino. Seu fracasso foi em relação a não conseguir a bênção da maturação: Além disso, o pecado de Adão não foi uma falha em fazer uma boa obra e ganhar um mérito, mas foi uma rejeição de todo o processo de amadurecimento dado por Deus, porque Adão, de forma prematura, agarrou-se ao privilégio que Deus intentou como o fim do processo de amadurecimento. Assim, Adão não fracassou em obter um “mérito”, mas ele provocou um curto-circuito em todo o processo do desenvolvimento humano.[184]
O que se segue, na argumentação de Jordan, é uma exegese de Gênesis 2.9,16-17, através da qual ele tenta fundamentar a sua teologia. A conclusão à qual ele chega é que na passagem em questão não existe nada que leve à ideia de mérito no pacto com Adão. Tudo o que existe é tão somente uma necessidade, no caso, a fome: “Nós percebemos que não há nada de ‘mérito’ ou ‘obra’ aqui. Adão ficaria com fome, e ele deveria comer. Esta é uma necessidade, não uma obra que pode, possivelmente, ter algum mérito”. [185] A única escolha colocada diante de Adão é exercitar a fé em relação ao que Deus disse ou não, ou seja, a escolha é “confiar ou não na Palavra de Deus”. [186] Adão comeria da Árvore da Vida, a fim de receber mais de Deus, ou ele usaria a sua fome como uma oportunidade de usurpar aquilo que Deus lhe tinha proibido? Esta é a verdadeira questão, de acordo com Jordan. Sobre a proibição de se comer da árvore do conhecimento do bem e do Mal, Jordan acredita que se tratava de algo de caráter temporário. Ele argumenta que tal proibição não era permanente. Eventualmente, Adão receberia a permissão do Senhor para comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. O fundamento apresentado para tal afirmação é Gênesis 1.29: “E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento”. Não há nenhuma dificuldade em compreender e aceitar este pensamento de Jordan, dada a transitoriedade do primeiro pacto. O elemento estranho em seu pensamento diz respeito à ideia de que, uma vez recebendo de Deus a permissão para comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, e uma vez dela comendo, Adão ainda passaria pela experiência da morte: “A partir disso, Adão aprendeu que um
dia Deus lhe daria permissão para comer da árvore do conhecimento, e que nesse dia ele morreria”. [187] De acordo com Jordan, mesmo em caso de obediência de Adão, do seu amadurecimento e da consequente permissão divina, para que ele comesse da árvore do conhecimento do bem e do mal, a morte, ainda assim, seria uma experiência necessária. Jordan introduz a morte no cenário edênico à parte da realidade do pecado. De acordo com ele, a diferença diz respeito ao que ele chama de “boa-morte” e “morte-ruim”: Agora nós podemos entender que a proibição temporária sobre a árvore do conhecimento era tanto uma promessa quanto uma ameaça. Era uma promessa de ‘boa-morte’ e ressurreição, se Adão esperasse até Deus conceder-lhe permissão para dela comer. E era uma ameaça de ‘morte-ruim’ se ele se apoderasse prematuramente do fruto.[188]
Tal pensamento é estranho, uma vez que a própria Escritura fala da morte em termos punitivos e retributivos: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5.12), e também: “porque o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23a). Sobre tal desconsideração, o julgamento de John V. Fesko é extremamente pertinente: A única coisa que parece separar a sugestão da serpente para comer da árvore do conhecimento e a proposição de Jordan é o tempo. Em outras palavras, o pecado de Adão não estava em comer da árvore do conhecimento, mas em não esperar até que ele amadurecesse: “Era uma promessa de ‘boa-morte’ e ressurreição, se Adão esperasse até Deus concederlhe permissão para dela comer”. A sugestão de Jordan se coloca claramente contra o ensinamento da Escritura. A Escritura não fala da morte em termos “bons”. Ao contrário, a morte é o arqui-inimigo do povo de Deus (1Co 15.54-58; Ap 19.20; 20.14).[189]
Jordan sugere ainda que Adão e Eva foram criados com um tipo de deficiência ou insuficiência, que seria devidamente reparada à medida que eles alcançassem a maturidade. Eis suas palavras: “Infantis, como eram Adão e Eva, eles não tinham a sabedoria para conhecer o bem e o mal em seu sentido judicial (Dt 1.39), e frequentemente a idade perde esta capacidade por causa da senilidade (2Sm 19.35)”. [190] Para ele, árvore não tinha a ver com conhecimento moral, mas com conhecimento judicial. “Apenas através da experiência no jardim ele teriam seus sentidos treinados gradualmente para discernirem entre bem e mal”.[191] O amadurecimento do primeiro pacto diz respeito à obtenção do homem daquilo que Jordan chama de um “status real”, que viria a partir do instante em que a proibição de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal cessasse e o homem, enfim, dela pudesse se alimentar. Esse amadurecimento envolve seis aspectos, no pensamento de Jordan[192]: 1) Uma nova abertura de olhos para fazer julgamentos; 2) Um conhecimento de questões judiciais, bem e mal; 3) Tornarse mais semelhante a Deus; 4) Ser investido com uma túnica real; 5) Ser enviado ao restante do mundo a partir do jardim; e 6) Empoderamento. Assim, esse amadurecimento de Adão nada mais era do que “crescimento na fé”.[193] Excurso – A Objeção de John Murray à Doutrina do Pacto das Obras
Neste ponto é importante devotar alguma atenção ao pensamento de John Murray a respeito do pacto das obras, visto que, com relativa frequência, os visionistas federais recorrem a ele para fundamentar a sua rejeição de um pacto de obras estabelecido por Deus com Adão. [194] Ralph Smith afirma que, dos advogados da Visão Federal, James Jordan é aquele que mais tem dedicado atenção à questão do pacto
das obras. Além disso, ele enxerga uma profunda influência de John Murray sobre Jordan e uma similaridade entre ambos: “Como Murray, Jordan nega um pacto de obras, mas, também como Murray, ele afirma Adão como cabeça, um período de provação e outras características do pacto das obras”. [195] O uso do pensamento de John Murray a respeito do pacto das obras pela Visão Federal também é reconhecido pelos críticos do movimento. T. David Gordon, professor de Religião e Grego no Grove City College, escrevendo sobre a Teologia Auburn – outra designação para a Visão Federal – afirma que o paradigma inteiro da sua teologia a respeito do pacto das obras vem de John Murray. [196] Jeong Koo Jeon, professor de Teologia Sistemática e Teologia Bíblica no Chesapeake Reformed Theological Seminary, em Maryland, afirma que, “em muitas formas, “Shepherd e seus adeptos na Westminster School são Murrayanos”. [197] Por esta razão, o pensamento de Murray será abordado aqui, ainda que de maneira perfunctória, a fim de se compreender de que forma a Visão Federal dele se apropria, a fim de acrescentar as suas próprias nuances. [198] Para John Murray a teologia sempre deve ser submetida a uma reformulação. Para ele, imaginar que a teologia do pacto é perfeita, não necessitando de melhorias, em nada é proveitoso. Ele escreveu, em 1954: “Não seria, contudo, proveitoso para a conservação ou progresso teológico que pensemos que a teologia do pacto é em todos os aspectos definitiva, e que não há nenhuma necessidade de correção, modificação e expansão”. [199] Apesar de todo o seu refinamento e de toda a delicadeza de análise com que foi desenvolvida a teologia do pacto, para John Murray era certo que ela necessitava ser reformada. Parte dessa reforma – ou reformulação – diz respeito ao próprio
conceito de “pacto”. Murray afirma o seguinte: “Desde os primeiros tempos da era da Reforma e por todo o desenvolvimento da teologia do pacto, a formulação desse termo tem sido profundamente afetada pela ideia de que um pacto é um acordo ou contrato entre duas partes”.[200] Definir o pacto de Deus com os homens dessa forma é um equívoco, visto que, para ele, desde o início da revelação bíblica – tomando como paradigma da essência pactual o pacto pós-diluviano estabelecido com Noé (Gênesis 9.9-17) [201] –, o que pode ser visto é “uma concepção uníssona de que um pacto divino é uma administração so berana de graça e promessa”.[202] Em outras palavras, “a Escritura sempre usa o termo pacto, quando aplicado à administração de Deus aos homens, em referência a uma provisão que é redentiva ou intimamente relacionada ao desígnio redentivo”. [203] Assim, para Murray um pacto estabelecido por Deus com o ser humano sempre é de natureza redentiva. Uma vez que Adão e Eva ainda não haviam pecado, não havia nenhum aspecto redentivo envolvido em seu relacionamento com Deus. Partindo então, do princípio de que a administração adâmica “não tinha nenhuma provisão redentiva, nem seu elemento promissório tinha qualquer relevância dentro de um contexto que fazia a redenção necessária”, é que Murray pode afirmar que ela “não foi um contrato ou um pacto”. [204] Isso explica, em parte, a rejeição da ideia de um pacto de obras com Adão. Além disso, Murray apresenta mais duas razões para a sua rejeição: Essa administração tem sido denotada de “O Pacto das Obras”. Existem aqui duas observações: (1) O termo não é feliz, pela razão de que os elementos da graça que entram na administração não devidamente fornecidos pelo termo “obras”. (2) Ela não é designada um pacto na Escritura. Oséias 6.7 pode ser interpretado de outra maneira e não proporciona a
base para tal construção da economia adâmica.[205] Além disso, a Escritura sempre usa o termo pacto, quando aplicado à administração de Deus aos homens, em referência a uma provisão que é redentiva ou intimamente relacionada ao desígnio redentivo. Pacto na Escritura denota a confirmação da promessa feita sob juramento, e envolve uma segurança que a economia adâmica não outorgou. [206]
Sobre a primeira razão apontada por Murray, é preciso compreender que, em sua concepção, a razão do termo “obras” não se coadunar com os elementos da graça existentes na relação de Deus com Adão é que, conforme sublinha John Fesko, “Murray acredita que as tratativas de Deus com Adão não eram fundamentadas na justiça, mas na graça”.[207] Murray afirma que o princípio “faça isso e você viverá” (Lv 18.5; Rm 10.5; Gl 3.12) não é aplicável ao relacionamento de Deus com Adão, pois o princípio afirmado nessas passagens é o da equidade, a saber, que “a justiça sempre é seguida pela recompensa correspondente. Da promessa da administração adâmica devemos dissociar todas as noções de recompensa meritória”. [208] Se Adão tivesse passado pela provação, ele poderia reivindicar o cumprimento daquilo que fora prometido por Deus, “mas apenas com base na fidelidade de Deus, não com base na justiça”. [209] No pensamento de Murray, a graça exclui qualquer noção de mérito e de justiça.
O Ensino Reformado Clássico Após o levantamento feito sobre o entendimento da Visão Federal a respeito do que vem a ser um pacto, a objetividade pactual, bem como o seu monopactualismo evidenciado na rejeição da doutrina bíblicoreformada clássica do pacto das obras, pode-se ter um entendimento, é preciso comparar suas afirmações com a Teologia Federal, a fim de
se observar se, como os visionistas federais afirmam, toda a confusão em torno do movimento se trata apenas de uma má compreensão das suas afirmações, ou se, de fato, a Visão Federal está em flagrante contraste com a Teologia Federal, situando-se fora, dessa forma, dos limites confessionais reformados. Quanto ao Conceito de Pacto e sua Natureza
Como visto no início, a Visão Federal, ao tratar do pacto, inicia com uma definição reducionista, modificando a essência do que é o pacto de Deus com o homem, que é definido meramente em termos relacionais, de maneira que, à figura do matrimônio é atribuída grande importância.[210] De maneira arquetípica, o pacto é o relacionamento intratrinitário, isto é, o relacionamento amoroso desfrutado pelas pessoas da Trindade. Em segundo lugar, e de maneira ectípica, o pacto é definido como nada mais que o relacionamento amoroso que Deus estabelece com o seu povo. Ainda de acordo com a acepção da Visão Federal, o relacionamento matrimonial é a figura que retrata com exatidão a natureza do pacto da graça entre Deus e o homem. A teologia federal clássica não nega que o elemento relacionamento esteja incluído no pacto. Uma vez que, de acordo com o Catecismo Maior de Westminster, na resposta à sua primeira pergunta, o “fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”[211] , segue-se que tal fim é inatingível a menos que haja um relacionamento entre Deus e o homem. Ela também admite que o relacionamento intratrinitário possui implicações diretas para o relacionamento de Deus com o seu povo. Sobre isso, Ligon Duncan faz a seguinte pontuação: A comunhão pactual de Deus conosco é modelada por e é um reflexo dos
relacionamentos intratrinitário. A vida compartilhada, a amizade das pessoas da Santíssima Trindade, que os teólogos chamam de perichoresis ou circumincessio, é o arquétipo do relacionamento, o gracioso pacto que Deus faz com seus eleitos e seu povo redimido. [212]
Apesar disso, o pacto não pode ser definido de maneira reducionista como é feito pelos proponentes da Visão Federal. Enquanto o elemento relacionamento, certamente, tem lugar dentro do contexto de um pacto, é extremamente importante reconhecer que, de acordo com as Sagradas Escrituras e conforme defendido pela teologia federal clássica, o pacto é, antes de qualquer coisa, um contrato, um acordo de natureza legal. Para Ligon Duncan, conquanto referir-se ao pacto como um relacionamento seja útil, bom e verdadeiro em alguns contextos, defini-lo tão somente dessa forma “verdadeiramente serve para obscurecer o uso que a Bíblia faz da palavra e da ideia de pacto”. [213]
De acordo com Fesko, nada obsta que pacto seja definido em termos contratuais/legais, tratando-se, na verdade, de uma conceituação axiomática: “Definir um pacto como um acordo, convênio ou tratado, por exemplo, é evidente a partir do uso do termo berith no Antigo Testamento”.[214] Isso é fortalecido devido à enorme possibilidade de o termo ser derivado do acadiano burru, que significa “estabelecer uma situação legal por meio de um testemunho acompanhado de juramento”.[215] É o caso da aliança entre Abraão e Abimeleque: “Tomou Abraão ovelhas e bois e deu-os a Abimeleque; e fizeram ambos uma aliança ( )” (Gênesis 21.27). A natureza legal ou contratual do pacto pode ser percebida no ato de erigir colunas que servissem de testemunho do tratado firmado entre duas partes: “Vem, pois, e façamos aliança ( ), eu e tu, que sirva de testemunha entre mim e ti. Então, Jacó tomou uma pedra e a erigiu por coluna. E disse a seus ir-
mãos: Ajuntai pedras. E tomaram pedras e fizeram um montão, ao lado do qual comeram. Chamou-lhe Labão Jegar-Saaduta; Jacó, porém, lhe chamou Galeede” (Gênesis 31.44-47). Sobre esta passagem Elmer Bernard Smick, um erudito do Antigo Testamento, “era prática comum levantar uma coluna de pedra em sinal de que um tratado tinha sido estabelecido entre duas casas ou nações [...] Em ambos os lados é feito um apelo à divindade como testemunha, demonstrando que a aliança é inalterável”. [216] Bruce K. Waltke, embora afirmando que o pacto retratado aqui difere da aliança que Deus fez com Abraão, afirma que, “o hebraico aqui é traduzido ‘fazer um acordo’ em 21.27 e 26.28; é como os tratados de não-agressão entre Abraão e Isaque com os filisteus”.[217] Em seguida, ele descreve o procedimento pelo qual o acordo era efetivado: O processo de acordo ocorre em pares: duas testemunhas para o pacto (o acordo em si, 31.44; monumentos de pedras, 31.45-48); dois monumentos de pedras (um monte de pedras e uma coluna, 31.51,52); dois nomes para os montes de pedras (aramaico e canaanita [=hebraico], 31.47); duas refeições (no início, 31.46; no fim, 31.54); duas provisões pactuais (a proteção das filhas numa terra estranha, 31.50; fronteiras tribais, 31.53); e dois deuses para monitorar o acordo (o Deus de Abraão e o deus de Naor, 31.53).[218]
Além de todos esses elementos apontados por Waltke, Smick destaca os tratados que eram assinados no Antigo oriente Próximo como evidência da natureza legal/contratual do pacto: Todavia, a melhor maneira de estabelecer uma aliança veio a ser o documento escrito em que as palavras da aliança, seus termos na forma de promessas e condições, eram lidas, testemunhadas, assinadas e seladas. Tais documentos existem em grande quantidade [...] Behm conclui: “Não há garantia mais firme de segurança legal, paz ou lealdade pessoal do
que a aliança”.[219]
Outro exemplo interessante nas Escrituras vem do pacto estabelecido entre Davi e Jônatas: “Jônatas e Davi fizeram aliança ( ); porque Jônatas o amava como à sua própria alma” (1Samuel 18.3). Obviamente, por aquilo que as Escrituras revelam, fica evidente que a aliança entre Jônatas e Davi envolvia o estabelecimento de um relacionamento mútuo, uma amizade e cumplicidade profundas. Não obstante, a natureza legal dessa aliança se evidencia a partir do instante em que Davi evoca a Deus como testemunha e fundamento da aliança entre aquele e Jônatas: “Usa, pois, de misericórdia para com o teu servo, porque lhe fizeste entrar contigo em aliança no SENHOR ( ); se, porém, há em mim culpa, mata-me tu mesmo; por que me levarias a teu pai?” (1Samuel 20.8). O pacto enquanto contrato ou acordo legal também aparece quando se tem em vista o pacto estabelecido por Deus com o homem. Meredith Kline demonstrou de que maneira os tratados de suserania do Antigo Oriente Próximo em muito se assemelham à aliança de Deus com o seu povo: Em anos recentes, atenção tem sido dada mais e mais diretamente às notáveis semelhanças entre o pacto de Deus com Israel e os tipos de tratados internacionais de suserania (também chamados de vassalo) encontrados no Antigo Oriente Próximo. Similaridades foram descobertas na superfície dos documentos, nas cerimônias de ratificação, nos modos de administração, e, mais basicamente, é claro, o relacionamento suseranovassalo em si mesmo. Do lado bíblico, a semelhança é mais evidente nos registros do pacto teocrático como instituídos através da mediação de Moisés, no Sinai, e posteriormente renovado sob Moisés e Josué [...] As palavras de abertura da proclamação sinaítica, “Eu sou o Senhor, teu Deus” (Êx 20.2a), correspondem ao preâmbulo dos tratados de suserania,
que identifica o suserano, ou o “grande rei” e cujos termos servem para inspirar reverência e temor [...] Tais tratados continuam num estilo “Eutu” com um prólogo histórico recontando as relações anteriores do grande rei com o vassalo e especialmente em seu benefício [...] Este elemento no documento pactual era claramente designado para inspirar confiança e gratidão no vassalo e, desse modo, fazer com que ele atendesse às obrigações pactuais, que constituem o terceiro elemento em Êxodo 20 e nos tratados internacionais.[220]
Sobre o uso de berith, assim Kline se expressa: Repetidamente nós lemos a respeito de um berith sendo “feito”. A feitura do berith é realizada através de um processo solene de confirmação. Caracteristicamente, essa transação se centraliza num juramento ou num voto, juntamente da sua maldição sancionada. Claramente, um berith é um tipo de acordo legal, uma disposição formal de um laço natural. No coração de um berith está um ato de compromisso. E a forma costumeira do voto desse compromisso revela a natureza religiosa da transação. O acordo berith não é um simples contrato secular, mas pertence à esfera sagrada do testemunho e da aplicação divinos. [221]
É preciso notar que, no entendimento de Kline, o pacto consiste tanto de um “laço natural” – o que transmite a ideia de relacionamento mútuo, comunhão íntima – quanto de uma “disposição formal”, ou seja, um acordo, um tratado com as estipulações, promessas em caso de obediência e maldições decorrentes da desobediência ao berith. Tal sempre foi o entendimento da teologia reformada clássica. O. Palmer Robertson, por exemplo, que concebe o pacto como envolvendo um relacionamento íntimo entre Deus e o homem [222] , também faz a seguinte afirmação sobre a sua natureza contratual: “Aliança é um pacto de sangue. Envolve compromissos com consequências de vida e de morte. No ato de estabelecimento da aliança, as partes se compro-
metem mutuamente, por meio de um processo formal de derramamento de sangue. Este derramamento de sangue representa a intensidade do comprometimento da aliança”. [223] É interessante que O. Palmer Robertson é evocado por Ralph Smith, com o objetivo de consubstanciar a definição reducionista de pacto enquanto relacionamento. Ele comete a falácia lógica do uso seletivo da evidência, ao citar as palavras de Robertson, que afirmam que um pacto significa um vínculo ou um relacionamento. Smith faz isso às expensas da elucidação posterior de Robertson, acerca do pacto instituído por meio de um processo formal. Deve ser considerada também a clássica definição oferecida pelo teólogo holandês da Nadere Reformatie, Herman Witsius, que em 1677, publicou o seu famoso compêndio a respeito da teologia do pacto. Para Witsius o pacto é um acordo que possui suas respectivas promessas, em caso de obediência, e sanções, em virtude da desobediência. Ele define um pacto da seguinte forma: “Um pacto de Deus com o homem é um acordo entre Deus e o homem, sobre a forma de se obter a felicidade consumada; incluindo uma ameaça de destruição eterna, com a qual, o desprezo da felicidade daquela forma oferecida, deve ser punido”.[224] Pela definição oferecida por Witsius pode-se entender que, o pacto não é identificado como sendo o relacionamento entre Deus e o homem. Antes, o pacto é o que torna possível esse relacionamento. J. I. Packer, na introdução à obra de Witsius, afirma que o pacto funciona como “uma base para uma vida com Deus de amizade, paz e amor comunicado”. [225] O pacto, então, é a condição sine qua non para que o homem possa desfrutar de amizade e de um relacionamento íntimo com Deus. Entender isso é de grande importância, pois – usando a metáfora preferida dos visionistas federais – mesmo o ma-
trimônio possui os seus aspectos legais e contratuais, como bem pontua Ligon Duncan: “Deve ser notado que o casamento é um relacionamento legal ou um relacionamento com dimensões legais (ele carrega consigo, de forma indissociável, requer obrigações morais e sociais, bem como proibições)”.[226] Não há, portanto, nenhuma contradição ao se pensar na aliança como possuindo aspectos relacionais e legais concomitantemente. Os aspectos legais e contratuais são necessários, pois funcionam como elementos protetores e fortalecedores do relacionamento. Enfatizar o aspecto relacional em detrimento do legal acaba por produzir um entendimento bastante desequilibrado da aliança de Deus com o homem. John Fesko resume isso muito bem: Que um pacto, por definição, é um acordo significa que um pacto cria um relacionamento, mas que ele possui um elemento legal. O elemento legal, por exemplo, é claramente evidente nas condições do pacto que são estipuladas. Se alguém falha em cumprir os termos do pacto, ou acordo, então, existem consequências para tal falha. O elemento legal na aliança não é um problema a menos que alguém argumente, como faz a Visão Federal, que o pacto é parte das opera ad intra da Trindade. [227]
Outro grande problema com a alegação feita pela Visão Federal é ustamente conceber o pacto como uma realidade ontológica, essencial do Ser divino. O pacto é igualado a realidades essenciais como as opera trinitatis ad intra, a saber, a eterna paternidade do Pai, a eterna geração do Filho e a processão do Espírito Santo. É interessante observar que, como pontua Louis Berkhof, as opera ad intra “são obras realizadas no interior do Ser Divino e não se finalizam na criatura” [228] , como deseja a Visão Federal em relação ao pacto. Ademais, nas seções onde a relação da Trindade com o pacto é abordada pelos visionistas fede-
rais, algo praticamente inexistente é a fundamentação bíblica para tal entendimento. Um exemplo interessante vem do próprio Ralph Smith, que após fundamentar o seu pensamento de um pacto ontológico intratrinitário em Abraham Kuyper, faz a seguinte confissão: “O argumento aqui é teológico, em vez de exegético”. [229] Uma afirmação interessante, considerando que há uma desconfiança generalizada dos visionistas federais em relação à Teologia Sistemática. Quanto à Objetividade Pactual
Outro elemento constitutivo do entendimento pactual da Visão Federal é a chamada objetividade pactual, que preconiza a existência de um relacionamento pactual objetivo entre Deus e o indivíduo, independentemente do sentimento ou da percepção deste acerca do relacionamento. De acordo com a objetividade pactual, o membro da igreja é eleito pactualmente, ainda que não seja eleito decretivamente. Para a Visão Federal, independentemente de ser eleito ou não, o mem bro comungante da igreja local, que foi admitido à sua membresia por meio do sacramento do batismo é, para todos os efeitos, cristão na real acepção do termo, além de estar verdadeiramente ligado a Jesus Cristo. Novamente evocando a metáfora do matrimônio, os visionistas federais afirmam que um homem é um marido de forma objetiva. Ele não é marido de uma mulher apenas por sentir isso, e não deixa de sêlo caso viva em adultério. Há, na verdade, uma relação objetiva entre este homem e a sua mulher. Ele é seu marido em toda e qualquer situação, independentemente de qualquer contingência. De igual modo, não há possibilidade de alguém ser membro da igreja e não ser um membro verdadeiro do pacto. Ser membro da igreja é ser membro do corpo de Cristo, e ser membro do corpo de Cristo implica dizer que se está unido a Cristo. E, de acordo com a teologia da Visão Federal, o sa-
cramento do batismo é o elemento iniciador dessa união verdadeira entre o cristão e Jesus Cristo. Em outras palavras, para a Visão Federal, o pacto da graça é estabelecido por Deus com todas as pessoas que receberam o sacramento do batismo. Todos aqueles que foram batizados são membros plenos do pacto da graça. A distinção a ser feita, considerando tais pessoas, não é entre membros externos e membros reais da aliança. Antes, a distinção gira em torno de duas categorias: cristãos fiéis ao pacto e cristãos transgressores do pacto. Mais uma vez, tal entendimento se apresenta completamente em desacordo com a teologia reformada clássica e com as Sagradas Escrituras. A objetividade do pacto pugnada pela Visão Federal também extrapola os limites confessionais ao afirmar que o pacto da graça é feito com todas as pessoas batizadas, independentemente da sua eleição. O Catecismo Maior de Westminster assim se expressa a este respeito na resposta à pergunta 31: “O pacto da graça foi feito com Cristo, como o segundo Adão; e, nele, com todos os eleitos, como sua semente”.[230] Interessantemente, os próprios adeptos da Visão Federal são conscientes de como o Catecismo afirma algo diametralmente oposto ao seu entendimento da objetividade pactual. Para eles, os divines de Westminster ignoraram completamente o significado do batismo e a natureza da salvação. Não obstante, compreende-se existir justeza entre o que é ensinado no documento confessional reformado e o que é asseverado nas Escrituras. O fato de alguém ser membro comungante de uma igreja local e ter recebido o sacramento do batismo não significa que ele é verdadeiro participante do pacto da graça. Um conceito importante que auxilia a compreender o porquê de os autores neotestamentários se referirem a todos os membros de uma determinada igreja como sendo
“santos”, “eleitos” ou como estando em Cristo, é o conceito do “julgamento caridoso” mencionado por Guy Waters. De acordo com ele, “todos concordam que os apóstolos não possuíam conhecimento infalível do estado dos corações da sua audiência”. [231] Assim, por qual motivo eles se referiam aos membros da igreja como faziam? A resposta poder observada, por exemplo, em 1Pedro 5.12: “Por meio de Silvano, que para vós outros é fiel irmão, como também o considero, vos escrevo resumidamente, exortando e testificando, de novo, que esta é a genuína graça de Deus; nela estai firmes”. O apóstolo Pedro assevera que considera a Silvano como um “fiel irmão”. Trata-se de um julgamento caridoso de Pedro a respeito de Silvano: “Em outras palavras, Pedro recebe a Silvano de acordo com a sua profissão [de fé] e de acordo com a vida que acompanha, corrobora e adora essa profissão”.[232] O julgamento caridoso não apenas concede a um membro comungante de uma igreja qualquer o benefício da dúvida, como tam bém se refere a esse membro nos termos daquilo que ele professa ser. Isso é algo completamente diferente de afirmar que, porque esse alguém recebeu o sacramento do batismo, então, ele é, verdadeiramente, um membro pleno do pacto da graça, alguém vitalmente ligado a Jesus Cristo. É interessante notar que a escrita do Breve Catecismo de Westminster leva em consideração o princípio do julgamento caridoso. Por exemplo, considere-se as seguintes perguntas do Catecismo: Pergunta 29.
Como nos tornamos participantes da redenção adquirida
por Cristo? Resposta. Tornamo-nos participantes da redenção adquirida por Cristo,
pela eficaz aplicação dela a nós pelo seu Santo Espírito.
Pergunta 30. Como o Espírito aplica-nos a redenção adquirida por Cris-
to? Resposta. O Espírito aplica-nos a redenção adquirida por Cristo, operan-
do em nós a fé, e unindo-nos a Cristo por meio dela em nossa vocação eficaz. Pergunta 31. O que é vocação eficaz? Resposta.
Vocação eficaz é a obra do Espírito Santo, pela qual, convencendo-nos de nosso pecado e de nossa miséria, iluminando nosso entendimento pelo conhecimento de Cristo, e renovando a nossa vontade, nos persuade e habilita a abraçar Jesus Cristo, que nos é oferecido de graça no Evangelho”.[233]
Sobre o uso da primeira pessoa do plural nas perguntas supramencionadas, Grover E. Gunn faz um comentário muito pertinente: Nesta seção, o Catecismo frequentemente usa pronomes na primeira pessoa do plural (eu, nós, nosso) em contextos onde a referência só pode ser aos eleitos de Deus (perguntas 21, 23-26) ou àqueles que são eficazmente salvos (perguntas 30-35). Nem todas as pessoas que recitam esse Catecismo são, necessariamente, eleitas e regeneradas individualmente. Aqui o Catecismo está usando o que às vezes é chamado de julgamento de caridade, que dá o benefício da dúvida e aborda as pessoas nos termos que elas professam ser.[234]
Várias passagens do Novo Testamento deixam claro que o esquema da objetividade pactual proposto pela Visão Federal é equivocado. Em Mateus 7.22-23 Jesus faz a seguinte declaração: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade”. Nesta passagem Jesus fala acerca de um grupo de pessoas
que, no último dia, reivindicará possuir ligação com ele. Contudo, apesar das suas alegações e da sua ligação à comunidade pactual, tais pessoas ouvirão de Cristo a assertiva no sentido de que nunca foram conhecidos por ele. Nunca houve uma ligação real. Nunca estiveram vitalmente ligadas a Cristo. As palavras de Jesus denotam que, da parte dos seus interlocutores, o que existia era meramente uma profissão de fé que, no final, mostrou-se falsa. Brian Schwertley oferece um comentário interessante sobre como esta passagem contradiz não apenas o arminianismo, mas também a proposição da Visão Federal: Ela [a passagem] também contradiz explicitamente o ensino de Auburn, de que pessoas que professam a Cristo e são batizadas são realmente unidas a ele, amadas por ele e perdoadas por ele, muito embora não estejam entre os eleitos (individualmente) e, eventualmente, apostatem. Perceba que Jesus diz a todos os falsos professantes no dia do julgamento: “Nunca vos conheci”. Visto que Deus é onisciente, a palavra “conheci” nesse contexto não se refere a um simples conhecimento intelectual [...] Pelo contrário, o termo “conheci” nessa passagem é usado com o sentido he braico de amor, reconhecimento, amizade e companheirismo íntimo. O nosso Senhor diz que todos da igreja visível que não são realmente salvos (ou seja, não possuem a verdadeira fé salvadora e as obras que demonstram a realidade dessa fé) nunca, nunca (nem mesmo por um momento sequer) tiveram um relacionamento ou uma união vital com ele. Não há outra maneira de interpretar as palavras do Salvador sem fazer violência ao texto da Escritura. [235]
Outra passagem que contradiz a objetividade pactual proposta pela Visão Federal é 1João 2.19: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivesse, sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”. O apóstolo João faz referência a um grupo de pessoas denominadas de “anticristos” (v. 18). O motivo
dessa alcunha pode ser aferido a partir do versículo 22, quando João diz: “Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho”. A partir daí, é possível concluir que João estava falando de falsos mestres que surgiram no meio da igreja, e apostataram. Pela doutrina sustentada pela Visão Federal, as pessoas a respeito das quais João está falando eram verdadeiramente cristãs, unidas vitalmente a Cristo pelo batismo e desfrutaram de todas as graças salvíficas adquiridas por Jesus, com exceção, é claro, da perseverança. Mas, de acordo com o apóstolo, tais falsos mestres nunca foram verdadeiramente cristãos, pois se tivessem sido, teriam permanecido. Sua apostasia teve o propósito direto e declarado de manifestar que nenhum daqueles falsos mestres era verdadeiramente membro da igreja: “todavia, eles se foram, para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”. Eles não eram cristãos e era necessário que isso fosse manifestado. A apostasia teve o propósito de deixar isso claro. De acordo com Joel R. Beeke: “Ser parte de uma comunidade cristã não é sinônimo de ser unido a Jesus Cristo. Membros de igrejas podem compartilhar a companhia terrena do povo de Deus, mas não o seu nascimento celestial”. [236] James Montgomery Boice é de opinião semelhante. De acordo com ele, duas doutrinas são ensinadas em 1João 2.19: a perseverança dos santos e a natureza da igreja visível. Sobre a primeira, ele diz o seguinte: “O relacionamento do verso com a primeira doutrina é visto na afirmação de que, se os falsos mestres fossem realmente membros do corpo de Cristo, eles teriam continuado com os outros membros do corpo de Cristo”. [237] Além disso, de acordo com o versículo 20, o que diferencia aqueles que permanecem na igreja daqueles que apostatam não é o simples fato de que estes não perseveraram. Antes, a diferença reside no fato de que os ver-
dadeiros cristãos possuem “unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento”, o que não pode ser dito dos demais. Mesmo em face de uma antiga profissão de fé eles nunca foram cristãos na real acepção do termo: “Sair da igreja para se opor à mensagem do Evangelho é sempre um indicador de que a pessoa realmente nunca pertenceu a Cristo, mesmo que tenha sido cristão professo”.[238] Por esta razão, é que se concebe a segunda declaração da Presbyterian Church in America a respeito da objetividade pactual, em seu Report on Federal Vision, como acertada: A visão de que um indivíduo é “eleito” em virtude de sua condição de membro da igreja visível, e que essa “eleição” inclui a justificação, adoção e santificação, mas que esse indivíduo pode perder sua “eleição” se abandonar a igreja visível, é contrária aos Padrões de Westminster.[239] Quanto ao Pacto das Obras
Outro ponto nevrálgico no sistema teológico da Visão Federal é o seu monopactualismo evidenciado na negação do conceito de pacto das obras, conforme afirmado pela Confissão de Fé de Westminster. Foi observado que, de acordo com os visionistas federais não se deve falar em dois pactos estabelecidos com a humanidade, um de obras e o outro da graça. Há um único pacto da graça tanto pré quanto póslapsariano. Além disso, na acepção dos visionistas, o elemento mais perturbador no esquema do pacto das obras é o conceito de mérito, segundo o qual, Adão, em face da sua obediência, teria colocado a Deus como seu devedor, algo simplesmente impensável. Em vez de mérito, deve-se falar em maturidade. Por este prisma, Adão não teria mérito algum diante de Deus por sua obediência. Em vez disso, ele – e sua descendência, nele – tão somente amadureceria em sua vida pactual e em seu desfrute da comunhão com Deus.
Sobre este ponto específico, é preciso proceder com algumas ponderações. Em primeiro lugar, é preciso admitir que, mesmo entre os teólogos reformados que defendem a existência de um pacto pré-lapsariano denominado de pacto das obras, há aqueles que também se posicionam contra a ideia de mérito, preferindo enxergar a graça como princípio operacional do pacto das obras. O teólogo holandês Herman Bavinck, por exemplo, afirma que a condição criatural humana em sua relação com Deus é suficiente para eliminar qualquer noção de mérito não apenas após a queda, mas também antes dela: Em segundo lugar, é claro que uma criatura não pode fazer isso sozinha ou possuir quaisquer direitos diante de Deus. Isto é implicitamente impossível, dado a natureza do caso. Como tal, uma criatura deve toda a sua existência, tudo o que é e tem, a Deus. Ela não pode fazer quaisquer reivindicações a Deus, e ela não pode se vangloriar de nada. Ela não possui direitos e não pode fazer exigências de nenhum tipo. Não existe tal coisa como mérito na existência da criatura diante do Criador, nem pode existir, visto que a relação entre o Criador e uma criatura elimina radicalmente e de uma vez por todas, qualquer moção de mérito. Isso é verdade após a queda, mas não menos antes da queda. Ali também, os seres humanos eram criaturas, sem prerrogativas, sem direitos, sem mérito.[240]
Ainda de acordo com Bavinck, “cada direito concedido à criatura é um benefício dado, um dom da graça, imerecido e não obrigatório. Toda recompensa do lado de Deus se origina na graça. Nenhum mérito, seja condigno ou congruente, é possível”. [241] O argumento usado por Bavinck para fundamentar sua afirmação da inexistência de qualquer mérito no pacto das obras é o pacto como manifestação da condescendência voluntária e bondosa de Deus. Deus não tinha nenhuma obrigação de estabelecer um pacto com a humanidade. O fato de ter ele feito o pacto das obras é uma manifestação da
sua condescendência voluntária, sua graça estendida à humanidade antes da queda. A própria Confissão de Fé de Westminster fala do pacto nesses termos: Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual foi ele servido expressar por meio de um pacto. [242]
Baseado nisso, foi que John Murray se opôs à doutrina do pacto das obras. Como já foi observado, de acordo com Murray a designação “pacto das obras” possuía a tendência de obscurecer os elementos da graça existentes na “administração adâmica”. Não obstante, é preciso refletir detidamente a este respeito, visto que como é sabido, o entendimento que alguém adota a respeito do pacto das obras terá consequência direta sobre as doutrinas da imputação da obediência ativa de Jesus e da justificação pela fé somente. Meredith Kline levanta alguns pontos interessantes a este respeito, argumentando que, “o paralelo que a Escritura nos diz existir entre os dois Adãos requer a conclusão de que, se o primeiro Adão não pôde merecer nada, assim também não pôde o segundo. Porém, se a obediência de Jesus não tem valor meritório, o fundamento do evangelho se vai”.[243] Dessa forma, argumentar que a graça estava operando no pacto das obras requer a conclusão de que ela também foi o princípio operacional da obediência de Jesus como o segundo Adão que cumpriu o pacto das obras. Outro ponto levantado por Kline diz respeito ao fato de que, se o pacto das obras precisar ser compreendido como envolvendo a graça, então a salvação acabará por ser redefinida em termos de uma conjugação entre fé e obras: “A tendência re-
sultante é confundir a justificação e a santificação num novo legalismo, em que o papel das boas obras, que não foi permitido entrar pela porta da frente agora entra pela porta dos fundos. O que Cristo não pôde fazer é deixado para que nós, de alguma forma, façamos”. [244] Obviamente, isso dá margem para as repetidas menções feitas à obediência da fé ou fé obediente, primeiramente, por Norman Shepherd, e depois pelos visionistas federais. Para Charles Lee Irons, o debate a respeito da existência ou não de mérito no pacto das obras é profundamente influenciado pelo de bate medieval entre intelectualistas e voluntaristas a respeito do Meritum. De acordo com Irons, esses dois grupos buscaram responder ao questionamento acerca do ratio meriti, ou seja, a base sobre a qual Deus recompensa o mérito humano. Os intelectualistas, seguindo a tradição tomista, “consideravam o valor intrínseco moral do ato como a base do seu mérito”.[245] Mérito, então, é uma realidade objetiva inerente ao ato em si. Os voluntaristas, por sua vez, afirmavam que “a base do mérito era a voluntária aceitação de Deus de um ato virtuoso ou um hábito como sendo meritório”. [246] Aqui o ratio meriti é totalmente extrínseco à ação. Ele repousa na voluntária condescendência de Deus em aceitar a ação e considerá-la como meritória. Outro detalhe, é que a ação, em si mesma, pode até possuir um valor meritório intrínseco, mas o que conta é o valor atribuído por Deus. Este valor atribuído por Deus é feito através de um pactum, no qual Deus “livre e graciosamente condescende em aceitar certos atos humanos como meritórios”.[247] A consequência lógica desse pensamento pode ser vista na maneira como Alister McGrath apresenta o princípio geral voluntarista estabelecido por Duns Scotus e sua relação com o sofrimento de Cristo:
Aplicando esse princípio à paixão de Cristo e à redenção da humanidade, Scotus afirma que um bom anjo poderia ter feito satisfação no lugar de Cristo, se Deus tivesse escolhido aceitar sua oferta como possuindo valor suficiente: o mérito da paixão de Cristo repousa exclusivamente na acceptatio divina.[248]
O debate a respeito do ratio meriti, que não girava em torno do pacto feito com o homem antes da queda, mas que se limitava à ordem redentiva, ficou conhecido como o debate a respeito do meritum de condigno versus meritum de congruo. Assim, de acordo com Irons, a ala reformada da teologia protestante foi profundamente influenciada pela escola voluntarista em sua formulação da teologia do pacto. Zuínglio, Bullinger, Calvino e outros na primeira geração que “desenvolveram os rudimentos do que nós agora conhecemos como teologia do pacto derivaram muito do seu ímpeto e inspiração para o pensamento pactual da asa voluntarista da teologia medieval”.[249] De acordo com John Fesko, essa influência pode ser percebida em João Calvino, em quem John Murray fundamenta a sua rejeição da ideia de mérito. [250] Fesko afirma que “o nominalismo de Calvino é mais evidente quando ele argumenta que Cristo não mereceu a salvação da igreja baseado na justiça, mas na graça”. [251] A alusão a Calvino é feita a partir das Institutas II.17.1: Portanto, quando se trata do mérito de Cristo, não se estabelece que nele próprio resida o princípio desse mérito; ao contrário, remontamos à ordenança de Deus, que é a causa primeira, porquanto de seu puro beneplácito Deus o estabeleceu por Mediador, para que nos adquirisse a salvação [...] Mas, a nossas obras se contrapõe apropriadamente tanto ao favor gratuito de Deus, quanto à obediência de Cristo, cada um em sua medida, porquanto Cristo não pôde merecer o que quer que seja, a não ser pelo beneplácito de Deus, mas porque fora a isto destinado: que por seu sacrifício aplacasse a ira de Deus e por sua [sic] obediência limpasse
nossas transgressões. Em síntese, uma vez que o mérito de Cristo depende tão-somente da graça de Deus, a qual nos constituiu este modo de salvação, com toda propriedade se opõe a toda justiça humana, não menos que a graça de Deus, que é a causa donde procede.[252]
O valor do mérito de Cristo, de acordo com Calvino, é baseado na estipulação de Deus. O mérito de Cristo é baseado na graça do Pai, não na sua justiça. Em seu comentário ao Evangelho de João 15.13, Calvino também faz a seguinte afirmação que, na visão de muitos, costuma ser tirada do seu contexto, a fim de fundamentar a doutrina da necessidade relativa da expiação: “Deus poderia ter nos redimido com uma única palavra, ou com um mero gesto de sua vontade, se não tivesse proposto algo melhor em nosso benefício, para que, ao não poupar seu próprio e bem-amado Filho, pudesse testificar em sua pessoa o quanto ele se preocupa com nossa salvação”. [253] O que ocorreu, além disso, foi que o conceito de mérito congruente foi incorporado ao pacto estabelecido por Deus com o homem antes da queda. De acordo com Irons, isso pode ser visto no primeiro parágrafo da CFW no capítulo a respeito do pacto, anteriormente mencionado. Seu raciocínio é que a afirmação confessional parece ser no sentido de que “o pacto está sendo introduzido para vencer o impressionante abismo metafísico entre Deus e a criatura de maneira a tornar possível o que, de outra maneira, seria impossível – o homem finito colocar um deus infinito em débito por uma obediência finita”. [254] A condescendência de Deus em vencer esse extraordinário abismo metafísico é visto como voluntária e livre sendo, dessa forma, um ato de pura graça, de maneira que qualquer ato de obediência do homem só é possível em razão dessa graciosa, livre e voluntária condescendência.
Meredith Kline rejeitou tanto a noção de meritum condigno quanto de meritum de congruo. De acordo com ele, pensar no pacto das obras em termos de comparação entre a justiça do ato e a recompensa oferecida é errado: “O ponto que realmente queremos estabelecer, é que a presença ou ausência de justiça não é determinada pela comparação quantitativa do valor do ato de obediência e a consequente recompensa”.[255] Antes, a presença da justiça é determinada por aquilo que Deus declarou no pacto: “Nós podemos evitar acusações blasfemas contra o Pai apenas se reconhecermos que a justiça de Deus deve ser definida e julgada em termos do que ele estipulou em seus pactos”.[256] Isto posto, Kline apresenta uma redefinição do conceito de mérito, situando-o estritamente dentro do pacto. Não obstante, para ele, não é o pacto que é uma expressão da voluntária condescendência de Deus. Como demonstrado por Irons, a criação do homem segundo a imago Dei, essa sim, é uma expressão de voluntária condescendência. Uma vez que o homem foi criado segundo a imagem de Deus, o relacionamento pactual é algo inescapável, como sugerido pelas perguntas iniciais tanto do Breve Catecismo quanto do Catecismo Maior de Westminster.[257] O mérito, então, é definido nos seguintes termos: “(1) Em vez de um estado ontológico intelectualmente registrado na mente divina, o mérito é constituído apenas pelo cumprimento das estipulações de um pacto divinamente sancionado; (2) A medida do mérito é definida pelos termos do pacto, que em si mesmo é a única revelação e definição possível da justiça divina”.[258] Esta definição de mérito se opõe tanto ao conceito de meritum condigno quanto de meritum de congruo, haja vista que não existe mérito à parte do relacionamento pactual com Deus e também porque o próprio pacto é a revelação da justiça de Deus. Assim, os argumen-
tos levantados pelos adeptos da Visão Federal contra o pacto das obras, no sentido de que a recompensa oferecida é desproporcional à obra exigida de Adão e, por essa razão, o homem não pode ter mérito algum diante de Deus, mostram-se vazios. Como elucida Irons: Contrário a tais noções, o pacto das obras é apenas isso, um pacto de obras meritórias. Quando o Pai revelou a Adão que ele poderia obter confirmação em retidão e sua concomitante recompensa de vida eterna se ele cumprisse a obediência estipulada (abster-se da árvore do conhecimento do bem e do mal, e destruir as obras do diabo por resistir às suas tentações), ele não estava condescendendo na liberdade da sua graça, mas pactuando na revelação da sua justiça.[259]
A opinião de Lee Irons está em consonância com a afirmação feita por Witsius: Mas o homem, quando da aceitação do pacto e da realização da condição, adquire algum direito de exigir de Deus a promessa, pois Deus tem, por suas promessas, feito a si mesmo um devedor ao homem. Ou, para falar de uma maneira mais digna do Ser de Deus, ele tem se agradado de cumprir suas promessas, um débito devido a si mesmo, à sua bondade, justiça e veracidade. E ao homem no pacto, continuando firme nele, ele concedeu o direito de esperar e exigir que Deus tem de satisfazer as demandas da sua bondade, justiça e verdade, pelo cumprimento das promessas.[260]
Por fim, deve-se salientar que, a preocupação em salvaguardar a graça e a ação monergística de Deus na salvação do homem é algo louvável. No entanto, o modo como a Visão Federal procede acaba por trazer consequências funestas para aquilo que ela mesma pugna por defender, uma vez que, com a negação do pacto das obras, seguese a negação da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo o que, por sua vez, afeta de modo drástico a doutrina da justificação pela fé
somente, o que será a matéria do próximo capítulo.
[78] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. p. 29. Minha tradução. [79] Visão Federal, do latim foedus, que significa “federal” ou “pacto”. [80] ENGELSMA, David J. Federal Vision: Heresy at the Root. Jenison, MI: Reformed Free Publishing Association, 2012. p. 79. Minha tradução. [81] Ibid. p. 80. Minha tradução. [82] HORTON, Michael S. Introducing Covenant Theology. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2009. p. 11. Minha tradução. [83] Ibid. p. 13. Minha tradução. O mesmo é afirmado por Ligon Duncan III: “Teologia do pacto é teologia sistemática em que ela reconhece os pactos como um fundamento arquitetônico ou um princípio organizacional para a teologia da Bíblia. Assim ela procede para integrar o ensinamento bíblico sobre a representatividade federal de Adão e Cristo, a natureza pactual da encarnação e da expiação, as continuidades e descontinuidades no progresso da história redentiva, a relação das escrituras judaicas e cristãs, lei e evangelho, tudo isso dentro de um sistema teológico coerente”. Cf. DUNCAN, Ligon. “Recent Objections to Covenant Theology: A Description, Evaluation and Response”. In: DUNCAN, Ligon (Ed.). The Westminster Confession into the 21st Century. Vol. 3. Ross-Shire, UK: Christian Focus Publications, 2009. p. 498. Minha tradução. [84] PHILLIPS, Richard D. Disponível em: “Covenantal Confusion”.
by Comparing Van Til, Plantinga, and Kuyper. p. 74. Minha tradução. [90] Ibid. p. 75. Minha tradução. [91] Ibid. p. 98. Minha tradução. [92] Ibid. p. 99. Minha tradução. [93] Ibid. p. 100. Minha tradução. [94] CAMPOS, Heber Carlos de. As Duas Naturezas do Redentor. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 28. David VanDrunen e R. Scott Clark, professores no Westminster Seminary California, em Escondido, apresentam uma excelente definição do Pactum Salutis: “Na teologia reformada o pactum salutis tem sido definido como um acordo intertrinitário pré-temporal entre o Pai e o Filho, no qual o Pai promete redimir um povo eleito. Por sua vez, o Filho se voluntaria para obter a salvação do seu povo ao se tornar encarnado (tendo o Espírito preparado um corpo para ele), eggouj por agir como o fiador (eggouj, patrocinador, fideiussor ou expromissor) do pacto da graça e como mediador do pacto da graça para o eleito”. Cf. CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry: Essays by the Faculty of Westminster Seminary California. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2007. p. 168. Minha tradução. Uma definição clássica mais antiga é oferecida pelo teólogo reformado holandês Herman Witsius: “Quando eu falo do pacto [compact, pactum] entre o Pai e o Filho, eu assim entendo como a vontade do Pai de dar o Filho para ser o Cabeça e Redentor dos eleitos; e a vontade do Filho, apresentando a si mesmo como Patrocinador ou Fiador deles”. Cf. WITSIUS, Herman. The Economy of the Covenants between God and Man. II.2.2. Grand Rapids, MI: Reformation Heriage Books, 2010. p. 165. Minha tradução. [95] WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism and Salvation”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. Monroe, LA: Athanasius Press, 2004. p. 51. Minha tradução. [96] SMITH, Ralph A. Eternal Covenant: How the Trinity Reshapes Covenant Theology. Moscow, ID: Canon Press, 2003. Posição 411. Edição Kindle. Minha tradução. [97] SMITH, Ralph A. Trinity and Reality: An Introduction to the Christian Faith. Moscow, ID: Canon Press, 2004. p. 38. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [98] JORDAN, James B. The Law of the Covenant: An Exposition of Exodus 21-23. Tyler, TX: Institute for Christian Economics, 1984. p. 5. Minha tradução. [99] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A
Comparative Analysis. p. 11. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [100] Ibid. p. 10. Minha tradução. [101] SCHLISSEL, Steve. Covenant: Keep It Simple. Disponível em: . Acesso em: 12 junho 2015. Minha tradução. [102] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 305. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [103] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 65. A mesma definição é apresentada em outros dois livros: “Uma aliança é simplesmente um vínculo solene, soberanamente administrado, com suas respectivas bênçãos e maldições”. Cf. WILSON, Douglas. Futuros Homens: Criando Meninos para Enfrentar Gigantes. p. 40, e WILSON, Douglas. Federal Husband. Moscow, ID: Canon Press, 1999. p. 13. [104] WILSON, Douglas. “The Objectivity of the Covenant”. In: Credenda/Agenda. Vol. 15. N. 1. Moscow. ID, 2003. p. 4. Minha tradução. [105] WILSON, Douglas. Reformando o Casamento: A Vida Conjugal conforme o Evangelho. Recife: CLIRE, 2013. pp. 14-15. Ênfase do autor. [106] Apud WATERS, Guy Prentiss The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 11. Minha tradução. [107] SMITH, Ralph A. Eternal Covenant: How the Trinity Reshapes Covenant Theology. Posição 432-437. Edição Kindle. Minha tradução. [108] Ver a nota nº 98. [109] SMITH, Ralph A. Trinity and Reality: An Introduction to the Christian Faith. p. 38. Minha tradução. [110] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 14. Minha tradução. [111] Ibid. p. 18. [112] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 21. Minha tradução. [113] Ibid. p. 22. Minha tradução. [114] Ibid. Minha tradução. [115] Cf. O Catecismo Maior de Westminster. Pergunta 31. p. 37. [116] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. p. 203. Minha tradução.
[117] Ibid. Minha tradução. [118] “The Monroe Four Speak Out (With Response)”. In: The Council of Chalcedon. 2004. Disponível em: . Acesso em: 10 março 2015. Minha tradução. [119] WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism and Salvation”. In: Steve Wilkins e Duane Garner (Eds.). The Federal Vision. p. 55. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [120] BOOTH, Randy. “The Sensible Covenant”. In: SANDLIN, P. Andrew (Ed.). Backbone of the Bible: Covenant in Contemporary Perspective. Nagocdoches, TX: Covenant Media Foundation, 2004. p. 25. Minha tradução. [121] Ibid. Ênfase do autor. Minha tradução. [122] Ibid. Minha tradução. [123] Ibid. Minha tradução. [124] Ibid. p. 27. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [125] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 168. Minha tradução. [126] Logo no início do documento intitulado A Call to Repentance, aprovado e publicado pelo Covenant Presbytery, da RPCUS, em junho de 2002, é possível ver esta acusação: “Que o ensino de vários palestrantes, Douglas Wilson, Steve Schlissel, John Barach e J. Steve Wilkins, tem o efeito de destruir a fé reformada através da introdução de falsos princípios hermenêuticos, infusão de sacerdotalismo e pela redefinição das doutrinas da igreja, dos sacramentos, eleição, vocação eficaz, perseverança, regeneração, justificação, união com Cristo e a natureza e instrumentalidade da fé”. Cf. Covenant Presbytery. “A Call to Repentance”. In: The Council of Chalcedon. Issue 1. p. 13. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [127] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 101. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [128] LEITHART, Peter J. “Modernity and the ‘Merely Social’: Toward a SocioTheological Account of Baptismal Regeneration”. Apud Ibid. p. 98. Minha tradução. [129] Ibid. Minha tradução. [130] Ibid. p. 99. Minha tradução.
[131] Ibid. pp. 131-132. Minha tradução. [132] BOOTH, Randy. “The Sensible Covenant”. In: SANDLIN, P. Andrew (Ed.). Backbone of the Bible: Covenant in Contemporary Perspective. p. 29. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [133] Ibid. Minha tradução. [134] Verificar a nota de rodapé nº 112. [135] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 169. Minha tradução. Para se ter a devida dimensão da importância da teologia sacramental para Leithart, convém lembrar também que a sua tese de doutorado tratou especificamente do sacramento do batismo. Sua tese de doutrorado foi publicada com o seguinte título: The Priesthood of the Plebs: A Theology of Baptism. Ele possui outra obra específica sobre o batismo, que mais à frente receberá a devida atenção: The Baptized Body. [136] LEITHART, Peter J. The Kingdom and the Power: Rediscovering the Centrality of the Church. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1993. pp. 21-22. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [137] LEITHART, Peter J. “Why Sacraments Are Not Means of Grace”. Disponível em: . Minha tradução. Acesso em: 12 março 2015. [138] Ibid. Minha tradução. [139] Ibid. Minha tradução. [140] Ibid. Minha tradução. [141] LEITHART, Peter L. “‘Framing’ Sacramental Theology: Trinity and Symbol”. In: Westminster Theological Journal. Vol. 62. Philadelphia, PA: Westminster Theological Seminary, 2000. p. 13. Minha tradução. [142] Ibid. Minha tradução. [143] Ibid. p. 14. Minha tradução. [144] Ibid. Minha tradução. [145] Ibid. [146] Ibid. Minha tradução. [147] Ibid. p. 15. Minha tradução. [148] Ibid. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [149] LEITHART, Peter J. “Primer on Baptism”. Disponível em: . Acesso
em: 12 março 2015. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [150] LEITHART, Peter J. The Baptized Body. Moscow, ID: Canon Press, 2007. p. 4. Minha tradução. [151] Ibid. p. 6. Minha tradução. [152] Ibid. p. 7. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [153] Ibid. p. 54. Minha tradução. [154] LEITHART, Peter J. “Primer on Baptism”. Minha tradução. Leithart explica com mais detalhes esta relação em outro lugar: “1Coríntios 12.12 é particularmente impressionante pela forma como Paulo identifica a Cabeça e os membros do corpo de Cristo como ‘Cristo’. ‘Cristo’ não é apenas o título da Cabeça Ungida. A unção flui como o orvalho de Hermom, que desce da Cabeça sacerdotal pela barba até a gola das suas vestes. Quem quer que seja tocado por esta unção no Espírito (vv. 1213) se torna um membro do corpo da Cabeça. Quem quer que seja tocado por esta unção é parte de ‘Cristo’. Juntos, a Cabeça ungida e o corpo ungido formam um único Ungido, um Cristo. A ideia de Agostinho de um totus Christus, um ‘Cristo completo’ feito da Cabeça e do corpo não é fabricação fantasiosa de uma mente plotiniana. É puramente paulina. E este ‘Cristo completo’ é a igreja visível e histórica”. Cf. LEITHART, Peter J. The Baptized Body. p. 62. Minha tradução. A concepção de Leithart sobre o totus Christus em muito se aproxima da concepção Católica Romana, que é a de uma conexão real, essencial, ontológica entre Cristo e a igreja. [155] LEITHART, Peter J. The Baptized Body. pp. 69-74. [156] Ibid. p. 78. Minha tradução. [157] JORDAN, James B. “Monocovenantalism”. Disponível em: . Minha tradução. Acesso em: 16 março 2015. [158] Ibid. Minha tradução. [159] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. Fort Lauderdale, FL: Knox Theological Seminary, 2004. p. 121. Minha tradução. [160] Ibid. Minha tradução. [161] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. pp. 65-66. Ênfase acrescentada. Minha tradução.
[162] Ibid. p. 66. Minha tradução. [163] WILSON, Douglas. “A Collection of Short Credos”. In: Credenda/Agenda. Vol. 15. N. 5. Moscow. ID, 2003. p. 4. Minha tradução. [164] WILSON, Douglas. Westminster Systematics: Comments and Notes on the Westminster Confession. Moscow, ID: Canon Press, 2014. p. 58. Minha tradução. [165] Ibid. Minha tradução. [166] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 123. Minha tradução. [167] De acordo com Mark Horne, o homem nunca esteve numa posição que o colocasse como merecedor das bênçãos de Deus. Ele afirma num artigo em seu site que, “enquanto é verdade que o pecado corrompe tudo o que nós fazemos agora, mesmo à parte do pecado as nossas obras nunca poderiam colocar Deus como nosso devedor”. Cf. HORNE, Mark. “The God of Grace”. Disponível em: . Acesso em: 17 março 2015. Minha tradução. Conquanto não objete ao uso da expressão “Pacto das Obras”, Horne afirma que, “é inteiramente implausível e injustificado dizer que (1) era certo que Adão ganharia ou mereceria a glória futura de Deus de acordo com os termos do pacto de Deus com ele”. Cf. HORNE, Mark. “Covenant of Works?” Disponível em: . Acesso em: 17 março 2015. Minha tradução. [168] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 122. Minha tradução. [169] Ibid. p. 123. Minha tradução. [170] Ibid. p. 124. Minha tradução. [171] Ibid. p. 125. Minha tradução. [172] “Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante”. [173] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 124. Minha tradução. [174] JORDAN, James B. “Merit Versus Maturity: What Did Jesus Do For Us?”, In:
WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 151. [175] Ibid. Minha tradução. [176] Ibid. p. 153. Minha tradução. [177] A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 147. [178] Ibid. pp. 65-66. [179] JORDAN, James B. “Merit Versus Maturity: What Did Jesus Do For Us?”, In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane. The Federal Vision. p. 154. Minha tradução. [180] Ibid. Minha tradução. [181] Ibid. Minha tradução. [182] Ibid. p. 155. Minha tradução. [183] Ibid. p. 158. Minha tradução. [184] Ibid. Minha tradução. [185] Ibid. p. 159. Minha tradução. [186] Ibid. Minha tradução. [187] Ibid. p. 160. Minha tradução. [188] Ibid. p. 165. Minha tradução. [189] FESKO, J. V. “The Federal Vision and the Covenant of Works”. Disponível em: . p. 13. Minha tradução. Acesso em: 20 março 2015. [190] JORDAN, James B. “Merit Versus Maturity: What Did Jesus Do For Us?”, In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane. The Federal Vision. p. 167. Minha tradução. [191] Ibid. Minha tradução. [192] Ibid. p. 178. Minha tradução. [193] Ibid. p. 183. Minha tradução. [194] SMITH, Ralph A. “Interpreting the Covenant of Works”. Disponível em: . Acesso em: 20 março 2015. JORDAN, James B. “Merit Versus Maturity: What Did Jesus Do For Us?”, In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane. The Federal Vision. pp. 151-155. LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. pp. 119-121. [195] SMITH, Ralph A. “Interpreting the Covenant of Works”. p. 2. Minha tradução. [196] GORDON, T. David. “Reflections on Auburn Theology”. In: JOHNSON,
Gary L. W. e WATERS, Guy P. (Eds.). By Faith Alone: Answering the Challenges to the Doctrine of Justification. Wheaton, IL: Crossway, 2007. p. 118. [197] JEON, Jeong Koo. Covenant Theology and Justification by Faith: The Shepherd Controversy and Its Impacts. Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, 2006. p. 3. Minha tradução. Interessantemente, John Murray foi professor de Norman Shepherd e seu antecessor como professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia. [198] John Murray, apesar de rejeitar a doutrina do foedus operum não nega, como faz a Visão Federal, a ideia da obra meritória de Jesus Cristo. Sobre isso, ele afirma o seguinte: “Pode ser dito que a relação é que a justificação sustenta a santificação, que a morte e ressurreição de Cristo são, diretamente, o fundamento da nossa justificação, que a justificação é o fundamento da santificação em que ela estabelece a única relação própria sobre a qual a vida de santidade pode repousar, e que a relação da morte e ressurreição de Cristo para a santificação é indireta, através da justificação. Ou pode ser dito que por sua morte e ressurreição Cristo tem adquirido cada dom salvífico. A morte e a ressurreição são, portanto, a causa meritória e de aquisição tanto da santificação como da justificação”. Cf. MURRAY, John. Collected Writings of John Murray: Systematic Theology. Vol. 2. Edinburgh, UK: The Banner of truth Trust, 2001. pp. 286-287. Ênfase acrescentada. Minha tradução. Por esta razão, Jeong Koo Jeon afirma acertadamente que, “sua teologia [de John Murray] permanence compatível com a distinção entre o pacto das obras e o pacto da graça, visto que a sua rejeição do pacto das obras não é substancial”. Cf. JEON, Jeong Koo. Covenant Theology and Justification by Faith: The Shepherd Controversy and Its Impacts. p. 3. Minha tradução. Todavia, em virtude do apelo que alguns visionistas federais fazem a John Murray, T. David Gordon afirma que é seguro dizer, que “Auburnismo é essencialmente em desenrolar de Murrayismo”. Cf. GORDON, T. David. “Reflections on Auburn Theology”. In: JOHNSON, Gary L. W. e WATERS, Guy P. (Eds.). By Faith Alone: Answering the Challenges to the Doctrine of Justification. p. 122. Minha tradução. [199] MURRAY, John. O Pacto da Graça: Um Estudo Bíblico-Teológico. São Paulo: Os Puritanos, 2001. p. 8. [200] Ibid. p. 9. Alhures, Murray faz a seguinte observação: “Desde o início e ao longo do desenvolvimento da teologia do pacto, o pacto tem sido definido como um contrato, um pacto ou um acordo entre partes”. Cf. MURRAY, John. The
Collected Writings of John Murray: Studies in Theology. Vol. 4. Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 1983. p. 216. Minha tradução. [201] MURRAY, John. O Pacto da Graça: Um Estudo Bíblico-Teológico. p. 21. [202] Ibid. p. 51. [203] MURRAY, John. Collected Writings of John Murray: Systematic Theology. Vol. 2. p. 49. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [204] Ibid. p. 50. Minha tradução. [205] Em razão do escopo do presente trabalho e também de a principal afirmação da Visão Federal girar em torno do princípio operacional das obras ou mérito, a segunda razão apresentada por John Murray, apenas a primeira objeção levantada por ele em relação ao pacto das obras será aqui abordada. [206] MURRAY, John. Collected Writings of John Murray: Systematic Theology. Vol. 2. p. 49. Minha tradução. [207] FESKO, J. V. Justification: Understanding the Classic Reformed Doctrine. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2008. p. 128. Minha tradução. [208] MURRAY, John. Collected Writings of John Murray: Systematic Theology. Vol. 2. p. 55. Minha tradução. [209] Ibid. p. 56. Minha tradução. [210] É importante salientar que, tal entendimento reducionista não é peculiar à Visão Federal. É possível encontrar teólogos reformados que não compartilham dos seus conceitos teológicos, mas que também repudiam a noção de pacto como um contrato legal, preferindo defini-lo estritamente em termos relacionais. É o caso de Herman Hoeksema. De acordo com ele, “o pacto entre Deus e o homem nunca pode ser um acordo com estipulações mútuas, condições e promessas”. Ele diz que é preciso definir a ideia do pacto como “essa ligação viva de comunhão entre Deus e o homem, que assume a forma particular de amizade. E por amizade nós queremos dizer um vínculo de íntima comunhão de amor que subsiste entre pessoas sobre o fundamento da maior igualdade possível, que diferem no que diz respeito a propriedades pessoais”. Cf. HOEKSEMA, Herman. “The Idea of the Covenant”. Disponível em: . pp. 4,7. Minha tradução. Acesso em: 25 março 2015.
[211] O Catecismo Maior de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2005. p. 7. [212] DUNCAN, Ligon (Ed.). The Westminster Confession into the 21st Century. Vol. 3. p. 500. Minha tradução. [213] Ibid. p. 494. Minha tradução. [214] FESKO, J. V. “The Federal Vision and the Covenant of Works”. p. 9. Minha tradução. [215] HARRIS, R. Laird, ARCHER JR., Gleason L., e WALTKE. Bruce K. (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 215. [216] Ibid. [217] WALTKE, Bruce K. e FREDRICKS, Cathi J. Comentários do Antigo Testamento: Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 536. [218] Ibid. pp. 536-37. [219] HARRIS, R. Laird, ARCHER JR., Gleason L., e WALTKE, Bruce K. (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 215. Ênfase acrescentada. [220] KLINE, Meredith G. The Treaty of the Great King: The Covenant Structure of Deuteronomy. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2012. pp. 14-15. Minha tradução. [221] KLINE, Meredith G. Kingdom Prologue: Genesis Foundations for a Covenantal Worldview. Overland Park, KS: Two Age Press, 2000. p. 1. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [222] Assim Robertson se expressa: “Extensas investigações na etimologia do termo do Antigo Testamento para ‘aliança’ ( ) têm-se provado inconclusivas na determinação do sentido da palavra. Todavia, o uso contextual do termo nas Escrituras indica, de maneira razoavelmente consistente, o conceito de ‘pacto’ ou ‘relacionamento’. É sempre uma pessoa, ou Deus ou o homem, quem faz uma aliança. Ainda mais, é outra pessoa que se contrapõe como a outra parte da aliança, com poucas exceções. O resultado de um compromisso de aliança é o estabelecimento de uma relação ‘em conexão com’, ‘com’ ou ‘entre’ pessoas”. Cf. ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. pp. 10-11. [223] Ibid. p. 20. Ênfase acrescentada. [224] WITSIUS, Herman. The Economy of the Covenants between God and Man.
I.1.9. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2010. p. 45. Minha tradução. [225] PACKER, J. I. “Introduction on Covenant Theology”. In: Ibid. p. [29]. Minha tradução. [226] DUNCAN, Ligon (Ed.). The Westminster Confession into the 21st Century. Vol. 3. p. 495. Minha tradução. [227] FESKO, J. V. “The Federal Vision and the Covenant of Works”. p. 10. Minha tradução. [228] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 85. [229] SMITH, Ralph A. Paradox and Truth: Rethinking Van Til on the Trinity by Comparing Van Til, Plantinga, and Kuyper. p. 79. Minha tradução. [230] O Catecismo Maior de Westminster. p. 37. [231] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 18. Minha tradução. [232] Ibid. p. 19. Minha tradução. [233] O Breve Catecismo de Wesminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. pp. 33-34. Ênfase acrescentada. [234] GUNN, Grover E. “The Federal Vision, the Dual Aspect and the Shorter Catechism”. Disponível em: . Acesso em: 30 março 2015. Minha tradução. [235] SCHWERTLEY, Brian E. “A Defense of Reformed Orthodoxy against the Romanizing Doctrines of the New Auburn Theology”. Disponível em: . Acesso em: 30 março 2015. Minha tradução. [236] BEEKE, Joel R. The Epistles of John. Webster, NY: Evangelical Press, 2006. p. 99. Minha tradução. [237] BOICE, James Montgomery. The Epistles of John: An Expositional Commentary. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2006. p. 69. Minha tradução. [238] LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando o Novo Testamento: Primeira Carta de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2005. p. 75. Ênfase acrescentada. [239] Report of ad interim Study Committee on Federal Vision, New Perspective, and Auburn Avenue Theology. p. 35. Disponível em: . Acesso em: 31 março 2015.
[240] BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics: God and Creation. Vol. 2. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2009. p. 570. Minha tradução. [241] Ibid. Minha tradução. [242] A Confissão de Fé de Westminster. VII.1. p. 65. [243] KLINE, Meredith. “Covenant Theology under Attack”. Minha tradução. Disponível em: . Acesso em: 01 abril 2015. [244] Ibid. Minha tradução. [245] IRONS, Lee. “Redefining Merit: An Examination of Medieval Presuppositions in Covenant Theology”. Disponível em: . p. 6. Minha tradução. Acesso em: 01 abril 2015. [246] Ibid. p. 7. Minha tradução. [247] Ibid. p. 8. Minha tradução. [248] MCGRATH, Alister E. Iustitia Dei: A History of the Christian Doctrine of Justification. 3.ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005. p. 86. Minha tradução. [249] IRONS, Lee. “Redefining Merit: An Examination of Medieval Presuppositions in Covenant Theology”. p. 11. Minha tradução. [250] MURRAY, John. The Collected Writings of John Murray: Studies in Theology. Vol. 4. p. 218,219. [251] FESKO, J. V. Justification: Understanding the Classic Reformed Doctrine. p. 130. Minha tradução. [252] CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. II.17.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. pp. 279-280. Ênfase acrescentada. [253] CALVINO, João. Evangelho Segundo João. Vol. 2. São José dos Campos: Fiel, 2015. p. 128. É importante saber que o puritano John Owen se opôs ao entendimento de Calvino a respeito da necessidade da expiação e, consequentemente, dos méritos de Jesus Cristo. No prefácio ao leitor da sua famosa Dissertation on Divine Justice, Owen cita Calvino entre aqueles a quem ele se opõe em seu entendimento a respeito da necessidade da expiação. Outros nomes citados são: Agostinho, Wolfgang Musculus, William Twisse, o presidente da Assembleia de Westminster, e Vossius. Cf. “A Dissertation on Divine Justice”. In: OWEN, John. The Works of John Owen: The Death of Christ. Vol. 10.
Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 2009. p. 488. O objetivo de Owen é afirmar a absoluta necessidade da obra expiatória de Cristo a partir da definição da justiça divina considerada em si mesma: “A justiça de Deus, absolutamente considerada, é a retidão e perfeição da divina natureza. Para tal é a natureza divina antecedente a todos os atos da sua vontade e suposições de objetos em relação aos quais ela pode operar”. Cf. Ibid. p. 498. Minha tradução. Por esta razão, todos os atos de Deus necessitam estar em conformidade com a perfeição da sua natureza divina. Dessa forma, a expiação não pode ser entendida como não sendo absolutamente necessária. E uma implicação disso, na visão de Fesko, é que “se o mérito de Cristo não fosse julgado com base na justiça e absoluta necessidade, então Deus poderia ter redimido o homem por outros meios”. Cf. FESKO, J. V. Justification: Understanding the Classic Reformed Doctrine. p. 131. Minha tradução. Uma vez que, tal não é o caso, segue-se que a obra de Cristo é, em si mesma, meritória. [254] IRONS, Lee. “Redefining Merit: An Examination of Medieval Presuppositions in Covenant Theology”. p. 14. Minha tradução. [255] KLINE, Meredith. “Covenant Theology Under Attack”. Minha tradução. [256] Ibid. [257] IRONS, Lee. “Redefining Merit: An Examination of Medieval Presuppositions in Covenant Theology”. p. 25. [258] Ibid. p. 27. Minha tradução. [259] Ibid. p. 29. Minha tradução. [260] WITSIUS, Herman. The Economy of The Covenants Between God and Man. I.1.14. p. 48. Minha tradução.
CAPÍTULO 3
A VISÃO FEDERAL E A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ
A Negação da Doutrina Reformada do Pacto das Obras e sua Relação com a Imputação da Obediência Ativa de Jesus Cristo
O
capítulo anterior foi encerrado com a discussão a respeito da objeção levantada pela Visão Federal à doutrina reformada do Pacto das Obras, sendo que a ideia de mérito defendida pela teologia federal é rapidamente descartada. Em linhas gerais, os visionistas federais negam que o pacto estabelecido por Deus com Adão tenha envolvido qualquer elemento que se aproxime da ideia de mérito. Antes, há um único Pacto da Graça estabelecido desde o princípio. Assim, o pacto com Adão nada mais tinha em vista além de maturidade, uma maior intimidade do relacionamento entre o nosso primeiro representante federal e Deus. Uma das maiores dificuldades em torno da rejeição do conceito reformado tradicional do Pacto das Obras é que isso, inevitavelmente, terá como consequência uma redefinição da obra mediatória e salvífi-
ca de Jesus Cristo. Como citado anteriormente, Richard A. Muller afirma que, “uma perspectiva distorcida sobre um consequente locus doutrinário, muito facilmente, se torna a base de um equívoco retroativo de um locus doutrinário primário ou logicamente anterior”. [261] Falando especificamente a respeito da relação entre o Pacto das Obras e a doutrina da obediência ativa de Cristo, John M. Otis assim se expressou: “A doutrina da obediência ativa de Cristo encontra as suas raízes no pacto das obras”. [262] A negação da existência do pacto das obras traz consigo a negação da imputação da obediência ativa de Cristo aos eleitos, que por sua vez traz consigo uma redefinição da doutrina da justificação pela fé somente. O teólogo holandês Herman Witsius, já em 1693 demonstrou grande preocupação a respeito das implicações oriundas da negação da existência do Pacto das Obras: Mas eu reputo como muito mais perigosas as opiniões de alguns homens, muito eruditos em relação a outras coisas, que negam que um pacto das obras tenha sido feito com Adão; e, de forma rara, admitem que a morte com a qual ele foi ameaçado, em caso de pecado, deve ser entendida como morte física; e negam que as bênçãos espirituais e celestiais, como as que agora obtemos através de Cristo, foram prometidas a Adão sob a condição de perfeita obediência: e por uma distinção antiquada dividem os sofrimentos de Cristo em penosos e judiciários, afirmando que, apenas os últimos, ou como eles algumas vezes expressam suavemente, foram principalmente satisfatórios: excluindo por esse meio suas angústias no jardim, a sentença dada pelo concílio judaico e pelo governador romano, as chicotadas com as quais seu corpo foi ferido, seu ser pregado na cruz maldita, e, por fim, sua morte em si mesma. [263]
De acordo com Witsius, tais opiniões, que negam a realidade do Pacto das Obras e, assim, trazem confusão sobre a obra de Cristo, são
falsas, merecendo franca oposição. [264] Advertência semelhante foi feita por Wilhelmus à Brakel, que de acordo com Richard A. Muller, “provavelmente leu e seguiu a obra de Witsius, De oeconomia foederum em muitos pontos da sua exposição dos pactos”. [265] De acordo com à Brakel, a negação do Pacto das Obras resulta numa compreensão errônea a respeito da obra mediatória de Jesus Cristo: Familiaridade com este pacto é da maior importância, pois quem erra aqui ou nega a existência do pacto das obras não compreenderá o pacto da graça, e prontamente errará com respeito à mediação de Jesus Cristo. Tal pessoa facilmente negará que Cristo, por sua obediência ativa mereceu um direito à vida eterna para os eleitos. Isso deve ser observado pelas várias partes que porque erram a respeito do pacto da graça também negam o pacto das obras. Por outro lado, quem nega o pacto das obras deve, corretamente, ser suspeito de também estar em erro a respeito do pacto da graça.[266]
De acordo com à Brakel, errar em relação ao Pacto das Obras significa errar também em relação à obra mediatória de Jesus Cristo. No caso, a negação do Pacto das Obras e a rejeição da ideia de mérito implicam na rejeição da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo ao eleito. Percebe-se, então, que esta não é uma questão de somenos importância, pois como afirma Richard Phillips: “A doutrina da imputação diz respeito ao nosso entendimento de como Cristo salva os pecadores que creem nele”.[267] David VanDrunen confirma esse entendimento ao afirmar que, “um aspecto crucial da doutrina reformada da ustificação é comumente conhecido como a obediência ativa de Cristo. Essa doutrina, em suma, ensina que Cristo não apenas suportou a punição da lei no lugar do seu povo (sua obediência passiva ou sofredora), mas também cumpriu todas as obrigações positivas da lei em seu lugar”.[268] Além disso, a teologia reformada afirma a doutrina da
dupla imputação, a saber, em primeiro lugar, que os pecados dos crentes são imputados a Jesus Cristo e, em segundo lugar, que a perfeita obediência de Jesus a todos os requerimentos da lei são imputados aos crentes. Na primeira, os nossos pecados são legalmente transferidos para Jesus Cristo e, em virtude disso, ele recebe a punição so bre os seus ombros livrando os crentes da condenação eterna. Na segunda, a obediência perfeita é, em termos forenses, declarada como pertencendo aos crentes e, com base nisso, eles são agraciados com o dom da vida eterna. Pelo prisma da Visão Federal, a obediência ativa de Jesus Cristo não é imputada ao crente para a sua justificação. Ora, uma vez que a obediência de Jesus à lei não foi de caráter meritório não há mérito a ser imputado aos beneficiários do Pacto da Graça. A obediência de Jesus teve caráter meramente de amadurecimento, ou seja, ele cresce em maturidade à medida que se submete aos ditames da lei de Deus. Tal ensinamento pode ser rastreado até Norman Shepherd que, de acordo com Jeong Koo Jeon, num primeiro momento negou a imputação da obediência ativa de Cristo de maneira implícita em seu paper já mencionado The Relation of Good Works to Justification in the Westminster Standards. De acordo com Jeon, nesse paper há uma “reeição implícita da doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo que é logicamente consistente com seu monopactualismo, onde ele [Shepherd] rejeita a distinção entre Lei e Evangelho e a distinção entre o pacto das obras e o pacto da graça”. [269] Todavia, o que aos olhos de Jeon é uma rejeição implícita nos idos de 1970, em anos mais recentes se mostra uma rejeição explícita. Em 2004 Shepherd publicou dois artigos intitulados Justification by Faith in Pauline Theology e Justification by Works in Reformed Theology, nos quais ele rejeita qualquer no-
ção de que a obediência ativa de Jesus Cristo seja imputada aos crentes. No primeiro deles, Shepherd equaciona a justificação tão somente ao perdão dos pecados: “Paulo diz que nós somos justificados pela fé, mas o que é justificação? Para Paulo, em Romanos 3.28, justificação é o perdão dos pecados, de maneira que somos aceitos por Deus como ustos e recebemos o dom da vida eterna. Justificação é o perdão dos pecados”.[270] Ao prosseguir na discussão a respeito do entendimento paulino da justificação, Shepherd atribui a justiça de Cristo como o fundamento da justificação dos crentes. Não obstante, ele deixa claro que tem em mente apenas a obediência passiva de Jesus em seu sofrimento: Paulo deixa claro que justificação é o perdão dos pecados fundamentado na justiça de Jesus Cristo. Esta justiça é o seu sacrifício propiciatório oferecido na cruz em obediência à vontade de seu Pai no céu. Quando Paulo diz no versículo 28 que um homem é justificado pela fé, ele quer dizer que seus pecados são perdoados pela fé. Esta fé é fé no sangue de Jesus (v. 25) e o sangue de Jesus expia o pecado [...] Por sua morte Jesus pagou a penalidade pelo pecado. Sua ressurreição certificou que a penalidade pelo pecado foi completamente paga e que, portanto, a justiça de Deus foi satisfeita. A morte e a ressurreição de Jesus asseguram a nossa justificação. Isso é o mesmo que dizer que elas asseguram o perdão do nosso pecado.[271]
Em seguida, Shepherd conclui o seu raciocínio da seguinte forma: “O fundamento da justificação – a base sobre a qual o perdão é possível – é o sofrimento e morte de nosso Senhor”. [272] Alhures, Shepherd diz que a justificação é fundamentada na imputação da justiça de Cristo, porém, ele tem mente unicamente aquilo que é denominado como sendo a sua obediência passiva: “Justificação é o perdão de pecados fundamentado sobre a imputação da justiça de Cristo. Terceiro, a justi-
ça de Cristo imputada para nossa justificação é sua morte e ressurreição por nós e em nosso lugar”. [273] Em todo o arrazoado de Shepherd não há qualquer menção ou mesmo qualquer espaço para a ideia de que a obediência ativa de Jesus, sua perfeita obediência a todas as exigências e requerimentos da lei, desempenha qualquer papel na justificação dos crentes. Além disso, também é possível perceber que Shepherd reduz o entendimento acerca do que a justificação é, igualando-a tão somente ao perdão dos pecados. No artigo seguinte Shepherd faz uma abordagem de natureza histórica, e ele chega a ser mais incisivo em sua rejeição da obediência ativa de Cristo como fundamento da justificação. Tal ideia só faz sentido dentro de um esquema obras/mérito. Se tal esquema for adotado, de acordo com ele, “nós retornamos a Roma e rejeitamos a Reforma”. [274] Ele chega mesmo ao ponto de considerar a doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo como uma negação do evangelho: “De dentro do paradigma obras/mérito fazer uso da imputação da obediência ativa de Cristo não pode ser entendido de outra forma senão como uma negação do evangelho”. [275] Além disso, Shepherd afirma que o conceito de imputação da obediência ativa de Jesus não é encontrado nos escritos dos primeiros reformadores. Dessa forma, tal conceito seria nada mais que uma inovação do período do escolasticismo protestante: Não encontramos uma crença na imputação da obediência ativa em Calvino, Ursinus ou no Catecismo de Heidelberg pela razão de que suas compreensões da justificação como remissão de pecados não exigiam isso e eles não encontraram tal conceito na Bíblia. Os poucos textos bíblicos citados por teólogos posteriores em suporte a essa doutrina são entendidos por teólogos anteriores como se referindo à imputação da justi-
ça de Cristo operada no seu sofrimento e morte no lugar do seu povo em obediência à vontade de seu Pai celestial. Mesmo a Confissão de Westminster, posteriormente em 1647, foi escrita como um documento conciliador para acomodar as visões de três membros proeminentes da Assem bleia de Westminster (William Twisse [Presidente da Assembleia], Thomas Gataker e Richard Vines) que não subscreviam a imputação da obediência ativa.[276]
Então, para Shepherd não há lugar para o conceito de imputação da obediência ativa de Cristo nem no pensamento dos primeiros teólogos reformados nem nas Escrituras: “Não existe imputação da obediência ativa porque o paradigma fé/graça dentro do qual eles [os primeiros reformadores] entenderam a justificação não a requeria e tam bém porque não existem textos bíblicos que a ensinem”.[277] Dessa forma, a justificação pela fé não possui nenhuma relação com a vida perfeita de Jesus Cristo, tratando-se tão somente do perdão de pecados. Em sua rejeição, Shepherd foi seguido de perto pelos visionistas federais. James B. Jordan, por exemplo, concebe uma completa reestruturação no entendimento da obediência de Cristo. Ele faz uso das expressões “ativa” e “passiva” de um modo completamente diferente do pretendido pela teologia reformada. Para Jordan, mesmo quando se fala de Jesus obedecendo às exigências positivas da lei, isso deve ser entendido como possuindo um aspecto passivo, e quando fala da obediência passiva Jordan a compreende não como a sujeição de Jesus ao sofrimento e morte no lugar do seu povo, mas como a simples ida à cruz: Isso levanta a questão da “obediência ativa e passiva” de Jesus. Às vezes a teologia do mérito assume que Jesus ganhou ativamente uma recompensa e passivamente foi para a cruz. Esta noção não pode ser verificada. Nós vimos que tudo o que Jesus foi passivo sob o mandamento do Pai e
o impulso do Espírito. Além disso, é claro, tudo que ele fez foi ativo da sua parte, na medida que ele concordou em fazer isso, incluindo a sua ativa recusa em descer da cruz até que a vontade do Pai tivesse sido aperfeiçoada. Mesmo quando essa visão é refinada para dizer que as obediências passiva e ativa de Jesus são inseparáveis, como os dois lados de uma moeda, permanece a noção de que a o lado ativo da sua obediência foi meritório. Nós vimos que isso não pode ser o caso. [278]
Logo depois Jordan trata especificamente da dupla imputação: Isso também levanta a questão da dupla imputação. Que existe uma dupla imputação dos nossos pecados a Jesus e da sua glória a nós está, certamente, além da questão, e eu não discordo da doutrina geral da imputação ou da dupla imputação. No entanto, a teologia do mérito frequentemente assume que as obras terrenas e os méritos de Jesus são, de alguma forma, dados a nós, e não existe fundamento quanto a isso. De fato, é difícil compreender o que se quer dizer com isso [...] O Novo testamento é suficientemente claro a respeito de que o que é dado aos santos é o Espírito, que vem do Jesus glorificado. Não é a vida terrena de Jesus e suas “obras e méritos” que são transferidos a nós, mas sua vida ressurreta e glorificada no Espírito que é transferida a nós. [279]
Percebe-se que a formulação de Jordan está em perfeita consonância com o entendimento de Norman Shepherd. Não há, em seu esquema conceitual qualquer lugar para a noção de que a perfeita obediência de Jesus esteja diretamente relacionada com a justificação dos crentes. O único fundamento da justificação é a morte e a ressurreição de Cristo. Ainda que admita a existência de uma dupla imputação, Jordan entende que o que é transferido de Cristo aos crentes é a sua glória manifestada na sua morte e ressurreição. Se há algum sentido em que a vida terrena de Jesus era importante para a nossa justificação, no pensamento de Jordan, é simplesmente em que ela “era a pré-condição para a sua morte, mas ela mesma não é dada ‘a nós’”. [280]
Semelhantemente, Rich Lusk rejeita a ideia de que os méritos de Jesus Cristo em sua obediência ativa sejam imputados aos crentes. Para ele tal noção é problemática, pois a obediência de Jesus foi prestada à Torá, e uma vez que o cristão não está debaixo dela a “guarda da Torá” de Jesus não pode ser considerada como pertencendo ao crente. Ele diz: A noção dos seus trinta e três anos [de Jesus] de guarda da Torá sendo imputados a mim é problemática. Afinal, como um gentio, eu nunca estive sob a Torá e, portanto, nunca estive sob a obrigação de guardar muitos dos mandamentos que Jesus guardou. Além disso, muito do que Jesus fez não era, pela natureza do caso, exigido de outras pessoas. Seguramente, Deus não exige todas as pessoas trabalhem como carpinteiras ou transformem água em vinho ou ainda ressuscitem da morte uma menina de doze anos. Estas obras não acumulavam pontos que seriam creditados ao povo de Jesus. Antes, elas eram o cumprimento de atos vocacionais que prepararam o caminho para aquele “ato do Homem justo”, a saber, a sua morte na cruz [...] A obediência ativa em si mesma, então, não é salvífica. Em vez disso, é uma pré-condição da sua obra salvífica em sua morte e ressurreição.[281]
Verdadeiramente problemática é essa declaração de Lusk. Antes de mais nada é imprescindível que se compreenda o uso que Lusk faz do termo “Torá”. Ele parece não conseguir enxergar a verdadeira natureza da Torá. Para ele, a Torá nada mais é do que uma lei de natureza judaizante e que, portanto, não tem nenhuma relação com a Igreja hoje. Por ser “gentio” ele nunca esteve sob a obrigação de guardar a Torá. E porque ele nunca esteve sob tal obrigação, segue-se que a obediência de Jesus à Torá não lhe pode ser imputada. No entanto, a Torá, corretamente entendida, nada mais é do que a expressão legal da vontade de Deus para a humanidade ou, nas palavras de Ernest Kevan, é
“a incondicionalidade da sua vontade” e a “transcrição da santidade de Deus”.[282] Além disso, uma vez que a lei de Deus foi quebrada na transgressão de Adão e Eva, ela exige ser satisfeita. Uma vez que Jesus Cristo é o substituto do seu povo, é perfeitamente natural, por via de consequência lógica, compreender que a obediência ativa de Jesus à Torá também foi de caráter substitutiva. Conquanto a morte na cruz e a ressurreição sejam o epicentro da obra redentiva de Cristo, a sua vida de perfeita obediência também foi de caráter substitutivo, como o próprio Jesus afirmou em sua oração sacerdotal: “E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (João 17.19). Outro detalhe é que a afirmação de Lusk inclui na obediência à lei atos que, em si mesmos, não têm relação direta, como o ser carpinteiro e realizar milagres. Para Rich Lusk, entretanto, a doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo deixa o crente na mesma posição de Adão no Jardim do Éden: “Se tudo o que Jesus fez foi guardar a Torá durante trinta e três anos em nosso lugar, então retornamos à posição inicial de Adão no Jardim: em possessão de vida protológica, mas ainda necessitando ganhar vida escatológica”.[283] Em vez de imputação da obediência ativa de Cristo, o elemento decisivo para a justificação é a união do crente com Cristo. Para Lusk, ustificação pressupõe união com Cristo. Se o crente está unido a Cristo, ele é seu representante e substituto. Tudo o que Cristo sofreu e realizou foi em benefício do crente, mas tal coisa como uma “transferência de crédito”, isso não existe: Esta justificação não requer transferência ou imputação de nada. Ela não nos força a substancializar “justiça” em algo que pode ser transferido nos livros contábeis do céu. Em vez disso, porque eu estou no Justo e Vindi-
cado, eu sou justo e vindicado. O meu estar-em-Cristo torna a imputação algo redundante. Eu não necessito do conteúdo moral da sua vida de justiça transferido a mim. O que eu necessito é um compartilhamento do veredito forense dado a ele na ressurreição.[284]
Na afirmação acima parece existir uma confusão entre o que é realizado objetivamente por ocasião do ato legal/forense da justificação e aquilo que é operado pelo Espírito Santo na subjetividade do crente por ocasião da obra da santificação. Quando se considera a imputação da obediência ativa de Cristo, não é “o conteúdo moral da sua vida” que é transferido ao crente. Trata-se de um ato forense. O que é “transferido” é a declaração forense referente à perfeição da obediência de Cristo. Outro visionista federal que é categórico em sua rejeição da doutrina da imputação é Ralph A. Smith. Vale lembrar que Smith também rejeitou a doutrina do Pacto das Obras, mais especificamente como ele é concebido por Meredith Kline e seu conceito de mérito. De acordo com Smith, a visão de Kline acerca da imputação da culpa de Adão aos seus descendentes é correta, bem como a da imputação dos nossos pecados sobre Jesus Cristo. Além disso, Kline também está correto ao afirmar que a nossa justificação está relacionada com a fidelidade de Jesus Cristo ao pacto. Apesar disso, não há tal coisa como uma imputação da sua obediência ou uma transferência dos seus méritos aos crentes. Nas palavras de Smith: Para Adão, portanto, vida não era uma bênção a ser ganha por mérito. Vida era essencial à condição original do pacto. Quebrar o pacto significava morte, a perda da posição de Adão no jardim. Expulsão do jardim foi a expulsão da vida e do desfrutar de bênção como filho de Deus. Em contraste com Adão, Cristo veio ao mundo como um representante de uma raça de homens que estava debaixo de maldição e fora do jardim.
Como nosso representante, ele teve de ser fiel ao pacto e morrer numa cruz para obter vida eterna para nós. Não é o seu mérito que nos é imputado, mas um status justo diante de Deus. [285]
Smith não faz questão de clarificar a sua afirmação de que o que é imputado aos crentes é um status justo diante de Deus. Ele não faz questão de definir em que consiste tal status. Apesar disso, é perfeitamente claro que ele se recusa a afirmar que os méritos da obediência perfeita de Jesus Cristo são imputados ao crente por ocasião da sua ustificação. Para os visionistas federais negar essa doutrina não é sinal de qualquer infidelidade doutrinária. Assim o documento confessional da Visão Federal se expressa a respeito da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo: Negamos que a fidelidade à mensagem do evangelho exija qualquer formulação doutrinária particular da imputação da obediência ativa de Cristo. O que importa é que confessemos que a nossa salvação é toda de Cristo, não de nós mesmos. [286] Em essência, o ensinamento da Visão Federal concernente à doutrina da imputação é que esta se trata: 1. De um desenvolvimento posterior empreendido pelos teólogos reformados do período da Pós-Reforma, não sendo, portanto, ensinado pelos primeiros reformadores e confissões reformadas elaboradas no princípio da Reforma Protestante; e 2. De uma negação do evangelho da graça e um retorno ao sistema meritório medieval.[287]
Redefinição da Doutrina da Justificação pela Fé A teologia cristã é um todo unificado. Não há como redefinir uma única doutrina e, com isso, não atingir diversas outras doutrinas. A teolo-
gia cristã é como uma corrente composta de vários elos. Forçar um dos elos levará, inevitavelmente, a um enfraquecimento dos demais e, consequentemente, a um enfraquecimento do todo, da corrente inteira. De igual modo, quando uma doutrina central da fé cristã é redefinida todas as doutrinas a ela conectadas também serão redefinidas. Uma redefinição ou até mesmo a rejeição da doutrina reformada do Pacto das Obras traz consigo uma reestruturação de toda a obra salvífica de Jesus Cristo, incluindo a doutrina da imputação da sua obediência ativa e, consequentemente, a doutrina da justificação pela fé. A rejeição da imputação da obediência ativa de Cristo por parte da Visão Federal desempenha um papel fundamental na maneira como o movimento entende a justificação. No pensamento da Visão Federal a justificação consiste tão somente de perdão de pecados. Além disso, a justificação também é compreendida como envolvendo dois estágios, a saber, um estágio inicial quando o crente é justificado pela fé, e um estágio final quando a justificação terá como base a fidelidade do crente ao pacto. Justificação pela Fé de acordo com a Visão Federal
Na investigação sobre a maneira como a Visão Federal descarta a ideia de que os méritos de Jesus, em sua perfeita obediência ativa, são imputados aos crentes já foi possível se ter um vislumbre de como a ustificação é definida pelos seus proponentes. Norman Shepherd, o grande precursor do movimento, por exemplo, equaliza a justificação tão somente ao perdão dos pecados concedido por Deus: “Paulo diz que nós somos justificados pela fé, mas o que é justificação? Para Paulo, em Romanos 3.28, justificação é o perdão dos pecados, de maneira que somos aceitos por Deus como justos e recebemos o dom da vida eterna. Justificação é o perdão dos pecados”. [288] Outras designações
para justificação, no pensamento de Shepherd, são: libertação da culpa e salvação. Alhures, discutindo o significado de justificação a partir da epístola de Tiago, Shepherd toma como sinônimos os termos “salvo” e “justificado” em 2.12-24, confirmando o seu entendimento de que a ustificação é o mesmo que perdão de pecados: O verso 24 chega ao fim de uma linha de raciocínio que começa com o que, no versículo 14, verdadeiramente é uma pergunta retórica: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?” Tiago desenvolve um argumento em resposta a essa pergunta e chega a uma conclusão no versículo 24. Sua conclusão é que uma pessoa é justificada por obras e não pela fé somente. No verso 26 ele diz: “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta”. O ponto é que “fé somente” é fé morta e, portanto, não pode justificar. A partir dessa linha de raciocínio nós podemos ver que Tiago está usando a palavra “justificar” num sentido paralelo à palavra “salvar” no verso 14 [...] Salvação, no versículo 14, portanto, é salvação da condenação quando nós estamos diante do Senhor Deus para sermos julgados. Salvação da condenação no julgamento de Deus é exatamente o que nós queremos dizer por justificação.[289]
Shepherd continua falando sobre a justificação em sua dupla natureza: forense e sotérica: A justificação no versículo 24 pode ser descrita como forense. Isto é, justificação é um julgamento pronunciado por aquele que é competente para julgar. Justificação é uma declaração divina a respeito do pecador. Justificação não é a transformação moral do pecador e difere, nesse aspecto, da regeneração e da santificação. Justificação não é um ato de regeneração ou um processo de santificação. Justificação é um julgamento concebido e executado sobre o pecador pelo Senhor Deus. A justificação no versícu-
lo 24 também pode ser descrita como sotérica. A palavra “sotérica” vem de uma palavra grega cuja raiz significa salvação. Justificação sotérica tem a ver com o julgamento que Deus faz a respeito de um pecador e que o leva à vida eterna. É uma declaração salvífica de que aquele que está sendo julgado é livre da culpa e é aceito como justo à vista de Deus. [290]
Na citação acima pode ser observado que Shepherd fala do pecador sendo considerado como justo diante de Deus, mas é preciso entender, em comparação com suas declarações a respeito da justificação em outros escritos, que ser justo equivale a não ser culpado ou a ser perdoado. Não se trata, portanto, de ser declarado justo numa acepção positiva, como sendo alguém cuja obediência aos ditamos da lei, em Cristo, é aceita por Deus. Isso fica mais claro um pouco adiante, quando Shepherd afirma: “Salvação, no versículo 14, e justificação, no versículo 24, significam perdão, libertação da punição eterna e entrada na vida eterna”.[291] Todo o pensamento de Shepherd a respeito da justificação pode ser sumariado através das suas famosas Thirty-Four Theses, especialmente as teses 20-23: 20. A afirmação paulina em Romanos 2.13, “os que praticam a lei hão de ser justificados” não deve ser entendida hipoteticamente, no sentido de que há pessoas que se enquadram nessa categoria, mas no sentido de que os fiéis discípulos do Senhor Jesus Cristo serão justificados (Compare Lucas 8.21; Tiago 1.22-25). 21. O fundamento exclusivo da justificação do crente no estado de justificação é a justiça de Jesus Cristo, mas sua obediência, que é simplesmente a perseverança dos santos no caminho da verdade e da justiça, é necessária para a continuidade num estado de justificação (Hebreus 3.6,14). 22. A justiça de Cristo permanece para sempre como o fundamento exclusivo da justificação do crente, mas a piedade pessoal do crente tam-
bém é necessária para a sua justificação no julgamento do último dia (Mateus 7.21-23; 25.31-46; Hebreus 12.14). 23. Porque a fé que não é fé obediente é fé morta, e porque o arrependimento é necessário para o perdão do pecado incluído na justificação, e porque permanecer em Cristo, guardando os seus mandamentos (João 15.5,10; 1João 3.13,24) são todas as medidas necessárias para a continuidade do estado de justificação, boas obras, obras feitas a partir da verdadeira fé, de acordo com a lei de Deus, e para sua glória, sendo a nova obediência operada pelo Espírito Santo na vida do crente unido a Cristo, embora não seja o fundamento da sua justificação, são, no entanto, necessárias para a salvação da condenação eterna e, portanto, para a justificação (Romanos 6.16,22; Gálatas 6.7-9).[292]
Dentre os seguidores de Shepherd e adepto da Visão Federal, Peter Leithart é um dos principais quando o assunto é a redefinição da doutrina da justificação. Guy Waters afirma que, “o ensaio de Leithart, Judge Me, O God, disponível na internet e recentemente publicado, é altamente estimado pelos proponentes da Visão Federal como um importante passo adiante em nosso entendimento da linguagem bíblica de justiça e justificação”.[293] Em seu artigo, Leithart argumenta que “a doutrina reformada da ustificação tem ilegitimamente estreitado e, em alguma extensão, distorcido a doutrina bíblica”. [294] o estreitamento e a distorção mencionados dizem respeito ao emprego maciço do que ele chama de “metáfora da sala do tribunal” ou, em outras palavras, ao entendimento da ustificação como sendo um pronunciamento de natureza forense emitido pelo próprio Deus. Na perspectiva de Leithart, este não é o único sentido em que os termos bíblicos para “justiça” (no Antigo Testamento, ; no Novo Testamento, δικαιοσύνη) são utilizados tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. De acordo com ele, justiça “é um
termo pactual, descrevendo lealdade dentro de um relacionamento estabelecido por meio de aliança”. [295] Essa lealdade pode ser mais bem compreendida como sendo fidelidade pactual. Em relação à justiça de Deus na justificação, Leithart afirma que ela consiste da fidelidade de Deus às promessas pactuais feitas àqueles que foram justificados. [296] Isso significa dizer que, a justiça de Deus é exibida na justificação não apenas por meio de uma declaração judicial, mas também por meio do tratamento dispensado ao justificado, quando Deus o agracia, dentre outras coisas, com a libertação do pecado. Nesse sentido, justificação e aquilo que é conhecido como santificação definitiva são uma e a mesma coisa: Eu argumento abaixo que, quando examinada sob uma metáfora militarconflituosa, em vez de unicamente sob a figura da “sala de justiça”, justificação e santificação definitiva não são meramente simultâneas, nem meramente efeitos gêmeos de um único evento de união com Cristo (em bora eu creia que este é o caso). Em vez disso, elas são o mesmo ato. A declaração de Deus de que nós somos justificados toma a forma de libertação do pecado, da morte e de Satanás. Deus nos declara justos por nos libertar de todos os nossos inimigos.[297]
É esse conceito de justiça que Leithart vai utilizar quando tratar da justificação dos crentes. Aqueles que foram justificados e, consequentemente, libertos de todos os seus inimigos, são por ele designados de “guardadores do pacto”. A ideia não é meramente que eles são ustificados por se manterem fiéis às exigências do pacto. Em vez disso, eles são justificados porque são considerados por Deus como guardadores do pacto: Deus liberta o seu povo justo de todos os seus inimigos em cumprimento às suas promessas e ameaças pactuais. Ao libertar o seu povo (demons-
trando que ele os considera justos), ele está, simultaneamente, demonstrando a sua própria fidelidade pactual (justificando a si mesmo). Assim, Deus “justifica” não apenas quando intervém para libertar (como ele prometeu), mas sempre que ele faz ou cumpre as promessas ao seu povo. Fazer ou cumprir promessas é “justificar o justo por dar a ele de acordo com a sua justiça”. Quando Deus faz uma promessa ele está, implicitamente, tratando o beneficiário como um parceiro do pacto e, assim, pu blicamente declarando-o justo, isto é, ele o justifica. [298]
Um desenvolvimento do pensamento acima é que, para Leithart a ustiça daquele que foi justificado também consiste de sua fidelidade pactual. Em outra obra ele diz o seguinte: “Justificação” também está intimamente conectada com o pacto. No grego, a palavra “justificar” está relacionada com a palavra normalmente traduzida em inglês como “justo” [“reto”], e ao longo da Escritura “justiça” [“retidão”] e seus cognatos se referem ao comportamento correto dentro de algum tipo de relacionamento pactual. Justiça é a conformidade às exigências de um pacto [...] O evangelho de Cristo é uma revelação da justiça de Deus porque, em Cristo, Deus cumpriu todas as promessas feitas e juradas a Abraão e, portanto, mostrou o que ele é obrigado a fazer por seu pacto com Israel. Nesse contexto [Gálatas 2.11-21], “justificar” alguém é considerá-lo como justo, isto é, como um cumpridor do pacto.[299]
A justificação, portanto, não é uma declaração de natureza jurídica/forense, pela qual Deus, com base na obediência ativa e passiva de Cristo, declara que o pecador está perdoado de todos os seus pecados e é justo aos olhos da lei. A linguagem de Leithart sugere que a justificação é um ato de Deus com base no “comportamento correto dentro de algum relacionamento pactual”, ou ainda a “conformidade às exigências de um pacto” por parte do justificado. A ideia de conformidade é problemática, uma vez que sempre há a possibilidade de uma
não-conformidade às exigências pactuais. A implicação deste pensamento é que, uma vez que o indivíduo deixe de se conformar a tais exigências ele perderá a sua justificação. Ciente dessa dificuldade e lamentando que sua afirmação tenha sido mal compreendida, Leithart ofereceu uma qualificação da sua afirmação ao afirmar: Na citação, justificação tem a ver com Deus considerar alguém como um cumpridor do pacto, não com a própria obediência pactual da pessoa justificada. Pecadores que são transgressores do pacto são contados como cumpridores do pacto porque eles estão em Jesus, o cumpridor do pacto, e sua obediência ao pacto é considerada como, e é, nossa através da fé. [300]
Esta qualificação oferecida por Leithart é bem-vinda. Não obstante, a noção de justiça como equivalente de “cumprimento do pacto” é problemática, uma vez que não faz jus à linguagem bíblica para o que é um pacto ( ). Este é o argumento levantado por Mark A. Seifrid, ao afirmar que “a palavra significa um relacionamento distinto, que muitas vezes evoca uma linguagem semiforense e familiar”. [301] Isso significa que, em termos bíblicos, geralmente, “ninguém ‘age com justiça’ ou ‘injustiça’ em relação a um pacto. Em vez disso, alguém ‘mantém’, ‘se lembra de’, ‘estabelece’ um pacto ou semelhante. Ou, inversamente, alguém o ‘quebra’, ‘transgride’, ‘abandona’, ‘despreza’, ‘esquece’ ou ‘profana’”. [302] A implicação dessa observação, de acordo com Seifrid, é que, num relacionamento pactual, justiça sempre tomará a forma de amor e lealdade. Dessa forma, “todo ‘cumprimento do pacto’ é um comportamento justo, mas nem todo comportamento justo é ‘cumprimento do pacto’. Portanto, é enganoso falar da ‘justiça de Deus’ como a sua ‘fidelidade pactual’. Estaria mais próximo da linguagem bíblica falar de ‘fidelidade’ como ‘justiça do pacto’”. [303]
Além disso, permanece a sua reivindicação no sentido de que a doutrina da justificação deve ser submetida a uma revisão, o que significa que é preciso rejeitar uma visão estritamente forense da justificação pela fé. Uma dificuldade que pode ser levantada em face da reivindicação de Leithart é que, como pontuado por Seifrid, embora o conceito de “justiça de Deus” não se restrinja ao sentido forense, mas, em muitos lugares nas Escrituras seja utilizado em seu sentido salvífico, nada obstante, o sentido forense é, inequivocamente, pretendido em diversas passagens do Antigo Testamento, como na seguinte confissão de Faraó: “Então, faraó mandou chamar a Moisés e a Arão e lhes disse: Esta vez pequei; o SENHOR é justo, porém eu e o meu povo somos ímpios” (Êxodo 9.27). O mesmo pode ser visto em Neemias 9.33: “Porque tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós; pois tu fielmente procedeste, e nós, perversamente”. De acordo com Seifrid, o elemento forense pode ser percebido através do contexto dentro do qual a justiça de Deus é evocada: “O conceito de justiça de Deus no Antigo Testamento não pode ser reduzido ao sentido de ‘salvação’ ou algo semelhante, pois ele sempre ocorre dentro do contexto de uma disputa legal ou contenda”. [304] Ele diz ainda que o conceito de justiça de Deus em inúmeras passagens do Antigo Testamento é, em sua essência, forense. Após trabalhar os textos de Êxodo e Neemias aqui mencionados, Seifrid diz o seguinte: Aqui nós temos uma notável confirmação de que o uso bíblico de “justiça” é essencialmente forense em sua orientação. Apesar de o sentido “salvífico” de justiça de Deus aparecer com maior frequência, o sentido jurídico de seu uso no Antigo Testamento nos permite perspectivas tanto positivas quanto negativas dessa “justiça”. [305]
Fica evidente, então, que é necessário identificar quais passagens
apresentam o conceito de justiça de Deus em sua acepção forense ou legal e, a partir daí, compreender a doutrina da justificação pela fé. Outro aspecto do entendimento da Visão Federal a respeito da doutrina da justificação é o seu conceito de “justificação final”. De acordo com visionistas federais é possível dividir a justificação em dois estágios ou fases, por assim dizer. Há uma fase inicial, quando o pecador é justificado gratuitamente pela graça, e uma fase final – a justificação final –, que tem lugar por ocasião do julgamento do último dia na Parousia. Dos proponentes da Visão Federal Rich Lusk é aquele que mais dedica atenção à questão da justificação final. Tendo rejeitado as doutrinas do pacto das obras e da imputação da obediência ativa de Cristo, Lusk concebe a justificação pela fé em dois momentos: presente e futuro. Para ele a justificação não pode ser reduzida a um evento do tipo “de uma vez por todas”. Em vez disso, “somos justificados no início da vida cristã, mas esta não é a última vez que adentramos ao tribunal de Deus”. [306] Lusk se apoia em Calvino para afirmar que a justificação inicial, recebida no tempo da conversão, “não é uma justificação completa”. [307] A linguagem de Lusk é extremamente problemática, pois transmite a ideia de que a justificação consiste de um processo ao longo de toda a vida do crente: Com base em 1João 1.9, eu sugiro que cada vez que nós confessamos pecado (seja privativamente ou talvez, de modo mais especial, no serviço divino semanal), Deus perdoa o nosso pecado de novo e de novo. Nós somos rejustificados, por assim dizer. Deus promulga um veredito favorável a nós de novo e de novo, quantas vezes forem necessárias.[308]
Todo esse processo culmina na justificação final, que terá lugar no último dia. É interessante que, conquanto afirme que a justificação final será garantida pelo fato de o crente estar vestido com a justiça de
Cristo, Lusk coloca as obras do crente como desempenhando um papel preponderante nessa justificação final: Podemos ter a certeza da justificação contínua e até mesmo da futura, porque estamos vestidos com a justiça de Cristo, que continua a valer para nós. No último dia, o julgamento de Deus levará em conta as nossas obras, não porque elas sejam meritórias e não porque elas possuem valor justificador próprio [...] Em outras palavras, as obras não justificam por direito próprio, uma vez que nunca poderão suportar o escrutínio da inspeção de Deus. Mas não seremos justificados sem elas. Elas não meramente evidências (por exemplo, provas da nossa fé), mas são causais ou instrumentais (“meios”) em nossa salvação final. A fé é o único instrumento da justificação inicial, mas a fé vem a ser aperfeiçoada através de boas obras. No último dia, a fé, como o instrumento solitário da nossa união com Cristo, e a obediência, como o fruto da nossa união com Cristo, serão uma e a mesma coisa – distinguíveis, sim; separáveis, não. [309]
Algumas considerações que podem ser feitas a respeito dessa colocação feita por Lusk são oferecidas por Guy Waters. Em primeiro lugar, “as formulações de Lusk são vulneráveis à acusação de tornar a ustificação um processo e de negar o ofício singularmente receptivo da fé na justificação”. [310] Em segundo lugar, tais formulações acabam se tornando necessárias, uma vez que a doutrina da imputação da obediência de Cristo é rejeitada. A razão para isso, segundo Waters, é que “algum ato positivo de cumprimento da lei deve ser produzido no lugar do pecador por ocasião do último julgamento”. [311] Ao falar do papel das obras no julgamento do último dia, Lusk parece sugerir que a fidelidade pactual ou obediência do crente é aceita por Deus. As obras não são meras evidências da fé do crente. Antes, elas são meios causais ou instrumentais dessa justificação final. Em outro artigo Lusk tenta oferecer uma explicação sobre como
as obras realizadas pelo crente podem ser aceitas por Deus, uma vez que esta obediência não é perfeita. Para ele, a razão de Deus aceitá-las reside no fato de que a lei não exige qualquer perfeição. Em sua análise, ele parte de Romanos 2.13: “Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser ustificados”. A justificação mencionada pelo apóstolo Paulo neste texto não é hipotética, mas real e possível, diz Lusk. [312] Ele diz o seguinte a respeito do cumprimento da lei: A lei simplesmente não exige perfeita obediência. Ela não foi designada para anjos ou humanos sem pecado. Ela foi dada no monte Sinai a uma nação redimida, mas caída, e foi perfeitamente adaptada ao seu nível de maturidade e habilidade [...] Nesse contexto, cumprir a lei não é uma questão de marcar 100% num teste de ética. Não é nem mesmo uma questão de marcar 51%. Simplesmente, não funciona dessa forma. Conformidade à lei era uma questão de relacionamento, não algo mecânico. [313]
A única possibilidade de alguém se tornar um transgressor da lei, de acordo com Lusk, é em caso de apostasia. Enquanto um indivíduo não cometer o pecado de apostasia ele será considerado um cumpridor da lei, independentemente de quantas vezes ele venha a transgredi-la. Todas as regulamentações da lei mosaica quanto a sacrifícios e ofertas pelo pecado são mecanismos providenciados por Deus para ajudar a manter o status de “cumpridor da lei”: Se alguém cometesse pecado não se tornava, automaticamente, um “transgressor da lei”, exceto num sentido altamente técnico. Afinal de contas, a Torá fez provisão para o pecado no sistema sacrificial. A guarda da lei incluiu rituais para a quebra da lei. Se alguém se arrependesse por realizar a oferta apropriada, manteria o seu status de cumpridor do pacto. Apenas a apostasia, em si mesma, constituía quebra do pacto. Todos
os outros pecados poderiam ser tratados dentro dos limites da relação pactual.[314]
Qual o significado disso para a justificação final, no pensamento da Visão Federal, conforme esposado por Rich Lusk? Após estabelecer a ligação entre Romanos 2.13 e Tiago 2.14-26, Lusk afirma que, em algum sentido, as pessoas não são justificadas pela fé somente, mas tam bém por meio de boas obras de obediência à lei: A Bíblia é clara: obediência é necessária para se receber vida eterna. Não há justificação à parte. Mas, mais necessita ser dito sobre o julgamento final. Qual o papel da fé? E qual é o papel das obras? Mais uma vez, encontramos na Bíblia o ensinamento de que a justificação futura será de acordo com as obras. A justificação final é para os (fiéis) cumpridores da lei (Rm 2.1ss) e para aqueles cujas boas obras tornam a fé completa (Tg 2.14ss). A justificação não será plenamente realizada até a ressurreição. De fato, a principal razão pela qual aparece em todos os lugares da Escritura é porque um dia todos estaremos diante do tribunal de Deus e responderemos por nossos atos praticados no corpo. Isso faz com que a questão da justificação seja a mais prática de todas.[315]
Qual o papel da fé nisso tudo? Para Lusk a fé não tem um papel meramente passiva ou receptiva. A fé que justifica é aquela que, segundo os visionistas federais, é uma fé que age, uma fé penitente: “Também podemos descansar seguros de que Deus não nos julga à parte da nossa fé. O julgamento de acordo com as obras inclui uma avaliação da nossa fé. As boas obras, afinal, são apenas o coração e a alma da fé genuína. Um julgamento sobre as obras é realmente um julgamento sobre a fé, e vice-versa”.[316] Diante de tais afirmações é difícil compreender, todavia, como ainda é possível que as obras realizadas pelos crentes não tenham valor meritório. Utilizando-se de enorme boa vontade para com Rich
Lusk e os demais visionistas federais é possível afirmar que, no mínimo, a linguagem utilizada é suficiente para causar toda a confusão em torno das formulações da Visão Federal a respeito da justificação pela fé. Por exemplo, ao afirmar que a justificação não é completada até a ressurreição Lusk dá a entender que a justificação é um processo que tem lugar durante toda a vida do cristão, não um ato definitivo da parte de Deus. Ademais, a ideia de que a justificação inicial é através da fé, enquanto a justificação final tem as boas obras de obediência à lei como sua causa ou instrumento conduz à implicação de que “aquilo que é declarado em nossa presente justificação pode ser de todo alterado, suplementado ou diminuído”. [317] Em outras palavras, é possível ser justificado inicialmente, mas, no último dia, ser apresentado como não justificado, visto que as boas obras não são apenas evidências de uma fé genuína. Por fim, é importante notar que em seu documento de natureza confessional a Visão Federal nega veementemente que a fé justificadora esteja desacompanhada de boas obras mesmo no momento inicial da vida cristã: “Negamos que a fé esteja sempre sozinha, mesmo no momento do chamado eficaz”. [318] Todos os conceitos sustentados pela Visão Federal sobre a justificação que aqui foram delineados (por exemplo, o papel das obras na ustificação final, o uso de “justiça de Deus” como significando a sua fidelidade pactual e a negação da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo) possuem relação direta com outro movimento teológico bastante conhecido: a Nova Perspectiva sobre Paulo. Visão Federal e sua Relação com a Nova Perspectiva sobre Paulo
É possível perceber que a Visão Federal propõe uma desconstrução do entendimento protestante/reformado tradicional acerca da
doutrina da justificação pela fé. O que é preciso compreender, logo em seguida, é que os seus adeptos extraem muitas das suas conclusões a partir do revisionismo proposto pela Nova Perspectiva sobre Paulo (Doravante NPP). Nos escritos dos visionistas federais abundam referências e endossos a escritos dos estudiosos da NPP: “Mark Horne, Rich Lusk, Douglas Wilson, Steve Schlissel e Peter Leithart, cada um deles, fornece declarações de apreciação pela NPP”. [319] No que se segue, interações entre os visionistas federais e a NPP poderão ser observadas. A NPP é um movimento acadêmico que, como diz a própria nomenclatura, volta-se para o estudo dos escritos do apóstolo Paulo propondo uma releitura da teologia do apóstolo aos gentios. Sua história pode ser sumariada através de três eventos importantes: 1. Sua origem; 2. Sua popularização; e 3. A cristalização da nomenclatura “Nova Perspectiva sobre Paulo”. Primeiro, a origem da NPP tem sido traçada até a publicação de um artigo do teólogo luterano Krister Stendahl, intitulado The Apostle Paul and the Introspective Conscience of the West, em 1963 [320] , no qual ele questiona a maneira tradicional como o protestantismo compreendeu a doutrina da justificação pela fé. Stendahl considerou que “a introspecção ocidental cometeu o erro de colocar no centro da teologia do Apóstolo a sua luta contra a interpretação judaica da lei e a doutrina da justificação pela fé”. [321] De acordo com Ernst Käsemann, para Stendahl o centro da teologia do apóstolo Paulo pode ser percebido na sua “concepção histórico-salvífica da revelação que tem sua expressão mais clara em Rm 9-11” [322] , ou como o próprio Stendahl afirma: “É bastante natural que, pelo menos, um dos centros de gravidade no pensamento de Paulo deva ser como definir o lugar dos gentios na
Igreja, de acordo com o plano de Deus”. [323] A popularização da NPP se deu em 1977, através da publicação de Paul and Palestinian Judaism: A Comparison of Patterns of Religion, de Ed Parish Sanders ou, simplesmente, E. P. Sanders. Donald A. Hagner chega a afirmar que a publicação de Paul and Palestinian Judaism foi o que deu início ao “que bem poderia ser chamado a revolução copernicana nos estudos paulinos”. [324] A influência dessa obra de Sanders também pode ser percebida a partir do testemunho de James Dunn. Para ele, a obra de Sanders provocou uma revolução nos estudos da teologia do apóstolo Paulo: Mas ninguém conseguiu – para usar uma expressão contemporânea – “quebrar paradigmas”, ninguém conseguiu apresentar algo revolucionário para os estudos paulinos, ou mesmo sair dos padrões nos quais as descrições da obra e do pensamento de Paulo têm sido enquadradas regularmente por muitas décadas. Segundo a minha avaliação, durante os últimos dez ou vinte anos foi escrito somente uma única obra que merece esse elogio. Refiro-me ao volume intitulado Paul and Palestinian Judaism (Paulo e o judaísmo palestinense) de E. P. Sanders da McMaster University em Canadá.[325]
Discorrendo sobre a relação entre a obra de Krister Stendahl e Sanders, Dunn não economiza no tom elogioso a este, asseverando o seguinte: Foi Stendahl que começou a romper o padrão das reconstruções do contexto teológico de Paulo no séc. XX, ao demonstrar o alto grau em que fora determinado pela busca de Lutero por um Deus misericordioso, e foi Sanders, graças a outras fontes, quem rompeu com ele inteiramente ao demonstrar quão diferentes essas reconstruções são daquilo que sabemos sobre o judaísmo do primeiro século. Todos nós fomos, em maior ou menor grau, culpados de modernizar Paulo. Mas, agora, Sanders nos ofe-
receu uma oportunidade inédita de olhar para Paulo com novos olhos, de mudar nossa perspectiva do séc. XVI para o séc. I, de fazer algo que todo verdadeiro exegeta quer fazer – a saber, ver Paulo apropriadamente dentro de seu próprio contexto, ouvir Paulo nos termos de seu próprio tempo, deixar Paulo ser ele mesmo. [326]
A tese central da obra de Sanders é que “a imagem do judaísmo construída a partir dos escritos de Paulo é historicamente falsa, não simplesmente equivocada em suas partes, mas fundamentalmente errada”. [327] A questão é que o judaísmo palestinense da época do apóstolo Paulo não era uma religião de salvação, isto é, “no judaísmo, a obediência à Lei nunca foi pensada como um meio de entrar na aliança, de conseguir um relacionamento especial com Deus; era antes a questão de manter o relacionamento da aliança com Deus”. [328] E é aqui que surge um dos principais conceitos da NPP, que exercerá poderosa influência sobre os visionistas federais: o conceito de neonomismo.[329] Nas palavras do próprio Sanders: O nomismo da aliança é a visão de que o lugar de uma pessoa no plano de Deus é estabelecido com base na aliança e que esta requer como resposta adequada do homem a sua obediência aos seus mandamentos, ao mesmo tempo em que fornece os meios de expiação das transgressões [...] A obediência preserva a posição da pessoa na aliança, mas ela não faz ganhar a graça de Deus como tal [...] Justiça é, no judaísmo, um termo que implica na preservação do status dentro do grupo dos eleitos. [330]
A última afirmação de Sanders é muito semelhante ao que é advogado pelos proponentes da Visão Federal, notadamente Rich Lusk, acerca do papel da obediência à lei no julgamento do último dia e na ustificação final. Todavia, a expressão “Nova Perspectiva sobre Paulo” foi cunhada e cristalizada por meio da obra de James Douglas Grant Dunn de
mesmo nome, publicada na década de 80. De acordo com Gaspar de Souza, “Dunn se distancia da tradição Reformada no seu entendimento acerca da ‘justiça de Deus’ que, para ele, é a frase-chave do ensino Paulino sobre justificação. Segundo ele, a ‘justiça de Deus’ é o ato eletivo de Deus num conceito relacional, e não jurídico”. [331] Dunn afirma que em sua pesquisa acerca da justificação chegou à seguinte conclusão: “Justiça” era um conceito relacional e devia ser entendida “como satisfazer as exigências de um relacionamento”. O mesmo aplicava-se à “justiça de Deus”: pressupunha a relação de aliança, construída com a humanidade segundo a iniciativa de Deus; Deus agia com justiça quando satisfazia as exigências desse relacionamento de aliança. [332]
É possível, já aqui, perceber uma semelhança muito grande entre a conceituação de “justiça de Deus” oferecida por Dunn e a definição oferecida pela Visão Federal. [333] Nos últimos anos a NPP tem alçado voos mais altos através da popularidade e dos esforços do clérigo anglicano e bispo de Durham, Nicholas Thomas Wright, mais conhecido como N. T. Wright. A importância de N. T. Wright está em que ele não tem limitado a sua atividade literária à academia. Ele é, antes de qualquer coisa, um clérigo, um homem da igreja. Guy Waters chama a atenção para o fato de que, diferentemente dos principais nomes da NPP, Wright “tem feito mais do que qualquer outro único indivíduo para mediar a exegese da NPP para dentro das principais linhas e igrejas evangélicas [...] Ao fazer isso, ele nunca separou o seu academicismo do seu ministério paroquial”.[334] Então, através dos escritos de Wright e do seu ministério pastoral a NPP tem atingido um público maior do que o faria caso ficasse presa à academia. Ademais, de todos os proponentes da NPP
Wright é o mais apreciado pelos visionistas federais. Aliado a este fator há outro que tem contribuído para uma maior popularização da NPP. Gaspar de Souza destaca o fato de que Wright “declaradamente considera-se um ‘teólogo ortodoxo’ e, por esta consideração, suas obras têm penetrado os círculos evangélicos”. [335] E, de fato, Wright demonstra ser ortodoxo em relação a várias doutrinas cardeais da fé cristã como, por exemplo, a historicidade de Jesus Cristo, a veracidade da sua ressurreição e o seu sacrifício substitutivo. Estas doutrinas têm sido habilmente defendidas por ele “contra o ceticismo e o academicismo liberal de pessoas como o ‘Jesus Seminar’”. [336] De todas as obras escritas para defender e difundir os pontos de vista da NPP, What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real Founder of Christianity?, é a mais conhecida e a mais importante. Nela é possível perceber uma completa redefinição da doutrina da justificação segundo o pensamento do apóstolo Paulo. De acordo com Wright, a justificação não possui conotação soteriológica. Antes, a justificação é um emblema, um distintivo da membresia de uma pessoa na comunidade pactual. Eis a sua definição de justificação: “Justificação” no primeiro século não era sobre como alguém podia esta belecer um relacionamento com Deus. Era sobre definição escatológica de Deus, tanto futura quanto presente, de quem era, de fato, um membro do seu povo. Nos termos de Sanders, não era tanto sobre “entrar em” ou mesmo sobre “permanecer em”, mas sobre “como você poderia dizer que estava em”. Em linguagem teológica padrão, não era tanto soteriológica como eclesiológica; não tanto sobre salvação quanto sobre a igreja. [337]
A conclusão de Wright é fundamentada nas suas pesquisas acerca dos Manuscritos do Mar Morto, mais especificamente, o rolo conhecido como 4QMMT ou Carta Haláquica, que discute a conexão entre as
obras da lei e a retidão entre o povo de Qunram: Ali, “justificação pelas obras” não tem a ver com indivíduos judeus tentando uma espécie de protopelagianismo forçando a si mesmos por seus próprios esforços morais, mas tem a ver com a definição do verdadeiro Israel antes do confronto escatológico final. Nesse contexto, então, justificação não é uma questão de como alguém entra na comunidade do verdadeiro povo de Deus, mas de como você diz que pertence a essa comunidade, não menos no período de tempo antes do evento escatológico em si, quando a questão se tornará de conhecimento público.[338]
É com esse tipo de lente interpretativa que ele lerá os escritos do apóstolo Paulo. Discutindo a justificação na carta aos Gálatas, Wright dá a entender que toda a tradição anterior à NPP compreendeu de maneira equivocada o problema abordado por Paulo: Apesar de uma longa tradição em contrário, o problema que Paulo discute em Gálatas não é a questão de como exatamente alguém se torna um cristão ou obtém um relacionamento com Deus (nem mesmo estou seguro sobre como Paulo expressaria, em grego, nossa noção de “relacionamento com Deus”, mas deixemos isso de lado). O problema que ele discute é: seus ex-pagãos convertidos deveriam ser circuncidados ou não? Agora, esta questão não tem, de forma alguma, a ver com as questões encaradas por Agostinho e Pelágio, ou por Lutero e Erasmo. Na leitura de qualquer um, mas especialmente dentro do seu contexto do primeiro século, ele [isto é, o problema] tem a ver, obviamente, com a questão de como você define o povo de Deus: eles são definidos pelos distintivos da raça judaica ou de alguma outra forma?[339]
Simplesmente não há lugar no pensamento de Wright para a justificação como uma declaração de natureza forense, pela qual Deus declara perdoados os pecados do seu povo e o aceita como justo com base na obediência perfeita de seu Filho Jesus Cristo. Para ele, a “obras
da lei” (ἔργων νόµου) não faz referência ao ensinamento judaizante de que era necessário que os gálatas observassem a Lei de Moisés, a fim de serem salvos, mas aos distintivos característicos do povo judeu. Waters afirma que, “Paulo rejeita as ‘obras da lei’ em conexão com a ustificação, porque elas não são suficientemente reflexivas da inclusividade do povo de Deus”. [340] A ideia de Wright é que não era necessário que os gálatas se tornassem judeus para serem justificados. Antes, “justificação, em Gálatas, é a doutrina que insiste que todos aqueles que compartilham fé em Cristo pertencem à mesma mesa, não importa quais as suas diferenças raciais, como juntos eles aguardam a nova criação final”. [341] Num livro mais recente, escrito em 2009, no qual polemiza com John Piper acerca da justificação pela fé, Wright diz o seguinte sobre a justificação na Epístola aos Gálatas: Assim, quando os “homens da parte de Tiago” chegaram, Pedro separou-se, e os outros judeus cristãos fizeram o mesmo. Até agora, neste registro, nenhuma pergunta havia sido levantada sobre se os gentios em questão eram verdadeiros cristãos. Devemos assumir, à luz do que Paulo diz posteriormente (Gálatas 3.27), que eles tinham sido batizados. Nós certamente assumimos que eles tinham crido em Jesus como o Senhor crucificado e ressurreto. Isso não está em questão. O que está em questão é a pergunta: é correto para judeus cristãos e gentios cristãos comerem juntos? Eles pertencem à mesma mesa ou não? Esta é a questão, e nela está a primeira e talvez a mais afiada afirmação de Paulo da “justificação pela fé, à qual ele considera que a doutrina é a resposta. [342]
Ao discutir a relação entre a justificação e a mesa da comunhão, Peter Leithart faz uma afirmação que ecoa o pensamento de Wright. De acordo com ele, Lutero estava correto ao afirmar que “nós encontramos paz com Deus por meio de Jesus, por confiar nele e não por qualquer bondade moral que possamos alcançar”. [343] Contudo, o
apóstolo Paulo “estava fazendo perguntas diferentes e discutindo pro blemas distintos, a saber: Como os crentes judeus e gentios estão relacionados na igreja?”. [344] Com base em Gálatas 2.11-21 Leithart afirma que o apóstolo Pedro “estava tratando os gentios como transgressores do pacto, como se eles não fossem justos, não justificados. A resposta de Paulo foi que os gentios “eram parte do povo pactual de Deus, visto que todos os que têm fé em Jesus são justificados e deveriam ser tratados como cumpridores do pacto e companheiros de mesa”. [345] A mesma leitura pode ser vista quando Wright discute a doutrina da justificação em Filipenses 3.9: “e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a ustiça que procede de Deus, baseada na fé”. Em sua paráfrase, Wright substitui a palavra “justiça” pela expressão “membresia pactual”: Com efeito, ele está dizendo: Embora possuindo membresia pactual segundo a carne, não considero a membresia pactual como algo para me gloriar. Esvaziei a mim mesmo, compartilhando a morte do Messias. Por isso, Deus me deu a membresia que realmente importa, na qual eu tam bém compartilharei a glória de Cristo.[346]
Outra evidência da influência da NPP sobre a Visão Federal pode ser percebida quanto à doutrina da justificação futura de acordo com a vida de fidelidade daquele que recebeu a justificação inicial pela fé. Em Paul: Fresh Perspectives, Wright afirma também que a justificação, em Romanos 3, tem relação com a justiça restauradora que Deus prometeu trazer à terra. Esta justiça restauradora, também denominada fidelidade pactual salvífica de Deus, tem sido manifesta, exibida e revelada.[347] Através dos eventos retratados no evangelho da morte e da ressurreição de Jesus, diz Wright, Deus tem declarado de antemão que ele está lidando com o pecado e
com a morte, e tem convocado o mundo à obediência da fé, com o corolário de que todos aqueles que acreditam se encontrar declarados antecipadamente, como parte da revelação apocalíptica do futuro final, estão dentro da verdadeira família de Deus, sejam judeus ou gentios. [348]
Sua relação com a justificação futura está em que a justificação “é algo que acontece no tempo presente (Romanos 3.26) como uma antecipação adequada do eventual julgamento que será anunciado no futuro, sob a base da vida completa que alguém levou (Romanos 2.116)”.[349] Vê-se, pois, que de acordo com Wright a justificação final terá como fundamento a fidelidade do crente ao longo de toda a sua vida. A justificação presente nada mais é do que uma antecipação da justificação que acontecerá no último dia: “Paulo já se pronunciou em Romanos 2 sobre a justificação final do povo de Deus, com base no todo da sua vida. Isso terá lugar no fim, quando Deus, através do Messias, ulgar os segredos de todos os corações”. [350] Trata-se exatamente do mesmo conceito defendido pelos proponentes da Visão Federal. [351]
O Ensino Reformado Clássico Após a exposição do entendimento da Visão Federal acerca das doutrinas da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo e da justificação pela fé, bem como sua íntima relação com a Nova Perspectiva so bre Paulo, é possível apresentar algumas críticas com base no entendimento reformado tradicional e confessional acerca dessas doutrinas. Quando devidamente comparadas às afirmações confessionais e de teólogos representativos da tradição reformada, as revisões empreendidas pela Visão Federal se mostram errôneas, independentemente da constante alegação dos seus defensores no sentido de amparo teórico
da parte dessa tradição. Da Imputação da Obediência Ativa de Cristo
A primeira área de discordância entre a Visão Federal e a Teologia do Pacto clássica quanto à doutrina da justificação está no âmbito da imputação da obediência ativa de Jesus Cristo. Conquanto esta a afirme, aquela a rejeita. É verdade que na tradição reformada existiram teólogos que rejeitaram a doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo. Johannes Piscator, por exemplo, um influente teólogo reformado alemão do final do século 16 e início do século 17, rejeitou a doutrina da dupla imputação. Piscator definiu a justificação como sendo apenas perdão de pecados (remissio pecatorum). Uma vez definida assim, a única imputação ocorrida é a da obediência passiva de Cristo em seu sofrimento, paixão e morte. R. Scott Clark afirma que, no raciocínio de Piscator em suas Theses Theologicae de Iustificatione Hominis Coram Deo, de 1612, era que “Cristo devia obediência à lei apenas por si mesmo e, portanto, não poderia tê-la obtido para os eleitos”. [352] Ele acreditava que “se Cristo cumpriu a lei por nós, então, a sua morte foi sem significado”.[353] Apesar disso, a evidência mostra que a imputação da obediência ativa de Cristo desempenha um papel fundamental na justificação, e isso pode ser visto tanto nas mais diversas afirmações confessionais quanto nas de teólogos representativos. Os Padrões de Westminster, símbolos de fé das igrejas presbiterianas, fazem afirmações sobejas a este respeito. A Confissão de Fé de Westminster, por exemplo, no capítulo que trata de Jesus Cristo como o Mediador, faz uma declaração geral sobre a imputação da obediência de Cristo, mas afirma que por meio desta ele adquiriu para o seu
povo não apenas o perdão dos pecados, como os visionistas federais ensinam: O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ele ofereceu ao a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça de seu Pai, e, para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus. [354]
No capítulo sobre a justificação a CFW ensina a mesma verdade, afirmando que o que é imputado aos crentes não é apenas a sua satisfação, ou seja, a sua obediência passiva, mas também a sua obediência. De acordo com o texto da Confissão, Deus não justifica o seu povo com base em qualquer coisa nele operada ou por ele realizada, mas somente em consideração da obra de Cristo, “mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer, ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o rece bem e se firmam nele pela fé”.[355] O texto da Confissão fala de duas coisas sendo imputadas àquele que crê: a obediência e a satisfação de Jesus Cristo. Já foi observado que Norman Shepherd argumentou que a CFW é um documento de natureza conciliadora, visto que alguns divines – a minoria – eram opositores da imputação da obediência ativa, como William Twisse, Thomas Gataker, Richard Vines, William Rayner, Thomas Temple, Francis Woodcock, Francis Taylor e Stanley Gower. Porém, conforme o estudioso J. V. Fesko, não é correto afirmar que o texto da CFW busca conciliar os dois partidos existentes. De acordo com ele, os debates entre os dois partidos foram intensos desde o início das discussões sobre a revisão do artigo 11 dos Trinta e Nove Arti-
gos. Ao final, o artigo revisado passou a contar com a expressão “‘completa obediência’, que tinha a intenção de denotar a imputação da obediência ativa e passiva de Cristo”. [356] No que diz respeito ao texto da CFW, entretanto, Fesko afirma que a notável ausência da expressão “completa obediência”, bem como qualquer menção explícita à obediência ativa e passiva “tem levado alguns à conclusão de que, ao final, a Assembleia acomodou as visões minoritárias de Gataker, Twisse e outros oponentes da IOAC [Imputação da Obediência Ativa de Cristo]”.[357] No entanto, isso não é verdade: “Resumidamente, os Padrões não acomodam a posição minoritária, mas afirmam a IOAC”. [358]
De acordo com Fesko, a expressão utilizada no texto da CFW “obediência e satisfação de Cristo” não deve ser compreendida como uma acomodação à visão minoritária dos teólogos que estavam na Assembleia de Westminster. Antes, a frase deve ser entendida como denotando tanto a obediência ativa quanto a obediência passiva de Jesus Cristo. Um dos principais argumentos utilizados por Fesko é a redação original do terceiro parágrafo do capítulo sobre a justificação: “Cristo, por sua obediência, e morte, pagou plenamente a dívida de todos aqueles que são então justificados, e fez, em seu lugar, uma satisfação real, própria e plena à justiça de seu Pai”. [359] Fesko assevera que as subsequentes revisões do texto da Confissão removeram a vírgula entre “obediência, e morte”, o que representou uma mudança de grande importância, porque “no original, dois aspectos separados da obra de Cristo são distinguidos por uma vírgula”. [360] Além disso, ao tratar da humilhação do Redentor, o Catecismo Maior de Westminster estabelece uma importante distinção entre o cumprimento da lei por parte de Cristo e a sua morte (Perguntas 4850):
Pergunta 48. Como se humilhou Cristo na sua vida? Resposta. Cristo humilhou-se na sua vida, sujeitando-se à lei, a qual per-
feitamente cumpriu, e lutando com as indignidades do mundo, as tentações de Satanás e as enfermidades da carne, quer comuns à natureza do homem, quer as procedentes dessa baixa condição. Pergunta 49. Como se humilhou Cristo na sua morte? Resposta.
Cristo humilhou-se na sua morte porque, tendo sido traído por Judas, abandonado pelos seus discípulos, escarnecido e rejeitado pelo mundo, condenado por Pilatos e atormentado pelos seus perseguidores, tendo também lutado com os terrores da morte e os poderes das trevas, tendo sentido e suportado o peso da ira de Deus, Ele deu a sua vida como oferta pelo pecado, sofrendo a penosa, vergonhosa e maldita morte de Cruz. Pergunta 50.
Em que consistiu a humilhação de Cristo depois da sua
morte? Resposta. A humilhação de Cristo depois da sua morte consistiu em ser
ele sepultado, em continuar no estado dos mortos e sob o poder da morte até ao terceiro dia; o que, aliás, tem sido exprimido nestas palavras: Ele desceu ao inferno (Hades).[361] Esta distinção deve ser levada em consideração ao se abordar as perguntas sobre a justificação, doutrina explanada pelo Catecismo nas perguntas 70-73. As duas primeiras dessa seção dizem o seguinte: Pergunta 70. Que é justificação? Resposta. Justificação é um ato da livre graça de Deus para com os peca-
dores, no qual Ele os perdoa, aceita e considera justas as suas pessoas diante dEle, não por qualquer coisa neles operada, nem por eles feita, mas unicamente pela perfeita obediência e plena satisfação de Cristo, a eles imputadas por Deus e recebidas só pela fé. Pergunta 71. Como é a justificação um ato da livre graça de Deus?
Resposta. Ainda que Cristo, pela sua obediência e morte, prestasse uma
verdadeira satisfação real e plena à justiça de Deus a favor dos que são justificados, contudo a sua justificação é de livre graça para eles desde que Deus aceita a satisfação de um fiador, a qual podia ter exigido deles; e proveu este fiador, Seu único Filho, imputando-lhes a justiça deste e não exigindo deles nada para a sua justificação senão a fé, a qual também é dom de Deus.[362]
Observe-se que, de acordo com a resposta à pergunta 70, a obediência e a satisfação de Cristo são dois aspectos distintos da obra de Cristo, uma vez que elas são aos crentes “imputadas por Deus”. Duas coisas são, assim, imputadas àqueles que creem em Cristo, a saber, a sua obediência e a sua satisfação, duas expressões para a sua obediência ativa e passiva. Fesko afirma que é dessa forma que se deve entender o ensino do Catecismo: “Quando as perguntas 70 e 71 sobre a justificação são tomadas juntamente com as perguntas 46 a 50, elas imprimem sobre o leitor a necessidade da obediência ativa de Cristo”. [363] R. Scott Clark diz que “esta distinção lógica bipartida entre obediência e satisfação é substancialmente o que a ortodoxia deseja”. [364] Além dos Padrões de Westminster, teólogos representativos da tradição pactual reformada clássica reconhecem a necessidade da imputação da obediência ativa de Cristo na justificação dos crentes. O teólogo holandês Herman Witsius (1636-1708), por exemplo, não falou apenas da obediência passiva de Cristo, seu sofrimento e morte, como o único aspecto da imputação na justificação. Ele incluiu a justiça oriunda da obediência de Cristo durante toda a sua vida como um dos aspectos que é imputado ao crente. Para Witsius, mesmo que ênfase seja dada ao seu sofrimento e morte, toda a vida de obediência de Cristo deve ser levada em conta quando da consideração da justificação. Ele diz:
Visto que todos pecaram em Adão, e estão destituídos da glória de Deus, o Filho Unigênito de Deus ofereceu-se a si mesmo ao Pai, como Fiador, e prometeu que no tempo apontado, ele cumpriria todas as exigências da lei pelos eleitos. E ele também executou isso com toda fidelidade: nasceu de uma virgem, sem qualquer mancha de pecado, sendo concebido pelo Espírito Santo e dotado com justiça original, a fim de remover a culpa do pecado original, e compensar a imperfeição da justiça original sem a qual os eleitos nascem. Além disso, desde a sua infância e ao longo de toda a sua vida e, especialmente, no fim da mesma, ele suportou toda sorte de sofrimentos tanto no corpo quanto na alma, humilhando, ou melhor, esvaziando a si mesmo e sendo obediente ao Pai até à morte, e morte de cruz, a fim de suportar, no lugar deles, a punição devida pelos pecados do seu povo escolhido [...]. Em suma, ele cumpriu totalmente em lugar do seu povo tudo aquilo que a lei requeria, de maneira a obter o direito à vida eterna.[365]
É interessante que tais afirmações de Witsius se deem justamente no seu capítulo sobre a justificação. De acordo com ele, o significado da imputação é que os eleitos são “considerados como tendo feito e sofrido tudo aquilo que Cristo fez e sofreu por eles”. [366] Então, no pensamento de Witsius tanto a obediência ativa quanto a obediência passiva de Cristo devem ser consideradas como o fundamento da justificação daquele que tem fé nele. Foi observado que o teólogo reformado alemão Johannes Piscator se opôs à doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo. Um importante teólogo reformado que respondeu à oposição de Piscator foi o puritano John Owen (1616-1683), que “se voltou para a obediência ativa de Cristo como uma fonte de encorajamento e consolação para o cristão”.[367] Owen valoriza tanto a obediência ativa de Cristo que chega a sugerir que a designação “obediência passiva” é uma impropriedade, uma vez que obediência, por definição, implica ação,
nunca passividade: Pois a obediência de Cristo à lei da mediação, a qual não é coincidente com sua obediência passiva, como eles falam (pois eu sei que esta expressão é imprópria), que foi requisito para a realização do seu ofício, não é imputada a nós, como se nós a tivéssemos feito, mas o ἀποτελέσµατα [cumprimento] e os frutos sejam.[368]
Além disso, Owen considera que a opinião de Piscator, de que a obediência ativa de Cristo foi necessária apenas como uma espécie de qualificação para o seu sofrimento e morte, é errônea: “Pois ele correspondeu a todos os tipos e, em todos os sentidos, foi ἱκανός (apto para ser feito oferta pelo pecado) por sua união e graça habitual”. [369] Não apenas em seu sofrimento, mas em tudo o que fez, em cada ato de obediência à lei de Deus, Jesus agiu visando a imputação da sua justiça àqueles que foram eleitos nele desde antes da fundação do mundo. Owen afirma ainda que uma triste implicação para o pensamento de que a vida de obediência de Cristo não teve em vista a justificação do seu povo, é que, nesse caso, tal vida de perfeita obediência teria sido despropositada: De maneira que, se a obediência realizada por Cristo não é contada como nossa, e feita em nosso benefício, não há justa causa a ser atribuída ao porquê de ele ter vivido aqui no mundo da forma como fez, em perfeita obediência a todas as leis de Deus. Tivesse ele morrido antes, teria sido em perfeita inocência e em perfeita santidade, pela sua graça habitual, virtude infinita e valor da dignidade da sua pessoa. E, seguramente, ele não se rendeu tanto tempo em todo tipo de obediência, senão por algum grande e especial propósito em referência à nossa salvação.[370]
Outro argumento utilizado por Owen para defender a imputação da obediência ativa na justificação dos crentes está ligado ao fato de o
Pacto das Obras ter sido transferido para Cristo: “Se a obediência de Cristo não tivesse sido por nós [...] poderia em sua vida ter sido exigido dele prestar obediência à lei da natureza, a única lei à qual ele poderia ser responsabilizado como homem, pois um homem inocente num pacto de obras, como ele estava, não precisa de outra lei, nem Deus daria qualquer outra lei a tal pessoa”. [371] Então, por estar no Pacto das Obras Cristo tinha de obedecer perfeitamente à lei de Deus, uma vez que as Escrituras o apontam como o “Segundo Adão”, o segundo cabeça federal da humanidade (Romanos 5.12-21; 1Coríntios 15.45). Owen afirma que, assim como Adão estava debaixo da lei “faça isso e viverás”, assim Cristo também teria de obedecer a todos os requerimentos da lei, a fim de obter vida para o seu povo. [372] A implicação desse raciocínio é que, assim como o primeiro cabeça federal, Adão, desobedeceu ativamente a Deus, assim Cristo, o Fiador no Pacto da Graça, necessariamente providenciou obediência ativa no lugar do seu povo: “Se ele providenciou apenas remissão de pecados, então ainda estamos devendo obediência ativa para nossa justificação. Em outras palavras, para Owen, ou Jesus é um completo Salvador ou ele não é”.[373] Dentre os teólogos reformados contemporâneos que dão suporte à imputação da obediência ativa destaca-se John Murray, que apesar de discordar da doutrina do Pacto das Obras, afirmou enfaticamente a necessidade da obediência ativa de Cristo para um correto e saudável entendimento da doutrina da justificação. Em seu comentário à Epístola aos Romanos, Murray argumenta que o conceito de obediência de Cristo não deve ser restringido ao seu sofrimento e morte na cruz. Para ele, a morte de Jesus na cruz é a expressão maior dessa obediência, mas esta não se resume àquela. Comentando a expressão “por
meio da obediência de um só”, em Romanos 5.19, Murray diz o seguinte: O conceito de obediência, no que diz respeito à obra de Cristo em favor dos crentes, é mais abrangente do que qualquer outro (cf. Is 42.1; 52.1353.12; Jo 6.38,39; 10.17,18; 17.4,5; Gl 4.4; Fp 2.7,8; Hb 2.10; 5.8,9). É significativo que este conceito foi utilizado aqui. Isto indica a ampla perspectiva através da qual devemos contemplar aquela realização de Cristo que constitui a base do ato justificador da parte de Deus. É indubitável que foi na cruz de Cristo e no verter do seu sangue que essa obediência atingiu o seu ápice, mas essa obediência compreende a totalidade da vontade do Pai consumada por Cristo. [374]
Murray argumenta ainda em favor da obediência ativa de Cristo, dizendo que as expressões “obediência ativa” e “obediência passiva” nada mais são do que categorias úteis para se compreender a obra completa de Jesus Cristo: As Escrituras consideram a obra de Cristo na qualidade de obra de obediência e usam esse termo, ou o conceito designado por ele, com frequência suficiente para justificar a conclusão de que a obediência é mais genérica e, portanto, compreensiva o bastante para ser considerada um princípio unificador ou integrante [...] A obediência de Cristo é, com frequência, descrita em obediência ativa e obediência passiva. Quando bem interpretada, essa fórmula serve ao propósito de considerar dois aspectos distintos na obra de obediência de Cristo. [375]
Isso fica ainda mais claro quando Murray trabalha o paralelo entre Adão e Cristo: O mesmo princípio de solidariedade que se destaca em nosso relacionamento com Adão, pelo qual somos envolvidos no pecado dele, também opera em nosso relacionamento com Cristo. E assim como o relacionamento com Adão significa a imputação a nós de sua desobediência, as-
sim também o relacionamento com Cristo significa a imputação a nós de sua obediência. A justificação significa nosso envolvimento na obediência de Cristo, em termos do princípio básico pelo qual fomos envolvidos no pecado de Adão. [376]
Ao transgredir o Pacto das Obras, Adão desobedeceu a uma ordem, uma lei, um preceito específico: “E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2.16-17). É na transgressão deste mandamento que reside a desobediência de Adão. Assim sendo, a obediência de Cristo e o seu fiel e perfeito cumprimento da lei, por necessidade consequente, também tem de envolver a sua obediência aos preceitos da lei de Deus. Não pode ser diferente, como indicado por Murray. Não faz sentido a desobediência de Adão ser identificada como a transgressão da ordem recebida em Gênesis 2.1617, e a obediência de Cristo ser reduzida tão somente ao seu sofrimento e morte. E nada além da imputação da justiça e da obediência de Cristo, em seu sentido todo-inclusivo, é o fundamento da justificação dos crentes.[377] Dentre os teólogos reformados que confessam a doutrina da imputação da obediência ativa de Cristo convém mencionar ainda John M. Frame, professor de Teologia Sistemática e Filosofia no Reformed Theological Seminary, em Orlando. A relevância de Frame para a presente questão está em que, apesar de apoiar muitos dos pontos doutrinários defendidos por Norman Shepherd [378] , Frame afirma a doutrina clássica da imputação da obediência ativa de Cristo opondo-se, assim, àquele que tanto o influenciou: “Quando cremos em Cristo Deus nos conta como justos em Cristo. Isso quer dizer que Deus imputa a nós a
obediência ativa de Cristo, então ele nos vê, nos considera, nos conta, nos declara como justos e santos, assim com Jesus é”. [379] Falando especificamente sobre a controvérsia em torno da imputação da obediência ativa – e possivelmente tendo Shepherd em mente – Frame afirma o seguinte: Atualmente existe alguma controvérsia nos círculos protestantes sobre a imputação da obediência ativa de Cristo a nós, mesmo entre escritores que aceitam a imputação da sua obediência passiva, sua morte. Não temos espaço para entrar em detalhes nessa controvérsia. Porém, a mim parece claro que: (1) Deus nos declara justos “nele”, isto é, pela união com Cristo (2Co 5.21). Jesus expressa o seu caráter justo em tudo o que faz, tanto em sua vida perfeita quando na sua morte expiatória. É este caráter justo, esta impecabilidade, que é nosso por nossa união com ele, não meramente sua expressão passiva. (2) A vida perfeita de Jesus é um aspecto necessário da sua expiação. No Antigo Testamento os animais sacrificados tinham de ser “sem defeito” (Êx 12.5). O Novo Testamento fala frequentemente de Jesus como um cordeiro. Como um sacrifício, ele também tinha de ser sem defeito, e num homem isso implica impecabilidade. 1Pedro 1.19 fala de Jesus como “um cordeiro sem defeito e sem mácula” [...] Visto que a expiação de Jesus foi substitutiva, Deus imputa a nós a vida sem pecado de Jesus como um todo. (3) Nossa união com Cristo é uma união tanto em sua morte e em sua ressurreição. Quando Jesus morreu por nós, nós morremos para o pecado. Quando ele ressurgiu da morte, nós ressurgimos com ele em novidade de vida (Rm 6.1-14). A vida ressurreta de Cristo é (entre muitas outras coisas) uma continuação e cumprimento da vida impecável que ele viveu sobre a terra. [380]
Verifica-se, portanto, através deste arrazoado, que a rejeição da imputação da obediência ativa de Cristo por parte dos adeptos da Visão Federal está em desacordo com os Padrões Confessionais do pres biterianismo, além de ir contra o posicionamento majoritário da teologia reformada.
Da Natureza da Justificação
A segunda área de discordância entre a Visão Federal e a teologia reformada clássica se dá na própria definição do que é a justificação. Em linhas gerais, a Visão Federal define a justificação de modo reducionista, igualando-a tão somente ao perdão de pecados e libertação da condenação eterna, além de negar a sua natureza forense e assumir contornos que, em muito, lembram a linguagem bíblica para falar da santificação. Outro detalhe de extrema importância é que, em sua redefinição da natureza da justificação aliada à sua negação da imputação da obediência ativa de Cristo, a Visão Federal acaba concebendo a ustiça do crente enquanto “guardador do pacto” como o fundamento daquilo que é denominado justificação final. Dessa forma, a justificação, em vez de ser um ato declaratório forense da parte de Deus, aca ba sendo transformada numa espécie de processo que tem lugar ao longo de toda a caminhada cristã e que leva em consideração as obras praticadas pelo crente. A teologia reformada clássica é unânime em definir a justificação em termos declaratórios e forense. A justificação é a declaração judicial emitida por Deus, com base na imputação da justiça de Cristo – sua obediência ativa e passiva –, de que o pecador é agora formal e legalmente, não materialmente, perdoado de todos os seus pecados e feito usto aos olhos da santa lei de Deus. Igualmente, a teologia reformada não enxerga a existência de uma justificação final cujo fundamento e veredito sejam diferentes da justificação inicial. Guy Waters afirma que existem teólogos reformados que se utilizam da linguagem “justificação final”, porém, de uma maneira cautelosa, sem querer dizer com isso que aquilo que é declarado na justificação inicial possa ser alterado, suplementado ou diminuído, ou ainda que o seu fundamento
seja diferente. De acordo com ele, na linguagem dos nossos catecismos o que transparece no julgamento é o reconhecimento aberto e a absolvição do crente, pois “o fundamento da absolvição é e não pode ser nada além da perfeita justiça de Cristo. As obras do crente simplesmente evidenciam a verdade da fé salvífica pela qual ele se apropriou de Cristo e de sua justiça”. [381] O Catecismo Maior de Westminster, na resposta à pergunta 70, fala da natureza da justificação nos seguintes termos: Pergunta 70. O que é justificação? Resposta. Justificação é um ato da livre graça de Deus para com os peca-
dores, no qual ele os perdoa, aceita e considera justas as suas pessoas diante dele, não por qualquer coisa neles operada, nem por eles feita, mas unicamente pela perfeita obediência e plena satisfação de Cristo, a eles imputadas por Deus e recebidas só pela fé.[382]
O CMW fala da justificação como sendo perdão de pecados, mas não apenas isso. Na justificação Deus também aceita e considera justos os pecadores diante dele. Johannes Geerhardus Vos discute a natureza da justificação respondendo ao porquê não se deve equacioná-la simplesmente a perdão de pecados e por que este não bastaria para salvar o crente e conceder-lhe a vida eterna: Porque Deus requer de nós mais do que só estarmos livres de pecado. Nós não somente temos de estar sem pecado como também temos de ter uma justiça explícita, como se por toda a nossa vida – em toda e qualquer ocasião – sempre tivéssemos amado o Senhor nosso Deus com todo nosso coração, com toda nossa alma, com toda nossa mente e capacidade, e ao nosso próximo como a nós mesmos. Se Deus só perdoasse os nossos pecados ainda continuaríamos não-salvos porque nos faltaria essa justiça explícita, sem a qual ninguém entrará no céu nem receberá a vida eterna. [383]
O estudioso da teologia dos Padrões de Westminster, Chad Van Dixhoorn ecoa o mesmo pensamento ao afirmar que ser justificado não significa apenas ser deixado como se o crente nunca tivesse cometido pecado e nada mais: “Em vez disso, a justificação também envolve ser contado e aceito como justo. A boa notícia não é apenas que Jesus Cristo uma vez vestiu os nossos pecados imundos, mas que ele também nos revestiu para sempre com a sua justiça imaculada”. [384] Ademais, a linguagem “aceitar e considerar” sugere natureza legal, forense, judicial. Há uma declaração, um veredito pronunciado a respeito dos pecados que creem em Jesus, e este veredito é o de que tais pessoas são legalmente justas aos olhos de Deus e da sua santa lei. É interessante que até mesmo Douglas Wilson, um dos mais conhecidos e prestigiados proponentes da Visão Federal, reconhece a natureza forense da justificação: “Imputação é uma ação declaratória e forense. Ela é vista frequentemente no tribunal de justiça, como quando um réu é declarado ‘não culpado’. Quando esta declaração é feita, os raios da imputação não voam através do tribunal e criam inocência no réu. Em vez disso, ela é uma declaração de status”. [385] Os ensinamentos dos defensores da Visão Federal também entram em descontinuidade com o que tem sido historicamente defendido por teólogos individuais na tradição reformada. O reformador francês João Calvino, por exemplo, que de acordo com Henri Strohl foi quem deu “a mais sistemática exposição do pensamento da Reforma, no que diz respeito à justificação pela fé” [386] , entende que a justificação é de natureza legal ou forense: “Portanto, justificado é aquele que não é tido na conta de pecador, mas de justo, e por esse título se posta firme diante do tribunal de Deus, onde todos os pecadores se prostram abatidos”.[387] Ele também diz que “justificar outra coisa não é
senão absolver de culpa aquele que era considerado culpado, como se sua inocência fosse provada. E assim, quando Deus nos justifica pela intercessão de Cristo, ele nos absolve não pela prova de justiça pessoal, mas pela imputação de justiça, de sorte que somos tidos por justos em Cristo”.[388] Contrariando Norman Shepherd e seus seguidores, Calvino afirmava que a justificação, em sua inteireza, podia ser sintetizada em quatro conceitos, a saber: 1. Aceitação por parte de Deus (Efésios 1.5-6; Romanos 3.24); 2. Imputação da justiça de Cristo; 3. Perdão dos pecados (Romanos 4.6-7); e 4. Reconciliação com Deus (2Coríntios 5.18-20).[389] A importância de Calvino nesta discussão se dá em face dos constantes apelos que os visionistas federais fazem a Calvino. Norman Shepherd, que como já foi observado, afirma que a justificação pela fé se reduz tão somente ao perdão de pecados, afirma o seguinte sobre Calvino: “A chave para entender Calvino é o seu argumento de que a ustificação consiste em remissão de pecados”. [390] No entanto, como é corretamente apontado por Jeong Koo Jeon, Calvino nunca definiu justificação como algo limitado a “perdão de pecados”, como Shepherd falsamente argumenta. Em vez disso, Calvino inequivocamente enfatizou que os crentes na justificação forense rece bem “perdão de pecados e são vestidos com a justiça de Cristo”. Em outras palavras, para Calvino, “perdão de pecados” está intimamente ligado à obediência passiva de Cristo, enquanto ser “vestido com a justiça de Cristo” está diretamente relacionado à imputação da obediência ativa de Cristo, embora ele não use tais terminologias.[391]
Além de Calvino, e já no período da Pós-Reforma, o holandês Herman Witsius definiu a justificação em termos forenses e de maneira a abranger mais que apenas o perdão dos pecados. Witsius afirma que, nas Escrituras, justificar “é muito frequente e ordinariamente usa-
do num sentido declarativo e significa contar, declarar, provar que alguém é justo”.[392] Tais sentidos são claros quando se considera a questão da condenação, como em Deuteronômio 25.1; Provérbios 17.15; Isaías 5.23. Na verdade, de acordo com Witsius, justificar não pode ter qualquer outro significado que não o forense, como quando é dito que Jesus foi justificado, em 1Timóteo 3.16. [393] Sobre isso, ele diz: Como Cristo foi justificado? 1. Quando o Pai declarou que ele era santo e sem mácula, de acordo com sua mente e vontade, e até mesmo aquele “em quem me comprazo” (Mateus 3.17; 17.5). 2. Quando ele foi pronunciado inocente de todos os crimes pelos quais ele foi falsamente acusado e injustamente condenado. 3. Quando ele declarou que tinha feito plena satisfação à sua justiça, e não estava mais debaixo da culpa daqueles pecados que, como Fiador, tomou sobre si. [394]
Witsius então define a justificação como “um ato judicial, mas gracioso de Deus, pelo qual o pecador eleito e crente é absolvido da culpa dos seus pecados e tem direito à vida eterna concedida a ele, por causa da obediência de Cristo, recebida pela fé”. [395] Para ele a justificação consiste de dois atos: 1. A absolvição da culpa ou injustiça; e 2. A concessão de justiça.[396] Outro teólogo reformado que merece ter a sua exposição sobre a doutrina da justificação mencionada, ainda que de maneira perfunctória, é o também holandês Herman Bavinck (1854-1921). Combatendo a ideia católico romana de que a justificação é de natureza ética, ele assevera que para “avaliar corretamente o benefício da justificação, as pessoas devem elevar sua mente ao trono do julgamento de Deus e se colocar em sua presença”. [397] A linguagem utilizada já sugere que Bavinck concebe a justificação em termos judiciais, o que pode ser comprovado a partir do seu vaticínio de que a justificação “não pode con-
sistir em nada além de um julgamento, ou, em outros termos, em uma disposição e um ânimo mudados em relação a nós”. [398] Portanto, a ustificação “não é um ato ético, mas um ato forense”. [399] O argumento bíblico de Bavinck é o seguinte: A palavra hebraica (hisd’q) denota o ato de um juiz pelo qual ele declara uma pessoa inocente e é o antônimo de (hirs’a), condenar (Dt 25.1-2; Jó 32.2; 33.32). Ela é usada nesse sentido para Deus (Êx 23.7; 1Rs 8.32; 2Cr 6.23; Is 50.8). No Antigo Testamento, a palavra ainda não serve para expressar o perdão dos pecados. Isso é indicado, ou em algum caso implica nas seguintes palavras: libertar (Sl 39.8; 51.14), não imputar (Sl 32.2), perdoar e não lembrar (Is 43.23; Jr 31.34), lançar para trás (Is 38.17), apagar (Sl 51.1,9; Is 43.25), perdoar (Êx 34.9; Sl 32.1). Em geral a palavra grega δικαιοῦν (dikaioun) significa considerar certo e satisfatório; julgar aquilo que é certo; ela pode, portanto, ser usada tanto em um sentido desfavorável (julgar o ímpio, isto é, punir), quanto em um sentido favorável (fazer justiça ao justo, reconhecer o justo como tal). No Novo Testamento, sob a influência do Antigo, ela adquiriu um sentido consistentemente jurídico e favorável. É assim que ela é usada em geral (Mt 11.19), onde a Sabedoria – em um sentido jurídico, é claro, não em um sentido ético – é justificada com respeito (ἀπό, apo) a seus filhos; semelhantemente, em Lucas 7.29, onde o coletor de impostos “justifica” (reconhece a justiça de) Deus, e também em Mateus 12.37; Lucas 10.29; 16.15; 18.14. Também nos escritos de Paulo, o significado forense é certo. Em Romanos 3.4, a palavra não pode ter um significado ético porque Deus é o su jeito, que é justificado em suas palavras.[400]
É verdade que, ao declarar a natureza forense da justificação, Bavinck tinha em mente a doutrina romanista de que a justificação acontece por meio da infusão de justiça no pecador. Não obstante, uma vez que no esquema conceitual da Visão Federal a justificação final tem por base a fidelidade daquele que é considerado por Deus como “cumpridor do Pacto”, a negação de uma justificação ética também
pode ser aqui aplicada. Ademais, conquanto a Visão Federal não fale de uma infusão de justiça, ao enfatizar constantemente que a fé justificadora é uma fé obediente e que as obras são necessárias, como faz Shepherd, ela acaba dando à justificação uma dimensão ética. Além da sua natureza forense, a justificação, na concepção de Bavinck, não possui como único elemento o perdão de pecados. Além deste, a justificação também compreende um elemento positivo muito semelhante ao proposto por Herman Witsius. Para Bavinck, os dois elementos constituintes da justificação pela fé são o perdão dos pecados e a concessão de vida eterna: “É ainda mais preciso entender as duas partes da justificação como consistindo no perdão de pecados e na atribuição do direito à vida eterna, já que esses benefícios estão baseados na imputação da obediência de Cristo como um todo”. [401] O perdão dos pecados “é nada menos que a completa absolvição de toda culpa e punição do pecado, não somente de pecados passados, mas também de pecados presentes e futuros”. [402] De acordo com Bavinck, o benefício do perdão de pecados é tão proeminente nas Sagradas Escrituras que, muitas vezes, ele parece ser tudo o que há para a justificação. Não obstante, isso não é assim. Há um segundo elemento igualmente rico e glorioso: a atribuição do direito à vida eterna. É interessante que este segundo elemento, para Bavinck seguindo o teólogo genebrino Francis Turretin, é sinônimo da “adoção de filhos”. [403] A lógica desse raciocínio é que, assim como através da obediência de Jesus Cristo os crentes recebem a dádiva do perdão de pecados, assim tam bém com base na justiça perfeita de Cristo, eles são adotados como filhos de Deus. Tal tratamento não é algo estranho à teologia reformada. Joel R. Beeke, ao trabalhar a doutrina da adoção no pensamento dos puritanos do século 17, esclarece que a maioria deles coloca o seu
tratamento da adoção na ordo salutis entre a justificação e a santificação, pois “logicamente, essa estrutura faz considerável sentido, dados os inevitáveis laços existentes entre a justificação e a adoção, e entre a santificação e a adoção”.[404] É preciso, neste capítulo, dar uma palavra final a respeito da divergência existente entre a teologia reformada e a doutrina da Visão Federal acerca da justificação final dos crentes, que terá como fundamento a sua fidelidade pactual. Mais uma vez é possível perceber muito claramente que a Visão Federal se coloca fora dos limites confessionais ao defender tal doutrina. O caráter definitivo da justificação e sua distinção da santificação também são abordados pelo CMW: Pergunta 77. Em que difere a justificação da santificação? Resposta.
Ainda que a santificação seja inseparavelmente unida com a justificação, contudo, elas diferem nisto: na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo; e na santificação, o seu Espírito infunde a graça e dá forças para a exercer. Na justificação, o pecado é perdoado; na santificação, ele é subjugado; aquela liberta a todos os crentes, igualmente, da ira vingadora de Deus, e isso perfeitamente nesta vida, de modo que eles nunca mais caem na condenação; esta não é igual em todos os crentes, e nesta vida não é perfeita em crente algum, mas vai crescendo para a perfeição.[405]
Diferente do que ocorre com o ensinamento da Visão Federal, o CMW nega que alguém justificado pela fé em Cristo caia em condenação. De acordo com a Visão Federal, é necessário que aquele que foi ustificado inicialmente pela fé cumpra os mandamentos da Aliança e pratique boas obras, a fim de que a sua justificação final tenha lugar. Há, claramente, uma divergência entre o ensinamento confessional presbiteriano e a Teologia da Auburm Avenue.
Além disso, Hywel R. Jones, professor emérito de Teologia Prática no Westminster Seminary California, afirma que “é altamente significativo que nossos documentos confessionais não utilizem a palavra ustificação no tocante ao julgamento final”. [406] E esta é uma afirmação verdadeira, pois o CMW, na resposta à pergunta 90, diz o seguinte: Pergunta 90. O que acontecerá aos justos no dia do juízo? Resposta. No dia do juízo, os justos, sendo arrebatados para encontrar a
Cristo nas nuvens, serão postos à sua destra, e ali, abertamente reconhecidos e justificados, se unirão com ele para julgar os réprobos, anjos e homens, e serão recebidos no céu, onde serão plenamente e para sempre li bertados de todo pecado e miséria, cheios de gozos inefáveis, feitos perfeitamente santos e felizes, no corpo e na alma, na companhia de inumeráveis santos e anjos, mas especialmente na imediata visão e fruição de Deus o Pai, de nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo, por toda a eternidade. É essa a perfeita e plena comunhão de que os membros da Igreja invisível gozarão com Cristo em glória, na ressurreição e no dia do juízo.[407]
O Catecismo não fala de uma justificação que terá lugar no último dia. Em vez disso, ele fala de um aberto reconhecimento e de uma absolvição pública.[408] A ideia é que os justos serão publicamente reconhecidos e declarados como tendo sido absolvidos da sua culpa. Jones afirma ainda que “esta escolha de linguagem deixa claro que a justificação – plena, livre e final – tem lugar no presente mundo [...] Por todas as razões dadas, toda e qualquer tentativa de se falar de justificação em dois estágios deve ser abandonada”.[409] A crítica que deve ser feita à doutrina da justificação final da Visão Federal – e também da Nova Perspectiva sobre Paulo –, é que conceber dois vereditos separados – um no presente e o outro no último
dia – com fundamentos distintos – a obediência de Cristo e a fidelidade pactual do crente respectivamente – não está de acordo com o pronunciamento do apóstolo Paulo a respeito da justiça do crente já no tempo presente: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus [...] Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós” (Romanos 8.1,33-34). A realidade presente da justificação do crente permite que se compreenda que o veredito pronunciado hoje, no tribunal de Deus, será publicamente anunciado no último dia, por ocasião da ressurreição final. Com base nisso, J. V. Fesko assevera que “não é que a justificação tenha duas partes, presente e futura, mas, sim, que ela tem dois níveis de publicação, a ressureição de acordo com o homem interior e exterior, ou em termos da ordo salutis, justificação e glorificação”. [410] Fesko vai adiante, expondo com maestria a doutrina reformada clássica a este respeito: O que aguarda o crente não é um segundo veredito no julgamento final, mas sim a sua ressurreição corporal, a revelação de que o veredito já foi aprovado em sua justificação. Quando o crente é justificado, ele é ressuscitado com Cristo de acordo com o seu homem interior, o que tem como fundamento a vida, a morte e a ressurreição de Cristo e é pela graça somente através da fé somente em Cristo somente. A pessoa justificada aguarda a revelação da sua justificação, o que ocorre através da ressurreição [...] Em termos de formulação histórica, o crente é “abertamente reconhecido e absolvido” não por um julgamento de acordo com as obras, mas através da ressurreição do seu homem exterior.[411]
Isto posto, pode-se perceber, mais uma vez, que a reformulação proposta pela Visão Federal a respeito da doutrina da justificação pela
fé somente se coloca fora dos limites confessionais presbiterianos e reformados.
[261] MÜLLER, Richard A. “The Covenant of Works and The Stability of Divine Law in Seventeenth-Century Reformed Orthodoxy: A Study in The Theology of Herman Witsius and Wilhelmus à Brakel”. In: Calvin Theological Journal. Vol. 29. nº 1 (1994). p. 76. Minha tradução. [262] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. p. 94. Minha tradução. [263] WITSIUS, Herman. The Economy of The Covenants Between God and Man. Vol. 1. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2010. p. 20. Minha tradução. [264] Ibid. Minha tradução. [265] MÜLLER, Richard A. “The Covenant of Works and The Stability of Divine Law in Seventeenth-Century Reformed Orthodoxy: A Study in The Theology of Herman Witsius and Wilhelmus à Brakel”. p. 80. Minha tradução. [266] BRAKEL, Wilhelmus à. The Christian’s Reasonable Service. Vol. 1. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2007. p. 355. Minha tradução. [267] PHILLIPS, Richard D. “A Justification of Imputed Righteousness”. In: JOHNSON, Gary L. W. e WATERS, Guy P. (Eds.). By Faith Alone: Asnwering the Challenges to the Doctrine of Justification. p. 76. Minha tradução. [268] VANDRUNEN, David. “To Obey Is Better Than Sacrifice: A Defense of the Active Obedience of Christ in the Light of Recent Criticism”. In: Ibid. p. 127. Minha tradução. [269] JEON, Jeong Koo. Covenant Theology and Justification by Faith. Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, 2006. p. 55. Minha tradução. [270] SHEPHERD, Norman. “Justification by Faith in Pauline Theology”. In: SANDLIN, P. Andrew (Ed.). Backbone of the Bible: Covenant in Contemporary Perspective. p. 87. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [271] Ibid. pp. 87-88. Minha tradução. [272] Ibid. p. 89. Minha tradução.
[273] SHEPHERD, Norman. The Way of Righteousness: Justification Beginning with James. La Grange, CA: Kerygma Press, 2009. p. 33. Minha tradução. [274] SHEPHERD, Norman. “Justification by Works in Reformed Theology”. In: Ibid. p. 114. Minha tradução. [275] Ibid. pp. 114-115. Minha tradução. [276] Ibid. p. 115. Minha tradução. [277] Ibid. Minha tradução. [278] JORDAN, James B. “Merit Versus Maturity: What Did Jesus Do for Us?”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 194. Minha tradução. [279] Ibid. pp. 194-195. Minha tradução. [280] Ibid. p. 195. Minha tradução. [281] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 140. Minha tradução. [282] KEVAN, Ernest. The Grace of Law: A Study in Puritan Theology. Grand Rapids, MI: Soli Deo Gloria Publications, 2011. pp. 50, 62. [283] LUSK, Rich. “A Response to ‘The Biblical Plan of Salvation’”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 140. Minha tradução. [284] Ibid. p. 142. Minha tradução. [285] SMITH, Ralph A. Eternal Covenant: How the Trinity Reshapes Covenant Theology. Posição 772. Edição Kindle. Minha tradução. [286] A Joint Federal Vision Profession. p. 6. Minha tradução. [287] SMITH, Ralph A. Eternal Covenant: How the Trinity Reshapes Covenant Theology. Posição 778. Edição Kindle. [288] SHEPHERD, Norman. “Justification by Faith in Pauline Theology”. In: SANDLIN, P. Andrew (Ed.). Backbone of the Bible: Covenant in Contemporary Perspective. p. 87. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [289] SHEPHERD, Norman. The Way of Righteousness: Justification Beginning with James. p. 21. Minha tradução. [290] Ibid. p. 22. Minha tradução. [291] Ibid. p. 23. Minha tradução. [292] SHEPHERD, Norman. Thirty-Four Theses on Justification in Relation to
Faith, Repentance, and Good Works. Disponível em: . Acesso em: 12 setembro 2015. [293] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology: A Comparative Analysis. p. 82. Minha tradução. [294] LEITHART, Peter J. “‘Judge Me, O God’: Biblical Perspectives on Justification”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 209. Minha tradução. [295] Ibid. Minha tradução. [296] Ibid. p. 212. Minha tradução. [297] Ibid. pp. 211-212. Minha tradução. [298] Ibid. p. 212. Minha Tradução. [299] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. pp. 84-85. Minha tradução. [300] LEITHART, Peter J. “Response to Mississippi Valley Report”. Disponível em: . Acesso em: 15 setembro 2015. Ênfase do autor. Minha tradução. [301] SEIFRID, Mark A. “Righteousness Language in the Hebrew Scriptures and Early Judaism”. In: CARSON, D. A., O’BRIEN, Peter T. e SEIFRID, Mark A. Justification and Variegated Nomism: The Complexities of Second Temple Judaism. Vol. 1. Grand Rapids, MI e Tübingen: Baker Academic e Mohr Siebeck, 2001. p. 424. Minha tradução. [302] Ibid. Minha tradução. [303] Ibid. Minha tradução. [304] SEIFRID, Mark A. Justificado em Cristo: O Argumento da Teologia Paulina. São Paulo: Hagnos, 2014. p. 43. [305] Ibid. p. 44. [306] LUSK, Rich. “The Tenses of Justification”. Disponível em: . Acesso em: 22 setembro 2015. Minha tradução. [307] Ibid. Minha tradução. [308] Ibid. Minha tradução. [309] Ibid. Minha tradução. [310] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 89.
Minha tradução. [311] Ibid. pp. 89-90. Minha tradução. [312] LUSK, Rich. “Future Justification to the Doers of the Law”. Disponível em: . Acesso em: 23 setembro 2015. Minha tradução. [313] Ibid. Minha tradução. [314] Ibid. Minha tradução. [315] Ibid. Minha tradução. [316] Ibid. Minha tradução. [317] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 93. Minha tradução. [318] A Joint Federal Vision Profession. p. 6. Minha tradução. [319] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 65. Minha tradução. [320] BAUGH, S. M. “The New Perspective, Mediation, and Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 137. [321] KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas Paulinas. 2.ed. São Paulo: Editora Teológica, 2003. p. 101. [322] Ibid. p. 102. [323] STENDAHL, Krister. “The Apostle Paul and the Introspective Conscience of the West”. In: The Harvard Theological Review. Vol. 56. Nº 3. Cambridge University Press/Harvard Divinity School, 1963. p. 205. Disponível em: . Acesso em: 24 setembro 2015. Minha tradução. [324] HAGNER, Donald A. “Paulo e o Judaísmo: Testando a Nova Perspectiva”. In: STUHLMACHER, Peter. Lei e Graça em Paulo: Uma Resposta à Polêmica em Torno da Doutrina da Justificação. São Paulo: Vida Nova, 2010. P. 93. [325] DUNN, James D. G. A Nova Perspectiva sobre Paulo. Santo André: Academia Cristã e Paulus, 2011. p. 157. Ênfase acrescentada. [326] Ibid. p. 161. [327] Ibid. p. 158. [328] Ibid. p. 160. Ênfase acrescentada. [329] É preciso ter em mente que dentre as várias designações terminológicas utilizadas para se fazer referência à Visão Federal, está a designação de
“Neonomismo”. Cf. WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. viii. [330] Apud DUNN, James D. G. A Nova Perspectiva sobre Paulo. p. 160. Ênfase acrescentada. [331] SOUZA, Gaspar de. “Introdução à Nova Perspectiva Paulina: Um Ensaio”. In: Vox Reformata. Vol. 1. Nº 2. Recife, PE: Seminário Presbiteriano do Norte, 2012. p. 70. [332] DUNN, James D. G. A Nova Perspectiva sobre Paulo. p. 30. [333] Basta recordar da seguinte afirmação de Peter Leithart: “Deus liberta o seu povo justo de todos os seus inimigos em cumprimento às suas promessas e ameaças pactuais. Ao libertar o seu povo (demonstrando que ele os considera justos), ele está, simultaneamente, demonstrando a sua própria fidelidade pactual (justificando a si mesmo). Assim, Deus “justifica” não apenas quando intervém para libertar (como ele prometeu), mas sempre que ele faz ou cumpre as promessas ao seu povo”. Cf. LEITHART, Peter J. “‘Judge Me, O God’: Biblical Perspectives on Justification”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 212. Minha tradução. [334] WATERS, Guy Prentiss. Justification and the New Perspectives on Paul: A Review and Response. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2004. p. 119. Minha tradução. [335] SOUZA, Gaspar de. “Introdução à Nova Perspectiva Paulina: Um Ensaio”. p. 71. [336] JOHNSON, Phil. “What’s Wrong With Wright: Examining the New Perspective on Paul”. Disponível em: . Acesso em: 24 setembro 2015. Minha tradução. [337] WRIGHT, N. T. What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real Founder of Christianity? Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company, 1997. p. 119. Minha tradução. [338] Ibid. Minha tradução. Ênfase do autor. [339] Ibid. p. 120. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [340] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 64. Minha tradução. [341] WRIGHT, N. T. What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real
Founder of Christianity? p. 122. Minha tradução. [342] WRIGHT, N. T. Justification: God’s Plan & Paul’s Vision. Downers Grove, IL: IVP Academic, 2009. p. 114. Minha Tradução. [343] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 75. Minha tradução. [344] Ibid. Minha tradução. [345] Ibid. Minha tradução. [346] WRIGHT, N. T. What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real Founder of Christianity? p. 124. Minha tradução. [347] WRIGHT, N. T. Paul: Fresh Perspectives. London, UK: SPCK Publishing, 2005. p. 53. [348] Ibid. p. 57. Minha tradução. [349] Ibid. Minha tradução. [350] Ibid. p. 121. p. Minha tradução. [351] É interessante que Peter Leithart tenha preparado um sumário da doutrina da justificação com base em Paul: Fresh Perspectives, de N. T. Wright. Cf. LEITHART, Peter J. “N. T. Wright On Justification”. Disponível em: . Acesso em: 26 setembro 2015. [352] CLARK, R. Scott. “Do This and Live: Christ’s Active Obedience as the Ground of Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 232. Minha tradução. [353] Ibid. p. 233. Minha tradução. [354] A Confissão de Fé de Westminster. VIII.5. p. 82. Ênfase acrescentada. [355] Ibid. XI.1. p. 100. Ênfase acrescentada. [356] FESKO, J. V. The Theology of Westminster Standards. Wheaton, IL: Crossway, 2014. p. 217. Minha tradução. [357] Ibid. Minha tradução. [358] Ibid. Minha tradução. [359] O texto original diz: “Christ by his obedience, and death, did fully discharge the debt of all those that are thus justified, and did make a proper, real, and full satisfaction to his Father’s justice in their behalf”. Cf. DIXHOORN, Chad Van. Confessing the Faith: A Reader’s Guide to the Westminster Confession of Faith. Edinburgh, UK: The Banner of Truth trust, 2014. p. 163.
[360] FESKO, J. V. The Theology of Westminster Standards. p. 225. Minha tradução. [361] O Catecismo Maior de Westminster. pp. 53-55. [362] Ibid. p. 73-74. [363] FESKO, J. V. The Theology of Westminster Standards. p. 225. Minha tradução. [364] CLARK, R. Scott. “Do This and Live: Christ’s Active Obedience as the Ground of Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 236. Minha tradução. [365] WITSIUS, Herman. The Economy of the Covenants Between God and Man. Vol. 1. III.8.29. p. 402. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [366] Ibid. III. 8.31. p. 403. Minha tradução. [367] CLARK, R. Scott. “Do This and Live: Christ’s Active Obedience as the Ground of Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 236. Minha tradução. [368] OWEN, John. “Of Communion with God the Father, Son, and Holy Ghost”. In: Works of John Owen. Vol. 2. Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 2009. p. 159. Minha tradução. [369] Ibid. p. 160. Minha tradução. [370] Ibid. pp. 160-161. Minha tradução. [371] Ibid. p. 161. Minha tradução. [372] Ibid. pp. 162-163. [373] CLARK, R. Scott. “Do This and Live: Christ’s Active Obedience as the Ground of Justification”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 236. Minha tradução. [374] MURRAY, John. Romanos. São José dos Campos: Fiel, 2003. p. 232. Ênfase acrescentada. [375] MURRAY, John. Redenção Consumada e Aplicada. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. pp. 19-20. [376] MURRAY, John. Romanos. pp. 232-233. [377] MURRAY, John. “Justification”. In: Collected Writings of John Murray: Systematic Theology. Vol. 2. pp. 213-215. [378] No prefácio de uma obra em apoio a Shepherd, Frame expressa a sua admiração nos seguintes termos: “Eu também tenho razões pessoais para
recomendar este livro [...] Desejo aqui honrar especialmente Norman Shepherd, um amigo por quase 40 anos e um colega ao longo de 12 destes. Shepherd foi o homem que me contratou para ensinar teologia. Eu me juntei a ele em 1968, no departamento de sistemática no Westminster Seminary. Embora ele seja apenas cinco anos mais velho, eu sempre o admirei, orando para que eu pudesse atingir alguma pequena medida da sua compreensão das Escrituras e da Fé Reformada [...] Qualquer pessoa que conheça a obra de Shepherd sobre a doutrina de Deus e também tenha lido o meu livro sobre o assunto saberá quão profunda tem sido a sua influência sobre mim”. Cf. SANDLIN, P. Andrew (Ed.). Backbone of the Bible: Covenant in Contemporary Perspective. p. vii. Minha tradução. [379] FRAME, John M. Systematic Theology: An Introduction to Christian Faith. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 2013. p. 902. Minha tradução. Ênfase do autor. [380] Ibid. p. 969. Minha tradução. [381] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 93. Minha tradução. [382] O Catecismo Maior de Westminster. p. 73. [383] VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior Westminster Comentado. São Paulo: Os Puritanos, 2007. p. 196. [384] DIXHOORN, Chad Van. Confessing the Faith: A Reader’s Guide to the Westminster Confession of Faith. p. 161. Minha tradução. [385] WILSON, Douglas. Westminster Systematics: Comments and Notes on the Westminster Confession. p. 88. Minha tradução. [386] STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. 2.ed. São Paulo: ASTE, 2004. p. 106. [387] CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã: Edição Clássica. III.11.2. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 198. Ênfase acrescentada. [388] Ibid. III.11.3. p. 199. Ênfase acrescentada. [389] Ibid. III.11.4. p. 200. [390] SHEPHERD, Norman. “The Imputation of Active Obedience”. In: SANDLIN, P. Andrew (Ed. ). A Faith that Is Never Alone: A Response to Westminster Seminary California. La Grange, CA: Kerygma Press, 2007. p. 251. Minha tradução. [391] JEON, Jeong Koo. Calvin and the Federal Vision: Calvin’s Covenant Theology in Light of Contemporary Discussion. Eugene, OR: Wipf and Stock
Publishers, 2009. pp. 18-19. Minha tradução. [392] WITSIUS, Herman. The Economy of the Covenants Between God and Man. Vol. 1. III.8.2. p. 391. Minha tradução. [393] Ibid. III.8.4. p. 392. [394] Ibid. Minha tradução. [395] Ibid. III.8.28. p. 401. Minha tradução. [396] Ibid. III.8.42. p. 407. [397] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: Espírito Santo, Igreja e Nova Criação. Vol. 4. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. p. 207. Ênfase acrescentada. [398] Ibid. p. 208. [399] Ibid. p. 209. [400] Ibid. [401] Ibid. p. 227. [402] Ibid. [403] Ibid. p. 229. [404] BEEKE, Joel R. Herdeiros em Cristo: Os Puritanos sobre a Adoção. São Paulo: PES, 2010. pp. 37-38. [405] O Catecismo Maior de Westminster. p. 84. Ênfase acrescentada. [406] JONES, Hywel R. “Justification by Faith Alone: No Christian Life without It”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 295. Minha tradução. [407] O Catecismo Maior de Westminster. pp. 99-100. Ênfase acrescentada. [408] No texto original do Catecismo a expressão traduzida como “abertamente reconhecidos e justificados” é “openly acknowledged and acquitted”. [409] JONES, Hywel R. “Justification by Faith Alone: No Christian Life without It”. In: CLARK, R. Scott (Ed.). Covenant, Justification, and Pastoral Ministry. p. 295. Minha tradução. [410] FESKO, J. V. Justification: Understanding the Classic Reformed Doctrine. p. 323. Minha tradução. [411] Ibid. p. 324. Minha tradução.
CAPÍTULO 4
O PACTO SALVAÇÃO
D
E A NA
SEGURANÇA DA VISÃO FEDERAL
ois conceitos defendidos pelos visionistas federais necessitam ser aqui rememorados, a fim de que se tenha a devida compreensão da questão da apostasia em seu esquema conceitual. Primeiramente, a Visão Federal possui como um dos seus conceitos característicos a objetividade pactual que, em linhas gerais afirma o status real de membros do pacto de todos aqueles que são membros de uma igreja local. A ideia é que todos aqueles que são membros de uma igreja local e que foram admitidos a esta membresia por meio do sacramento do batismo são verdadeiros cristãos. Para os adeptos da Visão Federal toda e qualquer pessoa que foi batizada é, verdadeiramente, cristã na real acepção da palavra, para ser tautológico. Aquele que foi batizado está verdadeiramente em Cristo, teve todos os seus pecados perdoados e recebeu o dom do Espírito Santo. Assim, tal pessoa, objetivamente falando, é uma cristã verdadeira. Em segundo lugar, a Visão Federal, ao abordar a doutrina da justificação pela fé, se utiliza de um conceito proposto pela Nova Perspectiva sobre Paulo e defende a existência de dois estágios na justificação. Há uma justificação inicial pela fé e com base na obediência perfeita de Jesus Cristo, porém há também uma justificação final, sendo esta fundamentada na fidelida-
de pactual do crente. Uma implicação óbvia desse pensamento é que aquele que foi justificado no início da sua caminhada cristã pode não ser justificado no dia do julgamento final. Estes dois conceitos terminam por ser transformados num amálgama teológico quando a Visão Federal discute os dados bíblicos a respeito da apostasia. No mínimo, há uma redefinição da doutrina reformada da perseverança dos santos, a fim de que a apostasia possa ser nela inserida como uma realidade possível mesmo para um verdadeiro cristão. John M. Otis observa que “a negação da Visão Federal dessa preciosa doutrina da fé cristã está enraizada em sua doutrina da objetividade do pacto”. [412] Isso pode ser exemplificado em Douglas Wilson, que chega ao ponto de afirmar que Judas Iscariotes era verdadeiramente um cristão, muito embora tenha traído Jesus Cristo e, assim, apostatado.[413] O propósito do presente capítulo é fazer uma investigação da doutrina da segurança da salvação e do perigo da apostasia segundo a Visão Federal para, logo em seguida, fazer uma comparação com o que os Padrões de Westminster e outros representantes da teologia reformada clássica têm afirmado sobre o tema.
O Entendimento da Visão Federal acerca do Perigo da Apostasia Na tentativa de se compreender o pensamento da Visão Federal a respeito da segurança de salvação e da apostasia é necessário, antes de tudo, abordar, ainda que de maneira perfunctória, alguns conceitos que funcionam como pressupostos e fundamentos da matéria ora discutida.
Duas doutrinas em específico pavimentam o caminho da Visão Federal para a sua reformulação das doutrinas da perseverança dos santos e da apostasia: 1. A doutrina da eleição; e 2. A distinção entre Igreja Visível e Invisível. Estas duas doutrinas são merecedoras de uma atenção mais detalhada. Porém, mesmo uma menção rápida será suficiente para proporcionar condições para se estabelecer os devidos links. Conceito Diferente de Eleição
Em sua famosa obra já mencionada em outras partes deste trabalho, The Call of Grace, Norman Shepherd propôs uma alteração radical na maneira de se compreender a doutrina bíblica da eleição. De acordo com ele, a metodologia evangelística da teologia reformada necessita ser reorientada, uma vez que ela sofre da fraqueza de não poder fazer uma aplicação pessoal mais robusta da obra de Cristo em prol do pecador. Shepherd afirma que os calvinistas “geralmente orientam a sua metodologia evangelística em direção aos cinco pontos, doutrinas particularistas que são as marcas registradas da fé reformada”.[414] A consequência desse tipo de orientação é que a teologia calvinista, para Shepherd, se mostra incapaz de fazer qualquer aplicação mais direta a uma pessoa que ouve a pregação. Além disso, tal orientação tem uma profunda implicação pastoral. Visto que o pastor não sabe quem, dentre a sua congregação, está entre os eleitos, ele se torna incapaz de “cultivar uma segurança sincera acerca deste ou daquele crente”.[415] A solução, então, para Shepherd é deixar de enxergar o Pacto à luz da doutrina da eleição e passar a enxergar a eleição pelas lentes do Pacto da Graça: “Os profetas e os apóstolos enxergavam a eleição da perspectiva do pacto, enquanto que temos a tendência de ver o pacto
da perspectiva da eleição”. [416] A essência do argumento de Shepherd é que “a Escritura fala de eleição e reprovação em termos principalmente corporativos e pactuais, não em termos individuais e decretivos”.[417] Nenhum homem conhece quem são os eleitos e os reprovados. Apenas Deus os conhece. O erro da teologia reformada está em tentar usar a linguagem a respeito da eleição e reprovação da mesma perspectiva de Deus. Ao fazer isso, a única segurança que pode ser proporcionada a uma pessoa é: “Se você é um eleito, então, está tudo bem. Você está seguro”. A pessoa é, então, deixada à mercê do que os visionistas chamam de “introspecção mórbida”, isto é, a tentativa de encontrar em si mesmo alguma segurança de que se é eleito. E isso, em vez de proporcionar verdadeira segurança, acaba semeando angústia e desespero no íntimo do indivíduo. Shepherd oferece alguns exemplos bíblicos como ilustração da doutrina da eleição pactual, sendo que Efésios 1.3-14 merece destaque. Ele argumenta que esta passagem está impregnada com linguagem pactual: Os efésios são uma congregação do Senhor Jesus Cristo, desfrutando das bênçãos espirituais de santidade de vida, adoção de filhos, perdão de pecados e o selo do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, todas estas bênçãos são traçadas de volta ao amor predestinador de Deus. Este realce é feito de maneira tão forte e tão repetida desde o início da carta, que Paulo pode até parecer estar escrevendo a partir da perspectiva da eleição [...] Entretanto, cuidadosa atenção à linguagem desses versículos deixa claro que o inverso é precisamente o caso. Paulo vê a eleição da perspectiva do pacto. Por esta razão, predestinação não é um quebra-cabeça teológico, mas uma causa para gratidão. Quando Paulo diz “Ele nos escolheu” (v. 4), devemos perguntar quem são o “nós”. Poderíamos dizer que eles são os santos em efésios e os fiéis em Cristo Jesus (v. 1), e que porque ele era um órgão de revelação, ele sabia que cada um e todos os membros da-
quela congregação eram eternamente eleitos de Deus. Gramatical e mesmo teoricamente, tal interpretação é possível. Contudo, ela é totalmente artificial, especialmente em vista dos sérios problemas que Paulo teve de enfrentar nas igrejas que ele fundou [...] Em Efésios 1 Paulo escreve da perspectiva da realidade pactual observável e conclui a partir da fé visível e da santidade dos efésios que eles são os eleitos de Deus. Ele os aborda como tais e os encoraja a pensarem de si mesmos como eleitos. Um pastor reformado pode e deve fazer o mesmo hoje em dia. [418]
Qual a implicação de se enxergar a eleição a partir da perspectiva do pacto? De acordo com Shepherd termos como “eleito” e “réprobo” devem ser aplicados aos indivíduos sobre o fundamento de sua inclusão na comunidade do pacto da graça. Assim, alguém que não faz parte do Corpo de Cristo é um réprobo. Não obstante, a partir do momento em que tal indivíduo for recebido na comunhão da igreja através do batismo ele deixará de ser um réprobo e passará a ser um eleito. De acordo com ele tal uso é legítimo, uma vez que o apóstolo Paulo se utilizou dele em sua epístola aos Gálatas. Primeiramente, em Gálatas 2.15, Paulo se refere aos gentios como “pecadores”. Subsequentemente, em 3.28, Paulo fala dos crentes gentios como santos e unidos a Cristo. Eis a conclusão de Shepherd: “Os réprobos foram eleitos para a vida eterna”.[419] O grande problema com tal afirmação é que existe a possibilidade de aquele que faz parte da comunidade pactual abandonar a fé cristã. O que acontece em tais casos? Uma pessoa eleita e justificada passa a ser uma pessoa reprovada e não-justificada. Shepherd afirma: “Temos visto que, em termos da linguagem concreta da Escritura, aqueles com quem Deus estabeleceu o pacto e que são, portanto, os eleitos de Deus, eles podem, de novo do ponto de vista do pacto, tropeçar e cair”. [420] Este conceito de eleição foi abraçado pelos demais visionistas fe-
derais.[421] John Barach, por exemplo, segue de perto o esquema proposto por Shepherd: Paulo fala sobre a eleição de Deus também em 2Tessalonicenses 2.13. ele diz à igreja: “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade”. Como Paulo pode falar dessa forma? Paulo tem algum insight apostólico para saber que até a última pessoa na igreja existente em Tessalônica é predestinada para a glória com Cristo? Se este fosse o caso, se Paulo pudesse abordá-los, da forma como fez, porque teve um insight especial que nós não temos e, por isso, ele sabia que todos os de Tessalônica estavam predestinados à glória em Cristo, então isso quer dizer que não podemos aprender de Paulo sobre como falar à Igreja [...] Ele está escrevendo à igreja inteira, a igreja que recebeu a palavra em fé, a igreja que estava vivendo em termos daquela fé. E se eles eram membros daquela igreja, eles podiam estar confiantes na fé de que Paulo estava se dirigindo a eles e que ele estava se dirigindo também aos seus irmãos.[422]
Barach, então, sumaria seu entendimento da doutrina da eleição como segue: Precisamos manter três coisas unidas na medida em que pensamos a respeito da relação entre o pacto e a eleição. Primeiro, Deus predestinou, desde a eternidade, um número imutável de pessoas oriundas de todo o mundo, para a glória eterna em Cristo [...] Segundo, o pacto de Deus inclui alguns dos que foram predestinados para a glória eterna em Cristo, mas também inclui outros que não foram predestinados para a glória eterna com Cristo, mas que apostatarão. Terceiro, Deus se dirige ao seu povo como um todo, e isto inclui cada um que está no pacto, cabeça por cabeça, como seus eleitos. Esta é a grande questão que temos de pensar. Deus, na Bíblia, através dos seus profetas e apóstolos, se dirige publicamente ao seu povo como eleitos, como escolhidos. [423]
É extremamente difícil manter unidas proposições tão díspares como as apresentadas por Barach. Com base nisso, Waters, de maneira pertinente, faz os seguintes questionamentos: “Como reconciliamos Deus se dirigindo a ‘cada um... cabeça por cabeça, como seus eleitos’, quando alguns no pacto ‘apostatarão’ porque ‘não foram predestinados à eterna glória com Cristo’? Como podemos reconciliar estas proposições díspares sem recorrer ao dialeticismo?”. [424] Simplesmente, não há como. Pensar desta forma, argumenta Barach, proporcionará aos pastores fazer uma aplicação mais efetiva tanto das promessas quanto das advertências de Deus na Escritura ao seu povo eleito. As promessas e as advertências da Bíblia serão aplicadas com muito maior proveito aos eleitos de Deus que estão nos bancos da igreja. Por outro lado, “se tentarmos teologizar, pastorear e pregar da perspectiva daquilo que Deus tem ocultado, sobre a base das coisas secretas da sua predestinação, descobriremos que teremos tempos difíceis para aplicar não apenas as promessas, mas também as advertências da Escritura às pessoas reais de carne e osso nos bancos da igreja”. [425] É aqui, então, que a apostasia se mostra uma possibilidade real para aqueles que foram eleitos por Deus e que foram unidos a Cristo pelo batismo. Negação da Distinção entre Igreja Visível e Igreja Invisível
Também é característica da Visão Federal a negação dos conceitos de igreja visível e invisível, sendo que a mesma pode ser traçada até os escritos de Shepherd. É imprescindível destacar igualmente, que muito embora Shepherd não faça uso explícito dos termos “igreja visível” e “igreja invisível”, é legítimo inferir que a negação da sua existência esteja presente em seus escritos, podendo ser observada em sua análise de outra passagem de importância primária para a Visão Fede-
ral: João 15: As palavras “interior” e “exterior” são usadas frequentemente na teologia reformada para resolver problemas que surgem por causa de textos bíblicos que são abordados da perspectiva da eleição. De fato, a aparente indispensabilidade dessa fórmula indica que o pacto é comumente visto da perspectiva da eleição, em vez de a eleição ser vista da perspectiva do pacto. A distinção é necessária para explicar o fato de que a comunidade pactual parece incluir ambos, eleitos e não eleitos. Então, é dito que os não eleitos estão no pacto apenas exteriormente. Os eleitos estão interiormente no pacto. O pacto é, virtualmente, dissolvido na ideia de eleição. Os termos exteriormente e interiormente são termos bíblicos, mas quando Paulo os usa em Romanos 2.28-29, ele não está se referindo ao eleito e ao réprobo. Os termos descrevem a diferença entre os judeus pactualmente leais e os desobedientes transgressores da lei. As categorias derivam seu significado do pacto, não do decreto. [426]
A ligação com a ideia de igreja visível e invisível é evidente. Estas duas categorias são utilizadas pela teologia reformada clássica para explicar a existência de descrentes e réprobos como membros exteriores da comunidade pactual. Todavia, como destaca John Frame, “não devemos tomar isso como querendo dizer que existem duas igrejas. Visível e invisível são apenas duas formas diferentes, duas perspectivas, de olhar a mesma igreja”. [427] A justificativa para essas duas designações está no fato de que, “Deus sabe, com certeza, quem está verdadeiramente unido, pela fé, a Cristo, pois ele pode ver os corações das pessoas. Nós não podemos, pois o coração é invisível para nós”. [428]
Tal distinção, de acordo com os visionistas federais, precisa ser abandonada, uma vez que, segundo o seu julgamento, não possui fundamentação bíblica. Douglas Wilson fala abertamente da sua dis-
cordância daquilo que é ensinado pela CFW sobre a igreja (25.1-2). Comentando o texto da Confissão, ele diz o seguinte: “Mas aqui está outro daqueles raros lugares onde devemos diferir da Confissão de Fé, embora não se trata de uma diferença substancial, mas apenas de uma diferença sobre como uma metáfora deve ser aplicada”. [429] Alhures Wilson chega a afirmar que a utilização desses dois termos tem causado grandes dificuldades e problemas, pois os mesmos nada mais são do que exemplos da influência do pensamento grego sobre o cristianismo: A mente helenista tende a ver o reino etéreo, espiritual como aquele que é “verdadeiro”. O que é material e terreno é indigno de toda verdadeira consideração filosófica. Existe uma versão disso, e esta é a atitude que enxerga a igreja “invisível” como a “verdadeira” igreja e a igreja “visível”, na melhor das hipóteses, apenas como uma aproximação da verdadeira igreja. Aqui embaixo, na terra, nós podemos estar na igreja, mas a igreja verdadeira é invisível. Quando você tem duas igrejas existindo ao mesmo tempo, com listas de membros diferentes, isso cria um problema. [430]
Deve-se atentar para a inferência feita por Wilson, no sentido de que a distinção entre igreja visível e invisível tem o efeito prático de criar duas igrejas distintas. A partir da afirmação supracitada de Frame é possível perceber que o entendimento de Wilson é peculiar. A teologia reformada não entende que as designações “igreja invisível” e “igreja visível” afirmam a existência de duas igrejas distintas ao mesmo tempo, mas sim, de dois aspectos da mesma e única igreja. James Bannerman, ministro presbiteriano diz o seguinte a este respeito: É importante, logo de início, observar que, quando falamos da igreja invisível e da igreja visível, não devemos entender como se estivéssemos nos referindo com esses termos a duas igrejas separadas e distintas, mas
à mesma igreja sob duas diferentes características. Não estamos afirmando que Cristo fundou duas igrejas na terra, mas afirmamos que ele fundou apenas uma; e declaramos que essa única igreja deve ser considerada sob dois aspectos distintos.[431]
Outra inferência feita por Wilson é que a distinção invisível/visível proporciona a ocasião e o fundamento para a recusa daqueles que a si mesmos se chamam de “desigrejados”, de se envolverem com uma igreja local ao argumentarem que já fazem parte da igreja invisível. Para ele, este tipo de racionalização só é possível “se as duas igreas não são a mesma e se os indivíduos aqui e agora possuem a habilidade para enxergar essa igreja invisível”. [432] A fragilidade desta alegação de Wilson está em que ela se volta, na verdade, contra uma deturpação da distinção visível/invisível. Esta é a mesma opinião de Guy Waters: “As preocupações de Wilson com a distinção visível/invisível são preocupações levantadas contra os abusos da doutrina, mas não contra os que os proponentes reformados da doutrina têm sustentado historicamente”.[433] O teólogo batista Millard J. Erickson deixa claro que o tipo de pensamento ao qual Wilson se refere é uma espécie de abordagem pietista ou, mais acertadamente, individualista, pois nega que exista a “necessidade de fazer parte de um corpo organizado”. [434] No entanto, membresia na igreja invisível pressupõe membresia na igreja visível. Os membros da igreja invisível fazem parte da igreja visível, tendo sido recebidos na comunhão da igreja por meio do sacramento de iniciação da fé cristã, o batismo. A esta perspectiva Erickson denomina paroquial: “A igreja visível, ou a comunidade ‘paroquial’, inclui todos os que fazem uma profissão de fé exterior e se reúnem para ouvir a Palavra e celebrar os sacramentos. Os crentes que estão nessa igreja vi-
sível formam a verdadeira igreja, a igreja invisível”. [435] Um cuidado adicional que se deve ter, de acordo com Erickson, é que “é preciso fazer tudo o que pudermos para tornar as duas idênticas. Assim como nenhum crente verdadeiro deve ficar fora da comunhão, também deve haver empenho para se garantir que somente cristãos verdadeiros estejam nela”.[436] Obviamente, a afirmação de Erickson não deve ser tomada no sentido de existirem duas igrejas distintas que necessitam ser tornadas uma só. Antes, o sentido é que se deve zelar pela pureza da única igreja, através das marcas da verdadeira pregação da Palavra, da correta administração dos sacramentos e do fiel exercício da disciplina, a fim de que apenas os verdadeiros professantes sejam nela encontrados. postasia: Uma Possibilidade Real
Se é verdade que a doutrina da eleição deve ser vista a partir da perspectiva do Pacto, ou seja, se é verdade que todos aqueles que fazem parte da membresia de uma igreja local devem ser compreendidos como verdadeiramente eleitos, sendo considerados por Deus, ca beça por cabeça, como eleitos, e se também é verdade que a distinção histórica entre igreja visível e igreja invisível nada mais é do que uma clara evidência da influência da filosofia grega sobre a reflexão cristã, de maneira que todos os membros devem ser reputados como mem bros verdadeiros da igreja, e uma vez que tanto a experiência quanto as Sagradas Escrituras (1João 2.19) atestam a existência de indivíduos que abandonam o evangelho, segue-se, portanto, que o pecado da apostasia deve ser considerado como uma ameaça real, uma possibilidade real para um verdadeiro cristão, não apenas algo de caráter puramente hipotético. Isso está diretamente relacionado com a questão envolvendo a se-
gurança de salvação. Os visionistas federais acusam a teologia reformada clássica de falhar em proporcionar aos crentes uma real segurança de salvação. De acordo com eles, há uma subjetividade excessiva no pensamento reformado, o que contribui para que os crentes vivam imersos nessa subjetividade e inundados de temores servis. Douglas Wilson afirma que enquanto a Escritura exige que os cristãos pratiquem o autoexame, a teologia reformada leva as pessoas à prática do que ele denomina mórbida introspecção: “Mas, como também deveríamos ter aprendido, a Palavra proíbe a introspecção mórbida”. [437] Ele argumenta que existe uma nítida diferença entre o autoexame prescrito pelas Escrituras e a introspecção mórbida patrocinada pela teologia reformada: “O autoexame se baseia no espelho da Palavra e faz perguntas honestas. A introspecção mórbida se baseia no espelho de si mesmo e faz jorrar dúvidas. E dúvidas, na forma de ‘E se...’ não podem ser respondidas em princípio”. [438] Como demonstração do que chamam de “introspecção mórbida”, os proponentes da Visão Federal citam a obra de Joel R. Beeke, The Quest for Full Assurance. [439] Steve Schlissel, por exemplo, em sua palestra na Conferência para Pastores na Auburn Avenue Presbyterian Church, em 2002, afirma de maneira veemente, que nesta obra “encontramos apenas tudo o que há de errado com o mundo”. [440] Schlissel se voltou especificamente contra o seguinte trecho: Os teólogos e pastores das igrejas que vieram após a Reforma lutaram pela precisão teológica na definição dos conceitos de segurança pessoal de fé e fé salvadora. Seus esforços produziram rico vocabulário técnico que fez distinção entre segurança de fé e sentimento de segurança: atos de fé diretos (actus directus) e atos de fé reflexos (actus reflexus); segurança da justiça de fé e da adoção; silogismos prático (syllogismus practicus) e místico (syllogismus mysticus); princípio (habitus) e ato (actus) de
fé; segurança objetiva e subjetiva; segurança de fé, entendimento e esperança; segurança discursiva e intuitiva; testemunho imediato e mediato na segurança; e o ser e o bem-estar da fé. Usaram tais termos no contexto de assuntos relacionados, como possibilidades, tipos, graus, fundações, experiências, meios, tempos, obstáculos, qualificações e frutos da segurança – tudo numa infraestrutura escriturística, centrada em Cristo e trinitariana.[441]
Schlissel afirma que a afirmação acima é eivada de certas pressuposições acerca de Deus e da Escritura, que são essencialmente falsas: Nessa abordagem à segurança nós encontramos um Deus que é, claramente, relutante em salvar e está à procura de desculpas para proibir as pessoas de entrarem em seu reino. A pressuposição é que as palavras e promessas da Bíblia não são confiáveis. A salvação agora é baseada em obras internas. Em vez do edifício farisaico feito com obras externas, que são relativamente fáceis de realizar, temos o reverso – uma internalização dessa casa, o que é virtualmente impossível de ocorrer. E tal religião de impossibilidade, que exige um novo vocabulário técnico, é trazida a nós por pessoas que pensam que o romanismo é escravidão! [442]
Schlissel afirma que todo o vocabulário técnico criado é de nenhuma utilidade para assegurar a um cristão que ele pertence verdadeiramente a Cristo e, portanto, pode descansar. Na verdade, trata-se de um aparato que apenas estimula um subjetivismo e uma introspecção mórbidos. Para Schlissel, o cristão deve fundamentar a sua segurança de salvação na objetividade do pacto. De acordo com ele, a fim de obter verdadeira certeza de salvação, o cristão necessita “aceitar o testemunho de Deus no batismo”. [443] Todos aqueles que foram batizados são considerados como pertencendo verdadeiramente a Cristo. De modo mais claro, Schlissel afirma que o fundamento da segurança de salvação está na maneira como Deus fala do seu povo nas Escritu-
ras. Quando qualquer outro fundamento é buscado, o resultado inevitável é a comunidade pactual se debatendo em meio a muitas dúvidas: Nós começamos nossa caminhada em Cristo com dúvidas. Nunca temos uma base a partir da qual crescemos e nos desenvolvemos na consciência de quem somos em Cristo. Quantas vezes Deus tem que nos dizer o que nós significamos para ele e o quanto ele nos ama? Nós afugentamos o seu amor e desprezamos a sua abertura. Não cremos. Nós ensinamos aos nossos filhos a duvidarem. Nós ensinamos as nossas congregações a duvidarem.[444]
Atentar apenas para aquilo que Deus afirma é muito mais seguro que se submeter ao esquema complexo e puramente subjetivo delineado pela tradição reformada exemplificada por Joel Beeke. De acordo com Schlissel: “Toda a segurança que necessitamos está no que Deus disse”.[445] Todavia, ao fazer esta afirmação Schlissel não tem em mente apenas as promessas feitas por Deus nas Escrituras. Para ele, o batismo funciona como uma das mais persuasivas afirmações divinas a respeito da segurança do seu povo e ninguém deve duvidar daquilo que é afirmado no batismo. [446] Douglas Wilson corrobora este entendimento a respeito do sacramento do batismo como fundamento da segurança de salvação. Assim ele se expressa numa afirmação que, no mínimo, aproxima-se do entendimento sacramental ex opere operato católico romano: Segurança objetiva é encontrada numa fé verdadeira que responde a um evangelho objetivo. Segurança objetiva nunca é encontrada através da tentativa de se penetrar nos conselhos secretos de Deus ou entrar nos recessos mais íntimos do próprio coração. O evangelho é pregado, a água foi aplicada e a mesa agora está posta. Você crê? A pergunta é simples. Um cristão fiel olha para o seu batismo em busca de segurança. [447]
O que esta discussão sobre o entendimento dos proponentes da Visão Federal acerca da segurança de salvação tem a ver com a doutrina da apostasia? Simplesmente tudo! Guy Waters observa de maneira acertada que, “um dos objetivos da segurança, nossos Padrões afirmam, é habilitar os crentes a saberem que eles ‘perseverarão [isto é, no estado de graça] para a salvação (CMW, Pergunta 80)”. [448] Em outras palavras, a doutrina da segurança de salvação possui o propósito de transmitir aos crentes a convicção de que eles não perderão a sua salvação, mas serão preservados soberanamente por Deus e habilitados a perseverarem em fé. Obviamente, isso implica algum grau de certeza subjetiva, uma vez que a mesma se estabelece a partir das graças operadas pelo Espírito Santo nos corações dos crentes. Isto é negado pelos visionistas federais. Para eles, as águas batismais detêm esta função, constituindo-se, portanto, numa declaração objetiva de segurança de salvação. O grande problema com a doutrina da Visão Federal é que, apesar dessa declaração objetiva operada pelo batismo, a apostasia é uma ameaça real mesmo para os eleitos. É possível que um eleito e verdadeiro cristão perca a sua salvação. Tal entendimento nada mais é do que a consequência lógica de todo o edifício teológico da Visão Federal. Ora, se todos aqueles que foram unidos à membresia de uma igreja local através do batismo são verdadeiramente cristãos, e visto que as Escrituras exemplificam a queda da graça de vários indivíduos que tiveram verdadeira participação em Jesus Cristo e também apresentam diversas advertências sobre as maldições do Novo Pacto, é imperativo que se conclua que a apostasia não deve ser compreendida como algo puramente hipotético em relação ao verdadeiro cristão. Para os adeptos da Visão Federal, todas as graças salvíficas são
concedidas por meio da membresia pactual àqueles que foram unidos a Cristo. Steve Wilkins deixa isso muito claro por meio de duas afirmações feitas durante o colóquio promovido pelo Knox Theological Seminary. Eis a primeira: “Porque estar no pacto em comunhão com Deus significa estar em Cristo, aqueles que estão no pacto têm todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais. União com Cristo significa que tudo o que é verdade a respeito de Cristo é verdade a nosso respeito”.[449] A única exceção, no entanto, é a graça da perseverança: Os eleitos são aqueles que são fiéis a Cristo. Se no final eles rejeitam o Salvador, eles não são mais eleitos – eles são cortados do Eleito e, assim, perdem a sua posição de eleitos. Mas a sua queda não nega a realidade da sua posição anterior à sua apostasia. Eles eram real e verdadeiramente os eleitos de Deus por causa do seu relacionamento com Cristo. [450]
Como é possível receber todas as graças salvíficas menos a perseverança? Esta é uma pergunta que não é respondida pelos adeptos da Visão Federal. No entanto, para se compreender esta doutrina é preciso observar como eles trabalham a realidade da apostasia e do cair da graça. Douglas Wilson, por exemplo, tem como foco principal as maldições da Nova Aliança. De acordo com ele, para se fazer jus à natureza da Nova Aliança é necessário que se proclame que ela dispensa não apenas bênçãos espirituais mais elevadas, mas também maldições mais severas. Basta lembrar da definição de pacto apresentada por Wilson como sendo “um laço solene soberanamente administrado com concomitantes bênçãos e maldições”. [451] As maldições aparecem como um elemento constitutivo do entendimento pactual de Wilson. De acordo com ele, “fidelidade à Palavra exige que entendamos que cada pacto tem bênçãos e maldições concomitantes”.[452] Além disso, é preciso enfatizar “as maldições da Nova Aliança como uma realidade
a ser notada e não como uma ameaça a pairar sobre nós a cada minuto”.[453] Wilson aponta três passagens neotestamentárias que, segundo ele, falam das maldições pactuais da Nova Aliança, sendo que a principal delas, por ser uma das mais bem conhecidas advertências das Escrituras, é Hebreus 10.26-31. [454] De acordo com ele, as expressões “já não resta sacrifício pelos pecados” (v. 26) e “certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários” (v. 27) como sendo referências à vinda do exército romano contra Jerusalém, no ano 70 d.C., quando o Templo foi destruído e o sistema sacrificial deixou de existir. Já a expressão “perverso coração de incredulidade” (3.12) deve se referir à rejeição do sacrifício todo-suficiente de Jesus na cruz e o retorno ao judaísmo. Após estabelecer este pano de fundo, Wilson argumenta que “‘nós somos ensinados que o Filho de Deus, que o pacto do Filho de Deus traz consigo severos castigos, maldições severas àqueles que são encontrados sob a lei’. Assim como nós temos ‘bênçãos para a obediência, maldições para a desobediência’ sob o antigo pacto, assim também nós os temos sob o novo pacto”. [455] Ele diz mais em sua análise de Hebreus 10.26-31: Uma suposição comum (e errônea) é que a Nova Aliança contém apenas bênçãos automáticas. Supõe-se que o Pacto da Graça (em seu disfarce celestial e etéreo) não pode fazer nada além de salvar. Mas isso não é o que a Bíblia ensina. Membros pactuais na Nova Aliança são julgados mais severamente do que os membros pactuais da Antiga: “De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?” (Hb 10.29). É simplesmente falso assumir que a Antiga Aliança possuía bênçãos e maldições, enquanto a Nova possui apenas bênçãos. Ambas são alianças, e ambas possuem bênçãos e maldições. A Nova Aliança é uma aliança muito maior, e isso sig-
nifica que as suas bênçãos são muito maiores e que as suas maldições são mais terríveis.[456]
É necessário enfatizar que tais maldições da Nova Aliança não se abatem apenas sobre aqueles que nunca foram regenerados, apesar de estarem arrolados na membresia da comunidade pactual. Wilson e os demais visionistas federais trabalham com a ideia de que todos os membros comungantes de uma igreja local são verdadeiros cristãos. Dessa forma, as maldições da Nova Aliança são possibilidades reais para todos os membros pactuais. Assim, há cristãos verdadeiros, que têm verdadeira participação em Cristo, que não perseverarão. Eles apostatarão. Sobre esses as maldições da Nova Aliança de abaterão. É neste ponto que Wilson fará conexões com outras passagens do Novo Testamento (Hebreus 6.4-8 e João 15) para fundamentar a sua doutrina a respeito da apostasia: Apostasia é um pecado real no tempo real. É importante que estabeleçamos em nossas mentes desde um início de quem um apóstata cai. De modo simples, ele cai de Cristo. Ele cai da graça (Gl 5.4). Mas o que isso significa? No texto citado acima, ele foi iluminado (uma antiga expressão cristã para batismo), ele provou o dom celestial, ele foi feito um participante do Espírito Santo, e assim por diante. Existe certo tipo de realidade nessa experiência que é assumido. O ramo cortado não tinha nenhum fruto (por isso ele foi cortado), mas tinha seiva (por isso ele tinha de ser cortado).[457]
As afirmações feitas por Wilson deixam claro que, em seu pensamento, o apóstata tinha algo mais que uma mera relação exterior com Cristo. A referência à seiva deixa claro que o relacionamento entre Cristo e o apóstata era um relacionamento real de vida. Citando as palavras de Jesus em João 15.6, “Se alguém não permanecer em mim,
será lançado fora, à semelhança do ramo”, Wilson afirma que, “aquele que foi lançado fora como um ramo era um ramo e não algum pedaço de erva daninha preso nos ramos. Assim, existe tal coisa como uma genuína conexão pactual com Cristo que não é salvífica no último dia”.[458] Em sua palestra na Conferência para Pastores da Auburn Avenue Presbyterian Church, em 2002, Wilson fez a seguinte afirmação: “Ramos podem perder sua posição na árvore. Você pode estar na árvore, alguém pode estar na árvore bem próximo a você e ele está na árvore assim como você; ele pode ser um participante de Cristo assim como você; e ele é um membro de Cristo assim como você, mas ele pode ser cortado e você não. Assim, não seja arrogante, mas tema”. [459]
O que diferencia um ramo do outro? Se ambos possuem verdadeira participação em Cristo, então, por que um é cortado e o outro não? Se ambos os ramos se alimentam verdadeiramente da seiva da Videira, por qual motivo um é cortado? De acordo com Wilson, o que diferencia um do outro é o fato de o apóstata não perseverar. Em sua análise de Hebreus 6.4-8, Rich Lusk assevera que, embora não tenha o propósito de oferecer uma interpretação exaustiva, a Visão Federal desmascara “algumas leituras falhas dessa passagem que se tornaram bastante comuns”. [460] Tais leituras falhas, de acordo com ele, são aquelas oferecidas pela teologia reformada, que entendem que: 1. As advertências encontradas na passagem em questão são de natureza hipotética; e 2. As bênçãos contidas na passagem são de natureza completamente diferente que verdadeira e plena regeneração. Como exemplo desta última, Lusk cita a interpretação oferecida pelo puritano John Owen, em sua obra Nature and Causes of Apostasy from the Gospel. De acordo com Lusk, Owen afirma que “devemos distinguir entre meramente “provar” (6.5) o dom celestial (o que os fu-
turos apóstatas podem fazer), e verdadeiramente se alimentar dele (o que o verdadeiramente regenerado faz)”. [461] Como Wilson, Lusk argumenta que este tipo de distinção feita por Owen tem a capacidade de o indivíduo desesperadamente introspectivo, “sempre cavando mais fundo em direção aos recessos interiores do seu coração, a fim de encontrar alguma irrefutável e genuína marca de graça”. [462] O resultado, então, é que a segurança da salvação dá lugar à dúvida desesperada. Lusk afirma que na interpretação de Hebreus 6.4-8 deve-se ter em mente que o propósito da passagem é funcionar como uma exortação à perseverança. A passagem não deve ser usada para a construção de duas psicologias distintas da conversão: “Em vez disso, ela nos convoca a olharmos além de nós mesmos para Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé”.[463] No que diz respeito à apostasia em si, Lusk argumenta que He breus 6.4-8 ensina claramente que a apostasia é uma possibilidade e também que as bênçãos elencadas nos versículos 4 e 5 devem ser entendidas como verdadeiras e plenas regeneração e participação do Espírito. Eis suas palavras: Claramente, então, Hebreus 6.4-8 ensina a possibilidade de uma verdadeira apostasia. Algumas pessoas realmente caem, e é uma verdadeira queda da graça. Apóstatas realmente perdem bênçãos que possuíam anteriormente. A apostasia é tão terrivelmente hedionda, precisamente, porque é o pecado contra a graça. [464]
O pressuposto por trás desta afirmação é a objetividade pactual, que de acordo com Lusk, “proporciona firme fundamento para que a fé se aproprie das promessas divinas”. [465] Assim, a questão não é quem é regenerado e quem não é. A questão é se o indivíduo está
crendo verdadeiramente nas promessas e se apropriando dos benefícios que Deus lhe concede como um verdadeiro participante de Cristo e membro da comunidade pactual. Um ponto extremamente problemático da abordagem de Lusk é quando ele discute a diferença entre a graça manifestada àquele que foi eleito para perseverar e ao futuro apóstata: Sem dúvida, existe uma diferença, uma vez que Deus decretou e fez provisão para a perseverança daquele e não para o outro (Ef 1.11). Teólogos sistemáticos, certamente, têm uma participação no estabelecimento de tais distinções como uma parte da sua teologia, de modo que a TULIP permaneça sem contestação. Qualquer que seja a graça que os réprobos membros do pacto recebem, ela é qualificada por sua ausência de perseverança. Agostinho distinguiu corretamente entre a “predestinação para graça”, que é apenas temporária e não leva à salvação final, da “predestinação para perseverança”, que conduz à vida eterna. A perseverança não é simplesmente o último vagão do trem da salvação (novamente citando Doug Wilson). Em vez disso, sua presença ou ausência qualifica a completa participação de um indivíduo na ordo salutis. [466]
Fica claro que para Lusk o futuro apóstata tem participação real em todos os benefícios advindos da obra salvífica de Cristo, com exceção da perseverança para a salvação final. Além disso, a perseverança é definida de modo a estar embutida em ou acompanhar cada um dos estágios da ordo salutis, mas apenas em relação àqueles que foram predestinados para a perseverança, para usar a nomenclatura de Agostinho. Assim, uma vez que o indivíduo tenha sido predestinado para a graça apenas, ele participa de cada estágio da ordo salutis, excetuando-se o acompanhamento da perseverança. É simplesmente difícil compreender como é possível que alguém seja verdadeiramente unido a Jesus Cristo através do batismo, regenerado, santificado e, por
não ter sido predestinado à perseverança venha, finalmente a apostatar. Regeneração sem perseverança é algo menos que verdadeira regeneração, independentemente das negações explícitas de Lusk e outros visionistas federais. Não obstante, uma vez que Hebreus não faz qualquer menção à perseverança, é preciso concluir que ela ensina que todos os membros comungantes da comunidade pactual, aqueles que foram unidos a Cristo por meio do sacramento do batismo, experimentam “a graça não diferenciada de Deus”. [467] Novo problema surge quando Lusk tenta responder a algumas objeções levantadas contra a sua interpretação. Uma delas gira em torno de como é possível que aqueles que possuem todas as coisas “em Cristo”, ainda assim, são vulneráveis à apostasia. Em sua resposta, Lusk apela para o conceito de “mistério”: Se, apesar de tudo, cada bênção espiritual é encontrada nele [em Cristo], incluindo a perseverança, como podemos, nós que estamos em Cristo, estar em qualquer perigo de apostasia? Como podem falhar em perseverar aqueles que receberam o pacote de bênçãos descrito em Hebreus 6.4-5? Francamente, este é um grande mistério.[468]
Para Lusk a apostasia é “o mistério último dentro da criação e providência de Deus, fazendo o caminho de volta para a queda de Adão”.[469] Ao fazer tal afirmação, Lusk parece equacionar a condição de Adão, em seu estado de inocência, com a condição do novo homem “criado segundo Deus” (Efésios 4.24). Assim como era possível que Adão viesse a cair, assim também é possível que o novo homem caia: “A queda do “novo homem” em Cristo é uma peça com a misteriosa queda do primeiro homem, Adão. Se nós não conseguimos explicar a queda de Adão no jardim, também não seremos capazes de explicar a
queda daqueles que uma vez foram unidos ao novo Adão”. [470] A doutrina ensinada individualmente por visionistas federais como Douglas Wilson e Rich Lusk é confessada pela Auburn Avenue Presbyterian Church, pastoreada por Steve Wilkins, em seu Summary Statement of AAPC’s Position on the Covenant, Baptism, and Salvation, datado de 2002. Este documento expressa a mesma doutrina comum a todos os visionistas federais a respeito de uma membresia pactual indistinta. Dessa forma, todos os membros de uma determinada igreja local partilham, uma vez tendo sido batizados, de todas as bênçãos salvíficas adquiridas através da obra de Jesus Cristo, com exceção, é claro, da graça da perseverança: Deus, de modo misterioso, escolheu chamar para dentro da comunidade pactual muitos que não eleitos no sentido último da palavra e que não são destinados a receber a salvação final. Estes membros pactuais não eleitos são verdadeiramente trazidos a Cristo, unidos a ele na Igreja pelo batismo e recebem várias operações graciosas do Espírito Santo. Corporativamente, eles são parte do povo escolhido, redimido e habitado pelo Espírito. Entretanto, cedo ou tarde, de acordo com o sábio conselho de Deus, eles falharão em produzir frutos e cairão. Em algum sentido, eles foram verdadeiramente unidos ao povo eleito, realmente santificados pelo sangue de Cristo, verdadeiramente receberam a nova vida dada pelo Espírito Santo. Deus, entretanto, nega-lhes o dom da perseverança e tudo isso é perdido [...] Assim, a solução para Hebreus 6 não é desenvolver duas psicologias da conversão, uma para os “verdadeiramente regenerados” e uma para os futuros apóstatas, e então processar uma introspecção para ver que tipo de graça um determinado indivíduo recebeu. Isso está além da nossa competência.[471]
A doutrina da Visão Federal acerca do pecado da apostasia é, simplesmente perturbadora e, em muitos aspectos, lembra a construção teológica do Arminianismo acerca da perseverança dos santos. De
acordo com a teologia arminiana é possível que alguém que foi genuinamente regenerado, convertido, santificado pelo Espírito Santo venha, finalmente, a apostatar perdendo, dessa forma, a sua salvação. Por exemplo, eis o que afirma Wellington Mariano, um dos principais expoentes da teologia arminiana no Brasil acerca de Hebreus 6.4-8: Esses versículos certamente tratam de um cristão, pois o texto nos diz que tal pessoa (1) foi iluminada, (2) provou o dom celestial, (3) se fez participante do Espírito Santo e (4) provou a boa palavra de Deus e as virtudes do século vindouro. Os defensores da impossibilidade de apostasia chegam ao cúmulo de dizer que estas qualidades não podem ser consideradas as qualidades de um verdadeiro cristão. Mas se tais qualidades não podem ser características de um cristão, como é que poderíamos definir um cristão de uma maneira mais completa que esta?[472]
É com base nessa similaridade que Guy Waters faz a seguinte afirmação a respeito do Summary Statement: “Uma pessoa pode possuir a realidade da salvação e, então, perdê-la ou perecer. Com base nesta leitura, o documento é teologicamente arminiana”. [473] Isto pode ser dito não apenas do documento em si, mas também dos ensinamentos de Douglas Wilson, Rich Lusk e os demais visionistas federais. É bem verdade que em alguns momentos os visionistas federais esclarecem suas proposições ao salientarem que a explicação de tudo isso reside no decreto soberano de Deus, a despeito da relutância dos mesmos em falar do decreto da eleição. [474] Todavia, isso mostra que a sua doutrina sofre, no mínimo, de uma severa inconsistência ora apelando para o mistério, ora se rendendo à doutrina do decreto soberano da eleição divina.
Análise de Passagens-Chave
Pelo exposto acima pôde ser observado que os proponentes da Visão Federal se utilizam de três passagens principais, a fim de oferecer a fundamentação da sua doutrina da apostasia como uma possibilidade real para o cristão verdadeiro. Assim é que importa agora se voltar para duas destas passagens, a fim de se proceder com uma análise, ainda que perfunctória, das mesmas. Nesta abordagem, Hebreus 10.26-29 será deixada de lado, uma vez que a passagem de Hebreus 6.4-8 se dirige ao mesmo grupo de pessoas. oão 15.1-6
A passagem joanina diz o seguinte: “Eu sou a videira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado; permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam”. Como observado anteriormente, os adeptos da Visão Federal entendem que todos os ramos mencionados na passagem são ramos verdadeiros, genuínos. Os visionistas federais costumam se utilizar da linguagem da seiva, afirmando que todos os ramos compartilharam, igualmente, da seiva da videira, o que seria uma metáfora para falar de como todos os cristãos membros comungantes da comunidade pactual possuem real participação em Jesus Cristo e nos benefícios advindos da sua obra salvífica. Steve Wilkins, por exemplo, interpretando
João 15.1-8 se volta contra a interpretação que afirma que os ramos cortados não estavam em verdadeira união salvífica com Cristo: Muitas vezes esta passagem é interpretada desta forma: Existem dois tipos de ramos. Alguns ramos não estão realmente em Cristo “de uma maneira salvífica”, mas apenas num sentido externo e qualquer fruto que produzam não é genuíno e, eventualmente, serão destruídos. Outros ramos estão verdadeiramente unidos salvífica e interiormente a Cristo, e produzem mais e mais fruto à medida que são “podados e cultivados pelo Pai”. Como Norman Shepherd notou: “Se esta distinção está neste texto, é difícil perceber qual é o sentido da advertência. Os ramos aparentes (“externos”) não podem se beneficiar dela, visto que eles não podem, de forma alguma, produzir fruto genuíno. Eles não estão interiormente relacionados a Cristo e não obtêm vida alguma dele. Os ramos interiores não necessitam da advertência, visto que eles são vivificados por Cristo e, portanto, não podem deixar de dar bons frutos. O cultivo pelo Pai, com suas bênçãos consequentes, é garantido. [475]
Para Wilkins, todos os ramos desfrutam de uma união vital com Cristo. O que acontece é que alguns ramos se “recusam a permanecer nele”[476] , sendo, portanto, cortados e queimados pelo Pai. O ponto focal do raciocínio de Wilkins e dos demais visionistas federais, é que a expressão “em mim” (ἐν ἐµοὶ) denota esta união vital entre Cristo e os ramos cortados. A teologia reformada tradicional entende que esta interpretação é uma distorção da passagem. Algo que pode ser percebido logo de imediato é que Wilkins entende que os ramos que foram cortados ainda chegaram a produzir algum fruto: “e qualquer fruto que produzam não é genuíno”. Contrário a esta interpretação, Jesus deixa bem claro tais ramos nunca produziram fruto: “Todo ramo que estando em mim, não der fruto, ele o corta” (v. 2). Jesus não está falando de ramos que um dia produziram fruto e, simplesmente, deixaram de produzir.
Toda a vida desses ramos foi caracterizada pela esterilidade. Isto significa dizer que estes ramos nunca desfrutaram de uma relação verdadeira, de uma união vital com a Videira, Cristo. D. A. Carson comenta que a expressão ἐν ἐµοὶ gerou muita especulação quanto à possibilidade de o apóstolo João estar pensando em judeus que outrora foram a videira de Deus, mas que, posteriormente, foram lançados fora, ou em cristãos apóstatas, como defendido pela Visão Federal. Sobre isto, ele afirma: O primeiro não combina facilmente com em mim: é difícil entender em que sentido judeus que nunca tiveram fé em Jesus poderiam estar em algum momento ‘nele’, mesmo que tenham pertencido à videira de Israel antes que ela fosse suplantada por Jesus. No entanto, a última tese, que afirma que esses ramos mortos são cristãos apóstatas, deve confrontar a forte evidência existente em João de que verdadeiros discípulos são preservados até o fim.[477]
Além de se deparar com as afirmações de Jesus no sentido de que os verdadeiros cristãos são preservados até o fim, a Visão Federal la bora em erro quando assume que os ramos que foram cortados ainda chegaram a produzir algum fruto. A expressão “estando em mim, não der fruto” (ἐν ἐµοὶ µὴ φέρον καρπὸν) não permite que se assuma a conclusão aventada pela Visão Federal, de que algum tipo de fruto ainda chegou a ser produzido pelos ramos cortados pelo Pai. Mais uma vez citando Carson: A frutificação é uma marca infalível do verdadeiro cristianismo; a alternativa é madeira morta, e as exigências da metáfora da videira fazem necessário que tal madeira esteja ligada à videira. (ramos mortos de alguma outra árvore, espalhados no chão da vinha, dificilmente poderiam ser a mesma coisa). Esses não têm vida neles mesmos; eles nunca produziram fruto, senão teriam sido podados, não cortados. Por Jesus ser a videira
verdadeira, em oposição à videira de Israel que não produziu fruto ou produziu fruto podre, torna-se impossível pensar que qualquer ramo que não produza fruto possa ser considerado por muito tempo parte dele: suas próprias credenciais como a videira verdadeira seriam questionadas tão fundamentalmente como as credenciais de Israel. [478]
Isto posto, parece claro que a expressão ἐν ἐµοὶ não fala de uma união real e vital com Cristo. É bem verdade que Cristo não se preocupa em esclarecer o tipo de relação existente entre ele e tais ramos, porém é possível concluir com segurança que, dada a continuidade das suas palavras, ele não está falando de uma união verdadeira e real. O versículo 3 diz o seguinte: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado”. Há aqui uma fraseologia semelhante à de 13.10-11: “Ora, vós estais limpos, mas não todos. Pois ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse: Nem todos estais limpos”. As palavras do versículo 3 remetem ao antecedente histórico da saída de Judas Iscariotes para entregar Jesus. Judas nunca desfrutara de uma relação verdadeiramente salvífica com Jesus Cristo. Sua relação Com Jesus, apesar de aparentar intimidade era, na verdade, meramente externa, afinal de contas, como o próprio Cristo afirmou: “Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi; é, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim seu calcanhar” (13.18). Não há nesta declaração de Jesus nenhuma sugestão de que a eleição deva ser enxergada através das lentes do pacto. Muito pelo contrário, a condição pactual de Judas Iscariotes deve ser vista através das lentes da eleição soberana de Deus. Assim, os ramos da passagem podem ser divididos em dois grupos bem distintos. Eles não devem ser entendidos de maneira não diferenciada, como propõem os visionistas federais. Há os ramos que produzem frutos e são podados pelo Pai. E há os ramos que não pro-
duzem fruto algum e, em vez de podados, são cortados e queimados pelo Pai. O erudito do Novo Testamento William Hendriksen qualifica os dois grupos da seguinte maneira: Os dois grupos têm em comum seu íntimo contato com Cristo e o evangelho. Falando em termos de metáfora, ambos os grupos de ramos estavam na videira [...] Que essa relação de haver estado na videira (ou, deixando a metáfora, em Cristo) não se refere à união salvadora, espiritual com Cristo, é fácil de se ver. Nem todos aqueles que estão no pacto são do pacto. Nem todos os que estão batizados em Moisés foram salvos (1Co 10.1-5).[479]
A conclusão de Hendriksen é a seguinte: Em nenhum sentido, passagens como 15.2 e 15.6 sugerem que ocorre uma queda da graça, como se eles uma vez tivessem sido salvos, mas no final pereceram. Essa alegoria ensina claramente que os ramos que foram retirados e queimados representam as pessoas que nunca foram de fato crentes; e para elas, a relação com a videira, embora próxima, era meramente externa.[480]
Igualmente, o reformador João Calvino se mostra em desacordo com toda e qualquer interpretação que, no mínimo, sugira que os ramos cortados desfrutaram de uma união salvífica real com Cristo: Cristo pretende com essas palavras despertar questionamento, declarando que todos os ramos que se mostrarem infrutíferos serão cortados da videira. Aqui, porém, surge a pergunta: É possível que alguém enxertado em Cristo deixe de produzir fruto? Respondo que muitos que supõem estar na videira, segundo a opinião dos homens, na realidade não estão radicados na videira. Assim, nos escritos dos profetas, o Senhor chama o povo de Israel minha videira, porque, pela profissão externa de fé mantinham o título de A Igreja. [481]
Então, a passagem de João 15.1-6 não pode ser usada, como feito pelos adeptos da Visão Federal, para ensinar que a apostasia é uma possibilidade real. O grande problema com a interpretação oferecida pela Visão Federal é que ela, diferentemente do que dizem seus proponentes[482] , é controlada, a priori, pelo conceito teológico da objetividade pactual. Esta também é a opinião de John M. Otis. Falando a respeito de como a Visão Federal nega a doutrina reformada da perseverança dos santos, Otis diz o seguinte: “A negação desta preciosa doutrina da fé cristã pela Visão Federal está enraizada na sua doutrina da objetividade do pacto [...] Visto que a Visão Federal nega a distinção reformada da igreja visível e invisível, vendo-as como idênticas, então ela é forçada a uma posição de negação da perseverança dos santos”. [483]
Hebreus 6.4-8
O texto em foco diz: “É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a terra que absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada”. A primeira observação que deve ser feita a respeito de Hebreus 6.4-8, é que, trata-se, nos dizeres de Geerhardus Vos, de uma “difícil e importante passagem” sobre a aliança de Deus com o seu povo. [484] A razão dessa dificuldade está no fato de o autor da epístola mencionar
especificamente o aspecto fenomenológico da religião nessa perícope. [485]
É interessante também observar que esta passagem sempre foi objeto de inúmeras discussões. Por exemplo, falando provavelmente a respeito dos arminianos do seu tempo, o puritano John Owen fez o seguinte comentário sobre Hebreus 6.4-8: Mas o sentido dessas palavras tem sido objeto de grandes disputas tam bém em outras ocasiões. Pois alguns supõem e afirmam que são crentes verdadeiros e reais que são aludidos pelo apóstolo. E que seu caráter nos é dado em e por diversos complementos e propriedades inseparáveis dessas pessoas. Portanto, concluem que tais crentes podem total e finalmente cair da graça e, assim, perecer eternamente. Sim, é evidente que esta hipótese, da apostasia final de verdadeiros crentes, é o que influenciou suas mentes e julgamentos, para imaginarem que tal é aqui intentado. [486]
Logo depois, Owen diz: Agora, enquanto seja certo que neste discurso o apóstolo não fornece nenhum apoio para a severidade dos novacianos, por meio da qual eles excluíram eternamente os ofensores da paz e da comunhão da igreja; nem para a apostasia final de verdadeiros crentes, o que ele testifica contra neste mesmo capítulo, em conformidade com inúmeros outros testemunhos da Escritura com o mesmo propósito; nem ele ensina qualquer coisa através da qual a consciência de qualquer pecador que deseja se voltar para Deus e nele encontrar aceitação, seja desencorajada ou desanimada; devemos atender à exposição das palavras, em primeiro lugar, de modo a não extrapolar os limites de outras verdades nem transgredir contra a analogia da fé.[487]
Owen descarta de imediato toda e qualquer interpretação que sugira que Hebreus 6.4-8 ensine que verdadeiros cristãos possam apostatar e se perder definitivamente. De acordo com ele, esse tipo de inter-
pretação – praticada pela Visão Federal e seus proponentes – extrapola os limites da ortodoxia e entra em choque com inúmeras outras passagens das Sagradas Escrituras. Assim, os “iluminados” de Hebreus 6.4-8 eram pessoas que “abandonaram esta assembleia dos santos”. [488] Eram pessoas não regeneradas, não eleitas, incrédulas que durante algum tempo fizeram parte de uma igreja visível, mas que apostataram. Muito se questiona acerca de como pessoas ímpias puderam “provar” de vários benefícios, como por exemplo: 1) do dom celestial; 2) da participação comum do Espírito Santo; 3) da boa palavra de Deus; e 4) dos poderes do mundo vindouro. Como tais pessoas puderam desfrutar, em alguma medida, de bênçãos destinadas àqueles que foram os beneficiários diretos do sacrifício substitutivo de Cristo? A proposta da Visão Federal é afirmar que já que tais pessoas provaram desses benefícios, certamente, tratavam-se de cristãos verdadeiros, pessoas verdadeiramente unidas a Cristo através do sacramento do batismo. Todavia, é preciso ter em mente que o autor está escrevendo para judeus que haviam confessado a fé em Cristo, o que significa que os leitores desta carta estavam familiarizados com as Escrituras do Antigo Testamento e com a história do povo hebreu. D. Mathewson, no seu artigo intitulado Reading Heb 6:4-6 in Light of the Old Testament, lança luz sobre isso, ao afirmar que, “a linguagem do autor em 6.4-6 é colorida por referências do AT que aludem e ecoam como citação direta”. [489] De forma específica, Mathewson sugere que a referência àqueles que foram “iluminados” lembra a coluna de fogo que alumiou os israelitas através do deserto. [490] Algumas passagens veterotestamentárias podem demonstrar o ponto. Neemias 9.12,19 diz o seguinte: “Guiaste-os, de dia, por uma coluna de
nuvem e, de noite, por uma coluna de fogo, para lhes alumiar o caminho por onde haviam de ir [...]. Todavia, tu, pela multidão das tuas misericórdias, não os deixaste no deserto. A coluna de nuvem nunca se apartou deles de dia, para os guiar pelo caminho, nem a coluna de fogo de noite, para lhes alumiar o caminho por onde haviam de ir”. O “dom celestial” lembra o dom celestial do maná, que foi dado por Deus ao seu povo quando este se encontrava no deserto (Êxodo 16.15). Em Neemias 9.15 é dito que o pão celestial foi dado aos israelitas “na sua fome”. Por sua vez, a referência àqueles que “se tornaram participantes do Espírito Santo” ecoa a experiência dos peregrinos do deserto, que “tinham extensiva interação com o Espírito de Deus” [491] , como é testemunhado em Neemias 9.20: “E lhes concedeste o teu bom Espírito, para os ensinar; não lhes negaste para a boca o teu maná; e água lhes deste na sua sede”. Após considerar os elementos descritos em Hebreus 6.4-6, Mathewson conclui: “O autor não está apenas aludindo a textos fragmentados e a vocabulário isolado para apresentar uma retórica colorida, mas por aludir a textos que pertencem a uma enorme matriz de ideias ele está evocando o contexto inteiro e história da experiência de Israel no deserto”.[492] Quando se leva em consideração que os destinatários dessa epístola eram cristãos judeus, essa interpretação se mostra bastante plausível. O autor de Hebreus utiliza a linguagem do Antigo Testamento para descrever um abandono doloroso de uma congregação por parte de algumas pessoas. George H. Guthrie afirma que a abordagem proposta por Mathewson é correta e conclui afirmando que “o autor de Hebreus utiliza a linguagem do Antigo Testamento para descrever um abandono particularmente grave da comunidade cristã dos seus dias e para formular uma severa advertência àqueles
que virariam as costas a Cristo e sua igreja”. [493] Além disso, de acordo com ele, esta advertência “remete à seção exortatória anterior sobre aqueles que caíram no deserto (3.7-4.2), que ouviram as boas novas pregadas, mas não se beneficiaram delas”. [494] Dessa forma, a iluminação recebida, o dom celestial provado e o Espírito compartilhado se mostram bênçãos da graça comum de Deus destinada a pessoas não convertidas, não salvas e não eleitas ou, nas palavras de Charles Hodge, “influências do Espírito concedidas a todos os homens”.[495] Tais pessoas, “tiveram um claro entendimento do uízo de Deus sobre o mundo, das promessas de Deus, o desvendar do mundo futuro; tiveram uma clara distinção do juízo, bem como provaram dos milagres da era apostólica”, afirma o teólogo genebrino Matthew Poole.[496] No seu comentário a respeito do versículo 4, João Calvino endossa a opinião de que mesmo os réprobos recebem algumas chispas da luz divina: Mas aqui surge uma nova questão, como pode que aqueles que fizeram tal progresso venham a apostatar depois de tudo? Pois Deus, isso pode ser dito, não chama ninguém eficazmente a não ser os seus eleitos, e Paulo testifica que eles realmente são seus filhos e que são guiados por seu Espírito (Romanos 8.14) e ele nos ensina que, é um seguro penhor de adoção quando Cristo nos faz participantes do seu Espírito. O eleito tam bém está além do perigo da apostasia final; pois o Pai que o elegeu para ser preservado em Cristo é maior do que tudo, e Cristo promete vigiar por eles de maneira que nenhum pereça. A tudo isso, eu respondo que Deus, de fato, favorece apenas os seus eleitos com o Espírito de regeneração e que, por isso eles são distinguidos dos réprobos; pois eles são renovados segundo a sua imagem e recebem a seriedade do Espírito na esperança da herança futura, e pelo mesmo Espírito o Evangelho é selado em seus corações. Mas eu não posso admitir que tudo isso seja alguma razão
pela qual Ele não conceda também aos réprobos algum sabor da sua graça, que Ele não irradie suas mentes com algumas chispas da sua luz, ou não lhes dê alguma percepção da sua bondade, e de alguma maneira grave sua palavra em seus corações. De outra forma, o que viria a ser a fé temporal mencionada em Marcos 4.17? Portanto, existe algum conhecimento mesmo nos réprobos, o qual posteriormente vem a desvanecer, porque não possui raízes suficientemente profundas, ou porque elas murcham ao serem sufocadas.[497]
O que pode ser apreendido a partir do comentário acima é que, de acordo com o reformador João Calvino, as bênçãos experimentadas pelas pessoas que caíram não são indicativas de que as mesmas desfrutavam de verdadeira regeneração e conversão, com exceção do dom da perseverança. Calvino enxerga tais pessoas como réprobos, como pessoas que, apesar de fazerem parte da membresia da comunidade pactual não desfrutavam da realidade do pacto. Faziam uso dos selos e símbolos do pacto, mas nunca se apropriaram da sua substância. Portanto, verifica-se que Hebreus 6.4-8 não ensina, de modo algum, que a apostasia é uma possibilidade real para os verdadeiros cristãos. É preferível entender que a advertência existente nesta passagem serve aos propósitos salvíficos de Deus na preservação do seu povo.
O Ensino Reformado Clássico O ensino reformado clássico a respeito da segurança de salvação e da apostasia difere essencialmente do ensino esposado pela Visão Federal. A fé reformada não entende que os apóstatas mencionados em textos como os da Epístola aos Hebreus sejam cristãos verdadeiros: “A
fé reformada histórica tem entendido os apóstatas como aqueles que são, obviamente, cristãos professos, que eram membros da igreja visível, mas que nunca foram cristãos genuínos, isto é, membros da igreja invisível, os eleitos de Deus que perseverarão até o fim”. [498] Tal compreensão é consubstanciada por passagens como, por exemplo, 1João 2.19: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”. O apóstolo João está se referindo a homens que, no versículo anterior (v. 18), foram denominados por ele de “anticristos”. Estes homens saíram do meio da igreja para que ficasse manifesto que, na verdade, eles nunca foram da igreja. Eles nunca foram convertidos. Por mais que tivessem recebido o sacramento do batismo, nunca foram unidos a Cristo, regenerados, reconciliados e justificados. Além disso, em Mateus 7.21-23, Cristo falou a respeito de alguns indivíduos que, no último dia, se apresentarão diante dele argumentando serem seus discípulos. Tais homens profetizaram em nome de Cristo, expulsaram demônios em nome de Cristo e realizaram milagres em nome de Cristo. Apesar disso, a resposta de Cristo aos seus argumentos será: “Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci” (v. 23). A teologia reformada tradicional entende que aqueles que foram eleitos desde antes da fundação do mundo, que foram unidos a Cristo, regenerados, justificados e que, no presente, estão sendo santificados, estão seguros em Cristo e jamais apostatarão. Eles jamais perderão a sua salvação. É bem verdade que a Visão Federal hesita em trabalhar usando a expressão “perder a salvação”, mas como bem observa Otis: É ridículo dizer que o batismo marca o ponto de conversão, a transição da morte para a vida, de ser uma nova criatura em Cristo, ter o perdão
dos pecados, ser reconciliado e justificado sem dizer que isso constitui salvação. Se alguém tem todas estas coisas, então, é alguém salvo! Este é o caráter insidioso dessa teologia. Usa palavras comuns que os evangélicos usam, mas, então, as reinterpreta. Perder isto é perder a salvação! [499]
A maneira como as confissões reformadas apresentam a sua doutrina da segurança de salvação/perseverança dos santos é completamente diferente daquela apresentada pela Visão Federal. Os Padrões de Westminster, por exemplo, são categóricas em sua negativa de que um verdadeiro cristão pode apostatar da fé e se perder eternamente. A Confissão de Fé de Westminster, no capítulo XVII trata da perseverança dos santos: I. Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com toda certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente salvos. II. Esta perseverança dos santos não depende do próprio livre-arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça; de todas essas coisas vêm a sua certeza e infali bilidade.[500]
O Catecismo Maior de Westminster se expressa em termos semelhantes na resposta à pergunta 79: Pergunta 79. Não poderão os crentes verdadeiros cair do estado de gra-
ça, em razão das suas imperfeições e das muitas tentações e pecados que os surpreendem? Resposta:
Os crentes verdadeiros, em razão do amor imutável de Deus, do seu decreto e pacto de lhes dar a perseverança, da união inseparável entre eles e Cristo, da contínua intercessão de Cristo por eles, do Espírito,
e da semente de Deus que permanece neles, nunca poderão, total e finalmente, cair do estado de graça, mas são conservados pelo poder de Deus, mediante a fé para a salvação.[501]
As afirmações confessionais supracitadas são, em seu fulcro, completamente diferentes das asserções da Visão Federal. A CFW nega logo de início qualquer possibilidade de queda do estado de graça daqueles que foram chamados eficazmente e santificados pelo Espírito Santo. Eles não podem cair “nem total nem finalmente”. Antes, perseverarão neste estado de salvação até ao fim. Alexander Archibald Hodge, comentando esta passagem da Confissão, diz: A doutrina calvinista, como afirmada neste capítulo de nossa Confissão, consiste em que Deus tem revelado seu gracioso propósito de levar cada crente a perseverar em sua fé e obediência até à morte; que jamais lhe será permitido apostatar totalmente da graça e, portanto, jamais poderá apostatar finalmente.[502]
Chad Van Dixhoorn, especialista na história da Assembleia e na teologia dos Padrões de Westminster segue este mesmo caminho ao afirmar: “Seguramente, é sábio e convincente de que não somos apenas lembrados neste parágrafo de que somos preservados pela graça de Deus, mas também que ‘perseveraremos’ até ao fim”. [503] Algo que deve ser observado na afirmação da Confissão é que ela é explícita ao negar a possibilidade da apostasia final por parte de verdadeiros crentes. No entanto, como acertadamente afirmam Joel Beeke e Mark Jones: “Os divines de Westminster vão adiante e afirmam que nenhum crente pode cair finalmente. Eles não dizem que o verdadeiro povo de Deus não pode cair temporariamente”. [504] De acordo com eles, é extremamente importante que esta distinção seja percebida, ainda mais diante da afirmação da CFW no terceiro parágrafo do capí-
tulo XVII: III. Eles, porém, pelas tentações de Satanás e do mundo, pelo predomínio da corrupção restante neles e pela negligência dos meios de sua preservação, podem cair em graves pecados e, por algum tempo, continuar neles; incorrem, assim, no desagrado de Deus, entristecem o seu Santo Espírito e, em alguma medida, vêm a ser privados de suas graças e confortos; têm o coração endurecido e a consciência ferida; prejudicam e escandalizam os outros e atraem sobre si juízos temporais. [505]
Para se compreender devidamente este parágrafo da CFW, é necessário lê-lo juntamente com o quarto parágrafo do capítulo seguinte: IV. Os verdadeiros crentes podem ter, de diversas maneiras, a segurança de sua salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz de seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que o teme; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; daí, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio dessas bênçãos eles são suportados para não caírem em total desespero.[506]
É verdade que o capítulo XVIII da CFW trata da segurança de salvação colocando, assim, o foco sobre a segurança subjetiva. Não obstante, a afirmação de que esta segurança pode ser abalada, dentre outras coisas, porque o indivíduo anda em trevas pode ser associada com a ideia de uma queda temporária, não definitiva e não final. Igualmente, quando a Confissão afirma que “a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio dessas bênçãos eles são suportados para não caírem em total
desespero”, subentende-se que tal queda temporária já chegou ao seu fim. Beeke e Jones fazem a seguinte afirmação a respeito do ensino puritano sobre a salvação conforme refletido na CFW: “O que os puritanos ensinavam sobre salvação era: ‘Se você a tem, você nunca a perderá’. Eles também ensinavam: ‘Se você a perde, você nunca a teve’”. [507] Esta ênfase pode ser vista em Thomas Watson, que na sua conhecida obra A Body of Divinity respondendo à interpretação arminiana de Hebreus 6.4-8, asseverou: “Tudo isso é dito do hipócrita, não prova que o verdadeiro crente, que recebe uma ação eficaz, possa cair. Em bora cometa falhas, não segue a estrela cadente”. [508] Para ele, os apóstatas são os hipócritas que, apesar de fazerem parte da membresia do povo pactual, nunca foram verdadeiramente salvos. Watson, utilizando uma fraseologia que lembra a passagem de João 15.1-6, é muito claro na sua afirmação de que apenas os hipócritas ou cristãos nominais apostatam: Eu admito que aqueles que são crentes somente na confissão podem cair. “Demas, tendo amado o presente século, me abandonou” (2Tm 4.10). Um meteoro, em relação às estrelas, logo se evapora. Uma construção so bre a areia cairá (Mt 7.26). A graça aparente pode ser perdida. Não é de admirar um galho cair de uma árvore onde estava preso. Hipócritas estão ligados a Cristo somente por uma confissão externa, eles não estão enxertados. Quem disse que emoções artificiais durariam muito? A emoção do hipócrita é somente artificial, não é vital. Nem todas as flores se tornam frutos.[509]
Comentando a passagem de 1Pedro 1.3-5 [510] , Watson ratifica a sua defesa da perseverança dos santos: “O quinto e último fruto da santificação é a perseverança na graça. A herança celestial está guardada para os santos e eles são guardados para a herança”. [511]
A teologia dos Padrões de Westminster também pode ser observada como cristalizada nos escritos de outro puritano, membro da Assembleia de Westminster, chamado William Grennhill (1598-1671). Em seu comentário do livro do profeta Ezequiel, Greenhill afirmou: “Um homem perdoado e justificado pela fé em Cristo, embora possa cair em graves pecados – e algumas vezes o faça –, tais pecados nunca prevalecerão ao ponto de inverter o perdão e reduzi-lo a um estado de não justificação”.[512] A fala de Greenhill, de uma só vez, vai de encontro aos ensinamentos da Visão Federal acerca da apostasia e da justificação final, visto que, de acordo com seus defensores, alguém justificado inicialmente pode perder a sua justificação, caso não persevere em fidelidade pactual. Um dos puritanos que mais se engajou na defesa da doutrina reformada da perseverança dos santos foi John Owen. No ano de 1654 Owen publicou uma obra intitulada The Doctrine of the Saints’ Perseverance Explained and Confirmed, escrita em resposta a um tratado escrito por um pregador arminiano chamado John Goodwin (15941665), “na qual Goodwin negou que Deus assegure a continuidade da fé num crente”.[513] Em sua resposta, Owen procurou responder a três objeções levantadas por Goodwin contra a doutrina reformada da perseverança dos santos. A principal objeção era a de que as passagens de Hebreus 6.4-8 e 10.26-31 ensinavam a possibilidade de um verdadeiro crente apostatar e cair definitivamente do estado de graça. Owen afirmou que, de fato, apóstatas e desertores da fé cristã existem. Contudo, “ele sugeriu que o erro de Goodwin, como o de todos os arminianos, era assumir que todos aqueles que professam fé em Cristo são verdadeiros crentes”. [514] De acordo com Owen, os apóstatas são aqueles que, durante algum tempo reivindicaram santi-
dade para si mesmos: Não suponho que seja necessário provar que muitos têm dito de si mesmos serem santos, e são puros aos seus próprios olhos, mas nunca foram lavados da sua iniquidade, e por isso gritam paz para si mesmos. É o caso de milhares no mundo hoje em dia. Eles se acham santos. Professam ser piedosos. E nossos adversários provam (nenhuma contradição) que tais como estes podem desertar daquilo que possuem e do que parecem ter e, assim, perecer sob o pecado de apostasia. [515]
Além disso, os apóstatas experimentaram apenas uma espécie de santidade temporária, que não operou nenhuma transformação ou mudança em seus corações: Além disso, daqueles que se dizem crentes, que são realmente santos e na verdade das coisas em si mesmas, existem dois tipos: Primeiro, como tais, que receberam diversos dons e graças comuns do Espírito – como iluminação da mente, mudança de afeições, e daí, mudança de vida, com a tristeza do mundo, arrependimento legal, fé temporária, e assim por diante, que são todas verdadeiras e reais em seus tipos – e assim se tornam vasos na grande casa de Deus, sendo mudados quanto ao seu uso, embora não em sua natureza, esta continuando como pedra e madeira, embora cortada e moldada para a utilidade do vaso; e por esta razão, frequentemente, eles são denominados santos e fiéis. Em tais como estes existe uma inferior (e nalgum sentido subordinada) obra do Espírito, produzindo efetivamente em e sobre todas as faculdades da alma algo do que é verdadeiro, bom e útil em si mesmo, correspondendo em alguma semelhança e utilidade de operação à grande obra da regeneração, que não falha. Há neles luz, amor, alegria, fé, zelo, obediência etc., tudo isso verdadeiro em suas espécies; o que faz com que muitos deles ajam dignamente em sua geração. Entretanto, eles não alcançam a verdadeira fé dos eleitos de Deus, nem Cristo vive neles, nem é a vida que levam vivida pela fé no Filho de Deus, como deve ser plenamente declarado daqui para frente. [516]
Owen vai adiante e procede com a exegese de importantes passagens neotestamentárias a este respeito: Filipenses 1.6; 1Pedro 1.5 e João 10.27-29. Após estabelecer a base bíblica para a doutrina da perseverança dos santos e da indefectibilidade da salvação, Owen estabelece o seguinte silogismo para responder a Goddwin: 1. O eleito não pode apostatar da fé e cair da graça (João 10.27-29); 2. Alguns daqueles que professam a fé cristã apostatam da fé; e 3. Assim, crentes professos que apostatam não são crentes eleitos. [517] Ainda sobre a CFW, é imprescindível mencionar o segundo parágrafo do capítulo XVII, pois a Confissão explicita os fundamentos da perseverança dos santos: II. Esta perseverança dos santos não depende do próprio livre-arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça; de todas essas coisas vêm a sua certeza e infali bilidade.[518]
Compare-se esta afirmação confessional com a afirmação da Visão Federal no sentido de que, em última instância, a fidelidade pactual do cristão determinará a sua justificação final. A teologia confessional puritana deixa claro que a perseverança e, consequentemente, o todo da salvação, não é, de forma alguma, dependente da vontade do indivíduo, mas tão somente de Deus. Chad Van Dixhoorn faz um excelente comentário a respeito deste parágrafo da Confissão e do seu foco na Santíssima Trindade: Os cristãos devem permanecer firmes na sua busca por Deus, mesmo diante de obstáculos perturbadores. Contudo, esta constância da nossa parte não depende simplesmente de uma decisão da nossa própria vontade.
Ela depende da vontade de Deus. Nós perseveramos porque Deus decretou imutavelmente que nós somos dele. Ele nos escolheu e isto não pode ser modificado. Esta é a sua decisão. “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Timóteo 2.18-19). Nossa lealdade é assegurada por causa da graciosa eleição de Deus, e a Confissão corretamente observa que esta eleição flui do amor livre e infinito de Deus [...] Nossa esperança depende do amor do Pai, bem como da “eficácia do mérito e da intercessão de Jesus Cristo”. Em outras palavras, nossa permanência na fé cristã repousa no fato de que Cristo uma única vez, para sempre ofereceu a si mesmo pelo nosso pecado e em sua súplica contínua pelo nosso bem [...] Nós tomamos coragem da parte do Pai, do Filho e também do Espírito. Quando Jesus prometeu que o Pai enviaria um “ajudador”, “consolador” ou “conselheiro”, o ponto básico é que o Espírito Santo estaria conosco para sempre e para o nosso bem (João 14.16-17). Ele unge o povo de Deus, separando-o e ensinando o que é necessário saber (1João 2.27). Finalmente, o Espírito nos ajuda a perseverar até ao fim porque ele nos guarda de vivermos na “prática do pecado”. O Espírito habita em nós, e com esta semente de Deus plantada em nós, não nos perderemos (1João 3.9). [519]
Pode-se tomar como representativo de teólogos reformados mais recentes Robert L. Reymond, como um arguto defensor da doutrina reformada clássica da perseverança dos santos. Para ele, cada verdadeiro filho de Deus, isto é, cada pessoa que o Pai escolheu em Cristo antes da fundação do mundo e por quem Cristo morreu, a quem o Pai chamou eficazmente por sua Palavra e o Espírito ao arrependimento para com Deus e à fé em Jesus Cristo, e, consequentemente, a quem justificou e adotou em sua família, e que está crescendo na graça, nunca entrará em condenação.[520]
Reymond também entende que aqueles que apostatam da fé cristã nunca foram verdadeiros cristãos: É extremamente importante que o leitor entenda corretamente o que sig-
nifica a perseverança ou preservação dos santos. Não significa que todo aquele que professa ser cristão está assegurado da vida eterna. Também não significa que todo aquele que satisfaz o órgão examinador de uma igreja local com respeito à sua elegibilidade para a membresia da igreja está seguro pela eternidade. A Confissão de Fé de Westminster nos lem bra muito apropriadamente que “os hipócritas e outros não regenerados podem se iludir vãmente com falsas esperanças e presunções carnais de estarem no favor de Deus e estado de salvação (esperança esta que perecerá)” (XVIII.1).[521]
Apenas aqueles que foram eleitos por Deus, redimidos pela obra salvífica de Cristo e chamados eficazmente pelo Espírito Santos perseverarão pela graça de Deus. Ademais, isto não se deve a qualquer coisa semelhante ao conceito visionista federal de fidelidade pactual: “Por virtude da graça preservadora de Deus, ele ou ela certamente perseverará no estado de salvação e estará final e eternamente salvo”. [522]
Fica evidente, então, que o ensinamento da Visão Federal acerca da segurança de salvação, perseverança dos santos e apostasia está em completo desacordo com as afirmações confessionais, notadamente as dos Padrões de Westminster, bem como de teólogos reformados representativos. A Visão Federal, conquanto se volte contra um espantalho da doutrina reformada da segurança de salvação, acusando-a de promover uma “mórbida introspecção”, acaba emitindo afirmações sobre o sacramento do batismo como fundamento da segurança do crente, que suscitam sérios questionamentos a respeito da eficácia sacramental. A linguagem utilizada pelos visionistas federais, embora não afirme uma regeneração sacramental, transmite a ideia de que o batismo não é apenas apenas um sinal e selo do Pacto, mas, mas, sim, que ele, em si mesmo, realiza aquilo para o qual aponta. Ademais, a Visão Federal está em pleno desacordo com os Pa-
drões confessionais das Igrejas Presbiterianas e com a ampla maioria dos estudiosos reformados quanto ao pecado da apostasia. Estes ensinam que a apostasia é impossível para aqueles que foram verdadeiramente unidos a Cristo, enquanto aquela defende que se trata de uma possibilidade real para aqueles que foram beneficiários da obra salvífica de Cristo.
[412] OTIS, John M. Danger in the Camp. p. 387. Minha tradução. [413] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough. pp. 15-23. [414] SHEPHERD, Norman. The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evangelism. p. 80. Minha tradução. [415] Ibid. p. 81. Minha tradução. [416] Ibid. p. 83. Minha tradução. [417] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 99. Minha tradução. [418] SHEPHERD, Norman. The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evangelism. pp. 86-87. Minha tradução. [419] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 101. Minha tradução. [420] Apud CLARK, R. Scott. “Not ‘As If’ But Actually”. Disponível em: . ly/>. Acesso em: 14 outubro 2015. Minha tradução. [421] WILSON, Douglas. “The Objectivity of Covenant”. In: Credenda/Agenda. Vol. 15. Nº 1. pp. 4-5; WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. pp. 61-121; BARACH, John. “Covenant and Election”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. pp. 149-156; BARACH, John. “Covenant and Election”. In: WILKINS, WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. pp. 15-44; WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism, and Salvation”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal
Vision. pp. 254-269; WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism, and Salvation”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. pp. 47-69. [422] BARACH, John. “Covenant and Election”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. pp. 30-31. Minha tradução. [423] Ibid. pp. 31-32. Minha tradução. [424] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 112. Minha tradução. [425] BARACH, John. “Covenant and Election”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 32. Minha tradução. [426] SHEPHERD, Norman. The Call of Grace: How the Covenant Illuminates Salvation and Evangelism. p. 90. Minha tradução. [427] FRAME, John M. Systematic Theology: An Introduction to Christian Belief. p. 1019. Minha tradução. [428] Ibid. Minha tradução. [429] WILSON, Douglas. Westminster Systematics: Comments and Notes on the Westminster Confession. p. 182. Minha tradução. [430] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 72. Minha tradução. [431] BANNERMAN, James. A Igreja de Cristo: Um Tratado sobre a Natureza, Poderes, Ordenanças, Disciplina e Governo da Igreja Cristã. Recife, PE: Os Puritanos, 2014. p. 50. [432] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 72. Minha tradução. [433] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 122. Minha tradução. [434] ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 1009. [435] Ibid. p. 1010. Ênfase acrescentada. [436] Ibid. p. 1011. [437] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 127. Minha tradução. [438] Ibid. Minha tradução. [439] Publicada no Brasil com o título A Busca da Plena Segurança, pela editora Os Puritanos.
[440] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 127. Minha tradução. [441] BEEKE, Joel R. A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e seus Sucessores. São Paulo: Os Puritanos, 2003. p. 19. [442] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 128. Minha tradução. [443] Ibid. Minha tradução. [444] Ibid. p. 129. Minha tradução. [445] Ibid. Minha tradução. [446] Ibid. [447] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. pp. 131-132. Minha tradução. [448] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 146. Minha tradução. [449] WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism, and Salvation”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 262. Minha tradução. [450] Ibid. p. 261. Minha tradução. [451] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 65. Minha tradução. [452] Ibid. p. 162. Minha tradução. [453] Ibid. Minha tradução. [454] As outras duas passagens são 1Coríntios 10.1-14 e Romanos 11.17ss. [455] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 149. Minha tradução. [456] WILSON, Douglas. “Reformed” Is Not Enough: Recovering the Objectivity of the Covenant. p. 135. Minha tradução. [457] Ibid. p. 134. Minha tradução. [458] Ibid. p. 135. Ênfase acrescentada. Minha tradução. [459] WILSON, Douglas. “Visible and Invisible Church Revisited”, apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 150. Minha tradução. [460] LUSK, Rich. “New Life and Apostasy: Hebrews 6:4-8 as Test Case”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane. The Federal Vision. p. 271. Minha tradução. [461] Ibid. p. 272. Minha tradução.
[462] Ibid. Minha tradução. [463] Ibid. p. 273. Minha tradução. [464] Ibid. p. 274. Minha tradução. [465] Ibid. p. 275. Minha tradução. [466] Ibid. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [467] Ibid. p. 276. Minha tradução. [468] Ibid. p. 280. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [469] Ibid. p. 282. Minha tradução. [470] Ibid. Minha tradução. [471] Apud WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. pp. 155-156. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [472] MARIANO, Wellington. O que É Teologia Arminiana? São Paulo: Reflexão, 2015. p. 58. [473] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 157. Minha tradução. [474] Rich Lusk diz: “Assim, como isso pode ser reconciliado com o TULIP? Nós satisfazemos os requerimentos doutrinários do Calvinismo por insistirmos que todos aqueles que Deus elegeu para a salvação eterna receberão o dom da perseverança e não apostatarão”. Cf. LUSK, Rich. “New Life and Apostasy: Hebrews 6:4-8 as Test Case”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane (Eds.). The Federal Vision. p. 274. Minha tradução. [475] WILKINS, Steve. “Covenant, Baptism, and Salvation”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 265. Minha tradução. [476] Ibid. p. 264. Minha tradução. [477] CARSON, D. A. O Comentário de João. São Paulo: Shedd Publicações, 2007. p. 515. Ênfase acrescentada. Carson está aludindo às seguintes passagens: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia” (6.37-39); “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (10.28). [478] Ibid. Ênfase acrescentada.
[479] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 688. [480] Ibid. p. 689. Ênfase acrescentada. [481] CALVINO, João. Evangelho Segundo João. Vol. 2. p. 119. [482] Uma das críticas mais comumente feitas pelos proponentes da Visão Federal é que a teologia reformada dá muita ênfase à teologia sistemática em detrimento da teologia bíblica. De acordo com os visionistas federais, é necessário inverter o polo, de modo que a teologia bíblica controle todo o sistema interpretativo. Rich Lusk, por exemplo, afirma: “A Bíblia não é um ‘sistema’ da verdade revelada da qual conclusões podem ser deduzidas. Antes, é um livro pastoral/litúrgico/pactual. pastoral/litúrgico/pactual. É uma obra literária, cheia de poesia e histórias. Ela é o registro da narrativa (e profecia) dos grandes atos de Deus da criação à consumação. A Bíblia não foi f oi dada como combustível para a usina sistemática. Ela foi destinada para funcionar, primeiro e antes de tudo, na comunidade da fé, não em contextos acadêmicos ou filosóficos”. Cf. LUSK, Rich. “New Life and Apostasy: Hebrews 6:4-8 as Test Case”. In: WILKINS, Steve e GARNER, Duane. The Federal Vision. p. 271. Minha tradução. [483] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. p. 387. Minha tradução. [484] VOS, Geerhardus. The Teaching of the Epistle to the Hebrews. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1956. p. 28. Minha tradução. [485] Ibid. [486] OWEN, John. Exposition of Hebrews: Chapters 6:1-7:28. Vol. 5. Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 1991. p. 70. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [487] Ibid. p. 71. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [488] BEZERRIL. Moisés. “A Queda dos Iluminados de Hebreus 6.4-6”. p. 16. Disponível em: . s_Bezerril.pdf>. Acesso em: 20 novembro 2015. [489] MATHEWSON, D. “Reading Heb 6:4-6 in Light of the Old Testament”, In: Westminster Theological Theological Journal. Ed. 61. 1999. p. 214. Minha tradução. [490] Ibid. p. 216. Minha tradução. [491] Ibid. p. 217. Minha tradução. [492] Ibid. p. 223. Minha tradução.
[493] GUTHRIE. George H. “Hebrews”. In: BEALE, G. K. e CARSON, D. A. (Eds.). Commentary on the New Testament Use of the Old Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic/Apollos, 2007. p. 962. Minha tradução. [494] Ibid. Minha tradução. [495] HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 981. [496] POOLE, Matthew. A Commentary on the Whole Bible: Matthew – Revelation. Vol. 3. Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 2003. p. 737. Minha tradução. [497] CALVIN, John. Commentary on Hebrews. Grand Rapids, MI: Christian Classics Ethereal Library, 2000. Disponível em: . p. 94. Minha tradução. Acesso em: 25 agosto 2011. [498] OTIS, John M. Danger in the Camp: An Analysis and Refutation of the Heresies of the Federal Vision. p. 387. Minha tradução. [499] Ibid. p. 388. Minha tradução. [500] A Confissão de Fé de Westminster. XVII.1. p. 135. Ênfase acrescentada. [501] O Catecismo Maior de Westminster. p. 86. [502] HODGE, A. A. Confissão de Fé Westminster Comentada por A. A. Hodge. São Paulo: Os Puritanos, 2010. p. 318. [503] DIXHOORN, Chad Van. Confessing the Faith: A Reader’s Guide to the Westminster Confession of Faith. p. 218. Minha tradução. [504] BEEKE, Joel R. e JONES, Mark. A Puritan Theology: Doctrine for Life. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2012. p. 602. Minha tradução. Ênfase dos autores. [505] A Confissão de Fé de Westminster. XVII.3. p. 137. Ênfase acrescentada. [506] Ibid. XVIII.4. p. 145. Ênfase acrescentada. [507] BEEKE. Joel R. e JONES, Mark. A Puritan Theology: Doctrine for Life. p. 602. Minha tradução. [508] WATSON, Thomas. A Fé Cristã: Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 326. [509] Ibid. p. 321. [510] “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem
mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pedro 1.3-5). [511] WATSON, Thomas. A Fé Cristã: Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster. p. 320. Ênfase acrescentada. [512] Apud BEEKE, Joel R. e JONES, Mark. A Puritan Theology: Doctrine for Life. p. 602. Minha tradução. [513] Ibid. p. 604. Minha tradução. [514] Ibid. Minha tradução. [515] OWEN, John. “The Doctrine of Saints’ Perseverance Explained and Confirmed”. In: Works of John Owen. Vol. 11. Edinburgh, UK: The Banner of Truth Trust, 2006. p. 89. Minha tradução. [516] Ibid. p. 90. Minha tradução. Ênfase acrescentada [517] BEEKE, Joel R. e JONES, Mark. A Puritan Theology: Doctrine for Life. p. 604. Minha tradução. [518] A Confissão de Fé de Westminster. XVII.2. p. 135. Ênfase acrescentada. [519] DIXHOORN, Chad Van. Confessing the Faith: A Reader’s Guide to the Westminster Confession of Faith. pp. 220-221. Minha tradução. [520] REYMOND, Robert L. A New Systematic Theology of the Christian Faith. 2.ed. Nashville, TN: Thomas Nelson, 1998. p. 782. Minha tradução. [521] Ibid. Minha tradução. Ênfase acrescentada. [522] Ibid. Minha tradução.
CONCLUSÃO
A
pós a exposição dos principais pontos teológicos da Visão Federal (Auburn Avenue Theology) é possível chegar a uma conclusão acerca da sua natureza e de como ela deve ser enxergada pelo presbiterianismo confessional, especificamente pelo presbiterianismo brasileiro, mesmo este ainda não tendo de se defrontar com os desafios impostos por este movimento ainda restrito ao presbiterianismo norte-americano. Pela investigação empreendida neste trabalho é possível afirmar com segurança que a Visão Federal não se configura simplesmente como um movimento. É bem verdade que é desta forma que os seus proponentes gostam de falar. No entanto, ela apresenta elementos numerosos o suficiente para ser identificada, acima de tudo, como um sistema teológico completamente distinto da teologia reformada que aqui necessitou ser qualificada como “clássica”, em virtude das constantes reivindicações da Visão Federal, no sentido de ser reconhecida como teologia legitimamente reformada. Guy Waters possui o mesmo entendimento, muito embora conceda que ela também apresente traços de um simples movimento. Todavia, o que torna justificado classificá-la, primeiro e antes de tudo, como um sistema teológico é que “muitas doutrinas (argumentadas por diferentes homens em diferentes ocasiões) são peças interligadas”. [523]
Isso pôde ser percebido claramente à medida que algumas das principais doutrinas redefinidas pela Visão Federal foram analisadas. É nítido também que a doutrina do Pacto também funciona como a “estrutura arquitetônica” de todo seu o sistema teológico. Primeiro, o modo como a doutrina do Pacto foi redefinida em vários dos seus detalhes – como a negação da sua natureza legal, a negação do Pacto das Obras, a negação da imputação da obediência ativa de Cristo – exerceu influência determinante na maneira como a doutrina da justificação pela fé somente foi formulada. De igual modo, as doutrinas da obetividade pactual e da justificação final através da fidelidade pactual são o fundamento da negação da distinção ente igreja visível e invisível, bem como das doutrinas da eleição pactual e da apostasia como uma possibilidade real para os verdadeiros crentes. Ao mesmo tempo ficou evidente a inconsistência do sistema teológico da Visão Federal, uma vez ela, ao tratar do papel dos sacramentos, especialmente o sacramento do batismo, se utiliza de uma linguagem que lembra eficácia sacramental romanista, mas, ao mesmo tempo, nega que a recepção dos sacramentos seja suficiente para assegurar a salvação do indivíduo. A conclusão alcançada também é a de que “é impossível reconciliar um número de afirmações da Visão Federal com a teologia reformada como sumarizada nos Padrões de Westminster”. [524] É bem verdade que, em muitas ocasiões, os seus proponentes têm refinado e qualificado muitas das suas afirmações num esforço para se enquadrarem dentro dos limites da ortodoxia confessional. Ainda assim, em seu fulcro, a Visão Federal permanece fora dos limites confessionais. Positivamente, o que pode ser afirmado em relação à Visão Federal, é que ela traz consigo algumas preocupações pertinentes em rela-
ção ao modo como os presbiterianos têm tratado a sua herança teológico-confessional. Por exemplo, o presbiterianismo moderno tem sido influenciado pelo evangelicalismo ao superestimar a subjetividade da experiência cristã e o individualismo. A Visão Federal se propõe, então, a recuperar a objetividade da fé cristã. E. Calvin Beisner afirma que, “uma das motivações centrais dos visionistas federais é dar o conforto e a segurança necessários a cristãos atormentados por temores desnecessários acerca da sua salvação”. [525] Além disso, a ênfase colocada sobre o sacramento do batismo contrasta com a maneira banal como este sacramento é tratado em muitos arraiais presbiterianos, sendo nada mais que um ritual vazio e destituído de significado. Em muitas igrejas presbiterianas locais os membros esposam uma postura mais batista em relação à situação dos seus filhos, postura esta evidenciada na massificada prática de “apresentar” os filhos à igreja local. É ustamente contra este tipo de prática que a Visão Federal reage. O grande problema com a reação proposta é que, nos dizeres de Joseph A. Pipa: “Entretanto, nós acreditamos que ao abordar essas preocupações ela tem exagerado na reação. Na verdade, o remédio oferecido é pior que a doença. Parece-nos que ela oscilou para muito longe na direção oposta ao tentar discutir os problemas”.[526] Isto posto, é a convicção do autor do presente trabalho de que a teologia reformada clássica, a legítima Teologia Federal, conquanto exposição fiel das Sagradas Escrituras, é o remédio apropriado para os problemas apontados pelos proponentes da Visão Federal. O presbiterianismo brasileiro necessita se ater aos seus Símbolos de Fé. Fidelidade aos Padrões de Westminster é essencial para que os membros das igrejas presbiterianas brasileiras não concluam que devem fazer uso da proposta doutrinária da Visão Federal.
[523] WATERS, Guy Prentiss. The Federal Vision and Covenant Theology. p. 299. Minha tradução. [524] Ibid. Minha tradução. [525] BEISNER, E. Calvin. “Concluding Comments on the Federal Vision”. In: BEISNER, E. Calvin (Ed.). The Auburn Avenue Theology Pros & Cons: Debating the Federal Vision. p. 307. Minha tradução. [526] PIPA, Joseph A. “Federal Vision Theology: An Overview of Critics’ Concerns”. In: Ibid. p. 10. Minha tradução.
R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S
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