UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO – FAAC DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – DPTO CSO
A representação da cultura brasileira através do filme Caramuru: A Invenção do Brasil
Lilian Figueiredo RA: 931098 Juliana Baptista RA: 931241 Disciplina: Cultura Brasileira Docente: Prof. Dr, Luiz Fernando da Silva 4º ano Jornalismo Noturno
BAURU 2012
Lilian Figueiredo RA: 931098 Juliana Baptista RA: 931241
A representação da cultura brasileira através do filme Caramuru: A Invenção do Brasil
Introdução: Definir os termos “cultura” e “identidade”, segundo os vários estudiosos,
é algo muito complexo tendo visto que tais conceitos são polissêmicos. Segundo o Dicionário Aurélio, a cultura pode ser definida como um complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas e intelectuais transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade. Ou seja, é o conjunto formado pela linguagem, crenças, hábitos, pensamentos e arte de um povo. Mas mesmo sem poder atribuir uma única definição a estes termos, existe um consenso entre todos os teóricos, o de que a cultura está frequentemente associada à identidade. Pode-se então falar de “identidade cultural”, que Denys Cuche explica em sua obra A Noção de
Cultura em Ciências Sociais: cultura pode existir sem a consciência de identidade, ao passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar uma cultura que não terá então quase nada em comum com o que ela era anteriormente. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes. A identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas. ” (CUCHE, 1999, p.176) ”A
Já Stuart Hall afirma que a identidade do sujeito pós-moderno se constitui de uma "celebração móvel", que está em constante transformação, dependendo das formas que somos representados nos meios culturais e sociais que nos rodeiam. Desse modo a identidade brasileira se transformou muito desde o início da colonização portuguesa até os dias atuais, e ainda está se modificando. A identidade cultural está atrelada à questão que envolve a identidade social, que explica que ao mesmo tempo em que podemos identificar um grupo (separando os indivíduos semelhantes sob um ponto de vista), estamos também o distinguindo dos demais (membros que são diferentes segundo o mesmo ponto de vista). Assim, a identidade cultural seria uma modalidade de categorização baseada na diferença cultural. Durante os séculos de colonização, o território brasileiro foi palco de uma fusão primordial entre as culturas dos indígenas, dos europeus, especialmente portugueses, e
dos escravos trazidos da África. Foi nesse período que se deu o início da formação cultural brasileira que, mais tarde, também recebeu influências da imigração de europeus não portugueses e povos de outras culturas, como árabes e asiáticos. Países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos também exportaram seus hábitos e produtos para o Brasil, formando assim uma sociedade altamente miscigenada. Enquanto os portugueses, no início do século XIX, viam o Brasil como uma extensão de Portugal, nos século XX, Gilberto Freyre descrevia o país como a terra da democracia racial. E atualmente, por mais que pareça que houve a superação de todos os preconceitos, e visões conservadoras herdadas da colonização portuguesa, existem muitos debates e conflitos acerca deste tema. Uma das influências mais marcantes no Brasil é a cultura indígena.
A
contribuição dos povos indígenas à formação da nação brasileira vai além de palavras presentes no vocabulário, objetos, técnicas e costumes. A constituição do Brasil como um país multicultural se deve, sobretudo, à presença de centenas de grupos indígenas que habitam seu território e, ainda hoje, são parte constitutiva e atuante da sociedade brasileira. A diversidade cultural e linguística dos povos indígenas influenciaria os modos de ser da população mestiça que, a partir da mistura de diferentes matrizes, caracterizaria a população brasileira atual. Só que mesmo tendo uma participação importante em nossa formação cultural, as influências culturais indígenas sofrem com estereótipos que perduram desde a fundação do país como nação. Um dos estereótipos aplicados aos indígenas consiste na ideia do bom selvagem, muito presente na literatura romântica do século XIX, e que se baseia na filosofia de Rousseau de que a princípio todos os homens seriam bons no estado de natureza. Essa ideia nos leva a pressupor que os indígenas estariam nesse estado de pré-cultura, o que não é verdade, visto que as sociedades indígenas possuem cultura, civilização e são tão complexas quanto a sociedade nacional. Tais estereótipos sempre foram reafirmados pela indústria cultural brasileira. Desde a literatura romântica em sua primeira fase indianista em meados de 1820 em que os poetas retratavam os índios como heróis puros e ingênuos. A televisão também produziu inúmeras séries, minisséries e novelas nas quais o índio aparece completamente estereotipado e nada condizente com a realidade. O cinema nacional também contribuiu para o fortalecimento dessa imagem do índio, principalmente com a adaptação de O Guarani de José de Alencar por diversos cineastas em momentos históricos distintos. A questão indígena ainda permanece marginalizada por uma cultura
dominante que enxerga os índios apenas pelo exotismo. Além do sangue e do imaginário, a herança indígena e sua continuidade na cena brasileira seduziu nossos cineastas desde os primórdios do cinema. Estudos culturais alertam para o fato de que toda versão histórica e posicionamento de sujeitos se dá dentro de uma rede de interesses, regidos por determinados regimes de verdade. Tais estudos nos estimulam a pensar a constituição das identidades, de sujeitos e culturas indígenas arquitetadas sob o regime discursivo da Modernidade, mais especificamente falando, sob efeito das práticas colonialistas, empreendidas largamente por europeus e seus descendentes a partir do século XVI. A imagem que se tem dos índios atualmente é produto de estratégias discursivas alicerçadas na visão eurocêntrica de mundo. 1. A Cultura Nacional Stuart Hall trata das identidades culturais nacionais e como elas podem estar sendo afetadas ou deslocadas pelo processo de globalização. O autor destaca que as nações são como comunidades imaginadas e que as identidades nacionais não nascem com nós, mas são formadas e transformadas no interior da representação. Na desconstrução das ideias de cultura nacional como identidade unificadora, o autor coloca que as nações modernas não são formadas por apenas uma categoria biológica, genética ou cultural e sim são verdadeiros "híbridos culturais". Diz ainda, que as culturas nacionais, na verdade, "são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo unificadas apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural”.
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso um modo de construir sentidos que influencia e organiza t anto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação", sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional. (HALL, 1992, p.59)
Com todas as produções culturais, foi se construindo uma imagem em torno do brasileiro. Muitas vezes, essa imagem aparece carregada de estereótipos, que podem ser observados tanto em retratos do Brasil por olhares estrangeiros, quanto em propagandas, filmes e novelas veiculadas no próprio país. Assim, percebe-se que a identidade cultural brasileira, como a identidade cultural de qualquer nação na medida em que foi se constituindo e influenciando a forma como enxergamos a nós mesmos. 1. O filme Caramuru: a Invenção do Brasil
1.1. Ficha técnica Diretor: Guel Arraes, Jorge Furtado Roteiro: Guel Arraes, Jorge Furtado Elenco principal: Deborah Secco, Camila Pitanga, Selton Mello, Luis Mello,
Tonico Pereira, Pedro Paulo Rangel, Diogo Vilela, Debora Bloch Produção: Anna Barroso Fotografia: Félix Monti Trilha Sonora: Lenine Duração: 85 min. Ano: 2000 País: Brasil Gênero: Comédia Cor: Colorido Distribuidora: Não definida Estúdio: TV Globo Classificação: 12 anos
1.2. Sinopse comentada Separados por 7.000 Km, o português Diogo Álvares (Selton Mello) e a índia Paraguaçu (Camila Pitanga) olham para o mesmo céu no início do século XVI. Assim começa a história Caramuru: A Invenção do Brasil, roteirizada por Guel Arraes e Jorge Furtado em 2000 quando o país marcava os 500 anos do descobrimento. Como lendas se fazem contando histórias pode-se dizer que o romance de Diogo e Paraguaçu é uma delas. Narrado pelo cinema nacional, o longa metragem parece fazer uma releitura da própria História brasileira misturando ficção e pesquisa, dramatização e humor. Pois bem, eis a lenda:
Vasco de Ataíde (Luis Mello) é um nome português que consta entre os navegantes da expedição de Pedro Álvares Cabral rumo à Índia. Mostrado nas primeiras cenas do filme, o personagem se apresenta como comandante de uma feitoria na África, traficante de escravos e Cavaleiro da Casa Real. Ele vai ao encontro do pintor Diogo Álvares devido ao retrato de sua noiva, Condessa de Sintra, acusando-o de que os traços da mulher não eram tão belos na realidade quanto nas pinceladas. Vasco ameaça Diogo e o proíbe de continuar pintando. Com medo de pintar as próprias obras, Diogo procura trabalho na Cartografia Real que fazia os desenhos dos mapas utilizados nas navegações. Assim, Dom Jaime (Pedro Paulo Rangel), cartógrafo do rei, pede ao pintor que faça ilustrações nos mapas da rota de Pedro Álvares Cabr al a fim de tornar o mapa “mais vistoso”. Em outro momento e local, Vasco de Ataíde encontra a marquesa francesa Isabelle (Débora Bloch) e conta que quer evitar ao máximo o compromisso que assumiu com a Condessa de Sintra. Para isso diz que irá participar da expedição às Índias, porém não comandando as naus como queria, mas sim sob as ordens de Cabral. A verdadeira intenção do cavaleiro com a dama é tramar um plano para copiar os mapas da navegação e fazer as descobertas antes de Cabral. É dada importância aos detalhes dessas primeiras cenas, pois fazem parte da construção de mais uma lenda a respeito dos motivos que trouxeram a frota portuguesa ao litoral brasileiro. Alguns dizem que Portugal já tinha conhecimento das terras, outros, que erraram a rota por acidente. Então, nessa produção haveria uma nova hipótese: de que os mapas teriam sido alterados por ilustrações imaginadas de um pintor ousado e roubado pelo por outro comandante português. Através de representações como essa ao logo de todo são feitas suposições a respeito do surgimento do Brasil. O questionamento está na veracidade dessas informações, pois tudo se torna um mesclado de História e ficção que pode ou não ser reconhecido e diferenciado pelo público. No entanto, considerando os conceitos de Stuart Hall essas representações são capazes de transmitir, mesmo que destorcidas, ideias de identidade cultural. Plano combinado, Isabelle vai ao encontro de Diogo Álvares. Ela elogia a incrível pintura da Condessa de Sintra e se oferece para posar nua. No entanto, a dama provoca tal empolgação no pintor que o convence a retratá-la nua sob os mares, sob o desenho do mapa da expedição de Cabral às Índias. Diogo resiste em primeiro momento, mas acaba cedendo e fazendo a pintura nos mapas originais. O plano de
Isabelle foi enviar uma carta para Dom Jaime denunciando que Diogo pegaria os mapas. Enquanto o cartógrafo bateu a porta e acusou o pintor, a marquesa desaparece com suas roupas e com as rotas da navegação que marcou a história do Brasil e de Portugal. Dom Jaime entrega o pintor ao Rei e Diogo é condenado à extradição em um dos navios que irá para a África nas próximas expedições. O desfecho do plano de fez com que Vasco se tornasse o comandante da nau dos extraditados e, assim, enviou com Diogo o mapa original das rotas. Outro aspecto interessante é a análise dos estereótipos. Entre as três concepções de identidade explicadas por Hall, a construção dos personagens do filme pode ser vista através do conceito de identidade do sujeito sociológico. Nesse sentido o teórico explica que há uma projeção da ideia de
nós próprios nas identidades
“
”
culturais. Dessa forma, o conjunto de valores e significados alinham sentimentos subjetivos a lugares objetivos e relacionam o sujeito a uma realidade social e cultural. O estereótipo de um personagem torna-se uma boa forma de representação, pois estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tonando
“
ambos reciprocamente mais unificados e previsíveis (Hall, 1992, p.12) ”
Navios ao mar, Diogo Álvares entre os extraditados ainda acaba conhecendo Heitor (Diogo Vilela) que em poucos diálogos consegue contar ao pintor “um lado bom de ser extraditado ”. Heitor conhece muito bem as regras da navegação e convence Diogo a se vestir de mulher para tentar ser deixado no porto mais próximo. Por fim acaba sendo descoberto por Vasco de Ataíde e eles entram em conflito novamente. Quando o navio encontra uma tempestade no meio do oceano, Vasco chama Diogo que foi responsável por alterar o mapa com outras pinturas. Nessas alterações o navio acaba batendo em algo e naufraga. Diogo e Vasco sobrevivem dentro de um pedaço que restou do navio e acabam chegando ao litoral em terras desconhecidas. Na praia, Diogo e Vasco continuam brigando até que são encontrados pelos índios tupinambá com flechas e pontas afiadas. Os índios acabam acertando e prendendo uma mão de Vasco em uma árvore e o pintor consegue fugir. Correndo para longe, Diogo
cai desacordado e só desperta quando os olhos curiosos de uma índia morena, colorida de urucum, chamada Paraguaçu o observa. Um terço do filme já se passou e somente nesse ponto a trama chega ao Brasil. Até esse momento o roteiro se preocupou em caracterizar os personagens e o contexto de Portugal. Então, é válido considerar também as escolhas narrativas e discursivas pensando na influência disso sobre a ideia geral do filme. O intuito é consolidar uma primeira identidade dos portugueses antes da chegada ao Brasil. Desse momento em diante a transformação que irá acontecer no estereótipo dos personagens também será construída a partir da narração e da linguagem. Essa mudança permite pode ser associada ao conceito de Stuart Hall quanto ao sujeito cuja identidade é algo suscetível às mudanças. Uma frase da narração logo ao início do filme essa ideia: Ela é uma “
princesa, mas será tomada como selvagem. Ele, um degredado, mas vai se tornar Rei do Brasil (00:01:10) Mesmo que Diogo não seja um indivíduo pós-moderno, é possível ”
fazer a associação da construção de seu personagem com o termo que Hall criou séculos mais tarde. Partindo disso, em praticamente todo o resto do filme Diogo vai confrontar seus costumes (sua cultura) e vai se modificando com a vivência indígena. O diálogo entre o pintor português e a índia se faz de perguntas e respostas, há um estranhamento da língua e todas as outras diferenças que se resolvem quando chegam ao consenso universal da relação física. E é assim que Diogo e Paraguaçu se entendem em um primeiro momento. Paraguaçu leva Diogo para a aldeia onde ele fica deslumbrado como o modo de vida dos índios e pinta vários retratos. Nessa nova vivência um dia Diogo é abordado por Moema (Deborah Secco), irmã de Paraguaçu. Como a irmã e por se tratar de um hábito comum entre os índios, ela também quer ter intimidades com Diogo. O português, mesmo com vontade de aceitar as propostas da “cunhada em primeiro grau”, fica relembrando as regras e costumes da cultura portuguesa e considera errado estar com as duas índias irmãs. Até o momento em que Paraguaçu mostra para Diogo que a relação entre os três não teria nenhum problema na aldeia, era algo normal entre os índios. Essa cena é uma das marcas do filme: o momento em que o português quebra seus limites culturais e experimenta relações a cultura nativa. A partir de então, Paraguaçu, Diogo e Moema vivem suas relações na aldeia até o dia em que o chefe da tribo, Itaparica, pai das índias, decide que o português já está
pronto o suficiente para ser comido. Os índios tupinambá consideram que Diogo foi um homem forte, sobrevivendo ao mar e vivendo por tanto tempo com as duas índias na tribo, então decidem devorá-lo para que possam também consumir essa força que acreditam haver em Diogo. Com a data marcada para ser morto, e sem ser defendido pelas índias que concordam com as tradições dos índios, Diogo foge e é perseguido pela tribo. Quando encontra o revolver deixado por Vasco de Ataíde na praia ele dá um tiro para o alto e os índios o declaram: Caramuru, que significa deus ou rei do Trovão. Esse pode ser visto como outro ponto divisor do filme, quando o pintor português é aceito pelos índios e passa a ser chamado Caramuru. Nessa cena e nas seguintes há uma evidente releitura da colonização que articula a dramatização e a linguagem de humor para reconstruir a imagem entre colonizadores e nativos. Ações como essa é que se tornam questionáveis enquanto reprodução histórica, pois são representações superficiais, contornadas por erros que muitas vezes passam despercebidos pelo público. Talvez o maior exemplo de todo o filme seja o fato de que o os primeiros acordos de exploração seriam entre Caramuru e o Rei da França. Com esse momento as relações entre os índios e os europeus irão começar a se estreitar. No início da história, depois que Vasco e Diogo chegam à praia, as naus portuguesas também são mostradas se aproximando do litoral. Após Vasco ter sido atingido pelas flechas tupinambás ele desaparece e só retorna nesse ponto do filme, agora a mando do rei francês e com um gancho no lugar da mão direita. Vasco retorna e encontra Diogo como um líder dos tupinambás. Tramando mais uma vez, interessado por explorar os recursos como o pau-brasil e o ouro, o comandante resolve convencer Caramuru a fazer negócios entre os índios e o rei da França. Em troca, Diogo iria a França encontrar e casar-se com Isabelle. Nesse momento do filme, a utilização da linguagem para transmitir concepções a respeito da formação da identidade cultural nacional brasileira é tão evidente que vale a pena destacar o diálogo entre Caramuru e Itaparica, o chefe da aldeia aos 41 minutos: Diogo: Tenho um projeto para aumentar a glória dos I tapari ca: Massacrar os inimigos dormindo é?
Tupinambás...
Diogo:
Não... o comércio! Venderemos comida para os brancos que chegarem nos
navios... I tapari ca: E nós vai morrer de fome? É ruim... Diogo: Passaremos a colher e caçar mais... I tapari ca: Isso dá muito trabalho Diogo: Trocaremos por muitas mercadorias.... I tapari ca: Eu preciso de mais pra quê? Diogo: Põe-se a juntar e em breve está rico! I tapari ca: De que me serve? Diogo: Rico num precisa trabalhar! I tapari ca: E rico faz o quê? Diogo: Nada! Fica parado, deitado na rede! I tapari ca: Mas na rede eu vivo faz tempo, é bom...
Após esse diálogo Caramuru declara que sente falta da comodidade de sua “
terra e então decide que quer retornar. ”
Acertados os negócios, Caramuru decide ir à França para casar-se com Isabelle, mas cria um problema: o que fazer com Paraguaçu e Moema? Ele tenta fazê-las entender que as regras e costumes franceses não permitem uma relação como a deles, e que lá só poderá casar com uma mulher, mas elas não o entendem. Mais uma vez, Diogo tenta sair escondido, mas Paraguaçu e Moema se jogam no mar e tentam nadar até o navio que leva o português. Somente Paraguaçu consegue e chega com Caramuru em terras europeias. Já no outro continente a índia estranha tudo a sua volta e Diogo explica e apresenta a ela a realidade das terras de onde veio; quais as regras e costumes de se vestir e do que fazer. Quanto ao casamento com Isabelle, Caramuru explica que ele e Paraguaçu poderiam continuar juntos, mas a índia em segredo como uma amante, e diz que ela poderia participar do casamento sendo madrinha. Paraguaçu entende a lógica dos costumes e das posições explicadas pelo português e fica pensando na melhor forma de continuar com Caramuru. Isabelle se aproxima de Paraguaçu e a índia conta à marquesa que no Brasil existe muito ouro. A índia consegue convencer a francesa de que indo ao Brasil poderia ter todo o ouro com uma condição: Paraguaçu se casaria com Caramuru na França e Isabelle seria sua amante no Brasil. A marquesa aceita e ensina à índia os costumes para o casamento. Nesse dia que deveria significar um grande negócio entre a Marquesa da
França e o Senhor dos Tupinambás, o padre acaba declarando Diogo Álvares e Catarina do Brasil marido e mulher. Já de partida para o além mar, Vasco aparece com a guarda real e leva Isabelle presa por descumprir os acordos com o Rei da França. Caramuru e Paraguaçu retornam ao Brasil e ainda levam todos os pertences de Isabelle. Chegando ao Brasil, o pintor português e as índias Paraguaçu e Moema estão juntos novamente. Os negócios com a Europa continuam através da intermediação de Diogo que fica consagrado como Caramuru: rei do Trovão e Senhor dos Tupinambás. Encerrando o filme o narrador conta que, através de Diogo, os negócios cresceram e a chegada dos europeus levou ao que se tornaria a Bahia. Para o final romântico, após Caramuru ensinar Paraguaçu a escrever durante a estadia na França, a índia faz um livro contando toda a história desse início do Brasil no qual ela e seu português continuarão juntos para sempre. Muitos outros pontos podem ser apontados durante a narrativa comprovando que a construção do filme Caramuru: A Invenção do Brasil se faz através da utilização dos conceitos de identidade cultural, identidade nacional e cultura nacional. Os fatos históricos reais que embasam a trama se misturam as concepções atuais que os próprios brasileiros têm do país, o que parece uma tentativa de consolidar essa identidade. De maneira geral, pode-se dizer que produções midiáticas como essa acabam por difundir uma imagem do Brasil e é nesse sentido que Stuart Hall fala sobre a interferência da globalização na formação das identidades. O sujeito pós-moderno está cada vez mais exposto às diferentes representações de identidade (verdadeiras ou falsas) e isso o mantém em constante mudanças e, até mesmo, fragmentação. 2. Contextualização do filme e propósitos conceituais
Inventar o Brasil em seu aniversário de 500 anos através dos índios, portugueses, praias e caravelas foi a forma como os roteiristas Guel Arraes e Jorge Furtado decidiram homenagear a nação. O filme Caramuru que conta a trama de um personagem durante o descobrimento do país faz o recorte de um momento histórico e traduz conceitos da concepção de cultura nacional a partir da escolha de um tema e para um fim.
Entre tantos momentos que poderiam simbolizar a História brasileira, optar pelo descobrimento é utilizar as margens das diversas versões sobre as navegações portuguesas que não conheciam determinada rota e, a partir disso, dar vazão as possibilidades da imaginação. A Invenção do Brasil, nesse caso, começou primeiramente na definição dos personagens, por exemplo. Por que retratar Vasco de Ataíde ao invés de Cabral ou Caminha? Segundo Stuart Hall, a narrativa desse momento histórico se justifica pelo fato de ser um mito fundacional capaz de ligar as memórias do espectador brasileiro às cenas, independentemente da forma como serão retratadas. Hall escreve que “eles (os mitos) fornecem uma narrativa através da qual uma história alternativa ou uma contranarrativa, que precede às rupturas da colonização, pode ser construída ” (1992, p. 55) Além do tema, a produção possuía um fim específico: o ano de 2000 que relembra um marco em relação à data considerada origem do Brasil. Havia uma grande questão a mostrada: após cinco séculos, como pode ter começado tudo o que é o brasileiro hoje? A definição desse objetivo comemorativo certamente influenciou a produção do longa metragem, tanto que o gênero escolhido foi o humor. Através do riso foi possível representar até mesmo concepções polêmicas de uma maneira sutil. Por exemplo: os conflitos entre europeus e índios são marcados historicamente pela guerra e violência. No filme, tudo isso se traduz em diálogos bem humorados cheios de significações. Caramuru foi colocado em uma posição de intermediação entre Brasil e Europa para manter as relações amigáveis. Afinal, a produção precisava ser um presente ao Brasil. Mas até que ponto inventar uma história ficcional é útil para se lembrar a história verdadeira? Como toda obra que envolve a reprodução de fatos históricos, misturar ficção, realidade e humor causou polêmica. Mesmo assim, a combinação desses três elementos foi uma opção que os roteiristas Guel Arraes e Jorge Furtado confirmaram em diversas entrevistas na época do lançamento, justificando tudo pelo fato de que a história dos personagens principais se tratava de uma lenda: “Uma comédia romântica histórica narrada em tom de fábula. Embora o encontro de Caramuru e Paraguaçu se baseie em fatos reais, trabalhamos as referências da História com muita liberdade. ” (Guel Arraes)
Conclusões:
Considerando os conceitos de cultura nacional, identidade cultural e a representação presente no filme, há uma contraposição entre a forma atual de se olhar para o Brasil e conceitos já definidos desde 1755 por Rousseau. O mito de que o selvagem era bom porque não estava inserido em uma sociedade para corrompê-lo é mostrado através da convivência dos tupinambá com a chegada dos portugueses e franceses. Após o contato com os europeus, o índio agregou a essa imagem de ingenuidade, traços do que podemos chamar hoje de um estereótipo de brasileiro malandro. Tal ideia surgiu na primeira metade do século XX, muitos anos depois do mito enunciado por Rousseau. São teorias sobre um mesmo personagem histórico, mas que possuem uma diferença considerável de tempo. Trazidas para a realidade brasileira, as ideias que surgiram em momentos históricos tão distintos conseguem ser entendidas de uma forma complementar. Produções audiovisuais como o filme Caramuru: A Invenção do Brasil tendem a adaptar conceitos complexos como o de identidade cultural para uma linguagem que amarra fatos históricos utilizando a ficção, por isso muitas vezes transparece uma ideia de superficialidade, velada pela justificativa de ser uma lenda. A construção da narrativa do filme, o estereótipo dos personagens, a escolha pelo gênero de humor entre outros fatores que causam a identificação do espectador com a trama, faz com que assimilem uma ideia de identidade nacional reforçada por toda a História que ao longo dos 500 anos do Brasil. Retratar fatos históricos que representam a imagem do Brasil através da mídia é de extrema importância, pois consegue atingir um grande número de pessoas. Porém, as produções culturais que deveriam utilizar a arte para causar reflexões filosóficas, em grande parte, reproduzem a identidade cultural brasileira de forma superficial quase que ignorando sua diversidade. Em plenos anos 2000, pode-se propor que o filme Caramuru reuniu várias concepções sobre o Brasil sem a preocupação de dar a devida profundidade histórica. Contudo, assim como a crítica do cinema nacional reconheceu na época de seu lançamento, inventar o Brasil no tênue limite entre história, ficção e mercado acabou não tendo resultados, nem quanto ao público, nem quanto à função instrutiva.
Referências: CUCHE, D. A noção de cultura em ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999 p.175-202 ECO, H. Cultura de massa e “níveis” de cultura in Apocalípticos e Integrados . São Paulo: Perspectiva, 1976 p 33-57 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 MORIN, E. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990 Links de apoio: Entrevista: Caramuru: A Invenção do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2012. Filme completo online: Caramuru: A Invenção do Brasil. Disponível em:< http://www.youtube.com/watch?v=h0R5Af2BBiU > Acesso em: 05 nov. 2012.