A Proj Projeção eção Int Interna ernacion cional al do Brasil: 1930-2012
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A Pro Proje jeçã ção o Int Intern ernac acio iona nall do Brasil: 1930-2012 Paulo Fagundes Visentini
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CDD: 327 CDU: 327“1930/2012” 039440
Dedicatória
Aos meus ex-alunos, hoje diplomatas, e a outros veteranos, que não vou nomear, por acreditarem no Brasil e na transformação do mundo e, quando obrigados a silenciar, não perdem a razão.
O Autor
Paulo Fagundes Visentini, Professor Titular de Relações Internacionais e Coordenador de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS. Pesquisador do NERINT/UFRGS e do CNPq. Professor Visitante nas Universidades de São Paulo/ USP e de Leiden/Holanda e Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics. (
[email protected] (
[email protected]))
Introdução
A cultura política brasileira construiu a imagem do “gigante adormecido” e do “país do futuro”, que convivia convivia com uma condição dependente e periférica no sistema mundial, uma economia atrasada e um complexo de inferioridade diante das “nações desenvolvidas”, que serviam de modelo. O país agrícola de dimensões continentais durante a Colônia, o Império e a República Velha Velha do Café, transferiu seu vetor externo da Europa para os Estados Unidos, mas manteve uma acanhada diplomacia de âmbito regional. A industrialização, contudo, mudou, gradativamente, gra dativamente, a agenda internacional do país e o alcance de sua política externa. Entre avanços concretos e projetos frustrados, finalmente na passagem do século XX ao XXI, o Brasil parece ter alcançado a posição de “potência emergente”, com uma economia em expansão e uma projeção mundial reconhecida pelas potências tradicionais. A formação social e nacional brasileira teve sua origem na expansão europeia dos séculos XV-XVI, XV-XVI, através da “descoberta” e colonização portuguesas. Durante quase quatro séculos a inserção internacional da região processou-se através das potências europeias, inicialmente por meio do mercantilismo português e, posteriormente, via liberalismo inglês. Na passagem do século XIX para o XX, contudo, o eixo da diplomacia política e econômica do Brasil voltou-s voltou-see para os Estados Unidos, limitando-se predominantemente ao âmbito do hemisfério. Tal Tal situação alterou-se a partir pa rtir da Grande Depressão, com uma industrialização que gerava atritos crescentes com os Estados Unidos. Desde o início dos anos 1960, na esteira do desenvolvimento industrial, a política exterior brasileira voltou-se para a busca de novos espaços, através da mundialização e da multilateralização. Sob os efeitos da “globalização”, no final do século XX o país passou a valorizar o espaço regional latino-americano, através a través do Mercosul, mas sem renunciar às relações com alguns dos espaços planetários anteriormente atingidos. atingidos. Finalmente, no século XXI, a projeção internacional do Brasil alcançou uma dimensão realmente planetária, com uma economia internacionalizada, uma política propositiva e proativa, e uma presença diplomática que se encontra na fase de abertura de Embaixadas nos distantes países-arquipélago do Oceano Pacífico. Membro do BRICS, do G-20 e do IBAS IBAS,, país pivô do Mercosul e da Unasul, bem como candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e uma economia que atingiu a oitava posição mundial, o Brasil não para de nos surpreender. Como tal avanço foi conseguido ao longo do tempo, se é que é real? Ele se encontra embasado em um desempenho econômico sólido, ou se trata de retórica política sem conteúdo material? Essa posição econômica e diplomática é sustentável, considerando-se as desigualdades sociais e nossa precária infraestrutura e insuficiente desenvolvimento desenvolvimento tecnológico? O livro busca, através de uma exposição ix
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histórica, responder essas questões, ressaltando os avanços obtidos e as fragilidades da projeção internacional do Brasil.
Uma teorização e periodização da política exterior do Brasil A políti envolve aspectos amplos dentro dentr o do conjunto das Relações Relaç ões Inter política ca exterior exterior envolve nacionais. Ela enfoca a orientação governamental de determinado Estado a propósito de determinados governos e/ou Estados, ou ainda regiões, situações e estruturas, em conjunturas específicas. A interação, conflitiva ou cooperativa, das políticas externas deve ser considerada como parte de um sistema mundial, constituindo então em seu conjunto a política internacional. Na análise da política externa, emergem duas questões de fundamental importância: em primeiro lugar, quem a formula, e, em segundo, de que forma ela se articula com a política interna. Quanto ao primeiro aspecto, qualquer estudo empírico mais aprofundado demonstra que os rumos e as decisões da política externa não são definidos pelo conjunto do bloco social de poder que dá suporte a um governo, mas por alguns setores hegemônicos desse bloco. É preciso considerar que, graças à porosidade do Estado moderno, lobbies e grupos de interesse conseguem influir em determinadas áreas da política externa. Durante a fase colonial, o Brasil encontrava-se integrado ao mercantilismo português. Com o advento do processo de emancipação, nossa dependência assimétrica transferiu-se para a órbita do livre comércio hegemonizado pela Inglaterra. Paralelamente, acentuou-se outra dimensão das relações internacionais do Brasil: a dos problemas regionais vinculados à construção do espaço geopolítico e nacional brasileiro, também enfocada como “a questão das fronteiras”. Nesse contexto, a rivalidade com a Argentina fazia parte de uma relação simétrica, herdada dos antagonismos coloniais, a qual caracterizou-se como um campo de relativa autonomia para o exercício de nossa diplomacia. A dupla problemática da subordinação unilateral ao capitalismo mediterrânico e norte-atlântico e da construção do espaço nacional constituiu a primeira fase das nossas relações exteriores, a qual se estendeu por quatro séculos. Durante o século XIX, esse processo configurou-se como uma unilateralidade sob hegemonia inglesa, segundo conceito de Werneck Werneck da Silva. Já ao longo das últimas décadas dé cadas desse século, afirma-se a firma-se gradativamente a influência norte-americana, prenunciando o advento de uma nova fase. A unilateralidade durante a hegemonia norte-americana representará um novo período das relações internacionais do Brasil. Nela, será concluído o traçado das fronteiras, o país voltar-se-á para um processo de inserção hemisférica e terá início uma vinculação mais estreita da política externa com o desenvolvimento desenvolvimento econômico. A gestão Rio Branco (1902-1912) representou um momento paradigmático dessa fase, pois concluiu a demarcação das fronteiras contestadas e estruturou a chamada aliança não escrita (segundo a clássica expressão de Bradford Burns) com os Estados Unidos da América. Coube a Vargas Vargas e aos governos populistas dos anos 1950, por sua vez, a vinculação estratégica da política exterior às necessidades do processo de desenvolvimento econômico, fenômeno que Amado Cervo denominou de política externa para o desenvolviment desenvolvimentoo.
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Durante todo esse período, que se estende até o fim da década de 1950, as relações exteriores do Brasil voltaram-se prioritariamente para os Estados Unidos, em busca do status de aliado privilegiado . À medida, entretanto, que essa relação se mostrava insuficiente como apoio ao desenv desenvolvimento olvimento industrial, incrementado desde os anos 1930, a política externa brasileira viu-se na contingência de alterar o seu perfil. A auVargas explorou tonomia na dependência (conceito formulado por Gerson Moura), que Vargas às vésperas da Segunda Guerra Mundial, e o nacionalismo dos governos populistas dos anos 1950, representaram uma estratégia de barganha frente a Washington. Washington. Essa barganha visava visava redefinir os laços de dependência face aos Estados Unidos, de forma a obter apoio a poio ao desenvolvimento industrial brasileiro. A falta de uma resposta positiva por parte dos Estados Unidos convenceu lideranças brasileiras da época da necessidade de ampliar os vínculos internacionais do Brasil. Fazia-se necessário atuar em um plano mundial, escapando à dependência hemisférica face aos Estados Unidos, não obstante isso permitisse ampliar a própria barganha com esse país. Embora esse processo começasse a emergir desde o segundo governo Vargas, foi com a Política Externa Independente de Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964, que ela se configurou de forma explícita em nossa agenda diplomática. Inicia-se então o terceiro grande período das relações exteriores brasileiras, multilateralidade de na fase da crise de hegemonia no sistema mundial , que o da multilateralida se estende até a atualidade. Aprofundou-se a vinculação da política exterior com a estratégia de desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que se diversificavam os nossos parceiros internacionais. Apesar da manutenção de um eixo vertical Norte-Sul , em particular as relações com os Estados Unidos, a diplomacia brasileira passou a atuar também em um eixo horizontal Sul–Sul e em um eixo diagonal Sul-Leste (relações com o Terceiro Mundo e com os países socialistas, respectivamente). Isso tornou-se possível tanto pelas necessidades do desenvolvimento brasileiro quanto pelo advento de um sistema mundial de hegemonias em crescente desgaste. Embora os três anos iniciais do regime militar tenham sido caracterizados por um retrocesso ao alinhamento automático com os Estados Unidos e o refluxo a uma diplomacia de âmbito hemisférico, e a década de 1964-1974 fosse marcada pelas “Fronteiras Ideológicas”, a multilateralidade das relações exteriores e a busca do “interesse nacional do desenvolvimento” desenvolvimento” continuaram a aprofundar-se. Os novos interesses internos então configurados, bem como as alterações do cenário internacional após o primeiro choque petrolífero, permitiram ao governo Geisel ampliar esse processo, através do “Pragmatismo Responsável e Ecumênico”. Nem mesmo o fim do regime militar em 1985 interrompeu essa estratégia diplomática, que prosseguiu até 1990. O Brasil praticava, então, uma política exterior com o perfil de uma potência média, e de abrangência planetária. As vigorosas alterações do cenário mundial, na passagem dos anos 1980 aos 1990, e a implantação de um modelo inspirado no neoliberalismo com o governo Collor, entretanto, configuram uma crise no processo de multilateralização, que ainda não foi superada. Nesse contexto, emerge a discussão acadêmica e política da inserção do Brasil na Nova (Des)Ordem Mundial pós-Guerra
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Fria. Trata-se de um novo desafio para a política externa brasileira, que os governos recentes enfrentaram através de uma diplomacia “ativa, afirmativa e propositiva” de grande impacto, colocando o país em uma posição que surpreendeu a muitos analistas experientes. Um ponto a destacar é que o Brasil possui um dos melhores serviços diplomáticos do mundo e que, apesar de algumas oscilações promovidas por determinados presidentes, a nação apresenta uma política externa com fortes traços de continuidade, mais de Estado do que de governo, portanto. Outra questão é que a diplomacia brasileira, desde que consolidou o território do país e na ausência de novas ameaças externas na área política tica exte externa rna de segurança, converteu-se, com o advento da industrialização, em uma polí para o desenvolvimento. Ou seja, uma ferramenta estratégica para obter recursos e mercados externos de modo a apoiar o desenv desenvolvimento olvimento industrial, sua continuidade e autonomia.
A dimensão histórica: a diplomacia do Brasi Brasill agrário-exportador A fase da colonização portuguesa e a hegemonia inglesa (1494-1889/1902)
No tocante à diplomacia brasileira, é necessário balizar um marco fundamental da política externa: seu caráter estrutural e organicamente dependente, ainda a inda que logrando relativa autonomia conjuntural e regional. Segundo José Luiz Werneck da Silva, “a nossa própria história geral é, por hipótese, um capítulo da totalidade da história do capitalismo ocidental, norte-atlântico-mediterrâneo, em gradativa construção e reconstrução, na qual a formação brasileira se colocou, historicamente, em uma posição subordinada que cumpre sempre reavaliar e superar. Isso se reflete, evidentemente, nas relações internacionais.” (SILVA, 1990, p.25). A primeira fase da política externa brasileira brasil eira abarca desde o Tratado de Tordesilhas Tordesilhas até o início da gestão do Chanceler Barão de Rio Branco, no início do século XX. Como se pode ver, a existência legal do Brasil (1494) antecede sua existência real (1500). Esse longo período caracteriza-se pela problemática dominante da definição do espaço territorial um verdadeiro imperialismo geográfico luso-brasileiro (espécie de “destino manifesto”) e pela dependência primeiramente em relação ao mercantilismo português e, posteriormente, ao capitalismo industrial inglês em expansão, de viés liberal-concorrencial. Além dos vínculos com a Europa, a América Portuguesa também manteve relações expressivas com a África, onde eram apresados os escravos plantations ns. Assim, a História Econômica elaborou que constituíam a mão de obra das plantatio ela borou o conceito de triângulo comercial atlântico. De outra parte, durante a fase colonial, os conflitos europeus repercutiam diretamente no Brasil, especialmente no tocante às guerras platinas. O ciclo do ouro estabeleceu no Brasil do século XVIII os fundamentos de uma divisão da produção entre as diversas regiões, articulando-as entre si e acentuando o conflito de interesses com a metrópole. A crise do antigo sistema colonial, por seu turno, enfraquecia o mercantilismo português, subordinando-se cada vez mais ao capitalismo inglês. Esse fenômeno intensificou-se na passagem do século XVIII ao XIX, com a Revolução Francesa.
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As guerras napoleônicas representaram o apogeu do confronto entre dois modelos (e dois estágios) de capitalismo, o inglês e o francês, na disputa pela hegemonia mundial. Enquanto a França afirmava-se na Europa, através do Bloqueio Continental, a Inglaterra consolidava o seu domínio sobre os mares e sobre o mundo colonial, isto é, sobre o mercado global. Nesse quadro, ocorreu a invasão de Portugal por Napoleão, e a vinda da Corte e da administração lusitanas para o Rio de Janeiro, sob a proteção da armada britânica em 1808. A metrópole internaliza internalizava-se va-se no Brasil, enquanto os portos eram abertos ao livre comércio inglês. Com o fim da guerra na Europa e a restauração conservadora do Congresso de Viena, a situação altera-se. A constelação de Estados conservadores, da qual Portugal fazia parte, apostava em um movimento recolonizador. Mas a dinastia dos Bragança encontrava-se no Brasil, na América em processo de emancipação, e a Inglaterra e os Estados Unidos opunham-se a qualquer forma de reação colonialista, além de apoiar o movimento de independência das possessões ibéricas. O dilema bragantino logo teve de ser resolvido. A Revolução Constitucionalista do Porto de 1820 obrigou D. João VI a retornar a Portugal. A conjuntura contraditória entre o reacionarismo na Europa, por um lado, e a revolução revol ução e o livre comércio na América Latina, por outro, levaram os Bragança a uma solução ousada: dividir os domínios da família em dois, o Brasil de um lado do Atlântico e o Império Português de outro (1822). O acordo entre os dois ramos da dinastia foi avalizado pela Inglaterra (através do Tratado Luso Brasileiro de 1825), em troca de um acordo de livre comércio (renovação do de 1810) e o compromisso brasileiro de extinguir o tráfico negreiro. Assim, o Primeiro Reinado manteve a diplomacia bragantina e uma acentuada continuidade com a etapa anterior. É importante destacar que o Brasil, por sua estrutura monárquica e escravista, procurava capitalizar um papel de Europa nos Trópicos , antagonizando-se com as Repúblicas formadas na Hispano-Améri Hispano-América. ca. O Prata, onde prosseguiam as rivalidades entre Brasil e Argentina, bem como as intromissões da Inglaterra e da França, representou a principal área de atrito entre o Império e os demais países do continente. É nesse espaço que o Brasil defenderá seus interesses com relativa autonomia. Com a renúncia de D. Pedro I e a instalação da Regência em 1831, iniciam-se inicia m-se lutas em torno da hegemonia política e econômica entre as diversas regiões do país. Isso implicou em um refluxo da política externa, enquanto as questões internas adquiriam primazia. No Prata, o Brasil adotava uma atitude de neutralidade paciente . Apesar da momentânea aparente perda de importância da diplomacia, é justamente nessa etapa que se configura uma política externa propriamente brasileira, ainda que marcada por uma herança bragantina. O Conselho de Estado constituiu, então, o primeiro núcleo formulador da diplomacia nacional. A década de 1840 foi marcada pela implantação do Segundo Reinado e pela consolidação política, econômica e diplomática do novo Estado. A partir daí abre-se abre- se uma fase de reações contra as pressões inglesas pela renovação do acordo de livre comércio. Em 1844 são implantadas as Tarifas Tarifas Alves Branco, de caráter protecionista, provocando a reação de Londres através do Bill Aberdeen, o qual visava impedir o tráfico de escravos. Dessa forma, a extinção do sistema dos tratados permitiu a criação
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de condições para a articulação de um projeto de política externa, apesar da persistência de uma relação de dependência assimétrica com a Inglaterra. Com a década de 1850 inicia-se o apogeu da formação social representada pela monarquia, o que se refletiu na política externa. externa . Os desacordos com a Inglaterra atingem o paroxismo com a questão questã o Christie e a ruptura das relações diplodiplo máticas entre o Rio de Janeiro e Londres, de 1863 a 1865. Obviamente, isso não significou a ruptura das relações comerciais e financeiras, as quais permaneceram intensas. Outra dimensão fortalecida nessa época foi a política de força em relação ao Prata. Os interesses diplomáticos, econômicos e políticos levaram o Brasil a desencadear uma série de intervenções na região: Uruguai, 1851; Argentina, Argentina, 1852; Uruguai, 185556; e, finalmente, Uruguai, 1864, que já se vincula ao desencadeamento da Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai Para guai (1865-70). O objetivo do Sistema do Império no Prata consistia na defesa dos interesses econômicos, livre navegação, naveg ação, apoio aos colorados no Uruguai, mas, sobretudo, visava obstaculizar obstaculizar a construção de uma Argentina forte, capaz de rivalizar com o Brasil. Esse último princípio também foi aplicado ao Paraguai de Solano Lopez. Após a guerra do Paraguai, de onde o Brasil retira-se em 1876, altera-se profundamente a situação nacional, regional e mundial. Com a transição do escravismo ao trabalho assalariado, entre outros fatores, a monarquia entra em contínuo declínio, o que traz consequências negativas para a política externa. No plano regional, a Argentina Argentina emerge fortalecida: em plena expansão econômica, logo ultrapassando o Brasil em dinamismo. Por outro lado, com a expansão das ferrovias brasileiras ao curso médio dos rios Uruguai, Paraguai e Paraná, a Bacia do Prata perde o interesse estratégico para a diplomacia do país. A arrancada argentina, por sua vez, vincula-se também à rearticulação r earticulação da economia mundial, com o desencadeamento da Segunda Revolução Industrial. Graças a ela, processava-se uma reorientação profunda nas relações entre o centro e a periferia do sistema mundial. A Argentina levava vantagens nesse processo, recebendo capitais, imigrantes e novas tecnologias, para adequar a estrutura produtiva do país às novas necessidades da Europa industrial. Nesse contexto, apesar de evol evoluir uir mais lentamente, o Brasil via valorizarem-se outros produtos e regiões, bem como configurarem-se novos parceiros externos. A economia primário-exportadora, orientada ao crescimento para fora, precisava modernizar-se e atender novas demandas. A cafeicultura, progressivamente processada por trabalhadores assalariados, bem como a borracha explorada na Amazônia destinavam-se destinavam -se cada vez mais aos mercados dos emergentes Estados Unidos da América. Reflexo dessa aproximação foi, inicialmente, o convite do Presidente Grant para que D. Pedro II abrisse a Centennial Exposition em 1876 na Filadélfia, e, posteriormente, a insistência norte-americana para que o Brasil apoiasse a criação de um Zolverein nas Américas (União Aduaneira Americana, Americana, 1886). Outra questão que marcou a política exterior brasileira na fase de transição da Monarquia à República, apesar do relativ relativoo retraimento diplomático, foi o esforço por continuar defendendo as fronteiras contestadas, processo que só se encerra com a gestão Rio Branco, já no início do século XX.
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Após 1876, envolvido com seus problemas internos, o Brasil conheceu um refluxo em sua política externa. Igualmente, a proclamação da República em 1889 faz com que a ênfase da ação governamental esteja voltada aos aspectos internos. Apesar disso, em função também da ascensão da Argentina nesse período, a diplomacia brasileira começa a voltar voltar-se -se para os Estados Unidos da América, que, por seu turno, está projetando sua economia para fora, especialmente em direção à América Latina. Apesar das transformações que se operaram ao longo do século XIX, afirmavam-se alguns elementos estruturais da política externa brasileira. O primeiro consiste na condição dependente de “país novo e atrasado”, graças à subordinação de uma economia primário-exportadora aos centros internacionais (na época, a Inglaterra hegemônica). Nesse plano, configurava-se uma relação político-econômica assimétrica, pois o Brasil se encontrava em posição de flagrante inferioridade. Entretanto, em um segundo plano, o país conseguia desenvolver uma diplomacia relativamente autônoma, na forma de uma relação simétrica de poder , representado então pela política no Prata. É preciso considerar, também, que em certas conjunturas o Brasil desafiava, ainda que de forma parcial, certos aspectos da hegemoni hegemoniaa inglesa. A defesa de determinados interesses socioeconômicos socioeconômicos da elite brasileira fazia a diplomacia nacional buscar certa margem de manobra, perfilando-se igualmente aqui uma relativa autonomia. Mas também é necessário observar que essa mesma elite sofria de uma espécie de “síndrome do escravismo”. Para a manutenção da hierarquia social no país, esse grupo não hesitava em subordinar-se a interesses estrangeiros, e strangeiros, assumindo conscientemente a posição de sócio menor. Nesse sentido, o potencial diplomático do país resultará, então, bastante inferior ao volume de sua população, recursos econômicos, naturais e territoriais. Sempre haverá um “perigo interno” a ser priorizado. Esse elemento persistirá, mesmo após a abolição. Finalmente, é importante salientar outro elemento duradouro da política internacional do Brasil. Trata-se da tendência em posicionar-se como rival dos Estados hispano-americanos. A política hegemonista em relação aos vizinhos, a ambição à posição de liderança regional, o temor a determinadas configurações sociais reformistas do Republicanismo e do jacobinismo hispano-americanos, e a oposição às tendências integradoras do panamericanismo de orientação bolivarista fizeram muitas vezes o Brasil associar-se às grandes potências contra os países latino-americanos. Assim, o Brasil será considerado, e considerará a si próprio, como um “país diferente” do restante da América Latina.
A fase da hegemonia norte-americana (1889/1902-1930) (1889/1902-1930) A segunda fase da política exterior brasileira abrange desde a gestão Rio Branco (1902-1912) até o fim do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), e tem como temática principal as relações hemisféricas. A inserção brasileira no sistema interamericano nessa fase caracteriza-se por uma “aliança não escrita” com os Estados Unidos, país em relação ao qual nossa economia passou a depender prioritariamente. Durante esse período, variaram as formas dessa “aliança”: “de acordo, sempre que possível”,
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“nobre emulação”, “parceiros prediletos” ou “satélites privilegiados“. Entretanto, não se duvidava que todas essas nuances inseriram-se em uma mesma perspectiva, a de que a “aliança” com Washington Washington constituía a espinha dorsal da política exterior brasileira. Durante a primeira metade do século XX, como foi ressaltado, a diplomacia brasileira teve como tendência predominante a inserção no contexto hemisférico, no qual o eixo principal era a relação com os Estados Unidos. Não se tratava apenas da dependência face a esse país, mas do fato de o Brasil centrar sua política externa no estreitamento das relações com Washington, dentro da perspectiva da “aliança não escrita”, concebida durante a gestão Rio Branco. A dependência, enquanto tal, prosseguiu depois dessa fase, mas a tônica não era mais essencialmente a busca de uma aproximação privilegiada com os Estados Unidos. Neste período, houve momentos de busca de uma relativa “autonomia na dependência”, ou de barganha para a defesa de certos interesses brasileiros, como durante a gestão Rio Branco e o primeiro governo Vargas. A gestão Rio Branco (1902-1912) foi marcante, uma vez que nela foram demarcadas vantajosamente as fronteiras amazônicas. Durante o auge do ciclo da Borracha, o conflito do Acre evidenciou a determinação e a continuidade da política exterior brasileira. Além disso, Rio Branco desenvolveu desenvolveu uma política de defesa dos interesses nacionais, em uma época de dificuldades devidas ao reordenamento mundial. A aliança com os Estados Unidos, a par da subordinação evidente, assinalava a busca de uma estratégia de barganha, com vistas ao fortalecimento da posição internacional do Brasil. O restante da República Velha Velha (1912-1930) e o mandato do Presidente Dutra caracterizam-se, em oposição, oposiçã o, por uma dependência relativamente passiva passiva frente aos Estados Unidos. Após a morte de Rio Branco, e sobretudo com a Primeira Guerra Mundial, os interesses norte-americanos afirmaram-se de forma assimétrica. Nos anos 1920, o desgaste da República cafeeira fez com que a diplomaci diplomaciaa brasileira refluísse. A crise de 1929 acabou desarticulando ainda mais a capacidade do país em formular uma política externa mais positiva, dando início à terceira fase da política externa brasileira, período que se inicia com a Política Externa Independente e vem até nossos dias. As caraterísticas básicas do período são a multilateralização das relações exteriores e os componentes ideológicos nacionalistas, em que o alinhamento automático em relação aos Estados Unidos passa a ser questionado. Ainda Ainda que a dependência face ao Norte industrializado persista, persista, o aprofundamento do caráter multinacional do capitalismo permite a introdução de elementos novos. Conforme Werneck da Silva: Até este terceiro momento mo mento o eixo e ixo NorteNorte-Sul Sul dominav dominavaa as a s diretrizes d iretrizes que formulavam a nossa política externa, configurando-se uma dependência tão forte e exclusiva ao mundo norte-atlântico nas relações internacionais, que elas ficaram marcadas pelo traço da unilateralidade. Nesse terceiro momento, extremamente polêmico e diversificado nas nuanças conjunturais, começamos a praticar pratic ar,, no possível possível,, a multilateralidade. Vislumbra-se Vislumbra-se a primeira prime ira oportunidade
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de horizontalizar (eixo Sul-Sul) ou de diagonalizar (eixo Sul-Leste) nossa política externa, mas isso sem negar totalmente a verticalização (eixo Norte-Sul). Com a horizontalização passaríamos a valorizar mais as nossas relações com a América Latina e a África. (...) Ora, Ora, para que ocorra este repo reposicioname sicionamento nto nos sistemas interamericano e mundial, é preciso discutir a liderança dos EUA.
(SILV (SIL VA, 1990, 1 990, p.31.)
Capítulo 1
A Era Era Vargas: o nasc nascim iment ento o de um projeto nacional O objetivo deste capítulo é analisar o processo que envolve a emergência de um projeto nacional para o Brasil a partir da Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. São apresentados os fenômenos internos e externos que levam a esta Revolução, como a crise da República Velha e a Grande Depressão de 1929. Estuda-se também a evolução do governo de Vargas e o contexto doméstico e global enfrentado pela nova presidência. Em 1.1, “O Brasil diante da Grande Depressão (1930 a 1937)” examinam-se os primeiros ajustes da nova agenda brasileira baseada na industrialização para o desenvolvimento. Em 1.2, “Estado Novo: autoritarismo, modernização, autonomia e guerra (1937-1945)”, avalia-se a evolução deste projeto no âmbito da Segunda Guerra Mundial e de que forma as relações internacionais do Brasil são afetadas por estas realidades, destacando os mecanismos de barganha entre os Estados Unidos e a Alemanha e os resultados e contradições da aproximação com os norte-americanos durante e ao fim do conflito global.
1.1 O BRASIL DIANTE DA GRANDE DEPRESSÃO (1930-1937) A Grande Depressão e a Revolução de 1930 Durante a vigência da República Velha (1889-1930), a elite cafeicultora não desenvolveu uma diplomacia relevante e sequer possuía um projeto nacional. A aliança não escrita com os Estados Unidos (conceito de Bradford Burns) restringiu a política externa ao âmbito hemisférico e procurou proc urou garantir mercados para o café. caf é. Mas, no final dos anos 1920, a situação do setor externo da economia era crítica, devido à queda de preços do produto. Mesmo antes de outubro de 1929, o Brasil se encaminhava para uma crise econômica. Com os efeitos da quebra da bolsa de Nova Iorque, o país foi atingido com intensidade, pois o tradicional superávit brasileiro em seu comércio com os Estados Unidos permitia ao governo a contratação de créditos para fazer face ao déficit orçamentário (a crise viria a reduzir drasticamente os fluxos comercial e financeiro mundiais). O PIB brasileiro em 1930 recuou 18,7% e em 1931, mais 11,75%. A queda vertiginosa das ações da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 foi o ponto de partida de uma grande crise econômica mundial, a qual se transformaria, ao longo da década de 1930, em uma Grande Depressão do mundo capitalista. Esta, por sua vez, geraria uma situação diplomática que desembocaria em conflitos localizados, 1
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A Projeção Internacional do Brasil:1930-2012 – Paulo Vi Visentini sentini
os quais viriam a desencadear a Segunda Guerra Mundial. A euforia consumista e especulativa que caracterizou o capitalismo norte-americano dos anos 1920 deu lugar a uma recessão sem precedentes. A falência dos bancos articulou-se à quebra de empresas industriais e à bancarrota da agricultura, enquanto as demissões atingiam cifras astronômicas. A Grande Depressão viria a afetar os próprios fundamentos do capitalismo em escala global, golpeando intensamente os países mais fortemente integrados ao mercado mundial, como era o caso do Brasil. O país, tanto pelo esgotamento do seu modelo interno de monocultura e seus respectivos vínculos externos, como pelas graves alterações ocasionadas pela crise nas relações internacionais, internaci onais, seria estimulado a impulsionar o seu desenv desenvolvimento olvimento econômico por novos caminhos, bem como a redefinir o papel da sua política exterior nas novas circunstâncias. circunstânc ias. E essa será a tarefa do grupo liderado lider ado pelo governador gaúcho Getúlio Vargas, Vargas, que chega ao poder em 1930. Nos Estados Unidos, as políticas liberais dos Republicanos, como os métodos deflacionistas e a aposta na ação do mercado como vetor de superação do colapso financeiro, não fizeram senão ampliar as dimensões da crise, que atingiu o auge em 1932-33. Esta crise foi amainada parcialmente nos primeiros anos da administração Democrata de Franklin Delano Roosevelt, para voltar a acentuar-se em 1937. A supressão de créditos americanos, a queda das exportações europeias à América América Latina, e desta aos mercados centrais, a violenta depreciação dos preços dos produtos agrícolas e das matérias-primas, bem como a escassa liquidez de capital fizeram a crise generalizarse pelo conjunto da economia internacional. Entre 1931 e 1936, todos os países abandonaram o padrão ouro, enquanto universalizava-se o protecionismo alfandegário. Como foi dito, a crise atingiu os países capitalistas em intensidade proporcional à sua integração no mercado mundial. O protecionismo comercial decorrente da Grande Depressão aprofundou a diferenciação das potências capitalistas em dois grupos: o primeiro deles, graças aos recursos de seus impérios coloniais (Grã-Bretanha (Grã-Breta nha e França) ou aos do hinterland do do próprio território metropolitano (Estados Unidos), manteve razoavelmente seu funcionamento em meio à crescente autarquia; o segundo, sem dispor dos mesmos meios, foi mais duramente atingido pela crise (Alemanha, Itália e Japão). A depressão econômica e a agitação social decorrentes decor rentes favoreceram a ascensão e a radicalização de regimes autoritários e militaristas nesses últimos, nos quais existiam também fracas tradições liberais. A esse nível de contradições internacionais somou-se outro, de caráter social. Enquanto os desempregados, as maiores vítimas da recessão, se decepcionavam dece pcionavam com a situação vigente no capitalismo liberal e se generalizavam os conflitos sociopolíticos, a União Soviética se desenvolvia economicamente, ascendendo à condição condiçã o de potência industrial e superando o desemprego nos anos 1930. Desse modo, na percepção das forças conservadoras formava-se o espectro de uma convulsão social mundial, que se somava às disputas entre potências capitalistas. O retraimento do comércio mundial atingiu com particular intensidade os países exportadores de produtos da chamada “agricultura de sobremesa”, como o café. A América Latina, na esteira esteir a do refluxo do setor exportador, mergulhou em uma recessão sem precedentes. Em muitos países se processou um retrocesso rumo à agricultura de subsistência. Outros, todavia, possuíam já uma suficiente complexidade interna e bases
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materiais e sociais para buscar outra via de desenvolvimento. O Brasil, por exemplo, já iniciara, ainda que sem uma política governamental explícita, a industrialização substitutiva de importações na República Repúblic a Velha Velha e, já antes de 1929, o modelo mode lo agroexportador dava mostras de esgotamento, coexistindo com uma incipiente alternativa urbano-industrial. As consequências da crise de 1929 sobre a economia apenas vieram a aprofundar eventos já em curso. Como parte desse processo de transição, articulam-se em uma frente eleitoral dissidências oligárquicas e setores médios urbanos contra Júlio Prestes, o candidato oficial do esquema “café com leite” à sucessão de Washington Washington Luís. Após a derrota da Aliança Liberal em março de 1930, movimento que dera suporte ao candidato gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, Vargas, em uma eleição marcada pela costumeira fraude, setores oposicionistas, como os tenentes, desencadearam em outubro, um movimento armado que conquistou o poder.. Os Estados Unidos chegaram a enviar ao litoral brasileiro o Cruzador Pensacola, poder em uma ação de embargo de armas aos revoltosos. A situação era de instabilidade na América Latina, pois no mês anterior o General Uriburu derrubara o governo argentino, implantando um regime autoritário. A Revolução de 1930 inaugurava uma nova fase da história brasileira e da política externa. Todavia, como episódio político, a Revolução Estatizada de 1930 não representou, inicialmente, uma ruptura profunda, mas as transformações estruturais ocorreriam ao longo do processo.
O Governo Provisório e a sua política externa emergencial O período 1930-1933 representa, superficialmente, certa continuidade em relação à política exterior da República Velha, Velha, pois nele o Governo Provisório teve de atender prioritariamente aos problemas conjunturais, dispondo ainda de pouca margem de manobra. Afrânio de Melo Franco foi nomeado Ministro das Relações Exteriores e promoveu uma reforma no Itamaraty para reforçar sua capacidade de negociação econômica. A suspensão do pagamento da dívida externa em 1931, com a abertura de negociações nas quais o Brasil procurava obter uma melhor posição de barganha, e a busca preferencial de acordos bilaterais (Cláusula de Nação Mais Favorecida) Favorecida) no campo comercial, em lugar do livre-cambismo, representavam alguns dos signos de mudança. Contudo, outras atitudes apontavam para uma continuidade em relação à Primeira República, tais como a desvalorização cambial e as garantias oferecidas pelo Governo Provisório de Vargas Vargas aos banqueiros internacionais de honrar os compromissos do país, entre outros. O Governo Provisório Provisório obteve o reconhecimento internacional em poucas semanas, apesar das boas relações dos Estados Unidos e dos países europeus com o Governo Washington Washington Luís. Em 1931 1 931 o governo promoveu a Conferência Conferê ncia Internacional Interna cional do Café em São Paulo para a defesa do produto. Todavia, Todavia, mesmo com a queima de estoques excedentes para manter o preço, entre 1931 e 1935, a renda cafeeira caiu 56%. Outro problema que afetou a política exterior dessa fase foi a Revolução Constitucionalistaa de 1932, na qual a oligarquia paulista solicitou o reconhecimento intitucionalist ternacional de estado de beligerância. Foi, em grande medida, graças à ação hábil e decisivaa do Chanceler Afrânio de Melo Franco que o Governo Provisório conseguiu decisiv solucionar a questão. Apesar da derrota militar, a elite cafeeira demonstrou seu poder
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e determinação, obrigando o governo a conv convocar ocar uma Assembleia Constituinte e iniciar a democratização que Vargas protelava. No mesmo ano, eclodiu a Guerra do Chaco, entre o Paraguai e a Bolívia, na qual o Brasil procurou manter a neutralidade e mediar o conflito. A Primeira República, uma vez consolidadas suas fronteiras, fronteir as, havia buscado definir e articular uma política exterior pautada pela inserção no espaço continental. Como lembra Gelson Fonseca Jr., o país libertara-se da tradicional dependência face à Europa, iniciando novos padrões de relações com os Estados Unidos (1989, p. 277). Uma vez superados os problemas de estabilização da República, a aliança não escrita de Rio Branco definiu uma estratégia de cooperação com Washington que permitia ao Brasil uma relativ relativaa margem de manobra. Entretanto, à medida que se consolidava a projeção internacional dos Estados Unidos e a penetração dos interesses desse país na economia brasileira, passou a predominar uma relação cada vez mais assimétrica, apesar das pretensões prete nsões de “aliado privilegiado” do “grande irmão ir mão do norte” na América Latina. Mas a Grande Depressão que se seguiu à crise de 1929 abalou essa crescente convergência, conv ergência, imprimindo-lhe novas dimensões. A Revolução de 1930 não constitui em si mesma um movimento de ruptura radical no plano social, mas foi parte integrante de um processo histórico de revolução burguesa. Segundo Pedro Dutra Fonseca, o episódio (1930) pode ser considerado como ponto culminante de um desfecho iniciado na década de 1920, que marcaria o fim da hegemonia da burguesia agroexportadora, contituindo-se em importante ponto de inflexão da Revolução burguesa brasileira. brasileira. A convergência entre o movimento político das forças internas contrárias ao situacionismo com a crise internacional não pode ser reduzida a mera disputa de oligarquia oligarquias, s, já que, sob nova correlação de forças políticas e econômicas, iniciava no Brasil novo tipo de desenvolvimento capitalista. (FONSECA, 1989, p.146).
Embora, sob muitos prismas, as diretrizes governamentais e a evolução política do período 1930-1945 aparentem uma falta de rumo definido por parte de Vargas, Vargas, na verdade o conjunto do processo histórico dessa fase aponta para certas tendências dominantes.. Entre elas, pode-se mencionar a crescente centralização política e dirigisdominantes mo econômico, a introdução de certas estruturas corporativas, a arrancada da industrialização substitutiva de importações e a maximização das vantagens possíveis a um país periférico em seu relacionamento com um cenário internacional dividido e em redefinição. Isso não quer dizer que o processo não tenha sido marcado por sinuosidades, retrocessos ocasionais e contradições, mas que estas não inv invalidam alidam a existência de um rumo estratégico. O acirramento dos conflitos sociais e sua expressão na emergência de formas políticas “radicais” “ radicais” permitiram ao regime aumentar o seu poder. A falta de hegemonia de uma classe, segmento ou agrupamento de classes propiciou, naquela conjuntura, uma autonomia do político , com a imagem de um Estado e um estadista com um poder de decisão acima ac ima da sociedade, sociedade , conforme análise anális e de Francisco Weffort. Weffort. Essa redefinição dizia respeito tanto à evolução do contexto doméstico como do internacional e, ainda, na interação dialética dessas duas instâncias. A queda das exportações
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brasileiras (em volume e em valor), juntamente com o refluxo geral do comércio e das finanças internacionais, bem como a generalização das políticas protecionistas levaram a economia brasileira a ingressar em um novo estágio da industrialização por substituição de importações. Paralelamente, Vargas Vargas fomentava o incremento da policultura para evitar a dependência acarretada pela monocultura, iniciava uma nova nova política com relação ao café, através da queima dos excedentes (de 1931 a 1944) e um processo de modernização da gestão da economia, com a criação de institutos, órgãos especializados em planejamento e execução das políticas econômicas. No tocante à industrialização substitutiva de importações, já iniciada na Primeira República, é necessário considerar o capitalismo mundial e a inserção do capitalismo brasileiro neste sistema, como formando um conjunto unitário e contraditório. Dessa forma, pode-se observar que as contradições da antiga divisão internacional do trabalho permitiram o início da industrialização na periferia, e o crescente domínio do capital financeiro sobre o capital industrial nos países centrais levava ao aprofundamento desse processo. Enquanto os setores ligados à industria britânica, prejudicados com o protecionismo e a substituição de importações do Brasil, reclamavam providências, os banqueiros da City viam o fenômeno com bons olhos, pois permitia a continuidade do pagamento da dívida externa e abria campo para novas inversões. A esse quadro pode-se agregar o aprofundamento da passagem da hegemonia financeira e mercantil inglesa à americana em relação à economia brasileira, fenômeno perturbado em meados dos anos 1930 pela competição político-comercial entre o Terceiro Reich e os Estados Unidos, no âmbito da América Latina. BRASIL: inversões estrangeiras, 1930 Nacionalidade Inglesa Norte-Americana Francesa Outras Nac. Europ Canadense Argentina Japonesa Total
Total em Dólares 1.396.310.805 505.001.000 200.000.000 300.000.000 100.000.000 50.000.000 25.000.000 2.628.311.805
% 53,1 21,2 7,6 11,4 3,8 1,9 1,0 100,0
* CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). São Paulo. DIFEL, 1976. p. 72.
É esse quadro que vai contribuir para as mudanças da política externa de Vargas. Vargas. Alguns autores argumentam que ela não apresentava grande definição ou criatividade. É bem verdade que algumas atitudes parecem apontar para uma mera continuidade con tinuidade em relação à Primeira República, como foi visto anteriormente. Sem embargo, é preciso considerar que o governo precisava manter a economia funcionando e garantir meios financeiros, especialmente em um momento de grave crise interna e externa. E as transformações trans formações se fariam gradativamente, apoiando-se a princípio nas bases previamente existentes, como lembra Marcelo de Paiv Paivaa Abreu (1984, p.18). Contudo, a política externa de Vargas, apesar dos limites apontados, introduzia uma nova concepção estratégica.
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Premida tanto por necessidades internas como pelas pressões de um meio internacional interna cional em crise e em rápida transformação, a política externa brasileira apresentará facetas diferenciadas.
Redemocratização, polarização e barganha diplomática A partir de 1933, com a ascensão de Hitler na Alemanha e de Roosevelt nos Estados Unidos, se inicia, formalmente, a competição entre essas duas potências pela formação de um novo sistema de poder internacional, com a destruição do Sistema de Versalhes. Versalhes. Por razões estratégicas, históricas, político-diplomáticas e econômicas, ec onômicas, o Brasil vai ser um dos pivôs dessa disputa, o que facilitou o redimensionamento da política externa de Vargas. No plano econômico, o sistema mundial concebido por Washington se baseava no livre comércio, apoiado pelo poderio econômico do país, enquanto a Alemanha lançava lançava mão de acordos bilaterais de intercâmbio, sem o uso de moedas conversíveis conversíveis (o sistema de marcos compensados). Embora complexa e multifacética, a riv rivalidade alidade Alemanha-EUA Alemanha-EUA com vista à inin fluência sobre o Brasil assumiu a forma, inicialmente, de uma competição comercial. Os excedentes de produtos primários brasileiros começaram a ser trocados em quantidades crescentes por bens industriais alemães, o que preocupou consideravelmente o governo americano, tanto por razões econômicas como político-estratégicas. O livre-cambismo, como princípio vital para Washington, Washington, era colocado em xeque. Além disso, o Brasil era um país chave na política americana para o continente, tanto no que tange à defesa externa como ao enquadramento dos países latino-americanos. Para o Brasil, uma nação primário-exportadora, essa competição comercial representava um elemento valioso e uma excelente oportunidade para dinamizar a sua política exterior. exterior. Por iniciativa americana, em 1935 foi assinado o tratado comercial Brasil-EUA, nos marcos do livre comércio. Entretanto, Vargas manteve o comércio compensado com a Alemanha. Embora este prejudicasse mais os interesses ingleses que americanos, WashWashington buscou obstaculizar o acordo que se delineava entre Berlim e o Rio de Janeiro. O Brasil era um país estratégico, pois o nordeste constituía a melhor porta de entrada para uma eventual invasão invasão alemã ao continente, além de possibilitar o controle sobre o Atlântico. Os recursos naturais brasileiros, se dominados pela Alemanha, poderiam contribuir para alterar o equilíbrio estratégico internacional. Roosevelt também temia uma guinada brasileira pró-Eixo devido à presença de elementos simpatizantes do fascismo no governo e nas forças armadas, à influência do movimento fascista brasileiro, à Ação Integralista, à existência de numerosas colônias alemãs, italianas e japonesas no sul do país. A comunidade alemã, que representava o maior contingente germânico em território não alemão, fora pouco assimilada e grande parte dela simpatizava com o nazismo. A embaixada do Terceiro Reich no Rio de Janeiro, a título de exemplo, contava com 200 funcionários, enquanto a dos EUA possuía apenas 40. O período que se abre foi caracterizado carac terizado por Gerson Moura como de equidistância pragmátic pragm áticaa, pois a política externa brasileira explorava ao máximo as vantagens oferecidas pela situação competitiva, visando obter recursos materiais para a industrialização e a venda dos produtos primários excedentes. Nessa fase, a política exterior
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pode ser igualmente compreendida a partir das conjunturas políticas internas, sobretudo brasileiras, o que não significa falta de projeto por parte de Vargas. Vargas. Este era obrigado a manobrar com grupos antagônicos dentro da sociedade e do próprio governo, mas sempre mantendo em foco a otimização das vantagens possibilitadas pela barganha e o aprofundamento do programa econômico. A industrialização passava passava a receber um rumo estratégico, e deveria ser dinamizada a partir de recursos obtidos no meio desenvolvimento internacional. Vargas inaugura uma autêntica política externa para o desenvolvimento (CERVO, 1994, p.28-9). Os Estados Unidos, que no final do século XIX já haviam estabelecido o Caribe, a América Central e o Pacífico como zona de segurança, começaram a se preocupar com a possibilidade de um conflito mundial. A inclusão da América do Sul no esquema americano, em particular a saliência do leste (o nordeste brasileiro), tornava-se uma questão importante. Além disso, Roosevelt precisava enquadrar economicamente o conjunto do continente ao seu comércio exterior livre-cambista, como parte da construção de seu sistema de poder. Não era apenas a influência econômica alemã que preocupava, mas também o nacionalismo de países como o México, onde Cárdenas encampara o petróleo e empresas americanas, e a Argentina e o Chile, que mantinham vínculos comerciais preferenciais com a Europa. Além disso, os Estados Unidos tratavam de compatibilizar as economias latino-americanas com seu futuro esforço de guerra. Nesse contexto, Roosevelt adotou a Política da Boa Vizinhança como estratégia para alinhar o continente à sua diplomacia. Na VII Conferência Pan-Americana, realizada em Montevidéu em 1933, o Secretário de Estado Cordell Hull formalizou essa política. As tradicionais Conferências Pan-Americanas foram, inicialmente, instrumentos suficientes para a consecução desse objetivo. Para tanto, os Estados Unidos precisavam oferecer alternativas econômicas próprias ao comércio alemão na América Latina. Não apenas as intervenções militares são abandonadas, como é criado o Eximbank (Export-Import Bank). O Pan-americanismo tinha a vantagem, para Washington, de encobrir ideologicamente sua hegemonia, disfarçando-a como cooperação e solidariedade. No limite, a soberania nacional passaria a ser sinônimo de soberania continental. Em 1936 a Alemanha já superara os Estados Unidos como parceiro comercial do Brasil. A Argentina Argentina percebeu claramente essa estratégia e procurav procuravaa permanentemente limitar seu alcance. Essa situação oferecia um amplo espaço de manobra para Vargas Vargas em suas negociações com os Estados Unidos. Nesse sentido, em outubro de 1933, durante a visita do Presidente argentino, General Agustín Justo, foi assinado o Tratado Anti-Bélico de Não-Agressão e Conciliação entre Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai e Uruguai, conhecido como Pacto Saavedra Lamas, nome do chanceler argentino. A aproximação entre Brasil e Argentina aumentava a capacidade de barganha de Vargas. Em maio de 1935 Vargas visitou o Uruguai e a Argentina. Durante a chancelaria de Macedo Soares (1934 a 1938), o Brasil desenvolveu um enfoque mais latino-americanista em sua atuação diplomática, embora sem desprezar a “relação especial” com Washington. Nos anos 1933 e 1934, a troca de visitas oficiais entre Vargas Vargas e Justo, o presidente argentino, ajudou a diluir o clima de desconfiança existente entre os dois países. O Brasil também foi mediador em
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dois litígios entre nações vizinhas. Entre 1932 e 1938 o país serviu como mediador entre o Paraguai e a Bolívia na Guerra do Chaco. Esse conflito envolvia envolvia interesses internacionais do petróleo, através das companhias Standard Oil (norte-americana) e Royal Dutch Shell (anglo-holandesa). A questão de limites de Letícia, entre Colômbia e Peru, bem como o conflito entre Equador e Peru foram também intermediados pelo Brasil. Na construção constr ução do novo sistema de poder, Getúlio Vargas Vargas buscava redefinir a forma f orma de inserção internacional do Brasil, apoiando-se na transformação interna do país, a qual dinamizava a partir da barganha externa. Como lembra Gerson Moura, a ofensiva ideológica pan-americana ganhava a opinião pública e servia de veículo de pressão que grupos liberais e de esquerda exerciam sobre o governo brasileiro. Este, por seu lado, conduzia os grupos de interesse, utilizando sua divisão interna para manter-se em equilíbrio entre as potências. Essas pressões internas, longe de paralisar a ação do governo de Vargas Vargas (...), constituíram um elemento de impulso à barganha no momento adequado. É o caso das Forças Forças Armadas, que se achavam ideologicamente ideologic amente divididas, divi didas, mas m as solucionavam solucio navam essa contradição mediante a ênfase na unidade da corporação e a busca de seu fortalecimento no interior do Estado. A resposta do Estado brasileir brasileiroo à ofensiva ideológica e política dos Estados Unidos constituiu em acatar a aliança proposta, redefinindo mediante negociação a dependência econômica e política do país. A nova dependência entreabria as portas de um processo mais avançado de industrialização e fortalecia militarmente o país face a seus vizinhos latino-americanos. (MOURA, 1980, p.186).
Paralelamente, também se fazia sentir a presença ideológico-cultural americana no Brasil, com a crescente penetração do American Way-of-life Way-of-life, agora com uma instrumentalidade explícita. O intercâmbio cultural brasileiro-norte-americano visava estreitar os vínculos ideológicos entre os dois países para contrabalançar a influência nazista. Carmen Miranda, Orson Welles e o personagem Zé Carioca, de Walt Disney, são alguns dos nomes ligados a esse fenômeno, o qual, todavia, tinha seu ponto forte na indústria cinematográfica de Hollywood e nas agências de notícias como United Press International e Associated Press. Vargas, que instituíra o voto secreto e o feminino e uma quota de representação corporativa (que garantia a eleição a operários sindicalizados), foi eleito pelo Congresso e iniciou um novo governo e regime em 1934. Mas a oligarquia cafeeira paulista também aproveitava a redemocratização para se rearticular politicamente e para se modernizar.. No mesmo ano, Armando Sales de Oliveira criou a Universidade de São modernizar Paulo (que reforçava o universo liberal), trazendo professores estrangeiros de grande renome como Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide e Etienne Borne, entre outros. Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira, em processo de urbanização, se tornava mais complexa e abria espaço para a atuação de grupos políticos radicais, não ligados à política das elites tradicionais. Em 1932 surgiu a Ação Integralista Brasileira (AIB), uma organização fascista, além dos Partidos Nazista e Fascista atuarem abertamente no Brasil.
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Por outro lado, o retorno de Luís Carlos Prestes ao Brasil introduziu no Partido Comunista parte do Movimento Tenentista. Os choques de rua entre a esquerda e a direita criaram uma nova atmosfera política, que Vargas capitalizava politicamente. Em 1935, o PCB lançou uma frente chamada Aliança Nacional Libertadora, que conheceu uma expansão vertiginosa, assustando o governo, que ilegalizou a organização. A tendência militarista e golpista inerente ao fazer político dos Tenentes Tenentes conduziu ao levante armado conhecido como Intentona Comunista, em novembro de 1935, facilmente debelada. Ainda que o PCB fosse praticamente desmantelado, o governo continuou manipulando a “ameaça comunista” como um instrumento político, prorrogando continuamente o Estado de Sítio. Na verdade, Vargas estava preocupado com o crescimento da oposição liberal e a possível eleição de Armando Sales de Oliveira em 1938, uma vez que não existia reeleição. Além Além do mais, a crise mundial voltava voltava a se aprofundar e afetav afetavaa a economia brasileira. Em dezembro de 1935 o Brasil já havia denunciado todos os tratados de Nação Mais Favorecida, pois o protecionismo crescia em todos os países. Em 1937, a Grande Depressão voltou a se aprofundar, depois de ter havido certa recuperação a partir de 1933. A situação externa da economia brasileira se tornou dramática. Assim, Assim, no dia 10 de novembro de 1937, através de um golpe palaciano, era implantado o regime autoritário do Estado Novo, com muitos liberais seguindo para o exílio ou para a prisão.
1.2 ESTADO NOV NOVO: O: AUTORIT AUTORITARISMO ARISMO,, MODERN MODERNIZAÇÃO IZAÇÃO,, AUTONOMIA AUT ONOMIA E GUERRA (1937-1945) Estado Novo: nacionalismo político e econômico O Estado Novo tem sido considerado por muitos estudiosos como um regime corporativo-fascista, uma vez que sua constituição (a “Polaca”), redigida por Francisco Campos, se baseava na constituição da ditadura dos coronéis da Polônia. Todavia, Todavia, se tratava de um regime autoritário de perfil tecnocrático, nacionalista, desenv desenvolvimentista olvimentista e, surpreendentemente, com apelo aos trabalhadores. Embora Vargas Vargas tenha colocado 1 todas as máscaras políticas que lhe convinham e tenha tido no Rio Grande do Sul a influência formal do positivista Augusto Augusto Comte, em cuja ideologia o governo gaúcho se baseara durante duran te a República Velha, Velha, sua principal referência ref erência sociológica socioló gica foi o socialista utópico francês Saint-Simon. O golpe do Estado Novo foi recebido com entusiasmo pela Alemanha e pela Itália, e embora tenha sido duramente atacado pela imprensa americana, o Governo Roosevelt Roosev elt encarou-o, corretamente, como um fenômeno interno, reconhecendo-o diplomaticamente. No mesmo dia do golpe, o pagamento do serviço da dívida externa foi suspenso. Embora o Governo Vargas Vargas pudesse aparentar uma inclinação pró-Eixo, ele não alterou substancialmente os rumos da sua política exterior. exterior. Bem ao contrário, já em 1938, 1938, a influência política alemã no Brasil começou a declinar. O Estado Novo 1. Segundo uma charge de 1945, de autoria de Belmonte, em 1937 ele foi o Führer Getúlio Von Vargas, em 1941, o Cidadão Getúlio Delano Vargas e, em 1945, o Camarada Getúlio Vargasvitch.
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visava a eliminar todos os grupos políticos organizados, mobilizadores e com projeto próprio, fossem internos ou externos, de direita ou de esquerda. Como a esquerda já havia sido derrotada em 1935, o golpe de 1937 desarticulou oligarquias regionalistas2 e os grupos liberais. Na sequência, foi a vez da interdição do Partido Nazista, do Partido Fascista, da Ação Integralista e da nacionalização do ensino (tornando obrigatória a utilização pública da língua portuguesa), que enquadrava, especialmente, as populações alemãs do sul do país. Em dezembro de 1938, Vargas Vargas rejeitou o convite de Hitler e Mussolini para aderir ao Pacto Anti-Komintern. Anti-Komintern. A Intentona Integralista, que quase derrubou Vargas em maio de 1938, foi o ápice desse confronto. Quando o embaixador alemão Karl Ritter reagiu, em termos ríspidos, ao tratamento dispensado às populações de origem germânica e ao Partido Nazista, foi considerado pers persona ona non grata . Posteriormente as relações diplomáticas com Berlim foram normalizadas. Em março de 1938, o pró-americano Oswaldo Aranha foi nomeado Ministro das Relações Exteriores em substituição a Mário de Pimentel Brandão (chanceler desde dezembro de 1936), como forma de estreitar as relações com os Estados Unidos e diminuir o peso dos elementos pró-Eixo no governo. Todavia, dentro da mais pura realpolitik e e da defesa dos interesses econômicos nacionais, prosseguia o comércio do Brasil com a Alemanha. Em março de 1938 foi assinado um contrato com a Krupp para a aquisição de material bélico alemão, e as relações comerciais conheceram notável expansão. Mas a barganha prosseguia e, em março de 1939, Oswaldo Aranha comandou uma missão comercial aos Estados Unidos, obtendo empréstimos e incrementando as relações comerciais. Na mesma linha, o General Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército, quatro meses depois de ter assistido manobras manobr as militares a convite do governo alemão, realizou visita aos Estados Unidos. Em 1936, Roosevelt viajou pela América do Sul, tendo seu primeiro encontro com Vargas. Quando esse adotou a dotou a moratória unilateral no ano seguinte, não houve oposição pelos Estados Unidos. A “aliança não escrita” continuava representando o elemento mais forte no “duplo jogo de Vargas” (GAMBINI, 1977), com o Brasil acatando, através de uma dura negociação e barganha, a Política de Boa Vizinhança , na busca do papel de “parceiro predileto” de Washington na América Latina. A recusa em aderir ao pacto anticomunista não impediu, contudo, que o Brasil desenvolvesse uma ativa política anticomunista, com o FBI e a Gestapo (até 1942) colaborando intimamente com a Polícia Política do Estado Novo (Departamento de Ordem Política e Social, o famigerado DOPS). Em 1939 foi criado o Departamento de Imprensa e propaganda (DIP), que exercia a censura política. Mesmo depois que os países do Eixo não puderam mais imiscuir-se em assuntos internos do Brasil, elementos pró-Alemanha, como Felinto Muller, tiveram tiveram espaço para controlar a segurança interna inter na e deportar elementos “indesejáveis”. Na mesma linha, é inegável uma política migratória restritiva, antissemita e racista, que, em certa medida, também era praticada pelos Estados Unidos e por muitas outras nações democráticas. 2. Nas cerimônias do dia da Independência, as bandeiras estaduais eram queimadas enquanto a nacional era hasteada.
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Na VIII Conferência Pan-Americana, Pan-Americana, realizada em Lima em 1938, o Brasil apoiou a política de Solidariedade Continental dos Estados Unidos. Visando Visando acelerar a construção do Sistema Interamericano, decidiu-se a realização de periódicas Reuniões de Consultas, tendo a primeira ocorrido no Panamá em 1939, a qual criava a Zona de Segurança das Américas. Em 1940, a Reunião de Consultas de Havana estabeleceu as normas de cooperação interamericana na defesa militar e ideológica. Todavia, o país não descuidava de seus interesses regionais, assinando o Tratado Complementar com a Bolívia em 1938, sobre petróleo e ligação ferroviária. O conjunto de negociações em Washington, conhecido como Missão Aranha, representou o ponto de inflexão na ruptura da equidistância pragmática . Os Estados Unidos cederam no plano econômico para obter uma importante vitória política com a aproximação do Brasil ao seu sistema de poder. É precisamente nesse processo de estreitamento da política de barganha que o Brasil viria a obter seus maiores ganhos econômicos. As definições diplomáticas e a proximidade de guerra aceleraram os acontecimentos. A Krupp negociou a entrega de armas ao exército brasileiro em 1938 e 1939. Vargas Vargas buscou tirar o máximo proveito da situação, mas a guerra teve início em setembro de 1939, e a marinha britânica promoveu o bloqueio ao comércio alemão, praticamente pondo um fim ao intercâmbio compensado. Isso viria a estrangular o comércio externo da América Latina e a esvaziar esvaziar,, em boa medida, a política brasileira de equidistância (o intercâmbio Brasil-Alemanha caiu em 1940 para 10%). Vargas manteve certa prudência frente aos acontecimentos, pois, apesar do quadro de cooperação econômica ec onômica adverso, as vitórias alemãs se acumulavam e entusiasmavam os setores pró-Eixo, o que possibilitou também uma relativa sobrevida à equidistância pragmática. As demandas brasileiras de obtenção de uma usina siderúrgica para servir de base à indústria de bens de capital e ao reequipamento das Forças Armadas não receberam, inicialmente, respostas positivas do setor privado e do governo americano. Frente ao fracasso das negociações, Vargas, que já vazara a informação de que os alemães estavam dispostos a oferecer usinas siderúrgicas e armas ar mas ao Brasil, proferiu o célebre discurso de 11 de junho de 1940 a bordo do encouraçado Minas Gerais, no qual anunciava a fim dos “liberalismos imprevidentes e das democracias estéreis”.3 É importante destacar que Paris acabava de ser declarada “cidade aberta” aber ta” e a vitória da Wehrmacht Wehrmacht era questão de dias. Após aceitar as justificati justificativas vas do governo, que alegava tratar-se de um discurso voltado à política interna, a resposta de Washington Washington não tardou. O Eximbank assegurou o financiamento para a instalação de uma siderúrgica em Volta Volta Redonda, fato inédito no relacionamento econômico Estados Unidos-América 3. Existe uma interpretação dominante de que ele teria enaltecido os regimes fascistas e anunciado a morte das democracias. Todavia, Todavia, não foi bem isso, até porque o estilo de Vargas Vargas era mais sutil e o discurso tinha um objetivo específico, que não era o da simples filosofia especulativa: “Atravessamos um momento histórico de graves repercussões, resultante da rápida e violenta mutação de valores. Marchamos para um futuro diverso do quanto conhecíamos em matéria de organização econômica, social ou política, e sentimos que os velhos sistemas e fórmulas antiquadas entraram em declínio. Não é, porém, [...] o fim da civilização, mas o início, tumultuoso t umultuoso e fecundo, de uma nova era. Os povos vigorosos, aptos à vida, necessitam seguir o rumo de suas aspirações, em vez de se deterem na contemplação do que desmorona [...]. Passou a época dos liberalismos imprevidentes, das democracias estéreis, dos personalismos inúteis e semeadores de desordem” (apud CORSI, CORSI, 2000, p.158).
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Latina. O Brasil, em contrapartida, assinara em maio de 1941 um acordo assegurando o monopólio no fornecimento de Minerais Estratégicos aos Estados Unidos, que se comprometeram a adquirir toda a produção brasileira (HILTON, (HILTON, 1977, p.330).
O alinhamento (negociado) com os EU EUA A O Brasil se declarara neutro frente à eclosão da Guerra na Europa. Em 1941 houve várias iniciativas no campo da aviação civil e militar. Em janeiro foi criado o Ministério da Aeronáutica Aeronáutica com vistas a modernizar e organizar a aviação comercial e a Força Aérea Brasileira (F ( FAB), a ser implantada. Após haver concedido aos Estados Unidos a exclusividade no fornecimento de minerais estratégicos (para financiar o desenvolvimento desenv olvimento brasileiro),4 foi permitido à empresa Pan Air do Brasil construir ou remodelar oito bases aéreas no nordeste do país. Por fim, em dezembro o governo proibiu a operação das empresas de aviação alemã Condor e da italiana Lati em todo o território nacional. Ambas representavam instrumentos de espionagem e de mapeamento da infraestrutura brasileira, especialmente a Condor no nordeste brasileiro. Em agosto de 1941, ainda antes de entrar em guerra, Roosevelt elaborou a Carta do Atlântico, a qual defendia a renúncia às aquisições territoriais pela força, o direito à autodeterminação dos povos, a participação de todos os países no comércio mundial, a liberdade de navegação nos mares e a libertação de todos os povos do terror e da fome. Esses princípios representavam a essência da visão norte-americana para o sistema internacional, e muitos deles embasariam embasaria m a criação da ONU. Em janeiro de 1942, em Washington, 26 países aliados contra o Eixo firmaram a declaração das Nações Unidas, sem a participação do Brasil. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, após a pós o ataque japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, foi realizada em 15 de janeiro de 1942 no Rio de Janeiro a III Reunião de Consultas dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas (a Conferência dos Chanceleres). Face à oposição argentina e chilena, os Estados Unidos só lograram aprovar por unanimidade a recomendação de ruptura diplomática dos países do continente em relação aos do Eixo. Os Estados Unidos, por sua vez, comprometeram-se a arcar com os aspectos militares da guerra, enquanto os governos latino-americanos ficariam encarregados de fornecer apoio econômico e de segurança interna. Como a Argentina Argentina e o Chile permaneceram permanece ram neutros, aumentou o poder de barganha do Brasil, que rompeu relações diplomáticas com as nações do Eixo dia 28 de janeiro de 1942. A reação da Alemanha ocorreu com o torpedeamento do navio Cabedelo, em 14 de fevereiro, por um submarino alemão, pois o Brasil estava exportando grandes quantidades de matérias-primas estratégicas para os Estados Unidos. Em sete meses foram torpedeados 19 navios de transporte brasileiros, provocando a morte de 740 pessoas. A extensão da guerra submarina alemã aos mercantes brasileiros (cinco navios foram torpedeados em apenas três dias) levou amplos grupos opositores ao Estado Novo 4. Dentre eles bauxita, berílio, cromita, ferro, níquel, diamantes, manganês, mica, cristal de quartzo, borracha, titânio e zircônio.
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a pressionar Vargas Vargas para declarar guerra ao Eixo. Em agosto de 1942, ele reformulou seu ministério, afastando os elementos pró-Eixo, e declarou guerra à Alemanha e à Itália. Em novembro, reuniu-se a Comissão Mista de Defesa Brasil-EUA e, logo em seguida, o governo permitiu a utilização dos aeródromos do nordeste pela aviação norte-americana, para combater os submarinos alemães e permitir escalas na rota para a África e a Ásia. Ao mesmo tempo, vinha ao Brasil a Missão chefiada por Morris Cooke, encerrada com recomendações de ajuda ao desenvolvimento desenvolvimento da infraestrutura e da indústria brasileira. Em janeiro de 1943, Roosevelt encontrou-se com Vargas na base aérea de Natal (construída pelos Estados Unidos), tendo sido discutido, além de questões militares, a adesão do Brasil às Nações Unidas. Foi também decidido fornecer apoio à Força Aérea Brasileira (FAB), para participar do patrulhamento do Atlântico Sul, e a criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), com material americano, para participar da guerra contra o bloco nazi-fascista. Os Estados Unidos, na verdade, não desejavam que o Brasil criasse a FEB ou participasse das operações militares, não apenas pelos custos e problemas logísticos. Washington Washington não desejava que o Brasil possuísse um exército forte e moderno. A ideia inicial de que o Brasil pudesse enviar uma força militar para participar das operações na África tornou-se sem efeito devido ao desembarque dos aliados ter ocorrido em novembro de 1942. Em pouco tempo, as forças do Eixo naquele continente capitularam. A entrada do Brasil no conflito ocorreu por pressão dos grupos de oposição ao Estado Novo e de segmentos das Forças Armadas. Armadas. As intensas mobilizações dos primeiros visavam utilizar utilizar um virtual engajamento nacional no “bloco democrático” para obter a redemocratização do regime, enquanto muitos militares desejavam afirmar-se afirmar-se politicamente na sociedade brasileira e aumentar seu potencial bélico para elevar o país a uma posição hegemônica no subcontinente sul-americano. Como aliado combatente, o Brasil constituía exceção na América Latina, sendo a única nação do continente a receber equipamento ofensivo, além de ganhar 71% do auxílio militar para aquela região (GAMBINI, 1977, p.141). Os aspectos repressivos e autoritários do Estado Novo são conhecidos e bastante explorados pela historiografia, que se concentrou mais nas aparências aparê ncias do que nas estruturas e projetos, sob influência do debate político hegemonizado pelos liberais e por segmentos da esquerda caudatários da perspectiva liberal. Todavia, Todavia, há outras dimensões mais importantes e menos exploradas, como os projetos de modernização do Estado e da sociedade, de desenvolvimento econômico, de fortalecimento da presença internacional, de construção constr ução da nação e de implantação de políticas sociais. Como demonstrou Francisco Luiz Corsi, em sua obra Estado Novo: política externa e projeto nacional , o regime vigente entre 1937 e 1945 buscava aproveitar seu amplo poder decisório para implementar um conjunto de reformas e planos estratégicos de desenvolvimento desenv olvimento em uma conjuntura muito particular. A ditadura, nesse sentido, foi mais um meio do que um fim em si mesmo, como pode ser inferido pela política de alianças tentada por Vargas em 1944-1945. Com relação ao projeto de desenvolvimento, desenvolvimento, muitas iniciativas latentes ou apenas propostas entre 1930 e 1937 foram implementadas com o Estado Novo. Em 1937
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foi estabelecido o Conselho Técnico, Econômico e Financeiro, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil e o Plano Especial de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional, que era, em essência, um Plano Quinquenal de desenvolvimento. Em 1938 foram criados o Conselho Nacional do Petróleo e o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que introduzia uma moderna administração pública baseada no mérito e na qualificação técnica e burocrática, como substrato para um Estado que deveria ser a base do desenvolvimento. A esse último aspecto deve ser acrescentado o impulso, a expansão e a renovação da educação. No ano seguinte foi implantado o Conselho de Águas e Energia Elétrica, para fomentar o setor energético, sob controle do Estado. Em 1938, através da chamada Carta de São Lourenço, Vargas lançou um plano para o desenvolvimento da indústria de base (bens de capital), tendo a siderurgia como carro-chefe, a nacionalização das jazidas minerais, das seguradoras e bancos estrangeiros e das quedas d’água (para a construção de represas hidroelétricas) e um projeto para o setor dos transportes. Tudo isso contribuiria para a construção de uma nação desenvolvida e poderosa, como era admitido mesmo por figuras “liberais” do governo, como Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura. Em janeiro de 1943, o primeiro, então chanceler, afirmou que “o Brasil deve, inevitavelmente, (tornar-se) uma das grandes potências econômicas e militares do mundo”, enquanto o segundo, então embaixador em Portugal, declarou, em agosto do mesmo ano, que “a conclusão de que devemos estender a todo o mundo a nossa projeção política não me parece ousadia nem excesso de imaginação” (apud Moura, Moura, 1990). Delírios de grandeza e frases de efeito efe ito à parte, pode-se, mesmo assim, observar que a visão estratégica do grupo gr upo dirigente era qualitativamente diferente e estava anos-luz à frente da percepção das oligarquias regionais, regionais, agrárias e liberais. Estas, como também parte da elite brasileira atual, preferiam um país mais modesto, que lhes permitisse manter seu poder político e econômico setorial, em associação subordinada à potência hegemônica do momento. Para superar a visão de viés colonizado, a Era Vargas Vargas não apenas buscou construir o Estado, mas também a nação. O “pai dos pobres” (que alguns consideram, igualmente, a “mãe dos ricos”) não apenas exercia seu poder e autoridade, mas era um mestre na cooptação e estimulador de jovens talentosos. Escritores, artistas plásticos, músicos conceituados e novos talentos populares que emergiram com esse processo foram engajados no projeto de construir a cultura nacional e a própria nacionalidade. Os quadros e painéis de Portinari e outros artistas, os romances que retratavam a vida do povo brasileiro, a promoção do carnaval e de outras manifestações da cultura popular (que a elite desprezava) e músicas como “Cidade Maravilhosa” ou as composições de Villa Lobos projetavam um sentimento de brasilidade, que não era contra o cosmopolitismo. Os intelectuais individualistas e elitistas, que se voltavam para Paris (e depois Nova Iorque) em busca da luz e da vanguarda, esqueciam da imensa “retaguarda”. Sempre apoiado pelo Estado, emergiu um movimento que elevava a autoestima do povo, revelava revelava novos talentos e valorizava a contribuição cultural de todos os grupos (os negros receberam especial atenção). Os modernistas dos anos 1920, em sua grande maioria, se envolveram nesse processo, alguns, inclusive, retornaram da Europa com esse fim.
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O que todo esse processo econômico, político e cultural estava produzindo era uma transformação profunda da sociedade. Novos segmentos surgiam, a princípio tutelados politicamente, e permitiram novos avanços. Em 1943 entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (CLT) e o Salário Mínimo, os quais, como outras medidas sociais, sempre eram anunciados com pompa e circunstância nos desfiles de 1° de maio. Ainda que tudo isso fizesse parte de uma modernização capitalista, logo emergiriam contradições políticas agudas.
O Brasil na Segunda Guerra Mundial No encontro com Roosevelt em Natal, Vargas apresentou o Plano de Engrandecimento Internacional do Brasil, através da participação militar no conflito mundial. Entretanto, o presidente brasileiro recusou-se a enviar tropas para os arquipélagos portugueses no Atlântico, para as Guianas, ou mesmo, eventualmente, contra contr a a Argentina. Preferiu o teatro de operações do Mediterrâneo, como forma de fomentar a projeção do Brasil para fora do continente. A atuação militar brasileira veio a materializar-se em vários setores: na luta antissubmarina próxima ao litoral, com unidades navais e aéreas, na participação de uma unidade da Força Aérea e de uma divisão de infantaria, a FEB (com 25 mil soldados), no teatro de operações da Itália (1944-1945). A atuação militar do Brasil na Segunda Guerra Mundial constituiu um fator importante para a derrocada do Estado Novo e para o desenvolvimento da percepção, avalizada por Roosevelt, de que o país seria, após o conflito, um aliado privilegiado dos Estados Unidos (MOURA, 1991, p.34). Curiosamente, muitos dos jovens mobilizados para lutar na Itália retornaram como simpatizantes do comunismo, tanto porque a esquerda realizou mobilizações populares visando a participação no conflito (na linha do antifascismo) como pelo contato de muitos deles com a resistenza italiana. Do ponto de vista econômico e comercial, alguns autores sustentam que o Estado Novo, realizando grandes exportações para os aliados durante a guerra, teria abandonado o projeto de industrialização. De fato, 75% das exportações brasileiras se dirigiam ao esforço de guerra aliado, gerando, inclusive, um tardio ciclo da borracha na Amazônia. Com esse ciclo exportador exportador,, o Brasil acumulou um grande volume de divisas internacionais, que deveriam vir a financiar um salto no desenv desenvolvimento olvimento econômico, particularmente industrial. Contudo, a industrialização manteve-se como projeto estratégico devido à dificuldade de importar. O crescimento industrial foi tanto quantitativo quanto qualitativo, pois além dos bens de consumo popular, despontava já a produção de bens intermediários, insumos básicos e de capital. Matérias-primas e alimentos também foram exportados em grande quantidade, mas isso se devia à conjuntura da guerra, e não a uma simples retomada do modelo primário-exportador. primário-exportador. Aliás, esses produtos começavam também a ser absorvidos pelo mercado e indústrias domésticas. Foi nesse contexto que veio ao Brasil, por solicitação de Vargas, Vargas, em 1942, a referida Missão Cooke, para avali avaliar ar a viabilidade industrial da economia brasileira. A dualidade desse processo econômico, por outro lado, aprofundou a divisão regional do trabalho e as desigualdades estaduais dentro do país, que o governo pretendia superar. Finalmente, o grande acúmulo de divisas pelo Brasil durante a guerra
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apresentava-se como um grande trunfo para o incremento da industrialização brasileira, caso fosse mantido o projeto nacional-desenvolvimentista de Vargas. Mas isso dependia da consistência do projeto e da conjuntura interna e externa do pós-guerra, porque o oposto também era possível: as divisas acumuladas poderiam, em lugar de ser utilizadas na importação de bens de capital para a indústria nacional, servir para a importação de artigos de consumo. Em grande medida, isso veio a acontecer durante o Governo Dutra. No plano político-diplomático, o período final do Estado Novo viria a apresentar algumas alterações significativas. significativas. No âmbito sul-americano, o golpe militar de junho de 1943, desfechado pelo General Ramirez, sucedido em seguida pelo General Farrell (um grupo de oficiais do qual o Cel. Juan Domingo Perón fazia parte), encerrou o predomínio político da oligarquia agroexportadora. A evolução interna da Argentina, o golpe do General Villaroel Villaroel (pró-argentino) e as políticas nacionalistas e de reforma social do Movimento Nacional Revolucionário na Bolívia foram percebidos pelos estrategistas americanos como a formação de uma constelação de Estados fora do controle do pan-americanismo. Além do problema diplomático, havia grande inquietação pelo fato desses países evoluírem para uma espécie de nacionalismo militar. Tentando pressioná-los, os Estados Unidos apoiaram o Brasil Bra sil contra a Argentina, através do envio de armamentos. Em 1944, em um clima de tensão mais ou menos orquestrada, chegou a haver a concentração de tropas brasileiras brasileir as na fronteira. Washington Washington chegou a cogitar enviar material bélico bélic o suplementar, de caráter ofensivo, para reforçar o exército brasileiro. Mas os acontecimentos não ultrapassaram o nível de tensão localizada, com o Rio de Janeiro e Buenos Aires utilizando o affair para para seus próprios interesses. int eresses. Assim como no regime do Estado Novo, alguns militares argentinos simpatizavam simpatizavam com o fascismo, mas o anti-americanismo da Argentina tinha a ver com as exportações voltadas à Europa, particularmente para a Inglaterra. Em termos comerciais, igualmente, Washington Washington e Buenos Aires eram competidores no tocante às exportações de trigo para a América Latina. A esses fatos, veio agregar-se a tendência declinante do Estado Novo. A partir de 1943 o regime sentia a gradual defecção das elites econômicas e se movia para a esquerda, além de aprofundar o nacionalismo desenvolvimentista. Em dezembro os políticos tradicionais pediram a redemocratização, enquanto o Partido Comunista começava a se rearticular. rearticu lar. Vargas lançou, então, ent ão, o que seria o segundo segund o plano quinquenal, quinquen al, o Plano de Obras e Equipamento, em 1944. Em uma inflexão ainda mais nacionalista, no ano seguinte, o governo anunciou a Lei de Atos Contra a Economia Nacional, conhecida como Lei Antitruste ou Lei Malaia. Em 1944 o Brasil deixara de ser uma peça estratégica importante para os Estados Unidos que, de forma explícita, começou a apoiar a oposição liberal, que deseja a redemocratização. O governo reagiu fechando a Sociedade de Amigos da América, um dos núcleos em que a oposição se articulava, e para a qual Oswaldo Aranha havia sido eleito vice-presidente. Pelos contatos do chanceler com a oposição e suas manifestações públicas favoráveis ao fim da ditadura, ele deixou o cargo. A chancelaria foi assumida por Pedro Leão Veloso em agosto de 1944, enquanto as pressões pela redemocratização cresciam. Os Estados Unidos viram nisso um signo de antiamericanismo, interpretação reforçada pelos editoriais da imprensa argentina. Washington Washington avaliava avaliava esses acontecimentos
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como um reforço do nacionalismo econômico e político, que objetivava objetivava autonomizar esses países do emergente sistema de poder americano. No caso ca so brasileiro, acreditava que Vargas aderia à onda nacionalista, que também atingira a Argentina e a Bolívia, para salvar a ditadura estado-novista. O núcleo da América do Sul parecia escapar ao controle, buscando autonomia diplomática e um projeto de desenv desenvolvimento olvimento voltado à industrialização e ao mercado interno, sob impulso do Estado, justamente na contramão do sistema internacional que os Estados Unidos estavam propondo nas grandes conferências diplomáticas. Durante a Conferência de Dumbarton Oaks, realizada em Washington Washington em outubro de 1944, Roosevelt chegou a propor a inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, o que foi vetado pela URSS (com a qual Vargas Vargas se recusava a estabelecer relações diplomáticas) e pela Grã-Bretanha. A política delineada na Conferência de Yalta já representava repre sentava uma pressão pela redemocratização rede mocratização do Brasil, mas quando em abril de 1945 Truman sucedeu a Roosevelt, o novo presidente norte-americano endureceu a política dos Estados Unidos para com o nacionalismo latino-americano. Vargas, Vargas, que acabava de aprovar a lei Antitruste, era cada vez menos confiável, enquanto crescia a influência de Perón na Argentina, Argentina, e este radicalizava suas posições. Nesse contexto, em março ocorreu a Conferência Extraordinária dos Estados Americanos, ou Conferência de Chapultepec, México, que buscava implantar no hemisfério as políticas delineadas em Yalta. Yalta. As Américas deveriam permanecer como zona de influência dos Estados Unidos no pós-guerra, que desejava obter apoio para a ONU e afirmar a firmar uma política de segurança regional com o direito de intervenção em “caso de ameaça externa ou interna”. Dias depois, o Brasil estabeleceu relações com a União Soviética e em junho o Brasil declarou guerra ao a o Japão5 e assinou a Carta da ONU como Estado fundador, durante a Conferência de São Francisco. Em abril o governo concedeu anistia aos presos políticos, terminou a censura, permitiu as manifestações políticas e foram fundados novos partidos. Enquanto os liberais pró-americanos criavam a União Democrática Nacional (UDN), o regime estimulou a criação do Partido Social Democrata (PSD), com base nos setores tecnocráticos e parte do empresariado, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ligado à base sindical do regime. O Partido Comunista foi, igualmente, legalizado. Vargas manobrava de forma desesperada para tentar sobreviver politicamente, buscando apoio no movimento operário que emergia com força. Com a libertação do líder comunista Luís Carlos Prestes, o PCB, gozando de amplo suporte popular no fim da guerra, resolveu apoiar Getúlio na campanha do Queremismo (de “Queremos a Constituinte com Getúlio”). É curioso, pois Prestes permaneceu por dez anos na prisão, sua esposa Olga Benário, comunista alemã de origem judaica, fora entregue à Gestapo e morrera em e m um campo de concentração nazista. Outros militantes foram mortos, presos ou torturados, pois durante a Era Vargas Vargas reinara um forte anticomunismo, e até o nome União Soviética era proibido, com o país sendo referido como “Rússia”. Vargas, Vargas, é bem verdade, acolhera alguns comunistas talentosos como indivídu indivíduos, os, 5. Um dos episódios menos conhecidos no período foi a onda de violência que varreu a comunidade de origem japonesa no Brasil. A organização nacionalista Shindo Renmei exerceu terror na fechada comunidade nipônica contra os que aceitaram a derrota do Império, inclusive negando que o Japão houvesse se rendido.
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mas evitava o movimento organizado. O anticomunismo era defendido pelo Exército (forte base do poder de Vargas), pela Igreja e pelas elites tradicionais, atores políticos que ele não desejava contrariar. Os comunistas, mais do que Moscou, viam Vargas Vargas e seu nacional-desenvolvimentismo nacional-desenv olvimentismo como um fator positiv positivoo para o futuro. O Queremismo desejava que as eleições fossem precedidas por uma Constituinte e a oposição e os Estados Unidos desejavam primeiro a eleição. Como os liberais se aproximavam aproximav am dos Estados Unidos e adotavam uma postura conservadora com relação à agenda social, Vargas encarnava, mais ainda, o movimento dos trabalhadores, em plena expansão. Mas o pior foi que ele conseguiu o apoio de parte da burguesia industrial de São Paulo, ao demonstrar que seu projeto de desenvolvimento os beneficiaria mais do que o retorno do liberalismo econômico. Em pânico com uma cada vez mais possível vitória de Vargas, Vargas, a oposição liberal adotou uma política golpista (como fará até 1964), batendo à porta dos quartéis (agora temerosos do “pró-comunismo” de Vargas) e da Embaixada americana. Os Estados Unidos passaram então a pressionar, através do embaixador Berle Jr., pela derrubada de Vargas, como é brilhantemente analisado pelo historiador norte-americano Stanley Hilton no livro O ditador e o embaixador . Em outubro, o grupo de Perón é afastado do poder na Argentina, mas ele retorna triunfante dias depois, apoiado por grandes manifestações populares. Era o limite. Truman Truman não podia arriscar-se a que algo semelhante ocorresse no Brasil. Os militares derrubam Vargas Vargas em 29 de outubro de 1945, com o apoio norte-americano e de grande parte da elite brasileira (HILTON, (HILTON, 1987, p.101 e MOURA, 1991, p.50). José Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Tribunal Federal, assume a presidência e Getúlio se retira para sua fazenda em São Borja, permanecendo afastado da política até 1950, apesar de ter sido eleito senador por dois estados. A Era Vargas Vargas iniciou uma nova etapa da política externa brasileira, ao introduzir a problemática da subordinação das relações exteriores às necessidades do projeto de desenvolvimento desenv olvimento industrial. Por que seu projeto foi interrompido em 1945? Explicações personalistas como os zigue-zagues políticos, a indecisão e o desejo de conciliar, em lugar de confrontar, apresentam apenas a parte visível do problema. O capitalismo brasileiro era ainda incipiente e a base de poder, instável, fazendo com que Getúlio evitasse medidas que pudessem rachá-la. Como explicou Corsi, se de um lado o ‘amplo arco social’ que sustentava o governo permitia uma série de medidas modernizantes, de outro estabelecia limites a sua ação, impedindo-o de avançar mais decididamente rumo a uma industrialização autônoma. [...] Uma reforma agrária que taxasse pesadamente a grande propriedade da terra e o grande capital, buscando dotar o Estado de recursos necessários para uma u ma ação a ção mais abrangente na economia, e conomia, também parecia improvável. i mprovável. A burguesia industrial, setor que mais se beneficiaria com essa política, não tinha forças para, sozinha, sustentar Vargas, e este, seguramente, não queria perder sua autonomia, aut onomia, ficando refém desse setor s etor.. Além disso, essa ess a classe via com restrições uma maior intervenção do Estado na economia e considerava essencial a participação do capital estrangeiro estrangeiro no desenvolv desenvolvimento imento do país.
Capítulo 2
O nacional-desenvolvimentismo: mercado interno ou externo? Neste capítulo é analisada a consolidação do projeto nacional desenvolvimentista e as contradições que geraram períodos de recuo interno e externo neste processo, no âmbito da Guerra Fria e da transformação social, política e econômica do Brasil. Em 2.1, “Dutra/ Vargas/Kubitschek: avanços e recuos do nacionalismo (1945-1961)” são abordadas as polarizações entre as agendas do nacional desenvolvimentismo e do desenvolvimentismo associado, do nacionalismo e do entreguismo, assim como suas ligações com a política externa brasileira, as particularidades do intercâmbio com os Estados Unidos e os ensaios de multil multilateralização ateralização externos. A consolidação consolidação destes ensaios é examinada em 2.2, “A Política Externa Independente: tentativa de projeção mundial (1961-1964)” que caracteriza a emergência de um novo perfil multilateral e global para a projeção do país, e que compõe a identidade contemporânea do Brasil em suas relações internacionais.
2.1 DUTRA/V DUTRA/VARGAS/KUBITSCHEK: ARGAS/KUBITSCHEK: AVANÇOS E RECUOS DO NACIONALISMO (1945-1961) 2.1.1 O Governo Dutra e o alinhamento sem recompensa (1945-1951) O alinhamento automático com os Estados Unidos e a política antiesquerdista
Em janeiro de 1946, três meses após a derrubada de Vargas e o fim do Estado Novo, o General Eurico Gaspar Dutra tomava posse como presidente eleito, em uma aliança PSD-UDN, progressivamente dominada pela última. O condestável do regime autoritário e ex-simpatizante do Eixo era agora um fiel aliado de Washington. Washington. Essa seria a marca de seu governo, que teve como chanceler até 1947 João Neves da Fontoura. Uma mudança de tal magnitude resultava tanto de uma nova correlação de forças interna como, sobretudo, externa. O Governo Dutra ficou conhecido como redemocratizante, após o primeiro Governo Vargas. Vargas. Porém, outro fato que caracterizou seu governo não é tão lembrado: o receio das revoltas populares e da agitação social, resultantes da política brasileira do período. Segundo sua ótica, esses movimentos teriam origem nos grupos de trabalhadores sindicalizados, que sofreriam influência do socialismo soviético. Daí sua luta veemente contra essa força política que era o movimento dos trabalhadores, a esquerda 19
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brasileira e o poder simbolizado pela União Soviética, e a consequente adoção de uma política conservadora pelo governo da época. Após a fase inicial de cooperação entre Estados Unidos e União Soviética no pósguerra, com o intuito de reconstruir a Europa e a polarização mundial em duas zonas de influência política nesse primeiro momento, iniciaram-se os anos da Guerra Fria e uma nova ordem mundial. Isso alternav alternavaa profundamente as possibilidad possibilidades es de inserção internacional do Brasil, pois a América Latina não era considerada uma zona prioritária e em disputa, mas um espaço que fazia parte da esfera de influência norte-americana. Nesse sentido, é fundamental compreender a retórica da Guerra Guerr a Fria como instrumento político, mas é ainda mais importante distinguir distinguir o que foi esse fenômeno na realidade. Ao final da Segunda Guerra Mundial a situação hegemônica dos Estados Unidos,no plano mundial, permitiu-lhe estruturar uma nova ordem internacional quase inteiramente a seu molde, a Pax Americana . No plano político-militar, os Estados Unidos detinham vantagens talvez nunca obtidas por outra potência: dominavam os mares, possuíam bases aéreas e nav navais, ais, além de exércitos em todos os continentes, bem como a bomba atômica e uma aviação estratégica capaz de atingir quase todas as áreas do planeta. No nível financeiro e comercial, o dólar impôs sua vontade ao conjunto do mundo capitalista através da Conferência de Bretton-Woods Bretton-Woods (1944) e a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A luta pela redução de barreiras alfandegárias e pela adoção do livre comércio comércio por todos os países sob sua influência favorecia a dominante economia americana, ao que se agregava o fato de Nova Iorque haver se tornado o centro financeiro mundial. Ao final do conflito, os Estados Unidos possuíam também um quase monopólio dos bens materiais (inclusive alimentos) e das zonas periféricas de produção de matérias-primas, sendo o Brasil um exemplo dessa dominação, necessários à reconstrução e à sobrevivência das populações da Europa e Ásia Oriental. A hegemonia americana consubstanciou-se ainda no plano diplomático. A criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1944, foi de grande relevância para os objetivos de Washington, pois representava um instrumento jurídico, político e ideológico do internacionalismo necessário a seus interesses. A União Soviética, apesar do prestígio adquirido na guerra e da presença de seus exércitos na Europa Oriental, era uma nação em terrível estado de vulnerabilidade, com a morte de 25 milhões de pessoas e a destruição destruiçã o de dois terços de sua economia. Nesse sentido, é um exagero afirmar que em Yalta Yalta houve uma “divisão do mundo entre duas superpotências”. Na realidade, foi estabelecido estabelec ido apenas um acordo determinando que os países europeus limítrofes com a União Soviética não deveriam possuir governos governos antissoviéticos, como forma de garantir suas fronteiras ocidentais. Tudo o que veio ocorrer posteriormente foi decorrência da Guerra Fria. A destruição ou enfraquecimento das economias e nações capitalistas aliadas e rivais dos Estados Unidos durante a guerra reforçava ainda mais a situação internacional do país. Em que consistiu, objetivamente, objetivamente, a Guerra Fria? De forma simplificada, a Guerra Fria constituiu uma estratégia político-militar norte-americana visando, em um plano internacional, conter as forças esquerdistas, nacionalistas e anticoloniais emergentes da Guerra Mundial. Na luta das forças de resistência ao Eixo, reforçaram-se a ideologia nacionalista e os grupos de esquerda, tornando-se um fator político de primeira ordem
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em 1945, com ativos movimentos políticos e guerrilheiros, além do fato de a União Soviética gozar de grande prestígio internacional. Além disso, esta estratégia, implicitamente, era um instrumento que buscav buscavaa manter o mundo capitalista integrado e submisso ao domínio político-econômico dos Estados Unidos. Por fim, a Guerra Fria também foi utilizada nesse momento para eliminar as barreiras ao internacionalismo norte-americano. Em 1946 Churchill, em discurso nos Estados Unidos, denunciava a “Cortina de Ferro baixada sobre o Leste Europeu”. Em março de 1947, foi anunciada a Doutrina Truman, que materializava politicamente a divisão do mundo preconizada um ano antes por Churchill. Em julho o Plano Marshall para a reconstrução econômica da Europa Ocidental consolida a divisão, enquanto a esquerda começa a ser perseguida nessa parte do continente europeu, nos Estados Unidos e países da América Latina. Entre 1947 e 1949 sucedem-se os acontecimentos e a Guerra Fria torna-se uma realidade. Mesmo assim, é preciso notar que o avanço revolucionário só existia concretamente na Ásia Oriental (China, Coreia e Vietnã) Vietnã) e era um fenômeno não controlado por Moscou. A diplomacia brasileira não apenas a penas alinhava-se automaticamente às posições americanas nas organizações internacionais, como, geralmente, se excedia em seu conservadorismo, tomando atitudes que não eram solicitadas nem praticadas pelos Estados Unidos. Depois de reprimir duramente greves e protestos que se generalizavam, o governo conseguiu o fechamento do Partido Comunista em meados de 1947, a partir de uma intensa propaganda política. Tendo dificuldades para acelerar a cassação dos deputados comunistas, Dutra e seu novo chanceler, Raul Fernandes, trataram de provocar a ruptura das relações diplomáticas com Moscou. Em outubro veio a ruptura, a partir de um incidente sem maior importância. Na verdade, essa ruptura fazia parte de uma política mais ampla, e fora longamente preparada pelo governo e pela Chancelaria. O medo da agitação social levou o Presidente Dutra a adotar uma política anticomunista dentro e fora do país, perseguindo a esquerda e apoiando as iniciativas anticomunistas. Mas a fonte real da “revolta” temida pelo governo era a falta de crescimento econômico e de políticas sociais que atendessem às reivindicações das camadas populares brasileiras, e não uma influência soviética. Todavia, essa política anticomunista não se devia apenas às concepções ideológicas e necessidades sociopolíticas do governo e das elites brasileiras. Seu caráter um tanto exagerado vinculava-se à necessidade de evidenciar, perante os Estados Unidos, o engajamento do país na luta contra a subversão. No Brasil, o Governo Dutra viria a vincular-se estreitamente à estratégia da Casa Branca. A atuação de Raul Fernandes no Ministério das Relações Exteriores teve um tom de conservador e subserviente quase caricatural. Alinhou-se automaticamente aos Estados Unidos, sem qualquer avaliação objetiva e deixando de lado os próprios interesses brasileiros, que muitas vezes eram contrários à política de Washington. Nada era pedido em troca de tal alinhamento, o qual, em algumas vezes, chegou a criar embaraços para os Estados Unidos, que, afinal, eram um país pragmático. A postura diplomática do Brasil chegava a comprometer a legitimidade do sistema que Washington estava implantando. O Brasil, entre outras coisas, defendeu abertamente a manutenção do regime fascista de Franco, argumentando que não poderia se envolver em assuntos internos
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de outro país, especialmente um que gozava de “estabilidade”. Da mesma forma em relação a Portugal e à manutenção do sistema colonialista, sendo que esse último ponto contrariava em muito a visão americana. Na América Latina, o posicionamento abertaaberta mente pró-Estados Unidos, inclusive em questões de segurança regional, provocaram grande dano à imagem do país. Ocorreram inúmeros atritos entre o Chanceler Raul Fernandes e Oswaldo Aranha, então Presidente da Assembleia Geral e chefe da delegação brasileira na ONU. Seu contato direto com os centros de decisões políticas e chefes mundiais deu-lhe um panorama abrangente e complexo do jogo político internacional, fato que possibilitou a tomada de decisões e atitudes mais independentes por parte da delegação brasileira. Assim, esse novo posicionamento brasileiro na ONU entrou em conflito com a diretriz política adotada pelo Itamaraty e pelo Ministério das Relações Exteriores, então nas mãos de Raul Fernandes, que possuía uma visão provinciana e defendia incondicionalmente o alinhamento brasileiro à política norte-americana. Oswaldo Aranha foi mais além. Percebeu a real situação da política internacional interna cional do período e a colaboração entre os dois países dominantes: Estados Unidos e URSS. Percebeu também que a posição política defendida pelo Brasil em relação aos Estados Unidos de aliado preferencial na América Latina, não existia. O interesse norte-americano agora estava voltado para a Europa que se reconstruía, tornando-se palco da disputa pela hegemonia mundial. Apesar de ser um admirador da cultura e do poderio norte-americano, Aranha conseguiu ver os reais objetivos políticos dos Estados Unidos e analisar as relações internacionais de seu período objetivamente, reconhecendo a força norte-americana, mas também a da União Soviética. O Chanceler Raul Fernandes chegou a sabotar a reeleição de Aranha para o cargo de Presidente da Assembleia da ONU, tamanha era a diferença de atitudes e visões políticas entre eles, demonstrando assim o conflito político tanto interno quanto externo brasileiro da época. O alinhamento brasileiro baseava-se em várias considerações. Durante a Segunda Guerra Mundial, a atenção política norte-americana voltou-se para os países latino-americanos, considerados então como estratégicos, tanto geograficamente como fornecedor de matérias-primas essenciais para ambos os lados, fato de importância vital para o resultado do conflito. Com o advento da Guerra Fria, a política externa americana passou a ter suas prioridades voltadas às regiões devastadas pela guerra mundial, e que agora constituíam as “fronteiras quentes da Guerra Fria”. Além disso, o objetivo estratégico de Washington era a abolição das barreiras alfandegárias alfandegári as e restrições de qualquer ordem ao livre fluxo comercial e financeir financeiro, o, portanto dentro de uma dimensão global e não regional. Assim a América Latina via-se “abandonada” pelos Estados Unidos, que a encorajava somente a eliminar restrições e controles cambiais para lograr a entrada de capitais privados. A título de exemplo, no segundo semestre de 1945 e no ano de 1946, o Eximbank concedeu à Europa créditos no valor de US$1,9 bilhão, enquanto a América Latina recebia apenas US$140 milhões. Por que então a diplomacia brasileira alinhava-se alinhava-se à americana? O Brasil de Dutra julgava constituir um aliado privilegiado dos Estados Unidos, acima desse perfil de relacionamento internacional. Em função do ativo apoio a Washington
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durante a Segunda Guerra Mundial e do alinhamento automático na Guerra Fria, os conservadores brasileiros então no poder esperavam manter relações especiais com o governo norte-americano. Tal visão calcava-se nos pressupostos ideológicos da Escola Superior de Guerra G uerra (ESG), criada cri ada em 1948, tendo como modelo mod elo o National War War College norte-americano. A ESG baseava suas concepções no binômio segurança e desenvolvimento, defendendo para o país um projeto econômico de capitalismo associado internacionalmente. O retorno do livre comércio e a estagnação econômica
À subserviência político-diplomática somou-se a econômica. Enquanto liberalizava o setor externo da economia, no plano interno o governo priorizava priorizava o combate à inflação. Além do tom anti-industrialista da política econômica, a redução dos investimentos investimentos públicos praticamente inviabilizou o Programa de Obras Públicas e Reequipamento, iniciado em 1944. Vargas, Vargas, na oposição, denunciav denunciavaa a possibilidade de o governo abrir o setor siderúrgico e petrolífero a grupos estrangeiros. Estando Vargas na oposição, acercava-se dos grupos sociais descontentes com a política de Dutra e denunciava a “entrega” da indústria e economia nacionais ao capital estrangeiro, articulando, assim, a sua volta ao poder através a través da aliança com esses grupos. Os Estados Unidos, dentro de sua postura livre-cambista, aboliu o preço teto do café, o que reforçou a posição do governo para implantar uma política liberal com relação à taxa de câmbio. O resultado foi bastante negativo, pois ocorreu uma grande saída de capitais sem que houvesse ingressos significativos. Entre 1946 e 1952 houve uma verdadeira hemorragia de divisas, com uma saída líquida de US$500 milhões. As reservas internacionais acumuladas pelo Brasil durante a guerra não permitiam, dentro das regras do sistema financeiro e comercial mundial, financiar os déficits na área de moedas conversíveis. conversíveis. O problema era grave porque a liberalização das da s importações pelo governo deixara um saldo negativo importante, obrigando-o a recorrer ao controle das importações em 1948. O problema do balanço de pagamentos na década compreendida entre 1946 e 1956 consistiu também no fato de que metade das exportações brasileiras destinava-se a países com moedas não conversíveis. Em agosto de 1947 ocorreu em Petrópolis a Conferência Interamericana sobre Defesa do Continente, cujo principal resultado político foi a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). Mas o evento também teve, indiretamente, algumas consequências no plano econômico. ec onômico. Truman Truman e Marshall, presentes ao encerramento, receberam um pedido de Dutra de ajuda econômico-financeira. A resposta foi bastante elucidativa: Marshall recomendou ao governo brasileiro a utilização prioritária prioritár ia de recursos internos e a criação de um clima propício à atração de capital privado norte-americano. Concretamente, acordou-se a criação da Comissão Brasil-Estados Unidos, a fim de estudar e elaborar um programa para o desenvolvimento. A comissão, chefiada por John Abbink do lado americano e Otávio Gouvêa de Bulhões pelo brasileiro, ficou conhecida como Comissão Abbink-Bulhões. Abbink-Bulhões. O Brasil preocupava-se, especialmente, especialmente, com os setores de transporte e energia, em que havia sérios pontos de estrangulamento, bem como com a difícil situação do balanço de pagamentos, sobretudo de curto prazo. O clima reinante pode ser
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ilustrado pelo conteúdo do telegrama que Abbink remeteu ao Secretário de Estado Dean Acheson: O que eu realmente acredito, que altos funcionários no Departamento de Estado e em outros lugares dentro do governo dos Estados Unidos têm estado preocu pados com os problemas urgentes na Europa e na Ásia, que uma um a desastrosa desas trosa impressão de negligência das relações internacionais tem ganhado considerável progres pro gresso so em todo Hemisféri Hemisfério, o, mas particularment particularmentee na América América do Sul. Sul. 1
Durante os trabalhos da Comissão, os Estados Unidos procuraram não se comprometer com qualquer apoio concreto ao Brasil, mantendo-se no plano das análises e sugestões. O relatório Abbink, em essência, não fez senão repetir as recomendações liberais apontadas. O aumento dos preços do café a partir de 1948-49 desafogou um pouco a situação externa da economia, fazendo parecer parec er que algo de concreto havia sido obtido na cooperação com os Estados Unidos, dentro dos pressupostos da Comissão Abbink-Bulhões. O estabelecimento do TIAR teve como desdobramento a criação da Organização dos Estados Americanos Americanos (OEA), em Bogotá, na IX Conferência Interamericana de 1948. O TIAR e a OEA constituem elementos decisivos para a compreensão das relações dos Estados Unidos com a América Latina. O TIAR era um acordo militar pelo qual os Estados Unidos e os países latino-americanos comprometiam-se a apoiar qualquer um dos signatários em caso de ameaça armada externa. O tratado também possibilitava a adoção de medidas contra “outras formas de agressão” à Zona de Segurança, a qual incluía, além dos Estados Unidos e América Latina, o Canadá, as colônias europeias do Caribe, a Groenlândia e vastas áreas do Pacífico e Atlântico. Atlântico. Essa ameaça externa não nomeada explicitamente era a URSS, que já não era mais considerada parceira dos Estados Estados Unidos, e sim o “perigo vermelho”, vermelho”, embora Moscou não tivesse meios ou interesse em atuar na política latino-americana. Contra essa ameaça formou-se o TIAR, encabeçado pelos norte-americanos, que assim montaram sua estrutura de poder político e econômico sobre o continente americano, opondo-se ao poderio soviético em um prenúncio do que viria a ser a Guerra Fria. Já a OEA, com sede em Washington, estabelecia vínculos políticos entre os países ligados militarmente pelo TIAR. A OEA, como organização regional, institucionalizava institucionalizava a política pan-americanista desenvolvida desde a Doutrina Monroe, e constituía um elemento valioso para a diplomacia americana manter sob controle a política interna dos países do continente. Dois princípios da Carta da OEA são bastante reveladores dos objetivos objetiv os da Organização, e terão repercussões sérias: o da prioridade, que encarnava as disputas regionais como sua esfera de competência, e não da ONU, e o da incompatibilidade, segundo a qual nenhum dos Estados-membros poderia afastar-se do “modelo político democrático” vigente no Ocidente e no continente. O primeiro princípio condenava a região a um certo distanciamento internacional em termos políticos, enquanto o segundo legitimava a ação dos Estados Unidos contra qualquer alteração reformista e/ou nacionalista do status quo, excetuando-se, é claro, as ditaduras antiesquerdistas. 1. Apud MALAN, MALAN, Pedro. “Relações Econômicas Econômi cas Internacionais do d o Brasil (1945-1964)”, (1945-1964 )”, in FAUSTO, FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 11. São Paulo: DIFEL, 1984, p.67.
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Nesse encontro, novamente o Brasil seguiu de perto as determinações da delegação norte-americana, dispondo-se a intermediar as negociações entre os Estados Unidos e os demais países americanos. Demonstrou, igualmente, o tom anticomunista de sua política externa e interna e aceitou plenamente o projeto dos Estados Unidos, que trazia o continente americano como modelo a ser seguido pelos demais países. Entretanto, nem todas as organizações regionais constituíam instrumentos da diplomacia norte-americana. Em 1948 também foi criada a Comissão Econômica para a América Latina (CEP ( CEPAL), AL), órgão da ONU sediado em Santiago Santia go do Chile. Desde o início, os Estados Unidos procuraram obstaculizar a criação da CEPAL, CEPAL, a qual atendia a uma reivindicação dos países latino-americanos. Não podendo impedir sua implantação, o governo americano logrou, entretanto, restringir suas funções, que se limitaram, sobretudo, à elaboração de estudos. Sem embargo, a CEPAL constituiu uma verdadeira Escola que influenciou uma geração de políticos e economistas, e conomistas, além de dar grandes contribuições teóricas sobre a questão da dependência. Além Além disso, consolidou-se como um centro que defendia o desenv desenvolvimento olvimento dos países latino-americanos, divergindo divergindo da ortodoxia liberal dos Estados Unidos. Durante a vigência do Governo Dutra, o Brasil só obteve pequenas concessões nas relações bilaterais com os Estados Unidos, como retribuição ao seu alinhamento automático à estratégia americana. Nesse sentido, não era difícil avaliar o clima de frustração reinante no país e nas demais nações latino-americanas. Mas a situação era pior no caso brasileiro, pois o país esperava e sperava maiores vantagens. vantagens. O alinhamento político do primeiro governo de Vargas, Vargas, conquistado conquista do através de uma estratégia estr atégia na qual foi f oi possível barganhar benefícios econômicos e participação efetiva na guerra, deu aos seus sucessores a ideia de privilégio no trato com os norte-americanos. Em nome dessa posição, o Governo Dutra aliou-se incondicionalmente à política de Washington, aceitando exigências e programas elaborados pelos EUA. Sob o ponto de vista norte-americano, o apoio da América Latina era um fato consumado e inegociável inegociável,, não havendo então motivo algum para o Brasil receber tratamento privilegiado de Washington. Washington. Esse ponto é fundamental para compreendermos o segundo Governo Vargas. A situação, sem embargo, começava a alterar-se. Embora Truman iniciasse um novo mandato em janeiro jane iro de 1949, no fim do ano seguinte, quando Vargas Vargas já estava eleito e a Guerra da Coreia já completav completavaa seis meses, foi instalada uma nova comissão econômica Brasil-EUA, com atribuições bem mais concretas que a Comissão Abbink-Bulhões. Em um quadro de intensa mobilização popular, Vargas foi eleito Presidente pelo PTB. Depois de haver chegado ao poder em 1930 por uma revolução armada, ter sido eleito de forma indireta pelo Congresso em 1934 e haver se tornado dirigente do regime autoritário do Estado Novo por meio de um golpe g olpe palaciano em 1937, o polêmico Vargas Vargas agora era eleito de forma direta, voltando ao poder “nos braços do povo”.
2.1.2 Vargas/ Café Filho: avanços e recuos do nacionali nacionalismo smo (1951-1956) O retorno da barganha com os Estados Unidos no contexto contexto da Guerra Fria
O último Governo Vargas Vargas não apenas rompeu r ompeu com os parâmetros diplomáticos do Presidente Dutra, Dutr a, como também deu um novo rumo à política exterior, que atingiu seu apogeu em 1961 com a Política Externa Independente (PEI). Durante os dois primeiros
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anos de seu segundo governo, Vargas Vargas procurou estabelecer estabele cer uma barganha com c om os Estados Unidos, na qual oferecia apoio aos objetivos estratégicos americanos em troca da ajuda econômica ao desenvolvimento desenvolvimento industrial. O estágio em e m que se encontrava a substituição de importações, as divisões políticas internas e o difícil contexto mundial deixaram a Vargas uma estreita margem de manobra no plano diplomático. Mesmo assim, o governo manteve uma estratégia coerente na utilização utiliza ção do setor externo como elemento propulsor do desenvolvimento. No entanto, em 1953 aprofunda-se a crise econômica, a oposição política, a mobilização popular e as dificuldades do cenário internacional. Nessas condições ainda mais difíceis, Vargas Vargas vê-se obrigado a acentuar os elementos e lementos autônomos de sua política externa, para lograr manter a estratégia de barganha e dar continuidade ao desenv desenvololvimento industrial. A nova situação evidenciou as contradições do projeto varguista e o caráter prematuro de sua diplomacia. Contra esta, levantaram-se levantaram-se tanto os Estados Unidos como os grupos político-sociais ligados ao projeto da ESG. O nacionalismo passa a ser um ponto de referência fundamental fundament al tanto da política interna como externa. Quando Vargas Vargas assume a presidência em janeiro de 1951, com exceção da produção siderúrgica de Volta Volta Redonda, o setor de bens de capital e infraestrutura básica continua a ser suprido por importações. O mesmo ocorre com relação aos bens de consumo sofisticado. A capacidade de produção de bens de consumo popular, dentro da estrutura existente, atingira seu limite e beirava a paralisia. Vários pontos de estrangulamento bloqueavam bloqueav am a expansão da economia. Para completar esse quadro, a urbanização e a diferenciação da estrutura social brasileira continuavam a aprofundar-se, o que ampliava as demandas econômicas. Em 1951, o Ministro da Fazenda Horácio Lafer (PSD) lançou o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, o qual deveria ser executado em um período de cinco anos. O Plano concentrava-se na modernização da agricultura, na indústria de base e também no campo dos transportes e energia. Através de um programa arrojado de obras públicas, o governo buscaria construir e modernizar portos, rodovias e ferrovias, além de incrementar a produção de ferro, aço e energia elétrica. O desenvolvimento da prospecção de petróleo e mesmo energia atômica também eram itens importantes. Qual o papel específico das relações exteriores dentro do projeto varguista? A nomeação de João Neves da Fontoura (também do PSD) como Chanceler indica uma sintonia entre o Ministério das Relações Exteriores e o da Fazenda, dentro de uma perspectiva conservadora. Mas isso não significa a manutenção da linha política do Governo Dutra. Boa parte dos recursos necessários ao desenvolvimento deveria ser obtida no plano internacional, via comércio, empréstimos e transferência de tecnologia, tendo em vista os limites do setor interno. No tocante ao setor externo, o governo criou a Comissão Consultiva Consultiva de Intercâmbio Comercial com o Exterior e a Comissão de Revisão de Tarifas Aduaneiras, enquanto a Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) tinha suas funções ampliadas. Esses órgãos passaram a centralizar a política cambial e do capital estrangeiro, além de supervisionar o comércio exterior. Além disso, o setor externo funcionava como um importante instrumento na fase de afirmação do projeto varguista, o que ensejav ensejavaa uma maior valorização da política exterior.. As relações com os Estados Unidos constituíam, nesse sentido, o ponto crucial terior da diplomacia e, mesmo, das possibilidades do desenvolvimento industrial.
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Esses fatores implicavam uma valorização das relações exteriores através de uma maior eficácia da atuação do Itamaraty Itamaraty.. Além da maior atuação nas Organizações Internacionais, o MRE ampliou o número de missões brasileiras no exterior, incluindo Indonésia, Afeganistão e Israel, entre outros. Mais importante ainda foi a ampliação da importância das representações já estabelecidas nos países industrializados e Organizações Internacionais, particularmente em suas Comissões Econômicas. O Itamaraty desenvolveu, a partir de 1951, uma campanha cultural e propagandística visando a divulgar informações sobre o Brasil no exterior exterior.. O discurso diplomático brasileiro evidenciou a preocupação do governo e do Itamaraty em esboçar uma multilateralização das relações exteriores, procurando assim escapar de uma dependência fortemente assimétrica, em um momento em que os Estados Unidos não estavam muito dispostos a fazer concessões aos países latino-americanos. latino-americ anos. No início dos anos 1950, a situação mundial era bastante tensa. A Guerra Fria atingiu um ponto de impasse em 1949, com a divisão formal das duas Alemanhas, a Revolução Chinesa triunfava e os soviéticos explodiam sua primeira Bomba Atômica. Atômica. Em meados do ano seguinte eclodiu a Guerra da Coreia, com a possibilidade de mundialização do conflito. Truman insistiu com vários países, entre eles o Brasil, para que enviassem contingentes militares. A barganha varguista encontrava dificuldades no longo prazo, pois o quadro internacional da Guerra Fria era substancialmente diferente daquele que antecedera o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, inexistindo brechas para manobra. A bipolaridade então existente não se prestava a ser explorada em termos de uma barganha pragmática. Bem ao contrário, tendia a limitar tal possibilidade. As questões econômicas foram o principal ponto de discórdia entre o Rio de Janeiro e Washington. Embora destoando da diplomacia americana no tocante à questão do desenvolvimento, desenv olvimento, e evitando um alinhamento automático, a política externa de Vargas Vargas estava de acordo com os objetivos estratégicos do bloco ocidental, discordando quanto aos meios empregados. O governo brasileiro buscava sobretudo tirar proveito de possíveis espaços e, através de uma atitude de relativa independência e contestação, obter a chance da barganha. Essa posição foi bastante visível na recusa de Vargas Vargas em enviar tropas brasileiras à Coreia, na atuação da Comissão Mista Brasil-EUA, e também na exportação de minerais estratégicos e no Acordo Militar Brasil-EUA. Todavia, Todavia, geralmente o presidente, após recusar algo publicamente, cedia discretamente, discreta mente, em um jogo ambíguo. O apoio brasileiro aos Estados Unidos no plano estratégico era muito mais concreto que a retórica das Conferências Internacionais. Em 1951, o Brasil subscreveu sem reservas a posição americana na revisão do Tratado de Paz com a Itália, com o Japão e no estabelecimento de relações rela ções com a República Federal da Alemanha. Quanto às primeiras manifestações das lutas anticoloniais no mundo afro-asiático, Vargas Vargas novamente alinha-se ao Ocidente, declarando em 1952 que “estão surgindo nos horizontes internacionais focos de agitação e conflitos que, embora rotulados de movimentos de libertação nacional, são, de fato, comumente inspirados ou aproveitados por desígnios alienígenas de subversão universal, que ameaçam, a cada ca da instante, conflagrar o mundo.” mundo.”2 2. Relatório do Ministério das Relações Exteriores – 1952. Rio de Janeiro, Serviço Publicações do Ministério das Relações Exteriores, 1952.
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Esse apoio aos Estados Unidos, entretanto, encontra-se permanentemente condicionado ao auxílio econômico ao desenvolvimento. Na IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos (Washington, março de 1951), o Brasil, apoiando-se na oposição argentina, questionou a orientação econômica norte-americana para a América Latina. Após endossar o anticomunismo e a defesa do Ocidente, declarou que a proteção dos países latino-americanos contra o totalitarismo dependia sobretudo do seu desenvolvimento desenvolvimento econômico, argumentando que a instabilidade política e a consequente infiltração comunista eram resultado do atraso econômico. A barganha diplomática com os Estados Unidos também tamb ém se exprimiu com força na atuação da Comissão Mista Brasil-EUA para o Desenvolvimento Desenvolvimento Econômico. A criação da Comissão não apanhara Vargas despreparado. O governo organizara-se técnica e administrativamente administrati vamente para operacionalizar as medidas necessárias à implementação do desenvolvimento desenv olvimento econômico. A Assessoria Assessoria Econômica da Presidência da República, chefiada por Rômulo de Almeida, constituía um dos centros nevrálgicos dessa política. Para administrar os financiamentos foi criado em maio de 1952 o Banco Nacional de Desenvolvimento Desenv olvimento Econômico (BNDE). Em 3 de janeiro de 1952, 19 52, Vargas Vargas assinou o Decreto-Lei Decre to-Lei n° 30.363, regulamentando regula mentando a remessa de lucros para o exterior. exterio r. O caráter nacionalista nacion alista dessa medida não significou hostilidade ao capital estrangeiro; estra ngeiro; bem ao contrário. O decreto-lei decreto-le i tinha dois objetivos: coibir os abusos dessas remessas, em um momento de grandes dificuldades financeiras financeira s e barganhar com os Estados Unidos. Se estivesse ocorrendo o ingresso dos capitais prometidos, tanto por razões políticas como econômicas, Vargas Vargas teria, certamente, sido mais moderado. Embora o Decreto jamais tenha sido integralmente cumprido, seu significado político foi sério: afetou as relações com os Estados Unidos e produziu atritos dentro do governo e com a sociedade, acirrando o debate “nacionalismo x entreguismo”. Vargas não rechaçava o capital estrangeiro, e sim reagia à ausência de seu ingresso e à sua evasão. Além de tentar coibir abusos, o governo desejava atrair investimentos externos para os setores que considerava básicos, como infraestrutura, sobretudo transportes e energia. Nos setores de bens de consumo popular ou nos que o governo considerava supérfluos, Vargas Vargas não via razão para a concessão de privilégios às emem presas e capital estrangeiro, em prejuízo do setor nacional. Dentro da lógica da política de barganha diplomática, Vargas Vargas deveria contrabalançar a limitação da remessa de lucros com algum gesto de boa vontade. O ano de 1952 foi marcado pelas oscilações do governo brasileiro: enquanto, de um lado, o governo criava o BNDE, denunciava a remessa irregular de lucros ao exterior, tomava medidas para discipliná-la, aprofundava o discurso nacionalista e negava-se a enviar tropas brasileiras para a Coreia, por outro lado, assinava o Acordo Militar Brasil-EUA. Colocado em posição defensiva, o Governo Vargas Vargas cedeu no plano militar e na questão da exportação dos minerais estratégicos. Vargas Vargas não resistiu à pressão americana. america na. Porém, a aprovação do Acordo, ocorrida em 30 de abril de 1953, 1953 , revestiu-se de grandes dificuldades. No campo nuclear, ao iniciar seu mandato, o presidente já encontrara a questão em um impasse, pois em janeiro de 1951 foi promulgada a Lei n° 1.310, que estabeleceu o monopólio estatal e severas restrições à exportação de minerais radioativos. A
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política do CNPq (criado em e m 1951 pelo próprio Vargas) Vargas) e do Estado-Maior das Forças Armadas era favorável à capacitação do Brasil no domínio da energia nuclear, sem subordinação a qualquer país. Quando a barganha diplomática com os Estados Unidos esbarrava em impasses difíceis de superar dentro do quadro das relações internacionais vigentes, Vargas Vargas não apenas recorria a formas de contornar as concessões que fora obrigado a fazer (a cooc ooperação nuclear com a França e a RFA), como buscava ampliar as áreas de atuação das relações exteriores (como os ensaios de aproximação com a Europa Ocidental, Oriental e Oriente Médio). Aqui, sua diplomacia apresentava apresentava traços de inequívoca identidade com a futura PEI de Quadros e Goulart. Em abril de 1952, o Itamaraty enviou uma missão econômica para estabelecer contatos com vários governos da Europa Ocidental. A atenção do Brasil passava a abarcar também a Europa, porque esse continente começava a recuperar-se gradativamente gradativamente da guerra e a constituir um polo econômico de interesse, embora esse processo fosse ainda limitado. Nessa mesma conjuntura, começam a surgir sinais de uma reaproximação econômica com o Leste Europeu. A realização da Conferência Econômica de Moscou serviu de ponto de partida para o debate sobre as relações comerciais com o Leste Europeu. A aproximação com o campo socialista, mantida em um baixo perfil, concentrava-se nas questões econômicas (como a compra de café pela União Soviética), área em que as relações Brasil-EUA encontravam-se em atrito. Porém, o comércio com o Leste Europeu manteve-se em níveis mínimos, geralmente efetivado através de intermediários. Tratava-se Tratav a-se muito mais de um elemento de barganha com os Estados Unidos. Em fins de 1952 o Brasil procurava ampliar seus mercados também no Oriente Médio. O chefe do Departamento Econômico do Itamaraty Itamar aty,, João Alberto, preparou uma missão comercial comer cial brasileira para visitar aquela região. As atitudes diplomáticas de Vargas não deixaram de causar certa preocupação em Washington. Como resultado disso, em julho o Secretário de Estado norte-americano Dean Acheson veio ao Brasil. A visita visava sobretudo acalmar o governo brasileiro e se devia ao agravamento agravamento das relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e implicitamente reconhecia a importância do Brasil. No campo econômico é descrita uma ajuda modesta no plano concreto e grandes projetos para o futuro, enquanto a “indivisibilidade “indivisibilidade da segurança” de ambos os países é apontada como questão essencial. Trata-se de mais um episódio do diálogo de surdos. A política petrolífera vinha sendo discutida já no Governo Dutra, quando o Clube Militar desencadeou a Campanha do Petróleo, através de um ciclo de debates iniciados em 1947. A polêmica empolgou a sociedade socieda de brasileira e logo dividiu a opinião pública e os meios de comunicação em duas correntes ideológicas antagônicas, os “nacionalistas” e os “entreguistas”, conforme a posição sobre a participação do capital estrangeiro em um programa de pesquisa, prospecção, produção, refinamento e distribuição do petróleo. Apesar da posição nacionalista dos membros da Assessoria Econômica do Presidente, na realização dos estudos, eles evoluiriam para uma política de aceitação de capitais privados nacionais e estrangeiros na formação de uma empresa encarregada de pesquisa, prospecção e produção de petróleo, em associação com o capital estatal. O monopólio estatal residiria apenas na propriedade das jazidas.
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1953: a polarização interna e os limites da autonomia
Durante o ano de 1953, a política externa brasileira e em particular as relações com os Estados Unidos conhecem uma progressiva deterioração. No nível interno a crescente crise econômica e mobilização popular, popular, a perda da base de sustentação do governo, a polarização política expressando as contradições do populismo, a evolução da questão do petróleo, a ampliação e o avanço das forças antivar antivarguistas guistas e o isolamento do presidente e de seu grupo mais próximo devem ser destacados. No plano externo, a eleição do republicano Eisenhower nos Estados Unidos agravou dramaticamente as perspectivas da diplomacia brasileira e comprometeu o projeto varguista de desenvolvimento. A presença de John Foster Dulles como Secretário Se cretário de Estado, e de seu irmão ir mão Allen Dulles na direção da CIA dava um toque conservador ao novo governo. A linha-dura de Eisenhower exigia um alinhamento automático de seus aliados no plano político-militar, político-militar, o que praticamente inviabilizava inviabilizava a já difícil barganha diplomática de Vargas. Dessa forma, a aspiração de negociar governo a governo esvaziava-se, comprometendo gravemente seu projeto de desenvolvimento econômico. O Governo Eisenhower tratou logo de extinguir a Comissão Mista Brasil-EUA. A evolução e o desfecho da questão petrolífera, com a criação da Petrobrás em 1953, viriam afetar a política externa, em e m particular as relações com os Estados Unidos. Também evidenciaram o grau de politização atingido pelo antagonismo nacionalismo x entreguism entreguismo. o. O projeto elaborado pela Assessoria Econômica da Presidência conciliava-se com os interesses internacionais, tanto por motivos econômicos (a carência de recursos financeiros e técnicos) como político-diplomáticos (não contrariar frontalmente os interesses norte-americanos), apesar de haver sido concebido por uma equipe do grupo nacionalista. O projeto, desde seu encaminhamento, provocou tamanha reação que deixou o governo perplexo. Mobilizações de civis e militares nacionalistas conduziam à formação de um vasto movimento popular conhecido como Campanha do Petróleo é Nosso . A oposição popular ao projeto é fortíssima, e deixa o governo acuado. Até a UDN apoia a Campanha, visando muito provavelmente obter apoio militar e fortalecer sua posição antivarguista, antiv arguista, capitalizando as inesperadas dificuldades do Presidente. As crescentes mobilizações, o entusiasmo popular e seu fortalecimento qualitativo qualitativo no nível ideológico fizeram da Campanha do Petróleo é Nosso um elemento político de primeira ordem. Vargas obtinha um valioso apoio para opor-se à política de Washington. Entretanto, esse espaço de barganha não foi aproveitado dada a radicalização do confronto social interno. Nessa conjuntura difícil, Vargas promove não uma mudança ou virada em sua política externa e interna, mas uma inflexão da mesma. Assim, esperava levar adiante o projeto de desenvolvimento, enfrentando ou contornando as pressões externas que visavam obstaculizá-lo. A articulação deu-se primeiramente com a reforma ministerial de junho de 1953. As três nomeações mais importantes foram as de Oswaldo Aranha para o Ministério da Fazenda, de Vicente Ráo para as Relações Exteriores e João Goulart para o Trabalho. Oswaldo Aranha representava um nome de maior peso para a área econômica, além de mais afinado com o projeto varguista do que Horácio Lafer. Vargas via em Ráo um homem de expressão média e que não nã o ousava agir
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independentemente da administração da qual fazia parte. Isso permitiria ao presidente evitar os inconvenientes da gestão João Neves e manter o Itamaraty mais integrado ao seu projeto e suas necessidades políticas conjunturais. A nomeação de Goulart, por seu turno, reforçaria e legitimaria a ação do governo em uma área que estava se tornando crítica. Além da Petrobras, Vargas Vargas aposta em outras medidas nacionalistas: cria a Eletrobrás e o Plano de Valorização da Amazônia. Adicionalmente, para enfrentar o problema cambial, o governo adotou taxas múltiplas e introduziu os leilões cambiais, através da instrução 70 da Sumoc (outubro de 1953). Essas medidas visavam a reforçar a atuação econômica e a legitimidade política nessa conjuntura mais difícil. O caráter “nacionalista” e mesmo “esquerdista” dessas mudanças servia não apenas para reforçar a legitimidade do governo, mas também para constituir um elemento mais substancial e ousado de negociação com os Estados Unidos. Vargas era arrastado pela lógica da escalada e pelas contradições de seu projeto de desenvolvimento. O mesmo se daria na política exterior. No plano diplomático, Vargas Vargas procurou ampliar a autonomia brasileira e a projeção externa do país, especialmente junto ao Terceiro Mundo. Por falta de meios, de vontade política e de condições externas favoráveis, essa radicalização não ultrapassaria o plano das intenções e do discurso, certamente também pensando em uma estratégia de barganha. Mais séria foi a elev elevação ação do perfil do discurso diplomático nas questões do desenvolvimento, do comércio exterior e da maior valorização dos espaços multilaterais, como a ONU, a OEA e a CEPAL. CEPAL. Os temas da política externa começam a ter um peso progressivo na vida nacional, entrando para o centro do debate e sendo diretamente influenciados por grupos não ligados ao Estado. No plano diplomático, o governo acreditava que existia um equilíbrio entre os blocos soviético e americano, percebendo-se o fim da Guerra da Coreia. Particular ênfase é dada à recuperação europeia ocidental e, sobretudo, a grande novidade é a simpatia expressa pelas lutas de libertação e pelo nacionalismo do Terceiro Mundo, acompanhadas de explícita denúncia do imperialismo e do colonialismo. Essa retórica aponta para uma ampliação dos horizontes diplomáticos brasileiros, mesmo que tímida. Estaria o Brasil disposto a extravasar os limites da dimensão regional para a mundial, ou tratava-se de aprofundar a barganha diplomática, devido às novas dificuldades? Com relação à América Latina, o tom do discurso diplomático varguista também se altera, ressaltando o descaso americano e a importância de um maior intercâmbio comercial e político regional. Destaca-se, igualmente, a preocupação com as dificuldades do desenvolvimento local e a necessidade de seu impulsionamento, associando-o à manutenção da paz. A aproximação com a América Hispânica apresenta-se tanto como uma saída comercial em uma conjuntura difícil como um elemento adicional de barganha. A futura aproximação com a Argentina Argentina e o Chile constituíam, sem dúvida, um elemento politicamente bem mais significativo, culminando com o affair do do Pacto ABC. Ao lado da valorização das relações multilaterais multilate rais e das organizações regionais e internacionais, a diplomacia brasileira br asileira tentou ampliar sua dimensão mundial. A busca de mercados e capitais externos obrigava a diplomacia brasileira a abrir novos horizontes,
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como a Europa Ocidental e Oriental. Em março de 1953 era anunciado anunc iado o envio de uma missão econômica à República Federal da Alemanha visando a obter recursos fora da área do dólar. Em novembro do mesmo ano era encaminhado um acordo comercial com a Hungria, e em março de 1954 voltava-se voltava-se a defender a importância das relações comerciais com os países socialistas. No contexto da intervenção norte-americana contra o Governo Jacobo Arbenz na Guatemala, emerge uma nova crise que vai desgastar ainda mais o governo: o Pacto ABC. Embora se vincule a um problema de política exterior, sua importância é também interna, sendo usada pela oposição para atacar Vargas. Vargas.3 A questão é complicada, pois as relações entre en tre o Brasil e a Argentina estavam longe de ser definidas. Embora ambos os países buscassem se acercar por complementaridades comerciais e atenuar a diplomacia de Washington Washington com a América do Sul, inegav inegavelmente elmente disputavam a hegemonia regional. E o Brasil, no fundo, mais ma is barganhava que afrontava os Estados Unidos, pois necessitava de uma aliança privilegiada com esse país. Como decorrência da questão do Pacto ABC, ABC, em maio de 1954 era encaminhado um pedido de impeachment contra contra o Presidente Vargas. O cerco se fechava sobre um governo completamente na defensiva. Os Estados Unidos não se encontravam alheios às dificuldades políticas e econômicas de Vargas. Vargas. Suas pressões contra a alta do preço do café surtiram efeito, e logo o valor do produto caiu acentuadamente. Além disso, em julho, o Subsecretário de Estado Dean Acheson vinha ao Brasil e trabalhava ostensivamente para liberar a remessa de divisas estrangeiras. Essa atitude era uma resposta à denúncia da remessa ilegal de lucros pelas empresas estrangeiras e as medidas de controle do câmbio. Acheson acabou logrando seu objetivo, através do projeto do governo sobre o mercado livre de câmbio. O executivo executi vo e o legislati legislativo vo cediam às pressões americanas. Uma semana antes do suicídio de Vargas, Vargas, o embaixador americano americ ano fez uma visita ao Vice-Presidente Vice-Presidente Café Filho, transmitindo-lhe um convite oficial do governo norte-americanoo para que visitasse aquele te-american a quele país. Três dias depois, Washington Washington anunciava pela imprensa que preparava um plano de ajuda econômica ec onômica para a América Latina, “cujo fim era silenciar as queixas de descuido em favor da Ásia e da Europa”, e evitar a ocorrência de “pesadelos como o da Guatemala”. Um dia depois do anúncio do plano de ajuda americano, o Ministro da Fazenda Osvaldo Aranha era convidado para participar de uma reunião do FMI em Washington, Washington, para discutir “a situação do café”. O presidente, isolado e sob pressão brutal, suicida-se a 24 de agosto de 1954, deixando uma Carta-Testamento. Carta-Testamento. O documento denuncia, em tom passional e direto, as pressões internas que o conduziram ao suicídio, as quais visavam obstruir as dimensões popular, desenvolvimentista e nacionalista de seu governo. Ao lado do destaque a 3. Em 4 de abril de 1954, o ex-Ministro das Relações Exteriores João Neves da Fontoura, em entrevista à imprensa, acusou Getúlio Vargas Vargas e Juan Perón de articularem uma aliança entre Argentina, Argentina, Brasil e Chile, o Pacto ABC. Afonso Arinos, da UDN, e João Neves da Fontoura, procuravam articular a reação contra qualquer aproximação com a Argentina, acuando o governo através da mobilização de parlamentares, militares e da imprensa. Carlos Lacerda e outros acusaram Vargas de querer instalar uma República Sindicalista no Brasil e, indiretamente, de articular uma espécie de bloco antiamericano.
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sua autoimolação por lealdade às classes populares, Vargas Vargas acusou diretamente os 4 “interesses estrangeiros”. Os resultados desse ato político e a compreensão popular da denúncia dos “interesses estrangeiros” foram imediatos. No dia seguinte, multidões saíram às ruas expressando um misto de comoção e fúria, esta dirigida contra as representações re presentações diplomáticas, comerciais, financeiras, e mesmo cidadãos americanos, além das sedes de órgãos de imprensa anti-Vargas. anti-V argas. Confrontos, depredações, depredaçõe s, incêndios, bandeiras americanas america nas queimadas e discursos inflamados. Os golpistas do dia anterior ficam perplexos. Apesar dessas manifestações, os ganhos políticos serão limitados, expressando as contradições e os limites do populismo e do nacionalismo de Vargas. Vargas. O tom anti-imperialista da Carta-T Carta-Testamento estamento não chegaria a impedir uma política externa plenamente alinhada com os Estados Unidos desse dia até o Governo Juscelino Kubitschek. O sentido do nacionalismo
Que conclusões tirar da política externa do segundo Governo Vargas? Vargas? A tônica da “independência econômica” concentrava-se na industrialização e modernização, caracterizando, assim, a ideologia varguista como nacional-desenvolvimentista. O tom do discurso levou muitos políticos, estudiosos e mesmo o público a pensar esse nacionalismo como uma ideologia anti-imperialista e até anticapitalista. Esse foi um equívoco que levou muitos deles, posteriormente, a afirmar que o nacionalismo de Vargas representava um mero engodo. Porém, é necessário considerar que a Guerra Fria constituía um obstáculo para a diplomacia brasileira e as nações latino-americanas. A industrialização e o desenvolvimento não apenas eram parte de um processo capitalista no plano interno, dependendo de sua inserção no capitalismo internacional. Assim, não havia meios nem razões para romper com o bloco norte-americano. Quando os investimentos externos não vinham, Vargas Vargas mudava o tom do seu discurso, passando das reivindicações às críticas ao “imperialismo” “imperialismo”,, e busca buscava va ampliar o perfil da política externa brasileira, tanto como uma alternativa econômica como uma barganha política. Paradoxalmente, havia imperialismo imperiali smo quando os países desenvolvidos abandonavam os subdesenvolvidos, não colaborando com estes. O imperialismo era denunciado pela falta de capital estrangeiro. Ao ensaiar a desobediência face à aliança tradicional, o Brasil buscava atrair a atenção dos Estados Unidos e negociar seu realinhamento em novas bases que permitissem o desenvolvimento. desenvolvimento. A política externa não buscav buscavaa acabar com a dependência,
4. Escreve Getúlio, “Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. [...] Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A Lei de Lucros Extraordinários foi detida no Congresso. [...] Quiçá criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. [...] Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. [...] Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. [...]”
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mas alterar seu perfil de forma mais favoráv favorável el ao Brasil. Tratava-se da estruturação de uma autêntica política externa para o desenvolvimento. Apesar de as contingências históricas externas e domésticas da primeira metade da década de 1950 levarem ao fracasso relativo da diplomacia de Vargas, novos elementos e estratégias foram introduzidos, servindo de base para um real salto qualitativo na década seguinte. Café Filho e a diplomacia da ESG
A fase entre o suicídio de Vargas e a posse de JK em 31 de janeiro de 1956 representou nitidamente um retrocesso retr ocesso conservador. No tocante às relações exteriores, foi claro o significado da nomeação de Raul Fernandes para o Itamaraty (UDN, ex-chanceler de Dutra e partidário intransigente das teses norte-americanas) e de Eugênio Gudin para o Ministério da Fazenda (ligado ao capital internacional e defensor de um liberalismo extremado, na perspectiva da Escola de Chicago). A imprensa internacional, e em particular a americana, adotou um tom de nítida simpatia para com o novo governo e as novas possibilidades de investimento. Apesar da implementação de importantes medidas demandadas pela direita, essa fase foi marcada por intensas lutas sociopolíticas. As relações com os Estados Unidos não deixavam dúvidas sobre o perfil diplomático do novo governo. Em uma reunião do Banco Mundial, em setembro, Gudin recomendou aos países paíse s subdesenvolvidos, em seu discurso, que deveriam livrar-se dos dois “flagelos”, a inflação inflaçã o e o nacionalismo, que afastavam os investimentos investimentos estrangeiros e, por extensão, impediam a elevação do nível de vida. O Ministro Gudin, depois de visitar os Estados Unidos, apresentou ao governo uma proposta de empréstimo do FMI envolvendo envolvendo a concessão de um financiamento de US$500 milhões. A discussão dos financiamentos externos foi acompanhada da retomada do tema da Petrobras. Companhias estrangeiras manifestavam a intenção de investir na empresa, enquanto Lacerda criticava sua estatização e o próprio governo obstaculizava seu funcionamento (impedindo a importação de equipamentos, por exemplo) e anunciava a existência de déficits. Tratava-se de medidas destinadas a justificar um recuo na questão do petróleo frente às empresas estrangeiras. As concessões do Governo Café Filho atingiam também outras áreas. A política atômica brasileira sofreu o mesmo assédio da petrolífera. As recomendações americanas (encaminhadas por escrito) foram cumpridas uma a uma, resultando na assinatura do Programa Conjunto de Cooperação para Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, em 3 de agosto de 1955. Esse documento constituía parte de um acordo atômico mais amplo, que implicava, em sua essência, uma relação preferencial preferenc ial com os Estados Unidos, nos moldes desejados por esse país, e a troca de monazita por trigo. Muito mais importante, na área econômica, foi a atitude do governo no campo comercial, cambial e financeiro exterior. No início de 1955 foi baixada a instrução 113 da Sumoc. O objetivo de seu diretor, Otávio Gouvea de Bulhões, era anular os obstáculos à evasão de capital estrangeiro, introduzidos por Vargas Vargas através da Instrução I nstrução 70, que agora ficava revogada. A permissão da nova instrução para a importação de equipamentos sem cobertura cambial ou qualquer outra restrição representa uma política estruturalmente favorável favorável ao capital estrangeiro e à internacionalização da economia brasileira, em prejuízo do desenvolvimento nacional.
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Quanto ao Leste europeu, apesar de certos meios empresariais desejarem estabelecer laços comerciais com os países socialistas, a receptividade do governo foi fria. A mesma diretriz se aplicava ao Terceiro Mundo em geral. As relações de alinhamento automático com os Estados Unidos praticamente anulavam as tentativas tentativas de aproximação com a América Latina, incrementadas no final do Governo Vargas. Vargas. Em 3 de outubro de 1955, Juscelino Kubitschek (JK) foi eleito presidente pela coligação PSD-PTB (tendo João Goulart como vice) em um clima político tenso. Depois de diversas reviravoltas, incluindo uma tentativa de golpe, JK subiu ao poder, tendo sua posse garantida pelo Ministro do Exército, Henrique Teixeira Teixeira Lott (que se aproximavaa do grupo nacionalista). De forma geral, todo esse período foi caracterizado, aproximav como mencionamos, pelo retrocesso do projeto de desenvolvimento desenvolvimento interno e pelo realinhamento com os Estados Unidos. Esta posição do governo basicamente sustentava-se na concepção, também já citada, da ESG de Segurança e Desenvolvimento. Em 1954, o Gen. Juarez Távora formulou o seguinte conceito: “Segurança Nacional é o grau relativ relativoo de garantia que, por meio de ações políticas (internas e externas), econômicas e psicossociais (inclusive atividades técnico-científicas) técnico-científicas) e militares, um Estado proporciona à coletividade que jurisdiciona, para a consecução e salvaguarda salvaguarda de seus objetivos objetivos nacionais, a despeito despeito dos antagonismos existentes.”5 Antes de 1964, a ESG não chegou a aprofundar o conceito de desenvolvimento, mas ele se encontrava implícito e deveria ser garantido pelo de segurança. Embora o discurso da ESG insistisse na necessidade de industrialização como condição indispensável para a consecução dos “objetivos nacionais” e sua segurança, a visão de Guerra Fria segundo a concepção americana levava a instituição a “confundir” os planos econômico e político. Aliança com o Ocidente e anticomunismo mundial e doméstico eram linearmente relacionados com a subordinação aos padrões econômicos liberais, defendidos pelo centro hegemônico do capitalismo americano. Embora a cruzada anticomunista viesse a constituir uma justificativa justificativa perfeita para a subordinação aos Estados Unidos, os “entreguistas” não se considerav consideravam am menos patriotas que os “nacionalistas”. “nacionalistas” . Chegavam Chegavam mesmo a esboçar uma espécie de barganha às avessas com os Estados Unidos, invertendo os termos economicistas da corrente nacionalista. Os norte-americanos, como um dos polos do antagonismo estrutural das relações internacionais, não poderiam ser indiferentes às “ameaças sutis” do comunismo, as quais poderiam perturbar seu imperialismo. Golbery argumenta de forma lapidar: “não nos iludamos, pois. Conquanto vitalmente interessados em conter a expansão multiforme do imperialismo soviético onde quer que se manifeste, os Estados Unidos nem por isso poderão descuidar da extraordinária significação geopolítica e geoestratégica da América do Sul, onde não permitirão de forma alguma, em nome dos princípios da solidariedade continental ou do ideal pan-americanista ou da segurança coletiva, mas, se necessário for, mesmo contra quaisquer princípios, que se instale nesse continente seu vizinho imediato do sul qualquer foco comunista ultraperigoso à sua própria sobrevivência.” sobrevivência.”6 5. ARRUDA, Antonio de. ESG: história de sua doutrina. São Paulo: GRD; Brasília: INL,1980. 6. SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981 (2a edição).
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2.1.3 JK: o desenvolvimento associado e a Operação Pan Pan-Americana -Americana (1956-1961) A política externa do desenvolvimentismo-associado desenvolvimentismo-associado
Depois da morte de Vargas, Café Filho assumira promovendo mudanças significativas tiv as nos campos interno e externo. O novo presidente baseou-se em um capitalismo ca pitalismo associado internacionalmente, dentro da perspectiva da concepção de Segurança e Desenvolvimento da ESG. A essa fase, seguiu-se a primeira parte do Governo Juscelino Kubitschek (JK), cujo nacional-desenvolvimentismo fundamentava-se também na associação estreita com o capitalismo internacional. Todavia, em JK isso se dava sob um prisma bem mais complexo. Em termos de política externa, o período de 1954 a 1958 caracterizou-se por um nítido retrocesso quanto à perspectiva de autonomia e barganha ativa face aos Estados Unidos. Mas já em 1958, devido às dificuldades da atração de investimentos e à desaceleração do crescimento econômico, o Governo Kubitschek voltou a adotar a barganha nacionalista frente àquele país. Nesse ano, lançou a Operação Pan-Americana, uma iniciativa multilateral que apontava para a emergência de uma nova fase na política externa brasileira, que atingiria seu apogeu com a Política Externa Independente. O contexto mundial na metade dos anos 1950 diferenciava-se progressivamente do existente no início da década, o que viria a propiciar sensível alteração nas possibilidades de atuação da diplomacia brasileira. O principal elemento de transformação transforma ção do cenário mundial era representado pela emergência do nacionalismo e do neutralismo na esteira da descolonização afro-asiática. Embora a expressão Terceiro Mundo já houvesse sido formulada, seria precipitado considerá-la uma realidade influente nas relações internacionais, com a descolonização incompleta. Entretanto, novas situações se configuravam. No Primeiro Mundo, por sua vez, afirmava-se afirmava-se o modelo da sociedade de consumo e generalizava-se o American way-of-li way-of-life fe. O Japão iniciara sua recuperação econômica desde a Guerra da Coreia e lograra uma forma positiv positivaa de cooperação com os Estados Unidos. A Europa Ocidental, que começara sua reconstrução re construção com o Plano Marshall, caminhou para a integração econômica. O estabelecimento da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, iniciou um processo que atingiu o ponto culminante com o Tratado de Roma em 1957, o qual criava a Comunidade Econômica Europeia (CEE), integrada pela RF da Alemanha, França, Itália e Benelux (Bélgica, Holanda e Luxembur Luxemburgo). go). No campo socialista, o crescimento econômico e a estabilidade interna eram as marcas dominantes dos anos 1950. Krushov vai inaugurar uma diplomacia de âmbito realmente mundial, desenvolvendo programas de ajuda econômica e ampliando o comércio externo, aproveitando melhor os espaços multilaterais, e buscando uma aliança com o emergente nacionalismo dos países do Terceiro Mundo. Foi para facilitar tal aliança que a liderança do Kremlin passou a defender a possibilidade de transição pacífica ao socialismo e um novo perfil de enfrentamento com o bloco norte-americano, baseado na concorrência econômica também pacífica. O desengajamento militar terrestre que se seguiu à Guerra da Coreia, a gradual emergência do Terceiro Mundo nas relações internacionais, a consolidação e as
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transformações do campo socialista, a obtenção de um relativ relativoo equilíbrio nuclear nos primeiros cenários da Guerra Fria (agora estabilizados) e a recuperação econômica da Europa Ocidental e Japão contribuíram para o estabelecimento de uma conjuntura de coexistência pacífica. O contexto interno e externo no qual Juscelino Kubitschek inicia seu governo não seria nada fácil. Os conflitos sociais no Brasil encontravam-se extremamente exacerbados, em um clima de significativa mobilização política e crescente articulação articula ção ideológica. A clivagem entre nacionalistas e entreguistas extrapolava extrapolava gradativamente o plano das relações exteriores, invadindo a dimensão social doméstica, passando a identificar as forças de esquerda e direita. A urbanização, por sua vez, intensificava-se intensificava-se e possibilitava a arregimentação política de amplos setores sociais. O “populismo” procurava atender a essa questão, mas trazia em si contradições que adquiriram contornos perigosos em época de crise econômica. Era necessário retomar o projeto de desenvolvimento industrial de substituição de importações, a partir do ponto em que fora abandonado com o suicídio Vargas. O novo presidente estava consciente dos problemas enfrentados por Vargas Vargas e procurou alterar seu projeto de desenvolvimento e a base de sustentação da política interna. O populismo trabalhista, com sua retórica retór ica distributiva, foi substituído pelo discurso desenvolvimentista desenvolvimentista e modernizador dos 50 anos em 5. O seu projeto econômico foi estruturado através do Plano Nacional de Desenvolvimento, ou Plano de Metas. 7 Este se baseava em uma estratégia diferente da de Vargas, pois privilegiava os bens de consumo sofisticados: automóvel, geladeira, televisão e eletrônica. Tal projeto se apoiava em metas físicas de produção, em um setor que demandaria o ingresso de capitais, tecnologias e mesmo empresas estrangeiras. O Governo JK, apesar de pressionado internamente à esquerda e squerda e à direita, logrou um compromisso satisfatório no plano político, sobretudo devido ao sucesso inicial de seu plano econômico. Este se baseou em uma associação estreita ao capital estrangeiro e em um alinhamento automático com os Estados Unidos no âmbito estratégico, tendo à frente do Itamaraty Macedo Soares. A industrialização impulsionada por JK, nesse sentido, fazia de seu “nacional-desenvolvimentismo” muito mais um desenvolvimentismo-associado. desenv olvimentismo-associado. Logo após sua eleição, Kubitschek rumou para os Estados Unidos e Europa. Essa ativa política de atração de capitais estrangeiros buscava compensar a contínua queda das exportações de 1951 a 1958, e sua estagnação entre 1958 e 1960. O sucesso logrado com a obtenção de capitais, tecnologias e instalação de empresas estrangeiras não se deveu apenas às características do modelo de desenvolvimento adotado por JK e às amplas facilidades oferecidas pela legislação brasileira, mas também à concorrência que se iniciava entre os Estados Unidos e os países paíse s europeus. Assim, a primeira grande montadora de automóveis a instalar-se no Brasil foi a Volkswagen alemã, depois seguida por empresas norte-americanas. Em nível mundial, o Brasil distanciou-se dos movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo e acentuou seu afastamento em relação relaçã o ao campo socialista. Quanto 7. Trinta metas agrupadas em cinco setores, por ordem de prioridade: energia, transportes, indústrias de base, educação e alimentos.
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ao campo socialista, não apenas desaparecem completamente as referências a qualquer possibilidade de reatamento diplomático, como até mesmo as relações comerciais conhecem um violento recuo. Buscando estreitar a colaboração com os Estados Unidos e a ONU, ao mesmo tempo em que procurava destacar-se como “grande nação do bloco Ocidental”, o Brasil atendeu à solicitação do Conselho de Segurança e enviou um contingente militar a Suez, sob bandeira das Nações Unidas ( Ibid Ibid , p.62-3). O Acordo Átomos para a Paz continua vigente e, apesar de algumas reações dos grupos nacionalistas, prossegue a exportação de minerais estratégicos. Em 1957, Washington formula a Doutrina Eisenhower, Eisenhower, destinada a enfrentar o nacionalismo e o esquerdismo no Terceiro Mundo. Embora tal política houvesse sido criada em função da guerra de 1956 e da radicalização política do Oriente Médio, sua aplicação aplicaçã o foi generalizada, existindo cooperação com a CIA. Mais polêmica e significativa, entretanto, foi a instalação de uma base americana para rastreamento de foguetes em Fernando de Noronha, em troca do fornecimento de equipamentos militares (boa parte deles obsoletos) no valor de US$100 milhões. O ajuste e a instalação da base causaram grande polêmica, levando a uma reação ampla dos nacionalistas na sociedade brasileira. Tanto nas diversas áreas de atuação político-diplomática como nas relações econômicas externas, o período per íodo que se estende do suicídio de Vargas, Vargas, em agosto de 1954, até a formulação da Operação Pan-Americana (OPA) de Kubitschek, em 1958, caracterizou-se como uma espécie de hiato dentro do conjunto da política externa brasileira da fase populista. A busca de uma maior autonomia diplomática frente aos Estados Unidos e a utilização dinâmica da política exterior como instrumento do desenvolvimento econômico nacional tornaram-se elementos secundários nessa ne ssa fase. Entretanto, a evolução da situação interna e externa fará o próprio JK retoma r esse caminho, depois de uma grande abertura da economia brasileira à economia mundial. Tal situação colocará para a diplomacia do Itamaraty tarefas ainda mais complexas. A desaceleração econômica e o retorno da diplomacia de barganha
A partir de meados de 1958, a conjugação de fatores internos e externos levou o Governo Juscelino Kubitschek a retomar uma ativa política externa de barganha face aos Estados Unidos, bem como um discurso diplomático de tom nacionalista. O fim do “milagre” desenvolvimentista do biênio 1956-1957, as pressões do capital estrangeiro, estrangeir o, a crise e a transformação da sociedade brasileira, a radicalização do debate interno sobre as relações exteriores, por um lado, e os crescentes antagonismos sociopolíticos latino-americanos, a Revolução Cubana, a emergência do campo socialista na cena internacional, o incremento da descolonização e a criação da Comunidad Comunidadee Econômica Europeia, por outro, encontram-se na raiz dessa mudança de atitude. A OPA OPA representou um ponto de inflexão diplomático e o fato mais importante da conjuntura que se abria. A diplomacia brasileira volta a ganhar cores nacionalistas, e o tema readquire sua importância estratégica, empolgando e mobilizando grande parte da sociedade. A política exterior voltava a constituir um instrumento fundamental das necessidades do desenvolvimento brasileiro, apesar de o governo não ultrapassar determinados limites.
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O primeiro impulso de industrialização do desenv desenvolvimento-associado olvimento-associado de JK começou a desacelerar-se em 1958, com a queda da taxa de crescimento do PNB. As As greves se generalizaram. O endividamento externo agravava-se agravava-se de forma preocupante devido à queda das receitas das exportações brasileiras. O caso mais grave era o do café. Aceitar o receituário econômico liberal libera l do FMI significava solapar perigosamente as bases de apoio do governo, e implicava mesmo o abandono do projeto econômico. JK mergulha no dilema estabilização ou desenvolvimento. desenvolvimento. A inflação era causada essencialmente pelos gastos públicos destinados ao acelerado ritmo do Plano de Metas e da construção de Brasília, da política de concessão de empréstimos ao setor privad privadoo via Banco do Brasil e aos aumentos reais de salários. Reduzir os empréstimos, os salários e o ritmo de crescimento levaria à implosão da aliança PSD/PTB e à desestabilização do país.8 Além das pressões e críticas dos interesses estrangeiros e dos sindicatos trabalhistas, o governo também enfrentava os redobrados ataques da UDN e dos grupos exportadores, como os cafeicultores. cafeic ultores. A resposta de JK, no plano interno, foi uma reforma ministerial e a contemporização. José Maria Alckmin é substituído por Lucas Lopes na pasta da Fazenda, que apresenta a presenta um Plano de Estabilização Monetária. O governo mantevee uma estratégia inflacionária sob controle como forma de financiamen mantev financiamento to interno de seus planos, empurrando para o futuro o desgaste das soluções saneadoras necessariamente conflituosas. Certamente essa atitude teria consequências sérias no plano político, as quais o governo responderia adotando uma postura “nacionalista” com finalidades domésticas. No plano exterior, a situação era complexa e problemática. A situação interna da economia dos Estados Unidos e a relação do Brasil com esse país e com os bancos estrangeiros não representava representava o único problema. Em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, tinha encaminhamento institucional a formação do Mercado Comum Europeu (CEE). Além da política de tarifas preferenciais dentro da CEE criar dificuldades para diversoss produtos brasileiros, as exportações tropicais das colônias dos países europeus, diverso especialmente as africanas, passavam então a competir com vantagens insuperáveis com as brasileiras e latino-americanas dentro do novo mercado. Tal situação gerou uma reação do governo que visava a ampliar o comércio externo como tarefa urgente e fundamental. As novas medidas de política exterior são aprofundadas a partir da reforma ministerial de julho de 1958, quando Macedo Soares (PSD/SP) foi substituído por po r Francisco Negrão de Lima (PSD/MG). Ao novo chanceler caberia impulsionar a recém-lançada OPA, a retomada da política de barganha face aos Estados Unidos e a ampliação dos horizontes diplomáticos brasileiros: a América Latina em primeiro lugar lugar,, o mundo afro-asiático, os países socialistas e outros centros capitalistas receberam alguma atenção. A Operação Pan-Americana e o ensaio multilateral
O ponto alto na alteração da política externa de Kubitschek foi o desencadeamento da OPA OP A em 1958. A Operação passa a ocupar um lugar dominante no discurso diplomático 8. BENEVIDES, Maria Victória. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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brasileiro, o que levou alguns analistas a sobrevalorizar seu alcance e suas realizações, enquanto outros, mais voltados a um realismo crítico, chamaram a atenção para sua inviabilidade. Clodoaldo Bueno argumenta que “como resposta à OPA, costuma-se apontar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como único resultado concreto. Mas a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e a Aliança para o Progresso9 do Presidente Kennedy a ela se relacionam”. José Luis Werneck da Silva sustenta, por outro lado, que “a OPA foi uma ilusão de JK, porque os Estados Unidos mostraram claramente que não admitiriam nenhuma inserção nossa no sistema interamericano e no sistema mundial que não fosse a partir da dependência à política externa norte-americana, cuja estratégia não admitia a superação do subdesenvolvimento brasileiro senão através de um capitalismo industrial a ela associado, inclusive com base na ideologia da segurança nacional antiesquerdista”.10 Qual era, afinal, o real significado e alcance da OPA? OPA? A evolução do quadro internacional ocorria em e m uma direção desfavoráv desfavorável el ao projeto desenvolvimentista desenvolvimentista de Kubitschek, como visto. As relações hemisféricas, por seu turno, também apresentavam problemas sérios. O início do segundo mandato do Republicano Eisenhower aprofundava o perfil de subordinação da América Latina aos Estados Unidos, percebido pela primeira como “descaso”. Mas a crise do desenvolvimento latino-americano havia se acentuado, e a exaltação nacionalista e antiamericana crescia com a radicalização do populismo. Face à crescente hostilidade de amplos setores da opinião pública do continente, o governo dos Estados Unidos resolve res olve enviar o Vice-Presidente Richard Nixon Nix on em maio de 1958 à posse do Presidente Frondizi na Argentina, aproveitando a oportunidade para visitar vários países paíse s da América do Sul. Nixon foi alvo de violentas manifestações antiamericanas em Lima e em Caracas, onde chegou a temer por sua segurança face à agressividade da multidão que cercou o carro c arro oficial. Esses fatos tornam patente para Washington o crescente c rescente descontentamento latino-americano. Além disso, os Estados Unidos tinham agora de fazer frente a uma ativa política externa soviética no Terceiro Terceiro Mundo. O XX Congresso do PCUS (1956) não apenas desencadeara a desestalinização, como teorizara a possibilidade de transição pacífica ao socialismo, estratégia destinada a propiciar uma aliança com o nacionalismo emergente do hemisfério sul. Em 1957, a União Soviética lançava o Sputnik. Tanto o “modelo soviético” como a cooperação econômica com a União Soviética afiguravam-se atrativos aos países em desenvolvimento. desenvolvimento. Essa nova dimensão das relações internacionais traduzia-se na América Latina em uma incipiente competição entre o Kremlin e a Casa Branca. No plano doméstico, o Governo JK necessitava de respaldo político e recursos econômicos para enfrentar a crise que se avolumava, avolumava, e as relações exteriores representavam um campo vital para contrapor-se a esses problemas. Aproveitando o momento favorável, Juscelino tenta capitalizar o descontentamento para com a política norte-americana. A OPA inicia-se com o envio de uma carta de Kubitschek a Eisenhower, Eisenhower, datada de 28 de maio de 1958, na qual expressa 9. A Aliança foi uma iniciativa do Governo Kennedy para a América Latina em resposta à crise da região e será detalhada no próximo capítulo. Política Exterior do Brasil. São Paulo, Ática, 1992, 10. CERVO, Amado, BUENO, Clodoaldo. História da Política p.261.
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solidariedade e estima que se impõe em virtude das agressões e dissabores sofridos pelo Vice-Presidente Nixon em sua recente viagem aos países latino-americanos: [...] As referidas manifestações partiram de simples minorias, mas [...] não é possível esconder que ante a opinião mundial, a ideia da unidade pan-americana pan-ame ricana sofr sofreu eu sério sério pre prejuízo. juízo. Não pode deixar de resultar resultar [...] a impres impres-são de que não nos compreendemos em nosso continente. [...] É preciso fazer algo para recompor a presença da unidade continental. 11
JK ainda comenta a problemática econômica e o papel internacional do Brasil: Apesar das dificuld dificuldades ades de caráte caráterr econômi e conômico co ligada ligadass a nosso processo de crescimento, já alcançou este país um grau [de desenvolvimento] que é forçoso reconhecer-se reconhece r-se a obrigação de fazer-se escutar. escutar. Não pode continuar aceitando passivament passi vamentee as a s orient o rientações ações e os o s passos p assos de uma polít política ica com a qual q ual não é conveniente convenie nte que esteja apenas solidário de modo quase automático, solidário por hábito ou simples consequência de uma uma posição geográfica. geográfica.
JK também aborda as questões econômicas e o papel internacional do Brasil, enaltecendo a necessidade da unidade latino-americana e a importância do desenvolvimento volvimen to para a estabilidade regional. regional. No caso, o presidente faz alusão ao Plano Marshall, acrescentando que, neste, toda ênfase foi posta na reconstrução, sem que suscitasse igual igua l interesse o sério problema do desenvolvimento dos países de economia ainda rudimentar [...] [.. .] A América Latina, que também contribuiria para para a vitória democrática, democrática, se viu em situação econômica mais precária e aflitiva que as nações devastadas pela guerra, e passou a constituir o ponto mais vulnerável da grande coalizão ocidental.“ Daí a necessidade de ”combater a enfermidade do subdesenvolvimento.
Por fim, o discurso presidencial toca no ponto mais importante para os objetivos da OPA: Assim, deveria ser intensificada a inversão precursora nas áreas economicamente atrasadas do continente, a fim de compensar a carência de recursos financeiros internos inter nos e a escassez esca ssez de d e capital capit al privado. pri vado. Simultaneam Simultaneamente, ente, para pa ra melhorar a produtividade e, por conseguinte, a rentabilidade dessa inversão, se desdobrariam os programas de assistência técnica. De igual significação e grande urgência seria a adoção de medidas capazes de proteger o preço dos produtos-base das excessivas e danosas flutuações que o caracterizam. Finalmente, deveríamos atualizar os organismos financeiros internacionais, mediante ampliação de seus recursos e liberalização de seus estatutos, com o objetivo de facultar-lhes maior amplitude de ação. Esses assuntos, e outros que mereçam ser propostos, deveriam encontrar foro próprio na reunião de mais alto novel político do continente, na qual, ao contrário do acontecido, fossem dadas soluções práticas, eficazes e positivas. 11. Operação Panamericana – Documentário. Rio de Janeiro, Presidência da República – Serviço de Documentação, 1958, vol.1, p.11-2.
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A reação de Eisenhower e do governo americano à OPA foi de frieza. Porém, nesse contexto, não havia como os Estados Unidos ignorarem este apelo. Em agosto de 1958, John Foster Dulles, Secretário de Estado, é enviado ao Rio de Janeiro para encontrar-se com Kubitschek. Dulles, todavia, apresenta ao presidente brasileiro a minuta de uma declaração conjunta que praticamente ignora a OPA OPA e enfatiza unicamente o combate ao comunismo, desejando maior repressão à subversão esquerdista, coordenação dos serviços de inteligência, recusando a concessão de financiamentos à Petrobras. JK rechaçou a minuta e, frente ao completo fracasso do encontro, Dulles vê-se na obrigação de ceder: os princípios da OPA são reconhecidos pelos Estados Unidos, que aceitam a criação de uma entidade financeira continental (o Banco Interamericano de Desenvolvimento/BID). Esboça-se também a ideia de um mercado comum regional (Associação Latino-Americana de Livre Comércio/ALALC), além de o Brasil obter a liberação de alguns empréstimos junto ao Eximbank e entidades bancárias particulares. Em setembro foi criado junto ao Conselho da OEA o Comitê medida s da OPA OPA junto à organização. Houve, H ouve, dos 21, visando a discutir e implementar medidas portanto, um certo clima de euforia após o desencadeamento da OP OPA A de JK. Embora o objetivo mais visível da OPA OPA fosse colocar o Brasil em uma posição melhor dentro da aliança com os Estados Unidos, as necessidades econômicas, o acirramento da disputa nacionalistas versus entreguistas e a evolução do contexto regional e mundial levaram a política externa do Governo JK a esboçar um perfil bem mais elevado. O restabelecimento de relações comerciais com a União Soviética foi defendido pelo presidente em discurso na ESG em novembro de 1958 e pelo porta-voz do Brasil na OEA. O EA. O Itamaraty anunciou na ocasião a formação de uma comissão especial para estudar a questão. Os termos em e m que se dava esse acercamento se assemelhav assemelhavaa bastante ao que Vargas Vargas esboçara em 1953-1954. Frente ao estrangulamento estrangulamento do setor externo da economia, ao perfi p erfill desfavorável desfav orável imposto pelos Estados Unidos nas relações bilaterais e à economia interna, o governo busca aproximar-se no plano comercial dos países socialistas. Essa atitude visa a tanto encontrar uma alternativ alternativaa aos excedentes primários não exportados e a obtenção de tecnologias e produtos industriais, como exercer uma barganha mais efetiva face aos Estados Unidos, em uma esfera particularmente sensível para os interesses desse país. Os meios empresariais desejavam soluções pragmáticas, enquanto o governo utilizava primeiramente a questão como forma de pressão sobre os Estados Unidos. Somente diante da recusa destes em solucionar o problema brasileiro, o presidente buscava implementar a aproximação com c om o campo socialista. socia lista. Assim o fora com Vargas Vargas e assim o era com Kubitschek. Kubitschek . O presidente inúmeras inúme ras vezes sustentou (como ( como Vargas Vargas também o fizera) que se os Estados Unidos não auxiliassem o comércio externo brasileiro e não investissem inv estissem no país, o Brasil seria obrigado a buscar soluções em outras áreas, á reas, inclusive no campo socialista. Além do governo e de certos meios empresariais, a reaproximação com o campo socialista é defendida por outros grupos, como a esquerda, esquerda , nesse momento hegemonizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). A questão do reatamento com a União Soviética provocou fortes reações e uma acentuada e crescente politização politizaç ão em torno da diplomacia brasileira. Os setores conservaconser vadores do exército, da Igreja, políticos e alguns setores empresariais mobilizam-se contra a reaproximação. O crescimento das lutas sociais no país, como as Ligas Camponesas no Nordeste, e a ascensão de elementos nacionalistas “radicais”, como a eleição de
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Leonel Brizola ao governo do Rio Grande do Sul, com suas políticas de encampações enc ampações de empresas estrangeiras, acirravam acirravam a luta em torno das relações exteriores do Brasil. Paralelamente a isso, não se deve esquecer a permanência e o aprofundamento da penetração dos capitais e empresas estrangeiras na economia que se internacionalizava internacionalizava rapidamente sob o Governo JK. Além disso, toda vida social americanizava-se progressivamente. progressivamente. Ou seja, a política externa da segunda metade do Governo JK não se concentrava apenas na barganha regional da OP OPA. A. Abarcava Abarcava também a dimensão de um ensaio e nsaio multilateral. Entre 1958 e 1960 o Brasil reconheceu os países recentemente independentizados, sempre que essa política emancipatória estivesse de acordo com as ex-metrópoles. Nenhuma referência de apoio era feita aos movimentos de libertação nacional que ainda não haviam chegado ao poder, especialmente das colônias portuguesas, onde JK seguia as posições de Lisboa. Mesmo assim, várias Embaixadas e representações diplomáticas foram abertas na Ásia e, em menor medida, na África: Ceilão, Coreia do Sul, Tailândia, Tailândia, Malásia, Filipinas, Vietnã Vietnã do Sul, Gana e nas colônias portuguesas de Angola e Moçambique. Além disso, várias missões de observação foram enviadas à Ásia. O Brasil, por sua vez, foi visitado por várias missões e autoridades autorida des afro-asiáticas, mas manteve os contatos em um nível modesto, especialmente no tocante à África. Apesar de repudiar o Apa e o massacre de Sharpeville na África do Sul, o Governo Apart rthei heid d e JK não tomou nenhuma atitude contra aquele país. Os ânimos acirravam-se no plano da política externa. Além disso, a luta pela sucessão já se iniciara, com o lançamento pela UDN da candidatura de Jânio Quadros. A política econômica do governo era duramente atacada pela oposição, especialmente no tocante às taxas múltiplas de câmbio e à pressão dos exportadores. Por outro lado, o Vice-Presidente João Goulart e seu cunhado Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, representantes da ala mais radical do PTB, denunciavam os lucros excessivos excessiv os das empresas estrangeiras, que contrastav contrastavam am com a falta de investimento e melhoria dos serviços pelas mesmas. Pressionado por esses fatores, Kubitschek realizou o gesto mais espetacular de seu governo, rompendo com o FMI em junho de 1959. O presidente revestiu a medida de cores nacionalistas nacionalist as e conquistou um forte apoio, que abarcava uma ampla gama de tendências, desde empresários até o líder comunista Luís Carlos Prestes, passando por militares, sindicatos, políticos, estudantes e a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). A medida e o tom do discurso visavam não só a obter apoio interno, como desafiar Washington a reagir de forma mais positiva, pois os Estados Unidos recusavam r ecusavam créditos demandados pelo Brasil e esvaziavam e svaziavam a OPA. OPA. JK aproveitou a situação para reformular o ministério, afastando os “entreguistas” da área econômica e abandonando o Plano de Estabilização de Lucas Lopes. Para o Ministério das Relações Exteriores foi nomeado Horácio Lafer. O contexto durante o ano de 1959 agravara-se drasticamente. Em 1° de janeiro, Fidel Castro e seus guerrilheiros conquistam o poder em Cuba. O encaminhamento de reformas no país logo indispôs o governo americano e levou ao aprofundamento da Revolução Cubana. Confirmava-se o argumento esboçado por Vargas e aprofundado por Kubitschek na OPA, de que “a pobreza gerava subversão” e que “o desenvolvimento seria o melhor antídoto contra a penetração comunista”. Entretanto, a atitude dos Estados Unidos não se prestav prestavaa facilmente a um aprofundamento da barganha de
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JK. A maior atenção de Eisenhower para com a América Latina, na qual a Guerra Fria se instalara, era acompanhada de um endurecimento político visando ao isolamento de Cuba. A OPA OPA assistia ao esgotamento progressivo de suas possibilidades. O nacionalismo, o ISEB e a política exterior
A nomeação de Horácio Lafer, banqueiro, membro do PSD paulista e vinculado ao empresariado desse estado, para o Ministério das Relações Exteriores ocorria em um momento politicamente delicado. A Revolução Cubana e sua progressiva radicalização influenciavam influenciav am cada vez mais os rumos da política continental. Na V Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, Americanos, realizada em Santiago, em agosto de 1959, os Estados Unidos buscavam isolar Fidel Castro no contexto regional. Em julho de 1959, em uma excursão internacional, o candidato Jânio conferenciou 45 minutos com Krushov em Moscou, e em março de 1960 visitou Cuba como convidado oficial, acompanhado de jornalistas e seis deputados, deputa dos, entre eles Francisco Julião, do PSB, e Afonso Arinos, da UDN. A Revolução Cubana tinha então e ntão grande ressonância r essonância popular, e o próprio Fidel Castro estivera no Brasil de passagem, em maio de 1959. Jânio Quadros, depois de eleito, também visitou a Grã-Bretanha e outros países da Europa Ocidental em outubro de 1960, mas, sintomaticamente, não foi aos Estados Unidos. A ambiguidade das plataformas e dos estilos políticos teve prosseguimento com o resultado do pleito: Jânio, apoiado pelo eleitorado conservador, conservador, recebe uma votação maciça, enquanto o candidato a vice de Lott, mais à esquerda, João Goulart, do PTB, é eleito também com expressiva votação. Em fevereiro de 1960, Eisenhower visita Brasília (que seria inaugurada em 21 de abril), Rio de Janeiro e São Paulo, e mantém conversações com Kubitschek. Os Estados Unidos tentavam conter os efeitos da Rev Revolução olução Cubana sobre as relações hemisféricas, e tratavam de fazer algumas concessões. O governo americano oferece condições melhores para uma negociação com o FMI, a qual foi aceita por JK. A “Declaração de Brasília” enfatizava “a plena implantação dos princípios de solidariedade política e econômica, (...) e ações ajudando todos os americanos a obter a melhoria dos padrões de vida capazes de fortalecer a crença cre nça na democracia, liberdade e autodeterminação. autodeterminaçã o.””12 Era, sem dúvida, uma razoável mudança no discurso diplomático americano. De volta aos Estados Unidos, Ike aceita o plano Douglas Dillon para a criação do Fundo de Progresso Social, com um capital de meio bilhão de dólares. Um problema que se agravava paralelamente era o das encampações de empresas estrangeiras já citado. O caso mais marcante foi o da ascensão de Leonel Brizola em 1959 ao governo do estado do Rio Grande do Sul. Não se tratava, certamente, de uma nacionalização socializante ou de caráter meramente político. Havia terríveis pontos de estrangulamento em áreas como energia, comunicação e transportes, geralmente em mãos de subsidiários de empresas estrangeiras. Estas remetiam seus lucros para o exterior sem se preocupar em inv investir estir na ampliação e melhoria dos serviços. Por sua vez, a política externa de barganha nacionalista nacionalista de JK, esboçada a partir de 1958, não representav re presentavaa mera improvisação conjuntural. O desenvolvimentismo desenvolvimentismo trazia determinadas tensões e alternativas: o nacionalismo e a política externa pautada pelo 12. YOUNG, Jordan. Brasil 1954/1964, op. cit., p.79
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“interesse nacional” autonomamente expresso eram debatidos e estudados pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros, embora não somente por essa entidade. O ISEB foi fundado em 1955, dando continuidade às tradições nacionalistas e progressistas do Grupo de Itatiaia e do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política. Seu movimento editorial era apoiado pelo Ministério da Educação, e defendia basicamente a tese da aliança entre a burguesia nacional e os setores populares para superar o subdesenvolvimento. Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Cândido Mendes, Horácio Lafer, Sérgio Buarque de Holanda, José Honório Rodrigues e San Tiago Dantas eram alguns dos integrantes do Conselho do ISEB. Para Jaguaribe, a gênese do nacionalismo encontrava-se nas “necessidades vitais” das comunidades, de caráter predominantemente econômico, e apenas secundariamente ligadas aos imperativos de defesa e fenômenos políticos. Nessa mesma linha, Kubitschek considerava “o nacionalismo que objetivamos, o que se fundamenta em nosso desenvolvimento”. 13 No domínio da política exterior, Jaguaribe argumenta que era preciso maior autonomia diante dos Estados Unidos e a busca de alternativas no sistema, frente às mudanças nas relações internacionais a leste e oeste. A exigência de uma nova diplomacia é enfatizada, pois, segundo ele, era cada c ada vez mais evidente a relação existente entre o desenv desenvolvimento olvimento econômico-social e os rumos da política externa. O Itamaraty estaria despreparado para suas novas necessidades de atuação, sujeito a pressões e críticas dos nacionalistas e cosmopolitas, também tendo perdido sua autonomia em certa medida. A crítica formulada por Jaguaribe referia-se assim a um dilema crescentemente complexo que JK não se encontrav e ncontravaa em condições de solucionar, o problema da formulação de uma nova política externa, e a necessidade de determinar quem e de que maneira ser executada.14 Apesar das limitações estruturais da OPA e de sua concentração no eixo hemisférico visando a barganha com os Estados Unidos, ela levantou problemas novos e elevou o perfil de nossas relações exteriores ensaiando a multilateralização. multilater alização. Da mesma forma, diante de um cenário interno em crise e transformação, retomou-se o discurso do nacionalismo e do desenvolvimento. Assim, a mudança na política exterior era inegável. Porém, seu aprofundamento só ocorreria com a PEI, uma vez que Kubitschek não possuía apoio suficiente e não estava disposto a pagar o preço da profunda alteração necessária, postergando os problemas para seu sucessor.
2.2 A POLÍTI POLÍTICA CA EXTERNA INDEPE INDEPENDENTE NDENTE:: TENTA TENTATIVA TIVA DE PROJEÇÃO MUNDIAL (1961-1964) A política externa nacionalista e independente do Brasil deve objetivar o interesse nacional do desenvolvimento. Política externa para o desenvolvimento significa que [...] nossa ação diplomática deve ser motivada principalmente pela preocupação de assegurar os meios e recursos de ordem externa necessários à expansão da economia brasileira, com vistas a contribuir para a crescente emancipação política e social da comunidade nacional. 13. OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Discursos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1957, p.385-6 14. JAGUARIBE, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro: MEC/ISEB, 1958
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A pol políti ítica ca ext extern ernaa par paraa o des desenvo envolvi lvimen mento, to, nac nacion ionali alista sta e ind indepe epende ndente nte,, identifica de imediato a posição internacional do Brasil como a de um dos protagonist pro tagonistas as de maior resp responsabilid onsabilidade ade no no contexto contexto do conflito conflito Norte-Su Norte-Sul,l, que opõe as nações ricas às nações pobres (Editorial da Revista Política Externa Independente, nº 3, 1965).
Jânio Quadros e o contexto contexto interno da política externa externa
A eleição do conservador Jânio Quadros pela UDN (União Democrática Nacional) – com Goulart do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) eleito de forma independente como vice, o que era possível na época – vem provar que não existe uma relação linear entre política externa e interna. interna . O Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos (da UDN mineira), era igualmente um conservador. conservador. Premido pela situação interna e pelas aceleradas transformações mundiais, Jânio Quadros lançou a PEI, superando muitas limitações dos governos Vargas Vargas e Kubitschek. Geralmente, um governo conservador tem maior margem de manobra para promover uma alteração de rumos desse tipo. Para tanto, soube tirar proveito do impacto internacional gerado pelo advento da administração John F. Kennedy e da Revolução Cubana, buscando inspiração no n o nacionalismo do Presidente francês Charles de Gaulle, que visava autonomia para a França dentro da Aliança Ocidental. Desde o início de seu breve governo, Quadros manteve um discurso crítico aos Estados Unidos. Aliás, antes já se encontrara com os líderes de Cuba e da União Soviética, Fidel Castro e Nikita Nik ita Krushov. O embaixador americano a mericano Berle Jr. foi tratado com descortesia pelo presidente, que também se negou a romper com Cuba. Reformou o Itamaraty e reatou relações diplomáticas com vários países do Leste Europeu, iniciando igualmente tratativas tratativas para o reatamento com a União Soviética. Com relação a um antigo aliado conservador, conser vador, Portugal, governado pelo ditador Antônio Salazar, Quadros buscou certo distanciamento e passou a apoiar ostensivamente as independências de Angola e Moçambique, ao mesmo tempo em que criticava o apartheid sul-africano. sul-africano. Quando a CIA (Agência Central de Inteligência) patrocinou a invasão invasão anticastrista da Baía dos Porcos, Quadros assinou um acordo de cooperação com o Presidente argentino Arturo Frondizi, criando uma frente de resistência contra os riscos de intervenção norte-americana na América Latina. Ao mesmo tempo em que sua diplomacia provocava a Casa Branca, sua política econômica alinhava-se alinhava-se com o FMI. Muitos analistas consideram que a política externa era uma compensação progressista ao conservadorismo interno (político e econômico). Contudo, a questão era que a ausência de reformas sociais privava a nova base produtiva produtiva de um mercado interno de porte correspondente, além da ausência de capitalização, problemas agravados durante o Governo JK. Assim, o capitalismo instalado em território brasileiro necessitava de mercados externos e de investimentos estrangeiros, obrigando o país a buscar parcerias adicionais no Primeiro Mundo, mas igualmente a abrir novas frentes nos países socialistas e no nascente Terceiro Terceiro Mundo. O desenvolvimento estaria bloqueado se as relações internacionais se limitassem a um hemisfério dominado pelos Estados Unidos. No início, os conservadores não gostavam da PEI, mas achavam que o presidente “sabia o que estava fazendo”. Com o tempo, a diplomacia passou a polarizar a política
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nacional ainda de forma mais intensa que o nacionalismo dos anos 1950, especialmente porque suas ações ultrapassaram os limites até então vigentes. As origens e racionalidade da PEI
A Política Externa Independente, que identificou o discurso diplomático brasileiro de janeiro de 1961 a março de 1964, tem sido considerada por muitos como uma experiência perdida entre dois períodos de alinhamento com os Estados Unidos. Outros a avaliam como uma mera manobra tática, tanto em termos de política interna como externa. Alguns a apresentam como um exercício de voluntarismo inconsequente que teria contribuído para o desencadeamento do golpe de 1964, enquanto outros a enxergam como uma tentativa tentativa corajosa de buscar autonomia internacional, com base nas necessidades do desenv desenvolvimento olvimento industrial do Brasil. Prova Provavelmente, velmente, todos têm razão, de uma ou de outra maneira. Mas talvez seja necessário acrescentar que ela marcou o ponto de inflexão em nossa história diplomática, com o início de uma nova fase da política externa brasileira, a mundial e multilateral.15 Esta nova fase sucede um longo período, que se inicia na Colônia e se estende até o fim do século XIX e foi marcado pela inserção voltada para a Europa e a construção do espaço nacional. Do início do século séc ulo XX à década de 1960, prevaleceu uma segunda fase definida pela lógica hemisférica e pela aliança com os Estados Unidos. Porém, como visto, os anos 1950 trouxeram uma crescente politização e polarização da política externa, com o antagonismo entre as correntes do americanismo (“entreguismo”) e do neutralismo (“nacionalismo”), segundo José Humberto de Brito Cruz.16 A primeira posição seria expressa pelo General Golbery do Couto e Silva e pela Escola Superior de Guerra (ESG), enquanto a segunda era inspirada por Hélio Jaguaribe e pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Com base nas tensões e na experiência acumuladas nesse período, mas especialmente devido à lógica inerente ao processo de industrialização, os limites são rompidos, e o Brasil busca explorar a relação com outras regiões do planeta e, por meio desta, renegociar a cooperação com Washington. Washington.17 Em 1958, como visto, a OP OPA A prenunciava uma mudança de postura diplomática. Entretanto, o crescimento econômico acelerado ocorrido no Governo JK trouxe algumas consequências indesejáveis, e em 1961 a crise econômica atingia níveis preocupantes. A depreciação dos preços dos produtos primários exportados pelo Brasil era expressiva, enquanto os Estados Unidos já não absorviam um grande volume de exportações brasileiras. Tratava-se do declínio da complementaridade entre as duas economias. A inflação, a dívida externa, as pressões do FMI e a falta de inv investimentos estimentos internacionais completavam co mpletavam o quadro. Acentuara-se o déficit dé ficit provocado por uma saída de capitais superior ao seu ingresso. Brasil Monárquico. Rio 15. SILVA, José Luis Werneck da. As duas faces da moeda. A política externa do Brasil de janeiro: Univerta, 1990. 16. CRUZ, José Humberto de Brito. “Aspectos “Aspectos da evoluç evolução ão da diplomacia brasileira no período da Política Externa Independente”. In DANESE, Sérgio (Org.). Ensaios da História Diplomática do Brasil (1930-1986). Cadernos do IPRI n° 2. Brasília: FUNAG, FUNAG, 1989, 65. 17. VISENTINI, Paulo. Relações exterior exteriores es do do Brasil Brasil (1930-19 (1930-1964): 64): o nacionali nacionalismo, smo, da Era Era Varga argass à Política Externa Independente. Petrópolis: Vozes, 2009.
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No plano sociopolítico a realidade realida de nacional apresentava uma nova faceta. A eleição de Jânio Quadros contou com o dobro de sufrágios em relação à de 1945, evidenciando quantitativamente quantitativ amente uma mudança que era, em essência, qualitativa. A urbanização e a industrialização alteraram o perfil da sociedade brasileira, dando assim novo sentido à atuação política e à prática dos dispositivos da Constituição de 1946, uma e outra sob pressão de segmentos populares e das classes médias. Essa situação refletiu-se na política exterior brasileira, que cada vez mais passou a ser objeto de disputas ideológicas e galgou posição importante no debate político nacional. O contexto mundial, por seu turno, apresentava transformações significativas, no início dos anos 1960. A Comunidade Econômica Europeia e o Japão haviam completado sua recuperação econômica e se voltado a competir economicamente em algumas áreas com os Estados Unidos, rearticulando r earticulando certa clivagem entre os países desenvolvidos. O processo de descolonização, ao estender o sistema westfaliano ao conjunto do planeta com a emergência de dezenas de novos Estados independentes, mudava significativamente a face do sistema mundial. A atuação política destes alterava sensível sensível e progressivamente o equilíbrio da ONU e encontrava expressão e continuidade no nascente Movimento dos Países Não Alinhados. Pode-se afirmar que só então o Terceiro Mundo materializava-se como realidade influente nas relações internacionais, tendendo a esboçar uma terceira posição. O campo socialista, sob hegemonia soviética, consolidava-se no plano econômico e diplomático, tornando-se uma nova alternativa dentro do sistema mundial, enquanto a Revolução Cubana produzia um forte impacto na América Latina e obrigava a política norte-americana a uma importante mudança de perspectiv perspectiva. a. A formulação e os percalços da aplicação da PEI
É nesse contexto interno e externo que conservadores como o Presidente Jânio Quadros e seu Chanceler Afonso Arinos formalizam a diplomacia que era caracteriPolítica Externa Independente (PEI), melhor definida e aprofundada zada como uma Política pelo Chanceler San Tiago Dantas. O impacto que a personalidade de Jânio Quadros exerceu não pode ser minimizado. Durante a campanha e depois de eleito ele sinalizou sinaliz ou claramentee a emergência de uma nova linha diplomática, clarament diplomática , com visitas a Havana e Moscou, com vistas a produzir impacto na imprensa. Seu adversário, nacionalista e “de esquerda”, não teve coragem para tanto, e era necessário romper com certas posturas diplomáticas que estavam se tornando anacrônicas e disfuncionais. Os princípios da PEI podem ser aglutinados em cinco postulados básicos: a) a defesa da paz, da coexistência pacífica e do desarmamento geral; b) o apoio aos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos, dentro da estrita obediência ao Direito Internacional; c) o suporte à emancipação dos territórios ainda não autônomos sob qualquer designação jurídica; d) autonomia na formulação de projetos de desenvolvimento econômico e na implementação de ajuda internacional; e) a ampliação dos mercados externos para a produção produçã o brasileira através de facilidades alfandegárias em relação à América Latina e a intensificação do comércio com todos os países, inclusive os da comunidade socialista.18 18. DANTAS, San Tiago. Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Civilização Brasileira, 1962, p. 6.
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Taticamente, a PEI retomava certas linhas básicas da OPA, agora em uma con juntura mais favorável. Buscava também alcançar uma posição de maior autonomia diplomática, ampliando sua atuação do subsistema regional para o sistema mundial através da exploração das possibilidades oferecidas pelo novo contexto internacional. A par desses aspectos, a PEI empregou o nacionalismo como forma ideológica de integração dos esforços para promover a industrialização brasileira, que paralelamente tanto gerava apoio interno durante os momentos de crise quanto articulava forças políticas visando a resistir às pressões dos Estados Unidos, que contribuíam para a obstrução do desenvolvimento nacional. A postura de converter a política externa em um instrumento para a concretização de um projeto nacional de desenvolvimento, desenvolvimento, já esboçada pelos governos dos anos 1950, amadurece. A situação de crise aguda fez com que as vacilações anteriores anteriores fossem deixadas de lado. Quadros apresentava a PEI não como uma terceira, mas sim com uma “quarta posição” nas relações internacionais, já que a viu não como neutralista ou não alinhada, apesar do seu evidente parentesco com essas duas atitudes. Para ele, ela se caracterizava, pragmaticamente, pela defesa da independência em relação aos blocos, pelo estabelecimento de relações econômicas com todos os Estados, mantendo, entretanto, os princípios democráticos e cristãos. Ou seja, como quase neutralismo. Apesar de seu curto governo (sete meses), Jânio Quadros revolucionou revolucionou as relações exteriores do Brasil. A heterodoxia diplomática contrapunha-se, entretanto, à ortodoxia político-econômica interna, a qual visava conquistar a confiança da comunidade financeira internacional. O programa de austeridade recebeu aplausos do FMI, o que permitiu um melhor tratamento para a dívida externa e um relativo sucesso no plano econômico externo, mas que se revelou apenas um alívio temporário. O Itamaraty passou por uma ampla restruturação, ampliando sua capacidade de ação e criando setores especializados em assuntos africanos e leste-europeus. Os poucos meses de Governo Quadros foram bastante movimentados no campo da política exterior. No tocante às relações com o campo socialista, iniciaram-se as providências para o reatamento diplomático com a União Soviética, e foi enviada a Missão João Dantas à Europa Oriental para tratar de estreitamento de vínculos comerciais, particularmente com a República Democrática Alemã. À República Popular da China dirigiu-se uma missão oficial encabeçada pelo Vice-Presidente João Goulart. A questão da inclusão na agenda da ONU do problema do ingresso da RP da China nesse organismo recebeu apoio brasileiro. Além Além disso, o presidente condecorou o cosmonauta Iuri Gagarin e os integrantes da Missão de Boa Vontade Vontade da União Soviética. A oposição a essa política foi ferrenha fe rrenha por parte dos grupos conservadores, mas Jânio não pareceu intimidar-se. Com relação ao Terceiro Mundo, Quadros apoiou explicitamente o processo de descolonização, particularmente da África portuguesa. A firmeza do presidente frente a Lisboa evidenciou-se, por exemplo, quando contrariou Salazar no incidente do navio português Santa Maria. O apoio à descolonização da África lusitana possuía objetivos materiais bem definidos, pois a manutenção de vínculos entre as colônias (concorrentes da produção primária brasileira) e suas metrópoles dificultava dificultava as exportações nacionais, além do que as jovens nações constituíam um mercado alternativo (troca de produtos industriais pouco sofisticados por petróleo). Quadros considerava que o Brasil, por
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sua dupla origem europeia e africana e pelo fato de não haver sido uma potência colonial, poderia servir de ponte para África. No mundo afro-asiático foram criadas várias embaixadas e consulados. Foram enviados também emissários diplomáticos à Conferência Neutralista do Cairo e à Conferência dos Não Alinhados em Belgrado. Essa postura terceiro-mundista representava uma alteração sem precedentes dentro da política exterior brasileira. No tocante ao subsistema regional, as tensões não foram menos graves. A Revolução Cubana adquire tal repercussão continental que leva os Estados Unidos a alterar sua política latino-americana, transitando do descaso dos anos 1950 em relação aos pedidos de ajuda ao desenvolvimento, para a implantação de um vasto programa de auxílio externo de nítido conteúdo reformista, r eformista, a Aliança para o Progresso, que esvaziou o que restava da Operação Pan-Americana. Pan-Americ ana. Tal Tal aliança era claramente c laramente uma resposta respost a da administração democrata de Kennedy ao desafio representado por Havana. O Brasil a considerava insuficiente mas necessária, pois a ALPRO era afinada à ideologia da PEI em seu chamado reformista. Afinal, segundo o discurso oficial, esta buscava “o interesse do Brasil, visto como um país que aspira ao desenv desenvolvimento olvimento e à emancipação econômica e à conciliação histórica entre o regime democrático representativo representativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da classe trabalhadora pela classe proprietária” (DANTAS, p. 5). Apesar dessa alteração na conduta de Washington, a diplomacia brasileira acabou defendendo a não intervenção e a autodeterminação em relação a Cuba. Em abril de 1961 fracassava o desembarque contrarrevolucionário apoiado pela CIA na Baía dos Porcos. O Brasil preocupava-se sobremaneira com os rumos dos acontecimentos, e aproveitava a situação para implementar uma aproximação com a Argentina. Alguns dias depois do fracasso da Playa de Girón é assinado o Tratado de Uruguaiana, prevendo consultas mútuas no campo das relações exteriores, o intercâmbio de informações e a aproximação econômica Brasil-Argentina, aberta também aos demais países latino-americanos. Logo em seguida, Quadros condecorou o Ministro da Economia “Che” Guevara, quando este retornava retornava de Punta del Este, onde fora lançada a Aliança para o Progresso. Tratava-se Tratava-se da afirmação da autonomia brasileira face aos Estados Unidos, embora de forma teatral. Obviamente a linha de Quadros na política exterior despertou ferrenha oposição. A crise eclodiu neste contexto e Quadros, que enviara seu vice, Goulart, considerado “esquerdista”, à República Popular da China, no comando de uma missão comercial e diplomática, aproveitou a conjuntura para apresentar sua renúncia. Premido por contradições crescentes, o presidente renuncia na esperança de receber poderes excepcionais, mas o golpe de Estado falha e tem início uma crise política que terá seu desfecho somente em 1964. Os militares e os setores conservadores negam-se a permitir o regresso do Vice-Presidente Vice-Presidente João Goulart, que se encontrav encontravaa na China. Será preciso que o Movimento pela Legalidade, deflagrado a partir do Sul pelo governador Leonel Brizola com suporte do III Exército, contando com apoio da esquerda e de amplos segmentos populares, garanta a posse de Goulart, embora com poderes limitados pela adoção do parlamentarismo, que vigorou até janeiro de 1963. O governo Goulart terá permanentemente um caráter improvisado, gastando boa parte de seu esforço tentando ocupar seu espaço institucional para enfrentar a crise que se agravava perigosamente. perigosamente.
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A PEI sob o parlamentarismo e San Tiago Dantas
Durante o Gabinete Tancredo Neves, San Tiago Dantas ocupou o Ministério das Relações Exteriores, levando o PEI ao seu auge e concretizando algumas providências iniciadas no Governo Quadros, Quad ros, como, por exemplo, o reatamento reatame nto com a URSS. A animosidade americana para com o governo brasileiro e sua diplomacia intensifica-se com a posse de Goulart, e agrava-se em janeiro de 1962 durante a Reunião Reuniã o dos Chanceleres Americanos em Punta del Este. Nela, o Brasil defendeu a negociação de um acordo de obrigações negativas negativas com Havana para evitar a adesão da ilha ao campo soviético, bem como a possibilidade de intervenção americana. Cuba é expulsa da OEA, com a abstenção do Brasil e de outros países. Além disso, as encampações de empresas estrangeiras promovidas por Brizola e outros governadores e a aprovação da lei limitando a remessa de lucros ao exterior levaram Brasília à rota de colisão com Washington. Washington. O FMI interrompe seus empréstimos ao Brasil, obrigando Goulart a retomar o caminho latino-americano esboçado por Quadros em Uruguaiana. Um dos resultados dessa política, além de maior acercamento acerca mento à Argentina, foi a viagem presidencial ao México. Méxic o. A escalada do antagonismo Brasil-EUA Brasil-EUA aprofundava-se com atitudes como a condenação implícita do Brasil à política nuclear americana e o voto contra as explosões atômicas na atmosfera, ambas assumidas durante a Conferência sobre o Desarmamento em Genebra. Embora o fato em si não fosse decisivo, a conjuntura regional e o estado das relações bilaterais conferiam-lhe certa gravidade. Mais sério fora, sem dúvida, a questão da Remessa de Lucros e as encampações promovidas por Leonel Brizola (e outros governadores), cuja audácia irritava profundamente o governo americano. Uma última possibilidade de acordo deu-se com a ida de San Tiago Dantas a Washington, Washington, então na qualidade de Ministro da Fazenda. O regime parlamentarista e a instabilidade político-social levaram o governo a promover várias reformas ministeriais. Em julho de 1962, Dantas é substituído na chancelaria por Afonso Arinos que em setembro passa a ser ocupada por Hermes Lima. Em junho de 1963, Evandro Cavalcante Lins e Silva torna-se titular do cargo e, em agosto, a gosto, Araújo Castro, permanecendo até a derrubada do governo, em 1964. O presidencialismo, por seu turno, foi restabelecido em decorrência da emenda constitucional baseada no plebiscito em janeiro de 1963. Araújo Castro e a última fase da PEI
As concessões feitas por Dantas aos americanos visavam a liberação de recursos para o Brasil. Descontente com o que qualificou de “negociata” quanto às encampações, Brizola ocupou uma cadeia de rádio denunciando os acordos que seriam assinados por Goulart. As profundas repercussões políticas levaram à queda de San Tiago Dantas, a qual eliminou a possibilidade de qualquer acordo com Washington. Signo dessa atitude foi a renúncia de Roberto Campos, embaixador nos Estados Unidos. Esses fatos coroaram um processo de inviabilização da PEI, iniciado com a Crise Cr ise dos Mísseis M ísseis de outubro de 1962, quando a argumentação até então defendida defendida pela diplomacia brasileira perdeu sua sustentação material. A partir desse momento a ingerência americana na política interna brasileira, concretamente na preparação da derrubada do governo de João Goulart, passa a ser decisiva. decisiv a. Todavia, Todavia, não se pode afirmar que a PEI executada por Goulart não tenha
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procurado acordos com Kennedy, com quem tinha boas relações, e, até, adotando certa postura conservadora. Ele acatou aca tou a negação de vistos de entrada a personalidades mundiais que desejavam participar participar do Congresso Internacional da Solidariedade a Cuba em abril de 1963 e demonstrou certa frieza para com os movimentos de libertação da África portuguesa, que buscav buscavam am solidariedade do Brasil. A CIA intensifica o apoio aos setores conservadores, que articulam a formação de grupos paramilitares, e a entidades como o IPES e o IBAD, além de infiltrar agentes no Nordeste brasileiro, temendo teme ndo as Ligas Camponesas. Afinam-se os contatos conspiratórios dos norte-americanos e os civis e militares, assim como com os governos estaduais anti-Goulart, concedendo a estes últimos recursos da Aliança para o Progresso sem que satisfações fossem dadas ao governo central. Preparava-se o golpe de Estado com o apoio americano, enquanto o país mergulhava na bancarrota econômico-financeira e na radicalização política. Esse quadro levou o governo a uma quase imobilidade e falta de reação quanto às investidas de Lacerda, ao contrabando de armas vindas do exterior, à ação dos institutos, ao adestramento das polícias estaduais pelos Estados Unidos (Ponto IV) e à atuação aberta da Embaixada americana (que obtivera uma quota exagerada para a entrada de cidadãos americanos) dentre tantos outros incidentes. O próprio Estado nacional e a burocracia federal pareciam par eciam desconectar-se, com São Paulo, Minas Gerais, Guanabara e outros estados atuando à revelia do governo central no estabelecimento de contatos internacionais. O assassinato de Kennedy, Kennedy, em novembro de 1963, faz parte, muito provavelmente, da ampla reação. Os Estados Unidos, há pouco humilhados em Cuba, reagiam tentando evitar o que consideravam uma revolução (ou uma desintegração) em marcha no Brasil e enfrentando o nacionalismo populista em todo o continente. Paralelamente, a Casa Branca ampliava seu grau de envolvimento no Vietnã. O Marechal Castelo Branco pressionava o governo a renovar o Acordo Militar com os Estados Unidos, vigente desde 1952, e que Goulart protelava. Ele é rev revalidado alidado em 30 de janeiro de 1964. Os fatos se precipitam, culminando com a deposição de Goulart em 2 de abril. A mudança então operada na política externa do país, a partir de então alinhada com Washington, evidencia a aversão americana à PEI. Mas essa situação caracterizou apenas os primeiros governos governos militares, pois a linha relativarelativamente autônoma da diplomacia voltada para o âmbito mundial retornará à cena com Pragmatismo mo Responsável na primeira metade dos anos 1970 (embora de forma o Pragmatis menos “politizada”).19 Um balanço da Política Externa Independente
A PEI é interpretada de forma diferente pelos estudiosos. Para fins acadêmicos, essas interpretações podem ser dividid divididas as em três abordagens: diplomáticas, econômicas e sociais. A primeira destas abordagens, a diplomática, é constituída por três teses. Uma delas considera a PEI como uma resposta da política externa brasileira às aceleradas 19. FONSECA Jr., Gelson, “Mundos diversos, argumentos afins: afins: notas sobre aspectos doutrinários da política externa independente e do pragmatismo responsável”, in ALBUQUER ALBUQUERQUE, QUE, José Augusto Guilhon (Org). Sessenta anos de Política Externa Independente. São Paulo: Cultura, 1996. Vol. 1.
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transformações internacionais, em particular o surgimento de novos atores, ou a modificação do caráter de alguns, cujas necessidades e anseios estavam fora dos centros dominantes. Uma outra tese, derivada da anterior, vê a PEI como uma política conscientemente utilizada para questionar o status quo e buscar uma inserção internacional diferenciada para o país, ou, dito mais claramente, renegociar a forma de subordinação. A terceira tese centra a atenção nas relações Brasil-EUA e sua crescente deterioração, entendendo a PEI como uma forma de reação nacionalista ao hegemonismo norte-americano. As abordagens econômicas, por sua vez, são compostas também por três teses. A primeira considera a PEI como uma reação à deterioração dos termos do comércio exterior, devido devido à queda contínua dos preços das matérias-primas, daí a busca constante de novos mercados. A segunda tese é, de certa forma, um aprofundamento aprofund amento e ampliação da anterior: a PEI é entendida como instrumento diplomático do Interesse Nacional, isto é, como elemento do processo process o de desenvolvimento industrial brasileiro. A terceira considera a PEI uma política de país capitalista dependente de pendente que já esboça traços de um “subimperialismo”, “subimperial ismo”, que reage à potência dominante mas que procura garantir sua área de influência. Finalmente, a abordagem sociológica interpreta a PEI como resultado das transformações internas da sociedade brasileira, tais como o surgimento de novos segmentos sociais em função da acelerada urbanização e industrialização do país, e dos efeitos políticos daí decorrentes. Estes diferentes enfoques não são excludentes entre si. Bem ao contrário. Considera-se Considera-se que abarcam distintos aspectos de uma mesma realidade histórica, produzidos pela observação a partir de ângulos e interesses teóricos específicos. Nesse sentido, trata-se de segmentos de uma mesma totalidade. Esta totalidade não constitui, entretanto, mera soma ou simples interação entre estes diferentes fatores, igualmente importantes. Existe um enfoque que, em última instância, confere razão de ser aos demais e constitui o fio condutor do processo histórico. A partir desses elementos teóricos e dessa realidade histórica, considera-se que a projetoo coerente, articulado e sistemático visando a transformar a PEI constitui um projet atuação internacional do Brasil . Até então a diplomacia brasileira havia sido basicamente o reflexo da posição que o país ocupava no cenário mundial. Assim, a “política externa para o desenvolvimento” que Vargas ensaiou nos anos 1930 era ainda parte de uma conjuntura específica, que se alterou a partir da guerra. Na passagem dos anos 1950 aos 1960, devido ao processo de industrialização brasileiro e à progressiva alteração do contexto internacional, a política externa procura tornar-se um instrumento indispensável para a realização de projetos nacionais , no caso a industrialização e o desenvolvimento desenv olvimento de um capitalismo moderno. Este constitui o elemento dinâmico da PEI, dentro do qual os demais fatores fatore s devam ser entendidos. É esse o plano que confere sentido ao nacionalismo que marcou o período. Sem dúvida, a emergência e a concretização desse projeto encontram-se marcadas por tensões e até contradições, o que vai ser visível em todos os governos entre 1951 e 1964, mas especialmente no seu fracasso. A partir desta visão de projeto nacional, torna-se mais objetiva a aglutinação dos múltiplos fatores que interagem na formulação de uma nova linha nas relações exteriores do Brasil, ligados à tentativa de uma nação periférica de barganhar a
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reformulação de sua relação de dependência: é fundamental a relação existente entre a política exterior executada pelo Brasil e as necessidades, tanto táticas quanto estratégicas, de seu projeto de desenvolvimento desenvolvimento industrial substitutivo de importações. Assim, Assim, a postura diplomática que atinge o seu ponto culminante na PEI decorreu de fenômenos internos, ao qual se agregaram também componentes externos. No que se refere ao campo interno, estes fenômenos detêm tanto natureza econômico-social quanto político-ideológica. Os anos 1950 constituem a década da emergência dos setores populares e segmentos médios no quadro de um regime democrático-liberal e de uma sociedade em acelerada urbanização. Essa base social ampliada, à qual é necessário acrescentar uma articulada burguesia nativa (ligada sobretudo à produção de bens de consumo populares), populares), dará razão de ser ao nacionalismo, que a partir de 1951 constitui uma espécie de ideologia oficial do populismo brasileiro. O nacionalismo agregava ao Estado maior legitimidade como representação representa ção dos interesses coletivos, coroando certos interesses convergentes entre o operariado e a burguesia brasileira. Pode-se salientar que a implementação do desenv desenvolvimento olvimento industrial nacional entrava em choque, em muitos pontos, com os interesses da potência hegemônica. A esse marco mais geral, deve-se acrescentar que esses choques ampliavam-se ampliavam-se e explicitavam-se explicitav am-se com maior intensidade nos momentos de crise cr ise econômica, especialmente quando do estrangulamento do setor externo. A orientação diplomática da PEI respondia à atitude dos Estados Unidos com relação à América Latina, percebida com de “descaso” até a Revolução Cubana. Esse fenômeno caracterizava-se pela ausência de inv investimentos estimentos públicos norte-americanos para a área de infraestrutura. O “descaso” transformava-se em forte pressão política e econômica quando as nações latino-americanas tomavam qualquer atitude visando modificar, ainda que parcialmente, as relações de dependência, dependênc ia, para lograr o desenvolvimento nacional. Nesse contexto, a diplomacia brasileira reagiu de forma ousada, colocando em prática muitos elementos de sua retórica nacionalista. A PEI também estava vinculada aos fenômenos externos, em uma época de grandes transformações no sistema internacional tais como: a recuperação econômica da Europa Ocidental e Japão (como alternativas comerciais e de financiamento do desenvolvimento); a descolonização, particularmente da África (que ao tornar-se independente, perdia vantagens tarifárias como concorrente brasileira e tornava-se um mercado alternativo de produtos industriais); a consolidação do campo socialista, em especial a emergência da URSS à condição de potência mundial (constituindo elemento de barganha brasileira com os Estados Unidos e mercado potencial); o surgimento do Movimento dos Países Não Alinhados, decorrente da emergência do Terceiro Mundo (movimento cujas posturas no campo político e econômico interessavam à diplomacia brasileira); e a Rev Revolução olução Cubana. Este novo contexto permite ao país transitar de uma diplomacia voltada ao subsistema regional, para uma realmente mundial. José Humberto de Brito Cruz também introduz um elemento importante na análise da PEI: sua divisão em três fases bem demarcadas.
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Na prime primeira, ira, domin dominada ada pela pers personali onalidade dade enig enigmátic máticaa de Jânio Quad Quadro ross – cujas cujas simpatias por De Gaulle, Nasser e Tito são bem conhecidas –, a diplomacia brasileira opera em um quadro conceitual que é, no essencial, o mesmo do neutralismo, distinguindo-se deste apenas por motivos concernentes à estratégia de obtenção, para o Brasil, de uma posição de liderança no Terceiro Mundo. Em uma segunda fase (agosto de 1961 – outubro de 1962), verifica-se uma certa continuidade da linha anterior, anterior, mas a polarização ideológica no plano interno tende a relegar a PEI para um plano secundário da vida nacional. À medida que evolui a crise interna, a diplomacia independente torna-se um peso para o governo parlamentarista, que se vê, ainda, na contingência de ter de abrandar o tom no relacionamento com os Estados Unidos, a fim de aplacar a gritaria conservadora interna. Na fase final (1963-1964), sob a influência de Araújo Castro, a PEI revigora-se e, valendo-se de um cenário internacional propício, propício, abandona definitivamente toda afinidade com o neutralismo, encontrando na questão do desenvolvimento um veio diplomático que já se rev revelava elava riquíssimo quando a experiência foi interrompida pelo golpe militar – o que não impediu, diga-se de passagem, que o mesmo veio fosse retomado, posteriormente, pelos próprios governos militares. militares. 20
O fracasso da PEI está associado à queda do populismo no Brasil. Desde a segunda metade de seu governo, João Goulart não consegue mais controlar a situação interna e é empurrado pelos setores esquerdistas para uma radicalização, o que acirra perigosamente as contradições do regime. O agravamento dos confrontos sociais e políticos, além de paralisar a economia e levar os Estados Unidos a uma reação sem precedentes, ameaçou as próprias bases capitalistas do projeto populista, deixando o governo sem alternativas, o que explica sua paralisia nos momentos finais. Sem um mínimo de consenso interno, a política exterior passa a atuar no vazio, e às palavras não correspondiam os atos. Tanto no plano interno como externo, a PEI esteve no cerne do contexto que levou à reação conservadora, e seu fracasso tem de ser relativizado. Tratava-se de uma experiência inédita, que tirava a diplomacia brasileira de suas modestas perspectivas regionais e reativas, arrojando-a a uma dimensão internacional e a uma postura ativa. Essa mudança estava associada às necessidades do desenvolvimento econômico, mas sofreria um retrocesso durante os primeiros anos do regime militar, o qual adotou uma orientação ideológica de segurança nacional e alinhamento com os Estados Unidos. Entretanto, a PEI revelou revelou-se -se muito mais precoce que equivocada, pois alguns de seus postulados foram retomados pela diplomacia dos militares ao final da primeira metade dos anos 1970 com o chamado Pragmatismo Responsável (embora já tivesse sido encaminhada nos governos Costa e Silva e Médici). Nessa ocasião, o Brasil volta a buscar uma maior margem de manobra no plano internacional, retornando a uma política exterior realmente de dimensões mundiais e destinada à consecução de objetivos objetiv os econômicos internos, embora usando uma linguagem menos ideológica. 20. CRUZ, op. cit , p. 75.
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Capítulo 3
O regime regime milita militarr, o “Brasil potência” e a transição democrática O objetivo do capítulo é examinar o período de 1964 a 1990, a partir da análise da política externa e do projeto de desenvolvimento nacional desta fase, que engloba o regime militar (1964-1985) e o início da transição democrática (1985-1990). Além disso, avalia as mudanças do contexto internacional e a inflexão das relações hemisféricas e globais do país, indicando suas interligações. Em 3.1, “Segurança, desenvolvimento e autonomia no regime militar (1964-1979)” são avaliadas as prioridades dos primeiros governos militares: o breve recuo da gestão Castelo Branco ao âmbito hemisférico e a retomada da visão de potência média e de relações internacionais globais para o Brasil pelos governos de Costa e Silva, Médici, e o auge desta experiência expe riência com Ernesto Geisel e o Pragmatismo Responsável e Ecumênico. O item 3.2, “Apogeu, crise e resistência
Capítulo 3
O regime regime milita militarr, o “Brasil potência” e a transição democrática O objetivo do capítulo é examinar o período de 1964 a 1990, a partir da análise da política externa e do projeto de desenvolvimento nacional desta fase, que engloba o regime militar (1964-1985) e o início da transição democrática (1985-1990). Além disso, avalia as mudanças do contexto internacional e a inflexão das relações hemisféricas e globais do país, indicando suas interligações. Em 3.1, “Segurança, desenvolvimento e autonomia no regime militar (1964-1979)” são avaliadas as prioridades dos primeiros governos militares: o breve recuo da gestão Castelo Branco ao âmbito hemisférico e a retomada da visão de potência média e de relações internacionais globais para o Brasil pelos governos de Costa e Silva, Médici, e o auge desta experiência expe riência com Ernesto Geisel e o Pragmatismo Responsável e Ecumênico. O item 3.2, “Apogeu, crise e resistência num contexto adverso (1979-1990)” avalia a última administração do regime militar com João Figueiredo e os desafios da transição democrática e as inflexões do modelo de desenvolvimento econômico-social da década de 1970. Na sequência, aborda a política externa da Nova República (1985-1990) com José Sarney.
[Os Estados Unidos passaram] a idealizar um novo ordenamento ordenamento mundial, à base de uma concepção de ‘cinco centros de poder’, quais sejam os Estados Unidos, a União Soviética, a China, o Japão e a Europ Europaa Ocidental. Em repetidas oportunidades oportunidades temos procurado demonstrar a precariedade dessa fórmula político-diplomática, que parrece li pa ligar gar-se -se a mod modali alida dades des do pe pensa nsame mento nto eur europe opeuu da dass pr prime imeir iras as dé déca cadas das do sé sé-culo XIX. Cogita-se, na realidade, de transportar para o plano mundial certas ideias idei as e concepções que prevaleceram para a construção e tentativa de consolidação do antigo ‘concerto europeu’. A concepção pentagramática parece [contudo], destinada ao malogro. [Tal] política não poderia ser a nossa, [pois] prejudica sobretudo os interesses intere sses dos países médios ou supermédios (...) que têm perspectivas enormes diante de si. Para os países industrializados ou para os países menores, sem viabilidade para maiores voos (...), essa política de congelamento determina, na realidade, poucas preoc pr eocupa upaçõe ções. s. O dev dever er inte interna rnacio cional nal do Bra Brasil sil,, [cont [contudo udo], ], é o de luta lutarr no sent sentido ido da remoção de todos os fatores externos suscetíveis de representarem um óbice à livre e desimpedida expansão de seu Poder Nacional. (...) No caso do Brasil, ainda não atingimos um nível de poder que nos leve a optar pela teoria do congelamento. (Embaixador Araújo Castro, 1974)
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3.1 SEGURANÇA, DESENVOL DESENVOLVIMENTO VIMENTO E AUT AUTONOMIA ONOMIA NO REGIME MILITAR (1964-1979) O regime militar introduziu uma correção de rumos em relação ao nacionalismo populista, visível sobretudo no primeiro governo. Os problemas da dívida externa e do capital estrangeiro reforçav reforçavam am essa percepção. A Doutrina de Segurança Nacional, largamente aplicada no plano interno, externamente limitou-se ao discurso e a uns poucos episódios concretos. Isso levou muitos analistas a estabelecer uma relação mecânica entre a política conservadora interna e a externa identificada como subserviente e pró-americana. Contudo, como o neoliberalismo futuramente viria a demonstrar demonstrar,, no regime militar sobreviveu a noção de projeto nacional de desenvolvimento e, em consequência, a busca de autonomia internacional. A ideia de construir uma potência média industrializada, que remontava ao tenentismo, foi uma orientação do regime. Mas o que de positivo pode ser creditado à política externa foi obra do Itamaraty, que manteve larga margem de autonomia de ação.
A segurança nacional e a política externa (inter)dependente (inter)dependente (1964-1967) Em 2 de abril de 1964 o deputado Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara, assumiu a presidência, enquanto o Supremo Comando da Revolução (integrado pelos comandantes das três armas) decretava o Ato Institucional no 1, dando poderes ao Executivoo para expurgar as principais instituições do país, eliminando o “populismo Executiv subversivo” subversi vo” do cenário político. Um Congresso expurgado elegeu presidente um dos líderes golpistas, o General Humberto Castelo Branco (recém-promovido a marechal), que no dia 15 tomou posse da presidência no novo cargo. Castelo Branco deu garantias de breve retorno à normalidade democrática e apresentou a plataforma da “revolução redentora”: ordem e paz social (eliminação do “perigo comunista”), combate à corrupção e retomada do crescimento por meio do estímulo ao capitalismo privado. Ao longo dos meses seguintes, configurou-se o “golpe no golpe”, pois as Forças Armadas assenhoraram-se do poder poder,, marginalizando lideranças civis tradicionais, como Kubitschek e Lacerda (que esperava ser colocado no poder pelos militares), e passaram passar am a governar apoiadas em tecnocratas. Economistas liberais e pró-norte-americanos, como Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos (apelidado pelos nacionalistas de Bob Fields), foram colocados à testa dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, respectivamente. Uma das primeiras medidas do novo governo foi revogar a Lei de Controle da Remessa de Lucros e aplicar um pacote de medidas econômico-financeiras para conter a inflação e o déficit orçamentário: compressão compressão salarial e do crédito, corte nos gastos públicos, desvalorização cambial e redução da emissão monetária. Paralelamente, os ministros da área econômica chegaram a um acordo com os Estados Unidos para o pagamento das empresas encampadas pelo Governo Goulart, como a mineradora Hanna e a Amforp (energia elétrica), além a lém de promulgar uma lei dando garantias aos inv investimentos estimentos de empresas estrangeiras. Embora o FMI julgasse as medidas “gradualistas”, “gradualistas”, o governo norte-americano (USAID, Agência dos Estados Unidos para o Desenv Desenvolvimento olvimento Internacional) e instituições
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sob seu controle – ALPRO, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – socorreram imediatamente os militares brasileiros, liberando centenas de milhões de dólares que haviam estado bloqueados durante a presidência de Goulart. No início de 1965 também o FMI e o Banco Mundial passaram a liberar recursos, enquanto igualmente tinha início o afluxo de novos investimentos (em escala modesta). Assim, estabilizaram-se as finanças, embora em um quadro recessivo bastante forte. Isso, aliado à desarticulação dos partidos, sindicatos e do movimento popular, recuperava a confiança da comunidade financeira internacional no Brasil. Costuma-se considerar a política econômica do primeiro governo militar meramente conjuntural e saneadora. Contudo, o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) (PAEG) introduzia também certas reformas r eformas de médio e longo prazo, fundamentais para a construção de um capitalismo moderno no Brasil. A reforma tributária centralizava, tornava eficiente e aumentava a arrecadação; criava-se o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional, dotados de amplos poderes; introduziam-se as Obrigações Reajustáveis Reaju stáveis do Tesouro Tesouro Nacional Nacion al (ORTN, títulos do governo corrigidos pela inflação) e a correção monetária também para as cadernetas de poupança; finalmente, o governo implantava o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Banco Nacional da Habitação (BNH). O FGTS destinava-se a indenizar empregados demitidos, que a partir de agora perdiam a estabilidade que antes possuíam após dez anos de serviço, o que reestruturava completamente o mercado de trabalho. Os recursos do fundo eram investidos no BNH, fomentando o setor da construção civil. Teoricamente destinados à moradia popular, os recursos acabaram sendo empregados em habitações de classe média, infraestrutura para empresas e em projetos viários urbanos. Como diretrizes da política externa do Governo Castelo Branco, pode-se identificar a dimensão hemisférica voltada aos Estados Unidos, uma abertura amplamente favorecida ao capital estrangeiro e a ênfase nas relações bilaterais. Ao assumir, Castelo Branco tratou de desmantelar as realizações e os princípios da PEI, o ideário da OPA e a autonomia brasileira diante da divisão bipolar do mundo e da hegemonia norte-americana na América Latina. Ao lado do bilateralismo, estão os conceitos de ocidentalismo e anticomunismo, defendidos ardorosamente em um momento em que, passada a Crise dos Mísseis de outubro de 1962, o confronto bipolar perdia intensidade, ainda que regionalmente a figura de Fidel Castro crescesse e, mundialmente, o envolvimento norte-americano no Vietnã se agravasse. A política externa do novo n ovo governo posicionava os países subdesenvolvidos dentro do conflito Leste-Oeste, abandonando o enfoque do antagonismo Norte-Sul. Segundo Mario Gibson Barboza, a política externa do Governo Castelo Branco consagrou “a dicotomia maniqueísta da Guerra Fria, para proclamar uma necessidade de alinhamento do Brasil (com os Estados Unidos), de modo a evitar uma ‘híbrida ineficiência’. ineficiên cia’. Dessa conceituação é que resultou a política de realinhamento automático com os Estados Unidos, cuja expressão máxima foi a participação militar do Brasil na intervenção da República Dominicana”.1 Contudo, tal política objetivav ob jetivava, a, segundo Oliveiros Ferreira, Ferreira , “construir um Poder Nacional que faça do Brasil uma potência ouvida no concerto dos fortes e respeitada naquele dos fracos; seus objetivos, sempre pragmáticos, carrear 1. BARBOZA, Mário Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 158.
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recursos externos para fortalecer o Poder Nacional; (a ideia) do campo em que se exerce, [...] a teoria dos círculos concêntricos de atuação”.2 Essa política, como foi visto, representava principalmente os interesses virtuais da burguesia internacionalizada, através da implantação de um modelo de desenvolvimento dependente e associado. Este, da mesma forma que o desenvolvimentismo de JK, procurava incrementar a expansão do Departamento 2 da economia industrial, ou seja, a produção de bens de consumo durável destinados à classe média. Tal Tal projeto permitia convergir com os interesses transnacionais, abandonando-se a produção de bens de consumo popular (Departamento 3) aos segmentos mais débeis da burguesia nacional e só desenvolvendo os bens de capital (Departamento 1), sobretudo com apoio estatal, quando isso fosse demandado pelo núcleo dinâmico da economia, evitando, portanto, atritos com o capital estrangeiro. Esse projeto, como foi analisado, estava intimamente vinculado à implantação de um modelo político elitista de corte liberal-democrático, que não incluía a ideia de reforma social. Como consequência disso, o mercado interno teria um incremento insuficiente, forçando a diplomacia do país a buscar novos mercados no exterior.. Para o governo, esses mercados seriam principalmente os latino-americanos, o exterior que permitiria estabelecer uma associação mutuamente vantajosa com os Estados Unidos. Nessa linha, Castelo Branco afirmou no Congresso Nacional que “o Estado não será estorvo à iniciativa privada”, afirmando ainda que “entregaria o governo ao seu sucessor legitimamente legitimamente eleito pelo povo no dia 31 de janeiro de 1966”. Sobre as relações exteriores, destacou que a independência do Brasil constituirá o postulado básico da nossa política internacional. Todas Todas as nações amigas contarão com a lealdade dos brasileiros, que honrarão os tratados e os pactos celebrados. cele brados. Todas Todas as nações democráticas e livres serão nossos aliados, assim como os povos que quiserem ser livres pela democracia representativa representativa contarão com o apoio do Brasil para a sua autodeterminação. As históricas alianças que nos ligam às nações livres das Américas serão preservadas e fortalecidas. Farei Farei o quanto em minhas mãos estiver para que se consolidem os ideais do movimento cívico da nação brasileira nestes memoráveis dias de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções que a tornaram irreconhecível. Não através de um golpe de Estado, mas como uma revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas forças armadas, traduziu a firmeza de nossas convicções. Nossa vocação é a da liberdade democrática democrática – governo da maioria com a colaboração e o respeito das minorias. 3
Tratava-se de uma nova e peculiar concepção de “autodeterminação”. Tratava-se O discurso de Castelo Branco aos formandos do Instituto Rio Branco, em 31 de julho de 1964, explic explicitou itou o concei c onceito to de interdependência das decisões de política internacional, legitimador de muitas posturas adotadas pela diplomacia brasileira. Segundo o presidente, 2. O Estado de São Paulo , 31/3/1974, p. 29. 3. Jornal do Brasil, 16/4/1964, p. 3.
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na presente conjuntura de confrontação de poder bipolar, com radical divórcio político-id políti co-ideológi eológico co entre os o s respectivo resp ectivoss centros c entros de poder, a preservaç preservação ão da da independência pressupõe a aceitação de um certo grau de interdependência, seja no campo militar ou no político. Consideramos nosso dever optar por uma íntima colaboração com o sistema ocidental, em cuja preservação repousa a própria sobrevivência sobrevivência de nossas condições de vida e dignidade dignidade humana. 4
A ideia de interdependência, por sua vez, vincula-se a de fronteiras ideológicas, na medida em que é preciso constituir constituir uma forte aliança interamericana interamericana para o combate às novas ameaças à soberania dos Estados (subversão). O momento demanda novos conceitos e novas opções por parte do governo brasileiro, a fim de que ele ajude a manter a integridade do Ocidente, impensável sem o respeito à hegemonia norte-americana e sem a luta contra o comunismo.5 Nesse contexto, o Itamaraty, em documento confidencial, aceitou a tese norte-americana de integração continental, inclusive no seu componente militar: O governo brasileiro considera útil o novo conceito do princípio da soberania, que deveria estar fundamentado na existência de um sistema político-social, e não nas obsoletas fronteiras físicas ou políticas. O princípio de interdependência deve ter sentido prático, tanto na aliança proposta como na OEA, que poderia se encarregar e ncarregar de certos deveres, obrigações obr igações e direitos di reitos até at é agora de competência exclusiva dos governos dos respectivos países. A ideia de interdependência já tem raízes profundas e cada dia se enraíza mais, por meio de vários tipos de contatos e atitudes comuns, não apenas no campo cultural e político mas também na estreita estreita colaboração e cooperação cooperação militar. militar. 6
Dentro da concepção dos círculos concêntricos de atuação, a noção de interdependência implicava a revisão do conceito de Segurança Nacional e a limitação do de soberania, em defesa da interdependência. Ao analisar os conceitos de autodetermina autodetermina-ção e não intervenção, o chanceler Juracy Magalhães argumentou que, no contexto das relações internacionais de então, ambos só seriam conciliáveis através da segurança coletiva e do sacrifício da noção de soberania nacional. Em conferência no IRBr em novembro de 1966, afirmou explicitamente que o governo brasileiro tem plena consciência das dificuldades que cercam o problema de criar-se o mecanismo destinado a resguardar a segurança coletiva, porque nesse ponto se fazem mais vivos os resquícios de soberania nacional naci onal ilimitada. (Contudo), avançamos para o estabelecimento de uma nova ordem, em base internacional, na qual a consciência da interdependência dos povos substituirá o conceito de soberania nacional, e na qual os interesses gerais preva pr evalece lecerão rão sob sobre re os espe especiai ciais. s. [...] Não há sobe soberan rania, ia, há libe liberd rdade ade dos Esta Estados, dos, (e esta) é essencialmente e ssencialmente contingente: restringe-se na proporção dos progressos progressos da solidariedade. 4. SCHILLING, Paulo. O expansionismo brasileiro: a geopolítica do general Golbery e a diplomacia do Itamaraty.. São Paulo: Global, 1981, p. 23. Itamaraty 5. Ibid, e CUNHA, Vasco Vasco Leitão da. Diplomacia em e m alto-mar. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, Vargas, 1994, p. 270-1. 6. SCHILLING, op. cit., p. 24.
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No campo diplomático, o Governo Castelo Branco representou um verdadeiro recuo, abandonando o terceiro-mundismo, o multilateralismo e a dimensão mundial da Política Externa Independente, regredindo para uma aliança automática com os Estados Unidos e para uma diplomacia de âmbito hemisférico e bilateral. O que embasava tal retrocesso era a geopolítica típica da Guerra Fria, teorizada pela ESG, com seu discurso centrado nas fronteiras ideológicas e no perigo comunista. Em troca da subordinação a Washington Washington e do abandono da diplomacia desenvolvimentista, o Brasil esperava receber apoio econômico. O chanceler Juracy Magalhães chegou a afirmar que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Como prova de lealdade ao “grande irmão do norte”, o Brasil rompeu relações com Cuba em maio de 1964, em um gesto carregado de simbolismo, mostrando que o país eliminava qualquer traço “esquerdista” de sua política. Na sequência dessa linha, a pedido de Washington, enviou tropas à República Dominicana em junho de 1965 sob bandeira bandeir a da OEA, com o fim de evitar que a guerra civil daquele país gerasse uma “nova Cuba”. A atitude brasileira danificou enormemente enormeme nte a imagem do Brasil na América Latina. Somando-se à crescente cr escente projeção da economia econ omia brasileira sobre os vizinhos, a intervenção deu conteúdo ao conceito de subimperialismo , que passou a ser empregado em relação à diplomacia do regime militar brasileiro. No mesmo sentido, a ditadura também apoiou, no âmbito da OEA, a tentativa norte-americana de constituir uma Força Interamericana de Defesa, que seria responsável por futuras intervenções em países da região ameaçados pela subversão interna ou externa. Por oposição dos demais países, tal proposta não foi aprovada. O Brasil voltava a ter uma política, ainda que discreta, de projeção de poder (tanto político como econômico) e descaso com as demais nações latino-americanas, sempre se alinhando com a Casa Branca. O Brasil manteve suas relações diplomático-comerciais com o bloco soviético, mas reduziu sua intensidade e seu peso político. Contudo, a aproximação aproximaç ão feita em relação à China Popular durante a PEI foi rechaçada, inclusive com a prisão e a tortura de nove membros do escritório comercial da China no Rio de Janeiro, Jane iro, acusados de “subversão” e “expulsos” somente um ano depois. Houve, igualmente, um afastamento em relação aos países afro-asiáticos e ao Movimento dos Países Não Alinhados. Na I UNCTAD UNCTAD (Confederação das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento, solicitada pelos países em desenvolvimento do Terceiro Mundo), que ocorreria durante o golpe, o Itamaraty substituiu os delegados e adotou um tom discreto. Na ONU propriamente dita, a diplomacia do Brasil voltava a alinhar-se com o Primeiro Mundo, no qual o país esperava ingressar sozinho. Essa situação, que Amado Cervo denominou “um passo fora da cadência”, era entretanto um reajuste de rumos, não uma ruptura. Muito dessa diplomacia de “república “r epública bananeira” devia-se a aspectos aspec tos políticos internos do regime, que buscava diferenciar-se politicamente do passado recente (“colocar a casa em ordem”), e à criação de novos condicionamentos para a retomada do processo de desenvolvimento, dessa vez de uma perspectiva socialmente conservadora e politicamente autoritária. As referências à reforma social, que marcaram a PEI, desapareceram. O Brasil parecia estar interessado em dar provas de estabilidade para recuperar a confiança do capital estrangeiro. Mas certa margem de autonomia foi mantida, como a recusa do Brasil à solicitação norte-americana para enviar tropas ao Vietnã. Vietnã.
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O MRE se manteve como um dos principais depositários de algo que se pode chamar de “projeto nacional”. O Itamaraty foi a única instituição não expurgada por Comissões de Inquérito externas. O próprio MRE afastou por aposentadoria uma meia dúzia de diplomatas mais exaltados durante o período da PEI, colocou outros na “geladeira” (postos em países secundários) por certo tempo, e a perspectiva menos explicitamente politizada de Araújo Castro (o último chanceler de Goulart) foi retomada no governo seguinte. A razão da tolerância dos militares se devia à sua percepção dos diplomatas como “militares à paisana”. A rígida estrutura hierárquica, o alto nível de especialização técnica e a linguagem unificada unificada do Itamaraty lhe auferiam certa confiança política por parte dos novos detentores do poder. Por isso, o MRE manteve sua autonomia em um primeiro momento, evitando danos maiores, e passou depois a ocupar a posição de “conselheiro do príncipe”. A política externa do regime foi se tornando semelhante à PEI, granjeando autonomia ao país, principalmente por haver sido formulada no ministério competente, no qual uma geração de diplomatas ingressara durante o auge do nacional-desenv nacional-desenvolvimentismo. olvimentismo. Em janeiro de 1967 foi promulgada uma nova Constituição, que incorporava as medidas implantadas pelo governo, centralizava as estruturas político-administrativas, Federativa do e alterava o nome do país de Estados Unidos do Brasil para República Federativa Brasil . Simultaneamente à nova Constituição, foram promulgadas uma Lei de Imprensa e uma Lei de Segurança Nacional, institucionalizando as medidas coercitivas do novo regime. Com relação à educação, especialmente e specialmente a universitária, foi assinado um importante acordo com a USAID para a reforma do ensino no Brasil. Contudo, todas estas medidas destinavam-se mais a preparar um novo quadro institucional democrático do que à manutenção da ditadura propriamente dita, pois, como lembra Carlos Estevam Martins, “justamente porque propõe a abertura da economia para fora, o liberal-imperialismo reclama a abertura do Estado para dentro”. Em acurada análise, esse autor afirma que a segunda política é vista como garantia da primeira, (pois) o Estado de Direito (desde que mantido nos limites da concepção liberal) caracteriza-se por ser extremamente suscetível de manipulação por parte dos interesses que dominam o setor privado da economia. Como em um país que optou pelo desenvolvimento dependente esses interesses dominantes que controlam os polos dinâmicos do sistema econômico são justamente os interesses da burguesia internacionali zada, (é) compreensível compreensível a resistência resistência que o liberal-imperialismo liberal-imperialismo opõe tanto às tendências populistas que deslocam os centros de poder em direção às classes dominadas, quanto às tendências autoritárias, estrito senso, que retêm o poder no interior do aparelho de Estado. A democracia representativa de corte liberal surge, assim, como a fórmula que permite a maximalização do poder político da burguesia internacionalizada, internacionalizada, dado um contexto em que a outra alternativa disponível maximalizaria o poder da burocracia burocracia estatal.
Além disso, é preciso considerar que o próprio capital estrangeiro é capitaneado por um segmento interessado no mercado nacional ou regional (por oposição ao que se volta para o mercado metropolitano ou extra-hemisférico), que “erige em ideal
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o método democrático-liberal de resolução de conflitos e alocação de valores, [...] (capaz de) lograr um equilíbrio mais ‘natural’ entre o planejamento da produção e as possibilidades do consumo.7
Costa e Silva Sil va e a “Diplomacia da Prosperidade” (1967-1969) A ausência de uma reação de maiores proporções ao golpe, a recessão econômica e a exclusão-subordinação dos golpistas civis produziram importantes divergências internas no primeiro governo militar, o que se refletiu na escolha do futuro presidente, o General Arthur da Costa e Silva, então Ministro do Exército. Os segmentos da burguesia que dependiam do mercado interno ou que sofriam a concorrência das empresas transnacionais favorecidas pelo governo manifestavam seu descontentamento por meio das entidades empresariais, como a Federação Nacional das Indústrias. A eles logo se juntaram os militares da linha-dura nacionalista. nacionalista. Castelo Branco era próximo do grupo da ESG (cujo grande ideólogo era o general Golbery do Couto e Silva), de linha “liberal e internacionali internacionalista”, sta”, isto é, adepto de uma intervenç intervenção ão política mais limitada e próximo dos Estados Unidos e do capital estrangeiro. Já a chamada “linha-dura”, se era favorável a métodos políticos mais violentos e a uma intervenção mais profunda na sociedade, por outro lado apoiava o nacionalismo desenvolvimentista, desenvolvimentista, como seus colegas e rivais de esquerda, que haviam sido expulsos das Forças Armadas. A indicação de Costa e Silva representou, em certa medida, uma resposta da “burguesia nacional” e da linha-dura nacionalista, contrariando o grupo castelista. Politicamente, o Estado passou gradativamente de uma posição de subordinação barganhada em relação às transnacionais, para uma postura de negociação ativa e, inclusive, inclusiv e, de antagonismos localizados. Além disso, desenvolveu desenvolveu um núcleo dirigente através da criação e revitalização de órgãos aparentemente técnicos, mas dotados de um poder de decisão estratégica. Estes, com o esvaziamento das funções dos partidos políticos, tornaram-se o verdadeiro centro do poder, através da emergência de uma burocracia pública e privada interrelacionada, responsável pela mediação entre a base social do regime e a cúpula dirigente. Dentro dessa burocracia, os militares militare s passaram a exercer um controle ainda maior (inclusive na economia), com o avanço da linha-dura, com a tarefa de manter a estabilidade política. A quase fusão dos componentes político e econômico nas mãos dos militares gerou nestes uma concepção de que Segurança e Desenvolvimento eram componentes inseparáveis. O verdadeiro jogo político restringiu-se a três forças, assim definidas por Carlos Estevam Martins: a) o liberal-imperialista , projeto p rojeto suste sustentado ntado por um segmento especí específico fico da burguesia bur guesia internacionalizada em aliança com os setores militares, da bur burocracia ocracia civil e da tecnobur tecnoburocracia ocracia [...] ‘castelistas’; b) o reacionário-oportunista [...], partido menor sem chances chances reais reais de empolgar o poder poder,, vinculado a ideologias ideologias meramente negativas do anticomunismo e antiprogressismo em geral, cujos membros são recrutados em órgãos periféricos do Estado (Aeronáutica ou 7. MARTINS, Carlos Estevam, 1975, p. 27.
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Mari nha; coma Marinha; comandos ndos meno menoss express expressivos ivos do Exérc Exército; ito; segmen segmentos tos margin marginais ais do setor público da economia; órgãos do aparelho repressivo; ministérios de segunda grandeza como o da Justiça, cuja importância correlaciona-se com situações de crise), e são provenientes das esferas secundarizadas da economia e da sociedade (interesses agrários e mercantis de tipo tradicional, segmentos segmentos conservadores da Igreja, órgãos obscurantistas do sistema educacional e cultural), (e) em seu conjunto repr representa esenta uma força relativamente inexpressiva inexpressiva desde que o sistema seja capaz de assegur assegurar ar um nível mínimo de ordem social e prosperidade econômica; c) o nacional-autoritário que constitui a corrente ascendente desde a queda do castelismo e, mais notadamente, desde a posse de Médici, (uma) espécie de partido burocrático burocrático da emancipação nacional. 8
Tendo sido definido neste enunciado o grupo “reacionário-oportunista”, e no capítulo anterior o “liberal-imperial “liberal-imperialista”, ista”, cabe analisar então o “nacional-autoritári “nacional-autoritário”, o”, que a partir de agora passará a ter uma importância crescente. Esse grupo tem sua matriz socioeconômica no setor público, público , ao contrário do nacional-populismo, que se vinculava diretamente à burguesia nacional. Na medida em que seu modelo social enfatiza a manutenção do status quo, e que seu modelo econômico supõe que o ingresso de capital necessita ter uma contrapartida em um aumento proporcional das exportações de mercadorias, seu nacionalismo projeta-se para fora. Isso torna necessária a aceitação do projeto internacional brasileiro pelos Estados Unidos, bem como da realocação dos mercados para produção das transnacionais para fora da área hemisférica. O objetivo do grupo nacional-autoritário consistia em lograr o desenvolvimento desenv olvimento industrial por substituição de importações, priorizando um ritmo acelerado para par a o mesmo, sem levar em conta os custos, sobretudo sociais. soc iais. Daí a necessidade de um modelo político repressivo, excludente e desmobilizador de massas, com um poder fortemente concentrado em um pequeno grupo de policy makers, uma espécie de “despotismo esclarecido”. Como resultado, produz-se um agrupamento de forças em que os setores populares e a oposição ao regime atuam em convergência com os “liberal-imperialistas” “liberal-imperialistas” e os interesses norte-americanos, norte-americanos, o que de fato viria a ocorrer como resultado da estratégia de abertura política e União Nacional tentada por Costa e Silva. Hélio Beltrão e Delfim Neto foram nomeados, respectivamente, Ministros do Planejamento e da Fazenda e atenuaram a política monetarista de seus antecessores, retomando o desenvolvimento econômico, que atingiu um crescimento de 9,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em e m 1968. O Programa Estratégico de Desenvolvimento Desenvolvimento do governo estabeleceu o controle dos juros, atenuou o aperto financeiro e favoreceu os setores da indústria pesada e da energia. Consolidou-se o papel econômico do Estado, que além de orientar e coordenar no plano macroeconômico criava criava empresas estatais nos setores estratégicos, que não interessavam ao capital estrangeiro nem ao privado nacional. Curiosamente, o regime militar, que tinha como um dos seus objetivos objetiv os reverter o estatismo inerente ao nacional-populismo, acabou lançando mão dos mesmos métodos, de forma ainda mais radical. 8. MARTINS, MARTINS, op. cit., 1972, p. 34.
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As relações internacionais também representaram uma ruptura profunda em relação ao governo anterior, contrariando frontalmente Washington. Washington. A diplomacia da prosperidade do chanceler Magalhães Pinto, como política externa voltada para a autonomia e o desenvolvimento, assemelhava-se muito à PEI, embora sem fazer referência à reforma social. Ressaltava que a détente (distensão) entre os Estados Unidos Unid os e a União Soviética fazia emergir o antagonismo Norte-Sul, opondo países ricos e pobres. Em função disso, definia o Brasil como nação do Terceiro Mundo (e não do “Ocidente”), propugnando uma aliança com este com vistas a alterar a lterar as regras injustas do sistema internacional. Tal foi a tônica na II UNCTAD, em que o discurso do representante brasileiro valeu-lhe a indicação para a presidência presidê ncia do recém-criado Grupo dos 77, bem como a recusa em assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). O Grupo dos 77 era um movimento de países do Terceiro Mundo que visava o desenvolvimento, uma espécie de versão econômica dos Não Alinhados. Alinhados. Na América Latina, o Itamaraty passou a criticar a criação de uma Força Interamericana de Paz e propôs a integração regional “horizontal” e a cooperação nuclear, além de buscar relacionar-se com as nações ibero-americanas por meio da Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana (CECLA) e não da OEA, em um enfoque que se afastav afastavaa do pan-americanismo e buscava o latino-americanismo. Propôs também uma cooperação com os países latino-americanos, e a ênfase da Diplomacia da Prosperidade foi o desenv desenvolvimento olvimento e a soberania nacional, contrapondo-se frontalmente à “Política Externa Interdependente” de Castelo Branco, que enfatizav e nfatizavaa a Segurança Nacional antiesquerdista. A mudança na situação política internacional, no sentido da progressiva e crescente diluição dos blocos, tornou a política brasileira de alinhamento mais e mais inócua, e deslegitimou a diplomacia do grupo castelista. A estratégia subimperialista é abandonada também em decorrência da diferença existente entre as conjunturas internas dos dois governos. Com Costa e Silva, se não há ruptura, há pelo menos trânsito para uma posição diferente. As bases principais dessa nova postura de inserção Prosperidade, eram a passagem da prioridade brasileira no mundo, a Diplomacia da Prosperidade da segurança para o desenvolvimento de senvolvimento e a percepção de que o desenvolvimento, em vez de condicionado à ajuda externa, deveria ser resultado de um processo endógeno. Nesse sentido, a política externa deveria consistir, conforme Magalhães Pinto, “na constante e acurada avaliação da dinâmica internacional, a fim de identificar e procurar remover os obstáculos externos que se opõem ou podem vir a opor-se ao projeto nacional”.9 A política exterior de Costa e Silva, colocada no rumo do interesse do país, ou seja, da sua soberania, representou o abandono da doutrina da interdependência e das fronteiras ideológicas, formulada pelo Governo Castelo Branco.10 Os resultados obtidos com o alinhamento automático ficaram muito distantes do prometido. Percebeu-se que o conflito Leste-Oeste cedera lugar ao Centro-Periferia (Norte-Sul), bem como chegou-se à conclusão de que convinha a reforçar o poder e ampliar a margem ação protagônica do Sul. Por outro lado, havia um sentimento de traição: enquanto o Brasil 9. PINTO, Magalhães. A política externa do Brasil, Conferência na Escola de Aperfeiçoamento Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército, 29/11/1968. 10. BANDEIRA, Moniz. op. cit .,., 1989, p.167.
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permanecia fielmente impermeável a qualquer entrosamento mais prolongado com os países do mundo socialista, os Estados Unidos, sob o pretexto de um comportamento realista, obtinha todas as vantagens de poder que tal relacionamento podia trazer. A percepção das relações de poder do período sobre de que maneira o Brasil deveria posicionar-se sofreu influências profundas da teorização de Araújo Castro (chefe da missão brasileira junto à ONU, de 1968 a 1971).11 Com a Diplomacia da Prosperidade, a nacionalização da segurança tornou-se um elemento estrutural da política externa brasileira. Ela foi impulsion impulsionada ada principalmente pela convergência de dois fatores: o temporário congelamento da bipolaridade no sistema internacional, que se seguiu à crise dos mísseis em Cuba, e o malogro do diálogo Norte-Sul, consubstanciado nos impasses da UNCTAD UNCTAD e outros fóruns. A argumentação do representante brasileiro na ONU em 1963, durante a PEI, sobre a situação internacional, foi retomada integralmente pelo novo governo. Em conferência proferida na 11ª Região Militar, Militar, em junho de 1967, o Embaixador Paulo Nogueira Batista argumentava que a um contexto bipolar de tensões mundiais Leste-Oeste, sucede gradualmente uma situação de policentrismo e (de) divisão do mundo no sentido Norte-Sul. [...] O aumento da área de coincidência entre entre a URSS e os Estados Unidos se realiza à custa da coesão dentro das respectivas alianças, (com) [...] ambos entrando em choque com seus aliados tradicionais. (Neste contexto), enquanto em 1950 os países subdesenvolvidos detinham uma participação de um terço no comércio mundial, em 1962 essa participação se havia reduzido a um quinto. (Daí), a grande fonte de tensões passa a ser cada vez mais o subdesenvolvimento, subdesenvolvimento, (com) os problemas de segurança cedendo prioridade aos de desenvolvimento.
Considerando que o desen desenvolvimen volvimento to é o principal problema latino-americano, propõe a substituição dos conceitos de segurança coletiva e soberania limitada, pelos de segurança e soberania nacionais: Recai essencialmente sobre sobre as forças armadas de cada país latino-americano a responsabilidade, eminentemente soberana, de defender as instituições nacionais contra agressões externas e subversões internas.
Com o Governo Costa e Silva os conceitos c onceitos de segurança e desenv desenvolvimento olvimento pas12 saram a associar-se estreitamente. A diplomacia brasileira procurou ampliar e diver diver-sificar mercados externos, obter preços melhores e estáveis para os produtos nacionais, além de esforçar-se pela atração de tecnologia e capital estrangeiros, com o intuito de manter o esforço de desenv desenvolvimento. olvimento. A integração regional passou a ser vista como um processo a ser concretizado através de entendimentos intergovernamentais, repudiando a vertente supranacional ditada pelos Estados Unidos e pelo capital internacional. No plano mundial, o desenvolvimento era concebido via cooperação terceiro-mundista, com a aliança dos pobres contra os ricos, em um quadro de confrontação com as nações industrializadas e solidariedade militante com o Terceiro Terceiro Mundo. 11. MIY MIYAMOTO AMOTO e GONÇAL GONÇALVES, VES, op. cit .,., p. 25-9. 12. CERVO e BUENO, op. cit .,., p 364-6.
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As responsabilidades mundiais dos Estados Unidos, por outro lado, inviabilizariam os benefícios de qualquer associação regional com esse país. Em Punta del Este realizaram-se duas conferências paralelas, uma pan-americana e outra exclusivamente latino-americana, em que o Brasil apoiava ativamente a integração via aperfeiçoamento e convergência dos subsistemas regionais. No mesmo contexto, o Itamaraty Itamarat y participou na criação da CECLA (Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana), à margem da OEA, visando excluir os Estados Unidos e esvaziar seu projeto de associação hemisférica. Além de críticas abertas à ALPRO, Costa e Silva propôs ainda a criação de uma Comunidade Latino-Americana do Átomo. No plano mundial, foi nos fóruns multilaterais que a Diplomacia da Prosperidade concentrou seus maiores esforços. Nelas, o Brasil atacou com veemência a divisão internacional do trabalho, que discriminava os países em desenvolvimento. Na II UNCTAD, UNCT AD, realizada em Nova Delhi em 1968, a delegação brasileira recebeu instruções para “virar a mesa”, em uma atuação que valeu a escolha de Azeredo da Silveira Silveira como Presidente do Grupo dos 77. A primeira reunião de ministros dessa organização, realizada em Argel, teve no Brasil um de seus principais mentores. Isso, no entanto, não permite considerar que Costa e Silva retomou exatamente os mesmos objetivos da PEI, como sustentou Moniz Bandeira.13 Contudo, implicou importante alteração de rumos, a qual levou à emergência de crescentes divergências com os Estados Unidos e críticas de membros do governo anterior. A viagem que Costa e Silva realizou à Europa, Ásia e aos Estados Unidos, pouco antes de tomar posse, foi acompanhada, poucos dias depois, pela do chanceler Juracy Magalhães. Além do caráter insólito e “pouco diplomático” do fato, a divergência de discursos de ambos em cada etapa da viagem serviu para evidenciar a mudança na política exterior. Isso para não mencionar o grave incidente em Washington, Washington, ocorrido entre o recém-eleito presidente e Lincoln Gordon, então subsecretário de Estado para a América Latina nos Estados Unidos. Depois de assumir o poder, em solenidade realizada em abril, a bril, no Itamaraty, Itamaraty, Costa e Silva fez um pronunciamento em cadeia nacional sobre a política externa do Brasil. O discurso definiu o conjunto da Diplomacia da Prosperidade. O nome Itamaraty evoca Rio Branco, o estadista que deu a consolidação do nosso patrimônio territorial e a prioridade de tratamento exigida pelas circunstâncias históricas, desenvolvendo ação diplomática que consagrou a nossa vocação pacifista. Cumpre agora valorizar o patrimônio recebido em benefício do homem brasileiro. Para Para tão importante tarefa, desejo mobilizar a nossa diplomacia em torno de motivações econômicas, de maneira a assegu assegurar rar a colaboração externa necessária para a aceleração do nosso desenvolvimento. A capacidade de adaptar-se às exigências de cada época figura entre as melhores tradições do Itamaraty. A diplomacia do Brasil sempre se baseou na clara identificação dos interesses e na apreciação serena e realista do momento internacional, em busca de soluções mais compatíveis com os propósitos e as necessidades nacionais. Essa tradição de objetividade e pacifismo será mantida. A política exterior do meu governo refletirá, em sua plenitude, as nossas justas 13. BANDEIRA, Moniz. op. cit .,., 1989, p.168.
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aspirações de progresso progresso econômico e social, no inconformismo com o atraso, a ignorância, a doença e a miséria, em suma, a nossa intenção de desenvolver intensamente o país.
A seguir, a questão da soberania, soberania , ainda que no âmbito exclusivo exclu sivo do bloco capitalista, adquiria vulto. Por outro lado, dentro do condicionamento geográfico, coerente com as tradições culturais e fiel à sua formação cristã, o Brasil está integrado ao mundo ocidental, e adota o modelo democrático de desenvolvim desenvolvimento. ento. Estaremos, porém, atentos a novas perspectivas de cooperação e de comércio comércio resultantes da própria dinâmica da situação internacional, que evoluiu da rigidez de posições, característica característica da Guerra Fria, Fria, para uma conjuntura conjuntura de relaxamento relaxamento de tensões. Ante o esmaecimento da controvérsia controvérsia Leste-Oeste, não faz sentido falar em neutralism n eutralismo, o, nem n em em e m coincidênc coi ncidências, ias, nem posições automáti automáticas. cas. Só nos poderá guiar o interesse nacional, fundamento permanente de uma política externa soberana.
Enquanto o discurso diplomático produzia grande atrito com os Estados Unidos, o Brasil buscava retomar a cooperação tecnológico-nuclear com várias nações, bem como aprofundar as relações comerciais com os países socialistas. Tal orientação diplomática agravou as relações com os Estados Unidos, que passaram a criticar Costa e Silva e a estabelecer novas alianças e estratégias para recolocar o Brasil no caminho de 1964. Em que medida a política externa do Presidente Costa e Silva contribuiu para a derrocada de seu governo é uma questão ainda em aberto na historiografia. De qualquer forma, ainda que os protestos sociais e o movimento estudantil tenham levado o governo a uma situação insustentável desde 1968, há indícios objetivos de que o presidente se confrontava igualmente com facções pró-americanas das Forças Armadas e com os próprios Estados Unidos. As novas perspectivas perspectivas do governo vão enfrentar problemas crescentes. Em setembro de 1967 políticos tradicionais como Kubitschek e Lacerda lançam a Frente Ampla, visando explorar os novos espaços políticos de oposição. No início do ano seguinte, enquanto a Frente crescia, eclodiu o movimento estudantil, que saiu às ruas em passeatas gigantescas, enfrentando as forças da ordem. Quando foi morto o primeiro estudante, a Igreja passou a manifestar-se abertamente contra a falta de liberdade no país, enquanto reapareciam as greves operárias, especialmente em Osasco e Contagem. Em um clima de radicalização e escalada, os atentados de direita e esquerda tornavam-se frequentes (bombas em jornais e instituições de oposição e quartéis, assaltos a bancos e o assassinato de um oficial americano ligado à CIA). O regime reagiu com crescente violência e proibições, só conseguindo passar à ofensiva em 1969. Nesse quadro de conflito, o governo solicitou autorização do Congresso para processar o Deputado Márcio Moreira Alves, Alves, que pregara o boicote às comemorações do Dia da Independência (7 de setembro de 1968). Face à recusa do legislativo, o presidente baixou o AI 5, que colocou o Congresso em recesso por tempo indeterminado, suspendeu os direitos políticos e civis constitucionais e deu ao presidente plenos poderes para intervir em estados e municípios, e legislar por decreto. Contudo, o governo estava então também dividido e minado por lutas internas. Em agosto de
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1969, o presidente sofreu uma trombose, que viria a incapacitá-lo definitivamente definitivamente dia 31, quando uma junta composta pelos ministros militares assumiu o poder. Esta junta era integrada pelo General Lyra Tavares, Tavares, Almirante Augusto Rademaker e Marechal Ma rechal do Ar Márcio de Souza e Melo. Costa e Silva desaparecia da cena política e viria a morrer meses depois. O fim abrupto do Governo Costa e Silva decorreu da conjunção de fatores externos e internos. Externamente, a Diplomacia da Prosperidade contrariou frontalmente os interesses do governo norte-americano e de certos setores do capital internacional, como é analisado ao longo do trabalho. Internamente, sua presidência foi marcada pela interação de graves conflitos dentro do grupo no poder, e entre este e a oposição, que emergiu com força em 1968, como foi visto. Embora seu programa econômico propiciasse a aliança dos grupos “nacional-autoritário” e “reacionário-oportunista” com segmentos expressivos da burguesia nacional, o projeto de abertura política e união nacional produzia certos problemas estruturais. De um lado, abria espaço para a manifestação da oposição externa ao grupo dirigente, que via no projeto governamental um espaço para tal, além de permitir, com isso, a atuação do grupo castelista e convergência com estes e, seguramente, com apoio dos Estados Unidos. Por outro lado, essa situação inquietava o segmento “reacionário-oportunista” da linha-dura, que também via o governo como fraco e incapaz de manter a ordem interna. Daí o trágico desfecho, e a emergência de uma nova coalizão, contando com o apoio desse último segmento, excluía a abertura política e evitava um confronto aberto com Washington. Washington.
Médici e a ”Diplomacia do Interesse Nacional“ (1969-1974) A Junta Militar, composta por elementos da linha-dura, esteve no poder por dois meses. Nesse período, extinguiu o mandato do vice-presidente (impedindo-o de assumir), baixou uma nova Lei de Segurança Nacional ainda mais rigorosa, introduzindo a pena de morte, e promoveu um novo expurgo expurgo nas Forças Armadas, afastando “elementos que ameaçavam a unidade da instituição”. Tratava-se, obviamente, de um golpe palaciano, cujos meandros não são ainda completamente conhecidos, dando início aos anos de chumbo. A Junta indicou o general Emílio Garrastazu Garra stazu Médici (chefe do Serviço Nacional de Informações – SNI) como presidente, empossado dia 30 de outubro por um Congresso mutilado e recém-aberto. No campo econômico, contudo, as coisas eram diferentes. Como havia declarado o presidente, “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. Durante o Governo Médici, sob o comando do poderoso Ministro da Fazenda, Delfim Neto, a economia cresceu em torno de 10% ao ano entre 1970 e 1973, fenômeno popularizado pelo regime como milagre brasileiro. Os governos anteriores haviam criado uma estrutura e preparado o caminho para tal crescimento, especialmente a presidência de Costa e Silva. Consolidava-se o famoso tripé econômico: as empresas estatais encarregavam-se encarregavam-se da infraestrutura, da energia e das indústrias de bens de capital (aço, máquinas-ferramentas), as transnacionais produziam os bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos) e o capital privado nacional voltava-se para a produção de insumos (autopeças) e bens de consumo popular. A indústria automobilística tornou-se o setor mais dinâmico din âmico
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da economia, atingindo uma produção anual de um milhão de unidades. Longe de gerar rivalidade, o tripé estabelecia uma divisão de trabalho e, uma vez que o crescimento era grande, havia lugar para todos. Apesar do arrocho salarial (Delfim Neto dizia que “era preciso primeiro fazer o bolo crescer, para só depois dividi-lo”), criou-se uma nova classe média de técnicos e profissionais liberais ligada ao “milagre” e fortemente consumidora. Assim, os bens de consumo popular cresceram abaixo da média, enquanto automóveis e eletrodomésticos sofisticados chegavam chegavam a crescer o dobro. Além da forte concentração de renda, também ocorreu grande concentração econômica, principalmente no setor financeiro. A poupança espontânea da classe média e compulsória dos trabalhadores (fundos governamentais como o FGTS) carrearam recursos para investimentos, enquanto as aplicações na Bolsa de Valores Valores passaram a ser comuns para os “novos ricos”. Enquanto ocorriam a pauperização e a redução do nível salarial de parte da população, crescia o mercado interno, de forma estratificada. Mas isso era insuficiente para o nível de crescimento da economia, sendo necessário buscarem-se mercados externos para produtos industriais, como se verá adiante. Repressivo e formalmente pró-americano, mas, por outro lado, desenvolvimentista, dese nvolvimentista, o Governo Médici constitui um fenômeno complexo e contraditório, de difícil explicação. Brasil sil potên potência cia, o aparente Contudo, ao analisar-se sua política exterior e seu projeto de Bra paradoxo torna-se compreensível. A autointitulada diplomacia do interesse nacional do chanceler Mário Gibson Barboza promoveu visíveis alterações de forma em relação à Diplomacia da Prosperidade de Costa e Silva. A solidariedade terceiro-mundista foi abandonada, bem como o discurso politizado (que deu lugar ao pragmatismo), a estratégia multilateral cedeu lugar ao estrito bilateralismo e à via solitária, e as áreas de atrito com os Estados Unidos receberam maior atenção, estabelecendo-se um relacionamento satisfatório. Contudo, além de denunciar a tentativa de “congelamento do poder mundial” pelas grandes potências, a nova política externa tinha objetivos ambiciosos, como o ingresso do Brasil no Primeiro Mundo. Até o final do século [...] construirse-á no país uma sociedade efetivamente desenvolvida, desenvolvida, democrática e soberana, assegurando-se assegurando-se a viabilidade econômica, social e política do Brasil como grande potência (Metas e Bases para a Ação do Governo, 1970, p. 16).
Dessa forma, ao a o lado da aparente convergência com Washington, Washington, o país manteve seus ataques (agora apenas em seu próprio nome) às estruturas do comércio e das finanças internacionais, manteve a recusa de assinar o TNP e avançou o projeto de qualificação tecnológica e construção de uma indústria armamentista nacional. Além disso, a atração de investimentos e tecnologia foi maximizada com o estreitamento de laços com outros polos do capitalismo, como Japão e Europa Ocidental. Esse processo, bem como o desen desenvolvimen volvimento to econômico, foi também facilitado pelo desempenho positivoo da economia mundial entre 1968 e 1973. Forte impacto simbólico teve a ampositiv pliação do mar territorial brasileiro de 12 para 200 milhas em 1970, contra a vontade dos Estados Unidos. Assim, como foi possível conciliar boas relações com os Estados Unidos com um projeto nacionalista-industrializante de grande potência, o que para os governos
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anteriores não fora viável? Os problemas políticos internos do Brasil (combate à guerrilha) produziram uma forma de solidariedade por parte da Casa Branca, em um momento em que governos de esquerda estavam no poder no Chile e no Peru, Pe ru, e em que a Argentina e o Uruguai conheciam uma confrontação política interna que beirava a guerra civil. O Brasil era um aliado necessário para estabilizar a região, principalmente em um momento em que a Doutrina Nixon preconizava um desengajamento relativo dos Estados Unidos e a transferência de determinadas tarefas às potências regionais aliadas (Irã, Israel, Brasil, África do Sul etc.). Nesse sentido, o Brasil cumpriu o papel que Washington Washington esperava, ao fornecer apoio aos golpes de Estado no Chile, no Uruguai e na Bolívia. Existia, portanto, um espaço internacional para a configuração de um projeto de potência média regional e uma conjuntura latino-americana altamente favo favorável. rável. Também Também é importante considerar que a complementaridade econômica entre os dois países era cada vez menor, e que Nixon estava mais preocupado em desengajar seu país do Vietnã e buscar novas estratégias para a recuperação da desgastada hegemonia norte-americana. As rivalidades e disputas entre as agências governamentais foi intensa. No âmbito econômico, os conflitos entre o Ministro da Fazenda e o das Relações Exteriores, Gibson Barboza, eram frequentes fre quentes e explícitos, pois estava em jogo o perfil da orientação internacional que cada um defendia para o Brasil. Delfim Neto apostava apostava em uma cooperação mais estreita com o Primeiro Mundo, pois considerava que o “milagre econômico”, por sua própria dinâmica e lógica interna e externa, implicava implicava em uma parceria privilegiada. Um segmento do Itamaraty, que se tornara mais influente, por outro lado, defendia a retomada de uma orientação que se identificava com certos elementos da PEI, invocando a necessidade de uma maior aproximação com o Terceiro Mundo e os organismos multilaterais. Finalmente, no âmbito da segurança, a articulação com a política externa processava-se, ideologicamente, por meio da Doutrina de Segurança Nacional, cujo conteúdo geopolítico e estratégico definia a necessidade de preservar as “fronteiras ideológicas”. Nesse sentido, o Conselho de Segurança Nacional dava rigidez à política externa, fixando os “objetivos nacionais permanentes”,14 além das interferências do SNI sobre o Itamaraty. Durante o governo anterior, a ênfase no conflito Norte-Sul conduzia tendencialmente a uma aliança dos países em desenvolvimento contra os desenvolvidos, que a nova chancelaria considerava quixotesca e contraproducente. Contudo, o Governo Médici reconhecia a existência do fenômeno imperialista e sua vinculação intrínseca com o processo de desenv desenvolvimento olvimento capitalista em escala mundial. Em uma guinada de 180 graus, o Ministro Gibson Barboza chegou a definir o terceiro-mundismo como uma “concepção ilusória” e “mito da sub-História”, negando-lhe qualquer papel protagônico positivo nas relações internacionais como força política autônoma. Para ele, “os ativistas do Terceiro Terceiro Mundo tentam perpetuar uma divisão estranha e inaceitável entre os povos que fazem a História e aqueles que a sofrem. O Brasil não pertence a esse grupo e nem acredita na existência de um Terceiro Mundo.” Mundo.”15 14. CAMARGO, Sônia de, e OCAMPO, José Vasquez. Autoritarismo e democracia na Argentina e Brasil: uma década de política externa. São Paulo: Convívio, 1988, p. 37. 15. Apud MARTINS, MARTINS, 1977, p. 402
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Tal argumento era fundamentado no balanço negati negativo vo feito pelo governo ao analisar os resultados da primeira década de desenvolvimento. Discursando na XLIX Sessão do Conselho Econômico e Social da ONU em 1970, o Chanceler brasileiro afirmou que, o saldo da década de 60 é um saldo de fracassos. A primeira década não conseguiu reunir os recursos necessários ao desenvolvimento; e não conseguiu provocar pro vocar e motivar a vontade de desenvolvimento [...]. A chamada década do desenvolvimento desenvol vimento foi, na realidade, uma década de paradoxos. Os países ricos enriqueceram, e os países pobres se tornaram ainda mais pobres. 16
As razões apontadas para tal insucesso consistiam em uma avaliação equivocada equivocada da realidade internacional, promovida pelas gestões anteriores, na medida em que se encontrava embasada em mitos e falácias: a do desenvolvimento autogênico, a paternalista e a gradualística gradualística. Segundo Gibson Barboza, a falácia do desenvolvimento autogênico toma como ponto de partida a ideia de que o mundo em desenvolvimento é uma unidade que existe em seu pró prio interio interiorr, e que qu e apenas a penas coexiste com o mundo m undo desenvolvi desenvolvido, do, sem que se verifique, entre os dois qualquer inter-relação. O subdesenvolvimento teria acontecido por acidente geográfico ou histórico. Essa interpretação é falsa [...]. Só começaremos a enxergar os fatos quando encararmos o subdesenvolvimento como um processo mundial, com a sua lógica interna. O subdesenvolvimento é, em grande parte, o produto da divisão internacional do trabalho [...]. Um tal sistema acarreta a manutenção e o agravamento da pobreza através da trans ferência de recursos recursos da periferia para o centro. centro. “A falácia paternalista acredita que o desenvo desenvolvimento lvimento pode ser alcançado através dos laços especiais que ligam certos países desenvo desenvolvidos lvidos a certos países em desenvolvimento.” Já “a falácia gradualística tem como coisa adquirida que q ue o desenvolvimento desenvolvimento é um processo de longo prazo [...]. Essa opinião não é mais que uma extrapolação da experiência dos países desenvolvidos [...]. O erro aqui reside na ignorância de dois fatos importantes. O primeiro é que, à época em que se iniciou a revolução industrial, não havia subdesenvolvimento relativo: havia apenas subdesenvolvimento absoluto [...]. O segundo fato é que estamos testemunhando, hoje em dia, uma aceleração geral da História.” 17
A diplomacia do interesse nacional , preocupada exclusi exclusivamente vamente em tirar proveito das brechas existentes no sistema internacional, enfatizou uma estratégia individual de inserção, estabelecendo relações essencialmente bilaterais, especialmente em direção aos países mais fracos. Tal Tal foi o caso da América do Sul e Central e dos países neocoloniais africanos do Golfo da Guiné, com os quais o Brasil assinou convênios culturais, tecnológicos (concedendo bolsas de estudos para estrangeiros no Brasil) e comerciais, abrindo linhas de crédito para a aquisição de produtos brasileiros. Mais ousada e repleta de consequências foi a aproximação com os países árabes, devido ao aumento gradativo do petróleo desde 1971, o que aumentava seu poder de 16. Documentos de Política Política Externa. Brasília: MRE, 1969/70, p. 143 17. Ibid , p. 145-6.
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compra e obrigava o Brasil a garantir o abastecimento, buscando simultaneamente compensações ao encarecimento das crescentes importações de combustível (que desequilibravaa a balança comercial). A Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, desequilibrav e o subsequente aumento violento e embargo parcial de petróleo viriam a aprofundar qualitativamente qualitativ amente o problema no governo seguinte.
Geisel e o ”Pragmatismo Responsável Responsável e Ecumênico“ (1974-1979) Para a sucessão foi indicado o General Ernesto Geisel, Presidente da Petrobras e chefe da Casa Militar durante o Governo Castelo Branco, que derrotou no Congresso o “anticandidato” Ulysses Guimarães, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), assumindo a presidência em 15 de março de 1974. O novo governo representou a volta dos castelistas ao poder, sobretudo porque o ideólogo e estrategista do grupo, o general Golbery do Couto e Silva, passou a ocupar a chefia da Casa Civil. O principal projeto explícito de Geisel era o encaminhamento do processo de abertura política. O fundamento dessa opção tinha origens tanto estratégicas como conjunturais. No plano estratégico, segundo as concepções do General Golbery, a história política brasileira caracterizava-se por uma alternância de ciclos de centralização e descentralização. Como considerava que o atual regime centralizante estava chegando ao seu limite, acreditava ser prudente antecipar-se aos fatos e preparar uma transição controlada rumo a um regime democrático, a ser estruturado antes que o descontentamento social aflorasse por meio de projetos articulados. Era preciso encerrar o ciclo militar antes que este sofresse um desgaste irreparável e comprometesse as Forças Armadas como instituição. A motivação conjuntural para tal projeto encontrava-se nas profundas dificuldades econômicas em que o país estava mergulhando com a crise do petróleo. O fim do “milagre” anulava um dos instrumentos legitimadores do regime, o sucesso econômico, sendo necessário, portanto, proceder à descompressão política para evitar radicalização e explosão. Passava-se, assim, de um governo em que o debate político era proibido, enfatizando-se apenas as realizações econômicas, para outro em que a temática econômica quase desaparecia, iniciando-se a discussão da abertura política. Evidentemente, tratava-se de um processo difícil, que o governo teria de administrar com cautela, em meio a pressões da oposição e da linha-dura. Assim, o governo precisava ganhar tempo para fazer seu sucessor e, simultaneamente, explorar a abertura como nova forma de legitimação. A transição deveria encerrar a forma discricionária do regime militar, institucionalizando ao mesmo tempo seus objetivos de longo prazo , que permaneceriam no governo civil. O aumento vertiginoso do preço do petróleo no final de 1973 atingiu o Brasil em suas contas externas e no próprio cerne do projeto de desenvolvimento. Os governos militares haviam negligenciado o transporte ferroviário e hidroviário, em proveito do rodoviário, e o público em proveito do individual, o que favorecia as indústrias automobilísticas mobilístic as transnacionais e implica implicava va um crescente consumo de petróleo importado. Apesar de Geisel ter herdado um PIB de 133 bilhões de dólares, uma inflação anual de 18,7% e uma dívida externa de 12,5 bilhões de dólares, o “milagre” legara-lhe problemas estruturais. Estes problemas advinham do fato de que o desenvolvimento
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fora baseado em um modelo que empregava energia importada barata, dependia do afluxo de investimentos de capitais estrangeiros e da utilização de tecnologia também importada. Porém, o aumento do preço do petróleo encarecera as importações brabrasileiras e produzira uma forte recessão nos países industrializados, o que gerou uma queda nos investimentos externos e nas importações de produtos brasileiros por parte destes e de países em desenvolvimento não produtores de petróleo, reduzindo as bases de sustentação do crescimento. No plano interno, o mercado consumidor também se reduzia, colocando a produção e o comércio brasileiros em sérias dificuldades. Dessa forma, a nova equipe econômica, integrada por Mario Henrique Simonsen, no Ministério da Fazenda, Faze nda, e João Paulo dos Reis Velloso, Velloso, no do Planejamento, Plane jamento, precisava pre cisava buscar alternativas urgentes. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado por Geisel em setembro de 1974, longe de adotar uma estratégia defensiva, preparou um aprofundamento do processo de industrialização por substituição de importações, com vistas a tornar-se autossuficiente em insumos básicos e, se possível, em energia. O governo optou por diversificar as fontes de energia, lançando um ambicioso programa de construção de hidrelétricas, usinas nucleares, incremento da prospecção de petróleo (por meio dos contratos de risco com empresas estrangeiras) e produção de álcool para combustível automobilístico (Projeto Proálcool). Além disso, foi intensificada a capacitação tecnológica do país em diversas e importantes áreas, como a nascente informática e a petroquímica, com base em esforço estatal. Aliás, o Estado consolidou-se como maior agente produtivo e possibilitou a reação econômica que o governo estava desencadeando. Embora tivesse de cortar gastos para controlar a inflação, o governo manteve um crescimento econômico que oscilou entre 5% e 10% ao ano, criou 5 milhões de novos empregos e aumentou as exportações em 50%. Contudo, como as importações continuaram altas, lançou-se mão de uma maior tributação (agravando as tensões sociais) e de empréstimos externos. Como havia abundante liquidez no mercado financeiro petrodólares es de juros baixos, contraíram-se empréstimos que, internacional, com os petrodólar devido à elevação elevação brutal dos juros da dívida nos anos 1980, deixariam futuramente o país em situação desesperadora. A reação econômica do Governo Geisel implicava implicava proceder a uma alteração e/ou aprofundamento significativos das relações exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que propiciava propiciava um alto grau de inserção mundial. Isso se tornava ainda mais urgente devido à conjuntura internacional adversa e ao fato de o regime militar haver piorado ainda mais a distribuição de renda, fazendo com que o mercado interno fosse insuficiente para as dimensões da economia. Pragmatismo mo Responsável e EcumêO primeiro passo da diplomacia denominada Pragmatis nico do Chanceler Antônio Azeredo da Silveira foi aproximar-se dos países árabes. O Itamaraty permitiu a instalação de um escritório da OLP em Brasília, apoiou o voto antissionista na ONU e adotou uma intensa política exportadora de produtos primários, industriais e serviços, em troca do fornecimento forne cimento de petróleo. Mais do que isso, o Brasil adotou uma íntima cooperação com potências regionais como Argélia, Líbia, Iraque e Arábia Saudita, sob a forma de joint-ventures para prospecção no Oriente Médio através da Braspetro, e para o desenvolvimento tecnológico e industrial-militar (venda de armas brasileiras e projetos comuns no campo dos mísseis).
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Com relação ao campo socialista, ocorreu um incremento comercial com os países com os quais já possuíamos vínculos, e o surpreendente estabelecimento de relações diplomático-comerciais com a República Popular da China em 1974. É interessante ressaltar que o Brasil passou a cooperar com esses países também em termos estratégicos, como forma de afirmar sua presença autônoma no cenário mundial. Da mesma forma, a atuação brasileira na ONU e nas demais organizações internacionais conheceu um intenso protagonismo, e isso em convergência explícita com o Terceiro Mundo e suas instituições representativas. Na mesma linha, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer rec onhecer o governo marxista do MPLA em Angola, mantendo também estreitas relações políticas e econômicas com Moçambique e outros Estados da Linha de Frente da África Austral. Aliás, a política africana do Brasil conheceu um incremento espetacular nesse período. Mesmo no âmbito das potências capitalistas, Geisel promoveu alterações significativas. Frente ao insatisfatório relacionamento com os Estados Unidos, não hesitou em dar um conteúdo qualitativamente qualitativamente superior ao relacionamento com a Europa Ocidental e o Japão, com os quais incrementou a cooperação comercial, atração de investimentos, transferência de tecnologia e implantação de projetos agrícolas e industriais. Com relação a Bonn e Tóquio, pode-se considerar que se estabeleceu uma cooperação estratégica, que ultrapassou de longe a tradicional política de barganha expressa pela diplomacia brasileira em outras ocasiões. Quando a Casa Branca recusou-se a colaborar com o projeto nuclear brasileiro, o presidente não vacilou em assinar um Acordo Nuclear com a Alemanha Ocidental. Frente às crescentes pressões americanas para desistir do Acordo, particularmente intensificadas após a emergência da política de direitos humanos da administração Carter em 1977, Geisel rompeu o Acordo Militar Brasil-EUA, Brasil- EUA, vigente desde 1952. Também Também é digno de nota o avanço do programa espacial (foguetes e satélites) desenvolvido pelo Brasil, e que gradativ gradativamente amente será vinculado à cooperação com a China Popular. Com relação à América Latina, o Brasil procurou estreitar a cooperação, abandonando o discurso ufanista de grande potência. Iniciou conversações com a Argentina para a solução do contencioso das barragens hidrelétricas da Bacia do Prata, obtendo um acordo durante o governo seguinte. O apoio ao regime militar argentino implantado em 1976 facilitou ainda mais a aproximação. Quando na segunda metade dos anos 1970 surgiram rumores de uma possível internacionalização da Amazônia, o Brasil imediatamente reuniu os países vizinhos e com eles lançou a Iniciativa Amazônica, estabelecendo uma estratégia comum para a exploração da região e reafirmação das soberanias nacionais dos países-membros sobre ela. O Pragmatismo Responsável, como não poderia deixar de ser, despertou a ferrenha oposição dos Estados Unidos, bem como de segmentos conservadores da política brasileira. Geisel precisou mediar constantemente conflitos entre o Conselho de Segurança Nacional, que se opunha a muitos aspectos dessa diplomacia, diploma cia, e o Itamaraty, que a defendia. Um fato interessante foi que, desde a adoção dessa linha diplomática, a grande imprensa internacional passou a atacar ataca r o governo com veemência, denunciando sistematicamente a violação de direitos humanos no país, o que só era feito em escala muito reduzida durante duran te o Governo Médici, o qual foi qualitativamente mais repressivo e não propunha uma abertura política.
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Como interpretar essa evolução diplomática, sob certos aspectos a spectos desconcertante? A política externa do Govern Governoo Geisel, como foi dito, é bastante explorada na literatura especializada. Os autores, muitas vezes, ao se depararem com um discurso propagandístico poderoso e com ações arrojadas, como a assinatura do Acordo Nuclear com a Alemanha, desafiando o poderio norte-americano, tendem a fazer tabula rasa do passado, não percebendo que a política externa de um país – especialmente de um país com tradição diplomática como o Brasil – é construída com base em continuidades, pelo menos quanto a seus objetivos objet ivos de longo prazo. O que mudam são os meio empregados e estilo de atuação. A política externa de Geisel, nesse sentido, faz parte da tradição de política externa brasileira, e também da política externa específica dos militares de forma geral. Compreendê-la demanda entender esses vetores de continuidade – até para que se possam perceber as rupturas. O comportamento pragmático no cenário internacional não era novidade, remetendo ao Governo Costa e Silva. Praticamente, todos os novos espaços explorados pela diplomacia de Geisel já haviam sido abertos no período anterior, o Governo Médici. As mudanças no modelo econômico redimensionaram as estratégicas externas, produzindo um autêntico salto qualitativ qualitativo. o. A grande diferença era a existência no Governo Geisel de um projeto de autonomização econômica do país, como resposta ao desafio gerado pela crise econômica internacional. Apesar de ser um projeto pensado dentro do sistema capitalista e sem reformas sociais, foi ele que entrou em choque com o poder norte-americano. As desavenças com os norte-americanos, que, no período Médici, haviam se situado em áreas de baixo impacto, assumiram envergadura por tocarem em questões conflitivas como a energia atômica. A tentativa de autonomização da indústria de base brasileira e os grandes projetos de infraestrutura capitaneados pelo Estado esbarrariam nos limites do modelo de relação que o Brasil possuía com a potência norte-americana. O Presidente Geisel e os formuladores de sua política externa não hesitaram em utilizar uma alternativa que já fora engatilhada no governo anterior: a enriquecida Europa Ocidental Oc idental e o Japão. Nessas bases deu-se a assinatura do Acordo Nuclear com a Alemanha, em 1975. As pressões norte-americanas pela desistência do tratado, que oportunamente conjugaram-se à política de direitos humanos de James Carter, gerando a mais séria crise na história das relações Brasil-Estados Unidos, levaram Geisel a romper o Acordo Militar entre os dois países, vigente desde 1952 – um ato de caráter muito mais simbólico que efetivo. O pragmatismo não se limitava, todavia, à busca de relações alternativas à norteamericana unicamente no Primeiro Mundo. Avanços significativos processaram-se no relacionamento com os países árabes, com a África Subsaariana e com o mundo socialista. No que diz respeito à América Latina, houve uma continuidade de posturas do Governo Médici. O termo pragmatismo, consagrado pelo governo e pelos analistas, surgiu pela primeira vez em 19 de março de 1974, no discurso do Presidente Geisel, na primeira reunião ministerial realizada em Brasília: “Assim, no campo da política externa, obedecendo a um pragmatismo responsável e consciente dos deveres da Nação (...) daremos relevo especial ao nosso relacionamento com as nações-irmãs da circunvizinhança de aquém e além-mar”.18 18. Resenha de Política Externa do Brasil. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1974, n° 1, p. 9.
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Azeredo da Silveira, apropriando-se do termo, explicou-o explicou-o em 28 de março em discurso a uma cadeia de rádio e televisão: “Isto (pragmatismo responsável) quer dizer que o Brasil não está interessado em discussões semânticas.”19 Alguns meses depois, no discurso na Seção Conjunta da Comissão das Relações Exteriores do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, o chanceler afirmou que “cabe afastar ambos os extremos, perseguindo-se [...] aquela linha de ‘pragmatismo responsável’, seguindo a inspirada definição do Senhor Presidente da República”.20 Duas definições não excludentes para o “pragmatismo responsável”: uma política externa que repudiava discussões semânticas e que afasta os extremos. O programa dos formuladores dessa política externa esbarrou em duas frentes de interesses bem definidas: uma interna representada pelo subsistema de segurança e informação, e uma externa, representada pelo poder norte-americano, cioso de sua aliança preferencial.21 O estilo do General Geisel diferiu muito do estilo do Presidente Médici. O preceito fundamental do presidencialismo, a atribuição da última palavra ao presidente, permaneceu, mas com a diferença de que o presidencialismo de Geisel era mais estrito e menos delegador de poderes.22 Enquanto o Governo Médici operava com três ministros fortes triando as decisões e só deixando o fundamental chegar ao presidente, o Governo Geisel funcionava quase de maneira inversa, com o presidente discutindo agendas densas e remetendo assuntos polêmicos para a sua assessoria rediscuti-los. Assim, o General Golbery, Golbe ry, que substituiu Leitão Leit ão de Abreu na Casa Civil, apesar de sua enverga e nverga-dura política, tinha bem menos autonomia que seu antecessor. Os assuntos econômicos, por sua vez, eram remetidos a Reis Veloso, chefe da Secretaria do Planejamento; os militares, ligados à segurança nacional ou ao Ministério das Comunicações, eram enviados ao General Hugo Abreu, Chefe da Casa Militar; assuntos de toda ordem eram direcionados ao General Figueiredo, Chefe do SNI; e as questões políticas e de coordenação eram remetidas ao Chefe da Casa Civil, General Golbery.23 A delegação de poderes da política para a economia, que, segundo Fernando Henrique Cardoso,24 remetia à industrialização acelerada do Governo Kubitschek, foi, de certa forma, controlada pelo estilo centralista de Geisel. Como apropriadamente destaca Letícia Pinheiro “foi durante o Governo Geisel que se completou a mudança de ênfase da área de segurança para a área de desenv desenvolvimento”. olvimento”.25 Essa mudança estava em curso desde o Governo Costa e Silva, acelerou-se durante o Governo Médici e completou-se durante o período Geisel. Isso significa que as áreas de segurança 19. Ibid , p. 23. 20. Ibid , p. 42. 21. Camargo, op. cit .,., 1988, p. 33. 22. GÓES, Walder. O Brasil do general Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 24. 23. Ibid , p. 25. 24. CARDOSO, Fernando Henrique. Auto Autorit ritari arismo smo e dem democr ocrati atizaç zação. ão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 54. 25. PINHEIRO, Letícia. Foreign policy decision-making under Geisel government: the President, the military and the foreign ministry. ministry. London School of Economics and Political Science, 1994, p. 74, tradução nossa (mimeografado) (mimeografado)..
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passaram a interferir menos nas decisões de modo geral, e nas diretrizes de política externa em particular. Essa autora, estudando o processo de tomada de decisão ao longo desse período, argumenta que “durante o Governo Geisel, o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores constituíam o locus central de formulação da política externa. externa. Assim, as decisões que se chocavam com as concepções militares tradicionais, ou ainda, com os pressupostos da Doutrina de Segurança Nacional Na cional foram possíveis graças à visão mais inovadora de Geisel e Azeredo a respeito da política externa brasileira, amparada na sua autonomia em relação a outros círculos.”26 Contudo, o processo de abertura gerou mais impacto e conflitos mais graves que a política externa. Apesar dos mecanismos de manipulação e intimidação, a abertura avançou também na revogação de atos de exceção, exc eção, como o AI-5 em 1978. Alguns atos liberais eram insólitos castigos contra adversários políticos. Quando a Igreja Católica passou à primeira linha na crítica ao autoritarismo, à repressão e à injustiça social, o governo aprovou uma Emenda Constitucional que introduziu o divórcio no Brasil em 1977. Fora do Parlamento, contudo, os confrontos foram mais sérios, primeiramente com a reação de setores da direita opostos ao processo de abertura e, posteriormente, com a manifestação de amplos setores da sociedade contra o governo. A “abertura lenta e gradual” convivia convivia com o conceito presidencial de “democracia relativa ou limitada”. A partir de 1976 houve uma série de atentados a bomba contra instituições vinculadas ao campo oposicionista, enquanto certos órgãos de repressão promoviam o sequestro, o espancamento e o assassinato de personalidades (padres, juristas, jornalisjornalis tas) e militantes políticos antigovernistas. Tais Tais episódios vinculavam-se, por um lado, à elevada autonomia de que dispunham os órgãos de repressão e inteligência, que não desejavam a abertura e preocupavam-se com o estreitamento do seu terreno de atuação. Nesse aspecto, Geisel agiu de maneira firme contra os bolsões repressivos autônomos: demitiu o comandante do II Exército e exonerou o Ministro do Exército, Sylvio Frota, e depois o chefe do Gabinete Militar, Hugo Abreu. Abreu. Contudo, a irreversibilidade do processo de abertura (cujo teórico era o General Golbery), o apoio internacional e as crescentes dificuldades econômicas (sobretudo no último ano do governo) fizeram as manifestações crescerem progressivamente. Mesmo assim, Geisel conseguiu conduzir o processo dentro das linhas gerais que definira, e também logrou fazer um sucessor comprometido com a continuidade da estratégia de abertura para um mandato ampliado para seis anos. A Frente Nacional de Redemocratização, organizada pelo MDB, chegou a lançar a candidatura do General Euler Bentes Monteiro, que foi derrotada no Congresso.
3.2 APOGEU, CRISE E RESISTÊNC RESISTÊNCIA IA EM UM CONTEXTO ADVERSO (1979-1990) O último governo militar e o primeiro civil (eleito segundo as regras definidas pela ditadura) foram marcados pela continuidade da política exterior brasileira, em um quadro internacional e doméstico cada vez mais adverso. Tratou-se do apogeu e do declínio do modelo, pois a reestruturação do capitalismo mundial eliminava grande 26. Ibid , p. 102.
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parte do espaço existente para um projeto de desenvolvimento e inserção internacional relativamente autônomo de um país do porte geográfico, populacional e econômico do Brasil. Literalmente, o “império contra-atacou”. A luta pela democratização também foi marcada pela perda das conquistas econômicas (que não foram acompanhadas de conquistas sociais) e pelo enfraquecimento do projeto nacional. Contudo, nessa época o Brasil logrou grande respeito no cenário internacional, particularmente particular mente entre as nações do Terceiro Mundo, atingindo o apogeu da diplomacia do Itamaraty. Muitas vezes a esquerda, concentrada nas lutas da política interna, não conseguiu perceber esse outro combate paralelo que envolvia a questão nacional.
Figueiredo e o “Universalismo” “Universalismo” (1979-1985) O general João Baptista Figueiredo foi empossado como presidente em 15 de março de 1979, tendo de enfrentar as crescentes manifestações da oposição, a intensa mobilização social, a reação reaçã o da direita à distensão e o agravamento da crise econômica e da situação internacional. O principal objetivo objetivo do novo governo era a continuidade e a conclusão do processo de redemocratização, encerrando o ciclo militar militar.. O “presidente da abertura”, orientado até 1981 pelo General Golbery na chefia da Casa Civil, em meio a um discurso ambíguo e a avanços e recuos, tentaria implementar seu programa em uma conjuntura que começava difícil e se agravaria ainda mais. A situação econômica e política mundial tornou-se dramaticamente negativ negativaa para o Brasil com o segundo choque petrolífero (devido à revolução no Irã e à guerra com o Iraque) e com o fim da détente em 1979, marcando uma vigorosa reação americana que se aprofundaria durante a Era Reagan. Além disso, durante os anos 1970 processouse uma rearticulação da economia mundial, por meio da reestruturação das formas produtivas, do estabelecimento de uma nova divisão internacional da produção e do desencadeamento de uma revolução científico-tecnológica que voltaram a ampliar a distância entre os países capitalistas avançados e os em desenvolvimento. Coroando essa estratégia, em 1981 Ronald Reagan promoveu uma violenta elevação da taxa de juros, tendo como um dos objetivos aumentar a dívida externa dos países do Sul. Assim, a crise da dívida constituía um instrumento de pressão contra a política econômica desses países e um golpe mortal no projeto de desenv desenvolvimento olvimento de nações como o Brasil. Vencida a síndrome do Vietnã , os Estados Unidos adotaram um maior protagonismo nas relações internacionais, internac ionais, com a nova Guerra Fria e a iniciativa de defesa estratégica, que, além de tentar restaurar a bipolaridade e enfraquecer a União Soviética, criava instrumentos para a subjugação política e extração de recursos do Terceiro Mundo. Enquanto a União Soviética e a ONU enfraqueciam-se como instrumentos de apoio para os países periféricos, os Estados Unidos eliminavam as possibilidades de relações multilaterais, desarticulando progressivamente a atuação coordenada do Terceiro Mundo. Para completar, o surgimento do neoliberalismo nos países centrais tornava ainda mais difícil a sobrevivência de experiências capitalistas nacionaldesenvolvimentistas no Sul. A América Latina foi atingida em cheio pela crise da dívida em 1981 e, em seguida, pela Guerra das Malvinas em 1982. A maneira como foi articulada e executada a
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derrota da Argentina e a implosão de seu regime militar reforçaram a percepção do governo e da diplomacia brasileira de que estava se processando uma rearticulação do sistema internacional fortemente negativa negativa para a autonomia dos países de porte médio do Terceiro Mundo. Isso levou o Brasil a apoiar integralmente a Argentina, Argentina, inclusive com a venda secreta de aviões de combate durante a guerra, guerra , o que solidificou a cooperação entre ambos, a qual continuou crescendo com o retorno da democracia no país vizinho. A política externa do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro autodenominou-se de cr escenUniversalismo, e esforçou-se por manter a autonomia do Brasil em um cenário crescentemente desfavorável, conservando conservando fortes traços de continuidade com o Pragmatismo Responsável. Definindo o país como parte do Terceiro Mundo, a diplomacia brasileira brasileir a continuou a atuar nos fóruns internacionais em conv convergência ergência com o Movimento Não Alinhado (embora não o integrando), denunciando as estruturas políticas e econômicas internacionais. Com a gradativa submissão da Europa Ocidental e do Japão ao rearranjo econômico e diplomático-estratégico da administração Reagan, a cooperação com esses países conheceu uma significativa redução. Na África, o Brasil manteve uma presença importante, mas a recessão da “década perdida” naquele continente e o aprofundamento da guerra na África Austral limitaram fortemente os resultados de tal cooperação. Com relação ao Oriente Médio e à China, o Brasil intensificou a cooperação, obtendo resultados relativamente positivos, positivos, embora dificultados pelas consequências da Guerra do Golfo e dos problemas econômicos internos do Brasil. A indústria armamentista estatal brasileira, brasileira , tendo atingido elevado grau de desenvolvimento, desenvolvimento, conseguiu nesse período incrementar suas exportações, tanto para os países árabes como, em menor medida, para os africanos e centro-americanos. Nessa última região, o Brasil fez-se cada vez mais presente, apoiando o Grupo de Contadora na mediação do conflito centro-americano. A implantação da Guerra Fria e a solução militar protagonizada pelos Estados Unidos (conflito de baixa intensidade na Nicarágua e El Salvador e invasão inv asão de Granada) Granada ) levaram o Brasil a integrar o Grupo de Apoio à Contadora, e depois o G-8, convergindo com a diplomacia mexicana, venezuelana e argentina. A América do Sul, por sua vez, constituía cada vez mais um espaço valorizado pela diplomacia brasileira, incrementando uma cooperação político-econômica, cujo eixo central era o acercamento com a Argentina. Além disso, o Brasil observava com extrema inquietação a crescente pressão americana pela redemocratização no Cone Sul, interpretando o fenômeno como uma estratégia de desarticulação das potências potência s médias e de legitimação do pagamento da dívida externa destas. A orientação da diplomacia do novo governo foi manifestada em várias ocasiões pelo presidente e por seu chanceler. Ao cabo do primeiro ano de governo, Figueiredo expôs os princípios da diplomacia brasileiro na Mensagem ao Congresso Nacional, em l.° de março de 1980: Nossa política política nacional nacional caracteriza-se caracteriza-se pela presença, presença, cada cada vez mais marcante, marcante, dos interesses nacionais em várias regiões do planeta e na ampla gama de temas em debate no plano internacional. O Brasil hoje valoriza suas relações tanto com o mundo industrializado, quanto com os países da América Latina, África e Ásia. O universalismo da política externa se expressa expressa pela ampla disposição
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ao diálogo, com base no respeito mútuo e no princípio de não intervenção. Em sua ação, o Brasil procura afirmar um novo tipo de relações internacionais, de natureza aberta e democrática, horizontal, sem subordinações nem prepotências. Com as nações vizinhas e irmãs da América Latina, pratica-se uma política de igualdade, não intervenção e descontraimento, que visa ao benefício comum. [...]. O Brasil assume integralmente integralmente a sua condição de país latino-americano. Acredita que, em conjunto, as nações latino-americanas devem buscar as mais aperfeiçoadas formas de integração regional, que permitam não só acelerar o desenvolvimento e o intercâmbio entre elas, com o realismo e a atenção às potencialidades e necessidades de cada país, senão também que lhes facilite presença mais homogênea nas negociações econômicas com os países desenvolvidos.27
Assim, o Governo Figueiredo não propôs uma mudança de curso da política externa brasileira, mas somente uma adaptação aos novos ambientes externo e interno, leia-se a crise da dívida e a Nova Guerra Fria e o processo de abertura a bertura e crise político-econômica do regime. Daí a ênfase em uma diplomacia mais transparente e em um diálogo mais aberto e sistemático com o Congresso Nacional, como lembra Sônia de Camargo. As mudanças do sistema internacional internacion al levaram a política exterior do Brasil ao universalismo como alternativa. Contudo, a Argentina e a América Latina, consideradas como um todo, tornaram-se a prioridade da política externa universalista. Figueiredo substituiu o Pragmatismo Responsável e Ecumênico pelo Universalismo. A nova política externa continua a anterior, mas não a repete. Pela primeira vez, a América Latina, enquanto prioridade da política externa brasileira, ultrapassava a posição retórica e as iniciativas de alcance limitado. Todos os generais presidentes, inclusive Castelo Branco, colocavam a América Latina como prioridade. Mas, até Figueiredo, isso permaneceu só no plano do discurso. Pode-se considerar que a crise da dívida inchou a agenda internacional brasileira de temas econômicos, o que obrigou o Itamaraty a adaptar seu espaço decisório. Não se pode esquecer, contudo, que desde o início da década de 1970 a separação entre setor econômico e diplomático ia tornando-se mais tênue, com economistas e diplomatas trocando informações e penetrando uns as áreas de decisão dos outros. Se, por um lado, nas decisões de curto prazo, os ministérios econômicos tinham um grande peso, por outro o MRE criava alternativas de médio e longo prazos, acompanhando politicamente a agenda econômica e procurando enfrentar os conflitos mais imediatos na área diplomática, de modo a salvaguardar o projeto nacional de então. Segundo Sônia de Camargo, um dos traços da gestão diplomática do Governo Figueiredo Figueiredo foi a ampliação, dentro do Executivo, da presença institucional do Itamaraty, como decorrência da atividade externa crescente do país. Aos temas políticos tradicionais, habitualmente incluídos na agenda diplomática, assuntos da área econômica e financeira se acrescentam à agenda das preocupações dos funcionários do serviço exterior. exterior. Esse processo de redefinição redefinição interna do espaço ocupado pelo 27. Resenha de Política Externa do Brasil. 1980, n° 24, p. 3.
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Ministério das Relações Exteriores Exteriores no que diz respeito às decisões de política externa foi de certa forma afetado pelo agravamento da crise em 1982, que trouxe absoluta prioridade às negociações econômicas no campo internacional. Com efeito, nesse momento e até o início de 1984, os ministros econômicos econômicos dis putaram putar am o monopó monopólio lio das ne negocia gociações, ções, difi dificultan cultando do que as questõ questões es econô econômicas micas 28 fossem politizadas pol itizadas e, portanto, portant o, conduzidas conduz idas pelo Itamaraty. Esta dualidade, na verdade, marca a ação da diplomacia brasileira nos foros internacionais, pois o estrangu e strangulament lamentoo do d o modelo mo delo de ajust ajustee exterior ext erior com a crise cr ise da dívida d ívida acarretou na necessidade premente de negociações com as agências financeiras e com bancos credores, que, combinada com a redução do comércio com o Terceir erceiroo Mundo, contribuiu contri buiu para o enfraquecimento da legitimidade de algumas das teses do Itamaraty.
Uma inflexão teórica importante do Universalismo era a presença do Brasil no Terceiro Mundo. Segundo o Chanceler Saraiva Guerreiro, desde o início de sua gestão, gestã o, “havia quem não gostasse quando incluíamos o Brasil no Terceiro Terceiro Mundo”. Contudo, considerando-se a divisão do mundo contemporâneo em três grandes categorias de países, “que o Brasil estaria no Terceiro Terceiro Mundo era, pois, evidente e assim a ssim éramos considerados por toda parte”. A categoria de Terceiro Mundo, em que pese sua diversid diversidade, ade, agregava países “importadores líquidos de capital e de tecnologia e que não haviam atingido um nível de desenvolvimento autossustentável. Nesse sentido, o que havia de comum a todo Terceiro Terceiro Mundo era o seu subdesenv subdesenvolvimento olvimento econômico”. Guerreiro refutava as críticas ao chamado “terceiro-mundismo” da política externa brasileira, as quais consideravam-na “uma intenção de manter o país no Terceiro Mundo”. Para Guerreiro, porém, confundia-se a opção política de aderir ao Movimento Não Alinhado com o fato de pertencer ao Terceiro Mundo. Segundo ele, “os países do movimento não alinhado buscavam buscavam não se integrar no bloco político-militar do leste nem do oeste.” Não se consideravam neutros no sentido tradicional, mas adeptos do que chamavam de ‘neutralismo ativo’. O engajamento ao movimento era determinado por fatores diversos, conforme a situação de cada país, por exemplo, as ex-colônias da África e Ásia, Iugoslávia, Cuba e mesmo nos países latino-americanos. O Brasil não participou do não alinhamento por decisão política. [...] Deliberadamente não participamos, ficando como observadores [...]. Os motivos para essa atitude eram dos mais variados. Na verdade verdade,, o Brasil era, inclusive, um país engajado em um sistema regional de defesa coletiva, justamente com o próprio líder do chamado bloco regional. regional. Acresce que seria precária nossa influência em movimento tão numeroso. Há, finalmente, impeditivos relativos ao processo decisório entre os não alinhados”. 29 Logo após a posse do Governo Figueir Figueiredo, edo, várias delegações insistiram na adesão do Brasil ao movimento, como forma de fortalecer as posições moderadas com vistas à Conferência de Havana. No entanto, a posição de observador acabou sendo mantida. 28. Camargo, op. cit , p. 156. 29. GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranç Lembranças as de um empregado e mpregado do Itamarat Itamaraty. y. São Paulo: Siciliano, 1992, p. 14-16.
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A convergência com os Não Alinhados também expressava problemáticas estratégicas do reordenamento mundial pretendido pelos países em desenvolvimento. Para o chanceler, na mesma ordem de definições de amplo escopo (codificações na ONU sobre cooperação internacional), foi aprovada resolução sobre a ‘nova ordem econômica internacional’. As esperanças de êxito na ‘campanha’ pela cooperação internacional para o desenvolvimento sempre foram poucas [...]. Acontece que não seria o Brasil que abandonaria o apoio à ‘plataforma’ dos pobres e dos subdesenvolvidos. Não só por motivos econômicos, senão também por concepções políticas e até humanitárias. Daí nosso constante apoio à NOEI. Mesmo assim, havia os que não gostavam de tal atitude. atitude.
Contudo, nesse sentido, “é óbvio que, em termos de votação de resoluções sobre assuntos econômicos [...] o Brasil geralmente divergia da posição americana”, e a URSS e seu bloco votavam com o Terceiro Mundo. “Mas isso, evidentemente, não era um sintoma de ligação política”, conforme Guerreiro.30 No âmbito das relações com c om os Estados Unidos, o Governo Figueiredo considerava o progressivo desalinhamento como uma tendência histórica, ancorada na evolução diferenciada da política e da economia dos dois países. Segundo Guerreiro, “pode-se dizer que, grosso modo, o Brasil seguia uma política alinhada com os Estados Unidos, talvez até 1961. Mesmo nesse período, o Brasil diver divergia gia quando se percebia o interesse nacional com caráter claramente específico, diversificado. “No plano econômico, em particular, [...], as divergências naturais entre um país pobre, pouco dotado de tecnologia e capitais, como o Brasil, e os Estados Unidos, quase automaticamente nos levaram ao ‘não alinhamento’ com Washington [...]”. Nesse sentido, o Universalismo mostrava-se como uma continuidade em relação ao período inaugurado com o Pragmatismo Responsável. Nas palavras do chanceler, “quando assumiu o Presidente Geisel, realmente o Brasil tomou posições mais próprias com relação às questões internacionais que definiam a política de um país. [...].O volume do país na área externa era muito maior. Aí se deu o que 13 anos antes se tentara: o aggiornamento [...]. Atualização que só podia resultar de uma decisão firme [...] do presidente. [...]. Não eram mudanças revolucionárias, mas [...]”. O autodenominado “pragmatismo responsável” era “uma política que reconhecia os fatos do mundo, em vez de opor-se a eles de forma que, nessa altura, já seria neurótica”.31 Durante a vigência do Pragmatismo Responsável , , embora houvesse quem criticasse a política como antiética, examinando cada caso, “verifica-se adesão constante aos princípios da Carta da ONU e a normas do direito internacional”. O Presidente Figueiredo assumira o governo com a intenção de “prosseguir, com as adaptações necessárias, na política do governo anterior”. Embora não mantives mantivesse se a expressão de denominação, os vetores da política eram mencionados: “universalismo, a dignidade nacional e a boa convivência”. No entanto, esses princípios se articulam com o quadro internacional 30. Ibid , p. 19-21. 31. Ibid , p. 24-7.
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real, criando dificuldades de definição da política externa em certos casos, como, por exemplo, o caso da intervenção norte-americana em Granada, na qual, segundo Saraiva Guerreiro, a diplomacia brasileira não poderia se manifestar de acordo com a “tese (norte-americana) da relatividade dos princípios” (110, p. 32) da Carta da ONU. “Por outro lado, não éramos insensíveis à satelitização de Granada por Cuba e suas possíveis consequências práticas.”32 Dessa forma, o governo brasileiro expressa declaração de Contadora – acertada ac ertada com países paíse s latino-americanos, como c omo Venezuela, Venezuela, México, Argentina e outros, construindo uma posição comum –, na qual condena o ato intervencionista, mas de forma não incisiva, ou praticando uma polí política tica pr presci escinden ndente te, conforme observação de um embaixador latino-americano referido mas não identificado por Guerreiro. Quanto aos objetivos gerais da política externa brasileira, o chanceler argumentou que não se coloca em dúvida hoje a importância estratégica da diplomacia di plomacia brasileira para a realização das metas fundamentais da nacionalidade. A diplomacia se integra, de forma íntima e crescente, ao desen desenvolvimento volvimento em suas dimensões político-econômica, tecnológica, tecnológica, social e cultural.
Com a Nova Guerra Fria substituindo a détente, a situação internacional se caracterizava pela reativação das tensões. Os problemas que não puderam ser resolvidos sob o regime da détente reapareceram de forma agravada. A tendência à confrontação reafirmavaa a dimensão Leste-Oeste na política mundial, com crescentes riscos para a reafirmav segurança internacional, ao mesmo tempo em que persistia a estagnação no tratamento da problemática Norte-Sul. Ainda segundo Guerreiro, na luta por uma participação maior no pro progresso gresso do mundo, pelo fortalecimento da segurança internacional e pelo respeito à igualdade, o Brasil está ao lado das nações que têm aspirações à cooperação entre iguais, mais interesse na preservação preservaç ão da paz que na ameaça e no uso da força, mais sede de justiça que anseios de dominação. [...]. Devemos nos apoiar mutuamente, esta maioria de nações, para evitar que a flagrante deterioração da situação internacional e o aumento dos níveis de tensão agravem as dificuldades enfrentadas enfrentadas por nossos 33 povos.
Conforme prescrevia o chanceler, devíamos insistir na necessidade de uma utilização mais racional dos recur recursos sos incalculáveis gastos em uma renovad renovadaa corrida armamentista, especialmente nuclear, nuclear, para que a humani humanidade dade seja objet objetoo não não da irra irradiação diação do risco e da da inse insegura gurança, nça, mas do máximo de nossas oportunidades de colaboração. Temos Temos diante de nós uma dupla tarefa: a de criar uma ordem internacional mais justa, que abra a todas as nações o caminho do progresso, e a de trabalhar juntos, o que já é uma antecipação da nova ordem, no desenvolvimento de forças renovadas, nossos povos. Devemos expandir nossas férteis e amplas cooperações diretas 32. Ibid , p. 28-32. 33. Resenha de Política Exterior do Brasil. 1980, n° 26, p. 37 e seguintes.
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em trocas comerciais, ampliar os nossos programas de cooperação técnica e econômica, apoiar-nos na execução dos nossos planos de desenvolvimento, estimular e disseminar nossos progr progressos essos tecnológicos, lançar mão, em suma, de múltiplos meios para fortalecer nossas economias nacionais. 34
Em maio de 1980, em palestra na ESG, o chanceler expôs novas análises do contexto internacional, que pautaram a formulação da política externa brasileira do período. Segundo ele, fatos marcantes perturbavam o sistema internacional: a invasão do Afeganistão, que violava o princípio de não intervenção, condenada pela ONU, acirrou o conflito Leste-Oeste; o aumento da tensão no Oriente Médio, frustrando as perspectivas dos acordos de paz de Camp David; os conflitos no Sudeste da Ásia, alimentados por exacerbadas disputas históricas e ideológicas, que levavam levavam a área a viver em permanente conflito; a transição negociada no Zimbábue, que não resolvia os problemas do sul da África, pois não se transferiu automaticamente para a Namíbia, menos ainda para a África do Sul, marcada pelo racismo rac ismo institucionalizado e pelas agressões militares contra contr a Angola; o recrudescimento do terrorismo terr orismo na Europa; o desaparecimento de Tito na Iugoslávia abre um espaço e uma interrogação na Europa do leste e, além disso, provavelmente agravaria agravaria as dificuldades que ocorriam no movimento não alinhado; as disputas internas na Aliança Atlântica Atlântica seriam outro signo da dificuldade de concertar uma atuação comum. Além dessas, Guerreiro destacava outras situações que conduziam à deterioração das relações internacionais: a renovação da corrida armamentista, especialmente nuclear, e a criação de novos e temíveis patamares de equilíbrio do terror na Europa eram era m tendências que punham em risco os limitados ganhos da distensão e das negociações SALT; as dificuldades de transformação no Caribe e na América Central, onde a violência encontrava-se encontrava-se inexoravelmente vinculada aos processos de superação da estagnação política e econômica; a persistência do impasse no relacionamento Norte-Sul, no qual os países desenvolvidos desenvolvidos fechavam ainda mais os círculos de decisão, em suas reuniões de cúpula, dedicando atenção decrescente aos problemas das nações em desenvolvimento; a segunda reciclagem dos petrodólares petrodóla res gerava novos problemas para a economia mundial; por fim, existiam os impasses conhecidos para a democratização da América do Sul. Segundo o chanceler, aqui, é evidente que, de acordo com a tradição brasileira, não expressamos, em nenhum momento, preferência concreta, em relação a países determinados, por essa ou aquela forma de regime. Não se trata disso. Não obstante, como valor político, o governo gover no brasileiro brasi leiro prefere nitidamente niti damente a democracia dem ocracia e manifesta mani festa a sua determinação de que a mesma se implante forte e amplamente no solo brasileiro, brasileir o, o que não deixará de ter reflexos externos. 35
Em discurso à Federação Brasileira dos Bancos, Saraiva Guerreiro, em julho de 1980, argumentou que a Cooperação Sul–Sul não seria uma alternativa alternativa ao diálogo Norte-Sul, que obedecia à outra dinâmica e incorporava expectativas distintas. Mas 34. Ibid , p. 65. 35. Ibid , p. 41-53.
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a diplomacia brasileira pretendia, quanto a essa questão, reforçar o que já existia, conferindo uma nova dimensão aos laços tradicionais que uniam o Brasil aos países do Terceiro Terceiro Mundo Mund o e ao Ocidente industrializado. industria lizado. A Cooperação Sul–Sul, além de seu valor intrínseco, poderia vir a reforçar o poder de barganha brasileiro em negociações econômicas globais, sobretudo se esta passasse de uma solidariedade de dimensão retórica para outra de dimensão concreta e econômica. O crescente e lucrativo relacionamento comercial com o Oriente Médio e com a Ásia constituía elementos dessa política, ainda que com relação à África Subsaariana os resultados fossem modestos. A isso se pode agregar a intensificação das relações re lações com a América Latina (particularmente com a Argentina) e com o campo soviético. Na África, o Brasil manteve uma presença importante, mas a recessão da “década perdida” naquele continente e o aprofundamento da guerra na África Áf rica Austral limitaram os resultados de tal cooperação. Particularmente o apoio político e a cooperação econômica com Angola (troca de petróleo por mercadorias e serviços), bem como a postura crítica ao apartheid sul-africano, sul-africano, foram os pontos altos da diplomacia brasileira para o continente negro. Na mesma linha, o Itamaraty recusava as propostas, particularmente recorrentes durante o Governo Reagan, de militarização (sobretudo naval) do Atlântico Sul. Apesar de todas as dificuldades, ao longo dos seis anos da gestão Guerreiro, o Brasil solidificou seus laços com a África nos campos político, econômico e cultural, tanto em relação aos grandes países como a Nigéria, da qual importávamos petróleo, como com os pequenos Estados do Golfo da Guiné, com os quais o Brasil procurava criar uma frente comum nos organismos econômico-comerciais internacionais em defesa dos preços dos produtos tropicais. Com relação ao Oriente Médio, o Brasil intensificou a cooperação, obtendo resultados relativamente positivos, embora dificultados pelas consequências da guerra Irã–Iraque e dos problemas econômicos internos. A indústria armamentista estatal brasileira, tendo atingido elevado grau de desenvolvimento (armas pessoais, aviões, carros de combate e mísseis), conseguiu nesse período incrementar suas exportações exportações para os países árabes, que também importavam automóveis e outros bens manufaturados, produtos agropecuários e serviços, com os quais pagávamos as importações de petróleo. Além disso, desenvolveu-se a cooperação tecnológica no campo nuclear, de mísseis e aviação, bem como na prospecção de petróleo off shore pela Braspetro, subsidiária internacional da Petrobras, que descobriu e explorou em parceria vários lençóis petrolíferos. O Iraque, o Irã, a Líbia, o Egito, a Argélia e a Arábia Saudita eram os principais parceiros parce iros brasileiros nesses campos de cooperação. Armamentos também eram exportados, em menor medida, para africanos e centroamericanos. Apesar de tal atitude em relação a essa última região, o Brasil fez-se cada vez mais presente, apoiando o Grupo de Contadora na mediação do conflito centro-americano. A exportação de armamentos era uma operação comercial, ligada à area econômica e militar, enquanto a mediação era uma iniciativa da diplomacia brasileira. A implantação da Guerra Fria e a solução militar protagonizada pelos Estados Unidos (conflito de baixa intensidade na Nicarágua e em El Salvador e invasão invasão de Granada) lev levaram aram o Brasil a integrar o Grupo de Apoio à Contadora, convergindo com a diplomacia mexicana, venezuelana e argentina.
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Com relação à China, as relações bilaterais permitiram ao Brasil compensar a perda da cooperação com o Japão. Não apenas o comércio crescia rapidamente, mas o estabelecimento de projetos conjuntos em áreas sensíveis como a nuclear, de satélites e de tecnologia de ponta apresentou resultados concretos. concretos. Por meio de parcerias, o Brasil compensava compensava sua crescente falta de recursos para avançar esses projetos. Por outro lado, esse tipo de relação entre potências médias da periferia do sistema internacional concretizava a Cooperação Sul–Sul. Eram relações simétricas, que não implicavam nem subordinação nem hegemonismo, e que davam um maior alcance à diplomacia brasileira. Nesse caso também se pode incluir os países árabes antes referidos, a Argentina e, em menor medida, a União Soviética e a Índia. Tratava-se de um novo tipo de relações internacionai internacionaiss que a potência hegemônica, os Estados Unidos, a partir de certo ponto não mais toleraria. A América do Sul, por sua vez, constituía cada vez mais um espaço valorizado pela diplomacia brasileira, incrementando uma cooperação político-econômica cujo eixo central era a aproximação com a Argentina. Era a primeira vez na história da política externa do país que a América Latina passava passava a ser uma prioridade, em uma perspectivaa de cooperação. Além disso, o Brasil observava com extrema inquietação perspectiv a crescente pressão americana pela redemocratização no Cone Sul, interpretando o fenômeno como uma estratégia de desarticulação das potências médias e de busca de legitimação do pagamento da dívida externa destas. Regimes autoritários em dificuldades recorriam a estratégias populistas ou aventuras internacionais. Além disso, a manutenção de ditaduras impopulares criava espaço para revoluções, como ocorreu na Nicarágua e no Irã. A crescente dificuldade das exportações — na medida em que o Estado carecia de recursos para continuar financiando-as —, a queda no afluxo de capital estrangeiro e o aumento dos pagamentos da dívida externa provocaram uma severa recessão em 1982-1983, além de incrementar a inflação, obrigando o Brasil a declarar uma moratória. O Ministro Delfim Neto, que voltara à direção da economia, conduziu difíceis negociações com o FMI, que exigia a aplicação de um programa ainda mais recessivo para sanear as finanças e liberar novos empréstimos. A estratégia brasileira foi ganhar tempo, prometendo e não cumprindo, enquanto aceitava alguns itens do programa mas manobrava para tentar manter o projeto de desenvolvimento. Esse projeto, concretamente, ingressava em um processo de desagregação, temperado por medidas paliativas e, geralmente, contraditórias. contraditór ias. A dívida externa atingira a cifra de 100 bilhões de dólares, e o aprofundamento da crise viria a produzir o aumento do custo de vida e uma série de impasses nas áreas de políti política ca salarial salarial,, reajuste de mensalidades da casa própria, atendimento atendimento médico, aposentadoria etc. Os movimentos grevistas, tendo seu epicentro no ABC paulista, se generalizaram e espalharam pelo país, especialmente no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. O governo reagiu com intervenções nos sindicatos, prisões e intimidações, recuando em seguida, para novamente reagir quando os movimentos voltavam a eclodir. Os acordos com o FMI obrigavam obrigavam o Brasil a fazer um esforço exportador, com a finalidade de pagar a dívida externa. Contudo, como a situação da economia mundial era cada vez mais difícil para um país como o Brasil, o governo era obrigado a subsidiar
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as exportações. Isso produziu dois resultados negativos: a deterioração ainda mais acelerada da economia interna, que era quem pagava os subsídios, e uma acomodação dos empresários, que negligenciaram as inovações tecnológicas e organizativas, organizativas, com forte impacto sobre os custos. Afinal, o governo pagaria a conta. O resultado foi, ao longo dos anos 1980, perda de competitividad competitividadee dos produtos brasileiros e defasagem cada vez maior em relação aos estrangeiros. Em meio a esse clima, prosseguia o processo de abertura. Em agosto de 1979 foi assinada a Lei de Anistia e, em novembro do mesmo ano, a reforma partidária extinguiu a Arena e o MDB, abrindo caminho para a criação de novos partidos. Essa reforma, sugerida pelo General Golbery, almejava almejava fragmentar a frente oposicionista, que crescia vertiginos vertiginosamente. amente. O Partido Democrático Social (PDS) foi organizado pelo governo com os elementos da Arena, tornando-se, como dizia o regime, “o maior partido do Ocidente”. Ocidente” . O MDB procurou manter-se unido como Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mas também legou o Partido Popular (liderado por Tancredo Neves), o PTB e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), liderado por Brizola. Além desses, surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT), que não era oriundo de uma cisão partidária, partidár ia, e sim do movimento grevista do ABC paulista, sob a liderança do metalúrgico Luiz Inácio da Silva (“Lula”). Nesse quadro de crise social, o ativismo político da Igreja Católica ganhava força. Ele era uma reação à sua perda de influência, com a rápida expansão das igrejas evangélicas entre a população pobre, enquanto as religiões afro-brasileiras estagnavam e stagnavam.. O ativismo da teologia da libertação , muitas vezes com fortes laços com o PT, foi um dos motivos da visita do conservador papa João Paulo II ao Brasil em 1980. Em uma época em que o Estado tratava de deportar religiosos estrangeiros, particularmente ativos entre índios e camponeses sem-terra, o papa recomendou ao clero não se envolver em política. Enquanto as oposições cresciam e as greves se tornav tornavam am comuns, aumentavam as manifestações estudantis. Grupos paramilitares adversários da abertura reagiram com sequestros e espancamentos de padres, militantes, sindicalistas e personalidades da oposição. Além disso, ocorreu uma série de atentados a bomba, alguns com vítimas fatais. A partir daí, a abertura transcorreu cada vez mais em clima de chantagem, com ameaças de retrocesso por parte da linha-dura, manobras em torno dos critérios do processo sucessório, desvio da opinião pública para questões como episódios de corrupção e escândalos do setor financeiro (habilmente explorados explorados pela mídia) e a generalização da publicação de revistas r evistas pornográficas como forma de criar diversionismo e, paralelamente, levar setores da sociedade a reclamar uma atuação conservadora do Estado. Apesar disso, avançou avançou no final do governo a campanha “Diretas Já”, propondo eleições diretas para presidente em 1984, que ganhou as ruas. O regime consagrou então como sucessor um civil do PDS, Paulo Maluf, cujo perfil como arquicorrupto e perigoso para a democracia a mídia explorou habilmente. Isso se destinava a criar um clima de radicalização e medo junto à população, propiciando as bases para uma solução política negociada para o impasse, impa sse, ao que se agregava o sempre presente temor de uma reação dos militares em caso de vitória da tese das “Diretas Já”. Tancredo Neves, moderado, centrista e veterano da política brasileira, apresentou como plataforma a implantação de uma Nova República, com um projeto reformista
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que consolidasse a democracia e corrigisse certas distorções econômicas, por meio de reforma agrária, renegociação da dívida externa em termos mais favoráveis e retomada do crescimento econômico, com vistas a melhorar a distribuição de renda no país. Sua vitória no Colégio Eleitoral contou com o apoio dos dissidentes do PDS, que criaram o Partido da Frente Liberal (PFL) e, inclusive, com o apoio de alguns políticos conservadores que permaneceram no PDS (como Antônio Carlos Magalhães). A sucessão de Figueiredo, formalmente encerrando o ciclo militar e constituindo a última eleição presidencial indireta, apresentou visíveis sinais de trama de bastidores e farsa, com forte manipulação da opinião pública pela mídia. Aliás, essa forma de conduzir o processo político em conjunturas de crise viria a se transformar em fenômeno recorrente da política brasileira, como no caso da própria doença súbita e lenta agonia do presidente eleito.
A “Nova República”(1985-1990) Na véspera da posse (14 de março de 1985), em meio à alegria geral com o iminente encerramento de 21 anos de regime militar, militar, a população foi surpreendida com a notícia da hospitalização hospitalizaçã o urgente de Tancredo Tancredo Neves para uma cirurgia de diverticulite. Submetido a várias operações, o presidente jamais assumiria, vindo a falecer dia 21 de abril, feriado nacional de Tiradentes. Os meios de comunicação alimentaram durante toda a crise uma verdadeira comoção popular, que catalisou a opinião pública enquanto José Sarney, Sarney, que menos de um ano antes era o líder parlamentar do regime militar, militar, assumia o poder. O episódio da doença e morte do presidente levantou suspeitas (nunca investigadas), inv estigadas), com boatos de que teria sofrido um atentado. O novo presidente, uma figura discreta, prometeu cumprir integralmente o vago projeto esboçado por Tancredo. A base de apoio ao novo governo era integrada por uma coalizão de partidos liderados pelo PMDB e pelo PFL, com os militares claramente permanecendo como discretos fiadores do novo e aparentemente instável governo, auxiliando a manter a consolidação da transição dentro de certos limites. Os avanços políticos, contudo, eram obscurecidos pelas dificuldades econômicas, que continuavam a se agravar. Poucos meses depois de iniciado o novo governo, a população já havia esquecido Tancredo e se desiludido com as promessas da Nova República. A popularidade do novo presidente caíra vertiginosamente. Contudo, mais um ato do “Estado-espetáculo” estava a caminho. Em fins de fevereiro de 1986, o governo implantou de surpresa o Plano Cruzado: congelamento de preços e salários e controle cambial. A população foi estimulada a ajudar o governo a impedir remarcações de preços (os “fiscais do Sarney”). A popularidade do governo subiu às alturas a lturas e, em novemb novembro, ro, foi retribuída re tribuída com uma votação maciça. Assim, com o controle dos governos estaduais e maioria absoluta no Congresso/Assembleia Constituinte, dias depois era anunciado o fim do Plano Cruzado, explodindo a inflação artificialmente contida durante nove meses e reduzindo drasticamente o consumo. Sintomaticamente Sintomaticamente o FMI, que sempre criticou e pressionou contra políticas desse tipo, permaneceu silencioso e inativ inativoo durante esse período. Apesar do perfil centrista do Congresso Constituinte, a recessão e o descontentamento popular acabaram influenciando os políticos profissionais, que já estavam
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pensando nas eleições presidenciais. preside nciais. O resultado foi a aprovação, em outubro de 1988, de uma Constituição que apresentava alguns avanços sociais, embora fossem vagos e dependessem de complicadas regulamentações. Ou seja, mais uma vez o problema foi empurrado para o futuro. A política externa da Nova República apresentou uma evolução singular. O Ministro Olavo Setúbal mostrou-se determinado a romper com a linha diplomática do pragmatismo responsá responsável vel e do universalismo. Argumentava Argumentava que o Brasil era um país ocidental, que deveria maximizar suas oportunidades individuais, em cooperação com os Estados Unidos, para chegar ao Primeiro Mundo. Obviamente sua ênfase foi de afastamento do Terceiro Terceiro Mundo e de suas reivindicações. Sua política baseava-se em larga medida na situação internacional, caracterizada pela relativamente bem-sucedida tentativaa norte-americana de reafirmar sua liderança, pela crise e reforma do socialistentativ mo (a ascensão de Mikhail Gorbachev foi praticamente simultânea ao início da Nova República) e pelas crescentes dificuldades do Terceiro Mundo, pois em 1985, na Reunião de Cúpula do G-7 em Cancun, o diálogo Norte–Sul foi abandonado. Contudo, o Itamaraty resistiu a essa nova orientação, que se assemelhava à diplomacia de Castelo Branco. Assim, Assim, no início de 1986 o chanceler era substituído por Abreu Abreu Sodré. Uma de suas primeiras medidas foi o reatamento de relações diplomáticas com Cuba, até então obstaculizadas por Setúbal e pelo Conselho de Segurança Nacional. Quanto mais se reduziam as possibilidades de atuação do Brasil no plano global, mais a América do Sul era valorizada como alternativa alter nativa estratégica, tendo seu eixo centrado na cooperação e integração com a Argentina, que vivia problemas semelhantes aos do Brasil. O retorno da democracia, com os Presidentes Raul Alfonsín e José Sarney,, se deu em uma conjuntura adversa do ponto de vista econômico e diplomático. Sarney diplo mático. A crise da dívida fez com que os países latino-americanos ficassem extremamente vulneráveis às pressões do FMI e do Banco Mundial, em um quadro de graves dificuldades econômicas, enquanto o conflito centro-americano permitia ao Governo Reagan trazer a Guerra Fria para o âmbito hemisférico, o que lhe possibilitava também utilizar instrumentos diplomáticos e militares para exercer uma pressão suplementar sobre a América Latina. Nesse contexto, os dois países haviam aderido ao Grupo de Apoio à Contadora e desencadeado um acercamento sistemático e institucionalizado. Em 1985, por meio da Declaração de Iguaçu, Iguaç u, foi estabelecida uma comissão para estudar a integração entre os dois países, e, em 1986, foi assinada a Ata para Integração e Cooperação Econômica, que previa a intensificação e a diversi diversificação ficação das trocas comerciais. Fruto desse esforço, em 1988 foi firmado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Brasil–Argentina, que previa o estabelecimento de um mercado comum entre os dois países pa íses em um prazo de dez anos. O que estava por trás dessa cooperação, a par dos fatores já apontados, era a marginalização crescente da América Latina no sistema mundial, a tentativa de formular respostas diplomáticas comuns aos desafios internacionais, a busca de complementaridade comercial, a criação de fluxos de desvio de comércio e um esforço conjunto no campo tecnológico (particularmente nuclear) e de projetos específicos. Para o Brasil, especificamente, a integração permitia aumentar a base regional para a inserção internacional do país, em um caminho que conduziu, em 1991, à criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
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As relações entre Brasília e Washington ficaram instáveis, tendo o governo norte-americano imposto sanções comerciais e retaliações à iniciativa brasileira. As principais preocupações do Presidente Reagan eram com relação rela ção à dívida e à economia brasileira. A posição brasileira, reticente aos acordos e renegociações da dívida junto ao FMI, agravou as relações com os norte-americanos. Após algumas medidas e projetos econômicos frustrados, frustrados, o Brasil terminou por recorrer às linhas de crédito do Fundo. Além disso, os Estados Unidos pressionaram o Brasil a abandonar sua posição autônoma em relação a questões como meio ambiente, Amazônia, patentes, informática e energia nuclear. Esta dinâmica de turbulência e conflito com os Estados Unidos desencadeou uma série de iniciativas da diplomacia brasileira em direção a outras regiões, tentando preservar a diversificação dos eixos diplomáticos. O relacionamento com países estratégicos provinha da necessidade de desenvolver projetos de cooperação em áreas específicas e como forma de demonstrar autonomia em relação aos Estados Unidos. A alguns países fora do âmbito latino-americano, em especial, era atribuída grande importância. Tanto Tanto a URSS e alguns países do Leste Europeu como Estados que poderiam compor um eixo de Cooperação Sul–Sul, na África, no Oriente Médio e na Ásia, receberam atenção especial do governo brasileiro. No tocante à África, foram mantidas as posições encaminhadas desde a década de 1970. O foco das relações foi a questão comercial com a participação intensa do Estado, por meio de suas agências e empresas. No que concerne às relações do Brasil com a Ásia, a República Popular da China teve um papel destacado no interesse brasileiro. Durante o Governo Sarney, registrou-se um intenso intercâmbio bilateral sino-brasileiro, tanto em termos de visitas e de contatos políticos como em termos de comércio, e ainda, uma série de acordos de cooperação foram firmados na área de ciência e tecnologia, especialmente na área espacial. A cooperação com a União Soviética cresceu, especialmente com as esperanças despertadas pela perestroika , mas logo a crise soviética e a convergência entre Moscou Mos cou e Washington Washington frustraram-na. frust raram-na. Em relação ao Oriente Médio e aos países árabes, o intercâmbio ocorreu em diversas áreas, a saber, cooperação econômica, industrial-militar, industrial-militar, técnico-científica, transporte e navegação e intercâmbio comercial, mantendo-se densos, mas já se ressentindo da deterioração das condições daquela região. Dentro da lógica de aproximação diplomática Sul–Sul, em outubro de l986, a delegação brasileira à Assembleia Geral da ONU apresentou um importante projeto de resolução declarando o Oceano Atlântico, na região situada entre a África e a América do Sul, Zona de Paz Paz e de Cooperação do Atlântico Atlântico Sul . O Presidente Sarney opôs-se a qualquer tentativa de militarização do Atlântico Sul e à presença de armas nucleares na área. O representante dos Estados Unidos, Noel Gron, foi o único a votar contra o projeto, que, apesar disso, foi aprovado. Em 1989, em um quadro econômico irremediavelmente deteriorado, com ameaça de hiperinflação e acirramento da crise social, desencadeou-se a corrida presidencial, tendo ainda como pano de fundo a derrocada do socialismo no Leste Europeu (processo largamente explorado pelos candidatos conservadores). Lula e Brizola afirmaram-se como candidatos de esquerda, enquanto um jovem político aventureiro, Fernando Collor de Mello, emergia como candidato conservador. conservador. A candidatura de Collor fora em
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grande medida construída pela mídia (“caçador de marajás” e inimigo da corrupção). Como as eleições agora eram em dois turnos, e Lula e Brizola estavam empatados em segundo lugar, a mídia procurou mostrar o candidato do PT como fato novo e autêntico na política brasileira, atacando Brizola como resquício de um velho populismo. Pode-se considerar, igualmente, que a aposta da grande gra nde mídia era levar ao segundo turno Collor e um candidato mais “confiável”. Mário Covas seria o preferido, e mesmo Guilherme Afif Domingos foi cogitado. Efetivamente, Efetivamente, Lula e Brizola só apareceram empatados nas últimas pesquisas. Houve interesse em apresentar a “novidade” de Lula para desgastar ainda mais Brizola. No segundo turno, os meios de comunicação passaram bruscamente a atacar Lula. Além disso, na semana das eleições ocorreu o insólito sequestro do empresário Abílio Diniz por um grupo de extrema-esquerda, em cujo cativeiro a polícia encontrou material de campanha do PT PT.. Em meio a uma campanha polarizada e marcada por acontecimentos estranhos, Collor foi fo i eleito com os votos das classes A e D, encerrando uma era da história brasileira. Prometendo governar para os “descamisados”, acima dos partidos e sem os políticos, ele abriu caminho ao neoliberalismo desde sua posse em março de 1990. Quase três décadas depois, os brasileiros haviam votado novamente para presidente, elegendo outra vez uma personalidade extremamente parecida com Jânio Quadros e que também não concluiria seu mandato. Do início da década de 1960 ao fim da de 1980, a história brasileira foi marcada pela ascensão e queda do regime militar, que permaneceu no poder por 21 anos e alterou profundamente a sociedade nacional. Basicamente, o regime militar propôs e cumpriu dois objetiv objetivos os básicos: construir um moderno capitalismo industrial e conter o movimento popular. Quanto ao primeiro aspecto, é preciso considerar c onsiderar que os militares deixaram o Brasil na posição de único país ao sul do Equador dotado de um completo e diversificado diversificado parque industrial, ao contrário de seus congêneres do Cone Sul, que desindustrializaram seus países. Ao longo desse caminho, as elites tradicionais se modernizaram e redimensionaram as estruturas de dominação, que seguem vigentes. As desigualdades sociais, por sua vez, tornaram-se ainda maiores, colocando o país na posição de liderança da pior distribuição de renda do mundo. Mesmo tendo atingido a posição de oitava economia do mundo nos anos 1980, o Brasil ostenta índices de analfabetismo, pobreza e doenças que o situam entre os mais pobres do mundo. Tendo de manter submissa politicamente politicamente e excluída economicamente economicamente grande parte da população e optando por um modelo socioeconômico dinâmico, mas tendente às desigualdades, a burguesia brasileira gerou uma contradição insolúvel (encontrar mercado interno para a imensa base produtiva produtiva instalada), o que a obrigou a procurar caminhos de autonomia internacional (com acesso ac esso a novos mercados), uma prática que propiciava meios para a construção de um “Brasil potência”, antagonizando certas regras da ordem mundial. No caminho da modernização (econômica) sem mudança (social), o Brasil vivia ainda as mesmas tensões internas de 30 anos antes, só que mais graves e em um cenário mais complexo. Além disso, mesmo as conquistas materiais “nacionais” passaram a ser ameaçadas pelo reordenamento internacional. O advento, relativamente relativamente tardio, do neoliberalismo viria a cristalizar essas tendências.
Capítulo 4
O Brasil e os desafios da globalização O propósito do capítulo é avaliar o processo de mudança da política interna e externa do Brasil no contexto do fim da Guerra Fria, da expansão e aprofundamento da globaliza ção e da consolidação da redemocratização redemocratiz ação de 1990 a 2002. A fase inicial desta trajetória é examinada em 4.1, “Reformas liberais e adesão à nova agenda global (1990-1994)” (1990- 1994)” que aborda as contradições associadas à eleição de Fernando Collor de Mello em 1989 e as mudanças geradas pelo encerramento da bipolaridade, que leva à ruptura das relações internacionaiss globais, e o interregno de Itamar Franco. A estabilidade econômica e um internacionai novo padrão doméstico e de projeção internacional internac ional são abordados em 4.2, “FHC: esforço de afirmação, integração regional e crise.” Em ambos os itens, temas relativos à integração sul-americana, sul-american a, as relações com os Estados Unidos e os desafios políticos, políticos, econômicos e sociais internos são avaliados.
4.1 REFORMAS LIBERAIS E ADESÃO À NOV NOVA A AGEND AGENDA A GLOBAL (1990-1994) Os anos 1990, salvo o interregno Itamar Franco, constituíram uma verdadeira “era dos Fernandos”, o reinado (ainda que qu e incompleto) do neoliberalismo. A matriz desenvolvimentista, inaugurada em 1930, bem como a diplomacia autonomista, que era necessária como apoio, foram postas de lado, sem que uma política realmente consistente fosse adotada em seu lugar. A noção de projeto, interesse ou soberania nacional foi secundarizada, em nome da abertura à nova ordem neoliberal e globalizante do pós-Guerra Fria. Grande parte do patrimônio econômico acumulado com o sacrifício do povo brasileiro, que se encontravaa majoritariamente nas estatais, foi encontrav f oi desmantelado ou alienado com priv privatizações atizações desnacionalizantes. desnacionaliza ntes. O culto ao americanismo primário renasceu tardiamente, diante de uma abertura considerada “inevitável”. Contudo, graças à sobrevivência de adversários desse projeto no Estado e na sociedade, ao interregno Itamar Franco, a certos aspectos da integração regional e ao tamanho e à complexidade da economia brasileira, brasileir a, houve tempo para que se iniciasse a instabilidade financeira mundial enquanto o Brasil ainda não estava completamente enfraquecido ou submetido como a Argentina.
A diplomacia de Collor: liberalismo, l iberalismo, ma non troppo (1990-1992) A primeira eleição em três décadas levou ao poder Fernando Collor de Mello (1990-1992), um político supostamente antipolítica, anticorrupção, representando 95
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o novo. Eleito através de um marketing made in USA (com intenso apoio da grande mídia), esse estranho personagem era um verdadeiro produto de engenharia política. O Estado brasileiro começou a ser desarticulado por um grupo de aventureiros sem um projeto consistente. Essa equipe, liderada por um homem psicologicamente instável, sofreu vários tropeços e gerou descontentamento até entre os que a haviam conduzido ao poder poder.. O Governo Collor foi marcado por um plano econômico anti-inflacionário em que a poupança e outros investimentos foram temporariamente bloqueados. As medidas econômicas reduziram a inflação, mas provo provocaram caram uma recessão sem precedentes, com inúmeras falências. O Estado limitou drasticamente seu papel na economia. Sem o financiamento, a safra agrícola e as exportações, depois de crescer por décadas, reduziram-se. Segundo Brasilio Sallum Jr., “Collor desiste de construir uma estrutura industrial completa e integrada dentro do território nacional, em que o Estado cumpria o papel de redoma protetora em relação à competição externa e de alavanca do desenvolvimento desenv olvimento industrial e da empresa privada nacional” (2000, p. 429). Paralelamente, os Estados Unidos pressionavam pela liberalização interna da economia e de barreiras que protegiam o mercado e as indústrias nacionais, como a indústria de informática. Houve a abertura unilateral do mercado interno, através da redução tarifária (de uma média de 31,6% em 1989 a 13,2% em 1993). Isto ocorreu sem compensações, inundando o mercado interno com importações desnecessárias, o que representou uma iniciativa injustificável injustificável sob a ótica do interesse nacional. Empresas estatais lucrativas que não se encontravam protegidas protegidas pela Constituição começaram a ser privatizadas. Pior, geralmente a priv privatização atização significava desnacionalização, como no caso da telefonia (já realizada na administração seguinte de FHC e que foi dominada por algumas empresas europeias, algumas delas como as espanholas, detentoras de ações norte-americanas.). Era a retomada das relações subordinadas com os Estados Unidos e de abertura às proposições do FMI. No geral, as políticas adotadas por Collor eram representativ representativas as da adesão às prioridades do Consenso de Washington, Washington, que sintetizava esta agenda do neoliberalismo. Contudo, a liberalização externa da primeira metade dos anos 1990 não teve um impacto decisivo sobre a indústria nacional devido à recessão, ao câmbio desvalorizado e ao retorno dos Investimentos Diretos (que passaram a crescer mais que o comércio). A partir de 1991, estes Investimentos procuravam os “mercados emergentes”. Na verdade, houve certa racionalização e incremento da produti produtividade vidade das indústrias, que se mantiveram melhor, apesar da conjuntura adversa. A abundância de dólares permitiu a negociação com o FMI da dívida remanescente dos anos 1980 e a preparação do Plano Real. Durante os anos 1990, o governo brasileiro atuava no GATT/OMC GATT/OMC com uma postura moderada, oscilando entre dois grandes protagonistas, Estados Unidos e União Europeia, e aproximando-se de algum deles, dependendo de pendendo da questão em pauta. Evitava-se um discurso reivindicatório de perfil terceiro-mundista. Com os norte-americanos, o Brasil insistia na maior abertura possível do comércio agrícola mundial. Com os europeus, aceitava tratar de regras para inv investimentos estimentos e concorrência, além do apoio para uma reforma dos Acordos Acordos Antidumping . A atuação brasileira nas negociações comerciais agrícolas ocorria no âmbito do Grupo de Cairns. Mas este, apesar de ainda
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cumprir importante função na defesa de países exportadores de gêneros agrícolas, perdeu a influência que dispunha na última rodada. O governo brasileiro já vinha sentindo certo desconforto com as posições moderadas do Grupo. O comando do Itamaraty foi entregue a Francisco Rezek, que havia sido Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral durante as eleições de 1989 e fora elogiado por sua neutralidade durante o processo eleitoral. Com ele, o MRE perdeu muitas de suas atribuições, pois nele se encontrava um núcleo de resistência oposto ao projeto governamental. O Brasil afastou-se, em larga medida, de sua anterior diplomacia mundial e multilateral, voltando a alinhar-se aos Estados Unidos e a desenvolver desenvolver uma política mais centrada nas Américas. Um dos aspectos mais negati negativos vos do processo foi que as novas teses vitoriosas com o fim da Guerra Fria foram adotadas sem barganha, não se utilizando a ampla margem de manobra que um país com as dimensões e a tradição diplomática do Brasil possuía. Segundo o embaixador Paulo Nogueira Batista, a premissa de Collor, visando a uma “inserção ‘colorida’ do Brasil no mundo”, era rever o consenso do desenvolvimento, desenvolvimento, substituindo-o pelo Consenso de d e Washington Washington (que, do lado la do dos Estados Unidos, visava reverter a balança comercial desfav desfavorável orável em relação aos países da América Latina). No começo, tentou agir taticamente com autonomia em relação aos compromissos assumidos com os patrocinadores da sua campanha. Pretendia articular uma política econômica no plano interno para deter o processo inflacionário (que atingira os quatro dígitos no final do Governo Sarney), tendo, com isso, uma melhor imagem no plano externo junto aos credores internacionais. Como o plano foi mal visto pela comunidade financeira internacional e não teve resultados satisfatórios, Collor, Collor, para melhorar sua imagem perante a comunidade internacional, eliminou de um só golpe várias taxas de comércio externo, não buscando contrapartidas dos parceiros comerciais, sequer salvaguardando os produtos brasileiros da concorrência externa. A visão de Collor, ainda conforme Nogueira Batista, confundia a força militar dos Estados Unidos com força econômica. O presidente não tentou manobrar com as diferenças entre os países poderosos e se acomodou às regras impostas pelos norte-americanos como se eles fossem o único polo mundial de poder. Não havia consciência de que os próprios Estados Unidos estavam desgastados com o fim da Guerra Fria, e de que este era o motivo pelo qual mantinham uma estratégia firme nos assuntos econômicos internacionais, com ou sem apoio do Acordo Geral de Tarifas Tarifas e Comércio (GATT). (GATT). Nessas negociações o Brasil defendeu defende u a discussão do tema agrário, aceitando, ao mesmo tempo, debater os chamados novos temas, em sintonia com a posição norte-americana. A cooperação Brasil–Argentina foi transformada, pela equipe da Ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, em uma integração que incluía o Uruguai e o Paraguai, países que praticavam tarifas externas muito baixas, com o objetivo de acelerar a redução das nossas. Dito de outra forma, o eixo Brasília–Buenos Aires Aires dos anos 1980, de viés relativamente autonomista e desenvolvimentista, desenvolvimentista, ganhou colorações neoliberais. O MRE não teve participação decisiva decisiva na política externa de Collor. Pelo contrário, às vezes tentou minimizar-lhe os efeitos. Por exemplo, o Mercosul, como projeto de União Aduaneira (que pratica uma Tarifa Externa Comum – TEC), buscou agregar mercados. Em um primeiro momento isso beneficiou as transnacionais,
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algumas das quais estavam se retirando da região, e fez que mantivessem uma base física de produção no Cone Sul. Em um segundo, o Mercosul promoveu um desvio de comércio que permitiu a sobrevi sobrevivência vência de vários setores econômicos nacionais. O Brasil reduziu significati significativamente vamente sua presença na África, no Oriente Médio, na Ásia e no antigo bloco soviético. É verdade que, em boa medida, isso se devia a fatores que o Brasil não poderia controlar. controlar. No continente africano persistiam os conflitos, e houve forte retrocesso econômico no outro lado do Atlântico Sul. A Guerra do Golfo, por sua vez, produziu o avanço estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio, ocupando muito do espaço anteriormente dominado pelo Brasil. Outro fator de recuo comercial nestas regiões foi a necessidade brasileira de importar petróleo da Argentina para viabilizar o Mercosul. O antigo bloco soviético, por sua vez, passou por um período de caos e retrocesso econômico como decorrência da transição do comunismo ao capitalismo, com uma queda de quase 50% do PIB. Mas o governo deixou explorar as possibilidades que se abriam com a transição democrática da África do Sul, a disponibilidade internacional em que se encontrava o Irã e as oportunidades que se abriam nos novos Estados da Ásia Central ex-soviética (na qual até empresas argentinas de petróleo obtiveram espaço). Mais grave, contudo, foi ter abandonado qualquer projeto mais consistente em relação à Ásia, onde a China ampliava seu crescimento e a Índia, a ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e a Coreia do Sul seguiam-lhe os passos. Só no final do Governo Itamar houve um esboço de reflexão estratégica para este espaço. O Brasil se atrasou uma década em relação à região de maior crescimento econômico no mundo, enquanto se concentrava nos mercados da Organização do Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE). Em relação ao Mercosul, em lugar de liderar parecia haver certa admiração pelo “sucesso” de Menem. Paralelamente, Collor promoveu a desmontagem das iniciativ iniciativas as ligadas à agenda de Brasil potência, como o projeto nuclear e a indústria de informática. Além disso, a difusão de temas como meio ambiente, era utilizada pelas grandes potências como instrumentos de bloqueio do desenvolvimento brasileiro, independente dos méritos da questão. A noção de soberania também foi deixada de lado, em nome da adesão à globalização, aceita como “inevitável” e mesmo desejável. Antigas parcerias internacionais foram abandonadas ou colocadas em segundo plano. O resultado foi o encolhimento drástico da diplomacia brasileira e a dilapidação do patrimônio acumulado nessa área ao longo de décadas. Quando o governo começou a afundar em escândalos e problemas, Collor buscou ampliar sua base de apoio e lograr certa “respeitabilidade”, convidando, em abril de 1992, Celso Lafer para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Celso Lafer definiu as linhas da política externa brasileira na 47a Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 1992. Segundo o chanceler brasileiro, “o desafio da ONU hoje é buscar um novo consenso na ordem internacional”. Afirmou que a liberdade, a democracia, o respeito aos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a justiça e a paz deveriam ser os novos objetivos buscados pelas Nações Unidas. Para Celso Lafer, desarmamento, paz e segurança seriam as premissas indissociáveis para repensar a nova ordem mundial. A partir desses três elementos, são considerados o desenvolvimento e o meio ambiente, conjugados com a chamada Agenda para a
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Paz (que implicava o desarmamento e a adesão aos novos regimes internacionais). A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a Rio-92, foi um dos pontos altos das relações exteriores do Brasil durante esse período. Paralelamente, o Brasil desejava a discussão sobre as atribuições, a composição e a representatividade do Conselho de Segurança. Alegando que sempre contribuiu nas forças de paz da ONU, o país pleiteava um lugar como membro permanente do organismo. Dentro do projeto diplomático do Brasil, este seria o objetivo primeiro de uma inserção soberana do país, gerando também uma melhor distribuição geográfica do poder. O problema é que o Brasil esperava ingressar nesse restrito clube por meio da credencial de “bom comportamento” e adesão à agenda global, renunciando a seus recursos de poder, em lugar de conquistar o posto por sua posição sólida na correlação de forças mundiais. Mas se fosse aceito por suas renúncias (fraquezas), que posição seria essa? Impossível deixar de citar Marx (o humorista Groucho): “Jamais entraria em um clube que me aceitasse como sócio.” Como pleitear um upgrade em nossa posição internacional, em um momento em que nos afastávamos da África, da Ásia, do Oriente Médio e de outras regiões? Os maus resultados políticos e econômicos fizeram Collor perder o apoio dos políticos tradicionais (os quais ele desconsiderava), ficando isolado e desenvolvendo um comportamento de traços esquizofrênicos. Escândalos de corrupção foram denunciados, justamente justamente contra o ex-“caçador de marajás”. A esquerda pensou haver descoberto um espaço de protagonismo protagonismo,, mas as causas da campanha contra Collor eram mais complexas. Havia o envolvimento de colaboradores com o narcotráfico e suspeitas sobre o presidente. Por outro lado, buscava estabelecer sua cadeia de meios de comunicação, pois graças a eles fora eleito. Por que depender da Rede Globo? Esta lançou o seriado “Anos rebeldes”, exaltando a juventude revolucionária dos anos 1960 para criar o cenário para as mobilizações. Criador e criatura entravam em choque. Denunciavam-se Denunciav am-se até as mais insignificantes suspeitas de corrupção, e pouco se questionavam tionav am as linhas gerais da política econômica do governo, chegando-se a propor a permanência de seu Ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira. Para evitar a cassação, Collor renunciou.
A diplomacia de Itamar Franco: Franco: nacionalismo, ma non troppo (1992-1994) Em outubro de 1992, o Vice-Presidente Itamar Franco assumiu a Presidência. Ele havia sido marginalizado durante o governo de Collor, e sua trajetória política, identificada com o nacionalismo, valeu-lhe problemas para assumir o poder. Contudo, segmentos das Forças Armadas, descontentes com a alienação do patrimônio e da soberania nacionais, garantiram sua posse. Os processos de privatização sofreram considerável estancamento. Itamar defendia a importância da noção de soberania nacional e destacava a necessidade da participação do Estado na economia de um país em desenvolvimento como o Brasil. Ao menos no plano do discurso. O Partido dos Trabalhadores (PT) recusou o convite para integrar o governo, o que fez com que seu perfil fosse mais centrista.
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Para o MRE foi nomeado Fernando Henrique Cardoso (outubro de 1992 a maio de 1993), que não se limitou a implementar a linha indicada pelo voluntarista Presidente da República, desenvolvendo um hábil processo de cooptação de quadros do Itamaraty para um novo projeto de inserção internacional. A política externa brasileira do período visava a integração do país no sistema internacional, de forma democrática, segundo os valores da sociedade brasileira e com base no processo de reestruturação interna pelo qual passou o Brasil com a posse de Itamar Franco. Os compromissos do país no plano externo ligavam-se à defesa defe sa de princípios como democracia, justiça social, direitos humanos, liberdades individuais e justiça social com desenvolvimento. desenvolvimento. Retomando certa ênfase à ideia de projeto nacional, defendia o direito à autodeterminação dos povos, o princípio de não intervenção em assuntos internos e a solução pacífica dos conflitos e antagonismos. Em maio de 1993, depois de haver reorganizado o Itamaraty Itamaraty,, FHC assume o Ministério da Fazenda, sendo substituído pelo Embaixador Celso Amorim, que permaneceria no cargo até o final do governo. O Governo Itamar Franco teve como objetivo revalorizar a presença do Brasil no cenário mundial, que sofrera considerável redução sob Collor, a partir de foros multilaterais e da integração regional. r egional. Durante seu governo, o Brasil foi eleito, por dois anos, membro do Conselho de Segurança da ONU, participando de sete operações de paz, sendo que se candidatou a um cargo permanente neste órgão, dentro da reforma re forma anunciada, e defendeu a não proliferação de armas de destruição em massa. Propôs uma Agenda de Desenvolvimento ligada a uma Agenda da Paz, resolveu pendências econômico-comerciais com diversos países (que Collor deixara em impressionante desordem) e desenvolveu parcerias com países vizinhos e os de língua portuguesa (Mercosul e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Lançou, ainda, iniciativa de criação da Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) e da ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) em 1993. Entre as prioridades brasileiras, estavam a defesa do sistema multilateral nos planos econômico e político, a consolidação de sua atuação junto a órgãos internacionais, como Nações Unidas, OMC (Organização Mundial do Comércio) e blocos regionais, e a afirmação do sistema multilateral de comércio e da integração regional. Com isso visava combater o protecionismo dos países pa íses ricos e lutar para que o país tivesse acesso acess o às tecnologias de ponta. No plano regional, a integração platina e sul-americana foi a prioridade do governo. O Mercosul ganhou uma dimensão estratégica que até então não possuía. Durante o mandato de Itamar Franco, foram realizadas visitas aos países fronteiriços, assim como o Brasil foi visitado por seus líderes. Como a integração regional se converteu em uma realidade, a instalação efetiva do Mercosul resultou em um aumento do comércio e das relações com os vizinhos. O desvio de comércio gerado sem dúvida permitiu que os efeitos mais perversos da globalização globalizaçã o fossem reduzidos. Contudo, devido às políticas neoliberais adotadas internamente, as vantagens logradas com o aumento das exportações intrabloco foram perdidas com o aumento das importações extrabloco. Além disso, pela mesma razão, a capacidade de exportação para fora do bloco foi muito modesta, especialmente à medida que os países-membros adotavam “moedas fortes”, um eufemismo para a paridade com o dólar, que encarecia consideravelmente as exportações.
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Ao mesmo tempo em que tratava de ampliar a infraestrutura de integração entre os quatro países-membros, buscou-se a associação da Bolívia e do Chile ao Mercosul, um valioso instrumento para a estruturação da ALCSA. Tratava-se Tratava-se de uma clara clar a reação à implantação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFT (NAFTA) A) – o marcada para 1 de janeiro de 1994 –, reunindo Canadá, Estados Unidos e México. A iniciativa do NAFTA servia ao Governo Bill Clinton como uma espécie de fator de atração e monitoramen monitoramento to sobre os países latino-americanos, e de base para uma futura integração hemisférica (dando conteúdo novo à proposta do anterior Governo George Bush). Aos que seguissem voluntariamente o receituário do Consenso de Washington, era prometido o ingresso no NAFTA e, por meio deste, o acesso ao mercado norte-americano. norte-amer icano. O Chile e a Argentina eram fortes candidatos. Menem, com uma política explicitamente pró-Estados Unidos, referia-se à cooperação bilateral com esse país como “relaciones carnales”. A Bolívia deveria fornecer gás natural ao Brasil, bem como facilitar a adesão de outros países da Comunidade Andina. No caso do Chile, foram assinados diversos diversos acordos de cooperação e criada também uma comissão para estudar uma ligação bioceânica. Manter a Argentina no Mercosul e comprometer o Chile com negociações sul-americanas era fundamental para esvaziar as pretensões de Washington. Por outro lado, a América do Sul constituía o espaço natural para a projeção da economia brasileira. Um espaço cuja autonomia auton omia deveria ser preservada, pois, se está afastado dos grandes fluxos econômicos internacionais, está igualmente preservado dos conflitos armados e do grande jogo de poder mundial. Com Colômbia, Venezuela, Venezuela, Guiana e Suriname, a diplomacia buscou negociações bilaterais nas áreas de agricultura, meio ambiente, transportes, repressão ao narcotráfico e controle da região amazônica. Com o Equador e o Peru, além da manutenção da soberania e do desenvolvimento desenvolvimento da Amazônia, havia havia interesse em uma via interoceânica. Como no caso da Argentina e do Chile, não tendo recursos econômicos para estabelecer uma competição com os Estados Unidos, o Brasil procurou oferecer fatias de seu mercado interno, como forma de interessá-los na integração sul-americana. O custo era relativamente baixo, tendo em vista as limitadas dimensões dessas economias. Os ganhos de longo prazo compensavam as eventuais perdas de curto prazo. Esse procedimento garantiu o acesso a mercados regionais pelos produtos industriais brasileiros, incapazes de concorrer em outras áreas do mundo. Quanto à integração regional, em dezembro de 1994 foi assinado o Protocolo de Ouro Preto, que institucionaliza institucionalizava va a estrutura intergov intergovernamental ernamental do Mercosul, com o processo decisório alicerçado no consenso entre os países-membros. No mesmo período ocorreu a Cúpula das da s Américas, em Miami, com as lideranças dos 34 países da América (exceto Cuba), em que foi lançada oficialmente a negociação para a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), na qual as barreiras ao comércio e aos investimentos seriam progressivamente progressivamente eliminadas no continente a partir de 2005. Além do NAFTA NAFTA e da ALCA, a política externa do Governo Itamar, abordou outros temas específicos das relações bilaterais com os Estados Unidos. A partir das negociações da Rodada Uruguai, conseguiu que não se aplicassem sanções norte-americanas contra o comércio brasileiro (Super 301 – medida do executivo norte-americano visando abrir mercados mercad os no exterior, através de acordos comerciais). No âmbito militar, milita r, o
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país firmou acordos de cooperação entre a Comissão Brasileira de Atividades Atividades Espaciais (Cobae) e a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA) para realização realizaçã o de lançamentos de foguetes americanos da Base de Alcântara (Maranhão). O projeto Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam)/Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), de vigilância sobre a Amazônia, também foi negociado com os Estados Unidos. Uma posição relativamente autonomista da diplomacia brasileira foi expressa, em maio de 1993, pelo embaixador Rubens Ricupero. Então Ministro da Economia, Ricupero expôs sua visão acerca das repercussões do NAFTA sobre a economia brasileira (RICUPERO, 1995, p. 27), ... entre os quatro países continentais (China, Rússia, Índia e Brasil), o Brasil é o único engajado, no momento, em um projeto de integração regional, regional, o Mercosul. [É] lógico que os países do sul devem, primeiro, consolidar sua integração econômica antes de se engajarem engajarem,, coletivamente, em arranjos comerciais com o NAFTA ou outros grupos. Aspirando a se tornar uma unidade alfandegária, o Mercosul tenta no momento definir uma tarifa externa comum. Dos membros do Mercosul, o Brasil é o país que apresenta maiores maiores semelhanças com o México em termos de comércio com os Estados Unidos. Unidos. [...] Em consequência, o Brasil poderia ser particularmente afetado pelos possíveis efeitos do desvio de comércio acarretado pelo NAFTA.
Adicionalmente, a União Europeia era a maior parceira econômica do Brasil, Adicionalmente, detendo cerca de 26% das trocas troca s comerciais, o que inquietava os Estados Unidos. Com a Rússia, o Brasil tentou desenvolver desenvolver o comércio e a cooperação nas áreas de tecnologia de ponta e assinou, em 1994, um Acordo para Cooperação no Uso Pacífico da Energia Nuclear, enquanto no campo aeroespacial a cooperação aprofundou-se. Tratava-se Tratava-se de estruturar uma cooperação estratégica. No Oriente Médio, o Brasil buscou retomar antigos contatos, mas com limitado sucesso. Com os países árabes, manteve relações bilaterais atuando em várias áreas: forças armadas, transportes, finanças e cooperação técnica e cultural. As relações comerciais eram ainda limitadas pelo fato, citado, de que o Brasil importav importavaa petróleo da Argentina para equilibrar o comércio bilateral. A retomada de iniciati iniciativas vas voltadas para a região da Ásia-Pacífico, a que mais crescia no mundo, era fundamental para a manutenção de uma pluralidade de opções externas. Com a China, ao lado da crescente relação econômica, foi assinado um Protocolo sobre Aplicações Pacíficas da Ciência e Tecnologia Tecnologia do Espaço Espaç o Exterior, que implicava a construção conjunta de satélites e seu envio ao espaço. A Índia, que como c omo o Brasil se enquadrava no conceito de mercados emergentes, também o apoiava na Agenda do Desenvolvimento Desenv olvimento e na reforma do Conselho de Segurança da ONU. Também Também existia cooperação em áreas de interesse comum: indústrias indústrias têxteis, ciência e tecnologia e ferrovias. Houve acordos econômicos com a Coreia do Sul, investimentos investimentos desse país no Brasil e a abertura de embaixada no Vietnã. Vietnã. Com relação à criação da OMC, desenvolveu-se desenvolveu-se o princípio de gerenciar o comércio mundial de forma eficaz e estável, restringindo medidas unilaterais das grandes potências e aprofundando o processo multilateral. No âmbito da ONU, a representação brasileira defendeu uma maior transparência transparênc ia em seu sistema decisório, que o Conselho de Segurança fosse mais democrático e representativo, condições necessárias para que
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pudesse resolver os grandes problemas internacionais. A bem da verdade, na época não havia o mesmo espaço de resistência dos anos 1970 e parte da década de 1980: a estratégia era participar das Organizações Internacionais e tentar fazer alianças para mudar o rumo dos acontecimentos ou atrasá-los, ganhando tempo e torpedeando iniciativas iniciativ as desfavoráveis. Daí o acatamento da nova agenda internacional. O Grupo dos 15 (Grupo de Consulta e Cooperação Sul–Sul) reuniu-se em Dacar (Senegal), onde foi reafirmada a articulação da Agenda da Paz com a Agenda para o Desenvolvimento Desenv olvimento (um termo em desuso, que o governo brasileiro resgatou). Na Cúpula Ibero-Americana, o Brasil foi protagonista de uma reunião realizada em Salvador em 1993. Nela, o Brasil lançou uma nova agenda para o desenvolvimento, desenvolvimento, com ênfase no aspecto social. No decorrer do mandato também se realizou nova edição da mesma conferência em Cartagena, na Colômbia, em junho de 1994, onde o Brasil interveio em favor de Cuba. O Brasil, em setembro de 1994, foi anfitrião da III Reunião da ZOPACAS, ZOP ACAS, na qual foi adotada uma Declaração Declara ção de Desnuclearização Desnuclearizaç ão do Atlântico Sul. Dentro do tema do desarmamento, o país assinou a Convenção sobre Armas Químicas e a Convenção para a Proibição de Armas Biológicas. Na ONU, defendeu a criação de um órgão que registrasse todas as armas conv convencionais encionais e a conclusão do Tratado para a Proibição Completa de Testes Testes Nucleares (CTBT). Nas exportações de materiais sensíveis que o país fazia já eram aplicadas as diretrizes do Regime de Controle de Tecnologia Tecnologia de Mísseis (MTCR). Pretendia-se, com isso, ter acesso à tecnologia de ponta dos parceiros mais desenvolvidos, desenvolvidos, que pode ser utilizada com fins militares, para a construção de lançadores de satélites e de submarinos de propulsão nuclear, o que foi bem recebido pelos países que produzem essa tecnologia. No Ministério da Fazenda, Fernando Henrique elaborou elabor ou uma reforma tributária e um plano para controlar as despesas governamentais (déficit público). Em junho de 1994 o governo implantou o Plano Real (com ( com taxa de juros alta para atrair investimentos investimentos estrangeiros), pondo fim à elevada inflação e estabilizando a moeda. Esse clima de estabilie stabilização econômica, além de favorecer a eleição do ex-Ministro à Presidência da República Repúblic a (1995-2002), conferiu aos dois primeiros anos de mandato (1995-1996) a possibilidade de ocultar os enormes déficits do comércio exterior e do balanço de pagamentos, dos quais o crescimento da dívida foi uma consequência. Entretanto, o Plano Real deve ser analisado não somente por seu viés conjuntural. Além de representar um plano de estabilização, o controle da inflação e um instrumento de vitória eleitoral (com a ilusão do aumento do consumo), estruturalmente, ele significou um novo posicionamento do Brasil no contexto internacional. Após passar pelo choque da política de Collor Collor,, durante a qual a economia brasileira foi bruscamente jogada no livre mercado global, o Brasil procurou adaptar-se de forma sistemática às regras do mundo pós-Guerra Fria.
4.2 FHC: ESFORÇO DE AFIRMAÇÃO, INTEGRAÇÃO REGIONAL E CRISE (1995-2002) O primeiro Governo FHC e a adesão aos regimes internacionais O Plano Real permitiu a FHC uma vitória relativamente fácil sobre Lula. O novo presidente representava o novo tipo de político dos anos 1990: jovial, contra a “política
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tradicional”, poliglota e intelectualizado. Depois de cinco anos de iniciado o Governo Collor, outro Fernando, retomou o projeto neoliberal.1 Mais bem articulado no sentido da eficácia e da estabilidade na execução do processo, bem como no de permitir a sobrevivência de mecanismos compensatórios no plano internacional. Luiz Felipe Lampreia foi nomeado Ministro das Relações Exteriores (1995-2001), e Pedro Malan, Ministro da Fazenda, este último um homem identificado com o programa do FMI e do Banco Mundial, expressos no Consenso de Washington. A infraestrutura foi consideravelmentee negligenciada, o Estado perdeu funções estratégicas para um país consideravelment em desenvolvimento desenvolvimento e as priv privatizações atizações foram acompanhadas pelo estabelecimento de Agências Reguladoras. No plano especificamente diplomático, Fernando Henrique, habilmente, esvaziou o Itamaraty de algumas funções, uma vez que esse órgão ainda possuía alguns focos de resistência do projeto nacional-desenvolvimentista. nacional-desenvolvimentista. Além Além disso, transferiu atribuições econômicas do MRE para o Ministério da Economia, ao mesmo tempo em que assumia pessoalmente sua dimensão política com a introdução da diplomacia presidencial. Assim, ao lado da inegável vaidade pessoal e do gosto por viagens com impacto na mídia, o presidente passou a comandar a política externa pessoalmente. Ao MRE não restou, em boa medida, senão se ocupar dos aspectos técnicos e burocráticos das iniciativas políticas e econômicas decididas fora do ministério e servir de bode expiatório por “não saber negociar”. Essa estratégia foi estruturada a partir do interior do Itamaraty, graças a um hábil processo de cooptação e reestruturação, quando o presidente fora chanceler do Governo Itamar Franco. O professor Amado Cervo afirmou que a consciência de FHC de ter uma imagem de presidente eticamente correto e de intelectualidade renomada contribuiu para a expansão do universalismo da política exterior do Brasil por meio de uma diplomacia pessoal (CERVO, (CERVO, 2003, p. 27). As linhas de ação açã o prioritárias foram as seguintes: ● ● ●
●
Avançar no caminho caminho da integração integração regional aprofundando o Mercosul; Estimular a estratégia estratégia de diversi diversificação ficação de parceiros nas relações bilaterais; Insistir junto às organizações organizações econômicas econômicas multilaterais, multilaterais, em particular particular a OMC, no ideal de multilateralismo, sempre sustentado pelo país; Concentrar esforços para elevar elevar a condição de potência internacional do Brasil, tornando-se um membro permanente no Conselho de Segurança da ONU a partir de argumentos como o seu tamanho territorial, seu contingente populacional, assim como o status de ser o décimo maior contribuinte do orçamento da ONU (pode-se acrescentar, por convergir com o Consenso de Washington).
1. Nesse sentido, contemplava certa agenda política oculta do Consenso de Washington: Washington: sob o impacto da crise do socialismo, era necessário garantir a eleição de presidentes de centro-direita; estes, comprometidos com a nova agenda mundial, introduziriam reformas macroeconômicas liberalizantes; como elas não seriam implementadas facilmente, deveria ser garantida uma reeleição; em dois mandatos a oposição seria domesticada e, como condição para assumir o poder (depois de quase uma década afastada), manteria o modelo; finalmente, uma integração hemisférica multilateral (a ALCA) garantiria a irreversibilidade das reformas neoliberais (evitando “retrocessos” como o de Chávez na Venezuela). Venezuela). Mas houve problemas com Collor/Itamar,, que atrasaram o cronograma do Brasil, o país mais importante da região. Collor/Itamar
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O contexto interno brasileiro de estabilidade estabilidad e monetária – saldo negativo na balança comercial (decorrentes do Plano Real), mas com grande volume de reservas cambiais, demonstra a escolha por uma inserção no processo de globalização econômicofinanceira, sem, contudo, repetir a desordenada política realizada no Governo Collor. O novo presidente, internamente, intensificou o processo de privatizações das grandes e eficientes empresas públicas (aeronáutica, petroquímica, siderúrgica e, em certa medida, informática), sem se preocupar com muitos setores privados nacionais e com os custos sociais. O caráter da política externa sinaliza a instauração de novos projetos e parcerias para o Brasil, sem definir claramente o paradigma estratégico pelo qual está se orientando. Fernando Henrique Cardoso, quando Ministro das Relações Exteriores, deu início à substituição da ênfase na América Latina pela América do Sul, delimitando uma nova esfera geográfica de política regionalista. Essa diretriz teve uma dimensão prática muito importante na agenda diplomática sul-americana, e o Mercosul passou a ser o exemplo mais importante dessa estratégia. Segundo a Constituição de 1988, a integração latino-americana é o compromisso mais importante da política externa brasileira. Na América do Sul, o Mercosul, a partir de 1994, adquiriu personalidade jurídicoinstitucional, como união aduaneira, para os países-membros (Brasil, Argentina, Argentina, Uruguai e Paraguai) e agregou a Bolívia e o Chile como associados em 1996. A Bolívia fazia parte da Comunidade Andina, o outro processo de integração importante da América do Sul. O Tratado da Bacia do Prata e o Tratado de Cooperação Amazônica consistiram-se em dois instrumentos igualmente importantes na composição do mosaico de iniciativas de aproximação entre os países da América do Sul. O embaixador Rubens Barbosa assinalou que a substituição do termo América Latina pelo termo América do Sul deu às intenções brasileiras de integração e cooperação o sentido real de suas limitações e potencialid potencialidades. ades. O Mercosul consolidou-se consolidou-se como a pedra angular da aliança estratégica Brasil–Argentina, concebida nos governos Sarney–Alfonsín, como um projeto de corte político e estratégico destinado a estimular a criação de uma rede recíproca de interesses concretos concre tos que eliminasse as hipóteses de conflito bilateral. No período 1991-1997, o comércio intrazona apresentou taxas aceleradas de crescimento, afirmando a dimensão econômico-comercial do bloco, mas também avançou no caráter político-estratégico, para aprofundar os mecanismos de concertação e definições conjuntas, para enriquecer o Tratado de Assunção e dar dinamismo à po lítico . Destaca-se, ideia de integração que vem sendo designada como Mercosul político nesse âmbito, a cláusula democrática , institucionalizada pelo Protocolo de Ushuaia (Argentina, 1998), o qual se tornou garantia da consolidação dos regimes democráticos na região e foi decisivo durante a eclosão das crises políticas paraguaias. Em dezembro de 1994, o Brasil aceitou, com relutância, a proposta de iniciar negociações para a criação da ALCA, com base na avaliação de que, caso optasse por obstruir o processo, se encontraria em posição isolada no continente e confrontando diretamente os Estados Unidos. Assim sendo, o posicionamento brasileiro sinalizou para a defesa do constante multilateralismo nas relações econômico-comerciais e dos planos de integração regional, tentando sempre ganhar tempo em relação à ALCA, mas sem opor-se frontalmente. A direção da política externa sugere uma orientação
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globalista, conjugada à melhora contínua do relacionamento r elacionamento com os Estados Unidos. Dessa maneira, uma série de contenciosos com esse país foi solucionada, como por exemplo a adesão ao TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), ao MTCR, ou ainda ao Grupo de Supridores Nucleares (NSG), como clara demonstração da “limpeza” da agenda internacional. Leia-se aceitação das demandas das grandes potências para a adesão aos Regimes Internacionais. Entretanto, no cenário internacional após o fim da Guerra Fria, a política norteamericana apresentou um caráter mais agressivo no setor comercial, o que denotou um balanço deficitário para o Brasil. A iniciativa iniciativa para a criação de uma área de livre comércio para o continente foi acolhida com reticência pelo Brasil e encaminhada de forma extremamente acanhada. De todo modo, as negociações da ALCA continuaram avançando, sem conhecimento da opinião pública. Embora a questão tenha adquirido uma agenda efetiva, o adiantamento do processo da ALCA de 2005 para 2002 sofreu um revés, devido ao constante insucesso do Presidente Clinton em obter a autorização do Congresso para acelerar sua implementação (mecanismo conhecido como Fast Track ). ). Em seu conjunto, os países da União Europeia eram então o principal mercado para produtos brasileiros e a principal fonte de inv investimentos estimentos diretos no país. Existem parcerias bilaterais prioritárias com vários de seus membros. A novidade nesse quadro é a relação com a Espanha, que em investimentos diretos ultrapassou a Alemanha devido às privatizações. Durante essa fase, o trabalho diplomático para promover o aprofundamento da parceria Brasil–Europa esteve em grande medida concentrado na meta de lançamento de negociações entre o Mercosul e a União Europeia, com vistas à liberalização do comércio c omércio entre os dois agrupamentos, conforme previsto no AcordoQuadro assinado em 1995. É importante destacar que, do ponto de vista europeu, a negociação com o Mercosul se justificav justificavaa como uma resposta aos desdobramentos da ALCA, uma vez que não desejav desejavaa perder espaço econômico-comercial no Mercosul. As relações bilaterais continuaram a ser marcadas pela busca de cooperação com vários polos, o que os tecnocratas da diplomacia chamam de global trader . Dessa forma, além da prioridade do Mercosul/América do Sul, as relações com o NAFTA e com a União Europeia, houve crescente intercâmbio com os países asiáticos, assim como a busca de parcerias mais profundas com os países africanos, principalmente na região austral daquele continente. A estagnação do Japão nos anos 1990 fez com que o lugar desse país na política externa brasileira fosse ocupado pela República Popular da China e pelos Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Taiwan, Hong Kong e Cingapura). Paralelamente, Índia e Malásia também passaram a ter certa expressão. Ao lado de crescentes relações econômicas, desenhou-se a possibilid possibilidade ade do estabelecimento de parcerias estratégicas com China (China e Brasil lançaram um satélite produzido em conjunto), Índia e Rússia, envolvendo a cooperação nuclear, aeroespacial. No campo diplomático destas parcerias, destaca-se a emergência de uma grande diplomacia voltada para a estruturação de um sistema internacional multipolar como forma de contornar a nova hegemonia unilateral norte-americana. O problema é que o Brasil não cumpriu muitos dos itens acordados ou abandonou seus aliados ao primeiro sinal de problemas. Por exemplo, denunciou unilateralmente o acordo de cooperação tecnológica com a Índia quando esse país realizou testes atômicos
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e fechou a agência do Banco do Brasil em Xangai no momento em que desejava ampliar os negócios. Durante esse período o Brasil, na verdade, cumpriu apenas os compromissos com os países do Primeiro Mundo e com os organismos internacionais. Não levou em consideração o chamado “jeito asiático”, que vincula o comércio a outros âmbitos de cooperação, especialmente políticos. Havia, acima de tudo, uma cultura diplomática de admiração pelo Primeiro Mundo e de desprezo pelos países em desenvolvimento, e os asiáticos o perceberam muito bem, como pude presenciar pessoalmente em mais de uma oportunidade. O Brasil chegava como “ocidental da segunda divisão”, com uma cultura negocial de “catálogo de vendas” e desdém para com o cliente, que desejava ser parceiro. Apesar de transitar da ortodoxia neoliberal voluntarista para um modelo moderadamente liberal e internacionalizado, Cardoso decidira manter apenas os setores mais adaptados a concorrer no mercado global. Isso era complicado para um país em desenvolvimento, situado muito distante dos grandes mercados da OCDE (gerando elevadoss custos logísticos), que já se encontravam ocupados por concorrentes melhor elevado posicionados. Era uma fixação ideológica da elite americanizada, que negligenciava os crescentes déficits dos Estados Unidos e os mercados que cresciam no Terceiro Terceiro Mundo. A indústria brasileira, para pa ra FHC, deveria ser convertida em um segmento especializado de uma economia transnacional a operar em rede. Daí não haver sentido em ter um Estado coordenador do desenvolvimento, sendo necessário “encerrar a Era Vargas”, como declarou.
A instabilidade internacional e a reorientação do modelo Em 1997, FHC conseguiu aprovar aprovar a emenda da reeleição e venceu o pleito com base no Plano Real e a inflação sob controle. Apesar da moeda sobrev sobrevaloriazada, aloriazada, a queda da inflação e as importações mantinham baixos os preços dos produtos básicos. Face ao déficit comercial, o governo aumentou significativamente significativamente a taxa de juros visando atrair capitais e manter a inflação baixa, julgando que o sistema financeiro internacional favorável se manteria. Assim, ganhariam tempo para, no segundo mandato, aprofundar aprofunda r as reformas institucionais, especialmente a tributária e a previdenciária. Contudo, durante a campanha, as dificuldades começaram a se manifestar: a crise asiática de 1997 e a russa de 1998 criaram uma nova realidade nas finanças mundiais que teve como consequência para o país um ataque especulativo que gerou enorme fuga de capitais. FHC mostrava como um dos sucessos de seu governo a existência de 70 bilhões de dólares em reservas cambiais. Houve uma evasão de divisas da ordem de 50% durante a campanha e, se tivesse ocorrido segundo turno, a reeleição poderia ter sido ameaçada. As crises financeira e cambial de janeiro de 1999 e a possibilidade de retrocesso de alguns objetivos alcançados pelo governo na estabilização monetária lev levaram aram o governo a desvalorizar o Real como forma de equilibrar as contas. O governo também aumentou tarifas para alguns setores, ofereceu financiamento barato a outras e às exportações, além de promover um acordo automotivo. Dessa forma, o segundo mandato de FHC se iniciou sob a crise e a necessidade de mudança. O cenário mundial em que o governo baseara sua inserção internacional começava a se desarticular. O discurso
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governamental de adesão submissa à globalização neoliberal foi substituído pela crítica à globalização assimétrica . Também entre 1998-1999, o Mercosul passou por um período extremamente delicado, com o esgotamento da etapa de ganhos fáceis com a integração, caracteríscara cterísticos da fase inicial de expansão de comércio em decorrência da redução tarifária automática. Somou-se a essa constatação estrutural o fato de que a retração econômica nos países da região, e no Primeiro Mundo, provocou pressões protecionistas. A diplomacia brasileira teve de operar em condições claramente menos favoráveis do que no período 1995-1998. Com a diminuição de sua capacidade de iniciativa tornou-se necessário administrar situações difíceis no plano econômico-comercial. econômico-comercial. No conturbado contexto pós-crise cambial, a diplomacia dedicou-se com grande intensidade a um esforço de informação de governos estrangeiros e da comunidade financeira a respeito do compromisso com a estabilização econômica e demonstrar que estavam sendo tomadas as medidas necessárias para esse fim. Diante deste cenário, para o Brasil e demais países sul-americanos, o fortalecimento de compromissos objetivos na região tornou-se vital. Todavia, a manutenção da paridade peso–dólar na Argentina dificultava o avanço da integração. O superávit argentino com o Brasil transformou-se em déficit, e somente se manteve limitado devido à forte e prolongada recessão da economia argentina (que, assim, não conseguia importar). A Cúpula de Brasília, realizada em 31 de agosto e 1o de setembro de 2000, foi uma iniciativa estratégica brasileira em uma perspectiva de longo prazo, pois a intensificação das pressões externas em 1998-1999 reduzia o espaço de manobra do país. Não havendo condições para lançar novas negociações de integração comercial, a Cúpula de Brasília optou por priorizar a construção da infraestrutura de transporte e comunicações entre os países sul-americanos, que tiveram seu primeiro encontro desde as independências. A proposta foi denominada de IIRSA, Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana. Tratava-se Tratava-se de inverter uma tendência histórica, pois eles sempre estiveram voltados para o mar (e para o mercado mundial) e de costas uns para os outros. A ocasião para o lançamento da iniciativa sinalizava a estruturação de uma reação (ainda que modesta) a movimentos norte-americanos: o lançamento do Plano Colômbia e a aceleração a celeração da ALCA. Como lembrou o Embaixador Luiz Felipe Lampreia (LAMPREIA, 2001, p. 74), não devia haver uma ligação preferencial de caráter excludente com apenas um dos polos da economia internacional, uma vez que, segundo dados do ano 2000, a América do Norte foi o destino de um quarto das nossas exportações e a União Europeia representou proporção similar (27%). Apesar de sua modesta atuação, a diplomacia brasileira não desconsiderava o fato de que a atuação norte-americana no campo econômico no pós-Guerra Fria era pautada pela condução de políticas destinadas a preservar sua supremacia, e a América Latina era o ponto de partida. No segundo semestre de 2000, em meio à crise do Mercosul, a economia americana começou a apresentar sintomas recessivos, enquanto o Brasil avançava na iniciativa de integração sul-americana. Com a derrota eleitoral, os democratas americanos procuraram criar fatos novos, comprometendo a agenda do Presidente George Bush. Segundo o economista Marcelo de Paiv Paivaa Abreu,
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... a integração hemisférica é de fato uma extensão do NAFTA. O novo papel do regionalismo para os Estados Unidos é uma manifestação da chamada política do ‘pé ‘ pé de cabra’, do ‘ crowbar’. A expressão foi utilizada por Carla Hills (negociadora americana) neste sentido: arrombar mercados onde eles e les estão fechados (Política Externa , 1997, p. 47).
Nesse sentido, a concretização da ALCA implicaria o fim do Mercosul, uma vez que anularia as vantagens que a Tarifa Externa Comum assegura às empresas dos países-membros, além de solapar vários setores industriais devido à desproporcional competitividade das indústrias do Norte em relação às do Sul. Durante o segundo mandato do Governo FHC, a questão ALCA–Mercosul ALCA–Mercosul adquiriu relevância na pauta da política externa brasileira, tanto pela crise dos países do Cone Sul (sobretudo da Argentina) como pela pressão norte-americana para a implementação desta área de livre comércio em caráter de urgência. Em 2001 ocorreram dois encontros que marcaram fortemente a agenda internacional do Brasil: a VI Reunião dos Ministros de Comércio do Hemisfério, em Buenos Aires, e a III Cúpula das Américas, em Quebec. Ambas versaram essencialmente sobre o tema de antecipação da ALCA e preteriram a discussão de fundo sobre sua efetivação. Ainda em relação aos Estados Unidos, o Brasil enfrentou problemas relativos à questão das patentes dos medicamentos contra HIV/AIDS, HIV/ AIDS, resultando em um acordo em junho de 2001. Além disso, o Brasil, juntamente com outros 188 membros da ONU, aprovou um Plano de Ação Global para tratamento e prevenção da AIDS, junto com a ideia de um Fundo Global para financiar sua implementação. Em janeiro de 2001, o Professor Celso Lafer, Laf er, que havia sido Ministro do Desenvolvimento do Governo FHC por seis meses, voltou a ocupar o MRE, com a aposentadoria do Ministro Lampreia. A segunda metade do segundo mandato da presidência Cardoso foi marcada por um esforço em reafirmar a integração regional (Mercosul/América do Sul) e uma postura reticente (mas sem oposição formal) à ALCA, no quadro de um visível descompasso com o Governo Bush, que teve início no mesmo momento. Cardoso, intelectualizado e amigo de Clinton, possuía clara falta de sintonia com c om Bush Jr. Jr. Teria sido a indicação indicaç ão de Lafer uma tentativa tenta tiva de atenuar a crescente divergência de agendas? Seja como for, em abril do mesmo ano, o Embaixador Samuel Guimarães, que dirigia o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) do MRE e criticava abertamente a ALCA, foi afastado do seu cargo e mantido sem qualquer função até o fim do Governo FHC. Exatamente um ano depois, por pressão norte-americana (no contexto das tensões sobre as inspeções no Iraque), o Embaixador José Bustani foi afastado da Direção-Geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ (OP AQ), ), sem que o governo brasileiro manifestasse maior reação. Na passagem de 2001 para 2002, após fortes ataques ao Mercosul e manifestações de apoio à ALCA por parte do Ministro Domingo Cavallo, Cavallo, a Argentina afundou na crise de seu modelo econômico. O colapso financeiro e desmoralização do neoliberalismo no país, que foi o aluno dileto do FMI/Banco Mundial, veio a complementar outro acontecimento que sinalizou uma mudança estrutural das tendências internacionais: os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington. Ainda que os Republicanos tenham dado uma demonstração de força em escala planetária, a imagem
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era de fragilidade dos Estados Unidos. A oscilação parece ser entre um “caos sistêmico”, expressão cunhada por Giovanni Arrighi, Arrighi, e uma ordem mundial multipolar, multipolar, com o NAFTA, a União Europeia (UE), a Rússia, com a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), a China, o Japão, com os Tigres, a Índia, a África do Sul, com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e o Brasil, com o Mercosul/América do Sul atuando dentro de certo equilíbrio de poderes. Mas para isso o Brasil precisaria de um governo que promovesse profundas reformas sociais, pois é o que produziria estabilidade dentro dos paradigmas da Revolução Científico-Tecnológica. Esta é uma das razões pela qual o Brasil foi incapaz de desenvolver uma política externa à altura de seu potencial: a exclusão social massiva. Nossa elite optou por um Brasil menor para manter sua dominação interna, opção que tem raízes na época da escravidão. Para uma reforma social, é necessário que as noções de soberania, interesse nacional, projeto nacional e integração desenvolvimentista desenvolvimentista sejam levadas a sério, e a globalização enfrentada de uma perspectiva afirmativa. afirmativa. A Era FHC terminou com o recuo do Estado como agente econômico e com o fim do próprio conceito de nacional-desenv nacional-desenvolvimentismo, olvimentismo, nos marcos da redefinição das relações com os setores privados. Também equiparou as empresas nacionais às transnacionais aqui instaladas, e privatizou patrimônio público, acabando com o papel empresarial do Estado. O governo realizou reformas constitucionais que permitiram aos bancos estrangeiros dominar grande parte do setor e delegou às empresas privadas (inclusivee estrangeiras) setores estratégicos como telefonia fixa e móvel e realizou (inclusiv concessões de serviços públicos a particulares, tais como energia elétrica, rodovias, ferrovias, além da lei de propriedade industrial e intelectual, como desejava a OMC. A desregulamentação do setor aeronáutico, por exemplo, foi responsável pelo caos do setor. Enfim, a internacionalização da economia alterou drasticamente o padrão de inserção na economia global.
Capítulo 5
O reconhecimento do Brasil como potência emergente Neste capítulo é analisada a evolução recente da política externa brasileira no século XXI. Em 5.1, “A inserção global afirmativa do Governo Lula (2003/2010)” é avaliada a trajetória da agenda interna e externa desta administração, e os componentes de mudança estrutural doméstica a ela associada. Como resultado, o Brasil recupera seu vetor de atuação atuaçã o internacionall global, com a reafirmação de sua identidade internaciona identidad e como país do Terceiro Terceiro Mundo e nação sul-americana. Ao mesmo tempo em que é reconhecido como emergente, o país enfrenta um contexto de reordenamento reorde namento do poder em direção à multipolaridade e a eclosão da crise econômica nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, que torna mais complexo o cenário como avaliado em 5.2, “O Brasil e a crise emergente (2009-2010)”. Por fim, o item 5.3, “O Governo Dilma frente à crise mundial: ruptura ou continuidade? (2011-2012)” analisa as tendências da política externa com a mudança de governo e a diversidade de desafios internos e internacionais que se colocam para o país.
5.1 A INSERÇ INSERÇÃO ÃO GLOBAL AFIRMATIVA DO GOVERNO LULA (2003-2010) O Brasil é o quinto país do mundo em população e em superfície territorial e chegou a ser a oitava economia do mundo durante o Regime Militar (1964-1985), depois declinando durante o período de abertura à globalização neoliberal e o encerramento da Guerra Fria. Durante o Governo Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003-2010), o Brasil retomou um ciclo positivo, alcançando notável importância política e econômica. Neste quadro, a diplomacia logrou restabelecer uma posição global, a economia ganhou dinamismo e estabeleceu vínculos em todos os continentes. Como isso foi posssível?
As bases do Governo Lula e de sua política externa A esmagadora vitória do candidato da centro-esquerda à presidência, Luiz Inácio “Lula” da Silva, ocorreu de forma tranquila, contrariando as especulações catastróficas ca tastróficas e mostrando a existência de certas linhas de continuidade. O novo governo, o primeiro liderado por uma pessoa oriunda da classe trabalhadora em 500 anos, estava apoiado em um amplo leque de sustentação, do qual faziam parte as bases sindicais do PT, PT, segmentos da classe média castigados pelo modelo econômico, setores das Forças Armadas, do Estado e políticos nacionalistas, além de empresários interessados em um mercado interno forte. Essa base ba se incentivava incentivava a adoção de medidas capazes capaze s de reduzir o 111
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imenso déficit social legado pela era neoliberal, possibilitando a geração de empregos, a redução da criminalidade e da violência e o reforço de uma economia de produção. Muitos esperavam um comportamento internacional baseado em visões ideológicas e um presidente despreparado. Mas o que se viu foi uma diplomacia dotada de sentido tático-estratégico, de visão de longo alcance e um presidente que se revelou uma liderança carismática de nível mundial. Embora o atual curso da política externa brasileira tivessee início já no segundo Governo Cardoso, não houve, naquele momento, alterações tivess significativas. O ex-presidente não possuía a vontade e a base política necessárias para uma mudança que ultrapassasse um tímido discurso crítico e uma inflexão limitada. A posse de Lula mudou essa situação, e a política externa brasileira alcançou notável desenvolvimento desenv olvimento e protagonismo, superando muitas expectativ expectativas. as. O Embaixador Celso Amorim voltou a chefiar o Ministério das Relações Exteriores. O Embaixador Samuel Guimarães tornou-se Secretário-Geral, exercendo um papel fundamental, sempre atacado por interesses estrangeiros, elementos da gestão anterior e setores da mídia ligados a ambos. O Professor Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência para assuntos internacionais, também teve um papel relevante na formulação, mas, especialmente, na resolução de crises internacionais. Para a concretização da nova estratégia, as relações internacionais do Governo Lula foram dotadas de três dimensões: uma diplomacia econômica, outra política polític a e um programa social. A primeira dimensão é realista, a segunda de resistência e afirmação e a terceira propositiva. Trata-se de um projeto amadurecido por mais de uma década, e não uma política voluntarista, voluntarista, e tem demonstrado estar adequada à correlação de forças existente no país e no mundo. Em relação ao primeiro aspecto, aspect o, foram preservados os canais de contato com o Primeiro Mundo, obtendo recursos (investimentos e tecnologia), negociando a dívida externa e sinalizando que o governo deseja cumprir os compromissos internacionais sem nenhuma ruptura brusca ou quebra do modelo macroeconômico. Mas essa dimensão “caudatária” da ordem mundial foi compensada pelo reforço da postura negociadora junto aos organismos organismos econômico-financeiros econômico-financeiros multilaterais e por ajustes internos internos para reforçar a capacidade de atuação do Estado e o mercado interno. A diplomacia política, por sua vez, representou um campo de reafirmação dos interesses nacionais e de um verdadeiro protagonismo nas relações internacionais, com a intenção real de desenvolv de senvolver er uma diplomacia ativa e afirmativa, encerrando uma fase de estagnação e esvaziamento. O governo Lula devolveu ao Itamaraty a posição estratégica que anteriormente ocupara na formulação formulaçã o e execução da política exterior do Brasil. Além disso, foi promovido amplo redimensionamento redimensionamento do Itamaraty: adoção de políticas afirmativas tiv as sem quotas, ampliação do número de diplomatas, abertura de numerosas embaixadas na África e na Ásia e maior abertura da diplomacia à sociedade civil e à academia. Finalmente, o projeto interno do Governo Lula também deteve um significativo impacto internacional na medida em que suas propostas sociais foram ao encontro da agenda que busca corrigir as distorções criadas pela globalização centrada apenas em comércio e investimentos livres. livres. A campanha de combate à fome representa o elemento e lemento simbólico que sinalizou a construção de um modelo socioeconômico alternativo, respondendo à crise da globalização neoliberal. Medidas como a revalorização do mercado doméstico e da capacidade de poupança interna, de uma economia de produção produçã o e de combate aos fatores internos que debilitam
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uma ação internacional mais qualificada (como desigualdade social, desemprego, criminalidade, fraqueza e desordem administrati administrativa va e caos fiscal) evidenciaram a construção de tal projeto. As políticas social, energética, urbana, fundiária e produtiva representam uma vontade política. Paralelamente, o carisma do presidente parece haver sintetizado em sua figura franca e simples as características que o mundo admira no Brasil. Isso permitiu que ao longo de seu Governo Lula desenvolvesse uma intensa agenda internacional como porta-voz desse projeto. O Brasil agia com otimismo e vontade política, criando constantemente fatos na área internacional. Anteriormente o país demonstrava uma baixa autoestima, pois os governos Collor e Cardoso viam o país como atrasado em relação às nações ricas. Agora, ao contrário, o Brasil se considera protagonista de nível equivalente, com capacidade de negociação e portador de um projeto pr ojeto que pode, inclusive, contribuir para inserir a agenda social na globalização. Em lugar de vagos discursos contestatários e de uma obediência prática, o país propôs medidas, concretizando as que estavam a seu alcance. Havia uma margem de manobra, embora limitada, que poderia, mas não fora, aproveitada nos no s anos 1990. A ênfase da era FHC foi invertida, invertida, o que implica uma inflexão significativa significativa em termos de política externa. Em termos práticos, o governo brasileiro suplantou a passividade do anterior e buscou alianças fora do hemisfério, como forma de ampliar seu poder de influência no âmbito internacional a partir da mencionada postura ativa e pragmática. A maior prioridade da agenda foi a reconstrução do Mercosul e a integração sul-americana, criando um espaço para uma liderança brasileira compartilhada. A solidariedade com a África também é central, pois associa princípios éticos e interesse nacional. O estreitamento do intercâmbio com potências emergentes como China, Índia e Rússia (dentre outras), visando o estabelecimento de parcerias estratégicas, o aprofundamento das relações com a União Europeia e a valorização das organizações internacionais (especialmente a ONU) detêm dimensões econômicas e políticas. Estas ações objetiv objetivam am contribuir para o estabelecimento de um sistema internacional multipolar. multipolar. O princípio de democratização das relações internacionais é inv invocado ocado explicitamente. Todas essas iniciativas apontam para a tentativa de criar um equilíbrio em relação ao que permanece sendo, em função da globalização, a principal dimensão de inserção internacional:: as relações com as grandes potências (em particular os Estados Unidos) internacional e com o capital internacional. Sem fugir a essa realidade, iniciou-se a construção de um espaço maior de barganha e de uma alternativa global, com o Brasil dando uma contribuição ao mundo, proporcional ao seu peso internacional. Na prática, isso significou que o Itamaraty, Itamaraty, em lugar de concentrar-se na tentativa de cooperação com países para os quais somos secundários e mercados grandes, mas saturados, buscou os espaços não ocupados, exercitando uma diplomacia de alto perfil (high profile). Com essas credenciais, o presidente brasileiro abriu a briu a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, evento que teve uma participação recorde de líderes em 2003.
O Mercosul, a IIRSA e a Unasul: a integração i ntegração sul-americana No contexto sul-americano, uma das primeiras ações da presidência foi na VeneVenezuela, quando o Brasil encaminhou ajuda ao país vizinho que enfrentava uma greve
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geral de quase dois meses mantida pela oposição contra o governo do Presidente Hugo Chávez. Além disso, propôs a criação de um Grupo de Países Amigos da Venezuela, Venezuela, em apoio à mediação da OEA (incluiu Brasil, Estados Unidos, Chile, México, Portugal e Espanha). A proposta brasileira gerou críticas da oposição venezuelana e certo desconforto nos Estados Unidos. Washington foi surpreendida pela agilidade da diplomacia brasileira e procurou assumir a iniciativa como forma de minimizar a emergente liderança sul-americana do Brasil. Com o tempo, as relações do Governo Bush com o Brasil se tornaram bastante cooperativas (para desalento da oposição brasileira), especialmente com o advento de novos governos de esquerda na América do Sul. É necessário enfatizar que o Brasil possui relações intensas e amistosas com a Venezuela, independente de qual governo esteja no poder nos dois países. Acordos sobre controle de fronteira, complementação econômica, integração das redes rede s de transporte e de energia foram estabelecidos entre Caracas e Brasília já em 1994, durante os governos Itamar Franco e Rafael Caldera (Protocolo La Guzmania). Dessa forma, a ajuda brasileira não representou nenhum tipo de “solidariedade esquerdista” ou intromissão em assuntos internos de outro país, como argumentou a oposição venezuelana. Ao Brasil não interessava o caos político ou econômico em suas fronteiras (como já acontece em relação ao conflito na Colômbia), com um colapso da economia venezuelana ou uma guerra civil, c ivil, que poderiam vir a ocorrer. Muito menos a quebra das regras constitucionais e a deposição de um governo eleito, o que já havia sido evitado com sucesso em mais de uma oportunidade pelo Mercosul em relação ao a o Paraguai. Analisando a integração sul-americana e do Mercosul definidas como a principal prioridade, oferece-se aos vizinhos uma parceria necessária para retomar o crescimento da economia, condição indispensável para que a integração deixe de ser virtual, e a possibilidade de uma ação estratégica no plano global que reverta a marginalização crescente que a região sofre. A criação de mecanismos mecani smos como o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) convertem-se em iniciativas significatvas significatvas de aprofundamento do arranjo e para a sustentação do desenvolvimento. desenvolvimento. Apenas Apenas a integração regional pode garantir governabilidade e desenvolvimento desenvolvimento para toda a América do Sul e tornar-se instrumento indispensável em negociações como as da ALCA e similares. Essa realidade permitiu reforçar a política lançada pelos países sul-americanos de desenvolver a infraestrutura física (transporte, comunicação e energia), como forma de relançar o processo de integração. O Brasil do Presidente Lula, atribuiu à iniciativa uma importância estratégica, aprofundando qualitativamente a política esboçada pelo Governo FHC em seu final. O BNDES iniciou o financiamento de obras visando à integração física sul-americana, e nesta fase de aprofundamento da interdependência, o Assessor Marco Aurélio Garcia revelou que o governo pretendia duplicar d uplicar os recursos para o programa, bem como buscar apoio do BID e outros organismos financiadores. financiadores. Outro fator que contribuiu para a continuidade do processo foi a mudança de posição argentina. O Presidente Kirchner revelou a vontade argentina de alterar a política econômica que o país desenvolveu nos anos 1990, abandonando o neoliberalismo e buscando um modelo baseado em investimentos públicos e combate à pobreza. No plano internacional, manifestou a intenção de estreitar a cooperação com o Brasil, resgatar o Mercosul e contribuir c ontribuir ativamente ativamente para a integração sul-americana. Chama atenção que o novo governo argentino evoluiu das relaciones carnales de Menem com
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os Estados Unidos para uma atitude de equidistância, fazendo com que a Casa Branca começasse a se preocupar com o surgimento de um polo autônomo Brasil-Argentina. Com isso, o que se observou foi o retorno da América do Sul ao protagonismo diplomático e ao processo de integração, com a afirmação paralela de agendas agen das internas de desenvolvimento desenvolvimento econômico e social. A atuação diplomática sul-americana, além disso, não se refere apenas ao plano regional, mas a uma ação concertada de âmbito mundial. Em resumo, a associação do Peru ao Mercosul, a campanha por apoio dos países andinos à associação da Comunidade Andina de Nações ao Mercosul e o avanço concreto das medidas visando à integração da infraestrutura física dos países sul-americanos criaram um clima diferenciado na região. Novos governos assumiram o poder com posições internacionais comuns às da diplomacia brasileira, outros alteraram sensivelmente suas agendas, convergindo com a do Itamaraty. Mesmo a Colômbia, com a proposta brasileira de mediar a devolução de reféns em poder das FARC, parecia ver o Brasil com outros olhos, e apenas o Chile perseguia seu caminho afastado dos vizinhos. A integração sul-americana se realiza em três níveis: o Mercosul, a IIRSA e a CASA/Unasul. O Mercosul representa o nível comercial e de inv investimentos, estimentos, já relativamente relativ amente encaminhado. Apesar de críticas de alguns a lguns líderes, geralmente voltadas para o público interno, o bloco tem avançado para outras áreas, como educacional, política e científico-tecnológica. Foram estabelecidas Cadeias Produtiv Produtivas as Regionais e um Programa de Substituição Competitiva de Importações, cujo objetivo é fomentar as exportações dos demais membros do Mercosul para o Brasil, como forma de equilibrar o comércio. Além disso, todos os países da CAN e o Chile já são membros associados do Mercosul, apesar de que alguns deles firmaram acordos de livre comércio com os Estados Unidos. A IIRSA representa uma forma de integração funcional, voltada à construção de infraestrutura de transportes, comunicações e energia. Ela interessa a todos os países e a atores externos como a China, a União Europeia, o Japão e, mesmo, os Estados Unidos. Como frente de obras públicas, permite gerar empregos e contornar a Lei de Responsabilidade Responsabil idade Fiscal (ao aportar fundos internacionais não orçamentários orçamentários), ), que limita a política de desenvolvimento desenvolvimento interna dos Estados. A IIRSA desenvolve desenvolve vários projetos, além de constituir um marco para a eventual construção dos oleodutos e gasodutos, superando a exploração da dimensão ideológica. Por fim, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), criada em dezembro de 2004 e aprofundada em abril a bril de 2007 com sua transformação em União de Nações Sul-Americanas (Unasul), representa um fórum para desenv desenvolver olver a consciência política da integração (inclui também a Guiana e o Suriname). A Unasul constitui um locus no qual ocorre um diálogo de alto nível entre os Estados-membros e se resolvem re solvem muitas diferenças e divergências. Isso é particularmente útil com o advento de regimes de esquerda na região: se o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile representam modelos institucionalizados, a Venezuela, a Bolívia e o Equador ainda buscam formatar seus sistemas políticos, gerando a necessidade de um diálogo permanente. É forçoso reconhecer que a diplomacia brasileira tem tido sucesso em lidar com situações criadas pela nacionalização do gás boliviano, as crises venezuelanas e o confronto entre Colômbia e Equador em 2008, ainda que este último nos marcos marco s da OEA. Fora da América do Sul,
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as ações mais relevantes foram a cooperação com Cuba e a Missão de Estabilização no Haiti (MINUSTAH), (MINUSTAH), iniciada em 2004 e ainda em andamento até 2012 (no âmbito da América Central, a partir de 2010 foi trazida a proposta de integração baseada na CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
Parcerias estratégicas e Cooperação Sul–Sul: ideologia Parcerias ou pragmatismo? No plano global, o Brasil procurou se portar à altura de um membro do BRICS (os gigantes Brasil, Rússia, Índia, China, e, depois, África do Sul, assim classificado pela consultoria Goldman-Sachs), dando conteúdo às parcerias estratégicas e fomentando a Cooperação Sul–Sul. Acusada pela oposição de iniciativa ideológica baseada na experiência do Movimento dos Países Não Alinhados nos anos 1970, as ações nesse campo focam-se, pragmaticamente, pragmatic amente, em objetivos comuns, sem a criação de uma frente anti-hegemônica ou anti-OCDE. O primeiro passo foi a constituição do IBAS1 ou G-3, Fórum de Cooperação Índia, Brasil e África do Sul, uma iniciativa sul-africana, não apoiada pelo Governo FHC. Os chanceleres Celso Amorim, Yashwant Sinhá e Nkosazana Dlamini-Zuma anunciaram que o G-3 buscaria promover a cooperação trilateral, a liberalização comercial recíproca e a unificação e fortalecimento de posições nos foros multilaterais. As negociações envolverão envolverão o Mercosul, a União Aduaneira da África Austral e, possivelmente, a SAARC (Área de Cooperação Regional da Ásia Meridional). Os três países manifestaram, igualmente, o desejo de se aproximar da Rússia e da China em um segundo momento, transformando-o em G-5 (se isso ocorresse, o Grupo aglutinaria quase metade da população mundial e considerável parcela da produção do planeta, podendo influir significativamente nas negociações multilaterais). A criação do G-3 constituiu uma iniciativa importante, no momento em que os países do Sul necessitavam mobilizar-se mobilizar-se em defesa dos seus interesses e para alterar pontos importantes da atual agenda mundial. Trata-se, igualmente, de uma contribuição à defesa do multipolarismo e da multilateralização. Outras iniciativas a serem destacadas foram as visitas de Lula aos países árabes do Oriente Médio e a aproximação com a África, com oito visitas presidenciais a esse continente nos primeiros seis anos de governo. Como resultado, realizaram-se regularmente Encontros de Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), tendo sido assinado acordo de cooperação Mercosul-Conselho de Cooperação do Golfo (maio de 2005) e as Reuniões de Cúpula África-América do Sul (ASA). As visitas de Lula foram importantes não apenas para as relações do Brasil com a África (11 visitas, 29 países, 17 novas Embaixadas), mas, sobretudo, para o estabelecimento de uma associação institucionalizada entre o Mercosul e a SACU (União Aduaneira da África Austral), a área de integração nucleada pela África do Sul na parte meridional do continente. Na África, o Brasil se tornou um novo ator de peso, ao lado da China e da Índia. Í ndia. O intercâmbio com os países árabes e do Oriente Médio foi incrementado comercial e diplomaticamente (o Brasil foi convidado a mediar a crise do Irã e da Palestina). 1. Ver: http://www.forumibsa.org http://www.forumibsa.org,, acesso em maio de 2009.
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Aproveitaram-se as brechas existentes no sistema internacional, aprofundadas após o 11 de setembro de 2001, ocupando espaços que foram importantes para ampliar as exportações de bens e serviços e expandir a ação de empresas brasileiras e a influência internacional do país. A solidariedade ativa também é relevante, com os projetos na área social e da saúde, além da atuação conjunta nos organismos internacionais, através das coalizões de geometria variável, como o G-20 Comercial (estabelecido em 2003 no âmbito das negociações da OMC, referentes à Rodada Doha, e que unificou as posições dos países do Sul). O Presidente Lula logrou a façanha de superar FHC em número de viagens ao exterior, embora em uma geografia e com um estilo pessoal diferentes. Lula passou a ser visto como uma novidade, falando português, com seu estilo espontâneo, e as campanhas contra a pobreza, que tanto desdém despertam em nossa classe média, granjearam-lhe enorme prestígio mundial. As relações com a China finalmente atingiram o patamar de uma Parceria Estratégica, e a cooperação com a Rússia e, no plano bilateral, com a Índia e a África do Sul evoluíram nessa direção. Não apenas no plano do comércio e dos investimentos houve avanços, mas também nas ações concertadas no plano multilateral (apesar de algumas divergências pontuais) e nos projetos conjuntos em ciência e tecnologia de ponta (aeroespacial, energia atômica, militar). A campanha pela obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, por sua vez, se apoia nessas alianças, no upgrade da posição internacional do país e na proposta de associá-la a uma reforma que confira maior poder à Assembleia Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC).
Um novo enfoque para as relações Norte-Sul No campo político-diplomático, o início do Governo Lula ocorre próximo à eclosão da invasão norte-americana ao Iraque. A posição brasileira foi firme, recusando respaldar qualquer ação sem que os inspetores da ONU concluíssem seu trabalho e que a Organização desse seu aval. A atitude foi extremamente bem acolhida pelos integrantes do chamado Eixo da Paz (França, Alemanha e Rússia), ressaltando a nova autonomia da diplomacia do Itamaraty. Participar do Fórum Social Mundial em Porto Alegre Alegre e, dias depois, do Fórum Econômico Mundial Mundi al em Davos, Suíça, aumentou o prestígio do Presidente Lula, ainda que produzindo desencanto por parte da esquerda. Da mesma forma, a condenação ao terrorismo foi acompanhada da rejeição da agenda da Guerra ao Terrorismo de George W. Bush, e o tempo somente veio dar sentido à postura brasileira. Um exemplo adicional do contínuo poder de mobilização da diplomacia do governo brasileiro foi a estruturação do G-20, que atuou de maneira eficiente na reunião da OMC em Cancun. Cordial, mas contestadora, a diplomacia brasileira estabeleceu sua rede com os países em desenvolvimento afetados pelo protecionismo e pelos subsídios agrícolas do Primeiro Mundo. Ainda Ainda quando chamado de G-22, a aliança surpreendeu os países ricos e fez a insatisfação do Sul ser ouvida, em meio ao encerramento espetacular do encontro. Indicou-se a tendência de que uma constelação sul-americana e de outras importantes potências (não exatamente um “bloco”) pode contribuir para moderar a postura norte-americana nas relações internacionais, simultaneamente auxiliando na construção de um mundo multipolar regido pelo sistema das Nações Naç ões Unidas.
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Somados, todos esses acontecimentos tiveram impactos nas relações de Brasil e Estados Unidos e, certamente, certa mente, nas negociações da ALCA. No contexto do século XXI, as negociações da ALCA se encontram suspensas, tendo em muito sido ultrapassado o prazo original previsto para o seu funcionamento, que era 2005. Curiosamente, isso ocorre apesar de alguns setores terem afirmado quando de seu lançamento que a mesma era “inevitável”. Durante a gestão de Bush (2001-2008), manifestações de que o governo norteamericano não estaria disposto a retirar os gigantescos subsídios agrícolas à agricultura e o protecionismo a produtos como o aço, bem como medidas unilaterais destinadas a defender a economia, representam uma resposta à base de poder do presidente, pouco propícia a grandes acordos multilaterais de liberalização comercial. Subsídios, barreiras não tarifárias, patentes, compras governamentais e outros itens seriam encaminhados para a OMC, e Bush teria uma sigla para exibir ao eleitorado americano. Igualmente, o processo foi pressionado por outras questões estruturais de hegemonia norte-americana, norte-americana, como o custo de suas decisões referentes à Guerra do Iraque e do Afeganistão. Para os países do Mercosul, e o Brasil em particular, esses temas eram fundamentais. E, da mesma forma, havia questões na ALCA que não lhes interessavam, o que dificultou o projeto. Além disso, os Estados Unidos já tinham acesso às economias da maioria dos países, de dimensão e complexidades menores que a brasileira. Frente às crescentes dificuldades nas negociações, a Casa Branca necessitaria contar com o apoio brasileiro, uma vez que sem ele a ALCA não faria sentido. Colocar as negociações em bases corretas fez com que a iniciativa de congelar a ALCA viesse da própria parte americana, neutralizando prováveis prováveis reações por parte da oposição brasileira. O Governo Lula, por sua vez, começou a negociar mais firmemente, visando defender os interesses econômicos nacionais. Como global trader , o país deseja manter suas relações com várias áreas do mundo, priorizando o Mercosul e a integração sul-americana. Depois de reverter as expectativas americanas de que o governo teria políticas esquerdistas, Lula passou a ser “admirado” em Washington. Washington. Mas é preciso observar que a diplomacia do Brasil, ao contrariar alguns desígnios da potência hegemônica e ressaltar sua autonomia, criou uma razoável margem de manobra. Assim, chamou atenção para suas reivindicações socioeconômicas e de obras de infraestrutura com os vizinhos. A diplomacia se consolidou como o campo mais bem-sucedido do Governo Lula, com o país recuperando uma ação de grande intensidade e alcance planetário, compatível com seus recursos e relevância. Esse protagonismo junto ao Terceiro Terceiro Mundo e a diversificação dos vínculos com o Primeiro Mundo dão também ao país certo cacife para intensificar a campanha pela obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU reformado, como membro permanente. Ironicamente, hoje o Brasil tem melhor diálogo com Washington e uma diplomacia mais respeitada, com capacidade de negociação. A crise econômica e o desgaste diplomático-militar dos Estados Unidos, no contexto do término dos dois mandatos do Presidente Bush, constituem pontos interessantes para reflexão. Em 2006, o Presidente Lula foi reeleito, em segundo turno, com 58 milhões de votos (61%). Ao longo deste segundo mandato, foi dada maior atenção ao projeto de desenvolvimento e ao plano social. Novas jazidas de petróleo fizeram o país se tornar autossuficiente, e projetos como o etanol e o enriquecimento de urânio indicaram
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a possibilidade de avanços. Contudo, a frente política seguiu frágil neste período, caracterizada por enorme polarização, inclusive contra a política externa. Diante deste quadro, o governo manteve um baixo perfil, muitas vezes não reagindo de forma adequada, apesar dos progressos obtidos. A razão de a política externa ser a frente mais ousada do Governo Lula reside no fato de ser dirigida pelo Itamaraty (e apoiada por parte dele), que recuperou seu espaço, e conta com o apoio de segmentos dentro do Estado, preocupados com a questão nacional, como o BNDES e as Forças Armadas. O campo da ciência e tecnologia demonstra-se como decisivo, e os países que não focarem seu desenvolvimento nos setores aeroespacial, nuclear, de defesa, informática e biotecnologia, ficarão em segundo plano no médio e longo prazo. A mesma lógica se aplica à demanda da inclusão social, gerando um novo paradigma, que compatibilize trabalho e revolução tecnocientífica, equilíbrio ambiental e governança democrática. Mas essa tarefa não pode ser realizada no plano exclusivamente doméstico, e sim global, para isso foi, e é, necessária uma política externa à altura dos desafios, para sustentar a elevação da posição político-econômica do Brasil no cenário mundial. Além disso, é fundamental preservar a melhora significativa significativa na vida dos brasileiros. Neste sentido, o biênio 2009-2010 foi particularmente complexo.
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5.2 O BRASIL E A CRISE “EMERGENTE” (2009-2010)2 O ano de 2009 pode ser descrito como um dos mais exemplares da diplomacia “ativa e afirmativa” do Governo Lula. Porém, a agenda externa (e mesmo interna) operou em um contexto de crise financeira e econômica mundial, iniciada em 2008 nos Estados Unidos e depois propagada pela Europa. O crescente desequilíbrio entre a ordem econômica (crescentemente multipolar) e a ordem político-militar (que permanece dominada pela superpotência remanescente, os Estados Unidos) elevam as incertezas deste cenário. Diante deste panorama, durante a fase final do Governo Lula, o Brasil teve uma postura protagonista em eventos e em conjunturas de significância, tal como em sua atuação no G-20 financeiro, em seus esforços de contenção da crise internacional e de apaziguamento nos conflitos do Oriente Médio. Ao mesmo tempo, o país deu continuidade à sua política de busca por novos parceiros internacionais e mercados consumidores, como revela o estabelecimento de relações diplomáticas com países da Ásia, e o fortalecimento do Mercosul e da Unasul. Ainda neste período, o Brasil teve relevância em dois eventos de ampla repercussão midiática, ambos em Copenhague. O primeiro foi a eleição do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. O segundo foi o impacto positiv positivoo da intervenção do Presidente Lula na Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP 15), em que o Brasil comprometeu-se a reduzir significativamente significativamente sua emissão de CO2 e desafiou os países desenvolvidos a fazerem o mesmo. Desse desempenho brasileiro resultou o acordo para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Desenv olvimento Sustentável no Rio de Janeiro em 2012 (RIO + 20).
A integração sul-americana, a América Latina e o Caribe No caso específico do âmbito regional, o mesmo foi marcado pela atuação do Brasil no espaço da política sul-americana, transbordando para a América Central na questão de Honduras. O papel brasileiro associado aos demais países da América e à OEA foi fundamental na resolução do caos político instaurado pelo golpe contra o Presidente Manuel Zelaya. O Brasil manteve o presidente hondurenho abrigado em sua embaixada em Tegucigalpa Tegucigalpa durante o golpe e rompeu relações diplomáticas com o governo de facto de Honduras. No caso da América Central e do Caribe, destaca-se a apresentação de um projeto regional, a citada CELAC, visando o estreitamento dos laços com as nações locais, em uma área de forte presença norte-americana. Na América do Sul, deram-se continuidade aos esforços de adensamento do Mercosul. Houve a consolidação da Unasul como fórum político sul-americano, tanto institucionalmente quanto frente a desafios reais. Exemplo desses avanços foi a aprovação da cláusula democrática para impedir a destituição irregular de governos de direito, bem como a evolução das discussões sobre o controle coordenado da presença de bases estrangeiras na América do Sul, sobretudo em vista do caso colombiano. A inauguração da ponte sobre o rio Tacutu Tacutu na fronteira entre Brasil e Guiana é exemplo 2. Luisa Calvete e Mariana Chaise colaboraram na pesquisa.
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do processo de integração física da América do Sul. A postura brasileira de promoção de um desenvolvimento associado do subcontinente foi também exemplificada pela assinatura de acordo sobre a cessão de energia gerada pela Itaipu Binacional, que triplicou a quantia paga pelo Brasil ao Paraguai pela energia importada pelo Brasil. Destaca-se ainda o avanço do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado em 2008, cuja primeira reunião ocorreu ocorr eu em março de 2009, prevendo a elaboração de uma doutrina de defesa comum, a concretização de um inventário da atual capacidade militar de todos os membros da Unasul, o acompanhamento dos gastos do setor de defesa da região e a criação de um Centro de Estudos Estratégicos Estra tégicos de Defesa. No início iníci o de 2010, um intenso terremoto no Haiti exigiu maior atuação da MINUSTAH, liderada pelo Brasil, nos esforços de reconstrução reconstr ução e de recuperação recuperaçã o do país atingido. Ademais, ajuda humanitária foi prontamente oferecida aos haitianos pelo Brasil. No plano regional, o ano foi marcado pelos processos eleitorais, com o início do segundo mandato de Evo Morales, na Bolívia, e com as posses de José Mujica, no Uruguai, Juan Manuel Santos, na Colômbia, e Sebastián Piñera, no Chile. Outros resultados gerados pela Unasul foram o restabelecimento de relações diplomáticas entre Venezuela Venezuela e Colômbia.
As relações com os Estados Unidos, as nações desenvolvidas e os organismos multilaterais multi laterais A eleição de Barack Obama em 2008 e a promessa de uma postura internacional mais cooperativa e regionalizada aparentavam ser a oportunidade de uma convergênconvergência entre interesses de Estados Unidos e Brasil. O papel desempenhado pelo Brasil na coordenação dos esforços de contenção e de reversão da crise financeira global em 2009, sobretudo à frente do G-20 financeiro, foi exemplar da dimensão em que emergentes catalisaram a recuperação econômica mundial. Por outro lado, surgiram políticas de recuperação da economia estadunidense, como a lei “Buy American”, de caráter claramente protecionista, somada aos tradicionais subsídios agrícolas e à proteção de seus mercados mais frágeis. Ao mesmo tempo, o ativismo brasileiro na sociedade internacional, marcado pelo amplo respeito à não ingerência em assuntos internos de seus parceiros, foi alvo de críticas dos Estados Unidos, uma vez que as ações brasileiras iam de encontro às posições estadunidenses. As reações norte-americanas frente às visitas do Presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad e do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte ao país são exemplos. Na OEA o Brasil demonstrou autonomia frente aos Estados Unidos, pois em 2009 votou pela revogação da exclusão cubana cuba na da Organização, bem como o citado caso de Manuel Zelaya, quando se posicionou a favor do presidente hondurenho. Essa política autônoma e de respeito à soberania acabou incluída na Carta de constituição da OEA durante a 40ª Assembleia da OEA em 2010, proposta feita pelo Brasil. Do ponto de vista securitário, em 2009, o Brasil foi uma vez mais eleito como membro rotativo do Conselho de Segurança das Nações Unidas e teve o mandato da MINUSTAH MINUST AH renovado. O projeto FX2 também teve grande relevância, re levância, quando o Brasil inclinou-se pela compra dos caças franceses Rafale-Dassault e pela parceria militar com a França, diante da visita do Presidente francês Nicolás Sarkozy ao Brasil, em 7
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de setembro (o processo referente à compra dos caças permanece em andamento pelo menos até meados de 2013, os demais concorrentes são a norte-americana Boeing e a sueca Saab). No que diz respeito às relações com os Estados Unidos, ocorreu a visita da Secretária de Estado Hillary Clinton, ao país, firmando acordos sobre cooperação técnica ABC-USAID, mudanças climáticas e condição da mulher. Em 2010, a assinatura de um acordo de cooperação em defesa demonstrou que, apesar dos contenciosos, os dois países mantinham relações amigáveis. Em relação ao contencioso do algodão, no qual o Brasil saiu vitorioso na OMC, houve a publicação da lista de bens cujas tarifas seriam aumentadas como retaliação ao protecionismo americano, conforme autorizado por esta organização, que foi seguido por um Acordo Quadro para evitar novas tensões (esta negociação, contudo, mantém-se em andamento devido às dificuldades norte-americanas em cumprir o acordo). Um dado relevante foi a demonstração de interesse americano no petróleo das jazidas pré-sal, tanto na exploração como na importação, o que criaria as bases para uma nova parceria estratégica-comercial com a combalida economia norte-americana. A instabilidade da região do Oriente Médio, a dificuldade dificuldade de projeção norte-americana norte-america na neste espaço geopolítico, a competição chinesa e indiana por estes recursos energéticos e a distância geográfica tornam elevados os custos do petróleo para os Estados Unidos. Assim, Assim, o petróleo brasileiro teria um custo econômico (e mesmo político) mais reduzido do que o das fontes tradicionais. Na atuação multilateral global, o Presidente Lula ainda receberia em 2009 o Prêmio “Estadista Global”, em sua participação no Fórum Econômico Mundial, em Davos e em Zurique. O presidente enfatizou que a forma mais eficiente de difundir o desenvolvimento é o combate à pobreza, seja no nível interno ou global. Neste mesmo campo, o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim esteve presente na Conferência Internacional do Trabalho, defendendo o combate à pobreza, à desigualdade, a atuação multilateral para a recuperação global econômica, criticando o argumento de que a “mão invisível do mercado” seria a resposta para esses problemas. Ainda, foi digna de nota a participação do Brasil na cúpula do G-20 em Seul, Coreia do Sul.
As relações com a África A política do Brasil para a África foi marcada pela continuidade das relações de alto nível com o continente na etapa final da administração. O Presidente Lula foi à cidade de Sirte, na Líbia, para participar da XIII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da União Africana como convidado de honra em 1° de julho. No encontro, ajustes complementares foram assinados entre o Brasil e a União Africana no sentido de incrementar a Cooperação Técnica, sobretudo na área de agricultura. A maior interação entre o Brasil e o continente africano se reflete no elevado número de visitas de Chefes de Estado e/ou de Governo africanos ao país. No total, nove visitas foram realizadas ao Brasil, no ano de 2009. Os presidentes da Namíbia (12/02), Senegal (25/05), Moçambique (19/07), Nigéria (29/07), Serra Leoa (19/08), Malauí (16/09), África do Sul (09/10) e os Primeiros-Ministros de São Tomé Tomé e Príncipe (09/03) e Cabo Verde (13/10) realizaram visitas oficiais ou de trabalho ao país. No
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mesmo período, o Ministro Celso Amorim realizou treze visitas ao continente, tendo o Brasil recebido ainda onze visitas de Chanceleres africanos. A preocupação brasileira em aproximar-se do continente africano refletiu-se na reunião que o Presidente Lula realizou com os embaixadores brasileiros na África para coordenação das políticas implementadas. Da mesma forma, deu-se continuidade às iniciativas de aproximação entre a América do Sul e a África: na II Cúpula América do Sul-África (ASA), na Venezuela, Venezuela, em setembro, setembr o, o Brasil demonstrou seu esforço esfo rço em liderar a aproximação entre as regiões. Esses esforços também podem ser observados na assinatura do Acordo de Comércio Preferencial Mercosul-SACU, firmado pelos membros da SACU em 06 de abril, sendo este o primeiro acordo extrarregional do Mercosul com outro bloco. Em novembro de 2009, à margem da reunião ministerial da OMC em Genebra, ocorreu a reunião Mercosul-Índia-SACU, na qual os ministros trataram de um possível processo de entendimento trilateral, reforçando as relações Sul–Sul. No âmbito da CPLP, a VI Reunião do Conselho de Ministros foi realizada em março, em Praia. A política externa brasileira mostrou seu caráter “ativo e afirmativo” na postura atenta em relação à resolução do conflito israelense-palestino em Gaza, quando o Ministro Celso Amorim participou da Conferência de Doadores em Apoio à Economia Palestinaa para Reconstrução de Gaza, em março, no Egito. No mesmo mês, o Presidente Palestin Lula participou da II Cúpula de Chefe de Estado da ASPA, ASPA, em Doha, dando segmento aos objetivos de ampliação das relações políticas e comerciais entre as duas regiões. Desde o início da Cúpula, o comércio entre o Brasil e a região cresceu mais de 150%. O Brasil desempenhou sua diplomacia solidária por intermédio da cooperação técnica, sobretudo em locais onde a expertise brasileira pode auxiliar na solução dos problemas. Exemplo disso foi a produção dos primeiros medicamentos antirretrovirais antirre trovirais produzidos em Moçambique com apoio brasileiro da Fiocruz. Além disso, o número de atividades executadas pela ABC apresentou um aumento de mais de 250% em relação ao ano de 2008. A promoção comercial em busca de mercados complementares para os produtos de maior valor agregado materializou-se nos eventos realizados pela APEX em parceira com o MRE e o MDIC. Em janeiro, foi realizada a missão empresarial no Norte da África, coordenada pelo Ministro Miguel Jorge, que visitou Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. Em Dacar, em junho, foi realizado o “Fórum Brasil-África Subsaariana: Empreendedorismo para o Desenv Desenvolvimento” olvimento” e a “Exposição Brasil Agri-Solutions”, de maquinário agrícola. Em seguida, uma missão empresarial a quatro países da África Subsaariana foi realizada, e Senegal, Nigéria, Guiné-Equatorial e Gana Ga na foram visitados com o objetivo de promover o comércio e os investimentos investimentos produtivos brasileiros na região. A Feira Internacional de Lomé, a Feira Internacional de Bamako e a Feira Internacional de Luanda foram visitadas com o mesmo intuito. Um dos resultados dessa promoção de exportações e de investimentos foi o projeto do grupo Boabab Boa bab Energy, Energy, no Zimbábue, e a usina mineira Diamante, vendida por US$220 milhões para esse país. Em 2010, foi intensificada a política externa brasileira para o fortalecimento dos laços com o continente africano. É interessante notar que tal política não recuou rec uou mesmo em ano eleitoral, quando era alvo de críticas constantes da oposição. A despeito destas, Lula realizou uma ampla viagem em julho ao continente, sendo o primeiro
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Chefe de Estado do Brasil a visitar a África Oriental. Essa viagem contemplou Cabo Verde, Guiné Equatorial, Equato rial, Quênia, Tanzânia, Zâmbia e África do Sul, seguida por po r ainda outra viagem para Moçambique em novembro. Ademais, houve visitas ao Brasil dos Chefes de Estado de Camarões, Libéria, Mali, Angola, Guiné-Bissau e Zâmbia, além do ViceVice- Presidente de Gana, e dos chanceleres da Argélia, de Camarões, da República do Congo, do Lesoto, do Quênia, da Tanzânia, do Zimbábue, do Sudão e de Angola, acrescidas pelas do Diretor Executivo do NEPAD e do Presidente da Comissão da União Econômica e Monetária do Oeste Africano. Finalmente, observa-se que o Brasil deu continuidade aos esforços pela expansão de suas relações diplomáticas com o continente africano em vista do estabelecimento e stabelecimento de relações diplomáticas com a República Centro-Africana em 2010. É importante constatar o desempenho brasileiro também no âmbito multilateral, como na III reunião do Conselho de Chanceleres da ASA e na II reunião do Conselho de Chanceleres da ASPA, ASPA, ambas em Nova Iorque, às margens da reunião da Assembleia Geral da ONU, nas quais o Brasil demonstrou liderança no esforço de aproximar as duas regiões. Também merece destaque a I Cúpula Brasil-Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que contou com a participação do Presidente Lula, e a VIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, CPLP, em Luanda, na qual foi realizada uma afirmação de apreço pela atuação do Presidente Lula na crescente importância da língua portuguesa e da cultura lusófona. Também merece destaque a continuidade da atuação brasileira em auxiliar Estados africanos em termos de cooperação técnica e do envio de pessoal habilitado, evidenciados, por exemplo, no estudo da viabilidade de produção de biocombustí biocombustíveis veis no Senegal, na parceria Brasil-União Europeia-Moçambique relativa ao desenvolvimento sustentável de bioenergia, e no apoio a vítimas de violência sexual na República Democrática do Congo, com pessoal e recursos.
As relações com o Oriente Médio e a Ásia A busca brasileira pela ampliação de suas parcerias políticas e por novos mercados consumidores é exemplificada pela cordialidade diplomática estabelecida pelo país com o Irã, Coreia do Norte, Israel, Cazaquistão, Caz aquistão, Butão e países do Leste Europeu, entre outros. Ao mesmo tempo, o Brasil buscou construir uma política de direitos humanos pluralista e substantiva, no sentido de lev levar ar dignidade material a povos excluídos do consumo mínimo, sobretudo por meio da Cooperação Sul–Sul, fato reconhecido pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. A visita do diretor geral da FAO ao Brasil, em reconhecimento ao sucesso do programa brasileiro de combate à pobreza extrema, é outro exemplo da política substantiva substantiva de direitos humanos do Brasil, cujo caráter pode ser exemplificado pelas visitas dos presidentes do Irã, de Israel e da Autoridade Nacional Palestina no mesmo mês de novembro de 2009 ao Brasil. Em 2009, o Brasil coordenou diversos esforços na busca de solução para o conflito conf lito Israel-Palestina, exemplificados pela postura de apaziguamento da ofensiva israelense sobre a faixa de Gaza desempenhada pelo Ministro Celso Amorim em seu périplo pelo Oriente Médio. Por meio da participação na busca pela resolução do conflito entre as duas nações, o Brasil busca participar do jogo das potências mundiais. Nesse sentido,
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a aproximação e o envolvimento com os países do Oriente Médio são imprescindíveis. Lula foi o primeiro Chefe de Estado brasileiro a visitar o Mediterrâneo Oriental – Líbano e Síria em 2003; Israel, Territórios Palestinos Palestinos Ocupados e Jordânia em 2010. Além disso, o ex-presidente viajou para países do Golfo Árabe-Pérsico (Catar, para a II Cúpula ASPA, ASPA, e Arábia Saudita, em 2009, e Catar, em visita de Estado, em 2010). Destaca-se a atuação atu ação do Chanceler Celso Cels o Amorim, o qual visitou a região inclusive em momentos críticos, como após a Guerra entre Israel e Hezbollah (2006) ou em meio à Guerra em Gaza (2009). Por fim, sublinham-se as visitas ao Brasil do presidente (2004 e 2010) e do primeiro-ministro do Líbano (2005); do primeiro-ministro da Síria (2005), do presidente da Autoridade Nacional Palestina (2005 e 2009), do rei da Jordânia (2008), do presidente de Israel (2009), do emir do Catar (2010), do presidente da Síria (2010) e do primeiro-ministro do Kuwait (2010). A política de aproximação com a região teve continuidade, assim como a manutenção da participação brasileira nos esforços pela paz entre Israel-Palestina. Essa dimensão foi fortalecida pela viagem do Presidente Lula para Israel, Palestina, Catar e Jordânia, e pelo reconhecimento do Estado Palestino com as fronteiras de 1967 em dezembro. Ocorreram também visitas ao Brasil do presidente do Líbano, do emir do Catar, do presidente da Síria e do primeiro-ministro do Kuwait, nesse mesmo ano. Ainda deve-se notar a participação do Chanceler Celso Amorim na cúpula da organização “Global Zero: a World World Without Without Nuclear Weapons” e na Conferência do Desarmamento, assim como do Presidente Lula na Cúpula de Segurança Nuclear. Além disso, a visita do Diretor-Geral da AIEA ao Brasil contribuiu para dar maior visibilidade ao país em questões de energia nuclear e de desarmamento. O Brasil sempre defendeu o direito ao uso pacífico da energia atômica, o desarmamento nuclear e a segurança de materiais físseis para evitar terrorismo nuclear. Relacionado a esse tema, ocorreu a visita do Presidente Lula a Teerã e a emissão da Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil, um instrumento de confidence building (construção de confiança) que buscava uma solução não confrontacional c onfrontacional ao impasse relativ re lativoo ao programa nuclear iraniano. Contudo, tal iniciativa foi rejeitada por algumas das potências mais envolvidas na questão, principalmente os Estados Unidos. Em junho, no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil foi contrário à aplicação de sanções contra o Irã, atraindo críticas dos países favoráveis a essas medidas, que as aprovaram no Conselho.
A relação com os BRICS e Cooperação Sul–Sul A política externa, coordenada pelo Itamaraty durante o Governo Lula, deu ênfase à – Sul, Cooperação Sul – Sul, demonstrada pela multilateralidade de suas relações, explicitada nas coalizões com o IBAS e com o BRICS (ver Capítulo 6). Com relação aos BRICS, em 2009 foi realizada a I Cúpula dos BRICS em Ecatimburgo, na Rússia. De sigla criada pela Goldman Sachs, o BRICS se tornou um agrupamento dos grandes países emergentes. Na ocasião, o então BRIC, preparava-se para a concertação política frente à Reunião do G-20 financeiro, que ocorreu em setembro daquele ano, três meses após sua primeira sessão. É importante notar que a aproximação com a Ásia dá-se principalmente através desses mecanismos, os quais já surtiam efeito em 2009, quando, frente
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à crise nos Estados Unidos, a China tornou-se principal parceiro comercial brasileiro individual (posição que sustenta até 2012). Além de buscar novos parceiros políticos e comerciais, o Brasil manteve o processo de estreitamento das parcerias já estabelecidas, como revelam as visitas realizadas à China, no sentido de ampliar a cooperação técnica e intergovernamental e o fluxo de investimento e comércio. O Brasil logrou a assinatura dos mencionados tratado de livre comércio Mercosul-SACU Mercosu l-SACU e Mercosul-Índia e a incorporação incor poração da Venezuela Venezuela ao Mercosul. A Venezuela é um de seus maiores compradores de produtos industrializados brasileiros e sua entrada no bloco foi ratificada pelo Senado brasileiro em dezembro de 2009, sendo concluída formalmente em 2012. O Brasil foi sede da 4ª Cúpula de Chefes de Estado do IBAS e da 2ª Cúpula de Chefes de Estado do BRIC. Importantes avanços ocorreram com relação à facilitação de investimento e ao financiamento de empresas, feito através da cooperação entre o BNDES, o Banco de Desenvolvimento e Assuntos Econômicos Externos (Vnesheconombank) da Rússia, o Banco de Desenvolvimento Desenvolvimento da China (CDB) e Banco Exim da Índia. Ocorreram ainda uma reunião preparatória para a II Reunião da Cúpula dos BRICS, em abril deste ano, e a inclusão da África do Sul na organização em novembro. Em relação ao IBAS, seus países-membros lograram outra vitória importante em 2010 durante a reunião do Conselho Organização Mundial de Aduanas, quando ocorreram eleições para Diretor de Enforcement e Diretor de Capacitação da Organização. Os países do IBAS coordenaram-se e, dessa forma, garantiram a vitória do delegado sul-africano para o segundo posto. Por fim, resultou da eleição do Conselho de Segurança da ONU que, pela primeira vez, todos os membros do IBAS I BAS e do BRIC estariam presentes naquele órgão.
5.3 O GOV GOVERNO ERNO DILMA FRENTE À CRISE MUNDIAL: RUPTURA OU CONTINUIDA CONTINUI DADE? DE? (2011-2012) Dilma, candidata apontada por Lula para sucedê-lo, venceu as eleições em 31 de outubro de 2010 com aproximadamente 55,8 milhões de votos (56% dos votos), após um pleito marcado pela radicalização do discurso pela oposição. A presidente tem um temperamento distinto, mais técnico, centralizador e introspectivo que o expresidente (mas tem mantido os aspectos principais do desen desenvolvimen volvimento to e da diplomacia anterior). Além disso, grande parte do seu esforço tem sido em fortalecer a economia brasileira face ao aprofundamento da crise econômico-financeira internacional. A realização dos grandes eventos esportivos, esportivos, a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas e Paralimpíadas em 2016 no Rio de Janeiro demandam esforço adicional para o incremento da defasada infraestrutura brasileira. Lula abriu inúmeras janelas de oportunidade op ortunidade em todas tod as as regiões do mundo, mundo , e agora a presidente pre sidente busca selecionar as mais vantajosas nesse contexto de instabilidades e dificuldades globais. Com a posse de Dilma em janeiro de 2011, a política baseada na diversificação das relações exteriores e na ampliação da autonomia encontrou uma continuidade. Para o MRE foi nomeado o Embaixador Antônio Antônio Patriota, que era secretário-geral do Itamaraty na gestão Celso Amorim, desde a aposentadoria do Embaixador Samuel Guimarães. Os valores históricos da política externa brasileira de não intervenção,
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promoção da paz, pragmatismo e defesa do multilateralismo também se mantiveram. Apesar destes traços de continuidade com o governo anterior, a política externa da administração Dilma exibe algumas especificidades, especificidades, dentre as quais a ênfase à agenda dos direitos humanos e uma reaproximação com os Estados Unidos. Enquanto Lula, em seu primeiro ano de mandato, viajou para 27 países, paíse s, Dilma realizou apenas 12 viagens. Além disso, percebe-se uma atitude mais conciliadora em Patriota, em comparação a Celso Amorim – atual Ministro da Defesa do Governo Rousseff. Em 2012, a política externa do Governo Dilma aparenta também manter continuidade em relação ao ano anterior e aos desígnios mestres da presidência Lula. Busca-se, porém, novas orientações, de modo a acomodar a postura brasileira brasileir a em vista dos desdobramentos da Primavera Árabe e da Crise Europeia, sempre com o objetivo de aumentar a participação e a influência brasileiras na política internacional – sendo esta a inspiração-chave dos agentes formuladores de política.
A integração sul-americana, a América Latina e o Caribe O primeiro discurso da Presidente Dilma demonstrou a percepção do espaço sulamericano como fundamental no processo de multipolarização mundial, sendo a primeira viagem da presidente com destino à Argentina logo em janeiro, seguida por Uruguai (maio) e Paraguai (junho), ainda no primeiro semestre, além de Peru, em julho. Ao mesmo tempo, o Brasil propôs incrementar as políticas de promoção comercial entre os países do Mercosul, principalmente com encontros empresariais, contando, inclusive, com a presença do Presidente José Mujica em um encontro na FIESP. A presidente visitou os outros três países fundadores do Mercosul para participar da XLI Cúpula de Presidentes do Mercosul e Estados Associados. O incentivo incentivo brasileiro à integração via Mercosul se reflete também no apoio a poio ao Fundo de Financiamento do Setor Educacional do Mercosul (FEM) e na facilitação do intercâmbio acadêmico entre os países. Ainda nesse contexto, o Presidente da Venezuela, Venezuela, Hugo Chávez, visitou o Brasil em junho. Segundo o MRE, o comércio total entre os Estados-Parte do Mercosul alcançou, em 2010, a cifra de US$44,55 bilhões, dos quais US$39,22 bilhões referem-se ao intercâmbio total do Brasil com os sócios. Nos primeiros cinco meses de 2011, o comércio do Brasil com os demais países-membros alcançou US$17,9 bilhões, um volume 27% superior ao registrado no mesmo período do ano anterior anterior.. Em relação à Unasul, em fevereiro entrou em vigor o seu Tratado Constitutivo, após a ratificação do Uruguai, sendo oito os países que já haviam ratificado: Argentina, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O Brasil ratificou o Tratado Constitutivo no Congresso em 8 de julho. A entrada em vigor, mais a ratificação do Brasil, foram passos significativos significativos no processo de consolidação da Unasul. Em abril, a Solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA em relação a Belo Monte provocou dura reação do Itamaraty. A política de estreitamento das relações relaçõe s com os vizinhos foi mantida pelo Governo Dilma. Durante a reunião da Unasul, houve mais um passo em direção a sua consolidação, com a criação dos Conselhos de Segurança, Justiça e Luta contra o Crime Organizado Transnacional e do Conselho Eleitoral, sendo as próximas eleições eleiçõe s venezuelanas,
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marcadas para 7 de outubro, supervisionadas pelo órgão. Além disso, foi aprovado o orçamento para o funcionamento até 2013 de US$ 19milhões. Em conformidade com a ênfase nos direitos humanos, em 15 de junho, a secretária-geral adjunta, Michelle Bachelet, firmou um convênio de cooperação com a Unasul para a promoção dos direitos femininos na América América do Sul. É interessante destacar a condenação de todos os países da Unasul da destituição do Presidente paraguaio Fernando Lugo em 2012, através da ação rápida do organismo frente à declaração de impeachment . O Mercosul também suspendeu o Paraguai, removendo o entrave ao ingresso pleno da Venezuela Venezuela no bloco. Ironicamente, Ironicame nte, o Senado paraguaio, paragu aio, que não aprovava a entrada da Venezuela Venezuela no Mercosul, ao promover um impeachment ilegal, ilegal, de rito sumário, acabou abrindo o caminho para o ingresso venezuelano no bloco. Na esteira desse processo devem-se destacar as visitas bilaterais ao Haiti e a Cuba, sendo o Caribe uma região indispensável para a consolidação da projeção internacional do Brasil. Em sua visita a Cuba, em janeiro e fevereiro de 2012, a Presidente Dilma assinou diversos diversos acordos bilaterais, além de garantir uma parceria entre os dois países para a transformação transforma ção do Porto de Mariel em um dos maiores da América Latina. Serão investidos, inv estidos, em quatro anos, US$957 milhões, dos quais US$682 milhões (71%) serão financiados pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). A obra inclui a construção de uma “Zona Especial E special de Desenvolvimento” de 400 km2, a qual servirá de plataforma para inserção das empresas brasileiras na América Central. O intercâmbio comercial entre Cuba e Brasil cresceu 30% de 2006 a 2010, passando de US$376 milhões para US$488 milhões. Esse desempenho se repetiu em 2011, com trocas no valor de US$570 milhões no período de janeiro a novembro. Em visita ao Haiti, Dilma anunciou a redução do contingente brasileiro na MINUSTAH para 1,9 mil integrantes. A presidente declarou declaro u também a decisão de entregar vistos de trabalho e de permanência no Brasil para 1,2 mil famílias de haitianos por ano.
As relações com os Estados Unidos, as nações desenvolvidas e os organismos multilaterais multi laterais A visita do Presidente Barack Obama ao Brasil foi o evento de maior repercussão do primeiro semestre de 2011. Dentro da estratégia de ampliação de seus mercados consumidores e de regionalização das relações exteriores dos Estados Unidos, o governo estadunidense buscou no novo governo brasileiro uma oportunidade de maior mai or aproximação. Ao mesmo tempo, mostrou o interesse brasileiro à superação do déficit na balança comercial entre os dois países. A visita de Obama, além de um atraente discurso aberto aos brasileiros, trouxe a assinatura de acordos sobre Comércio e Cooperação Econômica, Transportes Aéreos, Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior, a implementação de Atividades de Cooperação Técnica em Terceiros Países, Programa Diálogos Estratégicos Brasil-EUA entre a Capes e a Comissão Fulbright, Memorando de Entendimento entre a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior da República Federativa do Brasil e a National Science Foundation dos Estados Unidos da América sobre as Dimensões da Biodiversidade, Parceria para o Desenvolvimento Desenvolvimento de Biocombustí Biocombustíveis veis de Aviação, Aviação, bem como o apoio verbal à demanda brasileira por um assento no Conselho de Segurança da ONU.
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A visita do presidente norte-americano, bem como os acordos assinados, a ssinados, demonstraram interesse do estadista em melhorar a relação entre os dois países, além de fomentar a participação dos Estados Unidos nas obras para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo, assim como na exploração do pré-sal. No entanto, a relativa aproximação não alterou as posições dos países em relação à retaliação brasileira no contencioso do algodão, o que se somou ao ganho de causa do Brasil na condenação c ondenação das medidas antidumping aplicadas pelos Estados Unidos sobre a importação de suco de laranja brasileiro. A relação com a Europa mudou do caráter inter-regional, entre Mercosul e União Europeia, para outro baseado em acordos bilaterais. No ano de 2011, a União Europeia manteve-se mantev e-se como principal parceiro comercial do Brasil, com o valor recorde de US$99,3 bilhões, representando um aumento de 20,7% em relação a 2010, sendo a soma dos investimentos dos países do bloco de aproximadamente US$180 bilhões. O Brasil é o sexto maior investidor na União Europeia, com estoque acumulado de cerca de US$80 bilhões, modificando o tradicional relacionamento Norte-Sul para a criação de uma nova horizontalidade. horizontalidade. Um exemplo dessa nova política para a Europa se fez visível em outubro de 2011, durante a Cúpula de Bruxelas, quando a Presidente Dilma aconselhou os países europeus a adotarem as receitas heterodoxas brasileiras, de desenvolvimento desenvolvimento humano com estabilidade macroeconômica, para superar a crise do euro. Nessa mesma linha encontra-se a intenção de ajudar Portugal ou de aumentar a contribuição brasileira ao FMI (assegurando uma maior quota de poder no órgão). Nesse mesmo encontro, foi acordado que os países com renda média alta, como Brasil e China, sairiam da lista dos beneficiários de ajuda, o que diminui a assimetria da relação entre as duas partes, uma tendência que já se reflete nos acordos de cooperação triangular que o Brasil firmou com a Alemanha, Espanha, Bruxelas e Reino Unido. A África, seguida pela América Latina, seria a área em que a UE e o Brasil deveriam desenvolver seus projetos. É interessante destacar a visita da presidente à Alemanha, quarto parceiro comercial do país e um dos principais no que tange ao programa Ciência Sem Fronteira. No âmbito dos organismos multilaterais, o Governo Dilma reiterou a defesa da crença brasileira na relevância da ONU como entidade dirigente da sociedade internacional e na necessidade de reformas em suas instituições, as quais lhe permitiriam melhor resposta às alterações do sistema internacional, como já revelado em seu discurso de posse. Além da visita do Secretário-Geral, Ban Ki-Moon, e do Presidente da Assembleia Geral, Joseph Deiss, ao país, o Brasil foi eleito Presidente do Conselho de Segurança da ONU. Em fevereiro, o encontro ministerial do G-4 (Brasil, ( Brasil, Alemanha, Alemanha, Japão e Índia) reiterou a opção por esforços conjuntos pela reforma do Conselho de Segurança da ONU. Ao mesmo tempo, a participação brasileira em várias missões de paz esbarra na falta de recursos materiais, prejudicando, assim, a credencial para o ingresso no Conselho de Segurança. Destaca-se, ainda, a defesa do conceito de “responsabilidade ao proteger”, lançado por Dilma Rousseff em discurso na 66ª Assembleia Geral da ONU. De acordo com o Itamaraty, este se baseia: “[n]a valorização da prevenção e dos meios pacíficos de solução de controvérsias; a necessidade de exaurir todos os meios não violentos para
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a proteção de civis; a obrigação de que qualquer ação militar seja sempre autorizada pelo Conselho de Segurança, limitada em seus elementos operacional e temporal; e a necessidade de monitoramento e avaliação da implementação das resoluções que autorizem intervenções. intervenções.”” Durante a visita do Ministro Antônio Patriota a Roma, em 24 de junho, o discurso no Seminário “Cooperação Técnica Brasileira: Agricultura, Segurança Alimentar e Políticas Sociais” revelou-se importante no compartilhamento de informações acerca da cooperação técnica feita pelo país. Para o ministro, o Brasil promoveu uma enorme redução de pobreza em seu território, com políticas voltadas para a agricultura, desenvolvimento desenvolvimento agrário, meio ambiente, pesca e segurança alimentar. alimentar. A criação de instituições como a Embrapa e o Ministério de Desenvolvimento Desenvolvimento Social e Combate à Fome, juntamente com o programa “Fome Zero” e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi fundamental para essas mudanças. Patriota aponta que o Brasil compartilha tais estratégias, por meio da ABC, na “transferência de conhecimentos, na capacitação de recursos humanos e [na] concepção de projetos que reconheçam as especificidades de cada país. [A cooperação técnica sul–sul brasileira] realiza-se com base na solidariedade que marca o relacionamento re lacionamento do Brasil com outros países em desenv desenvolvimento”. olvimento”. A política de manutenção das relações com os Estados Unidos foi mantida e a Presidente Dilma retribuiu a visita do Presidente Obama em 2012. Este é um ano eleitoral nos Estados Unidos, refletindo tal fato na diplomacia norte-americana, dado que o Presidente Barack Obama é candidato à reeleição. A não participação de Obama na Conferência Rio +20 não modifica as relações entre os dois países, sendo compreensível dada a situação interna estadunidense. Ainda, a suspensão do processo de compra de aeronaves da Embraer pelas Forças Armadas norte-americanas, apesar de visto com surpresa pelo Brasil, segundo nota do MRE em 1° de março, não gerou desconforto bilateral. Em 9 de abril, a bril, a Presidente Dilma Rousseff e o Presidente Barack Obama assinaram um memorando de entendimento sobre a parceria em aviação entre a Embraer e a Boeing. Ainda em abril, dois acontecimentos relevantes tiveram lugar. Primeiro, ocorreu a II Reunião do Diálogo de Parceria Global Brasil-EUA, em Brasília. Nesse encontro, a Secretária Hillary Clinton e o Ministro Patriota Patriota ressaltaram a importância de fortalecer os laços comerciais entre os dois países, bem como fomentar a participação estadunidense no programa brasileiro Ciência Sem Fronteira. Em segundo lugar, em abril, ocorreu a VI Cúpula das Américas, em Cartagena das Índias, Colômbia. Os temas discutidos envolveram a exclusão de Cuba da Cúpula, apesar da entrada do país na OEA, a legalização de drogas como forma de combater c ombater o narcotráfico — em que foi levantado o tema da participação norte-americana na Colômbia — e a questão da soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, um dos assuntos mais polêmicos. Em relação aos organismos multilaterais, a atuação brasileira na ONU teve momentos importantes, como a participação do Ministro Patriota no debate acerca da responsabilidade de proteger das Nações Unidas, no qual foi reforçada a defesa da não intervenção e a solução pacífica de controvérsias. Patriota, no que tange à situação na Síria, sublinhou a necessidade de que o conflito fosse resolvido pelo povo sírio, sendo o engajamento da Liga Árabe decisivo, ao passo que a participação das Nações Unidas
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seria apenas em cooperação com aquela organização. Nesse sentido, destaca-se a Rio +20, realizada de 13 a 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro, na qual, contando com a participação de 193 países, diversas reuniões bilaterais ocorreram. A participação brasileira na Cúpula do G-20 financeiro em Los Cabos, no México, foi relevante, com destaque à concessão de US$456 bilhões para fundo anticrise do FMI. Desse montante, Brasil, Rússia e Índia devem contribuir com US$10 bilhões cada. Destaca-se que a atuação atuaç ão dos BRICS deve deve ocorrer vinculada à reforma no Fundo aprovada em novembro de 2010. 201 0. O Vice-Pre Vice-Presidente sidente Michel Mic hel Temer, Temer, na II Cúpula sobre sobr e Segurança Nuclear, Nuclear, em Seul, em março, reforçou os compromissos com o cumprimento dos parâmetros acordados na AIEA, destacando-se a posição brasileira de “Contribuindo para a Paz Pela Mediação”. Além disso, ocorreu a visita da Alta Representante para Relações Exteriores e Política de Segurança da União Europeia, Catherine Ashton, ao Brasil em fevereiro fevereiro.. Nesse encontro foram examinadas as negociações para um Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia.
As relações com a África Quanto à África, as relações relaçõe s de alto nível se deram nas visitas feitas pelo Chanceler Antonio Patriota ao continente africano: ao Egito, em maio; à Guiné-Bissau, à Angola e à Namíbia, em julho. As visitas de chanceleres africanos ao Brasil se deram em janeiro, com o ministro de Cabo Verde, Verde, em junho. Além disso, em maio, o vice-presidente de Gana visitou o Brasil. No que tange ao norte da África, nos primeiros meses do ano, a situação dos países árabes foi tema de preocupação por parte do Brasil (relembrando inclusive os princípios da Declaração de Brasília, de 2005, fundadora da Cúpula ASPA), bem como observado na Declaração Conjunta sobre a situação do Oriente Médio e do Norte da África na VII Reunião do IBAS, em Nova Délhi. Em 24 de fevereiro, o governo brasileiro iniciou operação de evacuação de cidadãos brasileiros na Líbia, auxiliando na retirada de funcionários das empresas Odebrecht, Petrobras e Andrade Gutierrez, além de nacionais de outros países. A III Reunião de Cúpula de Chefes de Estado da ASPA, ASPA, que deveria ter lugar em Lima, fevereiro, foi adiada até a estabilização da situação do norte da África e do Oriente Médio. Em relação à CPLP CPLP,, o Ministro Antônio Antônio Patriota viajou para Luanda no dia 22 de julho a fim de participar da XVI Reunião do Conselho de Ministros da CPLP para a coordenação das atividades do organismo. A relação do Brasil com a África prosseguiu no Governo Dilma através da cooperação técnica em áreas como agricultura e medicina tropical, ensino profissionalizante, energia e proteção social. Nesse sentido, em abril, foram firmados acordos com a Etiópia, na área agrícola, e com Moçambique. Em visita ao Brasil, o Primeiro Ministro de Moçambique, Aires Bonifácio Baptista Ali, firmou acordos comerciais e discutiu a presença de empresas brasileiras no país. A cooperação entre os dois países abrange áreas como saúde, educação, agricultura, segurança alimentar e energia. De acordo com o MDIC, em 2011, o intercâmbio comercial somou US$85,3 milhões (acréscimo de 101,2% com relação a 2010). As exportações brasileiras de produtos manufaturados representam 56,5% do total. Em 2012 o Brasil recebeu a visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Namíbia, Utoni Nujoma, em maio, quando
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foram abordados temas regionais e multilaterais, incluindo a revitalização da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Sublinha-se também a visita do Ministro Patriota à Tunísia, Tunísia, em 24 de abril, a qual serviu para reforçar reforça r o apoio ao novo governo tunisino e para impulsionar a cooperação bilateral. Ademais, o governo brasileiro, em conjunto com os países da CPLP, CPLP, declarou “condenar, com veemência, todas as ações de subversão ocorridas na Guiné-Bissau, exigindo a imediata reposição da ordem constitucional, da legalidade democrática e a conclusão do processo eleitoral” (Resolução da VIII Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP em Lisboa, abril de 2012).
As relações com o Oriente Médio e a Ásia A política de aproximação com o Oriente Médio manteve-se. Quanto aos resultados da chamada Primavera Árabe, e à atuação internacional no conflito, a política de não intervenção internacional nos conflitos permaneceu ativa. Como, exemplo, destaca-se o pronunciamento da Embaixadora do Brasil junto às Nações Unidas, Maria Luiza Ribeiro Viotti, Viotti, em Sessão da Assembleia Geral da ONU de 13 de fevereiro de 2012, acerca da situação na Síria. Destaca-se, contudo, a abstenção brasileira na votação do Conselho de Segurança da ONU, de 17 de março, que autorizou a criação de uma Zona de Exclusão Aérea na Líbia. Com a abstenção alemã, chinesa, chi nesa, indiana e russa, os ataques à Líbia foram iniciados. No mesmo mês, em 24 de março, o governo brasileiro foi favorável ao envio de um relator para inv investigar estigar possíveis violações dos Direitos Humanos no Irã. A Presidente Dilma herdou de seu predecessor a ênfase na Ásia em detrimento da Europa e dos Estados Unidos. Com a crise nos Estados Unidos, a China tornou-se o maior parceiro comercial individual do Brasil, assim como o maior mercado de exportação, ao passo que o intercâmbio cresceu vertiginosamente. O peso econômico asiático se reflete em um novo modelo de inserção internacional. internaciona l. Diferente do México, por exemplo, a política brasileira se baseia em um modelo revisionista do sul, através de alianças como os BRICS e o Fórum IBAS, estando as ações do Brasil nas Nações Unidas e na OMC mais próximas desses países. A posição brasileira com relação relaçã o ao Oriente Médio se manteve. Em junho de 2012, durante um comunicado conjunto com o governo chinês, Brasil e China reiteraram seu apoio à resolução pacífica do conflito na Síria. A presidente sustentou seu apoio à efetiva implementação do plano de Kofi Annan ao conflito sírio (Enviado Especial Conjunto das Nações Unidas e da Liga dos Estados Árabes). Os dois governos defenderam o acesso à ajuda humanitária na Síria, bem como a defesa da soberania do país. Além disso, Dilma reiterou seu apoio total à Missão de Supervisão das Nações Unidas na Síria (UNSMIS) como forma de lograr o fim do conflito de maneira pacífica. Como principal parceiro comercial individual brasileiro, a Presidente Dilma fortaleceu os laços com o governo chinês através de diversos atos assinados por ocasião da reunião entre a presidente brasileira e o Primeiro-Ministro Wen Jiabao. Entre esses atos encontram-se um plano decenal de cooperação, um acordo de assistência mútua administrativa administrati va em matéria aduaneira, o estabelecimento de centros culturais, um memorando de entendimento entre Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação de
Capítulo | 5 O reconhecimento do Brasil como potência emergente
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ambos os países para a criação de um centro conjunto para satélites meteorológicos, além de um centro Brasil-China de Biotecnologia e para a implementação do programa Ciência Sem Fronteiras na China. Ademais, um plano estratégico para o fortalecimento de cooperação agrícola e abastecimento, um relatório das divergências estatísticas do comércio bilateral de mercadorias merc adorias e, por fim, acordos de serviços administrativos administrat ivos entre a Capes e o China Scolarship Council (CSC). Durante a participação de Dilma na Cúpula do BRICS em março, em Nova Délhi, o governo brasileiro, em parceria com o governo indiano, firmou diversos diversos acordos de cooperação técnica: Biotecnologia; Ciência da Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação; Ciências Ciênc ias da Terra, Terra, incluindo Ciência Ciênc ia dos Oceanos e Mudanças Climáticas; Engenharias, Ciência de Materiais e Nanotecnologia; Saúde e Ciências Biomédicas; Matemática; Ciências Naturais; Energias Renováveis, Tecnologias de Eficiência Energética e de Baixo Carbono; entre outras áreas mutuamente acordadas, em que grupos de pesquisa de ambos os países devem participar em conjunto, sendo coordenado pela Comissão Mista de Ciência e Tecnologia. Com relação ao Irã, a presidente afirmou sua satisfação com a retomada das conversações conv ersações entre o Irã e o P5 + 1, objetivando a resolução da chamada questão nuclear iraniana. A presidente incentivou também o aprofundamento do diálogo entre o Irã e a AIEA. Ainda, foi reafirmado o direito dos iranianos ao uso da energia nuclear para fins pacíficos, nos termos do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. A declaração da presidente ocorreu em meio a especulações quanto ao deterioramento da relação entre os dois países, após recusa da proposta do Presidente Ahmadinejad de um encontro bilateral em ocasião da Rio +20.
A relação com os BRICS e a Cooperação Sul–Sul O IBAS foi importante no avanço da Cooperação Sul–Sul em fevereiro em Nova Iorque. A participação de Dilma foi ao encontro do que havia sido feito por Lula: a intenção de reformar os fóruns financeiros, o Banco Mundial e o FMI de maneira a representar o peso dos países emergentes por intermédio dos votos proporcionais. A presidente ainda ressaltou a união dos países e a mediação do Presidente Zuma, da África do Sul, nos conflitos na Síria e Líbia, quando os três países condenaram a intervenção armada e a repressão e encorajaram a resolução negociada entre as forças atuantes dentro dos países. Contudo, a interação trilateral não se restringiu às questões referentes à governança global. Atuando em conformidade com seu passado político dentro do Ministério de Minas e Energia brasileiro, Dilma vem fomentando o desenvolvimento desenv olvimento científico, em especial através do programa Ciência Sem Fronteiras, de integração de pesquisa, o qual inclui parceria com universidades e faculdades indianas e sul-africanas. A III Cúpula dos BRICS ocorreu oc orreu em Sanya, na China. A Cúpula marcou o ingresso ingr esso da África do Sul no grupo, ampliando a representatividade geográfica do mecanismo, buscando a maior democratização da governança global em temas financeiros, econômicos, comerciais, mas também políticos. Segundo o MRE, entre 2003 e 2010, o crescimento dos países do grupo representou cerca de 40% da expansão do PIB mundial. No período de 2003 a 2010, registrou-se aumento de 575% na corrente de
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comércio entre o Brasil e os países do BRICS (as trocas passaram de US$10,71 bilhões em 2003 para US$72,23 bilhões em 2010). O resultado da III Cúpula foi a assinatura da Declaração de Sanya, com Plano de Ação sobre cooperação entre os países, prevendo a criação de mecanismos de financiamento entre os membros. Em junho, foi lançado lançad o o “Catálogo Bibliográfico do BRICS”, uma lista de livros de referência sobre os países do grupo, organizado pelos cinco Estados. Durante a III Cúpula, o Brasil e a China assinaram diversos acordos de cooperação científica, comercial, financeira e cultural, incluindo a compra de 35 aviões Embraer. É interessante, entretanto, observar que em alguns campos, como os têxteis e eletroeletrônicos, a China é o maior concorrente internacional do Brasil. A III Reunião de Cúpula dos BRICS deu passos amplos na coordenação política e na aproximação econômica desses países. Em 2012 houve o lançamento, em junho, em Paksane, Laos, de um projeto de irrigação agrícola financiado pelo Fundo IBAS. O projeto possui um orçamento de US$1,323 milhão e tem como objetivo o aprimoramento da agricultura irrigada, a melhoria da segurança alimentar, a redução da pobreza e a promoção da participação local na gestão dos recursos hídricos. O Fundo IBAS vem obtendo sucesso em sua atuação, concluindo projetos em Cabo Verde, Verde, Guiné Bissau, Haiti e Palestina. AtualAtualmente, o Fundo executa ações no Burundi, Cabo Verde, Camboja, Guiné-Bissau, Palestina, Serra Leoa e Vietnã, Vietnã, já tendo recebido rece bido premiações pela sua su a atuação em 2006 pelo PNUD e em 2010 pela ONG Millennium Developm Development ent Goals Awar wards ds Committee Committee. Em março de 2012, a IV Cúpula do BRICS, em Nova Délhi, focou na proposta indiana de criação de um banco do BRICS, sendo essa questão abordada na declaração dos chefes de Estado como um banco focado no financiamento de projetos nos países em desenvolvimento, desenvolvimento, diferentemente da ideia de um banco nas linhas do Banco Mundial. Também Também incluídos no discurso estão: defesa defe sa à resolução pacífica da situação na Síria, em conformidade com a proposta de Kofi Annan, preocupação com uma possível escala ao conflito da questão nuclear iraniana, bem como o apoio ao desenvolvimento desenvolvimento do Afeganistão. Afeganistão. O discurso dos Chefes de Estado ainda ressaltou a necessidade de reformar as instituições mundiais como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU, de maneira a representarem o sistema internacional de maneira mais efetiva. É interessante notar que, novamente, a reforma foi mencionada sem defender a obtenção de assento permanente para Brasil, Índia ou África do Sul. Durante a reunião foi lançado o primeiro Relatório do BRICS, com foco na complementariedade e sinergia das economias dos países-membros. No próximo capítulo, estas tendências e o sentido estratégico do BRICS e do IBAS serão analisados em maior detalhamento.
Capítulo 6
Os novos novos mecanismos mecanismos de projeção do Brasil: o IBAS e o BRICS A ascensão e dinamização das relações entre as potências emergentes encontra no multilateralismo uma forte base de sustentação e articulação de posições comuns no sistema internacional. Para examinar este processo, o item 6.1 “O Fórum de Diálogo IBAS e a nova Cooperação Sul–Sul” Sul–S ul” avalia a constituição da parceria entre Índia, Índ ia, Brasil e África do Sul e os seus principais componentes e resultados. Na sequência, em 6.2 “BRICS: a coalizão dos grandes países emergentes” aborda uma outra dimensão desta cooperação. O capítulo analisa, no geral, estas dinâmicas, assim como sua relevância e centralidade para a política externa brasileira, as suas possibilidades e também os impactos que detém nas relações internacionais.
As potências emergentes do século XXI, dentre elas o Brasil, têm buscado reforçar a cooperação no nível Sul–Sul como visto no capítulo anterior, estabelecendo relevantes coalizões para atuar no plano global. Neste capítulo, ca pítulo, alguns temas já desenvolvidos serão recuperados e aprofundados, visando ressaltar a dimensão estratégica dos novos mecanismos de projeção internacional do Brasil. Dentre as coalizões das potências emergentes, a mais conhecida, que atua no âmbito da grande política mundial, é o BRICS. A sigla não foi criada pelos países-membros, mas acabou sendo por eles apropriada, com uma ressignificação marcante a partir do advento da crise mundial em 2008. Além disso, a África do Sul foi integrada ao grupo dois anos depois. O BRICS hoje abriga duas organizações de extrema importância mundial: a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) e o IBAS, Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul. A primeira, criada em 1996, é integrada por China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e, desde 2001, Uzbequistão, e está relacionada com a geopolítica eurasiana. Através do BRICS a estratégia sino-russa eurasiana da OCX ganha relevância global, bem como a meridional do IBAS. Mas China e Rússia são atores mais relevantes, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e, respectivamente, como potências econômica e militar-energética, respectivamente. respectivamente. Por sua vez, o IBAS estabelecido em 2003, tem seu foco na Cooperação Sul–Sul e na emergência de um novo espaço geopolítico meridional e oceânico. Para o Brasil, o BRICS representa a formalização de uma estratégia que, mesmo antes do adensamento do grupo, já se encontrava implícita em seus objetivos de política externa: contribuir para a constituição de um sistema internacional multipolar governado por organizações multilaterais e a priorização do desenv desenvolvimento olvimento econômico e 135
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social. Inicialmente, este conceito serviu como uma publicidade gratuita e inesperada para o Brasil, ajudando a promov promover er a imagem internacional do país. Desde 2003, com o Governo Lula, esse conceito se tornou parte da visão estratégica da nação. Ao lado da diplomacia afirmativa nas negociações com os organismos multilaterais e nas relações bilaterais com os países da OCDE, havia os eixos da integração sul-americana, a Cooperação Sul–Sul (a qual incluía o IBAS) e as parcerias estratégicas com as potências emergentes, especialmente com os outros membros do BRICS. Com o advento da crise de 2008, foi possível a institucionalização do grupo e sua rápida evolução como mecanismo de coordenação de políticas. A crise internacional apenas apena s acelerou tendências que já estavam subjacentes, como a estagnação ou até o declínio das potências da OCDE e a ascensão dos BRICS e de algumas outras potências médias. Mais que isso, ocorria também o avanço econômico dos países em desenvolvimento (com poucas exceções). O ingresso da África do Sul, na perspectiva brasileira, não enfraqueceu o grupo, pelo contrário, tornou-o mais forte. Havia uma região geopolítica pouco representada pelo BRIC porque o Brasil era considerado por críticos e oponentes como alheio aos demais pela geografia e pela história (seria “Ocidental”). Com a África do Sul no BRICS, a ligação entre os Oceanos Atlântico Atlântico Sul e Índico foi estabelecida, bem como uma presença mais assertivaa do grupo na África. sertiv Até 2020 o grupo terá de responder a três grandes desafios globais: evitar a eclosão de conflitos militares em grande escala, retomar o desenvolvimento desenvolvimento econômico mundial e construir mecanismos de governança global baseados na multipolaridade. Mas, para isso ocorrer, o cenário BRICS 2020 deve considerar que as estratégias individuais e coletivas coletiv as empregadas em situações favoráveis devem devem ser adaptadas rapidamente para responder a uma conjuntura que se apresenta mais tensa e incerta. Comparado ao BRICS, o IBAS representa um mecanismo de Cooperação Cooperaç ão Sul–Sul. Como Francis Kornegay indicou, “o IBAS é para a Cooperação Sul–Sul, e o BRICS para as potências emergentes, há uma grande diferença entre as duas plataformas em termos de sua utilidade estratégica”.1 Esse autor aponta, igualmente, para uma diferença qualitativa entre os dois grupos: De uma um a perspectiva pers pectiva trilateral Indo-Brasil Indo-Brasileira-Sul-Af eira-Sul-Africana, ricana, a lógica lóg ica geoestratégica do IBAS é clara e cristalina, o propó propósito sito de criar uma ligação marítima ‘Gondwana’ entre o Atlântico Sul e o Oceano Índico. Índic o. O fato de as três t rês potências regionais re gionais geoestrategicamente geoestrategicamente ligadas haverem instituído o IBSAMAR mostra claramente essa lógica. O que os três países escolherem fazer ou não fazer com isso dependerá da articulação de suas aspirações de forjar os termos da multipolaridade estratégica e geopolítica do século XXI. O BRICS não possui lógica geostratégica. Ou melhor, ele combina duas lógicas geoestratégicas, isto é, a lógica hemisférica marítima meridional do IBAS, de um lado, e os imperativos geoestratégicos centro-eurasianos de Rússia-China-Índia de outro. 2 1. KORNEGAY Jr, Francis. “ South Africa, the Indian Ocean and the IBSA-BRICS Equation”. New Delhi, ORF Occasional paper#30, Observer Research Foundation, p. 12. 2. Ibid .
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Em contrapartida, os chamados “líderes” do BRICS e da OCX, China e Rússia, estão em campanha contra a hegemonia do dólar como moeda de reserva, após a crise financeira de 2008. Esse é um dos objetivos mais importantes do BRICS, tentando cooptar Índia e Brasil. Kornegay confere importância ao suposto “triângulo asiático” (Moscou-Beijing-Delhi), (Moscou-Beij ing-Delhi), mas a Índia não é um membro pleno da OCX e está próxima dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, esse autor ressalta a crescente importância do Oceano Índico como um espaço geoeconômico, o que é correto. Ele afirma que “o BRICS está melhor posicionado para operar como um ‘caucus’ de contrapeso estratégico ao G-7/8 com o ‘Diretório’ do G-20 [Financeiro] da governança econômica global. O IBAS, por outro lado, está melhor posicionado para empreender um ambicioso projeto geoestratégico potencial a materializar, o CHIMEA [China-India-Middle East-Africa], o qual Martin Walker chama de ‘Nexo do Oceano Índico’.”3 Porém, é difícil acreditar que exista uma estratégia do Oceano Índico sem o Oceano Atlântico Sul, devido também aos planos norte-americanos de redefinir a paisagem estratégica destes espaços geopolíticos.
6.1 O FÓRUM DE DIÁLOGO IBAS E A NOVA COOPERAÇÃO SUL–SUL A articulação do Fórum de Diálogo IBAS O Fórum de Diálogo Índia, Brasil Bra sil e África do Sul (IBAS, ou G-3) constitui um dos mais importantes esforços cooperativos do Sul no mundo pós-Guerra Fria. Seus críticos o consideram, com um tom de ironia, uma forma tardia de um terceiro-mundismo ideológico dos anos 1970. Todavia, sua estratégia é marcada pelo pragmatismo e por um peso político próprio e legitimidade para se apresentar como interlocutor relevante para os grandes temas da agenda global. O IBAS representa uma forma de concertação político-diplomática sobre os mais diferentes temas, tendo em vista que há significativas significativas sinergias entre os três países, já que eles desenvolveram desenvolveram capacidades específicas em distintos setores ao longo de décadas. O embrião do Fórum IBAS teve sua origem, segundo muitos analistas, na África do Sul, dentro do Congresso Nacional Africano (ANC), antes mesmo que o partido chegasse ao poder, em 1994. Nessa época, queria-se formar um grupo de Países do Sul para atuar como interlocutor frente ao G-7/G-8. Todavia, Todavia, Pretória, enfrentando os desafios de seu primeiro governo democrático (Nelson Mandela), ainda não se considerava em condições de empreender a estruturação de uma coalizão de tal magnitude e para a consequente projeção como liderança do mundo em desenv desenvolvimento. olvimento. Os três integrantes do Fórum IBAS, desde o fim da Guerra Fria, buscavam novas formas de incrementar sua ação internacional. Com o advento de uma nova agenda global, eles exploravam elementos valorizados na nova ordem mundial, como seus regimes democráticos, mas também elementos tradicionais de poder, tais como a capacidade de atuação global e no Terceiro Mundo (“em desenvolvimento”), além da postura de atuação nas organizações multilaterais. Todos eram mercados emergentes, 3. Ibid , p. 14.
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potências médias que ambicionavam a posição de líderes regionais e, last but not the least , uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Por fim, eles tinham em comum um modelo de industrialização por substituição substituiç ão de importações que realizava uma transição para uma economia mais aberta, sob pressão da globalização neoliberal. Apenas em março de 2000 o Presidente Thabo Mbeki, sucessor de Mandela, apresentou sua tese de que o G-8 já não seria capaz de formular soluções para os problemas do mundo globalizado, concernentes não só aos países desenvolvidos, mas também àqueles em vias de desen desenvolvimen volvimento. to. A formação de um grupo de cooperação, um “G-8 do Sul”, inicialmente incluía, inc luía, além da África do Sul, o Brasil, a Arábia Saudita, a China e a Índia. As reuniões preparatórias com os altos funcionários dos países citados, contudo, acabaram não ocorrendo devido à turbulência internacional decorrente dos atentados de 11 de setembro de 2001. O adiamento das reuniões parece ter permitido à diplomacia sul-africana reunir as condições para revisar o escopo e a lista dos membros a convidar para participar do grupo que viria a ser o IBAS. A nova proposta redefiniu o objetivo do grupo, que deixou de ser o diálogo com o G-8, pois, na eventualidade de uma recusa da interlocução por parte dos países desenvolvidos, a nascente liga perderia sua razão de ser. O grupo de Países do Sul seria, então, formado apenas por África do Sul, Índia e Brasil – China e Arábia Saudita foram suprimidos da composição do grupo por razões estratégicas. Entretanto, a criação do Fórum de Diálogo IBAS I BAS ocorreu somente em 2003, como visto no Capítulo 4. Os países do IBAS buscam, explicitamente, reforçar seu desenv desenvolvimento olvimento econômico por meio do caráter complementar das suas indústrias, serviços, comércio e tecnologia. Como exemplo de complementaridades a serem exploradas pelos três países pode-se citar: a indústria sul-africana de combustíveis sintéticos, a experiência do Brasil na área da aeronáutica e da produção de energia não convencional; e o recente sucesso indiano no campo da tecnologia da informação e na indústria farmacêutica.
A geopolítica global do IBAS Os objetivos do IBAS, enumerados anteriormente, representam apenas parte dos fundamentos do grupo trilateral. Há, sem dúvida, questões mais sutis e implícitas. Um dos pontos é a política de forjar coalizões novas, que enriqueçam a grande diplomacia mundial com novos tipos de atores, especialmente os três que representam o sul da América, da África e da Ásia. Todos são pretendentes a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, apesar da capacidade nuclear indiana, todos se encontram em um patamar inferior aos outros membros dos BRICS. A Rússia e a China combinam capacidades militares e diplomáticas de que os membros do IBAS carecem. Segundo Francis Kornegay, Kornegay, do Centre for Policy Studies de Joanesburgo, os países-membros do IBAS, individualmente ou combinados, não podem constituir uma alternativa contra-hegemônica ao poderio norte-americano, afora a nascente complexidade de múltiplos pontos de apoio que emerge no cenário internacional e está intimamente ligada às novas reconfigurações reconfigurações geopolíticas e econômicas de segurança energética. Caso os três países consigam, ao forjar uma cooperação trilateral cada vez maior entre si, atribuir uma aparência de ordem multilateral às suas respectivas vizinhanças regionais regionais no âmbito de um
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sistema de comércio inter-regional abrangendo o Atlântico Sul e o Oceano Índico, sua cooperação cooperação poderá levar levar adiante a “redistrib “redistribuição uição revolucionária revolucionária de poder” prevista por Bell: em uma palavra, a reunificação geopolítica e geoeconômica da Gondwana. 4 Contudo, os desafios regionais individuais a serem enfrentados pelo Brasil e, especialmente, pela África do Sul e pela Índia, não devem devem ser subestimados subestimados na consolidação consolidação desse eixo transoceânicotransoceânicotranscontinental meridional. (Kornegay (Kornegay,, 2006, p. 13)
Já a África do Sul tem de fazer frente à “inv “invasão” asão” geopolítica sino-russa motivada por questões energéticas no continente, que visivelmente visivelmente exacerba as linhas de fratura entre a África Boreal e a Subsaariana, em detrimento da última. Isso dificulta a agenda de Pretória quanto a integrar o continente sob a égide da União Africana e da NEPAD NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento Econômico da África). Nova Délhi, paralelamente, não esconde sua aspiração de exercer um papel hegemônico no sul asiático, onde a cooperação regional através da SAARC tem se mostrado incapaz de ganhar impulso e se materializar de forma mais palpável. Todavia, uma iniciativa de Área de Livre Comércio Sul-Asiática (SAFTA) (SAFTA) foi lançada juntamente com um acordo ac ordo de comércio preferencial recentemente estabelecido com as ilhas Maurício, membro da SADC e da sua área de livre comércio.
A geopolítica meridional do IBAS: a dimensão estratégica do Oceano Índico Além de interagir para formar novos paradigmas de governança global (multilateral), um novo equilíbrio de poder no mundo (multipolar) e de buscar construir um entorno regional seguro e estável no sul de cada um dos continentes, o IBAS se apresenta como um agrupamento capaz de forjar instrumentos para articular as relações entre seus espaços regionais. O Oceano Atlântico Sul e o Oceano Índico se tornaram espaços marítimos sem uma importância estratégica maior desde a abertura do Canal de Suez. No limiar do século XXI, todavia, o que se observa é o incremento das relações comerciais e de todo tipo de fluxos entre a América do Sul, a África e a Ásia. A projeção da China e da Índia para a África e América do Sul é acompanhada pela ação da economia brasileira. Os países africanos, por sua vez, também intensificaram intensificaram os fluxos na direção desses parceiros, com certo declínio relativo das conexões Norte-Sul. Não se trata, contudo, apenas de tornar a África do Sul uma conexão sólida para o Brasil atingir a Ásia via Oceano Índico. Afinal, como a Ásia Oriental é antípoda em relação ao nosso país, não é necessário utilizar a rota do Pacífico (um “Lago Americano”) nem o saturado Canal do Panamá. Além do sul do continente africano estar se tornando uma base logística lo gística (o que é impulsionado impulsion ado por Grupos de Trabalho do IBAS), o Oceano Índico e também o Atlântico Sul despontam como zona de imensos recursos recur sos energéticos, com as jazidas de gás e petróleo. As margens margens do Oceano Índico têm sido palco de novas descobertas. Daí a reafirmação da soberania sobre as águas territoriais, a manutenção da segurança dos oceanos para a navegação e o bloqueio de qualquer iniciativaa de militarização desses espaços marítimos por potências extrarregionais. iniciativ 4. Referência ao megacontinente que, no passado, reunia a América do Sul, a África e a Índia.
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Nesse sentido, é necessário articular a cooperação naval (e militar em geral) entre os países do IBAS: A primeira p rimeira metade de maio de 2008 presenciou um importa i mportante nte evento multilateral que passou praticamente despercebido pela população dos países envolvidos. Houve, pela primeira vez, a realização de exercícios marítimos conjuntos entre as marinhas da Índia, Brasil e África do Sul (IBSAMAR). Índia e Brasil, com marinhas fortes [...] em comparação com a sul-africana, podem desempenhar um papel de coordena coordenação ção principal no futuro, [pois] a África do Sul tem uma extensa costa litorânea e uma limitada capacidade naval para monitorar e protegê-la. protegê-la. Isso gera uma oportunidade para as três forças navais atuarem juntas nessas áreas. (Khurana, 2008, p. 1)
Segundo Khurana, para a Índia o IBSAMAR foi um instrumento efetivo na demonstração de sua política externa. Permitiu minimizar a interpretação da crescente relação estratégica entre Índia e Estados Unidos e seus aliados. O IBSAMAR ocorreu juntamente com o Índian Naval Symposium (IONS), iniciado em fevereiro de 2008, e sem a participação dos Estados Unidos. Embora o Cabo da Boa Esperança seja um caminho mais longo do que aquele pelo Canal de Suez, sua utilização é cada vez maior, pois as novas embarcações são muito maiores e mais pesadas do que pode suportar esse canal. Prova disso é que cerca de 30% do petróleo do Golfo Pérsico destinados à Europa e à América passam pelo Cabo da Boa Esperança. Enquanto o número de petroleiros que passavam pelo Cabo por mês variava entre 30 e 50 há uma década, hoje o número encontra-se entre 90 e 100. Além disso, as ações dos piratas somalis transformaram a rota de Suez em um problema bastante grave. Enfim, o hemisfério sul possui mais águas do que terra e está se tornando um espaço estratégico em termos de desenvo desenvolvimento lvimento e de geopolítica. Além das rotas e fluxos, há jazidas jazid as de gás e petr petróleo óleo em água águass terri territori toriais ais dos país países es da regi região. ão. Além diss disso, o, é preci preciso so considerar que as pressões internacionais sobre a Antártica devem crescer enormemente em um futuro próximo, além de a Austrália se tornar cada vez mais um “espaço asiático” asiático ” (tanto em termos demográficos como econômicos). econômicos) . Tudo Tudo isso fará da região articulada pelo IBAS um espaço geoestratégico da máxima relevância, especialmente tendo em vista a expansão externa das três economias para as regiões dos respectivos parceiros. Assim, é hora de planejar ações trilaterais também em termos de segurança comum, pois o IBAS representa o único mecanismo capaz de gerar iniciativas que superem a visão acomodada que impera em cada um dos três países isoladamente.
6.2 BRICS: A COAL COALIZÃO IZÃO DOS GRANDES PAÍSES EMERGENTES5 A origem do conceito O acrônimo BRICs (foneticamente “tijolos”, bricks em inglês), englobando as quatro maiores economia emergentes, surgiu em Nova Iorque como uma ferramenta 5. Com a colaboração da professora Juliana Rodrigues e do bolsista do Nerint, Guilherme Ziebell de Oliveira.
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de análise prospectiva da economia mundial, concebido pouco antes da guerra ao terrorismo. Permaneceu por vários anos como tal, até adquirir um significado político, assumido coletivamente por seus membros designados, na conjuntura da crise de 2008. Nessa ocasião os países da OCDE foram duramente atingidos, enquanto Brasil, Rússia, Índia e China mantinham seu crescimento econômico e buscavam atuar de forma articulada propondo soluções para a crise. Em 2010, a África do Sul passou a integrar o grupo. A formação de um agrupamento de Estados, informal ou institucionalizado, normalmente resulta de iniciativ iniciativaa deles próprios, com base em interesses comuns. Todavia, Todavia, o acrônimo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, segundo o Embaixador Roberto Jaguaribe, “é fruto de um impulso externo, o que elimina o arbítrio autolaudatório de sua concepção” (2005, p. 39). Ele foi cunhado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do banco de investimentos americano Goldman Sachs, em um relatório denominado Building Better Global Economic BRICs, que buscava expor aos clientes do banco o grande mercado que esses países poderiam representar no futuro. O relatório apontou que esses países estavam entre os maiores Estados em desenvolvimento, baseado em uma análise de perspectivas de crescimento de suas economias para os dez anos seguintes, além de afirmar que, a longo prazo, os BRICs estariam entre as maiores economias do mundo, o que produziria uma modificação profunda do panorama geopolítico internacional. Dois anos mais tarde, o Goldman Sachs publicou outro relatório, denominado Dreami Dreaming ng with BRICs: The Path Path to 2050, no qual foi aprofundada a análise da economia dos BRICs, fazendo projeções para o crescimento de seu PIB até 2050, baseadas em itens como o ritmo de crescimento econômico e o tamanho da população de cada país. Segundo o documento, os BRICs se destacavam por suas dimensões territoriais e pelo tamanho de suas populações, bem como por suas médias históricas de crescimento, que lhes garantiam um potencial de avanço econômico sustentável em longo prazo. Nesse novo estudo, foi comparada a relação entre o crescimento do PIB projetado para os BRICs e o projetado para os países do então G6 – Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália, o que levou a instituição a concluir que o ultrapassariam em duas ou três décadas. O Goldman Sachs afirmou, na ocasião, que Brasil, Rússia, Índia e China se tornariam responsáveis pela transformação da economia mundial, com impactos profundos e abrangentes, uma vez que esses países viriam a ter um papel central no desenvolvimento desenvolvimento econômico global. A instituição ressaltou que isso se daria porque os BRICs possuíam potencial objetivo objetivo para se tornarem peças-chave no cenário político-econômico mundial, bem como reuniam as condições políticas subjetivas de modo a desenvolver os processos necessários para que isso aconteça. Segundo o ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim (2010, p. 25), do ponto de vista do surgimento do conceito BRICs, o fundamental é que ele não provém de uma iniciativa diplomática. A sua consolidação se deu em função do desempenho dos BRICs ter superado as projeções indiciais, dando maior credibilidade à tese do Goldman Sachs. De acordo com Amorim, esses estudos permitiram ao BRIC receber uma maior atenção da imprensa e do meio acadêmico, consolidando o termo não mais como uma referência midiática apenas, mas também como um
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instrumento analítico (AMORIM, 2010, p. 26). Celso Amorim ainda comenta que a ideia BRICs se propagou nos meios governamentais, governamentais, entre os formadores de políticas, certamente atraindo a atenção particular dos quatro países pertencentes à sigla, e que, a partir daí, foi necessário apenas um pequeno passo para que Brasil, Rússia, Índia e China procurassem se reunir e melhor explorar o que terceiros reconheciam como um conjunto. Adicionalmente, Adicionalmente, Amorim lembra que a intenção do BRIC não é formar uma aristocracia dos emergentes, nem se tornar um grupo de oposição a uma ideia, a um país ou a um grupo de países, mas sim dar voz e poder aos países mais pobres, de modo a refletir a nova realidade do cenário internacional e o anacronismo de algumas estruturas do sistema multilateral. Entretanto, uma outra corrente de análises aponta que a diversidade políticoeconômica dos BRICs (e mesmo cultural c ultural e social) poderia atuar a tuar em seu prejuízo. Tais avaliações subestimam o potencial do grupo, como comprovado pela dinamização de suas cúpulas desde 2009, e, adicionalmente, a agenda pró-multipolaridade e de reforma das estruturas de governança multilaterais.
As Cúpulas do BRIC(S) e a incorporação da África do Sul O diálogo político do BRIC como um grupo começou quando, durante a 61ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2006, os ministros de Relações Exteriores de Brasil, Rússia, Índia e China se reuniram para discutir temas comuns à agenda de todos. Depois desse primeiro encontro ad hoc houve outros, incluindo uma nova reunião, fora do âmbito da ONU, entre os Ministros de Relações Exteriores do BRIC, realizada na cidade de Ekaterimbur Ekaterimburgo, go, na Rússia, em maio de 2008. Essa reunião resultou em um comunicado conjunto, em que os países ressaltaram re ssaltaram a defesa do multilateralismo, a predominância do Direito Internacional como base de promoção da paz e a reforma do Conselho de Segurança da ONU, incluindo sua ampliação com a incorporação do Brasil e da Índia. Nesse encontro também foi acertado que Brasil, Rússia, Índia e China se reuniriam novamente em Ekaterimburgo, dessa vez incluindo os Chefes de Estado das quatro nações. naçõ es. Em junho de 2009, foi celebrada a Primeira Cúpula dos BRICs. Durante a Cúpula, foi discutido que os países emergentes, dada sua importância, deveriam ter um papel maior em instituições financeiras internacionais, e também a necessidade de se instaurar um sistema financeiro internacional que fosse mais estável, previsível e diversificado. O pano de fundo era a eclosão da crise financeira internacional, desencadeada em 2008. Nesse âmbito, o anfitrião do encontro, o Presidente russo Dimitri Medvedev, foi enfático ao afirmar que os instrumentos utilizados pelo sistema monetário internacional eram ineficientes, em uma referência à utilização do dólar como moeda de transação universal. Como sugestão, Medvedev propôs aos países do BRIC, na qualidade de detentores de tentores de grande parte par te das reservas financeiras mundiais, que diversifiquem as moedas utilizadas em tais reservas. Já seu assessor, Arkady Dvorkovich, foi mais enfático, recomendando ao Fundo Monetário Internacional que incluísse na cesta de moedas utilizadas para pa ra definir o valor do ativo do Fundo, o Direito Especial de Saque, o Rublo Russo e o Yuan Chinês.
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Além disso, os quatro países ratificaram a necessidade de reformas na Organização das Nações Unidas, novamente defendendo a participação de Brasil e Índia em seu Conselho de Segurança, e abordaram temas como o desenvolvimento desenvolvimento sustentável, os recursos energéticos, a segurança alimentar e o terrorismo. Ao final do encontro, Brasil, Rússia, Índia e China emitiram comunicado conjunto no qual6 declararam que as cúpulas do G20 eram importantes para o gerenciamento da crise financeira internacional e se comprometiam com o avanço das reformas das instituições financeiras internacionais, de modo que estas passassem a refletir as mudanças da economia mundial e a dar mais voz e representação para os países emergentes e em desenvolvimento. desenvolvimento. Na mesma linha, defendiam a manutenção do sistema de comércio multilateral estável, a diminuição do protecionismo comercial e demandavam resultados justos para a Rodada Doha da OMC, dada a importância do comércio internacional e dos investimentos inv estimentos estrangeiros diretos na recuperação da economia mundial. Solicitaram, ainda, a implementação do conceito de desenvolvimento sustentável em escala global. Segundo eles, a Declaração do Rio, a Agenda para o Século XXI, e outros acordos multilaterais para meio ambiente deveriam ser o vetor principal na mudança do paradigma de desenvolvimento desenvolvimento econômico. Da mesma forma, demandavam que os Objetiv Objetivos os de Desenvolvimento Desenv olvimento do Milênio fossem alcançados. De modo geral, pode-se dizer que a Primeira Cúpula dos BRICs teve seu foco em assuntos econômicos. Todavia, Todavia, além de aprofundar o processo de institucionalização do grupo, deu início a novas e diferentes discussões sobre uma ordem mundial menos dependente dos Estados Unidos e com uma distribuição de poder que inclua os países em desenvolvimento. Em abril de 2010 foi celebrada a Segunda Cúpula dos BRICs em Brasília. Nessa cúpula, as discussões em torno de temas como a recuperação da economia mundial, a cooperação econômica, a maior participação do grupo nas decisões globais e a reforma das estruturas vigentes foram aprofundadas, inclusive, com a sugestão de se criarem instituições próprias do grupo. Também Também continuaram na pauta de debates assuntos como a reforma do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial – e a redistribuição dos direitos de voto dessas instituições – e a proposta de uma moeda de reserva alternativa ao dólar. Somando-se aos temas discutidos em Ekaterimbur Ekaterimburgo, go, foram adicionadas à agenda da reunião questões como o programa nuclear iraniano, a segurança nuclear, o acordo de paz no Oriente Médio, a situação do Haiti, o terrorismo e assuntos relacionados às mudanças climáticas. Entretanto, um dos destaques da Segunda Cúpula dos BRICs foi a assinatura de um memorando de cooperação entre os bancos de desenvolvimento de Brasil, Rússia, Índia e China, que estabelece diretrizes para a cooperação técnica nas respectivas áreas de atuação das instituições envolvidas, que são o BNDES, do Foreign Economic Affairs Affairs (Vnesheconombank ), Brasil, o Bank for Development and Foreign ), da Rússia, o China Development Bank (CDB) (CDB) e o India Eximbank . Os objetivos do memorando estão expressos no Artigo 1° do documento, os quais podem ser resumidos em desenvolver uma cooperação de longo prazo entre os envolvidos, de modo a dar suporte a transações e projetos de interesse comum e fortalecer 6. O comunicado na íntegra está disponível em: http://www2.mre.gov.br/dibas/comunicado_I_Cupula_ BRIC.pdf
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e melhorar as relações econômicas e de comércio entre os países do BRIC e suas empresas. Na mesma linha, prover financiamento e serviços bancários bancá rios para projetos de investimento de benefício mútuo, assim como fomentar o desenvolvimento econômico dos países do BRIC. Por fim, estudar a possibilidade de criação de uma entidade bancária entre os envolvidos. envolvidos. O Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ressaltou que a assinatura do memorando resultou do esforço realizado pelo BNDES e o Vnesheconombank , em consonância com o movimento para estreitar as relações entre os governos dos quatro países, ao passo que o então Presidente brasileiro, Luiz Inácio Iná cio Lula da Silva, destacou a importância do acordo que, segundo ele, iria iri a permitir ampliar as atividades de fomento a projetos de infraestrutura (BNDES, 2010). Fora do âmbito especificamente econômico, instaram a comunidade internacional a fazer todos os esforços necessários para combater a pobreza, a exclusão social e a desigualdade. Também Também se comprometeram a buscar desenvolver desenvolver sistemas energéticos e nergéticos mais limpos, mais acessíveis e sustentáveis e a promover a 16ª Conferência das Partes para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a 6ª Conferência das Partes. Afirmaram a importância de incentivar o diálogo entre civilizações, c ivilizações, culturas, religiões e povos. A terceira cúpula do BRICS (que ganhou o “S” com a adesão da África do Sul em dezembro de 2010), também chamada de Reunião dos Líderes do BRICS, foi realizada em abril de 2011 em Sanya, na China. A reunião ocorreu no momento em que os efeitos da crise econômica mundial ainda eram presentes nos países desenvolvidos, especialmente, os europeus. Assim como nas cúpulas anteriores, a pauta de discussões abrangeu, em maior parte, temas econômicos, porém, não deixando de lado questões como segurança, saúde, meio ambiente e cooperação científica e tecnológica. A declaração publicada ao final da reunião, chamada de Declaração de Sanya, identificavaa as principais metas do fórum, que são a reforma do Fundo Monetário Inidentificav ternacional e do sistema monetário internacional, além da reforma das Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, a expansão da cooperação econômico-comercial entre os membros, o aumento da cooperação nas esferas da ciência, tecnologia e inovação, entre outras. Contudo, o destaque da reunião foi a participação, a convite da China, do Presidente sul-africano Jacob Zuma, que oficializou o ingresso da África do Sul ao BRIC, tornando-o BRICS. Segundo o Itamaraty, a incorporação do país ao grupo aumentará sua representatividade represe ntatividade geográfica, justamente no momento em que se busca a crescente democratização da governança global. De fato, a entrada da África do Sul no BRICS denota a intenção do grupo de se tornar um fórum de cooperação e diálogo transcontinental Sul–Sul, uma vez que conta com os principais países emergentes do “sul político”. A inclusão do país africano ao BRICS foi questionada por analistas internacionais, inclusivee por Jim O’Neill. No entanto, de acordo com inclusiv c om o discurso do Presidente Jacob Zuma no encerramento da Terceira Cúpula do BRICS, para a África do Sul passar a fazer parte do grupo significa o reconhecimento re conhecimento do país como uma potência econômica dentro do continente africano, já que é maior exportador de minérios e de produtos manufaturados, além de possuir sofisticados mercados financeiros e uma crescente
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indústria de serviços. Ademais, Zuma entende como natural o fato de os parceiros do BRICS verem seu país como uma porta de entrada para a África. A quarta reunião dos BRICS, ocorrida em 29 de março de 2012, teve nas questões econômicas o seu foco principal. O carro-chefe da reunião foi, dessa forma, a discussão da possibilidade de criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICS, nos moldes do Banco Mundial, como forma de complementar a atuação das instituições financeiras internacionais já existentes. Nesse sentido, ficou decidido que os Ministros das Finanças dos países-membros formarão um grupo para estudar a viabilidade dessa proposta. A sua implementação será discutida na próxima reunião dos BRICS, que ocorrerá em 2013. Além Além disso, foram assinados dois outros acordos entre os bancos oficiais dos países-membros, ambos com validade de cinco anos, e foi lançado o “ BRICS Report ”. ”. Agreementt on Exten Extending ding Credit Facilit acilityy in in O primeiro dos acordos, o “ Master Agreemen Local Curr Currencies encies”, estabelece mecanismos para que os cinco bancos negociem empréstimos em moeda local, como forma de aumentar a cooperação financeira e expandir o intercâmbio comercial e os investimentos entre os países, diminuindo a importância BRICSS Multi M ultilate lateral ral Let Letter ter of do dólar em suas transações. O segundo acordo, o “ BRIC Credit Confirmation Facility Agreement ” estabelece mecanismos que viabilizem a BRICS confirmação de cartas de crédito nas exportações entre os países-membros. O “ BRICS Report Repo rt ”, ”, por sua vez, é um relatório, dividido dividido em cinco capítulos, que tem como objetivoo ressaltar as complementaridades e capacidades dos BRICS, reforçando a sua objetiv posição como geradores de crescimento da economia global. Os líderes dos países-membros fizeram críticas às nações desenvolvidas, exigindo maior responsabilidade na formulação de suas políticas econômicas, e reclamaram reclama ram maior representatividade dos países em desenvolvimento e das economias emergentes no FMI, além de defenderem critérios de meritocracia na escolha dos líderes deste e do Banco Mundial. Além disso, os líderes dos BRICS reafirmaram o reconhecimento do direito iraniano de desenvolvimento pacífico pacífico de tecnologia nuclear e reforçaram reforç aram a necessidade de resolução de qualquer discordância nesse assunto através do diálogo e de ações diplomáticas. Em relação ao Afeganistão, os líderes declararam seu apoio à manutenção do projeto de reestruturação do país para o período compreendido entre 2014 e 2025 e, em relação à Síria, defenderam que haja um processo de redemocratização liderado internamente, sem a intervenção de outros países, mas com o apoio da ONU e da Liga Árabe. O IBAS, assim como o BRICS, são, portanto, representativos de um processo de adensamento real da Cooperação Sul–Sul e que tem permitido a consolidação de novos mecanismos de projeção internacional para o Brasil.
Conclusão e perspectivas
Até a segunda metade do século XX, o Brasil era um gigante agroexportador localizado longe dos grandes fluxos da economia e dos grandes pólos de conflitos da política mundial. A industrialização (por substituição de importações), iniciada de forma sistemática na Era Vargas, durante a Grande Depressão, alterou a agenda da política externa do país. Nos anos 1950, se fazia cada vez mais necessário projetar a presença econômica do Brasil para fora das Américas, mas isso só era possível paralelamente ao incremento da inserção política no sistema mundial. Em 1961, a Política Externa Independente fez a primeira tentativa, tentativa, frustrada pela implantação do Regime Militar em 1964. Todavia, os próprios militares, associados aos empresários e orientados pelo Itamaraty, contrariando pressupostos ideológicos, retomaram o caminho nos anos 1970-1980. O Brasil se fez presente em todos os continentes, embora e mbora a América Latina só tenha aparecido no final do período. A crise da dívida e a primeira onda da globalização levaram a novo refluxo, sem contudo anular a maior parte par te dos avanços logrados. Outro problema foi que o modelo de desenvolvimento industrial por substituição de exportações se completou e atingiu seu ponto de esgotamento, ao confrontar-se com o advento da globalização em sua forma neoliberal. Os anos 1990 foram de experimentos, vacilações e recuos, em busca de um novo projeto. Todavia, no início do século XXI o mundo começou a passar por grandes mudanças, e o Brasil ousou romper com determinadas limitações. Alcançando forte grau de crescimento econômico, incremento ampliado do nível de consumo da população, melhoria na distribuição de renda e a articulação de uma política externa ousada, mas segura e bem planejada, projetou sua presença em escala realmente global. Em um mundo em crise, essa posição lograda ainda tem fragilidades, mas é reconhecida mesmo pelas grandes potências tradicionais, que veem o Brasil como membro do grupo dos emergentes. A participação no IBAS e BRICS coloca o Brasil em um patamar de membro de um grupo articulador da transformação do sistema mundial em um sistema multipolar, gerido por uma governança multilateral através de uma ONU reformulada e renovada. Há setores da sociedade brasileira que consideram esse caminho uma utopia ideológica. São os descendentes daqueles que no século XIX diziam que o Brasil era uma Europa nos trópicos, branca e cristã, com um regime europeu, a monarquia, regida por uma dinastia europeia, os Bragança. A escravidão era oculta pelo discurso liberal. Depois, com a república, nos tornamos os “Estados Unidos do Brasil”, com a elite focada nos Estados Unidos da América. Com os avanços recentes, a partir da gestão do presidente monoglota mono glota e oriundo das classes populares (que procurou se apresentar aprese ntar como brasileiro, e não como alguém que conseguiu ultrapassar suas limitações nacionais), as elites criticam a política externa, 147
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Conclusão e perspectivas
especialmente nos períodos eleitorais. As debilidades internas e limitações externas são apontadas como indicadores de que q ue o Brasil assim como seus parceiros do BRICS, Rússia, Índia, China e África do Sul, não reúnem as credenciais necessárias para aspirar à condição de integrantes do grupo de países líderes da ordem mundial. Esse é nosso maior problema para manter e aprofundar os avanços logrados: logrados: a falta de uma coesão interna e de um projeto de longo prazo. Por que essa elite não deseja ver o Brasil em uma posição de destaque? Porque isso implicaria eliminar as profundas desigualdades sociais que ainda existem em nosso país. Aqui cabe ressaltar alguns aspectos históricos relevant r elevantes. es. O primeiro deles demonstra que quando a Inglaterra e, mais de um século depois, os Estados Unidos se tornaram lideranças mundiais, viviam situações internas caracterizadas caracterizada s por grandes dificuldades sociais e desequilíbrios. Quem não conhece história, pode ler os romances de Charles Dickens para ter uma ideia do que era a Inglaterra durante sua revolução industrial. E o cinema, por sua vez, nos mostra uma América, cujas cidades eram dominadas por gangsters, quando os Estados Unidos se convertiam em primeira potência mundial. Portanto, há que refletir melhor quando se apontam as incapacidades das nações integrantes do BRICS. Na Inglaterra e nos Estados Unidos havia, por outro lado, um processo dinâmico de desenvolvimento, o que era fundamental. E, mais ainda, as antigas lideranças, demonstravam demonstrav am estar voltadas para o passado. Todavia, Todavia, há outro aspecto decisivo: são precisamente certos elementos conflitivos ou desequilíbrios internos que obrigam as nações a buscar buscar,, no meio internacional, um melhor posicionamento posicionamento.. Os problemas gerados pelo desenvolvimento desenvolvimento produzem necessidades de maior inserção internacional. Não é necessário se tornar uma Suíça para aspirar um lugar ao sol; é a luta por um lugar ao sol que permite a uma nação se tornar uma Suíça. São as contradições e os desafios que movem a realidade.
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Material Complementar
A pro projeç jeção ão int intern ernaci aciona onall do do Bras Brasil: il: 1930-2012— diplomacia, segurança e inserção na economia mundial Paulo Fagundes Visentini
O objetivo deste material complementar é apresentar um conjunto de questões que possam auxiliar o professor na organização de debates em sala de aula ou para a elaboração de provas. Além disso, cada questão pode ser desmembrada ao longo da discussão, cabendo ao professor definir a melhor forma de encaminhar a discussão em sala ou a utilização das mesmas para orientação de trabalhos escritos. As perguntas visam o desenvolvimento da capacidade crítico-analítica do aluno, inserindo igualmente dimensões propositivas e de projeção de cenários nos temas contemporâneos. Para isto, são apresentados dois módulos: um referente a questões específicas de reflexão, relacionadas diretamente a cada capítulo, e um segundo módulo que traz indagações de teor mais abrangente sobre o conteúdo do livro.
MÓDULO 1 Questões de Prova e/ou Debate (Capítulos) 1 A Era Vargas: o nascimento nascimento de um projeto projeto nacional a) Contextualize, em termos internos e externos, o período que antecede a Revolução de 1930 no Brasil. Esta contextualização deve conter, no máximo, quatro componentes econômicos, sociais, políticos ou estratégicos. Com base nesta avaliação, identifique se estes componentes sofreram quebra ou apresentaram continuidade no imediato pós-Revolução (até 1933). b) Avaliando a evolução da política externa do governo de Getúlio Vargas no período de 1930 a 1945, é possível perceber, a partir da leitura do texto, quantas fases diferentes? Identifique e explique cada uma destas fases a partir de seu contexto interno e externo. explique os seguintes conceitos apresentados pelo texto, indicando seus c) Relacione e explique elementos de convergência e divergência: equidistância pragmática e alinhamento negociado com os Estados Unidos. 153
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d) É correto afirmar que a eclosão da Segunda Guerra Mundial permitiu a emergência de um cenário internacional mais propício ao projeto interno e externo da presidência Vargas? e) Avalie a seguinte seguinte afirmação do texto do Capítulo Capítulo 1: “Embora, sob muitos prismas, prismas, as diretrizes governamentais e a evolução política do período 1930-1945 aparentem uma falta de rumo definido por parte pa rte de Vargas, Vargas, na verdade o conjunto conjunt o do processo histórico dessa fase aponta a ponta para certas tendências dominantes.” dominantes.” Quais são estas tendências dominantes? Pode-se dizer que elas compõem o projeto nacional de Getúlio Vargas Vargas neste período? Por quê? Justifique. 2 O nacional-desenvolvimentismo: mercado interno ou externo? externo? opção do Governo Governo Dutra (1946/1951) pelo conservadorismo conservadorismo em a) Contextualize a opção política interna e externa, interrelacionando os seguintes fatores: Guerra Fria, Estados Unidos, desenv desenvolvimento olvimento interno. Vargas (1930/1945) com a segunda gestão do b) Compare o primeiro Governo Vargas presidente (1951/1954) no que se refere à barganha com os Estados Unidos. A comparação deve levar em conta os seguintes fatores: contexto histórico interno e externo, perfil tático da barganha e resultados. c) A década de 1950 dá início ao processo de multilateralização das relações exteriores do Brasil, que se consolida com a Política Externa Independente (1961/1964). – O que é e como se define este processo de multilatera multilateralização lização das relações exteriores? – Este processo ocorre de forma uniforme uniforme na década de 1950? Sim Sim ou não? Por Por quê? – Qual a importância deste processo para a consolidação da Política Externa Independente? d) Explique e contextualize o debate “nacionalismo X entreguismo” no governo de Getúlio Vargas Vargas (1951/1954). Qual foi a via escolhida pelo Presidente Vargas? Vargas? Exemplifique com pelo menos três fatos concretos, sendo que um deles, no mínimo, deve corresponder às relações internacionais. e) Identifique e compare as duas fases da política externa externa do governo de Juscelino Kubitschek (1956/1961) (1956/1961) em termos de atuação e prioridades estratégicas, relacionando-as relacionan do-as ao projeto de desenvolvimento econômico-social do país e o contexto internacional. inter nacional. Neste Ne ste marco, qual a relevância re levância da OPA? OPA? E do ISEB? livro sobre a Política Externa Inf) Comente e explique a seguinte afirmação do livro dependente, contextualizando o cenário interno e externo desta política, assim como seus princípios táticos. Você Você concorda com esta afirmação? Por quê? “Mas talvez seja necessário acrescentar que ela marcou o ponto de inflexão em nossa história diplomática, com o início de uma nova fase da política externa brasileira, a mundial e multilateral.” g) O Balanço da PEI realizado no final do capítulo indica a existência de um elemento dinâmico como base de elaboração e consolidação desta visão sobre as relações
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internacionais do Brasil. Qual é este elemento dinâmico segundo a avaliação do texto e que representa a confluência das diversas interpretações sobre o tema? Por quê? Justifique. 3 O Regime Regime Militar, Militar, o “Brasil Potência” Potência” e a transição democrática política externa externa (inter)dependente? Classifique Classifique e explique. explique. a) A que se refere o termo política desenvolvimento na política interna e b) Explique a correlação entre segurança e desenvolvimento externa do período do regime militar (1964/1985). Diplomacia da Prosperidade Prosperidade (1967/1969) e a Diplomacia do Interesse c) Compare a Diplomacia Nacional (1969/1974), avaliando seus princípios e orientações básicas, assim como a percepção das relações bilaterais com os Estados Unidos. d) Caracterize o Pragmatismo Pragmatismo Responsável Responsável e Ecumênico, identificando identificando seus principais principais vetores de continuidade e quebra com o conjunto da política externa do regime militar. – Qual a relevância do Pragmatismo Responsável Responsável e Ecumênico para a política externa do país? Por quê? Justifique. – De que forma o Pragmatismo Pragmatismo Responsável e Ecumênico Ecumênico impactou impactou as relações Brasil-Estados Unidos? Explique e contextualize. e) De que forma o cenário internacional afetou as relações internacionais do Brasil e a agenda do Universalismo do Governo João Figueiredo (1979/1985)? Contextualize este cenário e o relacione a esta agenda de política externa. “A política externa da Nova República f) Comente e explique esta avaliação do texto: “A apresentou uma evolução singular.” A que se refere esta evolução singular em termos internos e externos? Apresente Apresente ao menos três exemplos, sendo no mínimo um deles no campo das relações internacionais, para sustentar sua resposta. 4 O Brasil e os desafios da globalização e da regionalização a) De que forma o governo de Fernando Collor (1990/1992) representou o “novo” “novo” no que se refere à agenda internacional e de pauta política econômico-social interna? Explique e contextualize os cenários interno e externo associados a este governo. Governo Fernando Collor (1990/1992) e o de Itamar b) Avalie e compare a atuação do Governo Franco (1992/1994) no que se refere ao Mercosul, identificando, do ponto de vista estratégico, suas semelhanças e diferenças. seguinte avaliação avaliação do texto: “O caráter da política política externa c) Comente e analise a seguinte desenvolvida desenv olvida no governo de FHC sinaliza para a instauração de novos projetos e parcerias para o Brasil, sem definir claramente o paradigma estratégico pelo qual está se orientando.” d) Compare, em termos da agenda regional brasileira, a atuação do Governo Fernando Henrique Cardoso, na América do Sul, em seus dois mandatos. – A atuação foi similar ou diferente? Explique e justifique. – De que forma, ao longo dos anos 1990, as políticas dos Estados Unidos para o hemisfério americano, impactaram a agenda da política externa brasileira? Quais as principais iniciativ iniciativas as associadas a estes impactos?
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e) Qual o papel desempenhado desempenhado pelos regimes regimes internacionais na política externa brasileira dos anos 1990? Qual a sua relevância re levância para as relações internacionais do Brasil? A percepção brasileira dos regimes nos anos 1990 representa uma quebra com o modelo do regime militar? 5 O reconhecimento do Brasil como potência emergente a) Identifique qual o sentido tático-estratégico das relações internacionais da presidência Luiz Inácio Lula da Silva tendo como base os conceitos apontados pelo texto de “inserção global afirmativa” e o das “três dimensões”. democratizaçãoo das relações inb) Relacione os conceitos de multipolarização e democratizaçã ternacionais à agenda de política externa da administração de Luiz Inácio Lula da Silva. c) Avalie a integração sul-americana a partir do Mercosul, da IIRSA e da Unasul, somente no contexto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. d) Avaliando as relações Sul-Sul, o texto apresenta um questionamento: ideologia ou pragmatismo? Responda à pergunta, indicando qual sua opção, ideologia, pragmatismo ou ambos? – Relacione a agenda Sul-Sul Sul-Sul às relações do Brasil no continente africano e na Ásia identificando as linhas gerais de atuação do governo no período 2003/2010. – De que forma as relações Sul-Sul Sul-Sul afetaram as relações Norte-Sul no período 2003/2010? mundial iniciada em 2008 representa desafio de grande porte e) A crise econômica mundial ao Brasil. Avalie Avalie de que forma esta crise tem tido impactos na agenda da política externa brasileira, considerando a administração de Luiz Inácio Lula da Silva em seus últimos dois anos (2009/2010) e o início do governo da Presidente Dilma Rousseff (2011/2012). i. Identifique os traços de continuidade continuidade e ruptura entre os dois governos governos com relação a este tema e à agenda mais geral de política externa em termos de princípios avaliação do item anterior, anterior, escolha uma arena de atuação interii. A partir da avaliação nacional do Brasil dentre as seguintes: integração integração sul-americana, relações bilaterais com os Estados Unidos, Ásia e Oriente Médio, África, IBAS ou BRICS. Compare, a partir da área específica escolhida, a atuação do Governo Lula e do Governo Dilma, indicando diferenças e semelhanças. 6 Novos mecanismos de projeção do Brasil: o IBAS e o BRICS a) Qual a relevância estratégica dos BRICS para a política externa brasileira do século XXI? Aponte ao menos três elementos que sustentem sua resposta. emergentes representam uma real b) Seria correto afirmar que as coalizões de nações emergentes transformação do quadro geopolítico global vis à vis a hegemonia tradicional dos Estados Unidos e a construção de um sistema internacional multipolar? Por quê? Justifique sua resposta. c) Por que o autor define o IBAS como uma nova forma de Cooperação Sul-Sul? Você concorda com esta posição? Explique e desenvolva seus argumentos, indicando ao menos três fatores que sustentem sua posição.
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d) Do ponto de vista estratégico, estratégico, qual destes mecanismos mecanismos de projeção, IBAS IBAS ou BRICS, você considera o mais relevante para a política externa do Brasil? Ou eles são complementares? Por quê? Explique e justifique sua posição.
MÓDULO 2 Questões de Prova e/ou Debate (Gerais) a) Associe e relacione os conceitos de “gigante adormecido”, “Brasil potência” e
b)
c)
d)
e)
f)
g) h) i)
“emergentes” apontados pelo texto ao se referir às atribuições recebidas pelo Brasil ao longo de sua história. Qual deles você considera que mais se aproxima da realidade interna e externa do país na segunda década do século XXI? Ambos? Nenhum dos dois? Um deles? Por quê? Justifique e explique sua opção. Um dos traços mais relevantes relevantes da política política externa do Brasil a partir da década de 1980 é a sua relação com o espaço geopolítico da América do Sul. A partir desta constatação indique quais os principais componentes da política sul-americana do Brasil nas décadas de 1980, 1990 e 2000. Destas décadas, déca das, qual você considera a mais relevante em termos estratégicos? Por quê? Explique e justifique sua posição. Explique a relevância relevância do conceito “política externa para o desenvolvimento” na conformação das relações internacionais brasileiras do século XX. De que forma este conceito se expressa na presente conjuntura da atuação externa do país, tendo como marco de referência a primeira década do século XXI? Tendo como base sua leitura do texto, qual qual período (ou governo específico) específico) você considera que aplicou de forma mais eficaz e com maiores resultados a “política externa para o desenvolvimento”? A partir de sua escolha, explique o porquê de sua opção, contextualizando interna e externamente a maneira como esta política foi aplicada e os resultados obtidos. A energia nuclear é um tema bastante bastante presente na agenda internacional brasileira desde a década de 1950. Tendo como base este tema, compare a atuação tática brasileira no setor e o peso da temática na agenda interna e externa do país nos anos 1970 e 1990, indicando suas principais carcaterísticas. É possível possível identificar no século XXI elementos que indiquem a continuidade da validade da tese do congelamento de poder mundial de Araújo Castro na análise do contexto internacional e das ações dos Estados Unidos? Por quê? Justifique sua resposta com exemplos concretos. Compare o lugar do do Terceiro Terceiro Mundo e do conceito conceito de “Sul” para a política política externa brasileira na década de 1970 e de 2000. Existe continuidade ou ruptura nas percepções? Por quê? Justifique de forma concreta, exemplificando sua resposta. Compare e discuta o exercício da diplomacia diplomacia presidencial nas presidências de Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010). Desde os anos 1990, o pleito por um assento permanente no Conselho Conselho de Segurança das Nações Unidas é uma das prioridades da agenda externa do Brasil. Você considera este um tema relevante para o país? Sim? Não? Explique sua posição.