FILHO, FILH O, Do Domí míci cio o Pr Proe oenç nça. a. A Linguagem Literária. Sã São o Pa Paul ulo: o: Ática, 1986. Srie Princí!io". #!. $%1& e '6%(() * LI+-*/ LI0ÁI* #!. $%1&) 1. Intro2ução 0e3to liter4rio, te3to não%liter4rio Imaginemos que, na comunicação cotidiana, alguém nos diga a seguinte frase: - Uma flor nasceu no chão da minha rua! Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de acordo com a entend ndem emos os que que se refe refere re a algo algo que que real realme ment nte e situa situação ção de fala fala, ente ocorreu, corresponde a um fato anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação. Mesmo diante de sua transcrição escrita, o que nela se comunica asicamente permanece. !um !um ou nout noutro ro ca caso so,, para para tra" tra"er er es essa sa info inform rmaç ação ão,, o noss nosso o inte interl rloc ocut utor or se sele leci cion onou ou uma uma sé séri rie e de pala palavr vras as do idio idioma ma que que nos nos é comum e, de acordo com as regras que presidem o seu funcionamento e que todos con#ecemos, as disp$s numa seq%&ncia. ' seleção feita e a sucessão estaelecida conferem ( frase uma significação que pode ser sumetida ( prova da verdade em relação ( realidade imediata. Como é fácil concluir, é isso que acontece ao nos comunicarmos no dia-a-dia do nosso conv)vio social. *etomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente modificada e cominada com outros elementos: +ma flor nasceu na rua assem de longe, ondes, $nius, rios de aço do tráfego. +ma flor ainda desotada ilude a pol)cia, rompe o asfalto. açam completo sil&ncio, paralisem os neg/cios, 0aranto que uma flor nasceu. 1ua cor não se percee. 1uas pétalas não se arem. 1eu nome não está nos livros. 2 feia. Mas é realmente uma flor.
erceemos, desde logo, que estamos diante de uma utili"ação especial da l)ngua que falamos. 3 ritmo que caracteri"a o te4to, a natu nature re"a "a do que que se co comu muni nica ca e, ao c#eg c#egar ar até até n/s n/s por por es escr crit ito, o, a distriuição das palavras no espaço do papel, 5ustificam essa conclusão.
' nossa frase-e4emplo depende tamém, como ato ling%)stico que é, da gesticulação e da entoação que a acompan#arem ao ser enunciada6 por força, entretanto, de sua situação nesse con5unto e da associação com as demais afirmaç7es que a ela se vinculam, are-se para um sentido m8ltiplo, gan#a marcas de amig%idade: no conte4to do fragmento transcrito e da totalidade do poema de que fa" parte 9 ' flor e a náusea;, de Carlos uincas =ora;. ') está um conte8do inteiramente distinto do que se configura no poema drummondiano e que s/ pode ser perceido plenamente, na força de sua causticante ironia, quando a frase é considerada na totalidade do romance de que fa" parte. 2 poss)vel perceer a estreita relação entre a dimensão ling%)stica e a dimensão literária que envolve a significação das palavras quando estas integram o sistema semi/tico que é o te4to literário. 3s tr&s e4emplos que acaamos de e4aminar permitem algumas conclus7es: ' fala ou discurso é, no uso cotidiano, um instrumento da informação e da ação e não e4ige, no mais das ve"es, atitude interpretativa. ' significação das palavras, nesse caso, tem por ase o 5ogo de relaç7es configuradoras do idioma que falamos. ' fala comum se caracteri"a pela transpar&ncia. 3 mesmo não acontece com o discurso literário. ?ste se encontra a serviço da criação art)stica. 3 te4to da literatura é um o5eto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades f)sicas, sociais e emocionais mediati"adas pelas palavras da l)ngua na configuração de um o5eto estético. 3 te4to repercute em n/s na medida em que revele emoções profundas, coincidentes com as que em n/s se ariguem como seres sociais. 3 artista da palavra, copart)cipe da nossa #umanidade,
incorpora elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. !osso entendimento do que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso repert/rio cultural, enquanto receptores e usuários de um saer comum. 3 discurso literário tra", em certa medida, a marca da opacidade: are-se a um tipo espec)fico de descodificação ligado ( capacidade e ao universo cultural do receptor. @á se percee o alto )ndice de multissignificação dessa modalidade de linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contato, saemos ser especial e distinta da modalidade pr/pria do uso cotidiano. >uem se apro4ima do te4to literário sae a priori que está diante de manifestação da literatura.
Literatura: conceito" ' literatura é, tradicionalmente, uma arte veral. ' persença do advério se 5ustifica diante das in8meras propostas de vanguarda que, soretudo a partir dos anos AB, uscaram espaços e4traverais para concreti"á-la. !o =rasil, o Movimento da poesia concreta e o Movimento do poema-processo são dois e4emplos fortes dessas atitudes. or outro lado, tomo o termo, em sentido restrito, a partir de uma perspectiva estética, isto é, como o equivalente ( criação estética, sem entrar no mérito da controvérsia que ainda #o5e o acompan#a. ale recordar que o conceito de literatura não é matéria pac)fica entre os estudiosos que a ela se dedicam. Mesmo neste 8ltimo sentido, tem vivido variaç7es significativas ao longo da #ist/ria. oge ao prop/sito deste volume restrear tais perspectivas6 indicam-se, entretanto, na iliografia do final do volume, algumas oras que podem ser esclarecedoras a prop/sito do assunto. ?ssa posição não impede, porém, que se5am assinaladas duas concepç7es que a t&m identificado com maior relevo no âmito da cultura ocidental: Dá os que entendem que a ora literária envolve uma representação e uma visão do mundo, além de uma tomada de posição diante dele. Eal posicionamento centrali"a, assim, suas atenç7es no criador de literatura e na imitação da nature"a, compreendida como cópia ou reprodução . ' linguagem é vista como mero ve)culo dessa comunicação, e, como assinala Marucie-@ean Fefeve, a ele"a da ora resulta, então, de um lado, da originalidade da visão, e, de outro, da adequação de sua linguagem (s coisas e4pressas;. 2 a c#amada concepção clássica da literatura. !o século GIG, os românticos acrescentam algo a esse conceito: ( lu" da ideologia que os norteia, entendem que ao artista cae a visão
das coisas como ainda não foram vistas e como são profunda e autenticamente em si mesmas. ' segunda metade da mesma cent8ria assiste a uma mudança significativa: o n8cleo da conceituação se desloca para o como a literatura se reali"a. 1ua especificidade, segundo essa nova visão, nasce do uso da linguagem que nela se configura. 2 consenso, na atualidade, que os aspectos estéticos da ora literária podem ser alcançados através do te4to e que todos eles t&m uma ase ling%)stica Hsintática, semântica ou estrutural. ' questão fundamental, e que continua desafiando os especialistas, é a caracteri"ação da nature"a das propriedades estéticas do te4to literário e quais as ligaç7es entre amos. ?ste livro não tem a menor pretensão nem a veleidade de responder a essa indagação. 'credito, porém, que, se não podemos, até o momento, caracteri"ar plenamente a especificidade da literatura, temos possiilidade, graças ao desenvolvimento dos estudos e das pesquisas na área, de indicar traços peculiares e identificadores do discurso literário enquanto tal.
#!. '6%(() $. 5aracterí"tica" 2o 2i"cur"o liter4rio Literatura e e"!eciici2a2e 1e a literatura é uma arte, nessa condição ela é um meio de comunicação de tipo especial e envolve uma linguagem tamém especial. ?sta 8ltima, como 5á foi visto, ap/ia-se numa l)ngua e se configura em te4tos em que se caracteri"a uma determinada modalidade de discurso. 3 c/digo em que se pauta o discurso literário guarda )ntima relação com o c/digo do discurso comum, mas apresenta, em relação a este, diferenças singulari"adoras.
?ssa relatividade e essas limitaç7es não impedem que assinalemos uma série de caracteres distintivos do discurso literário em relação ao discurso comum. amos a eles.
5om!le3i2a2e 3 discurso da literatura se caracteri"a por sua comple4idade. !o discurso não-literário, #á um relacionamento imediato com o referente6 caracteri"a-se, na maioria dos casos, a significação singular dos signos, marcados pela transpar&ncia, como vimos na frase-e4emplo +ma flor nasceu no c#ão da min#a rua;. @á o que depreendemos do te4to literário ultrapassa, como 5á foi assinalado, os limites da simples reprodução. ' nature"a das informaç7es que, por seu intermédio, são transmitidas, vai além do n)vel meramente semântico para se converter em algo tal, que sua comunicação se torna imposs)vel através das estruturas elementares do discurso cotidiano. !o dispositivo veral configurador da ora de arte literária, revelam-se realidades que, mesmo vinculadas a elementos de nature"a individual ou de época, atingem espaços de universalidade. or seu intermédio se usca aceder ( plenitude do real. ?m certo sentido, a linguagem literária produ"6 a não-literária reprodu". 3 te4to literário é, ao mesmo tempo, um objeto lingstico e um objeto estético. !essa situação, configura-se um sistema de signos secundário em relação ( l)ngua de que se vale, esta funcionando, no caso, como o sistema J. ?ntenda-se o ad5etivo secundário vinculado soretudo ( nature"a comple4a que está sendo assinalada e não somente ao fato de que o sistema J é uma l)ngua natural. ' ora de arte literária, val#o-me ainda uma ve" de Fefeve, é sempre a intersecção de dois movimentos de sentidos opostos que se envolvem, por um lado, um dorar-se da literatura sore si mesma num puro o5eto de linguagem; e, por outro lado, um arir-se ao mundo interrogado na sua realidade e na sua presença essencial K...L movimentos contradit/rios e entretanto solidários, p/los ao mesmo tempo complementares e antagonistas, criadores de um campo dinâmico que s/ ele permite compreender os diversos aspectos do fen$meno literário;. /ulti""i7niicação 'o caracteri"ar-se no te4to literário um uso espec)fico e comple4o da l)ngua, os signos ling%)sticos, as frases, as seq%&ncias assumem significado variado e m8ltiplo. 'ssim, afastam-se, por e4emplo, da monossignificação t)pica do discurso cient)fico, para s/ citar um caso.
2 nesse sentido que alguns estudiosos situam o distanciamento que a linguagem literária assume em relação ao que c#amam grau "ero da escritura. ?ntenda-se, a princ)pio, grau "ero como o discurso preocupado soretudo com a plena clare"a da comunicação nele veiculada e com a oedi&ncia (s normas usuais da l)ngua. Hara uma visão mais minuciosa do conceito, pode-se ver o livro de *oland =art#es, #ovos ensaios crticos seguidos de o grau "ero da escritura , edição da Cultri4 de JNO. ' literatura, na verdade, cria significantes e funda significados. 'presenta seus pr/prios meios de e4pressão, ainda que se valendo da l)ngua, ponto de partida. 1uperposto ao da l)ngua, o c/digo literário, em certa medida, caracteri"a alteraç7es e mesmo oposiç7es em relação (quele. 2 um desvio mais ou menos acentuado em relação ao uso ling%)stico comum. ?m termos literários, por e4emplo, assegurada a coer&ncia do con5unto em que inser)ssemos a afirmação, teriam sentido frases como a flor de nossa rua comeu todos os medos; ou a flor e4pulsou todos os monstros; e, fora desse âmito sintático-vocaular, lemro versos como +m suprem)ssimo cansaçoP)ssimo, )ssimoPcansaço; de ernando essoa, onde, como se v&, se fere, em nome da e4pressividade poética, a norma morfol/gica do idioma no seu uso cotidiano. ? mais: para a plurissignificação do te4to contriuem, como acentua aul *icoeur, fatores de ordem sincr$nica e de ordem diacr$nica. ale di"er, os primeiros se vinculam ( carga significativa ligada (s relaç7es entre as palavras no con5unto do te4to de que fa"em parte6 5á o plano da diacronia envolve tudo o que de significação e evocação o tempo agregou aos vocáulos, no decurso de sua #ist/ria, inclu)das nessa totalidade as dimens7es resultantes do uso das palavras na tradição literária. !um ou noutro caso, a plurissignificação pode associar-se ao âmito s/cio-cultural, como quer, por e4emplo,
Pre2omínio 2a conotação ' linguagem literária é eminentemente conotativa. 3 te4to literário resulta de uma criação, feita de palavras. 2 do arran5o especial das palavras nessa modalidade de discurso que emerge o sentido m8ltiplo que a caracteri"a. 3s signos verais, no te4to de literatura, por força do processo criador a que são sumetidos, ( lu" da arte do escritor, revelam-se carregados de traços significativos que a eles se agregam a partir do processo s/cio-cultural comple4o a que a l)ngua se veicula. 3 te4to literário pode arigar a presença de elementos identificadores de um real concreto, quase sempre garantidor de verossimil#ança, como costuma tamém, nessa mesma dimensão, apresentar uma imagem desse real ligada estreitamente a outros elementos que fa"em o te4to. ?ssa presença, que pode trair uma dimensão denotativa, não é, entretanto, seu traço dominante. ?ste reside na conotação, conceito fundamental para os estudos de literatura e de tal maneira que especialistas como 'ndré Martinet, 0eorges Mounin e, entre n/s, @osé 0uil#erme Merquior c#egam a admitir que nas conotaç7es reside o segredo do valor poético de um te4to;. Lier2a2e na criação 's manifestaç7es literárias podem envolver adesão, transformação ou ruptura em relação ( tradição ling%)stica, ( tradição ret/ricoestil)stica, ( tradição técnico-literária ou ( tradição temático-literária (s quais necessariamente está vinculado o traal#o do escritor. ' literatura se are, então, plenamente, ( criatividade do artista. ?m seu percurso, ela consiste na constante invenção de novos meios de e4pressão ou numa nova utili"ação dos recursos vigentes em determinadas épocas. Mesmo nos momentos em que a oedi&ncia a determinados princ)pios pareceu regular os procedimentos literários, a literatura, por sua pr/pria nature"a, levou ( aertura de camin#os renovadores. !ão e4iste uma gramática normativa; para o te4to literário. 1eu 8nico espaço de criação é o da liberdade . 1e a norma, em alguns instantes, regulou a arte;, o engen#o; foi sempre além, com maior ou menor evid&ncia. ? os movimentos de vanguarda, a constante e4ig&ncia e usca do novo continuam sendo suas marcas mais patentes, num curso que segue paralelo ( dinâmica do processo cultural em que se integra. !esse processo, ora o acompan#a, ora se antecipa, transformadora, porta-vo" do devir. e5a-se o Ulisses, de @oQce, por e4emplo. 3 artista da palavra tem uma sensiilidade mais apurada do que a do comum das gentes, e essa acuidade moili"a-l#e a criação progressora. !a maioria dos casos, é a pr/pria ora que tra" em si suas pr/prias regras. ' ora de arte literária se fa", fa"endo-se.
3serve-se que as normas reguladoras do te%to não-literário, aquelas que se imp7em ao indiv)duo por corresponderem (quilo que #aitualmente se di", precisam ser oedecidas, so pena de sérios ru)dos na comunicação e, em certas circunstâncias, até de total oliteração do que se pretende comunicar. !o te4to literário a criação estética autori"a qualquer transgressão nesse sentido. ? em termos de #ist/ria literária, m8ltiplos e vários t&m sido os percursos nessa direção, se5a em termos individuais, se5a ao n)vel de época.
na"e no "i7niicante ?nquanto o te4to não-literário confere destaque ao significado, ou se5a, ao plano de conte8do, o te4to literário tem o seu sentido apoiado no significado e no significante, com especial relevo concedido a este 8ltimo. ' questão, entretanto, não é pac)fica. 1oretudo quando pensamos que, ao situar significante e significado no âmito da semi/tica, estes gan#am dimens7es que, emora relacionadas com a visão da ling%)stica, adquirem mati"es diferentes e contriuem efetivamente para o sentido do te4to, principalmente em termos da informação estética que nele se configura. !um poema como o 1oneto de separação;, de in)cius de Morais, por e4emplo, os fonemas ilaiais de certos vocáulos parecem contriuir para o sentido dominante no te4to, centrado na separação entre dois seres: Soneto 2e "e!aração ue dos ol#os desfe" a 8ltima c#ama ? da pai4ão fe"-se o pressentimento ? do momento im/vel fe"-se o drama.
Ee4tos #á em que o significante soressai de maneira ainda mais marcante, como neste poema concreto de *onaldo '"eredo: ? ?F ?F3 ?F3C ?F3CI ?F3CI< ?F3CI<' ?F3CI<'< ?F3CI<' ' questão é facilmente compreens)vel: asta sustituir os vocáulos de um te4to por sin$nimos, para aquilatar a relevância do significante. ensemos na fala famosa do &amlet , de 1#aRespeare: Eo e or not to e: t#at is t#e question H1er ou não ser: eis a questão e5a-se o efeito de sustituiç7es: 'm I or am I not: t#at is t#e question H1ou ou não sou: eis a questão ou Eo e or not to e: t#at is S#at Sorries me H1er ou não ser: é isso que me preocupa ?videntemente, perde-se muito do efeito estético com as e4press7es sustitutas, levando-se em conta, oviamente, o conte4to em que as palavras do teatr/logo se inserem. !o 1oneto de separação;, de in)cius de Morais, é astante trocar algumas palavras para verificar a força do significante, colocando, por e4emplo, repentinamente; em lugar de de repente;6 5untas;, onde está unidas;6 ou tranq%ilidade;, onde se encontra calma;.
ariaili2a2e 3 te4to literário se vincula, como foi assinalado, a um universo s/cio-cultural e a dimens7es ideol/gicas6 sua nature"a envolve mutaç7es no tempo e no espaço6 ele tem uma l)ngua como ponto de partida e de c#egada6 as l)nguas acompan#am as mudanças culturais6 mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam as pessoas, os povos, a linguagem6 a literatura, manifestação cultural, acompan#a as mudanças da cultura de que é parte integrante e altamente representativa. ' literatura tra" a marca de uma variailidade espec)fica, se5a a n)vel de discursos individuais, se5a a n)vel de representatividade cultural. ? não nos esqueça de que, na ase da literatura, está a permanente invenção.