Copyright o zor4 by Organizadoras
Ficha catalográflca elaborada pela Biblioteca da ErI-cu/Unifesp Missão e pregação : a comunicação religiosa entre a história da igreja. a história da religião
(orgs.).-
/ Nérí de Barros Almeida
e EÌiane
e
Moura da Silva
São Paulo: Fap-Unifesp, zor4.
z96 p. ; t6
x
.
Sumário
, !
Apresentação
23 cm.
ísfN. 978.85-6 r67 j.69-7
História. z. História eclesiástica. 3. Cristianismo - His5. Religiáo e Ciência. 6. Missões. r. Almeida, Nerì de Barros. rr. Silva, Eliane Moura da. ur. TítuÌo.
-
r. Religiões
tória. 4. Pregação.
cDD Z7O
Apoio: Fapesp As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendaçóes expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da Fapesp.
-
A Religião: Um Incerto Domínio Onipresente e Elíane Moura da Silva
NAri de Barros Almeída
Parte I
História da Igreja e História das Religiões A História do "Religioso'
e
do "Sagrado' na França
Q995-zoto)
Lj
Dominique logna-Prat Todos os direitos desta edição reservados à
Como os Historiadores do Século xx Escreveram a Hisfória dalgreja Feudal? z9 Eorroge FÀp-UNrposp Fundaçáo de Apoio à Universidade Federal de São Paulo Rua José de Magalhães, 8o c.4026-c,9c.
(tr)
-
São Paulo
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w.
faceb ook.com/EditoraFapUnifesp
Michel Lauwers
A História Cultural das Religiões: Contribuição
Foi feito o depósito legal
Historiográfico
59
Antonio Paulo Benatte Evolução, Ciência e Religião: O Diálogo entre Burkert e
Artur Impresso no Brasil zor4
a um Debate
Cesar Isaía
Dawkins
8r
AExpoCristãeaCultura Material Evangélica no Brasil (2001-2010) Kar ina I(osicki
B
ellotti.l
Há cerca de vinte anos, um mercado de produtos evangélicos tem se formado no Brasil, de maneira difusa e fragmentada, características da heterõgênea história evangelica brasileira. Desde o início dos anos 2ooo, esse movimento tem se tornado mais coordenado, graças a iniciativas como as feiras de exposição de produtos cristãos, inspiradas no modelo norte-americano de mercado evangélico, consagrado pela International Christian Retail Show, promovida pela Christian Booksellers Association (cee) há cerca de cinquenta anos. Esse texto analisa os papéis que a
cuÌtura material de massa e a cultura visual desempenham nesse contexto, constituindo sentidos para as experiências religiosas, passando por instâncias consideradas problemáticas por setores do protestantismo nacíonal - o rpercado e a mídia'. o foco central de nossa reflexão e a feira Expocristã, sediada na cidade de São Paulo desde zooz - os produtos e serviços oferecidos, alem do depoimento de alguns expositores da feira e das críticas que ela tem recebido por parte de protestantes descontentes com o que chamam "Expo Mamonl Por meio da feira
L.
Universidade Federal do Paraná (uren). Agradeço a Márcia e Hialmar D'Haese' Wagner Lie- MigMeg), Fernando Mukulukusso (aonu), Nelson Tristão (Onimusic), Carlos Cezar Fernandes (Luzza), Markus Steiger (Chamada), Renato Costa (CiaDelArte), pelas entrevistas cedidas. Neste trabalho utiìizarei os termos "protestante" e "evangélico" como sinônimos.
ven (Arco
z.
observamos como a "Religião do Livro" tem se desdobrado em artefatos diversos para uso cotidiano, além de artigos de entretenimento, lazer e educação. Muito do que está exposto nos diz sobre como empresários evangelicos têm abordado sua clientela, isto e, sobre as oportunidades que pretendem criar com suas produçõesj
do corpo, comunicação e estudo das práticas cotidianas na curta duração. A análise das religioes tem se reformulado por meio cle novas perspectivas e temas, como a cultura material e visual, gênero, trânsito religioso, perspectivas transnacionais,
entre outros. A história cultural oferece abordagens instigantes aos estudos de re, as construções de subjetividades e de papéis sociais dentro e fora das instituições religiosas tradicionais. Por meio de uma perspectiva cultural,
sobre como e o que os evangelicos devem consumir no seu dia a dia para reforçar sua fe, reforçar seus laços com outros evangelicos e evangelizar. A análise do
ligião, considerando
consumo desses produtos e serviços não cabe â este texto, mas é possível refletir sobre os limites deste mercado evangélico a partir das considerações de empresários e de evangélicos críticos-ao-mercado evangélico de forma geral. A Expocristã
a identidade religiosa individual e coletiva estabelece parâmetros que influenciam
um objeto instigante de análise, pois concentia em seus corredores a diversidade do protestantismo brasileiro, ainda que o mercâdo evangélico ultrapasse o que a
Cultura :Material
ExpoCristã representa.
com uma vivência religiosa cadavez mais permeada por mediações de ordem midiática e por rápidas transformações existentes entre os indivíduos e as instituições
Analisar os meandros das relações entre religiáo, mercado, mídia e entretenimento a partir da ExpoCristâ é uma tarela desafiadora, pois requer nào somente um aporte teórico que abarque as diversas experiencias que a feira visa a proporcionar, Àás tãmbém um olhar purã us intersecçoes entre devoçáo; .oor.r-o di-. "tã.rto " versão - itens considerados imiscíveis por parcelas do protestantismo brasileiro. Com isso, pretendo abordar as relações entre mercado e religião na história recente do protestantismo brasileiro, em especial no que se refere ao papel da cultura
religiosas. Muitos desses empresários enfrentam dilemas sobré como desempenhar
material de massa nesse mercado emergente.
é
A associação entre mercado e religiào ainda suscita muitas polêmicas tanto nos meios religiosos..quanto nos meios seculares, mas, para além da demonizaoulexaltaçao do mercado evangélico, eisa abordagem visa a inserii u:.ult,r.u material e visual produzida por evangélicos em um campo de forças que dialoga
'ção
representações e práticas4 ,
e
Visual Religiosa
uma função missionária de pregação do evangelho sem sucumbir às "tentações" ?o mercado, preocupando-se com a forma como anunciarão e venderão seus produtos - com ser "moderno sem ser mundano'] conforme decÌarou o pastor pen-
Excelente análise foi conduzida por Magali Cunha sobre a cultura gospel no Brasil entre os anos de r98o e 2ooo, enfatizando as múltiplas dimensões do mercado evangélico, a ExpoCristã, a Marcha para |esus, música gospel e os artefatos
tecostal Marco Feliciano para o boletim informativo da v ExpoCristã de zoo6:. contudo, após a coleta de materiais e dados nas edições de zoo4a zoro da feira, é
para consnmo no dia a dia. Compartilho da visão de Cunha sobre a cultura gospel como uma cultura híbrida, que mistura o tradicional e o moderno, que sacraliza
possível afirmar que, sob a perspectiva da história cultural das religiões, há muitas definições de moderno e de mundano a serem consideradas nessa análise, que se
o consumo e o bem-estar imediato. Outros autores também observam características semelhantes à cultura evangélica norte-americana, grande modelo inspirador para o mercado evangélico brasileiro. Heather Hendershot, em Shaking the World
dMde em cinco partes: primeiro, uma consideração teórica sobre cultura material e visual religiosa; em seguida, um panorama geral da Expocristã desde o seu início, para entendermos a terceira Parte - os sentidos envolvidos no comércio de Bíblias e produtos 'ãlternativos" na feira. A quarta e a quinta partes lidam com a circulação e os sentidos que se formam a
partir do comércio cristão - primeiramente, considerando o depoimento de alguns expositores da feira, e, em seguida, a internet, em que a cultura da convergência tem mostrado as ambivalências desse mercadoA história cultural das religiões tem se definido nos últimos anos como um campo de estudos que se beneficia dos novos objetos, temas e abordagens abertos pela virada cultural dos anos de t96o e r97o na historiografia, tais como as políticas
3. 2óo
Informativo v ExpoCristõ, r5 set. zoo6, s.ed. Missão e Pregação
for lesus, discorreu sobre
essa cultura, analisando em especial as apropriações de
formatos midiáticos seculares por produtores evangélicos - desenhos animados, jogos, estilos musicais, entre outros - para constituir uma cultura própria, que visava a combater e substituir uma cultura secular de entretenimento considerada imprópria para a família e para os valores cristãost.
4.
K. K. Bellotti, "Mídia, Religião e História Cultural", Revista de Estudos da Relígião, n. 4, zoo4. E. M. Silva, "História das Religiões: Algumas questôes teóricas e metodológicas", em Religiao, Cultura e Política no Brasil: PersPectivas Históricas, Coleção Ideias ro, rrcu,Unicamp, zorr, Pp. Lt-24.
5.
H. Hendershot, Shakíng the Worlà for lesus: Media and Conservative Evangelícal Culture, ChicagolLondres, University of Chicago Press, zoo4. A Expocristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil (2OO1-2O10) 26r
ExpoCristã, por considerar a materialidade como parte importante da experiência
produtores lançam, as mensagens produzidas e os sentidos formados pelos seus consumidores, considerando que cacla consumidor de rnídia - ao menos aquele inserido em unl mundo globalizado e, de certa fortna, ocidentalizado - possui urna existência cada vez mais permeada pela comunicação mediada. A ideia de qlle existiria urna mídia externa e intrusa à vida dos indivíduos, que "insere" ideias na rnente das pessoas, desconsidera que descle o século xx, em várias partes do mundo, a experiência cotidiana está imersa em comunicaçáo mediada, que perfaz as impressões e ìnformações recebidas sobre a realidade vivida. Os indivíduos, por
reIigiosa'comooqL1etornavisíve@sinadocornoinvisível
sua vez, também reproduzem de diferentes formas essas informações'e inrpressões,
ou transcendente. Menosprezada por historiadores das ideias e das instituiçoes religiosas até os anos de r99o, por nào oferecer indícios escritos, a cultuia material
trocando experiências, questionando-as, aceitando-as, e mesmo recusando ase. . Assim, essa conceituação, que se inspirou nos estudos cuiturais ingÌeses, compreende a mídia como uma relação de comunicação que alia produtores, pro-
A historiaclora Colleen McDannell foi pioneira ao lançar um estudo sobre cuitura material religiosa, intitulado Materíal Christianity (tSS), contempÌando as relações er-rtre diferentes rnateriais
religiosos
desde o papel das Bíblias familiares nos
lares americanos do século xrx, pasbando pelas vestimentas íntimas dos mórmons,
pela água cle Lurdes comerciaÌizada nos Estados Unidos no início do século xx, chegando ao varejo cristão, preclominantemente evangélico, da segunda metade do século xx. O enfoque adotado pela autora é muito pertinente à nossa análise da
testernunha as práticas e crenças de segmentos não letrados ou distantes do centro das decisões de uma instituição
- corro
mulheres, crianças e imigiantes6.
dutos
e
consumidores
e
que recusa um sentido único ou essencial a um produto de
j'estudos de cuhura material tral . O anlropólogg D.aniel Miller afir.mou que balham através da.especificidade:de objetos mater.iais para, em última instância,
mídia; cada um desses produtgl Sallia sentido não .s9meLtg p9l1s.rÌ]ão9 dos pro-
criar uma compreensão mais profunda da especificidade de uma humanidade- inseparável dê sua materiaÌidade"7. O êstudo da cultura material nessa.perspectiva
dores. Pensando em termos de mídia e religião, Hoover defende que não somente os tradicionais meios de comunicação devem ser considerados - televisão, mídia
mostra que o consumo não e destrutivo, mas que pode adquirir sentidos criativos, remetendo às relações sociais estabelecidas pelos consumidores por meio de objetos, seja na forma de presentes, seja na forma de objetos de comunhão ou adoração
impressa, radiodifusão, fotografia, internet -, mas também a cultura material de objetos de decoração a obras arquitetônicas. Isto e, tudo aquilo que transmite valores, sentimentos e disposições aos indivíduos; tudo aquilo que permite que as
coletiva, no caso da experiência religiosa. A cultura mateúl possui uma ampla gama de estudiosos de várias áreas. Inicialmente foi abordada pelo ponto de vista do imperialismo europeu como indício do caráter primitivo dos povos conquistados8. Como, então, abordar a cultura material religiosa de massa? Para responder a essa pergunta recorro ao teórico da comunicação, Stewart Hoover, que estuda a mídia evangélica norte-americana desde o final dos anos de t97o. Em um de seus mais recentes trabalhos, Relìgíon in the Media Age (zoo6),
pessoas congreguem e criem sentidos religiosos, e que de certa forma atua como
defende que a abordagem de fenômenos atuais de rnídia e consumo no campo da religião deve considerar um conceito rnais amplo de mídia, que não está centrado nos meios, instrumentos e veículos de comunicação e nem nos conteúdos de suas mensagens. O conceito mais amplo de "experiência comunicativa' abarca o que os
6. z. 8. 262
dufores, mas principâlrnentë
a
partif
clas
mèntes; ôorações
Missão e Pregação
falas de seuì cónsumi-
um mediador ou transmissor de sentidos religiosos ou não
-
tudo isso entra na
nova equação proposta por Hoover para defrnir os objetos de estudo do campo em que interagem mídia, religião e cultura'o.
Dito
isso, o enfoque do meu estudo recai sobre os papeis que a materialidade
tem adquirido em uma cultura de base tradicionalmente impressa no Brasil. Sem abdicar da importância da palavra impressa nesse mercado - segundo me disse um organizador da ExpoCristã, num breve depoimento em zoo6, o produto mais vendido na feira é a Bíblia -, o mercado evangélico tem investido em diversos produtos para o uso de instituiçóes, de pequenos grupos, de famílias e de indivíduos de todas as faixas etárias. Dessa forma, proponho uma reflexão sobre alguns desses produtos, lançados na ExpoCristã, investigando quem são os seus produtores, quais as suas intenções com esses produtos
C. McDannell, Material Christianity, Religion and Popular Culture in America, Yale University Press, 1995. Ver tarnbém L. S. Clarck (org.), Religion, Media, and the Marketplace, New Brunswick/Nova fersey/Londres, Rutgers University Press, zoo7. D. Miller, "Consumo como Cultura Material", Horízontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, pp. 33-63, jul.-dez. zoo7, p. 47. R. Bucaille e f.-M. Pesez, "Cultura Material'l em Enclíclopédia Einaudi, Lisboa, rN-òu, 1989, vol. t6, Homo - Domesticação - Cultura Material, pp. rr-47.
e
estabelecem com o cor-Ìsumidor
-, e por
- quais benefícios ou quais relações
que tais produtos tornam-se possíveis no
universo evangelico. Independentemente do fato de vingarem ou não
9. rc.
-
e muitos
M. Hoover, Religion in the Media Agq Londres/Nova York, Routiedge, zoo6, pp. r3-r4. Idem, ibidem,pp.T-44. S.
A ExpoCristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil (2O01-201O) 263
gospel nos anos de r98o, também ajudou a movimentar esse iniciante mercado".
não são bem-sucedidos -, minha meta é analisar as facetas que o mercado evangelico apresenta aos seus lojistas e consumidores finais. Muitos produtos mostram-se
Não somente a música gospel, mas o investimento de editoras e produtoras de
efêmeros, despertando não mais do que curiosidade, enquanto outros permanecem, edição após edição da feira, e conÌ lugar cativo na rua Conde de Sarzedas, o
'
endereço do comércio evangélico na cidade de São Pauio. É interessante observar que em um mesmo espaço estão Presentes agentes cristãos tão distintos quanto Casa Publicadora BrasiÌeira e Rede Novo Tempo (adven-
EBF e a
em relação ao possível público católico, abraçando a causa da pertença evangéÌica. Portanto, nesse contexto, 'cristão' tem significado cada vez mais "evangélico "'.
ExpoCristã
- "O Ponto de Encontro
dos Cristãos"
suas duas primeiras edições em setembro de zooz e de zoo3, no centro de convenções do Expo Mart, eom o nome de Ercoc-Feira e Exposição Internacional do Consumidor Cristão, organizada pela aer Eventos. Até então, o mercado evangélico não havia contado com uma feira dessas proporções, que
A ExpoCristã teve
Segundo o organizador da feira, Eduardo Berzin Filho, presidente da editora da nnr Eventos, a feira foi inspirada na International Christian Retail Show,
maior feira de produtos
e
serviços para o público evangelico nos Estados Unidos
desde r956'a. A revista Consumídor Cristao, editada pela EBF desde zoor, também
tistâ), Editora Pendão Real (Igreja Presbiteriana Independente), Line Records (Igreja Universal do Reino de Deus), Exercito da Salvação, Bola Music, PMs de Cristo, dentre ceÍitenas de outros. Há um grande contingente de pessoas com diferentes interesses, desde líderes e pabtores até famílias, grupos de jovens, músicos. Ainda que Magali
Cunha tenha observado que, nos primeiros tempos, a ExpoCristã acolheu expositores católicos, e que existia cuidado em dirigir-se a um público cristão e não exclusivamerite evangelico,.a pa-rtir da terceira edição do evento estabeleceu-se ahegemonia evangélíca. Mesmo a revista- Consumidor Cristao abandonotr qualquer abertura
audiovisual evangélico em produtos para crianças eparaa família, criaram o mercado de bens cristãos no qual edificação e entretenimento caminham juntos'r.
@te-americanaChristianRetaili.ag.SegundoBerzinFiIho,em
diversas matérias sobre a ExpoCristã publicadas na revista Consumídor Cristao, o
. -
objetivo dessa iniciativa era centrâlizar o mercado cristào brasileiro,.promover sua profissionalização e maximizar as oportunidades e instrumentos de evangelização. A terceira edição ocorreu no Expo Center Norte, em zoo4, local das demais edições, e contou com cerca-de 16o expositores, segundo o panfleto.distribuído aos seus visitantes, em seis dias de exposição, sendo os dois últimos abertos ao público. Os demais dias foram restritos a p.astores e lideranças credenciadas. Essa diferenciação ocorre devido ao grande Volume de público que aflui'para a feira em busca de seus.artistas ê pastores favoritos, seja em.sessões de autógrafos, seja em shows ou pocket-shows, em um evento acessível financeiramente's.
Ainda segundo a Consumidor Cristão rição
-,
-
não se encontra outra fonte de afe-
o público terí somente aumentado desde então, e o número de exposi-
tores também subiu, chegando a cerca de 3r5 na última edição, em 2o1o. Em se tratando de números divulgados pela organização do evento, é compreensível que esse
crescimento da ExpoCristã seja sempre dilrrlgado, fazendo parte inclusive da
centralizasse vários produtores em um só lugar. Durante boa parte do século xx, o mercado evangélico foi capitaneado por Ìivrarias evangélicas, que vendiam basicamente livros e materiais educativos para crianças e jovens, além dos poucos lançamentos musicais existentes, em LP e fita cassete. Outro personagem impor-
propaganda do evento nos anos seguintes. De acordo com o material informativo da feira, seja para distribuição no local, seja na revista Consumidor Cristão, o
tante desse mercado era o colportor, o vendedor de porta em Porta que distribuía Bíblias, literatura evangelística e revistas, como no caso das revistas Vida e Saúde e
do texto assinado.por Eduardo Berzin Filho:
Amiguinho, da Casa Publicadora Brasileira, de propriedade dos adventistas. A partir dos anos de r97o, conforme atestou Magali Cunha, o envolvimento maior de jovens em movimentos paraeclesiásticos, que futuramente geraria a cultura Nosso
sucesso da feira e a ampliação do mercado cristão justificar-se-iam pelo próprio
crescimento do contingente evangélico, cuja estimativa
t213.
r4 Vale ressaltar que os católicos têm desenvolvido sua própria feira de produtos e serviços, a Expo Católica, que ocorre entre julho e agosto, desde zoo3. Em alguns anos, a feira ocorreu no próprio Expo Center Norte, um mês antes da ExpoCristã. Trata-se de outro exemplo de como o desenvolvimento evangélico tem impulsionado iniciativas católicas, reforçando o engajamento à
mídia e ao consumo. 264
Missão e Pregação
15.
é
bastante otimista, segun-
M. Cunha, A Explosão Gospel Urr Olhar das Cíências Humanas sobre o Cenário Evangélico no Brasil, Rio de Janeiro, Mauad X. Instituto Mysterium, zoo7. K. K. Bellotti, Delas E o Reino dos Céus: Mídia EvangéIica Infantil na Cultura Pós-Moderna do BrasíI (t95o-zooo), São Pauìo, Annabiume/Fapesp, 201o. Para maiores detalhes sobre essa feira, ver C. McDannell, op. cit. Atualmente, o valor do ingresso é de dez reais por dia, com meia-entrada para estudantes e entrada gratuita para menores de seis anos, maiores de ó5 anos, bem como para pastores, lideranças, lojistas e distribuidores cadastrados. Além do baixo custo para o público, o evento é servido por uma linha gratuita de ônibus que frequentemente sai próximo ao terminal rodoviário do Tietê. A ExpoCristã e a Cultun Material Evangélica no Brasil
(2001-2010)
265
A cornercialização de produtos cristãos rnovimenta mais de um bilhão de reais por ano. ovns, rnídia, equipamentos, instrumentos musicais, mobiliário, entre outros produtos alternativos que movimentam a indústria e possibilitan-r que a fé de milhões de cristãos do Brasil seja aprimorada. O crescimento do número de evangélicos no Brasil - que até zozo deve representar Joo/o da população chamou a atençâo do mundo,
A ideia de que a feira promoveria a união entre evangélicos de diferentes
São Bíblias, cos, camisetas,
orientaçoes e regiões e tema comLlln em todos os materiais promocionais da feira:
tanto que a nossa ExpoCristã é a maior cia America Latina'6.
E chegado o clia de mostrar a presença dos evangélicos e da fé. E chegado o dia de mostrar a força dos produtos cristãos. E chegado o dia de rnostrar a uniáo e a comunhão dos evangelicos que, independente da bandeira clenominacional, servem a um único Deus. ExpoCristã é celebração, promoção ao l)eus Vivo qtte possibilita que tudo isso aconteça'7.
Porém não é somente o potencial comercial e econômico a ser r€ssaltado nessa lógica. O potencial de'telebração da fé'l conforme Berzin Filho, seria um dos pontos fortes da feira. Em material promocional da rrr ExpoCristã, o slogan do evento foi "Unindo os cristãos': Em material da quinta edição, a ExpoCristã era'ã maior
feira de produtos e serviços para cristãos da América Latina'l Na sétima e na nona edições, o guia da feiratrazía na capa "O ponto de encontro dos cristãos" (Figura r).
A ExpoCristã
e a celebração da fé. Ela une pastores, distribuidores, lojistas,
livreiros
e
públicoÍì,nalntrmúnicoespaço.Protnoveferramentasparapa@imora e rnovimenta todo um. segn1ento. [..-] a ExpoCristã não e só um evento de produtos, ela possíbiìita o desenvolvimento de frentes missionárias e de açào social'8'
O presidente da esr refere-se aos diferentes setores contemplados pela feira, que passaram a-ser-divididos, de forma espa-cial, nos pavilhòes do Expo Center Norte a partir ãa qirarta ediçào (zoos) ern sete categorias: editoras, gravadoras;
alternativos (categoria que engloba confecções de roupas, artigos de. decoração, presentes, prodlltos infantis educacionais e de lazer, entre mLritos outros), responsabilidade social, ministérios, mídia, instrumentos musicais e aparelhos sonÓros'e. Táo grande e o at1uxo de público, que em épocas de eleição a feira passou a contar com â visita de candidatos, além cla distribuição de material de campanha
na parte externa ao centro de convenções. Na edição de zoro, em um momento no qual a campanha presidencial começou a ser tomada por debates sobre a legalização do aborto, a candidata à presidência pelo Partido Verde, Marina Silva, lançou sua biografla pela Editora Mundo Cristão, para a surpresa de muitos evangélicos
17.
Consumiàor CnsÍão, Atibaia, Editora Mensagem, set.-out. zoro, p. 6.
18. ExpoCrista zorc - Guia Ofcíal, Atlbaia, Editora
r9.
Figura r. Capa do Guía Ofcial da ExpoCrístã zoro, distribuído aos visitantes na entrada do evento. Destaque para o slogan "O ponto de encontro dos cristãos", seguido de imagem re-
tirada da feira do ano anterior, mostrando não somente a grande quantidade de visitantes, mas também sua diversidade. Porém, a paÍtir desse registro visual que se propóe a mostrar o ponto de encontro dos cristãos, podemos observar que, tal como em um shopping center, não vemos interação entre os visitântes, mas somente sua circulação pelos corredores.
t6.
ExpoCristã zoto
266
Missão e Pregação
- Guia Ofcial,
Atibaia, Editora Mensagem.
Mensagem.
Tomando por base o mapa distribuído na quinta edição (uoo6), em que essa distinção vigorou, observa-se que o espaço para gravadoras e para produtos alternativos são os dois maiores de toda a feira (não há a disponibilizaçâo de escala nos mapas), uìtrapassando em pouco o espaço das editoras. fá mobiliários, midias, ministérios e responsabilidade social dívidiram um espaço consideravelmente menor, contando também com estandes menores. Em zoo8, o espaço dos alternativos erâ um pouco maior do que o das editoras, que, por sua vez, era um pouco maior do que o espaço das gravadoras. Em zoro, o mapa do evento não trouxe essas divisões, havendo maior concentração de editoras na entrada do evento, no Pavilhão Amarelo; concentração maior de alternativos, gravadoras e ministérios no Pavilhão Vermelho subsequente; e, por fim, gravadoras, ministérios, sonorização, e responsabilidade social ao fundo, no Pavilhão Azul. Tais consideraçóes são relevantes por tratar se de um evento de grandes proporções com somente um espaço de entrada e outro de saída principais, o que certamente direciona o olhar do visitante. Èm todas as edições, os visitantes concentram-se na entrada para Pagar seu ingresso, no caso do público em geral, ou identificar-se e receber seu crachá, no caso de úsitantes previamente cadastrados. A ExpoCristã e a Cultura Material Ëvangélica no Brasil
(2001-2010)
267
que desconheciam sua filiação religiosa (Assembleia de Deus). Além disso, os candidatos ao governo de São Paul,o, Aloísio Mercadante (rr) e Geraldo Alckmin (eson - e conhecido aliado da Renovação Carismática Católica) visitaram a feira em um dos dias mais lotados, sábado, dia u de setembro. A proximidade da feira com figuras políticas não ocorre somente em época de eleição a feira
foi inaugurada em rz de setembro com
-
em zoo6,
a presença do então governador de
São PauÌo, Cláudio Lembo, além do entáo vereador da cidade de São Paulo, Carlos
Bezerra fúnior, maior responsável por articular a ofr.ciahzação da ExpoCristã no cidade, em iunho de zoo8.
A ExpoCristã inspiroü outras feiras, como por exemplo a Expo Rio Cristã, patrocinada pela ErE; a ExpoCristo'o, em Curitiba (pn); fesus in Concert em Itu (se); Fenagospel, em Contagem (rnrc); e ExpoBetim, em Betim (r'tc)
-
todas ocor-
ridas com maior ou menor frequência entre 2oo3 e 2o1o, em geral com ênfase na música gospe!. A existência desses eventos impulsiona uma preocupação maior com produto, ,"ruìço, para o "povo de Deus", consolidando um modelo de su" pêrmercado cultural evangélico no BrasiÌ". Ou seja, não há como conceber uma análise sobre a história recente dos evangélicos brasileiros sem levar em consideração a existência de um mercado de bens e de serviços voltados tanto para instituições quanto para indivíduos, quer contenham produtos com a marca "gospel"
ou não. Isso gera uma nova forma de conceber o protestantismo brasileiro, cujas fronteiras deno-minacionais têm se misturado às fluidas práticas de seus fiéis, provocando tanto a adesão ao consumo evangélico quanto o fechamento doutrinário e as críticas de cristãos contrários à Teologia da Prosperidade e à "ExpoMamon' ou "ExpoCrisia', como se referem alguns blogueiros evangélicos. O conceito de "supermercado cultural evangélico" advém do conceito de "supermercado cultural", desenvoÌvido pelo antropólogo Gordon Mathews para
através dos meios de comunicação e preservação cultural, oferece uma base fundamental - ainda que não exclusiva - para que os sujeitos construam constantemente suas identidades ou identificações. Nessâ lógica, quem possui mais
recursos para expor Seus produtos possui uma chance maior de vê-los repercutir, ainda que em longo prazo isso não garanta a fidelidade do consumidor". Na ExpoCristã de zoo6, na entrada destacava-se o estande da editora Luz e vida, responsável pelo personagem smilinguido, atraindo a atenção das crianças; na edição de zoro, chamou a atenção a presença de dois expositores ate então forasteiros no território cristão - Sony Music e Som Livre -, cada quaÌ com amplos estandes, bem produzidos e repletos de recursos, promovendo pela
primeira vez artisl.as de seus recém-criados selos gospel. Na mesma seção de gravadoras, as gigantes gospel
lrx Music, Onimusic,
Graça Music e Line Records
ocupavam grandes espaços, promovèndo pockel sfrows que atraíram várias fãs jov.elg gu9 fiyg.l.lm.a.oPortunidade.de encontrar seus ídolos, tirar fotos com eles Ènquanto isso, peqúèiias grávadoras.e artistas independeirtesapinhavam-se em pequenos estandes, com público mais irregular. Na edição de zoro, com â alta do consumo brasileiro, em especial da deno-
e
peáii
"trlOgiufo.
minada classe C, a feira refletiu tendências de consumo visíveis nos úÌtimos anos, com maior oferta de viagens à Terra Santa e a hoteis e acampamentos, investimento em tecnologia nos estandes de sonorizaçáo de gravadoras, variedade nas vestimentas dos jovens, e até uma empresa (Warm) que oferecia eqlripanÌentos para montar o próprio negócio (em zoo8, a companhia Adeus Patrão também havia oferecido produtos semelhantes). Em resumo, a ExpoCristã é o retrato de muito do que tem ocorrido na história do protestantismo nacional na última década, período de expansâo e
referir-se à relação entre cultura global e identidade individual. Para Mathews, a cultura global, composta por uma infinidade de referências culturais disponíveis
visibilidade social. Retrato de suas disparidades e desigualdades, simbolicamente dispostas em seus corredores e estandes - expositores de maior poder aquisitivo nos maiores espaços, com maior destaque; e ambientes mais modestos
A semelhança de nomes - ExpoCristã e ExpoCristo - rendeu à organização da última um
(responsabilidade social, ministérios, mídias menos conhecidas) mais ao fundo ou nas laterais, com Pequenos estandes e muitas vezes com poucos visitantes. Personagens com grande poder político e identifrcados com a Teologia da
processo por parte da organização da primeira, que requeria os direitos sobre a marca ExpoCristo e o encerramento da feira. O processo prosseguiu por quatro anos, entre zoos e 2oo9, quando a ExpoCristo obteve ganho de causa por ter registrado o nome oficial do evento antes da ExpoCristã. (Fonte: "Gospel + ExpoCristã (São Paulo) processa ExpoCristo (Curitiba) e
perde, confira entrevista" [com Marisa Lobo, organizadora da ExpoCristo]. Disponível em:
.
Prosperidade e o neopentecostalismo congregam em momentos-chave - Silas Malafaia, o casal Hernandes (Igreja Renascer)'3, |abes de Alencar e Marco Feliciano são presenças constantes em quase todas as edições. E, mesmo que Edir
. de 21.
268
Publicado em zo de março de zoo9. Acesso em: ro
janeiro de zou.)
K. K. Bellotti, op. ciú. Nesse trabalho desenvolvi uma primeira reflexão sobre culada à mídia infantiÌ produzida no Brasil. Missão e Pregação
a
ExpoCristã,
art!
zz. 23.
e ldentidade lndívidual, Bauru, Edusc, zooz, Pp. 54-57. Eduardo Berzin FiÌho, por sua vez, compareceu à Marcha Para |esus em 2o1o, e deu entrevista para o program a De Bem com a Vida, da Rede Gospel, ligada à lgreja Renascer em Cristo, retransmitida no Portal Creio, ligado à trr.
G. Maúews, Cultura Global
A Expocristã e a Cultura Material Evangélica no BÍasil (200L-2O1O) 269
Macedo e R.R. Soares não compareçam pessoalmente ao evento, Line Records e Graça Music/Graça Eclitorial possuem grande destaque. A feira tem se atribuído
o papel de representar uma cultura mercadológica evangélica
-
um "ponto
de
erìcontro dos cristàos" , porem nào sem controvérsias. Em trabalho anterior, demonstrei como a construção desse mercado advinha do desenvolvimento da mídia para crianças e para a família, que desde os anos de r95o permitiu o investimento de diversas igrejas e empresas cristãs interdenominacionais em produtos para um grande público cristão - evange-.
lico.oucatólico.-noBrasil.Essavisãode.ummer@icana, mas, como se trata de um produto também da transnacionalízaçáo religiosa, às realidades locais'a. No caso brasileiro, isso irnplica uma predominância de artistas brasileiros na indústria fonográfica e na mídia infantil, ao pâsso que, na indústria editorial, os autores americanos possuem um grande peso'i. . Nu seção-a gegulr, analiso dois.tipos de produtos de destaque disponÍveisna feira: as Bíblias,'que sào o produto maii procurado, e os denominadot'ptodutos alternativos", que compreendem uma ampla gama de mercadoiias - vestuário, games, papelaria, produtos importados de Israel, chaveiros, decoração
'âdapta-se
doméstica
el.c.
Pelos Corredores da ExpoCristã Uma reportagem da revista Consumidor Crìstao inicia-se com a seguinte afirmação a respeito da Bíblia: 'A Bíblia é o escudo de todo cristão. É o cartão de visita e primeiro item a ser adquirido por um estudioso das Sagradas Escrituras"'6. A Bíblia é o artigo que mais tem saída na feira. Símbolo maior do cruzamento entre o tradicional e o moderno no mercado evangélico, ela assume inúmeros formatos para agradar a faixas etárias diferentes e grupos específicos (jovens grávidas, dependentes de drogas em reabiÌitação, surfistas, meninos, meninas, gaúchos, nordestinos), denominações (pentecostais, adventistas), portadores de necessidades especiais (Bíblia em braile), além de diferentes versões (Linguagem de Hoje; Almeida Revista, Corrigida, Atualizada; Nova Tradução Internacional) e de bíblias com harpa, com hinário, com comentários para bem-estar físico,
)À 25.
26 270
K. K. Bellotti, op. cif. Sobre a literatura evangélica americana traduzida no Brasil, ver trabalho de E. M. Silva, "Fundamentalismo Evangélico e Questôes de Gênero: Em Busca de Perguntas", em S. D. Souza (org.), Gênero e Religiao no Brasil: Ensaios Feministas, São Bernardo do Campo, Umesp, 2o06, pp. 17-27. Consumidor Cristão, op. cít., p. +8. Missão e Pregação
emocional e espiritual (de silas Malafaia, central GospeÌ), dentre muitos outros tipos. O que essa variedade diz sobre o mercado evangélico e sobre o público a que ele se dirige? bíblias para falxas etárias espeôíÍtcas, encontram-se muitas publicações infantis, em sua maioria comPosta de histórias bíblicas adaptadas e ilustradas, de autoria de norte-americanos'7. Uma série de títulos cujas propa-
No que
se refere às
gandas ressaltam seu caráter alegre, atraente, repleto de aventuras e ilustrações. O informativo da BíbIía da Turma do Cristaozìm (Editora Central Gospel, zoro) af,rn+a: "Esta Bíblia, criada especialmente para crianças, tem o intuito de tornar mais fácil a leitura àos pequeninos. Com ilustrações coloridas e lindos personagens, as histórias da Bíblia ficarão mais divertidas para o aprendizado das crianças,
aumentando o interesse deÌas pelos ensinamentos bíblicos"'8. Interessante notar nesse anúncio a ênfase na diversão do aprendizado, sendo que a Bíblia como um todo possui muitas narrativas de violênc-ia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento,.culminando nâ morte sacrificial-de Cristo. A adaptação da Bíblia para o formato do mangá teve três publicaçoes desde zoo8, todas voltadas para o público infantojuvenil, com ênfase na agilidade da linguagem do gibi japonês e nas "aventuras" de seus personagens. Uma é O Ataque dos Demoniaks parte t,da Editora Naós, outra é Mangá Metamorfose, que, com histórias de Atos dos Apóstolos, pretende apresentar "as aventuras de Paulo contadas de forma inovadora"'s. o Mangá Messias, seu antecessor, publicado em zoo8, traz
o formato do mangá adaptado para o público ocidental (Figura. z). Nele, quase todos os personagens seguem o padrão do mangá, sendo jovens, atléticos e ágeis; os apóstolos de Cristo assemelham-se a uma turma de adolescentes entusiasmados com sua missão. Todas as suas páginas possuem no rodapé os textos bíblicos aos quais as cenas se referem, ainda que não raro existâ o emprego de gírias. A vivacidade que se Pretendeu imprimir às histórias do Novo Testamento tem como objetivo atrair o leitor para o texto original. Mas não há mangás com histórias frccionais de cunho cristão sendo produzidos no Brasil.
K. K. Bellotti, Mídia Presbiteríana no Brasil: Luz para o Caminho Paulo, Annablume/Fapesp, 2oo5, pp. 97'L57. 28. Catálogo, Editora Central Gospel, zoro, p.3. 29. Fôlder, Editora Vida Nova, zoro.
27.
e
Editora Cultura Cristã, São
A Ëxpocristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil
(2001-2010)
271
partes retiradas da Promise Bíblefor Students, da editora norte-americana Thomas Nelson (tSSl). Em publicaçoes para jovens, é comum errcontrar textos escritos por adultos dirigidos à juventude, sem muitas intervenções de pe ssoas da mesma faixa etária que pudessem trazer dúvidas, testemunhos ou histórias que falassem direto a esse público. No caso dessa edição da ses, o fato de ser uma obra adaptada de outra realidade faz pensar se, com tantos educadores envolvidos nas igrejas brasileiras, não haveria colaboradores para escrever uma Bíblia para adolescentes. De fato, a sse
demonstrou preocLlpação semellìante ao.lançar
a
Bíblia do SurJista (zoo8), contendo
depoimen@fistasbrasileiroSempublicaçãofeitaemparceria com a organizaçáo SurÍìstas de Cristo (ver Figura 3). Mas ainda não surgiu no Brasil nenhuma publicação semelhante às bíblias juvenis (ou BíbleZines) Revolve (para
moças), Refuel (para moços) e Becoming (para jovens adultas), lançadas no início dos anos 2ooo pela Thomas Nelson, com formato considerado polêmico e inovador, adaptanclo o.Novq Têstarnento para o formato de revistas jqvenis, com seções, boxes, dicas e depoimentos entremeados aõs.textoì bl'blicos.
Figura z. Capa da publicação Mangá Messias (Editora Vida Nova, zoo8), produzida por equipe japonesa para editora norte americana. Nota-se que os personagens retratados na capa (todos bíblicos) possuem feições jovens e enérgicas, seguindo o formato japonês. O tipo de
H':ï.ï
narrativa e as ilustrações lembram o mangá dirigido para o público infantojuvenil masculino (shounen), devido à ênfase nas histórias bíblicas retratadas com ação. Porém, diferentemente de um mangá tradicional, cujas páginas são em preto e branco e cuja leitura é feita a partir da
direita para esquerda, esse mangá possui todas as páginas ilustradas em cores, e sua leitura segue o padrão ocidental. (Fonte: arquivo pessoal da autora.)
Da mesma forma, podemos considerar a gama de bíbÌias para o público juvenil. A Bíblía Teen, com a versão Almeida Revista e Atualizada (Editora Hagnos) traz "dicas, devocionais, referências cruzadas, dicionário bíbÌico, notas de contexto
histórico e cultural para todos os livros, mapas coloridos em papel de ótima qualidade [...] apresenta as Escrituras Sagradas num formato dinâmico para o jovem dos nossos dias"3o. Outro exemplo semelhante é o da Bíblia Sagrada - Ediçao com Notas para lovens, Nova Tradução na Linguagem de Hoje (snr, zoo8), contendo 3o. 272
Catiilogo, Editora Hagnos 2oro, p. 6ó. Missão e Pregação
Figuras 3 e 4. A esquerda, capa do Íôlder da Sociedade Bíblica do Brasil, com os lançamentos de zoo6, destacando as duas versões da Bíblia do Smilinguido, a Bíblia em áudio, com a voz do apresentador Cid Moreira, e a Bíblia do Surfista, em parceria com a organização Surfistas de Cristo. À direita, detalhe de parte interna do catálogo da editora King's Cross, mostrando uma parte dos inúmeros formatos de Bíblia comercializados - letra maior, gigante, luxo, brochura, com harpa, dentre outras. A Expocristã e a Cultura MateriaÌ Ëvangélica no Brasil (2O01-2O1O) 273
Um padrão se repete, independentemente do público a que se dirige: há grande variação de formatos de capa e letra das bíbÌias à venda, assim como de adições
norte-americana, é de questionar qual a especificidade brasileira de obras como A Bíbtia do Adorador: estaria nos assuntos abordados, ou na nacionalidade dos
ao texto bíblico
- comentários voltados para diferentes tipos de objetivos, seja para atender aos problemas dos adolescentes, seja amparar a lamília (Bíblia da Família, de Jaime Kemp, pela sBB, zoo6), seja trazer conselhos para prosperidade (Bíblia Batalha Espiritual e Vitória Financeira, Editora Central Gospel, zoo6). As variações de capa compreendem desde os formatos de preço mais acessível (brochura), aos
colaboradores e celebridades em seu meio? Várias são as bíblias que levam a 'grife" de personalidades evangelicasl. Bíblia Almeida Século zr, coÍn letra grande, mais lista de temas relevantes, sob a coordenação do Pastor Luiz Sayão (Editora vida Nova, zoo8); Bíblia Devocional Graça Diária, com ReJlexoes de Max Lucado (ce.n o, 2o1o). No anúncio da Bíblia de Estudo
formatos mais luxuosos, de couro ou capa dura, com diversas cores e ilustrações. Os comentários e adições feitos por pessoas conhecidas no meio evangélico geram direitos autorais a serem revertidos para os autores e as editoras. Como exemplo, há
loyce Meyer
a Bíblia do Adorador, em que a versão Almeida Revista e Corrigida traz textos de
diversas personalidades evangélicas brasileiras, com o intuito de
.]
fomentar o que Deus tem feito em nossa nação [...] sabe-se que grande parte da é de fora, ê o mercado editorial criïiaó nao foge a essa realidade [...] na BíbIía do Adorador, além do riquíssimo texto das Sagradas Escrituras, você encontrará estuclos elaborados por cristãos do nosso país que interpretaram o texto bíblico para elucidar e contextuaìizar o assunto da adoração a Deus. Zelou-se pela escolha de quem participaria deste projeto, cada qual foi escolhido de acordo com o direcionamento de Deusr'. I
populaçào brasilèira hipervaloriza o que
Há textos de uma página de 44 colaboradores, dentre eles André Valadão
(grupo Diante do Trono, Igreja Batista da Lagoinha), Chris Durán (cantor romântico que sê tornou cantor gospel há cerca de dez anos), |orge Linhares (Igreja Batista Getsêmani), Ludmila Ferber (pastora e cantora, contratada pela Som Livre),
e Saráh Sheeva (filha de Baby do Brasil, cantora e evangelista). Quase todos os colaboradores traziam suas páginas na internet como referência, e a maioria estava envolvida com atividades de louvor e adoração, em ministérios conhecidos
pelos veículos de mídia evangélica.
Interessante notar nessa publicação a ênfase no caráter brasileiro da obra, ainda que não se especifique o que distingue a mensagem evangélica brasileira das demais comercializadas no Brasil. Há inclusive um texto, 'A Adoração e as Nações'l de Wellington Dias da Silva (Comunidade Evangélica Nova Vida), que defende que a adoração não obedece a nenhuma pátria ou língua, mas é feita para ser universal. Aparentemente, a obra explora de forma dispersa alguns aspectos da realidade brasileira da adoração e do mundo gospel. Porém, se pensarmos que essa realidade se constrói em diálogo com a produção musical e cultural
- A Bíblia da Vida. Diária, o catálogo ressalta
a abordagem simples e
direta da pregadora: "Ter acesso a se.us pensamentos e ensinamentOs ao estudar
a
Bíblia dará uma nova dimensão às palavrai de vida e você se sentirá como se tivesse a própria Ioyce Meyer como sua companheira de estudos"". A publicaçào traz princípios de vida e conselhos para "colocar a palavra em ação" e "declarar a palavrd', em clara associaçáo da autora à Confissão Positiva3r' Presente ém sua pregaçâo. Outro atrativo para o. mercado de- bíblias é o emprego da tecnologia. Em
- -
2006 foi lançada a Bíblia ltúmìÃa, com histórias bíblicas encenadas em computa' como Tol ção gráfrca, projetadas por animadores que trabalharam em animações Story e Slrrek. Em 2oro, a novìdade toi a Bíblitt G/ow, lançada pela sBB, em parceria com a Immersion Digital: 'Através da Bíblia Digital Glow viva a Palavra de Deus com centenas de vídeos, documentários e imagens em alta resolução, mapas, tours virtuais com imagens em 36o graus, e muito mais", diziao fôlder do software.Mars do que o concorrente Ilúmina, o Glow assemelha-se à experiência mais recente de superabundância de imagens e de informações, de hiper-realidade, oferecendo uma infinita experiência estética de navegar pela Bíblia e experimentar diferentes tipos de linguagens. O anúncio Promete 546 passeios virtuais, 711 obras de arte,
três horas e meia de vídeos, além de um "Google Earth Bíblico', em que o usuário pode observar reconstituiçôes de ruas e locais sagrados. Além disso, o software contém quatro versões da Bíblia, alem de Bíblia de Estudo Pentecostal, Dicionárío Teológico, Dicíonário do Movimento Pentecostal, Teologia sistemática e Pequena Enciclopédia Bíblica para a versão Glow Pentecostal, em Parceria SBB-CPAD (ver
Figura 5). Nunca o texto bíblico bastou tão pouco, nunca se investiu tanto em
32. 33.
Catálogo, Bello Publicações, Belo Horizonte, 2o1o, P. 2. A Confrssão Positiva é uma vertente do evangelismo norte-americano que surgiu nos anos de 1940 com o movimento de Palavra da Fê (Word of Faith),liderado pelo evangelista Ken neth Hagin. Trata-se da proclamação em voz alta das bênçãos divinas sobre a vida do fiel, prática muito incentivada nas obras de foyce Meyer e no ministério do brasileiro R. R. Soares e que está ligada à Teologia da Prosperidade. Cf. R. Mariano, Neope ntecostais: Sociología do Novo Pentecostalismo no Brasil, Sâo Paulo, Loyola, 1999, pp. 15o-156. D. Meyer, The Positíve Thínkers: Popular Religious
from Mary Baker Eddy to Norman Vincent Peale and Ronald Reagan, Nova York, Anchor Books, 1988 [1965].
Psychology 31.
Bíblia do Adorador, Rio de faneiro, King's Cross, Missão e Pregação
Joy, zoo5.
A Ëxpocristã e a Cultura Material EvanSélica no BÍasil
(2001-2010)
275
* .
recursos para diferenciar uma empresa de outra, aumentando as potencialidades de aproveitamento do texto bíblico.
bíblicos bastassem. Nesse caso, curioso é o caso da Bíblía da Vovó (Editora Mundo Cristão, zoro): "é a maior compiÌação em língua portuguesa de recursos destinados tem o propósito de beneficiar essas muÌheres que não medem esforços para cumprir seu abençoado papel'l. O anúncio traz a Biblia em destaque, nas cores rosa e lilás, e a foto de um casal de crianças; mas não a foto de uma senhora, até porque às avós e
Vivencie a Bíblia como jamais imaginou. *íhiia
Di
gitiri üls\rr iriìnlceôsìai
muitas avós atualmente pouco
i:) Mais de 500 passeios vìrtuais (em 3D e 360 gÍaus) em ambientes da época. i-)3h30 de vídeo em alta definição, dividido em 26 capítulos de documentáÍios sobre a vida de
parecem com o estereótipo de avó idosa de tempos
anteriores. Porém o anúncio não.especifica quais as ferramentas para as avós.
Jesus.
Na categoria feminina, hâ a Bíblia da.Mulher Vitoriosa ("Mulher Vitoriosa" é o
(-)Atlas geogÍáÍico com 143 mapas navegáveis (espécie de Google Earth bíblico)i_) Mais de 700 imagens de trabalhos de arte da época.
llMa@ãoecom
se
título do programa
zoom.
(:)Texto bíblico nas traduções de Almeida Revista e Atuãlizada (FÌA), Almeida Revista e Corrigida
de
rv
de Elizabeth Malafaia, esposa de Silas Malafaia), com "su:
plemento especial com segredos para uma.vida vitoriosa" (Catálogo Central Gospel; zoro); a Bíblia da Mulher que Ora, de Stormie Omartian, A Bíblia da Mulher, A Bíblia das Meninas e A Bíblia dos Meninos, para que mães e filhos leiam juntos
(RC), Nova ïiadução na Linguagem de Hoje (NTLH) e Tradução Brasileira.
(-)Notas (:) Notas e intÍoduções intÍoc|rcões aos ãos livros livrõs da Bíblia Bíhlia de cle Estudo Estuclo Almeida Almêiríâ e da Bíblia de dê EsÌudo Estudo NTLH. (:iArtigos e quadíos da Bíblia da Família-. (:) Dicionário da Bíblia de Almeída.
(são publicações que figuram entre os mais vendido s na Consumidor Cristao), todas
lalCadas
pela Editora
Mfld9 Clillqg !{nzoo8.
Com
capa_s
rosadas, adornadas com
motivos delicados, apelando para os exemplòs das mulherés da Bíblia, táis publicações dirigem-se a mulheres adultas, mães e esposas, com a tradicional mensagem que reforça seu papel de gênero dentro do imaginário evangélico3a.
Outras bíblias específicas foram lançadas de 2oo4 a 2oro. Por exemplo,
a
BíbIía de Estudo Despertar,para recuperação de dependentes químicos, cujo anún-
cio afirma ser "única no gênero no país, esta obra é destinada àqueles que buscam o ponto de vista da Palavra de Deus sobre o Processo de recuperação de sua vida ou de um estado de dependência. Tomando como base o programa dos doze passos, adotado pelos Alcoólicos Anônimos, a obra traz o texto bíblico na NTLH" (saa, catálogo, zoo6). A Sociedade Bíblica Internacional, por sua vez, Iançou uma Figura
Detalhe de fôlder distribuído durante â ExpoCristã de zoro, referente ao ìançamento da Bíblia Digítal GIow Pentecostal, da cpeo em parceria com a Sociedade Bíblica do Brasil. O convite do fôlder, "Vivencie a Bíblia como jamais imaginou", é acompanhado por uma exten5.
sa explicação dos inúmeros recursos do software.
Conforme os anúncios dilulgados na feira
e na revista Consumidor Cristão, a Bíblia digital visa a oferecer uma experiência estética
Vide também as publicaçóes voltadas para avós, mulheres, dentre outros públiEncontrei somente uma Bíblia do Homem (CentralGospel, 2o1o), com devocional
diário, reflexões dos "grandes homens de Deus" e perfls de personagens bíblicos. Na categoria gênero, as mulheres são alvo preferencial, como se os homens não necessitassem de uma publicação específica ou como se o texto bíblico por si só já lhes bastasse;
ou ainda, dado que a maioria do pastorado é masculina, talvez os títtúos de estudos 276
Missão e Pregação
páginas voltadas para a realidade nordestina; "O Gaúcho
-
o melhor caminho te
espera", brochura com introdução de dezesseis páginas voltada para"a realidade
e
informativa, em que passado e presente se misturam para trânsportar o fiel a passeios virtuais e a obras de arte 'da época" - mas de qual época?
cos.
série de publicações do Novo Testamento - Nova Versao Internacional dirigida a diferentes públicos: "Nordeste - Duas realidades, um só Deus", brochura com seis
que reforça papéis de gênero tradicionais, além da literatura de aconselhamenvida cristã, é o vestuário. Voltado para o púbÌico infantojuvenil e composto maciçamente de camisetas, os artigos de vestuário reservam mensagens e designs mais descontraídos para os rapazes, com paródias de frases ou expressões da moda usando motivos cristãos ("Tropa de Elite - resgatando vidas com fesus"; "Céu - prefrro ser quadrado" (imitando o logo da cerveja Skol); 'Claro que ele mudou minha vida" (imitando logo da companhia de telefonia móvel Claro - camisetas Cia- dos Séculos). Às moças, por sua vez, são reservadas estampas florais, motivos e cores delicados, sem as paródias encontradas nas camisetas dos rapazes. É muito comum eicontrar frases como:'Sou adoradora de Cristo"; "Nascida para adorar", "]esus é o
34. Outro produto to
e
Rei da Paz" (Empresa Luzza). Algumas considerações sobre o vestuário, em especial sobre justificativas usadas na sua propaganda, estáo em K. K. BelÌotti, oP. cít., 2oro, pp. 304328. A ExpoCristã e a Cultura Material Ëvangélica no
*asil (2O07-2O7O)
as
277
dos irmãos do sul"; "O Caminho da Liberdade", voltado para presidiários; brochura do Novo Testamento para adolescentes grávidas, "Duas pequenas palavras - estou grávida", com introduçáo de dezesseis páginas para trazer conforto às jovens (Catálogo sBI-NVI, zoo4). Aiém clesses formatos, o catálogo oferecia a Personalização de bíblias - 'b texto da Bíblia NVI conÌ a cara do seu ministério'l Outra editora que oferece personalizaçáo é a King's Cross - "Evangelize, consolide sua igreja junto à comunidacle; comunique sua visão ministerial junto à Palavra'l dizia o catálogo de zoro (ver Figura 5, referente a catálogo da feira de zoo6).
shofar, envelopes personalizados de dízimos, óleos de unção etc.), tais artigos misturam-se em uma categoria que promove a sacraÌização de todas as instâncias do cotidiano dos evangélicos brasileiros. E tanlbém a categoria na qual se encontram mais produtos feitos no Brasil, ao contrário do setor editorial, que anCora boa parte de sua produção em autores estrangeiros. Uma categoria de produtos chama a atenção por ser voltada para uso em campanhas de igrejas. Tendência inaugurada peÌa Igreja de Nova vida e consagrada pela Igreja Universal do Reino de Deus, o uso de objetos usados em rituais
"grife" do mundo evangélico, observa-se que a Bíblia se torna um item 'tartão de
e.campanhas para quehrar maldições, aÌcançar prosperidade, bênçãos familiares, no.trabalho, espirituais. Empresas coino AND Gospel e cMC Filial Distribuidora oferecem envelopes para díztmO com diversos dizeres de campanhas evocando prosperidade e triunfo Sobre as dificuldades, ou em formatos de uva, cálice, ca-
visita'do cristão, feito para que
deado, tocha. Há também candelabros, arcas da aliança
ÉdeperguntarsétodasasmúltipIasversõesdefatologramcomuÍ}i€í}remo público a que se destinamr5. Mas, a julgar pela lógica de personâlização da Bíblia, seja pelo nome e pelo logotipo de uma igreja ou minisl.erio, seja pelo uso de uma ele possa expressar quem ele é no corpo de Cristo,
entre seus ìrmãos e irmàs, seja p-or um4 capa feita a se-u ggsto, seja pela temática personalizzida. Caso o cristão sintã neeèssidadede um estudo aprofundado, de uma viagem virtual à Terra Santa, de um devocional, de uma palavra para lidar com as crianças, aparentemente o merçado supre essas demandas. E possível, portânto, mudar o cartão de visitas conforme muda a caminhada do
fie136; se
o conteúdo de cada
uma dessas publicações vem a suprir suas necessidades, é outra história
A categoria "alternativos" engloba uma vasta gama de produtos que nâo se encaixam nas demais categorias da feira - são empresas que produzem ou comercializam artigos de decoração doméstica, vestuário, acessórios, papelaria, artigos para festa infantil, brindes, jogos, artigos para campanhas e eventos em igrejas, dentre muitos outros. Costuma ser também a seção que mais aúai a curiosidade dos visitantes e a ira dos críticos, pois é nesse espaço que as fronteiras entre o "sagrado" e o "profano", assim definidas por muitos evangélicos, são redefinidas conforme a visão dos expositores. Seja porque lidam muitas vezes com objetos de uso cotidiano, de baixo custo e materiais pouco duráveis (caixinhas em biscuit, com os dizeres "fesus te ama'] por exemplo), seja porque lidam com artigos até então pouco usuais em igrejas evangélicas (artigos para campanhas em igrejas:
-
em tamanho pequeno
grande -, .alianças, pingentes para correntes em formato de perxe, de estrela de Davi, chaves com.dizeres etc. Muitos desses produtos, em tamâÀho pequeno, são e
vendidos em porções de cinquenta, cem ou mais. A AND GospelrT também vende eistandartes das doze tribos de Israel, shofares, pequenos recipientes para óleo de unção em formato de menorá, candelabro, trono, cetro, coroa, além de objetos em E.V.A. (Etil Vinil Acetato, um material sintético maleável) em formato de espada (com as inscrições 10 Conquistas, cujas letras podem ser retiradas); há também chaveiros com formato de tijolinho, de camiseta "sou Soldado de Cristol miniaturas em resina com formato de altar de holocausto e do Monte Sinai, pulseiras de borracha com dizeres "Sou mulher vitoriosa", "Exército de Cristo" (por exemplo, para identificar times em gincanas: ver Figura 6) etc. Além de empresas que vendem artigos mais convencionais para Santa Ceia, há empresas como o Grupo Pão da Vida (ver Figura 7) e a Casa de Israel, voltadas para artigos de motivos judaicos: menorá folheado a ouro' mezuzâ, anel
teológico e hebraico, pulseiras com os dez mandamentos, toalhas para ceia com inscrição em hebraico, além de oferecer material para curso básico de hebraico, óleo para unção, cosmético com treze fragrâncias bíblicas (mirra, nardo, bálsamo, cássia etc.). Na ExpoCristã de zoo8, a confecção Bispo oferecia personalização de
exemplo do Novo Testamento impermeável, lançado pela Sociedade Bíblica do Brasil em zoro. No estande de lançamento na ExpoCristo zoro (Curitiba), a Bíblia estava mergulhada em um recipiente transparente, atraindo a atenção dos visitantes. Um dos catálogos mais extensos de bfulias é da empresa Vitória BíbÌias, distribuído na ExpoCristã zoo8. Em seu índice, encontramos os seguintes produtos: capas para bíblias, bíblias mirins, bíblias pequenas, bíblias intermediárias, bíblias porta-retratos, bíblias grandes, bíblias com letragrande, bíblias com harpa, bíblias com novo cântico, bíblias com cantor, bíblias com concordância e dicionário, bíblias de estudo, bíblias com letra gigante, hinários, acessórios, pastas e esboçários e livros. A loja também possui sife para consulta e vendas: .
35. Curioso
36.
278
éo
Missão € PÌegação
camisetas - "seu nome escrito em hebraico'.Emzoo4, a empresa Terra Santa Produtos Importados advertia em seu catálogo: "Exija o certificado de origem para comprar um produto original de Israel. A Terra Santa tem. É o seu direito, é nosso dever"; na loja eram vendidos menorás, cálices, shofares e miniaturas do muro das lamentações, de camelos e carneiros.
37.
Ver . Acesso em: r8 de dezembro de zoro. A Expocristã e a CultuÍa Material Evangélica no Brasil
(2o01-2o1o)
279
no Brasil. Na ExpoCristã de zoro, o Ministério do Turismo de Israel distribuiu mapas e guias para promover o turismo na Terra Santa, para fazer "turismo conÌ a
.F:
"t3"4s
w í.9:,a
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CáÍe Pdord Àffiida
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Figuras 6 e z. A esquercia, foiheto da en'Ìpresa eNo Gospel, distribuído na Expocristã zoo8, contendo alguns dos vários tipos de produtos à venda - destaque para os produtos importados de Israel, além de materiais para atos proféticos em igrejas ou grupos. A direita, detalhe de parte interna do catálogo da empresa Grupo Pão da Vida, distribuído na ExpoCristã zoro, oferecendo relógios com salmos e personalizados, pulseiras com os dez mandamentos, toalhas para ceia com dizeres em hebraico.
Bíblia na mão" em sete dias, segundo dizia sua brochura: "Desde há muitos secu[os, os cristãos que viajam para Israel são espirituaÌmente transformados ao visitar a terra onde os eventos da Bíblia aconteceram. De fato, os cristãos voltam para casa colÌÌ uma fé mais profunda, rica e envolvente. Uma vez que tenha visitado Israel, você nunca será o mais o mesmo!" Igrejas e ministérios evangélicos diversos também oferecem viagens monitoradas a Israelao.
Dentre 6g1149 11s16eãnrieq cnrontiarleq nos últimos anos, destacam-se os produtos infantis, çomo os brinquedos da Editora Darr, da coleção "O Exército de Deus", compostos de um ou dois bonecos.articulados representândo personagens bíblicos, acompanhados de um cD com game e músicas. A editora também chegou a comercializar r17 bonecos nocatálogo de zoo6 (em zoro, foram calorze os modelos), além de jogos de cartas, jogo da memória(Luz e Vida; Mig e Meg), quebra-cabeça ("monta-bençào"), jogos. de tabulèiro ('As lornadas de'Paulo'ì "Êxodo' e'Arca da Aliança") e livretos de palavras cruzadas.e atividades diversas. Em geral, esses produtos possuem função educativa, de ensinar brincando histórias e personagens bíblicos, sem se utilizar de histórias inspiracionais e ficcionais, tal como se encontra frequentemente no mercado norte-americanô. Aliás, na área dos alternativos os produtos americanos não obtiveram o sucesso esperado, conforme dois exemplos. O primeiro, mais famoso, é o caso dos VeggieTales, inicialmente comercializados como Os Amigos Vegetais no início dos anos 2ooo, e, posteriormente, Os Vegetais. Entre zoo4 e 2006, a dona da marca, Big
Idea, instalou uma representação no Brasil
-
Big Idea Brasil
-
que chegou a lan-
A fascinação por Israel, identificada por Magali Cunha em meados dos 2ooo38, continua forte, a julgar pelas ofertas no mercado, e pelos usos no circuito evangélico. A ideia de apropriar-se de símbolos sagrados do "povo escolhido" é uma forma de invenção de tradiçãore a fim de conferir uma ancestralidade concreta, palpável
çar DVDS e alguns produtos licenciados - marca-páginas, adesivos, camisetas. O desenho ganhou alguma projeção após sua exibição diária no programa Bom Dia & Cia., matinal do ser, mas atualmente não há mais representaçáo da Big Idea em
a uma "nação" composta em sua maioria por novos convertidos. Também é uma
nosso país. E curioso ver que o maior sucesso evangelico infantil norte-americano
forma de se diferenciar de outros convertidos e evangélicos, reivindicando para si um conhecimento de algo exclusivo da Terra Santa, uma dupla cidadania. O ápice dessa experiência se rcaliza com uma viagem à Terra Santa, cujas
não obteve a mesma acolhida no Brasil, enfrentando uma competição ferrenha com outros produtos nacionais para o público evangélico infantil: Smilinguido, Mig e Meg, Nosso Amiguinho estão entre as marcas mais fortes há muitos anos. Outro exemplo, mais recente, foi a coleção de bonecos "Heróis da Fdl que prometia
ofertas têm aumentado nos últimos anos por conta das facilidades para o turismo
38. M. Cunha, op. cit.,pp.r86-r88. 39. Outra forte invenção de tradição
é o judaísmo messiânico, que também marcou Presençâ na ExpoCristã 20o6 por meio doCurso de Teologia fudaico-Messiânica, do Ministério Ensinando de Sião, filiado ao Ministério do Estudo Bíblico Netirryah-Israel. O curso se dirigia para aqueles que, dentre outras coisas, desejavam'entender toda a Bíblia no contexto judaico, restaurar as raízes da fe cristã com base nos princípios dos apóstolos do primeiro século'. (Fôlder.)
28o
Missão e Pregação
menos explorado, são os cruzeiros marítimos - o ministério Diante do Trono (Igreja Batista da Lagoinha-nu) anunciou o seu para dezembro de zoro: a.doração em
40. Outro filão turístico,
alto-mar", prometia o fôlder. A ExpoCristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil
(2001-2010)
281
lançamentos cle r'ários bonecos Íìrltrntes ciurante 2oo9, nìas que sti disponibiÌiz.a via internet o boneco de fesus que recitir versículos bíblicosa'. As turrnirrhas de personagens infãntis têm se multiplicarìo
nc'rs
úrltimos anos,
razão da abunciância de produtos dc papelaria, bonecos e cartires cott.t tantcrs 1'rersonagelìs é a lógica do licenciarnento. A Exp
A
IJrasÌl Licensing, que possui etrtre seus clientes lvlig e Mcg e Crianças Dirrr.rtt'do seu presidente, Fllias Shunriski, tirurLrém pastor vice-presidente cla Comunid:rcle Evar-rgélica d
ÍÌlas seln o sucesso clos concorrentes mais antigos, e às vezes ser-n a co.lrôrtcia rnantida por eles. A Eclitora rrBF trabalhou por unl tempo com cartões, livros e ovos/vHs,
'Iïono. Segundo
ter iiinçado na ExpoCristã zoo4 a "Turma do Guaraníl con'rpostiì por um mâcaco, urn porquinho e outros anintais, Íìgurando marcadores de páginas e livros
as vendas, o que reíÌcte cliretamente rìo aumento dc venda clo lojista.
alérr.r de
O prodirtcr
de atividades, sern nenhuma explicação sobre o senticlo de cada personagenl ou dos materiais,e-nas feiras seguintes os produtos desapareceram. O mesrno ocorreu
pode ser clesconheciclo, mas, com o conhecimettto da marca pelo mercado, o Produto se torna conhecido"". Essa é prática corriqueira nii rníclia secular, o que por
cor.n a série de cartões e marcadores cle página "ovelhinhas de Cristo'l representa-
vezes causa estranharnento entre os mais conservaclclres ott pttristas, que elìxerganl
ção brasileira da linha :'Really Woolly'ì da DaySprings Cards (rue: ver Figura 8). E, mesmo com reÌação a personagens que consegllenì unla sobrevida, observa-se uma cÌistribuição cleficitária, como no caso dos procìutos "Frutos da Criação'] lançados na
nessa multiplicação cle produtos rima banalização clo sagrado. Para outros tantos,
ExpoCristã zoo8, ligados ao Instituto Frutos cla Criação, dg assistência a menores carentes. Os personagcns - nou. vegellis represen(ando os novc frútos do Espírito Santo - não são acompanhados de uma expÌicaçáo sobre seu signiÍrcado.
OVELHINHAS DE JESUS
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Figura 8. Detalhe dc catálogo da ssr Editora, distribuído na Expocristã de zoo4, com cartões, poslais, stíckers (adesivos) e mini-cards da marca ovelliinhas de jesus (Really woolg DaySpring cards). AtuaÌmente, a editora não trabalha mais com esses produtos, aincla que nos Estados Unidos â marca continue a ser comercializada.
4r.
282
Não encontrei um canal de comunicação para contatar os representantes dos Vegetais e dos Heróis da Fé a fim de verificar o que aconteceu com seus produtos. Missão e Pregação
preserìça constante dos produtos'l'ia Helenita - Uíblias em alta cleflnição, os flane'ltigrafos produziclos pela cornpanhitr de origem trclventista continuam a se diversiÍìcar e a possuir uma boa procLlra. A prática de contar l-ristórias por meio de Íìguras recortadas, enl que professores, pais e criançars constroeÌn cenários usanclo a imaginação parece não perder seu atrativcr nesse início
ffiffiffi ffiç:-'';ffiffiffiffi*i MCSs?/
significa a multiplicação dc bênçãos que esses produtos com nÌensagens cristãs {ìoderrr carregar, ou aintla ir possibilìdlcìc.1.'ofcrt'.er às crialtçlts ttma tlivcrsio sat-lia, difcre rrle do que a nridia sccular ofere.c. ()uìro regniento inÌportarìte e o de l,rodirtoi cduialivos. Mercce rl'rerrçà,-, a
cÌc-
século
xxl.
Bssa é uma
tradição
que remonta aos object-les.sons, ensinos bíblicos infantis com o uso de objetos para fãcilitar a aprenclizagem. No início do século xx, um dos reclrrsos mais antigos foi a mesa de areia - sand-table - enì que uma cena bíblica era recriad:r coln a ajuda de bonecos e miniaturas; os flanelógrafos vierarn em segr.ricla e nLlncâ saíram de cena. De fato, companhias como Apec, Cornev, Tia I lelenita, cPAD e cPB constituem mais
tradição evangélica brasileira do que a "nov:t onda'judaizante. Os produtos ditos alternativos englobam ulÌÌa gama enorme de mercadorias de uso cotidiano. Uma das empresas mais prolílìcas é a Arco, responsável pela a
marca Mig e Meg desde ry97, e qlte tem arnplíaclo seu catálogo de produtos, de DVDs e cos de cantatas c histórias a camisetas e prodtrtos escolares e de papelaria. Os donos da Arco, Márcia e Hialmar D'Haese, foram os responsávels pela criação dos marcadores cle páginas com mensagens bíblicas ilustradas no início dos anos de 1980, ainda com o personagenÌ Smilinguido, pela Arvicris- Os marcadores de páginas, assim como os cartões passe-adiante e cartões de felicitações, com mensagens para várias ocasiões e estados de espírito, são produtos de baixo custo comumente usados na evangelização interpessoal, em esPecial Por adolescentes
42.
e
Consumídor Cristão, oP. cit., p. ,8. A Expocristã e a Cultura Material ÊvangéÌica no BÍasil
(2001-2OiO)
283
mulheres, permitindo que cada fiel se torne um evangelista, com direito a personalizar o cartão com uma mensagem sua para seu interlocutorar. Destacam-se algumas mensagens de marcadores de página que trazem indícios emblemáticos das reiigiosidades presentes no mercado evangélico. No cartão passe-adiante Mig e Meg, vê-se a personagem |úlia, uma jovem estudiosa de cabelos morenos e ócuÌos, segurando um coração adornado em glitter, que contém os dizeres: "E
difícil explicar
-
JESUS
-
mas faz um bem enorme experimentar'l
Para além das palavras, o cartão sinteticamente faz lembrar o aspecto individual
daexperiênciareligiosaMem-eStarpeSSoal,e.mamplosenti_
têm sido usados tanto como brindes entre evangélicos e católicos, quanto como veículos de evangelização interpessoal no cotidiano, tornando o consumidor cristão um cumpridor da "Grande Comissão", de ir e pregar o evangelho a todosas. Contudo, por se oríginar de uma cultura fortemente calcada na palavra escrita e na oralidade, o mercado evangélico frequentemente se apoia em explicaçoes escritas para justifrcar seus produtos, retirando-os do mero "comércio' para alçá-los instrumentos missionários. Isso é comumente visto em outros estudos sobre comércio cristão nos Estados Unidos. Entretanto, tendo em vista o
que objetos q imagens (isto é, o mundo sensorial) permitem atingir de forma
caráter minoritário do protestantismo brasileiro em relação à cultura católica, percebe-se para muitos produtores o imperativo de não deixar que as imagens
subjetiva, estando aberta a qualquer indivíduo, fazendo deste o protagonista e artífice de sua religiosidade, no ambiente de sua casa, por meio do seu véstuário, na
falem por elas mesmas nesse contexto. Se não possuímos dados sobre os usos dos produtos vendidos na ExpoCristã, possuímos as justificativas que acompanham
educação de seus filhos, no seu lazer, na sua própria instrução.
esses
do
-
Em.outro.cartão, vê-se a imagem do menino Mrg_qeg.urando uma bola, de eostas para a porta de sua casa, ouvindo alguém bater nela. Os dizeres da ilustração são: ")esus quer te visitar. Ele sabe o que [síc] você precisd'. A figura remete às representaçÕes de fesus batendo à porta ("Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha-voz e abrir a porta; entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele,
comigo'
- Apocalipse 3, zooo), mas, enquanto nas imagens tradicionais Cristo geralmente aparece do lado de fora da porta, nessa figura Mig ouve ou sente algo vir do lado de fora. Isto é. a ênfase está na atitude e no sentimento do cristão. e não em uma imagem pronta de Cristo, que no caso da produção de Márcia D'Haese é sempre sugerida, mas raramente representada. Por outro lado, a mensagem escrita "Ele sabe o que você precisa" - permite que o receptor da imagem identifique-se com a mensagem, trazendo
à mente aquilo de que necessita. Em tese, o grau de participação do consumidor conferido por um produto é variável conforme o.produto - alguns são mais propícios para essa relação do que outros -, e um jogo de tabuleiro ou um livro de colorir podem suscitar maior ação do consumidor do que um livro; porém., dependendo do conteúdo do livro, este pode gerar mais reações no leitor do que tm software interativo. Portanto, os
sentidos possíveis de um determinado objeto religioso não estão inscritos somente na sua natureza, mas também na sua utilização ou nos sentidos que suscita no con-
sumidor, que podem variar conforme sua circulação e o grau de debate ou repercussão que determinados produtos podem suscitar. Tal conclusão surgiu durante a
produtos. Isso também faz parte do seu sentido nesse mercado em expansão, que se pretende constituir em uma inslqnciq lefev€nte la vida da "lgrçja de Cristo'l àtúàndo como interlocutór de üm público heterogêneo é como espaço dã congregação dessa diversidade, diferentemente do mercado secular.
O sentido missionário se faz presente em boa parte dos câtálogos que apresentam e justificam os produtos da ExpoCristã. Entrevistamos seis empresários que éxpuseram seus produtos na feira em diferentes edições, por meio de três perguntas: Por que expor na ExpoCristã? Desde quando expõe? Como avalia o retorno (financeiro, espiritual etc) - valeu a pena expor? Como razão para expor, a resposta unânime foi a de que a feira oferece boas oportunidades de negócios e uma importante vitrine para seus produtos, ainda que para alguns os custos sejam altos, em especial para os que são de outros estados. Sobre o retorno flnanceiro, Márcia D'Haese, diretora de arte da editora Arco e exposítora desde 2oo2, afirmou: 'A gente tem tantas despesas com esse evento, que, se formos olhar apenas para o retorno financeiro, não diria que vale a pena, não"a6. Segundo o editor da editora Arco, Hialmar D'Haese, a ExpoCristã é [...] a maior feira no setor. Não gosto muito do approach comercial, mas é uma boa oportunidade parafazet contatos e vendas. Por causa da feira, os livreiros não compram nada no mês anterior e posterior e concentram toda compra lá - além de ser mais prático, usufrui das ofertas. O sistema acaba induzindo a participar, porque o custo é muito grande, quase proibitivo, mas não participar pode ter consequências maioresaT.
análise da circulação dos cartões e dos marcadores de página do Smilinguido, que
43. 44. 284
K. K. Bellotti, op. cit.,2o1o. Bíblia versão Almeida Revista Missão e Pregação
e
Atualizada.
K. K. Bellotti, op. cit., zoro. 46. Entreústa concedida por e-mail em rz de janeiro de zorr. 47. Entrevista concedida por e-maíI em rz de janeiro de zorr. A Expocristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil
(2001-2010)
285
Destaca-se também a resposta de Nelson Tristão, representante da gravadora Onimusic, expositora em zoo6, 2oo7, 2oo9 e 2o1o, ao ser indagado sobre a razã.o de participar da ExpoCristã: Expomos nossos produtos apenas nessa feira, existem outras pelo BrasiÌ, mas uào participamos. Em nosscl entendimento, produtos cristãos [...] precisam ter um tratamento dife rencia
Sobre o retorno da feira para a companhia, Tristão avaliou em termos espirituais o inyestimento da empresa, afirmando que a parte comerciaÌ Í'oi feita para
servira.cada ministérlo dog minis{ros
assoçiados:
:
: .
. .'
Temos uma hlosofra de trabalho que é a de honrar a Deus e servir às pessoas, sejam ministros cujos.produtos distribuímos. [...] Um exemplo desse nosso modelo: você não vai ver nenhum anúncio nosso dizendo'b mais esperado co de todos os tempos" ou 'b maior cantor evangélico da atualidade'l aqui no nosso departamento elas consumidóres finais, lojistas ou
tarnbém .,.ejo muito consumo, brilhantismo, extravagâncias que não combinam de jeito nenhum com os valores que angnciamos ministerialnente. É um parâdoxo, pois nós ver-tdemos produtos com mensagens, e, quando a ideologia do trabalho é ferida com uma prática incoerertte, a gente se pergunta que caminho seguir, então. Muitas vezes o que me motiva a continuar é o retorno de gratidão, o encorajamento de pessoas nas quais eu percebo sinceridade
e
empenhot'.
TaÌ ambivalência também é observada por Hialmar l)'Haese no que se refere à competiçáo comercial que ocorÍe dentro da feira, acirrada pelo próprio esPaço
físico e péla oportunidade de lojistas e consumidores finais compararem Preço quatidaae dos produtos
à
e
venda:
Mas, como tudo tem dois lados, mesmo comparando nào vencem só os melhores. Vou dar um exemplo: se um concorrente esrá desesperado e oferece 7oo/o de desconto, ele abocariha uma fatia maior do mercado, tirando dos concorrentes sadios. Mesmo meses depois,
quando o cômprador'Uescobriu" que comprou prodüto micado - isto é, estava barato Porque não:vènde, ná-o gira -,."r", depois o compracloi-aindã espere acabar o produto rnicãdo anles de comprar o produto bom. Pensa que as ìojas aprendem com isso? Ledo engano - as ofertas financeiras. falam mais alto do que a quaÌidade do produto, da arte, da mensagem, lécnicas artísticas e teológicas".
s de casting de
Ainda que parte dos expositores nào endosse comPletamen(e a forma como
artistas âqueles cujos produtos distribuímos, mas de ministros associados, porque casting sig
a feir*é conduzida, prevalece a noção de que deixar de comparecer a essa enorme
nifica molde [...]. Enfim, nosso propósito é servir a Deus e à sua igreja com um alimento espirituai saudável em forma de ?anção. Para que isso aconteça, cremos que é fundamental manter a totaÌ liberdade cle cada ministro para que ele flua em Deus de forma plena. Levamos
vitrine causaria mais prejuízos do que benefícios aos empresários
de comunicação é proibido o uso desses termos. Outro exemplo, não chamamo
então essa nossa identidade para a ExpoCristã e cremos que também tivemos um resultado no campo espiritual favorável, porque nos foi possível comunicar esses valores para as pessoâs4e.
|á o cantor e pastor Fernando Mukulukusso, da Academia Brasileira de Black Music (ennrr), afirmou que a feira é útil para a divulgação de novos reÌacionamen-
tos para negócios futuros, e, mesmo que a maior parte das pessoas participantes do evento seja cristã, "nada me eleva espiritualmente, pois as pessoas têm mais euforia comercial do que espiritual"to. Márcia D'Haese, diretora artística da Arco, também não gosta 1..-l
do merchandising e da avidez comercial presentes no evento. Ao mesmo tempo que
encontro pessoas sérias e comprometidas com o crescimento pessoal, espiritual da sociedade,
48.
286
-
D'Haese) quanto pessoas empenhadas em comercializar uma produção séria.
Linguarudos Insolentes e a Força da Internet Há controvérsias quanto à força dessa mídia e desse mercado em promover evangelismo para fora da comunidade evangélica. Repetindo a Pergunta de Heather Hendershot para o mercado evangélico americano, estariam os evangélicos brasileiros mais preocupados em pregar para o seu próprio rebanho? Os críticos ferrenhos dessa prática acusam iniciativas como feiras de exposição e Marcha para Jesus de serem atividade inócuas e afastadas do Evangelho "puro e simPles'] além de serem
Entrevista concedida por e-mail dìa r3 de janeiro de zon.
49. Ibidem.
5o.
e produtores
em especial para aqueles que estão em busca de ampliação de sua rede de distribuição. Pelos depoimentos, observa-se que o mercado pode tanto ser um meio missionário, como um mal necessário, personificado na figura da grande feira de exposições, em que há tanto "extravagâncias" (não especificadas por Márcia
Entrevista concedida por e-mail dia u, de janeiro de zorr. Missão e Pregação
51. 52.
Entrevista concediáapor e-mail em rz de janeiro de zorr. Entrevista concedida por e-maíI em rz de janeiro de zorr. A Expocristã
e a
Cultura Material Evangélica no Brasil (2001-2010) 287
feitas para promover determinadas lideranças que muito
terian lucrado política e financeiramente com essa visibilidade, tais como Malafaia e o casal Hernandes. Em zoog e em 2o1o houve um protesto silencioso, cujos integrantes emblematicamente percorreran-i os corredores da feira com camisetas pretas, com os dizeres "O Show tem que acabar'] sendo que a letra'o'foi substituída por uma moeda de um real. vdeos com depoimentos de visitantes da Expocristã. zoro para o grupo estão disponíveis na internet. Ainda que minoritária, esta presença remete-nos à seguinte questão: o que está em jogo nas críticas à Expocristã? Nelas encontramos a antiga condenação aos "vendilhões do templo", presente no Novo Testamento. Mas, a julgar pelas alianças entre Expocristã e líderes conhecidos da Teologia da Prosperidade no BrasiÌ, essas críticas tambem dialogam com práticas e polêmicas mais recentes, ço{no a guinada de Silas Malafaia para a Teologia da prosperidade e a ampliação do mercado evangélico de modo geral. E outro grande alvo de críticas
e chacotas é-lygtqmente essa cultura ma1e1f{ mlsqiva, considerada como-prárica e iÌegítima, umâ extravagância e uma interfeiência mundana.
'oportunista
De fato, conforme afirmou McDannell, a cultura material religiosa foi negligenciada nos estudos americanos de religião por origihar-se em elementos excluídos dos círculos teológicos, que produziriam o saber autorizado (leia-se escrito) da religião. Esse ponto de vista também pode ser observado nas críticas dos blogueiros, que muitas vezes ressaltam os aspectos considerados pitorescos da ExpoCristã, como o anúncio de cueca magnética, em 2oo9, apontado peÌo bloguma Estrangeira no Mundos3, ou ainda o shofar de cordeiro, no blog púlpito cristão5a. Na qualidade de críticos de práticas "heréticas'l colocam-se na posiçào de guardiães da fe, agindo nas margens, assumindo uma postura contracultural de combate aos "mundanismos" infiltrados no meÍo evangélico. A julgar pela quanti-
dade de comentários que esses e outros textos suscitam, não são poucos os evangélicos que se incomodam com essas práticas.
com intensa atividade na blogosfera, alguns jovens evangélicos criticam a "Expo Mamon" e a "Marcha para Gezuz"ss. Ao mesmo tempo tem se divulgado 53. Ver texto "Um dia na Expomamonl disponível em:
54-
na grande imprensa uma "Nova Reforma Protestante" em curso no Brasil, que estaria ocorrendo por meio de uma extensa rede de evangélicos, alguns dissidentes
de grandes denominaçòes ou igrejas, organizados em pequenos grupos de cultos domésticos. Parte desse público manifesta suas opiniões e promove debates pela
internet, criticando duramente a Teologia da Prosperidade e práticas correlatas, colsideradas modismos lançados por pastores e pelo mercado. Tal tendência despertou a ira cle Silas Malafaia, que classificou os blogueiros evangélicos de "Ìinguarudos insoìentes'l segundo o blog "Púlpito Cristão", em comentário ao programa
Vitór.ia.emCristoder6deabrildezoto.o.@eoutramídia desponte na história evangélica
- a internet *, seja por meio
das lojas virtuais, seja
pelos portais evangélicos, seja pelas páginas de igrejas e ministérios, seja pelos blogs e pelo YouTube, que permitem a manifestação de pessoas que, em outros tempos, dificilmente teriam espaço nas mídias tradicionais. A iriternet inclusive pelmile a pirataria de títulos e de músicas evangelicos - e possível, por exe_mplo, achar titulos completos de Max Lucado, f oyce Meyer e Benny Hinn em sites e pro, gramas de troca de arquivos. Outra ferramenta muito usada sào as redes sociais (Orkut e Facebook), nas quais encontramos comunidacles compostas por jovens evangélicos em geral e também divididos por igrejas. Encontram-se até comunidades da Congregação Cristã do Brasil, denominação pentecostal conhecida por oficialmente proibir o uso de mídia por seus fiéis. Contudo, em se tratando de um país em llue uma grande porção da população ainda não usufrui de acesso à internet, o alcance desse veículo é limitado, ainda que tenha crescido nos últimos anos. Para quem não possui acesso às novas mídias, restam as mídias tradicionais,
objeto de disputas entre lideranças de igrejas como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja InternacionaÌ da Graça e Igreja Mundial do Poder de Deus, ainda
que seus índices de audiências sejam sempre baixos. De qualquer forma, a sua existência se explica como recompensa a pastores que se esforçaram em seus ministérios, como elemento de status para o rebanho de uma determinada igreja, e
muitas vezes como símbolo máximo de prestígio de uma liderança. Geralmente os programas evangélicos, compostos de formatos consolidados (pregação, conversa, programa de auditório, videoclipes, entrevistas e testemunhos), são tam-
o9lrzlum-dia-na-expomamon/>, publicado em rz de setembro de zoog e consuÌtado em zr de fevereiro de zorr. Yer texto "Procurando Chifre em Cabeça de Cordeiro", dìsponível em:
bém veículos para anúncio de produtos e para divulgação de eventos e viagens. Contudo, por vivermos em uma cultura de convergência57, tem sido cada vez mais
com/zoo9/oglprocurando-chifre-em-cabeca-de-cordeiro.html>. Publicado em 15 de setembro de zoo9, consultado em er de fevereiro de zou. Principais fontes consultadas - B/ogs "Púlpito cristão" (), iA.s Pedras clamam" (), "Bereianos" (
56.
pot.com/>), e 'uma Estrangeira no Mundo" (), consultados entre 4 de janeiro e zr de fevereiro de zou.
Ver texto "Silas Malafaia Responde aos Blogueiros e Acusa-os de Caluniadores, Bandidos e Insolentedl disponível em: . Publìcado em t7 de abril de zoro. Acesso em: 3r de janeiro de zorr. Para o comunicólogo Henry jenkins, a cultura da convergência não é tanto a conjunção material de diversos meios de comunicação para transmissão de informações, mas sim uma prática
Missão e Pregação A Ëxpocristã e a Cultura Material Evangélica no Brasil
(2001-2010)
289
frequente que declaraçoes dadas por Malafaia no seu programa de rv "Vitória em Cristo" sejam critieadas e ironizadas por blogueiros, gerando respostas enfurecidas do pastor em seu programa. Dessa forma, algo que costumava. ter balxos
para o mundo moderno. Não é dernais lembrar que o termo propaganda foi criado no seio da competição e controvérsia entre católicos e protestantes, clurante a
índices de audiência tem ganhado sobrevida por conta da internet, seja porque cada
No baso da ExpoCristã, além dos inúmeros produtos e serviços clisponíveis nas edições da feira, existem várias ofertas de cursos de ministerio, adoração, aperfeiçoarnento teológico, com o intuito de constante expansão não somente do
vez mais redes c1e rv e de rádio têm disponibilizado na rede seu programa, seja porque consumidores ressoam o que ouvem e assistem, disponibilizando trechos de programas, montagens, charges e textos58. Não se pocle negÌigenciar também ou-
tra ferramenta com crescente uso: o telefone ceiular, que tem permitido a troca de e arquiVos, mesmo porïJuem não possui acesso à internet fura. Objeto de desejo da juventude --mensagens
e de
boa parte da população, o ceÌular tem se mostrado fonte
de rápida difusão de dados, fotos e músicas, aumentando o potencial da internet.
A análise das tendências vigentes na cultura evangelica brasileira deve levar .em conta âs relações entre os diferentes veíbulos de mídia, seus usos e suas conexões
com o mçrcado evangelico
-
tendo em mente que tanto parte dos consumjdores
Reforma, no século xvr5e.
campo ministerial, mas da possibilidacle de redes de sociabilidade com outros cidadãos da'Ímesma nação'l A Bíblia nunca é suficiente, um curso de teoÌogia ou de estudo bíblico nunca é suficiente, pois nessa lógica Deus e eterno, mas nào e imóveÌ, e revela constantemente aos seus Íìlhos as novas dirgções a serem tornadas, pois a sociedade muda múito mais rapidamente do que a religião. A multiplicação de ministérios, institutos, acarnpamentos para aumentar as potencialidades dos 6eis como rebanho e como sacerdotes e testemunhas de Cristo, bem como a
çlglçg!.te oferta de livros, também aponta para o preenchimgnto de
_uma guposta
quarJto também os criticos desse consumo se veem como agentes de evangelizaçâo.
insuficiêncìa, conforme se encontra no catálogo da Graça editoriãl pãra )oo5:
Ao mesmo tempo que essa cultura de consumo religioso tem sido capitaneada por fortes lideranças do meio pentecostal, eÌa permite que seus consumidores entrem em contato com ferramentas e informações que levam ao questionamento e à renovação de posturas individuais. Por outro lado, ela também permite que os fieis se alimentem sempre do mesmo caldo cultural de sua preferência, reforçando suas
[...] chegou a Revista <ìos procíulos da Craça Editoriâl .zoo5! Sabenros quc murros filhos de Deus encontram dificuldades para adquirir boas publicações cristãs. Por isso, desenvolvemos essa excelente alternativa, a fim de contribuir para o crescimento espiritual do povo de Deus. Oferecer uma literatura à altura da chamada dos servos do Senhor é o
convicções e seus gostos
-
as reaçoes
veementemente contrárias aos protestos silen-
ciosos dos blogueiros traduzem muito dessa tendência.
O que não se pode mais separar nessa perspectiva de análise é a mídia e o mercado da vida cotidiana. A mídia e o mercado incÌuem as experiências de formação de sentido na vida cotidiana, desde o ávido consumidor e entusiasta ao consumidor crítico ou esporádico. Isso não é diferente no caso de muitas religiões no Ocidente, que têm assumido o papel de tradições reinventadas à luz de estratégias de marketing e publícidade desde o século xIX nos Estados Unidos,
e
' desde o século xx em outras partes do mundo, a fim de reafirmar sua relevância
nosso objetivo.
Não importa que outros tantos também ofereçam produtos semelhantes; importa que quem possui a sua versão se faça ouvir, pois ela se coloca como melhor do que as outras. Nessa lógica de competição, em que cada empresário procura se diferenciar dos demais, ressaltando as benesses de seus produtos, a verdade e a bênção produzida são os aspectos rnais valorizados. Dessa forma, a união e congregação dos cristãos prometidas pela propaganda da ExpoCristã se dá muito mais
entre consumidores do que entre os empresários cristãos, ainda que muitos destes se vejam genuinamente em uma missão evangelizadora, conforme observamos nos depoimentos de expositores da ExpoCristã.
58. ,
humana, que se utiliza de diversos meios de comunicação para fazer as informações circularem. Para jenkins, uma das principais características da cultura da convergência é a inteligência colaborativa, o que se observa entre alguns blogueiros evangélicos em questão neste estudo. Ver H. Jenkins, Cultura da Convergência, São Paulo, Aleph, zoo8, pp.25-57. ExempÌo candente disso é o episódio que envolveu a participação do pastor americano Morris Cerullo no programa Vitória em Cristo de 8 de agosto de zoo9, que propôs a oferta de novecentos reais paraa Bíblia Batalha Espíritual e Vitória Financeira, com comentários do pastor americano. No dia seguinte ao programa, a repercussão foi crescente por meio do YouTube, em que trechos do programa foram disponibilizados. Em pouco tempo, montagens utüzando o áudio do programa foram ao ar, feitos por pessoas descontentes com a proposta.
29o
Missão e Pregação
A ideia de abundância é chave para compreender a ExpoCristã, inspirada em outra iniciativa que repousava sobre a pujança do mercado consumidor americano, a International Christian Retail Show. O reverso dessa moeda na economia de mercado religioso é a insatisfação - o seu testemunho pode ser sempre melhor,
59. A. Briggs
e P. Burke, Uma
História Social da Mídia
-
de Gutenberg à Internet, Rio de |aneiro, forge
Zahar,zoo4. A Expocristã e a Cultura Material Evangélica no BÍasil
(2O01-2010)
291
Ao discutir possíveis definições sobre a história cultural, Peter Burke suge- uma "variedade de história antropológica'] por conta
como também sua atitude cristã, seu conhecimento perante seus pares, sua biblioteca, seu vestuário, sua casa, seu emprego. Uma característica crucial do pro-
riu outra denominação
testantismo brasileiro é que, ainda que tenha se estendido às camadas populares, boa parte dele não tem se considerado uma religião de pobres. E, muito antes da TeoÌogia da Prosperidade, o conceito de povo escolhido, que deve se distinguir do restante do povo brasileiro que não é convertido, realiza-se por diversos compor-
da influência dos estudos antropológicos sobre cultura como "artefatos herdados,
tamentos; e, desde os últimos vinte ou trinta anos, também por sinais materiais que ultrapassam a tão almejada prosperidade, passando agora pelos produtos e
dimento de marketing religioso e parte de uma Ìonga cadeia de estratégias desenvolvidas por evangelicos de muitas vertentes, que têm se utilizado de vários meios
serviçoso|erecidosemfeiraselivrarias@adiversidadeda história evangélica, imprimindo um caráter pentecostal a esse universo. Mas há objetos e serviços para quem nào sè envolve com essa ou aquela teologia; há cura, culinária, dicas de saúde e bem-estar; há bíblias para todos os gostos, com diferentes [ormatos, voltados para faixas etárias, gênero, necessidades -ou-situaçÕes es'peciais, preferências de tradução- Há cursos de aperfeiÇoamento e. viagens à Terra Santa, aliando conhecimento e fruiçâo; há camisetas e todo tipo
bens, processos técnicos, ideias, hábitos e valores" (Malinowski) ou 'dimensões simbólicas do real" (Geertz)6'. Isso explica em parte o caráter um tanto etnográfico deste texto, ao analisar um tema da história recente. Mas a história deste empreen-
l-
de comunicaçã.o para evangelizar. Assim, ao mesmo tempo que se
fal necessário
descrever e mapear esse campo de açÕes e discursos construídos por segmentos evangélic'os brasileiros, e importante circunscrever essas práticas a uma história do protestantismo brasileiro e norte-americano, em que missão, propaganda e meriado têm reÌações por vezes estreitas, por vezes problemáticas. . Dessa forma, a história cultural das religiões que advogo praticar neste texto traduz-se em algumas ëscolhãs: ná:escolha do objeto, a ËxpoCrisla e u.uÍturu -r-
produtos para campanhas (jocosamente apelidados de "macumba evangélica" por Silas Malafaia, ele mesmo donoda editora Central Gospel, que lança seus produtos.
terial, voltada para os usos cotidianos de seus consumidores; na abordagem, entre a antropologia e a história cultural, que privilegia a cultura no plural dos sujeit
e os de seus familiares). Há brinquedos lúdicos, educativos, modernos e tradicio-
para uns, e fragmentáría para outros; na cultura visual e material que compõe essa
nais para agradar o gosto de pais zelosos com o divertimento a que seus filhos
cultura evangélica mercadológica e midiática; e nos sentidos que
estão expostos.
adquirem para seus produtores e consumidores, articulando-se a subjetividades e identidades evangélicas. No que se refere às especificidades da mídia, a história cultural incentiva a enxergar o movimento de produção, circulação e apropriação dos produtos culturais6'. Os veículos analisados têm lançado produções que permitem maior apropriação do cotidiano, despertam emoções, promovem identificação não somente entre artistas e público, mas ajudam a criar um sentimento de pertença à "nação evangélica'l deixando espaço para que a indiúdualidade se
de acessórios, há decoração domestica para o lar crisl.ão, lembrancinhas e brindes,
Há os tradicionais livros, revistas, jornais, cujo conteúdo varia do boletim de notícias ao estudo bíblico e vida cristã, dilemas e problemas da vida adulta ou
juvenil, embalados em diversas grifes - conselhos dados por apóstolos, bispos, pastores e pastoras, celebridades do mundo gospel. Há |aime Kemp, Mara Maravilha, Dedé Santana, Silas Malafaia, Jabes Alencar, entre uma infinidade de outros nomes. Uns construíram seu nome e sua obra em anos e até décadas de trabalho mi-
nisterial; outros têm construído sua reputação mais recentemente pelos circuitos da cultura go spel, por ministrações, palestras, louvores.
essas
culturas
manifeste (em alguns produtos mais, em outros bem menos), entre o amplo espectro que vai de 'bvelhas" a "linguarudos".
O que se testemunha nas edições da ExpoCristã é a constituição de um merca-
do evangélico que não possui nenhuma relação com a grande mídia secular
-
pelo
contrário, por conta da demanda consolidada da indústria fonográflca, Som Livre
e
Sony Music decidiram investir no filão. Magali Cunha demonstrou um fenômeno que perdura: a força da cultura
go
spel alavancada pela música de louvor e adoração.
Porém, ainda que existam redes de televisão e de rádio evangélicas, além dos horá-
rios alugados para programas evangélicos diversos, observa-se que a força da mídia evangélica tem se alicerçado em outras bases as
-
na indústria fonográfica (o que inclui
rádios musicais), nos'ãlternativos" e na tradicional mídia impressa.
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Missão e Pregação
6o.
6r.
Burke, Variedades de História Cultural, Rio de |aneiro, Civilização Brasileira, 2ooo, pp. 244-247. R. Chartier, História Cultural entre Próticas e Representações,Lislsoa, Difel, zooz. P.
A Expocristã e a Cultura Material Évangélica no Brasil (20O1-2O1O) 293