A EDUCAÇÃO SEGUNDO HUMBERTO MATURANA 1 Valéria Moura Venturella2 MATURANA Humberto Maturana, médico, biólogo e pesquisador chileno, em colaboração com seu colega e compatriota Francisco Varela, é o autor da chamada Teoria da Cognição de Santiago. Essa teoria identifica o processo de conhecer com o processo de viver. TEORIA DA COGNIÇÃO Em seu livro A Árvore do Conhecimento, Conhecimento, escrito em colaboração com Francisco Vare Varela la,, Ma Matur turana ana de defifine ne a vida vida como como um proc proces esso so pe perm rmane anente nte de conhe conheci cime mento nto,, identificando o viver com o conhecer. Sua teoria da cognição, conhecida como Biologia da Cognição ou como a Teoria de Santiago, coloca os seres vivos como co-construtores do mundo, seres em constante constante processo cognitivo, condição condição essencial essencial para a conservação conservação da vida. Segundo a Teoria de Santiago, os seres vivos constroem o mundo, de maneira incessante incessante e interativa. interativa. Influenciamos Influenciamos e modificamos modificamos nosso meio à mesma medida em que somos influenciados e modificados por ele, e nesse processo, construímos também nosso conhe conheci cime mento nto da real realid idad ade. e. Assi Assim, m, o mu mundo ndo nã nãoo é an anter terio iorr à nos nossa sa exper experiê iênc ncia ia ou independente dela, e nosso conhecimento sobre ele não é uma representação mental da realidade. O mundo é produzido pelo viver em conjunto dos seres vivos, que o conhecem à medida que vivem, aprendem e interagem. Maturana não acredita que exista uma racionalidade subjacente aos eventos da realidade, ou uma finalidade para eles. “O mundo segue à deriva” afirmou o biólogo em uma entrevista para a revista Tierramerica, em 2000. AUTOPOIESE Assim como Descartes e outros pensadores clássicos, Humberto Maturana define os seres vivos como máquinas. A peculiaridade de sua teoria está na constatação de que, diferentemente dos aparelhos mecânicos comuns, os seres vivos têm a capacidade de se “autoproduzirem”, ou seja, os seres animados contam com a autopoiese. Para o autor, os Texto produzido como pré-requisito para a aprovação na disciplina Desenvolvimento Humano e Educação, ministrada pela Profa. Dra. Bettina Steren dos Santos no Mestrado do Programa de PósGraduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – de março a julho de 2004. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora professora dos cursos de Pedagogia e Letras da Pontifícia Pontifícia Universidade Universidade Católica Católica do Rio Grande do Sul – Campus Uruguaiana. 1
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seres seres vivos vivos nã nãoo se de defifine nem m ap apena enass po porr sua sua organ organiz izaç ação ão comp comple lexa xa – que pod podee ser ser en enco cont ntra rada da em má máqu quin inas as nã nãoo viva vivass – ma mass prin princi cipa palm lmen ente te po porr seus seus proc proces esso soss de autoconservação, processos esses garantidos pela cognição. Para Maturana, a atividade de organização organização de todos os sistemas vivos, assim como sua sua inte intera raçã çãoo com com seu seu me meio io,, é cogn cognititiv iva. a. É po porr me meio io da pe perc rcep epçã çãoo do me meio io,, e de mecanismos de regulação interna que os seres vivos se adaptam ao meio, e também adaptam o meio a si com o objetivo objetivo de se conservarem conservarem vivos. Ao modificar suas estruturas estruturas para responder às influências ambientais, o organismo vivo modifica seu presente e também seu devir, ou seja, aprende. Na Biologia do Conhecimento, viver é aprender. EMOÇÃO Ao longo de sua obra, o autor chileno incita seus leitores à constante reflexão ao questionar e problematizar muitos conceitos e afirmações geralmente aceitos sem muita conside consideraç ração. ão. Uma dessas idéias idéias é a de que os seres seres hum humanos anos são essenc essencial ialmen mente te racionais, sendo essa característica nosso traço mais distintivo enquanto espécie. Maturana é categórico ao colocar que não é a racionalidade, mas sim as emoções que regem nossas ações e mesmo nosso pensamento mais formal. Maturana define emoção como uma configuração corpórea, ou seja, física, que determina a reatividade de qualquer ser vivo, inclusive os seres humanos. Assim, de acordo com o autor, nós agimos e pensamos segundo nossas emoções. E ele vai mais longe ao afirmar que mesmo nossos sistemas racionais, isto é, nossas teorias e concepções mais lógi lógica cass e coer coeren ente tess sobr sobree o mu mund ndoo e nó nóss me mesm smos os,, são são de dete term rmin inad ados os po porr no noss ssas as disposições emocionais. Isso ocorre porque: todo sistema racional se baseia em premissas fundamentais aceitas a priori, aceitas porque sim, aceitas porque as pessoas gostam delas, aceitas porque as pessoas as aceitam simplesmente a partir de suas preferências (2002b, p. 18).
Assim, os próprios fundamentos de nossas ciências são alicerçados na emoção, o que as torna bastante arbitrárias. O autor, porém, ressalta que esse entrelaçamento entre no noss ssaa razã razãoo e no noss ssaa em emoç oção ão nã nãoo de deve ve ser ser cons consid ider erad adoo um umaa limi limita taçã çãoo a no noss ssaa racionalidade, mas sua própria condição de possibilidade. Diferentemente dos outros seres vivos, nós seres humanos temos a capacidade de refletir sobre nossas emoções, discuti-las, colocá-las em questão e até mesmo mudá-las através do uso de nossa razão. Somos os únicos seres capazes de uma meta-emoção. AMOR
Outra concepção questionada em seus trabalhos é a respeito da competição como a principal mola propulsora da evolução dos seres vivos. Maturana não hesita em colocar o amor como amor como o princípio fundante de toda inter-relação viva. O autor define a competição como um fenômeno cultural humano de negação, derrota e destruição do outro. Nessa perspectiva, perspectiva, a compet competição ição é um evento inexistente inexistente no mundo natural, uma vez que a sobrevivência de um indivíduo ou de uma espécie não depende da destruição do outro. Segundo ele, os seres vivos não humanos não competem, fluem entre si e com outros em congruência recíproca, ao conservar sua autopoiese e sua correspondência com um meio que inclui a presença de outros, ao invés de negá-los (2002b, p. 21).
Por outro lado, a palavra amor tem para o autor um sentido bastante específico. O amor não é um sentimento, mas uma emoção, emoção , ou seja, é uma disposição física dinâmica que define certos domínios de ações. Assim, o amor é um domínio de ações em que cada um reconhece o outro como um ser legítimo na convivência. EDUCAÇÃO No primeiro capítulo de seu livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política , Maturana apresenta uma proposta para a educação de seu país. O autor explicita que seu projeto é específico para o Chile, mas mesmo assim, ele poderia ser considerada universal, uma vez que se baseia em princípios fraternos e éticos de convivência entre seres humanos e entre os seres humanos e o mundo que lhes rodeia. O autor inicia por definir a educação como um processo em que o educando, inserido em seu meio, convive com os outros e, nessa convivência, se transforma espontaneamente e também influencia na transformação de seu meio e dos outros. Segundo o autor, um dos objetivos da educação é a busca de congruência entre o ser que se educa e seu meio. A educação é, desse modo, um desenvolvimento permanente e recíproco. A seguir, Maturana apresenta o princípio a partir dos quais a educação de seu país deve se desenvolver: a aceitação e o respeito de si mesmo e dos outros no espaço em que convivem. convivem . A partir desse princípio, vários desdobramentos são possíveis de ser idealizados, entre eles o currículo, o tratamento dos erros, a avaliação e a relação entre professores e alunos. Segundo essa proposta, a educação para a auto-aceitarem e o respeito por si mesm me smoo – que leva levará rá à acei aceitaç tação ão e ao resp respei eito to pel pelos os out outros ros e pe pela la comu comuni nidad dadee de convivência convivência – só pode ocorrer se as pessoas tiverem tiverem a oportunidade oportunidade de se envolverem envolverem em saberes e fazeres que lhes sejam significativos, isto é, que tenham a ver com suas vidas, com seu lugar, com seu cotidiano. Segundo o autor, um currículo baseado em atividades
significativas leva cada pessoa a refletir sobre suas atividades e sobre sua comunidade, e é essa reflexão que nos conduzirá ao conhecimento de nosso mundo e à participação efetiva em sua constante criação e re-criação. Nessa perspectiva, perspectiva, os erros, em vez de ser evitados e punidos, punidos, devem ser tratados como parte do processo de aprendizagem, como legítimas oportunidades para reflexão e mudança tanto por parte dos alunos como por parte dos professores. Por sua vez, a avaliação deve ter como base a seriedade e a responsabilidade com que cada um realiza suas tarefas. Desse modo, cada aluno deve ser avaliado avaliado a partir do valor intrínseco intrínseco de seu próprio trabalho. No que tange a relação entre professores e alunos, e à relação dos alunos entre si, Maturana sustenta que uma educação baseada em respeito e aceitação é incompatível com a competição, uma vez que essa, como já foi mencionado acima, nega o outro em sua legi legititimi mida dade. de. Ao contr contrár ário io,, a propo proposta sta ed educ ucac acio ional nal do au auto torr chil chilen enoo reco recome menda nda qu quee aprendamos a interagir harmônica e igualitariamente, sem termos de recorrer a castigos ou à negação do outro em qualquer medida. Como objetivo da educação, Maturana coloca a transformação harmônica do mundo, em uma convivência que, por não estar baseada na competição, não gera abuso ou pobreza, nem das pessoas, nem do meio. Ele julga essencial que recuperemos a harmonia fundamental que não destrói, que não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas que deseja conhecê-lo na aceitação e no respeito para que o bem-estar humano se dê no bem-estar da natureza em que se vive (2002a, p. 34).
Uma vez que somos co-criadores de nosso mundo, o autor acredita que, ao nos to torna rnarm rmos os refl reflex exiv ivos os,, ap apren rende demo moss que não somo somoss au autôn tônom omos os em nos nosso so vive viver, r, po pois is dependemos de nossa interação com os outros e com nosso meio. Ao mesmo tempo, a reflexão nos dá a oportunidade de perceber que o mundo em que vivemos depende de no noss ssos os de dese sejo jos, s, e pa pass ssam amos os a ser ser livr livres es e resp respon onsá sáve veis is po porr no noss ssos os at atos os e pe pela lass conseqüências deles. A proposta educacional de Maturana pode ser avaliada como transformadora, sem deixar de ser muito otimista. O autor acredita que é possível que se construa, a partir de uma educação significativa e reflexiva, um mundo mais justo e mais harmônico.
REFERÊNCIAS ____________; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 2. ed. São Paulo: Palas Athena, 2002a.
MATURANA, MATURANA, Humberto. Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política . 3. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002b. Revista Tierramerica. 19 de novembro de 2000. «http://www.tierramerica.net/2000/1119/ppreguntas.html».
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