MASSAUD MOISÉS
PROSA 1
21ª Edição
MASSAUD MOISÉS
A Criação Literária PROSA-1 FÔRMAS
EM PROSA • 1
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O CONTO • A NOVELA • O ROMANi,CE
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Copyright © 1967 Massaud Moisds.
Dados Internacionais de Catalcgação na ?ublicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moisés, Massaud, 1928A criação literáfia : prosa 1 / Massaud Moisés. -- 20. ed. -- São Paulo : Cultrix, 2006. .
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' '"Fl>rmas em ~- - O eonto - A ntlvela O romance" • Bibliografia. ISBN 978-85-\16-0436-2 1. Cont0 2. C)l:ação (Literé.ria, arri~tiça etc) 3. Ficção - Histór.f e crítica, 4. ~iteratura em Prosa 5. Romance - História é critica 1. Título.
05-8415
CDD-808.888 Índices para catálogo sistemüico: l. Prosa literária : Literatura
808.888 ·
O pri.neiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena à direita indica o ano em que esta edição, ou reedição foi publicada. Edição
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EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mário Vicente, 368 - 04270-000 - São Paulo,.SP Fone: 2066-9000 - Fax: 2066-9008 E-mail:
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Para meus filhos, Ana Cândida Beatriz Cláudia Maurício Rodrigo (
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Sumário
PREFÁCIO DA 1• EDIÇÃO ................................................................. 9 PREFÁCIO DA 9• EDIÇÃO ..................... ;................................. :......... 13 NOTA PRÉVIA ..................................................................................... 17 1. FÔRMAS EM PROSA ........................................................................... 19 ll. O CONTO .............................................................................................. 29 1. A Palavra "Conto", 29 / 2. Históri~ do Conto, 32 / 3. Conceito e Estrutura, 37 / As Unidades do Conto, 4t> / Peisonagens, 50 / Estrutura, 52 / Linguagem, 53 / Trama, 65 / Ponto de Vista, 66 / Tipos de Conto, 73 / Começo e Epilogo no Conto, 81 / Conto, Poesia e Teatro, 85 / 4. Conto e Cosmovisão, 88 / 5. "A Cartcmante", 90 / 6. "Questão de Familia", 95 / 7. "No Judim", 99 / 8. Gráfico do Conto, 101 m. A NOVELA ........................................................................................... 103 1. A Palavra "Novela", 103 / 2. Histó~ da Novela, 104 / 3. Conceito e Estrutura, 112 /Ação, 113 /Tempo, 115 /Espaço, 117 /Estrutura, 118 / Linguagem, 120 / Pemonagens, 125 / trama, 126 / Começo e Epilogo na Novela, 128 / Ponto de Vista, 133 / ~ipos de Novela, 134 / Novela, Epopéia e História, 142 / 4. Novela e cbmiovisão, 146 / 5. O Tempo e o Vento, 150 / 6. Gráfico da Novela, 1'4 IV. O ROMANc:E ........................................................................................ 157 1. A Palavra "Romance'', 157 / 2. lfistórico do Romance, 158 / 3. Conceito e Estrutura, 165 / Ação, 1721 / Espaço, 176 / Tempo, 180 / Tempo-Espaço, 185 / O Romance de T po Histórico, 187 / O Romance de Tempb Psicológico, 202 / P gens, 226 / Linguagem, 239 / Trama, 264 JCom.posição, 272 / Planos arrativ°' 279 / Ponto de Vista, 282 / Começo e Epilogo no Romance, 293 / Tipos de Romance, 297 / 4. O Romance e as Demais Fonnas de imento, 304 / Romance e 1
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ÍNDICE DE NOMES ............... ~............................................................. 346 ÍNDICE DE ASSUNfOS ..... ........ .......................................................... 353
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PREFÁCIO DA lfl EDIÇÃO 1
TODO UVRO tem sua históri4 A dàste, começa praticamente quando, em março de 1952, iniciei minha atfvidode docente nas Faculdades de Filosofia, Cibtcias e útras da U1*iversidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie. Ao longo dos ~nos que medeiam entre aquela data e hoje, as questões mais candentes{da problemática literária foram objeto de exame no diálogo metódico d;:Jm os alunos, alguTJS dos quais atualmente empenhados na docência unifersitátia. A eles foram expostas, dentro·-e fora dtis aulas, as idéias que eii ia sedimentando. Naturalmente, alguTJS deles transpiraram minhas refldpes, antes que eu as reduzisse a termo... Mas em 1958, redigi um bre"fie estudo, espécie de balão de ensaio, acerca distinçies qual'itatiwi/f entre Conto, Novela e Román,. e publíqueil-0 no Andário da' F~e de Filosofia, Ciências e 1.etras, "Sedes Sapientiae~· da Ptmtiftctp Universidade Católica de São Paulo, correspondente a 1958/1959. Da /mesma forma procedi no tocante a um estudo relbtivo d po4Sia lírica e é*a, sob o titulo de Variações em torno do Épico e do LlriCOI estampado revista ''Anhembi'' de jidho de 1961. Mais odiante, rejutfdi-o e rep · uei-o, já agora com o titulo mudado para Qo Épico e Uo Lírico, na evista "Alfa", da Facatdade de Filosofia, Ciêntias e útfas de Maríli n.!! l, 1962. Nesse ínterim, já planejara e escrevera grMrde parte do, cap(núos co11Stantes neste livro. Um deles, amplamente retocado e o, apareceu na "Revista de útras" da Faculdade dê FiloStljia, ncias e útras de Assis, n11 5, 1964, sob o titulo de Condeito- e EStru do Conto, o qual, para integrar r(lfões. Depois de completá-la a presente obra, sofreu ali1uJa oJttrns 1
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com os capítulos relativos à notla, ao romanpe e à crítica, reescrevi ou retoquei todos os capítulos ante ri rmente redigidos. E dei ~orfinda a tarefa. Que dizer do que ai fica? e entre as ~rias observações que me acodem à lembrança, relaciono las mais objetivas e dir~tamente ligadas com o livro em si. Primeiro: nã~ sei ao certo como classificá-lo. Somente reconheço que não se trata dumt, teoria literária, pois meu propósito era outro, e mais modesto. Qual? SVriplesmente isto: um reexame das questões sempre abertas para quantqs já se abeiraram da crítica e da historiografia literária. Ou por outr~ repensar algl!UTlllS das bases conceituais e terminológicas em que se fu11lf4mentiim os estudos litertírios. Daí nasce o segundo ponto: que título a~buir a semelhante obra? De principio, chamei-a despretensiosamente l:Qiciação à Literatura, e com essa denominação cheguei a anunciá-la. Entiretanto, um amigo alertou-me para o fato de esse título dar margem a eqUtvocos, pois na verdade meu intuito não era iniciar o leitor na Literatura, isto é, na leitura das obras, mas, sim, nos estudos acerca da Litera~a, ou seja, nos problemas de crítica literária. Diante disso, acabei offando pelo nome de Introdução à Problemática da Literatura, o qua4 "'1 que pese ao caráter! pedan.tesco do vocábulo "problemática", meridianammte claro. Inclusive, o rótulo presta-se ainda para esclarfif:er a intenção principal que me orientou o espírito: oferecer ao leitor niíi(-esp«ia/izaá{), portanta aos estudantes e ao público em gera4 uma inic~ão, lilmQ intrQduçio ao exanie de alguns problemas fundamentais de teorlp e filosofia da Literatura. Esclarecer e orientar, eis o escopo duplo de$ livro. Em matéria de estll.dos literd,;.os, o progrefSO do sa~r se realiza por acúmulo e justaposição de inforipações: sob pena de incprrer em falhas interpretativas, ou repisar idéiaa,já jinnadas, o estudi.osa deve conhecer o saldo positivo da pesquisa reui,:ionatla com fS Q3SUntos do seu interesse. E a esse quantum acrescentaif, à semeJhan.ça dos q~ o precederam, os resultados da SJUJ própria invtstig1llfão. Foi, exatamente o que almejei neste livro: sem fazer tábua rasa~ conhecimento litertiÍrip alcançado até os nossos dias, pretendi ofereceflt. a minha proposta pasaa4 que enfeixa reflexões no geral vinculadas à ~xperiincia dqcente. De onde esta obra constituir-se num ensaio, ou se,fiuiserem,-nUllJ ensaio didático, voltado especialmente para a atividade IJiterária em vernáculo. Escusava lembrar que o livrt, não trata de.todos os assuntos, mas de alguns apenas, os considerados fundamentais e prem~s. Outros, cujo exame se torna necessário, delfuam por ora de ser discutidos visto escaparem dos limites em qµe
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certos tópicos, c,ertamente merecedores de tratamento autônomo, foram estudados dentrq de capítulos mais vastos, o que, de algum modo, lhes supre a ausência, como, por exemplo, as questões relativas ao tempo na Literatura, os vínculos entre o romance e a poesia, o romance e o teatro, etc. Bem por isso, o capítulo referente ao romance se estendeu talvez um tanto demasitu:lamente. Para facilitar a consulta desses tópicos internos, será útil recorrér ao índice de assuntos ao final do volume. E, agora, c'/lmpro o dever do agradecimento. Esta obra não teria chegado ao fim caso me faltasse o vário Quxílio de determinadas pessoas. A José Paulo Faes, que leu grande purte dos originais em primeira redação, pelas jl'fliciosas e oportunas observações, e ainda pelo empréstimo de livros. A Segismundo Spina, Altxandrino Eusébio Severino, Ulpiano Bezerra d,e Meneses, Ursula Rapp e Maria de Lourdes Rodrigues, à Cadeira de Francês da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade d~ São Paulo, à Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrc1 de Marz'lia, pelo empréstimo de livros. A Elenir Casaca Aguilera, Evelirie Ghingold, Spencer C11Stódio Filho, Rodolfo Ilari, Wilson Antônio Vieira, Carlos Felipe Moisés, meus alunos, a Mercedes de Oliveira e Jorge Fidelino Galvão de Figueiredo, que escrupulosamente datilografaram ps originais. A todos, minha mais viva gratidão.
MASSAUD MOISÉS Universidade de São Paulo 26 de agosto de 1965
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, PREFÁCIO DA 91BDIÇÂO
Decorridos dez anos tU seu término dde sua entrega ao Editor, torna este livro à circÜlação pela nova vez. Pdi ocasião de seu aparecimento, a critica miatantf se manifestou de váriq modo, consoante a orientação ideológica e as ifXpectativas de cada um,; desde o aplauso incondicional até as divergências de toda natureuz. Drtt a critica assinalava que algumas de minhas generalizações não potfiam ser aceitas porque ''sem referências'', como se eu tivesse escamotfado os autores estrangeiros em que me houvess~ abeberado, - nuu ela llão declarava quais generalizações nem quais ~utores. Na verdade, potventura aderindo à pertinência de algumas de m~nhas postulações, a critlta Tllio escondia que lhe custava admiti-las como !sendo de 1tm brasileiro; 'e de um brasileiro que a partir da própria expe1hlcia e das próprias reflexões pudesse chegar a inferências plausíveis, àefensávei.S e, quiçá, oriliinais. Ora a.firmava tratar-se de a é uma compilação do que se um manual par~ estudantd, ora que a tem escrito na m,atéria, - o que denunci uma leitura Tllio só epidérmica e fragmentá?° como àpressada:, po tomava ao pé da letra certas expressões do prólogo que: apenas deno m intuitos de objetividade. Ora advertia que me.I situo numh perspectiva ~pistemol6gica ou gnoseológica, o que, prettmdendo ser uma restrição, ttlt>...romente apontava uma evidência. Além disso, o reparo da. va e dthnargem a uma interrogação: perante o progresso da biincia litet-ária dotr úl~s anos, continuaria em vigor a !· discordârn:m? Como tantcJ.s outros e#n tfll6lquer ttf"po, o presente livro nasceu da atividade docen,te. Natura~ pois, que ri.flita sedução por certo enfoque 1
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didático: ao declará-lo no prefácio da primeira edição,' eu não escondia que tinha plena consciência do fato. Sucede, no enta~o. que uma obra não desmerece por ter sido elaborada nos quadrantes universitários: o que conta, são as idéias, a novidade da espetulação, o arranjo novo do saber antigo, a revisão das idéias-feitas, etc. Negar valfriade a uma obra apenas porque decorrente da atividade universitária é recusar não poucos títulos hoje definitivamente incorporados à bibliografia dos estudos literários. Como, aliás, estão de acordo todos quantos 'lidam, honesta e lucidamente, com tais assuntos., , ' Escrito a partir das reflex~s expostas a ~stullantes ,e colegas, dentro e fora das aulas, o presente livro se foi montando precipuamente sobre os textos analisados e interpretados. A teoria da poesia épica, depreendi-a do exame de poemas antigos e modernos centrqdos numa visão heróica e cosmogônica do ser humano. ' A teoria da novela, ergui-a com base nas novelas d! cavalaria francesas, espanholas e vernáculas, e nas novelas sentimen~ais e picarescas, em cotejo com similares românticos e modernos. A teoria do conto veio da reflexão em torno de autores que cultivaram a fôrma, sobretudo a partir do século XIX. A teor'9 do romance, aprendik na leitura de ficcionistas que a essa modalida(le narrativa se dedicaram desde a segunda metade do século XVIII. As próprias distinções entrt: poesia e prosa tiveramlanáloga origem, assim como a idéia das ''forç~trl:i.es '·. A prova que rram teorizações pessoais reside no fato de alglllflQS (como, por exempld1 a do conto e a da novela) ainda suscitarem retif;ões polêmicas ou a discrepância opiniática: proviessem de autores al"nígenas, estariam aceitps e denunciada sua origem estrangeira. Nem "'11fll coisa nem outra: a jleitura de obras teóricas tão-somente alargou e ratificou concepções que se iam definindo desde os fins da década de 40. Basta lembraF que os t!SfJUemas gráficos do conto, novela e romance, qrite se incluíram no ensa'io pwblicado em 1958 e se reproduzem ·neste liwp desde a prilfU!ira ediç40, apenas estilizam um gráfico de forma anu;/H}ide (semelhante ao ri.fe representa a célula humana) empregado porf11imjá em 1951. Não fique sem registro q~ muitas das ]H,stulaçõq aparentemente ''heterodoxas'', camu.jladas sob,_ a ro1qJQgem didática para poderem singrar, vêm sendo corroboradas ~la critica ~ recente, ainda que situada em óptica diversa da minha e objetivando, no exame qa obra literária, outros horl:i.ontes e valores. A~ longo do livro se mencionam algumas dessas confirmações, com o exclusivo propósito de prevenir o leitor contra a idéia de que em nosso t!SJfilÇO c,ultural i impossí~l erigir teorizações válidas para além de seus limita naturais. · 1
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A presente e,dição sofreu nova revisão e atualização. Refundido e acrescido em vários pontos, o texto igualmente se dilatou com um cap{tulo a respeito do'fenômeno poético (publicado autonomamente, em 1977, sob o tftulo de A 'Criação Poética, e que agora integra o conjunto da obrà no lugar devido), e outros acerca das expressões hfbridas da criação literária, desti1Ullf.os a preencher uma laCMna. Outros assuntos, já referidos no prefácio da primeira edição, ainda permanecem à margem ou porque transbordem das fronteiras desta obra ou porque demandem tratamento extensiv'1, digno de um livro. A despeito das modificações introduzidas nesta e ~ anteriores tiragens, esta obra se conserva, nos seus fundamentos e. nk sua linha metodológica, a mesma da edição original: as mudanças e acréscimos visam a tomá-la cada vez mais definida em suas propostas, r não a modificá-la para que se adapte, afoita e distorcidamente, às te~rias do momento. Por motivo~ técnicos, a matéria dispõe-se agora em dois volumes que, embora aut15nomos, guardam o mesmo v{nculo de mútua dependência que os seus rap{tulos estabeleciam eRtre si até a edição precedente.
M.M.
Universidade dei São Paulo julho de 1975/jaheiro de 1978
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NOTA
PRWIA
Para a nova edição deste volwne, que engloba a parte referente à Prosa dA Criaçãp literária, o texto foi i.DJegralmente revisto e atualizado. Em decorrência,lvários acréscimos foram introduzidos, sem alterar-lhe, no entanto, a fisionpmia original. E por motivos técnicos, a matéria se distribui agora em dois tomos, a saber: A Criação literária. Prosa - 1, que enfeixa os seguintes capítulos: 1. Fôrmas em Prosa, II. O Conto, m. A Novela, IV. O Romance; e A Criação Literárk. Prosa - II, que encerra os seguintes capítulos: 1. A ! Prosa Poética, II. O Ensaio, ill. A Crônica, IV. O Teatro, V. Outras Expressões HibJJidas, VI. A Critica uterina. Embora autônomos, os dois tomos guardam o mesmo vínculo de mútua dependência que os capítulos estabeleciam entre si até a edição precedente. E com vist~ à melhor informação ~ leitor, reproduzem-se os prefácios à 1" e 9" di. desta obra. 1
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M.M.
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1 - Fôrmas
em Prosa
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Muito mais complexo que o problema das fônnas poéticas é o das fôrmas aifl prosa. Primeiro, porque não se trata apenas de descrevê-las, como fizemos com as primeiras, mas de diferençá-las. Segundo, porqne constitui problema ainda aberto e de notória atualidade. A caraçterização e o histórico das fôrmas poéticas pertencem à retórica tradicional, enquanto a distinção e a análise das fôrmas em p~a constituem questões da moderna teoria literária. Antes do século XVIII, quase tão-somente a poesia é que interessava aos teóric:ps da Literatura, que entendiam por poesia a lírica, a épica e o A tal ponto as fônnas em prosa ostentavam menos cotação que os poucos estudos acerca do romance anteriores àquela centúria via de regra tinham por objetivo subestimá-lo, considerá-lo inferipr à epopéia, e mesmo à tragédia e à historiografia, ou satirizá-lo: J.,anglois {dit Francan), Le Tombeau des Romans ou il est discouru. I: Contre les Roma~. ,II: Pour les Romans (1626), Charles Sorel, Antiroman ou l'Histofre du Berger Lysis (1631) e De la Conna~ance de'S Bons Livrl!s, ou Examen des Plusieurs Auteurs (1672), Cirano, Lettre contre un Liseur de Romans (1663), Boileau, Dialogue sur les Héros de Roman (1665), Pierre-Daniel Huet, Traité de ['Origine des Romans (1670), A. Furetiere, Le Roman BourgJois (1704), 1 anônimo, )oman Nouveau (1683), Len-
1 Álvaro L~, Jornnl de f.,etras, 7ª, série, !!itio de Janeiro, O Cruzeiro [1963), pp. . 312-313; Arend Kok, Introdução, notas e edição critica do Traité de /'Origine du Rmnans, de Piene-Daniel Huet, Amsterdam, N. V. Swets e Zeitlinget, 1942, pp. 51 e ss.
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glet-Dufresnoy, De l'Usage des Romans (1734). 2 Por outro lado, tais doutrinadores se referiam ~ à nov;Ia que ad romance. Com o Romantismo e a conseqüentej criação romance no sentido moderno do termo, as te9rias a jseu respeito entraram a destronar a velha preocupação peli poesi~ épica e ~elo teatro. 3 De tal modo o romance ganhou prestígio en~ os estudiosos de teoria literária que um erudito de nome A.-J. Delcro não teve dúvidas em compilar um Dictionwzjre U~versel /j.IJ'itaire et CHtique des Romans... (1826).+ No entanto, 'éomo aiiida 'fosse muito arraigado o conceito que distinguia a poesia épica e a dramáticà com foros de nobreza artística, os comentaristas do romance ora tendiam a considerá-lo uma "enciclopédia poética", ora uma ":pSeudo-épica" .5 Seja como for, graças ao êxito alcançado pelo romance, simultaneamente com ''o ensaio jamalístico, a peça dra.µiática de tom sério e final feliz, etc.'', as doutrinas clássicas entraram em crise. 6 Menos bafejados foram ~,conto e a novela, o ~· porque tratado como romance curto sob o desi~tivo de noveli.a, termo emprestado do Italiano), nun(embaralhamento que ,_mda hoje provoca confusões, e o. segund~ porque co~do cqm o romance. A Friedrich Schlegel se dev~ as primeiras teoriz~ acerca do conto ou novella, tendo por pase II Decamerone, ide Boccaccio, reunidas em trabalho publicado em 1801.7 Até fins do século XIX, os estudos acerca da prosa da ,ficção eram parciais, breves ou ainda filiados a antigos e superadqt> conceitos, ,Todavia, as preceptivas literárias então aparecidas, ~-caráter a-nonnativo, a:o contrário do que postulava a tradição, já 0pmeçavam a· abrigar doutrinas a respeito do conto e do romance ;~ mesmo da ,novela, g~ente com o equívoco apontado. No sel9J: do conto, destacam-se as idéias de Poe, pioneiras e ainda atuais. Em fi.ns do &Pculo XIX é que entram a surgir os primeiros grandes leorW,ldores, _contempobneamente ao desenvolvimento atingido p~ conto nas lltera~ ocidentais. E ao longo deste século, o núnlfro de estudiosos do a;l;sunto cresceu
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2 Klaus Friedrich. "Einc Thoorie diiB '"RommNou~u··, in Roma*'istischesJahrbuch, Romanischt!s Seminar, Hamburg, XIV B.nd, 1963, p. 105. 3 Reué Wellek, Historia de la Critica Moderna (1750-1950), tr.: ~la, 4 vols. · Madrid, Gredos, 1959, vol. II, p. 28. 4 Klaus Friedrich. ibidem. 5 Reué Wdll.ek, op. cit., vol. 1, p. DO; vol II, p. 123. 6 Idem, tbidem, vol. 1, p. 32. 7 ldt!m, ibidem, vol. n, p. 35.
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a olhos vistos: Brander Mathews, Carl H. Grabo, G. R. Chester, Elisabeth Boweh, Sean O'Faolain, V. Propp, e tantos outros, especialmente de lí:qgoa inglesa. Em vemácullo, a mais remota tentativa de estabelecer os limites do conto se ~ontra em Corte na Aldeia (1619), de Francisco Rodrigues Lob<\>. Em dois diálogos, os de n2 X e XI, procurou marcar as diferenças entre os ''contos•', identificados com as narrativas folclóri~, e as "histórias", com as novelle boccaccianas. Chegou, inclusive, a frisar que os cdíltos ''não querem tanto de retórica'', ou seja, pedem a brevidade. A relevância das distinções feitas pelo escritor português do Barroco não escapou a um estudioso do porte ~ Menéndez Pelayo, para quem ele ''tentou antes de qualquer outro reduzir a regras e ;preceitos a arte infantil dos contadores, dando-nos de passagem ~ teoria do gênero e uma indicação de sJus principais temas". 1 Somente em nossos dias a teoria do conto voltou ª' mereeer atenção em Portugal, desta vez com um trabalhb exaustivo e sistemático, Biologia do Conto (1987), de Armando Moreno. Entre nós, fuante observaçies esfmsas de Machado de Assis, a primeira teoria do conto que se conlrece, é da autoria de Araripe Jr., no "Retrosipecto do Ano de 1893", publicado nA Semana de 1894 e mais tarde enfeixa.do em Litemtúra Brasileira. Movimento de 1893. O Cr~púsculo dos PoWJS (1896). Um vasto hiato se fez daí por diante aité que o iSSUtlto voltalse a ocupar a crítica, inicialmente graças a 1Hennan Lima e as VaJ!tações sobre o Conto (1952). Quanto à teoria do• romance, Ulil dos primeiros estudos de conjunto data c;le 1883: Beitrage zur fl'heorie und Technik des Romans, de F. spielhagen. Depois dele,,4 quantidade de teorizadores vem aumentancJo.progressivame:nte até os nossos dias, numa verdadeira pletora de doutrinàs e interpretações: Henry James, Albert Thibaudet, Percy Lub~k, E. W1:w1ldt, E. Muir, E. M. Forster, R. Koskimies, Rdger Caillôis, Rohat liddel, G. Lukács, Wayne C. Booth, Luéien IGoldman~ F. K. ~ e tantos outros. 9
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8 MClléndc2 Pflayo, Qrlge.lfes de. la li
Cjo Superior de Investigacioncs Ci~, 1943; vol. ID, p. lSo,· A esse respeito, ver Walter Pabst, La Novela Corra en la Teoria y en la Creación Literaria, tr. espanhola, Madrid, Grodos, 1972, pp. 187 e s.s., - para quem é IIlllls do que evidcnto a influência de R Libro de.l Cortegiano (1528), de Castigliçnc, e de I Diporti (lSSO), dc Giro1amo Parabosco, sobre Francisco
Rodrigues Lobo. 9 Ver o capitulo dcdicádo ao estudo do rowaàlle, maia adiante, e a bibliografia infine. 1
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Nem por causa da avai.cha: de es os trefeténte$ à prosa de ficção se pode dizer que o I{robl~ está resolvido~ Os, fatores que determinam o caráter aberto e complexo dessa qu~tão podem ser arrolados do seguinte modo:i~em se tra o de no~la ' de romantiva (clfçõ~ de gesta, ce, é alto o débito para co~ a pdesia epopéias). Historicamente, Un.~ se dem à poes• épica, ao menos na generalidade dos q&sos::por c o que sena Ucito objetar com narrativas clássicas (c<1110 Dáfnis Cl6i, P<>t ~lo) que não parecem dever nada à ppes.ia. épica, :pias co~tuem exceções à regra. Ou, por outra, pode:gi ser consid~ ma:hifestações proto-históricas da novela, que weio a despo~ na Idtde Média, pelo processo. de prosificação dUf·cançôes de testa. Outfa determinante que perturba a clareza desejtvel @eSSe ~: cada país, ou área de cultura, ou época histórice-~ oq tendênci. crítica, defende idéias próprias acerca clrulJ~ em i;rosa. A eSsas contingências dev~se. ~ntar queg>. vafliia,bdári.. da crítiqa literária, apesar do esforço de alguns e 1ÀO desejo d\mia consciente, ainda está longe de alcançar precisão e univoci~. Outras causas podem ~ ~n~s p.-a exp~ a dificuldade em·se chegar a uma fonna Wfíconscnso ~ matéda. Em primeiro lugar, as relações entre ativi.ontam para o fato ~ que a prática literária, enquadrada que es1' na sociodade que ~ .dá origem e razão de ser, destina-se a ~. em qualquer dOs sentidos do vocábulo "servir" . 10 Em seg'Jndo lugar, a, história das fônnas literárias mostra-nos um~ que afasta a hi~ das soluções definitivas. Tomando como -.emplo o rp,numce, ~bserva-se que entre suas primitivas moda1i'8des,. datadafl do sécúllo xvm, e as atuais, operou-se visível ~e. Tttto assim que permitiu a alguns críticos apregoar o deiaparecitn.eató do romance como expressão de cultura, ou a sua ttansforma.çio: em mna btmtura nova. Na verdade, entre Pamela (1740), de Samuel Ribhardson, tido como o primeiro exemplar no gênero, e as criações do ''nouveau roman'', nos anos 60, passando por Balzac, Sten~, Dostoievski, Tolstoi, Proust, Joyce e ou~, parece esCf'IICarar-sé um abismo.
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í. 10 A esse propósito, ver Etieone Soucia.u, La Correspondence des Ant, Paria, Flammar:ian, 1947, e Alfooso Rcyes, El Deslinde, MQsico, BI: Colégio ele Móxico, l!t'4. 1
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É certo que deve haver um resíduo, um lugar-comum do ponto de vista da estrutura básica, para que as obras desses prosadores continuem a merecer a designação de "romance". Mas também está fora de dúvida que exibem mudanças de toda ordem, numa espécie de corrida de saltl!>S para atingir o melhor resultado na visão da realidade. Um critico que adotasse .a concepção setecentista de romance para julgar a obra, por examplo, de um James Joyce, provocaria equívocos e perplexidades li.O leitor, entre os quais eventualmente o de recusar-se a classificar Ulysses de romance. Idêntico raciocínio aplica-se ao conto: entre ~ Mil e Uma Noites e suas configurações modernas notam-se diferenças que vão desde a técnica até o significado, oq desde o estik> até o conteúdo. Um terceiro fator interfere no bom entendimento nesse particular: alguns críticos têm encarado apressadamente o problema das fôrmas em prosa. Orientados wr conceitos duvidosos, ou polêmicos, por vezes adotando esquemas tn:eQânicos, pseudocientíficos, ou guiados por má consciência, apressam-:se em subestimar a complexidade do problema. E ~bam por aderir a conceitos fundados na "forma externa" das obras, poudo EWR segundo plano a "forma interna'' e ignorando que existe, P8l8 além desta, uma camada semântica que não pode ser descartada sem comprometer a função analítica e interpretativa e judicativa que desempenham. Em decorrência, o critério que adotam para discernir as diferenças entre o conto, a novela e o ro~ce é quantitativo: a seu ver, a distinção residiria no volume de páginas. Preconizam que conto é sinônimo de narrativa QUrta, e vice-versa, toda narrativa curta se classifica no setor do conto. ChegalJl ao requinte de firmar uma distinção numérica entre o que chamam de ''conto curto'' (' 'short-short story") e "conto longo" ("long-short story"): aquele teria cerca de 500 palavras, o segundo, entre 500,, e 15.000 a 20.000 palavras.
11 W. F. Thrall, A. Hibbmd,e C. H. Holman,;.4 Handboolc to Literature, 5ª ed., New York, Odyssey, 1962,. p. 458. Outips aa~.~ que o conto ('"short story") "oscila entre o 'conto curto' ('short-short ,story') de menos de 2.000 palaVDS e a 'novelette', com mais de 15.000" (Northrop Frye, Sbcridan Balre!:, George Perkins, The Harper Handbook to Literature, New Yorle, Huper & Row, 1985, p. 410). E há quem considere outro número: tendo mmos de 10.000 vocábullllj, trata-se de ~ (Hany Shaw, Dictionsry of Literory Terms, New York, McGra.w-Hill JJook Co., 1972, p. 343). E wn outro estudioso, decerto alertado pam o gratuito de Ws njmwros, ddim-&ClCcm "lmnws atléticos: se taowmos a novella como wn livro de 'llistân4ia m,cidi&' ('~tal:='), o conto se cmquadnria na classe dos 100/200 metros" (J. A. Çwldon, A Dic~ ofLiterary Tums, revised ed., New
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~eJa, que os~·~ no~lstr~ e os franceses, nouvelle, nws longa que o tõnto'e ~que o !f>mance, de 100 a 200 páginas, aproximacldiente; E roniance ~ toda narrativa . ·de .. ,;"'• . .' i, com Dla1S · 20·o pagmas. . Na _verdade, o. critério quantitati=o - o é de jtoclo f~~ nem desprezivel. Contudo, deve empre . . apenas como auxiliar do critério qualitativo, e a ptM'llJriorl, porq a sftln,pleis contagem das páginas impossibilita afhnar.com ~isão o tipo de narrativa em causa. O aspecto numé.dco pbde coDfundir o ]obsét'Vador que relegar a segundo plano o 4>nteódo e a festrà.tura das obras. Se é verdade que o conto encetTát breve dime4São, também é certo que isso decorre de fatores intríniliecos: os con~ TJão são contos porque têm poucas páginas, mas, ad~conttário, tem pou.caslpáginas porque são contos. Tomemos, à guisa de illilf;traçio, o cldlO dO Alienista: uma das Quanto à
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obras-primas do conto macltlsdiano, tem éerca de 100 páginas nas edições vulgares, qgase o tdto dê Iracem.a, o romkce de José de Alencar. A ser usack> o esqt:bna twmtitaJivo, dêi*1ecliato se concluiria que as duas narrativa ~ là categoria db conto, ou do romance. Nada mais ~so.· Por certo que trata dum caso sui-generis, já que nem todlh os.. contos possuem· a extensão dO Alienista, e não é cotmnn '9m :rdnatiee de propatção igual à de Iracema. 12 Na maioria .008 aasos, o critério qu_an'3tivo ~de ser empregado, tnas deve ser .C01lfinnado pele qualitati\ro, que rmpede chamannos de conto a embrides da eapítu1os de rcmtance, a poemas em prosa, a apólogos, a fábldas, a cfÔnieas, etc., todos marcados pelo signo da brevidade. I6ttica confiísão à existente entre O
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York, Doubleday & Co., 1976, p. 623). A C11SC respeito, ver Ian ROid, Tlie Shon Story, Lorulon, Methucn and Co., Ltd., 1977, p. 10. Outros autores há que propõem uma distinção baseada na quali'*1e, não na extensão, como Bnmder Mattbcws ("The Philosofb.y of tbe Short-stozy'', in Pen andlnk, New York, CbarWs Scrilmar's Sons, 1'°2 pp. 75-lt6) 11 Jr. Bag F.seÍtwem (lf+iriJig tlte Shon-Story: a Practical Hrmdboolc on tll« Ri6e, ~ \!Hffling, and 8alé of tll« 'Modon Shon-Story, New YOl"k, IDruls, Noble Ulll Blmdgl!, *'°9, pp. 17 e ss.j. ,
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(1941), de José llogio: a dospdlio de~ bilicos; · · nas Suas 115 páginas, a 12 clasBificamJ:l tle IllM'lla, a obra ~ estmtin dê . Decerto +.re+ooO-se disso, o antor inch:ira-a na trJroein edição de IÁstm-m r1e . "a (1968), volume de contos cuja primcim edição apll!l'COOU em 1946. E silt!;llmlflldc · . -flB de '' oaoto e novela'', mas o recm&o antes mostm que escomlc a ~ db . . llOIDClbtmça Ide estrutura entre as naJD.tivas, mal cw:obmta pela YAga ~ posta em *'1btítulo.
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Alienista e Iracema haveria entre certas obras de mais de 200 páginas. D. Quixote e Madame Bovary servem de exemplo. Quem, refletidamente, poderia enfaixá-los sob um mesmo rótulo, novela ou romance? A rigor, aquele é novela, e esse, romance. E, como sabemos, o primeiro é mais volumoso :que o segundo. Assim, se o critério fosse o número de palavras, antbos teriam de ser romances. Estaria correta a classificação? A resposta só pode ser dada pelo critério intrínseco, e esse responderia que o D. Quixote é novela, e Madame Bovary, romance. Infere-se, assim, que o critério mais conveniente para se erguer uma distinção rigorosa entre o conto, a novela e o romance, é o qualitativo, que consiste em procurar ver a obra de dentro para fora, analisar-lhe e julgar-lhe os componentes, de forma, e de conteúdo. Somente depois de bem sopesá-los é que estaremos aptos a uma classificação válida e precisa. Nesse ponto, convoca-se o critério quantitativo a fim de corrobomr ou negar o resultado da análise. Não raro, confirma. Mas, que ingredientes são esses? Enfileirados como se segue, servirão de base para os capítulos dedicados a cada uma das fônnas em prosa: a ação, as personagens, o tempo, o espaço, a ,trama, a estrutura, o drama, a linguagem, o leitor, a sociedade, os planos narrativOll, etc. Porque comuns ao romance, à novela e ao conto, podem levar ao equívoco de supor improcedentes todas as tentativas de estabelecer fronteiras entre as três fônnas. O fato de o conto abranger ingredientes do romance não invalida a distinção entre as duas fônnas, uma vez que se movem no mesmo território - a prosa de ficção. O que resta firmar é a sua difecença, calcada na densidade, intensidade e arranjo dos componentes: a título de exemplo, as personagens do conto diserepam das
E se por função entenddlflnos troços oaracteruticos, haveremos de convir que determinados"traços impli4am determinada fônna, e esta, reciprocamente, press#p...õe aqueles.! Por outrPs termos, cada fônna tem certas implicações, ~ modo bue onde es_sas ~ e~con trem, estaremos e.m presenp daquela: J~e caso, tnitplicaçoes e fôtmas se equivalem. Vinollladú por Jos de nJ;esSlidade, onde houvel' mn.as haverá outrastJ a pdnto de todas as ~vergências em tomo de qualquer texto litedrio ptomanatem de cob.trovérsias acerca dos traços que identificam as fônnas (as espécies e os gêneros, visto que o raciocínio pode mr es11endido aos outros graus da escala genológica). 13 Assim a tarefa classificalória ·dos textos dentro do universo dos gêneros não é, como ainda podem pensar estudiosos menos informados ou menos atentos, o .objetivo final da critic~. É, com efeito, o ponto de partida, não o de chegada. E se insistimps nesse pormenor é para evitar que se distorçam os fatos. Se nã~ soubermos em que categoria ordenar a narrativa que acatamos de ler, seja ela qual for, principiamos por não s:aber como julgá-la, visto que, é bom repeti-lo mais uma vez, nãorse pode submeter "A Cartomante" e D. Casmurro aos mesmos padrões analíticôs e interpretativos. Se ninguém duvida que ostentlln caracterís11icas peculiares às respectivas fôrm.as, nem por isso' se d.iria qllé não procede levantar o problema da classificação oa reconhecer~e a presença atuante no próprio ato de ler. Essa quêstio extrapola, na veiµade, os limites dos gêneros, sem peroa de ~rtinência. Onde situar! Os Sertões? Na Sociologia? Na ficção? Na História? No ensaio? Será indiferente localizar a obra num ou nolll:ro desses nichos, oo tjimultaneamente em mais de um? Para finalizar estas prelifninares ao ett.ame das' fôrmas em prosa, assinalemos que a disfut9iio entre o conto, a novela e o romance e sua caracterização, que ocuparão os capítulos subseqüentes, devem ser entendidas e avaliadas em selll propósito esclarecedor. Trata-se de uma proposta déisistematiução de conceitos numa área ainda sujeita a controvérsias. Por outro lado, voltaremos nossa atenção para as caracteristklias persistentes no dec'urso da história das fônnas em prosa: o que faz qllle tantoias obras de Margarida de 1
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13 E. D. Hirsch, Validity in hiurpretation, NeJ. Press, 1967, pp. 89 e ss.
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Navarra quanto as de Tchecov ou Ma\lpassant ou Dalton Trevisan ou Julio Cortázar sejam 1i0tuladas de ''contos" decorre de empregarem a mesma estrutura narrativa, apesar de todas as mudanças temáticas, estilísticas ou cultor$. Iditntico raciocínio se aplica a Madame Bovary, Ulysses, Contrapont._ Aparição, Avalovana; ou a Amadis de Gaula, D. Quixote, O Tempo e o Vento, A Barca dos Sete Lemes, Grande Sertão: Veredas. É que, ao longo das variações temporais, observa-se a permanência de um núcleo formal, posto que igualmente sensível à ação do tempo, e é tal núcleo que interessa acompanhar e descrever. Em suma, uma perspectiva centrada no substantivo - a estrutura das fônnas em prosa -, não no adjetivo - suas modulações extrínsecas. Tal estrutura básica não decorre de um modelo ideal, que se armasse em abstrato e se pusesse em confronto com os textos, a ver se eram congruentes entre si. A lógica interna das narrativas é que determina a idéia de que, por sobre as diferenças particulares, obedecem a um arcabouço primordial, comum a todas. É essa estrutura irredutível, ou a que se reduzem as narrativas, que se representa no esquema gráfico que fecha o estudo das três principais modalidades em prosa. Desse modo, as exceções ou as experiências de vanguarda (não raro de incerta classificação, ou determinantes de um remanejamento na árvore dos gêneros) somente serão consideradas quando úteis à compreensão da unidade intrínseca do conto, da novela e do romance. Destaca-se, nesse quadro, o chamado "conto moderno", etiqueta duvidosa por induzir a pensar numa estrutura própria, diversa da que se encontra no "conto tradicional". Na verdade, essas denominações revestem categorias históricas, e a primeira assinala apenas o emprego de técnicas novas para engendrar a velha estrutura. 14 Tratando-se de conto, não importa se escrito em nossos dias, ou nos séculos anteriores, sempre exibirá as mesmas características fundamentais. Ainda que o conflito não seja aparente, ou que o método utilizado pelo, contis~ seja o indireto, por meio de
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14 A propósito do "conto var A. L.'i3ader, "The St:ructure of the Modem Short Story", College En.güsh, 7
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implicações, a narrativa oo1ltinua sendo k:onto. Quando não se estrutura ao redor de uma traina, visível oi implicita, e1Íl razão de o autor visar a wn texto sem ltúcleb dram4tico, ''eni que nada acontece", o resultado é o poetna em prosá, capitulo ou embrião de novela ou romance, ou crôdica. 15
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15 A esse respeito, valia a pena~ o t.eslcrnJ:!llho de um critico insuspeito: ''Pelo menos, é isso que o público ou a imoDsa maioria do público espera de um romancista. Mas é sabido que não pensa assim certa vanguarda literíria. A P!tástrofe começou sem necessidade ·alguma, no tmeno do conto: baseados numa interpretação totahrumte errada da arte de Tcbecov, invcntaJ:am o 'ccmto sem cnudo', o 'conto atmosférico', que na verdade não passa de uma 'aôliica' em ll!ltilo artístico'' (ti>tto M:ària ~'"Érico Veríssüno e o Público'' in Flávio Loumiro Chava; (org.), o Uontalhir de ui.m/,u;s: 40 Anos de Y.u1a Literária Érico Veríssimo, Porto Alegre, Globd; 1972, p. 37). : ·
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1. A PALAVRA "CONTO" A palavra "conto" possui, em 'femáéUlo, as seguintes acepções: 1) número, côní.puto, quanti.da~: "Um conto de réis"; "Um sem conto de soldados'•; 2) hiltória:j narrativa, historieta, fábula, "caso"; embuste, engoda, mentira ('•eonttJ..do-vigário"); 3) extremidade inferiot da lança, ou do ba&tlo: "E, dando uma pancada penetrante, / Co conto do bastão, no.llólio puro" (Os Lusíadas, 1, 37). Em Portugal, além de vário emt*ego no sentido de medida, o vocábulo ainda designa a ''rede de {Sesca em fonna de saco, cuja boca é cosida a um ciNulo de' ferro', que se áillaml segundo um diâmetro a uma vara"} Na terceira ~pção, o vocábulo "conto" deriva do gr. kóntos, pe1k> lat. contu, com análogo sentido. Para as duas primeiras ac~, tem--se COin6 forma orlghiária o lat. computu ("cálculo'', "conta"). Para a acepção lite:ritia, a de número 2, aventa-se ainda outra hipótese, lllenOB ·provável: a origem i:emontaria ao lat. commentu ("invençãe", "ftoçãb"). Admi~ flmbém que o vocábulo "eon-
1 Antônio de M.arais Silva, GraritU Dic~ da lingua Porruguua, 10" ed, rev., cor., muito aumentada e atualizada, 12 VQJs., Lifloa, Caiúluência, 1951, s.v. Ver ainda Caldas Aulete, Dicionário ContcmporáMo i;iQ Üllgfll PorrugueM, 2 vols., 38 ed., atualizada, Llsboa, Parceria Antônio Maria ~. 1948; ~ Nll.SCODÍell, Dicionário Eiimol6gico da Língua Porruguua, Rio de J~ ~ >tives, 1932; Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Lfntlua Portug~ua, l~ed., 2• impmll8io, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s.d.
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to" seria deverbal de contar, derivado do lat. computare. Na Idade Média, significou inicialmentp ''enumeração de objetos'', passando com o tempo a "resenha ou 'descrição de :acontecimentos", "relato'', ''relato de coisas verdadeiras'', '' enmneração de acontecimentos", "narrativa' '.2 Em A Demanda do St'lnto Graal, é corriqueiro o uso da expressão ''ora diz o conto que .. ,'', para estabelecer nexo entre episódios ou "aventur$" da noveh\.. Por outro lado, as bistórias e lendas conservadas n1> terpeiro e ncb quarto Livros de Linhagens são contos, embora de dstrutmra tose~ e de o vocábulo '' conto'' ainda não se empregar para nomeá-las. No século XVI, a palavra assumiu sentido próprio, contemporaneamente ao surgimento do primeiro contista do Idioma na acepção moderna: Gonçalo Fernandes Trancoso, autor dos Contos e Histórias de Proveito e Éxemrplo (1575), ande é sensível a influência de D. Juan Manuel, Boceaccio, Bandello e outros. Pouco depois, delineia-se a mais antiga teoria do po11tn em ver:oáculo, em Corte na Aldeia (1619), de Francisco Rodrigues Lobo. Daí por diante~ ap;i!at da incômoda . ipsença do tenn.Q ''novela.'', o vocáblllo "oonto": não ~ perdf:ia ~,den~p li~&i ~,,n.q.~o.XVUI, aJP. ~ ~;!ii"·çom,'~Jl()Vela'' e
"iwnance", ".em decorrêncil das ~~ devida4 à polisse-
ll,'li,a, .p sentidp do .~ema ' i . . i.. ', a.inda q~ ~~~e de conto li~o.. ~ cQ].oxação ·.. tiy:a' '. 3 í . A!lgo. dessa colo.ração ·. . . tam,bém Sfll" dtitecta• no emprego, até ~,do século XIX, . ~ "conto" ~ ~pçã? medieval ou ~ cQtllo, por ~lo, na Qell3 de Camijo Castelo Branco: "De propósito as f3t0 pua te da.t azo .a iuwinµ-e& fôlego novo, visto que já te $diga o co:t;tto. (...)J - Novidade terceira! ac:udi e~ q1µ1.Se sµspeitps<> ~lograyão do1conto". · "E vamos ao conto" .4 i .E ~ Ilf!S.1e século pQf1e sm- e:riooqtrado o v.ocábulo '' conto" no sentido genérico de nlmativa: "Cqmtemos oontqs umas às outras ... Eu não sei contos llilflhuns, mais '8so não faz 11!181... " 5 2 Mariano Baquero GoyancB, El Cuenlo Espanol e• el Sigla XIX, Màdrid, Coosejo SupcDor dé InW&ttpciones Qmlificu,'41949, pP. 31 e Íjs.; Midiêll: Simaoscn, O Conto PopBJar, tr. bras., S. Pnlo, Martins F• • 1987, p. 1. l 3 Nicole Oucnier, "Poor une dêfi$tion du conte"', Roman et LMmiires au XVIII' Sikk, P.mis, Ee&wa, "OMarinhciro", inPoemas Drallláticos,Lisboa, Ática, 1952, p. 41.
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Ao longo do movimento romântià:>, empregava-se o vocábulo "conto" no sentido de narrativa popular, fantástica, inverossímil. Os autores preferiam classificar de ''novela'' ou ''romance'' suas narrativas, ou recorrer a outros termos, como ''lendas'', ''histórias", "baladas", "tradiÇões", "episódios", etc. 6 Alexandre Herculano enfeixou sob o f!ítulo de Lendas e Narrativas (1851) os contos inspirados na Idade Média portbguesa, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, um dos pioneiros do conto brasileiro, preferiu o rótulo de Romances e Novelas (1852) para suas histórias, duas das quais apresentam estrutura de conto. Fbe, um dos mestres do conto moderno, publicou Tales of the Grote$que and Arabesque (2 vols., 1840). Por outro lado, A1fred de Musset intitulou Contes d'Espagne et d'Italie (1830) sua estréia poética. A palavra ainda não se havia firmado como designativo de um tipo definido de prosa de ficção. Nas últimas décadas do sécuio XIX, com o advento do Realismo, o conto literário entrou a ser cultivado amplamente, iniciando um processo de~ requintam.ente formal que não cessou até os nossos dias. E o vocábulo "conto" passou a ser genericamente utilizado. Não obstante, Machado de Assis procurou evitá-lo na maioria de suas coletâneas no gênero: Histórias da Meia-Noite (1873), Papéis Avulsos (1882), Várim Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899). A palavra ''conto'' corresponde ao francês conte e ao espanhol cuento. Em inglês, conoorrem S'hort Btory, para as narrativas de caráter literário, e tale, para os contos populares ou folclóricos. Em alemão, tem..;se Novelle e Erzãhlung, :no sentido de short story, e Mãrchen, de tale. Em italiano: ruwell• e racconto. 7 ,. 6 Mariano Baquero Goyanes, op. cit., pp. 48 e is. 'ler ainda Ian Reid, The ShDrt Story, London, Metlmcb and Co., l.M., 1917, pp. 1().14. · 7 o m== a.tudioso, procurando sistematizar as vlll:ill:llll:m das vocálmlo& "caDto", "novela" e "romance" nas línguas européias mais conhecidas, propõe o seguinte quadro sinótico (op. cit., p. 59): Romance
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Inglês
Romance ou Novel
FilUICê.s
Rmrum.
Italiano Alemão Espanhol
Ramanzo lil.oman Novela
Novela ourta ou conto liltcrário Short story Nouvellc Novelle Novelle oulFnãhlimg Novela Cada
Canto, Conto popular
Tale Conte Racconto Miirchm Cucnto
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2. llISTÓRIC9 DO CO!f.fO 8
:
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l.~ .... ~~ do conto A ~~
~ .. 1 ~ num ~nolto
prec~sar, ~~º·por iss~ ~ ~
ga·e
Sl;la prática que nos ~a una origem, conte.m~. ou~ vrecrt:sor festações literárias, ao tnenLf as qe .catá Algumas teorias têm si<\l aventadas conto, como a indo-européia ou mitic Wilhelm e Jacob Gr;imm, tnlPis tarde re Müller. Segoodo eJa, a otjgem do co arianos, e1iJ1 citcu1açio na prf-his$ia da douro do povo indo-europe\J-i Ao '(et de dor Benfey, em 1859, o mais certo seria sitnp~te, consi a fn4ia, j:le. onde os contos maravi.IOOsos teriam tmignldo P31l o Ocidente já no século X d.C., ainda que em peq*1J.o número Por seu turno, a teoria etnogrifica, defendida por i\ndrew na ~~. propunha que o conto, além de ser '!llma forma tetior aos mitos, nisso opondo--se a Max Müller, teria brotado mesmo tempo em várias culturas, geograficamente afertadas. A ·a ritualista, apresentada por Paul Saintyves, postula.. que as ona.gens dos 1 contos são "a lembrança de personagens cerimoniaiS" de ritos populares caí1 • , devi.dai a Vladimir dos no esquecimento. Por fitlt, a ~ ~ Propp, autordAs Raízes Hi.st&ric.· . as C tos Mararilh~os (1946), afuma que o conto maravil.bqso é uma su trutura, ~modo que sua análise permite reconh~ sinais dos odos de produção e dos regimes políticos (sistema ~clãs) que ~tiram a~ set imemorial aparecimento. Relativas, inoomp1etas, idsatisfatónas, tais teorias vêm sendo substituídas por unia visão ~siib flexível, segundo a qual ''as rafies históricas dos cantos são ~&Trato uma abundância de radículas, e(... ) o universo elo cobto se ~palha em multidão de tradições heterogêneas". 9"" · d o s · .
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8 Pua a história do conto ~val. ver ~ Lima, O Conto, Publs. da Universidade da Bahia, 1958, pp. 11 ctss.., baseado em jnvestigações e informações de H. E. Bates, 'Ihe Modern Short Story. A Cllitical SUrvey, LoJ1don. T. Nelsón, 19141, e Barrett H. Clark e Maxim Lieber, Great Short ~s of the Woil/d, Landon, William Heinemann, 1926. Ver ainda Menéndez Pelayo, 0,-{genes. de la NJ.>ela, 4 vok., Sanlander, Coosejo Superior de ~ Científicas, 1943, voL I, pp. tis e ss. 9 Claude Biemond e leim Veui!!t:, "Aflmssiev Propp", Uftba111re, n 2 45, fev. 1982, apud Michele Simonsen, op. cit.,-1>. 40, de que fonlm extraídas as informações acerca das origens do conto (pp. 35-40).
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Nesse longo lapso de tempo, que· durou, segundo uns, até o advento da imprensa, ou segundo outros, até o século XVII, o conto se enquadraria no âmbito do que André Jolles chamou de "formas simples", em cqmtraposição a "formas artísticas". Enquanto essas se caracte~ ''como linguagem própria de um indivíduo bafejado pelo
10 Andié Jolles, Formas SilnplM, tr. bras., S.
~o,
Cultrix, 1976, pp. 20, 195, 220.
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e Pedro. Do Oriente vêm e~plares dotdos de características que o tempo só acentuará ou disenvolverá: il e Uma Noites; Aladim e a Lâmpada Maravilhosa;lSimbad, o ~rujo; Alt-Bal?ã e os Quarenta Ladrões; Mercador de Bagdá, e· Da índiâ antiga restaram as seguintes obras, de autor. ·desconheci : Panchqtan~ra (ou '' cinco livros'') e Jataka, duas toleções de 'bulas e hisrotias, Hitopadexa, um manual de fá:bulld e histórias . eadas nas dá Panchr;,:fl,ntra. Dos fabulistas e oontisl!as hindus, fitou a notícia de um deks, Somadeva, do século X a.O., aullor de Oceano de Histórias. Durante a Idade Média,'º conto conhece uma época áurea, com o aparecimento de Boccaccio, com Decsmeron, Margarida de Navarra, com Heptâmeron, e ·Chaucer, COIIl Canterbury Tales. Nos séculos XVI e XVII, gra~ ao influxo de Boccaccio, o conto é largamente cultivado, sobretudo na Itália Matteo Bandello (Le Novelle), Celio Malespini (DUllcento Novelle), Francesco Doni (/Marmi), entre outros, testificam·um período de florescimento do conto. Na Espanha, a moda ganha adeptos, como Cervantes (Novelas Ejemplares), Quevedo (La Hora.de Todos) e· outros. A França não fica à margem do movimento: d'Ouville (Contes), Perrault (Contes), Mme. d'Aulnoy (Contes defées), La Fontaine (Contes). Apesar de tudo, essas duas centúrias têm menos importância, qualitativamente falando, que a Idade Médi~ em razão da artificiosidade reinante. Tal estado de coisas persiste no século XVill, refletindo um ambiente em que só a poes.ila e a prosa doutrinária puderam desenvolver-se. A ficção em pI'Ola manteve-se arredia. Apesar de tudo, na França surgem Piron, l\fannontel e Hamilton, liderados por um dos mestres do conto: Voltaire. Algumas de suas histórias de cunho filosófico e satírico, como tZadig; Cândido, o Ingênuo; Micrômegas, A Princesa da Babilôlfia, conferiram à narrativa breve a vitalidade antes somente conseguida pelos e.scritores medievais. Entrado o século XIX, o conto vive uma época de esplendor. Além de se tomar ''forma artística'', ao lado das demais até então consideradas, sobretudo as poéticas, passa a ser vastamente cultivado: abandona o estágio de ''forma simples", paredes-meias com o folclore e o mito, para ingrdSSar numa fase em que se toma produto estritamente literário. Maia ainda: ganha estrutura e andamento característicos, compatíveis com sua essência e seu desenvolvimento histórico, e transforma-se em pedra de toque para não poucos ficcionistas. A publicação de obras no gênero cresce consideravelmente na segunda metade do século XIX: instala-se o reinado do conto, a dividir a praça COln o romance. E se até o século XVIII 34
tínhamos de procurar autores que merecessem referência, o panorama muda agora: impõe-se escolher com rigor aqueles que possam figurar na galeria de conti$s que contiibuíram para evolução e o amadurecimento dessa fônna narrativa. Na França, onde o cori.to se aclimata como em parte alguma, grandes contistas avultam nessa quadra: Balzac, que o cultivou excepcionalmente· (Contes Drôlatiques), abre a lista, seguido de Flaubert (Trois Contes) e Maupassant. Este emprestou-lhe uma fisionomia que passou a ser aceita por gerações de imitadores. Mestre, iniciador de uma linhagem e de um tipo de conto ("à Maupassant"), deixou obra8-primas, mqdelares, reunidas em Boule de Suif, La Maison, Tellier, Contes du Jf?ur et de la Nuit, etc. Além de Maupassant, outros se dedicaram ao conto, embora sem o mesmo brilho: Alphonse Daudet, Charles Nodier, Théophile Gautier, Stendhal, Prosper Mérimée e tantos outros. Fora da Literatura Francesa, ainda se destacaram no século XIX os seguintes contistas: Edgard Allan Poe (Tales of the Grotesque and Arabesque, The Murders in the Rue Morgue, etc.), criador das histórias de crimes e de detetives; Nicolai Gogol, considerado, juntamente com Poe, o introdutor do conto modemo; Anton Tchecov, tido como o paradigma dos contistas russos, conferiu notas de mistério e misticismo, próprios da alma eslava; escreveu duzentas e quarenta e duas histórias; Hoffmann, que se notabilizou com seus Contos Fantásticos, muito lidos durante aquele século 11 • No espaço do vernáculo, nessa mesma época surgem contistas de superior gabarito: em primeiro lugat;, Machado de Assis, autor duma grande quantidade de contos, al~ dos quais de fina estrutura e densidade psicológic1t, como ··~sa do Gallo'', ''O Alienista'', "Uns Braços", "A Cartomante''. etc. Além dele, merecem especial relevo Fialho de Almeida e Eça de Queirós, seguidos de Alexandre Herculano, Trln.9ade Coelhos Coelho Neto, Afonso Arinos, Simões Lopes Neto e outros. No século XX, a voga do conto não esmoreceu; ao contrário, mais do que em fins do ~éculo XIX~ atinge em nossos dias o apogeu como fônna '' eru4ita' ~ ou literyia. Entretanto, apresentar as várias tenQ.ências e fa~ atravessa~ pelo conto modemo, incluindo as veleidades ex~entalis~ que o têm impelido na
iJa
11 Para o histórico do conto parte relativa àjes séculos XIX e XX, ver: Herman Lima, Variações sobre o Conto, Rio~ Janeiro, MES, 1$52, pp. 38 e ss., e H. E. Bates, op. cil.
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direção da crônica ou do 'poema em ptosa, - escapa dos limites deste livro. Uns poucos nonies serão s~ientes para dar uma idéia da problemática. diversidade: Anatole rance, O. Henry, Virgínia Woolf, Katherine Mansfield, Kafka, J es Joyce, E. Hemingway, Máximo Górki, e tantos o-b.tros. Em P gal e no Brasil, o panorama apresenta-se rico e vBriado, em Parte como reflexo da voga alcançada pela narrativa curta nos Estados Unidos e na Europa: Monteiro Lobato, Aníbal Machado, Alcântara Machado, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Dalton Trevisan, Osman Lins, João Alphonsus, Moacir Scliar, José Rodrigues Miguéis, Maria Judite de Carvalho, Irene Lisboa, Btanquinho da Fonseca, José Régio, Miguel Torga, Manuel da Fonseca e tantos outros. Entrevisto em sua lonaa história, o conto é, provavelmente, a mais flexível das fônnas literárias. Entretanto, em que pese às contínuas metamorfoses, não Qll'O espelhando mudanças de ordem cultural, ele se manteve estruturalmente uno, essencialmente idêntico, seja como "forma simples", seja como "forma artística". Doutro modo, nem se poderia falar em conto, se estamos dispostos a atribuir ao vocábulo um sentido próprio e, tanto quanto possível, consistente. Eis porque não causa espécie a ninguém que se mencione o conto na Antiguidade, na Idade Média e nos tempos modernos e contemporâneos: a matriz do conto permaneceu constante, para além das transformações operadas, uma vez que se processaram nas suas camadas epidérmicas. Por mais diferenças que possam ser apontadas entre as história& de Boccaccio e as de Jorge Luis Borges, tratar-se-á sempre de ii.arrativas com características estruturais comuns, que permitem rotulá-las de contos. Se não, parece óbvio que a própria comparação não teria ~o de ser. Assim, podemos concmitrar-nos nessa estrutura que, se não é imutável, nem por isso po9e ser considbrada sem fronteiras, ainda que instáveis. É evidente que a determinação desses limites flutuantes pressupõe a abstração das mudanças periféricas, visto não comprometer o núcleo da estrutura do conto. Localizá-los não significa, pois, restrição da faculdade criadora nem da liberdade critica: nem os autores nem os críticos deverão sentir-se coagidos diante da teoria do conto que se pode extrair do oonfronto entre as narrativa de várias épocas, tendências, etc. Não estamos ante um código estrito, implacável, a partir do qual se julgassem todas as narrativas do gênero, mas da verificação de um estado de coisas que vem durando o suficiente para ~torizar um pouco mais do que simples dúvidas, ou afirmações graltuita.s, a seu respeito. 36 ,'
3. CONCEITO E ESTRUTURA O conto é, do prisma de sua hlstótia e de sua essência, a matriz da novela e do roman~ mais isso dio significa que deva poder, necessariamente, transfotmar-se neleái Como a novela e o romance, é irreversível: jamais deixa de ser cdbto a narrativa que como tal se engendra, e a ele não pode ser 111duzido nenhum romance ou novela. O conto ''Boule de Suif' ', de Maupassant, de modo algum se deixaria converter num romance ou novela: a hlstória que aí se conta é completa, fechadb como um <*o. Por outro lado, o romance Irmãos Karamazov em hipótese nenhema poderia ser abreviado nas proporções materiais e intrínsecas dUln conto. Num caso e noutro, qualquer alteração modificaria radicalmente o caráter da obra, despersonalizando-a e reba.inndo-a ao nivel da glosa ou do pasticho 12• Daí decorre que a narrativa passi\rel de ampliar-se ou adaptarse a esquema diverso daquele em que foi concebida, não pode ser classificada de conto, ainda que o sell autor a considere, impropriamente, como tal. ·Para ilU&trar este case, podemos recorrer a Aluísio Azevedo. No seu livro l>t!mônios, há'um.as poucas peças que funcionam a rigor como elxercício de ~nas que o escritor acabou transferindo para seus t!OmBn~: astim, "Pelo Caminho", onde focaliza uma jovem noiva tuberculosa que encontra seu noivo em plena manhã, vindo de ·grossa pândega, vai constituir o capítulo XXXIII, intituJiado ..Pelà Estrada da 'fijuca", dA Condessa Vésper. Por outro lado, "Inveja'i' é a síntese tiA Mortalha de Alzira: basta o ter podido· transmutar~ no romante para nos dizer de sua condição de mero exercício} O caso inv:erso é representado pelo conto "Civilização", que Eça converteu rvteidade e as Serras. Como se tratasse dum conto - e portanto·~ível - ao pretender desdo)_
12 Nestri pamp, cabt; reg~ a coincidênqll mtre a idéia básica que fündammta mmha proposlm. de wn COIK;Oito le estrutun. do c p e as observações de V. Propp, que apenas me chegaram ao conbec~ através da 1J& edição da tradução norte-americana de Morphology ofthe Folktak (Aus · Univeillity of't.·exas, 1970). Segundo aquele formalista tos tflm "1)aS ~leis. O conto (short mory) também russo, "a seqüência de acantec' apresenta leis análogas, à. das fomiaçfrs orgânicas. O Ja" (Daniel Delas, · io a &tilfatca &trutxral, de Michael Riffaterre, tr. bras., São Paulo, Cultrix, 1973, 18). :
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brá-lo num romance, Eça escreveu uma 'Pbra que ·continua a ser essen~ialmen~ um conto,, ~m.hora os v~·s enxertos e ª. lentidão narrativa sug:rram o contrari~ Um confro . to entre os cf01s textos, que desse conta de seu c~r específi , reclamaria um longo estudo. Não sendo possível f~.·.·. -lo no esI.o deste livro, contentemo-nos com algumas indica"es.. , . "Civilização" gravita ~redor de · idéia oentl1tl: Jacinto, supercivilizado e rico, precoqemen.te env~do, bocejava de tédio infinito em seu pa1ácio f>e~ta, 1Rté que um dia resolve passar algum tempo em suac quinta de lforges, e lá, em meio à natureza, recupera seu gosto :le viver. ~do a tese de Rousseau e os romances campesinos d~Júlio Dinis, p conto se distende entre as páginas 79 e 118 da ediçio compulsa4a (Contos, Porto, Lello, 1946). Escassas 40 páginas, que poderiam reduzir-se, com proveito, à metade, senão menos, ~ o narra.d~ se ativesse ao cerne da situação e não se desviasse 1por atalhos ~ minúcias redundantes. Aceitemos, porém, o texto ctmo se apresienta e vejamos como se comporta em face dA Citlad, e as Serraa,, que tem, Ili\ edição de 1944, da mesma casa editomt 369 pá~. Para desdobrar quatro cJ.e,;enas de págltias, já de si abundantes, ein quase quatro centenas, S:QIPente fazend.4> interpolações, agregando observações, dando asas ~ia, demorando-se nas passagens doutrinais, enfim, encompridtndo o texto artificial e desnecessariamente. Alguns exemplos ba$rão para ~ uma id4ia do descompasso aritmético, que não aliji:ra, na sua estrutura, o conto original: eliminem-se os excertos e lo,p se perceb~ que o núcleo dramático de "Civilização" é o mesno dA Cidatj,e e as Serras. Dois momentos nítidos 114 distinguem nwna e noutra narrativa, demarcados pela ida do fidalgo Jacinto • Torges, em "Civilização'', e a Tormes, nA Cidade e as Serras. Enquanto naquele a viagem ocorre à página 93, nA Cidade e as Serras dá-se à página 164. Como Eça multiplicou 14 páginas em 164? Simplesmente inflando o texto: em "Civiliação' ', o natndor surpreende Jacinto aos 30 anos, portanto à beira:íle viver Seu momento de transformação ou momento de crise, ccino de -hábitq no universo do conto 13 ; nA Cidade e as Serras, não llÓ o imagina rnascido em Paris (o que evidencia a artificiosidade ~ tanto hiperb,ólica que preside o novo A
'
13 A esse propósito, ver Mary l..QJl!iile Pratt, ''Tho Shm:t ,itocy: llro Long arul lhe Short of it", Poetics, Amsterdam, vol. 10, n• 2/3, junho 1981, IP· lli2-184.
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traçado narrativo, como se detém no avô, no pai e na infância de Jacinto. É que, nas palavras de um romancista atento à especificidade do seu ofício, ''uma personagem de romance jamais pode ser confinada nos limites estieitos do como, assim como a personagem do conto jamais pode ser alargada até as dimensões do romance sem qualquer alteração em sua natureza''. 14 E daí para a frente, toca de esnúuçar tudo, a começar pela Idéia que esse "Princípe da Orã-Ventu:ra"\concebera, seguida de estirados diálogos em torno de questões intelectuais e mundanas, neutras do ponto de vista dramático; enfim. arexaustiva pormenorização do dia-a-dia de Jacinto e Zé Fernandes: (agora sabemos o nome do narrador e amigo do herói) se espicha até um pouco menos da metade do volume. Se tais ingredientes, certo que adicionados com brilho e o inimitável estilo queiroskno, ~ carga dramática, constituindo episódios ou capítulos de um 100mplexo processo de interação social, estariam.os ahte algo difesente do conto. Mas não é o que sucede: as intetpolaÇões e e.x:cUDOs não constituem pólos dramáticos, mas enchimento verbal que apenas adia o instante dramaticamente significativo, quarub o hfllói abandona o pa1ácio, - situado na província portuguesa, no conto; e, no 202 de Champs Elysées, em Paris, nA de conforto civilizado em Tormes, nA Cidat:k e 4f Serr"6, a"1Jas materializam, sem acrescentar novidade, a mu
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14 Albc:irto Mllravia, " Sbort six.y and ~Novel", de Manos End: A Defense of Humaniam, tr. nortb-amcrieana, cw Yorlr, Fimai, Stmus & Giroux, Jnc., 1969, in Clim:k.& E. May (r.d.), Short Story Theo s, Ohio University Prcss, Ohio, 1976, p. 150.
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to do protagonista. Atingira a individuaçãp, diria Jung, após a qual não resta senão alargar os dqmínios do ··~u'' e da existência. E tal
mudança que constitui o al······cerce=fdas d tal, narratiivas: ·.ambas são, do ânguloé da estrutura míniiâa e contbs, não importa 1
que A Cidade e as Serras saa~e por
ntenas ele páginas. 15 :
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1
As UniJli.tJes, do Cohto16 4 1 O conto é, do ângolo· dratnát.im, uní., mrivailente. Abramos parênteses para esclarecer o eitido dos vc)cábmos '' drai:na' ', '' dramático'' e cognatos. Etimol~camente pteso à linguagem teatral, "drama" significava "ação". E com o tempo passou a designar toda peça destinada à representação. Na ~poca rontântica, dado o princípio da fusão de gêne:re, entendia-Se por drama o misto de tragédia e comédia. Transfecido para a grosa de ficção, o termo "drama" entrou a signific• "conflito"1~ "atrito". Nesse caso, "ação" "cortflito" se tonaram equiv8'entes, uma vez que toda ação pressupõe cortflito, e eslie, promove a ação, ou por meio dela se manifesta; em suma, amh.s se impli~ ·mutuamente. O conto é, pois, uma rsnttiv:a unívQca, univalente: constitui uma unidade dramática, urra célula dralnática, visto gravitar ao redor de um só conflito, umi!IÓ d:mma, U$Ul só a:ção. Caracterizase, assim, por conter unidadnde ação, tomada esta como a seqüência de atos praticados pelos protagonistas, bu de aoontecimentos de que participam. A ação pode Iler externa, 4wmdo as personagens se deslocam no espaço e no te1npo, e inte:nia, quando o conflito se localiza em sua mente.
e
15 Companmdo o canto popular •'b Pescador e sua Mulher" e o romamce O Arenque (1977), de Gí1ntcr Oras&, Alain Montamllln chegou a w.ntito l'tlllllltado (cf. François Marotin (org.), Frontiirea du Conte, Paris, Ed. ~de la Reol$erche Scieatifique, 19S2, p. 147). V. ~ na mesma obra, pp. 69 e Blf't o cstl!ldo de Roga Ginks, "Le Conte des Yeux Rouges et Gaspard des Montagnes d'Hdtrl Poouat~. Aceka da impossabilidade de o canto tnmsfonnar-se emIOIIWlCG, wr ainda Bz1liilm Mitlicws, ··~ Philesopliy of thtJ Short-Slmy' ', in Pen and ink, New York, Charles sqjlma:'a S
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Para bem compreender a unidadt dramática que identifica o conto, é preciso levar emconta que o!keus ingredientes convergem para o mesmo ponto. A existência de::uma única ação, ou conflito, ou ainda de wna única ·~história" ou .. enredo", está intimamente relacionada com a condentração de refeitos e de pormenores: o oonto aborrece as digres&ões, as divaJações, os excessos. Ao contrário: cada palavra ou fr8se há de teriírua razão de ser na economia global da narrativa, a pQn.to de, em tese, não se poder substituí-la ou alterá-la sem afetar o· conjunto. Patá tanto, os ingredientes narrativos galvanizam-se numa única direção, ou seja, em tomo de um único drama, ou ação. Evidentemente, é· a ·observação fie incontáveis narrativas no gênero que induz a pensar que a univalência dramática do conto significa haver um único objeto comalldando a escrita e os componentes narrativos. Tomemos um exelllplo: .. Missa do Galo'', de Páginas Recolhidas (1899), de Maclado de Assis, composto por um único episódio; o dilálogo repassldo de sensualidade, entre o narrador, Nogueira, então com dezessete anos, e sua hospedeira, D. Conceição, uma balzaquiana, casada, ·com 30 anos. Enquanto dormiam a sogra e as duas escravas, e como o marido, o escrivão Meneses, saísse de mansinho para UIDa de suas noites de teatro, eufemismo que lhe encobria os "ameires com mna senhora, separada do marido, e donnia fura de can uma vez por semana", Conceição esgueira-se cb leito conjllgal e vai para a sala, onde Nogueira lia Os Três Mosqueteiros, fazendo hora para ir ver .. a ' missa do Galo na Corte''· Sozinhos naquele Sério natalino; que ficaria indelevelmente gravado na lembrança do narrador, arlba-se uma situação dramática única, e põr certo a mais importantt't, na trajetória existencial do perplexo adolescente. A narrativa desBe encontro memorável é um conto por encetrar Wlidade dmnlJátiaf, com princípio, meio e fim. Corresponde ao ápice na vida provinciana do Nogueira. Como o sabemos? Pela simples verificação c1' que o jovem, além de não protagonizltt outra históqa qualquer, :f11Bsaria seus dias na rememoração obsessiva daquele episódio :nwttante. Recordá-lo para sempre, como Sfsifo, eis o seu suplício e sua delícia. Mas naquela noite ele vivera seu momento privilegiado, único instante em que~vida eBCaJ>$U da cinzentice do cotidiano para a luz efêmera da ri alta. E~tara os quinze momentos de glória a que tpdo teni direito- Pouco importa, a ele e a nós, leitores, tudo quantol precedeu a 00ra de subentendidos e meias 41
palavras escaldantes de promtss&s,; ,e tudo quanto se lhe seguiu: o passado e o futuro carecem ~significação1dramática, nãp possuem conflito, ação, digna de um opnto. muito; o cm,.tista apresentaria um sumário de pas*'1o, ou do toro, que pQSSa lançar sínuse dramática. 11 alguma luz sobre a situação emfoco; é a c A esse expediente recorre o DfU3.dor. no e , ogo da narratdva: ''Pelo Ano-Bom fui para ~- Quando i ao llio de Janeiro, em março, o escrivão tinha •orrido de &ll<>plexia. Conceição morava no Engenho Novo, massnem a visitei nem a tmcomtrei. Ouvi mais tarde que casara com <>-,escrevente j~ do marido''. Do ponto de vista dramático, porém, tw.io se eooerrara naquela noite de frustre sedução 8llQl'OSa. É in'elevante o que possa acontecer depois ao nosso herói, stja porque aqunciado nos pomienores do conto, seja porque ele es81Ptara no conflito central todas as suas potencialidades e reservas eQtOCiooais. Rctgra geral. assim se passam as coisas no universo df conto. Se JJão, podemos desconfiar que se trata, mais propriats.nte, de 1llQ trecho ou embrião de romance ou novela. ,, O conto constitui o recorte da fração decisiva e a mais importante, do prisma dramático, *uma continuidade vital em que o passado e o futuro guardam 4gni&ado inferior ou nulo. Os protagonistas abandonam o anonillato no motrntnto privilegiado, de modo que o tempo anterior :fungiona, q~ muito, como germe ou preparativo daquele instaníe;Jem que o destino joga uma grande cartada. O tempo subseqüente se tinge de iequivalente coloração: o futuro é previsível ou fácil de vaticinar, seja porliue definido pela morte ou solução correspon4fnte, seja porque os atos a praticar e os gestos a descrever foram ~terminados 1 por aquele }ililto dramático, seja porque os figurantE:t, depois clisso, ~ à primitiva obscuridade, não apresenaru:IQ suas vidas nada :digno de registro. Elimina-se, assim, a hifÕtes4, de continuarem no palco dos acontecimentos. 1 De onde o conto ser, a ettsa l~, obra fechada, dramaticamente circunscrita. Quando o ficci~sta l'.CS<>lveiultrapassar essa barreira "natural'', prolongando o c~vívio com os seres que criou, duas .l
17 Nonmm. Friedmlll'l, um dos Dlllls abalir.ados tcó4cos do "pol!llo de vista", pmfcre chamar de "narrativa sumária" ("~of Vicw in Ficfufn: 'l1lc Developmrmt of a Criticai Conccpt'', in Philip Stevick (ed.), The. The.ory of the NÍJvel, Ncw York, Thc Frec Prnss, 1967, pp. 119-120). Waym C. Booth (lhe Rhsoric of Pbion, Chicago, Thc University of Chicago Presa, 1963, p. 154) sugue o 10C&'bul!i> "sumári•".
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saídas se Jhe oferecem: à primeira pode ser ilustrada pelo caso de Dalton Trevisan e Giterra ConfMgal ~915), volume de contos que giram ao redor de duas personagens,~ João e Maria. Que é que se observa nessa obra, engenhosamente iarquitetada para vencer a referida limitação? Se a primeira narrativa é vivida por João e Maria, a segunda é-o por João 1 · e Maria1, a terceira por João2 e Maria2 , e assim consecutivamente: João e Maria do segundo conto em diante não são os mesmos do primeiro~ :maS outras personagens batizadas com idêntico ant:ropônimo, envolvidàs em situações específicas, precisameme como na Vida, em que'ios Joões e Marias de todo o mundo, apesar da identldade do aplllativo, protagonizam sempre histórias particulares. N segunda variação técnica se exemplifica em Bandeira Preta (1956), de Bran que o outro é espaço--comdrama. Em "Civilização'', o espaço dramático situa-se em Torges; a estada no pa]ácio é mttro preparati\lb para a viagem ao local onde o herói, vivendo seu thomento pririiegiado, sofreria a decisiva mudança de caráter. ~''Questões ~ Familia", de Dalton Trevisan, adiante transcrito, observa-se p a casa do protagonista é secundária do prisma · . 'tico, · to a do sogro se apresenta tão cheia de .conflitos la.. tes que a r sendo palco da morte do herói. 43
Em "Missa do Galo'', ,pido ,se pa a na "sala da frente" daquela "casa assobradada c!p.'. 1R114. do Se ". Ali o . drama começa e tennina. Seus antece+n~ além secun~os, em poucas palavras se narram: "vim de Mangara 'ba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar PJ*paratórios" Mesmo -que o narrador se detivesse a relatar-nos sua1vida pre , teria de fazê-lo como síntese dramática. Com isso, t unidade de iespaço continuaria a ser observada. Daí o dinamismo 4o lugar físiot> em que a açio decorre: o contista, como se manejasettuma.·cânuu;a:i c~ca, apenas se demora no cenário diretamente relacio$tdo com o dmma. Verse-á, mais adiante, quando *.tratar da .4,escrição,· de que modo funciona esse mecanismo de fllfoque geográfico. A unidade de ação co~, a unidade de espaço, e esta decorre da circunstânciaade apenas d4terminack> ambiente encerrar hnpottância dramáti~ Da ~ forma que uma única ação, por veicular conflito, ~ a narpttiva, wu único espaço serve-lhe de teatro. Pode-se dlur, co~te, que no conto se processa a determinação "1 espaço (e também do tempo como se verá), na medida em.que~ demais lijg~ (~ '2omentos) são vazios de dramaticidade. Do tont:ráfi.o, pe4 criação de vários pólos dramáticos, haveria desequih'brio interno, t? o conto perderia o seu caráter próprio para tomar~ esbQço da novela ou rQmance. Por outras palavras, da mesma fQ'llpla que há espa90-'sem-c4'ama e espaço-com-drama, no conto disÜ!llguem-se acf,)nteci~ntos-sem-drama e acontecimentos-com-drama:. estes é que,constituem a ação central da narrativa, enquanto ostoulros funci~ como satélites. A noção de espaço se~ imediaw.ente a de tempo. E aqui também se observa unidade. Com .efeito, 'PS aeOJJ,tecimentos narrados no conto podem dar-se eJ11 curto lapito de ta.npo: já que não interessam o passado e o futmro, o conflitp se passa em horas, ou dias. Se levam anos, de dua&!:uBJa: 1) ou trata-se dÚm embrião de romance ou novela, 2) ou o lqo tempo ~erido -.parece na forma de síntese dramática, que envolv~ habi~Imente, o passado da personagem. Em "Missa do Galo'', os antecedentes t:emporais estão postos de parte: apenas sabemos a iJlade dos protagonistas; sabemos que tudo ocorre mais ou :menos ·$lfm vinte e twês horas e meia-noite: "ouvi bater 01l74t horas, mas quase sem dar por elas, um acaso''. Tampouco interet;am os acon~imentios posteriores ao episódio: umas poucas referêocias, que vão suhlimhadas, não alterama unidade de tempo do CJPlllO, :rpemiq porque vagas, secundárias e destituídas de força llkamática: "Pelo Ano-Bom fui para
assm..
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Mangaratiba. Quando tomei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. ConQeição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei ,nem a encorptrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido''. O conto, voltado que ~tá para o centro nevrálgico da situação dramática, abstrai tudo quanto, na esfeia do tempo, encerra importância menor. Assim se explica que .O. seja estranha, ou escassamente compatível, a ''duração'' bergsQfÜana, ou a complexa intersecção de planos temporais, engendrada pela memória associativa, ou por outro expediente análogo. De onde a "objetividade" do conto: desprezando os desvios e atalh0$inarrativos, concentra-se no âmago da questão em fo~. Tal "objetividade", presente ainda em outros aspectos, mais adiante examinados, salta aos olhos com as três unidades, de ação, tempo e lugar. Assinale-se que fazem lembrar o teatro, notadamente o clássico, numa relação que será eircunstanciada num tópico específico. Às unidades referidas acrescente-se a de tom: os componentes da narrativa obedecem a uma estruturai;ão harmoniosa, com o mesmo e único escopo, o de provocar no lfitor uma só impressão, seja de pavor, piedade, ódio, simpatia, termiu"a, indiferença, etc., seja o seu contrário. Corresponde à "unidade de efeito ou de impressão", proposta por Poe na famosa resenha a Twice-Told Tales, de Nathaniel Hawthome, publicada em 1842, na Graham's Magazine. Não obstante posta em dúvida 'por vários cmicos, empenhados em ressaltar-lhe a limitação, um.a vez que nãe recobre todos os contos, 18 (a unidade de tom) continua indispensável para a melhor compreensão da estrutura do QOnto. É que,_ como apontamos nas preliminares ao estudo das fônnas em prosa, não se pode esperar que a teoria do conto englobe tQdos os espéQimes no gênero. Raciocinar com as exceções não inVJl]ida a teoria, salvo se o número delas prevalecer sobre o das Illl1J'3tivas que serviram para que a teoria se erguesse. Mas, nesse caso~ deixariam de ser exceções ... Ainda que se trate de uma ohviedade lpgica, oríticoahá qoo Dão atentam para ela. Compreend€t:;-se com mais segura.1ça e nitidez que no conto tudo há de eon~ ~· a impressãca única, quando nos L:!mbramos de. que ele º.pera, · a ação e Dit>.·. com os caracteres.. Estes, entendidos QOlllo persona . redon.d4 ·no gnu múimo de com-
18 V., por exemplo, Im Rcid, op. cit., p. 55. í:
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plexidade (ver o tópico referente às p~~ens, no capítulo destinado ao romance), situam-se fora da tiva curta, émbora seus protagonistas usuais não sljl confundam com meros bonecos de mola nas mãos do ficcionistt. Terldo em · a ~dade de impressão, ou respeitando-a espol!l.taneamente,I à medida q11e urde sua trama, o narrador dispõe de tm eapaço e k um tempo circunscritos para movimentar-se. Sua mitta não consiSte em criar seres vivos à nossa imagem e semelhançl, complexoSI e quiçá múltiplos, como pretende o romance, mas atuações de tonflito em que todos os leitores se espelhem. Somos todos eventwris personagens de conto, poucos de nós protagonizariam romances. O esforço inventivo do contista se dirige para a formulação de um drama em tomo de um sentimento, único e forte, a ;ponto de gerar uma impressão equivalente no leitor. A unidade de tom se efideneia pela·' 'tensão interna da trama narrativa'', 19 ou seja, pela funcionalidade de cada palavra no arranjo textual, de modo que nenhuma se possa retirar sem comprometer a obra em sua totalidade, c"'1 acrescentar sem trazer-lhe desequilíbrio à estrutura. Toda excrec::ência ou amplificação toma-se, assim, indesejável. Entretanto, in:Jt>õe-se distinguir: 1) a digressão que provém dum alargamento illamltivo ou do intuito de, fixando os olhos em ingredientes acessórios, distrair o leitor e adiar o clímax dramático; e 2) a digressãál resultante do empenho estilístico do narrador, ao dilatar o texto ,pelo acréscimo de not&ções plásticas, descritivas, a fim de propiciar ao leitor a contemplação de um momento de beleza verbal, não raro vibrante de estesia poética. Por paradoxal que se afigure, e> primeiro tipo não se justifica, pois escancara uma porta dramática que o narrador não pode invadir, sob pena de principiar uma :WStória paralEila e, com isso, dar origem a uma estrutura imprópria oo conto, ou nllesmo anômala, posto que obediente a algumas de suall matrizes básicas. Somente o segundo tipo, por não derivar para situações tangenciais, tem razão de ser no universo do conto. · · Um exemplo da primeim alternativa pode ser colhido no conto ''O Filho'', de Fialho de A11neida, história duma pobre camponesa que vai à estação de trem eiperar o filho· que regressaria do Brasil. Logo após introduzir-nos a ;rotagonista, o narrador se entretém por um instante na descrição de•outras pessOflS que também aguardam:
19 Júlio Cortázar, Último Round, 2• ed., México,. Siglo XXI Ed, 1970, p. 38.
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~ classe, e.Dite bagagens e cobertores de lã, dormem aDS montes, ra~ que vão tabalhar para o Alentejo, os varapaus de castanho atravessarJos, os tamanc., ao lado, os pés descal~s. e mn cheiro a lobo que se evola ~ suas ~ montanhesas. Nostalgicamente, alguns tasquinham lllil pão de milho horríwl, com sardinhas assadas entre as pedras.20
Na sala de éspera da
E a descrição segue nesse diapasão por mais wn longo parágrafo: a única justificativa para a digressão reside no fato de aqueles figurantes servirem de pano de fundo, paisagem social, no qual se estabelece o drama da campônia. Mas trata-se dwn pano de fundo inoperante do ângulo dramático, uma vez que não colabora para adensar o clima de tragérua que se avizinha. Ao contrário, faz supor outros conflitos, que o narrador, obviamente, não pode revolver sem ameaçar o equilíbrio do conto. Na verdade, pennite admitir que, por momentos, o narrador se alheia do caso da velha, delineado com realismo, como pedia o decálogo em moda no tempo, para se entregar, subjetivamente, à pintura ilum quadro melancólico: E os mais novos, quinze atJOS, dezesseis, clezoito anos, todos alegres daquela primeira migração às sementeiras de lá ~o, esses não param examinando tudo pelos cantos, espantados, desl.llllllbmála:>s, fulvos e bonitos como bez.errinhos de mama; e ei-los estacam diante dlJs relógios, dos aparelhos do telégrafo, a sala do restaurante cheia de flo:!JS, os chalés de hospedagem, e os pequenos jardins dos empregados da esljação... Dois ou três arranham nas bandurras fados chorosos,imeJ.odias locaia;dmna tristeza penetrante, em cujos balanços, gemidos, estriblflios, se aco~o murmúrio dolente das azenhas, vozes da serra, risob!s da romagem, balip do pulvilhal que entra no ovil, todas as indefinidas virg~ dessa saspcla terra da Beira, núcleo de força, e ainda agora a mais impeluta ara da família portuguesa. 21
O excurso provoca quebra da te:qsão narrativa, determinando um recomeço que pode aer prejudicial conforme seja a freqüência e volume das inserções: Q conto exterwo corre sempre o risco, mais do que o brev~ de alongar desnec~amente o âmbito da ação. P~r outro la~o, q,ualquer'.conto malo~. q quando d~tituído ~ ~n sao: formu\a-la e sustentk-la, n1.1p1 at:f!W11ento seno1de, constitm o desafio enffentarl9 por tqdo contista. ~ Ora, o ·narrador não esconde que conhece a situação aflitiva daqueles migrantes em ~usca de trabalho, suscetível, por isso, de 1
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20 e 21 Fialho de Almeida, O País das Uvas, Lisboa, Clássica, 1946, p.70.
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gerar outras narrativas, d.i:W'entcs da que nos .apresenta em ''O F~o' '. A digre6são ~ pll>de fimcioruJ ~mo autêntica paisagem social quando dramaticamellte neutra o~ macessivel 1lo olhar do narrador, como no seguinte t>asso, do cottto "José Matias", de Eça de Queirós: O sujeito de óculos de o~,,,. ~· cou . ?... Não ~·meu amigo. Talvez um parente rico, · que ll nos elitemirs, com o parentesco .· , qJmdo o já Óão itnportuna, nem corretamente coberto de compromete. O homem obeslit de carão '~o, dentro da vitfuia, é o Alves "Capão", que tem um jomàli onde desgraÇMlamente a ftl.osofia não abunda, e que se chama a "Piada". Que relação o-rprendia ao Matias? ... Não sei. Talvez se embebedassem llldl mesmas tuca4; talvez o José Matias ultimamente colaborasse na "Piada"; talvez debaixo daquela gon:lura e daquela literatura, ambas tão sórdidal( se abrigue ~ alma compassiva. 22
em que o desconhecimen~ do narrador:, ou o seu conhecimento relativo mas fechado, sela 1$1 definitivo o caso daqueles figurantes ocasionais, convocados, como ''extras'' cinematográficos, para uma ''tomada'' em que a sua ~ça se confun4isse com o próprio cenário. A segunda alternativa pG>de ser ilusb!ada com o seguinte parágrafo, do conto "Os Olhos ckbeada Um", lile Branquinho da Fonseca: Ao sair desembrulhou a iarta e começod a ler enquanto caminhava pelo corredor abaixo. E parou. E 'iroltou para tráà Foi para o quarto de dormir, fechou a porta à chave, e cori:leçou, serenamente, a ler tudb desde o princípio. Pela janela entrava uma noite muito calma, tom estrelas e luar. Ouviam-se as rãs a coaxar e a água a cafr no tanque do jardim. Pedro, imóvel, sentado diante daqueles papéis amarelbs, com o olhat parado, lia: 23 l
onde o trecho desde "Pelaf.ºanela" até "jardim" constitui pausa para contemplar paisagem, dispensável :Como sugestão de atmosfera, adiamento do desenlac , e admissív~l porque neutro do ponto de vista dramático (mera deicrição poética de ambiente). O conto monta-se, portaito, à volta ~ uma só idéia ou imagem da vida, desprezando os ac~rios e, via ,de regra, considerando as personagens apenas como íhstrutnentos , da ação. Uma narrativa bem resolvida obedece est>
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mental: quando não, resulta em maJc>gro enquanto conto, embora contenha imanente um romance. Serve de modelo, mais uma vez, Machado de Assis corn o seu "Missa do Galo": terminada a narrativa, fica-nos a impressão (que varia em grau conforme o leitor) de que a todos n.Ss acontece, ~lo menos uma vez na vida, um diálogo de subentendidos, onde ~ jogou uma partida decisiva em nossos destinos, e de que só to~os consciência anos depois. Todas as demais impre$Sões pQSsívc;is ausentam-se em favor daquela que o contista esc~lheu para trlt1lsmitir: e sabemos, depois de lido o conto, que a escolha foi a me]lt.or, graças à impressão experimentada. Em sía.tese: o núcleo do conto é representado por uma situação dramaticamente CaJJega~; tudq o mais à volta funciona como satélite, elemento de contraste, ~m força dramática. Por outras pala~, <> conto se organiza precisamente como uma célula, com o núcleo e o tecido ao redor; o núcleo possui densidade dramática, enquanto a massa circundante existe em função dele, para que sua energia se,expan.da e Slila tarefa se cumpra. O êxito ou o insucesso do conto se evidenciai. na articulação ou desarticulação entre o núcleo draJilático e o s,u envoltório não-dramático. Um e outro podem fon:nar-se dos viesmos materiais narrativos (personagens, açjo, esp:t.Ço, tempo, Qtc.), mas os componentes do núcleo ostentam sentido dramático, :,ou seja, .empenham-se num conflito, ao passo que ·os ingredieJP:es periféricos não exibem conotações dramáticas. Assim sendo, o que importa nU1'\ conto é aquela(s) personagem(ns) em conflito, nio a(s) dependente(s); o espaço onde o drama se desenrola, não os lugares por; onde transita a personagem, e assim por diante. Emqora os exemplos analisados mais adiante procurem dar conta desS4 faceta da teoria do conto, vejamos desde já um caso ilustrativo. Em "O Búitlo", de Laços de Famz1ia (1960), Clarice Lispector imagina a _rrotagonista em visita ao zoológico. Durante o irajeto 1 a sucessão lie bichos é interrompida por lampejos de monólogo ititerior, que •tinge o ápice no "momento privilegiado", ou "acon~imento sigpificativo" 24, diante do búfalo: o eixo central do conto se situa no "diálogo" silencioso entre a personagem e o animal. As observações anteriores e posteriores estruturam-se como ~o vazio de mtenor, en o olhar hfmano em desespero e o da . fera em suà bruta imobi dade.
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Pe14,ronagens .
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1 Em decorrência das carafteríst!i.cas a tadas, poucas são as personagens que intervêm no1'!conttb: as ·dades de ação, tempo, lugar e tom implicam a exisltncia de umaj reduzida população no palco ~s a~ontecimentos. U•. . ~ ~to 1?odemo, preocu~ pado nao so com em>ptesW tovidades cas a velha estrutura narrativa, mas também com~ fundam· tos teóricos, já o dizia com estas palavras categóricils: ''Dão é ~o retratar várias personagens. O centro de gdividade deve• repousar em duas pessoas: ele e ela ... " 25 Em "Missa do Galo'', contracenam duas personagens, e as restantes (D. ~Inácia e Mdneses, o marido de D. Conceição), além de referid*i de passap., não participam do diálogo que nucleia o contli: :funcionam~ como pano 'de fundo, paisagem humana ou social. 't'Exttãs" qu6 são, podem somar-se à vontade, visto sua condição pibletarminar o âmbito estreito em que se movimentam. ·,, De onde não ser possível o COHto em tomo de mna única personagem; ainda que um.ai>só ávulte oomo protagonista, outra participará, direta ou indiretallente, na forinulação do conflito que sustenta a história. Nesse aspeêto, ''Um Ladrão'', de Insônia (1947), de Graciliano Ramos, constitli namrt:iva ~plar. um gatuno penetra numa casa em plena calada da noite~ para c111I1prir seu malévolo desígnio. Inexperiente, alterroriza-se e tarda a chegar ao quarto de dormir, onde se encontram as jóias que pretende surrupiar. Após longa indecisão, acompanhada duin diálogo mental com a moça dos olhos verdes, atinge o p6nto desejadó. Mas estaca, perplexo, ante a bela jovem que ressona placidamente. Que fazer? Tomar as jóias'? Ceder ao impulso 3*roso? Afinál, disp0&-se a beijá-la. "Uma loucura, a maior das~loucuras: baixou-ee e espremeu um beijo na boca da moça.'' Da4'> o alanne, é preso. Excetuando a namorada ·tue ficou na lembrança, e com quem fala mentalmente, o protagon&íta age sozinho até o desenlace. Aqui, emprega-se um expediente 11.arrativo típico do conto, ao menos numa de suas vertentes - o ~ílogo enigmático -, que será objeto
do=·
24 Sean O"Faolain, The Short StorJn• ed., ()ldGrec:mVich. Caonecticut, lbe Devin-Adalr Co., 1970, p. 186. 25 Anton TciK:cov, carta a A1exandJIJr P. Tdlecov, de abcil de 1883, tamsctita pen:ialmcnte por Eugene Cwrent-García e Walton Patrick, em ~ is me !Jhort story?, Glenview, illinois, Scott, Foresman and Co., s.d., p. 21. ·
t.
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de análise em tópico próprio. Note-se que Graciliano Ramos concentra nele o auge do enredo, e é nel6Se momento que intervém a heroína: a equação dramática se monit e se completa no minuto em que, irrefletidameme, o larápio rouba o beijo. Dois protagonistas, em suma. , Mesmo nos casos em que o auter utiliza o foco narrativo de primeira pessoa, ou de terceira pessoa aparente (ver, mais adiante, o comentário referente ao "ponto le vista"), está presente um interlocutor, quando pouco oculto ou subjacente. Do contrário, não haveria conflito, que pressupõe uma tensão dialética entre opostos. Alguns dos cantos de Clarice Lispector ilustram à perfeição essa contingência, ao surpreender a persc9lagem nos instantes em que, mergulliando na introspecção, trava 1lliIIl diálogo com um "outro'', seu oponente ou interlocutor. Ainda em conseqüêacia das unidades que governam a estrutura do conto, as personagens são esbáticas ou planas, segundo a conhecida classificação proposta poniE. M. Forster (Aspects of the Novel, 1927), disc:riminada mais adiante, no capítulo do romance. O autor, focalizando-as no lance maia dramático de sua existência, imobiliza-as ~ tempo, :no espaço e !li.os traços de personalidade. Em vez de crescerem IlP decurso da narrativa, como as personagens de romance, oferecem uma factta de seu caráter, no geral a mais relevante, como que à luz do :microscópio: o conto lembra uma tela em que se representasse co apogeu de uma situação dramática. 26 O convívio com ais petsonagens dum conto dura o tempo da narrativa: ternrinada esta, e contato se desfaz, visto que a "vida" dos protagonistas está encsrrada no episódio que constituía a matriz do conto .. O intercâmbjo rompe-se no desfecho pelo fato de a existência das personagens «ião apresentar mais espaço à imaginação do autor e .do leitor: e~ o epílogo, suspende-se o trânsito da fantasia, ou da contemplSfão do instante dramático que o conto focaliza. De onde o leitor, ahbn de ~ na memória uma impressão que pouco a po11CO se dilui, esquecer'8 mais das vezes o nome dos heróis. "Uns Jilm9os" pode ser ohrt-prima em matéria de conto, mas quem se recarda dt:>s protagonijitas e respectivos apelativos? Ao contrário da autor ide romance: o autor de contos, decerto ~
it! 26 H. E. Bates, op. cit., tópico relativo às personagens.
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J de 1945,' p. 19. 'tv., no capítulo dedicado ao romance, o rt
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cônscio da relativa im:portânalla dos-'no das personagens, chega mesmo a silenciá-los. É o por ex lo, de "Um Ladrão", cujo protagonista é anônimo,·~ como figuras: que lljte povoam a memória, salvo "o amigo q~ o iniciara' , nms re~rid por meio de um cognome, Gaúcho, eqUJivaletite a ter nome.
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A estrutura do conto ~em lin§jhas . · 'elas oom as unidades te "objetivo?•, "plástie o númel:\.o de pei:sona.gens. co'', ''horizont:al' ', o canto ~ ser do na terceira pessoa. Constituindo-lhe a realidade loncreta e · ·. a o terreno de eleição, não se afina com a introspec.ção ou o '~uxo da COD1Sciência' ', apanágio do romance intimiset. E cliva~ e digressões são dispensáveis; seria compram.e~ a es~·· .·.= bmweAristlf>.ria que é, no conto todas as palavras~· deiser cientes e necessárias, e convergir para o mesmo alvo.~sim se . · lit:e: também que o dado imaginativo se subponha, geiierica:mente, l ao 'dado observado. A imaginação evita perder..,se nol.vácoo, ~ plasticamente à realidade histórica. De ondes o realismo,i a verossimilliança em relação à vida: o conto não acànite malabatlsmos que coloquem em risco sua fisionomia peculiar: A técnica de estmtmaçãotdo conto asitemelha-se à técnica fotográfica: o fotógrafo con~ sua a~ mun ponto e não na totalidade dos pontos que prdende abt-anp no villar; focaliza um detalhe, o principal, no seu ClllLtende:r, e .captae;Jhe os arredores, de modo não só a fixar o que vêttnas também.o que não vê. Não raro, um flagrante surpreende pelai pom:ienores revelados, e que escapam aos propósitos do fcrtó~o; q:çumtas vezes, minúcias indiscretas ou indesejadas se imisclUJll na fotografia, prejudicando-a em definitivo, ou, ao revés, dando-lhe um sabor especial'! Quem já não experimentou tal surpresa anta veJhias fotografias? Uma imagem bem consettrida ,seria em que os pormenores involuntários se harmonizam com o imago da cena, dando a impressão de uma paisagemique a olho wu 'não perceberíamos, dispersos pelas minúcias que~nos atraem ou desatentos às várias que a retentiva do fotógrafo detecta. Daí a similitude com o conto: este, organiza-se em tomo de um núcleo rodeado de satélites. O êxito estético , residirá na ~ncia inteqia desse microssistema solar; e o malogro, na sua inadequação.
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Quem não se lembrará, ao deparar. a analogia entre o contista e o fotógrafo, de "Las Babas del D~blo", de Julio Cortázar, transposto para o cinema com o título de Blow-up? Uma fotografia é o núcleo do conto: ao ser ampliadat revela um cadáver semioculto por trás de uma sebe. Mistérict. Assassínio? A narrativa constitui a metáfora do conto como estrutura e como flagrante da realidade. Nesse quadrante se move inclusive q conto moderno situado na categoria do ''realismo mágico''. A pr,,sença do fantástico ou do maravilhoso é ingrediente de conteúdo que respeita as normas do conto. A observância das normas não significa diminuição da liberdade criadora, mas a consciência de que as possíveis alterações técnicas de caráter experimental não perdem de vista o espaço em que se processam. Do contrjrio, o result.io seria tudo menos conto. Assim é, por exemplo, "Sonho", 4e Histórias da Terra Trêmula (1977), de Moacir Scliar. O protagonista, Martim, "tem o seguinte sonho: Vê-se entrando num quarto de doQDir. Inclina-se sobre a pequena cama e olha, na semi-obscuridadf. a criança que lá está. A criança é o próprio Martim, ao~ dez anos''. A criança ri, ''uma risada galhofeira. Um riso de deJ>oche''. Martim pensa em esbofeteá-la. Mas "fica a olhar o rosto 'fl8.lmo da criança. (... ) Acorda. A ~r o sacode, 91handp-o com suspeita. - Estava donniru:lo; Mtufun? - Claro! - Ele, aborrecido, sonol~. - Mas estavas rindo! - diz a mulhc!r. - Quem? Eu? - Martim não acredi$a. - Tu, Martim. Tu mesmo. - De que seria? - interroga-se Mru\tim. o triste Martim.'' Duas fotos superpostas.- "Num t:nai-o-dia de fim de primavera /Tive um sonho com nmajfotografia'', Piria Albetto Caeiro -, ou uma foto em.dois planos: a da "realidacie" presente e o do sonho, remetido à inf'ancia. Tudo ~vessado ptr wna brisa de magia, que não modifica. porém, a esttutura do ~· e.
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Linguagem
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A linguagem em que 1 o conto é vazado deve ser objetiva, plástica e utilizai metáfo~ de curto EtPectro, de imediata compreensão para o leitor; deSpe-se de ab~ções e da preocupação 53
pelo rendilhado ou pelos ~oteriSmos. ~ada deve. escapar ao leitor desse gênero de ficção, sdhpre desejos de apreender prontamente os fatos, e passar para ~utra narrati a no gênero .. O conto não oferece espaço para alçapões subterrân~os, ou pássagens herméticas. Salvo a sátira e o huntor, ao conto! desagrada tudo que possa parecer solene ou abstrus<4. O conto 1*-efere a ~gtiagem direta, "concreta'', objetiva. E se algum int~to (no sentido de pulsão inconsciente) se esconde âtrás dos fatos, estes continuam presentes e predominantes, e a ii.tenção, pat~te. Enfim, ação antes de intenção. . , Dentre os componen~ da lingua~em do dontó, o diálogo, sendo o mais importante, tierece que refira em pmmeiro lugar. O conto, por seu estofo ddmático, dev ser, tantci quá.nto possível, dialogado. A explicação #ltra i.Sso està em que os conflitos, os dramas, residem mais na àla, nas palaVras proferidas (ou mesmo pensadas) do que nos atosliou gestos (qbe são reflexos ou sucedâneos da fala). Sem diálogo, não há diseórdia, desav~nça ou malentendido, e portanto, não lá enredo, nqn ação. As pálavras, como signos de sentimentos, idéi•, pe!lSamenfbs e emoções, podem construir ou destruir. Sem diállf,go, toma-se impossível qualquer forma ampla de comunicação. A 1búsica e a mhni.Cá sempre citadas como exemplo de linguagem uniTersal, transnritem apenas parte de tudo o que pensa ou sente o hoÚtem: o meio !mais completo de comunicação é a palavra, sobretudo na forma de diálogo. A importância dramática do diáloio é corroborada por seu desempenho ontológico, n
27 e 28 Hci.dcggor, Ane y P~, tr. ~' ~; FaiadQ,de _Cnltura.F.conámica, 1958, pp. 104 e 105. Para maiam; illformações acerca do diálogo chllmálico, ver o tópico da>tinado ao teatro nA. Criação Litérlria - Prosa H. :
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mente dividida em sujeito e objeto. COD1preende-se, assim, por que a arte literária se organiza em tomo do diálogo, mesmo nos casos em que, como no conto, o ingrediente nerrativo é marca distintiva. O diálogo constitui, portanto, a base·expressiva do conto. Quando não, a narrativa malogra ou to~se exceção. Os contistas estreantes fogem de construir diálogos, precisamente porque lhes sentem a dificuldade. Por outro lado, certos contistas, como Machado de Assis em "A Teoria do Medalhão" e "A Desejada das Gentes", chegam ao requiilte de escreVel" contos inteiramente dialogados, como se compus~ peças de teatro em wn ato. Quatro tipos de diálogo podem ser considerados: l. diálogo direto (ou discurso direto), quando o contista põe as personagens a falar ~tamente, e ~presenta a fala com wn travessão ou aspas (no coqto moderno,, em geral dispensam-se os sinais gráficos): - D. Conceição, creio que vão sendo horas. e eu. .. - Não, não, ainda é Cfdo. Vi agora o relógio: são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite é capaz de não dormir de dia? - Já tenho feito isso. - Eu, não; peidendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo SOllCI). Mas também estou ficando velha. - Que velha o quê, D. Conàe.i~ão?29•
2. diálogo indireto (ou discurso inldireto), quando o contista resume a fala das perso~gens em fo~ narrativa, isto é, sem destacá-la de modo algwn:
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Não entendi a negativa: ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre as joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de .sonhos, e afirmou-me que .só tivera :um pesadelo, am criança. Quis .saber .se eu os tinha. A conversa reatou-se assim, lentamente, longamente sem que eu desse pela hora ~ pela missa. ~ eu acab~va mna narração ou mna expli~ão, ela inventava outra petgunta ou outrapiatéria, e eu pegava novamente na palavra. De qMando em qjuzndo reprim.ia'-lne. 30
29 Machado 1 de Assis,
pp. 233-234.
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do Galo", in :i:onto.s, São Paulo, Cultrix, 1961,
,
30 Idem, ibidem, p. 235.
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3. diálogo indireto livR (ou discu.'fo indireto liwe), consiste na fusão entre a terceira e ll primeira pcrssoa narrativ•, entre autor
de~ d0' ', de modo ou fragihenros dela inse-
e. personagem, ''numa espéc.· . ·. ie que "a fala de determinada personag rem-se discretamente no ~curso · · relata os fatos" 31 : : .•
ln1>ri•.•
· atrav~ do 1qual o autor ' !
: :
Novamente se enterneceu ct1m o desejo ~rei~ à lp1J]her a alegria de que ela falava, tomando~ feliz, Se ele ela logo ~ria! Não seria só um filho; seria tudo. qutffto ela quisessij. _Uma grande casa, uma quinta como a do ''americano'' - ,tudo! lfão lhe JtUtaria coisa alg,ma/32 •
4. diálogo (ou monólo~o) interior é iaeus por que niiP existes dentro de mim: por que me fizestes sepamda de ti? lleus vWde a nrinl. eu não sou nada, eu sou menos que o pó e eu te espero todos os dias e toda&.as noites, ajudai-me, eu só tenho ·uma vida e essa vida escorre pelos meus dedos e encaminha-se para a morte serenamente e eu nada ~ fazer e apenllf assisto o FU ~gotamento em cada minuto que passa, so'\,só no mundo, flllelil me quer ~ me conhece, quem me conhece me teme e eu sou pequena e pobre, não sâberei que existi daqui a poucos anos, o que me resta para viver é pouco e o que me resta para viver no entanto continuaráintocado e inútil, par que não te apiedas de mim? (...)34•
sobk
usar
31 Otban Moacir Omcia, Co1r9nicaçila em Proaa Moderna, 2ª cd., Rio de JllIJl)iro, Fundação Getúlio Vm:gas, 1969, PP· 128 e loll. 32 Fc:neira de Castro, Terra~., 5ª ~-. Lisboa,. Llv. F.d. ~ 1944, p. 135. 33 Robert Humphrey, Stream Consciou111!SS in ihe Modem Nove~ Berkeley and Los Angeles, UnivCISity of Califomia , l~, p. 24. O':referldo autor considera quatro tipos de técnica usados na ~o do ""Ooxo da consciência", entendida esta como "a área toda dos processos mentais, incluindo especialmente os níveis anteriores à fala" (pág. 3): o "monólogo", o "monólogo interior indlleto'', a "descrição oniscicnte" e o "solilóquio" (p. 23). Todavia, a estrutura do conto, ·historicamente compreendida., não autoriza empregar tão minuciosa chls.filicação dos proca;.sos de expressão dos "fluxos da consciência'', mais G u i •m a r ã e s . ,
adequados ao romance. 34 Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem, 2• ed., S. Paulo, Liv. Francisco Alves, 1963, p. 176.
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No conto, predomina o primeiro tipo de diálogo, pois permite ao narrador colocar o leitor diante dos fatos, como participante direto e interessado. A comunicação realiza-se de pronto entre o leitor e a narrativa. O segundo tipo aparece menos, e, mesmo assim, quando se trata de diálogo secundário, que não vale a pena transcrever expressamente. Se usado em excesso o diálogo indireto, o conto pode falhar ou acusar incipiincia: os que começam a escrever contos fogem de encarar a ~dade inerente à construção do diálogo direto, e óptam pela fonna primária do diálogo indireto, semelhante à muleta narrativa do povo inculto: o "dizque' ', o ''ele disse que''; etc. Quanto ao terceiro tipo, constitui fecundo recurso expressivo e pode também ocorrer no perímetro do conto. No tocante à derradeira modalidade, embora rara, pode ser empregada sem abalar a estrutura do conto, porquanto o narrador apenas transfere para o monólogo interior o diálogo que a personagem A travaria com B. De qualquer fonna, trata-se dum requintado expediente formal, de complexo e difícil manuseio. Outro expediente narratjvo é a narrll{ão, que, em conseqüência desse conjunto de características, tem presença reduzida, proporcionalmente ao diálogo. A narração consiste no relato de fatos ou acontecimentos; envolve, portanto, ação, movimento; e evolução no tempo como, por exemplo, a narração de uma viagem, de um jantar, de um choque de veículos, etc. No conto, funciona como condensação dos pormenores ligados ao passado, remoto ou próximo, que interessam ao desenvolver da ação. Pode, ainda, ser invocada para sintetizar fatos intermediários ou acessórios que, no plano da fabulação, não importa revelar, sob pena de redundar em desequilíbrio do conto. Os escritores neófitos ou inexperientes tendem a abusar da narração, pois, sendo recurso fácil, prescinde das exigências próprias do diálogo. Ao nairar, o contista incipiente mantém a equação dramática numa persjectiva pessoal, assim eximindo-se do esforço de despersonalizaçãp ou de projeção nas personagens, indispensável à verossimilhattça do diálogo. Em suma trata-se dum recurso pouco freqüente no:.conto.
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A casa em filie eu estava lpspedado era escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras mípci~ com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe eles~ acolheram-me. bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, mefies antes •. a estu.far preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobmdada da Rua do S~, com os meus livros, poucas relações, algtJns passeios. A 1famflia era petuena, o escrivão, a mulher, a
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sogra e duas e8cravas. Cos~... velhos~· dez horas ndt.'te toda a gente estava nos quartos: às dez d1 meia ~ casa nnia. NUnd tinfui ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindd' dizer ~ · que ia a0 teaUro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessaslocasiões, a soJa fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não~. vesfu~, saía e s0 tomava na manhã seguinte. Mais tarde é que eJi soube que o tdatro era w:nJ eufemismo em ação. Meneses trazia amores comli~ senhora, do e dormia fora de casa uma vez por ~· Conceição P+decera, a 1*fficípio, com a existência da comborça; mas, fLfinal, i resignari-se, e acabou aichando que era muito direito. 35 f da.
+:arada
iParido,
A descrição consiste ' enumeraçjio dos ciµacfres próprios os., e croisas, co:t,no, ;por exemplo, dos seres, animados ou · · a descrição da natureza, . ruas de S~o Paulo, das pessoas, dos automóveis, etc.: a descri -o implica s~pre a ausência de movimento do objeto descrito, .'sa "a repre$entar objetos em sua única existência espacial, fora ' qualquer acontecimento e mesmo de qualquer dimensão tempo · ''. Ou, por outras palavras, ''resulta da conjunção de uma (ou ~)personagem. . com o cenário, o ambiente, a paisagem, uma coleç de objetos" 36 • Na estrutura do conto, descrição desempenha papel semelhante ao da narração. Tende, · tudo, a gahbar mais relevo, conforme o tipo de história. Os con. s realistas detinham-se mais no esboço de personagens e paisagens, pois acreditava-se na sua interação dentro da arquitetura do conto. No geral, a descrição dos protagonistas é ligeira, bastando doas pinceladas identificadoras: visto centrar-se na situação criada pelo embate entre as personagens, o conto não se preocupa, via de regra, com Jhes erguer um retrato completo. Se tomarmos uma série df! narrativas do gênero e procedermos a um balanço no modo como descrevem as personagens, verificaremos que se diferençam rrutis pelo contorno dramático ou psicológico, enquadrado numa situição única, irrepetível, que por sua fisionomia ou vestimenta. A eiplicação para o comedimento na pintura dos componentes "hwnanbs" do conto reside no fato de que o seu ritmo, acelerado, infenso àS pausas, afeiçoado ao dinamismo correspondente à pressa com que, na vida, se montam os dramas, não sugere maior demora na descrição. Doutro modo, fixar-se-iam por-
"MJsJ "Frontelfs
35 Machado de Assis,
do Gaío .. , p. 2:ri. . 36 Génml Oenette, da NllIIllti.Vá.'1 ln Rola:nd Ba:rtlms et aUi, Análise &trurural da Narrativa, tr. bras., de Jla:ooiro, Vdu:s [1971), p. 264; Philippe Hamon, "Qu'est-ce qu'une description?", Jlloétique, Paris, Selllil, 1972, n• 12, pp. 474-475.
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•o
menores desimportantes, qtJe só pe.rturbariam o desenrolar dos acontecimentos. VejUlos um esemplo, de '!Missa do Galo": 1
Em verdade, era um temptSaJill!iDt.o modeilldo, sem extrenws, sem grandes lágrimas, nem grades risos. No capítulo de que trato, dava pata maometana: aceitaria um ~ com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela em atem1aoo e passivo. o;róprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que pwnamos ~ s.impática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. :Nik> sabia odiar, pode ser até que não soubesse amar.37
Como se observa, a descrição física, que a velha Retórica denominava prosopografia, ocupa sonu;nte uma frase: "O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio". E assim mesmo pouco, ou nada, nos infonna da personagem, ~razão de sua ambigüidade radical, como se ao nattador não importasse a aparência externa dos figurantes. Pode-se até considerar esses traços pertencentes ao tipo de descrição que predcpmina no frapnto, a descrição psicológica, denotadora de um ficcionista inclinado ao realismo interior, para quem os dramas, íntitqos que são, raramente se manifestam na fisionomia ou nos gestos. Fosse o autor um dos partidários ~ realismo positivista, em voga no tempo (fins do século XIX), ~ a descrição seria não só abundante como freqüente, a ponto de ,se tomar anafórica, como assinala Philippe ll.amon no ensaio em rodapé. Vejamos um breve exemplo, extl:aído de 'Jsingu.Iatldadés de uma Rapariga Loura'':
índia+>
~u por me dizer que o seu caso ~ simples - e que se chamava Macário... Devo
to
oontat que conheÇi este hqmem Duma estalagem do Minho. Era alto e grosso: tinha uma calvk larga, lUzidia lisa, com repas brancas que se lhe eriçavam em redor: e os seus olhos pret<>1, com a pele em roda engelhada e amarelada, e olheiras papixlas, tinham umliónguJar clareza e retidão - por
e
tnls dos seuà ócul6s ~ com lll'Oi8 de tàruga. Tinha a barba rapada, o queixo saliente e resoluto. Tta.zia ~ grava. de cetim negro apertada por
...
tnls com 11t11a fivela; um $~ de pinhão, com as mimgas estreitas e justas fl c:anliões. veludiJlj>. B 1'Ja loop abertura do 11JeU colete de seda, ODlfe rehizi.a ;um . · - an&ip - ~ u preps moles de uma camisa ~.3&, 1. .. f l
1
)!
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~-
37 Machado de Assis, Cont08, 231-232. 38 Eça de Quciiós,. Contos, 10" td., Lisbot,. Livrqs do Brasil, s.d, p. 7.
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Coofrontemos os doisfexemplos, neos, mas diainetrahnente ~ostqs na s com uma descrição modelilOa, rchtirada introspectivlsta (''Os Desa:fres de So '1/
!
~
.
O professot era gordo~ e sil ·oso, de onibros!contra.ídos. Em vez 'de nó na garganta,~ om~ dos. Usava[pale(ó curto demais, óculos sem aro, com um fidlde ouro enc:1IIJ4nõo o~ grcxlso e romano. 39 0
Os parcos aci~tes ·icos do pro gonista são enganadores: . · ,' ina.s verdade'. escbndem o seu avesso, como se a · · · . e, na antihomia entre '' gordo, grande e silencioso", a:llface bculta contraditbria 'do professor. Ser e parecer estabelecem ima tensão q o sex19 sentido da aluna capta e procura desvelar: ·~eu era a da por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e la clmtro±impaciêhcia' que ele tinha em nos ensinar e que, ofdhdida, eu a vinhara". A descrição, de resto mais minudente do qie é comum . prosa introspectiva, nem é realista à Eça de Queirós;i nem psicolókica à Machado de Assis: o realismo é negado pela adivinhação do avesso, e o psicológico, projetando-se além da supei-fície visível 4la mente do herói, ultrapassa as classificações tipológicas de com~ndio e sonda o inconsciente, adensando-se num misbirio que escapa à narradora e ao leitor. A descrição do cenádo, da natureza ou do ambiente ocupa lugar ainda mais modesto, b virtude dessas mesmas exigências do conto. Todavia, outros argumentos podem ser aduzidos. O drama expresso pelo diálogo gerallmente dispensa o cenário. E, quando se impõe descrevê-lo, o narrador não se ~ora: apenas nos fornece, rápidas manchas de cor e linhas, o tjano de fundo da ação. A natureza não aparece em pormenores lleIIl possui valor em si. O conflito pode deflagrar eqi toda Pfil"U1 inclusive no campo, mas toma-se secundário, até c.,to ponto, o JocaJ goográfk:o. Quando a narrativa se desenrola deQlro de casa, na rua, bar, etc., igual tendência se observa: a descrição completa-se com duas ou três notas, o suficiente para situar o 'i:onflito no espaço. Não raro, o contista abstrai a paisagem e os aspectos externos dos figurantes, certo de sua desnecessidade: o drama mora nas pessoas, não nas coisas nem na roupagem; estas, quando muito, refletem-no. apontmn para um tipo
pe.··.·
39 Clarice Lispector, A úgiiidEm'~iro, Rio do JBDOiro, Editam do Autor, 1964, p. 9.
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De cerl!o modo, a descrição do cenário, do ambiente ou da Natureza - que a velha R.etórica chaàava de topografia -, segue tendência análoga à que preside a descrição da personagem: detalhista, por diferentes motivos, no Romantismo e no Realismo, reduz-se aos traços veiculacdores de significado psicológico no conto à Machado de Assis, Anton Tchecov e outros. E por fim praticamente desaparece no conto intimista ou introspectivo. Em ''Singularidades de uma Raplltliga Loura'', várias notações topográficas se disseminam pela narrativa. Ressaltemos uma delas, exemplar do amor à minúcia descriti• que caracteriza o conto à Maupassant: O nll 3 era no fundo•do corredor. )& portas dos lados os passageiros tinham posto o seu calçado para engraxar. estavam umas grossas botas de montar, anlameadas, com esporas de ccirreia; os sapatos brancos de wn caçador, botas de propri~o, de altos 4l!WOS vermelhos; as botas de wn padre, altas, com a sua bor!a de retrQs; os hPtins cambados de bezerro, de wn estudante; e a uma das pqrtas, o nº 15, 1f!tvia umas botinas de mulher, de duraque, pequeninas e fims, ao lado as Fq_ueninas botas de uma criança, todas coçadas e batidas, e os seus canos"de pelica-mor caíam-lhe para os lados com os atacadores desatados. Todos donniam. Defronte do nº 3 estavam os sapatos de casimirlt com atilhos: ii quando abri a porta vi o homem dos canhões de veludilho, que amarrava ni cabeça um lenço de seda: estava com uma jaqueta curta de iamagens, uma 'Jlneia de lã, grossa e alta, e os pés metidos nuns chinelos de durelo. t·
,,
Note-se que o na:rraddr iria dividiu> quarto n 2 3 com Macário. Tal circunstância lhe proporcionará ou'fir a história do amor frustro que constitui o eixo do ronto. A exuàerância de pormenores somente se justifica pelo anseio de cons1ruir, com veleidades científicas, o pano de fundo em que vai ocoher o encontro dos protagonistas. A vestimenta de Macário é desorita com todos os detalhes, como se sua psicologia e
nnuJher "fincara os cotovts" a "e que fiFava ao lado do canapé", o "espelho, que ,.cav~! por do ca.Dapé", e "duas gravuras'', uma das quais npesehtava •• leópatr.a./:". É patente o contraste e4re a pare" · · descqtivai de "Missa do Galo'', indicadora de qui o ~to corre liio p~o mental, e a abundância queirosiana.1i O ~r e res~e a ·uns poucos móveis, como a ~ a 1?t5içãq··· dos a "em Mas todos carregados de oentido, ran4o para ênf~.·· ~o~~ reforço, às meias palavras trocadas · o adolesc · e a lânguida mulher de trinta anos, uma balzaq . '' em cnsponi ilidade. ; 1 Em ''Singularidades de o.ma 1,taparig Loura'' p e~ rouba sentido psicológico aos pomienontS, tomaindo-os ~ros referenciais geo@táficos para a desdi~paix'.·º de · ·o. A,o p~so que em "Missa do Gak>" os móv+ cmisti mais do.qUef cenário ou pano de fundo: part.icipan . ativos, de sign\ificado, são cútnplice da ardente conv · entre os gonistils. l!'.Jma análise do conto que se desejasse !exaWrtiva · de pendei-ar o lastro semântico dos móveis e ob tos êxisten · na sala, no~damente o St$tava eópatra. 'As insinuações canapé e a gravura que entre as personagens, ao os ~ que as lpalavras de Conceição, como que se : n obj~: es!{es também inculcam o que as pala~ sussprradas. de Con~içãlj> prometem veladamente. E no fim, todca o~ ntverbera o erotismo reprido.M~. mido que escachoa nas coddências da No conto introspectivo ou intimistaj, a rarefação do cenário toma-se Um.da mais eloqiiefte. Ji.m Desastres de Sofia'', a rutttadora limita-se a informfr que o colégw ''tiilha o nllaior campo de recreio que já vi. Era ,tiAJ bomto para imim como seria para um esquilo ou um cavalo. T~ árvores espelhadas, longas descidas e subidas e estendida relva. Não acabava nunca.'' Em determinado instante, registra que ''nunca havia percebido como era comprida a sala de aula". E finalmentf.llenoosta "todo o /seu/ peso no tronco . de uma árvore". E aí está bido. Além de. escassas, as notas descritivas primam em ser vagas . .A narradora mal se recorda das coisas à sua volta: só tem olhos para o professor, e assim mesmo marejados pela memória da infântia, quando, diz ela, enternecida mas lúcida, aprendeu "a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, apenas para suaviar a dor de
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etc. Pode fundir-Se aos demais recurs• expressivos ou destacar-se do conjunto; há diálogos dissertativols, bem como descrições ou narrações permeadas pela dissertação. Historicamente, a dissertação se apresenta no conto do seguinte modo: desde a Idade Média até o sécUlo XIX, incluindo o Romantismo, fazia parte da estrutura do conto~ A semelhança com a fábula ou o apólogo, à Esopo ou Fedro e, mais tarde, à La Fontaine, ou a influência dessas narrativas moralizanties sobre o conto, explica-lhe a presença freqüente e, não raro, relevmte. E quando ausente, cedia lugar a uma espécie de moralidade imjlllícita, por forma a emprestar ao conto uma fisi011omia :de ampla nuláfora doutrinal. Assim, por exemplo, os Contos e Hi$tórias de Prlweito e Exemplo (1575), de Gonçalo Fernandes Trandoso, gerahrnti.te finalizam por uma ''moral'', que constitui, sem dúvida, a meti pretendida pelo ficcionista: E todos entenderam quão '1iserável
rosto o q111e se dá. 40
E se dermos um salt no tempo, até o crepúsculo do Romantismo, análoga l!endência pbservare.mQI, como no exemplo seguinte, fornecido por Júlio Diftis, com que~e inicia uma de suas narrativas curtas:
º'
Desde que uma ~ coosegue radicar-,e verdadeiramente na imaginação à evidência dos fatos desarreigádo povo, difícil é ao poder dos séculos la. Parece que à medida
Na verdade, a história servia mais j(e ilustração de uma sentença moral que o inverso; a doutrina não se deduzia da narrativa (apesar das evidências c01Dtrárias, arrallljadas como simples manobras de persuasão), mas ~ta se montava como exemplo daquela. Júlio Dinis, embora situa.do na vangulrda literária de seu tempo, rende homenagem ao venio proCt'lSSO, at> declarar, ainda no mesmo conto, o seguinte: r :.;i
40 Gonçalo Femandr.s T~,, Conl06 e Hislórias de Proveito e Exemplo, Llsboa, Imprensa Nacional-Casa da Moala 1974, p. 249. 41 Júlio Dinis, Serões da Pr. 'ncia, 2 wls.,
Pfno, Civilizaçio, 1947, vol. 1, p. 103.
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Siirvam estas reflu.ões de )119fác:io :ao caso nanar e que as exemplifica.~
.
~
e Gbscuto, que vamos
'
Fmbora tenda a ausentaf-se ~ c§Ento teriqr 'flO ~o, pois sua presença correria ojrisco de . formar-se enj. divagação,
d4 talento a . ·· ~ hal:Jilidosamenadiposa e inútil, com .tal prqpriedade no te. É o caso de Machado deiAssis; · corpo da narrativa que esta..plém.: de preEÍervar seu equilibrio interno, ganha uma pitada de hifnor e ironiaj A fim de ~gui-lo, o contista explora a ~ em. doses homeopáticas; o quantum satis para enriquecer a hist4ia que conta com suas reflexões de D. Casmurro, pois qualquer ~esso seria &tal para o cQnjunto. Por isso é que os autores de '°ntos e~ utilizá-la. Vejamos um exemplo, fornecido pelo cri,dor de Capitu: c o n t i•s t a s .
O ridículo é uma espécie de itstro da alma qiuando ela eiltia m mar da vida; algwnas fazem toda a naveAão sem outra espécie d6 catteganento. 43
Uma observação final :dP fuaínte a0$ recursos· éxpressivos, ou retóricos, empregados no âtnbito do conto: a distinção entre eles ganha em ser entendida comb não-prescritiva, ou seja, não obedece a propósitos normativos, em consonância, aliás, com a teoria dos gêneros que preside este livro. Em segundo lugar, os ~entes tetdricos tendem a mesclar-se, dificultando por vezes o sii deslinde, êomo bem revela Helmut Bonheim no referido estudo. +.descrição e• ruu:ração podem fundir-se, apenas diferençando-se no topnte ao movilllento e ao tempo -, ausentes da descrição e caracteristloos da narração. A seguinte passagem: A aeronave, um Boeing 747, de cor azul ,e branco, cruzava os ares a uma velocidade de 980 quilômeú:1* hodrios. 1
pode levantar dúvidas: na *'1id. em que as referências ao aparelho dispensam o movime.nt8 e a noção de tempo, temos descrição, ao passo que tudo o mais se inscreve no' plano da. nanação. Lembremos que a chroaografia, ou tlescrição do tempo, pode induzir à mescla com a narração, embora constitua mera indicação temporal, sem o movimento correspondente. Assim, o fragmento:
42 Idem, ibidem, p. 106. 43 Machado de Assis, Contos,
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1. 23.
Na manhã daquele dia 'passar& por ali e trole do fazendeiro, de volta da cidade. 44
abre com wn pormenor cronográfico, 011 cronológico, portanto descritivo, integrando uma seq_üência em ~ a narração prevalece. Por fim, a mescla ~ ser mais cOfnplexa, pela convergência, no mesmo periodo, de índices namrtiv
Note-se que à cláusula narrativa iihi.cial se seguem notações descritivas, relacionadas com o vulto (descrição de pessoa) e com a sombra (descrição de c~o), pêra ctlminár na interrogação, de caráter dialogal, não importa se exprepa em voz alta ou se na mente da personagem ou do nanador. '
Trama Tomando o vocábulo "'trama" no &entido de urdidura ficcional, sinônimo aproximado de "enredo',.: ou "intriga", nota-se que a trama do conto· caracteriia-se por sua-flinearidade. O símile com a fotografia de novo se impBe: o contisbilparece apostado em lograr wn flagrante da realidade, thmsfundir erl palavras a intriga condensada, aparentemente estáticlt, da fotognfii. Como vimos, o tempo do conto seJUC, as mais das vezes, as batidas do relógio ou as marcas do ~endário: o leitor "vê" o episódio dramático acontecbn.do como nl vida real ou no retângulo da fotografia. Ao principiai-, a nattatiVlÍ situa-se na vizinhança do epilogo, de niodo que apdas conhecen:i>s os momentos contiguos ao clímax dntmático. Tudo! o mais, po~ irrelevante para a cena focalizada, é relegado ao C$quecimento ou a segundo plano. A precipitação preside o conto desde a abertura: a trama se organiza segundo wn andamento que lembra o ritmo subjacente aos eventos do cotidiáno, cujos! pormenores Yse acumulam numa ordem "objetiva", de fácil percepção. Os ingredientes do episódio, franqueados plenamente à contemplação dD· leitor, carregam wn nó
" r'
~aula, · · · . 1957, p. 216. ,2"ed.~,NovaFromeiA, 1981,p.129. .
44 Monteiro1Lobato, Urup&, S
45 LygiaFagundesTelles,Mist
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dramático, que não consismem artificio ~co, como.nas histórias policiais, em que a descoberta deum cadáver serve para "divertir" a atenção ·do leitor: no conto, o enredlo monta-se às claras. À seme1hança da vida diária, Wl.ue ptetenrEdeelhar ou &grar, de um momento para outro acendi-seº. estop·.. e o confli.·."to. explode, de acordo com o princípio ~ uniditdes 'ticas. • A grande força do· conf> reside no · go narrativo !para prender o leitor até o desenlace. &te, quando· enigmático, surpreende-o deixando-lhe wna semente;pe meditaçãd ou de pasmo ante a nova situação descortinada. E a harrativa, dobda de '•wna insistente e perene fluidez que escapa d§s mãps" 46 , spspende-se, fecha-se, completa, inseqüente. Contos hi sem enigma ou que o apresenta diluído ao longo do relato, como ~ literatura moderna.
Pbnto de vist(l O ponto de vista, ou ângulo visual, em que se coloca o escritor constitui elemento de especial ipiportância na estrutura do conto, novela ou romance. Também chamado de foco narrativo por Cleanth Brooks e Robert Penn Wru;ren.47 , responde à pergunta: Quem testemunha a história? Quem oonta a história? Em que perspectiva se situa? Esses dois críticos Ilfrte-8µiericanos estabeleceram um quadro sinótico fonnado por qpatro focos nprrativos: 1º) A personagem prhfipal ~ s1'.a histói;iª·, . 2º) Uma personagem ~cundária narra a históna da personagem central. , 3º) O narrador, analítif:>·.··· o ou .onisci~te, conta. a ~tória. 42) O narrador conta_~?Ustória comp observador"'. Os focos 1º e 42 impliqinn análise dos acontecimentos, ao passo que os outros doi!\ dizem respe1to à sua observação externa. Por outro lado, nos focos 12 e 22 , o narrador funciona como
Df.tema
46 H. E. Bates, op. cit, p. 18. 1 47 Ocanth Brooks e Robert P"1Il W~ Undustanding Ficlion, New York, F. S. Crofts e Co., 1943, pp. 588 e ss. ' 48 Idem, ibidem, p. 589. A questão do foco rumativo tem me+;ido da critica, JlllS últimas décadas, especial lltmção, evidente na copiosa bibliografia a respeito. A presente classificação adotada desde a primeira redação do tópico refcronte ao conto, por volta de 1962-1963, permanece como tal por servir à matéria em causa. É um quadro sinótico roconhecidam=te simples e cristalino, ainda útil e válido. No capítulo reservado ª°'' romance, serio cc:msidaados achegas posteriores à proposta de Oeanth Brooks e Robort,,Pmm Warren.
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personagem ela história, enquanto nog outros casos se coloca fora dos acontecimentos, como observadol\> ou tem livre acesso a todos eles com igual facilicladeJ Cada um dos focos apresenta simultaneamente vantagens e desvantagens para o ficcionista: ora faivorecem, ora limitam a possibilidade de visualizar o panorama em que a narrativa transcorre. Não sendo nenhum deles completo e ·perfeito, o autor optará por um que lhe faculte realizar o acalentado intento: narrar-nos uma história convincente. E se o foco narrativo se ajusta ao enredo, está satisfeita a condição fundamental nese terreno, uma vez que há bons e maus contos empregando indifsentemente os vários pontos de vista: bons, quando se processa íntinia adequação entre o ponto de vista e a intriga; ma~ quando há inadequação. O contista não engendra o foco ~tivo, como se se tratasse de um recurso autônomo, aplicável aleatoriamente a qualquer enredo. Ao compor-se, cada narrativa traz implícito o foco narrativo: é inimaginável uma história sem foco Il8ITlltivo, ou este sem aquela. Narrar é um exercício criador que ~upõe a idéia de ponto de vista. Idêntico fenômeno ocorre com a estrutura: o autor não forja a estrutura separada ela intriga; à maneira do esqueleto do recémnascido, a estrutura se organiza como totalidade no próprio ato de construir a narrativa. O trabalho postelli.or de refundição ela escrita, ou o apuro ela linguagem, não modifi'3l a estrutura, ainda à semelhança ela ossatura humana, cuja constiWição básica permanece inalterada no curso ela vicia. O conto malogra quando o autor se empenha em rebuscar fórmulas técnicas pOl'.!Ventura adaptáveis à narrativa. No tocante aos focos narrativos, pode-se retomar o comentário feito noutra altura: quando o conto é ccmto, estabelece-se coerência intrínseca entre a estrutura, o ponto dl' vista e o assunto; quando embrião ou capítulo de lUillUlCe, toma-se evidente o descompasso. 1. No primeiro foco narrativo - flJil que a personagem principal conta a história - o narrador emprega a primeira pessoa (do singular ou do plural). Limita-se, assiJn, a área ela fabulação, restringindo-a ao narrador, pois é de !iJlll história que se trata: a personagem interessada na história - visto ser o protagonista central - nem sempre é a~ indicada QP1:8. narrá-la, pois a interpretará de seu ângulo pessqal, o que inlPlica uma visão parcial ela realidade. Por outro la~, quem, ou t que nos garante que seja dotada de rqc.ursos. inte1 · , psicolt:;s, etc., para se conhecer a ponto de nas confiar sua ·stória ;com · · rendimento e segurança?
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Ainda que a história gke em· tomo ide um terreiro, como no segundo foco narrativo, o~-se análoga restrição, desde que se faça uso da primeira pessoa. O narrado~ peca por estteiteza, porquanto se vê impossibilitadf de ~às demais plttSonagens a mesma atenção que d.ispenta a si ' ·o. A bem da coerência, acaba por f~er-se único coitro de int$se de situaqões em que outros protagonistaS ~' a seu m<>4lo, acredilar-se com igual direito. E se não lhes atribuif esse direito por estar voltado apenas para si próprio; caso cont:ráão, a visão dos fatos seria alterada. Tal individualismo podo comprometer a plausibilidade da história: o narrador tende a of'Cecer-nos de si uma imagem otimista e dos outros, negativa, ou meàos boa; juiz :em CBU8ll própria, é incapaz de analisar os acontecititentos com isenção de ânimo. Pode até julgar-se núcleo da fabulaçãtt por egoísmo, que o impede de atentar para o drama vivido pelos tlemais participantes. Para evitar essa redução óptica, era preciso que o na.rraddr funcionasse como alterego do contista, ao menos na medlida em que também se interessasse por divisar o mundo conS> as outras personagens. Eis porque a escolha 4o foco narrativo é, até certo ponto, arbitrária. Atestam-no os coatos que, eml>ora realizados plenamente, ainda poderiam ser reescritos. Exemplo disso é "Missa do Galo'', que Ostnan Lins e J11ieta de Godct>y Ladcira remontaram de ângulos diferentes, sugeri.rua pelo contot o de Conceição e o do narrador-protagonista na v$ão machadiana (publicados no '' Suplemento Literário'' dO E.s-.do ~ StJo Paulo, dezembro de 1963). Como se tratasse duma exJ>*iência praticada por oontistas talentosos, acabou resultando em .tuas narrativas de primeira categoria. Aos dois autores se juntarlm Autran Dourado, Lygia Fagundes Teles e Nélida Piiíon, cont o mesmo intuito, e publicaram em volume coletivo (Missa do tialo. Variaçles sobre o ml!smo tema), no término de 1977, o fruto de sua criação. Machado deixara em aberto perspectivas narrativ$ que·coJaboram para adensar o clima meio onírico em que transc
e
intermediário: a personagem que "vivea" a história conta-a diretamente ao leitor, assim anu1iando a distâucia entre ambos e dando ao leitor a impressão de ser o exclusivo QOnfidente do caso. 49 O impacto resultante, porque direto e sutil, tp0llÍere verdade à narrativa, em resultado de ser o herói. quem a traosmite. É fácil compreender o fascínio da comunicação imediata entre narrador e leitor, quando nos afastamos da ficção e ietomamos à vida real. Os dramas adquirem eloqüente f<>l'ça quando são narrados pelos seus protagonistas: se um terceiro os relata, alguma coisa da vivacidade se perde ou se atenua, obrigando-nos a solicitar o atlXilio da imaginação para suprir o calor natural que animaria a cm:fidência do protagonista. O emprego da primei.ta pessoa ainda pode conferir unidade à narrativa, graças à concentração de efeitos, e à plausibilidade correspondente. Um dos requisitos essenciais para que o conto se realize - a presentivida.de - , se concmtiza igualmente no uso da primeira pessoa. O leitor~ a impresaão (de resto falsa, se atentarmos em que sempre os fatos já aconteceram ao narrador quando os comunica) de estar sendo participado de ocorrências contemporâneas à leitura, como se a realidade viva lhe fosse revelada em pleno processo dinâmico. As coisas se lhe tomam presentes num jacto, em resposta às expecta.tivas da ,puriosidade; tudo se passa como se lesse num jornal a narrativa dàm acontecimento transcorrido no mesmo dia, ou ma.is tardar, omem. Conquanto pretérito o tempo verbal, a sugestão de presente mantém-se, em conseqüência de o foco narrativo estar na primeira pessoa. Sem maior esforço da imaginação, o leitor acede à história graças ao contato direto com o herói. Não raro, este se dirige express8Dleilte ao leitor, ou interlocutor, como se narrasse um caso a determinado ouvinte, que é sempre a pessoa que naquele momento frui na narrativa. Expediente primário, ao empregá-lo o ficcionista tão-so~ descortina e desenvolve um traço imanente ao aonto desde 8111 suas primitivas fonnas. 2. A atmosfera de oralidade ansen1a-se nos outros focos narrativos. Mesmo o segundo, que pode valer-se da primeira pessoa, despoja-se dela: como se ,trata duma personagem secundária que conta a história da princip-1., a distâncié entre o leitor e a narrativa aumenta, dado que os acoíd:ecimenios ~ passam com uma terceira personagem. O processo implica ·objetividade na fabulação, pois
49 Quanto â "distâm:ia" namtiva, ver Wayire
41. Booth, up.
cit., pp. 155 e ss.
69
quem conta foi ou é testei:amha dos ~. Mas podemse fazer restrições semelhrultes àquelas foco anterioc: que garantias de isenção nos dá a per&onagF.? quJ qualidades de observador, além de eqwµt>~o psicolótico, !deve Ph~suir p~ .se arvoi;ar, ~m narrador? Mais amda: para :descrever o~4J>1ce dramático da históna, teria de participar dele, e, :;portanto, distorcê-lo segundo seu livre arbítrio ou guiada pelas razões e sensaçãtts de momento. É certo que a personagem secutÍdária pbde representar, mais do que as outras, um disfarce do autor mas es desse recurso técnico. 3. Os outros dois tipos1 de foco narrativo acentuam ascendentemente essa vantagem, ao mesmo passo que lhe tornam vantajoso o aspecto contrastante. No terceiro, o narrador assume-se demiurgo: acompanha as personagens a todos os lugares, penetra-lhes na intimidade, como um agud:íisimo olho secreto devassa-lhes o mundo psicológico, esquaclrin.1--lhes o labirinto do inconsciente, conhece-lhes, enfim, as mínimas palpitações. Todavia, as proporções físicas do conto e especialmente suas características intrinsecas impedem que a sondagem llO interior dos protagonistas mergulhe além das primeiras camadas. Na verdade, como acentuam C. Brooks e R. P. W arren, a onisciência, além de relativa, se limita à personagem principal do conto. : Em troca, o ficcionista pode colecionar quantos aspectos julgue necessários à compreensão tia história, como se esta se estruturasse por conta própria, e fizesse do autor o instrumento para se construir. A fabulação perde emUmpacto, por fazer-se indireta, distante do leitor, mas ganha em sitwações e poll1jleilores. Adapta-se melhor a narrativas lentas, de gêneJID intimista ou introspectivo: a dosagem das aproximações psicológitas, aliada a outros recursos, como interpolações dissertativas ne fio da história, serve de experiente valorizador dessa modalidade de foco narrativo. Machado de Assis fornece-nos o exemplo, ainda uma vez, com ''A Cartomante''. Conto na terceira pessoa, de narrador-onisciente, o ficcionista tempera a impessoalidade dom intervenções que, em
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vez de roubar verossimilhança, empres1'm vivacidade e presentividade ao relato: o emprego do diálogo direto, nas formas verbais do presente, constitui outro in8rediente positivo: Cuido que ele ia falar, tnas reprimiu-ss ( ...) E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não fonnulava a incredtilidade; diante do mistério, contentou-se em leV8Wr os otdiros, e foi andaado. (...)A velha cal~ de praça, em que pela~ vez passeaste com a mlllher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim. é o homem, aaim são as cousas que o cercam. 50
Uma impressão negativa pode deix.- no leitor o narrador-onisciente: é inverossímil que ·alguém possa ver tudo e todos. Mas a técnica empregada por Machado, ou a de tornar o conto um texto falando por sua conta e risco, indepemdente do narrador, pode abreviar o embaraço. Ou, cbm mais eficácia, sugerir que o narrador se arme em observador, cdmo no quartel ponto de vista. )(
4. Fazendo-se observador, o narrador supera aquele óbice, mas cria outro: vê-se compelidb a contar apenas o que registrou. Por pouco, a restrição óptica aSsemelha-se à do segundo ponto de vista e só não se identifica com cl.e porque a fi:ixa de observação é maior: o narrador, ou o autor, evita de intrometer-se na história, e desenvolve-a como observador que pôde visluninar o máximo segundo a perspectiva em que se coloca, poiém Bentro dos limites de suas características pessoais. Diferindo em gl1lu do tipo precedente, esse enfoque suspende ou diminui a penetração psicológica em favor da ação, de modo a tomar a narrativa mais linear, menos complexa. "Cantiga de Esponsais'', de Machado i:le Assis, situa-se no caso: contém a história dum müsico que, d$de o casamento, procura compor para sua esposa a 'melodia quecexpressasse toda a alegria conjugal; rna$ ela morre, e -0 homem paasa a vida inteira à procura da frase musiCal que lhe serVisse de' símbblo ao sentimento; já velho, insiste debalde no intento, ah; que um diluma recém-casada vizinha
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começou a cantarolar toainconsci~ uma cousa nunca antes cantada nem sabida., na qual um terto $ trazia após si uma linda frase musical, juátamdlte a que tre R.oi!nio· · . durante anos sem achar nunca. O niestre ouvia-a t:mateza. e à noite expirou. 51
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50 Machado de ASsis, Contos, pP. 140-141. 51 Idem, ibidem, p. 113.
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_De aparência translúcidll,.· a histó_ria ~ ~ po~ um ?bservador identificado com o namulor. ÀB priinei-as linhas o dllem as claras: 1
Imagine a leitora que eatá em 1813, nai Igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas boas festas ~ que eram toda o recreio públiQO e toda a arte musical Sabem o que é~ cantada; ima.ginar ~ que seria uma missa cantada daqueles ~ remotos. N~ lhe chalDQ a atenção para os padres e os sacristães, nemnpara o seQnão, nem para os obis das moças cariocas, que já eram bonitoli nesse tempo, 1*ID. para as trumtilhas das senhoras graves, os calções, as calíleleiras, as saruifas, 8s luzes, os incensos, nada. Não falo sequer da orquestq, que é exceleüe; limito-me a mostrar-lhe uma cabeça branca, a cabeça dessltvelho que rege a orquestra, oom alma e devoção. 52
tiooem.
Dados os limites esp~íficos do conto, o autor é obrigado a eleger um foco para cada ·.Darrativa. Suas intromissões ocasionais não alteram o quadro, visto lhe respeitarem os sinais identificadores. No conto moderno, pÓrém, é usual a coexistência dos enfoques. Com isso, espera-se.,remediar as desvantagens, apontadas e conferir verossimilhança à.fabulação, ~ modo que ''fale por si'', "se escreva sozinha", ou ~flita o caleic,loscópio social: o autor sai de cena para que se expressem todos OS: participmtes da narrativa. Não se sabe com nitidez -.onde podem levar tais experiências; o certo é que procuram, no flfpaço do conto, uma arte representativa da ''condição humana'', wp retalho do cotidiano. Em última instância, Q ficcionista ~ onisciente ainda quando concede às personagens a :faculdade de conduzir a narrativa segundo seu prisma óptico. É qge os pontos' de vista constituem expedientes, disfarces teatrais, com que o autor dissimula que conhece tudo quanto ocorre na suas obras, ao menos por ser quem as construiu. Decerto, a colaboração do inconsciente deve ser ponderada, mas o ficcionista não labora em transe. Mesmo nas ocasiões em que a personagem atuf fora das balizas imaginadas pelo criador, este continua onisciente, na medi<4t em que acaba por se dar conta, guiado pela intuição, do conteúdo que se lhe apresenta como novo e surpreendente. Enfim, onisciente porque a obra nasce dele, entendendo-se onisciência .não como silll.ônimo de consciência plena, lucidez critica, mas COIBO conhecimento amplo, pela memória, pela imaginação e pela refltexão, dos materiais da ficção: o Homem, a Natureza, o Tempo e a História. 1
52 Idem, ibidem, p. lO'J.
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Tipos de
C01/fl0
Como vimos, o conto veicula uma única impressão. Mas isso não significa que seja improcedente a ieéia de que os contos podem ser agrupados em vários tipos, de acordo com sua matéria. Nem parece que haja contradição entre o aspecto unívoco e a multiplicidade tipológica: o objetivq do narrador tontinua a ser o de produzir um único efeito no leitor. ·Para tanto, acorre aos moldes, ou tipos de conto, ao seu dispor. Por outro lado, a classificação dos contos não implica forçosamente restrição. Antes pelo contrário. Primeiro, porque uma classificação, por mais rigorosa que seja, não abrange todas as variedades possíveis. Segundo: qualquer o~ção no gênero diz respeito ao emprego de recursos formais, estruturais, dramáticos, etc., e não à matriz ou ao objetivo singular da ~tiva. As mudanças seriam periféricas, mais do acidente que da e$ência, tomando este vocáculo como referente à unicidade caractçrística do conto. Noutras palavras: quando nos referimos aos tipos de contos, temos em mente as diferentes formas de congraçamento dos ingredientes do conto, seu ajuste harmônico no interior da narrativa. Não se trata da alteração do alvo precípuo do contista: numa unidade de tom, comunicar uma impressão, uma idéia, um sentimento, uma emoção, etc. Por fim, atente-se para o mto de não existirem contos puros: toda narrativa breve apresenta. múltiplas facetas, decerto com o predomínio de uma; assim autoritando e fundamentando sua localização em determinada categoria, dentro da árvore classificatória. Casos há, até, em quf! se toma diftcil fazê-lo, pela concorrência de traços que se mesclam com aná.61>ga relevância. Herman Lima, ao tratar desse tópico, evidencia o caráter plástico da classificação do conto: "dum mi>do geral, os contos podem dividir-se em duas categorias: universal; e regionais, subdivididos, por sua vez, em contos huthorísticos, psicológicos, sentimentais, de aventura e de mistério, policiais, etc., ligando-se os últimos, principalmente, à citada categoria dos 'american short stories', de que as páginas de Damon Runyon poderiaa servir de padrão'' 53 • Mais adiante, focalizando a que6tão doutro Ao.guio, observa que ''mais estritamente,' temos os contos histórico' os urbanos, os comemorativos, os puramente imaginários ou fantásticos''. 1
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53 Hcnnan Lima, Variações sllbre o Conto, p. 12.
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Como se vê, trata-se dellma classi~11ção oscilante, por demais indeterminada para se totnru;" ao pé da letta. E a explicação está em que se funda nos aspectos ~sórtos, coÍno o hUlJlor, a psicologia, etc. Em razão dessa vaguldade~ p~ inócuo ·:apresentá-la em todas as suas categorias e SCtbdivisões. evidente que o estudioso não visa a oferecer uma cla.ificação sis~tica; seu intuito parece menos ambicioso, mas nenfpor isso se ~ode admiti-lo sem critica. Como se desinteressado c
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54 R Magalhães Júnior, em StljlAne do Conto (Rio de Janeiro, Bloch, 1972), valiosa pelas infonnações que recolhe, pro@jiie uma divisão niio mmos inoonsistcnte: "ccmto em veiso", "canto fantástico", "ccmto ;le muitos demos", "ccmto de canibalismo", "conto
moral", "conto epistolar", "o codo e o teatro", "conto policial", "conto satírico", "conto-hipótese", "ccmto breve". 55 Carl H. Grabo, The Art of die Shon Story, New York-Clrlcago, Charles Scribner's Sons, 1913, pp. 198-210. Ver ainda: J. Berg Escnweim, Snulying the Shon Story, New York - Philadelphia, Hinds, Noble and Blredge, 1912; Amlando Moreno, Biologia do Conto, Coimbra, Almedina, 1987. pp. 62-70.
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mento, sua ''moral'', quando presente,. se depreende da ação, que pode hipertrofiar-se a ponto de colocar em segundo plano tudo o mais. Atendendo ao prazer lúdico e da foga, que motiva todo leitor de narrativas de aventuras, esse tipo de conto caracteriza-se pela linearidade. A predominância da aventura não significa, porém, a ausência de outros componentes: estes .eomparecem, mas em grau inferior. É uma simples qu~tão de ênfake; idêntico raciocínio se há de fazer no exame dos demais tipos de conto. 2. O conto de personpgem é mems freqüente. O retrato do protagonista pode consistif no objetivo principal do contista, mas nunca logrará o grau de plenitude que somente alcança no perímetro do romance. Ao centrar sua atenção nele, o narrador não perde de vista a estrutura própria do conto, com o seu ritmo e a unidade inerente. Daí ser, de modo geral, personagem plana. "La Ficelle", de Maupassant, "Le Remplaçant", de François Coppée, "The Incarnation of Krishna Mulvaney' ', de Rudyard Kipling, ''The Liar' ', de Henry James, são exemplos do gênel'O. Na Literatura Brasileira, "Feliz Aniversário", de Clarice Lispe'*'r, exemplifica à perfeição esse tipo de conto. A narrativa se COil!ltrói em tomo da festa de aniversário duma anciã de 89 anos: D. Anita, tão-somente, constitui o centro de tudo. As breves referências aos familiares apenas colaboram para formar o cenário onde decorre o episódio máximo da existência da velhinha. E, de repente, etíl. breves palavras, a contista ergue a figum da persona~ diante de· nós: E, pata adfuntar o exi}ediente, vestid a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde ehtão a presilha íllil tomo do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de lígua-de-colôniá>para disfarçar aquele seu cheiro de guardado - sentara-a à mesa. B desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vuia, tesa na sala silenciosa.~
Daí por diante, a ficci•nista se esmera em retocá-la, acrescentando-lhe minúcias que eEquecem o etfboço inicial sem lhe tirar a tua~ os ttlaços da matriarca, com o flagrância. Ao contrário, intuito de mostrá-la por in iro, UDIA ve; que o seu "close-up" nos depois, conhecemos que é ofertado às p~ ~la.das.
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56 Clarice Lispector. Laços de Família, S. Paulô, Francisco Alves, 1960, p. 66.
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Os músculos do rosto 4a ani~ não a ilnterpretavam mais, de modo que ninguém podia $be:r se ela es'va alegre. ·Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de UJla veJha grandeJ. magra, imponente e morena.
Parecia oca.57
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E assim até o epílogo, ~ série notações rápidas e incisivas, vamos tomando conhecJpiento doutr.f facetas da aniversariante:
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A velha não se manifestava. / A aniveisariante piscou os olhos. / Enquanto cantavam, a anive.rsaáante à luz da vela acesa meditava como junto de um lareira. / A aniv~ olhava o bólo apagado, grahde e seco. / E quando foram ver, não é qlie a aniversariante já estava devorando o seu último bocado? / Olhou-os;,com sua cóle$ de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. :Incoereível, virou a ca~ e com fo~a insuspeita cuspiu no chão/ - MA> dá um copo de vinho! disse./ E para aqueles que jWlto da porta ainda a ~ uma vq;, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à c:abeceita im~, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um ~. e com aq1jlela mudez que era a sua última palavra. Com um punho feclado sobre a nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua a~a afinal a• ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. / EnquanlD isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante lBeDtada à cabeee.ira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. sfirá que hoje não vai ter jamar, meditava ela. A morte era o seu mistério.
mesa,
O conto não deixa dúv:í,da que o passado da ~iã pouco interessa, mesmo porque talvez.não ~ de uma longa preparação para a cena em que ela, pela primeira e Ultima vez, ocupa o devido lugar no seio da família, se, encontra COJjllO pessol,l e ganha relevo: '' - Nada de negócios, grit
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tora objetivou focalizar um tipo humam que abandona o anonimato, e adquire s:ingularidade, nlllll certo ,••momento privilegiado'': o seu 89º aniversário. A restrição d.ramMica, resultante de o enredo ser movido por um único protagonista, é neutralizada pela sondagem na sua intimidade. Mas trata-se ~ uma introspecção na periferia do ''eu'', de fora pin-a dentro, CGIIlo se a ruu:radora buscasse detectar nos gestos da mulher idosa uma complexidade inexistente, já que restrita ao exterior das pala~e atitudes. Acrescente-se que, ao longo do conto, a pouco e pouco se revela e se define o conflito que la~ no âmago da família em visita à D. Anita. O seu escandaloso 9:>1Ilportamento reflete e sela para sempre o radical desajuste entre cs familiares, enfim desnudados em sua hi~crisia pela sem-cerimlnia da velha. Compensa-se, desse modo, a Limitação óptica do C°*'> de personagem, e Clarice Lispector cria UiD18 de s~ o~primfts no gênero. 3. O conto .de cenário ou atmosfe,a é menos freqüente do que os dois tipos anleriores, qotadamente • primeiro: ''Clair de Lune' ', de Maupassanti "A Obta-Prima DelJ.IC<>nhecida", de Balzac. No espaço das letras brasileiras, serve de exemplo ''Assombramento'', que abre Pelo Sertão (1898), de Afo~ Arinos. A narrativa gravita ao redor de 1lllla tapera onde os trop• se recusavam a pernoitar, pois "bem sabiam que, à noite, teriiµn de despertar, quando as almas perdidas,. em penitência, cantasaem com voz fanhosa a encomendação. Mas o cuiabfn.o Manuel ~ves, arrieiro atrevido, não estava por essas abusões; e quis tirar.'.a cisma da casa mal-assombrada". E assim o fez. Afinal, era fruto da imaginação, alucinada pelo "zwirldo de vtnto impetu
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58 Afonso Arinos, Pelo Sertão,
s• ed., Rio de Jllncjro, Briguiet, 1947, pp. 7, 8, 23, 26, 27. 77
assombração existe na metfe das gens, t:pas 'º narrador dirige o eixo da história p~ as causas materia.i~ do1 pavor que acometia os que enfrenta~ as 1trevas velha fasa. A ênfase dramática recai no cenário, ambiente, e modo ~ transformá-lo no verdadeiro protagonista cl conto. O 1 tor, por aeu tum.o, experimenta wn sentimento a.náJtgo ao das Jler!lonagens, à proporção que adentra a casa em ruína& Por isso, oi conto de, Afonso Arinos. se avizinha do quinto tipo
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4. O conto de Uléia é mtãs carriqueilt do que ~ de cenário ou atmosfera. Predomioau no séulo XVIll: Voltaire, um dos mestres do conto, se insere nessa catente. Mas pbde ser emcootrado antes e depois da hegemonia do Àim:rinismo. Não obstante os aspectos comuns, o conto de idéia se -listingue das narrativas com explícitos intuitos pedagógicos, como af'fábuJa, à Esdpo, Pedro e IJa Fontaine, ou os contos morais, à maruira de Manuel Bernardes e sua Nova Floresta (1706-1728) ou de .Jhn-Prançois iMannontel, contemporâneo de Voltaire, autordeseisvi)lumesde COhtes Moraux (1761-1786). ''O primarismo é, geralmentá, o grande pecado da imensa maioria ., dos contos morais." 59 hnplicando uma visão crlica, filosófiéa, da exi$tência, no conto de idéia o autor procura ~ uma fsíntese dê suas observações acerca dos homens e dó'rtmndo. O rqaterial empregado é o de praxe (personagens, enredo, etc.), e nem fo
59 R. Magalhãc:s Jiínioc, op. cit., .. 145. ,
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que as produz, e não a pura abstração. Ainda quando se dedicam a atividades propriamente •filosofantes, como é o caso de Voltaire, não pretendem transfonnar a narrati~ em simples panfleto, tanto mais _pobre, estética e ideo~ogicamente, ~mais realizado como tal. A custa de veicularlmi não ap~ sentimentos mas também idéias, as personagens acabam por obnverter-se em símbolos. De onde o enredo e o cenário poderem ir.Para segundo plano: as idéias se materializam nos protagonistas. Çonfinando, por isso, com a história de personagem, b conto de idlia dá margem a situações em que o realismo, usando as annas da ifonia, se tinge de absurdo ou fantástico. r o caráter simbólico, decorrente ~sa mescla, explica por que tais narrativas levantam dificuldaded para o leitor afeiçoado aos contos de ação. Por outro lado, é de notar que toda narrativa breve, por mais simples que seja, pode oonter uma idéia. Entretanto, somente se classificam oomo históri~ no gênero as que atribuem tal preponderância ao conceito que a itenção, do autor ou do leitor, nele se concentra, despreocupando-sd dos demais aspectos. "O Alienista'', de Machado de ~s, enquadra-se exemplarmente nesse tipo de conto. Como fe sabe, o herói, Dr. Simão Bacamarte, atraído pelo ''recanto pslluico, o exame da patologia cerebral", resolve isolar' na Casa V~~. em ltaguaí, os doidos que ia descobrindo. Aos poocos, o vil.Jejo se despovoa, transferido para o hospício, até que um dia o . c o , ''o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanha;', se dá conta de que deveria suceder exatamente o oposto. E dep'-is de soltar os doentes, convicto de que ''não havia. loucos em Ifguaí; Itaguaí não possuía um só mentecapto", tranca-Se na casa~ Orates, entregue
nizen{
ao estudo e à cura de sii mesmo. os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses, no me$no estado em tue entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao ponto de conj~ qu nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí; ltlas esta opiniH. fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não tem 9utra prova, senão o boato; o boato duvidoso, p
ru+em.
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:
MacJiado de Assis, "O IAlienista.. , in MJinorial de Aires e..., São Paulo, Cultrix,
1961, pp. 234-.235.
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Todas as ix:npécias do . ,, incl~o a ~cástic~ pas~ag~ em que o barbe1t0 assume oi: det da $icns~ dwna ag1taçao ~enca ear no lêito~ uma única realmente cômica, se aliam ' idéia. Esta, porque densa, 'val~nte, pe. 'te~ de uma interpretação. Não sendo uma id' -clichê ou bel~i~ (e, quando etária), c~ um amplo sentido que o fosse, a narrativa ~eria teria escapado ao domínio d •. narra.dor, m mo por9.ue ~ponta no fluxo da história, quase ~terferência fora. Mesmo se optássemos por uma interpreta - , veríamos ue subentende planos e níveis, resistentes ao julg . to de:fu:ritivq. Macha& mostra como, afinal de contas, nada sabe · da espécie humana: onde a verdade? não estaremos todos irrfnediavelmente alienapos, embora alguns julguem que os outros t que estão? : 5. O conto que transrm~emoção geralmente vem.· mesclado ao '', àe Alphpnse Daudet, ''Whithout de idéia: ''La Demiere Cl Benefit of Clergy", de R yard Kip~, "A Descent into the Maelstrom' ', de Edgar Alla.J\ Poe, "O J~pal de Nossa Senhora'', de Anatole France. Personagftis, ação, p~a~em, etc., tudo converge para o intuito capital: d • rtar emoção. Por vezes, os expedientes· usados lembram as ·vas de mistério ou de terror, como algumas de Edgar A11an Poe · 'O Gato J>r4o"), ou as de Hoffmann. o na categoria de conto de cenário ou ''Assombramento'', refi atmosfera apresenta carac · ·cas no gêrufo. O leitor, à medida que ta um sentimento mi.S!lo de curiosidaprogride na história, expe · de e sofreguidão, que diz be do objetivo ~ado ~r Af<>llSo Arinos. ''Meu Sósia'', de Gastão C · também se pode tomar como exemplo de narrativa que comunict emoção. Nq caso, é a proveniente da identidade, aparente ou real, entre duas ~onagens que conduz o nanador ao h~W. ~~t.·~·cada cqm o seu sós.ia ou atropelado por um carro. Apesar ~ ausente o t:efror, o leitor ~o se furta à sensação de estranheza · · do ,nústétj.cp que pan. sobre a absurda semelhança entre os dois . . ·viduos. ~o conto,. tudQ o mais se anula em favor da emoção dt espanto, s~ ou perplexidade: o · e rui causash do con:fliJto residem num enredo ocupa lugar secun~· equívoco, desdobramento al. inado da pêtsótlagt'lhíl: ou parecença uer modo, o· leitor não escapa à emoalém da imaginação. De q ção, embora venha a reco . r pela racionalização, que tudo não passaria de um caso de delírio criativo ou de perturbação das faculdades mentais do protagonifa. A em~ persiste e subsiste ao escrutínio racional, e é isso ~ tais narrativas oferecem. 1
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Começ.p e epllogo...no conto 1, Um dos aspectos mais controver1jldos da teoria do conto diz respeito ao início e ao epilogo. Não bli consenso, na prática, entre os autores, nem entre os estudiososlí da matéria. E os próprios contistas, quando chamados a opinan, defendem pontos de vista divergentes. Parte do conflito decorre~< pois, de as narrativas optarem ora por uma solução, ora por butra. Mas resulta ainda, e sobretudo, de alguns críticos, arqui~o seus raciocínios com base em exceções, pretendel.1.em sustei~outrinas de validade geral. Para Poe, o epilogo 1?Stenta rele eia fundamental: tudo converge para ele. ''Nada é inais claro - . ·z o escritor norte-americano - do que o fato de que todo enreJb (plot) digno do nome deve ser elaborado tendo em Vista o'~ce (dénouement), antes que mais nada seja tentado c0m a pena''. g acrescenta, com uma ênfase que faria escola: ''É só com o dénoue#ent constantemente em mira que podemos dar ao enredo seu indiSpensável ar de conseqüência ou causalidade, fazendo que os aconticlmentos, e especialmente o tom geral, tendam para d desenvolvidento da intenção''. 61 Considerado, assim, o climax ~tiva, o epílogo caracteriza-se por ser enigmãticd~ surpreen .· te, à maneira do fecho das anedotas, ou "o estalo db chicote". "''A Cartomante", cujo final mais esforços que faça, é o leitor não consegue taticinar, p:t::· exemplo frisante desse cónceito de · · te narrativo. Maupassant, contemporâneo de MachJtdo de Assi · se tomaria um dos mestres no gênero, a ponto de Jle emprestar'o nome. "Conto à Maupassant" passou a designar precisamen~ esse tipo de narrativa curta com epílogo im:ptevisível. Sucede que a idéia de Poe abercJdo desfecho não só provinha de suas histórias e das que eram projlluzidas em seu tempo, como também se amparava na evolução dÓ conto, desde as origens. De onde o rótulo "conto tra&cional'', re~do a esse tipo de narrativa, cultivado em nossos dias. prevalecente dbrante séÇulos e
ft. ·.
ainda
Paredes-meias coin as ulas e ·to.~·. • casta de atividade folcl.órica ou popular, essas narra.ti se inc ·· a conter uma liÇ'io, incrusCamil o nrt!.ta "sta de "A Cartómante" J é tada no -wto.J...: vyuc ~V 1' r~".' ' 1
fi,.abridged Edaar Allan Poe, Phlladclphia,
61 Poc, "Pbilcsophy of Coq>osition' ', in The Running Prcss, 1983, p. 1079. [', 62 Sean O'Faolain, op. cit, p. 177.
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lo delito cofjugal pl'3\ticado, sem que
pwrido nas últimas linhas,
;::v~ll~~:~!1:~=~~, :
·-lo. Neslse desfec1o n;esperado, a '
1
- Desculpa, não pude V, IllllÍ$ cedo; q · há? Vilela não lhe i:espom:le . t:inM as feitêMfs ~; :fez-lhe sinal, e foram pam uma saleta interi '. ~. c+J.o não pôde Sl(ocar um grito de terror: - a.o fundo sobre canapé, estavfi Rita morila e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, . dois tiros de re'fólver, estirou-o morto no chão. 63 ~
1
Contrariamente a Poe, , hecov preconizava uma revolução na simetria que remontava à · oética de 4r"istóteles. A seu ver, o epílogo devia ser descarta .· .64 Nascia, ~sim, o cpamado ''conto moderno": sem epílogo, o ,, com dese~ce não-el)igmático; o clímax, quando houver, situa- em meio à.narrativa. ditava que. o conto podia, e devia, O autor russo ainda prescindir do início: uma ' ez escrito a conto, pensava ele, era preciso eliminá-lo, assim c · o epílogo. O leitor "mergulha na história - sublinha um re o ficciot#sta e teórico do conto sem explanações, preâmb , desculpasl ou o~ referências ao espaço, tempo ou ocasião.'' adiciona-~ outra convenção inerente ao "início abrupto": "a, ' ·ca de informar pot meio de sugesconclui: ''n4rrar por IJ:Ieio de sugestão tão ou implicação''. Por ou implicação é uma das ·s impo~ de tod31> as convenções conto mo~''. E exemplifica com estenográficas (short-hand) "A Senhora com um cão , o", de Tqhecov: "Noticiou-se que uma cara nova havia sido · ta no cais; uma senhora com um cãozinho" ,65 - um início de conto repletp de imp.ijcações e sugese 9. co até o fato de uma senhora de classe tões, desde o clima dmx ser vis~, com se.u cão · .· de estimaç~. , num lqg•ar onde não se esperana qu~ estivesse. O radicalismo de Tche v, que aca~ gerando uma das vertentes do conto neste sécul · contrapwma-se à ten
63 Machado de Assis, Cont0&, 64 Apud Ian Reid, The Shon St 65 Sean O'Faolain, op. cit., pp.
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conto progressivamente Y.inha assumlllCio ao longo do século XIX, o prólogo do "~ tradicional", oo.i como o epílogo à maneira do "estalo do OOicote", Yincula-'Se à ~ralidade, que tinha no "era uma vez ... '' o seu estilttma predile* Eça de Queirós principia assim ''O Defll11:to' ': 1
.. No~ de 1474, que fui por t~ a ~dade ~a~~ mercês divmas, remando em Castela el-ret HeorllJue IV, ve10 habitar na cidade de Segóvia, onde herdara mqradias e uma bffta. ·..', ·um cavaleiro ~o, de muito limpa linhagem. e gentil ~. que se c:famava D. Rui de Cardenas.66 .
1
Para além dessa dissonância, indk:ativa de duas modalidades básicas de conto, é de observar que q começo constitui o desafio maior enfrentado pelos contistas: .as pijhneiras linhas determinam o destino da narrativa. E se o leitor se Jrender por elas, certamente prosseguirá até o fim, e o autor terá l~do realizar seu intento. É que no conto, por ~er um recow: do cotidiano, princípio e desenlace estão muito próximos. De ~de não faltar razão àqueles que defendem o início à Tchecov, argtjnientando com as vantagens delongas, ingressar na de se fazer convite ao leitor para, correnteza do enredo. Mas quer nesse tjo de começo, permeado de sugestões ou implicações, quer no ou~, a modo de premissas de um silogismo (começo-me\io-fim), notal-:se que o epílogo se imbrica no prólogo. Aí .se loc~ a prime"'··. iarmadilha contra o leitor, excitando-o com a prom8fsa de uma 1f.5tória surpreendente, original, subjacente ao início, não importa 1se à maneira tradicional ou se à Tchecov. 1 do conto: em qualquer O bom começo é decisivo para a das hipóteses, a presença qe infonnaçõtl!B supérfluas ou redundantes pode comprometer o dese4volvimento história. O contista experimentado sa,be como prin ipiar, éônsc . de que as linhas de abertura condiciqnam tu.do o · . Nisso, · mo em outros pormenores técnicos, ele depara obstá ulos div dos que assaltam novelis-o pá , sinal concreto de sua tas e roman
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66 Eça de Queirós, Contos, p. 165.
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1
preparatórias da ação - c~po1'9· ·. o, em Guerr(l e Paz ou nOs Maias-, para aos pouc ir · densidade eltemperatura. Ao invés, espera-se que ' conto env va de ~alto o leitor, ainda quando abre com um, longo p ulo, como Se ante um flagrante do dia-a-dia, rápido configurar-se e rápido em definirse e terminar. É de mota:r que o mau~· , assirti como o.dúbio entendi, 1?-ºta~ no que 1diz !respeito ao mento, da ~eoria de Te · · dade à iclfia de que o conto pode epílogo, aliaram-se na m prescindir do enredo. Indu . os por essêl; prliícípios, não poucos autores e críticos entraram a .~ de cop.to, erroneamente, textos que não passavam de crônici capitulo o-d germe romance. Se à teoria de Tchecov i aplicar o cfftério de abeitura (openness) e fechamento (closerÜk), teremos.;o conto de início e fim abertos ou ausentes. Mas o irltério pode ser empregado no exame do chamado conto tradicionft: no geral, à narrativa principia com os preparativos da ação, 01'1 às vezes dispensa-os, em favor da composição in medias res. _ ~1 Quanto ao epílogo fec~do, nota-se ,que "o conto tradicional mostra como os conflifo~:f)resolvidOs, as perso~ens alcançaram seus objetivos ou a . o malogro, os fios do enredo são reunidos e enlaçados. O . ce aberto, ao contrário, interrompese em pleno ar. Os conflitos ~o são resolvidos. O leitOr supõe que a história ultrapassa os limftes ficcionaiS. As personagens continuam suas vidas - de que dguns episódios foram apresentados na história''. 67 1 No conto à Maupassanlj,. o desfecho ocluso - ou inesperado, como o arremate de uma ~ta -, é ptedominante, enquanto no conto moderno, seja à Tch~:.i,.,.v, seja o miais próxitno da crônica, o i~ 1 . epílogo tende a ser aberto, oít, quando não, mais ou menos fechado. De onde ''não surpreender ~ue uma histôria com um. forte epílogo fechado tenha probabilidadej de apresentàr também um forte início expositivo''' e vice-versa, •'lristórias com início não-expositivo tendem a desenlaces abertos" ?I Essa tendência para a simetria propiciou o desenvolvimento de !écnicas esp~cíficas, como o desfecho que repete o princípio, a elemplo de ''The Fali of the House of Usher' ', de Poe, cujos v~ábulos finais reproduzem as últimas 1 palavras do título. A
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67 Helmut Banheiro, op. cit., p.192.
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Helmut BonJieim, a Clllja investiga~ recorremos para algumas das observações precede.ntes, compulsfu seiscentas narrativas para elaborar o seu estudo. E ohegou à c<>lf1usão, por si própria sugestiva como indicio de tendtlncia: ''não qá verdadeiros epílogos abertos em nossa seleção de contos: se hQuvesse, seriam maus exemplos. Apesar disso, o desfes autores. 1:
Con'tb, poesia e ~eatro '
1
Como vimos no capítulo que lhe[~foi destinado nA Criação Literária - Poesia, os gêtÍ.eros e suas tubdivisões (espécies e fôrmas) não são compartimehtos estanqu~: mesclam-se entre si, na horizontal e na vertical, orir:;··do 1,llila 'M.riada gama de hibridismos.
es·s~.·contingência.,
O conto -o ·.pod. ena.·po.. cap. d.·. por sua estrutura própria, seja suaar.condi o de possível.s.eja. matriz das outras exp~sõeS Il.atl'ativ . As pum sa5 e discutíveis árvores os no lug.ar apropriado taxionômicas' - cujas liriritações qpme - atestam-lhe com clareza·~ plasticidà _. A semelhança do romanpa·.
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68 Idem, ibidem, pp. 120, 122J 140, 157.
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ce, mas diferentemente da n~· ela, o conto! pende, qtíandp analisado em sua estrutura mínima, ·. tre dois exttemos, re~tados, de um lado, pela reportagem, e· outro, pelii poesia.·· Do primeiro extremo o nto se apro~ em razãó de ser um episódio recortado do fluxo o cotidiano.l O foco riarraltivo é o da tô da ti.·são do ~undo que nela terceira pessoa; o realismo t9j.•aa tônini
1
Paramentado com rou~ de cerimônia, ele assentava, todo envergado em lllll fraque apertadinho, ~ fôlego, cogitàtivo, metendo no bolso a pontinha do dedo enluvado, teso ClOIIlO tml soldado espalhafatoso, fora dos seus hábitos, no fundo do carro. 69 ,1
Do outro extremo o cotf!o se avizinha pelo mesmo, impulso de base, porém às avessas. O f~o narrativo !é o da primeira pessoa, o chamado ''ponto de vista lí#co' ',70 idêntico ao do poeta. De onde o lirismo desse gênero de c~to e, po~, a denominação "conto lírico" ou "conto poético'', como durante o fastígio da prosa decadentista e simbolista. cWu em Fogo (1915), de Mário de SáCameiro, reúne exemplos :f\~ no pero. A linguagem assume-se)netafórica, évan.escente, permeável às vaguedades interiores, as p~ do incOljlSciente. A narrativa corre o risco de transformar-se ~ poema e01i prosa, 1*feê do atenuamento do fio narrativo, red1zido à sua ~pressão toais simples. A tensão interna alcança o apogeu, tensão an.·tes psicológica que dramática: o conflito não se dtabelece com o "outro", mas com as energias psíquicas, de repeiite.· desencadeadas, ou com o "outro" interiorizado. A meta do ccÍitista situa-se antes alma do protagonista que ~m suas ações:~ .es~, interes~~ na medida em que revelam a psique, o tumul~ mtimo do hero1.
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Cearense
69 Oliveira Paiva, Conta&, F~, Publ. da Academia de Letras, 1976, p. 51. 70 Ralphl'rcedman, The Lyricalliovel, Princelon,ainceton umwmtyPress, 1966,p. 8.
A ficção intimista e introspectivt·duma Katherine Mansfield, duma Clarice Lispector, duma Maria· Judite de Carvalho, em que não raro a terceira pessoa é apenas disfarce para a sondagem psicológica, enquadra-se nessa famíJ.i.t, de que os românticos individualistas podem ser considerados OI ancestrais mais recentes. A escritora portu811.lesa nos fornece um:remplo, de "Desencontro": Tinha ~o muito dp seu entus· e perdido muitas das ilusões que ainda lhe restav~ naq~es últinws anos em que andara lá por fora e voltava pela primeira vez, cansado 4! tristj, mas amda, desconsolado de tudo. Ao atravessair a fronteira, verificara espanto que não experimentava afinal a alegria que sen~ ou julgara . · sempre que vinha como agora passar as férias com a flÍmília. Em vez sensação, tivera outra, quase física e quase dolorosa de tão direta - 1 de quem está doente e entra num hospital onde tudo é br.lnco e silencioiP, muito limpo, próprio para um tratamento. 71
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Em meio aos dois pólos, que atlam o mergulho do conto na reportagem ou na poesia, distrib -se várias modalidades de narrativas curtas, marcadas sempre . uma tensão análoga à da poesia, evidente na embção experlit.entada pelo leitor: 72 menos presente nos contos aderentes ao p;f·iro extremo, a tensão cresce à medida que se abeitam da outr extremidade. Ali, um mínimo de tensão, aqui o máximo, em qualquer caso tensão poética. Ao chegar a zero, hipotetic'1fllente, a tensão, a narrativa abandona o espaço literário; a:tingiddto limite oposto, transformase em poesia. A. tensão poética, susitáculo que é do conto, pode tomá-lo intaracterístico !quando le ao paroxismo, ou quando inexistente. O conto vincula-se também ao _tro, seja como texto impresso, ou dramaturgia, seja como espe · ' o. Na primeira alternativa, a leitura da peça equivale à do conto: requer o concurso da imaginação para dar corpo às ''Sugestões ddt espaço, tempo, ação, personagens, etc. Na segunda,:a históna~g . vulto e presença por meio da represe111taçio; os atotes enc ·as personagens, e o cenário simula o lttgai onde o c'lrama se · · nrola. Aqui, a diferença do teatro comi o conto é p:Upável: -0 le,. do conto ainda recorre à 1 ;r
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71 Maria Juditp. de Tanta Gente, riana... , Lisboa, Arcádia, 1959, p. 127. 72 Elizabeth Bowcn, Colletted Impressions, .;umoon-New York-Toronto, Longmans 1 . .~ Green, 1950, p. 38. !
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·em sua mente, áSsim convertida imaginação, ptojetando o , culai; ao pJsso que 0 esPectador de numa espécie de teatro teatro se limita a ver a ção, como ~e estives6e presenciando uma situação ao vivo, na reu Nas duas hipóteses, o . co dq conto cOm. o teatro ou dramaturgia salta aos o · . o teatro ~crevt a intriga num tablado, onde transcorre em lfetenninada {ração de tempo, à maneira do conto. A ação do ~ pode • móltipla e i simultânea (circunstância em que se a xiPna dcf *1mance), enquanto a do conto é única. Por outro la . , muitos -extias podenl coritracenar no palco, mas servem, as mais vezes, de pano de fündo social para a ação protagonizada por pcjicos fi~. Quanto à linguagem, ncfi-se !lll31.o~ entre o ~troe o conto . o düilogo DfU e no~tro. até o de a desde o fato de preda· linguagem do teatro carac zar-se por smcretismo, e a do conto, pelo emprego da metáfora. 75 A descrição no conto corresponde à brevidade do cenário no paltfp, em que peise às posaíve$ mudanças de ato para ato ou visando ~geair a~ coo,oomi~. A narração, que no conto íntese ou a ,anular-~ noj teatro está ausente, via de regra, ou tida no diá,logo. O ritmo ,acelerado e tenso do conto reproduz-se teatro, em raz.ão da presença física dos atores. O halo poético . conto comparece nQ teatro, notadamente na tragédia ou dranut. simbolista, expressionista, em verso ou não. .fi Por fim, é hnwr que ti:Ps semelhanças são mais visíveis com o teatro c ' · , o~te flO princípio das três unidades, mas ainda podem ser . das na produção teatral posterior. ---•.
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4. CONTO E COSMOVJ,jO •
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Divisada do ângulo em ue ~QS as considerações precedentes, a estrutura do conttt. quando posta em confronto com a realidade, obedece a um mo~ pendµ1ar: assim como a estrutura do ·conto implica uma;E· . foilna visualirar • realidade, também uma determinada fi de ver Q mundo reclama o conto para se exprimir. Uma reci idade imanente aproxima a estrutura do conto e a visão de mundo ue nela se incorpora ou se manifesta.
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A eleição do canto para esse fim. cori:i sua estrutura peculiar, não é arbitrária: decorre da cosmovisão da: autor. E vice-versa: o arcabouço do conto instaura a visão de ~o do autor. A opção por uma das entidades - o conto ou a visãb de mundo -, induz à outra. Na medida em que se restringe ~ao seu prisma analítico e, portanto, ao segmento da realidade alJrangido, a visão de mundo expressa no conto é por natureza limi.llada. Sempre que um ficcionista busca comunicar uma visão cimcunscrita, fragmentária, da realidade, distingue o como como a dtrutura adequada, ou é compelido a fazê-lo, ou já realizou a escob no próprio ato de pensar as coisas segundo aquela óptica: a visão de mundo contém, latente, sua estrutum particular. Reciprocarneme, a estrutura (do conto) pressupõe certa 11ll.11ldividência. Confipra-se, assim, um binômio de pólos equivalentes: estruturajvi:são de mundo. Quando investigamos a estrutura' do con~ estamos, ~licitamente, sondando um tipo de .cosmovisão. Idêntico raciocífio se presta ao exame da novela, o romance, a poe$ia lirica, a pitesia épica, etc. 74 Teríamos, por consegninte, uma tipologia de estruturas e uma correspondente tipologia de visõesfmundo, num movimento é tratar de outras. A título interno quase redundante: tratar de de exemplo, tomemos a personagem conto: qliando dizemos ser plana e viver um momento-ápice de . existência, significa que não podemos esperar o exame amplo,,;nem profundo, de sua individualidade, uma vez que·se cumpre~ restrito e fugaz episódio. O ficcionista vê plana e velozmente a-eafi . · ·dade quando opta pelo conto. E vice-versa, ao eleger o , obriga-se a ver linear e rapidamente o protagonista e o confli em que está imerso. A essa tipol~gia teórica e ~ equivaleria uma tipologia específica e individualc cada contista se identificaria e, portanto, alcançaria ~ores pessoais e superità proporção que manudesse modo oferecenseasse de fahna ·original a estrutura . do uma específica e inCQnfundf..el -o de mundo. A distinção residiria numa questão dei grau, ~· · . idade, densidade e qualidade não no simples elllJ>4ego da ·• : a utilização desta constituiria o :fundamento ~ o qual o . não se ergueria e, por · correspondente. Atendido, isso, não exprimiria a· v~ de · porém, o requisito básico - estrutura/ : undividência - a diferença :i.
74 PBill ~ ~ constdcrações acm:~vínculos Cll!l1re estrutura e realidade,
ver o meu Literatura: Mundo e Folnna, S. Pa.Wo,
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USP, 1982.
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entre os contistas seria de u: di:s~· não na1 adoção da estrutura própria (do con ' : o não s · contistas ou não seriam contos os textos que redigi ), mas no odo como almanipulam
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ou a exploram. i Um confronto entre o nto de de Assisle o de Eça de Queirós seria, nesse p , eluci "vo: o prjimeiro o timbra pelo despojamento, não faz · i. enq to o outro se ~esmera nos jogos verbais; aquele, põe personag~, inspiradas na sociedade do tempo, em situações as ou im~tas; este, volta-se para personagens estratificadas equações eonhecidas (temas medievais) ou simbólicas (temas l!liássieos), etc. Por isso Machado pode ser considerado, enquanto ~tista, superior a Eça; para evidenciálo restaria, contudo, investiaiµ- num e nolltro os demais componentes estruturais do conto. E '4mficar, a p.-tir do cotejo (ou mesmo antes), se se trata dum contata autêntico ou ocasional: tudo leva a crer que Eça representa o sdundo tipo, e Machado o plimeiro, mas o estudo comparativo de amMos extrapola dos limites deste capítulo. ti
5. ''A CARTOMANTE''
1
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Chegados a esse pontag pareoe útil 1 demorar a atenção num exemplo concreto, a fim ~ clarificar as pcmdetações feitas. A escolha recaiu numa narrati.1* que, não obstante a marca pessoal do autor, serve perfeitamente aoeobjetivos em causa: "A Cartomante" .75 O enredo resume-se em.~ linhas, girando em tomo de um trivial caso de adultério en1?r,!1ID ~ço e a mulher de seu meJhor amigo: Vilela e Rita, o casa1' Camilo, o ·~outro". Amigos de longa data, a intimidade posterior lâo casamento propicia o delito. Sentindo que Vilela desconfia, ea.pilo resolve afastar-se ·.temporariamente. Vilela escreve-lhe à ~çãc um bilhete apressado, pedindolhe que fosse à casa com ai!lmaior urgência. Em caminho, Camilo decide consultar a antes procurada por Rita. Embora não lhe acreditasse nos pro ' ticos, considera-os um modo fácil e acessível de aplacar sua · ão e curiosidade. A cartomante devolve-lhe, com dois movime1'os de cartas, a tão desejada paz de
carto=.·
75 Com vistas a evitar mal-~dos, alerte-se o leitor que não se trata de uma análise (m:m, IllfllWS aim:la, iilltai:pwt~)'C!Ju como. As obsenlaçõcs constantes as cmaotcristicas do canto atiás assinaladas. deste tópico visam a evidcm:iar, 1lll1ll . • 1
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espírito. E é desafogado, outra vez reposto em seu natural, que chega à casa do amigo. Para não d~~...~; o efeito da cena, demos a palavra ao contista, a ver o que ~~~: ,;
Daí a pouco chegou à casa de V~ Apeou-se, emputrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo ~ bater, a ~abriu-se e apareceu-lhe Vilela. - Desculpa, não puqe vir mais ~ que há? Vilela não lhe respondeu; tinha as ff\:ões descompostas; fez-lhe sinal, e foram paira uma saleta interior. Camilo não pôde sufocar um grito de terror - ao fundo so~ o canapé, $Jtva Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola e,. com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão. 76
filenciosa.
Entretant4
O epílogo da narrativa toma-se uksperado graças à interferência da cartomante que, aliviando e~ da aflitiva situação em que se encontrava, apazigua igualmente a curiosidade do leitor, ou desvia-lhe, por momentos, o centro Ide atenção. E, com isso, o choque final avulta: só no desfecho b leitor toma consciência de estar diante de uma natrativa engedh.osíssima, verdadeira obraprima no gênero, .acerca de um ~1Ue~ episódio ~oméstico. modo como as coisas foram conduzi~ e que caractenza a mestria ' de Machado de Assis. O conto inicia-se de chofre com dtn. diálogo indireto:
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Hamlet observa a Hcttácio que há cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma eij>licação que dava a bela Rita ao moço Camilo, mma sexta-feira de no-,,,~ 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma te; a diferenp é que o fazia por outla!I palavras. 77 < F.
Observa-se que, em duas notas, ~chado nos apresenta o conteúdo do diálogo, fala-nos de seus in . locutores, com as respectivas características ("bela" e "moço" ••da época e da causa do riso de Camilo. O tempo é o presente; sa~os que o começo implica o desfecho, ina.s nada n01t propicia a ~tevisão do futuro. O lugar em que se PlJSSam os fatc\li: Rio de Janeiro, em certas ruas da épqca: Rua da Quarda VelhaJ(atual Av. Treze de Maio), Rua dos ~ (atual ,Evaristo da Rua das ~
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76 ~ de Assis, ContJ, p. 147. 77 Idem, t/ndem; p. 139. 1
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). Ri.ta: moll. em Bota.fogo, em ponto 'blicas ap~s se mencibnani como amani~ ("antiga Jlua dos Ba.rbc\mos") casa da cartomante (Rua da Gu Velha) ou 1caminho por bnde transitam as personagens. O clrantjl localiza-se: em Botafogo; na casa de Vilela: unidade de lugar. ·
t;:::te'!'o~:r;oin ipál·.·.·.·~~-:C ~.'.ela,+.;~~~~ ~fico,
· de.ª Os enganar. correspondem a compasso espera a um suspense, de que o contista serve para o climak. Tanto faz ultado p . e ó'm~o, pois só que fossem dias ou horas: o ganha densidade no curso narrativa o tempo mental em que progride a angustiosa exp tiva de Carµilo. E esse tempo, como se sabe, subtrai-se às - mecânlcas de haras, dias, meses, etc.: numa fração de segun , a persona~m pode mudar de estado psicológico e mergulhar np ódio, na qústia, na irritação, no júbilo, ou em outra imprevj;ta emoção. rPor outro ladp, o caráter secundário do lapso crono1' · ·co decorri~ entre as c~ anônimas (de Vilela) a Camilo, se au · cano fato de Ma~dQ se valer de expressões vagas para o cionar: ''A$ ausências ptolongaramse, e as visitas cessaram in ira.mente". ~'Correnun ai1).da algumas semanas''. Em realidade, · o não precisou de tanto tempo para entrar em pânico: "Camilo · ve medo". Portanto, desde a recepção da primeira carta anônima, ntrou a preparar-se psicoJogicamente no último ~ncontro. Fal~va ainda a para contracenar com Vil visita à cartomante, que · dar-se a ,qualquer hora: a consulta das cartas tomou-se um potllnenor relevante no conjunto da narrativa, mas Machado não escoo.de que o empregara oomo preparação do desenlace; com a delong11, acentua a ''guerra de netvos'' contra a personagem e contra o 1 r, derivandb a ação para um aspecto ixo da histôria. Esta, com isso, manque parecia nada ter com tém a respiração suspensa "diverte" a atenção do leitor, que, pela surpresa na cena final. desprevenido, se deixa co Por outro lado, é de . que Vilela tstaria preparado, desde a primeira carta, para o ex ·o dos amantes. A lllà1leira como procede no epílogo autoriza !SUJ>OI' que planejara cuidadosamente a morte da mulher e do amigó. Isso significa que o tempo psicológico para decidir-se foi também. curto: bastou saber do adultério para que entrasse a pensar em "impar sua honra com sangue". Resultado: o tempo da ação, do caoflito, fonna;-se da visita à cartomante, seguida do encontro entre rela e Camilo. Os antecedentes, come
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1
postos das entrevistas adulterinas de e Camilo e das semanas de espera, constituem o passado que . flagra e explica o conto. Machado não se detém ne1e, e vai dire ente ao ponto. Tanto é assim que o andamento do·· conto obedece a dois momentos com ritmos diferentes: 1º) até a carta anônima de Vilela, tudo se passa como se fosse o mais-que-perfeito; num ritmo ofegante, os acontecimentos se apresentanl como transcorridos, completos, arrumados; 2º) da carta anônina até o desenlace, o ritmo amortece, embora ainda a narração ~ue no passado, e a ação se presentifique aos nossos olhos; desc . sumariamente a curva do pretérito, o contista demora-se em min' · , com os olhos voltados para o clímax. · definida e fundada no Como se vê, a ação é ;unitária, conflito entre os dois amigos em razã ;do adultério cometido por Camilo e Rita. O delito, em si, não · · · ressa senão como causa motriz do drama entre as personagena. Tudo está a serviço do efeito único que o narrador pretende tmnsmitir ao leitor; uma só impressão em tomo dum caso corriqueito de infidelidade conjugal. O contista, movido pelo princípio da se ção e concentração, sacrifica tudo que possa perturbar essa idéi de completude e unidade. A narração reduz-se ao essencial, .com vistas a esclarecer o núcleo da hi$tória e conferir harmonia . o conjunto. É no capítulo das preli.tnill#es .que Machado empre · o recurso, por meio da síntese dramática exigida pelo contexto
ín!,
Vilela, Cllilllilo e Rita, três nomes, um# aventura e nenhuma explicação das origen& Vamos a ela. Os dois primeirot;;eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magisthido. Camilo e#rou no fimcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; IlUll o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a ~ lhe arranjou emprego público. No princípio de 1869, v.Pltou .Vilela da PJOVÍncia, onde com mna dama fonnosa e tonta; abaulonou a magistJiatura e veio a · banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os Idos de Bótafog • e foi a bordo recebê-lo. 71
Três são os protagonistas, incluind a cartomante, pois Vilela mal aparece ~. quando o fp;, não pro~ · palavra. E a cartomante grande força catalítica. constitui figrfa. útngencial, posto que Em qualquer bipó.tese, co orreriam, q ' o muito, quatro pexsonagens. , !' 1
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~ 93
E a descrição delas, ~ sua vez, se caracteri~ pela sobriedade. Do aspecto físico de Vile~'.·, nada. sa=·.os. Quase.... naja sombra, ou uma idéia de personage pouco que títere e menos que pessoa: tem 29 anos e "o•porte fazia-ó parecer mai~ velho que a mulher''. Machado de:fine-11> astuciosamente por meio da idade, que poderia dar-nos uma imagon concreta de sua perso~dade, mas a seguir destrói-a com dizê-li> parecer mais ve1ho que Rita. É que ao conto não interessa a perscllagem mas o drama que vive ou de que participa: tanto faz que Vi~la tenha 29, 39 ou 49 anos, pareça mais velho ou mais moço que! a mulher, seja gordo ou magro. Sua condição de marido eng+do independe de tais circunstâncias, porquanto a literatura de :todos os tempos registra-os de vários portes, idades, temperameD!tos, etc. E para que retratá-lo, se o leitor pode imaginá-lo em sua dtplorável co11dição? Se pode adivinharlhe o perfil psicológico? Ainda mais: 011 porque traídos, ou porque traíveis, os Vilelas se pareeem entre si. Importam, isso sim, as características básicas das personagens que desencadeiam o episódio central da, narrativa, e, assim mesmo, resumidamente: Camilo é ','ingênuo na vida moral e prática", tem 26 anos; Rita tem 30 anos~ é "dama formosa e tonta". Nada mais é preciso para delimitar oif ingredientes dramáticos que Machado convoca para formar o cerpe de ''A Cartomante''. Arguto conhecedor da alma humana, Machado reúne três petsonagens à sombra do lar burguês, e exa.mma+lhes as ações, dirigidas para o destino conhecido: aproxima uma' balzaquiana "formosa e tonta" e um moço ingênuo, às barbas de um homem precocemente envelhecido. A descrição da natuaza e de ambientes segue o gosto da economia: Machado, exc~te contista, sabia que é indiferente o espaço físico dos dramas. :.Certo de qu~ os conflitos se situam na mente das personagens, evita todo espatramamento inútil, reduzindo a descrição a breves ~·tas, e sempie afinada com a narrativa. Quando Camilo sobe para' casa da cartomante, Mac;hado alongase por momentos nos obj os, no intuito de sugerir a cor local e adiar o desenlace do contqj A luz era pouca, os
degra~ comidos de ~ o corrimão pe~joso.
Mais adiante: Velhos trastes, paredes soml>ri.as, um ar de pobre7.a; que antes aumentava do que destruía o prestígio.
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Os pormenores, além de rápidos, são pintados a largos traços: Machado não se detém, pois mal observa ou apenas abstrai, interessado mais no drama que na paisagem. A. decantada desatenção com que Machado se volta para a natureza carioca patenteia-se em seus contos. E quando nela fixa o olhar - pessoalmente ou por intermédio da personagem-, procede de modQ1vago, como quem registra uma impress&o do cenário :natural, em vtS:Z de fazer-lhe a descrição. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a jigua e o céu dão lllil a~o inflrito, e teve assim \llila sensação de futuro, longo, longo, interminável. 79 '!
Observe-se que é a única referência à natureza no conto inteiro. O diálogo, nas três fon:pas que pode assumir (direto, indireto e interior) está presente em toda a extenpo do conto, ocupando o lugar proeminente que lhe çabe. Machado emprega-o com propriedade: o diálogo direto prevalece aos outros dois, de que o interior é o menos constante. Dado o seu realismo, ''A Cartomante'' se aproxima da anedota picante, ou da reportagem policial. Ausentes as notações líricas, a narrativa lembra uma tragieomédia, graças ao modo entre zombeteiro e grave, como o narrador encara a fuá sorte do pobre Camilo, tolhido nas malhas duma situação ridícu'ta e contristadora. O caráter tragicômico denuncia a finidade do conto com o teatro, como seria de esperar: a narratiya organiza-se como uma peça num ato de três quadros: o primeift, composto dos encontros entre Camilo e Rita na Rua pos Barbonot; o segundo, entre Cami,lo e a cartomante, o terceiro, do epílogo, ta casa de Vilela. Não pode ser mais verossímil, :61.agraJ!l.te e objetivo o retrato que ''A Cartomante'' m.os ofere
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6. "QUESTÃO DE FAM{LIA" '
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A análise 'de ''A Cartomante'', pertem.cente a um tempo e um estilo "tradicionais'', pode ter induzido alguém a presumir que as
79 Machado & Assis, op. cit., p. 147.
suas características não peisisteln na flpção dos nos~ dias. Em face disso, pareceu-me comrenie:nte sub$eter a ex'1filel uma narrativa moderna, a fim de mosbr que, maltrado a aparê~cia em contrário, o núcleo fundamental do conto !Perdura até tioje, ou seja, "que o conto moderno ~rto tem ~trutura, isto e, um plano básico ou arcabouço intet$1.o; que sua 1estrutura1 é ~ essência a mesma das velhas histórial; e que aquilo que se totiia freqüentemente como ausência de eslrutura é o resultado de várias mudanças de técnica". 80 A escolha rrecaiu em '!Questão de Família", de Cemitério de Elefantes (15'i54; 1977, 5a. ed. rev.) de Dalton Trevisan, contista curitibano dos mais renomados de quantos têm surgido nas últimas décadas. Há um ano casada no •ligioso com Mlguel, de quem tiloha um filho de seis meses. Primeiros te:m:p<Í; viveram em b(,a paz. Naséeu a;criança e, como era doentinha, passaram a discutir. A mãe dele mimava Íib netüilio, fieaildo Elvira com raiva da sogra. Miguel começou a se emblagar; berrava palavrão, deisfeiU soco na mesa, provocou o vizinho. Depois avançava contra a mulher, que fugia com o filho para o quintal. Duas vezes foi es~. Para apaga! a luz, sul>Uido qa cama, torcia a lâmpada no bocal. Perdeu f equilíbrio, q~ caiu em cima da criança. O homem lhe deu uns tapas, tivesse mais cuidado. Segunda vez, o choramingava1 inquieto 11$ canµ. Miguel pediu que o ajeitasse, ela respondêu mal Acertou um tabefe no olho de Elvira que rolou sobre a máquina de De manhã foi para o sllrviço. Na volta, recebeu da mãe a notícia de que Elvira e o filho estavam nil" casa do sogro, tendo a mulher carregado o que era dela. Bebeu no botequih: ali não havia homem. E cuspiu no soalho. Ai de quem protestou. Miguel, arrancando oo punhal, fez o outro fugir. Um terce.iro quis desarmá-lo e •u :fuddo na orelha esquerda. Invadiu a casa do v • Felipe. Detrpbou cadoim, btidava nome feio contra a sogra. AJ:JS gritos1pulava com a garrafa na~- Discutiu com o velho, tirou o paletó ~·brigar. Conseamu Felipe que lhe entregasse a garrafa. Miguel estranhou a sogra e passou mna rasteira, sentada no chão com as pernas de fora. Felipe acudiu a velha. que gemia m1',to. Com a.~ de picar lenha, Miguel desferiu três golpes que forakn desviados. O sogro alcançou a garrafa e o derrubou com uma pancada na cabeça. Partiu-se o vidro e gritou o velho:
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fiJhinhf "5tura.
80 A. L. Badcr, "The Strucb!lm of tbc Modem Short Story", in College English, 7 (novtllllbro 1945), p. 86; in Oiarlcs E. May (ed.), op. cit., p. 108.
- Aqertei uma boa! . Miguel levantou-se, aambaleaQte. El'1a foi saber se estava ferido. Um pouco tonto e a mulher, palpando-lhe a µbeça, descobriu um caroço. De repente e~ esmoreceu, o dorpo foi ao e~, os pés na poça d'água. Ergueram-jno as duas mullJere:s. Erajjpequeno e magrinhq, só quando bebia perigoso· e muito ligeiro: ~. Miguel caminhou até o quarto. Ainda se voltou para resmungar um palavtão contra o sogro. Na dama balbuciou alguns nomes. Fel-se arruinando ao ponto de perder a fala. De maidrogada saii-lhe na ·boca bma espuma branca. Pela manhã, conduzidci> ao hospital, mGrria sem conheier a mulher que lhe sustentava a cabeça M colo. Quando o !desceram da catoça ficou um pouco de sangue no vestido amarelo de Elvira.
O exame do conto mostra-nos que.tos três primeiros parágrafos constituem •uma síntese dramática, preparadora da cena que se desenrola a seguir. No ponto de vista tia história, o passado próximo ("um ano") não importa em si, naas como prenúncio daquilo que engendraria o drama e, finalmen~, a tragédia do casal. Tanto mais evidente se toma a ac;cassa ou neiahuma significação do tempo que as personagens viveram aparta~ quanto mais podemos imaginar, sem qualquer esforço, que as ~uas existências decorreram vazias, incolores e monótonas. De ~iato se percebe que alcançaram notoriedade ao protagonizar o conflito que serve de fundamento à narrativa. Por oerto que se trata de um banal momento psicológico, mas é tão-somente por •io dele que a dupla ganha condição para iµerecer o .conto de Dalon Trevisan. Por outro lado, a análise dos três Jarágrafos iniciais revelaria o predomínio de :um relacipnamento ~l, condicionador do progressivo d~gaste entre qs cônjuges, Jpenas vinculados pelo casamento religioso, efetuado para convt.lidar uma situação de fato (''Há um aJlO casada no ifeligioso com Miguel, de quem tinha um filho de se~s meses"). Efitretanto, o qpntista lhe atribui, engenhosamente, carga dramáticf secundária~ fosse o caso de estender-se e Miguel, nenhum dado no cotidiano da, vida ~onial de se acrescenpuia aos que~ompõern a '1mula apresentada. A vida inglória do asal prossefriria indefinidamente, - e, portanto, s~m interesse terário .(e mttsmo "real"), - se algo não lhe pertur~sse.o cinzentp dia-a.,dia. lomos infonnados que o marido "avarwava contra • mulher, q1* fugia com o filho para o quintal''. ~ observ&li·em tais po01mores? Primeiro, o emprego do imperl "to ~indica ºvo ("avançfva", "fugia"), _comum aos três parág fosl introd ' ºos, denotaifio a idéia de repetição. Se-
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gundo, avançar e fugir já se havia tornado ação costqmeira. Não de am~contintiaria~o mesmo fosse um incidente, a vi · ramerrão. De que incidente trata? Rei bremosi te o espancao, Mi_.·guel, ' na volta, i rec beu da mãe do a mulher por causa do a notícia de que Elvira e o o e&tavam casa dh so , tendo a mulher carregado o que era la''. ~ . 1 O parágrafo sexto, ai' de ~car · da~ vez o procedimento anterior de Miguel, constituir _ pedien.if! de~ngador da ação, introduz a embriague4de Miguel ct>mo dado relevante. No sétimo parágrafo, pbcipia a cenp que atua cqrno eixo da história: a contenda entre sogro e genro, :finalizada ICOlil a morte do último. A rápida cena, que ocupa três dos mais extenso$ parágrafos do conto, tornou-se para Miguel o ápice trágico da sua pobre existência: escapou ao anoiimato precisamente no momento em que uma "questão de família" lhe acarreta a morté. Note-se que a única fala explícita do sog:rof("- Acertei Um.a boa!"), ocorre nesse encontro fatal. E através dEfe se ihnnina todo o passado recente entre Miguel, a mulher e Off sogros. Da tnesma forma que toda a vida de Miguel se resumiu m suoumbir àS mãos do par da mulher, este sintetizou nas breves palaivras tOOo o rancor que nutria pelo genro. Registre-se que o quat"Ut parágrafo e os seguilntes, utilizam o pretérito perfeito ("pediu", '"recebeu", ·êtc.), o que denota a proximidade da ação, volvida p;aticamente presente. Ora, o que se observa ná história de Dalton Trevisan, que não obedeça às matrizes estrutmiris do conto? Principiando pela ação, notamos a unidade dramátict: o conflito que fundamenta a narrativa limita-se à pugna entre ~ele o sogto. Igualmente circunscrito o número de personagens: Miguel e Felipe, protagonistas; Elvira, a sogra e o filhinho. Ao palllso que as péltsonagens portadoras de nome próprio compõem umrautêntico triângulo dramático, as demais apenas funcionam comê espaço social. O tempo testringe-se à noite de briga: os anos, mcises e dias pitecedentes merecem simples indicação, uma vez que iarecmn de nportãntia dramática. Em rápidos momentos se consollia a intriga que sustenta à narrativa: unidade de tempo. A ação lJincipal lrall$corre na :casa do sogro, tornando a referência ao local onde vivem Elvira e Migüel, e a ida deste ao botequim, apêndiceê geográficos, destituídos de vibração dramática: unidade de lugd Quanto ao6 recursos ~ti.vos, o diálogo reparte o terreno coti a rumação, sobretudo após o parágrafo quarto: predomina o tiálogo inditito (''recebeu! da mãe a notícia de que Elvira e o filhé estavam na basa do sogro P, "ali não 98
havia homem", etc.), em !meio à narração dos acontecimentos em casa de Felipe. A descriçãp redlm-se ao mínimo indispensável, e a dissertação não çomparec~. Por fim, ressalte-se 1J*1a vez mais que o passado imediato das personagens; não importa, :nem ao narrador, nem ao leitor. E que o epílogo do conto fecha definitivamen(le a vida das personagens: afora encerrar-se para ~guel, evidensia que o futuro de Elvira, Felipe e da mãe não justijfica uma coDltinuação, visto que as suas existências Se cumpriram apenas no '':momento privilegiado'' que empresta razão ao conto. E o desfeclro, embora não-enigmático, completa a ação, sem dar µiargem a pllillongamento. Em suma: um conto, e não um capítulcl> ou embrião de romance, episódio de novela, ou qrônica.
7. "NO JAIWJM" Não obstante nos pa.JteÇam elucidativos os dois exemplos de conto, vejamos uma mostra do que seria capítulo ou embrião de romance, episódiio de nov~la, ou crôniqa. Novamente o texto nos é fornecido ppr Dalton Trevisan ("No Jardim", de Mistérios de Curitiba, 4ll ed., rev. 197~): Pálido rosto à somb~ uma laprtixa ~ue comeu mosca, José cochila ao sol. Os cdpos-de-leite esW> quietos OOIIlQ fmnulos brancos. Que sede! Suori frio na testa, c9? o quéfxo -1ruxa, é quase uma barba! A mãe surge à pci>rta: , · " - ~ el!ltiv meu fi)ho? ) A vida e.9COrI'C na dos dedos.; Um copo d'água, mãe. O cacto desfalece de ~or. i " COffi maii! sede ele morre mais um Canteiro de gatos, brincam as sqmb$ ao pé do - Água, lineu filho. 1 Bebei até a última gott.. Pisca o olho 6quetdo para a mãe, que lhe afaga o cabelo.· - Está melhor? A ci$arra. anuncia º.~º de Uildll rosa vennelha. Nuvens brancas enxugam !no atame do q~. O filho uma lágrima rola pelo bigodinho grisaÍho de lagartixa.
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Ifuquinho. ·
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Como se nq·ta·, estã~o entes as cr. ·. cterísti.·cas básicas do conto: a cena,~p'da de co . ºto e qreve ''1.ual um instantâneo fotográfico, suger unUi. outra que talvez ge armasse a equação dramática entre .-e filho; o ossível drama implícito (filho de ''bigo-
e
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ediE"
dinho grisaJho", ao sol, tfimado ite pei,t mãe) não chega a estruturar-se: as re~ndas insº · uma eq~ção dramática, mas sem garantir-nos a sua existênc ; e quando ~ imaginação do leitor pudesse admitir mta relação pa~lógica entre imãe e filho, restaria que a seqüência W$ ação a moF-capaz de gerar um confli~ ~o texto"~ e~. "; perten te tam~[ a Misté~io~ de Curzttba, parece girar et1 tomo das . · fi~, e constitui outra cena neutra); "mãe''~ "filho"sã substantivos( não personagens; o espaço e o tempt) nem chegatn a molclar-s~, visto que · inexiste o arcabouço dramáfco. Pode-se encarar a queSão por outro ângulo: "No Jardim" integrava o vohune Desasnies do Amor1 até a 3ª ed.~ revista, de 1974, que se dividia em duas partes: uma, que dá títuilo à obra, e outra, denominada "Os Mistérios de Curitiba". Como explicar a bifurcação? E por que, na edição seguinte, de onde fqi extraída a versão acima transcrita, o autor resolveu publicar em volume separado as duas secções do livro? Razões de ordem temática? Não parece: Curitiba constitui o te.ma e varia900& do wilvetiso ficcional de Dalton Trevisan. Razões tst:ruturais, vinculadas ao gênero? Sem dúvida: a primeira parte cotilpreende Uiruli série de 'bontbs; a segunda, uma coleção de textos - não-contos~. onde nio ~ta sequer o impacto bíblico ("Lamentações de Curitiba"). Ao fazê-lo, o autor dava mostras de, pelo menos, suspeitar qµe tais escrit~ desobedevazaivam o~ primeiro!;. E separou-os ciam ao modelo em que graficamente, mantendo o ~btítu;lo de ''fontos.' por wna questão de comodidade ou recurso eiclitorial. Note-se, por fim, que foi selecio~ um 008· fragmentos em que ainda pulsa dramaticidacle: seria mais! fácil ilustrar b não-conto com textos em que se observa até mesmo a carênc~ ~ rudimento de conflito, como "Lamelações de ~tiba", ·~o Rfio", "Chuva'', "Senhor", "Modinha.. , "Em busca de Curiti~ perdida", ''Sábado'', ''A Caixeira' '. 'lhnscrevam<>S, à guisa de cOnfumação, o penúltimo:
8'
.Hoje é sábado; não, e r estou sábalo. OrganUf o dpmingo assim a cozinheira o seu bolo de . · : ap&ro o ca&lo, ~ o stPato, escolho a gravata de bolinha. Pouca gmte na rua, os plátanos enfeitam-se da conversa dos pardais. Meninas já brincam, v~ branco porfio. ~no livro.de capa preta diz o escriturário,. com ó lápis ar: não te! gas~. amanhã é domingo. Os cães conspiram ia esqmna: se ~ é dotningo, tem osso de galinha.
nJ ti+
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Solteirona descansa o cotovelo na jaMa.: ai, tomara não chova domingo. Um gordo antegoza o dolllingo no prato fundo de macanão. A amada não veio, Joã<)? Amanhã domimgo estará na missa. A1ma de artista, domiJigo você rabisca o retrato da menina, fita azul no cabelo, mãe e filha chateadas. Noivo, a Sllllbiquira é com vinho na casa da sogra. D<*" de dente? Que dia desgraçado: o dentista não atende domingo. Se você morre no sábado mais depre9Sa esquecido. Eis ci> domingo e, camo todo domillgo, um dia perdido - amanhã é segunda-feira.
8. GRÁFICO DO CONI'OS1 ReduzU,.do as observações precedmtes a um gráfico, indispensável ao entendimento da estrutura do conto, temos o seguinte: llllidade de ação
midade de espaço lllli.dadc de tempo
tlálogo (dominante) llescrição (varia confmme a tendência estética)
llaliaçio (tende à brevidade)
dissertação (preseolc até o século XIX, tende a amiJar-se na modemidadc)
81 O ~co do conto, que •té a edição anterilPr tinha contorno geométrico, é restituído à sua fonna o#ginal, amebóide, ~lhanto à cé.dida viva. Como advertimos no prefácio à 9ª edição deste livro, empmgama> tal fonna em aul!ls e conferências desde os idos de 1951. E assim foi u$ada por vários ex-J}llllOS, colegas da USP e de outras univmsidades, mesmo antes de o gnÍfico conhecer a stla versão gromét:Eilca. Idêntica restituição se estcndmí. aos gráficos da navela e do romance. O r,squ~ celular ~ com mais pIOJlldedade o caráter flutuante da estrutura do conto, bem c~ das outras fônhas em prosa. Ao contrário do que pensariam aqueles que a exmninassaµ supcificialmmte; a estrutura que ae configura nesse gráfico é dinâmica: é mais um processo, um arcabouçq, em contínuo IOOóVimcnto. Obvi.amcnto, o ~ não se encontra reaJ4ado em nenhuma cpbm em particula.: o que temos, no contorno análogo ao da
célula viva, é.I uma.''estrutura em[fiabstrato, tiva das estruturas que se concretizam nas obras. Nd;tas, a estruturao est.á modifi~ não só por pressupor um movimento específicas de' cada narrativa. Portanto, o gráfico não como por a4ptar-~ às condi desenha a estrllltura de uma obm, , - de todas, vistcll•cODíero seu abstrato denominador comum. represe# •.· .• · a .
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A Navela
1. A PAUVRA "NOVEU" A palavra "novela" remonta ao italiano "novella'', por sua vez originário da Proven~ ("novas", '"novelas"), onde significava "relato, comunicação, notícia, novi.dade". 1 A raiz etimológica estaria no latim "novella'\ de "novelllts, a, um", adjetivo diminutivo derivado de "novus, a, um". Do' sentido primordial de "jovem", "nov.o'', ''recente 1', o vocábulq substantivou-se, adquirindo vária signifibação, desde "'chiste... , "glacejo" até "enredo", "narrativa enovelada''. Com tal significado passou a out:tãs línguas. Em vernáculo, o tenno circula na acepção de "enganÓ", "embuste", "mentira", mas designa de modo gdral uma his~a fictícia, longa, jorrando emoções fáceis, transmitida pela rádio"" e pela televisão. No terreno dos estudos literários, é elmpregado pár vezes de modo defeituoso: rotularia, ac) vet de al~ críticos, as barrativas com mais de cem 'i e menos de duzJentas pá~. O vocá~ul~ teria en para o uito do Idioma graças ao da podia ±tiro sentido de "conto", italiano "nevelle", que fôrma que lhe era apareUtada, nos co1ifusos tempos do crepúsculo 1
----+-! 1 1 Walter h,bst,ÍLa Novela en la Teoria ft!n la Creaci6n Literaria, tr. espanhola, Madrid, GrOOci!I, 1972, p. 298. v~f'iiliwa pp. 34, 46; 47, 50, 298, 306.
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da Idade Média. Assunúu posterionnen~ o sentid.o p~.jorativo de ''narrativa fabulosa, fantástií::a, inverossírPil''. Com o Romantismo, que trazia no bojo profunda revolução cWtural, ''novela'' ganhou a significação atual. Noutras línguas, como vimos no quajiro prop~to por Mariano Baquero Goyanes, transcritp no capítulo destinado ~o conto, a palavra ~ ~o corrente, n:ias nem sem~ com o me$no senti?º· Em. frances, e "nouvelle", em. espanhol~ "novela corta'', emitaliano, "novelle'', em aílemt., "Novelle" ou "Erzãhlung". A expressão inglesa "short-story'' (ou "short story") também se presta para rotular a novela, uma vez que "novel" corresponde ao nosso ''romance''.
2. HISTÓRICO DA NOVEU Entendida segundo os farâmetros .efll que ~s m,ovemos, a novela já era cultivada, de forma embtionária, na Antiguidade greco-latina. Mesclando o ~to verídico.· ao :fantás.tico 9u mítico, e apelando para o lirismo ou para digressõps oratórias e .retóricas, a ficção clássica serviu de b~ à novela llem como a outras modalidades literárias medievais!' O desfiar de aventUras .visando ao entretenimento, - consider;io, por um estudioso, ciµ-acteristico dessas narrativas que deno:nlÍD.ou, não setn dar margem a equívocos, de "romance" 2, é um ~ente fundamental na configuração da novela. · Floração da época decacjente da culttµa clássica, a1 novela desenvolveu-se ao longo de c)ico séculos,: do sécul~ II a.C. ao III d.C., tendo como fase áurea j> século II~ era cristâ. 3 O texto mais antigo data provavelmente "quela centúria: Nino e Setriíramis, de autor desconhecido, de que. ~e conheceni três fragmentos. Seguiram-se-lhes outras narrativae, da quais as mais ~portantes que restaram são as seguintes, de extração ~ênica: Qµére(ls e Calírroe, de Cariton de Afrodis~ talvez a mfiis antiga da$ narrativas conservadas,'' graças a um mjnuscrito do $éculo XIII, etllcontrado e 1
2 Ben Edwin Peny, The AncienrRomances, Bcrkdley e Los Angeles, University of Califomia Press, 1967, p. 45. 3 Carlos Garcia Gual, Los Origeilts de Is Novela, Madrid, Istmo, 197i, p. 33. 4 Idem, ibidem, p. 202; B. E. l'e.tily, op. cit, p. 96. 1 .
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publicado em 1750; As Efesíacas º\.\ Antea e Habrócomes, de Xenofonte de Éfeso, escrita cerca de lQO a.C.; As Maravilhas para além de Tule, em vinte e quatro livros, do século I d.C., de Antônio Diógenes, que conhecemos por um r - o de Fócio (século IX), citações e fragmentos do século II ou p!; Leucipa e Clitofonte, de Aquiles Tácio, do século II d.C.; Dáfnis e Clói, de Longus, do século II d.C.; Etiópicas ou Teágenes e. Caricléia, de Heliodoro, do século III ou IV d.C., "gozou de ime~o prestígio na época bizantina e, redescoberta pelo Renascimento,. entre os escritores barrocos europeus. Nos séculos X'íI e XVII foi, dos clássicos mais lidos' ' 5 ; Apolónio de Tiro, do século III a.C., ~tiva de tipo grego escrita por um latino anônimo. ~ Roma, ~ se escreveram histórias no gênero: Satirycon, de 'fetrônia, do ~ulo I d.C., de que permaneceram, dois livros (XV e XVI) e parti! do XIV; Metamorfoses ou O Asno de Ouro, de Apuleio, do sécuk> II d.C., ampliação de uma narrativa homônima, de Luciano. Denominadas '' clramais históricos·•. em razão de mesclarem elementos teatrais à historiografia, as narrativas clássicas exerceram fascínio dunante a Idade ,Média6 e, sGtbretudo, o Renascimento e centúrias posteriores: "autores comq Tasso, Sidney, Cervantes, Lope de V~ga, Calderón. e Racine fofalll influenciados de vários modos por esses modelos, tendo"1>S adaptado, imitado ou dramatizado•'. 7 Todavia, patece pouoo provável
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com ~ ve?~co, cen . ~dos ~.s~ ~pis.ódios bélicos, li$.,·.imt:• con~ugando espírito ctVIco e atiVIdade +tica. Mas, endo ia tiva toda vez que o trovador a rep~·a, a partir e certo ins te, não só estavam desfigurados os m ·.vos heróic da guerra, c , o a extensão do poema havia atingi limites ex mos. E dom a memória transcreindividual fosse incapaz de, tê-lo na ín gra, era vê-lo no pergaminho a fim fe coíi.servá- . Mas aoontieu algo de inesperado após a transliterlção: as can -es passaram! a ser lidas, com acompanhamento musi.al, nos sara-ds cortesan.escci>s. O ato de ler em público deve ter collfrli.cionado, nhlguns casos (os fidalgos eram, no geral, analfabetos);> o desejo da leitura individual e solitária. E o alargamento desme$mtdo do texto levou a pôr em prosa o conteúdo já de si narrativo los versos. Daí para a prosificação foi um passo. Com isso, a novela despontava como fôttna 'autônoma e caracterizada. ' O primeiro exemplo que merece ref~cia é A Demanda do Santo Graal, adaptação portllguesa levada a efeito em meados do século XIII (por volta de 1240), do O!!iginal francês do século anterior, intitulado La QuêUI du Graal, prosificação dlim entrecho de velha tradição bíblico-céllca, antes po$to em vetsos •sob o título de Perceval. Avultando no 4!klrso-Oos séculos, o tema clla busca do cálice em que José de Arimatéia colheu o sangue de Cristo, agregou outras narrativas, pertencentes à mesma linhagem novelística, como A Morte do Rei Arntt e o caso artioroso entre Lancelote e Ginebra. Era a novela de catalaria que eJ!llergia, logo tomada protótipo dum tipo de comportunento e dé visão dia reàlidade que permanecerá no gosto poplfar até hoje,! como se pode ver nos filmes de cow-boy, expressã4' atual daquele remoto filão novelesco. A narrativa cavaleiresca, refondo uma ~ovisão hetóica semelhante à das epopéias greco-latinas, correlpondia ao anseio de mitos e utopias existente no ínâmo de cada indivíduo. Ao longo da Idade Médlia, sucedem-se novelas de cavalaria, dentre as quais o Merlim, José de Arima~ia, o Amadi~ de Gaula. Portugal toma-se o território, ideal para 31 acomodação .e o desenvolvimento do espírito cav~oo, de W forma que ~te, agonizante na França, pennaneceiá vivo na Península ~té ~ início do dos .Amadi!;es e o dos :Palmeirins, século XVII. Dois ciclos, ampliam-se e desenvolvem• nessa épo~. Entretanto, algumas tra$formações começam a processar-se no interior da novela de cajalaria medidval. EleIJ1.ent
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lhas das enredadas peripéçias de audácia e bravura guerreira. Ama-
dis é o primeiro protagonista de novela que evidencia traços do homem renascentista e moderno, a debater-se entre conflito de ordem sentimental e ética1 seja por influência clássica trazida pelos ventos humanísticos do séiculo XV, ouf>Or influência de Boccaccio, seja por evolução natural.de componefltes da matéria cavaleiresca, o gosto pelas narrativas sentimentais e. bucólicas ganha largo prestígio na Renascença. A própria novele de cavalaria, não podendo resistir ao sinal dos· tempos, aceita inovações de sentimentalidade e erotismo. Um Spro lírico invade o mando da cavalaria. Assim, novelas como Cárcel de A.mor (1492) e Tratado de Amores de Arnalte y LuC'(!nda (1491), de Diego de San Pedro, El Siervo Libre de Amor (inédito até 1&42), de Juan Rodríguez del Padrón, Setva de Aven~as (1565), -jfe Jerônimo de Contreras, enquadram-1>e entre as narrativas sentilnentais profusamente difundidas no tempo. No grupo das novelas pastoris, se1111íveis ao influxo do bucolismo clássico de Teócrito e Vergílio, situa-se a Arcádia (1504), de Sannazzaro,. que deve ter servido de modelo ou inspiração às outras no gênero, como El Pastor de Fílida. (1582), de Luís Gálvez de Montalvo, Menina e Mofa (1554), de Bernardim Ribeiro, Diana (1559), de Jlorge de Montemor. A moda chegou a contaminar Cervantes (La Galatea, 1585), Lope de Vega (La Arcadia, 1598), Sir Philip Sidney (Arcadia, 1.590), dentre (4.>Utros. Entrada a Renascença, além das novelas de caráter histórico ou histórico-cavaleiresco, co:p.quistam atetção as de índole satírica ou picaresca. El Lazarillo d4 Tormes (15.54), de autor desconhecido, inicia um filão, em tomo do pícaro, altdaz e malandrim. As narrativas de Rali>elais, Gargâ'4fU.a e Pantagruel, em cinco livros, aparecidos entre 1532 e 1564, emprestam à povela satírica e desabusada o melhor d~ suas caractelfÍSticas. !J Com o D. Quixote (l.'605, 1615), ;Cervantes não só constrói a obra supreniia da novela 4e cavalaria (p.pesar de pretender satirizála por decrtf.ita e extravagante), comq,ergue a novela ao mais alto ponto atin~do antes ou qepois. Multiforme no conteúdo e na técnica de composição, o relpto das an~ças do cavaleiro da Mancha e Sancho ~ç~ serviu die estímulo ài~prosa narrativa dos séculos seguintes. l"fa rivalidade tf.tre os pro!onistas (um deles é idealis_ta, D. Quixote, º. ou!1"°, San. :•. Pança), e~tan_ipa-se o cisma barroco, qüf anuncia o undo mode · o e a falenc1a dos valores vigentes duyantf a Idade édia. ~
:i;ta,
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Nos séculos XVII e X\III a novela · se cultiw, mas com a mescla de particularidad$ do ro , nessa M~ ensaiando seus primeiros passos. O ~., .psicoló ·~ e sodial, presente no D. Quixote, torna-se lugar-f>mum de tivas como A Princesa de Cleves (1678), de Matt· ,· de 'Lafaye~te, Gil Blas ~ Santillana (1715-1735), de Le Sage, anon Lesca t (1731),: do IAbade Prévost, As Aventuras de Tel aco (1699 , de Féttelori. Os temas bucólicos, ressoando a Atrcádia, de tSannazzaro, lllà Astréia (1607-1627), de Honoré d'ilJrfé, no PaSlor Peregrinol (1608), nO Desenganado (1614), e em I! Primavera (1601), de Fnmcisco Rodrigues Lobo. Os temas satlricos e picatescos comparecem igualmente, com a Vida dei Bust:ón (1603-1&6), de Quevedo, Roman Comique (1651), de Scartjin, Guzmán Ide Alfaraclte• (1599), de Mateo Alemán. Nos fins do século XVJII, com PaulO e Virgínia (1787), de Bernardin de s.unt-Pierre, presenciamos a derradeira encarnação "clássica" da nçivela: é o momento de a novela transitar para a modernidade, cOfl o Romantistno. A estética romântica, ctm sua demofilia, transfollha a novela num de seus meios prediletxts de atingir C)S leitores. Um dos prazeres da burguesia, então alçafa ao poder, era fornecido pelas obras literárias. E entre essas a llovela ocupava posição proeminente. Graças à sua estrutura, coltespondia à iânsia de enhietenimento, evasão e sonho, duma clasie imersa nuhi cotidiano :r:nonótono e raso. Viciada na leitura 8*na e no teatro ligeiro, somente lhe interessavam o aventurescc> e o fantasibso que a novela podia ministrar-lhe. Assim se exp•ca (outras r2U:Ões poderiam ser aduzidas, mas fugiriam do escopi destas considerações) que as narrativas folhetinescas alcançassem tanto êxito, inclusive nas formas mais vulgares, como a noiela de cordel ou em fasHculos. No século XIX, proliferaram a$ infindáveis novelas de folhetins, estampadas nos jornais e depois reunidas en1 volume. AlgUII1as vezes, a garantia de acolhimento l>or parte dol público, nôt:adamente o feminino, fazia que os· editoies laltçasseni as noveJás dn livro, em vez de fragmentá-las em ca:ftulos semawris ou quinze!Jais. Dentre os novelistas dessa quadra,1· podem ser teferido5 'os aeguintes, a maioria de origem franc~ tal a ident.iidade que se estabeleceu entre a França e o espírito rqmâritico: Po:rt;on du Terraii, Xavier de Montépin, Emile Richebomt, P. Decouroelle, Henrique Pérez Escrich. Jazem hoje em merectlo esquecimento. Além da configuração pbpular adqullida pela novela, lembrese que mesmo os românticos mais exigentes e talentosos não fica108
ram infensos ao fascínio exercido pela novela, como meio de comunicação com o leitor comwn. Por isso é que se encontram ressonânciaa novelescas na generalida4e dos prosadores· do tempo. Apenas como e:x:emplo, pense-se em &lzac, cuja Comédia Humana não esC(i>nde o intuito de erguer ~. panorama da sociedade francesa contemporânea, através dutrut:série de episódios que comporiam a novela da burgu~ia nascentar Na Inglaterra, Walter Scott escreve novelas, tendo atlás de si Henty Fielding, que, com o seu Tom Jones (1754), inaugura o romance, não sem revelar incidências novelescas. Em venµículo, observa-se análogo íenômeno. Depois das obras de Bernardim Ribeiro, Jorge de Montemor e Francisco Rodrigues Lobo, no século XVII aparecem as nowelas sentimentais de Gaspar Pires Rebelo (Infortúnios 1tágicos da C(llflStante Florinda, 1625-1633, Novelas Exemplares, 1650) e de Gerairlo Escobar, pseudônimo do Fr. Antônio Escobar (Dor.e Novelas, 1674). No século XVIII, há que mencionar Fr. Lucas de Santa Ca~, autor de duas narrativas sentimentais sob o título de Sertão Político (1704); Teresa Margarida da Silva e Orta, autora das ANenturas de Diófanes (1752), influenciadas pelas Avent1ras de TelêlliQ.co (1699), de Fénelon; Pe. Teodoro de Ahneida, autor de O FeliZ. Independente do Mundo e da Fortuna (1779), obra ainda lida em.meados da centúria seguinte, e que serve de ponte de passagem )llanl a época de esplendor da novela em 1,)ortugal, o Rom.antismo9• Não pequeno número de prosadores dedicam-se a ess~ modalidade de narrativa: Garrett, Herculano, Amalcio Gama, Rebelo da Silva, 11Andrade Corvo, A. da Silva Gaio, Teixeira de Vasco:QCelos, Coelhi? Lousada, D. João de Azevedo, A. P. Lopes de M~donça, Frat!cisco Maria Bordalo, e outros. Todavia, Camilo é o grande novelsta do tempo: à semelhança de Balzac, passou a vida• a delinear fdbrll e incansavelmente uma Comédia H41mana portugµesa, cent.racà sobretudo na burguesia do Porto e ~o~. TornolJ-se, graças t- sua exuberante imaginação e talento p!Q amiar en.tedo$, o mais i1Dp(ftante ficcionista de sua época. No Brasil, durante os séculos cc:floniais merecem registro a História do• Predestinada Peregrino 1 seu Irmão Precito (1682), narrativa ~órica do Pei. Alexandre Gusmão, e o Compêndio
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9 A da · ·cos, ver: Jacinto do Prado Coelho, "ROIDllDCe e N la m Litenrtura goei;;!i.", in . 'cionário dns literaturas Portuguesa, Brasileira e Ga ga (~.de... ), P · Pigueiiin:bas, ,960, pp. 705-709.
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Narrativo do Peregrino da A.mtrica (l72&), de Nuno Marques Pereira. Após um hlato sus· .or !a cem bos, a nove~lntra a ser copiosamente cultivada: L ' Jpsé de Alvarengk ( atira e ZoMisterioroastes, 1826), Justiniano J.,· é~ Roe (Os A.ss~si da Silva sos ou A Paixão dos Dia .ante$, 1839 , J. M. fere (Jerônimo Corte-Real, 1841J), Joaquim orberto qe S usa e Silva (Maria ou Vinte Anos Dep,is, 1844), G. Teixeirate Sousa (O · deles, a ncl>vela passou Filho do Pescador, 1843), lfoutros. A a dominar o movimento roaiântico. Joatfilm Manuel de Macedo, José de Alencar, Bernardo Guimarães, Manuel Antônib de Almeida, Franklin Távora, Viscoade de Taunay, quando não escrevem novelas, revelam em seus nttnances infllf.ência da sua estrutura, A tal ponto que somente le~o em con14 o impacto da novela no transcurso do século XIX p~os entendelr a obra desses ficcionistas. O Realismo, trazendo~ concepçãó "científica" do trabalho literário e revestindo-o d~ sentido mis$ionário, afastou a novela de seu círculo de interesse. :Não obstante, observam-se ainda sinais de influência, na obra cíclioti de Zola, ou'.em narrativas escritas sob o influxo do folhetim. É o caso de algumas obras de Aluísio Azevedo e mesmo Machada de Assis, Ilds primeiros momentos de sua carreira literária. E as ihovelas, publicadas etin jornal ou em fascículos, continuavam a deliciar o lei1br burguês. Como, aliás, acontece até hoje, na forDlaf:le novela de televisão. Com o século XX, tais 60 as m.etamt>rfoses, operadas na prosa de ficção, a partir de Pros, qae a novela parecia relegada ao esquecimento, mas perman~u no gosto\ da massa anônima e semiculta que lê por prazer. &itretanto, certas obras, como Os Buddenbrooks (1901), de ThomlS Mann, Os1Thibault (1922-1940), de Roger Martin du Gard, Jeafa Christophe :(1903-1912), de Romain Rolland, não escondem, no ilrariegado episódico, em que desfilam familias inteiras ou nume~ personagens, o exemplo da novela. E mais recentemente, com c,í recrw:lescimento das narrativas hlstóricas, como as de Maurice Dtuon, pode-stt dizer que a novela ainda não desapareceu de tOdo. Semelhante observação ilabe para os escritores vemáculos deste século. Em Portugal, ~ino Ribeiro, retomando o modelo camiliano, insuflou em suas, histórias um sopro novelesco, transfigurado numa concepção ailtplificante do homem da Beira. Um ex~n:Plo mais c8;111cterístico .nos é. oferecipo por Alves jRedol, com a sene "Port-Wme", na q~ procura +ruu" o problema do homem do campo, escravizado à terra e ao patrão. Dentro do ciclo, 110
salienta-se, por sua marca novelesca A llarca dos Sete Lemes (1958). Noutro escritor de primeira plana igual tendência se observa: é o caso de José Régio, com p ciclo A Ve/4a Casa (1945-1966), de que saíram cinao volumes. Qutros exem~s poderiam ser acrescentados, mas não modificariaJD. o pallorat$. Entres nós, temos Graciliano R.an:p;, José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimq,. Vzdas Sec(lf (1938), do primeiro, é uma narrativa foanada de bre'fes quadros, ~isódios ligados entre si pela personagem central, nUIIijl estrutura d4: novela. A obra de José Lins do Rego, notadamente o, "ciclo do anderou sempre, evidente no fato de suas obras cultivarem o episódico, o anedótico, Elllll detrimento da profundidade. E nas últimas narrati1Vas, tal pendipr avulta: Gabriela, Cravo e Canela (1958) é um longo relato dihn caso amoroso que daria apenas para um conto. Q ficcioni$ta +rga-o, enxertando-lhes personagens e "casos", neqi sempre ligWios ao drama central. Típica estrutura ncpvelesca. A Verdadeira Hfltória de Vasco Moscoso de Aragão, Capitão de Longo Curso, influída nOs Velhos Marinheiros insere-se no âmbito da novela. ~ Veríssimo, também interessado ~ construir wn ciclo ficci~, o de Clarissa (Clarissa, 1933, Caminho Cruzado; 1935; Músie{l ao Longe, 1936; Um Lugar ao Sol, 19~6; Saga, 1940), cedeu aq!I atrativos da novela. E nas duas obras~ Olhai os Lírlps do CamJHA (1938) e O Resto é Silêncio (1943), nãq é demais erujergar vestígif> novelescos, mascarados de mal empregado contrapo"1ismo huxl~o. Com a obra-rio, O Tempo e o ve,.to (1949-196~; 3 vol~ com o terceiro desdobrado em 3 tom~). faz a sín~ da bistóru+lo Rio Grande do Sul desde a segunda me~ do sécplo XVIll a~ os nossos dias. E é nela que se manifesta às nica de c$nposição e de da realidade · · · pria da nov la. E só. esta~obra, das mais relevanser ente · · . tes do Mo mismo, Como se vê, a nov la não· des · u. Correspondendo ao gosto do J;o, !desejoso evadir-.e cotidrano hostil, permanece viva ~ intennináveilt novelas de ~levisão e nos filmes de cowboy, caracterizados pela ~vidade dobredo.
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3. CONCEITO E ESTR A novela ocupa, do o de vista ·stórico, lpoJção menos relevante que a do conto e , roll'lance. 1 ·entifica& cofu as manifes~ções popular~ ?e arte,· tende.ªº · jo d~ .•venhrra e ~g_a realizado com o trurumo de · fundidade e o maxnno ele anestésico: raro se nivela, em mat · . de req · . estético, às lfôrmas em prosa vizinhas. Prato varia·· . lllBslligeiro não se deté~ no exame do dia-a-dia real, preocup .o-se ·acima , trufo com ó pitoresco, que é tão cedo esquecido qmf:1to mais facilmente seduz. Coloca-se, assim, no extremo oposto $ do romanqe e do contai. Encarada como modo de conhecimenh:fi a novela ilude e mistificaJ por imprimir aos episódios um mov.nto acelera~o e cheió de :novidades, que não pode ser o do cotiditno. Por ouW lado, coru reduzir a sua visão das coisas à soma de ~tos enca~dos na ardem. linear do tempo, induz a. pensar que l't realidade ttão sejã pofulnórfica ou enigmática, nem que ostenteirelevo e cothplexidade. Ptessupondo qtie tudo se conheça, ou que·~e cótlverta ~ atos e aco:qtecimentos visíveis, a novela contempll não indagà, finge, não •questiona, fantasia, não interroga. r: No entanto, por estar m,fs próxima ~ vida diária, igraças aos ''ingênuos'' e vulgares expetfentes, refie~ por vezes a subjetividade do leitor. Serve, desse mito, como ópio aos menos exigentes, mais propensos a divisar as cibras cJiterárial; como distração, passatempo, sedativo para os nei1iios cansados da luta pela existência. do autot e dos cónsu:lnidores, à Transformada em jogo por novela não se pede análise,i~complêxidade, espessura •dramática, enfim, tudo quanto cabe no rtm.anée e pode estar no conto. Ocorre que há, mesmo entre as obrat referidas nd tópico atiterior, espécimes de primeira categoria, ci>azes de fa* o deleite de sensibilidades apetentes de pratos eJóticds ou c6ndimentádosJ Mas sua grandeza é, no geral, ilusóriaj!e Set!l reno~, fugaz: correm o risco de ser esquecidas com o paSal' do tem?J, porql:i.e incidiram nas ligeirezas próprias da novela, ~omente resi$:indo naquilo. em que as transcenderam. É o caso de lean Christ<>phe, de Rv.main Roland, argamassado sobre estrutura tovelesca, alllda hoje vâlide> pelo que nos conta da história dum jo~ egocên~ e sensiivel, lfoealizada mais ·Wl sua psicologia de im~tente que nos acontecimentos de sua vida. Esse ~ e essa !Profundidade •fogem ao âmbito da novela, que procitra alirair ~ recursos de técnica, empregados na comunicação de episódios superficiais t avênturescos. 1
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De onde se poder afinnar que a llovela está para o romance assim como a lírica para a épica. Não signífica que todo romancista seja superior a todo novelista, mas q1111t o nível atingido pelo mais talentoso dos romancistas é sempre •uperior ao equivalente em matéria de novela. É certo que wn fu:lcionista de superior talento narrativo e imaginação plástica pode alcançar o ápice colocando-se a serviço da estrutura da !ovela. E mais ainda quando extrapola as balizas dessa fônna literária. Mas tamilém é verdade que as obras máximas que compõem o acervo lititrário da Hwnanidade não incluem novelas. Uma exceção, a confip:mar a regra, é o D. Quixote, cuja magnitude se deve, entre ou~ motivos, ligados à criatividade cervantina, ao fato de o seu aJl'I'eCimento corresponder ao lance final da depuração em curso no t.,terior da novela de cavalaria, e antes do advento do romance: 11tSte, ao surgir, assumiu as funções que competiam à novela, de~ as quais substituir a epopéia como visão .totalizante do mundo. if\pós a invenção do romance, a novela tor:Q.ou-se atifidade mar~ e popularesca, em que pese à sua preseJ1ça ao lo1fgo do sécwq XIX e a alguns novelistas de alto nível (como, por exemplo, Canilo Castelo Branco).
Ação À semelhança do capítulo referente ao conto, iniciemos pela ação. Do confronto das narrativas mencionadas no item destinado ao histórico da novela depreende-se que' é essencialmente multivoca, polivalente: constitui-se de uma séf.i.e de unidades ou células dramáticas. De onde se se~e que a prilL.eira característica estrutural da novela é sua pluralidlade dramátiea: ao invés do conto, que gira em tomd de wn conflilo, a ndVela focaliza vários. E cada wn deles apresenta começo, m~io e fim. J Mas visto ser o conto broa unidade 'dramática e a novela uma pluralidade, infere-se que it última p~ constituir-se nwn aglomerado de contos disposto1> numa dada,1 ordem. À primeira vista, esse é o quadro exibido pelà novela. A Jrn exame mais aprofundado, verifica-se a existência 1de pormenores capazes de modificar e mesmo desmentir a ilusão' das aparên°'88. Dentro da novela, as unidades dramáticas não sei comportam tomo seres autônomos. A própria circU.Il!Stânpia de p~cipar de 1l1' conjunto determina-lhes ~ fisionomia:. ~las ]su~-se à ~tera'i11io, tendo em vis.ta a t?talidade narrativa. As celulasl dramáticas Ltabelecem wn íntercam113
bio, uma relação de osm~, muµ entre nto q~ não pode fragmentar-se sem abalar · •.• o edifício. Ao compor~ novela, o ficcionista somente se de · · nas células ·sando ao si&tema todo, composto pela soma delas. fl'rata-se, por conseguihte, ide um tipo ,da no contexto dum uniespecial de composição nar:tl.tiva:, a · verso plurifonne de unidad4 Adição aritlnética, ou an~, progressão geométrica, de que nãoj1 se pode retitar qualquer parcela sem comprometer a seqüência teia. · À pluralidade dramátiqi, primeira característica Iharcante da novela, segue-se outra, igulfilente disfuftiva: a sucessividade. As células dramáticas organizail-se numa orilem seqüencial, uma após outra, em rosário. Entretanítt, não se trata de sucessividade absoluta, uma vez que as células dilo formam dompartiment06 estanques. O novelista não esgota por completo o conteúdo de uma unidade para depois efetuar o mestii.o com as seguintes: no fim de cada episódio, procura deixar ~ de mistério ou oonflito para manter aceso o interesse <1' leitor. É ~ que esvazie o recheio dramático duma célula anui de prossegUir, pois frustraria a curio1 sidade do leitor. Assim, numa novela de cavalaria como A Demanda do Santo Graal, as "aventuras", núcleo das células dramáticas, imbricam-se em forma de escamas supetpostas. Os cavaleiros, cada qual tomando um caminho a fim de errimentar-81' no exercício das annas e no culto à mulher, em b1:18f,3 do cálice ~agrado, vão iJendo substituídos até o desfecho. Pela,piorte, ou pelo afastamento, provocado por ferimentos ou reclusão,~os cavaleiroS cedem lugar a outros cuja "aventura" está em procqsso. Os episódios somente se fecham quando o desenlace fatal se torna decorrência obrigatória. Fora daí, continuam abertos, ou parcialmente resplvidos, já que seus protagonistas permanecem em cena, enquanto o narrador localiza outro figurante, entregue às suas .andanças cavaleirescas. Com isso, nada impedf que um caVJtlei:ro protagonize numerosas "aventuras": no fim de contas, é cqmo se se tratasse de outras personagens em conflito.~ que o teor 4as "aventuras" varia sempre, de acordo com as circunstâncias. A novela fomia-se, por conseguinte, da agregação dessas unidades narrativas, segundo uma ordenação cronológica, que sugere a ptm1pectiva do mundo fornecida pelo calendário. Em suma multipliciw,Je dramáti~ numa corrente horizontal. Por isso, o número de páginas pode crescer à vontade: a pluralidade 114
pressupõe uma estrutura aberta, de mQ(io que novos episódios possam adicionar-se numa cadeia sucessi'h, assim como o fim provisório da natrativa implicá a multivocilhde dramática. 'T' '< .1.empo .:
O tempo acompanha de perto esS1J estrutura: não mais, como no conto, a unidade de tempo. O natttador pode, agora, manejar livremente o tempo. Mas a estrutura linear e plural da novela lhe impõe limitações: não lhe interessandd, ou não podendo, em razão da economia interna, seguir os .passeis das personagens desde o nascimento, surpreende-as no momenM em que estão maduras para agir. De onde reduzir-lhe!J o passado à umas poucas linhas, àquilo que colabora para esclarecer-lhes o nixlo de ser e diz respeito ao fulcro da narrativa. Quanto ao futuro, pertence ao imponderável, à lei do acaso, que pode cionduzir à ni>rte, ao exílio, ou a formas equivalentes de sair de cena (como a \ascensão eucarística de Galaaz no término dA Demanda do Sanrii Graal). O tempo da novela é o históric~ assinalado pelo relógio ou pelo calendário, ou pelas convenções sociais. A narrativa flui num tempo horizontal, correspondente ao éllcadeamento de fatos numa linha sujeita ao principio da causa e :&ito. O presente é categoria dominante, em que pese às referências1sumárias ao pretérito. Tudo se passa como se os dias, as semanas, os meses e os anos, de efêmera importância, sigpificassem muito. O novelista inculca a idéia ~ que ~ ~po ~corrid.O de pm epis~o a ou~. encerra especial relevancia. Mas trata-se de 1Pil expediente retónco para manter a ilusão do leitor~ predispostof comover-se ante as injunções do tempo sobre as wrsonagens. . A ação! desenrola-se: por inteiro presente, aqui e agora: condensado o pretérito e$l breves anqtações, à maneira de síntese dramática, era como se o tempo da rufrrativa invadisse o presente do leitor, e com ele se identificasse, sol'lnente ali encontrando razões de existênc~. A supre~ia do prescjte explica por que a novela de cavalarilf- seljl1elha. tnupscorrer. na ~poralidade ou em qualquer tempo, na ucroma. E entre os ronianticos, era comum datar-se vagamente os episódios, 4om reticênc~, para dar foros de verdade ao relato, ou situar o lei~r, visando ~ mostrar-lhe a precariedade do tempo como noção rigorosa e defüfida. Vejamos um exemplo:
po
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Por fins de janeiro, cbftou Benevi"des: ~ Badruda a Ll$boa, e alugou casa no bairro de Alfama, Mif lhe terem cil1Pjque, naquela• de Lisboa antiga, a cada esquina havia · monumento à ~pera de aillJíleÓl o competente. Ao cabo de três dias, 4=to mudou-sej rua ajais . pa, supondo que os lamaçais de Alfama ~am tragado ~ momnnentos, lamaçais em que ele desastradamente escorre~ e donde saira mal-limpo, e assoviado por marujos e colarejas, seus vi2'hhos.· mais c~ados. Mau agouro! A primeira quimera de Calisto, seu tanto 1>u quanto ci · ca, atascara-se ma lama daquela parte de Lisboa, que deviaflser a lnclita Ul. séia de Ltíís de1Camões! 10
potão
Para
•
•
Note-se que as fonn.as lle passado (!"chegou'1', "mudou-se", etc.) correspondem ao chanttdo presente:histórico. Pot outro lado, as referências temporais ("lor fins de japeiro'', "Ao cabo de três dias") carecem de sentido ~co: neQhuma diferença faria se o herói chegasse a Lisboa "pjpr meados dtt janeiro" e mudasse "ao cabo de cinco dias''. Cumptem simples~ente a função de compor a moldura temporal em que a ação se defenrola. Por fiim, observese que, nem por enfatizar o pesente, a aqão da novela é mostrada: apesar da aparência contrária, é narrada; O narrador, as mais das vezes onisciente, não escon4e que co~e toda a histpria e que a relata como se lembrasse de um passado indelevelmente presente na memória. ; . . : E nesse processo remeJllPrativo, a pefipécia (a ,mrnlança repentina da situação) e o suspe• (a interrupção momentfu]lea do fluxo narrativo que gera expectatltVa nç leitor)· desetnpenham papel destacado: sendo fruto da sucespo de epis#os, dependem também da linearidade cronológica. De onde constitµírem recursoi; favoráveis à novela: o culto que os ~utores lhes ;rendem D.ão decorre dos imprevistos que a evoluçã
10 Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo: ló& ed., Lisboa, 'Parcena A. M. Pereira, 1966, p. 49. 'í ·
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ria, como em Memórias de um Sargento de Milícias (1854-1855), de Manuel Antônio de Almeida. E :llhesmo quando a novela se pretende, ou é, contemporânea, com.ó A Barca dos Sete Lemes (1958), de Alves Redol, a presentificafão continua a imperar, para atender ao leitor curioso ·de vida imatinária, que lhe surge como presente virtual, a fim de: substituir o indesejável cotidiario. Destinada a entreter, a novela descura do presente vivo em prol de presentificar o passado capaz de sugílrir devaneio, ou evasão da vida diária. Essa dualidade paradoxal constitut o fingimento de que a novela se nutre: o passado, que se diria ;conhecido, fornece as novidades; e o presente, morada do imprevisto, é posto de parte. É que o presente real guarda slllrpresas quaado apreendido em câmaralenta, como no romance. A rapidez da~ação na novela pressupõe o conhecimento preliminar de surpresas !Jmnazenadas, e por isso enterradas, na memória e na História, :1nas a fingir que irrompem espontâneas no fio da nattativa. Vezes há em que o ruttrador emprega a técnica dos dois planos simultâneos de tempo, como nA Bal!Ca dos Sete Lemes, ou de cortes súbitos Dà seqüên~a mrrativa/por meio do recurso de ir para a frente e para trás, ou ~ in1*polar histórias, episódios, digressões doutrinais, como em Tristrom Shandy. Mas num caso e noutro, a estrutura básica da novela, I'Efresentada pela sucessividade de eventos no fio do tempo, sé mailtém.
Espaço;; )_
A noção de espaço, inextricavelmente ligada à de tempo, acompanha-lhe de perto o dese:mvolvimento llentro da novela. Como esta se organiza em tomo de E!pisódios sucessivos, cria-se um dinamismo acelerado semelhante '.à pressa no .ti.riema mudo. As graças de Carlitos acentuavam-se em virtude dai;velocidade posta na projeção. Tais características ünplicam a a-.sência de unidade espacial. Aborrecendo ficar num único lugar, is personagens buscam, no deslocamentD físico, dar fim à angústà, ou atender ao gosto pela aventura. A pluralidade dp espaço é, fois, marca distintiva, ainda que a ação se realize nunta só cidade;como nas Memórias de um 1 i Sargento deiMilícias. O novelista é senhor 4a geogta.fia •ccional, e pode conduzir as personagens, ou :deixar qub elas o façai!h, para pontos longínquos e 117
variados. Por vezes, como~ 110vela ~ cavalaria, descortina-se uma geografia fantástica, razão de o f.vimentq se fealizar fora das leis da verossimilhança:~.jno lapso de mpo que.. m41 daria para praticar atos corriqueiros,l'jpersonagem transita para ~ugares distantes e pouco acessíveis. . processo visa a satisfazer o apetite
enJ
imag~tivo do leitor, seq · . ·.so po.r cont·.piar p~.·sag~ns insólitas
ou exoticas. ç ,1 1 Entretanto, essas partic4aridades da . ovela sqfren-f limitações: como o surgimento das persênagens obe e ao desenrqlar da ação, e ostentando essa as caracteiísticas referi~s, certos loQais são apenas aludidos. Somente intetJessam os adi.dentes geogníficos onde ocorre algo de novo, trági!J:o ou pitorc$co. Por suas origens, a novela tende a desdobrar-SQ numa geoglilfia fictícia, que serve de cenário para a trama que e141.eia as persQnagens. O dinamismo da novela repele o estático da paisagem: é a ação que de:;Jencadeia as peripécias e incita à curiosi.ade. De onde a superficialidade, fruto de pouca análise dos conflitos e das situações: a novela é fSSencialme* narrativa. Qs filmes de cow-boy, encarnação plásti episódico, o anedótico, em detrimento da sondagenwpsi~lógica., ..
,.jj;strutura
À semelhança do conto,. a estrutura da novela caracteriza-se por ser plástica, concreta, horizimtaL Assumindo as mais das vezes a perspectiva da terceira pessoa, o autor se coloca fora dos acontecimentos, ou concede a uma1personagem Ili direção da narrativa. A intriga prevalece sobre os ctracteres: intijga pela intrisa, na qual a imaginação exerce papel detxelevo. A vida imaginária sobrepõe-se à vida observada: o novelislll concentra-se em multiplicar os expedientes narrativos, formulando sucessivas células dramáticas, sem atentar para os imperativos • verossimilbança. A veracidade fotográfica, apanágio das teorias realistas de Arte, não interessa ao novelista; ao contrário, imp em vista o entretenimento, a virtualidade da fantas.'1. A aparêndia de caos oferecida pela justaposição de cenas não desagrada aoi leitor, que ali procura a fuga inebriante do cotidiano. A fabulação decorre num único plano, o histórico, análogo ao do Jornal, uma yez que se transfonna em ação tudo que vale a pena cantar, por parte do autor, e conhecer, 118
~
por parte do leitor. O enredo, além ~ visível, não esconde nada, não dissimula profundidades dramáticas ou psicológicas: com o predomínio, da ação, tudQ .o mais se t.-na menos significativo. Dessa forma, o conjunto de situafões desconhece os vínculos adjacentes: no mundo fe4]., o míoimo~nflito articula-se a outros, de que recebe influxo e •os quais retilbui, segundo o processo da interação. Com virar costas à realidadca concreta, como um repórter ou cronista do imaginário, o novelista ·isola a ação, cortando-lhe os liames com as circunstâllCias: nega o intercâmbio entre as várias facetas do poliedro social: e natural, ~ vistas e realçar os móbeis da ação. Nessa técnica de abstração se esboça outro aspecto do caráter da novela, onde não é raro o 'Jti{ício, o inverossúnil ou o fantástico: a redução de horizontes, o recorte operado na complexidade existencial, fornece uma imagem>deformada do contexto histórico. Compensa-se, assim, a falta ele sondagem no íntimo dos protagonistas e a rapidez da ação típi&fR.uicos no · , ribno rápido, exposição sucessiva, J.i1'ear; dos aco~i:mentos, e ·enção constante e direta do subjetiVisnl'o do au , quer em líricas, em divagações de ersa com quer na eloqüência morais e no1 ornada da próprià, linguag - esi;jas v,im. características definem, a meu ver, ~ gêriero 'nov ' ". 12 ,~
tom
co~n.
º.t~~tor,
'
• ~1 Jacinto do Prado Coelho, ~odllção' ao~ da Nowla Camiliana, Coimbra, Atlântida, 1946, D· 525, 1 '.~ 12 Idem, ibidem, p. SS4. ·
119
linguagem ' i.
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A fuiguagem da novela :aracteriza- . antes de: tud~, pela simplicidade: a metáfora, q presente, há àe set deipojada, de , imediata apreensão. O se esm em dirigir~e ao leitor dum modo direto, sem re cismo&, ou m o ~ de sofistigem figura e a m própria, cação: entre a chamada fui decide-se pela segunda. C .: o o seu in "fo é preh. der o leitor na teia do enredo, apura-se na ~xpressão ctjm aparência · unívoca, ou de baixa ou nula ambigfidadé, consqiente de que ~nfadaria o interlocum se coalhasse oHestilo de m~táforas, notaramente as ' complexas. Assim, ao infor+ai" que
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Chegados ao rio, ,.se àr correntei e foram ao anej>io até ganha~·. acobertados QS _sal . , o arco da pPn.te... A este tempo, já o al~do e tinir das espadas nos ilhais cavalos soav• pato dele$ ao ajlcance de tiro. Cingidos ~·o arco, às pedras escprregadias 4os lipios, e com a água pelQS peÍtQS, ouviram a da cayalaria que passafª a trote pela curvatura da ponte vacilante. ·. ' . . peJ
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fírope4tda
' pretende que o leitor decocif'ique a pass~gem de um Ünico modo, atribuindo a cada infonnaçlo o seu pesb específico, como se o fragmento propiciasse uma $:> leitura. Sem deter-se em atalhoi ou éJj.gress~ (mas enveredando por eles se a história o impuserJ, a novela e~ge a expressão plástica, objetiva, correspondente à Bila estrutura. límpida, a escrita recusa os subentendidos, as segunlas intençõd: o mistério, se houver, exibe-se ao leitor, que aperis desfruta das surpresas previstas no jogo narrativo. O novelista Jnove-se com., repórter ou cronista, tal a clareza que empresta à a.rrjação da inttjga. Os recursos expressivos{diálogo, natjação, descrição, dissertação) acompanham a metadorfose decotrente das circunstâncias internas da novela. O diáloRÍP. , não obstanle o alargam~to da perspectiva horizontal e a pl~ldade dramátjica, predomina, mas sem o relevo que ostenta no coito. Em decdrrência do arcabouço da novela, seu papel atenua-se~ quando presente, assume a forma direta ou indireta; é raro o diálogo, ou monólogo, interior. A movimentação peculiar à novela, motivando ações incessantes e múlti-
13 Camilo Castelo Branco, O Rsrato de Ricardill(l, 121 ed., Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1967, p. 145-146.
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plas, faz que o diálogo seja empregado.JiaS cenas intensas, em que o desempenho físico amortece. Ta.is mementos, marcados por atritos e esbatidos sobre um ctl!lário próprica, são numerosos. Como um ballet, ou teatro ligeiro, C>S episódios se< encadeiam, impondo, conseqüentemente, o socorro de um recurso adequado. As sucessivas situaçõe5 dratnáticas bbrigam o autor a manobras especiais para aglutinar as· partes da nattativa, o que só é possível com a narração. Álém de funcionar ct>mo síntese dratnática, em que o passado das persoQagens se atlilaliza, influi na fabulação, resumindo cenas que, dilatadas, alongaitam o fio narrativo e adiariam o desfecho para um tempo ineerto:
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relance de olhos
depois do qual fornece a súmula existe~ial de seus heróis: não só silencia acerca dos quinze anos passados, como também registra acidentes que poderiam petfeitamente ser desenvolvidos. Mas não sem comprometer a economia interna dij relato. Bastava narrá-los em breves pa~vras; e é o que faz. , A descrição tende a sermenos rara, comparativamente ao conto, em função do andamento da narra~va. Desde os pormenores pessoais ou de cenário, até chegar à Natureza, a descrição comparece com força que não aPJ!eSenta no cctlto. Não chega, porém, a desempenhar pape~ prepon~te; embolJl assídua, representa papel relativo e secundádo, confoi\me a impor;icia dramática dos episódios. Quando diz res.·peito ao 1cenário, na~·.· ou não, funciona como pano de fundq, pretexto ou 1 motiva~o, tímulo à ação, lembrete u de sua presença está cenográfico e acicate da crutiosidade. o na razão direta da narração: aumenta q do esta avulta. De modo genérico, o espaçq urbano, das ruas, casias, etc., bem como o da Natureza, é es~tico, convençional, como ;; . Ee observasse o principio da teatralidade. AsSlln Érico Veríssimo ccfueça O Tempo e o Vento: 121
Era uma noite fria de llf 'CheW. As estrelas cintilàvb sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta • deseJlta parec~ um cemi~o a~. Era
a1f1ém aguça8se Ci ouvido talvez
tanto o silêncio e tão leve p ar, que se pudesse até escutar o sereno~ na solidf·
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Anunciado o cenário etJ1 duas pincef.adas, s~~te a tantos outros no decurso da ~a, vamos a.sfstir à c0bi do protagonista até a igreja: afinal, ~.va-se em gµerra, e ef"a p iso render o companheiro na torre ct; matriz, viglar o poço e ~vitar que o inimigo tirasse água. E qillfldo Liroca apnge seu postp, o narrador lança um olhar fugaz às ccisas e dá-se qonta de que ; Dentro da igreja mna ~leitosa flzlllava o v;. Ao do altar-mor tremeluzia a chama dmna liflparina. Nos ~ nichos ~ ' e n s dos santos pareciam guerreiros entocddos, dormindo" na pontaria. Liroca começou a andar pelo corredor, entre ~ duas carreiras ~ bancos. 14
:pé
A maneira desta, outms rápidas &scrições irãq pontilhar a vasta saga do Rio Grande do ·Sul. ~ lirismo flutua nessas passagens, por força do vi:tculo entre elas e as personagens, mas não se nota nenhum condicionamento: a Natureza ou os espaços interiores não determinan:'P o comportatnento dos heróis, e estes não se projetam neles. lnlerlocutores, sujeitam-se, cada qual segundo a função desempenhada, às diretJizes da ação, que gesta os acontecimentos decorridos4à frente dos primeiros. e protagonizados pelos outros. •· A descrição psicológi~. , realizada 1pelo narrador, de modo a não permitir que a persorutem se desnude por meio das falas e das atitudes, comparece na novela. No contO, mercê de suas características, é menos exeqüível tal expedientei a novela o pressupõe, sob pena de não se constituir Como tal ou perder seu estatuto próprio, migrando para a esfera do romance. É que a mobilidade, determinada pela seqüência linear dos episódios, ou vice-versa, condiciona as sínteses psicológicas: se as personágens manifestassem a sua interioridade através da ação, sem o auxilio do narrador, ou teríamos uma complexidade que não se coinpadece com a novela, ou interrupções na correnteza fabulativa e 4esvios para recantos menos atraentes à curiosidade do leitor. f.
14 Érico Verissimo, O Tempo' e O Vento, t. l, 1956, pp. 11, 18. .
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·lo Continente", POrto Alegre, Globo,
Por outro lado, a dualidade maniq1.J1tísta das personagens, divididas em heróis e vilões~ bons e maus, significa que a novela trabalha com estereótipos. Não est:ra.nhk que assim seja, uma vez que o enredo constitui a preocupação máxima do narrador. A descrição psicológica, resultando em retratllS estáticos, preconcebidos, obedece a imperativos inbmlos. F.m cOlltrapartida, o artificio destrói a novidade caracterológica que emolduraria as personagens: antecipando-se à cena, ou ~guindo-a dai perto, a descrição empana a surpresa que se formularia caso a re\lelação se processasse pelo diálogo ou pela conduta. É ainda a Érico eríssimo que recorremos: 1
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De repente, voltando a cabeça, vê a pIÓ)!ll'ia imagem refletida foscamente no espelho do lavatório, rna$ logo desvia os,olhos dela, como se a temesse. Deve estar envelhecido e 4esfigurado. ffit dois dias mirou-se por acaso naquele es~lho e viu, hor:ro#zado, que seus,Plhos tinham uma torva expressão de ódio,. um .des.ejo de ~tar. C~u que e.ra um homem que a guerra endurecera, que senti4 a piedade ~-lhe da alma. Teve vontade de queb o vidro com',os punhos.15
Aqui, a antinomia no qatamento da cronologia desvela novamente seu rosto paradoxal: o procedimento, inerente à novela e ao foco narrativo empregado, f~seia o perfil psicológico que se poderia esperar de personagens livres, falando por si próprias. Assim, o ficcionista vê-se impedido de mostrar a cpntextura dos protagonistas como se a estivesse descpbrindo no ~curso da escrita, e não como se a conhecesse de antemão. Posta nesses termos a estratégia novelesca, o fingimento não se realiza a contento, ao menos 'da perspectiva critica, embora continue a dar bons frutos do prisma do leitor. A q!cnica distorce a verossimilhança dos fatos e ~za situações. complexas, atendendo a um imperativo decretado pela novela como estrutura autônoma e pelo tipo de leitor a que se ~tina: este, iifteressado na sucessão de episódios, no emaranhado daf cenas em qpe o equívoco e o desconhecimento são cotriqueiros, 1.ignora que presencia o desenrolar de uma conven~ã~. psicológica ~.'..uiteút.da r··.lo au~~ Ao con~?· sente-se espicaçado a prosseturr graças descnçao premomtona das personagens, não só porqne menos rel ante em face da intriga, mas porque prepara, em sobressalto, a ceJl$ consecutiva. Se, de um 1
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15 Idem, ibidem, p. 30.
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lado, a dinâmica existenciàl deforma-~ segregando estereótipos sem relação aparente com,. vida, de optro a narratiya adquire a coerência estrutural e psico"···lgica que necjessita ~ definir-se como novela e prender a atenção~ leitor até ~ desenIJe. As considerações precfdentes abre.$ espaço p~ o problema dos liames entre arte e viru$ uma coisa é 1o mundo em que vivemos, no dia-a-dia marcado pel4íJS encontros i com os semelhantes e a realidade física; outra, o mtndo das personagens, queipodem realizar, fingidamente, os mesmos atos que llÓs. Mas ttata-se de universos paralelos: o contexto lterário insta:nra uma para-realidade, na quat as personagens nascem, agem e morrem, a cada leitura e a cada leitor, ao passo que :r;>s pnilticamos uma única vez a soma de gestos que compõem nos• existência. ·As personagens se eternizam; nós passamos: a verc*similhança ~ obra de arte se distingue da que preside a vida. Pot certo, há pontos de contato entre elas, mas não identidade; do co:t!d:rário, uma dbixaria de ser arte, e a outra não seria vida. Esta constlui o plano do que aconteée; aquela, do que pode acontecer. 16 Quanto à dissertação, tende a omitir-se, em .razão de a novela visar fundamentalmente,., entreterumtnto. Não obstante, modalia empreg~ de mbdo sistemático: a dades houve de novela. novela de cavalaria e a ovela sentünenal do Renascimento, a novela do século XIX. Cdm efd.to, a Crônica do Imperador Clarimundo (1520), de João ~ Barros, por se destinar à educação do futuro D. João III, organiía-se de fonna que cada capítulo termina por uma sentença moral .. E o Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567), c:le Jorge Ferreira de Vasconcelos, constitui doutrinal pedagógico endereçado a D. Sebastião e à fidalguia que se congregava ao seu redor. Na ficção de Camilo Castelo Branco, insinuam-se extrapolações de caráter discursivo, por meio das quais o escritor comenta o procedimento das personagens e enuncia a moralidade qtte considera útil à leitora burguesa do tempo. E tanto o fazia co:llScientemente que no quarto parágrafo do capítulo final de Carlota Ângela (1858), fazendo praça de modéstia, recorda que outro ficcionista poderia, com ' 'tantas e excelentes (... ) achegas" ao seu dispor, arquitetar "história a um tempo dis1
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16 Este problema, o das relações da Arte cmn a Vida. extravasa dos limites deste livro. O leitor interessado nele encontnm:á. rico material de infonnação e reflexão nas obras de Etienne Souriau, especialmente La Condition Humaine Vue à travers L '.A.n, Paris, Centre de Documentation Universitaire, 1955.
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trativa e doutrinal". Apes$r do intuito @e Camilo e os seus predecessores, a disserta..ção ~erra pou~J._:importância na novela: a ação, prevalecendo estruturalmente, i:c:rga a plano secundário os demais ingrel(lieQ.tes narratlvos. í
iJ>ersonagenf Quanto às personage~, o pano~· muda de figura em relação ao conto. Em decorrência da multiplicidade dramática, a população da novela não conhece linrite, salvo o '1tposto pela própria extensão do entrecho. Os protagonistas cent.;rls tornam-se numerosos, e as personagens secundária.S aparecem CQm freqüência: em razão do entrelaçamento de dramas, o ficcionista engendra numerosos coadjuvantes, cuja ação, momentânea e ocasional, pode não ter conseqüência futura. Dai certas figuras apenas funcionarem como paisagem humana ou social da novela: ~parecem, atuam por breve lapso de tempo e desa~arecem para nunca n::dris voltar. Como veremos a seguir, este procedimento explica-se ]J'tla própria estrutura da novela, mas corresponde, antles de mais iilia, a um ilimitado aumento demográfico. ,. Em certos tipos de npvela, poucai personagens se salientam, enquanto as outras revestem função catalítica, para não dizer paisagística. Estereotipadas, parecem boneco& cujo mecanismo de repente entrasse a funcionar. Falta~Jhes a agitação íntima que constitui apanágio das iidiVidualidaddi e dos cdteres marcantes; vazios de pulsão psicológica, ou reduzidos a um lnínimo de inquietação interior, entregam-se à ação coJ:n.o se ignorafsem outro destino. Raramente um herói de novela nltraJ}assa as e~ em que se movimenta. Em suma: as personagens da noveli são planas, ou bidimensionais, carentes de profundidade, estáticas e definidas. 17 E podem ser substituídas sem comprometer a obra, uma vez que ao novelista interessam menos do que a ação: agetUl.es da ação, instrumentos de peripécias, não estabelecem com elas nexos de causalidade ou necessidade, Somente pot! exceção, coito no D. Quixote, os protaquando aldrmçam impor sua força de gonistas exibem relevo; caráter, como Ana Terra, dO Tempa e o Vento, nem por isso abandonam sua condição de personagdln plana. 1
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17 Ver, nd capítulo do~. o tópico ref~ às personagens.
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Entretanto, a transfo~ção operadal numa ~~gem como D. Quixote não deve eng~: º'seu ~so p~icoló~co acusa mais a volta à razão, que jerdera em c eqüênÇia leitura de novelas de cavalaria, do qile wna me orfose ptofu:hda. Apenas retomou ao estágio primitivo. Mesmo nesse caso, não só a personagem continua a definir-se por um traço de caráter (outra coisa é ser simbolicamente complej;), como ~ém a mutação caracterológica decorre da ação em Ee ·o.argum.e*1to . se concre11iza. Daí que a grandeza da . gem e lia novela resl!tlta da ação, de o ficcionista estroturá-licomo força l:notriz dltna ~érie de núcleos dramáticos significa · os, decisivds como desenvolvimento das potencialidades dos he .is, os ''morltentos fecundf>s' ', de que fala Mendilow. No D. QuilPte, o episódio do moinho (como outros, embora em grau dive:tpermite ads protagopis~ desdobrarem aspectos de sua perso ·. ·dade que ddutra fonna não. se evidenciariam. Todavia, as poten ·dades reveladas não alteram o quadro inicial, wna vez que tãi-somente cotúinnam a unilateralidade substancial que faculta clas~car de pl~os, ou estáticos, os protagonistas: a loucura do Cavajiro da Triste Figura se patenteia nesse e noutros episódios, assim como o realiSmo de Sancho Pança se manifesta em toda a sua exÍfIIS.ããco. Se o f1a.ço definidor de ambos é respectivamente a demênciaJheróica e o *nso comwn, ao longo da novela vemos que se exterioiiza em cres~do, até o epílogo, quando as posições se inverteni e D. Quixqte retoma à ~turalidade anterior. No entanto, ao reC9,brar o juízo~ o cavaleiro de Dulcinéia não se converte em persona.aem redonda, dado que um traço único ainda lhe define o caráter: ~dualismo de seu comportamento obedece a wna alternância de lIJ>lllenios dratPáticos, não a wna simultaneidade tensamente dialét.iJa.
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,; Trama ?.
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O ritmo da novela é acqleraoo, preçipitado, decorrente do fato de basear-se mais na ação d4 que nos cailcteres. &sa predominância da ação resulta de que o.leitor deseja resposta à sua insaciável pergunta: e depois'! e dePflis '! Pouco interessado na sondagem psicológica, busca o inebriamento resultante de peripécias sem conta, submetidas a um galope frenético. Visto que o tempo da ação acompanha os 1>9nteiros
reside no modo oomo entrelaçar as céQdas dramáticas, de acordo com um andamento que 9e deseja av.-salador e subordinado à cronologia lili;tórica e espacial. Para consegui-lo, têm à mão os seguintes recursos: 1) As personagens centpils pennan.eeem ao longo das unidades dramáticas, aglutinando-as e servindo da elemento catalisador para as peripécias que nelas se ~esencadeiam. De novo, o exemplo nos é fornecido pelo D. Quixot': o herói do &tulo e Sancho Pança saem à aventura; em pouco tempo estão vivemdo episódios como protagonistas ou oomo espectadores, ou seja; protagonizam determinadas aventuras e assistem a outras ou eacutam-lhe a narração. Em cada episódio apMecem personagens novas que cumprem sua função e logo abandonam a cena, mas os dois cavaleiros andantes continuam no tablado. Assim, os figuraates secundários, só ocasionalmente principais, desapirrecem .ao fiJn dos episódios, enquanto os heróis pemianecem até a última du aventuras; e ao chegar a esse ponto, novas peripécias poderiam 1ler lugar. 2) Os protagonistas centrais vão sendo substituídos a cada episódio, em progressão: a passagem de uma célula para outra dáse pelo acaso ou pela morte do herói, erra conseqüente substituição por um seu herdeiro ou figurante próximo. Quando acontece de a fortuna juntar ou separar as personagens, algumas retomam à cena mais de uma vez, até que, de algum. modo, encontram o seu desenlace fatal, pela morte, pela entrada num1C<>nvento, pelo afastamento do convívio humano, etc. As novelas de cavalaria e as sentimentais servem de exemplo para esse tipo de sli>stituição segundo a lei do acaso: quando o cavaleiro A parte para a aventura, encontra B e com ele trava uma "justa" cujo desenlace pode variar desde o jocoso até o ;patético; a seguir, cada 1.Ull toma uma direção, e vai encontrar C e D, ou C topM com um inilão de armas e D, com uma donzela desgarrada no meio da floresi., e com eles protagonizam outros episó
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3) A su~titiiúção se ~era gr&ç3S!J a um nexo de parentesco entre as perspnag/ens, de n}odo que a ~stimta fosse secundária no 127
episódio anterior: :fiillio dopotagonista,iou agreg$do, ou mordomo, etc. Para armar nova intri1't, o moveli~coloca mo âtpago da cena a personagem secundária?1e totna-a o herói , cé~a seguinte, enquanto revela outros figtrrantes meno. s que vir a ocupar o papel principal no episÓdio subseqü$te, e daf pa.Jja fora, numa sucessão interminável e :ijtevers:ível: algumas n~veJ'8 de Camilo representam essa modali~, bem coiJ; O Tempo e 10 Vento. Em conclusão, o primêro processolde entrelaçamento se estabelece pela pmnanência cii.s personagens, o segtlndoi e o terceiro, por substituição.
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Começo 'f! Epilogo
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Novela
Como, na novela, todos os ingredieQ.tes servem de chamariz ao leitor curioso de aventuru imaginárias 1 seu começo precisa ter o condão de transportá-lo imediatamente para o cenário onde transcorre o primeiro episódio. iJÀ. maneira dt> conto, a novela aborrece os inícios demorados, por distraírem a aitenção do leitor, enfastiando-o e estimulando-lhe pe11SRIDentos alheios à história cujo desenrolar pretende acomp~ Prendê-lo imediatamente, é o desafio inicial, entregando-o à fruição dos "p~s artificiais" criados expressamente pela imagitação do autot. Tendo alcançado seu ;objetivo, o •ovelista concentra-se nos episódios, pois eles é que-, mantêm o leitor agarrado à narrativa. Para tanto, cada célula d:latnática é tratada como independente, visto possuir começo, meio e fim: a novela cresce na direção de um epilogo; cada episódio acrilscenta ao anterior mna parcela de elementos dramáticos que ccmfluem para ·o final derradeiro, mas a razão de ser da novela não !Be encontra nas últimas páginas, e, sim, em cada episódio particula:. Os episódios não se enfileiram com vistas a um desfecho detenr:rinado ou p$a solucionar um caso que se avoluma a pouco e poQJCO no atrito entre as personagens. Não existem para; quando mui1o, existem para si, na medida em que cumprem uma existência cmnpleta, postb enquadrada num conjunto de que raramente se po4em destacar., Em suma: cada episódio, sendo inteiro e total, adicicma ao anterior dados que vão colaborar para o desfecho global da DOvela. A novela se ordena pot justaposiçãq, porq~ cada episódio constitui ó. recomeço da ntkcroscópica lllDidade dramática em que 128
ela se define: o t(Jnus ~tico não ~ em espiral, como no romance; ao co~o, cadft célula evo!Ji dentro de si própria, e ao ter início a se~ o processo rei.1'cia-se até alcançar o seu próprio fim, e dar lugar a 1il1ll novo ~o, e assim por diante. A temperatura dramática de cjada célula não esmorece de todo quando se totaliza, e como que ~ transmite )Jflra a seguinte, e, de certo modo, para Q con.juiito da ~bra. Assim, a carga dramáiica aos poUQll>S avulta até o epílogo, tão enigmático quant.o os ep~ogos parciais, conquanto dotado duma dramaticidade especial, otjun.da do acW.ulo de tensão verificada no curso das demais unida.dq; dramáticas. Ainda pode acontecer que certos nós e enigmas deuara o epílogo final. Mais ainda: o novelis" deve prevea algumas aberturas finais no rumo de novas aventuras, caso queira prolongar a narrativa e satisfazer a curiosidade do lt#tor, ou simplesmente permitir que este complete COln S1la ima~ção as peripkias que lhe foi dado acompanhar. Mesmo numa novela como O Tempo e o Vento, que rastreia a história duma cidajde e duma hlnília do Rio Grande do Sul desde o século xvm a~· os dias atlHfs, seria possível prosseguir novelando c!lepois do últitno cap{tulo~ bastava seguir os acontecimentos posteriores à ~ linha. IA Familia de Pasc1'tzl Duarte (1942), de Camilo José Cela, constitui-se de um rol ~ episódios ilangüinolentos que atinge o ápice com a morte do hetói, condenacl> pelo assassínio da mãe. A obra põe etn realce a ~tão do epfogo aberto à continuidade: morto o protagollista e ~dor, comdpoderia a história - que tem arcabouço ele novela - ptosseguir, cafo o autor assim o desejasse? Por meio dà mulher de ~?de S1ll innã? ou de outra personagem? De notar que o tí1ktlo deixa etlrever essa possibilidade, ao sugerir que1 não· é a saga ~ herói quffiali se delineia, mas a de sua família. Cotno se sabe, ~ D. QuJxote pôde agregar-se uma segunda parte, visto seus estarenl vivos por ocasião do desenlace. E o .Amortk Perdi -o fecha~ a morte de Simão e Mariana, como alobra de .. ·o José Cela.tlaveria meio de acrescentar1
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lhe outros episódios? Des~teml!lldo oúldesocultaindo•personagens capazes de, por seu turno, ·. ·.cionar ou~ peripécifts.' ? , As três narrativas refi e mais Tempo ~ o Yento pertencem, graças à estrutura · , de cél . dra.máti~as sucedendo-se na ordem do calendário, à i:ategoria "nbvela". A única diferença entre elas, como tal, se $kalizaria n~ modo como: chegam ao termo, dando margem a que se pense em dois tipbs de epílogo na novela: 1) pela morte do(!> herói(s), ~ pela sua sdbrevivência. Quando se tratasse de nO\Jla à D. Qu~ote, nenhumh estranheza haveria, uma vez que a cott.ínaidade ~va ganultidalpela permanência dos atores em cena. É o oaso ~bém das Mem6rias de um Sargento de Milícias: a ''ionclusão feUz'', pelo casamento dos protagonistas, não nos a&Setma que dali· por diante a sua vida não reserva matéria para novos. fo1hetins. AJém disso, o autor, certamente atento à estrotura de lua obra, ~ desconhecendo seu caráter de novela, arremata-a d.t seguinte modo: Daqui em diante apareaioo reverso da~· Segpiu-se a morte de D. Ull1a enfiadl de a.conteeimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazclpdo aqui ponto !final.
Maria, a do Leonardo-Patact, e
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O problema se coloca pndo os he!róis sucutnbem no derradeiro lance de sua existência aventuresqt. Ocorre que o desfecho pode dar-se no interior da wmativa, COOJO nA Demanda do Santo Graal, cuja trama se proe4Pa pela initµerrupta substituição dos cavaleiros nas andanças em bus~ do V3$> no qual José de Arimatéia teria colhido o sangue derramado nor Cristo na cruz. Nesse caso, a personagem, ao m~r, é substituída por ou~ que, após desempenhar seu papel, co~ce análogo pestino, e assim por dian•l , te, até o fim. Mas tais mortes em cadfia dejxam sejmpre em aberto a fabulação, dado que os cavaleiros, a.hiuM;lonandcl-se à a~tura, sustentam o fluxo da ação. Assim se olmpreende ~ as novelas de cavalaria se organizassem em ciclos, waticamente iijiterminá\'lci.s, ao longo de uma geneal<;>gia de heróis qiae podia desqirolar-se por várias gerações, como é o caso do ciclf» dos Palmeirins ou dos Amadises. As mortes sucessivas, incluindctta última deltts, não decretam o fecho dos episódios: somente aP
· Outra coisa é imaginar a substituiçã4 do(s) herói(s) no extremo de uma fieira de episódios que ele(s) protagonizou(aram), dando por finda a obra como um todo. É o caso de La Familia de Pascual Duarte, Amor de Perdição~ etc. Todavia, a intervenção de Pascual Duarte ou de S~o de Albµquerque co~ponde à de um figurante da Demanda ou dos Amad~es. Os cav~iros andantes entregam-se às aventuras até morrer, ~im como os lieróis de Camilo José Cela e Camilo Castelo Branco~ não conhecem a decrepitude nem a ve1hice. Desaparecem no ~geu. Assim, as discrepânciais residiriam: J) no número de episódios protagonizados, 2) no fato: de a morte ~ntecer no decurso ou no epílogo da nàrrativa. Do âagulo da mecinica da novela, o resultado não se altera: tanto é noyela D. QuUbte quanto La Familia de Pascual Duarte, t.anto o A111Pr de PerdiçiJD quanto O Tempo e o Vento. Sucede que a novela tujo herói serextingue no final pode ser confundida com o roman<*, mas a conlisão se desvanece se levarmos em conta os ingredie!ntes estruturais dessas modalidades narrativas. Qumn oomp~ Tristram :Jlrandy com La Familia de Pascual Duarte, ou com. outra qualqmer citada, depararia com a parecença interna que as ~ma exemp* definidos de novela. E se as confrontasse com Ma4ame Bovaryiou D. Casmurro veria que pertencem a distintas cate!gorias ficcioéais. Por outro lado, o epílogo da novela, da mesma forma que as demais partes, articula-se: inextricavehfiente à macroestrutura: progredindo mima linha horlzontal, graç~ ao desenrolar cronológico dos episódios, a novela 'xemplifica 4 perfeição o que se poderia chamar de obra .. fecbarl*". Para ~ compreender a questão, há que partir da ol>servação de que as c41ulas dramáticas integrantes da novela parecem bastat-se a si pró-lias, de modo que não estabelecem com a vida senão vínculos iluretos. Com isSo, recoloca~ o velho J>IOilema da verossimilhança em Arte. Limitando-nos ao àssunto ~1' capitulo, assinalemos que a novela, quando confronij.da c o ê 1 m da realidade, evidencia inverossimUhança: o novblista, o a coerência que adviria da sujeiçãtj às llonnas ~tes o · plicitas no plano concreto, inventa as leis que regu)am as Suas , tivas. Organiz.a as regras do jogo com inteira li~de e põe~em prática, sem preocuparse com a irClJl!1SWicia repelirem.· realidade física: preocupa-o 'ça interi r do o ·eto · . , não a que se produziria a veross · enJre o univ::i socJ e · ,co. Fm relação a este, a obra
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De '*1de o ~rei gratuito, fan, il~o, otj não-real;! que! as categorias tástico, imaginário, su literárias (as personagens,,· tempo, o ~ço, a '~çãd, etc.) podem 1 assumir dentro da novela. '• !f Tudo se passa como . a mimese · télicá fosse substituída 8 !''" mna noção ifuda, m. ºante a a novela não cuidaria de copiar, mas Tcriar, e em termos absolutos, ou seja, nos mínimos porme*>res. Criar como que ex-nihilo. Assim procedendo, o novelista ~ere à obra:fisionomia ettrlnentemente "literária": das fônnas em prosa é a~ literiria de todas, o que explicaria o escasso apreço en que é tida pelos crlti de modo exaustivo e "puro" os seus recJll'SOS própri~, menos vale, degrada-se. E, inversamente, quanto Dfis se apron+ia da vi~, mais penle as suas características de arte.iA tensão~ os do~ pólos constitui, ao fim de contas, o espaço efP. que o valo~ da obra lijterária se instala. A novela, portanto, calfCterlza-se pqla recusa rem ~brir-se para a vida. Típica obra fechada, a~ mpa única saída, não para o mundo concreto, mas para ~ de si propria: colocado o ponto final na sucessão de célulal dramáticas,, o ficcionj,sta .ainda se reserva o direito de acrescen; outras, b3*ando ~ à cena personagens secundárias ou c existência tião se hayia esgotado nos episódios. Inclusive os J>I'?~onistas cenirais podem'· retomar, caso os seus dias não tenham clufado 11-0 témtjno: somente ~morte pode inibir o escritor de coatnseem atividade os figu13llb;s principais da novela ou do derrad · capitulo. ~va~.. es$a hipótese, ue, desco°"prometidP com a realidasente-se livre para o fazer · .iêie engendrai personagens e mantê-las de material, guarda o . definidamente emaçao. li l , m Em suma: aberta estrublmente, medida em que novos episódios podem ser agrega~ ao6 já e~ntes, a ftovela é fechada em razão de as suas rela~ com a vida real serem'. escassas e ~ convencionais. resulta, obviamente,
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Ponto de JIL.-a 1
Quanto ao ponto de vista ou foco narrativo 18 , a linearidade da novela impõe-no: de modo geral, o naitador é analítico e onisciente. Por vezes, o processo funde-se com .Outro, em que a personagem central ou secundária nanll aconteciml\ll.tos de que foi protagonista participante ou espectado.-a. A estrutua da novela faz que o novelista se assemelhe a um demiurgo Pllra quem nenhum mistério subsiste por muito tempo; Onisciente ubíquo, presencia todos os fatos. Como a ação possui primacial hJIJ>ortância, precisa estar livre para seguir..Jhe o desenvolvimento, pat mais ínvios caminhos que possa tomar. Em qualql:Jer dos processos de entrelaçamento se observam onisciência e ubiqüidade, com as limitações já conhecidas. Mas essas limitaçõell não afetamlb leitor comum, interessado no desfile das peripécias ~ pouco atento à inverossimilhança decorrente da faculdade que o nanador se arroga de ver tudo e estar em toda parte. No primeiro caso, o urrador acompanha as personagens como uma câmara silenciosa e. sutil, capaz de registrar a mínima vibração. A invetossimilhança' abranda-se #aças à relativa autenticidade conferida pelo telato adstrito às persolagens centrais e às que com elas contratenain. A onisciência e a 1'>iqüidade do ficcionista restringem-se à área e às coisas e seres vtlculados com os protagonistas. Tudo 1;e passa como se fossem' eles os narradores de suas façanhas, mas tranSferinoo para outra fersonagem a tarefa de escrevê-las e de. finair que são de sua auttria. Desse modo, a restrição do campo operacional, a4'vinda desse lfmfoque narrativo, compensase com o aumento da impressão de vbcidade. Quanto ao processo lem que as ptsonagens são substituídas a cada célula dramática, dá-se o in.verst: já que o palco dos acontecimentos se tottm ilimitado, em razãoildo copioso número de personagens, a verossimilhancla esmorece. O narrador se transfonna em n câmaras cine!natográfipis que esco'8m as personagens por todos os cantos. Por isso, a aulmticidade edite terreno ao fantástico ou ao
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in~U:io~ a utiliza~o da obisc~·· e da análise em qualquer dos processos ide - ·significa mérito algum, por J
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'garante$·. queemp~go . novde . elauma alcance teristicasresultado da novela, melhor que ou ' . os pelo simp ,es das técnicas de entrelaçamento: novela -o vale· ~s i>or causa do método usado na aglutinaç-. das partes; ·novel~ b~ e más em qualquer dos casos. O D. · ixote reco à pe~nr;:ia dos protagonistas, enquanto O Tei e o Ventq estruturai-se ~ tomo de a cada n1*1eo dramáticp. E ambas personagens que se revez constituem, respeitadas as . ,· tâncias e ~ proporções.1 novelas de primeira categoria. Correlafvamente, pQdiam-se lembrar novelas históricas e sentimentais qp.e adotam a;.itêntico mecanismo sem maior discernimento e, comcisso, sem alQançar a altitude desejada. 1
1
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o Tipt>S de Novei(l 1
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1
A semelhança do tópic~ que analisamos
•
tipos de conto, vale dizer que toda tipologia novelesca constitui um esforço de esclarec~ e orientação:.~ infrutífera·~ estéril a..sis~tica que se presuma definitiva, pela) simples razão de não haver novelas puras, dotadas de caracterúfcas exclusilfas, capues de justificar que as enquadremos em ~partimentosiestanque.s. Qualquer novela comporta ingredientes ctPntrastantes, ~ somentQ a predominância de um deles permite c]tssificá-la enJ. detennmado tipo: uma narrativa participa ao mesmoitempo de vá.tios padróes, o que denota a fragilidade de toda ti.ff>logja rlgichi e fechada. Conclusão: dividiremos as novelas em gnodalidades, ftmdameptais, adotando um quadro sinótico simples *1n considerar as minúcias que pudessem tomá-lo confuso e inóclf:>. Por outro lado, abstraire9-os as conexões tempeirais e estéticas das novelas, pois levá-las eti coata sen._ assumin uma tipologia confusa. É axiomático que a novela ron;ânt.ica difere da novela quinhentista ou clássica mast as divergê~ entre .elas importam menos que as outras, alheias f.o contexto ~tético temporal. Ainda, seria uma tipologia baseada • redundância (toda noivelai romântica deve ser romântica), e não acpilo que escapa às modas estereotipadas para obedecer a modelo.elást:icos e 4outra natureza. Logo, a sistematização possível e detejável, airuij. que OO)t1 as ressalvas apontadas, há de iimdamentaf.se nn emprqgo de ~Ofi; especificamente novelescos, no tonzu das narrativas, no seu conteúdo, na cosmovisão que as enforma, etc., e não nas ligações neç:essárias e palpáveis com o seu tempo eíflS tendência$ estéticas vigentes. 134
os,
Tomadas essas cautelas, podemos ó:rganizar as novelas do seguinte modo: 1) novelas de cavalaria, 2) novelas sentimentais e bucólicas, 3) novelas picarescas, 4) novelas históricas, 5) novelas policiais e de mistério. C0mo se nota,:itrata-se de uma ordenação estabelecida com base em elementos diversos dos que serviram à tipologia do conto. Constituindo a apo a mola propulsora das novelas, é impossível reparti-las tendo por fundamento as características empregadas no exame do conto: o quadro de referências muda, porque outro é o olbjeto em focci. 1
1. As novelas de cavalaria, como se sabe, nasceram na Idade Média, em oonseqüência da prosificaçãl> das canções de gesta. Seu berço natal foi a França, auxiliada pela Inglaterra, durante o século XII. Manda a tradição que as dividamips em três ciclos, confonne o assunto central: ciclo bretão, ou artuliano, em torno das proezas do Rei Artur e os cavaleiros da Távolai Redonda; ciclo carolíngio, em torno dos feitos de Carlos Magno e:os doze pares; ciclo clássico, baseado em. temas herdados da A.ntiguidade greco-latina. O primeiro é o único que vingou em Pottugal; os demais exerceram influência sobre a poesia do tempo, mas não deixaram maiores vestígios. Atingindo o auge em épocasidiferentes confonne o país, a novela de ,cavalaria ~areceu nos princípios do século XVII. Na história das novelas de cavalaria, três pontos altos merecem assinalar-se: um, na Idade ·Média, com Jl Demanda do Santo Graal, traduzida e adaptada para 'º vernáculo ao redor de 1240, representa o misticismo e o transcendentalismo ~dievais em sua quintessência; outro, na transição entre o mundo 'medieval e o renascentista, representado pelo Amadi.! de Gaula, eujo herói vive os conflitos derivados da humanização do cavaleifo andante, agora impelido para pugnas reclamadas pelo ''serviçdl amoroso''; e o terceiro, já no vestfüulo da época barroca, o D. Qull.xote, que constitui o apogeu da cavalaria de todos osl tempos, gràtas a pretender fazer-lhe a sátira, o que lhe conferiu uma saudável liberdade de movimento e um enquadramento filosófico e humaníirtico antes apenas entrevisto. Escusa de acentuar q111e estas· brevl;simas notas acerca das novelas de cavalaria estão longe de ao met.os apontar as linhas mestras das três obijas-primas da 'ficção euroJliia. Entretanto, para os fins que temos ~mira, p~nos bastank\ pois importa vê-las naquilo que as faz :novelas de cfivalaria. A;·da como aventura audaz, enfrentando 1 todà sorte d~ perigo, no . calço dum objetivo quase sempre inacessível ou acima da próp condição humana, - eis o 135
que caracteriza tal gênero • novelas. O objetivo pode: ser Deus ou a Mulher: o importante~· alca.nçá-lo,jmas cambafet até à morte para atingi-lo. A existência.. ixa de ser entendida :conio prêmio ou dádiva sem compensação, ser encar$ia como engajamento ''na demanda'' dum alvo · às possibil&des de todos, e apenas à mercê do cavaleiro escolhi=·, Ga1aaz, Alnadis, ou D. Quixote. Vida como luta. Daí que a nov de cava1aria ise constnússei em tomo de símbolos e ela própria se símbdlo do afã do homem para superar-se ultrapassando limitações de sua condição. o caráter simbólico lhe concede lugar especial no quadro das novelas e mesmo no das demais espéci~e fômias J.itfririas. Bastava lembrar as três narrativas referidas part patentear-lhe a significação. 1
ase
2. Quanto às novelas se:atimentais e bucólicas, temos de remontar até os séculos clássic04ipara situar a primeira narrativa desse tipo: a já citada Dáfnis e CllJi (século ill!a.C.), atribuída a Longus, não deixou descendentes, e11nbora a poesia pastoril, à qual se vinculava, continuasse a ser ~tivada e admirada. Até que, graças a Boccaccio e a uma narratilra sua ent:re$1eada de versos (Ninfale d'Ameto, 1341 ou 1342), a novela bucólica volta a público. No entanto, é só com a Arcádia (1504), de ~annazzaro, que esse tipo de narrativa ganhou imp~. A tal ponto que ''todas as novelas pastoris escritas na Europa desde o Renascimento das letras até os dias derradeiros do bucolisao de Florim e Gessner, reproduzem o tipo de novela de Sannazzaro, ou melhor, das novelas espanholas compostas à sua seme~, e que em boa parte o modificaram, fazendo-o mais novelesco'?> Estão no caso a Diana (1542), de Jorge de Montemor, a qual 1'influiu na literatura moderna mais do que nenhuma outra novela pastoril, mais que a própria Arcádia de Sannazzaro, mais que Dáfnlt; e Clói, que não teve verdadeiro imitador até Bemardin de Süi.t-Pierre"; 20 ·Aminta (1581) e Pastor Fido (1585), de Guarini, a (ialatéia (1584), de Cervantes, a Arcá-
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19 Monéndez Pclayo, op. cit., II, pp. 216-211; A propósito da narrativa pastoril e ~ yer Mlkhail 6akhtin, Questões de Estética e de Literatura (A Teoria do ), Ir. bma., S. Plllllo, ~uciteç{UNESP, 1988, pp. 164 e ss. Notar que o teórico ckloamina-11& "romance·· ("romance sofista", "romance barroco", etc.), mas toda *sua análise evidlnci.a que se trata j>ropriamcnte de novela, cOIJSOllille a acepção que proJIOIIWS. Análoga ~ação se; aplica a Bm Edwin Perry, The Ancient Romances: A Literify-Historical Acqunt o/Their Ori8ins, Berkeley-Los Angeles, University of Califomia Presi, 1967. 20 Idem, ibülem, vol. II, p. 278.i
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dia (1590), de Phllip Sidney, a Primavera (1601), Pastor Peregrino (1608) e Desenganado (1614) de Francisco Rodrigues Lobo, Lusitânia Transformada (1607), de Fttnando Álvares de Oriente, Ribeiras do Mondego (1623), de Elói ~ Souto Maior, entre outras. Descrição da Natureza e narração .te idílios entre pastores são as tônicas principais das· novelas bu~licas. Como a pintura da paisagem bucólica e a vicia pastoril dQllS protagonistas fossem elementos externos, ''expressões metonímicas ou metafóricas do caráter'' 21 e da ação das personagens,·Ícom o tempo se processou um desfocamento na psioologia ·das personagens e na ação. Aliás, desde Boccaccio que o ingrediente sm,timental avultava, embora não o suficiente para alijar os condimentos cavaleirescos e bucólicos que impregnavam a novelística eur9péia do tempo. Com efeito, "simultaneamente com os1livros de ca'411llaria floresceu, desde meados do século XV, outro gênero de ndvelas, que em parte deriva dele e conserva muitos de 'seus rasgos almlcteristicos, mas em parte talvez maior foi inspirado; por outros 11t0delos e corresponde a um conceito de vida muito diverso. Tal é a novela erótico-sentimental''. 22 Entre outras. citam-se as seguintes: El Siervo Libre de Amor, de Juan Rodriguez dei Padrón, Cárcel de >'!mor e Tratado de Amores de Arnalte y Lucenda, de Diego de Sap Pedro, Historia de Grisei y Mirabella e Grimalte y Gradissa, ambdis de 1495, de Juan de Flores. No século XVI se observa o desvie na direção do componente sentimental, em ·detrimento dos demaii, graças a uma obra-prima em matéria de novela, as Saudades, olliMenina e Moça (1554), de Bernardim Ribeiro, que reúne ecletic~te ingredientes bucólicos, cavaleirescos e sentimentais, mas cuja! ênfase recai sobre os últimos. Para compreender a 1dissonância ~tre eles, é preciso atentar para o fato de as notações bucólicas e qavaleirescas serem episódicas e paisagfsticas, tendo pouca ou nenhuma relação com os casos amorosos narrados pelas interlocutoras« Em idênticas condições se encontra a nove1a El Pastor de Fz'lidaH(1582), de Luís Gálvez de Montalvo, '~ das pas~ mais escritas, embora talvez a menos bucólica de todas"I pois, ·~na ·. · · · pastoril, oom efeito, que a vida ~ exercícios d~ pastor de F . "da e de seus amigos''. 23 F .
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21 René Wellek e Austin Wam:en. Theory of Li"ratllre, Middlcsex, England, Penguln Books, 1976,p. 221. 22 Mméndez Pelayo, op. cit.J vol. II, pA.
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23 Idem, ibidem, vol. II, pp. 317-318.
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Assim, de modo esp~ e se~o os ·rumos literários descortinados pelo Renascimento, a no\rela bucálica1 a pouco e
até ~ . · o !caráter paspouco foi agravando a face'.. sentime.n~·· ' evi de ~tar que a metoril, no século xvn. Etr . . tamorfose correspondeu à ,. sagem do · ulo à h/ftâtre (1647) e Faramond (1661), cada uma com doze volumes, e (i.assandre (1642-1645), com dez volumes, de La Calprenede, Arttanene ou Le Grand Cytus (J.648-1653), em dez volumes e 15.0011 páginas, e Clélie, histotre romaine (1654-1661), com dez vo}ueies, de Mlle. de Scudéry. Tais descomedimentos tdetenninaram, a partir da: metade do século XVII, um movimentt em favor des narrativas concentradas e menos prolixas. A onda de indignação subiu tão alto que "a própria Mlle. de Scudéry e.nJ sua última novela, Mathiúie d'Aguilar (1667), se restringiu a um oínico volume de 518 páginas, grande progresso! ' '. 25 À redução material, corre8pondem as pnitneiras tentativas de análise psicológisa e de "realismo" soei.ai que anunciam o romance, brotado nt centúria seguinte. Quando, em 1678, Madame de Lafayette publita La Princesse de Cleves, uma novela de amor ainda hoje resisteltte à leitura, tinha-se dado um largo passo na direção do romanee. Não poucas obras lhe prolongam a
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24 Idem, ibidem, vol. II, pp. 279· e ss. 25 Rcné Jasinski, Histoire de la. LittiratJtre Française, 2 vols., Paris, Boivin, 1947, vol. 1, p. 588.
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lição, equilibrando-se entre a técnica 1'ovelesca, que esmorecia, e a estrutura romanesca, que despontava: La!Vie de Marienne (1731-1741), de Marivaux, Manon Lescaut (1731), po Abbé Prévost, a Nouvelle Heloise (176l);de Roum;ieau, Paul et firginie (1787), de Bernardin de Saint-Pierre, entre outras. No séct:Co XIX, a novela sentimental mescla-se a outros tipo$, ou toma-~ autônoma, mas adquirindo fisionomia nova, como D8S mã<>S de tamilo Castelo Branco. De lá para cá, entroa para o rol dos foJÍjetins e das publicações em fascículos destinadas aot grande púb~, e finalmente se transformou em novela de rá.did e televisão. ~ 1
1
3. Passemos ao exame das novflas picarescas, iniciadas em 1554, com a publicação da Vida de (,az.arillo de Tormes y de sus fortunas y adwrsidades,.de autor anôtimo. O qualificativo picaresco e picaresca ·deriva dé p{caro, quelklesigna mna criatura de vida irregular, vadia, empregada de su~sivos patrões e vivendo de expedientes astuciosos e inescrupule$08 para saciar sua fome de miserável. "O Lavuillo de Tormes ~ wna novela essencialmente realista, não só por suas contfnuas >teferências à vida cotidiana, como também par sua técnica ~va. (...) Com efeito, em suas páginas a cararterix.tlção psicol6gica'1as pt!rsonagens alcança uma precisão mras veus igitalada, ~ uma assombrosa impressão de realidade. (..• )Desde o Lfl.arillo é o pícaro quem narra em forma autpbiográfica suas pró~ andanças. (...) Quanto à estrutura ~xtema, a novela está ~bida como o re1ato de uma série de episódios indeJJ'ndentn t!nuf si e unidos tão-somente pela presença do ~- O dest!~lar da ação fica truncado, como à~ de nov~ acontecim · s" .26 Assim caracterizada, a século XVIl espanhol, com nove1a pi~ at.ingip. o ápice Gu:unán 4e Al/aracht! (JS99), de~ Alemán, Rinconett! y Cortadillo, uma dts Novekif. Ejt!mpjaresj... 1613), de Cervantes, La Vida del Escutl,ero Marcos c.fe Obregón ~618). de Vicente Fspinel, La Vida del IJuscón (1626h de Quov: El Diablo Cojwelo (1646), de Luís Vél~ de:Ouevaral e outros. D· anha, a novela se espraiou para outros países: na .lf'ranç&, filiações da novela picaresca Le Diable BoiteUx (1707), · irada na última das obras espanholas referidas, e i;obretudo n· · oire de Gil Blas de Santillane (1715-1 ?:JS), de e; na Ingla , já no século XVI aparece a primeirlt nôve1a pi a em inglesa, The Unfortunate Travelleq or, Tht! Life of Jack Wil n (1594), de Thomas Nashe; além dest'a, ol1ttas o devem à : e1a picaresca grande parte de
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seu caráter: k(oll Flanders ( ' 22), de Dan1el Def~e, Joqathan Wild (1743), de Henry Fielding, . erdinand, .u piaior ~~· salvo espamamente, nas Ob do Diabi o da Mq,o Fflrada (medita até 1925), talvez escri por Antôni~ José da Silva, nas Memórias de um Sargento de "lú:ias (185~, de Manuel Antônio de Almeida, nas aventuras dO 'alhadinhas. (1922), dei Alcântara Machado, José Lins do Reg~ Ciro dos Anjos, Lima Barreto, Galeão Coutinho, Alves Redol,,ifernando Namora e outros. 27 1
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4. A novela histórica calJctetiza-se ~la recriação do passado remoto ou recente através dé docmnentosi verídicos, submetidos à imaginação transfiguradora 4D ficcionista.1 Assim, pesst113S e fatos se presentificam defonna~te, porque ianalisados sob o prisma da imaginação, que ainda se ~ de preencher os claros deixados pelos documentos. Seu ru;cimento coiticidiu oom o advento do Romantismo, e deveu-se a ,,,alter Scott e sua novela Waverley (1814). Como se identificasgJ com o ideátio româm.tico, esse tipo de novela conheceu um êxito!llque, de certa fonna, não desvaneceu de todo nos dias que corret1' Basta lembtar os nolnes de alguns escritores de nomeada que adfriram à modh: James Fenitnore Cooper (O Último dos Moican~ 1826), Wiiliam Thackeray (Henry Esmond, 1852), Alexanck-e D~ (Os Trêt M0«que~iros, 1844, O Conde de Monte-Cristo, 1844-1845), Vftot Hugo (Os Miseráveis, 1862), Tolstoi (Guerra e Ptz4 1862-1869>j até reccl!ltemente, com as obras de Maurice Druon (f)s &is MaUitos), que patecem ressuscitar a voga das novelas ~s. Em vernáculo, a rlovela histórica alcançou prestigio, ~ Alexandre Herculano (>Eurico, o Presbítero, 1843, e O Mongf de Cister, l848), Rébeld da Silva I< k . 26 ~osé Garcia López, Historia de LJteratura &~la, 7ª ed. 311DPL Baroelaaa, Ed. V1cens-V1ves, 1962, p. 182. , 27 Osvaldo Orico, "A Novela Piclresca e seus refltxos no romance brasileiro"', in Curso de Romance,. Rio de Janeiro, ~a Brasileira dê Letras, 1952, pp. 59-85.
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(Mocidade de D. José V, 1851), G.-rett (O Arco de Santana, 1845-1850). José de Al~car (As ~ de Prata, 1862-1865), Joaquim Manuel de Mafedo (As Mlf,heres de Mantilha, 1870), Arnaldo Gama, João de Andra~ ~1io, Antônio da Silva Gaio, Coelho Lousada, Camilo~ Paulo Se ' . e tantos outros. A novela histórica pode reportar~ a um passado remoto ou próximo. No primeiro ~· tende a "8semelhar-se às novelas de cavalaria, em razão de o~ assuntos ~ inspirados na Idade Média, em consonância com as matrizes df revolução romântica. Quando próximo o tema, a rei,ação com a •valaria tomava-se implícita ou sofria a metamorfose do tempo, tral:isformando as narrativas em novelas de ''capa e espada'', colllO BScpe Alexandre Dumas. Quando distante o passado, os caracteret podiam ganhar relevo em paralelo com a ação, UD1Jt vez que o lfastamento cronológico permite à imaginação do fü;cionista vÔof mais livres e ousados. Nos relatos de ''capa e espa~' ', a exigili4.ade da perspectiva histórica obrigava-o a desenvolviµ- a ação, ar: deter-se nos costumes, em detrimento dos caracteres. Tolstoi
5. A mais recente configuração •umida pela novela, integrando o últimp tipo dentro da clas~capo que adotamos, é formada identificadas por um crime pelas novelas policiais e}ou de aparentemente perfeito, ~ cujo ~endamento se empenham os protagonistas. Forma atual do anseia de sedativo para os nervos cansados ou dum derivativo para as ' ocupações diárias, seu início deve-se a Edgar AJ.htn Poe, e o c ' "T'he Murders in the Rue Morgue" (1841). Cedo ttsse tipo de vela se bifurcou: de um lado, as nove~ policiais p1"9priame.nte tas, com detetives, astúcias análise, etc. Essa vertente policiais, ~go de laboraropo e viva com Conan Doyle, avultou cqm o tempo ~ hoje seguido pelos autores das talvez . o tpaio, ficcionitrta no g novelas de Ellery Queerl, por Cheste n, Agatha Christie, Georges Simenon, Rex. Stout, llm Fleming, outros. Embora se possam assinalar méritos nas tjovelas poli ·s, trata-se de subliteratura, passatempo.
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veu.t.se eo relativa i.utonomia, mas em muitos aspectos se eo .de_ a : eira. !ÍJ nmtela polici?1 tem por fulcro um ou mais ténbs re~ ona~ c;f,m inn ou ~ assassínios. Casos há, poré em que exts rrnstétio i:,sassrmo, sem o detetive. Noutros, o , · ·o se uta em te. , podendo dar origem à ..novela de em>t.. , ou 'novela góticf ', inaugurada pelo Castelo de Otran · (1764), de . orace Walpdle, seguido por The Old English Bart:m (1777), de
c:om
e s s e s .· ·
~
Nuvela, 1*opéia e H#t6ria .
~
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Concebida nos moldes dti que a sitmiimos, a nbvela aparentase com o teatro, 29 na medida que à priffiazia da ação proporciona o desenvolvimento da teafiali . • · ·dade nanlativa. Mdvidás pela engrenagem da intriga, as pentmagcos lembram figurantes teatrais,
1trn ~
28 Jacinto do Prado Coelho, op. '·· pp. 221-222. 29 V., a respeito, Jacinto do Pradó Coelho, op. cit., passim.
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quando não títeres a executar atos ditacJos por um imperativo superior, espécie de fatum qui pode ser i~ficado com as leis sociais, como nas novelas românticas, ou o sisflema feudal, como nas novelas de cavalaria. Os episódios, marca4os pela acelaração dos gestos, não escondem o visualismo do fiqçionista, apostado em narrálos como se os presenciiisse e, sim~ente, em fazer qu~ o leitor o acompanhe na reJ;onstituição presentificadora. A cenografia, ainda quanpo discreta, colabora para oferecer a imagem de quadro ou cena de teatro. E os recurs~ histriônicos, ou os exageros (melo)dramáticos (como as lágrimas~ a gesticulação frenética, o espetaculoso das pugnas, justas e : ·tidas, os lances arrojados, de efeito, etç.· .) ac;entuam o.ar de tea · e que a novela pode exibir. Por outro lado, visto ,que cada cé la dramática equivale aproximadamente a um contq, e este ap~enta analogia com o teatro, a semelhança da novela com o teatro;~e torna ainda mais patente. Entretanto, o parentesco ~o deve iludir, pois que também pode ser assinalado com o ro~, ao meno~ nalguns de seus tipos, provavehnente com. igual ênf. . ase. Aa:.es~cque a teatralidade novelesca é narrativa, circula nos qµadrantes do atro impresso, o que significa irreveri;ibilwade p~ o palco. · ícil imaginar uma peça em tomo do D. Quhote ou cio Tempo e d Vento, e caso fosse exeqüível, operar-se-i• radical vela derivo da epopéia através das canções de gesta, sua metamorfose · val, e progressivamente a ce, desabrochado no sésubstituiu i,.té que c~ lugar ao anos, a novela forneceu os culo XVIII. Ao longo de seiscen padrões mitic~. antes oriundos da popéia e canções de gesta, requeridos peLl cultura e pelas nec sidades da gente letrada: o herói épicó, sei;nidivino,jtoma-se . i cavaleiresco e/ou bucólico, de extração hUJil8ll8., ffi$ erguendo- acima de sua condição por meio da atividade que sc)brepuja os ·os perigos que assinalam a peregrina!-o humana~ o so to lírico-amoroso até os monstros gi~tes a dores~ Ep ·ia medieval, a novela pressupõe a · óri~ do mais forte sobre i mais fraco, não apenas no sentido fis o ~ tamb · no moral. ·. tética, ou produção do belo, 143
e ética, ou produção do most.rdári.CJ! da conduta as ceqtúri*8, especialhumana em que se~ ! il 1 mente as medievais. · A íntima relação do no .lescd e do é ico expli~a qhe o poético cruze alguns episódios na vela de ca laria e constitua o limite na novela bucólica e sen · . tal, em q . a heróicidade assume a máscara do sentimento e a dQba as J>bgnas belicoshs. hnpacto das églogas greco-latinas o ·dos ri.ovos ijbitos se&ntátios promovidos pela ascensão da Bur esia ·e o declínio do sistetÍla feudal, a novela bucólica e sentimen continua a enaltecer o herói, mas na imagem do pastor, empe o ein outraa batalhas que não as da 'i persiste cbmo ritlcleo da ação. Tal guerra. Seja como for, o clima poético se adensará o advento do rdmance: não só permanece, ainda que dess do, Das novelas românticak, mas também se insinua em novas "dades, tomo a novefa gótica ou policial. Por paradoxal queflseja, a poe$a éncontht, nessas duas vertentes da novela, clima alequaüo ao slhi desdobramento, graças à inventividade totalizante~·livre que ali se pode: realizar. Dessa perspectiva, não estranha q · a poesia suttealista (e mesmo a pintura) por vezes explore re · es imprevi~s que fazem pensar no heteróclito da novela gótica. : Os vínculos da nove~laa Histó~ decorretb. igualmente de sua gênese epopéica: as - de gesta. destinavam-se a exaltar praticados, à maneira da epopéia os feitos de guerra realm clássica. E a novela de cav~a, e.mbora diluindo a efus.ão heróica em personagens mais simb cas que reais, não deixaria de fincar raízes no solo da História. · . · , a própri~ lenda que se formava ao redor de alguns protagonis~ hist&icos llles dava furos de autenticidade real e os fazia cred~· da confi.1~ça plena: a.· ficção e a verdade histórica se mescl am inseparavelmente, de modo que uma figura como o Rei ' · . · pertencia ifnto aos reservatórios de mitos quanto à História. A~tifieáção era um dos processos historiográficos, como se a ve . histórica . ·.fosse a d.o mito e viceversa. O Cid ou o Rolando : stentavam iima só fisionomia, a da tradição lendária. Ainda não mada ciêncàa ou métOdo,. a historiografia era o próprio relato d
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utópica de um rei-adolesoente em cuja paranóia talvez entrasse uma dose excessiva de impostação mítico-qavaleiresca. A sátira (e a um só tempo o encômio supttmo), da Ca~a nas mãos de Cervantes é fruto dessa atmosfera de amplificaçio heróica, gerado pelas novelas de cavalaria: o nfito, fottnuld,do-se a partir da História, posteriormente nela atuava de molde il transfundi-la, não na verdade do acontecido, mas c\o acontecívef; a irrealidade tomava-se o real, e este~ o húmus do tnito oni~te. Nada mais compatívdl, teori~, que a novela e a História, é o que se depreende desse consórcio. Na verdade, sendo a novela uma estrutura seqüencial de células dramáticas, e compreendida a História como a reconstituição de ac~cimentos passados, o enlace entre ambos parece, em tese, pel"eito. Entretanto, na medida em que a História deixa de ser o mito, que engendra para tomar-se a ciência da veí'dade doopmental em vista a visão idônea do passado - o que se inicia no século~-, enfrenta um impasse que a paralisa: rquanto l1làis o narradottrespeita o documento histórico, menos elabora novela, e vice-'1ersa, quanto mais liberta a fantasia, menos respeita a veracidadelhistórica. A novela histórica encontra aí a dicotomia etn que se nutie e, a um tempo, se consome. Os ficcionatàs româirt.icos, herdeitos dessa concepção cientificista da História,· pretenderam efetuai a impossível aliança e criaram organi$mos dúbios, 41nde a fiicçãdfe a veracidade não se misturam, uma viez que se recuavam a protessar a mitificação do documento. EnsinadOs a obsetvar a vecda~ histórica e a cultuar a Idade Média como época ideal, tolhiam S$a fantasia criadora, e nem praticavam História nen:t Literatura, ~alvo quando, talvez sem o querer, distorciam o doctlmento, utilitando-o mais como pretexto fecundador. da imaginação do que ~o texto onde a verdade histórica se manifesta. Eurico, o Prejpítero, de Alexandre Herculano, exemplifica a dualiklade indestnltível dos estratos histórico e novelesco, enquanto Ivanhoi acusa utia liberdade maior de movimento: ali, a Idade Média visigótica Slllrge restaurada pela mão de um historiador 'de lei, meticuloso, p . te e amigo da fidelidade documental; aqui, a famasia parece ' ·brar-se sobre a história da · o documento veraz em velha Inglaterra, de motlo a
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estímulo à'. quiµle····.ra e*nostalgia. . Antica limitação envol.ve a ficção ~ centrada em assunto ·stórico. Se todmnbs os fi · de /ar- · , mutações contemporâneas das novel~ de ~avalaria,f verificarem · que nelas ocorre semelhante processo de·' mitificaçio: o v:aq bom enfrenta o vaqueiro 145
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· foição trulfÜqueístai poqco ou nada
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tendo ver com a conida ara o sua "" ll)scrita no mundo da lenda que nos uivos da ·stória. ~ mitificação de Jesse James. Búfalo Bill e utrós co ponde à 1 do~ cavaleiros medievais e empresta aos · . · ·veis lmes de <;ow-(Joy a mesma aura epopéica das nove . de cav!theróis mode~os, arquetípicos, oferecem a dimensã onírica de · · o ho~ •tual necessita para fazer face às coer s do pres te, da meismai forma que Galaaz e Lancelote simbo · · vam a projtção das expectativas do homem medieval.
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4. NOVELA E COSMOvzj,Ã.O :<
Artificiosa, a novela cotiuz a ex~ o direito ~ fingir que os ficcionistas se avocam: • artifício, werente a qualquer jogo, sobretudo o jogo estético, atsume o poder aglutinador dos ingredientes convocados .para o~go da novela. Nesse espaço de convergência das aspiraçõesj1fictivas do ~dor e do leitor, o fazde-conta volve-se absoluto ~svenda o •eu reino ideal. De onde, COlllO vimos, ~predomínio pa verosSlimilhança interna, que organiza as regras 1'8p~cas de um mundo· autônomo, sobre a verossimilhança afe.1i:da em rela~o ao plano da realidade concreta. Inventa-se a ~va, tendo eQJ. vista estabelecer nexos, não com a realidade concre~ ~ sim, ~si~ que somente não são de outro planeta pqitque extraíci8'1 do contexto social: não é a verdade da vida que sti reflete na npvela, mas a verdade da ficção. O ideal, ou o ilusóre, alcança aqJ1i sua plena dimensão; e a realidade do dia-a-dia é sf.>stituída por. uma realidade inventada na qual o leitor projeta suas lfrustrações e1 libera-se da contingência que lhe tolhe os moviment'8. Ópio ou ~pelho ~ virtudes · - a novela é sempre fuga da retfidade, a mais literária das expressões r; ficcionais. E é-o porque busca sua.onvenções, toão na existêacia concreta, mas nas obras literárias,j( inv~tando llID3 esfeira artificial, que preserva o leitor de maio~· · dauos ao tnfrentar .o mundo, e ao mesmo tempo porque, ineb do-p, lhe permite o :gozo momentâ,. neo de colocar entre parên · es a realidade áspera e perigosa. Por outro lado, é fuga da reali~ porque ci.fonna o mundo concreto às raias do inverossímil, pn'f>rio dos relatos mitológicos, contos de fadas, etc. A primeira distot;ão ocorre n4> plano da narrativa, uma 146
vez que o D81Tlldor reduz o mundc> da italidade a uma seqüência de atos encadeados numa ordem horizon~, como se toda a complexidade real slllbitamente se· mostrasse ~xistente ou enganosa, e na verdade apenas houvesse histórias~- Os ''caminhos cruzados'', que correspondem ao mundo nltal e ao espaço do romance, dão lugar a canrinhos em linha reta, tomo se todas as trajetórias existenciais constituíssem límpidas prltgressões de eventos consecutivos entre o ttascimentr> e a morte. ~ Reduzir os infinitos ·meandros da ~xistência vital a narrativas ordenadas IDatematicamea.te é, converiwnos, empobrecer a realidade, é ter uma visão ingênua ou ~ope da realidade. A essa deformação de base seguem-se as dedlais: as personagens de tais narrativas só podem ser planas, monolíticas, estereotipadas, de temperamento invariável, de caráter imund! a mudanças, como se fosse possível haver algum ser humano comprpsto de uma peça única. Daí que se classifiquem em tipos estanq~inflexíveis no seu escanie" · - " , etc., numa polaridade nho ' "boas'' e ''más" , "heróis" ' dialética enferma de primarismo. ·I Maniqueísta por imp(>Sição de ~ estrutura ftmdamental, a novela é a morada dum mundo inamo-l:ível e espetáculo oferecido a leitores ávidos de ser identificados C
tempo psico=~ o tem~metafísic Conseq' te, fi · o com a liberdade da sua quimera, da ihia ftmtasia .tida: "' , do verossimilhanças, en147
gendra também o seu esp · , q • o soc:tial,. quer o natural. Não abslirrdo, pdrquanto não lhe interessa raro, tomba no fantasioso e a fidelidade do espelho, mas · hannonia da invenção. Pouco se lhe dá que num tempo incrive ente curto p herói percorra imensa distância, ou que, de repen , na paisagtm mais ·amena irrompa o sentido=A . · ia ~xterior. O uma situação contrária a tempo e o espaço se tornam táeicos, · ·· . llc> n:\aravilhoso, '. à crütção . · . de novas solusubmetidos não ao real ções que roubem o leitor a:~ odioso ccttidiano. Em que tempo e lugar se passam as andanç . D. Quixote e Sanc.ho Pança? Tempo e espaço da quimera, ttJnpo e espaço da fantasia: livre para gestar sucessivas surpresas, indiferente à1 lógica do bom senso ou li da razão. Em suma, a novela não te)cria a realidade, mas uma realidade, a partir dos dados que o mFdo concretó llie fornece .. Entretanto, ao eleger os dados reais dqeacordo comi seus princípios internos, busca menos refletir a supdfície do Universo que gerar um novo mundo: não lhe importa ser: imagem do Cosmos, mas !Um (micro) cosmos, paralelo ao outro, '1fil.s do que· to conto e o romance. A novela mente o real e acrefita em sua mentira para sobreviver e ordenar-se sem a mácula oa o remorso ida contradição, ao passo que o conto e o romance, ~ejosos de ser refleJ(o e reconstrução do mundo, mergulham na divida que a um só tempo os propulsio,, na e os delimita. · Não significa que a rerjidade física se recuse a contaminar a novela; mas que esta selec~ do real sua opacidade óbvia e, não satisfeita de assim procedef, induz-nos ta crer que a realidade é simples e opaca. A seqüêtcia regular de eventos, que fonna a cadeia horizontal de célula$ dramáticas, implica mn corte seletivo e também a condensação dos seus elementos: a novela divisa a realidade como um univers+ contínuo e QOID:pacto :de acontecimentos e seres opacos. Tran$te a imagem daquilo que no real é opaco, omitindo as dimensjJes cristalinas. Sua estrutura, por isso, reproduz não o mundo da realidade - entropia perene - , mas a abstração de algumas de s1*s linhas de força: o mundo, abreviado a uma esfera cortada por 1.iJi1bas retas, se ,representa numa estrutura sem frinchas ou paradoxal, produto da mente simplificadora e fantasista, e não da inteli~cia sequiosa de assimilar o caos real em sua evidência e totalidaide. No arcabouço da novela presenciamos o mundo a conquista!)iuma ordem irreal, por meio da qual o autor deixa transparecer que visualiza simplistamente a realidade: 148
oferece não o retrato mas um simulaqo do mnndo, não o seu desvelamento mas a sua oclllltação, não q aceno na direção do real, mas para escapar dele. Numa de suas costwneiras interpoU.:ões, em que se dirige ao leitor, Camilo diz: Um cronista, menos solícito, não faria a,que eu fiz: devassar a consciência da baronesa, furtar-lhe um a um os se~ segredos, tudo para lisonjear a curiosidade das pessoas, que gostam de ver ~ves bem grandes nos olhos dos outros. 30
Pondo-se de pl;lrte o que a passagem lle5soa de pregação bíblica, nota-se que o autor parece pôr em xeque a onisciência do narrador, mas empregando-a livremente, para ~ praticar com desembaraço seu oficio de inventar o que aconfece na cabeça alheia, não sem avisar o leitor que o faz por ele e nà9 por outra razão qualquer. Ainda aqui o. novelista exerce todQ, o seu fascínio, sua arte diabólica de enredar o leitor, o seu pqder de sedução verbal e retórica, ora arquitetando cenas que por çerto tirariam o fôlego de suas leitoras românticas, e ainda hoje ros impressionam por sua tensão interna, ora criando suspense COil)l suas intervenções e com as idéias heterodoxas que por meio de~ no fluxo narrativo. Era como se dis!iJe5se, ou , desse a en: , que a novela é a suprema arte de enganar e ~leitar: di ao leitor que aquilo é vida, e logo depois lançando dúvida à âfirmativa, mostrava-lhe o universo da invenção literária levada ao paroxismo, a ponto de colocá-lo fora da realidade contingente euo mesmo tempo dar-lhe a ilusão que se tratava de estrita verdadé; No espelho de suas novelas, a classe. média via-se como desejava, ou se imaginava, ser, e simultaneapiente se consolava de se tratar de mnndos imaginários. Sem sabêr - sabia-o plenamente o · autor, como evidencia ao ~ngo de sw.f novelas - que tudo ali provinha do dia-a-dia burgQês, não do era na superfície, mas, sim, na intimidade. , A novela camiliana, cotJio toda nov~, é um espelho de dupla face: o leitor, no conforto de sua poltro · , goza o espetáculo protagonizado J>elo "outro", ~tisfaz o se apetite por bisbilhotar a
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. 30 Camilo q&telol1Branco, Pererra, 1967, p. 8~.
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1· Homem de Bri., 9ª ed., Llsboa, Parceria A. M.
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vida alheia, sem dar-se[ta de que :o signifibado dele, seja a tragédia de Simão e Te a, seja a cdmédia conjugal dA Queda dum Anjo, deriva da class endinheira do tempo, quando virada pelo avesso. Fora do viv · pois i.lé da. condição da 1 novela (a da TV mode . aí está o dizer: abettam.ente) que 1• o as latênqias da realidade: a novela assim seja, mas focaliz~ trabalha com aquilo que leitor a ser, :J!ião ~om o que é, salvo se se admitir que o ue ele é se ~ na $na aspiração. Se de realismo se trata, é realismo de virtuâlidades sentimentais, que revelariam a clas!IC média a si própria se ela tivesse oJhos de ver. Mas se os tivesse, ou repudiaria a leitura de tais novelas, ou cada um dos leitores se clm.verteria, p0ssivelmente, em autor delas. Veículo e repositório de idealizações sem fim, a novela quase refutaria a idéia de que a literatura é um.a fomia de conhecimento não fosse abrigar, na refiação da realidade, wna mundividência: ênfase no sonho e na quinllera, para alimentar a carência de sonho e de quimera que agita to8o leitor. Na 'exploração desse ângulo, a novela mostra um traço porventura esséncial da Humanidade, e ao estadeá-lo, nos instrui aceJ!Ca da porção de realidade que descortina. Justifica-se, desse modo, a artificiosidade que a caracteriza: faz parte da condição hmru4i o gosto pelo artifício, e wna fômia literária que a produz engénhosamente, não só desempenha importante função como insinmi'ser mais entranhada do que se pensa, no ser hwnano, a dependêncâ do sonho e da fantasia.
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5. O TEMPO E O VENf'O Como vimos, a modafídas novelas !não desapare
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Continente, compõe-se de 639 páginaf; a segunda, publicada em 1951, com o subtítulo de O Retrato, 1!em 594 páginas; a terceira parte, publicada em 1961 'subintituiaa.i O Arquipélago, tem 1.014 páginas. ToW de páginas da trilogia: :)2.237 páginas. Bastava tal vastidão para atestar-lhe o caráter de nqtela. E a análise dos demais elementos, fo~ e intrínsecos, somt$te o confinnará. A novela de Érico Veríssimo proclll'a ''ser a oga duma família e duma cidade do Rio Grande do Sul, desde 8'aS origens, em meados do século XVIIJ, até nossos dias'', coII141 se declara na orelha dos volumes in~ da teticeira parte. 4. primeira parte enfeixa os acontecimentos ocorridos ,entre 1745, ."a época das guerras de fronteiras e do estabelecinrento das pritneiras estâncias", e 1895, ''ano em que terminou a revolução f~sta de 93' '; a segunda parte transcorre entre 190~ e 1915, e a~eira vem de 1915 até o fim de 1945~ duzentos anos depois de ~ver iniciado a história da família Cambará. Ao longp desse tem)IP, desfilam diante de nós, em caravana, muperosas personagens d4t ambos os sexos. Assim, seria inconcebível que esse1illlontante de protagonistas e de respectivas células ~ticas, dispµsto num painel cronológico bissecular, pudesse caber num ro~ce. A pluralidade dramática, envolvendo dezenas de figurantes, 34ui implica necessariamente sucessividade. E isto, como sabemos,ié peculiar da novela. A tal ponto que cada um dos tre,l$e capítulos d;t primeira parte parece um conto, situado linearmente 'ªº lado dos 4lemais. Não é para menos que o episódio de "Ana '{erra" (pp. Ti- a 147 de O Continente) constitui por si só uma unidade, tnaÜli ou menos destacável do conjunto e dotada duma simgular beleza,poética. A segunda parte, girando em tomo do bisneto do herói d~ Continente, e seu homônimo, Dr. Rodrigo Cambani., parece pe.bar o caráter polimórfico da parte inicial, de resto indispensável àiieStrutura da novela. Sucede, porém, qQe o protagonista não está •zinho no centro do palco, e a seu redor travam-se conflitos cujas trlgens remontam aos primórdios de sua família e de sua cidade. tdais ainda: considerandose toda a trilogia, O Retra,to não pass41 dum capítulo, extenso é certo, dum amplo e variegado políptiq; novelesco que continua ainda depois dele, através de outros capíádos, embora menos longos. Quanto ao loc11.l da ação, não varia ~to quanto seria de esperar duma novela, 1 em. que o ~ ?mintriga determina que as ente a . · de pouso. Mas tampersonagens estejiµn con · bém está de ·dade de ·. paço, ainda que algumas cenas se deselJ.volvam em hlgares fixos,· obretudo por ocasião das
long~ l~prese~. 1
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·duran. a. sao cede.. 1· 9.3.eni San • . ·. que ta F , a corre· .· ·ª:tiºrto. Alegre, Rio de Janeiro, tiva, com relevância para o primeiro, is i!le sua · tória se tra . E por isso, batri·.·.·.• sendo palco vários.pontos .da. cidade . .assetn como se as personagens para ugares
de1 ~ atecimentos, tes.
Não se diga que se p · ·a afirmar contrárid do ue se acaba de enunciar. Um romance ! transe r nunJ ci .· de, mas as ações, sendo contemporân , mesclam e à pais,gen:(. Na novela, tempo f que os !ceruirios mudem o mecanismo da ação e incessantemente, porque , os ; signifi ti.vos do ponto de vista dramático. E quando-pare , m não se alterar, a tima lanálise mais detida percébetnos que ho · e mhdançE:embora (hn nível microscópico: é o caso das cenas ' assadas no sobrado, /bn~ a limitação do espaço obriga o ficci a esqua ' os i:ecaiitos do edifício, à fim de seguir as ·. g~ns em ~ma movitheni:fição. os Elril temEper~-st: outro tem' ·Todavia, visto que f; marc~ a hist6ria dum po, que não o do relógio, p deriai serVir pov~ e duma f~? A·~· · lógia dO Tempo e •P Vitnto obe~ce ao ntmo do calendário, na abstimte es presente o tempo psicológico, mas em plano s . .o. Cotrlo importâ a ação sobre a psicologia ou a sondagem · os dramas, ~ tempo ~ó pt>de ser o do relógio, retilíneo e concre 1 Com efeito~ o encadeamento dos fatos condiciona-se à pulsação tempo hi8*)rico: por issb, as células dramáticas se dispõem em' · reta, mina após outra!, e as personagens centrais vão sendo , ubstituídas,' consoante o primeiro dos 61lto. Ori, tal processo- salienta aincitados processos de entre · da mais o caráter cronolófco dos evetitos: uma ·vida se cumpre, por exemplo, a de Ana Telra, e após elli, inicia-se a de seu filho, Pedro Terra, a qual, por sd vez, tambéna se encerra, para dar lugar a outra personagem, e assiJt por diante, em rigorosa sucessividade. Com malícia, o ficcioni~ secciona a horizontalidade do relato, intercalando cenas no sobt1do, especia1:tnente as passadas durante o final da rebelião de 189à1tto é, em 1!895. Desse modo, a cada c · dramática, ou geração emergente, o narrador insere um flagratJe do sobrado, no dia 25 de junho de 1895, de madrugada, de ía)Íde, de noite~ e 26 de junho do mesmo ano, de manhã, de noite, ~ 27 de junho, de manhã. Ao todo, sete capítulos em tomo daquel~ dias de 189!J, que funcionam como um falso presente, interpostos • outros seis, •'A Fonte'', "Ana Terra", "Um Certo Capitão Rodrif>", "A Teiniaguá", "A Guerra'', "Ismália Caré' ', de forma qae o último se localiza no tempo dos 152
acontecimentos narrados naquele presapte, numa convergência de efeitos em que o sobrado constitui t:eéla, e os demais capítulos, variações. Entretanto, a intercalação ainda respeitou a linearidade do conjunto, de modo que as cenas Sttvem apenas para aguçar a curiosidade do leitor, por momentos dijtraída do foco de interesse e estimulada para outro. · Desse modo, o foco narrativo eleitt> por Érico Veríssimo é o que mais se adapta aos fins em mira: o analítico e onisciente. E conquanto por vezes utilize a primeira ~oa através do expediente de transcrever páginas do .diário íntimo das personagens, o ponto de vista predominante é o da terceira peasoa. E não podia ser doutra forma: constituindo a crônica duma lunilia e duma cidade, O Tempo e o Vento tinha forçosamente ~ empregar um único foco narrativo: a narrativa corra:ia o risco ~ falhar caso o ficcionista pretendesse arquiltetá-la cotn malabarissos de técnica, mesmo que só referentes à escolha do ângulo da fa~ção. Mas o fato de constituir uma crôil!)ica remete-nos para outra questão, relativa aos seus predecessores. Como não raro desde o Romantismo, a novela, em qualquer de suas modulações, preferia temas de natureza histórica, ou relaciojados com acontecimentos históricos. Quando não, os ficcionistas ~ndiam a inventá-los, a fim de conferir foros de veracidade às f~ias, como é o caso de Camilo Castelo Branco. O Tempo e o ·l'ento não fugiu à regra, a partir do fato de descortinar um painel• histórico de 200 anos. E quanto mais o relato chega aos nossos dlia.s, mais o novelista recorre ao apoio historiográfico. Assim, na 'terceira parte, em que se narram ocorrências contemporâneas ou próximas de nós, contracenam figuras históricas ainda hoje infl~ntes, apesar de falecidas: Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros,. Getúlio Vargas, João Neves da Fontoura, Luís Carlos Prestes e ·~:mtras. Evidentemente, ao relatar sucessos remotos ou recentes, o i»:>velista não abdica de sua ·vre-arbítrio na visão das liberdade ficcional, e além de utilizar ºf]·. personagens ~tóricas, dá-se ao direito · criar outras para compor o quadro fictício da novela. 'seja como fi . , o lastro histórico lá está, fanu1ia e duma cidaamparando a reconstituição 1 imaginária . de. Mas o mçdo como o ficcionista o ~prega é que constitui a marca dO Tempo e o Vento. Da trilogia pode-se dizer o mesmo
ªªsutna,
o cewíno dev~ su.jeitat-6e à ·udança' '; ''é mniprocesso' '. 31 Rotular desse modo a.obr prima tolst estál[tão ~ooge de ser juízo enco~tico, como .Ide. v~icular opinião ~gakiva. T~lstoi engendrou ali um mundo •cc1onal co base em su~ percuc1ente observação de homens e si ções., e à hhz duma imaginação pode, sua universalirosa que tudo transfigura · mit•o o u ida. dade, como bem assinala !mesmo estu' ·oso. Tal visão do mundo participa do plano da epo ,·a: é justam te esse ~lo de epicidade que confere grandeza a G , rra e Paz, emb8:1"go das ressalvas possíveis, e daquilo que já enve eu. O Tkmpo e o Vento, respeitadas as proporções 1 as circuns~cias, s~tua-te em plano semelhante: merece ser co :. iderada das obras su~. eriores da ficção nacional, graças à atmos:t: '. épicra em · e se desrn.vdlve. Por fim, se nos detiv os etn minú ias con'*me111tes ao modo como o autor dO Tempo · o Vento~visa as ipersk>nagens e a Natureza, e constrói o diál .·go, a disse ção e narra.çio, etc., concluímos que se trata de a . tica nove i1 • ·1
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6. GRÁFICO DA NOV. Reduzindo ms observ '· prec~ a um esquema grá~co, indispensável à compreensã da estrutura da novela, temoo o segumte: continuidade pela permanência de uma ou mais
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pluralidade e suCCl{Sividade dramática
1 número ilimitado de personagcns I liberdade de tempo e "8paÇO
1 - - - - . diálogo (importan!c) narraçãÕ (impartanle) , descrição ún=nte)
1: 31 Edwin Muir, 'lhe Structuif of tire Novel, New York, Harcourt, Brace, 1929, w.s~11t l 32 V. nota ao gráfico do contd; •
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O gráfico da novela ganha em ser tpmado em tennos relativos, como uma imagem aproximada da estÍfltura que governa esse tipo de narrativa. De contorno elástico, re!J!esenta, ao fim de contas, a generalidade das novelas, por mais v8*tda que seja a estrutura. O esquema procura significa,r, por consepte, que todas as novelas se organizam como uma s~üência de tf>isódios na ordem linear do tempo, compondo uma s~e contínua, ~, B, C, D, etc. Ê certo que as células dramáticas J;lem sempre se apresentam dispostas numa cadeia ininterrupta, a sugerir o esgotamento de cada uma delas antes de iniciar-se a seguin~ como uma fieira de contos interligados. A técnica de ,entrelaçame.,ro, empregada nas novelas de cavalaria, a partir dA Demanda do 4'znto Graal, ou as interpolações, ou inversões repentinas na o~ção dos eventos, como em Tristram Shandy, parecem contestar o •quema. Mas, se considerannos que tais recll'.'Sos visam a instilar mistério e suspense à narrativa, e que esta ~ move ainda pelo acicate das peripécias, em sucessão na linha eh tempo, o esquema pennanece como tal. Basta, para tanto, que ~ façam as devidas correções, necessárias quando se trata de ucn expediente gráfico para representar o resultado de uma análise dados. Na verdade, por seu intennédio se projeta a imagem de uma espécie de organização fabular em que ~ predominância da ação, e da ação transitando no fluxo do calendtio, é característica fundamental. Tristram Shandy não é menos;:ela por inverter a ordem de certos capítulos, a ponto .de o prólog r colocado a meio deles, e não no lugar apropriado, como recl . a convenção e a etimologia do vocábulo. Tenninada a leitura, fi<* na memória do leitor um rosário de episódios, passível de ser continuado indefinidamente, cuja representação, em tennos macroscópicos, se processa graças à mediação daquele esquema. E se o leitor fnsistir em deter-se naqueles expedientes técnicos, com vistas a iJàseri-los na progressão esquemática, há de notar que não alteram p fato de a construção da novela de Laurence Steme obedecer a ~ traçado geométrico, de que o esquema gráfico coruftitui a imag. genérica mais palpável \ e mais fidedigna. Da mesma fonna, em Anátema (1$51), de Camilo Castelo Branco, os episódios referentes ao passacJ4, anterior às cenas iniciais (que transcorrem em meados do século.i XVIII) são descritos na parte final. Trata-~, como ~ vê, de ~que narrativo: os acontecimentos nattadÓs nas pilneiras pá · . guardam mistérios do pretérito, que serão desvendjldos mais a ante, em jlashback.
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A compesição narratf , taf qual · apresetF, não consiste numa série A, B, C, etc., C, B, A, e ., ou sej~1 em!três grandes módttlos temporais: o prim ' aroda d 1750, $ugmado logo à página 12; o segundo, por lta de 1701 e o terc~iro, !em tomo de 1673. A partir da página 29, o narr or retorha 1701, para encerrar os infaustos acon , cimentos e . etados cp.m la sedução e morte de Inês da Veiga, e nduzir o e • do até c;tepois de 1764. Atente-se para o fato qrie, po~. elementat expediente novelesco, a disposição dos . ódtll.'os é · • ersa à oi;tl.·.etti··· cronológica dos eventos. Fica preserva 1, dessa man ira, a suclessiVi.dade característica do esquema da no la. Por ou lado, a técnica do entrelaçamento aqui também é · da, p articular peripécias ocorridas no interior dos três os princi ais. Em contraposição, A lher Fatal 1870?), ao mesmo autor, segue rigorosamente o es ema: O he 'i, um jovem doidivanas, viveu cinco amores, o úl ' o dos q s dá origem :ao título da novela, narrados segundo leis do cal ndário: ~. B; C, D, E. E como pela morte de Cario i Pereira po riam fechar-se definitivamente as possibilidades de ptolongat»ento dnimá~co, o narrador esclarece, na conclus- , o destino ida viúva e de seu filho, Eduardo Pereira, deixando sim aberto b caminho pata uma outra novela, quem sabe tendo p tema a ··~er-anjo''. Que o ficcionista agia de caso pensad evidencia-o' a seguinte observação do "prefácio da segunda edi ": "Pode sér que a personagem glorificada no último capítulos haja feito heroína doutra novela".
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1. A PALAVRA "ROMANCE" A palavra "romance" deve ter-se W>riginado do provençal romans, que deriva por sua vez da forma latina romanicus; ou teria vindo de romanice, que entrava na co1"osição de romanice loqui ("falar românico", latim estropiado no contato com os povos conquistados por Roma), em oposição a la•ne loqui ("falar latino", a língua empregada na regiãb do Lácio eiarredores). O falar romance passou a desigruni no curso da Idade Média, as línguas dos povos sob domínio romalio, em lenta mas inexorável autonomização. Com o tempo, a e~são passou a indicar a linguagem do povo em contraste com a dos eruditos. Mais adiante, acabou rotulando as composições literá(ias de cunho popular, folclórico. E, como estas fossem de cará~ imaginativo e fantasista, a expressão prestava-se para nomear narr~vas em prosa e verso. No primeiro caso, situam-se os impropriamcmte chamados romances de cavalaria, de larga e intelllJa voga durrufe os séculos medievais. A mesma classificação se atribuía aos poe~s narrativos em tomo das proezas dos cavaleiros antiantes, ou cJkt temas amorosos, épicos, moralistas, satíricos, etc., oomo o Romaii de la Rose e o Roman de Renart, poemas ~ceses do século ~e motiv~ respectivamente amoroso e satirtco, mas Iambos de m to moralizante. Entretanto, foi na Esp*1h.a que mai. se cultivou o romance em verso, tomando-~ quase e:iclusiva fô · . literária espanhola. Rece-
2f.
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biam a designação de ''ro ce '', d l a Idade Média, composições curtas, de metros p ulares (o re ,ondilho tp.enor, de 5 silabas, e o redondilho maior, . 7 sílabas)' annadas sobre estruturas elementares, vazadas em · . agem desapviada e fluente. Com tal sentido, a palavra continu a ser emplfgada ~ literatura espanhola. Narrativa de aven . imaginária$ e fantásticas, foi o sentid~ que ganhou ~ por ~ te. No sé~u, _XVII, 9. termo entrou a crrcular com a s1gmficaçao odema. ' língua portuguesa, sofreu análogas vicissitudes, sigttjficar '' dioma vernáculo'', como se pode ver nOs Lusfadas , 96, 97), .té designar "histórias de imaginação e fantasia'', e, · r fim, g~'o sentii:lo atual. Afora a denotação lite , ·a, cumpre 1 brar o sentido pejorativo adquirido pelo vocábulo 'romance",. orrespo~ente a "descrição exagerada, fantasista''. · da assina a a relação amorosa entre guarda atmosfera de segredo, os sexos. Nesse caso, a pa de fruto proibido, identific el com o refiioto sentjdo de narrativa de imaginação. Noutras línguas, que · o se ga pari!! deliignar o romance? Em Inglês, novel. s dicionári s registram a forma romance, mas trata-se dum ábulo utili 1 ado apenas para narratiem.plo, as narrativas ~aleirescas: vas fabulosas, como, por nesse caso, corresponde ao emáculo "~ovela". ~m francês, empr:ega-se roman; a forma ' mance", qriunda do esJ!>anhol, corresponde à romanza itali , trecho de qanto em tomo dum tema temo e comovedor; e desi modema$ente, segundo registra o Petit Robert, a canção se . ntal. E11J italiano, corre a forma romanzo. Em alemão, Rom · . Em espa$ol, novela ''iequivale ao nosso romance''. ~ 1
3:1 !
2. HISTÓRICO DO
RO~CE
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A palavra "romance"~'oota, po~, a vários séculos. Não assim a fônna literária, em . rosa, que veio a revestir.. O romance surge, como o entendemos· hoje em ~. nos meados do século XVIII: aparece com o RoniJmtismo, revplução cultural originária da Escócia e da Prússia. ~romance se. coadunava perfeitamente com o novo espírito, implrufado em conseqüência do desgaste das estruturas sócio-culturais ~das pela ~cença. As configurações de absolutismo até à ~a em vogl\ (em política, o despotismo monárquico; em religiã~ o dogmatismo inquisitorial e jesuíti158
co; nas artes, a aceitação dum receituário baseado nos preceitos clássicos), sucedeu um clima de liberalistno, franqueador das comportas do sentimentalismo individualistaJ Como decorrência, a epopéia, considtrada, na linha da tradição aristotélica, a mais elevada expressão ~ arte, cede lugar a uma fôrma burguesa: o romance, A demofiliaque varre as mentes lúcidas e insatisfeitas da Europa do tempo, detennina o aparecimento duma literatura feita pelo, para e com o povo, especialmente a nova classe ascendente, a burguesia. Ora, nada mais natural que a prosa, "objetiva", descritiva e narrativa, vi~ a ocupar o espaço da poesia épica. E esta, quando presente, se atenua a olhos vistos, pondo-se a serviço de aspirações demofílcas. A poesia popularizase, abandonando o exclusivismo dos salêies aristocráticos e as cortes amaneiradas. Com isso, o romance passa a representar o papel antes destinado à epopéia, e objetiva o 1111esmo alvo: constituir-se no espelho dum povo, a imagem fiel .duma sociedade. E esse caráter lhe advinha dum fatnr: o de abarear, como um organismo protéico, todas as formas e recursos litetários. Mais adiante veremos como o romance assimilou as novasi::onquistas da sensibilidade, e pôde reduzi-las a um tndo hannônieo. Servindo à burguesia em ascensão, ~ a revolução industrial inglesa, na segunda metade do século xvm, o romance tomou-se o porta-voz de suas ambições, desejos, veleidades, e, ao mesmo tempo, ópio sedativo ou fuga da mesmice cotidiana. Entretenimento, ludo, passatempo dumar classe que inventou o lema de que "tempo é dinheiro", o romance traduz • bem-estar e o conforto financeiro de pessoas que remuneram a trabalho do escritor no pressuposto de que a sua função consisteem deleitá-las. E deleitálas oferecendo-lhes a própria existência~; artificial e vazia, como espetáculo, mas sem que a reconheçam como sua, pois, a reconhecê-la, era sinal de haverem superado os Iitnites da classe. Portanto, sem o saber, assistem ao espetáculo da Jtópria vida como se fora alheia, estimulando desse modo uma fôIIl141 literária que funcionava como o espelho em que se mãravam, incaitazes de perceber a ironia latente na imagem refletida. i ~ Na verdade, o romance romântico estruturava-se em duas camadas: na primeira, oferecia-:se uma ima~ otimista, cor-de-rosa, formada do ens em voga, · casamento; apresentavase aos burgueses a ,ú:nagem ~ que pre . ·am ser, do que sonhavam ser, e não do que e~ efetivam . , correspondente à que
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fui.em.de si~ " da. :hrool.ciênc:ia e.1 parcialidade com que divisavam o mundo e h@mens. . ·a outra camada, entranhava-se uma critica ao sis , algumas zes sutil· e :iniplícita, quando não involuntária, ou •vezes dec da e violentá: compare-se, por exemplo, a idealiza · e idealista j concepção alencariana do · ta'' de Bdnardo Gllirnarães, expressa indí~ena com a visão '' nO lndio Afonso (1873). O romance aparece, · , no século XVIII, na Inglaterra, identificado com a revoluçã romântica. iA História de Tom Jones (1749), de Henry Fielding .tem sido c0111Siderada a obra introdutora do novo gosto, embora omprometida ainda com a técnica da novela. Se alguma obra ·or merecei referência como precursora do romance, é A Princes de Cleves (1678), de Madame de Lafayette, não obstante o jog'*1 das paixões e sentimentos, enquadrado no cenário da moll31"quia ~a do século XVII, faça lembrar a tragédia clássica contempcjrinea, notadtunente a de Comeille. Outras obras podiam ainda ~ferir-se como embrião ou anúncio do romance, mas seria longo le fastidioso enumerá-las. Assim, apenas para citar as mais importantes, entre a Princesa de Clives e A História de Tom Jones, nailFrança surgiram Manon úscaut (1731), do Abade Prévost, a Vida> de Mariana (1741), de Marivaux, etc. Mais interesse ostentam ci prenúncios do romance na Inglaterra: Pamela (1740) e Clarissa Harlowe (1748), de Samuel Richardson, e As Aventuras de Roderitdc Random (ll748), de Tobias Smollet. No século XIX, o roqiance domina em toda a linha, às vezes confundido com a novela ou dividindo com ela seu poder de influência. Cronologicamente, é Stendhal o primeiro grande representante do romance euroJeu oitocentista (O Vermelho e o Negro, 1830, A Cartuxa de Parrrtll, 1839): com.feriu-lhe dimensões psicológicas modernas. Balzac :constitui, no entanto, o verdadeiro criador do romance moderno, graças à Comédia Humana, escrita entre 1829 e 1850, amplo painet da sociedade burguesa do tempo, pintado a cores entre indulgentas e criticas ou satíricas. Graças à engenhosidade do seu projeto imaginário, tomou-se o mestre de Flaubert, Zola, e outros, a poJllto de dividir a história do romance em duas grandes épocas: an~de-Balzac e~ depois-
arrasta ao desespero e ao niilismo. Se\I Judas, o Obscuro (1896) uma autêntica obra-prima em matéria~ romance. Mas trata-se de romancistas e obras, segundo um modelo definido de arte: ao longo do século XIX, apesar da evolução e das diferenças visíveis. , cultivava-se um ro~.-padrão, obediente aos moldes suscitados pela bur~esia. Quanfo alguma mudança se operava, referia-se à técnica de cpmposição; cfnais, permanecia inalterado. Nos fins do século XIX, a literatuiia russa, que antes vivia à margem do movimento geral de idéi~ na Europa, irrompe com Dostoievski, Tolstoi, Turguenieff, GogOJ e outros. Tais prosadores, notadamente o primeiro, trouxeram ~problemática e um tipo de análise psicológica em profundidade at:Q à data desconhecidos, aos quais se aliava o misticismo do povo eslavo, que conferia às narrativas uma imprevista densidade trági°'. A novidade fascinou a Europa, e Dostoievski erigiu-se em meste de uma das vertentes do romance moderno, o da prospecção psiqológica. Há que aguardar o aparecimento ~ Proust, nos começos do no romance: À Procura século, para que nova transformação do Tempo Perdido (1913), desrespeiíafdo a coerência formal da narrativa tradicional, leva mais fundo a sondagem psicológica de Dostoievski, graças à descoberta da mfl&Ilória como faculdade que apreende o fluxo vital, e do tempo ber§.oniano, como "duração" fora dos limites do relógio ou do eneadeamento sucessivo dos fatos. Instala-se o caos narrativo, propõtt-se uma harmonia insólita, composta dum tecido variegado de cirÇflllStâncias que a memória involuntária surpreende e trança ao saQpr do inconsciente ou dos imponderáveis cotidianos. O, romance, 'u algo que se lhe pareça, - a técnica em rosácea de A Procura ;o Tempo Perdido impede toda certeza classificatória e. coloca um ~trincado problema crítico, - o romance ganha horizontes imprevislJveis. E de Proust nasce a revnlução deflapda no romance moderno. Gide, seu coetâneo, alarga !l8 conquista~da sondagem interior com a "disponibilidade psicoló$ica'', que eipresta não só às personagens, mas ao romance comp um todo, • halo de verossimilhança existencial. Consiste no desaparecimenUA da noção de causa-e-efeito no comportamento da personagem, que age dum modo aqui e agora, e doutro modo mais adiante e cim hora diferente, sempre disponível psicologicame~ para o~uder e vier. Não se pode prever como agirá., porque pem ela o sa. , tampouco os leitores. A a para um aparente beco permanente improvisação
ocarra
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vida, anseio perene do ce desde o. seu naschnento. Ou, se se preferir, um sequioso eles o de a vida transfundida em arte. E todos nós sabemos ~o não~~ 'lógica dltre·os acontecimentos que compõem o ·a-a-dia. Sól o esforw da razão, que organiza, ordena e class' a, é capaz ~e unidade. A vida, não. avizinha da vida, o romance perde Assim, à proporção que grande ambição - ser terreno e identidade. Para xa1mente, vida - é seu mal. Narrando a vida do 'i durante~ 24 horas, em Dublin, o . a de angústia e de sa:ber enciclopédico suficiente para revelar a que desabam sobre o ho coiltemp~eo, o -lJlysses (1922), de James Joyce, contribuiu d 'isivamente para a metamorfose do romance. E, procurando abr er a totalidáde do mundo consciente e inconsciente, introduziu-Irufo relativismb em sua fonna extrema, a ponto de anular a idéia pre~cebida de tempo e de espaço. O caos do mundo, Joyce transpor'1-o para o romance, numa linguagem rebelde às imposições noinativas da gramática e da lógica; e, entregando-se às livres assckiações, desmtegra a sintaxe tradicional e experimenta soluções inui\itadas, simultaneamente com a criação de arrojados neologismos. ; Com Huxley, a desintejração acentua-se. Para o autor do Contraponto (1928) e Admirtfvtl Mundo Novo (1932), não há, a rigor, dramas individuais, mas, iro, coletivos, resultantes da soma de transes individuais e de crüies da maioria, de cada um em particular. A angústia, amorosa, fi:ianceira, idedlógica, etc., cresce quando alguém encontra outro em jreutica situação. A troca de problemas, ao invés de os diminuir, autnenta-os incomensuravelmente. Com o passar dos dias, a carga ª"°luma-se e o drama torna-se de todos. Daí o suicídio ou paliati~s que, afinal, resultam no mesmo: a angústia e a desumanizaçãd do homem i:Jela máquina e pela ausência de padrões fixos. Nessfsentido, o Contraponto encerra a pintura da modernidade, em qtfe o ser humano se vê numa encruzilhada. Reflexo dos dias atuai, a obra ainda revela a evolução do romance para uma conste~ão de dramas interinfluentes, à semelhança da vida. E, com issdl, o romance emaranha-se ainda mais e assume o viés trágico que· decorre de ser a epopéia dos tempos modernos. De lá para cá, conta-setiurna série d~ escritores notáveis, como Thomas Mann, Virgínia W Franz Kàfka, Hermann Broch, Robert Musil, William Faulkrier, John Steinbeck e tantos outros. No pós-guerra de 1939, o nouteau roman, de origem francesa, reto-
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mou descobertas dos antecessores e erllleu-as ao nível duma plataforma literária, 1 fazendo-nos pensar q114 a identificação do romance com o Romantismo não . se processo!f sem conseqüências. Uma delas, certamente a mais grave é a se~te: a burguesia, ao desaparecer no futuro, levaria consigo o romance? E possível, mas também pode ser que se transforme nputra arte, ou numa forma paralela de expressão literária. O mesmo pode acontecer à atividade literária em geral. Sendo o romance a fôrma literária mais complexa nos dias que correm, sua diluição oÚ metamorfose, anunciada ou pretendida pelo nouveau roman, corresponderia ao fim da Literatura como a entendemos hoje. É o que :Se observou durante algum tempo, no fato de o conto, a novelai. o romance e a poesia se desejarem ser não-conto, não-novela, ~o-poesia, ou melhor, antinovela, anti-romance e antipoesia. · Entenda-se, porém, que essa te~ncia para o ''não'' ou o ''anti'' equivale a uma reação esponttiea contra a saturação operada nas fôrmas literárias cultivadas dtsde o Romantismo, significando declínio e empob~imento das ,faracterísticas fundamentais do conto, novela, romance, poesia, etc. A rebeldia traduz, ao fim de contas, um esforço por acabar coip. o mau romance, ou mau conto, etc., em nome da, criação de ~mances, contos, etc., com base em sua genuína es~tura. 'l Em qualquer hipótese, não poucos friticos e ensaístas entraram a pensar no fim da Literatura ou no seq,colapso enquanto expressão duma forma de cultura e 4e sociedade transformação. Com isso, ou o romance desaparecetá como tal, f>u sofretá modificações que o adaptem aos padrões em formação. A técnica, acoroçoando o aperfeiçoamento da imagem vis=al e usical, através do cinema e da televisão, condiciona o apar · de formas inadequadas à o desprestígio da imagem linguagem escrita, capaz'8 de acel
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1 1 Segundo declarações de AJi.am Robbe-Grilloll um dos montorcs do nouwau roman, ao Jornal Tribuna da Impren.sa, do Rio de Janeiro, <1423 de setembro de 1972, a;sa vertente moderna da prosa de ficção identi!fica-se, acima dc'tudo, por não ser "a pintura de uma sociedade e de um mundo em ordmp- hnporta-lhc · iro lugar afirmar sua ruptura com os imperativos tradicionais do gênqo narrativo. Ru que se c8111Cteri7.a por uma série de recusas - a da noção clássica do ~gem e do como reveladores psicológicos; desintegração da equivalência voro'8imilhança; destruição do tempo em proveito de memória; substituição.de u m § 1E ador limilado · seus meios pelo romancista demiurgo e ooisciente. Arltcs e~.sabiam o queriam. di . hoje estamos à procura do que dizer. O romance do iéculo' XIX · · aponas o des . . No moderno apenas se conhece o momento instantâneo. Nada mais . lindo além do , ''
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literária. O romance, graç · ao papel qde repteseiita desde o Roque mais hgudamente testemunha a mantismo, é a fôrma lite · metamorfose verificada nas ~tividades aQ:ísticas modernas. ficção romahesca, em veináculo. Em Passemos ao exame Portugal, o romance aparec ' em ·.mead~do século··· XIX·., acompanhando a tardia aceitação goSto ro tico, apesar ·da tentativa bem estruturada do poema amões (18 ), de Garrett Este, Herculano e outros cultivaram narrativa J:rlt;tórica à Walter Scott, ao passo que Camilo Castelo co, praticando a novela em suas diversas modalidades, e o e da sátira naturalista, tomou-se a principal figura da prosas·ca, quiçá de todo o século XIX. Uma espécie de Balzac po · . guês, Pf?C~u ~~~ a socie~d~ ~o tempo em numerosas narra as pass1oruus, histoncas, de rmsténo, etc. que fazem dele o mal~·º . ·. polí~o ~.:Língua. A }nlrodução do romance em Portugal deve · a Júlio Duns, mas a fot1na encontra em Eça de Queirós seu re entante mais ilustre dentro do Realismo à Flaubert. Abel Botelli4', Teixeira de Queirós, Júlio Lourenço Pinto e outros também se defclicaram ao romance nos fins do século XIX. >. Graças à Presença (19~-1940), co~ a narrativa introspectiva, ao Neo-Realismo (iniciado lm 1940, com Gaibéus, de Alves Redol), e às linhas de forças ~envolvidas após a revolução de 1974, surge uma plêiade de borut•ficdonistas,: como Aquilino Ribeiro, José Régio, Alves Redol,~·· Rodrigues .Miguéis, Agustina BessaLuís, Vergílio Ferreira, F do Namo~ José Cardoso Pires, Carlos de Oliveira, Lobo An · es, José S8ramago, Almeida Faria, Lídia Jorge, etc. ·' Também no Brasil o rofiance chegob tardiamente, e não raro mesclado de expedientes ncf,relescos: só com Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha, 184') começa de vez o seu cultivo entre nós, mas é com José de Ahmcar (O Guarani, 1857) que passa a ser largamente cultivado. Ligado a figurinos europeus (Dumas Filho, Scott, Sue, Balzac), p. u a ...ameri~os (Fenimore Cooper), propunha-se a valorizar os tirnas nacionais (o indianismo, o sertanismo, os temas Cé.m o Realismo, o romance vive um período de za indischtível, com Machado de Assis, Aluísio Azevedo, ln · de Sousa, IDomingos Olímpio, Raul Pompéia, Coelho Neto e o· s, mas ainda sob o influxo de correntes européias. Lima Banto e Graça Ajranha intentam, à luz das doutrinas simbolistas, naci+,alizar ainda, mais o romance. Mas é com o Modernismo que eleiatinge sua II1ai.or altura observada até A
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históricosf"""").
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hoje. A partir de 1930, vêm surgind4 alguns nomes de primeira categoria, dentro e fora das fronteiras do País: Jorge Amado, José Lins do Rego, Gracilianb Ramos, Éltico Veríssimo, Octávio de Faria, Lúcio Carc\oso, Clarice Lispect•, José Geraldo Vieira, Cornélio Pena, Guimarães Rosa, Osman tins, Adonias Filho, Autran :r Dourado e outros. J ,j
3. CONCEITO E ESTRUTURA
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Vimos que o romance e a epopéij apresentam afinidades, decorrentes de procurarem edificar uma \risão totalizante do Universo. Nos. dias que correm, o primeiro substitui a segunda, mas tratase de uma substituição recente: data ~ mais ou menos 200 anos, contemporaneamente ao advento do Romantismo, que lhe conferiu estrutura, função e sentidé> dentro das itociedades modernas. A poesia épica tradicional, em viifncia até o século XVIII, e que analisamos no volume desta obra 4estinado à Poesia, servia de espelho onde se refletiam as represenlações, anseios e aspirações dos povos, carentes de alimento para l sensibilidade e a imaginação: a contemplação da lDeleza herói<* ofertava-lhes as respostas esperadas. Idêntica funçã0 desempenht o romance, ressalvadas as diferenças ·entre ambos, que nascem dt ser outro o tempo e outros os valores e as estruturas, sociais: o rctnance pode, mais do que o conto, a novela e a poesia (mesmo a fe caráter épico, segundo o nosso entendimento da matéria), apreeentar uma visão global do mundo. Sua faculdade essencial consislt em recriar a realidade: não a fotografa, recompõe-na; não demoJ1S11ta ou reduplica, reconstrói o fluxo da existência com meios própric$, de acordo com uma concepção peculiar, única, original. Por s• o romance a recriação da realidade é que os :ficcionistas se têm inostrado sensíveis ao tema da sociedade em decadência.· : quandg·o parece desmoronar é que mais se faz necessária a tarefa do cista. Coletando os escombros numa unidade imaginária ou dan forma à procura de solução para a crise, o rotruince cumpre 1,sua missão de restaurar o · os, aliena-se, tornando-se conhecimento e a fé. Em tempos passatempo, ou atribui-se o papel de s versor da ordem, transformando-se em arma de combate e de a o social. O poder demiúrgico do romancis resulta, primeiro que tudo, de utilizar dom o máximp de liberda e os recursos da prosa de ficção: nenhuma coação 1ie impede movimentos, salvo a que 165
decorrer das leis que presid a obra em processo . Nã~ fique sem reparo que liberdade não se ponfunde co:· anarquia: o· romancista obedece aos limites do univ rso da narra ·va, seja qual for a magnitude do espaço abrangido · seja qual f; r a técnica empregada. A verossimilhança interna, en dida como '- coerência entre as partes constitutivas do romance, de ser preservada: todo o complexo é determinado pelas premissas sobre lingüístico que ali se engen que a narrativa se monta, quais se inclui o emprego de expedientes vedados às demais tjil.odalidades $.pressivas, como o anda·v.a, o monólogo interior, etc. mento desacelerado. da Em segundo lugar, o ro . ce encemt uma visão macroscópica dor proc\ll'fl abarcar o máximo, em da realidade, em que o amplitude e profundidade, m as antenas da intuição, observação e fantasia. Seu anseio maiJ íntimo COil!Siste em captar todas as formas do mundo, todas as Jacetas das qoisas, todas as reverberações das trocas sociais: conlicto de havel' uma interação conduzindo os seres e os objetos, bWJa detectá-la e transfundi-la num palco imaginário. De onde converf.r para o romance o produto das outras formas de conhecimento: ~História, a Psicologia, a Filosofia, a Política, a Economia, as AJtes, etc., col.,,oram para a reconstituição do mundo que se realizitna eafent roJjlanesca. Daí que se possa encarar o romance do pont'4rde vista histPrico, psicológico, filosófico, político, econômico, eftético, etc. ~s o romance, microcosmos que é, caldeia, numa f!spécie de transmutação alquímica, os mananciais que para ele afll:jiem; ~ onde o conteúdo psicológico do discurso literário não ser o Jnesmo que o da análise psicanalítica, nem o filosófico o dos textqf> platônicos, ,aristotélicos, etc. É já um saber enformado, refratado.t.Pela linguagem propriamente literária, pela sistemática utilização .fila metáfora: .é o saber modelado pela fantasia, transfigurado num jfX>ntexto novo. Daí que o romancista ~a devolver ao psicólogo, ao filósofo, etc., o saber recebido, of~ndo-lhes achegas para erguer suas específicas interpretações. ÉÍfá lugar-com1Jlll admitir que os psicólogos têm muito que aprendtf com a leitura dos romances de Dostoievski. Tanto assim que Ulltl profissional nessa área chega a declarar que ''muitos fizemos a '8tranha desqoberta, quando estudantes universitários, que aprend.í1'nos muito mais psicologia, - isto é, aprendíamos muito mais a rppeito do homem e de sua experiência, - nos cursos de literatura mue nos de psicologia (... ) Da mesma forma, quando agora os estjdantes me ~crevem, dizendo que pretendem ser psicanalistas, e f>edem conselho quanto aos cursos que 1
§ê·.·
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devem fazer, digo-lhes que se fonnelif em literatura e nas hmnanidades, e não em biologia, psicologia Dt cursos pré-médicos''. 2 Por outro lado, mundividência mactoscópica significa haver, na mente do ficcionista, ou: melhor, no~ubsolo da obra produzida, uma ambição análoga à dos filósofos,~o menos dos que desenvolveram suas reflexões ames dos fins ;tio século XIX: englobar a variedade infinita do Universo, ou s~a, do mundo concreto e do mundo dos conceitos, idéias e pensani$tos, num sistema unificado. 3 E nos textos dOs romancistas, Ba12* à frente, os historiadores podem colher farto material para tlltar sua imagem do mundo inaugurado pela revolução romântica.a Mas, enquanto o romancista es~e sua intuição e imaginação, com o propósito de elaborar os -ressão, etc. Para configurarse e resistir à análise, o: romance íof? dos pormenores auto-suficientes: estes, para ga.nlw- sentido e lmção no corpo da narrativa, precisam vincular-se à cosmovisão ~gral. Nesse caso, tomam-se indispensáveis. Em D. Casmurro, os dbtalhes relativos aos olhos da heroína, ao escoar do tempo, aos gf;tos dos protagonistas, etc., ostentam relevo semântico e dramáti , imprescindível à interpredescrição de personagens e tação da obra. Ao passo ique a pro mente desenhar o pano de ambientes nO Cortiço Qbjetiva tã fundo para o conflito entre o sobrado a morada coletiva, e, dentro de cada um. desses tabla4los, das pe gens entre si. 2 Rollo May, "The SignifiFes of Sym ", in Rollo May (org.), Symbolism in Religion and Literature, New York, George B~er, 1960, p. 13, apud Dante Moreira ora Nacional, 1977, p. 9. Leite, Psicologia e literatura, 3ªled., S. Paulo, 3 Ver, nA Criação Literánq. Poesia, oca ' . referente âs espécies poéticas.
167
Graças à elasticidade e
· litude, o JPllWICe
~titui
terreno
novas ·1· .·cas expres·.·sivas: ~~· ideal para se experimen desligadas do intento final romancISta - apresentar. uma VIsao unitária e integral da reali -; acab por transfol!mar-se em exercício, ludismo, artifici • Se 1 . brarmas .que "artificioso" deriva do latim artifici ll, por sua ~ articuJBdo a artificiu, "artifício" (recurso eng , habili~, perspicácia), podemos rtimam tantas divergências entre um entender por que razão se romance de Zola, como N. , e A Cante, de JúJ!io Ribeiro: ali, pretende-se que os compo estétieofl sirvam à tese exposta pelo autor; aqui, o artificias · se eridencia, não só na trama como ainda no traçado das figuras das situações. Acontece que as duas obras seguem a mesma ten eia de époea que fazia do romance um espaço onde se realiza e~ntos, à semelhança do cientista no silêncio do labo tório. Ou, ~ palavras de seu mestre tal( ... ) é simplesmente o processo e teórico, "o romance expe · ista rcjpete aos olhos do públiverbal da experiência, que o. co. ( ... ) Em uma palavra, devi;nios operar it0bre os caracteres, sobre . e sociais, como o químico e o as paixões, sobre os fatos~··. físico operam sobre os co brutos, como o fisiologista opera sobre os corpos vivas. O · .. · .· dqmina tudo.' ' 4 Da inserção desses autor,· no ro~ experimental derivam duas questões que merecem · . ame: o '' cqmpromisso'' e o ''entretenimento". A obra de arte diz "compnmlissada'', "engajada", "dirigida", quando se p õ a·e t~ de wna causa, ·doutrina, ideologia, sistema filosófico, po.···. ·co, religioso, científico. O romance, dadas suas características e estrutura totalizante, é um território fértil para o engajamento, · mo se pod4 ver, por exemplo, nas obras de ficção que Sartre c~eminou para dar fonna ao Existencialismo. Apenas suplan~. lpelo teatro como expressão de arte dirigida, o romance facilm~ se transfomia em arena de combate para doutrinas polêmicas ou fn,tagônicas: nos anos 30, os conflitos ideológicos se refletiram, de~ extremada, na produção dum Jorge Amado e dum Octáviq; de Faria: aquele, inspirou-se na luta de classes, enquanto o o:~graNa o grupo de orientação católica. · larga difusão no pós-guerra de 39, Conquanto tenha al como prática e também comci teoria, a arte dirigida pode ser encontrada nos séculos anteriores, nem sempre com pigmentas filosófil1 4
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Fmile Zola, u R.oman e.rpinmt..tal, 4• cd., Paris. Clmpentiei:,
1880, pp. 8-16.
cos, políticos ou religiosos. A sujeiçãdldos escritores a um mecenas significava, até o século XVIII, a e~cia de peias coercitivas ao exercício da imaginação e do peru;~to. Mas a coação, além de uliares ao trabalho intelectácita e determinada pelú condições tual naqueles tempos, dizia mais res ito ao gosto que à idéia ou ao ideal, pois nesse particular oc · . -o raro o inverso: é sabido quão influenciáveis eran:t os monarcaip em suas doutrinas e planos políticos. A esse respei~ pense-se n~pacto dO Príncipe (1513), de Maquiavel, sobre o eomportmne1*o de reis e imperadores ao t longo dos séculos XVI a XVill. Em segundo lugar, e divisando'fo problema doutro ângulo, podemos dizer que a arte sempre foi~gajada, na medida em que nela o autor insufla um pensamento d um sentimento que, embora pessoais, representariam' os padroes • certa classe ou casta social em determinado momento. A cosmoiisão impressa no texto pressupõe uma adesão fortuita, num ampJt> sentido. Trata-se de engajamento espontâneo, destituído de in · -o doutrinária. Quando ganha coloração política, fllosófica ou ligiosa, resulta de um compromisso invohmtário, visto que a bra não foi elaborada com vistas à defesa de uma facção ideol ·ca. Ao criá-la, o autor carreou para ela o produto de suas fac des inventivas, abrangendo, sem o querer, a política,r a filosofia, a religião. Por vezes, trataantagonismo entre os apelos se de insolúvel rontradiç(io, patente do consciente e as intuições sutis: a ·ca tem considerado Balzac, rfície e a detecção da ''veroscilante entre o aristoclfatismo de s dadeira essência do progresso''; ex lo dessa bipolaridade. 5 Equacionado esse pqnto, pod retomar o conceito moderno ista engajado, por mais e restrito de arte engajada. Um generosos que sejam seus intuitos,' é sempre coartade em suas possibilidades criativas: iele impie ou é-lhe imposto) o caminho a seguir; a obra, erigel-a com o fi de demonstrar; o esquema doutrinário, anterior à ctíação oomo de indiscutível, toma-se camisa-d~força, "imp~ a abdicaç do livre exame, a submissão ortodoXia' ', no dizer de · a um dogína, o reconhtcimento de André Gide, que pôs eth circuJação binômio "literatma engajada" (liuérature engagáe). 6 Em sín e: despojado de autonomia
LitéTtltll.jRio de Jandro, Civili:zaçio Bnlsileira,
5 Geoqj Lulics, Ensaios laobre 1965, p. 38. : 6 André Gide, Joumal, ~. GaJlilmrd. 1 Littérature Engagá, 51 ed., Paris, a.Jlimard, 1
, p. 1175. Vor também, do mesmo autor, .
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mental em favor de um · aceito sem provas, engaja-se numa ideologia, subordinando-lhe produto de Jsua criatividade: abrindo mão de sua liberdade de amento, shbmete-<&e pa8sivo; nele, como se prostrado ante um ergaminh.o .grado, '•inão é o sujeito i que pensa, mas o Sistema p ele" .7 Para os críticos favoráve ao engaj compulsório, o problema coneu> fica de o ~lvido todo~ engajado será bom por princípio; e romance ~julg&llo ntau quando defender ideologias con · · 'ou recUBar-se ao alinhamento automático. Sucede que um romance -o será bom ou mau por ser engajado por ter, ou não, qualidades intrínse(ou por não ser engajado), cas que autorizem tal juízo. Ill61llOS é o que se espera dos críticos independentes. Se assim não ~ tombaríamos no reducionismo, de que não conseguem esca críticos e leitores que, espelhando a submissão do autor aos artig de fé, enal11ecem os romances engajados em suas crenças politi , filosóficas ou religiosas. Reverentes plasmou, &Qabam saoralizando o roao código onde a doutrina poc osmdse o catiter de verdade mance, como se este adq · gia. Ora, é de esperar que o critico, revelada que atribuem à i corrente de pensamento, tenha isenainda que inserido numa a obra. como artefato com leis ção, já que é critico, para próprias, e não como panfl . Se o romaµre engajado realizar-se para o aulpr e o critico de análoga como obra de arte, tanto me tendência ideológica. Mas se dedu.zai daí que toOO romance engajado há de ser, enq romance, qiticamente bom. É que, como lembra oportunamen o insuspeit
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apiu4 Michf
7 Foucault, numa entrevista, Vergilio Peneira, "Qucstionação a Foucault e a AlgumF.stmturalismo'', pidácio a Fouca»lt, Aa Pa/tlvraa e aa Cai&as, tr. portuguesa, Lisboa, Portugália, 1968, p. XXI. ed., Paris, Ga1Jimiml, 1948, p. 30. 8 Jean-Paul Sartre, Situatiom, li, 9 E. M. Forstcr, Aspects ofthe Noftl, New York, Hltcourt, Braco, 1954, pp. 26 e ss.
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um divertimento que, desviando-nos a atenção da existência banal, nos faculta a sensação de euforia ou di apaziguamento. Claro, não é somente isso que o leitor procura no fomance: quanto mais culto, mais espera que o romance mostre aitoutra faceta, a cosmovisão fecunda e diversa. O entretenimento s.,.. eeJ1x.ibe no primeiro plano da narrativa; a estrutura su1'!jacente se nitrnifesta a uma leitura mais penetrante. ~ A luz dessas camadas textuais, ~e-se dizer que o romance pende numa escala em que um extrenao é ocupado pelo entretenimento e o outro, pelo engajamento. E1f1 meio aos dois, inscreve-se a cosmovisão, a arte coillP fonna de df>nhecimento. Ao assumir tal função, negando-se a ser mero passattmpo, o romance enfrenta a sedução das ideologias, caracteriza de tonnen.. e de dúvidas, não saberiam ser prazer para o leitorj mas dúvi e tormentos. Se soubermos enfrentá-las, não consti~o div to, mas obsessão. Não oferecerão o inundo 'para~ ver', mas se transformar. " 1
º
10 Jeanlpaul Sartre, op.
'
cil, pp. 262-263. 171
Em suma, entreter é p bem como de todo texto li as demais sem correr o risco outro lado, evitará cair no e se ou intelectualizar-se. No xandre Dumas e os folhe · Escrich, Xavier de Montép" cistas), as narrativas polic" ·, dade, que exploram o sexo deslumbrantes, em narrativ sem compromisso. No ou Corresponde à diferença Assis, ou Joaquim Manuel entre Afonso Arinos. e G ·
certo uma 41as funções do. romance, · ·o, mas nã0 há de ~ominar sobre
perder d.idade e significado. Por mo oposto! sob pena de obscurecer· iro casojestão, por exemplo, Aletas romântipos (Eugênio Sue, Perez e outros, mais novelistas que romane os best-sellers digestivos da atualia violência 1e o charme de cenários · - o mais be,ni construídas quanto mais Proust, Joyce, Thomas Mann, etc. B~o Guimarães. e MachÍldo de Ma.cedo e Graciliano Ramos, ou
•·I· \Ação
~e.
Passemos agora à e s i do O primeiro aspecto digno da nota refere-se à a. . . Assim como a novela, o romance apresenta pluralidade dra a, uma sérif de dramas, oo.nflitos ou células dramáticas. Em · 'pio, não há limite para os núcleos dramáticos que podem com$. ação dllll1 romance. Ao ficcionista, cabe selecionar os que · uem a virtµalidade de se organizar é o grande obstáoolo que se lhe harmonicamente. E essa es depara, dado que infinitas ibilicladea lhe são oferecidas ao simples golpe de vista lança sobre os a~ontecime:ntos diários. A imaginação, com transfundie t:ranscenfiê-los, faz o resto, avultando ainda mais o número caminhos revelados à sua intuição. No decorrer destas obse ações iremOf> anotando que, paradoxalmente, o romance é mais ·. itatlo que ,a novela em matéria de volume de núcleos narrati · Adiantem<$ apenas dois pormenoé impensávcl uma novela com dois res, por si sós elucidativos: núcleos dramáticos, ao pas que um rqmance C01I10 A Paixão eotior, P884ll-se em dois registros, Segundo G.H., de Clarice constituindo as duas verte · condutoras do romance, uma, a do presente da ação, a outra, a remin.isqências da narradora; 2) toda novela pode, em bipó . coQ:tinuar clepois da última aventura, visto haver sempre uma ibilidade franqueada à imaginação do autor. O romance, por suaj vez, termina com a derradeira linha: enquanto este constitui, no se.ln todo, um espaço aberto, em comu172
nicação com a vida, numa continuiclade que tende a borrar as diferenças de grau e senti.Cio entre ambJ>s, a novela descerra-se para si própria, numa linearidajde introje~, como se nada tivesse com a vida, oruh as coisas acp,bam. ;, Compreende-se, ass~, por que p romance não é ilimitado quanto às células dramáticas: seja quf for o seu número, o autor as trata segundo a naturtza de cada fIDa, dispondo-as em níveis próprios. Ao fmdar a natrativa, mestfo os dramas secundários já terão sido resolvidos ou em vias de. $°ada mais há que fazer com aquele material. salvo se se tratar d*1i mau romance. A novela orienta-se por diferente vetor: como thdos os núcleos têm ou podem te.r análoga intensi~. e relevo, fo. e dar por encerrada a tarefa, o novelista ainda pode espichá-la indefinidamente, aproveitando as ,; comportas deixadas em aberto. No confronto entre a novela e "romance, verifica-se que a primeira ostenta estrutura fechada, ou jaberta horizontalmente, uma vez que o ficcionista, ao., acumular o~episódios em sucessividade, patenteia uma única saída para a reaJtiade exterior: o epilogo. As aventuras anteriores, ~-se ao coittato com o mundo exterior; e, cristali.zando seu con14údo, reduz.elf a complexidade existencial a conflitos definidos e transparentes: t jogo das ações não autoriza gesto guardar um sentido duplas interpretações, etl razão de c único. O ''mistério'' diz 1respeito a quem praticou a ação, ou quais possam ser suas conseqüência do que ao significado delas. Contrariamente, o rQm.anCe exi estrutura vertical, ou antes, em espiral, abm:ta em tqdas as · para a realidade exterior, ainda que oclusa no desenlace. Não ·gnifica que o escritor possa agregar outras unidades:, dramáticas . · que compõem o romance, mas que seu universo de símbolos ga uma polivalência e um dinamismo semelhantes aos da reali viva com a qual se comu1, ou minimiza-lhe a divernica. Enquanto a novelaí petrifica o mo tal: o novelista recusa sidade, o romance proqura fixai-lo atentar para o caos do mundo, ao p que o romancista molda-o -lhe a característica original. no perímetro de sua ficç4o, respei As Mell)ónas de um 1Sargeruo de· .ilícias apresentam estrutura de novela: a qarrativa finda q~o o herói passa a· sargento de milícias, deixando um ljrgo c · descerrado à imaginação do leitor; outro tanto se ~· dizer d demais núcleos dramáticos, cujos protagonistas ain reservari surpresas, pois levam uma vida que aborrece toda ·ordem e m' otonia. O Guarani, embora se no episódico, a cristasalpicado comJaivos d novela (o · 173
lização das personagens, os mist&ios'' pontilhando a narrativa, a inverossimilhança, o conven ·onal, etc.), -ê um romance. Pelo desfecho, tem-se a certeza de tudo aca~u; qualquer que seja o destino dos heróis (morrer ' sobreviver, casar e ser felizes), não se altera a impressão de tud io mais ser importahte. Uma única de Mariz, e volta a aparecer nAs fenda, constituída por Dio Minas de Prata, não com mete a solidez estrutbral !da obra: a personagem ressurge noutro gar, vivendb uma existência resolvida e apagada. O romancista desloca da dena da catástrofe decerto por não acreditar que ali, ou utra parte,: sua presença mudasse o · rumo das coisas. Na novela, a multivoci~de dramáticll caracteriza-se pela sucessividade. No romance, o1'ervai.se a sü,iultaneitliule dramática: as células dramáticas interli~-se. solidariamente, ao mesmo tempo e, às vezes, num único aço. Os coriflitos decorrem simultaneamente, como na vida real iningaém consegue muito tempo ficar à margem do que se passa · o próximo e com o mundo inteiro, de forma tal que seu ''caso individual lse articula a uma vasta malha de situações análogas 'Na verdadeJ inexistem casos individuais, mas expressões pess · de dram:ii:s coletivos, porque comuns a todos (como o da breVivência,' o medo da morte), ou porque muitos sofrem o m drama (cailsado, por exemplo, pela estafa mental nas cidades des, ou pela fome nas zonas de miséria). O romancista, ao e era porção:de realidàtde que pretende analisar, procede como e nesse entrelaçamento dramático: reduz o campo de observaçã para melhot compieénder, estribando-se na afinidade dos confli Assim, o drama de um camada ou área própria, on não caberia,: por exeIIlplo, o conflito dum adolescente em face do · se\Tero ou •decadente. Enfocar uma família pequeno-burguesa decomposição difere de examinar a tragédia de oitenta mineiros temidos a dezenas de metros sob os escombros duma galeria ruí ao explodir 1uma carga de dinamite. Mesmo que, num caso ou utro, os dtamas envolvam outras pessoas, estas devem conec se às fi~ principais da narrativa. Por isso, é lícito imaginar conflito dos. amigo8 da família em declínio, e o das esposas dos · eiros, supbndo nu8llças diversas e gradativas em todos eles. T o se passa, ho romanee, como uma pedra jogada na água, f:oi·rtrultdlo círculos toncêntrioos que se vão esbatendo à proporção que se astam do fQco gerador. Observe-se, porém, que outras pedras lan das nas proximidades originam ou174
tros círculos contíguos e parecidos. cada pedra corresponderia um romance, e, ao conjunto, a to "dade da vida. Falta supor, apenas, que a vibração µa superfíc" água corresponde a igual se tome completa. movimento interno, para que a imag Mas essa metáfora ~ pedra na á · merece ainda ser observada doutro prisma: os círculos perdem. orça e consistência à medida que se distanciam do núcleo, do modo que, no romance, as situações dramáticas ap:iesentam dll ntes graus de importância, dependendo de estarem próximas ou do centro irradiador. Nem podia ser doutra fqmia: oro · cista não pode, sob risco de jamais pôr fim à obra, t:tatar todos conflitos com idêntica atenção; mesmo porque serlJi inveross . Na vida, os conflitos possuem significação e in~nsidade di , independentemente da vontade de cada um. Resultado: o omancista escolhe o drama capital, julgado o mais importante j.o contexto social, em dado momento histórico, etc.., e dele faz nsciência, deve limitar-se à observação do comportamento e a e$belecer ilações a partir dele. A interação apontada varia confonnÍ se trate de personagens secundárias ou principais e de acordo 4>m o tipo de romance (como se verá mais adiante), Inaf está presen em todo o sistema romanesco. O Primo Basflio é µm exemplo 1 pico de romance. O caráter experimental ela mu:rati;a realista e turalista, composto segundo regras científicas e fil°"ficas, faz le um protótipq do romance como foi entendido de~is de Balzac até Proust, quando o padrão , o que não significa terem balzaquiano começa a~ ultrap desaparecido ~ romanc .tas dessa . , sobretudo nas literaturas vemác~.· O drama. p · ipal consti ·-se em tomo de banal história de aduiltério: Luísa, urguesa lis ta cheia de ócios viciosos, entrega-se. ao primo B filo, d a ausência do marido, para 175
fugir ao tédio em que veg · Tudo corre\manso at'é q~ Juliana, a suas ao arrtante. E passa a exercer criada, se apodera de e despótico domínio sobre L , a ponto os papéis se inverterem. ·. o, sabe e rierdoa, más é tarde, Luísa A heroína adoece, volta o morre. Aí o cerne do rotruut:e, o foco cdntral. A sua volta, aden~ugados: ~··de Julian;a. , ab-e.bentando sam-se outros dramas in de ódio e despeito pela ; ó de S tião; e:x-ruttnorado de Luísa, ainda embebido n plaç~, lírica e impçtente; o do Conselheiro Acácio, aman ado Com a +ropregada; o ·de Leopolde av~ galantes; o de Ernestidina, leviana e colecionad nho, derramado poeta . co; o de Dotia Felicidade, Jorge, etc. Todos foi:mam o pano de do social Pata o "casb" Luísa-Basílio. Não importa que Juli com a sua fckte personalidade, imponha uma presença que ofus a de Luísa, lmas seu conflito mergulha na penumbra, como o demais, pata destacar o da heroína. O entrelaçamento, contudo, tal que a ~géclia (no sdrtido originário de "sern saída nenh ")da protagfuüsta somente se explica pela incidência de alheios, irpdntados como tributários. E vice-versa. siStema lilem é rígido, nem histoEntendà-se, porém, que ricamente exclusivo. Casos · , depois de t'roust, que podem denotar rompimento ou evolução: O Contraponto, coexistem situações dramáticas em pé de igual aparente, <)cupando 'O mesmo nível espacial dentro da obra. A análise n:itis profunda, entretanto, percebe-se descompasso elas, result$.te de umas serem principais e outras, secundárias.
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~o O lugar dos acontec' vincula-le intimamente ao anterior: o romance caracteriza 'pela pluralidade ge0gr:áfica. Demiurgo, o romancista assenhore' se do~ em que trimscorre a narrativa. Aqui também de li · . integral, em tese; na prática, vê-se limitado pela ·. · lha do teJna e do 'modo como o fazer que'. as personagens viajem desenrola. Num extremo, quem encetradas nuina casa e mesconstantemente, e noutro, q mo num só cômodo. Dentro a8 f:ronteitas, camifiha à vontade. o seguinte: quantO :mfils desloca Entretanto, há que po topograficamente as persona , mais ficá sujeito a fazer um exa176
me rápido e superficial do seu dram4, sem o qual o romance não se organiza. E como o deslocamento4físico implica novas aventuras; o narrador corre o risco de pre:ruJ.er-se mais ao anedótico que ao dramático. A história, nesse caso, \!;anha em vivacidade e dinamismo, e perde em concentração. Ofecurgo, quando exacerbado, pode fazer da narrativa mais uma no"'1a que um romance. A ficção mposição, em que às avenromântica enquadra-se nes.se ti.·po d~· turas não raro o ficcioni.Sta concede · atenção que à análise dos caracteres, análise essa ·que consti . o objetivo fundamental do romance. Nem mesmo numa obra da 'tategoria de Jean-Christophe (1904-1912), de Romain Rolland, f~ uma nota de pitoresco episódico acomp81Dbando o desenvol~nto da personalidade e do "caso" do herói. , O contrário - reduzir ao mí:nimd!o espaço físico para a circulação dos protagonistas ..... constitui blnbém um risco, porquanto o conflito manifesta-se na ação e, ao desmo tempo, provoca-a. Entenda-se por ação inclruive o diálog4 esfera ideal, como se sabe, para os conflitos deflagnttem. Con~do-se o horizonte geográfico das personagens, urge propiciar coddições para que os dramas irrompam. Não raro, nascem de cau+s exteriores àquela circunstância: o atrito estabelec~-se entre o
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geográfica pelo recurso de culhar a i!qtimidade de cada um, o roD;la.D.ce. ~fais ainda: consegue que narrador impede o malogro o fato de estarem ali as pe nagens. :!ijapenas UlJl do.s capítulos dum entrançado de dramas . omuns elas. O jantar se torna, pessoas, como de· praxe desde os assim, o pretexto para apro primórdios da história do ce; pelo e:fpediente do ~arau literá· 0; das refiniões mundanas, etc. O rio, do teatro, do turfe, do difícil estava em fazer o pre to durar o ~ce todo sem empobrecer o tonus dramático. c ude Mauri&.4 triunfa pela mobilidade física efetuada no plano da bjetividade dos protagonistas, como se, de fato, se encontrasse reiteradas v~zes para comer ou para outro fim, e nessas ocasiões queassenp. ao romancista sua vida mental. Resultado: o jantar de significado próprio, para se transformar na oportunidade g áfica (e leJl,D.poral) em que ganham corpo e presença os dramas . s oito convivas. Com isso, escapa o narrador do perigo de encurtar ' o nível máximo o espaço do romance. Como se sabe, o roman surgiu iden1ificado com a burguesia. Por isso, é urbana sua g rafia. Consflitui exceção o romance regionalista, ao menos quan tivamente (está claro que, em qualidade, o romance ru;bano · ocupa o primeiro lugar, como se pode observar em A Procur do T~mpo ferdido, grande parte da Comédia Humana, Ulysses,:,.O Contrap
um.f
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dá-se o contrário: o cenário avulta de importância, às vezes assumindo papel decisivo na configuraçãp da personagem, como no romance realista e naturalista. Luís~a. · Primo Basílio, vive numa casa de pesadas cortinas l!molientes; . ar de modorra comunicase a tudo, convidando à sesta espre · . ·çante e prolongada; uma penumbra viciosa estimula a devan .à rédea solta; tudo transpira requinte, ''chie'' sensual., Não es~ que, vivendo num ambiente assim, Luísa cedesse logo às falas de ~ilio, que a arrancavam do tédio para a aventura e a· fantasia. Nl;··ém considerará o cenário como o único fator atuante, mas tam · uco deverá julgá-lo inócuo para o correto entendimento do perfi psicológico de Luísa. Uma verdadeira osmose se estabelece entm1 a personagem e o ''meio'', consoante as doutrinas ~erministas ~ voga no tempo. Podemos tachá-las de exagerar o cbndicionam+o geográfico, mas sem negar a verdade, parcial embora, da "l~" em que assentam, o homem como produto do- ''meio''. li Fora do romance reàlista e natura$sta, ainda se pode observar gceografia. Atente-se, por a interdependência da p6rsonagem e .~. g exemplo, em Angústia,~ Graciliano~os. Escolhemos de propósito um romance introspectivo, poi~a ficção nordestina regionalista se assemelha ao romance realis~ e naturalista. Em Angústia, o cenário ocupa relevante posição: ~ casa em que vive Luís da Silva permitia ver os fundos da casa+ Mariana, numa vizinhança que originou as condições para tudo·~ mais. Não bastasse a circunstância geográfica propiciar o enobntro amoroso das personagens, o narrador desce a minúcias (a chuva, poças d'água, etc.) a fim de compor, tão integralmente quatito possível, o cenário onde se desenrola a tragédia passional. A tiva apresenta-se pontilhada de marcos geográfico$, como bali dum roteiro no interior da pa da situação com todos mata: o romancista procura levantar · os pormenores, que sabetmdispebsá à compreensão dos protagonistas em cena. 11
11 Para o estudo do espaço, ver Joseph F "Spatial Foun in Modem Literature", in The W'zdening Gyre: Crisis and Mastery in M , m LJterature, New Bnmswick, N. J., Poétique, Paris, n• 10, 1972, pp. Rutgers University Press, 1963, JiP· 3-62 (tr. 244-266); "Spátial Foun: Some lfurther Reflocli ", Criticai lnquiry, The University of Clricago, vol. 5, n• 2, Winter 1978, pp. 275-290; abriel Zoran, "Towards a Theory of ity, vol. 5, n• 2, 1984, pp. 309-335 Space in Literature" Poetics ToMy, Tel Aviv Uni (com bibliografia). ·
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!
Hans Meyerhoff, no seu 'vro. acerca jdo tempa: na Literatura, começa afinnando que o '' ' po,, como Kant e outros têm observado, é o modo mais caJ:B.C 'co de ~ experiência.'' 12 Mas, que é o tempo? P o &ame ~ conto e da novela, não foi preciso colocar a ques - '. ~ja porq'te o ~~.· ali. obedece quase sempre a um esq • umcp, o doj calendário, seja porque entendíamos logo de que se tava, ao m~os como dadp da experiência. Todavia, a comple.xi e do as~ é tal, quando se refere põe. ; ao romance, que o problema ''Santo Agostinho, que ti ·.· o primeiro pensador a avançar uma genial ,teoria filosófica b iQ.teiramqnte na experiência momentânea do tempo comb' çom ~gorias psicológicas da memória e da expectação'' ~oonou: a questão nlllil dilema célebre: ''Que é, pois, o o? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem petgnnta, ~não sei" 13 Desde o filósofo cristão té 08 ~ dias, o ~ constitui uma questão sempre em a . Aristóte]:ts, na Física {liv. IV) e Plotino, na 3a. Eniades, deti --se no t$ame do 11empo, mas, na verdade ''para os antigos ( ) o temp<>1 não tinha grande importância'', pois ''é o Cristiani quem collQede tanta importância ao tempo, apresentando ao h o espetácplo de um tempo que se dirige, por assim dizer, ao próprio ceqtro, o instante em que o infinito se tomou finito, ao -se 111 próprio Deus entre os homens" .14 Quando Bergso 'já iu;ste século, o considera um "dado imediato da consciência" -o faz JD.ai4 que buscar qualificá-lo ao invés de conceituá-lo, a afirmação item feito·sua carreira de convencer, informaT e orle . Como VeJlelll.OS, exercerá considerável influência no romance . de.mo. Entretanto, está fora de propósito cogitar neste livro do ~pecto conceitua! (filosófico e científico) do tempo: nas notas de !fOdapé a este tópico e na bibliografia final, o leitor encontrará indi4:;ação de obras que tratam do assunto.
Litture,
12 Hans Meycdwff, Time in Bc:rkcley Jand Los Angeles,. University of Califomia Pmss, 1960, p. 1. : 13 Ide111, ibidem, pp. 6, 8. As · · exOO. de Santo Agostinho acerca do tempo se encontnun nas Conji&sões, liv. XI, §x- . ·. 14 J - Wohl, ,,,,,....,_ • ~ ........ tr. - · .._,.do CWrun F.conómica, 1957, pp. 14 e 15. '
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Nosso alvo, no momento. é o roman~que suscita~ como nenhuma po. Por que? · outra forma de arte, o pq>blema do Porque o romancista, mais do que o dramaturgo, ''é senhor do espaço e do tempo em que a ptópri~ vida humana se realiza. É assim que podemos acompanhar He.mf Esmond ao longo de toda a sua vida e que Hamlet poucas horasj>assará conosco. Em um dia de leitura podemos viver anos e anos ~ existência das personagens de um romance. Nas poucas horas qlllje dura uma tragédia, pouco mais viveremos que os ~deiros mafn.entos do herói''. 15 Por outras palavras: o romancistai1pode acompanhar as personagens desde o nascimento até a m•, detendo-se nos aspectos que julgar relevantes para a narratival abranger 8 ou 80 anos da vida de suas personagenS, sem outra ~trição que a imposta pela coerência interna da obra; Como ve~deiro demiurgo, cria personagens e o tempo de que· necessitam ]tara realizar-se e convencernos, à semelhança dos seres vivos. E arquiteta o tempo à sua maneira, com o objetivo de produzir~hwnanidade no interior do romance. Essa liberdade na sugestão e ltilização do tempo comporta uma gama complexa, que foge a tod9 esquematismo clarificador, e justifica o interesse que o problema flesperta em críticos e leitores. Como retomaremos o assunto aa tratar dos vários tipos de tempo, fixemos por ora que o domínlo do tempo longe está de significar facilidade para o romancista.. Ao contrário, constitui-lhe a barreira mais difícil de ultrapassar. 1 É voz corrente entre o6 críticos quJ, um romance, para ser bom, deve satisfazer a três requisitos fun entais: 1) um enredo suficientemente rico, forte e convincente manter no leitor a mesma pergunta aflita: "e agora? que v acontecer? e depois?"; 2) personagens verossímeis a imagem e , elhança dos seres humanos, "gente" como nós, mas substan' ialmente diferentes porque "podem" existir e "parecem" existir jamais deixar esse mundo de potencialidade que 6 o romance que "vivem" encarceradas e, se existissem com<;> tais, de d uma: ou as personagens deixariam de valer como ia.is por se m "reais", pois não é a realidade cotidiana que ~ espelha na · bra, ou a pessoa viva seria onagens de romance"; tão inverossímil que logo'ª diríamos '
15 João Gaspar Simões, Ens4o sobre a Criaç Nacional, 1944, p. 14.
no Romance, Porto, F.cl. Educação
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3) reconstituição da natureza do espaçoi onde a história transcorre. O último requisito tem os impo$cia que os outros dois, porque, às vezes, pode estar usente sem i>rejudic~ o conjunto. Restaria acrescentar a as ttês ca]teº as li~as a quarta dimensão posta em evidênci em nossos ·as: o tenipol O romancista cria enredo, persona. , espaço e po. ~ identificado com as personagens, é cate · fundam tal: o caráter demiúrgico do romancista se exerce e se vela na cri~ão do tempo, que é tudo ou impregna tudo na obra, é nada, ~alpável como um "dado imediato da consciência''. . o tempo, ia.final de, contas, que o romancista diligencia criar o ' apreender, ]j>or meio dos outros componentes romanescos (a hi ·a, os protagonistas, a natureza), que seriam a sua concretização. a mesma fot.ina que o tempo histórico é marcado pelos ''mon · s'' (ca~s, palácios, esculturas, pinturas, estratos geológic 1 etc.), assim. também o tempo no romance se manifesta naquel ingredien~, numa harmonia específica. Mas, por isso mesmo, tenta um c<)ntomo complexo e dinâmico, em razão de oferecer série. de ~gulos e de possibilidades para o ficcionista. a existê*ia de três modalidades Comecemos por sub · básicas de tempo: i' 1) o histórico; fl 2) o psicológico; •. 3) o metafísico, ou míti~. O primeiro obedece ao tmo .do relógio, consQailte as mudanças regulares operadas no bito da Natureza e empiricamente perceptíveis: a alternância noite e do dia, o fluxo-refluxo das marés, as estações, o mo ento do sol, etc. Tempo social por excelência, na medida em e as múltip~ relações em sociedade (comerciais, industriais, do ésticas, coletivas, etc.) se regem pelo ·dade fixa dos segmentos tempocalendário, faz crer numa rais, divididos ascendentem te de segun4o ou fração até século ou milênio. Orientando a vida convívio SÓcial, acabou por se transformar em autêntico mito, ças à mentalidade industrial centrada no aforismo ''tempo é dinh ''. É com fundamento na cronologia que o homem "conhece" , passado da Humanidade, do mundo atual, de seu país, de sua c de natal, de sua família e amigos, e dele próprio. Todos vivem !segundo um sistema horário marcado pelo relógio, numa rigidez iu~. não deixa de ter reflexos e conseqüências profundas na vida Jt!filvidual, p,los choques entre a coletividade e o "eu profundo' de cada um. 182
A rigor, tais choques acontecem. rque o tempo histórico-freqüentemente não coincide com o lógico: irreconciliáveis por natureza, somente se 1-mo · · condições difíceis de alcançar, visto que, progredindo a ci "zação tecnocrática, aumenta psicológico se opõe frona distância entre ambos .. É que o talmente ao outro: como o próp:io a · tivo ''psicológico'' sugere, ainda na mais corriqueU. de suas tações, essa forma de tempo aborrece ou ignora a IDa!fCSÇào do re 'gio. Tempo interior, imerso no labirinto mental de ~ada um, metrado pelas sensações, idéias, pensamentos, pelas vivênci em suma, que, como sabemos, não têm idade: ~ à ·ência universal, repetida diariamente, saber que não significa da, em última análise, afirmar que determinada seQ;ação oçorre há dez anos, vinte dias, etc. A consciência e as conyenções im uma ordem externa aos ta marcada, quando sabefatos, obrigando-nos a rotulá-los co mos que a verdade psicológica, m para nós próprios, é outra: tudo quanto sentimos, fi~u arquiv num universo sem limites ou, quando muito, circuhv. E as se vão-se acumulando sem cronologia: todas presen~, todas de 1e, bastando o ato de recordá-las para o confirmar. Bse as rem os numa ordem é ainda em nome de pressupos~ exteriores,· ubordinados à consciência social. O vulgar embaraJ'1amento das lembrança.s serve de prova para esse mecanismo da Jl:lemórilh infi à cronologia histórica. Portanto, trata-se de ufn. tempo su . ti.vo, oposto ao outro, objetivo, e por isso variável de1individuo indivíduo. Todos sabemos, depois dos trabalhos de &rgson (M éria e Memória, 1897, A Evolução Criadora, 19061 Duração e imultaneidade, 1922), que variamos continvamente, 4filda quando tempo objetivo se mantenha inalterado na aparênc"'-. Nesse a indagação de Machado de Assis, no fecho de um soneto - "Mud o Natal ou mudei eu?" só tem uma explicação:~· , flagrância o sentimento de metamorfos~. que, todo ser ·vo expe · ta inin.terrupt.amente, como. um rio pere~ a correr, · do espetáculo. Admiti.do que o Natal, histpric:µnente, isfo é, como táculo comemorativo do nascimento de Cristo, orgrupzado com nos mesmos ingredientes externos (a árvo~, o io, etc.), permanecido tal e qual, só resta que p hqmem m~. ,se o Natal mudou, mudou também o "eu" do poeta; :inclusive o atal mudou porque mudou o "eu" do poeta: como o "eu" é fluxo permanente, nada se mantém inal~rá'Vel à sua !olta, mesm 1 o que pudesse pennanecer \imutável: utri m+.umento ~. poema, uma rua, etc. É o 1
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que nos acontece quase todosl dias: semJte que voltamos ao lugar da infância, reassistimos aos es da pmrleirã adolescêricia, revisiletras, reeniontramos um amigo de tamos a escola das prime' infância, relemos o poema outrora 00s fascinou - é fatal a s, e epxergamos tudo com os decepção: já não somos os o, que era cJe nós próprios diante do olhos de hoje. A velha ugat a· out:ni, de insatisfação, porque objeto, desapareceu, para incdssante áté a niorte. mudamos radica1mente, mun a, pois, em cada um de n6s e de um O tempo psicológico, para outro. Também sabem , por experiência própria, que duas pessoas sentem de modo div o o mesmó objeto, e poi isso guardam dele :impressões por v es opostas. 1 Uma delas tem reação pronta, :imediata, como se provida de'maior sensibilidade, enquanto a outra contempla e · 'sofre'', quem sabe sem perceber o alcance do fato que vivenc . A marca Será diferente para cada uma, porque seu tempo . .or segue ntmos específicos. Para Proust, sua avó morreu de fato . ·dos mtfi.tos anos após o desenlace. Fora da Literatura sab e que pessóas envelhecem anos em poucos meses de prisão ou quálquer sofrimento moral; mudam às vezes, da noite para o di adiantam-se1no tempo futuro interior, enquanto outras podem pe ecer com fisibnomia juvenil anos a fio. "Envelhece quem quer' , parece uma indiscutível verdade popular, significando que uns , antecipam no tempo psicológico e o organismo acaba por retl lo, enquantn outros envelhecem de modo :imperceptível, como vivessem devagar.· Daí "o dilema posto p · aparente irreconciliabilidade do tempo na experiência (o tempo sicológico) e o tempo na natureza (o tempo histórico): os elemen irreconciliáveis contidos nessas duas dimensões temporais consti ,em, a nosso ver, a principal razão para as divergentes interpretaç- filosóficas do tempo. Tais interpretações são invariavelmente dicionadas pelo fato de que tratam (ou procuram tratar), seja do po na expepência, seja do tempo na natureza.'' 16 Mais ainda: tai idivergências apenas confirmam a magnitude do problema e justifi que o tempo se tenha tornado ''um tema corriqueiro e predo té na literatura contemporânea." 17 Por último, explicam a plexidade do emprego do tempo no romance, em evolução des o seu despontar até os nossos dias.
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16 Hans Meyei:hoff, op. cit., p. 17 Idem, ibidem, p. 3. ':
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l O tempo metafísico, ou mítico, ~ o tempo do ser. Acima ou fora do tempo histórico ou do temp · psicológico, embora possa -se, é o tempo ontológico neles inserir-se ou por m~o deles rev por excelência, anterior à História e ·à Consciência, identificado com o Cosmos ou a Natureza. T coletivo, transindividual, só corpo fundido às coisas tempo da Humanidade quando en ·dade perene, tempo prido Mundo, tempo re.versível em c· mordial, originário, sempre idêntico, po dos arquétipos (Jung), concretizado na recorrênqia dos ritos das festas sagradas, quando se torna presente para o homem dese so de retomar contato com o, sem começo nem fim. 18 o momento das origens; tetnpo sagrado, Dele nos falam os relatos mític dos povos que continuam imersos, graças à sua cosmologia má ca, num tempo que sempre volta, inesgotável e idêntico, e dele . s uma idéia quando percebemos que as personagens de romanciJ flutuam, sem o saber, num tempo que não se confunde com a s~história ou a sua psicologia. Revelado sempre que um gesto ad.quüt, pela ressurgência, fisionomia litúrgica, o tempo mítico tomou-sit obsessão nas estéticas simbolista e pós-simbolista: o teatro líricoit ou a poesia dramática, dum Maeterlinck ou dum Pessoa, deco · numa dimensão de tempo que pressupõe o mito ou o sagrado; romance sinfônico de Thovaleiresca dum Guimarães mas Mann. ou a cosmoviJão mediev , são outros exemplos Rosa, expressa na identidade sertã.o = da instauração do tempo mítico no es ço literário. 19
Tempo-es~o 1
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Tempo e espaço são, como se obs a, categorias fundamentais do discurso romanesco. Durante um 1· go período, a crítica literária, refletindo uma tendência ge"~u•.u._..,da neste século, dedicou-se uns anos para cá, o espaço com mais afinco à primeifa. Até gµe, o porque, como tem ensicomeçasse a attair os estpdiosos. nado a teoria da relatividade, de Eins , uma categoria pressupõe
. , Bumos Allcs, Nova, 1960, pp. 18 Goorge.s Gusdod, Mito y Metafisica, tr. Gallimaxd, 1971, pp. 60 e ss. 66 e ss.; Min:ea Eliade, ú Sacri ~t /e Pro/Qlllt, po da ação ou da narrativa. Para o 19 As tres dimensões do tcuiP<> referem-se leitura, sugerimos o estudo de Roland leitor interessado no ~ da ~ e no lllDJPO Boumcof e R.éal 0uol3ct. O Univefao do ~. . port., Coimbra, Almcdina, 1976, pp. 169-198, e ainda• bibli~ is:Págims 314-315
185 \.
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a outra: a noção de tempo · · plica a de espaço, e vice-versa, todo espaço se vincula ao tempo ue nele ~corre. A correlação dessas ca orla!; induziu à criação de um vocábulo composto, "tempo· ço", ou ch,-onotopos, que registra a indissolubilidade dos tenn considerantio o tempo a quarta dimensão do espaço, sem pe de suas ciuacterísticas específicas. Estendendo-se para as ciên naturais, ~ chronotopos não tardou a ser absorvido pelos s estéticos, le depois literários, onde assume caráter simul te fonnalistB e de conteúdo. Devemse a Mikhail Bakhtin as in pioneiras nessa área, em escrito de 1937-1938, revisto e am · o'em 19'3, a fim de integrar livro de 1975, chamando a a o pára a relevância do chronotopos para o estudo da novela e romímoe. 20 : Um exemplo dessa rei eia pode sdr colhido, como demonstra o teórico russo, no chro . opos da estmda: desde a Antiguidade clássica, representada pelo tyricon, de· Petrônio, ou O Asno de Ouro, de Apuleio, até a ·va histórica! de Walter Scott e outros, passando pela novela de ca ·a, a novdla picaresca e o romance de aprendizagem (Bildungs man), - o motivo da estrada desempenha papel capital na econ ·a e na semântica do relato ficcional. Inocência, de Taunay, · e-se nessa tradição: o desenlace trágico, "a hora e vez", COIIlO · • • 0uitnarjes Rosa, em que o herói tomba, assassinado pelo ·ri · , ocorre na l estrada para Santana do Pamafüa, chronotopos da si · ção amorosa irremissível, vivida por Cirino e Inocência, uma es ie de Romeu e Julieta do sertão. cativo é o do salão-sala de visita, Outro chronotopos si freqüente na ficção oito ta, romântica ou realista, como se pode ver na obra de Ste e Balzac, ou, em vernáculo, de Joaqubn Mmuel de Macedo Aleticar, J'lil:j.o Difiis, Eça de Queirós, Machado de Assis, dentre tros. ''É lá L diz Milthail Bakhtin que as reputações políticas, · · , sqciais e literárias são criadas e destruídas, ·as carreiras iàm e fratassam, estão em jogo os destinos da alta política e altas finanç$, decide-se o sucesso ou 1
· ratura e de Eftltica (A Teoria do Romance). tr. . 211' e !IS. Ver '1mbém fragrlientos publicados em PTL: A JoUT118l for Descriptive Poeti ~ry of ukratwe, AmSterdam, vol. 3, n• 3, 1978, pp. 493-528. Pm uma visio divergênte do ~pm. ou soja, '"definido pela integnção das categoritls do mpaço e tempo como mdvtmaito e mudança'·, consulte-se Gabriel Zoran, OfJ. cit. E para uma m·ttaJl~lci-iO. filosófici! do chronotopos, ver 1. F. Askin, O Problema do Tempo, tr. bras., Rio Janeiro, Paz e Témt, 1961), pp. 110 e ss. 20 Mikhail Bakhtin, Questões de
biias., S. Paoló, UNESl'/Hucitec, 1988;
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o revés de wn projeto de lei, de wn Jivro, de wn ministro ou de ntadas de fomia bem comuma cortesã-cantora; nela estão rep único tempo) as gradações pleta (e reunidas num único lugar e n da nova hierarquia social; finalmente, vela-se em fomias visíveis e concretas o poder onip~ente do n o dono da vida - o dinheiro". É no chronotopos, acrescei»a el que "os nós do enredo são feitos e desfeitos. Pode-se dizer franc ente que a eles pertence o significado principal g~r do •• 21
1 O Romance de TemAo Histórico Dividindo, a largos traços, a histJa do romance em dois grandes períodos, teríamos: " 1º) dos começos, no século XVill.tFm Hist6ria de Tom Jones, de Henry Fielding, até Proust; este peJ:t>do, por sua vez, subdividese em duas fases limitadas por Balzaq 2º) de Proust aos nossos dias. li O primeiro período é 1marcado pe\t romance de tempo histórico; o segundo, pelo de tempo psicolósfco. Se analisássemos demoradamente.)a primeira categoria de romance no que diz respeito ao empreg0$do fator tempo, teríamos de lembrar a existência de expedientes vti.·eos que, contudo, não alteram o processo utilizado. Claro, ~ o romance considerado iniciador da fômia até a ficção rea~ e naturalista observa-se constante evolução, que também se f>rocessa nas literaturas de Língua Portuguesa. A evolução deu-~ no sentido de alcançar o tempo psicológico, certamente pPr cqresponder mais de perto à natureza do relato ficcional. Com av 'os e recuos, é o que se nota desde o romance romântico, na feiçã balzaquiana e stendhaliana, até o proustiano, passando pelo flau · o, zolaiano e dostoievskiano: uma escalada progressiva na · ão do romance de tempo psicológico. E ''hoje o movimento no ntido de maior aprofundaextremo limite: mas semmento psicológico em fic~ão chegou pre houve uma pro~ nesse do desde os mais remotos tempos do romance. Essalé talvez a '' "ca linha de progressão que de todo pode ser traçada. Os inventos ' ·cos da moderna ficção, as mudanças de convenção, a maior a ximação entre os símbolos
21 Idem, ibidem, pp. 352, 3SS.
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de comunicação e os proc s que eles simbolizam, a redução da importância do enredo são resul*1tes secundárias da principal qualidade do aprofun ento psicológico. " 22 Todavia, além das has e ccintfamarchas observadas ao do influxo da novela e da conjuntura longo do século XIX, histórica, não desapareceu , ron!mnce ill! tempo histórico. Compreendendo, pois, que tem em mãos ulna vasta rede de malhas trançadas segundo figurinos . · crentes, fohnando zonas de repulsão ou de atração, já podemos tar um esboço desse tipo de romance, que ainda hoje faz a delícia os devoradores de ficção. Antes de trufo, o tempo linear, hori~ontal, "objetivo", matemático, visível ao leitor s desprevenido: este "vê" a história desenrolar-se à sua frente, bediente a uma cronologia definida. Mesmo quando tudo se ini · num ano incerto, 18 ... , percebe-se quanto pretmche a história submeteque não passa de truque: se à mareação do calen · , mais importante que a vaguidade inicial, além de anulá-la c a hannorliosa correlação temporal entre os acontecimentos q · ponteiam a narrativa. Não raro, o romancista indica, no a ito da história, as datas em que os fatos se sucedem, como a · iizar a -Coerência cronológica da narrativa. E ainda quando a ntes essas balizas, o texto se incumbe de fornecer os dados p a oriientação)do leitor, que acompanha o relato romanesco ordena · segundó a cadência do relógio. Ainda quando o romancista, esp hnente rotrlântico, pretende cercar a história de certa vaguida . lá está o tempo do relógio, fora da personagem, a nortear a · · · ga. E assim será, até o aparecimento do romance psicológico qu . incidindo sdbre o exame profundo da personagem, desvendará ou dimensão·tio tempo. Senhora, de A1encar, 1llil 'exemp1o útil, entre outros que ' tes à nltesma época e seguidores poderiam ser lembrados, de igual figurino literário. ·o primeiro' capítulo, que tem cinco páginas na edição de que os estamos! valendo,23 o romancista procede a uma síntese do p ~ ado da peI'Sonagem, visando a introduzir o drama, que se des lari dali diante, e a outros fins contíguos (descrever a gem, corltpor o suspense e dar o tonus à namttiva). Embo vagos, os ihdícios temporais dizem respeito à cronologia históri a:
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22 A. ';-· Mendilow, Time and ~ ' N~l, ~e:~ 1952.• p. 202. 23 Jose de Alencar, Senhora, 4 ., Sao Paulo, · , s. d.
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Há anos raiou no céu fluminense uma no1~ / Tinha ela dezoito anos . / Uma noite, no cassino, a quando aparecera a primeira vez em soei Lísia Soares (... )
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E é só: para os fins que tinha em o ficcionista, dispensamse maiores infonnações, visto as págifl4s iniciais constituírem uma espécie de chamariz e prólogo à narratlva. Começa, no entanto, o segundo capítulo, e logo à entrada collÍfnos a seguinte pormenorihistórico: zação cronológica, ainda e sempre de
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Seriam nove hotas do dia. lO Um sol ardente de ~ esbate-se nas vettzianas que vestem as sacadas de uma sala, nas Laranjeiras. 1
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Mais adiante, apesar do retrato eruiimesmado de Aurélia: Aurélia concentra-se de todo dentro de si; ~guei·tn ao ver essa gentil menina, na aparência tão calma e tranqüila, ·a que nesse momento ela agita repara-se para sacrificar irremee resolve o problema de súa existência; diavelmente todo o seu futuro.
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O romancista fala do seu futuro c4fno entidade fora dela. Não bastasse o pormenor temporal e~ somos infonnados de que, segundos depois (embora-0 ficcionistafião os refira), Aurélia correu a vísta surpresa pelo aposefo; e interrogou uma miniatura de relógio presa à cintura por uma cadeia de Jmro fosco. ~
A citação vale como índice do pi.pcesso usado pelo autor na composição da história, e de um mod~ de vida atento às mudanças no mostrador do relógio: a classe soe·' a que Aurélia pertencia, a burguesia, assenhoreara-se do tempo, ' mando-o bem comportado, linear e inflexível. No dillogo que A 'lia trava com D. Firmina, ficamos sabendo de outro* fatos ass' os no tempo, em obediência ao mesmo modelo e do mesmo s · . de vida: Ora, ontem, quando serviram a ceia faltava para tocar matinas em Santa Teresa. Se a primein quadrilha ootlleç
· · 'logo, inteiramo-nos de que
24 Idem, ibidem, pp. 14, 15, 16.
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O capítulo seguinte temporal:
inicia-se pela indefectível notação
1
Se bem observarmos, a bertora do IJ capítulo' está no presente do indicativo, ao passo que preâmbulo tudo o mais, no pretérito perfeito. É provável que encar tenha~ agido sem premeditação. Todavia, a mudança de verbal tem razão de ser: as páginas introdutórias vinculam-se passado, digamos, remoto. Terminadas, a narrativa ~omeça, mo se fosse presente, ao menos na mente do romancista, mas continuidade fê-lo voltar para o passado, onde desejava situar e '".'tutuou, premeditadamente, a narrativa. Esse lapso, afinal de revela aspectos importantes da técnica narrativa, s e jem· a l tlação à épocra do Romantismo, seja à evolução do ficcionista. to ao primehu aspecto, cabe dizer que o romance romântico urb . procurava ~r atual e ''realista'', refletir a sociedade do tempo, mais do que esta desejava ser, do que no que era em verdade.= A". entificação do romance com o ideário romântico justifica-o: o p · · constituía um porta-voz do segundo. Para tanto, o caráter . se tomava pedra de toque: a burguesia oitocentista cario4a via suas veleidades morais e afetivas espelhadas nos romances. Tal processo de presenlll:l1cação su:gdiá que o autor interviesse no desenrolar das cenas, o àlguém que as acompanhasse de Alencar tirou logo a mão, mas não de perto e com muito in todo; o disfarce lá continua, mo veremos a seguir. Observe-se, de passagem, que a intromis do escritor no curso da narrativa é freqüente em nossa ficção ~ ·ca: q~e nenhum escapou de tal vezo, em virtude do condi onamento cl!lltural e do egocentrismo em voga. O modo da in - o é que v&ria, conforme o resultado alcançado: algumas vezes, , e mesm.o Alencar, falseiam suas entradas, porque alheias ao . o narrativo, mas Manuel Antônio de Almeida as transformou n , rico.e saltitante expediente novelesco, em nome do artifício jo ·co de esc1ever as Memórias de um Sargento de Milícias ao co da pena, semana a semana. Por fim, o processo perdurou em do-tlê Assis, cujas intervenções funcionam como as do anterio acrescidas do ar irônico e zombeteiro herdado de Lawrence Ste e Camilo Ciistelo Branco. Essas intromissões si cavam que o ficcionista desejava falar diretamente ao leitor, co, tar-lhe uma história sem fingir o con-
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trário mais do que era preciso. Para tantQ, o narrador podia manter o disfarce do pretérito ou do imperfeito;'a fim de conferir unidade de tratamento à história. O resultado é ~e suas aparições em cena pareciam justificar-se pela harmonia q~ alcançava entre o corpo da narrativa e os elementos estranhos.' É fácil mostrar como o disfarce não resiste ao men.or raciocíni~ revelando que, afinal de contas, a narrativa toda corresponde a intromissão do escritor. Noutros termos: a ficção romântica espi ·. ça tendência individualista do autor; este, querendo ser realista tocante às personagens e situações, acaba por se confessar estetiatunente, através da narrativa. A indistinção das personagens ro~ticas se explica por constituírem um prolongament:0 das imagellts criadas pela fantasia do escritor, ou daquilo que, nele, é volição! insatisfação ou pulsão do inconsciente: atividade literária de colllpensação, no sentido freudiano do termo. Todas são, em última $álise, o autor, como Flaubert dizia de Ema Bovary: .. c'est moi!''l Prolongamento sentimental, confessional, longe, portanto, do •tismo preconizado, salvo nas exterioridades, vestimentas, gestos, ~venções, paisagens. Adentro delas, todavia, desliza um rio emo<4:>nal e conceptivo que é o do romancista, transfundido nas persor4gens. Estas, não é demais repetir, também se identificam pela t:ra$ferência de recalques, anseios, incertezas, etc., enfim da vida m4ntal do escritor. Por isso, quando Alen.car interront>e o ímpeto de narrar no presente e faz a história voltar ao ptssado, pareceu-lhe que o recurso enganaria o leitor ávido de sab4r o que iria acontecer com Aurélia. Decerto percebeu que só cali.am no logro os leitores habituais de suas narrativas, preocu os com a linearidade dos · . Na verdade, o emprego acontecimentos, com o enredo e nada reiterado do pretérito ou do imperfe constitui pobre e frágil disfarce: ''o imperfeito de tantos ro ' ces não significa que o romancista está no futuro de sua pe nagem, mas simplesmente que ele não é essa personagem, qu no-la mostra" .25 Noutros termos; lançando mão do.:presente, o ccionista (sobretudo o romântico) teme trair-se, paltenteaindo a ga confessional posta na história; o imperfeito peruiite-Jhe a il · o de crer-se afastado, fora da história, que se passarià com terce· . Embura sabendo-os seus alter-ego, iluddr-
f..
25 Jean Pouillon, Temps et Roman, 4 1 ed, P
, Gallimard, 1946, p. 163.
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Na reelidade, trata-se· ~··pomo é, 9u deve ser, todo romance de tempo históri . P~e ha~ antinomia entre o caráter histórico (que pressupõe :passado) e o presente (em curso). Pela análise, vemos que se duma contradição aparente. "Que é, pois, contar uma história gundo a ordem cronológica? É contar o passado quando ele foi p nte e esperar que o futuro se tome presente para falar dele''. o mesmo tempo, é preciso atentar para o fato de que só o passa é real; o futuro ainda não existe ·e o presente só existe to -se passado". Explica-se desse modo que ''a cronologia ro é apreendj.da do interior, nos presentes sucessivos que a consti m tal qual foi vivida'' :26 é um presente na mem6ria e para o ti+cionista, enquanto pode ser passado no conteúdo das lembranças. jP passado é presente, como memória. Ao menos, é presente a su'8tância vital, as experiências, os impulsos da vontade, etc., mas, lJº projetá-la nas personagens, o ficcionista vê-se compelido a ~tê-la ao passado, para fugir à identificação entre o mundo d~s . memória e as personagens. Daí o recurso da dis ão dramática, na invenção da terceira pessoa, e da distorção · ral, no esbatimento da história em um passado fingidamente · . O presente, obrigando ao emprego da primeira pessoa, reve . . o conteúdo psicológico que o escritor deseja apenas simbolizar JIPr meio dw:na história acontecida fora dele. Por outro lado, "de!:pever o presente por si próprio possui ainda outra significação. lJ explicar o que acontece ao indivíduo por sua própria psicologia ·~ não pela simples sucessão exterior das situações onde se encontrajJ.ançado'' .27 Isso implicaria, no caso do ficcionista romântico, uma.tponfissão, gerando a criação dum nãoromance, diário íntimo, Patroa em prosa ou equivalente. lracema aí está para pilJ>var, com seu caráter de prosa poética, ou romance-poema, que ojrisco existia, e AlenclJl" não correu do desafio. hnp0ssibilitado detcriar personagens à maneira dos seres vivos, o romântico minim4a-lhes a psicologia (por ser. esta reflexo da sua, o que significava ~pobrecimento ou inautenticidade), e coloca-as em situações qll$ em nada lhes afeta a matriz interior, imutável ou esquemática, ~de o momento em que é projeção da mente do romancista. Por
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que "a compreensão dum indivíduo nãft consiste na necessidade de seqüências privilegiadas de ações u ~.·. :sentimentos para o apreender mas, ao contrário, em reconhecê-Jf> por toda parte e sem ter necessidade de petrificá-lo de~ ou de referir um passado que seria considerado mais significativif que o presente". 28 A cronologia do romance romântico prova à faciedade esse caráter petrificante, passadista (em relação à persoipgem) e situacional, de que resulta a indefectível pobreza psicológifa. Alencar, lúcido em tantas coisa, é-o também IleS$e part:icular.JI-ogo à entrada do capítulo VIII da 3A parte de Senhora, topamos :tom outra interferência sua no fluxo da narrativa, de fundamental 1fmportân.cia para o assunto ~! que vimos analisando. Diz ele: º.
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Como porém o narrador foi dotado lucidez precisa para o estudo dos fenômenos psicológicos, limita-se a . · o que sabe, deixando à sagacidade de cada um atinar CC*1l a verdadeira usa de impulsos tão encontrados ·· [no procedimento de Aurélla]. ]
Todavia, a reflexão ainda pode sef interpretada como truque narrativo; o estudo aprofundado da c~cterologia das personagens - julgando que ele o pudesse realizar _,1 acabaria desviando o rumo da intriga. Trata-se, com efeito, de unul desculpa para a falha que ele próprio se apressa em apontar, ante!ipando-se aos leitores. Em todo caso, traduz uma consciência ~l viva na evolução literária de Alencar, servindo de apoio ao· .·uízo positivo dos contemporâneos e dos pósteros. Ao longo de · enhora, apenas em outros três momentos faz ele uso lio presente, 1'm dos quais correspondendo a uma digressão acerca da valsa,29 !sem alterar um mínimo o caráter pretérito da narrativa. Pouco ~' pouco menos, a análise Senhora serve para o que fizemos para o tempo histórico ' romance romântico em geral. "O conceito do tempo. no mate$" . . ·· mo científico do século XIX vai refletir-se nos romances exp · · entais naturalistas - o tempo científico, que não é o tempo dai vida, mas sim um 'tempoesquema', duração morta". 30 Tal con ção de tempo não se opõe
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28 Idem, ibidem, p. 171. 29 José de Alencar, op. cit., pp. 288-289. . 30 Dirce Cortes Riedel, O Tempo no 1Wmll11Ce chadiano, Rio de Janeiro, São José, . 1, 1959, pp. 16-17.
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à que vigorava no Roman · ·· o; ao con1:1lário, alarga-a e precisa-a, dando-lhe o rigorismo im to pelas ciências. O pensamento tainiano, filtrando-lhe os ' dos e aplicindo-os à estética, admite que a obra de arte esteja s ' ' tida a três fatores detenninantes: 1) a herança, 2) o ambiente, 3 , momento. No caso presente, interesre ao tempo. Por meio dele, Taine sa-nos o último, que se postula que, em de · circunstância temporal ou histórica, as forças do ambiente e da ça despertám com ímpeto agressivo: as cargas genéticas negativ de uma peísonagem, postas em contato com certo ambiente, hã de explodir, em dado momento, como um imperativo categórico, erior a qualquer outra força. O tempo toma-se matemático, cris do, como uma entidade concreta/ora das pers.onagens: as fra~õ · temporais ag···lutinam-se se~undo uma ordem rígida, a que os · · 'duos se subbrdinam cegamente. Entenda-se aqui o tem como cate~ria estática ou, ao menos, regular, a ponto de todas ·ações hUIDaf18S .terem seu tempo marcado pelo relógio e, portmtto, levando a crer que fosse possível assinalar os minutos em q3·· uma cena tqmscorre, ou o instante em que os fatos acontecem. tempo t~-se parâmetro das ações humanas: como uma régua por meio de;le medimos ou avaliamos as criaturas no· seu processfital, convic:tos de que elas e o tempo se ligam como entidades e eretas. Quer dizer: outras escalas haveria, mas o determinista despreza cm troca dessa dimensão geométrica em que as cois · parecem transcorrer. O Cortiço (1890), de ,uísio Azevedo, corresponde a um flagrante exemplo de romantejafeto às características do Naturalismo, dentre as quais sobreleva olemprego do tempo. Para o romancista, a variada ação das persona.tens obedece. a uma cronologia inflexível e exterior a elas. Mai$ ainda: o tempo acabará constituindo obsessão, como veremos n*8is adiante, ao examinar o comporta~ mento de Piedade. Os dois primeiros capí os correspolJdem à introdução, em que o ficcionista situa o confli e a .geografia das dramati.s personae. O tempo é mero, mas imp . indível, ponto de referência: sabemos que os fatos ocorreram por ficado na memória a notação cronológica indispensável para ~locá-los em ordem e conferir-lhes verossimilhança (o tempo sdria uma espécie de prova de que os acontecimentos se passaratjl realmente como são lembrados). Por isso, Aluisio ponteia as pákinas iniciais do romance com datas e notações por vezes precisis, mas sempre fora das personagens: 194
"dos treze aos vinte e cinco anos", ,daí , em diante'', "um ano depois'', "justamente por essa ocasiã ',"uma bela noite", "daí a um mês'', ''daí a alguns meses'', '' . te dois anos'', ''à noite e aos domingos'', ''por essa época'', '!fe~ _dias eram consumidos do seguinte modo: acordava às oito da ~. lavava-se mesmo no quarto com uma toalha molhada em esirfrito de vinho; depois ia ler os jornais para a sala de jantar, à esp$:a do almoço; almoçava e saía, tomava o bonde e ia direitinho pSJt uma charutaria da Rua do Ouvidor, onde costumava ficar assen.t+I. ·· o até às horas do jantar, entretido a dizer mal das pessoas que passtvam lá fora, defronte dele''. O corpo da narrativa tem início no~pítulo terceiro, com uma observação cronológica: "eram cinco "°ras da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas". 31 O acelerado das )lfginas iniciais cede lugar a um andamento cronológico pausado, le1'J:o, a que a referência temporal da abertura serve de claro indício.jComo se a narrativa, antes no passado remoto, viesse para o prese*, ou um passado próximo. E agora, até o fim, jamais se interrom~rão os signos do tempo, a servir de baliza para os acontecim .. entqf. Escusa de mencioná-los todos: uns poucos bastam para que neta certifiquemos de que o ficcionista se esforça por conhecer collll rigor a cronologia da história passada no cortiço. Para tanto, cttém-se em minúcias que denunciam a importância do tempo cotlff> fator determinante. Noutras palavras: o romancista desce a f1ções de tempo, como no encalço de surpreender a relação in~ entre elas e os acontecimentos; tudo se passa como se, altera;a circunstância de tempo, tudo mudasse para o personagem. N- · esqueçamos que é essa interdependência que a ficção realista e.· naturalista - baseada nas idéias científicas em moda nos fins d<>1 século XIX - procurava revelar e demonstrar. Acompanhemos ·gumas páginas do romance, respigando as notações mais evi : ''meia hora depois'', "meio-dia em ponto. O sol estava a p" ", "No dia seguinte, com efeito, ali pelas sete da manhã, quando cortiço fervia, para tomarem conta da casinha alugada na vés '', ''três horas depois'', "aos domingos", "Jerônimo acordav todos os dias às quatro horas da manhã", "Jerônimo só voltav. casa ao decair da noite", ''Depois, at~ às horas .de d.qrmir, que a passavam das nove, ele tomava a sua guitarra e ia para defro. da porta, junto com a
31 Abúso Azevedo, O Cortiço, 9• ed., Rio de J , iro, Brigiliet, 1943, pp. 36, 41.
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sua terra", "Amanhecera um dominmulher, dedilhar os fados dia de abril", 32 e assim por diante go alegre no cortiço, um até o desfecho do roman Esse rigorismo cronol ' ' ·co não sigriifica uniformidade das notações temporais. Ao con ·o, implica ll.Illa hierarquia cronológica obediente ao pulsar dramá co da história. As variações da temperatura emocional das cenas 1 orrespondem mudanças das referências temporais. O processo 1 o universo cinematográfico: as cenas podem estar afastadas (n tempo e no espaço) ou próximas, incluindo as nuanças inte ·árills; o diafragma óptico abre-se ou fecha-se confonne a dis ia do objeto a focalizar, determinando as alterações concomitan . no plano do tempo. Dessa fonna, quanto mais distante a cena, ~s vaga é a marcação cronológica; rigorosa. No primeiro caso, o romanquanto mais próxima, cista socorre-se de expresfê?es imprecisas, como ''daí a meses'', "daí a semanas", que res~itam a temporalidade sem defini-la. No segundo caso, o escritor '*tém-se, na pintura da cena, marcandolhe devidamente o progres$> no tempo. Como uma câmara cinematográfica que atraísse as fersonagens para seguidos close-ups, a narrativa torna-se mais len., embora a cena transcorra em frenético dinamismo dramático. É q1le a lentidão decorre da minuciosa marcação do tempo como ~ofora das personagens, não dentro: tudo acontece em dois pl.os paralelos, o da ação e o do tempo, mas de modo que o primeto dependa do segundo. Dois episódios ilustra41 à perfeição ·esse procedimento rigorista: o do aparecimento da rrlilher em Pombinha e o do assassínio de Finno. Rastreemos-lhes a tronologia. No primeiro episódio, sabemos que: A
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Às onze para o meio-dia;:ra tal o seu aonstrangimento e era tal o seu desassossego entre as ape paredes do número 15, que, mau grado os protestos da velha, saiu a . uma volta por detrás do cortiço, à sombra dos bambus e das mangueiras. .: :'
Assim começa a cena,fque termina minutos depois: A natureza sorriu-se comcfida. Um sirw, ao longe, batia alegre, as doze badaladas do meio-dia. O '1~ vitorioso, estava a pirw e, por entre a copa-
gem negra (...).
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32 Idem, ibidem, pp. 66, 72.
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Aqui, a precisão cronológica ~que detennina o processo em que Pombinha ingressa na adol .· • ·" eia. Análoga relação se · · nota no outro episódio: Iam-se assim os dias, e assim mais três da navalhada. ·.
se passaram depois da noite
Ao cair da noite, Jerônimo foi, como. fi~·. combinado, à venda do Pepé. - Obrigado! respondeu o oavouqueiro, . . Bem, não nos deixemos ficar aqui toda a noite; mibs à obt:a! São oito horas. - Que horas são? perguntou Pataa, o . quase de olhos fechados o relógio da parede. Oito e meia. { _ Passava já de onre horas. A uma hora da~ o dono do café pô-los fora.
Como se vê, o crime . ocorreu enJ oito e meia e onze horas, com precisão matemática. E a tal p~·o o romancista se debruça sobre o tempo que transfere. a preocupE ... ão para as perso.nagens, ou descobre o quanto estão dependentes relógio. Mesmo bêbados, os assassinos de Firmo se interessam las horas e as reconhecem sem maior dificuldade, porque as si num plano fora deles, imutável mesmo quando ps aparelhos budessem diferir por vários motivos, desde o simples desarranjo raté marcarem latitudes ou longitudes específicas. Flagrante exemplo di,sso é a cliimediata às da morte de Firmo. Vive-a Piedade, mulher de J .· "nimo, rival do mulato e mandante do crime. Vejamos a crono ·a do episódio: ·I
A essas horas Piedade de Jesus .esperava · Ouvira, assentada impaciente, à porta de meia, nove e meia.
casa, darem oito horas, oito e
Dez horas! valha-nos Nosio Senhor J
Não é incrível que a pobre mulher· tomada de tamanha aflição, ainda quisesse saber as horas, como s isso lhe minorasse o sofri: o tormento lhe vem do mento? ·Mas é precisameat:e o que oc tempo, mas do tempo fora dela. De q quer modo, o tempo apon· e o tempo da personagem tado pelo narrador para situar as submetem-se ao mesmo rigor positi . AB notas seguintes de sua angustiante vigília confinnam-no:
Às cinco horas levantou-st de novo com
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Era \llila preguijosa madru . Ele agosto. (...) O cortifQ acordava com o remancho das segundas-f: · Tanto assim que, às onze ho , , mal apercebeu que Piedade( ...) O sol descamba para o ocas !(...). 33
Essa obsessão pelo te do tempo romântico, mas ção'', embora O Cortiço~· iniciava os estudos acerca Imediatos da Consciência · Por motivos que não vA rico manteve-se entre nós revolução modernista de 19 drou nesse tipo, destaca mance de 30", como José de Queirós, Jorge Amado. Cravo e Canela (1958) co tante, inicia-se com wna n
o marcado ~om precisão distancia-se tá longe de: percebê-lo como "durade 1890, nunia altura em que Bergson matléria (d> ensaio sobre os Dados 1889). ao caso, oiromance de tempo histómuita fotça, após a instalação da . A maioria dos ficcionistas se enquate os que compõem o chamado ''rodo Rego, Oraciliano Ramos, Raquel Deste últimp, escolheu-se Gabriela, exemplo. A narrativa, longa e palpicrónológica.
Naquele ano de 1925, q~floresceu o iclilio da mulata Gabriela e do árabe . Nacib (...). 34 •
revr
o - da narrativa ilnedia-.nte por essa referência' até o fim, é uma história · . , sujeita :.à ordem do relógio. Nas páginas seguintes, co1hem . outras refetlências temporais, sempre exteriores às personagens: ·'naquele ano"; "alguns dias após"; ''naquela manhã'', ''ainda fioite, às quatro da manhã'', ''procurava enxergar as horas no · atacão coloÔado ao lado da cama: seis por volta das quatro"; "há mais de horas da manhã e ele cheg quatro anos"; "o jantar dia · seguinje"; "domnir até as dez horas"; "nos dias de sol, · ariavelmente, às dez horas"; "naquele dia"; "certa noite"; e · por aí f ont. As notações, no geral vagas, mesmo quando ac a hora certa em que estala algwna ocorrência, são exteriores e ais: o romancista constrói a história segundo a horizontalidade calendário, mas sem rigidez. Tudo se passa em 1925, em Ilhéus: restante é Olllis ou menos vago, posto que subordinado ao tempo . stórico. Por que o vago? 33 Idem, ibidem, pp. 175, 178,t'., 209, 211, 215, 219, 225, 227, 228, 232, 233. Os grifos são nossos. 34 Jorge Amado, Gabriela, Cr e COM/a, 4ª cdl., São Paulo, Martins, 1960, p. 26.
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Duas razões explicariam o to do ficcionista: 1ª) trata-se de um romance linear odemo, diferente, pois, do linear romântico ou realista, cujas c . cterísticas foram anteriorbriela, percebe-se na ação, mente mencionadas. O tempo, em como se bastasse narrar 0S acontec" tos para ver que fluem no tempo: cronologia da ação, de forma! ue o fato e o tempo que o uma unidade perfeita. O mesmo leva para se efetivar consti para marcar uma ação, e tempo histórico somente comparece temporal para configuraresta, por sua vez, pressuporia um la se. Assim se co~ antes de tu , a vaguidade das notações de tempo no relato do idílio entre abriela e Nacib. Serve de exemplo o episódio da atracação do vio da Costeira. 35 Sabemos ser dia porque há poucd o narrador . os comunicava que Nacib acordara, após uma noite de pânde · , e ''pela janela entrava a manhã alegre'', e, ao fim,. já arribada embarcação, ficamos sabenpequena multidão acompado que "apesar da hora ínatinal, nhava os penosos trabalhos de dese do navio". Portanto, uma vaga manhã, como tfmtas i~~ "vemos" o tempo que o navio leva para atracar no cais de . ·us, e se o autor não se interessa pela referência exata em h · e em minutos, é porque não faz diferença, para a ação, que se nrola aos nossos olhos e num tempo mais "visto" que supos Quando a narrativa chega ao clímax - os amores de Gabriela e . acib -, algum rigor quanto ao tempo, exterior, começa a observar , mas é quase como se não valesse. As tantas, Nacib pensa (ou narrador o diz como se a personagem o pensasse) o seguinte:
~ a chegar, fazia exatamente o
Três meses e dezoito dias tardara o mesmo tempo que contratara Gabriela.~
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Observe-se: de tal f~ o herói "ve preso às mudanças do ele: para o leitor, tanto faz calendário que o tempo s~ passou p tiva não mostra a evoluque fossem três meses o~ um dia: a -se a informar "como se ção (interna) operada em Nacib~ · iniciou a confusão de sentimentoS do · be Nacib'', que, transcende o tempo histórico . .Afirtal de contas i a exatidão na contagem dos dias é dispensável, como evidenc}a o · vago retoinado imediatamente depois: "nessa iarfle"· Pàra o citor, soa como uma tarde
35 Idem, ibidem., pp. 54-66. ·
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, lapso de lempo. E, daí por diante, qualquer, decorrido um·. : ''mais ou menos uma semana recorrem expressões indete · depois"; "Lutara contra las .palavra$ dias e dias, a pensar na hora da sesta", etc. E só em duas ocasiões ~llBl!ÍÜ<=aB, por sinal nucleares, é que a notação voka à discutível isão: a primeira, quando a "senhora Saad envolveu~se em politi Marcou oito horas. Foi ver no relógio da sala, - As nove passadas.
e4iLVerAN:am
No outro dia foi cedo para surgiu, bebeu seu amargo,
na C9z:inha:
bar. fow;o anta das duas da tarde, Toruco u que Nacib tistava de mau humor.
- Aborrecimentos em casa? - Não. Tudo bem.
Contou no relógio qui~e m · ros tqJÓS a salda de Tonico: Tirou o revólver da gaveta, meteu na cinta, · · -sé para casa. 36
Como se o narrador fie>t41grataare a modorrenta Ilhéus de 1925, o tempo histórico é o se todo poderoso, mas pennanece o mesmo, invariavelmente: é · erente que o ato seja praticado em janeiro ou dezembro, à ou de noite. Exatamente como acontece ainda hoje nas cida do interior do Brasil, submersas na rotina espessa e bocejante tetnpo patado para sempre e não se sabe onde, caracterizado ' uma irritante monotonia. Quase caberia afirmar uma perpétua ia do tempo, tão iguais são as horas, os dias e os meses, igual a si mesmo é o próprio tempo, inalteravelmente. Assim se plica que Gabriela, sendo uma narrapot isso se esmera em sua nítida e tiva de tempo histórico, rigorosa marcação: em q er tempo duma cidadezinha interiorana a fabulação transe do mesmo modo, visto acompanhar a passagem das horas fora s protagonistas. Seja como for, tratase duma noção moderna de po linear~ estreitamente ligado aos atos e fatos narrados; 2ª) a segunda razão explicar a vaguidade temporal de Gabriela conduz-nos mais dentro da narrativa e ajuda-nos incluA
1
!
36 Idem, ibidem, pp. 52, 66,
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21~ 211, 349, 391. O grifo é nosao.
sive a julgá-la com objetividade. Na sando, o texto esparrama-se por 45 grandes capítulos, subdivididos em constitui uma longa e transbordante · Gabriela e Nacib, com 197 páginas. monia do conjunto, subintitula ·a cidade do interior, mas o expediente vez que o fulcro da obra corresponde o brasileiro (nascido na Síria), a tal p
·ção que estamos compulpáginas, formando quatro partes. A primeira parte . ução ao caso amoroso de autor, percebendo a desartiva de Crônica de uma -o resolve o problema, uma · . amores entre a mulata e to que
NilJsuém, no entanto, fala desse ano, da de 1925 à de 1926, como o ano se referem às peripécias do do amor de Nacib e Gabriela e, mesmo do que qualquer outro aconteciromance, não se dão conta de como, mento, foi a história dessa doida paixão centro de toda a vida da cidade naquele tempo, q:uarid<> o im.petuose prodJsso e as novidades da civilização transfonnavam a fisionomia de Ilhéus. 37
Como se vê, o próprio narrador :,confessa a importância do idílio amoroso para a cidade e p~~- ~.lato ficcional. Mas dele se afasta, em favor daquilo que se transforma no subtítulo da obra. Daí a extensa preparação panorâmicx·feita da história e da vida da cidadezinha, para o caso entre as rsonagens centrais. Ainda núcleo a razão mesma da mais: na segunda parte - que tem co narrativa - contínuas digressões esto ·am o desenrolar, porquanto dizem respeito à gente da cidade, e s. por tabela interessariam à compreensão do conflito entre Gabri e Nacib. Como explicar? Jorge Amado tinha em mãos um farto terial, que daria para um ciclo de romances ou novelas, mas a ou que valia a pena aproveitá-lo numa única obra. Em se o lugar: o caso amoroso central não daria um romance; o te o da ação e a intriga são história com a compleximuito circunscritos para ~ngendrar dade inerente ao romance. Acabou do o episódio capital da obra, mas epis6dio, suficiente apenas orno matéria de um conto, e não mais. Para o que nos intereJ;sa no m os constantes desvios da rção é que da ordenação temporaJ, iprque e;x:tra··.'. introdução, as extrapolâções e a tptma.t;arecem
37 Idem, ibidem, p. 30.
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temporal harmoniosa. Ao tnírlo: a ruutativa deriva do presente ks suscitacloi; por personagens e cirpara o passado, em flash cunstâncias, mas tendo c cenário exclusivo o burgo de Ilhéus. Falta-lhes um nexo de caus "dade. de necessidade, de veracidade dramática. O resultado só p ser a flacidez da notação temporal, abrindo fendas que con.,·......... ._... o narradon a empreender sucessivas evasões, com vistas a es a história e 1abarcar o contexto sóciohistórico de Ilhéus. Em s a crônica da fogosa paixão entre Gabriela e Nacib estrutura- horizontalmente, segundo o compasbora não raro o tempo escoe à nossa so do relógio ou dos dias, frente, identificado com a - o e com os minutos dispendidos na leitura das cenas.
O Romance
Tempo Psicol6gico 1 1
Como vimos, ao tempo ·na natureza'', ou histórico, opõe-se o tempo ''na experiência'', o ; psicológico. Hans Meyerhoff lembra que ''o tempo em literatura é le temps humain, a consciência do ckground da experiência, ou como tempo como parte do vago integrante da textura das humanas". Por isso, "o tempo oal, subjetivo ou, como geralmente assim definido é privativo, se diz, psicológico". 38 Embora desde o Eclesi tes e Herácllto (''Não nos banhamos '', pois ''tudo flui, tudo passa'' conduas vezes nas mesmas á tinuamente: o rio permane o mesmo, mas a água em que nos banhamos já não é a mesma a idéia de fluxo ininterrupto, de vira-ser permanente, tenha sid tema constante de poetas e filósofos, é com Bergson que ganha rpo uma tebria filosófica do tempo. Para o pensador fraiicês, é duração: experimentamos o tempo como uma realidade su etivà que escorre permanentemente, transformando-se a cada m nto, num dtmo incessante, múltiplo e heterogêneo. Tempo inte r e da nossa memória, refratário à medida, avançando em o superpostas no psiquismo de cada • • 1 • • • um, ao contrário do tempo ~etivo, ou niatemático, que e mensurável, linear, obediente a ordem causal. Enquanto memória, o po na experiência corresponde à memória involuntária, sitório ou reservatório de registros, 1
38 Hans Meyerhoff, op. cit., pp,j4-5.
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traços e inscrições de acontecimento passados análogos aos registros preservados nos estratos geoló ·cos". 39 Contrária à memória voluntária, que recorda o que a vontade e a necessidade, a memória involuntária pressup- um tempo descontínuo, a duração em que a noção de passado- ·· sente desaparece de todo. Na realidade, a memória age como presente no momento em que traz à consciência seus regis e traços, e o tempo acaba sendo um eterno presente qlie dura, perene devir: o passado só existe quando presentificado pela emória, e o futuro ainda não existe. Entretanto, pode-se distinguir o sente-presente e o presente-passado: o primeiro seria apreen como "dado imediato à consciência", como ''tempo vivo", f: ado duma cadeia ilimitada de associações dinâmicas provoca s pela cor, som, movimené formado pelas camadas to, perfume, etc., ao passo que o ou ''tempo vivo'' passado, da memória, por sua vez resultantes que se recobra por meio de associaç .s. Noutros termos: a consciência recebe um profuso impacto alidade, ao mesmo tempo que, por descarga associlltiva, desen rra o passado impresso na memória e torna-o presente, ou m · or, atribui-lhe existência, uma vez que antes disso constitui a um presente potencial, inerte e desconhecido para a co ncia. Ainda que todas as experiências se imprimam na memó duma forma ou doutra, é pelas associações que vêm à tona, presentificam e assumem contorno de objetos reais para o indi duo: antes de refluir para a consciência, parecem traços geológi s profundos à espera duma escavação que, efetuada por associaci ·smo involuntário, ou contraponto, as atinja e as revele. . Com isso, compreende-se que ''os· odemos ficcionistas psicocortar cerce as abstrações lógicos são constantes no seu intuito õe entre nós e a realidade, intelectualizadas que nos!IO cérebro in apreendendo nossas imediatas impres de vida num jacto, antes '-las (... ), isto significa, que nossos conceitos possam transf; com efeito, que o único tp:npo com s tido para tais romancistas é o presente''. A ·explicação está em q ''a essência do drama em ficção reside na criação 8le um sen · to de um presente fictivo só aparece quando ''se que se move P,ara 'E o pas imento pagsado, no motorna pane do pmsente''i mas, ''o a
frenttf".
39 Idem, ibidem, p. 20.
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mento de sua ecorrência., é. o mesmo que aquele recordado mais tanle. Alguma coisa ' ou - a personagem; e a coisa lembrada é portanto diferente''. Por outrQ lado, há que tinguir doi.$ níveis mentais: o verbal e o preverbal. 41 O rotnaIWe. tempo psicológico42 se identificaria pela exploração do fluxo onsciência, isto é, "a exploração das camadas preverbais da cons ência com 01propósito fundamental de revelar o ser psíquico das onagens' '. 43 E se basearia, ainda, na sondagem das reminiscênc · . , fixadas na memória e reelaboradas na consciência por me · os associativos. do tempo psicológico experimentado Como se observa, trata pela personagem, não como · -o da.narrativa: esta, pode passar-se num vasto lapso de . po, correspondente à vida inteira da personagem, ou numas pou horas. Entletanto, "a área do tempo dos romances psicológicos commnente restrita a um curto período, ou a um número de c periodos de variado intervalo" .44 Via de regra, o tempo da ·~ difere do tempo da personagem. Ulysses constitui exceção, · lusive pelo grau de coerência atingida: James Joyce procurou ei'.eeJ:u:ter o fluxo mental e a ação de uma personagem no espaço um dia, fuendo que as duas formas de tempo coincidissem com :etamente. É 'que ''a teoria da duração levou a uma nova conce de enredo e estrutura. Sugeria o progressivo encurtamento - o ficcional coberta pelo romance, simultaneamente à exp ão da duração psicológica das personagens. Toda a vida num dia, toda a vida num momento, eis a meta que os romancistas se puseram''. 45 Uma terceira coisa é o tempo gasto pelo leitor acompani.rr a narrativa: em duas horas, pode conhecer anos ' personagetJ4 ou eventos transcorridos
40 A. A. Mendilow, op. cit., pp. 41 Robert Humphrey, Stream o/ Angoles, Univen;i.ty of Califomia 42 Talvez valesse a pena dis · psicológico·•, visto que há romances como os de Flaubert, Dostoiévski, To e "romance introspectivo"', que ex matéria de técnica expressiva, bem tempo psicológico pode ainda ser do monólogo silmcioso e inta:ior"", Modem Psychological Novel, New Y 43 Robert Humphrey, op. cit., p. 44 A. A. Mendilow, op. cit., p. 45 Idem, ibidem, p. 150.
31, 217-218, 219. ~ in tlte Modem Novel, Bcrkcley - Los 1962, p. 3. · "romance de ·tcmpo psicológico" de "romance .·1rmpo llistórico !oltados para a análise psicológica, F.qumilttia à distinção entre •'romance psicológico·· o tempo ~lógico e suas cooseqiiências, em em matéria de; realidade captada. O romance de ''romance tb fluxo da consciência··, ''romance "romance analítico modemo'" (Leon Edel, The The Universal Ubrary, 1964, p. 11). 4. 18.
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em semanas ou meses. Para nós, só ~ressa o tempo da personagem e o da narrativa, fundidos ou não.·j prosa de ficção, tomou-se O tempo em literaru.ra. sobretudo o "tempo - obsessão do século vin ". 46 Embora obsessão dos ofia, e Proust, na ficção, nossos dias, depois que Bergson, na lhe conferiram primordial papel, data dos fins do século XIX a consciência de sua importância literári. Henry James, escritor anglo-norte-americano, mais conhecido · r suas teorias acerca da "arte do romance" do que por suas o , no prefácio de Roderick Hudson (1876), já se reforia à "e questão-do-tempo para o ficcionista''. Entretanto, a expressão '' o da consciência'' (stream of consciousness) foi cunhada por seu -o, William James, nos Princípios de Psicologia (The Princip of Psychology), publica-
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dos em 1890. Nas literaturas vernáculas, o te -obsessão é de conquista recente: em Portugal, tirante experiên ' da geração presencista e do romance dum Vergílio Ferreira, d . José Cardoso Pires, duma Agustina Bessa-Luís, e outros poucos,.f o mais da ficção continua preso às narrativas de tempo históri~ No mesmo passo, se não pior, porque inexistentes, estão os estu~ técnicos acerca do tempo em ficção. Entre nós, as coisas já cor+ii um pouco melhor: Machado de Assis projeta em seus con~ e romances essa obsessão pelo tempo, certamente bebida no. e inglês, em Flaubert, na Bíblia, e fruto de suas pessoais reflex- . Depois dele, e passando pelos experimentos de Adelino Ma , é com Clarice Lispectre outros, que o tempotor, Guimarães Rosa e Osman Lins, obsessão se torna presente, simultan ente com estudos críticos que focalizam o tempo em Machado Assis ou a intervenção da memória no regionalismo nordestino. Machado de Assis ocupa lugar à na evolução da nossa literatura por uma série de razões, den as quais a atenção confea. Nas obras da fase rorida ao tempo como ~ão mântica, o tempo da narrativa e das nagens é ainda o histérico, mas já se vislumbra1* observa - ' que deixam entrever um ficcionista interessado no tempo em si e, depois, no tempo como utro, percebe-se a introingrediente dos romances~ num q&o:. em seus as~ superfimissão do tempo psicológjoo, ao ciais. ''O tempo andava com o passo costume, mas à ansiedade
46 Idem, ibidem, p. 12.
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· longo ... ,., lembra Machado num do mancebo afigurava-se uma vez, no curso dos quatro primeitrecho de Helena. 41 Mais ros romances, o narrador s ' detém a refletir acerca da disparidade entre o tem.po que "andav om o passo do costume", vale dizer, o tempo do relógio, e o po psicol~ico, duração emocional. Machado é wn romancis : obcecado i1elo tempo, em busca da , ideal de todo ficcionista consciente: criação (da imagem) do e entre as duas fases de s carreira nào há senão diferenças de do tempo e das personagens em que grau e profundeza no ex o mesmo se efetiva. É o te po, ou melhor, a noção psicológica do tempo em cada wn, que f Estácio, herói de Helena, diferente de Rubião ou de Bentinho. Póstumas de Brás Cubas testemuCom efeito, as Memó nham wn ficcionista debru do obsessivamente sobre a problemática do tempo - do tempo- emória - a começar do título de dois de seus romances (aquele o Memorilll de Aires) e do caráter rememorativo de D. Casm o. Numerosas, freqüentes, as alusões ao tempo dentro desses cin romances, feitas pelo narrador e pelas personagens, e complexo o tamento do tempo na narrativa e nas personagens. Por tudo iss e por outras características que não vêm ao caso, Machado d Assis é wn romancista "moderno", precursor em matéria de po-obsessão. Porque não cabe aqui rastrear os problemas abe pelo tempo machadiano, e porque há uma bibliografia a respeito ·a análise da estrutura de D. Casmurro tentará ao menos oferecer amostra ae sua amplitude. Quando a narrativa co . ça, estamos no presente atual do nars vago: ''Uma noite destas, vindo da rador, presente mais ou cidade para o Engenho N o, encontrei no trem da Central wn rapaz aqui do bairro, que e conheço de vista e de chapéu" .48 Mas, te-passad<>, ainda que próximo. Mal como se nota, já é wn p chegamos ao fim do capí o, denominado "Do título", percebetrata, ou não se tratará. Entrando o mos que do presente não capítulo seguinte, "Do li· '', conhecemos das razões por que Dom Casmurro o escreve Em meio à explanação do narrador, ores importantes para o entendimento somos informados de po do que se vai ler e para a "lucidação dos pontos obscuros: "Um dia, há bastantes anos, lem u-me reproduzir no Engenho Novo a ,1
lão
47 Machado de Assis, Helena, Paulo, Cultrix, 1960, p. 65. Pafo, Cultrix, 1960, p. 23. 48 Idem, D. Casmurro,
São
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1
casa em que me criei na antiga Rua ~ Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela +utra, que desapareceu''. E mais adiante: ''Enfim agora, como oufora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, coJti a exterior, que é ruidosa''. Nota-se que o narrador pretende pro~anamente recuperar o tempo perdido, desde a recriação da p · gem física onde sua vida decorreu até a da atmosfeta que nela va. A semelhança do que acontece reiteradas vezes ao longo narrativa, o romancista adotando a técnica de pseudo-autor~· e adianta ao nosso juízo e "zar: "O meu fim evidente esclarece lucidamente o que deseja na velhice a adolescênera atar as duas pontas da vida, e res , cia''. Como se não bastasse declará · , o narrador acrescenta a sensação obrigatória em tais circuns ias, a de que procurava o impossí~el, visto ~ue o tempo flui~· ..versivelmente: ."Pois, senhor, nao consegui recompor o que 1 nem o que fui". E sem transição chega ao ponto nevrálgico · suas reflexões: ''Em tudo, se o rosto é igual, a .· "onomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homet!IJ. consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu m+mo, e esta lacuna é tudo". Observe-se o final:· ''mas falto t!f1 mesmo e esta lacuna é tudo". Com efeito, o narrador toma c~ciência de que ele é que se transformou, e por mais que faç~' para reconstruir o tempo perdido, apenas alcança um arremedo,,· rquanto a peça principal, que é ele, já não é a mesma. E não é a esma porque o tempo fluiu e tudo alterou, irrecuperavelmente. '~ udou o Natal ou mudei eu?'', indaga Machado no seu soneto, de que, se a festividade mudou, mais ainda mudou ele. ' Voltando ao pseudo-autor, depr e-se que a percepção da mudança do próprio ''eu'' implica a epção dum tempo esvaído para sempre e independente do relógi ele pode reaver as marcas externas do tempo (a casa, etc), não psicológicas, pois essas, condicionadas que estão a perpétua me orfose, se negam a retornar. O seu tempo é o interior, o o da duração emocional, incomensurável e em permanente de ~ ; por isso confessa: ''uma certidão que me desse vinte anos idade poderia enganar os estranhos, como todos os documento · falsos, mas não a mim''. Então por que o livro? O narrador nele que o escreveu para tos pintados nas paredes acabar com a monotonia ei porque ''os entraram ~ falar-me e a dizer-me que, vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, egasse da pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a usão (...)". Mas por onde A
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começar? Diz o narracdot: . ia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, ue nunca me esqueceu''. 49 Há quantos anos? o narrador não nos . , e na verdade tanto faz, para quem o o que se vai recompor à medida que tempo constitui agora um obra de maior tomo'', e que o livro ele assenta ''a mão para al crevenào, ·relembrando, o narrador se abre aos nossos olhos. pttdido, cot!no se antes sua vida fosse revive em plenitode o nte o passado, o pseudo-autor expeestéril e vazia: tomando p rimenta-o como novo e de vo, recria-o, e toma-se um ser vivente, para si próprio e para o itor. Tudo se passa como s buscando recuperar o tempo perdido, Dom Casmurro vivesse r ente pela primeira vez: sua existência era apenas a lembrança do assado, mas, enquanto não a transpunha no papel, era como estivesse no limbo. Rememorando, o narrador passa a existir p si e para nós, ao deparar no fluxo da memória com recantos e se ações que havia perdido. No final, ele se via inteiro no livro escri , imobilizado num tempo interior que era, à uma, sua razão de vi e de entediar-se da vida: no primeiro caso, porque remoía uma essão, no segundo, porque sua casa desaparecera e sua vida se vaziara. Pelo mergulho na memória, o narrador volta ao passado .· a uma existência que jamais teve, porque a vida lembrada é o · , diferente da vida vivida: o que ele, afinal, recupera é o senti o impresso inconsciente por sua vida tes, como sempre, pouco ou nada lhe pregressa, e não os fatos. importarão, mesmo porque -o pode ter certeza deles: os acontecimentos desaparecem, e só ca sua ressonância na memória. E se essa ressonância é uma rep sentação, um símbolo, ainda é preciso nnação: quando o narrador se lembra, juntar que se trata duma hoje, agrega o seu estado ·cológico atual às reminiscências. o tempo, mas a sua impressão na No final, não se recu memória, embora defonna . Outro caminho não há para quem se recorda: a transmissão ( ou oral) dum fato enquanto ocorre é ainda uma forma de transm ção, pois sempre se transmite depois, em razão de a nossa mente um afastamento temporal do fato, tomando-o passado, para comunicá-lo. De qualquer modo, o narrador só possui, como e dência do pretérito, as imagens estocadas na memória: desen las significa-lhe entrar a viver como experimentara as sensações que acom-
49 Idem, ibidem, pp. 24, 25,
2~ 1
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panharam os acontecimentos passados.~ o· que faz Dom Casmurro, · num passado logo abandonando o tempo do calendário, e um tempo-dwação. tomado presente à memória e ao lei A partir do terceiro capítulo, o narrador a contar sua história. O mais natural seria que o e lineannente, obedecendo ao princípio clássico do começo, : io e fim, portanto, num andamento marcado pelo tempo do · dário. Mas não é o que -o de que a história se acontece: à primeira vista, tem-se a · desenvolve em linha reta; entretanto , quando atentamos para o que a progressão se opera plano interno da narrativa, perce em ondas e não em linha, em qua justapostos e não encadeados. Com efeito, as tomadas cinema gráficas que fonnam o romance desrespeitam a noção de ca . de, que preside à composição do romance de tempo histórico. endo baseada na memória, cenas mais ou menos ao a fabulação se constrói pPr acúmulo sabor do acaso, em que o "antes" ~ o "depois" dizem mais respeito à ordem de colocação den~ do romance que à ordem temporal dos acontecimentos. Essa téaJüca, que recebe o nome de time-shift (mudança de tempo), consisúf em o "escritor não descrever ou sumariar para o leitor eventos º~.lrridos nos intervalos entre as cenas". Por isso "toda ação é a~ntada como acontecendo; nada é referido como tendo acontecido1', e "o livro consiste quase . apresentadas sem introduexclusivamente de cenas ou ocorrêªnc· ção ou referência à sua relação cronol · ·ca com as precedentes ou subseqüentes cenas. Este é o verdadeº · . time-shift, que enfatiza o .. te, não como relacionadas efeito de todas as partes ccmio um , ao passado ou ao futuro" .50 Desse modo procede o narrador a 'partir do terceiro capítulo: sem transição, o pseudo-autor nos diz eguinte: ''la entrar na sala de visitas, quando ouvi pwferir o meu ome e escondi-me atrás da porta''. 51 Não nos impresüonemos a forma verbal pretérita: tudo é presente, para o narrador e o leitor. Mas como o relata sucessos do passaprimeiro pretende dar a impressã<> de po de verbo. Diga-se de do, acaba optando pelo conespondente passagem que somente no romance m · o se emprega o presente la à frente do leitor verbal para designac uma ação que se enquanto vai acan~· hio <*DO o acontecido. Machado de Assis nos oferece também a ilusão . que os fatos se passam à
50 A. A. Mcndilow, op. cit., p. 182.
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medida que a leitura progri : nesse caso, o emprego do pretérito não tem maior significado, sto que o leitor imediatamente acede à presentividade dos acon imentos e esquece o tempo verbal escolhido pelo ficcionista os referir. Nem deve desconcertar que ele nos infonne logo à .tm::racJIB' do capitulo que ''o ano era de 1857''; trata-se duma irrele notação cronológica, pois tanto os fatos poderiam dar-se naq ano como .antes ou depois, que não fariam a menor diferença memória de1Dom Casmurro. E como a ação pouco teressa em tal gênero de romance, sabendo ;o essencial dela: que D. nesse mesmo capítulo fie de batina,. e que ele e Capitu andam Glória sonha com ver B "em segredinhos, sempre j tos". Dai para a frente, até o epilogo, segundo ' técnica do time-shift. Os os capítulos vão-se agiu · capítulos seguintes servem romancista para "situar" as demais personagens, numa seq"" imposta pela memória, e não por qualquer razão de nature lógica ou de precedência moral ou social no conjunto dos ac tecimentos, que integram o romance: logo de entrada, o agre José Dias, que "amava os superlativos"; depois, Tio Cosme, "era gordo e pesado, tinha a respiocos"; e D. Glória, mãe do narrador, ração curta e os olhos "ainda bonita e moça", contasse "quarenta e dois anos de idade''. Como se depre dessas refdências, e mais facilmente ainda da leitura das pág· lacionadas ·com essas personagens, o narrador lembra-se delas m muita c1-reza de pormenores. Na verdade, formam uma esp · ·e de cenário humano à história entre Capitu e Bentinho, e porq cenário, o narrador dele se recorda com mais agudeza que de · do que lhe povoa as reminiscências. ça de outras circunstâncias, o romanTanto é assim que, à seme cista se incumbe de afirmá o luminosamente logo depois que termina a digressão: ''Mas é mpo de tomar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e , sossegada como a nossa casa e o trecho da rua em que m ·vamos''. Por que insiste em repisar "aquela tarde"? Ele nos onde: "Verdadeiramente foi o princípio da minha vida; tudo o ue sucedera, antes foi como o pintar e vestir das pessoas que · de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabec a sinfonia. .. ". 52 Mas, como a imagem o leva a falar de ópera (" vida é uma ópera"), esta lembra-lhe A
'
i 51 Machado de Assis, D. 52 Idem, ibidem, p. 35.
Cas+·rro, p. 27. 1
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um amigo italiano; o narrador m no passado, e como isso recorda uma história que o amigo co va para ilustrar sua afinnação de que "a vida é uma ópera", · vai ele resumir a história, completamente longe da tarde de nov bro. ciacionismo múltiplo e diRememorando por ondas e por coisas que visa a relatar e nâmico, o narrador se afasta do fio deriva para acontecimentos colaterais ligados ou não às lembranças centrais. Na verdade, recordar · um ato quase integral, na medida em que passamos em reviêisosó acontecimentos passados mas outros em derredor e correia , ao mesmo tempo que as or desenterram fatos '' esassociações do presente atual do quecidos'' e nem sempre diretamente · culados à lembrança dos fatos principais. Assim se explica que ~jam momentos, e não uma continuidade, o que a memória capta,I e estejam entrelaçados por motivos superiores à vontade de quem lembra e conta, em obediência a uma espécie de lógica pré-psi.,lógica: não é tudo que a .· seleciona, separa, distingue memória traz à superfície;. ao con~trári· · sem a qual seria o caos, a e classifica, como a buscar uma o anarquia, à maneira da linguagem au · ·tica dos surrealistas. A seleção se faz por mecanismo 'prio da memória, como se quisesse defender-se contta o delírio ~ o desttambelhamento, ou reservar-se dum esvaziamento total. P'1a escolha, a memória permite ao romancista invadir de~ setor de reminiscências, que compõem a atmosfera que se dese.. exprimir: e elas, por mais por um parentesco íntialógicas que pareçam, viriam acorren mo, dado pela atmosfera oomum em q despontaram e se fixaram na memória individual. Como se o cista enttasse em transe, por ele; caso contrário, o a seleção é realizada pela memória, do ficcionista, ''em deterreagrupamento das lembranças, por p minado padrão, seria destruir-lhes a q lidade essencial" .53 Realmente, ele despoja-se das coerções e · "tações impostas pela consciência para se entregar à libertação inconsciente por meio da formar num veículo attamemória associativa, de molde a se sua expressão ideal. vés do qual as reminiscêneias enoon Por isso, 1) dá-nos "~ impressão que todas as partes da história se desenrolam, sitBul~ , cada qual com seu próprio andamento e enr S'U:a ptópria .dbeçi. '' ;54 e 2) estabelece-se uma
53 A. A. Mmdilow, op. cir., p. 211. 54 Idem, ibidem, p. 177.
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ao fato ~ se corresponderem na memória do ficcionista, e, intercâmbio entre o passado lembrado e o presente atual e consciente do narrador. Este último os narratiV"os se patenteia claramengênero de permuta entre os te nos passos em que o fi ionista se intromete na história para informaçãq de "hoje" ou glosar a fazer uma reflexão, dar lembrança: o brevísaimo c itulo X cotistitui um comentário à teoria de que ''a vida é ópera''. E quando se abre o cap ·O seguinte, 'imaginamos erradamente que agora a história vai ; ao contrário, num· outro flashback, o romancista narra "história velha; [que] datava de ar as lágrimas de D. Glória. E assim dezesseis anos'', para j outro capitulo se escoa, processo de imagem-puxa-imagem, lembra:nça-puxa-le:mbnm.ça, leque. Nos vários planos que se articulam, um deles é o da interior da personagem no plano da se dá conta de estar amando Capitu, lembrança: Bentinho, q põe-se a sonhar, fora do o, entregue ao seu fluxo emocional, ''no ar''. O êxtase dura o · itulo XII, cortado por uma voz que o transporta à realidade na en do capibJ}o seguinte: ''De repente, da casa ao pé: - Capitu! '' Dai por ouvi bradar uma voz de diante, o vaivém repete-se · o fim, com a ressalva de ir decrescendo à medida que o r se aproxima do presente: o tempo, contudo, é o psicológico, pa-se na:s ,personagens, identifica-se com elas, é elas, enq · as digressões são contínuas: Prima Justina (capitulo XVI), o r (capítulo XXIX), os olhos de Capitu, etc. No derradeiro, ficcionista.lembra que "ao cabo de um tempo não marcado, a i-me definitivamente aos cabelos de Capitu' ', etc. 55 Em meio a tações cronológicas desimportantes e ntecimento é externo e marginal aos recorrentes sempre que o protagonistas, surgem ob ações acerca do tempo-duração ou, ao menos, psicológico. O narrador remontara té o ano de~ 1857, mas não dissera a partir de quando, até que capitulo :xxxvm lá vem a informação precisa: quarenta anos. ortanto, o narrador se coloca em 1897. Já vimos que o tempo deco ·do em tão grande hiato não é marcado por peripécias, episódios equivalentes, mas por ''situações'', "atmosferas", lembranças e sentimentos, embora tudo confluindo para explicar o destino cas . urro do protagonista-narrador: de todas 1
55 Machado de Assis, D.
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C~rro, p. 77.
as situações remotas, ele recorda-se de duas, - das relações com nasceram toda a alegria Capitu e da ida ao seminário, - pois e todo o infortúnio que experimentou~ ·na vida. Por isso, poucas coisas rememora com clareza, sobretu quando se referem a essas duas situações: "créio que os olhos q lhe deitei... ( ...) Há tanto tempo que isto sucedeu que não dizer com segurança se chorou deveras, ou se somente e.nxug os olhos; cuido que os enxugou somente''. s6 1 Em se tratando de Capitu, percebe e que as suas lembranças se embaralham, se esfumam, não só po ue ela sempre fora "oblíqua e dissimulada", como porque a ória não alcança reconstituir nitidamente todos os lances entre protagonistas, sem comprometer ainda mais a verdade dos fa . Machado de Assis surpreende, por intermédio do herói, o ter vago e difuso da memória, cujo conteúdo chega deformado consciência do narrador. As dúvidas que acabarão assaltando leitor e o critico (houve adultério?, etc.) resultam precisamente dois fatores: primeiro, o caráter dissimulado de Capitu, do, o fato de ser um romance de memórias anti-históricas, que a reconstituição do passado, ao contrário das narrativas bis ·cas, se processa independentemente de documentos. O narrad carrega em si o único registro que possuímos dos acontec' tos mencionados no romance: não bastasse a fisionomia subje a do registro, constituindo o ''narrador suspeito'', de que fala yne Broth, ainda se deve levar em conta que é por meio da por natureza deformante, que o passado vem à tona. Por isso, trata-se de um romance memórias, mas com a aplicação exata dessa faculdade, dU'IDM~lhElCDJte oposto ao. romance histórico, que se atém à cronologia · do relógio e à veracidade dos documentos. Em D. Ca.smMrro, registro das horas flutua porque obediente ao ritmo emocional nurador; e sendo imprecisa a notação temporal, tudo que lhe intimamente relacionado reações, etc.) também (o caráter das personagens, a certeza acaba caindo no vago e no ia.certo. se explica que o narrador entrasse ''em transe'' muitas vezes e de saber como as coisas haviam ocorrido: cUdo, ao 1ecO rador igualmente revela sua< · medular de ~r Capitule de pdder .....~ou 1
56 Idem, ibidem, pp. 94 e 96.
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certos acontecimentos. Não
, ao mesmo tempo que lhe atestam a fragilidade como homem 1 personagerd, suas reaçães acabam por nos garantir que pouco, a , ficamos sabendo da vida de ambos: parece que Machado de fizera-o~ propósito, e, para realizálo, socorreu-se da memória personagem como Bentinho. Atente-se para o seguinte trecho .onde se estafnpa flagrantemente o grau atingido pela impossível ção entre oi; protagonistas: falam linguagens diferentes, inconc· áveis como a água e o vinho: Capitu fez um gesto dellmpaciênic:i"a. O. olhos de lellS8Ca não se mexiam e pareciam crescer. Sem de mim, e não querendo interrogá-la novamente, entrei a cogitar domle viriam pancadas, e por qu!, e também por que é que seria preso, e quem que havia de ·prender. Valha-me Deus! vi de imagin8P> o aljube, uma escura e infecta. Também vi a presiganga, o quartel dos Bad>onos e a de Corre?o. Todas essas belas instituições sociais me envolviam no ·mistério, sem que os olhos de ressaca de Capitu deixassem de crescer para a tal ponto que as fizeram esquecer de todo. O erro de Capitu foi não •-108 crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e lhes o movimento do costume. Capitu tomou ao que era, disse-me que esta · brincando, não precisava afligir-me, e, com um gesto cheio de graça, na cara, sorrindo, e disse: - Medroso! - Eu? Mas... 57 1
A tal ponto Macha tempo (e, portanto, dos sintomático nas relações crianças. fase em que ambíguo em relação à
consegue anotar o fluir ondulante do teres) que surpreende um instante orosas das duas personagens quando am a experimentar um sentimento gem dos dias:
conmmo,
agora em ~do ou não seriam as mesmas. Nós é que os mesmos; ali ficamos, somando as nossas ilusões, os nossos 1C111r.m:;,..··~já a somar as nossas saudades. 51
Observe-se: a mesmos" - de natureza nhas, que poderiam ser com a notação emocio dois púberes já intuíam a 51 Idem, ibidem, p. 97. 58 Itkm, ibitkm, p. 103.
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· -o contida em ''nós é que éramos os 'ica, material, em oposição às andorimesmas, fisicamente, ou não, - colide : que se lhe segue, reveladora de que os udança permanente do tempo, fundindo
(
"1
presente, passado e futuro num só te continuo, inclusive começando a ter "saudades do futuro", modo de Camilo Pessanha. "Meses depois fui para o s de S. José", confidencianos Bentinho. Mas quantos meses? N verdade, pouco importa, e o ficcionista sabe disso quando não s preocupa com a marcação rigorosa do tempo, e nem poderia lo em sã consciência, visto escrever um romance de memória: ' ou esgarçando isto com reticências, para dar uma idéia das idéias, que eram assim difusas e confusas; com oerteza não u nada", pois "há dessas reminiscências que não deScansam an que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia arrenegar conviva que tem boa memória. A vida é cheia de tais conviªºv ' e eu sou acaso um deles, conquanto a prova de ter a memória seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; era um antigo, e basta''. 59 Aliás, diga-se de passagem, essa Ira da memória, que serve como tema ao capítulo LIX, correspon à aguda consciência que Machado tinha de seus objetivos de , cista: naquele capítulo o tempo que vai escreexpõe sua teoria do bom romance ao vendo um, tudo à semelhança dos gran criadores modernos que refletem acerca do que criam e nos fo m no próprio corpo da obra o produto de suas reflexões. Em: longa a citação, vale a pena transcrevê-la como índice duma 1 idez criativa de rara amplitude em nossa evolução literária: A'
Não, não, minha memória não é Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido par hospedarias, guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circuostâncias. A q passe a vida na mesma casa de família, com os seus eternos móveis e cosltllllil!S, pessoas e afei~, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repeti . Como eu invejo os que não esquece.ram a cor das primeltas calpa que v · ! Eu não atino com as das que enfiei ontem. Juro só que não eram llJ)jl'l9JllS isso mesmo pode ser olvido e confuaio. E antes seja olvido que coqfusão; elipli . Nada se emenda bem D.os livros confulos, maa tudo se pode metfr nos ·vros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não ;me aflijo O que. f•, em chegando ao fim, é cerrar 08 olhos e evoc:Jr todas llil co que não achei nele. Quantas · idéias finas me acodem entãq!;;Que de 1 profundas! 08 ric:lll, as~lanhas, liS igrejas não vi ~ f~ lllWlllj.......Ull
·tiue
suas águas, • suàs !rvores,
0
d seás ·attlres,
59 Idem, ibidem, pp. 105, 118, 119.
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que tinham ficado na e os clarins s4lltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com alma imprevista. É que tudo se acha fora de livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim pock!Sljtambém pree.ncPer as minhas. 60
Por isso, o tempo vai ingando sem que o narrador precise fazer maiores notações q laqueJas referentes a uma certa ordenação exterior dos fatos, · perfeitamente dispensáveis, visto que tanto faz, no plano da mem ·a, que se tenha passado um momento, um dia ou uma semana. 1 . ntificado com as personagens, é nelas rogresso permanente: Na verdade, Capitu ia c às carreiras, as formas arredondavam-se e avigoravam-se com grande · ; moralmente, a mesma cousa. Era mulher por dentro e por f: mulher à direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés a · cabeça. 61
Quanto tempo se esv na história narrada em D. Casmurro? Não sabemos com certe só sabemos que se passaram noventa capítulos, praticamente do terços do romance, e o narrador volta a dizer que transcorreram arenta anos~ agora entre a morte de seu amigo Manduca e o seu ·, po-presente. Por quê? Engano ou confusão da memória, ou po e o ano de 1857 ''nunca se me apagou do espírito". Desse modo, a "célebre tarde de novembro" tomouse-lhe eixo de obsessivas · · cências duma mesma época: sua memória gira num círcul vicioso em. tomo dos acontecimentos relacionados com aquela ta, ponto .de partida de todo o seu trágico futuro. Tanto é que outros sete capítulos se esgotam até que Bentinho saia do · · ·o no fim do ano. Quantos anos tinha? "Tinha então po mais de (Jezessete ... " Percebendo a desproporção, o narrador crescenta: ''Aqui devia ser o meio do livro, mas a inexperiênci fez-me ir atrás da pena, e chego quase no fim do papel, com o lhor da narração por dizer. Agora não há mais que levá-la a des pernadas, capítulo sobre capítulo, pouca emenda, pouca re ão, tudo em resumo". Dezessete anos? T enfiado cotn dezesseis no seminário: para narrar o capítulo da · ocação religiosa, o romancista estendese até o capítulo XCVII e atamente porque sua duração emocional
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é maior do que os meses em que Ben~o sofre no seminário. O inverso dar-se-á agora, não só porq . menos importante para a memória do narrador com" porque é .... · ·. trecho funesto que se vai seguir: a memória se incwnbe de esq -lo em favor da suprema obsessão. Capitu-menina e o seminário. A
Já esta página vale por meses,, outras
valerão~ anos, e assim chegaremos ao fim.
E mais adiante:
i
vinte, os vinte e um; aos vinte e dous era
Cinco anos voaram e o pseudo-au resume-os friamente num curto capítulo, o XCVIII. E num galo , inclusive consciente por acumulam, a preparar o parte do narrador, os acontecimentos segundo momento do drama de Capitu Bentinho: Pois sejamos felizes de uma vez, an de esperar, e vá espairecer a outra parte; de llllUlO• por sinal que chovia. 62
Mas a obsessão machadiana pelo duração, logo se patenteia no fio de su não só em si como no conjunto da his
ue o leitor pegue em si, morto nos. Foi em 1865, uma tarde
po, sobretudo o tempoos triviais e irrelevantes,
Imagina um relógio que só tivesse • o, sem mostrador, de maneira o iria de um lado para outro, que não se vissem as horas escritas. O • mas nenhum sinal externo mostraria a . ha do tempo. Tal foi aquela semana da Tijuca.
Era lua-de-mel, mas "Capitu estava ·um tanto impaciente por descer", dar "sinais exteriores do nov' estado". Assim, "tudo corria bem. Ao fim de dous anos de asado, salvo o desgosto grande de não ter um filho, tudo co · bem". O aceleramento prossegue, o tempo vai consumindo · ' oraveJmente tudo, e o ficcionista não se detém: o tempo em nal é que lhe interessa. De repente, num tempo que não pode isar, o narrador entra a referir a amizade entre ele e Capitu e Es . bar e Sancha, o segredo
62 Idem, ibidem, pp. 162, 172-173, 177.
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e o seu amigo, e o nascimento de das dez libras entre sua m um filho: agora a narrativa olta a desenJolver-se com ritmo menos apressado, eI11bora, como s pre, o ~cista não se demore em ir diretamehte ao ponto: observações supérfluas, 1 1
Ezequiel, quando ou o capítulo anterior, não era ainda gerado; quando acabou era cristão e tólico. Este outro é destinado a fazer chegar o meu Ezequiel, um rapagão , nito, com os, seus olhos claros, já inquietos, todas as moças• da viz~ ou quase todas.
Rápido o nascimento ' o crescimeQ.to do filho, mas ''o resto come-me ainda muitos ca ítulos; há vidas que os têm menos, e fazem-se ainda assim c letas e acalbadas". Compreende-se: a duração eI11ocional cones ndente aos *1lOS posteriores à primeira infância é mais densa e · que a dos cinco anos transcorridos na vida de Ezequiel. Por· , , a narratiVil escorre em câmara-lenta, espicha-se, retardada e q intemporal, e quando se trata dum episódio marginal à ação e vai progredindo lenta mas inflexivelmente, o romancista esc e um capítulo ''contado depressa'', o CXI. Até que começam as ·ta~ de Ezequiel, depois a noite em que Bentinho vai ao teatro . em Capitu e• ao voltar encontra Escobar "à porta do corredor". A ra, o tempo do romance estaca, e dura desmedidamente, imerso fluxo irttenninável, vago, em que apenas ganha corpo um a ntecimento, a morte de Escobar: ''estávamos em março de 1871. unca me esqueceu o mês nem o ano". É que graças ao acon imento, Bentinho surpreende em Capita uma comprometedora ção perante o defunto: o delito toma-se estampado no rosto da · ina, num instante que o narrador não esqueceu jamais. Por isso "o que se passava entre mim e Capitu naqueles dias sombrios, p ser tão miúdo e repetido, e já tão tarde que não se poderá dizê-lo em falha nem canseira. Mas o principal irá. E o principal é que o . nossos temporais eram agora contínuos e terríveis". O tempo et;p ional, agora, varia conforme as oscilações de Bentinho, até que idéia fixa se lhe insinua no cérebro; o narrador lembra: "Era ite, e não pude dormir, por mais que a sacudisse de mim. Tamb , nenhuma noite me passou tão curta. Amanheceu, quando cuida a não ser mais que uma ou duas horas''. 63 Como sempre, é a duraçã que conta para Machado e, conseqüentemente, para o narrador:, vencido pela idéia da morte, Bentinho compra uma substância ~ farmácia e caminha em visita à casa de sua mãe, onde passa ··~hora de paz''. O raciocínio que se segue 1
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1
1
é imediato: ''Cheguei a abrir mão do ~eto. Que era preciso para viver?" E Bentinho responde, sauclos de si mesmo e do tempo que se esvaía: "Nunca mais deixar aq · la casa, ou prender aquela hora em mim mesmo ... ". Num fim- -semana, que se estira na cabeça de Bentinho e ocupa os capítul CXXXIll a CXL, decidese a situação entre ambos. O resto, já ora irrelevante, e à guisa palavras: ''Pegamos em de apêndice, se narra em breves e rápi nós e fomos para a Europa. (... ) tome~·.'.·o Brasil(...) Ao cabo de alguns meses, Capitu começara a escre r-me cartas, a que respondi com brevidade e sequidão". O tem · agora não importa e nele Bentinho não se demora, pois não deixa marcas em sua memória e em suas emoções. O narrador lembra que realizou várias viagens à Europa, simulando encontrar-se com C .· itu e o filho, mas foge de circunstanciá-las, visto serem psicologic ente vazias. Assim, nessa invariável sucessão de dias sempre i · , os anos correm verti· uma vez que o tempo se ginosamente: havendo pouco que fizera igual e indistinto depois da sep ção, o narrador volta ao ponto de partida, ao seu presente-atual. erá conseguido recuperar o tempo perdido, aspiração que presidiul à narrativa do seu passado? O resultado é melancólico:
l
Tenho-i;ne feito esquecer. Mo.ro I.onge e saJjº.··.uco. Não é que haja efetivamente ligado as duas pontas da vtda. F.sta · do Engenho Novo, conquanto reproduza a de Mata.cavalos, apenas me l aquela, e mais por efeito de comparação e de reflexão que de sentimento[
O regresso no tempo, vinculando-se :quela casa, obrigava-o a reproduzi-las, mas faltava dar a explic -o: agora é o momento azado para fazê-lo: Hão de perguntar-me por que razão,
a própria casa velha, na
mesma rua antiga, não impedi que a demo · e vim reproduzi-la nesta. A pergunta devia ser feita a princípio, mas aq~ ai a resposta. A razão é que, logo que minha mãe morreu,: querendo ir lá, fiz primeiro uma longa visita de ins~ão por alguns 4ias, e toda a a aroeira e a pitangue,ira, o ~ a caçamba v de mim. A casuarina era a mep. que eu . · vez de reto, comq outrora, tinha agpql um naturalmente pasmava do Corri os
intrlmo.
me desconheceu. No quintal e o lavadouro, nada sabiam
ao fimdo. mas o ~. em de ponto de interrogação; pelo ar, buscando algum
63 Idem, ibidem, pp. 179, 180-181, 184, 189, 206, 16, 218.
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permmenl:o que ali
, e não aohei nenhum. AD contrário, a ramagem a sussurrar al cousa que nãq entendi logo, e parece que era a cantiga das manhãs novas. o pé dessa ~ca sonora e jovial, ouvi também o grunhir dos porcos, es · de ~ concentrada e filosófica. Tudo me era estranho e adverso. Deixei demolissem :a casa, e, mais tarde, quando vim para o Engenho Novo, lem -me fazer esta reprodução por expli~ões que dei ao arquiteto, segundo tei em tempo. 64 ~ou
O tempo, sobretudo o sicológico, ihavia cruzado irreversivelmente por Bentinho: na v dade, ele é que mudara, não a casa e o que nela havia. Alterada bstancialme~te sua cosmovisão, tudo já não lhe parecia o mesmo. Tenninado o esforço ligar "as: duas pontas da vida'', os tes não interessam nada, porque na sua acontecimentos mais memória deslizaram a zona das' lembranças secundárias e de maior !relevo psicológico: Capitu, históricas, isto é, destituí "creio que ainda não diss que estava rhorta e enterrada. Estava; lá repousa na velha Suíça". zequiel, já 'homem, vem visitar Bentinho no Engenho Novo. 'Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar'', e ''parecia er-me deixado na véspera, evocava a meninice, cenas e pala , a ida para o colégio... ". Assim, transcorrem seis meses, e Eze uiel parte para uma viagem científica à tina, e onze meses depois, friamente Grécia, ao Egito e à P referidos, Ezequiel ''mo u dC uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusal ''. E então Bentinho, preso à memória, pergunta porque nenh de suas amigas de hoje, ''caprichos de cera primeira amada do meu coração? pouca dura'', lhe "fez Talvez porque nenhuma os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimul da". 65 Seu tempo mental está irremediavelmente ligado a Capitu para sempre. Perto do Coração S em (194~, primeiro romance de Clarice Lispector, exemp · fla.granterq.ente a aplicação do tempo psicológico em ficção. ºás, seus dlltros romances (O Lustre, 1946, A Cidade Sitiada, · 949; Maçã no Escuro, 1962, A Paixão Aprendizagem ou O Livro dos PrazeSegundo G. H., 1964, U res, 1969) revelam igual ndência. Na verdade, a autora representa na atualidade literária "leira (e mesmo portuguesa) a ficcionista ara ela, a preocupação capital do roman1
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ce (e do conto) reside no criar o po, criá-lo aglutinado às personagens. Por isso correspondem narrativas a reconstruções do mundo não em tennos de espa mas de tempo, como se, a façe oculta dos captando o fluxo temporal, pudessem seres e da paisagem circundante. Para prová-lo, basta proceder à análise do tempo em Pm:to do Cor, -o Selvagem: a tal ponto o uma só unidade que se tempo e a estrutura do romance f. toma impraticável perquirir um sem le ar em conta o outro. A escritora dividiu a narrativa duas partes: a primeira, composta quase exclusivamente de ins tâneos em tomo de Joana, a personagem central, explora o tem psicológico em várias de suas metamorfoses. Já na segunda p , em conseqüência de seu caráter narrativo (e narrativo só em · ção à parte anterior, mas não em relação ao romance linear, de tempo histórico), o tempo adquire ordenação e concretização, q ignora na outra. O andamento dramático, agora transferido p o conflito amoroso entre Joana, Lídia e Otávio, detennina a su ão horizontal do tempo. Por outro lado, utilizam-se dois p s dinâmicos no transcurso da história: o do presente e o do passa · da personagem. O processo para trazer o passado à superfície é do associacionismo invose alternam conforme o luntário: cenas do presente e do pass próprio fluxo da vida diária e das leni as despertas por associação. De passagem, vale acentuar qu · essa técnica rememorativa se afigura mais verossímil que a da b integral do passado (à Proust e à Machado), a qual opera com se fosse possível à personagem deter o tempo-presente a fim de "tir-se viver a sondagem exclusiva do passado, ou como pudesse desligar-se do presente, passar-lhe uma esponja, para · no passado e vivêlo em lugar do presente. Assim, a es de Peno do Coração Selvagem lembra um quebra-cabeça: peças vão-se justapondo tempo, adequação essa não pela sucessão mas pela atkquação devida a múltiplas e dinâmicas associa . A narrativa avança, e recua continuamente, em especial na ira parte, até o ponto onde todo o passado anterior ao caso p ional em foco é trazido à luz. Desse modo, o passado e o te caminham em ondas concêntricas, até que o primeiro se esg , e o segundo se transforme no passado mais pl"ÓxQo da ação desenrola a partir da segunda parte. Polifônica, portanto, a estrutura de eno do Coração Selvagem. Quanto ao ritmo com que se AUl.JAIP os episódios e com que se desenvolve a vida interior das ens, obedece ao detenni-
se
1
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nismo, como uma história ue se passasse totalmente em pleno reino da duração: o tempo1tnate1tnat100 idissipa-se ou empalidece. Quando não, fica patente q constituem!duas estanques dimensões temporais: a narradora, ou personagetnt tem consciência de que o ponde às horas marcadas pelos pontempo emocional jamais co teiros do relógio. E essa nsciência riiais de uma vez aflora à superfície das reflexões ou sensações. Assim, se tinha alguma dor e se uanto doía ela ;olhava os ponteiros do relógio, via então que os minutos COJla
sdwnoo
Outras vezes, sendo a ·screpância de sentido inverso, a emopo histórioo: ção permanece aquém do A. fazenda também emtia ·, e l.Dl!Slno iristant.e e naquele mesmo instante o ponteiro do relógio ia eaquanto a ~ petplexa via-se ultrade si sentiu de novo acumular-se o tempo vivido. passada pelo relógio. /D
po emociopal em si, alheio a compa-
Ou, então, trata-se do rações explícitas com ore
·a gastou-os à janela, olhando as coisas que
Muitos anos de Sua exis • passavam e as paradas. dentro de si a vida.
na verdade nãb enxergava tanto quanto ouvia
Até que, enfim, nasce das horas:
indagação acerca do fluir irremediável
Quanto tempo? Por que Jo tinha consci&icia, como de mna música longínqua, de que tudo contin va a existir e os gritos não eram setas isoladas, mas fundiam-se no que
·
Os dois mergulharam em cio solitário e calmo. Passaram-se anos talvez. Tudo era límpido como estrela eterna e eles pairavam tão quietos que podiam sentir o tempo rolando lúcido dentro de seus corpos com a espessura do longo passadottiue instante por instante acabavam de viver. 66
.. """"'-· "~"" ftw-"''"'""'" ,. . .
1963, pp. 12, 66, 164, 173.
1
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Sio Poulo, -
A!,,.,,
!j !
O sentimento do tempo guarda memória, visto tratar-se dum passado q rememorar o dia passado''), e dum to vivido. Graças ao processo rememo lha ''num passado aquém de seu espécie de memória antecipadora que ciência ''do futuro além de seu corpo''
um profundo apelo à se reconstrói (''Procurou te que se exaure enquan·vo, a personagem merguimento' ', e adquire uma faculta, hoje, tomar consPor quê? Porque
o futuro, a vaguidão branca do a outro no círculo do relógio. e morto, um pouco de eternidade. sepma:IJClt um trecho da vida ao seguinte. , porém longo como uma
Desse modo, no vaivém do passado nte-futuro as personagens fatalmente acabam por se dar co de que sua essência ôntica longe está de constituir uma realidade utável. Ao contrário, intuem bergsonianamente que vivem n contínuo e ininterrupto ''vir-a-ser'' heraclitiano: Havia em todas elas uma qualidade de vir a definir-se mas que j~ se realiza porque sua essência mesma era a de "tomar-se". Através dela exatamente - se unia o passado ao futuro e a todos os tempos.,.
Contrariamente ao romance de
linear, em que o enredo, duma objetividade facilração Selvagem identificamente comunicável ao leitor, P~rto do se como romance de introspecção e da . ção dum universo mágico peso, contorno e volume. onde se movem criaturas destituídas Nessa obra, tudo se esfuma, ou a se delineia precariamente, dado que as personagens e as cenas ·vem envolvidas por uma · o. Dir-se-ia que a atmosfera vaporosa e em permanente · l, ou pelo menos colocanarrativa transcorre num plano sobrena do "atrás" da superfície visível das as e das relações sociais. lmmano, a romancista Como se, radiografando um limitado mostrasse que as chapas radiográ:icas contêm o registro de seres incorpóreos, espectrais. Assim é rto do Coração Selvagem. as personagens e a cenografia desfru
67 Idem, ibidem, pp. 118, 120, 139. 68 Idem, ibidem, p. 125.
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Por isso, é natural q o tm:npo aqtbe por tomar-se categoria vaga e indefinida, obrig o a ficcionista a lançar mão duma série à vaguidade e à indefinição, como de expressões correspo as seguintes: "em breve" "wn instante", uns instantes, etc. Ou, cronológica no momento preciso em ainda, a desmentir a rigi que procura empregá-la: ' gora são epc.atamente sete e pouco da manhã". 69 Observe-se qu 'o "exatamente" colide com o "pouco", de vez que o prime· enfatiza uma precisão que o segundo nega. Tal procedimento a · confmna a inviabilidade emocional e dramática do tempo 'rico, e o pouco apreço que Clarice Lispector lhe dedica, aliás 'acertadamente. Nessa ordem de i · · não. estranha que as noções temporais (presente, passado e fu · ) se tomem vagas e logo inócuas na trajetória dramática das p E também o presente em névoas, as doces e realidade sól\ia, impedindo-a de tocá-la. 70 ·
esfiwm. .ta.
Abolido o significado! das horas marcadas pelo relógio, fica sem efeito a idéia dum · o tripartido horizontalmente em passa' mudança constitui outra característica do, presente e futuro. E po emocioDal, em oposição à linearimarcante do romance de dade episódica do roman de tempo histórico. passe a sentir o tempo numa dimensão Daí, por fim, que Jo ainda mais complexa, a e ·dade:
A impressão de que se guisse manter-se na ~ por mais uns instantes teria uma revel • - facilmente, como enxergar o resto do mundo apenas inclinando-se da t para o espaço. Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza ·zadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; impossil>ilidade de ultrapassar a eternidade na eternidade; e também era o mn sentimento em pureza absoluta, quase de eternidade a impossibilidade de saber quanabstrato. Sobretudo dava i tos seres humanos se suceaqJJiam após seu corpo, que mn dia estaria distante de \Dl1 bólido. - nasciam fatais como as pancadas do coração.
69 Idem, ibidem, p. 106. 70 Idem, ibidem, p. 88.
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Definir a eternidade como uma quanti maior que o tempo e maior mesmo do que o tempo que a mente h pode suportar em idéias também não pennitiria, ainda assim, alcançar sua - . Sua qualidade era exatamente não ter quantidade, Dão ser mens · el e divisível porque tudo o que se podia medir e dividir tinha um princípi e um fim. Eternidade não era a quantidade infinitamente gtande que se sucessão. 71
As linhas finais induziriam a pe · ar que Clarice Lispector conheceu a obra de Hans Meyerhoff (o. ue não pode ser, pois que o romance de Clarice Lispector é de 1 4, e o ensaio do professor norte-americano, de 1955), ou vice-v a (o que é improvável, tendo em vista os ficcionistas que o . ' tor de Time in Literature escolheu como base de seu estudo: t, Virgínia Woolf, James Joyce, Aldous Huxley, ~te.). De qu uer forma, impressiona a coincidência, ressalvada a hipótese de reflexões da personagem · tes de leituras. Vejamos serem fruto de reminiscências inco algumas das afirmações do ensaísta no -americano, que, a um só tempo, iluminam o caso de Clarice L" . tore ajudam a conhecer outro ângulo do romance introspectivo ', de tempo psicológico:
~ de tempo, não tempo infinito -
Eternidade, portanto, significa uma qualidade da expe.rim:ia que está
ai,
e fora do tempo físico.
Vinculando-se ao tempo psicológic , a eternidade está naturalmente ''condicionada pela natureza or ·ca, física, da memória'', · ser independente da data de modo que "a coisa lembrada p em que aconteceu; ela adquire a qualida uma 'eterna essência' '' .72 É precisamente o que ocorre nas 1 branças de Joana, conferindo a Peno do Coração Selvagem ' caráter duma sondagem psicológica procedida pela heroína no u ''eu profundo'', como em busca dum tempo perdido, cujo gate só lhe seria possível pela renúncia do tempo histórico, do ente, e das realidades concretas. Ao fazê-lo, a personagem "ve duas vezes, como se recordar fosse a suprema e única fo de libertação, uma espécie de catarse. Por isso, a personagem, o chegar ao fim de ·a uma vez a longa suas lembranças, e certa 'de "que 1
71 Idem, ibidem, pp. 36-37. 72 Hans Meyerlioff, op. cit., pp. 54, 55.
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dolorosa imaturidade rebentaria seu
gestação da infância e de próprio ser, enfim, enfim li uma esperança em que o como um ingrediente fun
! '', pode agora nutrir esperança, mas po entra ainda uma vez e sempre
eu serei forte como a alma não pensadas e lentas, não humanidades, não o e inteiro! não haverá nenh o tempo, os homens, as · para notar sequer que es instante: sempre fundido, na infância, serei brutal e o que se sente e não se tudo venha e caia sobre · momentos brancos porque caminho até a morte-sem-
um animal e, quando eu falar serão palavras evemente sentidas, não cheias de vontade de o futuro! o que eu disser soará fatal espaço dentro de mim para eu saber que existe não hav~ nenhum espaço dentro de mim criando instante por instante, não instante por ue então viverei, só então viverei maior do que feita como uma pedra, serei leve e vaga como , me ultrapassarei em ondas, ah, Deus, e que até a ~preensão de mim mesma em certos ta-me· cumprir e então nada impedirá meu , de qualquer luta ou descanso me levantarei
ntal e obsessivo: l
borroendo 1
!DOV0. 73
Entendamos, inic' .• o que vêm a ser personagens de romance: ''pessoas'' que vem dram8s e situações, à imagem e semelhança do ser humano "representações", "ilusões", "suges'', de onde ''personagens'' (do lat. tões' ', ' 'ficções'', ''másc persona, máscara). Via de gra, só "gente" pode ser personagem de romance. Animais irra nais que participem do desenrolar de acontecimentos romanesc ou são projeções da personagem (corba), ou invulgares em sua condição mo no caso de Quincas (como a Baleia de Vulas S as), ou servem de motivo ao desenvolMo'úy Dick). Parece desnecessário lemvimento da ação (como brar que os animais só a como personagens nas fábulas ou nas narrativas de cunho poéti (como, por exemplo, Platero y Yo, de Juan Ramón Jiménez). ''P . ·a-se imaginar um romancista colocando em cena animais (co faz Kipling nO Livro das Selvas), plantas e minerais. Toda · , quanto mais descemos na escala dos seres, mais a coisa se to irrealizável. Primeiro, em razão de nossa ignorância, depois sobretudo, em razão do fenômeno de
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a..;.,-. "P· '"·
i. 17~179.
i
simplificação a que assistimos e que fa que as reações ou as ações plo, careçam de diversidum mineral ou duma molécula, por e dade e, por conseguinte, de interesse". Da mesma forma que os animais o podem ser personagens de ficção, ressalvado o caso dos apólo ou fábulas e as circunstâncias assinaladas, às crianças é vedad. protagonizarem romances. Entendamos o ponto: é óbvio que po m compartilhar da trama narrativa, mas sem exercer a função d .figuras centrais. Por outro lado, estamos considerando as crianças mo tais, ou seja, criaturas de certa idade e submetidas às restriç- que lhe são decorrentes. 75 Divisados em sua condição, surpreen s no relacionamento que estabelecem entre si, meninos e · · podem integrar narrativas infantis, como as de Perrault, Grimm e utros. Afora tais enredos, sempre que comparecem num romanc uma das· seguintes situações se configura: 1) tornam-se símbolos ou alegorias.i 2) representam a personagem central durante o estágio infantil sua existência; 3) atuam não são elas que interescomo personagens secundárias, e por · sam, seja ao narrador, seja ao leitor, s os adultos com quem se defrontam ou a quem refletem. Na úl · · alternativa, o comportade precocidade ou deformento da criança assume um visível mação: adulto em miniatura. Assim, Mark Twain, um dos tantos mancistas do século XIX que convocaram crianças para suas as, 76 atribuiu-lhes papéis ''normalmente desempenhados por ad s - o vagabundo, o detetive, o político, o general e o santo''. 77 ! Em O Ateneu, é a óptica do natraQ!Pr adulto que se impõe ao romance e aos leitores, de tal forma q os protagonistas infantis
74 Henri Bonnet, Roman et Poisie, Paris, Nizet, 1951, p. 89, nota de rodapé. 75 Espero que o leitor compreeada não ter ca · o, aqui e agora, uma análise, posto que sumária, do complexo capítulo da psicologia infan · hoje objeto de uma vasta bibliografia ~~:·No presente contexto, o temio "criança', defilgna a faixa etária do nascimento 76 Peter Coveney, Poor Monkey: The Child i Literature, London, Rockliff, 1957 ("introduction", pp. IX-XIV). V. !Jmbém: Muriel · Shinc, 1he Fictional Children of Henry James, Cliapell, The University of North Caro · , 1968 (' 'Chil.drnn in Litera.twe: Introduction", pp. 3-22). in Mark Twain 's Imagination, 77 Alfred E. Stone Jr., 1he /11110cent Ey11: Chi . New Haven, Yale University Press, 1961, p. IX. Acen:a da criança encatada como miniatura de to, vejam-se os títulos citados na nota precedente e mais o seguinte: William Woodin e, Dostoievski: Child and Man in His Worb, New York/London, New York University / University ofLondon Pmis, 1968.
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apresentam wna conduta v.ez ~ madura, .à proporção que se vão degradando por · o das petsctiagens maduras. O mundo ivo, detertninado pelo azedume que destas sofre um processo Raul Pompéia instila em a ''crônica de saudades'', mas, sem a , a história se desintegraria complesua presença ridícula e ne tamente. Desse modo, S ' ·o somente oos importa na medida em que representa o próprio ionista noutro período etário; embora os seus colegas deg a pouco e pouco, toda a atenção, do narrador e nossa, conver para Aristarco, D. Ema, a canarina, os professores. Em cena, d bra-se em primeiro plano o universo social dos adultos, não o escolares: estes, reproduzem passivamente os valores do meio ' rrupto, e acabam atuando, ou pretendendo atuar, como "gente de". Em D. Casmurro, ai· · de Capitu mover-se de forma dissimulada e precoce desde mui ·cedo, o romancista demora-se na infância dos protagonistas para s mostrar a lenta gestação do trágico desfecho final: "o menin é o pai do homem", diz Machado de Assis, resumindo com um orisma a ênfase posta antes no homem que no menino. a - a que ele próprio foi -, para E ao escolher uma protagonizar Menino de enho e Doidinho, José Lins do Rego conferiu ao herói inevitá · is características adultas: no evidente lastro autobiográfico dos ces, comprovado pelas memórias fixadas em Meus Verdes os, o escritor projeta suas expectativas de homem feito, sequioso recapturar proustianamente a infância vivida num engenho da P íba. Por seu turno, Alves ol esmera-'Se na retratação de Manel Caixinha, herói de Fanga, mostrar que levava uma existência de vítima incompatível co sua idade, num vilarejo cuja população , a dos senhores e a dos escravos: o se extremava em duas c ficcionista sustenta a tese que o homem, desde os primeiros anos do trabalho assalariado, um moderde vida, pode tomar-se, no servo da gleba, dobrad à iniqüidade social. Finalmente, consider 'os o Pequeno Prlncipe: mais literatura de adultos que de crianç para ser bem interpretada exige que a encaremos como uma ale ria acerca da salvação do homem pelo espírito e a simplicidade tural. O número de persona no romance varia de obra para obra, mas o ficcionista pode li ente povoar a narrativa duma série o essencial para haver conflitos desendelas ou reduzi-las ao ' cadeadores da ação. Obs emos o caso de Perto do Coração A
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Selvagem: poucas personagens, visto q o eixo da ação passa pelo "eu" da personagem central. Em O P ·mo Basílio, já é consideravehnente maior o seu número, mas mpre subordinadas a uma hierarquia dramática: há personagens . · cipais (protagonistas) e ) oufe antagônicas (antapersonagens secundárias (deuteragon · gonistas), de acordo com a importânci do drama vivido por elas e com a perspectiva adotada pelo ficcio ta. Assim: Luísa e Basílio são protagonistas, enquanto Juliana é· a antagonista principal, e age na ausência de Jorge, Jorge, a de menor relevo. Como Juli forma-se o célebre triângulo amoroso, a empregada transformase numa espécie de alter-ego do mari injuriado. Em plano mais distante, situam-se os demais figuran , todos com seu problema ção Luísa-Basílio: Sebasespecífico, mas girando em tomo da tião, Leopoldina, o Conselheiro Acáci Emestinho, D. Felicidade, Julião e outros menos importantes. To s, duma forma ou de outra, justificam sua presença no desenrolar o romance graças ao rela! cionamento com o drama de Luísa. O Contraponto constitui outro ex lo de romance cuja popunúcleos dramáticos que se lação atuante, grande e variada, fi justapõem numa rede estreitamente tran : Marjorie Carling, Walter Bidlake, Lady Edward, Polly Lo Webley, etc. Quase se diria que Huxley pretende revelar o -limite das personagens que vivem o sem-limite dos dramas e nflitos individuais e coletivos, de modo que todos seriam prota nistas e ao mesmo tempo personagens secundárias ou antagoni todos apresentariam imfundidade. portância dramát:j.ca quando vistos em Na verdade, porém, essas personag não se colocam no mesmo plano, ou quando isso acontece, nã são realmente iguais: dois protagonistas podem ser contrários co portando que se pareçam pelo fato de corpo da narrativa; assemelham-se pe sonalidade. Este fato sugere que cl 1quemos as personagens independentemente da importância qu. assumem no conjunto da onais7 e redo1Ulas ou tridihistória. Podem ser planas ou bi · mensionais. 78 No primeiro caso, trata-se de pers fundidade (psicológica, dramática, etc. e caracterizadas por uma qualidade, defeito, faculdade ou carac, rística. Sendo, como são, 1
78 E. M. Forster, op. cit., pp. 67-78.
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sa o' exagero duma tendência particular, podem ser chamadas d tipois ou de caricaturas, conforme se trate de personagens univ . ais ou regionais. Assim, o Conselheiro Acácio é o tipo represen ·vo da hipocrisia social revestida por uma linguagem de lugares muns altiss<>nantes, enquanto Emestinho é a caricatura do poeta mântico descabelado e melodramático. dizer procedente de dois críticos, dá O vocábulo "tipo", margem a confusões. Por · so, a~ntam eles, ''sempre que consideramos tipo uma ' nagem, fugimos de considerá-lo uma personagem individualiza e tendemos a considerá-lo parte de um quadro mais amplo. Esse q pode ser moral, teológico, referido a um esquema extraliterári ; ou pode ser referido a· uma parte do próprio contexto da narrati ''. 79 A descrição de Robert Scholles e Robert Kellogg apenas ca estranheza no tocante à falta de individualidade do tipo. A não er que por individualidade se entenda algo especial, podia-se di que, pelo contrário, o tipo se define por sua característica dis · ·va, levada ao extremo. Se o excesso que considé:rá-lo não-individualizado. dela o diferencia, não há O tipo e a caricatura c ' . eceram muita voga no século XVII e no XVIII, em prosa e no tro (Les Caracteres, de La Bruyere, O Tartufo e O Misantropo, e Moliere), bem como na ficção do século XIX. Ainda se po dizer que as personagens planas são estáticas, inalteráveis ao lo o dá narrativa, sempre idênticas, e não reservando surpresa ao lei r por suas características específicas, senão por sua ação. As p onagens da ficção romântica e realista eram via de regra estátic e planas: as coisas aconteciam a elas, ~ não dentro delas. 80 Por sua vez, as persa ens redondas têm profundidade e revelam-se por uma série de cteristicas, ao contrário das planas, identificadas pelo desenvol excessivo de uma virtude ou de um vício. Dinâmicas, as co se passam dentro delas e não a elas; por isso surpreendem o 1 r pela ''disponibilidade'' psicológica, semelhante à dos seres viv Enquanto "a composição [da persona· deliberada, se não mais consciente, gem plana] é sem dúvida ao menos mais metódica•• como "o resultado duma construção racional, lógica'', a perso em redonda ''parece formada pelo in79 Robert Scholks e Robert University Press, 1968, p. 204. 80 W. F. Thrall, A. Hibbard e Odyssey, 1962, p. 81.
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gg, 'lhe Nallln of Narratiw, New York, Oxford H. Holman, A Handbook to Literature, New York,
terior'', faz "figura de ser singular, e reto" e "fruto dwna visão global, dum élan impulsivo onde a ibilidade e suas intuições ocupam grande parte''. Por outro lado, personagem plana depende do ambiente para adquirir individualida , ainda assim relativa; moldada pelo ambiente social em que vive,, la recebe ''sua linguagem, seus gestos, seu porte, seus hábitos, e o seus modos de pensar · ie de índice-social, ao e de sentir" .81 Funciona como uma primordialmente aos impasso que a personagem redonda ob pulsos interiores, colocando-se à mar ou acima das coerções · el e inconfundível, enquansociais. Indivíduo diferenciado, ini Esta não parece ter "eu", to a personagem plana é coletiva, salvo o ''eu social''; a outra, só possui ·,'eu'', e o ''eu profundo'', à o ter desenvolvido. custa de atrofiar o "eu" social ou de Por isso, a personagem redonda é própria e mais ninguém, ou podem ser, graças ao precisamente como os seres vivos o · que possa derivar para o nome, ao aspecto físico, à voz, etc. caráter, como no teatro clássico . Mas, sendo tão carregada não raro se transforma em de hwnanidade, a personagem redo símbolo, símbolo duma ''possibili " hwnana por momentos modo, dizemos ser Capitu elevada à sua dimensão mais alta. D o símbolo acabado da dissimulação, e dendo-se por esse defeito (ou virtude?) a manifestação parcial d complexa personalidade globalmente conhecida pelo leitor. T complexa que despistou Bentinho e todos os leitores de sua · . ória, fazendo-os perplexos diante da existência ou não de um de ·· ' em sua vida conjugal. Se fosse personagem plana (como Luísa Primo Basílio), o problema deixaria de existir porque demasia evidente. Assim, a personagem queirosiana imerge tragicamen · no aquário social e perdese, uma vez que, nela, o social venceu · individual. A personagem machadiana supera as limitações soe e impõe-se enérgica e silenciosamente, como se nela a condi o humana ganhasse planos vedados às Luísas que enxameiam e . todas as camadas sociais. Em Capitu, o humano engrandece-se e' quire a força de símbolo, , problema secundário e tenha havido ou não adui1.tério (de insolúvel); em Luísa, o humano em ' uenece-se, não porque a personagem ''errou'' ingenuamente, da pela luxúria. Capitu é redonda, é símbolo; Luísa é plana, q e-tipo ou quase-caricatura.
81 Nclly Conncau, Pliysiologie du Romoo,
es, La Rcoaissance du Livrn, 1947,
pp. 83, 84-85.
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As várias modalidades pemonage.tlll nem sempre se apresentam de fonna pura: u·ltet~abiam suas características, dificultando a classificação, como no c o do D. Quixote, ou ficando a meio caminho entre uma e outra como a Luísa, à beira do tipo ou da caricatura da adúltera. De de se poder falar em personagens mistas. De modo genérico, distinção entre uma personagem redonda e uma plana nio titui embaraço maior. Mas o mesmo e do súnbolo. Babbitt, o "herói" de não se pode afirmar do Sinclair Lewis, é citado o caráter, em razão de ''sua relativa imutabilidade, combinada um peculiar tipo de liberdade. Não raro fundindo o cômico e patético, ou, como no caso dos protagonistas de Dickens, o c co e o sinistro'', o caráter (e também o símbolo) ostenta uma c lexidade ''que existe somente para o se dá conta dela''. Em suma: ''os leitor; o próprio caráter caracteres são, por assim · , quimicamente puros; eis porque são freqüentemente tônicos, o intoxicantes. Seu realismo é mar"dade, viV8Cidade'' ,82 mas enquanto cado pela intensidade, sin Babbitt é um caráter, e por o, representa um homem de negócios típico, inescrupuloso e ávi , Capitu simboliza algo mais profundo e amplo da natureza h As personagens piarias · eacem ao romance. de tempo histó, sobretudo ao de tempo psicológico. rico, ao passo que as redo É por isso que essas úl · se encontram com mais freqüência na ficção moderna. Lafcádio, i dOs Subterrâneos do Vaticano, de André Gide, serve como plo de personagem redonda, com o seu dinamismo psicológic seu descondicionamento social, sua "disponibilidade" psiqui que lhe permite estar sempre pronto para mudar de atitude de momento para o outro. Para ele, é indiferente abandonar a depois de oferecer-lhe uma jóia inar um comerciante durante o trajeto, valiosa, ir para Roma, as ser preso e condenado. ' do ''disponível'', tanto faz para ele is os atos se equivalem perante a sua agir duma forma ou doutra consciência. Somente os · · guem as personagens sociais, moldadas segundo padrões coleti ' , atentatórios ao individuo como pessoa. Para ele, individuo, nagem redonda, uma opção vale outra qualquer: matar ou o matar constituem atos psicologicaA
82 W. J. Harvey, Characrer tire Nuvel, New York, Comell Univemity Prcss, 1968, pp. 58--62. A respeito das mistn, vor Robmt Liddell, A.Th!alise on the Novel, Londan, Jonatban Cape, 1963, pp. 9 97.
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mente análogos, embora social e m ente antagônicos. Uma ·de à vida do herói, invulespécie de supra-estrubn psíquica nerável às punições sociais, o · a opinião pública, etc. Não menos "disponível'', Luís da Silva, tagonista de Angústia, de Graciliano Ramos, vive obcecado pelai ança, como se de repente descobrisse dentro de si sua v d.eira natureza, ou o ''eu profundo'' recalcado pelo sistema so . . Aparentemente pacato e pusilânime, a traição da amada, · e do amigo, Julião Tavares, desperta-lhe o desejo, estranho e vicamente forte, de eliminar o rival. Fm pouco tempo, outro · desponta, livre das peias sociais, inflamado pela obsessiva idé" · da morte. Pondo-se acima da coação social, o herói entra a p , doidamente, redondamente: Que é que podia acooteoer? Ir para a perder o emprego, cumprir sentença. A que eu tinha.
ia, ser processado e condenado, na prisão não seria pior que a
1
E mais adiante: Medo de Julião Tavares? Não havia
,moti+
e por fim: Medo da opinião pública? Não existe op" Não há opinião pública: há pedaços de inião, contraditórios. Uns deles estariam do meu lado, se eu matasse J ·- Tavares, outros estariam contra mim. No júri metade dos jub:es de fato , · na uma a bola branca, metade ~ a bola preta. Qualquer ato que ·casse agitaria esses retalhos de opinião. Inútil esperar udanimidade. , uma ~ão boa, dá tudo no mesmo. Afinal já nem sabemos o que é e o que é mim tão embotados vivemos.13
Como se observa, a personagem e ter consciência de pairar acima dos relatiVÍSQJ.Os sociais, _.........i.uu·O energia para insos atos-símbolos, longe crever o assassínio de Juli~ Tav~ das sanções morais oll juridicas. Por .utro lado, suas reflexões para vir ter lugar entre escapam do plano literário em que se si
83 Gmciliano Ramos, Angústia, 4ª
ro., Rio do 1
177-178.
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ser:DdbalJdl aquelas que fazemos no recesso de do amadurecimaito que se processa idéias de Luís da Silva corresponPt'C:>91Ddl•
e peSllOais, não à "verdade" que sinceramente as aceitemos
ream•is, seria tomanno-nos marginais, esesc:on:l&lldoa, santos, heróis, ou visionários. '1:9i'Clade da personagem. redonda acorda ~-:ui.ui:~ disponível, mas oereado pelas norde atender aos reclamos do ••eu procatalticamente ou freudianamente atrail:n1tc-si"büidade TeSulta de que a arte e a específicas, mas cada qual obedece a leis próprias, visto que •• é uma obra de arte com suas próprias leis, que não são da vida diária, e a personagem. no romance é real quando viv 'de acordo com tais leis (... ), real não porque igual a nós outros ( hora possa ser parecida conosco) mas porque convincente••,84 e nvincente porque realiza, dentro dos limites da ficção, aquilo , seeretamente gostaríamos de em8diinte potcausa das injunções sociais. preender, mas que não lev A personagem redonda rresponde, assim, a uma projeção, ou símbolo, de nosso "eu o", e um alter-ego livre para concretizar a impossível evas- ·, que morremos sem ao menos iniciar, tão presos estamos ao co cionamento exterior. Por meio de sua ação, temos a ilusão de ' realizar, de nos conhecer melhor, e vamo-nos competiSando frustrações da vida cotidiana. Ao contrário disso, a personagem lana dá-nos a impressão paradoxal de falsa, paradoxal porque i a todos nós socialmente, e falsa porque não se espera da arte nss retratie tão superficialmente, em raz.ão de os leitores proc no romance não aquilo que são, e, sim, o que desejariam ser. ão são as Luísas e os Acácias que nos consolam do dia-a-dia m .ótono, mas as Capitus, os Lafcádios e os Luíses da Silva, pois · les nos lembram degradados ou agrilhoados, enquanto os o nos sugerem acima das limitações sociais, donos duma li ·de impunível pelos semelhantes. Assim, podia-se esbo a seguinte tipologia das personagens:
84 E. M. FOIStcr, op. cit., p.
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a) protagonistas; b) antagonistas; c) deuteragonistas. 2) quanto à sua universalidade: a) personagens planas; b) personagens redondas.
'i
3) quanto à sua simbologia:
a) b) c) d)
tipos; caricaturas; caracteres; símbolos. 85
j
Intimamente relacionado com esse ' pecto e com o ''ponto de vista'' narrativo, que será analisado ·s adiante, está o processo de criação das personagens. Três são, os mecanismos utilizados pelos ficcionistas na composição do ro ce, seja na sua estrutura, no desenvolvimento da ação, na des ·ção da natureza, seja na criação das personagens: a memória, a bservação e a imaginação (ou projeção do "eu" do autor). A m , ória já foi lembrada reiteradas vezes quando estudamos o tem no romance, mas, por se tratar dum problema intricado, não ca nas dimensões deste livro discuti-lo. Por isso, apenas afloramos lgumas de suas principais que ficção e memória facetas. No momento, é oportuno por natureza se repelem. Dê fat~ a m ória biográfica dum ficcio-
85 O leitor interessado numa classificação dou ' como instrumento analítico, como a de E. Souriau (o o destinador, o destinatário, o adjuvante), a de V. Pro mandante, a princesa e seu pai, o herói, o falso herói sem obscuridade, a noção de actante, na esteira de "personagem'" e "dramatis persona'" (o sujeito, o oponente, o adjuvante), - ver, respectivamente, Les D Paris, F1ammarion, 1950; Morphology of the Follaal University of Texas Press, 1970; Semfi.ntica &trutur 1973. A respeito do assunto, ver ailida Oswald ' encyclopédique des sciences du langage, Paris, Seuil, CourteS, Dicionário de Semi6tica, tr. ,bras., S. Paulo, , da Literatura, tr. port., Lisboa, Presença, 1981, pp Quellet, op. cit., pp. 211-221. Aos d0is últimos au na classificação de E. Souriau.
tipo, mas que não me parece eficaz tagonista, o antagonista, o objeto, (o agressor, o doador, o auxiliar, o a de A. J. Greimas, que propôs, não Tesniere, e de ator, para substituir ~eto, o destinador, o destinatário, o Cent Mille Situations Dramatiques, tr. norte-americana, 2" ed., Austin, tr. bras., S. Paulo, CultrixJEDUSP, t e Tzvetan Todorov, Dictionnaire 72, pp. 286-292; A. J. Greimas e J. trix, 1983; A. Kibédi Varga, Teoria 134-146; Raland Boumeuf e Réal pertence a nomenclatura empregada
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nista serve-lhe, via de regra, para a composição de diários e memórias. Quando lhe serve p a criação de romance, ocorrem duas circunstâncias: ou trata-se observação alheia depositada na memória e um dia transferida formadamente para a ficção, ou tratase de converter em imag · -o tudo quanto se vai acumulando na memória, seja o produto da bservação, seja o da própria experiência. No primeiro caso, a ária trai o ficcionista, dando-lhe a impressão dum material in •gotável apenas porque ricas e múltiplas as jazidas da mineraçã interior. José Lins do Rego é ex plo desse perigoso comprometimento da memória biográfica: s , obras pertencentes ao "ciclo-do-açúcar" baseiam-se em sua vi ência de filho de senhor de engenho. Quando se lhe exauriu o ve' da memória e precisou lançar mão da imaginação para substituí- , seus romances se empobreceram a olhos vistos, como aconte u com o inverossímil Eurídice e o deslocado Riacho Doce, o , de secundário interesse e vigor. Mas nem o ''ciclo-do-açúcar'' trouxe a importância literária de que é senhor; esta, decorre de go Morto, uma vez que o comprometimento da memória se a ua e se equilibra com o auxílio da imaginação, embora de c vôo, resultando numa obra hannônica, das mais importantes fiC9ão nordestina. Fm plano oposto situa-se a ficção machadi ' ou a de Graciliano Ramos. E se fosse necessário vincar ainda o papel da ficção como transfiguração da observação e da expe · eia por via de imaginação, bastava referir a obra de Proust. Menos limitado é o pa 1 da observação, porquanto o romancista retira da realidade vi em perpétoo fluir o material de sua ficção, observando-a não mo ato da vontade, mas deixando-se impregnar por tudo quanto ilhe passa ao alcance dos sentidos. Se for observação fotográfica, genera em pobre tautologia da realidade (como o romance · ta e o naturalista); se transformada pela imaginação, conv e-á no "caldo de cultura" onde se desenvolverão história, ' nagens, etc. Explica-se: a reprodução fiel, além de poder oferecer retrato distorcido do homem, fornece uma imagem imóvel e f da realidade, pois o romancista jamais pode desenhá-la contempo ente à observação, como faziam os pintores impressionistas é sempre passada quando o olhar do escritor a surpreende; por · ·o, a impressão de tê-la fixado como tal corresponde a uma imag 3.lsa da realidade. Por outro lado, não b a imaginação: pode levar também à irrealidade e ao engano: é oi caso das narrativas fantasiosas de Júlio 1
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Veme e da ficção científica. Tlµlto naq las como nesta, desapareensão de um mínimo de ce a memória, a observação reduz-se à verossimilhança emprestada pelas ciên mecânicas e físico.:químicas, e a imaginação predomina, desg do real, planando em atmosferas utópicas ou parcamente po 'veis. Aqui, como no caso da memória ou da observação, a ex · "vidade é extremamente perigosa, por mutilar a visão da reali . Em conclusão, um romance convence e realiza-se como quando nele se opera o consórcio harmonioso entre a memória a observação e a imaginação, respeitando essa ordem crescente importância. Ora, a origem da criação da gem obedece a esses mecanismos, o primeiro e o segundo praticamente num só, e o outro, composto da projeção do "eu',. do ficcionista. Entretanto, ''por mais imaginativo que possa ser, escritor forma suas personagens partindo da vida e de si próprio''. 86 Com efeito, em certa medida, sempre o ficci ·sta extrai as personagens de dentro de si, pois mesmo quando prega a observação ou a memória, transforma tudo em matéri própria, identificando os vivências. Desse ponto dados lembrados ou observados com de vista, a diferença entre observaªão · memória e projeção, enquanto processos geradores de perso •· gens, é simplesmente de grau ou de representação, porquanto a · ase continua a mesma: o "eu" do ficcionista. Mas essa d.m . é substancial em certos personagem convincente, casos, auxiliando na distinção entre e outra inconsistente. · e diante de seu filho, o No primeiro caso, "com.o uma gem como diante de um romancista se encontra diante da pers ser separado: conhece-lhe as mais pro das camadas, certamente porque é de sua própria substância qu a tirou. E, por isso, esta cial talvez lhe reserve criatura que é tão estreitamente consu certa liberdade". 87 Ora, a surpresas, por ser, doravante, dotada personagem tanto mais corresponde à · ~eção do "eu" do romanversa. É claro que todas cista quanto menos é livre para agir, e romancista e são-lhe oonas personagens se gestam no interior "eção do seu "eu", ensubstanciais, mas algumas a:esultam da da :nremória relacionada quanto outras. decorrem da 1obse.rvação
86 Peter Westland, Literary Appreciation, 1950, p. 232. 87 Nelly Conneau, op. cit., p. 76.
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nem·•
com o mundo externo. P isso, sempre se pode afirmar categoricamente que esta gem é fruto da projeção e aqueloutra da observação ou memória: domo os três mecanismos interagem na criação da · gem, apenas cabe dizer que um deles predomina sobre os ·s. É o caso, por exemplo, de Sérgio, projeção de Raul Pom .ia, nO A.te~u. e das personagens dO Cortiço, produto da observ -o. Por outro lado, a relev eia da projeção significa que se trata duma obra pouco ''dramá · '', no sentido em que a personagem mal vive a própria vida, · ortanto, pouco romanesca. O Ateneu ainda exemplifica a incam ·zação duma narrativa que a rigor não , como bem teria notado o ficcionista pode ser rotulada de Saudades''· Quando, ao contrário, a ao subintitulá-la "Crônica imaginação) ocupa o primeiro plano observação (transfigurada. como mecanismo gerador personagem, o romance merece tal rtiço. Na primeira obra, observa-se a título, como no caso dO autor", no dizer de Nelly Cormeau, "intervenção paralisante fazendo da: personagem espécie de transferência psicanalítica, de forma que Sérgio e Ra ' Pompéia não passam de uma única nológicos diversos. A narrativa torpessoa, apenas em estágios página de memórias transposta em na-se autobiográfica, ou ficção. Em contrapartida, · io Azevedo realiza a "arte suprema criaturas, de fazer-se esquecer, de (... ) de apagar-se diante de lhes deixar sua espontanei · e e vontade como crianças cujas brincadeiras fossem observadas que elas suspeitassem um instante''. 88 A divergência genétic tre personagem projetada e personagem observada evidencia- · ainda nos métodos empregados para sua apresentação. Como cede o romancista? "Falando-nos da personagem, contando-nos que ela está pensando, explicando e suavemente, "ele deixará a persoseus impulsos?" Ou · · nagem revelar-se a si pró ·a'' - um método mais lento e mais sutil, cujo sucesso dep gatnente da inteligência e da expeos processos, o direto e o indireto, riência do leitor?89 Am podem ser empregados, inc ive ao mesmo tempo, mas o primeiro românticos e realistas, ao passo que identifica-se com os roman o segundo é freqüente no e pós-proustiano. Quando, mais
88 ltkm, ibidaa, p. 78. 89 Pctcr Westland, op. cit., p. 2
in Teoria da LJteratura: Formalistas
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. A esse respeito, ver B. Tomachcvski, "Temática", os, tr. bias., Porto Alegre, Globo, 1971, pp. 169 e ss.
adiante, se estudar a descrição como dos expedientes narrativos, esse aspecto da caracterização das p onagens ficará mais claro. Por ora, lembre-se quão estáticas, variáveis, e, portanto, plaAluísio, ou dum Eça: o nas são as personagens dum Alencar, romancista descreve-as de corpo inte · em dado momento da narmovimento que apenas vai rativa e dali por diante lhes imprime confirmar o retrato preconcebido. Ao c trário, Machado, Graciliano, Clarice Lispector, Vergílio Ferre· outros, sugerem o retrato o que pouco se detém na da personagem pela ação, num · descrição física, e, ao mesmo tempo,, 'valoriza a personagem ao considerá-la submetida a um pennanen~ transformar-se que foge a qualquer estereotipia, por mais engenh+a que seja. A personagem estática, intrinsecamente pobre, não se transforma em estereótipo, em fantoche, ou projeção do "e '" do ficcionista, ao passo que a dinâmica é dotada duma perso · de forte, infensa a esquematizações e fruto da observação inte ada. Entre ambas, obserentre a Luísa do Eça e a va-se a distância fundamental que · ' ntando um títere, como o Capita do Machado, a primeira, re próprio autor de D. Casmurro denun u em famoso ensaio, e a do ficcionista. segunda, uma personagem viva, s~par.
A linguagem, entendida como o prego de um vocabulário em suas categorias morfológicas, sintá cas e semânticas, constitui importante capítulo de toda obra lite · , incluindo o romance. Na verdade, um ''romance de certa classe por princípio um romance bem feito e bem escrito''. 90 Evidentem te, não significa uma apologia da forma, do estilo, em detrim to do conteúdo, caso os des autônomas, à semeconsideremos precariamente como en lhança do ser humano, cujo corpo s · a parte visível da vida psíquica. Não se espera que o roman · despreze o estilo em que vaza suas obras, nem que o tome or si próprio. Embora se possa afirmar que também: a linguageII.frU!-~ é simples instrumento, ·te, a história da literatura pois está identificada à idéia que mostra que o ficcionista ambicioso perenizar sua obra atenta para o estilo. Ass:im, nem há de incidir desleixo do Jorge Amado
90 Nelly Comieau, op. cit., pp. 193-194.
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anterior a Gabriela, Cra Canela, nem no esteticismo retórico dum Coelho Neto. O " feito" e "bem escrito" referem-se a um acordo consubstancial tre o que o romancista diz e o modo empregado para o dizer; eito o acordo em favor de um dos lados, a obra desequilibra- e falha: o leitor exigente não aceita uma trama bem urdida pressa distraidamente, nem um estilo capacidade inventiva. Num caso e brilhante para revestir noutro, o resultado é s decepcionante. Tanto é assim que ia de um bom romance mal escrito: parece inconcebível a a categoria "bom" denota per.feito eqlli.hbrio entre a expressão e o exprimido, o continente o conteúdo, o significante e o significado. Da mesma forma q o "bom" repele o "mau'', quando se bem escrito, a conclusão é que se trata trata dum mau romance simplesmente dum mau ce. Em smna, entrando a categoria "mau" - seja na express- , seja no expresso, o balanço é negativo. Por outro lado, o bom · ce imp1ica o consórcio hann.ônico entre uma e outra camada xtual. Os dois extremos pondem a talentos especiais, mas também a noções antagônicas romance, sua natureza e sua função. ce como reportagem, fotografia da Para os que encaram o realidade ou obra a serviç duma causa, o estilo constitui aspecto secundário e pode ser fro o ou primário, dado que apenas lhe conseqüência de tal distorção, conheinteressa a ''mensagem''. cemo-la bem: esses ficcio · tas acabam tragados na voragem do tempo; passado o prurido ue lhes condicionou a criação duma deformada visão da estrutura roobra polêmica ou baseada · manesca, o tempo faz-Ih oustiça, reduzindo-os à expressão mais simples. O exemplo nos ser fornecido por Zola: não obstante seu talento, vem sendo poucos esquecido em favor de outros que não se deixaram sed pelo canto de sereia duma arte passionalmente engajada. Entre últimos situa-se Flaubert, cujas obras revelam a aliança entre o trato fiel duma fração da sociedade francesa oitocentista e um · o escorreito, inspirado na procura do tenno próprio para rev situações e personagens que doutro modo se embaciariam ou perderiam para sempre. No ângulo oposto se aqueles que consideram o romance arte do estilo, co o se exercitassem o seu domínio da linguagem com qualquer , assim projetando a expressão antes da invenção. Coelh Neto entre nós, e Anatole France na Europa, ambos seduzidos lo estilo como fim último do romance, enquadram-se nessa categ ·a. Entretanto, foi o romance-arte que e
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suscitou os romancistas mais inventiv do século XX, como Proust, Gide, James Joyce, Huxley, Virgínia oolf, etc., graças a realizarem a desejada hannonia entre exp -o e invenção. Neles, a linguagem desobedece aos padrões ·cionais, exatamente porque novo o conteúdo expresso. Na elabo -o de suas obras, o trabalho artesanal funciona como regra cons , embora se possa discutir até que ponto tais escritores pro conscientemente, e em que grau, portanto, atendem a estímulos · nscientes e secretos. Em resumo, a luta pela expressão, de que os fala Fidelino de Figueiredo, não significa que o escritor d · a rebuscar a fonna rara e brilhante para moldar suas idéias, mas• . ue se esforce por encontrar soluções verbais adequadas e tão nov~uanto o são as intuições e as descobertas. Ao invés de estilo.pelo.· tilo, arte pela arte, o estilo o que até à data pertencia como uma batalha contra o inefável ao mundo das vivências adormecidas: .· ressumando vida, numa permanente bipolaridade, arte como c trução e estrutura, seja do ângulo externo, visual, seja do intem~··perceptível pela imaginação. Assim, a linguagem seria a ma · habitada por uma fonna, a matéria nova adquirida por uma fo . , o vaso em que a forma ·. alcança vida e permanece. Contudo, a linguagem não consti · · apanágio do homem de letras: além do contista, o novelista, o trólogo, o crítico, etc., o historiador, o cientista, etc., e nós pró ·os, na vida diária, usamos a linguagem como veículo de comunic -o. Quanto a diferenças no primeiro caso, creio que os capítulos · ·ciais desta obra oferecem uma resposta para o problema. Res ' saber as relações entre a linguagem falada e a linguagem lite · ·a. Antes de mais nada, é eia que vai da linguabom lembrar que entre a duas existe a · ira é livre, espontânea, gem falada à linguagem escrita. A obediente aos fluxos emocionais e aos · tímulos do diálogo e dos acontecimentos, atenta a uma expressi dade imediata, em desrespeito às regras da gramática nonnativa., segunda, subordina-se a regras, visto a comunicação se operar um leitor que só tem diante de si o texto; quem escreve, p isa fazer-se entender por meio das palavras que usa, falto dos rec os da fala oral, os gestos, as pausas e as repetições, etc. Escrita ·ca, discursiva, dialética, enquanto a outra é afetiva. emocional, ' linguagem escrita pressua transmissão das idéias: põe a adoção de signos convencionais está claro que precisamos levar em con . as ilimitadas gradações de complexidade e adesão aos convencio · os que existem entre uma simples carta comercial e um ro ce como Ulysses. Não A
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sendo o caso de examinar problemas tangenciais, atenhamonos à linguagem do em relação à linguagem falada. reproduz o mundo, através duma O romance recria mas reproduz o falar cotidiano. Assim, o linguagem que recria mas ficcionista deturpa a reali artística quando pretende escrever se procurasse falar como escreve. como fala, da mesma fonna Embora se trate sempre da língua. são modaJidades especídevan ser respeitadas, sob pena de ficas com leis próprias, afrouxamento ou de falsi ; escrever como se fala é tão insensato quanto falar como se fosse · livro; no primeiro caso, é sinônimo de incultura, esnobismo ou frito polêmico, no segundo, de pedantaria. A linguagem do· há de ser natural, apropriada às lista, isto é, transcrição da linguagem leis que o regem, e não na diária. Por isso o romance- portagem, querendo tomar-se a transposição direta da vida, fals ' -se e falseia os :fins da arte (que, antes de ser cópia, é uma tra guração do real), e o romance-arte, recriando a vida, cumpre o u papel. Paradoxalmente, o romancearte depois volta para a vi de onde nasceu, enquantQ o outro se ausenta da realidade. O iro, por manter~ fiel a si próprio, partiu, o outro, mwnifica-se, porque modifica a realidade de o voltado para o transitório, -o para os constantes, do mundo real. Efetivamente, só a ima · - o, trabalhando sobre os possíveis da realidade, é capaz de perce o que perdura, e abandonar o que varia. Os principais expedien romanescos - diálogo, narração, desessa diserepância entre linguagem crição, dissertação - espe ''a mesma distância que separa a vida falada e escrita artística, criada pelo romance da vi real aparece entre a escrita e a linguagem, e podia-se a rigor · a primeira como sendo a transposição do segundo''. 91 Toda a narração constitui um recurso eminentemente literário, ido ou raro na vida real: a comuniatravés do diálogo, a que se agluticação cotidiana se estabe nam ocasionais notas des tivas e freqüentes observações dissertativas ou conceituosas, via de regra despreza a narração. Esta, de pessoas que contam um "caso", quando muito, surge na fi uma anedota, o enredo conto, novela ou romance, ou dum filme. Como se nota, trata-se dum intervalo "literário" nas comunicações diárias e o duma freqüência significativa, a tal ponto que pode ser consi da intrusa e estranha à rotina cotidiana.
91 lthm, ibidem, p. 214.
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l. Começando pelo diálogo, é d . essário lembrar de sua importância como veículo de situaçõ dramáticas e conflitos. No romance, o diálogo assume o papel levante que representa no conto, mas com características novas e · ·cas. Dotado das funções de mola mestra expressiva, "certame o diálogo dos romances não é conversa de todos os dias. O escritor realiza sua tarefa substituindo palavras e frases inexa removendo repetições, e estabelecendo-lhe as características s prolixidade ou os recuos e depressões observáveis em quase toda nversa real" .92 Por isso, cista tem de dar a ilusão para atingir o natural no diálogo, o ro de aflorar a naturalidade da vida, sem mprometer a naturalidade da própria arte. Um pedaço de corda p gado numa tela que repreum porto é, sem dúvida senta um navio atracado ao molhe alguma, uma nota natural. Mas, ao v os tal quadro, não podemos deixar de nos sentir chocados: a aturalidade atingida está certa em relação à realidade, mas erra relativamente às próprias condições intrínsecas da arte da p · . Em relação à pintura, aquele pedaço de corda é antinatural. natureza da pintura repele a natureza da realidade. O que se dá com a pintura dá-se c · todas as artes, inclusive o romance. Se no meio de uma descri - perfeitamente balanceada no seu movimento literário se nos dep um diálogo em que as palavras sejam escolhidas segundo a ralidade da vida, não da própria obra, logo sentiremos que se eu ali o tom estético. Estamos diante da vida, não diante da . Teremos naturalidade real, mas não naturalidade estética''. 93 ' Tanto é assim que, na conversa · ' ·a, o natural é o diálogo direto, ou, por vezes, o indireto, mas o tural do romance abrange outros tipos de diálogo, já sugeridos n capítulo do conto. Além dos dois acima referidos, o romance em ga o monólogo interior direto ou indireto, o solilóquio e a desc . -o onisciente. Quanto ao diálogo direto ou indireto, trata-se d recurso tradicional em ficção: o romance de tempo histórico e o. ce anterior a Proust utilizaram-nos freqüentemente. Comrti por assim dizer, recurelementar e básica de sos primários: trata-se, ou de uma fo · expressão dramática, ou dwn expedien · fácil que os demais tipos de diálogo. A tal :pc>ntQ. que;0 . · · se tomou uma conven-
92 Peter Westland, op. cit., p. 235. 93 João Gaspar SimOO&, op. cit., pp. 74-75.
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ção entre ontru• emol par frases destituídas de qualquer · a fala das personagens, numa efeito que não fosse o de · inverossimilhança patente: E ela disse'1, "Retrucou", "Respondeu", "E ele afirmou", etc eram fórmulas que tiravam ao diálogo toda a sua naturalidade. S ligarmos esse fato à tendência para o cterísticoi entendemos como o diádiálogo teatral, afetado e · logo direto e o indireto s- ingledientes usuais do romance prépromti.ano e de tempo · oo. Quanto às outras fi de diálogo, passaram a ser empregadas largamente pelo pós-proustiano e de tempo psicológico, visto constituírem os ios mais eficientes de pôr ao vivo as dimensões interiores das · nagens: constituem técnicas de apreensão do fluxo da consciên como ensina Robert Humphrey em Stream of Consciousness the Modem Novel, já mencionada a respeito do conto. São qua , ao todo: o monólogo interior direto, , a descrição oniscien.te e o solilóquio. o monólogo interior · · Edouard Dujardin, s' lista francês, tem sido considerado o primeiro escritor a fazer do monólogo interior em Les lauriers sont coupés (1887). Entre to, há quem considere Tristram Shandy (1761), de Lauren.ce Ste •romance da corrente de consciência". 94 ''O monólogo interior é a · ·ca usada em ficção para representar o conteúdo psíquico e os de cárater, parcial ou inteiramente inexpressos, prec' ente porque tais processos existem em várias camadas do centro consciente antes que sejam formuladas pela fala deliberada''. representação do conteúdo psíquico e dos processos de manifes -o do caráter pode fazer-se diretamente ou indiretamente. "O logo interior direto é o tipo de monólogo interior que é represen do com escassa interferência do escritor e sem pressupor um ou ''. 95 As últimas quarenta e cinco páginas do Ulysses têm sid · apontadas como exemplo acabado de monólogo interior direto. 'bitos para .com a narrativa de Édouard Joyce reconhecia se Dujardin, que havia· lido o andava pelos vinte anos. Mas o processo de liberação d tratos pré-verbais da mente ainda não havia sido batizado. V ai· Larbaud o fez no prefácio a uma reedição da obra, deno · do-o "le monologue intérieur'' e atribuindo a Paul Bourget a temidade da nomeação. Numa conferên1
,
1
lngll&, Ir. portllipCSa, Lisboa, Ulis6ia, s. d, p. 391. . p. 24.
___ --r1
eia proferida em 1930, intitulada Le · onologue Intérieur, son apparition, ses origines, sa place dans 'oeuvre de James Joyce et dans le roman contemporain, Édouard ~ardin procurou conceituar a técnica que pusera em circulaçã , não sem reconhecer, por seu turno, o papel decisivo desem pelo autor de Ulysses. 96 Em Perto do Coração Selvagem, contram-se também dois longos monólogos interiores diretos, 1 os em relação às medidas do romance, entre as páginas 58-63 e 1 -179. Do primeiro, desta1 camos um trecho: A cama desaparece aos poucos, as paredes aposento se afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e fi como uma corça na planície. Levanto-me suave como um sopro, erg<> · · ca~ de flor e sonolenta, os pés leves, atravesso campos além da mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois emerjo, como de nuv . das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu · não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, continuo, contin •. Sempre, sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fün. - · foi que eu já vi uma lua alta no céu, branca e silenciosa? As roupas lívi flutuando ao vento. O mastro sem bandeira, erecto e mudo fincado no ... Tudo à espera da meianoite... - Estou me enganando, preciso vo . N"'ao sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra. porque a primeira verdade está na terra e no cotpo. Se o brilho das estrel dói em mim, se é possível essa comunicação distante, é qué alguma coisa riase semelhante a uma estrela tremula dentro de mim'' .'17 '
Observe-se o emprego da primeira do ficcionista, a comunicação direta dum interlocutor, como se de repente sua presença por conta própria, afastan do-o à condi~ão dum espectador mudo registrador. E o monólogo interior dire porque não é apresentado, foi;inalmente, Em contraposição, o monólogo in presença do narrador, que comenta, dis terceira pessoa do singular. Tudo se p não alcanÇasse exprimir s~ conflituos mesmo tempo, o romancistá procurasse
· soa, a não-interferência que pressupõe a ausência personagem impusesse a o romancista e reduzindum impessoal aparelho , "distinto do solilóquio a informação do leitor'' .98 ·or indireto pressupõe a ute e explica, e o uso da a como se a personagem bstância psíquica, e, ao • ·gir o leitor pelos mean-
96 Loon &lei, op. cit., passim. 97 Clarice Lispector, op. cit., pp. 58-59. 98 Robert Humphrey, op. cit., pp. 26-27.
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·or. Aqui, fonna-se o triângulo narrador-protagonista-leitor, ao ' soque no monólogo interior direto o primeiro se eclipsa e o terc supõe-se inexistente. Num caso ou noutro, a matéria psíquica i velada mostra-se difusa, vaga, desordenada, sujeita aos imp subterrâneos da mente, aparentemente a-lógica e incoerente, com ·num sonho ou num delírio. E a interferência do narrador é só, ·gamos, metodológica, pois sabe quão incerto é o mundo psicoló · que tenta invadir com sua curiosidade: em mais de um passo, · orre ao "talvez", o verbo no condicional, etc. Entretanto, as carac ··cas do monólogo interior indireto tornam-no mais fácil e, por · . ' mais freqüente, como, por exemplo, nos romances de Virgínia · oolf: Às vezes mesclado com o outro, às 'vezes isolado, em Pert do Coração Selvagem também encontramos passagens como a guinte: pousara para agora sentircoração apertou-se-lhe dev ' rando ... Era de manhã, frágil de \Dlla crianfa, ouvi: terra. Uma terra quente, · chovendo em pequenas que era aquilo senão ela 1
vez, em que terra estranha e milagrosa já o perlume? Foiias secas sóbre a terra úmida. O , abriu-se, ela não respirou lDll momento espeque era de manhã. .. Recuando como pela mão bafado como em sonho, galinhas arranhando a ' ... o relógio batendo tin-dlen... tin-dlen... o sol amarelas e vennelhas sobre as casas. Deus, o ? mas quando? não, sempre... 99
Percebe-se nítida a p nça do narrador, à escuta das pulsações íntimas da personag · ou como se o seu ''eu'' se fundisse um "ela" afastado de um e de ao "eu" de Joana para · outro: a heroína parece · ersonalizar--se e referir-se a si própria como uma estranha, e o dor acompanha-lhe os movimentos. Pelo caos, pelo caráter gmentário do monólogo, patenteia-se uma interferência tão-so nte periférica, deixando intocados os impulsos desconexos que bitaro o psiquismo da personagem. O monólogo interior to e o indireto constituem conquistas modernas da técnica de fi ão, enquanto a descrição onisciente e o solilóquio podem ser enc trados no romance anterior a Proust e crição onisciente implica em onisciênno de tempo histórico. A cia por parte do narrado que penetra aonde quer e vigia suas personagens por toda parte Em suma, o narrador-onisciente mapeia 99 Clarice Lispector, op. cit.,
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"a psique (da personagem) através de narração e descrição" . 100 Fni Peno do se ainda este exemplo:
nvencionais métodos de
oração Selvagem, colhe-
· de provocar aquelas rápidas e Sua leitura fizera Joana sorrir antes pesadas batidas do coração. E também a fria de ~ encostando no interior momo do corpo. Como se sua tia rta ressurgisse e lhe falasse, abertos - ou seriam os seus Joana imaginou-lhe o susto, sentiu seus o próprios olhos a quem ela não permitia sup ? -: Otávio voltou para Lídia, apesar de Joana? - diria a tia" .101
Como se vê, trata-se do emprego onvencional de métodos descritivos e narrativos, mas Clarice spector emprega-os para detectar o caótico mundo psíquico da pe onagem, sem a sua interferência. A descrição desenvolve-se na ' ceira pessoa do singular, e o leitor acede imediato à vida mental' o protagonista. Ora, tais características lembram o monólogo in ·or indireto. Fni que ponto se distinguem? ''A distinção está · lícita nas definições das duas técnicas, especialmente na parte definição do monólogo interior indireto que afirma que 'um ·tor onisciente apresenta material não-verbalizado diretamente da ue' '· (da personagem), 102 ao passo que a descrição onisciente faz que tudo transcorre na sua consciência. Embora desordenado o nteúdo da descrição onisciente, é no plano consciente que se . caliza, enquanto que o monólogo interior indireto contém sub eia psíquica anterior à fala, ou seja, ao estrato consciente. O solilóquio difere basicamente dos · mais processos: a personagem manifesta-se em voz alta a um.ai audiência virtual, ''para comunicar emoções e idéias relaciona com um enredo e uma ação''. 103 Outra distinção fundamental, orrente dessa primeira: o solilóquio, por ser a oralização dum c teúdo consciente, é coerente, lógico, ainda que duma lógica psi . lógica. Ainda mais: considera-se inexistente a intervenção do dor; a personagem coao leitor. Este fato e o munica suas idéias e emoções diretame de o conteúdo transmitido 9er o cansei te limitam o alcance e a profundidade dos solilóquios. Seu em o, por isso, reduz-se às A
100 101 102 103
Robert Humphrey, op. cir., pp. 33-34. Clarice Lispector, op. cir., p. 123. Robert Humphrey, op. cir., p. 35. Idem, ibidem, pp. 35-36.
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ii
i
or deseja.que a pemonagem expresse lhe vai na consciência, de forma a · ndagens nas camadas pré-verbais por essos. Não raro, aparecem interligadas, revelam e os planos em que se depoperrnanente comunicação. O solilósoa do singular e mrige-se ao leitor gasse com 1iJilla interlocutora calada, ou como se a personagem botões. Com uma diferença: por meio como se falasse com os s do solilóquio, é possível ·zer tudo quanto passa pela mente, enquanto o diálogo consti uma limitação visto implicar a troca de informações. Assim é um cho, entre outros, de Perto do Coração Selvagem:
circunstâncias em que o
Eu estava sentada na , muna espera distraída e vaga. Respirava opressa o perl'ume roxo e o das imagens. E, subitamente, antes que pudesse va, como um cataclismo, o órgão invisível desacompreender o que se ulos e puros. Sem melodia, quase sem música, brochou em sons cheios, quase apenas vi~. Alf-!Pal:e
Observe-se o tom c , · nte da confidência que a personagem faz ao leitor, como se es esse sozinha, o fluxo narrativo e descritivo subordinado a uma 1 gica consciente. 2. Quanto à lUUraç , vimos que se trata dum expediente tipicamente literário, uma . ez que na fala diária ocorre somente em ocasiões especiais, como resumo dum romance, o reconto dum ''caso'', etc. Por isso, freqüência e o modo do emprego da nder certos problemas de estrutura ronarração ajudam a com manesca. Primeiro que o, o ficcionista incipiente arrima-se à narração como a uma uleta, carente de outros recursos mais eficazes, como o diálog Por se tratar dum expediente literário "puro", o principiante, o não-vocacionado para obras de fôlendido na leitura de outros romances, go, usa e abusa dele: a impõe regras mais fáceis . orque circunscritas ao âmbito do livro, e porque se relacionam co . uma função subalterna, qual seja, a de ligar os momentos cen ' da ação ou a de resumir fatos ocorridos 104 Clarice Lispcctor, op. e , p. 62. 1
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',',I,
em plano secundário. Empregando-o em ~demasia, ou defeituosamente, o escritor atribui-lhe equívoca ·' portância, de molde a desequilibrar a unidade do conjunto ou legar para as sombras a um tratamento meaconteêimenios que talvez tivessem d.ire lhor. Assim, podemos dizer que, quando romancista começa sua carreira ou possui limitados recursos, a ' ção ocupa lugar desproporcionado no corpo da fabulação; qu se trata dum romancista experimentado ou talentoso, a narra o representa o papel que ja sempre presente no lhe cabe. Parece óbvio que a narração romance, graças à amplitude dramática este procura abarcar, conforme o talento do mas varia em grau, relevância e vol ficcionista. Na verdade, varia de acordo ma engenhosidade do as coisas estão intimaautor e o tipo de narrativa por ele cri mente relacionadas: um romancista sup . r evitará narrar; preferirá mostrar. Mas aquela distinção se im precisamente pelo fato e com pouco talento, de haver romancistas "lineares" com m "verticais". o mesmo acontecendo com os romancis Entretanto, e apenas focalizando o se do aspecto do problema (a tendência do romance para a · de ou para a verticalidade, independentemente dos fatos indi · uais), é possível dizer que a narração comparece mais no roman de tempo histórico que no de tempo psicológico. Enquanto no · eiro a sucessão de eventos obriga o romancista a condensar subacontecimentos que se emaranham numa teia de malhas com ·ferentes diâmetros, no romance de tempo psicológico a necessi de resumir peripécias diminui na razão direta das sondagens q o romancista realiza no psiquismo das personagens e do nível atingido. Enquanto no romance linear é o acontecimento que teressa ao narrador, no vertical o que importa é a lembrança 'o acontecimento ou as (o fato, a ocorrência) vivências interiores, em que a causa-mo desaparece em prol da imagem mental q dela ficou. Resultado: a o romance linear, e só narração é um recurso identificado c incidentalmente empregado no romance ·cal. Claro que pode estabelecer uma linha evolutiva da narraç dentro de cada tipo de romance, mas o balanço final seria o m ' o: por mais diversidade que haja, quanto ao emprego da narração, tre um romance linear do século XIX e um do século XX, da assim pertencem à mesma categoria, e parecem-se mais en verticais. E vice-versa. Entre os romances lineates. Senhora · da serve de exemplo nessa matéria. Todo o primeii:o capitulo prólogo e preparação da 249
história que se segue - é narração de cinco páginas: ''Há anos raiou no céu fluminens uma nova estrela'', etc. Mais adiante, quando o narrador sente necessidade de remontar ao passado da personagem central mas · , Fernando, lá vem outra longa narração, que ocupa grande .arte do capítulo VI. Daí para a frente, até os de variável dimensão em que José de o fim, vão sucedendo Alencar apela para a · -o, ora com o objetivo de explicar uma circunstância do passa personagens, ora com o de sintetizar acontecimentos de men relevância no conjunto da história. O romancista doseia a freq eia e o volume das narrações conforme os vários planos hierárq · os em que subdivide a obra: para o plano principal, destina os a tecimentos presentes, para o plano das sombras, os acontecim s passados ou de menor significação. Num caso e noutro, a çâo informa o leitor daquilo que sua curiosidade deveria es exigindo em determinado momento da fabulação. Mais ainda, rve para distraí-lo, nos dois sentidos do verbo "distrair": rec e atrair a um ponto diverso. Enquanto prepara as cenas de mai densidade dramática, sempre dialogadas, o ficcionista recreia a · ginação mais ou menos bisbilhoteira do leitor médio, e ao o tempo o afasta de ir, ou pretender ir, diretamente aos pontos tes da ação. Dessa forma, não s' articula os numerosos momentos da ação o autênticos suspenses, embora de reducomo os prémedita zida tensão dramática. orientado momentaneamente em relação descortinam perante os olhos, o leitor aos conflitos que se desguarnece-se e toma- · vulnerável ao impacto das cenas seguintes. Depois que essas de rrem e se exaurem, o romancista provoca nova cena através de n o suspense narrativo, a qual esgotada, dá origem a um processo i 1 de espicaçamento, e assim por diante até o desenlace. A pro ito, vejamos um breve trecho narrativo inscrito na fabulação n altura em que Fernando Seixas se encontra entalado em dívi e à beira de romper o casamento com Adelaide, assim des o a única esperança que ainda possuía de superar a grave dificul de econômica. O romancista compõe o clima em que se vai rar o reencontro do herói com Aurélia Camargo, sua ex-namo e agora mulher de posses: a-se ainda sob o império desta nova contrariedade, lia Camargo, que chegara naquele instante. Sua entrada foi como semp um deslumbramento; todos os olhos voltaram-se para ela; pela numerosa .brilhante sociedade ali reunida passou o frêmito das il
2.50
fortes sensações. Parecia que o baile se aj va para recebê-la com o fervor da adoração. a-o. Desde a noite de sua cheSeixas afastou-se. Essa mulher humi gacla que sofrera a desagradável im . Refugiava-se na indiferença, esforµva-se por combater com o de,!;dém funesta influência., mas não o conseguia. ias . . 1
Como facilmente se deduz, a freq"" ·eia e o modo de emprego is, nos romances lineada narração em Senhora e, mutatis mu res, atendem ao gosto de certo gênero leitor e implicam detero romance como uma minada concepção de roman.ce e de res, e a vida como um história que se narra, com todos os po palco em que os destinos jogam C8.l~laS definidas e às claras. Assim, o romance torna-se mero entre ento ou espetáculo para o desenfastio das frustrações diárias. E vida se concebe como o lugar onde convivem pessoas impelidas or móbeis simples e evintuada literatização, por dentes. Num caso e noutro, observa-se mais ambíguo que pareça. Em contrapartida, no romance de te po psicológico a narração diminui consideravelmente, em virtude .o próprio caráter vago e tende a passar-se num difuso da história contada. Já que tu espaço e num tempo mais ou menos a tos ou supostos, a narração deixa de representar maior papel. quando surge, pois um mínimo dela permanece para dar consis eia histórica aos aconteespecial função. Trata-se cimentos e às partes da narrativa, cum dum tipo peculiar de narração, divers ·da narração cronológica: desse modo, teríamos a narração psicol ica ou introspectiva, e a narração histórica. A primeira para aglutinar os vários instantes da sondagem procedida pela , ersonagem no plano da memória ou nos estratos profundos da ·da psíquica. Com isso, atenua o perfil narrativo para ser espécie de lembrete de reminiscências submersas ou de imag do subconsciente. De onde, em vez de referir-5@ a acontec" ou fatos, anuncia impressões ou recordações. Paradoxal compreensivelmente, o romance de tempo psicológico se ach mais à vida com esse processo de esvaziamento dJ: ruu:raiç.io, . · que o romance de tempo histórico, via ~ regra ~o com uma fotografia da rea. de tt'lmpO psioolidade vital. É que, assim procedendo.
105 José de Alencar, op. cic., p. 74.
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lógico faz uso de · tanto à Literatura como à Vida, e dum modo que semelha ' existência de toda a gente, ao contrário do outro tipo de romance; ue altera a visão da realidade, reproduzindo-a dentro de limites em recortados. Vejamos um exemplo, Perto do Coração Selvagem: extraído ainda uma vez A manhã seguinte
novo como um primeiro dia, sentiu Joana. Otávio saíra cedo e · o ~!por isse camo se ele The tivesse concedido imeneionailnl!se tempo Pl!l'.A pensar, p11D<: .observar-se. Ela não queria precipitar-se em ..atitude. .sentia que qualquer de seus movimentos poderia tomar-se ·oso e~Foram instantes, h rápidas apenas. Porque ela recebeu o bilhete de Lídia convidando-a a visi la. 1116
Como se observa, a otação narrativa dura um lapso fugaz, logo se transformando n pensamento, numa imagem, numa impressão, etc.; ou seja, a como pretexto para que a personagem se introjete e se afaste do undo circundante. Inclusive, a narração surge como se lembrada não como um expediente do romancista para ligar as cenas e os ntecimentos: volve-se reminiscência e abrange a área da vida .ental da personagem, fugindo assim ao controle do narrador. C isso, ganha vida e verossimilhança, ciacionismo que embaralha presente, graças ao processo de dade sem frinchas. passado e futuro numa 3. A descrição, por s turno, enfrenta outros problemas dentro da arquitetura romanes lvisto que se trata dum expediente igualmente utilizado pelas p as na vida real. Mais ainda do que no ce a descrição precisa ser empregada conto e na novela, no com mestria, para reali o seu papel a contento, pois, embora menos importante que o ·álogo e a narração, exige especial discernimento por parte do cionista, a fim de não se constituir num objeto estranho no corp .do romance. O escritor inexperiente ou incipiente abusa das des ·ções, da mesma forma que faz com as narrações, escapando as · · de atacar de frente o problema dramático que escolheu ou des briu com sua intuição. O acontecimento e o espaço correspond assumem para ele significativa importância, fruto duma defei a óptica da realidade. Por outro lado, o rição também variam conforme o tipo volume e o sentido da de romance, o de tempo . ·stórico e o de tempo psicológico. 1
106 Clarice Lispoctor, op. e·
252
p. 123.
Uma vez que a descrição consiste ~,'' enmneração dos caracteres que distinguem uma pessoa ou . isa'', como nos ensina Caldas Aulete no seu Dicionário Conte orâneo da Lfngua Portuguesa, seu exame deve ser feito em 1 duas partes: primeira, a descrição das personagens; segunda, a escrição do cenário (ou background). A descrição das personag · está diretamente relacionada com a questão das personagens lanas e redondas, e com o do ponto de vista narrativo. Assim, personagens planas são aquelas que o romancista descreve com orada minúcia, como se todas as suas pulsões mentais e to · as suas virtualidades de · ser vivo estivessem estampadas na aparê · ia física, nos gestos, etc. O romance de tempo histórico empre " a descrição minuciosa, embora varie o seu fundamento: subje o (no Romantismo), ou objetivo, científico (no Realismo e Na · mo). Num caso e noutro, o romancista acredita numa ou dei) de uma rígida coerência entre causa e efeito. Os românticos creviam as personagens dum modo, não raro convencional, e de is punham-nas em ação, que sempre acabaria concordando com o. trato pintado; a mulherr-demônio, diabolicaanjo teria de agir angelicalmente, a mente. Entre os seus traços fisionômi s e sua conduta social opera-se estreita correspondência; a p , onagem não surpreende em momento nenhum, pois suas atitu . são pré-anunciadas por uma espécie de fatalismo moral ou cara ' lógico, apreendido por vias sentimentais ou imaginárias.. Enq ' to isso, os realistas e naturalistas se apoiavam em pos científicos, herdados da psicognomia, da psicofisiologia e da m ·cina. Seus retratos procuravam ser objetivos, imparciais, e bavam sendo, por isso mesmo, falsos e irreais. Vejamos o caso da Luísa dO Prim. Basilio. Eça descreve-a logo nas primeiras páginas,· como ade procede com as outras personagens, e depois lança-a na cotretdJ2~ 1
··o cabelo louro um pouco com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torci~ no alto da pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tema e láctea louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no mo lento e suave dos seus dedos, dois anéis de rubi miui:linhos davam escarlates ( ... ); "belos olhos castallhos muito grmde!s (...); esteve a ' muito amorosamente o seu pé pequeno branco como leite, com veias , pensando numa infinidade de coisinhas ( ...); Lia muitos romances; tinha assinatura na Baixa, ao mês. Em solteira, aos dezoito anos, entusiasmara por Walter Scott e pela Escó-
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eia; desejai:a então viver daqueles castelos escoceses", ( ...);Mas agora, era o moderno que a cati va, Paris, as suas mobílias, as suas sentimentalidades( ... ); Um sorriso va so dilatou-lhe os beicinhos vennelhos e cheios.
Tal caráter, vivendo um meio em que o adultério era um ''dever aristocrático'', te a de resvalar e perder-se, em consonância com um detenninism :que se pretendia científico. Seu desenho ento fadado às p~sividades amolecefísico denota um tempe doras das resistências m · e sociais, um temperamento em que a vontade cede ao impéri dos sentidos, numa vulnerabilidade que desconhece fronteiras. P 1 outro lado, a descrição minuciosa de Luísa, ao revelá-la perso · gem plana, evidencia que se trata de um autêntico fantoche nas os do romancista: sua incaracterização como personalidade e su ulterior coerência com essa mesma falta de caráter tornam-na pe nagem de romance e nada mais, isto é, irreal e falsa. De resto, a delineá-la com tais pormenores, o escritor se iludia e iludia o le r, fazendo-se crer e fazendo-o crer que seria possível haver alg relação de causalidade entre as caracda personagem. Ilusão literária, emboterísticas físicas e a cond ra em nome duma con .pção realista do mundo, esboço duma criatura que ainda não de ser a representação do humano em termos literários, como s as personagens redondas. E assim passamos a Capitu, ainda vez eleita para fazer parelha com Luísa pelo fato de ambas serem dúlteras mas opostas como personagens, portanto, descritas de m específico. Machado descreve s heroína na adolescência: 1
"catorze anos, alta, ti desbotado. Os cabelos wna à outra, à moda do claros e grandes, nariz As mãos, a despeito de cheiravam a sabões finos sabão comum trazia-as
e cheia, apenada em mn vestido de chita, meio , feitos em duas tranças, com as pontas atadas po, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. ofícios rudes, eram curadas com amor; não águas de toucados, mas com água do poço e mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e alguns pontps ••. 107
Perante a descrição, eita com certa minúcia, ter-se-ia a impressão de que o roman ta estaria criando uma personagem igual a Luísa. Na verdade, os ços de Capitu poderiam anunciar um
107 Machado de Assis, op.
254
t., pp. 44-45.
:1 comportamento reto, firme, extroverti · , franco, mas o propno apontando outros sinais, ficcionista se incumbe de nos desil que fazem dela um ser precisamente c · 'o: ambígua, com "olhos de ressaca'', ' 'olhos de cigana líqua e dissimulada''. O pormenor dos olhos desmente as out:raSil aracterísticas físicas, como se Machado nos quisesse alertar ntra a falácia segundo a qual os componentes fisionômicos d personagem se harmonizam entre si. Mais ainda: desmentem e possa haver coerência entre o retrato físico de Capitu e seu cedimento como menina e, mais tarde, como mulher. A descriçã · física da personagem não possui relevância maior, pois anula ól' restante, a ponto de os leitores praticamente a esquecerem; te+ importância, e muita, a referência aos olhos: numa simples pintada, o romancista sugere a complexa persohalidade da heroína, mo a insinuar o mistério que permanece na mente do leitor ao 1 irar a última página do romance. Ao fazê-lo, Machado desmas+;va o mito da harmonia psicofisiológica, e sugeria os processos rodemos de descrição da personagem. : Verdadeiramente, no retrato de Ca~tu conhecemos a receita das personagens redondas, típicas do · cede tempo psicológico, isto é, "em higar de nos apresentar' personagem face a face, em plena ~uz, e de nos propor-~ iden. cação imediata com ela, o romancista pode usar de 'eclairages · 'angle', desenhar perfis, proceder por aproximações sucessivas e'' variadas, onde o herói se define, em suma, por suas 'harmoniqu · '' .108 A personagem descreve-se, paralelamente à ação, ao con . · ·o do ser imóvel e coerente dos romances de tempo histórico: É que, a rigor, os traços fisionômicos duma personagem se alte no decorrer do seu drama. Por isso, é preciso juntar as metam oses sofridas ao longo da história para se ter o seu retrato menos · ompleto. As personagens redondas subtraem-se aos esquematism psicológicos e, portanto, à descrição, salvo• quando referente a ctos parciais e em constante mutação. Mais ainda:· a descrição personagens redondas, sendo dinâmica, dispensá o adjetivo·em vor do substantivo, o que reduz consideravelmente o contorno · bilista do retrato. Seria como se o narraddr não pudesse ver a p nagem, mas apenas seu movimento, 01i se' ela própria não olhar-se ao espe1ho, ou, quando o fizesse, apenas se visse po dentro, ou se a imagem
108 Nelly Conneau, op. cit., pp. 210-211.
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refletida não importasse, ue vazia. :&n se traJtando de romance introspectivo, não surpre de que a personagem: diga, como a heroína de Perto do Coraç - Selvagem: , dizer quem sou. Quer~. sei-o bem, mas não o medo de di2er, porque no momento em que o o que sinto como o que sinto se transforma tento falar não só não ex pelo menos o que me agir não é o que eu lentamente no que eu digo sinto mas o que eu digo. 1 , É curioso como não
posso dizer. Sobretudo
faz
O romancista procede orno se analisasse um, ser vivo, enigmático, misterioso, e não ser inanimado, de laboratório de anatomia, ou psicologicamente uematizado: ele desconhece a personagem e, antes de proc . desvendá-la, tenta mostrá-la com o seu mistério e dinamismo, co .o ser vivo que é. Ele também não sabe como é a personagem; po isso, julga-se incapaz· de descrevê-la ou de lhe explicar os repen de sensibilidade: "f>or que ela estava tão ardente e leve, como que vem do fogão que se destampa?''. 11º Ninguém, afinal de con pode fornecer a resposta, nem o narrador, nem a personagem, em o leitor. Podemos concluir que a cional quanto mais o romance se torna descrição é tanto menos introspectivo e de tempo ·cológico, ou vice-versa. Quanto à descrição · cenário (ou backgrofi.nd), o panorama permanece sensivelmente mesmo. ''Podíamos ,resumir o problema dizendo que, se o ba · ground é objetivo, deve ser removido, pois seu intrínseco valor ' da tem que ver com. seu propósito, ou vontade de propósito, em lação com a história.' Apenas quando é subjetivo, quando tem emi · prover o incidente que acompanha o seu efeito, pode ,o· background ser como um meio de aume usado". 111 No romance d ,tempo histórico, a d~crição do cenário tende a ocupar largo espa , paralelamente à importância adquirida pelo tempo marcado pelo ovimento do relógio, visto que tudo ali se reduz à relação tempo paço. Assim, na ficção romântica logo fia das passagens descritivas, sobrenos chama a atenção a hi tudo da natureza, como compusessem o palco em que os acontecimentos decorrem, , sem estabelecer nexos de causalidade, · ·o como uma extensão do "eu" da embora considerando o 11
109 Clarice Llspector, op. cit.. p. 17. 110 Itkm, ibidem, p. 18. 238. 111 Pctcr Westland, op. cit.,
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/
personagem ou fonte de consolo e de de José de Alencar servem de exemplo estrutural, notadátnente os romuices gionalistas. E suas. narratins llt"bams cenário interior, 0oméstico~ Vejamos descrição de Senhora:
mpreensão. Os romances esse gênero de solução r • COS, indianistas OU refomecem amostras de breve trecho duma longa
Havia à Rua do Hospício, próximo ao , uma casa que desapareceu com as últimas reconstruções. Tinha três janelas de peitoril na ·trel~pias a outra a um gaJ>inete contíguo. interior, a pobreza da habitação. O aspecto da casa revelava, bem como A mobília 'da sala comistia em sofá, · cadeiras e dois consolos de jacarandá, que já não consêirVavam o vestígio de vemiz. O papel da parede de branco passara a amarelo e l>el91:'1l:t-:se que em alguns pontos já havia sofrido hábeis remendos. O gabinete oferecia a mesma llJlllllêl:lcil te azul tomara a cor de folha seca. Havia no aposento una cômoda de que também servia de toucador, um annário de vinhá~ uma mesa ~escrev1er, e finalmente a marquesa, de feno, corµo o laboratório, e vestida , mosquiteiro verde. 112
Como se vê, Alencar pinta-nos, q um dramaturgo, o quadro em que os acontecimentos vão transe ; um cenário idealizado, estático, pano de fündo. É bem de ver e noutro cenário a história poderia desenrolar-se de igual modo, . a desunião entre ele e as personagens. Não raro o romancista vala no convencional, à custa de acreditar que tal cena, com · personagens, só poderia indianist.as e regionalistas, ocorrer em tal cenário. Nos roman deparamos com uma série de exemp , que o leitor facilmente poderá localizar.. Com o Rea1iismo e o Na , a descrição da natureza assume caráter científico: corresponde o ambiente onde se desenvolve uma situa~ social'. e psicoló · · de forma a haver estreita interação de amtjos. A ~ção çle · ·ores também acompanha essa concepção dete.rmini#;ta dos esp os em que se movem as personagens. Não mais a hipertrofia ti ·ca, do Romantismo, mas a reunião de ponnénores e circunstâllc" · ue cooperam para explicar onagens e, portanto, o seu o condicionamento em que vivem as
112 José de Alencar, op. cit., p. 38.
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caem no exagero contrário, ao adrniprocedUnento.Peteebe-se causa e efeito entre meio físico e a tir uma relação discutível psique da personagem. e , alguma relação seQJ.pre existe, mas parece diversa da insinuada defendida pelos realistas e naturalistas. Vejamos, logo à entra dO Primo Basz1io, a descrição da casa em que vive (ou vegeta?) A sala esteirada, alegrava, o - teto de·~ pintado a branco, o seu papel claro de ramagens v . Era em julhQ, um~ fazia um grande calor; as duas janelas estav cemdas, mas'sentia-se fma o sol faiscar nas vidraças, escaldar a pedra da aranda; havia o silêncio ~lhido o sonolento de manhã de missa; uma · quebreim amolentava, ·~ desejos de sesta, ou de sombras fofas debaixo 'arvoredos, no campo, ao d' água; nas duas cretone azulado, OS caJÍáriOS donniam; um amstava-se por cima da mesa, pousava no fundo das chávenas sobre o açúcar mal de!retido, enchia toda a sala dum rumor donnente. m
:pé
Movido por seus
tos estétieos, o autor visa a provar · tal ambiel'de, haveria necessariamente de fraquejar quando o · u primo a visitasse! para reatar um diálogo interrompido havia tempos. Depreende-se que, noutro lumau passo não con,l.inuariam a agir, gar, as forças determinan emoliência do meio lque ela cometeu ou seria também por causa o adultério. Ou, que não . praticaria se sua caSa não fosse tão envolvente e sombria. Na de "a casa em que vive um homem é uma extensão desse h . Descreva-se essa casa e se terá a descrição, por desejar-se objetiva, descrito esse homem" . 114 desvirtua a realidade e sua ção dentro da obra. Por aí se observa que os naturalistas e realis , utilizando outros postulados, tombaram numa descrição estere ·pada da realidade, ~elhante à dos românticos. Num caso e n , o espaço físico está fora da persoovido sem maior ptejµízo da situanagem, e por isso pode ser gens, graças à Pftsença de ingreção que se cria entre as com a circunstância~ ou porque esta dientes que nada têm que ser mudada e o dralna permanecer. não atua, ou porque p Estando o drama no interi da personagem, são as forças mentais
113 Ilça de Queirós, O Primo 114 René Wellek e Austin W Books, 1976, p. 221.
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lio, Porto - Lisboa, Lello 1945, pp. 5-6. 11reory of Uteratwre, Middlcsex, England, Ptlnguin
que motivam o romance, não as exteri . Resultado: o meio tem pouca importância no andamento dra~li·co dum romance. É o que mostra o romance de tempo psicológic Nesse tipo de romance, o espaço o pa papel secundário, visto que tudo ocorre num tempo "puro", livre de condicionamento espacial. Na verdade, o espaço toma-s categoria mental, situa-se dentro e não fora da personagem ou d narrador. A tal ponto que instrospectivo, como se a descrição cede vez ao início do pro o romancista começasse a descrever imediatamente penetrar na intimidade do objeto descrito, o q significa desprezar-lhe a tro. Nesse caso, a descarapaça externa para vê-lo melhor pon crição nunca é longa nem... descritiva, analítica, de modo tal que deixaria de ser, como antes, um Pt
115 Clarice Lispector, op. cir., p. 33.
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a brilhame t fria olhava para o quintal do Encostando a testa na das galinha&.que-não-sabiam-que-iam-morrer. vizinho, para o grande E podia sentir como se es esse bem próxima de seu nariz a terra quente, sabia, bem sabia uma ou outra minhoca se socada, tão cheirosa e seca ·c1a pela galinha que as pessoas iam comer. espreguiçava antes de ser
A personagem descre uma lembnmça do cenário, não o cenário imediata e diretame captado: tudo o mais, que conteria o resíduo material dos co nentes do cenário, foi esquecido ou abolido, porque desimpo te. 4. A dissertação, en ·da como discussão ou exposição de idéias e conceitos, é ' do romance, ao passo que no conto e na novela surge inci . A explicação está em que o rode arte capaz de oferecer uma mance constitui a única imagem global do univ , ou seja, encerra uma tentativa de totalidade, num tempo em que o ''nosso mundo se tomou imensade seus recantos, mais rico em dons mente grande e, em cada gos" .1'6 Herdeiro, avatar da epopéia, o e em perigos que o dos romance desempenha fim o mais importante do que constituir-se numa narrativa destinada fruição nareotizante do burguês entendiado: uma representação totalidade do mundo e um meio de conhecimento da reali Não estranha, por isso, que à dissertação esteja reservado pape · "ente na estrutura do romance, sobreequacioná-lo. tudo o moderno. Resta, Primeiro, parece · 'vel que o leitor, quando seleciona um romance para sua lei não "exige política ou :filosofia, mas, sim, uma história". 117 tanto, airu:b,. que não tenha em mira a f011Il3S de conhecimento, espontaneapolítica ou a filosofia c mente estará confrontando idéias políticas e filosóficas com as idéias políticas e filosófic estampadas na história. Em suma, não as procura, mas encontra implícitas no curso da narrativa, uma vez que não só a políti e a filosofia, mas também as outras formas de conhecimento psicologia, a geografia, a economia, etc.), concorrem para a o "zação do magma do romance. A tal ponto que pennitem asse uma idéia básica para a compreensão do romance: este funcio como um cadinho onde se amalgama praticamente todo o saber umano. Voltaremos ao assunto no capítulo das relações entre o mance e as formas de conhecimento.
116 Georg Lukács, La Théor· . tht Roman, tr. francesa, Paris, Gonthier, 1963, p. 25. 117 Antony Trollope, apud alter A11cn, Writers and Writing, New York, Dutton, 1949, p. 166.
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Por outro lado, o congraçamento formas de conhecimento se elabora no corpo do romance ob cendo às suas peculiares características, dado que é difícil d.is · guir ao primeiro golpe de vista o que provém da psicologia, história, etc., do que seja intrinsecamente romanesco. Quando o graçamento não chega a tal nível de identificação e, portanto, dem claramente discernir as achegas estranhas à matéria do ro ce, está-se diante de obra panfletária, escrita para a defesa d doutrina, como a literatura engagée, ou diante de obra malograda. esse modo, é compreensível que o leitor dispense a política ou filosofia, ínas não dispense a fabulação, da qual exige, em contra ·da, que exiba qualidades, filosofia, mas sujeitas à de resto oferecidas pela política ou o a história lhe agrada, e adequação referida. O leitor sabe q isso ocorre sempre que a interação onnas de conhecimento se efetua do modo desejado. Ressalve-se hipótese de ser um leitor medíocre ou imaturo, a buscar tão ente um ópio contra as frustrações diárias, fuga que pode perl ·tamente realizar através do cinema ou da leitura de novelas poli · . A medida que o leitor nos: seu lugar passa a ser avança, mais a história em si interessa ocupado pela totalidade cósmica que r meio dela se evidencia. Nas gradações da psicologia do leitor romance (não de novelas ou de conto) se patenteia a presença da ·ssertação como ingrediente indispensável. Outro tanto se pode afumar das tivas alegorizantes ou simbólicas, desde a fábula até as do ti ''para crianças grandes'', como O Príncipe com Orelhas de B · o (1942), de José Régio, longa história permeada lapsos dl"L&tatativos como os seguintes:
*
"Na realidade, que sabemos do mis ' o em que nos movemos? Quantas vezes não julgaremos ter sonhado e a<;a!laclo, - quando, afinal, vivemos? quantas não julgaremos ~ vivendo, q , afinal, só vamos atravessando um sonho de que nos não ~ . E quem sabe se toda a própria vida não é um simples sonho? um. · de que despertaremos no que · louca e poderosa.. .' Não havia chamamos morte? ( ... ); 'A multidão é 1 Leonel terminado esta vuIPr mas· observação (e muitas das nossas mais importantes obserlvações sãO por vulgares e nascem de circunst:âncias por igual~) quandb' de.se abiúxar a toda a pressa. 111
118 José Régio, O Príncipe com Orelhas de pp. 61, 192.
urro, 2ª ed., Lisboa, Inquérito, 1946,
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Se ficou claro que a tribuição das várias formas de conhecimento se incorpota à téria do romance a ponto de tomar espinhosa a distinção entre literário e o não-literário, compreende-se que a dissertação p agregar-se à história na forma de injeções de doutrina e pe , amento, ou camuflar-se nos demais recursos romanescos. Nou s termos: a dissertação ora aparece como tal, destacada do e o e imediatamente identificável, ou utiliza o diálogo, a narraçã e a descrição como veículos transmissores. O primeiro proce · nto diz respeito ao romance de tempo histórico e ao romance-p eto, visto corresponder ao emprego primário da dissertação. N romance romântico se encontra com freqüência a dissertação ralizante intercalada no fio narrativo. Em Senhora, Alencar faz juízo de fé logo à segunda página do emos a verdade, sem os comentos romance (''a seu tempo malévolos de que usam v ti-la os noveleiros"), mas gasta sete parágrafos para informar o eitor acerca da valsa: ·''A valsa é filha das brumas da Alemanha, 'irmã das louras valquírias do Norte'', etc. 119 Para tanto, interrom o volteio frenético em que lança os protagonistas, compelido p · uma intenção que não esconde: ''Mas é justamente aí que está o erigo. Esse enlevo inocente da dança, entrega a mu1her palpitante, bria.da, às tentações do cavaleiro'', etc. O romance realista e i naturalista, porque romances de tese, exploravam conscientemen a dissertação, em todas as suas formina em decorrência dum conceito mas: o caráter dissertativo revolução antiburguesa. O romance de arte engagée, a serviço em longas dissertações acerca do realista e o naturalista cons · declínio da Burguesia, do lero e da Monarquia, entremeadas de trechos dramáticos. Com e ito, quando o escritor comenta certas passagens ou explica-lhes , fundamento científico, é fatal que o comentário e a explicação transformem em dissertação. O intuito eira româ!ntica, para ser de natureza deixa de ser moralizante, à ética, na medida em que o · eiro procedimento visa ao indivíduo em particular, e o segundo, o homem em geral. Lá é o bom senso ou as regras da conduta s ai que impulsionam o narrador; aqui, os postulados científicos e losóficos. Semelhante atitude assume o atual romance compro · do, de que são exemplo as obras de Jorge Amado, sobretudo tes de Gabriela, Cravo e Canela; as molas propulsoras, contudo são de ordem política.
119 José de Alencar, op. cit.,
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Em qualquer hipótese, o intuito fia te de dissertar - comum a esses tipos de romance - enfraqu lhes sensivehnente a força persuasiva. O procedimento indireto, ~ mo já se viu, pode ser empregado pelo romance linear, mas atributo específico do romance vertical. Considerando-se que do romance abriga uma cosmovisão, e que esta implica umas~ tese das formas de conhecimento, segue-se que o romance v cal se vale da dissertação como um processo implícito, sub identificado com tudo o mais da fabulação. Por outro lado, a de ser preconcebida, como no romance linear, para consti · o âmago da cosmovisão. Ou melhor: a mundividência dum critor não lhe determina o uso explicito das dissertações, mas p supõe que estas se localidor lhes desconhece a zem em sua base. Mesmo quando o existência continuam a manifestar-se, · ta ou simbolicamente: assim o requer a própria idéia de cosm · ão. Não mais a evidência naturalistas, não mais a científica preconizada peJns realistas apologia duma arte destinada a propa r idéias, mas uma arte que te com o ato de pensar o defende certas idéias contempo mundo e desvendar-lhe os mistérios. mo se, na verdade, fosse · impossível ter uma visão do Universo em implicitamente aceitar ou defender certos pensamentos, mas nsiderando-os inerentes ao próprio esforço de recriar o mundo. eria como se a ficção se valesse de metáforas, símbolos, etc. · transmitir uma mundivi·a ou não se transmitiria. dência que doutra forma se Com isso, o elemento dissertativo es imanente nos expedientes simbolizadores, desde o mais corri (diálogo, descrição, etc.) até o modo de ser das personagens, planos da narrativa, as estruturas, etc. Essa imbricação dos planos narra vos, em uníssono com as vozes das personagens, que dialog entre si como se fossem narradores situados em perspectivas íficas, denuncia a polidiscursividade, o polilingüism.o, do relato ccional. A diversidade das personagens, intimamente vinculada ' udanças de espaço, tempo, etc., ou seja, dos contextos em interagem, pressupõe a diversidade do registro lingüístico: o · ogismo, o intercâmbio entre os protagonistas, e entre eles e o · ·o à volta, comanda o enredo, como se o diálogo se travasse tre linguagens ou discursos. No espelho romanesco reflete-se o. lurilingüismo, a plurivocidade social, ou, por outras palavras, '' linguagem do romance é um sistema de linguagens que se esc cem reciprocamente no diálogo", e "todo romance(... ) é ums" tema dialógico de imagens A
,
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das linguagens, de estilos, da língua''. 120 Em alguns casos, so mo o Ulysses, ainda enco mente o processo silnbo · mais com que conta o .fi Assim, quando Clarice Coração Selvagem clizend um simples olhar surpr palavras contêm mais do q registro de um modo de s significado relativo dos do universo restrito em que Aqui é ético-filosófico o dissertativo em que se am ter e ensinar; o realista, d e conhecer: o processo dis preensão dessa diferença
ecmcepções concretas e inseparáveis do nos romances mais avançados coos a dissertação apoiando direta, mas trata-se de um expediente a nista para expor seu painel cósmico. tor se refere à heroína de Perto do ''Mas tudo :isto era muito mais curto, esgotaria todos esses fatos'', 121 suas uma simples observação: assinalam o ·tico em face do fluxo existencial e do tes sociais, a tomada de consciência ·vemos, ou que forjamos para nós, etc.
Trama É realmente movediço ficção, como aliás o das o mas também nas outras, · literária se digladiem por palavras. Em nosso caso, ' entrar no capítulo da tr outros, que lhe são afins Assim, que se pode enten ma'', ''enredo'', ''história' te entre esses vocábulos e inglesa? Não raro, são em dos por uma nuança sutil Vejamos: podemos de· de acontecimentos arranj
poéticas. Não só em nossa língua, vulgar que os especialistas em teoria usa do emprego ou do sentido das problema se aguça quando se trata de romanesca, porque de pronto convoca indispensáveis à sua compreensão. por ''assunto'', ''argumento'', ''te''intriga'', ''trama''?Querelaçãoexisplot, usado pelos estudiosos de fala gados uns pelos outros, ou distinguigadia. · ''uma história como uma narrativa s em sua seqüência temporal'' .122 O
120 Mikhail Bakbtin, op. ciL, . 368-369, 371 et passim. Ver, do mesmo autor, Problemas da Poética de Dostoi . tr. bras., Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1981. 121 Clarice Llspoctor, op. cit., . 19.
leitor, diante da história que acom curioso, indaga: "e depois?", "e então?", interessado na s essão dos fatos, e não no modo como se encadeiam, nas causas. terminantes ou na compreensão dos truques aplicados pelo ionista. Essas preocupações denotam um leitor dotado de es inteligência e memória, ao passo que o desdobramento linear história satisfaz o leitor destituído de maiores interesses e os intelectuais. É pouco exigente o leitor preso aos fatos, enq o outro visa a algo mais complexo, que é o plot. ''O plot é : bém uma narrativa de acontecimentos, com a ênfase inci · sobre a causalidade. 'O rei morreu, e então a rainha morreu de ~te:ira' é um plot''. 123 Diante do plot, o leitor pergunta: "por quê?'. O plot implica mistérios, suspenses, vácuos, intervalos, remissõ choques, etc., que respondem à questão; de onde á história po r conceituar-se como um arranjo primário e sucessivo ou simul eo de acontecimentos. Por isso, há histórias com plot, e histórias m plot, e plot sem história (ao menos no plano em que o ficci · ta põe o romance, pois nesses casos ao leitor é pemritido · inar a história que estaria por trás do plot e que foi conscien te esquecida). As narrativas com plot, sendo ntes, dispensam exemplificação. Quanto às narrativas sem plot, comuns no Romantismo: os romances históricos, à Walter cott, constituem exemplos expressivos, em razão de, neles, ser ominante a peripécia pela peripécia. O Guarani também serve modelo: o acaso comanda ·os se sucedem sem um as personagens, de modo que os epi nexo de causalidade convincente, po sofrer alterações, cortes, ou inversões, sem mudar substanc · te a fisionomia da obra; o final desse romance podia ser outro q não lhe mudaria o caráter de história sem plot. 124 O plot pode' prevalecer como é o caso de D. C ' murro: os acontecimentos principais ganham o mundo das som , e cedem lugar à dúvida, cuja intensidade cresce à proporção. q , evolui o drama entre Bentinho e Capitu. Tanto é O·!flCXO causal ue importa que, terminada a leitura, assalta o leitor a intennga.ç- já tornada lugar-conrum teria havido realmente adli1tétie>? "gando-o a reler as passagens em que talvez acliasae alguma consistente. Preocupa-
122 E. M. Forster, op. cir., p. 86. 123 /thm, ibidem, p. 86. 124 Ver, mais adiante, o tópiça l'Cfmmtie a "
e Epílogo no Romance".
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do, assim, com a ligação usal entre os momentos do romance, o leitor toma consciência da · dagação no curso da narrativa: por quê? Como frisamos, as co as não transcorrem com tanta clareza. Entre os extremos aponta 1s, descortina-se uma infinita variedade de tons que impede esta uma distinção plausível e duradoura. É comum o emprego ''história'' no sentido de plot e viceversa, sobretudo porque a . ioria dos romances se constitui duma história com plot, o que dunda em os tennos acabarem por se equivaler. Mas o problema e complica ainda mais quando fazemos uso dos outros vocábulos: ' sunto' ', ''argumento'', ''tema'', '' enredo'', ''intriga'' e'' Parece válida a se distinção: o "assunto" designa a matéria de que trata o · , a seqüência de acontecimentos ''que vive em tradição própria, eia à obra literária, e vai influenciar o conteúdo dela'', ou "a i. 'ia sumária da ação. O assunto, por exemplo, dOs Lusíadas, é · descobrimento da navegação do ocidente para o oriente' '. 125 O ''argumento'' seria a síntese da história. O "tema" (ou os temas, ois um romance pode ter mais de um tema e é tanto mais rico q to mais temas apresentá) corresponde à idéia central ou prepo te, que se concretiza na ação, quando se trata de prosa de ficçã ou na "situação", quando se trata de poesia. Assim, teríamos o do adultério, do amor incorrespondido, do elogio da etc. Em Camilo Castelo Branco coexistem duas modalidades mesmo tema: o "amor de perdição" e o ''amor de salvação''. Castro Alves, o tema dos escravos e o tema do amor donjuan o; em Antero de Quental, o tema da morte, da noite, etc. Toda , há que considerar que uma obra pode ter um tema evidente e bentendido: em D. Casmurro, o tema do adultério e o subtema inexorabilidade dos destinos humanos. "Enredo", "intriga" ''trama'' podem ser considerados sinônimos e empregados no s tido de ''história'', de plot, ou mesmo de "assunto". Quando fa os do "enredo"' de Amor de Perdição, podemos referir-nos ' série de acontecimentos entre Teresa e Simão que culminaram reclusão da primeira e no desterro do segundo, ou no entrelaç to causal emtre os vários capítulos. Da mesma forma, a intriga trama de Angústia• pode aludir aos acontecimentos ou ao seu xo de causalidade. Compreende-se que
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da Litomtura),
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za od., 2 vols., C~ Aimôoio Amado, 1958, vol. 1, pp. 75, 1
1·
112.
-, tais palavras possam empregar-se indis tamente pelo fato de não se reportarem a romances annados em o duma história com plot. Passemos ao exame da trama no ce. A divisão em roce de tempo histórico e mance linear e romance vertical, ou ro romance de tempo psicológico, que regamos neste livro, baseia-se, entre outras coisas, na freqüên a e importância assumida pelo enredo no corpo do romance. Ni romance linear e no de tempo histórico prevalece o enredo; o · isódio sobrepõe-se à análise. Por isso, Nelly Cormeau chama de romance progressivo. Assim, o romance romântico, o realis naturalista, e o moderno de feição tradicional exploram princip a ação das personagens, em detrimento da investigação e sua psicologia profunda. Os românticos faziam romances de in · ·a, em que o enovelamento gem no "eu" das persoepisódico sobrelevava os intuitos de so nagens, as quais se tornavam, ao fim contas, indiferenciadas e convencionais; não passavam de bone postos a viver uma ação provocada pela circunstância (sentime ou moral) e não por um imperativo interior. Destituídas de livre bítrio, deixavam-se arrastar pela lei do acaso, submissas e d· eis. A intriga em que se envolviam era-lhes adrede preparada, e -o como conseqüência de sua personalidade ou íntimo modo de . O romancista romântico procede a uma perigosa manobra an do nascimento da obra: inventa uma história, ou um enredo, e pois casa-o com as tantas personagens capazes de ajudá-lo no e reendimento, sem consultar-lhes os interesses pessoais ou a con eniência do enlace. É que, sendo ''exemplos'' ou ''concretizações duma intriga, o ficcionista conta de antemão com a sua anuê . · : sabe que não reagirão, os. Mas tal procedimento porque indistintas ou títeres em suas dilacera o fio que liga a intriga e a p nagem. ista tece uma intriga, cria Noutras palavras: quando um ao mesmo tempo as personagens, da forma que só pode pensá-las em ação: só existem agin · ; imobilizadas, tornam-se esboços primários do que só poderão a ser ao longo da intriga. Por outro lado, é. inimaginável uma in a sem personagens, visto o. Uma coisa e outra estão que do seu comportamento.Da1Sce o e indissoluvelmente enleadaf;-, como, ali , estão também ao fator tempo.. Criar um é criar outro. Com isso, o romântico procede cialmente ao separá-los e ao pôr ênfase na intriga, como se qualq er personagem fosse capaz de viver a história que sua fantasia en dra. O divórcio provocado pelo ficcionista romântico ainda res . ta noutra conseqüência: a
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intriga se empobrece, ou , os expedientes. que desencadeiam os episódios avultam que eles próprios. O conteúdo das peripécias torna-se elem em virtude de o romancista colocar em evidência suas causas- trizes: o mal-entendido, a calúnia, o ,, etc., são alguns dos estratagemas que afastamento da persona 1 viva a atenção do leitor. 126 Tais epigeram o suspense e sódios, primários em sua bstância psicológica e dramática, se o leitor os acompanha sôfre , é porque algum aspecto lhe espicaça lhe assim a atenção, até o epílogo. a curiosidade, alimen Dessa forma, o ficcionis romântico tende a congeminar uma ficção débil, seja no plano personagem, seja na do conteúdo das peripécias. Algo de semelhante no romance realista e naturalista: a personagem continua a s carada qual um títere, ainda que por outros motivos, de ordem ntífica e filosófica. E quanto à intriga, perde a importância que o tava no romance romântico, em razão de os ficcionistas adeptos Realismo e Naturalismo pretenderem .se e tese social. Reduz-se, assim, a um arquitetar romances de simples travejamento "vo destinado a sustentar as incursões no mwido da burguesia, pido dos mistérios que pontilhavam a fabulação romântica. Toda ·a, mantém-se presente, embora desempenhando tarefa específica: r meio dela, o romancista experimenta os protagonistas, ou se"., documenta a tese que deseja provar. De qualquer modo, a intri permanece uma história pré-fabricada e a seguir imposta às pe nagens. Estas, por seu turno, comportam-se à maneira de elem tos dum teorema social, incaracterístinamentos genéricos, ambientais e circunstanciais. No romance moderno , a intriga recupera parte de seu prestígio tradicional, pois e a um público médio, ao qual cabe divertir e ~truir. Os ces de intriga, sendo lineares, corres·dade menos relevante na história da pondem via de regra a m es obras que o tempo consagrou, perficção. Com efeito, as tencem ao tipo de rornatics vertical, ou "analítico", no dizer de Nelly Conneau. Ressalve e uns poucos romances que, conquaníntima coerência entre o enredo supeto progressivos, consegu ' como é o caso do Santuário, de A
de la Litrirature, L 'oeuvre et ses techniques, Paris, • pp. 140-142).
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Faulkner, referido pela mesma estudiosa ficção. Mal comparando, o Fogo Morto, de José Lins do Rego, de prestar-se igualmente como exemplo de romance de intri em que o enredo e as personagens caminham associados para fim implícito no pri.das por um fatalismo meiro e no modo de ser das outras, co de tragédia grega. O modo como a trama se organiza n romances lineares constitui outro aspecto digno de atenção. Os ursos narrativos empreter, volume e relevância gados para criar o enredo variam de conforme o vulto assumido pela intriga. o romance romântico, o eia fortuita, inventada expediente mais usual é o acaso, a coin pelo romancista. A coincidência enfi1e · se entre os ingredientes comuns às narrativas românticas, a tal p to que os escritores, em ça mais comezinha nome dela, chegam a desprezar a veross . · em matéria de arte. Não raro, escorre · para o fantástico ou o imaginário meio a· contos de fadas. AI· das narrativas de terror negro ou de ''capa e espada'', o ro ce histórico romântico demais tipos de ficção explorou a fantasia com liberdade, mas dos componentes utiromântica fizeram tábula rasa da veraci lizados, porque elaborados numa q em que os escritores faziam ficção conscientemente, criavam narrativas impulsionados pela imaginação e, portanto, desde a realidade circunviaos móbeis do enredo, zinha. Note-se que assim procediam q porque, no tocante ao resto, muitas vez procuravam ser realistas. o truque mais freqüente A coincidência aleatória e inverossímil, estar-se lembrando de nos enredos românticos. Os leitores de vários exemplos para o caso, dentre os ais o epilogo dO Guarani: em pleno dilúvio, Perl arranca do sol uma palmeira e, transformando-a em jangada, consegue salvar ecilia. ''Tudo era água e narrativo. Fazendo olho céu", diz o narrador, embalado pelo ri grosso à verossimilhança, não só "in ta'' uma palmeira para indígena para desarraigárefúgio dos náufragos, como dá forças la herculeamente do solo alagado. Mas em que se apoiou? Ouçamos A
º
Perl alucinado suspendeu-se aos cipós das árvores já cobertas de água, e com esi da palmeira nos seus braços hirtos, abalo
se entrelaçavam pelos ramos desesperado cingindo o tronco até as raízes. 127
127 José de Alrocar, O Guaram, 4• ed., S. Paul
Mclhoramcntas, s. d., pp. 231, 235.
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No rommiCe realista naturalista; a coincidência continua a , de natureza científica. O romancista existir, mas por outras ca enor com inteira liberdade, a tal ponto romântico manipula o '-lo sem comprometer o enredo: é que que pode substituí-lo ou · este, podendo enveredar r vários caminhos, pennanece invariavehnente o mesmo, ou s a, inverossímil. Agora, porém, o roman.ias como se trabalhasse numa longa e cista monta as coinci complicada pesquisa de 1 ções qufmilcas e tivesse de obedecer a de lograr êxito. A coincidência deixa detenninado esquema a de ser uma resultante . lei do acaso, mas continua a pesar na pelas personagens. E ainda é exterior, composição do drama vi passivamente ao seu império. A coinciporque estas se subme dência seria a manifesta o de leis detenninistas, correspondendo em presença começam a patentear-se. ao momento em que as fi ias não precisam ser tantas como no Por isso, as coinci romance romântico; umas ucas bastam para desencadear a intriga célebre e discutida carta de Luísa ao e o drama conseqüente. sedutor nO Primo Basflio eflagrou a situação em que a protagonisdo romance. Poderia tê-lo evitado? Prium expediente pobre e canhestramente A
u tartk Lufsa cometeria um erro tkssa , ao menos conforme o que pretende , trata-se de uma coincidência inverossúnil, mas com uma ia desconhecida no romance român1 xadrez, o romance realista explora as tico. Verdadeiro jogo jogadas que armem o x -mate em que se coloca o herói ou a heroína. O leitor, por s vez, prende-se ao desenrolar dos lances, mas tem os olhos volta para o que irá acontecer no final, pois, a partir de certo momento, romance entra em círculo vicioso. De fato, descoberta a carta, · a tudo fará para reavê-la, e o romancista passa a narrar a luta q · a heroína trava para realizar seu intento. , formado de circunstâncias ligadas às As outras minúcias do personagens que cercam . uísa, apenas aparecem para que o narrador, atenuando-lhe a im eia, possa isolar o caso da protagonista. No fim da partida, o eque-mate: a heroína morre. Entretanto, mesmo esses aspectos · ·os são empregados com pretensão er um encadeamento lógico de fatos: científica, de molde a ofi estando tudo à mercê de leis inexoráveis, as coisas acontecem às ção; mais ainda: acontecem à sua revelia. personagens sem sua in No romance român · o, a coincidência era fantasiosa e por acaso; no realista, objetiv · e por necessidade. No romance moderno A
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linear, desaparece como tal para que cenas de intriga se fonnem · de determinado modo com naturalidade: as situações se porque se firmou um acordo natural e, e personagens e acontecimentos, não porque o narrador ass · · o quis. A intenção deste resume-se em acompanhar as persona ns em seu movimento, como un1 espectador que registrasse a ev lução do drama alheio sem interferir: o romance escreve-se a si rio, através do ficcionista. vo se quisennos ser rigoPortanto, não se trata de coincidência, rosos ao limite do absurdo e acreditar • ue tudo ocorre por coincidência. Um exemplo dentre muitos po ser colhido em Gabriela, Cravo e Canela: o encontro de Nacib Gabriela ocorre de modo natural, espontâneo, como todos os ontros e desencontros da vida real, e o desenrolar de seu caso oroso ostenta, em toda a sua extensão, um evidente ar de plausi . ·dade, que desconhecem o epilogo dO Guarani e o episódio da dO Primo Basílio. Os romances psicológicos ou ticos caracterizam-se pela ausência ou amortecimento do enredo. tá visto que o plot constitui exigência básica das narrativas ficção, mas o romance vertical pode afastá-lo do primeiro p · o a ponto de fazer que o edo desaparece como um suponhamos ausente. Na verdade, o valor em si ou empobrece-se, recolh do-se aos limites em que sempre deveria estar: o romancista nã se detém nele como sucessão de fatos narrados um a um, mas sim, nas marcas que eles imprimem no íntimo das personagens no drama que vivem; de orar sua atenção sobre o sinteressa-se pelos fatos em si, para tes em cena. Os aconteciresíduo deles na· psicologia dos fig mentos, ou reduzem-se a um mínimo · . pensável ao aprofundamento dos matizes próprios da histó , ou tornam-se sugeridos como recordação longínqua ou esba . O enredo não aparece explicito, mas implícito: o leitor não '' ' ''o enredo, mas imagina-o ou constrói-o a partir dos dados psico gicos fornecidos pelo narrador. Desse modo, o leitor colabora m o romancista e usufrui duma grande liberdade em relação à hi · as cenas a seu belprazer. Douto lado, o romancista age mui mais próximo da vida de todos os dias, onde os acontecimento são depressa esquecidos a fim de ceder lugar a uma impressão q , por sua vez, se atenuará descolorida lembrança com o passar do tempo, até se volver de ocorrências vagamente identifica Aliás, por isso mesmo, o romance vertical constitui uma empre' mais difícil para o fie: para o ficcionista, porcionista e, ao mesmo tempo, para o 1 271
que não pode contar com das facifühdes básicas do romance, penha nmna zona de lusco-fusco, de que é o enredo, e porque s luz e sombra; e para o lei , porque deve aparelhar-se com inteligência e cultura para merg nwna compacta realidade ficcional eza inerente, e enriquecer seu mundo a fim de desfrutar a sua interior com o conhecime mais agudo das realidades humanas. No tocante à coincid ia gratuita, o romance vertical despreza-a. As partes da fabulaçã · ligam-se por um nexo de necessidade, à semelhança dum quebra beça, como já vimos· anteriormente. O entrelaçamento dos fatos ra-se como resultante dum campo de possíveis, superior· a qualq .er imaginação aprioristica, quer de ordem literária, como no R · tismo, quer pseudo-científica, como no Realismo. O romance, ndo wna para-realidade com suas leis próprias, semelhante ao do concreto, é um Universo fechado em que tudo pode acon por um conluio entre acontecimentos e personagens. No analítico, o encontro entre as suas partes constituintes obed a uma lógica, a da necessidade e plausibilidade, diferente da qu julgamos orientar o nosso espírito e da que controla o romance gressivo. Por isso, a coincidência sem sentido ausenta-se desse ti de narrativa: nada acontece por acaso mas porque, tendo semp de acontecer alguma· coisa, aconteceu aquilo que acaba sendo do e não o contrário, que seria por princípio impossível de a tecer, visto que não aconteceu. Afinal de contas, precisamente c o tudo sucede no dia-a-dia: cada evene desobediente a apriorismos, seja de to, gesto, etc., é irreversí que ordem for. Estamos s na correnteza, à mercê do que acontece, e só conseguimos · · ·ir - ou ter a ilusão de fazê-lo - escassa parte dos fatos que vivem diariamente. E como são irrecorríveis, cedo ou tarde descobrim que aconteceram aqueles e não outros porque tinham de ser, tud ocorreu dum modo porque sim. Tratase da "coincidência si · ativa", de que fala Jung. Esta a lição do romance vertical e a plicação para a pouca importância do enredo: corresponde a um forço da memória ou da sensibilidade, esforço que estamos reini 'ando todos os dias, e as coincidências parecem assumir um ar de idade imme à nossa lógica cartesiana. A
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. sição romanesca, faz-se necessário retomar o conceito de rotJnan•·,e que vimos adotando: wna pluralidade
simultânea de céJ.ulas dramáticas, si em planos diferentes, de forma que umas (ou um só) preciou..•i=.u sobre as demais. As técnicas de composição, em número · · possíveis dessas células dcamáticas, ção e do talento do romancista. Não prévio: cada caso é Um. caso à parte, ' acordo com a substância da obra; cada convenções e leis., sempre, é claro, qe:naem fazem dele um romance e não um c Entretanto, podemos, a largos tra , agrupar os romances em dois tipos fundamentais, confonne a · evância da técnica empregada. Entendamos, porém. que esta ta do modo como o ro"te supor duas técnicas de mancista encara a realidade, o que composição e duas mundividências eq ·valentes e, até certo ponto, recíprocas. Desse modo, falar das ' as é falar das mundividências e vice-versa. Primeira: o romancista abstrai da ·dade viva, circundante, uma estrutura orgânica, em coru;eqüêl~•ia de abstrair o mundo. O os dados recolhidos por romancista ordena e unifu;a raci sua sensibilidade segundo um cânon q apenas rege a obra escrita, . e não o mundo real de onde sua intui partiu. O romance tomase um universo fechado, autônomo, p · elo ao outro que espelha composição, literário por ou em que se espelha. Esse processo excelência, não pretende reproduzir a lidade vital, mas criar um mundo todo seu, independente, re por normas que não cabem no mundo real.. É a técnica ado pelo romance linear ou progressivo. ti Segunda: o romancista procura · tar o mundo e a natureza, notadamente no seu aspecto caótico. · do por sua sensibilidade, captar a realidade viva tal liberta de pressupostos lógicos, proc qual se lhe apresenta no plano dos tidos; por outras palavras, ca e descontínua, - esquiva extrair da reali~de sua estrutura · às racionalizações. O romance, por · , utiliza uma estruturação semelhante à da realidade flutuante q o escritor procura desvendar e conhecer. É o caso do romance · ·cal ou analítico. Parece óbvio que cada uma modalidades admite numerosas variações, sobretudo de , cujo exame foge da perspectiva deste livro. Nosso escopo é gerir a análise dos tipos preciominantes, de verificação imedia e mais consentânea com os objetivos do momento. O romance ou progressivo adota só tema, um só ritmo ou técnicas monofônicas, isto é, em que A
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uma só escala musical ori o andametito da historia, a tal ponto que acabam sendo técnicas onótonas, inclusive no sentido pejorativo do termo. A narrativ · mima única direção e subordramático e a uma mesma temperadina-se a um mesmo esq tura psicológica e emoci . O narrador está mais interessado na obra, escreiver um livro: os meios se história do que em criar empobrecem para. fav . o propósito' exclusivo de trançar um enredo; o romance, como criação polivalente do mundo (que demandaria outra técnica), -o conta para ele. As mais das vezes, o fi ºonista concentra~ numa personagem, num drama, ou num contecimento, capaz de congregar e unificar as forças que para · · · convergem de todos os recantos do universo romanesco. O ce romântico e não raros romances modernos lineares se enq nessa · técnica monocórdia. Em conseqüência da monofoni aliada à incidência de postulados ideológicos, pode ainda ocorre que o ficcionista construa o romance (e, portanto, reconstrua a · · ·dade) como se estivesse demonstran· falso que o anterior, pois teorema e do um teorema. Processo construção romanesca se gonizam por natureza, seu emprego como durante o Realism o Naturalismo - pode violentar a matriz vital de onde mana plausibilidade do romance como recriação do mundo. E, por · o, acabou por se transformar num processo artificial e mec o, sobretudo nas mãos de ficcionistas inábeis. A propósito, O Pri Basílio conseguiu evitar o malogro, dadas as qualidades literári de seu autor e de haver-se rompido a malha bem urdida que lhe ora preparada. Típico romance monotos e cenas decorrem numa cadência córdio, em que os acontec· única, previsível ou press tível a partir de certo ponto, Luísa e Basílio, destacadamente e constituem o· ângulo· de visão empregado pelo romancista, de que uma incômoda sensação de igualdade, de mesmice, se · apoderando do leitor, que adivinha facilmente as soluções ºvas parciais e o desenlace final. Não há a mínima surpresa, num · humano pré-elaborado e estruturado segundo as normas da ógica do romancista ou dos princípios científicos. Tudo o que ac · se toma esperado e irritantemente planejado a esquadro e tira , como se na verdade as personagens fossem termos demo trativos dum teorema social. Escapam à rede miúda as personag · secundárias, Juliana de modo saliente, porque o romancista não arece tê-las considerado atentamente quando arquitetou a dem ção do teorema. Por isso, foram A
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entrando insidiosamente no romance acabando por ocupar um espaço importante como veross · · h\llllaila e literária, enquanto os protagonistas se reduziam bonecos de engonço. Com efeito, Juliana e as demais estavam ~ das cogitações técnicas do llior que O Primo Basílio romancista; ao inventá-las, criou o oferece, precisamente porque contra 'rias e desannônicas entre si, como todo ser humano. Não ass· ·os heróis centrais; por isso, Eça teve de recorrer ao pormenor, o ue só atenta contra o seu talento, pois ''uma obra da qual se e · o charme do ponnenor '' 12s poderá trair certa fraqueza da Obviamente, a técnica monooórdi não significa, em si, defeito nem qualidade: bons e maus utilizaram-na, como bons e maus romancistas utilizam o outro cesso, de que adiante se tratará. Na verdade, a composição ofônica pode servir para estruturar obras-primas do romance, , tudo quando existe entre a técnica e a substância que a info um nexo de necessidade, uma adequação de meios e fins. É o , por exemplo, dos romances principais de Balzac, Eugênia ndet, À Mulher de Trinta Aluísio Azevedo: emboAnos, Pai Goriot, etc. Entre nós é de ra filiado ao Naturalismo, soube evi a geomet:rizaição excessiva da estrutura e, por isso, fugir à sed o do pormenor. Romances como Casa de Pensão e O Mulato res tem ao tempo porque neles há um acordo intimo entre a compos· -o, a história e as personagens, a ponto de o enredo nascer da ·cologia dos protagonistas e não o contrário, como sucedia na ' a. Tudo se hannoniza com uma razoabilidade convincente, ainda ue o andamento seja monoce preconceber apenas o córdio. Ao contrário de Eça, Aluísio das personagens o desentravejamento central, deixando à me volvimento da ação. Aqui, a mono~ nasce da vida monofônica das personagens, e do drama que vive . E não da estreiteza óptica do escritor. ta a técnica polifônica ou Por sua vez, o romance vertical constrói como uma sinfosinfônica, de modo que ''o romance e se respondem, onde nia, onde as vous se eqlJili~ se e tempos diversos, onde brilliam grandes temas t1lttados em de uma 'ouverture' majestodas as variações se enc~i.eln a ente cria para ela o clima tosa dominando a obra porque imedia particular, mas, permanecendo em se lugar, evita criar, por sua 1
128 Nelly Conneau, op. cit., p. 209.
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amplificação desmesurada, hipertrofia que lhe rompe.ria .o equihbrio'' .129 Essa técnica • - a transposição, para o plano ficcional, do caos em que gulha o mundo real quando analisado sem preconceitos matemáti ou lógicos; O romance que o adota, o analítico, aproxima-se da da pela estmtura desordenada em que se sustenta., mas é preciso la para julgar essa mimese. Por isso, o rommice vertical continua proceder basicamente como o linear, sob pena de perder sua fisi · ··literária: ele se estrutura segundo detemrinadas convenções e · próprias da ficção, e não segundo as que norteiam o mundo seres vivos. Trata-se dum caos literário, organizado e visto o romance conter uma visão da realidade: o fluxo · das coisas prossegue sua caminhada ', enquanto o romancista imobiliza no para direções insuspei campo do romance um mo · to desse fllllXo vital. Este, transborda de todos os la.dos, infinito natureza e em perene transformação. O romance, flagra uma das otfoses do cenário existencial e dá-lhe certidão de p ' ia e de imutabilidade. O caos do romance será sempre igual si próprio, e reflexo •ou txansposição dum instante do caos univ; al, ao passo que este corre sem parar em vários sentidos. A ia do mundo reflete-se no microcosmos romanesco e. deixa-se templar. Entenda-se, porém, que romance sinfônico ou polifônico procura refletir o Universo em · as suas; dimensões, e não apenas em linha reta, como se lhe tasse a essência, que é uma esfera e não um retângolo (como crer o romance linear). Por isso, não pouco dessas linhas ocul 'e infinitas é absorvido pelo romance vertical ou detectado invo · nte. Como se o ficcionista, vendo o mundo em de do momento, conseguisse apreenderlhe a face das sombras no desejo de coBCentrá-lo numa síntese polifônica. Ou com se imobilizasse um momento que representa o permanente fl · , para o desconhecido, de forma que também os sinais do que o mundo já numa visão se ap foi e do que virá a ser nas mutações. O romance simbolizaria o passageiro e o eterno Universo, seja pela estrutura sinfônis misteriosos que a sensibilidade do ca utilizada, seja pelos · de visualizar o mundo em mudança. ficcionista detecta no ·
129 Idem, ibidem, pp. 199-200. . respeito do romance polifônico, entendido como "a multiplicidade de vozes e consciênci independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes", ver também · · Bakhtin, op'. cit.
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Assim se explicaria o alcance de certas bras de ficção, e de certas epopéias: sintonizam o transitório e ne divisam o perene, transformando-se em espelhos onde as ge ções se miram como se recuperassem modos de ser esquecido no inconsciente coletivo. significam o esforço que Autênticos microcosmos, tais roman todo homem realiza no sentido de c ender a complexidade do mundo, abarcá-la numa suma perfeita · tar resolver os enigmas que sua inteligência cria ou d~venda. Ao contrário do romance linear, qu coloca as personagens e a ce vertical tende a situar ação principal em primeiro plano, o ro as células dramáticas no mesmo nív embora uma que outra ganhe maior relevo. Se bem nos e samos, tecnicamente as frações dramáticas estão no mesmo o, ainda que sejam de conteúdo e sentido variáveis. O expedi . te que serve para coligálas num todo harmônico e coeso, é da simultaneidade, cuja justificativa se baseia em circunstâncias,· !ementares: na vida diária nenhum acontecimento ocorre isolado, encadeado a uma série de sucessos de toda oroem. Dessa fo . , uma simples ocorrência no viver de cada um repercute um mo nto geral, composto da soma de ocorrências individuais interli , e deflagra ao mesmo tempo um processo que vai exercer, sua vez, influência nos outros. Reação em cadeia, cada situação . essoal contraponteia com outras situações análogas, das quais re influxo e às quais replica no mesmo tom. Assim, opera-se múltiplo simultaneísmo social, imensamente complexo pelo ento de dramas individuais fonnando um corpo só. Efetiv nte, a conduta das pessoas vem acompanhada de vivências cu efeito, de ampla significação, foge a esquematismos. Um e, uma cor, uma nota musical, um contorno, um tudo-nada po provocar sutil e profusa imersão no tempo ou na memória, que · · associar-se, por simultaneísmo, a incontáveis peculiaridades vida social. Por isso, o processo da simultaneidade opera-se, no esente, como horizontalidade, e no passado, como verticalidad tudo formando um amálgama inextricável. Essa técnica, que ex ra as sinestesias em toda ce vertical. a sua extensão, torna-se a chave do ro Sucede, no entanto, que tal técnica ressupõe uma gradação, correspondente ao nível de complexidad atingido pelas sinestesias e polissinestesias. Mas em qualquer o romancista intenta, conscientemente ou não, criar um mi os ficcional semelhante ao Cosmos que lhe serve de modelo. · as literaturas vernáculas, ado, e sem maior êxito, o processo tem sido poucas ·vezes em
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como resultado duma conj histórioo-cultural cujo exame não cabe no espaço destas cons rações. Os poucos exemplos mencionáveis situam-se nos prime degraus em matéria de complexidade. O Cortiço emprega, c quanto de fonna embrionária, a polifoocorrem a um só tempo na estania simultaneísta. Vários ar do seu próprio com Bertoleza e lagem de João Romão, a . Segue-se-lhe o caso da Pombinha, da Zuhnira, a filha do · Maria Piedade e do Jerô · o, embeiçado pela mulata Rita, a luta entre o cortiço de João Ro . -o e o seu :rival fronteiriço, etc. Como se sabe, o herói - se hou . - é a estalagem, o herói coletivo, e não qualquer dos seus fi tes. A técnica: a da simultaneidade, provocada pela vizinhan no espaço, e num espaço diminuto. O romancista trata de cada p · o quanto basta para infonnar o leitor, •apanhar outra, que ocorre ao mesmo suspende a narrativa p tempo, e assim por diante, té entrelaçá-las e examiná-las como um todo. Certamente, trata-se Pe uma técnica ainda primária, pois as dificuldades do ficcionis ,ficam reduzidas de muito pela concentração das personagens n local único e onde se faz obrigatório o atrito humano, como é cortiço. Sem entrar no mérito da questão, assinale-se que, já e · 1890, um ficcionista brasileiro dava os primeiros passos no em go duma técnica que só viria a ser utilizada em larga escala . r Proust, James Joyce, Virgínia Woolf, Aldous Huxley e outros. Na modernidade, Éri Veríssimo, sob a influência do Huxley dO Contraponto, expe . a técnica do simultaneísmo nO Resto o efeito desejado, talvez porque a emé Silêncio, mas sem lo pregasse defeituosamente: jovem, que se mata lançando-se do alto dum prédio de ap entos, motiva as reflexões e os comentários das pessoas direta . indiretamente relacionadas com ela. A suicida atua apenas com 'pretexto e o romance focaliza a reação de seu gesto em vizinhos ue a viram cair pará a morte. Resultado: a simultaneidade se to artificiosa, quase igual à coincidência romântica ou realista, em · de de basear-se numa verossimilhança rebuscada, literária: '' aquele mesmo instante Angelino, o 'Sete', também olhava para éu''. Mais ainda: o único traço de união entre as pel"SQllllgens é m visto Joana despencar-se do alto do arranha-céu. A explicaçã reside no fato de a técnica haver sido justaposta à matéria ficc nal, e não determinada por ela, com o grau de adequação e idade que justifica uma coisa e outra como faces da mesma da. Em contrapartida, no modelo huxleyano seguido pelo ro ista, o processo simultaneísta se realiza 278
plenamente porque adequado e nec ' ·o ao conteúdo da obra: as personagens transitam no tempo e no paço como todos nós, e criam liames entre si pelo simples en ntro num bar, liames que geram o desvendamento de outros co cimentos comuns e o início de vinculações que podem levar ao• dultério, à morte, etc. Em pouco tempo, os figurantes fonnam vasta rede de relações múltiplas, numa unidade e numa . onia em que as partes se compensam reciprocamente, e se imbri. num ritmo de naturalidade, tal como, na vida real, os inci vão ocorrendo irreversíveis e dando a im'pressão de que não p ·a ser de outra forma. Uma última reflexão neste capítulo composição: nota-se uma ambigüidade envolvendo as duas técni apresentadas como fundamentais. A técnica monocórdia está onge da vida, embora os componentes usuais do romance linear realistas: de fato, O Primo Basílio constitui um arranjo ente literário, embora seus ingredientes se afigurem a trans ·ção de fatias da realidade viva. Por outro lado, a técnica polifôni aproxima-se da vida, não da aparente mas da subterrânea, de que ' nos apercebemos quando dela abstraímos o transitório, ou proc os vê-la em profundidade. Contudo, é mais vida que a falsidade lin do romance progressivo. Paradoxalmente, porém, o leitor médi reconhece-se no romance linear e não no ''vertical'', talvez por car na leitura uma nãovida, o narcótico para os sentidos, ou ue não alcança enxergar, nem na vida nem no romance vertical suas dimensões ocultas e significativas. Na história que lhe simp. ca e esquematiza o real, ele se encontra e se completa; na ou não. Por isso, o romance vertical continua ainda de circulação "ta, favorito de leitores cultos ou de intelectuais, via de regra pazes de abstração ou de valorizar uma visão microscópica do m · do; e o linear é preferido pelo leitor médio, menos interessado n . componentes estéticos e filosóficos do romance do que no fluir história, ou pelos intelectuais menores que só atinam com a descritiva do romance, ou com aquela que corresponde à defesa , sua crença ideológica.
Independentemente das possíveis cl ificações (linear ou progressivo, vertical ou analítico, monofô ·co, polifônico, etc.), em todo romance se descortinam os se°'11"1ns... planos: o extrínseco, o formal e o intrínseco. Parece desnec ·o salientar que se trata 279
duma divisão operatória, to se confi;mdú;em, se fundirem num só. A rigor, seriam as fa dum mesmo objeto, uma, que se vê, outra, que se intui ou tT< parece na primeira. Tanto como no binômio fundo-fonna (q erroneamente poderia ser identificado com os planos narrativos), distinção visa a organizar a invasão do texto por parte do leitor, artindo dos aspectos mais próximos, externos, para os mais fe4~10S ou profundos e internos. Sendo se imbricam, só podemos distinguiponto pacífico que os p los em certos casos, uma z que nos outros, a flutuação do limite entre ambos impede as ões rigorosas. ttesponde às relações da obra com o O plano extrínseco contexto social, a bio do escritoc, a história literária, etc., sempre que a narrativa · motiva ou justifica, enquanto o plano formal diz respeito à lin em, o diálogo, a descrição, a narração, a dissertação, a técnica da truturação dos capítulos, da caracterização das personagens, e O plano intrínseco co titui-e dos aspectos que se manifestam ou se camuflam nos ingr " ºentes extrfasecos e formais: os temas implícitos no romance, motivos condutores, a cosmovisão impsicológicos, filosóficos, a ideologia, pressa na obra, os probl e problemas. Apontando as camadas etc. Em suma: idéias, questões, cujas respostas também interiores do texto, lev e o autor dizer com tal ou qual passadevem sugerir: que pre gem? que significação o convívio entre as personagens? como o romancista vê o mundo pessimista? trágico? por quê? as personagens evoluem para e por quê? como interpretar o absurdo como dimensão psicológi ou filosófica do romance? etc., enfim, indagações tanto mais n erosas quanto mais polimórfica a obra, e mais arguto e culto o 1 As interrogações po set agrupadas em dois blocos, correspondentes aos subplanos que o plano intrínseco se divide. De um lado, o plano consci às personagens ou evidente nos diálogos, monólogos, solilóqui , nas cartas, etc.; as personagens sabem que participam de dois ni eis, o da ação histórica, entre os semelhantes, e o da sua vida terior, comunicável ou não aos circun, sio a mn só tempo seres históricos e dantes; na esfera do ro dotados de interioridade. e outro lado, temos o plano inconsciente sível aos leitores e, quiçá, ao ficcionissto de repressões ou com vida própria, ftica que admitamos. À semelhança dos . se a si próprias; mas seu inconsciente 1
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pode ser investigado pelos leitores. Esse cleo de significado mais difícil em todo º' ce, pela resistência que oferece ao olhar intruso e pelo informe · caótico de sua substância. Evidentemente, a complexidade do p o intrínseco, sobretudo no segundo de seus subplanos, depende d · confluência de fatores. Um romance romântico, linear e lúdico, menos problemático que um romance moderno vertical. Entre A Mi eninha e Perto do Coração Selvagem há um abismo que não se onnou apenas do século transcorrido, mas da própria essência · cada um. Ressalvada a hipótese de, passados cem anos, outra oh · complexa e original aparecer para contrapor-se à narrativa de ºce Lispector, o segundo romance é, como realidade intrínseca, is denso que o primeiro para um confronto entre e sê-lo-á sempre. Análogo raciocínio val Senhora e o romance de Clarice Lispec Dir-se-ia pobre de per si a dimensão psicológica e filosófica do ro ce romântico, enquanto a do romance moderno vertical seria · te rica. Mas não confundamos as idéias: não tamos entrando no mérito da questão, nem levando em conta certos leitores possam preferir o primeiro ao segundo; as obras alam por si próprias. O murro, já realizado a cotejo entre O Primo Basílio e Dom outros propósitos, pode voltar à baila p o esclarecimento desse ponto. O enredo de um e de outro gira tomo dum adultério que conduz as protagonistas para destinos s lhantes, mas o crime da primeira não tem maior transcendência, para sua explicação o romancista perfilha uma teoria tão sim lista quão científica, ao passo que o da segunda reúne talcarga ' 'tica que tem autorizado muita gente a acreditá-lo inexistente e · penas fruto do cérebro enciumado de Bentinho. Portanto, esc · erentes de profundidade e mistério, em dois romances coetân s e em tomo do mesmo tema, o que anula o fosso histórico entre· Moreninha e Perto do Coração Selvagem, e permite uma aná · mais objetiva e isenta. Eça reduz tudo a um esquema, logo des berto pelo leitor, e com isso o mistério se desfaz em favor duma ·dência plana, monótona e mecânica. Machado atrofia as evidên ·as, porque não acredita nelas ou porque sabe que na oculta face cada um e de cada gesto mora o enigma, cuja decifração il · e edifica quem dele se aproxima. E é para essa face oculta que uz o leitor, deixando-o tão perplexo quanto ele próprio. Muita , por isso, há de correr antes que se ponha um ponto final na p uisa do mito em que se · s o que se sonhava'', tomou Capitu à custa de ''cercar de parafraseando Fernando Pessoa. A luz que o romance revela,
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sua trajetória existencial· z crer numtnundo insondável, inclusive tia de que a obra há de permanecer pelos para si própria; daí a g anos fora atraindo a a o e a curiosidade do leitor. Não assim A
No capítulo referen
o conto, esse aspecto já foi estudado em , resta apenas acrescentar-lhe algumas minúcias e examiná-lo perímetro do romance. O ponto de vista ou foco narrativo, consti : uma das traves mestras da ficção moderna, a ponto de alguns es ·osos a considerarem o eixo em tomo do qual gira a problemática .ccional dos nossos dias. Percy Lubbock, autor de uma obra cláss' na matéria; The Craft of Fiction, extremou-se no elogio, 130 eru:iutnto E. M. Forster ocupa o ângulo oposto. 131 Como sempre, em caso divergências que tais, a razão está com ambos e com nenhum particular: quer o ponto de vista, defendido pelo primeiro, quer o rio do leitor, defendido pelo segundo, são dois aspectos bási da arte ficcional, com ligeira vantagem para o primeiro, que a uma análise objetiva e técnica, enquanto o outro corre o risco se transformar em pomo de discórdias subjetivas ou ociosas. D por causa do seu caráter "objetivo", o ponto de vista vem detida atenção por parte dos entendidos em teoria e críti de ficção. Mais ainda concorre para a importância assumida esse recurso narrativo a quantidade de implicações de toda o notadamente ideológicas e psicológicas, encontráveis no empreg dos vários pontos de vista narrativos. 132 suas linhas gerais. Por ·
130 Pm:y Lubbock, Tire rft of Fiction, 4ª cd, New Yorle, Vicking, 1962, p. 215: ·'O mais intrincado problema de , na arte da ficção, julgo ser governado pela questão do ponlo de vista - a questão ooil;cmctúe à relação do narrador para com a história''. 131 E. M. Forster, op. ci pp. 78-79: "pan mim, a 'mais intricada questão de método' resolve-se não por i · mas pelo poder do ~tor de atrair o leitor, fazcodo-o que Mr. Lubboeik admite e admira, mas que locali7.a à aceitar o que ele diz - um centro. Eu o situaria diretamente no centro." margem do problema em vez de 132 A questão do ponto vista ganhou, nas últimas décadas, ampla relevância. · fundamentais, se não o mais importante, na llJUilise e Primeiro, por ser um dos inleiprctação da rumativa de fi . Segundo, em mzão de sua complexidade: à medida que desvenda novos ângulos da múltipla e intrincada rede se aprofunda no seu estudo, a · ficcional. O BSffiDlto, em que a propostas cada vez mais rigorosas e minudentes, no encalço de abranger ao máximo combinações ~ nos textos, ainda está longe de constituir unanimidade. Antes contnirio: quanto mais os estudiosos procuram ser preci-
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Essa questão ganha, no romance, significação inexistente no conto ou na novela. Com efeito, o 'sta e o novelista obrigam-se a limitar seu campo visual a fim narrar uma história; o foco narrativo tende a manter-se invariáv , sob pena de tumultuar o andamento da intriga. Ao contrário, o mancista pode utilizar vários pontos de vista numa mesma obra, rto de estar enriquecendo as possibilidades de acesso aos arani.a~ focalizados, e de oferecer um painel humano mais diversifica e amplo. Por meio dos pontos de vista empregados (e de aspecto correlatos), o ficcionista revela uma visão do mundo pessoal, em ra ressoe as tendências filosóficas e estéticas de seu tempo. 133 Desse modo, não será por mero acas ga a primeira pessoa do singular ou a plural ou todas numa só obra: é bem embuste e o ficcionista transferir para del9111:lllllia go dramático destinado a outra, mas ass' lando a si próprio e à sua cosmovisão. o·
sos, da;cendo a pormenores microscópicos, mais susci controvérsias e divergências. Por fim, nan sempre essas propostas, quem sabe par serem tcn:wi'ado teóricas ou específicas, se mostram eficazes como instrumento analítico. Jean Pouillon introduziu o conceito de "visões", três modalidades principais: "a visão 'com' " (avec), "a visão 'par trás' " (par derrier "a visão 'de fora' " (du dehors) considera os seguintes tipos (Temps et Roman, Paris, Gallimard, 1946). Norman F · de ponto de vista: "a onisciência absoluta" (editorial)," onisciência neutra", "a onisciência múltipla seletiva", "o 'eu' como testemunha", "o 'como protagcmista", "a cmisciência seletiva", "o modo dramático", "a câman" (" · of View inFicticm,", in Philip Free Press, 1967, pp. 108-137). Stevick (org.), The Theory of the Nowl, New York, Wayne C. Booth pôs em cin:ulação a idéia de "autor . ito" (o "segundo-eu do autor"), de "nanador suspeito" (unreliable narrator) (The Rhe ·e of Fiction, Chicago, The University of Chicago Press, 1961). O critico austríaco F. K transitou de uma tipologia primeira pessoa'', "nanativa de tripartite da nanativa ("nanativa autoral", "nanativa reflexão") (Narrative Situations in the Novel, tr. noJ:tCílJlmu:rl'cana, Bloomington, Indiana University Press, 1971), para três categorias genéricas(' ","modo", "perspectiva") (A Theory of Narrative, tr. inglesa, Cambridge, Cam · e University Press, 1986). Boris Uspensky, estruturalista russo, dispôs o a>tudo do de vista em quatro planos: o (A Poetics of Composition, tr. ideológico, o fraseológico, o espácio-tcmporal, o psicol norte-americana, Berkeley, University of Califomia 1973). "Qui raconte le roman7", PoétiA respeito do assunto, ver ainda: Wolfgang Ka que, Paris, n• 4, 1970, pp. 498-510; Robert Scholles Robert Kellogg, The Nature of Narrative, pp. 240-282; Roland Boumneuf e Réal t, O Universo do Romance, pp. 99-129; Alfredo Leme Coellw de Carvalho, Foco Na tivo e Fluxo da Consciincia, S. Paulo, Pioncinl., 1981. l Mundo, tr. mexicana, México, 133 Wilhclm Dilthcy, Teoria de la Concepción Pour une Sociologie du Roman, Fondo de Cultum F.conómica, 1945; Lucien Go Paris, Gallimard, 1964; e, de minha autoria, literatura: undo e Forma, S. Paulo, Cultrix {EDUSP, 1982.
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pessoa pode demmciar tamente da realidade, salvo quando o escritor escolhe o disf e para esconder a revelação direta de sua mundividência. Por ou lado, o emprego da primeira pessoa pode traduzir um egocentri igualmente distante da realidade, exceto se o "eu" servir como :pelho de situações coletivas ou universais. Assim, os romanc · de José de Alencar, na terceira pessoa, 'realidade ck> que os de Jorge Amado, a estão mais afastados ser entendidos como "engajados" num ponto de estes só contexto que pretend transfonnar. E a primeira pessoa na qual José Lins do Rego nanativas do "ciclo do açúcar" correso ao "eu odioso", contrário ao "eu" de ponde à redução do m D. Casmurro, onde se flete algo mais do que uma história passional de subúrbio. suma, o foco nanativo compreende as matrizes que condicio a mundividência de cada escritor. Entretanto, esse or merece cautela, pois em qualquer ponto de vista está · nte ou evidente o "eu" do autor, claro, em grau variável conf: o conteúdo da obra; ademais, a condição de arte, inerente a romance, justifica o subjetivismo no emprego dos focos nanati os. Se o ''eu'' fosse um organismo que ou a fitas métricas, dir-se-ia que a pudesse submeter-se a mede pelo progresso ascendente do grandeza dum roman "eu" no sentido do ex o positivo (o "Eu" ou "Nós"), e que a sua pequeneza se evi nciaria na progressão em sentido inverso. Por isso, quanto mais cêntrica a visão do mundo, tanto mais pobre estética e etic te; e vice-versa. De outro lado, o uso da terceira pessoa ou do ·tor onisciente em princípio revela uma ampla cosmovisão, em ue o "eu" do romancista se projeta para fora de si no afã de cap o mundo como objeto: na outra alternativa, o "eu" tem dific · de de sair de dentro de si e, neste caso, o romance aproxima-se poesia, problema de que falaremos mais adiante. Vejamos como tem o utilizado o ponto de vista nanativo ao longo da história do ro . ce. Os ficcionistas românticos em geral faziam questão de dize u deixar entrever que estavam realmente contando uma história sada com terceiros, mas que apresentava foros de verossúnil, se verídica. Não raro, alardeavam sua condição de repórteres soe· ·s, isto é, de fabuladores de acontecimenpara a qual escreviam. Em alguns casos, tos ocorridos na socie como o de Camilo, o fi ' ionista lançava mão do recurso de inventar referências docum · que conferiam um ar de verdade indiscutível à nanativa. Co · é sabido, trata-se dum processo herdado 1
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das novelas. Portanto, fazem questão frisar que realizam obra impessoal, limitando-se à condição de nistas fiéis de dramas que observaram em condições especiais, 134 u de que foram cientificados por algum relato oral (não raro de pessoa misteriosa), ou escrito (em documento que só eles contraram). Os pontos de vista são os da personagem sec que narra os acontecimentos, ou o do narrador onisciente. Num . aso ou noutro, o ficcionista vinca a impressão de que se trata história, e, portanto, nada oa, quando ocorre, visa tem que ver com ele. O uso da prime· a sublinhar esse aspecto, mesmo rec ao embuste de fingir estar contando a estrita verdade: Dizia-se muita coisa que não repetllei a verdade, sem os comendos malévolos de
, pois a seu tempo saberemos a usam vesti-la os noveleiros. 135
Desse modo, a terceira pessoa é utilizada sempre, dando a impressão de haver distância entre o dor e os episódios: ele se toma a testemunha muda, embora inte sada, dos acontecimentos. Aí se denuncia que os românticos con biama obra de arte narrato, do que como ensitiva (não a poética) mais como entre namento, ou catarse. Por isso, a mundi ·dência romântica, revelada no uso da terceira pessoa e da onisci ia, pressupõe um cosmos inamovível, cristalizado, em que as tivas fictícias preenchessem funções meramente lúdicas: o b goês não aprende com a história passada com outras pessoas, · a ele, mas apenas se distrai e gasta o seu ócio, que é gran e espesso, no acompanhar a evolução dos fatos inventados co o fito de lisonjear-lhe a tranqüilidade néscia e contribuir para deguste mais ainda seu comodismo. Sobretudo os romances -de-rosa, de epilogo casamenteiro, transfonnavam-se em narcó . nas mãos de leitores da classe média, mas as narrativas pess · tas também elogiavam as virtudes burguesas, e o repultado era ticamente o mesmo. Durante a vigência do Realismo e Naturalismo, aboliu-se a presença do "eu" narrativo, agora po: de ordem científica: os romances continuam a ser desenvol ·dos na terceira pessoa e o
134 Camilo Castelo Branco, Doze Caaammt
à cana". 135 José de Alencar, op. cit., p. 10.
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autor, muito mais do que · , se acredita onisciente. É que vem socorrê-lo nessa visão gica do universo todo um arsenal de postulados sociológicos, psi patológicos, médicos, zoológicos, etc. A obra romanesca se torna soai, 136 mas invertendo o sinal: a impessoalidade corre por ta da tentativa científica de pôr abaixo romance ganha a função de aríete, as instituições brirguesas. lançado pelos detentores ideologia em moda, contra o baluarte social a cujo serviço esteve ficção romântica. Não mais obra para entreter, senão para corri · educar, o romance realista e o naturalista consideram a socie estacionária e, portanto, necessitada sado, pedagogicamente empenhado, de mudança. Eticamente in veicula uma cosmovisão '' gajada'', em obediência a um imperativo moral: o emprego da eira pessoa traduz a certeza de que se trata duma irrecusável n sidade a refbnna do homem em suas bases éticas. A terceira pes · a corresponde ainda à impessoalidade do laboratório onde o ci ·sta se despoja do seu ''eu'' para se e procura a verdade e depois entra a transfonnar no ser anônim divulgá-la como objeto fo dele. Assim o romance, assim o emprego da terceira pessoa. ·~ Quer se trate do romântico, quer do realista e naturalista, o emprego da terce· pessoa e da onisciência carrega uma limitação ética e estética a .mesmo tempo. Tal limitação pode ser facilmente observada nos tores afeiçoados ao Romantismo, ao Realismo e ao Naturalismo. obilizaram a realidade viva, ou para submetê-la à retaliação anatômica. lhe fazer a apologia, ou Suas personagens tendem indistinção, ao ''clichê'': em vez de viverem por conta própria, mo seres vivos, obedecem cegamente ao demiurgo, o romancista. Num caso e noutro, · vê o mundo estaticamente, porque aceita postulados anteriores criação da obra, e porque admite uma função para sua arte, ou entreter, ou de refonnar. Preconcebe sua cosmovisão ao invés arquitetá-la à medida que elabora a narrativa, e só alcança ver exteriores das personagens, coisas e 136 Gustave Flaubert, "Lettre :George Sand" (15-16 de dezembro de 1868), apud Miriam Allott, Novelists on the No New York/ Lcmdon, Colwnbia University Press / Routledge and Kegan Paul, 1959, p. 1: "Não devemos trazer nossa própria personalidade para a ema. Creio que a grande Arte ·científica e impessoal". ldLm, ibidem, "Lettre à Madml$clle Laoyer de Cbantepie (19 de fevereiro de 1857): "É wn de IIlllUS princípios que não devemos pôr dentro da nossa obra. O artista deve ser em sua obra como o Deus na cria , invisível mas todo-poderoso; devemos senti-lo em toda parte mas nunca vê-lo".
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acontecimentos; só enxerga o que de - o procura enxergar, em vez de observar a realidade em seu in dinamismo e mudança. Daí as personagens serem bonec os acontecimentos, forjados, e a paisagem física apresentar quê de cenário de papelão e cola. Somente permanecem vivos os ionistas que conseguiram fugir a esse empobrecimento da visão mundo: Stendhal, Balzac, Dostoievski, Maupassant, Flaubert, mas Hardy, Tolstoi e outros. E no Brasil? Machado de Assis, ul Pompéia, Manuel Antônio de Almeida e outros: superaram esse estreitamento formal, porque não preconceberam e, por isso,· riaram com liberdade sua dimensão romanesca. ' É que, com alguns desses escrito · , já se operava o salto na direção do romance psicológico e intro tivo. Vejamos o caso de D. Casmurro, uma narrativa cujo an nto monofônico a aproxima da ficção oitocentista, mas cujas de · características a tomam precursora da ficção moderna. Como s sabe, o romance é narrado na primeira pessoa. O ficcionista aban ona a visão macroscópica do Universo em favor duma visão mie cópica: não mais entreter nem reformar, mas conhecer o homem o seu "eu" subterrâneo e procurar enriquecer o leitor com o espe culo das próprias mazelas. hnporta salientar que a matéria h permanece a mesma, ou seja, a burguesia oitocentista, mas Mac do procede de modo novo, partindo do indivíduo para a socie e, e não desconsiderando o primeiro ao enquadrá-lo como um pies número dentro da escala social. O problema, agora, cen -se no homem e não na relação afetiva com o semelhante (à da romântica), ou na evidenciação de taras genéticas por via de. tenninismos ambientais. Desse modo, o emprego da primeira oa, por meio de Bentinho, conduz a uma limitação de campo vis , mas de que resulta um grande aprofundamento no "eu" do p gonista. Ainda restaria ver até que ponto o dor não constitui simplesmente um alter-ego do romancista, is sua acuidade analítica, a riqueza psicológica de suas reminis ~ncias, a lógica que lhe orienta a memória, indicam uma perso gem dotada de invulgar senso de penetração e de fixação do que e passa na mente dos seus interlocutores. Assim procedendo, Mac do confere ao relato de Bentinho maior verossimilhança do que fosse dele próprio, como autor-onisciente, pois o romance ocupa enas o espaço abrangido pelo ângulo visual de Bentinho, seu untivo herói. Resultado: reúne condições para se ver e ver os ou s dum modo verossímil, que escaparia ao autor-onisciente. Mais da: o protagonista-nar-
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rador se empenha numa interferência do ficcio · primeira vista), Bentinho sua trágica vida amorosa, cias de individuo para indi Mais verossimilhança conta de que sua · diretamente ou não com lembranças, a despeito dos no correr da vida, não in das pessoas à sua volta. logo sabemos especial e " à sedução exercida por s Capitu, José Dias, etc. Tu individuo acerca de um sociedade carente de sólid fundidade, centrada num esposa, resume um cetici "um vácuo atormentado, Carlos Drummond de An do narrador-personagem ( perquirição do próprio "e de amargura e desânimo. Tão desalentada concl de cada um em seu m menos verossímil. Afinal, logia do "outro"? Se a indivíduo e só atinge c nálise feita por alguém d como personagem-narrad nas personagens sua vida· quando dirigida para as p ção, é projeção, ainda que tico, ou transposição de realista. Em suma, a prime empregada em D. Casmu trágico do ser humano n expediente narrativo, o po do com o ludismo român favor do compromisso co 288
, tia auto-ataálise, aparentemente sem livre de qualquer peia (ao menos à rememorar à vontade para o leitor m a sinceridade peculiar às confidênduo, à boca pequena. · o seu relato quando nos damos o acerca elas personagens envolvidas 1seu caso é consistente, como se suas ! entimentos e idiossincrasias ganhos erissem na imagem que dantes fazia mos tudo com sua óptica, que desde ada", mas somos incapazes de fugir palavras e pelo retrato que pinta de se reduz, assim, à visão de um único de pessoas e, por meio delas, duma ' fundamentos morais. Óptica em proornem malferido pela infidelidade da o individual profundo: o universo é sistema de erros", como bem diz de. Basta que o ponto de vista seja o · o caso personagem central) para que a ' e do "eu" alheio revele tristes cores ão só é possível mediante o mergulho
interior: a análise dum terceiro, com personagem secundária, a tornaria · onde podemos ir no exame da psicouto-análise é sempre relativa a cada superficiais, como aceitar a heteroa· fora, seja como autor-onisciente, seja Em conseqüência, o escritor projeta terior, ou o produto de sua imaginação do mundo real: antes de observaconsciente, como no romance românados científicos, como no romance pessoa, ao menos da maneira que está o, denota um exame grave e mesmo de suas etapas históricas. Mais do que de vista empregado traduz o desacorco e com o cientificismo realista, em o próprio homem, onticamente consi-
derado. Penetrando fundo na essência umana, Machado ''deixa'' que a personagem fale per si e se d ude livremente perante o leitor, camada a camada, como a sim lizar um ato que o leitor se recusa a realizar por medo ao espetá o. Voltado para o "eu'', Bentinho retrata o que toda a gente esquece de fazer, embora tenha de fazê-lo sob pena de masc a sua verdade mais funda. Eis, em última análise, o conteúdo primeira pessoa. Note-se que Machado ainda vivia época de trânsito entre fórmulas velhas de cultura e outras morreu sem entrever. O ritmo que impele a seus romances é · monofônico, embora não lhe falte a intuição das grandes s' nias, como nas Memórias Póstumas de Brás Cubas. Longe esta a, porém, da complexidade atingida pelo romance sinfônico mo o, nem mesmo dum Perto do Coração Selvagem, dos menos co lexos de quantos se podem citar nesse assnnto. De fato, Clarice ' Lispector utiliza a terceira pessoa do singular e do plural, e a ira do singular, inclusive apelando para o fluxo da consciência. autora emprega a terceira pessoa quando está de fora, descreve cenas, lances, objetos, ou ainda os pensamentos das personag E a primeira pessoa quando essas falam ou pensam diretameiite, a interferência do narrador, a tal ponto que inclusive a terc · pessoa parece reportar-se a um pseudonarrador, ou autor-implíci , e não à ficcionista; ou, então, que o romance fosse sendo esc por si próprio e a mudança de pessoas não tivesse nada com r, mas com as faces da história: uma face descritiva ou tiva, em terceira pessoa; outras faces, conforme as pe.rsonag na primeira pessoa. Como se, afinal, o gesto se descrevesse. a si 'prio, o episódio se narrasse, e assim sucessivamente; ou co se o objeto e o episódio ''falassem'' na terceira pessoa, enq as personagens se expressassem na primeira: mefos próprios comunicação, em que a ficcionista entra como um maestro ilidoso que concertasse os utar nenhum deles, e não sons numa harmonia perfeita sem aparecesse a niri.guém da platéia, red ·do volnntariamente à função de reger e calar. Assim Clarice · tor, assim os romancistas no gênero. Um exemplo FOde auxi ·. ,a caracterização do :6:tto: o ato de escrever um ensaio: narrador focaliza a personrgem Otávio 1
Antes de começar a escrever, Otávio ciosamente, ajeitava a roupa em si
va os papéis sobre a mesa minu-
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, recomendou-se, libertar-me das obses-
.......,LJC
Comédia. Joana diria: eu me sinto pensando, mas usando de
Infelizmente, a citação eve ser breve por amor à concisão, mas a leitura do capítulo to , 'entre as páginas 104 e 111, evidenciaria como procede a ora na continua alternância de foco narrativo, ora colocado fo , ora dentro da personagem, ora na primeira, ora na terceira p oa. A tal ponto que cada personagem tem seu estilo próprio falando u escrevendo, como é o caso de Otávio. Tal deslocamento do to de vista narrativo corresponde a uma mundividência macros pica. Entretanto, o grau e a qualidade diferem substanciahnente d que estávamos habituados a ver no romance romântico e realis Procura a romancista realizar o desiderato último de todo ficci ·· ' · ta: alcançar uma idéia de totalidade do Universo. Semelhante to tidade só se toma acessível alterando o ângulo visual, de modo a branger aspectos diferentes, mas que, somados, dão a unidade e a lobalidade requeridas. Percebe-se que o romance sinfônico, como erto do Coração Selvagem, recorre ao foco narrativo anterior a hado juntamente com o que ele empregou, fundindo visões q se anulavam ou se chocavam por princípio. Nota-se, ainda, q a terceira pessoa não é mais de quem permanece de fora, e sim, .de quem descobre a linguagem das coisas e cenas, antes substi 'da por pressupostos inventados pela imaginação do ficcionista o herdados da' ortodoxia científica finissecular. A terceira pessoas toma interidr também, par a par com a primeira, como se por m dela os episódios e os objetos praticassem auto-análise. A introspecção predo . em todo o trajeto das personagens, desde a roupa que enverg · té os monólogos interiores em que se embrenham. O mundo, ag volta a ser o vasto mundo, mas sem sofrer redução, salvo do ân o fenomenológico, pois personagens e cenários adquirem o pod ,de revelar-se por conta própria, e pela dos dias, para a assombrada imagiprimeira vez, como nas ori nação do romancista. Um do de novo descoberto ''canta'' na 137 Oarice Llspector, op. ctt.,
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. 104, 105, 106.
sua voz, de forma que o seu "eu" sei ala em favor duma música cósmica oriunda de tudo quanto seu olhar toca ou sua fantasia pitação, mas trágico, pordesvenda. Um mundo mágico em sua que o "canto" das pessoas e das co· é sempre de autodestruição: diz que, enquanto entoam, vão m rrendo devagar; como se só existissem para cantar e morrer, seres ara-a-morte, adivinhada no súbito, a morte se instala instante da descoberta. É assim que, no fio destas observações em tomo d mance sinfônico de Clarice Lispector, uma vez que para ela verge tudo quanto corresponde à efêmera realização dum m em ''duração'' infindável, projetado no desconhecido. Aqui, a m: tiplicidade de foco também anula o indivíduo, mas à custa de que cada um viva inteiramente e em plena liberdade suas possi "!idades de ser. O resultado é o esgotamento, a diluição, a morte. erto do Coração Selvagem contém um mundo em decomposição · embora renascendo sempre das próprias cinzas. Uma espécie de '• de jogo'' beckettiano se anuncia nessa sinfonia baseada na mu · :plicidade dos focos. Como se tentasse reverter esse q · , mas na verdade colaborando para acentuá-lo, ensaiou-se o rego da segunda pessoa, o ''tu''. Parece que o recurso pode ser e ntrado na ficção científica de Theodore Sturgeon (O homem que erdeu o mar). Mas é com La Modification (1957), de Michel B r, que a segunda pessoa, o "vous", ganha notoriedade. Depois e, o expediente foi empreGeorges Perec, e em The gado em Un homme qui dort (1967), Fetch (1969), de Peter Everett. 138 vernáculo, citam-se Para Sempre (1983), de Vergílio Ferreira,1 e As Armas e os Barões (1974), de Flávio Moreira da Costa. sas que sejam, não esconTais experiências, por mais eng dem suas limitações: desvendar aos · cos à personagem sua própria história, como se se tratasse de enigma que somente o narrador conhecesse, pode ser: 1) uma~ forma de estimular o leitor a reagir à narrativa, 2) uma projeção autor, 3) a invocação do criador à sua criatura, 4) uma espécie · relação didática, - como informa Mariano Baquero Goyanes. · ício não oculta, porém, sua face voltada para a irrealidade: o ·. dor, ou sabe de toda a história que paulatinameme desenrola 1 seu ouvinte e protagonis-
138 Para as observações acCICll da segunda , foram-me úteis as páginas que Mariano Baquero Goyanes dedicou ao assun ' em &tructuras de la Novela Actual, 3ª ed., BarcelOilll, Planeta, 1975, pp. 124-1
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ta, ou a vai descobrindo to· se faz, ou seja, enquanto a narra. Num caso ou noutro, o "tu correspondê a um disfarce do "ele". Como garantir a verossimi ça de uma: situação em que a personagem não sabe de sua pró ·a história, como se houvesse perdido de oralizar o seu passado, - enquanto a memória, ou fosse inca ara, seu pa)i>el de demiurgo oniscieno narrador assmne, sem ão ostensiva do narrador, ao contrário te? Como aceitar a in do que pregava Flaubert? do, quem sabe, humanizar o herói, despindo-o da roupagem fi eia, isto é, de sua existência retórica, virtual, feita de palavras, o utor logra o efeito oposto. O modo como o se relaciona com o sujeito do enunciado, para ele próprio incó "to, faz peesar num encontro psicanalítico às avessas: em vez de analisandoJalar a um ouvinte o mais do tempo calado, o narrad o substitui, empregando sua própria voz para relatar a história ''outro''. Essa equação é irreal: com efeito, o analista é que o · e o relato do "outro". No diálogo analítico, a voz que fala é do sujeito cuja história está em causa. O intercâmbio verbal se essa entre seres humanos, não entre um deus onipotente e sua · ·atura ignara, como sugere o emprego ·tuir verossi!millmnça ao discurso ficda segunda pessoa. Para cional, o narrador deverá c ocar-se na posição de ouvinte, mas ao a tradição lhe consigna, recorrendo fazê-lo desliza para o papel à primeira ou à terceira p . Inócuo pretender superar a convenção, ainda mais se o rec peca por inverossímil, seja no espaço literário, seja no da existê • ia real: por mais legítimo que seja, o experimento constitui ma· •um sintoma de uma época em que o romance, na porção mais a çada de seus cultores, os adeptos do nouveau. roman, chegara a impasse. Paradoxalmente, ao a ximar-ee de seu ideal máximo, o romance tende a desintegrar como tal, porque pressagia o fim do mundo que lhe deu causa alimento. Evoluindo para abarcar o mundo em sua infinita m plicidade, o romance cada vez mais se avizinha do que está imp ·to em sua base, mas corre o risco de reduzir-se a migalhas e p unciar o extennúrio de um sistema de ncontra sua razão de ser. É que, nessa cultura de onde saiu e on multiplicidade, o indivídu · u direito a centro do Universo, e os objetos ganharam ig senão maior, privilégio: repetindo a vida de cada ser humano, romance, quanto mais se aproxima de seu alvo, mais corre o ri o do desaparecimento, inclusive pela importância conquistada p "coisas", que ele próprio se incumbiu de acentuar. Encru · , ou fim de linha? 292
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Começó e. Epílogo n Como vimos no tópico em que assunto foi estudado na área do conto, o problema fundamen do romancista não é começar mas terminar, a tal ponto que as '' clusões são o ponto fraco reside na verdadeira natude muitos escritores, mas algo da f reza da conclusão, a qual é, quando m· "to, uma negação" 139• Com efeito, via de regra o romancista, ao eçar, não tem plena consção; só sabe que tem algo ciência do que vai emergir de sua ima . Tudo o mais, que pode a dizer, em tomo duma idéia roman mudar ou abolir a idéia-motriz, nas e desenvolve-se durante o que o romancista conhece trabalho de criação. Claro, casos há história, como Zola e os os passos que precisa dar para tecer tanto, mesmo em relação adeptos do Realismo e Naituralismo. a esses romancistas doublés de cie ta ou sociólogo, pode-se duma narrativa. Na verdaafirmar a presença do acaso na gesta de, a imaginação sempre ultrapassa o liciamento da inteligência ou da lógica especulativa: não poderi · ser doutro modo, sob pena para se tomar panfleto ou de o romance deixar de ser obra de relatório hospitalar. Por isso, as primeiras páginas romance, ainda que de superior concepção e envergadura ( o À Procura do Tempo Perdido, Ulysses), podem correr num · damento lento, frio, pausado. Dir-se-ia que o escritor procura o · aminho ou sonda as possibilidades à sua disposição. E o tempo orrespondente ao esquentamento do motor que vai impelir o da fantasia; atingida a temperatura julgada ideal, a história anha fôlego e altitude, e o leitor tem o prazer de escalar o topo colina para apreciar um vasto panorama de vales e rios tendo r pano de fundo o infinito, quer dizer, o epílogo do romance. As oras dispendidas na ascen· o dum espetáculo inédito são agora se compensam com o des ou surpreendente. Revertendo a imag para seu ponto de partida: o começo toma-se, nalguns casos, o gamento de juros antecipade o romancista não lhe dos do que o leitor vai lucrar. De conceder maior atenção: é um trecho · esquecido porque secundário, tão-somente prepamdor da eta · subseqüente.
139 George Eliot. "Lettcr to Sarah Hcnncll' (15 de agosto de 1859), apud Miriam Allott, op. cit., p. 250.
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Entretanto, o começo constitui problema para o romancista, e, sim, o epílogo, que tve para justificar tudo o que vinha antes e passava diante do 1 r como inex.plicável ou misterioso: o úbito clarão todo o caminho percorridesenlace ilumina como do, e dá relevo àquilo anterionnente, era uma multidão de objetos, seres e episódios gulhados em penumbra. Seu problema está em como arrematar: is do epílogo depende que o restante como a cúpula de sustentação das ganhe ou perca consis colunas e alas duma ca . Por mais perfeitas que sejam as fundações, as colunas e as des, o edifício não se agüenta caso haja defeito na abóbada ( ás, Alexandre Herculano faz disso o tema do conto ''A Abóba . '). E, ao contrário, um final coerente harmoniza as partes dum e, mesmo quando caóticas, descontínuas ou antagônicas: a ·or das diversidades adquire unidade graças ao epílogo, e a mais uilibrada das ordenações romanescas ace não alcança amarrar as frações vem por terra quando o d narrativas e justificá-las no "or de um todo unitário. Assim, compreende-se ue o ficcionista concentre toda a sua força imaginativa e dramá · na compoSlição do epílogo, pois visa a levantar um edifício . nico e equilibrado em suas partes, de molde a estabelecer-se um oroso vínculo de causalidade entre o todo e as partes, e vice-v : cada parte só se entende pelo todo, e o todo só existe como ção balanceada das partes. Por causa desse íntimo entrelaçamen não é impimemente que um romancista se demora nas prim · páginas, por melhor que seja o mais da obra. Em muitos casos, ento e artificioso início pode comprometer as outras porções da tiva, reduzindo-lhe a altitude e a temperatura. Está visto que -o se trata duma regra, mas o começo prolongado tende a exerc · influência negativa no transcurso do romance linear. Tenha-se em mente o o de Senhora, uma de nossas obras românticas mais representa as: ainda assim, lá estão os primeiros capítulos a preparar as sucessivas, num andamento que acabou prejudicando os epis ' s seguintes. No começo da narrativa, o autor emprega os ingre:cne·•~ presentes e passados que vão gerar os acontecimentos futuros. , em razão do teor e do emaranhamento do começo, tiveram e ser duma tal ordem que não conseguem destruir a impressão inverossímeis, desde a heroína ''comprar'' um marido, até o .nlace em que, vencida e convencida, lhe oferece a chave de seu uarto de donnir. Não cuidamos agora que, como psicologia das ·ações amorosas, notadamente da muA
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lher, seja uma das obras-primas do n apenas da inverossimilhança das cenas. encadeadas por um principio que já as trazia implícitas, as ' uais o romancista deveria explicitar, como fez, em nome da e rência narrativa. Mas, ao , senão teria escrito outra fazê-lo, pois não tinha outro c · ça episódica e desequiliobra, acabou falseando a veross" · brando o conjunto. O epilogo não con ence, e, com isso, as situações anteriores correm o perigo de ser tuitas e inconsistentes. Igual raciocínio cabe para o ro e de tese, como o praticaram os realistas e os naturalistas. T 'm preocupados com estabelecer uma coerência lógica na estru do romance - de ordem cientifica, não mais de ordem sentime tal -, conferem à preparação dos acontecimentos uma demora atenção como se pode ver no Primo Basílio. Dali para a frent o romancista desdobra o conteúdo das páginas iniciais com len dão semelhante à do sábio recluso num laboratório. Tudo progri numa cadência inalterável até o epilogo, culminância inevitáve das frações anteriores da ença do inverossímil: a narrativa. Mais uma vez, estamos em morte da heroína não convence, como -o convence seu drama de adúltera oca e amoral. Ao praticar o to, desconheceu os rebates da pelos instintos à solta, de consciência, e a ele se entregou num cinismo que nem brilhante chega ser. Todavia, bastou uma carta ao amante ser interceptada por J ·ana, para que entrasse em pânico e fosse curvando a espinha a se converter em servil da criada e, ao fim, sucumbir em conseq Ancia do prolongado sofrimento físico e moral. Incapaz de conv · cer. A tal ponto que Leopoldina, também adúltera, mas exube e segura, se livra galhardamente de tudo quanto pudesse coi -lhe os passos. Por quê? Porque Eça se esqueceu de obrigá-la enquadrar-se nos moldes rígidos em que vazou o romance: e entemente mais viva que ''viva''), encara o adultéLuísa (nos múltiplos sentidos da pala rio como de praxe na burguesia do te po, um luxo a mais, sem investimento moral. Por que então L ? Porque Eça a construiu desde o começo dum modo preconceb o, e não pôde escapar da cilada que involuntariamente se prep u, fazendo assim que o início comprometesse todo o conjunto. Muito diverso o caso de Perto d Coração Selvagem e, em certa medida, de qualquer romance v al: o começo parece estar contido no primeiro capítulo, intitulado 'O Pai ... ", que surpreende tagonista central. Disse um momento da infância de Joana, a ''parece'' por dois motivos: primeiro, rque, na verdade, não se 295
trata duma preparação à eira do romance linear, mas do aceno ao leitor para que participe o romance - a ficcionista não prepara o leitor, coloca-o de cho o âmago d8 narrativa, pede-lhe cum· a coautoria do relato; segundo, porplicidade, convida-o a que mais adiante descob · s que as páginas iniciais correspondem a um dos flash-backs que p' eiam o rothance. A câmara da autora o-se mim ângulo de trezentos e se move em círculo, flexi sessenta graus: o perigo se processo reside no fato de que o capítulo inicial, propondo ,fabulação em pleno curso, exigiria da romancista atingir de pron determinada tensão e o emprego das técnicas polifônicas que p si sós constltuem problema a resolver. A dificuldade é no entan . vencida com a transferência, para as flash-back, o mais remoto possível, páginas introdutórias, de localizado numa zona neu , na meninice da heroína. Dessa forma, a temperatura dramá · começa elevada, mas ainda inferior àquela que adquire no flux da narrativa. Por outro lado, o drama o de seu casamento frustro com Otáde Joana, situando-se em vio, relega ao plano das s . bras as recuadas lembranças, por mais esclarecedoras que sejam, sua vida adulta. Assim, a narradora desobriga-se da longa e fas ·enta preparação, peculiar ao romance linear, e instala imedia o leitor na história, mas numa altura em que ainda o drama havia adquirido maior intensidade. Decerto cônscia de que as · eiras páginas dum romance contêm quando muito um chamari e que o x da questão mora no epílogo, a romancista (ou melhor, a dora, que pode ser Joana, ou uma e oculta) dedica mais atenção às terceira personagem an demais fases da riarrativa, bretudo ao epilogo. ce se apresenta dividido em duas Já lembramos que o partes, das quais a prime' é mais densa que a segunda, e esta, mais episódica e exterior, vez correspondendo à fase em que as reminiscências de Joana s tornam recentes e corporificadas. Pois é o epilogo, intitulado ''A iagem' ', em que a personagem atinge o ápice de fulgurância e elocidade psicológica, que justifica a distonia dramática entre momentos do romance. Como se a catarse houvesse chegado ,o fim, a protagonista entrega-se a um balanço geral de sua vida, urificada agora das limitações do ócio, do comodisino, da sujeiçã ao sexo, à curiosidade, livre afinal da carga que lhe representava vida pregressa, em que a procura era um outro instinto, proibid e condenado. Tudo agora se esclarece e ganha razão de ser, inc ive seu passado de fera enjaulada, e para nós o romance se j ti.fica como tal. É que Joana percebe A
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finahnente ''que terminaria uma vez ·longa gestação da infância e de sua dolorosa imaturidade reben ·a seu próprio ser, enfim, livre!". 140 Romance duma consciência ue se conhece desde sempre e que anseia libertar-se dos grilh- que inventa ou que aceita de· fora, seu epílogo consiste no ins te iluminador de todo o conjunto, amarrando-o e dando-lhe uni de em meio à descontinuidade e ao aparente caos. Para contrastar, lembre-se ainda vez do epílogo inverossímil d O Guarani, que compromete tod ·o conjunto: funciona como episódio isolado, à semelhança da luta · tre brancos e índios, mas denuncia uma falha, na medida em e todo o romance sempre interessa pela idéia de totalidade, que ente inclui o pormenor, e nunca pelo pormenor em si, em trimente da totalidade. Por mais brilhante que seja o prólogo ou· capítulos seguintes, um romance malogra caso o epílogo não nvença e não justifique a totalidade narrativa. "Tudo está bem o termina bem" é um rifão que serve para o romance, en dendo-se "bem" não no sentido de positivo ou feliz, senão coroamento harmônico da fabulação.
Tratando-se dum capítulo de tipo gia literária, o perigo está em cairmos numa areia movediça, po temos tantos tipos de romance quantos os ângulos e planos que pudermos situar o problema. Por isso, todas as classifica -es serão passíveis de discussão, não só pelo fato de serem c ·ficações, mas de serem terem uma dose de relatitambém de caráter literário, ou seja, vismo superior à das tipologias científi . Assim, podemos alinhar os seguintes atributos para qualificar substantivo "romance": "linear", "progressivo", "vertical", . analítico", "psicológico", ''introspectivo'', ''de costumes'', ''de' ação'', ''de personagem'', "de drama", "de espaço", "de :f) -o", "de evolução", "de época", "de chave", "~ sociedade , "de terror", "de tempo cronológico'', ''de tempo psicológico' ''histórico'', ''picaresco'', "policial", "romântico", "realista", ·'moderno", etc. Como se depreende, cada tipo pode sec eoq num critério, e os vários
14-0 Clarice Lispector, op. cit., p. 178.
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critérios teriam de ser esc nados em grupos conforme a semelhança entre eles, mas twlo so é confuso e controvertido, além de pouco prático. Não vamos · cutir o problema aqui, nem as idéias dos estudiosos do assunto. o caso deste livro, temos procurado çando mão .de outros quando alguma usar critérios estruturais, minúcia o tiver exigido: t os falado de romance "linear" "progressivo", "vertical'', " ítico", etc., com a demora q~ merecem numa dada perspectiv Entretanto, como se trata dum emprego assisternático, faz-se ne ário tentar uma ordenação do problema. Para tanto, e para · · lifiear a questão, podemos adotar a classificação proposta por win Muir, 141 graças à sua pertinência e à sua eficácia como u·JSlnn:niento de análise, embora se possa divergir dela em razão de u esquematismo. Com reservas, pode ser perfeitamente empreg Edwin Muir classifica romance em três tipos fundamentais: romance de ação, romanc . de personagem e romance de drama (ou dramático), e ainda r ere o romance histórico e a crônica. Esses dois últimos p fugir à sua tipologia, ou devem ser considerados subclasses, p ·r obedecer a diverso critério. No romance histórico, Muir estu Walter Scott, e na crônica, Guerra e Paz, que considera um p · 1 da vida simultaneamente no tempo e no espaço, numa fusão cuj . rtância i:sclarece depois de estudar as três modalidades básic ide romance. Antes de passar ao seu ame; é de lembrar que não se trata de compartimentos estanques: · enhum romance é só de ação, ou de personagem, ou de drama. · simples fato de o romance lidar com personagens, conflitos, e espaço dirime de pronto a questão. Realmente, trata-se de proporção ideal entre as partes, de forma que em cada tipo omina a parte que lhe dá nome e razão 'eia de um aspecto sobre os demais, e de ser. Portanto, predo não absoluto domínio. A · ão ganha em ser entendida como um arranjo classificador que o etiva pôr ordem em tão complexa problemática. Posto o quê, passemos idéias de Muir. O romance de ação seria aquele em que o e ocupa lu~ prevalente no corpo da obra; a ênfase é posta sob os acontecimentos, os episódios, ''de acordo com os nossos dese , não com o nosso conhecimento. Ele exterioriza, com força oderosa do que a nossa, nosso natural 1
141 F.dwinMuir, The Structur ofthe Novel, New York, Haroourt, Brace, 1929.
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desejo de viver perigosamente e ainda ermanecer seguro; pôr as coisas de cabeça para baixo, transgre · tantas leis quanto é possível, e ainda escapar das oonseqüênci . É mais uma fantasia do desejo que um retrato da vida". 142 O e romântico, especialmente o histórico e o de aventuras, tá no caso, embora nem sempre de modo puro, pela interferên de elementos vindos do r ênfase sobre a intriga, o romance de personagem. Mas pela romance de ação assemelha-se à novel e com ela tende a confundir-se, sobretudo durante o Roman · . A ficção dum Alencar exemplifica esse gênero de fabulação que o enredo constitui o objetivo precípuo do romancista. Em Guarani, dado o seu caráter histórico, os episódios é que inte ao escritor e ao leitor, ou se imobilizam como a tal ponto que as personagens se anui "pessoas" para ceder a primazia ao do. Este é que possui autonomia, e as personagens acabam · ndo ingredientes dele, ou uma projeção sua, ou, se se quiser, entos dóceis empregados pelo ficcionista com o fito de traz à tona os acontecimentos. As personagens dependem do enredo, .e nada podem fazer para . Em certos casos, cada modificá-lo, pois não têm vida pró episódio vale de per si, à seme do processo utilizado na novela, pois a história não cresce até fim, como a buscar uma solução para o conflito posto nas prim s páginas. Em, Eurico, o Presb{tero, de estrutura novelesca, AI dre Herculano arma os episódios das lutas antimouriscas de modo que, retirados, não comprometem o conjunto da narrativa. O Guarani apresenta um quadro semelhante, embora o enredo se· truture melhor, com base num conflito inicial que os sucessivos · isódios tencionam resol'vio final. O romance de ver, num crescendo que culmina no psicologia, podendo cair ação é, por conseguinte, superficial co no inverossímil, no sobrenatural, no te r, no fantástico, etc. Obra de entretenimento, considera as perso · gens criaturas estáticas, à mercê dos acontecimentos criados pe romancista. Em contrapartida, o romance de p sonagem põe ênfase não sobre a ação, mas sobre os protagonis , aos quais a ação é subserviente. Visto que o foco de luz in e sobre os figurantes, o enredo passa a ocupar papel secundário, olfado em sombras, ou 1
142 Idem, ibidem, p. 23.
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personagens. O romance de personagem contrapõe-se, p , ao romance de ação. Centrando-se na personagem, através de. o romancista pinta a sociedade ou o grupo social em que ela inscreve. Desse modo, o protagonista ''não é senão um fator co . rrente à composição dum clima moral ou social'' .143 Ora, signifi ,serem as personagens planas as únicas que servem ao propósito ficcionista interessado nesse tipo de romance, 144 pois parecem tar ''em relação mais direta e mais estreita com o mundo ex . Sua composição é sem dúvida, mais deliberada, e, se não mais nsciente, ao menos mais metódica. É o resultado duma constru o racional, lógica, não o fruto duma ivo onde a sensibilidade e suas intuivisão global, dum élan im ções confusas desem papel importante'' . 145 Daí vem que o m do romance de personagem seja o espaço físico, no que se semelha à pintura. 146 Com efeito, os dem a ser painéis sociais, embora romances de personagem pintados a partir de uma , ' onagem só. Sendo extensivo o seu plot, como afinna Edwin ,Muir, 147 o romancista pode abarcar o conjunto social apenas a panhando as relações estabelecidas entre o protagonista e o io humano em que se movimenta. Ao retratar uma personagem, ficcionista faz a pintura da sociedade, deliberadamente ou não. e de personagem contém a imagem Acresça-se que oro dos modos de existência, registra a aparência das personagens, ''que nunca varia muito, vés de cenas que variam, e através de vários modos de existên em sociedade'' . 148 Por isso, é fácil compreender que o ro de personagem tenda para fazer de seus protagonistas tipos ·' caricaturas, e, portanto, se preste para campo de exercício de s ou de humor social: os modos de sociedade permitem surpreender o existência dum indivíduo ridículo em sua fonte ori · · e traz.ê-lo à luz com toda a sua autenticidade. Romance costumes, é muito cultivado ou por ficcionistas vocacionados .para a comédia, ou para a pintura de
143 144 145 146 147 148
Nelly Couneau, op. cit., Edwin Muir, op. cit., p. Neily COIIlle8.u, op. cit., &lwin Muir, op. cit., p. lthm, ibidem, p. 59. lthm, ibithm, p. 60.
superfície ou de certos ângulos dos pro .J.ema.s sociais, visto que tal aparência e realidade, tipo de romance ''revela o contraste sociedade, e como são na entre o que as pessoas parecem ser realidade ••. 149 O Primo Basíüo serve de exetilplo. mo romance de personagem: a ação, reduzida a um mínimo vencional e irrelevante no o duma personagem final de contas, cede terreno ao enq -se um painel da sociee de seu caso passional. AtravéS dela, ela vivendo entre apadade lisboeta dos fins do século XIX, rentar ser e ser autenticamente. A c do ficcionista move-se livre entre as personagens, visto seus· ntatos serexn meramente de etiqueta mundana. A exteriores, conduzidos que são por pa tal ponto que o conflito de Luísa cons te em ela sofrer o impacto tar nos outros as próprias social e da opinião alheia, ávida em a mazelas, que procura esconder. As onagens, planas no geral, acabam sendo verdadeiros tipos, à cus de acentuar alguns traços fundamentais, como é o caso do Co iro Acácio, onde entra · , contundente, que leva à igualmente a caricatura. O humor sátira mordaz, é nota freqüente nesse to impiedoso da sociedade portuguesa oitocentista. Aliás, não• · só O Primo Basílio que exemplifica à perfeição o romance de onagem; outras obras de Eça estão no caso: O Crime do Padre maro, Os Maias, A Relíquia, Alves e Cia. Através delas o a procede a um verdadeiro "inquérito à vida portuguesa": 150 o e-se que o romance de personagem funciona muito bem como ocumento; daí os inquéritos sociais serem possíveis em tal ti de romance; uma coisa é função da outra, uma implica o reduzi valor estético da outra. le em que a personagem Quanto ao romance d~ dramtl'; é mudanças numa signifie o plot são inseparáveis, de modo q cam modificações (iguais ou não) no tro. A personagem, agora, altera-se ao longo da história, e suas - inserem-se intimamente nas cenas, que também·sc onnam com o passar do tempo. Tudo caminha junto, e ação., numa unidade busca dum alvo que é coperfeita, uma decorrendo da outra, mum a ambas, ~te-porque 'tuem as duas faces duma mesma moeda: impoosí'V'el pensar seED. a 'OuU!A, ~vel A
149 Idem, ibidem, p. 47. 150 Antônio José Saraiva, As ldiia.s de Eça de 1946, pp. 89-114.
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destacar, abstrair, uma s, pois biido quanto for próprio da e vice-versa. A personagem se monação pertencerá à personag ta e se realiza, como indi dualidade, pela ação, que resulta de a orfose; a ação não se localiza fora da personagem estar em me personagem, mas dentro; suma, é a própria personagem. Por isso, o ficcionista que esc e um romance de drama despreocupase da ação como entidade · . lada para deter-se no exame da personagem, "fim intrínseco da bra", 151 certo de que a ação decorre do que a personagem é no fl · o da história, pois esta só se justifica como ação que desvela o '' profundo''. ''A correspondência num romance desse tipo entre a ão e a personagem é tão essencial que termos para descrevê-las sem dar a temos dificuldade em ac aparência de exagerar''. 152 i Explica-se assim, tam , que o romancista descreva a personagem com duas pincela rápidas, a sugerir algo mais profundo: a personalidade dum heró de romance de drama, visto estar em perpétua mudança, recusa descrição palavrosa. A descrição o idade. Por isso, os traços delineados embelezaria, tombando na num romance desse gêne servem de lembrete dum vir-a-ser que escapa à descrição enco · tica. Tal procedimento rev , ainda, que o romance não estabelece distinção entre a apa,rência a realidade: o que parece ser, e que é gem (pois é só isso que o ficcionista mostrado na ação da pers pode ver: senão, de que · nto partiria para enquadrar a personagem?) acaba sendo, ao fi j de contas, aquilo que é. A correspondência entre personagem e · ção evidencia que não pode ser doutro modo. Entretanto, impõe- advertir contra a idéia de supor que a identidade entre aparência realidade envolve juízos de valor por parte do autor: quando · do de Assis mostra Capitu dissimulada pela ação que protag 'za, não a julga boa ou má; apenas nos revela que vemos agir uma ersonagem que é dissimulada, não que parece, pois os dois plan desaparecem no momento em que os dados visíveis nos são ofe idos pela própria personagem. Querer ser e ser, agora, constitu uma só realidade; aparentar ser e ser, idem, visto que querer s .e aparentar ser já significam um tipo psicológico em que "ap ' tar" e "querer" são duas formas importantes de comportame 'o: o ato de querer e o de aparentar
151 Nelly Couneau, op. cit., 152 E.dwin Muir, op. cit., p. 4
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dizem-nos muito da personagem, uma v que ela só é o que é pela Daí que tudo se altere ação reveladora da vontade e da ap quando muda a personagem, mudança , a manifestada pela ação que desencadeia e em que se emaranha.,. A personagem não pode ser pia só pode ser redonda: se , isto é, se for plana, tiver uma característica elevada ao torna-se incapaz de ser motriz da ação e acaba por se constituir num joguete das circunstâncias ou limi na relação com a realidade viva. Há de ser redonda para, g · em todos os quadrantes, propiciar uma ação tão completa quan possível, mas correspondente à riqueza da personalidade que traz dentro de si: sendo redonda, multiplicaria os planos de a -o, a fim de se realizar sa multiplicação o carácompleta e diversificadamente. Procede ter sinfônico e, portanto, musical do ce de drama: agora o romancista parece disposto a compor , sinfonia com os dados oferecidos pelas personagens e pela a o, estabelecendo relações tridimensionais da realidade, equivalen às dimensões interiores do herói; ao painel social do romance: personagem, sucede o movimento sinfônico em tomo dum · ' ·víduo. De fato, o valor desse tipo de romance está em ser "in "vidual ou universal, conco, saltitante, contrasforme a maneira como o encaremos'', tante. A imagem que oferece não é dos modos de existência, mas sim dos modos de experiência, is3 . rtanto, decorre no plano esta apareça descrita por do indivíduo não no da sociedade, em tabela. Romance testemunho, psicológi , consiste num microcosmos em que a personagem se torna a '' tração da realidade viva, enquanto a outra [do romance de personag' · ] é a própria realidade'' .1S4 Todas essas características dizem eito a uma técnica especial de composição: o mundo do de drama, em contraposição ao do romance de personagem, é tempo; típico romance de tempo psicológico, e, por isso, c o às vezes de romance psicológico. Afinado com a tragédia, of;, uma visão profunda e grave do ser humano, expressa numa · ·ca tão complexa quanto a realidade viva que lhe serve de pon de partida: o contraponto, as mudanças de tempo, as técnicas de , epção do fluxo da consciência, etc., são usuais nesse tipo de ce. Romance polifônico, graças ao caráter intensivo do pio feito de acumulações de A
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153 Idem, ibidem, pp. 60, 63. 154 Nelly Comwau, op. cit.; p..83.
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camadas psicológicas me significativa im da caracterização''. Por a última página, se ence inteiro: ''não há saídas p que são falsas saídas pal em que deve a o romancista escrevesse Para todos quantos v cusa de frisar que Perto d de romance de drama. À constituem dois exempl totalidade impede a evasao ponto de partida.
estratos geológicos, seu epílogo assupois ''é o fim não só da ação, como ,o isso, o romanoe de drama, ao tetminar como um universo fechado, completo, outras cenas, ou, se houver, sabemos o protagonista para o cenário princi~eu destino'', 155 o que equivaleria a que esmo romaru:e sempre e sempre. acompanhando estas observações, esCoração Selvagem é um exemplo típico Procura do Tempo Perdido e Ulysses acabados de romance onde a idéia de para novos capítulos, salvo para voltar
4. O ROMANCE E AS CONHECIMENTO , Pressupondo possível o conhecimento integral dum fato ou dum objeto, certamente igiria o consórcio de vários enfoques, filosóficos, artísticos, ci ' cos, religiosos, etc. Por outro lado, entre eles pode haver, co o há, permanente intercâmbio: longe de serem compartimentos ues, comumente trocam seus pontos de vista e conjugam-se elaboração dum juízo ou dwna reflexão objeto. Como se trata de assunto ao acerca dum fato ou d alcance do consenso ge e como transborda destas considerações estudá-lo demoradamente restringir-nos-emos a breves considerações acerca da relação a Literatura e as demais formas de conhecimento, e pondo e relevo o papel do romance. 156 Contrariamente à idéia de que Literatura constitui apenas um produto social, um artefato i aos outros e condicionado pelo meio social, a Literatura é tam . m subordinada às condições ambientais em que se desenvolve: nã só ela, como a filosofia, as ciências, as 1
8, 59. assuntos lucrará com o exame das idéias de René Wellek e Austin Warren em sua eory of Uterarure, especialmente os capítulos que . rica bibliografia vale a pena acrnscentar dois títulos formam a 31 parte da obra. À importantes: Etienne Souriau, La orrespondance des Ara, Paris, Flammaricm, 1947, e Louis Hourticq, L 'Are et la Unira e, Paris, Flammmi=; 1947.
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religiões e as demais artes também, m não somente, se explicam pelo contexto social. É certo, pois, que atividade literária recebe influência externa, seja do ambiente, , eja das outras fonnas de expressão da realidade, mas é importan não esquecer que também influencia o ambiente em que se dese olve. Ainda que desiguais, pois a Literatura parece ganhar mais d ue oferece, jamais cessam · · tações culturais. as permutas entre ela e as outras sa que ocupa lugar proeE, no terreno literário estrito, é a pela facilidade em acominente neste capítulo das inter-rela modar dentro dos próprios confins e características intrínsecas o referido influxo, 157 pois "a prosa ten por sua natureza a mudar ''. E entre as fôrmas de tom e a variar seus toques e suas em prosa, cabe ao romance papel relev te: além de exercer impacto na vida, colaborando para que os 1 res construam a sua mundividência, absorve e integra os fluxo$ ue partem da História, da Psicologia, das Artes, etc. Tudo pare convergir para o romance, queria Mallanné, mas um tudo procura ser, não um livro, romance. "Eis porque a obra comple da prosa é o romance". 158 Todavia, seu caráter monopolizador · · mais adiante: o romance tende a atrair para dentro de si as tras fôrmas em prosa, ou impor-lhes mudança substancial. Mais, · da, como poderosa calafita, imanta a poesia e o teatro e aca por assimilá-los. 159 Como significativo do capítulo essa galvanização se afigura o tópico das relações entre a Literatura e as · fonnas de conhecimento, nele deteremos nossa atenção.
O estudo das relações entre rorruu~ e poesia, para ser exaustivo, teria de começar pela discussão problema acerca das fronteiras entre ambos. Todavia, quando os do problema da prosa
157 Alfonso Reys, El Deslinde, Prolegómenos 8, · de México, 1944, passim. 158 Alain, Systeme du Beaux Ara, Paris, G 1963, p. 313. 159 Albert Thibaudet, !Ufkxions sur le Rsman aris, Gallimaid, 1938 (recd. em 1963 com igual paginação), p. 156: "E o romance é um • imperialista. Nele há uma vontade de domínio, um poder de absorção comparáveis aos nça anglo-saxôni.ca. Se começou a nutrir-se com as sobras da poesia e do teatro, agora • instalado à mesa; a casa lho pertence e eles devem abandoná-la". "O romance devora
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e da poesia, no volmne , ·cial desta 0bra, afloramos a questão o suficiente para consid,entrt~tabelecida a diferença entre o romance, como expressão em pros e a poesia, pois ''é muito fácil distinguir uma obra e um prazer ,manesco de uma obra e um prazer de o, "ocorre freqüentetnente que o roessência poética"; entre mance e a poesia estej intimamente unidos numa mesma obra, num mesmo impulso cri or". Por outro lado, "romance e poesia comportam formas de ição. Esse fato nos permite esperar que a antinomia que parecia ver opor estes dois gêneros de prazer talvez não seja irredutiv e que a arte permanece uma". 160 Podiase, inclusive, levar mais do o exame do problema e concluir que, todas as modalidad e criação literária são, ao fim e ao cabo, se o esforço inventivo dos autores se expressões poéticas, co dirigisse, inconscien , num único sentido: o de criar poesia. tura e Poesia se confundissem numa só Como se, em resumo, l i entidade, da qual o ro , o conto, a novela, o poema constituíssem tão-somente manifi ões formais. Discuti-lo, porém, seria caminhos filosóficos e históricos que embrenharmo-nos por ín ultrapassam o âmbito des livro. O primeiro aspecto questão romance x poesia diz respeito às passagens-poéticas ins ' ·das no edifício romanesco e que podem em prosa. 161 Tais passagens são freser destacadas como qüentes ao longo da hist' do romance (romântico, realista, etc.) e em qualquer de seus ti s (linear, vertical, etc.). Aliás, a novela de cavalaria e a sentimen do século XV e XVI, além de explorar o emprego das passagens éticas, intercalavam no enredo poemas em verso, não raro com ,·da própria. No romance, a introdução os corriqueiro mas pode suceder, tal o dum poema em verso é caso de Gustavo Corção , suas Lições de Abismo, como lembra que a relação entre essas passagens Cassiano Ricardo. 162 E e · líricas e a massa epi ' do romance obedece a uma escala variada, desde a separa 'tida, que corresponde à independência de função e efeito, até a ' e indissociável simbiose. Quando a passagem pode ser reco , e inclusive apresentada como peça
160 Hmry Bonnot, qp. cít., 161 Miclml. Bumr, RipBrom· inicial desta col.dinta de msaios · 162 Cassiano Ricardo, "A · na Técnica db Rmmmce", in O Homem Cordial, Rio de Janeiro, l.N.L., 1959, pp. 3 308.
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lf autônoma, o vínculo da poesia com ingredientes romanescos está longe de constituir uma síntese. · maioria dos romances enquadra-se nessa forma de relação entre, poesia e o enredo. 163 O outro extremo é representado pe ''obras em que a poesia e o romance estão mais intimamente os, realizando não somente uma mistura, mas uma verdadeira mbinação, talvez mesmo uma síntese". 164 Nesses casos, não se de retirar os trechos poéticos sem violentar a estrutura do ce, tão estreito é o liame entre a poesia e a intriga: ''não é so te pelas passagens que o romance pode e deve ser poético, é em totalidade''. 165 Por isso, também as passagens poéticas perdem orça comunicativa quando retiradas do contexto, pois apenas ali que encontram sua verdadeira razão de ser, tornando-se poesia- manesca, ou, ainda, poesia das estruturas romanescas. Todavia, a tidade e a qualidade dos excertos poéticos imbricados no ma ccional variam de romance para romance, de época para época, estética para estética, etc. Assim, o romance lírico, epíteto gado por Pius Servien166 ao examinar La Nouvelle Helofse, é a eira fisionomia, histórica e estrutural, assumida pela aliança en · poesia e ficção. Entre nós, sempre que o assunto vem à baila, lta à lembrança José de Alencar, com suas obras de cunho in · ta, sobretudo lracema. Para classificá-la, têm sido lembradas poema, poema em prosa ou equivale graças ao fato de a poesia e o enredo se fundirem num só corpo, mas com a predominância da primeira, a tal ponto que pouco b para termos estritamente poesia e não romance. Para isso, falta que o enredo desaparecesse: na verdade, a intriga se reduz ao. encial, a um fio narrativo té a última página; parece que sustenta o lirismo desde a prime' que ''a trama romanesca, narração o descrição, como o libreto para o compositor de música, não é do que um pretexto para [o autor] exercer seu dom metafórico e poeta e para revelar sua sensibilidade interior?" . 167 A intriga é' esenvolvida poeticamente, que a ação das persointeriorizada, aureolada de lirismo, de· nagens corresponde a uma espécie de · eia em poesia: Irace1
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A
163 Ver, no tópico referente à \inguagcm, as o o exemplo oferecido pela ficção quetrosiana. 164 Henri Bonnet, op. cit., p. 98. 165 Michel Butor, op. cit., p. 22. Ver tambán 166 Pius ServiCIL Science et Poisie, Paris, 167 Henri Bonnet, op. cit., p. 99.
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ma e Martim Soares vive como se concretizassem gem paradisíaca. Os seus atravessados por uma luz milagrosamente impond espaço e envoltos numa a de conta''. Daí o halo po Não é para menos que AI do Ceará'': qualquer um acaso, contétn, é, poesia, com as devidas reservas, diálogo entre os protagonis
seu idílio oom uma pureza primitiva, ·foras poétieas, em meio a uma paisaestos e atos parecem transfigurados, renatural, como se figuras dum vitral, ados, suspensos acima do tempo e do osfera de lenda ou de histórias de ''faz ·co do que dizem, fazem ou pensam. subintitulou a narrativa de "Lenda seus trechos, mesmo escolhido ao · pode ser autonomizado do contexto orno a seguinte passagem, em que o · titui autêntica metaforização poética:
ltacema parou em face do · guerreiro: perturba a semiidade no rosto do estrangeiro? - É a presenp. de Iracema Martim pousou brandos o na face da virgem: presença alegra como a luz da manhã. Foi a - N"ao, filha de Araqué.m; lembrança da pátria que a saudade ao corBfio pressago. - Uma noiva te espera? . hacema dobrou a cabeça sobre a espádua, O forasteiro desviou os o como a tenra palma da 'ba, quando a 'ibuva peneira na várzea. - Ela não é mais doce do q lracema, a virgem dos lábios de mel; nem mais formosa! murmurou o es - A flor da mata é formosa· tem rama que a abrigue e tronco onde se enlace. Iracema não vive n' de um guerreiro: nunca sentiu a frescura de
seu sorriso." 168
De propósito, escolhe o caráter poético de poético, não assim os diá1 nio da poesia em Iracema supor que seu intuito precí romance, opostamente ao deixam que a poesia emerj caso, o escritor coloca-se para recriá-lo e organizámora a poesia em estado 1 lhe fornecem sugestões p ficcionista impele uma m transmutação das coisas, q
168 José de Alencar, Iracema,
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.· e um diálogo para marcar ainda mais : as descriç&s tendem por natureza ao . Sucede, no entanto, que o predomímpromete a trama: Alencar permite consistia em criar poesia em vez de .ficcionistas que escrevem romance e da ação das personagens. Nesse último do mundo como todo romancista: . Mas no cerne dessa mundividência nte; ao aflorar as camadas do real que compor suas estruturas romanescas, o la que dá origem a um processo de e já é poesia. A cosmovisão ficcional,
·o de Janeiro, Imprensa NaciQDll)., 1948, pp. 23-24.
1,
recriadora do mundo, carrega poesia suas bases, segundo um mecanismo fácil de entender: fruto da ginação (mais a observação e a memória), o romance escapa d ser um retrato da realidade para se tornar uma yisão pessoal, sub· ·va. O ficcionista deforma do acomodá-la nos limia realidade por via da imaginação, b tes e nas estruturas que seleciona p · estruturas são paraestruturas, fruto da · ginação transfiguradora do real, como o são as metáforas de ue o escritor se vale para erguê-las e exprimi-las. Imaginar, turar, metaforizar, constituem ações que implicam poesia, com condição de se coordenarem e de se integrarem na matéria do!(lr1ornl8Il Por isso, é lícito inferir que a es com a poesia. Ao contrário: toda tiva, quanto mais romance como estrutura e mundividência, mais' 'xima está de se identificar com a poesia. Quanto mais rornai~co, mais poético, estrutuo o problema do ângulo da ralmente falando, ou melhor, ex ·sma das personagens, as cosmovisão do romancista, pois coisas se passam de modo diverso. P -se objetivamente, visto gir e pensar. No seu caso, serem criaturas autônomas, livres p a poesia não entra, salvo em se tratan de romance lírico. Ainda mais: sendo o romance; estrutura e mundividência, aparentado da poesia, compreende-se os escritores tenham sempre procurado a aliança entre ambos, o quando a ignorassem. ser aquilo que idealmente O romance tanto mais próximo está deseja ser como fôrma literária, quan mais adquire travejamento ia. E, tanto mais se afasta e visão do mundo enfonnados pela de seu limite ideal quanto mais des o íntimo consórcio com a poesia, como aconteceu ao romance turalista, que cometia exao seu credo positivista e geros quando praticava com ortodo científico. E se grande parte da ficçã '. dos fins do século XIX se salvou, foi porque os escritores inco secreto vínculo entre a radiografia da ociedade contemporânea e uma visão e uma estrutura de base poética. Ora, justamente por causa dessa voluntária contradição dos • 'tealismo lírico'', 169 apesar escritores realistas, é possível falar · · vista. A expressão, de os termos parecerem cootrastautes inicialmente aOOitadà por Adolfo· Cas Monteiro, serviu para roto1
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169 AdoHo Casais Monteiro, O Romance e &tudantc do Bnlsil, 1950, pp. 181-184. Ver também
seus Problemas, Lisboa, Casa do
·
Ricardo, op. cit., pp. 276 e ss.
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lar as obras de Jorge e por extensão, as de Aluísio Azevedo, Raul Pompéia, José do Rego, Érico Veríssimo e outros. Inclusive, caberiam na m etiqueta os romances neo-realistas portugueses (Vergilio Fe , Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira e outros) embora se possa discutir o alcance do seu lirismo: por motivos ex literários, evitaram entregar-se a uma visão poética do mundo, e · o fizeram quando superaram a ortodoxia inicial. Seja como r, dentro da categoria do ''realismo lírico'' se abriga uma verte de escritores modernos, alguns deles dotados de incomum talen para a ficção. O lirismo, nesse gên de romance, reside em algo mais do que as passagens poéticas do que a atmosfera de fantasia. Consiste em "considerar a rea de de um ponto de vista que, pennitindo ser cru, brutal e d não lhe faz perder nunca o sabor, a frescura, a autenticidade, · o segredo desse enriquecimento. Não corromper a realidade, não fazer poética, no sentido de idealizada, amputada dos elemen essenciais para nos aparecer como realidade, e deixar-lhe con toda a poesia, isto é, todo o perfume do vivido, todo o íntimo edo mercê do qual não fica reduzida a uma coisa mesquinha e ; não trair nenhuma das misérias do homem, não esconder infâmia, não ocultar nada do que é feio, e dar-nos todavia pressão ~ plenitude" . 17º Todavia, é preciso ter conta que o ''realismo lírico'' comporta uma noção especffic e "realismo" e de "realidade". Como facilmente se de simples referência de alguns ficcionistas nele enquadrados, -se duma concepção de ''realidade'' que a considera a soma dos bjetos fora da consciência, e, portanto, dum ''realismo'' entendido me cópia, transcrição e interpretação do mundo concreto. Co -se com a noção de verismo, a procura da maior semelhança · sível entre a realidade viva e sua imagem refletida no espelh do romance. Ao ficcionista competiria uma realidade que deseja exprimiro papel de intermediário se e o romance, expressão j gada pertinente e satisfatória. Nenhum esforço exige tal conceito e realismo para que o descubramos superficial, nas várias den ções do vocábulo "superficial". Impermeável à realidade da, para-além-da-aparência-das-coicom descrevê-la tio identicamente sas, o romancista satisfaz quanto acredita ser possiv E, com isso, imagina-se ''realista''
170 Itkm, ibiihm, p. 181.
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quando está sendo um ''copista'' inc. az de apreender o sentido subjacente à realidade que observa. s·. 'que observa, pois a observação sobreleva nele as demais facul des de conhecimento (imaginação e memória). O resultado não se faz esperar: à ematização da realidade, decorrente dessa mundividência ve · , sucede empobrecimento das estruturas romanescas e do liri.sm emergente, uma vez que se tomam excessivamente fáceis, ab à comunicação imediata do leitor, o que significa a minimizaçã da problemática social, de onde partem sempre os romancistas. a simplificação mascara a realidade por desprezar as comple des e as dimensões alueinadas ou obscuras (as psicológicas, ísicas, etc.). Em suma, a aliança operada nesse gênero de re ·smo corresponde, embora noutra pauta, a uma mutilação seme à do romance lírico: enquanto este transforma o enredo e pretexto para que o ficcionista dê vazas à sensibilidade, o reaLlJllmo lírico labora com uma realidade pressupostamente estática e enas ''real por fora''. Conção do romance, essa cortudo, na subida em demanda da ma rente traduz um avanço significativo: do o realismo se libertou do verismo cientificista ou esteticista, -se dado um passo largo na história do romance. Com efeito, o romance introspecti e o psicológico trouxeram de. Não mais o ''real por nova concepção de realismo e de fora'', mas o ''real por dentro'': o lhar não divisa apenas o "fora", mas também o "dentro" dos seres e objetos, como se o romancista, podendo radiografá-los, sondasse os labirintos interiores. Considerada a superfície do undo ilusão passageira, a essência das coisas torna-se agora o o de atenção. De repente, lismo anterior, entram a as coisas, tachadas de inertes pelo o moto-contínuo. O munagitar-se, como animadas por um miste e cada objeto, num vórtice do transforma-se num palco de e · em que se perde o olhar extasiado romancista. Tudo ganha estranha fisionomia, como se o mun fosse habitado por seres desconhecidos em perpétuo dinamism e a exercer pressão ininterrupta sobre os seres pensantes. Como · · Fernando Pessoa, tudo vira do avesso e movimenta-se frene · ente, sob o comando de mundo novo desvendado, magias e bruxedos. O real é, agora, em repouso e oferecidos à e não mais o outro, composto dos s visão preconceituosa do romancista. Para denominá-la, tem-se recorri à expressão ''realismo mágico'', em que o quali&ativo pretende significar o 311
exace:rbamemo do fuismo grau máXimo de intensidade, até alcançar as fronteiras do · , do fantástico ou do absurdo, o que ce desse culto das dimensões mágilogo nos lembra Kafka, po ''realismo'' chama a atenção para o cas. Por outro lado, a pala fato de que tal gênero de ' tica ainda pressupõe a realidade imediata como fundamento ini e um grau razoável de historicidade nos acontecimentos. Não ODF
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cultural. Mas há, pelo menos, dois os que merecem especial atenção, e são duas romancistas, brasileira, outra portuguesa: Clarice Lispector e Agustina Bessa-L . Da primeira, temos tratado mais de perto, pois tem sido exempl · para uma série de aspectos. Quanto à escritora portuguesa, há que vocar Kafka e Proust para compreender a estranha ficção que v criando há anos: uma incrível imaginação, apoiada numa sensibi de atenta às minúcias mais pelas redes, de molde a insólitas, transfigura tudo quanto lhe fazer das criaturas espectros ou sfni os vagando em atmosferas sombrias e misteriosas. Um universo ' clópico se arquiteta na conjugação de insuspeitadas realidades, mo se de súbito todas as coisas, por mais desencontradas que ti , começassem a dialogar e a congraçar-se misteriosamente. O e A Sibila, por exemplo, é do melhor que tem produzido fiçção moderna portuguesa, e no campo do realismo mágico. recentemente, nota-se uma onda de realismo mágico entre nós, ue reflete, até certo ponto, igual tendência na ficção hispano·cana. Murilo Rubião, J. J. Veiga, Moacyr Scliar, contam-se en seus principais cultores. Na vertente desse realismo mági , mas procurando seu prómais afeito a descrever os prio caminho, situa-se o nouveau ro objetos em sua face invisível, oculta, • o que como habitualmente se faz. E afeito ainda a ver objetos q o comum das pessoas não vislumbra ou não considera impo , "objetos partidos ou fora de uso, instantes imobilizados, pala separadas de seu contexto ou conversas misturadas, tudo que s um pouco falso, tudo que não parece natural''. Longe de voltar o verismo oitocentista, tal realismo é mágico na medida em que ' vela estranhos mundos ao descrever os objetos duma forma inusi da, e atentar para os aspectos inéditos da realidade: mundos · ' 'litos, como se se tratasse . fantástico, em definitivo, dum outro planeta. É que ''nada é que a precisão". 171
Vimos, pois, que a poe$ia se in. no corpo do romance em três formas prinoipais: l) passage1;1&-pot14icilS,, por vezes destacáveis como poemas autônomos, 2) atmosfi poéticas, transformando o
171 Alain Robbe-Grillet, Pour un Nouveau. Ro
, Paris, Minuit, 1963, pp. 140, 142.
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enredo em mero pret&to, e, · ·or fim, 3) na totalidade, de modo que a poesia se identifica com a tura romàneSca e a mundividência que por meio dela se ex , . Das três a mais importante é a última, pelas razões implíci nas considerações feitas e pelo fato de a poesia como totalida , estrutura e cosmovisão, constituir, histórica e primarimnente, "buto das epopéias. Pelo menos das epopéias entendidas como e -o duma fase heróica da história dum povo, ''época · ·a em que um povo, saído de seu entorpecimento e sentindo espírito despertar, se põe a criar um mundo que lhe seja próprio no qual se sente à vontade". 172 Por isso, "a rigor, o herói da , popéia não é um indivíduo. Desde sempre, considera-se como caracteriStica essencial da epopéia o fato de que seu objeto é um destino individual, mas o da características da epopéia: totalidade comunidade" . 173 Daí as d na visão do mundo e ano · to do poeta. Ora, com as transfo ões operadas no mundo a partir da Revolução Francesa, a inde Ancia americana e a industrialização inglesa, as nações g solidez admínistrativa e legislativa, e em conseqüênci,a baniram a ia épica 'do rol de seus desígnios. intermédia8, quando os povos abanA epopéia, nascida nas · donavam a barbárie, abo a estratificação social, e por isso, acaba desaparecendo. Expli -se assim que as tentativas de epopéia no século XVII (como o raíso Perdtdo, de Milton, para não mencionar a Prosopopéia, 'Bento Teixeira), e no XVIII (como La Henri.ade, de Voltaire, para -o falar dO Uraguai, de José Basílio de José de Santa Rita Durão), não da Gama, ou do Caramu passassem de malogros, re "vamente às epopéias greco-latinas; a superado a fase intermediária próInglaterra e a França já ha pria ao florescimento da ia épica, àquela altura em franco declínio nas literaturas oci tais. A última e única epopéia moderna digna do nome tinha sid Os Lusíadas, porque representava um povo que atingira, com o a o de sempre, sua fase intermediária. Entretanto, ainda que a epo ·ia camoniana preenchesse o requisito da totalidade na visão do do, e do anonimato relativo de seu criador, percebe-se, graças relevo adquirido pelos episódios líricos, que um germe de he oxia desintegradora invadira a epopéia, destinado a mudar-lhe o ·ter e a prenunciar-lhe o fim próximo.
172 Hegel, &thitiq~. tr. 173 Ocorg Lukács, op. cit., p.
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, Paris, Aubier, 1944, l Ili, 21 parte, p. 97. Ver também Hegel, op. cit., pp. 100 e ss.
Por um natural mecanismo de m a e substituição, à morte da epopéia corresponde o nascimento o romance, mas dum modo tal que das cinzas da primeira emerge segundo. Não é para menos que Hegel chama o romance de ''e péia burguesa moderna'' e acrescenta, à guisa de argumentação, ue ''nela vemos reaparecer a riqueza e a variedade de interesses, estados, de caracteres, de condições de vida, assim como todo vasto pano de fundo de um mundo total e a descrição épica de ac .• tecimentos. Mas ao romance falta a poesia do mundo primitivo e é a fonte da epopéia. O romance, no sentido moderno da p , pressupõe uma realidade já tornada prosaica e no domínio da . procura, na medida em que o estado prosaico do mundo o p "te, restituir aos acontecimentos, assim como às personagens . aos seus destinos, a poesia de que a realidade os despojou". 174 • Na verdade, Hegel não levou em nta o quanto há de lirismo nas primeiras manifestações do ro e, sobretudo em casos como a Nouvelle Heloise, Werther, Paulo e. irginia, .Atala, lracema, etc. Mas esta ressalva não Ih.e modifica pensamento, que continua válido ao menos numa larga faixa da . blemática romanesca. E se considerarmos que o filósofo intuiu i is do que pôde observar, desaparecem as dúvidas em nosso e · írito. Hegel entendia que o damentais características, romance, herdando da epopéia suas descreveu uma trajetória dirigida no tido de atingir determinado ponto. De modo mais concreto: ob ndo a impulsos imanentes e que resultam de sua filiação co a poesia épica, o romance epopéia, procura recuperar procura, desde o seu aparecimento, a fisionomia própria da epopéia, se esta é que se esforçasse por permanecer, transformada, depo" de ultrapassado seu peculiar estágio histórico. O certo é que, q mais o romance se aproxima de nossos dias, mais assume contorno da epopéia, mais realiza a sua cosmovisão. 175 guesia é muito mais do que Com isso, julgá-lo a epopéia da ·gos, os modernos colocaram dizer que, em lugar da epopéia dos o romance, com idêntica função m diversa natureza. Em verda1
174 Hegel, op. cit., p. 146. , Paris, E. Albin Michel, 1962, p. 218: 175 R.-M. Albéres, Hiatoire du Roma11 Mod "Havctá, pois, por volta de 192~, wna inupção ppopéia e da alegoria poética no que se continua a chamar de romance. Mas este ' ' não é mais a rumativa IOIIlllilõSCa ica, mfstica, que se serve da forma do agradável de ler: é uma obra poitica, alegórica, romance'".
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de, o romance ' a epopéja inclu.sive na mooi:da em que, utilizando expediedes ·coa,e: espdhaDdo situações triviais dos povos em fase adminis tiva, ambiciona ser autêntica epopéia como fônna literária defini . Em suma: o romance tende a ser epopéia, a recuperar as es toras esquecidas, algumas vezes se transmuta em epopéia: para perceber, basta acompanhar a história do romance, sintetizada no io deste capítulo. , salientar alguns aspectos do Não parece desavisado,i percurso realizado pelo na direção da epopéia. Pense-se no largo passo que se deu Tom Jona, ainda preso a estruturas novelescas, e a Comédia IL ana, onde claramente se patenteia o uma visão totalizante do mundo, e o intuito epopéico de of: escritor parece funcionar a como q.;crivão de registro civil. Considere-se ainda a Histó · Natural e Social de uma Família dn Segundo Império, em que a intenção balzaquiana orienta o projeto de Zola, acrescida possibilidade de vincar mais fundo o caráter anônimo do · do rapsodo social, graças ao apoio impessoalizadoc da ciência. Percebe-se mtido avanço no sentido duma construção é:pica da · e. E, saltando por sobre outras tentativas menores de ergo painéis coletivos (como Os Tlribault, de Roger Martin du Gard, Bwklenbrooks, de Thomas Mann), pense-se no quanto À Pr a do Tempo Perdido corresponde à recomposição épica dum · o extinto e desagregado, de que e> único capaz de colecioProust parece o derradeiro nar numa unidade harmônica inúmeros estilhaços dispersos: à sua visão totalizante dum povo etido num punhado de criaturas mortas ou distantes, junta-se a tora de rapsodo anônimo que adota para enlaçar os vários e · ' · guardados em sua retina de sensitivo. Por fim, e sem demorar atenção em exemplos como o Contraponto, A Montanha Mág a, etc., tenha-se em mente Ulysses. Com esta extensa e multi.tu ' ·a visão de Dublin dos começos do século no espaço de 24 ho , chega-se ao cerne da ascensão que o romance iniciou no sécul xvm com Tom Jones, até vir a ser de novo epopéia~ a epopéia . UlyS&es contém uma visão de totalidade do mundo ergui , para exprimir o "outro'', ou "nós" coletivo (Dublin ou a Irlanda · Quando não, ou mais do que expressão do "nós" coletivo irl , simboliza e reflete uma comunidasó corpo a espécie humana nossa de mais geral, abrangendo contemporânea. O próprio o da obra já lhe denuncia o caráter épico, no duplo sentido q · a palavra epopéia adquiriu quando serviu para adjetivar o ro ce: épico porque o romance é a epo1
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péia burguesa, é como a epopéia foi p os antigos; e épico porque o romance é a própria epopéia transfo da e adaptada aos tempos modernos. O Ulysses seria como se a e· péia homérica fosse ''passada a limpo'', revista, transposta term.os atuais, a fim de expressar wn estado do mundo nosso onhecido e apetente duma epopéia nova, visto o universo de Ho , ainda que encerre núcleos de beleza estética, pouco nos · enquanto estado do mundo. E não importa que seja paródia da isséia: antes pelo contrário, é precisamente o seu viés paródi que deixa transparecer a intenção de ser epopéia, à imagem e s elhança do modelo. Desse modo, o romance volve-se e· péia cada vez mais, como e um estágio duma visão se a palavra "romance" apenas ru>m do mundo reconhecida pelo designativ , "epopéia". Na substâneia mesma de que o romance se nutre se plasma, a metamorfose em epopéia constitui imperativo categó · de que o ficcionista não pode escapar, sob pena de criar obra enor, destinada a leitores medíocres e vulgares, incapazes de en ntrar no romance mais do que wn pobre sucedâneo para seus ó ·os e sedativos. 176 Para o grande romancista, a realidade se ofi como o caos que, obedecendo a profundos impulsos demiúrgi ' pretende ordenar, tornar cosmos; e, para o leitor exigente e cu · , é a visão totalizante do Universo que interessa. Em suma: s perseguem a epopéia, wn, para criá-la, o outro, para apreciá- e conhecer melhor a si e ªº mundo circundante. ce atinge a epopéia, a É imediato concluir que, quando o o romance não perde fusão romance-poesia alcança seu c ' evidencia-se livremente, nada de sua fisionomia própria e a po como imagem transfigurada do mundo. odavia,essaidentificação do do mundo que o rotem wn limite, imposto pelo próprio mance reflete, ou pelas próprias condi - inerentes à fusão de dois modos de ver a realidade, a prosa e a ia. Independentemente dos aspectos formais (verso, ou não-v o) por guardarem pouca significação como elemento de distinçã a fusão perfeita não pode ir além de certo ponto sem comprome uma das partes, a poesia e a prosa. O romance não pode ser ep éia (como era a epopéia romance (de ser prosa) dos antigos) porque logo deixaria de
176 Roger Caillois, Puissances du Roman, básica paill o estudo das relações entre IOlllllIICC e Espanhol com o título de Sociologia de la Novela,
Aires. Trident, 1945, p. 33. Obra ·e
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pua ser poesia no
em que o' conseguisse. Para que a preciso que o caráter prosístico do fusão ideal se mantenha, romance se preserve. P esse, desfaz-se a fusão e somente subsiste a poesia. Portanto, seu limite advém da própria resistência oposta pela estrutura ao processo de poetização absoluta; o romance penni e deseja o consórcio, a aliança unifiJhe pe:nurbe o equilíbrio interno, cadora, mas repele tudo sob pena de indiferenci.ar e tomar-se poesia. Com o desaparecimen: da epopéia antiga, operou-se um fenômeno irreversível apesar tentativas contrárias: de um lado, o romance herdou da e ·· o modo de ver o mundo como totali-
: uma converge para o romance e a ·dade poética; a primeira adotou-lhe
.UUJ,......,
a visão totafu.ante do mundo, ena intenção, o tonus e o alcance. eito na epopéia se toma mais evidente estrutura e confrontamo-la com a do moderna. Como sabemos, a epopéia dum amplo e invulgar acontecimento o melhor de seu caráter e por meio sua grandeza histórica.. Constituía-se soma de atos de bravura, praticados dades. Num caso ou noutro, denunciavam o momento culmt._lte da ascensão moral e material dum povo. Protagonizavam-na mens de superior envergadura, protótipos da comunidade, (semideuses), através de cujas façanhas sublimes e grandil se cumpria a vontade dos deuses, aos quais estavam estrei ligados. De onde um contínuo intercâmbio entre o plano · fabulação do poema e o dos mitos, como se os homens parti do mundo dos deuses, ou estes, sem perder sua condição "vina, descessem à terra PIU'a conviver com os mortais e guiar- ' os passos. As cenas líricás imbricam.se nos atos heróicos e, to quanto estes, podem tomar-se obstáculos que o herói deve para chegar ao seu fim (Enéias e lado, na epopéia, o tempo inexiste ou Dido, por exemplo). Do coagula-se em tempo, e tudo é predestinado na ação dos heróis, porque assim o jaram os deuses.
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No romance, a ação decorre entre, ens situados necessariamente na vida social urbana, 177 cria pela industrialização e a sedimentação das estruturas adminis vas. Não mais a interferência prepotente dos deuses, pois eles . rreram: tudo se passa no nível hwnano, e os atos deixam de s os de bravura ou os altiloqüentes. O tempo, agora, conta e age obre os seres e as coisas, ganhando limites precisos trazidos vulgarização do relógio (meados do século XVIII), ou confun com a própria continuidade do existir, numa duração perpé O herói clássico, produto aparece para dar lugar ao do enlace dmn deus com uma mortal, homem commn, entregue a seu li ítrio efou às injunções a toda a gente, incluinsociais. Em conseqüência de tanto ser i do os medíocres e anônimos, acabou o origem ao anti-herói, sujeito a mn conceito novo de hero o: vencer os obstáculos criados pela sociedade de fundo burgu exatamente como o herói antigo tinha de superar mil e uma culdades para se realizar como tal, mesmo que viesse a sucumb. a uma delas, atingido no · de Aquiles, por exemplo). seu único ponto vulnerável (o cale O herói da epopéia é livre para agir em. lação às demais personagens do poema, 178 embora med subordinado à vontade dos deuses. O homem commn do ro perde em força heróica e ganha em autonomia efetiva, pois praxes sociais também dependem de seu procedimento como· 'víduo na sociedade: embora à mercê do sistema social em que e insere, tem consciência plena de que é capaz de alterá-lo, na ·da em que resulta dmn contrato firmado entre os membros da letividade. Assim, a concepção mitológica de herói cede passo concepção sociológica, de forma que o protagonista desli os vínculos com o plano divino e ''desce'' à terra~ ainda que esta lecendo com a sociedade mn relacionamento semeJhante ao dos 'is para com os deuses: o herói torna-se anti-herói ou não-heró· Dir-se-ia que também os deuses ''desceram'', hmnaniz.aram-se, -se na sociedade burguesa e, por isso, perderam o antigo oder discricionário. 'i era sempre mn ser Noutra perspectiva, nota-se que elementar, primário, uma força da N . Hércules, protótipo do A
177 É que "a cidade com seus subúibi.Oll e suas lojas, seu bulício humano e suas milhares de existências flutuantes que excitavam interesse de Baudelaire, aparece como o lugar de eleição pua o romanesco" (Roger ois, op. cil., p. 32). 178 Hegel, op. cit., pp. 103 e ss.
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herói, detinha privilégios cli , que simbolizavam os instrumentos através dos quais a Terra manifestava sua plenitude, da mesma forma que procedia: r iatennédio dos vulcões, dos imensos rios, das florestas cicló cas, etc. E a grandeza de ser eleito se media na vitória sobre os o táculos que; a própria Natureza se lhe antepunha, ou que seres d de força ou poder inusitado reprecanto da sereia, sún.bolo da atração sentavam: Ulysses enfren perigosa do mar, enquanto az terça armas com outros cavaleiros e sofre a tentação da do Rei Brutos .. Instintivo, genuíno, puro, ignorante da força q possuía e livre das deformações civilizacionais e culturais, a · · impelido por um dinamismo que se confundia com o próprio a , vital. Semelhantemente ao herói mítico, o literário se cara.e · va pela valentia, a coragem física e moral, a obstinação que ' · ce a fadiga ou o esmorecimento: Ulysses peregrina longo po em terras estranhas, sujeito a mil perigos, até regressar à Pá · , vitorioso de todos os inimigos que ·-herói é o ser não-instintivo, secundáenfrentou. Por sua vez, o rio, modificado pela civili 'ção ou pela cultura, ou seja, pelo cálculo, pela pusilanimidade, 'Ia mentira, ou pelas convenções sociais. Na ficção medieval, a ' vela de cavalaria acusava, no tocante ao herói, a relativa persis ·a dos padrões greco-latinos em matéria de poesia épica. Ass · ' Galaaz alcança a graça prometida pelo Santo Graal no desfecho uma sucessão de aventuras em que a sua crença congênita foi s ' tida a duras provas, e Amadis de Gaula efetua o casamento · cramentado com Oriana, após realizar as façanhas que lhe garan a posse definitiva do ser amado. E na ficção oitocentis , contemplamos a pennanência, ainda que residual e algo equív a, do herói, e o surgimento do anti.herói. O primeiro identifi com a própria estética romântica, e o outro, com a estética e naturalista. Desse modo, teríamos heróis românticos e anti-h , 'is realistas e naturalistas. No primeiro caso estão alguns dos .ero onistas das novelas de Camilo, como, por exemplo, Carlota An ' , que representa o instinto, o sentido ' espontâneo e natural. No segundo, as heróico da existência, o irós, como, por exemplo, Luísa dO personagens de Eça de Primo Basi1io, produto d vício e do requinte, flor de estufa da civilização e da cidade. Em suma, o romance . a ação como veículo de realização do herói, mas submete-a outro registro e confere-lhe valores novos trazidos pela burgu . ia ascendente. Herda, portanto, a essên320 1
eia, o espírito inerente à ação heróic entendida como reflexo duma possível transcendência (já agora" . -o mítica), em que deixa de acreditar, em favor duma imanênci de ordem sociológica: ao culto do mais-além, de que o homem s. ·a prolongamento e participante privilegiado, como era na epo , sucede o culto do aqui. Em decorrência lógica, ao culto da za moral sintetizada na ação guerreira e na superação dos ó · ces de vária natureza (a derrota do inimigo, a astúcia na estra ·gia militar, a resistência moral contra a atração envilecedora, et ), sucede o culto da grandeza material (o dinheiro, a posição so , etc.) e a luta contra as coerções sociais. A uma ética de e e privilégio de emanação divina, sucede uma ética pragmática e etitiva. Todavia, perceonnal da ação, porquanto be-se que se trata apenas duma mu a sua essência e o valor que lhe era atrib· 'do continuam tendo igual importância como meio através do q homem se realiza ou se perde. Em síntese, o romance aceita a trutura, o objetivo totalizante da epopéia e o culto da ação, muda-lhes a vestimenta: ·o homem, e não à imatorna-os à imagem e semelhança do em determinado espaço gem e semelhança dos deuses; encaixa e tempo definidos, consocial, o das cidades; e situa-os em lu trariamente à intemporalidade e à in acialidade epopéicas (na verdade, o acontecimento histórico, a de Tróia, a viagem de Ulysses, etc., era apenas pretexto para . ue os heróis praticassem ações "puras", independentes dos fato · externos). Quanto à poesia épica moderna, be-lhe recolher o que o imilar: a presença duma romance rejeitou por incapacidade de tarefa filosófica e mitológica corres te aos novos tempos visão totalizante do munhistóricos, inserida na ação heróica e morreram os deuses da do. Certo é que também para a po mitologia greco-latina, certo também q novas mundividências se instalaram no seio das artes, - mas tam é verdade que a poesia épica moderna ainda carrega a crença um plano transcendente, para além da camada sociológica em qu se compraz o romance. O dimensão espacial e poeta moderno de fôlego épico "vê" dimensão social em que temporal para fora, senão para cima, mora o romance. Fruto quem sabe d esotérico, porquanto já não corresponde ocorria na Antiguidade pré-cristã, àquela em que viviam os deuses. E se nome de ''esfera mítica'', pois que os 321
mente, temos de buscar expressão equivalente, fonnada do vocábulo ''transcendência e cognatos. Com efeito, despida de conotação religiosa em o de carga pragmática, a transcendência, viva na poesia mode , substitui o plano mitológico da epo·a não só mantém íntegro o plano péia antiga. Ao fazê-lo, a mítico, embora adequando · às novas circunstâncias, como cumpre a tarefa filosófica que o .mance é incapaz de realizar, enquanto visão unitária do mundo. J Assim se explica q ao longo da história da poesia pósclássica, se observem do braços dum mesmo rio correndo em direções opostas: o lirism gotista e sentimental, fruto da obsessão confessional trazida pela oda romântica e o desprestígio dos valores absolutistas; e a po ·a épica, insensivelmente atraída para a área do romance como ep éia. Neste segundo difluente, é comum verificar-se a invasão de aísmos vários, como se pretendessem ressuscitar a epopéia anti , ou aderir ao romance na medida em que este desenvolve um orço no mesmo sentido. De qualquer ' ma atesta a subida do homem, que modo, a poesia épica através dela se realiza e define, para esferas de transcendência a-mitológica e a-religiosa correspondente ao plano mítico da poesia épica greco-latina. Ba lembrar a altitude épica da poesia dum Fernando Pessoa ou d T. S. Eliot para evidenciar o quanto a poesia oitocentista e nov tista manteve intacta a faceta transcendental da epopéia. Isto não desejarmos enfatizar a modulação epicizante de grande parte . poesia romântica, Vítor Hugo à frente. •é também por causa da bifurcação opeEm qualquer bipó rada na epopéia que a o completa entre ela e o romance constitui um limite frágil e o inatingível, pois significa a utópica reintegração, em unida perfeita, dum corpo vivo cuja linfa se exauriu e cuja razão bis ·ca se esvaziou no curso das mutações havidas nos séculos XV ' e XIX. Entretanto, não resta a menor ntinuará tentando aquela reintegração, dúvida que o romance pois se trata de uma de s condições vitais; mas fá-lo-á correndo o risco de negar-se, ormando-se em poesia, ou de deixar de ser o que tem sido até aq · para ser uma fôrma ou espécie literária inédita. Não significa na que se tenha tomado lugar-comum falar de anti-romance a pro ' to do nouveau roman? Por isso mesmo, é inútil vaticinar o fu das relações entre epopéia e romance, salvo que continuarão a urar-se incessantemente até um ponto incógnito e longínquo.
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o romance e o teatro, , acerca das re1afaz-se necessário inquirir, mesmo ções entre o primeiro e o cinema,179 cujo significado há quem considere superior ao da dup1a anteri is, "como o romance, o cinema possui todas as liberdades eu· -as". 180 Comecemos por lembrar que o cinema despontou no deste século, e o mm.to, o contato entre as romance, há mais de duzentos anos. duas modalidades de expressão artísti é historicamente reduzido, embora em tão curto Japso de tempo, tenham exercido benéfica influência recíproca. Todavia, um fator ncorreu para impedir que o aparecimento dos prio entre1açamento se concretizasse meiros filmes: nos seus passos inici , o cinema apoiou-se no teatro, ao menos enquanto não se inve u a pelícu1a sonora. 181 A . · o teatro em favor do partir de 1930, o cinema entrou a romance, embora continuasse a tomar emprestado ao palco não peça alcança êxito maior, poucos temas e motivos: sempre que acaba sendo fihnada, empregando e truques de técnica uram disfarçar e enfradesconhecidos do cinema mudo, e que quecer o caráter teatral do empréstimo. ,. Mas o binômio romance x cinema ' poucos ganhou força e então descobertos e/ou relevo, em conseqüência dos pontos co De um modo geral, a dos outros que vieram sendo reve ligação entre ambos é de natureza pol : de um lado, o romance não apenas substituiu o teatro como nte de motivos e temas cinematográficos, mas também co1abo na metamorfose processada no cinema com o advento dos es sonoros. O cinema sem perder de mira suas sofreu o impacto da ficção literária, preocupação de narrar, características essenciais: adquiriu algo atributo inerente ao romance (à novela ao conto, escusa de lemdécadas de 30 e 40, o brar). Assim, especiahnente durante cinema assimilou o interesse pelos narrativos, não raro sue&11C wuuto, já se avoluma indispcosávcl pua o leitor d'apprlciation, n• Cspecial de ÚI
179 Cnncwncrtte a da;taca a seguint.e obra,
Roman.
Eli~nt.!
variada bibliografia, da qual se de rsqiw!rinhi-lo: Cinlma er dt!& Lt!rtre& Modunu, Paris, n•
36-311, vol. V., 1958, pp. 129-324. 180 Rogcr Caillois, op. cit., p. 29. , 181 Vsevolod Pudovkin, Argumento I! &alir.aç , Ir. portuguesa, Llsboa, Arcádia, 1961, p. 97: "Uma peça de teatro, niidadosamcnte re no celulóide e projetada no icran sem as palaVI11S «krl8D!adas pelos atares - eis o que DIRIC8 dias primitiva;, mn filme''.
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geridos por romances. E ~e em dia ninguém poderá dizer que esse estado de coisas mud inteiramente: grande parte da produa ser de caráter narrativo, tendo em ção cinematográfica co · imenso público que ainda encara o vista agradar à média d cinema como diversão. Doutro lado - e este · rta mais que o anterior - , o romance passou a receber influênci · o cinema, concomitante com o predomínio da cultura norte·cana, onde a atividade fílmica atingiu . u-se paradigmática. Se fosse o caso de seu ponto culminante e reduzir o problema a . síntese, dir-se-ia o seguinte acerca da ''grande lição que o ro · ce aprendeu do cinema: que quanto menos se diz, melhor é, q os efeitos estéticos mais impressionantes nascem do encontro d uas imagens sem comentário algum, e que o romance, não men . que as outras artes, não tem interesse em se fazer palavroso''. 1 Em conseqüência, o romance entrou a utilizar, deliberadamente não, expedientes cinematográficos, como o découpage, o simul "neísmo, o close-up, a sucessão de planos, etc. Deitada a corre pela ficção norte-americana (John dos Passos, Faulkner e outros) a moda cinematográfica alastrou-se por toda parte. A guisa de ex pio, lembre-se de Aldous Huxley e O Contraponto, modelar no ero e das obras-primas da ficção deste escência cinematográfica. E pense-se, século, escrito em plena e entre nós, em Caminhos os ou em O resto é silêncio, contaneísmo e de outros expedientes cinetagiados pelo vírus do s · nas experiências técnicas de Oswald matográficos, isso sem f de Andrade antes de 19 O, com as duas primeiras partes dOs Condenados e nas Memó Sentimentais de João Miramar. Com o nouveau rom ' e a nouvelle vague cinematográfica, as relações entre cinema e e chegaram ao paroxismo, um estado de fusão tal que dific separar o literário do cinematográfico: por exemplo, O Ano Pas. o em Marienbad, filme de Alain Resnais com roteiro de AI · obbe-Grillet Analisemos um pouc mais de perto o intercâmbio entre cinema e romance. Primeiro: um pormenor de natureza cronológica; , ou em seus incipientes anos, observaantes do advento do c' se a existência de técni narrativas que, à falta dum nome adequado, rotulamos anacro camente de cinematográfico, porquanto
· ~ dll RomanÁllliricain, Fuis,&!. du Souil, 1948, p. 59.
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parecem antever, embora dum modo · precário, o aparecimentime-shift utilizado por to de recursos empregados pelo cinema. Sterne no seu Tristram Shandy, em o simultaneísmo cênico das crônicas de Fernão Lopes, para nã falar do entrelaçamento episódico das novelas de cavalaria e timentais, - fazem lembrar, cada qual à sua maneira e em prop ão diversa, expedientes cinematográficos transferidos para o ro ce moderno. Numa fase em que o cinema ainda não assumira a levância atual, encontramos a obra de Proust, construída segun um estilo cinematográfico e uma visão cinematográfica da reali · de, em razão do interesse que o ficcionista nutria pela imagem fo grafada. 183 Não obstante sejam ainda manifestações embrionárias u coincidentemente cinematográficas, temos de levá-las em con sempre que tendermos a exagerar o influxo do cinema sobre o ce, atribuindo-lhe recursos que na verdade existiam desde do seu invento. Segundo, impõe-se equacionar o lema dessa mútua interferência. Comecemos por assentar como ' remissa que, à semelhança da especificidade cinematográfica . há uma especificidade romanesca: 184 a obra de arte cinemato ·fica tem características , da mesma forma que o próprias, únicas, uma linguagem espec ersíveis ao cinema, nem romance. Assim como há romances · ser transpostos para o todos os recursos cinematográficos po romance. Claro que se pode estabelecer escala, cujos extremos sejam formados de obras mais irredutív e de outras menos irredutíveis, mas em qualquer caso have sempre um resíduo que resiste à transposição, um núcleo intern ue rejeita outra identidade que não a própria. Nascida romance ou cinema, uma permanecerá romance ou cinema, por mais esforços que se, çam para adaptá-la no contrário. E se a adaptação se efetua, · inegável que se processa uma traição: a obra adaptada deixa de a original de que partiu, ão, para ser outra obra. tão-somente posta noutra fonna de ex Como se, afinal de contas, a obra matriz penas servisse de pretexqne com ela guarda vago to ou sugestão para a criação dwDa parentesco. A tal ponto o cineasta a· o romance transposto que há entre os autores que entre este e o filme existe o ''ah·
183 Jacques Nantct, "'Marcel Proust et la visi RDman, pp. 307-312. 184 Claude Gautec, "'Eloge de la Spécificité", ·
inima et Roman, pp. 208-215.
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duma história em qua · s irttitulada Humilhados e Ofendidos e Dostoievski, por exemplo .• 185 É que, sendo, linguagens específicas (uma utiliza a palavra, a utra, a imagem em movimento), fatalmente se tomam intradu veis. Ao tentar a tradução, o cineasta comete traição, ainda q contra a vontade. Se não trair, o filme não se realiza. Ora, dado que a trai parece fatal no caso, vejamos em que consiste: o cineasta corta, prime, altera, enxerta, interpreta, modifica, escolhe a seu belr o texto romanesco, a fim de transferi-lo para o celulóide. mance, feito para ser lido, transformase no filme, para ser vist o que acaba por modificar-lhe radicalmente a substância. Por , so, ler o romance e depois assistir ao filme comporta via de re · uma decepção: o cinema, incapaz de abranger tudo quanto o ce comunica por meio das palavras, reduz, por força de suas cterísticas fundamentais, o panorama que o romance oferece do undo, dele retirando apenas aquilo que se pode ver: ''o filme v riza precisamente o que na prosa não precisa ser posto em rele ; mas omite necessariamente o que é o essencial dum livro". 186 Por quê? Em razão representação, registro ! celulóide da ação da personagem, enquanto o romance é narra o, analítico; o ritmo do cinema é apressado por natureza: as ce possuem tempo certo de duração; o ritmo do romance é lent · pausado. O espectador do filme vê as to pode fazer; não pode voltar atrás, cenas, e vê-las é tudo q reexaminar uma passage 'ou interromper a observação, e qualquer fuga sua para fora da te prejudica o entendimento das imagens que continuam a suceder, um andamento que não permite a reflexão simultânea ou a pa analítica. O espectador sente o filme e depois pode pensá-lo. O itor do romance é obrigado a imaginar, s dados que lhe são fornecidos pelo a idealizar, servindo-se ficcionista, como se foss sinais cujo sentido a intuição desvendasse ou vislumbrasse ao ngo da leitura; sentir e entender podem ser concomitantes duran . leitura, pois o leitor se faculta o direito de interrompê-la, refazê- adiá-la, etc.
185 Claude Gauteur, idem, i 186 Geargcs-Albert Astrc, ..
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m, p. 210. deux hmgages'', in RDman e(Cinima, p. 147.
Donde uma verdade paradoxal: o , sendo imagem em movimento, confere menos campo à · ção que o romance. 187 A explicação reside no fato de que o c· , ta procede sempre pela escolha das cenas e aspectos que imporu. er e sentir: determinados pormenores se oferecem ao espectador, tamente aqueles que o diretor julga dignos de serem conhecido O espectador não imagina, mas vê, pura e simplesmente, de fo que cada plano, cena, tomada, etc., só possui uma valência, · sentido, visível a todos os espectadores. Outra coisa, muito divers é a interpretação do conjunto depois que o filme termina. a exposição, uma cena cena de júri para todos de júri, por exemplo, constitui apenas os espectadores, e só por absurdo algu · pode ver algo diverso do que está sendo exibido. Uma personag cinematográfica aparecenos inteira diante de nós e só admite que . encaremos de um modo. O romance, apesar de todo o seu ars · de minúcias, da lenta lo terreno à imaginação descrição das pessoas e objetos, cede do leitor. Uma cena de júri ou uma pe ' nagem podem ser imaginadas de vários modos. E por mais c · unstanciada que seja sua pormenorização, sempre fica um largo' espaço para os vôos da fantasia: o romance se completa na m te de cada leitor, pois o romancista joga com os dados que pres põem da parte daquele o emprego de sua imaginação recriadora. mente o mau ficcionista define a narrativa para o leitor, desprez o uma colaboração sem a qual a intriga deixa de realizar-se co Outro terreno em que se notam div ências entre romance e semelhança do teatro, é cinema é o das relações espaço-tempo. limitado o tempo do cinema: a duração · ·a dmn filme, sendo de duas horas, proíbe ao cineasta nutrir v idades de acompanhar a vida das personagens em todas as fas •de seu desenvolvimento. Por mais que faça, o cineasta vê-se pelido .a surpreender as personagens quando prontas para a ação entral de sua existência, e que vai ser objeto do filme. E se tem frente um extenso lapso der a passagem dos de tempo, só lhe cabe o recm:so de su anos, ou através de cenas rápidas dar ·idéia de que se escoam tempo é primonlial na irremediavehnente. Desse modo, "se o construção rotlUltlesca, o espaço parece importar à construção fílmica" . 188 Na verdade, o romance .....,.,...,,,... oferecer um enredo,
187 Idem, ibidem, p. 146. 188 Idem, ibidem, p. 145.
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seres vivos, uma idéia do · undb e criar o tempo, como a dimensão ersonagem e mundo), visto que tudo se que tudo explica (históri reduz ao tempo, ao passo ue o cinema constitui arte da espacialização, do espaço urbano, ovoado de gente, antropocentricamente cinema ansioso de criar o tempo, como concebido. Daí o erro d o dum romance obcecado lo espaço. Ambos utilizam a seu modo a relação entre as duas · ensões, de forma que "o romance, escreve Bluestone, dá a i ão do espaço avançando dum ponto a a impressão do tempo indo dum ponto outro no tempo; o filme a outro do espaço" .189 esultado: o romance, sendo senhor do qualquer de seus modos, aspectos e tempo, pode empregá-lo não se liberta nunca da câmara, mesmo pessoas, enquanto o cin quando dá a ilusão de es substituindo o narrador ou descrevendo oa. A explicação reside no fato de no como se fosse terceira cinema o tempo ser inv avelmente o presente, o eterno presente, pois "o cinema é ess ialmente imagens instantâneas, isto é, presentes e precisas''. 190 ! Vincula-se estrei te com o problema tempo-espaço um outro aspecto das rela entre cinema e romance, e que diz respeito à interiorização • Com efeito, trata-se ainda de pôr em relevo a especificidade cada uma dessas formas de expressão artística. Em poucas p vras, a especificidade romanesca ''é do domínio interior, daquilo · e não pode ser apreendido pela câmara, nem pelo pincel, nem p cinzel". 191 O romance permite-se invadir o plano da consciên , das personagens e analisar-lhes a mola psicológica das ações: palavra alcança representar o acesso ao mundo interior de cada , , não assim a câmara, o pincel e o cinzel, que apenas registram o . undo exterior, plasticamente concebido. O romance pode ir alé : da superfície das coisas, pode sondar o recesso dos fenômenos; o cinema apenas é dado registrá-los por fora. O cinema não asso ao interior das coisas e gentes, não tem interioridade, ou quand !muito, possui uma interioridade "de ordem ética antes que psi lógica (atos), e isto que ele comporta de psicologia é vivido e o analisado, percebido confusamente e sinteticamente numa in ·ção, antes que apreendido por um ato intelectual e discursivo' Por isso, o cinema jamais poderia fome-
189 Itkm, ibidem, p. 145. 190 Jean-LouisBory, "Le 191 Michel Mourlet, "C"
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périlleux salut du roman .. ; in Cinéma et roman, p. 251. contre Roman"', in Cinima et Roman, p. 158.
lf cer o equivalente dwna análise de Pro , 192 de Virgínia W oolf, Faulkner ou de outro romancista de ten eia introspectiva e psicológica: quando muito, mostrar-nos-ia rsonagem, definindo-a um ser cuja complexidade interior ses' lifica por meio dos diálogos ou dos gestos. Essas discrepâncias de raiz dificul o texto literário ao cinema sem violentar e a essência e sem criar ·s pobre esteticamente obra paralela e sucedânea, via de regra que a outra que llie serviu de modelo. , tais barreiras surgem também no sentido inverso, quando o mance procura adaptar técnicas cinematográficas. Entendendo-sei ue as coincidências (como as encontradas em Stern.e, Proust, Di ns e outros) recebem o 's adequado, podemos rótulo de cinematográficas à falta doutroi abstraí-las. No tocante à adaptação co nte de recursos fílmicos em ficção, também se observa igual pr . ·edade, equívoco e traição, decorrente de ser um método artific , meio-esnobe, de apropriação dwna linguagem estética inade ada. O menos que pode ionar como corpo estraacontecer é o enxerto cinematográfico nho na massa romanesca, seni nela se · grar e sem justificar sua emplo frisante do mau presença. O resto é silêncio constitui emprego de truques cinematográficos. do o resultado foge do malogro (Dos Passos e outros) e mesmo · 'gnifica avanço, é porque o romancista se apossou de truques ~ · · típicos do cinema, respeitando a essência e a especificida.
192 Jtkm, ibidem, p. 162.
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da de todas as coisas. É to que ele mais se afasta do cinema''; 193 segundo, a demorada rição dos objetos, em todos os ângulos possíveis, constitui mais tributo do romance que do cinema: este não descreve mas mostf'. s objetos, sempre num ritmo galopante que impede o olhar de s 'deter sobre os pormenores: falando pela imagem, o cinema foge descrição, e quando tenta realizá-la, cai na monotonia e, por que o?, ganha ar literário: 8 e 1/2, de Fellini, serve de exemplo. Por isso, o desejo aproximar o romance do cinema acaba fazendo que se agravem . contrastes entre ambos, e, portanto, que o romance se tome cada ez mais romance e o cinema, cada vez mais cinema (menos q o outro, diga-se de passagem e entre parênteses). Ao invés impurificar a ficção, o contato com o cinema cooperou para libertação, livrando-o da sujeição a Balzac, a Stendhal e a Lafay, te, 194 em suma, ao romance oitocentista, - e abriu-lhe caminhos a data insuspeitados, graças ao impacto duma linguagem mais a sível e de efeito imediato. Além disso, os autores modernos t consciência de que, a rigor, o romance não tinha seus dias tados, e que, ao contrário, era preciso aplicar-lhe doses de vi e submetê-lo a uma ginástica sueca capaz de lhe eliminar as "posidades em excesso. Em suma, encontraram meios de rob ê-lo e tomá-lo fiel às próprias matrizes, rejeitando tudo q lhe era antagônico: seu meio de salvação, sua senha para atra sar esses anos de crise, corresponde à ressurreição da magia v e à exploração da vida interior das personagens. 195 Assim, o romance pera sua mais funda identidade, graças ao impacto duma arte (o ·cnica?) com a qual tem mais divergências que semelhanças, que ainda continua a perturbar os arção dum canto de sereia: o cinema. Do raiais literários com a s encontro entre ambos, é o que o remance pode tomar-se cada vez mais literário, inclusi e absorvendo recursos cinematográficos, alguns deles já hoje inco . rados à ficção: "a influência do cinema trouxe uma exigência n a: a presença. Pela imagem presente, no passado narrativo) ou pela voz, o vivida no presente (e n discurso, o monólogo, o exame da consciência, a 'personagem'
193 A. S. Labarthc, "'His · d"un E.chcc"', in Cinlma et Roman, p. 306. 194 Jean-Louis Bory, ibúh •P· 253. 195 Michel Mourlet, ibúhm, . 163.
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deve impor-se não mais como wn ho '' m de quem 'se conta a história', mas como wn indivíduo que tá presente enquanto se lê''. 196 Em contrapartida, o cinema risco de se tomar puro, liberto do auxílio narrativo que lhe tem o fornecido pelo roman(policiais, de cow-boy, ce. A predominância de filmes narrati musicais, etc.) parece atestar que o c' de arte é wn veículo de comunicação apenas franqueado às eli · intelectuais. Mas o problema permanece aberto: o futuro dirá d significado das experiências alquímicas de hoje no teneno das re entre romance e cinema. Quanto às relações entre romance o teatro, apenas parcialmente se assemelham às existentes entre · uele e o cinema. Primeiro, porque o teatro apresenta uma históri •· quase tão velha quanto a cultura ocidental, e o romance surgiu há uco mais de dois séculos, o que significa uma longa experi ia e wn largo espaço de tempo em que teatro e romance poderi ter efetuado empréstimos mútuos. Em segundo lugar, e em comp ção dessa longevidade nas relações entre as duas fomias de ex são artística: por vivermos uma época em que as artes visuais inema, televisão, e artes plásticas) representam papel cada vez significativo, é natural que as relações entre o cinema e o ganhem wn relevo com o qual este último e o teatro estão longe competir. Dir-se-ia que o atual domínio da imagem cinemato · ca (inclusive do seu sucedâneo televisivo), só justifica enxergar' relações entre romance e cinema, como se correspondesse a atitude fora de moda lembrar as relações entre ficção narrati e teatro. O fato de o cinema estar na ordem do dia, e mais , de ser uma forma de comunicação direta e lisonjeadora da ·ça mental do espectador moderno, explicam a atenção que as · ·cas cinematográficas vêm despertando em criadores e críticos •terá.rios. Todavia, há que ponderar wn outro do da questão: o teatro, ao menos como texto impresso, partici do plano literário, ao passo que o cinema em hipótese nenh pois o roteiro não passa uilo que será registrado duma série de sinais, de ''marcações'' na película. Por causa disso, as entre romance e teatro pareceriam mais normais, visto serem ões literárias. Nada mais enganoso: se, com efeito, há pontos contato entre romance e teatro, é preciso atentar para suas di renças. Como se sabe, desde a Antiguidade se distinguia a poes dramática (ou o teatro) A
196 R.-M Albéres, op. cit., pp. 336-337.
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e a poesia épica (matriz romance), embont entre elas houvesse aspectos em comum, a p · do fato de uma e outra serem poesia. Com o surgimento da pro de ficção, e as transformações operadas na poesia dramática co o Renascimento (difusão do teatro em prosa, sobretudo a partir Romantismo; aparecimento de formas modernas de teatro, o , etc.), ainda assim o romance e o teatro continuam a assien:.lhar-se e a pennutar suas características específicas. "Teatro e romance ( ... ) em comum serem uma história nagens''. 197 Por outro lado, "não é raro vivida pelas próprias (... )ver-se adaptações do mance ao palco; e se a recíproca não é verdadeira, deve-se isso vavelmente, antes de mais nada a motivos de ordem prática" 98 Entretanto, está fora de dúvida que, enquanto o cinema não · pareceu e não adquiriu sonoridade, o romance recebeu influên do teatro, na mesma proporção, se não mais, que o cinema depo' de 1930. "À tragédia, o romance tomou emprestado o mecanismo · a coerência psicológicos" ,1 99 e à comédia ou ao drama posto · voga no Romantismo, um senso de situações ridículas e sa as. Com efeito, é perceptível na ficção oitocentista e novecen · linear, o impacto da arte cênica: os es autores (como Stendhal, Balzac) romances românticos, de ou menores (como Alen e Macedo), ou os romances realistas e naturalistas (Flaubert, Zo , Dostoievski, Eça, Aluísio, Machado de Assis, etc.), não esconde seu débito para com o teatro: a impresquadros sé sucederem como no palco. são é de estannos vendo Inclusive o fascínio que sobre eles exercia a arte cênica era de molde a justificar que pusessem teatralmente suas narrativas. Pense-se, à guisa de ex plificação, em Senhora: o andamento da obra, a localização geo fica, a fala, a entrada e saída das personagens, o tom, o epílogo. etc., são indícios de que o autor visualizava o fio narrativo co · se transcOtTesSe no palco. As personagens "representam", m imentam-se como atores vivendo drama alheio, embora com de sinceridade: sua falta de dimensão interior atesta que mais -o posando que vivendo. Igual raciocínio valeria para os demais ces referidos.
i cit., p.
14.
, "A Personagem no Teatro", apud A Personagem de Ficção, São Paulo, Bol de T . "t. e Llt. Comp. FFCLUSP, 1963, p. 67. 199 R.-M. Albéres, op. cit., . 336.
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Contudo, entre o romance e o tea 'existem mais diferenças do que semelhanças. Por isso, a inte · ência de ambos esbarra com obstáculos interpostos pelas carac ' ticas que fazem do romance uma fôrma literária definida, e d ' teatro, uma diferenciada expressão artistica, definida pelo dese duma história sobre o chamado "teatro". Em. tablado e diante dum público, num edifí suma: na acepção mais rigorosa e mai. vasta do vocábulo, não apenas como texto. rrativa, em que alguém O romance é uma fônna literária aos primórdios da arte conta uma história. Tal caráter, que rem literária em prosa, constitui aspecto difi nçador do romance, e o contrário, o teatro repele primeiro que devemos levar em conta. eada na ação. Em. mais a narração, por ser uma forma de arte ·ca houve tentativas de de um período da evolução da arte da ação, mas acabaram incorporar o pormenor narrativo ao fl sendo vencidas pela mola intrínseca teatro no sentido de ser der o coro da tragédia apenas ação. ''Assim devemos comp que, se por um lado era pura expressão. ·ca, por outro desempenhava funções sensivelmente semelhan às do narrador do romance moderno: cabia a ele analisar e critic as personagens, comentar a ação, ampliar, dar ressonância moral ligiosa a incidentes que por si não ultrapassariam a esfera do · ·vidual e do particular.200 Enquanto o leitor do romance imagina:, ação empreendida pela personagem e que é objeto da narrativa •ta por terceiros, o espectador do teatro vê as personagens vive . no palco o seu drama através duma ação que lhe é diretamen ' omunicada: no romance, dor direto ou não da o autor está sempre evidente como o desaparece quando os história contada; no teatro, o drama atores entram em cena. As personagens o romance se constroem com palavras que devem ter o condão torná-las (personagens) "vivas" na imaginação do leitor: tu ' se passa como se, num golpe de magia, escritor e público co assem a falar de seres imaginários que de repente ganham fo de seres vivos. Enquanto , isto é, nem a obra nem isso, "o teatro é uma arte da represen o autor saberiam apresentar-se sozinhos .201 A personagem do romance está inteira e definiQa no eorpo obn, ao passo que a do teatro precisa do in~te para existiE definir-se, pois, no papel,
200 Décio do Almcida Prado, op. cit., p. 70. 201 Guy Michaud, op. cit., pp. 179-180.
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está apenas potencia viva. O que é a personagem do teatro com clareza, visto depender do intérjamais se consegue de · prete, e este pode alterá-1 segundo seu particular modo de ser; não só o caráter da persona varia de intérprete para intérprete, como o mesmo ator mu de representação para representação. De onde cada ence -o duma peça constituir quase uma readiante do espectador. Um bom ator lidade nova que se confi comunica um tonus à pe .: onagem que o medíocre ou amador põe a perder. E se conside os que a essas variações se somam· as impressões dos espectad , a ponto de da um divisar a personagem a seu modo, fica· tente quão relativa é a existência em si da personagem de teatro. or outro lado, a personagem ficcional se amolda à imaginação de da leitor, e do mesmo leitor em momenestá sempre ali, no magma romanesco tos diferentes da leitura, à espera de ser desvenda · , enquanto a personagem teatral não está no texto, e, sim, na rep ! sentação, diante da qual o texto é um campo de virtualidades. Além de arte da rep entação, o teatro conceitua-se como arte do espaço e do espetác o. 202 O romance transcorre numa dada geografia, que é descrita imaginada. Ao contrário, o teatro pressupõe um espaço concre onde se movem os figurantes durante a representação (o palco) um outro onde se aglomera o público (platéia, camarotes, etc.) somente naquele lugar, em meio a um cenário e diante dos · dores, é que o teatro existe deveras. O romance também supõe público, mas individual e solitário, que , a essência da obra: inversamente, o não altera, com suas ati ator reage às estimulaç- e desestimulações do público, a ponto de manter o espetáculo ou s pendê-lo, ao passo que o romance continua mesmo quando uma ·ultidão o desconheça. É que o teatro não pode perder de vista ou objetivo: o espetáculo. ''Uma peça é feita não para ser lida, para ser representada e para ser vista''. 203 O espectador, ao assis· à peça, procura divertir-se antes de a considerar objeto de val intelectual: quer antes gozar o espetáculo que analisá-lo. A peça só cança satisfazê-lo pela ação representada, pelos atos e pelo diál o concomitante: prende-se ao desenrolar do enredo que se trama sua frente entregue ao espetáculo, como se mergulhasse noutra · . nsão espaço-tempo. Se a intriga não lhe
202 ltkm, ibidem, loc. cit.
203 ltkm, ibidem, p. 179.
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!
satisfaz o apetite de espetáculo, o resul ' o é a decepção. Mesmo quando o teatro fala à inteligência (as édias clássicas, o teatro shakespeariano, o teatro moderno de idéi ), não deve prescindir de oferecer espetáculo, ainda que de alto , se pretende agradar e, ce ser o intuito último quem sabe, purificar o espectador, como da arte cênica. Sendo narração, o ro e coloca-se no extremo oposto: quanto mais oferecer espetáculo (' enturas, mistérios, etc.), mais corre o risco de malograr; ao con · o, pode atenuar o enredo até o mínimo desejável à caracterizaçã da história, enquanto o · tado. teatro é essencialmente um enredo re Um último aspecto das relações romance e teatro diz respeito ao fator tempo. A modo de sín: ' , pode~se afirmar que ''o romance corre com o tempo e o teatro · biliza este no espaço. A história contada pelo romance não tem .· · 'tes temporais: a história 'dades de Aristóteles' '.204 contada pelo teatro está sujeita às três Com efeito, durante a leitura dum ro · ce podemos presenciar o desenvolvimento da vida inteira da perso gem, desde o nascimento, ou mesmo antes dele, até o fim dos se dias. Ou podemos ter só vinte e quatro horas da existência de · deses nos começos do século (Ulysses), embora valham por vida e a sintetizem como um símbolo. Não assim a peça teatral: co · uanto seja discutível que · 'teles e seja certo que o continue presa às três unidades de filósofo grego só doutrinou acerca de d ' delas (tempo e ação) e a outra (lugar), além de sua origem ince , deve ter-se "destacado lentamente da unidade de tempo po . efeito do princípio da 'cionada ao tempo. A verossimilhança",205 a obra de teatro es · peça, obrigada a explorar os meios de c ·cação direta e imediata com o público, desenvolve processos de ' ndensação, concentração de efeitos e desprezo pelo supérfluo. passado das personagens pouco importa, via de regra; quando , uma breve menção por meio do diálogo traz ao presente a infi ção necessária. O teatro ado que dura. A peça é presente, enquanto o romance é um focaliza a ação pouco antes do seu ápice, se muito tempo transcorre entre uma cena e outra, o fato deve s mencionado ou posto em relevo (cabelos brancos, mudança de ºo, etc.). Em não mais de três horas o espectador assiste ao ·culo, ao passo que um romance, passando-se em vários anos, e horas e horas de leitura.
204 João Gaspar Simões, op. cit., p. 13. 205 Rcoé Bra.y, La Formation Ih la Doctrine C
, Paris, Nizct, 1951, p. 257.
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Especial é, pois, o l:mlll.1'11l1l ofereci.do pelo teaJtiro quando em confronto com o : enquanto este intercambia com a epopéia uma fundamental c ovisão, e com o cinema os dados novos , com o teatro as relações se tomam trazidos pela óptica mo , de outra ordem. Para das semelhanças e interferências, roser cada vez mais expressões puras de ignificar necessidades diferentes para o arte, visto continuarem homem moderno; e, ao esmo tempo, permanecem autônomos, numa quadra em que a c«:e'eS1:>0tlC1e"ncia entre as artes se vai tomando cada vez mais tão ac tuada. Queremos crer que tal resistência à diluição denuncia o vi de cada um deles, já que constituem, a seu modo, perspectivas pedais de ver a realidade circundante. Numa época em que se o erva a crise da arte, ou de certos padrões estéticos, parece eviden que o romance e o teatro reúnem possibilidades de resistir ao , po, e de, transfonnando-se, pennanecer. :JI,
Como vimos, toda realidade, e vice-versa, t tura. Contrariamente ao oferecer uma visão total uma estrutura macroscó máximo de realidade no complexa e ampla, única macroestrutura - eis o s poeta (salvo, nalguns O romance (re)cria, múltiplas facetas e mod realidade. O romance ins ela se manifeste ou/e se na sua estrutura. Nada q sidade, é estranho ao ro todas as configurações suas próprias leis. Antes, porém, de mos o vocábulo ''realida de Natureza, Cultura e alguns pensadores postul mas uma tensão entre o 336
tum literária pressupõe uma visão da cosmovisão implica determinada estrunto e à novela, o romance ambiciona Universo, o que significa a opção por ; todo romancista, anelando recolher o clbojo de seu texto, elege uma estrutura dequada ao seu propósito. Macrovisão e o de todo romancista, em oposição ao tos, o épico). u busca (re)criar, a realidade nas suas , -es, ao passo que a poesia (re)cria uma a realidade multímoda, de forma que ene como tal através da sua estrutura, pertença ao real, em sua infinita diverce: liberalmente, acolhe em seu âmago realidade, submetendo-as, é óbvio, às guir, cumpre esclarecer que emprega. '' no sentido duma totalidade composta "ornem, constituindo nem o em-si que • , nem o para-si que outros preconizam, -si e o para...si, um limiar, um horizonte
que se desloca à medida que progride sondagem romanesca e dela tomamos consciência. Não existindo bloco ou em definitivo, ·smo, a realidade seria (re) mas em fragmentos e em petpétuo · construída ou fundada por meio do ; não existindo pronta ou submissa ao olhar indagador, are "dade - um devenir perene - se instauraria para nós à proporção ue fôssemos travando contato com o romance: paulatinamen ao seu desdobramento por intermédio da leitura, a realidade nele' aptada iria ganhando forma para nossa consciência, de modo q istir ao desenvolvimento do romance consiste em presenciar desvelamento da realidade, nele e apenas nele assumida em "dade viva e multiforme. Lemos o romance e vemos a realidade' ue nele se coagulou, acomrealidade nele apreendida. panhamos a narrativa para ir ao encon Admitindo que se possa fazer va a tal raciocínio, julgando-o comum às demais formas de c cimento, observe-se que -na existente quando se não instauram a realidade, mas su elaboram ou se estruturam. Exceto a ilosofia, que por definição pode questionar a realidade, as ou formas de conhecimento erigem-se a partir do pressuposto de e a realidade é um dado a priori; prescindem de instaurá-la prec· ;' ente porque, considerando-a preexistente como premissa epis · ológica, se dispõem a topografá-la ou descrevê-la. O biólogo, ' · do sua investigação estribado na idéia segundo a qual a c · la tem existência provada e certa, bem como o campo de re de que a circunda, não necessita questionar a validez do seu ostulado, mas descrever e interpretar o objeto que selecionou análise. De onde se inferir que a realidade não é, para tal pesq · , or, um universo de indagações e, sim, de verificações, - o q resolve sumariamente o problema na esfera cientifica. Diverso o panorama que o romanc preendê-lo, impõe-se, examinar os · em que essa fônna em prosa se move, - não os limites da ·dade, uma vez que estes, sendo infinitos, tornam indeterminadas ' bordas do romance como receptáculo e reflexo da realidade, os limites dele como estrutura literária. Da mesma forma que é totalizan ' em relação à realidade, o romance é-o quanto às demais express- literárias: pode assimilar traços da epopéia, teatro, epistolo , etc., incluindo as artes já divisamos no tópico plásticas e o cinema. Entretanto, específico, o romance faz fronteira c a poesia, por um lado, e com a reportagem, por outro. O · extremo é tocado quando 337
o romanoepratica o mtí.xinWCleSllU virtualidades como (re)criação do mundo: wn romance · bmto mais plenitude quanto mais se aproximar da poesia. T via, esperamos ter evidenciado que não se tornará jamais poes' sob pena de comprometer sua individualidade como romance. O u supremo em matéria de romance seria losrado, por isso, alcançasse o equilíbrio instável da situação-limii&e que esta com a· poesia. Nesse umbral, nada fácil de circunscrever, a-se o ápice das possibilidades romanescas como visão da .ll:lllJ:1UIJUC O segundo extremo, a · ·do quando o romance desenvolve ao paroxismo suas potenc' · como reflexo do mundo, é negativo: cliz-se de wn romance possui menos valor (estético-ético) reportagem, da transcrição objetiva, quanto mais 11e avizinha fiel, impessoal, de fatos v s. Nesse contexto, pode até volverse autêntica reportagem ou to, mas isso implica o enfraquecimento de suas cara · básicas. É o caso, por exemplo, da ficção engajada. Cedendo à tentação de reportag~ o romance corre o risco de perder-se, neutralizar-se, xaurir-se camo tal; e no enlace com a poesia beira a incaracteim'.-io, por exagero de suas virtualidades essenciais. O romance ne a espelhar mecanicamente a vida, em seu dia-a-dia eottiq - nega-se a ser reportagem, e ao mesmo tempo repele a gração no magma poético pela subjetivação p1ena. Quer-se ço intervalar entre os dois abismos tentadores: sonda-lhes as , absorvendo-lhes os ingredientes que possam enriquecer o plasma vital, sem despencar em nenhum deles. O romance consiste, nwn espelllo em que a realidade se reuma escala que principia na reportaflete e se recria, ao longo gem. e finaliq na poesia. or outros termos, o romance "vê" o mundo como wn relevo , ao mesmo tempo que o (re)constrói: descortina-lhe e{ou inventa · a transparência, que o simples reflexo não surpreende. Opaci de e transparência, já equacionadas no tópico da metáfora, discu · ,o no capítulo do fenômeno poético (v. A Criação Literária. Poes ), se impõem de novo, como as duas dimensões ''físicas'' em a realidade se manifesta no corpo do romance. O entendimento dess laridade, simétrica das anteriores poesia e reportagem, re o e recriação - implica wn excurso histórico que nos há de l<>JlldlllZir' ao exame das relações entre romance e imaginação. A os ter ficado claro quando esbo338
tando-se duma fôrma em fonnar-se desde o nascicausa no momento, é de e subjaz um processo inino romance evolui, na da s situá-las em seu percurso ce abranger a totalidade " se esgota por meio da outra ''totalidade'' para ure não sem promover a , sujeita ao mesmo périplo, progresso, baseado numa e procurada, e, portanto, " parcial e provisória (do · as virtualidades do real, o que seria utópico, visto que tal ro , a existir, se confundiria com a própria realidade do mundo),! - podemos entrever dois momentos na história do romance: 1) até certo ponto de seu evolver ·stórico, o romance reproduzia, organizada e desenvolvidamen a realidade; empregava a imaginação plástica, que reflete o r concreto, de modo que o texto e a realidade parecessem uma só tidade, em que a representação mental (imagem) correspondia · erencialmente a objetos do mundo exterior; grosso modo, tal está ·o prevaleceu até o Realismo, em que pese às diferenças deste mo · ento com o Romantismo; 2) a partir do Simbolismo, o caos realidade é progressivaças à imaginação transmente trazido para dentro do romance figuradora, que labora sobre as image ' e que se constitui, desvinculando-as, em princípio, de maiores omprometimentos referenciais, assim preenchendo os vácuos realidade e descortinandolhe e/ou inventando-lhe a face oculta por · da opacidade superficial. O primeiro momento caracteriza-s por conseguinte, pelo fato de o romance substituir a imaginaçã do leitor, oferecendo-lhe espetáculos desejadamente verossúneis ' científicos, que a sua fantasia era incapaz de formular. Passiv o leitor deleitava-se com acompanhar um enredo que lhe desse ilusão de realidade, ainda que rasteira, primária ou artificial: c' · nte de imaginação para desvendar a realidade por conta p.rópri .ou abúlico pàra as empreista a incumbência e a sas da inteligência, transferia ao responsabilidade de enxergar a reali . por ele. A ilusão pretendida cumpre-se nesse circuito de fin ntos tácitos, uma vez que
çamos a evolução do romance que, permanente dinamismo, começou a mento. Restringindo-nos ao aspecto · observar que nessa continua metamorfi terrupto de substituição: em duas · mudança e na da substituição. Ten concomitante e cruzado: buscando o do Universo, quando uma ''totalida construção de uma narrativa, há que b substituí-la, a qual, por sua vez, se ' incursão no rumo de nova ''totalidade e assim por diante. Não obstante es tensão dialética jamais resolvida na s' cada romance oferecer uma ''totali
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o ficcionista engendra o o leitor lhe pede, e este detemrina, com sua expectativa, a ima da realidade que tenciona conhecer. Aqui, ronda o fantasma da rtagem, porquanto o leitor se obriga ens captadas no tecido metafórico do a refazer mentalmente as · texto: sua imaginação funci apenas para traduzir e desenvolver as imagens que o ficcionis abe compatíveis com sua capacidade mental. Do contrário, o c' o vicioso se romperia. Assim proceção às questões sentimentais, o readia o leitor romântico em lista ao defrontar-se com a -o científica da realidade, e o moderou novelas de televisão. no adepto das narrativas · À proporção que aco o caos, o romance aproxima-se da poesia e, sobretudo, da epo ia, mundo de que proveio: o caos gera o absurdo, o insólito, a ia interna, e daí o mítiro, o épico. o ,que haja no romance, nota-se a No entanto, por mais ab presença de uma história de uma ação, e a necessidade do concurso da imaginação d ' leitor, a fim de completar os vazios deixados pelo ficcionista: o itor será tanto mais exigente e culto quanto mais enfrentar e d jar o caos no romance, como a dizernos que a narrativa é que · tomou a realidade a conhecer, não a que se espelha ou se refra nele. O caõs real é convocado para dentro do romance sem so r nenhum processo de organização ou desenvolvimento, como se trabalho do ficcionista se limitasse a (re)produzir o multiforme o real sem lhe emprestar ordem ou desdobramento. , o binômio imaginação e realidade Encarado doutro pri guarda recantos insuspeita , cuja evidenciação anula o aparente contra-senso que permeia · anteriores considerações. Para sondálos, acentuemos o fato de membro da referida equação situarse em dois níveis, a saber: o se fala em imaginação, pensa-se na do romancista que cong · ou uma narrativa, e na do leitor; e por realidade entende-se o 1mundo concreto bem como o que se detecta nas malhas do ro ce. Assentes tais pontos, compreendese que o ficcionista ro ~ co e o realista utilizassem a fantasia para urdir enredos em to 'o de situações observadas, não raro autobiográficas (como en . os romântioos), de modo que, no tocante à história inventada, · tavam distantes da realidade, muito embora próximos dela nos dos referenciais: e é pela intriga que tinham a adesão do leitor, -o pelos dados. Aqui, a realidade do mundo se empobreceu . ue se organizou, segundo princípios artificiais, que atentam para a superfície dos fenômenos que para sua essência. 1
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Em contrapartida, o romance mo o (re)produz o real como caos porque sabemos que ele assim se presenta e que somente se organiza por um esforço imaginativo u racional. Mais ainda: a imaginação depara, nessa conjuntura, sua máxima dificuldade, porquanto se vê impelida a (re)prod a anarquia do mundo, a divisar o fragmentário da realidade e a pô-lo, não como reflexo num espelho, mas como a criação um universo paralelo: a Literatura, sabemo-lo bem,,,é a criayão uma para-realidade. Tudo se passa como se a imaginação do ficci "sta reproduzisse o mecanismo gerador do caos que pulsa no · · rior da matéria. A imaginação não descansa na contemplação superfície do real e no arranjo dos seus componentes; ao inv , responde ao desafio do caos em todas as esferas onde se e ontra: somente poderosas imaginações são capazes de aceitar o e sair ilesas do combate com a anarquia do mundo. Quando o c. eguem, recriam um caos simultâneo ao do mundo, onde o leitoi,t culto se debruça para melhor compreender-se e compreender a ·dade circundante. Realiza-se, desse modo, o superior destino romance e da própria arte literária como forma de conhecimento. ·
6. GRÁFICO DO ROMANCW-'>6 a um gráfico, impresmance, temos o seguinte:
Reduzindo as observações prece cindível ao entendimento da estrutura d
e simultaneidade dramática
diálogo
}
prnseutes, e às ve.:zes, mesclados (diálogo interior)
206 V. nota ao gráfico do conto.
341
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Índi ' de Nomes
Afrodisia, Cariton de: 104 Agostinho, Santo: 180 Alain: 305 Alberes, M.: 315, 331, 332 Alemán, Mateo: 108, 139 Alencar, José de: 24, 110, 141, , 186, 188, 189, 190, 191-192, 93, 239, 250-251, 257, 262, 269, 84, 285, 299, 307-308, 332 Alighieri, Dante: V. Dante Ali Allen, Walter: 244 Allot, Miriam: 286 Almeida, Fialho de: 35, 46-47 Almeida, Manuel Antônio de: 11 ' 117, 140, 190, 287 Almeida, P. Teodoro de: 109 Almeida Prado, Décio de: V. P Décio de Almeida. Alphonsus, João: 36 Alvarenga, Lucas José de: 110 Alves, Castro: 266 Alves, Francisco: 29, 75 Alves, Manuel: 77 Alves Redol: V. Redol, Alves. Amado, Jorge: 111, 150, 165, 1 201, 239, 262, 284, 310 Andrade, Carlos Drummond de: . 88 Andrade, Mário de: 36, 140 Andrade Muricy: V. Muricy, tu.1!1rdl.ie Andrade, Oswald de: 140, 324
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Anjos, Ciro dos: 140 Antunes, David: 140 Antunes, Lobo: 164 Apuleio: 33, 105, 186 Aranha, Graça: 164 Araripe, Ir.: 21 Arinos, Afonso: 35, 77, 78, 80, 172 Aristóteles: 180, 335 Assis, Machado de: 21, 31, 35, 41, 49, 55, 58, 59, 60, 61, 64, 68, 70, 71, 79, 80, 81, 82, 90, 91, 92-93, 95, 110, 164, 172; 183, 186, 205-206, 209, 213, 214, 215, 221, 228, 239, 254,255,287,289, 290, 302, 312 Astre, Georges-Albert: 326 Aulete, Caldas: 29, 253 Aulnoy, Mme. d': 34 Austen, Jane: 160 Azevedo, Aluísio: 37, 110, 164, 194-195, 23a-239, 275, 310, 332 Azevedo, D. João de: 109 Bader, A.L.: 27, 96 Baker, Sheridan: 23 Bakhtin, Mikhail: 136, 186, 263, 276 BalZll'C, Honoré de: 22, 35, 77, 109, 142, 160, 164, 167, 169, 175, 186, 187,275,287, 330, 332 Bandello,Matteo: 30, 34 Barreira, Domingos: 30
Barreto, Lima: 140, 164 Barros, João de: 124 Barthes, Roland: 58 Bates, H. E.: 32, 35, 51, 66 Benfey, Theodor: 32 Bergson, Henri: 183, 198, 202, 205 Bernardes, Manuel: 78 Bessa-Luís, Augustina: 164, 205, 313 Bluestone: 328 Boccaccio:20,30,34,36, 107,136-137 Bonnet, Henri: 227, 306, 307 Bonheim, Helmut, 40, 64, 84 Booth, Wayne C.: 21, 42, 69 Bordalo, Francisco Maria: 109 Borges, Jorge Luís: 36 Bourget, Paul: 245 Bourneuf, Roland: 185, 235, 283 Bory, Jean-Louis: 328, 330 Botelho, Abel: 164 Bowen, Elisabeth: 21, 87 Branco, Camilo Castelo: 20, 30, 109, 113, 116, 120, 121, 124, 128, 131, 139, 141, 149, 155, 164, 190, 266, 284-285, 320 Bray, René: 335 Braziller, George: 167 Bremond, Claude: 32 Brewer, D.S.: 40 Broch, Hennann: 162 Bronte, Charlote: 160 Brooks, Cleanth: 66, 70 Broth, Wayne: 213 Butor, Michel: 291, 306
r, G.R.: 21 rton: 141 ·e, Agatha: 141 : 19 Barrett H.: 32 o, Jacinto do Prado: 109, 119, 142 , José Francisco Trindade: 35 Neto, Henrique: 35, 164, 240 ras, Jerônimo: 107 r, James Fenimore: 140, 164 · , François: 75 , Gustavo: 306 Co u, Nelly: 231, 238, 239, 255, 267, 2 ' 275, 300, 302, 303 Co ' ille, Pierre: 160 , Hermenegildo: 142 , João de Araújo: 36 , Julio: 27, 46, 53 ', João de Andrade: 109, 141 Flávio Moreira da: 291 'J.: 235 o, Galeão: 140 Ribeiro: 36
Caeiro, Alberto: 53 Cailois, Roger: 21, 317, 319, 323 Caldéron: 105 Camões, Luís de: 116 Cape, Jonathan: 232 Cardoso, Lúcio: 165 Carlos Magno: 135 Carpeaux, Otto Maria: 28 Carvalho, Alfredo Leme Coelho de: 283 Carvalho, Maria Judite de: 36, 87 Castilhos, Júlio de: 153 Castro, Ferreira de: 56, 164 Cela, Camilo José: 129, 131 Cervantes, Miguel de: 34, 105, 107, 136, 139, 145 Chaucer, Geoffrey Keith: 34
Dele , A.-J.: 20 Dic , Charles: 160, 232, 329 Dil , Wilhelm: 283 úlio: 38, 63, 164, 186 , Antônio: 105 rancesco: 34 vski, Fedor: 22, 161, 166, 204, 326, 332 Do , Autran: 68, 165 Doyle Conan: 70, 141 Duc Oswald: 235 Druo ' Maurice: 110, 140 Duj , Edouard: 244, 245 D Alexandre: 140-141, 172 D Filho, Alexandre: 164 Durão José de Santa Rita: 314
Sousa: V. Sousa, João da Cruz e. , J. A.: 23 -Garcia, Eugene: 50
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Edel, Leon: 204 Éfeso, Xenofonte de: 105 Einstein, Albert: 185 Eliade, Mircea: 185 Elio~ George: 160, 293 Eliot, T.S.: 322 Escobar, Frei Antônio: 109 Escobar, Gerardo: V. Escobar, F Antônio. Escrich, Henrique Pérez: 108, 17 Esenweim, J. Berg: 24, 74 Esopo: 33, 78 Espinel, Vicente: 139 Eugenianus, Nicetas: 105 Everett, Peter: 291 Faria, Almeida: 164 Faria, Octávio de: 150, 165, 168 Faulkner, William: 162, 269, 324 29 Pedro: 34, 63, 78 Fénelon, François: 108, 109 Ferreira, Aurélio Buarque de H : 29 Ferreira, Vergilio: 164, 170, 205, 39, 291, 310 Féval, Paul: 142 Fielding, Henry: 109, 140, 160, l 7 Figueiredo, Fidelino de: 241 Filho, Adonias: 165 Fioretti, Benedetto: V. Niieli, U Flaubert, Gustave: 35, 160, 191, 205, 286, 287, 292, 332 Fleming, Ian: 141 Flores, Juan de: 137 Florian, Jean Pierre Claris de: 1 Fonseca, Branquinho da: 36, 43, Fonseca, ~uelda: ~6, 310 Fontes, Martins: 30 Fontoura, João Neves da: 153 Forster, E.M.: 21, 51, 170, 229, 265, 282 Foucault, Michel: 170 France, Anatole: 36, 80, 240 Frank, Joseph: 179 Freedman, Ralph: 86 Friedrnan, Nonnan: 42, 283 Friedrich, Klaus: 20 Frye, Northrop: 23 Furetiere, A.: 19
348
Gaio, A. da Silva: 109, 141 Gama, José Basílio da: 314 Gama, Arnaldo: 109, 141 Garcia, Nunes: 142 Garcia, Othon Moacir: 56 Gard, Roger Martin du: 110 Gardes, Roger: 40 Garrett: 109, 141, 164 Gauteur, Claude: 325, 326 Gautier, Théopbile: 35 Genette, Gérard: 58 Gessner, Salomon: 136 Gide, André: 161, 169, 232, 241 Godoy Ladeira, Julieta de: 68 Godol, Nicolau: 35, 161 Goldman, Lucien: 21, 283 Gomberville, Martin Le Roy de: 138 Górki, Máximo: 36 Goyanes, Mariano Baquero: 30, 31, 40, 104, 291 Grabo, Carl H.: 21, 74 Graça~: V. Aranha, Graça. Grass, Günter: 40 Greimas, A.J.: 235 Grimm, Jacob: 32 Grimm, Wilhelm: 32, 227 Gual, Carlos García: 104 Guarini, Battista: 136 Guenier, Nicole: 30 Guevara, Luís Vélez de: 134 Guimarães, Bernardo: 110, 160, 172 Gusdorf, Georges: 185 Gusmão, P.e Alexandre de: 109 Hãgg, Tomas: 105 Hamilton: 34 Ramon, Philippe: 58, 59 Hardy, Thomas: 160, 287 Harvey, W.J.: 232 Hawthorne, Nathaniel: 45 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich: 314, 315, 319 Heidegger, Martin: 54 Hernemann, William: 32 Heliodoro: 105 Hemingway, Ernest: 36 Henry, O.: 36 Heráclito: 202
Herculano, Alexandre: 31, 35, 109, 140, 145, 164, 294, 299 Hibbard, A.: 23, 230 Hirsch, E. D.: 26 Hoffmann, Ernst Theodor Amade1t1S: 35, 80 Hogan: 142 Holanda, Gastão de: 140 Holman, C.H.: 23, 230 Homero: 317 Hourticq, Louis: 304 Huet, P.-D.: 19 Hugo, Vítor: 140 Humphrey, Robert: 56, 204, 244, 245, 247 Huxley, Alclous: 162, 225, 229, 241, 278, 324 Jacob: 142 James, Henry: 21, 205 James, \Villiam: 205 Jasinski, René: 138 Jiménez, Juan Ramón: 226 Jalles, André: 33 Jorge, Lídia: 164 Joyce, James: 22, 23, 36, 162, .172, 204, 225, 241, 245, 278 Jung: 40, 185 Júnior, R. Magalhães: 74, 78
eto: V. Barreto, Lima.
nnan: 24, 32, 35, 73, 74 varo: 19 : 36, 68, 165, 205 Irene: 36 r, Clarice: 49, 51, 56, 75, 165, 205, 220, 222, 225, 226, 234, 246, 247, 248, 252,256, 259, 281,289,290, 291, 297, 313 Monteiro: 36, 140 - cisco Rodrigues: 21, 30, 108, 137 105, 136 emão: 325 osé Garcia: 140 eto, Simões: 35 , Chaves: 28 , Coelho: 109, 141 ' Percy: 21, 282 : 105 Georg: 21, 169, 260, 314
Kafka, Franz: 36, 162, 312, 313 Kant, Emmanuel: 180 Kayser, \Volfgang: 266, 283 Kazin, Alfred: 266 Kellog, Robert: 230, 283 Kipling, Rudyard: 75, 80, 226 Koskimies, R.: 21 Labarthe, A.S.: 330 La Bruyere, Jean de: 230 La Calprenede, Gautier de: 138 Ladeira, Julieta de Godoy: V. Gocloy Ladeira, Julieta de. Lafayette, Madame de: 108, 138, 160, 330 La Fontaine, Jean de: 33, 63, 78 Lang, Andrew: 32 Langlois: 19 Larbaud, V aléry: 244
, Niccolo: 169 , Pierre de: 139, 160 ºogo: 174 1, Jean-François: 34, 78 , Brander: 21, 24, 40 , Guy de: 35, 37, 61, 75, '287
349
Mauriac, Claude: 177, 178 May, Charles E.: 27, 39, 96 May, Rollo: 167 Medeiros, Borges de: 153 Me.ndilow,A.A.: 126, 188,204,2 ,211 Mendonça, A.P. Lopes de: 109 Merimée, Prosper: 35 Meyerhoff, Hans: 180, 184, 202; Michaud, Guy: 268, 333 Miguéis, José Rodrigues· 36, 1 Milton, John: 314 Miralles, Carlos: 105 Moliere: 230 Montalvo, Luís Gálvez: 107, 13 Montandon, Alain: 40 Monteiro, Adolfo Casais: 309 Montemor, Jorge de: 107, 109, 1 Montépin, Xavier de: 108, 172 Moravia, Alberto: 39 Moreno, Armando: 21, 74 Mourlet, Michel: 328, 330 Muir, Edwin: 21, 153-154, 298, 302, 304 Muller, Max, 32 Musil, Robert: 162 Mussete, Alfred de: 31 Namora, Fernando: 140, 150, 1 Nantet, Jacques: 325 Nascentes, Antenor: 29 Nashe, Thomas: 139 Navarra, Margarida de: 27, 34 Nelson, T.: 32 Nodier, Charles: 35 O'Faolain, Sean: 21, 50, 81, 82 Olímpio, Domingos: 164 Oliveira, Carlos de: 164, 310 Oliveira Martins: V. Martins, Orico, Osvaldo: 140 Oriente, Fernando Álvares de: Orta, Teresa Margarida Silva e· .109 Ortega y Gasset, José: V. G , J. Ortega y. Ortigão, Ramalho: 142 Ouellet, Réal: 185, 235, 283 Ouville, d': 34 Pabst, Walter: 21, 103
350
Padrón; Juan Rodríguez del: 107, 137 Paiva, Oliveira: 86 Parabosco, Girolamo: 21 Passos, John dos: 324, 329 Patrick, Walter R.: 50 Pedro, Diego de San: 107 Pelayo, Menéndez: 21, 32, 105, 136-137 Pena, Cornélio: 165 Perec, Georges: 291 Pereira, Antônio Maria: 29 Pereira, Nuno Marques: 110 Pereira, S. M.: 149 Perkins, George: 23 Perrault, Charles: 34, 227 Perry, Ben Edwin: 104, 136 Pessanba. Camilo: 215 Pessoa, Fernando: 30, 185, 281, 311, 322 Petrônio: 33, 105, 186 Piiion, Nélida: 68 Pinto, Júlio Lourenço: 164 Pires, José Cardoso: 164, 205 Piron, Alexis: 34 Plínio, o Moço: 33 Plotino: 180 Poe, Edgar Alan: 20, 31, 35, 45, 80, 81, 82, 84, 141 Pompéia, Raul: 164, 228, 238, 287, 310 Pouillon, Jean: 283 Prado, Décio de Almeida: 332, 333 Prado Coelho, Jacinto do: V. Coelho, Jacinto do Prado. Pratt, Mary Louise: 38 Prestes, Luís Carlos: 153 Prévost, Abade: 108, 139, 160 Prodomus, Theodorus: 105 Propp, V.: 21, 32, 37, 235 Proust, Marcel: 22, 110, 161, 172, 175, 176, 187, 205, 221, 225, 241, 278, 313, 325, 329 Pudovkin, Vsevolod: 323 Queen, Ellery: 141 Queirós, Eça de: 35,38,48,59,60, 83, 90, 142, 164, 186, 239, 253, 258, 270,275,281, 301 Queirós, Raquel de: 198 Queirós, Teixeira de: 164 Quental, Antero de: 266 Quevedo,Francisco: 34, 108, 139
Rabelais, François: 107 Racine, Jean: 105 Radcliffe, Ann: 142 Ramalho Ortigão: V. Ortigão, Ramalho. Rarnos,
aquimNorbertoSousae: 31, 110 ebelo da: 109, 140 ·o, A. da: V. Gaio, A. da Silva. Georges: 141 João Gaspar: 181, 243, 332, 335 , Michele: 30, 32 , Tobias: 140, 160 de Passos: V. Passos, Antônio to Soares de.
Saint-Pierre,Bemardinde: 108, 136, 139 Sannazz.aro, Iacopo: 107, 136 San Pedro, Diego de: 107-108, 137 Santa Catarina, Fr. Lucas de: 109 Santa Rita Durão, Frei José de: V. Durão, Frei José de Santa Rita. Santos, Fernando R. P.: V. Cavalheiro, Edgard. Saraiva, Antônio José: 301 Saramago, José: 164 Sarraute, Nathalie: 329 Sartre, Jean-Paul: 170, 171 Scarron, Paul: 108
351
Tchecov, Anton: 27, 28,35, 50, Teixeira e So1..1Sa: V. Sousa, Gonçalves Teixeira e. Teixeira, Bento: 314 Teles, Lígia Fagundes: 65, 68 Teócrito: 107 Terrail, Ponson du: 108 Tesniere, L.: 235 Thackeray, William: 140, 160 Thibaudet, Albert: 21, 305 Thrall, W. F.: 23,230 Todorov, Tzvetan: 235 Tolstoi,Leon: 22, 140-141, 161, Tomacbevsld, B.: 238 Torga, Miguel: 36 Trancoso, Gonçalo Femaodes: Trevisan, Dalton: 27, 36, 43, 98, 99-100 Trindade Coelho: V. Coelho, J Francisco Trindade. Trollope,Anthony: 260 Turguenieff, Ivan: 161 Twain, Mark: 227 Urfé, Honoré d': 108, 138 Uspensky,Boris: 283
Varga, A. Kibédi: 235
352
84
, 287
Vargas, Getúlio: 153 Vasconcelos, Jorge Ferreira de: 124 Vasconcelos, Teixeira de: 109 Vaz, Leo: 140 Vega, Lope de: 105, 107 Veiga, J. J.: 313 Venier, Jean: 32 Vergilio: 107 Veríssimo, Érico: 111, 121, 122, 123, 150-151, 153, 165, 278 Veme, Júlio: 236-237 Vidocq: 142 Vieira, José Geraldo: 165 Voltaire: 78, 79
Wahl, Jean: 180 Walpole, Horace: 142 Warren, Austin: 137, 258, 304 Warren, Robert Penn: 66, 70 Wellek, René: 20, 137, 258, 304 Westland, Peter: 238, 243, 256, 259 Wharton, E.: 21 Woolf, Virgínia: 36, 162, 225, 241, 278, 329 Zola, Émile: 110, 142, 160, 168, 293, 316, 332 Zoran, Gabriel: 179, 186
,
lndice de As untos
Ação -
(A): no conto: 40-43. na novela: 113-115. no romance: 172-176. Animais (como personagem): 226-227. Ângulo visual: V. Ponto de vista. Antagonistas (V. Personagens): 229, 235 Anti-herói: 319-320. Argumento: 266. Assunto: 266. Autor implícito: 283n. Caráter (V. Personagem): 231. Caricatura: 230. Chronotopos: 186-187. Cinema e romance: 323-331. Começo e epílogo: - no conta: 81-85. - na novela.: 128-132. - no romance: 292.-297. Conto (O): 29-101. - a palavra "conto": 29-31. - histórico da: 32-36. - conceito e estrutura: 374@. - as unidades: 40-52. - de ação: 40-43. - de espaço: 43-44. - de tempo: 4445. - de tom: 4549. - personagens: 50-52.
-
trutura: 52-53. uagem: 53-65. - "álogo: 54-57. - : 57-58. "ção: 58-62. rtação: 62-65. : 65-66. to de vista: 66-72. tividade: 69., de conto: 73-80. o de ação: 74-75. to de personagení: 75-77. to de cenário ou atmosfera: -78. nto de idéia: 78-80. . o de emoção: 80. e epílogo no conto: 81-85. to, poesia e teatro: 85-88. to e cosmovisão: 811-90. 'fico do conto: 101. . - : 88-90, 146-150, 336-341. Crian (como personagem): 227-228.
conto: 58-62. novela: 121-124. romance: 254-262. personagem: 252-260. cenário: 260-262. Deuter.!koIJlis"1tas (V. Personagens): 229, 235.
353
- da novela: 120-125. Diálogo: - do romance: 239-264. - no conto: 54-57. - linguagem literária e linguagem - direto (ou discurso direto): 5 falada: 240-242. - indireto (ou discurso indiret 55. - indireto livre (ou discurso li ): 56. Mecanismo da criação (no romance): - (ou monólogo) interior: 56. 235-239. - na novela: 120-121. Memória: - no romance: 243-248. - voluntária: 203. Discurso: - direto: 55. .. - invobmtária: 202. ~PMlegiado (no conto): 41, 42. - indireto: 55. · Monólogo interior: V. Diálogo. - indireto livre: 56. Mundivivência: V. Cosmovisão. Dissertação: - no conto: 62-65. - na novela: 124-125. Narração: - no romance: 260-264. - conceito: 57 - no conto: 57-58. Enredo: 266. - na novela: 121. Epopéia e romance: 313-322. - no romance: 248-252. Espaço (O): Narrador suspeito: 283n. - no conto: 43-44. Novela (A): - na novela: 117-118. - a palavra "novela": 103-104. - no romance: 176-179. - histórico da: 104-111. Especificidade cinematográfica: 3 331. - conceito e estrutura: 112-146. Especificidade romanesca: 324-33 - ação: 113-115. Estrutura: - tempo: 115-117. - do conto: 52-53. - espaço: 117-118. - da novela: 112-113. - estrutura: 118-119. - linguagem: 120-125. Foco de narração: V. Ponto de - personagens: 125-126. Foco narrativo: V. Ponto de vista. - trama: 126-128. Fonnas de conhecimento (As e o - começo e epílogo: 128-132. 304-336. - ponto de vista: 133-134. Fônnas em prosa: 19-28. - tipos de novela: 134-142. - histórico: 19-22. - novela de cavalaria: 135-136. - critérios de classificação: 22 - novela bucólica e sentimental: 136-139. Gráfico: - novela picaresca: 139-140. - do conto: 101. - novela histórica: 140-141. - da novela: 154-156. - novela policial: 141. -do romance: 341. - novela de terror: 142. - novela, epopéia e História: 142-146. Heróis: - novela e cosmovisão: 146-150. - características dos heróis na ia - gráfico da novela: 154-156. épica: 319-320. Nouveau roman: 163, 324-325. - anti-herói: 319-320. Intriga: V. Enredo. Linguagem: - do conto: 53-65.
354
Personagens: - o conto: 50-52. - na novela: 125-126. - no romance: 226-239.
- hierarquia e classificação: 229-235. - origem e criação: 235-239. - planas: 229-230. - redondas: 230-231. Planos narrativos: 279-282. Plot: 264. Pluralidade dramática: - na novela: 113-114. - no romance: 172-174. Poesia e conto: 85-88. Poesia e romance: 305-313. Ponto de vista: - no conto: 66-72. - na novela: 133-134. - no romance: 282-292. Presentividade (no conto): 69. Protagonistas (V. Personagens): 229, 235. Realismo lirico: 310-313. Realismo mágico: 310-313. Romance: (O): 157-341. - a palavra "romance": 157-158. - histórico do: 158-165. - romance (em poesia): 157. - conceito e estrutura: 165. - romance "engajado": 170-171. - romance como entretenimento: 170-172. - ação: 172-176. - espaço: 176-179. - tempo: 180-185. - tempo histórico: 182. - tempo psicológico: 183-184. - tempo metafisico, ou nútico: 185. - tempo-espaço: 185-187. - romancedetempohistórico: 187-202. - romance de tempo psicológico: 202-226. - personagens: 226-239. - planas: 229-230. - redondas: 230-231. - mecanismo de criação: 235-239. - personagem projetada e personagem observada: 237-239. - linguagem: 239-264. - diálogo: 243-248. - narração: 248-252. - descrição: 252-260. - dissertação: 260-264.
psicológico, "vertical" ou lítico": 271-272. posição: 272-279. os narrativos: 279-282. nto de vista: 282-292. e epilogo: 292-297. de romance: 297-304. ce de ação: 298-299. cede personagem: 299-301. cede drama: 301-304. ce (o) e as demais formas de imento: 304. ce e poesia: 305-313. ce e epopéia: 313-322. ce lirico: 307-310.
ce e cosmovisão: 336-341. · co do romance: 341. idade dramática (no romance): 75.
Tempo: O):
· conto: 44-45. novela: 115-117. romance: 180-185. po histórico: 182. po psicológico: 183-184. po metafisico, ou nútico: 185. po-duração: 204. : 209, 325. Personagens): 229-230.
355
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A CRIAÇÃO LITE POESIA Massaud Moisés Concebida como uma "introdução à pr lemática da Literatura", A CRIAÇÃO LITERÁRIA, cuja primeira ediç data de 1967, desdobra-se agora em três volumes, o primeiro, dedicado Poesia, os dois restantes, à Prosa, mercê dos vários acréscimos feitos a longo dos anos. O primeiro volume, que ora se reedita, inclui em suas 'ginas um~ extenso capítulo acerca do fenômeno poético. Os três volumes CRIAÇAO LITERARIA, embora autônomos, guardam o mesmo víncu de mútua dependência que os capítulos estabeleciam entre si nas ediçõe precedentes. Eis por que os prefácios deste volume se reportam ao todo da bra e não apenas às questões referentes à Poesia e correlatos. 1 O mesmo ocorre com os quatro primeiro capítulos - "Preliminares", "Conceito de Literatura", "Gêneros literário .' e "Poesia e Prosa" - que, discutindo os fundamentos da problemáf a literária, servem como introdução aos três volumes. Os capítulos s intes "Teoria da Poesia", "Espécies poéticas" e "Fôrmas poéticas" tam especificamente da natureza do poético em suas várias modalidade' . Como adianta no capítulo inicial, o autor ~etivava "oferecer ao leitor não-especializado uma iniciação, uma intr ução ao exame de alguns problemas fundamentais da teoria e filoso a da Literatura". Mas, na verdade, foi muito além desse propósi , construindo uma obra indispensável a todos quantos se interess em repensar as "bases conceituais e terminológicas em que se fund tam os estudos literários". Massaud Moisés, autor de alguns do mais abalizados estudos publicados no Brasil no campo da crítica e • a historiografia literária, é professor titular da Universidade de São Paul' e foi professor visitante em várias universidades norte-americanas.
EDITORA CULT X
TERÁRIA
A CRIAÇÃO PROSA II Massaud Moisés
Por motivos técnicos, as ção dA CRIAÇÃO LITERÁRIA destinada ao exame da Prosa desdobrou- em dois volumes. A PROSA-I abrange quatro capítulos, em tomo dos pro as gerais das "fôrmas em prosa", do conto, da novela e do romance. lém de revistos cuidadosamente, os textos sofreram vários acréscimos, e em nada alteraram, porém, o seu conteúdo. Do mesmo modo, o mat ·al do presente volume - PROSA II - , em tomo do ensaio, da crônica, teatro, da crítica e de expressões lubridas, foi submetido a meticulosa rev . ão, além de receber a adição de um capítulo, consagrado ao estudo da pr a poética, cuja falta se fazia sentir nas edições 1 precedentes. Os dois volumes daPros ' embora autônomos, guardam entre si, e com o volume inicial dA CRIAÇÃ LITERÁRIA, centrado no exame da Poesia, o mesmo vínculo de mútua d endência que os capítulos estabeleciam entre si. Eis por que os prefácios ste volume se reportam ao todo da obra e não apenas às questões referente ' Prosa. Massaud Moisés, auto de alguns dos mais abalizados estudos publicados no Brasil no c po da crítica e da historiografia literária, é professor titular da Universi ade de São Paulo e foi professor visitante em várias Universidades norte1
E ffORA CULTRIX
DICIONÁRIO DE TERMO
LITERÁRIOS
Massaud Moisés (da Universidade de São Paulo)
Uma obra de referência indispensável os que se interessem por literatura, particularmente aos estudantes e p · ifessores de Letras. Em mais de setecentos verbetes, que, de acordo com ai ortância do assunto, podem ir da informação sintética de algumas linhas a pequeno ensaio analítico de várias páginas, o DICIONARIO DE TERM S LITERÁRIOS recenseia gêneros e espécies literárias (poesia, prosa, nto, romance, lírica, teatro etc.), fôrmas literárias (soneto, balada etc.), ermos de retórica e poética (rima, discurso, metonímia, sinédoque e uitos outros), movimentos literários, artísticos e filosóficos (como romantismo, modernismo, surrealismo, existencialismo etc.). A ilustraçã as considerações teóricas é feita, em boa parte dos casos, com exemplos t adas à literatura brasileira e portuguesa, sem que isso signifique esque menta das grandes obras e autores da literatura mundial, trazidos à consideração sempre que oportuno. Quando cabível, oferece-se ao con lente um escorço histórico do assunto versado e orientação biblio · áfica para estudo mais aprofundado.
EDITORA CUI.:
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A LITERATURA P RTUGUESA J
··~
Massaud Moisés
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As sucessivas edições deste o constituem prova cabal da atenção que ele tem recebido de pro~ ores e alunos das nossas Faculdades de Letras, bem como do gran público interessado no assunto. Nele, o dos autores fundamentais, das obras leitor encontrará um rote s da história literária de Portugal; tratados decisivas e dos fatos rele com notável pertinência de Dividido em 17 capít os, A Literatura Portuguesa focaliza · ·smo, o Húmanismo, o Classicismo, o Barroco, o Arcadismo, o · mantismo, o Realismo, o Simbolismo e o Modernismo. Completam o olume, além de uma introdução acerca das caràcterísticas gerais da Lite tura Portuguesa, uma bibliografia de fontes para estudo mais ampliado questões aqui tratadas e um índice de nomes citados, para facili ao leitor a localização de informações específicas. Massaud Moisés é pr essor-titular de Literatura Portuguesa da Oniversidade de São Paul Lecionou também em universidades dos Estados Unidos e é autor de umerosas e importantes obras de história e teoria da Literatura.
"Massaud Moisés exerce con:~rste livro a sua função para-universitária, que é a de levar ao grande públicc !os benefícios de uma divulgação rigorosamente 'científica', capaz de melhoi .r o nosso índice de receptividade literária, a se fazer aos poucos, graças a in~ .ativas deste gênero."
- Revista Anhembi ·
EDITORA CULTRIX
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