PROBLEMATIZANDO MODELAGEM MATEMÁTICA POR MEIO DE UMA SITUAÇÃO-PROBLEMA IDENTIFICADA NA PRÁTICA LABORAL DE UM ENGENHEIRO CIVIL Italo Gabriel Neide1, Márcia Jussara Hepp Rehfeldt 2, Maria Madalena Dullius 3, Wolmir José Böckel 4, Silas Eliseu Koefender 5, Vinicius Barcella Lohmann6 Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar uma prática de modelagem matemática que pode ser explorada no Ensino Superior em disciplinas dos primeiros semestres, em especial, nas engenharias. Trata-se de uma situação-problema oriunda da prática laboral de um engenheiro. Para testá-la foi realizado um pré-teste com diversos alunos que estudam em cursos vinculados às engenharias, bem como com alguns professores atuantes nestes cursos. O propósito foi investigar quais modelos matemáticos emergiriam e se esta situação-problema era significativa para o processo de ensino da matemática. O estudo está embasado em Ausubel (2003), Bassanezi (2002), Barbosa (2001, 2006, 2007, 2008), Biembengut (1997), Burak (1987, 2004), Quartieri (2012) entre outros. As resoluções do pré-teste apontaram que alunos e professores utilizaram diferentes modelos matemáticos. A situação-problema apresentou potencial de problematização. Palavras-chave: Modelagem matemática. Quadrilátero. Engenharia. Cálculo de área.
PROBLEMATIZING MATHEMATICAL MODELING THROUGH A PROBLEM SITUATION IDENTIFIED IN THE LABOR PRACTICE OF A CIVIL ENGINEER Abstract: The objective of this work is to present a practice of mathematical modeling that can be utilized in the Higher Education, in the courses at the beginning stage of the Undergraduate Programs, in particular engineering. It is a problem situation arising from fro m a labor practice obtained in the workplace of an engineer. To explore the practice a pretest was applied with many students who are enrolled in undergraduate courses related to engineering, as well as with some professors working in these courses. The purpose was to investigate which mathematic models emerged and if this problem situation was significant to the process of teaching mathematics. The study is based in Ausubel (2003), Bassanezi (2002), Barbosa (2001, 2006, 2007, 2008), Biembengut (1997), Burak (1987, 2004), Quartieri (2012) among others. The resolutions of the pretest indicated that students and professors utilized different mathematic models. The problem situation showed potential of problematization. Keywords: Mathematical modeling. Quadrilateral. Engineering. Area calculation.
1
Doutorado em Ciências – Professor e Pesquisador do Centro Universitário UNIVATES –
[email protected]. 2 Doutorado em Informática na Educação - Professora e Pesquisadora do Centro Universitário UNIVATES -
[email protected]. 3 Doutorado em Ensino de Ciências. Professora e Pesquisadora do Centro Universitário UNIVATES –
[email protected]. 4 Doutorado em Química Industrial - Professor e Pesquisador do Centro Universitário UNIVATES –
[email protected]. 5 Graduando do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário UNIVATES –
[email protected]. 6 Graduando do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UNIVATES –
[email protected].
INTRODUÇÃO Os proponentes do presente trabalho fazem parte do Programa de PósGraduação no Centro Universitário UNIVATES, especificamente no Mestrado em Ensino de Ciências Exatas, bem como da pesquisa Tendências no Ensino, no subgrupo da Modelagem Matemática. Os professores são oriundos de diferentes áreas, tais como Matemática, Física, Química e Biologia, e em sua maioria possuem uma formação voltada ao Ensino ou Educação. Integram a equipe, ainda, bolsistas de iniciação científica e discentes do Mestrado já citado acima. O objetivo principal dessa pesquisa é o desenvolvimento de propostas de ensino, embasadas e elaboradas utilizando a Modelagem Matemática, visando ao Ensino com características de Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 2003). Quando se considera exclusivamente a Matemática no processo de ensino e aprendizagem, na maioria das vezes, o aluno não consegue estabelecer relações entre os tópicos matemáticos tratados nos componentes curriculares e seu cotidiano. Tendo em vista esse aspecto desenvolve-se a pesquisa anteriormente citada, problematizando esse tema de forma a contribuir com a proposição de projetos docentes que possibilitem a formação continuada de professores e que fomentem, em parte, as tendências nos processos de ensino e aprendizagem. Acredita-se que essa problematização ocorrerá de uma forma mais proveitosa quando considerada sob uma ótica interdisciplinar, possibilitando a produção de sínteses entre diferentes áreas viabilizando a capacidade de criação num contexto múltiplo, motivando uma coordenação independente desses novos significados. Na formação de professores isso se reflete no aperfeiçoamento de suas competências de criação e de autonomia. Essas conexões entre diferentes áreas do saber acabam por se desenvolver ao natural no decorrer da pesquisa como consequência das formações distintas dos pesquisadores desse grupo. A pesquisa também é desenvolvida com base numa compreensão diversificada dos elementos formadores das propostas de ensino. Essa diversificação origina-se nas diferentes perspectivas científicas dos pesquisadores e gera a necessidade de significar os conceitos com um caráter filosófico, de forma a desenvolver a compreensão desses significados visando uma conexão de todas as ciências em questão. Como consequência desse processo, no momento da implementação dessas propostas é necessário que haja um destaque na compreensão significativa dos conceitos formadores dessas propostas,
enfatizado a associação entre as ciências envolvidas, surgindo naturalmente a aprendizagem significativa no processo de ensino e de aprendizagem. No presente trabalho apresenta-se uma proposta cujo mote central são as diferentes formas de calcular a área de um quadrilátero, composto por lados e ângulos diferentes, que representam a área de um terreno. O problema foi levado a alunos de diferentes cursos universitários, bem como professores com diferentes titulações. Obteve-se uma coletânea de modelos matemáticos para o cálculo dessa área, em que se avaliou a eficiência desses modelos e a potencialidade deste problema como uma proposta de ensino em sala de aula. Salienta-se que essa proposta está voltada para o desenvolvimento de diferentes conceitos matemáticos em distintos cursos, esses dependentes das soluções utilizadas. A seguir será apresentado o embasamento teórico para a proposta de ensino mencionada acima, bem como os autores que fundamentam essa pesquisa e a forma de desenvolvimento desse trabalho.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS De acordo com Quartieri e Knijnik (2012), a modelagem matemática surgiu na década de 1960, no Ensino Superior, e expandiu-se na escola básica no período compreendido entre 1980 e 1990, intensificando-se em 2000. Entendem as autoras que essa intensificação deve-se a vários fatos, entre eles, a mudança de concepção do currículo, a inclusão da tecnologia e as orientações oriundas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, espaços de discussões em congressos, eventos nacionais, grupos de estudos e centros virtuais auxiliaram na sua consolidação. No tocante às definições, Almeida e Vertuan (2011, p. 21) comentam que a conceituação e a caracterização de Modelagem Matemática na Educação Matemática têm tido diferentes abordagens e têm sido realizadas segundo diferentes pressupostos em relação às concepções pedagógicas que norteiam as práticas educativas e as estruturações teóricas das pesquisas científicas.
Autores como McLone (1976), Burak (1987), Mendonça (1993), Bassanezi (2002), Biembengut (1997), Barbosa (2001, 2006, 2007, 2008), Lachtermacher (2002), Arenales et al . (2007), entre outros, definem a modelagem matemática com algumas singularidades. Segundo McLone (1976), um modelo matemático é um construto matemático abstrato, simplificado, que representa uma porção da realidade com algum objetivo
particular. Burak (1987) vê a modelagem matemática como um conjunto de procedimentos cujo objetivo é construir um paralelo para tentar explicar matematicamente os fenômenos do seu cotidiano, ajudando o homem a fazer predições e a tomar decisões. Para Mendonça (1993), a modelagem matemática é um processo de sentido global que inicia numa situação-problema na qual se procura a solução por meio de um modelo matemático que traduzirá, em linguagem matemática, as relações naturais do problema de origem, bem como buscará a verificação e a validação ou não dos dados reais . Bassanezi (2002) define modelo matemático como um conjunto de símbolos e relações matemáticas que representam, de alguma forma, o objeto estudado. Segundo Biembengut (1997, p. 89), modelo matemático é “um conjunto de símbolos e de
relações matemáticas que representa, de alguma forma, um fenômeno em questão ou um problema de situação real”. Arenales et al . (2007) conceituam modelo matemático como
sendo uma simplificação da realidade (abstração) de um problema real. Lachtermacher (2002) comenta que os modelos matemáticos apresentam duas importantes características. São elas: (1) o modelo será sempre uma simplificação da realidade; (2) detalhes devem ser incorporados ao modelo para que os resultados atinjam suas necessidades, isto é, que o modelo seja consistente com as informações disponíveis e que seja modelado e analisado no tempo disponível para tal. Barbosa (2007, p. 161) conceitua modelagem matemática “como um ambiente de aprendizagem
em que os alunos são convidados a investigar, por meio da matemática, situações com referência na realidade”.
Analisando-se as citações anteriormente mencionadas, algumas semelhanças podem ser percebidas, entre elas: (1) a modelagem matemática parte de uma situação problema real, do cotidiano, portanto, não fictícia; (2) a modelagem matemática usa a linguagem matemática, ou seja, símbolos na sua resolução; (3) os modelos matemáticos representam parte da realidade, apresentando certo isomorfismo com o objeto estudado e dependem das informações existentes. Ainda acerca das definições sobre modelagem matemática, Caldeira, Silveira e Magnus (2011), embasados em Kaiser-Messmer (1991), classificam os trabalhos desenvolvidos pelos modeladores em duas correntes: a pragmática e a científica. Segundo os autores, o primeiro grupo era constituído de modeladores que se preocupavam com as aplicações da matemática e advogavam pela remoção daqueles conteúdos matemáticos que não fossem aplicáveis em áreas não matemáticas. Já o
segundo grupo, primava pelos trabalhos que utilizavam a modelagem como uma forma de introduzir novos conceitos e buscavam estabelecer relações com outras áreas a partir da própria matemática. Mas há autores que incluem uma terceira categoria, a sociocrítica. Na perspectiva sociocrítica os alunos discutem, entre outros aspectos, o papel da matemática na sociedade. Para o autor o desenvolvimento de competências ou a aprendizagem de procedimentos e conceitos matemáticos, visto em outras perspectivas como propósitos primários, é considerado na perspectiva sócio-crítica como meio para gerar a discussão sobre o papel que os modelos matemáticos podem ter na sociedade (BARBOSA, 2008, p. 48).
De acordo com Barbosa (2008, p. 50), na perspectiva sociocrítica, uma implicação é a recomendação de que os alunos 'leiam' os modelos matemáticos de forma crítica, analisando como os resultados matemáticos dependem do lugar de onde eles são produzidos e como estes últimos são usados (Por quem são produzidos? Que resultados geram na sociedade? A quem beneficia? A quem prejudica? Etc.).
O grupo proponente da pesquisa não tem uma preocupação de se enquadrar em uma ou outra corrente, tampouco discutir qual conceito é o mais adequado para definir modelagem matemática. A essência do estudo está em encontrar situações-problema que despertem o interesse dos alunos e possam favorecer a compreensão significativa de conceitos matemáticos. Acredita-se, como propõe Ausubel (2003), que uma das primeiras tarefas, como professores, é promover a predisposição do aluno para aprender. Desta forma ele relaciona as novas informações, de forma substantiva e não arbitrária à sua estrutura cognitiva, criando assim condições para uma aprendizagem significativa. Para isso é importante trabalhar de acordo com os interesses, expectativas e necessidades dos estudantes. Vários estudos têm apontado que a modelagem matemática pode contribuir no sentido acima mencionado. Quartieri (2012, p. 174-175) ao investigar 84 dissertações e teses encontrou recorrências nos seguintes aspectos: uso da Modelagem Matemática permite ensinar e aprender Matemática de forma contextualizada; uso da Modelagem Matemática desenvolve a criticidade e a responsabilidade do aluno;
uso da Modelagem Matemática desperta o interesse do aluno pela Matemática; a Modelagem Matemática utiliza temas da realidade do aluno; na Modelagem Matemática o trabalho é desenvolvido em pequenos grupos; na Modelagem Matemática o aluno é corresponsável pela aprendizagem (Grifos dos autores).
As recorrências acima mencionadas podem ser sintetizadas num só excerto disponibilizado por Quartieri e Knijnik (2012) a partir da dissertação de Sonego (2009): Concordo com esses e os outros argumentos sobre o uso da Modelagem porque para mim, seu uso contribui para uma aprendizagem contextualizada da Matemática, possibilita desenvolver competências críticas e reflexivas sobre as situações relacionadas à sociedade, sobre a própria matemática como ciência e seu papel nas situações-problema da sociedade [...] No ambiente de Modelagem, o aluno é incentivado a trabalhar em grupo, possibilitando o convívio social e o desenvolvimento do senso de cooperação, responsabilidade, criticidade e comunicação oral entre os membros do grupo.(SONEGO, 2009, p. 21, apud QUARTIERI E KNIJNIK, 2012, p. 1718).
Cabe salientar que fatores como trabalho em grupo, cooperação e responsabilidade são frequentemente citados como itens favoráveis. Isso denota que, em estudos desenvolvidos à luz da modelagem matemática, o aluno torna-se corresponsável pela sua aprendizagem e tem um papel mais ativo. No entanto, enquanto o professor tem pouca experiência, recomenda-se realizar uma modelagem matemática que Barbosa (2001) chama de nível I. Neste caso, a partir de uma situação-problema escolhida pelo professor e devidamente subsidiada por dados qualitativos e quantitativos, os alunos orientados pelo professor resolvem o problema. Com o passar do tempo e com mais experiência, o professor pode passar a incumbência da busca de dados para os alunos. Desta forma, estará atuando no nível II. E, por fim, quando o professor já estiver se sentido mais confortável, poderá optar pelo nível III. Assim, a partir de um tema gerador de escolha dos alunos, eles coletam informações qualitativas e quantitativas, formulam e solucionam problemas. Chaves e Espírito Santo (2011), embasados em Barbosa (2003), Burak (2004), Chaves e Espírito Santo (2007) apresentam o Quadro 1 a seguir com as possibilidades para a Modelagem Matemática na sala de aula. Quadro 1 - Possibilidades para a Modelagem Matemática na sala de aula Etapas do processo
Possibilidade Nível I
Nível II
Nível III
Escolha do tema
professor
professor
prof/aluno
Elaboração da situação-problema
professor
professor
prof/aluno
Coleta de dados
professor
prof/aluno
prof/aluno
Simplificação dos dados
professor
prof/aluno
prof/aluno
Tradução do problema/resolução
prof/aluno
prof/aluno
prof/aluno
Análise crítica da solução/validação
prof/aluno
prof/aluno
prof/aluno
Fonte: Adaptado de Chaves e Espírito Santo, 2011. A partir do quadro pode-se perceber, no detalhamento das etapas, que no nível III há a efetiva participação do aluno e o professor assume o papel somente de orientador. Já enquanto no nível I ele participa apenas nas últimas tarefas que são a resolução do problema e validação da solução. Mas, independente do nível utilizado pelo professor, concorda-se com Barbosa (2008, p. 49), que para uma atividade ser definida como modelagem é “necessário que ela seja um problema para os alunos, ou seja, eles não devem ter estratégias prontas 'às mãos', e ela tenha referência na realidade (ou seja, extraída do dia a dia ou de outras ciências)”.
À luz dos conceitos explicitados acima, será apresentada uma proposta de modelagem matemática, em nível I, que poderá ser desenvolvida com alunos em disciplinas como Cálculo I, Fundamentos de cálculo ou outra em início de curso, em especial, nas engenharias.
A PROPOSTA PARA A SALA DE AULA A situação-problema é oriunda da prática laboral de um engenheiro civil e consiste em averiguar se a área de terras descrita numa antiga escritura está calculada de forma correta ou não. Em outras palavras, o proprietário queria certificar-se da exatidão da área em metros quadrados, caso contrário, quais medidas deveriam ser tomadas para sanar o problema. A partir desta situação, o grupo de pesquisa propõe como primeira atividade a ser desenvolvida na modelagem matemática a leitura e interpretação da escritura. Esta etapa poderá ser organizada em grupos com o auxílio do professor. Segue a adaptação dessa escritura fornecida pelo engenheiro colaborador da pesquisa: Uma área de terras com superfície de 955,40 m² (novecentos e cinquenta e cinco vírgula quarenta metros quadrados), sem benfeitorias, localizada na
Rua X7, Bairro A, Cidade B/RS, distante 56,50 m da esquina com a Rua Y, no quarteirão formado pelas X, Y, Z e W, medindo e confrontando-se: ao leste com extensão de 20,00 m confronta com a Rua X; seguindo no sentido anti-horário faz um ângulo de 90º e segue 48,00 em direção oeste confrontando com terras do Senhor C; faz um ângulo de 89º08’25” e segue
20,00 m em direção sul confrontando com terras do Senhor D; faz um ângulo de 90º51’44” e segue 47,70 m em direção leste confron tando com terras do Senhor E; fechando então o perímetro com um ângulo de 89º59’51”
(ENGENHEIRO COLABORADOR, 2013).
Espera-se que os alunos consigam representar geometricamente de forma semelhante à Figura 1.
Figura 1 – Representação geométrica esperada após a leitura da escritura de terras Fonte: Engenheiro colaborador, 2013
Sugere-se ao professor trabalhar anteriormente a Lei dos Senos e dos Cossenos, o Teorema de Pitágoras e geometria analítica, bem como as unidades de medidas e suas representações. Esta etapa precedente dos conteúdos básicos deve ser trabalhada de forma desfragmentada pelo professor, ou seja, os conteúdos devem ser desenvolvidos de maneira não intermitente e que possam ter uma correlação com a aplicabilidade dos mesmos. Isto pode se dar por meio de aulas expositivas, por exemplo. A próxima tarefa sugerida consiste em calcular a área. Nesta etapa cabe ao professor estimular o grupo de alunos a encontrar a área direcionando-os aos conteúdos 7
Os nomes das ruas, bairro, cidade e vizinhos foram retirados da descrição para preservar o anonimato do proprietário desta área de terras.
utilizando diferentes estratégias e fórmulas. Supõe-se que os alunos explorem a figura de forma que possam calcular a área de diferentes maneiras. Isto pode se dar em grupos distintos ou em cada grupo, de acordo com a preferência do professor. Quando os alunos tiverem obtido a área, é interessante comparar esse resultado com o que aparece na escritura. Também, neste caso, na perspectiva sociocrítica, poderse-ia organizar uma entrevista com a sociedade onde encontramos vários níveis de conhecimento, sobre as diversas formas de se calcular a área. Isto demonstra, de forma filosófica, a importância da ciência e sua aplicabilidade no nosso cotidiano (BARBOSA, 2008). Como a área real difere da área que consta na escritura, pode-se propor a conferência dos ângulos ou ainda qual poderia ter sido o modelo matemático utilizado pelo topógrafo à época da escritura. Por fim, sugere-se que cada grupo apresente os seus cálculos. Neste momento o papel do professor é mediar, por meio de propostas e discussões, o conhecimento desenvolvido pelos alunos com relação aos conteúdos trabalhados e a aplicabilidade destes no cotidiano de um profissional na área da engenharia. No que tange a avaliação, esta pode ser, por exemplo, de forma reflexiva, crítica e participativa, envolvendo alunos e professor durante o transcorrer das atividades ou no final. Salienta-se que o mais importante é o conhecimento que emerge do processo e não o produto, ou seja, o resultado final.
ALGUNS RESULTADOS Com o propósito de investigar quais modelos matemáticos emergiriam e se esta proposta seria significativa para o processo de ensino da matemática foi realizado um pré-teste com dois professores, sendo um deles de Física e outro de Matemática e nove estudantes de engenharia (quatro da Engenharia Ambiental, três da Engenharia Civil e dois da Engenharia de Controle e Automação). Para eles foi entregue o quadrilátero da Figura 1, anteriormente mencionada, e proposta a tarefa de calcular a área. A única recomendação dada para resolver o problema foi a de não consultar professores e colegas. Portanto, sites, livros, materiais de aula de disciplinas em curso ou concluídas estavam liberados para investigação. As 11 resoluções obtidas dos professores e alunos geraram diferentes formas de descobrir a área e que serão explanadas a seguir.
De acordo com o Engenheiro colaborador da pesquisa, o quadrilátero possui uma área de 956,95m². Este resultado ele obteve por meio do Computer Aided Design (CAD), um software utilizado no auxílio à criação, à modificação e à otimização de projetos arquitetônicos. Assim, esperava-se que os resultados encontrados pelos alunos e professores fossem iguais a esse valor. Ainda cabe observar que para preservar o anonimato, os respondentes serão denominados por R 1, R 2 e assim sucessivamente, sem distinção entre professor e aluno e somente algumas respostas serão demonstradas aqui, embora todas sejam comentadas. O método utilizado por R 1 consistiu na divisão do quadrilátero em duas partes, conforme pode ser visto na Figura 2 a seguir. No triângulo denominado de A 1, ele usou
B.h e no triângulo A 2 a fórmula da área de um 2
a fórmula da área um triângulo A =
triângulo qualquer A
Δ
=
a.b.senθ 2
. Ao final R 1 somou as áreas e encontrou o mesmo
resultado, corroborando com o resultado fornecido pelo Engenheiro colaborador.
Figura 2 – Resolução da área do quadrilátero
Fonte: Autores do artigo, 2013.
R 2 partiu do mesmo pressuposto, ou seja, também dividiu o quadrilátero em duas partes. Inicialmente ele observou que A 1 era um triângulo retângulo e calculou a hipotenusa como pode ser visto a seguir na Figura 3.
Figura 3 – Resolução inicial de R2. Fonte: Autores do artigo, 2013.
Em
seguida,
R 2
fez
menção
à
fórmula
de
Heron
a + b + c A = p.( p a).( p b).( p c) onde p = e calculou as áreas dos dois ,
2
triângulos. Por fim, da mesma forma que R 1, somou as áreas, como mostra a Figura 4.
Figura 4 – Fórmula de Heron utilizada por R2. Fonte: Autores do artigo, 2013.
Outro respondente, R3, utilizou duas vezes a fórmula A
Δ
=
a.b.senθ 2
Embora .
não tivesse mencionado que partiu da ideia da divisão do quadrilátero em duas partes, R 3 representou a área desse como uma soma da área de dois triângulos. Desta forma, também encontrou a mesma área de R 1 e R 2. Por fim, a última resposta correta obtida de R 4 foi por meio de uma combinação do uso do teorema de Pitágoras B.h A = , fórmulas de 2
a
sinθ =
2
2
+b = c
cat.op. hip.
,
2
,
área de triângulo com ângulo reto
cos θ =
cat.adj. hip.
e
tanθ =
cat.op. cat.adj
, e,
conversão de graus em DMS (graus, minutos, segundos) para DD (graus decimais). R 4 dividiu o quadrilátero em partes, como pode ser visto na Figura 5 a seguir.
Figura 5 – Resolução de R 4 Fonte: Fonte: Autores do artigo, 2013.
A partir do que foi exposto anteriormente, pode-se observar que houve diferentes formas de responder corretamente a situação-problema. No entanto, também houve alguns equívocos, conforme pode ser visto na resolução de R 5.
Figura 6 – Resolução de R 5 Fonte: Fonte: Autores do artigo, 2013.
Pela fórmula utilizada, pode-se observar que R 5 compreendeu a figura como sendo um trapézio, o que não procede. Esse mesmo equívoco foi cometido por vários outros respondentes com algumas alterações na fórmula, conforme aponta a Figura 7. Cabe salientar que embora o quadrilátero seja “quase” um trapézio e a área encontrada é
muito próxima à área fornecida pelo engenheiro, o cálculo apresenta erro conceitual.
Figura 7 – Erro do Respondente 5 Fonte: Fonte: Autores do artigo, 2013.
Outros erros como fragmentação da figura e suposições indevidas como divisão do quadrilátero em dois triângulos retângulos também ocorreram. Os cálculos e as diferentes fórmulas utilizadas pelos alunos na resolução dessa situação-problema induz os pesquisadores a acreditar que a atividade se constitui numa oportunidade para explorar diversos conceitos matemáticos. Cabe ressaltar que ao utilizar a modelagem matemática, num problema como esse, o professor deve focar no conhecimento que emerge do processo e problematizar as respostas encontradas. Nesse caso, o que mais importa não é fórmula utilizada, tampouco o resultado final. Concordase com Biembengut e Schmitt (2007, p. 6) quando estas afirmam que [...] promover Modelagem Matemática no ensino implica também, ensinar o estudante em qualquer nível de escolaridade a fazer pesquisa, sobre um tema de seu interesse. Assim, além de uma aprendizagem matemática mais significativa possibilita o estímulo à criatividade na formulação e na resolução de problemas e senso critico em discernir os resultados obtidos.
A proposta completa ainda não foi explorada, sendo essa a próxima etapa que a equipe de pesquisadores deverá desenvolver no ano de 2013.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A Matemática não surgiu como ciência pura e sim a partir da necessidade do homem de resolver problemas e explicar a realidade, portanto o ato de modelar faz parte da atividade humana. Neste contexto, considera-se também relevante explorar o processo de modelar em atividades de ensino. Ao trabalhar com Modelagem Matemática é importante ter presente que ao modelar uma situação, o conhecimento matemático vai influenciar ou melhor determinar o processo percorrido, bem como o modelo a ser obtido. Para construir um modelo matemático é preciso saber matemática. Este artigo apresenta um exemplo das diferentes formas de resolução que podem emergir ao abordar-se um mesmo problema. Este fato é justificado, pois cada modelador define o processo a utilizar em função do conhecimento matemático que traz consigo. Os diferentes processos podem gerar diferentes modelos, e diferentes conteúdos matemáticos podem ser explorados em um processo de ensino fundamentado em Modelagem Matemática. No transcorrer do trabalho, solicitou-se que um mesmo problema fosse resolvido por diferentes atores, ou seja, alunos de engenharia e professores (Matemática e Física) e as diferentes formas de resolução ficaram evidentes. A Matemática que emergiu de cada resolução merece ser explorada em uma situação de ensino e neste contexto o mais importante a considerar é o processo e não o produto obtido, conforme também apontado por Caldeira (2007, p. 83): não necessariamente se faz presente um modelo do objeto no final do processo, pois o objetivo principal não é chegar ao modelo, o que importa é o processo que professor e estudante percorrem para alcançar uma situação de tomada de decisão ou compreensão do objeto estudado, claro, fazendo uso da matemática.
Espera-se que as diferentes resoluções para um mesmo problema apresentadas possam orientar trabalhos de Modelagem Matemática e auxiliar professores a
explorarem a matemática de forma mais contextualizada e com base em problemas reais, pois acredita-se que esta é uma necessidade, considerando que uma das principais reclamações dos estudantes é exatamente o fato de não perceberem utilidade na Matemática que é ensinada.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. M. W.; VERTUAN, R. E. Discussões sobre “como fazer” modelagem
matemática na sala de aula. . In: WERLE, L. M. de A; ARAÚJO, J. de L.; BISOGNIN, E. (Org.). Práticas de Modelagem matemática : relatos de experiências e propostas pedagógicas. Londrina: Eduel, 2011. p. 19-43. AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003. ARENALES, M. et. al. Pesquisa operacional . Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. BARBOSA, J. C. Modelagem matemática e os professores: a questão da formação.
Bolema, Rio Claro, n. 15, p. 5-23, 2001. Disponível em:
. Acesso em: 12 dez. 2007. BARBOSA, J. C. Modelagem matemática e a perspectiva sócio-crítica. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2., 2003, Santos. Anais... São Paulo: SBEM, 2003. 1 CD-ROM. BARBOSA, J. C. Mathematical modeling in classroom: a critical and discursive perspective. ZDM. Zentralblatt für Didaktik der Mathematik , Karlsruhe, v. 38, n. 3, p. 293-301, 2006. BARBOSA, J. C. A prática dos alunos no ambiente de modelagem matemática: o esboço de um framework. In: BARBOSA, J. C., CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. de L. (orgs.). Modelagem matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife: SBEM, 2007. Cap. 10, p. 161-174. BARBOSA, J. C. As discussões paralelas no ambiente de aprendizagem modelagem matemática. Acta Scientiae, v.10, n.1, jan./jun., p. 47-57, 2008. BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. São Paulo: Contexto, 2002. BIEMBENGUT, M. S. Qualidade de ensino de matemática na engenharia: uma proposta metodológica e curricular, 1997. 302 f. Tese (Doutorado) Curso de Pós-
Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997. BIEMBENGUT, M. S.; SCHIMITT; A. L. F. Mapeamento das pesquisas sobre modelagem matemática no cenário mundial: análise dos trabalhos apresentados no 14º Grupo de Estudo do Comitê Internacional de Educação Matemática STUDY GROUP, 14 - ICMI. Dynamis (Blumenau), v. 13, p. 11-20, 2007. BURAK, D. Modelagem matemática: uma metodologia alternativa para o ensino de matemática na 5ª série. 1987. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1987. BURAK, D. Modelagem matemática e a sala de aula. In: Encontro Paranaense de modelagem na educação matemática, 1., 2004. Londrina. Anais ... Londrina: UEL, 2004. CALDEIRA, A. D. Etnomodelagem e suas relações com a educação matemática na infância. In: BARBOSA, J. C., CALDEIRA, A. D.; ARAÚJO, J. de L. (orgs.).
Modelagem matemática na Educação Matemática Brasileira: pesquisas e práticas educacionais. Recife: SBEM. Cap. 5, p. 81-97, 2007. CALDEIRA, A. D.; SILVEIRA, E.; MAGNUS, M. C. M. Modelagem Matemática: alunos em ação. In: WERLE, L. M. de A; ARAÚJO, J. de L.; BISOGNIN, E. (Org.).
Práticas de Modelagem matemática : relatos de experiências e propostas pedagógicas. Londrina: Eduel, 2011. p. 65-81. CHAVES, M. I. A; ESPÍRITO SANTO, A. O. Modelagem matemática na escola de aplicação: proveitos e finalidades. In: SEMINÁRIO DE INSTITUTOS, COLÉGIOS E ESCOLAS DE APLICAÇÃO BRASILEIRAS, 5, 2007, Rio de janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2007. CHAVES, M. I. de A; ESPÍRITO SANTO, A. O. do. Possibilidades para Modelagem matemática na sala de aula. In: WERLE, L. M. de A; ARAÚJO, J. de L.; BISOGNIN, E. (Org.). Práticas de Modelagem matemática : relatos de experiências e propostas pedagógicas. Londrina: Eduel, 2011. p. 161-180. KAISER-MESSMER, G. Application-orientated mathematics teaching: a survey of the theorical debate. In: NISS, M.; BLUM, W; HUNTLEY, I. Teaching mathematical
modelling and applications. Chichester: Elis Horwood, 1991. p. 83-92. LACHTERMACHER, G. Pesquisa operacional na tomada de decisões . Rio Janeiro: Campus, 2002.
McLONE, R. R. Mathematical modelling: the art of applying mathematics, in Mathematical Modelling. London: Butterwords, 1976. MENDONÇA, M. C. D. Problematização: um caminho a ser percorrido em educação matemática, 1993. 307 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993. QUARTIERI, M. T. A modelagem matemática na escola básica: a mobilização do
interesse do aluno e o privilegiamento da Matemática Escolar . 2012. 199 f. Tese (doutorado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Programa de Pós-Graduação em Educação, São Leopoldo, 2012. QUARTIERI, M. T. KNIJNIK, G. Modelagem matemática na escola básica: surgimento e consolidação . Caderno pedagógico , Lajeado, v. 9, n. 1, p. 9-26, 2012.