1
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL II CAMILA DE OLIVEIRA MACEDO
O CAPITALISMO TARDIO Cardoso de Mello
Cardoso de Mello trata a questão da industrialização da América Latina como uma industrialização capitalista retardatária. Com o nascimento das economias capitalistas exportadoras, o modo de produção capitalista se torna dominante, porém não se constituem as forças produtivas capitalistas. Isso significa que a reprodução ampliada do capital não está assegurada endogenamente. Portanto, a industrialização capitalista implica no processo de constituição de forças produtivas capitalistas na América Latina. A industrialização capitalista na América Latina é específica por partir de economias exportadoras capitalistas nacionais e por se dar em um momento no qual o capitalismo monopolista se torna dominante em escala mundial. No Brasil, o capital industrial surge como desdobramento do capital cafeeiro: a burguesia cafeeira é a matriz da burguesia industrial. O movimento de capital do setor cafeeiro para o industrial aconteceu justamente nos momentos de expansão do setor cafeeiro, e não durante os períodos de crise. Essa movimentação foi favorecida pelas políticas econômicas adotadas pelo Estado durante o nascimento da indústria como a faculdade concedida aos bancos de se tornarem empreendedores industriais. Em função da imigração em massa havia trabalhadores livres a disposição do capital. Assim como, a reprodução dessa força de trabalho exigia por contrapartida a produção de alimentos e bens manufaturados. Esse capital monetário excedente que é transformado em capital industrial está associado à geração de divisa pelo complexo exportador cafeeiro. Através da acumulação de capital, o complexo cafeeiro criou as condições básicas para o nascimento do capital industrial – oferta de mão de obra e capacidade de importar meios de produção – uma vez que passava por um auge exportador. Nessa fase inicial do nascimento e desenvolvimento da indústria, surge no Brasil predominantemente a indústria de bens de consumo não duráveis. Cardoso de Mello questiona o porquê de a indústria de bens de produção não ter surgido nesse período inicial da
2
industrialização. Segundo o autor, os riscos de investimento em indústrias de bens de produção na economia brasileira nessa época eram altíssimos. Havia uma grande concorrência entre os grandes capitalismos nacionais e a tecnologia da indústria pesada não estava disponível no mercado mundial. A indústria de bens de consumo, por outro lado, demandava tecnologia relativamente simples e disponível no mercado internacional, planta mínima e volumes pequenos de investimentos iniciais. Isso tornava o investimento em indústrias de bens de consumo mais acessível, mais atraente e mais seguro para o capital industrial brasileiro. Cardoso de Mello afirma que o capital industrial e o agrário se articulam de forma contraditória: ao passo que o capital cafeeiro permitiu e estimulou o nascimento da indústria, ele impõe limites estreitos à acumulação industrial. A produção do café gerava uma demanda por alimentos e bens de consumo assalariados que era atendida através da produção interna. Entretanto, a maior parte da acumulação de capitais do complexo cafeeiro acontece no mercado internacional. Assim, o capital industrial era dependente do capital cafeeiro não somente porque estava ligado à capacidade de importar gerada pela economia cafeeira e era incapaz de gerar seus próprios mercados, mas também era dependente pelo lado da acumulação, o que implica na ausência de forças produtivas capitalistas. Desse modo, a economia brasileira ocupa uma posição subordinada na economia mundial capitalista duplamente determinada – pelo lado da realização do capital cafeeiro e pelo lado da acumulação do capital industrial – e resultante da não constituição de força produtivas capitalistas. Os anos entre 1888 e 1933 são caracterizados como o período em aconteceu o nascimento e a consolidação do capital industrial. Havia uma agricultura mercantil de alimentos e uma indústria de bens de consumo assalariado. Cardoso de Mello destaca que, a partir de 1933, tem inicio uma nova fase da industrialização: a acumulação de capital adquire outro padrão. Até 1955, ocorre um processo de industrialização restringida, uma vez que há um movimento endógeno de acumulação contraposto por bases técnicas e financeiras de acumulação insuficiente para a implantação imediata do núcleo fundamental da indústria de bens de produção. Ou seja, o setor industrial deixa de ser dependente da economia cafeeira pelo lado da realização dos lucros, mas a capacidade para importar continua a impor limites à acumulação industrial. Cardoso de Mello destaca que, historicamente, a indústria pesada não surge a partir da expansão do mercado interno de bens de consumo final, mas está aliada ao apoio estatal, ao grande capital bancário e à grande inovação. Na economia brasileira, a expansão da indústria já
3
existente de bens de consumo assalariado representava uma oportunidade de baixo risco e lucrativa de investimento para o capital industrial. Além disso, a ação econômica estatal era limitada pelo próprio padrão de acumulação industrial. O autor destaca que os problemas de mobilização de capital e da capacidade de importação poderiam ser superados com facilidades caso o grande capital estrangeiro investisse no Brasil. Contudo havia importantes fatores que impossibilitavam esse investimento. Os anos entre 1930 e 1946, marcados pela Grande Depressão, foram desfavoráveis à exportação de capitais: o grande capital oligopolista das economias centrais passou por restrições financeiras; o investimento interno absorvia a maior parte do capital monetário excedente. No período seguinte, durante a pós-depressão, os Estados nacionais – vários sob regimes autoritários – centralizaram ainda mais o financiamento à acumulação de capital. Entre 1956 e 1961, um novo padrão de acumulação industrial demarca um processo de industrialização pesada, caracterizada por um salto tecnológico que permitiu que a capacidade produtiva se ampliasse muito a frente da demanda preexistente. Esse processo exigiu, como prérequisito, um grau de desenvolvimento do capitalismo e a ampliação das bases técnicas de acumulação que se realizou durante o período de industrialização restrita. Cardoso de Mello destaca que essa industrialização não poderia deixar de estar apoiada na ação estatal e nos investimentos estrangeiros na forma de capital produtivo. O Estado teve um papel decisivo ao investir em infraestrutura e em indústrias de bases que atraíram o capital estrangeiro privado. Porém, sua ação mais importante foi estabelecer as bases da associação com a grande empresa estrangeira, concedendo favores e estabelecendo um esquema de acumulação. A grande empresa estrangeira investiu na indústria brasileira não apenas pelos incentivos estatais, mas principalmente pela dinâmica da competição oligopólica nos países centrais, que já atingia o nível de expansão oligopólica a escala mundial. Apesar da entrada do capital estrangeiro, a industrialização pesada também favoreceu a expansão do capital industrial nacional. Além das indústrias de bens de consumo terem se favorecido do crescimento da massa de salário, as indústrias de capital estrangeiras de bens de produção demandavam empresas nacionais como fornecedoras e distribuidoras.