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aula VARIAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA: TIPOS
o nal desta aula, você deverá ser capaz s de: o que a variação variação linguística linguística se v • perceber que i t manifesta de diversas formas; e • identicar os tipos de variação; j b • reconhecer que a variação é um princípio O natural de qualquer língua. A
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AULA 2 VARIAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA: TIPOS
1 INTRODUÇÃO Você aprendeu, na aula anterior, que a Sociolinguística, enquanto disciplina, tem como meta compreender e relacionar heterogeneidade linguística com heterogeneidade social, pois seu pressuposto básico é que a variação linguística é um fenômeno natural e que a língua é inuenciada pelos usos sociais que os falantes fazem dela. Nesta aula, estudará os diferentes tipos de variação, com o propósito de que você compreenda que uma língua, em particular o português brasileiro, não é e não pode ser preconizada como sendo uniforme.
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Variação sociolinguística: Tipos
2 TIPOS DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Basicamente você encontra, nos textos especializados, os seguintes tipos de variação: diatópica; diastrática; diacrônica; sincrônica; diafásica e diamésica. Como dizem Ilari e Basso (2006, p. 152), “essas expressões são à primeira vista estranhas, mas um pouco de etimologia mostrará ao leitor que elas são, no fundo, bastante transparentes”. Vamos então conhecê-las!
2.1 Variação diatópica
ATENÇÃO
Em termos fonéticos, dental é o som produzido com a ponta da língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores, como no caso de [t]; e africada é o som produzido por um bloqueio completo à corrente de ar dentro da cavidade oral, em sua parte inicial, e uma obstrução na parte nal de sua articulação, como no caso de [tch] (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI (2001)). Na disciplina de fonética e fonologia você terá contato com essas e várias outras classicações.
Figura: UAB/UESC
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A variação diatópica (do grego diá = através de; topos = lugar) se caracteriza pelas diferenças que se observam na dimensão do espaço geográco, ou seja, a língua falada em diferentes lugares: numa mesma região, num mesmo estado, num mesmo país, ou em países diferentes. Vamos, agora, estudar dois casos! Você, certamente, sabe reconhecer um gaúcho, um paulista, um carioca, um baiano, um mineiro... pela forma como falam. Estou certa? Poderemos ilustrar essa variação regional com inúmeros casos que afetam os diferentes níveis de uma língua. De ordem lexical: você já ouviu falar em macaxeira, aipim, mandioca, castelinha e pão-de-pobre? E abóbora e jerimum? Ananás, aberas e abacaxi ? Tangerina, mexerica, bergamota, mandarina? Já ouviu expressões do tipo: estão mangando de mim; estão zombando de mim; estão zoando de mim? Todos esses casos são variações que guram no léxico de falantes de diferentes regiões do Brasil. De ordem fonético/fonológica: vamos recorrer a dois casos bastante conhecidos: a realização variável do /r/ e a realização variável dos fonemas /t/ e /d/. A propósito do /r/ em nal de sílaba, por exemplo, em porta, mar , força, um falante do interior de São Paulo o realiza diferentemente da maioria dos brasileiros. Com relação ao /t/ e o /d/, no Sul e em algumas regiões do Nordeste do Brasil, inclusive no interior da Bahia, eles são pronunciados em palavras como leite, dente, pede, rede, em sua forma dental; já, em quase todo território brasileiro, ele é pronunciado em sua forma africada: [leitchi]; [dentchi]; [pedchi]; [redchi]. De ordem morfossintática: você sabe que, para expressar a segunda pessoa do singular, o português dispõe de duas formas pronominais: tu e você. No entanto, deve saber que o tu está restrito a algumas regiões especícas do Brasil, por exemplo, a
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região Sul, mais especicamente Rio Grande do Sul. De modo geral, SAIBA MAIS a forma mais usada é o você, tanto para a segunda quanto para a Para saber mais sobre a variação do “tu” e “você”, terceira pessoa do singular. Em se tratando do tu, vale dizer ainda que leia o artigo de MODESTO, ele é mais recorrente com a forma verbal correspondente à terceira A. T. T., Formas de tratamento no português brasipessoa: tu vai e não tu vais; tu é e não tu és. Você sabia disso? leiro: a alternância tu/você na cidade de Santos-SP , Bem, os fatos demonstrados aqui ilustram a variação dentro no site: http://www.letramagna.com/xerxesartigo. de um mesmo território: Brasil. Agora, ilustraremos a variação que pdf ocorre entre dois territórios diferentes: Brasil e Portugal. Obviamente, são muitas as diferenças que ocorrem entre esses dois espaços. Você já viu um português conversando? SAIBA MAIS Com certeza deve ter percebido inúmeras peculiaridades que o diferenciam de um Conforme Valente (2002), apud Ilari e Basso (2006, p. 159), “nem todas as diferenças entre o PE e o PB resultam do fato de que falante brasileiro. Uma das mais marcantes essas duas variedades têm repertórios de palavras distintas”. Há é a de natureza lexical. Por exemplo, se palavras ou expressões que existem tanto numa como na outra, possibilidade de variação decorre das chamadas “diferenças alguém te pedir uma cerveja de pressão, edeacolocação”. O quadro abaixo ilustra algumas delas: uma pastilha elástica, uma tira-cápsulas, PE PE e PB PB uma arca frigoríca, saberia reconhecer que Teimoso como Que nem a mulher Feito um burro se tratam, respectivamente, de: um chope, uma mula do piolho um chiclete, um abridor de garrafas, um Como uma Falar pelos Mais que o homem gralha cotovelos da cobra freezer ? Se alguém te perguntar se conhece Comprar por uma A troco de reza Por uma micharia o professor reformado ou se sabe onde está pechincha Pescar um Arranjar um o atendedor automático, será que saberia Fisgar um marido marido marido responder? Acredito que não. Professor Pela medida Como um cachorro Apanhar grande sem dono reformado corresponde a professor aposentado e atendedor automático, à Segundo esses autores, o papel dos dicionaristas é secretária eletrônica. Diferentes, não?!!! indicar essas diferenças. Veja, na gura abaixo, mais um caso de variação lexical:
C S E U / B A U : a r u g i F
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2.2 Variação diastrática
ATENÇÃO
Estamos falando aqui de variações do tipo: a) b) c)
Eles são rebeldes X Eles são rebelde. Meus pais são d escendentes X Meus pais são descendente. Os presos foram mandados... X Os presos foram mandado...
Veja a tabela (cf. Vazzata-Dias, 2000) com os números correspondentes à inuência da variável escolaridade na escolha da variante presença de marca de plural: Fator “escolaridade”
%
Primário
21
Ginásio
36
Colegial
64
Variação diastrática (do grego dia = através de; stratum = estrato, camada) corresponde às diferentes formas produzidas por falantes de diferentes classes sociais. Ilustraremos aqui variações que se manifestam na fala de indivíduos com diferentes escolaridades, bem como de alguns casos que caracterizam a chamada variedade não-padrão. Para o primeiro caso, recorremos ao estudo de VazzataDias (2000), que revela a relação direta entre o aumento dos anos de escolarização e o favorecimento da marca explícita de plural no predicativo/particípio passivo no português falado no Brasil: o nível de escolaridade colegial (ensino médio), ao contrário do primário (fundamental I) e do ginásio (fundamental II), favorece mais a forma de prestígio. Para ilustrar o segundo caso, recorremos a letras de duas músicas que retratam os chamados “dialetos caipiras”: uma de Adoniran Barbosa, “Samba do Arnesto”, e a outra “Couro de boi”, de Teddy Vieira e Palmeira, que já foi gravada nas vozes de Tonico, Sergio Reis e outros:
Samba do Arnesto O Arnesto nos convido Prum samba ele mora no Brás Nóis fumo mas não encontremo ninguém Nóis vortemo cuma baita de uma reiva Da outra veiz nóis num vai mais
Como você pode perceber, o colegial (ensino médio) favorece em 64% a regra considerada “correta”. No entanto, o uso não é categórico: ou seja, mesmo os falantes mais escolarizados também usam a forma tida como não-correta: 34%.
No outro dia encontremo co Arnesto Que pidiu descurpa mas nóis não aceitemus Isso não se faz Arnesto Nóis não se importa Mas você devia ter ponhado um recado na porta Um recado ansim ói: ói turma, num deu pra esperá Aduvido que isso não faz má Num tem importância Num faz má Assinado em cruiz porque num sei Escrevê Arnesto
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Couro de boi Conheço um velho ditado desde os tempos dos zagais, um pai trata deis o, deis o num trata um pai, sentindo o peso dos anos, sem podê mais trabaiá, um véio peão estradeiro, com seu o foi morá, o rapaiz era casado, e a muié deu de impricá, você mande o véio imbora, se não quisé que eu vá, o rapaiz coração duro, com o veinho foi falá: para o senhor se mudá, meu pai eu vim lhe pedi, hoje aqui da minha casa, o sinhô tem que saí, leva esse couro de boi, que eu acabei de curti, pra lhe servi de cuberta aonde o sinhô durmi. O pobre véio calado, pegou o couro e saiu, seu neto de oito ano, que aquela cena assistiu, correu atrais do avô, seu palito sacudiu. Metade daquele couro, chorando ele pediu, o veinho comovido, pra não vê o neto chorando, cortou o couro no meio, e pro netinho foi dando. O menino chegou em casa, seu pai foi lhe perguntando pra que você qué este couro, que seu avô ia levando. Disse o menino ao pão, um dia vou me casar o senhor vai cá veio e comigo vem morá pode ser que aconteça, de nois não se cumbiná essa metade do couro, vou dar pro senhor levá.
Como você pode notar, há vários traços típicos da fala nãopadrão em ambas as músicas. Com esses traços, a imagem do caipira é projetada. Temos, então, ilustrada a fala no âmbito diastrático.
2.3 Variação diacrônica A variação diacrônica (do grego diá = através de; khrónos = tempo) é aquela que se verica ao longo do tempo. Para entendê-la, vamos falar um pouco da história do português que você fala hoje. Como você sabe, o português, assim como o espanhol, o italiano e o francês, por exemplo, se originou do latim, a língua da civilização que teve como centro a Roma antiga. Do latim ao português da época da colonização, muito tempo se passou e muitas foram as transformações. Daquele português ao português que você fala e convive hoje, também não foi diferente: muitas mudanças se processaram nos vários níveis da língua. Para ilustrar algumas dessas mudanças, vamos recorrer a alguns fatos. O primeiro se refere a uma transformação do latim para o português; os outros se referem a transformações que se processaram no âmbito do próprio português. Os artigos denidos e os clíticos de terceira pessoa, (o, a, os, as), que você conhece hoje, “nasceram” de um pronome demonstrativo, mais especicamente, ille, em sua forma acusativa,
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VOCÊ SABIA?
Você sabia que as línguas românicas surgiram do latim vulgar? Não foi nem do latim literário nem do latim da Igreja Católica. Mas o que seria vulgar? Seria a forma de aprendizado espontâneo e inconsciente, no ambiente em que as pessoas são criadas, portanto, a forma vernácula. Conforme Ilari e Basso (2006, p. 17), “o latim vulgar foi uma variedade de latim principalmente falada, a mesma que os soldados e comerciantes romanos levaram às regiões conquistadas durante a formação do Império, que foi passada de geração em geração sem ser ensinada formalmente”. Com a fragmentação do Império e com as inuências das invasões “bárbaras”, o que era tido como território linguístico único se transformou num mosaico de falares locais, dos quais alguns ganharam projeção e se transformaram nas línguas românicas que conhecemos hoje: além das que já mencionamos, são línguas românicas: o romeno, o sardo, o reto-românico, o occitano, o catalão e o galego.
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como você pode observar na reconstrução abaixo: Masculino singular: ĭllu > elo > lo > o. Feminino singular: ĭlla > ela > la > a. Masculino plural: ĭllos > elos > los > os. Feminino plural: ĭllas > elas > las > as.
Conforme Tarallo (1994), essa reconstrução se explica da seguinte forma: o /i/ se fechou em /e/; as consoantes geminadas /ll/ foram simplicadas; o /e/ inicial cairia posteriormente; e o /l/, agora inicial, seguindo a evolução fonética normal das consoantes, durante a passagem do latim ao português, teria sofrido queda; originando, assim, as formas que temos hoje: /o/, /a/, /os/, /as/. Você já sabe que, para representar o objeto direto, aquele exigido por um verbo transitivo direto, a língua nos põe à disposição diferentes formas, como as que apresentamos a seguir: a) b) c) d)
João viu Maria. João a viu. João viu ela. João viu Ø.
A propósito de (d), construção com o objeto nulo (apagado), Cyrino (1990a), apud Cyrino (1993), mostra a sua frequência em diferentes séculos, como ilustra a tabela 1 abaixo: Tabela 1: frequência do objeto nulo Séculos
Objetos nulos (%)
Primeira metade séc. XVIII
14,2
Primeira metade séc. XIX
41,6
Segunda metade séc. XIX
23,2
Primeira metade séc. XX
69,5
Segunda metade séc. XX
81,1
Como você pode perceber, o uso dessa variante aumenta com o passar dos séculos. Segundo a autora, esse aumento é decorrente da perda dos clíticos no português do Brasil. A propósito, Tarallo (1983), apud Cyrino (1993), foi o primeiro a apontar a mudança a partir de cinco momentos históricos, como se pode notar na tabela 2 abaixo: Tabela 2: frequência dos clíticos
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Séculos
Clíticos (%)
Primeira metade séc. XVIII
89,2
Segunda metade séc. XVIII
96,2
Primeira metade séc. XIX
83,7
Segunda metade séc. XIX
60,2
Corpus sincrônico (1982)
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Você percebe que, do século XVIII ao século XX, houve uma mudança muito grande em relação ao uso do clítico: enquanto ele era a forma quase que preferida dos falantes na segunda metade do século XVIII (96,2%), no século XX, por sua vez, ele é pouco recorrente (18,0%). Ao seu desaparecimento está associado o surgimento do objeto nulo, como viu na primeira tabela, bem como o surgimento do pronome tônico, como ilustra a tabela 3 abaixo, também de Cyrino (1990), apud Galves (1993):
SAIBA MAIS
Para conhecer outros fenômenos estudados numa perspectiva diacrônica, recomendo a leitura do livro de ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1993. Também sugiro a leitura do livro de TARALLO, F. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994.
Tabela 3: frequência do clítico e do pronome tônico Séculos
Clítico
Tônico
1ª met. XVIII
100%
0%
1ª met. XIX
100%
0%
2ª met. XIX
91,3%
8,6%
1ª met. XX
81,6%
18,3%
2ª met. XX
47,3%
52,6%
Você nota que o clítico, categoricamente, era a forma preferida inicialmente. O tônico, por sua vez, começa a surgir na segunda metade do século XIX e vai aumentando, progressivamente, nos séculos seguintes. Percebe como as pesquisas diacrônicas contribuem para a constatação das mudanças que se processam no interior das línguas? Daí a importância de se considerar o tempo na constatação das variações.
ATENÇÃO
É importante que que claro que não só a língua que falamos hoje é resultado de muitas mudanças que ocorreram em diferentes épocas. Na língua que falamos hoje, recorremos a muitas palavras e construções que são de cronologias diferentes. E o mais interessante é que a história nos permite explicar fatos que, para a maioria dos falantes, são desconhecidos. Por exemplo, a transformação de proparoxítona em paroxítona: árvore > arvre; córrego > corgo; f ósforo > f osfro; ônibus > oimbus ; música > musga. Reconhece essas variações? Para muitos, as transformações correspondem ao chamado português não-padrão, o português falado por pessoas que não conhecem a forma de prestígio. Agora, o curioso é que esse tipo de transformação é muito comum quando se compara o latim com o chamado português padrão. Veja alguns casos, conforme Bagno (2008):
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Latim
Português padrão
Perículu
perigo
Vermículu
vermelho
Pópulu
povo
Fábula
fala
Hómine
homem
Ópera
obra
Miráculu
milagre
Páuperre
pobre
Tégula
telha
Víride
verde
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2.4 Variação sincrônica Diferentemente da variação diacrônica, a sincrônica (do grego syn- = juntamente e - chrónos = tempo) se processa num dado momento do tempo. São inúmeras as pesquisas que abordam esse tipo de variação no português brasileiro. Recorremos, aqui, a duas pesquisas realizadas recentemente, no âmbito Itabuna e região: Andrade (2007) e Oliveira (2008). Andrade (2007) pesquisou o uso variável de para mim e para eu em orações reduzidas de innitivo, como as que seguem abaixo: a) b) c)
Esse gravador é pra mim gravar. Este livro de Ciências é para eu estudar. Saí de lá pra Ø mudar de escola.
Construções como essas não lhe são estranhas. Estou certa? Pois é, elas ocorrem com bastante frequência no português do Brasil. Em sua pesquisa, Andrade investigou falantes da região de Itabuna-BA e constatou: construção como a primeira, preposição + mim, ocorreu em 44,3% dos casos; preposição + eu, em 22,9%; e preposição + Ø, 32,8%. Como você pode observar, a forma preconizada pelas gramáticas tradicionais é a menos recorrente. E, mesmo assim, verica-se a preferência pela construção em que a preposição aparece contraída: pra eu (71,4%); peu (14,3%); preu (7,2%); e para eu (7,1%). Oliveira (2008) investigou a realização variável da concordância verbal em textos escritos. Analisou construções do tipo: a) Os jovens e crianças estão descobrindo a sexualidade mais cedo. b) As crianças e adolescente está se desenvolvendo mais cedo.
Ela analisou 30 redações de alunos do ensino fundamental e médio e constatou: a realização explícita da concordância ocorreu em 61,5% dos casos e a não-explícita, em 38,5%. Os resultados conrmam a inuência da escola quanto ao uso da regra formal.
2.5 Variação diafásica Também denominada de variação estilística, a variação diafásica (do grego diá = através de; phásis = expressão, modo de falar) é registrada nos usos diferenciados que o indivíduo faz da língua conforme a situação/contexto em que ele se encontra. Certamente,
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você já vivenciou esse tipo de experiência, não é? É só prestar atenção como as pessoas falam em casa, na mesa deRECOMENDADA um bar, num LEITURA encontro com os amigos, com o chefe, numa conferência... Quando escreve, você também registra esse tipo de variação: um bilhete deixado na porta da geladeira é diferente de um relatório enviado a seu chefe, de um e-mail enviado a um colega, de uma resenha a ser encaminhada ao professor... Cada situação exige de você um controle maior ou menor, tanto do seu comportamento em geral quanto do seu comportamento verbal. Trata-se, portanto, do monitoramento estilístico “que vai do grau mínimo ao grau máximo” (BAGNO, 2007, p. 45). Conforme o autor, cada pessoa, independentemente de seu grau de instrução, classe social, idade etc. varia o seu modo próprio de falar, podendo ser mais ou menos consciente, dependendo da situação em que está. Os termos usados para designar esse tipo de variação são “estilo” ou “registro”. As guras abaixo ilustram um desses casos:
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Figura: UAB/UESC
Para exemplicar esse tipo de variação na modalidade escrita, vamos usar os exemplos apresentados por Bagno (2007, p. 110-111). As frases que se seguem foram retiradas dos fragmentos de textos apresentados pelo autor, todos coletados da Internet: a) b) c) d) e)
Hoje aconteceu os treinamentos ociais... Chegou os blocos de papel... A que ponto chegou os políticos do Brasil... A classe média acabou, só sobrou os concursados... No lugar da mata entrou os pastos e as monoculturas...
Você saberia dizer qual regra está sendo violada nesses exemplos? É a mesma que se verica nos exemplos abaixo:
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f)
g)
h)
“Faz-se necessário duas abordagens para que se abranja a totalidade da situação” (Dissertação de Mestrado em Lingüística, 2005, Universidade de Brasília). “Ao contrário do que ocorre com os pidgins e crioulos, em que o normal é a relexicação da língua dominada, na qual subsiste no entanto os aspectos morfossintáticos [...]” (Dissertação de mestrado em Lingüística, 2005, Universidade de Brasília). “Num país onde existe mais de 100 línguas além da ocial é inconcebível perpetuar a idéia que só a língua normativa é a correta” (Texto produzido por professora de português do Distrito Federal).
E aí, sabe qual é a regra? Se pensou na concordância verbal, acertou! Como você vê, a falta de concordância do verbo com o sujeito posposto ocorre desde situações menos formais (como nos textos da Internet) até as mais formais (como nos textos produzidos por pessoas tidas como cultas, conhecedoras da modalidade de prestígio). Para muitos, a concordância do verbo com o sujeito posposto passa a ser uma regra “invisível”, tornando a construção, sem a aplicação da regra, bastante “natural” para muitos falantes do português brasileiro. No entanto, mesmo com a inuência dessa variante, a regra prevista na norma-padrão ainda permanece viva e forte na consciência de muita gente, como ilustram as frases abaixo, retiradas dos fragmentos de textos apresentados por Bagno (p. 115): i) j) k) l) m)
Chegaram os sem-oresta... Acabaram os roubos de automóveis... Saíram os custos de produção... A taxa acabou, mas sobraram as dúvidas de pessoas... (...) às mulheres restavam os trabalhos domésticos e o cuidado dos lhos.
Entendeu como se caracteriza a variação diafásica? São os usos monitorados (de maneira mais consciente ou menos consciente) que os falantes fazem da língua conforme a situação em que se encontram.
2.6 Variação diamésica Variação diamésica (do grego diá = através de e mésos = meio) é aquela que se observa entre a língua falada e a língua escrita. Por exemplo, quando você escreve um texto, pode apagá-lo, corrigilo, modicá-lo, reescrevê-lo quantas vezes quiser. Já com o texto
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falado, o mesmo não acontece. Você não tem como apagar o que disse, por exemplo. O que pode fazer é reapresentar a ideia num processo de correções, acréscimos e reformulações, congurando estruturas que basicamente se diferenciam daquelas tidas como bem acabadas pelos gramáticos. Vamos ver como isso se congura, contrastando os dois textos abaixo (cf. FAVERO et al ., 2002). O primeiro corresponde a um trecho de fala retirado de textos do projeto NURC/SP:
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DESCRIÇÃO DE UM MUSEU Bom... eu, eu fui a a a Paris e visitei o Louvre... e estive no Louvre eu acho que umas eu passei uma semana só em Paris mas eu fui umas quatro vezes ao Louvre... porque realmente o que a gente vê no Louvre é indescritível... e é aquilo que a gente está costumado a ver em livros e álbuns sobre obras célebres... ter oportunidade de ver lá e e examinar... dá assim uma sensação uma emoção até inenarrável porque é completamente é indescritível... entendeu? Eu fui também a a ao Museu do Prado... fui algumas vezes no Museu do Prado em em em na capital da Espanha... lá em Madri e na Itália também tive oportunidade de conhecer bonitos museus... principalmente em Florença...
Agora, o segundo texto é uma reformulação escrita do primeiro: DESCRIÇÃO DE UM MUSEU Quando fui a Paris, visitei o Louvre por quatro vezes, embora a minha permanência na capital francesa tenha sido de uma semana. A justicativa para tantas visitas está no que se tem para admirar naquele museu. É algo indescritível. Sente-se uma emoção inenarrável quando se tem a oportunidade de examinar de perto aquelas obras célebres cujo contato sempre foi através de livros ou álbuns de História da Arte. Conheço outros museus da Europa. Na Espanha, mais precisamente na capital Madri, estive no Museu do Prado. Já na Itália pude apreciar bonitos museus, principalmente em Florença.
Percebeu as diferenças entre os dois textos? Elas são bastante visíveis, não são? Pois é, temos aí a chamada variação diamésica. Agora que já conheceu as variações e as classicações apresentadas a elas, vamos às atividades!
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A propósito desse tipo de variação, não podemos deixar de falar aqui dos gêneros textuais, outro fator que determina essa variação. Você já deve ter estudado que, a depender do gênero, os textos, falados ou escritos, apresentam estruturas, vocabulários e gramática próprios. Exemplicando: pense nos textos da Internet, num site, num e-mail , num chat... cada um apresenta estrutura/ forma e linguagens especícas, marcadas pela natureza do veículo em questão. Um exemplo mais prático ainda é este texto da EAD que você está tendo contato. Com sua forma e linguagens adaptadas, esse tipo de texto está sendo produzido para atender a uma situação especíca, a aula não-presencial, que, com certeza, se diferencia da aula tradicional/presencial.
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ATIVIDADES 1. Para sintetizar o que viu nesta aula, procure denir cada um dos tipos de variação estudados. 2. A variação de natureza lexical é uma das que mais caracteriza a variação diatópica. Para testar o seu conhecimento, procure denir as palavras abaixo, retiradas do “Dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê”. O objetivo é vericar se o falar daquela região se aproxima ou não da sua. Vamos lá! a) Abelhudo: ________________________________________________________ b) Afolozado: _______________________________________________________ c) Arizia: __________________________________________________________ d) Baleadeira: ______________________________________________________ e) Barrelar: ________________________________________________________ f) Budejar: _________________________________________________________ j) Cajoeta: ________________________________________________________ h) Congoncha: ______________________________________________________ i) Estisicar: ________________________________________________________ j) Fuá: ____________________________________________________________ k) Gasgita: _________________________________________________________ l) Latumia: _________________________________________________________ m) Marimba: ________________________________________________________ n) Oreba: __________________________________________________________ o) Paruara: _________________________________________________________ p) Ribigudo: ________________________________________________________ q) Soroio: __________________________________________________________ r) Trelo: ____________________________________________________________ s) Urucubaca: _______________________________________________________ 3 As expressões abaixo foram retiradas do Dicionário de Baianês, de Nivaldo Lariú. Procure denir cada uma delas. Se você as conhece, não terá diculdades. Se não as conhece, procure trocar ideias com os colegas antes de responder a questão. a) A migué: _________________________________________________________ b) Abriram a porta do cemitério: _________________________________________ c) Bateu na piçarra: ___________________________________________________ d) Cabelo ninho-de-querequeché: ________________________________________ e) Chamar cachorro de cacho: ___________________________________________ f) Dar um tangolumango: ______________________________________________ g) Enrolado no xale da doida: ___________________________________________ h) Ficar no barricão: __________________________________________________ i) Isso não voga não!: _________________________________________________ j) Levar um chepo:____________________________________________________ l) Metido a gás-com-água: ______________________________________________ k) Não fazer “o” com copo: _____________________________________________
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l) Obra de Santa Ingrácia: ______________________________________________ m) Pererê, caixa de fósforo: ____________________________________________ n) Por honra da rma: _________________________________________________ o) Roer beira de penico: ________________________________________________ p) Tá na jante: _______________________________________________________ 2
4. Agora, deverá fazer um levantamento de, no máximo, dez expressões que você conhece e ouve em sua região. 5. Para demonstrar a variação diastrática, apresente, pelo menos, uma letra de música (moda de viola, ou música sertaneja, ou música raiz) que retrata o dialeto caipira. 6. Observe os dados: Português culto
Português não-culto
Eu estudo Tu estudas Ele(a) estuda Nós estudamos Vós estudais Ele(a)s estudam
Eu estudo Você/ Cê estuda Ele(a) estuda Nós / a gente estuda Vocês / Cês estuda Ele(a)s estuda
6.1. Analise diacronicamente as formas (grácas e acústicas), apontado as diferenças e semelhanças. 7 Compare os dados abaixo: latim
francês
português
Grafa
Cera
cire
cera
Som
[kera]
[sir]
[será]
Grafa
Costa
Cote
Costa
Som
[kosta]
[kot]
[kosta]
Grafa
Carus
Cher
Caro
Som
[karus]
[xer]
[caru]
7.1 Numa análise sincrônica, aponte as semelhanças e as diferenças que se observam nas formas do paradigma pronominal e verbal.
8. Veja as explicações e depois diga se são diacrônicas (D) ou sincrônicas (S): a) Pôr é um verbo da 2ª conjugação, porque no português arcaico o innitivo era poer . b) Pôr é um verbo da 2ª conjugação porque sua vogal temática é “ e” , como comprovam as formas atuais pudesse, puser, põe... c) Forma-se o plural de notável pela troca do “l ” por “is”: notável/notáveis.
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Linguística II: sociolinguística
Variação sociolinguística: Tipos
d) O plural amáveis provém da forma latina amabiles: amabiles>amvavies>avave es>amáveis. e) O plural de lobo forma-se pelo acréscimo de “ s” ao singular. f) O plural dos nomes terminados em “ão” apresenta três possibilidades: grão/ grãos, pão/pães, leão/leões . g) Gra(n)os> grãos; pa(n)es> pães>leo(n)es> leões . h) Tauru>touro; vacca>vaca; libru>livro; mensa>mesa. i) O pronome “a gente” concorre com o pronome nós, atualmente. j) No século XVIII, os clíticos eram usados do que atualmente. k) Do século XVIII ao século XXI, o objeto nulo foi aumentando gradativamente. 9. Para ilustrar a variação diafásica, você deverá buscar em textos da Internet, de preferência mais informal, dez casos que ilustrem a variação da concordância em estruturas com a ordem inversa do sujeito, ou seja, quando ele aparece posposto ao verbo. Deverão ser: cinco casos com a marcação explícita (como manda a regra) e cinco casos sem a marcação. Deverá indicar as fontes dos textos.
RESUMINDO
Nesta aula, você viu que: • A variação linguística se manifesta de diversas formas. • Os tipos de variação, conforme os textos especializados, são: diatópica; diastrática; diacrônica; sincrônica; diafásica e diamésica. • Cada um dos tipos revela particularidades que caracterizam a “vida” de uma língua.
LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta nossa aula, bem como auxiliar na compreensão de outros tópicos que serão estudados em aulas posteriores, em particular a próxima, você deverá ler o texto de Marcos Bagno, em anexo: Mas o que é mesmo variação lingüística?, publicado em: Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. Nesse livro, o autor, além de discutir conceitos básicos da Sociolinguística, apresenta atividades práticas para abordar a variação linguística em sala de aula. Vale a pena lê-lo por completo! Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br
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Módulo 2
I
Volume 5
EAD
ALKMIM, T. Sociolingüística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p. 21- 47. ANDRADE, R. L. L. O uso variável de para mim e para eu em orações reduzidas de infnitivo: um estudo sociolingüístico. Monograa de Especialização, FACSUL, Itabuna-BA, 2007. BAGNO, M. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2008. BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BELINE, R. A variação lingüística. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à lingüística: objetos teóricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 121-140.
R E F E R Ê N C I A S
CAMACHO. R. G. Sociolingüística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p.49-75. CEZARIO, M. M.; VOTRE, S. Sociolingüística. In: MARTELOTA, Mário Eduardo (Org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto, 2008, p. 141-155. CYRINO, S. M. L. Observações sobre a mudança diacrônica no português do Brasil: objeto nulo e clíticos. In: ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1993, p. 163-184. DICIONÁRIO ORAL LINGÜÍSTICO DA MICRROREGIÃO DE IRECÊ. Irecê: UNEB. DUBOIS, J. et al . Dicionário de lingüística. Tradução de Barros et al . São Paulo: Cultrix, 1997. ELIA, S. Sociolingüística. Rio de Janeiro: Padrão, 1987. FAVERO, L. et al . Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. GALVES, C. C. O enfraquecimento da concordância no português brasileiro: In: ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Org.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1993, p. 387- 408. ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. MASSINI-CLAGLIARI, G.; CAGLIARI, l. C. Fonética. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p.105-146.
UESC
Letras Vernáculas
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a l u A
Linguística II: sociolinguística
Variação sociolinguística: Tipos
MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolingüística Variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. OLIVEIRA, T. R. de M. Q. A variação da concordância verbal em língua escrita: inuência das variáveis lingüísticas e extralingüísticas. Monograa de Especialização, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA, 2008. PRETTI, D. Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo: USP, 2003. ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1993. TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994. VAZZATA-DIAS, J. F. A concordância de número nos predicativos/ particípios passivos na fala do Sul do Brasil: motivações extralingüísticas. In: LETRAS de Hoje: A variação no sistema. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 209-228.
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Módulo 2
I
Volume 5
EAD
ANEXO II
Suas anotações ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________