Licenc Lic encia iatutu ra em em Tea Teatr troo
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AUTORES DO PROJETO PROJ ETO
Itamar Alves Leal dos Santos Universidade Universidade Federal Federal do M aranhão aranhão (UFM (UFM A) Jos J osé é Mau ro Barbos Barbosa a Ribe Ribeiro iro Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Leda Leda Maria de Barros Barros Gu imarãe imarãess Universidade Federal de Goiás Goi ás (UFG) (UFG) Lygia Maria M au rity Sabóia abóia Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Raqu el Hele Helena na de Mendonç Mendonça a e Pa la Universidade Universidade Esta Estadu du al de M ontes Claros Claros (Unimontes (Unimontes)) Sheila M aria Conde Rocha Campello Campello Secretaria Secretaria de Estado Estado da d a Edu Edu cação ação do DF (SEDF (SEDF)/ )/ Universidade Universidade de Bras lia (UnB) S zete zete Vent rell rellii Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Terezinha Maria Losada Moreira Universidade Universidade de Bras lia (UnB)
AUTORAS DO MÓDULO Lu ciana iana Hartm Hartman ann n Universidade Universidade de Brasí Brasí lia (UnB) Ta s Ferreira Ferreira Universidade de Pelotas Pelo tas (UFPel) (UFPel)
COORDENADORES DO CURSO Ângela Maria Cavalcante Coelho Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Arão Nogu eira eira Para Parana nagu gu á de Santan antana a Universidade Universidade Federal Federal do M aranhão aranhão (UFMA ) Eny Arru da Barbos arbosa a Universidade Universidade Estadu Estadu al de M ontes Claros Claros (Unimontes (Unimontes)) J orge org e das Graças Velos Velo so Universidade Universidade de Bras lia (UnB)
AUTORES DO PROJETO PROJ ETO
Itamar Alves Leal dos Santos Universidade Universidade Federal Federal do M aranhão aranhão (UFM (UFM A) Jos J osé é Mau ro Barbos Barbosa a Ribe Ribeiro iro Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Leda Leda Maria de Barros Barros Gu imarãe imarãess Universidade Federal de Goiás Goi ás (UFG) (UFG) Lygia Maria M au rity Sabóia abóia Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Raqu el Hele Helena na de Mendonç Mendonça a e Pa la Universidade Universidade Esta Estadu du al de M ontes Claros Claros (Unimontes (Unimontes)) Sheila M aria Conde Rocha Campello Campello Secretaria Secretaria de Estado Estado da d a Edu Edu cação ação do DF (SEDF (SEDF)/ )/ Universidade Universidade de Bras lia (UnB) S zete zete Vent rell rellii Universidade Universidade de Bras lia (UnB) Terezinha Maria Losada Moreira Universidade Universidade de Bras lia (UnB)
AUTORAS DO MÓDULO Lu ciana iana Hartm Hartman ann n Universidade Universidade de Brasí Brasí lia (UnB) Ta s Ferreira Ferreira Universidade de Pelotas Pelo tas (UFPel) (UFPel)
COORDENADORES DO CURSO Ângela Maria Cavalcante Coelho Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Arão Nogu eira eira Para Parana nagu gu á de Santan antana a Universidade Universidade Federal Federal do M aranhão aranhão (UFMA ) Eny Arru da Barbos arbosa a Universidade Universidade Estadu Estadu al de M ontes Claros Claros (Unimontes (Unimontes)) J orge org e das Graças Velos Velo so Universidade Universidade de Bras lia (UnB)
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EQUIPE EDITORIAL Conselho editorial: Eny Arru da Izabel Costa Lilian Ucker M aria de Fátima Bu rgos Nely Matter S zete Vent relli Organizadores: Jorge das Graças Veloso Lu zirene do Rego Leite Projeto gráfico: Mario Lu iz Belcino M aciel Coordenação de programação vis al: Bru no Ribeiro Braga Eq ipe de programação vis al: Amanda Priscilla M oreira André Ramalho Maciel Daniela Barbosa La ro Gontijo Mariana Ra sch Chu q er Ronaldo Ribeiro da Silva Designer Edu cacional: S sy Batista Dias de Araújo Colaboradores: Samanta Maciel de Lima Stephanie Pellu cio
LGE EDITORA LTDA. CNPJ : 03.307.528/0001-04, CF/DF: 07.399.790/001-14 SIA Trecho 3, Lote 1.760, CEP: 71200-030, Brasí lia-DF Tel.: 61 3362-0008, Fax: 61 3233-3771 Site: www.lgeeditora.com.br E-mail:
[email protected]
FICHA CATALOGRÁFICA HARTMANN, Lu ciana; FERREIRA, Taí s Módu lo 16:História da Arte-Edu cação 2. Bras lia: LGE Editora, 2009 124p. ISBN: 978-85-7238-424-7 1. Pedagogia do teatro 2. Teatro na edu cação 3. Recepção teatral
SUMÁRIO 08
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UNIDADE 1 – O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 09
INTRODUÇÃO
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O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
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OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS
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TEORIAS, MÉTODOS, TÈCNICAS SOBRE O ENSINO / APRENDIZAGEM DE TEATRO
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A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
UNIDADE 2 – O QUE É UM ESPECTADOR? DOS MODOS DE CONSTITUIR-SE DENTRO E FORA DA AULA DE TEATRO 51
INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?
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A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA 58 ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE
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PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPECTADOR
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MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA
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LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEATRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Unidade 1
O L gar da Arte-Ed cação no Brasil Contemporâneo Lu ciana Hartmann
INTRODUÇÃO Antes de iniciar nosso perc rso pela seg nda etapa da história da Arte-Edu cação no Brasil, q ero sau dálos e desejar a todos ma ótima jornada. Espero qu e a leitu ra deste texto produ za não apenas novos conhecimentos, mas satisfações, inqu ietações e, sobretu do, o desejo de continu ar aprendendo, sempre. Inicialmente faremos ma contextu alização do lu gar da Arte-Edu cação no Brasil contemporâneo, ainda sob u ma abordagem mais ampla, da Arte (com “A” maiúsc lo) englobando as qu atro lingu agens: Artes Vis ais, Dança, Música e Teatro. N m segu ndo momento faremos m levantamento das avaliações crí ticas – positivas e negativas – qu e os Parâmetros C rric laresNacionais (PCNs) para o ensino do Teatro vêm sofrendo por parte de professores e pesqu isadores da área. Na sequ ência trataremos das teorias e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de processos criativos realizados por artistas, docentes e pesqu isadores, como jogo teatral, jogo dramático, peça didática, pedagogia do oprimido, drama como método de ensino, etnocenologia, antropologia teatral, etc. Finalmente avaliaremos as novas perspectivas teóricas e práticas relativas ao ensino/aprendizagem do teatro, nos diversos ambientes (escolar e não-escolar), com m enfoqu e privilegiado para a disc ssão dos sos e significados da nova terminologia u tilizada para designar nosso campo de saber: a Pedagogia do Teatro.
Imagem disponível em: http://www. passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/ teatro/imagens/teatro_brasil.jpg
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O LUGAR DA ARTEEDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO No Brasil e no m ndo a Edu cação pela Arte ou ArteEdu cação vem conqu istando u m relevante espaço de ação e disc ssão, tanto dentro qu anto fora do ambiente escolar formal. Não temos a pretensão de estabelecer “o” lu gar qu e a Arte-Edu cação oc pa na contemporaneidade, mas apresentar brevemente o contexto de inserção dessa forma de conhecimento lúdica, criativa, on rica e sinestésica, para dizermos o mí nimo, na sociedade brasileira nos dias de hoje. Conseqüência de vitórias em lu tas travadas em diferentes instâncias ao longo de, pelo menos, os últimos qu arenta anos, a Arte-Edu cação no Brasil conta at almente com m disc rso sólido, fu ndamentado, em grande parte, nos res ltados oriu ndos das reflexões ocorridas em reu niões e congressos da Associação e da Federação de Arte-Edu cadores Brasileiros (FAEB).
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Grande parte desse disc rso amadu receu e se transformou ao longo do tempo, acompanhando com ju steza as transformações sociais, polí ticas e ideológicas sofridas pelo Brasil nesse perí odo. Assim, da crença na edu cação como u ma forma ne tra de transmissão e constru ção de conhecimentos, passamos pela crise das ideologias e pela compreensão de qu e toda atit de, postu ra ou comportamento – inclu sive dos docentes – será sempre parcial. Chegamos no perí odo q e a prof a Sandra Mara Corazza, do Departamento de Edu cação da UFRGS, chama de “desafio da diferença pu ra” (Corazza, 2003). Seg ndo esta professora, a edu cação em tempos pós-modernos se vê obrigada a confrontar os c rrí c los, as didáticas e as metodologias com elementos mais c ltu rais e menos escolares. Este é m ponto fu ndamental, qu e deve ser lembrado para pensarmos nesse novo lu gar qu e a Arte, e sobretu do o Teatro, oc pa na contemporaneidade: não se pode mais bu scar respostas ou solu ções absolu tas, pois nossas qu estões e problemas não são, definitivamente, os mesmos. E esta percepção de qu e somos s jeitos, prod tos e produ tores de c l-
tu ras, sociedades, tempos, espaços geográficos, religiões, economias, sistemas pol ticos, não pode mais estar separada de nossa atu ação docente. Podemos aproveitar essa disc ssão para inserir em nossa disc ssão a qu estão da edu cação m ltic lt ral. Diferentemente da interdisciplinaridade, qu e prevê o relacionamento entre diversas disciplinas e a exec ção de projetos com ns, nos qu ais as fronteiras entre as áreas de conhecimento são rompidas, a m ltidisciplinaridade contempla os trabalhos entre disciplinas, sem qu e estas, no entanto, percam s as especificidades.
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Imagem disponível em: http://3.bp.blogspot. com/_UbYo9I1p9Kw/SdccmHsZ6aI/ AAAAAAAAAQc/rw5fXQX9Yug/s320/ Multiculturalidade.bmp
Já o Mu ltic lt ralismo, qu e parte do mesmo prefixo (m lti), está calcado, na perspectiva da arte-edu cação, no respeito às tradições c ltu rais, artí sticas e estéticas dos estu dantes, ou seja, na contextu alização de s as origens e de seu s gru pos sociais. Também entendido como pl ralidade c ltu ral, este é m dos temas transversais previstos nos PCNs. O conceito chega ao Brasil através de disc ssões iniciadas nos EUA e na Eu ropa, relativas aos seu s problemas sociais (preconceito racial, étnico, etc.). Aqu i vai encontrar reverberação nestas e em ou tras qu estões, como a
desigu aldade social e a discriminação, encobertas, por exemplo, pelo “mito das três raças” 1.
Imagem disponível em: http://blast-illustration. blogspot.com/2008/05/multiculturalidade.html
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A necessidade de contextu alização, qu e é fortemente defendida por algu mas das principais correntes da edu cação contemporânea, é também ma das grandes – e talvez principais – bandeiras da antropologia. Sem contextu alização não há possibilidade de compreensão dos processos sociais, e sem essa compreensão não há possibilidade de se atingir u ma com nicação democrática e produ tiva entre as diferentes c ltu ras. Transportando essa idéia para a sala de au la, podemos pensar qu e se para a antropologia a idéia de edu cação pode compreender os processos formais e informais pelos qu ais a c ltu ra é transmitida aos indiv du os, a Edu cação Mu ltic lt ral seria o processo pelo qu al u ma pessoa desenvolve competências em múltiplos sistemas de perceber, avaliar, acreditar e fazer (Richter, 2007: 86). A compreensão destes processos por parte do docente de arte e s a introdu ção no ambiente de ensino-aprendizagem permite maior Pretende uma participação igualitária das três raças, branco (português), negro (escravo africano) e índio (nativo) na formação da sociedade. 1
riqu eza no desenvolvimento das atividades didáticas, ao mesmo tempo em qu e democratiza e valoriza o conhecimento prévio de cada alu no. Nesta proposta, o alu no deixa de ser visto como u ma tabu la rasa a ser preenchida e passa a ser respeitado como u m s jeito qu e pode compartilhar, dar e receber saberes de ordens diversas. Como observa Clarice Cohn em seu livro Antropologia da Criança:
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(...) ao invés de se estabelecer u m apreciação generalizante e u niversalizante sobre os conhecimentos e os modelos de ensino e aprendizagem, devemos observar contextu alizadamente concepções, meios e processos: em cada caso, u ma concepção de pessoa, criança, e aprendizagem conformará u m modelo espec fico de transmissão e apropriação de conhecimentos. (COHN, 2005: 38,39)
Antes de adentrarmos no campo de avaliação da potencial eficácia dos PCN, será importante revermos a própria relação entre o Teatro e a Edu cação e os múltiplos significados qu e têm sido atribu dos a ela. Somente a partir do estabelecimento de u m “chão com m” em relação aos conceitos é qu e poderemos avançar no debate e implementar propostas mais afinadas com as reflexões qu e vem sendo produ zidas na Arte-Edu cação contemporânea. Historicamente os fu ndamentos do Teatro na Edu cação foram estabelecidos sob a perspectiva da edu cação. No entanto, atu almente essa relação se inverte, pois são os conteúdos e metodologias espec ficas do Teatro qu e direcionam nossa reflexão e prática teatral em sala de au la. A partir da reestru tu ração da relação entre a arte e a edu cação passamos da denominação Edu cação Artí stica para Arte, de mera atividade edu cativa atingimos o estatu to de disciplina e do TeatroEdu cação chegamos à Pedagogia do Teatro. Esse processo de mu dança conceitu al, da mesma forma q e reflete ma transformação nas postu ras em relação ao ensino-aprendizagem de Teatro, também deve refletir, infl enciar e gerar novas abordagens nesse campo de atu ação. Portanto, fiqu e atento para essa nova terminologia – Pedagogia do Teatro – pois ela propõe novas postu ras e novos sentidos para nosso papel como edu cadores de/em Teatro.
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OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS Embora se tenha notí cia do u so do teatro na ed cação formal e, nu m sentido mais amplo, nos processos informais de aprendizagem no Brasil, desde o iní cio de s a colonização, a presença efetiva do teatro na escola só ocorreu de fato a partir da lei 5692/71, qu e estipu la a obrigatoriedade da Edu cação Artí stica. Uma ação concreta no sentido de definir as especificidades do ensino de Teatro, no entanto, só ocorre a partir da instau ração dos novos PCN, no ano de 2000.2 Em texto de 2001, os professores Arão Paranagu á de Santana, da UFMA, e Yara Rosas Peregrino, da UFPB, desenvolvem ma elu cidativa análise crí tica da proposta dos PCN. Um dos primeiros aspectos – negativos – considerados pelos au tores é qu e as considerações introdu tórias da parte de teatro, no doc mento para as séries iniciais, são mu ito vagas, podendo servir para qu alqu er ou tra área de conhecimento. Por ou tro lado, os au tores vêem como positiva a preoc pação dos PCN em ressaltar a importância qu e o conhecimento especí fico das etapas do desenvolvimento da lingu agem dramática e s a relação com o processo cognitivo têm para o ensino de teatro – qu e não ocorre, por exemplo, em relação às ou tras áreas, como Artes Vis ais, qu e em geral determinam as perspectivas de abordagem em artes. No entanto, é criticada a falta de contextu alização desta opção epistemológica qu e, para os au tores, parece aproximar-se do constru tivismo, ignorando, portanto, ou tras trajetórias da teoria c rric lar contemporânea (PEREGRINO; SANTANA, 2001: 99). Ou tro aspecto levantado pelos au tores é a falta de definição das vertentes teóricos e metodológicas qu e orientam a inclu são dos jogos na prática edu cacional em teatro. Neste sentido, ofereceremos adiante algu mas s nteses de propostas contemporâneas de u tilização de jogos, improvisações, dramatizações, desenvolvidas por diferentes au tores, professores ou pesqu isadores no ensino/aprendizagem do Teatro.
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PCN-A rte I e PNC-A rte II.
Ainda em relação aos PCN, u m aspecto positivo ressaltado pelos au tores, nas propostas para os diferentes ní veis, diz respeito à orientação no sentido de aproximar a vivência do alu no de s a prática em sala de au la, ou seja, a contextu alização dos conteúdos c rric lares de Arte/Teatro de acordo com a realidade sócio-c ltu ral dos alu nos. Embora partindo desta necessária contextu alização, q e permite qu e os conteúdos adqu iram significado, os PCN não restringem o processo edu cacional em Arte a este aspecto, propondo também qu e se oport nize aos alu nos experiências artí sticas diferenciadas, permitindo a ampliação de seu niverso de apreciação e a conseqüente produ ção de u m pensamento crí tico. Considerando isso, pode-se afirmar qu e a chamada Abordagem Triangu lar, idealizada por Ana Mae Barbosa (1991), formada pelos eixos produ ção, apreciação e reflexão, está contemplada nos PCNs para o ensino da arte, porém, na proposta de Teatro para o Ensino Fu ndamental (PCN-Arte I), Peregrino e Santana (2001: 104) observam qu e os conteúdos não estão situ ados claramente em cada m dos eixos, o qu e pode dific ltar u ma cond ção sistemática destes por parte do professor. Já no doc mento relativo ao Ensino M édio, as especificidades da lingu agem estão contempladas, pois os conteúdos encontram-se relacionados de maneira mais direta aos três eixos norteadores, cu jos conceitos, embora alterados neste ní vel de ensino para produ ção, apreciação e contextu alização, não diferem sensivelmente em seu conteúdo semântico e fu nção. Não se pode ignorar, no entanto, qu e adoção da Abordagem Triang lar como s porte pedagógico para o ensino de Artes tem encontrado algu mas ressalvas, especialmente no qu e tange ao ensino de Teatro, visando sobretu do não torná-lo excessivamente explicativo e pou co prático/vivencial. Uma alternativa para a qu estão pode ser encontrada na proposta do prof. Graça Veloso (2008), de abordagem do ensino-aprendizagem especificamente voltada para as Artes Cênicas. Nesta, a triangu lação é pensada sob a perspectiva das práticas cênicas, facilitando o estabelecimento de u ma relação mais direta com os conteúdos c rric lares de Teatro e s as possibilidades de trabalho em sala de au la, nos mais diversos ní veis de aprendizagem.
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Ao enfocar as práticas cênicas em s a m ltiplicidade e m ltic ltu ralidade, o prof. Graça chama a atenção para a necessidade de olhar para o Teatro não mais a partir da visão linear e historicista vigente nas matrizes c rric lares brasileiras, ampliando o campo de atu ação do professor disposto a repensar os sentidos de fazer e ensinar teatro no séc lo XXI. Historicamente o ensino de Artes no Brasil esteve pa tado, em grande medida, nu ma produ ção relacionada às Artes Plásticas (desenho, pintu ra, esc ltu ra, etc.). A própria idéia de polivalência trazida pelos c rsos de Ed cação Artí stica, implementados a partir de 1971, res ltou nu ma proposta dificilmente aplicável, qu e teve como conseqüência prática a priorização, por parte da grande maioria dos professores, do ensino de Artes Plásticas. Como esta é u ma área qu e tem ma longa e sólida tradição de ensino e pesqu isa, é natu ral qu e acabasse se estabelecendo como referência para as demais ling agens artí sticas. No entanto, diante da insatisfação gerada por esta ênfase e da lac na deixada no qu e diz respeito ao espectro da aprendizagem de Arte na escola, são implantados, em 1998, os novos PCN, qu e reconhecem as especificidades dos demais campos de saber da área: dança, música e teatro, ju ntamente com as Artes Vis ais, como lingu agens artí sticas. É neste sentido qu e torna-se importante qu e trabalhemos na perspectiva de sistematizar os conhecimentos da lingu agem teatral, para qu e possamos melhor compreender as especificidades de nosso campo de atu ação.
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Necessária ainda no âmbito desta problematização do PCN, a profa. Ingrid Kou dela, do Depto. de Artes Cênicas da USP, aponta qu e os Parâmetros para a área de Arte, ao incorporarem como eixos de aprendizagem a apreciação estética e a contextu alização, somadas à expressividade/produ ção de arte pela criança e pelo jovem, representam m grande avanço. De acordo com ela, “essa proposta vem promovendo o potencial do Teatro como exerc cio de cidadania e o crescimento da competência c ltu ral dos alu nos” (2002: 234). A prof a ressalta a importância da inclu são do eixo “apreciação”, a partir do qu al a qu estão do papel do receptor e da relação dialógica gerada através da obras de arte são particu larmente valorizadas. Dessa forma, o Teatro no processo edu cacional passa a ser pensado não apenas enqu anto ação (exercí cios de improvisação, jogos, montagens de espetácu los), mas também como recepção (as-
sistir espetác los, analisá-los, criticá-los). Kou dela aponta ainda qu e o efetivo deslocamento para o teatro – sala de espetác los – permite aos alu nos ma experiência estética diferenciada, pois os coloca em contato direto com a totalidade dos elementos qu e compõem m espetác lo: ilu minação, sonoplastia, cenografia, maq iagem, atu ação, dramatu rgia, direção, entre ou tros. Vale lembrar qu e todos estes elementos podem ser, na volta à sala de au la, ricamente aproveitados como objetos de análise. E na medida em qu e os alu nos tenham experiências estéticas diferenciadas, maior será s a compreensão e domí nio da lingu agem teatral. No entanto, embora pretenda oferecer u ma referência completa, para o professor, ao ensino e estu do das artes na escola, o PCN-Arte não explora o potencial qu e o fazer artí stico, em s as diversas instâncias, oferece para o desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças e jovens.
Imagem disponível em: http://www.mz-ir.com/tim/ RAO2007/imgconteudo/foto_ sustentabilidade_06_05.jpg
Neste sentido, seria importante reforçar a necessidade, mais premente a cada dia dessa “pós-modernidade” em qu e nos encontramos, de rompimento com a relação hierárqu ica tradicionalmente estabelecida tanto na prática q anto no ensino do Teatro, qu e posicionava ora o dramatu rgo, ora o diretor, e mais contemporaneamente, o ator no topo da escala. As metodologias de trabalho em teatro / com teatro, não deveriam pau tar com exclu sividade a formação do ator, mas acolher a riqu eza pertinente à teatralidade em toda a s a abrangência, como u ma arte qu e congrega ou tras artes (dança, canto, música, literatu ra, artes vis ais, etc.).
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Ainda nesta linha de reflexão, podemos também pensar nas consequ ências geradas pela ênfase do trabalho teatral, especialmente em sala de au la, no processo – expressivo – não no produ to dramático do Departamento de Artes Cênicas da UDESC. Para a profa. Biange Cabral, esta perspectiva de trabalho, obsc receria a idéia do teatro como “arte e ofí cio”. Para além da crí tica, qu e será problematizada abaixo, a proposta de relacionar arte a trabalho, a u m saber espec fico, é valiosa e pode/deve ser u tilizada na bu sca pela legitimação do teatro – e de s as especificidades – no ambiente escolar Os processos de ensino/aprendizagem em Teatro e, sobretu do, de troca e conhecimentos qu e marca o desenvolvimento destes em sala de au la, só tem a ganhar com essa abordagem mais igu alitária e equ ilibrada de seu s componentes. Com isso, nossos alu nos, dos 8 aos 80 anos, se sentirão mais livres e confiantes para se aventu rar no maravilhoso e m ltifacetado niverso do Teatro.
Imagem disponível em: http://voluntariado.fb.org.br/ NR/rdonlyres/25E18418-49B4463C-8B14-9F311A747851/0/ L2_Cultura_TeatroEscola.gif
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Em artigo sobre o tema, a profa. Biange Cabral, do Depto. de Artes Cênicas da UDESC, também propõe ma reflexão crí tica sobre a atu al config ração dos parâmetros c rric lares relacionados à área de teatro no ensino f ndamental, no ensino médio e no ensino s perior.
Para Biange (2000), a disc ssão dos PCNs para o ensino s perior deve partir da constatação das necessidades do ensino f ndamental e das “pedagogias invis veis” qu e orientam as atividades escolares e a prática teatral em sala de a la e na com nidade. Ao chamar a atenção para o fato de qu e existem múltiplas pedagogias e qu e nem todas são evidentes ao olhar menos atento, a au tora aponta para a importância da promoção da sensibilidade do professor para qu e essas pedagogias possam se tornar vis veis e, sobretu do, objetos de análise, avaliação e, se for o caso, revisão e transformação. M itas destas pedagogias invis veis se configu ram como reprodu ções de comportamentos, normas e valores c ltu rais qu e são natu ralizados e, por esse motivo, não são percebidos nem problematizados pelos professores. Como exemplo poderí amos pensar no vocab lário qu e por vezes vem à tona em au las de Teatro, qu ando o professor valoriza o “talento” de u m alu no, comparando-os aos demais e posicionando-o nu ma escala hierarqu icamente s perior em relação aos demais colegas. Comparar desempenhos de alu nos em au las de Teatro envolve u ma complexa reflexão qu e tem relação direta com os processos avaliativos previstos ao longo de u ma disciplina de Teatro. O qu e e como avaliar devem ser qu estões norteadas, antes de tu do, pelos objetivos da disciplina e não pelo aparecimento aleatório de “talentos” individu ais. O Teatro, sobretu do na sala de au la, na contemporaneidade, deve fu ndamentalmente ser inclu sivo e não discriminatório e exclu dente. Embora saibamosqu e o eixo de “produ ção” foi aqu ele qu e historicamente mais recebeu atenção dos estu dos teatrais, e qu e o eixo “contextu alização” seja fu ndamental para a constru ção do conhecimento em Arte – e aqu i podemos pensar no desenvolvimento de novas s b-áreas como a “Etnocenologia”, os “Estu dos de Performance”, entre ou tros (q e serão retomados adiante) – é no eixo “recepção” qu e vemos atu almente, no campo do teatro, talvez a maior proliferação de estu dos, pesqu isas e pu blicações. A importância conferida ao espectador de teatro, a partir do iní cio do séc lo XX, estim lada por estratégias como a “qu ebra da qu arta parede” e a revelação de todos os elementos cênicos (preparação do ator nas coxias, contra-regragem vis vel, rec rsos de ilu minação e sonoplastia tornados explí citos, etc.)
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denota u ma bu sca, por parte dos encenadores, em despertar na platéia u ma participação efetiva e não mais de assistência passiva, s bmetida a u ma preten- Imagem disponível em: sa ilu são criada pela cena e incólu me aos fragmentos http://camas.ca/files/images/ de vida representados no palco (ver qu adro abaixo). ws_paradisenow3.jpg
SAIBA MAIS: Algu ns encenadores/pesqu isadores da primeira metade do séc lo XX exerceram papel fu ndamental na instau ração deste processo. Vale ressaltar algu ns deles: Meyerhold (1874-1940), contemporâneo de Stanislavski, nega o distanciamento entre a cena e a platéia e é responsável pela eliminação da qu arta parede; Artau d (1896-1948), totalmente contra o u so do palco italiano, propõe o envolvimento fí sico, direto do espectador com a encenação, na qu al passa aocu par m lu gar central – literalmente, pois deve estar posicionado no centro do palco; Brecht (1898-1956), considera qu e o teatro deve provocar no espectador possibilidades de reflexão crí tica, para isso tiliza processos de “distanciamento” qu e estão constantemente lembrando ao público qu e o qu e está sendo visto é teatro e não a vida real; Living Theatre, gru po de teatro norte-americano qu e inicia s as atividades logo após o término da Segu nda Gu erra M ndial, parte da vontade revolu cionária de m dar a sociedade a partir da transformação dos espectadores. Levam o teatro para a ru a e para espaços alternativos e provocam o público a participar diretamente das encenações; no Brasil, já na segu nda metade do séc lo XX, Au gu sto Boal sofre influ ência direta tanto do Living Theatre qu anto de Brecht, a partir da qu al desenvolve seu Teatro do Oprimido e técnicas como o Teatro do Invis vel.
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A revolu ção operada pela nova relação estabelecida com o espectador representou ma m dança de paradigma não apenas no sentido da constru ção da cena
(no âmbito da dramatu rgia, do espaço, tempo e representação), mas também na própria f nção do teatro. Embora ao longo do séc lo XX este processo tenha se intensificado na cena teatral, o mesmo não se refletiu no trabalho nas salas de au la, qu e du rante o mesmo perí odo, em larga escala, esteve calcado na produ ção de pequ enosespetác los qu e poderiam “abrilhantar” eventos comemorativos de datas cí vicas.
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É no sentido de aproximar o ensino/aprendizagem de teatro da reflexão s scitada por este novo paradigma qu e a tores como Flávio Desgranges vêm desenvolvendo seu trabalho. Partindo da constatação de qu e o teatro poss i u ma dimensão pedagógica intrí nseca, este au tor vê no espectador o protagonista das novas relaçõesinstitu daspelo processo de desconstru ção das ilu sões cênicas. É a partir de u ma “Pedagogia do Espectador” qu e estas relações podem ser conhecidas e aprofu ndadas, permitindo o desenvolvimento de u ma arte do espectador, na qu al este seja s jeito de m ato criativo, prod tivo, a toral. Para ele, se a atu ação do espectador precisa ser tomada a partir de u ma perspectiva artí stica, precisa-se também afirmar a necessidade de formação desse espectador – já qu e a capacidade de analisar (e, podemos pensar, fru ir) u ma peça teatral não é somente m talento natu ral, mas ma conq ista c ltu ral. (Desgranges, 2006: 37) A relevância deste
novo enfoqu e fica evidente na reflexão e no exemplo fornecidos pelo au tor, citados abaixo: A conqu ista da lingu agem teatral pelo espectador implica o desenvolvimento de u m senso estético e m olhar crí tico – olhar armado, exigente, atento à qu alidade do espetác lo, qu e reflete sobre os fatos apresentados e não se contenta em ser apenas em ser o receptác lo de m disc rso monológico, qu e impõe m silêncio passivo. A aqu isição da lingu agem teatral capacita o espectador a interpretar a obra, desempenhando u ma efetiva participação no fato artí stico e ass mindo a au toria da narrativa apresentada, mantendo viva s a possibilidade de constru ção e reconstru ção da história. Uma pesqu isa realizada, na década de 1990, com crianças extremamente desfavorecidas do s búrbio da cidade de Lion, na França, mostro qu e u ma das principais caracterí sticas dessas crianças, qu e se sentiam fracassadas pessoal e socialmente, era a absolu ta incapacidade de pensar nu ma história, a s a história (Meirieu , 1993). A investigação ressalta ainda qu e nas conversas travadas com essas crianças, qu e tinham entre seis e doze anos, em qu e lhes foi pedido para contar a própria vida, a própria história, pôde-se perceber a grande dificu ldade qu e demonstravam em se referir ao passado, mesmo recente. Foi poss vel perceber qu e elas tilizavam constantemente o “você” e o “a gente”, e qu ase n nca o pronome “eu ”, e qu e se mostravam incapazes, mesmo as mais velhas, de tilizar “estas pequ enas expressões tão fu ndamentais para dar sentido à vida, qu e são: ‘foi a partir deste momento qu e e compreendi’, ‘teve u m momento em minha vida qu e aconteceu isto e me levou a decidir isto’, ‘eu descobri qu e’, etc. (ibidem, p. 15). A pesqu isa ressalta ainda o fato de qu e, dentre as crianças entrevistadas, as habitu adas a frequ entar salas de teatro e cinema revelavam a maior facilidade em tilizar esse tipo de disc rso narrativo, apontando para a conclu são de qu e aprender a assistir e interpretar u ma história é aprender a contar e constru ir a própria história. (Desgranges, 2003: 172, 173)
Como a profa. Taí s desenvolverá com maior prof ndidade em seu texto, aprender a assistir, embora não haja regras explí citas – e nem mais corretas qu e ou tras – é u m dos grandes desafios qu e se colocam para o professor de Teatro no contexto atu al. A idéia de qu e o professor exerce u m papel importante como
mediador nesse processo impõe s a presença nesta reflexão. E tanto maior será o desafio qu ando se considera a heterogeneidade das encenações teatrais contemporâneas, qu e não tomam mais como premissa a narratividade – ou o drama – em cena. O “pósdramático” – denominação qu e pretende olhar as especificidades do fenômeno pós-moderno no campo teatral – concorde-se ou não com o conceito3, se impõe e temos qu e lidar com textos não-dramáticos em cena, jogos entre ficção e realidade, interpretações das mais variadas natu rezas (do u ltra-natu ralismo ao expressionismo ou às partitu ras cênicas desconectadas do texto), espacialidades não-convencionais, etc. Embora o teatro infantil – aqu ele apresentado às crianças, nossos alu nos – ainda mantenha u ma estru tu ra de encenação mais convencional, também nele os reflexos desta implosão dos padrões cênicos já podem ser sentidos. Diversas estratégias metodológicas tem sido pensadas no sentido de viabilizar esta mediação do professor e desenvolvimento da capacidade de apreciação e avaliação dos alu nos. Como exemplo podemos citar alg mas propostas feitas por Robson Rosseto (2008: 80, 81): As atividades em sala de au la qu e visam preparar o alu no para assistir a u m determinado espetác lo, certamente, estarão atu ando e interferindo no seu horizonte de expectativas. Nesse caso, o objetivo é preparar e instau rar u m clima de expectativas com relação ao espetác lo qu e os alu nos irão assistir, por meio da tilização de algu m elemento representativo deste espetác lo. Por exemplo, explorar o tema, focos das ações principais, imagens (de movimento/ imobilidade, mu ltidão/solidão, silêncio/baru lho, lu z/ esc ridão), dentre ou tras. Poderão acontecer improvisações ao u tilizar o tema central a partir de algu m adereço ou objeto, dos ru dos e de ou tras possibilidades por meio da tilização de algu ma referência do espetác lo escolhido, visando a ma aproximação prévia como u niverso cênico constitu inte daqu ela encenação. O objetivo não é “tradu zir” ou “explicar” o espetác lo, pelo contrário, o intu ito é de familiarização sobre u m determinado elemento tilizado pela encenação, para provocar expectativas sobre o espetácu lo. (...) Posterior à ida ao espetác lo, ao se trabalhar com jogos dramáticos, jogos de improvisação, o professor estará percebendo a Para maior aprofundamento na discussão sobre a “operacionalidade” do conceito “pós-dramático” ver FERNA NDES, S. (org.), 2008. 3
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recepção do alu no, sob o foco de captar as impressões, dúvidas, preconceitos, e etc.
A sistematização da abordagem da arte teatral pelo professor de teatro, através da implementação de u m disc rso teórico, histórico e técnico a seu respeito, permite instru mentalizar jovens e crianças para qu e possam participar/ter acesso à cu ltu ra teatral de maneira mais completa, abrangente e inclu siva. Para o desenvolvimento mais eficaz de q alqu er tipo de constru ção de conhecimento é necessária a u nião entre teoria e prática, forma e conteúdo, ação e reflexão.
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TEORIAS, MÉTODOS, TÉCNICAS SOBRE O ENSINO/ APRENDIZAGEM DE TEATRO Neste momento, adotando como cenário a disc ssão introdu tória feita no texto sobre o lu gar da Arteedu cação no Brasil contemporâneo e a reflexão sobre os Parâmetros qu e regem os c rr c los escolares da área de Arte na atu alidade, trataremos mais especificamente das teorias e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de processos criativos realizados por artistas, docentes e pesqu isadores, como jogos improvisacionais, jogo teatral, jogo dramático, peça didática, pedagogia do oprimido, drama como método de ensino, etnocenologia, antropologia teatral e os estu dos da performance. Estas não esgotam as possibilidades de trabalho prático e de reflexão sobre o Teatro como Pedagogia, porém são representativas de algu mas das principais tendências de abordagem da lingu agem teatral nos últimos cinqüenta anos.
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¶ Jogos Improvisacionais: denominação genérica para aqu eles exerc cios teatrais em qu e u m ou mais jogadores-atores exec tam ma cena de maneira improvisada, ou seja, sem ensaio. A cena pode ser improvisada a partir de u ma breve combinação estabelecida pelos jogadores-atores, ou mesmo sem nenhu ma combinação prévia, partindo-se de ma proposta dada pelo coordenador do processo. Os demais integrantes do gru po se colocam, geralmente, como jogadores-espectadores da cena apresentada. O exerc cio continu a até qu e todos os integrantes do gru po apresentem as s as cenas. Normalmente, depois da apresentação
das cenas, o gru po conversa e analisa a experiência. (Desgranges, 2006: 87)
EXEMPLO DE JOGO IMPROVISACIONAL : A professora divide a t rma em gr pos e orienta a improvisação de cada gru po a partir de ma proposta temática, como ditados popu lares: “Águ a mole em pedra d ra tanto bate até qu e fu ra”, “Olho por olho, dente por dente”, “Qu em com ferro fere, com ferro será ferido”. Os gru pos dispõe de u m breve tempo para estru tu rar a improvisação, de acordo com o significado qu e atribu em ao ditado. Após a apresentação do exerc cio de improvisação de cada gru po, o restante da tu rma deve tentar descobrir qu al o ditado foi encenado. No final da au la a professora coordena u m debate sobre as possibilidades de interpretação e, consequ entemente, de representação teatral de cada ditado.
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¶ Jogo Dramático: embora tenha como principal referência a obra de Peter Slade, O Jogo Dramático Infantil (1978), esta modalidade de jogo não se constitu i como u ma estr tu ra metodológica r gida, pois permite aos professores tilizarem-no de diferentes formas, a partir de s a realidade e de acordo com s as demandas. Slade compreende o jogo como u m comportamento natu ral dos seres hu manos. O jogo seria “a maneira da criança pensar, comprovar, relaxar, trabalhar, lembrar, ou sar, experimentar, criar e absorver.” (op. it.: 18). Caracterizado, portanto, como u m comportamento espontâneo, o jogo dramático só se aproxima do teatro através do u so qu e dele possa fazer o adu lto/ professor, embora seu principal objetivo não seja a inserção da criança no u niverso do teatro propriamente dito e sim o desenvolvimento de s a personalidade. Já o Jogo Dramático de linhagem
francesa (jeu dramatique), ao contrário, se conecta de maneira mais direta à prática teatral, propondo qu e seu s participantes, sem perderem a espontaneidade caracterí stica do jogo, “conq istem a capacidade de criar, organizar, emitir e analisar m disc rso cênico” (Desgranges, 2006: 94). Nesta última acepção, vale ainda salientar, os papéis dos jogadores e dos espectadores aparecem bem definidos e alternam-se ao longo das atividades, enqu anto na primeira o gru po todo pode se constitu ir como jogador, sem qu e haja ma platéia qu e o observe e avalie. Podemos citar como u ma das maiores referências da tradição francesa o au tor J ean-Pierre Ryngaert, qu e teve recentemente seu livro clássico sobre o tema, Jogar, Representar – práticas dramáticas e formação, tradu zido para o portu gu ês, e no Brasil as professoras Olga Reverbel e Maria Lúcia P po. Como exemplo de u ma estratégia de trabalho com o jogo dramático, além da descrição oferecida abaixo, trago u ma reflexão de Ryngaert (2009: 236): Qu ando u ma oficina de jogo não fornece modelos de imitação, impõe ‘padrões’ a serem reprodu zidos, ela conta com a invenção. Apesar disso, essa invenção potencial está contaminada pelas idéias qu e os jogadores têm da estética teatral e daqu ilo qu e se diz e se faz nos teatros. A improvisação não é garantia de u m prod to original, sa do inteiramente pronto da imaginação do improvisador; como já dissemos, m itas vezes a improvisação se limita a esqu emas familiares e a estereótipos. Como poderia o jogador ser capaz de u m ato criativo se ele vive ma espécie de aprendizagem e se, dentro de u m perí odo, segu ndo a tradição, ele deve imitar modelos antes de sonhar com obras pessoais?
EXEMPLO DE JOGO DRAMÁTICO COM CRIANÇAS DE 11 A 13 ANOS (IN SLADE, 1978: P. 66) PARA PRINCIPIANTES
Se as crianças forem inexperientes comece constru indo ma história ou situ ação com idéias re nidas entre as crianças e as s as; essas natu ralmente serão “mais velhas” do q e as mostradas nos exemplos do c rso primário.
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EXEMPLO – ALGUÉM SUGERIU UMA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA: Professor: “Qu e tipo de gente aparece n ma estação?”
Ao ní vel do pré-primário, a resposta esperada seria “trem”, “homem com bandeirinha”, etc. Aqu i com as crianças maiores, elas são: ¦ ¦ ¦
Uma velha SENHA cansada; Um passageiro irritado e apressado qu e perdeu a passagem; Um cachorro amedrontado.
Podemos aju dá-las a adqu irirem mais senso de caracterização e de situ ação, e maior observação do drama cotidiano da vida. Toda sala de a la ou salão pode então ser transformado nu ma estação de estrada de ferro; mais tarde, qu ando já se ganhou algu ma prática de ser essa gente, pode-se introdu zir u ma situ ação simples, como por exemplo, alg ém fu rtando a bolsa da velha senhora, ou o cachorro ass stado latindo para m velho, etc. Essas cenas precoces podem ser bem cu rtas, mas podem ser feitas em s cessão bem rápida. Mantenha as coisas em andamento para qu e a cena não morra.
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¶ Jogo Teatral: sistematizados pela norte-americana Viola Spolin na década de 40, os Jogos Teatrais passaram a ser amplamente conhecidos no Brasil a partir da pu blicação do livro Improvisação para o Teatro, tradu zido por Ingrid Kou dela e Edu ardo Amós, em 1984. Também chamados de “Jogos de Regras”, estes se caracterizam pela divisão do gru po de participantes entre os qu e jogam e os qu e assistem, pela clareza e objetividade na transmissão das regras e pelo foco preciso na resolu ção do problema a qu e se propõe cada exerc cio. Spolin inicia seu livro dizendo: “Todas as pessoas são capazesde atu ar no palco. Todas aspessoas são capazes de improvisar. As pessoas qu e desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco.” (2001: 4) Ou seja, para a a tora o importante é o processo de desenvolvimento pessoal e de gru po qu e os jogos podem gerar: “Aprendemos através da experiência, e ningu ém ensina nada a ningu ém” (idem). Através dos jogos esta edu cadora propõe aos participantes m merg lho de corpo-mente na ling agem do teatro, não apenas como atu antes, mas também como espectadores crí ticos. A partir de jogos pa tados em pergu ntas como: QUEM?, ONDE?, O
QUE?, diferentes elementos constitu intes da lingu agem teatral são explorados (personagens, espaços cênicos, conflitos – ações dramáticas, etc.). A proposta de Spolin é composta de três aspectos qu e se completam: a Sol ção de Problemas – através de instru ções precisas dadas por u m professor aos jogadores, u m problema de natu reza cênica deve ser experimentado e solu cionado na área de jogo; o Ponto de Concentração – direciona os participantes a c mprir determinado objetivo, como por exemplo criar m objeto, m personagem ou m lu gar através da s a fisicalização (mostrando e não contando); a Avaliação, qu e é realizada inicialmente pelo gru po qu e assiste e nu m momento segu inte por todo o gru po – os espectadores, desta forma, ass mem m papel ativo. Apesar de enfatizar a importância de o professor ter claro e sistematizado o método com o qu al está trabalhando, a a tora também insiste no c idado qu e se deve ter para evitar u m enrijecimento demasiado deste sistema. Tratando de chamar a atenção para qu e o modo de ação planejado possa continu ar sendo livre, a a tora desafia o leitor-professor de teatro: “nenhu m sistema deve ser u m sistema” (Spolin, 2001: 17).
EXEMPLO DE USO DE J OGO TEATRAL (IN SPOLIN, 2001: 57-58): JOGO DA BOLA: ¦
¦ ¦ ¦
Introdução do exercício: o gru po é dividido em dois,
m qu e joga e ou tro q e observa. O primeiro gru po qu e sobe ao palco decide sobre o tamanho da bola (imaginária) e, depois, os membros jogam a bola de m para o ou tro. Uma vez começado o jogo, o professor-diretor dirá qu e a bola terá vários pesos. Ponto de concentração: no peso e no tamanho da bola Instrução: A bola é cem vezes mais leve! A bola é cem vezes mais pesada! A bola é normal novamente! Avaliação: todos os jogadores se concentraram no peso da bola? Eles mostraram ou contaram?
PONTOS DE OBSERVAÇÃO:
1. observe os alu nos qu e u sam o corpo para mostra o relacionamento com a bola. O corpo tornou -se leve e flu tu ou com a bola mais leve? O corpo torno -se pesado com a bola mais pesada? Não chame a atenção dos alu nos para isso até qu e o problema tenha sido trabalhado. Se a Avaliação for dada antes qu e todos tenham ido ao palco, m itos tentarão agradar
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o professor e representarão leveza ou peso ao invés de s stentar o Ponto de Concentração (q e prod z espontaneamente o res ltado q e proc ramos) 2. ju nto com este exerc cio, faça com qu e o gru po jogu e beisebol, ping e-pongu e, basqu ete, etc.
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¶ O Drama como Método de Ensino: pesqu isado e u tilizado no Brasil especialmente pela profa. Biange Cabral, da UDESC, a partir do modelo de drama-processo inglês, desenvolvido por Dorothy Heathcote e Gavin Bolton, este se constitu i, nu ma s bárea do fazer teatral e está baseado nu m processo contí nu o de exploração de formase conteúdos relacionando-se com u m determinado foco de investigação (selecionado pelo professor ou negociado entre professor e alu no). Caracterizado como u ma “prática sobre a pesqu isa” (e não como ocorre mais com mente, u ma pesqu isa sobre a prática), o drama se identifica pelo grau de visibilidade no foco de pesqu isa, qu e torna evidente as qu estões qu e estão sendo investigadas e as s as múltiplas formas de resposta (Cabral, 2006). Embora envolvendo processos bastante distintos, o Drama e o Sistema de Jogos Teatrais se assemelham na preocu pação qu e tem com o foco do trabalho e com a ênfase na possibilidade de múltiplas respostas às qu estões qu e s rgem no decorrer do jogo: não há m modo certo ou errado de solu cionar os problemas, a solu ção se dá na relação, na dinâmica institu da pelo próprio jogo entre os atores sociais/alu nos. Como processo, o drama artic la u ma série de episódios, os qu ais são constitu dos e definidos com base em convenções teatrais criadas para possibilitar seu seqüenciamento e aprofu ndamento. Algu mas caracterí sticas básicas são associadas ao drama como atividade de ensino: contexto e circ nstâncias de ficção, q e tenham algu ma ressonância com o contexto real ou com os interesses especí ficos dos participantes; processo em desenvolvimento através de episódios, m pré-texto qu e delimite e potencialize a constru ção da narrativa teatral em gru po; e a mediação de m professor-personagem, qu e permite focalizar a situ ação sob perspectivas e obstác los diversos. Entre as estratégias qu e artic lam essas caracterí sticas, algu mas, de acordo com Cabral (2006: 12) são fu ndamentais: as convenções teatrais qu e identificam
formas distintas de ação dramática, a qu antidade e a qu alidade do material oferecido aos participantes, a delimitação e ambientação cênica.
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Imagem disponível em: http://www.dac.ufsc.br/fotos/ teatro_transito_024.jpg
EXEMPLO DE PROCESSO DE DRAMA (IN CABRAL, 2006: 45-56): CAVERNAS
O tema cavernas foi escolhido pela atração qu e gera na infância, com imagens de mistério, de esconderi jo, de tocas de animais selvagens, de minas de pedras preciosas ou tesou ros de épocas passadas e também pela possibilidade de, a partir dele, serem abordadas qu estões de preservação do meio ambiente, ecossistema, tu rismo predatório, etc. Press postos teóricos (o pré-texto): “geólogos” (representados por professores e monitores) apresentam a tu rma o relato de expedições anteriores nu m congresso nacional, formado pelo restante da classe. Através de m v deo, apresentam às “au toridades” m v deo sobre a exploração de cavernas recém-descobertas, além de mapas e desenhos do material observado e coletado. ²� Estrutura narrativa:
Esta experiência foi realizada em qu atro etapas, com ma hora e meia de du ração cada encontro. O processo envolveu a leitu ra e constru ção de imagens em
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cada etapa – leitu ra do material apresentado, das histórias ou vidas e das apresentações dos colegas; constru ção de imagens a partir do material observado, das narrações dos monitores, das s as vivências anteriores. Os alu nos trabalharam em eq ipes de oito, com dois monitores cada equ ipe e especialidade diferenciada: exploradores de cavernas s bterrâneas, com estalactites e estalagmites (equ ipe 1), exploradores de cavernas com inscrições ru pestres (equ ipe 2), e exploradores de oficinas lí ticas e inscrições em pedras na região litorânea (equ ipe 3). O primeiro encontro – introdu ção do tema e do contexto ²� Atividades: 1. compartilhando o que sabemos – o tema é “caver-
nas” é introdu zido e os alu nos contam o qu e conhecem sobre o ass nto, vêem m v deo sobre a exploração de cavernas mineiras e fotos de ou tros tipos de cavernas. Estimu la-se o debate sobre o tema. 2. Transformando-se em “geólogos” – o tema “ex-
ploração de cavernas” é introd zido: as fu nções do geólogo e do espeleólogo são comentadas e disc tidas. O tema “teatro” é introd zido e os alu nos são convidados a vivenciarem u m processo de teatro “como se” fossem espeleólogos. A classe é dividida em três gru pos, cada u m com dois alu nos de Artes Cênicas e orna-se especialista em u m tipo de caverna. Os gru pos passam a criar a história de s a equ ipe e de ma descoberta e exploração de ma caverna qu e ostornou famosos. Cada gru po cria asevidências desta expedição anterior, através de desenhos, mapas) e dá nome à expedição e à caverna descoberta. 3. Preparando-se para atuar – m jornalista (profes-
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sor de teatro: professor-personagem) visita cada laboratório e/ou escritório, entrevista e fotografa as equ ipes de espeleólogos para a Revista da Ciência. Um representante da Fu ndação do Meio Ambiente de SC (FATMA) visita cada equ ipe para convidá-la a participar de importante encontro sobre preservação do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecossistema das cavernas.
O seg ndo encontro constitu i-se pela constru ção de personagens, o terceiro é chamado “a expedição” e o qu arto é a apresentação das descobertas. Ao final de cada processo de trabalho, são levantados Pontos de Reflexão, principalmente aos coordenadores do processo. No caso do exemplo dado, conclu iu -se qu e o processo gerou aprendizagem em três áreas distintas: na lingu agem teatral, na espeleologia (ou no tema “cavernas”) e na preservação e proteção do meio ambiente. São também disc tidos poss veis desdobramentos desta atividade para atividades posteriores, de acordo com os debates s scitados pelos alu nos. E finalmente são elencados temas geradores para as ou tras disciplinas, como por exemplo, portu gu ês: u m diário da expedição; matemática – cálc lo das distâncias das áreas pesqu isadas; geografia – mapas (reais ou não); história – os povos das cavernas, os contrabandistas; etc. ¶ Peça Didática: componente importante da obra do diretor, dramatu rgo e pesqu isador alemão Bertold Brecht, a peça didática propõe ma edu cação polí tico-estética através de procedimentos pedagógicos fu ndamentados no Teatro e no prazer proporcionado por ele. Neste sentido, o au tor estava b scando u m contraponto à edu cação b rgu esa, q e via como “a mera apropriação de m bem c lt ral, ou a aqu isição de ma mercadoria” (Brecht apu d Desgranges, 2006: 79). Deflagrando m processo de democratização do teatro através da pesqu isa por novas possibilidades de espaços, público e narrativas para o Teatro, Brecht iniciou s a experiência com as peças didáticas sendo trabalhadas inicialmente nas escolas, com jovens e crianças, ou nas fábricas, com operários.
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No texto Para u ma Teoria da Peça Didática (Brecht apu d Kou dela, 2007: 16, 17), estabelecendo como principais ferramentas didáticas o “efeito de estranhamento” e o “modelo de ação”, o a tor fu ndamenta s a proposta: “A peça didática ensina qu anto nela se atu a, não qu ando se é espectador. Em princí pio, não há necessidade de espectadores, mas eles podem ser tilizados.”
EXEMPLO DE EXERCÍCIOS DE “ ESTRANHAMENTO” PROPOSTOS POR BRECHT (APUD K OUDELA , IDEM : 112, 113) ¦ ¦ ¦
a transposição par a terceira pessoa; a transposição para o passado; a verbalização de r bricas e comentários
A transposição para a terceira pessoas é recomendada pro Brecht para desenvolver a atitu de qu e torna poss vel a “citação”. O atu ante experimenta o seu papel ora na primeira, ora na terceira pessoa. “Ele levanto -se e disse, enraivecido, pois não havia almoçado... ou Ele ou viu isso pela primeira vez e não sabia se era verdade... ou Ele sorriu e disse despreoc padamente”. No procedimento de trabalho com a peça didática, o jogador/atu ante encontra-se na mesma situ ação privilegiada qu e o ator diante da platéia. Em fu nção da experimentação com o texto da peça didática, ele irá investigar u m modelo de comportamento, atitu de, gesto e seu conteúdo de significação e efeitos históricos.
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¶ a Pedagogia do Oprimido: conju nto de métodos e técnicas desenvolvidas pelo dramatu rgo, encenador, pesqu isador e teórico brasileiro Au gu sto Boal, recentemente falecido. Consagrado como m dos mais importantes dramatu rgos do emblemático Teatro de Arena de São Pau lo (1953 – 1972), em obras como Arena conta Z mbi, Revolu ção na América do S l, Boal sofre du ramente com a opressão do Regime Militar pós-AI 5 (1968), e após ser preso e tortu rado passa u m longo perí odo de ex lio em paí ses da América Latina e posteriormente na E ropa. S a experiência ju nto aos mais diversos gru pos popu lares e a inspiração teórica na obra de Bertold Brecht (sobretu do nas s as Peças Didáticas) o levaram à criação do Teatro do Oprimido. Este constitu i-se, de acordo com Boal (2002: 15), como u ma ferramenta de apoio – através do teatro – às lu tas dos oprimidos. Para
Boal, todos os seres hu manos são atores, porqu e agem, e espectadores, porqu e observam. Mas fu ndamentalmente, para o a tor, somos todos “espect-atores”, ou seja, não somos espectadores passivos, devemos e podemos agir para modificar a cena – ou a vida. Neste sentido, seu método pode ser u sado tanto por atores profissionais ou não-profissionais qu anto por professores, em sala de a la, ou ainda por gr pos q e desejem sar a lingu agem teatral com objetivos espec ficos (na psicoterapia, na lu ta social ou polí tica, etc.). Através da Estética do Oprimido, bu sca-se desenvolver entre os praticantes a capacidade de perceber o m ndo, por meio de todas as Artes e não apenas do Teatro (podemos dizer q e aqu i o teatro fu nciona como u m catalizador), focalizando o processo no imbricamento entre Palavra (todos podem e devem escrever poemas e narrativas), Som (invenção de novos instru mentos e de novos sons) e Imagem (pintu ra, esc ltu ra, fotografia, etc.).
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Dentre as técnicas qu e compõem o Teatro do Oprimido encontram-se: O Teatro-Imagem, o Teatro-Fóru m, o Teatro-Invis vel, o Teatro-J ornal, etc.
EXEMPLO DE EXERCÍCIO NA CATEGORIA “SENTIR TUDO QUE SE TOCA ” (IN BOAL , 2002: 91,92): HIPNOTISMO COLOMBIANO
Um ator põe a mão a pou cos centí metros do rosto de ou tro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto sempre à mesma distância da mão do hipnotizador, os dedos e os cabelos, o qu eixo e o pu lso. O lí der iniciar u ma série e movimentos com as mãos, retos
e circu lares, para cima e para baixo, para os lados, fazendo com qe o companheiro exec te com o corpo todas as estru tru as m sc lares poss veis, a fim de se equ ilibrar e manter a mesma distância entre o rosto e a mão. A mão hipnotizadora, pode m dar, para fazer, por exemplo, com qu e o ator hipnotizado seja forçado a passar por entre as pernas do hipnotizador. As mãos do hipnotizador não devem jamais fazer movimentos m ito rápidos, qu e não possam ser segu idos. O hipnotizador deve aju dar seu parceiro a ass mir todas as posições ridí c las, grotescas, não s ais: são precisamente estas qu e aju dam o ator a ativar estr tu ras m sc lares po co u sadas e a melhor sentir as mais s ais. O ator vai u tilizar certos músc los po co u sados e a melhor sentir as mais s ais. O ator vai u tilizar certos músc los esqu ecidos do se corpo. Depois de ns minu tos, trocam-se o hipnotizador e o hipnotizado. Algu ns minu tos mais, os dois atores se hipnotizam m ao ou tro: ambos estendem s a mão direita, e ambos obedecem à mão do ou tro. ²� Variante:
Hipnose com as du as mãos. Mesmo exerc cio. Desta vez, o ator dirige dois de seu s companheiros, u m com cada mão. O lí der não deve parar o movimento nenhu ma mão nem da ou tra. Esse exerc cio é para ele também. Pode cru zar s as mãos, obrigar o parceiro a passar por debaixo do ou tro (sem se tocarem). Cada corpo deve proc rar seu próprio equ ilí brio, sem se apoiar sobre o ou tro. O lí der não pode fazer movimentos m ito violentos; ele não é m inimigo, mas m aliado, mesmo se está tentando sempre desequ ilibrar seu s parceiros. Depois, troca-se de lí der, de maneira qu e os três atores possam experimentar ser o hipnotizador. Após ns minu tos, os três atores, em triângu lo, hipnotizam-se ns aos ou tros, estendendo, à s a direita, s a mão direita e obedecendo à mão direita do ou tro, qu e lhe vem pela esqu erda. (o a tor ainda oferece d as ou tras variantes).
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¶ A Etnocenologia: a linha de pesqu isa chamada etnocenologia é ma das abordagens qu e pretende dar conta da análise dos eventos “espetac lares” como u m todo. A etnocenologia s rge, baseada nu ma crí tica ao etnocentrismo do termo “teatro” (aplicável apenas a alg mas c ltu ras ocidentais), como u m conceito alternativo qu e bu sca contemplar a niversalidade das práticas espetac lares. Esta abordagem, iniciada há pou cos maisde qu inze
anos, anos, espec especialmente ialmente por po r J ean-Marie ean-Marie Pradier Pradier (1996), (1996), na França, vem se desenvolvendo no Brasil por profes prof esssores-pes ores-pesqu qu isador isadores es-arti -artisstas como Marocc M arocco o (1996), Bião (1996), Brantes (2005), Veloso (2009), entre entre ou tros. tros. A etnocenologia etnocenologia tem como omo objetiv obj etivo o “o estu estu do, nas nas diferen diferente tess c ltu ras ras, das das prátic práticas as e dos comportam omportamentos entos hu manos espeta espetacc lares lares organizados” ganizados” (tradu ção minha). minha). Inspirado Inspirado na obra de John John Blacking, Blacking, espec especialme ialmente nte no tocante à s a argu mentação entação para a criaç criação ão da disc disciplina ipli na de etnoetnom sicologia icologia,, Prad Pradier ier defend defende e qu e a etnoc etnocen enologia ologia vem s prir prir u ma lac lac na nosestu dosda rela relaçção entr entre e corpo orpo e produ produ ção sim simbóli bólicca. É aqu i, entã então, o, q e o termo termo “es “ espetac petac lar” ganha espaç espaço, o, definido como “u ma forma de ser ser,, de se se comport comportar ar,, de se se movimovimentar, de agir no espaço, de se emocionar, de falar, lar, de cantar cantar e de se se enfeitar enfeitar distinta do cotidi otidiano” ano” (PRADIER, 1998: 24). Pradier, no entanto, admite a ambigüidad ambigüidade e do term termo o e o contí contí nu o proces processso de aprim aprimoram oramen ento to de s a definiçã definição, o, pois as pesqu pesqu isas isas em etnocenologia etnocenologia acabarã acabarão o se estende estendendo, ndo, bu scando cando experiências e expres expresssões espetacu espetacu lares lares nas práticas práticas,, valores valores e smbolos s mbolos também também tilizados tilizados no 4 cotidiano . Neste sentido, podemos acrescentar a importante importante contribu ição ição do prof. Armindo Armindo Bião, Bião, do Programa de Pós Pós-Gradu -Gradu ação ação em Artes Cênicas ênicas da UFBA, possivelmente o maior propagador das pesqu pesqu isas isas etnocenológicas etnocenológicas.. De acordo acordo com ele, ele, os objetos originalmente descritos como “práticas e comportam omportamentos entos hu manos espe espetac tac lares lares organizados” (PCHEO) poderiam ser divididos em três s bgru bgru pos: pos: arte artess do es espetá petácc lo, ritos ritos espeta petacc lare laress e formas cotidianas otidianas,, espetac espetac larizadas pelo olhar o lhar do pesqu pesqu isador isador.. (BIÃO (BIÃO,, 2007 2007:: 26) 26)5 ¶ Antropologia Teatral: as pesqu pesqu isas isas de “teatro antropológico”, tropol ógico”, realizadas realizadas por Eu gênio Barba Barba (199 (1991, 1, 1994 1994,, 199 1995) 5) e pela pela equ ipe da IST ISTA (Internatio (Internat ion n School of Theatre Anthropology), visando a ampliaç pli ação ão das poss possibili ibi lidades dades de criaçã criação o art stica dos atores do Ocidente, Ocidente, contribu contribu ram com a sistem istemaatização tização de princ pios ex extra-c tra-cotidianos de u so do corpo semelhantes e observáveis em diferentes Inês M arocco (1996), professora professora do Prog rama rama de Pós-G raduação raduação em Artes Cênicas da UFRGS, vem desenvolvendo pesquisas nessa linha há mais de dez anos, buscando, na lida campeira dos peões (o laçar, o pealar, o domar, etc.) e na trova, uma análise do “g esto espetacular espetacular na cultura cultura gaúcha” . 4
Bião ainda acrescenta a esses três conjuntos ou subgrupos a condição de serem, respectivamente, objetos substantivos, adjetivos e adverbiais. Para um maior aprofundamento nesta nova classificação sugerida pelo autor, ver Bião (2007).
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c ltu ras ras. Enq anto nto a etnoc tnoce enolog nologia ia vai pro procc rar rar estabe estabelec lecer er u m s porte teóric teórico o para a anális análise e de tais manifestações expressivas, a antropologia teatral vai experimentar, na prática, a comparação dos métodos tilizados til izados por performers performers de diferentes ferentes c ltu ras. ras. Ess Essas experiê experiênc ncias ias vão ocorrer espe especcialme ialmente nas nas re niões niões an ais da IST ISTA, qu e envolvem workshops, demonstrações e finalizam com o The Thea atru m Mu ndi, ndi, es espetá petácc lo onde onde art artis ista tass de diferen diferentes tes c ltu ras e téc técnicas nicas de performa performanc nce e contracenam (Skeel, 1994), e também nas trocas, nas qu ais os atores atores do Odin Tea Teatre tret, t, gr po dirigido por Barba, Barba, compartilham compartilham s as técnica técnicass de performa perfo rmance nce com comu comu nidades de diversas diversas partes do m ndo. Bar Barba ba vai vai argu argu mentar entar sobre sobre as trocas trocas (1991 (1991:: 104) 104):: “Todos podem dançar dançar s as próprias próp rias danças danças e cantar cantar s as próprias canções anções.. Aqu i não exis existe te u m mom momen ento to estétic estético o do espe espetác tác lo, não exis existe te por m lado os profiss profissionais qu e canta cantam m, danç dançam e rec recitam itam e, por ou tro lado, pes pessoas qu e passivamente os observam e os consideram como especialistas da música, da dança e do recital. É esta esta noss nossa ‘troca’ ‘troca’.. Não renu renu nciam nciamos os ao qu e era era noss nosso, eles eles não renu renu nciam nciam ao qu e era era deles deles.. DefiDefinimo-nos reciprocamente através de nosso patrimônio c lt ral.” l.”
Imagem disponível em: http://pages.pomona. edu/~tgl04747/Tom.gif
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¶ Os estudos da performance: originados nas pesqu isas isas e práticas práticas teatrais teatrais do diretor e profes pro fesssor da New York University, Richard Schechner (1988; 1992 1992), ), os estu estu dos da performance performance encont encontram-s ram-se e na confl confl ência ência entre entre as as pesqu pesqu isas isas teatrais teatrais e antropológica tropol ógicass. Sc Schecher hecher foi f oi poss possivelme ivelmente nte qu em melhor (ou prim prime eiro) fez fez ma adequ dequ ada ligaligação entre ambas as perspectivas de análise. Para ele a performance está enraizada na prática e é fu ndam ndame entalm ntalme ente interd interdis iscciplina iplinarr e inte interc rc ltu -
ral (1988: xv)6. Cons Conside idera rando ndo q e os performance studies envolvem diversas artes, atividades e comportamentos, Schechner organiza as atividades performa perfo rmativas tivas da segu segu inte int e maneira maneira (199 (1992: 2: 273): de acordo com a relativa “artificialidade” da atividade atividade ou gênero, gênero, de acordo acordo com a nec necesessidade de treinamento formal, de acordo com o relacionamento entre “espaço teatral” e “evento teatral” teatral” e de acordo acordo com o statu statu s social ocial e ontolóonto lógico gico de qu em está atu ando ando e de qu em está está sen sendo do repres representado. entado. M as, as, segu segu ndo o próprio Schechner hechner,, s a tax taxonomia onomia é falha, pois freqüente freqüentem mente ma perfor perform manc ance mis mistutu ra ou exclu i alg mas des destas tas categorias: Performance Performance não não é fácil de definir ou localizar: localizar: conconceito e estru estru tu ra tem espa espalha lhadodo-sse par para a todos todos os lu gares gares. É étnico étnico e interc interc ltu ral, históric histórico o e a-his a-históric tórico, o, estétic estético o e ritu al, soc sociológico iológico e polí tico. tico. Performa Performanc nce e é u m modo de comportam omportamento, ento, ma abordage abordagem m da experiê experiênc ncia; ia; é u m jogo, u m esporte, esporte, entretenim entretenimenento popu po pu lar, lar, teatro experime experimental, ntal, e mais mais.. Mas M as como ma ampla pers perspec pecti tiva va a desenvolve desenvolverr, a perf performanormance precisa ser escrita com precisão e em total detalhamento.7
A disc ssão viva vivazz sobre sobre os estu estu dos da perfo perform rmanance, s scitada por Schechner hechner ao longo dos últimos trinta trinta anos anos,, perm permite ite qu e ele vislu islu mbre a amplitu amplitu de das qu estões estões envolvidas envolvidas nesta nesta perspec perspecti tiv va de abordagem da sociedade.
Imagem disponível em: http://2. bp.blogspot.com/_ngADQjovV4w/ RypOzvfvLlI/AAAAAAAAC0Q/XJ_ qtGMRT0g/s400/les_indiens01.jpg Há uma sutil diferença, no entanto, entre a escola norte-americana dos Performances Studies, desenvolvidos por Schechner, e a Etnocenologia francesa de Pradier: enquanto esta focaliza o caráter êmico e individualizado das representações, aquela, ainda que também considere suas atribuições êmicas, volta-se, numa perspectiva intercultural, para estudos comparativos, vislumbrando universais do comportamento comportamento humano. 6
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Tradução da autora.
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A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS
Como já foi introdu zido no in cio deste texto, atu almente, a terminologia “Pedagogia do Teatro” toma conta das disc ssões qu e ocorrem nas interfaces entre o Teatro e a Edu cação. Uma nova perspectiva de abordagem do ensino/aprendizagem do teatro caracteriza essa nomenclatu ra, c ja principal mu dança em relação às abordagens mais tradicionais da Arte-Edu cação está no fato de não separar a prática teatral qu e ocorre no ambiente escolar da prática q e é realizada por atores ou diretores, ou seja, por profissionais do teatro. Três au tores nos aju darão a compreender essa transformação conceitu al, s as implicações na formação dos novos docentes da área de teatro e s a reverberação nas salas de a la e nas salas de treinamento e ensaio. São eles: Ingrid Kou dela, Biange Cabral e Gilberto Icle, todos professores, de diferentes institu ições e gerações, qu e têm realizado ótimas reflexões sobre o tema.
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Comecemos com u ma pequ ena historicização do binômio Pedagogia do Teatro e Teatro na Edu cação. De acordo com a profa. Ingrid Kou dela (2006: 161), a tilização da grafia Teatro/Edu cação, com ma barra
http://www.dac.ufsc. br/fotos/semanateatro/ semana_teatro_ chamas03.jpg
entre os termos, no iní cio da década de 70, visava deixar em aberto as relações a serem estabelecidas entre ambos os campos de atu ação. Ao longo desta mesma década, com a tradu ção do termo Art Edu cation, em inglês, oriu ndo das Artes Vis ais dos EUA, a grafia Teatro-Edu cação passou a vigorar nos congressos da Federação de Arte-Edu cadores do Brasil (FAEB) e da Associação de Arte-Edu cadores de São Pa lo (AESP), nos qu ais a au tora participara. A partir de então o termo Arte-Edu cação generalizou -se englobando as ou tras áreas de conhecimento em artes, como o Teatro, a Dança e a Música, qu e passaram a ser concebidas como lingu agens (o qu e se mantém até os dias de hoje, como vimos, inclu sive nos PCNs), sob a égide conceitu al, no entanto, das Artes Vis ais. O termo Pedagogia do Teatro é u tilizado, inicialmente, em diferentes contextos, como na descrição dos processos de aprendizagem de teatro em distintas c ltu ras, feita nas diversas obras qu e dão s porte à Antropologia Teatral de E gênio Barba, ou na proposta alemã de diálogo entre a pedagogia e a edu cação, Theaterpädagogik. Para Kou dela (op. cit. 163): O intu ito de incorporar reflexões e indagações sobre a Pedagogia do Teatro visou não apenas a ampliar o espectro da pesqu isa na área, trazendo para a disc ssão os Mestres do Teatro – dramatu rgos, teóricos e encenadores –, como também fu ndamentar a epistemologia e os processos de trabalho do teatro, inserindo-os na história da c ltu ra.
Já Gilberto Icle, qu e é ator, diretor e professor da Fac ldade de Edu cação da UFRGS, levanta as condições de emergência da pedagogia teatral como u m eixo teórico-metodológico qu e aproxima diferentes instâncias do fazer teatral. Em s a pesqu isa, o au tor considera qu e as principais m danças qu e definiram novas abordagens da prática teatral ocorreram não necessariamente nos espetácu los, mas nas salas de ensaio, escolas e laboratórios. Segu ndo ele, nas situ ações pedagógicas engrendradas por personalidades como Stanislavski, M eyerhold, Copeau , Grotowski ou Barba revelaram-se “a dinâmica e as relações indissociáveis entre o artí stico e o pedagógico.” (Icle, 2007: 1. O au tor vai elencar, então, algu ns elementos qu e caracterizam essa qu e pode ser considerada ma m dança de paradigma, qu e ocorre no teatro ao longo do séc lo XX e qu e orienta a relação deste com a edu cação. Entre estes elementos, ele inclu i:
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1) a instau ração da improvisação como procedimento criativo; 2) a conversão do diretor nu m “diretor-
pedagogo”, qu e precisa criar m “ambiente pedagógico” para qu e consiga desenvolver seu processo de pesqu isa e criação da encenação ju nto aos atores e aos demais membros da equ ipe; 3) a transformação do gru po de teatro em com nidade teatral, q e não toma mais o espetác lo as ponto-chave do teatro, valorizando o processo criativo e o desenvolvimento de identidades teatrais localizadas social e c ltu ralmente. Para Icle (2007: 4): são nas m danças, nas passagens, nas ru ptu ras, nos movimentos, nas formas distintas e “novas” de fazer e pensar teatro qu e aqu ilo qu e chamamos de pedagogia teatral foi se engendrando, se disciplinando, se constit indo como u m disc rso e u ma prática verdadeira.
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Debru çando-se de forma mais espec fica na Antropologia Teatral de E genio Barba, o a tor aponta para as contribu ições qu e esta pode aportar para o campo da Pedagogia do Teatro e, mais efetivamente, no ensino do teatro. Uma das principais contribu ições passaria pela compreensão do conceito de préexpressividade, ou seja, tu do aq ilo q e antecede o momento expressivo, de representação propriamente dita – o qu e vem antes da cena, do palco, da dança. O conceito se estru tu ra sobre du ascategorias opostas e complementares: o cotidiano e o extracotidiano, qu e mobilizam energias distintas, já qu e operam no sentido de alcançar diferentes objetivos. Barba identificou o qu e intit la de “princ pios pré-expressivos” semelhantes em diferentes c ltu ras, qu e permitiriam a constatação de qu e há u ma dimensão q e prepara, antecede e organiza a os corpos para o estado de atu ação e qu e esta dimensão não está vinc lada diretamente a u m significado ou a u m conteúdo. De algu ma maneira, este embasamento empí rico-reflexivo legitima a idéia de treinamento do ator – ou do trabalho com alu nos, em sala de au la, desvinc lado da idéia de u ma montagem. O desenvolvimento dos princ pios pré-expressivos com alu nos e/ou atores os tornaria potencialmente expressivos, melhor preparados, assim, para atu ar em ma situ ação extra-cotidiana – teatral. Respeitando o trabalho de descoberta individu al de cada alu no dentro desses princ pios, o professor também estaria exercitando u ma forma de condu zir u m processo no q al s a intervenção é
limitada ao apoio no desenvolvimento do potencial criativo dos alu nos. As implicações dos conceitos de pedagogia do teatro e teatro como pedagogia no âmbito do Teatro na Edu cação também são disc tidas pela professora Biange Cabral. Se o primeiro identifica determinados métodos de ensino e planejamentos, o segu ndo prevê qu e toda atividade com a lingu agem teatral em sala de a la já configu ra ma pedagogia, independente do planejamento. Para Biange (2007: 1), embora essa abordagem acentu e u ma dicotomia, o qu e sempre é arriscado, esse risco se ju stificado pois acentu a a especificidade do teatro face à fu nção do planejamento de ensino e à q estão da aqu isição de conhecimentos próprios da área. A au tora, qu e tem defendido em diversos artigos a legitimidade e o valor do trabalho do professor de teatro, ao mesmo tempo em qu e aponta a importância de m planejamento qu e especifiqu e os objetivos artí sticos a serem explorados (lingu agem cênica), estéticos (valores) e temáticos (aspectos do texto ou tema), também lembra qu e o docente deve permanecer sempre atento para o contexto de trabalho, considerando sempre a possibilidade de alterar o programa do cu rso de acordo com as demandas dos alu nos. Podemos relembrar, neste sentido, q e a contextu alização é m dos eixos da proposta triangu lar de Ana Mae Barbosa, apresentada no iní cio deste texto. Finalmente, Biange ainda traz para a disc ssão a proposta de Henri Girou x, de ma pedagogia da possibilidade. A partir do conceito-chave de resistência, este au tor propõe a a tonomia dos docentes (e poderí amos pensar no caso espec fico dos docentes de teatro) no sentido de reagirem contra a dominação das teorias dominantes e a reprodu ção pu ra e simples de elementos c ltu rais alheios à s a própria c ltu ra. O professor deve ass mir-se como u m agente qu e encara a ed cação como u m empreendimento polí tico, social e c lt ral. Conqu anto as abordagens pedagógicas contemporâneas em arte-edu cação têm enfatizado qu e se faça ma ju sta distribu ição, em sala de au la, entre a criação (prática), a apreciação (formação do público) e a contextu alização (atenção às pec liaridades da c ltu ra e da sociedade em qu estão), é fu ndamental q e os modelos pedagógicos disponí veis – como os qu e
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vimos acima, por exemplo – não se tornem demasiadamente rí gidos e distanciados das realidades locais. Isso acabaria por inviabilizar res ltados produ tivos em termos da sensibilização à lingu agem teatral – e, consequ entemente, à arte e às relações hu manas – nos diferentes ní veis. Com nicar – e se comu nicar – como já disse Viola Spolin, deve sempre ser mais importante qu e o método u tilizado para tanto. A nova concepção do Teatro na Edu cação, neste sentido, pela abordagem da Pedagogia do Teatro, permite qu e se conheça e se contemple as riq ezas c ltu rais dos diferentes s jeitos envolvidos nos processos de constru ção de conhecimento através do Teatro. E através do Teatro não apenas ensinamos e aprendemos, mas também vivenciamos, sentimos, refletimos, imaginamos e criamos novos mu ndos poss veis.
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Unidade 2
O q e é m espectador? Dos modos de constitu ir-se dentro e fora da a la de teatro
Au tora: Taí s Ferreira
INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?
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Aprende-se a ser espectador? A escola nos ensina a sermos espectadores? A au la de teatro ensina a ser espectador de teatro? É preciso aprender algo para ser espectador? Onde, então, aprende-se a ser espectador? Qu e espaços-tempos e artefatos são esses qu e contemporaneamente crianças e jovens s fru em e nosqu ais constitu em s as identidades, s ass bjetividades e seu repertório de “espectar”? A propósito: o qu e é m espectador? Por q e falar da parte “menos importante”, “menos tangí vel”, “menos disc tida”, “menos conhecida”, “menos glamou rosa” (não há cobertu ra da m dia, nem fotos, nem livros de história, nem crí ticas sobre espectadores, ainda qu e se reconheça o crí tico como “espectador privilegiado”), ou seja, da parte minorada do todo qu e é o acontecimento teatral? E, por conseg inte: qu al a pertinência de refletir acerca de ser espectador nos processos de ensino-aprendizagem teatral? Comecemos pela palavra e algu ns de seu s significados, na tentativa (possivelmente inglória) de responder à qu estão qu e dá tí tu lo a estes escritos. Pareceme qu e o dicionário sempre au xilia a constru ir linhas de fu ga aos significados estanqu es, mesmo em se tratando de termos qu e são consenso notório, como a palavra espectador. Diz-nos, portanto, o Dicionário Eletrônico Hou aiss da L ng a Port gu esa (2001): espectador é “adjetivo e s bstantivo masc lino; 1 qu e ou aq ele q e assiste a m espetác lo; 2 q e o aqu ele qu e presencia m fato; testem nha, presente; 3 q e ou aq ele q e observa ou examina (algo); observador”. O homônimo expectador nos diz: “ad jetivo e s bstantivo masc lino; q e ou aq ele q e permanece na expectativa”. Nada de novo, por enqu anto. Mas, logo abaixo, mora o verbo espectar e este sim abre novas possibilidades de pensar e constru ir o espectador na contemporaneidade. Espectar: “verbo; Diacronismo: obsoleto. Transitivo direto; olhar, assistir, apreciar (grifos meu s)”. Pensemos, então, partindo do espectar como obsoleto.
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Se considerarmos o espectador enqu anto u ma parte ativa do acontecimento teatral, ou seja, como imprescindí vel ao teatro, ainda assim corremos o risco de colocá-lo em m espaço minorado. O diretor, o dramatu rgo, o ator, o gru po, a peça, a performance: todos propõem, todos lançam no espaço vazio s as propostas criativas, s as intenções estéticas, seu s processos e seu s res ltados cênicos. Há espaço para o espectador neste lu gar tão repleto de idéias, ideais e materiais? Ou melhor: pensa-se o espectador qu ando se pensa teatro? Independente de qu ais e de como são as propostas cênicas (do tradicional teatro de texto em palco italiano às mais inu sitadas propostas performáticas), estu dar, conhecer e, ou saria dizer, fazer teatro implica considerar a existência do espectador para além daq ele qu e observa e espera? Qu em é o espectador? Deixemos neste instante as s bjetividades de lado, reform lemos a qu estão intentando a (imposs vel) ne tralidade: o qu e é m espectador? Aqu ele q e observa e espera (HOUAISS, 2001)? Aqu ele qu e acolhe e hospeda (DERRIDA, 2003)? Aqu ele qu e completa (ECO, 2001)? Aqu ele qu e cria dialogicamente (BAKHTIN, 1992)? Aqu ele qu e constit i e é constit do através da lingu agem (FOUCAULT, 2007)? Aqu ele qu e co-habita e comparte o espaço-tempo í ntimo do ato cênico do ator (GRO TOWSKI, 1971)? Aqu ele qu e tem se s sentidos indelevelmente abalados (ARTAUD, 1993)? Aqu ele qu e age pelo e através do teatro (BOAL, 1998)? Aqu ele qu e se posiciona (BRECHT)? Aqu ele qu e aprende com o jogo do ou tro (SPOLIN, 1987)? Todas as alternativas poderiam ser consideradas corretas, todas se complementam e podem constitu ir u ma genealogia do espaço oc pado pelo espectador nos processos de criação ao longo da história do teatro no séc lo XX.
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Porém, convém salientar qu e espectar é obsoleto: observar, contemplar, olhar, apreciar (se forem entendidos como passivos) há mu ito não podem ser consideradas as únicas f nções do espectador. O espectador passa a ser compreendido como u m co-au tor, ou , simplesmente, como mais m au tor da obra. É necessário qu e u m espectador ative toda a s a gama de repertórios de espectar (teatro, TV, música, páginas da internet, cinema, dança, obras de arte, v deos, revistas, livros, ou tdoors, shows, entre ou tros) para constru ir a recepção. Qu e não é pontu al e sim process al; qu e se dá antes da relação direta com o artefato, du rante e depois, nu m devir-espectador
qu e se constrói diferentemente a cada comu nidade de recepção a qu al se pertence, a cada cenário de recepção no qu al se circu la. Ser espectador é mais do qu e ser receptor: é ser m inevitável produ tor. De sentidos, de significados, de sensações, de sentimentos, de conhecimento.
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Este texto não propõe u ma pedagogia do espectador8, não apresenta sol ções nem metodologias poss veis para formar espectadores. Simplesmente tenta refletir acerca de como nos constitu mos espectadores nos diversos âmbitos de nossas vidas contemporâneas, e tenta mapear algu ns espaços-tempo de formação e apresentar a a la de teatro como poss vel espaço deste constitu ir-se no teatro. A partir destas considerações iniciais, desenvolverei (breve, e não exau stivamente) os segu intes apontamentos: ¶ entender o teatro, a prod ção c ltu ral para crianças e jovens, como parte de m circ ito c ltu ral de produ ção, circ lação e cons mo, contextu alizando-o sócio, econômica e c ltu ralmente ; ¶ debater as pedagogias c ltu rais, ou seja, artefatos e seu s disc rsos, qu e nos ensinam modos de ser e estar no m ndo, constitu indo identidades e s bjetividades de espectadores; ¶ levantar as múltiplas mediações qu e atravessam e constitu em a relação dos espectadores com a lingu agem teatral para, finalmente; ¶ apresentar linhas de fu ga e pontos de encontro qu e possibilitem a pedagogia teatral e a recepção caminharem ju ntas.
Para tal fim, ver as publicações do professor e pesquisador Flávio Desgranges, que desenvolve estudos acerca da “ pedagogia do espectador”. 8
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A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA9
As crianças e jovens sempre foram espectadores de teatro no ocidente. Há indí cios de qu e crianças freqüentavam os anfiteatros gregos, havia crianças e jovens nas platéias das arenas romanas, os teatros litúrgico e profano da Idade Média (realizados nas igrejas e posteriormente em vias públicas) também eram assistidos por crianças, jovens e adu ltos, da mesma forma as peças das tr pes mambembes da commedia dell’arte italiana, o teatro elisabetano (de c nho extremamente popu lar na Inglaterra do séc lo XVI e XVII), os a tos teatrais jes ticos qu e catequ izavam os ndios brasileiros no séc lo XVI, os corrales do barroco espanhol também contavam com espectadores homens e m lheres, pobres e ricos, velhos e crianças, o teatro de bonecos indiano era teatro para adu ltos e crianças; em todas as épocas pode-se encontrar
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O modelo de circuito da cultura a partir do qual discorro nestes escritos é aquele apresentado por JO HNSON no artigo “ O que é, afinal, estudos culturais?” (1999 ). 10 Todas as fotografias que ilustram este artigo são de espetáculos da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, de Porto Alegre/RS, e seu uso foi gentilmente autorizado pelo grupo. M aiores informações em:
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Figura 1. Crianças e
adultos assistem ao espetáculo de teatro de rua da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê10, “Negrinho do Pastoreio”. Crédito da fotografia: Kiran.
registros de platéias formadas por pessoas de todas faixas etárias. Enfim, até o séc lo XX, crianças, jovens e adu ltos iam ju ntos ao teatro, não havia ma prod ção espec fica direcionada à infância e à ju ventu de, o qu e não significa qu e estas não freqüentassem as praças públicas e salas de espetác los.
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Ariès (1991) exemplifica vários aspectos da invenção da infância moderna, ou seja, da constru ção c ltu ral (e não biológica ou imanente à raça h mana) ocorrida em meados dos séc los XVI e XVII e qu e fez da infância u ma fase partic lar da vida, marcada pela institu ição de determinadas caracterí sticas posteriormente consideradas inerentes à condição infantil. A partir de trechos do diário do pr ncipe L s XIII da França, escritos por seu médico, Ariès comenta a constru ção do infantil e algu mas práticas e dispositivos qu e b scam entendê-lo, captu rá-lo e disciplinálo. Em certos momentos, pode-se perceber a presença das crianças em manifestações art sticas e lúdicas, qu e estas compartilhavam com os adu ltos. Narra-se o teatro de bonecos, o teatro feito por atores e a dança como elementos presentes na vida do pequ eno aristocrata. T do indica qu e a idade dos sete anos marcava u ma idade de certa importância: era a idade geralmente fixada pela literatu ra moralista e pedagógica do séc lo XVII para a criança entrar na escola ou começar a trabalhar. (...) pois embora não brinqu e mais ou não deva mais brincar com bonecas, o Delfim (L s XIII) continu a a levar a mesma vida de antes. Ainda é s rrado e seu s divertimentos qu ase não se alteram. Ele vai cada vez mais ao teatro, chegando em pou co tempo a ir qu ase todos os dias: ma prova da importância da comédia, da farsa e do balé nos freqüentes espetác los de interior ou ao ar livre de nossos ancestrais (ARIES, 1991, p. 87).
Tanto como o teatro, a literatu ra também não poss a u ma categoria distinta para as crianças, ainda qu e hou vesse leitu ras consideradas adequ adas às mu lheres, às classes desfavorecidas, aos intelectu ais, aos aristocratas, não havia, até o séc lo XVII (qu ando Perra lt compila algu ns contos folclóricos na França e os nomeia Contos da Mamãe Gansa, dedicando-os a u ma das pequ enas princesas do pa s) notí cias de artefatos qu e pu dessem classificar-se dentro da categoria “literatu ra infantil”. Ainda segu indo Ariès, “os
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mesmos jogos eram comu ns a ambos, crianças e adu ltos” (1991, p. 88), assim como os contos popu lares, o teatro de marionetes, as comédias, as danças, os jogos dramáticos, a música e a literatu ra também eram compartilhados por crianças, jovens e adu ltos. “A mu dança se faz insensivelmente nessa longa seqüência de divertimentos qu e a criança toma emprestada dos adu ltos ou divide com eles” (Id., Ibid.). Com o andamento da modernidade (e de seu s mecanismos de disciplinamento, classificação e normalização) institu ram-se fases da vida hu mana distintas em obrigações e direitos: as crianças, os jovens e os ad ltos passam a contar cada q al com se s próprios artefatos c ltu rais, voltados para se ní vel espec fico de desenvolvimento cognitivo e formação moral. Brinqu edos, literatu ra e rou pas para crianças só poderiam veic lar conteúdos adequ ados àqu ilo qu e estas pu dessem conhecer. Cria-se u ma barreira entre o m ndo dos adu ltos e o m ndo das crianças, qu e envolve diferenciações relativas ao poder-saber. Temas como a sex alidade são banidos das experiências formais de aprendizagem infantil das classes abastadas, assim como aos pou cos a violência, a pol tica e a realidade social. Há coisas qu e só os adu ltos podem saber. Às crianças e aos jovens ficam destinados a inocência, os m ndos on ricos, t do aq ilo q e é belo e bom. Chegamos à segu nda metade do séc lo XX e o advento da c ltu ra de massa e da midiatização do cotidiano transforma estas fronteiras entre crianças de adu ltos: agora, novamente, as crianças e jovens têm pleno e ilimitado acesso ao m ndo dos adu ltos, através da televisão, da internet e de ou tros meios.
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Assim, dispomos hoje de u m verdadeiro arsenal de livros, filmes, músicas, v deos na internet, imagens, revistas, rou pas, programas televisivos e peças de teatro, entre ou tros artefatos, perfeitamente inseridos no circ ito da c lt ra, impu lsionando o cons mo e a circ lação de bens simbólicos, cada qu al voltado para determinado gr po de idade, ainda qu e o controle ao acesso seja m ito problemático no caso dos “artefatos de conteúdo impróprio”. Identidades e s b jetividades constitu em-se a partir deste cons mo e o teatro não foge à regra. Podemos, desta forma, pensar na constitu ição de m campo espec fico de teatro para a infância e a ju vent de, q e aqu i denominarei como campo do teatro infantil.
Embora o teatro (campo teatral) seja considerado u m “dom nio c ltu ral nobre” (BOURDIEU), o teatro infantil e as práticas nele envolvidas disting em-se relativamente ao campo teatral em s a amplitu de. Mesmo havendo lu tas pela distinção dentro do próprio campo (teatro comercial vers s teatro experimental, teatro clássico vers s teatro contemporâneo, teatro do eixo Rio-São Pa lo vers s teatro das ou trasregiões do pa s e m itas ou tras), o teatro para crianças ass me certas caracterí sticas qu e lhe conferem especificidade e até au tonomia em relação ao campo teatral. A intertextu alidade e mestiçagem com campos como o ed cacional/ escolar, o da c ltu ra de massa e o das c ltu ras pop lares, o da literatu ra, o campo dos saberes/ poderes relativos ao infantil e o campo econômico confere-lhe pec liaridades estru tu rais, fu ncionais, de conteúdo e de inserção no circ ito da c ltu ra qu e permitem pensar a existência de m campo do teatro infantil. O teatro infantil goza, hoje, no Brasil, com o mérito de ter m itas salas de espetác lo lotadas, em detrimento ao teatro realizado tendo como público alvo os ad ltos, qu e acompanha u ma decrescente taxa de oc pação (com exceção do público qu e lota salas de espetác los em bu sca de atores televisivos e comédias de costu me sobre as relações da classe média). Um grande número de crianças e jovens em idade escolar também tem acesso aos espetácu los teatrais através de contratos firmados entre gr pos e/ou produ tores e as institu ições de ensino. Projetos de descentralização c ltu ral de órgãos estatais também colaboram para o número crescente de crianças e jovens qu e têm contato, se não freqüente, ao menos esporádico, com o teatro produ zido para a infância e a j ventu de. Portanto, estabelece-se m lu crativo mercado para gru pos e produ tores teatrais. Em decorrência disto, pode-se notar u m tom pejorativo na maior parte das referências relativas ao teatro infanto-ju venil, devido ju stamente à ampla inserção deste setor em circ itos comerciais de produ ção, circ lação e cons mo. No entanto, disc tir, reconhecer e contextu alizar esta produ ção teatral para infância e j vent de é u m exerc cio q e se tem mostrado extremamente profí c o ao entendimento da recepção inserida no circ ito c lt ral de prod ção e cons mo. Cabe aqu i, portanto, u ma breve explanação sobre os artefatos teatrais produ zidos para este público.
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ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE As peças de teatro para crianças contam com algu mas caracterí sticas formais, estéticas e de conteúdo pec liares. Ainda q e sejam espetác los cênicos, qu e se valham de elementos componentes do próprio campo do teatro, encontra-se certa recorrência a algu mas representações estereotipadas do infantil e tentativas de bu sca de ma ling agem qu e seria própria ao entendimento das crianças ou dos jovens. Na maioria das vezes, estes rec rsos “pec liares do infantil ou ju venil” nada mais fazem qu e s bestimar a capacidade de interação das crianças e jovens com a ling agem teatral, veic lando estereótipos c ltu rais e estéticos. Há algu mas destas representações qu e perpassam a maior parte dos espetác los, mas dentro deste u niverso existe u ma variabilidade considerável de temas abordados, técnicas e tecnologias tilizadas, bem como inúmeraslinhas de fu ga: trabalhos qu e se apresentam dissidentes do corriqu eiro, das representações e dos conteúdos convencionados como infantis ou ju venis, q e não se atrelam a determinadas convenções do campo, transformando-as e ou tras institu indo no ato mesmo de contestá-las. Não se nega neste espaço qu e haja bom teatro para crianças e jovens, não se bu sca empreender ju zo de valor, e sim problematizar o qu e se observa com maior freqüência no campo do teatro infantil. Contu do, intriga-me como as crianças operam na apreensão e na atribu ição de sentidos a estes estereótipos, qu e elementos tilizam na recepção deste “estranho m ndo qu e a elas é mostrado e ofertado” (ABRAMOVICH, 1983) pelos prod tores c ltu rais?
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O teatro contemporâneo se caracteriza pela atomização, pela diversidade e coexistência pac fica de poéticas e concepções estéticas, é o “cânone da mu ltiplicidade” qu e se faz presente. E esta m ltiplicidade encontra-se tanto no teatro ad lto qu anto no infantil, no qu al, a partir dos anos 80, passam a conviver diversos gêneros, técnicas e estilos: teatro de atores, de bonecos, de formas animadas, de sombras, mu sicais, mí micas, danças, as lingu agens circense e clownesca, entre ou tras. Qu anto à dramatu rgia, dentre os tiposou estilos mais comu mente observáveis em espetác los do campo
do teatro infantil, pode-se destacar: a) a transposição cênica de contos de fadas ou contos folclóricos tradicionais; b) a adaptação de obras literárias destinadas ao público infantil para a forma dramática e s a encenação; c) textos dramáticos para o teatro infantil já consagrados através dos anos por diversas montagens, a exemplo da dramatu rgia de Maria Clara Machado, Sylvia Orthof, Ilo Kru gli, Ivo Bender e d) os textos inéditos, de au tores locais em s a maioria, e as criações coletivas de gru pos teatrais. Acerca das caracterí sticas das encenações, destaco o u so de rec rsos como bonecos e formas animadas como freqüente nestes artefatos. A presença abu ndante da cor e da estilização de cenários e figu rinos, na tentativa de criar u niversos fictí cios e oní ricos e de chamar a atenção através da percepção vis al das a diências infantis é também m fato q ase qu e consens al. Efeitos tecnológicos especiais, além da ilu minação tradicional, têm sido regu larmente tilizados; tentativas por vezes infelizes de plagiar meios au diovis ais como a televisão e o cinema. Elementos como a música e a dança parecem ser integrantes das caracterí sticas dos artefatos do campo do teatro infantil, se pensarmos na freqüência com qu e aparecem nas cenas. Qu anto às temáticas veic ladas e abordadas nas peças, encontra-se u ma ampla gama de ass ntos, com marcada presença de qu estões pára-didáticas variadas como higiene, ecologia e os temas transversais propostos pelos Parâmetros C rric lares Nacionais para Edu cação Básica. Há também qu estões relativas à formação moral e ética da criança, às relações familiares e interpessoais e u m forte resgate da lu dicidade presente em jogos e brincadeiras tradicionais, na poesia e s a sonoridade. A formação de ma identidade regional e sentimentos de brasilidade também estão presentes. É poss vel fazer u ma relação direta destes temas com os conteúdos c rric lares da maioria das institu ições de ensino f ndamental do paí s, começando aí a constatar-se a intertextu alidade com a escola qu e vem, progressivamente, constitu indo e caracterizando os espetác los de teatro infantil. A comicidade e a instau ração de atmosferas lúdicas são rec rsos recorrentes, bem como jogos de pergu nta-reposta, visivelmente inspirados nas experiências pavlovianas.
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Podemos tomar como exemplo desta relação de hibridização e intertextu alidade com a escola e seu s conteúdos c rric lares o espetác lo para “escolas e espaços alternativos” da Cooperativa de Artistas Te-
atrais Oigalê, “A M áq ina do Tempo”, sobre o qu al está informado no site do gru po: A Oigalê propõe u m trabalho de edu cação ambiental através do espetác lo “A Máq ina do Tempo”, enfocando a qu estão do u so racional da águ a. Para isso, apresenta as fig ras caracterí sticas da famí lia brasileira como pano de fu ndo para despertar a popu lação sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. ¦ Espetác lo de teatro de ru a, infanto-ju venil. ¦ Para escolas recomenda-se 1ª a 8ª séries. Acompanha CADERNO DE ATIVIDADES. ¦ Pode ser apresentado em praças, parqu es, pátios e espaços alternativos (apresenta-se também ma versão para palco).
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O espetác lo estreou em março de 2005, já tendo realizado 50 apresentações para mais de 16 mil pessoas, em diversas cidades do Rio Grande do Su l (OIGALÊ, 2009).
Figura 2. Crianças
assistem ao espetáculo “A Máquina do Tempo”, da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, nas dependências da escola. Crédito da fotografia: Isabella Lacerda.
C mpre notar q e, para além da proposta de ser u m espetác lo abertamente didático, a estética dos figu rinos e elementos cênicos, qu e podem ser observados na foto acima, também seg e algu mas caracterí sticas da produ ção teatral infanto-ju venil levantadas anteriormente neste texto. Embora seja u m campo relativamente recente no Brasil (é só a partir da década de 50 qu e peças para crianças e jovens concebidas por produ tores adu ltos começam a entrar em circu lação, antes disto existia m “teatro feito por crianças para crianças”, portanto amador), o mercado de bens simbólicos no campo do teatro infantil é perpassado pela intertextu alidade e articu la-se com diversos campos. Isto fica explí cito no qu e concerne aos mecanismos de comercialização de seu s produ tos e do capital simbólico a eles atrelado, como no exemplo acima citado de determinado espetác lo da Oigalê. Os artefatos teatrais para crianças e jovens contam, em mu itos casos, com forte apelo comercial: se há anjos nas novelas televisivas, s rgem espetác los com estes personagens; o mesmo aconteceu nos últimos anos com gnomos e vampiros, ambos personagens de novelas veic ladas com grande au diência e s cesso, principalmente entre as crianças e jovens. Isso sem falar nos contos de fada, personagens de desenhos animados e nas temáticas “adolescentes” como a drogadição, problemas familiares e a sex alidade (como se esses fossem os únicos ass ntos de interesse dos jovens!). Parece-me qu e através de elementos estéticos, disc rsivos e temáticos, qu e se tornaram convenções do
Figura 3. Grupo de jovens
diverte-se ao interagir com atriz em perna-de-pau no espetáculo “Deus e o Diabo na Terra de Miséria”, da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê. Crédito da fotografia: Kiran.
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campo, bu sca-se fazer do teatro infantil u m misto de teatro popu lar (no qu al o elemento cômico e os personagens tipificados são presenças marcantes) e de referenciais da c ltu ra de massa (apropriando-se das estéticas dos desenhos animados, dos filmes da Disney, do videogame, dos jogos de compu tador, dos videoclipes, entre ou tros). T do isto sem abrir mão do statu s de arte do qu al goza o campo, já q e inserido dentro do macrocampo da arte. E esta hibridização não somente ocorre na produ ção dos bens simbólicos, dá-se também nas formas de apropriação e cons mo destes. Sendo os espectadores pertencentes às diversas esferas sociais e estando eles em contato com os mais heterogêneos tipos de artefatos e ling agens, também seu cons mo e s a recepção serão hí bridos; compostos e mediados pelas diversas possibilidades das c ltu ras pós-modernas. Em todas as classes podemos encontrar, mistu rados, o cons mo das ditas alta c lt ra, da c lt ra pop lar e da c ltu ra de massa, ainda q e hoje esta divisão seja amplamente problematizada e contestada nos estu dos de áreas como a com nicação, a edu cação, a sociologia e as artes. Algu mas caracterí sticas acima citadas podem ser observadas em grande parte da produ ção teatral para jovens e crianças e estas poderão ser (profic amente) levadas em consideração qu ando a recepção teatral for foco de análise e debate tanto em a las de teatro como no âmbito das pedagogias c ltu rais compreendidas de forma mais ampla, como descrevo a segu ir.
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PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPECTADOR Há, nos dias de hoje, vários espaços-tempo de aprendizagem. A escola perdeu seu posto de “rainha absolu tista” dos processos de ensino-aprendizagem: isso é o qu e nos apresentam os diversos olhares sobre as pedagogias c ltu rais. Nestes espaços-tempo e com os artefatos c ltu rais não somente se aprende os conteúdos dos c rrí c los escolares, mas se aprende, através da apropriação e natu ralização de determinados disc rsos e práticas, formas de ser e estar no mu ndo contemporâneo. Modos de ser menino ou menina, homo ou heterossex al, velho ou jovem, bonito ou feio, preto, pardo, branco ou amarelo, brasileiro ou alemão, professor ou advogado, gordo ou magro, feliz ou deprimido, entre as infinitas possibilidades identitárias e de s bjetivação contemporâneas. Telenovelas, desenhos animados, telejornais, ficção cientí fica, programas hu morí sticos, aventu ra, videoclipes, videogames, filmes(dos mais diversos gêneros) no cinema, espetác los teatrais, propagandas (veic ladas em diferentes s portes), HQs, Ipods, celu lares, circos com m ita lu z, cor e cada vez menos palhaços, produ ção c ltu ral para crianças, para adu ltos, para a famí lia, o sexo dos animais, a última descoberta cientí fica q e revol cionará o m ndo, m conto de fadas encenado em m cenário qu e lembra ma festa rave, bru xos em crise existencial, apresentadoras de programas de a ditório loiras e sens ais, shows de música romântica cantada por irmãos adolescentes, artistas de ru a comendo ratos, amestrando pombos, ou tras crianças jogando malabares nos sinais, contorções qu e trarão o pão... Facilmente preencheria várias páginas citando artefatos e práticas qu e impelem as crianças (e não só elas) a ass mirem posições de s jeitos espectadores na contemporaneidade. Du rante horas de seu s dias e noites, as crianças e jovens, nas conju ntu ras contemporâneas, encontram-se diante das telas da televisão, do cinema e dos compu tadores, perante eventos qu e ass mem caráter de espetác lo, formas tradicionais como o teatro, os artistas de ru a, os
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folgu edos folclóricos e o circo, noví ssimas invenções digitais de complexo manu seio. Essa imensa diversidade de artefatos, lingu agens, gêneros disc rsivos e textu ais, personagens, s portes e técnicas invadem os cotidianos das mais dí spares infâncias e j ventu des, desde aq elas qu e encontramos trancafiadas atrás das grades dos lu x osos condom nios até as ou tras qu e correm pelas calçadas do centro, carregando carteiras qu e não são s as e doces da barraca da esqu ina. E estas formas, conteúdos e lingu agens qu e se apresentam a nós também não são pu ras: nelas interpenetram-se e convivem traços e elementos das diferentes c ltu ras (classificadas como) eru dita, popu lar e massiva. O momento histórico e conju nt ral q e vivenciamos, e qu e alg ns teóricos denominam pós-modernidade, possibilitanos ju stamente esta convivência mútu a (ainda qu e não pac fica) entre inúmeras formas de expressão qu e poderiam ser consideradas espetac lares, pelo fato mesmo de colocarem os s jeitos em ma posição constante de espectadores. Considerando qu e espectador é constitu do por todas essas peças (s as práticas e disc rsos) qu e compõem seu repertório pessoal e seu niverso c ltu ral, ainda podemos pensar q e aos constitu ir s a(s) identidade(s) e s a(s) s bjetividade(s), instáveis e cambiantes, devemos levar em conta u ma série de atravessamentos qu e rasgam o espaço-tempo da recepção teatral, sendo parte integrante do processo. Chego, portanto, às mediações.
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MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA Se o espectador é compreendido, contemporaneamente, como parte ativa (e absol tamente necessária) dos processos de recepção, é importante pensar o qu e é m espectador encaminhando a disc ssão para ma ou tra pergu nta: como se constitu i u m espectador? Como a au la de teatro pode (e deve) ser m espaço de constitu ição de espectadores (mais do qu e de formação, ou saria dizer)? E mais: qu ais as linhas qu e atravessam o espaço entre palco e platéia, entre espectador e obra de arte? Se este espaço entre pode ser compreendido como o acontecimento teatral em si, qu e se dá no espaçotempo único da interação, da com nhão, qu e linhas são essas, qu e medeiam, transformam, constitu em e determinam os processos de recepção, estes sim acontecendo mesmo antes e também excedendo o próprio momento (instante) efêmero do acontecimento teatral? Destarte, podemos compreender qu e m itas instâncias, artefatos, pessoas, institu ições, modos e costu mes, classes, enfim, qu e u ma infinidade de possibilidades de lu gares, de objetos, de seres, de práticas e de disc rsos qu e nos constitu em, também atravessam os processos de recepção, sendo determinantes na constru ção da relação qu e determinado espectador vai estabelecer com u ma obra e dos sentidos e significados qu e vai conferir a cada acontecimento teatral ou cênico com o qu al se relacionar. É pertinente qu e estas diversas linhas qu e atravessam o entre do acontecimento teatral, qu e aqu i, inspirada em teóricos como Martí n-Barbero e OrozcoGoméz, nomeio como mediações, sejam percebidas e levadas em consideração qu ando se pretende refletir acerca da recepção teatral e dos processos de significação e constru ção de conhecimento qu e envolve, principalmente se isso for feito dentro de ambientes pedagógicos, como a au la de teatro. Inspirada nas teorias e propostas metodológicas dos dois pesqu isadores e a tores do campo da com nicação, penso qu e seja oportu no apresentar ao leitor u ma
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s ntese vis al de algu masmediaçõesqu e poderão, entre tantas ou tras, dependendo dos casos e situ ações analisados, ser levantadas na tentativa de compreender e problematizar a recepção teatral e a constit ição dos espectadores na contemporaneidade. Não irei me ater a longas digressões sobre a imagem apresentada, qu e poderá ser compreendida se artic larmos o q e nela está proposto a tu do qu e foi colocado até agora nestes escritos.
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MEDIAÇÕES
MEDIAÇÕES
Figura 4. Momentos e
MEDIAÇÕES É difí cil conceitu ar com precisão o q e são as mediações, já qu e os a tores qu e propõem o termo não o colocam como fechado e im tável, mas sim como u m conceito qu e se encontra sob ras ra (HALL, 1997), em s spensão, aberto à polissemia e também à disc ssão teórica e metodológica. Araújo, pesqu isadora qu e trabalha com o conceito de mediações, argu menta qu e “mediação é u ma das formas de classificar u ma idéia polimorfa, a do elemento qu e possibilita a conversão de u ma realidade em ou tra” (ARAÚJO, 2002, p. 57).
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Relacionando as teorias de Martí n-Barbero das mediações às de Fou cau lt sobre as relações de poder, percebo pontos de intersecção naqu ilo qu e se refere à instabilidade das mediações e das relações de poder, à capacidade de transmu tação e de circu lação. Assim como os s jeitos são atravessados pelas relações de poder, modificando-as e fazendo-as circu lar na infinita rede, também as mediações atravessam os s jeitos receptores; são instáveis ao mesmo tempo em qu e são determinantes da relação a ser constitu -
instâncias relevantes aos processos de recepção e roteiro de mediações.
da entre os receptores e os artefatos e seu s disc rsos. Para Araújo, “mapear estes fatores [de mediação] representa mapear as redes de produ ção de sentido qu e artic lam e prod zem as posições disc rsivas dos atores sociais e, portanto, as relações de poder qu e movem a sociedade” (ARAÚJO, 2002, p. 55). Na tentativa de “trazer a teoria ao ní vel empí rico para q e se possa pesqu isar” (OROZCO GÓMEZ, 2000, p. 116), é qu e Orozco Gómez tem traçado, em seu perc rso investigativo de estu dos de recepção, alicerçado no conceito de mediações de Martí n-Barbero, o estu do das múltiplas mediações. Este pesqu isador vem realizando, du rante as últimas três décadas, importantes pesqu isas de recepção, principalmente ju nto ao público formado por crianças telespectadoras, ou seja, pensando as experiências constitu das pelas crianças em relação à televisão. S a obra também comporta várias relações com o campo da Edu cação, já qu e Orozco Gómez é m dos perc ssores de proposições direcionadas a u ma “edu cação para os meios” na América Latina. Reprodu zo aqu i, com minhas palavras, a classificação das múltiplas mediações proposta por Orozco Gómez (1998), adaptadas a u m estu do de recepção teatral, assim como estão propostas na s ntese vis al. SÃO ELAS MEDIAÇÕES: 1. Lingüí sticas: elementos da lingu agem teatral e das técnicas envolvidas no espetácu lo, bem como a trama narrativa e os personagens da história, etc. 2. Situ acionais: da situ ação na qu al o espetác lo foi assistido (espaço, tempo, local, entorno, ou tros espectadores) e também na qu al foi realizada a constru ção de dados. 3. Institu cionais: visão de m ndo, disc rsos e tipo de disciplinamento e regras impostos por institu ições como a escola, a igreja, a famí lia, a m dia, etc. 4. Contextu ais: ambiente socioc ltu ral, história e tipo de inserção social da lingu agem em qu estão, a cidade e o bairro, etc. 5. Pessoais: o repertório c ltu ral anterior ao qu al têm ou tiveram acesso os espectadores, seu s hábitos como cons midores, etc. 6. Referenciais: são também m tipo de mediação classificada como pessoal; as referências identitárias do espectador, tais como gênero, gru po de idade, descendência étnica, nacionalidade, orientação sex al, etc.
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Entretanto, a fim de tornar a análise destas mediações produ tiva, é importante lembrar au tores como Bakhtin (1992), qu e levanta o conceito de m interloc tor qu e ass me para com os disc rsos com os qu ais se relaciona ma “atitu de responsiva ativa”, em qu e o “ou vinte torna-se loc tor”. Espectador torna-se, portanto, ator? Em relação ao disc rso, o receptor responde-lhe e form la m disc rso o tro, no q al artic la referenciais anteriores qu e possibilitaram a formação daqu ela resposta espec fica, m disc rso próprio a partir do mesmo qu e havia sido lido/ visto/ ou vido/ recebido. Dentro de u m “processo metabólico” de ampla artic lação entre as várias práticas disc rsivas qu e compõem e recompõem o s jeito e s a(s) identidade(s) – ou melhor, s as posicionalidades (m tantes) de s jeito, (HALL, 1997) – o espectador também ass me a responsabilidade de co-au tor da obra, já qu e esta sem s a presença e s a ação sobre ela, ju nto dela, obviamente só existiria em m plano qu e se apagaria nas infinitas redes de disc rsos e sentidos, pois desprovida de significado ju stamente por não haver dela u m so efetivo. Seria objeto potente, porém morto. Pois, fazendo u ma analogia entre o pensamento de Bakhtin (1992) e a recepção teatral, podemos depreender q e há vozes (ou mediações) qu e circ lam e atravessam o acontecimento teatral, fazendo-se ou vir e compondo, tornando vivos e presentes práticas e disc rsos qu e não necessariamente emanam do espetác lo cênico. Mesmo qu e estas vozes não estejam atu almente presentes (as do espetác lo estão), ecoam essas múltiplas vozes (ou mediações) atravessando o espaço entre. E a estas vozes atrelam-se diferentes significados e sentidos, conforme os contextos e condições de emergência em qu e forem artic ladas, enu nciadas, ditas, colocadas em vida.
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Reitero qu e a recepção é c ltu ral e socialmente mediada. Exemplificando, ressalto qu e o contato cotidiano dos s jeitos com a televisão, o rádio, os jornais, as revistas, as propagandas, o cinema, a Internet e toda ma gama de artefatos c ltu rais, também forma s as s bjetividades e identidades, bem como se constitu i enqu anto importante mediador da capacidade ativa de recepção de todas asou traslingu agens e artefatos, artí sticos e c ltu rais, disponí veis na contemporaneidade. Mu itos são os fatores de mediação:
a fam lia, a escola, as institu ições às qu ais está atrelado o indiv du o, a temporalidade, as conj nt ras polí tico-sociais, a produ ção c ltu ral a q e tem acesso, entre ou tros. É através do manejo do corpu s de representações veic ladas por variadas instâncias das vivências e experiências de cada s jeito qu e acontecem as mediações.
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Figura 5. Jovens e
suas reações ao Diabo de “Deus e o Diabo na Terra de Miséria”, da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê. Crédito da fotografia: Kiran.
É em u m processo de negociação e tensão entre as representações veicu ladas nas diversas instâncias de s as experiências qu e o receptor confere significados e atribu i determinado sentido a elas. E este sentido, em artic lação com ou tros sentidos e significados (qu e compõem o repertório único de cada indiv du o), constitu irá, c ltu ralmente, os s jeitos espectadores. Como res ltado dos complexos processos acima citados – impu ros, intertextu ais, fragmentados, mestiços e repletos de tensão – provocados pelas relações de força neles presentes, encontramos os s jeitos pósmodernos. Os descentrados, múltiplos, plu rais, m tantes, flu idos, constit dos na e constit intes da c ltu ra, soma e mescla de fatores cambiantes, trocando e oc pando diversos lu gares em u m “sentir/ viver o tempo” qu e reform la a noção moderna de temporalidade, tempo este qu e passa a ser instantâneo, percebido no ritmo frenético do zapping do controle remoto (SARLO, 2000), das imagens de videoclipe, do teclar nervoso diante da tela de m compu tador conectado à rede.
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LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEATRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS? O teatro sempre esteve presente nas escolas, seja como instru mento didático, em ma apropriação tilitarista da lingu agem (isso no Brasil desde os jes tas no séc lo XVI), seja como espaço para a livre expressão e exerc cio da tão aclamada criatividade inata infanto-ju venil (m ito mais recentemente, a partir da segu nda metade do séc lo XX). Em espaços-tempo de ensino aprendizagem informal, como em oficinas artí stico-c ltu rais, em projetos sócio-edu cativos, bem como em espaços de conví vio (nos qu ais também se aprende modos de ser e estar no mu ndo, portanto também estes entendidos como espaços edu cacionais) como centros de lazer, igrejas, bibliotecas públicas, clu bes sociais e associações de bairro, as au las de teatro e as apresentações teatrais sempre tiveram s a importância garantida, tanto pelos poss veis benefí cios trazidos pela sociabilidade como pela visibilidade qu e os gru pos teatrais trazem às institu ições ju nto à com nidade, mas, principalmente, em relação à m dia. E mais ma qu estão s rge a partir da contextu alização acima: se o teatro está presente em tantas esferas sociais, inclu indo a escola e ou tras institu ições notadamente edu cativas, por q e este disc rso recorrente acerca da precariedade ou da a sência do ensino de teatro no Brasil?
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M itas poderiam ser as respostas a esta qu estão: os professores qu e ensinam teatro nas escolas geralmente não têm formação espec fica na área, o ensino de teatro ainda está profu ndamente arraigado ao entendimento do teatro como ferramenta didática de ou tras disciplinas, as escolas não oferecem estru tu ra fí sica adeq ada às a las, os alu nos poss em m repertório de experiências teatrais diminu to, m itos ministrantes de oficinas livres de teatro não poss em conhecimentos prático-teóricos s ficientes para propiciar u ma formação significativa, há u ma banalização da formação em teatro decorrente do anseio dos jovens em atu ar nas m dias televisivas, confu nde-se
edu cação estética com formação de atores, há m itos c rsos, escolas e oficinas “caça-ní qu eis”, já qu e este é u m mercado promissor nos dias de hoje, a escassez de material didático sobre teatro qu e possa ser u sado na ed cação básica é notória, os prod tos são mais valorizados em detrimento dos processos criativos e edu cacionais na pedagogia do teatro, entre m itas e m itas ou tras poss veis ju stificativas. Todo este levantamento poderia cau sar u m grande mal-estar, associado há certo pessimismo e falta de perspectiva em relação ao ensino de teatro no Brasil, tanto na formação de profissionais da área como em relação à formação estética e aqu isição de elementos da lingu agem teatral por crianças e jovens em fase escolar. Portanto, j lgo ser de extrema pertinência discorrer acerca das diversas possibilidades qu e vivenciamos, todos nós, em nossos cotidianos, de nos relacionarmos com artefatos c ltu rais nas mais diferentes lingu agens, constitu indo-nos como múltiplos espectadores na contemporaneidade. E esta foi u ma das intenções deste artigo até o presente momento. Ainda qu e seja senso com m qu e as relações de ensino-aprendizagem em arte historicamente acontecem m ito mais em espaços formativos não instit cionais, há m itas tentativas de se institu cionalizar o ensino de arte no Brasil, através da criação os c rsos de gradu ação ju nto às niversidades desde a década de 50, da criação de escolas (as “escolinhas”) de arte ju nto aos m nicí pios e órgãos públicos, bem como com a inserção da Arte no c rrí c lo obrigatório do ensino básico no pa s. Contu do, há m itos ou tros lu gares e artefatos qu e nos ensinam teatro, qu e nos ensinam a ser espectadores, qu e atu am prod tivamente na formação estética e c ltu ral de crianças, jovens e adu ltos na s a relação com a lingu agem teatral. No entanto, isso não qu er dizer qu e debater a q estão da recepção na pedagogia teatral nos dias de hoje seja ma tarefa inútil, já qu e nos constitu mos espectadores em diversas instâncias para além e aqu ém da au la de teatro. Mu ito pelo contrário, problematizar a recepção teatral e a pedagogia do tea-
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tro implica, necessariamente, pensar em como têm sido desenvolvidos no ensino de teatro, tanto formal como informal, os três vértices da proposta triangu lar qu e permeia as diretrizes traçadas pelos PCNs de Arte10 – Teatro, ou seja, a artic lação entre experienciar a lingu agem a partir da prática teatral, formar esteticamente através do contato com artefatos teatrais e instru mentalizar a partir da aqu isição de conhecimentos teóricos e históricos da lingu agem, a fim de possibilitar a contextu alização e a significação crí ticas destes artefatos. Fazer teatro, experienciar a prática criativa na lingu agem é imprescindí vel para a apreensão dos códigos e convenções do campo das artes e de cada s bcampo como a literatu ra, o teatro, a dança, a música, as artes vis ais, o cinema, etc. No entanto, sabe-se qu e há lacu nas enormes na formação de crianças e jovens em relação as s as possibilidades como espectadores de teatro. Se até então, neste artigo, defendi qu e nos constitu mos espectadores também em nossa relação com diversas ou tras lingu agens e artefatos, qu e constr mos m repertório anterior qu e nos possibilita constru ir leitu ras (sejam estas preferenciais, negociadas ou de ru ptu ra com o senso com m, conforme HALL, 2002), c mpre notar qu e para ser espectador de teatro também é necessário qu e se adqu ira m repertório de experiências em teatro: como praticante e como apreciador, além do eixo mais esqu ecido da proposta triangu lar no ensino das artes, q e é a instru mentalização teórica, em q e elementos da história, da estética e ética do teatro possibilitariam ma contextu alização m ito mais efetiva e significativa dos espetác los, performances e acontecimentos teatrais nos qu ais os alu nos estivessem envolvidos como espectadores e/ou prod tores. Se for consenso qu e debater, refletir e contextu alizar o teatro (os diferentes teatros) em relação às c ltu ras pelas qu ais está sendo atravessado e qu e também está atravessando e constitu indo, em movimento cont n o como parte de m circ ito c lt ral fl ido e móvel, é u ma das importantes competências necessárias à constru ção de conhecimento em teatro, a
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PCN para as séries iniciais do Ensino Fundamental, PCN para as séries finais do Ensino Fundamental, Orientações Curriculares para o Ensino Médio, PCN para o Ensino Médio e PCN+ para o Ensino Médio (linguagens e suas tecnologias), todos os documentos disponíveis na página do M EC: . Acesso em 22 de novembro de 2009. 10
pergu nta qu e emerge é: estão sendo fornecidas ferramentas aos jovens e criançaspara qu e estes possam efetivamente dar conta desta proposta? A au la de teatro tem desenvolvido estas ferramentas ou atémse a propiciar u m espaço para experiências práticas no fazer teatral (jogos, improvisações e pequ enas encenações, geralmente)?
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Obviamente qu e a experiência prática na lingu agem por si só constrói conhecimentos e propicia aqu isição de elementos da lingu agem, no entanto, será q e não se torna imperativo pensar em ou tras possibilidades para a pedagogia teatral? Em metodologias ou tras, instru mentos ou tros, materiais didáticos e/ou teóricos ou tros na elaboração e condu ção de au las de teatro qu e dêem conta das três dimensões de ensino de teatro propostas pelos PCNs? Será qu e a pedagogia teatral e a recepção teatral podem caminhar ju ntas, dentro e fora da au la de teatro? Lanço a pergu nta, no intu ito de problematizar também como ensinamos a ensinar teatro nos c rsos de licenciatu ra das niversidades brasileiras. Lanço a pergu nta com o desejo de qu e s scite idéias em qu em a estiver lendo. Lanço a pergu nta para qu e, como perg nta, desdobre-se produ tivamente através de qu em sentir-se q estionado.
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