LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO PSICOLOGIA D O DESENVOLVIMENTO
TEMA 2:
O DESENVOLVIMENTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Docentes: Lina Morgado Angelina Costa
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Universidade Aberta, 2009
Psicologia do Desenvolvimento
U . C . P S I C O L O G I A D O D E S EN EN V O L V I M E N T O , U N I V E R S I D A D E A B E R T A
Texto 1 : As Grandes Linhas do Desenvolvimento na Infância
PERSPECTIVA HISTÓRICA Até os adultos reconhecerem e permitirem a emergência da infância, ela parecia não existir. Durante longos séculos pensou‐se que por volta dos 6/7 anos de idade a criança estaria preparada para ser tratada como um adulto. As crianças eram consideradas pouco mais do que adultos em miniatura. Com excepção de um pequeno conjunto de crianças ricas, nascidas em boas famílias, todas as outras trabalhavam juntamente com os adultos nos campos, lutavam e morriam nas guerras, trabalhavam nas minas e, com a industrialização, trabalhavam de manhã à noite nas fábricas. Considerando um período de tempo de 4 mil a 5 mil anos de história, verifica‐se que a educação das crianças é um fenómeno recente. Apenas nos últimos 150 anos as sociedades adultas ocidentais reconheceram a infância e os anos juvenis como estádios especiais de desenvolvimento. As crianças sempre existiram nas sociedades. Contudo, tornava‐se necessário o reconhecimento dos adultos para que a infância pudesse existir e ser estudada. Uma vez reconhecida, surgiu um período de grandes mudanças. Formularam‐se leis protectoras do bem‐estar e da saúde das crianças. E o que aconteceu no século XIX para as crianças, voltou a acontecer no século XX para a adolescência. Apenas recentemente, nos países e culturas industrializadas, os adultos começaram a levar em conta as necessidades e capacidades fisiológicas e psíquicas características dos adolescentes e esta percepção deu‐lhes oportunidade de reconhecer um estádio específico de desenvolvimento humano. Como consequência, tem vindo a aumentar a nossa compreensão acerca das características fundamentais dos adolescentes. Na última metade do século XX assistimos a mudanças no modo como os adolescentes são tratados pelos adultos, as quais são semelhantes às modificações vividas pelas crianças no século anterior.
CONCEITOS BÁSICOS: ESTÁDIOS E DOMÍNIOS DE CRESCIMENTO Na psicologia do desenvolvimento contemporânea, o conceito de estádio tem um significado importante e especial. Um estádio é um sistema de funcionamento humano
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que é distinto, único e consistente como um todo. As diferenças entre um estádio inicial e um estádio posterior são qualitativas e não quantitativas. Os estádios são sequenciais, construindo‐se cada um deles a partir do que lhe antecedeu. O crescimento ao longo dos estádios não é automático, mas depende da combinação da maturação fisiológica com uma interacção adequada com o meio ambiente.
Estádio: um sistema distinto, único, consistente do funcionamento do funcionamento humano
Os psicólogos desenvolvimentalistas afirmam que todos os seres humanos processam, activamente, o conhecimento que é adquirido na prática, isto é, que a mente humana tenta atribuir um significado a cada experiência. O ser humano possui a capacidade de pensar, de reflectir, de examinar e de raciocinar. Quando vivenciamos alguns acontecimentos tentamos processá‐los cognitivamente de forma a procurar, activamente, chegar a algum significado. Por outras palavras, não somos receptáculos vazios ou indivíduos passivos. Em vez disso, somos participantes activos na vida, procurando tornar significativas todas as nossas experiências. A capacidade de reflexão é intrínseca à condição humana; possuímos uma forte tendência para tentar retirar significado das experiências. A forma como cada indivíduo processa as situações representa o estádio, isto é, o conjunto das operações mentais que ele geralmente utiliza. No seio de grupos etários amplos, as operações cognitivas têm tendência a ter em comum um conjunto de características semelhantes. Além disso, cada pessoa tende a utilizar o mesmo sistema básico de pensamento de uma maneira generalizada e consistente. Para explicar a noção de estádio cognitivo‐desenvolvimentalista são utilizadas, frequentemente, diversas expressões: esquema, estrutura cognitiva, estrutura mental, sistema mediador interno ou estratégia de resolução de problemas. Estes termos baseiam‐se no tipo de raciocínio que cada indivíduo efectua num processo de tomada de decisão. A cognição, o acto de pensar, ou, de um modo geral, o processamento do conhecimento, e inerentemente, uma capacidade humana. Em aspectos particulares do desenvolvimento, o sistema que cada pessoa utiliza possui características que se identificam facilmente, como um estádio coerente e internamente consistente. Para um desenvolvimentalista, ou para um educador, é extremamente importante ser capaz de identificar o processo de raciocínio e de tratamento da informação que cada um efectivamente utiliza, dado que isso lhe permite adequar o trabalho ao nível de funcionamento actual do aprendente.
Estádios: sistemas de processamento de processamento que são qualitativamente diferentes
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Uma segunda característica dos estádios consiste no facto de eles serem qualitativamente diferentes. As diferenças entre um estádio e o seguinte são diferenças de género. Este ponto de vista entra em contradição com a visão geral sobre os seres humanos, defendida no fim do século XIX, especificamente, eu a infância, a adolescência e a vida adulta eram partes essenciais de um contínuo. Assim, por exemplo, as crianças eram consideradas fisicamente mais pequenas, mentalmente mais lentas, capazes de memorizar menos informação e de escrever frases ais elementares do que os adolescentes ou adultos. As crianças eram quase como os adultos, sendo, apenas de menor tamanho. Não existiam características essenciais que fossem diferentes, com excepção para a capacidade de reprodução. As diferenças eram todas de grau, possuindo os adultos mais «expressões» de uma dada característica do que as crianças e os jovens. os jovens. Hoje em dia sabemos que as mudanças de um estádio para outro constituem transformações. Pode fazer‐se uma analogia adequada com a entomologia: o processo de transição do ovo de uma lagarta para uma borboleta. Cada estádio de desenvolvimento humano representa, idealmente, esse tipo de metamorfose. Outra analogia pode ser retirada da física: quando acontece uma descoberta nova e radical, um novo método de compreensão de algum aspecto do Universo como, por exemplo, a descoberta da gravidade feita por Newton, é descrita uma nova lei, dando‐se um salto quântico. Da mesma maneira, uma mudança de estádio de funcionamento constitui um avanço deste tipo para um novo nível de processamento do conhecimento. Este novo estádio é mais complexo do que o anterior e representa um novo modo, ou sistema, de pensamento.
Os estádios de desenvolvimento são sequenciais
Os estádios são ordenados de acordo com níveis de complexidade. Todas, ou quase todas as pessoas, iniciam o seu desenvolvimento aproximadamente ao mesmo nível e o crescimento, por definição, progride de um nível menos complexo para outro mais complexo. Uma vez que cada novo estádio se edifica directamente sobre as experiências do estádio anterior, o crescimento é sequencial, isto é, passa‐se de um estádio a outro por ordem de complexidade. Foi referido anteriormente que os estádios são qualitativamente diferentes; por isso eles constituem uma hierarquia. Esta hierarquia dos estádios e a natureza sequencial do desenvolvimento mostram que a ordem é unidireccional e que respeita determinados passos. Os estádios iniciais não podem ser omitidos. Existe outro aspecto igualmente importante nesta ideia. De uma maneira geral, se uma pessoa atinge completamente um determinado estádio nunca regredirá para um nível de complexidade menor. Tecnicamente, esse fenómeno é atribuído à
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impossibilidade de ocorrer uma regressão estrutural . Nesta perspectiva, uma vez terminada a infância, o indivíduo não consegue voltar a ter, integralmente, uma visão ingénua do mundo (partindo do princípio de que as funções intelectuais permanecem intactas). Esta observação não significa que o adulto, por vezes, não seja um pouco infantil. No entanto, as suas vivências não são qualitativamente iguais às das crianças.
Os estádios representam diferentes domínios de processamento de processamento humano
Muitas vezes o conceito de estádio é mal interpretado. Tem havido uma tendência para afirmar que, quando se refere um estádio de desenvolvimento, se faz uma generalização ao domínio completo do funcionamento humano. Apesar de ser fácil cair nesta sobregeneralização, a investigação actual indica que devemos ser bastante cautelosos ao especificar a que aspecto particular, ou domínio, nos estamos a referir. Os autores que defendem a existência de estádios têm concentrado os seus esforços em áreas diferentes do funcionamento humano. Por exemplo, os trabalhos de Piaget dão particular ênfase ao desenvolvimento cognitivo. Do mesmo modo, ao falarmos do desenvolvimento psicossexual, a perspectiva de Freud propõe uma sequência específica de estádios. O mesmo acontece com outras áreas como o desenvolvimento moral ou o desenvolvimento da identidade. Assim, cada domínio possui uma sequência característica de desenvolvimento.
O desenvolvimento dos estádios depende do processo do processo de interacção
O pressuposto mais importante e, de certa forma, decisivo, refere‐se ao facto de o crescimento depender do processo de interacção, tal como se afirmou anteriormente. Alguns autores defenderam o oposto, nomeadamente que o desenvolvimento era, de um modo amplo, orientado internamente. Este é um ponto de vista maturacionista. Contudo, o desenvolvimento não é unilateral. O pano de fundo, tal como Erik Erikson lhe chamava, ou a determinação orgânica, constitui apenas um dos elementos do processo. O desenvolvimento tem lugar dependendo quer do género, quer da qualidade da estimulação ambiental, a qual interage com a capacidade do indivíduo para tirar proveito das experiências. A sequência constante dos estádios oferece uma ideia geral, alargada, sobre a forma como o desenvolvimento resulta da interacção indivíduo‐ambiente. Os perigos de uma perspectiva unilateral são duplos. Podemos dificultar ou mesmo obstruir o desenvolvimento quer impedindo a interacção, quer subjugando a pessoa ao ambiente. No primeiro caso extremo, por exemplo, mantendo fechadas em armários, garagens e sótãos crianças com atraso mental, tem‐se a certeza de que elas não
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se desenvolverão mesmo dentro do seu limitado potencial. Outro exemplo está expresso num estudo realizado em escolas do primeiro ciclo da cidade de Nova Iorque que mostrou que as capacidades de algumas crianças declinavam como consequência da própria aprendizagem. Os seus resultados na leitura e o seu auto‐conceito diminuíam durante os anos iniciais da escolaridade. Uma análise das interacções reais na sala de aula indicou que as crianças estavam inseridas num meio pouco estimulante e monótono, no qual eram frequentemente ignoradas. Existem também estudos que mostram de forma clara que uma estimulação em excesso, que conduza a uma idade adulta prematura, pode ser prejudicial para as crianças. Por exemplo, um estudo com crianças da área de Bóston revelou que as crianças em idade pré‐escolar tinham de cuidar dos seus irmãos mais novos, alguns recém‐ nascidos. Elas aprendiam a ir às compras, a negociar astutamente e, muitas vezes, a cuidar dos pais alcoólicos. Por este facto, apresentavam competências sociais muito desenvolvidas. Contudo, este tipo de desenvolvimento prematuro provocava dificuldades acentuadas no seu desenvolvimento emocional e pessoal. Além disso, manifestavam uma incapacidade acentuada para adquirir mesmo as competências básicas do primeiro ano de escolaridade. Os custos deste comportamento adulto prematuro distorciam o seu futuro antes de terem iniciado a escolaridade obrigatória. Outros estudos mostram os efeitos positivos de uma estimulação e apoio emocional adequados. Alguns programas eficazes de educação pré‐escolar, para crianças socialmente desfavorecidas, apresentam evidências claras de que uma interacção positiva e apropriada leva à promoção de um desenvolvimento saudável. O que é verdadeiro para as escolas também o é para o ambiente familiar. Também neste domínio vários estudos documentam os benefícios da colocação de crianças muito novas, adoptadas e provenientes de meios precários, em lares onde lhes era dado um ambiente adequado. Nestas condições, o ambiente enriquecido estimulava o crescimento das crianças. Surpreendentemente, não foi só o seu funcionamento geral que melhorou, mas também o valor do seu QI que, em média, subiu cerca de 20 pontos comparativamente ao das crianças do grupo de controlo. Mesmo as capacidades intelectuais não estão determinadas à nascença, mas dependem, em grande medida, da qualidade da interacção. A importância da interacção não se restringe à infância. Por exemplo, as curvas de desenvolvimento e os índices de base relativos aos anos da adolescência mostram que, em muitos casos, os níveis de desenvolvimento decrescem ou tornam‐se estáveis. Este resultado sugere que pode deixar e existir uma adequada interacção na escola ou em
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casa. Por exemplo, uma grande maioria dos adolescentes não é capaz de resolver os problemas escolares que envolvem o raciocínio abstracto. Teoricamente, pelo menos a maior parte deles deveria ser perfeitamente capaz de desenvolver o raciocínio e outras funções intelectuais a este nível. Contudo, os programas educacionais muitas vezes não proporcionam a estimulação adequada. Como consequência, menos de um teço dos adultos consegue alcançar o nível intelectual de que é potencial capaz. Dados semelhantes indicam que o que acontece para o pensamento formal também é verdade para o desenvolvimento dos valores, do ego e das relações interpessoais. Não nos podemos esquecer de que o processo de interacção é a base essencial para a estimulação do desenvolvimento. Adaptado de N. Sprinthall e W. Collins, Psicologia do Adolescente do Adolescente, 1994
Texto 2 : As Grandes Linhas do Desenvolvimento na Adolescência Introdução O termo adolescência tem origem na palavra adolescere , que quer dizer crescer para adulto. Sempre se cresceu para adulto. Mas nem sempre foi dado a este crescimento um tempo de vida tão alargado como nos tempos vigentes. Nos dias de hoje, a adolescência é um período alongado, que se estende até à terceira década de vida, em que o adolescente vive com os pais. Para este facto são apontadas várias causas: culturais, como a maior liberalização, aceitação e tolerância dos costumes; sociais, onde se destaca o prolongamento dos estudos que leva consequentemente a uma maior dependência; e económicas, como o desemprego ou o trabalho precário (Braconnier & Marcelli, 2000). Uma das questões que, ao longo da história da adolescência se tem sistematicamente levantado, é a da turbulência e instabilidade que o jovem vive nesta fase da sua vida. Apesar de estarem um pouco de lado as perspectivas storm and stress, continuam a estudar‐se os problemas da adolescência porque eles são reais e trazem consigo mal‐estar e novas dificuldades. No entanto, existem hoje noções diferentes face a estes problemas que permitem ver a adolescência de outro modo. Sabe‐se hoje que alguns jovens encontram na adolescência dificuldades, mas que tal não é verdade para todos. Sabe‐se também que, quando existem dificuldades, estes problemas não se generalizam a todas as áreas de funcionamento do jovem ou atingem necessariamente graves proporções. Sabe‐se, ainda, que muitos dos problemas na adolescência surgem
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como formas de adaptação do adolescente aos novos desafios que se lhe colocam (Sprinthall & Collins, 1999). E são múltiplos os desafios a vencer: a adaptação a uma nova condição biológica, a conquista de uma nova autonomia, o estabelecimento de novas relações interpessoais próximas e duradouras, a progressão académica, entre outros. E como se isto não bastasse, o adolescente precisa ainda, tal como todo o ser humano, de sentir‐se valorizado como pessoa, estabelecer um lugar num grupo produtivo, sentir‐se útil para os outros, dispor de sistemas de suporte e saber usá‐los, fazer escolhas informadas e acreditar num futuro com oportunidades reais. Ultrapassar estes desafios e preencher estas necessidades tornam‐se requisitos necessários para que os adolescentes se tornem adultos saudáveis e produtivos.
Um pouco da história da adolescência A adolescência, tal como hoje se concebe, é uma fase da vida relativamente recente. Ariés (1973) refere que a adolescência se encontrou absorvida pela infância até ao século XVIII, não se verificando, no entanto, mesmo após esta época, uma preocupação em considerar a adolescência como um período de desenvolvimento diferenciado que impunha um olhar especial. Pode‐se, no entanto, traçar um percurso um pouco mais distante no tempo para o surgimento deste período. Segundo Lutte (1988), a adolescência surgiu no início do século II a.C., na sociedade romana, como consequência de profundas alterações do plaetiria e a lex Villia lex Villia annalis . sistema económico‐social. O senado aprovou duas leis, a lex plaetiria
A primeira correspondia ao nascimento de um novo grupo social, instituindo uma acção penal contra quem abusasse da inexperiência de um jovem um jovem com idade inferior a 25 anos. A segunda limitava a participação dos jovens em cargos públicos. A juventude ou adolescência surge assim como uma fase de protecção e simultaneamente de limitação dos direitos e recursos. Durante a Idade Média e a época pré‐industrial, a juventude situava‐se entre a dependência da infância e a independência relativa da idade adulta, que por sua vez se caracterizava pelo casamento e herança dos bens. Este período, entre a infância e a idade adulta, situava‐se aproximadamente entre os 7‐10 anos até aos 25‐30 anos. Agra (1986) refere a existência na Idade Média de palavras como pueritia (puerícia), adolescentia (adolescência) e juvenes (jovens), mas salienta que não apresentavam qualquer correspondência com a existência de etapas de vida ou estatuto, tal como hoje se concebem. Até ao século XVIII e durante este século, are prática frequente os jovens, na altura da puberdade, deixarem a casa de seus pais para irem para a casa de outras
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famílias, por vezes em locais bastante afastados do lar. Aqui, rapazes e raparigas eram colocados na situação de aprendizes ou criados. O controlo dos pais torna‐se assim mais reduzido, o que constitui um processo facilitador da sua autonomia e responsabilização (Claes, 1985). No entanto, apenas no século XIX surge a adolescência, tal como é concebida nas sociedades contemporâneas. Nos meados do século XIX, o termo utilizado frequentemente era jovem, apenas ocasionalmente se encontra referência ao termo adolescência. No final do século XIX, o termo começa a aparecer com mais frequência. Mas apesar de não ser frequente, já frequente, já existiam muitas ideias precisas em relação a esta fase da vida. A adolescência era vista como um período de transição, de desenvolvimento individual, que envolvia grandes mudanças a nível físico, sexual, comportamental e profissional. A «repartição da vida» em mais uma etapa, a adolescência, coincidiu com um período histórico: a revolução industrial. Lutte (1988) refere que a industrialização conduziu a mudanças radicais na estrutura cultural, escolar, familiar. E estas mudanças reflectiram‐se na «construção» desta nova «etapa» da vida. Factores como o declínio da aprendizagem as profissões devido ao processo de industrialização, extensão progressiva e obrigatoriedade da escolaridade foram determinantes no estabelecimento do estatuto de adolescente. Mas, sem dúvida, que um factor bastante forte neste processo construtivo foi a evolução da concepção de família. É a partir de meados do século XIX que surge a mudança no seio da família: cada vez mais o adolescente permanece junto permanece junto da sua família, deixando‐a apenas para constituir a sua própria família. A família, anteriormente patriarcal, transforma‐se em família nuclear, constituída por pais e filhos que permanecem juntos, coabitando o mesmo espaço. Assim, a adolescência decorre entre a puberdade e o acesso ao estatuto de adulto. Este longo período de vida dos indivíduos, vivido sob tutela parental, coincide com o nascimento da família moderna. Esta nova concepção de família orienta as suas energias ara a vida privada, para a troca afectiva, para a promoção do bem‐estar dos filhos, para a transmissão de valores, dando assim um enfoque privilegiado às tarefas educativas. É em torno destes objectivos que vive a família moderna.
As grandes mudanças na adolescência A adolescência é um tempo de crescimento, de desenvolvimento de uma progressiva maturidade a nível biológico, cognitivo, social e emocional. Nas sociedades modernas não existe um acontecimento único que marque o fim da infância ou o início da adolescência. (Segundo Baumerind (1987), a adolescência engloba o período que vai dos 10 aos 25 anos. Este período é geralmente repartido em três fases: fase inicial, entre os 10
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e os 15 anos; fase intermédia, entre os 15 e os 18 anos; e a fase final, que envolve o período desde o final do ensino secundário até à entrada em um ou mais papéis adultos). Esta transição envolve um conjunto de mudanças graduais em múltiplas esferas da condição humana, que ocorrem durante um período mais ou menos alargado e que preenchem toda a adolescência. Um dos temas centrais da adolescência continua a ser a forma como se ultrapassam estas mudanças, transições, desafios, crises, necessidades ou o que quer que se lhe chame. Encontram‐se sempre dois lados da questão: o pessimismo e o optimismo. Para uns, a adolescência é um período de mudanças dramáticas a nível familiar, a nível escolar, ao nível das amizades, a nível profissional. É um período de confusão, de sentimentos paradoxais, excitação e ansiedade, felicidade e tristeza, certezas e incertezas. E, como se não bastasse, estas dúvidas não se limitam ao jovem, ao jovem, mas alastram aos outros que com ele privam, nomeadamente pais, professores e amigos que vivem também os seus próprios problemas (Lerner & Galambos, 1998). Para outros, a maioria dos jovens está preparada para lidar com as mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais da adolescência e ultrapassá‐las com sucesso (Steinberg, 1998). De acordo com esta perspectiva, parte dos problemas que surgem na adolescência não têm consequências graves ou a longo prazo. Devem, pois, ser equacionados como fazendo parte do desenvolvimento normal como formas exploratórias necessárias ao desenvolvimento, ou como um reflexo de um desfasamento entre a maturidade biológica e a maturidade emocional (Baumerind, 1987; Irwin, 1987; Moffiitt & Caspi, 2000).
Mudanças Biológicas As mudanças biológicas que ocorrem no início da adolescência constituem os sinais mais evidentes de que uma nova época chegou. Entrou‐se na adolescência. Esta entrada poderá ser mais ou menos «aceite» pelo próprio e pelos outros. Steinberg /1998) refere que um factor talvez mais importante do que a entrada em si é o momento em termos cronológicos desta transição. Segundo o autor, o impacto imediato da puberdade na auto‐imagem e no humor do adolescente pode ser relativamente discreto, mas o timing da maturação física afecta o desenvolvimento social e emocional do jovem de formas importantes. Parece que esta maturação precoce está associada a aspectos mais positivos para os rapazes do que para as raparigas. Os rapazes que maturam mais cedo tendem a ser mais populares, a ter autoconceitos mais positivos e a ser mais autoconfiantes, comparativamente com os que maturam mais tarde. Por outro lado, as raparigas que maturam mais cedo podem sentir‐se desconfortáveis e desajeitadas com a sua nova imagem.
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Encontram‐se também referências que defendem que a maturação precoce pode constituir um factor de risco para o desenvolvimento de problemas de externalização (padrões comportamentais observáveis, potencialmente desajustados do ponto de vista interpessoal, denominados também problemas de comportamento, como, por exemplo, agressividade ou comportamento delinquente), devido ao facto dos jovens dos jovens que maturam mais cedo desenvolverem amizades com adolescentes mais velhos. No entanto, parece que este risco é sobretudo válido para jovens para jovens que têm história de dificuldades anteriores à adolescência. Segundo Moffitt e os seus colaboradores (2002), os problemas que se desenvolvem nesta fase são essencialmente devidos ao desfasamento entre a maturidade biológica e social. E este desfasamento ou fosso entre a puberdade e a maturidade psicossocial é maior nos tempos actuais. A puberdade ocorre mais cedo, os jovens prolongam mais os ses estudos e, como tal, adiam a entrada na vida activa, comparativamente com épocas passadas. Será este um prenúncio de cada vez mais problemas durante esta longa adolescência?
Mudanças Cognitivas A adolescência é também um período de grandes mudanças a nível cognitivo. Muda‐se a forma de pensar sobre as coisas. Com a entrada no período das operações formais, o pensamento torna‐se mais complexo e mais eficiente. Primeiro, os adolescentes estão mais aptos a pensar sobre hipóteses. O raciocínio hipotético‐dedutivo que se desenvolve na adolescência permite ultrapassar as barreiras do concreto, sendo assim possível pensar acerca de ideias abstractas. Uma outra característica é a capacidade de pensar sobre o processo de pensar, que se denomina meta‐cognição. Este processo de pensamento permite uma maior consciência de si, na medida em que trata como objectos de contemplação os seus pensamentos e os dos outros. Cada vez mais o pensamento tende a analisar múltiplos aspectos da vida e a vê‐los como fruto de posições pessoais ou de critérios de avaliação. A teoria de Piaget trouxe uma contribuição fundamental para a compreensão do desenvolvimento cognitivo, facto que pode ser avaliado pelo lugar de destaque e atenção que ainda hoje se dá às suas formulações. Piaget (1983) apresenta quatro estádios de desenvolvimento, sendo que o último estádio, estádio das operações formais, surge na adolescência. Este estádio inclui operações como pensamento proposicional, análise combinatória, raciocínio probabilístico, correlacional e abstracto, que se tornam as operações mentais mais abstractas, complexas, lógicas e flexíveis. Nos últimos anos surgiram novas abordagens ao desenvolvimento cognitivo baseadas no processamento da informação. Segundo esta abordagem, o sistema de processamento da informação nos adolescentes aumenta a sua capacidade de
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processamento, sendo consequentemente mais sofisticado e complexo. Os defensores desta perspectiva argumentam que a passagem do período das operações concretas para as operações formais depende precisamente desta evolução ao nível da capacidade do sistema de processamento de informação. Por detrás destas mudanças estão três aspectos: aumento do conhecimento, maior organização, planeamento e controlo na capacidade de pensar e processamento mais rápido e automático. Estas capacidades permitem a realização de várias tarefas cognitivas ao mesmo tempo.
Mudanças Emocionais A par das alterações biológicas e cognitivas, ocorrem as alterações emocionais. Estas alterações envolvem mudanças na forma como os indivíduos se vêem a eles próprios e na sua capacidade de funcionar independentemente. Com a entrada na adolescência aumenta a consciência de si próprio, pelo que os adolescentes estão cada vez mais capazes de se caracterizar de modo complexo e abstracto. A procura e estabelecimento de uma definição de si, isto é, de uma identidade pessoal constituem uma das tarefas‐chave da adolescência. No entanto, outros desafios importantes se colocam. Segundo Steinberg (1998), estabelecer um sentido de autonomia e independência é uma parte tão importante da transição emocional como o estabelecimento da identidade.
A Procura de uma Identidade
O conceito de identidade foi «popularizado» por Erikson. Na perspectiva deste autor, o desenvolvimento processa‐se por etapas ou estádios psicossociais nos quais os indivíduos são confrontados com desafios ou crises que necessitam de ser resolvidas de forma adequada para enfrentar os desafios seguintes. Segundo Erikson (1968, 1982), a adolescência é a fase da vida em que os indivíduos devem estabelecer um sentido de identidade pessoal. Este desafio da construção da identidade, mais conhecido por crise de identidade, é fruto do desenvolvimento biológico, de expectativas culturais e de pressões sociais. A identidade não surge espontaneamente com a maturação, tem de ser procurada e estabelecida através de um esforço pessoal. Para Erikson, a identidade só pode ser encontrada através da interacção com os outros significativos. E nesta fase da vida assumem uma importância especial, os amigos e os grupos de pares. As relações que se estabelecem a este nível são fundamentais no encontro da sua identidade pessoal, na medida em que dão oportunidades de experimentar papéis e oferecem, em simultâneo, uma apreciação do desempenho. O adolescente passa, assim, por um período de maior necessidade de reconhecimento pelo grupo de pares e por um envolvimento quase compulsivo com este
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grupo. Esta ligação forte com os pares cria uma nova dependência que vem substituir a dependência dos pais. Tal como a anterior, esta nova dependência precisa ser quebrada para que o jovem se encontre a si próprio e atinja uma identidade madura. A aquisição de uma identidade pessoal permite ao jovem ao jovem adulto ter autonomia, iniciativa e confiança nas suas decisões. Por outro lado, a não resolução deste desafio, ou uma resolução inadequada, leva à construção de uma identidade difusa, incoerente, ou a uma má «consciência do eu». Segundo Erikson, muitos dos problemas de comportamento que os jovens apresentam poderão ser nada mais do que reflexos de uma identidade mal resolvida. Marcia (1980) expandiu a teoria original de Erikson, concretamente através de um enfoque especial e do alargamento de alguns aspectos relacionados com o estádio «identidade versus confusão da identidade». De acordo com Márcia, o critério para atingir uma identidade madura é baseado em duas variáveis essenciais, que Erikson identificou como crise/exploração e comprometimento. A crise/exploração refere‐se ao tempo em que o adolescente analisa e coloca em causa os objectivos e valores definidos pelos pais, e começa a procurar alternativas ajustadas a si próprio em termos de valores, crenças e opções futuras. O comprometimento diz respeito ao envolvimento pessoal e afirmação dos objectivos, valores, crenças e opções que elegeu. Combinando estes critérios, surgem quatro modos distintos de conceptualizar as questões da identidade na adolescência. 1) identidade difusa ou confusa, confusa, o adolescente ainda não explorou hipóteses nem se comprometeu com alternativas possíveis. As questões da identidade ainda não surgiram como significativas ou não foram ainda resolvidas. 2) comprometimento precoce, precoce, o adolescente ainda não explorou hipóteses, mas já se comprometeu com valores e objectivos que surgem de uma identificação com os pais ou outros significativos. Como tal, a identidade não resulta de um investimento pessoal de procura de alternativas. 3) moratória, moratória, que é uma fase de exploração activa em que o adolescente experimenta diferentes papéis no sentido de encontrar a sua verdadeira identidade. No entanto, ainda não se comprometeu definitivamente com nenhuma das alternativas possíveis. 4) aquisição da identidade, identidade, o adolescente passou por um processo de exploração de hipóteses bem sucedido. Como resultado, construiu uma identidade madura com comprometimento pessoal em termos de ocupação, crenças e valores. Márcia refere que cada um destes estatutos não é estático, mas sim um processo em decurso. O indivíduo estabelece um sentido de identidade progredindo através destes quatro estatutos. No entanto, segundo o autor, apenas a moratória é essencial para a aquisição da identidade, na medida em que é a etapa em que ocorre exploração, fundamental para o estabelecimento de um verdadeiro sentido de identidade pessoal.
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A Conquista de uma Maior Autonomia Autonomia
A autonomia é uma tarefa central na adolescência. A autonomia refere‐se à medida em que o processo de socialização facilita o desenvolvimento de um sentido de identidade pessoal, eficácia e valor (Barber, 1997). Envolve uma mudança nas relações e na representação que o adolescente tem de si e dos outros. Entre estes outros, encontram‐se os pais, elementos‐chave na tarefa da conquista da autonomia (Fleming, 1993). Neste período de vida, o adolescente é confrontado com duas necessidades paradoxais em relação aos pais: a separação e a dependência. A separação é inicialmente psicológica, traduz‐se num sentimento de desilusão em relação aos pais: os pais não escutam, não permitem o diálogo, não entendem. Os pais deixam, pois, de ser vistos como os mais sábios e poderosos. Muitas vezes, perante esta desilusão, o jovem procura modelos no seu grupo de pares ou em outros adultos. Assim, os pais deixam de ser a sua única fonte primária de apoio e suporte. As preocupações, os aborrecimentos e as mais variadas necessidades podem agora ser partilhadas ou preenchidas por outros significativos, que não os pais. No entanto, a necessidade de dependência continua a existir. Esta necessidade é, segundo Braconnier e Marcelli (2000), escondida pelos adolescentes. A resistência a esta necessidade de dependência pode, segundo estes autores, estar na origem de muitos dos conflitos da adolescência. Contudo, é importante salientar que este desejo de separação, travado pela dependência, não implica uma perda da ligação afectiva que os adolescentes têm com os seus pais. Fleming (1993) salienta que uma ligação segura aos pais é condição fundamental para a autonomia. Mas o que é ser autónomo para um adolescente? E como se conquista a autonomia? Fleming realizou um estudo com jovens com jovens entre os 12 e os 19 anos que permite dar resposta a estas questões. Ser autónomo, para o adolescente, é poder decidir e agir de acordo com as suas ideias e opiniões numa série de aspectos relevantes na sua vida como, por exemplo, saídas com amigos, fins‐de‐semana, férias, aparência pessoal, organização do seu espaço pessoal (quarto), gestão do dinheiro, relações afectivas e resolução de assuntos pessoais. A conquista desta autonomia está relacionada com as percepções que os adolescentes têm das atitudes e do amor que os pais têm para consigo. Quanto maior a percepção de que os pais encorajam a autonomia, maior será esta capacidade. Também em relação ao amor se verifica que os adolescentes que sentem que os pais têm amor para com eles são aqueles que manifestam maior capacidade de autonomia. De acordo com as conclusões do trabalho, um ambiente familiar de encorajamento contínuo da autonomia, de baixo ou moderado controlo parental sobretudo na fase intermédia e final da adolescência, são condições fundamentais para a autonomia comportamental dos adolescentes.
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Mudanças Sociais As mudanças a nível cognitivo e emocional influenciam a forma como os adolescentes vêem o mundo social. Os adolescentes têm agora mais capacidades para pensar sobre possibilidades, para auto‐análise das suas cognições e para perceber e analisar diferentes perspectivas. Assim, conseguem avaliar e antecipar as possibilidades de resposta e de comportamentos, são capazes de deduzir características pessoais, motivações e sentimentos a partir de comportamentos, e reconhecer que existem diferentes perspectivas sobre uma mesma situação (Sprinthall e Collins, 1999). Apesar deste importante desenvolvimento em termos de capacidades cognitivas, Elkind (1980) refere que no início da adolescência os jovens são frequentemente egocêntricos. Este egocentrismo apresenta duas componentes: o público imaginário (apesar do reconhecimento de diferentes perspectivas, os adolescentes têm a crença de que são o centro das atenções e de que a sua perspectiva prevalece sobre as outras); e a narrativa pessoal (a crença de que os seus sentimentos são únicos e que ninguém os pode entender). Segundo o autor, a maturação a nível cognitivo e as interacções com os pares permitirão ultrapassar este egocentrismo. E o grupo de pares assume realmente uma posição de destaque na socialização dos adolescentes. Um dos aspectos mais importantes ao nível do desenvolvimento social é a mudança quantitativa e qualitativa ao nível dos contextos sociais significativos para o adolescente. Com a aquisição de uma maior autonomia, o jovem passa menos tempo em casa com os pais e dirige este tempo para estar com os pares. Os pares têm, durante a adolescência um papel especialmente importante no desenvolvimento do jovem, nomeadamente como um espaço onde é permitido experimentar novos papéis sociais, um espaço de diálogo acerca dos seus problemas pessoais, escolares e profissionais, um espaço de formação e partilha de opiniões acerca dos próprios indivíduos, dos outros relevantes e do mundo social. na Adolescência , 2007 Adaptado de M. C. Simões, Comportamentos de Risco na Adolescência
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Texto 3 : O Comportamento de Vinculação A energia que o homem e a mulher dedicam mulher dedicam à produção de bens materiais aparece quantificada em todos os nossos índices económicos. A energia que um homem e uma mulher dedicam à produção, na sua própria sua própria casa, de filhos de filhos felizes, felizes, saudáveis e seguros de si mesmos, não contam para nada. Criámos um mundo ao contrário.
J. Bowlby, 1988
Capítulo 1. Um modelo em dupla hélice do desenvolvimento psicológico: vincula‐ ção/separação ao longo do ciclo de vida 1. Introdução Em 2003 celebraram‐se os 50 anos da publicação, na revista Nature, daquela que pode ser considerada a mais marcante descoberta da biologia molecular do século XX: o modelo em dupla hélice da molécula de ADN, elaborado por James Watson e Francis Crick (1953). Para além do seu valor simbólico e heurístico, o modelo da dupla hélice permeou a cultura popular e tornou‐se parte do imaginário do nosso tempo. Não admira assim que a dupla hélice me tenha surgido como um modelo inspirador do desenvolvimento psicológico do ser humano. A minha dupla hélice apresenta o desenvolvimento humano como resultado da interacção dinâmica entre hélices psicológicas, a do processo de vinculação e a do processo de separação‐ individuação. Esta perspectiva contraria a perspectiva mais clássica da Psicologia do Desenvolvimento, que tenta integrar as numerosas, e por vezes contraditórias, teorias contemporâneas sobre componentes cognitivas, morais ou sociais do desenvolvimento humano. Sugiro, portanto, uma nova orientação: investigar o desenvolvimento da personalidade como dinâmica interactiva entre individuação e vinculação, processos que, embora estando, como defendo, interligados, têm sido investigados em separado.
2. Revisitando a dupla hélice do ADN A molécula de ADN pode ser descrita, metaforicamente, como uma escada em espiral em que os seus dois longos corrimãos são sustentados por numerosos degraus. Os corrimãos correspondem às duas longas cadeias em espiral de elementos repetitivos de açúcares‐fosfatos: os degraus que unem transversalmente os corrimãos, são os compo‐ nentes «nobres» da molécula: cada degrau é um par de bases complementares e, no seu
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conjunto, armazenam toda a informação genética da célula ou do indivíduo. Devido ao facto de todos os degraus da escada terem o mesmo comprimento, os corrimãos man‐ têm‐se a uma distância constante ao longo de toda a cadeia da molécula de ADN. Esta distância constante entre as duas hélices constitui uma clara diferença entre a molécula de ADN e o modelo da dupla hélice para o desenvolvimento psicológico humano que pro‐ ponho, já ponho, já que no meu modelo as hélices da vinculação e da separação‐individuação vão variando de distância entre si ao longo da vida.
3. A dupla hélice psicológica: a hélice da vinculação e a hélice da separação Tal como a molécula de ADN, a dupla hélice psicológica consiste numa espiral feita de duas longas e sinuosas cadeias, tal como está ilustrado na figura da página seguinte. A extensão desta dupla hélice corresponde à extensão total do ciclo de vida do ser humano. Uma das hélices representa o grau de vinculação do sujeito a outro ser humano; a outra hélice refere‐se ao grau de separação‐individuação do mesmo sujeito. Estas duas vertentes do desenvolvimento psicológico vão sofrendo alterações durante as diferentes idades do ser humano, ora se aproximando ora se afastando do eixo central da dupla hélice.
4. Principais características da dupla hélice psicológica O modelo rege‐se pelos seguintes postulados: (i) O desenvolvimento psicológico humano progride de acordo com um padrão ascensional em espiral de dupla hélice, organizando‐se de forma assimétrica em torno de um eixo central já que, habitualmente, uma hélice predomina sobre a outra (em contraste com os modelos bidireccionais compostos por duas linhas que caminham em
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sentido contrário, como é o caso, por exemplo, do modelo de desenvolvimento proposto por Erikson). (ii) As hélices mantêm‐se activas ao longo do ciclo de vida e mudam a sua distância em relação ao eixo central, em função de estímulos internos e externos que afectam o psiquismo humano, no quadro do processo interactivo entre o ser e o meio que o rodeia. (iii) As duas hélices entram em interacção través de mecanismos de retroacção que modulam a distância entre si e, naturalmente também, a distância que as separa do eixo central da estrutura. Uma maior distância representa que nesta fase do ciclo de vida uma das duas linhas de desenvolvimento predomina sobre a outra, significando que as tarefas de desenvolvimento que lhe correspondem estão mais activas (por exemplo, na primeira infância as tarefas de desenvolvimento que visam a vinculação predominam sobre as que visam a separação‐individuação). O objectivo principal do modelo é o de afirmar que ocorre uma interacção dialéctica, ao longo de toda a vida, entre a vinculação e a separação‐individuação. Contrariamente à visão tradicional que apresenta estes dois desenvolvimentos como antagonistas, aqui o que se propõe é ma visão que consiste em afirmá‐los como duas entidades que co‐evoluem interactivamente: o estabelecimento de vínculos entre pais e filhos potencia a separação‐individuação, esta, por sua vez, estimula o sistema vinculativo e o indivíduo pode permitir ‐se o afastamento e a separação porque se sente ligado aos pais por vínculos seguros.
Vinculação (V)
Separação-Individuação Separação-Individuação (SI)
5. Premissas da «dupla hélice psicológica»
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O modelo assenta nas seguintes premissas: 1) O desenvolvimento psicológico humano ocorre/decorre na tensão dialéctica entre o processo de vinculação e o processo de separação‐individuação, concebido como duas hélices que evoluem em torno de um eixo, que representa a evolução psicológica, aproximando‐se mais ou menos deste eixo consoante predominam os processos de vinculação ou de separação, no quadro das sucessivas matrizes familiares. 2) Estes dois processos ocorrem em simultâneo, estão presentes desde o período pré‐ natal, mantêm‐se activos e permanecem como motores de desenvolvimento ao longo e todo o ciclo vital. 3) A vinculação responde à necessidade primária de criar ligações afectivas, de apegar‐se a outros seres humanos, como meio de assegurar segurança e protecção. 4) A individuação responde à necessidade primária de criar a sua própria individualidade, a sua própria identidade, à necessidade de não se fundir/confundir com o Outro a quem se está vinculado 5) Estes dois processos, articulados entre si, vão conhecendo configurações diferentes, em função das tarefas de desenvolvimento específicas de cada etapa de desenvolvimento ao longo do ciclo de vida do ser humano (se, por exemplo, no período perinatal é a vinculação que predomina, na adolescência é, ao contrário, a individuação que desempenha o papel mais forte.
6. O início da dupla hélice: da infância precoce à infância propriamente dita Do mesmo modo que nos primatas, a vinculação entre os progenitores e as suas crias tem uma função fundamental de sobrevivência, assegurando a protecção das crias face aos seus predadores, a vinculação nos seres humanos cria a base para os sentimentos de protecção e de segurança da criança. A vinculação tem ainda a função fundamental de assegurar as ligações trangeracionais, ligando afectivamente as famílias de ascendência com as famílias de descendência ao longo de todo o ciclo vital. De igual forma, se na família humana os pais asseguram a função de vinculação, eles também são responsáveis pelo incentivo da função de separação‐individuação. No contexto emocional das interacções precoces com o bebé e através da parentalidade intuitiva e a intencionalidade educativa , os pais estimulam a emergência de processos de
simbolização (acesso ao diálogo, ao símbolo e à linguagem) permitindo que a criança inicie os comportamentos exploratórios e a sua progressiva integração no meio físico e sociocultural que a rodeia.
7. A vinculação predomina no recém‐nascido
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A vinculação inicia ‐se ainda durante o período de gestação, quando a mãe cria o primeiro vínculo ao seu bebé imaginário ainda antes do vínculo ao bebé real, após o nas‐ cimento deste. Bowlby (1951) sugere a existência, no bebé, de sistemas comportamentais inatos prestes a serem accionados imediatamente após o nascimento. Estes sistemas (compostos pelos comportamentos de mama, agarrar, seguir, chorar, sorrir) visam estabe‐ lecer o apego a figuras específicas que se mostrem mais próximas e permanentes e que asseguram a sobrevivência do bebé, o que habitualmente é desempenhado pela mãe bio‐ lógica. É a existência de um sistema de comportamentos inatos, prestes a serem accionados logo após o nascimento, que permite ao bebé vincular‐se a figuras de protecção. Mas é também a existência de capacidades perceptivas muito precoces de reconhecimento e de diferenciação do Outro que permite ao bebé iniciar um processo que visa a sua individuação. As observações de Brazelton e colaboradores (1979; 1991, 1994) revelaram o papel que, desde o seu nascimento, o bebé assume no estabelecimento de relações com o objecto materno, mostrando competências muito precoces de discriminação e de diferenciação em relação ao que o rodeia. Imediatamente após o nascimento, o bebé em estado de «alerta» é capaz de atenção focal e de diferenciar entre imagens, vozes e sons. Destaco os estudos de Brazelton que evidenciam a capacidade do bebé para estimular comportamentos maternos de resposta: se, por acaso, ela não responde, o bebé prossegue no seu esforço para captar a sua atenção, só vindo a desinteressar‐se após tentativas muito activas e continuadas. De acordo com este autor «o bebé nasce com meios excelentes para dar a conhecer as suas necessidades e também para agradecer aos que o cercam. De facto, pode até escolher o que espera dos seus pais (1981: 387). A capacidade precoce de criar vínculos e a capacidade de diferenciar, são funções básicas na evolução e estruturação normal do psiquismo humano, fundamentais para o seu desenvolvimento emocional e cognitivo. É da qualidade e quantidade das experiências relacionais com as figuras cuidadoras, propiciadoras de sentimentos de satisfação versus frustração, que se vão constituindo os ingredientes básicos para que o desenvolvimento se processe de forma mais ou menos harmoniosa. Se o sistema vinculativo se mostra apto a responder às necessidades do bebé, e se a vinculação entre a mãe e o bebé é propiciadora de prazer para ambos, o bebé adquire confiança no seu cuidador, e cria objectos internos confiáveis, suportes mentais para a sustentação do sentimento interno de segurança e de autoconfiança. Isto mesmo também foi posto em evidência por Mahler (1968,1975): se os pais respondem com sensibilidade às necessidades do bebé e providenciam um meio seguro à criança, ela progride na sua capacidade de explorar o seu meio ambiente de modo cada vez mais
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complexo e a maior distância, sabendo que ela pode sempre regressar para perto dos pais. Um padrão organizado de vinculação propicia à criança um continuado sentimen‐ to interno de segurança. Ele vai‐se estabelecendo ao longo do primeiro ano de vida e é este sentimento que permite ao bebé tolerar a ausência temporária da mãe, porque ele acredita que ela vai voltar (Ainsworth, 1978). Se, pelo contrário, a qualidade das interac‐ ções precoces não é de boa qualidade, no sentido que Bowlby lhe dá (1988), a ansiedade que se gera pode atingir níveis dificilmente tolerados pelo bebé e, neste caso, podem ocorrer fenómenos que perturbam o seu desenvolvimento psíquico. As funções maternas de contenção – capacidade de conter/integrar mentalmente as experiências emocionais do filho – e de rêverie – capacidade de transformar as experiências emocionais em representações e atribuir ‐lhes significado – foram descritas por Bion (1962). Vários outros estudos concluíram que a capacidade materna de contenção dos estados mentais do bebé aumenta a confiança deste na capacidade materna de o cuidar com afecto, de tal forma que o bebé sente que pode recorrer a ela nos estados de sofrimento e de grande excitação. A expectativa de ser consolado e confortado fortalece o vínculo emocional da criança com a pessoa que cuida dela.
8. A interacção dinâmica entre vinculação e separação inicia‐se na primeira infância É o sentimento de segurança e de confiança no Outro que estimula a criança a ter comportamentos de exploração do meio que a cerca, a afastar‐se das figuras de vinculação e a iniciar o processo de separação‐individuação. É também este sentimento que alicerça a auto‐estima e a autoconfiança da criança, criando condições para a separação física dos pais, constituídos agora como «pais internos» que não desaparecem, mesmo quando estão fisicamente ausentes. Deste modo, os processos de vinculação e de separação‐individuação potenciam‐ se mutuamente e a espiral do desenvolvimento progride. De acordo com este modelo, o estabelecimento de ligações afectivas constitui a primeira e fundamental base para a separação‐individuação e esta, por sua vez, estimula o sistema vinculativo. Neste contexto, a criança pode permitir ‐se o afastamento dos cuidadores porque se sente ligada a elas por vínculos seguros. Diferentes trabalhos de investigação realizados as últimas décadas mostram a relação entre a qualidade dos vínculos estabelecidos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas infantis. Se o vínculo for seguro, a criança está em melhores condições de men‐ talizar. Target & Fonaggy (1996) afirmam que «as crianças cuja necessidade de apego é completamente atendida parecem sentir‐se livres para explorar a mente das pessoas que
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cuidam delas e estão numa situação duplamente vantajosa para o seu desenvolvimento. À sensitividade materna , mediador‐chave da interacção precoce mãe‐bebé estes autores
juntam um outro mediador, a função reflexiva: a capacidade dos pais espelharem as suas próprias mentes e as mentes dos seus filhos. Uma função altamente reflexiva protege os filhos contra uma vinculação insegura. Isto significa que o desenvolvimento emocional e o desenvolvimento cognitivo progridem em simultâneo.
9. A separação‐individuação acentua‐se a partir do primeiro ano de vida A aquisição da consciência de si como um ser separado traz grandes benefícios para a autonomia da criança, que assim pode expandir as suas ligações a outras figuras do seu meio familiar e extra‐familiar. Durante a fase de ensaios – dos 9 aos 16 meses aproximadamente – aproximadamente – a criança, devido à sua maior mobilidade, deseja conquistar o mundo físico à sua volta. A consciência de se saber um ser separado é simultaneamente dolorosa e necessária à criança como condição indispensável para a saída da concha fusional familiar. O reconhecimento da sua imagem na fase do espelho (Lacan) e a capacidade do «não» (Spitz) são alguns dos indicadores e organizadores psicológicos da progressiva diferenciação do Eu. Eles constituem a base a partir da qual a criança evolui para níveis mais complexos de construção da individualidade e de uma rede cada vez mais alargada de ligações afectivas, dentro e fora do espaço de convivialidade familiar. Na fase seguinte do processo de separação‐individuação, designada por fase de reaproximação, entre os 16 e os 24 meses de idade, o movimento em direcção à individuação conhece um notável incremento, inicialmente num registo de ambivalência, uma vez que a criança alterna entre o desejo de desvinculação e o desejo de aproximação às figuras de vinculação. Mais tarde, a ambivalência diminui e o desejo de individuação estimula a criança a tornar‐se cada vez mais autónoma. Pelo terceiro ano de vida, a criança progride para novos estádios como resultado de uma vinculação segura aos seus objectos de amor, os cuidadores primários, em combinação com com a «autonomia, a individuação, a constância e coesão do Eu». As mudanças psíquicas estruturais preparam a criança para a resolução de questões relacionadas com o complexo de Édipo e para o desenvolvimento cognitivo, nomeadamente para o desenvolvimento de competências interpessoais (Selman, 1981): a capacidade de perceber que o Outro tem sentimentos e pensamentos separados e diferentes dos que lhe são próprios. A capacidade da criança reconhecer o Outro como alguém que é psicologicamente diferente de si permite um avanço significativo na individuação
e,
em
consequência,
a
predominante.
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hélice
separação‐individuação
torna‐se
Simultaneamente, estas novas competências estimulam o progresso na hélice de vinculação: a criança relaciona‐se cada vez mais com o meio social e adquire novas capacidades para a cooperação, o desempenho de papéis e para um novo tipo de relações emocionais.
10. Entre a infância e a adolescência: o período de latência Apesar do alargamento dos laços e das relações sociais (aos amigos e pares de idade, no infantário, na escola e noutros contextos sociais) e apesar do desejo de conquistar cada vez mais autonomia face ao controlo dos pais, o desejo de viver no espaço familiar, a necessidade de protecção e a adesão aos valores e estilos de vida da família não são postos em causa pela criança no período de latência dos 6 aos 10 anos aproximadamente). A tensão entre as hélices de vinculação e de separação‐individuação atenua‐se e a distância de cada uma ao eixo central é equivalente. A família é então o contexto de vida mais importante e a dependência é valorizada positivamente. A espiral do desenvolvimento progride para novas tarefas à medida que a tensão gerada entre as duas hélices é superada e se avança em competências sociais e relacionais. Às grandes mudanças da primeira e segunda infância segue‐se um período de acalmia no plano pulsional/afectivo e no plano das relações familiares. Um acontecimento biológico, a puberdade, irá perturbar esta fase do desenvolvimento psicológico. Durante a puberdade, o calendário genético impõe a maturação genital e esta irá introduzir novos e significativos dados no equilíbrio psicológico da criança e no equilíbrio familiar. A emergência de novas competências de empatia, mutualidade e de preocupação com o Outro preparam a criança para o desenvolvimento de dimensões mais complexas da hélice da separação‐individuação o que, por sua vez, potencia novas experiências no plano da vinculação.
11. A separação‐individuação predomina na adolescência A partir da puberdade, a hélice da separação‐individuação vai ser predominante e puxar inevitavelmente para a consolidação de níveis mais complexos e radicais de autonomia. Os vínculos aos pais perdem a sua força tão atractiva, e a protecção e o controlo parental, aceites pacificamente até aí, são questionados e tornam‐se fonte de conflitualidade entre pais e filhos, particularmente durante o segundo processo de individuação do adolescente.
O valor da dependência e da vinculação aos pais é questionado e o valor da autonomia de comportamentos e de atitudes começa a impor‐se. O adolescente manifesta novos desejos e inicia comportamentos até aí não realizados. A entrada na
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adolescência, como acontecerá com a saída e entrada na idade adulta, são períodos de transição que desafiam o sistema familiar para a mudança. A evolução das capacidades cognitivas para um novo estádio, o das operações formais, caracterizado pelo pensamento formal , introduz a capacidade de pensar em abs‐
tracto, de modo complexo e flexível e de um raciocínio social ‐cognitivo. O adolescente passa a ser capaz de «pensar em perspectiva» e de reconhecer o carácter de mutualidade das relações com os pais. O adolescente sente‐se atravessado por forças que o puxam em sentido contrário: por um lado o desejo de ficar no espaço de protecção da família e manter a sua vinculação aos pais e por outro o desejo de partir, de aumentar os comportamentos exploratórios fora da esfera e do controlo parental. Os resultados
da minha própria investigação nesta área mostraram
repetidamente que o desejo de autonomia se manifesta desde o período peripuberal e que os comportamentos autónomos aumentam de forma contínua ao longo da idade, sendo uma das fontes de conflitualidade entre pais e filhos (Fleming, 2005). A capacidade de desobedecer e de se comportar de acordo com as escolhas e valores pessoais, num processo que implica a desidealização das figuras parentais, vai‐se impondo progressivamente à medida que o período adolescente avança. Apesar da notável variabilidade do comportamento adolescente, posta em evidência nomeadamente nos estudos pioneiros de Margaret Mead, teóricos e investigadores estão de acordo em afirmar que a principal tarefa de desenvolvimento na adolescência é a autonomia, intrinsecamente ligada ao processo de separação ‐ individuação . A separação intrapsíquica e relacional (entre pais e adolescentes) organiza
todas as outras mudanças de desenvolvimento: a remodelação interna da ligação aos pais, a consolidação da autonomia e da identidade. O adolescente e os pais têm de se ajustar mutuamente e encontrar novos papéis, novas hierarquias na regulação do poder parental. As relações familiares evoluem da dependência para uma maior mutualidade e reciprocidade.
12. A transição para a idade adulta: replicações A transição para a idade de jovem de jovem adulto coloca ao ser humano novos desafios e obriga‐o a empenhar‐se em novas tarefas de desenvolvimento. Se na fase anterior era o ganho em autonomia o mais importante, agora é a capacidade para a intimidade a principal tarefa de desenvolvimento (Erikson, 1968). O jovem adulto «está pronto para a intimidade, ou seja, para se comprometer com afiliações e relações específicas». A hélice da vinculação replica‐se, ou seja, enquanto as vinculações primárias se mantêm, novas vinculações têm lugar. A capacidade de se envolver em relações de inti‐
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midade vai trazer a capacidade para o casamento. O ser humano é agora um ser capaz de gerar (a principal tarefa de desenvolvimento do estado adulto, de acordo com Erikson, 1963) não só os seus filhos, mas também ideias e uma grande variedade de realizações. A hélice da vinculação desdobra‐se e dá lugar à hélice das novas vinculações trazidas pela constituição de laços familiares complexos aos pais e também aos filhos, numa rede de afiliações transgeracional. A investigação nesta área tem repetidamente mostrado que os jovens adultos depois da sua saída de casa apresentam níveis mais elevados de separação‐individuação, como seria de esperar, mas também e, mais surpreendentemente, evidenciam vínculos mais fortes aos pais. Quando se tornam pais, mostram uma maior proximidade afectiva entre eles próprios e os seus pais. A vinculação, tal como dissemos atrás, assegura agora as ligações transgeracionais, vinculando as famílias de ascendência com as famílias de descendência. A investigação empírica tem demonstrado que também que os jovens adultos que melhor progridem em termos de desenvolvimento psíquico (medido pelo seu bem‐ estar, adaptação a novas situações, níveis mais bem integrados no plano da identidade, maior capacidade de estabelecer relações de intimidade e tendo mais sucesso após a sua saída da família de origem) são também aqueles que apresentam um maior grau de separação‐individuação (medido pela capacidade de controlo pessoal, autonomia e sentido de responsabilidade), em simultâneo com um maior grau de vinculação, expresso pela capacidade de ligação afectiva e pela proximidade aos pais. A interacção entre vinculação e separação‐individuação encontrada ao longo da infância e adolescência continua na idade adulta: mais uma vez se constata que uma vinculação segura favorece a separação‐individuação, separadas mas em interconexão, ascendem na espiral de dupla hélice do desenvolvimento humano.
13. Da maturidade à velhice Com a entrada na última fase do ciclo de vida, a hélice da vinculação volta a ser predominante e a comandar o desenvolvimento nesta fase. A perda de capacidades associadas ao envelhecimento transforma o ser humano num ser cada vez mais dependente, o que reactiva os comportamentos de vínculo, sob um registo ansioso. A tensão entre as duas hélices que, no decurso do ciclo de vida humana, funcionou como motor de desenvolvimento psicológico, decai na velhice: as duas hélices aproximam‐se e a hélice da vinculação volta a ser predominante como acontecia no início da vida. A morte representa uma ruptura, lembrando a ruptura física da molécula de ADN quando ocorre a morte celular programada, a apoptose, mas os laços afectivos persistirão
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como marca e como recordação nos descendentes ao longo dos anos, revelando, portanto, que o poder da vinculação humana continua para além da morte. Adaptado de Fleming, M., Entre o Medo e o Desejo de Crescer , 2005
A Vinculação O conceito de vinculação surge na segunda metade do século XX, a partir da constatação dos efeitos das separações e carências afectivas resultantes da experiência da Segunda Guerra Mundial. A institucionalização de crianças pequenas, separadas dos pais e em condições precárias, ou a hospitalização, por períodos prolongados, foram outros aspectos que sugeriram um conjunto de estudos com conclusões surpreendentes. Outro aspecto ainda que suscitou a atenção para este conceito foi a progressiva saída das mulheres para o mundo do trabalho e a necessidade de criação de instituições que prestassem cuidados às crianças. Com o aumento, há bem poucas décadas atrás, do número de mulheres a trabalhar fora de casa, a questão dos cuidados às crianças teria que ser posta, mais que não fosse por aqueles que consideravam estes comportamentos desadequados e que a função feminina se deveria restringir aos cuidados com a família. Também a difusão da informação relativamente aos estudos da psicologia sobre os comportamentos maternais, desde o aleitamento até à relação de vinculação, muitas vezes mal interpretada e apresentada nos meios de comunicação social de modo superficial e distorcida, veio acender o debate e criar em muitas mulheres sentimentos de culpa perturbadores. Não é por acaso que o tempo legislado de permanência da mãe com o seu bebé, após o parto, tem vindo a aumentar. A questão da colocação da criança numa creche prende‐se com a acumulação de factores de risco que as instituições podem apresentar, como, por exemplo, mudanças constantes de pessoal, remunerações instáveis e precárias, condições deficientes. Mas também com a acumulação de factores de risco que as famílias podem apresentar como vulnerabilidade social e económica, pais cansados e com pouca disponibilidade para cuidar adequadamente as crianças. Vários estudos têm mostrado que os factores familiares são mais importantes para o desenvolvimento saudável da relação de vinculação do que os factores da instituição de guarda. A questão fundamental que ressalta de todo o debate é que as crianças necessitam de estabelecer ligações seguras a adultos do seu meio ambiente. Se «os pais estão satisfeitos consigo mesmos e com as suas decisões, e se o bebé tem uma ama ou auxiliar da creche que se liga a ele e lhe incute um sentimento de insegurança, então a criança pode de facto desenvolver uma vinculação segura com a ama ou a auxiliar, construindo assim vínculos sólidos com os pais (…). Em todo o caso é preciso não confiar
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em pontos de vista baseados em generalizações abusivas, que não têm qualquer validade científica, ou posições puramente ideológicas e “politicamente correctas”» [Karen, 1994, cit. por Guegeney e Guedeney, 2002: 82‐ 82‐83].
Os estudos de Bowlby As primeiras fases da vida são decisivas para o desenvolvimento de uma criança. As relações que estabelece com o mundo que a rodeia, designadamente através dos pais, asseguram‐lhe as condições para a sua sobrevivência e desenvolvimento, por exemplo, o alimento, o abrigo, o conforto e a segurança. O psiquiatra britânico John Bowlby desenvolveu uma teoria a partir de uma hipótese: a relação privilegiada que o bebé estabelece com a mãe é decisiva para o seu desenvolvimento físico e psicológico. Bowlby designa por vinculação os laços que se vão construindo entre a mãe e o bebé. A vinculação é a necessidade de criar e manter relações de proximidade e afectividade com os outros, de o bebé se apegar a outros seres humanos para assegurar protecção e segurança. Esta relação, que se manifesta pela necessidade de contacto físico e de proximidade, seria, tal como a fome e a sede, uma necessidade básica ou primária. Segundo a teoria de Bowlby, para assegurar estas relações existem esquemas comportamentais inatos que se manifestam logo após o nascimento e que permitem estabelecer laços com as pessoas mais próximas, geralmente com a mãe biológica. Assim, chorar, sorrir, mamar, agarrar, seguir com o olhar constituem os comportamentos que o bebé adopta para manter a relação privilegiada com as figuras de vinculação, de protecção. Bowlby explica a relação de vinculação através da Teoria dos Sistemas de Controle. Ele começou por trabalhar sobre a problemática das perturbações apresentadas pelos lactentes separados da mãe, e só mais tarde se tornou um teórico da vinculação. O seu trabalho apresenta uma síntese entre a psicanálise, no que se refere à perda da liga‐ ção maternal, e a etologia, no que se refere ao imprinting . O fenómeno de imprinting demonstra que em algumas espécies podem desenvolver‐se e persistir laços entre indivíduos sem que haja necessariamente satisfação das necessidades fisiológicas primárias. Durante muito tempo pensou‐se que os animais nasciam com instintos, respos‐ tas comportamentais prontas a utilizar, enquanto que os seres humanos tinham de aprender tudo. Hoje, compreendemos que esta oposição radical entre o instinto e a aprendizagem, entre o animal e o homem, era falsa. Tanto para um como para outro, a aprendizagem, mais ou menos longa, é quase sempre necessária. Tanto para um como para outro, existem sistemas de reacção inatos, mais ou menos numerosos, e pensa‐se
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que, tanto para um como para outro, a activação destes sistemas se realiza em certos períodos. O essencial é a existência destes sistemas, a identificação da vinculação como um destes sistemas, e o facto deste sistema descoberto no animal existir nos seres huma‐ nos. Para Bowlby, há cinco comportamentos, padrões fixos de acção, que estão ao serviço da vinculação. São eles o chupar, chupar, agarrar, agarrar, seguir, seguir, chorar e sorrir. sorrir. No início, estes comportamentos são relativamente independentes uns dos outros, mas no decurso do primeiro ano de vida integram ‐se num comportamento, cuja função é a de ligar a criança à mãe e contribuem para a dinâmica recíproca desta relação. Enquanto que em relação ao chupar, agarrar e seguir, o bebé é o principal elemento activo, o choro e o sorriso servem para activar o comportamento maternal, actuando como desencadeadores sociais de respostas das mães. Bowlby frisa que um dos pontos principais da sua tese é que cada uma das cinco respostas que sustentam a ligação à mãe está presente devido ao seu valor de sobre‐ vivência. Afirma ele que a não ser que haja poderosas respostas inatas que assegurem que a criança desperta a atenção maternal e permanece numa proximidade íntima da mãe, durante os anos da infância, a criança morrerá. Desta forma, no decurso da nossa evolução, o processo de selecção natural levou a que o choro e o sorriso, o chupar, o agarrar e o seguir se tornassem respostas específicas da espécie humana. Bowlby afirma que todas as respostas instintivas parecem atingir um máximo e depois decrescem. «Conforme os anos passam, primeiro a sucção, depois o choro e depois o agarrar e o seguir, todas diminuem. Até o sorridente bebé de dois anos se transforma na criança de escola mais solene. São um quinteto que compreende um repertório bem adaptado à infância, mas que, tendo cumprido a sua função, é relegado para um lugar secundário. Não obstante, nenhuma delas desaparece. Todas permanecem em diferentes graus de actividade ou latência e são utilizadas em novas combinações quando o repertório adulto amadurece. Além disso, algumas, em particular chorar e agarrar, voltam a um estado anterior de actividade, em situações de perigo, doença ou incapacidade. Nestes papéis, desempenham uma função natural e saudável que não é necessariamente regressiva. Dois conceitos são ainda importantes para entender a perspectiva de Bowlby. São eles o de ambiente de adaptabilidade evolutiva e o de proximidade. O conceito de ambiente de adaptabilidade evolucionista sugere que o comportamento de vinculação é um comportamento adaptativo necessário à sobrevivência, inscrito biologicamente e resultado do processo evolutivo da espécie humana. Dado a vulnerabilidade, inacabamento ou aquilo que se costuma chamar imaturidade do bebé humano, os adultos que o rodeiam são fundamentais não só para o protegerem dos perigos do meio, numa
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perspectiva evolutiva, como também para garantirem o desenvolvimento das estruturas psíquicas necessárias ao processo de se tornar humano. O conceito de proximidade implica uma noção espacial relacionada com a dis‐ tância física necessária entre o bebé e a figura parental que permite, no comportamento de vinculação, responder às necessidades da criança, proporcionando‐lhe um sentimento de segurança.
Alguns estudos marcantes sobre a necessidade de vinculação Todos estamos de acordo que, durante o primeiro ano de vida, a criança des‐ envolve uma forte relação com a figura maternal. O interessante é perceber por que razão é que isto se passa assim. Inicialmente a criança era considerada como um ser que passava dum estado pu‐ ramente biológico ao estado de ser social por aprendizagem. Segundo alguns investigadores, os bebés só encontrariam prazer na companhia do adulto em virtude de associarem o adulto à satisfação de necessidades fisiológicas. A criança teria necessidades fisiológicas que deveriam ser satisfeitas como, por exemplo, a fome, a sede, o alívio da dor e o calor, mas não eram referidas necessidades sociais. A criança, ao longo do tempo, aprenderia que a mãe é fonte de gratificação, e esta serviria de reforço à manutenção da relação. As necessidades fisiológicas seriam primárias. O afecto seria secundário. Nesta perspectiva, a dependência social derivaria da dependência física e seriam as necessidades fisiológicas que produziriam a necessidade emocional do outro. Também os teóricos da psicanálise eram unânimes em reconhecer as primeiras relações objectais da criança como pedra fundamental do seu desenvolvimento. No entanto, não há concordância quanto à natureza e dinâmica destas relações. Uma das ideias mais generalizadas era a de que os bebés têm necessidades inatas de se relacionarem com o seio humano, de o chupar e de o possuir oralmente. A seu tempo, o bebé aprenderia que ligada ao peito há uma mãe, e desta forma relacionar‐se‐ia também com ela. Da mesma forma que para os autores anteriores, os autores desta perspectiva olham para a relação com a mãe como um benefício secundário da satisfação das necessidades de alimento. Investigações realizadas na área da Etologia vêm contrariar esta ideia. Estes estudos partiram da hipótese de que nas espécies não‐humanas há muitas respostas inatas que são independentes de necessidades fisiológicas e cuja função é promover a interacção social entre os membros dessa espécie. Esta interacção social tem por função assegurar a cooperação entre os congéneres. Por exemplo, algumas aves, como os patos, os perus e os gansos, cujas ninhadas não são alimentadas pelos pais, começam a debicar um dia depois de nascerem. E curio‐
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samente seguem qualquer coisa que se mova no seu ambiente. É conhecida a imagem de Lorenz, Lorenz, etólogo austríaco que foi prémio Nobel, com uma ninhada de patinhos atrás. Este comportamento a que Lorenz chamou imprinting [impregnação ou cunhagem], não deri‐ va da satisfação das necessidades fisiológicas mas da necessidade inata de um vínculo social. Lorenz criou alguns ovos de ganso numa incubadora deixando outros ao cuidado da mãe. Os gansos, cujos ovos tinham sido incubados artificialmente, não demonstravam qualquer medo de serem pegados e seguiam qualquer pessoa que passasse por eles, pian‐ do dolorosamente quando eram deixados para trás. Quando, posteriormente, colocou es‐ ses gansos junto gansos junto da ninhada criada com a mãe natural, verificou que esta os incluía, sem qualquer problema, na prole, defendendo‐os logo que via a mão do homem aproximar‐se. Pelo contrário, os gansos bebés do primeiro grupo, não apresentavam predisposição para seguir os adultos da sua espécie, piavam, fugiam e seguiam o primeiro ser humano que por acaso passasse. Os filhotes criados na incubadora por Lorenz iam atrás de dele, procu‐ rando‐o quando assustados. Os outros filhotes seguiam a mãe e formavam um vínculo com ela.
1. As investigações de Harlow Nos finais da década de 50, Harry Harlow desenvolveu um conjunto de estudos com macacos Rhesus que mostraram os efeitos da ausência da mãe junto mãe junto das jovens das jovens crias desenvolveu com a sua equipa várias experiências que passamos a descrever. Construiu duas mães artificiais substitutas, ambas de forma cilíndrica: uma de arame soldado, a outra de arame revestido de tecido felpudo. As duas mães artificiais forneciam alimento através de um biberão situado no «peito» das duas mães. Os oito macaquinhos recém‐nascidos, separados das suas mães, acediam a qualquer uma das mães artificiais. Do ponto de vista estritamente fisiológico, as duas mães cumpriam o seu papel de alimentadoras: os macacos bebés, alimentados por uma ou por outra, desenvolveram‐se fisicamente ao mesmo ritmo. Contudo, Harlow constatou que as crias passavam a maior parte do tempo agarradas à mãe de peluche. Era junto dela que procuravam abrigo face a uma situação de perigo. Mesmo quando só estava presente a mãe de arame, os macaquinhos não procuravam a sua protecção numa situação ameaçadora. Numa outra variante, em que só a mãe de arame fornecia alimento, as crias mantinham-se agarradas à mãe de peluche recorrendo à de arame só para se alimentar.
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Em estudos posteriores, Harlow procurou avaliar o efeito dos bebés macacos criados sem qualquer contacto. Isolou‐os em jaulas em jaulas de ferro vazias sem verem outro ser vivo durante três meses a um ano. quando os períodos eram longos, os animais encostavam‐se ao fundo do compartimento, balançavam para a frente e para trás e abraçavam ‐se a si próprios e mordiam‐se. Quando juntos a outros macacos criados com as suas mães, não participavam nas brincadeiras fugindo de qualquer contacto. Quando adultos, o seu comportamento sexual estava bastante afectado bem como a sua capacidade para tratar das cias. As mães não manifestavam qualquer interesse ou capacidade para tratar dos seus filhos, chegando a provocar‐lhes maus tratos. Com estas experiências, Harlow concluiu que o vínculo entre a cria e a mãe estaria mais relacionado com o contacto corporal e o conforto daí decorrente daí decorrente do que com a alimentação. Esta necessidade básica de contacto/conforto é também reconhecida elo investigador nos bebés humanos, que manifestam a necessidade de estar junto estar junto da mãe, ou de outro cuidador, em contacto físico. A origem da vinculação encontrar‐se‐ia nesta necessidade e não na alimentação. Concluiu ainda que são devastadores os efeitos da ausência da mãe ou dos agentes maternantes: a privação desse contacto humano traduzir‐se‐ia em perturbações físicas e psicológicas profundas. 2. As investigações de Spitz René Spitz, psiquiatra infantil de origem austríaca, com formação psicanalítica, desenvolveu um conjunto de estudos em crianças que, durante os 12 primeiros anos de vida, permaneceram durante um período prolongado numa instituição hospitalar ou num orfanato, privadas da presença da mãe. Estudou as consequências e concluiu que os bebés apresentavam perturbações somáticas e psíquicas como resultado da ausência completa da mãe numa instiuição em que os cuidados são administrados de forma anónima, sem que se estabeleçam laços afectivos. Do ponto de vista do cuidado físico, estavam asseguradas as condições fundamentais de higiene e de alimentação; do ponto de vista afectivo, constatou uma carência afectiva total, porque cada adulto tinha à sua guarda várias crianças.
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Spitz designou por hospitalismo o conjunto de perturbações ividas por crianças insitucionalizadas e privadas de cuidados maternos: atraso no desenvolvimento corporal, dificulades nas competências manuais e na adaptação ao meio ambiente, atraso na linguagem. Constatou, ainda, uma menor resistência às doenças e que, nos casos mais graves, pode ocorrer apatia. Os efeitos do hospitalismo são duradouros e, muitas vezes, irreversíveis. Com as suas investigações, Spitz confirmou a necessidade de laços e de contactos afectivos entre o bebé e o adulto, especialmente entre a mãe e o filho. A sua ausência pode conduzir a perturbações emocionais, comportamentais e desenvolvimentais graves. Recentemente, as suas conclusões foram confirmadas por estudos desenvolvidos nas crianças encontradas em orfanatos, sobrelotados, em 1989 na Roménia. A ausência de uma relação privilegiada com a mãe ou com um agente maternante (um adulto que a substitua), tem como consequência a recusa em se alimentar, a perturbação do sono, a manifestação de comportamentos ansiosos. O sentimento de abandono e a ausência de uma figura securizante compromete o equilíbrio das crianças. Estas conclusões levaram a Organização Mundial de Saúde, em 1950, a incluir nas suas orientações um documento, Cuidados maternos e saúde mental , on de afirma: «(…) fica claramente demonstrado que os cuidados maternos no decurso da primeira infância desempenham um papel essencial no desenvolvimento harmonioso da saúde mental».
3. As investigações de Ainsworth Mary Ainsworth, psicóloga canadiana que trabalhou com Bowlby e que desenvolveu uma teoria da vinculação estudando no Uganda o efeito da separação em 28 bebés, durante três anos. Apresenta então o que considera serem as etapas do processo de vinculação: a um primeiro estádio de orientação, segue‐se um estádio de focalização que conduz, cerca dos 7/8 meses, à vinculação propriamente dita. Se a relação com os pais gera segurança, na medida em que o bebé está certo que a relação se mentém para além da separação, a criança sente‐se mais livre para decsobrir o mundo e para estabelecer outras relações. Mary Ainsworth descreve o funcionamento desta base de segurança dada pelos pais a partir das experiências que desenvolveu. Ao voltar aos EUA, aprofundou a sua investigação recorredo a um procedimento experimental que ficou conhecido como Situação Estranha . Em síntese, a investigadora regista o efeito da separação e do reencontro dos bebés entre os 12 e os 24 meses com a sua mãe: •
a criança está com a mãe numa sala;
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•
uma pessoa estranha entra e junta‐se a eles;
•
a mãe abandona a ala deixando a criança com a pessoa estranha;
•
a pessoa estranha abandona a sala deixando a criança sozinha;
•
a pessoa estranha egressa para junto para junto da criança;
•
a mãe regressa para junto para junto da criança.
Na perspectiva de Ainsworth, a forma como o bebé reagia, quer à ausência da mãe, quer ao seu regresso, reflectiria o seu equilíbrio emocional, que relacionava com os cuidados que recebera. A partir das suas observações, distingue três categorias de vinculação: a vinculação segura, segura, a vinculação evitante e a vinculação ambvalente/resistente . No primeiro tipo, as crianças choram e protestam com a ausência da mãe, mas procuram o contacto físico logo que ela entra na sala, ficando camas. As crianças com uma vinculação evitante parecem indiferentes à separação da mãe e ao seu regresso. Os bebés com uma vinculação ambivalente/resistente manifestam ansiedade mesmo antes da mãe sair e perturbação quando abandona a sala, hesitando entre a aproximação e o afastamento dela quando esta regressa. A vinculação segura seria o tipo de vinculação com o carácter mais adaptativo. Estes estudos mostraram a importância das primeiras vinculações e que a sua qualidade influencia as relações que a criança vai estabelecer no futuro, designadamente com colegas e professores. Seria como que um modelo do que se pode esperar dos outros. Ainsworth estudou também a relação que a criança estabelece com o pai, utilizando a experiência da Situação Estranha com o progenitor masculino. Concluiu que a criança manifestava igualmente sinais de angústia quando ele abandonava a sala, assim como a procura do contacto quando voltava.
Depois destes estudos, a ligação da criança à mãe foi vista noutra perspectiva. Os bebés têm uma necessidade inata de estar em contacto e de se agarrar a um ser humano. Neste sentido há a necessidade de um objecto independente do alimento. Esta necessi‐ dade social é tão necessária como a necessidade de alimento e de calor. Trata‐se de uma necessidade inata e não aprendida. Esta constatação veio sublinhar a natureza primária do amor, a força irreprimível da necessidade de vinculação, sendo a vinculação condição primeira do que será mais tarde o equilíbrio e a adaptação social. Bowlby considera o caregiving (tradução literal «dar cuidados») como o conjunto dos comportamentos parentais que implicam os cuidados físicos e psíquicos/afectivos
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dados à criança. Estes comportamentos, solicitados pela criança e prestados pelos pais, ou seus substitutos, são sustentados por mecanismos evolutivos e biológicos. Podemos então dizer, como Wallon, um teórico francês importante da psicologia do desenvolvimento que o social é biológico. biológico. Ou seja, e de um modo simplista, o amor pode ser considerado um mecanismo de sobrevivência da espécie. Ainda antes do nascimento, mãe e bebé iniciam uma relação. O que a mãe pensa é como que o início do pensamento do bebé. Todas as mães, durante a gravidez «pensam» o seu bebé. Ele tem que ser adivinhado, sonhado, pensado, pela mãe. Este «trabalho», que é feito durante o período de gestação, tem uma função de ajustamento e é fundamental para o posterior desenvolvimento da relação. A mãe, ao transformar emoções em pensamentos, é uma espécie de «continente» que oferece um espaço psicológico ao seu bebé, uma vez que o representa. O primeiro pensamento do bebé é a constatação de uma ausência. A ausência da mãe. É também por estas razões que os serviços de adopção, mesmo havendo crianças em condições de serem imediatamente colocadas na família que a vai adoptar, dão aos pais, um período de «gestação» do futuro filho que é mais ou menos de 6 meses. Este período serve para preparar a vinda da criança, imaginando‐a e representando‐a, quer dizer, ajustando‐se a ela.
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Texto 4 : A Construção da Identidade A identidade pessoal, que pode parecer uma noção simples e evidente, revela ‐se um fenómeno um fenómeno complexo e multidimensional. Tem, antes de mais, uma significação objectiva: o facto de cada indivíduo ser único, ser único, diferente de todos os outros pelo outros pelo seu património seu património genéti ‐ co. Contudo, tem sobretudo um sentido subjectivo: remete para o sentimento da sua indivi ‐ dualidade («eu sou eu»), da sua singularidade («eu sou diferente dos outros e tenho estas e aquelas características») e de uma continuidade no espaço e no tempo («eu sou sempre a mesma pessoa») mesma pessoa») Este sentimento é o do sujeito, mas também o dos outros, do seu meio: nós espe‐ ramos de cada um que ele manifeste uma certa coerência e uma certa constância no seu ser, nas suas atitudes e nos seus comportamentos («eu conheço‐te bem…»). Uma grande variabi ‐ lidade a esse nível é sentida como patológica (inconsistência, fragilidade (inconsistência, fragilidade identitária ou per ‐ sonalidades múltiplas). Fenómeno complexo, a identidade é igualmente paradoxal. Com efeito, na sua própria significação, ela designa o que é único: distingue‐se e diferencia‐se irredutivelmente dos outros. Mas qualifica igualmente o que é idêntico, isto é, o que é perfeitamente seme‐ lhante, mantendo‐se distinto. Esta ambiguidade semântica tem um sentido profundo. sentido profundo. Sugere que a identidade oscila entre a semelhança e a diferença, entre o que faz que faz de nós uma indivi ‐ dualidade singular e o que, ao mesmo tempo, nos torna semelhantes aos outros. A psicolo‐ gia mostra bem que a identidade se constrói num constrói num duplo movimento de assimilação e de dife‐ renciação, de identificação com os outros e de distinção relativamente a eles. Lipiansky, E. L’Identité Personelle, 1997
«Quem sou eu?» é uma pergunta que acompanha o Homem ao longo da sua existência. Todos nós procuramos responder a essa questão. Parece que toda a nossa vida é uma procura incessante no sentido de tentarmos perceber quem é que somos. Somos boas ou más pessoas? Somos capazes ou somos uns incapazes da pior espécie? Conforme nos vamos desenvolvendo, vamo‐nos modelando aos olhares que espelham a nossa imagem, oferecida pelos outros e, ao mesmo tempo, vamos lidando com o que temos, com aquilo que já que já faz parte de nós. A construção da identidade é um processo que decorre ao longo da vida inteira, numa permanente relação dinâmica entre o que temos e o que nos é devolvido pelos outros. À medida que vamos crescendo, e para isso os outros desempenham um papel primordial, vai‐se tornando possível responder de uma forma mais completa à pergunta «quem sou eu». Como podemos verificar pelas palavras de Lipiansky, acima expressas, o termo identidade parece contraditório. A palavra identidade reúne a noção de semelhança e, ao mesmo tempo, de diferença. Cada um de nós define‐se por características comuns a todos os outros e por características que nos distinguem de todos os outros. Neste sentido, podemos afirmar que a identidade engloba quer a ideia de um «eu próprio» quer o contexto social e cultural onde nascemos e vivemos.
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Uma das particularidades da dinâmica identitária é que ela resulta do confronto de tendências contraditórias. Procuramos ser, ao mesmo tempo, plurais e singulares, con‐ formamo‐nos, mas afirmamos a nossa individualidade, fazemos prova de uma certa continuidade, naquilo que somos e na forma como nos comportamos e, ao mesmo tempo, tendemos a mudar. Estas contradições resultam também da coexistência, e às vezes do confronto, de diferentes papéis sociais. Podemos ser, ao mesmo tempo, pai de família, apreciador de boa comida, inspector de impostos, adepto de uma equipa de futebol, membro de uma associação artística. A cada um destes papéis corresponde uma identidade e comportamentos específicos. Temos de gerir esta diversidade, mantendo a coerência. Podemos então definir a identidade como o conjunto de características que uma pessoa considera suas e às quais dá valor para se afirmar, reconhecer e ser reconhecido socialmente. A identidade é produto da interacção do particular com o social. O conceito de identidade inclui um outro aspecto, o autoconceito. O autoconceito é a forma como nos percebemos a nós próprios e inclui a auto‐imagem e a auto‐estima. A auto‐imagem é a forma como nos vemos fisicamente, corresponde à imagem corporal e é, provavelmente, a primeira parte do autoconceito que se forma. A auto‐imagem é mediada por valores culturais que influenciam o grau de satisfação que sentimos com o nosso corpo. A auto‐estima é o valor que sentimos ter, o quanto gostamos de ser como somos. Todas estas percepções de nós próprios são construídas e reconstruídas, ao longo do processo de desenvolvimento, na relação com os outros. A partir do texto que se segue, analisemos agora o modo como, na adolescência, se organiza a identidade.
Apresentação A mais importante consequência psicossocial da puberdade, no quadro da teoria psicanalítica, é a desvinculação e a separação das pessoas mais significativas, dos pais e da família. Mesmo os autores que sublinham o processo de redefinição da relação com os pais, mais do que a separação, acentuam a aquisição da autonomia como tarefa primor ‐ dial do adolescente. Paralelamente, ocorrem mudanças no funcionamento cognitivo com a emergên‐ cia do raciocínio formal, o que inclui a capacidade de pensar hipoteticamente, de imaginar uma série de possibilidades em relação a si próprio e ao futuro. Estas competências per‐ mitem ao adolescente repensar criticamente os seus valores, crenças e imagens do mun‐ do anteriormente definidos pelas pessoas a quem estava afectivamente ligada.
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Estas mudanças encorajam o adolescente a procurar um sentido de autonomia e preparam‐no para uma melhor compreensão de si próprio e dos outros, o que constitui alicerces para a construção da sua identidade. Há quem considere que o principal desafio com que se confrontam os adolescentes reside na tarefa de desenvolvimento da identidade do EU. Têm sido identificados dois aspectos do Eu intimamente ligados: o Eu como sujeito e o Eu como objecto. O Eu como sujeito, autor e actor, timoneiro, o conhecedor e avaliador e o Eu
como objecto do seu próprio conhecimento e avaliação; o sujeito que tem de se constituir como existente, separado dos outros e o objecto constituído pelas categorias ou teorias pessoais a construir para se definir a si próprio. Desde já se assinale que uma tónica comum a todas as perspectivas é a da importância da interacção social e do conhecimento dos outros para a construção do Eu, como sujeito e como objecto e, portanto, da identidade.
Desenvolvimento do Eu O Eu seria o integrador das diferentes ideias e experiências pessoais bem como das expectativas sociais e o organizador da acção humana. Loevinger (1970, 1983) apresentou um modelo de desenvolvimento das estruturas do Eu, desde a mais simples à mais complexa. Este modelo faz referência a dez estádios do desenvolvimento.
1.
Pré‐social. social. Caracteriza o indivíduo numa fase autista, cuja primeira tarefa é a sua diferenciação dos outros e do que o rodeia, e tem o seu início com a construção da realidade, permanência e conservação dos objectos.
2.
Simbiótico. Simbiótico. Apesar da sua diferenciação, o indivíduo permanece numa relação simbiótica com o meio. A aprendizagem da linguagem torna‐o capaz de se ver como uma pessoa separada.
3.
Impulsivo. Impulsivo. Os impulsos do indivíduo ajudam‐no a afirmar‐se como uma entidade separada, embora a necessidade dos outros permaneça muito forte, o que se manifesta por comportamentos de dependência. Os outros são vistos como fonte de recompensa e punição. A orientação é quase exclusivamente virada para o presente e não para o passado e futuro.
4.
Auto‐protecção. protecção. Verifica‐se o primeiro passo para o auto‐controlo dos impulsos, o indivíduo é capaz de antecipar punições e recompensas a curto prazo. Compreende que há regras, contudo a regra mais importante é «não te deixes apanhar» e não é capaz de ser responsável pelas suas acções. Este estádio caracteriza‐se, assim, por um hedonismo oportunista.
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5.
Conformismo. Conformismo. O indivíduo identifica o seu bem‐estar com o do grupo, mas para que isto aconteça é necessário que tenha atingido um nível de confiança básico suficiente. Tem medo da desaprovação dos outros, percebe as normas e obedece‐lhes porque são aceites pelo grupo. É capaz de observar diferenças de grupo, no entanto, é insensível às diferenças individuais. os seus comportamentos e valores existem em unção de influências externas e portanto de aceitação social.
6.
Auto‐consciência. consciência. Período de transição do conformismo à tomada de consciência. Caracteriza‐se fundamentalmente por um aumento desta assim como pel capacidade em perceber múltiplas perspectivas e alternativas, o que permite ao indivíduo sair do controlo exclusivamente externo, assim com reconhecer diferenças individuais e múltiplas formas de pensar, sentir e agir.
7.
Tomada de consciência. consciência. O indivíduo tem regras e valores interiorizados, é capaz de se ver como aquele que toma decisões, que age e tem relações empáticas e de mutualidade, sendo capaz de apreciar nos outros diferentes emoções e perspectivas. Neste estádio, os elementos básicos da consciencialização dos adultos estão presentes: auto‐avaliação de objectivos e ideais, autocrítica, sentido de responsabilidade.
8. Individuação. Individuação. Período de transição para o estádio da autonomia. Caracteriza‐se essencialmente por um aumento do sentido da individualidade, consciência de conflitos emocionais envolvidos nas relações dependência/independência. O indivíduo é mais tolerante, consigo e com os outros, reconhecendo‐os na sua complexidade. Está consciente das diferenças entre processo e resposta, das discrepâncias entre a realidade interna e aparência externa e entre respostas de ordem psicológica e fisiológica. 9.
Autonomia o que distingue este estádio é a capacidade de conhecer e lidar com conflitos internos. A complexidade conceptual é a característica mais saliente: o indivíduo vê a realidade como complexa e multifacetada e é capaz de integrar duas ideias aparentemente contraditórias e ambíguas. Tem consciência clara dos seus papéis e está interessado no seu desenvolvimento e progresso. Reconhece a autonomia aos outros e a sua interdependência.
10. Integridade. Integridade. Neste estádio, o indivíduo transcende os conflitos do autónomo, adquirindo um sentido integrado da sua identidade. É de salientar que é pouco frequente encontrarmos indivíduos neste estádio.
Num estudo realizado junto de 250 estudantes universitários do Porto, a fre‐ quentarem o segundo ano, verificou‐se que trinta por cento se encontravam no estádio
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do conformismo ou próximo e cerca de sessenta por cento estavam a transitar para o da tomada de consciência ou já ou já aí se aí se encontravam. Resultados idênticos têm sido encontra‐ dos em estudos realizados noutros países.
A identidade segundo Erikson Erik Erikson foi um dos primeiros autores a debruçar‐se seriamente sobre o fenómeno da construção da identidade. O seu trabalho baseou‐se, embora divergindo em pontos importantes, na perspectiva freudiana do desenvolvimento. Erikson conceptualiza e define a identidade de uma forma interdisciplinar em que a construção biológica, a organização pessoal da experiência e o meio cultural dão significado, forma e continuidade à existência do indivíduo. Situa o desenvolvimento do indivíduo num contexto social dando ênfase ao facto de ocorrer na interacção com os pais, a família, as instituições sociais e uma cultura num momento histórico particular. O autor apresenta um esquema do desenvolvimento numa sequência fixa de oito estádios, cada um correspondendo a um período cronológico específico e envolvendo a aquisição de um estilo consistente de organização da experiência, de reestruturação da identidade desde a infância e de incorporação de novos papéis oferecidos pela sociedade. Cada um destes estádios é caracterizado por um dilema ou crise particular em que o indivíduo desenvolve atitudes básicas que contribuem para o seu desenvolvimento psicossocial. Estas atitudes básicas surgem em cada estádio como orientações polares, isto é, o indivíduo pode emergir em cada um deles com um sentido de si próprio reforçado ou debilitado. Estas orientações polares são conflitos nucleares ou seja, momentos de crise e de síntese activa do Eu, nos quais está perante soluções contraditórias que implicam decisões cuja natureza depende do balanço de vários factores de desenvolvimento (maturidade cognitiva, crescimento físico…). Estas orientações polares não significam que uma exclui a outra, mas que em cada estádio se verifica uma dialéctica entre ambas. Quer dizer, o resultado será a síntese dos pólos negativo e positivo de cada estádio. A teoria de Erikson embora organizada em estádios não é uma teoria estrutural. Isto significa que a emergência de um estádio é independente da resolução com sucesso do estádio anterior. Contudo, a qualidade da resolução está dependente da resolução de estádios precedentes. A tarefa por excelência do adolescente é a construção da sua identidade. O ado‐ lescente preocupa‐se com a definição de si próprio, quem é, o que quer ser e fazer, qual seu papel e função no mundo, quais os seus projectos para o futuro. Tenta dar um signifi‐ cado coerente à sua vida, integrando as experiências passadas e presentes e procurando um sentido para o futuro.
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A formação da identidade tem uma função dupla: psicológica e social. Por um lado, a construção da identidade surge da necessidade do indivíduo organizar e compreender a sua individualidade de uma forma consistente e sem contradições. Por outro, é um processo social que surge de pressões externas para que o indivíduo escolha e invista em papéis familiares, profissionais e sociais o que lhe dará um estatuto e posição na sociedade. Porque a identidade psicossocial serve estas duas funções, a tarefa do adolescente é duplamente complexa. Por um lado tem de possuir um desenvolvimento psicológico adequando à realização desta tarefa e, por outro, a construção da sua identidade tem de ser realista e adaptada à sociedade onde está inserido, em constante mudança. Se é verdade que a construção da identidade ocorre essencialmente no período da adolescência, não se inicia e termina aí. É um processo contínuo ao longo do ciclo de vida. vida. O processo de desenvolvimento da identidade depende e inicia‐se no primeiro encontro com a mãe, em que o sentido do Eu emerge de um jogo um jogo de confiança durante a infância. É da experiência de uma relação segura que a criança se reconhece como distinta dos outros. A interiorização e a identificação às figuras mais significativas são as primeiras formas de estruturação do Eu. Só quando o adolescente se torna capaz de as seleccionar, sintetizar e organizar é que a formação da identidade ocorre. São a integração e organização de aspectos do Eu num conjunto coerente e distinto que vão definir a identidade. •
Assim, o primeiro estádio tem como requisito a aquisição de um sentimento de confiança básica em oposição à desconfiança. Ao longo do primeiro ano de vida, a relação da criança com o adulto facilita ou dificulta o desenvolvimento de uma segurança íntima em relação a si próprio e ao mundo. É através da relação entre a mãe e a criança que se desenvolve um sentido rudimentar do Eu. É também através desta relação que a criança tem o seu primeiro encontro com a cultura, ou seja, com as regras educacionais dessa cultura, presentes no comportamento da mãe. O sentimento de confiança em si e nos outros e a capacidade de ser idêntico e distinto são os resultados esperados desta crise.
•
A criança começa progressivamente a explorar o mundo, aprende que pode dominar o seu corpo e explorá‐lo sem medo. Se o controlo externo é demasiado rígido e precoce não facilitará um sentimento de auto‐domínio, o que poderá resultar numa propensão para a dúvida e a vergonha. Este segundo estádio, autonomia/vergonha dúvida depende necessariamente da confiança básica fir‐
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memente desenvolvida e do estímulo que o meio dá à criança para realizar coisas sozinha. •
Consciente da sua independência, tenta imitar os adultos, a sua curiosidade aumenta, uma variedade de preocupações e interesses por questões da sexualidade surgem. O sucesso neste terceiro estádio, iniciativa/culpa parece ser fulcral para o desenvolvimento da identidade a medida em que o indivíduo sente sem culpabilidade que pode ser o que imagina ser. O balanço adequado entre os sentimentos de iniciativa e de culpabilidade é temperado pela consciência dos limites impostos pelas convenções culturais apreendidas no meio social em que vive.
•
No quarto estádio, indústria/inferioridade, indústria/inferioridade, a criança sente que é competente, que é capaz de fazer e fazer bem. Sem iniciativa, autonomia e confiança no meio não é capaz de produzir coisas com perseverança, de auto‐reconhecer as suas capacidades e de se fazer reconhecer pelos outros. Neste estádio, a dificuldade pode estar relacionada com o insucesso de tarefas anteriores. O pânico de perder a mãe, o medo de crescer porque isso implica sair de casa são comuns em crianças cujas famílias não as preparam para o mundo exterior. Os professores e os pais têm de ser sentidos como alvos de confiança de forma a permitir a sua identificação positiva a figuras que fazem e sabem coisas que ela ainda não sabe, e a não ter medo de crescer e de se confrontar com o mundo exterior porque tem a segurança de não estar só. O sentimento de incapacidade não permite criar objectivos de vida possíveis, mas o sentimento de que se pode fazer tudo, sem consciência das limitações, pode também levar à incapacidade de realização.
•
Neste processo de aquisição de competências, estas funcionam como peças que contribuem progressivamente para a aquisição da identidade. O adolescente precisa agora de uma moratória que lhe permita a integração dos elementos da identidade já identidade já adquiridos. É a recapitulação e redefinição desses elementos que caracteriza a crise da adolescência. adolescência. Se a procura de confiança em si e nos outros ainda for importante, o adolescente terá necessidade de procurar elementos que proporcionem essa confiança. Mas, se já se já tiver criada a necessidade de uma defi‐ nição de si pelo que pode ser e querer livremente, então procurará condições e oportunidades para tomar decisões que vão no sentido dessa definição. Por outro lado, os pais e professores pressionam o indivíduo para tomar decisões, particularmente no que respeita às áreas escolar e profissional. É a convergência de mudanças internas e de pedidos externos que define a tarefa psicossocial de aquisição da identidade. O adolescente adquire um sentido subjectivo de si,
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caracterizado pela unidade e continuidade que permite reconhecer‐se no pre‐ sente, no passado e no futuro. A identidade é também um fenómeno interpes‐ soal, na medida em que se baseia na forma como os outros percebem o indivíduo e o avaliam. Deste modo, a identidade envolve três características fundamentais: 1.
Um sentido de unidade entre diferentes concepções de si próprio nas diferentes situações, o que implica a integração de vários papéis.
2.
Um sentido de continuidade desta concepção ao longo do tempo. Quer dizer que apesar das mudanças em aspectos físicos, psicológicos e sociais, o indivíduo percebe que é o mesmo.
3.
Um sentido de mutualidade em relação aos outros, existindo uma interrelação entre a percepção de si próprio e a que os outros têm de si.
Quando não adquire uma identidade adequada, o adolescente permanece num estado de confusão de identidade, sem um sentido em relação ao passado e ao futuro, como um estranho no seu próprio corpo. •
É do desenvolvimento da identidade que emerge a competência do indivíduo para estabelecer relações de partilha e cooperação. O sexto estádio intimidade/isolamento é a tarefa psicossocial do jovem adulto. Para Erikson, a intimidade é muito mais do que a capacidade de realização sexual. No final da adolescência ou início da idade adulta, quando o jovem não é capaz de ter relações íntimas com outros, as suas relações tenderão a ser estereotipadas com um profundo sentimento de isolamento. As relações na adolescência têm apenas a função de auto‐definição e não de intimidade. Muitas relações e mesmo casamentos funcionam como pontes para a resolução da identidade, quer como forma de separação das figuras parentais, quer para resolver a sua identidade através do companheiro.
•
O adulto é caracterizado mais pela necessidade de dar e de ensinar. O sétimo estádio, generatividade/estagnação generatividade/estagnação,, é definido pela necessidade do indivíduo em orientar a geração seguinte, de investir na sociedade em que está inserido. A estagnação surgirá se o indivíduo se focalizar apenas em si próprio.
•
No último estádio, integridade/desespero , o indivíduo tem necessidade de interioridade, de integrar as imagens do passado através da aceitação do sentido vital, tornando‐se mais capaz de compreender os outros. Em muitas situações, a sociedade não facilita este processo e a confrontação com a diminuição de algumas capacidades pode levar o indivíduo não à integridade, mas ao desespero.
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Daqui resulta que enquanto a infância é o alicerce da construção da identidade, a idade adulta acrescenta componentes e o indivíduo define‐se, progressivamente, como sendo «aquele que ama, aquilo para que contribui e aquilo que viveu».
A adolescência é, de facto, o período por excelência desta crise determinada de múltiplas formas pelo que ocorreu antes e determinante em grande parte do que vai ocorrer posteriormente. Falamos em crise no sentido de um ponto decisivo no desenvolvimento e de um período de grande vulnerabilidade. É neste período que o indivíduo é confrontado com a maturação genital, a incerteza de papéis a assumir na entrada no mundo adulto, a preocupação mórbida com o que possa parecer aos olhos do outro e a busca e um novo sentido de unidade e de continuidade. Além disso, tem de enfrentar de nova as crises de anos anteriores, antes de encontrar a sua identidade. A sociedade facilita ao adolescente um período de moratória que lhe permite lidar com estes problemas. Mas é preciso referir que esta moratória psicossocial pode não ser o tempo que o indivíduo necessita para este trabalho de definição da sua identidade. Se a pressão social para fazer investimentos é necessária, quando demasiado forte pode obrigar o adolescente a optar precocemente ou a escolher o caminho da difusão da identidade. O período de moratória é governado por instituições e estruturas sociais que podem facilitar ou inibir a experimentação de papéis. Erikson chama a estas estruturas moratórias institucionalizadas que dão ao jovem modos de socialização para o ajudar a resolver a sua crise de identidade (rituais, aprendizagens escolares…) A crise de identidade decorre então neste período de moratória psicossocial e num contexto de moratória institucionalizada. Mas para que uma crise de identidade ocorra, são necessárias quatro condições: 1.
um certo nível de desenvolvimento intelectual;
2.
que a puberdade tenha ocorrido;
3.
um certo crescimento físico;
4.
pressões culturais que conduzam à reestruturação da identidade. As características da crise, ou seja, o seu aparecimento, duração e intensidade
variam com factores individuais, sociais, históricos e económicos. Nas sociedades ocidentais contemporâneas industrializadas, este período de moratória é cada vez mais longo, tornando o adolescente mais dependente durante um período de tempo mais alargado. Este prolongamento deve‐se, em parte, à necessidade de realizar uma aprendizagem mais especializada para a sobrevivência num mundo tecno‐ lógico e de retardar a entrada na vida profissional e no mundo dos adultos. Assim, a idade
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em que os adolescentes se tornam adultos e assumem papéis de adulto independente e autónomo á cada vez mais tardio. A confusão da identidade não sendo anormal por si só. Para Erikson, grande parte dos comportamentos característicos de uma confusão da identidade não são mais do que manifestações da incapacidade do indivíduo de mobilizar a energia interior e a sociedade para a construção da sua identidade. A confusão da identidade pode ser verificada na sobreposição de imagens de si próprio, de papéis e oportunidades contraditórias. Enquanto o processo de aquisição da identidade não está completo, a crise e a confusão permanecem.
Os estatutos da identidade do Eu Apoiado na perspectiva de Erikson, Marcia (1966, 1980, 1986) verificou a necessidade de trabalhar critérios psicossociais para determinar momentos ou modos de aquisição da identidade. Neste sentido, postulou a existência de quatro estatutos de identidade que representam estilos diferentes de lidar com esta tarefa psicossocial. Os quatro estatutos são definidos pela presença ou ausência de exploração e de investimento em áreas específicas: profissional, ideológica (religiosa e política) interpessoal/sexual (atitudes sobre os papéis sexuais e sobre as relações). A dimensão exploração refere‐se ao questionar activo para tomar decisões e atingir objectivos. Um indivíduo em exploração evidencia uma actividade dirigida ao recolher a informação necessária à tomada de decisão. •
Um indivíduo encontra‐se em exploração quando sente necessidade de trabalhar questões referentes à sua identidade com o objectivo de tomar decisões e se empenha na análise das várias alternativas. No início da exploração, a excitação, antecipação e curiosidade caracterizam o estado emocional da pessoa. Com o decorrer da crise vive uma sensação de desconforto pela indefinição dos seus objectivos e valores o que pode provocar sentimentos de frustração, intolerân‐ cia, ambiguidade e ansiedade. A intensidade destas emoções varia de indivíduo para indivíduo. Dado o desconforto há um desejo iminente de fazer escolhas. Continuar indefinidamente na ambiguidade faz crer que as alternativas não estão a ser consideradas num sentido real e activo. Contudo, a escolha nem sempre é viável, as respostas podem não ser encontradas e surgir a desistência.
•
Após a exploração o indivíduo passou por uma fase de valorização activa de vários elementos de identidade, mas já mas já a ultrapassou com sucesso se daí emergiu daí emergiu um firme sentido de direcção para o futuro, ou com insucesso, se a tarefa foi abandonada sem ter atingido uma conclusão significativa.
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•
A ausência de exploração significa que o indivíduo não sente necessidade de escolher objectivos, crenças, valores e alternativas, quer porque já estão definidos por outrem e foram incondicionalmente aceites, quer por falta de estímulos que permitam encontrar e ponderar outros. A dimensão investimento implica, por um lado, escolhas relativamente firmes e,
por outro, acções dirigidas para as implementar, tendo assim aspectos internos e externos. Para se dizer que há investimentos não basta a verbalização de ideias socialmente apropriadas: é preciso que haja uma influência directa na vida do indivíduo e uma preparação para papéis futuros consistentes com objectivos e valores anteriormente definidos. Esta dimensão não se refere apenas ao aqui e agora, mas fornece um mecanismo de integração do passado com o presente e do presente com o futuro. Isto não significa que os vários elementos da identidade continuem imutáveis, mas que existe um sentido de continuidade e projecção no futuro. Em função destas dimensões (exploração e investimento) Marcia define quatro modos de estar perante a tarefa da identidade: 1.
os indivíduos não apresentam qualquer investimento, nem passaram por qualquer período de exploração ou se alguma das questões foram levantadas, não foram capazes de as resolver e, por isso, abandonaram‐nas; nestes indivíduos encontram‐se diferentes padrões emocionais desde a passividade e apatia à agressividade não focalizada; normalmente respondem às pressões externas pelo caminho de menor resistência, com aceitação e rejeição das normas sociais convencionais sem apresentar formas alternativas; estão em difusão da identidade; identidade;
2.
os indivíduos que não passaram nem estão a passar um período de exploração, mas que, no entanto, fazem investimentos que normalmente são o reflexo de escolhas e projectos de outras figuras significativas ou de autoridade; os indiví ‐ duos aceitam sem questionar o seu leque limitado de alternativas uma vez que procurar outras criaria uma situação de conflito com essas figuras de identifica‐ ção; a sua identidade é como outorgada pelas pessoas significativas; estes sujei‐ tos levantam barreiras à comunicação com o mundo exterior, escolhem, por defesa ou por impossibilidade, a segurança do não confronto com outras alterna‐ tivas e, normalmente são vistos como imperturbáveis, dogmáticos, autoritários e rígidos em relação às suas atitudes e intolerantes perante a posição dos outros;
3.
os indivíduo que estão a vivenciar um período de exploração de alternativas para tomar decisões; são sensíveis, ansiosos, flexíveis, vacilantes, emocionalmente instáveis, respondem alternadamente com optimismo e pessimismo, evidenciam
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frustração e incerteza e manifestam uma grande necessidade de ultrapassar esta situação de moratória; moratória; 4.
os indivíduos que passaram por um período de exploração e realizaram investimentos relativamente firmes, construindo a sua identidade pessoal; estes indivíduos reflectem sentimentos de confiança, estabilidade, optimismo em relação ao futuro e consciência das dificuldades de implementação dos elementos de identidade escolhidos. Esta
classificação
reflecte
formas
de
resolução
da
identidade
e,
simultaneamente, uma sequência de desenvolvimento. Poderíamos dizer que, num primeiro momento, todos os indivíduos passam por um período de difusão de identidade e todos tiveram, em determinado momento, investimentos que lhe foram outorgados numa ou outra área de vida. Os dois modos ou momentos ideais em termos de desenvolvimento são a exploração e a construção pessoal da identidade. No entanto, um indivíduo com uma identidade outorgada pode estar bem adaptado no contexto em que está inserido. Archer e Waterman afirmam que, embora por definição os indivíduos em difusão não mostrem investimentos e não estejam a trabalhar questões de identidade, se podem encontrar diferentes grupos se analisarmos as suas motivações e posições perante a tarefa da identidade. •
Um primeiro grupo de adolescentes em difusão manifesta certas semelhanças com os que se encontram em exploração; foge ou evita investimentos, insiste em não investir; provavelmente a motivação para este tipo de comportamento é o medo de que qualquer investimento mais permanente seja insatisfatório.
•
Um segundo grupo caracteriza os adolescentes que, embora conscientes da necessidade de trabalhar questões relacionadas com a identidade, não sente urgência em iniciar a tarefa; como se, na ausência de pressões externas, adias‐ sem em permanência a elaboração do projecto; o desenvolvimento psicossocial nos estádios anteriores foi bem sucedido, o que faz pensar que, mais cedo o mais tarde, esta situação será ultrapassada.
•
Um terceiro grupo exprime um desinteresse total em fazer investimentos, quer agora quer no futuro. Isto parece mascarar uma insegurança em relação à capacidade de realização bem sucedida desta tarefa. Embora possam existir problemas em estádios anteriores, parece haver uma relação especial com a falta de confiança em si e nos outros; a apatia é a única resposta possível para a manutenção da estima de si próprio.
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•
Adolescentes há que não estando interessados em definir objectivos, valores e crenças, quer agora quer no futuro, se distinguem do grupo anterior pela expressão intensa da agressividade em relação à tarefa da identidade. Esta agressividade é exteriorizada e dirigida contra os outros que possam pressionar a criação de investimentos. Estes indivíduos parecem ter tido dificuldades fundamentalmente no estádio da autonomia/vergonha, pois é neste estádio que o negativismo surge como resposta à autoridade parental.
•
Enquanto estes adolescentes expressam a sua difusão de identidade pela apatia ou agressividade, são no entanto capazes de encontrar um caminho, ainda que marginal, e não apresentam problemas evidentes. No entanto, outros há que apresentam desequilíbrios que não são apenas uma resposta às dificuldades experimentadas na tarefa de formação da identidade, mas o produto de inúmeras circunstâncias.
•
Um último grupo mantém certas semelhanças com a identidade outorgada e caracteriza‐se por uma ligação marginal a elementos de identidade. Fazem investimentos em diferentes domínios da identidade, mas falta‐lhe investimento suficiente nas escolhas. Podem possuir potencial para responder às expectativas do meio e, então, as suas ideias são suficientemente boas até qualquer coisa melhor surgir. Ou, se tiverem tido dificuldades no estádio da iniciativa/culpa, em vez de escolherem o caminho para a sua identidade, depositam nos outros o sentido da sua direcção. São extremamente influenciáveis e sem um verdadeiro significado da vida.
Factores de desenvolvimento da identidade Podemos definir
três
categorias gerais
de
possíveis influências no
desenvolvimento da identidade: individuais, individuais, interpessoais e sociais. sociais.
Individuais
A maturidade corporal precoce parece ter consequências na formação e uma identidade prematura na medida em que estes adolescentes têm uma aparência de mais velhos em relação aos seus companheiros. Mudanças de altura e de peso e o aparecimento de características sexuais secundárias têm implicações ao nível do auto‐ conceito, isto é, na forma como os adolescentes se vêem e na forma como sentem que os outros os vêem. As mudanças físicas podem afectar a auto‐estima o que será reforçado pela percepção dos outros como negativa.
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A adolescência é marcada pelo pensamento abstracto que permite considerar possibilidades que não estão imediatamente presentes bem como diferentes hipóteses de escolhas viáveis para atingir os objectivos. O que facilita aproximar o ideal do Eu do Eu real. O pensamento abstracto permite desenvolver e testar hipóteses, ponderar sobre o possível e o impossível criando o sentimento de ser mais criativo e ter mais controlo na sua vida. Permite, ainda, desenvolver estratégias para a resolução dos seus problemas. Isto envolve planificação, definição do problema, desenvolvimento de estratégias e capacidades de as implementar e, finalmente, tentar outras alternativas caso as escolhidas falhem. Esta capacidade dá ao adolescente a possibilidade de se assumir como aquele que controla a sua própria vida. Parece plausível prever uma relação directa entre a aquisição das operações formais e a construção da identidade. No entanto, enquanto alguns autores verificaram que os adolescentes não parecem usar o pensamento formal para resolver a sua identidade, outros constataram a existência de uma relação entre pensamento formal e identidade. Rowe e Marcia (1980) referem que as operações formais permitem mas não garantem níveis superiores de identidade.
Interpessoais
Ao longo do ciclo de vida, o indivíduo tem, sucessivamente, diferentes formas de compreender o mundo que resultam da sua interacção com o meio social e físico. É na confrontação progressiva com diferentes realidades sociais que o indivíduo tem necessidade de escolher novas formas de perspectivar o mundo e de interpretar novas experiências. Este conflito produzido na área interpessoal encoraja o indivíduo a tomar a perspectiva dos outros e, portanto, a alargar o seu leque de referências e pontos de vista. Contextos de interacção por excelência são a família e escola e, por isso, têm sido objecto de estudos que analisam a sua influência no desenvolvimento da identidade. O impacto da família no desenvolvimento parece estar relacionado com o tipo de interacção familiar encorajadora da compreensão dos pontos de vista dos outros. Os estudos realizados constatam que uma ligação emocional (atitudes de apoio, coesão e aceitação) e a individualidade (atitudes de desacordo) na interacção familiar estão rela‐ cionadas com o desenvolvimento da identidade. A ligação emocional, quando adequada, parece estar relacionada positivamente com o desenvolvimento da identidade enquanto que níveis elevados de aceitação e abertura parecem inibir a exploração. Os adolescentes que estão em níveis superiores de identidade percebem a interacção familiar como um envolvimento positivo moderado e activo em que os membros da família são livres de estar em desacordo. Assim, níveis moderados de conflito e aceitação parecem ser as con‐
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dições necessárias para que o adolescente possa explorar alternativas e desenvolver a capacidade de se colocar na perspectiva do outro. Por sua vez, os adolescentes em difusão de identidade parecem ter uma ligação emocional aos pais caracterizada pela insegurança e conflito, são menos independentes e sentem‐se rejeitados pelos pais que se mostram, inactivos, ausentes e pouco envolvidos emocional. Finalmente, os adolescentes com uma identidade outorgada pertencem a famílias cujos pais são muito possessivos, dominadores e desencorajadores da expressão afectiva. Estas famílias caracterizam‐se ainda por uma posição tradicionalista no que se refere aos papéis sexuais. Parece então que as experiências familiares têm um papel importante na formação da identidade. No entanto, não podemos interpretar estes resultados como uma relação de causa e efeito, mas como uma correlação. Ou seja, sabemos que um número importante de adolescentes com uma identidade outorgada pertencem a famílias autoritárias e tradicionais, mas não podemos dizer que estes aspectos da família são os causadores deste estilo de identidade. A escola não é apenas uma instituição social com funções gerais de socialização e de instrução, mas também como um meio de desenvolvimento do indivíduo. No período escolar há três variáveis importantes para o desenvolvimento da identidade: a confiança no apoio parental, o sentido de indústria e a auto‐reflexão sobre o seu futuro. •
A criança tem comportamentos de exploração se sente uma ligação forte e segura com os pais. Também o adolescente tem necessidade de sentir o apoio parental para experimentar autonomia e individuação. A sua segurança depende fortemente da convergência entre a família e o desconhecido (a escola) e da confluência e continuidade destes laços.
•
O sentido da indústria é desenvolvido pelo indivíduo no contexto escolar, o que requer uma avaliação de si como pessoa trabalhadora. Competência e mestria são garantes da estima de si próprio ao longo do ciclo vital e a escola apela espe‐ cialmente para estas características. Será difícil para um adolescente investir na área profissional se este sentido de competência não existe. A escola tem aqui uma função importante criando condições de exploração e acção e favorecendo feedback aos seus alunos.
•
A auto‐reflexão sobre o futuro não significa tomar decisões, mas a capacidade de falar sobre si próprio, de interpretar, de construir hipóteses de alternativas futu‐ ras. Aqui também a escola tem um papel importante favorecendo imagens de ida
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como homem e como mulher, facilitando possibilidades de analisar diferentes papéis no sentido de desenvolver uma perspectiva social. Neste período etário, a escola parece então ter uma função importante para o desenvolvimento da identidade. Muitos estudos sugerem que determinadas práticas edu‐ cativas são promotoras da construção da identidade. A formação escolar deve ser uma experiência com significado pessoal, o que envolve componentes afectivas e cognitivas. A escola deve criar condições para que a curiosidade não seja inibida, mas antes incentiva‐ da. Mas mais importante do que o encorajamento à exploração é a permissão desta. A outra dimensão do processo de desenvolvimento da identidade é o investimento, o que envolve riscos. O adolescente precisa de sentir apoio que lhe dê a segurança de que um fracasso pode ser ultrapassado. O desenvolvimento da identidade passa por um período de exploração antes do investimento. A dependência do professor e do livro não favorece o desenvolvimento da autonomia, emocional e instrumental do estudante e, consequentemente, um sentido de competência, auto‐estima e identidade. A independência emocional é facilitada pelas oportunidades de confronto de trabalho e de saber com outros adultos que não são os seus próprios pais. Estas oportuni‐ dades devem ser oferecidas num contexto relacional de respeito mútuo o que permite desenvolver um sentido de interdependência e reciprocidade. Pelo contrário, quando os currículos são rígidos, quando a aprendizagem requer apenas a memorização da informa‐ ção e quando o sucesso depende do conformismo com o sistema, a independência emo‐ cional dificilmente acontece. Por sua vez, a independência instrumental é conseguida através do sucesso do indivíduo na realização de uma variedade de tarefas e problemas, pela aquisição da mobi‐ lidade suficiente para procurar e usar diferentes fontes. A valorização da mera «aprendi‐ zagem» da informação não dá oportunidade de experimentação de diferentes realidades. Quando o produto é o mais valorizado, a competição entre alunos torna‐se fre‐ quente e as relações interpessoais são afectadas. Pelo contrário, quando a cooperação é estimulada, então a diversidade de competências, de perspectivas e de informações, variáveis importantes para o desenvolvimento da identidade, facilitam o desenvolvimento de competências de comunicação, de perspectiva social, de cooperação, de partilha de objectivos e, finalmente, de um sentido de competência e auto‐estima. Em resumo, podemos dizer que o sentido de competência, autonomia e identi‐ dade se desenvolve:
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•
Ao nível curricular, se a experiência responsabilizada e as tarefas significativas são valorizadas e as possibilidades de áreas de estudo e as fontes de informação são múltiplas.
•
Ao nível das práticas pedagógicas, se não são centradas no professor, se os con‐ teúdos desenvolvem diferentes valores, crenças e ideologias e se as turmas fun‐ cionam como grupos de discussão, entre alunos e entre alunos e professores, em que as discussões de experiências pessoais, sentimentos e comportamentos têm um espaço de análise.
•
Ao nível da avaliação, se a pressão para a aquisição de conhecimentos académi‐ cos é adequada, a realização bem sucedida de tarefas específicas é recompensa‐ da e o feedback for constante e descritivo.
Sociais
As normas sociais podem facilitar ou não a crise de identidade. Parece evidente que quanto mais institucionalizada for a moratória no sentido da preparação instrumental para papéis adultos, maior facilidade haverá na resolução da crise. No entanto, se esta for demasiado simplificada a personalidade adulta poderá vir a reter características da infân‐ cia. Neste caso, as crises psicossociais posteriores serão mais problemáticas. Pelo contrá‐ rio, um contexto social não estruturado pode levar a uma crise de identidade mais agra‐ vada. A hierarquia social, social, por sua vez, está inerente à possibilidade ou não de experi‐ mentação de papéis que actualizem as potencialidades de um indivíduo, o que, como já foi referido, é um factor importante para o desenvolvimento a identidade, assim como a valorização de determinadas características e a desvalorização de outras que interferem na imagem que o indivíduo tem de si em comparação com os outros (raça, género, reli‐ gião, classe social). Finalmente a importância para a formação da identidade de variáveis relaciona‐ das com um determinado momento histórico (guerra, recessão económica, epidemia) parecem evidentes. Não é possível separar o desenvolvimento pessoal da transformação comunitária, assim como não poderíamos separar a crise de identidade individual do desenvolvimento histórico porque ambos se definem mutuamente e estão relacionados entre si. Adaptado de Costa, M. E., «Desenvolvimento da Identidade». In Paiva‐ Paiva‐Campos, B., Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Jovens de Jovens, 1990
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