Tantra o culto da feminilidade André van Lysebeth Introducão y
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André van Lysebeth é um conceituado professor de yoga da Bélgica. (pág.11) Um fiel do amor da Idade Média escreveu sobre a etimologia da palavra amor: a= sem; mors=morte. (pág.11)
Da Índia à Europa y
Percorrendo a região dravidiana, ao sul de Madrasta, até a ponta extrema da Índia, fiquei surpreendido ao ver até que ponto os nâgakhâls, caduceus dravidianos esculpidos em pedra e colocados sob grandes árvores, são cópias precisas do caduceu mediterrâneo. Nessa semelhança eu via mais do que uma coincidência. Decerto, a serpente sempre fascinou o homem por seu poder mortal e sua vida misteriosa. Imagem arquetípica e símbolo fálico, principalmente quando ereto, o réptil participa da imagética de muitos povos: lembremos da Bíblia e da tentação da serpente! Mas o que espanta, tanto no nâgakhâl quanto no caduceu, é que mostram duas serpentes entrelaçadas e, principalmente, em pé sobre a cauda, coisa antinatural: uma serpente ereta mantém pelo menos um terço de seu corpo apoiado no chão, em espiral. Para contornar a dificuldade, o indiano as esculpe na pedra, enquanto no Mediterrâneo elas se enrolam numa vara de Hermes, deus estrangeiro na Grécia, que vinha da Trácia ou da Lídia. Os brâmanes nos dizem que as duas serpentes simbolizam canais de energia que percorrem a coluna vertebral, ainda que o nâgakhâl seja um símbolo sexual tântrico, como o linga: na Índia, todos sabem que são serpentes copulando, porque elas copulam enlaçadas e erquidas. Ora, a serpente é o réptil indiano por excelênciaq, é o mais comum e o mais temido, principalmente no cio: nem o macho nem a fêmea gostam de ser perturbados, mas sua cópula é o único coito animal desenhado na Índia. Contam, a respeito do caduceu mediterrâneo, que Hermes, ao ver duas serpentes lutarem, separou-as com sua vara; essa é uma explicação amável para quem quiser engoli-la. (pág.34)
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O conjunto ( o nâgakhâl e as duas árvores casadas) é tão carregado de sexualidade que as mulheres estéreis lhe fazem oferendas e vão se esfregar na pedra para ter filhos. Quanto à figueira, será macho por secretar um látex esbranquiçado, que lembra o esperma? Em todo o caso, é única árvore que nunca é mutilada na Índia. Seus grãos são, ao que parece, afrodisíacos. Quando é representada só uma serpente, ela se enrola de baixo para cima em torno de haste. Às vezes, policéfala, suas cabeças são sempre em número ímpar: 3, 5, 7, ou 9, todos números sagrados. Na Índia, a cobra é sempre associada a Shiva; mas lembremos também do pschent dos faraós e do calathos da deusa de Cnossos. (pág. 36)
As castas, mistura explosiva y
Os tântricos sempre repudiaram as castas. Aliás, os hindus evitam falar desse tema candente com os estrangeiros, e todas as vezes que o evoquei, eles habilmente evitaram a questão. Assim sendo, para a jovem indiana que estuda no Ocidente, toda graciosa em seu sári colorido, as castas são simplesmente uma questão de pureza. Não lhe pergunte de que tipo de pureza poderia tratar-se, porque, para ela, é evidente: todos os intocáveis de pele escura que se arrastam aos farrapos no pó indiano são impuros se comparados a ela, graciosa, educada e limpa. Ela não se dá conta de que, há milênios, sua desqualificação é desejada, programada pelo sistema do qual se beneficia. Comecei citando sua resposta, porque ela me conduz à palavra casta. De fato, os rudes marinheiros portugueses que desembarcaram na Índia no XVI perceberam que a divisão social indiana dependia da casta, ou seja, da pureza. Mas não se enganaram e nela viram, ao contrário da pequena indiana, a pureza do sangue, da raça. Aliás o termo sânscrito jâti , que designa aquilo que chamamos de casta, significa nada mais nada menos que raça. É claro, límpido. Entretanto, se faço a mesma pergunta ao educado swami hindu em viagem pelo Ocidente, ele se esquivará do problema com suavidade e nunca denunciará a iniqüidade do sistema que, segundo ele, repousa no dharma, no dever da condição, na profissão. Certamente, ele evitará com cuidado deixar transparecer qualquer intenção de racismo. Amante das comparações, ele acrescentará que um automóvel tem rodas, um motor, um volante, freios etc., e que, da mesma maneira, na sociedade, cada um deve cumprir seu dharma e desempenhar seu papel em seu lugaqqr para que tudo corra bem isso é defensável. Ele especificará, com razão, que, graças a isso, Jana infância, cada um é preparado para o papel que desempenhará mais tarde na vida. Enfim, argumento supremo, ele dirá que o sistema funciona há milênios; portanto que foi experimentado; portanto, que é bom. Também omitirá que só se mantém pela coerção. Ele dirá, a respeito da divisão social segundo a profissão, que ela se assemelha às nossas guildas, que protegiam os interesses de seus membros, assegurando-lhes uma formação sólida, garantia de um trabalho de qualidade. Acrescentará que, para transmitir os segredos e as habilidades de um ofício, não há nada melhor do que a transmissão de pai para filho, justificando assim o caráter hereditário das castas. Uma terceira esquiva será dizer que, em 1954, o novo Código Civil da Índia suprimiu as castas. É verdade, mas na prática muito pouca coisa mudou. Um ocidental que não esteja a par da situação indiana aceitará essas três respostas: escamoteamento! Mas, afinal, para que tocar num problema sobre o qual, de qualquer maneira, não podemos influir? Especialmente graças a Gandhi, sabemos que continua a existir o problema dos intocáveis, que ele chamava de harijans, filhos de Deus, e, supomos, erroneamente, que ele queria eliminar as castas. De fato, ele apenas visava reabilitar esses condenados, o que é certamente louvável.
Uma
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confusão mantida com cuidado
De fato, o chamado sistema de castas resulta de dois modos de divisão cuja natureza é tão diferente que melhor seria renunciar à palavra casta porque, metendo tudo dentro do mesmo saco, mistura-se tudo, o que não desagradaria àqueles que preferem manter a confusão... O primeiro critério de discriminação, puramente racial, é v arna, palavra sânscrita para cor (da pele, evidentemente). Portanto, daqui em diante, utilizarei os termos varna, jati ou classe, para discriminar as quatro divisões baseadas na raça, e que são imutáv eis. Primeiramente vêm os arianos, os caras pálidas , divididos a princípio em duas classes principais, dominantes pela influência, embora amplamente minoritárias em número: de um lado os brâmanes (sacerdotes) e os xátrias (guerreiros e príncipes), de outro, os vaixiás (agricultores, artesãos, comerciantes, agiotas etc.), que formam o grosso da terceira classe dos nascidos duas vezes do sistema védico, aqueles que podem usar o cordão sagradoe são admitidos na religião védica, da qual todos os outros são excluídos. Depois vêm os não-arianos, os sudras, os servo descendentes dos vencidos e incorporados à forca no sistema ariano como quarta classe, formando uma massa de mão-de-obra servil, à mercê de talhas e corvéias. Enfim, últimos dentre os últimos, os sem casta, excluídos do sistema, indignos até de serem escravos, os intocáveis, descendentes das tribos nativas insubmissas. Essa é a quíntupla divisão do sistema, baseada na raça, a qual só se integra por nascimento O segundo divisor comum é profissional, como vimos. As jâtis são imutáveis, mas cada uma delas se subdivide em tantos compartimentos quantos forem os orífios, as profissões. São por isso inumeráveis e outras, novas, sempre estão sendo criadas, enquanto as jâtis são e continuarão sendo quatro, nem mais nem menos. Por não se distinguir esses dois modos de divisão, mistura-se tudo. Quanto à origem do sistema, é muito provável que tenham sido justamente suas vítimas, os não-arianos, que o inventaram, antes mesmo da chegada dos invasores. Após a conquista, sem dúvida, os arianos encontraram uma sociedade dravidiana organizada em guildas profissionais, talvez já hereditárias, e teriam adotado sua estrutura e depois a adaptaram em seu proveito, acrescentando-lhe o critério varna, cor da pele, raça.
Infelizes dos vencidos
Perder uma guerra é sempre um erro: há mais de 3.500 anos, os dravidianos e os outros povos não arianos na Índia pagam muito caro por sua derrota numa gurerra de invasão que eles, evidentemente, não quiseram e que não terminou. Mas são os intocáveis que pagam o tributo mais pesado. Intocável, que palavra horrível: como conceber que Deus, ou mesmo simplesmente a natureza, tenha criado seres abjetos e impuros a ponto de sua sombra poluir tudo que toca? É ainda mais horrível que, de tanto ler e ouvir a palavra, não se percebe que sua condição é bem pior! Essa classe de seres humanos reúne todos que os arianos expurgaram do seu sistema; todos os insubmissos, todos aqueles que viviam em selvas muito impenetráveis: logo, principalmente, os nativos pré-dravidianos. Mas os mais lastimáveis de
todos os párias são ainda os bastardos dos arianos, nascidos de uma união impura; por exemplo, de uma mãe ariana e um pai sudra. Eles são excomungados, para sempre banidos da sociedade ariana, assim como sua descendência: uma exclusão assim draconiana pretende ser dissuasiva de tais uniões. Quantos são os intocáveis na Índia atual? Cem, 150 milhões? Quem sabe? Mas todo o resto do mundo é também constituído de intocáveis! Nós, ocidentais, somos sem-casta, e continuaremos sendo, não importa o que façamos. Não somos tratados da mesma maneira que os intocáveis nativos devido à cor da nossa pele, mais branca do que a do brâmane mais branco, e ao nosso poder econômico militar. Para os arianos, os Chandalas são, dentre os intocáveis, os mais abomináveis, inabordáveis. Seu crime? Descender de uma tribo tão feroz em sua luta contra os invasores que, após o combate, os arianos arianos arrancavam os dentes do Chandalas massacrados para fazer colares! ( Agni Purâna, II. 1217.) Mais tarde, por extensão, essa palavra passou a designar todos os sem-casta. No decorrer dos séculos, algumas leis de Manu concernentes aos sudras foram suavizadas, mas as concernentes aos chandalas sempre foram aplicadas com rigor. Eis que o livro X.50 promulga: Que esses homens instalem sua morada ao pé das grandes árvores consagradas, próxima aos locais de cremação, na montanha e nas matas, que sejam assim conhecidos por todos e vivam de seu trabalho. A moradia dos Chandalas e dos Swapâkas deve ser fora da aldeia: eles não podem ter utensílios e só devem possuir, como único bem, cães e asnos. Que tenham como vestimenta as roupas dos mortos; como pratos, potes quebrados; como adorno, o ferro; que se desloquem incessantemente de um lugar para outro. Que homem algum, fiel aos seus deveres, tenha relações com eles; eles só devem ter negócios entre si e se casar apenas com seus semelhantes.. Que a alimentação que recebem dos outros só lhes seja dada em cacos e por intermédio de um servo, e que não circulem à noite pelas aldeias e cidades. Que venham durante o dia para seu trabalho, diferenciados por meio de sinais prescritos pelo rei, e que sejam encarregados de transportar o corpo do homem morto sem deixar parentes: esse é o regulamento. Que executem, conforme ordem do rei, os criminosos condenados à morte por sentenca legal e que tomem para si as roupas, as camas e os adornos daqueles aos quais deram a morte (Manu, V.51-54).
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Retorno textualmente o depoimento de C. Thomas: Os panchâmas (a quinta classe, logo, todos os intocáveis) são proibidos de permanecer nas aldeias das outras castas. Não podem se aproximar dos poços, dos templos e de certas estradas utilizadas pelos brâmanes. São proibidos de construir casas de madeira ou de pedra. A entrada de suas choupanas deve ser tão baixa que sejam forcados a se abaixar para entrar... São proibidos de usar roupas limpas ou possuir o menos pedaço de terra, para que dependam totalmente das outras castas. No decorrer dos milênios, a aplicação impiedosa dessas leis transformou esses homens e mulheres, eficaz e efetivamente, num povo degradado, desprovido do menor auto-respeito e sem nenhuma possibilidade de melhorar sua posição. Destinados deliberadamente à miséria, privados até do direito e dos meios de protestar, sua ruína é total. Eles se alimentam de carniça e das comidas mais repugnantes, bebem as águas mais poluídas. Se
ficam doentes, nenhum médico aceitará cuidar deles. Os brâmanes criaram hospitais para animais e pássaros, mas nenhum médico cuidará dos seus irmãos humanos sem casta. Para eles, a morte de um panchâma não é importante, significa menos do que a de um cão ou gato. Houve panchâmas mortos por terem cometido o crime de entrar em ruas que lhes eram proibidas ou por se terem aproximado, inadvertidamente, de poços públicos. A menor infração é punida com o flagelamento e a mutilação ( Hindu Religion, Customs and Manners, p.20).
Em Poona, uma lei probia aos párias o acesso à cidade após as três horas da tarde. Simplesmente porque, mais tarde, quando o sol cai, suas sombras se alongariam, poluindo tudo em sua passagem! Se não fosse tão escandaloso, seria ridículo. Um outro exemplo: entre os inúmeros ritos e cerimônias que marcam cada instante da vida de um ariano, há o shrâddha, rito funerário destinado a um parente defunto, para manter o vínculo entre os vivos e os mortos, o que, em si, é louvável. Nessa ocasião, oferta-se um bolo funerário, o pinda, às pessoasde três gerações descendentes do defunto, e a partilha ocorre em segredo, ao abrigo de todos os olhares, para evitar que seja vista por um eunuco, um sem-casta, um herético ou... uma mulher grávida, mesmo ariana, senão a oferenda, assim suja, seria recusada pelo defundo!