STEPHEN HAWKING BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS e Outros Ensaios TRADUÇÃO ISABEL ARAÚJO ASA ITERATURA TÍTULO ORIGINAL BLACK HOLES AND BABY UNIVERSES and Other Essays (c) 1993, Stephen Hawking DIRECÇÃO GRÁFICA DA COLECÇÃO JOÃO MACHADO 1.ª edição: Novembro de 1994 Depósito Legal 76295/94 \SBN: 972-41-1508-9 Reservados todos os direitos EDIÇÕES ASA SEDE R. Mártires da Liberdade, 77 PORTUGAL DELEGAÇÃO DE LISBOA Av. Dr. Augusto de Castro, Lote 110 1900 LISBOA • PORTUGAL TÍTULO ORIGINAL BLACK HOLES AND BABY UNIVERSES and Other Essays (c) 1993, Stephen Hawking DIRECÇÃO GRÁFICA DA COLECÇÃO JOÃO MACHADO 1.ª edição: Novembro de 1994 Depósito Legal nº 76293/94 ISBN: 972-41-1508-9 Reservados todos os direitos EDIÇÕES ASA SEDE R. Mártires da Liberdade, 77 Apartado 4263 / 4004 PORTO CODEX PORTUGAL DELEGAÇÃO DE LISBOA Av. Dr. Augusto de Castro, Lote 110 1900 LISBOA • PORTUGAL ÍNDICE Prefácio.................................................................... 7 1. Infância................................................................... 11 2. Oxford e Cambridge....................................................... 23 3. A Minha Experiência com a Doença dos Neurónios Motores. 31 4. Atitudes do Público para com a Ciência................................. 37 5. Uma Breve História de Breve História.................................... 41 6. A Minha Posição.............................................. 47 7. O Fim A Vista para a Física Teórica?.................................... 53
8. O Sonho de Einstein......................................................... 71 9. A Origem do Universo................................................... 85 10. A Mecânica Quântica dos Buracos Negros............................. 99 11. Buracos Negros e Universos Bebés......................................... 111 12. Estará tudo determinado?............................................... 121 13. O Futuro do Universo...................................................... 133 14. Discos para uma Ilha Deserta: Uma Entrevista....................... 147 15. A Condição sem Fronteira e a Seta do Tempo........................ 165 índice onomástico e temático................................................. 177
PREFÁCIO Este volume compreende uma série de artigos que escrevi no período de 1976 a 1992, com uma diversidade de temas que vai dos esboços autobiográficos, passando pela filosofia da ciência, a tentativas de explicação do entusiasmo que sinto pela ciência e pelo Universo. O volume inclui ainda a transcrição da minha entrevista no programa radiofónico Desert hland Discs. Este programa é uma instituição peculiarmente britânica, em que é pedido ao convidado para se imaginar náufrago numa ilha deserta e para escolher oito discos que o ajudem a passar o tempo até chegar socorro. Felizmente, não precisei de esperar muito tempo até regressar à civilização. Como estes artigos foram escritos ao longo de um intervalo de dezasseis anos, reflectem o estado dos meus conhecimentos em cada época, com a esperança de que tenham aumentado com o passar do tempo. Por isso, indico a data e a ocasião em que foram concebidos. Como pretendi dar a cada um deles um carácter independente, existe inevitavelmente uma certa dose de repetição. Tentei reduzi-la, embora alguma tenha persistido.Alguns dos artigos deste livro foram concebidos para palestras. A minha voz era tão arrastada que me via obrigado a leccionar as aulas teóricas e os seminários servindome de outra pessoa, normalmente um dos meus estudantes de investigação, que me conseguia compreender ou que lia um texto por mim escrito. No entanto, em 1985, fui submetido a uma operação que me retirou completamente o poder da fala. Durante algum tempo, fiquei privado de meios de comunicação. Finalmente, fui equipado com um sistema computadorizado e comum sintetizador de fala excepcionalmente bom. Para minha surpresa, descobri que podia ser um orador de sucesso, dirigindo-me a vastas audiências. Tenho a certeza de que há ainda muito a aprender, mas espero ter vindo a melhorar. Ninguém melhor que o próprio leitor poderá avaliar a minha evolução ao ler estas páginas. Não concordo com a perspectiva de que o Universo é um mistério: algo sobre o qual se pode intuir, mas nunca analisar ou compreender totalmente. Sinto que esta visão não faz justiça à revolução científica que começou há quase quatrocentos anos com Galileu e que foi continuada por Newton. Eles mostraram que, pelo menos algumas áreas do Universo não se comportam de maneira arbitrária, sendo governadas por leis matemáticas definidas. Desde então, temos estendido o trabalho de Galileu e de Newton a quase todas as áreas do Universo. Dispomos agora de leis matemáticas que governam todas as nossas experiências normais. É uma medida do nosso sucesso o
facto de, actualmente, sermos obrigados a gastar biliões de dólares para construir máquinas gigantes, onde aceleramos partículas até energias tão elevadas que não sabemos ainda o que acontecerá quando colidirem. Estas partículas de energia muito elevada não surgem em situações normais na Terra, por isso poderia parecer académico e desnecessário o dispêndio de vastas somas no seu estudo. Contudo, estas partículas teriam existido no Universo primordial, pelo que devemos descobrir o que acontece para estes valores de energia se queremos compreender como começamos nós e o Universo. Há ainda muitos aspectos do Universo que desconhecemos e que não compreendemos. Porém, o progresso notável que alcançámos, particularmente nos últimos cem anos, deveria encorajar-nos a acreditar que um entendimento completo poderá não estar além das nossas capacidades. É possível que não estejamos eternamente condenados a avançar tropegamente no escuro. Podemos ficar de posse de uma teoria completa do Universo. Nesse caso, seríamos, na verdade, Senhores do Universo. Os artigos científicos deste volume foram escritos na crença de que o Universo é regido por uma ordem que, por enquanto, só percebemos parcialmente, mas que poderemos compreender totalmente num futuro não muito distante. Esta esperança pode ser apenas uma miragem; pode não existir uma teoria definitiva, e mesmo que exista, é possível que não a cheguemos a descobrir. Mas é certamente preferível lutar por uma compreensão completa do que desesperar da mente humana. Stephen Hawking 31 de Março de 1993
CAPÍTULO 1 INFÂNCIA* Nasci a 8 de Janeiro de 1942, exactamente trezentos anos depois da morte de Galileu. No entanto, estimo em cerca de duzentos os bebés que também nasceram nesse dia. Não sei se algum deles se veio depois a interessar por astronomia. Nasci em Oxford, embora os meus pais vivessem em Londres. Isso aconteceu porque Oxford era um bom sítio para nascer durante a Segunda Guerra Mundial: os alemães concordaram em não bombardear Oxford e Cambridge, se os britânicos não bombardeassem Heidelberga e Gotinga. É uma pena que este acordo civilizado não tenha sido estendido a outras cidades. O meu pai era natural do Yorkshire. O avô dele, meu bisavô, fora um agricultor abastado. Comprara demasiadas propriedades, mas falira durante a depressão agrícola do início deste século. Isso deixou os pais do meu pai em má situação económica, mas eles conseguiram que o filho fosse para Oxford, onde estudou medicina. Ele escolheu uma carreira de investigação em medicina tropical. Em 1935, deslocou-se à África oriental. Quando a guerra começou, fez uma viagem por terra através de África para embarcar num navio de regresso a Inglaterra, onde se ofereceu como voluntário para o serviço militar. Disseram-lhe, porém, que o seu contributo como médico investigador era mais valioso.
* Este ensaio e o que se lhe segue baseiam-se numa palestra que proferi na Sociedade de Neuropatia Motora de Zurique, em Setembro de 1987, e foi combinada com material escrito em Agosto de 1991. 11 A minha mãe nasceu em Glasgow, na Escócia, segunda de sete filhos de um médico de clínica geral. A sua família mudou-se para Devon quando ela tinha doze anos. Tal como a família do meu pai, não gozavam de uma boa situação financeira. Apesar disso, conseguiram que a minha mãe fosse estudar para Oxford. Depois da universidade, ela teve vários empregos, incluindo o de fiscal dos impostos, que lhe desagradou muito. Desistiu do emprego e tornou-se secretária. Foi assim que conheceu o meu pai nos primeiros anos da guerra. Vivíamos em Highgate, a norte de Londres. A minha irmã mais velha, Mary, nasceu dezoito meses depois de mim. Disseram-me que não acolhi muito bem a sua chegada. Ao longo da nossa infância, houve uma certa tensão entre nós, alimentada pela pequena diferença de idades. Na vida adulta, contudo, esta tensão desapareceu, quando seguimos caminhos diferentes. Ela tornou-se médica, o que agradou a meu pai. A minha irmã mais nova, Philippa, nasceu quando eu tinha quase cinco anos, e já conseguia entender o que se estava a passar. Recordo-me de esperar ansiosamente a sua chegada, para que fôssemos três nos nossos jogos. Era uma criança muito concentrada e sensível. Respeitei sempre os seus juízos e as suas opiniões. O meu irmão mais novo, Edward, nasceu muito mais tarde, quando eu tinha catorze anos, por isso praticamente não fez parte da minha infância. Ele era muito diferente de nós três, por ser com-pletamente não-académico e não-intelectual. Provavelmente, isso foi bom para nós. Era uma criança bastante difícil, mas não se conseguia deixar de gostar dele. A minha recordação mais antiga é a de estar de pé na creche de Byron House em Highgate, a chorar desalmadamente. À minha volta, as crianças brincavam com o que parecia uma série de brinquedos maravilhosos. Queria juntar-me a elas, mas tinha apenas dois anos e meio e era a primeira vez que me deixavam com gente que não conhecia. Penso que os meus pais ficaram bastante surpreendidos com a minha reacção, porque eu era o primeiro filho e eles andavam a ler livros sobre o desenvolvimento infantil, onde se dizia que as crianças deviam começar a estabelecer relacionamentos sociais aos dois anos. Porém, naquela manhã 12 terrível, decidiram levar-me novamente para casa e só voltei a Byron House passado outro ano e meio. Nessa época, durante a guerra e no pós-guerra imediato, Highgate era uma área onde vivia um certo número de pessoas do meio científico ou académico. Noutro país, seriam chamados intelectuais, mas os ingleses nunca admitiram a existência de intelectuais no seu meio. Todos os pais enviavam os seus filhos para a escola de Byron House, uma instituição muito progressista naquela época. Recordo-me de me queixar aos meus pais de que não me ensinavam nada na escola. Eles não acreditavam no que era então a forma convencional de ensino. Em vez disso, era suposto que aprendêssemos a ler sem nos apercebermos de que estávamos a ser ensinados. Por fim, aprendi de facto a ler, mas só com a idade, relativamente tardia, de oito anos. A minha irmã Philippa aprendeu a ler segundo métodos mais convencionais e já conseguia ler aos quatro anos. Mas ela era, com essa idade, muito mais inteligente do
que eu. Vivíamos numa alta e estreita casa vitoriana, que os meus pais tinham comprado por preço muito baixo durante a guerra, quando toda a gente pensava que Londres iria ser reduzida a escombros pelos bombardeamentos. De facto, um foguete V2 caiu a pouca distância da nossa casa. Quando isso aconteceu, eu tinha saído com a minha mãe e com a minha irmã, mas o meu pai estava em casa. Felizmente não ficou ferido e a casa não sofreu muitos estragos. Mas, durante anos, houve um grande buraco feito pela bomba, onde eu costumava brincar com o meu amigo Howard, que vivia do outro lado da rua, a três portas de distância. Howard foi uma revelação para mim, porque os pais dele não eram intelectuais como os de todas as outras crianças minhas conhecidas. Ele não frequentava a Byron House, mas sim a escola pública, e sabia tudo sobre futebol e boxe, desportos pelos quais os meus pais nem mesmo em sonhos se teriam interessado. Outra das minhas recordações mais antigas foi a de ter recebido o meu primeiro comboio de brinquedo. Durante a guerra, não havia fabrico de brinquedos, pelo menos para o mercado interno. Mas eu tinha um interesse apaixonado por modelos de comboio. O meu pai tentou 13 construir-me um comboio de madeira, que não me satisfez, pois queria um que andasse sozinho. Por isso, o meu pai arranjou um comboio velho que funcionava com um mecanismo de relógio, reparou-o com um ferro de soldar e ofereceu-mo no Natal, perto do meu terceiro aniversário. O comboio não funcionava muito bem. Porém, o meu pai teve que deslocar-se à América logo após o fim da guerra. Quando regressou, a bordo do Queen Mary, trouxe à minha mãe algumas meias de nylon, que não existiam na Grã-Bretanha naquela época. A minha irmã Mary recebeu uma boneca que fechava os olhos quando a deitávamos. E eu recebi um comboio americano, que incluía um limpa-trilhos e uma linha-férrea de tamanho oito. Ainda recordo o entusiasmo que senti ao abrir a caixa. Os comboios de mecanismo de relógio eram muito bons, mas o que eu realmente queria era um comboio eléctrico. Costumava passar horas a olhar para o modelo de um caminho de ferro em Crouch End, perto de Highgate. Sonhava com os comboios eléctricos. Por fim, num dia em que os meus pais tinham saído, aproveitei a oportunidade para levantar do banco do posto de correios a modesta soma de dinheiro que havia recebido de várias pessoas, em ocasiões especiais como, por exemplo, no meu baptizado. Usei o dinheiro para comprar um comboio eléctrico, mas, para minha frustração, não funcionava muito bem. Hoje em dia, conhecemos os nossos direitos enquanto consumidores. Devia ter devolvido o comboio e exigido que a loja ou o fabricante o substituísse, mas, naquela época, pensava-se que comprar o que quer que fosse era um privilégio, e azar o nosso se tinha defeito. Por isso, paguei o conserto do motor eléctrico do comboio, mas este nunca trabalhou perfeitamente. Mais tarde, na minha adolescência, construí modelos de aviões e barcos. Nunca fui muito habilidoso com as mãos, mas contava com a ajuda do meu amigo e colega, John McClenahan, que era muito mais hábil que eu, e cujo pai tinha uma oficina em casa. O meu objectivo de sempre foi construir modelos que funcionassem e que eu pudesse controlar. Não me importava com a aparência que tivessem. Penso que foi o mesmo ímpeto que me levou a inventar uma série de jogos muito complicados com outro
amigo de escola, Roger Ferneyhough. Havia um jogo industrial, que 14 incluía fábricas em que eram produzidas unidades de diferentes cores, estradas e caminhos de ferro para o transporte e uma bolsa de acções. Havia um jogo bélico, que se jogava num tabuleiro com quatro mil casas, e até um jogo feudal, em que cada jogador personificava uma dinastia inteira, com uma árvore genealógica. Penso que estes jogos, tal como os comboios, os barcos e os aviões, surgiram de uma necessidade de saber como funcionavam as coisas, e de as controlar. Depois de começar o meu doutoramento, esta necessidade foi satisfeita pela minha investigação em cosmologia. Se compreendermos como funciona o Universo, estaremos, de certo modo, a controlálo. Em 1950, o local de emprego do meu pai mudou de Hampstead, perto de Highgate, para o recém-construído Instituto Nacional de Investigação Médica em Mill Hill, na periferia norte de Londres. Em vez de fazer deslocações diárias a partir de Highgate, parecia mais sensato sair de Londres e viajar dos subúrbios para a cidade. Portanto, os meus pais compraram uma casa na cidade da catedral de St. Albans, a cerca de dezasseis quilómetros a norte de Londres. Era uma grande casa vitoriana, com alguma elegância e estilo. Os meus pais não estavam em boa situação financeira quando a compraram, e tiveram de efectuar grandes obras na casa antes de fazermos a mudança. Daí em diante, o meu pai, como homem do Yorkshire que era, recusou-se a gastar mais dinheiro em obras. Em vez disso, fazia o melhor que podia para a manter, pintando-a regularmente, mas a casa era muito grande e ele não sabia muito sobre conservação de edifícios. No entanto, a casa era de construção sólida e, por isso, sobreviveu à negligência. Os meus pais venderam-na em 1985, quando o meu pai estava muito doente (faleceu em 1986). Vi-a recentemente. Não me pareceu que tivesse beneficiado de mais obras, mas está praticamente com o mesmo aspecto. A casa fora projectada para uma família com criadagem e na copa havia um quadro indicador que mostrava em que quarto fora tocada a campainha. É claro que não tínhamos criados, mas o meu primeiro quarto era um pequeno aposento em forma de L, que devia ter pertencido a uma criada. Pedi para ficar com ele por sugestão da minha prima Sarah, que 15 era um pouco mais velha que eu, e por quem sentia uma grande admiração. Ela dizia que nos podíamos divertir imenso naquele quarto. Um dos atractivos do aposento era podermos saltar da janela para o telhado do abrigo das bicicletas e daí para o solo. Sarah era filha da irmã mais velha da minha mãe, Janet, que se formara em medicina e era casada com um psicanalista. Viviam numa casa muito parecida com a nossa em Harpenden, uma aldeia a cerca de oito quilómetros para norte. A sua proximidade foi uma das razões da nossa mudança para St. Albans. Foi muito bom para mim estar perto de Sarah, e ia frequentemente de autocarro até Harpenden. St. Albans ficava junto das ruínas da antiga cidade romana de Verulamium, que constituíra a colónia romana mais importante na Grã-Bretanha, depois de Londres. Na Idade Média, possuíra o mosteiro mais rico da Grã-Bretanha. Fora construída em torno do relicário de Santo Albano, um centurião romano que parece ter sido a primeira pessoa na GrãBretanha a ser executada por professar o cristianismo. Tudo o que restava da Abadia era uma igreja muito grande e bastante feia, e o velho edifício do portão da Abadia,
pertencente então à escola de St. Albans, que eu frequentaria depois. St. Albans era um sítio algo enfadonho e conservador, comparado com Highgate ou Harpenden. Os meus pais não fizeram muitos amigos por lá. Em parte por culpa deles, pois eram por natureza pessoas bastante solitárias, em especial o meu pai. Mas isto era também o reflexo de um tipo diferente de população; certamente nenhum dos pais dos meus colegas de escola em St. Albans podia ser descrito como intelectual. Em Highgate, a nossa família parecia razoavelmente normal, mas, em St. Albans, penso que éramos definitivamente vistos como excêntricos. Isto era fomentado pelo comportamento do meu pai, que não se importava com as aparências se isso lhe permitisse poupar dinheiro. A sua família fora muito pobre na sua infância, o que lhe deixara uma marca duradoura. Não admitia gastar dinheiro com o seu próprio conforto, mesmo quando, anos passados, já tinha meios para o fazer. Recusava-se a instalar aquecimento central, apesar de sofrer imenso com o 16 frio. Combatia-o, vestindo várias camisolas e um roupão por cima. No entanto, era muito generoso para as outras pessoas. Nos anos 50, achou que não podia comprar um novo automóvel e comprou um táxi londrino de antes da guerra, e ele e eu construímos uma cabana Nissen para servir de garagem. Os vizinhos ficaram indignados, mas não nos podiam impedir. Como muitos rapazes, sentia uma necessidade de ser igual aos outros, e ficava embaraçado com os meus pais. Mas isso não os preocupava. Quando viemos para St. Albans, ingressei na Escola Secundária Feminina, que, apesar do nome, aceitava rapazes até aos dez anos. Contudo, depois de eu lá ter passado um período, o meu pai partiu para uma das suas visitas anuais a África, desta vez por um intervalo mais extenso de cerca de quatro meses. A minha mãe não estava com vontade de ficar sozinha aquele tempo todo, por isso levou-nos, a mim e às minhas duas irmãs, numa visita à sua amiga Beryl, que era casada com o poeta Robert Graves. Eles viviam numa aldeia chamada Deya, na ilha espanhola de Maiorca. Tinham passado apenas cinco anos após o fim da guerra, e o ditador de Espanha, Francisco Franco, que fora um aliado de Hitler e Mussolini, continuava no poder. (Na realidade, deteve o poder por mais duas décadas.) Ainda assim, a minha mãe, que pertencera à Liga dos Jovens Comunistas antes da guerra, lá foi, acompanhada pelos seus três jovens filhos, de barco e comboio até Maiorca. Alugámos uma casa em Deya e passámos uns dias maravilhosos. Eu partilhava um preceptor com o filho de Robert, William. Este preceptor era um protegido de Robert, e estava mais interessado em escrever uma peça para o festival de Edimburgo do que no nosso ensino. Deste modo, punha-nos a ler um capítulo da Bíblia todos os dias e mandava-nos escrever um texto sobre o que líamos. A ideia era ensinar-nos a beleza da língua inglesa. Tínhamos lido todo o Génesis e parte do Êxodo quando nos viemos embora. Um dos principais ensinamentos destas leituras foi não começar uma frase com "E". Fiz o reparo de que a maioria das frases da Bíblia começavam por "E", mas disseram-me que a língua inglesa mudara desde o tempo do rei James. Nesse caso, contrapus, por que motivo líamos a Bíblia? Mas 17 foi em vão. Naquela época, Robert Graves interessava-se imenso pelo simbolismo e pelo misticismo presentes na Bíblia.
Quando regressámos de Maiorca, mandaram-me para outra escola durante um ano, e efectuei então o exame que as crianças faziam quando chegavam aos onze anos. Tratava-se de um teste à inteligência, realizado por todas as crianças que queriam seguir o ensino público. O teste foi agora abolido principalmente porque muitas crianças, oriundas da classe média, reprovavam e eram enviadas para escolas "não académicas". Mas eu costumava obter melhores resultados em testes e exames do que nos trabalhos de aula, por isso passei no exame e consegui uma vaga na escola gratuita de St. Albans. Quando tinha treze anos, o meu pai quis que me candidatasse à escola de Westminster, uma das principais escolas "públicas" - isto é, privadas. Nessa época, havia uma divisão abrupta na instrução, segundo as classes sociais. O meu pai sentia que a sua falta de posição e de conhecimentos o levara a ser ultrapassado por pessoas menos capazes, mas mais bem relacionadas socialmente. Como os meus pais não eram ricos, vi-me obrigado a concorrer a uma bolsa de estudo. No entanto, adoeci na altura dos exames de candidatura à bolsa e não os pude realizar. Por isso, continuei na escola de St. Albans. Recebi uma instrução pelo menos tão boa como a que teria recebido em Westminster. Nunca me pareceu que a minha falta de relacionamentos sociais tenha constituído um impedimento. O sistema educativo inglês era muito hierárquico naquele tempo. As escolas estavam não só divididas em "académicas" e "não académicas", mas as primeiras ainda se dividiam nos ramos A, B e C. Este sistema era bom para os alunos que estavam no ramo A, mas não tão bom para os do ramo B, e era mau para os do ramo C, que ficavam desmotivados. Fui colocado no ramo A, com base nos resultados do teste. Porém, concluído o primeiro ano, todos os alunos cuja classificação não os posicionasse entre os vinte primeiros da sua turma, eram despromovidos para o ramo B. Estes sofriam um golpe tremendo na sua autoconfiança e alguns nunca a recuperavam. Nos meus dois períodos em St. Albans, 18 fiquei no vigésimo quarto e no vigésimo terceiro lugar, mas no meu terceiro período fiquei em décimo oitavo. Passei por pouco. Nunca consegui obter classificações que me situassem na primeira metade da turma. (Era uma turma excelente.) O meu trabalho nas aulas era muito deficiente e a minha caligrafia fazia desesperar os professores. Mas os meus colegas alcunhavam-me de "Einstein", por, presumivelmente, terem detectado sinais de que eu devia ser melhor do que aparentava. Quando fiz doze anos, um dos meus amigos apostou um saco de rebuçados com outro em como eu nunca seria alguém na vida. Não sei se a aposta veio a ser paga e, nesse caso, como foi decidida a vitória. Tinha seis ou sete amigos próximos, e ainda me mantenho em contacto com a maioria deles. Costumávamos ter longas discussões e disputas sobre todo o tipo de assuntos, de modelos de rádio-controlo à religião, e da parapsicologia à física. Um dos temas das nossas conversas era a origem do Universo, e se teria sido necessário um Deus para o criar e para o pôr a funcionar. Ouvira dizer que a luz de galáxias distantes estava desviada para a extremidade vermelha do espectro, e isso indicava supostamente que o Universo se estava a expandir. (Um desvio para o azul significaria que se estava a contrair.) Mas eu tinha a certeza de que havia outra razão para o desvio para o vermelho. Talvez a luz ficasse cansada, e mais vermelha, à medida que se aproximava
de nós. Um Universo essencialmente imutável e eterno parecia muito mais natural. Só após dois anos de investigação para o doutoramento é que percebi que estava enganado. Quando cheguei aos últimos dois anos da escola secundária, queria especializar-me em matemática e física. Havia um professor de matemática inspirador, o Sr. Tahta, e a escola tinha uma nova sala de matemática, acabada de construir, que o grupo de alunos interessados em matemática adoptara como sala de aula. Mas o meu pai opunha-se fortemente ao meu desejo. Ele pensava que não haveria quaisquer empregos para os matemáticos, excepto como professores. Na realidade, ele teria gostado que eu seguisse medicina, mas não sentia qualquer interesse por biologia, que me parecia demasiado descritiva e não suficientemente 19 fundamental. A biologia gozava também de um estatuto bastante baixo na escola. Os rapazes mais inteligentes estudavam matemática e física, os menos inteligentes seguiam biologia. O meu pai sabia que eu não queria estudar biologia, mas obrigou-me a escolher química e algumas disciplinas de matemática. Ele pensava que isso manteria abertas as minhas opções em ciência. Tornei-me professor de Matemática, mas não recebi qualquer instrução formal de matemática desde que saí da escola de St. Albans, com a idade de dezassete anos. Tive que aprender a matemática que sei à medida que ia precisando dela. Costumava orientar os licenciandos em Cambridge e, na preparação das matérias do curso, só andava adiantado uma semana em relação a eles. O meu pai estava empenhado na investigação de doenças tropicais e costumava levarme ao seu laboratório em Mill Hill. Eu gostava dessas visitas e, em especial, de olhar através dos microscópios. Também me costumava levar ao viveiro dos insectos, onde mantinha mosquitos infectados com doenças tropicais. Isto preocupava-me, por me parecer que havia sempre alguns mosquitos em liberdade. O meu pai era um trabalhador esforçado e dedicado à sua pesquisa. Sentia um pouco de despeito por considerar que havia pessoas que não eram tão competentes como ele, mas que, graças aos conhecimentos e às relações certas, o tinham ultrapassado na carreira. Costumava avisar-me para ter cuidado com essas pessoas. Mas eu penso que a física é um pouco diferente da medicina. Não importa que escola se frequentou, ou com quem nos relacionamos. Importa apenas o que se faz. Sempre me interessei pela forma como as coisas funcionavam e costumava desmontálas para ver como trabalhavam, mas já não era tão bom a montá-las de novo. As minhas aptidões práticas nunca corresponderam às minhas divagações teóricas. O meu pai encorajou o meu interesse na ciência, e até me deu explicações de matemática, até eu o ultrapassar em nível de conhecimentos. Com esta preparação e a profissão do meu pai, era natural para mim dedicar-me à investigação científica. A princípio, não conseguia diferenciar entre os vários géneros de ciência. Porém, a partir dos treze ou catorze anos, soube que queria fazer 20 investigação em física porque era a ciência mais fundamental. Isto, apesar de a física ser a disciplina mais aborrecida na escola, por ser tão fácil e óbvia. A química era muito mais divertida, porque se estavam sempre a dar fenómenos inesperados, como explosões. Mas a física e a astronomia ofereciam a esperança de compreendermos de
onde viemos e porque estamos aqui. Eu queria sondar as profundezas distantes do Universo. Talvez o tenha conseguido numa pequena medida, mas há ainda muito que quero conhecer. 21 CAPÍTULO 2 OXFORD E CAMBRIDGE O meu pai fazia muito gosto em que eu fosse para Oxford ou para Cambridge. Ele frequentara o University College de Oxford e, por isso, pensava que eu me devia candidatar a essa faculdade, porque teria maiores hipóteses de ser admitido. Nessa altura, o University College não tinha nenhum Membro Colegial da área da Matemática, o que era outra razão pela qual o meu pai queria que eu estudasse química: podia tentar obter uma bolsa de estudo em ciências naturais em vez de matemática. O resto da família foi para a índia durante um ano, mas eu tive de ficar em Inglaterra para fazer os exames de nível A1 e a admissão à Universidade. O meu orientador de estudos pensava que eu era muito novo para entrar em Oxford, mas, em Março de 1959, fiz o exame de candidatura à bolsa de estudo, juntamente com dois rapazes que frequentavam o ano a seguir ao meu. Fiquei convencido de que a prova não me correra bem e estava muito deprimido quando, durante o exame prático, os professores universitários vieram conversar com outros candidatos, mas não comigo. Então, alguns dias depois de regressar de Oxford, recebi um telegrama anunciando que eu ganhara a bolsa. Tinha dezassete anos e muitos dos outros estudantes do meu ano tinham feito o serviço militar e eram bastante mais velhos do que eu. Senti-me deveras solitário no meu primeiro ano e em parte do segundo. 1 O nível A equivale ao nosso 11.º ano de escolaridade. (N. da T.) 23 Só no meu terceiro ano me senti realmente feliz em Oxford. A atitude prevalecente em Oxford nessa época era a de antitrabalho. Um estudante devia ou ser brilhante sem esforço ou aceitar as suas limitações e conseguir um doutoramento de quarta categoria. Trabalhar duramente para conseguir melhores notas era considerado o sinal dos medíocres, o pior epíteto do vocabulário de Oxford. Naquela época, o curso de física de Oxford estava organizado de tal forma que se tornava fácil evitar o trabalho. Fiz um exame quando entrei e só passados três anos em Oxford voltava a haver exames finais. Calculei certa vez que, nos três anos que lá estive, estudei cerca de mil horas, ou seja, uma média de uma hora diária. Não me orgulho desta falta de estudo; limito-me a descrever qual era a minha atitude nessa época, a qual era partilhada por muitos dos meus colegas: um enfado total e o sentimento de que nada valia o esforço feito. Um resultado da minha doença foi mudar tudo isso: quando se é confrontado com a possibilidade de uma morte prematura, apercebemo-nos de que vale a pena viver e que há muitas coisas que queremos fazer. Devido à minha falta de estudo, pensava que poderia ser bem sucedido no exame final,
realizando problemas de física teórica e evitando quaisquer perguntas que exigissem o conhecimento de factos. Porém, não consegui dormir na véspera do exame porque estava demasiado nervoso e o exame correu-me mal. Obtive uma classificação que estava na fronteira entre o "Excelente" e o "Bom", e tive de me submeter a uma entrevista pelos examinadores para definir que nota me seria atribuída. Na entrevista, fizeram-me perguntas acerca dos meus planos para o futuro. Respondi-lhes que queria trabalhar em investigação. Se me dessem um "Excelente" iria para Cambridge. Se só conseguisse um "Bom" continuaria em Oxford. Deram-me um "Excelente". Senti que havia duas áreas possíveis na física teórica que eram fundamentais e nas quais poderia fazer investigação. Uma delas era a cosmologia, o estudo do muito grande. A outra era a das partículas elementares, o estudo do muito pequeno. No entanto, parecia-me que as partículas elementares eram menos atraentes porque, embora os cientistas 24 estivessem sempre a descobrir novas partículas, não havia uma teoria adequada nessa época. Tudo o que se podia fazer era organizar as partículas em famílias, como na botânica. Em cosmologia, por outro lado, havia uma teoria bem definida, a teoria da relatividade geral de Einstein. Não havia ninguém a trabalhar em cosmologia em Oxford, mas em Cambridge estava Fred Hoyle, o astrónomo britânico mais distinto da época. Candidatei-me a um doutoramento sob a orientação de Hoyle. A minha candidatura a um cargo de investigador em Cambridge foi aceite, desde que obtivesse um "Excelente", mas, para meu desapontamento, o meu orientador não foi Hoyle mas um homem chamado Dennis Sciama, de quem nunca ouvira falar. Porém, ao fim e ao cabo, esta solução acabou por se revelar como a melhor: Hoyle passava muito tempo fora e, provavelmente, não teria tido muitas oportunidades para falar com ele. Por outro lado, Sciama estava ali, e foi sempre estimulante, mesmo quando eu, com frequência, discordava das suas ideias. Como não fizera grandes estudos de matemática na escola secundária ou em Oxford, a relatividade geral pareceu-me muito difícil de início e não fiz grandes progressos. Entretanto, durante o meu último ano em Oxford, reparei que estava a ficar muito desajeitado de movimentos. Pouco depois de entrar em Cambridge, diagnosticaramme Esclerose Amiotrófica Lateral, ou doença dos neurónios motores, como é conhecida na Grã-Bretanha. (Nos Estados Unidos é também conhecida por doença de Lou Gehrig.) Os médicos desconheciam a cura e não podiam garantir que não piorasse. De início, a doença pareceu progredir de modo bastante rápido. Não parecia valer a pena continuar a trabalhar na minha investigação, porque não esperava viver o suficiente para acabar o meu doutoramento. Contudo, à medida que o tempo passava, a progressão da doença abrandou. Comecei também a compreender a relatividade geral e a progredir no meu trabalho. Mas o que realmente fez a diferença foi ter ficado noivo de uma rapariga chamada Jane Wilde que conhecera na altura em que me diagnosticaram a doença. O noivado deu-me uma razão para viver. 25 Se nos íamos casar, eu tinha de arranjar um emprego, e, para isso, precisava de acabar o meu doutoramento. Comecei portanto a trabalhar pela primeira vez na minha vida. Para minha surpresa, descobri que gostava disso. Talvez não seja justo chamar-lhe
trabalho. Houve alguém que disse: cientistas e prostitutas são pagos para fazerem o que gostam. Candidatei-me a um lugar de investigador no Gonville and Caius College (Caius pronuncia-se como a palavra inglesa keys). Eu esperava que Jane dactilografasse a minha tese de candidatura, mas, quando me veio visitar a Cambridge trazia o braço em gesso, por tê-lo partido. Devo confessar que fui menos simpático do que deveria ter sido. Contudo, era o seu braço esquerdo, por isso conseguiu escrever a minha tese de candidatura enquanto eu lha ditava, e arranjei uma pessoa para ma dactilografar. Na minha tese, indiquei os nomes de duas pessoas que poderiam dar referências sobre o meu trabalho. O meu orientador sugeriu que eu pedisse a Hermann Bondi para ser uma delas. Bondi era então um professor de matemática no King's College de Londres, e especialista em relatividade geral. Estivera com ele algumas vezes, e ele fizera uma comunicação sobre um artigo que eu escrevera para ser publicado no periódico Proceddings of the Royal Society. Pedi-lhe para dar referências depois de uma palestra que deu em Cambridge e ele olhou para mim de forma vaga e disse que sim, que daria. Obviamente, não se lembrou de mim, pois quando a faculdade lhe escreveu a pedir uma referência, ele respondeu que não me conhecia. Nos tempos que correm, são tantas as candidaturas a cargos de investigação que, se um júri de um dos candidatos dissesse que não o conhecia, seria o fim da carreira deste. Mas aqueles tempos eram mais calmos. A Faculdade escreveu-me a relatar a resposta embaraçosa de Bondi e o meu orientador falou com Bondi e refrescou-lhe a memória. Bondi escreveu-me então uma referência que era, provavelmente, muito melhor do que aquilo que eu mereceria. Consegui o lugar de investigador e sou membro de Caius College desde então. A obtenção deste cargo significava que Jane e eu nos podíamos casar, o que fizemos em Julho de 1965. Passámos uma lua-de-mel de 26 uma semana em Suffolk, que foi tudo o que podemos custear. Fomos depois a um curso de Verão sobre relatividade geral na Universidade de Cornell, a norte do estado de Nova Iorque. Foi um erro. Ficámos num dormitório cheio de casais com criancinhas barulhentas, o que trouxe muita tensão ao nosso casamento. Noutros aspectos, contudo, o curso de Verão foi-me muito útil, porque conheci muitos dos maiores especialistas no domínio. Até 1970, a minha investigação foi dedicada à cosmologia, o estudo do Universo em macro-escala. O meu trabalho mais importante neste período versou as singularidades. A observação de galáxias distantes indica que elas se estão a afastar de nós: o Universo está em expansão. Isto implica que as galáxias devem ter estado mais próximas umas das outras no passado. Põe-se então a questão: existiu um momento no passado em que todas as galáxias estavam empilhadas umas sobre as outras, e a densidade do Universo era infinita? Ou existiu uma fase de contracção prévia, em que as galáxias procuravam evitar a colisão mútua? Talvez passassem perto umas das outras e começassem então a distanciar-se. A resposta a esta questão requeria novas técnicas matemáticas. Estas foram desenvolvidas entre 1965 e 1970, sobretudo por Roger Penrose e por mim. Penrose encontrava-se então no Birkbeck College de Londres; agora está em Oxford. Utilizámos estas técnicas para mostrar que deve ter existido um estado de densidade infinita no passado, se a teoria da relatividade geral
estiver correcta. O estado de densidade infinita é conhecido por singularidade do "big bang". Significa que a ciência não será capaz de prever o começo do Universo, se a relatividade geral estiver correcta. Contudo, o meu trabalho mais recente indica que é possível prever o começo do Universo se se considerar a teoria da física quântica, a teoria do muito pequeno. A relatividade geral prevê também que as estrelas maciças entrarão em colapso sobre si mesmas quando esgotarem o seu combustível nuclear. O trabalho realizado por Penrose e por mim mostrou que elas continuariam o seu colapso até atingirem uma singularidade de densidade infinita. Esta singularidade seria um fim do tempo, pelo menos para 27 a estrela e para o que estivesse sobre ela. O campo gravitacional da singularidade seria tão forte que a luz não poderia escapar da região em seu torno, sendo obrigada a retroceder pelo campo gravitacional. A região da qual não é possível escapar chama-se buraco negro, e a sua fronteira é o horizonte de acontecimentos. Qualquer objecto ou pessoa que caia no buraco negro, através do horizonte de acontecimentos, atingirá um fim do tempo na singularidade. Estava a pensar em buracos negros numa noite de 1970, quando estava a meter-me na cama, logo a seguir ao nascimento da minha filha Lucy. De súbito, percebi que muitas das técnicas que Penrose e eu tínhamos desenvolvido para demonstrar as singularidades podiam ser aplicadas aos buracos negros. Em particular, a área do horizonte de acontecimentos, a fronteira do buraco negro, não podia decrescer com o tempo. E quando dois buracos negros colidem, e se fundem para formar um só buraco, a área do horizonte do buraco final seria maior que a soma das áreas dos horizontes dos buracos negros originais. Isto colocava um limite importante à quantidade de energia que podia ser emitida nessa colisão. Fiquei tão entusiasmado que quase não dormi nessa noite. De 1970 a 1974, trabalhei essencialmente sobre buracos negros. Mas, em 1974, fiz talvez a minha descoberta mais surpreendente: os buracos negros não são completamente negros! Quando se considera o comportamento em micro-escala da matéria, as partículas e a radiação não podem escapar de um buraco negro. O buraco negro emite radiação como se fosse um corpo quente. Desde 1974 que procuro combinar a relatividade geral e a mecânica quântica numa teoria consistente. Resultado disso foi uma proposta que fiz em 1983 com Jim Hartle da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara: de que tanto o tempo como o espaço são finitos em extensão, mas não têm fronteira nem limite. Seriam como a superfície da Terra, mas com mais duas dimensões. A superfície da Terra é finita em área, mas não tem qualquer fronteira. Em todas as minhas viagens, não procurei cair do parapeito do mundo. Se esta proposta estiver correcta, não existirão singularidades, e as leis da ciência serão válidas em toda a parte, 28 incluindo o princípio do Universo. A forma como o Universo começou será determinada pelas leis da ciência. A minha ambição de descobrir como começou o Universo seria satisfeita. Porém, ainda não sei o porquê do seu começo. 29
CAPÍTULO 3 A MINHA EXPERIÊNCIA COM A DOENÇA DOS NEURÓNIOS MOTORES* Perguntam-me muitas vezes: como se sente por ter a doença dos neurónios motores? A resposta é: não muito bem. Tento levar uma vida tão normal quanto possível e não pensar no meu estado, nem lamentar as coisas que me impede de fazer, que não são assim tantas. Foi um grande choque para mim descobrir que sofria da doença dos neurónios motores. Em criança, a minha coordenação de movimentos físicos nunca fora perfeita. Não era bom em jogos com bola e talvez, por esta razão, nunca me interessei muito por desporto nem por outras actividades físicas. Mas as coisas pareceram mudar quando ingressei em Oxford. Tornei-me timoneiro e remador. Não era o campeão do Clube de Remo, mas atingi um nível que me fez participar em competições interfaculdades. No meu terceiro ano em Oxford, contudo, reparei que estava a ficar cada vez mais desajeitado de movimentos e caí uma ou duas vezes sem razão aparente. Mas só quando já estava em Cambridge, no ano seguinte, é que a minha mãe reparou nos problemas e me levou ao médico da família. Este enviou-me a um especialista, e pouco depois do meu vigésimo primeiro aniversário, fui internado num hospital para fazer exames. Lá permaneci duas semanas, durante as quais realizei uma ampla variedade de exames. Os médicos recolheram uma amostra de músculo do meu * Palestra proferida numa conferência da Associação Britânica da Doença dos Neurónios Motores, em Birmingham, em Outubro de 1987. 31 braço, ligaram-me a eléctrodos e injectaram-me um fluido opaco às radiações na coluna vertebral, observando a raios X o movimento ascendente e descendente do fluido, à medida que iam inclinando a cama em que eu estava deitado. Depois de tudo isto, não me disseram o que tinha, excepto que não se tratava de esclerose múltipla e que eu era um caso "atípico". Concluí que eles estavam à espera que a coisa piorasse, e que não havia nada que pudessem fazer, excepto receitarem-me vitaminas. Era óbvio que não esperavam que estas produzissem grande efeito. Não quis conhecer mais pormenores, pois sabia que estavam longe de ser animadores. A percepção de que sofria de uma doença incurável, que provavelmente me mataria dentro de alguns anos, foi um choque. Como é que uma coisa dessas me acontecia a mim? Por que é que esta doença iria acabar comigo? Contudo, enquanto estivera no hospital, tinha visto um rapaz que, vim a sabê-lo, morrera com leucemia na cama defronte da minha. Não era um espectáculo bonito de se ver. Era evidente que havia outras pessoas cujas doenças eram bem piores que a minha. Pelo menos, o meu estado não me fazia sentir doente. Sempre que me sentia com tendência para ter pena de mim mesmo, lembrava-me daquele rapaz. Não saber o que me ia acontecer ou qual a rapidez com que a doença se agravaria, deixava-me sem saber o que fazer. Os médicos tinham-me dito para voltar a Cambridge e prosseguir a minha investigação sobre relatividade geral e cosmologia, que tinha apenas começado. Mas eu não fazia grandes progressos por me faltar
preparação matemática - e, de qualquer forma, podia não viver o bastante para acabar o doutoramento. Sentia-me como um personagem trágico. Costumava ouvir Wagner, mas as histórias, publicadas em revistas, sobre a minha tendência para beber em excesso são exageradas. O problema está em que, logo que um artigo afirma uma coisa, os demais artigos que aparecem copiam-no, porque dá uma boa história. E uma história que surge impressa tantas vezes deve ser verdadeira. Os meus sonhos estavam nessa altura muito perturbados. Antes de a doença me ter sido diagnosticada, sentia que a vida era um grande aborrecimento. Parecia não existir nada por que valesse a pena lutar. 32 Mas, pouco depois de sair do hospital, sonhei que estava prestes a ser executado. De súbito, percebi que existiam muitas coisas que poderia fazer, se a minha execução fosse suspensa. Outro sonho que tive por diversas vezes era o de que sacrificava a minha vida para salvar as de outros. Se, de qualquer forma tinha de morrer, podia pelo menos fazer algum bem. Não morri. De facto, embora existisse uma nuvem pairando sobre o meu futuro, descobri, para minha surpresa, que agora apreciava mais a vida. Comecei a fazer progressos na minha investigação, fiquei noivo e casei, e consegui um lugar de investigador em Caius College, Cambridge. O cargo de investigador em Caius resolveu o meu urgente problema de arranjar um emprego. Tive sorte em escolher o trabalho em física teórica, porque é uma das poucas áreas em que o meu estado não constitui um obstáculo sério. E fui afortunado por a minha reputação científica ter aumentado à medida que a minha incapacidade física se agravava. Isto significava que as pessoas estavam dispostas a oferecerem-me uma sequência de cargos em que eu tinha apenas de fazer investigação e não precisava de dar aulas. Também tivemos sorte com a habitação. Quando nos casámos, Jane era ainda licencianda do Westfield College de Londres, por isso vivia em Londres durante a semana. Isto significava que precisávamos de encontrar um lugar para morar onde me conseguisse desembaraçar sozinho, e que fosse central, porque eu não podia percorrer grandes distâncias a pé. Pedi ajuda à Faculdade, mas o tesoureiro respondeu-me que não era política da Faculdade ajudar os seus membros a encontrar alojamento. Assim, inscrevemo-nos para o aluguer de um apartamento num bloco novo, que estava a ser construído junto ao mercado. (Anos depois, descobri que esses apartamentos são, na realidade, propriedade da Faculdade, mas ninguém mo disse.) No entanto, quando regressámos a Cambridge depois do Verão na América, descobrimos que os apartamentos ainda não estavam prontos. Fazendo uma grande concessão, o Tesoureiro ofereceu-nos um quarto numa hospedaria de estudantes licenciados. Disse-nos que normalmente cobrava doze xelins e seis dinheiros 33 por noite neste quarto. No entanto, como éramos duas pessoas, cobraria vinte e cinco xelins. Ficámos apenas três dias na hospedaria. Descobrimos então uma pequena casa, a cerca de noventa metros do meu departamento na universidade. Pertencia a outra Faculdade, que a alugara a um dos seus membros. Ele mudara-se recentemente para uma casa nos subúrbios, e subalugou-nos a casa pelos três meses seguintes. Durante
este período, descobrimos outra casa desocupada na mesma rua. Um vizinho localizou a proprietária no Dorset e disse-lhe que era um escândalo ter a casa desabitada quando havia um jovem casal à procura de habitação. A proprietária concordou em arrendá-la. Depois de lá termos vivido alguns anos, quisemos comprá-la e fazer obras e pedimos um empréstimo à minha Faculdade. Depois de fazer uma avaliação da casa, a Faculdade decidiu que não era um bom investimento; por isso, acabámos por pedir um empréstimo a uma empresa imobiliária e os meus pais deram-nos o dinheiro para fazer as obras. Vivemos nessa casa quatro anos, até se tornar demasiado difícil para mim subir as escadas. Nesta altura, a Faculdade tinha mais consideração por mim, e o Tesoureiro era outra pessoa. Ofereceram-nos um apartamento no rés-do-chão de uma casa que lhes pertencia. Era muito bom para mim, porque tinha salas grandes e janelas amplas. Era suficientemente central, visto que eu me podia deslocar ao departamento da universidade ou à Faculdade na minha cadeira de rodas eléctrica. Era também muito agradável para os nossos três filhos, porque estava rodeada por um jardim que era tratado pelos jardineiros da Faculdade. Até 1974, conseguia-me alimentar, deitar e levantar da cama pelos meus próprios meios. Jane conseguiu tratar de mim e educar dois filhos sem ajuda externa. A partir daí, contudo, as coisas tornaram-se mais difíceis, pelo que iniciámos o costume de pedir a um dos estudantes de investigação para vir viver connosco. Em troca do alojamento grátis e de atenção suplementar da minha parte, ajudavam-me a deitar e a levantar da cama. Em 1980, mudámos para o sistema de enfermeiras públicas e privadas que vinham durante uma hora ou duas, todas as manhãs e noites. 34 Isto durou até ter contraído pneumonia em 1985. Fui submetido a uma operação de traqueotomia e, a partir de então, precisei de cuidados de enfermagem vinte e quatro horas por dia, o que só foi possível graças às doações de diversas instituições. Antes da operação, a minha fala tornara-se cada vez mais arrastada, e só algumas das pessoas que me estavam mais próximas me conseguiam entender, mas, pelo menos, era uma forma de comunicação. Escrevia artigos científicos ditando-os a uma secretária e dava seminários através de um intérprete que repetia as minhas palavras com mais clareza. No entanto, a traqueotomia roubou-me completamente a capacidade da fala. Durante algum tempo, a única maneira de conseguir comunicar era soletrar as palavras letra a letra, erguendo as sobrancelhas quando alguém apontava para a letra certa num cartão em que estava escrito o abecedário. É deveras difícil manter uma conversa desta forma, e mais ainda escrever um artigo científico. Contudo, um especialista californiano em computadores, chamado Walt Woltosz, soube da minha luta e enviou--me um programa de computador por ele concebido, chamado Equalizador. Este programa permite-me seleccionar palavras de uma série de menus no ecrã, pressionando um interruptor que seguro na mão. O programa pode também ser controlado através de um movimento da cabeça ou ocular. Depois de construir o que quero dizer, posso enviá-lo para o sintetizador de fala. No começo, utilizei o programa Equalizador apenas no meu computador de trabalho. Mais tarde, David Mason, da Cambridge Adaptive Communications, adaptou um pequeno computador e um sintetizador de fala à minha cadeira de rodas. Este sistema permite comunicar muito melhor do que antes. Consigo proferir até quinze palavras
por minuto. Posso pronunciar em voz alta o que escrevi ou gravá-lo num disco, posso imprimi-lo ou recuperá-lo e pronunciá-lo em voz alta, frase a frase. Usando este sistema, escrevi dois livros e diversos artigos científicos. Também proferi várias palestras científicas e populares que foram bem recebidas. Penso que, em larga medida, o sucesso se deve à qualidade do sintetizador de fala, que é fabricado pela Speech Plus. A voz de uma #35 pessoa é muito importante. Se se tem uma voz arrastada, o mais provável é que nos tratem como deficientes mentais. Este sintetizador é, de longe, o melhor que já ouvi, porque introduz variações de entoação e não fala como um Dalek. O único senão é darme um sotaque norte-americano. No entanto, já me consigo identificar com esta voz. Não quereria mudar, mesmo que me oferecessem uma voz com sotaque britânico. Sentiria que me estava a tornar noutra pessoa. Tenho sofrido da doença dos neurónios motores durante praticamente toda a minha vida adulta. Porém, ela não me impediu de ter uma família muito simpática e de ser bem sucedido no meu trabalho. Devo-o à ajuda que tenho recebido da minha esposa, dos meus filhos e de um grande número de pessoas e organizações. Tive sorte, porque o meu estado tem evoluído mais lentamente do que o habitual nesta doença. O que mostra que não se deve perder a esperança. 36 CAPITULO 4 ATITUDES DO PÚBLICO PARA COM A CIÊNCIA* Quer gostemos quer não, o mundo em que vivemos mudou muito nos últimos cem anos, e é provável que mude ainda mais no próximo século. Algumas pessoas gostariam de interromper estas mudanças, e regressar ao que consideram uma era mais pura e simples. Mas, tal como a história demonstra, o passado não era assim tão maravilhoso. Não era tão mau para uma minoria privilegiada, embora até ela tivesse de passar sem a medicina moderna, e o parto envolvesse grande risco para as mulheres; mas, para a grande maioria da população, a vida era desagradável, brutal e breve. De qualquer modo, mesmo que o quiséssemos, não poderíamos fazer recuar o relógio a uma época antiga. Os conhecimentos e as técnicas não podem ser simplesmente esquecidos, nem ninguém pode impedir os avanços no futuro. Mesmo que toda a fatia do orçamento governamental dedicada à investigação fosse suprimida (e o governo actual está a fazer todos os possíveis para que isso aconteça), a força de competição continuaria a produzir avanços tecnológicos. E não se pode impedir que as mentes inquisitivas pensem sobre ciência, sejam ou não pagas para isso. A única maneira de impedir futuros desenvolvimentos seria pela instalação de um Estado global totalitário, que suprimiria toda a inovação; mas o engenho e a iniciativa humana são tais, que mesmo * Um discurso proferido em Oviedo, Espanha, por altura da entrega do Prémio Harmonia e Concórdia "Príncipe das Astúrias" em Outubro de 1989. Foi actualizado.
37 esta solução não seria bem sucedida. Só conseguiria abrandar a taxa de mudança. Se aceitarmos que não podemos impedir que a ciência e a tecnologia mudem o nosso mundo, podemos, pelo menos, tentar garantir que as mudanças se façam nas direcções certas. Numa sociedade democrática, isto significa que o público precisa de ter uma compreensão básica'da ciência, para poder tomar decisões informadas e não as deixar nas mãos dos especialistas. De momento, o público tem uma atitude bastante ambivalente para com a ciência. Habituou-se a esperar o progresso regular do padrão de vida, trazido pelos novos desenvolvimentos da ciência e tecnologia, mas também desconfia da ciência, porque não a entende. A sua desconfiança é evidente no personagem da banda desenhada do cientista louco, que trabalha no seu laboratório para criar um Frankens-tein. Também aparece como um importante elemento subjacente de apoio aos partidos ecologistas. Mas o público tem também grande interesse na ciência, particularmente na astronomia, como demonstram as grandes audiências de séries televisivas como Cosmos, e na ficção científica. O que pode ser feito para aproveitar este interesse e dar ao público a preparação científica de que necessita para tomar decisões informadas sobre assuntos como a chuva ácida, o efeito de estufa, as armas nucleares ou a engenharia genética? Evidentemente, a base deve assentar no que se ensina na escola. Mas, na escola, a ciência é frequentemente apresentada de forma seca e desinteressante. As crianças decoram coisas para passar nos exames, e não se apercebem da sua relevância no mundo que as rodeia. Além do mais, é frequente a ciência ser ensinada por meio de equações. Embora as equações constituam um modo conciso e exacto de descrição de ideias matemáticas, assustam muitas pessoas. Quando, recentemente, escrevi um livro de divulgação, avisaram-me que cada equação que incluísse reduziria as vendas do livro para metade. Incluí uma equação, a famosa equação de Einstein, E=mc2. Talvez tivesse vendido o dobro dos exemplares sem ela. Os cientistas e os engenheiros têm tendência para expressar as suas ideias sob a forma de equações, porque precisam de conhecer os valores 38 exactos de grandezas. Mas, para todos os demais, uma visão qualitativa dos conceitos científicos é suficiente, e ela pode ser transmitida por palavras e diagramas, sem o recurso a equações. A ciência que as pessoas aprendem na escola pode fornecer a estrutura básica. Mas a taxa de progresso científico é agora tão rápida, que estão sempre a surgir novos desenvolvimentos, ocorridos desde o tempo em que se estava na escola secundária ou na universidade. Na escola, nunca aprendi nada sobre biologia molecular ou transístores, mas a engenharia genética e os computadores são dois dos desenvolvimentos que mais probabilidades têm de mudar a maneira como viveremos no futuro. Os livros de divulgação popular e os artigos sobre ciência publicados nas revistas podem levar a cabo novos desenvolvimentos, mas até o livro de divulgação popular mais bem sucedido só é lido por uma pequena proporção da população. Só a televisão pode chegar a uma audiência verdadeiramente maciça. Existem alguns excelentes programas televisivos sobre ciência, mas alguns deles apresentam as maravilhas científicas simplesmente como magia, sem as explicar ou mostrar como se ajustam à estrutura das ideias científicas. Os produtores de programas televisivos
sobre ciência devem saber que têm a responsabilidade de instruir o público, e não apenas de o entreter. Quais são as questões relacionadas com a ciência sobre as quais o público terá de tomar decisões num futuro próximo? De longe a mais urgente é a das armas nucleares. Outros problemas globais, tais como a distribuição de comida ou o efeito de estufa, têm uma acção relativamente lenta, mas uma guerra nuclear significaria o fim de toda a vida humana na Terra, no intervalo de poucos dias. O abrandamento das tensões Oriente-Ocidente, gerado pelo fim da Guerra Fria, significou que o perigo da guerra nuclear foi esquecido pela consciência pública. Mas o perigo ainda existe, desde que existam armas suficientes para matar, por diversas vezes, toda a população mundial. Nos antigos Estados soviéticos e na América, as armas nucleares ainda estão a postos para atacar as cidades mais importantes do hemisfério norte. Bastaria um erro do computador, ou um motim por parte de alguns dos operadores das armas, 39 para desencadear uma guerra global. Mais preocupante ainda é o facto de algumas potências relativamente secundárias estarem a adquirir armas nucleares. As principais potências têm-se comportado de forma razoavelmente responsável, mas não se pode confiar da mesma maneira em pequenas potências como a Líbia ou o Iraque, o Paquistão ou mesmo o Azerbaijão. O perigo não está tanto nas armas nucleares que essas potências poderão possuir em breve, que seriam bastante rudimentares, embora ainda possam matar milhões de pessoas. Não, o perigo está em que uma guerra nuclear entre duas potências secundárias possa implicar o envolvimento das potências principais com os seus enormes arsenais. É muito importante que o público se aperceba do perigo e pressione todos os governos para que realizem grandes reduções de armamento. Provavelmente, não é prática a eliminação completa das armas nucleares, mas podemos diminuir o perigo através da redução do número de armas. Se conseguirmos evitar uma guerra nuclear, existem ainda outros perigos que nos podem destruir na totalidade. Há uma anedota idiota, segundo a qual a razão por que não fomos contactados por uma civilização alienígena é que as civilizações têm tendência para a autodestruição quando atingem o nosso estágio. Mas eu tenho fé suficiente no bom senso do público para acreditar que é possível provar que aquela ideia está errada. 40 CAPÍTULO 5 UMA BREVE HISTÓRIA DE BREVE HISTÓRIA* Ainda estou impressionado pela recepção conseguida pelo meu livro Breve História do Tempo. Esteve na lista dos livros mais vendidos do The New York Times durante trinta e sete semanas e na lista do The Sun-day Times de Londres durante vinte e oito semanas. (Foi publicado primeiro nos Estados Unidos e só depois na Grã-Bretanha.) E está a ser traduzido em vinte idiomas (vinte e um se se distinguir o americano do inglês). Tudo isto excede em muito a minha ideia inicial, datada de 1982, de escrever um livro de divulgação popular sobre o Universo. Em parte, a minha intenção era ganhar dinheiro para pagar as propinas escolares da minha filha. (Na realidade, quando o livro foi publicado, ela frequentava já o último ano da escola.) Mas a razão
principal era o meu desejo de explicar quão longe fôramos no entendimento do Universo: como podíamos estar perto de descobrir uma teoria completa, que descreveria o Universo e tudo o que nele existe. Já que ia dispender tempo e esforço a escrever um livro, queria que ele chegasse ao maior número possível de pessoas. Os meus livros técnicos anteriores haviam sido publicados pela Cambridge University Press. * Este ensaio foi originariamente publicado em Dezembro de 1988 como um artigo no jornal The Independent. Breve História do Tempo permaneceu na lista dos livros mais vendidos do The New York Times durante cinquenta e três semanas; e, na GrãBretanha, em Fevereiro de 1993, estava na lista do The Sunday Times de Londres há 205 semanas. (Na semana 184, entrou no Guiness Book of Records por ter alcançado um máximo de permanência nesta lista.) O número de edições traduzidas ascende agora a trinta e três. 41 O editor tinha feito um bom trabalho, mas parecia-me que não estava realmente vocacionado para o tipo de mercado vasto que eu queria que o livro atingisse. Contactei então um agente literário, Al Zuckerman, que era cunhado de um colega meu. Entreguei-lhe um esboço do primeiro capítulo e expliquei-lhe que o meu desejo era escrever o género de livro que se venderia nos escaparates das livrarias de aeroporto. Ele respondeu-me que o livro não tinha essas hipóteses: podia vender-se bem a académicos e a estudantes, mas não conseguiria penetrar no território de Jeffrey Archer. Entreguei um primeiro esboço do livro a Zuckerman em 1984. Ele enviou-o a diversos editores e recomendou-me que aceitasse uma oferta da Norton, uma firma editorial americana de alguma importância. Mas, em vez disso, decidi aceitar uma oferta da Bantam Books, editora mais vocacionada para o mercado popular. Apesar da Bantam não ser especialista na publicação de obras científicas, os livros do seu catálogo estão largamente disponíveis nas livrarias dos aeroportos. O facto de ter aceite o meu livro foi provavelmente devido ao interesse demonstrado por um dos seus editores, Peter Guzzardi. Este levou o seu ofício muito a sério e fez--me reescrever o livro de modo a torná-lo compreensível para os não-cientistas como ele. De cada vez que lhe mandava um capítulo reescrito, ele enviava-me uma extensa lista de objecções e questões para eu clarificar. Às vezes, pensava que este processo nunca teria fim. Mas ele tinha razão: em resultado deste trabalho, ficámos com um livro muito melhor. Pouco depois de ter aceite a oferta da Bantam, contraí uma pneumonia. Tive de me submeter a uma operação de traqueotomia que me roubou a voz. Durante algum tempo, só conseguia comunicar com o movimento de sobrancelhas quando alguém apontava para as letras escritas num cartão. Teria sido praticamente impossível acabar o livro se não fosse o programa de computador que me ofereceram. Era um pouco lento, mas eu pensava devagar, por isso adequava-se-me perfeitamente. Graças a ele, reescrevi quase por completo o primeiro rascunho, em resposta às insistências de Guzzardi. Fui ajudado nesta revisão por um dos meus alunos, Brian Whitt. 42 Fiquei muito impressionado com a série televisiva de Jacob Bronowski, The Ascent of Man. (Um título tão sexista não devia ser permitido nos dias de hoje.) Tratava-se de
uma apologia das realizações da espécie humana, traduzida pela evolução dos selvagens primitivos de há apenas quinze mil anos até ao nosso estado presente. Era minha intenção transmitir um sentimento semelhante pelo nosso progresso rumo a uma compreensão completa das leis que governam o Universo. Tinha a certeza de que quase todos os leitores se interessavam pelo modo de funcionamento do Universo, mas a maioria das pessoas não conseguia entender as equações matemáticas - eu próprio não dou muita importância às equações. Em parte, isto acontece, por me ser difícil passá-las a escrito, principalmente porque não tenho intuição para as equações. Em vez disso, penso em termos pictóricos, e o meu objectivo neste livro era descrever as imagens mentais em palavras, com a ajuda de analogias familiares e uns poucos diagramas. Desta maneira, esperava que muitas pessoas pudessem partilhar o entusiasmo e o sentimento de realização pelo progresso notável alcançado pela física nos últimos vinte e cinco anos. Ainda assim, mesmo se evitarmos a matemática, algumas das ideias são pouco familiares e difíceis de explicar. Isto colocava-me um problema: deveria tentar explicálas e arriscar-me a confundir as pessoas, ou deveria contornar as dificuldades? Alguns conceitos nada familiares, como, por exemplo, o facto de que observadores deslocando-se a velocidades diferentes medem intervalos de tempo diferentes entre o mesmo par de acontecimentos, não eram essenciais para a imagem que eu queria traçar. Portanto, senti que podia apenas referi-los, mas sem os aprofundar. Porém, algumas ideias difíceis eram fundamentais para aquilo que queria apresentar. Havia dois conceitos em particular que senti dever incluir. Um deles era a "soma de histórias", que afirma que não existe apenas uma história para o Universo. Em vez disso, existe um conjunto de todas as histórias possíveis para o Universo, e todas estas histórias são igualmente reais (seja qual for o significado disto). A outra ideia, que é necessária ao significado matemático da soma de histórias é o "tempo imaginário". A posteriori, sinto que me deveria ter esforçado 43 mais a explicar estes dois conceitos muito difíceis, particularmente o do tempo imaginário, que parece ser o aspecto do livro que mais atrapalha os leitores. Contudo, não é de facto necessário compreender exactamente o que é o tempo imaginário, mas apenas que é diferente do que designamos por tempo "real". Quando a data de publicação do livro se aproximava, um cientista que recebera antecipadamente um exemplar para fazer uma crítica para a revista Nature, ficou horrorizado ao descobrir que o livro estava cheio de erros, com fotografias e diagramas fora do lugar e com as legendas erradas. Telefonou à Bantam, que ficou igualmente horrorizada e decidiu, no mesmo dia, retirar do mercado e destruir toda a edição. Passadas três semanas de trabalho intenso na correcção e verificação de todo o livro, este ficou pronto a tempo de estar nas livrarias na data de publicação, aprazada para Abril. Nessa altura, a revista Time publicara uma biografia minha. Ainda assim, os editores ficaram surpreendidos com a procura do livro. Este encontrase na décima sétima edição na América e na décima edição na Grã-Bretanha.2 Que levou tantas pessoas a comprá-lo? É-me difícil ser objectivo, por isso vou acreditar no que as outras pessoas dizem. Considero que a maioria das críticas, embora favoráveis, são muito pouco esclarecedoras. Tendem a seguir a fórmula: Stephen Hawking tem a doença de Lou Gehrig (nas críticas americanas) ou doença dos
neurónios motores (nas críticas britânicas). Está confinado a uma cadeira de rodas, não consegue falar e apenas pode movimentar x dedos (em que x parece variar de um a três, dependendo da inexactidão do artigo que o crítico leu sobre mim). No entanto, escreveu este livro sobre a questão suprema: de onde viemos e para onde vamos? A resposta proposta por Hawking é a de que o Universo não é criado nem destruído. É, simplesmente. De modo a formular esta ideia, Hawking apresenta o conceito de tempo imaginário, 2 Em Abril de 1993, encontrava-se na quadragésima edição de capa dura e décima nona edição de capa mole nos Estados Unidos, e na trigésima nona edição de capa dura na Grã-Bretanha. (N. da T.) 44 que (eu, o crítico) considero um pouco difícil de seguir. Mesmo assim, se Hawking tiver razão e descobrirmos efectivamente uma teoria unificada completa, conheceremos realmente a mente de Deus. (Na fase das provas, estive para cortar a última frase do livro, que dizia que conheceríamos a mente de Deus. Se o tivesse feito, talvez as vendas decrescessem para metade.) Bastante mais discernente (em minha opinião) era um artigo do jornal londrino The Independent, que dizia que até um livro científico sério como Breve História do Tempo se podia tornar numa obra de culto. A minha esposa ficou horrorizada, mas eu senti-me deveras lisonjeado por ver o meu livro comparado a Zen and the Art of Motorcycle Maintenance. Espero, tal como Zen, que dê às pessoas o sentimento de que não precisam de ficar apartadas das grandes questões intelectuais e filosóficas. Sem dúvida, o interesse humano do relato de como me tornei físico teórico, apesar da minha deficiência física, também deu uma ajuda. Mas os que compraram o livro pela perspectiva do interesse humano podem ter ficado desapontados, porque contém apenas algumas referências ao meu estado: o livro não foi concebido como uma história minha mas do Universo. Isto não impediu as acusações feitas à Bantam de estar a explorar desavergonhadamente a minha doença e de que eu cooperara, ao permitir que a minha fotografia aparecesse na capa. De facto, segundo o contrato, eu não tinha qualquer controlo sobre a capa. No entanto, consegui persuadir a Bantam a usar, na edição britânica, uma imagem melhor do que a oferecida pela foto infeliz e desactualizada, utilizada na edição americana. Porém, a Bantam não mudará a capa americana, porque diz que o público americano a identifica com o livro. Houve quem dissesse que as pessoas compravam o livro porque tinham lido as críticas acerca dele ou porque estava na lista dos mais vendidos. No entanto, não o liam, limitando-se a exibi-lo na estante ou sobre a mesa da sala, para aparentarem que o tinham lido, sem que tivessem esboçado qualquer esforço para compreenderem o seu conteúdo. É claro que isto pode acontecer, mas não sei se acontece em maior grau 45 do que com outros livros importantes, incluindo a Bíblia e as obras de Shakespeare. Por outro lado, sei que um mínimo de pessoas deve ter lido o meu livro, pois recebo diariamente pilhas de cartas sobre ele, muitas delas colocando questões ou fazendo comentários pormenorizados que revelam a leitura do livro, ainda que os leitores o não tenham entendido por completo. Na rua, sou abordado por estranhos que me falam de quanto gostaram do livro. Claro que sou mais facilmente identificado e tornome mais notado que muitos autores. Contudo, a frequência com que recebo
felicitações do público (para grande embaraço do meu filho de nove anos) parece indicar que pelo menos uma fracção das pessoas que compraram o livro o leram de facto. As pessoas querem saber o que vou fazer a seguir. Sinto que dificilmente poderei escrever uma sequela de Breve História do Tempo. O que lhe deverei chamar? Uma História Mais Longa do Tempo? Para Além do Fim do Tempo? Filho do Tempo? O meu agente sugeriu-me que autorizasse a realização de um filme sobre a minha vida. Mas tanto eu como a minha família teríamos perdido todo o auto-respeito se nos deixássemos retratar por actores. Em menor medida, o mesmo sucederia se autorizasse e ajudasse alguém a escrever sobre a minha vida. Claro que não posso impedir ninguém de escrever sobre a minha vida, desde que não seja difamatório, mas tentaria dissuadi-lo dizendo que estava a considerar a escrita da minha autobiografia. Talvez o faça. Mas não tenho pressa. Antes disso, tenho ainda muito que fazer em ciência. 46 CAPITULO 6 A MINHA POSIÇÃO* O tema deste artigo não é a minha crença ou descrença em Deus. Discutirei antes a minha abordagem à forma de compreender o Universo: qual é o estatuto e significado de uma teoria da grande unificação, de uma "teoria de tudo". Existe aqui um verdadeiro problema. As pessoas que devem estudar e discutir tais questões, os filósofos, não têm, na sua grande maioria, preparação matemática suficiente para acompanharem os desenvolvimentos recentes da física teórica. Existe uma subespécie, a dos filósofos da ciência, que devia estar mais bem equipada. Mas muitos deles são físicos falhados que têm muita dificuldade em inventar novas teorias e, em vez disso, preferem escrever sobre a filosofia da ciência. Ainda continuam a discutir as teorias científicas dos primeiros anos deste século, como a relatividade e a mecânica quântica. Não estão em contacto com as fronteiras actuais da física. Talvez esteja a ser um pouco duro com os filósofos, mas eles não têm sido muito amáveis comigo. A minha abordagem tem sido descrita como ingénua e simplista. Têm-me chamado nominalista, instrumenta-lista, positivista, realista e muitos outros nomes terminados em "ista". A técnica que aplicam parece ser a da refutação pela denegração: se conseguirem colar um rótulo à minha abordagem, não precisam de explicar * Originariamente uma palestra proferida para uma audiência no Caius College, em Maio de 1992. 47 o que está errado nela. Os erros fatais de todos os "ismos" são decerto do conhecimento geral. As pessoas que realizam efectivamente os avanços em física teórica não pensam nas categorias que os filósofos e historiadores da ciência inventam subsequentemente para elas. Tenho a certeza de que Einstein, Heisenberg e Dirac não se preocupavam
em saber se eram realistas ou instrumentalistas. Estavam apenas preocupados com o facto de as teorias existentes não se ajustarem umas às outras. Em física teórica, a busca da autoconsistência lógica foi sempre mais importante para a realização de avanços do que os resultados experimentais. Teorias houve que, apesar de belas e elegantes, foram rejeitadas porque não concordavam com a observação; mas não conheço nenhuma teoria fundamental que tenha progredido baseada unicamente na experiência. A teoria surge sempre primeiro, aventada pelo desejo de obter um modelo matemático consistente e elegante. De seguida, a teoria faz previsões que podem ser testadas pela observação. A concordância das observações com as previsões não basta para demonstrar a teoria. Contudo, esta sobrevive para realizar mais previsões, que, por seu turno, devem ser confrontadas com a observação. Se as observações não concordarem com as previsões, abandona-se a teoria, ou melhor, é isso que é suposto acontecer. Na prática, as pessoas sentem muita relutância em desistir de uma teoria em que investiram muito tempo e esforço. Começam habitualmente por questionar a exactidão das observações. Se isso não resulta, tentam modificar a teoria de maneira arbitrária. Por fim, a teoria transforma-se num edifício feio e sombrio. É então que alguém sugere uma nova teoria, em que todas as observações deslocadas são explicadas de maneira natural e elegante. Exemplo disso foi a experiência de Michelson-Morley, realizada em 1887, que mostrou que a velocidade da luz era sempre a mesma, independentemente da forma como a fonte ou o observador se moviam. O resultado foi considerado ridículo. Decerto um observador que se deslocasse no sentido oposto ao da luz devia medir uma maior velocidade para esta do que outro observador que se movesse no mesmo sentido da luz, mas a experiência mostrou que ambos os observadores 48 deveriam medir exactamente a mesma velocidade. Nos dezoito anos seguintes, cientistas como Hendrik Lorentz e George Fitzgerald tentaram acomodar esta observação com as ideias aceites para o espaço e o tempo. Introduziram postulados arbitrários, por exemplo, ao proporem a hipótese de que há um encurtamento dos objectos quando estes se movem a velocidades elevadas. Toda a estrutura da física ficou feia e desajeitada. Em 1905, Einstein sugeriu uma perspectiva muito mais atraente, na qual o tempo não era tido como totalmente separado nem era independente. Em vez disso, aparecia combinado com o espaço, num objecto quadridimensional chamado espaço-tempo. Einstein foi conduzido a esta ideia não tanto pelos resultados experimentais, como pelo desejo de conseguir ajustar duas partes da teoria num todo consistente. As duas partes eram as leis que governavam os campos eléctricos e magnéticos e as leis que governavam o movimento dos corpos. Não penso que, em 1905, Einstein ou outra pessoa qualquer soubesse quão simples e elegante era a nova teoria da relatividade. Ela revolucionou completamente as nossas noções de espaço e tempo. Este exemplo ilustra bem a dificuldade de se ser um realista na filosofia da ciência, pois aquilo que consideramos realidade é condicionado pela teoria que subscrevemos. Tenho a certeza que Lorentz e Fitzgerald se consideravam a si mesmos como realistas, interpretando a experiência sobre a velocidade da luz em função das ideias newtonianas de espaço absoluto e de tempo absoluto. Estas noções de espaço e de tempo pareciam corresponder à realidade e ao senso comum. Porém, os que hoje estão familiarizados com a teoria da relatividade -
ainda uma preocupante minoria - têm uma perspectiva bastante diferente. Devíamos estar a explicar às pessoas o entendimento moderno de conceitos tão básicos como os de espaço e tempo. Se o que consideramos como real depende da nossa teoria, como podemos basear a nossa filosofia nessa realidade? Eu diria que sou um realista, no sentido em que penso existir um Universo à espera de ser investigado e compreendido. Considero uma perda de tempo assumir a posição solipsista de que tudo é uma criação das nossas imaginações. 49 Ninguém baseia os seus actos nessa permissa. No entanto, sem uma teoria, não podemos distinguir o que é real no contexto do Universo. Adopto portanto a perspectiva, que foi descrita como simplista ou ingénua, de que uma teoria física é apenas um modelo matemático que usamos para descrever os resultados de observações. Uma teoria é boa se produz um modelo elegante, se descreve uma ampla classe de observações e se prevê os resultados de novas observações. Para além disso, não faz sentido perguntar se a teoria corresponde à realidade, porque não sabemos o que a realidade é, separada de uma teoria. Esta visão das teorias científicas pode classificar-me como um instrumentalista ou um positivista - como referi anteriormente, já me etiquetaram das duas formas. A pessoa que me chamou positivista, acrescentou que era do conhecimento geral que o positivismo estava ultrapassado. Eis outro exemplo de refutação por denegração. O positivismo pode estar efectivamente ultrapassado, por ter sido a coqueluche intelectual de outrora, mas a atitude positivista que delineei parece ser a única possível para quem procura novas leis e novas formas de descrever o Universo. Não serve de nada apelar para uma realidade, porque não dispomos de um conceito de realidade que seja independente de um modelo. Em minha opinião, a crença não expressa numa realidade independente de um modelo é a razão subjacente às dificuldades que os filósofos da ciência sentem quando confrontados com a mecânica quântica e o princípio da incerteza. Há uma famosa experiência conceptual conhecida por "gato de Schrödinger". Introduzimos um gato numa caixa que é selada. Apontada ao gato está uma arma, que disparará se ocorrer o decaimento de um núcleo radioactivo. A probabilidade deste acontecimento é de cinquenta por cento. (Actualmente ninguém se atreveria a propor semelhante experiência, mesmo que puramente conceptual, mas no tempo de Schrödinger ainda não se falava em direitos dos animais.) Se abrirmos a caixa, verificaremos se o gato está morto ou vivo. Mas antes da caixa ser aberta, o estado quântico do gato será uma mistura do estado do gato morto com um estado em que o gato está vivo. Alguns filósofos da ciência consideram que é difícil aceitar isto. O gato não pode 50 estar meio morto e meio não-morto, afirmam eles, tal como não se pode estar meio grávida. A dificuldade por eles sentida resulta de estarem a usar um conceito clássico de realidade, no qual um objecto tem uma história única e definida. O que o distingue da mecânica quântica é que esta propõe uma visão diferente da realidade. Nesta visão, um objecto não tem apenas uma história mas todas as histórias possíveis. Na maioria dos casos, a probabilidade de ter uma história em particular anulará a probabilidade
de ter uma história ligeiramente diferente; porém, em certos casos, as probabilidades de histórias próximas umas das outras reforçam-se mutuamente. É uma destas histórias reforçadas que observamos como história do objecto. No caso do gato de Schrödinger, são duas as histórias que surgem reforçadas. Numa delas, o gato é morto, enquanto o outro permanece vivo. Na teoria quântica, as duas possibilidades podem coexistir. Porém, alguns filósofos ficam enredados na assumpção implícita de que o gato apenas pode ter uma história. A natureza do tempo é outro exemplo de uma área na qual as nossas teorias físicas determinam o nosso conceito de realidade. O costume era considerar óbvio que o tempo fluía para sempre, independentemente do que acontecesse; mas a teoria da relatividade combinava tempo e espaço, e dizia que ambos podiam ser deformados, ou distorcidos, pela matéria e energia do Universo. Por isso, a nossa percepção da natureza do tempo deixou de ser independente do Universo para passar a ser moldada por este. Tornou-se então concebível que o tempo não possa estar simplesmente definido antes de um certo ponto; à medida que se recua no tempo, podemos deparar com uma barreira inultrapassável, uma singularidade, para além da qual não podemos ir. Se fosse esse o caso, não faria sentido querer saber quem ou o que causou ou criou o "big bang". Falar de causa ou de criação assume implicitamente que houve um tempo anterior à singularidade do "big bang". Sabemos, há vinte e cinco anos, que a teoria da relatividade geral de Einstein prevê que o tempo deve ter tido um princípio numa singularidade, há quinze biliões de anos atrás. Porém, os filósofos ainda não discutem esta ideia. Continuam preocupados 51 com os fundamentos da mecânica quântica, que foram estabelecidos há sessenta e cinco anos. Não se apercebem que, entretanto, a fronteira da física já avançou. Pior ainda é o conceito matemático de tempo imaginário, em que Jim Hartle e eu sugerimos que o Universo pode não ter qualquer princípio ou fim. Fui selvaticamente atacado por um filósofo da ciência por me referir ao tempo imaginário. Ele perguntou: "Como pode um artifício matemático como o tempo imaginário ter algo a ver com o Universo real?" Penso que este filósofo confundiu os termos matemáticos técnicos "números reais" e "números imaginários" com a forma como os termos "real" e "imaginário" são utilizados na linguagem quotidiana. O que acaba por ilustrar a minha posição: como podemos saber o que é a realidade, independente da teoria ou do modelo com que a interpretamos? Utilizei exemplos da relatividade e da mecânica quântica para mostrar os problemas que enfrentamos, quando tentamos encontrar um sentido para o Universo. Não importa realmente que não percebamos a relatividade ou a mecânica quântica, ou até que estas teorias estejam incorrectas. Espero ter demonstrado que uma abordagem do género positivista, em que uma teoria é vista como um modelo, é a única maneira de compreender o Universo, pelo menos para um físico teórico. Espero que descubramos um modelo consistente que descreva o Universo no seu todo. Se o conseguirmos, será um verdadeiro triunfo para a espécie humana. 52 CAPÍTULO 7
O FIM À VISTA PARA A FÍSICA TEÓRICA?* Nestas páginas pretendo discutir a possibilidade de o objectivo da física teórica poder ser alcançado num futuro não muito distante, talvez no fim do século. Pretendo com isto dizer que poderemos ter uma teoria completa, consistente e unificada das interacções físicas, que descreveria todas as observações possíveis. Claro que é preciso ser muito cuidadoso quando se fazem estas previsões. Já por duas vezes pensámos estar na antecâmara da síntese final. No princípio deste século, pensava-se que tudo poderia ser entendido em função da mecânica da matéria contínua. Bastava medir um certo número de coeficientes de elasticidade, viscosidade, condutibilidade, etc. A descoberta da estrutura atómica e a mecânica quântica puseram fim a tudo isto. De novo no final dos anos 20, Max Born disse a um grupo de cientistas em visita a Gotinga que "a física, tal como a conhecemos, estará acabada em seis meses". Isto ocorreu pouco depois da descoberta de Paul Dirac - um antigo ocupante desta cátedra Lucasiana - da equação que governa o comportamento do electrão. Esperava-se que uma equação similar governasse o protão, a outra partícula elementar conhecida naquele tempo. No entanto, as descobertas do neutrão e das forças nucleares também contrariaram essa expectativa. De facto, sabemos agora que nem o protão nem o neutrão * Em 29 de Abril de 1980, Stephen Hawking recebeu a cátedra de Professor Lucasiano de Matemática em Cambridge. Este ensaio, a sua palestra inaugural, foi lido por um dos seus alunos. 53 são elementares, pois são constituídos por partículas mais pequenas. Mesmo assim, fizemos muitos progressos nos últimos anos e, como explicarei mais à frente, há motivos para um optimismo cauteloso quanto a podermos estar agora perto de descobrir uma teoria completa, ainda durante a vida de alguns dos leitores. Mesmo que consigamos obter uma teoria unificada completa, só seremos capazes de fazer previsões detalhadas nas situações mais simples. Por exemplo, já conhecemos as leis físicas que governam tudo o que experimentamos na vida quotidiana. Como salientou Dirac, a sua equação foi a base de "muita física e de toda a química". No entanto, só conseguimos resolver a equação para o sistema mais simples, o átomo de hidrogénio formado por um protão e um electrão. Para átomos mais complicados, com mais electrões, e para moléculas com mais do que um núcleo, temos que recorrer a aproximações e a palpites intuitivos de validade duvidosa. Para sistemas macroscópicos formados por cerca de 10 elevado a 23 partículas, temos que utilizar métodos estatísticos e desistir de qualquer pretensão a resolver as equações com exactidão. Embora, em princípio, conheçamos as equações que governam a biologia no seu todo, não somos capazes de reduzir o estudo do comportamento humano a um ramo da matemática aplicada. Qual o significado de uma teoria física unificada e completa? As nossas tentativas de modelar a realidade física consistem normalmente de duas partes: 1. Um conjunto de leis locais a que obedecem as várias grandezas físicas. São normalmente formuladas em função de equações diferenciais. 2. Conjuntos de condições de fronteira que nos descrevem o estado de algumas
regiões do Universo num determinado instante e os efeitos propagados subsequentemente para o seu interior a partir de outras regiões do Universo. Muitas pessoas argumentariam que o papel da ciência se confina à primeira parte, e que a física teórica teria atingido o seu objectivo quando obtivéssemos um conjunto completo de leis físicas locais. Essas pessoas 54 considerariam a questão das condições iniciais do Universo como pertencente ao domínio da metafísica ou da religião. De certa forma, esta atitude é semelhante à daqueles que, em séculos passados, se opuseram à investigação científica dizendo que todos os fenómenos naturais eram obra de Deus e não deviam ser questionados. Penso que as condições iniciais do Universo são tão adequadas como matéria de estudo e de teorização científica quanto as leis físicas locais. Não teremos uma teoria completa se nos limitarmos a afirmar que "as coisas são o que são por aquilo que foram." A questão da singularidade das condições iniciais está estreitamente relacionada com a da arbitrariedade das leis físicas locais: não se considera que uma teoria está completa se contiver um certo número de parâmetros ajustáveis, tais como massas ou constantes de acoplamento, aos quais se possam atribuir todos os valores desejados. De facto, nem as condições iniciais nem os valores dos parâmetros na teoria são arbitrários, mas sim escolhidos ou seleccionados de forma muito cuidadosa. Por exemplo, se a diferença entre as massas do protão e do neutrão não fosse cerca do dobro da massa do electrão, não teríamos obtido os perto de duzentos nuclídios estáveis, que formam os elementos e constituem a base da química e da biologia. Do mesmo modo, se a massa gravita-cional do protão fosse significativamente diferente, não teriam surgido as estrelas, nas quais os nuclídios se foram acumulando e, se a expansão inicial do Universo tivesse sido ligeiramente menor ou ligeiramente maior, o Universo teria colapsado antes do desenvolvimento das estrelas ou a sua expansão seria tão rápida que as estrelas nunca se teriam formado por condensação gravitacional. Na realidade, há quem tenha chegado ao ponto de elevar estas restrições às condições iniciais e parâmetros ao estatuto de princípio, o princípio antrópico, que pode ser parafraseado da seguinte forma: "O Universo é assim porque nós existimos." Segundo uma versão deste princípio, existe um grande número de universos separados, diferentes, com valores distintos dos parâmetros físicos e diferentes condições iniciais. Muitos destes universos não proporcionarão as condições certas 55 para o desenvolvimento de estruturas complexas, necessárias à vida inteligente. Só num pequeno número deles, com condições e parâmetros semelhantes aos do nosso Universo, seria possível que a vida inteligente se desenvolvesse e fizesse a pergunta: "Por que é o Universo como o vemos?" A resposta, claro, é que se fosse diferente, não estaríamos aqui a fazer a pergunta. O princípio antrópico oferece efectivamente uma explicação para muitas das relações numéricas notáveis, observadas entre os valores de diferentes parâmetros físicos. No entanto, essa explicação não é com-pletamente satisfatória; não se consegue deixar de sentir que existe uma explicação mais profunda. Além do mais, a explicação não se aplica a todas as regiões do Universo. Por exemplo, o nosso sistema solar é certamente
um pré-requisito para a nossa existência, tal como uma geração anterior de estrelas próximas, onde foram criados os elementos pesados por síntese nuclear. Toda a nossa galáxia pode ter sido um requisito. Mas não parece haver qualquer necessidade de existência de outras galáxias, e muito menos do quase milhão de milhões que vimos, distribuídas de maneira praticamente uniforme pelo Universo observável. Esta homogeneidade do Universo em macro-escala torna muito difícil admitir que a estrutura do Universo é determinada por algo tão periférico quanto umas poucas estruturas moleculares complicadas, habitantes de um pequeno planeta em órbita em torno de uma estrela média, nos subúrbios distantes de uma galáxia espiralada muito vulgar. Se não apelarmos ao princípio antrópico, precisaremos de uma teoria unificada que explique as condições iniciais do Universo e os valores dos vários parâmetros físicos. No entanto, é muito difícil formular sinteticamente uma "teoria de tudo" completa (embora isso não pareça demover algumas pessoas deste propósito; recebo semanalmente pelo correio duas ou três teorias unificadas.) Em vez disso, o que fazemos é procurar teorias parciais, que descreverão situações em que certas interacções podem ser ignoradas ou consideradas de uma forma aproximada simples. Começamos por dividir o conteúdo material do Universo em duas partes: "matéria", partículas como os quarks, electrões, muões, etc; 56 e "interacções", tal como a gravidade, o electromagnetismo, etc. As partículas de matéria são descritas por campos de spin semi-inteiro e obedecem ao princípio de exclusão de Pauli, que impede que duas partículas semelhantes existam no mesmo estado. Esta é a razão pela qual temos corpos sólidos que não colapsam num ponto, nem irradiam energia infinitamente. As partículas de matéria estão divididas em dois grupos: os hadrões, constituídos por quarks, e os leptões, que compreendem as partículas restantes. As interacções dividem-se fenomenologicamente em quatro categorias. São, por ordem decrescente de intensidade: a força nuclear forte, que interage apenas com os hadrões; o electromagnetismo, que interage com hadrões e leptões carregados; a força nuclear fraca, que interage com todos os hadrões e leptões; e, finalmente, e de longe a mais fraca, a gravidade, que interage com tudo. As interacções são representadas por campos de spin inteiro, que não obedecem ao princípio de exclusão de Pauli. Isto significa que podem comportar muitas partículas no mesmo estado. No caso do electromagnetismo e da gravidade, as interacções dão-se a grande distância, o que significa que os campos produzidos por um grande número de partículas de matéria podem somar-se para produzir um campo detectável à escala macroscópica. Por estas razões, foram os primeiros a tornar-se objectos de teoria: a gravidade foi estudada por Newton no século dezassete e o electromagnetismo por Maxwell, no século dezanove. No entanto, estas teorias eram basicamente incompatíveis, porque a teoria newtoniana era invariante se a globalidade do sistema apresentasse uma velocidade uniforme, ao passo que a teoria de Maxwell definia uma velocidade preferencial, a velocidade da luz. Por fim, foi a teoria newtoniana da gravidade que acabou por ser modificada para se tornar compatível com as propriedades de invariância da teoria de Maxwell. Isto foi alcançado pela teoria da relatividade geral de Einstein, formulada em 1915.
A teoria da relatividade geral relativa à gravitação e a teoria da elec-trodinâmica de Maxwell constituíam as teorias clássicas; ou seja, envolviam grandezas continuamente variáveis e que podiam, pelo menos em princípio, ser medidas com uma exactidão arbitrária. Contudo, surgiu 57 um problema quando se procurou aplicar aquelas teorias à construção de um modelo atómico. Descobrira-se que o átomo consistia num núcleo pequeno, carregado positivamente, rodeado por uma nuvem de electrões de carga negativa. Parecia natural admitir que os electrões orbitassem em torno do núcleo, como a Terra em volta do Sol. Porém, a teoria clássica previa que os electrões irradiariam ondas electromagnéticas. Os electrões perderiam energia deste modo e descreveriam um movimento em espiral para dentro até caírem no núcleo, causando o colapso do átomo. Este problema foi ultrapassado por aquela que é, indubitavelmente, a maior realização da física teórica deste século, a descoberta da teoria quântica. O postulado básico desta teoria é o princípio de incerteza de Heisenberg, que estabelece que determinados pares de grandezas, tais como a posição e o momento de uma partícula, não podem ser medidas em simultâneo com uma exactidão arbitrária. No caso do átomo, isto significa que, no seu estado energético mais baixo, o electrão não se encontra em descanso no núcleo porque, nesse caso, a sua posição estaria definida com exactidão (no núcleo), o mesmo acontecendo à sua velocidade (zero). Em vez disso, quer a posição quer a velocidade estão "dispersas", segundo uma distribuição de probabilidade em torno do núcleo. Neste estado, o electrão não pode emitir radiação sob a forma de ondas electromagnéticas, pois não existe um estado de energia inferior para onde possa transitar. Nos anos 20 e 30, a mecânica quântica foi aplicada com grande êxito a vários sistemas como, por exemplo, os átomos e as moléculas, que têm apenas um número finito de graus de liberdade. Contudo, surgem dificuldades quando tentamos aplicar a teoria ao campo electromagnético, que tem um número infinito de graus de liberdade - em termos grosseiros, dois para cada ponto do espaço-tempo. Podemos considerar estes graus de liberdade como osciladores, cada um dos quais apresenta uma posição e um momento. Os osciladores não podem estar em repouso já que, nessa situação, teriam posições e momentos exactamente definidos. Em vez disso, cada oscilador deve apresentar uma quantidade mínima 58 de "flutuações do ponto-zero" e uma energia não nula. A energia do conjunto infinito de graus de liberdade poderia fazer com que a massa e a carga aparentes do electrão se tornassem infinitas. Um procedimento conhecido por renormalização foi desenvolvido para ultrapassar esta dificuldade no fim da década de 40. Consistia numa subtracção, deveras arbitrária, de determinadas grandezas infinitas de que resultavam restos finitos. No caso da electrodinâmica, era necessário efectuar duas dessas subtracções infinitas, uma para a massa e a outra para a carga do electrão. Este processo de renormalização nunca teve um fundamento conceptual ou matemático muito firme, mas funcionava bastante bem na prática. O seu grande sucesso foi a previsão de um pequeno deslocamento - o desvio de Lamb - de algumas linhas do espectro do hidrogénio
atómico. No entanto, o processo não era muito satisfatório no que dizia respeito às tentativas de construção de uma teoria completa, porque não fazia quaisquer previsões dos valores dos restos finitos, derivados de subtracções infinitas. Assim, seria preciso recorrer novamente ao princípio antrópico para explicar a massa e a carga apresentadas pelo electrão. Durante os anos 50 e 60, a crença geral era a de que as forças nucleares fraca e forte não eram renormalizáveis; ou seja, requeriam um número infinito de subtracções infinitas para se tornarem finitas. Havia um número infinito de restos finitos que não eram determinados pela teoria. O poder previsional desta teoria seria nulo, por ser impossível medir um número infinito de parâmetros. Contudo, em 1971, Gerard't Hoof mostrou que um modelo unificado das interacções fracas e electromagnéticas, anteriormente proposto por Abdus Salam e Steven Weinberg, era efectivamente renormalizável, apenas com um número finito de subtracções infinitas. Na teoria de Salam-Weinberg, ao fotão, partícula de spin 1 que transporta a interacção electromagnética, juntam-se as três outras parceiras de spin 1, chamadas W elevado a +, W elevado a menos e Z elevado a 0. Para energias muito elevadas, prevê que estas quatro partículas se comportem de maneira similar. No entanto, para baixas energias, um fenómeno, designado por "quebra espontânea de simetria", é invocado para explicar o facto de o 59 fotão ter massa nula em repouso, enquanto que W elevado a mais, W elevado a menos e Z elevado a 0 têm massas elevadas. As previsões desta teoria para baixas energias concordaram notavelmente com a observação, o que levou a Academia Sueca a atribuir, em 1979, o Prémio Nobel da Física a Salam, a Weinberg e ainda a Sheldon Glashow, que elaborara igualmente teorias unificadas similares. No entanto, Glashow comentou que a Comissão Nobel arriscara bastante na atribuição daquele prémio, visto que ainda não dispomos de aceleradores de partículas com energia suficientemente elevada para testar a teoria, no regime onde se dá realmente a unificação entre as forças electromagnéticas, transportadas pelo protão, e as forças fracas, transportadas por W+, W~ e Z°. Dentro de alguns anos, estarão prontos aceleradores suficientemente potentes e muitos físicos estão confiantes de que conseguirão confirmar a teoria de Salam-Weinberg.* O sucesso da teoria de Salam-Weinberg conduziu à pesquisa de uma teoria renormalizável semelhante, para as interacções fortes. Desde muito cedo se soube que o protão e outros hadrões, tais como o mesão pi, não podiam ser autênticas partículas elementares, mas sim estados ligados de outras partículas chamadas quarks. Estas últimas parecem apresentar a curiosa propriedade de, embora podendo deslocar-se de forma consideravelmente livre no interior de um hadrão, não apresentarem uma existência independente umas das outras. Surgem sempre em grupos de três (como no protão ou no neutrão) ou em pares compostos por um quark e antiquark (como no mesão pi). Para explicar esta propriedade, os quarks foram dotados de um atributo chamado "cor", que nada tem a ver com a nossa percepção normal de cor; os quarks são demasiado pequenos para serem observados com a luz visível. Não passa de uma designação conveniente. Os quarks surgem em três cores - vermelho, verde e azul-, mas qualquer estado ligado isolado, tal como o hadrão, é incolor, por ser ou uma combinação de vermelho, verde e azul como o protão,
* De facto, as partículas W e Z foram observadas no CERN em 1983 e outro prémio Nobel foi atribuído em 1984 a Carlo Rubbia e Simon van der Meere, que chefiaram a equipa autora da descoberta. Só 't Hooft não recebeu qualquer prémio. 60 ou uma mistura de vermelho e antivermelho,verde e antiverde e azul e antiazul como o mesão pi. As interacções fortes entre os quarks são supostamente transportadas por partículas de spin 1 chamadas gluões, à semelhança das partículas que transportam a interacção fraca. Os gluões também transportam cor, e tanto eles como os quarks obedecem a uma teoria renormalizável chamada cromodinâmica quântica ou, abreviadamente, CDQ. Uma das consequências do procedimento de renormalização é a dependência da constante de acoplamento efectivo da teoria em relação à energia à qual é medida, diminuindo para zero para valores de energia muito elevados. Este fenómeno é conhecido por liberdade assimptótica. Significa que os quarks do interior de um hadrão se comportam quase como partículas livres em colisões de alta energia, pelo que as suas perturbações podem ser tratadas com sucesso pela teoria da perturbação. As previsões da teoria da perturbação estão em concordância qualitativa razoável com a observação, mas não se pode afirmar que a teoria foi experimentalmente verificada. A baixas energias, a constante de acoplamento efectivo aumenta muito e a teoria da perturbação deixa de ser válida. Espera-se que esta "escravatura infravermelha" venha a explicar por que razão os quarks estão sempre confinados a estados ligados incolores, mas até agora ninguém foi capaz de o demonstrar de forma realmente convincente. Tendo obtido uma teoria renormalizável para as interacções fortes e outra para as interacções fracas e electromagnéticas, era natural procurar uma teoria que combinasse as duas. Estas teorias recebem o título, deveras exagerado, de "grandes teorias unificadas", ou GUT.3 Esta designação é bastante enganosa pois as teorias não são assim tão grandes, nem completamente unificadas, nem sequer completas, pois apresentam um certo número de parâmetros de renormalização indeterminados tais como massas e constantes de acoplamento. Ainda assim, podem representar uma etapa significativa em direcção a uma teoria unificada completa. 3 Grand Unified Theories. (N. da T.) 61 A ideia básica é que a constante de acoplamento efectivo das interacções fortes, que é grande a baixas energias, decresce gradualmente a altas energias devido à liberdade assimptótica. Por outro lado, a constante de acoplamento efectivo da teoria de SalamWeinberg, que é baixa para energias baixas, aumenta gradualmente para energias elevadas por ser uma teoria não assimptótica. Se extrapolarmos a taxa de aumento e de diminuição das constantes de acoplamento para energias baixas, descobrimos que as duas constantes de acoplamento se igualam para um valor de energia de cerca de 1015 GeV. (GeV significa um bilião de electrões-volt. É aproximadamente a energia que seria libertada se se pudesse converter totalmente um átomo de hidrogénio em energia. Por comparação, a energia libertada em reacções químicas como a combustão é da ordem de um electrão-volt por átomo.) As teorias propõem que, acima desta
energia, as interacções fortes estão unificadas com as interacções fracas e electromagnéticas, mas que, para energias mais baixas, existe uma quebra espontânea de simetria. Uma energia de 10 elevado a 15 GeV está largamente fora do alcance do equipamento de qualquer laboratório; a geração actual de aceleradores de partículas pode produzir energias de centro de massa de cerca de 10 GeV, e a próxima geração produzirá energias da ordem dos 100 GeV. Estes valores serão suficientes para investigar a gama de energia na qual as forças electromagnéticas se deverão unificar com as forças fracas, segundo a teoria de Salam-Weinberg, mas não a energia extraordinariamente elevada à qual se prevê que as interacções fracas e electromagnéticas se unifiquem com as interacções fortes. Apesar disso, existem previsões das grandes teorias unificadas para baixas energias, passíveis de serem verificadas em laboratório. Por exemplo, as teorias prevêem que o protão não deve ser completamente estável, decaindo com um tempo de vida da ordem dos 10 elevado a 31 anos. O actual limite experimental inferior é cerca de 10 elevado a 30 anos, e deverá ser possível melhorálo. Outra previsão observável diz respeito ao rácio de bariões e fotões no Universo. As leis da física parecem as mesmas tanto para as partículas como para as antipartículas. Mais precisamente, são as mesmas se as 62 partículas forem substituídas por antipartículas, o lado direito for substituído pelo esquerdo, e as velocidades de todas as partículas forem invertidas. Este enunciado é conhecido por teorema CPT, e é uma consequência de hipóteses básicas, que devem ser válidas em qualquer teoria razoável. Contudo, a Terra e, na realidade, todo o sistema solar, são formados por protões e neutrões e não existem quaisquer antiprotões ou antineutrões. Efectivamente, tal desequilíbrio entre partículas e antipartículas é mais outra condição a priori para a nossa existência, pois se o sistema solar fosse composto por uma mistura de igual número de partículas e antipartículas elas deveriam aniquilar-se mutuamente, deixando apenas radiação. Da ausência observada dessa radiação de aniquilação podemos concluir que a nossa galáxia é formada inteiramente por partículas e não por antipartículas. Não temos prova directa de outras galáxias, mas parece provável que sejam compostas por partículas e que, no Universo global, exista um excesso de partículas em relação a antipartículas de cerca de uma partícula por 10 elevado a 8 fotões. Poderíamos procurar uma explicação para isto invocando o princípio antrópico, mas as grandes teorias unificadas proporcionam realmente um mecanismo possível para justificar o desequilíbrio. Embora todas as interacções pareçam invariantes sob a combinação de C (substituir partículas por antipartículas), P (trocar lado direito pelo esquerdo) e T (inverter o sentido do tempo), é sabido que existem interacções não invariantes apenas com T. No Universo primordial, em que existia uma seta de tempo bem definida, dada pela expansão, estas interacções podiam produzir mais partículas do que antipartículas. No entanto, o seu número é muito dependente do modelo e, por isso, esta concordância com a observação dificilmente constitui uma confirmação das grandes teorias unificadas. Até agora, a maioria dos esforços foi devotada à unificação das três primeiras categorias de interacções físicas: as forças nucleares forte e fraca e o electromagnetismo. A quarta e última, a gravidade, foi negligenciada. Uma justificação
para isso é que a gravidade é tão fraca que os efeitos quânticos gravitacionais seriam grandes apenas para energias das partículas muito acima dos valores que se conseguem obter em qualquer 63 acelerador. Outra razão reside no facto de a gravidade não aparentar ser renormalizável; de modo a obter respostas finitas, é necessário efectuar um número infinito de subtracções infinitas, obtendo-se um correspondente número infinito de restos finitos indeterminados. Porém, há que considerar a gravidade se se pretende obter uma teoria completamente unificada. Além do mais, a teoria clássica da relatividade geral prevê a existência de singularidades do espaço-tempo, nas quais o campo gravitacional se tornaria infinitamente forte. Estas singularidades ocorreriam no passado, no princípio da expansão actual do Universo (o "big bang"), e no futuro, no colapso gravitacional de estrelas e, eventualmente, do próprio Universo. A previsão da existência de singularidades indica presumivelmente que a teoria clássica deixará de ser válida. No entanto, parece não haver razão para que isso aconteça antes de o campo gravitacional se tornar forte o suficiente para que os efeitos quânticos gravitacionais se revelem importantes. Deste modo, uma teoria quântica da gravidade é essencial se pretendemos descrever o Universo primordial e obter assim uma explicação para as condições iniciais, que transcenda o mero recurso ao princípio antrópico. Tal teoria é também necessária se queremos uma resposta para a pergunta: tem o tempo um princípio e, possivelmente, um fim, tal como prevê a relatividade geral clássica, ou estão as singularidades do "big bang" e do grande esmagamento4 diluídas de alguma forma pelos efeitos quânticos? É uma pergunta cujo significado é difícil de definir, quando as próprias estruturas do espaço e tempo estão sujeitas ao princípio de incerteza. O meu sentimento pessoal é que, provavelmente, as singularidades ainda estão presentes, embora se possa considerar que o tempo continua para lá delas num certo sentido matemático. No entanto, qualquer conceito subjectivo de tempo, que estivesse relacionado com a consciência ou com a capacidade de realizar medições, terminaria na singularidade. Quais são as perspectivas de obter uma teoria quântica da gravidade 4 Big Crunch no original. (N. da T.) 64 e de a unificar com as outras três categorias de interacção? A melhor esperança parece residir numa extensão da relatividade geral, chamada supergravidade. Nesta, o gravitão, a partícula de spin 2 que transporta a interacção gravitacional, está relacionada com um certo número de campos de spin inferior, através de transformações de supersimetria. Uma teoria como esta tem o grande mérito de resolver a velha dicotomia entre "matéria", representada por partículas de spin semiinteiro, e "interacções", representadas por partículas de spin inteiro. Tem também a grande vantagem de muitas das indeterminações que surgem na teoria quântica se cancelarem mutuamente. Ainda desconhecemos se todas elas se cancelam mutuamente para dar uma teoria que é finita e não apresenta quaisquer subtracções infinitas. Espera-se que assim seja, porque se pode demonstrar que as teorias que
incluem a gravidade são ou finitas ou não renormalizáveis; isto é, se forem necessárias quaisquer subtracções infinitas, então teremos de efectuar um número infinito delas, obtendo um correspondente número infinito de restos indeterminados. Assim, se todas as indeterminações na supergravidade se cancelarem mutuamente, teremos uma teoria que não só unifica completamente todas as partículas de matéria e interacções, mas será igualmente completa no sentido em que não terá quaisquer parâmetros de renormalização indeterminados. Embora ainda não disponhamos de uma teoria da gravidade quântica adequada, e muito menos de uma teoria que a unifique com as outras interacções físicas, temos uma ideia de algumas das características que deverá apresentar. Uma delas está relacionada com o facto de a gravidade afectar a estrutura causal do espaço-tempo; ou seja, a gravidade determina os acontecimentos que possam estar causalmente relacionados uns com os outros. Um exemplo disso na teoria clássica da relatividade geral é oferecido por um buraco negro, uma região do espaço-tempo em que o campo gravitacional é tão forte que toda a luz ou qualquer outro sinal é sorvido para dentro da região e não consegue escapar para o mundo exterior. O intenso campo gravitacional junto ao buraco negro provoca a criação de pares de partículas e antipartículas, uma das quais cai no interior do buraco negro enquanto a outra se escapa para o infinito. 65 A partícula que escapa parece ter sido emitida pelo buraco negro. Um observador, situado a certa distância do buraco negro, apenas consegue medir as partículas que saem e não pode correlacioná-las com as que caem no buraco negro porque não as vê. Isto significa que as partículas que saem tem um grau suplementar de aleatoriedade ou imprevi-sibilidade, acima do que está normalmente associado ao princípio de incerteza. Em situações normais, o princípio de incerteza implica que se pode prever com exactidão ou a posição da partícula ou a sua velocidade ou ainda uma combinação de posição e velocidade. Assim, em termos grosseiros, a capacidade de fazer previsões definidas é diminuída para metade. Contudo, no caso de partículas emitidas por um buraco negro, o facto de não se conseguir observar o que se passa no interior do buraco negro significa que não é possível prever com exactidão as posições nem as velocidades das partículas emitidas. Só é possível indicar probabilidades de as partículas serem emitidas de certas maneiras. Parece, portanto, que mesmo que descubramos uma teoria unificada só seremos capazes de realizar previsões estatísticas. Teríamos também que abandonar a perspectiva segundo a qual existe apenas o Universo que observamos. Em vez disso, teríamos de adoptar um esquema que compreendesse o conjunto de todos os universos possíveis com uma certa distribuição de probabilidade. Isto poderia explicar por que é que o Universo começou no "big bang", num equilíbrio térmico quase perfeito. O equilíbrio térmico corresponderia ao maior número de configurações microscópicas e, portanto, à maior das probabilidades. Parafraseando o filósofo de Voltaire, Pangloss5: "Vivemos no mais provável de todos os mundos possíveis." Quais as perspectivas de descobrirmos uma teoria unificada completa num futuro não muito distante? De cada vez que alargamos as nossas observações a escalas de comprimento mais pequenas e a maiores energias, descobrimos novos estratos
estruturais. No princípio do século, 5 Personagem do romance Cândido, caracteriza-se por professar um optimismo tal que nem as piores adversidades conseguem abalar. (N. da T.) 66 a descoberta do movimento Browniano, baseada numa partícula com a energia típica de 3x10 elevado a menos 2 eV, mostrou que a matéria não era contínua, mas formada por átomos. Pouco tempo depois, descobriu-se que estes átomos supostamente indivisíveis eram constituídos por electrões, girando em torno de um núcleo, com energias da ordem de uns poucos electrões--volts. Por seu turno, descobriu-se que o núcleo era composto por partículas elementares, protões e neutrões, unidas por ligações nucleares da ordem dos 10 elevado a 6 eV. O episódio mais recente desta história é a descoberta de que o protão e o neutrão são formados por quarks, unidos por ligações da ordem dos 10 elevado a 9 eV. E um tributo ao avanço que conseguimos na física teórica, a necessidade de máquinas enormes e de grandes somas de dinheiro para realizar uma experiência cujos resultados não conseguimos prever. A nossa experiência passada pode sugerir que existe uma sequência infinita de estratos estruturais com energias crescentes. Na realidade, esta perspectiva de uma regressão infinita de caixas dentro de outras caixas constituía o dogma oficial na China durante o governo do "Bando dos Quatro". No entanto, parece que a gravidade deve fornecer um limite, mas apenas para uma escala de comprimento muito curta, de 10 elevado a menos 33 cm, ou para a energia elevadíssima de 10elevado a 28 eV. Para escalas de comprimento menores do que a anterior, seria de esperar que o espaçotempo parasse de se comportar como um meio contínuo liso e adquirisse uma estrutura semelhante à da espuma, devido às flutuações quânticas do campo gravitacional. Há uma vastíssima região inexplorada entre o nosso actual limite experimental de cerca de 10 elevado a10 eV e o "corte" gravitacional que ocorre a 10 elevado a 28 eV. Poderia parecer ingénuo admitir, à semelhança das grandes teorias unificadas, que existe apenas um ou dois estratos estruturais neste intervalo enorme. No entanto, há razões para estarmos optimistas. Pelo menos para já, parece que a gravidade apenas pode ser unificada com as outras interacções físicas no âmbito de uma teoria de supergravidade. Parece existir apenas um número finito dessas teorias. A maior delas é conhecida por supergravidade N=8 estendida. Esta teoria 67 contém um gravitão, oito partículas de spin 3/2 chamadas gravitinos, vinte e oito partículas de spin 1, cinquenta e seis partículas de spin 1/2 e setenta partículas de spin 0. Por muito grandes que estes números sejam, não conseguem explicar todas as partículas que observamos em interacções fortes e fracas. Por exemplo, a teoria N=8 tem vinte e oito partículas de spin 1. Estas são suficientes para explicar os gluões que transportam as interacções fortes e duas das quatro partículas que transportam as interacções fracas, mas não as outras duas. Poder-se-ia portanto pensar que muitas ou mesmo a maioria das partículas observadas, tais como os gluões e os quarks, não são verdadeiramente elementares, como julgamos agora, mas constituem estados ligados das partículas N=8 fundamentais. Não é provável que venhamos a dispor de aceleradores suficientemente potentes para sondar estas estruturas compósitas num
futuro próximo, ou mesmo longínquo, se se fizer uma projecção baseada nas actuais tendências económicas. Ainda assim, o facto destes estados ligados emergir da bem definida teoria N=8, deveria permitir-nos realizar um certo número de previsões que poderiam ser testadas com energias acessíveis no presente ou num futuro próximo. A situação poderia assim assemelhar-se à criada pela teoria de Salam--Weinberg, ao unificar o electromagnetismo e as interacções fracas. As previsões desta teoria para energias baixas estão em tão boa concordância com a observação que, actualmente, a teoria é aceite na generalidade, ainda que não tenhamos ainda alcançado a energia à qual a unificação deverá ocorrer. Uma teoria que descreva o Universo deverá apresentar algum traço muito distintivo. Por que razão esta teoria ganhou vida enquanto outras teorias só existem nas mentes dos seus inventores? A teoria da super-gravidade N=8 tem motivos para se apresentar como especial. Aparenta ser a única teoria que: 1. funciona em quatro dimensões 2. incorpora a gravidade 3. é finita sem quaisquer subtracções infinitas. 68 Já salientei que a terceira propriedade é necessária se pretendermos uma teoria completa e sem parâmetros. No entanto, é difícil explicar as propriedades 1 e 2 sem recorrer ao princípio antrópico. Aparenta ser uma teoria consistente que satisfaz as propriedades 1 e 3, mas não inclui a gravidade. No entanto, tal Universo provavelmente não seria auto--suficiente quanto a forças atractivas que congregassem a matéria nos grandes agregados que, provavelmente, são necessários ao desenvolvimento de estruturas complicadas. Por que é que o espaço-tempo deve ser quadridimensional é uma questão que é normalmente considerada fora do domínio da física. Contudo, há também um bom argumento, baseado no princípio antrópico, para essa questão. As três dimensões do espaço-tempo - ou seja, duas espaciais e uma temporal - são claramente insuficientes para qualquer organismo complicado. Por outro lado, se existissem mais do que três dimensões espaciais, as órbitas dos planetas em torno do Sol ou dos electrões em torno do núcleo seriam instáveis e decairiam em movimento espiral para o interior. Persiste a possibilidade de existir mais do que uma dimensão temporal, mas é-me muito difícil imaginar um Universo como este. Até aqui, assumi implicitamente que existe uma teoria final. Mas existirá de facto? As possibilidades são, pelo menos, três: 1. Há uma teoria unificada completa. 2. Não há uma teoria final, mas sim uma sequência infinita de teorias, tais que qualquer classe particular de observações pode ser prevista através do aprofundamento de uma das teorias. 3. A teoria não existe. As observações não podem ser descritas nem previstas para além de um certo ponto, tornando-se apenas arbitrárias. A terceira perspectiva foi proposta como argumento contra os cientistas dos séculos dezassete e dezoito: "Como podiam eles formular leis que iriam coarctar a liberdade de Deus para mudar de opinião?" No entanto, eles fizeram-no, e seguiram em frente. No presente, eliminamos efectivamente a terceira hipótese, incorporando-a no nosso esquema: a
69 mecânica quântica é essencialmente uma teoria do que não conhecemos nem conseguimos prever. Da segunda hipótese resultaria uma sequência infinita de estruturas, com energias cada vez mais elevadas. Como já referi, isto parece improvável, porque se esperaria que houvesse um corte para o valor da energia de Planck de IO28 eV. Resta-nos a primeira hipótese. Actualmente, a teoria da supergravidade N=8 é a única candidata plausível.6 É provável que se efectue um certo número de cálculos cruciais nos anos mais próximos, que provavelmente mostrarão que a teoria não funciona. Se uma teoria sobreviver a estes testes, passarão talvez mais alguns anos até desenvolvermos métodos computacionais que nos permitam realizar previsões, e até conseguirmos compreender as condições iniciais do Universo, bem como as leis físicas locais. Estes serão os problemas centrais de que se ocuparão os físicos teóricos nos próximos vinte anos. Contudo, e para finalizar com uma nota ligeiramente alarmista, este intervalo de tempo poderá bastar. De momento, os computadores são um auxiliar útil da investigação, mas precisam de mentes humanas para funcionar. No entanto, se extrapolarmos a sua rápida taxa de desenvolvimento actual, parece muito possível que eles tomem o poder na física teórica. Por isso, talvez esteja à vista o fim dos físicos teóricos, se não mesmo da física teórica. 6 As teorias da supergravidade aparentam ser as únicas teorias de partículas que apresentam as propriedades 1, 2 e 3 mas, desde a data em que este ensaio surgiu, houve uma grande vaga de interesse nas chamadas teorias das supercordas. Nestas teorias, os objectos básicos não são partículas pontuais mas objectos com extensão, semelhantes a pequenos laços de corda. Segundo a teoria, o que nos parece uma partícula é, na realidade, uma vibração num laço. Estas teorias das supercordas parecem reduzir-se à supergravidade para o limite inferior de energia, mas até hoje não tiveram grande sucesso as tentativas de obtenção de previsões da teoria das supercordas, que sejam verificáveis experimentalmente. (N. da T.) 70 CAPÍTULO 8 O SONHO DE EINSTEIN* Nos primeiros anos do século vinte, duas novas teorias mudaram completamente a forma como pensamos no espaço e no tempo, e na própria realidade. Passados mais de setenta e cinco anos, ainda estudamos as implicações daquelas teorias, e tentamos combiná-las numa teoria unificada que descreverá tudo o que existe no Universo. As duas teorias são a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica. A teoria da relatividade geral ocupa-se do espaço e do tempo, de como são encurvados ou deformados em macro-escala pela matéria e energia do Universo. A mecânica quântica, por outro lado, ocupa-se de escalas muito pequenas. Inclui o princípio de incerteza, que afirma que não se pode medir, com exactidão e em simultâneo, a posição e a velocidade de uma partícula; quanto mais exacta a medição de uma, menos
exacta é a medição da outra. Há sempre um elemento de incerteza ou de acaso, e isso afecta o comportamento da matéria em micro-escala de maneira fundamental. Einstein foi praticamente o único responsável pela relatividade geral, e desempenhou um papel importante no desenvolvimento da mecânica quântica. A sua opinião acerca desta teoria foi sintetizada na frase: "Deus não joga aos dados". Mas todas as evidências mostram que Deus é um jogador inveterado, e que lança os dados em todas as ocasiões possíveis. * Palestra proferida na Sessão Paradigma da NTT Data Communications Systems Corporation em Tóquio, em Julho de 1991. 71 Neste ensaio, tentarei transmitir as ideias básicas subjacentes a estas duas teorias, e explicar as razões pelas quais Einstein se sentiu tão infeliz com a mecânica quântica. Descreverei também algumas das coisas notáveis que parecem acontecer quando se tenta combinar as duas teorias. Elas indicam que o tempo teve um princípio há cerca de quinze biliões de anos, e que poderá ter um fim no futuro. Porém, noutro género de tempo, o Universo não tem fronteira. Não é criado nem destruído. Existe, simplesmente. Começarei pela teoria da relatividade. As leis nacionais são válidas apenas num país, mas as leis da física são as mesmas na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e no Japão. São também iguais em Marte e na galáxia de Andrómeda. Mais ainda, as leis são as mesmas independentemente da velocidade a que nos deslocamos. As leis são as mesmas num comboio rápido ou num avião a jacto, tal como para uma pessoa de pé num dado lugar. De facto, uma pessoa que esteja imóvel na superfície da Terra movese a uma velocidade de cerca de 18,6 milhas (30 quilómetros) por segundo em torno da galáxia. O Sol desloca-se também a várias centenas de quilómetros por segundo em torno da galáxia. Contudo, todo este movimento não interfere com as leis da física; elas são as mesmas para todos os observadores. A independência em relação à velocidade do sistema foi descoberta por Galileu, que desenvolveu as leis do movimento de objectos como bolas de canhão ou planetas. No entanto, surgiu um problema quando se procurou estender esta independência em relação à velocidade do observador às leis que governam o movimento da luz. No século dezoito, descobrira-se que a luz não viaja instantaneamente entre a fonte e o observador; pelo contrário, tem uma determinada velocidade, de cerca de 186 000 milhas (300 000 quilómetros) por segundo. Mas esta velocidade é relativa a quê? Parecia que devia existir algum meio ao longo do espaço através do qual a luz viajasse. Este meio era conhecido por éter. As ondas de luz viajavam a uma velocidade de 186 000 milhas por segundo através do éter, o que significava que um observador que estivesse em repouso em relação ao éter mediria a velocidade da luz em 72 cerca de 186 000 milhas por segundo, mas um observador em movimento através do éter mediria uma velocidade maior ou menor para a luz. Em particular, pensava-se que a velocidade da luz devia mudar à medida que a Terra se deslocava através do éter, na sua órbita em torno do Sol. No entanto, em 1887, uma cuidadosa experiência desenvolvida por Michel-son e Morley mostrou que a velocidade da luz era sempre a mesma. Qualquer que fosse a velocidade do observador, este mediria sempre a velocidade da luz em 186 000 milhas por segundo.
Como pode isto ser verdadeiro? Como podem observadores deslocando-se a velocidades diferentes medir uma mesma velocidade para a luz? A resposta é que não podem, pelo menos se as nossas ideias normais de espaço e tempo forem verdadeiras. No entanto, num artigo famoso escrito em 1905, Einstein salientou que tais observadores poderiam, todos eles, medir a mesma velocidade da luz se abandonassem a ideia de tempo universal. Em vez disso, cada um deles teria um tempo individual próprio, medido por um relógio que cada um transportaria consigo. Os tempos medidos pelos diferentes relógios concordariam quase exactamente, se se movessem lentamente uns em relação aos outros - mas os tempos medidos por diferentes relógios difeririam significativamente se os relógios se movessem a velocidades elevadas. Este efeito foi efectivamente observado pela comparação de um relógio situado no solo com outro a bordo de um avião; o relógio do avião funciona de forma ligeiramente mais lenta quando comparado com o do solo. No entanto, para velocidades normais de deslocamento, as diferenças entre o funcionamento dos relógios são muito pequenas. Teríamos que voar à volta do mundo quatrocentas milhões de vezes para acrescentar um segundo às nossas vidas; mas a nossa vida seria reduzida por um intervalo de tempo superior, graças à má qualidade das refeições a bordo do avião. De que modo o facto de disporem de um tempo individual faz com que pessoas viajando a diferentes velocidades meçam a mesma velocidade para a luz? A velocidade de um impulso de luz é a distância percorrida entre dois acontecimentos, dividida pelo intervalo de tempo entre 73 os acontecimentos. (Neste sentido, um acontecimento é algo que ocorre num ponto singular do espaço, num ponto de tempo especificado.) As pessoas que se deslocam a velocidades diferentes não concordarão quanto à distância entre dois acontecimentos. Por exemplo, se eu medir o percurso de um automóvel numa auto-estrada, poderei concluir que aquele se deslocou apenas um quilómetro, mas para alguém situado no Sol, o automóvel ter-se-á deslocado cerca de 1800 quilómetros, porque a Terra se moveu enquanto o automóvel percorria a estrada. Como as pessoas que se movem a velocidades diferentes medem distâncias diferentes entre os acontecimentos, deverão medir também intervalos de tempo diferentes se concordarem quanto à velocidade da luz. A teoria da relatividade de Einstein, proposta originariamente num artigo famoso escrito em 1905, é a que agora conhecemos por teoria da relatividade especial. Descreve o modo como os objectos se deslocam através de espaço e tempo. Mostra que o tempo não é uma grandeza universal, independente do espaço. Pelo contrário, o futuro e o passado são apenas direcções, como "cima" e "baixo", "esquerda" e "direita", "em frente" e "para trás", naquilo que designamos por espaço-tempo. Só podemos avançar na direcção futura do tempo, mas podemos desviar-nos segundo um pequeno ângulo. É por isso que o tempo pode decorrer a velocidades diferentes. A teoria da relatividade especial combinava o tempo com o espaço, mas o espaço e o tempo compunham ainda um cenário fixo no qual ocorriam os acontecimentos. Podíamos escolher trajectórias diferentes através do espaço-tempo, mas nada podíamos fazer para modificar o cenário de espaço e tempo. No entanto, tudo isto mudou quando Einstein formulou a teoria da relatividade geral em 1915. Ele teve a
ideia revolucionária de que a gravidade não era apenas uma força que operava num cenário fixo de espaço-tempo. Em vez disso, a gravidade era uma distorção do espaçotempo, provocada pela massa e pela energia nele existentes. Objectos como bolas de canhão e planetas procuram mover-se em linha recta através do espaço-tempo, mas como este é encurvado, deformado e está longe de ser plano, as trajectórias dos objectos são 74 distorcidas. A Terra procura deslocar-se segundo uma linha recta através do espaçotempo, mas a curvatura deste, produzida pela massa solar, obriga-a a descrever um círculo em volta do Sol. De modo semelhante, a luz tenta deslocar-se em linha recta, mas a curvatura do espaço-tempo perto do Sol provoca a deflexão da luz proveniente de estrelas distantes, quando esta passa junto do Sol. Normalmente, não conseguimos ver as estrelas que estão aproximadamente na mesma direcção que o Sol. Durante um eclipse, contudo, quando a maior parte da luz solar é bloqueada pela Lua, podemos observar a luz dessas estrelas. Einstein concebeu a teoria da relatividade geral durante a Primeira Guerra Mundial, numa altura em que não havia condições para testar observações científicas, mas pouco depois do fim da guerra uma expedição britânica observou o eclipse de 1919 e confirmou as previsões da relatividade geral: o espaço-tempo não é plano, está encurvado pela matéria e energia que comporta. Este foi o maior triunfo de Einstein. A sua descoberta transformou completamente a forma como pensamos no espaço e no tempo. Deixava de existir um cenário passivo em que tinham lugar os acontecimentos. Não podíamos continuar a considerar o espaço e o tempo como eternos, sem serem afectados pelo que acontece no Universo. Passavam a ser grandezas dinâmicas que influenciavam, e eram influenciadas, pelos acontecimentos que neles ocorriam. Uma propriedade importante da massa e da energia é serem sempre positivas. Por este motivo, a gravidade atrai sempre os corpos uns para os outros. Por exemplo, a gravidade da Terra atrai-nos para ela, mesmo que estejamos em lados opostos do planeta. É por isso que os australianos não caem do mundo. De modo semelhante, a gravidade do Sol mantém os planetas em órbita em torno de si, e impede a Terra de se evadir para a escuridão do espaço interestelar. Segundo a relatividade geral, a massa sempre positiva implica que o espaço-tempo esteja encurvado sobre si próprio, como a superfície da Terra. Se a massa fosse negativa, o espaço-tempo estaria encurvado no outro sentido, como a superfície de uma sela. Esta curvatura positiva do espaçotempo, que reflecte o 75 facto de a gravidade ser atractiva, era considerado por Einstein como um grande problema. A crença geral era a de que o Universo era estático, mas se o espaço e particularmente o tempo eram encurvados sobre si mesmos, como podia o Universo continuar para sempre, aproximadamente no mesmo estado que apresenta actualmente? As primitivas equações da relatividade geral de Einstein previam que o Universo se estava ou a expandir ou a contrair. Portanto, Einstein acrescentou um termo às equações que relacionam a massa e a energia do Universo com a curvatura do espaçotempo. Esta "constante cosmológica" tinha um efeito gravitacional de repulsão. Por outras palavras, a curvatura negativa do espaço-tempo, produzida pela constante
cosmológica, podia cancelar a curvatura positiva do espaço-tempo, produzida pela massa e energia do Universo. Desta forma, era possível obter um modelo do Universo que continuava para sempre no mesmo estado. Se Einstein se tivesse ficado pelas equações primitivas, sem a constante cosmológica, teria previsto que o Universo se estava a expandir ou a contrair. Mas, como assim não aconteceu, a ideia de que o Universo mudava com o tempo só surgiu em 1929, quando Edwin Hubble descobriu que as galáxias distantes se estão a afastar de nós. O Universo está em expansão. Mais tarde, Einstein consideraria a constante cosmológica como "o maior erro da minha vida." Contudo, com ou sem a constante cosmológica, o facto da matéria provocar a curvatura do espaço-tempo sobre si mesmo continuava a ser um problema, embora, geralmente, não fosse reconhecido como tal. O que significava era que a matéria podia obrigar uma região a encurvar-se sobre si mesma de tal modo, que acabaria por se isolar efectivamente do resto do Universo. A região transformar-se-ia num buraco negro. Os objectos podiam cair dentro do buraco negro, mas nada podia escapar dele. Para o conseguirem, teriam que viajar a uma velocidade superior à da luz, o que não é permitido pela teoria da relatividade. Assim, a matéria ficaria aprisionada no interior do buraco negro, e colapsaria para um estado desconhecido de densidade muito elevada. Einstein ficou profundamente perturbado pelas implicações deste 76 colapso, e recusou-se a acreditar que acontecesse. Porém, em 1939, Robert Oppenheimer mostrou que uma estrela idosa, com mais do dobro da massa do Sol, sofreria um colapso inevitável quando esgotasse o seu combustível nuclear. Quando a guerra começou, Oppenheimer envolveu-se no projecto da bomba atómica e desinteressou-se do colapso gravitacional. Outros cientistas estavam mais preocupados com a física que podia ser estudada na Terra. Desconfiavam das previsões relativas a pontos distantes do Universo, porque não lhes parecia que pudessem ser testadas pela observação. Contudo, nos anos 60, o grande progresso na variedade e qualidade das observações astronómicas conduziu a um interesse renovado no colapso gravitacional e no Universo primitivo. As previsões exactas da teoria da relatividade de Einstein para estas situações permaneceram pouco claras até Roger Penrose e eu próprio demonstrarmos uma série de teoremas. Estes mostravam que o facto do espaço--tempo estar encurvado sobre si mesmo implicava a existência de singularidades, lugares onde o espaço-tempo tinha um princípio ou um fim. Tivera um princípio no "big bang", há cerca de quinze biliões de anos, e tinha um fim para uma estrela que colapsava e para tudo o que caía no buraco negro criado pela estrela em colapso. O facto de a teoria da relatividade geral de Einstein prever singularidades provocou uma crise na física. As equações da relatividade geral, que relacionam a curvatura do espaço-tempo com a distribuição de massa e de energia, não podem ser definidas numa singularidade. Isto significa que a relatividade geral não pode prever o que resulta de uma singularidade. Em particular, a relatividade geral não pode prever como o Universo teria começado no "big bang". Assim, a relatividade geral não é uma teoria completa. Precisa de um ingrediente suplementar para determinar a forma como o Universo teria começado, e o que deve acontecer quando a matéria colapsa
sob a própria gravidade. O ingrediente suplementar necessário parece ser a mecânica quântica. Em 1905, no mesmo ano em que escreveu o seu artigo sobre a teoria da relatividade especial, Einstein escreveu também sobre um fenómeno chamado efeito fotoeléctrico. Observara-se que quando a luz 77 incidia em certos metais, havia ejecção de partículas carregadas. O problema estava em que, quando a intensidade da luz era reduzida, o número de partículas emitidas diminuía, mas a velocidade com que cada partícula era emitida permanecia igual. Einstein mostrou que este resultado podia ser explicado se a luz não se apresentasse em quantidades continuamente variáveis, como toda a gente supunha, mas apenas em "pacotes" com um determinado tamanho. A ideia dos pacotes de luz, chamados quanta, fora sugerida alguns anos antes pelo físico alemão Max Planck. É algo semelhante a dizer que não se pode comprar açúcar avulso num supermercado, mas apenas em embalagens de um quilograma. Planck utilizou a ideia de quanta para explicar por que motivo um pedaço de metal levado ao rubro não emite uma quantidade infinita de calor; mas considerava que os quanta não passavam de um artifício teórico, sem qualquer realidade física. O artigo de Einstein mostrou que é possível observar directamente quanta individuais. Cada partícula emitida correspondia a um quantum de luz incidente no metal. Este trabalho foi amplamente reconhecido como uma contribuição muito importante para a teoria quântica, o que lhe mereceu o Prémio Nobel em 1922. (Devia ter ganho o Nobel pela relatividade geral, mas a ideia de que o espaço e o tempo eram curvos era ainda considerada como demasiado especulativa e controversa, por isso preferiram atribuir-lhe o prémio pelo estudo do efeito fotoeléctrico - embora merecesse sem dúvida o prémio só por este trabalho.) As implicações totais do efeito fotoeléctrico só foram completamente compreendidas em 1925, quando Werner Heisenberg referiu que este fenómeno impossibilitava a medição da posição exacta de uma partícula. Para observar uma partícula, é preciso fazer incidir luz nela. Mas Einstein mostrou que não basta utilizar uma quantidade muito pequena de luz; é preciso usar pelo menos um pacote, ou quantum. Este pacote de luz perturbaria a partícula e fá-la-ia deslocar-se com uma certa velocidade noutra direcção. Quanto mais exactamente se quiser medir a posição de uma partícula, maior a energia do pacote que é necessário empregar, e maior a perturbação transmitida à partícula. Mesmo que se 78 tente realizar medições da partícula, a incerteza na sua posição, multiplicada pela incerteza na sua velocidade, será sempre superior a uma determinada quantidade mínima. Este princípio de incerteza de Heisenberg mostrou que não é possível medir com exactidão o estado de um sistema, pelo que não se pode prever exactamente o seu comportamento futuro. Só é possível prever as possibilidades de diferentes resultados. Foi este elemento de acaso, ou aleatoriedade, que perturbou Einstein. Ele recusou-se a acreditar que as leis físicas não conduzissem a uma previsão definida, sem qualquer ambiguidade, dos acontecimentos. Porém, independentemente da forma como o expressarmos, todas as evidências indicam que o fenómeno quântico e
o princípio de incerteza são inevitáveis e ocorrem em todos os ramos da física. A relatividade geral de Einstein é uma teoria clássica; ou seja, não integra o princípio de incerteza. Portanto, há que arranjar uma nova teoria que combine a relatividade geral com o princípio de incerteza. Em muitas situações, a diferença entre esta nova teoria e a relatividade geral clássica é muito pequena. Isto acontece porque, como referimos antes, a incerteza prevista pelos efeitos quânticos verifica-se apenas em escalas muito pequenas, enquanto a relatividade geral se ocupa da estrutura do espaço-tempo em escalas muito grandes. No entanto, os teoremas da singularidade que Roger Penrose e eu demonstrámos mostravam que o espaço-tempo se torna altamente curvo em escalas muito pequenas. Os efeitos do princípio de incerteza tornam-se então muito importantes, e parecem conduzir a alguns resultados notáveis. Parte dos problemas de Einstein com a mecânica quântica e com o princípio de incerteza derivam do facto de ele ter utilizado a noção vulgar, resultante do senso comum, de que um sistema tem uma história definida. Uma partícula está num ou noutro lugar. Não pode estar metade num e metade noutro. De modo semelhante, um acontecimento como a alunagem de astronautas ou ocorreu ou não ocorreu. Não pode ter semi-ocorrido. Também não se pode estar ligeiramente morto, ou ligeiramente grávida. Ou se está ou não se está. Mas se um sistema tem uma única 79 história bem definida, o princípio de incerteza conduz a todos os tipos de paradoxos, como as partículas que estão simultaneamente em dois lugares, ou os astronautas que apenas semidescem na Lua. Uma forma elegante de evitar estes paradoxos, que tanto preocuparam Einstein, foi avançada pelo físico americano Richard Feynman. Este físico tornou-se bem conhecido em 1948 pelo seu trabalho na teoria quântica da luz. Recebeu o Prémio Nobel em 1965 com outro americano, Julian Schwinger, e com o físico japonês Shinichiro Tomonaga. Mas ele era um físico de físicos, na tradição de Einstein. Odiava a pompa e circunstância, e demitiu-se da Academia Nacional das Ciências porque descobriu que passavam a maior parte do tempo a decidir quais os cientistas que deviam ser admitidos na Academia. Feynman, que faleceu em 1988, é recordado pelos muitos contributos que deu à física teórica. Um deles foi o diagrama que é conhecido pelo seu nome e que constitui a base de quase todos os cálculos em física de partículas. Mas um contributo ainda mais importante foi o seu conceito de soma de histórias. A ideia era a de que um sistema não tinha somente uma história no espaçotempo, como normalmente se admite numa teoria clássica não-quântica. Pelo contrário, um sistema pode conter todas as histórias possíveis. Consideremos, por exemplo, uma partícula que estava num ponto A num determinado instante. Normalmente, admitiríamos que a partícula se afastaria de A segundo uma linha recta. No entanto, de acordo com a soma de histórias, poderia deslocar-se segundo qualquer trajectória começada em A. É semelhante ao que sucede quando colocamos uma gota de tinta num pedaço de papel mata-borrão. As partículas de tinta dispersam-se pelo mata-borrão, segundo todas as trajectórias possíveis. Ainda que se bloqueie a linha recta entre dois pontos fazendo uma incisão no papel, a tinta contornará os cantos do corte. Associado com cada trajectória ou história da partícula estará um número que depende da forma da trajectória. A probabilidade da partícula viajar entre A e B é
obtida adicionando os números associados com todas as trajectórias que levam a partícula de A para B. Para a maioria dessas trajectórias, o número associado com cada uma delas cancelará 80 aproximadamente os números das trajectórias vizinhas. Deste modo, eles contribuirão em pouco para a probabilidade da partícula passar de A para B. Mas os números das trajectórias rectas adicionar-se-ão aos números das trajectórias quase rectas. Assim, o principal contributo para a probabilidade virá de trajectórias rectas, ou quase rectas. É por isso que o rasto deixado por uma partícula, quando passa através de uma câmara de bolhas, parece quase recto. Mas se se colocar uma espécie de parede com uma fenda no percurso da partícula, as trajectórias desta poderão dispersar-se para além da fenda. Pode existir uma grande probabilidade de encontrar a partícula longe da trajectória em linha recta que atravessa a fenda. Em 1973, comecei a investigar o efeito produzido pelo princípio de incerteza numa partícula do espaço-tempo curvo perto de um buraco negro. Espantosamente, descobri que o buraco negro não era completa-mente negro. O princípio de incerteza permite que partículas e radiação se escapem do buraco negro a uma taxa estacionária. Este resultado constituiu uma surpresa completa para mim e para toda a gente, e foi acolhido com descrença generalizada. Mas, pensando agora no assunto, parece-me que o resultado deveria ter sido óbvio. Um buraco negro é uma região do espaço da qual é impossível escapar se se viajar a uma velocidade inferior à da luz. Porém, a soma de histórias proposta por Feynman afirma que as partículas podem seguir qualquer trajectória através do espaço-tempo. Deste modo, é possível que uma partícula se desloque mais depressa que a luz. A probabilidade de uma partícula percorrer uma distância extensa a uma velocidade superior à da luz é pequena, mas pode viajar mais depressa que a luz ao longo da distância suficiente para sair do buraco negro, e continuar depois a uma velocidade inferior à da luz. Desta maneira, o princípio de incerteza permite que as partículas se escapem do que se julgava ser a derradeira prisão, um buraco negro. A probabilidade de uma partícula escapar de um buraco negro com a massa do Sol seria muito pequena, porque a partícula teria de percorrer vários quilómetros mais depressa que a luz. Mas é possível que existam buracos negros muito mais pequenos, formados na juventude do 81 Universo. Estes buracos negros primevos poderiam ser mais pequenos que o núcleo de um átomo, e, no entanto, a sua massa atingiria o bilião de toneladas, a massa do Monte Fuji. Emitiriam a mesma energia de uma grande central eléctrica. Se ao menos conseguíssemos descobrir um destes pequenos buracos negros e explorar a sua energia! Infelizmente, não parecem existir em grande número no Universo. A previsão da radiação dos buracos negros foi o primeiro resultado não trivial da combinação da relatividade geral de Einstein com o princípio quântico. Mostrou que o colapso gravitacional não era o beco sem saída que aparentava ser. As partículas num buraco negro não são obrigadas a ter um fim para as suas histórias numa singularidade. Em vez disso, podem escapar-se do buraco negro e continuar as suas histórias no exterior. Talvez o princípio quântico signifique que também se podem evitar as histórias que têm um princípio no tempo, um ponto de criação, no "big bang". Esta é uma questão de resposta muito mais difícil, porque envolve a aplicação do
princípio quântico à estrutura do próprio tempo e espaço, e não apenas às trajectórias das partículas num determinado cenário de espaço-tempo. Torna-se necessária uma forma de realizar a soma de histórias não apenas para partículas, mas para a totalidade do tecido de espaço e tempo. Ainda não sabemos como efectuar correctamente esta adição, mas conhecemos algumas das características que deve apresentar. Uma delas é ser mais fácil efectuar a soma se utilizarmos histórias no tempo imaginário, em vez de no tempo vulgar ou real. O tempo imaginário é um conceito difícil de entender e, provavelmente, é o que maiores problemas causou aos leitores do meu livro. Fui também severamente criticado pelos filósofos por utilizar o tempo imaginário. Como pode o tempo imaginário ter algo a ver com o Universo real? Penso que estes filósofos não assimilaram as lições da História. Outrora, era tido por óbvio que a Terra fosse plana e que o Sol girasse em torno da Terra, mas, desde o tempo de Copérnico e Galileu, fomos obrigados a adaptarmo-nos à ideia de que a Terra é redonda e que gira à volta do Sol. De modo semelhante, era óbvio que o tempo decorria à mesma taxa para 82 todos os observadores, mas desde a época de Einstein, fomos obrigados a aceitar que o tempo flui a taxas diferentes para observadores distintos. Também parecia óbvio que o Universo tivesse uma só história, mas a partir da descoberta da mecânica quântica, temos de considerar que todas as histórias são possíveis para o Universo. Quero sugerir que a ideia de tempo imaginário é algo que também seremos obrigados a aceitar. É um salto intelectual semelhante à crença na esfericidade da Terra. Penso que o tempo imaginário será considerado tão natural como uma Terra redonda o é actualmente. Não restam muitos Terráqueos Planos no mundo instruído. Podemos considerar o tempo comum, o tempo real como uma linha horizontal, que vai da esquerda para a direita. Os primeiros tempos estão à esquerda, e os tempos recentes à direita. Mas podemos igualmente considerar outra direcção do tempo, para cima e para baixo da página. É esta a chamada direcção imaginária do tempo, perpendicular ao tempo real. Qual a utilidade da introdução do conceito de tempo imaginário? Por que não nos ficamos pelo tempo real comum, aquele que compreendemos? Como referi antes, a razão está em que matéria e energia induzem o espaço-tempo a curvar-se sobre si próprio. Na direcção do tempo real, isto leva inevitavelmente a singularidades, locais onde o espaço-tempo tem um fim. Nas singularidades, as equações da física não estão definidas; assim não podemos prever o que acontecerá. Porém, a direcção do tempo imaginário é perpendicular à do tempo real. Isso significa que se comporta de maneira semelhante às três direcções que correspondem ao movimento no espaço. A curvatura do espaço-tempo, provocada pela matéria no Universo, pode então fazer com que as três direcções espaciais e a direcção do tempo imaginário se reunam. Formariam uma superfície fechada, semelhante à superfície da Terra. As três direcções espaciais e a do tempo imaginário formariam um espaço-tempo fechado sobre si próprio, sem fronteiras nem limites. Não existiria qualquer ponto que pudesse ser designado por princípio ou por fim, à semelhança do que sucede com a superfície da Terra. Em 1983, Jim Hartle e eu propusemos que a soma de histórias para o Universo não deveria ter em conta histórias no tempo real. Pelo 83
contrário, deveria considerar as histórias no tempo imaginário que fossem fechadas sobre si mesmas, tal como a superfície da Terra. Como estas histórias não apresentam quaisquer singularidades, nem qualquer princípio nem fim, o que nelas aconteceu seria inteiramente determinado pelas leis da física. Isso significa que o que sucedeu no tempo imaginário seria calculável. E se conhecermos a história do Universo no tempo imaginário, poderemos calcular como se comportará no tempo real. Desta maneira, podemos esperar obter uma teoria completamente unificada, que preveja tudo no Universo. Einstein passou os últimos anos da sua vida à procura dessa teoria. Não a descobriu por desconfiar da mecânica quântica. Não estava preparado para admitir que o Universo poderia ter muitas histórias alternativas, a hipótese subjacente à soma de histórias. Ainda não sabemos como efectuar adequadamente a soma de histórias para o Universo, mas temos quase a certeza que envolverá o tempo imaginário, e a ideia do espaço-tempo que se fecha sobre si próprio. Penso que estes conceitos virão a ser considerados naturais para a próxima geração, como é a ideia de que o mundo é redondo. O tempo imaginário é já um lugar-comum na ficção científica. Porém, mais do que ficção científica ou artifício matemático, o tempo imaginário dá forma ao Universo em que vivemos. 84 CAPITULO 9 A ORIGEM DO UNIVERSO* O problema da origem do Universo é algo parecido com a velha questão: quem surgiu primeiro, a galinha ou o ovo? Por outras palavras, que agência criou o Universo, e o que criou essa agência? Ou talvez o Universo, ou a agência que o criou, tivessem existido sempre, e não precisassem de ser criados. Até muito recentemente, os cientistas procuravam fugir destas questões, sentindo que elas pertenciam mais à metafísica ou à religião do que à ciência. No entanto, nos últimos anos, concluiu-se que as leis da ciência eram válidas mesmo no começo do Universo. Nesse caso, o Universo seria autocontido e determinado completamente pelas leis da ciência. O debate sobre se, e como, o Universo começou, é tão antigo como a história escrita. Basicamente, existiram duas escolas de pensamento. Muitas tradições primitivas e as religiões judaica, cristã e islâmica afirmam que o Universo foi criado num passado razoavelmente recente. (No século dezassete, o Bispo Ussher indicou a data de 4004 a.C. como a da criação do Universo, um número calculado a partir da soma das idades das personagens do Antigo Testamento.) Um facto que foi utilizado para apoiar a ideia de uma origem recente foi o reconhecimento de que a espécie humana está obviamente em evolução cultural e tecnológica. * Palestra proferida na conferência "Trezentos Anos de Gravidade" decorrida em Cambridge em Junho de 1987, por ocasião do tricentésimo aniversário da publicação dos Principia de Newton. 85 Recordamo-nos de quem primeiramente realizou um feito ou desenvolveu uma técnica. Assim, o argumento é válido, não podemos estar aqui há muito tempo; de
outro modo, o nosso progresso seria superior ao que registamos. De facto, a data bíblica para a criação não está muito afastada da data do fim da última era glaciar, quando surgiram os primeiros humanos modernos. Por outro lado, houve gente que, como o filósofo grego Aristóteles, não gostava da ideia de que o Universo tivera um começo. Sentiam que isso implicava a intervenção divina. Preferiam acreditar que o Universo sempre tinha existido e sempre existiria. O eterno é mais perfeito do que o que teve de ser criado. Tinham uma resposta para o argumento do progresso humano acima descrito: as inundações periódicas ou outros desastres naturais tinham colocado repetidamente a espécie humana no ponto de partida. Ambas as escolas de pensamento sustentavam que o Universo era essencialmente imutável com o tempo. Ou fora criado na sua forma presente, ou manter-se-ia para sempre como é hoje. Esta era uma crença natural, porque a vida humana - e, na realidade, toda a história escrita - é tão breve que, durante ela, o Universo não mudou significativamente. Perante um Universo estático e imutável, saber se este existiu sempre ou se foi criado num tempo finito do passado é realmente uma questão metafísica ou religiosa: qualquer teoria pode explicar um Universo desse tipo. Na realidade, em 1781, o filósofo Immanuel Kant escreveu uma obra monumental e muito obscura, A Crítica da Razão Pura, na qual concluía que existiam argumentos igualmente válidos para acreditar que o Universo tivera um princípio e para acreditar que não o tivera. Como o título sugere, as suas conclusões eram simplesmente baseadas na razão; por outras palavras, ele não considerou em absoluto as observações do Universo. Afinal, num Universo sem mudança, o que havia para observar? No século dezanove, contudo, começaram a acumular-se evidências de que a Terra e o resto do Universo mudavam efectivamente com o tempo. Os geólogos perceberam que a formação das rochas e dos 86 fósseis nelas encontrados teria levado centenas ou milhares de milhões de anos. Este número era muito superior ao da idade da Terra calculada pelos criacionistas. Evidências suplementares foram fornecidas pela segunda lei da termodinâmica, formulada pelo físico alemão Ludwig Boltzmann. A lei estabelece que a quantidade total de desordem no Universo (medida por uma grandeza chamada entropia) aumenta sempre com o tempo. Tal como o argumento do progresso humano, esta lei sugere que o Universo existia há um período finito de tempo. De outro modo, já teria degenerado num estado de desordem completa, no qual tudo estaria à mesma temperatura. Outra dificuldade apresentada por um Universo estático era que, segundo a lei da gravitação de Newton, cada estrela no Universo devia ser atraída por todas as outras estrelas. Se assim era, como podiam as estrelas estar imóveis a uma distância constante umas das outras? Não convergiriam todas num ponto? Newton apercebeu-se deste problema. Numa carta a Richard Bentley, um dos principais filósofos da época, reconhecia que um conjunto finito de estrelas não podia permanecer imóvel; todas elas convergiriam em direcção a um ponto central. No entanto, argumentava que um conjunto infinito de estrelas não convergiria por não existir um ponto central para isso. Este argumento é um exemplo das armadilhas que
podemos encontrar quando falamos de sistemas infinitos. Ao utilizar maneiras diferentes de adicionar as forças em cada estrela a partir do número infinito de outras estrelas no Universo, podemos obter respostas diferentes à questão de saber se as estrelas podem permanecer a distâncias constantes umas das outras. Sabemos agora que o procedimento correcto é considerar o caso de uma região finita de estrelas, e adicionar-lhes depois mais estrelas, distribuídas de forma grosseiramente uniforme no exterior da região. Um conjunto finito de estrelas convergirá; e segundo a lei de Newton, adicionar mais estrelas fora da região não impedirá o colapso. Deste modo, um conjunto infinito de estrelas não pode permanecer num estado imóvel. Se, num dado instante, não se estiverem a mover umas em relação às outras, a atracção entre elas provocará a sua 87 aproximação. Alternativamente, podem afastar-se umas das outras, com a gravidade a desacelerar a velocidade da recessão. Apesar destas dificuldades com a ideia de um Universo estático e imutável, ninguém nos séculos dezassete, dezoito, dezanove ou princípio do vinte sugeriu que o Universo pudesse estar a evoluir com o tempo. Newton e Einstein falharam ambos a hipótese de prever se o Universo estava em contracção ou em expansão. Não podemos criticar Newton, porque viveu duzentos e cinquenta anos antes da descoberta observacional da expansão do Universo. Mas Einstein podia ter feito melhor. A teoria da relatividade geral, por ele formulada em 1915, previa que o Universo se estava a expandir. Mas ele estava tão convicto de um Universo estático, que acrescentou um elemento à sua teoria para a reconciliar com a teoria de Newton e equilibrar a gravidade. A descoberta da expansão do Universo por Edwin Hubble em 1929 mudou completamente a discussão acerca da origem. Se considerarmos o actual movimento das galáxias e invertermos o seu sentido no tempo, parecer-nos-á que todas elas devem ter estado empilhadas umas sobre as outras num determinado momento, entre dez mil milhões e vinte mil milhões de anos atrás. Neste instante, uma singularidade chamada "big bang", a densidade do Universo, e a curvatura do espaço-tempo, teriam sido infinitas. Sob tais condições, todas as leis conhecidas da ciência deixariam de ser válidas. Isto é um desastre para a ciência. Significaria que, só por si, a ciência não poderia prever como teria começado o Universo. Tudo o que a ciência poderia afirmar seria: o Universo é o que é pelo que foi antes. Mas a ciência não poderia explicar como era o Universo pouco depois do "big bang". Não constitui surpresa que muitos cientistas se sentissem infelizes com esta conclusão. Houve várias tentativas de evitar as conclusões segundo as quais existiu uma singularidade do "big bang", e portanto um princípio para o tempo. Uma delas foi a teoria do estado estacionário. A ideia advogava que, enquanto as galáxias se afastavam umas das outras, novas galáxias estavam a formar-se nos intervalos, a partir da 88 matéria que continuamente era criada. O Universo teria existido e continuaria a existir para sempre, num estado próximo do actual. Para a continuidade da expansão do Universo e a criação de nova matéria, o modelo do estado estacionário requeria uma modificação da relatividade geral, mas a taxa de criação necessária era muito pequena - cerca de uma partícula por quilómetro cúbico
por ano -, e não entrava em conflito com a observação. A teoria previa também que a densidade média de galáxias e objectos semelhantes seria constante, tanto no espaço como no tempo. No entanto, uma pesquisa de fontes de ondas de rádio exteriores à nossa galáxia, efectuada por Martin Ryle e o seu grupo de Cambridge, mostrou que havia muito maior número de fontes fracas do que de fortes. Em média, esperaríamos que as fontes fracas fossem as mais distantes. Havia assim duas possibilidades: ou estávamos numa região do Universo em que as fontes fortes eram menos frequentes do que a média, ou a densidade das fontes fora maior no passado, no tempo em que a luz partira das mais distantes, iniciando a sua jornada até à Terra. Nenhuma destas possiblidades era compatível com a previsão da teoria do estado estacionário, na qual a densidade das fontes de rádio deveria ser constante no espaço e no tempo. O golpe final na teoria foi a descoberta, em 1964, por Arno Penzias e Robert Wilson de um fundo de radiação de micro-ondas muito distante da nossa galáxia. Este fundo apresentava o espectro característico da radiação emitida por um corpo quente, embora neste caso o termo quente seja muito pouco apropriado, visto que a temperatura era apenas de 2,7 graus acima do zero absoluto. O Universo é um sítio frio e escuro! Não existia um mecanismo razoável na teoria do estado estacionário que pudesse gerar micro-ondas com tal espectro. A teoria foi portanto abandonada. Outra ideia que evitaria a conclusão da existência da singularidade do "big bang" foi sugerida por dois cientistas russos, Evgenii Lifshitz e Isaac Khalatnikov, em 1963. Eles afirmavam que um estado de densidade infinita ocorreria apenas se o movimento das galáxias as aproximasse ou afastasse directamente umas das outras; só assim poderiam, num momento no passado, ter estado todas no mesmo lugar. No entanto, 89 as galáxias teriam também apresentado pequenas velocidades laterais, o que possibilitava uma fase de contracção anterior, na qual as galáxias se aproximaram mas conseguiram de algum modo evitar a colisão. O Universo teria então iniciado uma reexpansão, sem passar por um estado de densidade infinita. Quando Lifshitz e Khalatnikov apresentaram esta sugestão, eu era ainda um estudante de investigação à procura de um problema com que completar a minha tese de doutoramento. Fiquei interessado na questão da existência da singularidade do "big bang", por ser crucial para a compreensão da origem do Universo. Juntamente com Roger Penrose, desenvolvi um novo conjunto de técnicas matemáticas para resolver este problema e outros semelhantes. Demonstrámos que se a relatividade geral estiver correcta, qualquer modelo razoável de Universo deve começar numa singularidade. Isto significava que a ciência podia prever que o Universo tivera um começo, mas não conseguia prever como teria começado o Universo: para isso seria necessário recorrer a Deus. Foi interessante observar a mudança no sentido das opiniões acerca das singularidades. Quando eu era estudante de pós-graduação, ninguém levava a sério as singularidades. Actualmente, em resultado dos teoremas da singularidade, quase todos aceitam que o Universo começou com uma singularidade, na qual as leis da física perdem a validade. No entanto, penso agora que, embora exista uma singularidade, as leis da física ainda determinam como começou o Universo. A teoria da relatividade geral pertence à categoria das teorias clássicas. Ou seja, não considera o facto das partículas não terem posições e velocidades definidas com
precisão, encontrando-se "espalhadas" por uma pequena região devido ao princípio de incerteza da mecânica quântica, que não nos permite a medição simultânea e exacta da posição e da velocidade. Em situações normais, isto não tem importância, porque o raio de curvatura do espaço-tempo é muito grande comparado com a incerteza na posição de uma partícula. No entanto, os teoremas de singularidade indicam que o espaço-tempo está altamente distorcido terá um pequeno raio de curvatura no princípio da actual fase de expansão do 90 Universo. Nesta situação, o princípio de incerteza é muito importante. Assim, a relatividade geral gera o seu próprio falhanço ao prever singularidades. Para podermos discutir o princípio do Universo, precisamos de uma teoria que combine a relatividade geral com a mecânica quântica. Essa teoria é a gravidade quântica. Não conhecemos ainda a forma exacta que a teoria correcta da gravidade quântica apresentará. De momento, a melhor candidata de que dispomos é a teoria das supercor-das, mas ainda persiste uma série de dificuldades não resolvidas. Contudo, são de esperar certas características, sempre presentes em qualquer teoria viável. Uma delas baseia-se na ideia de Einstein de que os efeitos da gravidade podem ser representados por um espaço-tempo curvo ou distorcido deformado - pela matéria e pela energia nele existentes. Os objectos procuram seguir a trajectória mais próxima de uma linha recta neste espaço curvo. Porém, devido à curvatura, as trajectórias parecem curvas, como que sujeitas a um campo gravitacional. Outro elemento que esperamos encontrar numa teoria definitiva é a proposta de Richard Feynman, na qual a teoria quântica pode ser formulada como uma soma de histórias. Na sua forma mais simples, a ideia advoga que cada partícula tem todas as trajectórias, ou histórias, possíveis no espaço-tempo. Cada trajectória ou história tem uma probabilidade que depende da sua forma. Para que a ideia funcione, temos de considerar as histórias que ocorrem no tempo "imaginário", e não no tempo real em que nos sabemos vivos. O tempo imaginário pode parecer saído da ficção científica, mas é um conceito matemático bem definido. Em certo sentido, pode ser pensado como uma direcção do tempo perpendicular ao tempo real. Adicionamos as probabilidades para todas as histórias de partículas com certas propriedades, tais como passar por certos pontos em determinados momentos. Precisamos então de extrapolar o resultado para o espaço-tempo real em que vivemos. Não é esta a abordagem mais familiar à teoria quântica, mas dá os mesmos resultados de outros métodos. No caso da gravidade quântica, a ideia da "soma de histórias" de Feynman envolveria a soma de diferentes histórias possíveis para o 91 Universo, ou seja, para espaços-tempos com diferentes curvaturas. Esta soma representaria a história do Universo, e de tudo o que nele existe. Haveria que especificar a classe de espaços curvos possíveis que seria incluída na soma de histórias. A escolha desta classe de espaços determina o estado em que o Universo se encontra. Se a classe de espaços curvos que define o estado do Universo incluir espaços com singularidades, as probabilidades de tais espaços não seriam determinadas pela teoria. Em vez disso, as probabilidades seriam atribuídas de
maneira arbitrária. O significado disto é que a ciência não pode prever as probabilidades de histórias singulares para o espaço-tempo. Assim, não consegue prever o comportamento do Universo. No entanto, é possível que o Universo se encontre num estado definido por uma soma que inclua apenas espaços curvos nãosingulares. Neste caso, as leis da ciência determinariam o Universo por completo: não seria necessário recorrer a uma agência externa ao Universo para determinar o seu começo. De certa maneira, a proposta de que o estado do Universo é determinado por uma soma de histórias exclusivamente não-singulares é semelhante ao episódio do bêbedo que procura a chave de casa debaixo do candeeiro de iluminação pública: este pode não ser o local onde a perdeu, mas é o único lugar onde a poderá descobrir. De forma semelhante, o Universo pode não se encontrar no estado definido por uma soma de histórias não singulares, mas é o único estado em que a ciência pode prever o comportamento do Universo. Em 1983, Jim Hartle e eu propusemos que o estado do Universo seria dado pela soma de uma certa classe de histórias. Esta classe consistia em espaços curvos sem singularidades, finitos em tamanho mas sem fronteiras nem limites. Assemelhavam-se à superfície da Terra, mas tinham mais duas dimensões. A superfície da Terra tem uma área finita, mas não apresenta quaisquer singularidades, fronteiras ou limites. Testei-o experimentalmente. Viajei por todo o mundo e nunca caí dele. A proposta feita por Hartle e por mim pode ser parafraseada do seguinte modo: a condição de fronteira do Universo é que não tem fronteira. Só se o Universo se encontrar neste estado sem fronteira é que as 92 leis da ciência, só por si, determinam as probabilidades de cada história possível. Assim, só neste caso as leis conhecidas determinariam o comportamento do Universo. Se o estado do Universo for outro qualquer, a classe de espaços curvos da soma de histórias incluirá espaços com singularidades. De modo a determinar as probabilidades dessas histórias singulares, haveria que invocar um princípio diverso das leis científicas conhecidas. Este princípio seria externo ao nosso Universo, mas dedutível a partir do nosso Universo. Por outro lado, se o Universo se encontrar num estado sem fronteira, poderemos, em princípio, determinar completamente o seu comportamento, a menos dos limites do princípio de incerteza. Seria bom para a ciência se o Universo se encontrasse no estado sem fronteira, mas como podemos afirmar que assim é? A resposta é que a proposta sem fronteira faz previsões definidas para a forma como o Universo se deve comportar. Se estas previsões não concordarem com a observação, concluiremos que o Universo não se encontra num estado sem fronteira. Deste modo, a proposta sem fronteira é uma boa teoria científica no sentido definido pelo filósofo Karl Popper: pode ser refutada ou falsificada pela observação. Se as observações não concordarem com as previsões, saberemos que devem existir singularidades na classe das histórias possíveis. No entanto, isso será tudo o que saberemos. Não seríamos capazes de calcular as probabilidades das histórias singulares; assim, não seríamos capazes de prever o comportamento do Universo. Podemos pensar que esta imprevisibilidade não importaria demasiado se tivesse ocorrido apenas no "big bang"; afinal, este deu-se há dez biliões ou vinte biliões de anos. Mas se a previsibilidade falhar nos campos gravitacionais muito fortes do "big
bang", também falhará sempre que se der o colapso de uma estrela. Isso pode acontecer várias vezes por semana, apenas na nossa galáxia. O nosso poder de previsão seria limitado mesmo pelos padrões dos boletins meteorológicos. É claro que podemos afirmar que não é preciso preocuparmo-nos com o falhanço da previsão ocorrido numa estrela distante. No entanto, 93 na teoria quântica, tudo o que não é efectivamente proibido pode e deve acontecer. Assim, se a classe das histórias possíveis incluir espaços com singularidades, estas poderão ocorrer em qualquer lugar, e não apenas no "big bang" e nas estrelas em colapso. Reciprocamente, o facto de sermos capazes de prever acontecimentos constitui prova experimental contra as singularidades, e a favor da proposta sem fronteira. Que prevê então a proposta sem fronteira para o Universo? O primeiro ponto a salientar é que, como todas as histórias possíveis para o Universo são finitas em extensão, qualquer grandeza que utilizarmos como medida de tempo terá um valor máximo e um valor mínimo. Deste modo, o Universo terá um princípio e um fim. O princípio no tempo real será a singularidade do "big bang". No entanto, o princípio no tempo imaginário não será uma singularidade. Em vez disso, será um pouco como o Pólo Norte da Terra. Se considerarmos os graus de latitude da superfície do tempo como análogos ao tempo, podemos dizer que a superfície da Terra começava no Pólo Norte. Porém, o Pólo Norte é um ponto perfeitamente comum na Terra. Não tem nada de especial, e as mesmas leis são tão válidas no Pólo Norte como nos outros lugares da Terra. De forma semelhante, o acontecimento que poderemos escolher para rotular como "o começo do Universo no tempo imaginário" seria um ponto vulgar do espaçotempo, semelhante a qualquer outro. As leis da ciência seriam válidas no começo, tal como qualquer outro ponto. Da analogia com a superfície da Terra, poder-se-ia esperar que o fim do Universo fosse semelhante ao começo, tal como o Pólo Norte é muito parecido com o Pólo Sul. No entanto, os Pólos Norte e Sul correspondem ao princípio e fim da história do Universo no tempo imaginário, não no tempo real que experimentamos. Se extrapolarmos os resultados da soma de histórias do tempo imaginário para o tempo real, descobrimos que o princípio do Universo no tempo real pode ser muito diferente do seu fim. Jonathan Halliwell e eu próprio efectuámos um cálculo aproximado das implicações da condição sem fronteira. Considerámos o Universo como um cenário perfeitamente liso e uniforme, onde existiam pequenas 94 perturbações da densidade. No tempo real, o Universo parecia começar a sua expansão com um raio muito pequeno. De início, a expansão seria do tipo "inflacionário": ou seja, o Universo duplicaria de tamanho numa pequenina fracção de segundo, tal como os preços duplicam todos os anos em certos países. O máximo mundial para a inflação económica verificou-se na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, quando o preço de um pão subiu de um marco para milhões de marcos em poucos meses. Mas isto nada é, quando comparado com a inflação que parece ter ocorrido no Universo primitivo: um aumento de dimensão por um factor de - pelo menos - um milhão de milhão de milhão de milhão de milhão de vezes numa minúscula fracção de segundo. Claro que isto aconteceu antes do actual Governo.
A inflação exibiu um lado bom ao produzir um Universo que era liso e uniforme em macro-escala, e se estava a expandir justamente à taxa crítica para evitar o recolapso. Outro lado bom da inflação manifestou-se ao produzir todo o conteúdo do Universo, literalmente a partir do nada. Quando o Universo era um ponto singular, como o Pólo Norte, o seu conteúdo era nulo. Porém, existem agora pelo menos dez elevado à potência de oitenta partículas na parte do Universo que conseguimos observar. De onde vieram todas estas partículas? A resposta é que a relatividade e a mecânica quântica permitem a criação de matéria a partir da energia, sob a forma de pares partícula/antipartícula. E de onde veio a energia para a criação da matéria? A resposta é que foi tomada de empréstimo à energia gravitacional do Universo. O Universo tem uma dívida enorme de energia gravitacional negativa, que equilibra exactamente a energia positiva da matéria. Durante o período inflacionário, o Universo contraiu pesados empréstimos de energia gravitacional para financiar a criação de mais matéria. O resultado foi um triunfo para a economia keynesiana: um Universo vigoroso e expansivo, recheado de objectos materiais. A dívida de energia gravitacional só será paga no fim do Universo. O Universo primitivo não pode ter sido completamente homogéneo e uniforme, porque isso violaria o princípio de incerteza da mecânica 95 quântica. Em vez disso, devem ter existido desvios em relação à densidade uniforme. A proposta sem fronteira implica que estas diferenças de densidade teriam começado no estado básico; ou seja, seriam o mais pequenas possível, consistentes com o princípio de incerteza. No entanto, durante a expansão inflacionária, as diferenças terse-iam amplificado. Terminado o período de expansão inflacionária, teríamos ficado com um Universo que se expandia ligeiramente mais depressa em alguns lugares do que noutros. Nas regiões de expansão mais lenta, a atracção gravitacional da matéria teria desacelerado a expansão ainda mais. Por fim, a região pararia de se expandir e contrair-se-ia para formar galáxias e estrelas. Assim, a proposta sem fronteira pode explicar toda a estrutura complicada que nos rodeia. Contudo, não faz apenas uma previsão para o Universo. Em vez disso, prevê uma família inteira de histórias possíveis, cada uma das quais com uma probabilidade própria. Poderá haver uma história possível em que o Partido Trabalhista ganhou as últimas eleições na GrãBretanha, embora seja baixa a probabilidade desse acontecimento. A proposta sem fronteira tem implicações profundas no papel de Deus na gestão do Universo. De um modo geral, aceita-se actualmente que o Universo evolui segundo leis bem definidas. Estas leis podem ter sido instituídas por Deus, mas parece que Ele não intervém no Universo para quebrar as leis. Contudo, até recentemente, pensava-se que estas leis não eram aplicáveis ao princípio do Universo. A Deus caberia dar corda ao relógio e pôr o Universo a funcionar da forma que bem entendesse. Assim, o estado actual do Universo seria o resultado da escolha das condições iniciais realizada por Deus. A situação seria muito diferente, contudo, se algo semelhante à proposta sem fronteira estivesse correcta. Neste caso, as leis da física seriam válidas mesmo no princípio do Universo, pelo que Deus não teria a liberdade de escolher as condições iniciais. Claro que Ele ainda teria liberdade para escolher as leis a que o Universo obedecia. No entanto, isto pode não ter sido uma escolha. Pode haver apenas um pequeno número
de leis autoconsistentes que permitem a existência de seres complicados 96 como os humanos, que conseguem fazer a pergunta: "Qual é natureza de Deus?" E ainda que exista apenas um conjunto de leis possíveis, não passa de um conjunto de equações. O que é que dá vida às equações e cria um Universo para elas regularem? A teoria unificada definitiva é tão imperativa que origina a sua própria existência? Embora a ciência possa resolver o problema de como começou o Universo, não pode responder à pergunta: "Por que é que o Universo se dá ao trabalho de existir?" Não sei responder. 97 CAPÍTULO 10 A MECÂNICA QUÂNTICA DOS BURACOS NEGROS* Os primeiros trinta anos deste século assistiram à emergência de três teorias que alteraram radicalmente a perspectiva humana da física e da própria realidade. Os físicos tentam ainda explorar as suas implicações e procuram ajustá-las umas às outras. Ás três teorias são a teoria da relatividade especial (1905), a teoria da relatividade geral (1915) e a teoria da mecânica quântica (c.1926). Albert Einstein foi amplamente responsável pela primeira, inteiramente responsável pela segunda e desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da terceira. Porém, Einstein nunca aceitou a mecânica quântica por causa do seu elemento de acaso e de incerteza. Os seus sentimentos foram resumidos numa frase, por demais citada: "Deus não joga aos dados". A maioria dos físicos, contudo, aceitou prontamente tanto a relatividade especial como a mecânica quântica, porque descreviam efeitos que podiam ser directamente observados. A relatividade geral, por outro lado, foi amplamente ignorada porque parecia demasiado complicada do ponto de vista matemático, não era verificável em laboratório e era uma teoria puramente clássica que não parecia compatível com a mecânica quântica. Deste modo, a relatividade geral permaneceu no remanso por perto de cinquenta anos. A grande expansão das observações astronómicas, iniciada no princípio dos anos 60, trouxe um reviver do interesse pela teoria clássica da * Artigo publicado no Scientific American de Janeiro de 1977. 99 relatividade geral, porque parecia que muitos dos novos fenómenos descobertos, tais como os quasares, os pulsares e as fontes compactas de raios X, indicavam a existência de campos gravitacionais muito fortes, campos que podiam ser descritos apenas pela relatividade geral. Os quasares são objectos semelhantes a estrelas, que devem ser muito mais brilhantes que galáxias inteiras se estiverem tão distantes como sugere o desvio para o vermelho dos seus espectros; os pulsares, resíduos das explosões de supernovas, emitem rápidas pulsações e pensa-se que sejam estrelas de neutrões ultradensas; as fontes compactas de raios X, reveladas pelos instrumentos a bordo de veículos espaciais, podem igualmente ser estrelas de neutrões ou objectos hipotéticos com densidades ainda maiores, nomeadamente buracos negros.
Um dos problemas com que se deparam os físicos que tentam aplicar a relatividade geral a estes objectos hipotéticos ou recentemente descobertos, era torná-la compatível com a mecânica quântica. Ao longo dos últimos anos, produziram-se desenvolvimentos que permitem a esperança de que não faltará muito para que tenhamos uma teoria quântica da gravidade completamente consistente, em concordância com a relatividade geral para objectos macroscópicos e espera-se, livre das infinidades matemáticas que, por muito tempo, atormentaram outras teorias do campo quântico. Estes desenvolvimentos têm que ver com certos efeitos quânticos recentemente descobertos, associados aos buracos negros, que proporcionam uma conexão notável entre buracos negros e leis termodinâmicas. Permitam-me que descreva brevemente como se forma um buraco negro. Imagine-se uma estrela com uma massa dez vezes superior à do Sol. Durante a maior parte do seu tempo de vida de cerca de um bilião de anos, a estrela gerará calor no seu centro ao converter hidrogénio em hélio. A energia libertada criará pressão suficiente para suster a estrela contra a sua própria gravidade, originando um objecto com um raio cinco vezes superior ao solar. A velocidade de escape da superfície desta estrela estaria perto dos 1000 quilómetros por segundo. Isto significa que um objecto disparado na vertical a partir da superfície da estrela, com uma 100 velocidade inferior a 1000 quilómetros por segundo seria obrigado a retroceder pelo campo gravitacional da estrela e regressaria à sua superfície, ao passo que um objecto com velocidade superior àquela escaparia para o infinito. Quando a estrela houver esgotado o seu combustível nuclear, nada restará para manter a pressão dirigida para o exterior e a estrela entrará em colapso devido à sua própria gravidade. À medida que a estrela se contrai, o campo gravitacional na superfície intensifica-se e a velocidade de escape aumenta. Na altura em que o raio tiver diminuído para trinta quilómetros, a velocidade de escape terá aumentado para 300000 quilómetros por segundo, a velocidade da luz. A partir deste momento, toda a luz emitida pela estrela não conseguirá escapar para o infinito, sendo forçada a regressar pelo campo gravitacional. Segundo a teoria da relatividade especial, nada pode viajar mais depressa que a luz; por isso, se a luz não se pode escapar, nada mais o conseguirá. O resultado seria um buraco negro: uma região do espaço-tempo da qual não é possível escapar para o infinito. A fronteira do buraco negro é designada por horizonte de acontecimentos. Corresponde a uma frente ondulatória de luz estelar que não consegue escapar para o infinito e permanece suspensa no raio de Schwarzschild: 2 GMc, em que G é a constante gravitacional de Newton, M a massa da estrela e c a velocidade da luz. Para uma estrela com apenas dez massas solares, o raio de Schwarzschild vale cerca de trinta quilómetros. Dispomos agora de resultados da observação razoavelmente bons que sugerem que os buracos negros deste tamanho existem em sistemas estelares duplos, de que é exemplo a fonte de raios-X conhecida por Cygnus x-1. Pode ainda existir um número considerável de buracos negros muito mais pequenos, dispersos pelo Universo, formados não por colapso estelar mas pelo colapso de regiões altamente comprimidas no meio quente e denso, que se pensa ter existido pouco depois do "big bang" de que resultou o Universo. Estes buracos negros "primevos" têm grande interesse para os
efeitos quânticos que irei descrever. Um buraco negro que pese um bilião de toneladas (aproximadamente a massa de #101 uma montanha) teria um raio de cerca de 10 elevado a menos 13 centímetros (o tamanho de um neutrão ou protão). Pode estar em órbita em torno do Sol ou do centro da galáxia. A primeira sugestão de que deveria existir uma conexão entre buracos negros e termodinâmica surgiu com a descoberta matemática de 1970, de que a área da superfície do horizonte de acontecimentos, a fronteira de um buraco negro, tem a propriedade de aumentar sempre quando matéria e radiação adicional caem no buraco negro. Além do mais, se dois buracos negros colidirem e se fundirem para formar um só buraco negro, a área do horizonte de acontecimentos em torno do buraco negro resultante será superior à soma das áreas dos horizontes de acontecimentos em torno dos buracos negros originais. Estas propriedades sugerem que existe uma semelhança entre a área do horizonte de acontecimentos de um buraco negro e o conceito termodinâmico de entropia. A entropia pode ser considerada como uma medida da desordem de um sistema ou, de modo equivalente, como uma falta de conhecimento do seu estado exacto. A famosa segunda lei da termodinâmica afirma que a entropia aumenta sempre com o tempo. A analogia entre as propriedades de buracos negros e as leis termodinâmicas foi expandida por James M. Bardeen da Universidade de Washington, Brandon Cárter, que se encontra actualmente no Observatório Meuden, e por mim. A primeira lei da termodinâmica diz que uma pequena mudança na entropia de um sistema é acompanhada por uma mudança proporcional da energia do sistema. O factor de proporcionalidade é a temperatura do sistema. Bardeen, Cárter e eu descobrimos uma lei semelhante que relaciona a mudança na massa de um buraco negro com a mudança na área do horizonte de acontecimentos. Aqui, o factor de proporcionalidade envolve uma grandeza chamada gravidade superficial, que é uma medida da força do campo gravitacional no horizonte de acontecimentos. Se se aceitar que a área do horizonte de acontecimentos é análoga à entropia, parecerá que a gravidade superficial é a mesma em todos os pontos do horizonte de acontecimentos, assim como a temperatura é a mesma em todos os pontos de um corpo em equilíbrio térmico. 102 Embora exista uma semelhança evidente entre entropia e a área do horizonte de acontecimentos, não era óbvio para nós de que modo a área podia ser identificada com a entropia do buraco negro. Qual o significado de entropia de um buraco negro? A sugestão crucial foi realizada em 1972 por Jacob D. Bekenstein, que era então um estudante de investigação em Princeton e está agora na Universidade do Negev, em Israel. Eis o que nos diz: quando um buraco negro é criado pelo colapso gravitacional, rapidamente se estabelece num estado estacionário, caracterizado por apenas três parâmetros - a massa, o momento angular e a carga eléctrica. Além destas três propriedades, o buraco negro não preserva quaisquer outros pormenores do objecto que colapsou. Esta conclusão, conhecida pelo teorema que afirma que "um buraco negro não tem cabelo", foi demonstrada pelo trabalho combinado de Cárter, Wer-ner Israel da Universidade de Alberta, David C. Robinson do King's Col-lege de Londres e meu.
O teorema do não-cabelo implica que uma grande quantidade de informação se perca no colapso gravitacional. Por exemplo, o estado final de buraco negro é independente do facto do objecto que colapsou ser composto de matéria ou de antimatéria, de ser esférico ou de ter uma forma altamente irregular. Por outras palavras, um buraco negro com dada massa, momento angular e carga eléctrica podia ter-se formado pelo colapso de qualquer uma de um grande número de diferentes configurações de matéria. Na verdade, se os efeitos quânticos forem ignorados, o número de configurações será infinito, já que o buraco negro se pode formar pelo colapso de uma nuvem de partículas em número infinitamente grande, com massa infinitamente pequena. O princípio de incerteza da mecânica quântica implica, contudo, que uma partícula de massa m se comporte como uma onda de comprimento h/mc, em que h é a constante de Planck (o pequeno número 6,62x10 elevado a menos 27 erg-segundo) e c a velocidade da luz. Para que uma nuvem de partículas possa colapsar e formar um buraco negro, é necessário que este comprimento de onda seja mais pequeno que o tamanho do buraco negro a 103 formar. Parece portanto que o número de configurações capazes de originar um buraco negro com dada massa, momento angular e carga eléctrica, embora muito grande, é finito. Bekenstein sugeriu que se podia interpretar o logaritmo deste número como a entropia de um buraco negro. O logaritmo do número seria uma medida da quantidade de informação irremediavelmente perdida durante o colapso, através do horizonte de acontecimentos no momento da criação de um buraco negro. O erro aparentemente fatal na sugestão de Bekenstein estava em que se um buraco negro tinha entropia finita, proporcional à área do seu horizonte de acontecimentos, também devia ter uma temperatura finita, proporcional à sua gravidade superficial. Isto implicava que um buraco negro podia estar em equilíbrio com radiação térmica a temperaturas diferentes de zero. No entanto, de acordo com os conceitos clássicos, esse equilíbrio não é possível, pois o buraco negro absorveria qualquer radiação térmica que nele incidisse, mas, por definição, não poderia emitir. Este paradoxo manteve-se até cerca de 1974, altura em que eu investigava o comportamento da matéria na vizinhança de um buraco negro, segundo a mecânica quântica. Para minha grande surpresa, descobri que o buraco negro parecia emitir partículas a uma taxa constante. Tal como toda a gente nessa época, aceitei o ditame de que um buraco negro não pode emitir. Dediquei portanto muito do meu esforço a tentar libertar--me deste efeito embaraçoso. Recusei-me a ignorá-lo, por isso acabei por ter que o aceitar. O que finalmente me convenceu de que era um processo físico real foi o facto de as partículas emitidas terem um espectro exactamente térmico: o buraco negro cria e emite partículas como se fosse um vulgar corpo quente, com uma temperatura proporcional à gravidade superficial e inversamente proporcional à massa. Isto tornava plenamente consistente a sugestão de Bekenstein de que um buraco negro tinha entropia finita, visto implicar que um buraco negro pode estar em equilíbrio térmico a uma temperatura finita diferente de zero. Desde essa época, a evidência matemática de que os buracos negros podem apresentar emissões térmicas foi confirmada por várias pessoas, através de diversas abordagens diferentes. Uma maneira de compreender
104 a emissão é a seguinte: a mecânica quântica implica que todo o espaço está cheio de pares de partículas e antipartículas "virtuais", constante -mente a materializar-se em pares, a separar-se e a a reunir-se de novo para se aniquilarem reciprocamente. Estas partículas chamam-se virtuais porque, ao contrário das partículas "reais", não podem ser observadas directamente com um detector de partículas. No entanto, os seus efeitos indirectos podem ser medidos e a sua existência foi confirmada por um pequeno desvio (o "desvio de Lamb"), por elas produzido no espectro da luz emitida por átomos de hidrogénio excitados. Agora, na presença de um buraco negro, um membro do par de partículas virtuais pode cair no buraco, deixando o outro membro sem um parceiro com o qual se possa aniquilar. A partícula ou antipartícula abandonada pode cair no buraco negro seguindo a sua parceira, mas também pode escapar para o infinito, aparentando tratar-se de radiação emitida pelo buraco negro. Outra maneira de analisar o processo é considerar o membro do par de partículas que cai no buraco negro - por exemplo, a antipartícula - como uma partícula que viaja no sentido retrógrado do tempo. Deste modo, a antipartícula que cai no buraco negro pode ser vista como uma partícula que sai do buraco negro, mas no sentido retrógrado do tempo. Quando a partícula atinge o ponto em que o par partículaantipartícula originariamente se materializou, é dispersa pelo campo gravitacional de tal maneira que passa a viajar no sentido directo do tempo. A mecânica quântica permitiu assim que uma partícula se escapasse do interior do buraco negro, algo que não é autorizado pela mecânica clássica. Existem, contudo, muitas outras situações na física atómica e nuclear onde há uma espécie de barreira que impede as partículas de penetrar nos princípios clássicos, mas permite-lhes a abertura de um túnel através dos princípios da mecânica quântica. A espessura da barreira em torno de um buraco negro é proporcional ao tamanho deste. Isto significa que muito poucas partículas conseguem escapar de um buraco negro tão grande como o hipotético existente em Cygnus x-1, mas essas partículas podem escapar-se muito rapidamente de buracos negros mais pequenos. Cálculos pormenorizados #105 mostram que as partículas emitidas têm um espectro térmico correspondente a uma temperatura que aumenta rapidamente à medida que a massa do buraco negro diminui. Para um buraco negro com a massa do Sol, a temperatura é apenas de décimo milionésimo de grau acima do zero absoluto. A radiação térmica que sai de um buraco negro com essa temperatura seria completamente abafada pelo fundo geral de radiação do Universo. Por outro lado, um buraco negro com uma massa de apenas um bilião de toneladas, ou seja, um buraco negro primevo, aproximadamente do tamanho de um protão, teria uma temperatura próxima dos 120 biliões de graus Kelvin, que corresponde a uma energia de cerca de 10 milhões de electrões-volt. A esta temperatura, um buraco negro seria capaz de criar pares electrão-positrão e partículas de massa nula, tais como fotões, neutrinos7 e gravitões (os presumíveis transportadores da energia gravitacional). Um buraco negro primevo libertaria energia com a potência de 6 000 megawatt, equivalente à produção de seis grandes centrais nucleares. A medida que o buraco negro emite partículas, a sua massa e o seu tamanho
diminuem regularmente. Isto facilita a fuga das partículas e a emissão de radiação continuará, a uma taxa sempre crescente, até ao desaparecimento do buraco negro. A longo prazo, todos os buracos negros do Universo evaporar-se-ão desta forma. Porém, para buracos negros de grande dimensão, o tempo necessário é muito extenso: um buraco negro com a massa do Sol durará cerca de 10 elevado a 66 anos. Por outro lado, um buraco negro primevo deve ter-se evaporado quase por completo nos dez biliões de anos que decorreram desde o "big bang", o princípio do Universo que conhecemos. Tais buracos negros devem estar agora a emitir radiação gama com uma energia próxima dos 100 milhões de electrões-volt. Cálculos efectuados por Don N. Page, então no Instituto de Tecnologia da Califórnia, e por mim, baseados em medições da radiação gama 7 Compare-se com o que é dito no ensaio "O Futuro do Universo", datado de 1991, onde, a propósito da natureza da matéria negra, o autor considera a hipótese de o neutrino possuir uma pequena massa. (N. da T.) 106 do fundo cósmico, realizadas pelo satélite SAS-2, mostram que a densidade média dos buracos negros primevos no Universo deve ser inferior a duzentos por ano-luz cúbico. A densidade local na nossa galáxia pode ser um milhão de vezes superior a este número se os buracos negros primevos estiverem concentrados no "halo" de galáxias a nuvem rarefeita de estrelas em movimento rápido onde se integram todas as galáxias - em vez de uniformemente distribuídos pelo Universo. Isto implica que o buraco negro primevo mais próximo da Terra estaria pelo menos à distância do planeta Plutão. O estágio final da evaporação de um buraco negro decorreria tão depressa que acabaria numa explosão tremenda. A potência desta explosão dependeria do número de espécies diferentes de partículas elementares existentes. Se, como se admite actualmente, todas as partículas forem constituídas por seis variedades diferentes de quarks, a explosão final teria uma energia equivalente a cerca de dez milhões de bombas de hidrogénio de uma megatonelada. Por outro lado, uma teoria alternativa, avançada por R. Hagedorn da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, defende a existência de um número infinito de partículas elementares com massas cada vez mais elevadas. A medida que um buraco negro se torna mais pequeno e mais quente, vai emitindo um número crescente de espécies diferentes de partículas e produz uma explosão talvez cem mil vezes mais potente que a que se calculou pela hipótese do quark. Portanto, a observação da explosão de um buraco negro proporcionaria informações muito importantes sobre a física das partículas elementares, informações essas que podem não estar disponíveis de outro modo. A explosão de um buraco negro produziria uma efusão maciça de raios gama de energia elevada. Embora possam ser observados por detectores de raios gama em satélites ou balões, seria difícil colocar no espaço um detector suficientemente grande para conseguir uma probabilidade razoável de intercepção de um número significativo de fotões de radiação gama, resultantes de uma explosão. Uma possibilidade residiria na utilização de um vaivém espacial para construir um grande detector de raios gama na órbita terrestre. Uma alternativa mais fácil e mais económica
107 consistiria em utilizar a camada superior da atmosfera como detector. Ao mergulhar na atmosfera, um raio gama de alta energia gera uma chuva de pares electrãopositrão, que inicialmente viajarão pela atmosfera mais depressa do que é possível à luz. (A luz é abrandada pelas interacções com as moléculas do ar.) Assim, os electrões e os positrões criarão uma espécie de estrondo sónico, ou onda de choque, no campo electromagnético. Tal onda de choque, chamada radiação de Cerenkov, é detectável no solo como um clarão de luz visível. Uma experiência preliminar por Neil A. Porter e Trevor C. Weekes do University College de Dublin, indica que se os buracos negros explodirem da forma prevista pela teoria de Hagedorn, existem menos de duas explosões de buracos negros por ano-luz cúbico e por século na nossa região da galáxia. Por consequência, a densidade de buracos negros primevos é inferior a 100 milhões por ano-luz cúbico. Deve ser possível aumentar consideravelmente a sensibilidade destas observações. Ainda que não tragam qualquer prova positiva relativa a buracos negros primevos, serão muito valiosas. Ao estabelecer um baixo limite superior para a densidade desses buracos negros, as observações indicarão que o Universo primitivo foi muito uniforme e nãoturbulento. O "big bang" assemelha-se à explosão de um buraco negro mas numa escala muito mais vasta. Espera-se, portanto, que o entendimento de como os buracos negros criam partículas possa conduzir a um entendimento semelhante de como o "big bang" criou tudo no Universo. Num buraco negro, a matéria sofre um colapso e perde-se para sempre, mas é substituída pela criação de nova matéria. Por isso, pode ter existido uma fase anterior do Universo em que a matéria colapsava, sendo depois recriada no "big bang". Se a matéria que colapsa para formar um buraco negro tiver uma carga eléctrica não nula, o buraco negro resultante terá a mesma carga. Isto significa que o buraco negro tenderá a atrair os membros dos pares virtuais partícula-antipartícula que tiverem a carga oposta e a repelir os que tiverem carga do mesmo sinal. O buraco negro emitirá preferencialmente partículas com carga do mesmo sinal e, por isso, perderá 108 rapidamente a sua carga. De modo semelhante, se a matéria em colapso tiver um momento angular não nulo, o buraco negro resultante terá rotação e emitirá preferencialmente partículas que lhe retirem momento angular. A razão pela qual o buraco negro se "recorda" da carga eléctrica, do momento angular e da massa da matéria colapsada e "esquece" tudo o resto é que estas três grandezas estão acopladas a campos de longo alcance: no caso da carga, o campo electromagnético e no caso do momento angular e da massa, o campo gravitacional. As experiências realizadas por Robert H. Dicke da Universidade de Princeton e Vladimir Braginsky da Universidade Estadual de Moscovo indicam que não existe um campo de longo alcance, associado à propriedade quântica designada por número barião. (Os bariões constituem a classe de partículas que inclui o protão e o neutrão.) Por consequência, um buraco negro, formado a partir do colapso de um conjunto de bariões, esqueceria o seu número barião e irradiaria quantidades iguais de bariões e antibariões. Portanto, quando o buraco negro desaparecer, violará uma das leis mais respeitadas da física de partículas, a lei de conservação dos bariões.
Embora a hipótese de Bekenstein que diz que os buracos negros têm uma entropia finita requeira, para ser consistente, a emissão de radiação térmica pelos buracos negros, começa por parecer um perfeito milagre que os cálculos pormenorizados da mecânica quântica, relativos à criação de partículas, originem uma emissão com espectro térmico. A explicação reside no facto de as partículas emitidas se escaparem do buraco negro a partir de uma região da qual o observador externo nada conhece a não ser a massa, o momento angular e a carga eléctrica. Isto significa que todas as combinações ou configurações de partículas emitidas que têm a mesma energia, momento angular e carga eléctrica são igualmente prováveis. Na verdade, é possível que o buraco negro emita um aparelho de televisão ou as obras de Proust em dez volumes encadernados a couro, mas o número de configurações de partículas que correspondem a estas possibilidades exóticas é infinitamente pequeno. O maior número de configurações corresponde de longe à emissão com um espectro praticamente térmico. 109 A emissão proveniente de buracos negros apresenta um grau adicional de incerteza, ou de imprevisibilidade, superior ao normalmente associado com a mecânica quântica. Na mecânica clássica, podemos prever os resultados de medições tanto da posição como da velocidade de uma partícula. Na mecânica quântica, o princípio de incerteza diz que apenas se pode prever uma destas medições; o observador pode prever o resultado da medição da posição ou da velocidade, mas não de ambas as grandezas. Alternativamente, pode prever o resultado da medição de uma combinação de posição e velocidade. Deste modo, a capacidade do observador para efectuar previsões exactas está efectivamente reduzida a metade. Com buracos negros, a situação é ainda pior. Como as partículas emitidas por um buraco negro provêm de uma região em relação à qual o observador tem um conhecimento muito limitado, não pode prever com exactidão a posição ou a velocidade de uma partícula ou de qualquer combinação das duas grandezas; só pode prever as probabilidades de emissão de certas partículas. Parece que Einstein estava duplamente enganado quando afirmou que Deus não jogava aos dados. A análise da emissão de partículas por buracos negros parece sugerir que Deus não só joga aos dados, como por vezes os lança para locais onde não podem ser vistos. 110 CAPÍTULO 11 BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS* Cair num buraco negro constitui um dos horrores da ficção científica. Na realidade, podemos considerar que os buracos negros constituem verdadeira matéria de estudo científico em vez de mera ficção científica. Como descreverei mais adiante, há boas razões para prever a existência de buracos negros; e o testemunho da observação aponta fortemente para a presença de um certo número de buracos negros na nossa própria galáxia, e de mais ainda noutras galáxias. É evidente que o ponto que realmente interessa os escritores de ficção científica é o que acontece se se cair num buraco negro. Uma sugestão comum diz-nos que, se o
buraco negro estiver em rotação, podemos cair através de um pequeno buraco no espaço-tempo e emergir noutra região do Universo, o que abriria grandes possibilidades às viagens espaciais. Na verdade, precisamos de algo semelhante a isto para que a viagem às estrelas, e a outras galáxias, se possa tornar uma proposição prática no futuro. De outro modo, o facto de nada poder viajar mais depressa que a luz significa que a viagem de ida e volta à estrela mais próxima demora um mínimo de oito anos. Tanto tempo para um simples fim-de-semana em Alfa do Centauro! Por outro lado, se conseguirmos passar através de um buraco negro, poderemos reemergir em qualquer outro lugar do Universo. A escolha do destino não é clara: em * Palestra "Hitchcock", proferida na Universidade da Califórnia em Berkeley, em Abril de 1988. 111 vez de umas férias em Virgem, podemos ir parar à Nebulosa do Caranguejo. Lamento desapontar os eventuais turistas galácticos, mas este cenário não funciona: se saltarmos para dentro de um buraco negro, seremos desintegrados e a nossa existência chegará ao fim. No entanto, um sentido há em que as partículas que constituem o nosso corpo continuam efectivamente noutro Universo. Não sei se constituiria uma grande consolação sermos reduzidos a esparguete num buraco negro, para verificar se as nossas partículas podiam sobreviver. Apesar do tom ligeiramente frívolo que adoptei, este ensaio baseia--se em ciência séria. A maior parte do que aqui exponho tem actualmente a concordância de outros cientistas que trabalham neste domínio, apesar desta aceitação ter chegado só muito recentemente. A última parte do ensaio, contudo, baseia-se em trabalho muito recente sobre o qual não há, para já, um consenso geral. Mas este trabalho está a despertar grande interesse e entusiasmo. Embora o conceito daquilo que conhecemos agora por "buraco negro" exista há mais de duzentos anos, a designação buraco negro foi introduzida apenas em 1967 pelo físico americano John Wheeler. Foi um golpe de génio: o nome garantiu a entrada dos buracos negros na mitologia da ficção científica. Estimulou também a pesquisa científica, ao proporcionar uma denominação concreta para, algo que, anteriormente, não tinha um nome satisfatório. Não se deve subestimar a importância de uma boa designação científica. Que se saiba, a primeira pessoa a discutir os buracos negros foi um homem de Cambridge chamado John Michell, que escreveu um artigo sobre eles em 1783. A sua ideia era a seguinte: suponhamos que se dispara uma bala de canhão na vertical, a partir da superfície da Terra. À medida que a bala sobe, a sua velocidade diminui pelo efeito da gravidade. Por fim, a bala pára e cai para a Terra. No entanto, se a bala tivesse uma velocidade superior a um valor crítico, nunca pararia de subir nem tãopouco cairia, continuando a afastar-se. Esta velocidade crítica 112 chama-se velocidade de escape. Na Terra, o seu valor é de cerca de sete milhas por segundo, e no Sol vale perto de cem milhas por segundo. 8 Ambas as velocidades são superiores à velocidade de uma bala de canhão verdadeira, mas são muito inferiores à velocidade da luz, que é de 186 000 milhas por segundo.9 Isto significa que a gravidade não exerce um grande efeito sobre a luz; esta pode
escapar sem dificuldade da Terra ou do Sol. Contudo, Michell deduziu que seria possível ter uma estrela suficientemente maciça e suficientemente pequena, tal que a sua velocidade de escape fosse superior à velocidade da luz. Não conseguiríamos ver essa estrela porque a luz da sua superfície não chegaria até nós; seria forçada a voltar para trás pelo campo gravitacional da estrela. Porém, a presença da estrela seria detectável pelo efeito do seu campo gravitacional na matéria próxima. Não há grande consistência na analogia entre luz e balas de canhão. Segundo uma experiência realizada em 1897, a luz viaja sempre à mesma velocidade. Como pode a gravidade desacelerar a luz? Uma teoria consistente, que explica os efeitos da gravidade sobre a luz, surgiu apenas em 1915, quando Einstein formulou a teoria da relatividade geral. Mesmo assim, as implicações desta teoria para estrelas velhas e outros corpos maciços só foram compreendidas nos anos 60. Segundo a relatividade geral, o conjunto de espaço e tempo constitui um espaço quadridimensional chamado espaço-tempo. Este espaço não é plano; está distorcido ou encurvado pela matéria e pela energia nele existentes. Observamos esta curvatura na deflexão da luz ou das ondas de rádio que passam perto do Sol, no seu caminho até nós. No caso da luz que passa perto do Sol, a deflexão é muito pequena. Contudo, se o Sol se começasse a contrair até ficar com apenas alguns quilómetros de diâmetro, a deflexão seria tão grande que a luz que deixasse o Sol não escaparia, sendo forçada a retroceder pelo campo gravitacional 8 11 quilómetros por segundo e 160 quilómetros por segundo, respectivamente. (N. da T.) 9 300 000 quilómetros por segundo. (N. da T.) 113 solar. Segundo a teoria da relatividade, nada pode viajar mais depressa que a luz, por isso haveria uma região da qual nada pode escapar. Esta região designa-se por buraco negro. A sua fronteira é o horizonte de acontecimentos, formado pela luz que, por pouco, não consegue escapar do buraco negro, ficando a pairar no limite. A sugestão da possibilidade do Sol se contrair até ter apenas alguns quilómetros de diâmetro pode parecer ridícula. Talvez se pense que a matéria não pode ser comprimida a esse ponto. Sucede precisamente o contrário. O calor do Sol justifica o seu tamanho. O Sol realiza a combustão do hidrogénio em hélio, como uma bomba-H controlada. O calor libertado neste processo gera uma pressão que permite ao Sol resistir à atracção da sua própria gravidade, que procura torná-lo mais pequeno. Por fim, contudo, o Sol esgotará o seu combustível nuclear. Isto só acontecerá dentro de cinco biliões de anos, por isso não precisa de ter pressa em reservar o seu voo para outra estrela. No entanto, as estrelas mais maciças que o Sol esgotarão o combustível muito mais depressa. Quando este terminar, começarão a perder calor e a contrair-se: Se tiverem menos do dobro da massa solar, a contracção terá um termo e atingirão um estado estável. Um desses estados é o de anã branca. As anãs brancas têm raios de alguns milhares de quilómetros e densidades de centenas de toneladas por centímetro cúbico. Outro desses estados é o de estrela de neutrões. Esta tem um raio de cerca de vinte quilómetros, e densidades da ordem dos milhões de toneladas por centímetro cúbico.
Observamos grandes números de anãs brancas na nossa vizinhança mais imediata na galáxia. As estrelas de neutrões, contudo, só foram observadas em 1967, quando Jocelyn Bell e Antony Hewish em Cambridge descobriram objectos chamados pulsares que emitiam pulsações regulares de ondas de rádio. De início, pensaram que tinham estabelecido contacto com uma civilização alienígena. Recordo-me até que a sala de seminários onde anunciaram a sua descoberta estava decorada com figuras de homenzinhos verdes. 10
10 "Little Green Men", no original. Designação dada por Bell e Hewish às primeiras fontes de ondas de rádio que foram descobertas. (N. da T.) 114 Por fim, contudo, eles e todos os outros chegaram à conclusão menos romântica de que esses objectos eram estrelas de neutrões rotativas. Foram más notícias para os escritores de aventuras espaciais, mas boas notícias para o pequeno número dos que, naquela época, acreditava em buracos negros. Se as estrelas se podiam contrair até raios de vinte a trinta quilómetros, tornando-se estrelas de neutrões, seria de esperar que outras estrelas se pudessem contrair ainda mais para se transformarem em buracos negros. Uma estrela com massa superior ao dobro da do Sol não pode acabar como anã branca ou estrela de neutrões. Nalguns casos, a estrela explode e ejecta matéria em quantidade suficiente para fazer descer a sua massa abaixo do limite. Porém, isto não acontece em todos os casos. Algumas estrelas tornam-se tão pequenas que os seus campos gravitacionais deflectem a luz ao ponto de esta ser forçada a voltar para trás. Nem a luz, nem seja o que for, conseguirá escapar. As estrelas transformaram-se em buracos negros. As leis da física são simétricas no tempo. Por isso, se há objectos chamados buracos negros nos quais se pode entrar mas não se pode sair, devem existir outros objectos de que se pode sair mas não entrar. Chamemos-lhes buracos brancos. Podemos especular que alguém que saltasse para dentro de um buraco negro num lugar, sairia de um buraco branco noutro lugar. Este seria o método ideal para as viagens espaciais de longo curso, atrás mencionadas. Bastaria descobrir um buraco negro próximo. De início, esta forma de viagem espacial parecia possível. Há soluções da teoria da relatividade geral de Einstein nas quais é possível cair num buraco negro e sair de um buraco branco. Contudo, trabalhos posteriores mostraram que estas soluções eram todas muito instáveis: qualquer perturbação, por muito ligeira, tal como a presença de uma nave espacial, destrói o "buraco de verme", ou passagem, que conduz do buraco negro ao buraco branco. A nave espacial é desintegrada por forças infinitamente intensas. Seria como se nos lançássemos das cataratas do Niagara dentro de um barril. 115 Depois disto, toda a esperança parece perdida. Os buracos negros podiam ser úteis para nos livrarmos de lixo, ou mesmo de alguns amigos. Mas são "um país de onde nenhum viajante regressa". No entanto, tudo o que tenho afirmado baseia-se em cálculos que utilizam observações efectuadas. Mas sabemos que isto não pode estar completamente certo, porque não incorpora o princípio de incerteza da mecânica quântica. Este afirma que as partículas não podem ter simultaneamente uma posição e
uma velocidade bem definidas. Quanto mais exactamente medirmos a posição de uma partícula, menor a exactidão com que mediremos a sua velocidade, e vice-versa. Em 1973, comecei a investigar a aplicação do princípio de incerteza aos buracos negros. Para minha grande surpresa, e de toda a gente, descobri que os buracos negros não eram completamente negros. Emitiam radiação e partículas a uma taxa constante. Os meus resultados foram recebidos com descrença geral quando os anunciei numa conferência perto de Oxford. O presidente da sessão considerou-os disparatados e escreveu um artigo reiterando a sua opinião. Contudo, quando outras pessoas repetiram o meu cálculo, verificaram o mesmo efeito. Por isso, no fim, o próprio presidente acabou por admitir que eu tinha razão. Como pode a radiação escapar do campo gravitacional de um buraco negro? Há uma série de maneiras de o conseguir compreender. Embora pareçam muito diferentes, na realidade são todas equivalentes. Uma delas passa por reconhecer que o princípio de incerteza permite que as partículas viajem mais depressa que a luz ao longo de curtas distâncias. Isto possibilita que partículas e radiação atravessem o horizonte de acontecimentos e se escapem do buraco negro. Deste modo, é possível a saída de um buraco negro. Contudo, o que sai de um buraco negro é diferente do que nele cai. Só a energia é igual. À medida que um buraco negro liberta partículas e radiação vai perdendo massa. Além de ficar mais pequeno, vai libertar partículas mais depressa. Por fim, a sua massa será nula e desaparecerá completamente. O que acontecerá então aos objectos, incluindo eventuais naves espaciais, que caem no buraco negro? De acordo com um trabalho que 116 recentemente realizei, a resposta é que os objectos dão entrada num pequeno universo bebé. Um universo pequeno e autocontido, uma ramificação da nossa região de Universo. O universo bebé pode juntar-se de novo à nossa região de espaço-tempo. Se o fizer, surgirá como outro buraco negro que se formou e se evaporou de seguida. As partículas que caem num buraco negro surgiriam como partículas emitidas pelo outro buraco negro, e vice-versa. Isto parece justamente o necessário para permitir a viagem espacial através de buracos negros. Bastaria dirigir a nossa nave espacial para um buraco negro adequado. Era preferível que fosse um buraco bem grande, ou as forças gravitacionais reduzir-nos-iam a esparguete antes de nele entrarmos. Esperaríamos então reaparecer à boca de um outro buraco, embora não pudéssemos escolher o sítio. No entanto, há um obstáculo neste esquema de transporte interga-láctico. Os universos bebés, receptores das partículas que caíram no buraco, ocorrem no tempo imaginário. No tempo real, um astronauta que caísse num buraco negro teria um fim desastroso. Seria desintegrado pela diferença entre a força gravitacional exercida na sua cabeça e nos seus pés. Nem as próprias partículas constituintes do seu corpo sobreviveriam. As suas histórias, no tempo real, teriam um fim na singularidade. Contudo, as histórias das partículas no tempo imaginário continuariam. Transitariam para o universo bebé e reemergeriam como partículas emitidas por outro buraco negro. Assim, num certo sentido, o astronauta seria transportado para outra região do Universo. No entanto, as partículas emergentes em nada se assemelhariam ao astronauta. Nem lhe serviria de grande consolação, ao mergulhar na singularidade em
tempo real, saber que as suas partículas sobreviveriam em tempo imaginário. O lema para quem cair num buraco negro deve ser: "Pense imaginário". O que é que determina o sítio onde as partículas reemergem? O número de partículas no universo bebé será igual ao número de partículas que caíram no buraco negro, adicionado ao número de partículas que o buraco negro emite durante a sua evaporação. Isto significa que as partículas que caem num buraco negro sairão de outro buraco negro, 117 aproximadamente com a mesma massa. Podemos tentar seleccionar o local onde as partículas surgirão, criando um buraco negro com massa igual à do buraco onde caíram as partículas. No entanto, é igualmente provável que o buraco negro emita qualquer outro conjunto de partículas com a mesma energia total. Ainda que o buraco negro emitisse o tipo certo de partículas, não saberíamos se eram as mesmas partículas que tinham entrado no outro buraco. As partículas não têm bilhetes de identidade: todas as partículas de um dado tipo são iguais. Em síntese: é improvável que a travessia de um buraco negro seja um método popular e seguro de viagem espacial. Em primeiro lugar, teríamos de lá chegar viajando no tempo imaginário, sem nos preocuparmos com o facto de a nossa história no tempo real ter um fim desastroso. Em segundo lugar, não podíamos na realidade escolher o nosso destino. Seria como viajar em certas companhias aéreas que conheço. Embora a utilidade dos universos bebés para a viagem espacial seja reduzida, apresentam importantes implicações para a nossa tentativa de descobrir uma teoria unificada completa que descreverá tudo o que existe no Universo. As nossas teorias actuais contêm um certo número de grandezas, como o tamanho da carga eléctrica de uma partícula. Os valores destas grandezas não são previsíveis pelas nossas teorias. Em vez disso, os valores têm de ser escolhidos para concordarem com as observações. No entanto, muitos cientistas crêem na existência de uma teoria unificada subjacente, que preverá os valores de todas estas grandezas. É bem possível que essa teoria subjacente exista. De momento, a candidata mais forte é a teoria das supercordas heteróticas. Segundo esta, o espaço-tempo está preenchido com pequenos laços, semelhantes a pedaços de corda. O que consideramos como partículas elementares são, na realidade, pequenos laços que vibram de diferentes maneiras. Esta teoria não contém quaisquer números cujos valores possam ser ajustados. Podemos portanto esperar que esta teoria unificada consiga prever todos os valores das grandezas, tal como a carga eléctrica de uma partícula, que permanecem indeterminados pelas nossas teorias actuais. Embora ainda não tenhamos conseguido prever qualquer destas 118 grandezas com a teoria das supercordas, muitos crêem que acabaremos por o conseguir. No entanto, se este quadro de universos bebés estiver correcto, a nossa capacidade de previsão destas grandezas ficará reduzida. Isto porque não podemos observar quantos universos bebés existem, à espera de se juntarem à nossa região do Universo. Podem existir universos bebés que contenham apenas algumas partículas. Estes universos bebés são tão pequenos que não se daria pela sua junção à nossa região do Universo ou pela sua ramificação a partir desta. Contudo, ao juntar-se, alterarão os
valores aparentes de grandezas como a carga eléctrica de uma partícula. Assim, não conseguiremos prever quais serão os valores aparentes destas grandezas, porque não sabemos quantos universos bebés estão por aí. É possível uma explosão demográfica de universos bebés. Ao contrário dos seres humanos, contudo, parecem não existir quaisquer factores limitantes, tais como fornecimento de comida ou espaço vital. Os universos bebés existem num domínio próprio. É um pouco como perguntar quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete. Para muitas grandezas, os universos bebés parecem introduzir um montante definido, embora pequeno, de incerteza nos valores previstos. No entanto, podem fornecer uma explicação para o valor observado de uma grandeza muito importante: a constante cosmológica. Esta constante é um termo das equações da relatividade geral que dá ao espaço--tempo uma tendência intrínseca para a expansão ou para a contracção. Originariamente, Einstein propôs uma constante cosmológica muito pequena, na esperança de equilibrar a tendência da matéria para obrigar o Universo à contracção. Essa motivação desapareceu quando se descobriu que o Universo estava em expansão. Mas não era assim tão fácil livrarmo-nos da constante' cosmológica. Poderíamos esperar que as flutuações implicadas pela mecânica quântica produzissem uma constante cosmológica muito elevada. Porém, observamos como a expansão do Universo varia com o tempo, determinando assim uma constante cosmológica muito pequena. Até agora, não houve uma boa explicação para o facto do valor observado ser tão pequeno. No entanto, os universos 119 bebés - que surgem por ramificação ou que se nos juntam - afectarão o valor aparente da constante cosmológica. Como desconhecemos o número de universos bebés existentes, há diferentes valores possíveis para a constante cosmológica aparente. Contudo, um valor quase nulo será de longe o mais provável. Felizmente que assim é, pois só se o valor da constante cosmológica for muito pequeno é que o Universo será adequado para os seres humanos. Em síntese: parece que as partículas podem cair em buracos negros que depois se evaporam e desaparecem da nossa região do Universo. As partículas fogem para universos bebés, originados por ramificação do nosso Universo. Estes universos bebés podem então voltar a juntar-se ao nosso Universo noutra região qualquer. Não serão muito adequados à viagem espacial, mas a sua presença significa que conseguiremos prever menos do que esperávamos, mesmo que descubramos uma teoria unificada completa. Por outro lado, conseguimos agora fornecer explicações para os valores medidos para algumas grandezas, tal como a constante cosmológica. Nos últimos anos, muitas pessoas centraram o seu trabalho nos universos bebés. Embora não me pareça que alguém venha a enriquecer ao patentear os universos bebés como um método de viagem espacial, há que reconhecer que constituem uma área de investigação deveras excitante. 120 CAPÍTULO 12 ESTARÁ TUDO DETERMINADO?*
Na peça Júlio César, Cássio diz a Bruto, "Os homens, por vezes, são senhores dos seus destinos." Mas seremos realmente senhores do nosso destino? Ou tudo o que fazemos estará determinado e previamente combinado? O argumento tradicional a favor da pré-determinação diz que Deus é omnipotente e exterior ao tempo, e que sabe o que acontecerá. Neste caso, como pode haver livre arbítrio? E se não houver livre arbítrio, como nos poderemos responsabilizar pelas nossas acções? Não temos culpa se estava pré-determinado que roubássemos um banco. Então, por que havemos de ser punidos por esse acto? Em tempos recentes, o argumento do determinismo baseou-se na ciência. Dispomos de leis bem definidas que governam a forma como o Universo, e tudo o que nele há, evolui no tempo. Embora não tenhamos ainda descoberto a formulação exacta de todas estas leis, sabemos já o suficiente para determinar o que acontece em todas as situações, excepto nas mais extremas. Saber se encontraremos as restantes leis num futuro razoavelmente próximo é uma questão de opinião. Sou optimista: penso que existe uma probabilidade de cinquenta por cento de as descobrirmos nos próximos vinte anos. Mas mesmo que isso não aconteça, não fará grande diferença para o argumento. O ponto importante é dever existir um conjunto de leis que determinam completamente a evolução do * Palestra proferida no seminário do Sigma Club na Universidade de Cambridge, em Abril de 1990. 121 Universo a partir do seu estado inicial. Estas leis podem ter sido estabelecidas por Deus. Mas parece que Ele (ou Ela) não intervém no Universo para violar as leis. A configuração inicial do Universo pode ter sido escolhida por Deus ou determinada pelas leis da ciência. Em qualquer dos casos, tudo no Universo seria determinado pela evolução, de acordo com as leis da ciência; por isso, é difícil perceber como podemos ser senhores dos nossos destinos. A ideia de que existe uma grande teoria unificada, que determina tudo no Universo, levanta muitas dificuldades. Em primeiro lugar, a grande teoria unificada é presumivelmente compacta e elegante em termos matemáticos. Deve existir algo de especial e simples numa teoria de tudo. Porém, como pode um dado número de equações ter em conta a complexidade e os pormenores triviais que vimos à nossa roda? Podemos em rigor acreditar que a grande teoria unificada determinou que Sinead 0'Connor estaria no primeiro lugar da tabela de discos mais vendidos, e que Madonna apareceria na capa da revista Cosmopolitan? Um segundo problema que afecta a ideia de que tudo está determinado por uma grande teoria unificada é que tudo o que dizemos é igualmente determinado pela teoria. E por que teria de estar determinado para ser correcto? Não é mais provável que esteja errado, porque existem muitas afirmações incorrectas possíveis para cada afirmação verdadeira? Todas as semanas, recebo pelo correio um certo número de teorias que as pessoas me enviam. Todas elas são diferentes, e muitas são mutuamente inconsistentes. Porém, presumivelmente a grande teoria unificada determinou que os autores pensassem que tinham razão. Assim, por que deveria ter maior validade tudo o que eu afirmar? Não sou igualmente determinado pela grande teoria unificada?
Um terceiro problema com a ideia de que tudo está determinado é sentirmos que temos livre arbítrio, que temos liberdade para escolher se fazemos ou não certa coisa. Mas se tudo está determinado pelas leis da ciência, o livre arbítrio não passa de uma ilusão. E se não tivermos livre arbítrio, que base existe para a responsabilidade nas nossas acções? Não 122 punimos as pessoas por crimes que cometeram se elas forem loucas, porque dizemos que não puderam evitar os actos. Mas se todos somos determinados por uma grande teoria unificada, se nenhum de nós pode evitar os seus actos, como é possível responsabilizar alguém pelo que fez? Os problemas do determinismo foram discutidos ao longo dos séculos. No entanto, a discussão era algo académica, porque estávamos longe de um conhecimento completo das leis da ciência, e não sabíamos como fora determinado o estado inicial do Universo. Os problemas adquirem agora maior urgência, porém, porque existe a possibilidade de descobrirmos uma teoria completamente unificada ao longo dos próximos vinte anos. E compreendemos que o próprio estado inicial pode ser determinado pelas leis da ciência. O que se segue é a minha tentativa pessoal de resolver estes problemas. Não reclamo grande originalidade ou profundidade, mas é o melhor que posso fazer de momento. Comecemos com o primeiro problema: como pode uma teoria, relativamente simples e compacta, dar origem a um Universo tão complexo como o que observamos, com todos os seus pormenores triviais e sem importância? A chave para a resposta é o princípio de incerteza da mecânica quântica, que afirma que não é possível medir simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula com grande exactidão: quanto maior a exactidão no valor medido para a posição, menos exactamente poderemos medir a velocidade, e vice-versa. Esta incerteza não é muito importante no momento presente, em que os objectos estão tão afastados uns dos outros, que uma pequena incerteza na posição não tem grande importância. Mas, no Universo primitivo, tudo estava tão próximo que a incerteza era grande, e havia um certo número de estados possíveis para o Universo. Os vários estados primitivos possíveis teriam evoluído para uma família completa de histórias diferentes para o Universo. A maioria destas histórias seria semelhante nas características em macro-escala. Estas corresponderiam a um Universo uniforme, regular e em expansão. Contudo, as histórias difeririam em pormenores, tais como a distribuição de estrelas, e mais ainda no aspecto das capas de revistas. (Isto se houver revistas nessas histórias.) Assim, a complexidade do 123 Universo à nossa roda, bem como os seus pormenores, derivou do efeito do princípio de incerteza nos estágios iniciais. Haveria uma história na qual os Nazis ganharam a Segunda Guerra Mundial, apesar da probabilidade ser pequena. Mas acontece que vivemos numa história em que os Aliados ganharam a guerra e Madonna apareceu na capa da Cosmopolitan. Dedico-me agora ao segundo problema: se o que fazemos é determinado por uma grande teoria unificada, por que há-de a teoria determinar que cheguemos às conclusões certas a respeito do Universo, e não às erradas? Por que é que aquilo que dizemos há-de ter qualquer validade? A minha resposta a esta questão baseia-se na
ideia darwiniana da selecção natural. Admito que uma forma de vida muito primitiva surgiu espontaneamente na Terra, a partir de combinações casuais de átomos. Provavelmente, esta forma de vida primitiva era uma molécula grande. Mas talvez não fosse ADN, pois são pequenas as probabilidades de formação de uma molécula de ADN completa, a partir de combinações aleatórias. A primitiva forma de vida ter-se-ia auto-reproduzido. O princípio de incerteza quântica e os movimentos térmicos aleatórios dos átomos provocariam um certo número de erros na reprodução. A maioria destes erros teria sido fatal à sobrevivência do organismo ou à sua capacidade reprodutora. Esses erros não foram transmitidos a gerações futuras, tendo--se extinguido. Por mero acaso, alguns dos erros revelaram-se benéficos. Os organismos portadores dos erros teriam maior probabilidade de sobreviver e de se reproduzir. Por isso, a tendência seria para que substituíssem os organismos originais, não melhorados. O desenvolvimento da estrutura em hélice dupla do ADN pode ter constituído um desses melhoramentos nos estágios primitivos. Constituiu um avanço de tal ordem que substituiu completamente todas as formas de vida precedentes, quaisquer que estas tenham sido. A medida que a evolução progredia, conduziu ao desenvolvimento do sistema nervoso central. As criaturas que reconheciam correctamente as implicações dos dados reunidos pelos seus órgãos dos sentidos, e agiam da forma apropriada, tinham maiores probabilidades de sobreviver e de se reproduzir. 124 A espécie humana transportou este processo para outro estágio. Somos muito parecidos com os símios superiores, quer nos corpos quer no ADN; mas uma pequena variação no nosso ADN possibilitou-nos o desenvolvimento da linguagem. Pudemos assim transmitir informações e experiências acumuladas de geração em geração, verbalmente e, por fim, por escrito. Anteriormente, os resultados da experiência eram transmitidos apenas pelo processo moroso de codificação no ADN, através de erros aleatórios na reprodução. Este efeito imprimiu uma aceleração dramática à evolução. Foram precisos mais de três biliões de anos para a evolução conduzir à espécie humana. Porém, ao longo dos últimos dez mil anos, desenvolvemos a linguagem escrita. Isto permitiu-nos progredir do estatuto de trogloditas ao ponto em que nos interrogamos sobre a teoria fundamental do Universo. Não houve uma evolução biológica significativa, nem uma mudança no ADN humano, nos últimos dez mil anos. Assim, a nossa inteligência, a nossa aptidão para chegar às conclusões correctas a partir da informação proporcionada pelos nossos órgãos sensoriais, deve datar dos nossos dias de trogloditas ou de antes disso. Teria sido seleccionada com base na nossa aptidão para matar certos animais de modo a conseguir alimento, e para evitar a predação por outros animais. É notável que as qualidades mentais seleccionadas para estes propósitos se tenham revelado tão úteis nas circunstâncias muito diferentes dos nossos dias. Provavelmente, a nossa sobrevivência não tem muito a ganhar com a descoberta de uma grande teoria unificada ou com a resposta a questões sobre o determinismo. Ainda assim, a inteligência que desenvolvemos por outras razões, pode garantir que descubramos as respostas certas a estas questões. Dedico-me agora ao terceiro problema: a questão do livre arbítrio e da responsabilidade pelas nossas acções. Subjectivamente, sentimos que somos livres de
escolher quem somos e o que fazemos. Mas isso pode não passar de uma ilusão. Algumas pessoas pensam que são Jesus Cristo ou Napoleão, mas nem todas podem ter razão. Precisamos de um teste objectivo, que possamos aplicar externamente, para verificar se um 125 organismo possui livre arbítrio. Por exemplo, suponhamos que recebemos uma visita de uma "Pessoazinha Verde", oriunda de outra estrela. Como saber se ela tem livre arbítrio ou se não passa de um robot, programado para responder como um de nós? O teste objectivo final ao livre arbítrio seria: Podemos prever o comportamento do organismo? Se for possível, o organismo não terá livre arbítrio e será predeterminado. Por outro lado, se não pudermos prever o comportamento, podemos admitir, como definição operacional, que o organismo dispõe de livre arbítrio. Podemos objectar a esta definição de livre arbítrio, argumentando que logo que tenhamos descoberto uma teoria unificada completa seremos capazes de prever o que as pessoas farão. No entanto, o cérebro humano também está sujeito ao princípio de incerteza. Assim, existe um elemento de aleatoriedade associado à mecânica quântica no comportamento humano. Mas as energias que o cérebro envolve são baixas, pelo que a incerteza da mecânica quântica produz apenas um pequeno efeito. A verdadeira razão pela qual não podemos prever o comportamento humano é simplesmente por ser demasiado difícil. Conhecemos já as leis físicas básicas que governam a actividade do cérebro e sabemos que são comparativamente simples. Porém, é demasiado difícil resolver as equações, quando envolvem mais do que um pequeno número de partículas. Mesmo na mais simplificada teoria da gravitação de Newton, as equações só se podem resolver exactamente quando há apenas duas partículas. Para três ou mais partículas, temos que recorrer a aproximações, e a dificuldade aumenta rapidamente com o número de partículas. O cérebro humano contém cerca de dez elevado à potência de vinte e seis, ou uma centena de milhões de biliões de biliões de partículas. Este número é demasiado grande para sermos capazes de resolver as equações e prever o comportamento do cérebro, dado o seu estado inicial e os dados nervosos que nele dão entrada. De facto, não podemos sequer medir o estado inicial, porque, para o fazermos, teríamos de considerar o cérebro em separado. Mesmo que estivéssemos preparados para tal, continuariam a existir demasiadas partículas para registar. Para além disso, o 126 cérebro é provavelmente muito sensível ao estado inicial: uma pequena mudança no estado inicial pode provocar uma diferença muito grande no comportamento subsequente. Por isso, embora conheçamos as equações fundamentais que governam o cérebro, somos incapazes de as usar para prever o comportamento humano. Em ciência, esta situação surge sempre que estudamos o sistema macroscópico, porque o número de partículas é sempre demasiado grande para haver qualquer hipótese de resolver as equações fundamentais. Em vez disso, o que fazemos é utilizar teorias efectivas. Estas teorias são aproximações em que o número muito grande de partículas é substituído por algumas grandezas. Um exemplo é a mecânica de fluidos. Um líquido como a água é constituído por biliões e biliões de moléculas, elas próprias formadas por biliões de biliões de moléculas formadas por electrões, protões e neutrões. No entanto, é uma boa aproximação tratar o líquido como um meio
contínuo, caracterizado apenas por velocidade, densidade e temperatura. As previsões da teoria efectiva da mecânica dos fluidos não são exactas - basta ouvir o boletim meteorológico para nos apercebermos disso - mas são suficientemente boas para o projecto de navios ou oleodutos. Quero sugerir que os conceitos de livre arbítrio e de responsabilidade moral pelas nossas acções constituem realmente uma teoria eficaz num sentido afim do da mecânica de fluidos. Pode suceder que tudo o que fazemos seja determinado por uma grande teoria unificada. Se essa teoria determinou que havemos de morrer por enforcamento, então não morreremos por afogamento. Mas precisávamos de ter a certeza absoluta que estávamos condenados à forca, para nos lançarmos ao mar num pequeno barco, em plena tempestade. Tenho reparado que mesmo os que defendem que tudo está determinado, e que nada podemos fazer para o alterar, olham para ambos os lados antes de atravessarem a estrada. Talvez isso aconteça porque os que não olham não sobrevivem para contar. Não podemos basear a nossa conduta na ideia de que tudo está determinado, por não sabermos o que foi determinado. Em vez disso, temos 127 de adoptar a teoria efectiva de que dispomos de livre arbítrio e somos responsáveis pelas nossas acções. Esta teoria não é muito eficaz na previsão do comportamento humano. Porém, adoptamo-la porque não temos hipóteses de resolver as equações que resultam das leis fundamentais. Há também uma razão darwiniana para crermos no livre arbítrio. Uma sociedade em que o indíviduo se sente responsável pelas suas acções tem maiores probabilidades de funcionar e de sobreviver para difundir os seus valores. Claro que as formigas trabalham bem em conjunto, mas a sua sociedade é estática. Não consegue responder a desafios inabituais, nem desenvolver novas oportunidades. No entanto, um conjunto de indivíduos livres, que partilham certos desígnios mútuos, podem colaborar para a obtenção de objectivos comuns e, apesar disso, possuírem a flexibilidade para realizar inovações. Uma sociedade deste tipo tem maiores probabilidades de prosperar e de difundir o seu sistema de valores. O conceito de livre arbítrio pertence a um domínio diferente do das leis fundamentais da ciência. Se tentarmos deduzir o comportamento humano a partir das leis da ciência, somos apanhados pelo paradoxo lógico dos sistemas auto-referenciais. Se o que fazemos puder ser previsto pelas leis fundamentais, então o facto de realizarmos aquela previsão pode mudar o curso dos acontecimentos. É como os problemas que arranjaríamos se a viagem no tempo fosse possível - e não creio que alguma vez o venha a ser. Se pudéssemos ver o que ia acontecer no futuro, poderíamos alterá-lo. Se soubéssemos que cavalo ia vencer o Grand National, ganharíamos uma fortuna apostando nele. Mas essa acção alteraria as probabilidades. Basta assistirmos a um dos filmes da série Regresso ao Futuro para nos apercebermos dos problemas que poderiam surgir. Este paradoxo da possibilidade de prever as próprias acções está estreitamente relacionado com o problema que mencionei atrás: a teoria final determinará que chegaremos às conclusões certas sobre a teoria final? Nesse caso, aventei que a ideia darwiniana da selecção natural nos conduziria à resposta correcta. Talvez que a resposta correcta não seja a forma certa de o descrever, mas a selecção natural deve, no mínimo,
128 conduzir-nos a um conjunto de leis físicas que funcionem razoavelmente bem. Contudo, não as podemos aplicar à dedução do comportamento humano por duas razões. Em primeiro lugar, não podemos resolver as equações. Em segundo lugar, mesmo que o pudéssemos fazer, o facto de realizar uma previsão perturbaria o sistema. Em vez disso, a selecção natural parece levar-nos a adoptar a teoria efectiva do livre arbítrio. Se aceitamos que as acções de uma pessoa são livremente escolhidas, não podemos então argumentar que nalguns casos são determinadas por forças exteriores. O conceito de "arbítrio praticamente livre" não faz sentido. Mas as pessoas tendem a confundir o facto de sermos capazes de adivinhar o que é provável que o indivíduo escolha, com a noção de que a escolha não é livre. Adivinho que a maioria dos leitores jantará esta noite, mas sois livres de preferir ir para a cama com fome. Um exemplo dessa confusão é a doutrina da responsabilidade decrescida: a ideia de que as pessoas não devem ser punidas pelas suas acções, porque estavam sob o efeito do stress. Porém, isto não significa que se deva aumentar a probabilidade de um indivíduo cometer o acto pela redução do castigo. Há que manter a investigação das leis fundamentais da ciência e o estudo do comportamento humano em compartimentos separados. Não podemos usar as leis fundamentais para deduzir o comportamento humano pelas razões que já expliquei. Mas poderíamos esperar que fosse possível empregar tanto a inteligência como o poder do pensamento lógico que desenvolvemos através da selecção natural. Infelizmente, a selecção natural conduziu também ao desenvolvimento de outras características, como, por exemplo, a agressão. Esta deve ter constituído uma vantagem para a sobrevivência na era troglodita, e antes dela, e teria sido favorecida pela selecção natural. No entanto, o aumento tremendo do nosso poder de destruição, desencadeado pela ciência e pela tecnologia modernas, transformou a agressão numa qualidade muito perigosa, que ameaça a sobrevivência de toda a espécie humana. O problema está em que os nossos instintos agressivos parecem estar codificados no ADN. As mutações do ADN, implicadas pela evolução biológica, só se 129 manifestam numa escala de tempo de milhões de anos; mas os nossos poderes destruidores aumentam numa escala temporal para a evolução da informação que é agora de apenas vinte ou trinta anos. Se não usarmos a nossa inteligência para controlar a nossa agressão não haverá grande futuro para a espécie humana. Ainda assim, enquanto há vida há esperança. Se conseguirmos sobreviver ao próximo século, ter-nos-emos dispersado por outros planetas e, possivelmente, por outras estrelas. Isto tornará muito menos provável a extinção da globalidade da espécie humana numa calamidade do tipo guerra nuclear. Recapitulando: discuti alguns dos problemas que surgem se acreditarmos que tudo no Universo está determinado. Não faz muita diferença se este determinismo se deve a um Deus omnipotente ou às leis da ciência. Na verdade, é sempre possível afirmar que as leis da ciência são a expressão da vontade de Deus. Considerei três questões: em primeiro lugar, como pode a complexidade do Universo, com todos os seus pormenores triviais, ser determinada por um simples conjunto de equações? Alternativamente, é possível acreditar que Deus escolheu realmente todos os pormenores triviais, como, por exemplo, quem deve aparecer na capa da
Cosmopolitan? A resposta parece estar no princípio de incerteza da mecânica quântica, ao implicar que não há apenas uma história para o Universo, mas uma família inteira de histórias possíveis. Estas histórias podem ser semelhantes em macro-escalas, mas diferir grandemente em escalas normais, quotidianas. Acontece que vivemos numa história em particular, que tem determinadas propriedades e pormenores. Mas existem seres inteligentes muito semelhantes, que vivem em histórias que diferem da nossa pelo vencedor da guerra e pela composição da lista dos discos mais vendidos. Assim, os pormenores triviais do nosso Universo surgem porque as leis fundamentais incorporam a mecânica quântica, com o seu elemento de incerteza ou aleatoriedade. A segunda questão era: se tudo está determinado por alguma teoria fundamental, então o que dissermos sobre a teoria também estará determinado por ela - mas por que deve estar determinado que o que dizemos 130 é correcto, em vez de meramente errado ou irrelevante? Para responder recorri à teoria darwiniana da selecção natural: só os indivíduos que retiram as conclusões apropriadas sobre o mundo em seu redor terão maiores probabilidades de sobrevivência e de reprodução. A terceira questão foi: se tudo está determinado, o que acontece ao livre arbítrio e à responsabilidade pelas nossas acções? Mas o único teste objectivo para saber se um organismo tem livre arbítrio é verificar se o seu comportamento pode ser previsto. No caso dos seres humanos, somos totalmente incapazes de usar as leis fundamentais para prever o que as pessoas farão e há duas razões para isso. A primeira delas é a impossibilidade de resolver as equações para o número minto elevado de partículas que está envolvido. A segunda é a de que, mesmo que conseguíssemos resolver as equações, o facto de realizarmos uma previsão perturbaria o sistema e poderia conduzir a um desenlace diferente. Por isso, como não podemos prever o comportamento humano, podemos adoptar a teoria efectiva segundo a qual os humanos são agentes livres, dispondo de liberdade de escolha. Parece que há vantagens de sobrevivência comprovadas na crença no livre arbítrio e na responsabilidade pelas próprias acções. Isso significa que esta crença deve ser reforçada pela selecção natural. Resta descobrir se o sentido de responsabilidade, transmitido pela linguagem é suficiente para controlar o instinto de agressão, transmitido pelo ADN. Se o não for, a espécie humana constituirá um dos "becos sem saída" da selecção natural. Talvez outra espécie de seres inteligentes, algures na galáxia, atinja um melhor equilíbrio entre a responsabilidade e a agressão. Mas, se assim for, seria de esperar que fôssemos contactados por eles, ou, pelo menos, que tivéssemos detectado os seus sinais de rádio. Talvez eles estejam cientes da nossa existência, mas não se nos queiram revelar. O que pode ser sensato, atendendo ao nosso cadastro. Em resumo, o título deste ensaio era uma pergunta: "Estará tudo determinado?" A resposta é afirmativa. Mas poderá ser igualmente negativa, porque nunca sabemos o que está determinado. 131
CAPÍTULO 13 O FUTURO DO UNIVERSO* O tema deste ensaio é o futuro do Universo, ou melhor, quais as ideias dos cientistas sobre o futuro do Universo. Claro que a previsão do futuro é muito difícil. Certa vez, pensei que deveria escrever um livro intitulado O Amanhã do Ontem: Uma História do Futuro. Seria uma história das previsões do futuro, a maioria das quais ficaram muito longe da realidade. Mas, apesar destes falhanços, os cientistas continuam a pensar que podem prever o futuro. Em tempos remotos, adivinhar o futuro era tarefa dos oráculos ou das sibilas. Essencialmente do sexo feminino, eram colocados em transe através de uma droga ou pela inalação dos fumos de uma chaminé vulcânica. Os seus delírios eram então interpretados pelos sacerdotes que os rodeavam. A verdadeira perícia residia na interpretação. O famoso oráculo de Delfos, na Grécia antiga, era notável pela maneira como se protegia do falhanço das previsões e por ser ambíguo. Quando os Espartanos quiseram saber o que aconteceria quando os Persas atacassem a Grécia, o oráculo respondeu: "Esparta será destruída ou o seu rei será morto."' Suponho que os sacerdotes concluíram que se nenhuma destas eventualidades acontecesse, os Espartanos ficariam tão gratos a Apoio, que ignorariam o facto do seu oráculo se ter enganado. Na realidade, o rei foi morto na defesa do desfiladeiro das Termópilas, numa acção que salvou Esparta e levou à derrota definitiva dos Persas. * Palestra "Darwin", proferida na Universidade de Cambridge em Janeiro de 1991. 133 Noutra ocasião, Creso, rei da Lídia, o homem mais rico do mundo, quis saber o que aconteceria se invadisse a Pérsia. A resposta foi: um grande reino cairá. Creso pensou que se tratava do Império Persa, mas foi o seu próprio reino que caiu, e ele acabou os seus dias numa pira, condenado a ser queimado vivo. Os modernos profetas da desgraça foram mais atrevidos ao anunciar datas definidas para o fim do mundo. O mercado accionista costuma ressentir-se, embora eu não consiga perceber por que motivo o fim do mundo leva as pessoas a trocar acções por dinheiro. O mais provável é que não possamos levar nada connosco. Até hoje, todas as datas sugeridas para o fim do mundo passaram sem incidentes. Porém, é frequente os profetas disporem de uma explicação para os seus falhanços aparentes. Por exemplo, William Miller, fundador dos Adventistas do Sétimo Dia, previa que a Segunda Vinda ocorreria entre 21 de Março de 1843 e 21 de Março de 1844. Quando nada aconteceu, a data foi transferida para 22 de Outubro de 1844. Quando esta data passou sem qualquer incidente, surgiu uma nova interpretação. Segundo esta, 1844 era o começo da Segunda Vinda - mas, em primeiro lugar, havia que contar os nomes do Livro da Vida. Só então chegaria o Dia do Julgamento para os que não vinham no Livro. Felizmente a contagem parece estar a levar muito tempo. Claro que as previsões científicas podem não ser mais fiáveis do que as dos oráculos ou profetas. Basta pensarmos no exemplo dos boletins meteorológicos. Mas existem certas situações em que pensamos poder fazer previsões fiáveis e o futuro do Universo em macro-escala é uma delas.
Nos últimos trezentos anos, descobrimos as leis científicas que governam a matéria em todas as situações normais. Ainda desconhecemos as leis exactas que governam a matéria em condições muito extremas. Estas leis são importantes para a compreensão de como o Universo começou, mas não afectam a evolução futura do Universo, excepto se - e até - este sofrer novo colapso num estado de elevada densidade. De facto, é uma medida de quão pouco estas leis de elevada energia afectam o Uni134 O FUTURO DO UNIVERSO verso, agora que temos de gastar largas somas de dinheiro para construir aceleradores gigantes de partículas para as testar. Embora conheçamos as leis relevantes que governam o Universo, podemos não ser capazes de as utilizar em previsões a longo prazo. Isto porque as soluções das equações da física podem exibir uma propriedade conhecida por caos. O que isto significa é que as equações podem ser instáveis: introduzamos uma pequena mudança na maneira de ser de um sistema, por uma pequena quantidade num dado momento, e o comportamento posterior do sistema depressa se poderá tornar completa-mente diferente. Por exemplo, se alterarmos ligeiramente a maneira como gira uma roleta, alteraremos o número que sair. É praticamente imposr sível prever o número que vai sair; se assim não fosse, os físicos fariam fortunas nos casinos. Com sistemas caóticos e instáveis, existe geralmente uma escala temporal em que uma pequena mudança no estado inicial crescerá para outra mudança com o dobro do tamanho. No caso da atmosfera terrestre, esta escala temporal é da ordem de cinco dias, o período de tempo aproximado que o ar demora a dar uma volta ao mundo. É possível realizar previsões meteorológicas exactas para períodos de cinco dias, mas a previsão do tempo a mais longo prazo exige tanto um conhecimento exacto do estado actual da atmosfera, como uma série de cálculos terrivelmente complicados. Não há maneira de prever o tempo com um intervalo de seis meses, a partir de médias sazonais. Conhecemos também as leis básicas que regulam á química e a biologia, pelo que, em princípio, deveríamos estar aptos a determinar a maneira como o cérebro funciona. Mas as equações que governam o cérebro têm quase certamente um comportamento caótico, visto que uma mudança muito pequena no estado inicial pode conduzir a um resultado muito diferente. Assim, na prática, não podemos prever o comportamento humano, apesar de conhecermos as equações que o governam. A ciência não pode prever o futuro da sociedade humana, ou mesmo se esta terá qualquer futuro. O perigo está em que o nosso poder para lesar ou destruir o ambiente ou para nos autodestruirmos 135
BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS aumenta muito mais depressa do que a nossa sabedoria na utilização desse poder. Independentemente do que aconteça na Terra, o resto do Universo continuará imperturbável. O movimento dos planetas em torno do Sol aparenta ser caótico,
embora numa escala de tempo muito grande. Isto significa que os erros de qualquer previsão crescem com o tempo. Passado um certo tempo torna-se impossível prever o movimento em pormenor. Podemos estar razoavelmente certos de que a Terra não terá um encontro imediato com Vénus durante muito tempo, mas não temos a certeza que as pequenas perturbações nas órbitas não se possam adicionar e provocar um desses encontros dentro de um bilião de anos. O movimento do Sol e de outras estrelas em torno da galáxia, bem como o da galáxia no grupo local de galáxias, também são caóticos. Observamos que as outras galáxias se estão a afastar de nós, e quanto mais longe estiverem, mais depressa se afastam. Isto significa que o Universo está em expansão nas nossas vizinhanças: as distâncias entre galáxias diferentes aumentam com o tempo. A evidência desta expansão - não caótica, mas serena - é dada pelo fundo de radiação de micro-ondas que observamos, proveniente do espaço exterior. O próprio leitor pode observar esta radiação sintonizando o seu aparelho de televisão para um canal vazio. Uma pequena percentagem das manchas que vê no ecrã deve-se às micro-ondas oriundas do exterior do sistema solar. É o mesmo tipo de radiação que temos num forno de micro-ondas, mas muito mais fraca. Só conseguiria elevar a temperatura da comida a 2,7 graus acima do Zero Absoluto, por isso não serve para aquecer a pizza que trouxe do pronto-a-comer. Pensa-se que esta radiação resultou de um estágio inicial quente do Universo. Mas a sua característica mais notável é que a quantidade de radiação parece ser igual em qualquer direcção considerada. Esta radiação foi medida com muita precisão pelo satélite Cosmic Background Explorer. Um mapa do céu resultante destas observações exibe diferentes temperaturas de radiação. Estas temperaturas são diferentes em direcções distintas, mas as variações são muito pequenas, de apenas uma parte em cem mil. Têm 136 O FUTURO DO UNIVERSO de existir algumas diferenças nas micro-ondas oriundas de direcções diversas, porque o Universo não é completamente homogéneo; existem Írregularidades locais como estrelas, galáxias e aglomerados galácticos. Porém, as variações no fundo de microondas são o mais pequenas possível, compatíveis com as Írregularidades locais que observamos. 99 999 vezes em cada 10 000 o fundo de micro-ondas é o mesmo em todas as direcções. Na Antiguidade, as pessoas acreditavam que a Terra estava no centro do Universo. Por isso, não ficariam surpreendidas pela radiação do fundo de micro-ondas ser a mesma em todas as direcções. Contudo, desde o tempo de Copérnico que fomos despromovidos para um pequeno planeta que gira em torno de uma estrela mediana no limite exterior de uma galáxia comum, uma entre os cem biliões que observamos. Somos agora tão modestos que não podemos reclamar qualquer posição especial no Universo. Portanto, devemos admitir que o fundo do micro-ondas é também o mesmo em todas as direcções em redor de outra galáxia qualquer. Isso é só possível se a densidade média do Universo e a taxa de expansão forem as mesmas em todos os pontos. Qualquer variação na densidade média, ou na taxa de expansão, ao longo de uma região vasta obrigaria o fundo do micro-ondas a ser diferente em direcções diferentes. Isto significa que em macro-escala, o comportamento do Universo é
simples e não caótico. Por conseguinte, a previsão do futuro a longo prazo é possível. Como a expansão do Universo é tão uniforme, podemos descrevê--la em função de um só número, a distância entre duas galáxias. Actualmente, esta distância está a aumentar, mas esperar-se-ia que a atracção gravitacional entre galáxias diferentes fizesse abrandar a taxa de expansão. Se a densidade do Universo for superior a um determinado valor crítico, a atracção gravitacional acabará por fazer parar a expansão e obrigar o Universo a contrair-se de novo. O Universo sofreria um colapso num "grande esmagamento". Este assemelhar-se-ia ao "big bang" que deu início ao Universo. O grande esmagamento seria uma singularidade, um estado de densidade infinita em que as leis da física perderiam a validade. 137 Isto significa que, mesmo que existissem acontecimentos após o grande esmagamento, estariam fora do alcance das nossas previsões. Porém, sem uma conexão causal entre acontecimentos, faz sentido afirmar que um acontecimento se dá depois de outro. Pode-se igualmente dizer que o nosso Universo teria um fim no grande esmagamento, e que quaisquer acontecimentos ocorridos depois dele pertenceriam a outro Universo, separado do nosso. É algo semelhante à reincarnação. Que significado se pode atribuir à afirmação de que um novo bebé é a reincarnação de uma pessoa que morreu, se o bebé não herdou quaisquer características ou memória de uma vida anterior? Da mesma maneira se pode dizer que o bebé é um indivíduo diferente. Se a densidade média do Universo for inferior ao valor crítico não sofrerá novo colapso, continuando a expandir-se para sempre. Passado um certo tempo, a densidade terá baixado tanto que a atracção gravita-cional não exercerá qualquer efeito significativo no abrandamento da expansão. As galáxias continuarão a afastar-se umas das outras, a velocidade constante. Por isso, a questão crucial para o futuro do Universo é: qual a sua densidade média? Se for inferior ao valor crítico, o Universo expandir--se-á para sempre. Porém, se for superior, o Universo sofrerá novo colapso, e o próprio tempo terá um fim no grande esmagamento. Contudo, devo acrescentar que disponho de algumas vantagens em relação a outros profetas da desgraça. Mesmo que o Universo vá sofrer novo colapso, posso prever com segurança que a sua expansão não se deterá nos próximos dez biliões de anos, pelo menos. Não espero cá estar nessa altura para descobrir que me enganei. Podemos tentar estimar a densidade média do Universo a partir de ' observações. Se contarmos as estrelas visíveis e adicionarmos as suas massas, obtemos menos de um por cento da densidade crítica. Ainda que adicionemos as massas das nuvens de gás que observamos no Universo, isso apenas eleva o total para cerca de um por cento do valor crítico. Contudo, sabemos que o Universo deve conter também "matéria escura", que não conseguimos observar directamente. Uma prova da existência 138 da matéria escura está nas galáxias espiraladas. Estas são conjuntos enormes de estrelas e gás, com a forma de panquecas. Observamos que estão em rotação em torno dos seus centros, mas a velocidade de rotação é suficientemente elevada para que se desagregassem se apenas contivessem as estrelas e o gás que observamos. Deve existir uma forma de matéria invisível, cuja atracção gravitacional é suficientemente
grande para manter as galáxias coesas durante a rotação. Outra prova de existência da matéria escura provém dos aglomerados galácticos. Observamos que as galáxias não estão uniformemente distribuídas no espaço; agrupam-se em aglomerados que podem conter apenas algumas galáxias ou milhões delas. Presumivelmente, estes aglomerados formam-se porque as galáxias se atraem mutuamente, constituindo grupos. Contudo, podemos medir as velocidades de deslocamento das galáxias individuais nestes aglomerados. Verificamos que são tão elevadas, que os aglomerados se dispersariam se a atracção gravitacional não lhes garantisse a coesão. A massa necessária é consideravelmente maior que as massas de todas as galáxias. Isto continua a ser verdadeiro, ainda que consideremos que as galáxias têm as massas necessárias para se manterem juntas durante a rotação. De que resulta, portanto, que, além das galáxias visíveis, deve existir matéria escura suplementar nos aglomerados de galáxias. Podemos realizar uma estimativa razoavelmente segura da quantidade de matéria escura em galáxias e aglomerados para os quais dispomos de elementos definidos. Mas esta estimativa é ainda apenas cerca de dez por cento da densidade crítica necessária para obrigar a novo colapso do Universo. Assim, se tivermos em conta apenas a evidência dada pela observação, a nossa previsão é a de que o Universo continuará a expandir-se para sempre. Dentro de cinco biliões de anos, o Sol esgotará o seu combustível nuclear. Começará a dilatar-se até se transformar numa gigante vermelha, engolindo a Terra e os outros planetas mais próximos. De seguida, passará ao estado de anã branca, com apenas alguns milhares de quilómetros de diâmetro. Estou a prever o fim do mundo, mas não para já. Não me parece que esta previsão provoque uma grande 139 recessão do mercado accionista. Há um ou dois problemas mais imediatos no meu horizonte. Qualquer que seja o desenlace, na altura em que a dilatação do Sol começar, já dominaremos a arte das viagens interes-telares se, entretanto, não nos tivermos destruído. Após cerca de dez biliões de anos, a maioria das estrelas do Universo estarão extintas. As estrelas com massas como a do Sol transformar-se-ão em anãs brancas ou em estrelas de neutrões, ainda mais pequenas e mais densas do que as anãs brancas. As estrelas mais maciças poderão transformar-se em buracos negros, ainda mais pequenos e possuidores de forte campo gravitacional, ao qual nem a luz consegue escapar. Contudo, estes resíduos continuarão a girar em torno do centro da nossa galáxia, completando uma volta em cada cem milhões de anos. Os encontros imediatos entre os resíduos provocarão a expulsão de alguns deles da galáxia. Os restantes instalar-se-ão em órbitas mais próximas do centro e acabarão por se reunir para formar um buraco negro gigante no centro da galáxia. Toda a matéria escura existente em galáxias e aglomerados cairá também nestes enormes buracos negros. Podemos admitir, portanto, que a maioria da matéria de galáxias e aglomerados acabará dentro de buracos negros. Contudo, há algum tempo atrás, descobri que os buracos negros não eram tão negros como os pintavam. O princípio de incerteza da mecânica quântica afirma que as partículas não podem ter simultaneamente uma posição e uma velocidade bem definidas. Quanto mais exacta for a definição da posição de uma partícula, menos exactamente pode ser definida a sua velocidade, e
vice--versa. Se uma partícula está num buraco negro, a sua posição encontra-se bem definida por estar no buraco negro. Isto significa que a sua velocidade não pode ser exactamente definida. É portanto possível que a velocidade da partícula seja superior à velocidade da luz, o que lhe permitirá escapar do buraco negro. A pouco e pouco, partículas e radiação vão saindo do buraco negro. Um buraco negro gigante no centro de uma galáxia teria milhões de quilómetros de diâmetro. Deste modo, haveria uma grande incerteza na posição de uma partícula no seu interior. A incerteza na velocidade da partícula seria portanto pequena, pelo 140 que seria necessário muito tempo para que uma partícula se escapasse do buraco negro, acabando, no entanto, por o conseguir. Um grande buraco negro no centro de uma galáxia levaria dez elevado à potência de noventa anos (um seguido de noventa zeros) para se evaporar e desaparecer completamente. Este número é de longe superior à idade actual do Universo: dez elevado à potência de dez anos (um seguido de dez zeros). Mesmo assim, haverá ainda muito tempo, se o Universo se expandir para sempre. O futuro de um Universo que se expandisse para sempre seria bastante aborrecido. Mas não temos a certeza de que o Universo se expanda para sempre. Apenas temos provas assentes da existência de um décimo da densidade necessária à ocorrência de novo colapso do Universo. Mas é possível que existam outros tipos de matéria escura que ainda não detectámos, os quais poderiam elevar a densidade média do Universo para o valor crítico ou acima dele. Esta matéria escura adicional estaria localizada fora das galáxias e dos aglomerados galácticos. De outro modo, teríamos registado o seu efeito na rotação de galáxias ou no movimento de galáxias nos aglomerados. Por que haveremos de pensar que deve existir matéria escura em quantidade suficiente para obrigar o Universo a novo colapso? Por que não acreditamos apenas na matéria para a qual temos provas assentes? Porque, mesmo para se dispor de um décimo da densidade crítica, há que proceder a uma selecção incrivelmente cuidadosa da densidade inicial e da taxa de expansão. Se, um segundo após o "big bang", a densidade do Universo fosse superior por uma parte em mil biliões, o Universo teria recolapsado passados dez anos. Por outro lado, se a densidade do Universo nessa altura fosse inferior na mesma proporção, o Universo estaria essencialmente vazio pois teria apenas dez anos. Como é que a densidade inicial do Universo foi escolhida tão cuidadosamente? Talvez haja alguma razão para o Universo apresentar precisamente a densidade crítica. Parecem existir duas explicações possíveis. Uma delas é o princípio antrópico, que pode ser parafraseado da seguinte maneira: o Universo é como o vemos porque, se fosse diferente, não 141 estaríamos aqui. A ideia que defende é a de que podem existir muitos universos diferentes com densidades diferentes. Só os universos com densidades muito próximas da crítica durariam o bastante e conteriam matéria suficiente para a formação de estrelas e planetas. Só naqueles universos existirão seres inteligentes para fazer a pergunta: por que é que o valor da densidade está tão perto do da densidade crítica? Se esta for a explicação para a densidade actual do Universo, não há motivo para pensar que o Universo deva conter mais matéria do que a que já
detectámos. Um décimo da densidade crítica equivaleria a matéria em quantidade suficiente para formar galáxias e estrelas. No entanto, muitas pessoas não gostam do princípio antrópico porque este parece dar demasiada importância à nossa existência. Assim se iniciou a busca de outra possível explicação para o facto de a densidade estar tão perto do valor crítico. Esta busca conduziu à teoria da inflação do Universo primordial. Segundo esta, o Universo tem vindo a duplicar de tamanho, do mesmo modo que os preços duplicam, ao fim de poucos meses, nos países que sofrem de taxas de inflação extremas. Contudo, a inflação do Universo seria muito mais rápida e extrema: um aumento por um factor de, pelo menos, um bilião de bilião de biliões, para uma pequena inflação, faria com que o Universo apresentasse uma densidade tão próxima do valor crítico exacto que, presentemente, a densidade estaria ainda muito perto desse valor. Assim, se a teoria de inflação estiver correcta, o Universo deve conter matéria escura suficiente para elevar a densidade para o valor crítico. Isto significa que o Universo acabaria por recolapsar, mas que o faria não muito depois de quinze biliões de anos, o que corresponde ao período de expansão por que já passou. O que terá de particular a matéria escura para dever existir se a teoria da inflação estiver correcta? Provavelmente é diferente da matéria normal, o tipo que constitui estrelas e planetas. Podemos calcular as quantidades de vários elementos leves que teriam sido produzidos nos quentes estágios iniciais do Universo, nos três primeiros minutos após o "big bang". As quantidades destes elementos leves dependem da quantidade de matéria normal no Universo. Podemos traçar gráficos representando 142 a quantidade de elementos leves em ordenadas e a quantidade de matéria normal no Universo em abcissas. Conseguimos uma boa concordância com as abundâncias observadas se a quantidade total de matéria normal for apenas um décimo da quantidade crítica. Estes cálculos poderão estar errados, mas o facto de obtermos as abundâncias observadas para diversos elementos diferentes é deveras impressionante. Os principais candidatos ao estatuto de matéria escura - se existir uma densidade crítica para esta - seriam os resíduos de estágios primitivos do Universo. As partículas elementares constituem uma possibilidade. São vários os candidatos hipotéticos, partículas que pensamos poderem existir, mas que ainda não detectámos. Mas o caso mais promissor é uma partícula para cuja existência dispomos de boas provas: o neutrino. Pensava-se que esta partícula não tinha massa própria, mas observações recentes sugerem que o neutrino poderá ter uma pequena massa. Se isso se confirmar, e o valor da massa se mostrar correcto, os neutrinos forneceriam a massa suficiente para elevar a densidade do Universo até ao valor crítico. Outra possibilidade é oferecida pelos buracos negros. É possível que o Universo primordial tenha sofrido uma transição de fase. A ebulição e congelação da água são exemplos de transições de fase. Numa transição de fase, um meio inicialmente uniforme, como a água líquida, desenvolve irregularidades, as quais, no caso da água, podem ser pedaços de gelo ou bolhas de vapor. Estas irregularidades podem colapsar, formando buracos negros. Se estes fossem muito pequenos, ter-se-iam entretanto evaporado todos devido aos efeitos do princípio de incerteza da mecânica quântica, como anteriormente explicámos. Porém, se apresentassem massa superior a alguns
biliões de toneladas (a massa de uma montanha), ainda hoje existiriam e a sua detecção seria muito difícil. A única maneira de podermos detectar matéria escura que estivesse uniformemente distribuída pelo Universo seria através do seu efeito na expansão do Universo. Podemos determinar a taxa de abrandamento da expansão pela medição da velocidade à qual as galáxias distantes se afastam de nós. O ponto importante é estarmos a observar estas galáxias no 143 passado distante, quando a luz as deixou, para começar a sua jornada até nós. Podemos traçar um gráfico da velocidade das galáxias em função do seu brilho ou magnitude aparente que é uma medida da distância que as separa de nós. Neste gráfico, a linhas diferentes correspondem taxas diferentes de abrandamento da expansão. Um gráfico que curva para cima corresponde a um Universo que recolapsará. Contudo, o brilho aparente de uma galáxia não é um bom indicador da sua distância. Não só existe uma variação considerável do brilho intrínseco das galáxias, mas também há provas de que o seu brilho varia ao longo do tempo. Como não sabemos quantificar a evolução do brilho, não podemos ainda definir a taxa de abrandamento: não se sabe se é suficientemente rápida para o Universo acabar por sofrer novo colapso, ou se continuará a expandir--se para sempre. A resposta a esta questão terá que aguardar até termos desenvolvido melhores formas de medir as distâncias das galáxias. Mas podemos ter a certeza de que a velocidade de abrandamento não é rápida ao ponto de provocar o colapso do Universo nos biliões de anos mais próximos. Podemos considerar como bem excitante a perspectiva de um Universo que não se expande para sempre, nem sofre novo colapso na próximos cem biliões de anos. Não há nada que possamos fazer para tornar o futuro mais interessante? Uma maneira de o conseguirmos era certamente mergulharmos num buraco negro. Teria que ser um buraco negro razoavelmente grande, com massa mais de um milhão de vezes superior à do Sol. Mas há uma boa probabilidade de existência de um buraco negro desta grandeza no centro da nossa galáxia. Não temos a certeza absoluta do que acontece no interior do buraco negro. Existem soluções das equações da relatividade geral que permitem que se atravesse um buraco negro, saindo por um buraco branco noutro lugar qualquer. Um buraco branco é o inverso no tempo de um buraco negro. É um objecto do qual se pode sair mas onde não se pode entrar. O buraco branco pode estar noutra parte do Universo. Deste modo, o buraco branco poderia proporcionar viagens intergalácticas rápidas. O problema está em que estas seriam demasiado rápidas. Se a viagem através dos 144 buracos negros fosse possível, nada impediria que a nossa chegada se antecipasse à nossa partida. Poderíamos então praticar um acto, como matar a nossa mãe, que nos teria impedido de voltar ao primeiro lugar. No entanto, e talvez felizmente para a nossa sobrevivência (e a das nossas mães), parece que as leis da física não autorizam tais viagens no tempo. Parece existir uma Agência de Protecção Cronológica que torna o mundo num local seguro para os historiadores, ao impedir a viagem ao passado. O que parece acontecer é que os efeitos do princípio de incerteza gerariam uma grande quantidade de radiação se se
viajasse no passado. Esta radiação deformaria tanto o espaço-tempo que impossibilitaria o regresso no tempo, ou faria com que o espaço-tempo atingisse um fim numa singularidade como o "big bang" e o grande esmagamento. De qualquer maneira, o nosso passado estaria livre de pessoas com má índole. A Hipótese da Protecção Cronológica é apoiada por alguns cálculos recentes que eu e outras pessoas temos desenvolvido. Mas a melhor prova que temos de que a viagem no tempo não é, nem nunca será, possível, é não termos sido invadidos por hordas de turistas do futuro. Em síntese: os cientistas crêem que o Universo é governado por leis bem definidas que, em princípio, permitem que se preveja o futuro. Mas o movimento dado pelas leis é caótico. Isto significa que uma pequenina mudança na situação inicial pode conduzir à mudança do comportamento subsequente, a qual cresce rapidamente. Assim, na prática, é frequente poder-se prever com exactidão o futuro, mas apenas a um prazo bastante curto. Contudo, o comportamento do Universo em macro-escala parece simples e não caótico. Pode-se portanto prever se o Universo se expandirá para sempre ou se acabará por sofrer novo colapso. Isto depende da actual densidade do Universo. De facto, a densidade presente parece estar muito próxima da densidade crítica que separa o recolapso da expansão infinita. Se a teoria da inflação estiver correcta, o Universo encontra-se realmente no fio da navalha. Por isso me situo na tradição de ambiguidade, bem estabelecida entre oráculos e profetas, ao fazer uma previsão que aponta em dois sentidos. 145 CAPÍTULO 14 DISCOS PARA UMA ILHA DESERTA: UMA ENTREVISTA O programa da BBC Desert Island Discs começou a ser transmitido em 1942, e é a sua emissão radiofónica mais antiga. Hoje é considerado uma espécie de instituição nacional na Grã-Bretanha. Ao longo dos anos, a variedade dos seus convidados tem sido enorme. Nele foram entrevistados escritores, actores, músicos, realizadores e actores de cinema, figuras do desporto, comediantes, cozinheiros, jardineiros, professores, bailarinos, políticos, membros da realeza, cartoonistas - e cientistas. Aos convidados, colocados na situação de náufragos, pede--se que escolham oito discos que gostariam de ter consigo se se vissem sozinhos numa ilha deserta. Pede-se-lhes que indiquem uma guloseima e um livro para os acompanhar (admite-se que um texto religioso apropriado - a Bíblia, o Corão ou uma obra equivalente -já lá está, juntamente com as obras de Shakespeare). Parte-se do princípio que existem os meios para tocar os discos; os primeiros textos de apresentação do programa costumavam ser "...admitindo que existe um gramofone e uma provisão inesgotável de agulhas para os tocar..." Actualmente, presume-se que um leitor de discos compactos, accionado pela energia solar, é o meio de reprodução disponível. O programa é semanal e a selecção de discos pelos convidados é tocada durante a entrevista, que dura normalmente quarenta minutos. Contudo, esta entrevista com Stephen Haw-king, que foi transmitida no dia de Natal de 1992, constituiu uma excepção e teve maior duração. A entrevistadora é Sue Lawley.
147 Sue: Stephen, é evidente que o isolamento de uma ilha deserta lhe é familiar sob muitos aspectos, impedido como está de ter uma vida física normal e privado de meios naturais de comunicação. A sua solidão é muito grande? Stephen: Não me considero impedido de levar uma vida normal, nem penso que as pessoas que me rodeiam sejam dessa opinião. Não me sinto inválido, mas apenas alguém que sofre de uma deficiência dos neurónios motores, tal como poderia ser daltónico. Penso que a minha vida dificilmente pode ser descrita como normal, mas penso que, em espírito, o é. Sue: Apesar de tudo, já demonstrou a si mesmo, ao contrário de muitos outros "náufragos" que estiveram neste programa, que é auto-suficiente mental e intelectualmente e que dispõe de teorias e inspiração suficientes para se manter ocupado. Stephen: Considero que a minha natureza é um pouco introvertida e as minhas dificuldades de comunicação forçaram-me a confiar em mim mesmo. Mas, em rapaz, eu era um grande conversador. Preciso do estímulo das discussões com outras pessoas. Acho que é uma grande ajuda para o meu trabalho poder descrever as minhas ideias aos outros. Mesmo que não me ofereçam quaisquer sugestões, o simples facto de ter de organizar os meus pensamentos para os poder explicar às outras pessoas mostra-me, com frequência, um novo caminho em frente. Sue: E quanto a realização emocional, Stephen? Até mesmo um físico brilhante precisa de outras pessoas para a descobrir. Stephen: A física é muito bela, mas é completamente fria. Não podia continuar a viver se apenas tivesse a física. Como toda a gente, preciso de calor, amor e afecto. Sou muito afortunado, muito mais afortunado que muitas pessoas com incapacidades iguais às minhas, ao receber tão grande fatia de amor e afecto. A música é também muito importante para mim. Sue: Diga-me, o que lhe dá maior prazer, a física ou a música? 148 Stephen: Devo dizer que o prazer que sinto quando consigo um bom resultado em física é mais intenso do que o que alguma vez senti com a música. Mas as coisas só se passam assim poucas vezes na carreira de cada um de nós, enquanto um disco se pode ouvir tantas vezes quantas se queira. Sue: E qual seria o primeiro disco que ouviria numa ilha deserta? Stephen: Gloria, de Poulenc. Ouvi-o pela primeira vez no Verão passado em Aspen, no Colorado. Aspen é essencialmente uma estância de esqui, mas no Verão é cenário de encontros de física. Ao lado do centro de física há uma tenda enorme, onde decorre um festival de música. Enquanto tentamos discernir o que acontece quando buracos negros se evaporam, podemos ouvir os ensaios da orquestra. É uma situação ideal, que combina os meus prazeres principais, física e música. Se os puder ter a ambos na minha ilha deserta não quererei ser salvo. Pelo menos até ter feito uma descoberta em física teórica que queira contar a toda a gente. Suponho que um prato de satélite, para que pudesse enviar artigos de física pelo correio electrónico, seria contra as regras. Sue: A rádio pode esconder deficiências físicas, mas nesta ocasião está a disfarçar algo mais. O Stephen perdeu a voz há sete anos. Pode contar-nos o que se passou? Stephen: Eu estava em Genebra, no CERN - o grande acelerador de partículas - no
Verão de 1985. Pretendia ir a Beirute, na Alemanha, para assistir ao ciclo de óperas do Anel de Wagner. Mas contraí pneumonia e fui internado de urgência. No hospital de Genebra disseram à minha mulher que não valia a pena manter ligada a máquina que assegurava as minhas funções vitais. Mas ela nem os quis ouvir. Fui transferido para o hospital Addenbrooks em Cambridge, onde um cirurgião chamado Roger Grey me fez uma traqueotomia. Esta operação salvou--me a vida, mas roubou-me a voz. Sue: Mas a sua fala era nessa altura muito arrastada e difícil de entender, não é verdade? Não lhe parece que, provavelmente, acabaria por perder de qualquer forma a capacidade da fala? 149 Stephen: Embora a minha voz fosse arrastada e difícil de compreender, as pessoas que me eram próximas ainda me conseguiam entender. Podia proferir seminários através de um intérprete e conseguia ditar artigos científicos. Porém, durante algum tempo após a minha operação, fiquei muito abalado. Sentia que se não conseguisse recuperar a minha voz, não valeria a pena continuar. Sue: Foi então que um especialista californiano de computadores soube da sua situação e lhe enviou uma voz. Como funciona? Stephen: Esse homem chama-se Walt Woltosz. A sogra dele tinha sofrido do mesmo problema que eu, e ele desenvolvera um programa de computador para a ajudar a comunicar. Há um cursor que se move no ecrã. Quando está na opção que se pretende, activa-se um comando através de um movimento ocular ou da cabeça, ou, no meu caso, com a mão. Desta maneira, pode-se seleccionar as palavras que estão impressas na metade inferior do ecrã. Quando se formulou o que se quer dizer, pode-se enviá-lo para um sintetizador de voz ou gravá-lo num disco. Sue: Mas é um processo moroso. Stephen: É lento, tem cerca de um décimo da velocidade do discurso normal. Mas a voz do sintetizador é muito mais clara do que a minha voz antes da operação. Os Britânicos consideram o meu sotaque americano, mas os Americanos dizem que é escandinavo ou irlandês. De qualquer forma, e qualquer que seja o sotaque, todos o conseguem compreender. Os meus filhos mais velhos adaptaram-se à minha voz natural à medida que esta piorava, mas o meu filho mais novo, que tinha apenas seis anos na altura da traqueotomia, nunca me chegou a entender antes dela. Agora, não sente quaisquer dificuldades em perceber-me. Isso é muito importante para mim. Sue: Também significa que exige conhecer de antemão todas as perguntas que o entrevistador lhe vai fazer e apenas precisa de responder quando está pronto para tal, não é assim? 150 Stephen: No caso de programas extensos, previamente gravados, como este, é útil conhecer previamente as perguntas, e não preciso gastar horas e horas de fita de gravador. É um processo que me dá maior controlo. Mas, na realidade, prefiro responder a perguntas de improviso. Costumo fazê-lo em seminários e palestras populares. Sue: Porém, conforme disse, este processo significa que tem controlo e eu sei que isso é bastante importante para si. Por vezes, a sua família e os seus amigos chamam-lhe teimoso ou autoritário. Reconhece que tem esses defeitos? Stephen: Qualquer pessoa com um mínimo de intelecto é por vezes considerada
teimosa. Prefiro dizer que sou determinado. Se não tivesse sido razoavelmente determinado, não estaria aqui neste momento. Sue: Foi sempre assim? Stephen: Só quero ter o mesmo grau de controlo sobre a minha vida que as outras pessoas. E por de mais frequente os deficientes terem as suas vidas controladas por outras pessoas. Nenhuma pessoa válida suporta uma situação destas. Sue: Vamos ouvir o segundo disco. Stephen: O Concerto para Violino de Brahms. Foi este o primeiro LP que comprei. Foi em 1957 e os discos de 33 rotações por minuto tinham aparecido há pouco tempo na Grã-Bretanha. O meu pai teria achado que comprar um gira-discos era um acto irreflectido de auto--indulgência, mas convenci-o que podia construir um aparelho, a partir de peças compradas a baixo preço. Isso agradava à sua natureza de homem do Yorkshire. Alojei o prato e o amplificador na caixa de um velho gramofone de 78 rotações por minuto. Se o tivesse conservado seria agora uma peça muito valiosa. Depois de construir o gira-discos, precisava de discos para tocar. Um amigo de escola sugeriu o Concerto para Violino de Brahms, já que ninguém do nosso círculo tinha um disco com esta obra. Recordo-me que 151 custou trinta e cinco xelins, o que era bastante naqueles dias, especialmente para mim. Os preços dos discos subiram, mas, em termos reais, custam muito menos agora. Quando ouvi este disco pela primeira vez na loja, achei que era bastante estranho e não tive a certeza de gostar dele. Mas senti que tinha de dizer que gostara. Contudo, ao longo dos anos, passou a representar muito para mim. Gostaria que fosse tocado o início do movimento lento. Sue: Um velho amigo da família disse que a sua família, no tempo da sua infância, era, e cito, "altamente inteligente, muito esperta e muito excêntrica." Em retrospectiva, pensa que é uma descrição acertada? Stephen: Não posso dizer se a minha família era ou não inteligente, mas decerto não nos sentíamos excêntricos. No entanto, suponho que devêssemos ter parecido tal, pelos padrões de St. Albans, que era um lugar bastante pacato quando lá vivemos. Sue: O seu pai era especialista em doenças tropicais. Stephen: O meu pai fazia investigação em medicina tropical. Deslocava-se frequentemente a África para experimentar novos fármacos. Sue: Foi a sua mãe a sua maior influência, e nesse caso, como caracterizaria essa influência? Stephen: Não, eu diria antes que o meu pai exerceu uma maior influência em mim. Foi o meu modelo. Como era um investigador científico, senti que a investigação científica era a coisa natural a fazer quando crescesse. A única diferença era que eu não me sentia atraído pela medicina ou biologia, porque me pareciam demasiado inexactas e descritivas. Queria algo mais fundamental e encontrei-o na física. Sue: A sua mãe disse que o Stephen teve sempre aquilo que ela descrevia como um forte sentido do maravilhoso. "Podia ver que as estrelas o atraíam", disse ela. Lembrase disso? Stephen: Recordo-me de regressar a casa vindo de Londres, já a noite ia avançada. Naquele tempo, a iluminação pública das ruas era desligada 152
depois da meia-noite, para poupar dinheiro. Vi o céu nocturno como nunca o vira antes, com a Via Láctea atravessando-o a toda a largura. Não existiria iluminação pública na minha ilha deserta, e isso permitiria que eu observasse bem as estrelas. Sue: É evidente que o Stephen foi uma criança muito inteligente, muito competitiva nos jogos que fazia com a sua irmã em casa, mas poderia até ter sido dos últimos da sua turma que não se importaria nada com isso, pois não? Stephen: Isso aconteceu no meu primeiro ano na escola de St. Albans. Mas devo dizer que era uma turma muito boa, e que obtive classificações muito melhores nos exames do que nos trabalhos realizados nas aulas. Eu tinha a certeza de que podia ter boas notas, e que só a minha caligrafia e a falta de aprumo geral da minha pessoa eram responsáveis pelas baixas classificações. Sue: Qual vai ser o terceiro disco? Stephen: Quando era licenciando em Oxford, li o romance de Aldous Huxley, Point Counterpoint. Este romance pretende ser um retrato dos anos 30 e tem um número enorme de personagens. A maioria delas eram muito artificiais, mas havia uma que era bastante mais humana, obviamente inspirada no próprio Huxley. Esta personagem assassinava o líder dos fascistas britânicos, uma figura inspirada em Sir Oswald Mosley. Depois, fazia saber ao partido que fora ele o assassino e punha a tocar no gramofone o Quarteto de Cordas op.132 de Beethoven. No meio do terceiro andamento, batem-lhe à porta, ele abre-a e é abatido pelos fascistas. Na realidade, é um romance muito mau, mas Huxley estava certo quanto à escolha musical. Se eu soubesse que um maremoto estava prestes a varrer a minha ilha deserta, gostaria de ouvir o terceiro andamento deste quarteto. Sue: O Stephen foi para Oxford, para o University College, para estudar matemática e física, e lá trabalhou em média, segundo a sua própria 153 estimativa, cerca de uma hora diária. Devo porém acrescentar que li algures que o Stephen praticava remo, bebia cerveja e gostava de pregar partidas às pessoas. Qual era o problema? Por que não gostava de estudar? Stephen: Foi no fim dos anos 50, e a maioria dos jovens estava desiludida com o sistema que nos governava. Não parecia haver nada por que valesse a pena lutar, senão por riqueza e mais riqueza. Os Conservadores tinham vencido a sua terceira eleição com o slogan: "Nunca vivemos tão bem como agora." Eu e muitos dos meus contemporâneos sentíamo-nos aborrecidos com a vida. Sue: Mesmo assim, ainda conseguia resolver em poucas horas os problemas que os seus colegas não conseguiam resolver em muitas semanas. Era óbvio que eles se aperceberam, pelo que têm vindo a dizer desde então, que o Stephen tinha um talento excepcional. E o Stephen sabia que o tinha? Stephen: O curso de física de Oxford era, naquele tempo, ridiculamente fácil. Podia-se fazer o curso sem precisar de assistir a uma única aula teórica, bastando ir a uma ou duas aulas práticas por semana. Não era preciso memorizar quaisquer factos, mas apenas algumas equações. Sue: Mas é verdade que foi em Oxford que reparou, pela primeira vez, que o movimento das suas mãos e dos seus pés nem sempre obedecia à sua vontade. Que explicação encontrou na altura para esta situação? Stephen: De facto, a primeira coisa que notei foi que não conseguia remar em
condições. Depois, dei uma queda séria nas escadas da sala de convívio dos caloiros. Fui ao médico da faculdade depois da queda, porque temia ter sofrido alguma lesão cerebral, mas ele disse-me que eu não tinha qualquer problema e recomendou-me que diminuísse a quantidade de cerveja que bebia. Depois dos exames finais em Oxford, fui passar o Verão à Pérsia. Estava muito mais fraco quando voltei, mas pensei que fosse devido aos problemas de estômago de que sofrera. 154 Sue: Mas em que altura se viu obrigado a admitir que tinha de facto um problema e decidiu consultar um médico? Stephen: Estava em Cambridge nessa altura, e fui para casa no Natal. Aconteceu num Inverno muito frio, de 1962 ou 1963. A minha mãe convenceu-me a ir patinar no gelo do lago de St. Albans, embora eu soubesse que não ia conseguir. Caí e tive grande dificuldade em levantar-me. A minha mãe percebeu que havia um problema e levoume ao médico de família. Sue: E depois passou três semanas no hospital e anunciaram-lhe o pior? Stephen: De facto, foi no hospital Barts em Londres, porque o meu pai trabalhava lá. Estive internado duas semanas a fazer exames, mas nunca me chegaram a dizer qual era o problema, excepto que não era esclerose múltipla, nem era um caso típico. Não me disseram quais as perspectivas, mas adivinhei que eram bastantes más, por isso não perguntei. Sue: E, por fim, disseram-lhe que tinha apenas alguns anos de vida à sua frente. Vamos fazer uma pausa na sua história, Stephen, e ouvir o próximo disco. Stephen: A Valquíria, Primeiro Acto. Este foi outro dos meus primeiros L.P., com Melchior e Lehmann. Foi originalmente gravado em 78 rotações antes da guerra e transcrito para um LP no início dos anos 60. Depois de me diagnosticarem a neuropatia motora em 1963, virei--me para a música de Wagner, por se ajustar à disposição sombria e apocalíptica em que me encontrava. Infelizmente, o meu sintetizador de fala não é muito instruído e pronuncia Wagner com um "W" suave. Tenho de o soletrar V, A, R, G, N, E, R para conseguir uma pronúncia quase correcta. As quatro óperas do ciclo do Anel são a maior obra de Wagner. Fui vê-las a Beireute, na Alemanha, com a minha irmã Philippa, em 1964. Não conhecia bem o Anel naquela altura, e A Valquíria, a segunda ópera do 155 ciclo, causou-me uma impressão tremenda. Era uma produção de Wolf-gang Wagner, e o palco estava praticamente às escuras. É a história do amor entre dois gémeos, Siegmund e Sieglinde, que foram separados na infância. Reencontram-se quando Siegmund se refugia na casa de Hun-ding, marido de Sieglinde e inimigo de Siegmund. O excerto que escolhi é o relato que Sieglinde faz do seu casamento forçado com Hunding. No meio das celebrações, um velho entra no palco. A orquestra toca o tema do Valhalla, um dos temas mais nobres do Anel, porque o velho é Wotan, o chefe dos deuses e pai de Siegmund e Sieglinde. Ele enterra uma espada no tronco de uma árvore. A espada destina-se a Siegmund. No fim do acto, Siegmund arranca-a e os dois irmãos fogem para a floresta. Sue: Quando leio a sua história, Stephen, parece-me que a sentença de morte, que lhe anunciava uns poucos anos de vida, o acordou, o fez concentrar-se na vida. Stephen: O primeiro efeito da doença foi deprimir-me. Parecia-me que estava a piorar
muito depressa. Não parecia valer a pena fazer nada ou trabalhar no meu doutoramento, porque não sabia se viveria o bastante para o concluir. Mas as coisas começaram a melhorar. A doença evoluiu mais lentamente e eu comecei a progredir no meu trabalho, particularmente na demonstração de que o Universo deve ter tido um princípio no "big bang". Sue: O Stephen chegou mesmo a dizer numa entrevista que se considerava mais feliz agora do que antes de adoecer. Stephen: Sou certamente mais feliz agora. Mas antes de sofrer de neuropatia motora, sentia-me enfadado com a vida. Porém, a perspectiva de uma morte prematura fez-me perceber que a vida vale a pena ser vivida. Há tanta coisa que uma pessoa pode fazer, tanta coisa que qualquer pessoa pode fazer. Sinto-me verdadeiramente realizado por ter dado um contributo modesto, mas significativo, para o conhecimento humano, apesar do meu problema físico. Claro que sou muito afortunado, mas todos podem alcançar alguma coisa se se esforçarem suficientemente. 156 Sue: Concordaria em dizer que não teria conseguido tudo o que tem se não sofresse de neuropatia motora, ou seria simplificar demasiado? Stephen: Não, não penso que a neuropatia motora possa ser uma vantagem para qualquer pessoa. Contudo, para mim foi uma desvantagem menor do que para outras pessoas, porque não me impediu de fazer o que queria, e que era procurar compreender o funcionamento do Universo. Sue: A sua outra inspiração, quando tentava conformar-se com a doença, foi uma jovem chamada Jane Wilde, que conheceu numa festa, por quem se apaixonou e com quem veio a casar. Quanto do seu sucesso se deve a Jane? Stephen: Decerto não o teria conseguido sem ela. Ter ficado noivo dela fez-me sair do pântano de desespero em que me encontrava. E, se nos íamos casar, eu tinha que arranjar um emprego e acabar o doutoramento. Comecei a trabalhar duramente e descobri que gostava disso. Jane cuidou de mim sozinha à medida que o meu problema físico piorava. Nessa fase, ninguém se oferecia para nos ajudar e não podíamos pagar a ninguém para o fazer. Sue: Unidos desafiaram os médicos, não apenas porque continuaram a vossa vida, mas também porque tiveram filhos. Robert nasceu em 1967, Lucy em 1970 e Timothy em 1979. Até que ponto isso impressionou os médicos? Stephen: De facto, o médico que me fez o diagnóstico lavou as mãos do meu caso. Ele sentia que não havia nada a fazer. Nunca mais o vi depois do diagnóstico inicial. De facto, o meu pai tornou-se meu médico e foi para ele que me virei a pedir ajuda. Ele disse-me que não havia prova de que a doença fosse hereditária. Jane conseguiu cuidar de mim e de dois filhos. Só em 1974, quando fomos à Califórnia, tivemos de recorrer a ajuda externa, inicialmente de um estudante que vivesse connosco e, posteriormente, de enfermeiras. 157 Sue: Porém, o Stephen e a Jane já não vivem juntos. Stephen: Depois da minha operação de traqueotomia precisei de cuidados vinte e quatro horas por dia. Isso trouxe uma tensão cada vez maior ao casamento. Acabei por sair de casa e vivo agora num apartamento novo em Cambridge. Levamos vidas separadas.
Sue: Vamos ouvir mais música. Stephen: The Beatles, Please Me, Please Me. Depois das minhas primeiras quatro escolhas sérias, preciso de algo mais ligeiro. Para mim e muito mais gente, os Beatles foram uma lufada bem-vinda de ar fresco numa música pop bastante envelhecida e doentia. Costumava ouvir o Top Vinte da Rádio Luxemburgo nas noites de domingo. Sue: Apesar de todas as honrarias que tem vindo a acumular, Stephen Hawking - e devo referir especificamente que é Professor Lucasiano de Física em Cambridge, a Cátedra de Isaac Newton - decidiu escrever um livro de divulgação popular sobre o seu trabalho por uma razão, ao que parece, simples. Precisava de dinheiro. Stephen: Embora pensasse que poderia obter uma modesta soma com um livro de divulgação popular, a principal razão por que escrevi Breve História do Tempo foi por gostar de o fazer. Senti-me entusiasmado com as descobertas que vinham a ser feitas nos últimos vinte e cinco anos, e queria contá-las às pessoas. Nunca pensei que o livro tivesse tanto sucesso. Sue: Sim, na realidade bateu todos os recordes e entrou no Guiness Book of Records pelo tempo de permanência nas listas dos livros mais vendidos, onde, aliás, ainda se encontra. Ninguém parece saber ao certo quantos exemplares foram vendidos em todo o mundo, mas o número ultrapassa certamente os dez milhões. É óbvio que as pessoas o compram, mas a questão continua a colocar-se: elas lêem de facto o livro? Stephen: Sei que Bernard Levin não passou da página 29, mas conheço muita gente que foi mais longe. Em todo o mundo, as pessoas 158 vêm ter comigo e falam-me de quanto gostaram do livro. Podem não ter terminado a sua leitura e podem não ter percebido tudo o que leram. Mas ficaram, pelo menos, com a ideia de que vivemos num Universo governado por leis racionais, que podemos descobrir e compreender. Sue: Foi o conceito de buraco negro que começou por agradar à imaginação do público e atraiu um interesse renovado na cosmologia. Já assistiu alguma vez a um filme da série Caminho das Estrelas - "ousar ir aonde o homem nunca fora antes" - ou a outros do mesmo tipo e, nesse caso, aprecia o género? Stephen: Li muita ficção científica na adolescência. Mas agora que trabalho no meio científico, parece-me que muita da ficção científica que se produz é um pouco fácil. Não custa nada escrever sobre assuntos como seja a atracção do hiperespaço, ou o transporte de pessoas em feixes, se não tivermos que os integrar num quadro consistente. A verdadeira ciência é muito mais excitante por ser real. Os escritores de ficção científica nunca sugeriram a existência de buracos negros antes dos físicos pensarem neles. Mas agora dispomos de boas provas de um certo número de buracos negros. Sue: O que aconteceria se caísse num buraco negro? Stephen: Todos os leitores de ficção científica sabem o que acontece quando se cai num buraco negro. É-se transformado em esparguete. Mas o que é mais interessante é que os buracos negros não são totalmente negros. Emitem partículas e radiação a uma taxa constante. Isto faz com que o buraco negro se evapore lentamente, mas o fim do buraco negro e do seu conteúdo não é conhecido. É uma excitante área de pesquisa, mas os escritores de ficção científica ainda não a exploraram. Sue: E essa radiação que mencionou é designada evidentemente por radiação de
Hawking. Não foi o Stephen que descobriu os buracos negros, embora tenha conseguido provar que não são negros. Mas foi a descoberta destes que o fez começar a pensar mais profundamente nas origens do Universo, não é verdade? 159 Stephen: O colapso de uma estrela para formar um buraco negro é, de muitas maneiras, semelhante ao inverso no tempo da expansão do Universo. Uma estrela colapsa a partir de um estado de densidade razoavelmente baixa para um outro de densidade muito alta. E o Universo expande-se de um estado de densidade muito elevada para densidades mais baixas. Há uma diferença importante: estamos fora do buraco negro, mas estamos dentro do Universo. Mas ambos se caracterizam pela radiação térmica. Sue: O Stephen afirma que não se sabe o que acaba por acontecer a um buraco negro e ao seu conteúdo, mas eu pensava que a teoria dizia que o que quer que acontecesse, o que quer que desaparecesse no interior de um buraco negro, incluindo um astronauta, acabaria por ser reciclado como radiação de Hawking. Stephen: A energia da massa de um astronauta será reciclada como radiação enviada pelo buraco negro. Mas o astronauta, ou mesmo as partículas que o formam, não escaparão do buraco negro. Por isso, a pergunta que se põe é: que lhes acontece? São destruídas ou transitam para outro Universo? É algo que eu adoraria saber, embora não esteja a pensar saltar para dentro de um buraco negro. Sue: O Stephen trabalha com a intuição - ou seja, chega a uma teoria de que gosta e que lhe agrada, e dispõe-se a demonstrá-la? Ou, enquanto cientista, procura sempre avançar logicamente rumo a uma conclusão e não se atreve a adivinhá-la antecipadamente? Stephen: Confio muito na intuição. Tento adivinhar um resultado, mas depois tenho que o demonstrar. E, nesta fase, descubro com frequência que o meu pensamento não era verdadeiro, ou que há outra coisa em que nunca pensara. Foi assim que descobri que os buracos negros não eram completamente negros. Estava a tentar demonstrar uma coisa diferente. Sue: Mais música. 160 Stephen: Mozart foi sempre um dos meus favoritos. Ele escreveu uma porção incrível de música. No meu quinquagésimo aniversário, no princípio deste ano, ofereceram-me as suas obras completas em discos compactos, mais de duzentas horas de música. Ainda as estou a ouvir. Uma das mais grandiosas é o Requiem. Mozart morreu antes do Requiem estar concluído e foi um dos seus alunos que o completou, baseado nos fragmentos deixados por Mozart. O intróito que vamos ouvir de seguida é a única secção completamente escrita e orquestrada por Mozart. Sue: Para simplificar enormemente as suas teorias - e peço que me perdoe por isso - o Stephen acreditou em tempos que havia um ponto de criação, um "big bang", mas deixou de acreditar nessa hipótese. Pensa que não houve princípio e não haverá fim, que o Universo se autocontém. Significa isto que não houve um acto de criação e que, portanto, não há lugar para Deus? Stephen: Sim, a sua simplificação foi excessiva. Ainda acredito que o Universo tem um princípio no tempo real, num "big bang". Mas existe outro tipo de tempo - o imaginário -, perpendicular ao tempo real, no qual o Universo não tem princípio nem
fim. Isto significaria que a forma como o Universo começou seria determinada pelas leis da física. Não somos obrigados a dizer que Deus optou por pôr o Universo a funcionar de uma forma arbitrária que não conseguimos compreender. Nada nos diz sobre a existência ou não existência de Deus - diz-nos apenas que Ele não é arbitrário. Sue: Mas se existe a possibilidade de Deus não existir, como explicar todas as coisas que estão para além da ciência: o amor e a fé que as pessoas tiveram e têm em si, e na sua inspiração pessoal? Stephen: Amor, fé e moralidade pertencem a uma categoria diferente da física. Não podemos deduzir o comportamento de uma pessoa a partir das leis da física. Mas pode-se esperar que o pensamento lógico, envolvido na física e na matemática, possa orientar o comportamento moral individual. 161 Sue: Mas parece-me que muitas pessoas sentem que, na realidade, o Stephen dispensou efectivamente Deus. Nega-o? Stephen: Tudo o que o meu trabalho tem mostrado é que não precisamos de dizer que a maneira como o Universo começou foi fruto de um capricho pessoal de Deus. Mas ainda se coloca a questão: por que é que o Universo se dá ao trabalho de existir? Ou, se preferir, pode dizer que Deus é a resposta a esta questão. Sue: Vamos ouvir o disco número sete. Stephen: Gosto muito de ópera. Pensei em escolher os oito discos na área da ópera, numa gama que iria de Gluck e Mozart, passando por Wagner, a Verdi e Puccini. Mas, no fim, decidi reduzi-los a dois. Um deles tinha que ser de Wagner, e por fim decidi que o outro seria de Puccini. Turandot é de longe a sua ópera mais grandiosa, mas também ele morreu antes de a concluir. O excerto que escolhi é o relato, feito por Turandot, de como uma princesa na China antiga foi violada e raptada pelos Mongóis. Como vingança, Turandot coloca três questões a cada um dos seus pretendentes. Quem não souber responder, será executado. Sue: Que significa o Natal para si? Stephen: É um pouco como o Dia de Acção de Graças norte-ameri-cano, uma época para se estar com a família e para agradecer o ano que passou. É também uma altura para olhar para o ano que se avizinha, simbolizado pelo nascimento de uma criança num estábulo. Sue: E agora falando de aspectos materialistas, que presentes pediu-ou está tão próspero nos dias que correm que acha que tem tudo? Stephen: Prefiro surpresas. Se se pedir algo de específico, não se está a dar ao ofertante qualquer liberdade ou a oportunidade para que ele use a sua imaginação. Mas não me importo que se saiba que adoro trufas de chocolate. Sue: Até hoje, o Stephen viveu mais trinta anos do que o que lhe fora previsto. Foi pai de filhos que lhe disseram que nunca teria, escreveu um 162 best seller, virou de pernas para o ar velhas crenças sobre espaço e tempo. Que mais planeia fazer antes de deixar este planeta? Stephen: Tudo isso foi possível, porque fui suficientemente afortunado e recebi um grande auxílio. Fico contente com o que consegui realizar, mas há muito mais que gostaria de fazer antes de morrer. Não vou falar da minha vida privada mas, cientificamente, gostaria de saber como unificar a gravidade com a mecânica quântica
e com as outras forças da natureza. Em particular, gostaria de saber o que acontece a um buraco negro quando se evapora. Sue: Vamos ao último disco. Stephen: Vou ter de lhe pedir para me pronunciar o nome da canção. O meu sintetizador de fala é americano e é um desastre em francês. É Edith Piaf, cantando Je ne regrette rien. Uma canção que pode resumir a minha vida. Sue: E agora, Stephen, se pudesse levar apenas um destes oito discos consigo, qual deles escolheria? Stephen: Teria de ser o Requiem de Mozart. Poderia ouvi-lo até que as baterias do meu Walkman se esgotassem. Sue: E que livro levaria? Claro que as obras completas de Shakes-peare e a Bíblia estão à sua espera. Stephen: Penso que levaria Middlemarch de George Eliot. Penso que houve alguém, talvez Virgínia Woolf, que disse que era um livro para adultos. Não tenho a certeza de já ser adulto, mas tentaria lê-lo. Sue: E a guloseima? Stephen: Uma grande dose de creme brulée. Para mim, é o epítome da guloseima. Sue: Então não seriam trufas de chocolate, mas uma grande dose de creme brulée. Dr. Stephen Hawking, os nossos agradecimentos por nos 163 permitir a audição dos seus discos para uma ilha deserta, e votos de um feliz Natal. Stephen: Obrigado pela vossa preferência. Desejo-vos a todos um feliz Natal a partir da minha ilha deserta. Aposto em como o tempo por cá está melhor do que por aí. 164 CAPÍTULO 15 A CONDIÇÃO SEM FRONTEIRA E A SETA DO TEMPO Quando comecei a fazer investigação, há quase 30 anos, o meu orientador, Denis Sciama, pôs-me a trabalhar na questão da seta do tempo da cosmologia. Recordo-me de ir à biblioteca da Universidade de Cambridge e procurar um livro intitulado The Direction of Time, do filósofo alemão Reichenbach. Contudo, descobri que o livro fora requisitado pelo escritor J. B. Priestly, que estava a escrever uma peça sobre o tempo, chamada Time and the Conways. Pensando que este livro responderia a todas as minhas questões, preenchi um impresso para forçar Priestly a devolver o livro à biblioteca, de modo que eu o pudesse consultar. Porém, quando finalmente pude ter o livro nas mãos, fiquei muito desapontado. Era bastante obscuro e a sua lógica parecia circular. Dava demasiado relevo à questão das causas, a distinguir o sentido progressivo do sentido regressivo do tempo. Mas, em física, acreditamos que existem leis que determinam, de modo unívoco, a evolução do Universo. Por isso, se o estado A evoluir para o estado B, pode dizer-se que A causou B. Mas podemos considerar igualmente o outro sentido do tempo e dizer que B causou A. Deste modo, a causalidade não define um sentido para o tempo. O meu orientador sugeriu-me que lesse um artigo da autoria de um canadiano chamado Hogarth, que aplicava à cosmologia uma formulação "acção directa" da electrodinâmica. Pretendia ter derivado uma conexão entre a expansão do Universo e
a seta electromagnética do tempo, quer se obtivesse soluções retardadas ou avançadas das equações de Maxwell. O artigo afirmava que se obteriam soluções retardadas num 165 Universo em estado estacionário, e, pelo contrário, soluções avançadas num Universo resultante de um "Big Bang". Isto era apresentado por Hoyle e Narlikar, como prova suprema, se alguma era necessária, de que a teoria do estado estacionário estava correcta. Porém, agora que ninguém, à excepção de Hoyle, acredita que o Universo se encontra num estado estacionário, deve concluir-se que a permissa básica do artigo era incorrecta. Pouco depois disto, houve um encontro em Cornell sobre a questão da direcção do tempo, ocorrido em 1964. Por entre os participantes, estava um Sr. X, que considerou todas as intervenções tão irrelevantes que não quis ver o seu nome associado a elas. Era um segredo conhecido por toda a gente, o de que o Sr. X era Feynman. O Sr. X disse que a seta electromagnética do tempo não provinha de uma formulação "acção à distância" da electrodinâmica, mas da vulgar mecânica estatística. Guiado pelos comentários dele, cheguei ao seguinte entendimento da seta do tempo. O ponto importante é que as trajectórias de um sistema devem ter a condição fronteira, pois estão numa pequena região do espaço fase, num determinado instante. Em geral, a evolução das equações da física implicará que, noutros instantes, as trajectórias se dispersem por uma região muito mais ampla do espaço fase. Suponhamos que a condição fronteira de se estar numa pequena região é uma condição inicial. Isto então significará que o sistema começará num estado ordenado, e evoluirá para um estado mais desordenado. A entropia aumentará com o tempo e a segunda lei de termodinâmica será cumprida. Por outro lado, suponhamos que a condição fronteira de se estar numa pequena região do espaço fase, era uma condição final, em vez de ser uma condição inicial. Nos primórdios, as trajectórias estariam dispersas por uma ampla região e estreitar-seiam para uma região pequena, à medida que o tempo aumentava. Assim, a desordem e a entropia diminuiriam com o tempo, em vez de aumentarem. Porém, quaisquer seres inteligentes que observassem este comportamento, estariam também a viver num Universo no qual a entropia diminuía com o tempo. Não sabemos exactamente como o cérebro humano trabalha em pormenor, mas podemos descrever o funcionamento de um computador. Podemos 166 considerar todas as trajectórias possíveis de um computador a interagir com o meio que o rodeia. Se impusermos uma condição fronteira final a estas trajectórias, pode-se mostrar que a correlação entre a memória do computador e o meio que o rodeia é maior nos primórdios do que posteriormente. Por outras palavras, o computador recorda o futuro, mas não o passado. Outra forma de o verificar é notar que, quando um computador regista algo na memória, a entropia total aumenta. O computador recorda coisas, no sentido do tempo em que a entropia aumenta. Num Universo em que a entropia diminui no tempo, as memórias do computador funcionam ao contrário. Lembrarão o futuro e esquecerão o passado. Embora não compreendamos realmente o funcionamento do cérebro, parece razoável admitir que, da mesma forma que os computadores, nós recordamos no mesmo sentido do tempo. Se fosse no
sentido oposto, poderíamos enriquecer se tivéssemos um computador que recordasse quem vai ganhar amanhã as corridas de cavalos. Isto significa que a seta psicológica do tempo, o nosso sentido subjectivo do tempo, é a mesma que a seta termodinâmica do tempo, a direcção na qual a entropia aumenta. Assim, num Universo em que a entropia diminuísse com o tempo, quaisquer seres inteligentes teriam também um sentido subjectivo do tempo, que seria regressivo. Deste modo, a segunda lei da termodinâmica é realmente uma tautologia. A entropia aumenta com o tempo, porque definimos que a direcção do tempo será aquela em que a entropia aumente. Existem, no entanto, duas questões não triviais que se podem colocar a propósito da seta do tempo. Eis a primeira: por que é que deve existir uma condição fronteira num extremo do tempo, mas não no outro? Pareceria mais natural ter uma condição fronteira em ambos os extremos do tempo, ou então em nenhum deles. Como discutirei adiante, a primeira possibilidade significaria que a seta do tempo se inverteria, enquanto na segunda não haveria uma seta do tempo bem definida. A segunda questão é que, dado que existe uma condição fronteira num extremo do tempo, e deste modo uma seta do tempo bem definida, por que deve apontar esta seta no sentido do tempo em que o Universo se expande? Existe uma conexão profunda ou é apenas acidental? 167 apercebi-me de que o problema da seta do tempo deveria ser formulado da maneira que descrevi. Mas, nessa altura, em 1964, não consegui encontrar uma boa razão para dever existir uma condição fronteira num extremo do tempo. Precisava também de algo mais definitivo e menos superficial que a seta do tempo, para o meu doutoramento. Desviei a minha atenção para as singularidades e para os buracos negros. Era um assunto muito mais fácil. Mas mantive o meu interesse pelo problema da direcção do tempo e retomei-o em 1983, quando, em conjunto com Jim Hartle, formulei a proposta sem fronteira para o Universo. Esta sugeria que o estado quântico do Universo era determinado por um integral-linha sobre métrica definida e positiva, em ramos de espaço-tempo fechados. Por outras palavras, a condição fronteira do Universo era que não tinha fronteira. A condição sem fronteira determinava o estado quântico do Universo e tudo o que neste acontece. Portanto, deveria determinar se existia uma seta do tempo e em que sentido apontava. No artigo escrito por Hartle e por mim, aplicávamos a condição sem fronteira a modelos com uma constante cosmológica e a um campo escalar invariante correspondente. Nenhum deles resultou num Universo semelhante àquele em que vivemos. Contudo, um minimodelo de um superespaço com um campo escalar minimamente acoplado, produzia um período inflacionário que podia ser arbitrariamente longo. Este seria seguido por fases dominadas por radiação e matéria, como no modelo inflacionário caótico. Assim parecia que a condição sem fronteira explicaria a expansão observada do Universo. Mas explicaria a seta do tempo observada? Noutros termos, os desvios numa expansão homogénea e isotrópica seriam pequenos quando o Universo era pequeno e tornar-se-iam maiores à medida que o Universo se tornava maior. Ou preveria a condição sem fronteira o comportamento oposto? Seriam os desvios pequenos quando o Universo era grande e grandes quando o Universo era pequeno? Neste último caso, a desordem decresceria com a expansão do Universo. Isto significaria que a seta termodinâmica apontava no sentido oposto ao da seta cosmológica. Por outras palavras, as pessoas que vivessem
nesse Universo 168 diriam que este se estava a contrair, em vez de se expandir. Para responder à questão de saber qual a previsão da proposta sem fronteira para a seta do tempo é necessário compreender como as perturbações de um modelo de Friedmann se comportariam. Jonathan Halliwell e eu estudámos este problema. Expandimos perturbações de um minimodelo de superespaço em harmónicos esféricos e expandimos o Hamiltoniano à segunda ordem. Obtivemos assim uma equação de Wheeler-Dewitt para a função de onda do Universo. Resolvemo-la, como uma função de onda de um mini-superespaço de fundo a multiplicar pelas funções de onda para os modos de perturbação. Estas funções de onda dos modos de perturbação obedeciam às equações de Schrödinger que conseguimos resolver aproximadamente. Para obter as condições fronteira destas equações de Schrödinger, usámos uma aproximação semiclássica à condição sem fronteira. Consideremos uma geometria tridimensional e um campo escalar, que constituem uma pequena perturbação de uma esfera tridimensional, e uma constante de campo. A função de onda neste ponto do superespaço será dada por um integral-linha sobre as quatro geometrias euclidianas e campos escalares que têm apenas aquela fronteira. Poder-se-ia esperar que a contribuição dominante para este integral-linha proviesse de um ponto de repouso. Ou seja, uma solução complexa das equações de campo, que tem dada geometria e campo numa fronteira e que não tem outra fronteira. A função de onda para o modo de perturbação será então e a dividir pelo simétrico da acção da solução complexa para a perturbação. Desta forma, Halliwell e eu calculámos o espectro de perturbações, previstas pela condição fronteira. A forma exacta deste espectro não importa para a seta do tempo. O que é importante é que quando o raio do Universo é pequeno e o ponto de repouso é uma solução complexa, que se expande monotonamente, as amplitudes das perturbações são pequenas. Isto significa que as trajectórias, correspondentes a diferentes histórias prováveis do Universo, estão numa pequena região do espaço fase, quando o Universo é pequeno. À medida que o Universo aumenta, 169 as amplitudes de algumas destas perturbações crescem. Como a evolução do Universo é regulada por um Hamiltoniano, o volume do espaço fase permanece imutável. Assim, enquanto as perturbações forem lineares, a região do espaço fase em que as trajectórias se encontram mudará de forma apenas segundo uma matriz de determinante unitário. Por outras palavras, uma região inicialmente esférica evoluirá para uma região elip-soidal do mesmo volume. Contudo, algumas das perturbações podem aumentar tanto que se tornam não lineares. O volume do espaço fase permanece imutável pela evolução, mas, em geral, a região inicialmente esférica será deformada em filamentos longos e finos. Estes podem alastrar e ocupar uma grande região do espaço fase. É assim que se obtém uma seta do tempo. O Universo é quase homogéneo e isotrópico quando é pequeno. Mas quando fica maior, torna-se mais irregular. De outro modo, a desordem aumenta com a expansão do Universo. Assim, as setas do tempo termodinâmica e cosmológica concordam e as pessoas que vivem no Universo dirão que ele se está a expandir e não a contrair. Em 1985, escrevi um artigo no qual assinalava que estes resultados relativos a
perturbações explicariam por que existe uma seta termodinâmica e por que deve concordar com a seta cosmológica. Mas cometi o que agora reconheço como um grande erro. Pensava que a condição sem fronteira implicaria que as perturbações seriam pequenas, sempre que o raio do Universo fosse pequeno. Ou seja, as perturbações seriam pequenas, não apenas nos estágios iniciais da expansão, mas também nos estágios posteriores de um Universo que sofreria novo colapso. Isto significaria que as trajectórias do sistema constituiriam o subconjunto que reside numa pequena região do espaço fase, tanto no princípio como no fim do tempo. Porém, elas alastrariam por uma região muito maior, em períodos intermédios. Isto significava que a desordem aumentaria durante a expansão, mas diminuiria de novo durante a contracção. Desta forma, a seta termodinâmica apontaria para a frente na fase de expansão, e para trás na fase de contracção. De outro modo, as setas termodinâmica e cosmológica concordariam tanto na fase de expansão como na de contracção. Perto da altura da expansão máxima, a entropia 170 do Universo seria máxima. Isto significava que um ser inteligente que prosseguisse da fase de expansão para a de contracção, não observaria a seta do tempo apontando para trás. Em vez disso, a sua noção subjectiva do tempo apontaria no sentido oposto na fase de contracção. Por isso, ele não se lembraria que tinha vindo da fase de expansão, porque isso estaria no seu futuro subjectivo. Se a seta termodinâmica do tempo se invertesse numa fase de contracção do Universo poder-se-ia também esperar invertê-la num colapso gravitacional, para formar um buraco negro. Isto levantaria a possibilidade de um teste experimental da condição sem fronteira. Se a inversão tivesse lugar no interior do horizonte, não seria de grande utilidade, porque qualquer observador não poderia contar-nos o que visse. Mas poder-se-ia esperar que houvesse efeitos ligeiros, que poderiam ser detectados fora do horizonte. A ideia de que a seta do tempo se inverteria na fase de contracção parecia boa. Mas pouco depois de o meu artigo ser aceite pela Physical Review, discussões com Raymond Laflamme e Don Page convenceram-me que a previsão de reversibilidade estava errada. Juntei uma nota às provas, dizendo que a entropia continuaria a aumentar durante a contracção, mas adoeci com pneumonia antes de ter podido escrever um artigo para o explicar convenientemente. Por isso, gostaria de aproveitar esta oportunidade para explicar o meu engano e mostrar qual é o resultado correcto. Uma das causas do meu engano foi ter sido induzido em erro pelas soluções, obtidas em computador, da equação de Wheeler-Dewitt para um minimodelo de superespaço do Universo. Nestas soluções, a função de onda não oscila na chamada "região proibida", de raio muito pequeno. Apercebo-me agora que estas soluções de computador tinham as condições fronteira erradas. Mas, nessa altura, interpretei-as como uma indicação de que as quatro geometrias Lorentzianas, que correspondiam à aproximação WKB, não colapsavam até um raio zero. Em vez disso, pensei que houvesse um ressalto e nova expansão. Os meus sentimentos foram reforçados quando descobri que havia uma classe de soluções clássicas que oscilavam. Os cálculos da função de onda, efectuados pelo 171 computador, pareciam corresponder a uma sobreposição destas soluções. As soluções
oscilantes eram quase periódicas. Por isso, parecia natural supor que a condição fronteira das perturbações fosse a destas serem muito pequenas, sempre que o raio era pequeno. Isto teria conduzido a uma seta do tempo que apontava para a frente na fase de expansão e para trás na fase de contracção, como já expliquei. Pus o meu estudante de investigação Raymond Laflamme a trabalhar sobre a seta do tempo, em situações mais gerais do que um fundo de Friedmann, homogéneo e iso-trópico. Depressa encontrou uma objecção importante às minhas ideias. Apenas umas poucas soluções, como os modelos de simetria esférica de Friedmann, podem ressaltar quando em colapso. Assim, a função de onda para algo como um buraco negro pode não estar concentrada em soluções não singulares. Isto fez-me perceber que poderia haver uma diferença entre o começo da expansão e o fim da contracção. As contribuições dominantes para as funções de onda de cada fase, proviriam de pontos de repouso que correspondiam a soluções complexas das equações de campo. Estas soluções foram estudadas em pormenor pelo meu aluno Glenn Lyons. Quando o raio do Universo é pequeno, há dois géneros de soluções. Uma delas seria uma solução complexa quase euclidiana, que começava como o pólo norte de uma esfera e expandia-se monotonamente até ao raio definido. Esta corresponderia ao começo da expansão. Porém, o fim da contracção corresponderia a uma solução que começou de modo semelhante, mas teve um longo período de expansão, quase Lorentziano, seguido de contracção até um dado raio. A função de onda das perturbações perto do primeiro género de solução seria pesadamente amortecida, a não ser que as perturbações fossem pequenas e de regime linear. Mas a função de onda para as perturbações junto da solução, que se expandem e se contraem, pode ser grande para perturbações de grande amplitude. Isto significaria que as perturbações seriam pequenas num extremo do tempo, mas podiam ser grandes e não lineares no outro extremo. Assim, a desordem e irregularidade aumentariam durante a expansão e continuariam a aumentar durante a contracção. Não haveria inversão da seta do tempo no ponto de expansão máxima. 172 Glenn Lyons e eu estudámos de que forma a seta do tempo se manifesta nos vários modos de perturbação. Faz sentido falar sobre a seta do tempo, apenas para modos mais pequenos que a escala do horizonte, no instante considerado. Os modos mais extensos que o horizonte surgem apenas como um fundo homogéneo. Há dois géneros de comportamento para modos de perturbação no interior do horizonte. Podem oscilar, crescer ou decair segundo uma lei potencial. Os modos oscilantes são modos tensoriais, que correspondem a ondas gravitacionais, e modos escalares, que correspondem a perturbações da densidade mais extensas que o comprimento de Jeans, e que crescem e decaem segundo uma lei potencial. Os modos de perturbação oscilantes têm uma amplitude que varia adiabaticamente, como o inverso da potência do raio do Universo. Isto significa que serão essencialmente simétricas no tempo, perto do momento de expansão máxima. Noutros termos, a amplitude da perturbação será a mesma num dado raio durante a expansão, tal como será a mesma num dado raio durante a fase de contracção. Por isso, se as amplitudes forem pequenas quando dão entrada no horizonte durante a expansão, o que é previsto pela condição fronteira, permanecerão pequenas em todos os momentos. Não se tornarão não lineares e não revelarão uma seta do tempo. Por contraste, as perturbações da
densidade de escalas mais extensas que o comprimento de Jeans, crescerão geralmente em amplitude. Serão pequenas quando entram no horizonte durante a expansão. Mas crescerão durante esta e continuarão a crescer durante a contracção. Por fim, tornar-se-ão não lineares. Neste estágio, as trajectórias dispersar-se-ão por uma região maior de espaço fase. Assim, a condição fronteira prevê que o Universo se encontra num estado liso e ordenado, num extremo do tempo. Mas as irregularidades aumentam enquanto o Universo se expande e se contrai de novo. Estas irregularidades conduzem à formação de estrelas e galáxias e, por consequência, ao desenvolvimento de vida inteligente. Esta vida terá uma noção subjectiva do tempo ou seta psicológica, que aponta no sentido da desordem crescente. A única questão que fica sem resposta é saber por que deve esta seta psicológica concordar com a seta cosmológica. #173 Ou seja, por que dizemos que o Universo está em expansão, em vez de contracção. A resposta está na inflação, combinada com o princípio antrópico fraco. Se o Universo tivesse começado a contrair-se há uns biliões de anos atrás, observaríamos efectivamente uma contracção. Mas a inflação implica que o Universo devia estar tão perto da densidade crítica que não parará de se expandir por um período muito mais extenso que a sua idade actual. Nesse momento, todas as estrelas terão esgotado o seu combustível. O Universo será um lugar frio e escuro e qualquer forma de vida terá desaparecido há muito. Assim, o facto de estarmos aqui para observar o Universo significa que deveremos estar na fase de expansão e não na de contracção. Esta é a explicação do porquê da seta psicológica concordar com a seta cosmológica. Até aqui tenho vindo a abordar a seta do tempo numa escala de dinâmica de fluidos, macroscópica. Durante a fase inflacionária, praticamente todo o conteúdo energético do Universo se encontra no modo homogéneo singular de um campo escalar. A amplitude deste modo varia apenas lentamente no tempo e o seu tensor de momento de energia causa a expansão do Universo de forma acelerada e exponencial. No fim do período inflacionário, a amplitude do modo homogéneo começa a oscilar. A ideia é que estas oscilações homogéneas coerentes do campo escalar criam partículas de comprimento de onda curto, de outros campos, com um espectro térmico grosseiro. O Universo expande-se daí em diante, como o modelo quente do "big bang". Este cenário inflacionário assume implicitamente a existência de uma seta termodinâmica do tempo, que aponta no sentido da expansão. Não funcionaria se a seta do tempo apontasse no sentido oposto. Normalmente, as pessoas "varrem" a assump-ção de uma seta do tempo para debaixo do tapete. Mas, neste caso, podemos mostrar que esta seta microscópica também parece derivar da condição sem fronteira. Podemos introduzir campos materiais suplementares, acoplados ao campo escalar. Se os expandirmos em harmónicos esféricos, obtemos um conjunto de equações de Schrödinger com coeficientes oscilantes. A condição sem fronteira diz-nos que os campos materiais começam no seu estado fundamental. Descobre-se então 174 que os campos materiais ficam excitados, quando o campo escalar começa a oscilar. Presumivelmente, a reacção inversa amortecerá as oscilações do campo escalar e o Universo passará para uma fase dominada pela radiação. Deste modo, a proposta sem fronteira parece explicar a seta do tempo, tanto à escala microscópica como à
macroscópica. Já referi de que modo cheguei à conclusão errada e aquele que agora considero como resultado correcto sobre a previsão da condição fronteira para a seta do tempo. Este foi o meu maior erro, ou, pelo menos, o meu maior erro científico. Certa vez, sugeri que deveria haver um jornal dedicado a retractações, no qual os cientistas poderiam admitir os seus enganos. Parece-me, contudo, que esse jornal teria um número reduzido de colaboradores. 175 ÍNDICE ONOMÁSTICO E TEMÁTICO Academia Nacional de Ciências, 80 Acontecimentos, definição de, 73-74 ADN, 123-1124, 129, 130 Agressão, 129-130, 131 Aleatoriedade, 66, 79, 126, 130 Anãs brancas, 114, 115, 139, 140 ´ Antipartículas, 62, 65, 95, 105 Aristóteles, 86 Armas nucleares, 39, 40 Ascent of Man, The, 43 Átomo de hidrogénio, 54,62 Átomos, 54, 58, 62, 67 Bantam Books, 42, 44, 45 Bardeen, James M., 102 Bariões, 62-63 definição de 109 BBC, 147-148 Bekenstein, Jacob D., 103, 104, 109 Bell, Jocelyn, 114 Bentley, Richard, 87 Bíblia, 17, 147, 162 Boltzmann, Ludwig, 87 Bondi, Hermann, 26 Born, Max, 53 Braginsky, Vladimir, 109 Breve História do Tempo (Hawking), 41-46, 158 Brilho de galáxias, 144 Bronowski, Jacob, 43 Buracos brancos, 115-116, 144 Buracos de verme, 115 Buracos negros, colisões de, 28, 102 criação de, 100, 103, 115, 140, 160 definição de, 28, 65-66, 76, 100, 114 densidade média de, 106-107 designação de, 112-113 entropia de, 103-104 equilíbrio térmico de, 104-105
estudo de, 28-29 evaporação de, 106-107, 117, 143, 159, 163 explosão de, 107-108 buracos brancos, 115-116,144 e ficção científica, 111-112, 159 e fontes de raios X, 100 e futuros interessantes, 144-145 177 e gravidade superficial, 102 e mecânica quântica, 99-110 e princípio de incerteza, 81, 110, 116, 143 e radiação de Hawking, 159-160 e termodinâmica, 101-103 e universos bebés, 117-120 não totalmente negros, 28-29, 81, 116, 140, 160 partículas emitidas por, 28, 66, 81, 104, 106, 117, 139 primordiais, 101, 105-108 propriedades de, 102-103, 108-109, 116-117 radiação de, 28, 81, 106, 109, 116-117, 140, 159-160 teorema da ausência de cabelo, 103 Caius College, 26, 33 Cambridge University Press, 41 Campos de spin inteiro, 57 Campos gravitacionais, 28, 67, 91, 100, 109 Caos, 134-137, 145 Carga eléctrica, 102-103, 107 Carter, Brandon, 102 Cátedra Lucasiana de Matemática, 53n, 53, 158 Cérebro humano, 126, 135 CERN, 60n, 107, 149 Ciclo do Anel (Wagner), 155-156 Ciência atitudes do público para com a, 37-40 e decisões importantes, 38, 39 e Deus, 130 e educação, 39 e padrão de vida, 38 e televisão, 39 filósofos da, 47-48 leis da. Ver também Origem do Universo. Colapso gravitacional, 64, 77, 82, 102 Comportamento, previsões de, 126, 128-129, 131 Computadores, 70 Concerto para violino de Brahms, 151
Conservação dos bariões, lei de, 109 Constante cosmológica, 124-125 Constantes de acoplamento, 119-120 Copérnico, Nicolau, 82, 137 Cor, como atributo dos quarks, 60-61 Corão, 147 Corpos quentes, 28, 89. 104 Cosmologia, 24, 27 Criacionistas, 86-87 Crítica da Razão Pura (Kant), 86 Cromodinâmica quântica (QCD), 61 Cygnus x-1, 101, 105 Darwin, Charles, 124, 128, 131 Densidade crítica, 139, 142, 143, 145 diferenças de, 96 infinita, 27, 88, 89-90, 137 média, 106-107, 137-139, 141-142 Densidade crítica, 139, 142, 143, 145 Densidade infinita, 27, 88, 89-90, 137 Desvio de Lamb, 59, 105 Detector de radiação gama, 107 Determinismo, 121-131 vs. afirmações incorrectas, 122-123, 124-125, 131 178 ÍNDICE ONOMÁSTICO E TEMÁTICO vs. Deus e a ciência, 130 vs. livre arbítrio, 122-123, 125-131 vs. trivialidades, 122, 123, 130 Desert Island Discs, 147-164 Deus, e criação do Universo, 19, 161-162 e determinismo, 121-122, 130 e jogar aos dados, 71, 99, 110 e as leis da ciência, 130 e a proposta sem fronteira, 96 Dicke, Robert H., 109 Dirac, Paul, 48, 53 Doença de Lou Gehrig, ver Esclerose amiotrófica lateral. Doença dos neurónios motores, ver Esclerose amiotrófica lateral. Doutrina da responsabilidade diminuída, 129 Eclipse, 75 Educação e ciência, 38-39
e televisão, 38-39 Efeito fotoeléctrico, 77-78 Efeito gravitacional repulsivo, 76 Einstein, Albert, 38, 48, 91, 110, 119 e mecânica quântica, 71, 79, 99 e relatividade, 25, 49, 51. 56, 71-79, 82, 84, 99-100, 113-114, 116 e universo estático, 87-88 Prémio Nobel, 78 Electromagnetismo, 57-63, 68, 109 teoria de Maxwell do, 57 Electrões, 53-54, 56, 58, 59, 67 Elementos leves, 142-143 Elementos pesados, 56 Energia, 28, 62, 75, 100 gravitacional, 95 não nula, 59 Entropia, 87, 102-103, 109 Equação de Dirac, 53 Equações diferenciais, 54 impopularidade das, 39, 43 para o átomo de hidrogénio, 54 Equações diferenciais, 54 Equalizador, 35-36 Equilíbrio térmico, 66, 104 Esclerose amiotrófica lateral, 25, 31-36,44, 154-157 aparecimento da, 31,154-155 atitude alterada pela, 24, 26, 156-157 Escravatura infravermelha, 61 Espaço finito e sem fronteiras, 28, 92-93 e relatividade, 74-76 Espaço-tempo curvatura do, 75, 76, 83, 88, 90, 92, 114 estado sem fronteira do, 83 e gravidade, 74-75 e relatividade , 49, 51, 64, 71, 74-75 quadridimensional, 69, 113 singularidades do, 64, 77, 79, 90-92 Estrelas, 56, 75, 87, 96 anãs brancas, 114, 139-140 colapso de, 27, 64, 77, 101 deneutrões, 100, 115, 140 criação de buracos negros, 100, 115, 160 179 BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS
gigantes vermelhas, 139 Estrelas de neutrões, 100, 114, 140 Evolução do brilho, 144 da informação, 130 vs. determinismo, 124-125 Expansão inflacionária, 95-96, 142-143, 145 Experiência de Michelson-Morley, 48, 73 Feynman, Richard, 80, 166 soma de histórias, 91-92 Ficção científica, 111-112, 159 Filosofia vs. realidade, 49 Filósofos, 47-48 Física auto-consistência lógica da, 48 de partículas, 80 desenvolvimento de teorias na, 48-49 e a equação de Dirac, 53-54 e modelos matemáticos, 50 e realidade, 48-51 enquanto disciplina científica fundamental, 21 ideias difíceis em, 43 leis da. Ver Ciência, leis da. leis simétricas no tempo, 115 progresso da, 43 teórica, 33, 48, 52, 53-70 vs. música, 149 Física de partículas, 80 Física teórica, 33, 48, 52, 53-70 Fitzgerald, George, 49 Flutuações do ponto zero, 59 Fontes de raios X, 100 Forças nucleares fortes, 57, 63, 68 Forças nucleares fracas, 57, 60-62, 63, 68 Fotões, 59-60, 62-63, 106 Galáxias, 27, 56, 96 aglomerados de, 139 brilho, 144 e caos, 135-136 e densidade infinita, 89-90 e partículas, 63 e teoria do estado estacionário, 88-89 espiraladas, 139-140 velocidade de, 143-144 Galáxias espiraladas, 139-140 Galilei, Galileu, 72, 82
Gato de Schrôdinger, 50 Gigante vermelha, 139 Glashow, Sheldon, 60, 68 Gluões, 61,68 Grandes teorias unificadas (GUT). Ver Teoria, unificada completa. Graves, Robert, 17, 18 Graves, William, 17 Gravidade, 56, 57, 63-64, 126 e criação de buracos negros, 101 e espaço-tempo, 74-75 e supergravidade, 65, 67 lei da, 87 quântica, 63-65, 91-92, 99-100 superficial, 102 vs. velocidade, 88, 100-101, 112-113 Gravidade quântica, 64-66, 91-92, 100-101 Gravidade superficial, definição de, 102 180 ÍNDICE ONOMÁSTICO E TEMÁTICO Gravitão, 65, 106 Gravitinos, 67-68 Grey, Roger, 149 Guerra nuclear, 130 Guiness Book of Records, 41n, 158 Guzzardi, Peter, 42 Hadrões, 57-58, 60 Hagedom, R., 107-108 Halliwell, Jonathan, 94, 169 Hartle, Jim, 28, 52, 83, 92, 168 Hawking, Edward (irmão), 12 Hawking, Jane Wilde (esposa), 25-26, 32-34, 157-158 Hawking, Lucy (filha), 157 Hawking, Mary (irmã), 12 Hawking, Philippa (irmã), 12, 13, 155 Hawking, Robert (filho), 157 Hawking, Stephen casamento de, 25-26, 33, 157 comunicação de, 35, 36, 148-151 conselho do pai de, 19, 20, 23, 157 decisões na vida de, 20-21, 24-26, 32-33 doença de. Ver Esclerose amiotrófica lateral, educação de, 12-13, 16-18, 152-153 filhos de, 28, 34, 36, 150, 157 infância de, 11-21, 152 intuição de, 160-161
mãe de, 12, 17,31, 152, 155 pai de, 11, 14, 16,17-18, 151-152 passado familiar de, 11-13, 151-152 preparação científica e matemática de, 20, 24-25 procura de habitação por, 33-34 Professor Lucasiano de Matemática em Cambridge, 53n, 53, 158 trabalho de investigação do pai de, 15, 20, 152 Hawking, Timothy (filho), 157 Heisenberg, Werner, 48, 58, 78 Hélice dupla, 124 Hewish, Antony, 114 Hidrogénio atómico, 59 Histórias. Ver também Soma de histórias. e mecânica quântica, 50,79, 130 e proposta sem fronteira, 96 e singularidades, 94 no tempo imaginário vs. tempo real, 83-84 Horizontes de acontecimentos, 28, 101, 102104, 114 Hoyle, Fred, 25 Hubble, Edwin, 76, 88 Huxley, Aldous, 153 Independent, The, 41n, 45 Informação, evolução da, 130 Interacções, 56-57, 61-65, 67-68 Interacções "esquerdas" e "direitas", 62 Júlio César (Shakespeare), 121 Kant, Immanuel, 86 Khalatnikov, Isaac, 89-90 Lawley, Sue, 147-164 Leptões, 57 181 BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS Levin, Bernard, 158 Liberdade assimptótica, 61-62 Lifshitz, Evgenii, 89-90 Ligações nucleares, 67 Livre arbítrio, 122-123, 125-131 Lorentz, Hendrik, 49 Luz teoria quântica da, 80 velocidade da, 48, 49, 57, 72, 73-74, 76, 81, 113, 140 Massa, 59, 61, 75 de buracos negros, 102-103, 109 de neutrinos, 143
Mason, David, 35 Matemática e equações, 38-39 novas técnicas da, 27, 90 Matéria escura, 138-143 Maxwell, James Clerk, 57, 65 McClenahan, John, 14 Mecânica de fluidos, 127 Mecânica do meio contínuo, 53 Mecânica quântica, 53, 71 e buracos negros, 99-110 e Einstein.71,79,99 e histórias, 51, 79, 130-131 e realidade, 51, 70 e relatividade, 28, 71, 77, 79, 81, 90-91, 99 Metafísica, 55 Mesão pi, 60, 61 Michell, John, 112-113 Michelson, Albert, 73 Middlemarch (Eliot), 163 Miller, William, 134 Modelos matemáticos, 50 Moléculas, 54, 58, 127 Momento angular, 103, 109 Morley, Edward, 73 Mostey, Oswald, 153 Movimento, leis do, 72 Movimento browniano, 67 Mozart, Wolfgang Amadeus, 161, 163 Muões, 56 Música vs. física, 148-149 Nature, 44 Neutrinos, 106, 143 Neutrões, 68 Newton, Isaac, 87-88, 158 e espaço e tempo absolutos, 49 e gravidade, 57, 87, 126 New York Times, The, 41 Núcleo, 67 Nuclídios, 55 Observação vs. previsões, 93-94, 139 vs. razão, 86 vs. teoria, 61-62, 67-68, 77 Ondas de rádio, 89 Ondas electromagnéticas, 58
Operação de traqueotomia, 35, 42, 149, 150, 158 Oppenheimer, Robert, 77 Oráculos, 133-134 Origem do Universo, 19, 27, 55, 56, 66, 77, 85-97 182 ÍNDICE ONOMÁSTICO E TEMÁTICO debate sobre a, 85-86 e as leis da ciência, 28-29, 85-94, 96-97, 134 e singularidades ver singularidade do "big bang". Osciladores, 58 Oxford, 11-12,23-25,31, 153-154 Padrão de vida e ciência, 37, 39-40 Page, Don N., 106, 171 Paradoxos, 80, 104, 128 Partículas, 57, 68 De spin 1, 59-60, 61 de spin 2, 65 e antipartículas, 62, 65, 95, 105 e buracos negros, 28, 66, 81, 104, 106, 117, 140 e galáxias, 63 e quarks, 107 e soma de histórias, 81, 91 elementares, 24, 67, 143 em universos bebés, 117 espectro de, 105 num sistema macroscópico, 127 viajando para trás no tempo, 105 Partícula de spin 1, 59^ 60, 61 Partícula de spin 2, 65 Partículas elementares, 24, 67, 143 Penrose, Roger, 27, 28, 77, 79, 90 Penzias, Arno, 89 Planck, Max, 78 Planetas, 75, 136 Pólo Norte, 94, 95 Popper, Kar], 93 Porter, Neil A., 108 Posição, 58 Poulenc, Francis, 149 Prémios Nobel, 60n, 78, 80 Prémio Harmonia e Concórdia "Príncipe das Astúrias", 37n Previsões científicas, 134 de comportamento, 93, 126-127, 128-129, 131 de oráculos, 133-134
vs. observações, 93, 139 Princípio antrópico, 55-56, 59, 63, 64, 69, 141 Princípio de exclusão de Pauli, 57 Princípio de incerteza, 78-80, 103 e aleatoriedade, 66,79, 126, 130 e buracos negros, 81, 110, 116, 143 e determinismo, 124, 130-131 e o cérebro humano, 126 espaço e tempo no, 64 posição e velocidade no, 58, 71, 90-91, 116, 140 Proceedings of the Royal Society, 26 Proporcionalidade, 102 Proposta sem fronteira, 52, 72,92,94-96 Protões, 53, 60-61, 62, 67 Pulsares, definição de, 100, 114 Quanta, 78 Quarks, 57, 60, 61,68, 107 Quasares, definição de, 100 Quebra espontânea de simetria, 59 Raciocínio em termos pictóricos, 43 183 Radiação, 63 de buracos negros, 28, 81, 106, 109, 116-117, 140, 159-160 de Cerenkov, 107 de Hawking, 159-160 de micro-ondas, 89, 136-137 Radiação de Cerenkov, 107 Radiação de micro-ondas, 89, 136-137 Raio de Schwarzschild, 101 Razão vs. observação, 86 Realidade conceito de realidade independente do modelo, 50,51 duas partes da, 54 e física, 48-51 e mecânica quântica, 50, 69 vs. filosofia, 49 Relatividade e espaço-tempo, 49, 51, 64, 71, 74 e mecânica quântica, 28, 71, 72, 77, 79, 81, 90-91,99 e singularidades, 77 e velocidade da luz, 76 teoria geral da, 25, 26, 27, 51, 57, 64, 71-72, 74-76,77-78,82,99, 115 teoria especial da, 49, 74-75, 77, 99-100, 101 Relatividade geral. Ver também Relatividade. enquanto teoria clássica, 57, 79, 90, 99 enquanto teoria incompleta, 77 e singularidades, 90
Religião, 55, 85 Renormalização, 59, 60, 61, 64 Requiem (Mozart), 161, 163 Responsabilidade e livre arbítrio, 125-130 Rubbia, Carlo, 60n Ryle, Martin, 89 Salam, Abdus, 59-60 Satélite Cosmimic Background Explorer, 136 Satélite SAS-2, 106 Schwinger, Julian, 80 Sciama, Denis, 25 Segunda Vinda, 134 Selecção natural e agressão, 129-130, 131 vs. determinismo, 124-125, 128-129, 130-131 Shakespeare, William, 121,147, 163 Singularidades "big bang". Ver Singularidade do "big bang". "big crunch" (grande esmagamento), 64,137--138 campo gravitacional, 28 definição de, 83 densidade infinita de, 27 do espaço-tempo, 64, 76, 79, 90-91 espaços com, 92-93 espaços sem, 92 e histórias, 93 e relatividade, 77 e relatividade geral, 77, 90 histórias possíveis de, 93-94 Singularidade do "big bang", 27,51,64, 66, 77, 82, 88, 89, 94, 101, 106, 108, 143, 161 Singularidade do "big crunch" (grande esmagamento), 64, 137-138 Sintetizador de fala, 35,36,150,155 184 ÍNDICE ONOMÁSTICO E TEMÁTICO Sistemas auto-referenciais, 128 Sistemas infinitos, 87 Sistema macroscópico, 127 Sobrevivência, 128, 129 Sol, 75, 113-114, 140 Soma de histórias, 43, 80-81, 91-93 definição de, 80, 91 e teoria quântica, 82-83, 91-92, 93 Speech Plus, 35 St. Albans, 15-17, 153, 155
Sunday Times, The (Londres), 41 Supergravidade, 65, 67-68, 70 t'Hooft, Gerard, 59, 60n Televisão e educação, 39 Temperatura do sistema, 102 Tempo. Ver também Espaço-tempo. conceitos subjectivos de, 64-65 direcção inversa, 63 e relatividade, 48-51, 64, 74-75 e universo, 51,72 fim do, 28 finito e sem fronteiras, 28 imaginário vs. real, 43, 44, 82-84, 91, 94, 117, 161 individual, 73 partículas viajando para trás no tempo, 105 princípio do, 88 universal, 73 Tempo imaginário, 43,44, 52, 82-84, 91, 94, 117-118, 161 Tempo individual, 73 Tempo real, 43, 82-83,91,95, 117, 160 Tempo universal, 73 Teorema CPT, 63 Teorema da "ausência de cabelo", 103 Teoria do electromagnetismo de Maxwell, 57 Teoria do estado estacionário, 88, 166 Teoria da perturbação, 61 Teoria de Salam-Weinberg, 59-60, 62, 68 Teoria da supergravidade N=8, 67, 68, 70 Teoria de tudo. Ver Teoria unificada completa. Teoria especial da relatividade. Ver Relatividade. Teoria quântica. Ver também Princípio de incerteza e soma de histórias, 82-83, 91-92, 93 Teoria quântica da luz, 80 Teoria unificada. Ver Teoria unificada completa. Teoria unificada completa, 41, 45, 47, 53, 5456,60-69,84, 118-120, 121-123, 125-126, 127 Teoria vs. observação, 61-62, 67-68, 77 Teorias das supercordas, 70n, 91, 118 Termo cosmológico, 76 Termodinâmica e buracos negros, 101-103 leis da, 87, 102, 167 Terra, 75, 92, 94
Time, 44 Tomada de decisões e conhecimento científico, 38,40 Tomonaga, Shinichiro, 80 Transformações de supersimetria, 65 Universidade de Cambridge, 23, 25-26, 53n, 155 Universidade de Cornell, 27 185 BURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉS Universo bebé. Ver Universos bebés. colapso do, 64, 141 contracção do, 27, 96, 136 densidade crítica, 139, 142, 143 densidade média do, 137-139, 141-142 e Deus, 19, 161-162 e entropia, 87 e tempo, 51, 71 em mudança, 75-76, 87 estado sem fronteira do, 52, 71, 92, 93-96 estático, 86-87 expansão inflacionária. 27, 77, 94-96, 119, 136-139, 141-143, 160 futuro do, 133-145 histórias do. Ver Histórias; Soma de histórias. homogeneidade do, 56 origem do. Ver Origem do Universo. partículas vs. antipartículas no, 63 previsões do comportamento do, 93-94 razão de ser do. 97, 162 teoria completa do. Ver Teoria unificada completa. vida inteligente no, 56 Universos bebés, 117-120 Ussher, James, 85 van der Meere, Simon, 60n Velocidade. Ver também Luz, velocidade da. das galáxias. 143 no princípio de incerteza, 58, 7.1. 90-91, 116, 140 vs. gravidade, 88, 100-101, 112-113 Velocidade de escape, definição de, 112-113 Viagem espacial, 112, 115, 117, 130, 145 Viagem no tempo, 145 Viagem intergaláctica, 111, 112, 115. 117, 130, 144 Vida, primitivas formas de, 123-124 Wagner, Richard, 155-156 Wagner, Wolfgang, 155-156
Weekes. Trevor C, 108 Weinberg, Steven, 59-60 Wheeler, John, 112 Whitt, Brian. 42 Wilson, Robert, 89 Woltosz. Walt, 35, 150 Zen and the Art of Molorcycle Maintenance, 45 Zuckerman, Al. 42 186 Este livro foi composto em caracteres Times por MIRASETE - Artes Gráficas, Lda., Lisboa e impresso e acabado na Divisão Gráfica das Edições ASA, Rua D. Afonso Henriques, 742 - 4435 Rio Tinto.