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A sociologia vai à escola: história, ensino e docência.
Organizadores: Anita Handfas - UFRJ Luiz Fernandes de Oliveira – UERJ
Autores: Adélia Maria Miglievich Ribeiro - UENF Alexandra Garcia Masca – CEFET-Pelotas Alexandre Barbosa Fraga - IFCS/UFRJ Amaury César Moraes - USP Anita Handfas – FE/UFRJ Cassiana Tiemi Tedesco Takagi - USP Dalton José Alves – Uenf Debora Cardoso Pulcina Gabriela de Souza Honorato - SEE-RJ Giselle Carino Lage – IFCS/UFRJ Ileizi Luciana Fiorelli Silva – UEL Jefferson da Costa Soares – UFRJ Julia Polessa Maçaira – SEE-RJ / UFRJ Luiz Fernandes de Oliveira - UERJ e FAETEC Marina de Carvalho Cordeiro – SME-RJ / UFRJ Nadia Maria Moura Bastos - IFCS/UFRJ Renata Saul - UENF Ricardo Cesar Rocha da Costa - FAETEC Roberto Carlos Borghi – UFF Rodrigo Paim – Colégio Pedro II Rogerio Mendes de Lima – Colégio Pedro II/CAP-UERJ Sebastião Santos – SEE-RJ / Colégio Pedro II Valéria Fernandes de Carvalho - EPSJV/FIOCRUZ Virgílio de Lima Pereira- UENF Setembro 2008
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Sumário Prefácio ...................................................................................................................................... 5 Introdução ................................................................................................................................. 7 HISTÓRIA
Desafios para a implantação do Ensino de Sociologia na escola média brasileira. Amaury César Moraes ................................................................................................................ 12
Delgado de Carvalho e o ensino de sociologia no Colégio Pedro II. Jefferson da Costa Soares ............................................................Erro! Indicador não definido. Sociologia e Filosofia nas Escolas de Ensino Médio: ausências, permanências e perspectivas futuras. Renata Saul, Virgílio de Lima Pereira, Adélia Maria Miglievich Ribeiro,Dalton José Alves ...................................................................................................Erro! Indicador não definido. ENSINO
Fundamentos e Metodologias do ensino de sociologia na Educação Básica. Ileizi Luciana Fiorelli Silva . ....................................................................................................... 42
Sociologia, Politecnia e Cidadania: contribuições para a formação no Ensino Médio. 61 Valéria Fernandes de Carvalho .................................................................................................. Estranhamento e desnaturalização do consumo: uma perspectiva didática em torno das categorias teórico-conceituais racionalidade econômica e representação simbólica. Debora Cardoso Pulcina, Roberto Carlos Borghi ..................... Erro! Indicador não definido. Nunca estudei e não gostei – o desafio de quebrar os pré-conceitos sobre o ensino de sociologia. Sebastião Santos, Rodrigo Paim ............................................................................................... 80 (Re)descobertas: Considerações sobre o trabalho etnográfico com turmas de Sociologia no Ensino Médio. Rogério Mendes de Lima ............................................................................................................ 91 Material didático, novas tecnologias e ensino de sociologia Luiz Fernandes de Oliveira, Ricardo Cesar rocha da Costa. ........................................................ 92 O ensino de Sociologia na educação básica: análise e sugestões Alexandre Barbosa Fraga, Nadia Maria Moura Bastos ............................................................. 110 DOCÊNCIA A formação do professor de Sociologia
4 Anita Handfas
.......................................................................................................................... 121
A Sociologia no Ensino Básico: desafios e dilemas. Rogério Mendes de Lima .............................................................Erro! Indicador não definido. O ensino de Sociologia na rede estadual de São Paulo Cassiana Tiemi Tedesco Takagi ...................................................Erro! Indicador não definido. Sociologia no Ensino Médio: trabalho docente e formação. Alexandra Garcia Masca .............................................................Erro! Indicador não definido. Capítulo 16 - Mudando os papéis: o que acontece quando a pesquisadora quer se tornar professora de sociologia? Giselle Carino Lage..................................................................... Erro! Indicador não definido. Capítulo 17 - Ser professor, ser estagiário e formar docentes: reflexões sobre experiências de estágios supervisionados e práticas de ensino Julia Polessa Maçaira,Marina de Carvalho Cordeiro ................... Erro! Indicador não definido. Ensino Médio: representações sobre a Sociologia e sua Prática de Ensino Gabriela de Souza Honorato. .................................................................................................... 186
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Prefácio Desafio e responsabilidade: o ensino da sociologia nas escolas Glaucia Villas Bôas (UFRJ /Departamento de Sociologia) Vem em boa hora a publicação de A Sociologia vai à escola: história, ensino e
docência, livro organizado por Anita Handfas e Luiz Fernandes de Oliveira. A inclusão obrigatória da disciplina no ensino médio pela lei 11.684 de dois de junho de 2008, ao atender às reivindicações e expectativas de numerosos cientistas sociais, os colocou diante do desafio e da responsabilidade histórica, política e pedagógica de ensinar a disciplina a milhares de jovens brasileiros. À vitória do movimento pela inserção da disciplina no currículo do ensino médio sucede agora o que Hannah Arendt considerava uma das fases mais cruciais de qualquer mudança – a sua efetiva institucionalização. A sociologia como uma das áreas integrantes das ciências sociais juntamente com a ciência política e a antropologia ocupa uma posição de relevância na produção cultural brasileira. É preciso reconhecer que, ao longo de mais de um século, a disciplina fez seu caminho das escolas normais e secundárias para as instituições de ensino superior da rede pública e privada. Antes de integrar o elenco das disciplinas nos primeiros cursos de Ciências Sociais, criados na Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo (1933), Universidade de São Paulo (1934) e Universidade do Brasil (1939), a sociologia foi ensinada no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e em escolas normais fundadas na década de 1920. Nadécada de 1930, a Reforma Francisco Campos (1931) estabeleceu a obrigatoriedade da sociologia no currículo da escola secundária, cuja validade, entretanto, acabou em 1942. Não resta dúvida de que os primeiros passos da institucionalização da sociologia estiveram comprometidos com a formação de um sistema nacional de educação. Fora da escola como disciplina obrigatória, ao longo de 70 anos, a sociologia viu crescer o número de alunos em suas matérias, nos cursos de graduação em ciências sociais, bem como nos programas de pós-graduação, criados a partir dos anos de 1970 e voltados para a formação de pesquisadores. Os sociólogos construíram um rico acervo de pesquisas com o objetivo de investigar problemas relativos ao desenvolvimento da sociedade brasileira, à desigualdade e mobilidade social, à cidadania, aos conflitos e à violência, aos processos de formação das instituições políticas, assim como elaboraram estudos sobre questões étnicas e
6 raciais, artísticas e culturais. Pode-se dizer que há um importante conjunto de estudos sociológicos, publicados em livros e artigos, que contribuem para o surgimento de novas hipóteses de pesquisa e avanço da produção de conhecimentos. Muda agora o perfil, a configuração, o formato da disciplina no País. Tal mudança oferece a oportunidade única de alargar os horizontes intelectuais de muitos jovens, estimulando neles a imaginação sociológica. Isto é muito. E, creio que é a base para a aquisição de uma perspectiva compreensiva do mundo em que se vive. A imaginação sociológica, tal como ensinaram Wright Mills e Norbert Elias, permite compreender as vivências e experiências circunscritas às vidas individuais e entender a vida social de ponto de vista que enfatiza e ressalta as interações e relações entre homens e mulheres. Através dela é possível revelar os vínculos do indivíduo com uma ordem social, regras e instituições, ideologias, identidades nacionais, regionais, identidades de gênero, étnicas e de cor; é possível ainda ver como se efetua a partilha desigual de bens materiais e imateriais e seus efeitos sobre a constituição de classes, camadas e grupos sociais. A imaginação sociológica questiona a “invisibilidade” da sociedade; e, não apenas sua “invisibilidade”, como seu caráter imutável e natural. Mostra como a sociedade é feita e refeita a cada dia por numerosos indivíduos sem perder de vista o sistema de dominação que nela existe. É preciso atentar para o fato de que não são conteúdos “prontos” e transmitidos que fazem florescer a imaginação de que se fala aqui, mas justamente o exercício constante e criativo da curiosidade e indagação. Tal exercício terá, contudo, pouca eficácia se não se juntar com as experiências e a produção de conhecimento da disciplina inclusive aquela feita
no Brasil. A discrepância entre o êxito da disciplina e a criação de verdadeira imaginação sociológica aumenta a cada dia, uma vez que os discursos oficiais e as crenças difundidas insistem em colocar no indivíduo toda a carga de suas escolhas e de suas conseqüências enquanto a labuta diária lhes rouba o tempo indispensável para discutir e conhecer modos de pensar diferentes. O livro em pauta, resultado do I Encontro Estadual de Ensino de Sociologia, realizado na Faculdade de Educação da UFRJ, em 2008, tem uma vantagem sobre tantos outros que foram elaborados e publicados ou que estão sendo produzidos depois da aprovação da lei. Trata-se de uma contribuição ao debate sobre o ensino da Sociologia e formação docente, baseada em experiências de sala de aula, contato com os alunos, vivências dos estagiários, reflexão sobre currículo, dificuldades de implementação da sociologia nas escolas. Diferente dos manuais e introduções, voltados para o conteúdo programático das aulas de sociologia para o nível médio do ensino, A Sociologia vai à escola: história, ensino e docência indaga
7 sobre as metodologias de ensino do ponto de vista teórico e prático. Eis uma diferença importante deste livro. A diferença apontada, entretanto, se distingue pelo objetivo claro dos organizadores em selecionar trabalhos que dizem respeito à pesquisa na área da didática da sociologia e formação do professor. Tendo a investigação sistemática como fundamento de um debate, o livro assegura a troca de idéias diferentes sobre o ensino e a formação de docentes, sugerindo a relevância da diversidade e do pluralismo. Além disso, reforça a necessidade do desenvolvimento de um campo de pesquisa pouco cultivado, insistindo na reflexão teórica sobre os estudos históricos e empíricos. Neste sentido, sua leitura traz subsídios para a institucionalização da sociologia no ensino médio. A Sociologia volta à escola depois de ter legitimado e consolidado um campo de ensino, pesquisa e formação nas universidades. A escola brasileira não é a mesma do passado, nem seus professores são formados como nas antigas faculdades de filosofia. Estes fatos não devem ser desprezados. É isto que os 24 autores dos 17 capítulos deA Sociologia vai à
escola: história, ensino e docência, organizado por Anita Handfas e Luiz Fernandes de Oliveira mostram ao público leitor. As mudanças que se operam neste momento no âmbito da sociologia trazem um desafio tanto para os pesquisadores e professores das instituições superiores de ensino como para os docentes que ministram a sociologia nas escolas. Não deve haver entre eles um abismo intransponível, mas, ao contrário, uma atitude de cooperação e responsabilidade que favoreça o diálogo voltado para o ensino criativo da sociologia nas escolas.
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Introdução Este livro se insere no âmbito das pesquisas sobre o ensino de Sociologia. A partir dessa temática, os artigos aqui apresentados contemplam questões relativas à história da Sociologia nos currículos das escolas de Educação Básica, aos fundamentos e metodologias do ensino e à formação do professor de Sociologia. Seus autores - professores, licenciandos e pesquisadores -, mantém sob diferentes pontos de vista, um envolvimento estreito com o tema e por isso os artigos ora publicados expressam a realidade da dinâmica escolar, assim como da prática pedagógica do professor de Sociologia. A idéia de organizar o presente livro surgiu de nossa avaliação do I Encontro Estadual de Ensino de Sociologia, realizado em setembro de 2008, na Faculdade de Educação da UFRJ. A qualidade dos debates lá ocorridos reforçou a necessidade de sua sistematização, oferecendo aos interessados uma publicação que possa contribuir para a reflexão sobre o ensino de Sociologia na Educação Básica. A publicação deste livro se dá em um contexto marcante para o ensino de Sociologia. A recente aprovação da Lei 11.684, de 2 de Junho de 2008 alterou o art. 36 da Lei no 9.394 (LDB) e passou a incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas os anos do Ensino Médio. Esse novo quadro nos traz inúmeros desafios. No plano institucional, caberá às instituições responsáveis pela formação docente pensar em alternativas teóricometodológicas para o ensino e a prática pedagógica do professor. Por sua vez, as escolas públicas e privadas de Educação Básica deverão implementar alternativas curriculares, de modo a criar as condições necessárias para que os professores que já exercem o magistério possam desenvolver uma prática pedagógica consistente e rigorosa. No plano social, cabe destacar a necessidade de empreender iniciativas teóricas e práticas que visem à melhoria do ensino a partir de projetos que possam articular o intercâmbio entre a universidade e a escola, especialmente a escola pública. Como se tem apontado, a presença da Sociologia como disciplina escolar pode vir a constituir-se em eixo articulador de uma concepção curricular assentada nos princípios do trabalho, da ciência e da cultura, contribuindo de forma efetiva para a melhoria do ensino. Nessa perspectiva, faz-se urgente abrir canais de discussão que possam favorecer a reflexão teórica rigorosa sobre a pesquisa em ensino de Sociologia, buscando superar o estágio atual de pouco acúmulo de elaboração nesse campo específico de pesquisa.
9 É nesse contexto que se insere a proposta do presente livro. Nele foram selecionados 17 artigos, entre as comunicações e as conferências realizadas no I Encontro Estadual de Ensino de Sociologia, que estão organizados a partir dos três blocos temáticos que dão nome ao sub-título deste livro: história, ensino e docência. O primeiro bloco inclui três artigos que tratam da história da Sociologia na Educação Básica e apresentam alguns desafios a enfrentar tendo em vista o novo quadro imposto pela legislação. No primeiro artigo, intitulado Desafios para a implantação do Ensino de Sociologia
na escola média brasileira, Amaury César Moraes faz uma reflexão acerca das perspectivas e dos desafios impostos ao ensino da Sociologia na Educação Básica, tendo em vista a legislação atual que estabelece a obrigatoriedade da disciplina em todos os anos do Ensino Médio. No artigo seguinte, Delgado de Carvalho e o ensino de sociologia no colégio Pedro II, Jefferson da Costa Soares apresenta uma análise sócio-histórica do currículo de Sociologia e de seu processo de construção e implementação no período de 1925 a 1941, no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Este bloco fecha com o artigo Sociologia e Filosofia nas escolas de Ensino Médio:
Ausências, Permanências e Perspectivas Futuras, de Renata Saul, Virgílio de Lima Pereira, Adélia Maria Miglievich Ribeiro e Dalton José Alves que aborda a descontinuidade da trajetória do ensino de Sociologia e Filosofia nos currículos do Ensino Médio no Brasil, correlacionando o fato com as concepções de educação formuladas nas diferentes esferas políticas do país. O segundo bloco reúne sete artigos sobre os fundamentos e as metodologias de ensino de Sociologia. O primeiro artigo deste bloco é de Ileizi Luciana Fiorelli Silva intituladoFundamentos
e Metodologias do ensino de sociologia na Educação Básica. Nele são apresentados alguns elementos que segundo a autora servem para fundamentar as metodologias no próprio raciocínio das ciências sociais e nas perspectivas pedagógicas do século XX que disputam a estruturação do discurso pedagógico oficial e das práticas de ensino nas escolas. Em seguida, incluímos o artigo de Valéria Fernandes de Carvalho, intitulado
Sociologia, Politecnia e Cidadania: contribuições para a formação no Ensino Médio, que apresenta a experiência desenvolvida pela autora nas turmas do 1º ano de ensino médio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da FIOCRUZ - EPSJV, assim como as reflexões acerca dos subsídios da Sociologia, na perspectiva da politecnia, para o domínio e o
10 desenvolvimento de conhecimentos que potencializem o exercício e a conquista efetiva da cidadania. O terceiro artigo deste bloco, de Roberto Carlos Borghi e Débora Cardoso Pucina, apresenta o texto Estranhamento e desnaturalização do consumo: uma perspectiva didática
em torno das categorias teórico-conceituais racionalidade econômica e representação simbólica. Ou autores apresentam uma proposta didática para a discussão da categoria teórico-conceitual de consumo, inserida no conteúdo programático da disciplina Sociologia em turmas do Ensino Médio, relacionada ao tema de cultura e diversidade cultural. O quarto artigo, Nunca estudei e não gostei – o desafio de quebrar os pré-conceitos sobre o ensino de sociologia, de Sebastião Santos e Rodrigo Paim, apresenta alguns motivos que segundo os autores dificultariam o ensino da Sociologia no ensino básico, após a implementação da disciplina na grade curricular das escolas e sugere algumas experiências de ensino que serviriam de base para quebrar ou atenuar os preconceitos que cercam o ensino da disciplina. Em seguida, Rogério Mendes de Lima apresenta o artigo (Re) Descobertas:
Considerações sobre o trabalho etnográfico com turmas de Sociologia no Ensino Médio, que discute a possibilidade de utilização da etnografia como estratégia pedagógica em turmas de ensino médio de Sociologia. O sexto artigo intitulado Material didático, novas tecnologias e o ensino de
sociologia, os autores Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa tratam da questão do fazer pedagógico em sala de aula, diante do novo contexto das novas tecnologias e em torno de uma reflexão das dificuldades históricas e metodológicas do ensino da Sociologia no Ensino Médio. Fechando este bloco, o artigo de Alexandre Barbosa Fraga e Nadia Maria Moura Bastos, O ensino de sociologia na educação básica: análise e sugestões , realiza uma reflexão sobre parte dos dados e resultados obtidos de uma pesquisa denominada “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”, realizada no âmbito da aula de Didática Especial e da Prática de Ensino do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Faculdade de Educação da UFRJ. O terceiro bloco traz sete artigos que discutem questões relacionadas à docência. O primeiro artigo deste bloco é de Anita Handfas e se intitula A formação do professor
de Sociologia. A partir de sua experiência com a formação docente, a autora realiza um levantamento e analisa os diferentes modelos de formação docente existentes hoje nas instituições federais de ensino superior.
11 Em seguida, no artigo intituladoA Sociologia no Ensino Básico: desafios e dilemas, Rogério Mendes de Lima faz uma reflexão sobre alguns aspectos relacionados à formação do professor diante do novo contexto em que a Sociologia se insere no país. No terceiro artigo, O ensino de sociologia na rede estadual de São Paulo , Cassiana Tiemi Tedesco Takagi analisa os relatórios de estágios dos alunos do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo de 2004, com o objetivo de compreender a atuação dos professores de Sociologia na rede pública estadual de São Paulo. No quarto artigo, Sociologia no ensino médio: trabalho docente e formação, Alexandra Garcia Masca descreve as experiências de ensino da Sociologia nas escolas de nível médio da cidade de Pelotas-RS, centrando seu foco na discussão sobre o trabalho e a formação docente, assim como na competência e na licença do profissional da educação. No artigo a seguir, intitulado Mudando os papéis: o que acontece quando a
pesquisadora quer se tornar professora de sociologia?, Giselle Carino Lage faz uma autoreflexão sobre as principais questões suscitadas pela prática de ensino de Ciências Sociais em uma escola estadual de nível médio do Rio de Janeiro. No sexto artigo, Ser professor, ser estagiário e formar docentes: reflexões sobre
experiências de estágios supervisionados e práticas de ensino, Julia Polessa Maçaira e Marina de Carvalho Cordeiro propõem uma reflexão a partir de quatro experiências distintas de estágio e discutem alguns aspectos relacionados ao estágiosupervisionado e à prática de ensino na formação docente em ciências sociais no Rio de Janeiro. O último artigo é de autoria de Gabriela de Souza Honorato e se intitula nEsino médio:
representações sobre a sociologia e sua prática de ensino. A autora traz à tona a percepção de alunos e os sentidos construídos sobre a disciplina de sociologia, as atividades didáticas e a avaliação que fizeram da própria autora como professora de Sociologia. Com essa apresentação, gostaríamos de destacar que os artigos reunidos neste livro têm como objetivo propiciar a reflexão coletiva e o intercâmbio de estudiosos do campo das Ciências Sociais e docentes que atuam na escola básica sobre os desafios teóricos e práticos colocados a partir da nova realidade da Sociologia como componente curricular em todos os anos do Ensino Médio. Nessa perspectiva, esperamos que ele possa contribuir com esse debate.
Rio de Janeiro, janeiro de 2009. Anita Handfas Luiz Fernandes de Oliveira
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HISTÓRIA
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Desafios para a implantação do Ensino de Sociologia na escola média brasileira Prof. Dr. Amaury Cesar Moraes - FEUSP
1. Formação de professores: licenciatura X bacharelado, ensino e pesquisa. Este tema tornou-se importante a partir do momento em que a possibilidade de aprovação da obrigatoriedade do ensino de sociologia na escola média foi-se tornando mais que uma promessa uma realidade. Na verdade, esse tema vem sendo debatido nas demais áreas, entre as demais disciplinas há já muito tempo e foi tomando corpo desde as reformas da educação iniciadas no governo Fernando Henrique Cardoso, consubstanciado nas Diretrizes para cursos de formação de Professores e nas Resoluções conseqüentes. Entre nós, esta preocupação não aparecia porque a própria perspectiva de ser professor sempre foi questionada diante do imperativo de formar pesquisadores pelo que o bacharelado se definia (e se define). Como disse noutro lugar (Moraes, 2008) essa questão aparece em parte como uma tarefa auto-imposta decorrente da impressão (ou auto-confissão) de que os professores são mal-formados, o que causava e causa ainda certa resistência quanto a aceitar a obrigatoriedade do ensino de sociologia no nível médio. O problema todo é fazer algumas passagens, algumas mudanças de ponto de vista: a primeira é que a formação do bacharelado não é suficiente, embora necessária para garantir ao professor as condições para o exercício das atividades de ensino; a segunda, é que se pode pensar a licenciatura, e não exclusivamente o bacharelado, também como um espaço de pesquisa. Isso, no entanto, importa numa revisão do currículo dos cursos de Ciências Sociais e a busca de um equilíbrio entre bacharelado e licenciatura; por exemplo, o que é realmente básico para a formação no bacharelado, ou na formação do sociólogo – pensando na profissão já regulamentada. Sabemos que a atual estrutura dos cursos de formação de professores – não somente de professores de sociologia – é muito limitada, limitada que é a meia dúzia de disciplinas pedagógicas mais o estágio. (Essa discussão está sempre presente nas pesquisas e trabalhos apresentados nos eventos de que temos participado: vide Ileizi Silva, 2001, 2005, 2006, 2007; Takagi, 2007; Moraes, 2003, 2004; Sarandy, 2004)
2. Material didático – livro didático O livro didático de Sociologia aparece como um objeto paradoxal: embora condenada a uma intermitência no currículo do ensino médio, a sociologia nunca deixou de ser ensinada no nível superior, em cursos de administração de empresas, pedagogia, jornalismo, direito etc. e isso acabou mantendo a produção de livros didáticos, muitos em enésima edição (Vide Lakatos, 1982). A grande
14 maioria é destinada, no entanto, ao secundário - colegial, segundo grau, ensino médio, de acordo com a nomenclatura do momento -, embora usados no ensino superior, que em muitas instituições privadas pouco difere do ensino médio, em especial porque a sociologia aparece como uma disciplina de ciclo básico, do núcleo comum (Moraes, 2003 ). Os livros didáticos de sociologia, como boa parte dos livros do ensino médio, ainda não passou por um processo de crítica especializada, tal como vem acontecendo há mais de uma década com os livros do ensino fundamental. O que temos tido são resultados de pesquisa que, é certo, têm feito esse trabalho de análise dos livros didáticos e que pouco a pouco vão constituindo uma base para orientar, num futuro que esperamos não longínquo, programas de avaliação do livro didático de sociologia para o ensino médio. Mas por enquanto, na medida em que essas pesquisas ficam restritas à leitura das bancas examinadoras de mestrados e doutorados, os que deveriam ser verdadeiros interessados – professores do ensino médio e editoras – ignoram totalmente os seus resultados e uns e outros continuam “reeditando” os mesmo equívocos. As editoras insistem em livros enciclopédicos, movidas que são por vender livros que possam servir a variados interesses, incluindo aqueles que já nomeei – ensino médio e ensino superior -, mas também a várias séries ou à variedade possível de temas e concepções que o ensino de sociologia comporta. Os professores, submetidos à proletarização a que governos os condenaram, não assumem um postura de pesquisadores, de produtores culturais, de (trabalhadores) intelectuais, mas de trabalhadores manuais, de carregadores de manuais, e se submetem agora aos ditames do livro didático, e, sem conhecerem aqueles resultados de pesquisas sobre os livros didáticos, acabam usando acriticamente tais livros, deixando falar mais alto a voz do autor do livro, consagrando as escolhas de conteúdos feitas por este. Vale a pena marcar aqui essa verdade: os professores do ensino médio – como de resto da educação básica toda – vivem a falar do abismo que se abre entre eles e a Academia, mas se esquecem de que em parte este abismo também foi cavado com “teus pés”. (Ver a respeito, Meucci, 2000; Sarandy, 2004; Machado, 1987; Machado, 1996; Takagi, 2007; Moraes, 2003, Moraes et alii, 2004, 2006)
3. Proposta programática: única ou variada Uma questão que tem sido colocada como importante, embora eu mesmo discorde de sua importância, é sobre o estabelecimento de proposta programática unificada para os professores de sociologia, mas uma proposta única para o País todo. Quando elaboramos as OCN-Sociologia a pedido do Departamento de Políticas do Ensino Médio do MEC, enfrentamos essa questão. Estávamos a cavaleiro para fazermos uma proposta, e contávamos com o aval do governo. As equipes contratadas para discutir os PCN e elaborar as OCN, tiveram, cada uma, um comportamento diverso, umas caminharam para propor uma lista de conteúdos, outras como nós, resolveram parar nas Orientações mesmo. Entendemos que o melhor que podíamos fazer era elaborar um documento que viesse a refletir sobre a realidade dos professores de sociologia e sobre a história dessa disciplina; trazer também uma reflexão ou, menos do que isso, uma legitimação das práticas e recursos usados pelos professores nas
15 salas de aula. O máximo que fizemos foi apresentar uma perspectiva que pudesse orientar os professores na sua elaboração de proposta de conteúdo e de metodologia - os tais temas, teorias e conceitos -, e que levassem, a nosso juízo, a uma elevação daquelas práticas, dada nossa pretensão de estarmos trazendo à consciência dos professores os registros que cada “recorte” importava. No entanto, mesmo aqueles que tiveram a oportunidade e pachorra de ler nossa proposta, alguns por dever de ofício, acabaram se convencendo de que tínhamos feito uma proposta “flexibilizante”, outros, ainda ligando esse adjetivo digamos descritivo a outro já agora valorativo, “neoliberal”. Primeiro nossa proposta não era flexibilizante porque nunca jamais houve uma proposta de ensino de sociologia consagrada nacionalmente, senão dezenas ou centenas, no mínimo, e infinitas, no máximo, presentes no cotidiano escolar, quando construídas por professores, nas propostas oficiais, elaboradas em cada gestão, ou nos próprios livros didáticos, a cargo de cada autor e a cada edição. O que flexibilizamos? Se tivessem lido mais atenciosamente, além das OCN-Sociologia/2006, também o documento que as antecipou, também denominado OCN-Sociologia/2004, em que discutimos as DCNEM e os PCNEM, perceberiam quanto nos afastamos do discurso e objetivos ditos “neoliberais”, a começar pelo questionamento da submissão do currículo e da prática dos professores à “Pedagogia das Competências”, como ficou conhecida essa versão perrenoudiana do construtivismo associado à globalização da educação. Mas nesse documento, pressionados pelo próprio Departamento de Políticas do Ensino Médio, acabamos anexando “três versões” sobre o ensino de sociologia no nível médio – que consideramos um pecado apenas venial, não mortal. Nunca fomos contra uma proposta única, apenas não acreditamos que pudesse ser feita por três especialistas, professores universitários que, por mais que conhecessem a realidade da educação brasileira e, em particular, do ensino de sociologia, não tinham a menor condição de “representar” no sentido forte da palavra, o conjunto de professores reais que atuam no ensino médio. E importante, não acredito – agora falando no singular – que mesmo num evento como este e outros que têm acontecido pelo Brasil, se possa fazer uma proposta que seja “a” proposta, isto é, ao mesmo tempo exaustiva, representativa e eficiente. Não vivemos num mundo ideal, e mesmo que tivéssemos vivido naquele mundo e contemplado as “formas puras” e vislumbrado o “verdadeiro curso de sociologia”, platonicamente falando, os outros homens que ainda não o fizeram, os “operários”, não teriam ainda galgado tal perfeição e a proposta revelar-se-ia inexeqüível, fadada ao malogro. Assim, tal como pensamos, o melhor seria oferecer as orientações, promover eventos acadêmicos, trazer relatos, fazer comparações, divulgar as pesquisas, escrever, ler, discutir, debater etc., e ir buscando consensos sobre práticas e concepções de ensino da disciplina. Eu desejava não menos de uma década para nós consolidarmos o ensino de sociologia para, então, chegarmos a uma proposta nacional que não impedisse variações regionais – que o Brasil são Brasis! – mas que pudesse ser aceita pelo conjunto de professores, que pudesse ser a base para reflexões e mudanças quando necessárias, que servissem mesmo para exames nacionais e vestibulares, mas que certamente servissem para o que afinal nos propusemos quando lutamos pela sua obrigatoriedade: contribuir para
16 a educação dos jovens. (Ver a respeito Moraes, Guimarães e Tomazi, 2004 e 2006; Casão e Quinteiro, 2007)
4. Número de aulas x conteúdos Um outro problema que teremos pela frente é a definição do número de aulas e isso implicará o conteúdo. Observe-se que não podemos definir o conteúdo programático sem termos antes definido o número de aulas que caberá a sociologia nos currículos das escolas. No entanto, e isso tem muito a ver com as questões debatidas sobre a proposta única nacional, tendo a acreditar que precisamos nos debruçar mais seriamente sobre essa questão que não tem sido suficientemente debatida entre nós. Se está em causa, como muitos têm defendido, que o ensino de sociologia visa a “desenvolver o pensamento sociológico no aluno” ou “levar o aluno a pensar sociologicamente”, a questão dos conteúdos e da existência de uma proposta única acaba sendo sem sentido – ou não se entende o que seja mesmo esse pensar sociologicamente. Primeiro, não se trata de uma quantidade específica de conteúdos; depois, não se trata de determinados conteúdos e não outros. Trata-se na verdade de uma feliz unidade entre conteúdos e metodologias, em que os conteúdos podem ser os mais diversos e a metodologia é que poderá fazer a diferença, por isso a questão da formação de professores não passa somente pelo domínio de conteúdos (bacharelado), mas principalmente pela licenciatura, ou o domínio das práticas e questões de ensino. De certa forma, a escolha dos conteúdos – temas, teorias e conceitos –, não podendo ser percorridos todos – numa proposta exaustiva -, terá sempre um caráter arbitrário; depois, se não forem organizados sob perspectivas variadas em termos de metodologias de ensino, poderão ser um repetição de estruturas apenas variando os temas, o que em termos de aprendizado será a reiteração. Aqui caberia retomar Florestan Fernandes para quem não existem Sociologias, mas apenas uma Sociologia, pois as referências metodológicas básicas da sociologia podem ser aplicadas a diferentes objetos – de que resultam as tais sociologias. O que se pode fazer, então, no nível médio é, a partir de temas diversos – repetindo um pouco as sociologias particulares -, ir variando estratégias de ensino e enfocando ou outro aspecto do pensamento sociológico, avançando então na formação do aluno e daquilo que se entende por “pensar sociologicamente”. O ensino de sociologia não se prende aos resultados a que chegaram os cientistas sociais, nem ao resumo de suas obras, mas de certa forma às questões que eles se colocaram e ao percurso – estratégias de construção do conhecimento? – que eles descreveram. É ainda, de certo modo, produzir o conhecimento sobre o conhecimento, ou a consciência sobre a metodologia desenvolvida. Senão o que temos é a decoreba sobre vida, obras e conclusões de um autor. Assim, o número de aulas deixa de ser importante se pensamos mais seriamente nos objetivos do ensino de sociologia e isso passa a ser importante para pensarmos em mercado de trabalho, cargos e concursos etc. É claro que não se pode pensar em uma aula por semana num curso de um ano, mas também não se pode dar ao curso um caráter enciclopédico ou um curso
17 exaustivo de temas, teorias e conceitos que repetem os mesmos esquemas didáticos, não produzindo nenhum avanço no modo de pensar do aluno. (Fernandes, 1987)
5. Situação geral da escola pública no Brasil Talvez aqui esteja realmente o maior desafio que temos pela frente, mas esse não é um problema exclusivo da disciplina sociologia e, talvez por ser uma questão sociológica – a situação da escola pública no Brasil -, o ensino de sociologia se veja comprometido. Como dissemos nas OCNSociologia, pode-se tomar a escola como objeto da própria sociologia, mas isso não significa que podemos apresentar soluções nem muito menos “instrumentalizar os alunos” para resolver os problemas da escola. Mas isso é uma das representações que temos de enfrentar quando reconhecem a legitimidade do ensino de sociologia na escola média, por exemplo, resolver os problemas da violência na escola – e não tanto da violência simbólica presente na educação; do mesmo modo que aceitam a filosofia na escola a partir da representação que fazem dessa disciplina como sendo “aquela disciplina que faz ou ensina a pensar”, o que consiste num equívoco, não sobre o papel da filosofia, mas das demais disciplinas...; aceitam a sociologia com o fim precípuo de resolver os problemas da escola, que são sistêmicos, antes de tudo, além de ignorarem que os objetos das disciplinas escolares devem estar voltados para fora da escola e não para dentro, tal como temos proposto a presença da sociologia. Certamente esse problema é de toda a comunidade, ultrapassando os muros da escola e os limites tão prosaicos do currículo escolar, sobretudo de uma disciplina, pois como diz o adágio, uma andorinha não faz verão.
6. Organização curricular da escola média brasileira Vale a pena repetir: desde que entrei na campanha em defesa da obrigatoriedade da sociologia no ensino médio, tive como referência o pensamento de Florestan Fernandes a respeito, presente no texto seminal apresentado no I Congresso Brasileiro de Sociologia. Lá Florestan Fernandes fazia clara distinção entre os seus objetivos as possíveis razões corporativistas que animavam tantos outros, naquela época como agora. Florestan propunha que a presença da sociologia poderia ser oportunidade para se repensar o currículo da escola média brasileira que, apesar de nossa ilusão de óptica retrospectivista, não era o melhor dos mundos. Aliás, uma das razões de recusa aventadas naquele congresso, por exemplo, por Fernando de Azevedo, era o caráter enciclopédico do currículo da escola secundária, que não cabia mais nenhuma disciplina – embora Fernando de Azevedo tivesse na verdade uma concepção claramente científica do currículo, e como acreditava que a sociologia entre nós ainda não tinha chegado ao nível científico, não poderia figurar dentre as disciplinas escolares. Ainda não superamos esse debate e do mesmo modo podemos dizer que toda a polêmica gerada pela obrigatoriedade do ensino de sociologia na escola média se deva muito mais à arbitrariedade imposta
18 pela tradição e corporativismo das outras disciplinas do que por um processo consciente e responsável de educadores. O currículo, como diz Tomás Tadeu da Silva, é expressão de poder, é uma construção arbitrária do poder, pois não existe um currículo “lá fora” que as teorias dos currículos tentam “descobrir”. Fizemos nossa parte nessa luta e expressamos nosso poder. E como disse noutro lugar (Moraes, 1999; Moraes, 2002), a presença ou ausência da sociologia no currículo é desde já expressão de opções políticas. (Fernandes, 1963, 1985; TT Silva, 1999; Moraes, 2003; Ileizi Silva, 2001, 2005, 2006, 2007; Takagi, 2007)
7. Objetivos do ensino médio: vestibular, cidadania, mercado de trabalho Do mesmo modo que precisamos enfrentar os debates sobre escola púbica e currículo do ensino médio, não podemos escapar do debate quanto aos fins do ensino médio. No caso, há uma relação fundamental entre o currículo e os objetos do ensino médio. A LDB indica quatro objetivos do ensino médio: prosseguimento de estudos, preparação para o trabalho, aprimoramento da pessoa humana (formação ética, autonomia intelectual, pensamento crítico) e compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos (teoria e prática). Todo o problema é fazer convergir esses três grandes objetivos ( o quarto é de certa forma, modulação dos outros três, em especial do primeiro e do segundo). Se a preparação para a cidadania tem ficado somente no slogan ou na “instrumentação político-partidária dos alunos”, os outros dois objetivos têm produzido resultados profundamente erosivos no ensino médio. As escolas privadas orientam-se claramente para o vestibular, auto-representando-se como eficientes e competentes neste mister, independentemente da heterogeneidade em que estão mergulhadas; a escola pública por fazer valer o clichê de preparar para a cidadania, subtrai de seus alunos a possibilidade de se orientarem para o prosseguimento nos estudos, esvaziando o ensino médio. Por outro lado, ainda no setor das escolas públicas, cada vez mais está presente nos discursos (e até na ação) de muitos políticos – agora chamados de gestores públicos – o chamariz das escolas técnicas profissionalizantes, orientadas para o mercado de trabalho, Mas essas escolas ainda permanecem uma promessa para a maioria, uma vez que os custos de manter escolas profissionalizantes são bem mais altos do que o das escolas propedêuticas – o que foi provado sobejamente pelo fracasso absoluto da profissionalização compulsória imposta pela Lei 5692/71. Além disso, essas orientações estão submetidas a um debate nunca resolvido entre os defensores de uma escola útil porque profissionalizante para as classes populares; e, os contrários, defensores da escola propedêutica para as classes populares porque entendem a escola profissionalizante como mantenedora da situação de classe, além de entenderem que a universidade deve ser um direito de todos. (LDB9394/96, art. 35 e 36).
19
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20 DELGADO DE CARVALHO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO COLÉGIO PEDRO II Jefferson da Costa Soares - UFRJ 1
[email protected] INTRODUÇÃO O presente artigo é parte de minha dissertação de mestrado, e tem como objetivo analisar a presença da disciplina Sociologia e o processo de construção do seu currículo no período de 1925 a 1941, no Colégio Pedro II, primeira instituição de ensino secundário no Brasil a introduzir o ensino de Sociologia em sua grade curricular. O principal referencial teórico adotado será a tradição inglesa da História das Disciplinas Escolares ligada ao campo do Currículo, referenciada na obra de Ivor Goodson, que entende currículo como um processo político, social e que não é possível entendê-lo como conhecimento puro, descontextualizado. A metodologia utilizada será a análise documental das diferentes fontes do período estudado, dentre elas, as existentes no Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II. O campo do currículo e a história das disciplinas escolares problematizaram nas últimas décadas a compreensão, não só das influências das conexões entre currículo, poder, cultura e ideologia, mas também a compreensão da construção social do currículo. Busca-se compreender a emergência e a construção das diferentes disciplinas curriculares, investigando a predominância de determinadas tendências, transformações ocorridas nos mecanismos de seleção e de organização dos conteúdos, métodos de ensino e entender as razões e os efeitos sociais das inclusões e exclusões nos currículos escolares, resgatando determinadas posições que perderam as disputas por trás da dinâmica do currículo, compreendendo os conflitos ocorridos e reconstruindo os processos que acabaram por definir o que é ou não é escolar num dado momento histórico. MONTEIRO (2005, p. 238) considera a ainda restrita investigação da história das disciplinas escolares como uma linha de pesquisa bastante promissora para a melhor compreensão dos processos educativos. O ensino de Sociologia é uma temática ainda pouco explorada e tem sido objeto de grandes disputas. Alguns grupos defendem o ensino da disciplina no ensino médio, outros, contrários, acham que a Sociologia deve ficar restrita ao meio acadêmico. Trata-se de uma 1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
21 disciplina imbricada com forte dimensão política, que foi introduzida no ensino secundário em 1925 pela Reforma Rocha Vaz, permaneceu até 1941, depois foi retirada dos currículos pela Reforma Capanema, retornou gradativamente no início dos anos 1980 e atualmente é objeto de lei que torna seu ensino obrigatório no ensino médio. Propostas e orientações curriculares têm sido apresentadas e formuladas pelo poder público, mas não há discussões ou pesquisas concluídas sobre os efeitos práticos do ensino de Sociologia. A meu ver, há uma certa incompreensão e pouca valorização, por parte dos alunos, dos fins dessa disciplina nos currículos do ensino médio, fato que pode contribuir para uma falta de compromisso com a disciplina e, conseqüentemente, uma baixa adesão às atividades propostas. A Sociologia não teve ao longo de sua história uma presença regular no ensino secundário. Segundo HANDFAS (2005, p. 4 e 5), não podemos identificar o ensino da Sociologia apenas pela sua presença ou ausência na forma de disciplina nas grades curriculares, isso porque os seus conteúdos podem ter sido trabalhados durante todo esse tempo por outras disciplinas, como a História e a Geografia; tal entendimento serve para distinguirmos a Sociologia enquanto “saber de referência” da Sociologia como “conhecimento escolar”. Vivemos tempos de grande discussão sobre o sentido da Sociologia no ensino médio, de luta por sua inclusão, sobre a necessidade de firmar uma identidade e um currículo mínimo para a disciplina, livros didáticos e sobre seu passado, presente e futuro. Um exemplo recente é que em agosto de 2006, foi homologada a resolução do Conselho Nacional de Educação (Resolução CNE/CEB nº 04/2006 de 16 de agosto de 2006) que torna obrigatória a oferta da disciplina Sociologia no ensino médio, nas escolas oficiais. No ano de 2008, foi sancionada a lei que torna a Sociologia obrigatória no ensino médio. O Colégio Pedro II foi a primeira instituição de ensino secundário a inserir, a partir da Reforma Rocha Vaz de 1925, a Sociologia como disciplina obrigatória no currículo da 6ª série ginasial. A disciplina era cursada por aqueles alunos interessados em obter o diploma de “Bacharel em Ciências e Letras”. Em 1926 a Congregação aprovou o primeiro programa da disciplina. Outro fator que contribuiu para escolha desta instituição está fundamentado na possibilidade de encontrar fontes documentais, já que o Colégio Pedro II conta com um arquivo organizado chamado NUDOM, Núcleo de Documentação e Memória. 2 2
O NUDOM é um núcleo institucional de pesquisa interdepartamental cuja meta é resgatar, organizar e divulgar o acervo manuscrito, iconográfico e documental da História e Memória do Colégio Pedro II, aberto a pesquisadores do próprio Pedro II e de outras instituições nacionais e internacionais. O acervo documental e histórico do NUDOM inclui: Atas da Congregação; Anuários; Compêndios (Livros Didáticos); Decretos / Leis; Livros de Exames; Livros de Concursos para a Cátedra; Livros de Matrículas; Livros de Ocorrências
22 Ao estudar a disciplina escolar Ciências no contexto do Colégio Pedro II –, no período compreendido entre os anos de 1960 e de 1980, FERREIRA (2005) percebeu como os seus rumos sócio-históricos estão fortemente relacionados, entre outros aspectos, aos embates travados pelos diversos grupos que constituem o que GOODSON (1996 e 1997) denomina de comunidade disciplinar. Essa opção em realizar essa investigação no contexto de uma instituição específica, passa segundo a autora, pela tentativa de compreender os diversos elementos que participaram da construção sócio-histórica da disciplina escolar em questão. Em pesquisas realizadas por autores como FERREIRA (2001), PENNA (2008) e LOPES e MELLO (2004), existe a tendência de que as investigações no campo da História das Disciplinas Escolares ocorram preferencialmente numa instituição específica, para que se possa analisar com maior profundidade todos os elementos que fazem parte da construção de uma disciplina escolar em um período determinado. Lopes e Mello, também têm essa compreensão, uma vez que afirmam que uma disciplina escolar tem relações com o contexto sócio-cultural e político-econômico mais amplo, mas tem sua gênese em uma instituição específica, desenvolvida por atores sociais com determinadas histórias de vida, capazes de mediar as relações macro em um contexto particular (LOPES e MELLO, 2004, p.3). Entendo com Lopes, que focalizar a história de uma disciplina escolar em sua instituição específica significa evitar a interpretação de que as instituições escolares incorporam homogeneamente as orientações curriculares oficiais e não-oficiais do contexto sócio-educacional mais amplo (LOPES, 2000, p.63). Segundo MONTEIRO (2005, p. 250), os estudos e pesquisas no âmbito da sociologia do currículo, têm procurado investigar a sua construção sócio-histórica considerando que o currículo é constituído por e constituinte de relações políticas e culturais e, também, as implicações sociais, políticas e culturais de escolhas, ênfases e negações nos processos de seleção cultural inerentes ao desenvolvimento curricular no ensino. Os estudos em perspectiva sócio-histórica têm possibilitado a investigação dos processos de constituição das disciplinas escolares nos embates entre tradições estabelecidas e os movimentos de renovação e nos conflitos em relação a status, recursos e territórios. (GOODSON, 1995) O objetivo deste artigo é analisar a presença da disciplina Sociologia no Colégio Pedro II, no período de 1925 a 1941, identificando quais conteúdos foram selecionados, como estava Disciplinares; Livros de Registros; Memória Histórica (Obras de professores e ex-alunos; Obras de referência que tenham o Colégio Pedro II como objeto de pesquisa); Periódicos: Internato/ Símbolo/ Studia (Registro acadêmico de professores e alunos); Planos de Estudo e Programas de Ensino, Relatórios e Regulamentos; Teses de Concursos (Concursos públicos de professores catedráticos e substitutos desde o séc. XIX e produção acadêmica atual de professores, funcionários e ex-alunos); Restauração básica de fotos e documentos.
23 proposto o ensino da Disciplina Sociologia no Colégio Pedro II na obra de Delgado de Carvalho, primeiro catedrático da disciplina, e identificar as mudanças curriculares ocorridas no período. HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES Entre os quadros teóricos disponíveis, optei pela tradição inglesa da História das Disciplinas Escolares3 ligada ao campo do currículo, utilizando a obra de Ivor Goodson, que me pareceu a mais adequada para a abordagem que pretendo realizar, pois o autor entende currículo como um processo político, social e que não é possível entendê-lo como conhecimento puro, descontextualizado. É um conhecimento estruturado politicamente, nem sempre de maneira conservadora, negativa. A contribuição desses estudos é o entendimento do processo de emergência dessas disciplinas, por que elas têm mais ou menos interesse para os estudantes e quais os motivos sociais, políticos e históricos desse fato. Que políticas estariam governando as disciplinas do currículo escolar. Buscando compreender os mecanismos de estabilidade e de mudança curriculares em diferentes disciplinas escolares, Goodson (1997) defende uma análise que combine elementos das questões internas e externas às comunidades disciplinares. Segundo GOODSON (1990 e 1995), as disciplinas escolares não necessariamente derivam de disciplinas acadêmicas. Em alguns casos, elas podem preceder cronologicamente essas últimas, impulsionando o surgimento de um campo universitário responsável pela formação de quadros para o magistério secundário. É o caso da Sociologia em meados da década de 1920, no Brasil, que primeiro se estabelece como disciplina escolar, para depois se tornar uma disciplina acadêmica. Assim, pode-se inferir que as disciplinas escolares não possuem uma srcem relacionada a objetivos acadêmicos e abstratos produzidos por especialistas no âmbito universitário. Entendo que o estudo das disciplinas escolares que busque encontrar os pontos principais do processo de construção dos currículos, considerando as forças e os interesses sociais em jogo na história de determinadas disciplinas, possa lançar mais luz sobre seus conteúdos e suas práticas com o objetivo de, se necessário, modificá-los para atender a novas necessidades, em vez de reproduzi-los como se fossem neutros e independentes. 3
Cabe ressaltar a importância da tradição francesa da História das Disciplinas Escolares, com autores como André Chervel e Dominique Julia.
24 Existem trabalhos que trouxeram grande contribuição para elaboração do presente artigo, o de ALVES e COSTA (2006), um estudo sobre a gênese da cadeira Sociologia no Brasil, a finalidade de sua alocação no ensino secundário, os conteúdos abordados, conhecimentos necessários para os candidatos a professor dessa cadeira e a institucionalização da disciplina em Sergipe desde os primeiros sinais no ano de 1892, ao ser criada como “sociologia, moral, noções de economia política e direito pátrio”. Em “Aspectos históricos da cadeira de Sociologia nos estudos secundários (1892-1925)”, Alves e Costa dialogam permanentemente com historiadores do currículo e das disciplinas escolares como Gasparello, Chervel e Goodson. Existem poucas dissertações de mestrado que interessam diretamente ao debate sobre a Sociologia no ensino médio. À exceção de “A institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos”, trabalho de MEUCCI (2000), que estudou os primeiros manuais de Sociologia para os cursos normais e secundários que surgiram no Brasil, mas com o interesse voltado para o processo de institucionalização da Sociologia enquanto ciência em nossa sociedade, outras três dissertações tomaram como objetivo analisar o que os sociólogos vinham pensando e propondo como – ou fazendo da – Sociologia enquanto disciplina do ensino secundário ou médio. Essas dissertações são “A Sociologia na escola secundária. Uma questão das ciências sociais no Brasil – anos 40 e 50”, de GIGLIO (1999), “A Sociologia no ensino médio: o que pensam os professores da rede pública do Distrito Federal”, de SANTOS (2003), e “...E com a palavra: os alunos. Estudo das representações sociais dos alunos da rede pública do Distrito Federal sobre a Sociologia no ensino médio”, de RÊSES (2004). SARANDY (2004) buscou delinear o que se tem proposto para o ensino de Sociologia no ensino médio a partir de uma análise interpretativa de quatro entre os manuais didáticos de Sociologia para o ensino médio, publicados a partir da década de 1980, no Brasil. Descreve e analisa a estrutura, as principais idéias e a lógica que ordena e orienta os textos dos manuais investigados, sistematizando a produção acadêmica anterior. A dissertação de TAKAGI (2007) é um levantamento documental sobre o ensino de Sociologia objetivando compreender as relações que podem ser estabelecidas entre as diferentes fontes do ensino de Sociologia: as propostas curriculares elaboradas pelo poder público nacional e paulista, os livros didáticos, os planos de ensino elaborados pelos alunos do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (1999 a 2004) e relatórios de estágios dos alunos de metodologia de ensino em Ciências Sociais. COAN (2006) analisa a categoria trabalho, à luz da compreensão marxista e seu entendimento no campo da educação, particularmente a abordagem feita nos livros didáticos, paradidáticos e outros materiais utilizados para o ensino
25 de Sociologia no ensino médio. Por fim, SOUZA (2008) analisa a partir de teses, dissertações, artigos, Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientações Curriculares Nacionais para o ensino de sociologia, o discurso de defesa da disciplina Sociologia nas políticas para o ensino médio no período de 1996 a 2007. Pode-se concluir que a temática apresentada neste artigo, não tem sido objeto de muitas pesquisas, seja nos cursos de Pós-Graduação em Educação, seja nos cursos de Ciências Sociais. Certamente, uma das razões para isso é o fato da disciplina Sociologia não figurar sempre nos currículos das escolas de ensino médio. METODOLOGIA A proposta metodológica deste artigo baseia-se na análise documental das diferentes fontes existentes sobre a disciplina Sociologia no Colégio Pedro II, na legislação sobre o sistema educacional do período (1925-1941) e na obra de Delgado de Carvalho. Este material permitiu o acesso ao currículo pré-ativo ou prescritivo, ou seja, decisões tomadas sobre o que deveria ser ensinado. Goodson (1997) afirma que deve haver uma valorização da “definição pré-ativa” do currículo porque esta oferece um quadro de referências e de percepção da tradição. O currículo pré-ativo é uma fonte privilegiada de pesquisa nos casos em que um passado mais remoto é adotado como recorte temporal. Os primeiros documentos do período estudado com os quais tive contato, foram livros de atas de reuniões da Congregação do Colégio Pedro II, livro de inscrição de candidatos em concursos abertos para professor do Colégio, tese sobre Sociologia apresentada por um dos candidatos, anuários, relatórios elaborados pelos então Diretores do Externato e do Internato do Colégio Pedro II e apresentados ao Diretor Geral do Departamento Nacional de Ensino e ao Ministro da Educação e Saúde Pública, Programas de Sociologia dos anos de 1926 e 1929 e o texto das Reformas Rocha Vaz (Decreto nº 16.782-A) e Francisco Campos (Decreto nº 19.890 e nº 21.241)4. Esses documentos ofereceram informações sobre os atores e grupos em disputa. Procurei também, investigar se existiam livros didáticos de Sociologia utilizados no Colégio Pedro II, no período de 1925 a 1941. No NUDOM não foi possível encontrá-los, contudo, localizei na biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um único exemplar dos “Summarios do Curso do Sexto Anno” de 4
Disponíveis em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais/asp/PQ_Pesquisar.asp .
26 1931, onde Delgado de Carvalho reuniu notas e sumários de aulas dadas aos alunos do Colégio Pedro II. Este livro que há quase vinte anos ocupava lugar na referida biblioteca, nunca havia sido emprestado, tal fato pode ser reflexo da falta de interesse pelo tema. Encontrei também, através de contato estabelecido durante o I Encontro Estadual de Ensino de Sociologia, realizado em setembro de 2008, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a obra “Práticas de Sociologia” do mesmo autor. RESULTADOS Dadas as limitações de espaço, nesse artigo serão apresentados apenas alguns resultados da análise realizada. Foi possível verificar que antes de Delgado de Carvalho, um dos maiores difusores da Sociologia no Brasil nos anos 1930, se tornar o primeiro Catedrático da disciplina no Colégio Pedro II, Adrien Delpech 5 assumiu provisoriamente esta cadeira quando recém criada. No Livro de Atas da Congregação referente ao período de 1925-1934, na ata do dia 28 de agosto de 1925, é apresentada uma moção assinada por vários professores catedráticos, dentre as assinaturas consta a de Delgado de Carvalho. Nesta moção a Congregação do Colégio Pedro II sugere ao Governo da República, o aproveitamento na cadeira recém criada de Sociologia, do professor Adrien Delpech, que foi habilitado por unanimidade de votos em um concurso6 realizado nas dependências do Colégio, no qual lhe coube dissertar sobre a “Lógica da Sociologia”. Contudo, a Comissão de Docência julgou que apesar dos méritos intelectuais de Delpech, a Congregação não poderia de forma legal, fazer tal sugestão e que caberia ao Congresso Nacional fazer justiça à proficiência de Delpech provendo-o às funções de catedrático, mas em uma cadeira onde seu “talento” pudesse ser aproveitado. Adrien Delpech, foi designado para reger a cadeira de Sociologia interinamente em 6 de abril de 1926, e chegou a fazer indicações de livros para as aulas de Sociologia, como 5
O professor Adrien Delpech era belga, nascido no ano de 1867. Fez seus estudos de todos os níveis em Paris. No ano de 1892, aos 25 anos de idade, chegou ao Brasil, onde se estabeleceu definitivamente. No Rio de Janeiro ingressou no Colégio Pedro II, em seguida no Instituto de Educação e na Escola Nacional de Música, lecionando francês e arte. De grande cultura humanística, foi professor de várias disciplinas, inclusive Literatura Brasileira, pela qual nutria especial predileção. Conhecia profundamente toda a produção literária de Machado de Assis, traduzindo algumas obras machadianas para a Língua Francesa. Era também escritor e jornalista, com publicações na Imprensa do Rio de Janeiro . 6
Não foi possível encontrar no livro de Concursos para Professores do Colégio Pedro II, referências sobre abertura de processo seletivo para Professores de Sociologia, pois este livro teve muitas páginas arrancadas. Contudo, ao encontrar a tese apresentada por Romão Cortes Lacerda, intitulada “O Equilíbrio da Produção Social”, apresentada para concurso de livre docente de Sociologia do Colégio Pedro II em 30 de setembro de 1926, e os Relatórios concernentes aos anos de 1925 e 1926, pude confirmar a existência do concurso.
27 revela a ata da reunião de 29 de abril de 1926, mesma reunião em que foi aprovado o primeiro programa de Sociologia. Delpech era substituto de Francês e um dos únicos substitutos do Colégio que não teve acesso a catedrático, em conseqüência do Decreto 16.782-A (Reforma Rocha Vaz). No relatório concernente aos anos letivos de 1925 e 1926, escrito pelo Diretor do Externato, Euclides de Medeiros Guimarães Roxo e apresentado ao Diretor Geral do Departamento Nacional de Ensino, são feitas referências sobre a maneira como Delpech vinha desempenhando as funções da cátedra de Sociologia. Antes, Delpech era professor substituto, uma classe extinta pela lei de ensino que vigorava.Então, o Diretor do Externato, nas suas considerações, lembra ao Governo da conveniência do provimento efetivo de Delpech na cadeira de Sociologia, já que isso representaria também uma economia aos cofres da Nação, pois desapareceria a rubrica necessária ao pagamento do professor-substituto de Francês. Os fatos acima descritos podem nos levar às interpretações de que Delgado de Carvalho não teria sido o único protagonista da história da disciplina Sociologia no período de sua institucionalização no Colégio Pedro II e que a princípio, não era intenção de Delgado de Carvalho, se tornar Catedrático de Sociologia 7, uma vez que sua assinatura constava na moção que indicava o nome de Delpech para ocupar a cátedra da referida disciplina. 8
Os Relatórios concernentes aos anos de 1925 e 1926 informam que a Sociologia, como disciplina do 6° ano, era ministrada às segundas, quartas e sextas-feiras, no horário de 12:30 às 13:20. Em 29 de abril de 1926 foi aprovado pela Congregação, o primeiro programa de Sociologia. 9 Conforme a ata da Reunião da Congregação de 26 de março de 1927 , o programa do
mesmo ano foi aprovado sem discussão, o mesmo teria ocorrido com o programa de 1928, segundo ata de 27 de março daquele ano. Em 14 de novembro de 1929, a comissão de ensino deu parecer de aprovação ao programa apresentado por Delgado de Carvalho para o ano de 10 1930, que em quase nada diferia do anterior acompanhado das respectivas “instruções ”.
Os Programas de Sociologia localizados foram os dos anos letivos de 1926 e 1929. Tais programas estão inseridos, portanto, no contexto da Reforma Rocha Vaz. É claro que não 7
Antes de ser nomeado catedrático de Sociologia, Delgado de Carvalho, ocupava a cátedra de Inglês. Não foram encontrados no Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II relatórios concernentes aos anos de 1930 e 1931, período em que Delgado de Carvalho foi Diretor do Externato. O mesmo ocorreu para o período de 1934 a 1937. 8
9
Em 1927, os 3 alunos inscritos no sexto ano só freqüentaram as aulas durante o mês de abril.
10
Não foi possível identificar o significado do termo “Instruções” na referida ata de reunião da Congregação do Colégio Pedro II
28 podemos afirmar que todos os conteúdos desses programas foram devidamente trabalhados, pois somente a presença do pesquisador em sala de aula poderia fornecer elementos necessários para fazer tal afirmação. Contudo, mesmo diante dessa impossibilidade, é possível identificar o que estava proposto para a Sociologia a partir desses documentos. Em outras palavras, o desafio foi entender a concepção de Sociologia que está subjacente a esses documentos. O Programa do ano de 1926 é extenso, foi dividido em duas partes, sendo a primeira intitulada “Sociologia Theorica” e a segunda, “Fontes Históricas da Sociologia”. A primeira parte, por sua vez, é subdividida em nove tópicos. Na segunda parte do programa de 1926, foi inserida uma “História das Civilizações”. Trata-se de uma abordagem que não remete às questões sociais daquele momento. O programa apresenta o surgimento da Sociologia a partir de uma construção histórica, relacionada à construção da história das civilizações, o que já não constava no programa de 1929. Cabe ressaltar que, se pela Reforma Rocha Vaz, era atribuída ao professor Catedrático do Colégio Pedro II, a função de elaborar a apresentar à Congregação o programa da respectiva disciplina, é grande a possibilidade do programa de Sociologia para o ano de 1926 ter sido elaborado por Adrien Delpech, catedrático interino no referido momento histórico. O Programa de 1929, mais básico, é subdividido em cinco tópicos: as teorias sociológicas; as sociedades humanas; a psicologia social; as instituições e os problemas sociais contemporâneos. Além disso, apresenta a indicação do livro de W. Blackmar and J. L. Gillin – Outlines of Sociology (Macmillan - New York). Trata-se, portanto, de um programa que apresenta primeiramente a Sociologia, seus métodos, a sociedade, o Estado, e depois propõe trabalhar a disciplina focada na preocupação de apresentar os “desvios” e “vícios” sociais, enquadrá-los na ordem social e entendê-los. A proposta apresentada por Delgado de Carvalho nesse programa parece ser a de analisar os problemas contemporâneos na perspectiva sociológica. Com relação aos termos empregados, deve-se levar em consideração o momento histórico em que Delgado de Carvalho escreveu. Em termos de semelhanças entre os programas, observa-se que instituições como o Estado, a Igreja, a Família, a estrutura econômica, por exemplo, foram temas presentes nos programas analisados, bem como a Sociologia de Augusto Comte. Na ausência de um compêndio de Sociologia no contexto da reforma que a implantou como disciplina em 1925 até os primeiros anos da década de 1930, Delgado de Carvalho sentiu a necessidade de reunir as notas e sumários de aulas dadas aos alunos do sexto ano do Colégio Pedro II. Esta obra de 280 páginas foi divida em 4 partes, sendo que as duas
29 primeiras foram subdivididas em quatro capítulos e as outras duas partes em cinco capítulos e, segundo o autor, seria apenas um resumo, um plano de estudo, um guia na disposição dos conteúdos da Sociologia elementar. Nela, o primeiro Catedrático de Sociologia do Colégio Pedro II expõe em poucas palavras as principais questões que agitavam os sociólogos das diferentes escolas, procurando não emitir opiniões pessoais. Delgado de Carvalho fez uso de notas que buscavam não resumir o que estava no texto, nem comentá-lo, mas sim dar opiniões de sociólogos a favor ou contra ao que havia sido dito. Esses trechos curtos eram temas que podiam ser discutidos com os alunos, buscando estimular o pensamento e despertar o interesse ao mesmo tempo que fornecia uma bibliografia de cada capítulo. O autor preferiu apresentar a disciplina de modo que todos os assuntos de Sociologia Geral se achassem acompanhados de suas respectivas questões sociais para que o leitor percebesse a aplicação prática dos sentidos gerais, enfatizando o ponto de vista brasileiro, o interesse nacional que prendia àquelas discussões. Práticas de Sociologia (1937) de Delgado de Carvalho, é uma obra destinada à distribuição aos alunos do Curso Complementar do Colégio Pedro II e que, conforme o autor, poderiam servir a outros candidatos ao exame de Sociologia no Curso de habilitação às Escolas Superiores, no ano letivo de 1938. O conteúdo do livro corresponde em maior ou menor grau ao programa da matéria essencial aprovado pela Diretoria Geral do Departamento Nacional de Educação. Os 16 pontos abordados por Delgado de Carvalho na obra resumem um trabalho mais completo que estava em processo de elaboração naquele momento, sob o nome de “Sociologia Elementar”.
Segundo o autor, “Sociologia Elementar", seria mais
completa e também um tanto diferente, em função das divergências que o autor tinha em relação ao programa oficial, ao qual Delgado de Carvalho tinha que se conformar. Tal desacordo era motivado em primeiro lugar pela extensão do programa, abrangendo assuntos que, segundo Carvalho, eram em sua maioria estranhos à Sociologia (direito, ciência política, economia política, etc). Além disso, o programa tinha uma preocupação exagerada em refutar as teorias francesas de Durkheim, com as quais, segundo Delgado de Carvalho, nada teríamos. Tal programa tinha em vista fazer da Sociologia uma ciência normativa, o que na opinião de Delgado de Carvalho, significava dar-lhe a missão de outra disciplina, a instrução moral e cívica. Em outras palavras, tratava-se de uma deturpação da Sociologia. Delgado afirmava que se era este o objetivo, que o nome da cadeira fosse mudado. Enfim, o programa omitia as questões principais que constituíam a Sociologia moderna daquele período (áreas culturais, complexos culturais, processos sociais, controle social, ecologia social, desajustamentos, trabalho social, pesquisa, entre outros), ignorando, segundo Carvalho, o que
30 tinha sido produzido no campo da Sociologia nos últimos quarenta anos. Contudo, no preâmbulo do livro, Delgado de Carvalho afirma que procurou interpretar da melhor forma possível o programa, colocando as questões de preferência sob o ponto de vista sociológico. Seus alunos receberam de suas mãos cópias impressas relativas à matéria essencial (Circulares 1.200 e 3.344) aprovada pela Diretoria Geral do Departamento Nacional de Ensino para concurso de habilitação em escolas superiores. Delgado de Carvalho esperava que no ano seguinte, 1938, o programa de matéria essencial fosse modificado, o que não aconteceu. A Sociologia do curso de habilitação era considerada pelo autor mais um ensaio político-econômico do que uma sociologia moderna. Tendo em vista que com a Reforma Francisco Campos, os catedráticos do Colégio Pedro II deixaram de ser responsáveis pela elaboração dos programas das disciplinas, que passou a ser uma atribuição do Departamento Nacional de Ensino, Delgado fazia votos de que os responsáveis pela elaboração do programa viessem a ter informação do que realmente era a Sociologia. Até que esse momento chegasse, segundo o autor, as Práticas de Sociologia que elaborou, serviriam para a orientação dos candidatos aos cursos superiores. Delgado de Carvalho, após apresentar em Práticas de Sociologia, o programa elaborado pelo Departamento Nacional de Ensino, fornece instruções 11
relativas às provas de Sociologia , dá conselhos sobre a preparação da dissertação sociológica e apresenta as provas de Sociologia realizadas no exame vestibular das escolas superiores do Rio de Janeiro, em 1938. A análise das fontes consultadas possibilitou compreender a importância da atuação dos professores Adrien Delpech e Delgado de Carvalho para a institucionalização da Sociologia no Colégio Pedro II. Consideramos que esta atuação está diretamente relacionada à formação científica destes professores, realizada na Europa e que os capacitou para lutar pela inserção da Sociologia no Currículo, o que vem ao encontro das afirmações de Goodson (2001), que considera os professores como elementos importantes e determinantes no processo de construção de uma disciplina escolar e que essa influência estaria diretamente relacionada à “tradição disciplinar” predominante na história de uma disciplina. Com a introdução da Sociologia pela Reforma Rocha Vaz, ocorreu o que Goodson (1997) considera um período de mudanças, no sentido de inclusão de uma disciplina nova. Esse contexto externo referente à Reforma Rocha Vaz, entra em sintonia com o contexto interno do Colégio
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Circulares 1.200 e 3.344, de 1° de junho de 1037 e de 1° de novembro de 1937
31 Pedro II, quando encontra sujeitos disponíveis e capazes de atender a exigência de inclusão e ensino da Sociologia. No atual momento, em que a Sociologia torna-se novamente obrigatória no ensino médio, pode ser conveniente resgatar o esforço feito por Delgado de Carvalho, um dos maiores difusores da Sociologia no Brasil da década de 1930, que tem sido lembrado principalmente por sua produção no campo da História e da Geografia. A Sociologia, uma das mais “jovens” disciplinas escolares, precisará de todo o apoio, seja governamental ou de entidades e instituições sociais, para superar as dificuldades e desafios que serão colocados nos próximos anos e conhecer sua história certamente contribuirá para este enfrentamento. REFERÊNCIAS Brasil. Decreto n° 16.792 A de 13 de janeiro de 1925. Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional de Ensino, reforma o ensino secundário e o superior, institui a Sociologia como disciplina obrigatória e dá outras providências. ______. Decreto 19.850 de 11 de abril de 1931. Cria o Conselho Nacional de Educação ______. Decreto n° 4.244 de 9 de abril de 1942. Lei Orgânica do Ensino Secundário. CARVALHO, Lejeune Mato Grosso Xavier de; MATTOS, Sérgio Sanandaj . Sociólogos e Sociologia: Breve cronologia da história da ciência, da organização estadual e nacional e da profissionalização no Brasil. Disponível no site da SINSESP - Sindicato dos sociólogos do Estado de São Paulo. Disponível em:
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33 ______. Relatório concernente aos anos letivos de 1927 a 1929 Apresentado ao Exmo. Sr. Diretor Geral do departamento Nacional do Ensino pelo Professor Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, Diretor do Externato. Rio de Janeiro, Colégio Pedro II, 1930. HANDFAS, Anita. A construção dos saberes escolares e o ensino das Ciências Sociais. XII Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 6 – Experiências de Ensino de Sociologia: Metodologia e Materiais didáticos. Sociedade Brasileira de Sociologia, 01/06/2005. Disponível em: Acesso em 25 set. 2006 LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Editora Cortez, 2002. LOPES, Alice Casimiro e MELLO, Josefina Carmen Diaz de. Trajetória da disciplina didática geral em uma escola de formação de professores em nível médio: hibridismo de discursos. Educação em Foco. Revista da Faculdade de Educação da UFJF. v.8, nº 1 e nº 2, mar-ago, 2003 e set-fev, 2004. MEUCCI, Simone. A institucionalização da sociologia no Brasil: primeiros manuais e cursos. Dissertação de mestrado (UNICAMP). Campinas, mar, 2000. Orientador: Otávio Ianni. MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da.Costa. Ensino de História e História da Educação: um diálogo necessário e profícuo. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. (Org.). A educação escolar em perspectiva histórica. Campinas (SP): Autores Associados, p. 235-263, 2005. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; DA SILVA, Tomaz Tadeu (orgs.). Currículo, Cultura e Sociedade. 7. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2002. MOTA, Kelly Cristine Corrêa da Silva. Os lugares da sociologia na formação de estudantes do ensino médio: as perspectivas de professores.Revista Brasileira de Educação. n.29, p. 88-107, maio-ago, 2005. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. 2ª ed – Rio de Janeiro: DP&A, 2001. PENNA. Fernando de Araújo. Sob o nome e a capa do Imperador: A criação do Colégio de Pedro Segundo e a construção do seu currículo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. Orientador: Professora Doutora Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro. SANTOS, Mario Bispo dos. A Sociologia no Contexto das Reformas do Ensino Médio. In Mato Grosso de Carvalho, LEJEUNE (Org.) Sociologia e Ensino em Debate. Unijuí: Editora da Universidade de Unijuí, 2004, 380 p.
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34 Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, set, 2004. Orientadora: Profª. Drª. Gláucia Kruse Villas Boas. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade; uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. ______. Teorias de Currículo: uma introdução crítica. Portugal. Porto Editora, 2000.
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Sociologia e Filosofia nas Escolas de Ensino Médio: ausências, permanências e perspectivas futuras. Renata Saul - UENF 12 Virgílio de Lima Pereira- UENF 13 Adélia Maria Miglievich Ribeiro - UENF 14 Dalton José Alves - UENF 15
O histórico da implantação das disciplinas Sociologia e Filosofia no Ensino Médio passou por um longo percurso marcado por descontinuidades, ausências, permanências e lutas. Apresentaremos três momentos desse processo, o de institucionalização (fins do século XIX e primeiras décadas do século XX), o de alijamento ou insulamento (década de 1940 a 1980) e o de retorno gradual (de 1980 a 2008); discutiremos aqui os obstáculos, os avanços e os desafios desse processo. Os chamados “anos dourados” das referidas disciplinas ocorreram entre as décadas de 1920 e 1940. Período este em que se verificou um grande volume de publicações que discutiam a temática do ensino de sociologia, visto que a sociologia ocupava um lugar central no desenvolvimento do projeto político do país, que articulava os ideais da ciência, modernidade e educação (SARANDY, 2004). Segundo Mazza (2002), os anos de 1930 configuraram-se como de extrema importância para o ensino de sociologia em decorrência da reforma de Francisco Campos, em 1931, que garantiu a presença da Sociologia nos cursos secundários, no Curso Normal (pois havia uma grande preocupação com a formação de professores) e na grade curricular dos cursos preparatórios para o ingresso no ensino superior. A sistematização do conhecimento sociológico se deu primeiramente através do ensino secundário, nos manuais didáticos e posteriormente afirmando seu espaço no ensino superior. Após este momento, com a hierarquização entre o ensino acadêmico e o escolar, a Sociologia em especial voltou-se prioritariamente para a comunidade acadêmica. A crescente precariedade da educação básica e desvalorização do professor ajudaram ainda mais a enrijecer esta estrutura hierárquica e a concentrar a reflexão sociológica em instâncias cada vez mais restritas. Nada pode, contudo, ser avaliado unilateralmente:
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Bacharel em Ciências Sociais pela UENF, bolsista do Laboratório de Estudo em Educação e Linguagem na referida universidade. 13 Bacharel em Ciências Sociais pela UENF, bolsista do Laboratório de Estudos em Educação e Linguagem na referida universidade. 14 Doutora em Sociologia pela UFRJ/IFCHS, professora do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF. 15 Doutor em Educação pela UNICAMP, professor do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF.
36 “No entanto, os estudos no campo privilegiaram o ingresso das ciências sociais nas universidades e nos programas de pós-graduação, chegando mesmo a qualificar o período anterior, justamente o das ciências sociais no secundário, de sua ‘fase pré-científica.’” (AZEVEDO, 1969 apud SARANDY, 2004, p.3).
O distanciamento da Sociologia e Filosofia do ensino médio se acentuou com início do novo regime político no Brasil, a Ditadura Militar. Em 1971, em pleno clima de censura e repressão, através da lei n° 5.692/71, essas disciplinas foram retiradas das salas de aula, ao serem deslocadas para a “parte diversificada” do currículo enquanto eram criadas como disciplinas obrigatórias para substituílas, constando do chamado “núcleo comum” curricular, aquelas denominadas Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política Brasileira), as quais se valeram exclusivamente como instrumento de doutrinação. Na prática, nenhum diretor de escola ousava, em face da repressão política, a fazer com que fossem ministradas as disciplinas de Filosofia e de Sociologia. Mas o que não pode ser negligenciado é o fato de que, nos anos da repressão, ao serem retiradas a filosofia e a sociologia do núcleo comum dos currículos, o objetivo era padronizar concepções de nacionalidade e de desenvolvimento, não permitindo questionamentos sócio-políticos, culturais e filosóficos. Reflexões acerca do ideal de liberdade que tenderiam a pôr em xeque o regime então instaurado pelo Golpe Militar estavam expurgadas da escola. Este fato nos permite pensar como as esferas da educação e da política se entrecruzam a todo o momento e em particular como a segunda determina e limita as diretrizes e parâmetros da primeira. Alves (2002) complementa o entendimento sobre essa complexa relação entre educação e política: “O ensino escolar no Brasil sempre teve sua estrutura e o seu papel condicionados ao modelo econômico e político vigente em cada momento da história nacional; conseqüentemente, a cada redirecionamento político e econômico havia uma nova reestruturação do ensino escolar, para adaptálos aos interesses dos ‘novos senhores’ do poder; as mudanças na política educacional instauradas após 1964 são apenas mais um capítulo dessa história”.(IBID., p. 35)
Silva (2005) discorre que a Sociologia no ensino escolar brasileiro assumiu distintos papéis em decorrência dos modelos curriculares adotados em cada época. Entretanto, ressalta que os modelos de currículo são derivados das concepções e interpretações que se fazem da relação educação – sociedade – ensino. Para compreender o sentido ou significado de um currículo, o autor recorre às obras de Michael Apple e Bernstein (estudiosos da sociologia dos currículos) que, utilizando o referencial marxista de análise, entendem que os currículos são frutos das “lutas de classes”, que envolvem diversas esferas sociais, como o poder político e científico. Nas palavras de Silva (2005:6): “os currículos são a materialização das lutas em torno de que tipo de educação que os grupos sociais desejam implementar na sociedade”. 16 16
Sem negar a discussão contemporânea sobre a capacidade de se reconhecer “classes sociais” na modernidade contemporânea, outros autores críticos ao materialismo histórico e dialético, tal como Pierre Bourdieu, nem por isso deixam de sinalizar para a Educação como um “campo político” onde a Escola tem, por excelência, um papel reprodutor das desigualdades sociais. A possibilidade de subversão do poder instituído num campo social exige uma acumulação de capital
37 Desse modo, para entender as ausências e permanências da Sociologia assim como da Filosofia no ensino, há de se observar e pontuar os modelos curriculares e as concepções de educação e de sociedade que predominaram no Brasil. (SILVA, 2005) O currículo Clássico-Científico (final do século XIX e primeiras décadas de do século XX) tinha como traço marcante a presença das disciplinas com prioridade para o ensino de conteúdos tradicionais; um resquício ainda da tradição jesuítica. Nos momentos em que a Sociologia se fez presente neste tipo de currículo - disputada pelas influências do positivismo, liberalismo e catolicismotinha como principal objetivo fazer referências e dar ênfase às idéias de “nação” e “modernização”, pois o período republicano proferia o discurso de eliminação do atraso deixado pelo Império. Já no segundo modelo curricular, identificado como Tecnicista adotado pelo regime militar, as disciplinas perderam os seus lugares porque elas passaram a ser agrupadas em “regiões de conhecimento”. Este é o tipo de currículo em que a Sociologia e a Filosofia - as ciências humanas em geral - perderam a importância, desaparecendo das salas de aulas, quando entraram em cena a já referida Educação Moral e Cívica. As disciplinas exatas ganharam status superior na educação com justificativa de sua aplicação no setor tecnológico. O ensino carregava consigo o caráter profissionalizante (uma pedagogia construída pela parceria do MEC/USAID) voltada exclusivamente para formar pessoal técnico e atender as exigências do mercado capitalista: mão–de-obra qualificada e de baixo custo. Visando formar quadros, ou melhor, mão-de-obra barata para preencher as categorias ocupacionais das empresas em expansão, especialmente as multinacionais que aqui se instalaram, reorganizaram-se os currículos escolares segundo o modelo tecnicista, sobretudo os do nível secundário, com vistas a formar indivíduos executantes de idéias apropriadas do exterior, em vez de formar pesquisadores e pessoas criativas a partir da realidade nacional. (ALVES, 2002, p. 37)
Vieram os anos 1980 que inauguraram um período de redemocratização política. Uma reforma educacional passou a ser pensada, acompanhada por diversas propostas pedagógicas a fim de se reformular os aspectos considerados pelos movimentos educacionais retrógrados do currículo do ensino escolar do período ditatorial. Surgiram currículos com modelos mais próximos do Currículo Científico que, após a promulgação da lei n° 7.044/82, desobrigavam-se da profissionalização no ensino médio. A escola passa a ser pensada como um lugar para se trabalhar também a cultura geral e não apenas para se executar técnicas. Com isso, vários movimentos reinvidicaram o retorno da Sociologia e da Filosofia. Desse modo, elas se reintroduziram gradualmente ao currículo do ensino secundário, primeiramente no Estado do Rio de Janeiro, em caráter obrigatório, no ano de 1989, em texto da simbólico por parte de grupos subalternos que possa fazer frente ao status quo. Cremos que o exemplo da exclusão e recente re-inclusão das disciplinas Sociologia e Filosofia como obrigatórias no ensino médio não poderiam, isoladamente, traduzir uma nova prática escolar mais afinada com o saber crítico e, portanto, contestador de certos pressupostos de “classificação social”. Ainda assim, vemos como uma mudança no “jogo” que, na lógica de Bourdieu, tende a dar outra movimentação aos “jogadores”.
38 Constituição do Estado do Rio de Janeiro, mediante a luta da APSERJ (Associação Profissional de Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro), ainda que à Sociologia fosse concedida um pouco convincente - pelo menos 1(um) tempo semanal - no terceiro ano do nível médio e, depois, em alguns outros estados, a disciplina era incluída, porém, com caráter de optativa, fruto de empenhos de professores do ensino médio, departamentos universitários e associações profissionais. Aumentavamse no Brasil os movimentos e lutas pelo retorno da obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia e de Filosofia, sendo que a maior organização dava-se através dos sociólogos, também em âmbito nacional, tal como se pôde constatar no trabalho de sucessivas diretorias da FNS (Federação Nacional dos Sociólogos). Ao mesmo tempo em que se formava a Constituinte e depois com promulgação da nova Constituição de 1988, surgiam às discussões para a elaboração de uma nova legislação educacional. Vários conflitos ocorreram em virtude dos interesses opostos dos grupos sociais. Foram vários projetos de lei apresentados ao longo dos anos que atravessaram vários governos e finalmente em 1996 foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sob a influência de uma ideologia neoliberal; em vigor até hoje. A nova LDB programou um currículo dividido por competências, ou seja, por áreas de conhecimento como, por exemplo, “linguagem, códigos e suas tecnologias” que inclui a disciplina de português, línguas e outras. A Sociologia e Filosofia não foram contempladas como disciplinas principais de nenhuma área. De acordo com Alves (2002), sua presença poderia ser dita como indefinida, pois a LDB mencionava-as como conhecimentos que deveriam ser trabalhados em todas as outras disciplinas permeando o cotidiano escolar, prevendo-se que, ao final do ensino médio, o educando deveria dominar os respectivos conhecimentos; o que se constituiu num verdadeiro paradoxo, pois na prática não havia nenhuma garantia dela estar sendo ensinada. Desse modo, o ensino das disciplinas ficou dependente da decisão dos estados e da direção das escolas e, em muitos locais quando ensinadas, eram por docentes com formação em diferentes áreas que não a Sociologia e a Filosofia propriamente. As lutas em prol da obrigatoriedade das disciplinas não cessaram. O Congresso Nacional, em 2001, aprovou a inclusão das disciplinas e estas foram vetadas pelo então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, sociólogo. Hoje, o cenário político educacional após uma caminhada pela conquista deste espaço, reabre a arena de debate, do que tem sido representativamente e factualmente a presença das disciplinas nas escolas. Em 8 de maio de 2008, a inclusão da disciplina nos três anos do ensino médio se tornou lei federal, aprovada pelo Senado e sancionada, em 2 de junho, pelo Presidente da República em exercício, José de Alencar. O fato foi comemorado nacionalmente pelos diversos sociólogos e suas entidades representativas. Sem dúvida, isto não encerra o debate, mas o amplia, na medida em que se discutem o papel das disciplinas na formação dos discentes, os objetivos em torno dela, a formação e atuação dos docentes na sala de aula, na escola, na comunidade. Sociedade científica e departamentos universitários reúnem-se ao debate, a exemplo do I Encontro Estadual de Ensino da Sociologia do
39 Estado do Rio de Janeiro, na Faculdade de Educação da UFRJ. Associações profissionais retomam o fôlego e aprofundam a parceria com as universidades e cursos, a exemplo da APSERJ, também no Estado do Rio de Janeiro. Ampliam-se os espaços de debates nacionalmente, o que pode ser verificado também no empenho da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e de sua Diretoria e Comissão de Ensino. Não se trata de um debate de programas de curso apenas, mas sobre políticas educacionais, visto que a realidade educacional no país sempre foi questão séria e urgente. Há de se perceber como a Sociologia e, também, a Filosofia podem somar na luta por uma escola de qualidade em nosso país. A temática extrapola as questões corporativas, tal como a ampliação do mercado de trabalho para os formados nos respectivos cursos superiores, ainda que se tenha em mente que o docente a assumir a regência das disciplinas deva ser aquele licenciado para tal nas citadas disciplinas. Eis que a discussão implica, também, a revisão do bacharelado e da licenciatura em Ciências Sociais (Sociologia) e em Filosofia. Ainda é efervescente o tema do tempo destinado às disciplinas dentre as outras do currículo, seu peso e papel na formação do aluno, frente às exigências do um mercado de trabalho. Também, enquanto reina sobre a escola e seus conteúdos curriculares o “vestibular” como forma de ingresso nos cursos superiores, um sistema de avaliação de conhecimentos sabidamente oposto ao do estímulo ao “aprender a pensar”. A presença da Sociologia e da Filosofia no campo escolar derivará de uma luta por reconhecimento entre gestores, professores, alunos e comunidade. Diante do cenário atual, estamos realizando uma pesquisa17 – que acreditamos – nos permitirá criar um entendimento, uma visão panorâmica da situação das disciplinas no Estado do Rio de Janeiro, para então, retomar o que entendemos que se trata este debate: as políticas educacionais. O recorte desta pesquisa é a Região Norte Fluminense I, que compreende as regiões de Campos dos Goytacazes, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, onde pretendemos conhecer o perfil dos professores e como vêm sendo ministradas as aulas de Sociologia e de Filosofia. Contamos com o apoio da Coordenadoria Regional de Educação do Estado, da direção das escolas e dos professores regentes bem como com o financiamento da UENF/Proex para as “bolsas” dos pesquisadores e estudantes vinculados ao projeto. Temos o objetivo de identificar as necessidades levantadas pelo professor, saber as suas práticas pedagógicas e com isso, fornecer à Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, a Uenf, às associações científicas e profissionais dados que dizem respeito às demandas e desafios na região. Como um dos fundamentos de um trabalho de extensão é levar o conhecimento produzido na Universidade para além de seus “muros”, ou seja, a democratização do conhecimento; e também conectar a comunidade ao meio acadêmico, este projeto planeja um Curso de Atualização e Capacitação de docentes de Sociologia e Filosofia na região. 17
A pesquisa se refere ao projeto “Filosofia e Sociologia nas escolas estaduais da Região Norte Fluminense I: capacitação e atualização de docentes” que está sendo desenvolvida na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro sob orientação do prof. Dr. Dalton Alves e da profª. Drª. Adélia Miglievich.
40 Disciplinas que há um tempo estavam adormecidas no Ensino Médio, estão sendo despertadas, reconhecendo-se e entrando em relação com as demais, para a formação mais completa do aluno do ensino médio. Faz-se necessário que sejam reconhecidas as especificidades do caráter da formação do ensino médio, bem como as características próprias da filosofia e da sociologia para que dialoguem, da melhor forma possível, com as demais disciplinas, pois de acordo com a lei numero 9.394/96, artigo 36 § 1º, inciso III, devem contribuir para “ o exercício da cidadania”. O consenso inexiste. No jornal Correio do Povo, 16 de abril de 2007, a então secretária estadual de educação do Rio Grande do Sul entendeu a obrigatoriedade das disciplinas como “imposição” e não como conquista histórica dos sociólogos. A secretária estadual, Mariza Abreu, entende que as disciplinas deveriam ser tratadas de forma transversal, como garantia a LDB. O argumento da secretária é transmitido na reportagem: “Ela vê maior preocupação e carência curricular em outras áreas, como ciências exatas, para que o cidadão acorde para problemas graves, entre eles o efeito estufa”. Concordamos em parte com Mariza Abreu. O “efeito estufa” é, sem dúvidas, um problema grave. Mas, também, são problemas graves a violência no campo e na cidade, a exclusão social, as desigualdades econômicas, também as desigualdades de gênero, por exemplo, a nossa frágil democracia, o “não-pensamento”, a “banalidade do mal” que permitem, inclusive, que numa sociedade as pessoas contribuam para a degradação da natureza. Estas são áreas de domínio da sociologia e filosofia. Pois bem, a antes presença inócua (Alves, 2002) da Sociologia e da Filosofia, dado o caráter ambíguo da LDB, outrora estabelecido, requer hoje, a presença real, garantida por lei, na forma de disciplinas, com seus professores e seu “tempo” numa escola que ainda se organiza disciplinarmente. Isto é, a demarcação do campo escolar por disciplinas ainda se faz necessária, mesmo que isto possa ser futuramente questionado para todos os conhecimentos e não somente para a Sociologia e a Filosofia, como parecia querer fazer crer o antigo texto da LDB de 1996. A formação no ensino médio tem também como meta despertar no discente a futura profissão que ele deseja seguir. A educação proporcionando ao aluno o conhecimento das disciplinas Sociologia e Filosofia, pois trabalham de modo específico com a capacidade de agir e interagir no mundo buscando compreensão da ação exercida, procurando estabelecer uma reflexão sobre os temas da responsabilidade, liberdade, ética, cidadania, ideologia e política. Se pensarmos numa educação que pretende formar um indivíduo mais consciente e reflexivo, não podemos negligenciar a formação do conteúdo disciplinar e metodológico. Há de se pensar com cuidado o quê e de forma clara, como será composta o plano de curso. Por isso é relevante enquanto prática pedagógica, fazer ligações do conhecimento sociológico e filosófico com a realidade do aluno. Desse modo, permitir que aluno pense e assuma a posição de sujeito do meio social do qual ele faz parte.
41 “Quanto mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais emerge plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la.” (FREIRE, 1980, p.35 apud RAIZER et alli, 2008)
Agora, com a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia nos três anos do ensino médio, o desafio reside na passagem ou transposição do conhecimento teórico adquirido na “academia” para a educação básica mais do que no receio da sala de aula se transformar em púlpito político como alguns insistem em temer. Meireles (2008) destaca que para essas disciplinas fazerem realmente sentido para um público que não é da área será necessário antes, realizar uma espécie de adaptação didático-pedagógica do conteúdo, sem recair no senso comum. A particularidade e importância da Sociologia e Filosofia para o ensino médio está, a nosso ver, na desconstrução das prénoções socialmente constituídas e reproduzidas e no estímulo a um pensamento crítico. Daí a relevância de estarmos realizando o referido projeto de extensão. Acreditamos formar, no diálogo Universidade-Escola, uma rede de saberes e discussões visando a uma prática (e troca) eficaz, consciente do exercício das referidas disciplinas no ensino médio. Trata-se da formação crítica dos docentes de nosso país, garantindo já o tão citado objetivo da LDB 9.394/96, artigo 36 § 1º, inciso III, que as disciplinas devem contribuir para “ o exercício da cidadania”.
Referências bibliográficas: ALVES, Associados, D. J. A Filosofia 2002.no Ensino Médio – ambigüidades e contradições na LDB. Campinas, SP: Ed. Autores BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 4ª ed., 2001. MAZZA, D. A história da Sociologia no Brasil contada pela ótica da Sociologia da Educação. In: TURA, M. L. R. (org). Sociologia para educadores. Rio de Janeiro: Quartet, 2ª edição, 2002. MEIRELES, M.; RAIZER, L.; PEREIRA, T. I. et alli. Pensando o fazer docente do professor de sociologia: elementos para a construção de um referencial crítico de análise. Disponível em http://www.ufrgs.br/laviecs/biblioteca. Acesso em julho de 2008. RAIZER, L.; MEIRELES, M.; PEREIRA, T. I. Escolarizar e/ou Educar? Os desafios da obrigatoriedade da Sociologia no Ensino Médio. Disponível em http://www6.ufrgs.br/laviecs/biblioteca. Acesso em julho de 2008. SARANDY, F. M. S. A Sociologia volta à escola: um estudo dos manuais de sociologia para o ensino médio no Brasil. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ (Outubro) 2004. SILVA, I. F. A Sociologia no Ensino Médio: os desafios institucionais e epistemológicos para a consolidação da disciplina. In: XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 2005, Belo Horizonte.
42 ENSINO
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Fundamentos e Metodologias do ensino de sociologia na Educação Básica. Ileizi Luciana Fiorelli Silva (UEL/SBS)
O ensino de sociologia na educação básica encontra seus fundamentos e metodologias na tradição teórica e investigativa de dois campos: o campo das ciências sociais e o campo da educação. Na produção das reflexões desses dois campos encontraremos momentos de maior intersecção e integração e momentos de menor interlocução. Contudo, independente das possibilidades de articulação entre os dois campos, será neles que encontraremos os princípios para as metodologias de ensino de sociologia na educação básica. Neste artigo buscarei os elementos que possam fundamentar essas metodologias no próprio raciocínio das ciências sociais e nas perspectivas pedagógicas do século XX que disputam a estruturação do discurso pedagógico oficial e das práticas de ensino nas escolas. Parto do pressuposto que as práticas de formação de professores de sociologia nos cursos de ciências sociais e nas salas de aula da Educação Básica são capturadas pelo discurso pedagógico predominante e pelas teorias educacionais em disputa nos diferentes momentos da história da educação. Além disso, a formação do professor e das suas práticas na educação básica dependem da compreensão de ciências sociais/ sociologia da agência formadora, do campo das ciências sociais e do campo da educação sobre a pertinência do ensino de sociologia nas escolas. Essa compreensão é materializada no modo como a disciplina é ou não inserida nos currículos. Em suma: a consolidação das metodologias de ensino de sociologia depende por um lado, de fatores ligados à constituição do campo escolar, ou seja de como o sistema de ensino está organizado e estruturado em termos de condições de trabalho pedagógico e da concepção de escola e de currículo e, por outro lado, de fatores ligados à constituição do campo das ciências sociais que informam os conteúdos a serem selecionados no campo escolar. O conceito de Educação Básica da LDB de 1996 incorpora todos os níveis desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, ou seja, abarca a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, devendo atender os indivíduos de 0 a 17 anos de idade. Embora já existam experiências de ensino de sociologia na educação infantil e no ensino fundamental, como é o caso de Cariacica-ES, Maranhão e Pará, temos mais elementos para tratar da sociologia no ensino médio. As poucas reflexões disponíveis referem-se ao ensino médio e as minhas práticas também estão focadas nesse nível da educação básica. Neste artigo
44 discutirei mais sobre essas reflexões e práticas construídas no estágio curricular de sociologia nas escolas secundárias.
I. Concepções e condições objetivas gerais que determinam as metodologias de ensino. As escolhas metodológicas do ensino em geral e do ensino de sociologia em particular dependem do modo como a escola está organizada, como o trabalho docente se estrutura, como os docentes são contratados, como esses docentes compreendem a função da escola, como pensam a infância e juventude no contexto atual e como estruturam suas aulas. Assim, as duas grandes linhas pedagógicas denominadas de Pedagogias Diretivas e Pedagogias Não Diretivas serão materializadas em suas diferentes matizes a partir das concepções oficiais, das práticas reais dos professores e de suas condições objetivas para organização do trabalho pedagógico na escola. Quando perguntamos para os professores sobre qual o papel da escola e de sua disciplina tem sido comum obtermos a resposta: “educar para a cidadania”. Como corolário aparecem outras frases como: “educar para a vida”, “educar para o trabalho”, “ensinar valores”, entre outras. Essas metas gerais ainda não informam como os professores ensinam de fato. Mas, indicam orientações teóricas e pressupostos políticos. Qual a diferença entre afirmarmos que “a escola educa o cidadão”, “prepara para a vida”, “desenvolve o aprender a aprender”
e que “a escola socializa os conteúdos/saberes
produzidos ao longo da história pela humanidade”, “a escola prepara para a democracia e para o trabalho” ? Qual a diferença entre as afirmações que o professor deve ser um orientador, motivador dos processos de aprendizagem e que o professor deve ensinar os conteúdos? Qual a diferença entre as compreensões implícitas nas afirmações sobre como as crianças e jovens aprendem, “guiados pelos professores com autoridade e disciplina”, “ a partir da mediação do professor respeitando as fases de maturação dos alunos”, “aprendem por si mesmos, com ajuda do professor (um motivador)”? Note-se que há nessas pequenas frases ligações com as grandes correntes pedagógicas que se desenvolveram no século XX: encontramos nelas as vozes da Escola Nova, da psicologia e pedagogia histórico-crítica, de Piaget, ou, do liberalismo, construtivismo de Vigotski e o de Piaget, do materialismo histórico, entre outras vertentes que moldaram os discursos e práticas pedagógicas desde os anos de 1920.
45 Nesses textos que circulam no campo da educação encontramos as perspectivas liberais marcadas pela Escola Nova, que tendem a defender a não diretividade no ensino e criticam sobretudo o ato de ensinar, difundindo a idéia de que os jovens e crianças aprendem muito mais sozinhos do que com os professores. Não terei como desenvolver essas teorias aqui e suas conseqüências para a educação e para o ensino de sociologia. Apenas indicarei que essas perspectivas evoluiram para os currículos elaborados após a LDB de 1996, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das Diretrizes Curriculares Nacionais que reelaboraram as propostas da Escola Nova e podemos sintetizar nas palavras de ordem que se disseminaram no senso comum pedagógico da década de 1990 em diante:os alunos devem “aprender a aprender”, os currículos devem ser flexíveis e organizados por módulos ou temas, os
professores devem ser animadores, motivadores, os conteúdos são indicados pelos alunos e pelo mercado e sociedade tecnológica. As conseqüências para a organização das escolas, currículos, formas de contratação de professores e para a constituição da sociologia como disciplina e/ou conteúdos são sentidas até hoje e já podemos visualizar que a escola do “aprender a aprender” ajudou a esvaziar o sentido e a função do professor, das disciplinas e da própria escola. Precisamos lembrar que organizar currículos baseados na noção de competência exige muito investimento, são currículos que custam caro, pois necessitam de salas com poucos alunos e muitos professores com disponibilidade de tempo para reuniões, trabalhos em grupos e produção de materiais. Tais currículos desenvolvidos em escolas técnicas e no ensino superior produzem efeitos interessantes no envolvimento do aluno e da potencialização de sua autonomia intelectual. Contudo, no Brasil disseminou-se esse “modelo” em cima de condições objetivas que só foram deterioradas após 1970: formação de professores aligeirada, escolas sem infraestrutura, professores pessimamente remunerados, crise social e econômica agravada que afetou o sentido da escola como garantia de acesso aos empregos. Enfim, a sociologia começa a retornar para as escolas de ensino fundamental e médio nessas condições objetivas e com essas orientações pedagógicas mencionadas acima, calcadas nas pedagogias não diretivas, na noção de competências e na crítica às disciplinas e à formação de professores especialistas. É nesse contexto que estamos tentando construir a disciplina sociologia, criando orientações para o seu ensino, buscando recursos teóricos e práticos, lutando pelas condições de trabalho, de formação de professores nos cursos de ciências sociais e tentando criar espaços como esses (IENSOC) em que possamos discutir e adensar nossas práticas de ensino de sociologia. Assim, o que discuto na seqüência são elaborações provisórias que poderemos problematizar
46 no debate. Apresento como estou pensando asmetodologias e já me posicionando diante das correntes pedagógicas que mencionei anteriormente.
II. Concepções e condições objetivas específicas que orientam as escolhas metodológicas de ensino de sociologia Pensar em maneiras de ensinar a sociologia nos remete às reflexões epistemológicas da nossa ciência de referência: O que é a “imaginação” sociológica? O que é o “raciocínio” sociológico? Como podemos desenvolver com os alunos a “imaginação”, o “raciocínio”, as “formas de pensar” sociologicamente? O que é “sociologia” ou os “modos de pensar” sociologicamente? Esses temas foram tratados com esses títulos por dois sociólogos.A imaginação
Sociológica é título do livro, publicado pela primeira vez em 1959, pelo sociólogo norteamericano Wright Mills. O Raciocínio Sociológico é titulo do livro, publicado em 1991, pelo sociólogo francês Jean-Claude Passeron18. Evidentemente, o problema do que seria o
pensamento sociológico é recorrente em todos os pensadores clássicos e contemporâneos, dos diferentes países e do Brasil, sendo apresentado com diferentes títulos, em várias publicações19. O meu objetivo, aqui, não é o de fazer um balanço sobre essa discussão de forma a mapeá-la com rigor sociológico e filosófico. Em outra oportunidade, poderíamos aprofundar o debate sobre esses estudos e sobre essa temática tão necessária para a construção de pressupostos epistemológicos e metodológicos do ensino de sociologia. Parto desses títulos, porque eles são sugestivos para pensarmos o ensino da disciplina sociologia em nossas escolas. Ajudam a refletir sobre o ensino de sociologia para os adolescentes, os jovens e alguns adultos que retornam ao ensino médio. Talvez ajude, ainda, a 18
Utilizo aqui as edições em português: MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica. 4.a ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. PASSERON, Jean-Claude. O Raciocínio Sociológico: o espaço não-popperiano do raciocínio natural. Tradução de Beatriz Sidou. Petrópolis: Vozes, 1995. 19 Sem pretender ser exaustiva, cito alguns exemplos de publicações em que se pode encontrar essas discussões: PIAGET, Jean. A Livraria SituaçãoBertrand, das Ciências doHABERMAS, Homem no Sistema das Ciências Tradução IsabelTecnos, Cardigos1996; dos Reis. Lisboa: 1971; J. La Lógica de las (Volume1). ciencias sociales. 3ª ed.deMadri: FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 4.ª ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980.; BOURDIEU, P; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, J-C. A Profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999; BOURDIEU, Pierre. Método Científico e Hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA. M. A; CATANI, A. (Orgs). Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p.33-38; DAHRENDORF, R. Sociedad y Sociologia: la ilustracion aplicada .Tradução por Jose Belloch Zimmermann. Madrid, Editorial Tecnos, 1966; IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia. São Paulo, Ática, 1989.; BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis, RJ: Vozes, 1978.; BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.
47 indagar sobre o ensino de sociologia nos primeiros anos dos cursos superiores, em que encontramos jovens e adultos, que não foram iniciados em nossa ciência de referência. Os pressupostos teóricos e metodológicos para o ensino de sociologia devem ser buscados no acúmulo de elaborações da ciência, ou seja, nesses cento e cinqüenta anos (mais ou menos) de construção da sociologia, o volume de pesquisas e teorias produzidas criaram lógicas e formas de pensar os fenômenos sociais que nos informam sobre os modos de pensar sociologicamente. Vários temas foram trabalhados por grandes pensadores, que se tornaram clássicos e que são recorrentes nas pesquisas contemporâneas. é aí que devemos buscar nossos pressupostos de ensino. Tais pressupostos orientam a seleção dos conteúdos e a criação dos métodos de ensino. O oficio de professor é parecido com o oficio do artesão que aprende os conhecimentos com os mestres de ofício, mas vai criando suas técnicas ao longo de sua vida. a base do oficio é o saber, são os saberes elaborados historicamente sobre a arte, e nosso caso, sobre a ciência. As técnicas nascem das necessidades contemporâneas e do saber acumulado e apropriado pelo artesão e pelo professor. Dessa forma, não temos motivos para ficarmos totalmente perdidos, desorientados e sem saber por onde começar o ensino de sociologia nas escolas. Temos que nos concentrar em duas dimensões da nossa tarefa: o saber acumulado da sociologia e as necessidades contemporâneas da juventude, da escola, do ensino médio e dos fenômenos sociais mais amplos. Do saber acumulado, definimos princípios lógicos do raciocínio e da imaginação sociológica. Das necessidades contemporâneas, definimos modos de ensinar, técnicas de criação de vínculos da sociologia com os alunos. Como a sociologia é uma ciência da modernidade e é relativamente nova em relação às outras, o saber acumulado sobre os mais variados fenômenos sociais é novo, não é de todo superado. Mesmo os estudos dos clássicos, como os de Marx, Durkheim e Weber, guardam alguma atualidade e vínculos com as necessidades contemporâneas de compreensão da realidade. Evidentemente, que há milhares de novos estudos que tentam acompanhar as mudanças rápidas e constantes do mundo moderno e, talvez isso, aumente nossa ansiedade quando vamos definir programas, conteúdos e metodologias de ensino. Entretanto, no debate coletivo, com nossos pares, professores do ensino médio e do ensino superior, poderemos, pouco a pouco, ir percebendo que é possível definir princípios partindo da ciência de referência, tendo como parâmetro nossas experiências de ensino. o que já conseguimos ensinar? Como ensinamos determinados conteúdos? Quais técnicas de ensino criamos? Como os alunos conseguiram aprender? Como medimos essa aprendizagem?
48 Assim como há um acúmulo de conhecimentos na sociologia que pode nos orientar sobre o ensino, há também um acúmulo sobre como ensinar em geral e como ensinar sociologia em particular. É verdade que há um descompasso nesses acúmulos. A constituição da sociologia como ciência está mais avançada, há mais pesquisas, métodos de investigação, reflexões sobre teorias e metodologias. A sociologia como disciplina escolar é, ainda, incipiente, não está totalmente constituída, consolidada e com um lugar definido nos currículos das escolas. Dessa forma, existem menos reflexões, estudos e experiências sobre o ensino de sociologia. Estamos numa fase em que temos que estruturar essa dimensão da nossa ciência, a dimensão didática, pedagógica e de reprodução dos conhecimentos científicos nos níveis mais básicos da formação humana nas escolas. Proponho um exercício que poderá nos aproximar do que seria ensinar sociologia, desenvolvendo a imaginação sociológica ou o raciocínio sociológico nos alunos do Ensino Médio. Parte dessas propostas desenvolvi em cursos que ministrei no antigo 2.º grau, na habilitação de magistério, na primeira série do curso de pedagogia, em minicursos com alunos do ensino médio na UEL, entre outras experiências de ensino. Esclareço que a minha concepção de ensino, ou do que é o ato de ensinar, funda-se numa visão positiva: ensinar é uma atividade dapráxis humana, que garante a produção e a reprodução da sociedade e da história. Ensinar não é apenas uma atividade técnica circunscrita na escola, mas é uma ação política que visa a transformação dos alunos. Educar e ensinar são processos de conflitos, de desestabilizações e deconstrangimentos. Não saímos do mesmo jeito que entramos nos processos de ensino-aprendizagem. Esse processo é histórico e deve ser baseado no acúmulo de saber que também é histórico. Ensinar sociologia é uma atividade embasada nos mais de cento e cinqüenta anos de história dessa ciência, nas necessidades contemporâneas e nas condições sociais. Nosso ponto de partida é o acúmulo da ciência e o papel do ensino médio no processo de construção do tipo de homem e de sociedade que desejamos forjar. Ao fazer esse esclarecimento estou me posicionando no debate sobre as pedagogias diretivas e não diretivas, sobre concepções de currículos, de escola e de formação humana. Isso significa que para definir as metodologias de ensino de sociologia nós precisamos dialogar com essas teorias que disputam hegemonia e que aparecem e desaparecem dos documentos oficiais que regulamentam a educação básica. Ao inserir a sociologia nos currículos da educação básica nós também entramos nesses debates e disputas curriculares e de formação humana que passam por grandes linhas e princípios que resumirei de forma simplificada nesta exposição.
49 No campo oficial de recontextualização pedagógica, no MEC e secretarias de estado de educação, observamos a produção de diretrizes e de orientações que criticam os parâmetros curriculares nacionais do ensino médio - PCNEM (1999) e as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio - DCNEM (1998). As orientações curriculares nacionais do ensino médio – OCNEM de 2006 demarcam que o ensino de sociologia é disciplinar e tem dois eixos principais em termos de categorias chave da ciência de referência: o estranhamento e a desnaturalização. os alunos precisam aprender sociologia para desenvolverem uma postura intelectual autônoma diante dos fenômenos sociais em geral. No processo de elaboração das OCNs seus autores fizeram críticas às DCNEM que tratavam a sociologia como tema transversal e não como disciplina. o prof. Amaury Moraes elaborou um parecer que condensa as críticas à perspectiva pedagógica dominante nos anos de 1990. Note-se que ao entrarmos nesse campo fomos obrigados a nos posicionar sobre concepções de currículos e de ensino. Em cada estado há um processo de elaboração de diretrizes para o ensino de sociologia desde a década de 1980, mas já saíram várias propostas, como as do distrito federal de 2001 e as de Santa Catarina de 1998. No Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná temos a publicação recente de novas propostas (de 2006 em diante). Não analisei todas elas com cuidado, com exceção das propostas do Paraná que acompanho desde os anos de 1980. Na proposta do Paraná de 2006, há uma orientação pedagógica explícita: a pedagogia histórico-crítica. Essa visão perpassa todas as disciplinas, nas diretrizes especiais de cada área, no livro didático público escrito pelos professores e outros textos oficiais da SEED-PR. Nas minhas aulas de metodologia de ensino de sociologia na UEL e nos projetos de extensão que coordeno e participo temos buscado experimentar essas perspectivas, mesmo antes delas se tornarem oficiais (durante o governo de Jaime Lerner /1995-2002, o direcionamento era claramente empresarial e a noção de competências capturada pela idéia de qualidade total) nós já discutíamos com os professores uma proposta calcada na nossa ciência de referência (especialmente na sociologia crítica), portanto, desde os anos de 1990 “defendemos” o currículo científico, baseado nas disciplinas, na perspectiva pedagógica construtivista de Vigotski e histórico-crítica de Saviani. esses pressupostos podem ser operacionalizados a partir da organização dosconteúdos
estruturantes e conteúdos específicos, pensando em propostas de unidades e aulas no formato indicado por João Luiz Gasparin, no livro “Uma didática para a pedagogia históricocrítica”. Desenvolverei de maneira sumária essas propostas.
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Os conteúdos estruturantes são os saberes que identificam o campo de estudos de uma disciplina e que, a partir de seus desdobramentos em conteúdos pontuais, garantem a abordagem de seu objeto de estudo/ensino, em sua totalidade e complexidade. Estes saberes surgiram e foram delimitando o campo de estudos das disciplinas ao longo da constituição histórica das mesmas. [...] conteúdos estruturantes [são] capazes de estender cobertura explicativa uma gama são, de portanto, fenômenosinstâncias sociais inter-relacionados. Conteúdos aestruturantes conceituais que remetem à reconstrução da realidade e às suas implicações lógicas. São estruturantes os conteúdos que identificam grandes campos de estudos, onde as categorias conceituais básicas da Sociologia, – ação social, relação social, estrutura social e outras elegidas como unidades de análise pelos teóricos – fundamentam a explicação científica. Na afirmação de Marx (1977), as categorias simples são síntese de múltiplas determinações (PARANÁ, 2008, p.39, grifos meus). . Existem lógicas e modos de raciocinar sobre os fenômenos que são intrínsecos ao pensamento sociológico construído a partir de categorias que poderão perpassar o estudo dos conteúdos específicos ou das temáticas selecionadas pelos professores e alunos, dessa forma:
Os conteúdos estruturantes não se confundem com listas de temas e conceitos encadeados de forma rígida, mas constituem apoios conceituais, históricos e contextualizados, que norteiam professores e alunos – sujeitos da educação escolar e da prática social – na seleção, organização e problematização dos conteúdos específicos relacionados a necessidades locais e coletivas .(PARANÁ, 2008, p.40, grifos meus). Tais conteúdos são estruturantes porque fundamentam o estudo dos conteúdos e temas selecionados pelos professores e alunos, porque garantem a contextualização e o vínculo com a ciência, permitindo que os alunos se apropriem dos conceitos e categorias centrais que lhes servirão como instrumentos de apreensão da realidade social em toda sua vida, ou seja, o fará um pensador autônomo capaz de analisar qualquer fenômeno social de maneira mais rigorosa. São estruturantes os conteúdos que estabelecem essa ponte entre o local e o global, o individual e o coletivo, a teoria e a realidade empírica, mantendo a idéia de totalidade e das inter-relações que constituem a sociedade. Para discutir, por exemplo, problemas como cidadania, inclusão/exclusão sociais, desemprego, reforma violênciaagrária, urbana e no campo, segurança, consumo, individualismo, educação, saúde, a Sociologia crítica articula-os a fenômenos mais amplos e estruturais: a mundialização da economia, as condições do capitalismo transnacional, o superdimensionamento do mercado, o Estado neoliberal, o mercantilismo nas relações sociais, os conflitos étnico-raciais, a cultura de massa, os estilos de vida individualista e consumista.(PARANÁ, 2008, p.40, grifos meus).
51 Dessa forma, os alunos guardarão consigo não apenas uma lista de temas e conceitos proferidos nas aulas de sociologia, mas aprenderá a compreendê-los em suas múltiplas interrelações e em sua complexidade, conseguindo pensar a partir da lógica e do raciocínio tipicamente sociológicos. Os alunos aprenderiam a pensar a realidade com métodos, a partir das mediações necessárias para a observação e análise. Esse seria o principal objetivo no ensino de sociologia: garantir o desenvolvimento de uma postura intelectual diante da vida social e das práticas sociais em que estão inseridos. A definição dos conteúdos estruturantes deve acontecer em debates e reflexões entre os professores de sociologia das escolas e universidades, equipes das secretarias de educação e agentes interessados. Mas, como forma de ilustração apresento a proposta do estado Paraná, construída desde 2003 e finalizada provisoriamente em 2007. Nas diretrizes curriculares de sociologia do Paraná sugerem-se os seguintes conteúdos estruturantes:
O Surgimento da sociologia e teorias sociológicas O processo de socialização e as instituições sociais A cultura e a indústria cultural Trabalho, produção e classes sociais Poder, política e ideologia
Direitos, cidadania e movimentos sociais No processo de implantação dessas diretrizes, foram sendo elaborados textos didáticos disponibilizados no portal da educação, que serviram de ponta de partida para o livro didático público escrito por professores da rede estadual. Nesse livro sugerem- se listas de conteúdos
específicos para cada conteúdo ESTRUTURANTE:
O Surgimento da sociologia e teorias sociológicas •
•
Surgimento da sociologia As teorias sociológicas na compreensão do presente.
A produção sociológica brasileira O processo de socialização e as instituições sociais •
•
•
Instituição familiar Instituição escolar
Instituição religiosa A cultura e a indústria cultural •
•
•
Cultura ou culturas: uma contribuição antropológica. Diversidade cultural brasileira.
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Cultura: criação ou apropriação? Trabalho, produção e classes sociais. •
•
O processo de trabalho e a desigualdade social
Globalização. Poder, política e ideologia. •
•
•
•
•
Ideologia Formação do estado moderno. DIREITOS, CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS MOVIMENTOS SOCIAIS MOVIMENTOS AGRÁRIOS NO BRASIL
MOVIMENTO ESTUDANTIL Apresento essa experiência como uma possibilidade e não como um “modelo” já pronto e testado devidamente. Note-se que as escolhas dos conteúdos estruturantes e específicos são arbitrárias, porém buscam uma coerência metodológica e é isso que quero ressaltar. a importância de pensarmos os pressupostos teóricos que orientam a seleção dos conteúdos de sociologia. Como desdobramento metodológico nas aulas apresento a perspectiva pedagógica que •
incorpora a interdisciplinaridade e a contextualização como métodos e não como princípios organizadores dos currículos e dos conteúdos. Isso significa que a disciplina é a referência, mas não pode ser uma perspectiva narcisista, voltada só para si mesma e daí seria conteudista e estéril diante dos alunos. Se levarmos a sério o princípio de que as necessidades contemporâneas dos jovens devem ser problematizadas e incorporadas pelas práticas de ensino, poderemos superar esse risco de tornarmos a sociologia mais uma coleção de conceitos e temas deslocados da realidade. Assim, compreendemos que: a interdisciplinaridade pressupõe a existência das disciplinas escolares; as disciplinas são constructos históricos, produto da maneira pela qual o conhecimento é produzido; as disciplinas constituem-se como campos do conhecimento – científico, artístico e filosófico. E, por isso, ela busca a integração entre ossaberes a partir de novas maneiras de se trabalhar os conteúdos curriculares ; quer a aproximação das disciplinas e seus referenciais conceituais para a explicação de um determinado conteúdo; quer ampliar o conhecimento do aluno sobre aquele conteúdo e lança um olhar político sobre a sociedade, sobre a educação, sobre o currículo e sobre as disciplinas.
53 Nesse sentido, a pedagogia histórico-crítica traz uma contribuição para os procedimentos didáticos que sejam coerentes com essas concepções de currículo e de conhecimento. Gasparin (2002) propõe que os planos de unidade e de aulas sigam os seguintes passos:
1. PRÁTICA SOCIAL INICIAL DO CONTEÚDO 1.1. Conteúdo 1.1. Vivência cotidiana do conteúdo a) O que os alunos já sabem sobre o conteúdo b) O que os alunos gostariam de saber a mais 2. PROBLEMATIZAÇÃO 2.1. Discussão sobre problemas significativos 2.2. Dimensões do conteúdo a serem trabalhadas Conceitual/ cientifica Histórica Econômica Social Política Legal Ideológica Filosófica Religiosa Ética • • • • • • • • • •
3. INSTRUMENTALIZAÇÃO 3.1. Ações didático-pedagógicas 3.2. Recursos Humanos e materiais 4. CATARSE 4.1. Síntese Mental do aluno 4.2. Expressão da síntese 5. PRÁTICA SOCIAL FINAL 5.1. Nova postura prática 5.2. Ações dos alunos A Prática Social Inicial consiste no primeiro passo do diálogo que o professor mediará entre os alunos e os conhecimentos, pois nessa fase o professor deve buscar compreender as práticas sociais dos sujeitos do conhecimento, os alunos. Assim, o professor informa sobre os objetivos dos conteúdos a serem trabalhados e inicia a contextualização dos conteúdos, identificando o que os alunos já sabem sobre os temas e o que eles gostariam de saber mais. É a fase primordial de mobilização dos jovens para a aprendizagem e construção do conhecimento. Pode-se utilizar recursos e materiais motivadores (elementos sedutores), como jornais, revistas, livros, filmes, slides, dinâmicas, entre outros. Nesse momento é importante
54 anotar registrar o estado de compreensão e de conhecimento dos alunos sobre o conteúdo. Concomitante a isso verificar o que os alunos gostariam de saber, quais suas dúvidas e questionamentos, pois elas desafiarão os professores e os alunos a ultrapasar o cotidiano, o imediato, o aparente. A Problematização é o segundo passo em que se inicia o trabalho com o conteúdo sistematizado, é o momento da transição entre a prática e a teoria, entre o fazer cotidiano e o conhecimento elaborado. Na srcem de todo conhecimento está colocado um problema, oriundo de uma necessidade e o processo de busca para solucionar as questões em estudo é o caminho que predispõe o espírito do educando para a aprendizagem significativa, quando se levantam situações problemas que estimulam o raciocínio. O professor deverá fazer o questionamento da prática social e do conteúdo escolar, encaminhando a discussão no sentido de torná-la mais compreensível para o aluno. Identifica os principais problemas sociais postos pela prática social inicial e os problemas colocados pelo próprio conteúdo (teóricos e conceituais). Nesse momento discute-se as razões pelas quais os estudantes devem aprender o conteúdo, não por si mesmo, mas pelas necessidades sociais. Dessa forma, elabora uma série de questões voltadas para as diferentes dimensões do objeto proposto, garantindo que método incorpore a interdisciplinaridade, pois buscará dialogar com as várias dimensões estudadas por diferentes áreas do conhecimento. Aqui, os estudantes devem estar mobilizados pelos conteúdos contextualizados e, portanto, problematizados. Dessa primeira visão, partindo para a Instrumentalização, o professor trabalhará para “confrontar os sujeitos da aprendizagem -alunos-, com o objeto sistematizado do conhecimento – o conteúdo (GASPARIN, 2002, p.51).” Como mediador social do conhecimento científico, o professor deverá preparar cuidadosamente os conteúdos conectados à realidade social dosalunos e aos conhecimentos científicos do objeto de estudo das aulas. Deverá manter os alunos mobilizados diante dos problemas levantados e para isso terá que indicar caminhos, posicionar-se diante dos conteúdos, sendo fiel ao campo científico e ao acúmulo de saberes existente até o momento das aulas. Nessa fase, o professor procederá a análise e definirá para cada conteúdo, as categorias, as dimensões a serem trabalhadas, as ações e os recursos. Tudo isso deverá estar em níveis que desafiem os alunos para além da
prática social inicial e da problematização. Do ponto vista prático, pode-se elaborar quadros definindo claramente as ações do professor e as ações dos alunos nessa fase de análise, de aproximação e apreensão da realidade e dos conteúdos. Como forma de avaliação do que foi possível apreender e elaborar pelo aluno diante das três primeiras fases da unidade, torna-se fundamental desafiar o aluno a elaborar sínteses. “A
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Catarse consiste na operação de síntese do cotidiano e do científico, do teórico e doprático a que o educando chegou, marcando sua nova posição em relação ao conteúdo e àforma de sua construção social e sua reconstrução na escola. É a expressão teórica dessa postura mental do aluno que evidencia a elaboração da totalidade concreta em grau intelectual mais elevado de compreensão. Significa, outrossim, a conclusão, o resumo que ele faz do conteúdo aprendido recentemente. É o novo ponto teórico de chegada; a manifestação do novo conceito adquirido (GASPARIN, 2002, p.128).” Isso se manifestará em redações, dissertações, elaborações de tabelas, gráficos, pesquisas e resultados, elaboração de novos problemas e questões (teorizados), cartazes, maquetes, dramatizações, experimentos, entre outros. “A Prática Social Final é a nova maneira de compreender a realidade e de posicionar-se nela, não apenas em relação ao fenômeno, mas à essência do real, do concreto. É a manifestação da nova postura prática, da nova atitude, da nova visão do conteúdo no cotidiano. É, ao mesmo tempo, o momento da ação consciente, na perspectiva da transformação social, retornando à Prática Social Inicial, agora modificada pela aprendizagem (GASPARIN, 2002,147).” Nessa fase seria interessante debater as intenções e propostas de ações dos alunos e professores diante dos fenômenos estudados. Tendo passado por um processo de síncrese, análise e síntese, será possível identificar as novas visões e disposições diante da realidade social, lida a partir dos conhecimentos científicos. Como já afirmei anteriormente, temos pontos de partidas para fundamentação das metodologias de ensino de sociologia, contudo ainda estamos formulando nossa tradição pedagógica específica, identificada com nosso campo científico e por isso minhas reflexões são provisórias e limitadas, mas expostas às críticas e contribuições poderei continuar problematizando e realizando novas sínteses. Neste artigo não há espaço para pormenorizar os passos da proposta didática da pedagogia histórico-crítica e nem para aprofundar as teorias do conhecimento que a sustentam. Como ilustração de um plano de unidade com uma temática da sociologia, anexei um exemplo elaborado para meus alunos no curso de metodologia de ensino de sociologia que ministro na UEL. Para finalizar ressalto que essa proposta pedagógica é interessante porque o método é um método que também influenciou a constituição do raciocínio ou da imaginação sociológica. Assim, ao operarmos a partir dele estamos, ao mesmo tempo, buscando desenvolver os conteúdos necessários para a imaginação sociológica dos alunos e exercitando nossa própria imaginação sociológica.
56 REFERÊNCIAS ALVAREZ, Marcos César; TOMAZI, Nelson D. Individuo e Sociedade. In: TOMAZI, Nelson D. (coord.). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 1993, p.11-36
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OBJETIVOS ESPECÍFICOS Conhecer as srcens do capitalismo e das formas de organizar a produção desde o início da Revolução Industrial, no século XIX até os dias atuais. Identificar as diversas formas de controle do tempo de trabalho e de regulação da acumulação capitalista, destacando-se: o taylorismo, o fordismo e o toytismo. •
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Verificar como se deu a organização do trabalho sob o capitalismo no Brasil, identificando suas especificidades, ou seja, como a lógica de acumulação se desenvolveu a partir do fim da escravidão em 1888 até os dias atuais, tempos de desregulamentação e mundialização do capital. Compreender como as formas de trabalhar condicionam as formas de sociabilidade, a cultura e a política.
1. PRÁTICA SOCIAL INICIAL DO CONTEÚDO 1.1. Conteúdo O Trabalho na Sociedade Capitalista Origens da divisão do trabalho no início do capitalismo: do trabalho manufaturado ao maquinofaturado. A divisão do Trabalho no capitalismo e as conseqüências sociais: solidariedade orgânica (harmonia funcional), a alienação (exploração, espoliação e estranhamento) e a racionalização das esferas sociais (autonomia e burocracia). Os princípios de controle da produção nos contextos internacionais: taylorismo e fordismo; toyotismo • •
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trabalho no Brasil: escravidão aos tempos de acumulação flexível 1.1. O Vivência cotidiana doda conteúdo a) O que os alunos já sabem sobre o conteúdo Salário, riqueza, patrão, empregado, empresas, desemprego, direitos trabalhistas, sindicatos, operários, exploração, pobreza, funções, profissões, dinheiro, status, divisão das tarefas, lucro, greves, injustiça, tempo de trabalho, juventude sem trabalho, renda baixa, tecnologias, desemprego tecnológico, máquinas ocupam os lugares dos homens, trabalhadores, etc. b) O que os alunos gostariam de saber a mais Como surgiu o salário e o lucro? O que é propriedade privada dos meios de produção? O que são os meios de produção? Como surgiu a divisão social do trabalho? O que os estudos da Sociologia ensinam sobre as conseqüências sociais das formas de organizar a produção no capitalismo? O que é a regulação e o controle dos trabalhadores? Porque existe o desemprego? O que acontecia no Brasil no momento da Revolução Industrial na Inglaterra e nos EUA dos anos de 1890? Por que a escravidão durou tanto tempo no Brasil e qual sua relação com a organização do trabalho no capitalismo contemporâneo? Entre outras... 2. PROBLEMATIZAÇÃO 2.1. Discussão sobre problemas significativos da organização da produção no capitalismo Como surge o trabalho assalariado? O que é propriedade privada? O que são meios de produção? Como se forma o lucro? O lucro se realiza no momento da venda dos produtos ou no momento da produção? Como se deu a divisão do trabalho no início do capitalismo na Inglaterra e nos EUA? O que acontecia no Brasil nessa mesma época, século XIX? Qual o papel do Brasil e de outros países colonizados no processo de acumulação capitalista internacional? Como a divisão do trabalho ocorreu no Brasil no início do século XX? Como a sociedade se organiza em termos de hierarquia e de instituições a partir da divisão do trabalho nos moldes capitalistas? Como as instituições sociais são organizadas, tais como a família, o Estado, a escola, as religiões, os partidos políticos, os sindicatos, entre outras? Quais as principais mudanças nas formas de controlar o tempo de trabalho, nas formas de organizar a produção e na própria dinâmica da divisão do trabalho a partir da década de 1970 até os dias atuais? Como essas mudanças se refletem em nosso cotidiano? Como afetam as formas de socialização e sociabilidade? 2.2. Dimensões do conteúdo a serem trabalhadas Conceitual/ cientifica: O que é Trabalho? Como está organizado no capitalismo? (clássicos) Histórica: Origens da divisão social do trabalho sob a lógica da acumulação de capital Econômica: como se dá a acumulação de capital? A mais-valia, a exploração, a divisão das tarefas e a expropriação do saber do trabalhador; a riqueza e a pobreza. Social: A vida dos trabalhadores; como é viver com salários? Como é a vida dos sem trabalho? Como é a vida dos diferentes estratos de assalariados? As desigualdades entre os modos de vida. Política: As formas de organização dos trabalhadores; as formas de regulação dos trabalhadores (empresários e Estado); as formas de resistência dos trabalhadores à exploração intensificada; o confronto entre capital e trabalho e as repostas institucionais via Estado e empresas. Legal: as legislações trabalhistas, os direitos sociais, os serviços públicos, a proteção ao direito de propriedade privada dos meios de produção. Ideológica: os mecanismos de justificação e legitimação da acumulação, as ideologias das lutas dos • • •
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trabalhadores contraposição capital, socialismo, o anarquismo, a social-democracia, Filosófica: Queemtipo de homem ao surge das orelações capitalistas? O que é a alienação do etc ser genérico e onmilateral? (Marx) Religiosa: Como as diferentes igrejas e religiões desenvolveram idéias favoráveis ou desfavoráveis ao capitalismo (Weber) Ética: Quais os princípios éticos que orientam os capitalistas e os trabalhadores?
3. INSTRUMENTALIZAÇÃO 3.1. Ações didático-pedagógicas Exposição oral, debates, leituras, palestras, visitas a empresas, sindicatos, entrevistas com desempregados, levantamento da situação do trabalho no município, no bairro da escola... 3.2. Recursos Humanos e materiais
61 Filmes (Tempos Modernos, Pão e Rosas, Dan, um Grito de Liberdade, O homem que virou suco, etc ), jornais, revistas, TV, entrevistas, livros, legislação. 4. CATARSE 4.1. Síntese Mental do aluno O TRABALHO NO CAPITALISMO TORNA-SE UMA ATIVIDADE ALIENADA, POIS OS MEIOS DE PRODUÇÃO, TAIS COMO FÁBRICAS, TERRAS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO, SÃO DE PROPRIEDADE PRIVADA. ISSO RESULTA EM UMA ORGANIZAÇÃO SOCIAL BASEADA EM CLASSES SOCIAIS (TRABALHADORES E CAPITALISTAS). PARA EXTRAIR MAIS-VALIA DOS TRABALHADORES OS CAPITALISTAS INTENSIFICAM A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, PARCELANDO AS TAREFAS NA PRODUÇÃO, INCREMENTANDO A PRODUTIVIDADE COM NOVAS TECNOLOGIAS E SOFISTICANDO AS FORMAS DE CONTROLAR O TEMPO DE TRABALHO DOS ASSALARIADOS. OS ASSALARIADOS SE SUBMETEM A ESSE REGIME DE PRODUÇÃO PORQUE NÃO POSSUEM NADA, APENAS SUA FORÇA-DE-TRABALHO. NO BRASIL ESSA LÓGICA FOI SENDO IMPLANTADA A PARTIR DO FIM DO TRABALHO ESCRAVO O QUE DÁ CONTORNOS ESPECIAIS ÀS NOSSAS FORMAS DE EXPLORAÇÃO. 4.2. Expressão da síntese Dissertação sobre o tema englobando as várias dimensões trabalhadas. Relatório de Pesquisa realizada sobre uma das dimensões estudadas 5. PRÁTICA SOCIAL FINAL 5.1. Nova postura prática Compreender o trabalho e os problemas atuais do capitalismo Entender que as dificuldades econômicas das famílias, dos desempregados, dos empobrecidos não são problemas individuais, mas sim decorrentes de uma forma de organizar a produção, portanto são problemas coletivos e não de competências individuais. Analisar criticamente a organização do trabalho no Brasil identificando as especificidades das nossas formas de exploração Conhecer e valorizar os direitos trabalhistas, atualmente muito criticados pelos líderes políticos e pelos empresários. • •
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5.2. Ações dos alunos Pesquisa sobre a realidade do trabalho em seu bairro e/ou município. Leituras sobre o assunto Ler e estudar os principais textos sobre o trabalho no capitalismo e sobre o trabalho no Brasil Visitas aos sindicatos de diferentes categorias e entrevistas com líderes trabalhistas Verificar na sua pesquisa sobre a realidade local em que medida convivem as três principais formas de regulação do trabalho, ou seja, aspectos do taylorismo, do fordismo e do toytismo na organização do trabalho nas empresas investigadas. OBS: Esse exercício seguindo esses passos deverá ser feito para cada conteúdo listado. No caso aqui listei quatro, então na seqüência deveria indicar os passos para cada conteúdo, o que seriam os planos de aulas.
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Sociologia, Politecnia e Cidadania: contribuições para a formação no Ensino Médio20 Valéria Fernandes de Carvalho Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/FIOCRUZ [email protected]
Introdução:
O presente trabalho apresenta reflexões acerca dos subsídios da Sociologia, na perspectiva da politecnia, para o domínio e desenvolvimento de conhecimentos que potencializem o exercício e a conquista efetiva da cidadania. Estas reflexões têm srcem na experiência desenvolvida junto às turmas do 1º ano do 21. ensino média da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) 22 Os fundamentos, assim como, a finalidade do processo educativo desta escola 23 objetivam empreender na formação de seus alunos uma análise científica da sociedade, a incorporação e a valorização do conhecimento e saber dos trabalhadores em saúde, no sentido da compreensão e transformação dos seus fenômenos, processos e relações sociais. Em 2008 a escola integrou a disciplina de Sociologia em seu currículo. O trabalho em tela objetiva apresentar algumas relações estabelecidas entre a 24 politecnia e a sociologia no processo de formação integrada . No primeiro momento estabeleço estas relações, principalmente, no que diz respeito à busca pela compreensão global Em seguida, através de relato,noapresento resultados teóricosdoeprocesso práticos de do trabalho. esforço desenvolvido até o momento trabalho alguns de pesquisa.
1. A sociologia na perspectiva da educação politécnica: A pesquisa que estou desenvolvendo tem como uma das questões de investigação, a análise acerca das perspectivas sociológicas em uma escola que tem o trabalho como 20
Este trabalho faz parte da pesquisa “As contribuições da sociologia para a formação politécnica dos estudantes da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)”, orientada por Anita Handfas (professora-doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desenvolvida através do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino Técnico (PAETEC). Como bolsista PAETEC, atuo como professorapesquisadora da EPSJV, ministrando aulas para os alunos do ensino médio desta escola. 21 A EPSJV é uma unidade técnico-científica da Fiocruz. Anualmente, através de processo seletivo, oferece 100 vagas nos cursos de Educação Profissional Técnica integrada ao Nível Médio na área da Saúde, distribuídas pelas Habilitações Técnicas de Laboratório em Biodiagnóstico em Saúde, Vigilância em Saúde e Gestão em Serviços de Saúde. Os cursos têm duração mínima de três anos, conferindo diploma de técnico nas respectivas habilitações e de conclusão do ensino médio. 22 Expostos no Projeto Político Pedagógico (2005:7) 23 FRIGOTTO et al (s/d) define Ciência como: “conhecimentos produzidos e legitimados socialmente ao longo da história, como resultados de um processo empreendido pela humanidade na busca da compreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais (p.20)”. 24 “A idéia de formação sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de execução e a ação de pensar, dirigir e planejar (p.85)” (CIAVATTA, 2005).
63 princípio educativo. Na primeira etapa da pesquisa dediquei-me aos estudos dos fundamentos desta concepção de educação, com o objetivo de compreender os subsídios da sociologia para o desenvolvimento da formação integral. Entre as leituras realizadas, Rodrigues (1998, 2006) foi um dos autores que me ajudou a ter um panorama mais geral sobre o debate acerca do tema da politecnia. Com o intuito de facilitar o acesso dos educadores a este debate, Rodrigues constrói uma rede conceitual para tentar expressar “o mais completamente possível o conceito de politecnia” (idem: 21). O autor monta esta rede a partir de três eixos fundamentais 25: a dimensão infraestrutural - relacionada aos aspectos do mundo do trabalho, especificamente aos processos de trabalho sob a organização capitalista; a dimensão utópica - relacionada ao vínculo entre essa concepção de formação humana e um projeto mais amplo de sociedade e; a dimensão pedagógica - relacionada à busca por estratégias que permitam uma prática educativa que já comece a caminhar na construção da educação politécnica26. No que diz respeito à dimensão infra-estrutural fica evidente a centralidade dada à necessidade de se desenvolver a capacidade da compreensão global do processo de trabalho27, com o intuito de caminhar para a ruptura da dualidade: saber prático/saber científico, produzida pelo desenvolvimento histórico-social do capitalismo, entendendo-a como passo importante para o aprofundamento da compreensão da realidade, e, a partir desta, o desenvolvimento da consciência crítica e a ampliação da capacidade de intervenção política28. Tendo em vista estas dimensões, destacarei dois pontos a partir da experiência realizada no 2º trimestre com as turmas do 1º ano do ensino médio da EPSJV, para refletir acerca dos subsídios da sociologia, para a concepção da educação/formação politécnica, quais sejam: a compreensão da totalidade dos elementos que compõe o modo de produção capitalista, e a importância desta compreensão para o desvelamento da ideologia dominante.
2. Uma visão totalizante do processo de trabalho no capitalismo 25
Rodrigues constrói esta rede conceitual, a partir da identificação das principais preocupações e questões levantadas nas obras dos diversos educadores que se dedicam ao tema da politecnia. 26 A definição destas dimensões estão respectivamente nas páginas 55, 72 e 83 do livro citado. 27
Essa ênfase pauta-se na análise do processo de divisão sócio-técnica do trabalho (expressa na divisão do trabalho manual/trabalho intelectual) como um processo de fragmentação e expropriação do conhecimento da classe trabalhadora, e conseqüentemente, de cerceamento e limitação de sua capacidade de conhecimento crítico acerca do processo de produção no qual está inserida. Este processo foi funcional para os interesses da classe dominante sob dois aspectos: ampliação da capacidade de acúmulo de capital via subordinação real dos trabalhadores e limitação do acesso destes ao conhecimento científico acerca da realidade, dificultando sua capacidade de contestação via ideologia dominante. 28
“Trata-se, principalmente de compreender que a produção do conhecimento, a formação da consciência crítica têm sua gênese nestas relações [nas relações sociais de produção]” (Frigotto, 2002:18).
64 A concepção de educação politécnica prima por uma formação que possibilite uma visão totalizante do processo de trabalho, no sentido de viabilizar o domínio de suas bases científicas. Este domínio passa pelo entendimento da totalidade dos aspectos que o constituem, quais sejam: o científico-técnico e o científico-político. O aspecto científicotécnico refere-se ao domínio da concepção e compreensão do conjunto do processo de trabalho, possibilitado pela união entre trabalho manual e trabalho intelectual. Denomino de aspecto científico-político, o domínio do conhecimento acerca do modo de produção social, no qual se desenvolve o processo de trabalho e sua relação com o aspecto científico-técnico. A partir desta percepção formulei uma proposta teórico-metodológica para desenvolver a compreensão acerca do conceito de trabalho. Atravésda análise do processo 29 de trabalho e de sua especificidade no modo de produção capitalista , tracei um percurso
para permitir aos alunos entender o que é o trabalho e sua organização no capitalismo e, desta forma, possibilitar o domínio de conceitos e categorias básicas para a compreensão dos fundamentos deste modo de produção, de seu desenvolvimento, transformações e principais contradições30 As aulas do trimestre foram desenvolvidas em cinco blocos: 1. Introdução à análise do capitalismo; 2. O processo de trabalho e sua especificidade no modo de produção capitalista; 3. O modo de produção social: totalidade infra-estrutura/superestrutura e; 4. A divisão técnica e social do trabalho. Cada um destes blocos foi desenvolvido em mais de uma aula. Minha estratégia foi ir “dissecamento” o conceito de trabalho, no sentido de “ir puxando fios”, para ajudar os alunos a identificar, compreender e relacionar todos os elementos implicados na produção e dinâmica do modo de produção da existência social, no qual estamos inseridos. O referencial teórico escolhido para abordagem do tema baseia-se em um dos eixos centrais de referência da EPSJV, qual seja, “o materialismo histórico, como abordagem e método, fundamentando o currículo integrado politécnico” (Projeto Político Pedagógico, 2005:145)31.
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Unidade de processo de trabalho e do processo de produzir mais-valia. principais conceitos abordados foram: acumulação primitiva de capital, processo de trabalho, trabalho vivo, trabalho morto, valor de uso, valor de troca, modo de produção, relações sociais de produção, forças produtivas (trabalho vivo/trabalho morto), classes sociais, luta de classes, mais-valia, superestrutura, infra-estrutura, divisão social e técnica do trabalho. 31 Tumolo e Coan (2007), em pesquisa sobre as abordagens da categoria “trabalho” em diversos livros e outros materiais didáticos utilizados para o ensino de sociologia no ensino médio destacam que Marx é uma das principais referências utilizada para tratar deste tema. Esta indicação reforçou a possibilidade e o desafio de preparar e elaborar as aulas a partir do livro “O Capital”. 30Os
65 A seguir relatarei, em linhas gerais as estratégias e dinâmicas que utilizei nos blocos (1 e 2) para alcançar o objetivo proposto.
2.1.Condições histórico-sociais para o surgimento do capitalismo Neste primeiro bloco elegi dois objetivos principais32: a) compreender as condições para o surgimento e consolidação do capitalismo; b) compreender que o capital é uma relação social. Para suscitar a reflexão em torno destes objetivos selecionei e distribuí para os alunos alguns trechos de artigos, livros e jornais que mostravam dados e notícias sobre as condições de vida da maioria da população, na atualidade e os confrontamos com trechos do capítulo “A jornada de trabalho33” do livro “O Capital” de Karl Marx. Durante a aula, pedi para os alunos observarem as datas e analisarem se era possível estabelecer alguma relação, no que dizia respeito às condições de vida da maioria da população. Após as leituras lancei para a turma, o seguinte questionamento: “por que após a produção de tanta riqueza e avanço científico-tecnológico ainda vivemos em um mundo onde a maioria sobrevive nas condições apresentadas nos textos? Vocês conseguem entender ou explicar isso?”. A resposta mais comum dos alunos foi: as desigualdades sociais presentes no capitalismo. Após esta primeira provocação, li para turma o seguinte trecho: “Pretende-se explicar a srcem da acumulação [de capital] por meio de uma estória ocorrida em passado distante. Havia outrora, em tempos muito remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa [trabalhadora], inteligente e, sobretudo econômica, e uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais do que tinham. (...) Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas e a população vadia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além da própria pele. (...) Por causa disso, a grande massa é pobre (grifo meu) e, apesar de esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora tenham esses poucos parado de trabalhar a muito tempo” (A chamada acumulação primitiva. Karl Marx. O Capital. Cap.XXIV, p.829).
Em seguida, perguntei se era possível identificar no senso comum algumas opiniões que se aproximam dos motivos atribuídos no texto à produção da riqueza e a condição de pobreza. Os alunos identificaram principalmente a questão do esforço individual. Então, pedi para a turma caracterizar o capitalismo e explicar como a riqueza é produzida neste sistema. Fui anotando no quadro a síntese das respostas dos alunos.
32 33
Os objetivos de cada aula sempre eram explicitados para os alunos antes de iniciarmos seu desenvolvimento. Livro 1, volume 1, pp
66 Distribuí alguns trechos do livro “As veias abertas da América Latina” do Eduardo Galeano entre os alunos e os analisamos à luz da seguinte afirmação: (...) é sabido o grande papel desempenhado na verdadeira história pela conquista, pela escravidão, pela rapina e pelo assassinato, em suma, pela violência. (...) Na realidade, os métodos da acumulação primitiva [de capital] nada têm de idílicos (idem, p.829) Estas provocações iniciais serviram de base para a análise das modificações ocorridas na transição do feudalismo para o capitalismo, no que diz respeito às condições necessárias para a consolidação desse sistema. Iniciei a análise puxando dos alunos os conhecimentos que traziam do ensino fundamental, principalmente, do processo de cercamento dos campos e de construção do sistema colonial, destacando como nas mudanças ocasionadas por estes processos gestaram-se os elementos necessários para o estabelecimento das novas condições sob as quais os homens (classes e grupos sociais) relacionar-se-iam para produzirem suas condições de existência. Neste momento foi importante fazer os alunos perceberem que estas transformações ocorreram no processo da dinâmica das relações sociais de produção, a partir de determinadas circunstâncias. No capítulo “A chamada acumulação primitiva” do livro “O Capital”, encontrei importantes contribuições para expor essa dinâmica. Marx, neste capítulo, a partir da afirmação de que: “(...) a chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista” (1994:830), mostra como o processo que produz as duas classes fundamentais deste sistema tem suas raízes na sujeição do trabalhador: livre da servidão, no entanto, expropriado de seus meios de produção e, desta forma, obrigado a defrontar-se no mercado com o dono dos meios de produção e vender sua única mercadoria (sua força-de-trabalho). Esta expropriação, a um só tempo, transformou-os em trabalhadores assalariados, obrigados a vender sua força de trabalho para garantir sua subsistência; e transformou os meios de produção em capital; liberando então os elementos necessários para o desenvolvimento do capitalismo: ao conquistar o campo para a agricultura capitalista, ao incorporar as terras ao capital e ao proporcionar à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos (idem: 850). Chamei atenção ainda para alguns aspectos que se relacionam à superestrutura (sem denominá-la enquanto tal), mas que foram de fato aprofundados e caracterizados como
67 conceito em aulas posteriores. Fiz isto analisando junto com os alunos, o que Marx denomina de “legislação sanguinária contra os expropriados”. Esta legislação se iniciou na Inglaterra e tinha dentre suas medidas: “os vagabundos sadios serão flagelados e encarcerados. Serão amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue lhes corra pelo corpo; em seguida prestarão juramento de voltar à sua terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos três anos, para se porem a trabalhar. (...) Na primeira incidência de vagabundagem, além da pela de flagelação, metade da orelha será cortada; na segunda o culpado será enforcado com criminoso irrecuperável e inimigo da comunidade” (idem: 851-852) Além desta legislação, destaquei as punições sofridas por quem pagasse acima da tarifa legal de salários34 e que até 1825 os trabalhadores foram proibidos de se associar. Junto a este enquadramento na disciplina exigida pelo novo sistema de trabalho, via coerção, analisamos também, os aspectos da superestrutura necessários para a difusão de valores simbólicos e de formação de consenso, em torno do projeto de sociedade dominante – a partir do seguinte trecho: “não basta que haja, de um lado, condições de trabalho, sob a forma de capital, e, de outro, seres humanos que nada têm para vender além de sua força de trabalho. Tampouco basta forçá-los a venderem-se livremente. Ao progredir a produção capitalista, desenvolve-se uma classe trabalhadora que por educação, tradição e costume aceita as exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes” (p.854)
Destaquei ainda, o papel do exército industrial de reserva na pressão, chantagem e no favorecimento aos interesses do capitalista e na quebra da resistência da classe trabalhadora. É importante observar que, apesar das teorias liberais, já é possível percebermos as intervenções do Estado para garantir as condições necessárias para o desenvolvimento do capitalismo. A seguir, pedi que realizassem um exercício de análise do seguinte trecho: “Ser capitalista ocupar na éprodução não coletivo somenteeuma posição também posiçãosignifica social. O capital um produto só pode ser pessoal, colocadomas em movimento pela atividade comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade comum de muitos membros da sociedade”. (O Manifesto do Partido Comunista. Marx e Engels).
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Segundo Marx esta tarifa foi estabelecida na Inglaterra, através da legislação sobre o trabalho assalariado
68 Neste exercício tentei avançar no amadurecimento do conceito de relações sociais de produção e de seu papel no processo de produção. Ou seja, levá-los a compreender que o capital é uma relação social, na medida em que se produz somente a partir do momento em que o proprietário dos meios de produção encontra a força de trabalho transformada em mercadoria no mercado de trabalho. Explicando-lhes que é a partir da relação entre a burguesia e o proletariado, que o capital se constitui35.
2.2 Trabalho e Processo de trabalho no modo de produção social capitalista: A partir das explicações anteriores entrei no segundo bloco deste trimestre36. Iniciei a aula lançando para os alunos a seguinte questão:“o que fazemos para produzir a nossa
existência?”. Conforme os alunos respondiam, ia sintetizando no quadro “aspectos-chave” levantados por eles e, a partir destes, fui “costurando” – tentando aproveitar e relacionar o que eles haviam destacado - a construção do conceito. Desta forma, chegamos a nossa síntese inicial do conceito de trabalho: “processo de intervenção do homem sobre a
natureza, mediado pelas relações que os homens estabelecem entre si, para produzir e reproduzi sua condição de existência, ou seja, para atender às suas múltiplas necessidades”. Retomei alguns aspectos da aula sobre cultura e sobre o processo de socialização (realizada no primeiro trimestre) para enfatizar os aspectos materiais e simbólicos implicados na produção e reprodução da existência social. Assim, levei-os a compreender como, através do trabalho, o homem foi constituindo-se como tal; como no processo de sua intervenção sobre a natureza, além de extrair meios necessários para sua subsistência material, foi ao mesmo tempo, desenvolvendo sua consciência, seus conhecimentos, normas, instituições e regras, a partir de determinados valores. Para prosseguir perguntei: “Como fazemos isso? Quais são os elementos necessários para a produção da nossa existência?”. Através deste questionamento fiz com que identificassem os elementos necessários para que o trabalho se realize e, a partir desta percepção, os alunos foram compreendendo os conceitos de força de trabalho (trabalho vivo)
35
A correção do exercício foi feita a partir da leitura de algumas respostas dos alunos, foi o momento que tive o retorno sobre o entendimento deles e de identificação do que ainda precisa ser retomado e mais explicado. 36
Explicitei no quadro seus principais objetivos: definir o conceito de trabalho; definir o que é e quais são os elementos do processo de trabalho, compreender que este processo só se desenvolve inserido dentro de determinado tipo de relações sociais de produção e compreender a especificidade do trabalho e do processo de trabalho no capitalismo.
69 e dos meios de produção (trabalho morto), o que me ajudou a explicitar o conceito e a dinâmica do processo de trabalho. Como estratégia para avançar no entendimento sobre a especificidade destas categorias, no modo de produção capitalista, chamei-lhes atenção para a historicidade das categorias e conceitos, no sentido de explicitar que são produtos das condições históricosociais. As referências básicas para a preparação destas aulas foram os capítulos IV e o capítulo V37 do livro “O Capital”. Nestes capítulos, Marx nos indica um caminho para analisarmos a especificidade do trabalho no capitalismo. A ênfase do autor pauta-se centralmente nas relações sociais de produção, isto fica evidente quando Marx, após definir o que é o processo de trabalho, apresentando detalhadamente os elementos que o constitui, ressalva que “O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas, é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna de vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. Não foi por isso necessário tratar do trabalhador em sua relação com outros trabalhadores. Bastaram o homem e seu trabalho de um lado, a natureza e seus elementos materiais, do outro. O gosto do pão não revela quem plantou o trigo, e o processo examinado nada nos diz sobre as condições em que ele se realiza, se sob o
látego do lavrando feitor de escravos ou sob olhar do capitalista, ou animal se o executa Cincinato alguma jeiras de oterra ouansioso o selvagem ao abater um braio com uma pedra”. (p.208/209)
para em seguida analisar a especificidade deste processo sob relações sociais de produção capitalistas. Trabalhei a forma como o autor expõe a especificidade da circulação das mercadorias no capitalismo, enfatizando tanto a finalidade, quanto as condições e o tipo de relações sociais de produção nas quais os possuidores de diferentes mercadorias realizam a troca de mercadorias, para explicar o conceito de mais-valia, mostrando que: como toda mercadoria, a força de trabalho possui valor de troca e valor de uso, e que ao vender-se no mercado, o trabalhador vende (realiza) seu valor de troca, mas aliena seu valor de uso, não podendo receber um, sem transferir o outro. Ou seja, a mercadoria força de trabalho ao ser consumida na esfera da produção, gera, além de seu valor de troca, um valor excedente (mais-valia). “Para extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheiro deve ter a felicidade descobrir, dento da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo valor-de-uso possua a propriedade, de ser fonte de valor, de modo que consumila seja realmente encarnar trabalho, criar valor, portanto. É o possuidor de dinheiro
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Processo de trabalho e processo de produzir mais-valia.
70 encontra no mercado essa mercadoria especial: é a capacidade de trabalho ou a força de trabalho” (p. 187)
Para aprofundar a compreensão e o domínio sobre os conceitos até então examinados, além de reforçar a capacidade de relacioná-los, além da aula expositiva, assistimos o documentário “Ilha das Flores” (Jorge Furtado. Duração: 12 min.). A análise do documentário do Jorge Furtado com a turma permitiu-me retomar vários conceitos expostos, exercitá-los e torná-los mais compreensíveis para os alunos 38. As cenas do filme são narradas por um relator, transcrevi todas as falas do filme, de forma a me facilitar retomar cada uma delas e aproveitar e explorar melhor cada cena e o máximo das possibilidades de relacioná-las com os conceitos. Abaixo transcrevo a narração de algumas cenas do filme, para em seguida mostrar como explorei os conceitos que discutimos, a partir de cada uma das cenas:
Relato da Cena 1: Aparece um homem trabalhando em uma plantação de tomate: “O que distingue o ser humano: o ser humano possui o tele-encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor. O tele-encéfalo altamente desenvolvido permitiu ao homem armazenar informações, relacioná-las, processá-las e entendê-las. O polegar opositor permite a manipulação de precisão. O tele-encéfalo altamente desenvolvido + o polegar opositor deu ao ser humano a capacidade de realizar um cem números de melhoramentos em seu planeta, dentre eles (imagem da bomba atômica): cultivar tomates.
Desta cena, extraímos o conceito de trabalho, diferenciando-o do trabalho realizado por determinados animais. Chamei-lhes atenção, novamente, para a capacidade do ser humano de - a partir de determinadas condições materiais e inseridos em determinadas relações sociais de produção - projetar o que pretende construir e como, nesteprocesso, constitui-se a si mesmo, ou seja, como o ser humano, pela ação do trabalho, produz e reproduz suas condições sociais de existência. Observamos que durante todo o filme a fala “tele-encéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor” é repetida inúmeras vezes, para referir-se a pessoas de diversas situações sociais, e, a partir desta percepção, desconstruímos o senso comum acerca da vinculação entre situação social e a incapacidade, a inteligência e esforço individual. Centramos nosso debate nas relações sociais que os grupos e classes sociais estabelecem entre si na produção da existência social.
Relato da Cena 2: “A atividade principal do tomate é a alimentação dos seres humanos. O senhor Suzuki é um ser humano, no entanto não planta tomates com a intenção de comê-los (cena: o Sr. Suzuki aparece colocando uma caixa de tomate na Kombi com a ajuda de outra pessoa). Quase todo o tomate produzido pelo Sr. Suzuki foi vendido para o mercado em troca de dinheiro”.
Nesta cena retomamos o debate acerca da produção e circulação das mercadorias e de seus objetivos. No caso em questão o tomate é produzido não para o consumo direto de seu 38
Além deste documentário, elaborei exercícios a partir do “Samba da Mais-Valia” (Sérgio Silva), do poema “Operário em construção” (Vinícius de Moraes) e exibi o filme “Germinal”, com objetivo de desenvolver mais a capacidade dos alunos de relacionarem os diversos conceitos que estávamos tratando e para preparar o campo para a introdução do conceito de modo de produção.
71 produtor. Ao vender o tomate, o Sr. Suzuki não está em busca de dinheiro para comprar uma mercadoria que lhe seja útil, que lhe servirá como valor de uso, o objetivo não é o consumo direto. O Sr. Suzuki possui dinheiro, compra determinadas mercadorias (terra, sementes de tomate, máquinas, força de trabalho, transporte, etc.) para em seguida vender esta mercadoria (transformada no processo de produção) e obter mais dinheiro: D --- M ---- D’. Seu objetivo é ampliar seu capital.
Relato da Cena 3: “Até a criação do dinheiro, a economia se baseava na troca direta. A dificuldade de se avaliar a quantidade de tomate equivalente a uma galinha e de galinha por baleia foi o motivador principal para a invenção do dinheiro. A partir daí várias coisas vivas e diversos tipos de mercadorias puderam ser trocadas por dinheiro [neste momento do filme aparecem, em cenas muito rápidas, diversos tipos de mercadorias]”.
Retomamos o conceito de valor de troca das mercadorias, definido a partir do tempo de trabalho necessário para produzi-las, destacando desta forma o papel do trabalho vivo na produção das mercadorias. E voltamos à discussão acerca das condições históricas para o surgimento do capital, ou seja, a existência deste não se concretiza por haver circulação de mercadorias e de dinheiro. O capital só aparece quando o possuidor dos meios de produção encontra o possuidor da força de trabalho vendendo-a no mercado. Mais uma vez debatemos acerca das condições necessárias para que isto aconteça, enfatizando que o processo de trabalho se realiza dentro de determinadas relações sociais de produção.
Relato da Cena 5: Perfume são líquidos normalmente extraídos das flores. (Imagem: mãos amassando flores com um soquete de pilão, e adicionando, através de uma pipeta, uma química). Dona Nete não extrai perfume das flores, ela troca com a fábrica uma quantidade de dinheiro por perfume (Imagem: Fábrica com trabalhadores, instrumentos (máquinas) e matérias primas produzindo perfume). Feito isso, D. Nete caminha de casa em casa trocando perfume por uma quantidade maior de dinheiro.
Esta cena ajuda a rediscutir e entender melhor os elementos do processo de trabalho. Pedi que identificassem os elementos do processo de trabalho – mãos amassando as pétalas de flores (força de trabalho em ação); soquete de pilão (instrumento de trabalho) e as pétalas das flores (matéria prima). Discutimos como o trabalho vivo apropriasse do trabalho morto para transformá-lo de valor de uso em potencial, em um valor de uso real, apto a ser vendido.
Relato da Cena 6: “A diferença entre essas duas quantidades chama-se lucro. O lucro há foi proibido para os católicos, agora é LIVRE para todos os humanos. O lucro de D. Nete é pequeno se comparado ao lucro da fábrica, mas o suficiente para ser trocado por um quilo de tomate e dois quilos de carne, no caso, de porco. O porco é um mamífero, como outros animais (seres humanos e baleias), porém é um quadrúpede, serve de alimento aos japoneses, aos católicos”.
A partir desta cena discutimos o conceito de mais-valia e debatemos como o processo de produção é ao mesmo tempo processo de circulação e distribuição, uma vez que o capitalista precisa realizar a sua mais-valia.
Relato da Cena 7: “O tomate que D. Nete julgou inadequado para o porco que iria servir de alimento para sua família, pode vir a ser um excelente alimento para o porco e sua família, no julgamento do porco. Cabe lembrar que D. Nete tem um tele-encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor, enquanto o porco não tem nem mesmo 1 polegar opositor. O porco tem, no entanto, um dono. O dono é um ser humano (tem um tele-encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor) e dinheiro. O dono do porco trocou uma parte do seu dinheiro por um terreno (imagem: documento de compra do terreno). Terreno é uma porção de terra que tem: um dono e uma cerca. Este terreno onde o lixo foi depositado. Foi cercado para que os porcos não possam sair e para que outros seres humanos não possam entrar”.
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A partir desta cena foi possível discutir a questão da propriedade dos meios de produção e das relações sociais de produção que se estabelecem a partir da mesma. Discutimos também o processo de acumulação no período colonial, retomando nossa discussão do processo de acumulação primitiva de capital, através da cena da prova realizada pela aluna Ana, na qual respondia sobre as capitanias hereditárias. A estratégia utilizada nas aulas dos blocos 1 e 2 facilitaram muito o entendimento do modo de produção capitalista como uma totalidade infraestrutura/superestrutura. Os exercícios, conforme avaliação posterior dos alunos, foram fundamentais para compreender os conceitos. Muitos alunos relataram que através da realização dos exercícios e análise do filmes conseguiram perceber de forma mais concreta o conceito, ou seja, “entendê-lo na prática”, como alguns escreveram.
Conclusões “Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspiraram fazer do conhecimento sociológico um instrumento da ação”. (Florestan Fernandes, 1960)39
A Sociologia, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação nº 9.394/96, constitui-se como disciplina que objetiva possibilitar ao estudante o domínio dos conhecimentos necessários ao exercício da cidadania. Considero que concretizar este objetivo pressupõe tomar como ponto de partida e como parte constitutiva do mesmo, a compreensão e reflexão acerca do projeto político-social no qual se insere, visto que a Sociologia não é uma ciência neutra, mas sim constituída por conteúdos e conceitos perpassados pelos conflitos, contradições e divergências travados historicamente pelas classes sociais na luta por conformar a sua visão de mundo como hegemônica. Tal problematização é fundamental por ter implicações importantes no que é “ser cidadão” e “exercer a cidadania”. As leituras realizadas, durante a pesquisa, indicam que situar a Sociologia na concepção politécnica significa colocar-se na perspectiva crítica ao projeto de sociedade dominante. Projeto este, que ao longo de seu desenvolvimento limitou a possibilidade dos trabalhadores de ter acesso aos conhecimentos necessários para a compreensão das bases científicas do processo de trabalho e das relações sociais fundamentais que o dirigem (Marx, 1996). Sendo assim, o acesso ao conhecimento científico acerca da estrutura social, dos seus processos, fenômenos e contradições sociais, ou seja, o acesso a instrumentos de análise da sociedade que permitam a desnaturalização das relações sociais de produção predominantes e a compreensão dos mecanismos que a produzem é condição fundamental para a superação 39
Retirado de FORACHI e MARTINS. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1978, p.11.
73 do senso comum e para a formação da consciência crítica, de forma a perceber-se e colocarse como construtor de outro tipo de sociedade. A experiência aqui relatada pautou-se por esse objetivo, “(...) garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão (...). Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (grifo meu)” (Ciavatta, 2005: 86).
Neste sentido, entendo que a capacidade de analisar as relações sociais em sua totalidade e, desta forma, desvendar a ideologia dominante constitui-se como um dos pressupostos fundamentais para exercer a cidadania e tornar-se cidadão.
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Estranhamento e desnaturalização do consumo: uma perspectiva didática em torno das categorias teórico-conceituais racionalidade econômica e representação simbólica40 Debora Cardoso Pulcina - UFF41
Roberto Carlos Borghi – UFF42
INTRODUÇÃO: Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, Conhecimentos de Sociologia (2006), encontramos destacados dois papéis essenciais quanto ao pensamento sociológico, a saber: a desnaturalização e o estranhamento. E, nesse sentido, realizar a transposição didática dos conhecimentos referentes à Sociologia, da Academia para o Ensino Médio, constitui um desafio para os professores que nesse nível atuam: Um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sempre recorrente a se explicarem as relações sociais, as instituições, os modos de vida, as ações humanas, coletivas ou individuais, a estrutura social, a organização política, etc. com argumentos naturalizadores. Primeiro, perde-se de vista a historicidade desses fenômenos, que nem esempre assim; segundo, continuidades históricas decorremisto de é,decisões, essas, foram de interesses, ou seja,que de certas razõesmudanças objetivas ou e humanas, não sendo fruto de tendências naturais. (...) Outro papel que a Sociologia realiza, mas não exclusivamente ela, e que está ligado aos objetivos da Filosofia e das Ciências, humanas ou naturais, é o estranhamento. No caso da Sociologia, está em causa observar que os fenômenos sociais que rodeiam a todos e dos quais se participa não são de imediato conhecidos, pois aparecem como ordinários, triviais, corriqueiros, normais, sem necessidade de explicação, aos quais se está acostumado, e que na verdade nem são vistos. (...) os fenômenos sociais merecem ser compreendidos ou explicados pela Sociologia. Mas só é possível tomar certos fenômenos como objeto da Sociologia na medida em que sejam submetidos a um processo de estranhamento, que sejam colocados em questão, problematizados. (...) Entende-se que esse duplo papel da Sociologia como ciência – desnaturalização e estranhamento dos fenômenos sociais – pode ser traduzido na escola básica por recortes, a que se dá o nome de disciplina escolar. (...) Deve haver uma adequação em termos de linguagem, objetos, temas e reconstrução da história das Ciências Sociais para a fase de aprendizagem dos jovens (...). (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2006, p. 105-107).
Além disso, em tais Orientações, aponta-se três recortes a serem considerados no ensino da Sociologia: conceitos, temas e teorias (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2006, p. 116-125). Este artigo resulta de um projeto pedagógico desenvolvido pelo então discente Roberto Carlos Borghi em parceria com a Prof. Debora Cardoso Pulcina, no 1º semestre de 2008, no Liceu Nilo Peçanha (unidade escolar 183188 da Rede Pública Estadual do Rio de Janeiro, localizada na cidade de Niterói) por ocasião da realização de estágio e cumprimento de requisito parcial para aprovação nas Disciplinas Práticas de Ensino II e III, Licenciatura em Ciências Sociais – UFF, Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE) e Subcoordenadoria de Prática Discente. 40
41
Mestre em Ciência Política (UFF). Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais (UFF). Professora Substituta da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professora efetiva do Liceu Nilo Peçanha (LNP). [email protected] 42 Licenciando e bacharelando em Ciências Sociais (UFF). [email protected]
75 Portanto, a proposta didática no presente texto, encontra-se em consonância com a discussão e sugestões apresentadas no referido documento. Nesse sentido, e respeitando o conteúdo programático da Disciplina Sociologia ministrada em turmas do 3° ano do Ensino Médio do Liceu Nilo Peçanha, elegemos o tema consumo para discussão, conforme perspectivas teórico-conceituais que envolvem o debate sobre a racionalidade econômica e a representação simbólica. Tal proposta, também encontra-se inserida dentro de uma perspectiva mais próxima da Antropologia interpretativa: trata-se de discutir o conceito de etnocentrismo dentro de uma proposta relativista, onde estranha-se a si mesmo e ao outro, numa tentativa de comparação mais por contraste e menos por semelhança, em busca de teias de significados (GEERTZ, 1997). Por isso mesmo, o desenvolvimento da atividade proposta para os discentes do Ensino Médio, pressupõe o processo ensino-aprendizagem do arcabouço teórico-conceitual das Ciências Sociais. A comparação por semelhança pode conduzir a uma elaboração estrutural-funcionalista, na qual a idéia da diferença se perde, pois se perdem os sentidos e as representações que os indivíduos e os grupos conferem às suas ações. Num processo de transposição didática, é pertinente possibilitar a compreensão entre os discentes de que todos os seres humanos comem, dormem, se vestem , fazem habitações, etc., por razões culturais e não por determinismos biológicos ou geográficos. E, para além disso, é também essencial entender que conclusões funcionais e funcionalistas não explicam de maneira satisfatória a complexidade da diversidade humana e podem conduzir a explicações positivistas e ainda herdeiras de um certo evolucionismo-social, segundo as quais existem alguns povos que “consomem melhor” (“moralmente recatados”, “ecologicamente adaptados”, “nutricialmente adequados”, etc.) e outros que “consomem pior”. Tentamos enquadrar nossa discussão dentro do abrangente tema (ou trama) da cultura, onde há uma vasta discussão produzida pela Antropologia Econômica referente a problemática do trabalho, da temporalidade, da idéia de propriedade, das configurações das relações de poder dentro das chamadas sociedades sem e com escrita, bem como possibilitar o link para a discussão da teoria marxista no bimestre subseqüente, conforme previsto no Programa de Curso. Em linhas gerais, reflexões sobre a temática proposta podem ser encontradas em críticos do modo de produção capitalista, como Marx (1998), particularmente quando destaca a noção de
fetichimo da mercadoria. Tal como podemos encontrar reflexões no campo psicanalítico, como em Freud (1969), ao destacar os conflitos individuais no processo de adaptação à civilização. Além disso, existem abordagens antropológicas clássicas que tratam o consumo como fato cultural ou como fato
social total (MALINOWSKI, 1978; MAUSS, 1974), ou ainda a teoria do direito do consumo conspícuo (VEBLEN, 1965). Encontramos também, teorias que tratam o consumo como marca de distinção social (BOURDIEU, 1979), como sistema de comunicação, semiologia dos objetos (BARTHES, 1972; BAUDRILARD, 1995) e várias teorias recentes que exploram o conceito de consumo como essencial nas sociedades pós-industriais e pós-modernas. O consumo pode ainda ser
76 explorado como elemento definidor de identidades, isto é, nas atuais sociedades a definição de quem é (e do que é) um indivíduo e seu pertencimento a um dado grupo, freqüentemente é determinada pela questão do consumo. (BARBOSA, 2004; BAUDRILARD, 1995; BAUMAN, 2001; CANCLINI, 1996; DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004; GABRIEL e LANG, 1995; MC CRACKEN, 1990; MILLER, 1995; SAHLINS, 1992). Destacamos aqui as conceituações da Antropóloga Mary Douglas e do Economista Baron Isherwood. Os autores discutem basicamente três formas de abordar a categoria consumo, quais sejam: 1) uma perspectiva hedonista, o consumo como a única fonte possível de felicidade, tal visão do consumo estaria mais ligada ao mundo da publicidade e da propagação massiva dos meios de comunicação que compartilham tal compreensão de consumo; 2) uma outra abordagem apresentada está definida como moralista e seria a antítese do hedonismo, onde o consumo é tratado como a fonte de todos os males sociais: violência urbana, individualismo narcisista, desigualdade econômica, etc.; 3) por fim, é apontada uma terceira, que freqüentemente aparece nos estudos de consumo, definida como naturalista, em que a natureza explicaria os fenômenos de consumo. A idéia de necessidade relacionada à explicações medicalizadas, nutricionais, onde a manutenção da vida está reduzida às funções vitais dos corpos dos indivíduos e, portanto, à vida como fenômeno apenas biológico é contestada face à compreensão do fato social consumo. Trata-se de não reduzir a explicação acerca do consumo a uma única abordagem explicativa, mas sim tomar o consumo como algo totalmente cultural, e o cultural como uma idéia totalizante. Sobre a razão econômica temos: Se os economistas teóricos tentam ignorar o que faz com que o consumidor se mova, há aqueles que não o deixam em paz. Ambientalistas e moralistas, e também economistas, quando envergam seu chapéu de “aplicado”, investem contra a ânsia destrutiva da sociedade de consumo. O próprio consumidor pode muito bem se sentir confuso. Quando se surpreende pegando mais móveis ou comida , quase sem culpa nenhuma, ele, em parte, apóia a visão do economista forma de que seu comportamento se baseia numa escolha racional. Usualmente não se toma por um idiota inconsciente, vítima das tramas dos publicitários, embora admita que os outros possam sê-lo, concorda que, uma vez tendo decidido a ter alguma coisa, escolhe entre marcas e leva em consideração preço e nível de rendimentos, exatamente como dizem as apostilas escolares. Mas a visão do economista deixa muito a explicar... A coisa nova – o melhor aparador de grama ou congelador maior – de alguma maneira, ou por conta própria, se tornou uma necessidade. Exerce seu próprio imperativo de ser adquirida e ameaça que a casa, sem ela, regrediria ao caos de uma era mais primitiva. Longe de exercer uma escolha soberana, o miserável consumidor, em geral, se sente como o dono passivo de uma carteira de dinheiro, cujo conteúdo foi esvaziado por forcas tão poderosas que fazem com que considerações morais pareçam impertinentes. (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 52-53).
Em síntese, objetivamos na apresentação dessa temática aos alunos do 3° ano do Ensino Médio do Liceu Nilo Peçanha, transpor didaticamente a discussão em torno do tema e problematizar o
consumo a partir de uma abordagem que enfatiza a identificação da distinção entre as concepções de representação simbólica e racionalidade econômica, envolvidas nos hábitos de consumo em nossa sociedade e numa perspectiva comparada: Quanto de racionalidade econômica, ou seja, alocação de
77 recursos escassos diante de bens infinitos, orientam o consumo? Quanto de representação simbólica mobiliza escolhas de consumo na vida social? Buscamos, portanto, subsidiados por teorias e conceitos, possibilitar a melhor compreensão sobre o tema em tela e desenvolver uma reflexão crítica entre os discentes sobre seus hábitos de consumo e sobre a idéia de necessidade numa sociedade de consumo. A seguir, procedemos a exposição dos procedimentos de ensino-aprendizagem empregados e, posteriormente, relatamos os resultados obtidos mediante as atividades desenvolvidas em algumas turmas de 3° ano do Ensino Médio da já citada escola.
A PROPOSTA DIDÁTICA E OS PROCEDIMENTOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM OBJETIVO GERAL: •
Desnaturalizar e estranhar hábitos de consumo com o auxílio do arcabouço teórico-conceitual das Ciências Sociais, numa perspectiva construtivista, reflexiva e crítica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS: •
Identificar as diferenças entre as concepções de razão econômica e representação simbólica
•
envolvidas nos hábitos de consumo de nossa sociedade e numa perspectiva comparada. Perceber o processo de construção de identidades ligadas ao consumo de determinados produtos e/ou marcas e como tais identidades compõem uma noção de pertencimento, que forma grupos identitários e tipologias dos comportamentos relacionados a uma “configuração estética” do “modo de ser” dos indivíduos.
•
Refletir sobre o significado da sociedade de consumo, conforme o contexto econômico, político, ideológico, cultural e ambiental.
METODOLOGIA: Após discussão prévia no bimestre sobre o significado de cultura e compreensão por parte dos discentes de conceitos tais como etnocentrismo, relativismo, determinismo biológico; determinismo geográfico, racionalidade econômica e representação simbólica, bem como do exercício antropológico de transformação do familiar em exótico e do exótico em familiar, em 2 horas-aula: •
Exibição do filme 1,99: Um Supermercado que vende palavras (Diretor: Marcelo Masagão);
•
Solicitar aos alunos que indiquem palavras que traduzam suas impressões subjetivas relativas ao filme: método “tempestade cerebral”;
78 •
Discussão das impressões subjetivas e busca da relação e/ou contraposição com as categorias conceituais racionalidade econômica e representação simbólica , conforme arcabouço sócioantropológico proposto, de maneira a melhor compreender o assunto em questão e refletir sobre hábitos de consumo.
•
Ao término da discussão, solicitar que na aula seguinte os alunos tragam para a sala de aula embalagens de variados produtos que costumam figurar em sua vida cotidiana.
Na aula seguinte, em 2 horas-aula: •
Solicitar que os alunos observem as embalagens dos produtos, de maneira a refletir sobre: necessidade, utilidade, qualidade, preço, marca, informações sobre o produto, produtor, domínio no mercado, etc.
•
Produção textual refletindo sobre o tema consumo e suas motivações (tal atividade pode constituir uma das notas do bimestre). Para o desenvolvimento desta atividade são recursos necessários: 1) o aparelho de TV e DVD;
2) e embalagens de produtos de produtos diversos, trazidas pelos alunos para a sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Por meio das discussões empreendidas e da leitura das redações produzidas pelos discentes de turmas do 3° ano do Ensino Médio do Liceu Nilo Peçanha, pudemos constatar que a proposta didática foi bem sucedida, uma vez que, conforme seus discursos verbais e escritos, sobretudo: identificaram nas suas próprias motivações de consumo, o quanto de representação simbólica orienta seus hábitos de consumo, em detrimento da pouca racionalidade econômica presente em suas escolhas. Devemos destacar a percepção quanto ao papel da mídia e da propaganda, que operam simbolicamente seus “apelos” para as compras. Por exemplo, as roupas “de marca”, “trazem algo a
mais” do que apenas meras peças de vestuário: são s ímbolos de identidades e pertencimentos que configuram e compõem a idéia de p ersonalidade, tomada, ironicamente, como algo autêntico e individualizada por esses jovens. A “patricinha”, o “roqueiro”, o “funkeiro”, o “nerd”, o “surfista” e outros tipos urbanos, se apresentaram como formas de constituição da personalidade desses jovens e o poder simbólico representado nessas identidades passa pelo consumo de determinados tipos de roupas, músicas, cabelos, maquiagens, lugares freqüentados, etc. e desdobram-se, muitas vezes, em preconceito e segregação. No próprio espaço físico da escola é possível encontrar pequenos grupos de jovens separados pelo que a Sociologia Americana chamou de tribos urbanas. Seus estilos de vida impõem-lhes
79 pequenas segregações e distanciamentos dentro da socialização escolar. Em uma das aulas sobre o tema cultura e diversidade cultural, D. e M. não prepararam seu trabalho para apresentação e fomos “brindados” com uma improvisada “aula de rock”, ministrada pela dupla de amigos de (fora da) turma que até aquele momento não tinham nenhuma proximidade com a turma da sala (e/ou a turma da sala não tinha com eles?): tratava-se de uma discussão sobre as diferenças, os pertencimentos e sobre o relativismo, naquele momento aprendido. O exercício da diferença tem constituído uma grande discussão da Sociologia contemporânea e pós-moderna. Conforme Bauman (2001), estamos nos tornando líquidos (tecnológicos, flexíveis, rapidamente adaptáveis e fugidios), em o oposição aos sólidos da era industrial, “facilmente” definidos. A fragmentação dá o tom da composição das sociedades de consumo altamente tecnológicas e ávidas por identidades free-shop: tudo pode ser comprado, apropriado e redefinido em termos de “moda” e, ao que parece, definitivamente, “tudo que foi sólido desmanchou-se no ar”. Tudo isso é absolutamente presente na vida desses jovens adolescentes “plugados” no mundo virtual e “on line” no mundo presencial, construindo preferências e identidades a partir das referênciais desses dois mundos complementares. Mas D. recusa-se a ter celular... Por outro lado, o cabelo, o tênis e a mochila são “cheios de personalidade própria”: a urgência (o consumo) esta no ar! A temporalidade da sociedade de consumo imprimiu e imprime um aceleramento que dificulta a fala, a escrita e a interpretação dos jovens. Palavras inteiras tomam muito tempo, escritas (na internet), são criptografadas, tornaram-se sinais (visuais sobretudo): imagens resignificando intencionalidades, sentimentos e representações sociais. Os alunos identificaram por meio das atividades propostas que seus desejos podem ser orientados socialmente: quando buscam certas marcas de produtos estão adquirindo status e posições sociais dentro de uma complexa economia simbólica (BOURDIEU, 1999) que está em constante mudança. A atividade resultante da coleta de embalagens de todo tipo de produto que os alunos consomem em suas casas e vida cotidiana e trouxeram para a sala de aula com o intuito de serem analisadas, revelou a grande variedade de produtos que possuem o mesmo fabricante, conclusão a que chegaram os discentes: grandes corporações dominam o mercado e a livre concorrência no mercado é ilusória. Do ponto de vista didático, a preparação para o próximo bimestre estava encaminha: pensamento marxista. Refletiram ainda a respeito dos impactos do consumo sobre a qualidade de vida humana e sobre a disponibilidade dos recursos ambientais, porém a questão identitária foi o eixo de discussão predominante nas seis turmas em que a atividade foi realizada. Após isso os alunos produziram uma redação sobre o tema consumo, com o auxílio de algumas questões norteadoras que versavam sobre o mesmo: foi o melhor resultado das três avaliações realizadas naquele bimestre. Por fim, resta apontar que o desenvolvimento de tal proposta didática possui um caráter trans, inter e multidisciplinar e que pode desdobrar-se em projetos de mais longo fôlego que integrem a comunidade escolar em torno do debate e compreensão sobre o tema. Até porque, o limitado tempo
80 destinado à Disciplina no presente momento, dificulta a realização de atividades que despertem os discentes e os convidem a entender que a Sociologia trata deles próprios, dos outros a sua volta e do mundo que é produzido por indivíduos e coletividades, na qual eles também estão inclusos.
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FILME: MASAGÃO, Marcelo (dir.). 1,99 - Um Supermercado Que Vende Palavras . Gênero: Drama. Brasil, 2003. Duração: 72 min.
81
Nunca estudei e não gostei – o desafio de quebrar os pré-conceitos sobre o ensino de sociologia Sebastião Santos – SEE-RJ / Colégio Pedro II43 Rodrigo Paim – Colégio PedroII44
Introdução
Como professor de sociologia desde 2002, quando comecei a lecionar numa escola particular chamada CEM – Centro de Educação Moderna em Belford Roxo, trabalhei com sociologia, filosofia e história durante 3 anos. Durante esse período, trabalhei em mais duas escolas também particulares: Centro Educacional Durval Borges, onde lecionava história para o ensino fundamental e Colégio Formação, no qual lecionava história, sociologia e filosofia. No final de 2004, eu sai de todas estas escolas devido aos constantes atrasos salariais. Em 2005, passei num concurso para professores da secretária estadual de educação, passando a lecionar sociologia para alunos do ensino médio diurno e noturno, fui lotado inicialmente em duas escolas: Instituto de Educação Belford Roxo, colégio de ensino médio que integra o curso regular de ensino médio e o curso normal, local onde trabalho até o presente momento; neste mesmo ano trabalhei no período noturno no Colégio Estadual Sargento Wolff, até o ano o final do ano de 2007. Neste ano, passei num teste de seleção para professores substitutos no tradicional Colégio Pedro II, a partir daí passei a lecionar sociologia para estudantes do ensino fundamental na Unidade São Cristóvão, em 2008 fui lotado na Unidade Engenho Novo para lecionar sociologia para estudantes do ensino médio, local onde trabalho atualmente. Conforme é possível perceber, os públicos são bem diversificados, e apesar desta curta experiência profissional, alguns fatores são comuns e se repetiram em todos os estabelecimentos de ensino do qual tive a oportunidade de trabalhar, sobretudo nos primeiros dias de aula: “eu nunca estudei sua matéria, mas eu sei que ela é muito chata”, “eu não vou suportar a sua matéria”, “para que serve sociologia mesmo?”, “porque eu tenho que estudar sociologia?”. As dificuldades que envolvem o ensino de sociologia são para desestimular qualquer estudante de graduação a se tornar professor de educação básica, pois não temos a tradição ao nosso lado que as disciplinas canônicas como biologia, educação física, química carregam; não temos o glamour de determinadas áreas, como o espanhol, informática educativa; não “caimos” no vestibular; não temos material didático de qualidade e ainda contamos com a ignorância de alunos e também de professores sobre a misteriosa disciplina de sociologia: Para que serve isso? O que se aprende em sociologia? O
que eu ganho estudando esta disciplina? Por que a escola ao invés de ensinar essas coisas, não prepara para o mercado de trabalho?
43 44
Mestrando do PPGCP/UFF, Professor do Instituto de Educação Belford Roxo (SEE-RJ) e Professor do Colégio Pedro II. Doutor pela CPDA/UFRRJ e professor do Colégio Pedro II.
82 O processo de análise deste texto está dividido em três partes: as duas primeiras partes buscam explicar que fatores influênciam na construção do senso comum em torno do ensino de sociologia, sendo que a primeira no nível macro-sociológico e a segunda no nível micro-sociológico, e a terceira parte será dedicada a apresentar algumas estratégias utilizadas pelos professores para quebrar o senso comum, estimulando inclusive muitos jovens de ensino médio a buscarem a faculdade de ciências sociais.
Dinâmica macro-social Não é possível dissociar a dinâmica presente em qualquer modalidade de ensino das políticas educacionais. Ensinar sociologia, matemática, ou qualquer outra área do conhecimento é uma prática influenciada pela dinâmica das relações entre as instituições. Neste espaço, nesta seção será apresentado uma breve análise de como o processo de ensino é influenciado pelas questões macrosociais. As décadas de 80 e 90 marcaram a passagem de um modelo de desenvolvimento voltado para dentro (Industrialização por Substituição de Importações) a um desenvolvimento de cunho liberal. A transição desenvolvimentismo – liberalismo no Brasil foi marcada por uma profunda crise econômica. A década de 80 foi caracterizada como a década perdida porque o crescimento econômico não manteve os índices das décadas anteriores e os índices de inflação atingiram níveis incontroláveis, ultrapassando em alguns anos incríveis marcas como 1000% a.a. Além disso, foram implantados vários planos macroeconômicos que mudavam a moeda nacional e não surtiam o efeito esperado; chegando o país a declarar moratória da dívida externa. Como resposta à crise econômica, foram recomendadas reformas políticas orientadas para o mercado, com base em quatro argumentos principais: a) liberalização econômica reduz as ineficiências estáticas geradas pela má distribuição de renda e pelo desperdício de recursos; b) a liberalização econômica expande o processo de aprendizagem; c) as economias voltadas para o exterior conseguem enfrentar melhor os choques externos adversos; d) os sistemas econômicos baseados no mercado mostram-se menos inclinados a atividades com fins rentistas, geradoras de desperdícios (BAUMMAN, 2000, p.13) O processo de Reforma do Estado foi iniciado no Brasil com a ascensão ao poder de Fernando Collor de Melo. Collor “inaugurou” o liberalismo, abrindo gradativamente o mercado interno às importações e iniciando as privatizações das empresas estatais produtivas45. O Governo Collor abriu, também, o país ao capital estrangeiro, reduzindo alíquotas de importação de diversos produtos, o que, segundo os gestores da época, controlaria os índices de inflação mediante a concorrência. No entanto, os resultados esperados ficaram muito aquém das expectativas além de terem provocado uma crise estrutural na industria e na agricultura, que não estavam preparadas para a concorrência internacional.
45 SINGER (2001)
83 Para conter a crise no setor, o governo mudou a estratégia de política industrial implementando as câmaras setoriais por cadeia produtiva no intuito de aumentar a produtividade da indústria e capacitála a enfrentar a competição dos produtos importados. Como diversas políticas deste governo, essas câmaras, em sua maioria, não obtiveram êxito. Após o fracasso do governo Collor, sobe ao poder seu vice-presidente eleito Itamar Franco, cujo principal mote de governo em relação à política econômica foi a implementação do Plano Real, continuado por seu sucessor, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Com dois mandatos seguidos o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso implementou uma série de medidas que visaram a modernização do estado brasileiro, a partir das recomendações do Consenso de Washington, dentre as quais podem ser destacadas46: •
Controle dos índices de inflação;
•
Redução das tarifas buscando controlar o aumento dos preços por meio da concorrência;
•
Abertura da economia para o capital estrangeiro;
•
Privatização das empresas estatais;
•
Aumento do valor da taxa de juros para atrair capital estrangeiro e o país obter reservas de capital
•
Diminuição dos gastos públicos, com a Lei da Responsabilidade Fiscal.
Como conseqüência destas políticas ocorreu uma crise no setor produtivo. Sobre a crise do setor industrial, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco resume as políticas do governo para o setor em numa frase: “a melhor política industrial é a não política”47. Frase que reafirma o compromisso das políticas econômicas liberais com o fim das macro-políticas econômicas. As reformas estruturais do Estado implicaram em novas relações entre o Estado e a sociedade que foram realizadas com maior intensidade e amparadas por mudanças legais. Este processo, iniciado há mais de 10 anos, continua em curso, bem como o debate sobre as causas e conseqüências desta sobre a política brasileira. Segundo Castro,
não é possível dizer que as políticas liberalizantes foram adotadas somente em decorrência das severas exigências proliferadas pelas instituições multilaterais, os países periféricos desfrutaram de uma relativa autonomia, sendo legítimo sustentar que houve um consenso em torno da aplicação dos programas de ajuste. No Brasil, os conselhos das instituições multilaterais concretizaram-se pelas mãos de uma elite de tecnocratas, formada por intelectuais bem sucedidos, que tiveram contatos com centros de pesquisa respeitados mundialmente (Castro, 2006, p. 2).
Diferentemente de Castro, para Diniz (1997), o que está em jogo não é a capacitação técnica da elite iluminada e sua opção política, mas sim a defesa da soberania e do fortalecimento do poder de negociação dos governos nacionais. Cabe acrescentar, por outro lado, que reverter uma posição subordinada ou rejeitar a predominância da lógica das empresas transnacionais na estruturação das 46 47
BENECKE e NASCIMENTO (2003) Nota de aula do curso Política Internacional da Professora Maria Antonieta Leopoldi.
84 atividades econômicas de um país é um ato de natureza política, requerendo uma ação deliberada capaz de definir e executar uma nova estratégia nacional48. Muitos textos de diferentes áreas do conhecimento, relativos à realidade educacional brasileira, produzidos durante a década de noventa e em sua maioria escritos por economistas (GIAMBIAGGI (2005); BARROS e MENDONÇA (1994); BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA (2002); BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA (2000a), (2000b), e BARROS e MENDONÇA (1998)), dão conta do problema educacional de maneira restrita, tratando-o, sobretudo, como fator provocador de desenvolvimento econômico ou introduzindo-o em discussões específicas sobre desigualdades e crescimento econômico. A educação nesta perspectiva entra na agenda política como parte da pauta de reformas econômicas, por isso é analisada incorporando conceitos da teoria econômica. Segundo este discurso analítico, as entidades do sistema escolar deveriam alocar seus recursos de maneira ótima, tendo em vista a tecnologia disponível, a fim de atingir seus objetivos(ver Barros, Henriques e Mendonça (2002). Segundo as análises do IPEA, que englobam esse conjunto de autores a que podemos referirmo-nos como “economistas da educação”, a classe trabalhadora foi extremamente prejudicada pela inserção de um novo parque produtivo, após os anos oitenta, o que teve como conseqüência a geração de um gigantesco exército industrial de reserva. Para conter os índices de desemprego, e (re)inserir essa população no mercado produtivo, caberia ao Estado tal responsabilidade, não mais como se realizava no passado, com as políticas macroeconômicas de geração de empregos e grandes obras públicas. Para este conjunto de autores, o Estado, a partir das reformas, tornou-se somente um regulador dos setores da vida pública. Neste contexto, caberia à educação ser um instrumento de (re)inserção do trabalhador no mercado produtivo. Neste tipo de análise, os princípios e ferramentas da microeconomia foram mobilizados com o objetivo de avaliar o nível de eficiência alocativa de determinada escola, conjunto de escolas ou, de modo agregado, de sistemas educativos. Para isso, bastaria criar modelos que considerassem os custos dos insumos (salários e condições de trabalho de professores e funcionários administrativos da escola, número de alunos por sala de aula, disponibilidade de infra-estrutura escolar, nível de educação do aluno no período anterior etc.) e que avaliassem o valor do produto final, ou seja, o nível de educação, ou de pesquisa, ou os resultados pós-escolares dos alunos. Seria possível determinar, desse modo, a tecnologia de produção de educação à disposição das escolas. Se os modelos fossem bem concebidos poder-se-ia encontrar a fronteira de possibilidades de produção de educação e, a partir daí, não somente conhecer quais escolas se encontram mais ou menos distantes da fronteira, como também desenhar políticas que estabelecessem as combinações desejáveis de cada insumo para elevar o nível de produto final (WALTENBERG (2006)). Segundo a perspectiva destes analistas econômicos, a educação é um capital social, portanto, fator que pode ser determinante no perfil de desenvolvimento econômico que o país terá ao longo dos
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DINIZ in GERSCHMAN e WERNECK VIANNA (1997)
85 anos. Ainda dentro da perspectiva liberal, caberia aos trabalhadores desempregados retornarem aos bancos escolares, independentemente do nível de educação para buscar a qualificação necessária para se inserirem de novo na cadeia produtiva. Vários autores criticaram esta perspectiva analítica ((COUTINHO (2002), LIMA (1990), FRIGOTTO (2002), SILVA JUNIOR (2003), GENTILE (2003) e POCHMAN (2004)). Para Frigotto, pensador de linha critica ao liberalismo econômico e da Reforma do Estado, especialmente a promovida no âmbito educacional, o grupo político de Fernando Henrique Cardoso, teve mérito e competência para realizar o ajuste econômico sob a férrea doutrina dos organismos internacionais (FRIGOTTO in FÁVERO & SEMERO (2003:55)). Partindo do princípio de que a história do Brasil é demarcada pelo sentido fraco de democracia, isto é “uma democracia formal, pelo alto (...) que não se afirma na base da participação efetiva das massas” 49, Frigotto analisa as reformas de cunho liberal implantadas no Brasil a partir dos anos noventa. Segundo Frigotto, a mudança na coalizão política dos anos 90 e a entrada de um novo grupo político, que impôs o liberalismo, impôs também a ditadura das leis de mercado, condenando milhões de brasileiros ao desmonte dos direitos públicos da saúde, da educação, do trabalho, da aposentadoria, da habitação, dentre outros. A forma como a ditadura do capital se manifesta atualmente no Brasil é fruto da associação dos governos com as instituições financeiras internacionais, que configuram um pacto político, no qual as reformas sociais e econômicas estão subordinadas ao ajuste econômico liberal que busca a globalização dos mercados e reestruturação produtiva. Tais reformas se pautam pelo desmonte da esfera dos direitos, e passam a produzir políticas de alivio à pobreza. A educação básica, ainda que neste contexto seja considerada como capital social humano fundamental para o desenvolvimento do país, contraditoriamente tem investimentos pífios para o papel que lhe é atribuído no âmbito da competitividade internacional. O novo modelo de regulação que vem sendo instaurado nas últimas décadas – conseqüência da reconfiguração do modelo de Estado provedor e regulador para o modelo de Estado avaliador – aviva a presença do indivíduo e do mercado, interferindo não só no comportamento estatal, mas também no comportamento social. Desta forma, a reforma educacional é baseada em uma pedagogia individualista, dualista e fragmentária coerente com o ideário da desregulamentação, flexibilização do Estado. O direito à educação deixa de estar subordinado à construção de uma sociedade democrática, entendida como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitem ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo no controle da vida social. Em contrapartida, estabelece-se uma relação orgânica entre cidadania e competitividade e os atributos do direito à educação passam a serem pensados a partir de uma visão mercantilista de organização social. Gentile faz uma critica aos autores liberais. Segundo o autor, a escola vive um raro paradoxo: “dela não se espera nada e dela se espera tudo” (GENTILE, 2002, p. 643). De um lado, a escola perde
49
idem
86 qualidade, dinamismo e flexibilidade, abandonando a educação nas mãos dos meios de comunicação; por outro lado, à escola é atribuída “boa parte das penúrias, em que vivem ricos e pobres, incluídos e excluídos, integrados e segregados”.(idem) Esse paradoxo nos coloca perante a dramática evidência de que, por ação ou omissão, a escola fracassou nas suas funções. Problemas como desemprego, violência, tráfico de drogas ou individualismo são produzidos num conjunto de instituições e relações sociais que excedem e invadem o espaço escolar. Para estes autores, avaliar a qualidade da educação é, neste sentido, muito mais do que medir resultados das escolas: é considerar as especificidades locais e regionais que contemplam questões como o grau de democratização efetiva do direito a educação, em suma que permitem reconhecer os graus de justiça (ou de injustiça) com que as sociedades avançam na luta contra o monopólio do conhecimento, uma das mais brutais formas de exclusão e segregação vividas historicamente pelos mais pobres. Gentille (2002) propõe uma pedagogia da esperança, como base de sustentação de uma política educacional democrática, não considerando a importância das aprendizagens escolares nem a pertinência de sua avaliação. Desconfia fortemente dos sistemas de avaliação que reduzem a qualidade da escola a provas pontuais aplicadas à população estudantil, considerando arrogância governamental elaborar tais métodos de avaliação em gabinetes sem levar em conta a realidade das diversas escolas do país. A pedagogia da esperança não se deixa iludir com os artifícios tecnocráticos das atuais reformas neoliberais e reafirma seu compromisso com a qualidade social da escola. Segundo esse autor, a ausência de democracia, nos anos noventa se manifesta em medidas provisórias e decretos, na transferência de responsabilidades públicas a entidades privadas, e no fechamento de canais de participação deliberação e fiscalização por parte da comunidade. Simultaneamente, a corrupção e a irresponsabilidade no uso de recursos públicos e a arrogância e desprezo no tratamento das entidades representativas caracterizam a reforma que, segundo o autor ”fez da democracia uma farsa, um pastiche autoritário e opressivo” (ibidem). Portanto, a Reforma do Estado e o conteúdo liberal das reformas educacionais, de viés fortemente economicista, nela incluídas, culminaram no desmonte e da queda progressiva da qualidade na educação no Brasil, tornando-a uma mercadoria descartável.
Dinâmica micro-social Dentro deste ambiente de educação utilitarista e essencialmente influenciado pelos dogmas do liberalismo econômico, a sociologia é introduzida na grade curricular. A sociologia, apesar de nova como disciplina escolar50 e muitos estudantes e professores não a conhecerem, possui uma rejeição a priori. O objetivo desta seção é buscar entender os motivos que constroem a rejeição a sociologia. Primeiramente, o ensino de sociologia sofre os problemas que as demais disciplinas do cânone da educação básica sofrem, então é necessário realizar uma breve análise sobre este aspecto.
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Apesar de a sociologia ter uma história na educação brasileira, sua reintrodução é recente nos currículos escolares.
87 Atualmente, há um embate importante no educar-aprender escolar, a educação escolar é moderna, ou seja, é baseado na memorização, crítica racional das normas ou crenças, preferência legítima pelo ideal, a idade canônica é o adulto, a verdade é produzida pelos livros, a preocupação é com os resultados do ensino e com o futuro do estudante. A identidade é construída historicamente pela memória coletiva e como produto da participação nos grupos sociais. Entretanto, o estudante, sobretudo o jovem metropolitano, é pós-moderno, seu mundo é do audio-visual; ser jovem não se tornou mais símbolo de imaturidade, mas sim de estilo de vida; seu referencial é o performótico, a TV e a internet representam o símbolo da verdade legítima. Se antes, o sujeito precisava ser convencido através das idéias e dos ideais, atualmente, o sujeito deve ser seduzido pelas performances. A identidade é fruto das interações individuais do sujeito nas diversas redes de sociabilidade do qual o mesmo participa, ela é híbrida e mutável. Portanto, a educação está presente num momento paradigmático, como educar neste ambiente? O resultado deste embate é que a escola se tornou chata, pois sua estrutura é essencialmente voltada para a domesticação dos indivíduos, é o espaço por excelência da ordem, mas as necessidades advindas da tradição que atribuía a escola o papel de transmissora oficial do conhecimento racional erudito, tornavam a escola inquestionável; entretanto, no mundo pós-moderno, a escola não é mais este único ambiente de transmissão de conhecimento, a sedução do mundo externo subverteu a importância da escola pela necessidade constante do prazer. A crescente busca por situações de prazer, faz parte de um conjunto de situações de solução terapêutica, que tem por fim uma sensação momentânea de satisfação e bem estar em viver o momento para si, não para os que virão a seguir, ou para a posteridade. (LACH; 1983: 58)
Neste ambiente pós-moderno, não basta que a disciplina e a transmissão de conhecimento racional não justifiquem a função da escola, uma vez que, a escola não consegue impor tanta ordem quanto gostaria e porque existem diversas outras formas de acessar o conhecimento que não pela escola. No mundo da sedução, é preciso que outros referenciais justifiquem a função da escola, esta deve ser legal; o referencial de bom professor, não mais aquele que ensina tudo e muito bem, mas o professor que diverte a turma, que faz das aulas performances. O valor de boa educação não é necessariamente mais para a vida inteira, mas para aquele momento em que está sendo ensinada. A educação deve ser processual, ou seja, construída paulatinamente, e não mais em busca de resultados futuros. Estes elementos são parte da conjuntura política econômica implementada no país, com a inserção liberalismo econômico que tornou a educação uma mercadoria, e que como mercadoria é descartável e fugaz. A “desconhecida sociologia” entra como a disciplina que representa a racionalidade que fôra descartada pela pós-modernidade, pois seu conhecimento é fruto de livros de “autores mortos”, tratando de questões das quais o indivíduo não se importa. Esta é a sociedade da sedução e do individualismo, ou melhor do “to nem ai” -. A escola está contaminada pelo movimento da cultura do
88 imediato: o glamour é aprender de forma descontextualizadas músicas, línguas, o cuidados com o corpo, a informática. Idéias e/ ou ideais não são úteis para o mercado. O outro aspecto que envolve o ensino de sociologia é que a mesma não faz parte do cânone das disciplinas úteis do vestibular. Este argumento não se justifica, pois primeiramente há uma evasão de 50% de alunos em relação aos que matriculam na 1º série e os que conseguem concluir a 3º série51, portanto a maioria dos estudantes não faz a prova; segundo que a exigência do vestibular restringi-se a praticamente as universidades públicas que não atendem a demanda de estudantes; terceiro que muitos tentam prova para as universidades particulares no qual é de conhecimento público que seu exame é mera formalidade para o ingresso nestas faculdades; quarto, e talvez o mais importante de todos, como não participa do vestibular a sociologia não tem um currículo obrigatório como as outras disciplinas possuem, então a sociologia tem a possibilidade de atender analisando através de seus instrumentos conceituais as diversas realidades culturais locais. A legitimação do ensino de sociologia fica espremida entre “a matéria chata”, e a “matéria inútil”. O senso comum em torno da sociologia abre questões como: “não vi, não estudei e não gostei”; ou “não cai no vestibular, para que serve isso?”. O que professor poder fazer? Há uma seara de possibilidades...
Inconclusão: as estratégias do ensino de sociologia contra o senso comum Não existe receita de bolo para uma boa aula, e, sobretudo de sociologia, no qual tem uma série de desafios a serem enfrentados. Esta seção tem como objetivo apresentar algumas experiências do ensino de sociologia que tem conseguido transcender as barreiras e os preconceitos em torno da disciplina sociologia. A aparente desvantagem da sociologia por não figurar no vestibular das universidades e nem ter o rigor disciplinar do MEC, possibilita aos professores uma experiência de educação singular. Para alguns ruim, pois o vestibular é garantia de mercado, mas pessoalmente considero até uma vantagem, pois efetivamente a escola precisa modificar seus métodos e sua estrutura, valorizando elementos além da memorização de teorias, como a liberdade, o humanismo, solidariedade, a construção coletiva do conhecimento da cultura. E o cânone tradicional das disciplinas do ensino médio é limitador, uma vez que valoriza a contextualização de informações que será exigida durante algumas poucas provas, que uma minoria de estudantes realiza. A sociologia tem a possibilidade de ser anárquica. Pois, lhe possibilita fugir das tradicionais hierarquias do ensino que tem por objetivo domesticar o estudante. A possibilidade da interação em rede tem permitido que as pessoas tenham contato diferente do tradicional pessoa-pessoa, e tenham o acesso a incomensurável quantidade de informações. A conjunção destes fatores favorece a criação, 51
Informação prestada pelo Secretário do Ensino Médio, professor xxx, numa palestra proferida na Fundação Getúlio Vargas sobre Ensino Médio, 27 de agosto de 2009.
89 como o cânone acadêmico das ciências sociais é amplo, há a possibilidade de se realizarem experiências criativas que não tem sido visto nas escolas. Uma vez que, diferentemente das ciências da natureza, a sociologia não precisa de laboratório, nem depende de equipamentos caros, pois todos estes elementos tem na rua, no bairro, e/ ou no pátio da própria escola. Dentre as experiências com o ensino de sociologia na escola, irei destacar dois elementos: o trabalho com sociologia no Colégio Pedro II, e o trabalho com a sociologia no Instituto de Educação de Belford Roxo. No Colégio Pedro II, o trabalho com a sociologia tem uma dimensão diferenciada que é o elemento pesquisa científica aliada com o ensino, no qual o estudante tem a possibilidade de participar na construção do conhecimento. Um fato pode ser destacado, a campanha do bullying, onde envolveu pesquisa dos estudantes sobre o tema, análises dos dados coletados a partir das leituras e entrevistas, e montagem de uma campanha institucional na escola a partir de trabalho feito. É importante salientar, o tratamento que a disciplina recebe na escola, onde o aluno tem a disciplina com o nome de ciências sociais no 6º, 7º e 8º ano do Ensino Fundamental, e no 2º e 3º ano do ensino médio. No Instituto de Educação Belford Roxo, colégio que integra a rede pública de ensino da secretaria de educação do Rio de Janeiro, a sociologia é lecionada no 2º, 3º e 4º ano, sendo que no último ano como sociologia da educação, é importante salientar que o colégio tem a estrutura de ensino médio integrado. Na escola, há uma valorização da dimensão cultural e artística, no qual os estudantes são estimulados a produzirem conhecimento a partir de músicas, festivais internos de exposição cultural. A sociologia é trabalhada de forma disciplinar e multidisciplinar com as outras disciplinas da escola, elementos como a memória coletiva, a literatura e o pensamento social brasileiro, o folclore, os mitos e mistérios, as questões sociais contemporâneas são temas freqüentes nas aulas e nos projetos desenvolvidos pela escola. É importante salientar que em ambos os trabalhos são feitos em paralelos as disciplinas e os alunos se vinculam de forma voluntária, não tendo necessariamente comprometimento com nota, mas sim a aprendizagem, com o processo de produção de conhecimento tanto a nível individual como coletivo. Penso que este caminho, abre as portas da escola para a mudança, para a entrada do novo, que estudantes e professores urgem, mas que a estrutura tradicional não comporta, e daí cada vez mais a escola fica longe do estudante. A sociologia tem a oportunidade de ser um instrumento de mudança na escola, evidentemente que nem tudo são flores, nas escolas de ensino médio regular, o trabalho da sociologia é realizado em um ano, o que dificulta muito o desenvolvimento da área de conhecimento, mas o caminho do sucesso escolar não é necessariamente o confinamento na sala de aula, mas sim o resgate do que está fora, ou seja, o olhar sociológico para a sociedade; a parceria com as outras áreas de conhecimento, a reorganização da classe, a introdução de músicas nas aulas, no incentivo a exposição de seminários, todos esses elementos quebram a rotina da escola, e possibilitam que o estudante seja realmente condutor de sua aprendizagem.
90 Referências bibliográficas: BARROS, R. P. de, MENDONÇA, R. Por que o Brasil é mais pobre do que os países industrializados? O Brasil no fim do século: desafios e propostas para a ação governamental. IPEA. Rio de Janeiro, p. 157-160, 1994. BARROS, R. P. de, HENRIQUES, R., MENDONÇA, R. Investimento em educação e desenvolvimento econômico. A economia brasileira em perspectiva. IPEA. Rio de Janeiro:, V. 2, P. 605-614, 1998. ___________ o impacto de três inovações institucionais na educação brasileira, Texto para discussão nº 566 . [disponível em http://www.ipea.gov.br] 1998. —————.Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 42, fev. 2000a. —————. Education andfim equitable economic development.. , v. 1, n. 1, p. 111-144, no 2000b. ________________. Pelo das décadas perdidas: educaçãoEconomia e desenvolvimento sustentado Brasil, Texto para discussão Nº 857. [Disponível em http://www.ipea.gov.br, 2002. BAUMANN, Renato. O Brasil nos Anos 1990: Uma economia em transição in BAUMANN, Renato. Uma década em transição. Rio de Janeiro: Campus. 1999 BENECKE, Dieter W e NASCIMENTO, Renata O Consenso de Washington Revisado in BENECKE, Dieter W e vários autores Reformas das políticas econômicas: experiências e alternativas. Editora Konrad Adenauer Stiftung, 2003. CASTRO, Luiza Carniceiro. Banco Mundial e as políticas liberalizantes nos países subdesenvolvidos. Anais no encontro ALACIP 2006. COUTINHO, Carlos Nelson. A Democracia na batalha de idéias e nas lutas políticas no Brasil hoje (2002), in FÁVERO, Osmar e SEMERARO, Giovanni Democracia e construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis: Vozes. 2002 DALE, Roger. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “Cultura Educacional Mundial Comum” Ou Localizando Uma “Agenda Globalmente Estruturada Para A Educação”? Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 423-460, maio/ago. 2004 [Disponível em http://www.cedes.unicamp.br] DELFIM NETTO, A. Meio Século de Economia Brasileira in GIAMBIAGI, F., VILLELA, A, CASTRO, L. e HERMANN, J. (orgs) Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro, ElsevierCampus, 2005 DINIZ, Eli Crise, Governabilidade e Reforma do Estado: em busca de um –novo paradigma in GERSCHMAN, Silvia e VIANNA, Maria Lúcia. A miragem da pós-modernidade Democracia e políticas sociais no contexto da globalização. Rio de Janeiro: Fiocruz. 1997. FIORI, José Luiz. 2001: O Brasil no espaço in NOVAES, Adauto. A crise do Estado Nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2003. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a construção democrática no Brasil - Da ditadura civil-militar à ditadura do capital in FÁVERO, Osmar e SEMERARO, Giovanni. Democracia e Construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis: Vozes. 2002 FRIGOTTO Gaudêncio e MARIA, C. Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado, Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abril 2003 GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais para a educação. São Paulo em perspectiva , 14(2), p 3-9, 2000. GENTILE, Pablo. Educação e as razões da esperança numa era em desencanto in MAGALDI, Ana Maria e ALVES, Claudia e GONDRA, José G. (org.) Educação no Brasil: História, cultura e política . Bragança Paulista: EDUSF, 2003 KRAWCZYK, Nora Rut Políticas de regulação e mercantilização da educação: socialização para uma nova cidadania? In Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, N. 92, P. 799-819, Especial - OUT. 2005. KYRILLOS, Sergio Luiz Educação, Mercado de Trabalho e Globalização, http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/kyrillo.html, 16 de março de 2007. LASCH, Christopher (1983) A Cultura do Narcisismo: A vida americana numa hera de esperanças em declínio. Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. LIMA, Luziano Pereira Mendes de. Neoliberalismo e Educação no Brasil na década de 1990 . Anais do encontro ALACIP 2006 LIMA, Lilian Escola não é circo, professor não é palhaço - Rio de Janeiro, Editora Wak: 2007. PAIVA, Vanilda. Sobre o “Conceito de Humano”. Cadernos de pesquisa, n. 113, p 185-191, julho/2001. POCHMANN, Marcio. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa? Educ. Soc., Campinas, n. 87, vol. 25, p. 383-399, maio/ago. 2004 Resultados do Censo escolar (1998-2005), disponível em http://www.inep.gov.br SADER, Emir. A refundação do Estado e da política. in NOVAES, Adauto. A crise do Estado Nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2003.
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(Re)descobertas: Considerações sobre o trabalho etnográfico com turmas de Sociologia no Ensino Médio Rogerio Mendes de Lima Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira Cap/UERJ Colégio Pedro II
Introdução: O presente texto analisa a utilização da etnografia como estratégia pedagógica em turmas de ensino médio de Sociologia. Partindo do debate em torno da crise da educação pública e através de uma reflexão crítica sobre os objetivos esperados da disciplina no ensino básico, bem como os desafios e possibilidades encontrados em sua inserção na grade curricular, discute-se como o trabalho etnográfico nestas turmas pode contribuir para que o corpo discente possa refletir criticamente sobre sua própria percepção da sociedade e da cultura de nossa época, contribuindo assim para sua formação enquanto cidadão, ao mesmo tempo em que colabora de maneira significativa para a construção de novos caminhos para a educação básica em nosso país. Como base concreta para esta reflexão, utilizase a experiência realizada com alunos do Cap-UERJ a partir do ano de 2006. Assim, procuro discutir, à luz da experiência do Cap/UERJ, de que maneira a especificidade da inserção da Sociologia na grade curricular da educação básica, bem como as dificuldades encontradas no cotidiano da sala de aula, podem, a partir de uma alteração na estratégia pedagógica inverter a situação, dando à disciplina a possibilidade de ser um ator importante na tarefa de construir uma educação que atinja efetivamente os objetivos a que se propõe. O objetivo é procurar a inserção em dois debates, tão importantes quanto contemporâneos ao universo escolar. Em primeiro lugar, a busca por soluções que permitam superar uma crise da educação como um todo, mas em particular da educação básica, especialmente a de caráter público. Por outro, de apontar caminhos para a inserção da Sociologia como disciplina obrigatória da educação básica, o que, se de um lado traz uma possibilidade de ampliação do mercado neste segmento e oportunidade de ter uma maior influência nos rumos da educação de um modo geral, por outro nos leva também a inúmeros desafios, entre eles o da definição das metodologias adequadas ao ensino de Sociologia para o público da educação básica. Ainda que em caráter introdutório, procura-se colocar, uma alternativa possível na busca dos objetivos acima mencionados, levantando algumas questões que enriquecem a discussão sobre estes temas. Este trabalho tem como base de apoio a combinação entre a reflexão teórica sobre a temática proposta e a experiência em curso no Cap/UERJ com alunos do segundo ano do ensino médio,
93 enfatizando como a mesma tem favorecido o desenvolvimento de uma nova percepção da disciplina por parte do corpo discente. A partir daí se procura propor, de maneira ainda preliminar, uma revisão do papel da Sociologia como disciplina da educação básica.
A Crise da Educação Pública; algumas considerações Não consiste em nenhuma novidade afirmar que, atualmente, a educação básica, e aquela de natureza pública em especial, enfrenta uma crise de sérias proporções. O que é importante analisar, no entanto, é a natureza desta crise e o porquê das soluções apresentadas e muitas vezes colocadas em prática ampliarem os problemas, ao invés de reduzi-los. O processo de socialização se faz em diversas instituições construídas ao longo do tempo e cujos formatos estão intimamente ligados à dinâmica social das sociedades da qual fazem parte. Em nossa sociedade, boa parcela deste processo é destinada às instituições de ensino em seus diversos níveis. Quando se faz menção à crise da educação, comumente concentram-se os olhares nas escolas, particularmente nas escolas públicas. É fato que na maioria das escolas diversos problemas vêm acontecendo. Basta uma breve conversa com o corpo discente para perceber a existência de sentimentos de frustração em relação às expectativas sobre a instituição. Variam as queixas, mas elas estão sempre presentes. Mesmo em instituições consideradas de excelência como os CAp´s públicos e em alunos acima da média geral em termos de aproveitamento, são facilmente detectáveis esta percepção. Esta é, sem dúvida, uma crise de várias faces, mas que está relacionada à visão que se tem da educação. De acordo com Sacristán (1996), a educação pública “tem a ver com a realização de um projeto no qual o Estado assume o desafio de proporcionar educação (...) com o objetivo de universalizá-la” (In Gentili, 1996;150). Desse modo, a educação pública pode ser compreendida também como uma maneira de reduzir as desigualdades na medida em que sua extensão à totalidade dos indivíduos tende a criar uma relativa eqüidade de oportunidades. Boa parte das críticas sofridas pela educação pública advém do fato de que ela não consegue atingir este objetivo. À sua ineficácia são muitas vezes atribuídos diversos dos problemas sociais que enfrentamos como o envolvimento dos jovens com a criminalidade ou o aumento da taxa de desemprego. É o discurso da ineficiência que, principalmente nos meios de comunicação de massa e nos discursos de candidatos e autoridades, tem proposto mudanças na educação, com a alegação de que é necessário adequá-la à nova realidade social da sociedade da informação. A necessidade e vontade de mudança estão relacionadas à constatação das lacunas ocasionadas entre o que a sociedade está pedindo da formação dos indivíduos e o que o espaço escolar está oferecendo para dar conta disso, ou seja, ao perceber-se ineficaz, despreparada e desatualizada a instituição entende esse vão e busca recuperar-se e criar novos meios de interagir e aprender para então desempenhar sua função social de fato.(...) E é nessa sociedade que exige a cada dia novas
94 habilidades e formações que srcina a necessidade da mudança, pois é uma sociedade diferenciada dos outros momentos históricos. Por exemplo, o evento da Internet, que traz consigo a mudança do paradigma de conhecimento, de tempo e ainda, a possibilidade de apropriar-se de uma ferramenta que leva a um mundo novo, virtual e real ao mesmo tempo. Isto vem colaborar para a tomada de consciência quanto à necessidade da mudança dentro de uma nova sociedade.52 Franco (2004;20) pondera que estes problemas enfrentados pela educação pública no Brasil estão relacionados à dívida histórica da sociedade brasileira em virtude de um “crescimento econômico excludente”. Nesta linha também caminha Sacristán (1996), que afirma que “temos visto a divulgação de propostas técnicas sobre como o currículo deve ser estruturado, mas não se analisa por que os conteúdos até agora exigidos provocam o fracasso escolar de certos grupos sociais” ( in GENTILI, 1996;57). Estes dois autores além de relativizarem uma interpretação da crise que considera de modo reducionista o problema, transformando-o em uma questão de adequação, fornecem pistas também para uma análise mais acurada da questão. O sistema educacional não pode ser pensado como independente da sociedade em que se insere. Assim, ele se modifica e se molda de acordo com a dinâmica das forças sociais (SACRISTAN, 1996). No que concerne aos objetivos deste texto, o que vem sendo progressivamente colocado em xeque é a legitimidade da educação pública. Não se pode esquecer que a existência deste modelo está diretamente relacionada ao seu respaldo social. Quando a ação do Estado é tratada como “custosa e ineficiente” (SACRISTAN,1996;151), abre-se espaço para a consolidação de uma perspectiva que, ao criticar o sistema público com objetivos político-econômicos, ajuda a desqualificá-la como instituição social, alimentando em pais e alunos a visão de que a escola é a única culpada neste processo. Isto se reflete em grande medida na atitude que estes atores têm, em muitos casos, em relação à própria escola. Uma outra possibilidade de discussão deste tema se refere ao que se espera socialmente da escola. Franco (2004;25), afirma que o ensino médio deveria possibilitar ao educando, entre outras coisas, “a preparação básica para o trabalho”. Nessa linha, a discussão sobre a qualidade da educação é reduzida ao fornecimento de mão-de-obra para o mercado de trabalho. Se esta não é uma temática nova, visto que historicamente este sempre foi um dos objetivos da educação escolar, ela traz uma demanda de certo modo singular. Diferentemente do que defendem alguns autores (BRYM & HAMLIN,2006; FRANCO, 2004), a escola é na maioria das vezes julgada como eficiente ou não, tomando como base o vestibular. Quase sempre o que determina a avaliação da educação de uma instituição é a sua capacidade de aprovar alunos nos vários “vestibulares” instituídos. A legitimidade de uma instituição escolar está relacionada ao seu sucesso nestas “competições”, boa parte delas criadas pelo próprio Estado. 52
Carina Merkle Lingnau, Algumas considerações sobre o desafio da mudança na Educação, disponível no endereço eletrônico. www.centrorefeducacional.pro.br/mudeduc1.htm.
95 Acossada por um lado, por uma exigência de que dê resposta ao problema da inserção dos jovens, principalmente dos mais pobres, no mercado de trabalho, e por outro, pela necessidade de sucesso nos vestibulares, aqui também pela classe média, a educação pública enfrenta diante do público discente, uma crise de legitimidade. Para superá-la, têm sido propostas inúmeras soluções, algumas delas que apontam inclusive para a perda da eficiência da sala de aula. Estamos em uma etapa de grandes mudanças na transição para a Sociedade da Informação, que afetam também a Educação. Temos que repensar seriamente os modelos aprendidos até agora. Ensinar e aprender com tecnologias telemáticas é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. Temos feito adaptações do que já conhecíamos. A educação presencial e a distância começa a ser fortemente modificada, e todos nós, organizações, professores e alunos somos desafiados a encontrar novos modelos em todas as situações. As tecnologias telemáticas de banda larga, que permitirão ver-nos e ouvir-nos facilmente, colocam em xeque o conceito tradicional de sala de aula, de ensino e de organização dos procedimentos educacionais.53 No que se refere à perspectiva deste trabalho, ainda que se reconheça a necessidade de se dar respostas às novas demandas da sociedade e das diversas classes sociais, não parece que a abolição da sala de aula seja uma necessidade, ou ainda, a flexibilização das normas e estruturas escolares, como pensado muitas vezes possa ser a solução para a crise da educação pública. É neste ponto que a experiência em curso no Cap-UERJ nas aulas de Sociologia pode ser um referencial neste debate.
A Sociologia como disciplina no ensino básico Os Parâmetros Curriculares Nacionais,54 no que se referem à área de Ciências Sociais, estabelecem como objetivo para esta área do conhecimento “introduzir o aluno nas principais
questões conceituais e metodológicas das disciplinas de Sociologia, Antropologia e Política (...)” 55, promovendo uma reflexão acerca das questões que, desde o advento da sociedade industrial, se tornaram centrais para a compreensão de nossa realidade social, buscando ainda dar conta “da complexidade do mundo atual”.56 Assim, pela via do conhecimento sociológico sistematizado, o educando poderá construir uma postura mais reflexiva e crítica diante da complexidade do mundo moderno. Ao compreender melhor a dinâmica da sociedade em que vive, poderá perceber-se como elemento ativo, dotado de força política emudanças capacidade de transformar e, atépara mesmo, viabilizar, através do exercício pleno de 57sua cidadania, estruturais que apontem um modelo de sociedade mais justo e solidário.
53
Moran, José M. ducação E Inovadora na Sociedade da Informação. Disponível em: URL:http://www.educacaoonline.pro.br/art_educacao_inovadora.asp., APUD Lingnau, op. Cit. 54 Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio), Avelino R. S. Pereira (coordenador), disponível no endereço eletrônico http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos. 55 Ibid. p.36 56 Ibid. p.36 57 ibid.p.37
96 Nesse sentido, a Sociologia tem por objetivo ser importante ferramenta para que o estudante possa refletir de maneira crítica e responsável sobre a realidade complexa em que vive. Consciente de que ao longo de nossa vida todos nós construímos visões acerca do mundo, a Sociologia procura despertar no aluno a necessidade de sistematizar estas visões, tornando-os capazes de compreender, para além das aparências cotidianas, os fenômenos sociais. Espera-se que, deste modo, a Sociologia possa contribuir para a formação de cidadãos atuantes e co-responsáveis pelo destino da sociedade em que vive. Apesar disso, ou talvez por isso, a inserção da disciplina na educação básica tem tido uma história peculiar. Proibida de ser lecionada durante muitos anos e com dificuldades para sua inserção nas grades curriculares nas últimas décadas, principalmente por não estar explicitamente inserida nos vestibulares, a Sociologia tem trilhado um caminho árido em busca do reconhecimento de sua importância para a formação dos indivíduos. Desse modo, a procura por novas metodologias e estratégias pedagógicas têm sido uma constante entre muitos profissionais. Por um lado, para adaptar a reflexão produzida em sua grande maioria no ambiente universitário, para a realidade cotidiana da educação básica. Por outro, para ser um diferencial no processo educacional brasileiro, transcendendo o espaço da transmissão de conhecimento, ampliando sua atuação para uma perspectiva onde o corpo discente possa também criar, guardadas as devidas proporções, interpretações científicas acerca da realidade social. Assim, algumas estratégias pedagógicas vêm sendo utilizadas em algumas instituições, tais como o trabalho sistemático de pesquisa, o trabalho de campo de cunho etnográfico, os recursos audiovisuais e, mais recentemente, a linguagem e o texto visual.
O Trabalho Etnográfico nas Aulas de Sociologia; uma estratégia pedagógica. As questões levantadas nos tópicos anteriores, em particular a crise da educação pública, têm um impacto sobre o corpo discente. De um lado, a visão que eles constroem da educação pública é marcada pela maneira como a sociedade a vê. Sendo assim, se a visão é de uma educação ineficiente e limitada, esta é, salvo algumas exceções, a forma como o aluno avalia a instituição escolar. A influência que os meios de comunicação de massa têm na construção deste olhar sobre a escola também é significativa. Confrontados constantemente com uma avaliação de que a educação pública é ineficiente, atrasada e incapaz de prepará-los para o “novo” mundo que se consolida e suas exigências, reforça a visão negativa da escola e do espaço escolar. Ainda sob a influência da mídia, o estudante constrói uma visão estereotipada da realidade, que apesar de reconhecer as causas da desigualdade, não vê no outro um similar, mas uma ameaça. Contribui também para isso o que Costa (2005) chama de alheamento, uma visão que desconsidera o outro, principalmente de outra classe social, como sujeito relevante.
97 Estas questões todas têm conduzido o corpo discente a uma perda da dimensão da educação enquanto processo de construção de sua cidadania. Neste sentido, o trabalho etnográfico nas aulas de Sociologia, têm múltiplos objetivos. Em primeiro lugar, procura responder de modo alternativo às demandas por novas ações pedagógicas, sem desqualificar o espaço da escola, mas buscando ampliar sua abrangência, utilizando as possibilidades que a Sociologia enquanto disciplina permite. Deste modo, ao mesmo tempo em que se reconhece a existência de uma crise, se rejeita a idéia de que o espaço da escola pública perdeu a sua importância histórica enquanto formador de indivíduos (FREITAG, 1994). De outra maneira, a utilização do trabalho etnográfico visa também permitir aos alunos (re) descobrir – a maneira como o termo é escrito tem a intenção de mostrar a dualidade da experiência – a própria sociedade em que vivem e as diversas possibilidades que o espaço da escola pública tem a oferecer. A etnografia pode ser definida, grosso modo, como o método de pesquisa em que o pesquisador indo de encontro ao seu objeto e através da observação in loco do grupo social em questão, constrói uma análise que “desvenda seus significados, guiado por suas informações e não por teorias externas à realidade estudada.” (COSTA, 2005;143)
. Sua importância histórica no
desenvolvimento das ciências humanas é inegável desde o início do século XX, do Funcionalismo enquanto teoria antropológica. Usada principalmente como estratégia de pesquisa acadêmica, o trabalho de campo, em especial o de caráter etnográfico, tem demonstrado, nos últimos anos, ser importante ferramenta também na educação básica. No caso da Sociologia, esta estratégia é relevante porque permite transformar em prática as discussões de sala, acrescentando uma nova dimensão às reflexões propostas no curso. No caso da experiência em curso no CapUERJ, foi proposta aos alunos a seguinte tarefa: a realização de uma pesquisa de cunho etnográfico com um grupo social da cidade do Rio de Janeiro. Este trabalho, feito em grupos de alunos da mesma turma, consiste em 3 etapas. A primeira, de preparação para a atividade e a observação de campo, e a transformação dos dados coletados em uma análise etnográfica sobre o grupo escolhido. Adaptado à realidade do ensino básico, o trabalho etnográfico foi iniciado em 2006, em turmas de ensino médio, e vem sendo ampliado este ano. Nos trabalhos apresentados, alguns aspectos têm se destacado. A redescoberta da própria sociedade por parte destes alunos que, convivendo, ainda que por um tempo limitado, conseguem rever a concepção estereotipada que a sociedade, estimulada pelos meios de comunicação, tende a construir. Nesses dois anos, grupos marginalizados como a população de rua e os imigrantes orientais têm sido descobertos e redescobertos pelos alunos. De outro modo, grupos sociais como os ginastas e os bombeiros, de reconhecida inserção social, também são vistos “por dentro” possibilitando mesmo nesses casos, descobrir novas perspectivas e detalhes.
98 Se neste aspecto o trabalho vem atingindo plenamente os seus objetivos, também no que se refere ao conteúdo da disciplina, são extremamente positivos. As médias dos alunos nas avaliações escritas, quando da realização do trabalho de campo, são sensivelmente melhores, principalmente nas questões teóricas que são a grande dificuldade constatada nas turmas de Sociologia.
Conclusão: A educação pública no Brasil vem passando por um processo de intensa pressão, resultado de uma crise com várias faces. Destaca-se, neste processo, a visão que desqualifica a escola como espaço de formação do indivíduo, vista como ineficiente, atrasada ou inadequada à nova realidade social. Neste contexto, o corpo discente reflete em muitos momentos esta descrença em relação à escola pública. A Sociologia se insere nesta temática de duas maneiras. Como disciplina com uma história singular na educação básica, volta a ter sua obrigatoriedade garantida em lei exatamente neste momento. As diversas realidades encontradas, os problemas e os desafios a serem enfrentados possibilitam à disciplina buscar novas estratégias pedagógicas que, ao mesmo tempo em que ajudam a consolidá-la na grade curricular, podem definir para ela um papel de significativa importância no debate em curso. O trabalho etnográfico com alunos do ensino médio, tem se revelado uma dessas formas de inserção. Nesse sentido, a experiência do Cap-UERJ começa a demonstrar que é possível trilhar novos caminhos no interior da escola pública sem necessariamente, desqualificá-la como sujeito do processo de formador dos indivíduos em nossa sociedade. No que se refere aos alunos e aos professores envolvidos neste processo, o caminho tem sido de importantes redescobertas, entre elas a de que, apesar da crise, a escola pública pode ser ainda um espaço de construção de novas e importantes maneiras de compreender e refletir sobre a sociedade.
Referências bibliográficas: Brym, Robert J. & Hamlin, C. Sociologia, sua bússola para um novo mundo , São Paulo, Thomson Editora. O indivíduo em formação . São Paulo, Cortez, 1994. Costa, Cristina. Sociologia, uma introdução à ciência da sociedade , São Paulo, Editora Moderna. 2005. Costa, Jurandir F. A Ética Democrática e Seus Inimigos, in O desafio Ético, Brasília, , 1997. Freitag, Bárbara. O Indivíduo em Formação, São Paulo, Cortez. 1994. Gentili, Pablo & Silva, Tomas Tadeu. Escola S.A. Brasília, CNTE, 1996. Lingnau, Carina M. Algumas considerações sobre o desafio da mudança na Educação , disponível no endereço eletrônico. www.centrorefeducacional.pro.br/mudeduc1.htm . Moran, URL:http://www.educacaoonline.pro.br/art_educacao_inovadora.asp José M. Educação Inovadora na Sociedade da Informação. Disponível Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio), Avelino R. S. Pereira (coordenador), disponível no endereço eletrônico http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos
em:
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Material didático, novas tecnologias e ensino de sociologia. Luiz Fernandes de Oliveira - UERJ e FAETEC58 Ricardo Cesar Rocha da Costa - FAETEC 59
Em recente artigo, no qual relata uma experiência de supervisão de estágio, o professor Nelson Dácio TOMAZI (2004) apresenta reflexões interessantes, que remetem à discussão da prática de ensino e da formação docente na área de conhecimento de sociologia. Enquanto observava seus alunos de licenciatura exporem o tema Ideologia para adolescentes, numa escola do Paraná, ao fundo da sala, se deparava com jovens que não estavam nem um pouco interessados no desenvolvimento dos conteúdos. Alguns conversavam sobre o seqüestro da filha do Silvio Santos, outros faziam piadinhas sobre o fato, e outros ainda diziam, a respeito dos licenciandos: “esse cara já encheu, viu?” Segundo o professor Tomazi, esta experiência aponta para algo bem profundo nas questões de didática e prática de ensino em sociologia: os elementos que constituem nosso imaginário sobre os jovens adolescentes e a forma de nos relacionarmos com eles. Ele afirma que não podemos desconsiderar a cultura do consumo, que ajuda a moldar a personalidade na sociedade contemporânea e o mercado que também ajuda a pensar, citando o sociólogo mexicano Nestor Garcia Canclini. Para Tomazi, o velho esquema de socialização não se expressa na inadequação dos currículos, mas na forma de se relacionar com jovens e adolescentes, já que seus espaços de sociabilidade se constroem também fora da escola e em um novo contexto. É nesses outros espaços que uma cultura, chamada de consumista pelos adultos, ou pósmoderna por alguns especialistas, envolve os jovens e adolescentes num universo em que todos os momentos da vida são avaliados pelas gratificações que proporcionam. Neste sentido, práticas sociais ritualizadas, como aquela da sala de aula, tocam cada vez menos os corações de jovens e adolescentes. Pensando nesse contexto, Tomazi afirma que não é que os jovens deixaram de se interessar pelo mundo, mas eles estão identificando cada vez mais a escola distante dos seus prazeres. E os
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Doutorando em Educação pela PUC - Rio, Professor de Sociologia da FAETEC e Professor Assistente do CAp – UERJ. Doutorando em Serviço Social pela UERJ, Professor de Sociologia da FAETEC e Assessor Técnico-Pedagógico da Prefeitura Municipal de Macaé. 59
100 professores, “que gostam de falar muito e ouvir a própria voz”, não permitem que seus alunos falem de si, de seus problemas e exponham suas visões de mundo. Tomazi faz uma crítica dura aos sistemas de ensino, às práticas e didáticas utilizadas que tolhem a criatividade, seu modo de pensar, e fomentam a competitividade. Na sala de aula, quando um aluno pergunta, é necessário saber antes o que ele pensa. E a Sociologia, suas práticas de ensino e a forma como se planeja e se discute os conteúdos, na maioria dos casos, servem para manter esta situação. Ou, como demonstram a maioria das práticas dos professores da área, “estes estão mais interessados nos jovens que correspondem ao nosso ideal de aluno, que é o modelo de quem é privilegiado em nossa sociedade”. E conclui: “não se podem priorizar os conceitos sociológicos clássicos numa sala de aula, mas é preciso ensinar e envolver os alunos para que eles pensem sociologicamente”. Neste processo, deve-se falar com eles e para eles, tendo bem claro em mente as contradições entre o ritual escolar e o mundo vivido por eles fora das escolas, ou seja, nos shoppings centers, no mundo virtual, na televisão, entre outros. Por fim, enfaticamente assume: ou se “modifica a maneira de trabalhar, planejar, utilizar recursos didáticos e avaliar enquanto professores, ou nossos jovens alunos irão procurar em outros lugares o conhecimento e a forma de conhecer que não estamos sabendo transmitir e formar”. No seu famoso livro Convite à Filosofia, Marilena Chauí (2001) descreve um dos efeitos que a mídia, em especial a televisão, provoca no cotidiano cognitivo e perceptivo das novas gerações: a dispersão da atenção e a infantilização. “(...)Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade. Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em “programa” e “comercial”. Ora, um dos resultados dessa mudança mental transparece quando criança e jovem tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a idéia de precisar ler “um livro inteiro”. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de arte e de pensamento? Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequena chora tanto). Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito. Além disso, como a programação se dirige ao que já sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz imediatamente nossos desejos porque não exige de nós atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos pedem: trabalho sensorial e mental para compreendê-las, amá-las, criticá-las, superá-las. A cultura nos satisfaz se tivermos paciência
101 para compreendê-la e decifrá-la. Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos pede, senão que permaneçamos para sempre infantis.” (2001:332)
A experiência do professor Tomazi em sala de aula e as considerações de Marilena Chauí, nos remetem a reflexões teóricas que não são peculiares da sociologia no Ensino Médio, pelo contrário, estão na ordem do dia das discussões sobre didática, currículo e formação docente, em todas as disciplinas e em todos os níveis do ensino básico. É o que discutiremos a seguir.
Novas tecnologias e contexto pedagógico O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas tem provocado inúmeras transformações na sociedade contemporânea. A virtualidade das novas mídias está acarretando novas maneiras de aprender e de ensinar, na qual as dimensões de tempo e espaço são percebidas como mais flexíveis e mutáveis e a quantidade de informações são transmitidas velozmente, desafiando, portanto, a educação a ter um novo papel e pensar novas práticas para novas demandas. Essas novas demandas vêm gerando mudanças nos processos de comunicação, produções de conhecimentos e percepção do mundo, nos valores e nas formas de atuação social. O tema das novas tecnologias desafia e provoca transformações no trabalho docente em sala de aula. Neste sentido, podemos constatar a partir do que vimos acima em Tomazi e Chauí que, por exemplo, a leitura entre os jovens tende a mudar da busca da fidelidade ao srcinal para o “ design”, ou seja, no modo de imagem associada ao formato das (novas) telas imagéticas. Há uma mudança nas formas canônicas de representação e nos meios de difusão e de comunicação, envolvendo uma mudança da dominância da escrita para um uso crescente da imagem, e um deslocamento da dominância do livro e da página para a dominância da tela imagética. KRESS (2003), refletindo sobre o ensino na era da informação, nos diz que essas mudanças têm produzido uma crise de confiança nos conhecimentos escolares, “(...) tanto da parte dos responsáveis pela escolarização quanto da parte dos que experenciam a escolarização como alunos. Esses últimos identificam uma irrelevância, uma falta de adequação entre o que a escola ainda faz e valoriza e o que o mundo ao redor dá e o que ele exige”. (2003: 123)
Para o autor, essa perda de confiança se manifesta em vários aspectos, desde os currículos até a utilização dos materiais de ensino, já que, na sociedade contemporânea, o conhecimento e a informação estão cada vez mais ao alcance dos alunos fora do espaço escolar. É nesta perspectiva crítica que devemos situar as discussões em torno das novas tecnologias e o uso de material didático no ensino de sociologia no Ensino Médio.
Dos conflitos entre o modelo da racionalidade técnica e o mundo jovem à nova perspectiva da prática de ensino.
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Como vimos, os sentidos das práticas ritualizadas, como aquela da sala de aula, tocam cada vez menos os corações de jovens e adolescentes. Até mesmo as tentativas de “ir ao encontro dos jovens”, utilizando-se de novos recursos técnicos como panacéia didática, mas com a mesma concepção de que é o professor que detém os conhecimentos científicos e a sua tarefa de ensino, que é somente repassar esses conhecimentos, tende ao fracasso pedagógico. Ainda com o objetivo de adestrar, a didática do modelo da racionalidade técnica, continua a tratar jovens e adolescentes, no melhor dos casos, como clientela para aquisição de informações e conhecimentos, desconectados dos seus interesses e realidades, e por conseqüência, fazem com que moças e rapazes saibam que serão de pouca utilidade em suas vidas. Em outras palavras, os espaços escolares tradicionais, constituídos para e no protagonismo do professor, se rompem, na medida em que o acesso à informação e ao conhecimento, se realizam, também, por outras vias que não somente o da escola. A questão de fundo não se restringe às formas de uso das novas tecnologias. Diante dos efeitos dessas, nas formas de produção de conhecimento e percepção, o desafio é o de fazer com que as aulas possam se transformar de entediantes em atraentes, ou melhor, como é possível trabalhar pedagogicamente os desenvolvimentos tecnológicos, superando o uso puramente de entretenimento, que normalmente é atribuído às novas tecnologias nos ambientes escolares, e superando, também, a visão acrítica que essa forma de uso acaba por acarretar. Apontar caminhos e encontrar respostas para esses desafios é refletir também sobre as novas elaborações acerca do papel docente nas práticas de ensino. Autores como Tardif (2000), Perrenoud (2001) e Shulman (1986), constroem um novo mapa interpretativo que pode nos levar ao enfrentamento dos novos desafios da prática de ensino e a novas formas de relacionamento com o conhecimento, da parte dos jovens e adolescentes. Os conceitos de “saber docente”, “competência” e “conhecimento pedagógico dos conteúdos” denotam uma relevância estratégica para se pensar práticas de ensino em sociologia. No exame desta nova perspectiva, a subjetividade do professor é essencial na condução do processo educativo. Nessa subjetividade, o professor possui saberes que são plurais e oriundos da prática e da formação profissional, que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas (Tardif, 2000). Segundo este autor, essa perspectiva, se negligenciada, nos faz míope diante do entendimento de que o professor é um agente estratégico na grande missão educativa da escola. Pois, o professor não é um agente passivo que aplica teorias e conhecimentos feitos por outros especialistas. Pelo contrário, ele é um sujeito ativo, que produz saberes e que assume, na prática, uma ação significativa construída por ele. Produzindo seus saberes, a partir de experiências pessoais e da prática de ensino, eles constroem competências e desenvolvem novas práticas e estratégias de ação.
103 Conseqüência dessa perspectiva é o repensar as relações entre teoria e prática. Ou seja, a superação da racionalidade técnica se faz cada vez mais presente. Essa racionalidade concebe que os saberes são produzidos somente na teoria e que, cabe à prática somente aplicá-la. Esse entendimento de que os professores possuem seus saberes próprios nos remete também ao conceito de “competência”, elaborado por Perrenoud (2001). Analisando a profissão docente como uma tarefa extremamente complexa, a partir da necessidade que tem o professor de agir na urgência - entendida como ter malícia para interpretar as sutilezas dos indícios e os fragmentos de coisas e relações que jamais podemos ver por inteiro ou diretamente -, e decidir na incerteza, ou seja, tomar posição, avaliar em um contexto sem certezas e onde não se tem um controle dos resultados, Perrenoud nos mostra que o professor, na sua tarefa de ensino, deve agir com competência, não no sentido da utilização de bons recursos (conhecimentos, capacidades...) a serem mobilizados, mas na capacidade do sujeito mobilizar o todo ou parte de seus recursos cognitivos e afetivos, para enfrentar um conjunto imprevisível de situações complexas. Essa competência requer o entendimento de que ensinar é aceitar a complexidade das relações de aprendizagem, nos seus aspectos comunicativos, conflituais e dos erros de percurso didático. Para Perrenoud, entender essa perspectiva da complexidade é perceber que o professor “ navega à deriva
ou, se preferirmos, avança como um equilibrista estável, tentando conciliar o inconciliável, como misturar água e fogo.” (Perrenoud, 2001:22) Segundo o autor, competência engloba as capacidades de ação, que mobilizam saberes para a ação docente, que se relacionam com a teoria, mas que não são de reverência ou de dependência a esta. Lee Shulman (1996) é um outro pensador que estuda as diversas modalidades de saberes que os professores dominam, para caracterizar a especificidade da profissão docente. Segundo este autor, os professores têm uma epistemologia própria. Ele nos mostra que uma coisa são os conhecimentos que os professores têm dos conteúdos; a outra, são como esses conteúdos são transformados em ensino. Assim, o seu conceito de conhecimento pedagógico dos conteúdos ou conteúdos pedagogizados, nos fornece uma visão mais facilitadora, na hora de analisar problemas de ensinoaprendizagem. Este conceito se refere aos modos de representação e formulação dos conteúdos científicos de forma a torná-los compreensíveis para os outros. Esta é uma específica produção, oriunda da prática de ensino, do saber docente e da formação profissional. O que estes autores vão nos dizer é que, para se compreender o novo contexto pedagógico, permeada pelas novas tecnologias e seus efeitos, é necessário identificar que os conhecimentos de ensino se estruturam na relação entre conteúdo e pedagogia. Como afirma Shulman, é na capacidade do professor transformar o conhecimento que possui em formas que são pedagogicamente poderosas, mas adequadas à variedade de habilidades e contextos apresentados pelos seus alunos. Portanto, com base na crítica ao modelo da racionalidade técnica em didática e prática de ensino, a questão do uso de materiais didáticos ou das novas tecnologias não estão definidos a priori. Faz-se necessário que o professor e o futuro profissional, ainda em formação, percebam os meios mais
104 adequados de uso dos materiais didáticos e das novas tecnologias. Não existem receitas prontas, pois, como veremos, muitas vezes um filme com técnicas de animação, presente no cotidiano dos jovens, pode ser de pouca eficácia em aulas de sociologia.
O ensino de sociologia no Ensino Médio: dificuldades, experiências e possibilidades. A partir da identificação da complexidade do fazer pedagógico diante do contexto de emergência das novas tecnologias, se constata ainda as dificuldades na tarefa de utilização de materiais didáticos no campo do ensino da sociologia, face a sua intermitência com que esta disciplina figura no currículo do Ensino Médio nos últimos cem anos. As idas e vindas nas legislações, no que diz respeito à institucionalização da sociologia no Ensino Médio, e o fato da mesma ter tido uma ausência por mais de 20 anos, além de ter causado danos irreparáveis àqueles que freqüentaram a escola básica, faz com que, no plano didático, sua reintrodução seja um pouco problemática. Em primeiro lugar, essa disciplina não tem uma tradição pedagógica, no que se refere ao planejamento de ensino, práticas de ensino e avaliação da aprendizagem, como têm outras disciplinas obrigatórias. Em segundo lugar, a tradição acadêmica, em âmbito universitário, raramente refletiu sobre a denominada transposição didática dos conteúdos sociológicos no nível básico de ensino. Somando a estes fatores, que dificultam a priori uma produção de conhecimento acerca das didáticas e práticas de ensino em sociologia, Sarandy (2004) identifica outros ainda mais problemáticos:
Os PCNs carecem de orientações didáticas e metodológicas apropriadas ao ensino da disciplina; As experiências realizadas no Ensino Médio são localizadas, dispersas e fragmentadas; Essas experiências não são documentadas pela comunidade acadêmica e são alvos de raríssimas pesquisas nas Faculdades de Educação; Por fim, os livros didáticos e a seleção de conteúdos adequados ao nível médio refletem ou um academicismo ou cursos temáticos.
Esta última problemática é ressaltada por Meksenas (1994), quando analisa que há duas tendências que prevalecem na maioria das experiências didáticas e metodológicas de aplicação dos conteúdos da sociologia no ensino médio: uma tendência conceitual linear, que traz informações que nem sempre priorizam o entendimento das relações sociais fundamentais – e ainda apresentam conceitos fora do contexto histórico em que foram produzidos; e uma tendência temática fragmentada, que se caracteriza por um curso onde elenca-se uma série de temas considerados básicos, cujas partes, somadas, srcinaria uma pretensa totalidade social. Outros dois fatores são a luta pela legitimação pedagógica nas grades curriculares do Ensino Médio e a profissionalização dos professores da área. Esta última questão é apontada por Guimarães e Tomazini (2004) e Santos (2004), quando fazem referência ao fato de que, em diversas regiões do país, a sociologia, e também a filosofia, não são ministrados por profissionais habilitados, mas sim por
105 profissionais de outras áreas, como Pedagogia, História e Geografia, que são reaproveitados pelos governos estaduais, diminuindo os custos de novas contratações. A legitimação pedagógica, a qual nos referimos acima, diz respeito a, por exemplo: número de aulas insuficientes, se comparado às outras disciplinas tradicionais; a pouca receptividade por parte dos alunos e; as dificuldades de acesso a materiais didáticos. O quadro que se constata é de enormes dificuldades, parecendo uma disciplina que não tem mostrado e conseguindo mostrar a que veio. Essas dificuldades produzem discussões e debates pedagógicos que giram em torno de quais conteúdos, quais metodologias, quais recursos didáticos e quais práticas de ensino podem ser adequadas ao nível de ensino de jovens ainda não habituados com as reflexões sociológicas. O que coloca, por sua vez também, o questionamento da identidade e do sentido do ensino da sociologia (além do sentido do ser docente de sociologia) por parte de alunos, de professores de outras áreas humanas (para não falar daqueles das ciências naturais) e das autoridades educacionais. Em torno de uma reflexão dessas dificuldades históricas e metodológicas é necessário apontar, a partir de uma experiência em sala de aula, as possibilidades de novas práticas e perspectivas teóricas, para contribuir nas reflexões e produção de conhecimento, nos cursos de formação dos novos profissionais na área de ensino de sociologia no Ensino Médio. Trata-se de nossa experiência no ensino de sociologia na Escola Técnica Estadual República, da rede FAETEC, no Rio de Janeiro, desde 1999. Nesse espaço, encontramos alunos com uma bagagem de conhecimentos considerados pela sociedade como básicos de uma normal escolarização (ler, escrever, conhecimentos matemáticos, noções de geografia, datas históricas, etc), no seu nível de aprendizagem. Esses estudantes, na sua maioria, habitantes da periferia do Rio de Janeiro (Zonas Norte e Oeste), possuem um capital cultural muito influenciado pela grande mídia. Repetem o senso comum em análises dos acontecimentos cotidianos veiculados pela TV, revistas para jovens, auto-ajuda e modismos. Por outro lado, sua inserção no mundo escolar se encontra dentro do contexto das políticas regionais para o ensino técnico-profissionalizante, isto é, políticas essas que priorizam uma formação profissional, de treinamento de habilidades manuais em detrimento daquelas de caráter mais reflexiva, crítica e participativa para o exercício da cidadania, como veiculam os PCNs 60. Neste contexto, somase ainda uma tradição de avaliação escolar classificatória e de controle, criando enormes dificuldades para docentes que tentam construir uma proposta inovadora. Esta tradição de avaliação, por um lado, se expressa e se limita a uma função classificatória, reduzindo-se a um momento final do processo ensino-aprendizagem, com vistas a enquadrar a aprendizagem do aluno a uma nota ou conceito e, um rígido sistema; por outro lado, de controle, ou
60
Devemos fazer uma exceção nestas considerações para não passar a idéia generalizada do ensino técnico e profissional como um mero treinamento de habilidades manuais, pois sabemos das experiências de escolas técnicas, como a escola politécnica da Fiocruz que tem uma concepção curricular baseada na politecnia.
106 seja, a nota é utilizada para conter indisciplinas e possíveis problemas em sala de aula, fora dos padrões normais de ensino-aprendizagem. Na área de conhecimento em que atuamos – a sociologia no Ensino Médio – existem muitas dificuldades no processo de ensino-aprendizagem. São alunos não habituados a reflexões além dos padrões do senso comum, não habituados a refletir além do óbvio, têm hábitos instrumentais e utilitaristas. Ou seja, chegam no Ensino Médio abluídos de uma visão de que o professor é o que sabe tudo, e que eles estão ali sentados numa cadeira para aprender. Além disso, são habituados à “decoreba”, a não reflexão sobre o que estudam, mas ao simples consumo de conteúdos, que muitas vezes são vistos por eles como “coisas”, que nada tem a ver com suas vidas cotidianas e culturais. Sabem sim, pelo senso comum escolar e familiar, que obter uma nota boa permite “passar de ano” e talvez um futuro regular. Essa realidade traz enormes dificuldades para uma pratica de ensino inovadora e que permita a construção da autonomia intelectual dos alunos. No caso específico da sociologia, os alunos têm dificuldades de compreensão em temas investigativos. Possuem também uma visão paternalista na relação com os professores. Qualquer proposta didática e metodológica, baseada num planejamento que, segundo os PCNs, visa construir a cidadania, desenvolvendo capacidades de investigação, identificação, descrição, interpretação e explicação de todos os fatos relacionados à vida em sociedade, e mesmo utilizando-se de recursos inovadores, esbarra em obstáculos que fogem do controle estabelecido pelo próprio plano de ensino. A sociologia aparece para os alunos como disciplina “chata”, sem sentido prático e desfocada de todos os outros conteúdos. São raros os casos em que alunos se interessam em pensar sociologicamente, segundo definição utilizada por Tomazi (2004). Alias, as descrições da sua experiência têm muitas semelhanças como esta que vivenciamos na FAETEC. Entretanto, não há de nossa parte uma acomodação e preocupação voltadas somente aos problemas de aprendizagem dos alunos. Baseado nas reflexões teóricas de Tardif (2001), Perrenoud (2001) e Shulman (1986), procuramos reorientar novas práticas de ensino, na perspectiva de melhoria da qualidade de ensino e na luta pela legitimação pedagógica da disciplina numa escola técnica. A realidade da sala de aula mostra que o ato de ensinar é extremamente complexo (Perrenoud, 2001) e que se faz necessário ter uma clareza de que os conteúdos sociológicos devem ser repensados no sentido de possibilitar a aprendizagem a cada momento, para atender às demandas conjunturais vivenciadas por cada estudante (Shulman, 1986). Nesta perspectiva, o acumulo teórico de nossa formação científica em sociologia é enriquecido pela prática e produzido por ela. Ou seja, a prática de ensino que está, apesar de todas as dificuldades, demonstrando certa eficácia é aquela na qual se reconhece que os processos de ensino-aprendizagem não dependem somente de técnicas de ensino, dos recursos utilizados em aula e das metas traçadas, mas de todo um complexo de fatores que reúnem saber docente e necessidade de pedagogizar os
107 conteúdos produzidos pela sociologia. Exemplo disto se revela no percurso de nossa equipe de sociologia de 1999 até o ano de 2006. De 1999 até 2001, planejávamos e apresentávamos aos alunos conteúdos para um aluno ideal, ou seja, que seria capaz de, ao final do ano letivo, reconhecer a importância do conhecimento sociológico, na sua formação individual e coletiva. Assim, apresentávamos conceitos, textos acadêmicos, ou, como diria Dubet (1997), histórias para sociólogos. Os resultados foram catastróficos, pois os alunos não conseguiam assimilar os conteúdos e a sociologia aparecia como mais uma disciplina “maçante”, que era necessário superar para ter o diploma ao final do Ensino Médio. A partir do final de 2001, mudamos as linguagens, os recursos didáticos e os textos. Tentamos e realizamos atividades de campo: visitas, debates com palestrantes especialistas em temas variados, recursos áudio-visuais e textos interdisciplinares. Os resultados ainda foram deficientes, pois não se conseguia conquistar aquela tão sonhada legitimidade pedagógica. E os novos recursos didáticos pouco funcionavam. Para o ano letivo de 2004, resolvemos inovar: editamos um livro didático voltado para o ensino médio profissionalizante, com uma linguagem mais próxima da realidade dos jovens e adolescentes (Oliveira e Costa, 2007). No planejamento de ensino da equipe de Sociologia, o objetivo do livro didático era construir um saber crítico, dinâmico e problematizador das noções do senso comum. Crítico, porque visaria a inserção consciente dos alunos no mundo produtivo ou até numa possível vida acadêmica futura; dinâmico, por incentivar a participação política e o inconformismo político e cultural; e por fim, problematizador, por questionar os discursos oficiais defensores da escolarização tecnológica, que tentam falsear a realidade com a ideologia da “empregabilidade”. Com uma linguagem adequada à realidade do aluno da escola pública de Ensino Médio, procuraríamos desenvolver uma metodologia que estimulasse o gosto pela leitura e pela pesquisa, com a busca e o aprofundamento das informações e da compreensão dos diversos conceitos apresentados. Os Capítulos do livro apresentavam textos produzidos com linguagem jornalística, abordando fatos da vida cotidiana. Os conceitos sociológicos eram introduzidos e aprofundados a partir de uma problematização inicial das idéias que são formuladas ao nível do senso comum. Eram também utilizadas ilustrações que estimulassem uma reflexão crítica do aluno sobre o tema que estava sendo discutido. Ao final de cada capítulo, eram listadas questões que poderiam sintetizar e sistematizar o assunto em debate, propostas de dinâmica para o trabalho em sala de aula, propostas de pesquisa (incluindo uma relação de sites de interesse), uma bibliografia mínima para leitura pelo aluno e uma filmografia. Criou-se, então, num primeiro momento, uma nova disposição nos alunos: “temos professores em nossa escola que escreveram um livro para nós”. A linguagem do livro encontrou boa receptividade entre eles. Entretanto, subestimamos um dado essencial, que implicitamente Tomazi
108 (2004) já nos anunciava: a dificuldade na leitura e na compreensão de conhecimentos e conceitos que lhes pareciam ainda longe da sua realidade midiática e virtual. Imediatamente, identificamos o problema (baseado no conceito de competência de Perrenoud) e avançamos na perspectiva de utilização permanente de material áudio-visual (charges, figuras animadas, revistas lidas diariamente pelos alunos, entre outras) para a interpretação dos textos e dos conceitos sociológicos. Por sua vez, anunciávamos que aqueles conhecimentos e conceitos somente poderiam ser entendidos se eles fizessem uma relação com suas vidas cotidianas e sua forma de ser. Aqui se operou aquilo que Shulmam nos diz, pedagogizar os conteúdos, torná-los mais compreensíveis, e indo de encontro às suas representações de mundo, as produções de sentido de suas identidades. Um exemplo de recurso inovador e de um esforço metodológico criativo que utilizamos, para que os alunos entendessem o conceito de ideologia, foi a utilização de uma reflexão sobre o filme The
Matrix, que encontrou uma receptividade muito grande entre os adolescentes, no período que estava em cartaz nos cinemas. Até o ano de 2003, o conceito de ideologia, que também figura no currículo de filosofia dos alunos no primeiro ano do Ensino Médio (a Sociologia aparece para eles somente no segundo ano), era trabalhado somente através de textos teóricos e de exemplos dados pelos professores em sala de aula. Com a introdução da linguagem do filme, na medida em que se explorou uma realidade virtual, os alunos demonstraram suas habilidades de compreensão de um conceito abstrato, pois o texto do livro didático, construía a idéia de que vivemos em um mundo dominado por uma Matrix, ou seja, idéias pré-concebidas, fabricadas em algum lugar, por algumas pessoas, e que se constituía muitas vezes como idéias de toda a sociedade. Lembramos que o filme descrevia uma sociedade dominada por uma máquina chamada Matrix e que todas as ações humanas já estavam prédeterminadas. Somente a partir dessa utilização de imagens espetaculares, histórias de ficção que põem em movimento a imaginação e a fantasia, é que foi possível, pela primeira vez em nossa escola, uma compreensão abstrata e imediata, por parte da maioria dos alunos. Entretanto, em outras questões como capitalismo, globalização, modos de produção, socialismo, diferença entre o senso comum e conhecimento sociológico, os resultados de aprendizagem não foram muito satisfatórios. É o caso da discussão sobre socialismo. Nas turmas em que lecionamos, apresentamos o filme “ A revolução dos bichos”, inspirada na obra de George Orwel, onde se descreve, criticamente, a história da Revolução Russa. Neste filme, os animais que vivem numa fazenda se revoltavam contra a exploração dos homens. Não satisfeitos da forma como eram tratados, decidiram fazer uma revolução na fazenda e passaram a administrá-la independentemente da vontade dos homens, e logo em seguida, os porcos manipularam outros animais e passaram a concentrar poderes em suas mãos em nome do “animalismo” (socialismo). Ou seja, uma sátira sobre a Revolução Russa, que construída com técnicas de animação (presente permanentemente
109 no cotidiano e consumo dos jovens), refletia o texto apresentado pelo livro didático. Entretanto, os comentários dos adolescentes variavam, com considerações como: um filme “cansativo”, “chato” e que “não falava de nada”. Como se observa, mesmo com todo este esforço, no saber profissional acumulado nesses anos de experiência ininterrupta e nas preocupações em passar os conteúdos de forma bastante pedagogizada, os resultados ainda foram modestos, pois, há sempre aquela situação não prevista, problemática, tradição de ensino-aprendizagem solidificada entre alunos e outros professores, de outras disciplinas, o que não impediram alguns avanços. Nesses pequenos avanços, nas contribuições de autores contemporâneos que pensam uma “nova epistemologia da prática docente” e na esperança de que os novos profissionais do ensino de sociologia, que estão em fase inicial de sua formação, é que podemos refletir sobre as perspectivas, tendências, possibilidades e dificuldades na formação docente nas Faculdades de Educação. Também na análise do problema das diretrizes curriculares – que, por sua vez, se reflete nos diversos conteúdos aplicados, nas metodologias e recursos –, é preciso ter claro que uma legítima proposta de diretrizes, didáticas e conteúdos deva nascer da prática dos professores, o que envolve não só a aula, mas a participação desses na construção do saber escolar sobre o ensino de sociologia. Portanto, levando em consideração as questões refletidas acima, qualquer proposta de utilização de recursos didáticos ou novas tecnologias de ensino em sociologia, requer uma conjugação de esforços que, primeiro, não desassocie teoria e prática; depois, supere o modelo tecnicista; e por fim, que os cursos de formação de professores, nos seus componentes curriculares que abrangem a área de ensino de sociologia, estabeleçam vínculos – pesquisas, produção de conhecimento, investigações das diversas práticas existentes – entre os futuros profissionais e aqueles que estão atualmente exercendo a profissão no Ensino Médio. Este processo faz-se necessário na medida em que, nesta área de conhecimento, ainda são imprescindíveis a justificação pedagógica da disciplina no Ensino Médio, a construção de um consenso mínimo no que diz respeito aos conteúdos a serem ministrados e seus objetivos, e a constante flexibilidade de uso de recursos didáticos, diante da velocidade do avanço tecnológico.
Referências bibliográficas: CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2001. DUBET, F. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Espaço Aberto, nº 5 e 6 mai/dez 1997, p. 222231. GUIMARÃES, E. F. e TOMAZINI, D. A. Sociologia no Ensino Médio: historicidade e perspectives da ciência da sociedade. Relatório de pesquisa. In: CARVALHO, L. M.G. Sociologia e Ensino em debate . Ijuí: ED. Unijui, 2004, p. 197-218. KRESS, G. O “Ensino na era da informação: entre a instabilidade e a integração”. In: MOREIRA, A. F. B. e GARCIA, R. L. (Orgs.) Currículo na contemporaneidade. Incertezas e desafios . São Paulo: Ed. Cortez, 2003, p. 115-137. MEKSENAS, P. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1994.
110 OLIVEIRA, L. F. de e COSTA, R. C. R. da. Sociologia para jovens do século XXI. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2007. PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza . Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. SANTOS, M. B. dos. A sociologia no contexto das reformas do Ensino Médio, In: CARVALHO, L. M. G (org.). Sociologia e Ensino em debate . Ijuí: ED. Unijui, 2004, p. 131-180. SARANDY, F.M.S. Reflexões acerca do sentido da Sociologia no Ensino Médio. In: CARVALHO, L. M. G. Sociologia e Ensino em debate . Ijuí: ED. Unijui, 2004, p. 113-130. SHULMAN, L. "Those who understand: knowledge growth in teaching". In: Educational Researcher, 15(2), 1986, p.4-14. TARDIF, M. e RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade. Vol. 21 nº.73 Campinas Dec. 2000, p. 209-244. TOMAZI, N. D. e LOPES JUNIOR, E. “Uma angústia e duas reflexões”. In: CARVALHO, L. M. G (org.).
Sociologia e Ensino em debate . Ijuí: ED. Unijui, 2004, p. 61-75.
111
O ensino de Sociologia na educação básica: análise e sugestões Alexandre Barbosa Fraga (IFCS/UFRJ)61 Nadia Maria Moura Bastos (IFCS/UFRJ)62
1 – Introdução A reflexão que faremos no presente trabalho parte dos dados e resultados obtidos na pesquisa “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”, realizada no âmbito da aula de Didática Especial e da Prática de Ensino do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Faculdade de Educação da UFRJ. Tal pesquisa foi orientada pela professora Anita Handfas63 e apresentada na XXIX Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ, no ano de 200764. Naquela ocasião, a nossa preocupação era compreender a relação que os alunos do 65 Ensino Médio de algumas escolas públicas do município do Rio de Janeiro mantinham com
a disciplina Sociologia. Seguíamos a hipótese de que essa relação variava de uma escola para outra em função de determinadas variáveis: a maneira como o professor trabalha a disciplina (material didático e metodologia); o modo como a disciplina se insere no projeto políticopedagógico da escola; o capital cultural do aluno; o fato de a escola ser técnica ou não; e a expectativa em prestar o vestibular. Dentre as conclusões dessa pesquisa, percebemos que 50,6% dos alunos que responderam ao nosso questionário não vêem nenhuma contribuição da Sociologia para a sua formação (9,8%), muito pouca (15,0%) ou pouca (25,8%); e que 47,4% não gostam nada das aulas (11,5%), muito pouco (10,1%) ou pouco (25,8%) 66. Dessa forma, esses resultados pedem uma reflexão mais aprofundada sobre as possibilidades do ensino de Sociologia. 61
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pelo IFCS/UFRJ. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. E-mail: [email protected]. 62 Bacharel e licenciada em Ciências Sociais pelo IFCS/UFRJ. E-mail: [email protected]. 63 Professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Agradecemos a ela pelo incentivo, orientação e dedicação ao longo da pesquisa. 64 A pesquisa foi realizada por toda a turma de Didática Especial das Ciências Sociais, de 2007, da qual fazíamos parte. Agradecemos a eles a seriedade e o interesse com que a realizaram. 65 O universo da pesquisa foram as oito escolas em que o estágio da Prática de Ensino foi realizado. São elas: quatro estaduais, ligadas à Secretaria de Estado de Educação (SEE): Colégio Estadual Souza Aguiar, Colégio Estadual Visconde de Cairu, Colégio Estadual Central do Brasil (no município do Rio de Janeiro) e Ciep Cândido Portinari (no município de Petrópolis); uma da Rede FAETEC, ligada à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT): Instituto de Educação; e três federais: Colégio de Aplicação UFRJ, Centro Federal de Educação Tecnológica e Colégio Pedro II. A metodologia empregada foi a observação participante nas aulas de Sociologia, a aplicação de questionários aos alunos e a entrevista com os professores. 66 Esses resultados foram obtidos através da aplicação de 287 questionários, que correspondem a 25% do universo das turmas que têm aula de Sociologia de cada uma das oito escolas.
112 Vamos refletir sobre a maneira como a Sociologia está sendo ensinada e sobre como (e se) é possível fazer com que os alunos gostem mais das aulas e percebam nessa disciplina uma maior contribuição, no sentido de agregar à formação discente algo de específico para além das demais disciplinas. Dessa forma, no presente trabalho nós nos afastamos da preocupação com a relação do aluno com a Sociologia e nos aproximamos do ensino dessa disciplina em si, ainda que as duas questões estejam relacionadas.
2 – A Sociologia e seu peso na formação dos alunos Na tabela 1, podemos notar que a maioria dos alunos da amostra (50,6%) percebe pouca, muito pouca ou nenhuma contribuição da Sociologia na sua formação. Em contraponto, 49,5% deles disseram que essa disciplina contribui muito (31,7%) ou é fundamental (17,8%) quanto a essa questão. Esse ponto da formação é importante, pois está intimamente relacionado à contribuição que a Sociologia tem a oferecer para o rol de conhecimentos estabelecido para o Ensino Médio. Além disso, pensar e afirmar a sua relevância na formação dos estudantes foi essencial para sustentar uma argumentação favorável ao seu retorno a esse nível de ensino. Tabela1: Peso da Sociologia na formação discente
A Sociologia contribui para sua f ormação? Nº. de questionários
%
Nada
28
9,8
Muito pouco
43
15,0
Pouco
74
25,8
Muito
91
31,7
É fundamental
51
17,8
Total
287
100,0
Fonte: Pesquisa “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”.
Kelly Cristine Mota (2005) reflete sobre o papel da Sociologia na formação dos estudantes, a partir das perspectivas dos docentes. Tendo em vista as concepções dos professores entrevistados por ela e dos defensores do retorno dessa disciplina aos programas curriculares, seriam dois os papéis da Sociologia na formação discente:
113
1) Formação para a crítica: formar alunos que se posicionem frente à realidade social tendo como horizonte a mudança da ordem social instituída. Compreender para transformar. É uma perspectiva da compreensão da realidade associada ao seu conseqüente enfrentamento, através de ações que transformem relações sociais estabelecidas.
2) Formação para a cidadania: formar cidadãos conscientes e preparados para desempenhar a cidadania, de forma que os estudantes tenham um conhecimento mais profundo de seus direitos e deveres. Kelly Cristine Mota faz críticas a esses dois supostos papéis desempenhados pela Sociologia na formação escolar. Para ela, é como se o professor de Sociologia fosse retirar os alunos de um estado de não-crítica e de não-cidadania. Ambas dimensões que envolvem, na realidade, práticas e valores diários, que são aprendidos também fora da escola. Quanto à crítica, pensar e compreender o mundo social não significa necessariamente dar o passo no sentido de mudá-lo. Quanto à cidadania, será esse um papel exclusivo da Sociologia? Os conhecimentos matemáticos e das demais disciplinas contribuem igualmente para que os alunos possam exercer de forma mais plena a cidadania. Seriam essas perspectivas reducionistas do papel da Sociologia. Na nossa concepção, o ensino de Sociologia na educação básica deveria estar direcionado majoritariamente para um terceiro papel:
3) Formação para a reflexão sobre a realidade social: formar alunos que reflitam sobre a realidade social por meio de uma perspectiva sociológica e que sejam capazes de fazer uma análise objetiva da sociedade que os cerca. E que fique claro que não é que o professor vá possibilitar a passagem dos alunos de um estado de não-reflexão para o seu oposto. Os alunos são conhecedores da vida social por fazerem parte dela. Como diria Giddens (2003), os atores sociais não só controlam e regulam continuamente o fluxo de suas atividades, mas também monitoram aspectos dos contextos em que se movem. O professor vai apresentar outras maneiras de perceber a realidade, outros olhares sobre um mesmo tema, que juntos com o do próprio aluno tornarão a realidade mais clara. Não nos parece que o papel da Sociologia seja fazer do aluno um transformador da ordem social instituída, pois isso retira dele a opção por transformar ou não. Falar em cidadania e crítica é pouco. É importante pensar e compreender o mundo social, mas isso não
114 significa necessariamente mudança da realidade. O papel do professor de Sociologia não é levar os alunos a fazerem transformações, mas é buscar que os alunos pensem de outra forma (que não apenas a do senso comum) sobre a vida social, através de uma problematização profunda dos temas sociológicos, logicamente com a devida transposição didática. A partir daí, transformar ou não ficará a cargo de cada um deles.
3 – Gostar ou não das aulas Na tabela 2, podemos perceber que 47,4% dos alunos que responderam ao questionário gostam nada, muito pouco ou pouco das aulas. Em contraponto, 52,6% disseram que gostam muito (35,5%) ou as acham excelentes (17,1%). Tabela 2: O gosto pela aula
Você gosta das aulas? Nº. de questionários
%
Nada
33
11,5
Muito pouco
29
10,1
Pouco Muito
74 102
25,8 35,5
Elas são excelentes
49
17,1
Total
287
100,0
Fonte: Pesquisa “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”.
São muitos os motivos que podem levar os alunos a gostarem ou não das aulas de Sociologia. Através da próxima tabela, poderemos perceber quais são os mais importantes. Tabela 3: Motivos pelos quais gosta ou não das aulas
Você gosta das aulas de Sociologia? Por quê? (287 questionários) (em %) Tipo de avalia ção Nada
9,1
Metodologi Por causa Relação a utilizada do da pelo professor disciplina professor com fatos do cotidiano 13,6 9,1 12,1
Conte údo
Não respo ndeu
Tot al
33,3
22,7
100
115
Muito
17,2
20,7
6,9
10,3
22,4
22,4
100
Pouco
12,1
14,9
7,4
14,2
33,8
17,6
100
Muito
1,9
11,3
14,7
33,8
24,5
13,7
100
2,0
17,3
16,3
25,5
19,4
19,4
100
pouco
Elas
são
excelentes Fonte: Pesquisa “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”.
Na relação entre o gosto pela aula de Sociologia e os motivos, verifica-se que os alunos que não gostam nada, muito pouco e pouco têm como motivo principal o conteúdo e em seguida a metodologia do professor. Já os alunos que gostam muito ou que acham as aulas excelentes apontam como principal fator a relação da disciplina com fatos do cotidiano. Outro aspecto interessante é a questão do gosto cruzado com a renda, como veremos na quarta tabela. Tabela 4: Relação entre a renda média mensal da família e o gosto pelas aulas
Renda (em reais)
Você gosta das aulas? (287 questionários) Nada
Até 380
Muito pouco
Pouco
Muito
Elas são excelentes
Total
7,7%
7,7%
46,2%
38,5%
100%
De 380 a 760
15,7%
5,9%
19,6%
41,2%
17,6%
100%
De 760 a 1140
14,7%
13,3%
20,0%
30,7%
21,3%
100%
De 1140 a 1520
12,0%
10,0%
24,0%
32,0%
22,0%
100%
Até 3000
7,7%
15,4%
30,8%
38,5%
7,7%
100%
Mais de 3000
7,7%
7,7%
44,2%
32,7%
7,7%
100%
Fonte: Pesquisa “Sociologia no Ensino Médio: a construção da relação aluno-disciplina”.
O que nós podemos perceber, para a nossa amostra de alunos, é que quanto maior a renda, menos se gosta das aulas de Sociologia e quanto menor a renda, mais se gosta. As tabelas 3 e 4 podem ser explicadas conjuntamente. Quem gosta menos das aulas (que nós vimos que é quem tem maior renda) aponta como motivo o conteúdo. Quem gosta mais das aulas (que nós vimos que é quem tem menor renda) aponta como motivo a relação da disciplina com fatos do cotidiano. A nossa hipótese é a de que os alunos com maior renda e, possivelmente, maior capital cultural vêem muitos dos temas da aula de Sociologia como algo
116 que já aparece no seu dia-a-dia e não representa a novidade que é para os alunos de renda mais baixa. E isso está ligado à forma como a Sociologia está sendo ensinada, cuja análise se encontra a seguir.
4 – O ensino de Sociologia: análise e sugestões Pensar o ensino de Sociologia, de maneira mais abrangente, é pensar na infraestrutura, nos recursos disponíveis, nos investimentos direcionados à educação por parte do Estado, no salário pago aos professores e na conseqüente necessidade de trabalhar em diferentes escolas, podendo dar menos atenção a cada uma delas em separado. Mas é também, e talvez principalmente, pensar na natureza didático-pedagógica da questão. É óbvio que as aulas de Sociologia na educação básica não podem ser como as da universidade, muitas vezes aulas expositivas com alto grau de abstração. Mas também não devem ficar apenas no nível concreto dos fatos do cotidiano. E parece que o ensino de Sociologia, muitas vezes, tem se dado dessa segunda forma. É problemático a Sociologia ser desenvolvida no Ensino Médio tendo como referencial os fatos do cotidiano, sem criar as condições que possibilitem aos alunos darem um salto qualitativo no que diz respeito à generalização e à abstração do conteúdo. De forma que “devemos ficar atentos para não recair no “espontaneísmo populista” que ao propor que devemos “partir da realidade do aluno” acaba por nos levar a “ficar na realidade do aluno”, impedindo o acesso aos saberes e instrumentais disponíveis na sociedade” (Monteiro, 2000: 144). Maurice Tardif (1991, 2000a e 2000b), chama a atenção para os saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos pelos professores no âmbito de suas tarefas cotidianas: saberes da experiência. Os professores são percebidos como sujeitos do conhecimento que não apenas aplicam noções produzidas por outros, mas que possuem um saber-fazer proveniente de sua própria atividade. Embora, para esse autor, outros saberes também sejam importantes: da formação profissional, das disciplinas e os curriculares. Apontando outra perspectiva, Newton Duarte (2003) acredita que a desvalorização do saber teórico está presente em vários autores que se tornaram referência no campo dos estudos sobre formação de professores, criticando, principalmente, os estudos de Donald Schön, que defende que a formação do professor deveria, ao invés de concentrar-se no domínio de teorias científicas, voltar-se para o seu saber experencial. Duarte está em busca de uma maior
117 valorização do conhecimento científico/teórico/acadêmico e defende que Tardif acaba relegando esse conhecimento a um segundo plano. É necessária uma valorização das conexões entre conhecimento científico e prática social do aluno. Nesse sentido, o que os professores devem buscar é um equilíbrio entre a relação da disciplina com os fatos do cotidiano e o conteúdo acadêmico ensinado, mobilizando tanto o conhecimento valorizado por Tardif quanto por Duarte. Ou seja, é tão importante o saber teórico, acadêmico, científico (Duarte, 2003) quanto os saberes da experiência (Tardif, 1991, 2000a e 2000b). Também é de suma importância refletir sobre a maneira como o professor trabalha a disciplina, ou seja, sobre o uso que ele faz do material didático e da metodologia de ensino. Seja por meio de aulas expositivas, trabalhos em grupo, utilização de textos clássicos ou de matérias de jornal, o ponto nevrálgico é estar atento para o que de fato desperta o interesse do aluno e o faz apreender os conteúdos e discussões, pois, caso contrário, as atividades serão de pouca valia.
5 – Conclusão
Em muitas escolas há a sensação de que a Sociologia faz parte do currículo escolar por conta muito mais da obrigatoriedade dessa disciplina no Ensino Médio do que pela constatação por parte da direção, dos demais professores e dos alunos de que ela tem uma contribuição significativa na formação discente. O espaço da Sociologia nos programas escolares foi reconquistado via mobilização e ratificado via legislação. Cabe aos professores legitimarem, para além da lei, a contribuição específica que é o potencial dessa disciplina, a saber, fazer com que os alunos possam refletir sobre a realidade social valendo-se do olhar sociológico. Esse olhar diferenciado é sustentado por um arcabouço teórico, sem o qual a Sociologia na educação básica não se diferencia muito das demais disciplinas ligadas às humanidades. Para construir um lugar de fato para a Sociologia na escola, reconhecido pela maior parte dos atores sociais que formam o espaço escolar, é preciso diferenciá-la das aulas de História, de Português, de Filosofia, focando as suas características distintivas, pois, uma identidade específica se define e se afirma na diferença. Nesse sentido, ficar apenas no plano dos fatos do cotidiano, ou em textos de jornal, não como trampolim, mas como ponto de chegada, não desenvolve o potencial da Sociologia, nem contribui para que se perceba o que ela agrega de específico à formação discente.
118 Quando se percebe que uma grande fatia dos alunos gosta pouco das aulas e vê como pequena a contribuição da Sociologia na sua formação, várias explicações podem ser dadas, nem sempre as mais acertadas, citamos duas: ‘os alunos atualmente não estão querendo nada’, não só em relação a essa disciplina, mas ao estudo de maneira geral; e o fato de a Sociologia não estar presente no vestibular a torna menos relevante frente às demais disciplinas. Mas o importante é “pensar o problema de uma perspectiva diferente: o que tem a escola que não desperta o interesse deles? De modo específico, o que tem a sociologia, como ela tem sido construída, para que a achem desnecessária?” (Mota, 2005: 104/105). Essa é a questão que todos aqueles que querem modificar positivamente o ensino de Sociologia na educação básica devem se perguntar: o que é possível fazer para que o ensino seja mais interessante, para que a Sociologia faça mais sentido aos alunos? Procuramos através da reflexão realizada aqui dar alguns indícios de como isso poderia ser feito. Primeiro, lembremos que na maioria das escolas, até o momento, a Sociologia faz parte da vida escolar durante apenas um ano dentre toda a trajetória escolar dos estudantes. Com isso, a relação que eles vão estabelecer com esse conhecimento é muito nova, diferente de uma relação que eles já vêm construindo a vida toda com outras disciplinas. Nesse sentido, aumenta ainda mais a importância de eles serem apresentados a um conhecimento que tem um arcabouço teórico e uma identidade própria para além das outras disciplinas. A possibilidade de a Sociologia ser ensinada não como uma bricolagem, como ocorre em algumas escolas, em que se misturam textos de jornais com fatos do cotidiano, temas 67 históricos, lições de cidadania, e até mesmo ensinamentos de auto-ajuda , mas como um
conjunto de conhecimentos próprio e coerente, faz com que ela tenha mais sentido para os alunos. Segundo, a valorização excessiva da abstração em detrimento das relações concretas ou a valorização das relações concretas em detrimento da abstração é prejudicial ao ensino de Sociologia, pois o seu equilíbrio é vital para uma compreensão plena da vida social. Nesse sentido, é necessário dar um passo além de uma explicação que privilegie apenas os fatos do cotidiano. Terceiro, o papel da Sociologia na educação básica nos parece ser a formação para a reflexão sobre a realidade social, ou seja, formar alunos que reflitam sobre a realidade social 67
Como aparece em uma das entrevistas com professores de Sociologia no artigo de Kelly Cristine Mota: “Eu trabalho muito com livros de auto-estima, livros do doutor Lair Ribeiro, Ruptura da mente , um outro livro que eu estou lendo e tiro pensamentos, e... Roberto Shianashiki. Então eu parto sempre de um pensamento, então eu chamo de pensamento do dia, e geralmente está ligado ao assunto que a gente vai discutir (Luíza)” (Mota, 2005: 103).
119 valendo-se do instrumental sociológico e que sejam capazes de analisar objetivamente a sociedade na qual estão inseridos. O professor deve ser capaz de articular os temas aos conceitos e teorias sociológicas, explicando-os em uma linguagem clara e objetiva, de modo a despertar o interesse e participação dos alunos, mas sem deixar que a discussão fique no senso comum ou caia na banalização. Quarto, o professor deve fazer uma reflexão constante sobre sua metodologia de ensino e seu material didático. Quanto mais ele experimentar novos métodos, diversificar seus materiais, propor novas atividades, maiores serão as condições de ele selecionar o que dá mais certo com os alunos e, assim, tornar a aula mais interessante. Isso pede que, por mais difíceis que sejam as condições de trabalho, o professor esteja disposto a inovar. O que adianta utilizar todo o ano os mesmos materiais e a mesma metodologia se claramente não parecem despertar o interesse do aluno. A característica distintiva da Sociologia e a sua mais importante contribuição para a formação dos alunos é a reflexão sobre a realidade social por meio de um arcabouço teórico sociológico. Cabe aos professores valorizarem essa característica mais intensamente para que o lugar que a Sociologia ocupa na educação básica seja cada vez menos apenas o reflexo da sua inclusão obrigatória no currículo do Ensino Médio, e cada vez mais o resultado de sua contribuição efetiva com a formação discente, de forma que se torne visível um lugar conquistado e reconhecido como seu.
Referências Bibliográficas: DUARTE, Newton. Conhecimento tácito e conhecimento escolar na formação do professor (por que Donald Schön não entendeu Luria). In: Educação e Sociedade. Vol. 24, n°. 83. Campinas, 2003. GIDDENS, Anthony. “Elementos da teoria da estruturação". In: A constituição da
sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MONTEIRO, Ana Maria. A prática de ensino e a produção de saberes na escola. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
120 MOTA, Kelly Cristine Corrêa da Silva. Os lugares da sociologia na formação de estudantes do ensino médio: as perspectivas de professores. In: Revista Brasileira de Educação. ANPED, nº. 29, 2005. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude e LAHAYE, Louise. Os professores face ao saber. Esboço de uma problemática docente. Teoria & educação, n°. 4. Porto Alegre: Panônica, 1991. TARDIF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade, prática e saberes no magistério. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Didática, currículo e saberes
escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000a. __________. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. In: Revista Brasileira de Educação. ANPED, nº. 13, 2000b.
121
DOCÊNCIA
122
Formação de professores de Sociologia: reflexões sobre diferentes modelos formativos68 Anita Handfas69 FE /UFRJ
Introdução A discussão sobre a formação do professor de Sociologia é bastante oportuna, sobretudo neste momento em que nos defrontamos com um novo quadro imposto pela atual legislação que estabelece a obrigatoriedade da Sociologia nos três anos do Ensino Médio. Dados recentes divulgados pela Capes indicam que o Brasil tem atualmente 20.339 professores de Sociologia atuantes na Educação Básica, sendo que desses somente 2.499 são licenciados (12%). Não devemos com esses dados coadunar com algumas perspectivas mais pessimistas que têm utilizado argumentos como este para justificar o equívoco da nova legislação. Entretanto, não resta dúvida que essa realidade parece trazer à tona uma série de contradições que precisam ser tratadas tanto pelas instituições de ensino superior responsáveis pela formação do professor, como pelas instituições escolares que já contam com a Sociologia como um componente curricular, mas que certamente terão que se ajustar à nova legislação. Uma dessas contradições diz respeito à maneira como são configurados hoje os cursos de ciências sociais – bacharelado e licenciatura, e, portanto, os limites e as possibilidades que diferentes modelos podem representar na formação do futuro professor. Neste texto farei uma reflexão inicial sobre a formação do professor de Sociologia do ponto de vista das instituições formadoras, a saber, as universidades federais. O objetivo, por ora, é tão somente informar de maneira sistematizada a configuração atual dos cursos de ciências sociais e levantar de forma resumida a discussão em torno dos diferentes percursos para a formação do professor. Com efeito, essas instituições convivem com diferentes modelos de formação, algumas delas com dois coexistindo simultaneamente. Como se sabe, tal configuração deu-se por força de legislação que se modificou ao longo dos anos, mas também está imersa em uma discussão onde se confrontam diferentes concepções sobre a formação do professor. Aqui, não vou me deter na legislação que no caso da sociologia, determinou as idas e vindas da 68
Parte desse texto foi apresentado em forma de conferência no I Encontro Estadual de Ensino de Sociologia, na Faculdade de Educação da UFRJ, em setembro de 2008. 69 Professora de Didática Especial e Prática de Ensino de Ciências Sociais.
123 disciplina no currículo escolar, mas vou focalizar somente a configuração dada dos modelos de formação de professores nos cursos de ciências sociais das universidades federais. O debate colocado em torno desses diferentes modelos está relacionado ao binômio ser professor / ser pesquisador e a questão central gira em torno da premissa de que a formação do professor tem que articular ao mesmo tempo os conteúdos necessários para a sua formação profissional e os conteúdos pedagógicos necessários para a formação docente. Subjacente a essa idéia está a identificação entre as diferentes modalidades de formação oferecidas hoje pelas instituições formadoras de nível superior. Assim, conhecer a configuração atual dos cursos de ciências sociais das universidades federais pode fornecer indicadores dos diferentes percursos formativos adotados por essas instituições, favorecendo uma discussão mais sistematizada a respeito da formação docente. Para tal, por meio de um levantamento inicial que informa os diferentes percursos formativos adotados atualmente pelas universidades federais, vou situar a discussão em torno da premissa enunciada acima para então acrescentar alguns elementos, no sentido de contribuir com o debate. Penso que no contexto atual em que se insere a sociologia como componente curricular obrigatório no Ensino Médio, faz-se necessário uma reflexão que possa levar em conta os diferentes aspectos concernentes à formação docente, e certamente um olhar mais atento para as instituições formadoras pode fornecer subsídios na busca de alternativas para uma formação consistente do professor de sociologia.
Situando a discussão Atualmente os cursos de ciências sociais das universidades federais oferecem três modelos distintos de formação do professor de sociologia. Um primeiro modelo conhecido por “3” + “1”, que oferece um percurso por meio do qual o aluno deve cursar o bacharelado em seu instituto de srcem para a partir do 5° período cursar as disciplinas pedagógicas na Faculdade de Educação, conferindo-lhe ao finalo diploma de licenciado em ciências sociais; um segundo modelo, que integra no mesmo curso o bacharelado e a licenciatura, devendo o aluno, a partir de sua escolha, integralizar seu currículo com as disciplinas necessárias para cada um deles; e um terceiro modelo que dispõe de dois cursos distintos – o bacharelado em ciências sociais e a licenciatura em ciências sociais.
124 Tendo em vista a polêmica em torno do binômio ser professor / ser pesquisador, o principal alvo de questionamentos fica por conta do terceiro modelo elencado, quais sejam, àquelas universidades que oferecem cursos de bacharelado e de licenciatura separadamente. O argumento principal é o de que essa separação acarretaria uma dicotomia entre pesquisa e ensino, precarizando a formação do professor, na medida em que a separação dos dois percursos expressaria uma valorização do bacharelado (pesquisador), em detrimento da licenciatura (professor). No limite, essa crítica enseja a idéia de que um percurso formativo próprio para a formação docente reforçaria a tendência em identificar o professor como um mero reprodutor de conteúdos, ou ainda a um profissional que caberia somente o saber-fazer, excluindo de sua formação conteúdos advindos de uma configuração curricular mais teórica e reflexiva. É verdade que na formação acadêmica existente em nossas universidades, podemos identificar uma tendência a supervalorizar o bacharelado em detrimento da licenciatura e isso certamente se dá em função da própria desvalorização do papel do professor. Vale dizer que tal desvalorização é uma das formas de manifestação do papel que é conferido ao professor na sociedade brasileira, decorrente da nossa própria formação social e do processo de escolarização que aqui se deu. Portanto, do ponto de vista dos conteúdos curriculares dos cursos de formação, devem ser criados mecanismos de modo a superar essa dicotomia, elaborando currículos que articulem a dimensão teórica e prática inerente à formação do professor. Entretanto, é preciso considerar que a prática de ensino, enquanto um elemento das ciências da educação guarda especificidades que devem necessariamente ser objeto de estudos concernentes a essas ciências – didática, psicologia, filosofia, prática de ensino, estrutura do ensino, legislação, etc., que devem ser objeto de reflexão e análise do professor em processo de formação. Isso não significa que se deve priorizar essas disciplinas e preterir aquelas necessárias à formação de um cientista social, mas, ao contrário, compreender que trata-se de transitar no terreno da ciência, como pressuposto para a formação docente, o que deve nos fazer levar em consideração as especificidades de cada ciência. A esse respeito, é interessante lembrar da existência na França da Escola Normal Superior (École Normale Supérieure) que como sabemos formou professores como Michel Foucault, Pierre Bourdieu, Jean-Paul Sartre e tantos outros.
125 Com o objetivo de traçar um quadro geral que mostra a configuração atual dos cursos de ciências sociais das universidades federais, apresento o quadro a seguir.
UNIVERSIDADES FEDERAIS POR MODALIDADE DE CURSO DE CIENCIAS SOCIAIS 70 UNIVERSIDADE
MODALIDADE
Universidade Federal do Acre – UFA
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal do Amapá – UNIFAP
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Pará – UFPA
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA
Não tem
Universidade Federal de Rondônia – UNIR
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Roraima – UFRR
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal de Tocantins – UFT
Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Bacharelado em Ciências Sociais
REGIÃO NORTE
Licenciatura em Ciências Sociais
REGIÃO
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Ceará – UFC
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal do Maranhão – UFMA
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE
Bacharelado em Ciências Sociais (ênfase em
NORDESTE
sociologia rural) Universidade Federal do Piauí – UFPI
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Sergipe – UFS
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
70
Universidade Federal de Campina Grande – UFCG
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA
Não tem
Levantamento feito a partir de informações tiradas da pagina eletrônica do Ministério da Educação (www.mec.gov.br).
126 Universidade de Brasília – UNB
REGIÃO
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Goiás – UFG
CENTRO-
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
OESTE71 Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do ABC – UFABC
não tem
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal Fluminense – UFF
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
REGIÃO
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Lavras – UFLA
não tem
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP
não tem
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de São Carlos – UFSC Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
Bacharelado em Ciências Sociais Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Viçosa – UFV
não tem
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
não tem
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Bacharelado em Ciências Sociais
SUDESTE
Licenciatura em Ciências Sociais Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI
não tem
Universidade Federal de São João Del-Rei – UFSJ
não tem
Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG
Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM
não tem
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
não tem
– UFVJM Universidade Federal do Rio Grande – FURG
não tem
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
71
Na região Centro-Oeste encontramos ainda a Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, que até 2006 era uma campus universitário da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, tornando-se universidade a partir deste ano. Entre os cursos oferecidos não figura o de ciências sociais.
127 Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
REGIÃO
Universidade Federal do Paraná – UFPR
SUL
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Pelotas – UFPEL
Bacharelado em Ciências Sociais Licenciatura em Ciências Sociais
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Bacharelado em Ciências Sociais
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR
não tem
Antes de comentar os dados da tabela acima, é importante chamar a atenção para as universidades federais, cuja denominação do modelo de curso foi “bacharelado e licenciatura”. Isso porque, essa mesma denominação serve para designar tanto os cursos que operam com o modelo “3+1”, como os cursos, cuja estrutura curricular apresenta uma bifurcação para os alunos que optem pelo bacharelado e para os que optem para a licenciatura. Nesse caso, o curso é integralizado no instituto de srcem e as chamadas disciplinas pedagógicas (para os alunos que optarem pela licenciatura) são ministradas por professores das faculdades de educação. Verifica-se na tabela acima que a maioria das 51 universidades federais possui cursos 72 de ciências sociais, variando apenas nas modalidades oferecidas. Destas, 15 operam com a
modalidade conhecida por “3+1”. Verifica-se ainda que 12 universidades já oferecem os dois 73 Estas cursos separados – bacharelado em ciências sociais e licenciatura em ciências sociais.
duas modalidades representam pouco mais de 50% das universidades federais. Por sua vez, encontramos ainda 9 universidades que formam seus alunos exclusivamente na modalidade bacharelado e 2 que oferecem somente a modalidade licenciatura. Se levarmos em conta as regiões, em termos relativos, são as universidades da região sul as que mais oferecem as modalidades de bacharelado e licenciatura separadas. O restante mantém-se mais ou menos equilibradas entre as modalidades “3+1” e as que oferecem os dois cursos separados.
72
As 13 universidades federais que não oferecem cursos de ciências sociais são instituições localizadas em áreas rurais, ou universidades tecnológicas. 73 Há casos em que vamos encontrar universidades que ainda operam com as duas modalidades simultaneamente – bacharelado e licenciatura em um curso só e bacharelado e licenciatura em dois cursos distintos. É o caso do novo curso de licenciatura em ciências sociais da UFRJ que inaugurado em 2009, ainda conviverá simultaneamente com o modelo “3+ 1”, até que estejam formados os alunos que já ingressaram neste modelo.
128 Cabe salientar a existência de toda uma legislação que se refere às exigências quanto à atribuição da responsabilidade pela formação de docentes para a educação básica nos cursos de licenciatura plena, deslocando-os dos formatos ainda vigentes (complementação do Bacharelado nas Faculdades de Educação), para os formatos que operam com percursos próprios (bacharelado e licenciatura). Não resta dúvida de que para se compreender o atual quadro, esses dados por si só exigem um estudo mais apurado, levando em consideração, entre outros, as grades curriculares dos cursos, de modo a avaliar, no caso dos cursos de licenciatura, o peso das disciplinas necessárias para a formação de um cientista social, assim como das disciplinas didáticas e pedagógicas constantes na grade curricular do curso. É importante avaliar também os demais modelos, verificando os conteúdos trabalhados nos cursos que oferecem o modelo “3+1” e identificando o nível de articulação das disciplinas pedagógicas com as disciplinas constantes da grade curricular do curso de bacharelado. No que diz respeito aos cursos de ciências sociais que oferecem o modelo bacharelado e licenciatura em um mesmo curso, é preciso verificar a maneira pela qual o aluno traça o seu percurso ao longo do curso, uma vez que salientei anteriormente que nesse modelo de curso, a grade curricular é bifurcada, de modo a atender a opção pelo bacharelado ou pela licenciatura. Além disso, é muito importante fazer um acompanhamento das discussões que cada universidade está fazendo no sentido de reestruturar seus cursos de formação de professores, tendo em vista qualquer dos modelos adotados, até porque, em última instância, o que importa é garantir a articulação dos cursos de ciências sociais com as faculdades de educação, já que independente do modelo adotado, tal articulação é imprescindível para restabelecer uma formação docente consistente e rigorosa nas universidades federais.
Considerações finais Esse breve texto, muito mais informativo do que analítico, teve como objetivo principal sistematizar a atual configuração dos cursos de ciências sociais das universidades federais, no sentido de obter um quadro geral da formação dos professores de sociologia nas instituições públicas de âmbito federal. Além disso, procurei apresentar uma síntese dos debates em torno das concepções sobre a formação docente, assim como busquei acrescentar alguns elementos para a discussão.
129 Resumidamente, importa retomar dois pontos que devem servir de eixos para aprofundamentos futuros: a discussão sobre a formação docente e por conseguinte os limites e as possibilidades dos diferentes modelos formativos tem que ser deslocada da dimensão meramente didático-pedagógica, para a dimensão social, agregando elementos relacionados ao papel social atribuído ao professor na sociedade brasileira. Por outro lado, cabe destacar também a necessidade de pensar a prática de ensino de sociologia como um elemento integrante das ciências da educação e que portanto, guarda determinadas especificidades que devem constituir-se em objeto de estudo. Penso que essa perspectiva consegue inclusive superar uma suposta dicotomia entre teoria e prática, muito enfatizada no debate, que se fundamenta na idéia de que existiriam as disciplinas teóricas (bacharelado) e as disciplinas práticas (licenciatura). A análise científica dos processos sociais e pedagógicos contempla tanto a dimensão teórica, como a dimensão prática. Por fim, saliento mais uma vez a importância de que todo esse debate se faça, tendo em vista a articulação entre os cursos de ciências sociais e as faculdades de educação, único caminho para encontrar alternativas para a formação do professor de Sociologia
130
A Sociologia no Ensino Básico: desafios e dilemas. Rogério Mendes de Lima
Neste texto, gostaria de desenvolver uma reflexão sobre alguns aspectos que me parecem essenciais diante do novo contexto em que a Sociologia se insere em nosso país. Contexto que nos coloca diante de desafios e dilemas os mais diversos. Tentarei abordar alguns deles. Em primeiro lugar, a formação de professores para o ensino da Sociologia não pode ser pensada separadamente, da formação de professores como um todo, e mais, como algo distinto da própria Educação Básica. Diversas das questões, demandas, problemas e dificuldades enfrentadas por nossa disciplina na educação básica estão relacionados ao modelo de educação que vem se implementando há décadas em nosso país. A formação de professores é conseqüência, ou pelo menos deveria ser, de um projeto de educação. Nesse sentido, não se pode imaginar que a formação dos professores que irão atuar na educação básica dentro de nossa área de conhecimento, esteja desconectada de educação de modo mais geral. Arrisco-me a dizer, inclusive, que o nosso futuro enquanto área do conhecimento no âmbito da educação básica, será indicado, em grande medida, pelo caminho a ser trilhado pela educação. Somente enquanto exemplo, sem aprofundar o debate sobre esta temática, me parece que se a opção for por uma educação tecnicista, voltada exclusivamente para a formação técnica com vistas à inserção subalterna nas relações de trabalho, sem que esta seja problematizada em todos os seus aspectos, a Sociologia, e por que não dizer, as ciências humanas de modo geral, terão dificuldades em manter o seu espaço nas grades curriculares. Desse modo, não há como considerar a formação de professores de Sociologia, como algo distinto da realidade vivida pela educação como um todo. Não é o objetivo aqui discutir os caminhos da educação básica, mas, na minha visão, esta será uma discussão que em algum momento teremos de fazer com bastante profundidade, porque não consigo pensar numa inserção efetiva da Sociologia na educação básica, sem que seja revisto o atual modelo de formação de nossos jovens. Do modo como vêm sendo planejados e colocados em prática os projetos político-pedagógicos da maioria de nossas escolas, a Sociologia continuará sendo um “corpo” estranho para muitos, com todas as implicações que quase todos nós, em algum momento de nossas trajetórias, em maior ou menor grau, vivenciamos. Um outro tema que merece algumas considerações é o da formação de professores em geral. No bojo da crítica à educação, em muitos casos, é sobre os ombros dos professores que recaem as culpas pela “ineficiência” da formação das novas gerações. Obviamente, esses críticos, que quase sempre nunca entraram em uma sala de aula de ensino fundamental ou médio como docentes, se esquecem de dizer que inúmeros fatores atuam em conjunto para gerar, ou se quisermos ser mais críticos, manter a crise na educação básica brasileira. Um deles, a utilização da educação para manter
131 as classes pobres em uma condição subalterna, possibilitando aqueles que sempre desfrutaram e usufruíram, do poder, de continuar onde estão. É neste momento que a formação de professores surge como um tema relevante. Se pretendermos ter uma linguagem não muito pessimista desta formação, podemos dizer que apesar dos inúmeros problemas que apresenta, esta preparação ainda mantém alguns aspectos positivos. Não há como negar que os professores ainda têm um papel central na formação das novas gerações. Aquilo que vemos de bom na educação, é fruto da dedicação, do empenho e claro da ação dos profissionais que atuam na educação básica. É fato também, que os instrumentos adquiridos durante o processo de formação profissional estão presentes no cotidiano das salas de aula, só que obscurecidos por um desencanto com a atividade exercida e com a crescente desvalorização econômica e social, da qual os professores da educação básica têm sido objeto. Obviamente, que esta formação tem tido muitos problemas. Tentarei apontar alguns ao discutir a formação dos docentes de Sociologia, visto que são problemas semelhantes. O interessante é principalmente pensar que a lógica por detrás da formação de professores é quase sempre a mesma que encontramos na crise da educação como um todo. Ou seja, a utilização da educação como modo de manter o status quo, levando o processo de formação de professores para atuar na educação básica, a uma situação de desprestígio e investimentos menores do que os que são realizados em outras áreas dentro da própria universidade. Feitas essas rápidas considerações, vamos ao tema a ser debatido. No que se refere à formação do professor de sociologia com vistas a atuar na educação básica, podemos observar duas lógicas, ambas baseadas em uma mentalidade acerca do que deve ser a atuação profissional do cientista social no ensino básico. Uma delas, a que procura perceber esta formação como integrada à formação do pesquisador de ciências sociais. Quando isto ocorre, há um investimento nesta formação e a busca constante por discutir, formular e aplicar metodologias que permitam ao licenciando perceber as nuances da atuação no ensino fundamental e médio, ação que acontece em paralelo com uma valorização da atividade docente na preparação dos futuros profissionais e com a perspectiva de que esta é uma atividade acadêmica tão importante quanto qualquer outra e que deve ter a mesma dedicação, investimento e valorização que outras ações que fazemos dentro da universidade. No entanto, apesar dos esforços de algumas universidades, como este que observamos neste encontro por parte da Faculdade de Educação da UFRJ, esta não é, na minha visão, a lógica predominante. Se por um lado, as recentes conquistas no âmbito da legislação, têm colocado uma perspectiva de ampliação de nosso espaço dentro da educação básica, por outro, para nós profissionais que atuamos na educação básica, tem trazido à tona uma série de questões que antes não eram vistas como relevantes e passavam despercebidas. Tentarei abrir um debate sobre algumas delas. Uma questão que me parece tem de ser discutida é a dicotomia na formação do professor de ensino básico e do pesquisador. Os cursos apesar de oferecerem a licenciatura como uma habilitação a ser adquirida, nunca organizaram seus currículos com este objetivo. Salvo raras exceções, os cursos de
132 ciências sociais são preparados para formar pesquisadores em ciências sociais, ou seja, bacharéis. A formação do professor que irá atuar nas escolas de ensino fundamental e médio, ou é transferida para as faculdades de educação, o que produz bons resultados, quando estas estão bem organizadas, ou assumidas em parte pelos cursos de ciências sociais, mas sem que haja esforços no sentido de efetivamente refletir sobre qual a preparação adequada deste profissional. Em alguns casos, sequer há nos cursos, profissionais que possuam algum tipo de experiência no âmbito da educação básica, seja como formador, seja como docente em exercício neste segmento. O que resulta desta combinação é um arremedo de formação e neste sentido, é o esforço pessoal do licenciando e muitas vezes, a experiência prática em sala de aula que formam o profissional de ciências sociais que atua nos ensino fundamental e médio. Ainda sobre esta formação, é recorrente vê-la como distinta da formação do pesquisador. Ao optar pela educação básica, muitas vezes não há preocupação com a formação teórica e para pesquisa deste futuro profissional. E dessa maneira, o licenciando sofre em dobro. Por um lado, não tem a atenção adequada no que se refere à formação específica para atuar no ensino básico e, por outro, tem a sua formação teórica, tanto no âmbito das ciências sociais quanto em outras áreas, prejudicada pela pouca atenção dada pelas universidades no desenvolvimento de seus cursos de licenciatura. Esta situação estabelece ligação com uma outra questão que me parece importante ressaltar. A visão de que a licenciatura é uma alternativa de emergência. Isto significa que o aluno de graduação ao opta pela atuação no ensino básico, está procurando uma saída financeira ou de inserção no mercado até o momento em que possa ser inserir como pesquisador na universidade ou em outros setores. Visão que inclusive se faz presente entre os próprios estudantes. Desse modo, explica-se inclusive a pouca atenção dada à construção deste profissional, visto que será uma atividade temporária e não a atividade profissional em si. Por que investir em formação do licenciando se esta não é uma atividade fim do cientista social? Desta mentalidade, surgem algumas práticas e crenças, que mesmo neste contexto de crescimento da disciplina, ainda são entraves para que a formação do profissional para atuar na sociologia do ensino básico, seja de fato uma opção da academia. Entre elas, a percepção de que dar aula para o ensino básico é um demérito, um desvio na formação do cientista social. Nessa linha de raciocínio, desqualifica-se a atuação no ensino básico com uma visão equivocada de que o professor deste segmento não é cientista social como qualquer outro. Haveria, então, duas classes de cientistas sociais, os que atuam na universidade ou em atividades de pesquisa, e os que atuam nas salas de aula dos ensinos fundamental e médio. Uma outra questão, que também impacta na formação dos professores de nossa área, é a de que docência no ensino básico e pesquisa são incompatíveis. Este é outro equívoco que resulta da percepção do professor de ensino básico como reprodutor de conhecimento, no pior sentido do termo. Cabe ressaltar que aqui não é somente um problema das ciências sociais, mas da concepção que se tem da educação do aluno do ensino básico. Ainda hoje, apesar de iniciativas que têm provado o oposto, se
133 percebe este aluno como receptáculo, onde são depositados os conhecimentos construídos na academia e reproduzidos por intermédio do professor. Todas as questões levantadas convergem para um ponto específico. É necessário que os profissionais de ciências sociais inseridos na universidade construam um outro olhar sobre a licenciatura. Mas isto não será possível caso não se modifique a visão que eles próprios têm da inserção da sociologia no ensino básico. Enquanto, mesmo que de maneira implícita, continuarmos a separar a atividade do professor e do pesquisador como incompatíveis, como profissionais de categorias diferentes, apesar de possuírem os mesmos títulos e qualificações, haverá dificuldades na compreensão e na formação deste profissional. Finalizando, gostaria de apontar alguns caminhos que considero importantes para a resolução dos problemas que hoje enfrentamos. Um deles, a necessidade de uma sólida formação teórica por parte destes futuros professores. Concordo com aqueles que entendem que o professor que irá atuar no ensino básico precisa ter um domínio das teorias e métodos das ciências sociais, igual ou melhor do que os que centram sua atuação nas universidades, na medida em que tornar a sociologia compreensível para alunos do ensino básico, requer habilidades no trato desta teoria que muitas vezes são dispensáveis num público iniciado no assunto. Para tornar isso possível, somente o conhecimento teórico não basta. Entra aqui a necessidade do conhecimento das técnicas e metodologias específicas para este segmento. Sendo assim, a formação específica dada pela licenciatura tem de ser valorizada e adequadamente preparada, de modo a permitir ao profissional realizar todas as reordenações necessárias para tornar acessível as informações passadas. Há ainda a dimensão da pesquisa. O profissional de licenciatura tem de ser também um pesquisador, na medida em que o grande diferencial que a Sociologia pode trazer na educação básica passa pela construção por parte dos alunos, de uma capacidade de pensar sociologicamente. Isto só será possível se, guardadas as devidas proporções, eles começarem a utilizar a pesquisa como forma de conhecer a realidade social. Assim, um bom profissional de ensino básico precisa ser também um bom pesquisador. Em suma, a formação de professores para o ensino de sociologia estará mais próxima do ideal quanto mais ela for pensada como uma atividade do cientista social tão legítima quanto qualquer outra que for exercida. Se for assim, a licenciatura não será mais vista como um apêndice da formação do pesquisador, mas como parte da formação de um conjunto de profissionais habilitados a atuar nas duas áreas. Estas são algumas questões que considero importantes para abrir este debate, existem muitas outras que caso seja possível, estaremos analisando posteriormente.
Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2008
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O ensino de Sociologia na rede estadual de São Paulo Cassiana Tiemi Tedesco Takagi Universidade de São Paulo
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Introdução Neste texto analisamos os relatórios de estágios dos alunos do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo de 2004. Este material não foi elaborado para fins de pesquisa por constituírem um dos requisitos de avaliação da disciplina Metodologia do Ensino em Ciências Sociais II. Os relatórios de estágios dos alunos de metodologia são tomados como referência para a compreensão da atuação dos professores de Sociologia na rede pública estadual de São Paulo, embora alguns relatórios se refiram à rede particular de ensino, pela variedade de informações que apresentam sobre a formação inicial – graduação -, anos de docência, o modo como ministram as aulas, os temas selecionados e outras informações. É importante ressaltar que as informações sobre a atuação dos professores que são tomadas nessa pesquisa, muitas vezes, não passam de representações construídas pelos estagiários sobre a realidade observada, por isso, são adotadas como leituras sobre a atividade profissional dos docentes da rede com os devidos cuidados de quem é hoje docente e já foi estagiário nas mesmas condições. Os professores da rede oficial de ensino constituem um referencial de experiência para a construção dos planos pelos licenciandos, pois vivenciam o exercício da docência a partir do contato com os alunos e as dificuldades materiais de algumas escolas. Um ponto a destacar é que os licenciandos relatam as dificuldades enfrentadas na busca pelo estágio, que deve ser desenvolvido em estabelecimento público prioritariamente, porém, muitas vezes, esses criam dificuldades, seja a administração (burocracia desnecessária) seja o docente, atrasando e até mesmo inviabilizando o estágio, obrigando o aluno a procurar outra escola. Considerou-se relevante estudar os relatórios de estágio dos alunos, uma vez que Cordeiro (2000) discute que, ainda que os professores sejam influenciados pelas determinações legais do Estado, eles fazem as suas próprias escolhas ao ministrarem suas aulas: “Ora, mesmo que não se possa negar o peso da influência do Estado na determinação dos conteúdos e das práticas habituais do ensino, é preciso afirmar que ele não é única instância modeladora do funcionamento da escola, pelo menos dentro da sala de aula. (...) Circe Bittencourt e José Luiz Werneck da Silva mostram que as práticas efetivas dos professores nem sempre corresponderam àquilo que era definido nas normas legais, tendo havido resistências dos professores e até mesmo dissidências internas
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Mestre em Sociologia da Educação, pedagoga e cientista social pela Universidade de São Paulo.
135 nos grupos ocupantes do poder que resultaram em profundas discrepâncias entre o ensino prescrito pelo estado e o efetivado nas escolas”. (Cordeiro, 2000: 48).
Assim, o estudo das propostas oficiais de ensino não é suficiente para compreender o ensino de Sociologia, por isso estudamos os relatórios de estágio para analisar as práticas dos professores de ensino médio.
Conteúdo dos relatórios As questões de ensino da leitura e da escrita, por exemplo, podem se referir ao conjunto de professores. Por não ser exclusiva da Língua Portuguesa, as diferentes disciplinas poderiam propor estratégias conjuntas para discutir formas de trabalho correlacionadas que visassem o desenvolvimento desse mesmo objetivo. Algumas vezes, se o aluno não compreende os conceitos presentes em um texto das Ciências Sociais, poderíamos pensar que tal entendimento foi comprometido por dificuldades de leitura. Talvez o estabelecimento da comunicação entre os professores, com o objetivo de construir um plano para criar oportunidades de desenvolvimento da leitura e escrita, possa trazer benefícios para o sucesso não só do ensino de Sociologia mas também de outras disciplinas. De acordo com Perini (1995), a situação é emergencial para o aluno de baixa renda, pois ele “(...) provavelmente não ficará mais que uns poucos anos na escola; e, finalmente, tem muito pouca oportunidade de contato com material escrito fora da escola. Esse estudante nos coloca diante de uma situação emergencial: Que se pode fazer durante aquele breve período de escolarização, nessa situação de carência de apoio extra-curricular? Como conseguir que pelo menos uma boa parte dos alunos deixe a escola instrumentalizada a utilizar a leitura para solucionar problemas da vida quotidiana, e capaz de desenvolver suas habilidades de leitura de maneira autônoma?” (Perini, 1995:80)
De acordo com esta análise, se o aluno não possui condições extra-curriculares de sanar seus problemas de leitura e escrita, caberá tal responsabilidade à escola. Dessa forma, essa situação emergencial pede a colaboração do conjunto dos profissionais de educação, independentemente da disciplina de formação. A aquisição de uma leitura autônoma tem sido entendida como prioritária para o conjunto das disciplinas escolares. O professor de Sociologia também deveria estar imerso nessa tarefa, uma vez que a ausência de uma boa leitura pode inviabilizar o aprendizado sob sua responsabilidade. Os alunos do ensino médio podem ser divididos em dois grupos: aqueles que não se interessam e aqueles que gostam muito da disciplina. O primeiro grupo pode estar desinteressado pelo conjunto das disciplinas ou exclusivamente pela Sociologia e o segundo grupo é motivado por um grande interesse, podendo esse ser gerado ou não pelo professor. O desinteresse pode ser fruto de uma perda de expectativa com relação a escola ou com a disciplina. No primeiro caso, o jovem não vislumbraria possibilidades de melhorias em sua condição de vida atual a partir do processo educacional, sabendo que a obtenção de um diploma de ensino
136 médio não produzirá desenvolvimento substancial na sua vida, por isso ele não demonstra interesse em finalizar seus estudos. No segundo caso, o aluno não observa utilidade no aprendizado de Sociologia, alegando que a disciplina não está incluída no vestibular, sendo considerada desnecessária; assim sua atenção poderá ficar centrada nas demais disciplinas da grade obrigatória que serão cobradas na avaliação citada. Em situação oposta, há pouquíssimos alunos que demonstram enorme interesse em aprofundar seus estudos aprendendo mais. Entretanto, se estes forem acompanhados por professores engajados serão beneficiados ao encontrarem respostas às suas questões, mas se não forem poderão buscar meios para continuar seu aprendizado de forma independente (em casos raros) ou desistirão ao desviarem seu foco de atenção para outra disciplina depositando um interesse similar. Essas situações podem ser observadas tanto nas aulas de Sociologia quanto nas demais disciplinas, porque o aluno é capaz de distinguir o professor dedicado do desleixado, em geral, respondendo melhor as expectativas do primeiro do que as do segundo, em outras palavras, o aluno interessado é beneficiado pelo professor que oferece mais oportunidades de aprendizagem. Nós não estamos afirmando que a qualidade do trabalho do professor é a única responsável pelos resultados do processo educacional, mas, de acordo com os dados, é um fator relevante de análise. Os relatórios indicam o livro didático como o material mais utilizado, totalizando quase a metade do universo analisado (47%), seguido pelos filmes (17%) e pelos textos (14%). Estes últimos são, normalmente retirados de jornais e revistas, caracterizado pela linguagem jornalística. Tais dados indicam que as aulas são desenvolvidas com poucos materiais, por incluir apenas três elementos e com participação reduzida, exceto os livros didáticos. Esses fatos podem significar que há poucos recursos sendo utilizados, e quando aparecem, demonstram pequenas contribuições, ou seja, são pouco usados e por poucas pessoas, pois 35% dos professores não fazem uso de materiais didáticos (segundo os relatórios). O livro didático é um recurso seguro, por não requerer muito preparo do docente nem pesquisas. Se o professor não fizesse um uso excessivo dos livros didáticos e desejasse usar outros materiais, como filmes e textos, seria obrigado a solicitar tais materiais à direção da unidade escolar, enfrentando algum constrangimento. Diante dessas condições, o livro didático se constitui em um recurso ao alcance do professor, sem apresentar problemas. O livro mais utilizado é o do Oliveira (35%), demonstrado pelo grande número de edições e citações. O fato de possuir muitas edições alimenta a idéia de que ele é um bom livro ao circular mais e a partir disso, as pessoas passam a utilizá-lo ainda mais. No caso, se o livro é bastante utilizado, poderíamos dizer que as aulas que o usam como único recurso tendem a acompanhar suas limitações na exposição dos conceitos das Ciências Sociais, pois sua fundamentação teórica carrega problemas de simplificações inadequadas, assim como há uma pequena variedade de textos, uma vez que o autor optou por utilizar textos jornalísticos ao invés de trechos de autores clássicos ou de comentadores.
137 Os demais livros são citados de forma mais reduzida como Tomazi com 12%, seguidos por Vila Nova, Costa e Meksenas com 3%. Esses três últimos são citados poucas vezes, sendo considerados livros de pequena circulação. Nenhum dos livros citados é utilizado por alunos, apenas os professores fazem uso deles, em geral, transcrevendo trechos na lousa para que os alunos copiem. Nesse sentido, não haveria necessidade de que o livro fosse didático, podendo ser textos de outra srcem. A importância do livro didático é a comunicação com o aluno, porém se ela é intermediada pelo professor, no sentido de que ele se apropria do texto para transcrevê-lo, o livro perde sua relevância enquanto didático. O fato de o ensino estar excessivamente preso ao livro didático não é exclusivo da disciplina Sociologia. De acordo com Cordeiro (2000: 60), ao tratar do ensino de história: “Embora os relatos dos projetos didáticos alternativos não se detenham na exposição dessa fundamentação teórica, neles pode ser encontrada uma descrição, ainda que sumária, das principais características desse tal ensino tradicional. Trata-se de um ensino excessivamente preso ao livro didático, que trabalha com uma História puramente narrativa, sem nenhuma preocupação crítica. (...) aluno, mero receptor de um conhecimento que aparece já pronto e acabado”.
Mesmo diante da existência de projetos alternativos de ensino, fundamentados em metodologia e materiais diversificados, ainda verificam-se características limitantes nos professores, como a busca de fundamentação teórica e prática atrelada aos livros didáticos. Há um predomínio de aulas expositivas (70%). De um modo ideal, as aulas dessa natureza exigem segurança e conhecimento do professor, pois ele teria que programar sua exposição a partir de uma seleção de conceitos e encadeá-los de forma didática para que os leitores pudessem compreender as relações propostas. Na prática é possível verificar outra realidade: os professores não preparam suas aulas como deveriam e acabam recorrendo aos livros didáticos ou a discussões improvisadas. Se associarmos os dados sobre metodologia de ensino com os dos materiais didáticos, nossa conclusão é que as aulas são predominantemente expositivas e utilizam poucos materiais didáticos, em geral, elas utilizam os livros didáticos, - transcrição de textos na lousa - que aparecem em 47% dos relatórios. Assim, talvez possamos pensar que os livros didáticos são utilizados em aulas expositivas, porém os alunos não têm acesso a estes, já que ele não faz parte do programa governamental de aquisição deste tipo de material. Nesse sentido, a aula fica resumida à cópia de pequenos trechos dado que o tempo útil de cada aula é reduzido para que sejam copiados trechos longos. Ao final de cada conjunto de aulas, talvez um capítulo possa ter sido copiado, mas se o professor optar por resumos teremos maior número de informações sem sentido porque este profissional estaria oferecendo um resumo de outro resumo, na medida em que o livro didático se constitui como uma síntese de conceitos das Ciências Sociais. E a cópia dos textos oferecidos pelo professor na lousa acaba sendo uma das avaliações do curso (cadernos), ficando os alunos obrigados a copiarem este material, caso contrário perderão uma nota.
138 Um uso adequado para o livro didático se daria em um contexto ideal, no qual cada aluno possuísse um exemplar que pudesse levá-lo para casa para a execução de atividades complementares. Em uma situação mais realista, o professor pode oferecer cópias para que aluno possa fazer leituras e executar tarefas como questionários e resumos com o auxílio do professor que orientaria tais atividades. Uma aula expositiva planejada e articulada, como imaginávamos no início, deu lugar a uma aula em que o professor é desnecessário, pois qualquer pessoa poderia transcrever trechos de um livro, aliás o que às vezes acontece quando o professor encarrega algum aluno desta tarefa. Esse tipo de aula exige pouco do professor, nem preparo e nem formação em Ciências Sociais. Além da aula expositiva, os relatórios citam os estudos dirigidos e a pesquisa. O Estudo Dirigido, que corresponde a 15% do total de relatórios, é descrito como uma atividade na qual o professor propõe leituras de textos jornalísticos ou trechos de obras clássicas, e a partir delas os alunos responderiam questionários, fariam resumos, redações e/ou trabalhos escritos. Nesse tipo de atividade, caberia ao professor organizar como elas deveriam ocorrer; infelizmente não temos informações suficientes nos relatórios para examinar mais cuidadosamente tais atividades, o que sabemos é que este tipo de estudo é desenvolvido em sala de aula com os alunos agrupados. A Pesquisa é proposta como uma atividade a ser desenvolvida pelos alunos fora da sala de aula, na qual eles devem se reunir em grupo e localizar materiais de pesquisa para o desenvolvimento de um tema, livre ou proposto pelo professor, a ser apresentado para os demais alunos ou ser entregue na forma escrita. Essa atividade é pouco utilizada pelos professores da rede oficial de ensino, pois corresponde a 3% do total de relatórios. Uma das razões para sua reduzida utilização seria a necessidade de uma preparação orientada pelo professor, ou seja, este profissional teria que oferecer condições técnicas para que os alunos compreendessem e executassem o trabalho de pesquisa; para tanto, ele teria que proporcionar momentos de orientação durante todo processo de execução, podendo ocorrer durante a aula e em outros momentos, dependendo de sua disponibilidade. Dessa forma, o professor seria obrigado a pesquisar os temas antes dos alunos para indicar lugares a serem visitados pelos alunos, assim como materiais de pesquisa em bibliotecas e outras recomendações. O ensino pode ser interpretado como massificado, se incluímos nessa análise o número de aulas de Sociologia. Esse número implica o acúmulo de muitas classes para a totalização de uma jornada integral; e se pensarmos que ela é constituída por 30 aulas semanais, seriam necessárias 15 classes com duas aulas semanais; e se contássemos com 40 alunos, cada professor de Sociologia atenderia cerca de 600 alunos. Dessa forma, seria difícil promover um trabalho mais atento com esse número de pessoas; e se fosse apenas uma aula semanal, seriam 1200 alunos. A avaliação desses alunos tenderia a ser em grupo, de acordo com o número de aulas e com a quantidade de educandos. Essa situação dificultaria o trabalho docente e comprometeria o aprendizado discente.
139 Segundo os relatórios, grande parte dos professores (53%) é licenciada em Ciências Sociais; o restante é formado em: História, Pedagogia, Filosofia, Economia e Direito. Estes últimos profissionais estão principalmente nas escolas de ensino privado, assim parece que a rede oficial de ensino é mais rigorosa quanto à formação de seus profissionais do que a privada, exceto os pedagogos, que são compreendidos como profissionais genéricos que poderiam lecionar em várias disciplinas, inclusive Sociologia. A atribuição de aulas para pessoas com formações diferentes das Ciências Sociais é uma solução viável economicamente para instituições de ensino de pequeno porte, pois a contratação de um professor para poucas aulas, como é o caso de Sociologia, exigiria gastos maiores. Dessa forma, essas aulas são assumidas por outros profissionais com outras formações para que estes “completem sua jornada de trabalho”, como os professores de História. Além dessa alternativa, há a contratação de um professor genérico (pedagogo) que poderia assumir aulas com carga horária reduzida como Sociologia, Filosofia, Educação Artística e outras, sem que seja necessário contratar um professor para cada uma dessas disciplinas. Os relatórios analisam práticas de professores que estão, muitas vezes, isolados, seja pela docência (prática individual) seja pela ausência de uma comunidade de discussão – de pessoas que poderiam dialogar sobre a constituição de uma proposta curricular para toda a escola. Outra razão para o isolamento desse profissional é a ausência de uma comunidade de professores de Sociologia, para a formulação de debates acerca do ensino dessa disciplina, o que temos são professores isolados, um professor para cada escola. Nós não temos um grupo de debate nem no interior das unidades escolares nem fora delas. Como discute Monteiro (2006: 152), “Ao freqüentar a sala dos professores, um detalhe que me chamou a atenção foi o fato de muitos deles não se conhecerem, principalmente quando pertenciam a áreas diferentes. A falta de comunicação entre os docentes impede a elaboração de projetos interdisciplinares. Muitas vezes foi observada uma falta de diálogo entre professores de uma mesma matéria, isso explica o porquê de cada professor ministrar o seu conteúdo numa velocidade particular, sem homogeneidade com o resto do grupo. (...)”
Se pensarmos nas aulas de Sociologia, temos que analisar agravantes de caráter técnico ao ponderarmos sobre as condições de ensino atuais, havendo muitos alunos e poucas aulas. Desse modo, as aulas devem incluir avaliação com uma certa freqüência, uma vez que os encontros entre os alunos e professores são reduzidos. Se refletirmos sobre um bimestre, haverá somente oito aulas, nessas o professor terá que incluir mais de um tipo de avaliação; que consumirá algumas aulas. Diante dessas e outras dificuldades, é compreensível que o professor peça avaliações a serem executadas fora da sala de aula, para que o tempo de aula seja aproveitado com outras atividades. Para tanto deve haver um compromisso entre alunos e professores para a entrega de trabalhos no prazo estipulado, pois sua correção demandaria um tempo considerável.
140 Muitas vezes para garantir pelo menos uma avaliação de todos os educandos no prazo desejado, o professor opta por executá-la na sala de aula ao pedir uma prova ou uma redação. Esse tipo de avaliação também pode ser utilizado para que o aluno aprenda a elaborar textos escritos em um período pré-determinado como a duração de uma aula. Portanto o tipo de avaliação escolhido se refere principalmente aos objetivos estabelecidos pelo professor. Antes de analisarmos os tipos de avaliações mais utilizadas, seria interessante discutir os problemas de escrita dos alunos da escola básica, porque as avaliações poderiam indicar os problemas a serem solucionados ao longo do processo de aprendizagem de cada educando. De acordo com Salatini (2006) em uma análise sobre as principais dificuldades de escrita dos alunos de ensino médio, verifica-se que: “Os textos dos alunos também apresentavam problemas de incompletude associativa, iniciando o parágrafo com um assunto e finalizando com outros sem estabelecer relações entre uma coisa e outra. Também apresentavam problemas na seqüência de idéias, sendo que uma frase não estabelecia uma relação com outra e com conjunto do texto, demonstrando problemas de coerência e coesão textuais”. (Salatini, 2006: 26)
Nas avaliações, foram considerados dois tipos: instrumentais e atitudinais. No primeiro, há uma distribuição quase igualitária, apresentando uma pequena concentração nas provas (23%) e as demais são semelhantes: cadernos (14%), redações (15%), seminários (15%) e trabalhos (15%). Contudo, os modos de avaliação não estão diretamente ligados aos conteúdos e nem à metodologia de ensino, pois não há recomendações que os relacionem. Não há indicações sobre quais avaliações são mais ou menos adequadas a um determinado conteúdo ou se os conceitos referentes aos autores clássicos são avaliados com maior eficiência a partir de provas ou trabalhos. Os textos escritos podem englobar as redações, as provas e os trabalhos ao se apresentarem como uma versão material a ser entregue para o professor, desprezando informações oralizadas; o que se avalia é o produto entregue, constituindo-se em avaliações de caráter mais objetivo, pois o que é posto para avaliar não é o indivíduo ou suas ações, mas a sua produção de acordo com os critérios de um instrumento escrito (adequação da linguagem utilizada à norma culta), apresentação de conceitos e teorias das Ciências Sociais, grau de articulação entre as teorias, pesquisas e outros elementos observados em um trabalho escrito. A dificuldade posta nestes tipos de avaliação é a disponibilidade do professor para a leitura desse material, pois se não o fizer, a avaliação perde significado, na medida em que este deve apontar as falhas no trabalho para que o aluno compreenda equívocos e aprenda com eles; se o professor não tiver disponibilidade para tanto, não deve solicitá-los. Nas avaliações atitudinais, há uma concentração na participação (32%); assim o professor considera como fator de atribuição de notas a intervenção dos alunos. Se pensarmos que as aulas são predominantemente expositivas e a participação dos alunos significativa, talvez possamos afirmar que
141 essas aulas exigem a participação dos alunos em seu desenvolvimento, ou ainda, podemos pensar que o professor reserva momentos para avaliar tal participação em dias periodicamente definidos. Avaliar a participação exige algumas condutas do professor, pois ele será obrigado a fazer anotações regulares dessas avaliações, ou seja, ele precisará fazer registros, em todas as aulas, daqueles que participaram, a fim de atribuir uma nota ao término do bimestre. Entrementes, tal tarefa impõe dificuldades em razão do elevado número de alunos que exigirão que o professor aprenda rapidamente seus nomes para a atribuição de notas, caso contrário, se o professor tiver que perguntar o nome de quem está participando todas as aulas, o processo de registro ficará muito lento. Além disso, há a questão da subjetividade na atribuição de notas, uma vez que o professor deve definir critérios de participação regulamentando quando atribuir e quando subtrair nota, distinguindo participações positivas e negativas, pois não teríamos um produto escrito a ser avaliado, mas o desempenho oral de um aluno, segundo critérios pessoais do professor, porque não há material disponível que demonstre formas adequadas de avaliar a participação: o aluno fez um uso correto da norma culta, utilizou conceitos das Ciências Sociais em sua argumentação, exprimiu uma opinião de senso-comum, atrapalhou a aula e etc., havendo uma série de situações a serem avaliadas e traduzidas em notas.
Conclusão Nos relatórios surgiram outras questões que não são exclusividade do ensino de Sociologia, porque elas também foram identificadas em outras experiências de estágio, como descreve Ramos (2006: 60), “Finalizo esclarecendo que a crítica feita por mim à maneira que (não) se acompanha o processo de escrita hoje nas escolas não tem intuito de responsabilizar os professores do Ensino Médio da Escola Pública. É sabido que, em seu tempo de formação, esses professores receberam um ensino em que raramente a escrita era acompanhada; em vez disso, era exigida e depois corrigida a caneta vermelha. O foco estava sempre no texto final, no acerto, e não no processo que levava a isso. Entretanto, hoje, o desafio de formar alunos escritores é de todos nós, professores novos e antigos. (...)”
Ramos discute a responsabilidade dos professores de Língua Portuguesa, entretanto seria interessante acrescentarmos que o desafio seria responsabilidade de todos os professores, inclusive de outras disciplinas. No trecho citado, a autora analisa alguns problemas de formação inicial do professor, pois muitas vezes, ele não foi preparado para as exigências atuais da profissão ao citar a questão do acompanhamento da escrita. No caso do ensino de Sociologia, no aspecto de formação, poderíamos acrescentar que se a formação não é capaz de atender as demandas do educando, temos outros agravantes se pontuarmos que apenas 53% são formados em Ciências Sociais. Se para estes a formação é insuficiente, a questão torna-se mais grave se pensarmos que quase a metade dos professores não possui nem esta formação e, conseqüentemente, enfrentam dificuldades para além desta, como seleção de fontes bibliográficas e outras.
142 Se o professor apresenta dificuldades em proporcionar textos adequados aos propósitos de ensino das Ciências Sociais, o processo de aprendizagem é comprometido. De acordo com Perini (1995: 81), “(...) Não há, que me conste, procedimentos de sala de aula (exercícios, por exemplo) que possam substituir com eficácia, ou mesmo complementar, a experiência direta de leitura. Em outras palavras, a leitura funcional nascerá do convívio com o material escrito adequado, e somente dele”.
Quando Perini discute a necessidade de escolha de textos adequados para a aquisição de uma leitura funcional, está discutindo também a importância da seleção de textos. Para tanto, o professor tem muita responsabilidade nessa tarefa. Embora haja o desenvolvimento de atividades que visem o desenvolvimento da capacidade de leitura, Perini afirma que estes não substituem a leitura de um texto, pois se aprende a ler lendo. A formação em outras áreas de conhecimento prejudica a seleção de um material adequado na medida em que se enfrenta o desconhecimento do material e as dificuldades em obtê-lo.
Referências bibliográficas: CORDEIRO, Jaime F. P. A História no centro do debate: as propostas de renovação do ensino de História nas décadas de setenta e oitenta. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000. COSTA, Maria Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1987. MEKSENAS, Paulo. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção Magistério 2º grau). 2ª edição. MONTEIRO, Cinthia A autoridade emSão questão. BARZOTTO, H. Revista do Ensino de Ferreira. Língua Portuguesa, vol.posta 1, n.1, Paulo:In: Paulistana. 2006, V. p. 151 – 161. de Metodologia OLIVEIRA, Pérsio. Introdução à sociologia, São Paulo: Ática, 2001. PERINI, Mário A. Leitura funcional e a dupla função do texto didático. In: ZILBERMAN e SILVA (org.) Leitura: perspectivas interdisciplinares, São Paulo: Ática, 1995, p.78 – 86. RAMOS, Rosana Ribeiro. Procuram-se formadores de alunos escritores. In: BARZOTTO, V. H. Revista de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, vol. 1, n.1, São Paulo: Paulistana. 2006, p. 45-63. SALATINI, Erica. Oficina de leitura e escrita para o vestibular. In: BARZOTTO, V. H. Revista de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, vol. 1, n.1, São Paulo: Paulistana, 2006, p. 23 – 43. TOMAZI, Nelson D. Iniciação à sociologia, São Paulo: Atual, 2000.
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SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO: TRABALHO DOCENTE E FORMAÇÃO Alexandra Garcia Mascarenhas74 1. Introdução Este artigo é parte do trabalho de conclusão do curso de Especialização em Metodologia de Ensino e Ação Docente, da Universidade Católica de Pelotas – UCPEL, intitulado “A Sociologia no Ensino Médio: trabalho docente e formação”, apontando onde e como ocorre o ensino da Sociologia nas escolas de nível médio da cidade de Pelotas-RS. Através deste artigo, busca-se abordar questões referentes à importância do trabalho e formação docente, sobre competência e licença do profissional da educação, assim como discutir a recente obrigatoriedade do ensino da Sociologia.
2. A Sociologia no Ensino Médio A luta pelo retorno da Sociologia nos currículos escolares brasileiros ganhou novo impulso a partir da Lei 9394 de 20/12/1996, a Lei de Diretrizes e Base para a Educação. Na leitura desta, podemos ver que a seção IV destinada ao ensino médio, mais precisamente no artigo 36, há o incentivo ao ensino da Sociologia, bem como o da Filosofia, justificando que o contato com estas disciplinas é necessário ao exercício da cidadania. Conforme a LDB: “ART 36 – O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste capítulo e as seguintes diretrizes: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e o exercício da cidadania; (...) § 1° III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.” ( LDB, 1996, p. 35-36).
Este artigo impulsionou muitos debates, embora, antes dele já ocorriam discussões sobre o assunto. É possível verificar este fato a partir da bibliografia utilizada para o 74
Professora de Sociologia da Coordenadoria de Ciências Humanas e suas Tecnologias – COCIHTEC – Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas, Pça. 20 de setembro, 455, CEP 96015-360. Especialista em Metodologia de Ensino e Ação Docente, UCPEL. E-mail: [email protected] .
144 desenvolvimento do trabalho de conclusão do curso de especialização, que srcinou os dados contidos neste artigo. Algumas das obras que serviram de referencial precedem à última LDB, o que comprova a existência um movimento favorável à inclusão da Sociologia. Um disto, exemplo é Enio Waldir da Silva que defende o seu ensino num artigo datado do segundo semestre de 95: “A reflexão sociológica no processo educacional, hoje, é uma questão imprescindível, o aprofundamento estudos sobre sociais históricas quantotanto na para formação de potenciaisdos reflexivos sobre asasrealidades práticas sociais. Especialmente o segundo grau é a fase da construção do saber formal em que a educação do cidadão se embasa nos diálogos com as conquistas da ciência e com os conhecimentos sistematizados nas disciplinas curriculares.” (SILVA, 1995, p. 38)
Conforme Silva, o segundo grau, hoje denominado ensino médio, é o espaço apropriado ao ensino da Sociologia, pois, a partir do contato com esta, o educando poderá praticar ações democráticas, cidadãs, que podem transformar consideravelmente a sociedade, modificando a sua história e sua realidade social. Esta característica da Sociologia como disciplina do ensino médio foi evidenciado por todos os professores entrevistados, durante o desenvolvimento da pesquisa. Através do contato com os conhecimentos sociológicos e do estímulo ao diálogo, a reflexão, aos debates, discussões, será possível realizar conexões entre fatos, perceber o seu papel na sociedade. A Sociologia como disciplina do ensino médio vem a contribuir de forma significativa para a construção do conhecimento do aluno sobre a sociedade e sobre as relações sociais existentes nela. Outras ciências que já fazem parte dos currículos escolares permitem que o aluno tenha contato com algum aspecto do meio social. Por exemplo, através da História, o educando tem contato com o seu passado, com as figuras que construíram a história de nossa sociedade e de outras. Através da Sociologia, ele poderá compreender que o passado de uma sociedade reflete-se no seu presente, e que ele, como cidadão, possui instrumentos para interferir no seu futuro, construindo, com isso, de forma consciente, a história da sociedade humana. Assuntos do cotidiano, que, muitas vezes, não podem ser discutidos em outra disciplina ou por falta de tempo, ou pelo educador não sentir-se à vontade em discutir temas como política, economia, violência, desemprego, valores, cultura, etc, têm na Sociologia o espaço ideal para ser debatido. No entanto, é necessário que a Sociologia alcance o objetivo de auxiliar o educando no desenvolvimento do senso crítico. Pois, do contrário, esta ciência corre o risco de ser
145 descaracterizada, passando a ser uma “carga” para o professor e para o aluno. No espaço da disciplina, as discussões necessitam ser pensadas, dirigidas, pois, do contrário, poderão se tornar discussões isoladas, ou baseadas no senso comum. Desta forma, o aluno não perceberá que muitos problemas enfrentados por nossa sociedade possuem conexão, resultam dos mesmos fatores, e esta falta de consciência sobre o mundo que o rodeia, não oportunizará a ele, o desenvolvimento do senso crítico que, conseqüentemente, leva ao exercício da cidadania. Em Meksenas encontramos também esta preocupação: “Quando a Sociologia é tratada como mera soma de conhecimentos complementares entre si e que definem a sociedade contemporânea como una e indivisível, a Sociologia não contribui para que o indivíduo tenha uma visão social que possa influir na reelaboração de sua prática.” (MEKSENAS, 1991, p.15)
3. Trabalho e Formação Docente Numa disciplina que possui um espaço reduzido, e que há muito luta pelo seu reconhecimento, entende-se que é fundamental abordar alguns pressupostos pedagógicos, tais como: o de trabalho docente, competência e licença do profissional da educação o que nos remete a formação docente. Encontramos em Mariano Fernandes Enguita (1991), uma leitura objetiva, onde estão expostos conceitos e idéias sobre competência e licença profissional. Quanto ao docente como profissional, Enguita escreve que: “ O profissional supõe-se tecnicamente competente em um campo do conhecimento do qual estão excluídos os que não o são. Sua competência deve ser o produto de uma formação específica, geralmente de nível universitário. Seu saber tem um componente “sagrado”, no sentido de que não pode ser avaliado pelos profanos. Só um profissional pode julgar a outro, e só a profissão pode controlar o acesso de novos membros, já que só ela pode garantir e avaliar sua formação." (ENGUITA, 1991, p.43)
O profissional da educação possui uma competência num determinado campo, por ele possuir um conhecimento que outros não têm. No entanto, na prática, isso não ocorre, basta ver que não é pouco comum encontrarmos profissionais da educação desenvolvendo atividades de competência de outros. Mas, por quais motivos isto acontece? Talvez por necessitarmos que tais competências estejam bem explicitas, de forma a torná-las públicas, ou seja, é de competência de tal profissional da educação, o desenvolvimento da docência em tal disciplina. Isso não acontece, pois muitas vezes a comunidade escolar divide essas competências por áreas e não por área específica de conhecimento. Sendo
146 assim, qualquer profissional da educação com formação na área das Ciências Humanas e Filosofia teria, pelo menos no seu entendimento, a competência para ministrar as aulas de Sociologia, que é o tema pesquisado. É preciso destacar que isso não é algo que ocorra somente com a Sociologia, mas também com outras disciplinas. O entendimento sobre a competência atribuída a um profissional da educação acaba por demarcar a sua licença. Recorremos mais uma vez a Enguita para entendermos o seu conceito sobre licença: “Os profissionais têm demarcado um campo exclusivo, geralmente reconhecido e protegido pelo Estado. Isto os defende da intrusão e, portanto, da competência alheia. Supõe-se que esta licença é a contrapartida de sua competência técnica e sua vocação de serviço. Esta idéia expressa-se em termos como “licenciatura”, “licenciado”, “faculdade”, “facultativo”, “vênia”, etc.” (ENGUITA, 1991, p. 44)
Na atual LDB, somente pode ministrar aula para o Ensino Médio aquele profissional que tenha o título de licenciado, porém, isso não demarca um espaço específico para área de atuação. A licença está atrelada à licenciatura e à área de conhecimento, não necessitando ser esta específica. Para entendermos melhor a questão da competência e da licença do profissional da educação habilitado a lecionar a Sociologia, é preciso fazer algumas indagações, tais como: o que define a competência deste profissional e que conhecimentos ele deverá ter para ministrar com eficácia as aulas de Sociologia? É preciso, para isso, entender o objetivo de se ter a Sociologia no Ensino Médio e que conhecimentos estão contidos dentro do próprio programa da disciplina que precisa ser de sua competência para não descaracterizar esta ciência e nem prejudicar outras. É importante o contato também, com os PCNS75 , que sugerem o que ensinar nesta disciplina a fim de não invadir os conhecimentos específicos de outras, oportunizando, com isso, o trabalho interdisciplinar. Esta seria uma forma de melhor compreender que competências o profissional deve possuir para ministrar esta disciplina. Para isso é essencial que a comunidade escolar tenha contato com os PCNS. Na leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais destinados às Ciências Humanas e suas Tecnologias podemos encontrar o porquê ensinar, e o que e como ensinar em Ciências Sociais. Segundo os PCNS, o estudo das Ciências Sociais no Ensino Médio tem como objetivo mais geral:
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Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: Ministério da Educação, 1999, 363p.
147 “...introduzir o aluno nas principais questões conceituais e metodológicas das disciplinas de Sociologia, Antropologia e Política. (...) Enfatizam-se dois eixos fundamentais em torno dos quais vêm se construindo grande parte da tradição sociológica: a relação entre indivíduo e sociedade, a partir da influência daação individual sobre os processos sociais, bem como a importância do processo inverso, e a dinâmica social, pautada em processos que envolvem, ao mesmo tempo, porém em gradações variadas, amanutenção da ordem, ou por outro lado, a mudança social.” (PCNS, 1999, p. 317-318)
Nesta citação, aparecem em negrito alguns conceitos que são sugeridos a fazerem parte do programa da disciplina, o que se repete por toda parte IV dos PCNS que é dedicado às Ciências Humanas e suas Tecnologias. Esses conceitos, tais como: ação individual, processos sociais, fatos sociais, senso comum, ação social, interação social, classes sociais, cultura, observação participante, como outros conceitos, servem de base ao desenvolvimento do programa da disciplina e que são amplamente trabalhados dentro da graduação em Ciências Sociais. Os PCNS possibilitam o contato com os conhecimentos os quais devem ser desenvolvidos na Sociologia no Ensino Médio, e através deles, podemos compreender que tais conhecimentos, são de competência do profissional das Ciências Sociais, sendo então, eles, possuidores da licença para lecionar a Sociologia no Ensino Médio. Sandra Azzi (1999) partiu de alguns pressupostos para que fosse possível entender o significado do trabalho docente. Segundo a autora:
“O trabalho docente é uma práxis em que a unidade teoria e prática se caracteriza pela ação-reflexão-ação; o trabalho docente só pode ser
148 compreendido se considerado no contexto da organização escolar e da organização do trabalho no modo de produção, no caso, capitalista; a compreensão do trabalho docente só pode ocorrer no processo de elaboração de seu conceito, que emerge após o estudo de sua gênese, de suas condições históricas gerais ( o trabalho como forma histórica) e particulares (o cotidiano da ação docente).”( AZZI, 1999, p. 38) O entendimento sobre o trabalho docente envolve outras questões, no entanto, o primeiro pressuposto quanto este ser uma prática caracterizada pela ação-reflexão-ação, já diz muito sobre o próprio conceito. Este constrói-se a partir da própria prática e da reflexão sobre esta prática. Em Freire (2000), encontramos a importância desta característica do trabalho docente: “O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir dele como um dado dado, que se conforma a prática docente crítica, mas sabe também que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o que fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito.”(FREIRE, 2000, p. 42-43) O saber pedagógico desse docente se expressa através de sua prática, de seu trabalho docente. A formação é de grande importância ao trabalho docente, pois a partir desta, o docente construirá seu saber pedagógico. Então, o trabalho docente é uma prática, uma ação construída no cotidiano. É possível ir mais além. O trabalho docente é uma prática social, pois essa ação interferirá no cotidiano de muitos, e por isso, necessita ser pensada, refletida.
149 “ É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática.” (FREIRE, 2000, p. 4344)
4. Uma radiografia do ensino da Sociologia em Pe lotas/RS No período de 2004 e 2005, Pelotas contava com vinte e oito escolas de Ensino Médio, conforme listagens fornecidas pela 5ª CRE e pela SME. Após levantamento das escolas que possuíam a Sociologia em seus currículos, levantou-se que das vinte e oito escolas pelotenses, apenas nove possuíam a Sociologia no ensino médio, sendo que destas, oito são públicas e apenas uma é privada. O espaço dedicado à Sociologia, embora pequeno, é mais significativo nas escolas públicas. Outro aspecto importante notado na época e que a Lei n° 11.684 de 02/06/200876 modificará é o espaço dessas disciplinas no currículo do ensino médio. A Filosofia e a Sociologia disputavam espaço nas escolas, pois era necessário muitas vezes, escolher uma delas, visto que, outras disciplinas já possuíam espaço demarcado. Então, após elegerem uma delas, a escolhida passava a “agregar” o conhecimento da outra que havia sido excluída. Das nove escolas que possuíam em 2004/2005 a Sociologia em seus currículos, foi possível entrevistar nove dos quatorze professores. Dos profissionais entrevistados que lecionam a Sociologia em Pelotas, cinco contavam com a licenciatura em Ciências Sociais, os demais educadores possuíam formação em outras áreas, tais como: Filosofia, Estudos Sociais, Geografia e História. Um dos reflexos da desvalorização com relação à disciplina de Sociologia é a existência de outros profissionais lecionando no espaço que seria do licenciado em Ciências Sociais. Em algumas escolas, o que foi possível perceber é que houve um remanejamento dos professores de áreas afim para lecionarem a Sociologia. A qualificação do profissional da educação é parte essencial de seu trabalho, interfere no seu processo de trabalho. Recorremos, mais uma vez, a Sandra Azzi(1999): “O professor, responsável direto pelo cotidiano da sala de aula, apresenta-se, então, como mais ou menos qualificado par exercer sua função, com maior ou menor autonomia e controle sobre seu processo de trabalho. Qualificado é o professor que possui conhecimento e o saber pedagógico e tem compromisso com o processo de 76
Lei que altera o artigo 36 da Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996, tornando obrigatórias em todas as séries do ensino médio o ensino da Filosofia e Sociologia.
150 ensino-aprendizagem. (...) A importância do professor qualificado para a luta política de recuperação da escola pública, visando a sua democratização e, portanto, a um ensino de qualidade, emerge como um dado da realidade onde ocorre a ação docente: a sala de aula dessa escola.”( AZZI, 1999, p. 56-57)
A preocupação com a formação do educador que leciona a Sociologia nas escolas de Ensino Médio se justifica por: a) querer que de fato a Sociologia contribua para a formação do educando no Ensino Médio através dos seus conhecimentos, fazendo com que este perceba-se como parte desta sociedade e que as informações que ele receba possibilite fazer uma leitura crítica desta. Isso somente será possível se os conhecimentos sociológicos forem desenvolvidos plenamente, através de relações entre os conhecimentos e destes com a nossa sociedade; b) desejar que a Sociologia consiga estabelecer seu espaço na educação média e quem sabe, futuramente, também na fundamental; c) buscar a valorização do profissional das Ciências Sociais, formado para este fim, buscando com isto, que os conhecimentos sociológicos não se limitem ao domínio daqueles que conseguem chegar ao ensino superior, pois ainda são poucos. Talvez seja necessário reafirmar, ou até mesmo, criar, uma identidade para o profissional da Sociologia no Ensino Médio, pois, a partir disso, seja possível lutar por este espaço. A Universidade, inicialmente, formava profissionais para o ensino superior, no entanto, agora temos a Licenciatura em Ciências Sociais, formando, profissionais para o Ensino Médio, por isso, a instituição precisa buscar, estimular, ou, até mesmo, criar este espaço. “Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições.” (PIMENTA, 1999, p. 19)
Num espaço que está sendo construído, é necessário que o profissional das Ciências Sociais lute por ele. E não somente pelo espaço, mas pelos conhecimentos que são de sua competência e que estão incluídos em programas de outras disciplinas. Estes elementos: formação, competência pedagógica, a regência da Sociologia por outros profissionais de áreas afins, carga-horária da disciplina reduzida, vão de encontro à ampliação da Sociologia no ensino médio, mesmo que de forma obrigatória. Sua existência nas escolas pode resultar num fracasso, não conseguindo alcançar o seu objetivo e desvalorizando o profissional que dedicou-se ao seu estudo. “Conhecimento não se reduz a informação. Esta é um primeiro estágio daquele. Conhecer implica um segundo estágio: o de trabalhar com as informações
151 classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. O terceiro estágio tem a ver com a inteligência, a consciência ou sabedoria. Inteligência tem a ver com a arte de vincular conhecimento de maneira útil e pertinente, isto é, de produzir novas formas de progresso e desenvolvimento; consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas formas de existência, de humanização. (...) A informação confere vantagens a quem a possui, senão as sociedades não se armariam contra a divulgação de informações, nem a manipulariam. (...)Ou seja, conhecer significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção material, social e existencial da humanidade.”(PIMENTA, 1999, p. 21-22)
Construir a identidade do profissional de Sociologia no Ensino Médio é antes de tudo, uma conquista de espaço, de reconhecimento. Uma tarefa complexa, pois, é preciso saber que conhecimentos desejamos que a Sociologia no Ensino Médio construa, e que responsabilidade possui o profissional que está desenvolvendo esta tarefa. “Tarefa completa, pois, a da escola e de seus professores. Discutir a questão dos conhecimentos nos quais são especialistas (história, matemática, das línguas, das ciências sociais, das artes...) no contexto da contemporaneidade constitui um segundo passo no processo de construção da identidade dos professores no curso de licenciatura.”(PIMENTA, 1999, p. 23)
5. Referencial Bibliográfico ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993, 395p. AZZI, Sandra. Trabalho docente: autonomia didática e construção do saber pedagógico. In: PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999, p.35-60. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, 454p. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases para Educação. Lei 9394/96. Rio de Janeiro: Esplanada, 1998, 95p. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999, 364p. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros em Ação, Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2002, 502p.
152 CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS – PROJETO DE LEI . Retirada do veto do Projeto de Lei n° 3.178 – B, de 1997. De autoria do Ministro Tarso Genro. [Mensagem pessoal]. Mensagem Recebida por [email protected] em 09 de maio de 2004. CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS PROJETO DE LEI n° 3.178 –B, de 1997. [ Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] em 6 de agosto de 2001. CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS. PROJETO 1641/2003. Desenvolvido por Ribamar Alves. Apresenta projeto que incentiva a inclusão da Filosofia e da Sociologia no Ensino Médio Brasileiro. Disponível em www.camara.gov.br. Acesso em 30 de julho de 2004. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 279p. DALE, Roger. A educação e o estado capitalista: contribuições e contradições. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 13, n.1, 1988, jan/jun, p.17-38. ENGUITA, Mariano Fernandes. A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, Porto Alegre, n.4, 1991, p. 41-61. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, 230p. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000, 165p. JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, 300p. LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1996. MEKSENAS, Paulo. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1991, 149p. MORAES, Amaury César. Por que Sociologia e Filosofia no ensino médio? Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo/SINSESP. São Paulo, s/d. PIMENTA, Selma Garrido. Formação de Professores: identidades e saberes da docência. In: PIMENTA, Selma Garrido(org). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999, p. 15-34. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio; ou, Da educação: Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, 592p. SILVA, Enio Waldir da. A reflexão sociológica na educação de segundo grau. Espaço da Escola. [S.I]:Unijuí, n.18, out/dez de 1995, p.37,43. SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Identidades terminais: As transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 31-57.
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Mudando os papéis: o que acontece quando a pesquisadora quer se tornar professora de Sociologia. Giselle Carino Lage Mestranda do PPGSA/IFCS/UFRJ 1. Apresentação Neste trabalho, apresento uma reflexão sobre as principais questões suscitadas pela minha prática de ensino de Ciências Sociais em uma escola estadual de nível médio do Rio de Janeiro. Procuro pensar sobre a minha própria experiência como pesquisadora de iniciação científica e como aprendiz de professora de Sociologia, já que vivenciei ambos os papéis na escola em que realizei o estágio supervisionado. Desde o início da minha graduação em Ciências Sociais participo de um grupo de pesquisa – coordenado pela antropóloga Yvonne Maggie – que investiga o impacto das políticas públicas no sistema educacional brasileiro. Em meados de 2004, passamos a acompanhar um programa de reforço educacional, denominado Sucesso Escolar, dirigido às 200 escolas da rede que apresentavam um alto índice de repetência e uma baixa proficiência nas avaliações externas77. A minha participação nesta pesquisa se concentrou no acompanhamento da rotina de uma escola de ensino médio, chamada Ivo Carmelo78, que apresenta mais de três mil alunos, cento e sessenta professores e um índice de repetência 79 de 54%. Procurei investigar diversos ambientes da escola, através do método da observação participante, como as salas de aula, sala dos professores e das diretoras e algumas reuniões bimestrais, como os conselhos de classe. Inicialmente, a minha intenção era a de assistir às aulas do Programa Sucesso Escolar, voltadas para alunos que apresentavam o rendimento escolar abaixo da média em português e matemática. Mas, os próprios alunos e seus professores não aderiram a esta iniciativa, o que podia se percebido nas aulas, realizadas aos sábados, onde se via menos de dez alunos em toda a escola. Aos poucos, a minha pesquisa assumiu novos rumos, já que passei a observar a relação entre os discursos das diretoras e dos professores e o que era ensinado nas salas de aula. Em 77
Para mais detalhes sobre o acompanhamento do Programa Sucesso Escolar ver Maggie (2006). Os nomes utilizados neste trabalho são fictícios, com exceção das referências feitas às professoras da UFRJ. 79 Estou considerando como repetência a junção das taxas de reprovação e de abandono. Este índice foi consultado no site Inep – Data Escola Brasil 2005. Disponível em http://www.inep.gov.br /. Acesso em: 03 jul. 2005. 78
154 uma conversa com a diretora adjunta desta escola, percebi que a imagem que ela transmitia era a de uma “boa escola que funcionava porque tinha projetos”: Nossos alunos chegam ao ensino médio sem saber o conteúdo básico, mal sabem ler e escrever. Mas, nós tentamos ajudar. Uma “boa escola” é a que funciona... que tem merenda e “projetos” como os nossos... Nossa professora de português elaborou um projeto em que ela ensina os alunos a ler e a escrever com prazer. Temos também projetos de cultura corporal e dança, de teatro, de artesanato. Estamos querendo montar uma sala com jogos para os alunos aprenderem matemática brincando. Nós temos até um projeto “pré-vestibular”...
Acompanhei dois destes projetos: o “Construção da Palavra80” e o “pré-vestibular”. Esses projetos são considerados inovadores pelos professores que deles participam e também pelas diretoras, na medida em que definem metas capazes de contribuir tanto para elevar a “auto-estima” dos alunos como para os incentivarem a prosseguir seus estudos, por exemplo, na universidade. Quando eu assistia às aulas, tanto os alunos como os professores, não conseguiam compreender bem porque eu estava ali, observando e fazendo anotações no meu caderno de campo. Em algumas situações, tentei explicar as minhas intenções dizendo que participava de uma pesquisa, mas não adiantava: eu era vista na escola como uma estagiária. Durante o período em que eu realizei a pesquisa, observando as diversas salas de aula, eu não pensava como uma estagiária atenta para os conteúdos trabalhados nas aulas de Sociologia, mas tentava compreender os discursos de alunos e professores sobre o que consideravam como 81 sendo uma “boa escola” e os mecanismos de funcionamento da instituição escolar .
Em 2007, ao iniciar a disciplina Didática Especial de Ciências Sociais, sugeri à professora Anita Handfas que eu realizasse o estágio na mesma escola na qual eu já havia tido uma experiência como pesquisadora, estimulada pela possibilidade que eu teria de relativizar as minhas próprias percepções sobre a escola. Assumindo este novo papel, eu enfrentei um novo desafio nesta escola: o de vivenciar a prática docente como estagiária de Sociologia. A partir deste momento, questões que até então não se faziam relevantes para mim – enquanto pesquisadora – como os conteúdos programáticos, o material didático e a metodologia aplicada nas aulas de Sociologia, se tornaram cruciais para a minha formação docente. Segundo Monteiro (2002), a prática de ensino pode se constituir em uma primeira oportunidade de reflexão sobre a articulação dos diferentes saberes docentes e sobre a crítica 80
Projeto elaborado pela professora de português Marta que visa ensinar aos alunos da 1ª série a ler e a escrever com a utilização de jogos e dinâmicas em equipe. 81 Alguns dos resultados desta pesquisa são apresentados em Lage (2008).
155 das atividades relativas ao ensino e à aprendizagem. Inspirada por esta análise, apresento as características que considero como sendo relevantes para pensar sobre a escola e as aulas de Sociologia que acompanhei. Pretendo assim, refletir sobre como o ensino de Sociologia é dirigido aos alunos e como a experiência do estágio pode ser significativa para a formação dos novos professores de Sociologia. Para tanto, utilizo os dados coletados ao longo da minha observação participante nas aulas de Sociologia e nos conselhos de classe, além de uma entrevista realizada com a professora de Sociologia Maria e questionários aplicados a 33 alunos de quatro turmas de 3ª série do turno da manhã82.
2. Refletindo sobre o perfil da escola e da professora de Sociologia Esta escola estadual completou em 2008 uma trajetória de noventa anos no ensino público. Desde 1997, os novos alunos não são mais submetidos a um processo seletivo, já que escolhem a escola de sua preferência pelo sistema de inscrição por telefone ou pela internet. A maioria dos alunos não é morador do bairro da escola, mas são oriundos de diversas localidades da zona norte e oeste da cidade. A equipe da direção é formada por uma diretora geral e três adjuntas. A diretora geral Selma foi uma das professoras da escola selecionadas pela Secretaria de Educação para assumir a direção da escola em agosto de 2005, depois de um longo processo de manifestações dos professores contrários à deposição da antiga direção. As demais diretoras; Elisa, Nair e Carlota; também são professoras da escola. Elisa é a única das diretoras que participou da gestão anterior. A coordenação pedagógica é realizada por apenas um funcionário, que de acordo com as próprias diretoras, é responsável por questões administrativas e relativas ao controle de notas dos alunos. As diretoras sempre mencionam que o principal problema da escola referese à falta de uma equipe pedagógica consistente que auxilie na organização de “planos de ação” efetivos e no acompanhamento do progresso dos alunos. Esta escola é percebida como “tradicional” pela comunidade escolar, o que pude perceber, por exemplo, no discurso das diretoras. Segundo a diretora Selma, a “tradição” está relacionada a uma época na qual “a escola pública ainda tinha prestígio e a família era mais 82
Os questionários aplicados referem-se a uma amostra de 25% dos alunos das turmas de Sociologia, que fazem parte da pesquisa realizada pela turma de Didática Especial de Ciências Sociais 2007, intitulada: “Sociologia no ensino médio: construção da relação aluno-disciplina”, apresentada na XXIX Jornada de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ.
156 presente na vida dos alunos”. Nos conselhos de classe bimestrais, onde se discute o desempenho escolar, pode-se perceber a insatisfação dos professores com a “participação e o desinteresse das turmas nas aulas”. Para boa parte dos professores, muitos alunos não apresentam mais características consideradas “ideais”, como o interesse, o apoio da família e a base de conhecimentos necessárias para o progresso escolar (ALVES-MAZOTTI, 2006). Mas, há também professores que acreditam no potencial de seus alunos e na possibilidade de eles definirem metas a fim de alcançarem posições de destaque na escola e na vida social. Em relação à equipe de Sociologia, pode-se considerar que esta é formada por duas professoras e um professor. Optei por acompanhar às aulas da professora Maria, que trabalha com turmas que participam do projeto “pré-vestibular”, coordenado por iniciativa voluntária dos professores da escola visando à preparação dos alunos da 3ª série “interessados” em prestar o vestibular das universidades públicas. Maria cursou a licenciatura em Ciências Sociais e o mestrado em Educação na UFF e uma especialização em Sociologia Urbana na UERJ. Maria é professora desde que a Sociologia voltou a ser ministrada nas escolas estaduais do Rio de Janeiro no final dos anos 1980. Esta professora apresenta uma relação de proximidade com a direção, estando sempre à frente das discussões em torno da melhoria das condições de trabalho e da busca pela maior autonomia da escola. Ao longo do ano, pude perceber que o posicionamento político de Maria estava nitidamente presente em seus comentários na sala de aula. Em uma das aulas, a professora discutiu as conseqüências que a aplicação inadequada do sistema de ciclos poderia trazer para o ensino médio. Um aluno comentou: “É mesmo professora. A cada dia que passa tem mais alunos chegando ao nosso colégio mal sabendo ler e escrever.” Outro aluno completou: “Os professores tinham mais é que reprovar esse pessoal que não sabe nada.” Por fim, Maria completou: “O problema não é aprovar ou reprovar, é fazer com que os alunos aprendam.” Segundo Maria, o ensino da Sociologia pode ser encarado como um constante desafio, já que, de acordo com ela, a disciplina busca constantemente desconstruir o conhecimento que os alunos adquirem pelo senso comum ao apresentar um olhar crítico sobre a realidade social. Tarefa que a professora classificou como complexa diante das dificuldades cotidianas enfrentadas pelos alunos da escola pública. 3. Os alunos e as turmas
157 A partir dos 33 questionários aplicados com o intuito de averiguar como é construída a relação dos alunos com a disciplina Sociologia, pude observar que: 40% dos entrevistados têm 17 anos, idade ideal para cursarem a 3ª série, 27% têm entre 18 e 19 anos e os demais têm 16 ou mais de 19 anos. Alguns alunos estão entre aqueles que apresentam distorção sérieidade, o que pode estar relacionado com a alta taxa de reprovação da escola. Mesmo os alunos da 3ª série que já “passaram pela malha fina” – tal como afirmou um dos professores de química numa das reuniões – parecem internalizar a idéia de que podem ficar reprovados. Todos os alunos da turma 3006 escreveram a seguinte frase na parte de trás de seus uniformes83: “Talvez formandos”. Em relação ao nível de escolaridade, 46% dos pais e 49% das mães dos entrevistados possuem o ensino médio completo. Quanto aos alunos, 94% deles pretendem cursar o ensino superior, o que pode estar relacionado com a participação dos alunos no projeto “prévestibular” da escola. Segundo os alunos, os professores da 3ª série discutem questões relativas aos vestibulares e organizam palestras com ex-alunos, que atualmente estão na universidade, para incentivá-los à carreira acadêmica. Quanto à percepção dos alunos sobre a possível contribuição da Sociologia para a sua formação, 67% deles avaliaram a presença da Sociologia como “fundamental e muito importante”. 70% dos alunos afirmaram que “gostam muito das aulas” e que as consideram “excelentes”. Assim, os alunos parecem avaliar o contato com a Sociologia como sendo positivo, o que pode estar associado à relação de proximidade deles com a professora. Além disso, a maioria dos alunos parece se identificar com boa parte dos temas discutidos nas aulas de Sociologia, que são correlacionados a fatos do cotidiano. Acredito que a maneira como a aula é dada, já que a professora utiliza diversos recursos didáticos, como debates, trabalhos e pesquisas em grupo, estimulou a reflexão sobre a realidade social dos alunos. A maioria deles parece ter aprovado a presença da Sociologia no ensino médio. No início do ano, a professora parecia entusiasmada com suas turmas. Segundo ela, todas eram “interessadas e participativas”, mas com o decorrer do ano letivo, a avaliação da professora em relação às turmas se modificou. O modo de agir dos alunos em relação à disciplina não correspondeu mais as expectativas da professora, já que muitos deles não realizaram as tarefas e os trabalhos de pesquisa conforme ela havia solicitado. 83
Os alunos da 3ª série têm o costume de fazer desenhos grafitados e de escrever seus apelidos na parte de trás de suas camisas do uniforme.
158 A turma 3001 era uma das participantes do projeto “pré-vestibular”. Nas aulas, os alunos pareciam interessados e motivados, principalmente, pelos debates e leituras propostas em sala. Os alunos da turma 3004 também gostavam das dinâmicas trazidas pela professora, o que podia ser percebido através das questões que me faziam durante as leituras dos textos realizadas em grupo. Já os alunos da turma 3005 eram um pouco menos questionadores. A 3006 pareceu ser a turma que mais participava dos debates e dos trabalhos propostos nas aulas de Sociologia. Segundo a avaliação dos professores, o desempenho geral destas turmas variava de “fraco” a “regular”.
4. Como eram as aulas de Sociologia? Dubet (1997), ao observar as descrições das dificuldades encontradas na relação ensino-aprendizagem por diversos professores, resolveu lecionar durante um ano letivo para experimentar os desafios vividos na sala de aula. Segundo Dubet, a “observação participante” de sua própria aula não foi possível, pois em pouco tempo ele se sentiu completamente envolvido com as tarefas de professor e não mais conseguia pesquisar como um sociólogo. No meu caso, não estava exercendo as atividades como uma professora, mas tal como Dubet, também me senti envolvida com o papel que eu estava desempenhando na escola: o de estagiária. Assim, procurei direcionar a minha observação das aulas para a reflexão sobre os conteúdos e as estratégias que deveriam ser utilizados para o ensino da Sociologia. No início do ano letivo, a equipe de Sociologia programou uniformizar o conteúdo que seria ensinado aos alunos, o que de fato não ocorreu. A professora de Sociologia que eu acompanhei optou por retomar o “programa” de Sociologia do ano anterior e readaptá-lo de acordo com o andamento das discussões feitas nas aulas. Segundo a professora, as suas experiências nos anos anteriores foram fundamentais para que ela selecionasse os temas centrais que norteariam suas aulas. O primeiro tópico trabalhado foi: “O que é pensar sociologicamente?” Numa das primeiras aulas em que assisti, a professora perguntou aos alunos o que entendiam por Sociologia. Muitos disseram: “É o estudo da sociedade.” A professora insistia: “Como assim? O que é sociedade?” Na turma 3001, um aluno falou: “São um grupo de pessoas que interagem.” A professora completou: “É pessoal, mas vamos olhar no texto: como as pessoas fazem para se relacionarem e sobreviverem?” Marta, da turma 3001, interrompeu: “Ah... Os homens quando estão trabalhando produzem bens para sobreviverem e produzem cultura
159 também...” A professora destacou: “Ótimo. Quem pode ajudar a colega a encontrar no texto mais informações?” Em seguida, a professora pediu aos alunos que fizessem uma redação em casa sobre o tema “cultura urbana juvenil” aproveitando o que tinham aprendido nas discussões feitas nas aulas. Nas outras turmas a dinâmica foi parecida. Na semana seguinte, a maioria dos alunos entregou a redação e a professora avaliou a maioria dos trabalhos com o conceito “bom”. Como recursos didáticos, a professora utilizava pequenas apostilas elaboradas por ela com o conteúdo que seria trabalhado em cada bimestre. No 1º bimestre, a professora apresentou o contexto histórico que possibilitou o surgimento do saber sociológico, o nascimento da Sociologia enquanto ciência e os conceitos de: cultura, trabalho e sociedade. De uma forma geral, a professora apresentava oralmente o conteúdo que seria ensinado e solicitava que os alunos se dividissem em grupos para que lessem o texto sugerido, discutissem e respondessem as questões propostas. No 1º bimestre, os alunos fizeram três atividades seguindo este modelo. Na 3ª atividade, Maria utilizou trechos do livro “O Capital84” e da “Ética Protestante e do Espírito do Capitalismo85”. Achei interessante acompanhar estas atividades, pois foram momentos nos quais pude circular pelos grupos e conversar com os alunos. Pude também conhecer um pouco sobre suas impressões referentes à aula de Sociologia e ajudá-los a interpretar os textos, já que observei que a maioria dos grupos encontrou dificuldades para realizar os exercícios, principalmente, em relação à leitura dos textos clássicos. Como forma de avaliação, Maria atribuiu metade da nota do bimestre à redação feita em casa e aos trabalhos em grupo. A outra avaliação feita foi uma prova bimestral múltipla escolha baseada em questões de vestibulares, inclusive para as turmas que não participam do projeto “pré-vestibular”. A professora Maria afirmou que não faz distinção entre as turmas e prefere que todas tenham acesso aos mesmos conteúdos e avaliações. No início do 2º bimestre, os alunos tiveram que se dividir em grupos de quatro componentes para realizarem uma pesquisa sobre o desemprego no Brasil e no mundo. Quando as turmas entregaram as suas pesquisas, a professora classificou os trabalhos como “ruins”. Muitos deles não seguiram as normas pedidas e não apresentaram referências às fontes consultadas.
84 85
MARX, K. O Capital – Crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, v. I, p. 211- 212. WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 182.
160 A prova do 2º bimestre seguiu o mesmo modelo do 1º, de modo que os alunos, a partir de trechos de obras como as de Darcy Ribeiro86, Karl Marx87 e Émile Durkheim88, tinham que responder a questões objetivas de múltipla escolha. Os alunos tiraram notas baixas nas avaliações. Maria afirmou, em várias ocasiões, que ela acreditava que, incentivando os alunos a apresentarem suas percepções a respeito dos assuntos tratados, eles poderiam tornar-se motivados a estudarem Sociologia, o que, segundo ela, não ocorreu. No conselho de classe do 2º bimestre, os professores chamaram a atenção para o que eles consideram um “desinteresse geral dos alunos”. Maria resolveu então modificar sua estratégia de avaliação no bimestre seguinte, substituindo a prova bimestral por trabalhos de pesquisa sobre as desigualdades sociais no Brasil. Além disso, a professora propôs a atribuição de pontos à presença dos alunos em sala de aula e à realização dos exercícios. Numa das aulas, a professora explicou como gostaria que o trabalho fosse elaborado, referindo-se as fontes que eles poderiam utilizar e ao modo como o relatório deveria ser escrito. Em seguida, ela pediu para que os alunos tirassem cópia de uma apostila intitulada: “A Sociologia no Brasil89”, que foi o tema discutido no 3º bimestre. Quando corrigiu os trabalhos, a professora percebeu que poucos alunos pesquisaram e seguiram as normas pedidas por ela. Maria resolveu, numa atitude que ela mesma classificou como de “protesto”, atribuir a nota dez a todos os alunos, mas sem informá-los sobre a nota. No 4º bimestre, os alunos realizaram em grupo um trabalho sobre “os pensadores da década de 1950 que marcaram o pensamento social brasileiro.” A professora propôs aos grupos que todos pesquisassem a biografia, a contribuição e trouxessem um texto de três autores: Florestan Fernandes, Celso Furtado e Darcy Ribeiro para que fossem apresentados pelos próprios alunos. O autor que despertou a maior curiosidade foi Florestan Fernandes, já que os alunos se surpreenderam com sua infância pobre e com os vários ofícios que ele realizou até tornar-se um sociólogo renomado. A professora acredita que o fato dos alunos não saberem a nota do 3º bimestre pode ter os influenciado a realizar o trabalho com empenho. Mas, segundo a percepção de vários alunos, a dificuldade de entendimento de alguns dos textos tratados pode ter levado a um momentâneo desinteresse pelas aulas de Sociologia.
86
RIBEIRO, D. O processo civilizatório. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 152-153. MARX, K. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 71. 88 DURKHEIM, É. Sociologia. São Paulo: Ática, 1981, p. 154. 89 COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. Rio de Janeiro: Ed. Moderna, 2002, p. 170-185. 87
161 Assim, ao perceber a curiosidade dos alunos pelo tema das desigualdades sociais, resolvi que a minha “prova de aula” seria sobre este assunto. Para planejar esta aula, recorri a alguns livros didáticos de Sociologia90 e pesquisei alguns sites sobre Sociologia, já que pretendia ilustrar algumas evidências das desigualdades com algumastirinhas91. A aula foi dada para os alunos da turma 3006, que participaram bastante com perguntas e com a leitura do texto proposto. Introduzi o tema questionando aos alunos como podemos identificar as desigualdades sociais no Brasil. Em seguida, falei sobre o índice de repetência do colégio que ultrapassa os 50%. Um aluno comentou: “Esse pessoal não quer nada mesmo...” Outro aluno falou: “Acho que o pessoal tem que estudar mais.” A princípio eles não perceberam que esse tipo de evidência não se restringe a uma deficiência individual ou a um modo de agir pessoal, mas pode estar referida a um processo mais amplo e complexo, que abarca o sistema de ensino de uma maneira global. Tentei fazer com que eles refletissem sobre essa realidade. Na discussão sobre as características sociológicas das desigualdades sociais apresentei uma tabela com os dados relativos à escolaridade e à renda média, segundo a PNAD 2003, e questionei aos alunos as razões que justificariam a renda desigual entre homens e mulheres, se no caso, uma porcentagem maior de mulheres possuía uma escolaridade elevada em relação aos homens. Para minha surpresa, um aluno apontou: “Há mulheres acomodadas que querem mesmo é ficar dentro de casa fazendo o serviço doméstico”. Como outros meninos pareciam concordar com essa idéia, resolvi questionar as meninas o que elas achavam disso. Diana confirmou que as mulheres “acabam se acomodando, mas por pressão da família”. Julia lembrou que o trabalho doméstico é menos valorizado. Em seguida, destaquei uma série de fatores sócio-culturais capazes de contribuir para as oportunidades diferenciadas existentes entre homens e mulheres. Depois da aula, pedi para que os alunos escrevessem as suas percepções a respeito da mobilidade social no Brasil. Alguns comentários me impressionaram, como o de Leandro, que acredita que sua posição social não melhorará em relação à de seus pais: “Acredito que não, pois a profissão que escolhi - o magistério - não é nem um pouco valorizada, pois pretendo dar aula em município e estado, para ginásio e 2º grau...” O restante parece acreditar 90
Pesquisei os seguintes livros didáticos: BRYM, R. et al. Sociologia: Sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson Learning, 2006. OLIVEIRA, P. S. de. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 2001. TOMAZI, N. D. Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 1993. 91 Utilizei as tirinhas e pesquisei histórias em quadrinhos no site: http://www.cbpf.br/~eduhq/html/tirinhas/tirinhas_assunto/sociologia/sociologia.php Acesso em: 25 set. 2007.
162 que melhorarão sua posição social, prevalecendo a idéia de que com “esforço e perseverança alcança-se o objetivo pretendido”. Carlos e Diego escreveram: “Acreditamos que sim, que teremos uma posição melhor socialmente falando, o que depende de vários aspectos. Primeiramente do nosso esforço e dos nossos objetivos. E depois, das oportunidades, o que é essencial.” No final do 4º bimestre, a professora pediu aos alunos que fizessem uma autoavaliação sobre o rendimento e a participação deles ao longo de todo o ano letivo. A maioria apresentou uma postura crítica em relação ao seu desempenho, afirmando que poderiam ter lido e estudado mais. No geral, avaliaram como positivo o contato com a Sociologia já que puderam discutir várias questões relacionadas à sua realidade e pensar sobre a sociedade brasileira. Vários alunos atribuíram notas 5,0; 6,0 e 7,0 a eles próprios. O único que considerou ter merecido a nota 9,0 foi Leandro da turma 3006, destacando que “participou ativamente, leu os textos, participou das discussões e aprendeu bastante com as explicações da professora e da estagiária.”
5. Considerações finais
Os papéis que representei na escola, já que passei de pesquisadora a aprendiz de professora, me fizeram refletir sobre as recompensas e as dificuldades presentes na atividade docente. Considero que o professor deve estar constantemente atento para despertar o interesse pelas suas propostas de trabalho e para corresponder as expectativas dos alunos em relação às suas aulas. Despertar a imaginação sociológica e o “estranhamento do que nos é familiar” parece ser uma das principais recompensas para o professor de Sociologia. Tarefa esta que ainda me parece bastante árdua. As atividades propostas pela professora Maria estiveram, em grande medida, guiadas pelos “saberes da experiência”, descritos por Tardif (2002), o que reflete a incorporação dos saberes mobilizados ao longo da prática docente desta professora em sua atividade didáticopedagógica. Mas, a opção desta professora parece ser válida na medida em que ela não deixou de abordar temas pertinentes ao ensino de Sociologia e nem de utilizar métodos de pesquisa científicos. Ao longo do ano, procurei pensar também sobre as dificuldades enfrentadas pelos alunos e também pelos professores, como por exemplo, a falta de um acompanhamento pedagógico mais efetivo por parte da escola. Saes (2004), ao refletir sobre os problemas vividos pela escola pública, destaca que há um grande contingente de alunos considerados
163 inadaptados ao contexto escolar, o que pode ser identificado na sala de aula, através da indisciplina e da apatia. Tais fenômenos acabam sendo atribuídos a problemas psicológicos e familiares, gerando baixo desempenho e evasão dos alunos. Enquanto eu conversava com os professores sobre os alunos, muitos diziam que eles eram “desinteressados”, percepção esta que eu buscava relativizar, já que segundo as minhas constatações é na interação em sala de aula que os alunos podem se tornar mais ou menos estimulados a aprender. A experiência como estagiária revelou que esta interação se constrói de forma delicada e, em algumas circunstâncias, não depende somente da vontade de professores e alunos, mas também de elementos externos à sala de aula, como a forma como a escola é gerida. Assim como Saes & Alves (2004) destacam, nos momentos em que a direção da escola parece atribuir uma maior primazia as atividades-meio (administrativas/instrumentais) do que às atividades-fins (ligadas a relação ensino-aprendizagem), pouco se pensa em estratégias efetivas para melhorar o desempenho dos alunos nas aulas e muito se discute sobre problemas práticos do cotidiano da escola. Possivelmente esta situação seja identificada também nesta escola pelo fato de as diretoras acumularem a coordenação de funções administrativas e pedagógicas, o que é comum na realidade da escola pública brasileira. Avalio o duplo papel que desempenhei nesta escola positivamente, tanto porque desenvolvi uma visão mais ampliada do universo escolar como também pude observar a importância de se pensar cuidadosamente no planejamento das aulas, nos conteúdos programáticos e nas estratégias mais adequadas para o ensino da Sociologia. Esta experiência me fez perceber o quanto a atividade de pesquisa pode estimular nos alunos a curiosidade sociológica, principalmente, pela prática de exercícios que envolvem pequenas pesquisas relativas ao cotidiano escolar e da comunidade.
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165 Ser professor, ser estagiário e formar docentes: reflexões sobre experiências de estágios supervisionados e práticas de ensino Julia Polessa Maçaira92 Marina de Carvalho Cordeiro93
Introdução Propomos um estudo comparativo com a intenção de apontar questões e contribuições para o debate sobre a formação docente em sociologia. Buscando refletir sobre aspectos do estágio supervisionado e da prática de ensino na formação docente em ciências sociais, nosso texto está dividido em duas partes: na primeira, fazemos um breve histórico da formação docente no Brasil, e apontamos as diretrizes que orientam a prática de ensino para a formação de professores no contexto atual; na segunda parte, apresentamos as diferentes experiências de estágio e de docência que são objeto de nossa análise. Assim, discorreremos neste estudo, sobre as experiências de estágio na educação básica (requisito para a formação de professores) que se deram em dois colégios da rede pública estadual de ensino e em uma escola particular, ora como estágio supervisionado em prática de ensino de ciências sociais, ora como uma etapa final para o exercício do magistério nas séries iniciais da educação básica. Analisamos também a prática de estágio docência no ensino superior, bem como a experiência de professora auxiliar no nível fundamental em outra escola da rede privada de ensino, por configurar-se oficialmente como vínculo de estágio. A isso, somam-se as experiências propriamente docentes das autoras em diferentes ocasiões. A inspiração para este trabalho tem como srcem as inquietações oriundas na e da disciplina Prática de Ensino em Ciências Sociais da UFRJ, conjuntamente com a vivência do estágio supervisionado e das experiências de ensino e formação de professores pretéritas. Cabe aqui ressaltar que, na UFRJ, a Prática de Ensino em Ciências Sociais é lecionada concomitantemente à Didática Especial de Ciências Sociais, pois a concepção de formação de
92
Professora do Ensino Médio (SEE-RJ), atuou como Professora de Prática de Ensino e Didática Especial de Ciências Sociais (FE-UFRJ), Mestre em Sociologia e Antropologia (PPGSA / IFCS / UFRJ). 93 Doutoranda e Mestre em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA / IFCS / UFRJ; Professora de Ensino Fundamental I (1ª a 4ª série) formação a nível de E.Médio para Magistério; atuou como professora neste segmento na rede privada no Rio de Janeiro e como coordenadora em Colônia de Férias para crianças e adolescentes na região de Cachoeiras de Macacu.
166 professores que orienta a Faculdade de Educação desta universidade objetiva a integração entre teoria e prática. Acreditamos que nossas inquietações não estão restritas à experiência individual mas são expressão de fenômenos imanentes ao universo vivido por docentes e estagiários. Tratamos aqui de realidades distintas que contrapõem escolas públicas e particulares, não com o intuito de hierarquizar ou eleger modelos a serem replicados, pelo contrário. Observamos criticamente o trabalho educacional nas escolas, procuramos apreender com as distintas experiências sempre com a preocupação de formular propostas e contribuições para a prática de ensino em Ciências Sociais.
Um breve histórico da formação de professores na educação brasileira A prática de ensino é, na formação docente, uma questão que suscita discussões, passou e vem passando por inúmeras alterações na história educacional brasileira. Assim como aponta-se para a intermitência da sociologia na educação do país e suas implicações no desenvolvimento e consolidação da disciplina, bem como na produção de materiais didáticos específicos, podemos apontar para a descontinuidade nas propostas de formação docente que, ainda que diferentes, mantinham (e mantém) a dicotomia entre saberes docentes e científicos, resultando numa separação e desarticulação entre teoria e prática, conteúdo e método. As décadas de 1920 e 1930 são marcadas, na esfera educacional, por intensa atividade dos movimentos no país, cuja atuação teve como ponto culminante, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), propondo uma análise da educação brasileira e buscando estabelecer uma nova política educacional. Em 1946, as Escolas Normais foram unificadas pela Lei Orgânica do Ensino Normal, estabelecendo currículo único para todos os estados94, tendo como finalidades: (1) promoção da formação docente necessária às escolas primárias, (2) habilitação de administradores escolares, e (3) desenvolvimento e divulgação de conhecimentos e técnicas relativos à educação na infância. A partir desta lei orgânica, o Ensino Normal subdividiu-se em dois níveis. Sendo o 1º ciclo referente às Escolas Normais Regionais, destinadas à formação de regentes de ensino primário, com duração de quatro anos e onde os conteúdos de cultura geral tinham predomínio sob os de formação especial (que se restringiam à ultima série do curso). E tendo o 2º ciclo duração de três anos, com estrutura curricular mais diversificada e 94
Até 1946 as Escolas Normais eram regidas por legislação estadual diferenciada.
167 especializada onde, porém, a prática de ensino só viria a constar como disciplina na última série do curso. Já no que se refere à docência superior, em 1939, o Decreto-Lei n.1190/39 organizou os cursos de licenciatura e a Faculdade Nacional de Filosofia; com a função de formar bacharéis e licenciados, instituiu-se então o “padrão federal”, que passou a nortear a definição dos currículos básicos das demais instituições do país. Tal decreto definiu o chamado modelo “3 + 1”, no qual destina-se três anos para formação de bacharéis e mais um ano de didática para licenciandos, marcando a concepção dicotômica que se faz presente até hoje e que distancia a Prática de Ensino dos cursos de formação docente, renegando a formação pedagógica à um segundo plano neste processo (BARREIRO & GEBRAN, 2006:37-41). Ainda que outros decretos e leis tenham entrado em vigor, a dicotomia se manteve presente na Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61. Contudo, a LDB de 1961 segue considerando a formação docente enquanto imitação, observação e reprodução de modelos teóricos existentes, fazendo com que a prática docente se tornasse portanto, uma mera reprodução e exercício de modelos pré-existentes. Ao final da década de 1950 e início de 1960, fortes questionamentos foram feitos com relação à formação docente e envolvendo a Prática de Ensino, tendo como pano de fundo o aumento quantitativo da rede escolar e, principalmente, do ensino Normal. Com o Golpe Militar em 1964, houve um redirecionamento na política educacional, visando atender à demanda social por educação, então quantitativamente ampliada; em seguida, para conter a crise instalada no sistema educacional, uma reestruturação foi feita a partir do acordo MEC-USAID, com medidas de longo e curto prazo. Tal política, articulada a um modelo técnico-quantitativo, compatível com o modelo econômico vigente na época, adotou a profissionalização como elemento essencial do processo educacional, envolvendo desde o ensino fundamental até o superior; aponta-se inclusive, que a estratégia em adotar um modelo profissionalizante no ensino médio tinha também como objetivo conter as demandas pela ampliação das vagas no ensino superior. A formação docente transformou-se então na “Habilitação Específica para o Magistério” (HEM), mais uma dentre as habilitações profissionalizantes do país, na qual a formação ganhara caráter terminal, e ao final do ensino médio o aluno já estava (supostamente) capacitado para o exercício do magistério.Após a introdução de vários pareceres e reformas que em nada melhoram a qualidade da formação, a proposição pedagógica que norteava tais ações continuou seguindo uma tendência “tecnicista”; houve então uma fragmentação da prática pedagógica, separando concepção e
168 execução, e ao professor coube a aplicação das instruções determinadas pelo supervisor, sem o livre exercício do trabalho de planejamento de suas aulas. Questionamentos a este modelo iniciaram-se em meados de 1970 e intensificaram-se em 1980, provocando, mais uma vez, um processo de reestruturação dos cursos de formação, partindo então de uma perspectiva sociocrítica de educação, buscando a instalação de espaços de discussão nacionais, contando com a participação de educadores e estudantes universitários. Foi criado o “Comitê Nacional Pró-reformulação dos Cursos de Formação de Educadores” que em 1983 transformou-se na Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE) após Encontro Nacional ocorrido em Belo Horizonte. Em 1990 esta Comissão transformou-se na Associação Nacional pela Formação do Profissional da Educação (ANFOPE), que através do Ministério da Educação apresentou a proposta do Centro Específico de Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), objetivando melhorias na formação do professor da pré-escola e das quatro séries iniciais do 1º grau, propondo o redimensionamento das escolas normais, nos seus aspectos qualitativos, na sua amplitude e em sua área de abrangência. No entanto, segundo Barreiro e Gebran (2006), estas propostas tentaram conciliar os princípios suscitados nas discussões com os limites que a legislação ainda vigente impunha às novas propostas e reflexões (BARREIRO & GEBRAN, 2006:43-53). Por fim, a LDB 9.394/1996 introduziu novos indicadores para a formação de educadores para a Educação Básica, suscitando outras discussões e encaminhamentos; um dos pareceres (CNE/CP 9/2001), por exemplo, destaca a importância da articulação entre teoria e prática, indicando que “a prática na matriz curricular não pode ficar reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em si mesmo e desarticulado do restante do curso”, propondo ainda que esta permeie todo o curso, desde o momento inicial (BARREIRO & GEBRAN, 2006: 55).
Saberes Docentes e a Prática de Ensino Conforme apontamos, a história da formação docente no Brasil é permeada por discussões, que marcam períodos de nosso desenvolvimento econômico e social. A partir das críticas ao modelo da racionalidade técnica ou instrumental, a autora Ana Maria Monteiro (2002) propõe que a Prática de Ensino seja ressignificada, incorporando as contribuições das novas pesquisas sobre a profissão docente, que destacam a importância de sevalorizar os
saberes dos professores e de auxiliá-los a construir um instrumental teórico/ prático para agir
169 com autonomia e visão crítica. É impossível negar a necessidade de formação continuada nos dias de hoje, mas isso não significa abolir a formação inicial. Monteiro defende que, “durante as atividades da Prática de Ensino, o professor em formação vive
um momento estratégico em sua vida profissional, vivenciando um verdadeiro ritual de passagem. Ele/ela é, ao mesmo tempo, aluno e professor, portanto tem a sensibilidade aguçada para perceber as repercussões da ação educativa com olhos de quem ainda se sente como aluno.” (MONTEIRO, 2000:141).
A proposta consiste em propiciar ao professor em formação, a vivência de experiências significativas e não mais, como preconizava o modelo da racionalidade técnica, a
co-participação mera reprodução de modelos de aulas. Assim, os três momentosobservação, ( e regência) de desenvolvimento das atividades da Prática de Ensino podem ser mantidos, mas com novos objetivos e rompendo-se a linearidade de sucessão obrigatória em que eram realizados. Desta forma, o momento da observação abrangeria o acompanhamento de turmas durante períodos de tempo longos, permitindo a observação da ação dos professores e alunos no processo de ensino/aprendizagem. A observação também permite que o licenciando compreenda o contexto da escola, as características da cultura escolar, as formas de organização das relações de poder na escola e seu projeto político-pedagógico. Aco-
participação, por sua vez, teria como objetivo criar um relacionamento mais próximo entre licenciando e professor-regente, de forma que seja possível compartilhar as atividades com as turmas, assim o licenciando insere-se no processo como co-autor e não mero reprodutor, permitindo maior interferência e uma postura mais ativa por parte do licenciando. A coparticipação deve incluir os conselhos de classe, as reuniões de planejamento, e outras vivências do ambiente escolar. Enfim, aregência abrange as atividades de planejamento, a realização e a avaliação de uma aula. Neste contexto, que se propõe a valorizar a atuação do professor, torna-se importante refletir sobre os saberes envolvidos na prática docente. Os autores Tardif, Lessard e Lahaye discutem esta questão dos saberes docentes no contexto das relações que unem as sociedades contemporâneas aos saberes que elas produzem e mobilizam com diversos fins. De acordo com Ana Maria Monteiro, para esses autores o saber docente é caracterizado como heterogêneo e plural: “Tardif, Lessard e Lahaye (1991) chamam a atenção para o fato de que o saber docente é plural, estratégico e desvalorizado, constituindo-se em um amálgama, mais
170 ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência” (MONTEIRO, 2001: 130). É possível então apontar para os diversos saberes que seriam mobilizados na prática docente, sendo eles o escolar, os propriamente docentes, os saberes da experiência, das disciplinas, os curriculares e aqueles oriundos da formação profissional. De acordo com esta concepção, o saber escolar, é concebido não como mera simplificação do saber acadêmico de referência, mas sim constituído a partir de um conhecimento com configuração própria, resultado de um processo de transposição ou mediação didática. Os saberes docentes seriam aqueles que os professores dominam para exercer sua atividade profissional; são temporais (processo longo de construção através do tempo), plurais e heterogêneos (provêm de diversas fontes), ecléticos e sincréticos (são adotadas técnicas, concepções e teorias diversas), personalizados e situados (de acordo com cada experiência e situação de trabalho – o imponderável está sempre presente)95. Já os
saberes da experiência podem ser definidos como o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e requeridos na prática da profissão docente, conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana de exercício do magistério, em todas as suas dimensões.Por fim, os saberes da
formação profissional seriam aqueles que têm srcem na contribuição que as ciências humanas oferecem à educação e nos saberes pedagógicos; os saberes das disciplinas, aqueles difundidos e selecionados pela instituição universitária, correspondendo aos vários campos de conhecimento; e os saberes curriculares aqueles que a instituição escolar apresenta para serem ensinados, resultado de uma seleção cultural. Vale ressaltar ainda as preocupações relacionadas ao ensino da sociologia que vieram à tona após a recente aprovação da lei que tornou obrigatório o ensino de sociologia nos três anos do ensino médio (Lei 11.684, de 2 de junho de 2008). Logo, reacendeu-se o debate acerca da formação docente, produção de materiais de apoio, e propostas de orientação, como comprovam iniciativas tais como o GT de Ensino de Sociologia na Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), as Orientações Curriculares Nacionais (OCNs) e a proposta de criação de um curso de licenciatura na UFRJ, por exemplo. Reafirmamos assim a importância de participação ativa neste debate, já que este é um momento de reflexão e consolidação de propostas educacionais e formativas.
95 Nas palavras de Monteiro, “ A unidade dos saberes dos professores é dada pela ação, pelas necessidades e especificidades da prática” (MONTEIRO, 2000: 139).
171
Refletindo sobre experiências docentes e de formação As reflexões deste texto versam sobre a experiência em cinco ambientes de ensino distintos96, a saber: uma escola pública da rede estadual de educação situada no bairro da Tijuca (Colégio Estadual Professor Antônio Maria, entre os anos 2006 e 2008), outra escola pública situada no Centro (Colégio Estadual Pedro Ernesto Silva, entre 2006 e 2008), uma escola privada situada no bairro do Flamengo (Colégio Bússola, entre os anos 1997 e 1999), uma escola privada situada na Gávea (Escola Floresta, ano 2000 a 2002) e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (onde realizou-se o estágio docência em 2008). O Colégio Estadual Professor Antônio Maria (CEPAM), na Tijuca, oferece o ensino das três séries do nível Médio, em três turnos (manhã, tarde e noite). Sendo o CEPAM uma escola pública, percebe-se um grupo social de srcem popular, mas com grande heterogeneidade entre os alunos. Constata-se também a inadequação do espaço escolar aos adolescentes, pois as salas de aula caracterizam-se por um ambiente apertado, as mesas e cadeiras de tamanho reduzido, parecem tornar aquele espaço muito pequeno para as energias juvenis97. O momento de reflexão sobre a prática docente em suas múltiplas dimensões – entre elas o próprio espaço na qual ocorre – é sem dúvida, importante na formação do licenciando. O local privilegiado para a discussão deste e outros temas acaba sendo as aulas de Didática Especial, onde licenciandos e professores discutem aspectos da prática e também os problemas estruturais da escola pública. Um dos exemplos que podemos citar é a percepção do distanciamento entre os professores; não só os estagiários percebem esta distância entre os docentes das diversas disciplinas, como os professores a comprovam. Não há diálogo, nem tampouco espaço para tal – não há reuniões pedagógicas ou de planejamento periódicas, praticamente não há propostas interdisciplinares de trabalho; as tentativas que existiram (observadas nestes casos), se deram através de “combinações de corredor” e nem chegaram a se constituir em um “projeto” de fato. A prática docente em sociologia parece ser ainda mais dificultada já que as discussões sociológicas possuem ligação com conteúdos de outras disciplinas (como história e geografia, por exemplo), dos quais não há informações disponíveis tanto sobre os planejamentos, quanto sobre o que fora cumprido durante o ano letivo. Na ausência de informações sobre desenvolvimento de tais disciplinas e sendo elas de grande importância para uma melhor 96
À exceção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS / UFRJ), atribuímos nomes fictícios às outras instituições de educação. 97 Vale ressaltar que, no entanto, esta não é uma característica que se refira apenas à esta escola.
172 compreensão da sociologia, é preciso, em inúmeros momentos, que a professora relembre assuntos, indague os alunos com relação ao que sabem ou não dos temas e por vezes até ensine conteúdos. Esta é uma das primeiras constatações do isolamento do docente em sociologia, gerado pela estrutura escolar, principalmente na rede pública, onde tais momentos de orientação e planejamento são inexistentes e não remunerados, ou seja, não existem espaços disponíveis para a formação de uma unidade e direcionamento da aprendizagem escolar. Desta forma, a criação de uma continuidade na aprendizagem ou de projetos interdisciplinares acabam dependendo, única e exclusivamente, da “boa vontade” daqueles professores mais dedicados, menos cansados ou com mais tempo disponível. Esta é, por exemplo, uma questão a ser discutida na formação deste docente em sociologia que, tendo seu conteúdo articulado com as outras disciplinas de humanas, acaba encontrando obstáculos para o desenvolvimento de sua própria, reflexo da falta de comunicação com outros professores, da ausência de um planejamento interdisciplinar e das lacunas deixadas ao longo da trajetória escolar dos alunos. Há ainda uma outra questão que se refere à “solidão” do docente em sociologia: qual o espaço de diálogo que este possui para refletir sobre suas práticas cotidianas? Até o período anterior à obrigatoriedade do ensino de sociologia nos três anos do Ensino Médio, a carga horária se restringia à dois tempos semanais nas turmas de terceiro ano, e geralmente as escolas possuíam apenas um professor de sociologia98. Quando havia mais de um professor na unidade escolar, o diálogo entre estes dependia do esforço individual, posto que há apenas um encontro anual no início do período letivo, destinado basicamente àsquestões burocráticas. É devido a esta “solidão” que os professores-regentes por vezes aproveitam a oportunidade de contarem com a presença dos estagiários para que possam estabelecer tal diálogo. Desta forma, uma participação mais ativa do estagiário que pode ser, em diferentes níveis, garantida pela co-participação, parece ter papel fundamental não só para o licenciando como para o próprio professor. O envolvimento do estagiário no cotidiano da turma pode permitir a ambos momentos de reflexão, e os licenciandos podem então, amenizar a lacuna deixada pela ausência de outros companheiros na unidade escolar atuando portanto, como interlocutores e parceiros. No entanto, a parceria professor-estagiário tem suas limitações. Ainda que a proposta da co-participação seja muito interessante, permanece o distanciamento do estagiário dos momentos relativos ao planejamento, já que estes não 98
Vale sinalizar que, com a Lei 11.684/2008, é possível que ocorram mudanças nessa dinâmica. Por ora, ainda não é possível fazer apontamentos sobre possíveis alterações na relação entre os docentes de sociologia nas unidades escolares, uma vez que o prazo de implementação da referida lei é até 2011 e esta é muito recente.
173 participam da definição do plano (função do professor regente, que por sua vez não tem orientação pedagógica e nem reuniões para tal, tampouco estímulo ou obrigação de compartilhá-lo com o licenciando). Portanto, por vezes o estagiário permanece com uma postura de “assistir aulas”, como se a prática fosse dar-se através da observação e a execução de uma “única prova-aula” ao fim do estágio. Sem dúvida, é a partir da co-participação que se coloca a possibilidade do estagiário interferir de forma mais ativa no processo de ensinoaprendizagem, mas esta não é necessariamente uma atividade plenamente desenvolvida. A participação no planejamento, na preparação de materiais de apoio, provas e exercícios, fica a cargo do professor regente, que não possui tempo disponível para desenvolver tais atividades na escola e que, além disso, pode ou não conceber positivamente a presença do estagiário. É interessante trazer aqui a experiência de uma professora que supervisiona estagiários no Colégio Estadual Pedro Ernesto Silva (CEPES, localizado no Centro) e que, sem dúvida, faz com que esta experiência seja bastante enriquecedora. A professora Lucinéia99 já colaborou na formação de muitos professores de sociologia, parece gostar, e se empenha bastante na tarefa. Muito solícita e disponível, recebe com carinho os estagiários e monta esquemas de trabalho que permitem a troca de saberes entre estes e a própria professora regente. Ao iniciar o estágio, recebe-se o plano anual, com conteúdos de cada bimestre, bem como a professora se preocupa em compartilhar com os estagiários os exercícios e textos, solicitando que eles também preparem materiais e entregue-os à ela. Há uma grande abertura para que o estagiário ministre aulas, que geralmente são observadas de forma atenta pela professora que faz depois, uma breve avaliação. Uma outra iniciativa interessante são as dinâmicas entre os licenciandos, nas quais os formandos têm a oportunidade de “dar e preparar aulas” sobre assuntos diversos, mas geralmente, Lucinéia incentiva a preparação e “treinamento” de aulas que serão futuramente ministradas aos alunos, com temas integrados ao plano do bimestre. Ainda que “treinando” em ambiente fictício as aulas preparadas, a iniciativa é interessante, pois permite que o estagiário tenha uma espécie de “pré-estréia”, na qual tem a oportunidade de aperfeiçoar a linguagem, o conteúdo, o ritmo e materiais da aula, antes de efetivamente ministrá-la aos alunos. Vale citar ainda que a dinâmica possui um duplo incentivo já que a professora computa horas na carga horária do estágio, pois compreende o momento de preparação da aula como parte da prática docente que demanda tempo, principalmente para os iniciantes, podendo então “contar” como tempo de estágio. A professora-regente também mostrou-se 99
Lembramos que usamos aqui também, nome fictício.
174 bastante preocupada quando do momento das “provas-aula” de seus estagiários, montando um esquema ainda mais cuidadoso, dividido em diversas etapas: (1) os estagiários optavam entre as possíveis aulas do bimestre (temas) e marcavam tanto a data da “prova-aula”, quanto as dinâmicas entre estagiários, com bastante antecedência; (2) Lucinéia trazia para cada um dos estagiários, um envelope nominal, com textos, livros e outros materiais sobre o tema da aula que ajudassem em sua composição; (3) aconteciam as dinâmicas, o momento da “pré-estréia”, quando a professora-regente apontava possíveis melhorias na aula; (4) por fim, os estagiários ministravam uma ou duas vezes aquela que seria a “prova-aula” em outras turmas, antes do dia marcado para a avaliação final, em geral na semana anterior. Percorrendo todas estas etapas, sem dúvida, o estagiário vai paulatinamente adquirindo mais confiança em si, assumindo mais o espaço da sala de aula, sentindo-se mais à vontade e ganhando cada vez mais segurança e desenvoltura. Assim, configura-se uma aprendizagem assistida e acompanhada, e a professora-regente exerce uma função que, ao nosso ver, aproxima-se daquela que deveria ser a dos orientadores pedagógicos - figura que não faz mais parte da rede pública, mas que possui papel importante na condução do processo de ensinoaprendizagem e se faz necessário na estrutura escolar de todas as escolas. Cabe ressaltar aqui que, a proposta da professora Lucinéia é posta em prática em uma escola pública a despeito de todas as vicissitudes e falta de incentivo que a rede estadual de ensino padece. As escolas da rede pública do Rio de Janeiro raramente possuem a figura do orientador ou coordenador pedagógico; nas duas escolas tratadas aqui esta função é desempenhada pela direção da escola que acumula as tarefas pedagógicas e burocráticoadministrativas. Décio Saes e Maria Leila Alves tratam da questão da acumulação de funções dos diretores das escolas públicas brasileiras em seus estudos (SAES e ALVES, 2004). Não é o intuito deste texto dar conta desta complexa e instigante problemática, mas observamos que o esforço individual dos professores da rede estadual se dá a despeito de toda a adversidade e dos raros apoios institucionais, na busca pela realização de um trabalho comprometido tanto com os alunos quanto com os licenciandos em formação. O que queremos dizer aqui e que faz parte de uma das conclusões deste trabalho, é que recepcionar estagiários pode ser uma via de mão dupla. O professor regente, ao supervisionar o estágio, pode dedicar muitas horas e tempo de trabalho não remunerado, porém tem também a possibilidade de reciclar seus conhecimentos e trocar impressões, ouvindo críticas e sugestões ao seu trabalho e suas técnicas de ensino – o que não aconteceria no ambiente escolar regular devido ao já citado isolamento do docente, especialmente o de sociologia. Defendemos que não só o licenciando é privilegiado ou se enriquece com uma supervisão de
175 estágio atenciosa e dedicada, mas o professor regente também recebe uma contrapartida por esta dedicação à recepção destes estagiários. No caso de Lucinéa, que havia concluído o doutorado há alguns anos, trabalhando somente em escolas estaduais e sem maiores contatos com a Academia e suas produções, o contato com os estagiários proporcionava excelentes momentos de troca idéias, e de saberes docentes e universitários – para utilizar a nomenclatura de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) – já que em suas próprias palavras, estavam saindo da graduação com “tudo fresquinho na cabeça”. Não obstante, acreditamos que esta relação deveria ser formalizada, e apontaremos nas considerações finais, algumas sugestões.
Formando professores de sociologia para o Ensino Médio: A experiência da UFRJ Gostaríamos de apontar que nas aulas de Didática Especial na UFRJ, há iniciativas que buscam ampliar o espaço e atuação docente do estagiário ou amenizar sua pouca atuação – semelhantes às que ocorrem no CEPES, descritas acima. Desta forma, propõe-se ao longo do ano letivo, momentos de aulas experimentais, chamadas de “laboratório” ou “aulas-teste”, onde os licenciandos apresentam (e ministram) a aula aos seus colegas de classe, sempre com um tempo final reservado à uma avaliação coletiva da proposta. Além disso, os formandos têm a possibilidade de utilizar o tempo de aula para trocar materiais e planejamentos utilizados pelos diferentes professores-regentes nas diferentes escolas, bem como experiências e dinâmicas bem ou mal sucedidas vividas no estágio. Tais momentos são de extrema importância pois a partir de então, o formando pode se instrumentalizar e aumentar seu leque de possibilidades, adquirindo conhecimento sobre dinâmicas e materiais utilizados em sala (jornais, revistas, livros de apoio, textos interessantes, músicas, filmes etc.), ou em outras palavras, formando sua “biblioteca da prática docente”, facilitando assim sua atuação futura. No entanto, é importante enfatizar aqui, que este espaço poderia ter uma valorização maior e ser mais frutífero, gerando produtos como apostilas de exercícios, de possibilidades de dinâmica para aulas de temas diversos, listas de filmes, músicas ou poemas, entre outras possibilidades. É essencial considerar que, uma vez que não há muito material disponível para o ensino de sociologia – resultado também da inserção intermitente da disciplina na educação brasileira - tais iniciativas podem ser formalizadas e materializadas emmateriais de apoio – a idéia não é propor aqui “livros de receitas de aulas” – que facilitem a vida dos professores e colaborem para uma vivência do ensino de sociologia mais interessante e instigante por parte dos alunos.
176 É comum ouvir dos alunos nas aulas de sociologia: “professor, você fala muito difícil, não estou entendendo nada!” e esta fala dos alunos traz à tona a questão da adequação da linguagem científica ao ambiente escolar. Ainda que esta possa ser uma questão também para os docentes de outras disciplinas, acreditamos que os formados oriundos das Ciências Sociais sem dúvida enfrentarão sempre tal dificuldade inicial: como adequar a linguagem extremamente acadêmica na qual nos socializamos na graduação à realidade do aluno de Ensino Médio? A distância entre conteúdo acadêmico adquirido/construído ao longo da graduação e/ou pós-graduação, e o conhecimento do ambiente escolar como um todo (que envolve os métodos e orientações de ensino-aprendizagem, percepção da faixa etária e da realidade dos alunos, noções de didática etc.) torna-se explícita quando colocamos a pergunta: como traduzir e adequar os saberes das disciplinas ao cotidiano escolar? Há uma constante demanda dos alunos de ensino médio para que a professora “fale menos difícil” e o exercício de tornar mais acessível à linguagem juvenil os conhecimentos, sem deixar de acrescentar vocabulário aos jovens, é um desafio do profissional em sociologia, tarefa que é ignorada na formação acadêmica e que só é vivida quando do início do estágio. Vale sinalizar as incongruências: enquanto na formação para o magistério nas séries iniciais, num período de nossa história, a preocupação central era transmitir o mínimo de informação necessário à prática docente; a vivência na graduação e na pós-graduação envolve-nos em uma série de profundos debates das disciplinas, sem a preocupação de como “traduziremos” num futuro próximo, tais conhecimentos aos nossos alunos, seja eles de ensino médio (estágio da licenciatura) ou de graduação (estágio de docência). Ao iniciarmos o estágio no ensino médio nos deparamos com o problema da inadequação da linguagem e na graduação, supõe-se que, uma vez que os alunos são adultos, não é preciso ter conhecimentos de metodologia ou didática para desenvolver um trabalho.
Formando docentes para o Ensino Universitário: A “didática” menosprezada É surpreendente constatar que os professores de graduação ainda podem iniciar sua prática docente sem nenhum conhecimento nem contato prévio com as disciplinas específicas de metodologia de ensino. Neste momento vivemos intensamente a dicotomia saber científico e docente; apenas com o título de bacharel, mestre ou doutor é possível dar início à carreira como docente universitário, sem ter nenhum contato com os saberes propriamente docentes (metodologias de trabalho, didática, práticas, reflexões e contato com grupos), passando
177 diretamente da condição de aluno à de professor-regente. Pressupõe-se que basta “saber” para poder “passar” informações; nada se reflete, discute ou conhece acerca das etapas que envolvem o trabalho docente (como o planejamento das aulas e exercícios, conteúdos, material de apoio, distribuição do tempo, avaliações e correções de trabalhos). Trataremos agora do estágio docência no ensino superior, uma exigência da agência de fomento CAPES que concede bolsas de estudos para doutorandos. Ou seja, nem todo futuro doutor em Ciências Sociais precisa passar pela experiência de estágio docência para receber o título de doutor requisito para a maioria dos cargos de magistério do ensino superior. Para os alunos de doutorado que são obrigados a realizar o estágio docência há ainda possibilidades diferentes de vivência desta experiência. Pode o estagiário participar ou não das etapas que antecedem o início das aulas: este pode simplesmente “receber” e “consultar” o programa pronto, tomando conhecimento passivamente do plano do curso; ou então participar de reuniões que envolvam a definição de conteúdos e formato do curso. Analisaremos aqui, o estágio-docência que foi realizado em uma disciplina introdutória, “Sociologia Geral”, ministrada para alunos do curso de história do turno noturno no IFCS-UFRJ. Neste caso, a estagiária fez parte da reunião de planejamento, definindo questões como o material de apoio, livros, autores, textos a serem utilizados; o número de páginas viável e “suficiente” para acompanhamento e bom rendimento da disciplina; dinâmicas e formas alternativas ao “cuspe e giz”; e perfil dos alunos considerando período, curso e turno. No entanto, apontamos que mesmo “participando” da reunião - momento de aprendizagem importante -, o estagiário geralmente mais observa as tomadas de decisão do que intervém de forma mais direta, pois não possui conhecimento prévio sobre tais materiais. Estando em contato constante com materiais específicos das disciplinas teóricas (e realizando uma única vez as disciplinas iniciais de antropologia cultural, sociologia geral e ciência política), o estagiário-docente no ensino superior possui escasso conhecimento acerca deste tipo de material (livros para iniciantes de autores diversos) para que possa opinar; logo, ainda que seja um momento de decisão importante, a participação mais ativa acaba sendo limitada pela falta de conhecimentos. Os requisitos necessários para a realização do estágio docência “resumem-se” a ter concluído o mestrado e estar cursando o doutorado, assim, supõe-se que o “saber escolar/universitário” está dado, construído, de forma que os outros saberes da experiência e das práticas pedagógicas são desconsiderados. Aqui, os papéis de aluno-pesquisadorprofessor, parecem indiferenciados, como se não possuíssem saberes específicos que precisam
178 ser tratados, estudados e vivenciados de forma diferenciada, o que nos faz relembrar a afirmação de uma professora de graduação: “torturei muitos alunos até aprender a dar aula”.
Formando docentes para a Educação Básica: Foco nas técnicas de ensino Interessante notar a diferença existente entre o estágio docência para o ensino superior e o estágio para formação de professores para a Educação Básica. No caso analisado, a formação de professores para o exercício do magistério nas séries iniciais da Educação Básica realizado no Colégio Bússola baseava-se nomodelo educacional da racionalidade técnica (MONTEIRO, 2002). No estágio feito neste Colégio Normal, entre 1997 e 2000, a idéia de apreender (e não aprender) técnicas de ensino-aprendizagem era central, sendo a própria disciplina “didática geral” centrada na “passagem” de diferentes técnicas, que até então, não contavam com recursos tecnológicos/ eletro-eletrônicos, mas técnicas como uso de cavalete, contação de histórias com figuras no palito, quadros de feltro e figuras, entre outros. O acompanhamento das aulas se dava basicamente pela observação; a participação ou coparticipação era quase nula, sendo feita apenas uma aula-teste ao fim do estágio, e a única forma de participar mais ativamente do processo era organizando murais, recortando letras bonitas para os títulos, entregando e distribuindo deveres de casa, tomando conta das crianças no recreio – enfim, papel totalmente subordinado ao professor regente, com o qual o diálogo era nulo. De uma forma geral, apenas em uma disciplina (que não à toa era Fundamentos Históricos-Filosóficos-Sociológicos da Educação) havia uma reflexão maior sobre a prática docente em si; nas outras disciplinas a orientação era reaprender os conteúdos que deveriam ser passados (rosa dos ventos, fração, reinos e espécies etc.). Inserido na discussão sobre formatos de estágio e prática de ensino, esta experiência pode ser apontada como bastante negativa, dado o papel subordinado do estagiário. Porém, é importante destacar o mérito deste modelo em colocar o futuro professor em contato com técnicas interessantes de trabalho, que mesmo às vezes muito trabalhosas, de todo modo permitem aos formandos conhecimento sobre materiais diversos. Este aspecto técnico é por sua vez, totalmente desprezado na licenciatura em Ciências Sociais; onde muito se reflete sobre os conteúdos e experiências em nível teórico, pouco se vive – apesar das tentativas de transformar a prática de ensino em algo mais dinâmico e eficiente – e nenhum contato se desenvolve com técnicas de trabalho. Como se prepara um trabalho em grupo? Que outros recursos podem ser utilizados em sala de aula que não os aparelhos tecnológicos, por vezes escassos e de difícil acesso nas escolas públicas? Que outras possibilidades existem entre o “cuspe-e-giz” e a tecnologia? Assim, enquanto se aponta para uma perspectiva mais
179 qualitativa do estágio, despreza-se a técnica enquanto um elemento fundamental para o desenvolvimento de uma prática docente com qualidade. Gostaríamos de expor algumas diferenças percebidas entre o estágio do magistério e as demais práticas de estágio já mencionadas neste texto. No curso Normal (Magistério – Formação de Professores) proposto pelo Colégio Bússola, a futura professora deve realizar 300/horas-aula de estágio baseado nomodelo educacional da racionalidade técnica. Nesta formação de professores, o plano de curso para os formandos fora adaptado para o mínimo necessário para lecionar naquele nível de ensino, resultando numa supressão das disciplinas do curso regular de Ensino Médio (como História, Geografia, Física, Química, Biologia e Literatura) e substituição pelas didáticas específicas (de estudos sociais, de matemática, de ciências) e disciplinas relacionadas ao curso (fundamentos biológicos; sociológicos, históricos e filosóficos; psicológicos; estrutura e funcionamento do ensino).
Didática vs Teoria – Uma falsa dicotomia Na formação para o magistério, a lógica que prevaleceu foi a do menor esforço: se a futura professora só precisará ensinar sobre o Descobrimento do Brasil, não há necessidade de estudar história de forma mais profunda, e o mesmo para as demais disciplinas. Já no ensino superior há uma inversão que acompanha o desprezo pelos saberes docentes, supondo-se que basta discutir de forma profunda e teórica os temas, autores e conceitos, para ser capaz de ensiná-los. Os alunos de ciências sociais de graduação e mais ainda de pós-graduação, estabelecem contato com profundas discussões bibliográficas e no âmbito da pesquisa social, porém, o processo de “traduzir” tais conhecimentos aos alunos (respeitando sua faixa etária) é ignorado. Ressaltamos aqui que o processo de mediação didática é um elemento fundamental para o professor de sociologia que, desenvolvendo seu discurso acadêmico, precisa esforçarse para tornar-se inteligível e alcançável aos alunos – fator que pode ameaçar o desenvolvimento da disciplina pelo simples fato de que os alunos não entendem o que o professor diz, não compreendem nem compartilham de seu vocabulário! Enfim, pode-se dizer que no magistério para as séries iniciais opta-se (ou optou-se num dado momento da história educacional do país) em ensinar o mínimo necessário, reduzindo a atuação ao nível técnico e, no extremo oposto, na graduação, há um enorme distanciamento da prática docente, onde sequer discutimos a adequação da linguagem e conteúdo aos alunos de ensino médio.
180 Outra experiência que analisamos, foi a de professora-auxiliar em uma escola da elite carioca, a Escola Floresta. De orientação construtivista, esta escola se preocupa com a formação de seus futuros professores, e contrata com vínculo de estágio os professoresauxiliares, etapa que é percebida como prévia à contratação como professor-regente. Nesta escola, as turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental contam com a presença de duas professoras que trabalham em parceria e que fazem planejamento e organização das aulas conjuntamente. Por ora, trataremos este caso como uma experiência de estágio, apesar da precariedade do vínculo empregatício. Apontamos que neste ambiente escolar foi possível ter uma experiência de estágio mais próxima do que Monteiro descreve como a Prática de Ensino desejável para uma sólida formação de professores. Neste caso, o professor-auxiliar-estagiário vivencia as três fases propostas por Monteiro, com ênfase na co-participação ao longo do processo. Para os responsáveis da escola, era necessário que os futuros professores vivenciassem o que é uma educação de orientação construtivista, e a formação do professor geralmente se dava através desta prática – a proposta da instituição era que o professor passasse pelo menos um ano como auxiliar para, somente depois “assumir” turma – o que não necessariamente ocorria. A escola geralmente contratava professores recém-formados ou alunos que estavam em fase de conclusão do curso, e configurava um espaço de estágio remunerado. Desta forma, os professores-auxiliares-estagiários obrigatoriamente participavam das reuniões de planejamento e orientação, bem como outros cursos, palestras e eventos organizados pela escola. A presença nas reuniões de planejamento anual e semanal da série, nas quais se reuniam todas as professoras regentes e suas auxiliares, e eram trocados saberes da experiência docente e também escolares, tinham papel fundamental para que o estagiário tivesse a percepção do processo de ensino-aprendizagem como um todo; o mesmo pode ser apontado com relação às reuniões de orientação do segmento, das quais participavam as professoras de E. Fundamental I (antigas 1ª a 4ª séries) e a orientadora. Além disso, vale apontar que esta instituição escolar buscava uma relação mais próxima entre os saberes escolar, docente e universitário e oferecia cursos de conteúdo acadêmico (como “Coesão e coerência textuais” por exemplo, que foi oferecido no próprio espaço da escola), e incentivava a participação em eventos, fóruns e congressos sobre educação. As professoras-auxiliares-estagiárias (que eram mulheres em maioria absoluta) também estavam presentes nas reuniões de pais, tinham autonomia e reconhecimento por parte da escola para pegarem equipamentos, reservar espaços, etc.; até o lugar ocupado pela estagiária era diferenciado na sala de aula, ao invés de ficar sentada, assistindo as aulas como
181 aluna, permanecia a maior parte do tempo ao lado da professora regente, na frente da turma, dividindo o quadro, explicações e tarefas. Não podemos deixar de citar ainda a infra-estrutura, que fazia da sala de aula e da escola, um ambiente facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Havia em todas as salas, uma televisão e aparelho de DVD (ou vídeo-cassete), além do que, uma vez por semana, havia necessariamente “trabalho diversificado” devido à presença do “carrinho”. Este “carrinho” disponibilizava um computador com acesso à internet para ser utilizado em sala, e nestes dias as turmas eram divididas em grupos diferentes com tarefas diversificadas, calculadas para que houvesse um rodízio das crianças entre todas as tarefas, incluindo o acesso ao computador. A escola não adotava livro didático; as professoras preparavam apostilas das diferentes disciplinas com conteúdos que consideravam relevantes e estivessem de acordo com a proposta pedagógica da escola, ou adotavam o que podemos chamar de “livros-orientação” (como o “Crianças do Mundo” da Unicef, para trabalhar questões sociais, históricas e geográficas). No que se refere à interdisciplinaridade e integração do corpo docente da escola, vale citar que havia um diálogo intenso entre os “professores-extra” como de Informática, Educação Física, Inglês e a Bibliotecária, para que os conteúdos pudessem ser articulados sempre que possível. Com este relato não pretendemos, de forma nenhuma, apontar tal modelo de estágio como “perfeito”, até porque todos sabemos (ou deveríamos saber) que este não existe, apenas afirmamos a importância da infra-estrutura, do diálogo e da disponibilidade – que é ampliada quando o estágio é remunerado – na formação dos futuros professores e daqueles que já estão atuando como regentes. Importante sinalizar ainda que, na experiência relatada acima, há uma ambígua relação entre a formação e contratação de professores, uma vez que contratar professores já formados como estagiários é uma forma de precarização do trabalho. No entanto, se por um lado há a precarização, por outro é preciso reconhecer que remunerar o estágio é também uma forma de elevar sua qualidade, aumentando o envolvimento e o tempo dedicado à prática docente. Gostaríamos de aproveitar o relato para afirmar que a possibilidade de usufruir de boa infra-estrutura, bem como de orientação e de espaços de diálogos entre os professores é fundamental para uma prática docente mais consciente e coletiva, com maiores possibilidades de gerar um ensino mais estimulante e interessante aos olhos dos alunos, bem como de aliviar as tensões geradas aos próprios professores com relação à sua atuação.
182
Considerações Finais Acreditamos que o esforço de realizar este estudo comparativo justifica-se pela importância de iluminarmos questões e aspectos que fazem parte e estruturam a prática de ensino, para que possamos tornar este processo cada vez mais frutífero e eficiente. Mais uma vez, recorremos à afirmação da professora supracitada: “torturei muitos alunos até aprender a dar aula”. A pergunta que fica é: até quando esta será a orientação básica da formação docente? A experiência da Prática de Ensino em Ciências Sociais pode ser mais proveitosa em todos os níveis, se aliarmos as experiências positivas das diferentes concepções de estágio que tratamos neste texto. Para fins de organização, agrupamos as quatro experiências no quadro abaixo (Quadro 1), comparando-as e avaliando-as, considerando cinco critérios: (a) relação professor regente e estagiário; (b) acesso do estagiário às “instâncias prévias” (planejamento, orientação, etc.); (c) possibilidades de atuação do estagiário / autonomia; (d) aquisição de conhecimentos de técnicas e métodos de ensino por parte do estagiário; (e) infra-estrutura escolar.
Quadro 1 Magistério para Magistério, Sociologia as séries iniciais, (FE-UFRJ), Colégio Bússola, Escolas Estaduais, 1997 a 2000 2008 Nula. Não havia Possibilidade de Relação contato. diferentes gradações, Professor dependendo do Regente e professor regente: Estagiário intensa, intermediária, burocrática. Nulo. Fraco, poucas Acesso às possibilidades de “instâncias intervenção prévias” Espaço de Atuação / Autonomia Acesso a técnicas e métodos Infraestrutura escolar
EstágioDocência, IFCS – UFRJ, 2008 Intensa.
Professor-AuxiliarEstagiário, Escola Floresta, 2000/2 a 2002 Intensa, parceria “afinada” devido ao envolvimento do estagiário no cotidiano escolar. Intenso; horários de planejamento e orientação remunerados. Forte, com
Nulo.
(quase) nulo
Forte, é possível intervir, mas capacidade é pequena. Forte, ausência
Intenso.
Fraco
de supervisão. Nulo.
supervisão intensa. Intenso.
Regular.
Fraca em geral, mas com muitas variações.
Fraca.
Excelente.
183 De uma forma geral, podemos apontar que o estágio no Colégio Bússola, apresentava como característica mais forte, a aquisição de conhecimentos de técnicas e métodos de ensino por parte do estagiário e ênfase domodelo educacional da racionalidade técnica. Já a formação para o Magistério em Sociologia, promovido pela Faculdade de Educação da UFRJ e que ocorre nas Escolas Estaduais da rede pública, tem contornos bastante diferenciados, dependendo muito mais da relação estabelecida entre professorregente e estagiário; e, no que se refere à infra-estrutura, apresenta um quadro geral fraco (quase não há salas especiais ou equipamentos tecnológicos, bem como não existem as instâncias de apoio ao professor, como planejamento e orientação). No estágio-docência, realizado por alunos de doutorado em disciplinas de graduação, pode haver, dependendo do professor-regente, grandes possibilidades de intervenção no planejamento, que por vezes não podem ser aproveitadas devido à falta de conhecimento do estagiário com relação aos materiais disponíveis. Vale ressaltar ainda que na maioria das vezes as possibilidades de atuação em sala de aula são fortes, muitas vezes o estagiário ministra várias aulas ou mesmo o curso quase inteiro (!) e sem nenhuma supervisão, que fica a cargo do regente e de sua disponibilidade (dependendo de seus outros compromissos acadêmicos, geralmente tidos como mais importantes do que observar a aula de seu aluno de mestrado ou doutorado, ou mesmo orientá-lo no planejamento). Por fim, o estágio na Escola Floresta, apresenta melhores condições de aprendizagem para o Professor-Auxiliar-Estagiário, já que a instituição apresenta excelentes condições de apoio ao professor e de infra-estrutura. Acrescenta-se ainda que o estágio é remunerado – à parte às objeções feitas acima, quanto àprecarização que este contrato configura neste caso – fazendo com que a disponibilidade e o envolvimento do formando seja bem maior. Vale dizer ainda que a formalização de um contrato com o estagiário faz com ele seja um interlocutor real no ambiente escolar, sendo percebido como um profissional, responsável e capaz de exercer certas tarefas docentes previamente estipuladas. Ao contrário do que ocorre nas escolas estaduais, onde o estagiário parece ser uma “não-figura” pois não pode subir com a turma sozinho, pegar equipamentos, abrir salas ou ministrar aulas na ausência do professor regente100. 100
Em certa ocasião, a professora regente precisou chegar atrasada à escola e planejou uma atividade a ser iniciada por uma das estagiárias. A direção do CEPAM foi previamente consultada e a autorização foi concedida. Porém, no dia da atividade, a estagiária foi impedida pela inspetora da escola de subir com a turma sem a presença da professora-regente. A diretora adjunta que estava na escola naquela ocasião preferiu atrasar a aula e deixar os alunos sem atividade até a chegada da professora-regente, pois os estagiários não estavam autorizados a exercer atividades sem supervisão direta. Destacamos também que a direção da escola trabalha por turnos, havendo um rodízio semanal.
184 A prática de ensino em Ciências Sociais vem ganhando importância a partir da regulamentação da Lei 11.684/2008. Como estamos à frente de um processo ainda inicial, é preciso termos em mente as grandes possibilidades de intervenção, propostas e ajustes que podem ser feitos no processo de formação deste docente. Portanto, baseados na discussão realizada no I Encontro Estadual do Ensino de Sociologia (ENSOC), no Grupo de Trabalho 3 “Formação de Professores”101, gostaríamos de apontar aqui algumas sugestões: (1) É preciso valorizar a licenciatura com aportes de recursos humanos e materiais. É importante reivindicarmos aporte de recursos e investimento institucional, tais como bolsas de iniciação à docência e/ou bolsa para estagiários. Remunerar a atividade de estágio colabora para elevar a qualidade do estágio. (2) É preciso criar estímulo e formas de diálogo/interlocução entre as três esferas de ensino: bacharelado, licenciatura e escolas de nível médio. Encontros acadêmicos e fóruns de discussão são iniciativas importantes para a criação de canais de diálogo. (3) Sugerimos a institucionalização de pelo menos dois encontros entre pofessoresregentes, professores da prática de ensino e os próprios estagiários, ou seja, a inclusão desta reunião como atividade de planejamento pedagógico do ensino de sociologia. Seria interessante haver um encontro no início do ano letivo para fins de esclarecimento e outro ao final, para avaliação e balanço das atividades. (4) Recomendamos também a institucionalização do papel do professor regente enquanto orientador de licenciandos no estágio supervisionado, bem como disponibilizar tempo e as condições materiais necessárias para o exercício desta atividade. Uma possibilidade é a instituição de um sistema de certificação que possibilite a este professor-regente um reconhecimento desta atividade na carreira docente; assim, a experiência de receber e orientar estagiários poderia contar para a carreira docente sob a forma de pontuações e ou titulação, podendo expressar-se até mesmo em gratificações salariais. (5) Importante ainda seria refletir sobre os pressupostos para ser contratado como docente nos cursos de licenciatura. Se entendemos que há, na prática docente, saberes específicos que não são dados pelas disciplinas teóricas do bacharelado, como podemos admitir professores-bacharéis para ministrarem aulas para os futuros 101
Gostaríamos de agradecer às professoras responsáveis pelo relatório da discussão do GT, profª. Elinete Aquino e Rosana da Câmara, assim como de todos os demais participantes do debate enriquecedor gerado após as apresentações dos trabalhos.
185 licenciados? Esta é uma questão a se pensar: a licenciatura deve serpré-requisito para habilitação ao exercício da docência em cursos de licenciatura? (6) Vale problematizar ainda a preocupação institucional em colocar parâmetros a respeito do tempo de estágio a ser cumprido (tendo em vista as minuciosas definições em lei das quantidades de horas a serem cumpridas pelos professores em formação). Contudo, acreditamos que a grande questão que deve ser iluminada e enfocada na formação de docentes é a qualidade do estágio. Não faz sentido preocupar-se com a delimitação do tempo dedicado ao estágio, se aqualidade parece não acompanhar o mesmo nível de discussão e determinação que aquantidade. Colocamos, por fim, a seguinte questão: será que Dubet (1997) tem razão ao afirmar que é preciso “primarizar o ensino”? Entendemos com as palavras de Dubet, que devemos buscar nos cursos de licenciatura em Ciências Sociais, a valorização do ensino de métodos e técnicas enquanto uma dimensão complementar importante, que acompanha as discussões teóricas, reflexivas e pedagógicas. Segundo o autor, seria importante “primarizar o ensino” pelos motivos expostos a seguir: os professores do primário aprenderam a falar tanto para
alunos quanto para crianças; a presença dos pais é mais forte no primário; e a lógica seletiva é menos intensa na escola primária, onde aproveita-se o tempo e há menos obsessão pelo nível, performance e pelos exames de fim de ano. Dubet aponta elementos estruturais da escola, como a participação dos pais no processo de ensino-aprendizagem de seus filhos – que na maioria dos casos vai declinando conforme as crianças crescem e ficam mais velhas – bem como a “obsessão” dos professores em “cumprir o conteúdo”. Muitas vezes, pressionados pelo vestibular – apesar deste ainda não ser o caso da sociologia de uma forma geral – os professores privilegiam o cumprimento de seus planos, do que a aquisição e construção do conhecimento de fato. Nesta “melhor formação” dos professores das séries iniciais da educação básica (primários), o cuidado com os alunos, a atenção a eles dedicada, bem como as possibilidades de uma comunicação mais efetiva – já que aprenderam a falar tanto para alunos quanto para crianças – são fundamentais para uma prática docente mais eficiente, produtiva e carregada de afeto. Portanto, acreditamos que tanto para lecionar no Ensino Médio, quanto na Graduação, os professores devem ser formados tendo acesso àqueles conhecimentos didáticos responsáveis pela efetivação do processo de ensino-aprendizagem, que requer cuidado, paciência, planejamento, organização e comunicação com nossos alunos.
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Referências Bibliográficas BARREIRO, Iraíde Marques de Freiras & GEBRAN, Raimunda Abou. “Breve histórico da prática de ensino nos cursos de formação de professores”. In: BARREIRO & GEBRAN. Prática de Ensino e Estágio Supervisionado na Formação de Professores , SP: Editora Avercamp, 2006, p. 37-60. DUBET, François; PERALVA, Angelina Teixeira; SPOSITO, Marilia Pontes. “Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor” Entrevista com1997, François Revista Brasileira de Educação mai/jun/jul/ago 1997, n°5,– set/out/nov/dez n°6 Dubet. LOPES, A . R. C. “Conhecimento escolar: ciência e cotidiano”. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. MONTEIRO, Ana Maria F. C. “A prática de ensino e a produção de saberes na escola”. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 129-148. MORAES, Amaury Cesar. “Licenciatura em Ciências Sociais e ensino de Sociologia: Entre o balanço e o relato”. SP: Tempo Social. V. 15, n° 1 (abril de 2003), p.520. SAES, Décio A. M. e ALVES, Maria Leila. “Problemas vividos pela escola pública:
do conflito social aos conflitos funcionais (uma abordagem sociológica )”. In: Linhas Críticas, Vol. 10, número 19, Universidade de Brasília, 2004. TARDIF, Maurice, LESSARD, Claude e LAHAYE, Louise. “Os professores face ao saber. Esboço de uma problemática docente”. Teoria & educação nº 4, Porto Alegre: Pannônica, 1991.
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Ensino Médio: representações sobre a Sociologia e sua Prática de Ensino Gabriela de Souza Honorato102
Apresentação A inclusão e a exclusão da Sociologia na formação do estudante de nível médio é um debate centenário, que pode e deve ser acompanhado através de uma série de trabalhos acadêmicos (dissertações, textos, artigos e de comunicações em diversos eventos). Com a presença obrigatória da disciplina nos currículos da educação básica em todo o País desde 2006 (em forma de lei), se trata hoje, não apenas, de discutir se a Sociologia deve ou não ser ensinada, mas de saber o quê e como deve ser ensinado. Cabe ressaltar que a importância ou insignificância atribuída por alunos, professores e demais profissionais da educação à presença da disciplina na grade curricular pode demarcar a configuração de possibilidades didáticas, permitindo, ao mesmo tempo, realizar experiências capazes de re/direcionar o significado da Sociologia e da própria formação básica para a sociedade em geral. Neste texto, procuro trazer à tona, a percepção de alunos e os sentidos construídos sobre a disciplina, as atividades didáticas e a avaliação que fizeram de mim como professora de Sociologia. Os resultados são reveladores, ao mesmo tempo, de tensões vivenciadas por Cientistas Sociais e professores de Sociologia na atividade de transformação do conhecimento científico em conhecimento escolar.
Sociologia, Conformação e Emancipação É possível admitir que a inserção da Sociologia na formação do estudante de nível médio tem se tornado, aos poucos, um objeto de estudo cada vez mais legítimo para as Ciências Sociais, exigindo pesquisas que formulem questões e dêem respostas que possam, ao menos, iluminar o entendimento das contradições que se revelam a cada instante quando nos deparamos sobre as práticas educativas que impõem pensar sobre o quê e como ensinar (SOBRINHO, 2007). Neste momento histórico de afirmação da Sociologia como conhecimento escolar, o imaginário dos alunos revelam uma importante configuração da/para a prática de ensino, definindo as expectativas pelas quais o trabalho do estagiário/professor de Sociologia pode ser apoiado/fundamentado.
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Graduada e Licenciada em Ciências Sociais pela UFRJ, Mestre e Doutoranda em Sociologia pela mesma universidade.. Desde 2002 tem atuado como professora e pesquisadora em instituições de ensino básico e superior, institutos de pesquisa e empresas. E-mail: [email protected]
188 Cabe observar que ao se tratar de um componente curricular, pode parecer que a Sociologia (e outras disciplinas) se restrinja(/m) à educação escolar. Entretanto, as práticas de ensinoaprendizagem e de socialização de seu conteúdo são constituídas, influenciadas e potencializadas por processos sociais mais amplos, que envolvem interesses e relações de poder diversos. A escola é como afirma GADOTTI (2000, p. 150): “simultaneamente reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial, mas também, ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de libertação. A escola é uma instabilidade, mais ou menos aberta à nossa ação”. O ensino da Sociologia é posto, então, num ambiente que, a despeito das mais nobres intenções de formar adolescentes e jovens numa perspectiva de enfrentamento com a realidade social, como têm sugerido os argumentos mais freqüentes a seu favor, contém em si tanto possibilidades de uma “visão harmoniosa do mundo”, na qual não há questionamentos sobre os fundamentos da ordem social, quanto de uma educação emancipadora, tendência que, ao contrário, busca justamente compreender e transformar a ordem social injusta para as maiorias sociais (MOTA, 2005). Nesta perspectiva, a análise de “representações/percepções” pode se constituir como um avanço e um valioso instrumento de identificação das apreensões socialmente construídas daqueles que têm tido contato com a Sociologia. Sabe-se que as representações sociais são elementos simbólicos que as pessoas expressam mediante o uso de palavras (e gestos). Fazendo uso da linguagem oral ou escrita, se explicita o que se pensa, como se percebe esta ou aquela situação, que opinião se formula acerca de determinado fato ou objeto, que expectativas se desenvolvem a respeito disto ou daquilo (FRANCO & NOVAES, 2001). Ao “falar”, “depor”, “comentar”, etc., os informantes se significam e significam o próprio mundo, fazendo com que a realidade se constitua nos sentidos praticados pelos sujeitos. É claro que o maior ou menor nível de sofisticação da linguagem está circunscrito ao volume de capital cultural herdado por seus grupos familiares, no processo de socialização, e, secundariamente, adquirido nas redes sociais das quais o estudante faz parte. Para Sobrinho (2007), os depoimentos dos alunos podem ser tomados como expressão de suas vivências e marcas ideológicas que dizem respeito às suas vidas em sociedade. Assim, permitem inferir suas concepções de mundo e, também, deduzir sua orientação para a ação. A seguir, uma tentativa de captar as representações sobre a Sociologia e a prática de ensino por mim realizada.
Os Dizeres sobre a “Sociologia” A partir de trinta e seis depoimentos de alunos do terceiro ano do ensino médio do Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, localizado no bairro de Copacabana na cidade do Rio de
189 Janeiro, onde atuei como Professor Docente I – Sociologia, entre 2005 e 2008, serão apresentadas percepções sobre a Sociologia como disciplina integrante da formação escolar básica, das atividades didáticas e a avaliação que fizeram de mim como professora. A média de idade dos alunos era de 16 anos; a maioria, moradora do bairro de Copacabana. Em geral, o grupo de alunos investigado era de filhos de pessoas que exerciam atividades de pouco prestígio social: os pais, na maior parte das vezes, porteiros de condomínios de bairros da zona sul do Rio de Janeiro, e as mães, donas-de-casa. Além disso, eram adolescentes que estudavam no período da manhã e não trabalhavam. Alguns freqüentavam cursos preparatórios ao exame Vestibular, mas, em cada turma por mim conduzida no período acima citado, apenas cerca de 10% dos alunos tinha projetos de continuar estudando numa área já escolhida. Em média, 90% dos alunos, quando indagados sobre o futuro, não sabiam o que estaria fazendo no ano seguinte. As expectativas de ascensão social através da educação eram muito reduzidas.
* A Sociologia, no dizer dos alunos, era “instrutiva” e “reflexiva”. Os estudantes pareciam se interessar pela disciplina na medida em que eram colocados diante de debates sobre questões atuais da sociedade, além de ser possível, através dela, “aprender vários conceitos de cidadania” e “viver em sociedade”, ajudando a ter uma “melhor compreensão do mundo”. A seguir, os depoimentos mais significativos:
“A matéria Sociologia não é muito interessante por ter pontos em comum com História e Geografia, mas com assuntos atuais até torna-se um pouco agradável.” “(...) na verdade, isso não vai me atrasar em nada, só vai somar (...) a matéria não me incomoda, mesmo não sendo a minha preferida”; “(...) a aula foi muito instrutiva. É uma disciplina reflexiva que tem que ser analisada a todo momento (...)”; “(...) tivemos conversas que até então não eram discutidas em sala de aula, os alunos tiveram a oportunidade de expressar seus pensamentos e discuti-los em grupo, foram analisados também assuntos polêmicos que por sinal ajudam muito na formação de um cidadão (...)”; “(...) essa matéria ajuda muito a informação dos alunos e nós ficamos por dentro de tudo que tá rolando no mundo, como na aula sobre a questão do trabalho (...)”; “A aula é boa porque aprendemos vários conceitos de cidadania.”; “(...) importante para o treino do bom relacionamento entre as pessoas (...) para a convivência em grupo, ou no trabalho que provavelmente será o próximo
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desafio no que se trata de convivência, pois todos somos diferentes e temos reações distintas (...)”; “(...) ensina como viver melhor em sociedade, estuda o que a sociedade deve melhorar e o que deve permanecer (...) estimula a democracia e a consciência política dos alunos (...)”; “(...) estuda os tempos e formações das sociedades e a época contemporânea explorando bem a vivência dos alunos (...)”; “(...) nos faz entender o mundo em que vivemos (...)”; “(...) nos ajuda a ter um uma melhor compreensão do mundo (...)” “(...) a pessoa pode compreender a realidade global, entendendo como que se desenvolveu o modo de vida, a ideologia, as ações governamentais, a concentração de renda de nossa sociedade (...)”; “(...) é vital para melhorar a apreensão do mundo, e amadurecimento de suas idéias, ideologia, tendo em vista esse mundo desigual, cada vez mais competitivo, que leva as pessoas, até por uma questão de sobrevivência abandonarem seus sonhos, aceitando qualquer trabalho mesmo (...)”. Os Dizeres sobre a Prática de Ensino Foi possível dividir os dizeres sobre a prática de ensino entre aspectos positivos e negativos. Os alunos perceberam como positivo o “dinamismo” das aulas, com filmes seguidos de debate, e atividades de corte e colagem de jornais e revistas, onde puderam se expressar livremente sobre questões atuais, embora, em outro extremo, apontaram o problema da “bagunça” e da “falta de interesse” como o grande empecilho para que as atividades fossem mais bem aproveitadas:
“(...) melhores aulas: vídeo, trabalho de colagem, texto em cima de um tema.”; “(...) tirando a bagunça, tudo é positivo (...)”; “O curso foi bastante proveitoso; questões de debate; tudo muito atual, o que faz despertar a atenção e o interesse do aluno.”; “com os debates ficou bem legal”; “Eu no começo do ano não gostava da aula, mas deve ser por que eu não prestava a atenção, mas depois que eu passei a me dedicar eu comecei a achar maneira a aula.”; “(...) acho interessante os temas, pois com eles avaliamos, julgamos e estudamos a nossa sociedade.”; “(...) aprendizado bem dinâmico e livre cada um falando e comentando suas próprias opiniões, isso torna a aula boa, só que nem todos procuravam aprender e participar das aulas.”; “O contexto das aulas foram bastante importantes para o nosso cotidiano, também bem colocadas e discutidas, embora fossem pouco interessados.”;
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“(...) abrangeu temas importantes e soube trabalhar com os alunos de uma forma fácil e divertida (...)”; “(...) aulas são bem explicadas (...)”; “As aulas de sociologia durante o ano foram se superando com os debates, seminários.”; Como aspectos negativos, os alunos apontaram a “falta de dinamismo” de algumas aulas, o “tom de voz da professora” e o próprio “desinteresse” e “bagunça” dos alunos. “(...) aulas com pouco dinamismo, mas interessantes(...)”; “(...) no primeiro bimestre as aulas eram um pouco chatas (...)”; “(...) desinteresse por parte da maioria dos alunos em estudar, debater e desenvolver esta matéria (...)”; “(...) falta de interesse dos alunos, poderia ser melhor se todos colaborassem e fizessem todas as atividades propostas pela professora (...)”; “(...) os alunos não colaboram muito (...)”; “(...) não há muito respeito por parte de algumas pessoas, o que dificulta o andamento da aula (...)”; “(...) a falta de interesse por parte de alguns alunos (...)”; “(...) nem todos os alunos dão a devida importância à matéria (...)”; “(...) a turma não cooperou em determinados momentos (...) se todos tivessem prestado atenção nas aulas,suateria proveitoso eu teriaa turma escutado todas as suas palavras, porque vozsido é ummais pouco baixa, e como é muito grande, dificultou às vezes a minha compreensão (...)”; “(...) tom de sua voz (...)”; “(...) só não gostei muito da parte dos conceitos de economia, achei muito chato.”; “(...) nos primeiros dias de aula de sociologia, eu não interessava muito, pois as aulas era muito teoria (...)”; “(...) pouco interesse dos demais alunos da turma (...)”; “(...) eu gostava mais quando fazíamos uma roda de debate, falávamos de vários assuntos, os assuntos que mais me interessavam era quando falávamos de preconceito, violência, política e um pouco de adolescente (...) eu até vou fazer faculdade de assistente social.”; “(...) alunos deixam de lado trabalhos que poderiam ser feitos (...)”. Avaliação da Professora Uma reflexão constante entre os anos de 2005 e 2008, quando atuei como professora de Sociologia da rede estadual e privada do Rio de Janeiro foi a de “como ser professora de Sociologia”. Quase diariamente esta questão era tomada como pauta de discussão com meus estagiários de Didática Especial e Prática de Ensino em Ciências Sociais de distintas
192 universidades (UERJ, UFRJ, e Universidade Cândido Mendes). Os estagiários comentavam sobre a desilusão de cursar as disciplinas da Faculdade de Educação, de maneira complementar à graduação, e ter a sensação de não saber como ser professor, de não saber o que fazer diante de turmas de alunos tão diferenciadas: pela manhã, cerca de quarenta adolescentes cheios de energia, e à noite, quarenta adultos, sem nenhuma energia após um dia inteiro de trabalho e horas em trânsito. Entretanto, parece que a pergunta de “como ser professor de Sociologia” era antecedida pela de “como ser professora”, isto é, apenas “professora”. Os alunos reclamaram do tom baixo da voz, e pelo fato, de muitas vezes, eu não saber me “impor” diante da bagunça da turma. Por outro lado, avaliaram que as explicações eram bem feitas, além de eu ser “paciente”, “atenciosa”, “democrática”, e de dar vários trabalhos para “ajudar” o aluno:
“(...) dá oportunidade para o aluno alcançar a nota passando muitos trabalhos.”; “(...) falta dicção (...)”; “(...) aula sem emoção (...)”; “(...) não se impõe (...)”; “(...) calma e explica bem a matéria, apesar de ser tão nova (...)”; “Trouxe pra sala de aula alguns conceitos de nossa sociedade que muitos não conheciam e nunca ouviram falar; trabalhei coisas que aperfeiçoam os meus conhecimentos, o que acho muito bom.”; “Professora é atenciosa, presente e muito legal.”; “(...) apesar de a professora ser inexperiente por ser o seu primeiro ano de ensino para alunos do ensino médio, ela mostrou-se bem preparada para expor os assuntos que deveria abordar em sala de aula.”; “(...) a professora deve melhorar o seu tom de voz e ser mais pulso forte, rígida na hora em que precisar, não deixando de lado seu modo jovial.” “(...) a professora às vezes é meio chata, mas é uma boa professora porque deve ser muito difícil mesmo dar aula pra mais de vinte alunos quando metade não quer nada com a hora do Brasil. Às vezes ela pode ser um pouco grossa, mas se ela não se impõe, os alunos passam por cima dela.”; “Legal, simpática e inteligente.”; “(...) explica bem, faz com que as aulas tenham um bom rendimento na medida do possível.”; “(...) quanto à professora eu gostei, pra quem é o primeiro ano que dá aula achei que vc estava sempre muito segura do que estava falando.”; “(...) explica bem, ajuda o aluno.”; “(...) nota da aula – de 0 a 10 – 7,5.”;
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“A professora é maneira, ela sabe explicar bem, tenta fazer com que a turma participe de várias atividades, apesar disso ser meio impossível porque ninguém ajuda.”; “(...) tem uma boa qualificação acadêmica e sabe se fazer entender ao explicar as matérias. É uma pessoa espontânea, esforçada e próxima aos alunos.”; “(...) dificuldade para expor suas qualidades a alguns alunos (normalmente alunos não interessados).”; “(...) muito atenciosa e democrática, trazendo uma diversidade de trabalhos e temas, porém deveria ser mais enérgica com certos alunos e tentado trazer mais consciência política, pois poucos sabem o que ela significa (política).”; “(...) profissionalidade, compreensão (bagunça em sala de aula) e inteligência”; “(...) boa formação, interesse em ajudar os alunos.”; “(...) a professora é muito legal, mas precisa aprender a se impor mais diante da turma pra tentar controlar a bagunça.”; “(...) ela ajuda muito os alunos com os trabalhos e provas com consulta.”; “(...) paciência com os bagunceiros;” “(...) muitas vezes fica sem saber o que fazer para silenciar a turma. Acho que a senhora devia com a sua experiência, ver que a turma está agitada, tentar chamar atenção da turma usando imaginação, tipo: turma, atenção, vamos fazer uma coisa diferente hoje...”; “(...) a professora conseguiu passar uma mensagem para mim que não devemos abaixar a nossa devemos ir à luta, com estudando e defendendo nossos direitos, enfim, foi cabeça, muito legal, e esclarecedora, vários temas abordados.”; “(...) você se interessa bastante em que os alunos entendam em o que está sendo dito sobre a matéria.”; “(...) devia ter mais pulso com a turma, devia impor mais moral vindo de sua parte.”; “(...) procurava passar da melhor forma possível seus conhecimentos aos alunos, só que os alunos pouco se interessavam.”; “(...) só tinha às vezes que era um pouco ignorante, mas enfim, faz parte.”; “(...) a professora é boa e se esforçou para fazer com que a turma pelo menos alguns participassem das aulas.”; “(...) você sabe explicar bem e é bastante paciente.”; “(...) é uma profissional de talento e determinação (...) conseguiu também tirar da cabeça de alunos que tem quase a idade dela, que a capacidade de vitória de um ser e a garra de quem quer vencer na vida pode mudar o modo de pensar de uma pessoa ou até mesmo de um grupo”. “(...) paciência da professora e gosto pela sociologia, o que conseqüentemente nos faz interessar pela aula”; Considerações Finais
194 Neste texto, procurei trazer à tona, a percepção de alunos e os sentidos construídos sobre a disciplina Sociologia e a prática de ensino por mim realizada entre os anos de 2005 e 2008. Pude observar que a Sociologia ao mesmo tempo em que tem uma boa recepção por parte dos alunos, pois acreditam que seja “instrutiva” para sua formação como “cidadãos”, é prejudicada pela falta de colaboração e interesse dos alunos. A atenção deles parece ser conseguida menos com aulas expositivas, e mais com aulas “dinâmicas”, em que prevaleça o debate de filmes e atividade de pesquisa que envolva corte e colagem de jornais e revistas, por exemplo. A professora foi criticada pelo seu baixo tom de voz e pela sua incapacidade de lidar com a bagunça. Acredito que seja um desafio para Cientistas sociais, transformar o conteúdo da Sociologia, da Antropologia e da Ciência Política em conteúdo escolar com caráter dinâmico, ao mesmo tempo em que, como professor de ensino médio, o Sociólogo deva lidar com o problema da “bagunça”. Sugiro que investigações futuras se concentrem nessa problemática.
Referências FRANCO, Maria Laura P. Barbosa & NOVAES, Gláucia Torres Franco. Os jovens do ensino médio e suas representações sociais. Cadernos de Pesquisa, n.112, p. 167-183, março/2001. GADOTTI, Moacir. PERSPECTIVAS ATUAIS 2000.
DA
EDUCAÇÃO. Porto Alegre: Artes Médicas,
MOTA, Kelly Cristine Corrêa da Silva. Os Lugares da Sociologia na Formação de Estudantes do Ensino Médio: as perspectivas de professores. Revista Brasileira de Educação, n. 29, Maio/Jun/Jul/Ago 2005. SOBRINHO, Helson Flávio da Silva. “Eu odeio/adoro Sociologia”: sentidos que principiam uma prática de ensino”. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, Recife: UFPE, 29 de maio a 1 de junho de 2007.