Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos Pontos de Cultura 2ª edição
Aline Carvalho
luminária academia
Rio de d e Janeiro, 2009
Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos Pontos de Cultura 2ª edição
Aline Carvalho
luminária academia
Rio de d e Janeiro, 2009
Editora Multifoco Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda. Av. Mem de Sá, 126 – Lapa Rio de Janeiro – RJ CEP 22.230-152 R������ Kemla Baptista C��� Luiza Romar Composição Renato Tomaz Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos Pontos de Cultura 2ª Edição Junho Ju nho de 2009 CARVALHO, CARV ALHO, Aline ISBN: 978-85-60620-61-6
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“Sem tensões, livre e com sabedoria, comando a sementeira de minha realização” 18 de dezembro de 2008
SEJA MAGINAL, SEJA MIDIÁTICO
Esa página de agradecimenos provavelmene sairá maior do que deveria e, ao mesmo empo, menor do que merecia. Muias pessoas deixaram um pouquinho de si impresso nese rabalho, embora alvez nem açam idéia. Em primeiro lugar não posso deixar de agradecer a oda a minha amília, que, se há quaro anos arás orceram o nariz (“o que é Esudos de Mídia?”), hoje, ainda que não enham a resposa, ceramene esão muio orgulhosos. Principalmene a minha mãe Sheyla e minha irmã Daniele, pela paciência infinia. Agradeço ambém a Marildo José Nercolini que além de um excelene orienador oi amigo e grande incenivador das minhas idéias – desvendando pés e cabeças quando elas muias vezes não inham. A Miguel Freire, grande cinemanovisa que ive o prazer de er como proessor, amigo e orienador para vida, agradeço pelos sábios conselhos, caronas e lanches vegearianos. A Ana Enne, sobre quem poderia escrever uma monografia ineira, apenas o maior e mais sincero muito obrigada por tudo (só porque enho por ela um apreço imenso). Além disso, agradeço a Aonso de Albuquerque e o dia em que eve a brilhane idéia de criar ese curso, e odos os proessores e proessoras que compraram a idéia com ano carinho e disposição. Parabéns ambém à urma de Comunicação Insiucional, que realizou a ormaura mais midiáica que o IACS poderia er; e, é claro, aos inesquecíveis companheiros da primeira turma de Estudos de Mídia da América Latina. Deixo aqui ambém uma enorme lembrança de agradecimeno para Bianca ihan, pela bela sugesão de mandar o exo para a Mulioco; Clarissa Nanchery e Gabi aposo, prova maior de que as raudes uncionam; Carol Spork, Daiane amos, enao eder e iago ubini pela assessoria; Joélio Baisa, grande oó7
grao; Luiza omar pelo carinho e pela bela capa; Nicolas odrigues, por ermos junos descobero a paixão pela ropicália; Lia Bahia, pelas poras aberas e o sorriso de olhos echados; aael Soriano e os dias de sol e produção; Fellipe edó e as conversas sobre o movimeno esudanil, culura e CPC; Chico Sarubi por oda a confiança deposiada e oda a “amília muio doida” que mora no meu coração; para a equipe da Coordenação de Diversidade Culural da SEC por azerem os dias no serviço público valerem a pena; para as pessoas envolvidas na consrução do Enecom io, que oi deerminane para os rumos do ano de 2008 e dese rabalho; à Nara Gil pela orça; à Kemla Bapisa, revisora, produora e amiga graças a seu olhar de virginiana; à ose, com quem os papos renderam grandes ruos; e para odas as pessoas incríveis que passaram pela minha vida ao longo deses anos, cujos nomes não preciso nem ciar pois sabem que azem hoje pare de mim. Além disso não posso deixar de agradecer ao Google, essa incrível nova ecnologia da comunicação sem o qual ese rabalho – e, na verdade, odo o percurso acadêmico – não eriam sido os mesmos. Obrigada, Deus por er chegado aé aqui e ver que ainda em muio mais pela rene.
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SUMÁIO Noa da auora Preácio Inrodução Capíulo 1 – O mundo na década de 60. 1.1 O conexo mundial. 1.1.1 O maio de 68 rancês. 1.1.2 Os EUA e a Guerra do Vienã. 1.1.3 A “New Lef” inglesa. 1.1.4 A conraculura 1.1.5 A mulher na sociedade. 1.1.6 A conesação e a are. 1.2 Brasil. 1.2.1 A esperança da revolução culural brasileira. 1.2.2 Culura no Brasil pós 64. Capíulo 2 – O CPC e a ropicália. 2.1 O Cenro Popular de culura da UNE. 2.2 ropicália bananas ao veno. 2.2.1 Nas ares plásicas. 2.2.2 Na música 2.2.3 Eséicas convergenes Capíulo 3 – Culura hoje 3.1 A culura exraviada em suas definições 3.2 A cenralidade da culura 3.3 Are pra quê? 3.4 Comparando os momenos: a culura onem e hoje Capíulo 4 – Políicas culurais em novos conexos 4.1 A culura como arena e a comunicação como erramena 4.2 O Programa Culura Viva e os Ponos de Culura 4.3 Uma gesão ropicalisa Conclusão eerências Bibliográficas
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NOTA DA AUTOR
A primeira vez que ive conao com a ropicália oi quando dancei Alegria, alegria na escola. Alguns anos depois, já na aculdade, em uma maéria chamada “Música Popular Brasileira” – minisrada pelo mesmo proessor que veio a ser meu orienador na monografia – onde esudamos a rajeória da MPB, do samba-canção à música conemporânea. Ese conao acadêmico e, por sua vez, analíico, me proporcionou uma grande idenificação com aquela música carregada de uma filosofia conesaória e de alguma orma eu sabia que um mundo de possibilidades começava a surgir à minha rene. Em 2007 o Museu de Are Moderna do J realizava uma mosra sobre a ropicália comemorando os 40 anos da exposição “Nova Objeividade Brasileira”, realizada pelo arisa plásico Hélio Oiicica no mesmo MAM em 1967. Na mosra pude er acesso pela primeira vez às obras do próprio Oiicica, Lygia Clark, Lygia Pape, Lina BoB ardi, ogério Duare, além de oos, áudios e vídeos das apresenações de Gil, Caeano, Gal e cia nos esivais e ambém carazes de filmes emblemáicos do período – o que me deixou com a cereza de que aquele universo merecia um esudo mais aproundado da minha pare. Quando, em 2008, eu ive que escolher o que abordar em meu rabalho de conclusão de curso, comemoravam-se os 40 anos do emblemáico ano de 68. O ema, que já era de meu ineresse, oi escolhido como objeo de pesquisa e, em algumas semanas, me vi submersa em livros, maérias, palesras e filmes sobre “o ano que não erminou”. Enreano muio me incomodava a abordagem eia na maioria das reerências àquele ano, de orma a reverenciar ou repudiar aqueles aconecimenos, isolando-os de seus conexos mais gerais em ermos de empo e espaço. Assim, enendendo os aconecimenos de 68 como o esopim 13
de uma série de quesionamenos que vinham desde a década anerior, queria buscar ambém na realidade aual moivações revolucionárias - ou ao menos a razão para a sua inexisência, como parecem azer quesão de afirmar. Esa convicção de que seria possível realizar eios ropicalisas ainda hoje se confirmou com a realização do Enconro Nacional de Esudanes de Comunicação, cuja organização se ornou um projeo ão imporane quano a pesquisa – e complemenar a ela – naquele momeno. Com a proposa de unir políica e culura, o eveno levou como subíulo duas imporanes reerências: “ De que lado você samba?” (de Chico Science, onde quesionávamos o posicionameno do esudane rene a mídia comercial e monopolizada ou a mídia alernaiva e comuniária) e “ Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval” (de Caeano Veloso, e se a perguna anerior ransmie a idéia de um cero maniqueísmo, aqui afirma-se que azemos políica e ambém culura, pois em nossa concepção uma esaria direamene ligada à oura), o que sineizava para mim a moivação de odo aquele rabalho. Além disso, raando-se de um enconro com esudanes de odo o país realizado no io de Janeiro, o imaginário a respeio do samba e do Carnaval enconravam aqui uma relação “filosófica” com a proposa do eveno. Assim, o que começou como um rabalho de monografia acabou se ornando um projeo de vida, impulsionado com a enrada para a Secrearia de Culura e o conao direo com a ação dos Ponos de Culura culmina agora na grande realização que é a publicação dese livro. Aproveio enão esa segunda edição para rever e aualizar alguns ponos no exo que à época não seriam possíveis: a ciação, por exemplo, dos novos Ponos de Culura do Esado do io cujo edial no período da primeira edição ainda esava em processo de seleção. Além disso, não posso deixar de azer reerência ao alecimeno do earólogo Auguso Boal, cuja 14
obra influenciou enormemene a culura brasileira e, modésia à pare, o meu olhar sobre ela. Enreano, lembremos que ese rabalho é ruo de uma pesquisa acadêmica daada e, porano, cujas inormações esão sujeias a alerações ao longo do empo. Concluo assim esa eapa com a saisação de ver diundido um rabalho eio com muio carinho e a cereza que a culura brasileira coninua sendo erreno éril para as mais diversas maniesações criaivas.
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PEFÁCIO
Marildo José Nercolini.
Pensar a culura é pensar em um campo de lua, social e hisórico, em que senidos e significados, ambém sociais e hisóricos, são dispuados. Culura é uma arena onde sujeios e grupos enram em dispua, negociam, inerpelam-se, conronam-se no processo de consrução dos senidos de agir e de esar no mundo. Sempre é bom lembrar as reflexões razidas por aymond Williams e pelos Esudos Culurais que aponam para o papel undamenal da culura na consrução social da realidade, não como simples reflexo das relações econômicas, mas sim como elemeno undamenal, ariculado com a economia e a políica, endo, porano, papel aivo, não simplesmene reproduzindo, mas produzindo a sociedade em que vivemos. Inicio com essa reflexão porque o exo eio por Aline Car valho se insere denro desses parâmeros e busca, no decorrer de seus argumenos, enaizar esse papel imporane que a culura adquire no conexo conemporâneo, afirmando, como o az Suar Hall, a cenralidade da culura. Claro que não podemos cair no exremismo de pensar que udo seja culura, mas sim que, se a culura é o espaço de aribuição e consrução de senido e valor, as demais insâncias (econômica e políica) esão com ela direamene inerconecadas, não mais em uma relação hierarquizane, mas de complemenaridade, negociação e embaes consanes. A proposa do livro, nas palavras da própria auora, é “azer uma análise comparaiva enre a eervescência arísica no Brasil – em ermos de políicas e moivações refleidas na produção culural – na década de 60 e hoje em dia, em novos conexos.” Objeivo insigane e complexo, que a auora dá cona e muio bem, a meu ver. 17
Dizer que os anos 60 “não acabaram”, “coninuam vivos” e odas as afirmações que seguem essa linha, não são verdades em si, mas nem ampouco simplesmene são consruções reóricas, desiuídas de senido. Muias análise oram e coninuam sendo eias sobre esse período. Algumas delas basane perinenes, ouras nem ano, ora por endeusarem ora por demonizarem em excesso ceros eios ou pessoas, sem perceber que enre o preo e o branco há uma inerminável possibilidade de ouros maizes, como ena aponar Aline, no decorrer de seu livro. Cabe ainda desacar que os anos 60 e, sobreudo, o já míico 68, assim como qualquer ouro período ou ao que ôssemos esudar, não aconece de orma isolada, como se “milagrosamene” os deuses odos ivessem conspirado a avor e as pessoas de repene ivessem se ornado proundamene ineligenes, criaivas e conesadoras. O que quero dizer com isso é que nada aconece “de repene”. Não podemos esquecer odo o processo hisórico anerior, os muios conflios, diálogos, negociações, embaes aconecidos e que possibiliaram que nos anos 60 muias experiências eséicas criaivas e inovadoras omassem orma, ou melhor, ossem possíveis e ivessem a orça que iveram. Um aor social adquire orma e vai ser undamenal quando se ala na década de 60 como um odo: a juvenude. Ela passou a exigir e luar por um espaço na sociedade, que aé enão lhe ora negado ou resringido. Para essa juvenude/60, a conesação oi a pedra de oque; os jovens buscavam criar seus próprios espaços de criação e maniesação, conrapondo-se aos padrões sociais vigenes. Havia uma confluência das várias ares e seus criadores e uma busca dos jovens por inererir nos rumos das sociedades onde viviam e criavam. Are, culura e políica ariculados em busca da revolução, a palavra que deu o om dos anos 60. omada em dierenes acepções de acordo com a endência políica a que o arisa esava ligado, a revolução deu a linha para a criação de muios e imporanes arisas plásicos, canores, 18
composiores, poeas, escriores ou cineasas, quano de dramaurgos, aores e inelecuais acadêmicos. Esses criadores acrediavam ser uma vanguarda revolucionária e buscavam agir como al. Imbuídos da “missão” de consruir o novo, a nova sociedade, a are, a música, o earo, o cinema novo, renegavam o status quo esabelecido e seniam-se capazes de omenar ransormações macrossociais e diar rumos considerados mais jusos para as sociedades onde viviam. Acrediava-se na eficácia políica da are revolucionária. Enfim, a criação arísico-culural do período em quesão esava oremene marcada pela experimenação, pela conesação dos valores esabelecidos, pela busca de novas linguagens e novas ormas de maniesação, seja nas ares plásicas, lieraura, cinema, earo, seja na música. O que impora salienar, por fim, é que ceramene muios caminhos eséicos hoje já sedimenados iveram seus primeiros passos dados, e a duras penas, na década de 60, endo em 68 seu momeno se não o mais éril, pelo menos o mais esejado. Essa ariculação arísico-culural buscava ransormar a sociedade em que esava inserida, buscando romper com as amarras exisenes, usando as “armas”, as esraégias possíveis naquele momeno hisórico, afinal a culura, a are são sociais, ruos e sujeios de um conexo e que se ransormam consanemene. Muios de seus raços permanecem ainda hoje como ones com as quais se podem dialogar, em um processo não de cópia, mas de ressemanização, reciclagem e radução culural, afinal os empos são ouros. Hoje, vivemos em ouro conexo. A realidade se ransormou, os desafios e as necessidades são ouros e, porano, as possíveis resposas a serem consruídas ambém precisam ser ouras. Não posso cobrar do passado ações e idéias que somene seriam possíveis hoje, e assim desmerecer e crucificar o que se ez ou se deixou de azer; mas ambém não posso cobrar do momeno presene um ipo de aiude e pensameno próprios 19
de um empo passado, e assim julgar o hoje somene com os insrumenos de avaliação do onem e cair no erro grosseiro de ver no momeno conemporâneo simplesmene o mais do mesmo, o rerocesso políico, a alienação e o comodismo. Comparar empo e conexos disinos é possível? Sim, é possível e, mais que isso, necessário. Permie-nos deixar mais claro a noção de processo; permie-nos perceber a hisória, a culura como processos ininerrupos e em consane mudança. Ao se comparar não se vê somene as semelhanças, mas ambém as dierenças. E são esas que, normalmene, permiem-nos ir adiane. É no conrono, já dizia o velho Marx, que a hisória se consrói e pode ser ransormada. Ao comparar disinos processos hisóricos é undamenal nunca perder de visa as dierenças conexuais de cada um desses momenos. A anropologia nos ensinou a relaivizar os processos, as crenças, as ações. Esse aprendizado precisa ser consanemene recordado e acionado, afinal não somos os donos da verdade, aé porque “A” verdade não exise. O livro, que ora apreseno, é ruo de um esorço acadêmico e, sobreudo, de uma vonade geracional de sua auora de enender um passado muias vezes miificado e que deixou marcas proundas (como diria Williams, elemenos culurais como residuais aivos, ainda oremene presenes); e, mais do que isso, buscar enender o momeno presene, area nada ácil endo em visa que a auora é ruo e ao mesmo empo sujeio do conexo que analisa. Pela escria – mesmo aquela acadêmica que se quer mais objeiva – ao alarmos do ouro e do mundo que nos cerca, nos alamos, alamos de nós, de nossas angúsias, de nossos desejos e aspirações. A auora deixa isso muio claro em seu exo; e o az de maneira envolvene, paricipane, mas sem perder de visa o rigor do pensameno acadêmico, caminho no qual esá dando os passos iniciais e de orma desemida, resgaando ações e 20
reflexões eias por ouros, ariculando-as enre si e, além disso, ariculando-as com suas próprias ações e reflexões. Se a consrução do conhecimeno no final do milênio passado, conorme nos lembra Heloísa Buarque, seria eio preerencialmene “aravés da compeência e da criaividade na articulação das inormações disponíveis e não mais na ‘descobera’ ou mesmo na inerpreação de inormações e evidências empíricas”, hoje, quando as redes inormacionais se poencializam, isso se orna ainda mais evidene. Parece-me, porém, que permanece necessária a inerpreação das inormações e não somene a sua ariculação. Creio que o inelecual-pesquisador precisa assumir os riscos de uma leiura pessoal e omar posição diane dos aos esudados. Se a ele não cabe mais o papel de “proea”, aquele que deém o saber e as resposas, a voz oalizane, ampouco é suficiene ransormar-se em “careiro”, aquele que escua a muliplicidade de vozes da sociedade e procura inerconecar esses discursos. O pesquisador-inelecual hoje supõe essa escua da muliplicidade e essa inerconexão, mas precisa ir além, assumir riscos e omar posição a parir de seu conhecimeno e de seu saber acumulado. Cabe-lhe pensar a realidade, um pensameno conexualizado; problemaizando, mais do que aponando resposas pronas; azendo pergunas, colocando em xeque as preensas verdades esabelecidas, consruindo conhecimeno nas fissuras, nas dobras. O exo que segue, creio eu, é um esorço de colocar isso em práica. Boa leiura.
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INTODUÇÃO
O objeivo dese rabalho é azer uma análise comparaiva enre a eervescência arísica no Brasil – em ermos de políicas e moivações refleidas na produção culural – na década de 60 e hoje em dia, em novos conexos. A proposa é observar como os movimenos arísicos daquela época, em especial a ropicália, influenciaram o azer culural no país e enconram reflexos 40 anos depois. Enreano, buscarei ugir de uma simples perspeciva comparaiva, reverenciando o passado de orma isolada de seu conexo espacial e emporal. Nese senido, analisarei as moivações para realização de uma culura paricipaiva e popular, e observando aonde podemos enconrar caracerísicas semelhanes em experiências culurais hoje em dia. Assim, muias das moivações daquela época – especialmene a democraização da comunicação e da culura – ainda esão presenes hoje em dia, em projeos como os Ponos de Culura, devidamene adapadas ao novo conexo que ora vivemos. Meu ineresse pelo assuno se dá basane em unção da minha ormação no curso “Esudos de Mídia”, na Universidade Federeal Fluminense e ambém ao projeo de iniciação cienífica “ Das Casas de Cultura às ONGs na Baixada Fluminense: reflexões sobre mídia, cultura, política, práticas de comunicação e juventude”, no qual ui bolsisa pela FAPEJ, sob a orienação da Pro. Dr. Ana Enne. A parir da perspeciva dos esudos culurais, que muio me ineressaram no percurso acadêmico, analisei dierenes ormas de mídia – como é a proposa do curso -, idenificando-me com uma mais especificamene: a audiovisual.1 Enrean1 Dos meios de comunicação, considero a expressão audiovisual a mais complexa no senido de sua produção, uma vez que demanda: equipamenos (câmera, iluminação, capação de som), recursos (rolos de ilme de película ou ias de capação digial, edição de som e imagem), conhecimeno écnico (operação de câmera, oograia, monagem) e supores de exibição especíicos. Eses elemenos em conjuno, ao meu ver, azem a comunicação audiovisual menos acessível – no senido da produção - do que ouras mídias
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o, minha análise nese rabalho irá enocar múliplas expressões arísicas no senido da democraização culural. ambém devo meu acúmulo sobre o ema à minha auação na Execuiva Nacional dos Esudanes de Comunicação – ENECOS2 – e, mais especificamene, no Grupo de Esudo e rabalho de Comunicação e Culura Popular 3. Nese espaço, buscamos discuir as definições de “culura” e “popular”, revendo ceros sensos comuns a respeio e ormulando políicas de auação do movimeno esudanil nesa área. Nese senido, a principal moivação para a escolha dese ema é a necessidade de viabilização de, não apenas o acesso à culura e às inormações, mas ambém à produção de culura, mensagens e, conseqüenemene, idenidades. Especialmene hoje, com as novas ecnologias de inormação e comunicação, é de exrema imporância que os esudiosos e profissionais da área enham esa preocupação, ou ao menos idenifiquem ese paradigma. Enreano, a preocupação com o mercado e a compeição por “ser um vencedor” nos parâmeros da sociedade capialisa aual – que, vale lembrar, é uma consrução culural -, muias vezes az com que esudanes simpaizanes da idéia acabem se volando para a perspeciva mercadológica de consrução do conhecimeno. O argumeno geralmene é a sobrevivência no mundo capialisa do qual, ao menos em ermos esruurais, não podemos ugir. Enreano, em um mundo com cada vez mais possibilidades de escolhas de modos de vida – como o próprio mercado parece indicar -, cabe ao sujeio definir seus parâmeros de qualidade e saber que as escolhas que azemos diariamene êm conseqüências não só para a nossa vida, mas para a sociedade como um odo. Esa discussão sobre sociedade, consumo e comporameno será reomada ao lembrarmos a década de 60 e oda a amosera da conraculura conesadora de valores, 2 www.enecos.org.br 3 www.culuranaroda.ning.com
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quando oi hisoricamene evidene o caráer consiuivo das relações sociais e do conceio de are, mais especificamene. Em primeiro lugar, irei mapear o conexo políico e social – no Brasil e no mundo - que impulsionou ais experiências e que culminaram nos aconecimenos do ano de 1968. No primeiro capíulo, arei um panorama em nível mundial, siuando, denro do conexo da Guerra Fria, os quesionamenos daquela juvenude, a relação com a classe rabalhadora, a Guerra do Vienã e sua repercussão nos EUA e no mundo, o movimeno negro e eminisa, o rock´n´roll que abalou aquela geração, o movimeno hippie e a conraculura. No Brasil, não podemos deixar de alar da omada do poder pelos miliares, da paricipação do movimeno esudanil na políica e na culura, a consolidação de uma indúsria culural e de meios de comunicação de massa no país e como ais aores influenciaram a produção culural daquela época. Feia esa localização conexual, enramos no segundo capíulo analisando dois objeos cenrais dese esudo, os Cenros Populares de Culura da UNE e a ropicália. Farei enão um mapeameno de sua auação, siuando-os em seu conexo hisórico e expliciando suas expressões nas ares plásicas, na música, na lieraura, no earo e no cinema. Após idenificar as moivações e quesionamenos arísicos de ais experiências, o capíulo rês rará uma reflexão mais aproundada sobre a culura em si - suas definições, sua cenralidade na políica e na sociedade e seus novos usos na era global. Sempre a parir de uma perspeciva hisórica e processual, ese capíulo buscará problemaizar o objeo geral dese rabalho, que é a culura, para reomar a discussão sobre sua produção hoje no capíulo seguine. Para finalizar, o quaro capíulo inicia com algumas refle xões sobre a consolidação da sociedade civil enquano agene produor de culura – principalmene aravés das ONGs que sur25
giram na úlima década -, para enão enrar no mério específico do objeo de análise conemporâneo: o programa Culura Viva e os Ponos de Culura. A parir de um panorama sobre as direrizes do projeo, ilusrado com diversos exemplos de ponos de culura no país, encerro ese rabalho com algumas conclusões sobre a endência de políicas para a culura na globalização. Para a localização conexual da década de 60, fiz uso de exos escrios na época e muios revisos por seus auores hoje em dia, além de maerial mais conemporâneo sobre o assuno. Nese ano de 2008, em especial, houve uma série de publicações a respeio do ano de 68, em comemoração aos seus 40 anos, o que não só ajudou basane a realização desa pesquisa, como oi uma das principais moivações de esudo sobre o ema. Muios dos proagonisas dos aconecimenos da época ainda esão vivos, e ese ano oi uma excelene oporunidade de reverem e comenarem o que se passou, agora sob uma nova perspeciva. Além disso, uma série de vídeos me ajudou a localizar e enender um pouco melhor do que se passava na época. No mapeameno das iniciaivas conemporâneas, arei uso de exos eóricos sobre culura brasileira e, principalmene, do acervo disponível na inerne com inormações empíricas so bre os projeos os quais preendo analisar. De uma orma geral, oram de undamenal imporância eóricos como Heloísa Buarque de Hollanda, Nesor García Canclini, Suar Hall, Jesus Marín-Barbero, Pierre Bourdieu, Aracy Amaral, George Yúdice, enre ouros, que muio me ajudaram a enxergar a culura sob várias perspecivas. É com muio orgulho que concluo enão esa eapa do meu percurso acadêmico com ese rabalho de conclusão de curso. Nele esão reflexões surgidas ao longo deses quaro anos, marcadas pelo meu modo de pensar e escrever e, conseqüenemene, daqueles que esiveram presenes de diversas maneiras durane a minha graduação. Nese senido, não posso deixar 26
de ciar o blog4 criado durane a elaboração da monografia, um “CC ineraivo”, onde posei rechos dos capíulos, algumas reflexões, links e a bibliografia uilizada, a fim de comparilhar a produção de conhecimeno na qual ano esive imersa neses úlimos meses. Aproveio aqui para agradecer enão aos comenários e sugesões – que oram, na verdade, mais presenciais do que no blog exaamene – que me moivaram a coninuar e concluir ese rabalho aé o ão esperado dia 18 de dezembro5 .
4 hp://www.ropicaline.wordpress.com 5 À época da revisão do exo publicação dese livro, em julho de 2009, oram inseridas observações e dados novos para o conjuno das reflexões.
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CAPÍTULO 1 – O mundo na década de 60. “É proibido proibir” Inscrições nos muros de Paris em maio de 1968
Ese capíulo buscará azer um panorama da conjunura sócio-políico-culural dos anos 60 no Brasil e no mundo, visando esclarecer algumas das razões que levaram aos aconecimenos do emblemáico ano de 68. Enende-se assim, que ese ano oi ruo de quesionamenos e experimenações que vinham desde o início da década e que acabaram por convergir nas diversas maniesações daquele ano. Dessa orma, não podemos deslocálo de seu conexo, nem ampouco simplesmene reverenciá-lo ou criicá-lo década após década, 40 anos depois. Por isso, ese rabalho como um odo visa azer uma análise comparaiva enre as moivações e projeos daquela geração e a de hoje em um recore específico: a culura. Além disso, a análise eia dese período servirá para conexualizar a proposa políica e eséica da chamada “ropicália”, que irá influenciar, segundo ese esudo, a produção culural no país aé os dias de hoje. 1.1 - O contexto mundial.
Com o im da 2º Guerra Mundial em 1945, oi insaurado no plano mundial um momeno de ensão enre os dois maiores blocos políicos daquela época, a União Soviéica (USS) e os Esados Unidos, que haviam unido orças para derroar a Alemanha nazisa. Se no lese europeu ornava-se cada vez mais ore a proposa socialisa da USS, sob o regime oaliário de Joseph Salin, do lado ocidenal os EUA viviam um momeno de grande crescimeno econômico, e o capialismo se consolidava como ordem social, econômica e políica para os países a ele aliados. Ese momeno icou co29
nhecido como “Guerra Fria” pois a enorme ensão só não era maior do que o medo mundial de uma nova guerra que, com os avanços ecnológicos da indúsria bélica dos úlimos anos, erminaria em uma caásroe nuclear. Assim, o conlio icou durane muio empo no plano ideológico, o que se por um lado acirrava a dispua pela hegemonia políica a nível global, por ouro acabou levando a inensos embaes e reormulações a nível local, denro da dinâmica dos próprios países. Assim, EUA e USS iam conquisando aliados na consrução de uma nova ordem mundial. A grande quanidade de países sob diaduras a parir da década de 60 – se nos reporarmos, por exemplo, a América Laina, refleia na população um senimeno de conesação daquela ordem, e mesmo nos países onde o regime não era diaorial, a amosera repressiva parecia inquiear a população - principalmene jovens universiários, que viriam a ser os principais aores das ransormações que esavam por vir. E, embora houvesse divergências a respeio do modelo políico ideal e como ese seria implemenado, de um modo geral aquele momeno demandava das pessoas uma omada de posicionameno, que acabava por se infilrar em diversas eseras da vida: do rabalho ao sexo, udo era políico. O jornalisa Alípio Freire afirma que “havia uma ditadura que, da mesma orma como perseguia o cabeludo, perseguia a moça liberada sexualmente e o militante de esquerda. Foi ela que politizou todo o movimento e colocou todos juntos nas passeatas pela democracia”6. Com a radiodiusão pela elevisão, que se consolidava naquela época, a Guerra do Vienã causou comoção mundial a parir do eeio midiáico provocado pela veiculação das imagens do conrono, azendo com que a opinião pública nore-americana reirasse seu apoio à ação armada. Em di versos países, as maniesações conra al inervenção provo6 In: Caderno MAIS!, Folha de São Paulo, 04 de maio de 2008.
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cavam choques enre a polícia e a população – em sua maioria jovens universiários – que ambém proesava conra os regimes oaliários em seus países. Alguns aconecimenos, como a evolução Cubana ornaram-se reerências comuns na época e geraram em parcelas de jovens de diversos países - especialmene nos países da América Laina - um mesmo senimeno a necessidade da revolução – osse ela políica, social, culural, eséica. Nas mais diversas bandeiras a moivação era a crença orgânica no poder de ransormação, a im de revolucionar os modos de viver e pensar da sociedade. Enreano, as signiicaivas dierenças na realidade social, econômica e políica dos países ez com que aquela amosera em comum ivesse apropriações e desdobramenos bem dierenes em odo o mundo. 1.1.1 - O maio de 68 rancês.
A França, por exemplo, vivia um momeno de conínua expansão econômica, raduzida no aumeno consane do poder de compra e do consumo exacerbado, impulsionado pelo rádio e pela elevisão. Parick oman, cineasa e hisoriador, afirma que: (...) a renovação geracional e a modernização econômica, porém, iriam se chocar com uma sociedade ainda dominada pelos valores tradicionais e por uma rígida moral. Esse verdadeiro abismo entre o velho e o novo iria desembocar uma explosão repentina, quando milhões de estudantes e trabalhadores paralisaram a França em maio de 19687 . 7 In: “68 O ano zero de uma nova era”. evisa Hisória Viva, n.. 54. São Paulo: Dueto Ediorial, 2008, p. 35.
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Esas maniesações pariam de um grupo social auônomo: jovens esudanes que rabalhavam e, por isso, inham acesso ao consumo, ainda que de orma críica. Suas grandes bandeiras naquele momeno eram a liberalização dos cosumes e reormas no modelo universiário. Era um momeno de quesionameno, sobreudo exisencial – no qual Sarre e Beauvoir oram imporanes reerências eóricas -, e a reivindicação por mais liberdade, emancipação e auonomia eram a paua do dia. Em uma perspeciva culural, a causa rabalhisa ambém oi um grande oco da aenção dos esudanes naquele momeno, que acrediavam que não se deveria viver para rabalhar, mas rabalhar para viver, e a aliança esudanil com o operariado se mosrou undamenal para as maniesações daquele período. Lemas como “Trabalhadores do mundo, divirtam-se” e “O patrão precisa de você, você não precisa dele” , viso nas ruas de Paris daquele ano, refleiam o clima de conesação da ordem burguesa de rabalho e do acúmulo de capial. Dada a siuação políica na França que, dierenemene de ouros países, não vivia um regime oaliário, apoiavam-se em causas exernas para refleir sobre as conradições do próprio país, as quais iriam quesionar nas maniesações. Esas ransormações culurais na França de 68 podem ser buscadas, por exemplo, no movimeno surrealisa de 36, onde se quesionava a concepção única de are - se naquele momeno buscava-se democratizar o acesso à culura, o objeivo agora era transormar a culura. Além disso, a evolução Culural chinesa e o líder Maose-ung influenciavam milhares de jovens ranceses com o “Li vro Vermelho”. Além da quesão comporamenal, a grande reivindicação da juvenude rancesa era por um novo modelo educacional, de auonomia universiária e de revisão da pedagogia ulrapassada que não mais se adapava à realidade daquela ju venude. Denunciavam-se as relações de poder, quesionava-se 32
a unção social do conhecimeno (que, ao que udo indicava, esava em unção do capial) e reivindicava-se uma auonomia pedagógica mulidisciplinar, que permiisse a paricipação dos esudanes na consrução do conhecimeno. No Brasil, a lua pela reorma universiária ambém eve presene nas maniesações, mas acabou ficando em segundo plano em unção de uma lua maior: conra a diadura miliar, como veremos adiane. Além disso, ese conflio de gerações denro da uni versidade ambém gerou a conesação do auoriarismo e conservadorismo que separava homens e mulheres denro dos campi. Assim, a universidade seria palco das maniesações do simbólico mês de maio de 68, quando, “liderados” pelo alemão Daniel Cohn-Bendi, esudanes ocuparam a renomada Sor bonne, após a universidade de Nanerre, no subúrbio de Paris, ambém já er sido ocupada. 8 O maio de 68 na França em presígio e ornou-se emblemáico para aquela época, alvez muio em unção da radição re volucionária de Paris. Enreano, a lua pela reorma universiária e pela revolução culural de 68 não devem ser pensadas de orma isolada no empo e no espaço: iveram desdobramenos inernacionais recriados em novos conexos, aé os dias de hoje. 1.1.2 - Os EUA e a Guerra do Vietnã.
No cenro dos proesos, esava um Esados Unidos repleo de conradições. Apesar do veriginoso crescimeno econômico, a paranóia anicomunisa da Guerra Fria, as desigualdades sociais e o moralismo nore-americano dividiam a população. Assim como em ouros lugares do mundo – guardadas as devi8 Enre as reivindicações proesavam conra a guerra do Vienã, onde a brualidade da inervenção servia de jusificaiva para o uso da violência nos aos de oposição à guerra. As barricadas ornam-se enão símbolo da resisência esudanil, evidenciando em lemas como “barricadas echam ruas mas abrem caminhos” o caráer ransormador que aquele movimeno buscava er.
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das proporções – surgiam movimenos civis de críicas às idéias eliisas, à hipocrisia e à alienação da sociedade nore-americana, reivindicando maior liberdade na vida coidiana, além de azer oposição, é claro, à Guerra do Vienã. Além das maniesações conra sua políica miliar exerna, uma parcela signiicaiva da sociedade noreamericana começa a conesar nessa década seus próprios valores e preconceios. Valendo-se da imagem democráica que o país buscava projear por causa da Guerra Fria, o mo vimeno negro ganhava orça denunciando a conradiória realidade das relações raciais, a pobreza e a discriminação aos quais eram submeidos os negros dos EUA. iveram assim um imporane papel na expansão do Esado do Bem Esar Social no país – por ouro lado, uma das principais erramenas do “American Way o Lie” que se enava imprimir no mundo capialisa. Em busca de reconhecimeno e igualdade de direios e oporunidades, buscaram alerar as relações políicas, raciais e sociais no país. O uso de canções e comícios aproximou brancos da lua dos negros, muio em pare devido ao carismáico líder Marin Luher King, pasor da Georgia que propunha a lua por direios ci vis de orma não-violena – ambém em resposa oposiiva à Guerra do Vienã. Os Paneras Negras, com paricipação imporane na lua miliane conra o racismo, buscavam garanir serviços sociais para a comunidade negra a parir de um “nacionalismo culural”. E aivisas e milianes, como o líder mulçumano Malcom X, proporcionaram visibilidade ao black Power, valorizando radições aro-americanas e dando apoio a movimenos revolucionários no erceiro Mundo. As esraégias, ideais e coragem do movimeno negro americano inspiraram sindicalisas, eminisas, lésbicas e gays, povos indígenas e imigranes não só nos Esados Unidos mas ambém no mundo. 34
1.1.3 A “New Lef” inglesa.
A chamada “New Lef” oi um movimeno de inelecuais que consiuiu a base sócio-hisórica dos Esudos Culurais surgidos na Inglaerra enre o final da década de 50 e a década de 60. A parir de uma visão sócio-hisórica, buscavam revisar as práicas e a políica marxisa, pensando as quesões econômicas e esruurais de cada sociedade a parir de sua inserção em seus conexos hisóricos e culurais específicos. O movimeno começou com os Le Books , grupos de discussão de esquerda que combinavam aividades culurais com os esudos políicos. Era um movimeno que propunha um marxismo culural, enxergando na educação a lua pelo acesso da classe rabalhadora aos insrumenos que levariam à mudança social (como veremos adiane, os quesionamenos levanados pela New Lef iveram expressão na movimenação políica-social no Brasil pré 64, como no caso do CPC). Sua proposa era enender as esruuras sociais “marginais” – no senido do que é deixado de lado pela classe dominane, o “popular”, no caso brasileiro – para enão exercer uma mudança eeiva na sociedade. O final da década de 50 é marcado por uma relaiva descrença, por pare de diversos movimenos políicos no mundo, nos moldes de ação políica proposos ano pela USS, quano pelos Esados Unidos, exigindo uma revisão dos processos políicos. Era um momeno onde a culura passava a ocupar lugar cenral nas discussões sociais e era preciso “repensar o marxismo e sua eoria oalizane da organização social em ermos do novo momeno hisórico”9. Em visas de uma políica culural radicalmene ani-radicional, o movimeno propunha “romper com a visão de que o culural e a vida amiliar são apenas assunos sem imporância, uma expressão meramene secundária da criaividade e das rea9 Cevasco, 2003, p. 80.
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lizações humanas”10 , o que lembra basane a relação ropicalisa com a políica e o coidiano. A New Lef oi uma correne de pensameno não homogênea que abrigou dierenes gerações, alerando para a culura como uma arena de dispua políica – como será melhor discuido no capíulo rês. Esa perspeciva culuralisa se consolida e é aé hoje enconrada na academia, na mídia, nas ares dramáicas e na conraculura meropoliana. 1.1.4. A contracultura
A conraculura se consroe como resisência aos modelos imposos pelo capialismo – embora ambém não fizesse a deesa do modelo socialisa – e, variando enre o desbunde e ormas mais especificamene poliizadas, criicavam de uma maneira geral o auoriarismo e os valores burgueses. Enre diaduras miliares, o crescimeno da sociedade maerialisa e consumisa e o engajameno políico com a classe operária, jovens embarcavam em dierenes graus de psicodelia acrediando que era possível mudar o mundo e conesar a ordem moral e social aé enão vigene na sociedade ocidenal. Para os especialisas, a obra inaugural da conraculura é o poema “Uivo” de Alain Ginsberg11 , publicado em 56, um longo poema descrevendo a alência moral dos EUA e o racasso de sua geração em realizar ransormações em suas próprias vidas. A criação do ermo, enreano, é aribuída ao proessor americano Teodore oszac, auor em 1969 do livro “O azer de uma conraculura – eflexões em uma sociedade ecnocraa e a jovem oposi10 Ediorial da Universiy and Lef eview, n.4, publicação lançada por jo vens esudanes de Oxord . 11 Ginsberg azia pare da chamada “Bea generaion”, um grupo de jovens inelecuais (chamados de “beatniks ”) que conesavam o consumismo e o oimismo do pós-guerra americano, o aniconsumismo generalizado e a ala de pensameno críico.
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ção”, que buscava azer um elo enre os proesos esudanis, o mo vimeno hippie e a recusa à sociedade indusrial. No Brasil - muio em unção da censura imposa pela diadura miliar - a produção e o circuio culural se viam resrios a uma cera marginalidade e nomes como orquao Neo, Waly Salomão, Luiz Carlos Maciel, ogério Sganzerla, além dos arisas ropicalisas, oram nomes imporanes para a conraculura brasileira. O ermo conraculura se reere ano ao conjuno de mo vimenos de rebelião da juvenude que marcaram os anos 60 como o movimeno hippie , a música rock, a movimenação nas universidades, as viagens de mochila e o uso deliberado de drogas - como ambém a um cero espírio de conesação e enrenameno da ordem vigene, de caráer proundamene radical e divergene às orças mais radicionais de oposição a esa mesma ordem dominane. Para Carlos Albero Messeder Pereira, raase de um ipo de críica anárquica que, de cera maneira, “rompe com as regras do jogo” em ermos de modo de se azer oposição a uma deerminada siuação, endo assim um papel oremene revigorador na críica social. Para o críico lierário Carlos Nelson Couinho12 , a conraculura no Brasil se configurava mais como um movimeno “exraculural”, se colocando mais como uma crise do que uma enaiva de resolvê-la - por não solucionar ceros impasses da produção culural em si. Enreano, em um momeno onde as concepções esruurais dos problemas políicos limiavam de cera orma seu coneúdo, o absracionismo esruural da conraculura evidenciou algumas conradições e rouxe para o plano coidiano o debae políico. Em resposa à violena inervenção nore-americana no Vienã, muios preeriram reagir de orma pacifisa, criicando auoridades e os valores da classe média adoando esilos alernaivos de vida. Surgia naquela época o movimeno hippie com suas diversas comunidades alernaivas – em sua maioria longe 12 Apud Hollanda e Pereira, 1980.
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dos cenros urbanos -, onde buscava-se uma vida mais simples e livre, e onde os insinos não ossem reprimidos pela moral e pelo padrão de vida ocidenal consumisa. O movimeno hippie propunha novas posuras e práicas sociais: os cabelos cresceram, deendia-se o uso de drogas – principalmene a maconha e o LSD – para a aleração do esado de consciência e o amor livre era bandeira da experimenação conra a repressão moral. O lema “ aça amor, não aça a guerra” revelava o espírio liberário dos movimenos pacifisas daquela geração, que crescia em odo o mundo. Sua maior maniesação oi o esival Woodsock em ouubro de 1969, em uma azenda em Nova Iorque, onde se apresenaram diversos arisas que de alguma orma se relacionavam com as proposas do movimeno hippie: o olk, com seu pacifismo e sua conundene críica social; o rock, com sua conesação ao conservadorismo dos valores radicionais; o blues, com sua melancolia que há décadas já mosrava as conradições da sociedade nore-americana; e a cíara de avi Shankar, represenando a presença marcane da influência orienal na conraculura, enre ouros. Enre drogas lisérgicas, amplificadores e muia lama, 400 mil pessoas reivindicavam ouro modelo de sociedade, praicavam o amor livre e se opunham pacificamene à Guerra do Vienã. Além disso, a dispua ideológica da Guerra Fria buscava ignorar a diversidade culural vinda do ouro lado do planea. Assim, a crescene oposição ao “American Way o Lie”, combinada com o desenvolvimeno ecnológico que permiia o maior conao com ouras realidades, ez com que muios jovens se aproximassem da culura orienal na busca por novos esilos de vida. ambém é dessa época o início de esudos sobre a ecologia, que, para além da preocupação ambienal, busca o equilíbrio dos sisemas – princípios eses que oram aplicados inclusive na sociologia -, dando início aos primeiros movimenos ambienalisas que ganharam orça na década seguine. 38
Para o brasilianisa Chrisopher Dunn, “esse legado da conraculura ez com que se abrisse mais a noção do que era o campo da políica, aé enão resrio aos paridos”13. É imporane assinalar o papel dos meios de comunicação de massa para a configuração da conraculura da década de 60, quando a amosera de conesação e busca começam a enconrar ressonância nos meios de comunicação que se consolidavam. Aquela geração começava enão a desenvolver uma culura própria na música, na moda, na linguagem e os avanços ecnológicos da época os conecavam com a juvenude do reso do mundo a parir de uma linguagem universal: o rock. A música oi o principal canal de expressão daqueles ideais, e arisas como Jimi Hendrix, Te Doors, Bob Dylan, Janis Joplin, Led Zepelin, Te Beales, Mick Jagger e a ropicália – no caso brasileiro - aziam a rilha sonora de uma geração que buscava novas maneiras de viver e amar. O rock´n´roll – usão explosiva do blues, jazz, olk e counry – deixa de ser apenas um subproduo da indúsria culural que se consolidava naquela década e consruía um discurso críico social e comporamenal na mídia, incorporando principalmene elemenos da culura negra que ganhava orça nos EUA. A experimenação e a quebra do padrão em relação aos ormaos da música indusrial vigene eram refleidos no som dos briânicos Te Beales, em seu emblemáico álbum “Sargen Pepper´s Lonely Hears Club Band”, que, por sua vez, influenciaram diversos movimenos musicais no mundo – como a própria ropicália, como veremos adiane. Além disso, conesavam o papel do músico na sociedade de consumo aravés de inervenções arísicas poliizadas – como a apaixonada e violena versão do hino nacional execuada por Jimi Hendrix no esival de Woodsock, dando expressão à revola e à conusão que marcavam a vida dos jovens da época. 13 In: “68 – O ano da revolução pela are”, Segundo Caderno, O Globo , 18 de maio de 2008.
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1.1.5 A mulher na sociedade.
Na onda de movimenos conesaórios daquela década, se orificava o movimeno eminisa que, a parir de um conjuno de idéias políicas, filosóficas e sociais, procurava promover os direios e ineresses das mulheres na sociedade civil, em busca da igualdade enre os sexos. A principal reerência do exisencialismo, ese segundo a qual cada pessoa é responsável por si própria, era o casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sarre, que maninham um relacionameno abero – a versão poliizada do amor livre, por assim dizer. Em 1949, Simone escreve o livro “O Segundo Sexo”, deendendo que a hierarquia enre os sexos não é uma aalidade biológica e sim uma consrução social, e que serviu de embasameno eórico e políico para as reivindicações eminisas daquela década. No Brasil, Nara Leão, Elis egina, Gal Cosa, ia Lee, Lygia Clark, enre ouras, ocuparam na década de 60 imporanes e dierenes papéis na inserção da mulher nos debaes da sociedade aravés das ares, sem esquecer de ouras imporanes eminisas brasileiras como a escriora ose Marie Muraro e a ariz Leila Diniz 14. 1.1.6. A contestação e a arte.
Nas ares ambém era possível observar a reormulação de valores e, principalmene do conceio de are. A pop ar noreamericana – influenciada pelas obras de Marcel Duchamp nos anos 30 e simbolizada principalmene nas obras do arisa Andy Wahrol sobreudo na década de 50 – se apropriava de emáicas do coidiano para criicar o “American Way o Lie”. A simbologia de produos do mercado publiciário americano era uilizada como ema da obra, reafirmando que a are deixava de lado a absração para assumir um caráer mais figuraivo, a fim de provocar 14 Sobre eminismo, ver Alves Moreira e Pianguy, 1991e Jardim Jardim Pino, 2003.
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uma sociedade cada vez mais guiada pelos padrões de consumo capialisas. Embora não se caracerizasse como um movimeno conraculural, a pop ar rouxe quesionamenos e experimenações eséicas absorvidas, por exemplo, pelo movimeno Nova Objeividade Brasileira, que eve em Hélio Oiicica um de seus precursores, conribuindo para a vanguarda das ares plásicas e da conraculura brasileira na época. No Brasil, o earo ambém assumiu um imporane papel na maniesação arísica conraculural que se maneve conecado às endências inernacionais. O experimenalismo do Living Teare e o earo anárquico e políico do Grupo Oficina de José Celso Marinez Correa – que maninham permanee inercâmbio - oram revolucionários no senido de alerar a relação enre o palco e a plaéia, enre os exos e os aores e a direção do espeáculo. A música e o cinema ambém iveram imporane paricipação no proeso e experimenalismo da década no Brasil, como veremos adiane. Separados por significaivas dierenças no conexo políico e culural dos dois países, eses movimenos iveram papel undamenal no quesionameno do esauo de are, do papel do arisa e da relação enre a obra e o público. A are e a culura serão no Brasil um dos pricipais canais de discussão – e ariculação - políica daquela época, como veremos a seguir. 1.2 – Brasil. 1.2.1 - A esperança da revolução cultural brasileira.
Depois de uma ase de grande desenvolvimeno com o governo de Juscelino Kubischek nos anos 50, o país parecia caminhar rumo a uma nova sociedade, uma nova políica, uma nova culura, onde a modernidade e a modernização se insalavam com orça. Acrediavase que nunca se havia produzido ano no país, em ermos indusriais, econômicos e culurais – que é o que nos ineressa aqui. 41
Em Pernambuco, por exemplo, o governo de esquerda de Miguel Arraes que apoiava a criação de sindicaos, associações comuniárias e a liga camponesa, cria o Movimeno de Culura Popular em 1960, que eve como objeivo básico diundir as maniesações da are popular regional e desenvolver um rabalho de alabeização de crianças e adulos. Com apoios como o da União Nacional dos Esudanes e o Parido Comunisa, o MCP ganhou dimensão nacional e serviu de modelo para movimenos semelhanes criados em ouros Esados brasileiros. Dado o seu caráer esquerdisa e liberador, embasado no pensameno nacional-popular, hegemônico no pensameno da esquerda brasileira naquele momeno, orças de direia enaram suocar o movimeno e hou ve uma mobilização nacional em sua deesa, evidenciando o ore senimeno nacionalisa e populisa da esquerda na época. Ainda em erras pernambucanas, Paulo Freire e sua “pedagogia do oprimido” propunha a quebra de paradigmas aravés de uma educação popular que eve poseriormene grande visibilidade inernacional com o chamado “Méodo Paulo Freire” de alabeização de adulos. Em São Paulo o earo de Arena revelava, em nomes como Auguso Boal, Oduvaldo Vianna Filho e Gianrancesco Guarnieri, a preocupação de expandir a are earal para as ruas, ugindo do sisema burguês de espeáculos echados. No io de Janeiro, a movimenação em orno da MPB e da Bossa Nova e experimenações cinemaográficas de jovens universiários indicavam novos caminhos de uma are preocupada com a quesão do “povo”. Nesse conexo, e claramene influenciado pelo MCP, é criado no io de Janeiro o Cenro Popular de Culura da UNE em 1961, com o objeivo de consrução de uma “culura nacional, popular e democráica”. Por meio da conscienização das classes populares a parir de inserções culurais na avela, no campo e na classe operária, a are engajada realizada pelo CPC buscava levar o diálogo políico para o “povo”, a parir de uma concepção da culura como 42
insrumeno de omada de poder. Assim, observava-se o esorço de “adesrar os poderes ormais da criação arísica a pono de exprimir correnemene na sinaxe das massas os coneúdos políicos originais”15 , ficando enão a concepção eséica a serviço do coneúdo políico, objeivando uma comunicação mais imediaa com seu público: o povo. É imporane acenuar a preocupação cepecisa da opção de público em ermos de “povo”, que, colocado desa orma, homegeiniza conceiuamene a muliplicidade de conradições e ineresses da população.16 A culura enconrava solo éril e era o mais imporane canal de diálogo escolhido pela esquerda na relação com as massas. Acrediavam desa maneira preparar “a base” para uma revolução socialisa no país - moivada pela recene evolução Cubana. ano nas produções em raços populisas quano nas vanguardas, emas do debae políico como a modernização, a democraização, o nacionalismo, e a “é no povo” esavam no cenro das discussões, inormando e delineando a necessidade de uma are paricipane, orjando o mio do alcance revolucionário da culura. Segundo Heloísa Buarque de Hollanda, “ a eervescência política e o intenso clima de mobilização que experimentávamos no dia-a-dia avoreciam a adesão dos artistas e intelectuais ao projeto revolucionário”17 - projeo que, aenado para as conradições le vanadas pelo processo de modernização indusrial, busca uma are de vanguarda ou de diálogo populisa razendo para o cenro das preocupações o empenho da paricipação social que marcou aquela década. A ensão enre a are popular revolucionária e o experimenalismo ormal permiiu que a produção culural bra15 Aneprojeo do Manieso do Cenro Popular de Culura, redigido em março de 1962, por Carlos Esevam Marins, enão presidene do CPC. Ver exo compleo em Hollanda, 1980, p. 135-168. 16 As As moivações e realizações do CPC serão visas mais aproundamene adiane, no capíulo 2. 17 Hollanda ,1980, p. 15.
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sileira não apenas crescesse veriginosamene no período mas aproundasse suas quesões eséicas e uncionais. As ações do governo e das organizações políicas populares passam a orienar-se cada vez mais pela crença em um Esado superior e soberano, e pelo lugar cenral ocupado pelas massas em ermos de base de ariculação e apoio. Se iso significa que possuem enão algum nível de paricipação e poder de barganha com o Esado, coloca, por ouro lado, empecilhos para o desen volvimeno de uma ação políica auônoma, desempenhando assim um papel de massa de manobra. O Parido Comunisa, por sua vez, auava na aliança com a burguesia nacional e na conciliação de classes, acilmene combinável com o populismo nacionalisa enão dominane. A inensificação do processo de indusrialização começa a se azer aravés da crescene peneração em nossa economia de capiais exernos pela via da associação com empresas nacionais. Dessa orma, o país, esruurado em uma economia agrário-exporadora, soria as pressões de uma “nova modernidade” imposa pelo capialismo monopolisa inernacional, enquano o debae políico nacional via nascer um novo abu: a eorma Agrária. Embora ivesse aproximação com a base popular aravés de reormas sociais, o governo de João Goular enconrava resisência denro do Congresso, simbolizando para as classes mais conservadoras um perigo comunisa no país, e, emendo a lua de classes, recuou diane de uma possível guerra civil. Assim, financiado pelo governo capialisa nore-americano, apoiado pela direia e por seores da Igreja Caólica e da classe média, miliares omam o poder, no dia 31 de março de 1964. Insalase enão oficialmene uma moral conservadora susenada pelo zelo cívico-religioso, a vigilância moral e o uanismo parióico, que, aravés da censura declaradamene exercida pelo regime miliar sobre a produção culural nacional, irão esabelecer no vos paradigmas para a criação arísica no país. O chamado golpe 44
miliar oi enão um verdadeiro “balde de água ria” para arisas, inelecuais, milianes, esudanes e, de uma orma geral, para a esquerda, que acrediava na possibilidade de criação de uma nação socialisa de base popular: O golpe de 64 traz consigo a reordenação e o estreitamento dos laços de dependência, a intensificação do processo de modernização, a racionalização institucional e a regulação autoritária das relações entre as classes e os grupos, colocando em vantagem os setores associados ao capital monopolista ou a eles vinculados. 18
No dia 1º de março, a sede da UNE é invadida, incendiada e a enidade é posa na ilegalidade – acabando assim como os CPCs espalhados pelo país; Miguel Arraes é deposo em Pernam buco, acabando com as iniciaivas do MCP; o Parido Comunisa Brasileiro orna-se ilegal desencadeando odo um processo de rupuras e dissidências no campo das esquerdas - que se divide enre a crença na revolução por via da conscienização políica da base popular e na guerrilha armada conecada com as endências laino-americanas ou no simples desbunde como resisência ao processo políico. Desesruurados com a surpresa do golpe e o racasso da revolução socialisa, anigos milianes dão espaço para os novos – em sua maioria esudanes – que irão ocar a cena políica de resisência. Inicia-se um novo momeno para o Brasil em ermos políicos, sociais e culurais, que levarão o país ao período que oi, provavelmene, um dos mais urbulenos de sua hisória. 1.2.2 – Cultura no Brasil pós 64.
Não só no Brasil, mas no mundo ineiro, repensa-se vários problemas do nosso empo, buscando superar ceras caegorias 18 Idem, p. 20.
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e ceras maneiras de abordagem que prevaleceram em períodos aneriores. Aponando para uma crise da esquerda e do marxismo enquano méodo de invesigação social, “há uma enaiva de repensar as quesões de uma maneira nova, e ambém de repensar cera concepção da políica no Brasil...de como azer políica”.19 Nese senido, no plano da culura ambém se obser vava uma cera críica ao auoriarismo e a idéia de que poucas pessoas iluminadas eram capazes de resolver as quesões do povo brasileiro – como se a esquerda osse a deenora do monopólio da verdade, observando a necessidade de uma culura mais pluralisa que desse cona das conradições de uma sociedade brasileira diversa e heerogênea. O principal eeio do golpe miliar sobre o processo culural não oi, a princípio, no impedimeno da circulação das produções eóricas e culurais de esquerda, mas no bloqueio desa produção em seu acesso às classes populares, corando assim as pones enre o movimeno culural e as massas. Mesmo com resrições, o ideário das maniesações culurais da esquerda se desenvolve veriginosamene enre um público que iria assumir, enão, a rene das movimenações: os esudanes, organizados em semiclandesinidade: Fracassada em suas pretensões revolucionárias e im pedidas de chegar às classes populares, a produção cultural engajada passa a realizar-se num circuito nitidamente integrado ao sistema – teatro, cinema, disco - e a ser consumida por um público já ‘convertido’ de intelectuais e estudantes da classe média 20 .
Nese senido, o experimenalismo ormal das vanguardas e as proposas de are popular revolucionária (que remonam ao 19 Hollanda e Pereira, 1980, p. 45 20 Hollanda, 1980, p. 30.
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engajameno cepecisa) criam uma ore ensão que alimena e percorre a produção culural do período. A perda de conao com o povo e a necessidade de impedir a desagregação canalizaram a ação culural da esquerda para um circuio de espeáculo. Firmava-se enão a convicção de que vivo e poéico era o combae ao capial e ao imperialismo e daí a imporância dos gêneros públicos como earo, música popular e cinema – enquano a lieraura saía do primeiro plano para er seus arisas incorporado a esas ouras ares. Para o engajameno arísico cepecisa (pré-golpe), para capar a “sinaxe das massas” é necessário azer uso de seu insrumeno de rabalho – a palavra poéica – em avor de um diálogo políico mais imediao. O resulado dessa submissão da orma ao coneúdo era uma poesia meaoricamene pobre, codificada e esquemáica. Heloísa Buarque 21 recorre a Waler Benjamin, para demonsrar que cisão enre o engajameno e a qualidade lierária não dá cona das inerconexões exisenes enre os dois pólos, se raando de uma percepção anidialéica do problema, pois é “exaamene a opção lierária explícia ou impliciamene conida na opção políica que consiui a qualidade da obra. Ou seja: em que medida ela esá reabasecendo o aparelho produi vo do sisema ou auando para modificá-lo”. Essa críica à produção lierária pode ser deslocada para ouras ormas de criação arísicas do período, que ambém possuíam dierenes graus de engajameno e preocupação eséica: A unção política da obra – sua eficácia revolucionária – não deve, então, ser procurada nas imprecauções que dirige ao sistema ou em sua autoproclamação como obra de transormação social, mas, antes, na técnica que a produz – na conormação ou não dessa técnica às relações de produção estabelecidas. É neste sentido, então que a arte 21 Idem, p.31.
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populista não desempenhava, apesar de seu propósito ex plicitamente engajado, unção revolucionária.22
Nese senido, o movimeno do Cinema Novo, que vinha desde o início da década, parecia propor um duplo enga jameno, buscando a revolução da are com coneúdo políico ambém pela reormulação eséica. Para eles, os dois problemas se colocam junos, um decorrendo do ouro: por um lado a preocupação com uma are que ransorme, e por ouro a garania de liberdade enre as alernaivas que esa are possa er como expressão e comunicação. Enreano, eram criicados pelas alas mais rígidas do CPC, que viam no “cinema de auor” a possibilidade de um impedimeno à comunicação com o “povo”, que não acompanharia a linguagem de vanguarda. Em resposa, Glauber ocha, um dos mais imporanes cineasas da hisória do cinema nacional e precursor do Cinema Novo, diz: “esamos preocupados em ransormar consciências, não levá-las a uma orma de enorpecimeno; levá-las a novas ormas de raciocínio condizenes com sua siuação de classe novas”. No Cinema Novo, em conraposição a um cinema nacional nos moldes da indúsria cinemaográfica nore-americana e européia buscava-se a realização de filmes “descolonizados”, expressando criicamene a emáica do subdesenvolvimeno, raduzindo a vivência hisórica de um país do erceiro Mundo. Na busca por uma idenidade nacional, queriam azer filmes aniindusriais, de auor, “filmes de combae na hora do combae e filmes para consruir no Brasil um parimônio culural23”. Acrediavam que a revolução no cinema deveria dar-se ambém no plano eséico, em uma enaiva de romper com a lógica de produção do cinema imperialisa nore-americano e seu esquema 22 Idem. 23 Idem
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clássico-narraivo. A linguagem era visa como lugar de exercício do poder: a superação da alienação e da dependência haveria de passar pela desconsrução das ormas culurais dominanes e do raciocínio ideológico por elas proposo. Além de eséica, a invenção e a experimenação no campo da linguagem cinemaográfica eram uma problemáica econômica e políica pois resulava da opção de uma produção não indusrial, pela desmisificação da imagem dominane da sociedade brasileira e, principalmene, pela desmonagem dos padrões eséicos-ideológicos do filme esrangeiro. O engajameno do inelecual não era apenas a moivação ideológica do Cinema Novo, como ambém, muias vezes, o seu argumeno. Em 66, Paulo César Saraceni filma O Desafio , um filme sobre os impasses que rondavam a esquerda depois de 64 que se raduz em uma enaiva de flagrar um momeno da consciência do inelecual, demarcando as conradições e os limies de sua origem de classe e de seu universo éico e políico. Em 67 é lançado Terra em ranse, de Glauber ocha, o mais emblemáico filme do período, que moivou vanguardas experimenalisas – como a música ropicalisa de Caeano Veloso – ao quesionar as conradições da intelligentzia brasileira. No campo do earo, com o echameno do CPC, seus membros iveram que se volar para o earo comercial para dar coninuidade à sua experiência, e como não poderiam emplacar com um novo espeáculo o nome de seus anigos direores, aricularam-se ao earo de Arena, do qual pegaram o nome “empresado”24. Em dezembro esréia enão o musical Opinião , dando início à bem sucedida emporada que ornou-se um marco para a culura pós-64. No palco, o composior rural João do 24 Segundo Ferreira Gullar em enrevisa à Heloísa B. de Hollanda no livro “Parulhas Ideológicas” “ o show Opinião oi lançado como produção do Teatro de Arena, mas não era do Teatro de Arena; e nós pagamos ao [Auguso] Boal para azer isso e ainda pagamos ao Teatro de Arena para nos emprestar o nome”.
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Vale, o músico da perieria urbana carioca Zé Keti e a filha da classe média de Copacabana Nara Leão represenavam as conradições de uma população que acrediava que “ É preciso cantar / Mais do que nunca, é preciso cantar / É preciso cantar e alegrar a cidade / A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar” 25. Em uma alusão à esperança e à resisência, o musical marcou o início de uma endência – ou melhor, necessidade – de se passar a mensagem políica aravés de parábolas, driblando a censura. Para ese grupo que acrediava dar uma resposa ao golpe, a are é ano mais expressiva quano mais enha uma opinião, a parir da denúncia aravés de coneúdos políicos, evidenciando um nacionalismo explício e a coninuidade da idealização da aliança arisa-povo em uma “culura de proeso” 26. Enreano, ao invés de operários e camponeses, o público do espeáculo, apresenado em uma avenida a beira-mar de Copacabana, eram esudanes e inelecuais da classe média de esquerda, que comparilhavam do mesmo senimeno de esperança. O diálogo público-plaéia se ornava mais horizonal no senido de que no lugar da proundidade de belos exos, eram apresenados argumenos e comporamenos direamene relacionados com suas realidades, para imiação, críica ou rejeição. Nesa cumplicidade, o show Opinião produzira a unanimidade da plaéia aravés da aliança simbólica represenada enre música e as massas “populares” conra o regime. Ainda no plano earal, José Celso Marinez Corrêa dirigia o earo Oficina no pólo experimenalisa da criação arísica da época, opondo-se à eséica e, principalmene, à moivação do earo de Arena. “Se o Arena herdara da ase Goular o impulso ormal, o ineresse pela lua de classes, pela revolução, e uma cer25 recho da Marcha da Quara-eira de Cinzas canada por Nara Leão no espeáculo, invesindo na canção o senido políico de se expressar conra o auoriarismo que subia ao poder e a deerminação à denúncia e ao enrenameno. 26 Hollanda, 1982, p. 23.
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a limiação populisa, O Oficina ergueu-se a parir da experiência inerior da desagregação burguesa em 64”27. Na relação palco-pú blico observava-se uma cumplicidade dierene, não mais ligados pela simpatia e didatismo , como no Arena, mas pela brutalização e choque. Era uma resposa mais radical à derroa de 64, e seu público era aquele a quem o resíduo populisa do Arena incomodava. Para eles – arisas e público do Oficina - depois da aliança da burguesia com o imperalismo que resulou na diadura miliar, odo consenimeno enre palco e plaéia é um erro ideológico e eséico, e a cumplicidade esperançosa da classe média esudanil no Opinião se configurava como alienação e conormismo.28 No campo da canção, a influência das idéias de esquerda nos meios arísicos levará a uma verdadeira revolução eséica na música popular. Alienação e engajameno na culura esudanil serão nese momeno a principal discussão, e esa orna-se mais evidene no cenário musical, cuja produção cresce veriginosamene nese período. Para Francisco exeira da Silva: As canções possuem um poder especial, um certo encantamento próprio, compondo parte undamental da memória dos indivíduos. As canções eram, naquele momento, ouvidas e aprendidas, para serem repetidas na mesa do bar, nos corredores das escolas e universidades, em pequenas reuniões. Eram tempos em que a canção também era uma arma, reorçando a solidariedade mútua e a identidade coletiva29.
Nessa perspeciva, a MPB se desaca não só como o cenro de um amplo debae eséico-ideológico ocorrido nos anos 60, mas, acima de udo, como uma insiuição socioculural orjada a 27 Schwarz, 1978, p. 44. 28 Veremos mais sobre o earo Oficina no capíulo 2. 29 eixeira da Silva, apud Cambraia Naves & Duare, 2003, p.140.
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parir dese debae. Se no início da década a produção esava volada, por um lado para as “conquisas” musicais da Bossa Nova, e, por ouro, pela disseminação de uma mensagem socialmene engajada e nacionalisa, a parir de 64 a unção social da música é rediscuida, acompanhada da discussão mais específica em orno do posicionameno conra o regime miliar. Nas canções uópicas de reorma social dese período não há, de uma maneira geral, uma orma única de organização políica e social, dierene das experiências do realismo socialisa pré-golpe e suas cerezas políicas. Apesar do “racasso das esquerdas” em 64, permanece uma cera é - ao mesmo empo ingênua e segura - na capacidade do povo em consruir ormas mais igualiárias, pluralisas e jusas de convivência social, remanescendo assim o “arisa-povo” como alegoria de vanguarda. Além disso, a consolidação de uma indúsria culural raz ampliação do público consumidor e, com isso, novos espaços no cenário musical. De acordo com Nercolini (2005), nese senido, a Era dos Fesivais promovida pelas incipienes redes de V na época (a exemplo da Excelsior, da ecord e da upi, e, mais arde, da Globo) exerceram um imporane papel na divulgação do ra balho de novos arisas, que enconravam nese cenário um diálogo com seu público, em sua maioria uma classe média que por vezes não era aingida pelos ouros circuios culurais. ais esivais revelaram – ou consolidaram - imporanes arisas como Chico Buarque, Milon Nacimeno, Geraldo Vandré, Paulinho da Viola, Edu Lobo,Gilbero Gil, Caeano Veloso, Elis egina, Nara Leão, enre muios ouros. Se por um lado os meios de comunicação de massa avoreciam o diálogo dos músicos “engajados” com a classe média esudanil – seu principal público -, por ouro permiiam o aparecimeno de novos arisas produos da indúsria culural. Com coneúdo considerado “alienado”, arisas como obero e Erasmo Carlos represenavam a Jovem Guarda, que, muio bem acessorados pelas suas gravadoras e pelos meios de comunica52
ção de massa, aziam uma música mais comercial, baseada no rock´n´roll que se consolidava inernacionalmene. No Brasil, a versão “iê iê iê” alcançava sucesso de vendas e conquisava grande pare do público de classe média, gerando uma verdadeira cisão enre os enão chamados de “engajados” e “alienados”. A relação com a indúsria culural – e o crescene mercado por ela proporcionado – dividiu muios arisas e gerou uma série de debaes sobre os rumos da produção culural brasileira. Para obero Schwarz: Os intelectuais são de esquerda, e as matérias que pre param, de um lado para as comissões do governo ou do grande capital, e do outro para as rádios, televisões e os jornais do país não são. É de esquerda somente a matéria que o grupo – numeroso a ponto de ormar um bom mercado – produz para consumo próprio.30
Em sínese, se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momenos de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens culurais, associado às ransormações esruurais pelas quais passa a sociedade. A reorganização ardia da economia brasileira no processo de inernacionalização do capial az com que o Esado auoriário oralecesse o parque indusrial, inclusive da produção de culura e do mercado de bens culurais31. econhece-se enão o poder que pode er a culura, e a imporância da auação do regime juno às eseras culurais. Se por um lado é definida uma repressão ideológica e políica, por ouro, 30 Schwarz, 1978, p. 8. 31 Dierenemene de “bens maeriais”, enende-se por “bens culurais” a dimensão simbólica que apona para problemas ideológicos, que expressam elemenos políicos embuidos – embora nem sempre evidenes – no próprio produo veiculado.
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é um momeno de grande produção e diusão de bens culurais, muio em unção do papel de produor e incenivador da culura assumido pelo próprio Esado, que senia a necessidade de raar de orma dierenciada esa área, onde seus produos poderiam expressar valores e disposições conrárias à vonade políica dos que esão no poder. Por isso, a censura não se define pelo veo a qualquer produo culural, mas sim por esabelecer uma “repressão seleiva” que separava o maerial considerado subversivo daquele que serviria aos ineresses uanisas do regime miliar. Ou seja, uma visão auoriária que se desdobra no plano da culura pela censura e pelo incenivo de deerminadas ações culurais. É dessa época a criação de enidades como o Conselho Federal de Culura, o Insiuo Nacional do Cinema, a Embrafilme, a Funare, enre ouros32 , evidenciando a preocupação do regime em políicas públicas nesa área. Com isso, a produção cinemaográfica conhece, sem dúvida, um momeno de expansão, com políicas do Esado voladas para medidas de proeção de mercado - rene à indúsria hollywoodiana - e de incenivo à qualidade de produção. Como assinala Oriz: O que caracteriza a situação cultural nos anos 60 e 70 é o volume e a dimensão do mercado de bens culturais. Se até a década de 50 as produções eram restritas, e atingiam um número reduzido de pessoas, em 60 elas tendem a ser cada vez mais dierenciadas e cobrem uma massa consumidora de produtos produzidos especialmente para elas33”. 32 Esa iniciaiva remona à auação políica na esera da culura no período da diadura Varguisa, onde oram criadas diversas insiuições na esera culural e educacional como o Insiuo Nacional do Livro, o Insiuo Nacional do Cinema Educaivo, além de museus, e biblioecas públicas. 33 Oriz, 2001, p.121.
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O crescimeno desse público consumidor de culura se dá ambém em unção das inúmeras acilidades que o comércio passou a apresenar. Assim, ocorre uma expansão em nível de produção, disribuição e consumo de culura – ano das empresas aliadas ao regime que produzem mais para suprir a ala (econômica) dos que oram censurados, quano da conraculura, que ena disribuir sua produção no limie de sua proposa subversiva. A implanação de uma indúsria culural modifica o padrão de relacionameno com a culura, uma vez que definiivamene ela passa a ser concebida como um invesimeno comercial, o que não se raa apenas de uma maniesação do regime miliar, mas a expressão do desenvolvimeno capialisa no país aravés de uma via auoriária. Assim, pode-se enender a gama de ineresses comuns no projeo de inegração nacional enre o Esado auoriário – que buscava a ampliação da base de apoio ao regime - e o seor empresarial da indúsria culural que se consolidava no país – sublinhando a inegração com o mercado. Nese senido, a despoliização do coneúdo por pare da indúsria culural e dos meios de comunicação massivos servia pereiamene para ambas as preensões. O que se via era uma políica de pão e circo. Aravés do aparene desenvolvimeno econômico conecado com o capialismo inernacional e da prolieração de bens culurais “paseurizados”, iludia-se a população para desviar a aenção dos reais problemas sociais como a repressão e a desigualdade social. Desa orma, o paco diadura - meios de comunicação represenava um duplo obsáculo para os movimenos conraculurais de resisência ao regime e à alienação, que agora se viam rene a dois “inimigos”: a censura políica do coneúdo e a imposição econômica da indúsria culural. Nese cenário, os meios de comunicação de massa começa vam a se consolidar no país, sendo reconhecida a sua capacidade de diundir idéias, de se comunicar direamene com as massas e, sobreudo, a possibilidade que êm em criar “esados emocionais 55
coleivos”. endo o nacionalismo como sua principal bandeira, a busca por uma idenidade nacional será a grande moivação para al papel esaal de inegrar, a parir de um cenro, a diversidade social. A idéia da “inegração nacional” é cenral para a realização desa ideologia, que impulsiona os miliares a promover oda uma ransormação na esera da culura invesindo pesadamene em supores ecnológicos para as elecomunicações. Assim, o que melhor caraceriza o adveno e a consolidação da indúsria culural no Brasil é o desenvolvimeno da elevisão como meio de massa, e, para isso, o Esado invesiu no incremeno da produção de aparelhos, na sua disribuição, e na melhoria das condições écnicas, azendo com que o hábio de assisir elevisão se consolidasse definiivamene e se disseminasse por odas as classes sociais. Com a crescene profissionalização da produção culural, inensifica-se o processo de divisão de areas e surgem ou são consolidadas profissões especializadas undamenais para o uncionameno desa indúsria, como oógraos, cenógraos, redaores, pesquisadores, roeirisas, ec. É nessa época que surgem os grandes conglomerados que passariam a conrolar cada vez mais os meios de comunicação e a culura de massa, represenando a orça econômica e políica aliadas. A década de 60, com a revisão políica e o quesionameno comporamenal, as experimenações eséicas e uopias re volucionárias, ao lado do crescimeno de uma indúsria culural e da consolidação do capialismo como ordem hegemônica, oi um período de grandes ransormações sociais, políicas e, so breudo, culurais, cujos desdobramenos ainda podem ser senidos na produção culural dos dias de hoje, como veremos nos próximos capíulos.
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CAPÍTULO 2 – O CPC E A TOPICÁLIA.
“Se a gente não se propõe a mudar o mundo, como visão, não adianta nada. Hoje em dia eu acho que qualquer coisa que se aça deve estar tão ligada a um ato político que não deve haver mais dierença entre a política em si e a arte de outro lado... um gesto, uma ala, uma atitude, devem ser coisas politizadas.” Lygia Clark
2.1 – O Centro Popular de cultura da UNE.
Como vimos no capíulo anerior, a década de 60 oi marcada no Brasil por um ore senimeno nacionalisa e desenvol vimenisa. A inensa produção culural no país refleia esa amosera, agluinando arisas e inelecuais em quesionamenos em orno do “popular”, em ermos de conscienização e paricipação das massas no processo social e políico do país. A arquieura de Oscar Niemeyer ez de Brasília o cenro das aposas em ermos de desenvolvimeno nacional, e a Fundação Culural de Brasília, dirigida por Ferreira Gullar, ampliou os horizones do poea para esas quesões: (...) aí entrei numa nova dimensão da realidade. Aí tentei azer arte popular e arte de vanguarda, porque acreditava que Brasília era a síntese desses dois pólos da vida cultural brasileira. (...) O artesanato arcaico nordestino com a imaginação do urbanismo e a arquitetura audaciosa, o Brasil mais moderno e o mais antigo juntos.34
Gullar, maranhense que vinha das experiências neoconcreas no io de Janeiro, preendia criar um Museu de Are Po34 In: Amaral, 2003, p. 315.
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pular, com aeliês coleivos para os rabalhadores nordesinos residenes no Disrio Federal erem um espaço de lazer e culura, desenvolvendo sua radição aresanal a parir de um mercado de are popular para urisas, gerando assim ambém uma movimenação econômica imporane para o circuio. Mas o projeo não oi adiane, e Gullar percebeu que os próprios rabalhadores, que por cona de suas ocupações não se dedicavam à produção aresanal radicional, ambém não se mosravam muio ineressados ou engajados na discussão sobre culura popular. No mesmo período, em São Paulo, o earo Brasileiro de Comédia (BC) passava por um período de reesruuração e alguns de seus arisas buscavam expandir suas auações para além do earo convencional. Era criado enão o earo de Arena, que, liderado por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha, e Gianrancesco Guarnieri (que vinham do earo Paulisa dos Esudanes), azia apresenações com recursos mínimos, onde as unções eram coleivas, e com uma emáica brasileira coidiana, ligada à vida de odo dia35. Apesar do esorço, ainda eram um earo de minoria e perceberam que coninuavam com o mesmo público burguês do BC: O Arena era porta-voz das massas populares em um teatro de 150 lugares. Não atingia o público popular, e, o que é talvez mais importante, não podia mobilizar um grande número de ativistas para o seu trabalho. A urgência de conscientização, a possibilidade de arregimentação da intelectualidade, dos estudantes, do próprio povo, a quantidade de público existente estavam em orte descompasso com o Arena enquanto empresa36. 35 “O Arena revolucionou a tradicional divisão de trabalho do teatro convencional. Ali todos aziam tudo: escreviam, representavam, dirigiam e aziam o trabalho logístico. O Arena era, de ato, uma equipe”. In: Buonicori, 2005, p.100 36 Apud Buonicori, 2005, p. 100.
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Como cona Gullar: Surgiram aqueles que achavam que era necessário levar a experiência além daqueles limites que não eram simplesmente culturais, estéticos, eram de outra natureza: diziam respeito à própria inserção do teatro na sociedade brasileira – do teatro como uma orma de produção comercial. 37
Desejando compreender melhor os mecanismos de exploração do rabalho sob o capialismo, Vianinha e Chico de Assis escre vem em 1960 a peça A mais valia vai acabar, Seu Edgard, com a ajuda do jovem sociólogo do ISEB Carlos Esevam Marins, sucesso de público durane os 8 meses em que ficou em caraz na Faculdade de Arquieura da UFJ. Visando a coninuidade do rabalho, realizam na sede da UNE um curso sobre Hisória da Filosofia, que conou com a presença do educador Paulo Freire, relaando as experiências do Movimeno de Culura Popular (MCP) em Pernambuco. No mesmo ano havia sido realizado um Congresso da UNE, em ecie, onde o próprio MCP preparou uma exposição sobre suas aividades, sugerindo aos esudanes presenes a criação de iniciaivas análogas. Surge enão a idéia do Cenro Popular de Culura em parceria com a UNE que, embora idealizado a parir das aividades universiárias com o earo, englobava ambém ouros campos da produção culural: Vianninha seria o responsável pelas aividades earais, Leon Hirzman pelo cinema, Carlos Lira pela música e Ferreira Gullar pela lieraura, e endo como presidene Carlos Esevam Marins, ambém auor do “Aneprojeo do Manieso do CPC” – emblemáico exo sobre a proposa do projeo que se iniciava. Em 8 de março de 1962 é oficializado o CPC da UNE, que embora ocupasse uma pequena sala na sede da enidade, não recebia nenhuma orma de financiameno fixo, nem da UNE nem do governo João Goular, recebendo verbas 37 Apud Hollanda, 1988, p. 63.
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públicas apenas para alguns projeos específicos. A opção pela recusa do financiameno público era jusamene maner a auonomia de suas ações perane o governo populisa de Goular, se assumindo como um “órgão da sociedade civil, criado e susenado por ela o empo odo”. Segundo Marins, “o nosso público, que iria usuruir de nossa criação culural, é que deveria pagar por ela, pois só assim iraríamos, como de ao iramos, o Esado da jogada e não ficaríamos, como os sindicaos, arelados ao Esado pelo umbigo da dependência econômica”38. Com a enidade esudanil o CPC realizou o projeo UNE Volante , uma caravana culural iinerane que levava as produções cepecisas a diversos ponos do país, promovendo as discussões e incenivando a criação de ouros Cenros Populares de Culura. As apresenações nas poras das ábricas, sindicaos, em avelas e comunidades rurais realizadas pelos universiários raziam emáicas próprias de cada conexo, incenivando o debae críico da realidade social brasileira. Algumas das realizações marcanes do CPC em sua curíssima duração de dois anos oram: as peças earais “ A mais valia vai acabar, Seu Edgard”, “Brasil – Versão brasileira”, “Eles não usam black-tie”, e peças de agiação como o “Auto dos cassetetes”; o “Auto dos 99%” , enre ouros; a produção do filme “Cinco Vezes Favela” 39 e “Cabra marcado para morrer” 40; shows musicais com arisas populares, o disco “O povo canta e o espeáculo”, “ A noite da Música Po pular Brasileira”, no earo Municipal; a publicação dos “Cadernos do Povo Brasileiro” e a monagem de uma disribuidora de livros e discos do CPC. Segundo obero Schwarz: 38 Apud Buonicori, 2005, p.108. 39 Uma produção coleiva que reunia cinco curas com a visão do povo da avela pelos olhos dos jovens cineasas do CPC. Pariciparam do projeo Miguel Borges (‘’Zé da Cachorra’’), Cacá Diegues (‘’Escola de Samba Alegria de Viver’’), Marcos Farias (‘’Um Favelado’’), Leon Hirszman (‘’Pedreira de São Diego’’) e Joaquim Pedro de Andrade (‘Couro de Gao’’). 40 O filme dirigido por Eduardo Couinho eve de ser inerrompido nos meio das filmagens em 64 no inerior pernambucano por cona do golpe miliar, sendo concluído apenas nos anos 80.
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No Rio de Janeiro os CPC improvisavam teatro político em portas de ábrica, sindicatos, grêmios estudantis e na avela, começavam a azer cinema e lançar discos. O vento pré-revolucionário descompartimentava a consciência nacional e enchia os jornais de reorma agrária, agitação camponesa, movimento operário, nacionalização de empresas americanas, etc41.
Como se pode observar, a emáica “povo” era a principal linha de auação do coleivo que, baseado em uma ideologia do nacional popular, enava desvendar o Brasil sob a perspeciva da lua de classes e, assim, incenivar a paricipação dessa população na consrução do Brasil que se desenvolvia. Para eles, a paricipação do inelecual e do arisa na problemáica social de seu empo era uma necessidade impreerível. Carlos Esevam Marins, no aneprojeo do Manieso do CPC, siua os arisas em rês alernaivas em relação à lua do povo: o “conormismo” (“o arisa perdido em seu ransviameno ideológico” não enxerga a are como “um dos elemenos consiuivos da superesruura social”), o “inconormismo” (inelecuais movidos por um “vago senimeno de repulsa pelos padrões dominanes”, que, no enano, não compreendem que “não basa adoar a aiude simplesmene negaiva de não adesão”) e o “revolucionário-conseqüene” (opção “por ser povo, por ser pare inegrane do povo”), como se julgavam os cepecisas. Marins ainda classifica os rês ipos de are dias “popular”. A “are do povo” seria ruo sobreudo do meio rural, na qual o arisa “não se disingue da classe consumidora”, e por isso é considerada “primarisa no nível da elaboração arísica”; já a “are popular” esaria assinalada pela di visão do rabalho na produção arísica sem ainda “aingir o nível de dignidade arísica” legíima. Para ele, eses dois ipos de are “expressam o povo apenas em suas maniesações enomênicas” e coe xisem com uma are “dos senhores” que nega ese circuio popular, 41 Schwarz, 1978, p. 20.
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dividindo pare da sociedade e conribuindo para o conormismo social. Assim, o arisa do CPC se propõe a uma “are popular revolucionária”, que “visa dar cumprimeno ao projeo da exisência do povo al como ele se apresena na sociedade de classes”, e onde “o povo nega sua negação”, rejeiando o romanismo populisa sobre a culura popular, o que levaria ao conormismo. Dessa orma, o CPC, aravés do manieso escrio por Marins, afirma que “em nosso país e nossa época, ora da are políica não há are popular” 42. Esa era, enreano, a principal críica eia ao CPC, pelo ao desa represenação do povo brasileiro ser eia pelos olhos de uma classe deerminada: a juvenude universiária de esquerda43. A busca pela conscienização das massas e sua conseqüene paricipação políica era eia de orma conradioriamene hierárquica, uma vez que se levava o conhecimeno adquirido pela inelecualidade para as classes populares. A grande críica ao CPC dizia respeio à sua auação como se ese “povo” osse uma massa alienada que precisasse de uma vanguarda para oriená-lo e conduzi-lo à revolução. A enaiva de se caracerizar o que seria esa “culura popular” não poderia ser sempre fiel à realidade, uma vez que iso era eio por pessoas originariamene alheias àqueles conexos44. A visão romanizada do “bom povo”, do ra balhador, do homem do campo e da avela, acabava por ignorar as dierenças e conradições de oda uma classe. 42 Aneprojeo do Manieso do Cenro Popular de Culura, redigido em março de 1962, por Carlos Esevam Marins, enão presidene do CPC. Ver exo compleo em Hollanda, 1980, p. 135-168. 43 “Nenhum operário oi consultado/ não há nenhum operário no palco/ talvez nem mesmo na platéia/ mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários” – lera da música Classe Operária, de om Zé 44 Iso era reconhecido por Marins, no manieso: “ por sua origem social como elemento pequeno-burguês, o artista está permanentemente exposto à pressão dos condicionamentos materiais de hábitos arraigados, de concepções e sentimentos que o incompatibilizariam com as necessidades da classe que decidiu representar ”.
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Como relaa Ferreira Gullar, a enaiva de conao da clascl asse média com a culura popular que se buscava realizar no CPC não era necessariamene correspondida pelas classes populares: Levavam-se à sede da UNE grupos olcló Levavam-se olclóricos, ricos, cantores populares populares e gente das escolas de samba; criou-se um movimento muito amplo e muito importante, mas a resposta procedia basicamente do setor universitário. Quando começamos a ampliar o movimento em direção aos sindicatos, às avelas e tal, a coisa começou a complicar. Os operários não tinham experiência de teatro e, quando íamos aos sindicatos, em geral ge ral não havia operários para ver as peças.45
O coneúdo excessivamene excessivamene políico das mensagens se soso brepunha à elaboração elaboração eséica da obra, em busca de uma comunicação mais imediaa com seu público46 , o que se configurou em uma das maiores críicas eias poseriormene ao CPC, inclusi ve pela pela ropicália, ropicália, como veremos veremos adian adiane. e. raa raava-se va-se claramene claramene de uma concepção da culura como insrumeno de omada do poder, marcada pela opção pelo “povo” em ermos de público e pela produção coleiva. O arisa ar isa eria assim, “o “o laborioso esorço de adesrar seus poderes ormais a pono de exprimir correnemene na sinaxe das massas os coneúdos originais” – ou seja, sua orça de rabalho, o azer arísico, deveria ser uilizado na superação das desigualdades sociais e consrução da revolução. Vale V ale ressalar que o ano era 62 e esa percepção esáva ligad ligadaa a uma esperança no uuro e na revolução que “esá por vir”. Havia um cero senimeno se nimeno de “culpa” “culpa” por ser proveniene provenie ne de uma clas45 In: Amaral, 2003, p. p. 315. 46 Na Argenina, as experiências cinemaográficas cinemaográficas de Solano Solano e Geino corcorrespondiam a esa opção pela are políica, aravés de filmes exremamene didáicos chamando o povo para a lua popular popular..
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se pequeno-burguesa, e por isso buscava-se a aceiação do povo enquano “companheiro de luas” luas”.. Grande pare desa críica ao CPC se reere à ideologia nacional-popular, que oi mais arde oremene repudiada e axada como “populisa”. Para o earólogo Zé Celso Marinez, a are didáica realizada pelos cepecisas seria, na verdade, uma esraégia de manuenção do status quo cultural: “(...) na esquerd es querdaa há um processo de utilização de pessoas ocupando postos de poder que acabam dizendo ‘não se mexam porque estamos aqui’. Na verdade isso é uma deesa de posição de poder” 47 . Esas críicas se apoiavam basicamene em um dos poucos documenos escrios de regisro do CPC, o aneprojeo escrio por Carlos Esevam Marins à época da criação do CPC. Enreano, como o próprio documeno carrega no nome, se raava de um anteprojeto , uma sínese das idéias que moivaram a criação do CPC, mas que oram revisas ao logo de sua auação. auação. Ainda que seus inegranes ossem ligados por objeivos e ideologias semelhanes, não se raava de um movimeno homogêneo e sem dispuas, e os CPCs criados em ouras cidades com a UNE Volane inham auações dierenes em seus conexos. O aneprojeo de Marins e as próprias ações do CPC oram di ver v erssas vez ezes es qu ques esiion onaado doss pel pelos os se seus us in neg egrran nes es,, haven endo do aé mes mesmo mo divergências inernas, como no caso do cinema. A linha represenada pelo manieso de Marins que opava por uma criação anônima e coleiva, submeendo a orma arísica arísica ao coneúdo políico, era rejeiada, rejeiada, por exemplo, pelos cinemanovisas Cacá Diegues e Arnaldo Jabor, Jabor, que inham na experimenação eséica e no cinema auoral (inspirados na Noouve N vellllee Vagu guee rancesa) sua principal auação políica. Além disso, vale lembrar que a experiência exper iência do CPC é daada de 62 a 64 - quando os miliares omaram o poder e incendiaram a sede da UNE, no dia 1º de março daquele daquele ano e a colocaram na clandesinidade. clandesinidade. Assim, A ssim, o CPC esava limiado limiado a alhas hisoricamene compreensíveis, compreensíveis, e que são aé hoje revisadas revi sadas cri47 Apud Hollanda, 1981, p. 63.
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icamene por seus aores. De uma maneira geral, pode-se dizer que a principal princ ipal conribuição do CPC oi a busca pela inegração dos inelecuais e arisas da classe média urbana com arisas populares e a inserção desa emáica na paua políica, correspondendo ao enusiasmo daqueles jovens que acrediavam que a revolução brasileira baia às poras. Lembra Vianinha que “a paixão pelo enconro do inelecual com o povo inormou muio mais a nós do que aos rabalhadores com quem enrávamos em conao”48. A revelação, a parir das ações do CPC de velhos composiores do campo e da avela – como Carola, Zé Keti, Nelson do Cavaquinho e João do Vale, Vale, por exemplo e xemplo “revigorou a música brasileira, ornando-a mais abera e democráica” democráica” 49. Enim, cabe resgaar Heloísa Buarque de Hollanda, que airma: É im impo porta rtant ntee lem lembr brar ar,, co cont ntud udo, o, qu quee a u unç nção ão des desem empe penh nhaada pela ‘arte popular revolucionária’ correspondeu a uma demanda colocada pela eervescência político-cultural da época. Apesar do seu facasso enquanto palavra palavra política e poét po étic ica, a, conse consegui guiu, u, no co cont ntext exto, o, um alto alto ní níve vell de mobil mobili-ização das camadas mais jovens jovens de artistas e intelectuais a pont po ntoo de de seu seuss ee eeititos os po pode dere rem m ser sen sentitido doss até até ho hoje je50. 2.2 – Tropicália bananas ao vento.
“Uma chuva de verão que oi eterna enquanto durou51”. É assim que om Zé define a ropicália, movimeno conraculural dos anos 60 do qual o músico baiano ez pare. Podemos Podemos siuar hisoricamene o início da ropicália no ano de 1967 - com a exposição de obra ho48 49 50 51
Apud Buonicore, 2005, p. 108. Apud Buonicore, 2005, p. 112. Apud Hollanda, 1981, p. 28. “Geléia Geral” Geral”.. Segundo Caderno, O Globo , 6 de agoso agoso de 2007.
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mônima de Hélio Oiicica no MAM e com o Fesival da Música Popular Brasileira de 67, organizado pela rede ecord, quando Caeano apresenou “Alegria, alegria” acompanhado do grupo de rock argenino Be Gilbero Gil, Gil, “Domingo no parque” parque”,, com os jovens mú Beaat Bo Boys ys e Gilbero sicos que os acompanharima na empreiada ropicalisa, Os Mutantes. A rop opic icál ália ia sa sacu cudi diuu a cu cullur uraa br bras asililei eira ra da ép époc ocaa e de deix ixou ou ve ves síg ígio ioss na produção arísica aé os dias de hoje. Como viria Caeano a analisar poseriormene, “na verdade os remanescenes da ropicália nos orgulhamos mais de er insaurado um olhar, olhar, um pono de visa visa do qual se pode incenivar o desenvolvimeno de alenos ão anagônicos quano o de ia Lee e o de Zeca Pagodinho Pagodinho,, o de Arnaldo Arnaldo Anunes e o de João Bosco, do que nos orgulharíamos se ivéssemos invenado uma usão homogênea e medianamene aceiável”52 A ro ropi picá cáliliaa (ou ro ropi pica calilism smo) o) er era, a, no en ena ano, no, ma mais is um “momeno” do que um movimeno organizado – se comparado a ouros movimenos de resisência da época. Um momeno convergene de quesionamenos e experimenações na produção arísica do país, que propunham novas ormas de se relacionar – com as ares, com o pú blic bl ico, o, co com m a po polílíiica ca - em bu busc scaa um umaa id iden eniidad dadee na naci cion onal al bras br asililei eira ra.. Es Ese e pe pens nsam amen eno o co conve nverg rgen ene e nã nãoo de deii xa xava va de e err suas especiicidades relaiva relaivass às dierenes áreas culurais – música, ares plásicas, cinema, earo – mas releiam uma “vonade consruivisa geral” de aricular novas ormas no azer arísico e dar um pouco mais de cor ao cenário arísico, culural e políico do país na época. Com o Manieso Anropóago de Oswald de Andrade debaixo do braço, a ropicália resgaava 40 anos depois a necessidade de se apropriar das influências esrangeiras reprocessando ais reerências sob um conexo local, na enaiva de repensar,, em ouros moldes, a consrução sar consr ução de uma idenidade nacional. Ese diálogo proposo pela anropoagia incenivou ambém um 52 Veloso, 1977 p. p. 286
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maior inercâmbio e diálogo enre os dierenes campos arísicos que, conecados por uma moivação conraculural semelhane, marcaram as produções culurais da época. Sobre iso, Heloísa Buarque de Hollanda relaa: Esse contato, que muitos consideraram ser um mero ‘oportunismo’ de uma vanguarda sem saídas, mostrouse bem mais do que mera apropriação, um contato mutuamente proveitoso, no sentido de troca de inormações e de um apoio ‘pedagógico’ por parte dos concretistas, que assim orneceram elementos teóricos, permitindo aos compositores e poetas pensar sua produção e situála fente a outras maniestações e ao próprio processo cultural brasileiro53.
Assim, a ropicália buscava esar conecada com as endências inernacionais, e seus criadores iveram significaivo diálogo, por exemplo, com a pop ar nore-americana, com a culura rock , a psicodelia e conraculura. Embora a produção culural da década em odo mundo esivesse passando por um riquíssimo momeno de experimenações, como pudemos observar, por exemplo, na produção arísica cepecisa, (...) no Brasil, entretanto, o contexto era outro. Vivíamos sob regimes autoritários desde o golpe militar de Estado, em 1964, e os artistas viram-se pressionados a adotar posições políticas contra a perseguição e a censura. Entretanto, as preocupações políticas acabaram refletindose na cultura de maneira reacionária sob o ponto de vista estético, gerando trabalhos mais envolvidos com o conteúdo da crise do que com as questões ormais.54 53 Apud Hollanda, 1981, p. 67-68. 54 Canongia, 2005, p. 49-50.
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Nese senido – ou melhor, conra ele – a ropicália enava resgaar a preocupação eséica sem que isso implicasse necessariamene na alienação políica. Para eses arisas, a resisência políica passava ambém pelo plano da orma, e não simplesmene do coneúdo, e aravés da ransgressão, da ousadia e, principalmene, da experimenação, buscavam ransormar, para além da mensagem políica direa, a relação com a are em si. eomando a anropoagia, o diálogo da are ropicalisa era com a música engajada e a Jovem Guarda; com a imprensa alernaiva e os meios de comunicação de massa; com o olclore popular e a guiarra elérica, com a “bossa” e com a “palhoça”, a fim de aingir o público de ouras ormas, e em ouros níveis de percepção: Recusando o discurso populista, desconfiando dos projetos de tomada do poder , valorizando a ocupação dos canais de massa, a construção literária das letras, a técnica, o fagmentário, o alegórico, o moderno e a crítica de comportamento, o Tropicalismo é a expressão de uma crise. Navilouca evidencia a atitude básica pós-tropicalistade mexer, brincar e introduzir elementos de resistência e desorganização nos canais legitimados do sistema. Assim, o ator técnica é preservado, mas, simultaneamente, subvertido.” 55
endo em visa a necessidade de superar a censura, o coneúdo políico se dava em ouro nível: no comporameno. As leras das músicas ropicalisas, por exemplo, raziam mensagens políicas nem sempre ão evidenes, aravés de combinações poéicas e “acordes dissonanes”. As roupas, os elemenos de cena, as declarações e posuras – denro e ora do palco – caracerizaram o movimeno que buscava romper com o conservadorismo eséico, políico, social e moral. A parir da recusa de padrões, a inserção 55 Clark apud Hollanda, 1981, p. 73.
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da políica no coidiano - e, mais, da emáica coidiana na paua políica - oi assim um grande legado deixado pela ropicália. Uma das caracerísicas undamenais da produção ropicalisa era a relação do público com a obra, seja no nível da quebra da disância ormal enre arisa e especador (como nas “ransgressões” comeidas pelos aores dirigidos por Zé Celso Marinez Correa), ou na sua paricipação propriamene dia, quando enão a obra passa a realmene exisir (a exemplo dos Bichos de Lygia Clark 56). Assim, esperava-se alerar a relação do público com a are e, mais proundamene, sua relação com o mundo, em unção do “bloqueio que a pessoa em para azer amor, para viver”57. A revolução enão, se daria no nível do comporameno e das relações inerpessoais, a parir de uma are que buscava expressar a políica de orma mais abrangene, em dierenes conexos, mais subjeiva em relação ao rabalho de conscienização políica realizado pela esquerda na época. Mais do que a “unção social da are” para o engajameno, a moivação ropicalisa era a mudança a parir do choque de valores, eia de orma radical (da raiz) na sociedade, em diálogo com a realidade. A parir das conradições do processo desenvolvimenisa brasileiro, a are ropicalisa denunciava as desigualdades sociais daí recorrenes, que insisia em ser ignorada em nome de uma miificada “are popular”, se configurando assim como uma evidene críica à intelli gentzia da esquerda. “Depois da ‘euoria desenvolvimenisa’ (quando odos os mios do nacionalismo nos habiaram) e das esperanças reormisas (quando chegamos a acrediar que realizaríamos a liberação do Brasil na calma e na paz), vemo-nos acamados numa viela: ala por nós, no mundo, um país que escolheu ser dominado e, ao mesmo em56 “ Na Itália, em 64, ui a primeira pessoa naquela Bienal que, em vez de escrever na plaqueta ‘não tocar’, ‘não mexer’, escreveu em três línguas dierentes: ‘é avor tocar’, ‘avor participar’... Nesse momento, eu acho que o trabalho chegou a uma ase de socialização. (...) a estrutura não era minha, a autoria não era minha, só o conceito era meu; a participação, que era o ato da criatividade, oi dado ao outro”. In: Hollanda, 1980, p. 154. 57 Apud Hollanda, 1980, p. 154.
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po, arauo-guardião-mor da dominação da América Laina”58 , declara Caeano a respeio do mio populisa-nacionalisa que de cera orma imperava no processo culural do país, sugerindo na música ropicalisa a emáica urbano-indusrial da modernização brasileira. A modernidade gera uma crise de significados decorrenes da “perda da imagem do mundo enquano oalidade”, quando “o empo orna-se desconínuo, o mundo se desaz em pedaços refleindo-se apenas como ausência ou enquano coleção de ragmenos heerogêneos, onde o ‘eu’ ambém se desagrega”59. Nese senido, o conceio de “alegoria” de Waler Benjamin60 “denuncia uma aiude ambivalene em ace da realidade” e é a “represenação do ouro, de vários ouros, mas não do odo”, o que az o processo alegórico undamenalmene críico e desconfiado da realidade e da linguagem. Esa eséica alegórica é resgaada na are ropicalisa a parir das conradições da modernização de um país dependene, “onde o moderno e o arcaico se chocam, fixando, para o Brasil, a imagem do absurdo”. Em meio a anas conradições sociais, a recusa na esperança por um “uuro promissor” e a exposição de um país que se parecia querer negar (da desigualdade, da ome) em unção de uma modernidade orjada: “ Já não somos como na chegada, calados e magros esperando o jantar, na borda do prato se limita a janta, as espinhas do peixe de volta pro mar ”61 , “mas as pessoas da sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer” 62. ober Schwarz63 , em ensaio sobre a culura e a políica na época, denuncia que esa combinação do moderno com o anigo, configurados em crise, acaba por ser meramene eliisa, conemplaiva de uma realidade absurda, esáica e sem saída: “ A direção tropicalista (...) registra, do ponto de vista da vanguarda e da moda internacionais, 58 59 60 61 62 63
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Veloso, 1977, p. 2 Ocavio Paz, apud Hollanda, 1981, p. 58 Waler Waler Benjamin, apud Hollanda, 1981, p. 59. Excero da lera de “Miserere Nobis”, Gilbero Gil, 1968. Excero da lera de “Panis e Circenses”, Gilbero Gil, 1968. Schwarz, 1978, p. 32.
com seus pressupostos econômicos, como coisa aberrante, o atraso do país”. No mesmo exo, insinua que a repercussão ropicalisa se deu mais no nível da polêmica e da recusa pelos seores conservadores (ano da direia moralisa quano da esquerda engajada que renegava a via arísica comercial) que o lado políico deliberado. Enreano, como a ransormação proposa pela ropicália se dava em um plano mais subjeivo, esa repercussão em si já demonsrava o choque causado pelas suas ações e proposas. A eséica do absurdo uilizada pela ropicália propõe chamar a aenção do especador, a parir do choque, para aquilo que diz respeio a ele e à sua paricipação políica no mundo, podendo levar assim a uma conscienização políica. Para os ropicalisas, o próprio desbunde seria um ao políico, e o imporane seria promover, em primeiro lugar, uma revolução pessoal, inerna, subjeiva, vivendo o aqui e o agora: “Vou sonhando até explodir colorido, no sol nos cinco sentidos, nada no bolso ou nas mãos ”64. Assim, em dezembro de 68 o programa “Divino, Maravilhoso”, apresenado pela rupe baiana, que não se baseava em um roeiro previamene elaborado e no qual simplesmene improvisa vam no palco, é irado do ar pela V upi em unção de seu “caráer subversivo”. Gil e Caeano são presos e, poseriormene, mandados para o exílio sem moivos realmene concreos, o que prova a penerabilidade de suas ações conraculurais na sociedade brasileira. 2.2.1 – Nas artes plásticas.
Como vimos, a eséica ropicalisa se deu em diversos ní veis e segmenos dierenes. Assim, iremos analisar agora as experimenações mais significaivas no período quem oram seus proagonisas nas dierenes maniesações arísicas, aendo-nos às ares plásicas e a música. Em 1967 é lançada no MAM a mosra “Nova Objeividade Brasileira”, do arisa plásico Hélio Oiicica. Com a conribuição de 64 Excero da lera de “Superbacana”, de Caeano Veloso, 1968.
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ouros arisas que propunham uma nova relação com a are, vindos das experiências concreisas e neoconcreisas (em São Paulo e io de Janeiro, respecivamene), ais pressuposos eóricos oram deerminanes para a produção culural brasileira na década de 60. Para melhor enender esa relação, convém azer uma breve explanação do que oram esses movimenos. O grupo concreisa da década de 50 esava undamenado na ideologia desenvolvimenisa do país e, a parir da absração geomérica, procuravam soluções que pudessem er uma unção social , inegrando a are na vida de orma uncional. Buscavam assim uma eficiência comunicaiva, com uso de poucas cores, e suas criações eram no nível da experiência práica social, absendo-se assim de qualquer posição políica que pudesse inererir no processo de criação arísica. Esa “ingenuidade” oi quesionada mais adiane pelos neoconcreisas, pois, segundo eles, não é possível desvencilhar a culura da políica. Ese movimeno, por sua vez, caracerizado no ano de 1959 no io de Janeiro, rompia com a experiência concrea na busca pela vola da are como expressão , nauralmene humana. O quesionameno das caegorias arísicas e o reorno à subjeividade marcaram as produções dos arisas neoconcreos (a exemplo de Lygia Clark, Almícar de Casro, Ferreira Gullar e o próprio Oiicica), que buscaram a valorização dos múliplos senidos a parir de aspecos sensoriais e a exrapolação da moldura radicional do quadro. Além disso, a are plásica neoconcrea eve grande influência da pop ar nore-americana, que se apropriava da emáica coidiana para o quesionameno do esauo da are e do arisa. Considerada por alguns como a “pop ar brasileira”, não se raava, enreano, de uma mera assimilação de uma orma imporada, uma vez que as próprias condições de produção, radicalmene dierenes, irão modificar os emas raados, embora ossem eseicamene próximos. Enquano nos EUA o publiciário e cineasa Andy Warhol uilizava a linguagem publiciária e o deboche para criicar o “American Way o Lie”, no Brasil os arisas esavam submeidos a ensões e exigências mais proundas, viso que vivia-se em um país subdesenvolvido 72
e repleo de conradições e, sobreudo, sob uma diadura miliar. Caeano reflee sobre “como isso é represenaivo – mesmo emblemáico – da coincidência, no Brasil, da ase dura da diadura miliar com o auge da maré da conraculura” e admie que “esse é com eeio, o pano de undo do ropicalismo: oi, em pare por anecipação, o ema da nossa poesia”65. É nese conexo que a mosra de 1967 no MAM se insere, razendo quesionamenos sisemaizados por Oiicica no “Esquema Geral da Nova Objeividade” 66 , onde a “ormulação de um esado da are brasileira de vanguarda” é resumida em seis ópicos: A vonade consruiva geral; a endência para o objeo ao ser negado e superado o quadro; a paricipação do especador; a omada de posição em relação a problemas políicos, sociais e éicos; a endência para proposições coleivas e a abolição dos “ismos”; e, por fim, o ressurgimeno e as novas ormulações do conceio de aniare. Em primeiro lugar, a culura anropoágica é reomada no senido da “redução imediaa de odas as influências exernas a modelos nacionais”, pois “aqui, subdesenvolvimeno social significa culuralmene a procura de uma caracerização nacional”, e “a anropoagia seria a deesa que possuímos conra al domínio exerior”67. Em segundo lugar, problemas de ordem éico-social e picórico-esruural, indicam uma nova abordagem do problema do objeo: o “aniquadro. A rupura arísica com a moldura e a paricipação do especador na obra, significavam ambém a rupura com a ordem social com a qual não esão de acordo, chamando a aenção para a causa políica aravés da ransgressão, e rompendo assim com a “conemplação rascendenal” caracerísica das ares plásicas. Esa proposição “dialéico-picórica” envolvia diversos processos simulâneos, buscando o diálogo aravés da are em 65 Veloso, 1977 p. 356 66 In:. “Esquema Geral da Nova Objeividade”, escrio por Hélio Oiicica e publicado originalmene no caálogo da mosra Nova Objetividade Brasileira (io de Janeiro, MAM, 1967). 67 Idem.
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ouros níveis de percepção (o (o que vinha vinha a ser basane conveniene, uma vez v ez qu quee se vi vivi viaa so sobb a cen enssur uraa do reg egim imee mi mililia arr). As Assi sim, m, a par riir de des saa paart p rtic icip ipaação dia dialé léttic icaa - das obras de dierenes arisas enre si e do especadorr na obra, seja de orma “sensor pecado “sensorial-cor ial-corporal” poral” ou “semânic “semânica” a”-- “o “o lado poéico encerra sempre uma mensagem social”, e “a desinegração do objeo ísico é ambém desinegração semânica, para a consrução de um novo significado”68. A paricipação do arisa arisa (e (e do inelecual, de uma orma geral) nos problemas sociais diz respeio a uma abordagem abordagem do mundo de orma criaiva e ransormadora, e a uma não resrição a problemas meramene eséicos - o que influenciou significaivamene o processo arísico brasileiro, como não apenas a ropicália mas ambém o earo de Arena e o Cinema Novo. Abandonando a “velha posição eseicisa”, a grande moivação neoconcrea do azer arísico deveria ser, assim, esas ransormações proundas na consciência do homem, a fim de romper com a posição de especador passivo dos aconecimenos, passando a agir sobre eles, usando os meios que lhe coubessem. Para Oiicica, “ou se processa essa omada de consciência ou se esá adado a permanecer numa espécie de colonialismo culural ou na mera especulação de possibilidades que no undo se resumem em pequenas variações de grandes idéias já moras”69. Inspirados em maniesações populares caracerísicas da riqueza culural brasileira, observa-se cera endência a uma are coleiva, ao serem realizadas “obras aberas” à paricipação do público. Adap Ad apa and ndoo esa esass desc descob ober era ass à pais paisaagem urb urban anaa na qual qual es esãão inse inse-ridos, idenificam o processo criador não mais como algo echado e são proposas aividades criaivas ao especador, que esará sempre exraindo novos significados. Ese é o caso da obra Tropicália , de de OiOiicica, cujo nome oi sugerido pelo cineasa Luís Carlos Barreo, para a canção de Caeano Veloso, que parecia raduzir no plano musical a moivação de Oiicica no plano das ares plásicas (“ O monumento é de papel crepom e prata / os olhos verdes da mulata / a cabeleira esconde 68 Idem. 69 Idem.
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/ atr trás ás da ve verrde mata / o lu luaar do se sert rtão ão / o mo monnum umen ento to não te tem m po port rtaa / a entrada é uma rua antiga / estreita e torta”).70 Além Al ém da Tropicália , do P Par aran ango golé, lé, e dos bólidos de Oiicica, podemos ciar ouras ouras obras que represenam esa superação da moldura a parir de uma consrução coleiva com o especador, como ambo boss de Lygi ygiaa Cl Clar arkk e os poe poema mas-o s-obj bje eos os Caminhando e Os Bichos , , am (a exemplo do poema enerrado de Gulllar onde era necessário ca varr um bur va burac acoo na err erraa para para se se er er aces acesso so a obr obraa). Esa Esa pro propos posa a de de relação do público com a are inova no senido de se “incorporar valores que não azem parte da norma culta das artes plásticas do Brasil até então, a não ser sob a orma de representação de conteúdos” . 71 Para além da criação simplesmene, o arisa possui uma necessidade maior, a de se comunicar e, assim, se posicionar em relação ao seu empo. E o caminho por eles enconrado é esa enaiva de uma “aniare”, superando anigos conceios e criando novas condições experimenais, a parir da proposição de obras não acabadas, “aberas”, alerando a relação do arisa e do público com a are e, assim, enre si. 70 A ropicália ropicália de Oiicica raava-se raava-se de uma uma insalação insalação eia com madeira, madeira, areia, palha e ecidos coloridos, inspirados nas vielas da avela da Mangueira, da qual o arisa era muio próximo. O clima comuniário, as cores e sons, a configuração das casas na avela exerciam em Oiicica cero ascínio, a pono de moivá-lo a ransporar para as obras sua experiência coidiana na Man Descendente nte de anar anarquistas quistas,, inte intelectuais lectuais e cientis cientistas tas sofistica sofisticados, dos, ele vai gueira: “ Descende aderir literalmente, do ponto de vista existencial, às camadas populares criativas. (...) como passista e sambista da Mangueira, ele vai incorporar a questão da dança, da coreografia do sambista nisso que ele vai chamar de parangolé, o parangolé não é apenas a capa que vai ser vestida (...) é uma peça de uma coreografia, ele tem de ser dançado para existir ” (apud Cambraia Naves e Duare, 2003, p. 235). 71 “ É un unda dame ment ntal al à Nov Novaa Obj Objet etiv ivid idad adee a dis discu cuss ssão ão,, o pro prote test sto, o, o esta estabe bele leci cime ment ntoo de de conotações dessa ordem no seu contexto, para que seja caracterizada como um estado típico brasileiro brasileiro (...). O enômeno da vanguarda no Brasil não é mais hoje questão de um grupo gru po pr prov ovin indo do de um umaa eli elite te is isol olad ada, a, ma mass uma uma qu ques estã tãoo cul cultu turral am ampl pla, a, de gr gran ande de al alça ça-da, tendendo às soluções coletivas coletivas”. Por ouro lado, “como, em um país subdesenvolvido, subdesenvolvido, explicar o aparecimento de uma vanguarda e justificá-la, não como uma alienação sintomática, mas como um ator decisivo no seu processo coletivo? ” ( In: Oiicica,1967).
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2.2.2 – Na música
Esa explicação da “No “Nova va Objeividade Brasileira” Brasileira” se ez necessária para melhor enendermos as moivações que irão permear as experiências consideradas “ropicalisas” em ouros campos arísicos. Se as experimenações experimenações neoconcreas neoconcreas conribuíram para a ormulação de uma eoria arísica, oi graças à música e à indúsria onográfica que o ropicalismo ganhou visibilidade. Em reerência à obra homônima de Oiicica, é lançado em 1968 o álbum Tropicália – ou Panis raze zend ndoo log logo no íu íulo lo uma uma crí críiica ca à soc socie ieda dade de bra brasi sile lei-iet Circenses , , ra ra que, a despeio da era desenvolvimenisa, vivia sob uma políica do “Pão e Circo”72. Nese álbum as composições de Caeano Veloso, Gilbero Gil, om Zé, Capinam e orquao Neo, acompanhados pelas belas vozes de Gal Cosa e Nara Leão e da guiarra elérica dos Muanes, sob a orquesração de ogério Dupra 73 marcam a MPB significaivamene e propõem uma rupura com a já consolidada “música engajada”. Sineizando as experimenações musicais que vinham realizando de ormas independenes, ese álbum marcou a geração e oi um divisor divisor de águas na discussão sobre música e engajameno engajameno. Nese senido, os Fesivais da Canção iveram um imporane papel para eses músicos em início de carreira. car reira. Foi em 1967 que Gilbero Gil apresenou a canção “Domingo no Parque”, acompanhado do rock´n´roll de Os Muanes, e Caeano Veloso a canção “Alegria, alegria”, acompanhado do grupo de rock argenino Bea Boys, lançando, lançando, no campo da música, a proposa ropicalisa. No ano seguine, a ropicália já havia se consolidado enquano “movimeno” – muio em unção da apropriação 72 A políica do pão e circo dizia respeio a uma endência nacional-popular em conemplar “as massas” com enreenimeno e políicas populisas, azendo-a deixar em segundo plano os problemas políicos 73 Dupra azia pare do Movimeno Movimeno da “Música Nova” Nova”, que propunha a que bra do ranscende ranscendenalismo nalismo na música a parir de novas experimenações experimenações eséicas e a inegração do músico, enquano profissional, no mercado onográfico, moivações esas que muio se aproximavam da proposa ropicalisa.
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eia pela mídia .No Fesival de 1968, ao apresenar a música “É proibido proibir”, Caeano Veloso oi amplamene vaiado pelo público, ormado em sua maior pare por jovens universiários de esquerda que não viram com bons olhos as disorções de guiarra elérica no palco. Em resposa, Caeano pára de canar e proere o discurso74 que emblemaizou, assim, a rupura da música ropicalisa com a radição da esquerda engajada, gerando ampla discussão poserior. 74 “ Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de estival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e azê-la explodir oi Gilberto Gil e ui eu. Não oi ninguém, oi Gilberto Gil e ui eu! Vocês estão por ora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que oram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não dierem em nada deles, vocês não dierem em nada. E por alar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de Charleston. Sabem o que oi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o estival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no estival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja estival, não. Ninguém nunca me ouviu alar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês orem... se vocês, em política, orem como são em estética, estamos eitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por ora. Gil undiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!” (Fone: htp://ropicalia.uol.com.br/sie/inernas/proibido_discurso.php )
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Em 1967, Caeano Veloso já havia eio uma declaração que causou grande polêmica no cenário da MPB: “só a reomada da linha evoluiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e er um julgameno de seleção” 75. Por cona diso, Caeano oi por vezes mal compreendido e axado de “eliisa”. Enreano, o que seus críicos não compreenderam oi que ele se reeria à “evolução” no senido de dar coninuidade às experimenações eséicas que levaram à bossa nova na década de 50: “A inormação da modernidade musical uilizada na recriação, na renovação, do dar-um-passo-à-rene, da música popular brasileira”76. Para ele – e os arisas ropicalisas, de uma orma geral - ese processo criaivo não poderia ficar esagnado na MPB na orma como se esava consolidado, onde a are de proeso despreocupada de uma maior refinação eséica ano rompia com a “alienação” da Bossa Nova, quano não buscava desenvolver novas experimenações no nível da orma. Anonio Cícero explica que a evolução, nese caso, se dava no senido da complexificação écnica, onde cada período subseqüene maném em relação ao anerior ao menos uma coninuidade eórica. Nese senido, a linha evoluiva77 se esenderia do samba à bossa nova, e desa ao ropicalismo. Assim, a música ropicalisa não se caracerizava apenas pela rupura com a MPB. Pelo conrário, Caeano Veloso, não escondia sua admiração a João Gilbero e não economizava elogios quando se reeria ao músico bossanovisa: “um poea, pelas rimas de rimo e de rase musical que ele enreecia com os sons e os senidos das palavras canadas (...) auando para uma larga audiência, e influenciando imediaamene a are e a vida diária dos brasileiros”78. Sua críica se dava no nível da expressão consiuída “música popular brasileira”, uma vez que era mais expressiva no resrio circuio inelecual. Para orná-la popular realmene, deveria se apropriar da linguagem do povo, da e75 Veloso, 1977, p.156. 76 Idem. 77 Ver sobre essa emáica Nercolini, 2005. 78 Idem.
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máica do povo, da experiência do povo e, conseqüenemene, dos canais do povo, para, enão er acesso e poder dialogar com eles, inserindo a quesão políica nese conexo (a exemplo de “Domingou”, de Gil: “Hoje é dia de eira, é domingo, quanto custa hoje em dia o eijão?”) Dessa orma, a naureza dialéica da ropicália permiia o conao e a roca de experiências com a música engajada – ano no nível da emáica quano de seus aores, como na música “Lunik 9”, de Gil bero Gil, gravada por Elis egina, ícone da MPB, ou “Lindonéia”, de Caeano Veloso, gravada pela musa do show Opinião, Nara Leão. Heloísa Buarque de Hollanda, grande pesquisadora da emáica, afirma: “ Nesse clima de fagmentação, desagregação e contradições, a intervenção cultural do pós-tropicalismo se az múltipla e polivalente: os produtores ‘atacam’ em várias fentes, diversificam-se profissionalmente. (...) ele [Caetano Veloso] quer ocupar e intervir naquilo que chama de ‘cultura popular de massa’. A TV, a novela, as revistas kitch etc, são vistas como cultura, situações no sistema que devem ser mexidas”79. econhecendo a imporância da V naquele momeno para a consrução da idenidade brasileira, os ropicalisas pariciparam diversas vezes do programa do Chacrinha, por exemplo. Dialogando com os meios de comunicação de massa e com ouras endências musicais – como o ão criicado “Iê iê iê” da Jovem Guarda80 – a música ropicalisa buscava ampliar o escopo da MPB, rompendo com os rígidos padrões fixados aé enão, propondo maior flexibilidade e experimenações. 79 Hollanda, 1981, p. 71. 80 Mas isso ambém não significava uma ala de visão críica sobre a alienação de boa pare da juvenude de classe média, como na música “Hey Boy”, dos Muanes: “Hey boy, mas teu cabelo tá bonito, hey boy, tua caranga até assusta, hey boy, mas você nunca ez nada”.
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Experimenação parecia ser, a propósio, a palavra de ordem desa vanguarda musical. A preocupação dos ropicalisas em raar a poesia de suas canções como elemeno plásico, criando jogos lingüísicos e brincadeiras com as palavras é um reflexo desa influência da are concreisa. A música Ba Macumba, de Gilbero Gil, por exemplo, era mais uma composição eséica gráfica (na orma da lera da canção) do que uma música radicional, com início, meio e fim: Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh Bat Macumba ê ê, Bat Macumba Bat Macumba ê ê, Bat Macum Bat Macumba ê ê, Batman Bat Macumba ê ê, Bat Bat Macumba ê ê, Ba Bat Macumba ê ê Bat Macumba ê Bat Macumba Bat Macum Batman Bat Ba Bat Bat Ma Bat Macum Bat Macumba Bat Macumba ê Bat Macumba ê ê Bat Macumba ê ê, Ba Bat Macumba ê ê, Bat Bat Macumba ê ê, Batman Bat Macumba ê ê, Bat Macum Bat Macumba ê ê, Bat Macumba Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oba
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O uso de meáoras não era simplesmene uma orma de driblar a censura, mas uma opção esilísica pela criaividade, imaginação e ludicidade: “ Enquanto o seu lobo não vem”, por exemplo, se reeria à repressão dos miliares nas ruas, embora isso não osse dio claramene. As canções ropicalisas ambém são basane marcadas pelo deboche ao projeo desenvolvimenisa que esava impregnado no imaginário da classe média: “Retocai o céu de anil, bandeirolas no cordão, grande esta em toda a nação / Despertai com orações o avanço industrial vem trazer nossa redenção” 81. A música “Tropicália ”, de Caeano, é a mais emblemáica no senido de evidenciar as conradições dese projeo de Brasil desenvolvido, culo e engajado, e, nese caso, vale a pena azer uma análise mais dealhada: “Sobre a cabeça os aviões, sob meus pés os caminhões, [a conradição da modernização, com novas ecnologias ao lado das anigas, e a inegração nacional aravés das esradas] aponta contra os chapadões meu nariz... Eu organizo o movimento, eu oriento o Carnaval [movimeno lúdico-políico] eu inauguro um monumento no Planalto Central do país [Brasília, o símbolo da enaiva de modernização desenvolvimenisa brasileira] (...) Domingo é o Fino da Bossa [programa apresenado semanalmene pela canora Elis egina, na V upi] Segunda-eira está na ossa, Terça-eira vai à roça [reerência ao coidiano popular do serão] Porém o monumento é bem moderno [mais uma vez, a modernização do país aravés da arquieura] 81 Excero da lera de “ Parque Industrial”, de om Zé
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Não disse nada do modelo do meu terno [críica eia è vesimena alegórica incorporada pelos ropicalisas] que tudo mais vá para o inerno, meu bem [reerência à canção de obero Carlos]” 82.
Em um momeno onde a direia e a esquerda do país comparilhavam de um senimeno nacionalisa exacerbado, o ropicalismo opou por uma solução alegórica e anropoágica para pensar a consrução da idenidade brasileira, como se percebe em “Geléia Geral, de Gil e orquao: “ É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV, e quem não dança não ala, assiste a tudo e se cala, não vê no meio da sala, as relíquias do Brasil” 83. Nem o nacionalismo exacerbado e desenvolvimenisa proposo pela direia, que escondia as desigualdades sociais do país, nem a oal negação da culura nore americana, considerada imperialisa pela esquerda engajada (recebendo por isso muias críicas, como viso aneriormene no ensaio de obero Schwarz). Criicando o rigor da esquerda que cobrava um posicionameno políico rigoroso e a negação da culura esrangeira, Caeano respondia em “Baby”: “Você precisa tomar um sorvete na lanchonete, andar com a gente, me ver de perto, ouvir, aquela canção do Roberto / Baby, baby há quanto tempo / Você precisa aprender inglês, precisa aprender o que eu sei, e o que eu não sei mais e o que eu não sei mais / Não sei, comigo vai tudo azul, contigo vai tudo em paz, vivemos na melhor cidade da América do Sul...” 84. Esavam sinonizados com a endência inernacional conraculural, a exploração dos emas como o uso de drogas, a liberdade sexual e a críica ao sisema políico. Dialogavam com a culura rock, englobando o pacifismo, o hedonismo, o 82 Excero da lera de “Tropicália” , de Caeano Veloso 83 Excero da lera de “Geléia Geral”, de Gilbero Gil e orquao Neo 84 Excero da lera de “Baby”,”, de Caeano Veloso
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zen-budismo, o naurismo, o eminismo e mesmo o marxismo85. As leras refleiam uma aiude posiiva, alo-asral e aé mesmo lúdica, em relação aos problemas sociais e políicos. Em Divino Maravilhoso, uma das músicas emblemáicas da ropicália, a jo vem voz de Gal Cosa já alerava: “ Atenção, tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso. Atenção para o refão: É preciso estar atento e orte, não temos tempo de temer a morte”86. Segundo Paulo Henrique Brito, “az muio mais senido ver essas canções como críicas à careice a parir de um pono de visa conraculural do que como aaques ao sisema de poder segundo uma óica marxisa”87: “ Estou aqui de passagem, sei que um dia vou morrer de susto de bala ou vício / num precipício de luzes, entre saudades, soluços / eu vou morrer de bruços nos braços, nos olhos nos braços de uma mulher” 88. No caso desa música, ainda, a emáica é a América Laina e ao senimeno de “solidariedade” aos “hermanos” coninenais com os regimes diaoriais, a more de Che Guevara e os sonhos da revolução popular: “ El nombre del hombre muerto já no se puede decir-lo (...) el nombre del hombre es pueblo” . Mosrando-se conecados com a amosera revolucionária da juvenude no mundo, a lera de “É proibido proibir” (em reerência às inscrições nos muros das universidades de Paris), denuncia a repressão que se dava ano no plano concreo (da censura miliar) quano subjeivo (do comporameno): “ A mãe da virgem diz que não / e o anúncio da televisão / e estava escrito no portão / E o maestro ergueu o dedo / e além da porta há o porteiro, sim...” 89. A grande conribuição ropicalisa oi, afinal, a inserção deses emas na políica, de orma criaiva e ransgressora. Segundo depoimeno 85 86 87 88 89
Paulo Henriques Brito, apud Cambraia Naves e Duare, 2003, p. 192. Excero da lera de “Divino Maravilhoso”,”, de Caeano Veloso Paulo Henriques Brito, apud Cambraia Naves e Duare, 2003, p. 192. Excero da lera de “Soy loco por i America”,”, de Gilbero Gil e Capinam Excero da lera de “É proibido proibir”,”, de Caeano Veloso
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de Caeano Veloso sobre seu engajameno políico na aculdade: “(...) eu me sentia um pouco solitário, estranho, porque não conseguia entrar em nenhum partido, nem naquelas coisas de chapa de diretório de aculdade. E sempre tive um pouco de grilo com o desprezo que se votava as coisas como sexo, religião, raça, relação homem-mulher. (...) Mas não eram só menores não, elas eram inexistentes e às vezes até nocivas. Tudo era considerado alienado, pequeno-burguês, embora todo mundo na universidade osse na verdade pequeno-burguês”90. Assim, para os ropicalisas, a revolução se daria no plano da sub jeividade e das relações inerpessoais, combaendo o conservadorismo ainda presene na esquerda engajada com a psicodelia e muia alegria, alegria: “ Por entre otos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos, eu vou, por que não, por que não...” 91 Como explica Heloísa Buarque de Hollanda, “(...) é nessa linha que aparece uma noção undamenal – não exise a possibilidade de uma revolução ou ransormação social sem que haja uma revolução ou ransormação individuais”92. 2.2.3 – Estéticas convergentes
Embora a ropicália seja aé hoje mais lembrada pela auação dos baianos na música brasileira, a eséica ropicalisa am bém pode ser enconrada em ouros segmenos arísicos. No earo brasileiro, não podemos deixar de ciar, ainda que brevemene, a influência de José Celso Marinez, que rabalha o experimenalismo radical da linguagem earal com o Grupo Oficina. O grupo opava pela marginalidade em relação ao sisema culural e era caracerizado por perormances desesabilizadoras que represenavam, simbolicamene, a conesação que se agiava nas enranhas do país. Assim, sua lua parecia ser mui90 Hollanda, 1980, p. 108. 91 Excero da lera de “ Alegria, alegria”, de Caeano Veloso 92 Hollanda, 1981, p. 66.
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o mais conra a esquerda e sua políica radicional do que conra a burguesia, com a qual buscava inclusive esabelecer uma espécie de paco93. Era uma omada de posição políica e, ao mesmo empo, uma busca pela renovação culural do earo brasileiro, o qual deveria er, enquano are, uma linguagem universalizada sem no enano diluir as dierenças e orná-las assimiláveis aos veículos de massa. Claramene influenciado pela anropoagia, visavam repensar o earo no país a parir de “relações que se constituíram com dierentes orças que representam o ‘outro’ diante de tradições culturais que caracterizam o que se pode considerar como Brasil” . Em 1967 é monado o emblemáico espeáculo O ei da Vela, de Oswald de Andrade, a parir das discussões e polêmicas sobre a realidade brasileira, que marca a recusa da herança do earo radicional. Numa perspeciva anropoágica, a América Laina, marcada pelo subdesenvolvimeno econômico, eria um imporane papel em ermos de vanguarda, sendo caracerizada por movimenos de “desvio da norma”, ransfigurando “os elemenos eios imuáveis” pelos europeus. Assim, era necessário “assinalar sua dierença”, pois “a passividade reduziria seu papel eeivo ao desaparecimeno por analogia”94. Em 1968 Zé Celso mona o espeáculo “oda Viva”, escrio por Chico Buarque, que pensava a relação do earo – e dos bens culurais, de uma maneira geral – com a massificação, e sua uilização como resisência ao conormismo da classe média 95. 93 O espeáculo O Rei da vela , que havia sido barrado pela censura, oi liberado “mediante um acordo com a censura, pelo qual oram eitos cortes e mudanças no texto” (In: Vicor Hugo Pereira apud Cambraia Naves e Paulo Sérgio Duare, 2003, p. 218). 94 Saniago, 1978. 95 Esa problemaização da indúsria culural se aproxima das experiências de Guy Débord e sua concepção de “sociedade do espeáculo”, assim como o ipo de provocação eia ao público pelo grupo de agiação políico-culural auane especialmene na França. Sobre “sociedade do espeáculo”, ver Débord, 1967.
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endo o corpo como principal insrumeno para esa omada de aiude, problemaizava-se a passividade do especador, e conseqüenemene, sua passividade enquano cidadão no mundo. Ese espeáculo - assim como oda a obra de Zé Celso - aderia a uma eséica da agressão, caracerísica das endências de vanguarda, e ficou apenas alguns dias em caraz, quando a polícia miliar invadiu o earo, desruiu os cenários e espancou os aores e arizes, devido ao caráer “subversivo” da obra. Segundo ele, era uma “violência revolucionária, a violência que é legíima porque se opõe conra a violência do dia-a-dia. (...)[era uma peça] que azia oda uma revolução, que negava o pensameno acadêmico, o pensameno idealisa em relação ao earo”96. Fica evidene em suas obras sua preocupação com o processo earal como um odo, desde o rabalho de concepção com o grupo aé o problema da recepção – seja na relação dos aores com o público ou na diluição do espeáculo em mercadoria. Mesmo com aiudes caracerísicas do “desbunde” da época, o earo de Zé Celso não se afinava com o misicismo e o irracionalismo, pelo conrário: “Nós queremos acordar as orças das pessoas para elas volarem a querer. Sabemos, no enano, que uma parcela ineviável do público vai apenas nos consumir. Mas o sisema consome a pare superficial”97. Segundo ele, “Nunca houve um ‘movimeno ropicalisa’. Isso oi um jeio que enconraram para baizar a revolução culural que se impunha”. ompendo com a proposa de movimeno organizado, o que seria um enquadrameno denro da lógica do sisema, coninua: “A coragem de O ei da Vela, a da guiarra elérica, a da câmera de um jeio que ninguém inha eio anes. A gene, essa urma oi se conhecendo só com os rabalhos que ia azendo. (...) a gene sacou que inha uma idenidade muio grande enre nós, mas não era uma influência de um para o ouro, nem um movi96 Saal,1998, p. 309. 97 Idem.
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meno programado. Era uma confluência de ansiedades , ruo das recusas e dos movimenos sociais que se ensaiavam” 98. No cinema, com o slogan “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”, surge na década de 60 o Cinema Novo brasileiro, sob a inspiração da Eséica da Fome, na acepção de Glauber ocha. Jovens universiários, influenciados pelo cinema rancês (O cine verité de Jean ouch e a Nouvelle Vague de Jean-Luc Godard) e pelo neorealismo ialiano (osselini, Visconi, e De Sica) buscam azer um cinema de denúncia social, mas ambém com uma experimenação radical de linguagem. Como vimos no capíulo anerior, o Cinema Novo propunha o engajameno políico aravés da revolução da eséica cinemaográfica.pois esa experimenação seria uma imporane revisão políica da aual conjunura e, principalmene, dos cosumes, onde esava baseada oda a sua lógica de inervenção e quesionameno. Explica Arnaldo Jabor: “A parir de 1964 ínhamos essa missão eséica ou reflexiva: ‘emos que analisar o Brasil de oura maneira’. (...)Na época, era uma maneira de você luar conra o cinema ragmenado de Hollywood (...), uma eséica que levava a uma reflexão burguesa, e era necessária uma linguagem não burguesa para criicar a burguesia”99. O filme esabelecido como o marco enre cinema novo e ropicália oi “erra em ranse” (1967), de Glauber ocha, pela sua narraiva não-linear e no quesionameno ideológico, comporamenal e políico da inelecualidade de esquerda da época100. 98 Em 1968, Caeano, Gil, Zé Celso, orquao Neo e Capinam escrevem um ao público censurado pela Globo-hodia, que começava com a definição do “produo”: “Tropicalismo, nome dado pelo colunismo social dominante a uma série de maniestações espontâneas, surgidas durante o ano de 1967, e, portanto, destinadas à deturpação e à morte”. ( In: Pereira apud Naves e Duare, 2003, p.226) 99 Jabor apud Naves e Duare, 2003, p. 189/190 100 A emblemáica música ropicalisa “Alegria, alegria” de Caeano Veloso é comparada por muios a ese filme como “uma música câmera na mão”, pela sua narraiva ragmenada e recores de múliplas reerências
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Mesmo depois do auge ropicalisa, os quesionamenos eséicos proposos por eses arisas coninuaram por influenciar movimenos arísicos aé hoje. O cinema marginal e o lema “quem não pode nada tem mais é que se esculhambar” propunha a experimenação e o desprendimeno aos padrões comporamenais, aravés de uma eséica de agressão (moral, visual, políica) ao especador. No auge da culura hippie e do amor livre na década de 70, Os Novos Baianos - cujo sugesivo nome e origem os coneriu o íulo de “os novos ropicalisas” – misuravam o sam ba da Bahia com os solos de guiarra elérica, em uma irreverene experimenação poéica e sonora. E o manguebeat (movimeno musical liderado pelo grupo pernambucano Nação Zumbi), por exemplo, carregava com si a vonade anropoágica de misurar reerências, azendo uso em sua música de elemenos do mangue (culura local) e das novas ecnologias do rock inernacional101. Analisando a juvenude da qual ez pare e suas moivações na década de 60 Caeano admie que “Não ínhamos aingido o socialismo, não ínhamos sequer enconrado uma ace humana no socialismo exisene; ampouco ínhamos enrado na era de Aquarius ou no eino do Espírio Sano; não ínhamos superado o Ocidene, não ínhamos exirpado o racismo e não ínhamos abolido a hipocrisia sexual. Mas as coisas nunca volariam a ser como anes” 102 Assim, podemos dizer que a ropicália conseguiu o que se propôs a azer: quesionar modelos, romper padrões comporamenais e eséicos, e incenivar novas ormas de produção arísica.
101 Sobre esa relação ropicália e Manguebea, ver Nercolini, 2005. 102 Veloso, 1977
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CAPÍTULO 3 - CULTUR HOJE
“Toda vez que me sinto desanimado por causa da política, penso na décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach – os filósoos apenas interpretam o mundo, a questão é mudá-lo – e então acabo me convencendo de que podemos nos consolar revertendo-a – se não podemos eetivamente mudar o mundo, o mínimo que devemos azer é entendê-lo” Raphael Samuel
Se nos capíulos aneriores oi possível azer um panorama do conexo e da produção de culura no Brasil e no mundo na década de 60, nese preende-se discuir o circuio de culura e azer um paralelo enre aquela realidade e a de hoje, a parir de suas significaivas dierenças que irão alerar não só a produção culural, como a própria relação das pessoas, do poder público e da iniciaiva privada com a culura. Consaa-se que o conceio de culura vem sendo expandido e de que orma a culura passa a ser apropriada não mais como um fim em si mesma, mas como erramena políica, social e econômica. A cenralidade da culura na conemporaneidade e sua conveniência para o mercado, o Esado e a sociedade civil irão alerar as ormas de produção arísicas em um mundo globalizado. 3.1 A cultura extraviada em suas definições
Para iniciar, alvez seja ineressane azer uma reflexão do conceio de culura, o que esará direamene ligado à sua apropriação em dierenes eseras. Como apona Canclini (2005), a própria definição de culura é objeo de dispua e há muio é “exraviada em suas definições”, e para pensarmos a culura hoje, segundo esse auor, é necessário analisar os usos da culura eios 89
pelos governos, pelo mercado, pelos movimenos sociais, além daquelas reflexões acadêmicas das ciências humanas e sociais. A culura ambém pode ser caracerizada como aquilo criado pelo homem e por odos os homens, do simplesmene dado, do “naural” que exise no mundo. Observando-se a complexidade de línguas, riuais, objeos e símbolos possuidores de dierenes significações e apropriações de acordo com o meio no qual esá inserido, se admie que “toda arte é automaticamente social, posto que emana do homem, e, assim, indiretamente, reflete seu contexto”103. Assim, saindo do esquema marxisa que apenas dierencia valor de uso e valor de troca, Jean Baudrillard apona ainda duas ouras ormas de valor: valor signo – o conjuno de conoações e implicações simbólicas, que esão associadas a ese objeo e que agregam ouros valores que influenciam direamene no valor de roca - e o valor símbolo – onde o bem culural, vinculado a riuais ou a aos pariculares que ocorrem denro da sociedade, adquirem dierenes significações104. Sobre iso, Canclini comena: Esta classificação de quatro tipos de valor (de uso, de troca, valor signo e valor símbolo) permite dierenciar o socioeconômico do cultural. Os dois primeiros tipos de valor têm a ver principalmente, não unicamente, com a materialidade do objeto, com a base material da vida social. Os dois últimos tipos de valor reerem-se à cultura e aos processos de significação105.
eomando Bourdieu, podemos afirmar enão que a sociedade se esruura, para além das relações de orça, nas relações de significação e senido, que consiuem a culura106. 103 Amaral, 2003. 104 Jean Jean Baudrillard, apud Canclini, 2005, p. 40. 105 Canclini, 2005, p. 40. 106 Bourdieu, 2005.
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Os esudos de recepção adquirem imporância na sociedade conemporânea por revelarem a ransormação dos bens simbólicos aravés de reapropriações e a inerculuralidade das relações, uma vez que “a culura apresena-se como processos sociais e pare da dificuldade de alar dela deriva do ao de que se produz, circula e se consome na hisória social ” .107 Esa concepção processual e cambiane da culura é um dos elemenos imporanes para a ransormação do significado de bens culurais108 quando passados de um sisema culural ao ouro, onde são inseridas novas relações de poder. A culura ambém é uma insância simbólica da produção e reprodução da sociedade, consiuivas das inerações coidianas, à medida que na vida social se desenvolvem processos de significação. Nese senido, pode ser uma insância ano de conormação do consenso da hegemonia como de resisência conra-hegemônica. Esas diversas definições nos remeem a pensar a culura como erreno em que se criam e se aribuem senidos e significados sociais, processo de dispua em consane ransormação. Esa compreensão do caráer processual e dialéico da culura é undamenal para nossa reflexão, pois hoje, inseridos no processo de globalização, precisamos, de acordo com Canclini (2005), nas análises culurais, ampliar o escopo do ermo “culura” para além dos limies nacionais ou énicos, considerando as relações inerculurais. 3.2 A centralidade da cultura
A culura orna-se elemeno cenral para se enender a sociedade moderna a parir da segunda meade do século XX, esando hoje inserida em odos os aspecos da vida social. 107 Idem 108 Ainda que permaneçam raços do senido anerior – a iconografia, por exemplo -, seus fins predominanes paricipam agora de ouro sisema socioculural, com novas relações sociais e simbólicas.
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A expressão “cenralidade da culura” se dá pelo ao desa ser ao mesmo empo, reflexo, mediação e produora da vida social, e por esa razão não pode ser visa como uma variável menor ou dependene em relação à lógica do mundo. Esa ransormação culural do coidiano e da ormação de idenidades esá direamene relacionada aos novos “domínios” e insiuições ligadas à ransormação das eseras radicionais da economia, da políica e da sociedade, enquano pare de uma mudança hisórica global. É preciso alar da cenralidade da culura ambém na consiuição da subjeividade, da pessoa como um aor social. “Nossas idenidades são, em resumo, ormadas culuralmene. É por esa razão que devemos pensar as idenidades sociais como consruídas no inerior da represenação, aravés da culura, não ora delas”109. Nesa linha de reflexão proposa por Hall: (...) a linguagem constitui os atos, e não apenas os relata, e os significados são definidos parcialmente pela maneira como se relacionam mutuamente mas, também, em parte, pelo que omitem. (...) A cultura é, portanto, parte constitutiva do “político” e do “econômico”, da mesma orma que o “político” e o “econômico” são, por sua vez, parte constitutiva da cultura, e a ela impõem limites” 110.
Na sociedade conemporânea a culura possui uma imporância undamenal nos processos de desenvolvimeno econômico e social, ligados à expansão dos meios de produção, circulação e roca culural, aravés das novas ecnologias de comunicação e inormação. Esas novas ecnologias são enão os “sisemas nervosos” que enredam numa eia sociedades com his109 Hall, 2005, p. 11. 110 Idem, p. 17.
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órias disinas, dierenes modos de vida, em eságios diversos de desenvolvimeno e siuadas em dierenes usos horários. Imporane ambém aponar que, com as Novas ecnologias de Comunicação e Inormação (NCI), o conao com imaginários provenienes de ouras culuras oi enormemene ampliado, no senido de que se pode er acesso a inormações, imagens, produos e mesmo conacar pessoas separadas por significaiva disância – ísica e culural. Enreano a produção desas mensagens nem sempre é eia pelas pessoas reerenciadas, o que pode vir a deurpar e reorçar visões esigmaizadas de uma sociedade ou ao, e, mais ainda, reorçar a disância enre esas realidades111. Por exemplo, giganes ransnacionais – principalmene na área das comunicações – imprimem um cero esilo de vida homogeneizado e ocidenalizado a parir de produos culurais esandarizados que se sobrepõem às paricularidades e dierenças locais. Nese senido é imporane observar que os proagonisas da globalização não são as NCI em si, mas as grandes corporações que esão por rás delas realizando uma inegração econômica baseada na desregulação políica a níveis globais. Assim, a culura nore-americana é refleida na “ideologia culural do consumismo”112 , presene de orma mais ou menos explícia em grandes corporações da mídia periérica (como a ede Globo 111 Pode-se ciar como exemplo novelas com emáicas de ouras culuras, como a aual “Caminho das Índias”, da ede Globo. Embora enha sido eia oda uma pesquisa para a elaboração da novela, de uma maneira geral a culura indiana é apresenada de orma esigmaizada, paseurizada em sua enorme diversidade culural inerna. E ainda, a fim de compor a rama amorosa principal, ressala o conservadorismo e hierarquia resulados do sisema de casas, provocando em muias pessoas – dado o alcance simbólico de uma novela no horário nobre – uma cera resisência à culura indiana, sem que no enano a conheçam em sua pleniude. Além disso, ese ipo de ação elevisiva enconra reflexos no mercado da moda, azendo esourar no mercado peças de roupa e acessórios que lembrem esa culura, mas não necessariamene a represenem de orma fiel, e que muio provavelmene serão esquecidos ou considerados “ora de moda” alguns meses após o fim da novela. 112 Sklair, apud Yudice, 2005.
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brasileira e a elevisa mexicana, por exemplo). Ao invés de omarem ormas ísicas e compulsivas como em ouras experiências auoriárias de imposição culural, ese ipo de subordinação e manuenção da ordem hegemônica é bem mais complexa, por lidar com elemenos do coidiano, valores e comporamenos o que az com que a lua pelo poder se dê oremene no plano simbólico e discursivo. 3.3 Arte pra quê? “Admiro muito aqueles que dedicam suas vidas à arte, mas admiro mais aqueles que dedicam suas artes à vida” Augusto Boal
O sisema de produção de bens simbólicos, valorizados como mercadoria e carregado de significações, é “paralelo a um processo de dierenciação, cujo princípio reside na diversidade dos públicos aos quais as dierenes caegorias de produores desinam seus produos, e cujas condições de possibilidade residem na própria naureza dos bens simbólicos”113. Ou seja, a aribuição de ceros valores de uso a deerminados produos culurais deermina posições de classe, o que diz respeio não apenas a seu valor de aquisição como ambém à apropriação simbólica deses bens, eias de maneiras dierenes por classes – ou culuras – dierenes. Para Bourdieu, o poder simbólico surge como odo o poder que consegue impor significações e impô-las como legíimas. Os símbolos afirmam-se, assim, como os insrumenos por excelência de inegração social, ornando-se possível a reprodução da ordem esabelecida114. Sob esa perspeciva, enconramos a separação do ermo “culura” em rês eseras: “erudia”, “massiva” e “popular”. Por “culura erudia”, enende-se o resrio circuio de normas próprias de produção e 113 Bourdieu, 1974. 114 Idem.
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reconhecimeno culural, associada ao acúmulo de conhecimenos e apidões inelecuais e eséicas caracerísicas da culura dominane. As obras do campo de produção erudia endem a ser consideradas “puras” e “absraas”, acessíveis a um público reduzido e insruído do manejo de ais códigos. Mesmo em iniciaivas como a do CPC, que buscava “levar a are ao povo” ornando acessível ese campo de produção culural, o conceio de are é ouro, valorizando a produção simbólica das vanguardas em derimeno à das classes populares, consideradas “superficiais” e “alienadas”, e que por isso mereciam er acesso a esse ouro ipo de produção. O ermo “culura de massa” surge com um campo de produção que enxerga na are uma mercadoria, a ser produzida, comercializada e consumida em eseras mesmo independenes. Classificado como uma “indúsria culural”115 , esse sisema esá submisso a uma demanda exerna – o mercado – e subordinado aos deenores dos insrumenos de produção e diusão. Adapando coneúdo para um consumo mais imediao, a ese campo de produção é geralmene associado à “alienação” e “baixa qualidade” e esá direamene ligado à consolidação dos meios de comunicação de massa nos anos 60 – no conexo da Guerra Fria e do esilo de vida consumisa proposo pelo capialismo – e às ransormações proporcionadas pelas NCI, hoje. Por sua vez, o ermo “culura popular” 116 em sido quesionado e reviso ao longo dos esudos culurais. Em primeiro lugar, pode-se reerir à represenação, o que geralmene esá ligado a uma visão romanizada da “culura do povo”; pode-se ambém se reerir ao que as classes populares de ao esão consumindo em ermos de culura, que se aproxima muio da chamada “culura de massa”; e, por fim, pode esar se reerindo ao que é produzido pelo “povo”, em sua enorme diversidade, noção esa que mais se aproxima do que se enende por “culura”. 115 Sobre indúsria culural, ver Adorno e Horkheimer (1997) e MarinBarbero (1997). 116 Sobre culura popular, ver Suar Hall (2003).
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É imporane assinalar que ais caegorias não são esanques, pois os bens simbólicos associados a uma são reqüenemene próximos à oura. Além disso, enquano definições, possuem um local de ala, reafirmando a culura como arena de dispua social. Enreano, ainda que o campo de produção culural seja muio mais complexo do que esas definições, esa divisão permie-nos observar a are no que diz respeio não somene a sua produção, mas ambém a suas ormas de uso. Assim, denro do campo de produores arísicos e inelecuais – ano da classe dominane quano de endências resisenes – observa-se um cero quesionameno da uncionalidade da are e da paricipação pessoal do arisa em seu momeno e espaço. Segundo Durenne: O artista tem conhecimento de que detém um certo estatuto, que desempenha – ou azem-no desempenhar – um papel, que não pode acreditar na neutralidade da arte a menos que ignore o destino das obras a partir do momento em que entram no circuito comercial, e talvez mesmo a sua gênese, quando ele pensa só estar seguindo sua antasia ou só obedecendo seu apelo. Então ele se sente responsável, não apenas pela obra que cria, mas pelo uso que dela é eito, os eeitos por ela produzidos. Perdida a inocência, denunciando o álibi: não aço política, é necessário que se tome partido, e não apenas como cidadão, mas como artista e, portanto, sem renunciar a sê-lo117 .
O processo de separação enre o maerial e o simbólico no campo culural esá ligado à evolução Indusrial e a reação românica por pare do arisa (“rebelde”, “isolado”) de liberar sua produção e seus produos de oda e qualquer dependência social – que aé enão esavam sob a uela da arisocracia e da Igreja. Aracy de Amaral afirma que “no undo, é o divórcio decreado a parir do século XIX enre os 117 Apud Amaral, 2003, p. 14.
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arisas e a sociedade, a parir da evolução Indusrial” que despojou a are de uma unção social. “E enquano a are não reenconrar sua unção social, prosseguirá a serviço das classes dominanes, ou seja, daqueles que deêm o poder econômico e, porano, políico”118. Aé enão, o “azer are” era viso enquano oício, uma profissionalização para um fim definido: reraisa, ourives, esculor de peças, ilusrador, decorador, ec, que rabalhavam para aender às demandas da burguesia. Com essa separação, o arisa - embora objeivando a venda de sua produção para sua sobrevivência - passa a produzir sem uma preocupação imediaa com o desino de sua obra, que passa a ser enômeno independene dele, poserior a seu rabalho, e seu público passa a ser cada vez mais desconhecido por ele. Para eses arisas, converer a are em algo úil era obrigá-la a servir àqueles mesmos burgueses que ano desprezavam. Ciando Lênin, Zdanov (da correne realisa so viéica) afirma enreano que “viver numa sociedade e não depender dela é impossível. A liberdade do escrior burguês, do arisa, da ariz, só consiui uma dependência encobera: dependência do dinheiro, dependência do corrupor, dependência do solo”119. Ainda que busque se isolar da sociedade, o arisa não se enconra desconecado das inererências do mundo a sua vola e por isso há aqueles que colocam o seu azer a serviço de uma sociedade que gosariam de ransormar com sua conribuição, ou buscam azer com que sua obra reflia sua realidade confliane. Assim, (...) a realidade é não apenas uma temática, mas uma posição definida por parte de muitos artistas. Em decorrência das agitações sociais do nosso tempo, o artista se sente impelido a participar, ele também, com sua produção, de eventos que o chocam vivamente, como guerras, revoluções, perseguições, injustiças sociais120. 118 Amaral, 2003, p. 3. 119 Apud Amaral, 2003, p. 9. 120 Amaral, 2003, p. 4.
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E esa omada de posição é claramene idenificada na produção arísica da década de 60, principalmene no Brasil regido pela diadura miliar, como já discuimos nos capíulos aneriores. O quesionameno sobre a uncionalidade da culura e sua aplicação na vida social oi palco para inúmeras divergências no próprio azer arísico da esquerda. A poliização do arisa pode ser, nese caso, ambígua, significando a submissão do azer arísico a uma insância políica, como oi acusada a auação culural do CPC, claramene influenciada pela ideologia nacional-popular do PCB e do ISEB. Por ouro lado, ambém pode significar a “eseização da políica”, inserindo de orma criaiva elemenos culurais no debae e na auação ransormadora da sociedade - como pode ser enconrado na are ropicalisa, que embora enha sido muias vezes criicada e rejeiada pela esquerda “engajada”, buscava não apenas poliizar o coidiano, mas ambém coidianizar a políica, inserindo no debae emas como a homosexualidade, a mulher na sociedade, e a críica ao comporameno conservador, sendo assim considerados “menores” e aé “alienados”. Muios rabalhos considerados revolucionários não possuíam necessariamene o caráer políico que muias vezes lhe são aribuídos, e esas inerpreações cambianes se dão jusamene pela complexidade de signos e valores simbólicos e suas reapropriações em sociedades e empos disinos. Além disso, a auação políica do arisa não se limia a sua produção, mas am bém diz respeio a sua inserção em ouros circuios sócio-culurais, apropriação do mercado aravés de múliplos rabalhos coleivos, à recusa de ceros padrões eséicos, enre ouros. Por ouro lado, mesmo que possua em sua inenção criaiva uma críica social, esa mensagem nem sempre é absorvida desse modo por aquele que “consome” (não necessariamene no senido mercadológico) a produção arísica. Apesar dos inuios que regeram sua concepção, a sociedade de consumo pode 98
vir a “processar” sua produção de orma superficial, desinando uma are a princípio revolucionária para fins comerciais. Para Aracy de Amaral, muias vezes esa apropriação da are pelo sisema aconece com a conivência dos arisas por seu “neuralismo”, recusando-se a reconhecer ou aceiar seu papel de produores de bens de consumo. Ou seja, a despeio da inencionalidade ou não, explícia pelo produor, a obra de are é reqüenemene manipulada poliicamene em seus eságios de circulação (galerias, bienais, salões) e consumo121. Na América Laina, onde exisiram e exisem muios paridos comunisas e socialisas endo enre seus milianes arisas e inelecuais, ese engajameno se dá a parir da percepção da disância enre o azer arísico e a realidade social, em um coninene com amanho desnível social. Explica Aracy Amaral: Enquanto grande parte da arte ocidental se preocupa com a experiência individual ou relações entre os sexos, a maior parte das principais obras da literatura latino-americana e mesmo algumas de suas pinturas são muito mais preocu padas com enômenos sociais e idéias sociais122.
A busca pelo alcance social imediao da are buscava na década de 60 inciar um grupo social à resisência, principal argumeno da are poliizada produzida pelo CPC, e ese aspeco didáico da are compromeida esá conecado ao realismo so viéico: revela uma orça moral e ideológica, um desperar de consciência coleiva que azia do rabalhador um herói. O ideal pregado por Zdanov – e claramene idenificado no projeo 121 Amaral, 2003, p. 14. 122 O muralismo mexicano, por exemplo, que araiu a enção dos arisas inquieos de odo o coninene como Di Cavalcane e Porinari no caso do Brasil, inovava ao azer herói da are monumenal as massas, o homem do campo, das ábricas, das cidades, e não mais os deuses, reis e chees de Esado. (In: Amaral, 2003)
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cepecisa - aceiava exclusivamene o realismo como endência possível nas ares e previa que esa deveria “azer evoluir os gosos do povo, a erguer mais alo as suas exigências, a enriquecê-lo com novas idéias, a impulsionar o povo para rene” 123. Como se pode ver, a reerência culural não era uma culura eia pelo povo, mas uma culura erudia: O artista se dirige ao povo como um público extra, dá, mas não recebe, quer ensinar, mas pensa que não deve aprender. Afirma que se deve ‘elevar o povo à arte e não nivelar por baixo’, opinião sustentada inclusive por parte da esquerda que acredita que o socialismo na arte se alcança azendo muitas e acessíveis reproduções de Picasso124.
A submissão da are a ideais políicos pode ainda er eeio reverso, uma vez que o arisa se orna pora-voz acríico de um dado regime, ão opressor quano o que ajudou a desconsruir, submeido a uma disciplina ideológica echada. O arisa mexicano Diego ivera, em manieso por uma “are independene”, escreve que por “liberdade de criação não raamos, de modo algum, de jusificar o indierenismo políico e que esá muio disane de nossa mene querer ressusciar uma suposa ‘are pura’ que, ordinariamene, serve aos fins impuros da reação”125. Frene à massividade não apenas da produção, mas am bém dos produores, alguns se auo-eniulam “marginais” nese circuio culural, inovando na linguagem arísica, por um lado, e se direcionando a um resrio público, por ouro. Assim, Aracy de Amaral apona rês direções para a problemáica do arisa: 123 Apud Amaral, 2003, p. 9. 124 Leon Ferrari apud Amaral, 2003, p. 27. 125 “Por uma are revolucionária independene!” – Manieso assinado no México por Diego ivera e Andre Breon, 25 de julho de 1938. ( In: Amaral, 2003)
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“1)como azer que o produto de seu trabalho tenha uma comunicação direta com um público mais amplo; 2) que sua obra possa refletir uma participação direta em seu contexto social; e, eventualmente, 3) a partici pação dessa obra para uma eventual ou desejável mudança da sociedade 126.
A are ropicalisa, por exemplo, conava com a paricipação do público no senido da recepção e consrução do senido, uma vez que muias dessas produções (no campo das ares plásicas de Lygia Clark e Oiicica principalmene) só se compleavam com a inervenção do especador na obra. Ao esimular a rupura dos padrões de comporameno do especador com relação à obra de are impulsiona-se a imaginação e criaividade popular, o que ambém é uma aiude políica de aleração da ordem. Para o earólogo Auguso Boal, o especador é, na verdade, um “espec-aor”, um aor em poencial, pois a possibilidade criaiva arísica é inerene a odo ser humano. Uma possível saída para “o eliismo vicioso represenado pelos meios arísicos vinculados às classes dominanes” parece ser a “socialização da are”, enendida como uma possibilidade de esender a muios a oporunidade de se iniciarem no azer arísico e, assim, esarem apos a ruir do prazer eséico diane da produção da are”.127 Ferreira Gullar, ao deender a are “de massa” – no senido da produção realizada por aqueles que seriam, a princípio, consumidores – afirma que quem a condena ignora (...) as potencialidades expressivas do homem contem porâneo. Afirmá-lo seria desconhecer a complexidade do mundo atual nos seus desníveis de desenvolvimento, 126 Amaral, 2003, p. 25. 127 Idem.
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nas peculiaridades de culturas nacionais e mesmo nos complexíssimos atores de ordem existencial que com põem cada consciência, cada vida humana, integrante desse conjunto em transormação.128
Nese senido, alguns caminhos aponados por Canclini para que a are não seja somene assuno de arisas e grupos de arisas, é a ransormação radical nas insiuições de ensino; a inserção aiva e críica de arisas, críicos e inelecuais no circuio de produção e circulação da are; e a consrução de canais alernaivos ligados a organizações populares. Além disso, não podemos esquecer que esa ransormação social pela are depende do conjuno da sociedade, da modificação sisemáica de odos os meios de sensibilização visual e, assim, a ormação de um novo público: Devemos reorganizar as instituições de diusão cultural e o ensino artístico, construir outra crítica e outra história social dos processos estéticos para que os ob jetos e métodos que encerramos nas vitrinas a arte se recoloquem na vegetação de atos e mensagens visuais que hoje ensinam as massas a pensar e sentir 129. 3.4 Comparando os momentos: a cultura ontem e hoje.
A primeira dierença significaiva que se deve aponar enre a realidade de 60 e hoje, é a políica mundial: se naquela época vivia-se uma guerra políico-ideológica que dividia o mundo em capialismo ou socialismo, hoje se vive em uma esera “mulipolarizada”, ou em uma “aldeia global”, como já previa McLuhan. Ora, se não há mais al dispua reduzida a duas grandes poên128 Ferreira Gullar, 1969, p. 122. 129 Canclini apud Amaral, 2003, p. 27.
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cias pela hegemonia (políica, econômica, culural), diminui-se assim a visão maniqueísa do mundo, que de cera orma obriga va as pessoas a opar por esa ou aquela ideologia. As “verdades absoluas” daquele empo êm sido cada vez mais relaivizadas e o próprio processo hisórico em sido reviso criicamene, desconsruindo-se as ideologias que guiavam a ação políica. A implosão do bloco comunisa chamou a aenção para a necessidade de uma reesruuração global econômica e ideológica, redesenhando assim as roneiras geopolíicas como resposa ao processo chamado de “globalização”. Esa reesruuração da lógica global rouxe uma cera supremacia de políicas de direia e a conseqüene desregulação econômica, uma nova divisão global do rabalho, o recrudescimeno de rixas raciais e énicas, e um impaco desnacionalizador das ecnologias sobre as elecomunicações e a mídia, enre ouros aores que irão redefinir o papel da culura nese novo conexo. Dierenemene da época aneriormene analisada, quando havia para os movimenos de resisência um inimigo definido – o capialismo sobreudo na sua ace hegemônica nore-americana -, as conseqüências desa “revolução culural global” não são nem ão uniormes nem ão áceis de serem previsas. E iso é refleido na relaiva descrença em sisemas e organizações políicas, o que ende a gerar uma menor paricipação social nos processos políicos130. É claro que ainda exisem diversos movimenos de resisência na sociedade, mas, de uma orma geral, o engajameno políico e social da parcela da sociedade analisada - juvenude de classe média universiária - não é ão mobilizado como em 60, em meio a governos repressivos e bandeiras ideológicas bem definidas (o que vem a provocar ondas nosálgicas que acabam por engessar práicas políicas e aasá-las ainda mais da 130 Principalmene considerando o ao de que àquela época o acesso às inormações era mais resrio do que nos dias de hoje.
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população não engajada). A descrença em insiuições represenaivas como o Esado, os sindicaos e o movimeno esudanil – se comparado ao papel deses naquela época – az com que as pessoas se volem ainda mais para um projeo individualisa de relação com a sociedade, amplamene diundido pela crescene culura de consumo. Se anes aé o “desbunde” inha uma unção políica de negação da ordem esabelecida, hoje a despoliização esá cada vez mais arelada à idéia de que a ariculação políica da sociedade não sure mais eeios e que o imporane é desruar do aqui e agora. E esa eemeridade dos aconecimenos, dos ob jeos de consumo e das próprias relações inerpessoais é uma das principais caracerísicas da chamada “pós-modernidade”. A diminuição da sociedade de uma orma geral na paricipação políica e a desmaerialização (e ransnacionalização) econômica, somados ao crescene comércio de bens culurais, fizeram com que o papel da culura expandisse como nunca para as eseras políica e econômica131. Conseqüenemene, o poder público vai se ornando omisso ambém no que diz respeio à assisência social, rene ao crescene surgimeno de insiuições privadas de saúde, educação e presação de serviços. A “empresa pública” em sido em geral associada ideologicamene a princípios burocráicos, dispendiosos e ineficienes de organização, o que serve de jusificaiva para a subsiuição da regulação “pública” e esaal para a regulação “privada” e de mercado. As privaizações de empresas esaais oram um marco desa ransição, iniciadas na década de 80, consolidadas na década de 90 e repensadas nos dias de hoje. Em unção disso, é desa época ambém o surgimeno de ONGs – Organizações Não-Governamenais -, iniciaivas da sociedade civil organizada que buscam suprir a ala do Esado em seores como educação, saúde, direios humanos e meio ambiene, por exemplo. Eeios do processo de globalização, a inernacionalização dos mercados culurais orçam racas economias pós-colo131 Yúdice, 2005, p. 25.
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niais a adoar soluções privaisas e de mercado, o que enraquece a relaiva auonomia dos esados nacionais na deerminação das políicas culurais. Quando submeidas ao mercado, as políicas culurais não são necessariamene pluralisas, o que desavorece a auação de agenes culurais não comerciais A maior incidência de práicas culurais nos anos 80 e 90 se dá muio em unção de enômenos ransnacionais como a liberalização do comércio, o maior alcance global das comunicações e da lógica consumisa, os novos fluxos de rabalho e migração, enre ouros. Segundo George Yúdice: O recurso do capital cultural é parte da história do reconhecimento da insuficiência do investimento no capital ísico durante os anos 60, no capital humano dos anos 80, e no capital social nos anos 90. Cada nova noção de capital oi projetada como um meio de melhorar algumas alhas de desenvolvimento na estrutura precedente .132
Enquano os reornos econômicos oram subsanciais nos anos 90, a desigualdade cresceu exponencialmene e a eoria econômica neoliberal não oi suficiene para dar cona dessas di vergências, recorrendo-se, assim, ao invesimeno na sociedade civil. Percebeu-se, enão, que a culura seria seu principal recurso, uma vez que viabiliza a consolidação da cidadania undada na paricipação aiva da população – denro, é claro,dos limies esabelecidos pelo sisema. Em uma conerência de aberura que reuniu bancos de desenvolvimeno mulilaeral (BDMs) no enconro inernacional “As conas da culura: financiameno, recursos e a economia da culura em desenvolvimeno susenável”, realizado em ouu bro de 1999, o presidene do Banco Mundial, James D. Wolenson afirmou que “o patrimônio gera valor. Parte do nosso desafio 132 Yúdice, 2005, p. 31.
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mútuo é analisar os retornos locais e nacionais dos investimentos que restauram e extraem valor do patrimônio cultural – não importando se a expressão é construída ou natural, tais como a música indígena, o teatro, as artes”133 Yúdice explica que “a culura produz os padrões da confiança, da cooperação e da ineração social que resulam numa economia mais vigorosa, mais democráica e governo eeivo, além de menores problemas sociais, enão será provável que os BDMs invesirão em projeos de desenvolvimeno culural”. A aividade culural permie a revialização da vida social de uma cidade, a parir de aividades que “dão vida”, araem público e invesimenos para o local, melhorando a qualidade de vida a parir de uma “economia criaiva”134. Enreano, é imporane ressalar que ese financiameno culural ende a se limiar a segmenos específicos, pois espera-se sempre alguma orma de reorno a ese financiameno, como incenivos fiscais (como por exemplo a Lei ouane), markeing culural e a própria ransormação da aividade culural em comercial. Arelar o nome de sua empresa a aividades culurais para a sociedade é um resulado insrumenal que agrega valor à marca, e para medir os impacos e beneícios dese invesimeno é necessário o esabelecimeno de indicadores para a culura, a parir de criérios econômicos, profissionais, sociais. E o resulado diso é cada vez mais o uiliarismo da culura, pois esa é a principal – se não a única – legiimação para al invesimeno. Iso irá gerar enão discussões acerca do papel da sociedade civil na negociação com o poder público e ouros seores da nação, uma vez que a redução dos serviços presados pelo Esado vem provocando uma revisão da esquerda em ermos de omada do poder. Há muias divergências enre os possíveis caminhos para uma sociedade mais jusa e igualiária. E a esquerda, ra133 Apud Yúdice, 2005, p. 31. 134 Manuel Casells, apud Yudice, 2005, p. 39.
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dicionalmene ragmenada, se comparada às alianças políicas da direia, parece enconrar ainda mais dificuldades de se unir nese cenário repleo de conradições. Vê-se enão o surgimeno de uma políica civil desinada a deender os direios humanos e a qualidade de vida, e a culura é uilizada por ONGs e movimenos sociais como orma de resisência a ese mesmo sisema que, de cera orma, o gerou. Ainda que se ariculem com o poder público e a iniciaiva privada, esas organizações buscam garanir a auonomia de suas aividades como principal jusificaiva para a ação filanrópica. Mas como o sisema capialisa possui incrível capacidade de assimilar elemenos de resisência, grupos com ineresses econômicos e políicos enxergaram nas ONGs uma excelene erramena de conrole social aparenemene sem fins lucraivos e desligados da idéia do poder esaal. Se há 40 anos arás – no Brasil - observava-se iniciaivas da esquerda em se aproximar “do povo” e suprir as necessidades dos “menos avorecidos” por convicção ideológica, hoje muias ONGs assisencialisas cumprem o papel do Esado por quesões de ineresse políico e/ou econômico. Por ouro lado, já é senso comum enxergar esas organizações como apenas mais um braço do “sisema”, generalizando assim esa apropriação negaiva da organização civil e acabando por encobrir iniciaivas com unção social de ao. Esa incereza em relação à naureza das aividades – não só de ONGs, mas de praicamene qualquer aividade políica ou social – reorça o projeo individualisa e a descrença na ransormação social, o que esá inimamene ligado aos reflexos da globalização. Assim como ouras eseras de políicas públicas, as ares precisam ser planejadas e financiadas, se não quiserem sucum bir ao caráer insrumenalisa da políica culural. Enreano, na enaiva de conciliar are e vida, a vanguarda ende a insiucionalizar suas práicas eséicas, e desa orma, a organização da 107
sociedade em aividades culurais de resisência pode vir a “reroalimenar” o sisema ao qual se opõem. Além disso, sendo o capialismo aparenemene o erreno mais “éril” para a democracia, a auação de ONGs e movimenos civis sociais “é afinal um beneício para a sociedade mercanilisa porque ela ‘corrige’ os desmandos do mercado, esabilizando e legiimando, assim, o sisema” e relegando ao Esado enão a unção de “gerenciar, e não eliminar essas orças da sociedade civil, a fim de maner conrolada a ‘ingovernabilidade’”135. Nese processo vê-se cada vez mais a organização da produção baseada em uma “sociedade em rede”, onde a descenralização do rabalho em busca de ormas de produções mais baraas e renáveis vem recompondo o complexo indusrial do enreenimeno, principalmene no caso da indúsria audiovisual. Na complexa rede de produção, esa descenralização ambém pode aponar para uma cera democraização do acesso à produção, à medida que as NCI permiem localizar serviços e profissionais independenes em odo o mundo. Embora ese mecanismo ainda seja apropriado mais reqüenemene pelas grandes produoras – que possuem recursos para garanir as diversas eapas de produção em dierenes espaços – esa conexão ambém auxilia produores independenes em experiências em menores escalas, além da roca de conhecimenos e da diusão do produo. Nese senido, chegamos a um pono onde a lógica capialisa enconra a culural: a propriedade inelecual e essa “culuralização da economia” oram cuidadosamene coordenadas aravés de acordos comerciais e de leis que conrolam o movimeno do rabalho menal e ísico. Esa ransormação de aividades sociais em “propriedade” em levanado quesionamenos sobre se os bens culurais devem ser regulados por leis de comércio inernacional, uma vez que são bens comercializados, mas 135 oneld, apud Yudice, 2005, p. 29.
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que, por ouro lado, azem pare crucial da idenidade culural de uma sociedade136. Um imporane dealhe nesa discussão de propriedade inelecual é a aribuição de direios auorais. As leis do copy right limiam a circulação e uilização deses produos sem o devido pagameno ao deenor deses direios, que esão cada vez mais nas mãos das disribuidoras. Ou seja, a permissão de uso e comercialização, segundo as leis culurais vigenes, não são necessariamene do criador da obra, o que o coloca às vezes em uma posição de simplesmene “provedor de coneúdo”, e aumenam signiicaivamene o lucro das grandes disribuidoras. Conra esse monopólio culural, vem se oralecendo ulimamene o movimeno do copy le, que permie a reprodução do coneúdo sem fins lucraivos e desde que ciada a one (nese caso, o auor da obra). Nese conexo, é imporane ciar o sotware livre137 , licença sob a qual programas de compuador são criados de orma abera, ou seja, qualquer usuário - um pouco enendido de programação, evidenemene – pode er acesso ao código one do programa e alerá-lo, apereiçoando e adapando seus usos para dierenes fins. Podemos ainda ciar a Licença da Arte Livre (LAL) que auoriza a livre cópia, disribuição e ransormação de rabalhos criaivos, sem que os direios do auor sejam inringidos. Vale ressalar que eses são movimenos da sociedade civil e de arisas conra a propriedade inelecual, organizada em orno da chamada “Culura Livre”, pela democraização do acesso, da produção e da disribuição da are e das 136 Esa discussão, odavia, perpassa os ineresses de produores arísicos em poencial: por um lado, os EUA, que querem exporar sua produção hollywoodiana no mercado audiovisual inernacional; do ouro lado, a França, que possui uma ore radição arísica, não quer ver seu mercado cinemaográfico inerno ameaçado pelas produções nore-americanas e por isso adoa políicas culurais proecionisas. 137 Sobre sofware livre, ver htp://www.sofwarelivre.org/ e htp://br-linux.org/
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produções inelecuais humanas de orma responsável, e conecada às endências das NCI. 138 econhecendo o papel das novas ecnologias no cenário culural aual e os paradigmas daí recorrenes, o minisério sob o comando de Gilbero Gil oi grande deensor ambém do Creative Commons , promovendo ese debae aravés de seminários sobre cidadania digial e ações em sofware livre. Para Gil: Atuar na cultura digital é a concretização desta filosofia, que abre espaços para redefinir a orma e o conteúdo das políticas culturais, e transorma o Ministério da Cultura… Cultura digital é um novo conceito. Ele vem da idéia de que a revolução da tecnologia digital é cultural em sua essência. O que está em questão aqui é que o uso da tecnologia digital muda comportamentos. O uso comum da internet e do sotware livre cria possibilidades antásticas para democratizar o acesso a inormação e ao conhecimento, para maximizar o potencial dos produtos e serviços culturais, para ampliar os valores que ormam nossos textos comuns, e portanto, nossa cultura, e também para potencializar a produção cultural, gerando novas ormas de arte.139 138 Esa moivação pode ser melhor enendida a parir do exo da LAL 1.3: “Enquanto o acesso do público às criações intelectuais é feqüentemente restringido pela lei do copyright, com a Licença da Arte Livre o acesso é incentivado. Esta licença se propõe a permitir a utilização dos recursos que constituem uma obra; estabelecer novas condições para a criação no sentido de amplificar as possibilidades de e da criação. A LAL permite o uso das obras e reconhece o direito do autor, os direitos dos receptores e suas responsabilidades. A invenção e desenvolvimento das tecnologias digitais, a Internet e o Soware Livre mudaram a orma de e da criação: criações intelectuais podem obviamente ser compartilhadas, trocadas e transormadas. As novas tecnologias digitais avorecem a produção de obras que todos podem melhorar para o beneício de todos. A principal justificativa para a LAL é promover e proteger essas criações intelectuais de acordo com os princípios do copyle: liberdade para usar, copiar, compartilhar, transormar, e a proibição da apropriação exclusiva.” (Fone htp://arlibre.org/licence/lal/p/ ) 139 Ver: htp://www.culura.gov.br/sie/2008/08/25/gilbero-gil-aquele-abraco/
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Mais do que uma opção ecnológica, o uso de soware livre é uma opção políica pelo livre conhecimeno e conra o monopólio das grandes empresas deenoras de direios auorais sobre a produção criaiva. Além disso, as NCI permiem uma ariculação, a nível local e global, das classes periéricas em políicas voladas para a sociedade, azendo assim da culura ese novo campo de dispua. Dierenemene da ideologia, a culura não é propriedade de um grupo, e enquano lua pelo signiicado raa-se de um processo esraiicado de embaes. Essa conexão inernacional de ceros movimenos sociais com objeivos supranacionais (como a igualdade enre os sexos e causas ambienais, por exemplo) cria enão um novo imaginário de resisência aniimperialisa. Observando a muliplicidade de sociedades exisenes, a dispua de idéias – aé em unção do grau de liberdade de expressão, se comparado a ourora - se dá no nível das ações e provoca a sensação de que “vírus culurais” ameaçam a hegemonia capialisa ocidenal – embora esa seja ainda suicienemene ore para se maner consolidada. A idéia de que dierentes culturas do povo e as necessidades daí recorrentes deveriam ser reconhecidas é um poderoso argumento que encontrou receptividade em vários óruns internacionais. À medida que a identidade social é desenvolvida em um contexto cultural coletivo, discute-se que a inclusão democrática de ‘comunidades da dierença’ deveria reconhecer aquele contexto e respeitar as opções de responsabilidade e direitos ali desenvolvidos140.
Assim, a dispua por significados realizada no campo da culura diz respeio a uma “cidadania culural”: 140 Fierlbeck, apud Yudice, 2005, p. 40- 41.
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(...) os direitos culturais incluem a liberdade de se enga jar na atividade cultural, alar a língua de sua escolha, ensinar sua língua e cultura a seus filhos, identificar-se com as comunidades culturais de sua escolha, descobrir toda uma variedade de culturas que compreendem o patrimônio mundial, adquirir conhecimento dos direitos humanos, ter uma educação, não deixar representar-se sem consentimento ou ter seu espaço cultural utilizado para publicidade, e ganhar respaldo público para salvaguardo esses direitos.141
E isso diz respeio ao direio de paricipação políica das diversas culuras, e não apenas a da classe hegemônica ou aquelas esigmaizadas enquano “culura popular”. Enreano, dierenemene dos direios econômicos, assegurados em leis inernacionais, os direios culurais não são universalmene garanidos. Ainda assim, a culura coninua a ser o principal erreno de reivindicações de direios sociais por pare de grupos “marginais” do pono de visa hegemônico. Enreano, esa lua políica não pode ser submeida apenas à reivindicação pelo fim das desigualdades esruurais da sociedade, mas ambém pelo reconhecimeno e preservação desas idenidades culurais. Se em 60 no Brasil havia uma preocupação do regime com a inegração nacional e observava-se um fluxo migraório em direção às cidades, hoje há uma reormulação do espaço urbano e os “grandes cenros” – econômicos, principalmene - são ransnacionais. Sendo a culura a insância onde cada grupo organiza sua idenidade, é preciso observar como se reelaboram os senidos de orma intercultural e transversal, dadas as condições de produção, circulação e consumo desses bens culurais em dierenes sociedades: 141 Apud Yúdice, 2005, p. 41.
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Não só dentro de uma etnia nem sequer dentro de uma nação, mas em circuitos globais, superando fonteiras, tornando porosas as barreiras nacionais ou éticas e azendo com que cada grupo possa abastecer-se de repertórios culturais dierentes142.
Culuralmene alando, é reelaborado o conceio de propriedade e de perencimeno a uma nação, em unção de fluxos e deslocamenos ísicos – pessoas, objeos – e simbólicos – radições, idiomas, bens culurais. Segundo Hobsbawn, “a maior pare das idenidades coleivas são mais camisas do que pele: são, pelo menos em eoria, opcionais, não iniludíveis”143. As NCI aproundam uma inerconexão deserriorializada, reconfigurando a noção de “roneira” e provocando uma cera sensação de que os aconecimenos são cosmopolias. “Iso não significa que as pessoas não enham mais uma vida local – que não mais esejam siuadas conexualmene no empo e espaço. Significa apenas que (...) o local não em mais uma idenidade ‘objeiva’ ora de sua relação com o global 144”. Assim, pensar a culura denro do quadro “nacional popular” orna mais diícil discernir e manejar os enômenos ransnacionais que cada vez mais definem a culura. Hoje as organizações culurais vêm assumindo “novas parcerias” com bancos, empresas e ONGs. Como explica Yúdice, “a are se dobrou ineiramene a um conceio expandido de culura que pode resolver problemas, inclusive o da criação de empregos. Seu objeivo é auxiliar na redução de despesas e, ao mesmo empo, ajudar a maner o nível da inervenção esaal para a esabilidade do capialismo. Uma vez que odos os aores da esera culural se prenderam a essa esraégia, a culura não é mais expe142 Canclini, 2005, p. 43. 143 Hobsbawm apud Canclini, 2005, p. 44. 144 Du Gay apud Hall, 2005, p. 3.
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rimenada, valorizada ou compreendida como ranscedene”145 , como vimos ano ser argumenado nos anos 60. Com esa expansão culural, é criada uma enorme rede de adminisradores da are inermediando as ones de omeno (públicas e privadas) e as comunidades, visando o desenvolvimeno humano aravés da are. ede esa, é claro, é composa por múliplos aores sociais, com dierenes objeivos e pressuposos, ornando ese processo complexo e dierenciado de acordo com o conexo. O próprio papel do arisa ambém se modificou: de produor de uma are “eichisa”, mesmo quando conecada à realidade social, o arisa vem sendo levado a, lieralmene, gerenciar o social – como é o caso do músico Gilbero Gil, nomeado minisro da culura, que muio conribuiu a parir de sua experiência e “miliância arísica”, como veremos no capíulo seguine. O seor culural propõe soluções para problemas como a educação, racismo, deerioração urbana e a criminalidade, o que é viso ambém, de cera orma, como a redução das despesas esaais neses campos. Iso explica a incidência cada vez maior de projeos envolvendo novas ecnologias e jovens, que ocupam um lugar de “vulnerabilidade” na sociedade146 , visando a descenralização da produção e a consrução de subjeividades por pare daqueles que seriam, a princípio, especadores.
145 Yúdice, 2005, p. 28. 146 Casro, Mary Garcia e Abramovay, Miriam. Juventudes no Brasil: vulnerabilidades negativas e positivas, desafiando enoques de políticas públicas. . (In: Juventude, Cultura e Políticas Públicas -. Seminário eórico Políico co Cenro de Esudos da Memória da Juvenude. SP, Ed. Ania Garibaldi, 2005).
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CAPÍTULO 4 – POLÍTICAS CULTURIS EM NOVOS CONTEXTOS
“O povo na arte é arte do povo e não o povo na arte de quem az arte do povo” Chico Science
4.1 -A cultura como arena e a comunicação como erramenta.
Como bem desaca Ana Enne “as novas temporalidades e espacialidades teriam criado a possibilidade de entrelugares,147 lugares situados entre o tradicional e o mundo traduzido, permitindo que os sujeitos sociais possam explicitar sua luta cotidiana pelo direito de significar, de se azer representar e de representar o mundo a partir de suas visões. (...) Por isso, pensar o universo das astúcias e bricolagens só é possível quando tratamos este jogo em uma perspectiva dialética, percebendo as identidades complementares e contrastivas que se ormam, mas principalmente em uma perspectiva dialógica, considerando a rede de relações que se configura neste processo” 148
Assim, omemos Michel de Cereau, que propõe uma disinção enre estratégias e táticas149: Enquano a estratégia seria a auação de quem em poder, orça e recursos próprios para planejar suas ações, as táticas, por ouro lado, seriam a ariculação de quem não possui ais recursos - o que pode ser aqui analisado 147 Conorme proposo por BHABHA, op. cit .. 148 Enne, 2007, p. 23 149 Cerau, 1996 . 1996
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como o exercício da sociedade civil organizada enquano áica de represenação. endo em visa ese caráer processual e dialéico, esa reflexão é imporane para percebemos como se dá a negociação enre as dierenes represenações da sociedade civil por pare de agenes culurais, iniciaivas da própria sociedade civil organizada e o Esado, insância represenaiva do povo. No io de Janeiro dos anos 80 e 90 (como vimos, momeno da reconfiguração dos regimes políicos no mundo), muliplica-se a criação de Casas de Culura, ações ligadas a movimenos sociais (como os movimenos negro, eminisa, operário, paridário), radições regionais (como quilombos e comunidades indígenas) e religiosos (como as Comunidades Eclesiais de Base), que enxergam na culura e na comunicação uma possibilidade de inervenção na sociedade a parir de sujeios sociais em geral desconsiderados pelas insâncias oficiais e pela grande mídia. Segundo Ana Enne, que vem desde 2006 realizando um imporane rabalho de mapeameno culural na Baixada Fluminense - marcada pela precariedade da oera de recursos – “o rabalho desenvolvido por ais insiuições muias vezes cumpria pare do papel do Esado, enquano em ouras se aliava a ele em sua auação. A quesão políica era cenral no rabalho desenvolvido por esses núcleos culurais, muias vezes ainda pauado por uma idéia de resisência, não só políica, como social e culural”150. Com a consolidação de uma culura neoliberal ao longo da década de 80 e 90, observa-se um cero enraquecimeno das ações políicas de resisência dos movimenos sociais, levando à diminuição da auação de diversas casas de culura surgidas nas décadas aneriores. Nese cenário surgem enão Organizações Não-Governamenais, como analisa Ana Enne, “ já envoltas em outra lógica, a da eficiência e gestão, pensadas não mais de acordo com paradigmas locais ou regionais, mas orientadas por undamentos globais: eficiência, capacidade de gestão e 150 Enne, 2007, p. 8.
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geração de recursos, utilização de linguagem publicitária, percepção do lugar estratégico da mídia” 151. Assim, se inicialmene a culura era uilizada como erramena para aingir objeivos políicos e ideniários, o que se percebe no decorrer da década de 90 e no início dos anos 2000 é a percepção da culura com um fim em si mesma, como aividade geradora de renda e visibilidade. É preciso considerar que ais discussões se dão em um cenário onde sujeios concreos, localizados no empo e no espaço, dispuam significados aravés de processos dialéicos. Nese senido, Ana Enne ressala que se pensarmos a relação entre cultura, política e mídia a partir de uma rede de agentes e agências sociais, com seus fluxos e interações, e não como uma realidade dada e naturalizada, mas como um processo de permanente construção e desconstrução, podemos perceber o quanto a posição dos agentes dentro dessa rede, ou seja, a construção de suas memórias e o estabelecimento de projetos, é claramente constitutiva de identidades individuais e coletivas152.
Nesas iniciaivas é basane expressivo o uso das chamadas NCI (Novas ecnologias de Comunicação e Inormação), e a principal jusificaiva para o uso da Inerne na divulgação e regisro de suas aividades é o cuso para a manuenção dessas plaaormas midiáicas - relaivamene baixo -, o maior círculo de recepção proporcionado a essas mensagens e o rabalho em redes, o que gera uma poencial ineraividade enre produores e recepores. Os principais obsáculos aponados são o resrio acesso (a equipamenos e a provedores de Inerne) e a ala de domínio écnico sobre ais erramenas. Além disso, máquinas oográficas, filmadoras, ilhas de edição e compuadores, que são muias vezes conseguidas com recursos de ediais (no 151 Enne, 2007, p. 8. 152 Enne, 2007, p. 8.
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caso dos Ponos de Culura, como veremos adiane, há uma reserva de $20 mil apenas para a aquisição de equipamenos digiais que servirão como erramenas de regisro), são uilizadas para o regisro e divulgação das aividades em evenos e concursos, e geralmene am bém disponibilizados para download nos sies dos projeos, buscando assim ampliar seu público recepor. Dierene enão da produção culural dos anos 60, quando os meios de comunicação de massa esavam se consolidando no Brasil e os veículos de diusão da produção eram mais resrios, “são, porano, múliplas ormas de uilização de ecnologias da comunicação e da inormação que, combinadas, permiem o exercício de práicas de democraização do discurso e do exercício aivo do direio de significar, produzir e divulgar opiniões, inervir no processo hisórico do qual odos são sujeios” 153 , como conclui Enne. Segundo Foucaul154 , quando se reere a memória e idenidade, há sempre um “saber” em dispua que, revesido por um “saus de verdade”, ende a gerar “conflios”. O discurso, por ser uma práica de “insiucionalização” e “objeivação da realidade”, demanda o reconhecimeno de cera “auoridade” para quem ala, o que o orna campo de dispua de “idenidades”. E nese conexo, as ecnologias de comunicação são uilizadas enquano uma erramena de reconhecimeno e idenificação desses organismos por pare da sociedade bem como de legiimação do seu discurso. Nos dias de hoje não se pode pensar as discussões sobre culura dissociada de quesões reerenes ao consumo e às ecnologias , undamenais para pensarmos o processo de globalização. A mídia, ao permiir múliplas represenações do mundo, configura-se para além de undamenal lugar de dispua de valores e idenidades, sendo am bém espaço de embae econômico e políico. Segundo Enne, trata-se de um jogo de sedução e negação entre aqueles que subjetivamente estão buscando construir suas 153 Enne, 2007, p. 8. 154 Foucaul, 1986, p. 7.
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representações de si e do mundo e aqueles que, através das mais diversas estratégias de poder, estão tentando impor suas concepções como hegemônicas. Não podemos então perder de vista o quanto a cultura midiática configura-se como lugar ambíguo, que tanto permite ampliar a margem de possibilidades para que os indivíduos construam suas subjetividades, quanto se presta às estratégias de legitimação do poder hegemônico.
Assim, uma câmera na mão de um jovem da avela, por exemplo, pode represenar a comunidade periérica sob a perspeciva de quem a conhece de denro revelando uma auação ransormadora, ou apenas reproduzi-la sob os padrões da mídia hegemônica. E iso será deerminado por diversos aores, como a relação dos proponenes do projeo com a comunidade, sua inserção na realidade represenada, a coninuidade das ações do projeo, a expecaiva por pare dos agenes envolvidos e os objeivos preendidos com a produção desas peças. Sendo assim, de nada adiana a imersão ecnológica denro de uma comunidade aé enão carene desa oera culural se dissociada de uma discussão maior sobre a sua uilização como erramena ransormadora da realidade social. 4.2 O Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura “Um lugar chamado qualquer lugar. Um ponto de encontro. Uma roda de choro. Um terreiro de umbanda ou uma esta de santo. Uma oficina de teatro. Um coral. Um grupo de amigos filmando a própria rotina. Um espelho em que cada comunidade possa refletir-se, repensar-se, afirmar-se.” Karina Ninni para a Revista Programadora Brasil
Depois de passarmos pelos anos 60 analisando oda a eervescência políico-culural daquela época - endo como oco 119
o projeo nacional-popular proposo pelo CPC e o papel conraculural exercido pela ropicália - e mapearmos as discussões em orno da culura, é chegada a hora de passarmos para o nosso objeo de análise aual: o Programa Culura Viva, do Minisério da Culura e o projeo dos Ponos de Culura. O Programa Culura Viva oi lançado em 2004 pelo Minisério da Culura (MinC), nesa época sob o comando do músico Gilbero Gil - que, vale lembrar, oi, ao lado de Caeano Veloso, um dos proagonisas da ropicália. A fim de preser var e promover a diversidade culural brasileira, a Secrearia de Programas e Projeos Culurais (SPPC), hoje chamada SCC (Secrearia de Cidadania Culural), implemena enão os Ponos de Culura, cuja missão é “desesconder o Brasil, reconhecer e reverenciar a culura viva de seu povo” 155. Nese senido, o esorço é de permiir que o próprio “povo” – noção ão em dispua nas iniciaivas aqui analisadas – se represene, a parir de ações que já desenvolvam em suas comunidades, com conexos específicos. A “culura viva” seria, assim, as maniesações culurais que vão desde a conação de hisórias em lieraura de cordel disponíveis na inerne156 a oficinas de vídeo experimenal com equipamenos digiais em comunidades radicionais 157 , de rodas de jongo de uma comunidade quilombola rural regisradas com equipamenos digiais158 por esudanes universiá155 Descrição do Programa Culura Viva no sie no MinC: www.culura.gov.br 156 A exemplo do Cordel sobre a eia 2008 eio pela egional Água, que agrega 8 Ponos de Culura do Ceará, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí e oraima, disponível em htp://blogs.culura.gov.br/eia2008/files/2008/11/ cordeleia2008_grio.pd 157 Como o projeo Navegar Amazônia do cineasa Jorge Bodansky, um barco equipado de um esúdio ininerane que oerece oficinas de v ídeo e ouras aividades para a comunidade ribeirinha do rio Amazonas. 158 Como os Ponos de Culura Quilombo São José em Valença, no inerior do esado do io de Janeiro, que se apresenou na Bienal de Are em Novas ecnologias da União Esadual dos Esudanes.
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rios a exibições de filmes nacionais em espaços públicos nãocomuns159. Segundo Juca Ferreira, minisro da Culura: “O Ponto de Cultura vai mais adiante porque a gente passou a reconhecer que o povo az cultura, apesar do Estado. No Brasil, são mais de 200 mil grupos culturais existentes nas comunidades - ora organizados por ONGs, ora por pastorais, ora por terreiros de candomblé, por centros es píritas. Ou a própria comunidade organizou, ou algum artista orgânico, não importa a origem. São 200 mil com motivações as mais dierentes. Grupos organizados em torno da capoeira, do teatro... Então, nós reconhecemos esse azer cultural da população como uma base importante. E cabia apoiar, omentar, ampliar, e não cooptar”.
O programa conempla iniciaivas de insiuições da sociedade civil sem fins lucraivos, legalmene consiuídas, que há pelo menos dois anos envolvem a comunidade em aividades de are, culura, cidadania e economia solidária. A parir de edial público são selecionados projeos que passarão a receber recursos do Governo Federal para poencializarem e darem coninuidade a seus rabalhos culurais160. Segundo as direrizes do edial, a iniciaiva deve: (...)potencializar as energias sociais e culturais, dando vazão à dinâmica própria das comunidades, estimulando a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, linguagens artísticas e espaços públicos e privados que possam ser disponibilizados para a ação cultural”, 159 A exemplo do projeo “Acenda uma Vela”, do Pono de Culura Ideário, em Maceió, que realiza cineclubes em velas de barcos no lioral alagoano (www.ideario.org.br) 160 O programa conempla inegra ambém ouras quaro ações: Culura Digial, Agene Culura Viva, Griô e Escola Viva. Mais inormações podem ser obidas no sie do MinC: www.culura.gov.br
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além de “valorizar a experiência local e as ações já desenvolvidas pelas comunidades, ampliar o repertório cultural das mesmas e incentivar o azer e a criatividade local.
O objeivo dese projeo é: (...)articular a produção cultural local promovendo o intercâmbio entre linguagens artísticas e expressões simbólicas, além de gerar renda e diundir a cultura di gital, apoiar o desenvolvimento de uma rede horizontal de articulação, recepção e disseminação de iniciativas e vontades criadoras. 161
Segundo o edial do programa, o principal público alvo são esudanes da rede pública de ensino; populações de baixa renda em áreas com precária oera de serviços públicos e de culura – seja nos cenros urbanos ou nos pequenos municípios; habianes de regiões com grande relevância parimonial hisórica, culural e ambienal; comunidades indígenas, quilombolas e rurais; sindicaos; poradores de deficiência e gays, lésbicas, ransgêneros e bissexuais (GLB). raa-se, enão, de um projeto dedicado à sociedade civil , em que se busca desenvolver novas ormas de organização do rabalho e da economia, o equilíbrio enre o homem e a naureza e udo que esiver ligado à auosusenabilidade e à reapropriação dos meios. O Pono de Culura não em um modelo único e fixo, seu único e principal aspeco em comum é a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada enre poder público e a comunidade. Fundamenado nesa lógica da parceria (do poder público, da comunidade e de insiuições afins), “ruo de um processo pedagógico e paricipaivo, a SPPC procura apresenar esses 161 Descrição do Programa Culura Viva no sie no MinC: www.culura.gov.br
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conceios aos Ponos de Culura respeiando suas paricularidades e diversidade”. Sob esa perspeciva oram realizadas desde 2006 oficinas de Gesão Comparilhada durane os Enconros de Conhecimenos Livres, promovidos em parceria com o Insiuo Paulo Freire (IPF), que em desenvolvido um imporane rabalho de apoio à gesão desa Secrearia. As principais conraparidas com as quais os projeos selecionados devem se compromeer são: a conribuição para o acesso à produção de bens culurais promovendo o senimeno de cidadania; a dinamização dos espaços dos municípios; a geração de oporunidades de emprego e renda; o desenvolvimeno de processos criaivos coninuados e ações de ormação culural; o regisro das aividades e ações em sofware livre; e a inegração da culura com ouras áreas de conhecimeno (como o meio ambiene, o urismo, a saúde, as novas ecnologias, enre ouros); além da divulgação da idenidade visual do Minisério da Culura, da Secrearia de Esado de Culura (no caso do novo edial, como veremos adiane) e do Programa Mais Culura nas ações relacionadas ao Pono de Culura - o que ambém conere aos projeos uma imporane legiimidade pelo poder público. Para o earólogo Auguso Boal 162 , “os Ponos de Culura são o começo da realização de um desejo maniesado pela classe arísica”, que indicam “a orça do povo brasileiro na criação de uma nova culura planeária”. Na direção da preservação do parimônio arísico e social, o projeo busca priorizar ambém ações de registro das aividades e radições culurais, como afirma Célio urino, Secreário de Programas e Projeos Culurais do MinC: Reorçar a identidade cultural também significa revelar contradições e romper com uma identidade cultural aparentemente homogênea, construída com base em deter162 Discurso do criador do earo do Oprimido sobre o Programa Culura Viva, durane a celebração do Mério Culural 2005.
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minados marcos representativos da cultura dominante. (...) O registro literário, sonoro e visual da produção artística de nossa época é uma meta a não se descuidar 163.
Assim, pare do incenivo recebido na primeira parcela, no valor mínimo de $20 mil, deve ser uilizado para aquisição do chamado “Ki Digial”, equipamenos mulimídia em sofware livre para fins de regisro, divulgação e comunicação em rede enre os Ponos, além da complemenação de aividades culurais/digiais relacionadas ao rabalho desenvolvido. econhecendo o papel das novas ecnologias no cenário culural aual e os paradigmas daí recorrenes, o minisério sob o comando de Gil oi grande deensor ambém do Creative Commons , promovendo aravés seminários sobre cidadania digial e ações em sofware livre. Para Gil: Atuar na cultura digital é a concretização desta filoso fia, que abre espaços para redefinir a orma e o conteúdo das políticas culturais, e transorma o Ministério da Cultura… Cultura digital é um novo conceito. Ele vem da idéia de que a revolução da tecnologia digital é cultural em sua essência. O que está em questão aqui é que o uso da tecnologia digital muda comportamentos. O uso comum da internet e do soware livre cria possibilidades antásticas para democratizar o acesso a in ormação e ao conhecimento, para maximizar o potencial dos produtos e serviços culturais, para ampliar os valores que ormam nossos textos comuns, e portanto, nossa cultura, e também para potencializar a produção cultural, gerando novas ormas de arte.164 163 “Uma gesão culural ransormadora: Proposa para uma Políica Pú blica de Culura” – exo de Célio urino para o sie do MinC (www.culura. gov.br em 06/06/05) 164 Ver: htp://www.culura.gov.br/sie/2008/08/25/gilbero-gil-aquele-abraco/
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O papel do Minisério da Culura é agregar recursos e no vas capacidades a projeos e insalações já exisenes. Além disso, o MinC ambém oerece equipamenos que amplifiquem as possibilidades do azer arísico e recursos para uma ação conínua juno às comunidades: as edes de Ponos de Culura e os Ponões de Culura. Ao firmarem o convênio com o programa, os projeos passam a inegrar a ede de Ponos de Culura, em nível local e nacional, que busca promover a roca de experiências em aividades culurais, enconros e evenos. Anualmene é realizada a chamada “eia”, um enconro nacional de Ponos de Culura a fim de inegrar ais iniciaivas e realizar um balanço do rabalho eio – além de ser um eervescene espaço de muliplicidade culural. Assim, o programa reorça o seu objeivo de coninuidade e susenabilidade dos projeos, uma vez que conecados com ouras iniciaivas culurais orna-se mais acessível o inercâmbio culural e o acompanhameno das aividades por pare do Minc/SPPC. Os chamados “Ponões de Culura” são responsáveis pelo omeno e inegração das aividades deses Ponos a nível local, a parir de imersões, parcerias, evenos e discussões. Enquano os Ponos de Culura se configuram como um espaço de desenvolvimeno da sociedade civil aravés da culura local, os Ponões ficam responsáveis pelo supore e ariculação enre esses espaços. Em dierenes localidades e áreas culurais, emos diversos exemplo de Ponões auando em odo o esado do io: o Ponão de Jongo da UFF, em Nierói, busca aricular as comunidades jongueiras do esado do io em ermos de regisro e pesquisa acadêmica; o Ponão da Escola de Comunicação (ECO) da UFJ, na Urca, busca oerecer supore écnico em ações em sofware livre, além de promover cursos de exensão e paricipar de debaes, enconros, inervenções e aividades ligadas à culura digial; o ComCulura, em parceria com a UEJ e a Fundação Casa de ui Barbosa, o MinC e a SEC, aua na ormação em gesão culural, manendo o Seminário Perma125
nene de Políicas Públicas para a Culura, com a paricipação de agenes culurais do esado. No ano de 2008, quando grande pare dos convênios realizados nas primeiras edições do programa esá por chegar ao fim, o MinC lança a quina chamada pública para a seleção de projeos. Enreano, em unção do crescimeno e noabilidade do programa165 , percebeu-se que cenralizar a adminisração desa rede de orma nacional já não seria a melhor opção, é firmada enão uma parceria enre o Governo Federal e as Secrearias e Fundações de Culura dos Esados. Desa orma, regionalizou-se a gesão e o repasse de recursos orçamenários, o que não apenas acilia o acompanhameno das aividades por pare do poder público local, como permie um mapeameno culural mais próximo e coerene. Assim, oi lançado em 28 de ouubro de 2008, pela Secrearia de Esado de Culura do io de Janeiro (SEC) em parceria com o MinC, o Edial dos Ponos de Culura do Esado do io de Janeiro166 , que em 2009 selecionou150 novos Ponos, com $180 mil (em rês parcelas anuais de $60 mil) ao longo de rês anos. Buscando a descenralização dos recursos culurais, ese edial buscou conemplar iniciaivas em odo o esado de orma proporcional à população e ao número de municípios, ampliando assim as oporunidades para os pro jeos siuados ora das merópoles: oram 71 municípios (77% do Esado) conemplados, enre as mais diversas expressões culurais. Enconramos por exemplo rabalhos como o projeo “Saci ererê” do Insiuo de Assisência, raameno, Capaciação e Pesquisa em Saúde, Educação e Culura, realizado com filhos de alcoólaras que, a parir de oficinas de conação de hisórias, os relaos são publicados em coleâneas e ransormados em apresenações earais, udo produzido e execuado pelos jovens paricipanes do projeo; e o projeo “eciclagem, Misancén e Música”, que realiza em ealen165 Há hoje mais de 650 Ponos de Culura em odo Brasil, sendo 72 apenas no Esado do io de Janeiro – e agora, mais 150.. 166 Maiores inormações sobre ese edial em www.ponodeculura.rj.gov.br
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go oficinas de música com insrumenos eios a parir de maerial reciclável, propondo um novo olhar sobre a are musical e o (que seria considerado) “lixo”. Na primeira edição esadual do programa, o esado do io de Janeiro baeu recorde de recebimeno de pro jeos, endo inscrios ao oal 715 proposas. Oura impressionane mea aingida oi a ampla paricipação de agenes culurais de odo Esado: dos 92 municípios do io de Janeiro, 84 enviaram projeos, ou seja, 91% – dos quais mais da meade (55%) erão auação ora da merópole. No esado do io de Janeiro, onde os recursos esão hisoricamene concenrados na capial, é a primeira vez que se vê uma ação culural com al peneração no inerior. )E, devido a ese resulado, o Minisério e a Secrearia esudam agora a possibilidade de aprovar mais 80 projeos, aumenando para 230 a quanidade de Ponos de Culura em odo o Esado. eorçando o objeivo de conemplar uma maior quanidade de projeos culurais populares, a Coordenação de Diversidade Culural da Secrearia de Esado de Culura do io de Janeiro167 , em parceria com o SEBRE-J, lança ambém em 2008 o Escriório de Apoio à Produção Culural, a fim de oerecer consuloria grauia a agenes culurais que queiram inscrever projeos em ediais e leis de incenivo. O objeivo é, assim, a democraização da culura não apenas no senido do acesso a bens culurais, mas ambém à produção. Os programas de omeno (se jam da iniciaiva pública ou privada) são hoje os maiores responsá veis pelo financiameno culural no país, e, se esamos alando de acesso popular à culura, não podemos limiar ais erramenas às grandes produoras já experienes e conhecedoras da écnica. O Escriório recebe semanalmene agenes culurais que conam com consulores do SEBRE para a elaboração écnica de plano de ra balho, orçameno e poriólio dos projeos juno aos grupos, a parir das experiências e demandas relaadas. 167 Em ouubro dese ano passei a inegrar a equipe da Coordenação de Di versidade Culural da SEC, ao que devo basane a minha proximidade com o objeo analisado.
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Como se raa de um programa relaivamene recene, a análise da eficácia de seus méodos e do alcance de seus objeivos ainda são diíceis de se definir, mas irei aqui observar iniciaivas que vêm gerando bons resulados nas comunidades em que são realizados. Localizado no cenro de Cuiabá, em Mao Grosso, o pono de culura Ciranda Digial, por exemplo, visa conciliar música e ecnologia em um esúdio de gravação comuniário de alo padrão e maném ambém uma rádio na inerne com o coneúdo produzido. Na página inicial do seu sie expressam a guinada dada em seu projeo desde o início de sua auação como pono de culura: “A instituição avançou muito com esta parceria: a biblioteca oi grandemente ampliada, novos computadores oram adquiridos, livros, DVDs e CDs e, finalmente, conseguimos realizar o sonho de construir um estúdio profissional de livre acesso à comunidade. Com toda esta estrutura, conseguimos oerecer um programa de capacitação para técnicos de áudio e outras profissões que azem parte da economia da cultura”.168
Música e ecnologia se enconram reqüenemene em di versos Ponos de Culura pelo país, e desa diversidade culural nasceu o “Música de Pono”, uma coleânea de músicas produzidas em sofware livre durane oficinas realizadas pela Culura Digial enre 2005 e 2006, oralecendo assim uma rede auônoma enre os diversos ponos do Brasil169. Esa ariculação em rede não é apenas um dos principais objeivos do programa como uma de suas principais realizações, muio em unção da opção pela coninuidade de uma ação já desenvolvida em um segmeno culural específico e sua conseqüen168 Ver htp://www.projeociranda.org.br/ciranda_digial.asp 169 O cd pode ser baixado grauiamene em htp://esudiolivre.org/elgallery_view.php?arquivoId=2981
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e necessidade de complemenação. Assim, a parir da rede de inercâmbio esabelecida pode-se sugerir por exemplo um filme produzido por jovens paricipanes de uma oficina de vídeo do Cenro de Inegração Social Amigos de Nova Era (CISANE) 170 , em Nova Iguaçu, com aores das oficinas de earo do grupo Nós do Morro171 , no morro do Vidigal, na Zona Sul do io, com rilha sonora dos jovens músicos das oficinas do Projeo de Inegração pela Música (PIM), em Vassouras, ediado nos esúdios do Circo Digial172 , no Circo Voador, na Lapa, e exibido no CineolhO, cineclube do projeo Me Vê na V 173 , com moradores do Morro do Esado, em Nierói – vale lembrar, odos Ponos de Culura. Esa inegração é aciliada com a auação dos já ciados Ponões, que buscam aricular iniciaivas e poencializar aividades enre os Ponos. Além de oerecer oficinas de áudio e vídeo grauiamene para a comunidade174 , o Ponão de Culura Digial do Circo Voador – o Circo Digial -, por exemplo, realiza imersões a fim de debaer e insrumenalizar cenros digiais em ouros ponos de culura e comunidades carenes desa oera ecnológica. Um dos seus desdobramenos é o Ponão Ambienal, responsável por ações ecológicas como bicicleadas, criação e manuenção de uma hora medicinal na Lapa, rabalhos com planas medicinais e eira de rocas inegradas às aividades do Circo Voador.175 Em seembro de 2008, por exemplo, inauguraram um elecenro no banco de semenes da Escola da Maa Alânica,176 em 170 Ver www.cisane.org.br 171 Ver www.nosdomorro.com.br 172 Ver www.circodigial.org.br 173 Ver htp://www.campusavancado.org.br/ 174 Em 2007 fiz pare da urma da oficina de vídeo, o que me proporcionou uma maior aproximação das aividades do espaço. 175 À época da realização da pesquisa o projeo esava em plena aividade e hoje esuda-se a possibilidade de sua coninuidade. Ainda assim, para maner a coerência do raciocínio opei por maner o exo em sua orma original 176 Ver htp://escoladamaaalanica.org
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Aldeia Velha, no município de Silva Jardim. O banco de semenes oi enão equipado com compuadores em sofware livre e o responsável pelo cenro durane os rês primeiros meses de uncionameno oi um morador da comunidade local ineressado em inormáica, que, por ala de oporunidade, se dedicava à aividade de pedreiro (auando inclusive na consrução do espaço, no erreno da escola da preeiura). A própria Escola da Maa Alânica eve seu projeo conemplado no edial de novos Ponos de Culura do Esado, buscando a coninuidade de suas aividades de susenabilidade ecológica e preservação do saber radicional local. Vemos, assim, uma ação ransdisciplinar afinada com os objeivos do programa, de inegrar a culura local, o uso de novas ecnologias e a comunidade, gerando auonomia e susenabilidade. Ouro exemplo de ariculação social aravés do programa é o Ponão do Cenro do earo do Oprimido (CO-io)177 , o único dos mais de 200 núcleos de auação do earo do Oprimido no mundo que aé ese ano conava com a direção arísica de Auguso Boal, alecido em maio. No projeo “earo do Oprimido de Pono a Pono”, - realizado no io de Janeiro, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Disrio Federal, Moçambique e Guiné-Bissau -, Ponos de Culura, grupos culurais e movimenos sociais indicam represenanes para o curso de ormação de muliplicadores oerecido grauiamene. São rabalhados jogos, écnicas e cenas, esando eses agenes enão habiliados e compromeidos com a muliplicação da estética do oprimido , a parir de oficinas e apresenações de earo-Fórum nos Ponos de Culura e em suas comunidades locais178. Seu objeivo é a democraização do acesso ao méodo, oralecendo, dinamizando e ampliando o raio de ação de Ponos de Culura e movimenos sociais a parir de um earo políico e ransormador. O earo do Oprimido 177 Ver www.ctorio.org.br 178 Devo minha aproximação ao rabalho de Boal ao projeo earo do Oprimido de Pono a Pono, do qual fiz pare em 2008 e aravés do qual minisrei, juno com os companheiros Millena eis e Pedro Freias, oficinas no earo do DCE da UFF e em aividades culurais.
é uma écnica sisemaizada por Auguso Boal179 – já aneriormene ciado nas experiências do earo de Arena na década de 60 – a parir de experiências no earo brasileiro e durane seu exílio, buscando realizar um earo ao mesmo empo políico e eséico, humanísico e ransormador180. Segundo Gilbero Gil, “O rabalho do earo do Oprimido, iniciaiva culural já consagrada pela nossa hisória brasileira e mundial, ganhou hoje um ôlego novo com o programa Ponos de Culura e realizou com ele uma criação políica e pública que é um marco na aual gesão do MinC”181. Ouro exemplo que não podemos deixar de ciar é o Circuio Universiário de Culura e Are (CUCA) da mesma União Nacional dos Esudanes que, em 1961 lançou os CPCs, analisados no capíulo 2. Ese Ponão nacional, que aricula os Cenros Universiários de Culura e Are - Ponos de Culura egionais - realiza aividades culurais, debaes, mosras, oficinas e apresenações inegrando as produções esudanis. Em 2007 realizaram, no io de Janeiro, a V Bienal de Ciência, Are e Culura da UNE, com apresenação de rabalhos, mini-cursos, palesras e shows com grandes nomes e agenes culurais do país. A UNE, enreano, que assim como ouras enidades políicas passou por mudanças em comparação ao período analisado, vem recebendo diversas críicas hoje em unção de sua auação no cenário políico e esudanil. A principal críica eia é em relação a sua ariculação com o Governo Federal - uma vez que seu quadro majoriário é composo por milianes do PCdoB e do P - o que viria a proporcionar uma auação acríica rene às políicas neoliberais do governo e uma auação populisa em relação aos esudanes. Além disso, oi amplamene criicada pela sua parceria com a ede Globo na realização da Bienal no 179 Em março de 2009 Auguso Boal oi nomeado Embaixador Inernacional do earo, 180 Para saber mais sobre o earo do Oprimido, recomenda-se Boal, 2000. 181 Discurso de Gilbero Gil na inauguração do Ponão Cenro do earo do Oprimido, na Lapa, no io de Janeiro. ( In: Meaxis – earo do Oprimido de Pono a Pono, nº4. Dezembro de 2008)
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io e no projeo Memória do Movimeno Esudanil – uma vez que a enidade exerceu um imporane papel conra a diadura miliar em 60, quando a emissora era grande aliada do regime. Enreano, apesar das conradições, é imporane reconhecer o papel da enidade hisoricamene na memória políica do país e seu ainda exisene papel de ariculador das produções esudanis aravés da culura. O CUCA do io de Janeiro, por exemplo, localizado na sede da UNE na praia do Flamengo - que oi reomada durane o ao da Bienal de 2007 - realiza enconros de poesia, samba e um cine-jornal. Além disso, realizou em novembro dese ano a I Bienal de Are, Ciência e Culura da União Esadual dos Esudanes do io de Janeiro (UEE-J), que inegrou Ponos de Culura, inelecuais, agenes culurais e esudanes em debaes, oficinas e esas em quaro dias de enconro na Lapa182. Como podemos ver, os resulados desas experiências são específicos em relação a seus objeivos e sua inserção na comunidade. De uma maneira geral, a linguagem audiovisual é a mais explorada pelos projeos (cerca de 66%, segundo pesquisa do Laboraório de Políicas Públicas da UFJ 183) e o principal público alvo aingido são esudanes de escolas públicas (79% em odo o Brasil, sendo 51% perencenes a populações de baixa renda que vivem em áreas precárias localizadas em grandes cenros urbanos184). No io de Janeiro, as aividades mais recorrenes enre os 71 ponos hoje exisenes são oficinas de vídeo, earo, dança, circo, capoeira e cineclubismo. Mas as aividades dos Ponos são basane variadas de acordo, como dio, com a “culura viva” local: Em Olinda, Pernambuco, por exemplo, o Pono de Culura Esrela de Ouro 185 oerece oficinas de animação, rabalhando a xilogravura – linguagem da lieraura de cordel, ípica do Nordese - objeivando a 182 Mais sobre os CUCA e as Bienais em: htp://www.cucadaune.blogspo. com/ e htp://www.cucario.blogspo.com/ 183 Fone: evisa Programadora Brasil , evereiro de 2007. 184 Idem 185 Ver www.esreladeouro.org
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educação parimonial aravés do acesso a ecnologias digiais. Já o Pono de Culura da Comunidade Quilombola Campinho da Independência,186 em Paray, busca reorçar seu hisórico de lua e organização comuniária a parir da valorização de comidas ípicas e da produção aresanal em cipó, bambu, semenes e ouras maérias-primas, o urismo énico e rilhas ecológicas visando a susenabilidade comuniária, aividades envolvendo os griôs (mesres da radição oral da comunidade) e apresenações de jongo e capoeira angola na comunidade local da Cosa Verde. Por se raar de um programa undamenado na auonomia organizacional dos grupos, não se pode azer um balanço homogêneo dos objeivos e meas aingidas. De uma orma geral, a ormação de jovens habiliados para auar profissionalmene no segmeno culural e o reorço da idenidade culural são os resulados mais reqüenemene alcançados pelos Ponos. O enrave mais recorrene enconrado pelos projeos em relação ao programa é o possível araso nas parcelas por pare do Governo Federal e a disância comunicaiva com a enidade concedene, aé enão em Brasília. Por esa razão a parceria enre o Minisério e as Secrearias esaduais de Culura poderá aciliar ese conao e acompanhameno dos projeos – como já vem aconecendo no caso do io de Janeiro, com o Escriório de Apoio à Produção Culural-, visando assim a mea da gesão comparilhada. Além disso, as dificuldades enconradas enconradas pelos grupos da execução dos projeos ou possíveis alhas nos ediais aneriores, vêm sido corrigidas nas edições seguines. Por ouro lado, o edial lançado ese ano raz algumas exigências que vêm limiando a auação e susciando algumas críicas por pare dos grupos já conemplados como Pono de Culura, por exemplo, não poderão ser renovados os convênios dos projeos cuja presação de conas com o MinC ainda não oi finalizada. Além disso, a legislação que rege o convênio (ipo de conrao firmado enre o órgão concedene – nese caso, a SEC/MinC - e o projeo culural) não permie a inclusão no 186Ver www.quilombocampinho.org
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orçameno de gasos ais como aluguel de espaço, reorma, conas de água, eleone e luz, além da remuneração ao coordenador écnico do projeo, considerados “despesas adminisraivas”, que deveriam ser a conraparida por pare do projeo conemplado. 4.3 Uma gestão tropicalista
Em 2003, conrariando qualquer previsão políica que pudesse ser eia há quarena anos arás, Lula oma posse como presidene do Brasil e nomeia Gilbero Gil como Minisro da Culura, surpreendendo igualmene arisas, acadêmicos e gesores da culura187. Era grande a expecaiva diane do ao de se er no comando do minisério alguém do meio arísico – dierene do minisro anecessor na gesão FHC, o cienisa políico Francisco Weffor-, e com uma rajeória um ano polêmica como Gil. As mudanças e discussões provocadas por Gil enconrariam resisência denro e ora do MinC, ao serem direamene quesionados modelos e ineresses políicos. Logo no início, ele oi duramene criicado pela classe arísica, principalmene por arisas de earo, como Paulo Auran e Marco Nanini, que enaizavam a coninuidade da sua carreira arísica em derimeno de políicas para o earo. O enão minisro, que em momeno algum se esquivou do debae – por mais polêmico que osse -, deende que o “earo consagrado” em ouros meios de conseguir parocínio, dierene das monagens de perieria: “Nós não esamos ausenes em relação ao earo. em o earo do Paulo Auran, em o earo do [Marco] Nanini, em o earo dos meninos de rua, em odas essas dimensões, e o minisério procura ver odas elas, e de uma cera orma se dedicar aos menos amparados”188. A auação de Gil no minisério oi basan187 A vida políica, enreano, não seria novidade para Gil, que já havia sido eleio como vereador em Salvador em 1989. 188 Enrevisa para a Folha em 02/12/2005 - htp://www1.olha.uol.com. br/olha/ilusrada/ul90u55703.shml
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e no senido de descenralizar recursos e omenar aividades culurais com menor visibilidade no cenário arísico, conrariando a políica que vinha sendo eia aé enão, onde as grandes monagens earais, basicamene no eixo io-São Paulo, eram as principais omenadas – inversão essa que evidenemene gerou críicas por pare do meio arísico consagrado. Buscando ampliar o diálogo com a sociedade, oram realizados diversos Fóruns e Seminários chamados de “Culura Para odos”, para a elaboração de direrizes e a revisão das políicas culurais exisenes. Um exemplo é a Lei ouane, a principal políica de omeno à culura exisene hoje no país, que Gil buscou quesionar nesses espaços e cujo projeo de reorma, que vem sido discuido há seis anos, eseve durane meses disponível no sie do MinC, abero a conribuições189. A Lei ouane unciona hoje basicamene aravés do incenivo fiscal para o apoio à pro jeos culurais, endo na isenção de imposos a principal one de verbas para as aividades arísicas: para er um projeo aprovado pela Lei, é preciso enviar a proposa denro dos moldes dos ormulários disponíveis no sie do minisério, que será ecnicamene avaliada e, caso seja aceia, receberá um cerificado da Lei de Incenivo à Culura; a parir daí o proponene deverá enão capar recursos em empresas que enham ineresse em financiar seu projeo, que receberão isenção fiscal relaivas ao valor parocinado. Como pode-se ver, apenas projeos com alguma visibilidade de mercado conseguem receber ese ipo de parocínio que, embora envolva o dinheiro público, acaba sendo regulado pelo seor privado. Enre as proposas da nova Lei, esá a criação um Conselho ormado pelo poder público, empresas e represenanes da sociedade civil, que irão gerir os recursos a parir de Fundos Seoriais, a fim de diminuir o monopólio do mercado na escolha de iniciaivas a serem financiadas. Além disso, a aual Lei é muio ocada em projeos de produção, deixando de lado o 189 htp://blogs.culura.gov.br/blogdarouane/
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incenivo ao acesso e à diusão de bens culurais. Nese senido, oura proposa da nova Lei, hoje deendida pelo aual Minisro da Culura Juca Ferreira, que vem dando coninuidade às ações de Gil no Minisério, é a criação, por exemplo de uma “Loeria da Culura”, onde o cidadão receberia, assim como recebe icke alimenação, um “vale culura”, a fim de prover acesso à compra de cds, livros, ingressos, enre ouros, inserindo milhões de brasileiros no mercado culural. Nas palavras de Juca, “em vez de alimenar o esômago, é pra alimenar a alma” 190. Sobre as acusações de ser ele mesmo ambém um arisa privilegiado, Gil em a propriedade de quem vem do meio arísico para propor esa descenralização, não concordando que apenas quem em visibilidade de mercado deva ser apoiado. Enquano minisro, Gil viajou por diversas realidades no país, alando sobre as políicas culurais do minisério e, principalmene ouvindo conribuições, e agradece à Lula pela oporunidade de “conhecer o Brasil”. Como arisa e gesor, ele eve conao com a desigualdade que se configura no cenário de omeno e acesso à culura no país, e a parir de um olhar exremamene sensível, paricipou de odas as discussões possíveis, buscando maner canais de diálogo com a sociedade e reormas insiucionais denro do próprio minisério. Foi a parir dese conao com a diversidade culural brasileira que nasceu a idéia de uma políica culural mais descenralizada e que conerisse cera auonomia aos agenes culurais espalhados pelo país, como os Ponos de Culura. Para além do Programa Mais Culura, Gil buscou repensar o conceio de culura e o lugar do poder público nese campo. A parir da ampliação desa percepção, oi possível criar políicas inerseoriais e ações ransversais, relacionando a culura com o urismo, o meio ambiene, a saúde, a ciência e ecnologia, os direios humanos. Gil buscou ambém inegrar ações da União, do Esado e dos Municípios, enxergando a imporância da ariculação 190 htp://www.observaoriodaimprensa.com.br/arigos.asp?cod=460ASP008
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de ações públicas a parir de um paco ederaivo, eviando a desconinuidade e a superposição de ações e oralecendo parcerias locais. Oura insância que Gil busca quesionar são os Conselhos de Culura, que embora enham represenanes da sociedade civil, não se configuram em uma paricipação direa da sociedade, uma vez que os membros do conselho - ainda que alamene qualificados e reconhecidos por suas noáveis rajeórias culurais - são indicados pelo governo, e não pela sociedade. Nese senido, Gil buscou incenivar a realização de Conerências Nacionais, Esaduais e Municipais, para que a sociedade paricipe não apenas colocando demandas, mas ambém ormulando direrizes, a fim de esabelecer políicas e planos (nacionais, esaduais e municipais) de culura que garanam a legiimidade e a coninuidade das ações para além do governane em exercício. Assim, a primeira Conerência Nacional de Culura, realizada em 2005, esabeleceu rês direrizes principais: O PEC150 (que prevê respecivamene 2%, 1,5% e 1% dos orçamenos ederal, esaduais e municipais para a Culura191), a implemenação do Sisema Nacional de Culura (a fim de inegrar as rês eseras do poder público) e a Democraização da Comunicação (apoiando ações como a criação da V Brasil, a primeira V pública do país, e as ações da Culura Digial em sofware livre). Desde o ano passado os municípios e esados se preparam para as eapas regionais da próxima Conerência Nacional de Culura, marcada para março de 2010. Além disso, ese ano o presidene Lula assinou o decreo convocando a 1° Conerência Nacional de Comunicação, aniga reivindicação dos movimenos sociais da comunicação, a ser realizada ainda ese ano. Para Ana Lúcia Pardo, ouvidora da represenação regional do MinC no io de Janeiro, “além de rever as políicas culurais 191 “ A União aplicará, anualmente, nunca menos do que 2% da receita tributária na preservação do patrimônio cultural brasileiro e na produção e diusão da cultura nacional.” : Fone: htp://www.culura.gov.br/noicias/noicias_do_ minc/index.php?p=12781&more=1&c=1&pb=1
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em diálogo com dierenes segmenos da sociedade, Gil buscou repensar o próprio Minisério da Culura, a parir da concepção de culura para além do campo das ares, em uma visão anropológica que abarque os dierenes modos de expressão, uma dimensão cidadã das indúsrias criaivas”. Em 2003 Gil inicia uma série de reormas esruurais192 no minisério, desinada a agilizar e apereiçoar o seu uncionameno, bem como de suas enidades inegradas. Foi na gesão de Gil, por exemplo, que oi criada a Secrearia de Idenidade e Diversidade, que busca promover ações voladas para a culura indígena, quilombola, GLB, enre ouras. Eses segmenos, embora abarquem diversas expressões arísicas, possuem demandas próprias e aé enão não enconravam espaço específico nas políicas culurais. Ana Lúcia lembra ainda que o MinC(*) é uma enidade relaivamene jovem, com pouco mais de 20 anos, e que abarca grandes insiuições ais como a Bi blioeca Nacional, o Insiuo do Parimônio Hisórico Nacional (IPHAN), a Fundação Nacional de Ares (Funare), e assim esa consane revisão do papel do Esado é imporane para garanir ações concreas e coninuadas, principalmene no campo da culura, marcada pela inormalidade e evenualidade das ações. Segundo pesquisa realizada pela Fecomercio, cerca de 87% dos brasileiros nunca oram ao cinema, 73% dos livros esão concenrados em 16% da população, 90% dos municípios não êm equipamenos culurais, e 92% da população nunca oram a museus193. A parir dese quadro, as ações do MinC oram divididas em quaro direrizes: A garania do acesso aos bens culurais e meios necessários para expressão simbólica e arísica; a promoção da diversidade culural e social; a qualificação do ambiene social das cidades disponibilizando equipamenos 192 hp://www.gilberogil.com.br/sec_biograia. php?page=2&ordem=DESC 193 Esudo “O hábito de lazer cultural do brasileiro” : htp://www.ecomercio-rj.org.br/publique/media/Pesquisa%20Culura.pd
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culurais, incenivando o consumo de bens culurais pela população e aciliando o acesso à produção culural; e a geração de oporunidades de emprego e renda. Essas meas oram sisemaizadas no Programa Mais Culura, que é hoje hisoricamene a maior ação do governo brasileiro de promoção do acesso à culura para as classes populares. Enre assunos polêmicos, Gil oi proagonisa na discussão sobre sofware livre e direios auorais, conrariando novamene os ineresses de diversos arisas, e da indúsria culural, de uma orma geral. Além de criar a ação Culura Digial 194 no Programa Mais Culura, Gil levanou esa bandeira em diversos debaes, óruns e evenos relacionados ao ema. Afinando sua vida na políica e na música, levou esa discussão inclusive para seus shows: em junho de 2004 apresena “../liberdade/digial” no Fórum Inernacional de Sofware Livre, em Poro Alegre e em seembro do mesmo ano realiza o Show Creaive Commons em deesa do sofware livre juno com David Byrne em Nova Iorque. No Fórum Social Mundial em 2005, Gil paricipa ao lado do sociólogo caalão Manuel Casells do debae “ Revolução Digital: soware livre, liberdade do conhecimento e liberdade de ex pressão na sociedade da inormação” e declara: “Não se trata de um movimento “anti”, mas de um movimento “pro”, ou seja, a avor da valorização e da disseminação de uma nova cidadania global, da capacidade de autodeterminação das pessoas, de novas ormas de interação e articulação, da liberdade real de produção e diusão da subjetividade , da busca do saber, da inormação, do exercício da sensibilidade e da coletividade. E como estou valorizando o lado “pro” do Fórum, quero propor a vocês a constituição imediata, a partir deste encontro, de uma convocação global pela liberdade digital da huma194 htp://www.culura.gov.br/sie/caegoria/poliicas/culura-digial-3/
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nidade, complementar à convocação global pela erradicação da pobreza lançada por diversas ONGs neste Fórum e abraçada pelo presidente Lula. Sejamos corajosos e substantivos em relação a isso.”
Gil ambém eve imporane papel em sua políica no exerior, onde já era reconhecido enquano arisa desde a época de seu exílio na Europa, quando livre da influência da repressão, pôde desenvolver imporanes experimenos arísicos para seu rabalho, configurando grande conribuição à música brasileira. Como minisro da Culura vindo do meio arísico, Gil ampliou o debae com minisérios e ações culurais de diversos países, resulando em ruos como por exemplo o debae “A Culura na Esraégia da Inegração Laino-Americana”, em 2005 em São Paulo com os secreários nacionais de culura da Venezuela, de Cuba e da Argenina, e o Ano do Brasil na França, em 2005, reribuído com o Ano da França no Brasil, agora em 2009. Em meados de 2008, diagnosicado com problemas de saúde nas cordas vocais, Gilbero Gil pede aasameno do cargo de Minisro da Culura. Assim como na sua ase ropicalisa, recebeu diversas críicas ao sair do MinC. Os que avaliaram sua auação como negaiva ou nula, alegam que ele não ampliou o diálogo com a classe arísica e ez de sua passagem enquano minisro apenas uma esraégia de auo-promoção. Enreano, levando em consideração um Minisério hisoricamene aasado das maniesações populares e alamene cenralizado em políicas culurais no eixo io-São Paulo, a auação de Gil no senido da descenralização dos recursos oi undamenal para a valorização de maniesações populares. Com o aasameno de Gil, Juca Ferreira, que aé enão era secreário-execuivo e auava como minisro inerino, assume oficialmene cargo e vem dando imporane coninuidade às políicas implemenadas por Gil. Sobre o Programa Mais Culura, Juca garane a coninuidade de ações, e declara: 140
“O ´Mais Cultura` é uma conseqüência natural de tudo que temos eito desde que o ministro (Gilberto) Gil oi convidado pelo presidente Lula. Nós temos trabalhado a cultura em três dimensões: cultura como ato simbólico, cultura como direito de cidadania e cultura como economia. Ampliamos o conceito de cultura. Cultura não é só arte. Começamos a botar o ministério pra se relacionar com toda a produção simbólica do povo brasileiro, sem discriminação de nenhum território. Nós adotamos o conceito de política pública, que oi uma mudança importantíssima.”
Dando coninuidade ao seu rabalho na música, Gil prosseguiu com a urnê do album Banda Larga Cordel , lançado em 2007. Ese rabalho marca o aivismo de Gil na culura digial, ano como minisro quano como músico. Nos shows realizados durane a urnê do álbum, é incenivado o uso de câmeras oográficas, de vídeo e aé celulares para regisro do show pelos ãs – ao conrário da radicional proibição de regisro mulimídia em casas de show –, a edição do maerial a seu modo e a posagem no Youube. Seu poral na inerne, o htp://www.bandalargacordel.com.br , maneve um concurso culural dos vídeos e oos produzidas pelo público, além de disponibilizar as aixas e as leras. O que, para uma visão limiada dos críicos, não passa de uma esraégia de markeing – muio bem sucedida, vale dizer – é ambém sinal da rajeória ropicalisa de Gil: a paricipação do público na obra e a junção do que há de mais moderno na ecnologia digial (celulares com câmeras e sies de hospedagem de coneúdo) – a Banda Larga - com a radição nordesina das raízes do baiano – o Cordel. Assim, sua passagem pelo Minisério da Culura e, mais especificamene, o projeo dos Ponos de Culura, reomam, ressignificam e aualizam o espírio ropicalisa presene ainda hoje em ermos de produção culural. 141
CONCLUSÃO
Depois de uma série de análises sobre a produção de culura e suas imbricações políicas e sociais, encerro ese rabalho reorçando a argumenação eia ao longo dos capíulos com observações sobre os emas esudados, esudados, relacionando-os enre si, endo em visa a perspeci va hi his sór óric icaa qu quee no noss le leva vara ram m aos aco con nec ecim imen enos rel elaaci cion onaado dos. s. Como vimos, a década de 60 oi marca marcada da por inensa produção culural e uma cera valorização da culura popular, como o enoque dado ao “povo” a parir dos pressuposos do projeo nacional-popular. Se naquele empo o espírio desenvolvimenisa dos anos 50 e o “descobrimeno” do erriório nacional a parir de novas ecnologias de ranspore e comunicação geraram uma necessidade de busca por uma idenidade nacional, hoje o esorço é no senido da preservação da culura local, ainda que híbrida e conecada com a culura global, garanindo assim a muliplicidade culural em um país de anas origens. No senido da valorização da “culura popular”, a principal dierença do CPC da década de 60 e do Programa Culura Viva hoje é o reconhecimeno da necessidade de regisro das radições populares por pare da própria comunidade e a poencialização das aividades que já são de alguma orma desenvolvidas, revendo assim um cero auoriarismo ípico da época, que definia com clareza excessiva o que era bom para sociedade sociedade e o que não era. Nese senido, a ropicália exerceu, como vimos, um imporane papel no quesionameno dos padrões e valorização da diversidade aravés de experimenações - o que ambém pode ser enconrado em ações de diversos Ponos de Culura do país, que experimenam novas ecnologias com saberes radicionais, sob a perspeciva do conhecimeno livre. Assim, reoma a anropoagia de Oswald de Andrade, bebendo em dierenes ones em busca de uma idenidade culural local ariculada com as ransormações glo bais, ba is, ma mais is am ampl plas as.. A gr gran ande de di dier eren ença ça é qu quee ho hoje je,, co com m a gl glob obal aliz izaç ação ão,, 143
a própria noção de roneira e comunidades não esão mais resrias ao erriório e rabalha-se assim, em cima de ouras reerências. “As identidades não estão ligadas a características indicadas a priori ou fixas, mas devem ser pensadas a partir de fonteiras móveis, em que as posições dos atores podem mudar de acordo com demandas e interações que se apresentem, não apenas undadas na memória das interações, mas também em projetos”.195
Nese senido, as idenidades e esraégias de ação que são consruídas nos conexos mapeados ambém são fluidas e múliplas, revelando inensos jogos e negociações enre os campos da políica e da culura. A vonade de comunicar e misurar misurar culuras, chave chave para o ropicalismo, é reomada nas ações do MinC, endo Gil como minisro, cujo principal esorço oi expandir o conceio de culura e orná-la mais acessível, reconhecendo-a como uma erramena esraégica para o desenvolvimeno. A culura, enquano direio inalienável do ser humano, é ambém um dever de Esado, que deve garanir o acesso e a produção de culura como pare das ações para a cidadania. Segundo Gil: É precis precisoo recen recentr trali alizar zar o que que está está centr centrali alizado zado nas mão mãoss de poucos. As matrizes da indústria cultural não deixaram nada para as perierias. Por isso, hoje, o papel do Estado Est ado brasilei brasileiro ro na or ormul mulaçã açãoo de políticas políticas pública públicass é empoderar as micro maniestações, para que eles se apro priem prie m cad cadaa vez ma mais is dos espaços espaços púb público licoss e que sejam prota pr otagon gonist istas as na na prote proteção ção e promo promoção ção da diver diversida sidade. de.196 195 Enne, 2007, p.17 196 Fone: htp://pol htp://pollyrosa lyrosa.muliply.com/journal/iem/40 .muliply.com/journal/iem/40/40 /40 (acessado em 07/12/2008).
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Vimos ao ao longo do rabalho rabalho o papel papel exercido pela culura, de uma orma geral, na consiuição de memórias memór ias e idenidades, que esão areladas a posições de classe. Aravés de discursos, insrumenos de saber e poder, visões de mundo podem ser crisalizadas, assim como podem ser reorçados preconceios e esigmas, concepções hegemônicas, ineresses de mercado mercado,, moivações políicas, denre ouros - especialmene quando conjugadas aos ineresses ineresses dos grandes conglomerados liberais e a vonades políicas oaliárias, ou ainda subordinadas aos ineresses das elies políicas e financeiras. No enano, para além da visão críica e maniqueísa para com os aparaos aparaos comunicaivos, é imporane complexificar ese debae, debae, levando em consideração as conradições presenes no mundo aual. Pois, se hoje já não se vive mais em al mundo reparido ideologicamen ideologicamene, e, ampouco devem esar assim siuadas nossas análises. “É preciso levar em conta que não basta compreendermos os processos culturais como lugar de alienação e manipulação, pois com isso perdemos de vista a riqueza do processo social, em que sujeitos concretos, históricos, estão vivendo e construindo suas realidades, num jogo de estrat estratégias égias e táticas, táticas, que que não cabe em esquemas reducionistas do tipo maniqueísta e polarizado.” 197
Ass im, a par Assim, parir ir de uma pers perspec peciva iva hisór hisórica, ica, busque busqueii aqui analisar as endências para as políicas culurais na globalização.. Nese rajeo, lização rajeo, observamos obser vamos uma aleração de ações que, se em 60 eram predominanemene políicas e de inervenção social direa, hoje esão mais ligadas à produção de subjeividades, em que a ransormação se dá no plano individual e coleivo, aravés da própria ação culural – como já havia sugerido a ropicália. Ou seja, se em 60 a culura começava a ser reco197 Enne, 2007, p.21
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nhecida como lugar de afirmação de uma idenidade nacional e a consolidação dos meios de comunicação de massa no país araíram políicas públicas para o seor; em 80 e 90, com as maniesações pela aberura do regime, os movimenos sociais se oraleceram e enxergaram a culura como uma imporane arena de dispua social, a parir da criação de diversas Casas de Culura, que conavam com apoios ponuais por pare do poder público; em 90 e início dos anos 2000, vemos crescer veriginosamene ações culurais da sociedade civil aravés de Organizações Não Governamenais, que buscam suprir a ausência do Esado em ermos de serviços para a sociedade ligada à iniciaiva privada, prezando pela auonomia rene ao poder público; e, hoje, uma das endências que se pode observar em ermos de políicas culurais são os Ponos de Culura, um projeo do Governo Federal em parceria com a sociedade civil e a iniciaiva privada, que busca garanir a preservação e valorização das radições populares, conecada com as endências globais e visando a inserção dos agenes no mercado culural.
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