UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES – CEART CEART DEPARTAMENTO DE M ÚSICA
A música nativista do sul do Brasil: panorama histórico e gêneros de comunicação com o folclore rio-platense Trabalho de conclusão de curso
Eduardo Hector Ferraro
Orientador: Acácio Tadeu Camargo Piedade
Florianópolis, julho 2006
EDUARDO HECTOR FERRARO
Trabalho
de
Licenciatura
conclusão em
de
Educação
curso
de
Artística
habilitação em Música, Universidade do Estado de Santa Catarina Orientador: Prof Dr Ac ácio Tadeu Camargo Piedade.
Florianópolis, Julho de 2006
EDUARDO HECTOR FERRARO
Trabalho
de
Licenciatura
conclusão em
de
Educação
curso
de
Artística
habilitação em Música, Universidade do Estado de Santa Catarina Orientador: Prof Dr Ac ácio Tadeu Camargo Piedade.
Florianópolis, Julho de 2006
EDUARDO HECTOR FERRARO
A música nativista do sul do Brasil: panorama histórico e gêneros de comunicação com o folclore rio-platense Trabalho de conclusão de curso Aprovado em 5 de julho de 2006
___________________________ ________________________________________ __________________ _____ Orientador: Prof Doutor Acácio Tadeu Camargo Piedade
__________________________ ________________________________________ ____________________ ______ Prof Doutor Marcos Tadeu Holler
____________________________ _________________________________________ ___________________ ______ Profa. Tereza Mara Franzoni
Florianópolis, julho de 2006
AGRADECIMENTOS Este trabalho foi possível não somente pela minha dedicação e empenho, mas também pela paciência e carinho que algumas pessoas me brindaram durante o processo de construção da pe squisa, e ao longo da gradua ção. Agrade ço a minha esposa Neusa, e a minha filha Bia por agüentar toda minha energia, alegrias e tristezas durante a constru ção da pesquisa. Por elas me esperar com amor e carinho na chegada do campo e acreditar que meu trabalho era muito sério. Agrade ço aos grandes amigos conquistados no decorrer do curso, especialmente a Deborah Rampinelli, companheira de tantos trabalhos, incansável batalhadora, e a seu filho Paulo Vinicius, que compartiu tantas apresenta ções na Universidad e e hoje é meu grande discípulo na música. Agrade ço aos professores do curso de Licenciatura em Música, que me brindaram informações preciosas e me fizeram gostar da Música ainda mais do que eu gostava. Um agradecimento muito especial para meu amigo, grande artista nativista, Giancarlo Orsoleta, que fez possível a minha pesquisa de campo no Canto e Poesia.
Corredor de
RESUMO
Este trabalho descreve o surgimento do Movimento Nativista e sua intera ção na modernização das tradições gaúchas. Tendo como um dos sinais desta modernização, a integração latinoamericana, mais precisamente, com os pa íses limítrofes da Argentina e Uruguai, pretendemos mostrar atrav és da música nativista este fato. Para direcionar a pesquisa, consideramos importante o embasamento hist órico e geográfico, junto de uma análise dos processos culturais e, principalmente, art ísticos que conduziram ao surgimento do nativismo. A pesquisa de campo
é o centro do trabalho, pois nela encontramos os fortes indícios da integração mencionada, assim como os gêneros de comunicação com o folclore rio-platense. Finalmente, s ão abordados os ritmos e a instrumenta ção usada na música nativista como traços da modernização e integração com a cultura platina. N ão deixamos de lado o contexto sociológico e o polêmico tema da ideologia que est á embutido nestes movimentos, assuntos que permeiam todo o trabalho, aprofundados nas considera ções finais.
Palavras Chaves Música Nativista – Tradicionalismo Ga úcho – Cultura Rio-Platense
iv
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................... iv INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 07
1. CAPÍTULO I – ................................................................................................................ 09 1.1 Cultura gaúcha........................................................................................................... 09 1.2 Referências históricas e geográficas.......................................................................... 12 1.3 Imigrações.................................................................................................................. 18 1.4 Os movimentos culturais no processo hist órico......................................................... 19
2.CAPÍTULO II – ................................................................................................................. 24 2.1 Movimento Nativista............................................................................ ..................... 24 2.2 Os festivais de m úsica............................................................................................... 26 2.3 Divergências do Tradicionalismo com o Nativismo................................................. 28 2.4 Intervenção da mídia. Divulgação e crescimento do Movimento Nativista através da Indústria Cultural............................................................................................................. 30
3.CAPÍTULO III – PESQUISA DE CAMPO................................................ ..................... 36 3.1 Corredor de Canto e Poesia...................................................................... .................. 36 3.2 Encontro com artistas nativistas de RS...................................................................... 50
4.CAPÍTULO IV – ........................................................................................................... 54 4.1 Os gêneros da música gaúcha.................................................................................... 54 4.2 Os gêneros musicais nativistas................................................................................... 57 4.3 Os instrumentos......................................................................................................... 62 4.4 A “Tchê Music”............................................................................................………. 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 80 v
PÁGINAS CONSULTADAS NA INTERNET.......................................................................... 82
ANEXOS..................................................................................................................................... 84 Anexo I – Corredor de Canto e Poesia........................................................................... 84 Anexo II – Partituras........................................................................................................ 86
FOTOS 1........................................................................................................................................ 39 2........................................................................................................................................ 39 3........................................................................................................................................ 39 4........................................................................................................................................ 47
FIGURAS 1. Mate............................................................................ ............................................... 40 2. Faca............................................................................................. ............................... 43 3. Viola..................................................................................... ...................................... 63 4. Violão........................................................................................................................ .63 5. Gaita de bot ão............................................................................................................ 63 6. Gaita de teclado (acorde ão)........................................................................................ 63 7. Bombo legüero........................................................................................................... 65 8. Cajón.......................................................................................................................... 66
vi
INTRODUÇÃO A questão da tradição no sul do Brasil, e seus movimentos adjuntos, o Tradicionalismo e o mais moderno Nativismo, foram alvo de pesquisa e ainda s ão, para sociólogos e antropólogos devido à riqueza e complexidade existente no assunto. Dentro dos fenômenos culturais desta região, a música aparece como um dos mais interessantes para ser estudado, criando, assim, um campo espec ífico a ser desvendado pela etnomusicologia. O alvo deste trabalho é o Movimento Nativista e seus gêneros de comunicação com o folclore rio-platense. Para isto, acreditamos que uma passagem pela hist ória explica melhor como o fenômeno do Nativismo surge no contexto socio-cultural do sul do pa ís. A conformação da figura do ga úcho, intensamente ligada aos processos históricos e transforma ções sociais na região, é relatada no primeiro capítulo. Assim como os traços culturais que se transformaram em costumes e deram forma à tradição gaúcha, inspiradora de um dos movimentos mais importantes dentro deste âmbito: O Movimento Tradicionalista Gaúcho. A aparição do nativismo de forma discreta se dá através dos festivais de música regional na década de 70. Como movimento toma força nos anos 80, trazendo a modernização da tradição e uma mensagem de integra ção com as culturas de países vizinhos, assim como um c âmbio no aspecto ideol ógico proposto pelos tradicionalistas. O Movimento Nativista e suas idéias progressistas trouxeram novos ares para a m úsica regional em vários sentidos: nas composições, nas instrumenta ções e no refinamento de poesias e letras das can ções do movimento. Estes aspectos s ão abordados no segundo capítulo do trabalho. As pesquisas de campo do terceiro cap ítulo, coincidentemente, evidenciaram uma série de quest ões que nos propúnhamos confirmar. A primeira delas foi feita num festival de composi ção de m úsica nativista onde participaram somente músicos e compositores. Neste evento, tivemos a oportunidade de conviver um fim de semana com estes artistas, entrevist á-los, compor e executar as músicas junto deles, numa estrutura muito similar à dos festivais; estas composições concorriam a pr êmios simbólicos. A segunda pesquisa foi em Florianópolis, no teatro do CIC, aproveitando a vinda de dois renomados artistas nativistas para fazer show na cidade. Entrevistamo-los numa conversa informal, por ém muito objetiva, através de perguntas simples sobre os temas espec íficos que desejávamos colocar no trabalho.
7
Para finalizar, no quarto cap ítulo, a questão dos gêneros da musica gaúcha é focalizada por épocas, começando pelos tradicionais, adaptados dos g êneros europeus, passando pelo nativismo e sua integra ção com a música platina e uma breve menção ao movimento “tchê music”, como último expoente de modernização e da indústria cultural gaúcha. Também abordamos o tema dos instrumentos usados na produ ção musical regional, pontuando as discrep âncias entre os tradicionalistas e os nativistas a respeito do que pode ou não ser usado para executar as m úsicas gaúchas.
8
CAPÍTULO 1 Neste primeiro cap ítulo descreveremos os processos hist óricos e culturais acontecidos na região sul do Brasil, que influenciaram na formação da cultura gaúcha. Trataremos também das imigrações e seus grupos étnicos, mostrando a participação destas colônias nas posteriores express ões musicais que deram origem à música gaúcha.
1.1-Cultura gaúcha Na tentativa de falar na conforma ção da cultura gaúcha, parece inevitável recorrer a um retrospecto hist órico, que nos guie para entender o desenvolvimento deste intrincado conjunto de hábitos, forma de vida e express ões artísticas surgidas no Sul do Brasil, na região de fronteira com o Uruguai, a Argentina e o Paraguai. Ao longo dos anos, desde a época da colonização da América do Sul, espanhóis e portugueses travaram intensas disputas pelas ter ras e riquezas encontradas desde o estu ário do Rio de la Plata em direção ao norte, entrando no que hoje é territ ório brasileiro. O palco principal destas disputas é, geograficamente, o lugar onde se desenvolveu, com o passar do tempo, a Cultura Ga úcha. Contribu íram para moldar as características desta singular cultura, inúmeras questões, como invasões, guerras, revoluções, a tentativa de desenvolvimento comercial da região e as imigrações de etnias vindas de vários lugares do planeta. Desta maneira, criou-se a imagem de uma cultura impregnada de fortes transforma ções sociais, no meio da qual crescia um povo bem particular e uma figura marcante: o Ga úcho. Esta personagem é, sem dúvida, o centro desta cultura. Ligada fortemente à vida rural (OLIVEN, 1992, p.100), a figura do ga úcho é a de um homem rude, que absorveu esse passado de intensas e, às vezes, violentas transformações sociais. Com o tempo, modificou-se essa impress ão sobre o gaúcho e sua cultura, mostrando o dinamismo existente e a constante evolu ção na sociedade destes dois elementos. Para entender um pouco mais sobre este universo, poder íamos analisar em primeira instância a origem da palavra “gaúcho”, que dá nome à figura central deste movimento cultural. 1
Vários autores concordam com respeito à etimologia deste termo . O folclorista Paix ão Côrtes
1
Pode-se encontrar uma boa descri ção do termo na http:www//paginadoga úcho.com.br
página do gaúcho” na internet:
“
9
menciona, em uma entrevista de 1981, que o termo aparece pela primeira vez na literatura 2 brasileira em Coruja (1851) . Esta definição foi dicionarizada como “índio do campo, sem
domicílio certo” (Paixão Côr tes, 1981, p. 15). Afirma, ainda, que o termo “gaúcho” começa a ser usado no Brasil depois da metade do s éculo XIX e que, no estudo realizado pelo uruguaio Fernando Assun ção (1963) de nome “ El Gaúcho”, está escrito que há uma primeira citação do termo em um documento que data de 1771, dizendo que a palavra
gaúcho” é “empregada a
“
homens que viviam em atividade rural, na vasta área que se estendia das bandas Cisplatinas até o sul do Brasil Col ônia” (Paixão Côrtes, 1981, p 15). Há várias versões da palavra, e Paixão Côrtes oferece uma lista:
Guasso- denominação dada ao camponês chileno. Da forma guassucho; Gatucho- é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo gaudere, “ter gosto pela liberdade ”
Gaudério- teria se originado de gaudeo, nome atribuído aos homens de campo da banda oriental (Uruguai);
Galucho- “recruta” em português; Garrucho- homem portador de “garrocha”ou
garrucha”, que é uma meia lua de metal
“
na extremidade de uma vara de madeira com a qual se cortava o
garrão” dos animais;
“
Gahucho- pronúncia de garrucho em tupi-guarani; Gaudsho- vocábulo idiomático cigano; Guacho ou Uacho- órfão, bastardo, animal criado sem mãe; Gauhu-che- vocábulo da língua indígena quechua, combinado de gauhú, “cantar triste” e che, “gente”;
Chaucho- do árabe chaouch, correspondente a “tropeiro”; Gatchu- termo indígena em língua aruak: “companheiro”; Gauche- galicismo, aplicado no sentido de desviado, desgarrado, mal inclinado. Paixão Côrtes ainda acrescenta alguns outros nomes sem dar especificações sobre as origens: kaguauchu, gachu, gacho, guancho, gauchori, cauchu, cauchu-k, gaucino, gauk, guaxe
2
Paixão Côrtes não especifica o livro em que Coruja menciona o termo “gaúcho ”, mas podemos afirmar que a obra mais famosa de Antônio Alvares Pereira “Coruja” (era seu apelido), é a Coleção de Vocábulos e frases usados na Província de São Pedro de Rio Grande do Sul . As datas da publica ção não coincidem com o citado, sendo estas ou de 1852 e outra de 1856.
10
(1981, p. 16). Dentre todas estas vers ões, autores como Zeno Cardoso Nunes no seu Dicionário de Regionalismos de Rio Grande do sul ou as fontes consultadas na internet ( www.paginado gaúcho.com.br) não destacam alguma em especial. Os identificadores desta cultura t ão peculiar são muitos, estes elementos todos ligados a um modo de vida rural que, historicamente, foram se transformando conforme a evolu ção da sociedade, sem deixar que a figura do ga úcho, o homem de campo, o centro desta cultura, se dissolva no meio da moderniza ção. Elementos como vestimenta, culin ária, produção artística, língua, dentre outros, criam em conjunto o que é chamado de identidade cultural, fenômeno que relaciona o povo de uma região com o valor cultural desses elementos. Nos seus estudos sobre o tema, Hall define o termo
identificação” como “uma construção, como um processo nunca completado - como algo
“
sempre
‘
em processo”, e também pontua que as “identidades são, pois, pontos de apego
tempor ário às posições-de-sujeito que as pr áticas discursivas constroem para nós. Elas são o resultado de uma bem sucedida articula ção ou ‘fixação’ do sujeito ao fluxo do discurso” (Hall, 2000, p.116). Já Canclini, numa interessante avaliação, observa que, para um padrão cultural tradicional, a identidade cultural ap óia-se na construção de um patrimônio em dois sentidos: a ocupação de um território e a formação de coleções, isto é, o conjunto de bens simbólicos referentes à cultura. Os bens simbólicos são produzidos pela indústria cultural ou derivados da própria cultura, e são considerados produtos de consumo como os bens materiais. Canclini aprofunda a id éia dizendo que “ter uma cidade ou um bairro, uma
identidade seria, antes de mais nada, ter um pa ís, uma
entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse
lugar se tornasse id êntico e intercambiável” (Canclini, 2003, p.190). Pode-se entender, portanto, que a identidade cultural ga úcha, coincidentemente, é formada também pelos valores dos elementos citados, isto é, vestimenta, culinária, o trabalho no campo e a língua, dentre outros, conjugados nesta cultura. Outra quest ão a salientar é que a cultura gaúcha encontra-se num contexto marcadamente regional, apesar de alguns sinais de expans ão, produto da modernização e das comunicações, temas que tamb ém trataremos ao longo do trabalho. Nilda Jacks aborda a “cultura regional” como todas as manifesta ções de uma região que caracterizam sua realidade s ócio-cultural, e a coloca junto às manifestações de caráter “erudito”, “ popular ” e “massivo”, que, segundo o antropólogo Jesus Martin Barbero, s ão instâncias culturais indissociáveis (apud Jacks, 1998, p.15). Por isto, 11
cabe a reflex ão de que a cultura regional não é somente “ popular ”, pois a inserção de cultura de classes dominantes no contexto regional parece ser uma constante. Esta é uma característica dentro da cultura ga úcha e seus movimentos ocorridos no estado de Rio Grande do Sul, quase sempre empreendidos pelas classes dominantes, alguns deles apoiados pelas camadas populares. Jacks (1998, p.16) ainda cita Anamaria Fadul, que define a cultura regional como a
que se
“
relaciona como dom ínio da diferença, do que é específico de uma regi ão”, “da qual a cultura popular é uma espécie” (Fadul apud Jacks, 1997, p.16). No que se refere à inserção da cultura gaúcha dentro do âmbito nacional, ela faz parte de um conjunto de representa ções que formam a identidade nacional brasileir a, e é parte de uma diversidade cultural, produto das suas muitas identidades regionais. No trabalho de Oliven O nacional e o regional na construção da identidade brasileira de 1986, o autor considera que a constru ção da identidade nacional passa pelo regional. Já, Renato Ortiz em Cultura brasileira & identidade nacional de 1985, afirma que a constru ção da identidade passa pelo popular. Ambos salientam a import ância destas categorias culturais, que mostram dinamismo, mesmo vindo de padrões tradicionais, para poder subsistir às transformações econômicas e sociais (Jacks, 1998, p.20). Como colocamos no in ício de nosso trabalho, um mergulho na história pode nos fazer conhecer um pouco mais das caracter ísticas e elementos que formam a cultura gaúcha, mostrando o perfil da sua figura central: o ga úcho. Em época de conquista de territórios, sangrentas lutas pela demarca ção e defesa das fronteiras nacionais, mostras de heroísmo e virilidade engendraram e enalteceram esta figura m ítica. A criação e manutenção do mito na visão de autores e folcloristas, responde a um car áter ideológico, principalmente sustentado pelas classes dominantes ligadas ao setor rural. Como veremos no decorrer do trabalho, haver á momentos de ruptura ideol ógica, demonstrada pela colocação de questões sociais também referidas ao campo e sua população menos favorecida. A seguir, colocaremos alguns dados hist óricos para esclarecer e conhecer a cultura gaúcha mais a fundo.
1.2-Referências Históricas e Geográficas Nossa intenção agora é contextualizar geográfica e historicamente os processos que deram origem à cultura gaúcha. Entrar em detalhes seria tal vez, desviar -se do nosso alvo principal de 12
pesquisa, que é a música nativista no seu processo de formação, como movimento artístico dentro da cultura gaúcha. Assim, cremos que é pertinente fornecer alguns dados, respeitando uma ordem cronol ógica, que vão dar uma idéia da conformação da cultura gaúcha através do tempo. O epicentro geogr áfico de nossa pesquisa é o que conhecemos hoje como o Estado do Rio Grande do Sul, onde a cultura ga úcha nasceu e registra suas maiores expressões, mas poderemos estender a área de estudo e de acontecimentos para o norte e para o sul. Para o norte, há muitos acontecimentos importantes registrados em Santa Catarina, e alguns nos estados do Paran á e São Paulo, que logo mencionaremos. Para o sul, é possível afirmar que os fatos históricos e sociais acontecidos nos pa íses vizinhos, como Uruguai, Argentina, e ao oeste Paraguai, são de vital import ância na cultura ga úcha, evidenciando fortes influências. A região do Rio de la Plata e dos rios Paraná e Uruguai na Argentina, passando pelo território do Uruguai e algumas regiões do Paraguai, podem ser somadas ao cen ário das transformações sociais e culturais que interessam para nossa pesquisa. Nestas regi ões aportaram espanhóis e portugueses desde o ano de 1501 (Fagundes, 1997, p.12) em diferentes expedi ções, acompanhadas também de navegantes de outros países da Europa. As descobertas de terras e as primeiras ocupa ções ocorreram de forma desordenada, até que o Tratado de Tordesilhas colocou alguma defini ção nos limites das ocupações. Para o Brasil, ficariam estabelecidos os meridianos que passariam pela Ilha de Maraj ó ao norte, e em Laguna, Santa Catarina, ao sul. Nestas expedi ções, espanhóis e portugueses encontraram os primeiros habitantes da Am érica do Sul: diferentes tribos de índios localizadas por regiões, com comportamentos diferenciados, alguns povos de esp írito guerreiro e muito rebeldes. Além dos expedicion ários, religiosos também vieram para este cenário. Os jesuítas, missionários da ordem
Companhia de Jesus”, chegaram ao Brasil em 1549 pela primeira vez (Ferreira, 1960, p.21).
“
Estes jesuítas portugueses espalharam-se em diferentes regi ões com o intuito de catequizar e alfabetizar os ind ígenas que habitavam esses territórios. Da mesma forma, um pouco mais ao sul, os jesuítas espanhóis da mesma ordem estabeleceram as suas bases na província Argentina de Misiones e no sul do Paraguai. Em toda esta regi ão os religiosos construíram pequenas cidades, chamadas de “missões”, para fazer o trabalho com os indígenas. No Brasil, há dados de que os jesuítas fundaram dezoito missões na região sul, numa primeira tentativa, isto é, por que os bandeirantes, vindos de S ão Paulo, destruíram e saquearam as pequenas cidadelas. Numa segunda tentativa, fundaram novamente oito miss ões, das quais só restaram sete, conhecidas 13
historicamente como os “Sete Povos”. Aqui aparecem elementos que os jesuítas iriam explorar economicamente, e que depois aparecem na cultura ga úcha: o trabalho com o gado bovino que existia na regi ão, e a exploração da erva mate (Pesavento, 1982, p.11). Um tipo de infusão feito com a erva já era um costume indígena que agradara também aos brancos e, com o passar do tempo, ficaria conhecido como chimarr ão. Estas missões viveram épocas de prosperidade, gerando trabalho para os ind ígenas e funcionando como uma sociedade organizada, mas a partir de 1730 os “Sete Povos” entraram em decadência econômica e social. Logo seguiu uma s érie de ações bélicas, produto das péssimas relações entre Espanha e Portugal, nas quais foram envolvidos as miss ões e seus habitantes, tanto índios como religiosos. Nos conflitos morreram muitos índios e, em menor escala, os brancos que combatiam para ambos os lados. Os jesu ítas se retiraram destes territ órios entre 1756 e 1759, ano em que foram expulsos definitivamente do Brasil. Os bandeirantes tamb ém participaram ativamente na região com suas incursões desde São Paulo. Tanto nas a ções de guerra nas miss ões, como em outros conflitos com a coroa espanhola, na tentativa de fixar limites entre as duas col ônias, a “ hispana” e a portuguesa. No percurso entre São Paulo e Rio Grande, marcaram rotas para comunicar as regiões, e fundaram vilas que depois se tornariam cidades, algumas de vital import ância para a economia futura de alguns estados. A participa ção bandeirante na história é vista de forma controversa pelos diferentes autores: alguns, como Terra no seu trabalho Raízes da América Gaúcha (1993, p.141), reforçam o valor e o espírito guerreiro na defesa dos territórios, valores atribuídos muito depois ao gaúcho, outros como Pesavento, pontuam a cobi ça por riquezas e o caráter sanguinário destes conquistadores. De todas as formas, existe, obviamente, alguma contribui ção dos bandeirantes neste processo de formação social e cultural, por mais que as opiniões dos historiadores sejam desencontradas. Outra figura importante nesta contextualiza ção histórica é a do tropeiro. Sua participação
é relevante no que respeita ao desenvolvimento comercial da regi ão sul e sudeste, na troca de costumes e h ábitos sociais entre estas e na afirmação de alguns traços culturais que aparecem na cultura gaúcha. Os tropeiros têm seu nome dado pelas tropas de animais que eles conduziam de um lugar para outro, principalmente com fins comerciais e de manejo. Segundo um documento da Fundação Catarinense de Cultura O Caminho das tropas de 1986, um dos motivos do aparecimento dos tropeiros foi a necessidade de levar animais de carga e de corte para o sudeste, principalmente para Minas Gerais. Isto foi aproveitado pelos paulistas, estabelecendo o com ércio 14
de gado na feira de Sorocaba. O gado, como relatamos anteriormente, foi trazido do Uruguai e da Argentina pelos jesu ítas para o sul do Brasil, e depois levado para o sudeste em tropas. A figura do tropeiro est á ligada intimamente com as atividades do campo, a lida com animais e o domínio da montaria, já que todas essas atividades eram feitas a cavalo, características encontradas depois, na figura do ga úcho. Segundo Araújo, o primeiro tropeiro que fez uma longa viagem entre 1731 e1732, por treze meses com tropas de gado, foi Custodio Pereira de Abreu, mas h á dados sobre a formação de tropas para transporte de gado de 1634, conforme anota ções feitas por um jesuíta (Fagundes, 1997, p.30). Mas é nos séculos XVIII e XIX que a atividade dos tropeiros é mais intensa. Licurgo Costa menciona, no seu livro O continente das Lagens, sua história e influência no sertão de terra firme, a atuação de tropeiros na região de Lages (S.C) desde aproximadamente 1750. Coloca tamb ém que alguns tropeiros ficaram com terras na região do planalto serrano de Santa Catarina, que se converteram nas fazendas de descanso das tropas. Costa fornece uma lista de tropeiros com detalhes da origem de cada um e do ano que chegaram na regi ão (Costa, 1982, p.169). As rotas ou caminhos das tropas s ão vários, porém coincidem nos pontos extremos, de São Paulo para Rio Grande do Sul ou Laguna, em Santa Catarina. A atividade também se expandiu quando come çaram as grandes fazendas de café no sudeste: assim, levavam gado do sul e voltavam de S ão Paulo com café ou farinha de mandioca. Nesses longos caminhos havia a necessidade de descanso, tanto para homens como para o gado, feito nos chamados “ pousos”. Nos começos do tropeirismo, os pousos eram acampamentos improvisados feitos com barracas de lona, em lugares estrategicamente escolhidos, geralmente campos com boas pastagens para os 3 animais (“coxilhas”) , lugar que tamb ém facilitaria o controle da tropa. Com o passar do tempo,
se estabeleceram algumas fazendas nos caminhos dessas tropas, possibilitando que os “ pousos” fossem feitos nas mesmas. O munic ípio de Lages era um dos pontos de “ pouso” preferidos das tropas pelas suas pastagens e pela quantidade de fazendas que permitiam o descanso (Costa, 1982, p.158, p.170). Ainda hoje h á propriedades que conservam a disposição arquitetônica e funcional da época das tropas. Assim, os tropeiros passaram a usar o galpão da fazenda para pernoite e conv ívio no descanso. A comida começou a ser feita no “fogo de chão”, no centro do galpão, e no mesmo fogo se esquentava água para o chimarrão e se fazia o café tropeiro. Todas estas caracter ísticas da culinária são comuns também à cultura gaúcha. No referido documento da Fundação Catarinense de Cultura O Caminho das Tropas, aparecem algumas entrevistas feitas 3
Lugares com boa pastagem e de relevo topogr áfico suave, com poucas elevações no terreno.
15
com tropeiros e outros trabalhadores de fazenda que lidavam com tropas. Podemos dizer que h á detalhes interessantes sobre as vestimentas, que j á mostravam semelhança com às do gaúcho. Sobre a culin ária, além dos elementos já comentados, falava-se sobre o churrasco e arroz de carreteiro, dois expoentes na cozinha ga úcha. E talvez o mais interessante para nossa pesquisa é o comentário feito sobre o “divertimento”, que eram as festas que o tropeiro participava, com música feita por gaita, viola e rebeca. Na entrevista são mencionados os ritmos xote, vanerão e a Ratoeira, que era uma dan ça. A área das festas era na praça da vila ou na fazenda na qual a tropa estava “ pousando” e a festa era geralmente patrocinada por algum fazendeiro, que fornecia a comida e o “trago” (cerveja ou vinho). Pelo exposto, a contribui ção do tropeiro para a cultura gaúcha é significativa, por causa do comércio, em primeira instância, que funcionou como um elo entre o sudeste e o sul do Brasil, firmando essa cultura do homem do campo na regi ão. Cabe ressaltar que a passagem dos tropeiros e a posse de terras por alguns deles no Planalto Catarinense, deixaram marcas significativas no que diz respeito à cultura do homem de campo, sendo hoje o município de Lages e outros na regi ão fortes seguidores da cultura gaúcha. Segundo o próprio documento da F.C.C, o tropeirismo proporcionou tamb ém uma maior ligação com os vizinhos da região do “Prata” e pontua sobre as coincid ências culturais existentes com essa região, como vocabulário, culinária e vestimenta. As hostilidades entre Portugal e Espanha foram a marca destas épocas coloniais, matizadas com tratados de paz e coloca ção de limites entre as duas col ônias (Ferreira, 1960, p.42). Inúmeras guerras se sucederam no território que descrevemos anteriormente, desde a época das missões, aproximadamente 1750, seguindo com as tentativas de invasão por parte dos espanhóis em territórios da coroa portuguesa, hoje Rio Grande do Sul, a partir de 1760. Anos mais tarde, os conflitos se centraram na regi ão do Uruguai. A Argentina já tinha formado um governo independente da coroa espanhola e a Banda Oriental (Uruguai) era uma prov íncia que pertencia ao Vice-reinado do Rio de la Plata. Portanto, o governo argentino assumiu esse territ ório. A coroa portuguesa também estava interessada nestas terras, mas complicando a situação, em 1811 um movimento separatista cresceu rapidamente na Banda Oriental, encabeçado por caudilhos locais, o que gerou v ários confrontos militares na tentativa de sufocar o desejo de independ ência dos “orientais”. Até que em 1820, o caudilho Artigas é derrotado e a banda Oriental é anexada ao Império com o nome de Província Cisplatina (Pesavento, 1982, p.34). O 16
cenário político era tão conturbado que Dom Pedro I declarou guerra à Argentina em 1825, confrontando-se os ex ércitos em várias batalhas e escaramuças. A paz é firmada em 1828 colocando o Uruguai como Estado “tampão” entre Br asil e Argentina (Fagundes, 1997, p.78). No que diz respeito aos conflitos internos h á um fato determinante para a cultura gaúcha e seus valores: a Revolu ção Farroupilha. Este movimento separatista começou em 1835 e culminou em 1836 com a proclama ção da R epública Rio-Grandense, desligando-se do Imp ério e criando autonomia. Seguiram dez anos de guerra na tentativa do Imp ério de recuperar o território separatista, culminando com um tratado de paz em 1835 entre os “Farrapos” e os “Imperiais”, em termos favoráveis para ambos os lados (Pesavento, 1982, p.37, 38, 39). Este processo, gerado pela revolução e a guerra posterior, marcou os rio-grandenses, criando um orgulho pela epop éia guerreira dos “Farroupilhas” e um sentimento de amor pela terra, que até hoje é comemorado em data oficial no dia 20 de setembro. Voltando para o cen ário internacional, houve mais conflitos com os vizinhos; desta vez, contra o ditador argentino Rosas e, tempo depois, contra o caudilho paraguaio Solano Lopez no que se chamou de
Guerra da Tríplice Aliança”. Nesta última, o exército era composto por
“
brasileiros, argentinos e uruguaios contra as for ças paraguaias e acabou aproximadamente em 1870. Em todas estas a ções bélicas a participação de soldados nascidos no território do Rio Grande foi freq üente e massiva, marcando um caráter aguerrido e viril neste povo, que depois passou para a figura do ga úcho. Como disse o folclorista Paixão Côrtes na entrevista que já mencionamos, em meados do s éculo XIX a palavra “gaúcho” começa a se usar para denominar aos habitantes do Estado de Rio Grande, coincidentemente, no per íodo histórico que acabamos de relatar. Ainda houve mais um epis ódio importante na história rio-grandense antes da virada do século: a revolução de 1893 (Fortes, 1981, p.124). Este processo tem rela ção com a proclamação da República e com uma série de lutas internas pelo poder no próprio Estado do Rio Grande. O saldo foi trágico, foram quase dois anos de combates deixando muitos mortos e uma situação de caos. A paz foi assinada em 1895, na cidade de Pelotas (Fagundes, 1997, p.113). No século XX, houve também movimentos sociais e políticos de importância no Rio Grande, mas é possível colocá-los mais em n ível nacional do que nos processos locais. Os movimentos revolucion ários acontecer am desde 1924, tendo uma continuidade que culminaria
17
em 1937 com a interven ção do Estado do Rio Grande e, no âmbito nacional, com a proclamação do Estado Novo (Pesavento, 1982, p.114). Apresentamos at é aqui um relato sucinto, sem entrar em maiores detalhes, dos fatos históricos desta região, fundamentalmente para termos uma idéia da formação da cultura gaúcha e as caracter ísticas sociais e políticas que ajudaram para este processo. Como vimos, uma constante foi a ocupa ção dos territórios, as subseqüentes guerras e conflitos diplom áticos que aconteceram exclusivamente nesta regi ão de fronteira do Brasil. Inegavelmente, através destas fricções, o convívio entre as culturas indígenas, “ hispana”, “lusitana” e “afro”, gerou um marco social e cultural sem precedentes, no qual surgiu a cultura ga úcha. Os elementos mencionados anteriormente, como a culin ária, a vestimenta, a língua, as expressões artísticas e os costumes da vida rural são produto desta mescla que a passagem do tempo ajudou a moldar. O caráter altivo, orgulhoso e aguerrido do ga úcho parece ser produto destas fricções vividas ao longo da história, principalmente dos permanentes conflitos b élicos que se sucederam desde o século XVII até o século XX, dos quais o povo rio-grandense foi part ícipe ativo. Para focalizarmos melhor nossa pesquisa sobre uma express ão artística específica da cultura gaúcha, a Música Nativista, achamos pertinente colocar um outro elemento social e cultural que foi tamb ém de vital importância na história para o seu desenvolvimento: a participa ção dos imigrantes.
1.3- Imigrações Várias etnias se conjugaram no sul do Brasil trazendo juntos os costumes e a bagagem cultural, o que de alguma forma contribuiu com alguns elementos na conforma ção da cultura gaúcha. Com o passar do tempo e com as guerras mundiais, estas imigra ções se acentuaram, vindo contingentes da Europa com destino espec ífico para América Latina. Muitos deles se encantaram com as regi ões de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, outros ficaram mais ao norte. Os imigrantes que escolheram o sul do pa ís em primeira instância eram alemães, e sua chegada no Rio Grande do Sul foi em 1824 (Fortes, 1981, p.88). Depois chegaram tamb ém italianos e espanh óis (Fortes, 1981, p.115), e mais tarde contingentes de poloneses, russos, austríacos, holandeses, judeus, árabes e até japoneses e africanos (Hinerasky, 2002, p.2). Dos traços culturais trazidos pelos imigrantes, talvez seja a música o mais marcante. Vários ritmos e danças foram sendo conhecidos em festas e celebrações e alguns destes gêneros 18
foram de grande import ância para a música gaúcha, conforme veremos depois. Não há somente influência, mas a adaptação destes gêneros europeus que darão origem aos seus similares gaúchos. Não foi só foi a música que os europeus trouxeram: os instrumentos vindos com eles também causaram uma mudança significativa. Os alemães com o bandoneón e os italianos com o acordeão, também chamado popularmente de “gaita” no sul do Brasil, revolucionaram a maneira de fazer música nestas latitudes, quest ão que analisaremos no próximo capítulo. A entrada dos imigrantes na regi ão modificou alguns aspectos da cultura gaúcha e da dinâmica social dos estados do sul do Brasil. Aspectos como a culinária e a língua foram dos mais influenciados, mas devemos ressaltar que os imigrantes tamb ém adaptaram seu modo de vida, modificando alguns dos caracteres culturais trazidos da Europa. Para continuar, veremos de que forma neste ambiente s ócio-cultural, com mistura de etnias e grandes transforma ções ao longo do tempo, os movimentos culturais art ísticos ganharam import ância dentro da cultura gaúcha.
1.4- Os movimentos culturais no processo histórico Os fatos hist óricos de relevância já comentados foram visivelmente moldando a cultura gaúcha. Tentaremos agora colocar em foco alguns movimentos culturais que serviram para o desenvolvimento das express ões artísticas desta cultura. As diferentes manifestações abriram o caminho para chegar no que hoje chamamos de
Música Nativista”, o alvo de nossa pesquisa.
“
Numa ordem cronol ógica, citaremos os processos mais importantes para, no próximo capítulo, analisar mais detalhadamente o fen ômeno do “ Nativismo”. Com todos os processos sociais que aconteceram e que descrevemos anteriormente, houve significativas mudan ças até chegarmos a distinguir uma arte de caráter nacional, com elementos que tendem à valorização do autóctone. Dentro da cultura gaúcha, o antecedente artístico mais significativo foi talvez a criação da “Sociedade Partenon Literário”, em 1868. Em plena Guerra do Paraguai, um grupo de literatos come çava um trabalho de divulgação através de diários, revistas, livros e conferências, tentando “ser porta-voz” do telurismo que sentia fazer parte dos habitantes do Sul do Pa ís” (Jacks, 1998, p.29). Segundo Álvaro Santi (2004), este grupo de escritores e intelectuais, n ão somente exaltava o heroísmo do gaúcho nas suas publicações, como também tratava de temas de cunho progressista. Ideologicamente, eles eram republicanos e abolicionistas fervorosos, rom ânticos defensores dos direitos das mulheres no que tange à 19
educação e censura, temas que aparecem em sua “ Revista” e tratados em debates públicos por eles promovidos (Santi, 2004, p.29). A import ância da “Sociedade Partenon Literário” como antecedente art ístico revela-se nas poesias e prosas escritas pelos seus membros, compiladas anos mais tarde, no chamado
Cancioneiro Gaúcho” (Augusto Meyer, 1959). Esta característica da
“
import ância do verso, da letra, é ressaltada também no desenvolvimento da música gaúcha até chegar no Nativismo. Entrar em detalhes sobre a estil ística e influências literárias destes escritores não seria tão importante neste trabalho, mas podemos citar que, segundo o pesquisador Athos Damasceno Ferreira, eles teriam uma certa inclina ção pelos românticos franceses, como Victor Hugo ou Lamartine, entre outros, criando uma forma de escrita bem particular por causa da mistura da tem ática gaúcha com o estilo refinado do romantismo francês (Santi, 2004, p.34). Com o pano de fundo da Rep ública, recém instalada e tentando a consolidação, surgiram no Rio Grande do Sul v árias tentativas de criação de entidades cívicas que buscariam um incentivo ao patriotismo e ao cultivo das tradi ções nacionais e estaduais (Jacks,1998, p.31). Foi assim que, em 1898, o Major Cezimbra Jaques fundou o
Grêmio Gaúcho de Porto Alegre”.
“
Segundo Santi, esta agremia ção tinha também características de sociedade literária, com inspiração no antigo “Partenon”, mas citando o historiador Tau Golin, Santi menciona que o
Grêmio Gaúcho” tem uma forte matriz na “ Sociedad Criolla” , criada em Montevid éu, Uruguai,
“
quatro anos antes (op. cit., p.36). Um dado importante é que, segundo Golin, Cezimbra Jaques já tinha conhecimento da sociedade fundada em Uruguai e expressava enorme simpatia com os ideais de manuten ção da tradição que esta sociedade pregava. Coincidentemente também na Argentina e na mesma época surgem as “Sociedades Tradicionalistas” e academias ou centros Criollos”, com o intuito de recriar os costumes do
“
gaúcho”, inclusive música e dança
“
(Archetti, 2003, p.14). Este fen ômeno aconteceu entre 1898 e 1914 em Buenos Aires e seus arredores. Apesar da proximidade com Montevid éu, não há informações que mostrem alguma relação dos uruguaios com o “Grêmio Gaúcho”, mas aparece caracterizada a influ ência exercida pela
Sociedad Criolla” de Uruguai nas manifestações ideológicas que Cezimbra Jaques
“
professava e que passaram anos depois, para as gera ções que deram continuidade a estes movimentos (Santi, 2004, p. 38-40). Em um outro enfoque, Nilda Jacks pontua o claro objetivo c ívico da fundação do grêmio, colocando o coment ário do próprio Cezimbra Jaques, que enaltece o patriotismo e fecha dizendo que era necess ário “manter o cunho do nosso glorioso Estado e conseqüentemente as nossas 20
grandiosas tradi ções” (Jacks, 1998, p.31). A criação da União Gaúcha de Pelotas em 1899, com uma proposta objetiva focalizada no civismo e patriotismo, mostra o esp írito de cultuar as tradições brotando em todo Rio Grande do Sul. Segundo Jacks (1998), outras agrupações surgiram nessa época e, anos depois, como o Centro Gaúcho de Bagé (1899), o Grêmio Gaúcho de Santa Maria (1901), a Sociedade Ga úcha de Lomba Grande (1938) e o Clube Farroupilha de Ijuí (1943). Destas associações, somente as duas primeiras, o Grêmio Gaúcho e a União Gaúcha de Pelotas, conseguiram algum resultado nos seus prop ósitos iniciais (Jacks, 1998, p.32). Esta fase de exalta ção aos valores culturais nacionais e regionais, demonstrada pela aparição destes grupos, que era vivida no fim do s éculo XIX at é quase a metade do século XX, antecedeu a um importante movimento que iria surgir por volta de 1948: o Tradicionalismo. O Movimento Tradicionalista Ga úcho (MTG) tem como marco de iniciação a criação do
35 Centro de Tradições Gaúchas” (CTG), em 24 de abril de 1948. O nascimento deste primeiro
“
CTG se deve à iniciativa de um grupo de estudantes vindos do interior do estado, junto aos escoteiros, e que iniciaria uma fase do culto às tradições gaúchas como contestação à invasão da cultura norte-americana que era difundida no Brasil. O nome de
35” se deve ao ano de 1835,
“
início da Revolução Farroupilha. A partir deste acontecimento surgiram no Estado de Rio Grande do Sul vários CTGs, copiando o modelo do “35”. Há dados que nos primeiros cinco anos foram criados 35 CTGs no Estado. Com o passar do tempo os CTGs se espalharam pelo pa ís por causa da imigração para outros Estados e também para o exterior. Até fins de 1980, existiam mais de mil CTGs no Rio Grande do Sul e mais de uma centena entre os criados no resto do pa ís e no exterior (Jacks, 1998, p.35). Retomando as rela ções existentes entre o MTG e um dos seus antecessores, o Grêmio Gaúcho, podemos salientar que há uma mudança significativa entre o caráter elitista do Grêmio, inspirado na “ Sociedad Criolla” uruguaia, e a proposta do 35 CTG, de cunho mais popular. De todas as maneiras, os criadores do MTG viajaram para Montevid éu para estabelecer contato com os membros da entidade uruguaia com o prop ósito de buscar elementos para formular as “danças tradicionais ” (Santi, 2004, p.43). Apesar das mudanças ideológicas mostradas pelos tradicionalistas, h á marca da influência que parecia exercer a cultura “Platina” sobre a gaúcha. Uma das coincid ências possíveis de apontar era a postura dos criadores do MTG com relação aos imigrantes, que se afinavam com as afirma ções colocadas pelos criadores da “Sociedad Criolla” e as do Cezimbra Jaques. Havia uma mostra de preocupa ção ao respeito do elemento imigrante, 21
como ameaça ao culto das tradições. Com o passar do tempo, os Tradicionalistas abrandaram esta postura aceitando as contribui ções culturais e tentando trazer os imigrantes e seus descendentes para a cultura ga úcha. O crescimento e a import ância do Tradicionalismo foi aumentando com a criação dos GTGs
e outras entidades pelo Estado, a ponto de fomentar em 1954 o I Congresso
Tradicionalista, que passou a se reunir anualmente e, na sua VIII edi ção, em 1961, é aprovada a Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista onde já aparece o termo “nativista” (Santi, 2004, p.49). A popularidade do movimento era not ória, reconhecida oficialmente quando o Governo do Estado se solidariza com algumas das propostas do MTG, a exemplo disto, em 1961, cria o Instituto de Tradi ção e Folclore. Em 1964, foi oficializada a Semana Farroupilha, comemorada anualmente de 14 a 20 de setembro, com envolvimento da rede p ública escolar e a Brigada Militar. A proximidade do movimento com o Governo era not ória, tanto que foi doado um terreno para a constru ção da sede definitiva do 35 CTG em 1971. Em 1974, constitui-se como fundação o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, ligado à Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. Na década de 80, institui-se por lei o ensino do Folclore em todas as escolas estaduais, através da disciplina de “Estudos Sociais”. Mostra da transcendência deste movimento cultural é a realização do I Congresso Brasileiro de Tradição Gaúcha, que aconteceu em 1988, em Santa Catarina e que preparou a cria ção da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha (Oliven apud Santi, 2004, p.54). A evolução do culto às tradições está marcada por uma mudança de postura que foi assinalada por um dos criadores do MTG, Luiz Carlos Barbosa Lessa. Na diferen ça das gerações do “Partenon Literário” e do Grêmio Gaúcho, Lessa expressa que, enquanto essas sociedades procuravam recriar a figura do ga úcho na literatura, a proposta do 35 CTG era de “revivê-lo, na medida do poss ível, ainda que simbolicamente” (Santi, 2004, p.44). Para isto, a recuperação de elementos como a linguagem, a vestimenta e os costumes do ga úcho da campanha eram fundamentais. Tal evolu ção é notada também entre as gerações do “Partenon” e do Grêmio, separadas por trinta anos de diferen ça. As críticas fizeram parte do universo, do crescimento e da posterior evolução do MTG. A reprodu ção nos CTGs da hierarquia vivida no campo é duramente criticada por alguns autores e historiadores (Tau Golin, Sandra Pesavento). A exist ência de um Patrão como presidente do CTG, de um Capataz como vice-presidente, de Sota-capatazes como secret ários, Conselho de 22
Vaqueanos como conselho consultivo, um Agregado de pilchas como tesoureiro e finalmente um Peão e a prenda como sócios, evidenciam um caráter latifundiário revivido numa época com outra estrutura social e num meio que n ão é propriamente o r ural (Golin,1983, p. 102). Oliven pontua a defasagem ideol ógica existente no movimento, entre as épocas da sua criação e a atual, dizendo que Rio Grande do Sul j á sofreu grandes mudanças sócio-econômicas, por isso diz ser um movimento anacr ônico (apud Jacks,1998, p.36). Ainda Jacks coloca a seguinte reflex ão ao respeito da ideologia do Tradicionalismo:
Com esta perspectiva anal ítica, o Tradicionalismo é tido por mais autores como uma ideologia destinada a submeter as camadas populares, rurais, e urbanas, aos seus princípios, que enfatizam a harmonia social, o bem coletivo, a cooperação com o Estado, o respeito à lei, etc. (Jacks, 1998, p. 37).
Em defesa destas cr íticas os ideólogos do movimento dizem que foram criados GTGs que associam diferentes camadas sociais convivendo na mesma estrutura interna, mas a pr ática atual demonstra uma realidade um pouco diferente, encontrando-se discrimina ção racial e de ordem social também. Na seqüência do processo evolutivo da cultura gaúcha, nasce no seio do Tradicionalismo um movimento que, atrav és da música e da poesia e de alguns elementos sociais e ideológicos, mudaria o cen ário cultural gaúcho: o Movimento Nativista. A descrição que faremos no próximo capítulo estará baseada nos fatos históricos do surgimento do movimento, numa análise comparativa sobre a ideologia deste e seus antecessores, e tamb ém os seus aspectos musicais e poéticos, assim como a comunicação existente com as culturas folclóricas limítrofes.
23
CAPÍTULO 2 Descreveremos neste capítulo o surgimento do movimento nativista no contexto da cultura gaúcha e suas tradições. A participação do movimento nos festivais de música atingindo o auge na década de 80 e suas disputas ideológicas com os tradicionalistas serão tratados especificamente. Faremos um relato da interven ção da Mídia no processo de expansão do movimento nativista para encerrar o cap ítulo.
2.1 Movimento Nativista Definir o Movimento Nativista ou o Nativismo Ga úcho, num primeiro momento parece algo problem ático ou confuso, já que sua origem est á no seio de outro movimento: o Movimento Tradicionalista Ga úcho. Hoje, inegavelmente o Nativismo existe como movimento e como uma das correntes ideol ógicas dentro da cultura gaúcha. Para identificar o Nativismo como movimento temos que dar uma olhada nos processos hist óricos, sociais e culturais que marcaram sua trajetória até os dias de hoje. Revisando a seq üência de acontecimentos, a primeira menção do termo
nativista”
“
aparece na Carta de Princ ípios do MTG, de 1961, aprovada na edição do VII Congresso Tradicionalista (Santi, 2004, p.49). A efervesc ência popular e a vontade de contestação ao regime militar que governava o pa ís no Rio Grande do Sul foi canalizada revivendo a cultura local, através do Movimento Nativista (Lucas, 2000, p.48). Chegando na d écada de 70, a iniciativa de uma rádio de Uruguaiana de organizar o I Festival da Canção Popular de Fronteira deu impulso para trazer à região o que era visto pela TV nos festivais do Rio de Janeiro. Este festival de caráter eclético permitia todos os gêneros, dentre os quais a música regional ou gaúcha faria parte. Dois compositores da regi ão competiram com uma milonga, que foi desclassificada e que tinha esse marcado car áter regional. Foram eles, Julio Machado e Colmar Duarte que, depois desta situação, idealizaram um festival onde “somente aceitassem canções gaúchas” e ainda nesse ano e com a mesma milonga eles ganharam o I Festival Artístico-Cultural Tradicionalista, organizado pelo CTG Poncho Verde (Santi, 2004, p54). No ano seguinte, Duarte seria eleito presidente do CTG Sinuelo do Pago e levaria a cabo, com a ajuda da diretoria, o projeto de organizar o festival que s ó concorressem músicas gaúchas. Assim nasceria a I Califórnia da 24
Canção Nativa, nome aprovado por unanimidade pela diretoria do CTG para o festival. O termo Calif órnia “[...] vem do grego e significa ‘conjunto de coisas belas’”, de acordo com o escrito na 4
contracapa do disco do festival . Segundo Santi, a express ão “canção nativa” contida no nome do evento seria o que originou o termo “nativismo” e este autor define canção nativa como sendo qualquer can ção produzida no Rio Grande do Sul respondendo a um conjunto de gêneros específicos de canção, dados como característicos do Estado por pesquisadores desta música. Ainda no regulamento do festival pode-se resgatar a seguinte defini ção: “Música de RS”: “aquela que evidencia o tema da terra ga úcha, fundada em seus ritmos folclóricos” (p.56). A I Califórnia da Canção Nativa teve um sucesso de p úblico muito grande, mas o resultado do festival foi muito contestado pelos compositores participantes. H á relatos que mostram a desconformidade dos “tradicionalistas” com a escolha da canção ganhadora, dizendo que esta era um “samba canção” e que não era “música gaúcha”. Neste relato, encontra-se uma referência de que os tradicionalistas estariam representados pelo “Grupo Nativista ”, de Telmo de Lima Freitas e outros companheiros, e eles seriam os que encabe çavam o protesto contra o resultado do festival. Ressaltamos que o relato coloca j á o termo “Nativista ” como uma tendência musical que, dentre outras coisas, ainda formava parte do tradicionalismo e estava alinhado com o pensamento ideol ógico deste movimento (Ucha apud Santi, 2004, p.22). Como detalhe, podemos adicionar que a cria ção da I Califórnia é reivindicada pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho através dos seus idealizadores, principalmente o folclorista Paixão Côrtes. Em entrevista de 1981, ele declara que n ão somente esta primeira iniciativa ( I Califórnia), da qual admite ser um dos organizadores, abriu o terreno para a cria ção de outros festivais. Também proporcionou o desenvolvimento da música gaúcha e a busca de “ Novos Rumos”, da qual Paixão Côrtes disse ser uma espécie de tendência, em que “a perfeição e a originalidade da letra, aliada à renovada linha melódica, possa traduzir o Rio Grande do passado, do presente e também novos horizontes de progresso” (p.34). A efervescência cultural a partir da I Califórnia foi notória no Rio Grande do Sul, epicentro dos festivais de música que se espalhavam de forma impressionante.
4
LP da I Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul . São Bernardo do Campo: Copacabana, 1982.
25
2.2 Os festivais de música A partir de 1971, a cultura ga úcha, em particular a música como meio de expressão artística principal, tomou dimensões impensadas pelos organizadores da I Califórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana. Surgiu desta maneira, uma quantidade de festivais em outras cidades que dariam continuidade ao sucesso da Calif órnia, que se repetia ano a ano em Uruguaiana, com algumas modifica ções no regulamento e na sua essência. Os palcos onde os shows eram montados, em áreas livres ao invés de teatros e a modalidade de acampamentos para participantes e público em volta dos palcos, passavam a ser uns dos atrativos dos eventos, permitindo o contato direto entre artistas e p úblico. Atividades paralelas aconteciam nas áreas destinadas ao evento, como feira de artesanato, torneio de pesca, mas eram as chamadas
tertúlias” as que marcaram o
“
dinamismo cultural e contato direto do artista com o povo. As tert úlias, reuniões de músicos para tocar livremente em áreas contíguas aos palcos ou nos próprios acampamentos, atraíam grande quantidade de p úblico e, em algumas das edições da Califórnia, chegaram a ser proibidas, pois chegavam a abafar as apresenta ções oficiais. O auge destes festivais foi nas d écadas de 70 e 80. Dados sobre os calend ários de festivais mostram, por exemplo, que no ano de 1990 havia uma previs ão de 40 a 50 eventos anualmente, sendo que j á tinha havido um número maior anteriormente. A diminuição foi devida ao fato de que alguns festivais n ão conseguiram se manter (Lucas, 2000, p.49). Os principais eventos que poderíamos mencionar são: a Tertúlia Musical Nativista (Santa Maria), Festival da Barranca (São Borja), Coxilha Nativista (Cruz Alta), Musicanto Sul-americano de Nativismo (Santa Rosa) e a própria Califórnia da Canção Nativa (Uruguaiana). Devemos salientar que, em Santa Catarina, na cidade de Lages, existe um importante festival realizado h á muitos anos, que é a Sapecada da Canção Nativa, colocado dentro da programa ção da tradicional Festa Nacional do Pinhão. Em Lages tamb ém, como veremos no capítulo 3, há um festival chamado Corredor de Canto e Poesia. Trata-se de um evento fechado para artistas compositores, realizado em tr ês dias no m ês de Novembro, do qual participei como pesquisador e músico, cujo relato e detalhes estão no próximo capítulo. Outro festival somente com artistas e compositores, isto é, sem público, é o Festival da Barranca de São Borja. Como observamos nos nomes dos festivais, existe uma tend ência de colocar o ter mo
nativa” ou “nativista” completando o rótulo do evento. Esta tendência parece enfatizar a
“
import ância que o Movimento Nativista alcançou nestas duas décadas até os dias de hoje, como 26
moderniza ção da tradição, inclusive ameaçando a hegemonia que o “tradicionalismo ” ostentava até então. De todas as formas esta hegemonia “tradicionalista” estava presente de forma contínua, na conformação dos jurados e na elaboração dos regulamentos dos festivais, a cargo das figuras mais importantes do MTG. A crítica aos regulamentos e ao comportamento dos jurados foi uma constante com o passar das edi ções da Califórnia e de outros festivais. O crescente Movimento Nativista via alguns aspectos destes regulamentos com caracter ísticas arcaicas para a proposta que os festivais traziam atrav és dos artistas. Imposições de vestimenta para as apresentações, língua oficial das composi ções, discriminações às interpretações com sotaque espanhol, assim como as delimitações de gêneros que não fossem de música gaúcha, isto é, ritmos “estrangeiros ” começaram a aparecer em regulamentos de vários festivais. E, evidentemente gerou um certo desconforto em artistas e compositores que procuravam uma abertura cultural mais abrangente, que de fato encontravam no novo Movimento Nativista. O Musicanto Sul-americano de Nativismo que se realiza em Santa Rosa desde 1983, foi um dos primeiros festivais que buscou uma universalidade maior abrigando manifesta ções nativistas de toda América Latina (Lucas, 2003, p.66). Neste interessante evento s ão convergentes as opini ões de tradicionalistas e nativistas, pois o festival n ão fere as tradições e por outro lado tem uma abertura cultural, enquanto as l ínguas, ritmos, temáticas e instrumentos a serem usados, já sejam eletrônicos ou acústicos. Esta marca de modernização imposta pelo Musicanto foi passando para outros festivais e influenciou evidentemente o resto dos eventos. A sofistica ção quanto às composições, seja na poesia, na m úsica e nas instrumentações, foi tomando conta e dando outras características às novas express ões musicais. A nova música gaúcha, a música nativista, quebrava o estigma que 5
anos atrás carregavam as composições das décadas de 50 e 60, afastando a idéia de “ grossura” assinada ao ga úcho e às suas expressões culturais.
Neste cenário de festivais se caracteriza uma disputa entre duas tend ências que basicamente defendem uma cultura que as acolhe no seu seio. Tanto o Tradicionalismo quanto o Nativismo representam a cultura ga úcha de forma absoluta, mas ambos têm diferenças em alguns pontos e há ranços ideológicos que acontecem pela dinâmica da própria cultura e pela moderniza ção da tradição. 5
Grossura”: termo assinado ao gaúcho, à sua cultura e aos costumes do hom em de campo. Segundo Glaucus Saraiva é um neologismo criado pelo Tradicionalismo. Este vocábulo tem caráter pejorativo e se refere ao “
comportamento do habitante do campo e seus costumes rurais.
27
2.3 As Divergências do Tradicionalismo com o Nativismo O Movimento Tradicionalista, como j á descrevemos, não cresceu somente pelas manifesta ções artísticas, também foi através da reprodução dos valores culturais do gaúcho, como vestimenta, culin ária, o linguajar, com misturas de espanhol e os costumes do homem de campo. Com a cria ção dos CTGs, o Tradicionalismo concentrou a reprodução dos valores culturais em zonas urbanas, monopolizando a tradi ção e o manejo dos bens simbólicos. Este método de preserva ção cultural foi bastante discutido por vários autores, que ressaltam as inúmeras contradi ções em que os ideólogos do MTG incorreram. Tratados sobre a história da região como o de Pesavento (1982), ou o trabalho A Ideologia do Gauchismo de Golin (1983), mostram essas contradi ções de forma contundente, assim como Olivem no seu livro A parte e o todo (1992), evidenciam estas controv érsias ideológicas por par te de tradicionalistas. O Movimento Nativista j á se apresenta como um fenômeno cultural que aparece por causa dos festivais de m úsica a partir da I Califórnia da Canção Nativa em 1971. Poder íamos dizer que
é um movimento musical, mas Dilan Camargo6 na revista Tarca (n.2, p.11) admite que o movimento saiu do âmbito musical e se expandiu para a área dos costumes e do consumo, afirmando que foi de fundamental import ância a participação da classe média gaúcha, que se mobilizou em massa, principalmente composta de jovens. Estas afirma ções de Camargo parecem ter um complemento ideal nas conjeturas de Oliven, que diz:
várias explicações podem ser
“
avançadas. [...] Sem descartar inteiramente nenhuma destas interpretações. É forçoso também reconhecer que a ades ão às coisas gaúchas corresponde à afirmação de uma identidade regional”. Na seqüência, Oliven diz que “vale lembrar que em época de crise, como a nossa, a identidade nacional é com freqüência afirmada pela diferença” (apud Jacks,1998, p.47, 48). Com o Movimento Nativista h á uma mostra evidentemente da adesão de uma população urbana, que passa a se identificar com elementos da cultura ga úcha que tiveram origem na campanha. O consumo de chimarr ão, o uso de bombachas, a colocação de expressões regionais na linguagem, mostravam um pouco a aceita ção desta classe média e, em especial, da juventude com esta cultura regional (Lucas, 2000, p.51-53). Os tradicionalistas, nesta esp écie de disputa, não reconhecem o nativismo como movimento, afirmam que é uma continuação do Tradicionalismo. Um dos criadores do MTG, 6
Citado por Jacks (1998, p.48)
28
Barbosa Lessa, admite que houve uma escolha feita pelos jovens entre o hippie e o ga úcho, o que impulsionou o nativismo e que este movimento é basicamente um acréscimo ao tradicionalismo na sua música (Jacks, 1998, p. 46). Outro dos fundadores do MTG, Paix ão Côrtes, disse que “o nativismo é uma corrente musical-poética-jornal ística e que aparece em decorrência dos hábitos e costumes que o Tradicionalismo criou para desenvolver ” (Jacks, 1998, p.55). Faz também menção dessa popula ção urbana, principalmente da capital, que gosta de vida noturna e toca em bares, participa de festivais, se autodenomina nativos, mas n ão sabe das origens da terra onde nasceu. Há posturas mais brandas entre tradicionalistas, como a de Milton Souza, que admite o 7
Nativismo como movimento, dizendo que na atualidade é o movimento artístico-musical de RS . Pereira Soares expressa que ainda é possível distinguir Tradicionalismo de Nativismo, dizendo 8
que ambas correntes pretendem a mesma coisa, por vias diferentes . Colmar Duarte, uns dos idealizadores da I Califórnia, acrescenta que “o Tradicionalismo é um movimento radical onde só
é gaúcho quem usa bota e bombachas. O nativista é essa pessoa que se integrou ao Movimento cultural despreocupado com os aspectos radicais ” (Jacks, 1998, p.56). Os elementos de disputa entre tradicionalistas e nativistas parecem, em primeira instância, ser de ordem artística e mais estritamente musical. Uma das questões é a utilização de instrumentos el étricos e eletrônicos, vetados pelos tradicionalistas num primeiro momento, mas com fortes oposi ções de alguns dos membros do movimento, que aceitam estas inovações tecnol ógicas como decorrência da modernização. Outro elemento, talvez o de maior import ância para este trabalho, alvo de nossa pesquisa
é a utilização de ritmos estrangeiros ou “alienígenas” na música gaúcha. Este tema é centro de grandes discuss ões e teorizações entre folcloristas, ideólogos de ambos movimentos, críticos musicais e jornalistas. Numa primeira an álise, poderíamos dizer que a música gaúcha e suas express ões foram construídas na base de ritmos europeus, como afirma Jayme Caetano Braun (Tarca, n.8, p.4), referindo-se a mazurca, a rancheira e a vaneira e colocando uma caracteriza ção do que parece ser o único ritmo autenticamente gaúcho, o bugio, do qual ele disse ser uma mistura de vaneira ou de rancheira (Jacks,1998, p.57). Fagundes declara que a milonga não é ritmo de RS e que os ritmos tradicionais do folclore s ão a valsa, a mazurca, as polcas, o xote, a rancheira, a habaneira, a marcha e a marchinha. Na opini ão de Luiz Carlos Borges, criador do
7
Nilda Jacks cita estes depoimentos publicados na revista Tarca n.14, p8 Idem 7, Tarca n.14, p.4-5.
8
29
Musicanto de Santa Rosa,
não existe ritmo gaúcho, todos os ritmos que aqui se toca são
“
alienígenas, que chegaram e se aculturaram através do tempo e são ditos ritmos gauchescos ” (Jacks, 1998, p.57). Borges tamb ém menciona o bugio como ritmo original de RS, mas disse que ninguém tem prova disso. Os nativistas, na sua maioria, parecem estar alinhados com as declara ções do Luiz Carlos Borges, que ainda afirma que os conservadores n ão admitem o uso de baixo elétrico e bateria porque isto descaracteriza a natureza dos festivais. Estes pontos de discord ância ao respeito de gêneros e instrumentos, entre tradicionalismo e nativismo serão analisados no cap ítulo 4. Tentaremos elaborar um elo entre os diferentes g êneros musicais gaúchos e seus correspondentes chamados de “alienígenas” ou estrangeiros, e observaremos até que ponto existe di álogo entre estes ritmos. As discordâncias entre estas tendências parecem ser explicadas pela amea ça da hegemonia que os tradicionalistas viram com o surgimento do nativismo, sua massa de jovens e sua nova proposta estética para a manutenção e conseqüente modernização das tradições gaúchas. Fechando esta an álise sobre as diferenças entre tradicionalistas e nativistas, mencionamos as observa ções de Oliven ao respeito dos dois grupos. Sobre os tradicionalistas, o autor refere-se a uma certa dificuldade que estes expressam na hora de delimitar e definir certos conceitos como cultura gaúcha, folclore, tradição, nativismo e fronteira, dentre outros. Afirma também que estaríamos diante de um grupo de intelectuais que se vale de um certo conhecimento como forma de poder, exercendo um monop ólio sobre o direito de afirmar o que são ou não, os conceitos acima mencionados, exercendo influ ência sobre um mercado de bens simbólicos (Oliven, 1992, p.109). E sobre o Movimento Nativista, Oliven admite que ele existe de fato e que seus componentes n ão são dogmáticos, isto é, não estão ligados a critérios pré-estabelecidos. Referindo-se à música, os nativistas expressam um desejo de experimentar e criar sem proibições e preconceitos. E quanto às vestimentas, eles querem vestir o que gostam e não de acordo com os figurinos que os tradicionalistas imp õem (Oliven, 1992 p.119).
2.4 Intervenção da Mídia. Divulgação e crescimento do Movimento Nativista através da indústria cultural Independente das discrep âncias entre tradicionalistas e nativistas, devemos colocar em pauta a interven ção da mídia, que ajudou inegavelmente, para a divulga ção da cultura gaúcha e 30
suas express ões artísticas nas décadas de 70 e 80, e também atualmente. Por mais que haja ranços entre as tendências, o fato da divulgação feita pela mídia é em favor da cultura gaúcha, já que para os leigos e desentendidos pode parecer que n ão há divergências, senão que existe uma imagem de cultura homog ênea. Afinal, tradicionalistas e nativistas se beneficiam da mesma forma. Com o aparecimento do Tradicionalismo nos anos 50, a cultura ga úcha ganhava uma forma, um tipo de organiza ção, enquanto o fenômeno da mídia também estava em crescimento, e até aí a relação entre ambos era quase imperceptível, somente através de alguns livros e 9
publicações feita pelos ideólogos do movimento , e num pequeno espa ço dedicado à cultura regional no rádio. Chegando nos anos 70, nos deparamos com a iniciativa de uma rádio em Uruguaiana de promover o I Festival da Canção Popular da Fronteira. A pesar deste evento ter um contexto musical ecl ético, podemos dizer que é já um antecedente da intervenção da mídia radial ística. Na I Califórnia da Canção Nativa a participação da rádio São Miguel de Uruguaiana e da Companhia Jornal ística Caldas Junior teria sido decisiva, tanto na idealização como na divulga ção (Santi, 2004, p.55). O grande sucesso dos festivais fez que o interesse das emissoras de rádio aumentasse neste mercado, a ponto de colocar nas suas programações vários espaços dedicados à música gaúcha e à cultura regional, inclusive nos chamados horários nobres. Sem dúvida que foi de grande valia a ajuda que o rádio deu para a divulgação da cultura gaúcha e sua a
música, e seu fato mais importante foi a cobertura dos festivais, cobrindo desde a 1 edição da Califórnia (Jacks, 1998, p.65). Apareceram no RS v árias revistas trazendo o tema da cultura regional e evidentemente a música. De todas, somente duas conseguiram se manter ativas, a Tarca e a Sul . Embora elas tinham uma linha diferente, a Sul esboçava um tom crítico nas matérias e reportagens, mas o objetivo de ambas era a cultura ga úcha indiscutivelmente. A Tarca dava cobertura jornal ística a todos os festivais do Estado al ém de publicar matérias sobre história e cultura rio-grandense. Em matéria de jornais não há grande diversidade. Somente duas publicações tratavam na
época dos festivais, sobre o tema. O Jornal Tchê que foi especificamente criado para cobrir o desenvolvimento do Movimento Nativista, e os festivais no Estado, e o jornal Zero Hora, que continha uma coluna dedicada à cultura regional e dedicava-se, dentre outras coisas, à crítica
9
As publicações começaram a aparecer na década de 60 em diante. Os autores são Tradicionalista, dentre eles, Paix ão Cortes, Barbosa Lessa e Glaucus Saraiva .
os ideólogos do Movimento 31
musical dos festivais e da produ ção de música nativista, numa sessão específica relacionada à música em geral. Ambas publicações tinham características bem diferentes. Por um lado o Tchê, um jornal pequeno, por outro, o Zero Hora, que pertence è Rede Brasil Sul, filiada a Rede Globo. O jornal Tchê era dedicado ao nativismo, com enfoque cr ítico e linguagem satírica, abordando temas culturais de import ância regional, numa linha completamente independente de grupos econômicos, políticos e de uma cultura globalizada. Depois de um tempo de circula ção bastante significativa na praça, o Tchê encerrou suas atividades transformando-se numa editora. O jornal Zero Hora entre 1980 e 1985 era o único que circulava no RS. Algumas das mat ér ias e colunas publicadas sobre cultura regional eram uma cópia da que saía no jornal A Hora, de 1954, e de outra publica ção chamada de Diário de Notícias. Segundo pesquisas, h á evidências que mostram a tendência ao tradicionalismo, a mostra de suas teses, e a coloca ção de opiniões pessoais por parte do colunista Antônio Augusto Fagundes. A coluna de cr ítica musical, a cargo de Juarez Fonseca, era publicada uma vez por semana e esporadicamente era dedicada à música gaúcha (Jacks, 1998, p.65, 66, 67). Outros estudos, como o da pesquisadora Ângela Felippi, indicam a contribuição do jornal Zero Hora na formação da identidade cultural gaúcha (2003). A análise feita por Felippe sobre reportagens relacionadas a acontecimentos hist óricos, salienta a contribuição que este tipo de jornalismo faz na recriação das tradições, como mostra de resistência à homogeneização da cultura através da globaliza ção. Em termos de editoras que dedicaram suas publica ções à cultura gaúcha distinguimos duas: Editora Tch ê e a Editora Matins Livreiro. Como j á vimos, a primeira surgiu com a dissolução do jornal do mesmo nome, e tem uma linha de publicações que hoje se divide entre temas regionais e outros. A segunda come çou suas atividades como “sebo”, oferecendo uma grande variedade de livros usados com a tem ática gaúcha, tornando-se editora em 1980, em pleno auge do nativismo. A Martins Livreiro t êm hoje uma extensa coleção de publicações na área cultural gaúcha, muitas dedicadas à poesia crioula (Jacks, 1998, p.69). A m ídia televisiva é um dos meios com maior poder de audi ência que também contribuiu para divulgação da cultura gaúcha no auge dos festivais e posteriormente. A programação da TV foi colocando aos poucos alguns programas sobre tradi ção, mas a inserção da temática nunca foi definitiva e hoje podemos afirmar que n ão foram conquistados espaços suficientes nesta mídia para a cultura ga úcha. A cobertura dos festivais deu-se timidamente at é 1986, onde três canais de 32
TV estiveram presentes. Nesse ano tamb ém marcaram presença 83 emissor as de rádio, 30 jornais e 9 revistas (Duarte apud Santi, 2004, p.70). A emissora de TV que mais espa ços abriu para a cultura gaúcha foi a RBS TV, empresa filiada à Rede Globo, e parte de um grupo de empresas de comunica ção que monopolizam este mercado no sul do país. As empresas ligadas à Rede Brasil Sul de comunica ção formam um conglomerado de televisoras no estado todo, junto com várias emissoras de r ádio em AM e FM, dois jornais, uma gravadora de discos e uma de vídeos, e duas editoras. Os espa ços para a programação regional são controlados pela central da Rede Globo que permitiu aos poucos uma pequena inser ção para temáticas de cultura regional, o resto dos espaços são pequenas intervenções em noticiários locais que cobrem a dinâmica da sociedade e da cultura em cada cidade. Atualmente, h á um programa só, que dedica o seu conteúdo inteiro à cultura e principalmente a m úsica gaúcha: Galpão Crioulo. Em princípio o programa era veiculado aos domingo às 10 da manhã, depois foi passando para horários mais cedo e atualmente é mostrada sua gravação às seis da manhã, aos domingos. Em termos de conteúdo, o programa mostra todo tipo de música gaúcha, independente de tendências, gêneros, épocas e estilos. O programa começou a ser produzido em 1983, em pleno auge do Movimento Nativista. Foi escolhido para ser seu condutor o conhecido tradicionalista Fagundes, o mesmo que estava a cargo da coluna sobre cultura ga úcha no jornal Zero Hora, também do grupo RBS. Na rede educativa de TV do Estado, TVE foi lan çado também em 1983 Galpão Nativo, um programa que mostrava as músicas dos festivais, e também outro programa chamado de Invernada Gaúcha, com temática sobre os CTGs e com participa ção de artistas amadores. Na mesma emissora ainda existiram dois programas que duraram pouco tempo: Sem Fronteiras e Debate ga úcho, este último discutia assuntos sobre cultura regional (Jacks,1998, p.74). Também no meio televisivo foram produzidos programas especiais citados num interessante trabalho da pesquisadora Daniela Hinerasky. S ão eles Sul em canto, Fronteiras, Nossa Cultura, Talentos do Sul e uma s érie chamada de Estâncias Gaúchas. Outros programas e séries foram produzidos a partir de 2000 com temas como a Revolução Farroupilha, ou a formação geológica do estado, dentro da temática histórico-cultural (Hinerasky, 2002, p.14). Apesar de que esta produ ção de programas citada por Hinerasky pareça tão importante, não há um volume significativo de informa ções que contenham cultura gaúcha no conteúdo das programações de TV, talvez explicado pelo depoimento de um ex-funcion ário da emissora (RBS) e pela própria diretora do Galpão Crioulo. Ambos concordam em que a emissora n ão dá os 33
espaços suficientes para a cultura regional e só visa ao lucro, seguindo as tendências que o mercado televisivo pede. Resgato a seguir um par ágrafo no qual Hinerasky resume um pouco a situação que vem acontecendo na TV com a cultura gaúcha no decorrer destes anos, assim ela afirma: Pode-se dizer que, de uma forma geral, a representa ção do gaúcho da Campanha se mantém em espaço diferenciado, mas sem tanto destaque. Os programas citados enfocam aspectos hist óricos e culturais do Estado, mas sem se utilizar exclusivamente da imagem idealizada do ga úcho, de “ bota e bombacha” (Hinerasky, 2002, p.13).
Segundo Jacks, a ind ústria discográfica foi o meio mais importante para mostrar o Movimento Nativista na ind ústria cultural gaúcha (1998, p.74). Podemos considerar esta fatia de mercado dentro dos esquemas da m ídia, pois sua principal divulgação é feita através das rádios e das emissoras de TV, acrescentando tamb ém que uma das gravadoras que comercializa música nativista entre outras, pertence ao grupo que monopoliza a informa ção no sul do país. A expansão do mercado de discos nas d écadas de 70, 80 e 90 foi notória, e em pleno auge dos festivais apareceram no mercado uma s érie de gravadoras que se dedicaram a trabalhar somente com artistas regionais, algumas com sede na capital e outras no interior. Os dados sobre produ ção não são precisos, mas os volumes de vendas são significativos, para artistas e para eventos de repercuss ão regional como os festivais, cujos registros gravados foram comercializados com enorme sucesso. Uma das formas de comunica ção e de mídia mais moderna é, sem dúvida, a rede internacional de computadores: internet. Faremos a seguir uma an álise breve de como se relaciona e se insere a cultura ga úcha no universo da mídia eletrônica. Em primeira instância, seria importante salientar que existe na rede um n úmero significativo de sites sobre cultura gaúcha. O conteúdo destes varia, e vai desde o estritamente musical, o literário, e os que misturam tudo, isto é, música, poesia, tradição e culinária entre outros. O MTG tem seu espaço reservado na rede com sites do movimento em RS e em Santa Catarina. Parece controvertido que um movimento que diz conservar as tradi ções estar tão atualizado, participando das informações de um meio de comunica ção tão moderno, mas o certo é que navegando nas páginas destes domínios poderemos constatar nos conteúdos a ideologia e um pouco da história da cultura gaúcha. Claro que o intuito do MTG de estar na rede é de divulgar e mostrar tudo este universo cultural e, que sem d úvidas, o objetivo é alcançado com os usuários de internet, de fato um 34
público mais seletivo. Talvez os dois sites mais completos s ão a “ página do gaúcho” e o “ portal do gaúcho”, cujos conteúdos abrangem uma série de temáticas relacionadas com o “gauchismo”. Liliane Brignol faz uma an álise dos conteúdos e da dinâmica de produção e relacionamento da
página do gaúcho” em dois trabalhos da sua autoria na área de comunicação (2004). Nestas
“
análises são colocadas em evidência a estrutura do site e a interatividade dos participantes, agrupados e diferenciados como num CTG tradicional, com patr ão, capataz, conselhos, etc. Cabe mencionar que um dos trabalhos direciona-se no sentido de esclarecer o espa ço na rede como estrat égia de reforço da identidade cultural, mostrando alguns elementos que contribuem para que isto aconteça, como a linguagem com termos adotados do espanhol, poemas e letras de m úsicas gaúchas, discussões sobre o significado de ser gaúcho, sobre idéias de separatismo ou sobre as disputas entre o tradicional e o novo. Atrav és destes trabalhos, ou simplesmente acessando os sites mencionados, ou os conhecidos “ buscadores” na internet, poderemos ter uma real dimensão da presença e da divulgação da cultura gaúcha nesta moderna forma de mídia, podendo o volume de informações nos surpreender pela quantidade e qualidade dos trabalhos. Depois de todas estas informa ções sobre vários aspectos do Movimento Nativista, partiremos para o relato de uma pesquisa de campo para corroborar estes dados, compar á-los com a realidade e detectar coincid ências e contradições. No próximo capítulo, colocaremos duas experi ências acontecidas em campo, em momentos diferentes, uma antes de come çar este trabalho e outra com o mesmo em andamento.
35
CAPÍTULO 3 Corredor de canto e poesia: a pesquisa de campo.
Há um tempo atrás e por motivo de uma apresentação da Orquestra Sinf ônica do Estado de Santa Catarina, da qual fa ço parte, conversava com um cantor nativista que participa destes eventos. Comentei para ele o tema do meu trabalho de conclus ão de curso, sobre a música nativista, e ele se mostrou muito interessado. Falando com muitos detalhes, como g êneros derivados da m úsica européia, estilos de alguns intérpretes e influências do folclore rio-platense, ele me comentava sobre a for ça da música nativista na região de Lages, onde mora e também trabalha como cantor e professor de viol ão. Comentei que gostaria de contar com a sua ajuda para realizar entrevistas e uma pesquisa de campo em algum momento, e foi a í que ele me comentou do evento chamado Corredor de Canto e Poesia. Disse-me tamb ém que iria me convidar para participar da pr óxima edição. Este encontro muito peculiar é feito numa fazenda em Lages onde se reúnem compositores, cantores, poetas e artistas para um fim de semana de criação de músicas, poemas e arte ga úcha, como o artesanato. Passado algum tempo nos encontramos, de novo, num outro show da orquestra, e ele reforçou o convite, me avisando que o iria mandar para mim, impresso. Assim foi, recebi por o
interm édio de um colega da orquestra este convite para participar de 4 Pouso na Fazenda da Ferradura em Lages na localidade de Cajur ú. Programado para 18, 19, e 20 de Novembro de 2005, o evento tinha uma interessante programa ção, com todas as atividades perfeitamente organizadas: refei ções, apresentações, premiação e encerramento. Um pouco antes do evento, nos encontramos de novo e o Giancarlo
10
quase que me
intimou a ir; realmente n ão poderia perder um momento tão rico para realizar minha pesquisa de campo. Depois destes contatos e conversas preliminares veio a prepara ção da viagem: pensei não somente em registrar as m úsicas e as entrevistas com o pessoal, mas também a minha
10
Giancarlo Orsoleta é músico nativista, é a pessoa que me refiro no inicio da pesquisa de campo, que me fez o convite para participar do Corredor de Canto e Poesia.
36
participa ção direta como músico e compositor. Para isto pensei em levar dois instrumentos que toco: sax soprano e flauta transversa. O resto da “tralha” estaria composto de roupa para andar no campo, gravador digital (emprestado!), uma caderneta, canetas, algumas folhas pautadas e, para finalizar, um kit de pesca reduzido, pois tinha me inteirado que havia alguns a çudes na propriedade e que talvez sobraria algum tempo para pescar. Perto da data do evento, comprei antecipadamente as passagens para n ão ter surpresas e, quando chegou o dia, sexta feira 18, de manhã, embarquei para Lages.
Sobre o Corredor de Canto e Poesia Este magnífico encontro musical tenta trazer um pouco da tradição e recuperar um pouco da história da região. Assim, o nome de “corredor ” é por causa do corredor das tropas que ainda existe, sulcado nesses campos de altitude. As taipas, cercas feitas em pedra, constru ídas por mãos especializadas, formam este corredor por onde, h á muitos anos, passavam os tropeiros levando gado e produtos para a venda e escambo do sul do pa ís para o sudeste. Estes caminhos uniam regiões distantes, mas sempre com o distintivo de uma cultura que, com o passar do tempo, perdura. O homem a cavalo, o fogo de ch ão, o mate e a lida com gado são características desta cultura que se sobrep õe às fronteiras, unindo regiões de países diferentes. A região de Lages e, especificamente, as localidades de Cajur ú e Coxilha Rica eram pontos estratégicos por causa das pastagens e dos excelentes lugares que havia para os tropeiros fazer o “ pouso” e descansar. A música, como forma de lazer nos “ pousos” e como expressão cultural, não podia estar ausente num contexto t ão interessante como é o dos tropeiros e, mais tarde, naquilo que se conformaria como a cultura ga úcha. Foi assim, que criaram o Corredor de Canto e Poesia, pensando em juntar pessoas com a mesma afei ção à cultura gaúcha, e a arte de compor versos e músicas, reunidas num “ pouso” como o faziam os tropeiros h á muito tempo atrás, quando transitavam pelo corredor. Idealizado pelo dono da Fazenda da Ferradura, o “Tio Benja” e um grupo de artistas nativistas da região, dentre os quais est á meu anfitrião Giancarlo, o Corredor de Canto e Poesia j á está na sua quarta o
edição (4 Pouso), contando com a produ ção de mais de cem composições e poemas criados no
âmbito da fazenda, durante os três dias de duração de cada um dos eventos. Os relatos que
37
seguem são produto da minha participação no quarto pouso do Corredor e do convívio com esses artistas nativistas.
Chegada em Lages. A viagem de ônibus foi muito tranqüila, poucos carros na estrada, o tempo ajudou também, pois era uma bela manhã de sexta-feira. Chegando no terminal rodovi ário, meu amigo Giancarlo me esperava para irmos juntos para a fazenda. Antes disto, passamos no supermercado para pegar alguns suprimentos. Fui presenteado com um pacote de erva mate que n ão se encontra em Florianópolis, muito boa. Saindo do supermercado fomos para a casa do meu anfitrião para almoçar. Antes do almoço, já começamos as conversas preliminares sobre o próprio “corredor ” e sobre a música nativista. Claro que começamos também a tocar algumas músicas e aproveitei para mostrar meus instrumentos para o Giancarlo e vendo de que forma poder íamos colocá-los no contexto musical do
Corredor ”. Por fim, fomos almoçar e, depois de uma suculenta carne
“
preparada pela m ãe do meu amigo, assistimos alguns DVD´s de músicos nativistas tomando um cafezinho. Depois ajeitamos as tralhas no carro e sa ímos para o encontro de outros companheiros, para finalmente irmos para a Fazenda da Ferradura, antiga propriedade na regi ão de Cajurú, Lages, por onde passa o antigo corredor das tropas usado desde o s éculo XIX até começo do século XX, local aonde foi realizado o festival.
Chegada na Fazenda da Ferradura Giancarlo, como bom anfitri ão, me apresentou vários músicos de Lages, de modo que antes de pegar o caminho da fazenda paramos umas duas vezes para conversar com outros amigos que n ão iriam ao
Corredor” por causa de outros compromissos. Finalmente, nos
“
reunimos com S érgio e Fernando e pegamos a estrada de terra que nos levaria até o lugar. O caminho realmente era muito bonito: com as caracter ísticas da serra, caminho sulcado por vários rios e cheio de mata nativa nas encostas. Depois de uns trinta quil ômetros, a paisagem foi abrindo e dando lugar aos campos e pastagens. Em uma hora nos encontramos na porteira da Fazenda da Ferradura. Paramos para tirar umas fotos ao lado das faixas de boas vindas e entramos.
38
Foto1: na porteira da Fazenda da Ferradura.
Atravessamos mais uma porteira, passamos ao lado de um lindo a çude e chegamos finalmente na sede da fazenda. Um lugar muito bonito e ajeitado, com grama na frente da casa e um galpão todo enfeitado e preparado para o evento. Nos recebeu o Tio Benja, dono da fazenda e
padrinho” do Giancarlo, um homem alegre, muito receptivo e simpático. Fui apresentado e, pelo
“
que ele me disse, j á sabia da minha participa ção no “Corredor ” e sobre o trabalho que estou desenvolvendo sobre m úsica nativista. Entrando na fazenda, nos deram o quarto que iríamos ficar, no próprio galpão, bem ao lado do palco. Este galpão é bem peculiar, arrumado de forma tal que parece uma casa de shows. Uma entrada aberta, logo às mesas, o palco e à esquerda deste, o bar com um balc ão, as geladeiras e um fogão para esquentar a água para o mate.
Foto 2 e 3: entrada e interior do galp ão do evento.
Depois de deixar nossas tralhas fomos fazer a inscri ção para o evento, numa área ao lado do galpão. Preenchemos as fichas, pagamos a taxa de R$ 25,00 e nos deram as pastas com bloco de anotações, caneta e mais um adesivo do Corredor . Tudo muito organizado e com extrema cordialidade por parte das pessoas. Depois disto devo considerar que j á estávamos começando o o
4 Pouso do Corredor de Canto e Poesia. 39
No Corredor de Canto e Poesia A tarde estava maravilhosa, o visual era fant ástico, assim começava o “quarto pouso”. O meu anfitri ão me apresentava para novos amigos a cada momento, e para todos comentava do meu trabalho. A receptividade era muito grande por parte de cada uma das pessoas. Fui conhecendo pouco a pouco cada um dos participantes e a cada momento chagavam mais carros com mais pessoas para o evento. Um detalhe importante a ressaltar é que todos estavam com as roupas típicas do homem de campo, isto é, com bombachas, botas ou alpargatas, “rastra”, a faixa na cintura, camisa bem simples, e len ço no pescoço. Na cabeça alguns usavam chapéu, mas a maioria estava com a t ípica boina preta que o peão de campo usa para a lida. Percebi logo que circulava entre os grupos de pessoas um s ímbolo que une os que amam esta forma de vida de campo e tradi ções gaúchas: o mate. Também chamado de chimarrão no resto do Brasil, nesta regi ão de Lages e entre os gaúchos rio-grandenses, é mais costumeiro chamá-lo de mate, como tamb ém se nomeia na Argentina e no Uruguai. Esta infusão de erva (ilex praguaiensis) feita numa cuia de caba ça, misturando a erva com água quente, sem ferver, tomada através de uma bomba de metal como se fosse um canudo, é um símbolo da cultura gaúcha.Vai passando de m ão em mão, de boca em boca, no meio de conversas e histórias como se fosse o elo entre as pessoas e o motivo de uni ão de grupos, confirmação de amizades sólidas ou de novas parcerias. Tomamos mate at é ficar “verde” (a cor da erva) e conversamos basicamente sobre música com as pessoas nas rodas que se formavam.
Figura 1: Mate rio-platense
40
Um detalhe interessante que reparei enquanto se servia o mate eram as cuias e as bombas. Todas, ou quase todas, pareciam ser do tipo que se usa na regi ão do “ Rio de la Plata”, ou seja, de 11 estilo “ gaucho” e não gaúcho e as bombas tamb ém. Depois conversando, descobri que em
vários lugares de Lages e no Rio Grande do Sul também vendem estes produtos vindos da Argentina ou do Uruguai. A conversa sobre nativismo, g êneros musicais e estilos de cada intérprete foi surgindo naturalmente, enquanto ouv íamos o primeiro CD que meu anfitrião, Giancarlo, havia gravado há um mês no estúdio de um amigo em Lages. O trabalho estava muito bem feito, recheado de gêneros nativistas diferentes. Ouvimos polka, vaneira, milonga, chamam é e bugio que, segundo 12
os estudiosos, é legitimamente brasileiro . Tem outros g êneros que não estavam gravados no disco, mas tamb ém saíram na conversa como o xote, a chimarrita e a rancheira. Também falamos sobre o Tradicionalismo e o Nativismo como movimentos culturais ligados ao ga úcho e suas particularidades. Neste tema, percebi que h á discordâncias entre as pessoas que participam dos movimentos e senti que a radicaliza ção que o Tradicionalismo prega n ão é muito bem vista pelos nativistas, muito mais abertos para o entendimento das tradi ções e a absorção de influências e hibridizações culturais. A tarde foi passando e a noite foi caindo lentamente sobre a Fazenda da Ferradura. Estavam quase todos os participantes, pelo que se ouvia falar, faltavam somente os integrantes de um grupo, que viriam a cavalo. Alguns demonstravam preocupa ção pelo grupo, pois já estava ficando tarde e o pessoal n ão chegava, havendo a possibilidade de algum acidente. Já de noite, ainda estavam me apresentando convidados, seguindo a conversa e conhecendo novos amigos. Numa hora, nos chamaram para jantar. O prato era único: “borrego ensopado” ou, como eles dizem, “ puchero de borrego”. Este prato era o “carré” de ovelha feito na panela com legumes e arroz. Simplesmente delicioso. No meio da janta apareceu o grupo de homens a cavalo, entrando no galp ão com aparência de cansados, sujos, como se viessem da guerra. Entraram no meio de goza ções e o agito da turma toda. A verdade é que houve várias quedas no caminho, assim foram se retardando e realmente chegaram passadas as dez e meia da noite. 11
È chamado de “gaucho” ao habitante ou trabalhador rural na região do Prata. Embora ex istam hábitos e costumes muito parecidos com as do ga úcho de RS há diferenças regionais muito sutis no que se refere à vestimenta, culinária e forma de vida. Estas diferenças serão tratadas em um parágrafo especifico sobre o tema no transcurso do trabalho. 12 Sobre gêneros musicais gaúchos tradicionais e Nativistas, trataremos no próximo capítulo tanto as origens como as características essenciais de cada um. Sobre o bugio há um parágrafo especifico neste capítulo. 41
Depois de todos terem jantado, veio um momento importante neste evento: a escolha do júri e do tema de composição que nortearia o quarto pouso. Para isto a comiss ão organizadora se reuniu a portas fechadas e nomeou tr ês pessoas para o júri que avaliaria as composições e poemas apresentados pelos participantes. Houve uma cerim ônia de abertura do Corredor recepcionando aos participantes e convidados e explicando um pouco como funciona o evento, as din âmicas para trabalhar as composi ções e poesias, culminando com as apresentações no sábado à noite e o encerramento e premia ção simbólica no domingo. Em seguida, foi feita a menção do júri, logo depois a comiss ão organizadora pediu aos três para definir o tema central de composição em reuni ão fechada. Após um tempo de deliberações, compareceram os três ao palco colocando o tema de composi ção: “a liberdade e a ação do tempo na vida”. Depois da agita ção inicial por conhecer o tema, todos foram acalmando os ânimos e, regado a muito “trago”, foi proposto começar a “tertúlia”. Este termo designa simplesmente a junção dos músicos que estejam dispostos a tocar nessa hora, subindo no palco, escolhendo uma música, tocando e improvisando. Eu tive a honra de começar a “tertúlia” em parceria com meu anfitri ão, Giancarlo. Tocamos “Mercedita”, ele no violão e eu no sax soprano. Foi muito bom para mim, pois funcionou como um cart ão de visita. Todos se encantaram com o som do sax, instrumento raro no meio nativista, percebi que foi bem aceito pelo pessoal. Depois de aplausos, seguimos com mais umas m úsicas, as quais improvisei bastante. Deixei meu lugar para outro músico e fui para a platéia, foram saindo uns e entrando outros no palco e assim seguiu a
tertúlia”. Quase às quatro da manha não agüentei mais de sono e cansaço. Peguei meus
“
instrumentos e fui dormir no quarto ao lado do palco. Apesar do som alto, acabei desmaiando, dormindo profundamente, esperando o dia de amanh ã, o momento da composição e as parcerias.
Sábado de composições e parcerias Consegui dormir pouco, mas levantei cedo para aproveitar o dia, que se apresentava fresco e ensolarado. Quando sa í do quarto, somente alguns dos participantes estavam no galpão tomando mate. Ent ão, aproveitei para dar uma caminhada no campo e conhecer o açude. Peguei minhas tralhas de pesca e sa í campo afora. Voltei depois de umas duas horas de lazer na beira da
água e percebi que já tinha mais gente acordada. Comecei a conversar com algumas pessoas que me disseram que a tert úlia tinha acabado às seis e meia da manhã. 42
Logo me serviram mate numa roda de gente e me deram a oportunidade para conversar sobre o trabalho e a pesquisa do meu tema. Como disse antes, o Tradicionalismo é um movimento que j á parece aos nativistas, pelo que notei em alguns dos participantes, um pouco arcaico e radical na sua concep ção. Já o Nativismo mais moderno aceita com mais naturalidade a hibridização com outras culturas e com elementos novos para a evolu ção desta música. Tentando mostrar o menos poss ível que não sou brasileiro, comecei a perguntar a algumas pessoas sobre o contato com a m úsica de países vizinhos, para ver até que ponto o músico ou o compositor nativista escuta esta m úsica, absorve informa ções e compõe, pensando em gêneros nativos e estrangeiros. Pareceu-me, pelo que muitos manifestaram, que o contato com as culturas de pa íses vizinhos, como Argentina e Uruguai, principalmente com o folclore, a m úsica e costumes do gaucho”, é muito maior do que pensava. Talvez o primeiro indício foi o mate, como disse antes,
“
nas cuias, bombas e o fato de se formar uma roda de pessoas para tom á-lo. Mas há mais amostras deste contato e detalhes mais finos. Da vestimenta, talvez seja a boina preta, muito usada no campo na Argentina e no Uruguai. Alguns motivos, t ípicos da região platina, nos lenços de pescoço também demonstram uma grande aproximação. Outro detalhe que não escapa também são as facas: quase todos os participantes levaram suas facas de estimação e, como eu também gosto destes itens, comecei a indagar. Grande parte delas v êm da Argentina e do Uruguai, onde o artesanato e o trabalho art ístico em cutelaria é muito reconhecido. Há facas muito tradicionais e o aço da suas folhas é muito procurado. Juntam-se a esta qualidade os trabalhos artesanais e artísticos feitos nos cabos e bainhas.
Figura 2: faca artesanal Entre muitas conversas surgiu o tema dos festivais, t ão importantes dentro do contexto do Nativismo. Foi bem interessante ouvir sobre as expectativas destes festivais, enquanto as novas composi ções concorrem a prêmios, tem shows de artistas consagrados que acontecem fora das mostras competitivas e que s ão as grandes atrações dos eventos. Todos os participantes do Corredor falavam de um festival que iria acontecer na cidade de Santana do Livramento, R.S, que se chama: Um Canto para Martin Fierro. Pelo que parecia, é realmente um evento muito 43
importante. Vários frisaram a participação de artistas argentinos famosos e me disseram que iriam ao festival s ó para assistir ao show desses cantores folclóricos argentinos. Este foi mais um depoimento que me mostrou de que maneira eles v êem esta fusão de culturas regionais. Indagando mais, percebi que conheciam n ão somente repertório destes artistas, mas também, uma grande quantidade de intérpretes e compositores de música folclórica rio-platense. Uma das pessoas que conversava comigo sobre os festivais me disse que mandou duas letras de música para Um Canto para Martin Fierro e que tinha a esperan ça de classificá-las. Este letrista compõe em parceria com músicos que elaboram a parte melódica e harmônica da música e, pelo que me disse, j á participou de vários festivais nativistas. Percebi que a letra é um item muito importante nos festivais por causa do tema da composi ção, sempre relativo à cultura gaúcha e aos seus detalhes. Depois, confirmaria isto tamb ém aqui no Corredor . Após ter conversado bastante com muitos participantes, chegou a hora do almoço. Novamente um prato delicioso à base de ovelha, outro tipo de guiso. No almoço continuaram as conversas sobre Nativismo e suas conota ções musicais. Quando terminamos de almoçar já partimos para a composi ção. Já tinham me convidado para fazer parte de um grupo que estava criando uma m úsica sobre os “taiperos”, as taipas e a ação do tempo sobre estas cercas que ainda existem nos campos da Serra Geral. Peguei minha flauta e me reuni com os novos parceiros de composi ção. O poema da música já estava quase pronto, faltava a melodia e a harmonia. Aos poucos, com a minha ajuda e a do Giancarlo, que tocaria viol ão na apresentação, foi aparecendo a música no seu formato definitivo. Pareceu-me interessante a forma de criar estes temas musicais, partindo do poema e depois colocando uma melodia, tentando ajeitar as rimas e a pros ódia na música. Trabalhamos bastante até conseguir um produto apresentável na amostra das composi ções. Finalmente surgiu a composição final, que ficou somente na memória para tocar à noite. A formação que iríamos usar era: uma pessoa para declamar o poema inicial, o cantor, 13
violão, flauta, pandeiro e bombo legüero . O gênero era o que eles chamam de “ Moçambique” na m úsica gaúcha ou nativista: um tipo de ritmo afro que, segundo o que dizem, antigamente era 14
bastante tocado pelos m úsicos nativistas. Foi escolhido este gênero porque a música falava de um “negrinho taipero” (construtor das taipas).
13
Sobre instrumentos usados pelos tradicionalistas e nativistas ver cap ítulo 4. Sobre gêneros tradicionais gaúchos e Nativistas ver capítulo 4
14
44
Uma pequena pausa para o mate e logo fui convidado para participar como instrumentista numa outra música, cujo tema era as lembranças de um menino, as suas idéias de liberdade e o passar do tempo na sua pessoa. Nos reunimos com os autores e partimos para fazer o arranjo final da composi ção, que era uma “milonga”. Depois de algumas sugestões minhas, foi surgindo o formato final. Um dos compositores cantaria e tocaria viol ão e eu tocaria sax soprano, fazendo a introdução e os intermezzos e em algumas partes eu dobraria a voz do cantor. Fizemos uma gravação num pequeno aparelho para lembrar depois na hora de tocar. Encerrado este trabalho, houve outro convite para tocar flauta com outro compositor. Tratava-se de um duo de pai e filho, os dois violonistas, e cantores. Eu faria uma participa ção improvisando no meio da música, que era em estilo de “ zamba”, um estilo rio-platense! Trabalhamos um pouco a m úsica e o arranjo, embaixo de umas árvores ao cair da tarde. Quando os compositores ficaram satisfeitos encerramos o ensaio com tudo combinado para a apresenta ção da noite. A experiência da criação coletiva para uma situa ção tão particular foi muito boa. Era criar para tocar no mesmo dia, à noite, lembrando ou tentando lembrar dos detalhes m ínimos da música para fazer uma boa participa ção. Foi uma vivência muito rica. Foi caindo a noite, num dia que teve todos os climas, sol forte e calor. À tarde, umas pancadas de chuva forte, depois dando lugar a um c éu estrelado, sinal de frio e sereno. Nos preparamos para a janta, descansando da intensa tarde de composi ção. Vale colocar que houve gente que ficou a noite toda (de sexta para s ábado) compondo e houve alguns que fizeram mais de uma música. Também observei que havia gente trabalhando nas composições ainda pouco tempo antes da janta. Enfim, houve de tudo. Jantamos e, pouco a pouco, foi se ajeitando tudo para grande apresenta ção. O som e todas as aparelhagens estavam prontos para registrar cada o
composi ção e fazer um CD do 4 Pouso. Era quase meia noite quando o sino tocou iniciando as apresenta ções. Após um breve discurso do mestre de cerim ônias e a entrada dos jurados, os m úsicos começaram a subir no palco. Desta maneira, iniciava – se uma seq üência de quarenta e três composições que só terminaria às cinco da manhã. Eu participei da segunda música tocando sax e depois das músicas de numero vinte e um e vinte e oito. Realmente parecia uma maratona, pois trocavam de m úsicos e composi ções a cada instante. As obras foram passando e, dentre todas, me surpreenderam algumas composi ções de caráter cômico, quase um deboche. Esta categoria é a que os organizadores e participantes chamam de
Pachola”, uma palavra que significa alegre,
“
45
brincalh ão ou engraçado. Realmente, as músicas que foram compostas para esta modalidade eram cômicas. Foram momentos de grande descontração, já que houve várias composições neste estilo. O frio da noite era intenso, dando outro toque ao Corredor . Todos estavam com as roupas típicas do gaúcho e ainda com os palas para se proteger do frio. O lugar mais quente, sem dúvida, era o palco. Consegui o registro da maioria das m úsicas num gravador digital emprestado por uns 15
amigos, mas, de todas as formas, receberei um Cd com as grava ções feitas pelo técnico que estava comandando a mesa de som. Assim, passou-se a noite e as composi ções passaram uma a uma pelo palco do galp ão da “Fazenda da Ferradura”. Sobre o final, meu cansa ço e sono eram tanto que não resisti e fui dormir. Encerrou um dia riquíssimo em experiências musicais. Conhecendo uma das maneiras de fazer m úsica, a destes artistas populares que tentam manter a tradição deste maravilhoso gênero nativista.
Domingo de encerramento Foi dif ícil levantar cedo, o cansaço era muito, mas havia que trabalhar mais um pouco e conseguir umas entrevistas e depoimentos. Levantei da cama às dez da manhã e fui ao galpão para ver se encontrava alguns participantes para conversar. J á havia vários “mateando”, então foi f ácil de entrar na roda para seguir escutando os depoimentos de poetas e compositores sobre o Nativismo e sua m úsica. Tomamos bastante mate, falamos sobre as trocas que existem entre a cultura “ gaúcha” platina e o Pampa brasileiro. Vários depoentes me falaram sobre a absorção musical que ocorre pela passagem dos g êneros fronteiriços, pelo contato direto que alguns têm com músicos argentinos e uruguaios e mostraram gosto pelos elementos folclóricos que existem tanto no Uruguai como na Argentina. Mencionaram v árias vezes que são culturas muito parecidas, vários deles já conheciam a Argentina e o Uruguai, até alguns pareciam freqüentadores de algumas regi ões dos países vizinhos, aonde compram roupa de campo e artesanato. Perto da hora do almo ço, o cheiro do churrasco estava fabuloso. Fui ver a churrasqueira, montada num outro galp ão contíguo ao do evento. Vários espetos de pau com peças de cordeiro estavam assando lentamente aos cuidados de um h ábil churrasqueiro, que era o capataz da fazenda. Quando passei pelo mangueir ão, encontrei o Tio Benja, o dono da fazenda e aproveitei para entrevist á-lo. Como sempre, t ão cordial, me comentou como tinha sido criado o Corredor , 15
O festival foi gravado por um t écnico de som e será
produzido um CD contendo as músicas do evento. 46
por que motivo faziam quest ão de manter este evento e a relev ância que já tinha o encontro em nível regional. A seguir, fizemos fotos com os participantes, num momento muito engraçado e divertido dentro do pr óprio mangueirão.
Foto 4: o grupo que participou do Corredor no “mangueirão”
O sino voltou a tocar e chegou a hora das premia ções e lembranças entregues aos destaques. Os pr êmios simbólicos, na realidade mencionam os destaques dentro dos poemas, as músicas, as composições “ pacholas” e o melhor instrumentista. Al ém disto, a entrega de lembran ças, que curiosamente chamam de “ regalos”, como em idioma espanhol, para algumas pessoas que trabalharam na organiza ção. Os prêmios e os
regalos” foram feitos à mão, em
“
couro de vaca e madeira, com letras e desenhos gravados pelo artista e artes ão que acompanhou o evento durante os tr ês dias. A premiação foi muito alegre, descontraída e emocionante. Eu recebi um belíssimo “ regalo” artesanal, feito tamb ém em couro e madeira, por ter participado de uma das músicas, com a letra dela e assinatura dos compositores com dedicatória. Terminada a premiação e encerrado oficialmente o Corredor , um pouquinho mais tarde, come çou o almoço. O cordeiro estava delicioso e havia arroz e saladas para acompanhar. Aos poucos os participantes foram arrumando as tralhas, desmontando as barracas e saindo da fazenda ap ós as despedidas. O grupo de cavaleiros saiu sulcando o mato em dire ção a Lages, com muita gozação e brincadeiras. Nós ficamos até o final, quando havia já poucos participantes. Depois de arrumar nossas tralhas, também partimos após nos despedirmos do extraordinário anfitrião, o Tio Benja, e da sua família. No caminho de terra, em dire ção a Lages, cruzamos com os cavaleiros, que iam tranqüilamente 47
pela estrada. Chegando no asfalto, uma hist ória para contar. Uma linha de trem com uma formação quebrada, impedindo seguir nosso caminho. Faltavam somente dez minutos para pegar o ônibus de volta para Florianópolis. A salvação foi uma pessoa do outro lado do trem que se ofereceu para me levar at é a rodoviária. Despedi-me do Giancarlo, peguei minhas coisas e saltei pelo meio de forma ção e saímos correndo para o terminal. No final tudo deu certo.
Comentários A primeira quest ão para ressaltar é sobre a hospitalidade dos organizadores do evento. Neste encontro de car áter fechado só participam artistas e convidados, com convite pessoal e intransfer ível. Posso dizer que tive a honra de participar graças ao amigo Giancarlo e a sua bondade de me colocar num meio t ão propício para fazer minha pesquisa. Os organizadores também foram muito amáveis e cordiais sempre, colocando-se à disposição para qualquer coisa e mostrando uma hospitalidade ímpar. Outra caracter ística muito marcante no Corredor foi a conquista de novas amizades, o reforço das velhas e o valor da parceria para fazer arte e manter as tradições. Parece que há uma forte intenção de juntar as pessoas para realçar o valor da amizade e “fazer ” juntos, neste caso, a música. Dá impressão que este tipo de reunião é feita para que se tornem mais fortes estas tradições musicais, artísticas e sociais. Neste encontro não participam mulheres, só estão no local a dona da casa, e suas filhas, que s ão as encarregadas da alimentação dos participantes do evento. No que se refere às composições de músicas, há uma grande valorização nas letras, de 16
caráter campeiro , com a figura do “gaúcho” e suas vivências como centro. Os poemas também têm o mesmo conteúdo, e as declamações são feitas de um jeito bem particular, entoando bem devagar, pronunciando com a maior perfei ção, com um linguajar próprio do “gaúcho”, às vezes 17 com mistura de palavras em espanhol, fazendo quest ão de colocá-las no contexto . No que se
refere ao conteúdo musical das composições, há simplicidade nas harmonias e um pouco mais de
16
Temas referidos ao campo: seus habitantes, a lida e os trabalhadores, os animais e detalhes que se vivem especificamente nesse âmbito. 17 Existem no linguajar ga úcho inúmeras palavras adotadas do espanhol, e que formam parte do idioma regional como se fosse um dialeto. Para mais detalhes ver Dicion ário de Regionalismos de Rio Grande do Sul, autores Zeno & Rui Cardoso Nunes.
48
18 sofisticação nas melodias, nesta linha que todos chamam de “estilo campeiro” . Não houve
música instrumental, a não ser na tertúlia e em momentos livres, aonde se tocaram clássicos como: Redomona como: Redomona,, Milonga para as Missões e Missões e Kilómetro 11. 11. Os arranjos das m úsicas mostraram capricho por parte dos compositores e executantes. Apesar de ter harmonias simples, a preocupa ção por uma música agradável e de “ bom gosto” permeava em todas as obras. As execu ções também mostraram estas características, com vários instrumentistas em destaque. A instrumenta ção que este gênero nativista usa é variada. Neste encontro os músicos usaram principalmente o viol ão e a
gaita” (acordeão). Além destes, havia sax, flauta transversa
“
(executados s ó por mim), gaita de boca e um m úsico tocou uma “quena”, instrumento andino de 19
cajón e pandeiro . sopro como a flauta. Na percuss ão foram usados o bombo “legüero”, cajón e Sobre o objetivo principal da minha pesquisa, que é investigar as influências na música Nativista, consegui detectar v ários elementos. A adoção de certos gêneros como milonga e chamamé s chamamé são notórios por parte dos músicos nativistas, compondo naturalmente com estes ritmos estrangeiros, completamente adaptados no sul do Brasil. O conhecimento dos repert órios folclóricos de Música Argentina e Uruguaia é surpreendente e chamativo. Estes gêneros estrangeiros s ão muito aceitos e escutados permanentemente entre os músicos nativistas. Outro elemento que mostra a hibridiza ção na instrumentação das músicas é o uso de instrumentos como o bombo “legüero”, vindo do folclore rio-platense e o caj ón, vindo da Espanha é muito usado no Peru. A linguagem utilizada em letras de m úsicas e poemas também mostra a aceitação e uso de palavras vindas do castelhano, percebendo-se que fazem quest ão de colocar em prática continuamente este vocabul ário. Somam-se a estas express ões artísticas as características de vestuário já mencionadas anteriormente e detalhes como o mate: cuias, bombas, e at é o gosto por ervas de sabor parecido ao daquelas usadas no mate rio-platense. As comidas tamb ém chegam a ter bastante semelhança com as das culturas platinas. As cozinheiras me falaram do “ puchero”, comida típica em Argentina e Uruguai, de origem espanhola, feita tamb ém na cultura gaúcha com algumas modifica ções. E o churrasco, versão brasileira do “ asado asado” feito do outro lado da fronteira.
18
Ver exemplos em Anexos- Partituras, sobre alguns cl ássicos da música nativista, cujos padrões são no Corredor . 19 Sobre instrumentos, ver cap ítulo 4.
os encontrados
49
Para finalizar devo dizer que foi extraordin ário o resultado geral do Corredor de Canto e Poesia: Poesia: foi o campo prop ício para mostrar e confirmar algumas das hipóteses por mim tra çadas com anteced ência sobre música Nativista, como a sua atual proximidade dos gêneros do folclore rio-platense e seus g êneros musicais de comunicação, como a milonga e o chamamé. chamamé. Serviu também para conhecer mais profundamente estes artistas populares que fazem sua arte para manuten ção das raízes da cultura gaúcha no sul do Brasil.
3.2. Pesquisa de campo. Encontro com nativistas de RS No dia 13 de abril de 2006 vieram para Florian ópolis dois artistas de renome dentro do
âmbito nativista, são eles Luiz Marenco e Leonel Gomes. Devido a alguns cartazes espalhados pela cidade, consegui saber com antecipa ção a data do show. Portanto, decidi entrar em contato com Marenco para ver a possibilidade de entrevist á-lo. Não encontrei na internet o site of icial icial dele, mas achei um contato num outro site de um admirador do seu trabalho. O contato foi por essa via, o Crinudo me passou o e-mail do produtor do artista, o Robinson, que j á no primeiro email me respondeu que n ão haveria problemas sobre a entrevista. Em outra mensagem me passou o telefone para entrar em contato quando eles estivessem em Florian ópolis. Parecia tudo acertado para nosso encontro. No dia do show combinei por telefone que nos encontrar íamos às 20:00 horas no camarim para a entrevista, uma hora antes do show. Nesse hor ário, estava eu no lugar combinado, sem conhecer a figura do Robinson, entrei no camarim e adivinhei quem era. Os produtores geralmente andam muito agitados em dia de show, foi por isso que consegui saber quem era este rapaz. Muito simp ático, me pediu que aguardasse uns minutos, pois Marenco tinha mais entrevista para dar e me perguntou se n ão queria entrevistar o Leonel Gomes, outro artista que vinha para divulgar seu show no dia 12 de maio aqui na capital. Claro que aceitei, seria ótimo ter a opinião de dois artistas e não só de um. Desta forma, a entrevista na realidade foi uma conversa informal com ambos na beira do palco, primeiro com Leonel e depois com Luiz, que devido ao horário do show que já estava para acontecer, durou algo de 15 minutos com cada um.
50
A conversa Para a ocasião preparei umas perguntas simples e diretas sobre os temas que me interessavam colocar neste trabalho. Como veremos a seguir, a opini ão de ambos é diferente em poucos aspectos, como o estilo da m úsica destes dois excelentes artistas. A primeira pergunta que fiz foi se eles tinham conhecimento de trabalhos acad êmicos sobre o nativismo e o que achavam sobre isto. Gomes disse que n ão sabia da existência das pesquisas, mas afirmou “... creio que é muito bom, pelo envolvimento com o passado, com a tradição”. Marenco disse que já sabia das pesquisas: “... uma vez, num show em São Lourenço veio uma menina que estava na faculdade para conversar comigo sobre a m úsica e o nativismo”, e disse tamb ém que acha maravilhoso que haja pesquisas sobre o tema. A segunda pergunta foi sobre as diferen ças entre Tradicionalismo e Nativismo e o que eles achavam sobre este assunto. Gomes disse que para ele n ão havia conflito: “... é um conflito criado, são nomes criados, para mim n ão tem conflito, gaúcho é tudo a mesma coisa”, fazendo referência que as duas tendências cultuam a mesma coisa. Muito parecida foi a resposta do Marenco: “... são a mesma coisa, a cultura é a mesma”, para ele as tendências parecem se diluir numa só. music, e a relação A terceira pergunta foi sobre o bail ão e, especificamente, sobre a Tchê music, com o nativismo. Gomes acha que esta m úsica só é para divertimento: “... é uma cultura para se divertir, para dan çar, dar risada”, e ao respeito da relação com nativismo “... é uma música mais comercial (Tchê (Tchê music), music), não se pode misturar ”, mas disse não ter nada contra a produção desta música. Marenco concorda com esta afirmação de Gomes, mas disse sobre a Tchê music que music que “... isto não é cultura do RS, ficar tocando maxixe, o dan çando e saltando na boca da garrafa, isto não tem nada que ver com o ga úcho”. A quarta pergunta é sobre os gêneros musicais atuais do nativismo, os que eles achavam mais representativos. Ambos responderam a mesma coisa: chamamé e milonga. milonga. Gomes acrescentou a chimarrita e Marenco disse
... ah, já gravei, cifra, estilo, cielito, todos ritmos
“
argentinos, mais o que mais gosto eu acho que é de cantar milonga”. A quinta pergunta foi sobre os g êneros estrangeiros e sua relação com o nativismo, que foi quase respondida na pergunta anterior. Gomes disse que com internet, e a r ádio hoje dá para ouvir direto e usa muito nas suas composi ções. Marenco afirmou que “... para mim é comum, tu 51
já sabe, fui gravar há três meses com Tarrago Ross, cantei uns chamamé, também com Pepe Guerra em Uruguai. Me criei ouvindo, minha escola foi Atahualpa (Yupanqui), Zitarrosa ”. A sexta pergunta foi sobre a cultura ga úcha hoje. Se há influências e coincidências culturais com os outros pa íses. Os dois disseram que sim, que ambas coisas acontecem. Gomes manifestou que o ga úcho brasileiro está consumindo roupa (pilcha) vinda de Argentina e de Uruguai, e os artigos t ípicos também, como lenços, cintos, chapéus, e disse que “... temos que viver o hoje, ser mais moderno, e é também usar as roupas e as coisas que vêm de lá que são mais modernas ”. Gomes afirmou que “... o radicalismo estraga, pilcha antiga, a velha do gaúcho já não tem mais, nem se usa mais... ”, mostrando da afinidade e tendência à homogeneização com o gaúcho Platino. Marenco foi mais sucinto: “... somos uma cultura só, o gaúcho veio de lá, não há como negar...”. A sétima e última pergunta foi sobre o panorama de mercado para o nativismo. Leonel Gomes me disse que via um bom futuro, com boas perspectivas. Disse que
... é bom a música
“
gaúcha chegar à universidade, a música que fala de campo, de cavalo, de peão, a gente jovem ouve, curte aquilo e difunde nossa m úsica, nós precisamos vender discos e fazer shows para sobreviver... ”. Marenco prevê um crescimento “calmo” para a música nativista. Disse que esta música “... é para tu sentar e ouvir, é uma música para alma, não é como a outra música, que é música para o corpo...”, aqui ele faz menção da tchê music e do seu notório apelo comercial.
Observações e considerações finais sobre o encontro com os artistas e o show Devo mencionar como grandes atributos destes artistas, a simplicidade e a simpatia para atender ao p úblico, e como é meu caso, um estudante em fase de pesquisa. O transcrito foi fruto de uma conversa r ápida e em tom informal por causa do escasso tempo dispon ível que os artistas tinham antes do show. De todas formas eles deixaram expostas as suas id éias, e responderam objetivamente as minhas perguntas. Os resultados mostram a despreocupa ção dos artistas com padrões impostos pela tendência tradicionalista como forma de poder sobre os bens simbólicos da cultura gaúcha. Não há nenhum tipo de preconceito com gêneros estrangeiros, pelo contrário, existe uma comunh ão com artistas e ritmos que vêm dos países fronteiriços que resulta surpreendente.
52
Conferindo o show, tanto Leonel Gomes como Luiz Marenco confirmaram musicalmente o que disseram na entrevista. No repert ório de ambos predominam chamamés e milongas, milongas, mas também executaram de forma exuberante algumas vaneiras vaneiras e chimarritas. Ambos tocaram acompanhados pela mesma banda, a do Marenco, composta por tr ês violonistas, um gaitero e um contrabaixista (baixo el étrico). É também notória a ênfase que ambos intérpretes dão as letras, a maioria vinda de poemas ou compostas desta forma, atrav és das suas interpretações sentidas. Depois destas pesquisas de campo, passaremos ao pr óximo capítulo para uma análise mais detalhada dos g êneros da música nativista, através de uma contextualização geográfica e histórica, observando os pontos de di álogo com os ritmos estrangeiros e a conformação e adaptação ao universo da música nativista.
53
CAPÍTULO 4 Neste capítulo faremos uma descrição dos gêneros da musica gaúcha. Em primeiro lugar mencionaremos os ritmos tradicionais e depois entraremos especificamente nos g êneros nativistas usados como conex ão com a cultura rio-platense. Trataremos tamb ém dos instrumentos usados na execu ção das música. Dedicaremos um parágrafo especifico para a “ Tchê Music”, destacando os seus elementos de moderniza ção da tradição gaúcha.
4.1. Os Gêneros da música gaúcha A adoção de determinados gêneros na música gaúcha não foi feita por acaso. Colocamos o termo adoção, pois como falamos anteriormente (capítulo 2), estes gêneros derivam de outr os os trazidos pelos imigrantes europeus, mas tamb ém surgem da convivência das culturas fronteiriças, isto é, como as dos países vizinhos da Argentina, Uruguai e Paraguai. Não se pode dizer que esta cultura regional n ão tem expressões musicais próprias, de fato que estas adapta ções são consideradas como verdadeira m úsica gaúcha, porque o processo de inserção destes gêneros foi paralelo à formação cultural. A grande mudan ça no cenário musical gaúcho, sem dúvida, aconteceu a partir da I Califórnia da Canção Nativa Nativa e e os outros festivais que foram surgindo pelo estado do Rio Grande do Sul. Houve mudan ças também em vários aspectos, como costumes, consumo de artigos regionais, vestimenta, alimenta ção, e no aspecto ideológico do movimento cultural. Neste sentido, o câmbio na ideologia proposto pela juventude que se somava ao movimento trouxe, através da música, idéias diferentes das que os tradicionalistas pregavam até esse momento. O desejo de contesta ção contra a opressão política vivida no país nas décadas de 70 e 80, a consci ência de integração cultural latino-americana e a vontade de inovar, visando a um desenvolvimento art ístico, foram mostrados nas composições que surgiam nos festivais, tanto nas poesias como na utiliza ção de novos ritmos. A disputa entre a nova tend ência e o Tradicionalismo gaúcho teve como palco os festivais, onde os gêneros musicais das composições foram um dos grandes pontos de discordância. Os regulamentos e os jurados dos festivais sempre estiveram nas m ãos de tradicionalistas que, de um
54
modo conservador, determinavam uma s érie de restrições, principalmente no que respeita às composi ções, enquanto a gêneros e ritmos. Um dos tradicionalistas mais reconhecidos, Paix ão Côrtes, em entrevista de 1981, classifica a m úsica gaúcha dizendo que existem as seguintes manifesta ções:
gauchesca, a música campeira, campeira, a música galponeira, galponeira , a música Existe a música gauchesca, tradicionalista, tradicionalista, a música regionalista, regionalista, a música de novos rumos e a música de inspiração gaúcha. gaúcha. Estão aí sete concepções temáticas para se analisar, afora o aspecto da música folclórica e folclórica e de projeção folclórica (Paix folclórica (Paixão Côrtes, 1981, p.31, grifo do autor).
Esta classifica ção é complementada por Paixão Côrtes dizendo que as músicas mais ouvidas são a música campeira e a galponeira, sendo estas expressões “mais simples, mais singelas ” (1981, p.32). Na mesma entrevista, Paixão Côrtes menciona, num parágrafo especifico sobre os festivais, a m úsica de “ Novos Rumos”, segundo ele, seria a que permitiria a evolução musical no Rio Grande do Sul. Como é possível notar nos depoimentos de Paix ão, não há uma defini ção específica de gêneros para a música gaúcha, pelo menos nesta classificação. Só menciona, efetivamente, ritmos e g êneros quando fala em “infiltrações alienígenas” que estariam acontecendo nos festivais, nomeando uma s érie de gêneros como estilo, malambo, chamamé, guaranhas, zambas e milongas, milongas, que são reconhecidos como integrantes do folclore rio-platense, colocando este fato como amea ça ao meio literário, musical e cultural das raízes gaúchas (p.42,43). Segundo Lucas, os g êneros musicais gaúchos derivam das danças de salão vindas da Europa para Am érica do Sul no século XIX. São eles: a valsa campeira, a vaneira ou vaneirão, adaptação da habanera, a polca, que deriva da polka, a rancheira derivada da mazurka e os chotes ou xotes, que derivam do schottische (Lucas, 2000, p.54). As express ões musicais européias vêm da Polônia, da Alemanha e, no caso da habanera, a origem é hispânica/cubana, sendo este um gênero que percorreu os salões de dança de toda América Latina. Lucas especifica que h á estéticas mais modernas trazidas por compositores com uma preparação cultural mais cosmopolita, fazendo men ção aos nativistas, cujas composições têm uma conotação mais livre quanto à poesia, gêneros e instrumentação. Como afirmamos no cap ítulo 2, as opiniões de tradicionalistas e nativistas diferem bastante quanto aos g êneros e ritmos utilizados na música gaúcha. Há um consenso que a valsa, a mazurca ou rancheira, a polca e o chote s ão derivados dos ritmos europeus. Fagundes difere desta 55
opinião afirmando que os ritmos tradicionais são aqueles que os outros consideram importados da Europa, e dizendo que a milonga não é do RS (Jacks, 1998, p.57). Luiz Carlos Borges é bem taxativo quando afirma que “... todos os ritmos que aqui se toca s ão alienígenas...” (Jacks, 1998, p.57). O único ritmo que é considerado original de RS é o bugio, mas segundo Borges não hà provas disto. Jayme Caetano Braun manifesta que o bugio
... é um ronco de vaneira, de
“
rancheira ”, quase dizendo que não há diferenças notórias entre estes gêneros (Jacks, 1998, p, 57). 20
Sem entrar numa an álise detalhada de cada ritmo que veio do continente europeu, podemos mencionar nos aspectos musicais, que eram g êneros de dança de salão, cujas origens eram de diferentes regi ões e que, coincidentemente, foram trazidos para América Latina pelos imigrantes dessas latitudes. A valsa, um ritmo muito popular em toda Europa, é de compasso ternário. A mazurka e a polka são de origem polonesa, a primeira de compasso ternário dá origem
à rancheira, a segunda de compasso binário. O schottische, de origem alem ã é de compasso binário, matriz do chote ou xote. A habanera, segundo o que as pesquisas indicam, tem origem hispânica, mas com traços cubanos pela sua passagem por América Central. Este gênero se popularizou na Am érica Latina no começo do século XX em todos os salões de dança (Archetti, 2003, p.16). Seu compasso é binário e hoje, transformada em vaneira, se destaca como um dos ritmos mais expressivos da m úsica gaúcha. Outro gênero que vem da Europa, de origem açoriana, é a chimarrita ou chamarrita. 21
Conforme consta na “ página do gaúcho” (internet, www.paginadogaucho.com.br) este g ênero veio dos Açores, da Ilha do Pico, também como uma dança, e é registrada como a música tradicional desse lugar. H á registros feitos por Mário de Andrade sobre a presença da chamarrita em
Cananéia,
SP, nos bailados e fandangos dos caipiras dessa região (www.
paginadogaucho.com.br/generos/chamarrita). Na História da Música Brasileira de Renato Almeida h á a seguinte menção: “Entre as danças do fandango gaúcho, uma das mais famosas é a chimarrita, de proced ência açoriana, onde é chamada de chamarrita...” (1926, p.176). No Paraná, nos fandangos que ainda existem como “celebrações dançadas ao toque da viola”, a chimarrita é tida como uma antiga polca ou como uma esp écie de rancheira. O canto da chimarrita gaúcha foi modificado na sua tem ática, com quadrinhas que falam do campo e temas de cunho rural. Um
20
Nos Anexos encontraremos as partituras dos g êneros mais importantes. Este portal de cultura ga úcha é um dos mais completo e confiáveis quanto as informações que fornece. Possui inúmeras seções que tem conteúdo sobre vestimenta, culinária, bibliografia e em especial, músi ca nativista, destacando história e artistas. 21
56
dado importante foi aportado pelo pesquisador argentino Carlos Vega, que apontou que na
zona
“
oriental ” (Uruguai) existe uma dança que era a chamarrita e sua variante, a chimarrita. Vega agrupa esta dan ça junto a outras com o nome de polcas, mas avisa da diferença deste ritmo e das caracter ísticas particulares da sua rima nas quadras (www. páginadogaúcho .com.br). A proposta dos festivais a partir dos anos 70 fez sentir uma mudan ça no âmbito da música gaúcha. A importância destes eventos foi tanto na ordem regional quanto internacional, pois, a partir dos festivais, v ários artistas dos países limítrofes começaram a se apresentar freqüentemente no Brasil. Foram convidados para participar da Califórnia nomes como Atahualpa Yupanqui, Mercedes Sosa, Lito Vitale e, em v árias edições, o Balé Folclórico da 22
cidade de Brandsen (Santi, 2004, p.69). Estas participa ções mostram a proximidade entre as culturas, entre as express ões musicais, fato que se intensifica com o nativismo (ver Capitulo 3, pesquisa de campo). Com o surgimento do Movimento Nativista, al ém de um revigoramento do culto às tradições, novos elementos no segmento artístico, em particular na música, aparecem continuamente. Alguns g êneros vindos do outro lado da fronteira com Argentina e Uruguai tiveram grande aceita ção entre os compositores, músicos e público, apesar das restrições que eram impostas nos regulamentos dos festivais (Santi, 2004, p.86). As proibi ções eram para gêneros como o chamamé, a chacarera, a zamba e o tango, característicos da música rio-platense. Não há menção sobre haverem proibido a milonga, que também é de origem platina, um dos ritmos que o nativismo imp ôs e que o público acolheu incondicionalmente. Com o passar do tempo e a consolida ção do Movimento Nativista, encontramos como os g êneros mais usados pelos compositores, aqueles que eram proibidos pelos regulamentos dos festivais, vindos do outro lado da fronteira com Argentina e Uruguai.
4.2. Os gêneros musicais nativistas Uma das caracter ísticas notáveis do nativismo foi a forte tend ência à integração com a 23
cultura do Rio de La Plata, que é mostrada principalmente através dos gêneros musicais . Sem dúvida que as apresentações nos festivais dos artistas platinos influenciou e cativou marcadamente os novos compositores nativistas, tanto que come çaram usar nas suas composições os ritmos trazidos pelos “estrangeiros”. Outro fator importante foi a modernização dos meios de 22
Cidade da Província de Buenos Aires, Argentina. Nos anexos encontraremos partituras dos g êneros
23
mais importantes. 57
comunica ção, da mídia e da indústria cultural, que fez que o intercâmbio de informações com as culturas do outro lado da fronteira fossem mais fluidas. Como conseq üência destes acontecimentos detectamos que atrav és dos gêneros musicais se produz uma conexão entre as 24
culturas platina e ga úcha, o que na atualidade torna-se inegável . A primeira manifesta ção desta comunicação entre as culturas e particularmente da música se dá com a milonga. No Dicionário de Regionalismos de Rio Grande do Sul, Zeno Cardoso Nunes define milonga como: “Espécie de música dolente, crioula, de origem platina, cantada com acompanhamento de guitarra ou viol ão” (Nunes, 1996, p.303).
Numa pesquisa mais moderna,
Santi destaca que este g ênero é uma novidade que o Nativismo traz a partir dos anos 80 para o cenário musical, representando a identificação já mencionada com a cultura dos pa íses vizinhos (Santi, 2004, p.95). Mas o percurso da milonga parece mais longo segundo alguns dados pesquisados. Paix ão Côrtes faz menção sobre a história deste ritmo que surge na Argentina em 1880 e, segundo o not ável musicólogo Carlos Vega, a milonga esteve prestes a desaparecer 25
quando foi resgatada pelos “ payadores” para efetuar seus contrapontos em forma de versos. Ainda citado por Paix ão Côrtes, Vega diz:
es nuestra milonga resonancia tardia del Lundu”
“
(1981, p.45). Cezimbra Jaques, fundador do Gr êmio Gaúcho, também menciona o gênero no seu livro Assuntos do Rio Grande do Sul de 1912 explicando: “Milonga – esp écie de música crioula platina cantada ao som de guitarra (viol ão) e que está também, como a meia-canha e o peric ón, adaptada entre a gauchada rio-grandense ” (Paixão Côrtes, 1981, p.46). Já o folclorista Luiz Câmara Cascudo esclarece a origem da palavra milonga, dizendo que é um “termo originário da língua bunda-congolense, é plural de mulonga, palavra, e só usada entre os negros, significando palavrada, palavras tolas ou insolentes ” (Paixão Côrtes, 1981, p.46). Paixão Côrtes ressalta que o Movimento Tradicionalista que surgiu em 1948 deu certo impulso para reviver a milonga pampeana” conhecida nos galp ões de fronteira (Paixão Côrtes, 1981, p.46).
“
A milonga que os nativistas adotaram, e que hoje faz parte da m úsica gaúcha como um dos ritmos de maior aceita ção popular, tem as características do gênero platino, que descreveremos a seguir. Esta milonga rio-platense sofreu algumas adapta ções de acordo com o
24
Esta conexão aparece evidenciada nos detalhes descritos na pesquisa de campo do Capítulo 3 . Como observamos no referido cap ítulo, não há coincidências somente no que se refere à musica, também na ordem de costumes sociais, roupas, alimenta ção etc. 25 Segundo Moreno Cha (1999, p.272) os “ payadores” são músicos que usam o gênero milonga para improvisar instrumental e poeticamente sobre este g ênero rural rio -platense. São característicos do folclore platino, onde a maior expressão deste gênero se dá nas “ payadas de contrapunto ”, desafios musicais entre dois músicos.
58
meio em que se tocava, seja rural ou urbano. Segundo Archetti j á havia sinais da passagem da milonga de um âmbito para outro em 1890. A milonga rural tida como dan ça passava para os subúrbios da cidade sendo conhecida como baile de cortes e quebradas, combinando os passos da milonga com o candombe, a dança dos negros que viviam em Buenos Aires, e cuja característica era a agilidade dos bailarinos demonstrada pelas quebradas, contor ções improvisadas, e os cortes, pausas repentinas (Archetti, 2003, p.15). A fus ão da milonga e o candombe, com a habanera e a mazurca, deram mais tarde origem ao tango, uma dan ça sensual executada por casais, que misturava elementos dos ritmos mencionados (segundo Collier apud Archetti, 2003, p.16). No entanto, a milonga urbana permaneceu como dan ça e como um gênero paralelo ao tango, conservando as caracter ísticas de movimentos rápidos e saltitantes, enquanto a milonga rural continuava seu percurso no campo e no interior do pa ís como gênero folclórico.
É possível distinguir três tipos de milonga rural: uma somente instrumental, outra cantada com letra que pode ser uma poesia ou verso composto para tal fim, e a terceira, que é improvisada por dois cantores na forma de duelo, tanto na letra quanto na m úsica, a chamada milonga de “ payada de contrapunto” (Moreno Chá, 1999). Hoje em dia, como podemos observar na pesquisa de campo (cap ítulo 3), este ritmo é aceito entre artistas e público de forma unânime, adaptado à linguagem gaúcha nas letras e poesias, nas composições musicais e na instrumenta ção utilizada pelos músicos. As milongas que pudemos escutar nos repert órios dos artistas nativistas da atualidade t êm as características dos gêneros urbano e rural da milonga platina, isto é, a urbana de andamento mais rápido, com reminisc ências de tango, e a rural, de andamento mais lento, uma das express ões do folclore da região do “Prata”. Ambos ritmos são de compasso bin ário. Por todas estas informações e análises poderíamos dizer que a milonga é um dos gêneros mais importantes de comunica ção musical entre as culturas platina e gaúcha. O chamamé é outro dos gêneros que vêm dos países limítrofes que os compositores e músicos nativistas adotaram de forma contundente. A origem do chamamé é disputada pelos paraguaios e pelos correntinos (naturais da prov íncia de Corrientes, Argentina). Segundo o pesquisador Evandro Higa, o chamam é deriva da polca paraguaia que viria de uma fusão dos ritmos europeus, embora seja considerado um produto cultural da Argentina (2003). Higa afirma 26
que este gênero seria uma nova variante da “ polca syryry mais moderado no Paraguai. O nome
que era executada num andamento
”
chamamé” vem do guarani, e significa
“
coisa feita
“
26
Palavra de origem Guarani que significa escorregar, denomina um tipo de polca p araguaia.
59
rapidamente, improvisada ”, foi criado para a gravadora RCA Victor na década de ’30 em função de uma estrat égia de mercado (Higa, 2003, p.3). Higa coloca no seu trabalho o depoimento do músico Benitez, que em entrevista de 2003 diz que o chamamé é chamado também de “ polca correntina”, repetindo várias vezes este nome ao longo da entrevista, como se confirmasse a procedência deste gênero, ainda colocando que tem quase a mesma sensibilidade da polca paraguaia, mostrando diferen ça entre ambas. Também verificamos neste trabalho a afirmação que o chamamé é celebrado na mídia sul-mato-grossense como a “maior expressão cultural” desta região (p. 2), mais adiante encontramos dados sobre a migração dos sulistas para este estado, principalmente ga úchos, verificada num censo de 1980, encontrando o seguinte depoimento: “(...) tem-se evidenciada a quase imposi ção cultural gauchesca, que fez polca paraguaia perder terreno para o vaneirão e o chamamé, ritmos típicos dos pampas...” (Cabral apud Higa, 2003, p.6). Podemos dizer que o mais interessante desta pesquisa, apesar das contradi ções, é a afirmação de alguns dados que mostram o chamam é como ritmo adotado pelos gaúchos que migraram para Mato Grosso do sul, colocando este g ênero junto do vaneirão, um dos mais importantes para a música nativista. Na página do gaúcho, na internet encontramos mais detalhes deste gênero vindo do nordeste da Argentina. Segundo o correspondente em Uruguaiana, Mauro Maciel, uma das cidades consideradas o ber ço do chamamé é Paso de los Libres, na fronteira com o Brasil, onde existe um artes ão que fabrica acordeões de botão, que s ão as mais usadas para tocar este gênero. O processo de fabrica ção é completamente artesanal e pelas suas mãos já passaram mais de três mil acordeões. Este é um dos motivos que se colocam para dizer que esta cidade “Correntina” se apresenta como o epicentro do g ênero. Em várias edições da Califórnia da Canção Nativa foi proibido executar m úsicas compostas como chamamé, já que o ritmo era considerado “alienígena”, encontrando-se nos regulamentos par ágrafos específicos justificando esta proibição. Barbosa Lessa e Paix ão Côrtes divulgaram como fruto de uma pesquisa que o chamamé teria se originado da chamarrita, sendo exportada de Rio Grande do Sul para Argentina. Neste pa ís haveria alcançado grande sucesso, para depois conquistar a fronteira e passar de novo para o Brasil sendo adotado como g ênero nativista (Santi, 2004, p.86). Na opini ão de Luiz Carlos Borges, presidente do IGTF e reconhecido m úsico nativista, o chamamé nasceu em Corrientes, mas está cada vez mais abrasileirado, dizendo que j á faz parte há muito tempo da música dos gaúchos e por isto não 60
precisa de autoriza ção para ser tocado. O músico e compositor Pirisca Grecco, ganhador da Califórnia no ano de 2002 considera o ritmo como um dos mais importantes nos bailes ga úchos (www.paginadogaúcho.com.br). Sobre o significado da palavra chamam é, Maciel disse que na Argentina corresponde a
senhora ama-me” e que no Brasil é entendido como “chama-me para bailar ” ou “aprochegar -se
“
de mim” ( www.paginadogaúcho.com.br). Na sua execu ção e interpretação este gênero permite a emissão de gritos muito particulares chamados de “ sapucay” que em língua guarani significa “ grito da alma”. O chamamé é de compasso tern ário e andamento variado, assim podemos encontrar composi ções com caracter ística de velocidade lenta junto de conteúdos líricos de tom poético, como obras de andamento rápido com ou sem letras, ou seja, de caráter somente instrumental. Em todas as situações este ritmo sugere a dança, como é tradição no nordeste de Argentina, e nos lugares por onde o gênero se expandiu como em RS e em Mato Grosso do Sul. Hoje em dia, no sul do Brasil, segundo renomados artistas nativistas (ver cap ítulo 3), o chamamé só perde em popularidade para a milonga na predile ção do público dos festivais e cultores do Nativismo. O vaneirão ou vaneira é, como já antecipamos, derivado da habanera de origem hispânica, que no seu percurso para América Latina teve passagem por Cuba, onde acrescentou elementos r ítmicos que deram mais riqueza a este g ênero. Na Argentina a habanera contribuiu para gerar o tango e, no Brasil, a vaneira ou vaneirão. Este gênero de compasso binário é muito tocado pelos m úsicos nativistas, embora na atualidade esteja algo relegado pela ascensão do chamamé e a milonga. A vaneira está muito relacionada ao fenômeno do baile gaúcho, o popular
bailão”, por ser um ritmo muito alegre e em geral com letras descontraídas. Sobre este tema
“
abriremos um par ágrafo especifico ainda neste capítulo, mencionando uma outra linha na m úsica gaúcha relacionada ao bailão: a Tchê Music. Pode-se afirmar que a vaneira é um gênero consagrado, bem aceito pelo p úblico e um dos insubstituíveis no âmbito do baile gaúcho. Não poderíamos deixar de mencionar o que é considerado como o único gênero nativo gaúcho: o bugio. Há pouquíssimas referências teóricas sobre este ritmo e, como falamos anteriormente, figuras expressivas do nativismo como Luiz Carlos Borges afirmou que n ão há certeza que ele seja verdadeiramente nativo. O poeta e folclorista Jayme Caetano Braun disse que ele parece muito com a vaneira. O que podemos aportar sobre este g ênero é o que registramos em conversas informais com m úsicos nativistas. O nome vem do macaco bugio, encontrado na mata 61
da região sul e sudeste do Brasil. Coincidentemente, neste ritmo a gaita é tocada de forma que parece o ronco que este animal emite na hora de se acasalar. No instrumento s ão executados ritmicamente sons na regi ão grave, muito parecidos aos proferidos pelo macaco na hora de copular com sua parceira. H á diferenças muito sutis com a vaneira ou vaneirão, que são percept íveis somente para entendidos. O compasso do bugio é binário e as instrumentações das composi ções são as usadas nos outros gêneros, com ênfase no “ronco” emitido pela gaita. Outro detalhe que encontramos neste g ênero, se refere às letras, onde detectamos quase sempre a menção explícita da palavra “bugio”, no meio de uma estória contada em tom jocoso, como se advertisse o gênero da música em questão. Para encerrar este tema dos g êneros nativistas, poderíamos dizer que a abertura cultural proposta pelo movimento, e a integra ção com as culturas fronteiriças, trouxeram elementos novos através dos ritmos estrangeiros não somente nos aspectos de composição como também na instrumenta ção, tema que abordaremos a seguir.
4.3. Os instrumentos Sobre os instrumentos usados na m úsica gaúcha também podemos dizer que houve muita polêmica entre os defensores das idéias do Tradicionalismo e o inovador Nativismo. Este ponto de discordância em época de festivais, geralmente era resolvido no regulamento, elaborado por tradicionalistas, que limitavam o uso dos instrumentos eletr ônicos e também de aqueles que julgassem que não formavam parte das tradições gaúchas. Assim como a proibição dos gêneros, o uso de instrumentos
alienígenas” era vetado em parágrafos específicos dos regulamentos. A
“
partir da V Califórnia houve modifica ções quanto ás linhas de composição, criando-se três linhas: 27 Campeira, Manifesta ção Rio-Grandense e Proje ção Folclór ica . Na XXV edi ção do festival
aparecem no regulamento os instrumentos autorizados para acompanhar as diferentes linhas. A Campeira podia contar com instrumentos ac ústicos como violão, gaita, harmônica, rebeca, bandoneón, pandeiro e outros improvisados, mas com elementos que tenham a ver com o campo, também era permitido o bombo. A linha Manifestação Rio-Grandense acrescentava o contrabaixo elétrico aos já mencionados. Aparece nesta edição uma linha chamada de Manifestação Livre, na
27
Estes rótulos foram colocados para
diferenciar as categorias das músicas que se apresentaram no festival. Estes rótulos foram definidos pelo júri e comissão organizadora do festival. 62
qual era permitido qualquer tipo de instrumento. Este j á era um sinal de franca evolução, tanto da música como dos festivais e dos movimentos que neles se manifestavam (Santi, 2004, p. 84). Independente dos festivais, a m úsica gaúcha foi adotando instrumentos que se tornaram caracter ísticos para executar os gêneros que já comentamos, alguns foram herdados dos colonizadores da regi ão, outros trazidos pelos imigrantes, e os mais novos foram aparecer pelo contato com as culturas do outro lado da fronteira. A viola e o viol ão foram, talvez, os primeiros instrumentos que acompanharam m úsica gaúcha nos seus primórdios. A viola estava presente já em meados do século XIX nos desafios de improvisos, em g êneros como o cururu em São Paulo ou a trova em Rio Grande do Sul (P. Côrtes, 1983, p.36). Ambos instrumentos vieram com os colonizadores portugueses e espanh óis, e ganharam popularidade rapidamente pela versatilidade para acompanhar o canto. Tinham ambos o inconveniente de sofrer com as inclem ências do tempo, o que tornava sua afinação variável conforme o frio ou o calor; também o volume pequeno era um problema na hora de tocar ao ar livre ou para muitas pessoas.
Figura 3: Viola
Figura 4: Viol ão
O violão, apesar destes problemas, se manteve firme como instrumento de acompanhamento e solo, gra ças às melhoras e o capricho da fabricação moderna, ainda é muito usado na m úsica gaúcha. A viola teve outr a sorte e sucumbiu substitu ída por outro instrumento trazido pelos imigrantes: o acorde ão.
Figura 5: Gaita ponto
Figura 6: Gaita de teclado (acorde ão) 63
Com vários nomes pelo Brasil todo, o acorde ão chegou ao país trazido pelos italianos em 1875. No norte ou nordeste é chamada de sanfona, no sul de gaita, ou de “cordiona”. O sucesso deste instrumento foi muito grande logo que os imigrantes come çaram a mostrá-lo em festas e reuni ões onde a música era a grande atração. Como o instrumento era perfeito, servia para acompanhar o canto, podia fazer solos tamb ém, e seu volume era bem maior do que a viola e o violão. Não tinha problemas de afinação por causa do clima e pelos atributos que já mencionamos foi aceito de imediato para fazer parte da instrumenta ção da música gaúcha. A história do acordeão é bem peculiar. Começa na China no 2700 A.C onde surgiu um instrumento parecido chamado de Tcheng ou Cheng, que era um órgão portátil de fole (www.paginadogaucho.com.br/instrumentos). Dezoito s éculos depois, o instrumento foi parar na Rússia abrindo as portas para toda Europa, começando o sucesso pela Alemanha. Na Áustria, em 1822, Cirilo Demian introduziu as modifica ções necessárias para que o invento chin ês tomasse a forma que a gaita tem hoje (www.p áginadogaúcho.com.br). Os tipos de gaita que encontramos na atualidade s ão duas: a de teclados, com baixos na mão esquerda, acionado por botões e teclado na direita, e a gaita-ponto com bot ões de ambos lados. A popularidade que o acorde ão alcançou foi inusitada, tanto que podemos coloc á-lo hoje como instrumento representativo da m úsica regional gaúcha. Há dados que confirmam isto, como o que o Estado do RS já teve numa época 20 f ábricas de gaitas funcionando simultaneamente, a mais famosa marca estabelecida desde 1939. Em 30 de junho de 1948, quando o primeiro CTG tinha apenas dois meses de exist ência, esta f ábrica
já
havia
manufaturado
6.907
acordeões
(www.páginadogaúcho.com.br).
Complementando estas informa ções, podemos dizer que em países limítrofes o sucesso do acordeão também foi notório. Na Argentina surgiram grandes instrumentistas de chamamé, cujo instrumento caracter ístico é a gaita, que tomou o lugar de destaque da guitarra espanhola (violão) e da harpa de influ ência paraguaia (Higa, 2003, p.3). No Paraguai, também no âmbito, da fronteira com Brasil, o acorde ão teve uma ascensão muito grande, compartilhando com a harpa e violões as instrumentações em polcas e guarânias. Da mesma fam ília dos acorde ões e com o mesmo princípio de funcionamento é o bandoneón. Este instrumento veio da Alemanha para Am érica Latina e ficou no sul do Brasil nos redutos de imigra ção germânica. É pouco usado na música gaúcha, mas existem menções no regulamento
da
Califórnia
da
Canção aceitando-o
como
instrumento
ac ústico
para 64
acompanhamento de uma das linhas de composi ção. O bandoneón foi mais bem aceito na Argentina, nos sal ões de baile onde a habanera era sucesso no come ço de século XX, depois se transformando no instrumento essencial para um novo g ênero: o tango. As transforma ções em nível instrumental que a música gaúcha foi experimentando se incrementaram com os festivais e com o interc âmbio com as culturas fronteiriças. O contato com o folclore platino trouxe para algumas forma ções musicais nativistas um instrumento de percuss ão: o bombo legüero. Embora não houvesse uma adesão maciça por parte dos músicos nativistas desde sua chegada nos 60, é possível ouvi-lo em alguns trabalhos que lembram bem os gêneros platinos, cobrando popularidade aos poucos. O mais tradicional dos bombos é feito com casca de árvore que é o verdadeiro legüero, mas tem os que são feitos de madeira compensada, chamados de bombo nativo.
Figura 7: Bombo Legüero
O seu antecessor parece ser o tambor medieval militar, j á que seu formato era cilíndrico, mas as ligaduras das peles n ão são parecidas, sendo estas similares às caixas de guerra da Idade Moderna. As peles s ão feitas de couro de cabra ou ovelha, embora já se viram imitações em couro sint ético. O processo de fabricação do instrumento é totalmente artesanal. O nome de legüero, segundo a conceituada folclorista Isabel Aretz, vem por causa da dist ância que ele era ouvido no campo, quando usado como instrumento de sinais. Assim tinha bombos que se ouviam a uma, duas, três ou quatro léguas, daí o seu nome (www.paginadogaucho.com.br/instrumentos). A origem certa do bombo foi na regi ão noroeste da Argentina, e nos anos 60 se tornou um instrumento imprescind ível para o acompanhamento na música folclórica Argentina. A partir desses anos, passou a fronteira e come çou a ser usado no Uruguai; mais tarde chega em RS para ser acolhido entre os nativistas como instrumento de percuss ão. Atualmente, existem artistas e conjuntos nativistas que n ão dispensam o bombo legüero nas suas instrumentações, assim como 65
outros instrumentos de percuss ão como o cajón de origem flamenca, a moringa de origem árabe e outros que s ão usados por percussionistas modernos.
Figura 8: Caj ón Segundo os renovadores da m úsica gaúcha, os nativistas de concepção mais avançada, estes novos timbres enriqueceram as performances e as grava ções da nova música regional (www.páginadogaúcho com.br). Alguns instrumentos de origem ind ígenas têm aparecido esporadicamente em alguns conjuntos nativistas, como as quenas incaicas ou a flauta pan, mas segundo Paix ão Côrtes não são instrumentos dos primitivos habitantes de Rio Grande do Sul, sendo estes de indígenas que habitavam terras de coloniza ção espanhola (Paixão Côrtes, 1981, p.43). Os instrumentos eletr ônicos criaram bastante confusão no meio musical gaúcho, principalmente quando despontaram as guitarras e os contrabaixos el étricos. Os teclados também foram alvo de proibi ções em festivais, e na percussão, a bateria foi muito discutida entre os teóricos do tradicionalismo para seu uso. O fato é que estes instrumentos modernos não fazem parte do grupo que se consideram instrumentos tradicionais para fazer a m úsica gaúcha, é por isso que havia relut ância enquanto sua utilização. As coisas começaram a mudar um pouco depois da V Califórnia, e com o sucesso de outro festival surgido na cidade de Santa Rosa: o Musicanto Sul-americano de Nativismo, cuja primeira edi ção foi em 1983. Seu criador, Luiz Carlos Borges disse “o festival não barra estilos musicais, ritmos e temas, e aceita instrumentos eletrônicos de todas as formas” (Jacks, 1998, p.44). Numa outra parte da sua entrevista Borges afirma que “Os conservadores n ão admitem o uso do contrabaixo eletrônico, nem da guitarra elétrica, tampouco da bateria, dizendo até, que tais, desnaturam os festivais. Os bailes dos CTG são ‘abrilhantados’ com conjuntos musicais que só usam tais instrumentos. A polêmica é um contra-senso ” (Jacks, 1998, p.57). Especificamente neste festival, a modernização das tradições que vem na onda dos instrumentos eletr ônicos e com a entrada de gêneros “alienígenas” é duramente criticada por parte do p úblico e também por alguns músicos e compositores, a ponto 66
de considerar alguns destes elementos como amea ça à tradição (Lucas, 1999, p.13). O fato é que sobre este festival e em particular suas últimas edições, recai a crítica no que respeita à perda de identidade e o ecletismo, presentes de maneira exacerbada. A descri ção feita por Lucas no seu trabalho Brasilhana, baseado no Musicanto de 1986, do palco preparado com uma parafern ália instrumental, que contava com instrumentos de percuss ão usados em escola de samba, guitarra elétrica, bandoneón e instrumentos de sopro como saxofone e flauta transversal, parece mostrar o espírito eclético e mistura de universos sonoros que o festival propõe. Nesse mesmo palco se apresentou uma composi ção que misturava curiosamente dois ritmos bem diferentes entre si como o samba e a milonga, contando com a ajuda da miscel ânea de timbres proposta pelos instrumentos citados (Lucas, 1999, p.9). A tentativa de inovar e, neste caso particular, de aproximar duas culturas atrav és de dois gêneros musicais distintos, recai no chamado de processo de trans-culturiza ção (Lucas, 1999, p.14). Isto mostra um dos pontos de convergência cultural e musical que estamos tentando pesquisar neste trabalho. De toda forma, voltaremos nas considera ções finais a tratar desta questão entre gêneros ou linguagens de comunicação musical e a transcultura ção.
4.4. A Tchê Music “
”
Não poderíamos deixar de mencionar, para fechar este capítulo sobre gêneros e instrumentos da m úsica gaúcha, uma corrente de modernização que surge nos anos 90 talvez como conseq üência do crescimento da indústria cultural regional, e que reúne novos elementos tecnol ógicos e musicais, como a mescla de gêneros nacionais: a “Tchê Music”. Há uma relação estreita deste tipo de m úsica com o baile gaúcho, o popular bailão, que começou a ser promovido na mesma época do surgimento destes novos conjuntos. Como colocou Borges anteriormente, esses bailes s ão “abrilhantados” por estes grupos, que misturam instrumentos eletrônicos com acústicos, cujo expoente regional ainda é a gaita. Em matéria de gêneros, a mistura também é grande, pois é possível detectar elementos musicais, principalmente rítmicos, vindos de gêneros como pagode e samba, da m úsica sertaneja e do “ Axé music” baiano. Coincidentemente, o nome Tchê Music” parece muito com o gênero mais popular da Bahia, mostrando uma proposta
“
mercadol ógica desde seu aparecimento, que é a de tentar equiparar ou contestar a hegemonia comercial em n ível nacional exercida pelo “ Axé music” (Lucas, 2000, p.56). 67
O objetivo se centra em exportar em n ível nacional uma versão moderna da música gaúcha, tentando impô-la como linha de dan ça. Segundo um radialista local, este tipo de música faz sucesso devido à inexistência de nenhum tipo de restrição para tocá-la ou dançá-la, e “não se identifica com o sistema de proibi ções encontrados nos CTG” (Lucas, 2000, p.57). Devemos salientar que esta linha musical (tch ê music) tem um marcado apelo comercial, tanto no que se refere ao mercado discogr áfico, como às apresentações ao vivo, feitas em grandes locais de baile. Discordando deste comportamento, os nativistas da gera ção dos festivais e os tradicionalistas do MTG, assinalam que a proposta destes conjuntos, chamados tamb ém de “ pop gaudério”, não faz parte da cultura nem das tradi ções gaúchas (ver capítulo 3, p.51). Com todas estas informa ções sobre a historia da formação cultural e social do gaúcho, o surgimento dos movimentos, as express ões artísticas e, em particular a música, seus gêneros e outros elementos, partiremos para as considera ções finais.
68
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos hist óricos mencionados no capítulo1 tiveram enorme importância na formação da cultura gaúcha. A mistura de vários grupos sociais e diferentes etnias, num marco de conflitos bélicos, localizados numa região onde a riqueza da terra se mostrava exuberante e sua posição estratégica, centro do novo continente, moldaram uma cultura cujo centro é a figura mítica do gaúcho. Esta imagem cultural surge como em nenhum outro lugar do país, através da sua participa ção nas guerras, na defesa da terra, na lida do campo com animais e plantio. A criação do mito responde à apologia ao passado, que resgata um tempo de heróis que participaram das epop éias guerreiras, mascarando a verdadeira situação de pobreza e conflitos sociais, negando as lutas de classes existentes no campo. Assim, o ga úcho deixa de ser um ser social para passar a ser um s ímbolo mitificado, sufocando-se a visão real deste habitante do campo (Golin, 1983, p.67). A luta armada, por terras, riquezas e, mais tarde, por interesses pol íticos foi uma constante na região, e o habitante do sul do Brasil foi ativo participante. O caráter altivo, valente e rebelde que se atribui à figura do gaúcho possivelmente surja desta herança violenta que vem desde o século XVII. Pelos acontecimentos que descrevemos ao longo do primeiro cap ítulo, poderíamos afirmar que n ão houve outro lugar no país que tenha um passado de guerras e transformações sociais tão bruscas como na região em que Brasil faz fronteira com Paraguai, Uruguai e Argentina. Os grupos sociais que interviram no processo de forma ção da cultura gaúcha eram bem diferentes entre eles, e a intera ção entre os mesmos foi o que gerou esse passado de guerras e violência que mencionamos anteriormente. A cobiça dos colonizadores espanhóis e portugueses, os jesuítas no seu trabalho com os indígenas, criaram este primeiro cenário, recheado de conflitos. Mais tarde, a a ção dos bandeirantes e suas incursões aumentaram a dose de intemperan ça na região. No passo pelo sul, as Bandeiras fundaram cidades e vilas, deixando sua marca através dos tempos. Com a tentativa de desenvolvimento econômico, surgiram os tropeiros, carregando produtos do sudeste para o sul e vice-versa, unindo regi ões que eram potencialmente ricas, fato que se confirma com as fazendas de caf é do sudeste e a pecuária sulina. Os imigrantes europeus completaram o mosaico étnico do sul do Brasil. Estes grupos de países diferentes trouxeram vários elementos culturais, talvez o mais importante foi a música e, junto, os instrumentos t ípicos que foram e são muito usados na atualidade. A adaptação dos 69
gêneros europeus na América do Sul fez com que as expressões musicais mudassem a ponto de criar sobre estes, um estilo pr óprio para cada região. O processo de socializa ção entre estes grupos diferentes foi o que delineou a cultura gaúcha. A convivência e as trocas de costumes que vão desde o vestuário, a culinária e a língua, dentre outras coisas, moldaram este conjunto de h ábitos, muitos deles transformados em elementos da tradi ção. Se pensarmos que nos s éculos XVII e XVIII os limites políticos entre os países eram quase que vagamente definidos, diríamos que esta socialização se estendia para as regiões além fronteira, mais precisamente estes processos se davam sem uma consciência precisa do que é a fronteira política. Na metade do s éculo XIX, os movimentos culturais que apareceram desde a época da Guerra do Paraguai surgem com o intuito de enaltecer os valores do homem do campo e seu entorno, atrav és da literatura, em um primeiro momento, como o fez a Sociedade Partenon Literário, a partir de 1868. Mais tarde, o Grêmio Gaúcho criado pelo Major Cezimbra Jaques, também tem um perfil literário, mas já esboça explicitamente a sua intenção de cultuar as tradições de Rio Grande do Sul. Devemos lembrar, neste caso, que a inspira ção do Grêmio foi a Sociedad Criolla” de Montevideo, Uruguai, o que nos mostra uma sintonia entre a cultura do RS
“
e rio-platense, no que se refere à manutenção da tradição e ideologia. Ainda como mostra de afinidade entre rio-platenses e rio grandenses, vale lembrar o que o pr óprio Cezimbra Jaques disse do gênero milonga, admitindo que é aceito em RS, assim como outros gêneros folclóricos platinos como a
media caña” e o “ pericón” (Paixão Côrtes, 1981, p.46) (ver capítulo 4,
“
gêneros). Em 1948, com a funda ção do Movimento Tradicionalista Gaúcho começa uma nova concepção cultural no Rio Grande do Sul, que passará também para Santa Catarina e parte do Paraná. Com traços de nacionalismo exacerbado, o Tradicionalismo corta radicalmente tudo que
é estrangeiro à cultura gaúcha, chamando de “alienígena” a todo e qualquer elemento cultural do exterior. Desta maneira, aparecem in úmeras contradições entre o que os ideólogos do Tradicionalismo promulgam e o que os acontecimentos hist óricos demonstram. Um exemplo evidente destas controv érsias se produz no momento em que são formuladas as danças tradicionais gaúchas. Os tradicionalistas Barbosa Lessa e Paixão Côrtes viajaram para Uruguai para estabelecer contato com as
Sociedades Criollas” com o fim de encontrar elementos para
“
formular as dan ças (Santi, 2004, p.43). Como é possível negar um fato destes, dizendo mais 70
tarde, que os elementos alien ígenas devem ser eliminados da cultura gaúcha? O que é considerado alien ígena? Dentro deste conceito, entram tamb ém os indivíduos que estão do outro lado de uma linha simb ólica chamada de fronteira política, que usam bombachas, tomam mate, andam a cavalo e gostam do campo, da terra, quase da mesma terra? Outro assunto interessante é a questão da língua ou, para melhor dizer, a linguagem do
gaúcho” e seus regionalismos. Poderíamos trazer novamente o conceito de “alienígena”, que
“
neste caso seria a l íngua ou toda expressão que não é considerada língua portuguesa. Como é possível encontrar nesses regionalismos e na linguagem do “gaúcho” tantos termos em espanhol ou castelhano? Basta conferir no Dicion ário de Regionalismos de Rio Grande do Sul confeccionado pelos irm ãos Zeno e Rui Cardoso Nunes. Este fato, às vezes, parece ser negado pelos tradicionalistas, argumentando que querem
acastelhanar ” o gaúcho, em outras
“
oportunidades se valem desse linguajar como amostra de diferen ça do resto do país. Cabe mencionar que a maioria dos voc ábulos em espanhol que aparecem misturados na “linguagem gaúcha” se referem ao campo, isto é, são palavras usadas no âmbito rural platino. Na língua espanhola estes termos tamb ém são agrupados como expressões próprias da linguagem gauchesca”. A passagem através das fronteiras destes regionalismos idiomáticos se dá na
“
decorrência dos processos hist óricos e culturais que descrevemos nos capítulos anteriores. O Tradicionalismo, de certa forma, criou uma dist ância entre a cultura regional do sul e o resto do pa ís. Isto parece ser produto do antigo sentimento separatista vindo da época dos Farroupilhas e tamb ém das inúmeras contradições em que os ideólogos do movimento proclamam em cartas, estatutos e confer ências ou entrevistas. A exemplo disto, poderíamos mencionar uma entrevista de 1981, da qual participam Gluacus Saraiva e Paix ão Côrtes (1981, p.73). Saraiva se queixa dizendo que ter á que se lutar muitos anos para que a cultura “gauchesca” seja aceita no Brasil, que os ga úchos são repudiados e tratados como semi-estrangeiros, “sempre nos empurrando para a banda do Prata ”. O resto do país não aceita esta cultura como autenticamente brasileira. Faz men ção às guerras, nas que o povo gaúcho participou ativamente, como se fosse o único fato que garantiu a soberania nas fronteiras do sul, tanto em sentido político como cultural. Observa que o Movimento Tradicionalista demonstrou ao longo de trinta anos ser a maior escola de civismo e princ ípios da brasilidade. A seguir, admite ser inegável a origem do gaúcho que, segundo ele, é produto da cruza de aventureiros espanhóis, portugueses e
índios. Imediatamente, Paix ão Cotes descreve os tipos de gaúchos, dizendo que o da fronteira 71
representa um tipo, naturalmente, mesclado e de identidade maior com o espanhol” (Paixão
“
Côrtes, 1981 p.73). Estas contradições ideológicas, por um lado, e as mostras da supervaloriza ção pelas epopéias guerreiras são sinais que mostram o porquê do isolamento cultural com respeito ao resto do Brasil. E a nega ção das coincidências culturais com os países vizinhos? E essa rejeição mostrada à cultura “alienígena” de bombachas e chimarr ão, que fica do outro lado das fronteiras com Argentina e Uruguai? H á uma intenção dos tradicionalistas de se isolar das culturas platinas, ao parecer por quest ões ideológicas, também porque a dinâmica social do campo e seus habitantes são diferentes nessas latitudes, como veremos mais adiante. No plano ideol ógico, o historiador Tau Golin elaborou uma profunda análise sobre o Movimento Tradicionalista no seu livro A Ideologia do Gauchismo (1983). Neste trabalho, o autor critica acirradamente ao movimento e mostra o que h á por trás da pregação do culto às tradições gaúchas, em termos políticos, sociais e culturais. Golin explica o isolamento tradicionalista, como uma forma de segurar o monop ólio da cultura e a respeito de elementos
alienígenas”, comenta que por causa da arte engajada de artistas de países vizinhos é que se
“
definiu a cria ção das “ barreiras aos fatores e idéias alienígenas (...) diametralmente opostos ou antagônicos aos costumes e pendores naturais de nosso povo” (Golin, 1983, p.63). Sobre as contradi ções dos ideólogos do MTG, as considerações de Ruben Oliven mencionadas no capítulo 1 do presente trabalho parecem as mais apropriadas, lembrando que ele disse da grande dificuldade dos tradicionalistas para definirem conceitos como tradi ção, folclore, dentre outros, e que estes ide ólogos usam um certo conhecimento sobre estes temas como forma de poder, para ter o monop ólio sobre o que chamamos de cultura gaúcha. O Nativismo trouxe ares de moderniza ção para o cenário cultural gaúcho. Já observamos no decorrer do trabalho que se consolidou como movimento depois de v árias edições da Califórnia da Canção Nativa. A mudança mais significativa foi, talvez, a abertura para uma nova estética musical, que se materializou nas novas composições, nas instrumenta ções musicais e na integra ção com os países vizinhos através dos gêneros, como também, no intercâmbio entre compositores e int érpretes. Possivelmente, esta integração tenha trazido uma mudança também no sentido ideol ógico, pois, como dissemos anteriormente, a arte engajada de alguns compositores e m úsicos rio-platenses considerada nociva para os tradicionalistas, come çou a ser vista de maneira mais consciente e realista por parte dos nativistas. Estes tra ços de mudança no aspecto ideol ógicos aparecem aos poucos em algumas composi ções, mas ganharam força dia-a72
dia, principalmente no que se refere à poesia e as letras das composições que contam a realidade social, o verdadeiro sofrimento do homem do campo. No campo das disputas entre o Tradicionalismo e o Nativismo podemos dizer que como duas tendências diferentes que cultuam as mesmas tradições, uma conservadora e outra progressista, de fato existiram e existem diverg ências. Como já relatamos, o MTG sempre esteve muito próximo dos núcleos de poder de Rio Grande do sul. Seus ide ólogos sempre ocuparam cargos nos governos e secretarias do Estado, desta maneira, qualquer amea ça a esta hegemonia cultural, obviamente, seria quest ão de conflito. De certa maneira, o Nativismo e sua proposta de renovação sempre foi uma amea ça para o monopólio tradicionalista. Num outro enfoque, poderíamos pensar que um movimento é continuação do outro, somente uma modernização das tradições. Afinal, o Nativismo, como movimento, surgiu no seio do Tradicionalismo gaúcho em
época de festivais. Inegavelmente, as mudanças estéticas aconteceram e parece não haver dúvidas que os nativistas foram os respons áveis, até da proposta de integração cultural com o folclore rioplatense, hoje vista de forma natural. As pesquisas de campo que relatamos no terceiro cap ítulo mostram, eloqüentemente, o espírito de integração que hoje se vive no meio Nativista. A primeira pesquisa feita em Lages, Santa Catarina, evidenciou o grau de conhecimento sobre a cultura platina e seu folclore por parte dos artistas catarinenses e rio-grandenses que participaram do evento. Notamos tamb ém que estes músicos e compositores não abandonaram em momento algum as raízes brasileiras e o sentimento da sua nacionalidade, sen ão que os colocavam junto deste desejo de integração através das conversas, da música, e porque não, do mate amigo, que junta essas culturas. A segunda pesquisa feita em Florian ópolis, entrevistando dois artistas de RS, já famosos no meio nativista, não mostrou grandes diferenças com respeito à pr imeira. Foi confirmada a id éia da integra ção sul-americana que hoje permeia no meio nativista, ainda enriquecida com detalhes 28 como o que dá o artista de Santana do Livramento (Leonel Gomes) , a respeito da roupa, ou 29
como menciona Marenco , sobre as parcerias com artistas argentinos ou suas influ ências musicais, vindas do folclore platino (ver cap ítulo 3). As coincid ências culturais que detectamos nas pesquisas de campo também aparecem quando analisamos costumes regionais, principalmente nas zonas fronteiri ças, e que também
28
Ver Capítulo 3, Conversa com artistas de Rio Grande do Sul. Idem 28.
29
73
podem ser notadas em regi ões interioranas do sul do Brasil. Em estudos mais atuais, com um grau de aprofundamento maior, veremos diferen ças sutis entre os elementos culturais analisados, mas em camadas superficiais, as coincid ências sem dúvida que existem. Sobre este tema faremos referência ao trabalho do pesquisador Alejandro Grimson, que salienta várias questões sobre as diferen ças e semelhanças culturais (2004). Um dos pontos cruciais é a construção dos Estado e das nações, fato que modifica o pensamento em n ível regional, direcionando o olhar das cidades fronteiri ças para um pensamento nacional como centro de sua dinâmica social. De todas formas, Grimson afirma que se detectam pr áticas culturais comuns na fronteira de Argentina com o Brasil, âmbito da sua pesquisa. Os rituais realizados sobre os costumes gaúchos e “ gauchos” se davam em ambos lados, mas com caracter ísticas diferentes. Do lado brasileiro há exaltação a esta cultura, um orgulho de enaltecer as tradi ções. Do lado argentino, os “ gauchos” são discriminados e pertencem às camadas mais pobres. Este olhar confirma que superficialmente parecem culturas com os mesmos valores, mas em profundidade a pesquisas de campo demonstram o contr ário. Numa outra pesquisa, Roberta Brandalise estudou algumas rela ções entre as cidades da fronteira Argentina/ Brasil (2002). Confirmando o que observamos no estudo de Grimson, Brandalise afirma que as rela ções das cidades de fronteira se distanciaram por causa de interesses nacionais, principalmente comerciais de grandes empresas sediadas em S ão Paulo ou em Buenos Aires. Também pontua que a mídia televisiva aumenta o campo de disputa entre as populações e que antes de todos estes elementos da moderniza ção e globalização, a relação entre as populações fronteiri ças eram muito mais fluidas e amigáveis. Podemos observar que no aspecto cultural, Brandalise menciona semelhan ças e identificadores entre brasileiros e argentinos, como a cultura do campo, a comida, como o churrasco, o chimarr ão, o consumo de cordeiro com arroz, e a música. Os brasileiros acham a música Correntina muito próxima da gaúcha, principalmente o chamamé. Outra pesquisa interessante neste campo das semelhanças/diferenças culturais é a da Luciana Hartmann (2004a). Este trabalho mostra na fronteira do Brasil com Uruguai uma s érie de histórias (“causos”) contadas por narradores através do uso de métodos audiovisuais (fotos, filmagens). Dela podemos resgatar um par ágrafo que serve de resumo sobre este tema:
Como verifiquei ao longo da pesquisa, esta ‘área cultural ’ que congrega as três fronteiras possui muitas afinidades, muitas semelhan ças, muitas identidades. Pois bem, ainda que para seus habitantes esta converg ência de valores, de tradições e de histórias se confirme, há demarcações visív eis, porem sutis, que imp õem limites entre o ‘nós’ uruguaio, o ‘nós’ argentino e o ‘nós’ brasileiro. No caso da minha pesquisa, os coment ários e observações feitos constantemente às imagens mostradas aos contadores
74
de um país ou outro, em especial aquelas relativas a eventos sociais, como rodeios, criollas (festas campeiras), carreiras (corridas de cavalo) etc., foram fundamentais para que eu acedesse à compreensão de alguns desses demarcadores identitários. (Hartmann, 2004a, p.77).
No mesmo artigo, em nota de rodap é, Hartmann disse que na sua tese de doutorado (2004b), argumenta que h á uma cultura comum que liga os habitantes dos três países fronteiriços, uma cultura da fronteira e que se desenvolve paralela às culturas nacionais. Uma mostra evidente da tentativa de integra ção entre as culturas do sul do Brasil e a rioplatense é o evento artístico-cultural “Buenos Aires em Porto Alegre”, “Porto Alegre em Buenos Aires”. Este encontro é organizado pelas prefeituras de ambas cidades com o intuito de integrar através das artes estes dois importantes centros da América do sul. As atividades se desenvolvem durante uma semana em cada cidade com apresenta ções musicais e teatrais de cada delegação artística. A investigação realizada pela antropóloga Verônica Pallini mostra, nos seus relatos, que a música é um dos principais elementos escolhidos pelos brasileiros para representá-los e para fomentar essa integra ção (2000). Há várias entrevistas no decorrer deste trabalho que revelam traços de coincidência cultural. Escolhemos alguns trechos dos depoimentos para mostrar essas evidências:
Escolhemos o mais representativo de Porto Alegre, a m úsica popular gaúcha. Temos muita identidade cultural atrav és disto, com as milongas e a música popular. Temos mais proximidade com Buenos Aires e Montevid éu do que com Rio de Janeiro e São Paulo, pela localiza ção geográfica. A música nordestina nos parece uma moda, algo mais comercial (Pallini, 2000, p.26).
Esta entrevista foi dada por uma funcion ária da comissão organizadora e mostra um pouco do sentimento de integra ção e mostra, através da música o que há de mais representativo artisticamente no sul do pa ís. Os depoimentos de dois músicos brasileiros participantes do evento expressam na entrevista a realidade dessa integra ção:
Muitas vezes o público interpreta nossa música como pitoresca. E que não podem crer. Para os que não nasceram no sul do Brasil, a musica brasileira é sinônimo de samba, bossa nova, música baiana. Mas para poucos é igual a chamamé (...) É que a música que fazemos os músicos gaúchos tem influência do folclore argentino. (...) Nos compomos chamamé como se fosse um ritmo brasileiro. (...) Fui criado escutando música Argentina nos centros de tradi ção gaúcha (Pallini, 2000, p.24)
75
Na segunda entrevista o m úsico brasileiro Tonho Villeroy disse:
Sou um cara da fronteira. Em S ão
Gabriel uma das primeiras palavras que aprendi foi bueno” (em espanhol original). Isto para dar um exemplo da familiaridade que tenho “ com o castelhano ou por acaso o portunhol: vem da minha primeira inf ância. (...) Ainda assim, o certo é que o sul do Brasil segue sendo Brasil. Em Porto Alegre, capital provincial que tamb ém é porto fazemos samba, vivemos o carnaval, e mergulhamos em acessos de paix ão quando joga nossa seleção de futebol e to do mais (Pallini, 2000, p.25).
Nota-se a diferen ça no discurso de ambos músicos: o primeiro com marcada identificação musical com gêneros estrangeiros como o chamamé, afirmando que este já foi adotado pelos gaúchos como se fosse um ritmo nacional. O segundo mostra conhecimento da cultura fronteiri ça como elemento diferencial do resto do pa ís, mas imediatamente incorpora o discurso nacional através de fortes identificadores como o samba, o carnaval e a paixão pela seleção de futebol. Há mais depoimentos de produtores brasileiros do evento que salientam a proximidade entre as culturas, existente em detalhes como o chimarr ão ou o churrasco e, no que respeita às cidades (Buenos Aires-Porto Alegre) expressam que h á em ambas,características similares o que faz com que os habitantes de uma, sintam – se à vontade na outra. A contribuição de Pallini com seus relatos e análises sobre o evento ajuda a entender os mecanismos de integração, um deles é a música e o quanto a identidade nacional pesa nessa tentativa sócio-cultural. Há evidências que uma das linguagens de integração entre a cultura gaúcha e a rioplatense, senão a mais importante, é a música. O processo evolutivo para chegar até a atualidade desta express ão cultural tem um percurso longo, cheio de interações provenientes das culturas atuantes que se misturaram e agiram nas regi ões já descritas. O estudo das mudanças acontecidas na música gaúcha ao longo de toda a formação cultural da região nos levará a expor uma série de conceitos que definem os processos acontecidos at é o momento. Um desses conceitos, talvez o mais importante, é o de hibridização. Segundo Nestor Garcia Canclini, a defini ção é a seguinte: Entendo por hibridiza ção processos sócio -culturais nos quais estruturas ou pr áticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (2001, p. xix).
Poderíamos afirmar através desta definição que a cultura gaúcha como um todo é produto de processos cont ínuos de hibridização, resultante da interação entr e esses grupos sociais, antes mencionados, e as diferentes etnias atuantes na regi ão. No campo especifico da música, Canclini 76
exemplifica citando a fus ão de melodias étnicas com a música clássica ou contemporânea, o jazz e a salsa s ão mencionados por ter gêneros híbridos resultantes de misturas com outras culturas musicais, tamb ém em artistas como Beatles ou Peter Gabriel encontramos melodias inglesas misturadas com motivos hindus (2003, p. xx). No caso especifico da m úsica gaúcha, há uma transforma ção dos gêneros europeus que, misturados com elementos nacionais, geraram os ritmos regionais que j á mencionamos (capítulo 4). Há que dizer que junto do processo cultural aconteceram os de ordem social, admitidos pela maioria dos ide ólogos dos movimentos e estudiosos do tema, s ão os processos associados à hibridização: a mestiçagem, na ordem de misturas interculturais, que tamb ém é referida como criolização, o sincretismo para a diversidade e mistura de religi ões e a transculturação, conceito que podemos associ á-lo ao processo que transformou a m úsica gaúcha, como veremos mais adiante (Canclini, 2001, p. XXVI). Com um tratamento focalizado na m úsica latino-americana, Herom Vargas expressa num artigo da sua autoria, a exist ência de hibridismo nas expressões musicais desta parte do continente (2004). Mencionando reconhecidos autores, Vargas faz alus ão ao hibridismo através de elementos como escalas, ritmos, instrumentos, formas de execu ção, novas tecnologias e novos nomes de g êneros. Um dos exemplos de gênero híbrido que Vargas cita no seu trabalho é o do tango, com informa ções que coincidem com o que colocamos no capítulo 4 a respeito da junção de ritmos que daria origem a este importante g ênero platino. Não há dúvidas que, fazendo um parâmetro, encontraremos na moder nização da música gaúcha, especialmente trazida pelo nativismo, os traços de hibridização que acabamos de citar. Tentando ir mais longe, admitindo que a m úsica vinda da Europa se transformou em gêneros regionais de import ância, poderíamos colocar um dos conceitos mencionados anteriormente, que explica o processo acontecido com estes ritmos no sul do Brasil: a transculturação. Segundo Maria Elizabeth Lucas, h á menção deste fenômeno relacionado à canção popular desde 1940, em um livro do music ólogo cubano Fer nando Ortiz, que diz que a transculturação era uma forma de descrever o car áter de intercâmbio entre a cultura africana e européia existente em Cuba (Lucas, 2003, p.75). Ampliando este conceito, Ortiz salienta o interc âmbio cultural, a interação e a fertilização cruzada, que produz um fenômeno ou uma realidade completamente nova. Lucas também cita Mary Louise Fat que, em seu livro Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation (Lucas, 2003, p.75), se refere a isto como um “fenômeno de zona de contato”,
77
que são aqueles espaços sociais nos quais culturas desiguais encontram-se para estabelecer uma luta e relações de domínio e subordinação, principalmente em elementos antagônicos. Há evidências suficientes no processo histórico e cultural já descritos neste trabalho, que gêneros como a habanera, a polka, a mazurca, o schottische e a valsa sofreram transformações para dar origem aos ritmos ga úchos, em processos de transculturação que vêm do século XIX. Na renovação estética proposta pelo Nativismo na música, encontra-se ind ícios deste fenômeno, através de amostras de diversidade cultural, múltipla identidade, relações intermusicais levadas pelo discurso musical, significados interculturais expostos nas letras e poesias, mescla de interpreta ções dos artistas nos gêneros, e tecnologia, característicos de diferentes regiões e épocas (Lucas, 2003, p.75, 76). Atualmente, a m úsica nativista parece estar apoiada em duas pilastras (gêneros) muito sólidas: a milonga e o chamamé. Estes ritmos aparecem fundamentalmente citados nas pesquisas de campo, e s ão aqueles que compositores e intérpretes utilizam mais freqüentemente como linguagem musical para expressar sua arte. O mais interessante disto é que analisando a forma em que se tocam e interpretam a milonga e o chamamé no sul do Brasil, observamos que estes gêneros conservam todas as características musicais que detectamos nos seus homônimos platinos, somente a l íngua portuguesa atua como diferencial. Notamos que estes gêneros musicais são pontos em comum entre a cultura gaúcha e a platina, e que em certa maneira, servem como linguagem de comunica ção regional. Prova disto são as parcerias entre artistas do folclore platino e reconhecidos expoentes nativistas (pesquisa de campo, cap ítulo 3). É importante frisar que estes gêneros comuns aparecem somente como elo entre as culturas no âmbito regional, ao contrário do que surge como experi ência no contexto nacional e suas expressões de identidade musical: o samba brasileiro e o tango argentino, que segundo Menezes Bastos expressam uma irredutibilidade m útua, portanto não existem pontos de diálogo (1997, p.33). A modernização das tradições gaúchas e em particular, as suas expressões musicais, responderam a processos sociais que aconteceram no s éculo XX na América do Sul, acompanhando a realidade na medida que as mudan ças foram acontecendo. Estes câmbios são mencionados por Canclini num par ágrafo do seu livro Culturas Híbridas, que nos serve como reflex ão sobre a modernização da cultura gaúcha. Segundo o autor, as culturas camponesas e tradicionais n ão representam mais a parte majoritária da cultura popular explicando que isto se deve a que as cidades latino-americanas passaram conter entre o 60 ou 70 % dos habitantes. 78
Também salienta que, no âmbito rural o folclore e a cultura popular não têm mais um “caráter fechado ”, isto é produto das relações mais versáteis que se desenvolvem com a vida urbana, com as migrações, com o turismo e as opções que oferecem os meios eletrônicos, assim como a reformula ção de antigos movimentos religiosos e a apari ção de outros novos. Justifica – se que os novos migrantes do campo para as cidades ainda mant êm formas de sociabilidade e celebrações de origem camponesa, mas adquirem o car áter de “grupos urbanóides” (Canclini, 2001, p.218). Segundo o etnomusic ólogo José Jorge de Carvalho, existe a necessidade de que o folclore se estude em ordem local e regional ao mesmo tempo, e tamb ém sejam observados os diálogos que se produzem com os g êneros estrangeiros. Desta forma, as tradições se reformulam em um sistema interurbano e internacional de circula ção cultural. Carvalho acrescenta que:
[...] existe uma vertente de formas h íbridas que também nos une, sendo possível identificar rela ções de novos ritmos populares brasileiros com novas expressões da Bolívia, Peru, Venezuela, Caribe, México etc. [...] Não é possível compreender a tradição sem compreender a inovação [...] (Carvalho, 1989, apud Canclini, p.219).
Nas considera ções destes importantes autores, encontramos fortes coincidências que mostram e podem resumir, de alguma maneira, o percurso de nossa pesquisa. O caminho do Nativismo como movimento se deu de forma progressiva e firme at é os dias atuais, mas, inegavelmente, h á possibilidade de pesquisa e discussão sobre uma série de temas transversais que envolvem esta forte express ão cultural do sul do Brasil.
79
REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAUJO, Homero da Costa. Caminho das tropas. Florianópolis: Ed. Insular, 2003. ARCHETTI, Eduardo P. O “ Gaucho” , o tango, primitivismo e poder na formação da identidade nacional Argentina. In Revista Mana 9 (1): 9-29. 2003. BAREILLES, Oscar. Cultura Musical 3. Buenos Aires: Ed. Kapeluz, 1980. BRANDALISE, Roberta.Gaúchos e gauchos: um pampa, duas nações. XXV Congresso Brasileiro
de
Ci ências
da
Comunicação,
Salvador,
Setembro
de
2002,
(www.intercom.org.br/papers/2002/comunicacoes/comunicacaoesbrandalie.pdf). BRIGNOL, Liliane Dutra. Uma estância revisitada: a consolidação de uma comunidade imaginada e a dinâmica da produção aos usos em um site pessoal sobre cultura gaúcha. Programa
de
p ós-graduação
em
ciências
da
Comunicação.
Unisinos.
2004,
(www.intercom.org.br) CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. México: Ed. Grijalbo, 4ª Ed. 2003. CANCLINI, Nestor Garcia. Cultura y comunicación: entre lo global y lo local . La Plata: Ed. De periodismo y comunicaci ón, 1997. CANCLINI, Nestor Garcia. Noticias recientes sobre la hibridización. Disponível
em
www.sibetrans.com/trans/trans7canclini.htm CARDOSO NUNES, Zeno & CARDOSO NUNES, Rui. Dicionário de regionalismos de Rio Grande do Sul . Porto Alegre, Martins Livreiro Ed., 1996. DOMINGUEZ, Maria Eugenia. Suena el rio. Etnografia da música rioplatense em Buenos Aires. Tese de doutorado.Florian ópolis, 2006. COSTA, Licurgo. O Continente das Lagens, sua historia e influências no sertão de terra firme. Florian ópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. FAGUNDES, Antonio Augusto. História do Rio Grande do Sul. Porto alegre, Martins Livreiro a
Editora, 3 Ed. 1997. FELLIPI, Ângela Cristina Trevisan. Reflexões a respeito da identidade cultural gaúcha em Zero Hora. XXVI Congresso anual em ci ência da comunicação, Belo Horizonte, 2003, (www.intercom.org.br ). FERREIRA FILHO, Arthur. História Geral de Rio Grande do sul. Porto Alegre: Ed. Globo, 1960. 80
FORTES, Amyr Borges. Compêndio de historia de Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Sulina, 1981. FUNDACÃO CATARINENSE DE CULTURA. Caminho das tropas. Florianópolis, Ed. FCC, 1986. GOLIN, Tau. A Ideologia do Gauchismo. Porto Alegre, Editora Tch ê, 1983. GRIMSON, Alejandro. Fronteras, naciones y región. Fórum
Social das Américas, Quito
Equador, Julho de 2004. Dispon ível em www.rls.org.br/publique/media/Quito.pdf. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. DP&A,1999. HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In SILVA, Tomaz Tadeu da org. Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000, p 103-133. HARTMANN, Luciana. ‘ Revelando’ histórias: os usos do audiovisual na pesquisa com narradores
da
fronteira
entre
Argentina,
Brasil
e
Uruguai.
Disponível
em
http//calvados.c3sl.ufpr.br. HIGA, Evandro Rodrigues. Polca Guarânia e Chamamé: a persistência da música paraguaia em Campo Grande. V Congresso latino-americano da Associa ção Internacional para o Estudo da Música Popular 2003. HINERASKY, Daniela Aline. A comunidade imaginada pelos produtores culturais da RBS TV . XXV
Congresso
anual
de
comunica ção,
Salvador,
2002,
(www.intercom.org.br/papers/2002/np10). JACKS, Nilda. Mídia nativa: industria cultural e cultura regional . Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1998. LUCAS, Maria Elizabeth. Gaúcho Musical Regionalism. In British Journal of Ethnomusicology. Vol.9/i. 2000. LUCAS, Maria Elizabeth. Brasilhana: the making of a transcultural musical sign. Ver fonte. Dispon ível em www. Sibetrans. Com/trans/trans8/Lucas.htm. MENEZES BASTOS, Rafael Jos é de. Músicas latino-americanas, hoje: musicalidade e novas fronteiras. In Música popular em América latina. Santiago de Chile: Ed. Rodrigo Torres, 1999. MORENO CHA, Ercilia. Music in the Southern Cone. Chile, Argentina and Uruguay. Em Schecter, Jhon. Music in Latin American Culture. Regional Traditions. New York, Ed. Schirmer Books, 1999.
81
OLIVEN, Ruben. O nacional e o regional na construção da identidade brasileira. Revista Brasileira de Ci ência sociais. São Paulo, Ed. Cortez/ANPOC, V1, n2, 1986. OLIVEN, Ruben. A dupla desterritorialização da cultura gaúcha .Porto Alegre: Ed UFRGS, 1993. OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo. A diversidade cultural no Brasil – Nação. Petrópolis: Vozes, 1992. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & identidade nacional. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985. PAIXÂO CÔRTES, J.C. Tradição e folclore gaúcho. Grafosul. Porto Alegre,1981. PAIX ÂO CÔRTES, J.C. Folk Festo e tradições gaúchas. Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. Porto Alegre: Ed. Proletra, 1983. PALLINI, Ver ônica. El evento artístico-cultural “ Buenos Aires en Porto Alegre” , “ Porto alegre en
Buenos
Aires” como
estratégia
de
integración
regional. Dispon ível em www.
redadultosmayores.com.ar/buscadores/filesdcram.035.pdf. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História de Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Mercado Aberto, 1982. SANTI, Álvaro. Do Partenon à Califórnia, o Nativismo e suas origens. Porto alegre: Editora UFRGS, 2004. SOPELSA, Renata. Vários espaços, uma sociabilidade: o primeiro centro de tradições gaúchas do Paraná. Revista de Hist ória Regional 8(1): 139-161, Verão 2003. STURZA, Eliana Rosa. Línguas de fronteira: o desconhecido território das práticas lingüísticas nas fronteiras brasileiras. Disponível em http//ciência e cultura.bus.br/pdf. Revista cienc.cult on line Ap/ June 2005 vol 57 No 2. TERRA, Mano. Raízes da América Gaúcha. Florianópolis: Grupo de Arte e Cultura
Ilha
“
Xucra”, 1993. VARGAS, Herom. O enfoque do hibridismo nos estudos da musica popular latino-americana. Dispon ível em www.hist.puc.cl/historia/iaspm/rio/anais2004.
Páginas consultadas na internet www.paginadogaucho.com.br www.portaldogaucho.com.br 82
www.mtg.com.br www.mtgsc.com.br www.buenas.com.br www.nativismo.com.br www.galpaovirtual.com.br www.igtf.rs.gov.br www.cbtg.com.br Imagens dos anexos disponíveis em: es.wikipedia.org/acorde ón
www.corazonistas.com/haro/instrumentos www.nel-som.com.br.megaloja www.submarino.com.br/musical www.geocities.com/transciente/portalinstrumentos Jornais, periódicos e revistas Jornal Tchê Jornal Zero Hora Revista Sul Revista Tarca
Partituras dos anexos disponíveis em: Revista Canto Sul ( vários números)
83
ANEXO I Convite do “Corredor de Canto e Poesia”
84
Adesivo de propaganda do “Corredor de Canto e poesia”
Fotos do “Corredor de Canto e Poesia”
85
ANEXO II Partituras
86
Vaneira
87
88
Chamamé
89