Artigo publicado na Revista Incêndio nº 71, 2011.
O Método de Gretener
Autores: Cel. Eng. Alfonso Antonio Gill e Prof. Dr. Dr. Valdir Pignatta e Silva
Breve histórico da evolução da SCI no Brasil
Até a década de 70, a segurança contra incêndio se restringia ao uso de extintores de incêndio e hidrantes, exigidos pelas companhias seguradoras e pelos Corpos de Bombeiros. Com o impacto dos incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, em 1972 e 1974, respectivamente, a precária legislação e as incipientes normas técnicas existentes começaram a ser questionadas e aperfeiçoadas, embora em ritmo lento. A legislação atual (municipal, estadual e federal) e as normas técnicas evoluíram. Muitos estados apresentam certa harmonia na legislação por serem muito semelhantes. Embora ainda haja muito por fazer, a segurança contra incêndio já incêndio já saiu do campo exclusivo dos extintores e hidrantes para o campo da resistência ao fogo das estruturas, dos sistemas de detecção e do controle da fumaça. Apesar dos avanços, a legislação ainda é prescritiva, ou seja, prescreve que para um edifício com determinadas características devem ser empregados um ou mais sistemas ou medidas de segurança, tais como: extintores, hidrantes, brigada, detecção ou chuveiros automáticos. Como a legislação procura cobrir todas as situações possíveis, ela generaliza as exigências e pode conduzir a soluções exigentes ou deficientes demais. De modo geral, não são permitidas “trocas” de um sistema por outro. Em outras palavras, o fato de um ou mais sistemas estarem “superdimensionados” não implica num “subdimensionamento” dos demais, mesmo que o nível de segurança global se mantenha. O avanço das pesquisas e estudos na área de Engenharia de Segurança contra Incêndio no exterior permitiram o avanço no conhecimento dos incêndios e das “respostas” dadas pela edificação, pelos sistemas de combate e pelos ocupantes. Com isso é possível determinar a proteção adequada para uma edificação, independente da legislação. Com esse novo enfoque, com forte base científica, aumenta muito a flexibilidade de soluções à disposição dos projetistas, além de permitir otimizar o custo da proteção contra incêndio, sem diminuir o nível de segurança. Estas duas palavras, flexibilidade e otimização de custos, são da mais alta importância para os projetistas, que, infelizmente, na situação atual em nosso país quase não podem ser praticadas. Esforços vêm sendo desenvolvidos para ampliar o conhecimento da área, seja pela formação de mestres e doutores em segurança contra incêndio em universidades brasileiras, seja pela criação de entidades para o estudo do assunto, ou pela realização de congressos. Como exemplo, pode‐se citar a criação da Associação Luso‐Brasileira para Segurança Contra Incêndio (ALBRASCI) em dezembro de 2009
(http://www.albrasci.com), bem como o Congresso Ibero‐Latino‐Americano sobre Segurança contra Incêndio – CILASCI a se realizar em março de 2011, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. Para maiores informações ver site: http://www.albrasci.com/1_cilasci_4.html
Enquanto no Brasil não se aplica efetivamente a Engenharia de Segurança contra Incêndio, os autores têm procurado divulgar métodos mais simples que, apesar de menos precisos do que métodos computacionais avançados, envolvem mais parâmetros relacionados à segurança contra incêndio do que os métodos prescritivos de nossa legislação. Um deles é o método do tempo equivalente, apropriado à segurança das estruturas, com base em normas tais como a alemã DIN 18.230 e a europeia Eurocode. Graças à existência de brigada contra incêndio, detecção automática de fumaça ou calor e baixa carga de incêndio, entre outros fatores, esse método permite a redução da exigência de resistência ao fogo das estruturas exigida na legislação. Com algumas adaptações, o método do tempo equivalente foi incorporado à IT 08 do Corpo de Bombeiros de São Paulo. Outro método em que há interação dos parâmetros é o método de Gretener, apropriado à segurança da edificação e objeto deste texto.
Método de Gretener
O mais difundido método de avaliação de risco de incêndio é o método de Gretener, que leva o nome do engenheiro suíço Max Gretener que o idealizou. Em 1960 o engenheiro Max Gretener, diretor da Associação de Proteção Contra Incêndio da Suíça, começou a estudar a possibilidade de calcular o risco de incêndio em indústrias e grandes edifícios. Seu método, publicado em 1965, visava atender às necessidades das companhias de seguro. Em 1968 o Corpo de Bombeiros suíço propôs adotar esse mesmo método, para avaliar os meios de proteção contra incêndio das edificações. Em 1984, a SIA (Societé Suisse des Ingénieurs et dês Architectes) publicou o documento SIA‐81 “Método de avaliação de risco de incêndio” , tendo por base os trabalhos de Gretener revisado por um grupo de especialistas das companhias de seguro privadas e estatais e da SIA. Esse grupo adaptou o método ao conhecimento e experiência suíça e internacional. O método Gretener também serviu de base para as normas austríacas TRVB A‐100 (cálculo) e TRVB A‐126 (parâmetros para o cálculo) publicadas pela Liga Federal de Combate a Incêndio da Áustria, em 1987. Em dezembro de 1996 o SIA‐81 foi revisado e atualizado. O Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da ABNT (CB 24), por meio da sua Comissão de Estudos da ABNT CE‐ 24:201‐03, ao estudar o desenvolvimento de um modo para avaliar o índice de segurança contra incêndio em edificações, optou ter por base o método de Gretener. Os trabalhos da comissão de estudos já estão na sua fase final e a divulgação da norma não deve demorar.
O objetivo da norma é apresentar um procedimento para a determinação de um índice de segurança contra incêndio da edificação. Uma das inovações introduzidas é a obtenção dos valores das variáveis por meio de expressões ao invés de tabelas como no método original, o que facilitará a mecanização do procedimento, bem como exclui indesejáveis descontinuidades.
Resumo do procedimento de cálculo
Determina‐se o índice de segurança contra incêndio por meio da expressão:
Essa expressão relaciona seis “grupos” de variáveis. Cada variável é associada a valores determinados a partir de expressões ou tabelas. O grupo “N” é constituído por 5 fatores básicos de segurança contra incêndio, ou seja, n1 (extintores), n2 (hidrantes internos), n3 (qualidade do suprimento de água), n4 (hidrantes externos) e n5 (pessoal treinado no uso dos equipamentos). Para cada um dos fatores atribuem ‐se valores numéricos. Por exemplo, os valores de n3 variam entre 0,42 a 1,0 dependendo de haver reserva de água exclusiva para incêndio, de a caixa d’água ser elevada, da pressão do hidrante, etc. O grupo “S” é constituído por 6 fatores que são sistemas “especiais” de segurança contra incêndio, ou seja, s1 (modo de detecção do incêndio), s2 (modo de transmissão do alarme), s3 (tipo de brigada e tipo do bombeiro da localidade), s4 (tempo resposta do CB, tipo de brigada e chuveiros automáticos), s5 (sistemas automáticos de extinção) e s6 (sistema de exaustão de fumaça e calor). O fator s3 , por exemplo, depende de padrões do bombeiro público (variando desde pequenos Corpos de Bombeiros Voluntários até grandes CBs públicos), bem como de cinco padrões de brigada (desde a inexistente, até as formadas por mais de 20 pessoas e com 4 plantonistas nos horários fora do expediente) . Os valores de s3 variam entre 1,0 e 2,0. O fator s4, por exemplo, pode assumir valores que variam de 1,0 (caso haja sistema de chuveiros automáticos com verificação anual) até 0,6 (caso não haja sistema de chuveiros automáticos, a distância ao CB seja superior a 12 km e não exista brigada). O grupo “E” é constituído por 4 fatores de proteção contra incêndio referentes à construção. O fator e1 está associado à resistência ao fogo das estruturas. São consideradas 3 faixas (< 30 min, entre 30 e 60 min e >60 min). O fator e2 refere‐se à resistência ao fogo da fachada, o fator e3 refere‐se à resistência ao fogo dos elementos de vedação horizontal. O fator e4 relaciona o tamanho das células ( subdivisões de um compartimento variando entre 50 e 200 m2 ) com a área de ventilação. O valor de “R” é o resultado da multiplicação de 7 fatores conforme a expressão: R = q.c.f.k.i.h.a .
em que : q é um fator referente à carga de incêndio mobiliária c é um fator referente à combustibilidade da carga de incêndio f é um fator referente à produção de fumaça pelos materiais combustíveis k é um fator referente à toxicidade e corrosividade dos gases do incêndio i é um fator referente à carga de incêndio imobiliária h é um fator referente à altura do andar do compartimento considerado, e a é um fator referente à área do compartimento e às relações de largura e comprimento desta área O grupo “A” é denominado risco de ativação do incêndio, ou seja, procura retratar a maior ou menor probabilidade de ocorrer um incêndio, dependendo do tipo de ocupação. Está dividido em 5 faixas com valores que variam de 0,85 a 1,8. O valor de “M” é obtido pela combinação de 3 variáveis, o tipo de ocupação, a cota do piso do compartimento considerado e o número de pessoas que se encontram nesse compartimento. O valor de M pode variar de 1,0 a 2,5. Observando‐se a expressão que determina o valor de percebe‐se que é possível alterar os sistemas de segurança determinados pela legislação, por outros sistemas, ou características de construção, desde que se mantenha o valor de , ou seja, desde que se mantenha o mesmo índice da segurança contra incêndio . Isso é particularmente útil para edificações existentes em que se queira adequar às exigências legais vigentes. Um dos aspectos interessantes do método de Gretener é que ele considera características que, de modo geral, a legislação brasileira não leva em conta. Por exemplo:existência ou não de Corpo de Bombeiros na cidade. Segundo o método duas edificações idênticas devam ser tratadas de modo diferente caso uma esteja numa cidade com CB e a outra não, ou no caso de uma estar próxima a um Posto de Bombeiros e a outra distante (tempo resposta do CB); modos de detecção do incêndio e de transmissão do aviso; área de ventilação de um recinto; relação largura/comprimento da área em análise; toxicidade e corrosividade da fumaça. Nesse último caso, lembra‐se que em 1977, um incêndio relativamente pequeno em uma fábrica de rolamentos na Alemanha produziu grandes prejuízos. Estudos de companhias seguradoras demonstraram que em alguns incêndios o gás clorídrico decorrente da combustão promoveu intensa corrosão no aço das estruturas de concreto armado. No Brasil, o método de Gretener já vem sendo aplicado, mesmo que parcialmente. São exemplos disso a IT 35 do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, que trata da segurança contra incêndio em edificações históricas () e a IT 16 do CB de São Paulo, que trata da carga de incêndio das edificações.
Outros métodos semelhantes ao de Gretener
A norma nº 101 da NFPA, também conhecido como o Código de Segurança à Vida, teve sua origem na década de 1910 e de lá para cá foi se aperfeiçoando. Ela também é uma norma prescritiva, mas na edição de 1985, no Anexo E, é introduzido o “Fire Safety Evaluation System (FSES) que é uma opção alternativa e não prescritiva para se atender às exigências da NFPA 101. Posteriormente, o anexo E passou a ser a NFPA 101 A. O FSES é um método semelhante ao método de Gretener. Originalmente ele surgiu para ser aplicado em hospitais. O método procurava contrapor os fatores de risco dos pacientes às medidas de segurança contra incêndio. Os fatores de risco considerados para os pacientes são:
Mobilidade dos pacientes
Quantidade de pacientes
Altura do andar em que se encontram os pacientes
Relação entre o número de funcionários e de pacientes;
Idade média dos pacientes
Os parâmetros de segurança contra incêndio, consideradas pela NFPA 101 A, são:
Tipo de construção Áreas perigosas Material de acabamento nos corredores Rota das saídas de emergência Material de acabamento nas salas Controle de fumaça Tipos de paredes e divisórias Alarme manual Tipos de portas nos corredores Detecção e alarme automáticos Tamanho do espaço considerado Chuveiros automáticos Aberturas verticais
O método atribui valores numéricos tanto para os fatores de risco como para os parâmetros de segurança. Com base numa relação matemática entre eles é avaliado se os parâmetros de segurança são compatíveis ao risco. Diferentemente do método de Gretener, o FSES divide a segurança em três subgrupos de objetivos (contenção do incêndio por compartimentação, combate ao incêndio e movimentação segura das pessoas) exigindo uma pontuação mínima para cada um dos objetivos.
Outro método, também semelhante Gretener e ao FSES, é o Life Safety Evaluation (LSE). Ele foi desenvolvido e adotado pela cidade de Chicago em dezembro de 2004. Entre os fatores que motivaram a nova sistemática estavam os incêndio ocorridos na cidade em outubro de 2003, com seis mortes, e o incêndio do edifício do La Salle Bank, em dezembro de 2004, sem vítimas. O método considera 18 parâmetros, dentre os quais estão incluídos: planos de emergência em formato eletrônico arquivado na central de emergências da cidade (telefone 911); notificação dos ocupantes por sistema de voz; controle de elevadores e sistema de chuveiros automáticos. Considerações finais
O método de Gretener não é nenhuma panaceia para a segurança contra incêndio, mas é uma ferramenta que pode trazer resultados muito úteis. O método é uma avaliação numérica do equilíbrio entre o risco e as medidas de segurança contra incêndio. Dessa forma permite: Aplicar a legislação em vigor a edificações existentes, intercambiando os sistemas exigidos por outros desde que se mantenha o índice de segurança. ‐
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Analisar as exigências da legislação e propor atualizações, a partir de:
Comparar, com base na mesma legislação, o nível de segurança de um determinado tipo de edificação (escritórios, por exemplo) diante das variáveis da legislação (para as diferentes alturas, por exemplo); Comparar, com base na mesma legislação, os níveis de segurança de diferentes tipos de edificação (hotéis e hospitais) mantidas as outras variáveis (altura, por exemplo); Comparar o nível de segurança de edificações semelhantes (tipo de ocupação, altura, etc) com base em legislações diferentes.
Para maiores detalhes sugerimos consultar o artigo “Índice de segurança contra incêndio para edificações” publicado na revista Ambiente Construído, da Associação Nacional do Ambiente Construído – ANTAC, e que pode ser obtido em http://seer.ufrgs.br/ambienteconstruido/article/view/3757 . O artigo apresenta ao final, dois exemplos de aplicação do método de Gretener, tomando como base as medidas de segurança contra incêndio normalmente exigidas em São Paulo. Foram analisados dois diferentes tipos de edificação (edificação de interesse social e prédio de escritórios) e os valores obtidos para γ foram, respectivamente, 0,84 e 4,13.