3-7) História do Brasil
LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil . Rio de Janeiro: Campus, 1996. 2 O Trabalho na Colônia (Ciro Flamarion Cardoso)
Não se deve reduzir o trabalho colonial ao esquematismo: escravidão negra, latifúndio e monocultura. Também não se deve reduzir a realidade colonial no Brasil a uma realidade bipartida entre senhores e escravos. Isto não dá conta da complexidade. Esta complexidade se dá em muitos níveis. Estudos regionais e locais de distribuição de propriedade de escravos negros mostraram muitas vezes, na Bahia, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, ser reduzido o número de senhores de grandes plantéis de escravos, considerável a dos proprietários de médio porte. Além disso, a própria realidade escravista era difusa, tendo casos de libertos donos de escravos, e mesmo escravos donos de escravos. Outras relações de produção existiam também, como o campesinato. Isto não anula o predomínio da escravidão negra, nem da plantation, nas estruturas coloniais.
É preciso lembrar que a escravidão, aliás, é apenas uma modalidade da categoria mais geral de trabalho compulsório , que tinha as facetas as mais variadas. Há quatro fases mais ou menos nítidas no relativo à história do trabalho colonial: -1500-1532: período pré-colonial, caracterizado por uma economia extrativa baseada no escambo com os os índios; -1532-1600: época de predomínio da escravidão indígena; -1600-1700: fase de instalação do escravismo colonial de plantation em sua forma “clássica”; -1700-1822: anos de diversificação das atividades em função da mineração, do surgimento de uma rede urbana, mais tarde de uma importância maior da manufatura – embora sempre sob o signo da escravidão predominante. predominante. Isto com relação às áreas produtivas nucleares da Colônia. Mas com relação a outras regiões, outras formas coexistem.
5 O Império Escravista e a República dos Plantadores
PARTE A: Economia Brasileira no Século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora (João Luís Fragoso)
A economia escravista-exportadora é predominante durante o império. Mas não se pode reduzir a complexidade das relações econômicas a este modelo. Outras formas de produção aconteciam no Brasil de então: além de senhores e escravos, outras categorias sociais se colocavam, como o camponês, e mesmo outras formas sociais de extorsão de sobretrabalho, como na pecuária extensiva do Rio Grande do Sul e de Goiás. E mesmo a maior província escravista de 1819, Minas Gerais, não estava fundamentalmente ligada à exportação, mas ao mercado interno. E em 1874, nas três probíncias do Sudeste que concentravam a produção cafeeira (Rio, São Paulo e Minas), 60% da população cativa total se encontrava em municípios não-cafeeiros. A produção voltada para o mercado interno não era irrelevante, e possuia um importante papel na economia geral do império. Esta produção voltada para um mercado interno, aliada àquela escravista voltada para o externo, vai criar um amplo espaço para a realização de acumulações de capital. Apesar da economia ser basicamente pré-capitalista, ou englobar todo um universo não-capitalista, durante o século XIX percebe-se a hegemonia do capital mercantil, que, constituído a partir de diversos segmentos de mercado, tinha que se transformar em produção (ou seja, investimento em atividades produtivas), como condição mesma da estrutura global de produção. Esta realidade coexistiria com o surgimento de novos elementos a partir de 1850. A abolição do tráfico de escravos, a Lei de Terras, e o Código Comercial, e a Lei de Hipotécas, somados ao avanço das estradas de ferro, além do cenário internacional capitalista, são elementos que apontam para a transformação da sociedade. Mas esta transição se dá aos poucos e não sem resistência. Além do mais, essa produção não se converteria progressiva e simplesmente para o modo de produção capitalista: este foi o modo de produção vencedor, mas conviveu com outras tentativas, como as relações não-capitalistas de produção pela parceria, pelo colonato, morador, etc. Apesar disso, é certo que na virada do século XIX para o XX, a economia apresentava uma precária divisão social do trabalho e uma circulaçãolimitada de mercadorias, mas é certo também que é nesta época que se presencia o crescimento da
população urbana, os primeiros passos da industrialização, com formação de seu capital industrial e sua classe operária. O que se sublinha é o caráter lento e tenso dessas transformações. A Reafirmação do escravismo no centro-sul e sua posterior superação Pesquisas recentes demonstram como não há uma dependência tão grande das flutuações coloniais em relação aos rimos do mercado internacional. Isto mostra algum grau de autonomia nacional. Trata-se de uma economia em que o domínio do trabalho escravo e a presença de formas camponesas geram uma frágil divisão socoal do trabalho e uma precária circulação de mercadorias e moedas. Isso se traduz na presença de práticas monopolistas e especulativas e no endividamento como momento frequente do funcionamento de empresas. A escravidão brasileira não consiste em um campo de concentração, mas sim em um sistema social estável e complexo, apesar de obviamente tenso. Em Paraíba do Sul, em 1850, por exemplo, pelo menos 1/3 dos escravos eram indivíduos com laços de parentesco. As produções para o mercado interno no sudeste: o caso de Minas Gerais A província do Rio de Janeiro, em 1874 , concentrava 51% dos seus escravos em áreas não-exportadoras. De um lado, há o norte fluminense açucareiro, que apresentava uma aristocracia rural com índice de concentração de terras e escravos semelhantes aos municípios cafeeiros do vale do Paraíba; de outro, o Capivari, município assentado no fornecimento de mandioca e café para o mercado interno, onde o grande fazendeiro tinha em torno de 30 escravos. Minas Gerais, ao longo do século XIX, foi a maior província escravista do país: em 1819 e 1872 possuía respectivamente 15,2% e 24,5% da população cativa do país. Possuía, ao mesmo tempo, altos índices internos de diferenciação econômica (concentração de riqueza). Existia em Minas uma expressiva divisão social do trabalho e um forte comércio provincial. O definhamento do escravismo
Os últimos anos do império fornecem informações sobre as condições materiais de reprodução do sistema, e apresentam um panorama muito diferente do exposto anteriormente. O envelhecimento dos escravos e dos cafezais indica o envelhecimento do sistema agrário, e a redução de sua capacidade de reprodução. Cada vez tem-se menos terras e menos homens a incorporar, o que é fatal para uma agricultura extensiva fundada no trabalho escravismo (e fatal também para os que movimentavam fortemente esta economia: os grandes traficantes). As novas fronteiras: o novo Oeste paulista e os novos regimes de trabalho na agricultura do Sudeste Montagem e expansão da agricultura cafeeira paulista se dá em meio a um tempo de mudança: o contexto do definhamento da estrutura escravista brasileira, além da instauração das primeiras ferrovias e de um sistema bancário verdadeiro; em nível internacional, acontecia a consolidação da hegemonia capitalista. Essas modificações no cenário econômico podem levar a crer que essa montagem e essa expansão se fariam sob as novas condições de produção capitalistas. Mas dados apresentam que isto se daria reproduzindo, em partes, as antigas estruturas da escravidão. E somente a partir da década de 1880 é que os fazendeiros paulistas adotariam em larga escala o trabalho imigrante. No final do século XIX, São Paulo recebeu muitos imigrantes, entre eles a maioria italianos: mais de 90% foi subsidiada pelo governo paulista. Ao mesmo tempo, a formação dessas relações de produção se dá em meio ao surgimento da República (1889), com seu sistema federalista e suas oligarquias locais. Essa mudança política implicaria o maior acesso dos interesses regionais e de classe ao centro do poder. A elite republicana seria mais representativa, mas essas modificações não significam que o Estado Republicano tenha se tornado mais democrático. Ao invés disso, as classes subalternas continuavam destituídas de parte substancial de seus direitos de cidadania. No campo, essa situação se traduzia como fortalecimento do mandonismo local (coronelismo), o que reforçava os aspectos não econômicos presentes nas novas relações de produção. A grande propriedade e o camponês livre no nordeste: uma outra transição
“As províncias nordestinas, até a década de 1860, concentravam mais ou menos 50% da população cativa do país, o que significa dizer que possuíam uma soma de escravos superior à do conjunto provincial representado pelo Sudeste. (...) Através desses dados é possível perceber a resistência da instituição escravista em algumas áreas do Nordeste. Todavia, como nas demais províncias brasileiras, a abolição do tráfico internacional de cativos, em 1850 iria abalar a capacidade de reposição desta mão-deobra no Nordeste; para verificar isso, basta recordar que em Pernambuco, segundo o censo provincial de 1842, 54% de sua população cativa era africana.” Houve, aí, uma transição do trabalho escravo para o juridicamente livre. Mas a abolição não representou aí uma perda substancial de mão-de-obra pelos antigos senhores. Além disso, no sertão, a partir da segunda metade do século XIX se consolida a propriedade fundiária pecuarista. O resultado desse processo é a expropriação de antigos camponeses ligados à agricultura de alimentos e a consequente migração de segmentos desse grupo para outras áreas, inclusive para a zona da mata canavieira. O sul e o centro-oeste: a “periferia da periferia” No final do século XVIII, a pecuária gaúcha se junta a produção industrial do charque, alimento fundamental na dieta dos escravos. O desenvolvimento dessa indústria no Sul está ligado às secas ocorridas no Ceará. Portanto, voltada para o mercado interno. No centro-oeste, assistimos à transição do trabalho escravo para formas de produção assentadas em outras relações não-capitalistas. A lavoura de alimentos se baseava principalmente no trabalho familiar, assumindo um caráter camponês. Formas de trabalho no mundo amazônico No século XIX, a economia da Amazônia é uma combinação de uma mesma empresa da agricultura e de subsistência com o extrativismo. Várias formas de produção sustentam essa atividade, que varia desde a economia camponesa até o uso compulsório do trabalho indígena. O boom da borracha traria mudanças, mas sem alterar suas bases estruturais. A demanda externa por esse produto só cresceria após 1890, com a invenção do pneumático.
As conjunturas econômicas da República dos plantadores e o início da industrialização Na transição do século XIX para o XX há uma série de transformações em nível de economia internacional. Estados Unidos e Alemanha passam a ser a “oficina do mundo” no lugar da Inglaterra; a predominância do setor têxtil cede lugar para a indústria química, elétrica e de construção de máquinas, dando origem às grandes plantas industriais; os processos de concentração e centralização na produção capitalistas, acompanhados da fusão do capital bancário com o industrial – o chamado capital financeiro – resultam na modificação da lógica de funcionamento da economia capitalista; cresce o número de investimentos nas colônias em ferrovias, serviços públicos e empresas produtivas, ou na forma de empréstimos. Teria assim início uma nova onda colonialista que repartiria o mundo entre as grandes potências da época. No Brasil, essas mudanças ocorrem com permanências estruturais. A agricultura continuava a ser o principal setor da economia. Há também uma persistência de uma estrutura fundiária concentrada. Mas há elementos novos. Crescimento dos centros urbanos e das atividades econômicas ligadas a eles, pela instalação e ampliação das estradas de ferro. Isso ajudaria a complexificar a economia nacional. Tudo isso aconteceria às custas do aumento do endividamento externo. Era o início da industrialização do país. Em São Paulo, o complexo cafeeiro, ao acumular, criou capital – dinheiro que se converteu em capital industrial e criou algumas das condições necessárias a essa transformação. Já no Rio de Janeiro, o processo de industrialização se deu em um contexto de decrescimento da agricultura cafeeira. A decadência dessa atividade gerou uma transferência de capitais para novas áreas de investimento, entre elas o setor industrial. Conclusões “no período escravista a plantation não conformava uma unidade autosuficiente. Ela recorria ao mercado para se reproduzir e o fazia em um mercado interno pré-capitalista; em segundo lugar, temos que aquela transição não representou a consolidação, na agroexportação, de relações capitalistas de produção, mas sim a constituição de diferentes tipos de relações de produção não-capitalistas (colonato, parceria, moradores, etc), fato esse que redefine o ritmo da transição para uma economia capitalista.”
6 Da República Velha ao Estado Novo
Parte B: Estado e Sociedade: A consolidação da república oligárquica (Sônia Regina Mendonça)
A República Velha caracterizou-se pelo predomínio inconteste de grupos agrários, sob a hegemonia dos cafeicultores paulistas. Críticos à centralização monárquica, esses cafeicultores acabariam por implantar, na prática, um regime político coerente com a república: pautado na federação, e baseado na maximização do poder das oligarquias estaduais, por meio do coronelismo. Os pressupostos dessa República eram democracia e liberalismo excludente. Um exemplo bastante claro, é o suposto sufrágio universal, que tinha como condição a alfabetização, em um país em que a maioria esmagadora da população era analfabeta. A Política dos Governadores se instaurou para que se reduzissem os traumatismos e as crises inerentes aos processos sucessórios em que “oposição” e “situação” se revezassem no poder. Ela foi a aplicação dos seguintes princípios: o reforço da figura presidencial (a despeito da independência dos poderes) e a solidarização das maiorias com os executivos (estaduais e federal). Assim, mesmo sem um Partido Único, com a figura dos PRs (Partidos Republicanos) estaduais, permitiu-se que as oligarquias locais consolidassem o poder em seu âmbito, ficando a Presidência com a condução das grandes questões, sem dispensar o apoio inconteste do localismo. Isso era firmado na alternância do Executivo federal, com as lideranças provenientes de São Paulo e Minas Gerais (por muitos denominada de “política do café-com-leite”). O coronelismo possibilitou esse sistema. O coronel geralmente era um grande proprietário de terras em processo de descapitalização que dependia de um apoio maior para se manter em seu status de coronel (político e financeiro). Ele recebia o apoio do governo municipal, e com isso garantia votos de seu eleitorado (por meio do voto de cabresto) para o jogo político que se desenhava. Nesta transação de interesses entre as máquinas político-administrativas dos estados e os interesses políticos e econômicos dos donos de terra (ainda uqe fossem latifúndios improdutivos em questão), outros mecanismos não faltavam, como a fraude eleitoral aberta – que entre outros, evitava que o crescimento de poderes locais pudesse enfraquecer o esquema montado.
Deste esquema que favorecia os cafeeiros paulistas surgiram as políticas de valorização do café implantadas pelo governo federal ao longo do período. Ao mesmo tempo, tentando atender aos interesses dos outros segmentos agrários que os apoiavam, procurava-se a compensação contemplando as oligarquias menores ora com lugares estratégicos na composição de chapas presidenciais, ora no atendimento parcial de certas demandas regionais. Era este o caráter contraditório desse sistema de dominação: para cumprir suas funções, o governo federal estava limitado pelo próprio federalismo oligárquico, tanto no que diz respeito à sua base financeira, quanto ao desempenho de seus papéis coercitivos. Surgiam então conflitos intraclasse dominante. A crise dos anos 20 Houve na década de 1920 uma crise socio-econômica e política, cuja solução só se daria com o Estado Novo. Pelo lado político, era uma crise de hegemonia, desdobrável em dois momentos: o primeiro teve como sentido último a contestação à preponderância da burguesia cafeeira, culminando com a “revolução” de 30. O segundo estendeu-se desde então até 1937, em uma crise hegemônica em que nenhuma classe alcançara o controle inconteste do aparelho do Estado. Boa parte desta crise de hegemonia se explica pelas divisões regionais que as classes burguesas tiveram em sua gênese no Brasil. Mesmo a oposição aberta ao regime não estava livre de contradições marcantes. Se podemos constatar nos representantes dos setores médios críticas ao regime político, é verdade que seu conteúdo inscrevia-se nos limites do universo liberal que partilhavam, sem que a busca mesma desses princípios contemplasse a democracia plena, nem a possibilidade de alianças com os demais setores subalternos. O único dos segmentos passível de ser aproximado a setores médios que teve expressão política efetiva no período, os tenentes, desenvolveu um programa elitista. Também o movimento operário apresentava seus limites. Em um país cujo regime se baseava no controle sobre o campo, fica evidente o caráter secundário da mobilização política operária no conjunto. O movimento operário era limitado, apenas uma fração pequena no todo da população do país, “ilhado” nas poucas grandes capitais em processo de industrialização. Além disso, a preponderância dos imigrantes na configuração da classe limitava também o movimento, fazendo com que à condição de estrangeiros se adicionasse um projeto de ascenção social. E do ponto de vista
doutrinário, deve-se analisar o aspecto pouco positivo desempenhado pelo anarquismo, cujo caráter obreirista e ênfase em temas de pouca receptividade no meio social dificultaram a organização política de classe. A despeito disso, o movimento operário fazia frente às classes dominantes, que lidavam com estes movimentos tendo-os como “questão de política”, e não de política. Quanto ao tenentismo: portadores de um ideário elitista, voltado para a purificação das Forças Armadas e da sociedade como um todo, os tenentes apresentavam um programa de traços autoritários e nacionalistas, defendendo um Estado mais centralizado, uma legislação mais uniformizada, e um ataque à oligarquia paulista. Mas quando em 1925 tomou força e corpo a legendário Coluna Prestes, a longa marcha de 24000km pelo interior do país para “manter viva a chama da revolução”, os segmentos oligárquicos encontraram os termos de realinhamento, garantindo o prestígio a um candidato governista eleito. A crise hegemônica se resolvia por meio de um inimigo em comum. A crise brasileira de 1929 foi resultado do esgotamento vagaroso de um padrão de acumulação. Nele, a economia mercantil exportadora tinha cumprido já todas as potencialidades de desenvolvimento, e levou ao máximo a sua principal contradição, de dicotomia entre o pólo produtivo e o da realização da produção. Da “revolução de 30” ao Estado Novo O golpe de outubro de 1930 deslocou a tradicional oligarquia paulista do poder, enquanto que os grupos que o apoiaram não conseguiram resolver as contradições que lhe deram origem. Por isso o período de 1930-37 é de crise política aberta, sem que nenhuma fração de classe lograsse a hegemonia. Isso deu ao Estado alguma autonomia frente aos interesses que o disputavam. “Estava em gestação uma modificação na própria estrutura e forma de atuação do Estado, cujos produtos viriam a ser não apenas a superação das formas tradicionais de expressão política dos interesses de classe, como também a alteração do próprio processo de reprodução das classes, inscrito na ossatura do Estado. A instalação da ditadura do Estado Novo em 1937 explicitaria tais tendências.” A análise das grandes linhas de desenvolvimento recente do capitalismo no Brasil não pode deixar de lado as transformações processadas a partir da década de 1930. Foi aí a primeira ruptura no avanço da acumulação capitalista, bem como a
redifinição do papel do Estado na economia, tendo como principal ator, do ponto de vista deste Estado, o empresariado brasileiro. Institucionalizar as relações entre Estado e operariado se manifestou como preocupação no imediato pós-30. Teve a criação o Ministério do Trabalho (1931), e a promulgação da legislação trabalhista. A partir de então, o Estado passará a disputar a hegemonia dentro destes partidos com as classes trabalhadoras, a partir da visão corporativa do “órgão de colaboração do Estado”. 8 A modernização autoritária: do golpe militar à redemocratização 1964/1984 (Francisco Carlos Teixeira da Silva)
Entre os anos 1950 e 1980 ocorreu o mais intenso processo de modernização pelo qual já passou o país. Foram transformadas as relações campo/cidade e reafirmadas estruturas já implantadas: a industrialização, a concentração de renda e a integração no conjunto econômico capitalista mundial. A maior e mais importante das alterações foi a da inversão do polo campo/cidade, onde a população rural predominante antes desta modernização se tornará urbana. O êxodo rural esvaziou mesmo o interior de alguns estados como o Rio de Janeiro ou o Espírito Santo, por conta das condições sociais extremamente negativas e pelo crescimento da violência rural. É também neste momento que se generalizam as relações de produção capitalistas, com um aumento enorme da classe operária, que aumentou cerca de cinco vezes em trinta anos. Esses operários seriam resultado dos setores de metalurgia, mecânica, material elétrico, comunicações e transporte. Ao mesmo tempo, um amplo setor camponês desempenhava ainda um papelchave neste modelo capitalista especificamente brasileiro, composto de diversas oficinas e fabriquetas, espalhadas entre latifúndios e minifúndios, resultando em relações de trabalho não-capitalistas que seriam cruciais no conjunto geral do capitalismo nacional. Há também o crescimento do setor terciário, graças à intervenção do Estado na economia e um desenvolvimento do setor administrativo das empresas, do setor bancário e pela área de saúde e educação. Isto criaria novas camadas médias urbanas: um categoria assalariada não operária vinculada às funções burocráticas do Estado, à universidade, transportes, bancos e comércio, praticamente concentrada na cidade, culta e, depois de 1975, nos esteios da luta contra a ditadura militar; e uma categoria não-
assalariada, tendo de um lado uma pequena burguesia batida pela inflação, pela aceleração do processo de monopolização e pelo encarecimento do crédito e de outro os profissionais liberais, principalmente advogados, médicos e dentistas. Transformações sociais e a crise da representatividade política Todas essas transformações alteraram o peso político dos partidos tradicionais, em particular o peso dos partidos conservadores. O Social Democrata (PSD), que tinha sua base política no campo, sustentado no localismo e no coronelismo, sentia já o declínio da população e da importância econômica rurais. Temia principalmente o avanço do PTB (P Trabalhista Brasileiro) no meio rural, que até então restringia-se aos trabalhadores do meio urbano. Também a União Democrática Nacional (UDN) passava por uma crise: sempre derrotada nas eleições majoritárias pela coligação PTB/PSD, estava pronta para recorrer aos quartéis quando necessário. Mesmo as Forças Armadas passavam por uma crise política. Os militares – i.e., a maioria dos oficiais superiores principalmente os da Aeronáutica e do grupo de coronéis e tenentes-coronéis – já faziam intervenções políticas antes de 1964. Em 1954 já tinham forçado Vargas a demitir o ministro do Trabalho João Goulart. No ano seguinte a aliança entre militares e a UDN lança Juarez Távora como candidato à presidência, derrotado por JK e Jango na aliança PSD/PTB. Os militares seguiram conspirando. As Forças Armadas tentavam evitar o fracionalismo e apresentar uma face unificada perante o país, surgindo como um núcleo de eficácia e probidade frente a um governo (o de JK) que julgavam corrupto e economicamente inepto, permitindo uma inflação até então inédita. Essa conjuntura permitiu que o candidato da UDN, Jânio Quadros, com a bandeira da recuperação econômica e da austeridade, fosse eleito presidente, em 1961. Pela primeira vez desde a redemocratização de 1945 a UDN iria ao poder, com uma figura controversa, histriônica, ocupado em destruir as estruturas partidárias e procurando governar acima do Congresso. Mas a vitória não fora completa, pois o PTB elegera Jango para a vice presidência, e a bancada tanto do PTB como do PSD eram fortes no Congresso. Jânio Quadros, inconformado com os limites constitucionais e açoitado por índices inflacionários, tenta um plano “sinistro e ingênuo”, de forçar a concessão de amplos poderes pelo Congresso Nacional, apresentando, após sete meses de mandato, sua
renúncia. O plano falha, e Carlos Lacerda da UDN denuncia o plano, e PTB e PSD dão a renúncia como consumada. Os ministros militares assumem o poder e declaram o impedimento de Jango. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, e líder da ala esquerda do Trabalhismo, lança uma campanha pela legalidade. O III Exército declarase pela posse do vice-presidente, cindindo as Forças Armadas. “Tendo as experiências peronistas e apristas da Argentina e do Peru como pano de fundo, as classes dominantes do país, as elites culturais e as lideranças militares formadas sob influência direta das escolas de treinamento militar dos Estados Unidos, onde predominava a mentalidade da guerra fria, sabiam do avanço, cada vez mais firme, do voto das esquerdas e perdiam a esperança de, no âmbito do regime democrático, impedir a ascensão do reformismo trabalhista no poder.” Os apelos da UDN em favor do golpe militar ficam assim mais compreensíveis. O principal argumento anti-reformista da direita (UDN, parcelo do PSD, PSP, PL, PR...) residia na ignorância do povo, que não saberia votar. Assim se cunhou o conceito de “populismo”, que já era usado para Juan Domingos Péron na Argentina, para englobar o movimento reformista de Vargas em diante. Francisco Weffort caracterizou o populismo: a) estilo de liderança individualista e personalista; b) diluição do conceito de classe social e de luta de classes, substituído pelo conceito de povo e de massas populares; c) discurso demagógico, dirigido à pequena burguesia; e d) não cria partidos estruturados, mas movimentos. No caso brasileiro, específico do PTB, a figura o primeiro “pai dos pobres” (Vargas) foi substituída por outras figuras que representavam diferentes papéis, embora os outros pontos continuem válidos. A questão agrária no Brasil e a resistência à mudança A estrutura da posse e uso da terra no Brasil entre 1945 e 1964 era marcada por forte concentração fundiária, com contínuo processo de concentração de terras, e com ampliação das grandes propriedades e expulsão do trabalhador rural. Em 1963 é criado o Estatuto do Trabalhador Rural, sendo o primeiro passo concreto em direção a uma solução do impasse econômico e político no campo. Com João Goulart, haverá o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, que estava previsto para 1963-5, que previa ampla reforma. E duas semanas antes do golpe
um projeto de ampla reforma agrária é enviado ao Congresso. Mas não chegou a ser votado. A insistência na reforma agrária foi o que separou decisivamente o PTB do PSD, levando este último a uma aliança com a UDN. Desde 1955 a agitação por terra e a luta daí decorrente assumia a importância de luta política, superando a antiga fase em que movimento social era “caso de polícia”. Surgiu então a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores, mais tarde chamada “Ligas Camponesas”, que serão o centro de mobilização popular no campo, apoiando Goulart e Miguel Arraes, seriam também alo da histeria anticomunista. No Brasil, além da concentração de terra, somava-se a situação internacional de guerra fria, onde uma coisa se mostrava crucial defender, para a direita: a propriedade privada. Qualquer projeto de reforma agrária atacava dois nódulos nervosos do capitalismo brasileiro. Embora as intenções de Goulart com a reforma agrária não fossem exatamente comunistas – o presidente acreditava mesmo que o desenvolvimento industrial necessitava de uma reforma agrária que garantiria o fim da inflação, baixos salários e abundância de matérias primas –, caracterizaram-no como tal, pela ameaça à propriedade e clima de guerra fria. Soma-se a esta conjuntura um quadro de crise generalizada de inflação, escassez de produtos de primeira necessidade, e em algumas áreas locais a repressão (algumas vezes militar, como com Costa e Silva no Paraíba) a movimentos populares. Neste contexto, Goulart rompe com o papel decorativo que lhe havia sido imposto desde a aprovação, e em maio de 1962 declara um plano de intervenção do Estado na economia. Quase simultaneamente a CGT desencadeia uma greve geral em apoio a Goulart e eclodem manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em clima de golpe de Estado, Goulart marca o plebiscito pedindo retorno ao presidencialismo para 6 de Janeiro de 1963. No quadro internacional, o presidente John Kennedy exercia forte pressão sobre o Brasil para alinhá-lo à política de bloqueio e enfrentamento a Cuba, lançando mão de instrumentos de chantagem e coerção. Mesmo assim em 1962 o trabalhismo avança em 1962 e dobra a sua bancada. É neste contexto que a pressão dos EUA se intensifica, assim como aquela dos setores das Forças Armadas em parceria com a direita nacional. O estabelecimento do regime autoritário
Em meio ao clima de golpe, uma crise representativa também se esboçava nas Forças Armadas, até mesmo com motim de suboficiais da Aeronáutica e da Marinha em 1963, exigindo direito de voto e melhores condições na tropa. Goulart, se apoiava então nas organizações sindicais, nacionalistas e partidos de esquerda, e passa então para a ofensiva, buscando nas ruas, através de manifestações de massa e comícios, a base que faltava no Congresso. Goulart não consegue contornar a crise, pois a essa altura o golpe já era tramado entre lideranças civis e militares. Uma aliança dominada pela UDN no Congresso Nacional se forma com a saída de Jango, que prefere evitar um “banho de sangue”, e têm início os expurgos políticos. Os civis e os militares articulados ao golpe pareciam ter um projeto bem delimitado de intervenção na vida política do país, norteado no mito das Forças Armadas como “Poder Moderador”. O golpe prometia uma rápida reorganização do país, saneamento de suas instituições, e a sua devolução rápida. Destacou-se logo a profundidade e furor da repressão política, em particular contra o Trabalhismo e o comunismo. Teve início a morte e o desaparecimento de diversas lideranças sindicais e camponesas, e deposição de governadores eleitos, prenunciando o que viriam a ser os anos de Terror do regime. Para controlar a inflação e estabelecer o crescimento econômico foram tomadas medidas que seguiam duas direções: a liberalização da entrada, ação e saída de capitais estrangeiros no país, revogando a Lei de Remessas de Lucros para o Exterior; e o controle dos salários mantidos sempre abaixo da inflação (ou seja, “arrocho salarial”), a fim de manter as taxas de remuneração do capital e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Além disso, procura-se diminuir a presença do Estado na economia, privatizando diversos setores estabelecidos pelo Estado para criar as bases do desenvolvimento econômico. Assim, o Estado renunciou ao controle dos preços internos, particularmente o dos alimentos, embora continuasse a manter os salários abaixo da inflação. Para manter essa política econômica, concentradora de renda e antipopular, o regime militar foi obrigado a aprofundar ainda mais sua política repressiva, particularmente contra sindicatos. Havia certo reconhecimento, mesmo dentro das Forças Armadas, ainda cindidas, que o custo do crescimento econômico pelo modelo tomado custara a ampliação da pobreza e a transformação do país em um imenso quartel, como os próprios militares viam com a imposição da Lei de Segurança
Nacional. Neste contexto a “linha dura” da ditadura tentam arrochar ainda mais o regime, para conter as vozes divergentes. O AI 2 de 1965 dissolveu os partidos e limitou a representação partidária a dois partidos: A ARENA (Aliança Renovadora Nacional), de apoio ao regime, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), fazendo uma oposição branda ao regime. Em seguida, a Constituição de 1946 é reformada em sentido autoritário, estabelecendo eleições indiretas e consolidando a intervenção militar na vida pública. A resistência civil se torna mais ousada e forte, principalmente a partir de 1968. Assim é editado o AI 5, instrumento básico da ação da ditadura, que fecha o Congresso, cassa mandatos e estabelece a censura prévia e os inquéritos militares sigilosos, institucionalizando a arbitrariedade. É estabelecida a pena de morte e a resistência armada se intensifica também, com movimentos de guerrilha urbana e rural. Nesse contexto consumava-se o “golpe dentro do golpe”, a fase mais radical do regime. A repressão alcança o nível cultural também, com proibição de peças, canções, e com exílios e prisões. O governo do general Médici, com os mais altos índices de crescimento econômico do país, com entrada maciça de capitais estrangeiros e arrocho salarial, proclama um “Milagre Brasileiro” como o patamar inicial de um crescimento acelerado e ininterrupto. Surge o slogan do Brasil Grande, com o ufanista “Brasil: ame-o ou deixe-o.” Durante o governo Geisel, o milagre demonstra sua fraqueza, com os dois pilares (endividamento externo, e arrocho salarial) atingindo o seu limite, particularmente com o endividamento externo engolindo fatias enormes do PIB. E grande parte da população se encontra abaixo do mínimo indispensável de 2.240 calorias diárias. As críticas ao regime aumentam. Embora com um crescimento econômico elevado, o regime militar não conseguiu, bem pelo contrário, diminuir as injustiças sociais. O Geisel sob pressão, após hesitação, acelera a bertura, afastando militares identificados com a tortura e com a corrupção. Tem início a abertura “lenta, gradual e segura”, consolidada na Emenda Constitucional de 1978. Com a mudança do quadro econômico internacional, principalmente com o choque do petróleo, o modelo economico em prática no Brasil sofre profunda mudança: pois esse modelo se pautava largamente na conjuntura internacional, com entrada de crédito de capitais estrangeiros e endividamento externo. Figueiredo acelera as transformações institucionais, concedendo Anistia Política e altera a legislação partidária, dando maior liberdade de organização aos partidos. A continuidade da crise
faz estalar a crise nos meios militares, com um grupo radical negando a aceitar a abertura política e apelando para o terrorismo contra alvos civis. Os partidos, a Igreja, os órgãos de classe reúnem-se em uma imensa campanha política por eleições presidenciais diretas (as “Diretas Já”), pondo lado a lado líderes como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, e Luís Inácio da Silva (PMDB, PMDB, PDT e PT respectivamente). Tancredo Neves prometera ao ex-presidente Geisel tornar os membros do PDS (ex-ARENA, agora Partido Democrático Social) como ministros, além de ter o próprio José Sarney como vice, e comprometia-se a não permitir inquéritos sobre as torturas, desaparecimentos e escândalos financeiros, bem como a impedir qualquer membro do antigo regime a ser responsabilizado pela dívida externa. Tancredo foi eleito presidente do país com o compromisso de instalar uma Assembléia Nacional Constituinte, transformando seu governo na transição entre a ditadura e a democracia. Mas morreu antes de assumir o cargo. José Sarney, ex-líder da ARENA e ex-presidente do PDS, vice-presidente da coligação da Aliança Democrática, união do PMDB com dissidentes do PDS, é empossado primeiro presidente da Nova República.