Folia de Reis, Sambas do Povo Alberto T. Ikeda
Coleção Cadernos de Folclore 21º Volume 2011
Coleção Cadernos de Folclore Realização:
Prefeitura Municipal de São José dos Campos Fundação Cultural Cassiano Ricardo Diretoria de Patrimônio Histórico
Idealização:
Fundação Cultural Cassiano Ricardo Mario Domingos de Moraes Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Ângela Savastano
Coordenação Geral: Maria da Revisão Ortográfica: Teruka
Fátima Ramia Manfredini - CECP/UNIVAP
Minamissawa
Arte da capa: Roberto Munholi Fotos: Folia de
Reis - Alberto T. Ikeda
Digitação dos textos: Avelino Israel, Fátima
Manfredini, Marieti Turco, Odete Pereira Batista, Paulo Fabiano Pontes de Amorim
Designer Gráfico: Nilson Ferreira/André L. Fernandes Digitalização das Pautas Musicais: Impressão:
César Petená
JAC Gráfica e Editora Ltda - S.J.Campos-SP
ISBN: 000-00-00000-00-00
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Especializada do Museu do Folclore/CECP “Maria Amália Giffoni”
Ikeda, Alberto T. Folia de reis, sambas do povo / Alberto T. Ikeda - - São José dos Campos/SP: CECP; FCCR, 2011. p. 156; 16cm x 23cm; (Cadernos de Folclore; v.21) 1. Antropologia da Música 2. Música Popular 3. Cultura Popular 4. Arte Popular I. Título. II. Série CDD: 390 Copyright © Alberto T. Ikeda - 2011 - Todos os direitos reservados
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Av. Olivo Gomes, 100 - Santana - 12211-115 São José dos Campos - SP - Brasil www.fccr.org.br
Dedicatória
Para Maria Meron, por todos esses anos, na parceria da vida. Meus pais e irmãos: Ushimatsu Ikeda (pai, Ikeda (mãe), e os(as) manos(as) Helena (in
in memoriam)
memoriam),
e Yachiro
Celso, Olga,
Miguel e Miriam, e também Regina (cunhada). Os mestres e mestras e todos os(as) guardiões(ãs) dos saberes populares, tantos, com quem aprendi muito desde a década de 1970.
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
O que teriam em comum as figuras de Baltazar, Gaspar e Belchior, os três reis magos, da Folia de Reis, com o samba? Essa é uma pergunta que aguça a curiosidade e que, de uma forma criativa e com muita pesquisa, vai sendo respondida ao longo da 21ª edição da série Cadernos de Folclore, publicada pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de São José
dos Campos. O autor da obra, Alberto T. Ikeda, imprime um ritmo em sua narrativa, marcado por "marchinhas", além de textos de diferentes publicações desde revistas acadêmicas até jornais. Enfim, trata-se de uma publicação que vai enriquecer, ainda mais, a série Cadernos de Folclore que já conta com 20 publicações. Para a Fundação Cultural Cassiano Ricardo fica a sensação de mais um dever cumprido, não só pela publicação em si, mas principalmente, por estar colaborando na valorização da cultura popular brasileira e fazendo despertar o interesse de pessoas que, até então, sequer tinham conhecimento de como dois símbolos tão distintos podem ser tão próximos: "Folias de Reis, Sambas do Povo".
Mario Domingos de Moraes Presidente da Fundação Cultural Cassiano Ricardo - 2011
Apresentação
Quando, há 25 anos, propusemos publicar na forma de cadernos as pesquisas sobre Folclore, onde o estudo da cultura popular é tratado como “objeto de área científica” (Julieta de Andrade), tínhamos como objetivo levar informações e subsídios aos professores e estudiosos dessa área. Não imaginávamos, entretanto, quão valioso era o assunto, quão diversos eram os temas que podiam ser abordados, quão extensa era a área de estudiosos com interesse pelo assunto e quão importantes eram essas pessoas, os pesquisadores, que iriam colaborar com esses Cadernos. Hoje, olhando esse longo caminhar vemos que o esforço não foi em vão. Muito tem sido o interesse de alunos, professores e pesquisadores de São José dos Campos, São Paulo e de outros Estados brasileiros que buscam nesses cadernos informações sobre o tema solicitando-os com frequência. O Professor e Mestre Alberto Ikeda, didático por excelência, consegue que seus leitores e ouvintes, através de suas falas e escritas, alcancem com facilidade os conceitos transmitidos. Etnomusicólogo, com vasto e reconhecido saber na área, transita por diversos caminhos da cultura popular, levantando importantes pontos para reflexões. Sua presença é sempre aguardada com grande expectativa pelos seus discípulos e por nós, seus eternos aprendizes. A Fundação Cultural Cassiano Ricardo e o Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP, sentem-se honrados em ter na 21ª edição da série Cadernos de Folclore, o nome do ilustre Professor Doutor Alberto Ikeda. Angela Savastano Presidente do CECP Centro de Estudos da Cultura Popular
Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP A coleção Cadernos de Folclore, publicada pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo de São José dos Campos, é a maneira que seus idealizadores encontraram para a instituição trazer à luz um dos principais objetivosdesuacriação. Nestes 25 anos de existência, foram abordados os mais diversos assuntos, que consistem num acervo valioso disponibilizado à população, governantes e, principalmente, estudiosos. É um conjunto de informações da mais alta importância para o resgate, preservação e disseminação da culturapopularbrasileira. Poucas comunidades conseguem disponibilizar de forma sistematizada um conjunto de informações especializadas, como acontece na Biblioteca Maria Amália Corrêa Giffoni, do Museu do Folclore, fruto de uma política pública de parceria com a sociedade organizada, na busca da humanização das relações entre o desenvolvimento desenfreado e a valorização da cultura popular. O trabalho ora publicado, 'Folia de Reis, Samba do Povo' , com conteúdos de expressões da cultura popular que envolve música, dança e dramatizações, é importante documento, que irá enriquecer, sobremaneira, oacervodasrealizaçõesdaFCCRedoCECP. Produzido pelo pesquisador Alberto T. Ikeda, a partir de seus estudos na década de 70 e registrados ao longo de mais de 40 anos em publicações de artigos para jornais e revistas, ganhou notoriedade com a publicação do relatório, intermediado pelo National Museum of Ethnology, de Osaka,
com o apoio do Ministério da Educação, Ciência e Cultura do Japão. A leitura da obra é como uma “Viagem no Tempo e no Espaço”; e nos remete aos primórdios de nossa socialização, contemplando uma verdadeira reflexão de escopo sociológico, antropológico e político.
Cristovão Cursino
Vice-Presidente Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP
Sumário
Prefácio .......................................................................................................... 15 Do lundu ao mangue-beat ........................................................................ 19 São João no Brasil ...................................................................................... 27 Cururu: resistência e adaptação de uma modalidade musical da cultura tradicional paulista ................................................ 33 Manifestações tradicionais: rituais, artes, ancestralidades... ....... 55 Folia de Reis, Sambas do Povo; Ciclo de Reis em Goiânia: Tradição e Modernidade .................................................. 71 Forró: dança e música do povo ............................................................... 121 Sobre o autor ................................................................................................ 145 Fundação Cultural Cassiano Ricardo .................................................... 149 Cultura sem limites Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP .................................. 151 Coleção Cadernos de Folclore ................................................................. 153 Anexo - Fotos ............................................................................................... 155
Prefácio
Este livro reúne alguns artigos publicados em anos anteriores, em veículos diversos, juntados agora sob o título parcial de um trabalho de pesquisa cuja edição ocorreu no Japão, em português, em 1994, intitulado: Folia de Reis, Sambas do Povo; Ciclo de Reis em Goiânia: tradição e modernidade. Tratava-se de um relatório de pesquisa etnográfica realizada
na cidade de Goiânia, Goiás, com apoio do Ministério da Educação, Ciência e Cultura do Japão, por intermédio do National Museum of Ethnology, de Osaka, publicado em coletânea com trabalhos de outros pesquisadores, no livro: Possessão e Procissão: religiosidade popular no Brasil, organizado por Hirochika Nakamaki e Américo Pellegrini Filho.
Cada pesquisador se ocupou do estudo de expressão cultural de alguma região do Brasil, enquanto estive em Goiânia com o propósito de pesquisar manifestações ritual-musicais do ciclo católico-popular natalino, mais especificamente os grupos devocionais identificados como Folias de Reis, que cultuam os Três Reis Magos (Gaspar, Belchior e Baltazar). Um dos grupos que acompanhei, na periferia da cidade, era composto por migrantes do interior da Bahia. Estes, além da integrativa atividade devocional-religiosa, do âmbito do sagrado, também praticavam em alguns momentos o samba, característico do interior baiano de onde provinham, em determinados momentos do seu “giro” (percurso), sobretudo após as refeições, que, centrado nesta atividade cuja aparência primeira era somente o entretenimento, igualmente propiciava uma importante interação, identificação e distinção social na comunidade, sobretudo entre membros migrantes da mesma região. Assim, duas expressões comumente compreendidas como antagônicas, uma profundamente religiosa e outra profana, se complementavam no grupo, 15
no mesmos espaços dos cultos, aproximando, por sua vez, simbolicamente, os reis (magos, nesse caso) e o povo, daí o título escolhido. Afinal, nas culturas tradicionais também os deuses estão comumente bem mais próximos dos homens. Todos os artigos têm Nota com os dados da publicação inicial. Foram mantidos no formato original, inclusive no que se refere às referências bibliográficas, apenas realizando-se a atualização ortográfica e incluindose um ou outro esclarecimento, com Notas. Não há nos artigos uma unidade temática, a não ser o fato de tratarem de manifestações culturais populares, que é o assunto fundamental desta coleção Caderno de Folclore. Mas, embora não exclusivas, predominam temas de música, que é o campo de maior atuação em meus estudos, em aproximação com as ciências sociais, sobretudo a antropologia. Evidentemente, todo escrito revela e reflete a sua época de redação, perdendo, muitas vezes, a sua atualidade, mas nos casos aqui elencados acredito que poderão ter ainda algum interesse, pelo registro etnográfico, e, talvez, por algumas reflexões de escopo sociológico-antropológico e político em torno das expressões estudadas, que, acredito, podem ser projetadas para outros fatos das culturas populares. Pode-se notar também que não há nos escritos unidade no nível de tratamento, de aprofundamento, nos enfoques, pois pertencem a diferentes tipos de publicação, incluindo revista acadêmica, caderno de cultura e arte de jornal diário, revista paradidática e outras. A nova publicação desses trabalhos se faz na esperança de que ainda tenham alguma serventia. Mas isto somente poderá ser avaliado pelo leitor. Um segundo aspecto que merece comentário refere-se ao fato de que o título Folia de Reis, Sambas do Povo com conteúdos de expressões da cultura popular que envolvem música, dança e dramatizações, pode levar o leitor a corroborar subliminarmente o senso comum de que estas são a pe na s e xp re ss õe s d e e nt re te ni me nt o, d e l az er, d e a le gr ia descomprometida, e de arte, ou, ainda, como manifestações “do folclore”, o que limita bastante as possibilidades de compreensão dessas práticas 16
culturais, conforme procuro demonstrar nos artigos, sobretudo no ensaio aqui incluído, intitulado: Manifestações tradicionais: rituais, artes, ancestralidades ... . Para finalizar, é importante ressaltar que esta publicação se deve a um convite que me foi feito pela socióloga Ângela Savastano, idealizadora e coordenadora do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP) e do Museu de Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) de São José dos Campos, SP, que de longa data dedica-se ao estudo e promoção das culturas populares de tradição oral, sobretudo do Vale do Paraíba, onde sua liderança nesse campo é destacada. A ela registro os meus agradecimentos, extensivos à professora Maria da Fátima Ramia Manfredini, Flávia Diamante Munholi, Francine Maia Freitas, envolvidas nesta edição e especialmente a Mario Domingos de Moraes, DiretorPresidentedaFundaçãoCulturalCassianoRicardo(FCCR). S.Paulo,novembrode2011 Alberto T. Ikeda
(Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista – UNESP – campus de S. Paulo)
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Do lundu ao mangue-beat*
Do ancestral bamboleio africano, passando por toques de capoeira, jongo, maxixe, ijexá, maracatu e samba, os ritmos negros negros são alimento e o temper tempero o da canção canção popula popularr brasil brasileir eira. a. O Brasil é a terra do samba! Tal afirmação não terá, provavelmente, muito muitoss quest questio iona name ment ntos os,, apesa apesarr de serm sermos os um país país de gran grande de vari varied edad adee de ritmos ritmos popula populares res.. Inclus Inclusive ive,, sob a mesma mesma design designaçã ação, o, samba, samba, temos temos distintos ritmos no país, sempre vinculados às comunidades negras. Os estilos mais reconhecidos do gênero são os que se desenvolveram na cidade do Rio de Janeiro, disseminados a partir da década de 20, tendo em sua sua form formaç ação ão a impo import rtan ante te pres presen ença ça de migr migran ante tess negr negros os da Bahi Bahia, a, constituindo a vertente do samba que podemos identificar como baianocari carioc oca. a. Tal divu divulg lgaç ação ão se deu deu pelo peloss disco discos, s, rádi rádios os e apre aprese sent ntaç açõe õess artí artíst stic icas as,, pois pois o Rio Rio era era entã então o a refe referê rênc ncia ia maio maiorr de urba urbani nida dade de e modernidade da nação, sendo ainda sua capital. Por outro lado, políticas governamentais de cunho nacionalista e populista contribuíram para a fixação fixação desses estilos estilos de samba como modelo de brasilidade, brasilidade, estendido a todo todo o país país.. Com Com o samb samba, a, esta estamo moss na vert verten ente te negr negraa da cultu cultura ra brasi brasile leir ira, a, que que tem tem ainda, entre outros, gêneros musicais como o antigo lundu, o maxixe, os toques da capoeira (sobretudo de angola), o jongo, o ijexá da Bahia. Mais recentemente, desde o início dos anos 90, verificamos a consagração de ritm ritmos os dos dos cort cortej ejos os negr negros os de mara maraca catu tu,, por por meio meio do movi movime ment nto o 19
identi identific ficado ado como como mangue mangue-be -beat, at, em Pernam Pernambuc buco, o, cujos cujos nomes nomes mais mais cons consag agra rado doss são são os de Chic Chico o Scien Science ce & Naçã Nação o Zumb Zumbi. i. Essa Essa inco incorp rpor oraç ação ão dos dos dive divers rsos os ritm ritmos os orig origin inal alme ment ntee negr negros os se deu deu ao longo da história, desde o lundu, cujas notícias mais antigas remontam ao século XVIII, passando pelo maxixe, que teve maior consagração entre 1880 e 1930, e outros. Para exemplificar casos também atuais, podemos mencionar a música Domingo no parque parque, de Gilberto Gil, que se baseia no toque de angola, da capoeira, e Beleza Pura, de Caetano Veloso, que tem o ritmo ijexá, originalmente praticado em rituais de terreiros de candomblé. Outr Outro o exe exemp mplo lo bem bem con conhe heci cido do de ijex ijexáá é a can cançã ção o Sina, do do com compo posi sito tor r Djav Djavan an.. Já o comp compos osit itor or e pesq pesqui uisa sado dorr cari carioc ocaa Nei Nei Lope Lopess tem tem jong jongos os entr entree as suas criações. Assim, ao longo da história, compositores populares foram adotando padrões rítmicos surgidos nos grupos negros como base para suas criações, constituindo-se o variado e internacionalmente reconhecido reconhecido cancioneiro cancioneiro popular popular brasileiro. brasileiro. Essa Essa cons consta tant ntee e hist histór óric icaa inco incorp rpor oraç ação ão de mani manife fest staç açõe õess coreográfico-musicais negras na música popular, algumas transformadas em referências máximas de nossa musicalidade, como é o caso do samba, faz faz press pressup upor or proc proces esso soss polít polític icos os part partic icip ipat ativ ivos os e de incl inclus usão ão soci social al étnico étnico-ra -racia ciall no Brasil. Brasil. No entanto, não é isto que acontece. Conforme tantas vezes revelado por estudiosos do tema, a inclusão sonora não tem equivalência na inse inserç rção ão soci social al desse dessess segme segment ntos os na soci socied edad adee bras brasil ilei eira ra.. A verd verdad adee é que, que, em todos os gêneros exemplificados, temos um mesmo histórico: um período inicial de forte rejeição, opressão e proibição; passando depois por cert certaa tole tolerâ rânc ncia ia,, segui seguida da de acei aceita taçã ção; o; e , poste posteri rior orme ment nte, e, a inco incorp rpor oraç ação ão e, muit muitas as veze vezes, s, a apro apropr pria iaçã ção o e até até a expr exprop opri riaç ação ão de muit muitas as form formas as,, já entã então o re-s re-sig igni nifi fica cada dass como como prod produt utos os artí artíst stic icoo-cu cult ltur urai aiss de gran grande de valo valor r simbólico simbólico agregado. agregado. 20
Para confirmar as discriminações, basta recorrer aos tantos depoimentos de antigos líderes negros, tornados públicos ao longo da nossa história. Podemos verificar o quanto foram rejeitados e oprimidos, inclusive policialmente. Isso se deu com sambistas, jongueiros, capoeiras, religiosos e tantos outros. Claro, não devemos esquecer que a permanência de tais práticas se deu por forte resistência da parte dos negros, na medida em que estas nunca foram para eles somente exercícios artísticos e de diversão, mas também instrumentos de identidade grupal e de socialização, de crítica social e de preservação de saberes e visões de mundo.
Pequena história da exclusão
Apesar dos vários exemplos citados, enfocamos aqui apenas o caso do samba e das suas correspondentes agremiações, as escolas de samba, que constituem hoje as referências mais reconhecidas da musicalidade popular brasileira. Na verdade, nos dias atuais, diante da sua consagração em todas as camadas sociais e em todo o país, muitas pessoas, principalmente os mais jovens e também os estrangeiros, desconhecem o fato de o samba ter sido na origem manifestação dos grupos negros. Afinal, já de alguns anos pra cá, quando assistimos aos desfiles das escolas de samba pela televisão, em particular do grupo especial do Rio de janeiro, notamos que, em boa parte delas, os negros são minoria. Essa observação pode ser constatada, ainda, por meio das fotografias de jornais e revistas que fazem a cobertura dos desfiles. Embora cortejos carnavalescos com pessoas fantasiadas e carros alegóricos fossem praticados pelas classes médias e pelas elites, o tipo de desfile que acabou se consagrando no Brasil com base no samba, resultou de adaptações das populações negras da capital carioca, inicialmente na 21
forma de blocos e cordões, e, depois, de escolas de samba. Do ponto de vista histórico, sabemos que estas últimas surgiram nas comunidades do Rio de janeiro pelo final da década de 20 e início da década de 30, sendo, então, motivos de fortes desqualificações pelos grupos mais abastados, que praticavam outras modalidades de desfile, as chamadas grandes sociedades e os ranchos. Mas, diante da presença efervescente das agremiações negras, com o tempo os políticos perceberam nelas potencialidades para o fomento turístico e o entretenimento das massas. A partir dos meados da década de 30, os desfiles das escolas de samba passaram a ser oficializados, inclusive como forma de controle social, pois, para obterem autorização para desfilar, as escolas tinham de se registrar na polícia como agremiações cultural-recreativas. Tudo passava a ser controlado, desde os seus nomes, trajetos, e horários dos desfiles até os enredos, sugerindo-se que estes se voltassem para os temas nacionais, como ocorria com os ranchos carnavalescos. Vivia-se então, no país, a era Vargas, marcada por forte nacionalismo e tendências políticas autoritárias. A instituição dos enredos evitava um aspecto politicamente problemático na prática do samba tradicional: o hábito de improvisar, tendo apenas um refrão fixo na música, o que dava ensejo a cantos de forte teor crítico contra políticos, autoridades, repressões policiais, carestias de vida e outros aspectos da realidade dos pobres e negros. Na década seguinte, os temas nacionais tornaram-se a tônica em todas as agremiações carnavalescas, por sugestão e até mesmo imposição oficial. No entanto, mesmo oficializado, o samba continuou durante muito tempo a ser alvo de fortes preconceitos. Isso durou pelo menos até a década de 60, quando os desfiles das escolas começaram a servir de suporte para as programações turísticas e comerciais, tanto que, em 1962, teve início a cobrança de ingresso para assistir aos desfiles "na avenida" e, 22
a partir da década seguinte, as apresentações passaram a ser transmitidas via televisão. Então, na medida em que as agremiações foram se agigantando e se sofisticando, em apresentações cada vez mais luxuosas na ânsia de vencer a disputa, os desfiles foram se tornando atividades impossíveis para as pessoas de menor poder aquisitivo, diante do aumento ano a ano do custo das fantasias. Dessa forma, justo quando as escolas se tornaram altamente prestigiadas até em âmbito internacional, despertando o interesse de participantes estrangeiros e de todo o país, os membros das comunidades de onde essas agremiações surgiram passaram a ser excluídos devido a fatores econômicos.
Um enredo que se repete ?
O que se pode concluir deste breve histórico não é nada promissor. Conta-se aqui uma história de contradições: a de um país que construiu parte do seu imaginário musical calcado nos traços e vivências de grupos negros, que se tornaram referência mundial de brasilidade, e, por outro lado, continuou segregando socialmente essas populações e, em muitos casos, até mesmo as manifestações criadas outrora por seus antepassados. Ou seja, estamos diante de uma história clara de apropriação e expropriação cultural. Nesse sentido, pode estar em curso a repetição desse mesmo histórico na recente onda musical neofolclórica ou etnicista que se verifica por todo o Brasil desde os anos 90, na qual jovens, principalmente de formação mais intelectualizada, têm-se interessado por músicas “de raiz”, danças, rituais e folguedos tradicionais, muitos deles gestados nas comunidades negras. Esses interessados estão formando conjuntos de música e dança de projeção folclórica ou étnica, ou até se integrando aos grupos tradicionais, 23
conforme se nota em alguns cortejos de maracatu em Pernambuco, em bandas de congo no Espírito Santo, no samba-de-bumbo de São Paulo e em outras manifestações por todo o Brasil. No desejo de “valorizar” tais expressões, muitos interessados (músicos, antropólogos, historiadores etc., alguns até movidos por princípios sinceramente honestos) passaram a atuar como agenciadores, verdadeiros “atravessadores”, desses grupos tradicionais, promovendo festivais e espetáculos de “música étnica” em casas de cultura, teatros, escolas e outros espaços, e também produzindo videodocumentários ou CDs com verbas públicas ou obtidas na iniciativa privada, por meio das leis de incentivo cultural, sem que, na maioria das vezes, os benefícios ou os produtos desses empreendimentos retornem para os grupos focados. Repete-se assim o procedimento da suposta valorização das “artes populares”, em geral de domínio coletivo, que não têm o amparo de nenhuma legislação de salvaguarda ou de preservação de direitos autorais. Contemporaneamente, diante da onda etnicista, as formas tradicionais enfrentam o processo de suas inserções em um mercado de consumo ao mesmo tempo massificado e altamente segmentado. Assim como temos sambódromos em algumas cidades brasileiras, para o concurso das escolas de samba, que representam o coroamento do processo de inclusão (e/ou exclusão) de uma prática cultural popular, também já existe o bumbódromo , em Parintins (AM), para o concurso de boi-bumbás, e o congódromo , para apresentações de congadas ou congos, em São Sebastião do Paraíso (MG). No futuro, surgirão com certeza outros “ódromos”. Esperamos que sejam contados outros “enredos” mais promissores a respeito da presença negra na cultura brasileira, pois os que foram relatados aqui revelam facetas perversas e preocupantes dessa realidade. Facetas que não podem ser esquecidas, sob pena de que, em mais alguns 24
anos, tenhamos também que estabelecer cotas para garantir a presença de negros nos desfiles de escolas de samba. Evidente que não se pretende aqui defender uma segregação às avessas, reinvindicando-se o direito de exclusividade dos negros às suas práticas culturais ancestrais, mas, sim, repor aspectos dessa história para o direcionamento de princípios sociais mais éticos na continuidade desse “enredo”, que inegavelmente foi mal desenvolvido até o momento na história do Brasil.
* “Do lundu ao mangue-beat”, original em: Revista História Viva: temas brasileiros – Presença Negra (edição especial temática n. 3). S. Paulo: Ediouro/Duetto Editorial, março 2006 – ISSN 1808-6446, pp. 72-75.
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A festa caipira e os santos
No Brasil, principalmente nas cidades, as comemorações juninas se cristalizaram simbolicamente como festas rurais, daí a generalização da nomenclatura, festa caipira, e das caricaturas das roupas, do falar, do andar, enfim do modo de ser do homem do campo, do chamado roceiro. Embora a figura do homem rural seja enfocada no cenário da vida urbana, tanto positiva quanto negativamente, pelo menos desde as peças de Martins Pena (1815-1848), como no exemplo da comédia OJuizdepazna Roça, de 1838, podemos dizer que a sua imagem depreciada, conforme ocorre nas festas juninas, tem um forte marco no início do século, mais a partir da segunda década, quando das preocupações da modernização e industrialização no País, principalmente partindo de São Paulo. Nessa vertente, o camponês passou a ser visto de modo negativo, identificado como rústico, indolente e ingênuo, um entrave mesmo ao “progresso”. Embora resultado de uma visão centrista citadina, infundada e preconceituosa, esses imaginários acabam se consagrando e se generalizando por todo o País, inclusive nas próprias regiões interioranas. A disseminação dessas caricaturas se deu pela divulgação de imagens de um personagem – O Jeca Tatuzinho, um homem”da roça”, do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), através de milhares de livretos ilustrados, de propaganda de um Biotônico do laboratório farmacêutico Fontoura. 27
No que se refere aos santos desse ciclo: Santo Antonio (dia 13 ), São João (dia 24) e São Pedro (dia 29) é, no geral, São João Batista aquele que
concentra em si, de maneira cabal e pelo lado mais profano, o espírito festivo da época. O Santo se relaciona ao fogo, cujos cultos foram praticados na maioria dos grupos humanos, desde os tempos antigos, anteriores ao cristianismo. Por terem sido rituais de forte penetração nos grupos praticantes, em geral acompanhados de comida, bebida, música, dança e outras formas dionisíacas, ditas pagãs, a igreja cristã procurou adaptá-las aos moldes mais comedidos das cerimônias cristãs. Assim, adotou-se a crença de que a ligação do Santo com o fogo se deu porquanto foi através do levantamento de um mastro sinalizador e de uma grande fogueira para iluminá-lo que Santa Isabel avisou sua prima Maria Santíssima quando do nascimento do seu filho João, no dia 24 de junho. Mas o batizador está também relacionando a outro elemento essencial – a água, pois São João teria batizado Jesus Cristo nas águas do Rio Jordão. Por outro lado, pratica-se entre nós o “batismo” do Santo (lavagem da imagem) nas águas de algum rio ou córrego. Estas passam, então, a ter naqueles momentos rituais, poderes milagrosos, principalmente na cura de enfermidades. Ao Santo relacionam-se ainda, as crenças ligadas ao destino das pessoas, ao futuro, notadamente as adivinhações relativas às questões amorosas, à vida e à morte. São inúmeras as formas de sorte praticadas na véspera ou na noite de São João, para se conhecer o nome do futuro namorado ou marido, ou saber se a pessoa estará viva até os festejos do ano seguinte. Também, praticam-se nas regiões agrícolas os ritos propiciatórios de boas colheitas, por exemplo, fixando se ao mastro do Santo espigas de milho e outros produtos da terra. Em muitas localidades, às cinzas da fogueira de São João 28
se atribuem poderes de combate às pragas e de proteção contra os “maus espíritos”. São João é tido como protetor das colheitas. Embora adaptada para as normas religiosas cristãs, nas festas juninas, houve com o tempo, o predomínio dos aspectos profanos, inclusive com conotações sexuais, conforme se percebe no casamento caipira, no geral com a noiva já grávida, embora o santo casamenteiro no Brasil seja Santo Antônio. Isso pode estar ligado aos rituais “pagãos” antigos, de fertilidade, tanto no sentido agrícola, da necessidade de boas colheitas, quanto no da geração das crias dos animais e a procriação das famílias. Juntamente com o carnaval, e, talvez, até mais que este, as festas juninas são comemorações das mais disseminadas no Brasil, promovidas no âmbito das instituições (escolas, clubes, igrejas, indústrias, associações de classe, etc.), ou nos sítios, fazendas, ruas e nas residências particulares, nos milhares de arraiás por todo o País. Evidentemente nas regiões interioranas, os aspectos religiosos ainda são bem mais presentes do que nos grandes centros urbanos. Mas, independente dos aspectos da possível permanência das antigas crenças e rituais, as festas juninas se mantêm como momentos em que as comunidades se juntam para a prática de ações que confirmam, identificam, e até conformam os indivíduos como partes da coletividade. Principalmente nas grandes cidades, onde a vivência cotidiana se dá de maneira bastante individualizada, as festas permitem, periodicamente, além da diversão grupal, as práticas socializadoras, significativas, importantes distintas do dia a dia.
Em muitas localidades, às cinzas da fogueira de São João se atribuem poderes de combate às pragas e de proteção com tratos “maus espíritos”. São João é tido como protetor das colheitas.
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Quadrilhas, Folguedos e outras Danças
As festas joaninas no Brasil apresentam vários elementos constantes e generalizados como a quadrilha, alguns tipos de alimento e bebida, a fogueira, o mastro do Santo, os fogos de artifício e o casamento caipira ou matuto. Além desses elementos comuns, em regiões distintas do País ocorrem folguedos e danças específicas, próprias de cada localidade. A quadrilha, nos chegou da França (quadrille), através dos portugueses, no início do século XIX. Sua forma original, porém, não é a que se conhece hoje, a nossa popular quadrilha caipira. Inicialmente, foi dança palaciana, praticada pelas elites, em qualquer tipo de festividade, inclusive no carnaval, com coreografia marcada e dividida em cinco partes. No século XIX, e ainda atualmente em algumas regiões, a quadrilha é também conhecida como contradança, derivada dos termos quadrilha de contradanças. No geral, eram dançadas por quatro pares ou
mais, em fileiras opostas, daí os nomes quadrilha e ou contradança. Embora trazida da França, há indicações de que a quadrille francesa se originou da adaptação do country dance (dança do campo ou dance campestre) dos ingleses, bastante difundida nos séculos XVII e XVIII, resultando na contredanse francesa e na contradança no Brasil. Entre nós, já no século XX, e talvez mesmo no final do século XIX , a quadrilha acabou se consagrando e permanecendo principalmente como característica da época junina; embora bastante modificada em relação ao rigor coreográfico da dança de salão, das elites. Nesse sentido, há entre nós modificações e recriações constantes, de grande dinamismo, nos vários pontos do País, podendo-se encontrar até quadrilhas rap, atualmente. Outro fator interessante é que, após as décadas de 70/80, em função das migrações de nordestinos para vários pontos do Brasil, e pelo trabalho 30
da mídia, muitas músicas juninas daquela região, bem como a formação instrumental à base de sanfona, zabumba e triângulo ( o Trio Nordestino), se difundiram largamente nas festas juninas, confundindo-as com o próprio forró nordestino. Assim, em São Paulo, para algumas crianças e jovens, essas festas são atualmente identificadas como “festa de baiano” (maneira pela qual muitos paulistas identificam as pessoas provenientes do Nordeste) e menos como “festa caipira”. Conforme já indicado anteriormente, há diferenças regionais nessas festas. No Norte do País, por exemplo, esta é a época de grande dinamismo no que se refere à realização de folguedos folclóricos como o Bumbameu-boi, o Cordão de Pássaros, ou danças como o Lundu, a Desfeiteira, o Carimbó, o Xodó, o Xote, o Siriá, o Coco ou Tambor de Crioula, além de outras. Por sua vez, em Pernambuco, na região de Caruaru, é comum a apresentação, nessa época, do chamado “Batalhão de Bacamarte”ou “Bataião de São João”, constituído de grupo de homens uniformizados, portando bacamartes (arma de fogo; espécie de trabuco), que se apresentam com uma banda de pífanos, fazendo demonstrações dos disparos de suas armas. Em outras regiões, como em Mato Grosso (ambos), pode ocorrer a dança do Siriri ou dança do Cururu, assim como no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, pode-se encontrar nas festa dos santos de junho grupo de Congada ou de Moçambique, que, no entanto, são devotados a outros santos. Ainda em São Paulo, é comum em alguns locais, a realização de danças como o Jongo e o Batuque ou Tambu, por elementos das comunidades negras. Da mesma forma, outras localidades incorporam suas danças e folguedos nos festejos juninos, como exemplo da “Guerra de espadas”, 31
em Cruz das Almas, na Bahia, ou a “Folia de São João”, no interior do mesmo Estado, em Barreiras, próxima da divisa com o Estado de Tocantins, assim como no Sul o Fandango de Botas e de Tamancos. Importante de ser ressaltado, ainda, é que o ciclo de festividades juninas tem sido aproveitado nos últimos anos, em algumas cidades, principalmente do norte/nordeste, como atrativo para o fomento de um fluxo turístico regional, nacional e até internacional, quase tão significativo quanto o período carnavalesco. Exemplos disso ocorrem com as festas juninas de Caruaru, em Pernambuco, e com o Festival de BoiBumbá, na Ilha de Parintins, em plena floresta, noAmazonas. Promovidas por organismos oficiais, estas festas têm conseguido atrair anualmente imenso número de turistas, sendo que em Parintins construiu-se, inclusive, um bumbódromo, à imitação do sambódromo do Rio de Janeiro.
* “São João no Brasil: quadrilha, folguedos e outras danças”, original em: Catálogo-programação São João no Brasil: a cultura popular em festa, S. Paulo: SESC Pompéia, junho 1996.
32
Resumo: um enfoque sobre a cultura popular diante da chamada modernização e os meios de comunicação de massa, tomando como referencial o Cururu: uma modalidade de cantoria de improviso da cultura tradicional paulista. Durante muito tempo, folcloristas têm argumentado que a modernização é fator de destruição da cultura popular tradicional - o folclore -, criando a expectativa da necessidade de adoção de políticas governamentais no sentido da sua preservação. O ensaio resgata o tema, mostrando que em muitos casos a continuidade dessas manifestações se dá pelas condições implícitas destas e não pela adoção de políticas preservacionistas. Traçando uma retrospectiva do cururu, de suas origens à atualidade, o ensaio mostra o processo dinâmico de sua preservação. Tem sido comum entre os folcloristas o vaticínio de que a modernização, principalmente a influência dos meios de comunicação de massa, implica a destruição da "cultura tradicional” - o folclore. De fato, temos assistido a um processo de desagregação de várias das nossas tradições culturais, porém, muitas dessas manifestações têm resistido ou se adaptado de forma dinâmica no processo da chamada modernização. Um exemplo ilustrativo é o caso do cururu - uma modalidade de cantoria de improviso da "região do Médio Tietê", no Estado de São Paulo - que é bastante praticado também na região de Cuiabá, no Mato Grosso, (2)
embora com forma diferente da sua atual ocorrência no interior paulista . 33
Verifica-se ainda em outras regiões onde se deu a "expansão paulista", (3)
segundo explica Antônio Cândido . Ocupo-me apenas do cururu em São Paulo, onde se pode verificar de forma clara as suas transformações através do tempo. O folclorista Hugo Pedro Carradore aponta várias cidades do interior do Estado paulista como principais centros cururueiros: Piracicaba, Ibitiruna, Salgado, Pirambóia, Botucatu, Laras, Maristela, Laranjal Paulista, Conchas, Pereiras, Sofete , Porangaba, Cesário Lange, Tatuí, Boituva, Alambari, ltapetininga e (4)
Sorocaba . O trabalho enfoca apenas aspectos que mostram a adaptabilidade dessa manifestação à vida contemporânea e estão baseados em pesquisas realizadas entre maio e junho de 1983, em cidades de forte tradição cururueira, como: Piracicaba, Sorocaba,Tatuí e Tietê. Da provável adaptação de danças cerimoniais indígenas, conforme (5)
aponta Mário de Andrade e reafirma Antônio Cândido , originando o cururu religioso, chegando ao atual cururu cantoria-de-improviso e o cururu-canção, dos discos de música sertaneja, há todo um processo de modificações e adaptações observáveis no confronto entre as diversas pesquisas sobre o assunto e a sua prática na atualidade.
Revendo algumas definições
Confrontando-se as conceituações de épocas diferentes, pode-se verificar as mutações ocorridas com o cururu: A. Maynard Araujo: "O cururu é uma dança de fundo religioso, geralmente realizada à noite, na qual são cantados desafios dentro de um certo cânone que se chama 'carreira' ou 'linha' e que é determinado pelo (6)
pedestre" . 34
L.C. Cascudo: "Dança, canto em desafios relacionados com as festas (7)
religiosas no pIano da louvação popular" . Antônio Cândido:
"Cururu é dança praticada pelos caboc1os de São (8)
Paulo, Goiás e Mato Grosso" . João Chiarini:
(9)
“Cururu é disputa, combate poético" .
Hélio Damante:
"Na verdade trata-se mais de um desafio entre
violeiros, de uma forma caipira de repentismo, do que propriamente de uma dança, pelo menos nas variantes que remanescem. Ocorre, porém, contar sempre com platéia atuante, a intervir com seus motes, a incentivar ou vaiar os cantadores, acompanhando-lhes o ritmo. Adquire assim um colorido de espetáculo e como espetáculo, inclusive com cartazes, é apresentada nos teatros e circos, nas festas cívicas e religiosas"
(10)
.
Das considerações expostas, a mais compatível com o cururu na atualidade, no Estado de São Paulo, é a de Hélio Damante, embora o desafio não seja necessariamente "entre violeiros". Os cururueiros hoje em dia dificilmente se acompanham à viola, apenas cantam, ficando a função de acompanhante a cargo de outros violeiros. A afirmação de que se trata de "desafio entre violeiros" se apropria mais aos repentistas de viola nordestinos,cada qual empunhando sua viola, embora a maioria dos cururueiros conheçam pelo menos os rudimentos dos toques de viola. Bastante oportuna é a observação de que o cururu adquiriu caráter de espetáculo, pois esse é um dos aspectos que prevalece atualmente. Tal transformação se deu em virtude do cururu passar a ser apresentado nos palcos de teatros, cinemas, rádios, praças públicas etc., exigindo que os cantadores permanecessem de frente para o público, na maioria das vezes imóveis diante de um microfone, para que todos pudessern ouvir com clareza. Observe-se que, assim como no cururu, muitos folguedos e danças passam a sofrer modificações estruturais 35
quando apresentados em palcos. O cururu, pelo visto, sempre conteve este caráter de espetáculo cantado, já que grande ênfase se dava à capacidade de improvisação do cantador. Com a apresentação dessa modalidade nos palcos, fora das festividades religiosas onde normalmente era apresentada, esta passou a ser sua tônica. Aí está, portanto, o aspecto principal da sua nova função: espetáculo artístico baseado na cantoria de improviso. Ressalte-se, no entanto, que o cururu não deixou de se fazer presente nas atuais festividades religiosas, porém não mais ligado à parte religiosa e sim ao aspecto profano festivo. Ainda, a questão da intervenção da platéia "com seus motes" apontada par H. Damante não se verifica atualmente, pelo menos de forma sistemática. Podemos sintetizar as transformações ocorridas com o cururu, conforme a seguinte sequência: 1) Danças cerimoniais indígenas; 2) reinterpretação das danças cerimoniais indígenas; 3) cururu-dança: dançando em roda, diante de altares, com temática predominantemente religiosa e com canto improvisado (desafio implícito). Comum no ambiente rural; 4) cururu cantoria-de-improviso: adaptado ao ambiente urbano como espetáculo, sem dança, com temática profana (desafio explícito); 5) cururu-canção: gênero de canção sertaneja, com permanência apenas do ritmo tradicional. As três últimas modalidades subsistiram ao mesmo tempo durante certo período e atualmente permanecem apenas as duas últimas formas, no Estado de São Paulo. Um exemplo bastante conhecido do cururu-canção é a música o Menino da Porteira, de Luizinho e Teddy Vieira, lançada inicialmente em 1955 e com diversas regravações posteriores, sendo atualmente um dos "clássicos da música sertaneja”. 36
O exemplo a seguir, de cururu cantoria-de-improviso, é do cantador SílvioPaes,deSorocaba: "CURURU”
(gravação em fita, 12/6/1983) "Eu quero cantar um verso Prá esse Alberto escutá Você veio lá de São Paulo É a nossa capitá Veio na casa desse Sílvio E veio me procurá É prá fazer uma entrevista Pra esse Si1vio Paes falá Do tempo que eu era mocinho Quando eu comecei cantá Tão eu tinha quatorze ano Eu cantava na frente do altá E ali eu cantava louvando Pra depois eu desafiá E eu contei tudo bem certinho Daquela data pra cá Hoje eu já tô com quase sessenta Aos setenta eu quero chegá Mas a gente vai ficando velho Começa a se arrecordá Daquele tempo que era mocinho Adivertia pra daná Cantava até de madrugada 37
E a gente não cobrava nada Do dono que ia chamá Hoje em dia o cururu Muito modificado ele está Porque o festero chega lá em casa E quando ele vão contratá Ele já tem que pagar dinheiro Pra ver a gente cantá Em outro tempo eu ganhava nada Eu só cantava é por brincá Hoje cobrar-se tem razão Porque no rádio e televisão Tarnbém cobram pa passá Quando a gente vai num rádio Você já sabendo tá E eles fazem a propaganda Comerciante é que vai pagá Por isso os cantadô Quando no rádio ele foi Também tenham que cobrar E aqueles festero antigo Que mandavam nóis chamá Ele tratavam do povo Todos que tavam lá Dava café e pão Não cobrava nem um tostão Nói também não podia cobrar Agora eu já cantei pro Roberto (Alberto) 38
Que ele pediu pra mim cantá Quero que você descurpe Se acaso bão não tá Você aqui na minha casa Hora que quiser chegar De São Paulo a Sorocaba Meu prazer nunca se acaba Quando você vir pra cá
Note-se, neste exemplo, que o cururueiro tomou a própria entrevista como temário do improviso e praticamente traçou um panorama da relação entre o cururu tradicional socializado e as modificações diante da sua transformação em espetáculo. Nas apresentações do improviso e desafio, normalmente, a contenda ocorre entre quatro cururueiros, sendo a ordem de apresentação decidida através de sorteio. Inicialmente os cantadores fazem saudações ao público presente, aos promotores do encontro, às autoridades, à cidade, etc., partindo daí para o "ataque aos adversários". Conforme explica Nhô Serra, de Piracicaba: "O povo qué mesmo é que quebre o pau!"
O desafio: cururu ou cana-verde?
Tomando-se as palavras de Luís da Câmara CASCUDO quando diz que desafio e "disputa poética, cantada, parte de improviso e parte decorada, entre cantadores"
(11)
, e também diversas das conceituações sobre
o cururu expostas anteriormente, onde se menciona a disputa poética, podemos considerá-lo como uma modalidade de desafio. 39
Há, no entanto, um aspecto importante a ser considerado: por diversas vezes, em entrevista com cururueiros, pude perceber que ao se referirem ao desafio estavam na verdade tratando da cana-verde (uma dança de roda) e não do cururu. Solicitados a fazer demonstração de desafio cantavam a cana-verde. A esse respeito Sílvio Paes, de Sorocaba, explica que canaverde é "desafio de cana-verde". "Na cana-verde um canta uma quadrinha e outro responde", e no cururu "um vai cantando inteiro quantos versos quisé e outro vai escutando, depois outro entra para responder". Ainda pode-se observar no disco CURURU -Nhô Serra e Pedro Chiquito.(ContinentalLP, 1976) que a única faixa em que se anuncia o desafio é a que corresponde à cana-verde. Vê-se, então, que os cantadores entendem o cururu como uma modalidade de cantoria de improviso, que pode ou não ter o desafio. Talvez isso se dê pelo fato de o cururueiro cantar livremente quantos versos queira ou enquanto a platéia demonstrar interesse em sua cantoria; somente depois ocorrendo a resposta.
Quanto à relação do desafio com a cana-verde, ou caninha-verde comum em diversas regiões do Brasil -, o estranhável é que esta dança de roda nem sempre ocorre, mesmo na região cururueira, com versos improvisados, assim como não ocorre necessariamente o desafio entre cantadores. Na maioria das vezes em que se realiza a dança, lança-se mão de versos tradicionais, embora seja do gosto dos caboclos a improvisação. A cana-verde se inicia geralmente com um refrão tradicional, que se intercala a cada intervenção do cantador.
40
Cana-Verde
(desafio entre Nhô Serra e Pedro Chiquito - LP Continental 1976) Ai, Moreninha (Refrão) Moreninha meu amor Refrão Nas ondas dos teus cabelo
(bis)
Corre água e nasce flor Pedro Chiquito: A viola tá tocando Vai tocá Pedro Chiquito Pra você ficá sabendo Pras coisa ficá bonito Adonde o menino chega Eu faço sentá mosquito (Refrão) Nhô Serra: Eagoraeuvoucantá Com o negrão Pedro Chiquito Ai! Meu Deus! Que negro feio Ele pensa que é bonito Negro feio e muito feio Parece chouriço preto (Refrão) Pedro Chiquito: Pra cantar o desafio 41
Eununcativereceio omeuamigoNhôSerra Eunãoseidadondeveio onegrãoénegrãoenxuto Evocêégordosónomeio (Refrão) Nhô Serra: Mechamôeudefeio Tudosimmasissonão. Ai!MeuDeus!Fiqueicomraiva Ói!quepretosemação VenhaaquiPedroChiquito Vôchamásuaatenção. VôavisáPedroChiquito Seessepretofôbonito Não existe sombração (Refrão) (continua) Os versos normalmente são em redondilha maior, sendo que na dança secantamquadras,diferentementedassextilhasdoexemploanterior. Assim, apesar dos depoimentos dos cururueiros, não se pode generalizar a conc1usão de que a cana-verde é uma modalidade de desafio cantado, porquanto o que prevalece ainda é a dança em forma de roda, podendo ou não ocorrer a cantoria-de-improviso. Quanto ao cururu, sim, é atualmente uma modalidade em que o "desafio" tem prevalecido, centrado nacapacidadeimprovisativadoscantadores. 42
ORitmoeaMelodianoCururu
Tanto o cururu cantoria-de-improviso quanto o cururu-canção apresentam na melodia células rítmicas simples, predominantemente à base de colcheias: podendo ocorrer variantes com semínimas ou semicolcheias e colcheias: ; ; ou até mesmo a tradicional célula rítmica: adaptadas às necessidades prosódicas do texto cantado. Os motivos rítmicos sincopados, como do último exemplo, são mais raros, predominando mesmo um certo quadradismorítmico. Na cantoria-de-improviso há uma tendência mais discursiva e livre na melodia, porém possível de enquadramento dentro das fórmulas já descritas. A condução melódica geralmente segue padrões tonais tradicionais da chamada música caipira, embora cada cururueiro utilize-se demelodiasprópriasedesuapreferência. No cururu-canção o acompanhamento rítmico instrumental se faz comumente com a fórmula ou enquanto na cantoria improvisada, em função da linha melódica mais discursiva, ocorrem tambémacompanhamentoscomo ; . No improviso, a viola costuma realizar acompanhamento em forma de solo ou simplesmente o acompanhamento rítmico-harmônico. É interessante perceber que o acompanhamento rítmico aparece também em outras modalidades da música rural paulista, entre as quais o cateretêeatoada,sendopraticamenteomesmodobaiãonordestino. Espetáculos de Palco - Gravações em Disco - As Rádios
O escritor regionalista e folclorista Cornélio Pires (1884-1958) foi quem promoveu as primeiras apresentações de cantos e danças folclóricas paulistas como espetáculo de palco, desencadeando o processo de 43
incorporação da música caipira na indústria do disco e da comunicação. Em 1910, apresentou-se no Colégio Mackenzie de São Paulo, "num festival, juntamente com uma dupla de violeiros, em exibição de danças, mutirão, velório, etc."
(12)
. Em 1928, "traz para São Paulo mais dois
violeiros de talento, Caçula e Mariano, além de outros artistas. Com eles, dá representações interessantes, baseadas em motivos folclóricos, como o (13)
cateretê, cururu, fandango, etc.” , representações estas que se estenderam a diversas cidades interioranas. Em 1929, formou a Turma Caipira (14)
Cornélio Pires
e praticamente passou a viver como contador de "causos"
sobre a vida rural paulista, inclusive gravando e vendendo discos. Explica J.R. Tinhorão que "as primeiras duplas caipiras de São Paulo a gravarem suas composições em discos foram trazidas do interior, ainda com caráter (15)
de amadores, pelo entusiasta da vida rural Cornélio Pires" , isso em 1929. Sobre a incorporação da música rural pela indústria discográfica, Souza Martins diz que "o cururu, aliás, constituiu uma boa indicação pelas grandes transformações e sofreu quando deixou de ser cururu rural, isto é, dança e canto religiosos, para adaptar-se ao rádio e ao disco. Inicialmente foi apresentado em discos 78 rpm como cântico, sem o desafio secularizado que hoje caracteriza, surgindo daí uma modalidade de música sertaneja totalmente oposta ao cururu de origem, porque destituída dos (16)
seus aspectos formais característicos" . Na verdade, a transformação do cururu se deu não somente em função da sua incorporação à indústria discográfica, (mas, antes, quando teve de se adaptar às apresentações em palcos, como espetáculo. Transportado para o ambiente citadino, houve, inclusive, modificações em sua temática predominantemente religiosa do ambiente rural. Evidentemente, os poucos aspectos das atividades de Cornélio Pires, apontados anteriormente, como promotor de "shows folc1óricos", servem 44
apenas para balizamento de alguns momentos significativos, porquanto suas atividades nesta área foram constantes a partir de 1910, tanto na Capita Capitall quanto quanto no Interi Interior or.. Diante da transformação do cururu em espetáculo artístico, também as rádios, sobretudo do interior, incorporaram em suas programações a presença dos cururueiros, pela década de 40. Segundo H. P. Carradore, "as primeiras festanças cururueiras eram realizadas na Rádio Difusora de Pira Piraci cica caba ba,, em 1939 939"
(17)
. O prog progrrama ama se man mantev teve no ar por por dive divers rsos os
anos anos e
deix deixou ou de ser ser real realiz izad ado o por por prob proble lema mass trab trabal alhi hist stas as de regi regist stro ro dos dos curu cururu ruei eiro ross como como empr empreg egad ado os da rád rádio, io, pela pela regu regula lari rida dad de de apresentações nos programas. Assim, também na cidade de Sorocaba existiu existiu programa programa dedicado exclusivamente exclusivamente ao cururu, cururu, sob o comando comando do cururueiro Nhô Serra. Na época desta pesquisa – maio e junho de 1983 existiam programas de cururu em rádios das cidades de Itu, Tatuí e Porto Feliz. Toda oda essa essa valo valori riza zaçã ção o dos dos cant cantad ador ores, es, natu natura ralm lmen ente, te, conc concor orre reu u para para a profissionalização, ou pelo menos a semiprofissionalização destes. Já em 1947, J. Chiarini referia-se ao fato dizendo que "não ganham muito os cant cantur uriõ iões es.. Rece Recebe bem m bem bem pouc pouco. o. As desp despes esas as de viag viagem em,, esta estada da e comunicaçõ comunicações es pagas pagas pelos patrocinado patrocinadores" res"
(18)
. Este Este quadro quadro parece parece não não ser ser
muito diferente na atualidade, pois, apesar de receberem pagamento pelas apre apresen senta taçõ ções es,, a maio maiori riaa dos dos curu cururu rueir eiros os tem prof profiss issõe õess outr outras. as. As cantorias ocorrem normalmente nos fins de semana ou à noite, não os impedi impedindo ndo de exerce exercerem rem suas suas profis profissõe sõess normai normais. s. A forte conotação artística, uma espécie de show
business
caipira,
assu assumi mida da pelo peloss curu cururu ruei eiro ross na atua atuali lida dade de,, pode pode ser ser veri verifi fica cada da nas nas atividades de um dos seus lideres: Nhô Serra, de Piracicaba, que, além de apre apresen senta tado dorr de prog progra rama mass radi radiof ofôn ônic icos os - que que lhe lhe dão dão natu natura ralm lmen ente te lide lidera ranç nçaa entr entree os curu cururu ruei eiro ross -, é uma uma espé espéci ciee de empr empresá esári rio o do seto setorr. Tem 45
introduzida pelos jesuítas nas suas festas religiosas fora (e talvez dentro) dotemplo”.AntônioCândidoexplicaque“ocururusignifica,nasuaforma primitiva, uma reinterpretação e parcialmente reconstrução de danças cerimoniaistupi”,cf.PossíveisRaízes...p.400. (6) A1 A1ceu Ma M aynard Ar Araujo, Folclore l I, 2º ed. S. S . Pa P aulo, Folclore Nacional, vol. lI 1973,p.77. Brasileiro. Vol. (7) Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro. II.RiodeJaneiro,1969,p.525.
(8) (8) An Antô tônnio Cân ânddido, ido, op op.. cit. cit. p. 385 85.. Na co conntrac tracap apaa do LP Continental: Cururu Cururu - Nhô Serra e Pedro Pedro Chiquito, Chiquito, 1976, o autor explica: “À medida que o processo de urbanização se desenrolou, o elemento religioso cedeu lugar ao elemento profano, os traços coletivos, como a danç da nça, a, cede cedera ram m luga lugarr à ex exib ibiç ição ão pe pess ssoa oal, l, os tema temass reli religi gios osos os en ensi sina nado doss no catecismo catecismo foram substituíd substituídos... os...”” (9) João Chiarini, Cururu in Revista do Arquivo Municipal (juIhoagosto-setembro,1947)p.85. (10) Hé Hélio Da Damante, Folclore Paulo - Rio de Ja Janeiro, Folclore Brasileiro: Brasileiro: São Pa 1980,p.30. (11)L.C.Cascudo,op.cit.,p.525. (12) Ma Macedo Da Dantas, Corn Paulo, 19 1976, p. p. 34 344. Cornél élio io Pir Pires: es: Cria Criaçã ção o e Riso Riso.. S. Pa (13) idem, p. 34 349. (14) idem, p. 35 350. (15) José Ramos Tinhorão, Pequena História da Música Popular. Popular. Petrópolis Petrópolis,, 1974 1974,, p.196. p.196. 46
vários discos gravados com outros cantadores e mantém uma empresa de promoções artísticas, em cujo cartão de apresentação se lê: "Nhô Serra Promoções S/C Ltda. - Folclore Regional - Conjunto de Repentista e Sho Shows Radio adiofô fôni nico cos" s".. A agen agenda da do grup rupo de Nhô Nhô Ser Serra entr entree fins fins de maio maio e iníc início io de julh julho o (198 (1983) 3) prev previa ia deze dezesse sseis is apre aprese sent ntaç açõe õess em dive divers rsas as cidades da região, inclusive na cidade de Carmópolis, no Paraná, o que mostr mostra: a: a gran grande de acei aceita taçã ção o do gêne gênero ro no inte interi rior or.. Natu Natura ralm lmen ente te,, trat tratav avaa-se se de um perí períod odo o de muit muitas as fest festiv ivid idad ades es - cicl ciclo o juni junino no -, send sendo o que que em em outr outras as époc épocas as as apre aprese sent ntaç açõe õess são são em meno menorr núme número ro.. Poré Porém, m, na cida cidade de de Tatuí atuí,, (19)
em pelo pelo menos menos dois dois bares , se fazem fazem apresent apresentações ações de cururuei cururueiros ros todos todos os fins de semana, e de um deles se transmite um programa pela Rádio Notícias de Tatuí. O pote potenc ncia iall dos dos curu cururu rueir eiros os como como comu comuni nica cado dore ress popu popular lares es se verifica também nas épocas das campanhas eleitorais para os cobiçados car cargos gos públ públic icos os,, pois pois os polít polític icos os sempr sempree se serv servem em dest destes es em suas suas campanhas. Nhô Serra lembra que, em Piracicaba, o primeiro candidato a cont contra rata tarr curu cururu ruei eiro ross para para a camp campan anha ha foi foi o ex-p ex-pre refe feito ito Luiz Luiz Gonz Gonzag aga, a, isto isto por volta de 1948. Serra relembra alguns versos que cantou mais recent recenteme emente nte para para um outro outro candid candidato ato a prefei prefeito: to: “ Povo Povo de Pira Piraci cica caba ba Deve Deve ter record recordaçã ação o Ano Ano de quar quaren enta ta e oito oito Que Que o quin quinze ze foi foi camp campeã eão o (20) (20) João João Guid Guidot otee que que levo levou u Pra primeira-d primeira-divisão ivisão João João Guid Guidot otee levo levou u o quin quinze ze Dia Dia quin quinze ze vote vote em João João"" Assim, transformadas ou não, percebe-se que tanto o cururu quanto outras inúmeras manifestações folclóricas permanecem recicladas, já que 47
contêm implicitamente algumas funções sociais que possibilitam tal continuidade. Notas
(1) Este ensaio foi originalmente apresentado como trabalho de aproveitamento na disciplina de pós-graduação Aspectos Políticos da Literatura de Cordel em São Paulo, ministrada pelo Prof. Dr. Joseph M. Luyten, ECA-USP, no 1º semestre de 1983. Apesar de passados sete anos da pesquisa de campo, o quadro geral dessa modalidade musical no interior paulista não sofreu maiores modificações, daí a razão da presente publicação. Houve, inclusive, uma defesa da tese sobre o assunto, na ECA-USP: Eduardo A. Escalante, A Música no Cururu do Médio Tietê Paulista. Dissertação de Mestrado em Artes, ECA-USP, 1986. (2) Em 1976, presenciei o cururu em bairros de Cuiabá - Mato Grosso, sempre dançado em roda. Participavam em média 10 cururueiros, todos portando violas de cocho ou "ganzás" (reco-reco). Sobre a viola de cocho ver Julieta de Andrade, Cocho matogrossense: um alaúde brasileiro, S. Paulo, 1981. (3) Antônio Cândido, Possíveis Raízes Indígenas de uma Dança Popular in E. Schaden (org.) - Leituras de Etnologia Brasileira, S. Paulo, 1976, p. 404. (4) Hugo Pedro Carradore, Retrato das Tradições Piracicabanas, Piracicaba, 1978, p.52. (5) Mário de Andrade escreveu, na Pequena História da Música: “não hesito em afirmar ser o cururu uma primitiva dança ameríndia, 48
(16) José de Souza Martins, Capitalismo e Tradicionalismo. S. Paulo, 1975, p. 123.
(17) H. P. Carradore, op. cit., p. 54.
(18) J. Chiarini, op. cit., p. 104/105.
(19) Bar “Baila Comigo”, Av. Pompeu Reale, 510, Bairro do Morro Grande e Bar “Véio Mauá”,Av. Salles Gomes, 325, Bairro da Estação.
(20) Referência à equipe de futebol XV de Novembro, de Piracicaba.
IKEDA, A. T. - Cururu: resistence and adaptation. ARTEunesp; São Paulo, 6: 47-59,1990.
ABSTRACT: A focus about the popular culture before the modernization and the mass-comunication, above reference to the Cururu: one modality of improvisation song, from paulista tradicional culture. During manv years the folklorists, had been discussing that modernization is destructing the popular traditional culture - the folklore -, and creating expectation about the necessity of governnamental politics for its preservation. The article accost the topic and shows that many cases the continuation of these “manifestations” occurs for the proper condition and not adopting a politics of preservation.
KEY-WORDS: Folklore;folk song; modernization; impromptu song; cultural politic.
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Discografia
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Entrevistas
Airton Pires, Tatuí; Luiz Gonzaga Hercoton, Rádio Difusora de Piracicaba; Marcus Aparecido da Silva, Rádio Notícias de Tatuí; Moisés Alexandre dos Santos, Rádio Cacique de Sorocaba; Nhô Serra. (Sebastião da Silva Bueno), Piracicaba; Sílvio Paes (Severiano Paes), Sorocaba; Cururueiros da cidade de Tatuí: Roque de Paula, Gumercindo Soares Saraiva Filho, Garotão da Vila, Lázaro Rodrigues de Paula e o violeiro Dito Miranda.
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* “Cururu: resistência e adaptação de uma modalidade musical da cultura tradicional paulista”, original em: ARTEunesp,v.6,1990,pp.47-59.
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Um pouco de história e conceitos Na primeira edição do Prêmio Cultura Viva, a categoria Manifestação Tradicional recebeu inscrições de projetos voltados para duas grandes vertentes temáticas: as culturas indígenas e, em maioria significativa, as culturas populares tradicionais. Trata-se de uma classificação bastante abrangente, e coube, inclusive, entre as semifinalistas, uma iniciativa relacionada mais comumente ao campo do patrimônio arquitetônico-histórico, sobre ofícios de cantaria (arte de expressão em pedra). De fato, nos últimos anos, no escopo das denominadas manifestações tradicionais, em meio a tantas iniciativas de interesse e fomento que vêm ocorrendo no Brasil, observa-se o predomínio de projetos relacionados às culturas populares tradicionais , tema que será tratado neste texto. Essas manifestações são identificadas também como cultura popular, cultura tradicional, cultura popular de tradição oral, cultura de raiz, tradições populares, conhecimentos tradicionais, e ainda folclore, que é termo mais consagrado historicamente, desde meados do século XIX, mas que tem 1
sido evitado nos últimos tempos por seu desgaste semântico . Por sua vez, mais recentemente esses mesmos fatos culturais passaram a ser categorizados também como patrimônio imaterial . 1
Um dos motivos dessa deterioração foi a maneira como os fatos culturais populares tradicionais foram concebidos, estudados e divulgados por muitos folcloristas: de modo desvinculado dos seus contextos sociais. Isso deu às pessoas a sensação negativa de que se tratava de fatos exóticos e ultrapassados,fora do tempo, de irrealidades, excentricidades, rusticidades ou expressões curiosas e anedóticas relacionadas a pessoas incultas ou excêntricas, que eram, no entanto, exaltadas de modo idealizado, à distância diga-se, dentro de uma visão nacionalista conservadora, na qual se dirigia a atenção “ao povo” apenas como alegoria da nacionalidade.
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As inúmeras denominações são tentativas de se conferir a essa ordem de expressões alguma característica ou distinção, buscando singularizálas, diferenciando-as de outras, como por exemplo a cultura de massa, a cultura urbana, a cultura “erudita” e a cultura indígena. Porém, a tarefa não é simples, pois os conhecimentos abarcados nas culturas populares tradicionais são muito diversificados, além do que comumente uma mesma modalidade pode ter diferenças na forma, função e até nos significados – em regiões e/ou grupos distintos. No Brasil, essas expressões culturais tradicionais ganharam maior visibilidade diante de umcertomodismoquesurgiusobretudoapartirdadécadade1990. Entretanto, é importante lembrar que a atenção para esse conjunto de saberes tem um lastro já histórico, vindo, de modo mais evidente, pelo menos desde o século XIX, em alguns países da Europa. Desde então, as anteriormente denominadas “antiguidades populares” ou “literatura popular” passaram a ser objeto de reconhecimento. Embora o hábito de coletar costumes populares ocorresse desde épocas bem anteriores, o movimento teve maior impulso, de forma mais programática, a partir de meados do século XIX, com a proposta de criação do próprio termo: folk2 lore, na Inglaterra, em 1846 , identificado como “o saber tradicional do povo” ou a “sabedoria popular ”. O autor da proposição, William John Thoms, solicitava na ocasião apoio para a realização de levantamento sobre “usos, costumes, cerimônias, crenças, romances, rifões, 3 superstições etc., dos tempos antigos” , que estavam, então, “inteiramente perdidos” esepreocupavacomoquanto “se poderia ainda 4 salvar...”,diantedamodernização. 2
Para mais detalhes,ver: RenatoORTIZ. Cultura Popular: românticos e folcloristas. SãoPaulo:Programa deEstudosPós-GraduadosemCiênciasSociais/PUC-SP,1985. 3 Conf.LauraDELLAMÔNICA,Manualdefolclore.SãoPaulo:AVB,1976,p.15. 4 É interessante perceber que tanto do ponto de vista conceitual, quanto em relação aos modos de salvaguarda desses saberes, o que se propõe atualmente, em muitos aspectos, são preocupações bem próximas a essas, desta vez, talvez, em oposição aos desdobramentos da globalização e das tecnologias, e em sintonia, em certa medida, com as questões ambientais, uma vez que as culturas tradicionais são entendidas como mais próximas danatureza (o acústico,o artesanaletc.).
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Ao longo da história são muitas as tentativas de se definir a cultura popular tradicional, sobretudo, por folcloristas. Porém, trata-se de tarefa complexa, com resultados que sempre apresentam um ou outro senão, por envolverem saberes e fazeres tão variados. Aqui, apenas para efeito de um balizamento conceitual básico, podemos recuperar dois textos mais recentes que têm grande consagração por serem emitidos por um organismo de alcance e reconhecimento mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, que tem sido uma referência importante para os países do ponto de vista das reflexões sobre a cultura. Em um documento de 1989, define-se: A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressadas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.
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Mais recentemente, em 2003, a Unesco estabeleceu um outro conceito relacionado ao anterior, o de patrimônio imaterial , definido como: (...) os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhe são inerentes – que as comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio 6
cultural.” 5
Conf. “Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular” – tradução do autor, o sítio: http://www.unesco.org/culture/laws/paris/html_sp/page1.shtml, em 17/5/2006. 6 Traduzido da “Convención para la salvaguardia del patrimonio cultural inmaterial”, UNESCO, Paris, 17 de outubre de 2003 sítio: htto://www.unesco.org/culture/ich_convention/índex.php?pg=000228&PHPSESSID=ebb128633fa78faep3d f3b29761829c5,de 19/8/2006.
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Note-se que também é um conceito bastante “aberto”, podendo ser aplicado a tantos fatos culturais, de diversos tipos de sociedades, mas que na prática, entre nós, tem sido relacionado predominantemente aos saberes das culturas populares e tradicionais. Na primeira definição destacam-se idéias como: conjunto de criações (vários fatos), emanação comunitária, embasamento na tradição, expressão de grupo ou individual, reconhecimento comunitário , expressão de identidade e transmissão oral, incluindo-se vários exemplos de fatos que são abarcados na definição, aos quais se podem acrescentar muitos mais. No segundo, ressaltam-se os aspectos intangíveis da cultura, além dos seus correspondentes resultados materiais e os espaços físicos nos quais ocorrem. São de fato peculiaridades que costumam ser destacadas quando se procura identificar as manifestações da cultura popular tradicional.
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Uma onda etnicista
O atual movimento de interesse pelos saberes tradicionais transparece em diversos campos, sobretudo nas expressões identificadas como artes (música, teatro, dança, artes plásticas), mas também na educação, nas ciências sociais e em outras áreas; aparecendo até na gastronomia e na moda, nas roupas e cabelos (look étnico), nas quais as referências às culturas tradicionais se fazem presentes. Assim, vivemos uma “onda” – uma época de fascinação etnicista, podemos dizer – que inclui o interesse 7
Sobreas peculiaridadesdos “fatos folclóricos” ver:Américo PELLEGRINIFILHO, “Conceitos Brasileiros de Folclore”. In Antologia de Folclore Brasileiro (org. Américo PELLEGRINI FILHO). São Paulo: Edart/Univ. Federal da Paraíba/Univ. Federal do Pará, 1982, PP. 11-33, e Rita Laura Segato de CARVALHO, “A antropologia e a crise taxonômica da cultura popular”, In: Seminário Folclore e Cultura Popular: as várias fases de um debate, Riode Janeiro: INF/IBAC/Minc, 1992, PP. 13-21.
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pelas culturas de povos diversos, genericamente identificados como étnicos, e também pelas culturas populares tradicionais. Tal envolvimento atinge sobretudo jovens e pessoas de formação mais 8.
intelectualizada (estudantes universitários e de grau médio e intelectuais)
Pode-se, inclusive, encontrar em várias cidades do Brasil conjuntos artísticos de “projeção folclórica” de música e/ou danças/folguedos compostos de estudantes, da mesma forma como grande quantidade de jovens (comumente identificados como “universitários”) participam dos próprios grupos tradicionais. No primeiro caso, podemos mencionar a existência de maracatus, ou pelo menos de “bandas” de percussão de maracatu em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Campinas e Florianópolis. No que se refere à musica, por exemplo, nunca se viu tão grande quantidade de CDs e vídeo-documentários de música/cultura tradicional como lançados nesses últimos anos, por instituições de diversos tipos (departamentos e secretarias governamentais, ONGs, fundações e associações culturais), conforme se percebe até em algumas lojas mais especializadas “em som”, nas quais se encontram músicas de várias partes do mundo e do Brasil, nas sessões denominadas: world music, música étnica, música do mundo ou música internacional. Outra vertente reveladora do interesse contemporâneo em torno das 9
“sonoridades tribais” ou música “de mundos esquecidos” pode ser vista nas programações de algumas emissoras de televisão, sobretudo educativas ou a cabo (que começaram a proliferar no Brasil principalmente
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Inclusive, na vida acadêmica, pode-se notar o desdobramento de especializações relacionadas ao campo da antropologia, como etnocenologia, etnopoesia, etnobotânica, etnomedicina, etnomatemática e outras tantas. 9 Conf. Título do CD duplo: Vozes de Mundos Esquecidos: música tradicional dos povos indígenas, compilado e editado por Larry Blumendeld, pelas Ellipsis Arts..., Roslyn-New York, 1993, produzido “em colaboração como Centro para os Direitos Humanos das Nações Unidas”.
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a partir de meados da década de 1990), que exibem documentários 10
enfocando a cultura de povos diversos, muitas vezes na forma de viagens de aventura, retratando aspectos culturais, curiosos e exóticos (festas, danças e músicas) de diversas regiões do mundo, incluindo a natureza e a 11
vida animal, ao mesmo tempo em que se avolumam as programações de 12
espetáculos de grupos de “cultura popular” em instituições culturais. Um outro exemplo singular do modismo etnicista em diversos setores é o bufê infantil Casa Tupiniquim: festas e afins (especializada em organizar festas), inaugurada em outubro de 2000 no bairro paulistano de Vila Madalena, que se promove como um “Centro Cultural Infantil ”, voltado para “resgatar a cultura brasileira”. Ali, nas festas infantis, Mickey 10
No que toca às televisões educativas, podemos mencionar como exemplo a série de vídeo-documentários: Bahia, singular e plural, plural, produzida a partir de 1998 pelo Instituto de Radiodifusão da Bahia (IRDEB), uma fundação da Secretaria da Educação do Estado, que se fez acompanhar de uma série de CDs. Os vídeos foram veiculados pela TV Educativa da Bahia e outras como a TV Cultura de São Paulo e a TV Senado. Em 2002, os vídeos já contavam 14 títulos e continuavam sendo produzidos. Mas, a rigor, a divulgação de documentários etno-cultural-musicais extrapola as televisões educativas. Também verificou-se em alguns casos um interesse mais comercial por essa vertente musical, como foi o caso de uma série de quinze programas (documentários de 30 minutos), denominada “Música do Brasil”, veiculada, sintomaticamente, pela MTV (MusicTelevision)brasileira, semanalmente, a partir de abril de 2000, apresentando um amplo mapeamento das práticas musicais no Brasil, notadamente as tradicionais. Como se sabe, a MTV sempre se voltou mais para o público jovem, dedicando-se principalmente à música pop-rock. O documentário foi produzido por iniciativa de umaempresa privada ligadaao setor de comunicações. 11
Uma dessas emissoras é a National Geographic Channel que se anuncia: “Descobrindo o Mundo”. Por sua vez, alguns programas revelam já no título a preocupação ambientalista e de aventura, relacionada muitas vezes aos chamados esportes “radicais” (rapel, rafting etc.), como: Repórter Eco, Tribos e Trilhas e Expedições, veiculadas na TV Cultura de São Paulo; Visões do Mundo, da TV SESC-SENAC e outros voltados para esportes, relacionados com a natureza. 12
Bom exemplo sãoas programaçõesrealizadasnos SESCs (Serviço Socialdo Comércio), em todo o Brasil, e até mesmo em algumas casas noturnas “alternativas”. Tanto se apresentam artistas que criam suas próprias composições com base nas referências tradicionais, quanto são programados os próprios grupos tradicionais, muitas vezes em um mesmo espetáculo, em um tipo de junção que não se concebia em outras épocas, conforme se viu na Programação “Balaio Brasil”, organizada pelo SESC São Paulo em novembro de 2000, quando “cerca de 150 atrações divididas entre Teatro, Dança, Música, Literatura e Artes Visuais” foram apresentadas em diversas unidades, “desde produções emergentes até nomes já consagrados, de artistas populares aos mais contemporâneos”. A programação inclui desde a cultura indígena, passando pelo folclore, até a “vanguarda”, e havia no projeto editorial preocupação com a “recriação da tradiçã cultural local em relação aos valores universais...”(conf. Programação “Balaio Brasil”, SESC – São Paulo, 2000). Na capital paulista, um outro espaço “alternativo, de apresentação de danças tradicionais, são algumas festas anuais (três no decorrer do ano) realizadas por integrantes de um grupo de projeção de danças/músicas maranhenses denominado Cupuaçu, que apresenta o auto do bumba-meu-boi e outras danças em uma praça de um bairro conhecido como Morro do Querosene, na zona Oeste da cidade. Para o local, nos dias das festas, acorrem sempre milhares de jovens, que permanecem, muitos, por toda a noite assistindo às apresentações do Cupuaçu e de outros grupos de danças e folguedos tradicionais existentesna cidade.
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Mouse e outros personagens da mídia de massa “não entram”. O trabalho de entretenimento das festas é feito com lendas (Saci, Iara e outras), músicas, jogos/brincadeiras, danças e também com comidas “brasileiras”. Por fim, além de tantas outras, a dinâmica do interesse voltado para as culturas tradicionais pode ser aferida na criação, em São Paulo, do Fórum Permanente de Cultura Popular Tradicional (FPCP), em agosto de 2002, que com o tempo passou a reunir expressivo número de interessados em todo o Brasil, inclusive de grupos organizados que realizam algum tipo de trabalho voltado para ou com culturas populares. Nota-se que o Fórum direcionou muito as preocupações para discutir e buscar meios de interferir politicamente (nas esferas federal, estadual e municipal) com propostas de legalização de leis de “incentivo” à cultura popular. Seus integrantes criaram, inclusive, uma rede de comunicações via internet na qual anunciam e trocam informações sobre eventos relacionados ao tema.
Fomento e salvaguarda
Muitas são as propostas e ações de fomento, registro e acautelamento das culturas tradicionais, conforme se verifica nas inúmeras iniciativas descritas que estão corroboradas nos próprios documentos conceituais da 13
Unesco, cujo objetivo principal é a “salvaguarda” destas.
No Brasil, historicamente, desde um estudo pioneiro de “folclore” (de literatura oral) do escritor sergipano Sílvio Romero (1851-1914), com o livro Cantos Populares do Brasil , publicado em 1883, reunindo contos, cantos e poesias populares, várias foram as iniciativas de reconhecimento da importância das culturas populares tradicionais, sobretudo como 13
Os documentos são, respectivamente: Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (1989) e Convençãoparaa Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003).
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indicadorasdabrasilidade. Oficialmente, diversos foram os atos para documentar, estudar e fomentar os saberes das culturas tradicionais como citar esparsamente, alguns exemplos: a Missão de Pesquisas Folclóricas , iniciativa de Mário de Andrade em 1938, no então Departamento de Cultura do Município de São Paulo, que fez extenso registro (gravações, fotos, registro descritivo) de manifestações populares no Norte e Nordeste do Brasil; a criação da Comissão Nacional de Folclore (CNFL) em 1947, organizada no Ministério das Relações Exteriores, como representante do Brasil na Unesco, e a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro em 1958 (atualmente Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, do Ministério da Cultura), com os seguintes objetivos: promover registro, pesquisas e levantamento, cursos de formação e de especialização, exposições, publicações, festivais; proteger o patrimônio folclórico, as artes e os folguedos populares; organizar museus, bibliotecas, filmotecas, fonotecas e centros de documentação; manter intercâmbio com entidades congêneres; divulgar o folclore no Brasil .
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Em 1965, instituiu-se a data de 22 de agosto como o Dia do Folclore, no âmbito do Governo Federal, por meio de decreto no qual se expunha: O Governo deseja assegurar a mais ampla proteção às manifestações da criação popular não só estimulando sua investigação e estudo, como ainda defendendo a sobrevivência dos seus folguedos e artes, como elo valioso da continuidade tradicional 15
brasileira....
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Para ver detalhes do histórico dos estudos e fomento do folclore, ver: Laura DELLA MÔNICA, Manual do Folclore, São Paulo: AVB, 1976, p.23 e Luís Rodolfo VILHENA, Projeto e Missão: o movimento folclórico eJaneiro:Funarte/GetúlioVargas,1997. brasileiro,1947-1964,Riod 15
Conf. Laura DELLA MÔNICA, 1976, P.20. Em São Paulo existe também o Decreto n. 48.310, de 1967, instituindo o Mêsdo Folclore (agosto), “Considerando que o Poder Público não deve ficar indiferente à difusão e à defesa do folclore, pelo que ele representa como espelho da alma popular, e amálgama de conhecimentos e práticas que contribuem inclusive para fortalecer os laços da comunidade, da Nação e da fraternidade humana,...” e “visando divulgar, estudar e pesquisar os fatos da cultura popular brasileira, e despertar o interesse, especialmentedos jovens para a ciência do Folclore;...”(In:LauraDELLAMÔNICA,p.21)
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Da legislação mais recente podemos destacar a própria Constituição Brasileira, de 1988, que prevê no seu Art. 215, Parágrafo 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. No Art. 216, no que interessa para o presente enfoque, se lê: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver;... E no Parágrafo 1º: O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. No desdobramento do que preconizam a Constituição Brasileira e as decisões da Unesco, já mencionadas, no ano de 2000 foi oficializado o Decreto n. 3.551 (Federal), de 4 de agosto, que Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio (Imaterial..., no qual se prevê o registro nos seguintes livros: I – Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; II – Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; III – Livro de Registros das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; IV – Livro de Registro de Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, 63
praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. ... No sítio do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, do IphanMinC, nas suas diretrizes, propõe-se, entre outros aspectos: Promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida de produtores e detentores do patrimônio cultural imaterial, e além disso Ampliar a participação dos grupos que produzem, transmitem e atualizam manifestações culturais de natureza imaterial nos projetos de preservação e valorização desse patrimônio , o que revela preocupações não somente com os fatos culturais em si, como sempre se fez historicamente, e ainda predomina na maioria das propostas contemporâneas de fomento às culturas tradicionais. Nota-se, então, a preocupação com a valorização dos 16
próprios detentores desses saberes , fato esse que se confirma também em outro sítio (dos Planos de Salvaguarda), no qual se busca atuar no sentido da melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência, que podem ir desde a ajuda financeira a detentores de saberes específicos com vistas à sua transmissão, até, por exemplo, a organização comunitária ou a 17
facilitação de acesso a matérias-primas . Da mesma forma, multiplicaram-se no Ministério da Cultura outras iniciativas no tocante às culturas populares, entre as quais: os Pontos de Cultura, de repasse de recursos em dinheiro e de ações do Programa Cultura Viva (MinC), que no primeiro Edital, de 2004, selecionou aproximadamente 260 projetos, dos quais muitos voltados para as culturas populares tradicionais; o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para 16
Conf. http://www.iphan.gov.br/bens/P.%20Imaterial/imaterial.htm , em 16/4/2005.
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http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12553&retorno=paginaIphan, em 26/6/2006.
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as Culturas Populares, em fevereiro de 2005 (precedido de seminários em vários Estados), o Edital de Concurso Público n. 2, de 31 de agosto de 2005, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID)/Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, para Fomento às Expressões das Culturas Populares, que teve em torno de 630 inscrições e 18
selecionou 46 projetos de todo o País ; o Prêmio Cultura Viva, em 2006; o Edital de Divulgação n. 001/2006, de Mapeamento e Documentação do 19
Patrimônio Cultural Imaterial, do Iphan-MinC , e , em setembro de 2006, o II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares e o I Encontro Sul-Americano de Culturas Populares. Além das iniciativas de âmbito federal, existem aquelas de governos estaduais e municipais, e, ainda de associações da sociedade civil, que de uma forma ou outra, estão voltadas para o fomento e salvaguarda das tradições culturais. Em São Paulo, instituiu-se, em 2001, o Dia da Cultura Caipira (5 de agosto) e, em 2004, o Dia do Saci (31 de outubro), no âmbito estadual. Na cidade de Botucatu, organiza-se o Festival Nacional do Saci (onde surgiu a Associação Nacional dos Criadores de Saci); além disso o Governo do Estado oficializou em 2006 editais de Concurso de Apoio a Projetos de Promoção da Continuidade da Cultura Caipira, Caiçara, 20
Piraquara e Afro, e, ainda, da Cultura Quilombola . Por sua vez, o Governo do Estado de Pernambuco, com base em Lei de 2002, promoveu em 2005 o I Concurso Público do Registro do Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco RPV-PE , para “beneficiar os artistas e mestres da cultura 21
popular e tradicional do Estado” , que passaram a ter direito a uma pensão 18
Conf. Sítio: http://www.cultpopbrasil.org/noticias/news_item.2006-01-05.0146052683, em 28/5/2006, e publicação: Cultura Viva – Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania, 2 ed., Brasília: Ministério da Cultura /Ministério do Trabalho e Emprego, 2005. 19
Sítio: http://portal.iphan.gov.br/forum/concurso/novasede/Edital_PNPI-2006.pdf, em 30/7/2006.
20
Sítio: http://www.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/SEC/edital/Edital_PAC_17-2006_cultura_caipira.doc, em 27/7/2006. 21
Ver FUNDARPE, sítio: http://www.cultura.pe.gov.br/. E, 26/09/2006.
65
mensal, como “Patrimônio Vivo”. Igualmente, o Governo do Estado do Ceará, em 2003, instituiu o Registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará, cujos selecionados também obtiveram 22
direito a um auxílio financeiro mensal como “Tesouro Vivo do Ceará” . Há de se mencionar também os empreendimentos de patrocínio, de grande importância, da Petrobras, empresa estatal, sobretudo desde a consolidação, em 2003, do Programa Petrobras Cultural , executado a partir de 2004, em sintonia com o Ministério da Cultura e a Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, da Presidência da República, que entre as suas linhas de atuação, na de Preservação e Memória (Música e Patrimônio), teve desmembramento de incentivo para projetos de Patrimônio (Memória das Artes e Patrimônio Imaterial), na qual têm sido selecionados muitos projetos voltados para as culturas populares tradicionais. Da mesma forma, outras empresas, inclusive bancos, no sistema de renúncia fiscal, têm realizado ações de promoção das culturas populares.
Algumas questões, ainda... antes de encerrar
De fato, é notório o interesse que as culturas populares e tradicionais vêm despertando em diversos segmentos sociais nos últimos anos, inclusive resultando em inúmeras medidas governamentais de fomento e preservação, como nunca se viu antes, a exemplo do próprio Prêmio Cultura Viva. Neste caso, há de se destacar um aspecto inovador, buscando superar o entrave burocrático que envolve comumente as 22
Sítio: http://www.cultpopbrasil.org/politicaspublicas/document.2005-06-27.1565947118, em 28/5/2006. O conceito de “Tesouro NacionalVivo” foi iniciado no Japão, na décadade 1950 e posteriormente alcançou outros países, sendo também incorporado pela Unesco, no projeto dos “Tesouros Humanos Vivos”, servindo de referência paravários países.
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realizações oficiais de fomento aos grupos de práticas populares tradicionais. Nesse prêmio puderam se inscrever, diretamente, sem intermediários, grupos que não têm estatuto jurídico formal (exigência burocrática), que é a realidade da grande maioria dessas iniciativas, que embora sejam conhecidas e consagradas em suas comunidades, não contam com tal condição institucional. Posteriormente, os grupos premiados, quando informais, obtiveram assessoria para os trâmites burocráticos de seus registros. O reconhecimento das culturas tradicionais se revela, no todo, em distintas formas de registro (gravação de CDs, vídeo-documentários, inventários, publicação de pesquisas), programação de um sem-número de apresentações “artísticas”, festivais, criação de fóruns, programas televisivos, patrimonialização de “mestres” das culturas populares como “tesouros vivos”, encontros e outras modalidades. Pode-se crer que, em seus princípios, muitas das iniciativas estão lastreadas em meritória preocupação com os saberes populares, sobretudo quando voltadas também para os membros das comunidades guardiãs desses conhecimentos (o que é uma inovação), e não somente interessada nos fenômenos em si, de forma descontextualizada, como tem sido feito historicamente. Mas, por outro lado, também ocorrem ainda ações (mesmo oficiais) que se pautam em vícios e conceitos equivocados, que resultam de 23
visões reducionistas, fragmentadas, e por demais generalizadas
das
culturas populares. Nestes casos, no geral, não se levam em consideração os conceitos, as visões, os interesses, funções e sentidos mais profundos que as próprias comunidades têm dos fenômenos que praticam. 23
Há de se reconhecer que a própria tentativa de nomear, com poucos termos (gerais), as tão variadas expressões culturais populares revela também uma compreensão redutora, rasa, das mesmas. De fato, cultura popular é nomenclatura muito vagae já saturada,praticamente, sem eficáciarepresentativa.
67
Dessa forma, o modo predominante de incorporação das expressões populares tradicionais no cenário cultural tem se dado atualmente pela via estética, ou seja, como arte, espetáculos para puro entretenimento, e, ainda, como apresentações de folclore, na forma de expressões de representação da identidade nacional (brasilidade), das regionalidades ou das 24
localidades . Esse último tipo de intervenção é comum quando se elegem algumas práticas tradicionais, notadamente as que envolvem música, dança e dramatizações, como atrações artísticas ou turísticas das suas localidades, compreendendo-as como fenômenos isolados dos seus contextos históricos e sociais, que lhes dão sentido. Por exemplo, um mestre de Folia de Reis, que é em primeiro lugar, uma espécie de líder espiritual, religioso, devoto e representante dos Três Reis Magos (Baltazar, Gaspar e Melchior), passa a ser visto como representante do folclore ou incluído na categoria “artista popular”, o que é estranhável para o próprio. Naturalmente, não se pode desconsiderar a dimensão estética que se ressalta em tantas expressões populares tradicionais, mas na maioria das vezes não são estas as dimensões mais significativas para os próprios participantes, principalmente naquelas realizações lastreadas em princípios religiosos (tão comuns na cultura tradicional), mesmo que se expressem nas formas compreendidas como “lúdicas”, com cantorias, danças e dramatizações, e sejam identificadas como “brincadeiras”. Assim, nem tudo nas culturas tradicionais pode se transformar, generalizadamente, em espetáculo artístico ou deve servir à “geração de renda”, à maneira das preocupações utilitaristas, embora, obviamente, não de defenda aqui qualquer visão purista ou ingênua dos grupos dessas expressões, nem a intocabilidade destes. 24
Elas são, de fato, expressões identitárias, porém sobretudo dos próprios praticantes ou das comunidades nas quaisse inserem.
68
Há de se considerar que os fenômenos das culturas tradicionais guardam valores morais, religiosos, políticos, lúdicos, estéticos e outros tantos, que foram herdados e, portanto, de algum modo refletem a própria história das suas comunidades, repondo o passado no presente, e sendo então sempre atuais. São práticas aglutinadoras, que, repetidas ciclicamente, reforçam os valores socialmente aceitos e importantes para os grupos, vitalizando-os. Por serem fatos preservados e geridos coletivamente, são instrumentos de identidade e inclusão social, e até mesmo de resistência política diante dos problemas que as comunidades enfrentam. Então, ações de fomento e salvaguarda
25
serão eficientes e mais
interessantes na medida em que se pautem no conhecimento profundo e sensível das comunidades e das modalidades enfocadas, e sobretudo quando levam em consideração as visões e essências das próprias populações envolvidas, cuja autogestão é fundamental, desvinculando-se de mediadores (muitas vezes, “atravessadores”, no sentido negativo), que estabelecem com os grupos conhecedores dos saberes tradicionais inúmeras formas de relacionamento, paternalistas ou comercialmente exploradoras, quando das suas vorazes inserções no mundo contemporâneo da cultura apenas como espetáculo.
25
Sobre o assunto, ver: Márcia SANT'ANNA. “Políticas públicas e salvaguarda do patrimônio cultural imaterial”. In Registro e Políticas de Salvaguarda para as Culturas Populares (Série: Encontros e Estudos, n.6). Rio de Janeiro: CNFCP-Iphan-MinC, 2005; Letícia VIANNA, “Patrimônio Imaterial: legislação e inventários culturais. A experiência do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular”. In Celebrações e Saberes da Cultura Popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectivas (Série: Encontros e Estudos, n. 5). Rio de Janeiro: CNFCP -Iphan-MinC, 2004 (pp.15-24); e José Jorge de CARVALHO, “Metamorfoses das tradições performáticas afro-brasileiras: de patrimônio cultural a indústria de entretenimento”. In: Celebrações e saberes da cultura popular: pesquisa, inventário, crítica, perspectivas (Série Encontros e Estudos, n. 5). Rio de Janeiro: CNFCP-Funarte/IPHAN/MinC, 2004,pp. 65-83). * Manifestações Tradicionais: rituais, artes, ancestralidades ... (Prêmio Cultura Viva, do MinC), original em: Prêmio Cultura Viva: um prêmio à cidadania , Ana Regina CARRARA (coord.). S. Paulo: CENPEC, 2007, ISBN 978-85-85786-65-6, pp. 50-54.
69
*
O presente trabalho enfoca uma das manifestações tradicionais do catolicismo popular no Brasil, as FOLIAS DE REIS, na cidade de Goiânia, Capital do Estado de Goiás, distante 230 quilômetros de Brasília - DF
(1).
Além do registro documental de algumas delas (principalmente as folias baianas, pouco estudadas até o momento), o assunto traz implícita uma questão que já mereceu a preocupação de diversas áreas - historiadores, antropólogos e sociólogos - qual seja: a “convivência e as contradições entre a cultura tradicional (representativa de um Brasil de feições agrárias) e a cultura “moderna” (das grandes cidades: das atividades industriais, da comunicação de massa, das atividades de prestação de serviços, da especialização profissional e da informática), subentendendo-se, aqui, as contraposições inter-grupos, classes sociais, ou, como tem sido tratado por vários estudiosos, mais recentemente, entre “cultura popular e cultura (2)
dominante” . Porém, abordagens interpretativas aprofundadas não caberão neste artigo, que não se propões extenso, mas nas notas e na bibliografia estarei indicando alguns autores onde temas importantes poderão ser melhor compreendidos. Nesta questão, mais do que a simples oposição: mundo rural & mundo urbano, conforme aponta Carlos R. Brandão, há de se perceber em relação à transformação de um tipo de viver rural para a vida da “moderna” cidade “ a passagem de uma ordem de relações e de sujeitos sociais, para uma outra e para outros sujeitos, ou os mesmos, em novas posições e com novos (3)
interesses” . Assim , tem sido comum nos núcleos urbanos brasileiros que 71
vivenciam o crescimento e a chamada “modernidade”, a não manutenção das práticas religiosas do tipo das folias de reis, que têm se preservado mais e m a mb ie nt es r ur ai s o u p eq ue na s c id ad es d e “ es pí ri to ” predominantemente rural. Naturalmente, até em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, registram-se folias de reis, em alguns bairros, porém de forma isolada e sem maiores repercussões no contexto geral destas. Diferentemente, a cidade
de Goiânia, apesar da sua atual
conjuntura nos moldes das modernas cidades, mantém de forma bastante dinâmica e abundante a prática dessa modalidade religiosa popular, alcançando até bairros de elite como o Setor Sul e o JardimAmérica. A cidade possuía em 1988 (época de coleta de campo) em torno de 1.400.000 habitantes; tendo sido fundada em 1935, como núcleo urbano (4)
planejado . Pelos censos de 1975 e 1980, vê-se que a cidade registrou no (5)
período um aumento de 89,1% nas atividades do setor de serviços , o que caracteriza bem o crescimento da cidade dentro das particularidades urbanas modernas. Interessante, ainda, é que Goiânia atraiu a população migrante das regiões interioranas do próprio Estado como de vários Estados limítrofes, principalmente de Minas Gerais e do interior de Bahia, tornando-se importante local para estudo das interpenetrações culturais dessas diferentes regiões. Um jornal da cidade - O Popular, de 3/1/1988 - menciona a existência de “mais de trezentos grupos de foliões”, informação essa que pode ser questionada. Pelas minhas indagações pude ter referências da existência desses grupos na maioria dos bairros e/ou vilas; alguns tendo até mais de uma folia. Levando-se em conta que a cidade possuía mais de 250 bairros (6)
e/ou vilas, pode-se supor que é bastante grande a quantidade delas” . Consultando pessoas de extratos sociais e idades diferentes (populares nas ruas, mercados, rodoviárias, lojas
etc.) percebe-se que não há
praticamente quem desconheça a existência de uma ou outra folia. 72
Evidentemente, não se pode fazer a relação direta entre os bairros da cidade e a quantidade desses grupos, pois a maioria das folias fazem andanças por vários bairros, e alguns possuem até três grupos distintos, conforme se pode constatar. Pelo menos três tipos diferentes de folias são encontradas em Goiânia: (7)
sistema mineiro, sistema baiano e sistema misto . As considerações deste artigo estão baseadas em contatos realizados com oito grupos, sendo: três folias de sistema mineiro, duas folias que incorporam tradições goianas/mineiras e baianas, e três folias de sistema baiano. As folias de Reis - Trata-se de grupos de devotos dos Três Reis Magos (8)
que, normalmente no período entre 24 de dezembro e 6 de janeiro , anualmente, portando instrumentos musicais e um estandarte alusivo à devoção, fazem visitação nas casas, onde realizam louvações cantadas ao Menino Deus e aos Reis Magos (Baltazar, Melchior e Gaspar). O estandarte ou bandeira traz sempre a figura dos “ Reis Santos” e/ou cenas (9)
da natividade, sendo o símbolo representativo das folias . O número de componentes do grupo é variado, na média entre 8 a 12 elementos. Além, das cantorias louvativas, as folias angariam contribuições (“esmolas”) para a realização da Festa de Reis (6 de janeiro). Naturalmente, comunicam e convidam os donos das casas visitadas para os festejos. As “esmolas” variam de acordo com as possibilidades de cada casa visitada; no geral são contribuições em dinheiro (pequenas quantias) ou a doação de gêneros alimentícios (arroz, feijão, farinha, macarrão) e até mesmo (10)
pequenos animais (galinha, pato etc.), que são utilizados no dia da festa . O ciclo de visitações (jornada ou giro) consiste, basicamente, de: saída de determinada casa (pouso de saída); visitações e pedidos de esmolas em inúmeras casas, durante vários dias, em trajeto previamente estabelecido; chegada à casa onde se encerra o ciclo (pouso ou casa da entrega). 73
Simbolicamente as folias representam a história bíblica. Concretamente, trata-se de uma pequena unidade volante de evangelização e manutenção das tradições católico-populares. Exemplo 1: CANTORIA DE SAÍDA (pauta musical em anexo)
Oi, glória ao Pai e glória ao Filho O Espírito Santo também
bis=coro
O Espírito Santo também Oi, glória a Deus lá nas alturas Oi, que nasceu pra nosso bem
bis=coro
Oi, que nasceu pra nosso bem Mas ô que hora tão sagrada Que reuniu neste salão
bis=coro
Que reuniu neste salão Ai, procurando os Treis Reis Santos Arr euniu seus fulião
bis=coro
Arreuniu seus fulião Oi,oravivaoscamposemfruto E também viva as arvi (árvores) em flor
bis=coro
E também viva as arvi em flor Oi, também viva a Virgem Maria Que é a mãe do Redentor QueéamãedoRedentor 74
bis=coro
Aos vinte e cinco de dezembro Ai, todas as árvores floresceu
bis=coro
Ai, todas as árvores floresceu Ai, quando o galo anunciou Ai, que Jesus Cristo nasceu
bis=coro
Ai, que Jesus Cristo nasceu Ai, os Treis Reis quando subero (souberam) Ai, que Jesus tinha nascido
bis=coro
Ai, que Jesus tinha nascido Oi, partiro (partiram) do oriente Ai, todos os treis arreunido
bis=coro
Ai, todos os treis arreunido Oi, na chegada da lapinha Ai, foram logo ajuelhando
bis=coro
Ai, foram logo ajuelhando
(foliões se ajoelham)
Oi, avistaram o Pai Eterno Ai, vossos pés foram beijando
bis=coro
Ai, vossos pés foram beijando Ai, adoraram Menino Deus Ai, filho de Nossa Senhora
bis=coro
Ai, filho de Nossa Senhora
75
Ai, eles foram girá o mundo Ai, entre caxas (caixas) e viola
bis=coro
Ai, entre caxas e viola Oi, levantai filho de Deus Ai, que é filho da bênção
bis=coro
Ai, que é filho da bênção
(foliões se levantam)
Ai, vamos dar o nosso giro Oi, pá cumprir nossa missão
bis=coro
Oi, pá cumprir nossa missão Ai, vô pedi pra o meu alfer (alferes) Que é filho da Virgem Maria
bis=coro
Que é filho da Virgem Maria Que ponha a mão nessa bandera E vem benzê a Companhia
bis=coro
E vem benzê a Companhia Oi, senhora dona da casa Oi, dá uma chegada até cá
bis=coro
Oi,dáumachegadaatécá Vem dispidi dos Treis Reis Santos Que precisamo viajar Que precisamo viajar
76
bis=coro
Ai, senhores dono da casa Oi, adeus até outro dia
bis=coro
Oi, adeus até outro dia Ai, voceis fica todos com Deus E a Virgem Santa Maria
bis=coro
E a Virgem Santa Maria Ai, os Treis Reis estará de volta Ai, no dia seis de janeiro
bis=coro
Ai, no dia seis de janeiro Ai, eles vai reparti a bença Em nome do Pai Verdadero
bis=coro
Em nome do Pai Verdadero Ai, os Treis Reis já vai se embora Com os anjo batendo as asa
bis=coro
Com os anjo batendo as asa Ai, deixando cheia de gloria Oi, a vossa bendita casa
bis=coro
Oi, a vossa bendita casa (As cantorias do coro - resposta - em muitas estrofes não reproduzem os versos integralmente; fazem praticamente imitação da sonoridade ouvida). Na cerimônia de saída (1º dia) realizam-se as rezas (terço) diante de um altar com as imagens dos santos de devoção do dono da casa e/ou com 77
a figura do Menino Deus, onde se coloca acima a bandeira da Folia. Acontecem também discursos; agradecimentos à participação dos foliões; orientações do líder dos foliões, sobre os procedimentos esperados durante as jornadas; avisos gerais; entrega das toalhas (divisa de fulião), que os foliões levam por sobre o pescoço; e a cantoria de saída. É comum após a retirada da bandeira do altar os foliões beijarem-na e passarem debaixo desta.Concluídosessesrituaisogrupoiniciaoprimeirodiadejornada. Em cada dia, os foliões fazem as refeições (almoço e jantar) nos chamados “pousos” (de almoço, de janta e /ou de dormida), que são combinados previamente, geralmente dentro do roteiro estabelecido para o“giro”.Aquantidadedecasasvisitadasemcadadiadependedoscontatos (pedidos) realizados anteriormente ou dos pedidos de visitas que vão surgindo à medida que o grupo evolui pelas ruas. À aproximação dos horários previstos para a chegada nos pousos é comum, se há atrasos, o rareamento de visitas, embora uma folia nunca deva negar-se a um pedido expresso de visita. Pode ocorrer também da folia atender pedidos de visita fora do roteiro estabelecido (outros bairros), principalmente de pessoas amigas dos membros do grupo; porém sempre retomam o percurso original. Embora a tradição das folias seja a de pedir “dormida” (descanso noturno) no decorrer das andanças, em Goiânia isto não foi verificado: os foliões deixam apenas a bandeira e os instrumentos musicais na “casa do pouso”, voltando para dormirem em suas próprias casas. No dia seguinte retornamparaprosseguiremcomajornada. A cerimônia em cada casa visitada no geral se reveste de intensa emocionalidade, já que os devotos se sentem recebendo as próprias entidades espirituais representadas na bandeira da folia. Consiste normalmente de: 78
· Cantoria de chegada e pedido de entrada na casa · Cantoria de saudação aos moradores e pedido de esmola · Entrega da bandeira ao (s) morador(es) · Cantoria versando sobre a Natividade (quando há presépio na casa faz-se a “Adoração do Presépio”, cantada) · Devolução da bandeira à folia · Recebimento da esmola · Cantoria de agradecimento e despedida. Comumente, de uma única vez, faz-se o “pedido de entrada”, “saudação aos moradores” e o “pedido de esmolas”, assim como não há rigor na cantoria de “adoração do presépio” ou o momento específico do recebimento da esmola. No tocante ainda aos aspectos rituais, a bandeira por ser o símbolo máximo do culto aos Reis Magos é sempre o centro das atenções e reverências, sendo comum que seja levada (pelos próprios moradores) aos vários aposentos da casa, sendo passada por cima dos mobiliários, como forma de benzimento. Da mesma forma, nas ruas é normal que transeuntes a beijem e se benzam tomando nas mãos as fitas que sempre pendem dela. Nos pousos “de almoço” e “de janta” os foliões sempre cantam em agradecimento pela refeição recebida, assim como costumam ovacionar (vivas) aos Reis Magos, aos donos da casa, à cozinheira etc; além de realizarem rezas à mesa antes de iniciarem a refeição. Podem ocorrer após o repasto momentos de “brincadeiras”, principalmente depois do jantar, com a realização de danças e cantorias profanas. Os foliões de tradição mineira/goiana costumam dançar o Catira (dança com palmeados e sapateados) enquanto os grupos baianos executam principalmente o samba de roda e a chula (pautas musicais e considerações no final). Além da bandeira, a toalha é implemento presente e importante nos grupos de folia, sendo usada por todos os seus membros. São sempre 79
brancas e, na maioria das vezes, trazem bordadas inscrições alusivas à devoção. Usam-na dobrada em quatro (no comprimento). Por ser também um símbolo sagrado, não pode ser utilizada na forma convencional. Alguns depoimentos sobre o significado dessas toalhas mostram bem sua importância: · A toalha “significa, quando São José e Nossa Senhora saíram com a toalha para embrulhar e esconder o Menino Deus, quando os judeus estavam caçando ele.” · “a toalha é uma corrente para livrar negócio maligno”. · “a toalha é divisa (identidade) dos Treis Reis Magos, é os soldados (guardiães). · “a toalha é divisa de folião” (distingue aqueles que fazem parte do grupo). · “há de se respeitá esse manto que enxugou Jesus Cristo no padecimento dele”.
Estrutura Funcional das Folias
A liderança dos grupos se dá a partir do “embaixador” da folia, que geralmente é o membro organizador e que tem maior experiência e conhecimentos sobre a prática destas. São chamados também de “mestre”, “capitão” ou “guia”. A ele cabe a iniciativa das cantorias, como voz principal, além de tudo que se refira à organização do grupo: decisões sobre o percurso a ser cumprido, período do giro, horários, contatos para estabelecer as casas dos pousos, convocação dos músicos etc. Em grande parte, os líderes seguem tradições herdadas do pai ou algum parente (avô, tio, irmão mais velho), e há nos processos de passagem efetiva da liderança para novos líderes vários anos de treino. Além da relação de parentesco entre membros das 80
folias há comumente os casos de compadrio. Existem também folias que são organizadas apenas durante certo número de anos (no geral sete), somente para cumprimento de promessa. Nesses casos é comum que o “dono” da folia convide um embaixador para a realização das jornadas, cabendo ao primeiro toda a parte organizativa e ao segundo a liderança ritualística religiosa. Nas andanças das folias esses líderes, muitas vezes, são alçados à condição de guias espirituais junto à população, sendo solicitados para aconselhamentos nos problemas que afetam os devotos. Além do mestre, a maior experiência entre membros dos grupos é sempre fator que auxilia no reconhecimento de outras lideranças, nos casos de eventual substituição na chefia dos grupos. Pode existir, assim, a figura do “contra-mestre”, que é um segundo elemento na hierarquia das folias e que geralmente se incumbe de chamada “segunda voz”nas cantorias. Variando de grupo para grupo existem também: ”alferes”, que carrega a bandeira e recebe as esmolas (em alguns grupos o recebimento das esmolas é feito pelo palhaço); “Fiscal”, que cuida da parte disciplinar dos foliões; “Regente”, que pode ser responsável pela disciplina ou se encarregar do controle do uso de bebida alcoólica ( no geral a pinga) que alguns grupos levam “para resolver o problema do pigarro (rouquidão) na voz”, pelos vários dias de cantorias. Folias que giram em regiões rurais costumam manter o “Carguerero” (que carrega a carga = esmolas), também chamados de “Malero” (de mala) e “Ajudantes “, para a guarda e o transporte das doações recebidas durante o giro. Em várias folias, notadamente as de tradição mineira, ou por estas influenciadas, uma figura importante é o “palhaço” (geralmente dois), chamado também “marungo”, “marujo”, “boneco“ ou “bastião”. Vestem roupas largas e coloridas, em cores berrantes, sempre usam máscara e chapéu cônico (ou cobrem a cabeça com toalha), e portam um bastão de 81
madeira ou um chicote. A eles cabem papéis cômicos (dançam desengonçadamente o “lundum”, dirigem gracejos aos transeuntes e aos donos das casas), e ainda, ficam encarregados de proteger os membros da folia quando estes são ameaçados por cachorros ao se aproximarem das casas; também vão à frente da folia para indagar os moradores sobre o interesse ou não em receberem o grupo. Para as crianças, principalmente as menores, os palhaços são sempre motivo de medo, pelo uso da máscara (em geral aterradora) e por estarem o tempo todo em atitudes de grande agitação; correndo atrás das crianças ou perturbando os animais domésticos das casas. Os palhaços têm simbologia variada dentro das folias, sendo na maioria das vezes identificados com “o mal” (espião do Rei Herodes
(11)
ou representantes do diabo); mas existem também
declarações inversas, de que são os “guias da bandera” ou que “os palhaços são dois: um dançou pra distraí o Rei Herode e o outro fugiu com o Menino (Deus)”, portanto, representando o “bem”
(12)
.
Apesar da liderança “natural” dos mestres, pelos aspectos já apontados, alguns reforçam este ponto através da ordem estabelecida vigente (estrutura oficial de poder), como por exemplo, a aplicação do “Regulamento da Folia”, com base no Alvará (autorização) Policial a que as folias estiveram submetidas na cidade em tempos anteriores. Segundo alguns depoimentos, os alvarás eram obrigatórios “antigamente”, não o sendo mais. Percebe-se, no entanto, que alguns líderes fazem questão de colocar aos foliões as regras disciplinares, muito em função do que constava nos alvarás, conforme exemplo a seguir: (Regulamento lido por um “capitão” de folia, no dia da saída). 1) “Não é permitido a presença (na folia) de pessoas armadas ou embriagadas.” 2) “Não é permitida a presença de menores desacompanhados de seus pais ou responsáveis.” 3) 82
“Fazer silêncio quando chegar a noite... A Partir das 19 horas
...porque 18 horas o sol ainda tá alto...então caladinho igual aos Reis Magos.” 4)
“Dar ciência às autoridades. Se as autoridade procurá o que nóis tamo fazendo, nóis tamo girando com a folia pra cumpri uma missão. As autoridades são a polícia civil ou militar ou do exército.”
5)
“Fulião não pode sair antes de agradecer a mesa, na hora da refeição.”
6)
“Fulião não pode sair com a toalha no pescoço para o buteco (bar). Se for comprá um cigarro ou fósforo, pega a toalha e dá pra outro soldado, outro irmão dele, comprá o fósforo. Se o público vê o fulião num buteco...pode pensá que ele tá bebendo. E as vez ele tá lá bebendo.”
7)
“Não fazer algazarra. Agarra...achou uma menina (mulher) bonita, deixa pra depois da folia. Respeitá esse manto que enxugou Jesus Cristo no padecimento dele.”
8)
“Não perturbar o sossego público.”
9)
“Não chegar atrasado.”
10) “Não mexer nas coisa alheia. Não emprestar os instrumento.” (“Capitão Amantino”_ Argemiro Isidoro de Macedo - Folia do Setor Pedro Ludovico, 1/1/1988 Exemplo 2: CANTORIAS DE AGRADECIMENTO PELO ALMOÇO (pauta musical em anexo)
Ai, bendito louvado seja As treis palavras de Deus
bis
Pai e Filho e Sprito (Espírito) Santo Seja pelo amor de Deus
bis
83
Ai,osTreisReis,ai,procurô Que é pra todos fulião Respondeu Nossa Senhora Pois o Filho tem benção Ai,Deuslhepagueobeloalmoço Que vóis deu pra os fulião Quandofornooutromundo De Deus tem a sarvação Ai,Deusque pagueao belopão É o pão de cada dia SantoReisquelheabençoa Por toda sua família Ai,Deuslhe pagueao beloalmoço E também o seu café SantoReisquelheajuda São Joaquim e São José Ai,lánocéudesceutreisvela Todas as treis desceu acesa ÉosTreisdoOriente Abençoando esta mesa Ai,lávaiagarçavoando E nos aros (ares) bateu as asa Vaivoandoevaidizendo Viva o dono dessa casa 84
bis bis
bis bis
bis bis
bis bis
bis bis
bis bis
Ai,agarçaqueavuô Nos aros (ares) bateu traveis (outra vez) Vaivoandoevaidizendo Viva o nosso Santo Reis Ai,senhorodonodacasa É o ministro da lapinha OsenhoroSantoReis É (há) de ser sua companhia Ai,DeusvossalveCasaSanta Casa Santa de Belém Seamortenãonosmatá Até o ano que vem Ai,ofereçoesteBendito Pra o Senhor que está na cruz EmlouvordosTreisReisSanto Para sempre amém Jesus
bis bis
bis bis
bis bis
bis bis
Os foliões
Em Goiânia os foliões são basicamente das baixas classes econômicas, exercendo profissões como: pedreiro, vigia, ajudante de serviços gerais, faxineiro, feirante; tendo um ou outro de melhor condição profissional (eletrotécnico, funcionário público com certa graduação, agente de polícia, pequeno comerciante). No caso das mulheres, que são comuns nas folias dos migrantes baianos, a maioria dedica-se aos trabalhos domésticos. Em geral, existe nos grupos o problema de compatibilização entre o trabalho e a participação nas Folias, já que são 85
vários dias de jornada. Alguns foliões conseguem soluções como: pedido prévio de férias na época das jornadas ou a simples falta ao trabalho enquanto outros têm participação na Folia em determinados dias ou horas, que intercalam com o trabalho profissional. Tudo no sentido de “cumprir a devoção”. Enquanto alguns grupos conseguem a participação permanente de todos os seus membros, outros recorrem à substituição de alguns elementos no decorrer das jornadas em função de problemas com o trabalho. Os líderes são sempre fixos, dificilmente ocorrendo a substituição. Diferentes Tipos de Folias (com base na estrutura musical)
Sistema Mineiro - São as mais comuns na cidade. Realizam cantorias em andamento no geral entre M.M.
= 72 a 88, com várias vozes (6 ou
mais), em forma responsorial (solo/coro) e em harmonia predominante dentro do sistema tonal tradicional.Assim, em cada estrofe cantada repetese a forma responsorial entre solistas e resposta coral. As vozes, no coro, notadamente as mais agudas, entram e se ajustam no decorrer da cantoria, chegando ao final de cada estrofe com a sobreposição da totalidade das vozes. Normalmente dobram-se em oitavas (falsete) as vozes mais graves, a partir da harmonia de base (3ª., 5ª. ou 6ª.). Não se pode dizer que existe um sistema de harmonização uniforme o tempo todo, pois esta se faz de forma intuitiva e ajustada a cada momento, podendo ocorrer evolução paralela das vozes ou a realização de notas pedais, criando-se contrapontos e inversões harmônicas. As bases harmônicas são, entretanto, fundadas nos acordes da harmonia tradicional tonal. Naturalmente, tendo sempre a sustentação harmônica e melódica de instrumentos musicais, como: sanfona, viola(s), violão(ões), cavaquinho(s), rabeca(violino), sob a marcação rítmica da caixa, do pandeiro e do triângulo. Nota-se nesses grupos grande ênfase no que se 86
refere à parte harmônica. Instrumentos musicais de registro agudo, como o cavaquinho e a rabeca, costumam realizar solos paralelos às vozes, assim como as introduções, os interlúdios e as finalizações, juntamente com a sanfona. No geral as folias mineiras têm a participação só de homens. Sistema Baiano - Pode-se dizer que em Goiânia existem dois tipos de folias praticadas por migrantes do interior da Bahia: "Folia de Gaita" e (13)
"Folia de Música" . A Folia de Gaita baseia-se no uso de duas flautas de bico (pífanos) denominadas "gaitas" ou "pifes" e instrumentos de percussão: “bumba", "tambor" ou "caxa", além de outros como o "requi-requi" (reco-reco), pandeiro, triângulo e o "maracaxá" (chocalho). Trata-se do tradicional "Terno de Pifes" ou "Zabumba", comum na região nordestina do Brasil. O bumba e o tambor são tambores de tamanhos variados, denominando-se Bumba ao maior deles. A música da folia de gaita tem andamento entre M.M.
=100 a 138,
notando-se ênfase no aspecto rítmico, sendo comum na melodia o uso de células rítmicas sincopadas, conferindo-lhes caráter dançável contrapondo-se à dolência e ao quadradismo rítmico-melódico das folias mineiras. As gaitas realizam introduções, interlúdios (melodia instrumental entre as estrofes cantadas) e os encerramentos, nas cantorias. São executadas predominantemente em terças paralelas, enquanto as vocalizações se fazem também em duplas (em oitavas, uníssono ou em terças). Sempre se intercalam solo-instrumental e cantoria vocal. As melodias nesses grupos fogem à
tradição tonal tradicional, existindo
predominante uso de escalas defectivas (escalas não completas, com 3, 5 ou 6 notas), embora, tendo base tonal. Os solos das gaitas tanto podem (I4)
repetir a melodia vocal quanto realizar solo diverso desta . A Folia de Música se caracteriza pelo uso de instrumentos harmônicos 87
convencionais como a sanfona, viola, violões, além da percussão, porém, mantendo cantos da tradição baiana, conforme apontado anteriormente. Assim, também, tem andamento mais rápido que as folias mineiras. Verifica-se nestas a mesma forma de intercalação entre canto e solo instrumental. Segundo depoimentos de vários foliões baianos, os grupos daquela região não costumam ter bandeira, porém adotaram-na em Goiânia em função da tradição local
(15)
.
Nas folias baianas é comum a participação de mulheres, muitas vezes, tendo liderança no grupo, inclusive nas cantorias; havendo também grupos só de homens. Sistema Misto - São Folias que incorporaram músicas dos diversos sistemas (mineiro, goiano e baiano), muitas vezes, por reunirem foliões de tradições diferentes. Geralmente têm predomínio do sistema mineiro na parte instrumental. Percebe-se nelas influências mútuas, como é o caso de uma das folias pesquisadas (Jardim Guanabara) cujo embaixador
(16)
nasceu em Goiás, mas conhece e pratica formas de cantorias dos sistemas goiano, mineiro e baiano. Sistema Goiano – Segundo a pesquisadora Yara Moreira, "consiste em quatro cantores, dois homens e dois meninos. Estes cantam “por cima” das vozes masculinas, ou seja, o canto é realizado por duas
vozes
(17)
dobradas” . Desse tipo não pude contatar nenhum grupo em Goiânia. A própria pesquisadora diz não ser comum encontrarem-se grupos desse tipo atualmente em Goiás, assim como também vários participantes das folias pesquisadas declararam não terem conhecimento de folias goianas na cidade. Segundo informações de um deles
(18)
, o sistema goiano consiste de
"tirar música em três pessoas e responde com três também", depoimento este que diverge do da pesquisadora citada.
88
Exemplo 3: CANTORIA DE AGRADECIMENTO PELO
ALMOÇO E HOMENAGEM À PESSOA FALECIDA. (Pautamusical:Omesmodoex.1,nofinal)
Ai,JesusCristoperguntô Ai, quem tratô dos fulião Ai,quemtratôdosfulião
bis=coro
Ai,osTreisReisarrespondeu É esses filhos da benção Éessesfilhosdabenção
bis=coro
Ai,Deusvospagueoalimento Ai, que tirô a nossa fome Ai,quetirôanossafome
bis=coro
Quevóistenhaoutralánocéu Ai, do manjar que os anjo come Ai,domanjarqueosanjocome
bis=coro
Ai,Deusvospagueoalimento Oi, que vóis deu de boa vontade Oi,quevóisdeudeboavontade
bis = coro
Ai,osTreisReisquelhe abençoa Também vos dê felicidade Tambémvosdêfelicidade
bis = coro
Oalimentoquevósdeu Ai, os Treis Reis que lhe ajude Ai,osTreisReisquelheajude
bis = coro 89
Oi, que não falte os vossos pão Também vos dê vida e saúde
bis = coro
Também vos dê vida e saúde Oi, entregai essa bandera Oi, pra aquela rica senhora
bis = coro
Oi, pra aquela rica senhora Ai, vô pedi meus fulião Ai, um silenço bem profundo
bis = coro
Ai, um silenço bem profundo Ai, pra cantá pra um cristão Que já está no outro mundo
bis = coro
Que já está no outro mundo Que já entrego a vossa alma . Pra o Divino Pai Eterno
bis = coro
Pra o Divino Pai Eterno Que os Treis Reis do Oriente Oi, livrai do fogo do inferno
bis = coro
Oi, livrai do fogo do inferno Ai, bendito louvado seja Que para sempre seja louvado
bis=coro
Que para sempre seja louvado Oi, que Deus tenha lá no céu Ai, este morto sepultado Ai, este morto sepultado 90
bis=coro
As Cantorias - Os Versos
As cantorias se compõem de versos tradicionais (prontos) e de versos improvisados ou menos
usuais, quando
surgem situações onde o
"embaixador" os cria para o atendimento destas; por exemplo, cantar mencionando pessoa falecida ou pedir pela recuperação da saúde de algum membro doente da casa. Nos casos em que há promessa dos moradores das residências visitadas, o "mestre" sempre faz menção ao fato tomando para si o direito de em nome dos Reis Magos, reconhecer e dar por cumprida a promessa feita. A quantidade de estrofes nas cantorias é bastante variada, dependendo de cada situação ou de cada embaixador. Podem ocorrer cantorias de três até quarenta estrofes, conforme
registrado nas folias pesquisadas. O
número de estrofes se gradua, segundo me parece, conforme a importância do momento; assim, as cantorias das cerimônias de "saída", da"entrega" ou de "agradecimento pelas refeições" são sempre longas. Da mesma forma a quantidade de estrofes podem variar de casa para casa até pela quantia de esmola recebida, ou se são pessoas amigas dos foliões ou, ainda, se a folia está atrasada para a chegada aos pousos. A impressão que se tem é que muitos mestres de folia passaram a abreviar a quantidade de versos nas cantorias, pelo grande número de casas que visitam na cidade (isto não deve ocorrer nas regiões interioranas onde a densidade populacional é menor). Segundo um dos mestres entrevistados
(19)
são os seguintes os tipos de
cantorias, tradicionalmente: "Anunciação e a viagem", 25 estrofes "do Nascimento", 25 estrofes. "Viagem dos Oriente", 24 estrofes "Saudação do Centro (Espírita)", 24 estrofes 91
"Saudação do altar", 12 estrofes "Recebimento das Treis Coroa", 25 estrofes "De promessa ou voto", 6 estrofes "Para pessoa falecida", 7 estrofes "Despedida do altar e agradecimento” Na grande maioria dos casos os versos se fazem em redondilha maior (sete pés), sendo que as estrofes se formam em consonância com a frase musical, baseadas em dísticos e quadras. Oi,glóriaaoPaieglóriaaoFilho O Espirito Santo também bis O Espirito Santo também (Dístico, com repetição do 2° verso e nova repetição integral pelo coro) Bendito louvado seja As treis palavras de Deus bis Pai e Filho Sprito Santo Seja pelo amor de Deus bis (Quadra, com repetição dos versos dois a dois) "São José, Nossa Senhora São José, Nossa Senhora Mandado com São João Mandado com São João Santo Reis mandô dizê Que ajoelhe os fulião (Quadra, com repetição do 1°e 2° versos) Senhora dona da casa Deuslhedêumaboatarde Ai, meu Deus Deus lhe dê uma boa tarde bis (A rigor trata-se de um dístico já que o 2° verso se repete, de forma conclusiva, na parte musical. Percebe-se aí a adequação à frase musical). 92
Viemos cantar os Reis Viemos cantar os Reis Cantamos com alegria Cantamos com alegria (Dístico, com repetição intercalada dos versos) As cantorias se fazem basicamente em ritmo binário, tendo sido gravados apenas 2 casos de ritmo binário composto. O Dia “da Entrega "
O dia "da entrega" é o momento culminante e mais solene do ciclo de Santos Reis. Significa a chegada dos Magos a Belém. A data da entrega varia de grupo para grupo (conf. Nota 8), sendo, no entanto, o dia 6 de janeiro (dia oficial dos Reis Magos, pela Igreja Católica) o de maior preferência. Nos grupos que fazem a entrega antes de 6 de janeiro é comum a realização, nesse dia, de rezas na "casa da entrega" ou do "mestre". As cerimônias "da entrega" são variadas, dependendo do que foi angariado durante as jornadas ou das condições de posse do dono da casa (festeiro) e também da tradição particular de cada grupo. (No geral, "as arrecadações em dinheiro não são suficientes para cobrir os custos da festa, segundo depoimentos de vários "mestres de folia"). Fazem-se, desde cerimônias simples - com realização de
cantorias e rezas diante do
presépio, com oferecimento de jantar aos foliões e alguns poucos convidados – até cerimônias complexas que duram quatro horas ou mais, como o caso da chegada onde se realiza a "cerimônia dos arcos". A cerimônia consiste da colocação de três arcos (geralmente de bambu), no caminho de chegada da folia até a porta da casa sendo que em cada arco a folia pára e realiza longas cantorias e pede passagem
(2O)
. 93
A concessão da passagem (pelos donos da casa) se faz pelo rompimento de "correntes" (de papel crepom ou fitas) que são colocadas como obstáculos junto a cada um dos arcos. Todo o espaço em frente a casa é enfeitado com bandeirolas coloridas, até mesmo os espaços da rua. A última corrente corresponde ao da porta da casa. Ultrapassados os três obstáculos, que para os devotos significam "as dificuldades que os Reis Magos tiveram no caminho para Belém", realiza-se diante do presépio longas cantorias, reza-se o terço e faz-se o ritual de retirada das máscaras dos "palhaços" (quando existem) que se ajoelham e pedem "absolvição" ao Menino Deus. Serve-se, então, o jantar aos foliões primeiramente. Cantase o "Bendito de Mesa"
(acompanhado ou não dos instrumentos
musicais). No decorrer do jantar "escolhe-se" ou se anuncia o festeiro do próximo ano, geralmente levando-se em conta a manifestação de interesse de algum elemento presente, que sempre há. Na verdade, a escolha já está de alguma forma estabelecida anteriormente, entre pessoas de convívio dos membros da folia. Muitas vezes o festeiro é o próprio "mestre da folia”. Assumir a condição de festeiro é sempre fator de prestígio na pequena comunidade que se forma em torno das atividades das folias, pois além dos gastos pecuniários que lhe conferem distinção pelo maior poder econômico, forma-se nessas ocasiões significativo grupo de agregados (ajudantes) para a realização da festa (vizinhos, parentes, compadres) que ficam sob suas ordens; estabelecendo-se aí uma relação de hierarquia e distinção social (reprodução da estrutura social hierarquizada), embora num primeiro momento possa parecer uma relação entre iguais. Podemos confirmar assim a observação de Alba Zaluar, de que: "Na festa de Santo, vista enquanto ritual, são expressos os valores que integram e unificam as diversas classes e categorias de pessoas, mas nela também o conflito 94
aparece sob forma camuflada em certas fases desse campo de atividades específico. A relação entre o festeiro, que, tradicionalmente redistribui o que foi recolhido dos promesseiros pela folia, e seus convivas, geralmente a gente mais pobre das localidades, acentua ritualmente os padrões morais de relação entre patrões e lavradores, entre ricos e pobres, entre poderosos e dependentes"
(21)
.
Exemplo 4:
CANTORIA DE PEDIDO DE ESMOLA
(pauta musical em anexo) Senhora dona da casa Senhora dona da casa Muito alegre deve estar
bis=coro
Muito alegre deve estar
( 2 vozes femininas)
Aí estar os Treis Reis Santos Aí estar os Treis Reis Santos
bis=coro
Vei aqui lhe visitá Vei aqui lhe visitá Vei trazê vida e saúde Vei trazê vida e saúde Pra senhora e a familha
bis=coro
Pra senhora e a família São despedida de festa São despedida de festa Entrada de novo ano
bis=coro
Entrada de novo ano 95
Os Treis Reis pede uma oferta Os Treis Reis pede uma oferta Se ele for merecedor
bis=coro
Se ele for merecedor Quando der a vossa oferta Quando der a vossa oferta Não repara para dar
bis=coro
Não repara para dar Esse memo Treis Reis Santo Esse memo Treis Reis Santo Ponha outra no lugar
bis=coro
Ponha outra no lugar Considerações Finais
O aspecto realmente marcante sobre o ciclo da natividade na cidade de Goiânia é, de fato, o dinamismo e a grande quantidade de Folias de Reis que ali atuam; além da variedade de tipos que são praticados. Percebe-se entre elas desde sutis e pequenas diferenças até distinções profundas, como ocorre, entre as folias de tradição mineira/goiana e as folias baianas. Mesmo entre os grupos de igual tipo existem variáveis em seus elementos que dificultam as tentativas de descrições de cunho generalizador. A unidade desses grupos se faz, porém, centrada na religiosidade, no culto ao Menino Deus e aos Santos Reis, ligando tradições culturais às vezes bastante diversas.Assim, a própria tradição religiosa-católica é o elo unificador desses grupos, embora a Igreja Católica oficial não tenha atualmente interferência direta na existência destes e nem no dinamismo
96
com que ocorrem na cidade. Enquanto determinados grupos se mostram desfalcados de certos elementos que caracterizam historicamente as folias de reis, outros mantêm-se integrais e estabeleceram tradição nos bairros da cidade, demonstrando grande vigor a cada ano. Percebe-se, grosso modo, a aceitação das várias formas de folias por parte da população; apesar, naturalmente, do maior ou menor agrado que alguns possam demonstrar diante dos grupos aos quais estão mais acostumados. Entre as folias baianas percebem-se adaptações e a adoção de alguns procedimentos da tradição local (goiana/mineira, basicamente), como o uso da bandeira, que estes não praticavam em suas regiões de origem. Porém, estes migrantes têm conseguido manter elementos fundamentais das suas próprias tradições, como se nota nos aspectos musicais, que atuam nestes grupos como uma espécie de amálgama que alinhava a unidade grupal assim como é o elo de acesso com as divindades e a coletividade. Há, inclusive, casos inversos onde, por exemplo, um embaixador nascido em Goiás passou a adotar formas de cantoria do sistema baiano, além daquelas da sua própria vivência original. Podemos lembrar, ainda, que prevalecem na cidade as folias do tipo mineira e não do sistema goiano como seria de se supor. Naturalmente, este quadro se verifica por ser Goiânia uma cidade de formação relativamente recente onde não havia, quando do processo inicial das migrações, uma tradição já cristalizada nesse campo, o que possibilitou aos que para lá se dirigiram, em número significativo, a manutenção de suas tradições. Por outro lado, a grande quantidade de folias na cidade se verifica, muito, em função da aceitação e prática que a população migrante das diversas regiões e a população local mais antiga cultivava e mantém em relação a esta forma religiosa. Alguns aspectos mostram adaptações das folias à vivência da "cidade grande" e com a chamada "modernidade", como: 97
· Não realização do pouso de dormida, pelos foliões; · uso de veículos (carros) para alguns deslocamentos mais longos da folia; · mutabilidade de alguns membros (foliões) no decorrer das jornadas, em função de problemas com o trabalho profissional; · diminuição, em algumas folias, do número de estrofes cantadas nas casas, diante da grande quantidade de visitas que realizam; · presença comum de gravadores e máquinas fotográficas entre os foliões (para registro das cerimônias), assim como figuras de plástico nos presépios, altares e bandeiras; · intervenção policial com a exigência do Alvará (embora não mais necessária atualmente); · distanciamento
maior entre a população que realiza e vive
diretamente a prática das folias com as elites da cidade (proprietários, profissionais de formação universitária etc.). (Nas regiões rurais, embora as classes econômicas sejam distintas, muitas vezes as tradições culturais podem ser mais próximas); · diminuição, em muitas folias, dos dias de jornadas em função de problemas com o trabalho; · convivência dos foliões com os meios de comunicação de massa (TV, rádio, toca-discos); · o exercício por parte dos foliões de profissões subalternas típicas das grandes cidades e não mais ligadas às atividades agrárias. Assim, apesar das modificações que esses elementos podem provocar nas folias, não se pode concordar de forma simples, com a observação da pesquisadora Yara Moreira: "Mas a folia está condenada à descaracterização e, no seu sentido original, possivelmente à extinção”
(22)
.
Apesar das transformações,"algumas condições de restabelecimento da 98
(23)
"ordem de relações e de sujeitos sociais”
têm-se verificado nos bairros
onde circulam as folias em Goiânia, possibilitando, provavelmente por bom tempo ainda, a continuidade
destas, que podem, inclusive, ser
entendidas como fator de identificação dos marginalizados da grande cidade e, ainda, como elemento de mediação moderadora entre o tipo de viver das pequenas cidades interioranas e da vida do campo com o novo cotidiano do grande centro urbano, já que na maioria das vezes trata-se de migrantes dessas condições. Estudos mais aprofundados, no entanto, poderão apontar contra posições internas de ordem social, porquanto é revelador que as folias evitam o giro em áreas coincidentes, fugindo à aproximação com outros grupos e, ainda, as folias de migrantes baianos, sem ser regra absoluta, foram localizadas em bairros distantes, junto à população mais carente, enquanto nas regiões mais centrais circulam predominantemente folias da tradição mineira/goiana. Naturalmente, essa distribuição geográfica das folias se dá diante da própria conformação histórica da cidade, onde a população migrante pobre da Bahia se estabeleceu por último, ocupando os seus espaços periféricos. (24)
Acompanhando uma folia baiana (Parque Santa Cruz , pude presenciar momentos reveladores, sutis, dessas contraposições intergrupos na cidade, como os registrados num dia de forte chuva, enquanto os foliões aguardavam melhores condições para prosseguimento do giro. Passaram a se propor adivinhas, entre os foliões: a) Pergunta: Você sabe qual a diferença entre o eucalipto e o Goiano? Resposta:
O eucalipto, quando você, planta, ele cresce, cresce e depois ele fica grosso, ... o goiano já nasce grosso.
b) Pergunta: Sabe como é a "Ave Maria" dos Pentecostes? (religiosos das Igrejas Pentecostais) Resposta: Alvenaria, cheia de massa 99
O senhor come rosca Bendito é o revólver Atiranagenteeapagaaluz (dentro da estrutura recitativa tradicional desta oração) c) Piada sobre o giro de uma folia mineira: A folia parou na estrada, perto de uma fazenda, para rápido descanso. A bandeira foi deixada junto da cerca, sendo que uma vaca comeu o tecido. Ao chegarem na
fazenda
cantaram: Eaquiestáopaudabandeira Eo panoavacacomeu O curpado foi de nóis mesmo Da pinga que nóis bebeu, ai, ai Outra cantoria: Obrigado meu senhor Pela oferta que não deu Pela oferta que não deu Dá um cheiro (beijo) no bambu Queabandeiraoboicomeu (cantam imitando as formas musicais das folias mineiras). Assim, percebe-se nestes momentos, aparentemente de simples "passatempo", na realidade, as contradições intergrupos, dentro da própria população das baixas classes, sendo que as mais flagrantes no momento são as que se dão ao nível das relações entre devotos da tradição católico popular e os chamados "crentes" (Igrejas Pentecostais) que têm crescido bastante, tanto nos grandes centros urbanos quanto nas regiões 100
interioranas, e combatem muito as manifestações do catolicismo tradicional popular, evidentemente, trazendo conflitos sutis de ordem social. Portanto, em que pese as críticas de ordem ideológica que alguns estudiosos
(25)
fazem às práticas culturais populares como instrumentos de
alienação (com as quais pode-se concordar, pelo menos em parte), há de se reconhecer nelas, neste caso específico, diante do reformismo reacionário proposto no crescimento dessas igrejas pentecostais, um instrumento de resistência e identidade dessas populações, ao mesmo tempo que, sob a ótica mais ampla, transformam-se intuitivamente em resistência à cultura hegemônica de caráter "modernizante". Entretanto, não se pode, por outro lado, radicalizar a visão "dionisíaca" de, partindo desses exemplos ou das culturas populares como um todo, ver nestas uma tendência transformadora (estrutural) inata do social, já que as pesquisas, até o momento, não permitem tanto. Quando muito será possível uma perspectiva de eventual potencialidade transformadora, conforme aponta Marilena Chauí quando diz que "a prática da Cultura Popular pode (grifo meu) tomar a forma de resistência e introduzir a 'desordem' na ordem, abrir brechas, caminhar pelos poros e pelos interstícios da sociedade brasileira: ...” porquanto, no caso aqui estudado, cantam-se "folias aos Reis" mas também praticam-se os sambas do povo
(26)
.
Em Goiânia, as Folias de Reis, pela quantidade e pelo dinamismo, não refletem no momento apenas a transposição isolada do viver do campo para a cidade, mas constitui fenômeno de maior amplitude, diferentemente do que vimos assistindo na maioria das cidades brasileiras nos seus processos de crescimento, onde comumente se observa grande desagregação social e perda das identidades culturais dessas populações dos excluidos.
101
TRANSCRIÇÕES MUSICAIS (Anexo) FOLIA DE REIS Exemplo 1: CANTORIA
DE SAÍDA
Folia do Setor Pedro Ludovico (Folia mineira) Embaixador:Argemiro Isidoro de Macedo - "CapitãoAmantino"
Exemplo 2: CANTORIADEAGRADECIMENTO PELOALMOÇO
Folia do Parque Santa Cruz (Folia baiana) Embaixador: Valdemir Alves de Souza “Capitão Valdir"
Exemplo 3: CANTORIADEAGRADECIMENTO
PELO ALMOÇO E HOMENAGEM À PESSOA FALECIDA (Mesma melodia do exemplo 1) 102
Exemplo 4: CANTORIA DE PEDIDO DE ESMOLA
(27)
Folia do ParqueAlvorada (Folia baiana) Embaixador: José Simão Rosa
Apesar de esta folia ter todos os seus componentes baianos, não havia a presença das "gaitas", pois o Embaixador não conseguiu quem as executassem; usam apenas um violão, dois tambores e um pandeiro vazado. O violão serve apenas como elemento de marcação da pulsação rítmica, sem qualquer afinação. Observe-se a melodia, que transportada para a pauta sem acidentes (dó) resulta no modo de Si Natural, sem o 6º grau, portanto baseada em sistema modal, em série defectiva. Uma outra análise será possível, qual seja: se considerarmos que esta melodia pode ter sido executada originalmente em terças (abaixo, neste caso), tão comum no nosso folclore musical - até em execução das "gaitas"', então, a interpretação passa a ser outra, ou seja, tratar-se-á de melodia sob a escala maior com o 7º grau rebaixado ré bemol, ou modo de Sol Natural (Mixolídio litúrgico ou eclesiástico) que tem grande ocorrência na região nordeste. Nesse caso a indicação dos acidentes na armadurada clave deverá ser: si bemol, mi bemol, lá bemol, ré bemol e sol bemol, ficando o dó bemol como acidente ocorrente (7ª nota rebaixada, do modo maior). Como a melodia foi interpretada nesse grupo apenas em uníssono, sem o acompanhamento de qualquer instrumento de reforço harmônico, esta segunda interpretação fica impossibilitada de confirmação apesar de bastante lógica. 103
Sambas de Roda
A motivação maior para a realização do samba se dá quando as folias baianas visitam casas de outros migrantes da Bahia, naturalmente. Apesar de a dança ser realizada sobretudo após as refeições (preferencialmente depois do jantar), segundo alguns depoimentos, há a obrigatoriedade dos foliões executarern a chula e/ou o samba sempre que o dono da casa solicitar. Os sambas têm melodias curtas (versos dísticos e quadras) "puxados" por um solista e respondido em coro pelos demais participantes. A dança se desenvolve em roda, com um par de solistas no centro, que se revezam com os elementos da roda. Pode ter acompanhamento de instrumentos melódicos ou harmônicos, ou apenas o canto com o palmeado ("samba de boca") fazendo a marcação rítmica. Há depoimentos de samba realizado apenas com música instrumental, sem canto.
Ritmos básicos: Palmeado Tambores Caixa
ARROIS NA BAXA
(Arroz na baixa)
Arrois na baxa enchente matô (solo) Capim marelô (amarelou), veado comeu (coro)
104
A CASA CAI Acasacai,cai,cai(solo) Emcimademimelanãocai(coro)
Ê VEM JOÃO DUQUE Ê vemJoãoDuque,cambada(solo) Quemnãotemcanoacain'água(coro)
(Segundo a informante: João Duque era um fazendeiro da localidade onde morava, que era "muito brabo” e permitia a realização de festas somenteapósoseuconsentimento).
EU VI, EU VI Euvi,euvi, Euvimeubemdormir Maseuviopa'sso(pássaro)preto Namorando a juriti
solo solo coro
105
PIABA Ê Piaba ê, piaba ê
(solo)
Eu não sou piaba não
(coro)
Piaba ê, piaba ê
(solo)
Sou piaba e sei nadá
(coro)
PIAU NADÔ Piau nadô, nadô
(solo) .
Piau nadô no má (mar)
(coro)
Piau nadô, nadô
(solo)
Quero ver piau nadá
(coro)
PIRU, PIRU (Peru)
106
Piru, piru, piru da bananera
(solo)
O piru bebeu cachaçha,vadiô a noite inteira
(coro)
TAVA DEBAIXO DO PAU
Tavadebaixodopau Asariemas (siriema) vuô (voou). O gafanhoto caiu Asariemapegô
(solo) (coro)
Ô EMA, Ô EMA
Ôema,Ôema, (solo) Ôemacorredera Nunca vi pa'sso (pássaro) de pena (coro) Pracorrêdessamanera
Chula
Asinformaçõesobtidassobreachulasãovariadas.Pudeobservardois tipos, que denominavam chula: a) cantoria de improvisação de versos, que chamam: "Jogar verso" (solo), intercalada, com refrão fixo (coro), sem dança; b) movimento circular dos foliões, ao som de música instrumental (gaitas e percussão) em andamento bastante rápido (M.M = 160); que poderíamos considerar uma espécie de dança em movimento andante, em círculo. Em alguns momentos houve a presença de um par (duas mulheres) dançandonocentroda roda, ao mesmo tempo emque osfoliões giravam. 107
Alguns informantes afirmam que a chula "não é dança", porém, Oswaldo de Souza, que pesquisou a música na região do (rio) Médio São Francisco-Bahia
(28)
diz: "Na maioria dos sambas, as melodias são curtas,
embora em alguns casos note-se um maior desenvolvimento melódico, recebendo, então, a melodia, a denominação de ‘chula de samba’. Conforme pude observar, não existe diferença coreográfica entre as duas" (chula e samba). Diz, ainda, o autor que a chula ocorre no samba, "embora tenha vida cancionável independente." Ritmo no tambor:
CHULA
(solo)
O Janaína Pra que você feiz assim
(coro)
Eu vim de lá Para te ver, você escondeu de mim
(solo)
bis.
bis
Quem tem dois anel no dedo Um é grande outro é pequeno Eu tem (nho) dois amor no mundo Umébrancooutroémoren(no) Euvim... O senhor diga o seu nome Queeutambém,eudigoomeu Eu me encanto fazendo ...(verso incerto; ininteligível) Daquele terninho seu Eu vim...
108
Águapracimanãocorre Prabaixoelatemcarrera Vivaquemtemamorzin(nho) Na fazenda Gamelê (ra) .. Euvim... Afoiá(folha)dabananera Detãoaltofoiochão Quemtivélínguacomprida Façadelaumcurrião Euvim... Lánocéutemtreisestrela Todaastreisencarreá(da) Umaéminhaeoutraésua Outraédomeunamorá(do) Euvim... ObrigadoseuSimão Peloversoemmimrogô(incerto) Na sola do seu sapato Correuáguaenasceuflô Euvim..
(Observe-se que esta melodia não tem clareza tonal, sendo preferível considerá-lanomododeminatural,transpostaparadósustenido) 109
CHULA
Tô gastano o meu dinhero (solo)
só porque posso gastá Muiéruimébichomau quer fazê o home pená O machado corta
(solo)
O cavaco vorta Eeubemmechama Eeunãomeimpor(to) Fui entrano nesta casa , Foi pisano (pisando) no molhado Adonadacasaéboa Não me deixa envergonhá O machado ... Lá embaixo na Bahia Senhor rei mandô chamá Mete o machado no pau Deixa a gaia rivirá (o galho virar) O machado ... Companhero de viage Não me deixa eu cantá só Eu sozinho eu canto bão Mas vocês cantão mió (melhor) O machado ...
110
Notas
1)
Em diferentes fontes bibliográficas, há informações desencontradas sobre a distância entre as duas cidades.
2)
Conf. Gilberto Giménez, “La cultura popular: problemática y lineas de investigacion" in Estudios sobre las culturas contemporaneas, v.l, n.3 (mayo de 1987), pp. 71-96. Pelas décadas de 70 e 80 principalmente, muitos estudiosos da cultura popular, baseados nos escritos de A. Gramsci, passaram a adotar nas suas análises da cultura a forma simplificada de classes sociais, com base na dualidade: cultura popular
(dominada) & cultura hegemônica
(dominante), entendendo o folclore
como forma de
contestação da cultura dominante, conforme Luigi M. L. Satriani (1986), o que merece melhores reflexões, não só pela excessiva simplificação do social, mas, porquanto a antropologia política, em autores com G. Balandier, Victor Turner
(ver
bibliografia) e outros, tem mostrado que
mesmo em sociedades não classistas são muitas as formas contestatórias. 3)
Carlos Rodrigues Brandão, Sacerdotes de Viol a (Petrópolis, 1981), p. 107.
4)
Em 1937 "foi assinado o Decreto nº 1816, transferindo definitivamente a capital Estadual da cidade de Goiás para a d e G oi ân ia ", c on f. " Mo no gr af ia s M un ic ip ai s" : Goiânia/Goiás, Brasil, do IBGE, RJ, 28/10/1983 – ISSN 0406-9773, p.3.
5)
idem: Goiânia... p. 15. 111
6)
A mesma publicação, p.1, aponta a existência de "273 bairros, setores e vilas" na cidade.
7)
Yara Moreira tratando das folias no Estado de Goiás menciona a existência de: "Folia 'maranhense' ", de Guaraí, constituída somente de mulheres e da "Folia De Reis 'Piauiense' ", na cidade de Pedro Afonso (atual Estado de Tocantins), "uma Folia de Reis urbana com elementos do Bumba meu Boi", além de mencionar também as folias de sistema goiano, in "Música nas Folias de Reis 'Mineiras' de Goiás”,
Revista Goiana de Artes ,
4(2) (jul/dez.1983), p.
174. 8)
Embora a tradição geral seja a de realização das visitações (giro) entre 24 de dezembro a 6 de janeiro, em Goiânia existem grupos que seguem tradições particulares: de 1 a 6 de janeiro, de 25 de dezembro a 2 de janeiro etc., podendo ocorrer até cantorias de reis fora deste ciclo, quando há "voto" (promessa).
9)
Carlos Rodrigues Brandão, idem, p. 49, diz que "a Folia de Reis é um
grupo
ritual do catolicismo popular incluído
dentro de um campo de relações e de representações entre deuses e homens, e entre tipos de homens, mediador de dádivas." 10) O procedimento usual das folias é de receber "esmolas" em nome dos Reis Magos, mas há casos em que ocorre o processo inverso, conforme documenta Yara Moreira: "A Folia chega e pede; se a pessoa tem condições dá aquilo que pode. E os foliões vão levando muitas coisas na sua jornada, para o dia do festejo: frango, arroz, tudo isso sai. Mas já 112
aconteceu, e acontece sempre, da gente chegar numa casa que tem escassez daquilo. Aí palhaço já dá a busca, olha e vem avisar. O Capitão autoriza, a Folia canta pr'aquele povo e deixa algo prá eles. Oferece o que tem, comida ou dinheiro. Eles recebem, não dão", op. cit., p. 150. 11) Rei Herodes - Segundo a Bíblia Sagrada, o rei na tentativa de matar o Menino
Deus mandou sacrificar todos os
meninos que havia em Belém e em todos os seus arredores, da idade de dois anos para baixo. 12) Creio ser possível, aqui, na compreensão da figura do palhaço (simbolicamente representando a "desordem") nas folias de reis (a "ordem") uma reflexão correlata ao que faz Renato Ortiz em relação ao Exu na Umbanda e a cultura popular frente a cultura hegemônica, in A consciência fragmentada (Rio de Janeiro, 1980), pp. 67-89. 13) Os migrantes baianos entrevistados são das cidades: Barreiras, Correntina, Santana dos Brejos, Santa Maria da Vitória e Carinhanha. 14) Também no interior do Estado de S. Paulo foram registradas folias baianas (de gaita) em Votuporanga e em Olímpia. A Folia Baiana de Olímpia tem música gravada no discocompacto: Folguedos Populares do Brasil , 1972, que fez parte do Calendário Philips. (Pesquisa da folclorista Laura Della Monica). Esta folia, porém, é musicalmente distinta das folias baianas registradas em Goiânia. 15) Sobre o uso da bandeira nas folias de reis, diz Signeis Pereira dos Santos (50 anos, nascido em Barreiras, Bahia, residente em Goiânia desde 1970), cuja folia sai apenas 113
durante três dias: "Lá na Bahia só sai bandeira do Divino, São Sebastião, São João e Coração de Jesus, que só caminham de dia. Folia baiana (de reis) não tem bandeira. Esse povo daqui parece tudo doido, que sai com bandeira de reis. Folia que sai de noite não pode ter bandeira"(Goiânia, 2/1/1988). 16) Aladaris Brasil de Morais [50 anos, nascido em Goiás (Velho); embaixador de folia doJardim Guanabara], diz que canta três músicas em sistema goiano, uma em sistema baiano e uma em sistema mineiro. 17) Yara Moreira, op. cit., p.174. 18) Benedito Pereira dos Santos, nascido em Jaraguá-Goiás, da Folia do Setor Jardim Novo Mundo. 19) Aladaris Brasil de Morais- ver nota 16. 20) Em uma das cerimônias presenciadas, a festeira usava uma coroa dourada (de papel). Realizou-se ali o "encontro das bandeiras" do ano anterior (conduzida de dentro da casa) com a bandeira do ano (que chegava),Vila Concórdia. 21) Alba Zaluar: Os homens de Deus (Rio de Janeiro, 1983), p. 118. 22) Yara Moreira, op. cit., p. 159. 23) Carlos Rodrigues Brandão, op. cit., p. 107. 24) Dos diversos grupos de folias contatados, apenas esta tinha os seus elementos usando mesma roupa (uniforme): camisa amarela, calça verde e quepe verde. 25) Alguns estudiosos brasileiros, sensíveis às contradições sociais do País, vêem nessas práticas religiosas instrumentos de alienação, conforme se vê em Francisco 114
Assis Fernandes, analisando os cantos das romarias de Aparecida-SP: "Os cantos deAparecida longe de terem uma função libertadora tornaram-se parte
de ideologia
reconciliadora dos contrastes que medeiam nossa s o ci e da de . D e se mp en ha m p ap e I d e a na l gé s ic o marginalizador"., conf. "O canto nas romarias de Aparecida : opressão ou alienação" in Comunicação e Classes Subalternas, coord. José Marques de Melo (São Paulo, 1980), p. 184. Da mesma forma, baseados principalmente no pensamento gramsciano, movimentos políticos no Brasil, na década de 60, como os dos CPCs: Centros Populares de Cultura, tenderam a ver as culturas populares sob o prisma da alienação, conf. Renato Ortiz, op. cit., p. 64. 26) Marilena Chauí, Conformismo e resistência (3 ed., S. Paulo, 1989), p.178. Sobre o assunto, diz Renato Ortiz, op. cit, pp. 10-11: "Os, fenômenos populares (...) encerram sempre uma dimensão onde se desenvolve uma luta de poder, porém, seria impróprio considerá-los como expressão imediata de uma consciência política ou de um programa partidário". 27) Pela interpretação praticamente rezada desta melodia realizei a transcrição
indicando barras pontilhadas de
divisão de compasso, apenas para facilitar a leitura; também a fórmula do compasso está entre parênteses (quatro por quatro), com base no motivo rítmico da percussão que ocorre em quatro tempos. Esta melodia foi publicada originalmente no D.O. Leitura, S. Paulo, 8 (94) março de 1990, p. 9, in "'Andanças dos Reis Magos no Brasil", 115
Américo Pellegrini Filho & Alberto T. Ikeda, tendo sido questionada, por carta, pelo musicólogo Dr. José Geraldo de Souza. A transcrição anterior foi realizada com sustenidos ocorrentes, na mesma altura (a partir da nota fá), e não com os bemóis fixos como se vê nesta versão, conforme sugestão do referido estudioso. Pela forma como foi cantada esta melodia pelos foliões pode-se concluir que a melodia ocorre flagrantemente em sistema modal, baseada em série defectiva (sem o 6º grau). Pode-se, assim, questionarousodaarmadurafixadaclavedosistematonal, porquanto há inexistência do ré bemol na melodia. Ainda, o mesmo estudioso interpreta esta melodia como sendo baseada em "série pentafônica", baseada no "menor natural". 28) Oswaldo de Souza, Música folclórica do Médio São Francisco, v. II (Rio de Janeiro, 1980), p.171. Ver também: Oneyda Alvarenga, Música popular brasileira (Porto Alegre,1950),pp.158-159. Bibliografia
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119
*
Um trio musical formado por sanfona, zabumba e triângulo e qualquer espaço suficiente para os casais dançarem “agarrados” gêneros como: xote, baião, xaxado e o próprio forró; também o samba e a lambada, ultimamente. Pronto, aí está o forró. Pode acontecer em um salão de dança na grande cidade do Sul (Sudeste), no terreiro das casas do interior nordestino e mesmo em uma praça pública. Dicionários e livros especializados em música sempre definem o forró como “arrasta-pé”, “baile da ralé”, “baile ordinário”. Sendo a palavra uma redução de forrobodó, de mesmo sentido, significa também “divertimento”, “festança” das classes baixas, “desordem” e “bagunça”. Forrobodó é assim registrado por pesquisadores, pelo menos desde 1882 na imprensa do Recife-PE e em épocas posteriores também no Sul do País (1)
(2)
. Antônio Geraldo Cunha anota-o como de “origem expressiva” . Em (3)
Minas Gerais, Saul Martins
registra, para designar “desordem” ou
“briga”, a palavra “frogodó”, como em São Paulo são usuais, além de forrobodó, as palavras: borobobó, barababá, fuá, banzé, bozó, fuzuê e outras. Assim, percebe-se que o uso de forrobodó (pelos letrados: jornalistas e escritores, a elite) para se referir aos bailes populares tinha na verdade um fundo de preconceito em relação às manifestações populares, assim como ainda atualmente as rodas de sambistas nas ruas e bares dos bairros são 121
vistas por muitos como local de brigas e desordens. Como dado histórico importante sobre esta palavra, podemos lembrar, ainda, da revista teatral intitulada Forrobodó, de Carlos Bittencourt e Luiz Peixoto, com músicas de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), estreada no Rio de Janeiro em 1912, que segundo Edinha Diniz foi o maior sucesso teatral da compositora, tendo como tema central um baile popular no bairro (4)
(5)
da Cidade Nova , no Rio de Janeiro. Luís da Câmara Cascudo explica que a peça “foi muito representada e aplaudida por todo o Brasil (19171919)” como de fato se via ainda pela década de 20 em São Paulo, pelos anúncios da Folha da Noite de 10/7/1922 e 28/9/1923, sendo representada respectivamente nos teatros Braz Polytheama e Apollo. Dessa forma, sendo comum o uso, pelas elites, da palavra forrobodó para designar os bailes das camadas pobres, fica fácil entender que a população a simplificasse e passasse a chamar esses bailes de forró. Nos últimos anos, no entanto, vários artistas nordestinos (Sivuca, Geraldo Azevedo, Hermeto Pascoal e outros) têm divulgado a versão de que forró seria uma deturpação do inglês: for all , conforme registrado em 1980 por João Epifânio Lima Campos: “Quando a companhia inglesa Great Western inaugurou sua primeira estrada de ferro no interior de Pernambuco, quis comemorar o importante acontecimento com promoção de um baile que seria animado pelo som alegre da sanfona, pela batida surda da zabumba. O momento era de muita alegria e estavam todos convidados; pelo menos era isso que os 'gringos' pretendiam comunicar ao caboclo desconfiado quando afixaram à entrada do grande barracão, em (6)
letras garrafais, for all ”. Daí os moradores da região passaram a chamar os seus bailes de forró. A mesma versão foi transformada em música pelo 122
compositor Geraldo Azevedo, como se vê na canção “For all para todos”, (7)
no disco de mesmo nome, de 1982 . Esta segunda versão realmente soa ter boa lógica, porquanto nesse caso o fato teria ocorrido na segunda metade do século XIX, antes do registro dos estudiosos para a palavra forrobodó, pois já em 1858 estava (8)
inaugurada a E.F. Recife ao São Francisco , assim como em 1879 (9)
inaugurava-se a E.F. de Limoeiro , pela The Great Western of Brazil Railway Co. Ltd. Particularmente, no entanto, creio que a palavra se originou mesmo de forrobodó, que é termo expressivo até hoje usual, podendo estar no linguajar popular muito antes do seu registro pela imprensa; além do que for all num primeiro momento resultaria em foró, não sendo natural que desta se passasse para uma palavra de maior impedância que seria forró. Por outro lado, será difícil crer-se que forró desse origem a forrobodó, o que, da mesma forma, contraria frontalmente a prática popular de simplificação das palavras (pelo menor esforço) tão comum no Brasil. (Teria ocorrido uma fantástica concomitância de fatos?!) Bem...deixamos para os etimólogos o aprofundamento dessa questão que em nada interfere na importância do forró enquanto fenômeno cultural popular, que conta atualmente até com um 'forródromo' em Campina Grande-Paraíba e uma Praça do Forró, no bairro de São Miguel Paulista, em São Paulo
(10)
.
Da mesma forma que o samba e o maxixe, o forró inicialmente designava a reunião dançante (baile, festa) e o local da dança, passando posteriormente a caracterizar a dança e um gênero musical específico. Há de se registrar, entretanto, que historicamente em muitas regiões nordestinas o nome usual para os bailes populares era samba, embora a música executada fosse a que hoje conhecemos como forró. Assim, no 123
Nordeste, através da música, o forró se espalhou por todo o País, notadamente em localidades que receberam grandes grupos de migrantes nordestinos como o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outras cidades, principalmente após a década de 50, conforme aponta J.R Tinhorão
(11)
.
A música música “norde “nordesti stina” na” no Sudest Sudeste e
A música nordestin nordestinaa “típica” já se fizera presente no Sul pelo menos desde o início do século, pelo trabalho de músicos como o violonista e compos composito itorr João Pern Pernamb ambuco uco (188 (1883-1 3-1947 947))
(12)
com suas suas “embo “embolad ladas” as” e
“toa “toada dass nort nortis ista tas” s”,, que que em 1913 1913-1 -191 914 4 fez fez suce sucess sso o no Rio Rio de Jane Janeir iro o com com a embolada Cabo Caboca ca de Caxa Caxang ngá á. A le letra da d a embolada er e ra de ou o utro “n “ nortista” (do (do Mara Maranh nhão ão)) Catu Catulo lo da Paix Paixão ão Cear Cearen ense se (186 (18666-19 1946 46), ), poet poeta, a, modinheiro e também cantador de “temas nortistas”. João Pernambucano estev estevee em São São Paulo Paulo com com sua sua “tro “troup upee serta sertane neja” ja” em 1915 1915,, apre aprese sent ntan ando do-s -see em um festival festival sobre folclore organizad organizado o pelo intelectual Affonso Affonso Arinos, Arinos, no Teatro Municipal; tendo se apresentado também em outros locais da cidade no ano seguinte, inclusive, juntando-se ao escritor e folclorista paulista Cornélio Pires (1884-1958) que naquela época se dedicava às “pal “pales estr tras as caip caipir iras as”. ”. Post Poster erio iorm rmen ente te,, entr entree fins fins de 1919 1919 e iníc início ioss de 1920 1920,, o músi músico co volt voltou ou a São São Paul Paulo o apre aprese sent ntan ando do-s -see na Capi Capita tall e Inte Interi rior or,, integr integrand ando o o conjun conjunto to Oito Batuta Batutas, s, lidera liderado do por Pixing Pixinguin uinha ha (1898(1898-197 1973) 3) onde onde,, entr entree chor choros, os, modi modinh nhas as e tango tangoss (max (maxix ixes) es) apre aprese sent ntav avam am as (13)
“emboladas “emboladas do norte” norte” . Antes dessa dessa época, época, J.R. Tinhor Tinhorão ão localiza, localiza, logo logo nos primeiros anos do século, a presença da música nordestina no Sul na voz do “antigo palhaço de circo e depois cantor de discos da Casa Edison, Eduardo das Neves” (1874-1919), músicas essas aprendidas nas suas (14)
'tourn 'tournées ées artísti artísticas' cas' pelo pelo Brasil Brasil . Assim, Assim, passand passando o por esses músicos músicos e posteriormente por grupos de sucesso como os 'Turunas Pernambucanos' que em 1922 chegaram chegaram ao Rio de Janeiro Janeiro e pelos 'Turunas 'Turunas da Mauricéia', 124
em 1927; chegando a inúmeros artistas nordestinos que se consagraram pelas décadas de 30, 40 e 50, entre os quais Manezinho Araújo, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Catulo de Paula, Venâncio e dezenas de artis artista tass da gera geraçã ção o atua atuall de músi músico coss popu popular lares, es, os gêne gênero ross musi musica cais is populares, os gêneros musicais nordestinos fizeram parte da história da música popular brasileira neste século. Há de se lembrar, por exemplo, do período de grande sucesso dos baiões, entre 1946 até por volta de 1955, quan quando do o gêne gênero ro alca alcanç nçou ou suce sucesso sso inte intern rnac acio iona nalm lmen ente te,, tend tendo o como como figu figura ra cent centra rall o sanf sanfon onei eiro ro Luiz Luiz Gonz Gonzag agaa (191 (19122-19 1989 89)) e seus seus parc parcei eiro ros. s. Após Após um período de certo esquecimento o baião e outros gêneros nordestinos passaram a ter nova revalorização pelos meados da década de 60, através de artista artistass como como Gilber Gilberto to Gil, Caetan Caetano o Veloso, eloso, Gerald Geraldo o Vandré andré e outros outros.. Dessa forma, no começo do século falava-se nas “canções nortistas” referi referindo ndo-se -se aos vários vários gênero gêneross musica musicais is nordes nordestin tinos; os; poster posterior iormen mente te tudo tudo passou a ser “baião”, na fase áurea desse gênero; chegando-se aos últimos vinte anos onde tudo será “forró”, seja na realidade xote, baião, xaxado, coco coco,, embo embola lada da e o próp própri rio o forr forró, ó, natu natura ralm lmen ente te.. O forr forró ó nos salõ salões es e nas nas ruas ruas
Os salões de dança para os migrantes nordestinos nordestinos existem, existem, no Rio de Janeiro, desde a segunda metade da década de 50 e em São Paulo desde 1962 1962,, conf confor orme me apon aponta ta J.R. J.R. Tinho inhorã rão o
(15)
que que se refe refere re,, resp respec ecti tiva vame ment nte, e, ao
Forró do Xavier e ao Forró do Pedro Sertanejo. A esse respeito, diz Mundicarmo Maria R. Ferretti: “As Casas de Forro surgiram no Rio de Janeiro e São Paulo como local de divertimento de migrante nordestino, logo logo após após o lanç lançam amen ento to do baiã baião, o, e eram eram freq freqüe üent ntad adas as por por trab trabal alha hado dore ress de construção, empregadas domésticas e por outros segmentos das camadas suba subalt lter erna nas” s”
(16)
. 125
Pelas décadas de 60 e 70, muitos forrós proliferaram nessas cidades, passando pelos inúmeros modismos musicais da indústria de comunicação de massa assa,, send sendo o que que na seg segund unda meta metade de da déca década da de 70, 70, com com os “emb “embal alo os de sába sábado do à noite noite”” (disco (discoth thèq èque ue))
(17)
algu alguns ns forr forrós ós se tran transf sfor orma mara ram m em
uma espécie de “forrotéque”, alternando noites de forrós com noites de “música jovem”, à base de discos (”disco dance”). Ao mesmo tempo, foi moda a presença da música de forró (até como reação à invasão das discot discothèq hèques ues)) nos ambien ambientes tes mais mais intele intelectu ctualiz alizado ados, s, como como se viu nas promoções de noites de forró até nos centros acadêmicos das univ univer ersi sida dade des. s. També ambém m prog progra rama mass de TV sur surgira giram m como como a “Sua “Sua Majestade o Forró”, na TV Rio (Rio de Janeiro, 1975) ou os programas leva levado doss ao ar pela pela TV Gaze Gazeta ta de São São Paul Paulo. o. Das Das dezen ezenas as de forr forrós ós de São São Paul Paulo, o, o de Pedr Pedro o Sert Sertan anej ejo o (à époc época, a, na Rua Rua Catu Catumb mbi, i, Bele Belenz nzin inho ho,, e atua atualm lmen ente te no Parq Parque ue São São Rafa Rafael el,, zona zona lest leste) e) se mant mantev evee fiel fiel à músi música ca dos dos Trios rios Nord Nordes esti tino nos, s, como como se vê aind aindaa atua atualm lmen ente te,, até até por por reaç reação ão do próp própri rio o públ públic ico o que, que, segu segund ndo o o seu seu fund fundad ador or (18)
, não não acei aceito tou u a cham chamad adaa “mús “músic icaa jove jovem” m”.. No enta entant nto, o, forr forrós ós como como o Asa Asa
Branca (fundado em 1971), nos bairros de Santo Amaro e Pinheiros, atua atualm lmen ente te apre apresen senta tam m músic músicaa de forr forró, ó, conj conjun unto to de lamb lambad adaa (com (com guit guitar arra rass e bate bateri ria) a) e conj conjun unto to de samb samba, a, send sendo o que que aos aos domi doming ngos os func funcio iona nam m no siste sistema ma 'disc 'disco o danc dance' e' com com músi música ca 'bla 'black ck'.'. Também, diversos restaurantes foram abertos nas décadas de 70 e 80 no bair bairro ro de Pinh Pinhei eiro ros, s, com com comi comida da típi típica ca e músi música ca nord nordes esti tina na,, como como o Bar Bar Avenida (fundado em 1986) que mantém na sua danceteria uma banda (Banda (Banda Mexe com Tudo) que se dedica aos ritmos ritmos dançantes, inclusive inclusive ao forr forró, ó, aten atende dend ndo o a um públ públic ico o de alta alta clas classe se médi médiaa e da elit elite. e.
126
Embora o público dos forrós seja predominantemente de jovens e pessoas de meia idade, é comum a frequência de indivíduos mais idosos, notadamente nas casas localizadas nos bairros mais populares. Nessas casas, tradicionalmente as mulheres pagam a metade, ou menos, do preço (19)
de ingresso pago pelos homens . Um fato notório nos forrós é a preocupação com a segurança do ambiente, como se nota logo à entrada pela revista feita pelos seguranças, principalmente nos homens. Em alguns deles os seguranças circulam até em meio aos casais dançantes
(20)
.
Também nas praças públicas a música de forró se faz presente, principalmente nos locais de encontro de nordestinos, nos fins de semana, como a Praça da Sé e Largo Treze em São Paulo (anteriormente no Largo da Concórdia) e no Campo de São Christóvão e Largo do Machado, no Rio de Janeiro. A Praça da Sé, aos domingos à tarde, reúne milhares desses migrantes onde, entre a zanzação das pessoas e dos vendedores ambulantes, se apresentam os Trios Nordestinos, os emboladores de coco, os Repentistas de Violas e os vendedores de folhetos de cordel e poesias avulsas, sendo possível até se encontrar um grupo com guitarra, zabumba e triângulo. Há de se lembrar, no entanto, que no tempo do 'velho alcaide' Jânio Quadros (1986-1988) esses músicos ambulantes estiveram proibidos, absurdamente, de se apresentar na Praça “da Fé”, da Catedral (21)
Metropolitana e nas ruas . Além das praças mais conhecidas, encontram-se comumente, nos fins de semana, Trios Nordestinos (sanfona, zabumba e triângulo) em bares dos bairros periféricos, principalmente os de grande concentração de nordestinos como os da Zona Leste e Sul da cidade. Há de se lembrar que também nas festas juninas em São Paulo têm predominado nos últimos anos a presença dos trios e a música nordestina, visto que é grande o 127
número de sanfoneiros daquela região na cidade. Não há propriamente uma forma única de se dançar forrós, ficando na capacidade de cada casal a execução dos passos, podendo-se ver nos forrós vários tipos de coreografia.Além de se dançar de forma “agarrada” nota-se que a movimentação dos pés é fundamental nessas danças; além do que se vê muitos volteios e muitas vezes o entrelaçamento de pernas do casal, à maneira do que se fazia nos maxixes. Entre os gêneros executados, o xote apresenta passos específicos, apesar de poucos casais (no geral os mais velhos) os executarem. Por sua vez a forma de dança da lambada se faz bastante presente nos salões atualmente, mesmo porque, na verdade, esta tem muito das danças de forró.
Os músicos e as estrelas
Assim como os frequentadores dos forrós no geral são das camadas de baixa renda, também os seus músicos são na maioria “primos pobres” na categoria dos músicos. Embora atuem profissionalmente, exercem outras atividades durante a semana (taxista, barbeiros, vendedor ambulante, proprietário de pequeno negócio, cobrador de ônibus, operador de máquina em indústria, vigia noturno etc.
(22)
, apesar de muitos sanfoneiros
terem às vezes vários discos gravados – pelas pequenas gravadoras dedicadas ao gênero. Poucos conseguem sobreviver apenas como músicos, tocando em restaurantes, forrós e realizando 'shows'. Há uma 128
hierarquia de valorização dos componentes dos trios, iniciando-se pelo sanfoneiro, vindo em seguida o zabumbeiro e depois o 'trianguero'. Aquele que se destaca como cantor (independente do seu instrumento) também recebe valorização especial, sendo colocado ao mesmo nível do sanfoneiro. Há de se destacar entretanto a atuação dos “zabumberos” já que os sanfoneiros dependem essencialmente destes nas suas execuções e, afinal, a função maior dessas casas é a dança, que tem no ritmo o ponto básico. O zabumba se executa com uma baqueta mais curta e mais grossa que as usadas pelos bateristas, que normalmente é chamada de “marreta”, sendo também fundamental o “bacaiau” (bacalhau), que é uma vareta fina e longa, normalmente de bambu, que percute a parte oposta à baqueta e que realça as sutis diferenças entre os ritmos
(23)
.
Os forrós mantêm alguns músicos contratados, pelo menos um trio contando ainda com os sanfoneiros avulsos, que normalmente se apresentam em várias casas em uma mesma noite, recebendo pagamento por apresentação. As apresentações têm comumente 30 minutos, sendo que, além destes, semanalmente, os forrós programam apresentações de “estrelas”, que são os artistas de maior projeção como Pedro Sertanejo, Eli Correa, Rita Cadilac, Lilian, ex-dupla Leno e Lilian, da época da Jovem Guarda; Luana Dinis, Lurdinha etc. Entre os sanfoneiros são dois os tipos: o “acordeonista” (de teclados) e o “sanfonero” ou “oito baixo” (de botões no lugar onde estão os teclados no acordeão), instrumento normalmente menor que o acordeão, que embora tradicionalmente seja chamado de oito baixos pode ter mais que esse número de baixos (graves).A sanfona é usada predominantemente como instrumento solista, enquanto o acordeão, além da função solista, é preferido para os acompanhamentos vocais, em função 129
dos seus maiores recursos técnicos. Os “oito baixos” no geral executam músicas bastante simples, praticamente variações melódicas sobre o ritmo,jáqueparaadançanãoseránecessáriomuitomaisdoqueisso. À exceção das “estrelas” o músico de forró (apesar de estar sobre o palco, sob as luzes, e de sempre ter seu nome destacado pelo apresentador) tem atuação eminentemente funcional de serviço à dança, inexistindo mesmo os tradicionais aplausos de entrada e saída como é comum nas apresentações de caráter concertístico. Assim, as apresentações são ininterruptas, não ocorrendo intervalos entre uma música e outra. Muitas vezes até mesmo as “estrelas”' acabam tendo esta mesma função, de meros executantes de músicas para os casais dançarem. Os forrós têm servido inclusive como espaço para artistas iniciantes que, diante de uma platéia menosatenta,podempraticaroexercíciodopalcosemmaioresproblemas. Por ser também local onde se apresentam artistas de “música jovem”, que não se acompanham com o tradicional trio nordestino, todas as casas de forró mantêm atualmente no palco uma bateria, o que tem dado ensejo para que nas apresentações dos trios de forma descompromissada e episódica, um ou outro elemento se apodere desta reforçando a seção rítmica do grupo e onde se podem ouvir as conhecidas sequências rítmicas nos vários tambores da bateria (entre as frases musicais) à maneira do que sefaznorock. Os músicos são 'práticos' na grande maioria, sendo que muitos estudaram teoria inicial de música já em São Paulo para prestar exame na OrdemdosMúsicos.
130
Os gêneros de música
Não obstante serem vários os gêneros nordestinos de música, notamse entre eles as mesmas raízes ou pelo menos um tipo de aclimatação comum quando se trata de ritmo de procedência não local, como o caso do xote (bem anterior à Xuxa, diga-se!). Isto possibilita a existência de uma consciência regional entre os músicos, pois sempre se referem à 'música nortista' ou 'música do norte', independente de serem baianos, cearenses, pernambucanos, alagoanos etc. As considerações adiante apresentadas deverão ser entendidas levando-se em conta as possibilidades de ocorrência de variantes que não se enquadrem nas características apontadas, como é comum quando se trata de gêneros de música de aclimatação folclórica. Servirão, entretanto, como um balizamento inicial para uma melhor identificação de cada gênero. Com boa probabilidade algumas dessas observações poderão não ter validade dentro de alguns anos, pelo processo transformativo natural das manifestações populares, porém servirão pelo menos como um referencial histórico-etnomusicológico. Ênfase será dada especialmente aos acompanhamentos executadospelo zabumba, já que o ritmo é a basede identificação dos gêneros, embora, evidentemente, em função das peculiaridades rítmico-melódicas das músicas. Retomando, ainda, o histórico das músicas 'nortistas' no 'Sul' notamos que pelo início do século as referências aos gêneros musicais eram: cantiga do norte, embolada, embolada do norte, toada nortista, samba sertanejo, toada nordestina e canção nortista entre outros, isto até por volta de 1930. Posteriormente, pelas décadas de 40 e 50, vêem-se as designações: 131
embolada, toada, coco (que aparecia também pelo início do século, com menor incidência), rojão, xote, baião e formas mistas como baião-toada, baião-xaxado, etc. O termo forró apenas aparece com o sentido de baile, como se vê na música “Forró de Mané Vito”, de Zedantas e Luiz Gonzaga, gravada pelo último em 1949, ou em “Forró em Limoeiro” (1953), gravada por Jackson do Pandeiro. No entanto, a especificação dos seus gêneros era respectivamente: baião e rojão, da mesma forma que outras músicas, em cujos títulos aparece a palavra forró, trazem especificações como xote, coco e outros. Na discografia inicial de Luiz Gonzaga, por volta de 19401945, muitas músicas são especificadas como chamego, enquanto em Jackson do Pandeiro, pela década de 50, vê-se bastante a designação rojão.
O forró como gênero musical somente começa a aparecer nos discos pela década de 60, sendo que na década seguinte aparece em grande número, naturalmente em função da consagração do termo em nível 132
nacional a partir daquela época, via profusão dos forrós nas grandes cidades do Sudeste. Assim, apesar de inúmeros os ritmos nordestinos, nos forrós predominam o xote, o baião e o forró, principalmente o primeiro e o último, que num primeiro momento se distinguem em relação ao andamento, do mais lento para o mais rápido. Outros gêneros como a toada, o arrasta-pé, ou o coco e o xaxado mais raramente são executados, já que os três primeiros atendem às necessidades básicas de variedade nos forrós. Evidentemente, como apontado anteriormente, também a lambada e o samba, em percentual menor, têm espaço nessas casas atualmente. (As anotações rítmicas correspondem ao acompanhamento do zabumba, na parte superior à execução da banqueta e na inferior à da vareta). Xote (Chote, Chotis, Xotis) – é dança de procedência européia (de
salão). Segundo Baptista Siqueira, a Schottish foi apresentada no Brasil (24)
(Rio de Janeiro) em 1851, no teatro, e através deste se divulgou . Inicialmente foi dança de salão dos ambientes aristocráticos, passando depois para o meio popular urbano e folclorizando-se nas regiões interioranas, notadamente no Nordeste e Sul do Brasil, onde é bastante executado. Apesar da procedência européia, o xote pode ser considerado atualmente um dos gêneros típicos dessas regiões. (O nordestino normalmente se refere ao gênero no masculino). Nos salões de forró é chamado de “música lenta” (xote é rojão cansado), em contraposição aos demais gêneros de dança que têm (25)
andamento mais acelerado. De ritmo binário, no geral, têm pulsação
em:
semínima igual 72 a 84 (quando escrito em dois por quatro). Melodicamente, nas frases apresentam grande ocorrência de motivos 133
melódicos curtos, tendo regularidade e acentuada contraposição entre os acentos fortes (tésis; 1º tempo do compasso) e fracos (arsis) intercompassos, com frequente ocorrência do ritmo anacrúsico e acéfalo nestes. Seu ritmo possibilita “breques” (interrupção da melodia e do acompanhamento instrumental) bruscos a cada conclusão de frases melódicas, o que lhe dá grande expressividade rítmica. Nos forrós predominam os xotes como música de dança, embora na maioria das vezes tenham letras (poesia). Alguns xotes, no entanto, têm função maior como canção; nesses casos são mais lentos, podendo ser classificados como xote-canção ou xote-toada (Ver figura 1.). Baião – Normalmente se atribui a Luiz Gonzaga a estilização do baião
como gênero de MPB – Música Popular Brasileira, no Sul do País, sendo que o próprio artista assim se posicionava. Segundo esta versão, Gonzaga teria utilizado o “baião de viola” (ritmo realizado pelos violeiros cantadores-de-desafio, enquanto se prepara ou se aguarda para o início da cantoria dos versos) transformando-o em um gênero específico. A (26)
pesquisadora Oneyda Alvarenga
refere-se ao Baiano ou Baião como
dança similar ao lundu (ou o próprio), de roda e com umbigada, onde ocorriam improvisos e desafios entre cantadores ou apenas a música instrumental; isto baseada em informações de pesquisadores desde o final do século passado. Há de se lembrar também que a rítmica padrão de acompanhamento do baião ocorre comumente na chamada música caipira (27)
paulista – no cururu-canção , por exemplo, e em folguedos folclóricos de diversas regiões outras do Brasil, entre os quais nas congadas, comuns em São Paulo e Minas Gerais. De fato, não há procedimento em atribuir-se a criação do baião a Luiz Gonzaga, porquanto é ritmo folclórico; no entanto, há de se creditar a este a importância pela divulgação do gênero pelo Brasil. 134
Podemos dizer que o baião (pós Luiz Gonzaga) foi uma solução intermediária entre o melodismo romântico urbano e o ritmo “vivo” da dança de ambiência rural, atendendo assim ambas as funções: canção e dança. O pesquisador J.R. Tinhorão aponta a primeira aparição da palavra baião, em disco, (”No compasso do baião”) “num samba nortista de Luperce Miranda”(28), gravado por Jararaca (José Luis Rodrigues Calazans)em1928. O baião é executado normalmente em andamento intermediário entre o xote e o forró, comumente em: semínima = 88 a 92. Porém, baiões com melodias românticas (lentas) no geral são executados em andamento mais rápido,comoformadecontraposiçãocompensatória.(Verfigura2.)
Forró –
É o gênero basicamente de dança, de ritmo binário. Em grande percentual trata-se de composições de desenvolvimento melódico bastante simples, muitas vezes apenas pequenos motivos melódicos que se repetem várias vezes no mesmo acorde ou nos graus fundamentais da 135
tonalidade, intercaladas com frases melódicas pouco mais elaboradas. Pode-se dizer que na maioria são variações melódicas simples sobre o ritmo. Os forrós (gênero) com letra (poesia) apresentam melodias mais desenvolvidas, aproximando-se do baião. Em relação a este último, o forró tem andamento mais acelerado, tendo pulsação no geral em: semínima = 92 a 104 (em dois por quatro), apresentando figuras rítmicas rápidas, por exemplo,àbasedesemicolcheias.Comojáapontadoanteriormente,paraa execução do forró um simples “pé-de-bode” (sanfona de oito baixos) é suficiente,sendoesteoquemaisexecutaogênero. A explicação mais comum, entre os músicos, sobre as diferenças em relação ao baião é a de que “é ritmo mais picadinho” ou mais “repicado”, além da distinção no andamento. Um dos entrevistados dizia que “o forró agentecompletacommaismolho”.(verfigura3.) Toada – É uma forma de canção por excelência. De ritmo binário, tem
andamentobemlento,comregularincidênciadenotasdelongaduraçãona melodia. A palavra toada é utilizada em várias regiões do Brasil com o sentido de canção. As toadas nordestinas quando mais ritmadas se transformam em toada-baião, xote-toada etc. O gênero não é usual normalmentenosforrós,anãosernasformasmaisrítmicas.(Verfigura4.) Arrasta-pé –
É chamado também de marcha sertaneja, sendo o gênero musical das festas juninas nordestinas. Tem ritmo binário e andamento mais acelerado que as marchas juninas do Sul, não chegando porém ao andamento do frevo.Arrasta-pé é termo usual também em várias regiões brasileiras com o significado de dança. (Ver figura 5.) 136
Xaxado – Trata-se de
forma de dança que Luís da Câmara Cascudo explica ser de procedência do alto sertão pernambucano, sendo divulgado através do Nordeste “pelo cangaceiro Lampião e os cabras do seu grupo” (29). Diz que o termo “é onomatopéias do rumor xa-xa-xa das alpercatas, arrastadas no solo”. Oquesevêdivulgadocomoxaxado,atravésdocinemaepelosgrupos parafolclóricos nordestinos, é a forma de sapateado com um dos pés à frente e os braços às costas além, naturalmente, da roupa típica dos cangaceiros, ao som de um motivo rítmico-melódico bastante rápido à base de semicolcheias, com marcada acentuação dos tempos fortes (tésis) naspulsações.(Verfigura6.) Embolada –
É praticamente forma de cantoria ligeira. Diz Oneyda Alvarenga que, “embora possua vida própria, a embolada é mais um processo poético-musical do que uma forma ou um gênero particular. Como processo, frequenta várias danças, sendo comuns nos cocos” (30). Nas décadas de 30 a 50 o cantor Manezinho Araújo fez muito sucesso comocantadordeemboladas. Rojão – Embora muitos discos, notadamente na década de 50, tragam
referências ao rojão como gênero musical, não há praticamente uma especificação que o distinga. Alguns depoimentos de músicos demonstram bem esta questão: “O ritmo é o mesmo do forró”. “Rojão é uma música um pouco corrida, mas que o cantor tem que dividir muito bem...explicar muito bem o que ele está dizendo” (explicação que cabe para a embolada). “Rojão é tipo de coco mais apressado”. “Rojão é tipo coco”. L.C. Cascudo identifica o rojão com o baião (interlúdio instrumental 137
entre as cantorias dos versos), sendo que o termo está ligado à idéia de velocidade (andamento), por relação com foguete (fogo de artifício). Dessaforma,rojãoétermoutilizadomuitasvezesparareferir-seamúsicas que tenham andamento rápido, podendo ser coco, forró ou mesmo o xaxado, o baião e outros. Nos folguedos nordestinos é comum ouvir-se: Toca aí um rojão! Quando se pretende que os músicos executem a música deformaacelerada. Coco –
É originalmente dança de roda, com umbigada (que já não ocorre mais) e cantoria entre solista e coro (refrão). As cantorias se fazem de improviso ou com versos tradicionais. São variadas as formas de coco no Nordeste. Entre os músicos de forró, percebe-se que classificam como cocomúsicasondeacantoriasefazdeformarápida,comfrasesmelódicas baseadas na capacidade de respiração e destreza vocal do cantador; no geral, asestrofessão mais longasque as deoutras formasde canção. Para finalizar, é importante apontar que os forrós, pelo menos em São Paulo, atendem atualmente não somente ao público de migrantes nordestinos (de baixa renda; ainda predominante), mas à população de baixa renda de um modo geral, como se pode perceber pela gradativa incorporação, na maioria dessas casas, de gêneros como o samba e a “música jovem”, nesse último caso representada atualmente pela lambada e pelas “atrações especiais” dos artistas “jovens”. Um dos forrós, também, tem realizado às quartas-feiras o “baile da saudade”, abrindo aí espaço para outro segmento social, a população de classe média de vivência urbana,demeia-idade. Assim, não obstante serem ainda os forrós espaços de resistência e preservação da música regional nordestina, percebe-se que nas grandes cidades, como São Paulo, a perspectiva é mesmo de ordem transformadora, deglutindo-se as tendências regionais para um resultado que atenda ao cosmopolitismo da vivência urbana, como se percebe “no 138
som” de artistas do nível de Dominguinhos e Oswaldinho, principalmente, que são ídolos atuais no meio musical dos forrós.
Notas
1 – Luís da Câmara CASCUDO. Dicionário do Folclore Brasileiro, 5ª edição (São Paulo, Melhoramentos, 1980); Aurélio Buarque de HOLANDA. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição, (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986); Tomé CABRAL. Novo Dicionário de Termos e Expressões Populares (Fortaleza, UFC, 1982);
Leonardo Dantas SILVA, prefácio de Mundicarmo Maria R.FERRETTI. Baião dos dois: Zedantas e Luiz Gonzaga (Recife: Massangana, 1989),
pp 8/9. 2 – Antônio Geraldo da CUNHA. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa (São Paulo, Nova Fronteira, 1982).
3 – Saul MARTINS. Os Barranqueiros (Belo Horizonte, UFMG, 1969), p.242. 4 – Edinha DINIZ. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida (Rio de Janeiro, Codreci, 1984), p.207. 5 – L.C. Cascudo. idem, p. 345. 6 – João E.L. CAMPOS. “Como nasceu a palavra forró” in Informatec – boletim oficial da Escola Técnica Federal de São Paulo (n.2, dez/80).
7 – Composição: “For all para todos” Geraldo Azevedo/Capinam. LP Ariola 201902,1982. Também, Décio Pignatari publicou versão similar na Folha de São Paulo, de 5/6/1987.
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8 – Ferrovias do Brasil, separata de O Observador Econômico e Financeiro (Dez. 1947).
9 – Enciclopédia Barsa (vol. 12, 1987). p.223. 10 – No campo das conjecturas podemos supor ainda que forró , possa vir de forro (liberto, alforriado) ou de farriá, farra (deturpação de farrear), por aproximação com: alegria, festa, dança; assim como de forrado (cheio, tomado de empréstimo de cobrir , à maneira de: festa forrada de gente ou: o baile forrô de gente (oxítona, fechada). Há, inclusive, no Rio de Janeiro (Botafogo, rua do Catete) um forró com o sugestivo nome: Forró Forrado.
11 – José Ramos TINHORÃO. Os sons que vêm das ruas (São Paulo, 1976), p.185. O autor faz interessante análise sociológica em torno dos forrósnascidadesdoSul. 12 – José de Souza LEAL & Artur Luiz BARBOSA. João Pernambucano: arte de um povo (Rio de Janeiro: Funarte, 1982), p.182
e Edigar de ALENCAR. O Carnaval Carioca através da música , 2ª ed. (Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965), p.90. 13 – Alberto T. IKEDA. Dissertação: “Música na Cidade em tempo de transformação – São Paulo 1900-1930”, Escola de Comunicações eArtes – USP,1988,p.72-73. 14 – José Ramos TINHORÃO. Pequena história da música popular (Petrópolis; Vozes, 1974), p.191. 15 – TINHORÃO. Os Sons... p.187. 16 – Mundicarmo M.F. FERRETTI. idem, p.79. 140
17 – Discothèque: moda das “disco dance” iniciada nos Estados Unidos por volta de 1972 e teve grande repercussão no Brasil entre 1976 a 1979, com o surgimento de centenas dessas danceterias, filmes, discos, concursos de dança e até telenovela na TV Globo (“Dancing Days”). 18 – Pedro Sertanejo – entrevista 19/8/1990. O forró da Rua Catumbi foi vendido por volta de 1988, porém manteve o mesmo nome. Pedro Sertanejo abriu na mesma época outro forró, no Parque São Rafael. 19 – Preços de ingressos:Asa Branca (SantoAmaro): homens Cr$ 250,00 e mulheres Cr$ 100,00 em 18/08/90; Pedro Sertanejo (Belenzinho): homens Cr$ 350,00 e mulheres Cr$ 50,00 em 1º/09/90; Pedro Sertanejo (Parque São Rafael): homens Cr$ 200,00 e mulheres Cr$ 100,00 em 25/08/90; Bar Avenida (Pinheiros): homens e mulheres Cr$ 600,00 em 02/09/90. 20 – Naquela gestão esqueceu-se que a maioria dos migrantes que frequenta esses pontos tem péssimas condições de moradia e de vida, muitas vezes sem ter sequer um simples aparelho de TV em casa, sendo a praça pública um dos poucos locais onde se pode, além de manter os vínculos de convívio com os membros da mesma região, ter um pouco de lazer, através desses músicos de rua. Atualmente a Prefeitura tem promovido forrós na Praça do Forró em São Miguel nos fins de semana. 21 – Um fato curioso a respeito do funcionamento dos forrós é que em um deles o encarregado da manutenção e ordem do banheiro masculino, por vários anos, mantém um serviço de “aluguel” de desodorantes e perfumes, onde o indivíduo com o “desodorante vencido”, após muito forrozar, pode ter direito a borrifadas de desodorante ou perfume, pagando pequena quantia. 22 – Conforme levantamento feito em São Paulo e Rio de Janeiro, em 1979 e 1990. 23 – Sobre o zabumba ver César GERRA PEIXE, “Zabumba, orquestra nordestina”, in Revista Brasileira de Folclore (ano X, n.26, janeiro/abril 1970), pp.15-37. 141
24 – Baptista SIQUEIRA. Três vultos históricos da música brasileira (RiodeJaneiro,Autor,1969),p.42. 25 – As tentativas de generalização de padrões de andamento dos gêneros musicais populares são sempre problemáticas, pelas variantes que apresentam até em função do local onde a música é apresentada. As anotações aqui apontadas são apenas referências e estão baseadas nas maiores incidências de marcações metronômicas em discos e apresentações ao vivo, tendo o padrão de acompanhamento do zabumba comobasedecompasso. 26 – Oneyda ALVARENGA.Música popular brasileira (Porto Alegre; Globo, 1950), p.158. 27 – Cururu é originalmente dança de roda, com cantoria de improviso, de fundo religioso. Atualmente subsiste no interior do Estado de São Paulo como desafio entre cantadores e na chamada música sertaneja é forma de canção. Em Mato Grosso o cururu ainda se faz como dança de roda, porém com a rítmica bastante distinta do que ocorre em São Paulo. 28 – J.R. TINHORÃO. Pequena história..., p. 211. 29–L.C.CASCUDO.idem. 30–OneydaALVARENGA.idem,p.278
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Bibliografia Complementar:
ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro. São Paulo, IEBUSB/Itatiaia/MEC, 1989. ALBUQUERQUE,Amaro C. de & outros. Música brasileira na liturgia (MúsicaSacranº2).Petrópolis,Vozes,1969. FERREIRA, José de Jesus. Luiz Gonzaga, o Rei do baião. São Paulo, Ática,1986. GIFFONI, Maria Amália C. Danças folclóricas brasileiras . São Paulo, Melhoramentos,1964. KIEFER, Bruno. Música e dança popular . Porto Alegre, Movimento, 1979. PIMENTEL,Altimar deA. O Coco praieiro.João Pessoa,UFPB, 1978. RODRIGUES, Sonia M.B.C. Jararaca e Ratinho: a famosa dupla caipira.RiodeJaneiro,Funarte,1983. SÁ, Sinval, O Sanfoneiro do Riacho da Brígida. 4ª ed., Fortaleza, A Fortaleza,1966. SILVA, Leonardo Dantas. Cancioneiro Pernambucano . Recife, GovernoEstado,1978. SOUZA, J. Geraldo de. “Elementos da rítmica musical no folclore brasileiro” in Música brasileira na liturgia (Música Sacra nº 2). Petrópolis, Vozes, 1969,PP. 50-60.
* “ Forró: dança e música do povo ”, original em: D.O. Leitura - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 9 (101) outubro 1990,pp.10-12.
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Sobre o autor
Alberto T. Ikeda é pesquisador e professor do Instituto de Artes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de S. Paulo, responsável pelas disciplinas: Cultura Popular e Etnomusicologia, nos cursos de graduação, e por Seminários de Pesquisa em Música (Medologia da Pesquisa), no Programa de Pós-Graduação em Música. Estuda as culturas populares do Brasil desdeadécadade1970,sendoautordemaisde70 artigos e ensaios, publicados no Brasil e no exterior(Alemanha,Japão,Itália,Chile,México). Licenciado em Educação Artística (Música), em 1977, pelo Instituto Musical de S. Paulo; Mestre em Artes (1989) e Doutor em Ciências da Comunicação (1995), pela Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP). Dissertação de Mestrado: “Música na Cidade, em tempo de transformação – S. Paulo 1900-1930”. Tese de Doutoramento: “ Música Política: Imanência do Social ”. Freqüentou cursos de especialização e extensão universitária, como: música folclórica brasileira, etnomusicologia, musicologia histórica, composição musical e disciplinas da área das ciências sociais (sociologia e antropologia, em nível de pós-graduação e pós-doutoramento). Desde 1991 interessa-se também pelas culturas e músicas de tradição oral e popular da América Latina(sobretudodasregiõesdosAndesCentrais),sendoresponsávelpelo Grupo de Estudos: Música Étnica e Popular (Brasil/América Latina), 145
criado em 1995, que reúne pesquisadores envolvidos nesses temas. Algumas palestras realizadas no exterior, sobre temas da música e cultura brasileira: Alemanha, 1989; Chile, 1992 e 1997; Bolívia, 1993, 1996 e 1998; Peru, 1995; Cuba, 1999; Colombia, 2000; México, 2002. Obteve bolsa de pesquisa em 1988 e 1989, do Ministério da Educação e Cultura do Governo do Japão, através do National Museum of Ethnology, Osaka-Japan, para estudo de temas da cultura musical rural brasileira, em Goiânia - Goiás e norte do Estado da Bahia (Juazeiro). Resumo de publicações: “Apontamentos históricos sobre o Jazz no Brasil”, Revista Comunicações e Artes, ECA-USP, n.13, 1983; “Canções obscenas e de duplo sentido no cancioneiro popular brasileiro” ,
Revista Comunicações e Artes, ECA-USP, n. 17, 1986; “Forró: dança e música do povo” , D. O. Leitura (101), outubro 1990; “Folia de Reis,
Sambas do Povo” in Possessão e Procissão, National Museum of
Ethnology, Osaka-Japan, 1994; “Ao prazer, ao gozo, ao maxixe: ... também quero rebolar” in Cultura Vozes, n. 3, Ano 90, v. 90, maio-junho
de 1996; Brasil, Sons e Instrumentos Populares (catálogo de exposição). São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1997, 52 pp; “Musicologia ou Musicografia?: algumas reflexões sobre a pesquisa em música” ,
Anais do I Simpósio Latino-Americano de Musicologia. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1998, pp. 63-68; “Música política: alguns casos latino-americanos”, in: Musica Popular en America Latina: Actas
del II Congreso Latinoamericano IASPM – International Association for the Study of Popular Music. Editor: Rodrigo Torres. Santiago: Fondart (Ministerio de Educación de Chile)/Rama Latinoamericana IASPM, 1999, pp. 84–107; “Pesquisa em música: algumas questões”. In: Cadernos da Pós-Graduação, Instituto de Artes/Unicamp, Campinas, SP. Volume V, n. 2, 2001. ISSN 1516-0793 – pp. 43-46; Texto de base para o Roteiro do 146
Vídeo-Documentário: “São Paulo, corpo e alma” (sobre Cultura Popular Tradicional do Estado de São Paulo: festas, danças, folguedos e músicas), de Rubens Xavier e Paulo Dias (Associação Cultural Cachuera/Secretaria de Estado da Cultura de S. Paulo - veiculação: TV Cultura: Série Doc Brasil , 11/1/2003, 21:00 h); Apresentação de livro, de: GAÚNA, Regiane. Rogério Duprat: sonoridades múltiplas. São Paulo: Unesp, 2002, pp. 13-16. ISBN 85-7139-437-7; “Música na Terra Paulista: da viola caipira à guitarra elétrica”. In: Terra Paulista: histórias, arte, costumes – Vol. 3: Manifestações artísticas e celebrações populares no Estado de São Paulo . São Paulo: Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária) / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004 (pp. 141-167). ( ISBN 85-85786-40-X e 85-7060280-4 ); “Celebrações populares: do sagrado ao profano” . (co-autoria: Américo Pellegrini Filho). In: Terra Paulista: histórias, arte, costumes – Vol. 3: Manifestações artísticas e celebrações populares no Estado de São Paulo. São Paulo: Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004 (pp. 169-209). ( ISBN 85-85786-40-X e 85-7060-280-4 ); “Do lundu ao mangue-beat” , In: Revista História Viva: temas brasileiros – Presença Negra (edição especial temática n. 3). S. Paulo: Ediouro/Duetto Editorial, março 2006 – ISSN 1808-6446, pp. 72-75; “Manifestações Tradicionais: rituais, artes, ancestralidades ...” (Prêmio Cultura Viva, do MinC). In: Prêmio Cultura Viva: um prêmio à cidadania, Ana Regina CARRARA (coord.). S. Paulo: Cenpec, 2007, ISBN 978-85-85786-65-6, pp. 50-54; “Música, política e ideologia: algumas considerações”. Revista @rquivo@ (Online) - Revista Eletrônica da Pós-Graduação do IA – Unesp – S. Paulo, número 1, março de 2007, ISSN 1981-5530 Endereço: http://www.ia.unesp.br/@rquivo@; “Cururu Paulista”, In: Na ponta do verso: poesia de improviso no Brasil (Livro/CD). Alexandre Pimentel e Joana Corrêa (org.). Rio de Janeiro: Associação Cultural 147
Caburé/SID-MinC, 2008, pp. 120-131. ISBN 978-85-99314-04-3. Assessorias/consultorias: regularmente, presta assessoria/consultoria a instituições culturais e científicas diversas (Sescs e outras), universidades públicas e privadas, agências de fomento à pesquisa (Capes-Brasília), Fapesp-SP) e associações científicas, para assuntos de cultura e música brasileira, além de realizar entrevistas para empresas de comunicação, como rádios, jornais e televisões (Rádio e Televisão Bandeirantes, TV UOL e TV Cultura, rádios Jovem Pan, Eldorado, CBN, Radiobrás, Cultura; jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Diário de S. Paulo e outros). Por 10 anos foi Júri do Troféu Nota 10, do Jornal Diário de S. Paulo, de premiação das Escolas de Samba do Grupo Especial e de Acesso de S. Paulo, realizando também consultorias para órgãos como: Petrobras-MinC; Sescs-S. Paulo; Capes – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Ministério da Educação – Brasília; Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo, Ministério da Cultura (SID-MinC-Brasília (DF); Centro Nacional de Cultura Popular (CNCP)–IPHAN-MinC-RJ/Fundação Euclides da CunhaUFF-Niterói-RJ (Plano de Salvaguarda do Jongo); Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo; e Secretaria de Cultura do Município de S. Paulo – Biblioteca Temática em Cultura Popular “Belmonte”.
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Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Uma grande fábrica de ações culturais
São centenas de iniciativas culturais que mobilizam artistas e colaboradores, que juntos, movimentam o mecanismo de geração contínua de cultura dentro da moderna economia criativa. Para se fazer uma política cultural consistente, é preciso unir: artista, recursos materiais e ação cultural. Certa deste princípio, a Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) pauta suas ações culturais na descentralização, valorização do artista de São José dos Campos, descoberta de novos talentos e formação de platéias. Desde sua criação, em 1986, a FCCR busca reconhecer a riqueza dos artistas que atuam nas várias modalidades – teatro, dança, literatura, artes plásticas, etc. No entanto, ações culturais não são realizadas apenas com palco, microfone ou pincel. A realidade da política cultural hoje, se baseia em operações, princípios, procedimentos administrativos e orçamentários. Assim, após elaborar seu planejamento estratégico, no qual estabeleceu sua Missão, Visão, Negócio e Valores, a FCCR vem traçando metas e trabalhando de forma que a sua política cultural tenha continuidade, levando em conta a economia criativa. A Fundação Cultural Cassiano Ricardo é hoje, uma fábrica que produz ações culturais e é a “ponte” dessas ações para a população, com ampla oferta de programas e projetos. Esta é uma área onde não existe limites para o “fazer”.
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Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP
O Cent Centro ro de Estu Estudo doss da Cult Cultur uraa Popu Popula larr – CECP CECPéé uma uma orga organi niza zaçã ção o não não govern govername amenta ntal, l, criada criada em 1998, 1998, por integr integrant antes es da extint extintaa Comissã Comissão o Municipal de Folclore de São José dos Campos. Seu objetivo é criar ferram ferrament entas as que possib possibilit ilitem em o fortal fortaleci ecimen mento to da identi identidad dadee cultur cultural, al, valori valorizan zando do as prática práticass cultur culturais ais popula populares res da região região.. A região, conhecida como Vale do Paraíba, localizada no Cone Leste Paulista, cortada e banhada pelas águas da bacia do Rio Paraíba do Sul, constitui-se no eixo de ligação das duas principais metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro. Mais de trinta municípios compõem o Vale do Para Paraíb íbaa Paulis Paulista ta,, entr entree eles eles São São José José dos dos Camp Campos os.. Com Com apro aproxi xima mada dame ment ntee 700 700 mil mil habi habita tant ntes es,, São São José José dos dos Camp Campos os destaca-se por ser um polo industrial, com tecnologia de ponta, abrigando impo import rtan ante tess cent centro ross de pesq pesqui uisa sass e univ univer ersi sida dade des. s. Por Por cont contaa dess dessaa característica, a cidade atrai muitos migrantes, que chegam em busca de melh melhor ores es opor oportu tuni nida dade dess e acab acabam am se inco incorp rpor oran ando do ao lequ lequee cult cultur ural al constituído. A riqueza dessa diversidade contrapõe-se ao sentimento de excl exclusã usão o resu result ltan ante te da falt faltaa de senti sentido doss de pert perten enci cime ment nto. o. São São essas essas referências referências identitárias identitárias que estão no centro centro das ações desenvolvida desenvolvidass pelo CECP. Em parceria com a Fundação Cultural Cassiano Ricardo, o CECP desenvolve suas ações no Museu do Folclore de São José dos Campos, buscando criar pontes entre as várias culturas existentes no contexto sociocultur sociocultural al valeparaiba valeparaibano. no.
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Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Coleção Cadernos de Folclore A Coleção Cadernos de Folclore tem o propósito de informar e divulgar a Cultura Popular, para melhor compreensão e valorização do homem na sua realidade social. Reúne importantes contribuições, seja na forma de pesquisas científicas ou relatos de experiências, constituindo-se fonte de consulta e estímulo à reflexão e à pesquisa, oferecendo subsídios para futuros investigadores do saber popular. Volumes anteriores: Azeite de Mamona - Toninho Macedo e Angela Savastano 1.º volume - 1986 - Comissão Municipal de Folclore Carro de Boi - Zuleika de Paula 2.ºVolume - 1988 - Comissão Municipal de Folclore Laraoiê, Exu - Hélio Moreira da Silva 3.ºVolume - 1988 - Comissão Municipal de Folclore Fumos e Fumeiros no Brasil - Marcel Jules Thieblot 4.ºVolume - 1989 - Comissão Municipal de Folclore Jogos, Brinquedos e Brincadeiras - J. Gerardo M. Guimarães 5.ºVolume - 1990 - Comissão Municipal de Folclore Maria Peregrina - Benedito José Batista de Melo 6.ºVolume - 1992 - Comissão Municipal de Folclore Saci - José Carlos Rossato 7.ºVolume - 1994 - Comissão Municipal de Folclore
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Cobras e Crendices - Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima 8.ºVolume - 1995 - Comissão Municipal de Folclore Chico Triste I - Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva 9.ºVolume - 1997 - Comissão Municipal de Folclore Chico Triste II - Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva 10.º Volume - 1998 - Comissão Municipal de Folclore Ciclo de Natal - Coletânea de Textos de Maria Graziela B. dos Santos 11.º Volume - 1999 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Curiosidades Folclóricas sobre o inseto - Hitoshi Nomura 12.º Volume - 2001 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Histórias de Onça - Ruth Guimarães 13.º Volume - 2002 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP De Já Hoje - Darcy Breves deAlmeida 14.º Volume - 2003 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Pedra-de-raio - Uma superstição Universal - J. Gerardo M. Guimarães 15.º Volume - 2004 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Santo de Casa Faz Milagre:A Devoção a Santa Perna - Cáscia Frade 16.º Volume - 2006 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP Educação e Folclore - Histórias Familiares dando Suporte ao Conteúdo -
Leila Gasperazzo Ignatius Grassi 17.º Volume - 2006 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP O Milho e a Mandioca - Nas Cozinhas Brasileiras, Segundo contam suas Histórias - Maria Thereza Lemos deArruda Camargo 18.º Volume - 2008 - Centro de Estudos da Cultura Popular - CECP O saber, o cantare o viver do povo – Carlos Rodrigues Brandão 19.º Volume - 2009 - Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP Objetos: percursos e escritas culturais – Ricardo Gomes Lima 20.º Volume - 2010 - Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP
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Folia de Reis, Sambas do Povo: Ciclo de Reis em Goiânia: Tradição e Modernidade Fotos de Alberto T. Ikeda
Foto 1: Um altar simples e a Bandeira da Folia de Reis
Foto 2: Orações cantadas diante do altar, antes da saída da Folia “Mineira”. Embaixador: “Capitão Amantino”; Setor Pedro Ludovico
Foto 3: A Folia de Reis “Baiana”. Embaixador: “Capitão Valdir”; Parque Santa Cruz.
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