POVOS TRADICIONAIS, FRONTEIRAS E GEOPOLÍTICA NA AMÉRICA LATINA:
UMA PROPOSTA PARA A AMAZÔNIA
José Exequiel Basini Rodriguez Márcia Regina Calderipe Farias Rufno Dilton Mota Rufno Rodriguez, José Exequiel Basini. Povos tradicionais, fronteiras e geopolítica na américa latina: uma proposta para a amazônia/ José Basini; Márcia Calderipe; Dilton Runo; Daniel Tavares - Manaus: Edua, 2012. 265 p.
Daniel Tavares Dos Santos (Oz)
ISBN: 1. Povos Indígenas. 2. Geopolítica. 3. Pan-Amazônia 4. Fronteiras. I. Pan-Amazônia. Rodriguez, José Exequiel Basini.
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José Basini | Márcia Calderipe Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares Tavares (Orgs.)
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UMA PROPOSTA PARA A AMAZÔNIA
José Exequiel Basini Rodriguez Márcia Regina Calderipe Farias Rufno Dilton Mota Rufno Rodriguez, José Exequiel Basini. Povos tradicionais, fronteiras e geopolítica na américa latina: uma proposta para a amazônia/ José Basini; Márcia Calderipe; Dilton Runo; Daniel Tavares - Manaus: Edua, 2012. 265 p.
Daniel Tavares Dos Santos (Oz)
ISBN: 1. Povos Indígenas. 2. Geopolítica. 3. Pan-Amazônia 4. Fronteiras. I. Pan-Amazônia. Rodriguez, José Exequiel Basini.
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INSTITUIÇÕES QUE PARTICIPARAM NO EVENTO Mirta Rosana Diez Martínez Correções do Espanhol José Enos Rodrigues Rodrigues Correções do Português José Exequiel Exequiel Basini Rodriguez Rodriguez Coordenação e Organização; Correção Textual Márcia Regina Calderipe Farias Runo Co-organizadora; Correção Textual Dilton Mota Runo Co-organizador Daniel Tavares Tavares dos Santos Co-organizador; Formatação Erika Tahiane Souza de Vasconcelos Projeto Gráco e Diagramação
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Universidade Federal do Amazonas/UFAM; Universidade de Brasília/UNB; Universidade de Guadalajara (México); Universidade de Antioquia (Colômbia); Universidade de San Luis de Potosí (México), Universidades da Pan-amazônia – UNAMAZ (Ve (Venezuela); nezuela); Universidade Federal de Santa Catarina; Universidade Federal do Pará; Universidade Federal de Rondônia (Instituto de Letras/Departamento de Línguas Vernáculas); Ve rnáculas); Universidade Universidade Fede Federal ral do Rio de Janeiro/UFRJ-PPG – IFIC; Universidade Federal Federal da Paraíba/UFPB Paraíba/UFPB;; Universidade U niversidade do Estado do Amazonas – UEA (Programa de Pós–Graduação em Direito Ambiental, Escola Normal Superior); Centro Universitário do Norte/UNINORTE; Centro Universitário La Salle/UNILASALLE; Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; Faculdade de Direito da UFAM; Programas de Pósgraduações da UFAM (Antropologia Social, Sociedade e Cultura na Amazônia, História, Biotecnologia, Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia); Departamentos e Cursos da UFAM (Ciências Sociais, Psicologia, Filosoa, Ciências Sociais, História, Geograa, Serviço Social, Ciências Agrárias); Projeto Nova Cartograa Social da Amazônia; Estudo Interdisciplinar Sócio-ambiental da Amazônia; Doutorado PPGAS/UFF; Doutorado PPGAS/UFSC; Ministério Público Federal; Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas; Secretaria Municipal de Educação/SEMED; Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas/Centro Cultural dos Povos Amazônicos; Prefeitura Municipal Careiro da Várzea; Aldeia Sahu-apé/ Indígenas Sateré Maué; Federação de Umbanda do Estado do Amazonas/FUCABEAM; Federaç Federação ão de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Amazonas; Fórum Permanente de Afro-descentes de Amazonas/FOP Amazonas/FOPAAM; AAM; Comissão Pastoral da Terra/CPT - Regional Amazonas; Conselho Indigenista Missionário/CIMI; Atingidos de Barragens; Associação de Mulheres do Alto Rio Negro/AMARN; Associação dos José Basini | Márcia Calderipe Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares Tavares (Orgs.)
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Acadêmicos Indígenas em Brasília/ASSUIB; Serviço de Cooperação com o Povo Yanomami/SECOYA; Pastoral dos Migrantes; Fórum Permanente de Defesa da Amazônia Ocidental, Faculdade Salesiana Dom Bosco; Inspetoria Salesiana Laura Vicuña; Caritas Diocesana de Manaus; Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas/INPA; Fundação Osvaldo Cruz/FIOCRUZ; Fundação Escola de Serviço Público Municipal de Manaus/FESPM; Movimento Social Amazônia Brasileira/MAB; Instituto Mamirauá; Instituto de Pesquisas Ecológicas/IPE; Instituto Sócio-Ambiental/ISA; Centro de Excelência Ambiental da Amazônia Petrobrás/CEAP; Centro de Desenvolvimento Sustentável/CDS - Unidade de Conservação; Fundação de Medicina Tropical do Amazonas/ Ambulatório de Dermatologia; Policia Civil do Amazonas/ Delegacia Especializada em Crimes contra Meio Ambiente; Colégio Militar de Manaus.
I SEMINÁRIO POVOS TRADICIONAIS, FRONTEIRAS E GEOPOLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: UMA PROPOSTA PARA A AMAZÔNIA. Coordenação José Exequiel Basini Rodriguez e Márcia Regina Calderipe Farias Rufino Organização Daniel Tavares Dos Santos Dilton Mota Rufino Enily Vieira Do Nascimento Lilian Saraiva Santos Lino João De Oliveira Neves Raimundo Nonato Pereira Da Silva Colaboração Águido Akell Santos De Carvalho Alexsander Pereira Régis Angélica Maia Vieira Antonio Montes Cineide Cohen De Almeida Clayton De Souza Rodrigues Dassuen Nogueira Davi Avelino Leal Dayana Kellen Onofre Silva Deuziane Ribeiro De Souza Elione Angelin Benjó Esmael Alves De Oliveira Gabriela De Lima Erazo Glaucia Maria Quintino Barauna Kalinda Félix De Souza Liliane Souza De Souza
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José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Luciane Silva Da Costa Marcos Paulo dos S. Romano Maria das Graças M. Oliveira Maria das Graças Pereira Priscilla Oliveira de Souza Rancejânio Silva Guimarães Rodrigo Fadul Andrade Taciana Lima Valcilene Gomes de Oliveira Willas Dias da Costa
Em memória de Mirta Diez.
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Sumário Prólogo: POVOS TRADICIONAIS, FRONTEIRAS E
13 GEOPOLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: UMA PROPOSTA 17 21
PARA A AMAZÔNIA Introdução
GEOPOLÍTICA E FRONTEIRA
22 Olhares da Amazonia: de Mexico ao Brasil ¿Cómo se ve l a Amazonia desde la antropología mexicana? Eliseo López Cortés
48 Las geopolíticas de la seguridad y el conocimiento: de los controles fronterizos a las amenazas deslocalizada. Jaime Vladimir Montoya Arango
63 Conicto, frontera, arraigo y otros conceptos geopolíticos de la teoría de la territorialidad de la familia. Maria Teresa Ayllón Trujillo
91 GLOBALIZAÇÃO, ESTADOS NACIONAIS E POVOS EM SITUAÇÃO DE FRONTEIRA.
93 Agroestratégias e desterritorialização. Os direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios. Alfredo Wagner Berno de Almeida
131 De los estados-nacionales a la globalización de los pueblos fronterizos. César Pérez Ortiz
154 Povos tradicionais na Amazônia: notas sobre estados nacionais, fronteiras e globalização. Guillermo Antonio Cardona Grisales
160 Povos, fronteiras e os Estados nacionais na fronteira Guiana-Brasil.
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Stephen Grant Baines
Prólogo
175 MOVIMENTOS SOCIAIS, POVOS TRADICIONAIS E O ESTADO NA AMAZÔNIA.
176 Pueblos indígenas y sistemas de salud: entre la geopolítica y la acción colectiva. Claudia Puerta Silva
205 Novos Movimentos Sociais e Padrões Jurídicos
no Processo de Redenição da Região Amazônica. Joaquim Shiraishi Neto
227 Movimento indígena na Amazônia: relato de uma experiência na 238
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COIAB. Maria Miquelina Barreto Machado
Povos tradicionais: 20 anos de visibilidade política no Brasil. Thereza Cristina Cardoso Menezes
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Esta publicação traz os resultados do “I Seminário sobre Povos tradicionais, fronteiras e geopolítica na America Latina: uma proposta para a Amazônia”, realizado em setembro de 2008. Este evento cientíco, organizado pela primeira vez por professores do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, pretendeu dar continuidade a uma série de atividades acadêmicas e de cooperação interinstitucional que professores da Universidade Federal do Amazonas e da Universidade de Guadalajara (México) vem realizando em eventos cientícos nacionais e internacionais. O primeiro deles, o XXIX Congresso de Americanistas, na cidade de Perugia, Itália, em maio de 2007, em que José Basini participou de uma Mesa Redonda intitulada “Amazônia Indígena” desenvolvendo a comunicação Estéticas territoriais e alteridades cosmológicas indígenas na Amazônia , trouxe a oportunidade de aprofundar assuntos relevantes da Amazônia Indígena, assim como de estreitar as relações acadêmicas e a cooperação técnicocientíca entre os professores e pesquisadores da Universidade de Guadalajara, do Instituto Nacional de Antropologia, México DF e do Estado de Amazonas, somando as pesquisas e as reexões de universidades da região pan-amazônica. Outro momento de discussão deu-se em outubro de 2007, em Bogotá – Colômbia, durante o XII Congresso de Antropologia: Compromisso social e seus desafos em América Latina , no qual José Basini e Nelson Rodriguez da Universidade Central de Equador - UCE coordenaram uma mesa denominada: Os desafos de uma fundação: fronteiras, diálogo e intervenção social no contexto pan- amazônico, com o objetivo de re-situar antigos e novos desaos para a pan-amazônica. Esta iniciativa realizou-se no marco do convênio assinado entre universidades latino-americanas, da região amazônica e uma universidade européia, a Universidade de Liége (Bélgica), traduzindo a importância do surgimento José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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de uma pós-graduação em antropologia na cidade de Manaus – Amazonas. Naquele momento se dizia: “Esta ‘fundação’ possibilita outro locus dialogal que permeia nichos acadêmicos e disciplinares, reaviva, por sua vez, as redes de longo fôlego e o capital social inscrito em tantos povos e movimentos existentes em uma diversicada e densa região planetária. Ao mesmo tempo em que soma esforços sistêmicos e habilita, a partir de uma abertura institucional, variados projetos e iniciativas, após uma inusitada dívida social para com os povos tradicionais”. Esses encontros e discussões levaram a pensar nos desaos colocados para se abordar a região amazônica. Um primeiro desao constitui-se no diálogo com esses atores, com seus saberes e conhecimentos que já não podem ser reduzidos a um alinhamento cientíco dentro de uma imanente razão ocidental. As teorias dos povos amazônicos, como tantas outras que o “conhecimento nativo” esgrime, devem ser colocadas em um plano simétrico dentro do pensamento mundial, o que subverte a lógica estatal e estatista. Ou seja, deve-se buscar uma integração cognoscitiva que aborde programas de intervenção em políticas públicas, não se limitando a pr opostas de educação bilíngüe, saúde diferenciada e categorias ter ritoriais unilateralmente denidas. Um segundo desao, inscreve-se no diálogo interdisciplinar, onde a antropologia, desde o abandono de prerrogativas positivistas, pode, potencializando suas fronteiras, vincular-se a uma epistemologia fecunda, que interpelada por outras áreas do conhecimento, fornece aporte para o intercâmbio e a troca de visões sobre a natureza, as tecnologias e as culturas das populações amazônicas. A partir dessas reexões, percebeu-se a necessidade de organizar o Seminário em Manaus, considerando não apenas a situação geográca da Universidade Federal do Amazonas, mas principalmente o fato de ser um lócus privilegiado para o encontro de pesquisadores, os vários grupos sociais, movimentos e interessados em discutir a situação atual dos povos tradicionais da Amazônia. Os diferentes olhares – do norte ao sul – levaram
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a pensar numa antropologia que se proponha a realizar um amplo diálogo com o propósito de re-situar suas formas de intervenção social, também reetindo e avaliando criticamente suas ferramentas conceituais, suas teorias e sua pertinência para o conhecimento sobre a Amazônia e suas populações. Nesse sentido, um dos méritos do seminário foi estimular a cooperação técnico–cientíca entre universidades latinoamericanas em nível interinstitucional e interdisciplinar e a pósgraduação em Antropologia Social recentemente fundada no Estado de Amazonas, por meio da participação de pesquisadores provenientes do México e também da Venezuela, Colômbia e de universidades brasileiras, de instituições da região e da própria Universidade Federal do Amazonas, fomentando a cooperação cientíca a m de encaminhar propostas de intervenção, projetos de pesquisa, publicações e demais ações de interesse das instituições envolvidas. O Seminário foi realizado pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social – PPGAS/UFAM e Departamento de Antropologia – DAN/UFAM. Teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM que, através do Programa de Apoio à Realização de Eventos Cientícos e Tecnológicos no Estado do Amazonas – PAREV, nanciou o evento. Contou, ainda, com o apoio da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, do Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL e Pró-Reitoria de Extensão e Interiorização – PROEXTI, ambos da UFAM. O seminário foi coordenado por José Basini e cocoordenado por Márcia Calderipe do PPGAS/UFAM, além dos professores Raimundo Nonato Pereira da Silva e Lino João de Oliveiras Neves - DAN/UFAM, que zeram parte da organização. Contou-se com a participação de Dilton Mota Runo na organização do evento por meio de um Acordo de Cooperação Técnica, Cientíca e Cultural entre a Universidade Federal do Amazonas/UFAM e Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Na organização do evento também participaram os alunos Daniel Tavares dos Santos, Lilian Saraiva José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Santos e Enily Vieira do Nascimento. Os coordenadores e os professores do Departamento, além de Maria Helena Ortolan Matos e Carlos Machado Dias (PPGAS/UFAM) atuaram como coordenadores de mesas-redondas. A realização deste seminário contou com a participação de alunos de graduação e pós-graduação como colaboradores no evento, especialmente o Centro Acadêmico de Ciências Sociais. Igualmente, contou-se com o apoio do Projeto Nova Cartograa Social da Amazônia coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida. Estabeleceu-se, também, um canal de diálogo com os órgãos do Estado do Amazonas e órgãos federais diretamente voltados para os temas discutidos, viabilizando com a academia a troca de conhecimentos, visões e experiências, além de organizações não-governamentais e entidades da sociedade civil; alunos de pós-graduação em Antropologia, Sociedade e Cultura na Amazônia, Sociologia, História, Geograa e áreas ans; estudantes de graduação em Ciências Sociais, História, Geograa, Filosoa, Serviço Social, Ciências Agrárias, entre outros; todos os cidadãos interessados em reetir sobre essa questão, sendo que o teor da discussão pode ser apreendido na leitura dos textos ora apresentados. E, como um desdobramento disso, a formulação coletiva de uma proposta para a Amazônia, a par tir dos aportes teóricos apresentados e discutidos nas mesas-redondas que constituíram o evento. Também foram realizadas duas reuniões temáticas entre os conferencistas convidados e os professores do Departamento de Antropologia e da Pós-Graduação em Antropologia Social. Nesta oportunidade, aprofundou-se as temáticas abordadas no seminário, assim como se realizou um intercambio a respeito das linhas de pesquisas desenvolvidas nas instituições acadêmicas, visando possíveis convênios interinstitucionais de cooperação técnica-cientíca e cultural.
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Introdução Os artigos aqui apresentados têm em comum o interesse em discutir questões relacionadas à geopolítica, às fronteiras nacionais, Estados nacionais, movimentos sociais e globalização na região pan-amazônica. Um dos parâmetros utilizados na organização do livro foram as apresentações nas seis mesasredondas realizadas no evento: 1. Povos, fronteiras e os Estados nacionais: uma proposta para a Amazônia; 2. Geopolítica e fronteiras; 3. Movimentos sociais na Amazônia; 4. Globalização, Estados nacionais e povos em situação de fronteira; 5. Olhares da Amazônia: de México ao Brasil; 6. Relação entre os povos tradicionais e o Estado na Amazônia. Conforme o número de artigos recebidos e juntando temáticas discutidas em algumas mesas, o livro foi dividido em três partes que reúnem, por anidade de temas, os trabalhos apresentados pelos autores. Os artigos foram mantidos na língua original quando de sua apresentação. Outros materiais produzidos a partir dos debates registrados, som e imagem, estão sendo editados para posterior divulgação. A primeira parte, intitulada Geopolítica e Fronteira, traz o artigo “Olhares da Amazonia: de Mexico ao Brasil ¿Cómo se ve la Amazonia desde la antropología mexicana?” no qual Eliseo Lopez realiza uma reexão sobre a Amazônia a partir da visão da antropologia mexicana. Observa que, ao longo da história da antropologia mexicana, há várias abordagens sobre a região e isso inclui um diálogo com antropólogos brasileiros que estudaram no México a partir dos anos 50. Mesmo que isso não tenha gerado, segundo o autor, um vínculo de aliança entre a produção dos dois países, é imprescindível relacioná-las. Com o artigo “Las geopolíticas de la seguridad y el conocimiento: de los controles fronterizos a las amenazas deslocalizadas” Jaime Vladimir Montoya Arango reete sobre as transformações geopolíticas nos séculos precedentes, discutindo desde o modelo colonial eurocêntrico até a hegemonia estadunidense. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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O autor enfatiza uma “virada geopolítica” que se constitui pelo aparecimento de múltiplos temas de abordagem e agentes que atuam como mediadores em escala mundial. Com o texto “Conicto, frontera, arraigo y otros conceptos geopolíticos de la teoría de la territorialidad de la familia” Maria Teresa Ayllón Trujillo realiza uma abordagem sistêmica da família, observando a interrelação entre territorialidade, família e identidade. A autora utiliza como ferramentas heurísticas a recursividade, continuum, intersecção e conito, além de associar a perspectiva de gênero para alcançar a complexidade dessa instituição. Na segunda parte, Globalização, Estados Nacionais e Povos em situação de fronteira Alfredo Wagner Berno de Almeida, no artigo “Agroestratégias e desterritorialização. Os direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios” aborda de que modo o que denomina como agroestratégias buscam ampliar as extensões de terras aráveis, modicar as divisões político-administrativas, medidas de proteção ambiental das orestas e regras que orientam o uso dos recursos naturais nos imóveis rurais. Isso ocasiona o que o autor qualica como desterritorialização de povos indígenas e quilombolas, bem como das demais comunidades tradicionais, considerando-as como um obstáculo à expansão ou à implementação dos agronegócios e às livres transações de terras. De outra parte, César Pérez Or tiz apresenta uma reexão intitulada “De los estados-nacionales a la globalización de los pueblos fronterizos” que aborda a globalização como uma tendência que surge a partir da década de 1980 e refere-se a um processo ou processos com tendência mundial. Comparando-o aos conceitos de localização, nacionalização, regionalização e internacionalização que seriam mais restritos, Pérez observa que não são conceitos opostos, mas sim em relação. Na segunda parte do artigo, discute a relação entre globalização e os processos de construção de identidades culturais étnicas e naliza com uma reexão sobre fronteira. Dando continuidade à essa parte, Guillermo Cardona Grisales sj. também discute o tema da Globalização, estados nacionais e povos em situação
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de fronteira trazendo algumas notas para pensar sobre a atual situação da Amazônia em termos de bio e socio-diversidade, ao mesmo tempo em que chama a atenção para as ameaças do processo de globalização que toca todas as esferas da vida individual e coletiva. Por m, Stephen Grant Baines, no artigo “Povos, fronteiras e os Estados nacionais na fronteira GuianaBrasil” examina o impacto das políticas indigenistas na região de fronteira internacional habitada pelos Makuxi e Wapichana, povos que tiveram seus territórios historicamente divididos pela linha fronteiriça traçada entre o Brasil e a Guiana em 1904, e as estratégias indígenas para armar seus direitos perante os Estados nacionais. O autor observa que a situação nesta fronteira internacional revela como as ideologias dos Estados permeiam o pensamento das populações indígenas, compreendidas dentro dos contextos locais e estreitamente envolvidas em processos internacionais. A terceira parte, Movimentos sociais, Povos Tradicionais e o Estado na Amazônia apresenta o artigo “Pueblos indígenas y sistemas de salud: entre la geopolítica y la acción colectiva” de Claudia Puerta Silva que aborda os sistemas de saúde interculturais a partir dos condicionantes estruturais e da capacidade de participação social e ação coletiva de povos indígenas. Observa que, apesar das reformas realizadas por mandatos neoliberais em alguns sistemas de saúde latinoamericanos e africanos, no caso da Colômbia, o sistema de saúde converteu-se numa interface de interação privilegiada entre o Estado e os cidadãos, entre os quais estariam os indígenas, identicados como vulneráveis. O segundo texto desta parte, intitulado “Novos Movimentos Sociais e Padrões Jurídicos no Processo de Redenição da Região Amazônica”, escrito por Joaquim Shiraishi Neto, reete sobre os processos de mobilização vivenciados por grupos sociais na Amazônia para assegurar os territórios tradicionalmente ocupados. Esses grupos sociais utilizam diferentes estratégias e ações, que se colocam em face dos “tradicionais” e “novos” antagonistas, sendo que um traço distintivo, considerado comum, é a “luta José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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jurídica localizada” que não se restringe ao âmbito dos espaços municipais.. O texto “Movimento indígena na Amazônia: relato de uma experiência na COIAB” apresenta a experiência de Maria Miquelina Barreto Machado, da etnia tukano, como dirigente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, especialmente seu trabalho como Coordenadora do Departamento de Mulheres e as características da organização de povos indígenas. O artigo de Thereza Cristina Cardoso Menezes – “Povos tradicionais: 20 anos de visibilidade política no Brasil”- apresenta elementos para pensar sobre a recente criação de um espaço especíco de discussões e de formulações de políticas voltadas aos povos tradicionais no Estado brasileiro, decorrente de seu reconhecimento como atores políticos destacados. A autora ressalta que a Amazônia se congura como a região de origem deste empoderamento e descreve a sociogênese do conceito de povos tradicionais. Reete sobre a diculdade em lid ar com este “novo conjunto populacional”, utilizando os dados levantados no trabalho de campo realizado em quatro municípios situados no sul do Amazonas.
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PARTE I
GEOPOLÍTICA E FRONTEIRA
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Olhares da amazonia: de mexico ao brasil ¿cómo se ve la amazonia desde la antropología mexicana? Eliseo Lopez Cortes 1
A lo largo de la historia de la antropología mexicana hay varios retratos lejanos de la Amazonia. Indirectamente implica dialogar con los antropólogos brasileños. Desde la década del cincuenta varios antropólogos brasileños estudiaron en la ENAH, pero regresaron a Brasil sin generar un vínculo de alianza entre la antropología mexicana y la antropología brasileña. A partir de los años sesenta, el predominio de las ideologías marxistas en las ciencias sociales latinoamericanas identicó, sobre todo en México, los enfoques indigenistas como ideología pequeño burguesa reaccionaria. El marxismo inuyó en el pensamiento social brasileño, pero sobre todo en la antropología brasileña, en la concepción de justicia e igualdad social de y entre los pueblos indios de Brasil; por lo tanto, se crearon híbridos entre culturalismo y marxismo (o plenamente de izquierda). La cuestión étnica y de la identidad de los pueblos indios, desde el pensamiento marxista, era un intento por reformular y diseñar políticas de inclusión e integración del indio en la sociedad nacional brasileña. Pero la polémica entre marxistas e indigenistas pospuso el diálogo con los culturalistas indigenistas. Similarmente en México, el modelo de culturalismo etnohistórico marxiano de Gonzalo Aguirre Beltrán ligado al PRI en su estrategia de antropología aplicada mediante el INI (que operó de 1940 al 2000) y la integración del campesino indígena al proletariado nacional quedó como una página de la historia con la desaparición del INI (que tenía 100 centros coordinadores indigenistas en todo el territorio nacional). 1 Mexicano. Professor investigador titular “c” na Universidade de Guadalajara, Centro Universitário de Ciénaga. Membro do sistema nacional de pesquisadores nivel 1.
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En México y desde el marxismo, el Dr. Ricardo Pozas Arciniegas criticó el modelo indigenista a partir de modelos de investigación/acción o teoría/praxis. Sin embargo, en Brasil hasta hoy sigue operando la Fundación Nacional del Indio (FUNAI) en contextos socioculturales y nacionales muy diferenciados diferenciados.. En México se trataba de incorporar a campesinos indígenas que vivían en comunidades campesinas, ejidos o pueblos, muchos de ellos en “zonas de refugio” (tipológicamente equivalen a comunidades campesinas corporativas cerradas y abiertas encapsulas en múltiples sociedades regionales como satélites periféricos del núcleo capitalista). En Brasil estamos frente a cazadores-recolectores, agricultores incipientes y jefaturas (equivale tipológicamente a comunidades aldeanas corporativas cerradas y abiertas encapsulas en múltiples sociedades regionales como satélites periféricos del núcleo capitalista). En México, en el área de Mesoamérica, las comunidades campesinas habían estado subordinadas a Estados (altas culturas o civilizaciones o sociedades complejas) con características de poderes estatales despóticos y complejos hidráulicos avanzados, con políticas públicas tributarias; y había una cultura campesina que unicaba múltiples grupos étnicos, materializadas en sociedades regionales; si acaso en Aridoamérica las comunidades campesinas habían cazadores-recolectores chichimecas chichimecas y algunas aldeas ag rícolas en tierras semidesérticas. En contraste, en el Amazonas, tenemos sociedades simples sobreviviendo en la jungla adaptadas ecológica y agroecológicamente. ag roecológicamente. Puede decirse que los rasgos étnicos y los grupos sociales que se encuentran en México no se encuentran en Brasil y viceversa, pero ello sería una visión etnográca satelital, en realidad, nunca se ha dado el diálogo de plataformas de investigación concretas comparativas entre ambos países, sino encuentros fortuitos aislados; el método comparativo no se ha utilizado salvo en los trabajos iniciales de Paul Kirchhoff, en la década de los cincuenta. Posteriormente, en 1970 en el CISINAH (hoy CIESAS), los antropólogos Ángel Palerm y Guillermo Bonl invitaron a Darcy Ribeiro y Roberto
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Cardoso de Oliveira a dar algunos seminarios en México que tuvieron impacto y plantearon la posibilidad de realizar análisis comparativos. Tanto Palerm como Bonl coincidieron en que el predominio de la antropología norteamericana, británica y francesa era abrumador (publicaciones 90% en inglés y 5% en francés), pero que la antropología mexicana también era central y no periférica, al igual que la brasileña. Ángel Palerm pr oponía continuar los diálogos que habían iniciado con la antropología mexicana, grandes antropólogos que hicieron trabajo de campo en México como Franz Boas, Bronislaw Malinowski, Julian Steward y Paul Kirchhoff, Frederic Katz, Leslie White, William Sanders, Eric Wolf, Oscar Lewis, George M. Foster, Richard Newbold Adams, Norman Long y otros. Connotados antropólogos como Claude Lévi-Strauss, Edmund Leach y Lawrence Krader señalaban nuevamente a la antropología mexicana como central y no periférica. Sin embargo, lo que Ángel Palerm trataba de prevenir (produciendo antropología y antropólogos de calidad) no sucedió, porque las modas marxistas, estructuralistas, simbolistas, etnopopulistas y posmodernas barrieron con la antropología seria en México, salvo algunos raros reductos. Los enfoques arriba mencionados atacaban directamente la cuestión indigenista, y el diálogo entre la antropología mexicana y brasileña nunca se dio. El culturalismo indigenista mexicano ligado al PRI se mantuvo como una parte importante de la estructura de poder ligado al modelo nacionalista en boga desde 1930 hasta 1982, cuando empezó a ser desplazado y el INI se convirtió en un santuario de militantes de izquierda. Recientemente, hubo un diálogo del posmoderno argentino Néstor García Canclini, quien vive en México, con el sociólogo brasileño Renato Ortiz y el chileno lingüista, también radicado en México, Rainer Enrique Hamel Wilke, para discutir los modelos de hibridación y multiculturalismo en las “globalizaciones imaginadas”. Finalmente, el antropólogo que ha entrado en los diálogos antropológicos latinoamericanos y que “suena” en México es Gustavo Lins Ribeiro, y más recientemente el antropólogo César José Basini | Márcia Calderipe Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares Tavares (Orgs.)
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Pérez Ortiz en la Universidad de Brasilia. Pero los diálogos en realidad han sido mínimos.
El proceso de hominización de la especie humana es un proceso autoorganizativo y de coevolución generado por una mutación genética hace aproximadamente un millón de
años. Pero el Homo Sapiens, como tal, solo tiene seis o siete milenios, los que conforman la red de la expansión humana autoorganizada en estructuras diacrónicas de poder. Las hordas o bandas cazadores recolectoras son la primera forma de autoorganización, y forman parte p arte de las estructuras disipativas o de los sistemas abiertos alejados del equilibrio de los ecosistemas. Dichas bandas cazadores recolectores están enmarcadas en la solidaridad mecánica de Emile Durkheim y como tal están enmarcadas en las dinámicas coevolutivas de los ecosistemas. Las hordas de cazadores recolectores son itinerantes y recorren largas distancias para no degradar los ecosistemas; implican bajas densidades demográcas y permiten una capacidad de sustentación o capacidad de carga que no deg rada los ambientes ecológicos. Siguiendo el modelo de Lawrence Krader dichas bandas cazadores recolectores equivalen al modo de producción arcaico primitivo; dicho modo de producción se estructura en base a comunidades aldeanas itinerantes estacionales algunas veces sedentarias en aldeas agrícolas preestatales; no hay acumulación de excedente ni división social del trabajo, ni mercados, ni Estado, mi escritura (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). Siguiendo el modelo de Eric Wolf son sociedades basadas en el modo de producción del parentesco que estructura a las comunidades aldeanas o bandas cazadores recolectores; el modelo económico es de reciprocidad y la economía se encuentra incrustada en las estructuras del parentesco que son las estructuras de poder. Siguiendo el modelo del materialismo cultural, dichas sociedades tienen un modo de producción de alimentos sustentado en la caza y la recolección en la infraestructura conductual etic, y una economía doméstica en la cual no existe economía política en la estructura conductual etic y una superestructura conductual ética basada en mitologías que contienen cosmologías y cosmogonías. Dichas sociedades se enmarcan en una cultura, pero sujeta a la dinámica de los ecosistemas. Son sociedades ágrafas y por lo tanto, precivilizadas. precivilizadas. Las bandas u hordas de cazadores recolectores inician hace
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José Basini | Márcia Calderipe Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares Tavares (Orgs.)
El proceso de Formación del Estado El proceso de formación del Estado sólo puede enfocarse a partir de un modelo de análisis longitudinal dentro del marco de teorías evolucionistas de la autoorganización. Dichos procesos presuponen modelos como los generados en el pasado por el evolucionismo decimonónico y el materialismo histórico construidos dentro del pensamiento marxista por Karl Marx y otros autores. También presupone teorías antropológicas como el neoevolucionismo americano de Leslie White o el evolucionismo multilineal de Julian Steward o Karl Wittfogel (en la década del cuarenta) o Angel Palerm o Eric Wolf o Stanley Diamond (en la década del cincuenta) o la síntesis neoevolucionistas y evolucionistas multilineales de Elman Service, Marshall Sahlins, Richard Newbold Adams, Robert Carneiro o Darcy Ribeiro (en la década del secenta). En la década del setenta hubo una revitalización del marxismo tanto en su variante estructuralista como en la dialéctica. En la variante estructuralista destacan destacan autores autores como Maurice Godelier Godelier y Jonathán Friedman, en la variante dialéctica destellan las guras de Lawrence Krader y Andrés Fábregas. También son importantes los trabajos de André Gunder Frank y sobre todo de Immanuel Wallerstein y nuevamente Eric Wolf. La vertiente norteamericana del materialismo cultural por Marvin Harris analiza también a profundidad los problemas de la Formación del Estado. En la década del ochenta fue abordado el pr oblema de la formación estatal por la sociología por Michael Mann. Recientemente,, Ted Lewellen analiza el problema (2006). Recientemente La formación del Estado y la génesis Civilizatoria
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un millón de años, pero las glaciaciones de hace 20.000 años obligaron a las bandas a volverse sedentarias hace 10.000 años. Ello fue debido a la extinción de la megafauna y el paso a la agricultura, lo cual permitió la sedentarización y con ello la potencial creación de un excedente por los stocks de granos y de la especialización en el trabajo. En el mundo del hombre primitivo predominaba la autarquía y el lazo de las estructuras de parentesco comunitarias era fácil de llevar. Dichas bandas o aldeas pertenecían a un grupo étnico. El potencial proceso de formación del Estado implicará contextos de circunscripción ambiental y circunscripción social ligados a futuros complejos cerealísticos- ganaderos (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). La ruptura de dichas estructuras ecosistémicas y el paso a una estructura disipativa y/o sistemas abiertos alejados del equilibrio y a una autoorganización topológica jerárquica es el paso de las aldeas agrícolas paraestatales a las jefaturas situacionales e institucionalizadas. Los primeros grandes hombres surgen en las aldeas agrícolas paraestatales y están presentes sobre todo en linajes segmentarios los cuales permiten el manejo político de las estructuras de parentesco mediante la cercanía con un ancestral común; dichos manejos políticos permiten la construcción de clanes cónicos y de ramajes que conforman linajes jerarquizados por la cercanía mitológica con el ancestro común; este mecanismo de control emic o mentalístico enmarca la legitimación de linajes aristocráticos, que exigirán un excedente, representado de redistribución, con lo cual la reciprocidad opera en la supercie, pero en el contenido opera un pago de excedente que potencialmente se convertirá en impuesto. El proceso de sedentarización está ligado a la producción de un excedente sobre todo de gramíneas y de otros bienes suntuarios o simbólicos; las jefaturas iniciales de los jefes situacionales implican la construcción de complejos cerealísticos ganaderos y con ello la institucionalización de la jefatura (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007).
Jonathán Friedman retomando el estudio de Edmund Leach sobre los kachín de la alta Birmania o Myanmar señala, etnográcamente, cómo la oscilación gumsa/gumlao en su variante gumlao operando en estructuras de intercambio generalizado ciclo largo, conlleva procesos de reciprocidad que no implican la intensicación de la producción; pero la oscilación gumsa implica la intensicación de la producción, la redistribución y potencialmente la guerra, puesto que los linajes aristocráticos kachín al institucionalizarse, contemplan la formación del Estado. Dichos linajes aristocráticos hacían alianzas matrimoniales con la etnia chin, por lo cual tenemos la formación de tribus multiétnicas tanto kachín como chin, aunque a veces robaban mujeres de las etnias naga y wa. En las jefaturas institucionalizadas donde existen élites especializadas en el manejo del poder político, los políticos son especialistas de tiempo completo, que cumplen funciones económicas de redistribución y desincrustan la economía de las estructuras de parentesco y la orientan hacia un campo de economía política; para ello necesitan legitimar sus cercanía con el ancestral común, mediante rituales que transforman al chamán el sacerdote, y con lo cual se genera la potencialidad del templo de palacio, estructuras potenciales de poder político y religioso. Se pasa estructuralmente de la economía doméstica a la economía política y del orden de la costumbre al orden de la ley (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). El modelo kachín institucionalizado corresponde a una serie de transformaciones estructurales que diacrónicamente conllevan a la formación estatal de la China preHan en una sociedad de modo asiático de producción o de un modo de producción tributario. La sociedades de jefatura resultan estratégicas en el análisis, ya que implican el paso de una estructura disipativa sustentada en la solidaridad mecánica del parentesco, a una estructura disipativa sustentada en la solidaridad orgánica o sea en funciones especializadas como la división social del trabajo, las clases sociales, el mercados, o sea la formación de la sociedad civil y la formación de una
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sociedad de economía política que posteriormente implicara la formación del Estado y/o de una civilización. Con ello los agricultores de las aldeas agrícolas paraestatales se convierten en campesinos y se constituyen las comunidades campesinas corporativas cerradas y algunas abiertas que intercambian excedentes en mercados incipientes y algunas comercian artesanías en circuitos comerciales (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). La formación del Estado implicará la institucionalización de la jefatura y los linajes cercanos al ancestro común conformarán la clase dominante, ya sean gobernantes o burócratas; las clases plebeyas conformarán el campesinado y los artesanos. Esta es la estructura transformacional de la formación del Estado. El proceso de legitimación de los segmentos de linajes más cercanos al ancestro común implican los procesos de concentración y centralización del poder político en manos de la clase dominante; pero también implican la formación de la esfera pública y de la esfera privada; para que estos procesos operen, es necesaria la previa formación de la sociedad civil, que también está ligada a la formación de una economía política y de clases sociales y de un mercado. También es necesaria la construcción de alfabetos y de códigos matemáticos que permitirán cuanticar, sobre todo, el excedente y la población a través censos. Todo ello se legitima mediante la ley escrita, la cual junto con las matemáticas son las plataformas de un despegue civilizatorio sustentado en escritura (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). Las élites aristocráticas, mediante un proceso estructural de amnesia genealógica, deslegitiman linajes plebeyos de toda posibilidad de acceso político a la estructura de poder estatal mediante la creación de linajes nobles, representantes cosmológicos y cosmogónico de las entidades celestiales en la tierra. También de los linajes parcialmente aristocráticos surgen los burócratas y los ociales del ejército, así como los cobradores de impuestos y los especialistas al servicio del Estado. De los linajes intermedios surgirán los comerciantes que pagarán un impuesto estatal y comprarán a los campesinos
algunos productos para vender en otras regiones. Los linajes de agricultores o campesinos que no deseen estar subordinados al Estado se irán a reproducir en las periferias territoriales estatales donde muchas veces conformarán tribus multiétnicas. Todo lo anterior implica el paso de la solidaridad mecánica a la solidaridad orgánica; esta última implica la construcción de la inicial sociedad civil en el modo asiático de producción o modo tributario de producción o modo de producción comunal social. Esta sociedad civil opera bajo los efectos de la ley de la forma valor que implica la lucha de clases como el motor de la evolución auto organizativa social. Las comunidades campesinas aldeanas son explotadas por la clase dominante del Estado (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). A su vez, las agencias del Estado se presentan como la gran comunidad magnicada y disfrazan le alienación de excedente, de redistribución económica. La labor del Estado es regular la dialéctica interna de la clase dominante, la dialéctica inter clases, y la separación de la esfera pública de la esfera privada. En las sociedades de modo asiático de producción (o modo de producción tributario,o modo de producción comunal social) el Estado y la clase dominante son la misma estructura dominante de poder. Los primeros casos de formación del Estado se presentaron en la antigua China, en la antigua India, en la antigua Mesopotamia, en la antigua Palestina, y en el antiguo Egipto. En el nuevo mundo ello sólo sucedió en el antiguo Perú y en el antiguo México. Ello implicó procesos prístinos de formación del Estado. Con la formación del Estado surgen los primeros procesos civilizatorios que se concretan en economías mundo imperiales, lo cual implica la expansión geográca de los Estados imperio para cobrar tributos, impuestos y rentas. Implica, en lo fundamental, la expansión de la esfera pública estatal y la construcción de procesos de poder totalitario, muchos de ellos plasmados en formas autoritarias del despotismo oriental, en base al control estatal por las agencias del Estado de las infraestructuras hidráulicas (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007).
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Fuera de esos lugares no hubo procesos de formación del Estado ni procesos de génesis civilizatorias. El caso del Amazonas es uno de ellos. Los procesos de impacción del Estado hicieron que para ejercer el control en las periferias estatales, el Estado monopolizara el poder mediante el g obierno en un territorio sobre una población a traves de leyes; ello es la génesis del poder totalitario en la sociedades de modo asiático de producción (o modo de producción tributario, modo de producción comunal social) que diera origen al despotismo oriental. De esta forma, en muchos casos surge un Estado más fuerte que la sociedad, no sólo por el control en la extracción de un excedente de las comunidades campesinas corporativas cerradas, sino de la extracción de un excedente por el control de infraestructura hidráulica en manos del Estado, donde al disidente político mediante el control hidráulico (recurso signicativo) se ejercía un poder político hidráulico. Por ello los disidentes del despotismo oriental tenían que conformar facciones, cuasigrupos o coaliciones organizadas en sectas secretas, que algunas veces dirigían movimientos sociales contra el estado, pero con cultural o civilizacionalmente nunca generaron un modelo de destrucción del estado, sino que sólo cambiaban de dinastía y escogían otra dinastía de la clase dominante, quien manejaba patrimonialmente el poder. La base seguía siendo agrícola e hidráulica, lo cual permitía un desarrollo sustentable, en manos de las comunidades campesinas aldeanas. Por ello los movimientos sociales implicaban cambio de dinastía y no eran revoluciones sociales (KRADER, 1975, 1976, 1979). La presencia de facciones, cuasigrupos o coaliciones organizadas en sectas secretas, implica la génesis de la política informal o de la su política de grupos de presión que muchas veces actuaron aliados a los comerciantes. Aquelllos permanentemente estaban en confrontación con la clase estatal, debido a que esta embargaba a los comerciantes que habían acumulado mucho, a juicio de la burocracia, y los comerciantes tenían que volver a empezar; ello marca la confrontación entre esfera pública y esfera privada, ya que el Estado alienaba un
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excedente en forma de tributo o renta a los comerciantes y a las unidades domésticas de las comunidades campesinas antillanas corporativas cerradas, estructuradas en redes de parentesco. Los comerciantes tuvieron que intercambiar sus productos entre civilizaciones y sus mercados respectivos; cuando los comerciantes intentaron intensicar la producción para tener un mayor excedente, el Estado una y otra vez los expropió. La ruptura con esta estructura de poder totalitario se dio en el modo de producción esclavista -o clásico- de la antigüedad. En su primera etapa, en Esparta existía un control esclavista por parte de la estructura de poder estatal, no obstante, la fractura más relevante en relación a la estr uctura de poder estatal se dio en Atenas, donde el control de los esclavos estuvo en manos de propietarios privados que conformaban la clase dominante, y que como ciudadanos podían acceder al poder político. Dichos esclavistas conformaron una clase comercial y militar distinta de los déspotas orientales (KRADER, 1975, 1976, 1979). La democracia griega ateniense era una democracia de elite esclavista distinta de la que habían antecedido hasta ese momento a las estructuras de poder. Con el Imperio Romano, el modo de producción esclavista clásico de la antigüedad, articulado con las comunidades campesinas corporativas cerradas estructuradas en aldeas agrícolas ligadas a un mercado, tenemos un modelo de economía clásica que contendrá un capitalismo incipiente y una geopolítica territorial fundacional. El surgimiento del catolicismo cultural a nales del Imperio Romano será la plataforma civilizatoria en el siglo IV d.C. que contendrá la génesis fundacional de la globalización que iniciará 11 siglos después con el descubrimiento de América. Esta plataforma fundacional de la globalización fue colapsada por los llamados “bárbaros” que invadieron el Imperio Romano, pero que en realidad eran campesinos y ganaderos, soldados y mercenarios que penetraron en el Imperio Romano con modelos económicos y culturales de comunidades campesinas, y ello fue una estrategia agro ecológica para regenerar el ambiente degradado por los esclavistas romanos, a un proceso José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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de desarrollo sustentable, cuya construcción llevaría un milenio, o sea, toda la baja y alta Edad Media. Es importante señalar que en las sociedades de modo escéptico de producción (o modo de producción comunal social o modo de producción tributario) existió la potencialidad de un capitalismo en contextos como los del imperio chino, imperio hindú, imperio persa, imperio árabe, inclusive en Mesoamérica y en los Andes. Pero los Estados mediante sus agencias expropiaban a los comerciantes, esclavistas, banqueros y empresarios. Sólo en algunas partes de Europa occidental, en el paso del antiguo modo feudal de producción al modo de producción capitalista, los comerciantes banqueros y empresarios pudieron generar estructuras económicas al margen del poder del Estado y actuaron en alianza con los Estados absolutistas en el despegue del moderno sistema mundial; dicha economía mundo creó núcleos sistémicos en la expansión del despliegue del trabajo social y la transformación de las estructuras de trabajo para la producción, distribución, intercambio (circulación) y consumo, tanto la semiperiferias, como en las periferias del moderno sistema mundial (KRADER, 1975, 1976, 1979). Una de tales expresiones es el mercantilismo, el cual sería posteriormente sustituido por un capitalismo de subordinación real del trabajo al capital. Cabe destacar que sólo bajo la impronta del moderno sistema mundial se puede hablar globalmente de articulación de modos de producción, pero en el núcleo de la economía mundo, el capitalismo determinará y dominara la disposición de las partes en el despliegue del trabajo social. Sin bien el capitalismo y su expansión sistémica se dan inicialmente con el colonialismo portugués y holandés, será la plataforma hispana la que genere los fundamentos de un economía mundo y será el colonialismo inglés en el siglo XVII el que genere la primera globalización acompañada del colonialismo francés y el predominio del patrón plata (KRADER, 1975, 1976, 1979). Dicho colonialismo inglés llevara la expansión del moderno sistema mundial a las arenas exteriores o sociedades tradicionales desconocidas. Con el colapso de la globalización inglesa en la
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Primera Guerra Mundial y la crisis económica de los años veinte, el proceso de globalización británica se estancará y culminará en la Segunda Guerra Mundial. En la década del cincuenta se inicia la transferencia del control geopolítico de la globalización hacia la geopolítica norteamericana (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007). Se puede decir que hasta la década del secenta la contradicción principal dentro de la economía mundo fue la contradicción trabajo/capital de la economía grávida; pero a partir de la globalización de la década del setenta, dicha contradicción pasa a un segundo plano, y las estructuras económicas inician el viraje de la determinación del esfera de la producción, al esfera de la circulación, con ello naliza el predominio del patrón oro y para la década del noventa, el control de la reproducción económica, se encontrará en esfera del consumo; dicho consumo ya no será en lo fundamental de mercancías o bienes, sino de servicios e información, o sea, el predominio de la economía ingrávida, en la cual lo más importante no es la propiedad, sino al capital especulativo, el acceso a las casas de bolsa, al ciberespacio, y a la desmaterialización del dinero. Con ello, en esfera de la circulación se genera la riqueza, la cual se materializa mediante las casas de bolsa, y si orienta al esfera del consumo. Con ello inicia el predominio del patrón información. Paralelamente, la lucha de clases, ya como una esfera secundaria, pasa a la sociedad civil global y la lucha contra los monopolios y/o oligopolios de la información y de los servicios. Las tendencias indican que en pocos años sólo cinco por ciento de la población mundial, trabajará en la producción de mercancías, y otros cinco por ciento trabajará en el sector servicios, y sólo 20% en el sector información; en el acceso a la sociedad del conocimiento trabajara otro 20%. Sólo el 15% de la población mundial tiene acceso al 80% de la riqueza mundial y el 85% de la población mundial sólo accesa al 20% de la de la riqueza mundial (LÓPEZ CORTÉS; PÉREZ ORTIZ; BECERRA, 2007).
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La Amazonia en particular
El Amazonas era visto como un área cultural por antropólogos como Paul Kirchhoff y Ángel Palerm, pero con la ebre marxista todo ello se borró en la década del setenta. En el cruce entre antropología política y evolución cultural el artículo de Robert Carneiro (Science Vol. 169. 1970) sobre el origen ecológico del Estado a partir de la circunscripción social ambiental y social en la problemática de la Formación del Estado era una lectura obligada. Dicho trabajo sería utilizado por Jonathán Friedman en 1972 en su tesis doctoral en la Universidad de Coolumbia titulada “System, structure and contradiction in the Evolucion of Asiatic Social Formations ” y en la polémica posterior con y entre Edmund Leach, David Nugent y Marvin Harris acerca de los kachín de la alta Birmania o Myanmar. Por lo tanto, es una referencia teórica. Donde no existió la posibilidad de generar un complejo cerealístico ganadero fue imposible la formación del Estado, y ello se dio en China, la India, Mesopotamia, Palestina, Egipto, y el Perú, con la llama, la alpaca y la vicuña; la excepción es Mesoamérica, donde no hubo ganadería. En particular, en el caso del Amazonas fue imposible la formación del Estado y de una civilización. La literatura antropológica y arqueológica de la que disponemos nos señala que antes de la impacción del moderno sistema mundial en el Amazonas, la sociedades amazónicas estaban conformadas por aldeas agrícolas preestatales y estaba en proceso la formación de jefaturas institucionalizadas y se había pasado en algunos casos a las jefaturas de grandes hombres incipientes. También existen sociedades de agricultores artesanos que pagaban un incipiente impuesto representado como redistribución a linajes de grandes hombres institucionalizadas o sea jefaturas y pr obablemente de ramajes y clanes cónicos. En algunos lugares no puede hablarse de linajes, pero sí de familias extensas. Pero la capacidad de sustentación no hubiera permitido la formación de un Estado debido a que no existen posibilidades agroecológicas de implementación de un complejo cerealístico
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ganadero, que permitiera un excedente y con ello la constr ucción de una sociedad civil de economía política. La circunscripción ambiental y la circunscripción social no permitieron la for mación del Estado sino de algunas jefaturas, que debido al colonialismo generaron procesos de involución agrícola y devolución social. Para ello es importante ver los trabajos de Clifford Geertz sobre la involución agrícola en Indonesia, y los procesos de devolución social de Jonathan Friedman sobre los Kachín de la alta Birmania. Ello quiere decir que muchas de las etnias del Amazonas involucionaron a bandas cazadoras-recolectoras y algunas permanecieron como aldeas agrícolas pre-estatales encapsuladas en la arena exterior de la economía mundo o en la periferia del moderno sistema mundial. AMAZONIA EN PERSPECTIVA ¿Que signican los cambios que han tomado lugar en las culturas y las condiciones de vida de los indígenas de las poblaciones indígenas Amazónicas a través de un milenio -1001 a 2000-? ¿Qué cambios han sucedido, y cuáles son sus implicaciones para nuestras explicaciones de las formas de vida de los pueblos? ¿Cuáles son las variaciones signicantes en las formas de vida a través de la enorme expansión de la Amazonia? ¿Que factores necesitan ser tomados en cuenta dentro de la consideración para explicar las formas culturales y las adaptaciones en diferentes regiones? ¿Cuáles son las razones para los contrastes signicativos en la subsistencia y demografía de la prehistoria y las etnografías Indias, y cuáles son sus implicaciones para las explicaciones ecológicas y culturales? ¿Qué estereotipos acerca de los ambientes Amazónicos necesitan ser corregidos? ¿Cuáles son las diferencias regionales signicativas en el potencial de recursos y cual es su impacto en las culturas regionales? (ROOSVELT, 1994). El capítulo 1 explora estas preguntas en una visión de la ocupación indígena del Gran Amazonas desde tempranos tiempos prehistóricos hasta el día presente. A grandes rasgos, algunas de las variaciones en las adaptaciones ecológicas José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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y culturales a través del espacio y del tiempo documentan algunos pueblos tempranos y culturas que son muy diferentes de aquéllos que existen hoy día. Basado en estos reportajes recomiendo las direcciones para las futuras investigaciones en las interrelaciones entre cultura material y conceptual, usando una estrategia de investigación que integra las teorías y métodos de la antropología social, arqueología, antropología física y lingüística (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 2, Neil Lancelot Whitehead analiza las transformaciones de las sociedades del Orinoco y Guiana en las tierras bajas del noreste durante la parte temprana del periodo de conquista. Neil Lancelot Whitehead muestra que las invasiones presagiaron la inmediata declinación de algunos grupos y dieron a otros grupos oportunidades para desarrollar comercio y militarismo en nuevas direcciones sobre territorios expandidos, al menos temporalmente. En el capítulo 3, Nelly Arvelo-Jiménez y Horacio Biord conguran los efectos de los últimos estadios de conquista y las interacciones entre los pueblos del interior del Orinoco y el escudo de la Guiana en Venezuela. Ellos argumentan que en la preconquista la producción de artesanías, comercio, ritual e interacción política, fueron conducidos también a estimular al intercambio interétnico. A medida que la conquista y la colonización progresaban, los sistemas indígenas de interacción fueron estructural y funcionalmente transformados mediante mecanismos tales como cambio de asentamiento impuesto y el peonaje (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 4, Antonio Porro da un paisaje de sociedades principalmente de planicies inundadas en la parte occidental de la Amazonia brasileña en el tiempo del primer contacto, y traza los tempranos cambios que tomaron lugar cuando las poblaciones nativas declinaron y las sociedades fueron desbaratadas por las intrusiones de los conquistadores. Con numerosas estimaciones de informes de testigos presenciales, muestra que, sobre el tiempo, que los líderes de suma importancia (jefaturas) desaparecieron, sus reinos fueron desintegrados, y la extensión y el número de asentamientos nativos se encogieron
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sustancialmente cuando la conquista del Amazonas progresó. El proceso de conquista en el bajo Amazonas en los últimos 300 años es detallado por Adélia Engrácia de Oliveira en el capítulo 5 en un análisis de los cambios que tomaron lugar en las sociedades indígenas cuando la administración colonial se desarrolló en el parte este de lo que ahora es la Amazonia brasileña. Factores importantes que ella ilumina en los procesos fueron la declinación demográca debido a las enfermedades, guerra, y trabajo forzado, y la pérdida de identidad mediante la desintegración política, y la deculturación a través de la evangelización misionera (ROOSVELT, 1994). Parte II: Hábitat y Biología Humana en Perspectiva.
En el capítulo 6, Warren M. Hern inspecciona los datos en los status de salud de los indígenas Amazónicos, especialmente en considerar la demografía y las enfermedades infecciosas. Sugiere que hay un considerable dinamismo en el estado de las poblaciones amazónicas y apunta a la posibilidad de algunas tendencias para el futuro cercano. Aunque algunas poblaciones amazónicas recientemente rebotaron algunas declinaciones relacionadas con la conquista, siente que las poblaciones en conjunto deberán continuar declinando. En el capítulo 7, Darma L. Dufour inspecciona la dieta y nutrición de los indios amazónicos a través de la región y caracteriza la forma común de subsistencia sistemas de roza, tumba y quema de cultivos de almidón. Los datos que ella trae sugieren que aunque muchos adultos tienen dietas adecuadas, muchos niños indígenas pueden estar sufriendo desnutrición, tal como ciertos indicadores lo establecen al observar la disminución de las curvas de crecimiento y la subsecuente reducción de estatura en los adultos (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 8, Stephen Backerman inspecciona las prácticas de caza y recolección en la Amazonia sugiere la necesidad de repensar nuestras preguntas de investigación acerca de la subsistencia. Enmarcado a la luz de actuales debates acerca de recursos, población y tecnología de subsistencia en José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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la Amazonia, traza algunos aspectos de variaciones ecológicas humanas a través de la Amazonia. Encontrando una pequeña evidencia que patrones foráneos son compartidos determinan una inadecuación de recursos, sugiere futuras investigaciones de un vasto rango de factores, incluyendo estacionalidad y un vasto contexto socioeconómico de patrones foráneos (ROOSVELT, 1994). Parte III: Sociedad, Ecología y Cosmología en Contexto. ¿Qué inuencia tiene en los pueblos del Amazonas el cambio ecológico, económico, y los contextos sociales en su ideología y organización? ¿Y qué impacto cambia los sistemas organizacionales e ideológicos sobre las condiciones de vida de los pueblos? ¿Por qué las sociedades de hoy en día se organizan ellas mismas y conciben el mundo en caminos diferentes de las sociedades prehistóricas? ¿Cuál ha sido el impacto de la interacción de los blancos en las formas de vida indígena, particularmente respecto a la organización, guerra, y distribución? ¿Pueden las diferentes historias de contacto ayudarnos a explicar cómo han sido las variaciones en culturas indígenas y sus trayectorias de desarrollo? La tercera parte de este estudio presenta cinco casos que intentan trazar las relaciones entre las características ecológicas, organizacionales o ecológicas de la sociedad Amazónica y uno o más factores en los contextos de las formas de vida de los pueblos (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 9, Phillippe Descola argumenta que los Jívaro Achuar de Ecuador se han adaptado con éxito a la conquista mediante un proceso de estabilidad cultural ecológica mejor que un rápido cambio cultural. Así podemos ver como algunas sociedades amazónicas se han adaptado a la intrusión de forasteros para mantenerse, más que abandonar sus formas de vida. Advierte, sin embargo, que la estabilidad cultural fue una posible adaptación por los Jívaro sólo porque ellos escaparon directamente a la conquista militar pero estuvieron insertos en las economías de mercado colonial y nacional (ROOSVELT, 1994).
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En el capítulo 10, Pita Kelekna examina un aspecto fascinante de las sociedades Amazónicas: las relaciones del status de género de otras facetas de los modos de vida. En su investigación aísla patrones de subsistencia y guerra como una inuencia especialmente de relaciones de género y traza el trabajar fuera de estas interacciones entre los Jívaros Achuar de el Alto Amazonas en el Perú, comparándolos de los Achuar ecuatorianos. Aunque el tópico ha sido poco investigado, promete ser importante en el futuro, dada la importancia de género en la cultura india amazónica y la evidencia de variaciones de género en tiempo y espacio sobre tiempo y espacio. En el capítulo 11, Nancy M. Flowers examina a los Xavante de Brazil Central y descubre evidencia de la continua inuencia de contacto en la subsistencia nativa y patrones de asentamiento. Descubre que la gran exibilidad del seminomadismo Xavante y la enorme extensión de su sistema de interacción los ayudó a eludir la evangelización y la esclavización (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 12, Darrell Addison Posery toma los kayapó del norte de Brazil central desde su temprana historia conocida al día de hoy trazando una larga trayectoria de adaptación cultural, ecológica, y demográca al contacto. A través de la colaboración con informantes nativos, gana perspicacia dentro de un antiguo y complejo manejo del bosque que había escapado a la atención de los antropólogos anteriormente. Además de elaborar hipótesis sobre la mortalidad, desde la nueva enfermedad epidémica, se dirige a estudiar el incremento de los conictos internos, más precisamente, el incremento en rangos mortales en las formas tradicionales. En el capítulo 13, Michael F. Brown, traza movimientos milenaristas utópicos en el alto Amazonas, en un espacio de tiempo previo a los recientes procesos de contacto, en que estos movimientos son a menudo considerados una respuesta. Encuentra evidencia de que elementos centrales de estos cultos tiene rmes raíces indígenas en las formas de vida precontacto, particularmente en los complejos culturales de jefaturas de importancia. Traza la actual historia de los cultos milenaristas descubriendo evidencia que contradice las José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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intuitivas y apeladas explicaciones que estos movimientos fueron adaptaciones al contacto (ROOSVELT, 1994). Parte IV: Estrategias para la Investigación Integrativa
¿Cómo podemos investigar los cambios importantes que han experimentado las sociedades indígenas amazónicas durante la larga trayectoria de ocupación? ¿Qué métodos pueden revelar información mediante cruces disciplinarios acerca de las cambiantes relaciones entre los diferentes aspectos de las for mas de vida? Los tres siguientes capítulos describen una investigación longitudinal en subdisciplinas de la antropología que pueden dirigir el recogimiento de la infor mación acerca de la naturaleza y razones para los cambios en las formas de vida de los indios amazónicos a través del tiempo. Deben mostrar el valor de comparaciones sistemáticas hechas con el conocimiento de la posibilidad de un cambio signicativo (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 14, Irmhild Wüst relaciona los resultados de su innovadora investigación etnoarqueológica en la historia cultural de los bororo y sus vecinos. Lejos de ser prealfareros cerámicos y cazadores recolectores, como ellos habían sido caracterizados en el pasado, los bororo propagaron el uso de la alfarería cerámica relacionada con el cultivo del maíz entre horticultores que entraron en la región recientemente en el siglo XVIII. Se atribuye la pérdida de la alfarería y se enfatiza el cultivo de plantas en el periodo histórico, debido a los efectos producidos por la conquista europea en los patrones de asentamiento, demografía y artesanías. Tales análisis históricos arqueológicos son muy aplicables para ensayar teorías evolucionarias basadas en las presentes distribuciones indígenas (ROOSVELT, 1994). En el capítulo 15, Harriet E. Manelis Klein revisa algunas técnicas tradicionales de lingüística histórica y su potencial para el estudio sociedades indias de las tierras bajas Sudamericanas. Se enfoca en la glotocronología, una muy criticada técnica popular de análisis del lenguaje en el pasado, especialmente entre los arqueólogos que trabajaban en el Amazonas. Aunque su uso ha
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sido estropeado por métodos no críticos de colección de datos y una dependencia de teorías sin pruebas, Klein muestra que podría ser de gran valor para gracar y analizar transformaciones del lenguaje. El potencial de las lingüísticas históricas deberá animar investigaciones etnográcas y de archivo usando nueva tecnología computarizada y de audio para crear bases de datos de alta calidad para diferentes tiempos y espacios. En el capítulo 16, William Balée y Denny Moore Klein presentan los resultados de un estudio de caso que ejemplica el valor de la investigación del cambio en el lenguaje a través del espacio y el tiempo. Información detallada de la recolección sobre las variaciones en el vocabulario de las plantas en las lenguas Tupí-Guaraníes a largo del tiempo, ellos descubrieron patrones signicantes que eran consecuencia de cambios evolucionarios en el papel de las plantas en la adaptación humana en las tierras bajas de Sudamérica. Similares métodos aplicados al vocabulario en otras importantes áreas de la cultura, tales como organización política y social, pueden generar conocimiento de signicantes tendencias a largo plazo en la evolución social (ROOSVELT, 1994). Parte V: Adaptación hoy día ¿Cómo especícamente los indios amazónicos usan la etnicidad y otros mecanismos culturales para adaptarse al inevitable contacto hoy en día? ¿Qué de su actual estatus y cuales de sus perspectivas de mantenimiento de acceso a los recursos y su libertad para desarrollar sus culturas, para encarar el incremento de presión de las culturas, organizaciones y poblaciones nacionales? En el capítulo 17 Jean E. Jackson muestra como los hablantes tukanos del noroeste de la Amazonia construyen nuevas complejos de imaginarios indígenas en su creación de identidades que son apropiadas para organizar políticamente las interacciones con los forasteros. Fuera de la tradición, nuestras formas culturales están surgiendo de los pueblos amazónicos mediante convenios dinámicos con membresías del ancho mundo (Roosvelt, Anne C. 1994). José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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1 Amazonian Anrthropozlogy: Strategy for a New Synthesis. Anne C. Roosvelt Antropología Amazónica: Una estrategia para una nueva síntesis. Este es un libro acerca de las relaciones sociales y de parentesco a través de la organización humana, la ideología y la ecología, aproximadamente durante doce mil años de ocupación indígena del Amazonas. En los pasados veinte años -1974 a1994- de investigación en el área revelan cambios signicativos en las sociedades humanas y sus condiciones de vida a través de un milenio, pero las implicaciones de estos cambios no han sido incorporadas a la antropología. El dinamismo de la ocupación nativa ha sido evidente mediante la investigación del cruce de campo de trabajo, pero nuestro connamiento en nuestros subcampos son impedimentos en su integración para un entendimiento comprensivo de los pueblos y culturas amazónicas. El nuevo conocimiento estimula una reorientación de los intereses teóricos en antropología y la investigación dentro de las implicaciones que requiere también la maximización metodológica. Un problema central para el futuro es desarrollar para el Amazonas una estrategia pragmática de investigación que integre los cuatro campos de la antropología, el uso de enfoques cualitativos y cuantitativos, y que combine los enfoques teóricos materialista e idealista, que habían estado opuestos en el pasado. Una estrategia de síntesis antropológica puede ayudarnos a alcanzar mejores explicaciones para la diversidad de pueblos Amazónicos (ROOSVELT, 1994). La Amazonia es una de las últimas fronteras terrestres en la imaginación moderna. Nuevas especies en complejas telarañas de biodiversidad parecen ir hacia un rápido cambio exponencial hacia fuera de los campos de biólogos y otros. Muchos cientícos sienten que la cura para toda tipo de enfermedades del mundo, todo, ya sea desde el cáncer hasta el cambio climático y el bienestar ecológico puede fundamentarse en los secretos
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del campo Amazónico. Es en medio de un puñado de lugares donde grupos de indígenas “aislados” aún andan a dentro de la conciencia del mundo “civilizado”…. No es una sorpresa que la región sea envuelta en el misterio, porque la exuberante foresta tropical que domina esta vasta área, que es casi de la extensión de Europa, posee signicantes cambios para intrusos: exploradores, colonizadores, así como cientícos. Es un lugar donde viajeros y voyeristas occidentales aún esperan encontrar refugios de especies desconocidas o “extintas”, islas intocadas de biodiversidad natural, fuentes sin explotar de invaluables recursos, así como también nuestros propios alter egos, aisladas bolsas de tribus de la “Edad de Piedra”, algo preservado desde los tiempos antiguos: mundos perdidos (Heckenberger, Michael 2005: xi ). Es irónico que los observadores occidentales con frecuencia observan la Amazonia para encontrar a nuestros “ancestros vivientes”, algún estado arcaico de naturaleza o de orientación de la sociedad, porque el pasado -el pasado de la Amazonia- es un enigma. Recientes intentos cientícos por caracterizar, clasicar, y catalogar la presente naturaleza de la oresta Amazónica o de sus pueblos asumen que las condiciones presentes caracterizan el pasado, creando una imagen de una naturaleza primordial de la condición humana. Tales suposiciones generalmente carecen de evidencia; con frecuencia carecen de jirones de corroboración histórica o arqueológica. Viejos puntos de vista difícilmente mueren, y los retratos de viejas centurias de los trópicos como una tórrida zona ocupada por pueblos primitivos que llenan la selva, aún impregnan la imaginación cientíca y popular. Ellos ven en el tiempo y la época, una y otra vez: la condición temprana de la naturaleza y la humanidad, un Jardín del Edén, o un Inerno Verde (HECKENBERGER, 2005). ¿La mayoría de los nativos de la Amazonia todavía viven en los márgenes de un mundo incrementadamente globalizado, pero fue siempre así? ¿Fue la Amazonia siempre “tan marginal”, contenida por algunos imperativos ecológicos o sociales y José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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distanciada de los pulsos del imperialismo que fue barrida a través del continente por cinco siglos? El punto de vista que toma lugar en éste trabajo es que las sociedades nativas de la Amazonia encaran centurias de colonialismo, y que el tamaño con frecuencia de la naturaleza fugitiva de los grupos sociales en el siglo XX debe haber sido el resultado del colonialismo europeo impactando pesadamente sobre los pueblos indígenas de la región, no menos que en otras partes, pero nosotros aún estamos mal preparados para considerar la magnitud del impacto colonialista o, particularmente, de lo que vino antes. Ciertamente, nada tan enorme como que el imperio Inca hubiera surgido aquí, pero la generalidad del punto de vista popular de que la adaptación ambiental o algún contrato social previniera el crecimiento de la población -o también de la complejidad socialtampoco es categóricamente sostenible. Las civilizaciones en la Amazonia conformaron partes de un todo muy complejo , en términos de las actuales, y experimentaron cambios importantes como las moderadas sociedades en Europa, Norteamérica, las Islas del Pacíco y Africa, lo hicieron. La Civilización en la Amazonia sobre los pasados pocos milenios debe ser medida en sus propios términos, y no en el macizo de la experiencia histórica de Occidente, en comparación de ejemplos europeos o mediterráneos de pueblos y ciudades, templos, palacios y plazas de mercado (HECKENBERGER, 2005).
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1 Antropólogo, Universidad de Antioquia. Doctorando en Antropología Social y Cultural de la Universidad de Barcelona. Coordinador de la Maestría en Estudios Socioespaciales del Instituto de Estudios Regionales e investigador adscrito al Grupo de Estudios del Territorio. E-mail:
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aparecieron las condiciones propicias para las tensiones de tipo internacional: reinos, repúblicas e imperios se trenzaron en intrigas, diplomacia y guerras. Recursos y tierra aparecieron como el motor de aquellas luchas tempranas, mientras que las poblaciones de los territorios coloniales se perdieron invisibles en espacios considerados como vacíos o aparecieron sólo como otro de los recursos para el saqueo. Es en el contexto de este expansionismo que aparece la geopolítica moderna, como un conjunto de conceptos y prácticas arraigadas en el ejercicio colonial europeo. Según nos señala John Agnew (2005), la modernidad gesta su propia imaginación geopolítica, cuya característica es justamente su acento eurocéntrico, y cuya innovación consistió en la aplicación de la geografía al pensamiento y a la praxis política. La geopolítica no surge, entonces, de manera espontánea. Es producto de la transición del antiguo orden feudal al nuevo régimen auspiciado por la expansión marítima y la apertura de mercados. El decaimiento paulatino del poder religioso y el aanzamiento de un poder estatal laico, aunado al control de las colonias, provocó en las metrópolis el surgimiento de una cierta idea de ‘responsabilidad global’. En adelante, los sujetos coloniales fueron asumidos como ‘menores de edad’, cuya tarea de administración y civilización sería la gran empresa geopolítica después del siglo XV. La aplicación de la geografía a las relaciones de poder colonial devino en la clasicación jerárquica de los espacios y de las poblaciones que los habitaban. Europa construyó desde entonces su superioridad cultural a costa de aquellos “diferenciados-subalternizados” bajo la diferencia racial y cultural. La separación entre conquistadores-conquistados y vencedores-vencidos, pasó a ser una de las nociones predominantes de esa imaginación geopolítica moderna. Según nos muestra Anibal Quijano (2000), con la conquista de América, la noción de raza surgió como una explicación natural-biológica de la dominación política ejercida en las colonias. Además, los espacios habitados por aquellos seres inferiores pasaron
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Las geopolíticas de la seguridad y el conocimiento: de los controles fronterizos a las amenazas deslocalizadas. Jaime Vladimir Montoya Arango1 La geopolítica es un concepto que nos acerca a la idea de una ‘política mundial’, es decir, un ordenamiento dirigido a mediar los intereses que van más allá de la soberanía de los Estados-nación, congurando un gran espacio de poder desde el cual se regulan y dirimen las relaciones transnacionales. La geopolítica es el instrumento por el cual los poderosos crean y difunden una representación del ‘mundo’, sumiendo bajo su lógica a otros mundos culturales subalternos y relegados, valiéndose para ello de recursos de todo tipo, incluyendo, por supuesto, la violencia. Por lo tanto, la geopolítica es un discurso sobre las relaciones de poder y una práctica que intenta conducirlas. Es una constelación de ideas que se materializan en la manera concreta en que se organiza y jerarquiza el espacio. Hablaré, por ello, en adelante de la geopolítica como el principal espacio de poder, que pone en evidencia el poder el espacio para controlar la vida humana. Las ideas de expansión y control territorial sobre otros pueblos no son para nada un asunto nuevo y pueden, por ejemplo, avizorarse desde los esfuerzos imperiales helénicos o romanos. Sin embargo, es en la expansión marítima posterior al siglo XV -cuando emerge la realidad de un mundo arcano y desconocido que empieza a ser disputado por parte de los poderes metropolitanos europeos- que podemos comenzar a rastrear el surgimiento de esa imagen mundial de la política. Con esta apertura a un mundo vasto, inexplorado y abierto
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a formar parte de las llamadas zonas inhóspitas, indómitas y salvajes, mientras que las ciudades de los conquistadores fueron asimiladas a la civilización y el progreso. En el siglo XIX, con la vigencia de estas nociones geopolíticas, la conformación de los Estados nación descolonizados se fundamentó en la supresión de la diferencia cultural y en la implantación de un modelo espacial único que desconoció la coexistencia de los otros mundos culturales en su interior, sometiendo a pueblos enteros a un único modelo de identidad nacional, direccionado hacia la ‘avanzada del progreso’. Esto corresponde a la puesta en marcha de una profunda cruzada civilizatoria en el mundo colonial-subalterno: cruz, moneda y espada se conjugaron para instaurar la idea de una Europa culta y honorable, cuna y destino de la civilización. Bajo este modelo geopolítico del colonialismo del siglo XIX se consolidó la noción del evolucionismo cultural, en el que los territorios y los pueblos sometidos fueron relegados al pasado y asimilados con un salvajismo primigenio. La trayectoria temporal de las sociedades fue así establecida como principio rector del orden global: del salvajismo a la barbarie y de allí a la civilización. Los negros y los indios - los Pueblos Tradicionales - fueron invisibilizados, insertados en una dialéctica civilizatoria cuyo destino nal era Europa. De esta manera los sujetos coloniales no sólo fueron connados a estar afuera de los centros de poder, sino que fueron relegados al pasado histórico al que Europa ya había superado. Con ello se dio inicio a la geopolítica del conocimiento, en la que la geografía mundial fue dividida en porciones habitadas por poblaciones cultas y civilizadas, y en paisajes abruptos habitados por gentes con saberes inválidos. El universalismo fue la gran premisa de esta imaginación geopolítica, instaurando la certeza de que todas las sociedades humanas marchaban hacia un mismo n y que, por lo tanto, territorios y pueblos culturalmente diferenciados podrían llegar a asemejarse una vez que se ‘civilizaran’. En términos académicos ésta es la versión teleológica de la Historia, el evolucionismo de Malthus o las explicaciones
sobre el tránsito del salvajismo a la civilización hechas por Lewis Henry Morgan. En lo que más nos interesa aquí, en términos geopolíticos, esto es el sustento de la dominación colonial hasta el siglo XIX, la cual se ha inscrito en procesos de larga duración que hacen que aún hoy circulen en nuestro medio y en nuestro lenguaje algunas de las dicotomías con las que se justicó la dominación: avanzado-atrasado; civilizado-salvaje; culto-inculto, ó, moderno-primitivo. A nales del siglo XIX, el sueco Rudolf Kjellen acuñó el concepto de geopolítica, el cual fue prontamente instrumentalizado por grupos de derecha germánicos que buscaban estrategias para propiciar y fundamentar la expansión territorial alemana. Se trata de una época de profundos cambios en el orden mundial. Mientras la economía de mercado y el liberalismo económico se aanzaban, las antiguas colonias se ‘independizaban’ y Estados Unidos emergía como un actor de poder económico irresistible. Según señala Agnew (2005), aquella fue la época de una geopolítica determinada por asuntos de control territorial: control de fronteras y denición de los territorios coloniales. Fue en aquella época en que surgió una real conciencia de una ‘política mundial’ y se consolidó la convicción de que los Estados poderosos pueden extender sus inuencias más allá de sus límites territoriales, inuyendo sobre el manejo de otros Estados, interviniendo en sus economías o presionando su decisiones políticas. La redistribución de poderes producida por el auge económico de los Estados Unidos a principios del siglo XX produjo cambios importantes en la imaginación geopolítica moderna. Según enfatizan Agnew (2005) y otros autores (DOTY,1996; GIROVOGUI 1996; GREGORY 1994, citados por Ó Tuathail), mientras que Europa posicionó a sus ‘otros’ coloniales con fundamento en el dominio territorial y los construyó como inferiores situados en las escalas geopolíticas subalternas, Estados Unidos no se centró en la expansión territorial y el dominio colonial, sino que centró su accionar geopolítico en el establecimiento de mercados subsidiarios y
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dependientes y en la exportación del sistema nanciero a través de la inversión extranjera. Podríamos llamar a esto la conjunción de la geopolítica con una naciente geoeconomía , un tránsito de poderes que mutó la imaginación geopolítica moderna y propició la difusión del american way of life . Pero además de la economía como variable determinante del orden geopolítico, en los albores del siglo XX otros componentes entraron a complementar y sustituir el antiguo énfasis puesto en el control y dominio territorial fronterizo. La geopolítica empezó a ser determinada también por el control de la producción de conocimiento, por el desarrollo tecnológico, por las identidades políticas, por los ujos nancieros y por los conictos étnicos (AGNEW, 1998). Paulatinamente, la consolidación de las fronteras, asunto prioritario en las políticas nacionales del siglo XIX, fue progresivamente desplazado como tema central de la agenda geopolítica por estos nuevos asuntos. En este giro geopolítico se reconocía que el control de las poblaciones garantizaba un adecuado ordenamiento interno, al tiempo que aumentaba la inuencia allende las fronteras nacionales. De esta manera, la ordenación geográca del poder pasó paulatinamente de ser un tema limitado al control territorial del mapa político, para reconocer que en el concierto amplio de las naciones -aquellas capaces de administrar y regular procesos conectados con la manipulación de la vida de individuos y grupos, tales como las epidemias, la movilidad o la natalidad- estaban llamadas a ocupar un rol preponderante en el orden mundial. A partir de entonces, las estrategias de control territorial de los Estados-nación se articularon con políticas para el control de las poblaciones. A este respecto, Santiago Castro anuncia que: “La biopolítica se ‘enreda’ con la geopolítica” (CASTRO, 2007, p. 161). Podemos armar, entonces, que en el curso del siglo XX las transformaciones sociales ligadas a la economía, los desarrollos tecnológicos, la ecología y las biotecnologías, signicaron la irrupción de una nueva imaginación geopolítica. Ó Tuathail (1999), señala que en este cambio fue esencial el
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rol de los procesos de industrialización ligados a la economía capitalista que progresivamente hicieron primar el dominio técnico y las relaciones de mercado. Sin embargo, después de la segunda guerra mundial, la competencia visible entre los modelos de modernidad propuestos desde el comunismo soviético y el capitalismo estadounidense, provocó una clara entrada de la ideología en el ámbito de la geopolítica. Producto de esta ideologización, el control territorial retomó de nuevo interés, pero ahora no con énfasis en la presencia colonial, sino con un interés por producir círculos de inuencia externa cada vez mayores. A aquel período le sucede la geopolítica contemporánea, a la que Agnew denomina como geopolítica global , caracterizada por: la expansión de los ujos de información que provocan una simultaneidad del mundo; la sobredeterminación de la realidad por las nanzas; el comercio y las redes de mercado global que rebasan la soberanía de los Estados y escapan a sus intentos de regulación. Según Ó Tuathail (1999), en el orden geopolítico contemporáneo se consolida la primacía del capitalismo informacional posmoderno, y son sus modos de relación y sus reglas de actuación las que construyen y determinan las relaciones sociales, produciendo la jación de una “organización hegemónica de representación del espacio” 2 . En este sentido la geopolítica contemporánea enfoca la atenuación del caos, y la seguridad se convierte en el sustento de sus discursos y su praxis. Terrorismo, inseguridad alimentaria, crisis ambiental, escasez de recursos, son todos elementos que rompen con la idea de orden instaurada en la modernidad, produciendo la aparición de nuevos enemigos, fantasmas y amenazas que ya no surgen únicamente de la disputa territorial entre Estados-nación. ¿Dónde se localizan las redes del territorismo? o ¿Dónde pueden connarse las amenazas al equilibrio ecológico planetario? La seguridad es, entonces, uno de los conceptos más elaborados y potentes del discurso geopolítico actual. Como legado de la imaginación geopolítica moderna permite a los 2 En el original: “congealed hegemonic organization of representation of space”
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Estados intervenir en el orden internacional y controlar las relaciones sociales al interior de sus fronteras sin que puedan objetarse las medidas de coerción o los excesos de fuerza desplegados. Bien apunta Santiago Castro que: “Mediante la creación de una serie de ‘dispositivos de seguridad’, el Estado procura ahora el control racional sobre las epidemias, las hambrunas, la guerra, el desempleo, la inación y todo aquello que pueda amenazar el bienestar de la población” (CASTRO, 2007, p. 160). Con la seguridad como discurso de organización se crean las condiciones necesarias para jerarquizar seres, objetos y espacios, los cuales quedan insertos en clasicaciones binarias: aptos/inválidos; adecuados/peligrosos; sudesarrollados/ desarrollados. La geopolítica de la seguridad difunde la idea de un orden necesario, de un mundo que debe ser constantemente intervenido y salvaguardado. En la escala macro de las relaciones geopolíticas se determinan y condicionan una serie de valores, de formas ‘correctas’ de ser, las cuales deben ser adoptadas por todos aquellos sujetos y pueblos que pretendan no ser declarados como una amenaza al orden. Es la lógica de la defensa a ultranza de unos valores pretendidamente universales, los cuales señalan qué es lo que debe ser codiciado, venerado y admirado, al tiempo que determinan lo que ha de ser proscrito como incierto, peligroso y dañino. Con la seguridad como emblema de mantenimiento del orden amenazado, las exclusiones se justican mientras los marginados se multiplican. Es así como a través de la seguridad se reeditan en la geopolítica global contemporánea las estructuras de dominación de los Estados-nación ‘fuertes’ sobre los ‘débiles’, tal y como se ve en la manera en que el espectro del 11-S se esgrime como muestra de las amenazas que se ciernen sobre el ‘mundo libre’, a la hora de justicar nuevas intervenciones militares. Pero no sólo el terrorismo aparece como amenaza a la seguridad global, tras el desmantelamiento de la ideología geopolítica de la Guerra Fría, otros muchos peligros deslocalizados han entrado en los cálculos de mantenimiento del orden global, como son: los virus informáticos, la corrupción política, las
enfermedades infecciosas, la degradación ambiental y los seres humanos en movimiento huyendo del hambre, la guerra y la pobreza. Los peligros aparecen siempre al acecho, provienen de entidades no territorializadas, volátiles, transculturales y, por supuesto, transnacionales. ¿Dónde y cómo ampararse de éstas amenazas móviles y en continua aproximación? Es por ello que hablo de una geopolítica de la seguridad global que la posiciona como discurso rector de la sociedad contemporánea, en la que tanto individuos como Estados se saben inseguros, precarios y carentes. Este discurso de la seguridad ha permitido a los gobiernos nacionales encontrar nuevas formas de identicación y sujeción de los ciudadanos, recongurando la idea de identidad nacional con el llamado a la defensa frente a los peligros que acechan. Los ciudadanos, normalmente reacios a la participación y el ejercicio político, son movilizados por la presencia de estas amenazas a su sobrevivencia y bienestar. A este respecto, Noam Chomsky muestra como la administración norteamericana, desde la época de Kennedy, desplegó una estrategia geopolítica sustentada en la difusión de la existencia de los múltiples peligros y amenazas a la seguridad. Mientras Kennedy hablaba de la ‘conspiración monolítica e implacable’, Reagan desde 1981 preconizó la idea de ‘terrorismo internacional’ y del ‘Imperio del Mal’” (CHOMSKY, 2004). Como sabemos, Bush habla hoy del ‘Eje del mal’. La inseguridad como estrategia de control geopolítico se despliega constantemente, los peligros – fabricados o reales circulan diariamente en los medios masivos de comunicación y, de esta manera, los peligros se muestran abundantes, haciendo inobjetable y justicada la intervención de los poderosos para el restablecimiento de la paz y la tranquilidad. Según señala Zigmunt Bauman, ésta sobreexposición de las amenazas entra en la lógica del Estado como un mecanismo necesario para su consolidación: “La producción de ‘temor ocial’ es la clave de la efectividad del poder” (BAUMAN, 2005, p. 69). Así, el Estado neoliberal puede acallar las críticas al desmonte de las garantías
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y derechos sociales de sus ciudadanos, puede ahora legitimarse y producir identicación mediante otros símbolos colectivos, apoyado “… en la cuestión de la seguridad personal : amenazas y miedos a los cuerpos, posesiones y hábitats humanos que surgen de las actividades criminales, la conducta antisocial de la ‘infraclase’ y, en fechas más recientes, el terrorismo global” (BAUMAN, 2005, p. 73). En su muy conocido trabajo acerca de la ‘sociedad del riesgo’, Ulrich Beck (1996) anunciaba la creación de incertidumbre provocada por el colapso de la sociedad industrial que ya no puede responder a los desafíos que ella misma ha creado. El desmonte de aquella noción de seguridad propia del Estado de bienestar y la sociedad industrial, remite al individuo a la necesidad de plantear soluciones individuales a problemas producidos globalmente; aunque tendríamos que preguntarnos si este “desmonte de seguridades” puede aplicarse para el caso del sur geopolítico, donde difícilmente puede considerarse que hayan existido alguna vez. Lo que más nos interesa reexionar aquí es cómo esta noción de riesgo afecta permanente las vidas de los individuos, haciéndoles sentir cómo diversos peligros se transeren desde el ámbito público hasta su intimidad. La producción de ‘temor ocial’ se convierte en articio fundamental del orden geopolítico, haciendo posible que la doctrina de la seguridad justique la exclusión y el control sobre la vida ¿De qué otra manera se explica la libre disposición y la eliminación sin reparo de aquellos nombrados como ‘peligrosos’? ¿Qué hace justicable socialmente el carácter de prescindible asignado a ciertos seres humanos, a sus culturas y a sus territorios? Como mencioné antes, las disposiciones geopolíticas y los controles biopolíticos se entrecruzan para vericar la eliminación de los sospechosos y garantizar la neutralización de los inservibles. Esto se comprende mejor si nos aproximamos a la interpretación propuesta por Foucault (1998) acerca del cambio de paradigma político que ocurrió en la sociedad moderna: del poder sustentado en la amenaza de muerte se pasó a uno ocupado
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de la vida y su dominio. Mientras que en el tiempo pasado el poder soberano se manifestaba en el derecho de vida y muerte haciendo que la espada simbolizara el poder; en el Occidente moderno ese derecho de dar muerte sólo se argumenta en los casos que el soberano se ve expuesto en su misma existencia, y el poder de muerte aparece como complemento de un poder que se ejerce sobre la vida, de manera que: …[el poder] procura administrarla, aumentarla, multiplicarla, ejercer sobre ella controles precisos y regulaciones generales. Las guerras ya no se hacen en nombre del soberano que hay que defender, se hacen a nombre de todos; se educa a sociedades enteras para que se maten en nombre de la necesidad que tienen de vivir. Las matanzas han llegado a ser vitales” (FOUCAULT, 1998, p. 165).
El poder pasa al plano general de la vida, es la especie toda la que entra en sus cálculos y las regulaciones se extienden hasta los fenómenos masivos de la población. Mientras disminuyen los que mueren en el cadalso, se multiplican los que mueren en la guerra: se mata legítimamente a quienes signican un peligro biológico para los demás. La eliminación de los que han sido declarados peligrosos y amenazantes pasa a ser un acto heroico, al n y al cabo, para que la vida se mantenga es necesario el sacricio de algunos. Este énfasis en la administración y gestión de la vida es lo que marca el inicio de la era del “bio-poder”, fundamental en el desarrollo del capitalismo, en el que se multiplican las técnicas y las instituciones para sujetar los cuerpos (ejército, escuela…) y controlar las poblaciones (demografía, sexualidad…). En palabras de Foucault: “Un poder semejante debe c alicar, medir, apreciar y jerarquizar, más que manifestarse en su brillo asesino; no tiene que trazar la línea que separa a los súbditos obedientes de los enemigos del soberano; realiza distribuciones en torno a la norma” (FOUCAULT, 1998, p. 174). Dicho biopoder se José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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articula de manera directa con la geopolítica global, per mitiendo la manipulación de los cuerpos de seres que han sido declarados residuales y ocultando las vejaciones a las que son sometidos. De esta manera, la geopolítica de la seguridad global legitima la xenofobia y posibilita que los pueblos culturalmente diferenciados sean eliminados cuando el ‘progreso’ así lo requiera. Según muestra Bauman, en esta sociedad contemporánea, individuos y sociedades son clasicados como inservibles y dispuestos para su desaparición: “Que te declaren superuo signica haber sido desechado por ser desechable, cual botella de plástico vacía y no retornable o jeringuilla usada; una mercancía poco atractiva sin compradores o un producto inferior o manchado, carente de utilidad, retirado de la cadena de montaje por los inspectores de calidad. ‘Superuidad’ comparte su espacio semántico con ‘personas o cosas rechazadas’, ‘derroche’, ‘basura’, ‘desperdicios’: con residuo (BAUMAN, 2005, p. 24).
En referencia a Giorgio Agamben, Bauman (2005) retoma la noción de homo sacer , originaria del derecho romano, que ofrece el arquetipo del ser excluido. El homo sacer está en un limbo que no le permite entrar en el espectro de la jurisdicción humana pero tampoco le brinda albergue en la divinidad. La vida del homo sacer no tiene ningún valor, y por lo tanto su sacricio o asesinato no constituye algún tipo de sacrilegio o crimen. Bauman señala que el homo sacer ha devenido en la sociedad moderna en la categoría de seres humanos residuales, sancionados por el Estado-nación que “[…] ha reivindicado el derecho de presidir la distinción entre orden y caos, ley y anarquía, ciudadano y homo sacer , pertenencia y exclusión, producto útil (=legítimo) y residuo” (BAUMAN, 2005, p. 49). Esta es un consecuencia de uno de los conceptos más arraigados en la imaginación geopolítica global: la idea de ‘prog reso’, la cual
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desde los albores de la geopolítica del siglo XIX se asoció con el crecimiento económico y fue después apropiada por el discurso geopolítico del desarrollo tras las Segunda Guerra Mundial. De las clasicaciones realizadas bajo la noción de desarrollo deriva que un conglomerado siempre creciente de seres y pueblos ‘subdesarrollados/pobres’, sean declarados inútiles. El ‘progreso’ contempla sus víctimas desde las tribunas de los vencedores del ‘primer mundo’, mientras a lo lejos se sienten los estertores agónicos de un ‘tercer mundo’ distante en el espacio/ tiempo y perdido en el abismo de la diferencia/inferioridad. Amazonas en la geopolítica de la seguridad global
Podríamos extraer variadas conexiones entre los modelos geopolíticos planteados hasta aquí y la vida de los Pueblos Tradicionales en la Amazonia. En la óptica de la geopolítica de la seguridad global aparece la creciente crisis ambiental provocada por los llamados ‘efectos colaterales’ del desarrollo, como un mecanismo de producción de ‘temor ocial’. El fantasma de la posible aniquilación de las condiciones propicias para la vida humana se esconde tras los discursos ambientalistas que promueven en el norte geopolítico la valoración de los recursos boscosos contenidos en el entorno amazónico. De esta manera, se propicia allí un inusitado interés por las selvas tropicales que aparecen como dispensarios de recursos genéticos indispensables para la per vivencia futura del planeta. Los recursos genéticos y los conocimientos culturales asociados a ellos se hacen paulatinamente foco de interés de grandes corporaciones multinacionales, asignando a los Pueblos Tradicionales el papel de “guardianes del bosque”, testimonios vivientes de saberes esenciales para descubrir y comprender el potencial biológico de los bosques (REICHEL, 1999; TORRES, 1997). La geopolítica reorganiza y estructura la opinión en torno a sus intereses: en lugar de controvertir el modelo global de consumo con sus inmensos costos ecológicos, deposita en los bosques tropicales la responsabilidad del porvenir ecológico del planeta, dejando a los Pueblos Tradicionales ante su posible José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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desaparición o expropiación cuando el ‘interés colectivo’ así lo requiera. En la mira geopolítica entran los bosques y sus recursos, pero no los seres humanos que los habitan, pues ellos cuentan sólo como vigilantes que se convertirán en inocuos, prescindibles cuando llegue el momento de explotación o apropiación del bosque. En la óptica de la geopolítica del conocimiento, los saberes tradicionales son asiduamente buscados como inmensos tesoros que pueden reportar ganancias insospechadas a ciertos grupos de interés en el orden global. Casi siempre se trata de empresas biotecnológicas o farmacéuticas, pero también de empresas mineras, de compañías textiles o químicas, entre otras; las cuales, algunas veces con la venia de los gobiernos nacionales, ejercen labores de bioprospección y cognopiratería. Este es uno de los mayores desafíos de los Pueblos Tradicionales en la Amazonia contemporánea, pues implica enfrentar grandes intereses que se ciernen sobre sus saberes y frente a los cuales la protección jurídica es mínima y el acompañamiento estatal se ha mostrado recurrentemente deciente o no interesado, en particular, porque generalmente los Estados se muestran sumisos frente a los poderes geopolíticos de las grandes corporaciones multinacionales. No se trata solamente de la reconocida debilidad de la legislación de protección de la propiedad intelectual aplicada al caso de los conocimientos tradicionales, sino de la carencia de voluntades políticas necesarias para su implementación, monitoreo y aplicación. Frente a los asuntos referidos al uso de la biodiversidad y la apropiación de los saberes, la autonomía territorial es frecuentemente violentada por el distanciamiento de las imágenes que sobre la selva tienen los ‘blancos’ y los Pueblos Tradicionales. ¿Cuáles son, entonces, las posibilidades de acción para los Pueblos Tradicionales en medio de este contexto de geopolíticas del conocimiento y la seguridad? Primeramente, habría que señalar que es necesaria la constitución de redes que trasciendan las fronteras nacionales, acudiendo a las continuidades culturales, subvirtiendo la lógica de producción hegemónica del
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conocimiento, apropiando a los territorios tradicionales como lugares de enunciación. Se trata de producir ‘conocimiento situado’, es decir, convertir los aprendizajes culturales que han permitido el sustento y pervivencia de los pueblos tradicionales en saberes en igualdad de condiciones políticas con el saber occidental. Para ello, la pesquisa debe hacerse no sólo transdisciplinar, sino producto de un diálogo de saberes que se reconocen y validan mutuamente. Esto rompe con la estructura jerárquica de producción del conocimiento y lo convierte en un conducto para que los saberes tradicionales empiecen a controvertir con los intereses geopolíticos. Por ello, la ruptura de relaciones de dominación no se limita a la movilización indígena y de las demás minorías étnicas y sociales; requiere que se entrelacen los esfuerzos académicos transfronterizos, movilizados en la construcción de saberes situados, conscientes del efecto político y de la pertinencia social del conocimiento. Se trata de enlazar saberes territoriales hasta ahora desconectados, violentados por las fronteras nacionales y el aislamiento, que permita que desde las pequeñas escalas de poder local se gesten fuerzas de contención a los intentos de apropiación y dominio de las grandes escalas geopolíticas. Esta producción de ‘conocimiento situado’, que implica una ciencia social colaborativa y dialogante, es la única vía que por ahora nos parece coherente para contener los conictos ligados a los intereses de apropiación comercial, la entrada de la biodiversidad en la lógica del mercado y la cognoprospección de los sistemas indígenas de conocimiento y, por último, para avanzar en el proceso de construcción de una agenda propia para la Amazonía en la que sus gentes y pueblos no resulten únicamente instrumentalizados como recursos puestos al servicio del ‘desarrollo’ externo. De aquí el reto que queda, entonces, propuesto y que acude a sus propias reexiones: el ejercicio de una antropología decolonial y transfronteriza. Para ello no tengo respuestas pues afortunadamente no hay un único camino, pero puedo ofrecer eso sí, nuestro interés y apertura a la cooperación académica por la producción de un conocimiento socialmente pertinente. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Referências Bibliográcas
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Conicto, frontera, arraigo y otros
conceptos geopolíticos de la teoría de la territorialidad de la familia Maria Teresa Ayllón Trujillo1
“Da capacidade de perceber a mudanza e os seus factores centrais vem a possibilidade de construir uma análise válida (...) Por conseguinte, a globalizaçao deve ser tratada como um período histórico (...) trabalhar com seus elementos chave, com seus elementos motores, com seus elementos suporte implica reconhecer a relaçao entre globalizaçao que estamos vivendo e os progrssos técnicocientícos carazterísticos do periodo do após guerra” (Milton Santos2 )
Nada ocurre en la escala global si no ocurre también en la escala local, si no tiene una consecuencia efectiva en la escala micro; por eso este es un estudio que analiza la escala comunitaria y familiar, fruto de haber realizado diferentes proyectos en países latinoamericanos y españoles. Por ello, he renunciado hace tiempo a formular mis investigaciones desde una óptica global que de una manera casi compulsiva nos llevó en los años noventa a enmarcar los estudios geográcos y geopolíticos en la escala macro, como si en ella y sólo en ella encontráramos los mecanismos de poder que pueden producir cambios sociales y espaciales. Los procesos recientes que tienen presencia mundial ocurren sobre otros procesos, recientes o no, que no caminan en la misma dirección y a veces no ocupan la misma escala. Al cambiar de escala cambian también los actores con poder de trasformación de sociedades y espacios; en la escala local aparecen con fuerza actores relegados al olvido como la comunidad o la familia. Pero si la colectividad cientíca los olvida tal vez otros actores los tienen muy en cuenta, actores globales que ven en la escala local contrincantes poderosos 1 Profesora investigadora, Coordinación de Ciencias Sociales y Humanidades, Universidad Autónoma San Luis Potosí. Perteneciente al Sistema Nacional de Investigadores (nivel 1) de México. 2 Milton Santos (2000, p.15).
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que compiten con el deseo neoliberal de ordenar los espacios para su mejor aprovechamiento y explotación. La ordenación del territorio es hoy una prioridad geopolítica de los estados nacionales y supranacionales. Uno de los procesos recientes, ya históricos pero vigentes, son los procesos de apropiación de la tierra. La tierra, uno de los recursos en alza que pugna el sistema neoliberal por conquistar y acaparar. Bajo su inujo se editan leyes y se modican constituciones en países independientes de diferentes continentes, bajo el argumento de liberalizar para aumentar la rentabilidad, se expropia de nuevo a pueblos, comunidades y familias, legítimos propietarios o propietarios de facto, de territorios en régimen comunal, nacionalizado y entéutico. Las consecuencias son pueblos desplazados y –peor- desarraigados, comunidades y nuevas familias sin acceso a la tierra y aumento alarmante de desplazados, realojados, refugiados y migrantes laborales. Los conictos por la tierra son pues una característica de la globalización, aunque tienen antecedentes en otros periodos históricos. En México la Reforma Agraria Cardenista otorgó tierras en régimen comunal o Ejido, protegiéndolas en el Artículo 27 Constitucional; la adopción de políticas neoliberales a mediados de los noventa, llevó al gobierno a modicar ese artículo que entregaba las tierras en usufructo heredable pero no vendible ni enajenable; las consecuencias fueron un levantamiento armado y pacíco y un aumento sensible de la emigración que continúa aún en la actualidad3. En el nordeste brasileño la posibilidad de privatización ha supuesto una persecución y asesinato de familias enteras pobladoras de terrenos concedidos en enteusis; consecuencias visibles son un fuerte movimiento por la tierra (Los Sin Tierra), desplazamientos familiares que pueden llamarse de refugiados, aunque no gozan de refugio en realidad, ocupaciones o urbanizaciones informales, y ujos migratorios. En Bolivia procesos similares auspiciados por el anterior gobierno complaciente hacia los negocios extranjeros sobre recursos vitales, generó un movimiento que ha ocupado democráticamente el poder y hoy es combatido desde el norte
por su insumisión a las multinacionales. Similares situaciones han ocurrido en Ecuador, Perú y Nicaragua, donde además procesos de guerra han perseguido la devolución de las tierras a quienes las abandonaron incumpliendo sus obligaciones scales por lo que fueron nacionalizadas y entregadas. Losagentesdel sistemaneoliberalarremetenincansablemente contra las naciones que demandan el derecho a regir su propia política sobre el acceso a los recursos vitales y asimismo contra los pueblos que ocupan y gobiernan un territorio, suyo desde la antigüedad precolonial, reconocido por los Derechos Humanos y la proclamación de los Derechos de los Pueblos Indígenas, so pretexto de si son pueblos o son naciones. Una forma esta última de ingerencia brutal en la autodeterminación territorial. Menos conocida aunque de la misma raíz es la pugna fraticida en África Subsahariana, en Asia o en Oriente Próximo, por no hablar de guerras de ocupación territorial como la de Afganistán o Irak. La tierra –no el petróleo, el gas o la biodiversidad- con todas sus potencialidades, es el recurso que más excita a las fuerzas neocoloniales de la globalización desde nales del siglo XX. Pero este panorama excesivamente general tan sólo sirve para establecer el vínculo micro-macro y enmarcar geohistóricamente el interés que este trabajo expresa y que se sigue con los conictos en la microescala y que podríamos llamar geopolítica urbana y campesina o “geopolítica en el ámbito microescalar”. Tal como hemos prometido, nos vamos a centrar en elementos motores que aparecen cuando bajamos la perspectiva a or de tierra, a los territorios de vida sus actores y agentes y el juego de participación y acción que construye hoy la ciudadanía. En este marco, la teoría de la territorialidad de la familia surge del esfuerzo por articular los estudios en diferentes escalas4 como una suerte de mirada desde un catalejo 5, donde los marcos mundiales y regionales contaban con sobradas teorías para elegir, en tanto la escala micro en la que se querían ver los efectos y las estrategias de respuesta a la presión globalizadora,
3 Ayllón (1999, 2001, 2003, 2007 y otros).
4 Ayllón (1997 y 1999). 5 Ayllón (2001).
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se hallaba desprovistas de teorías; más aún la familia y la comunidad, así como el valor del arraigo estaban sin denir. Denir familia, comunidad, arraigo contaba –y aún cuenta- con la dicultad de los prejuicios progresistas o modernos, mediante los cuales no resulta relevante denir lo antiguo, “lo obvio”, ya que “todo el mundo sabe de qué hablamos”. La familia es un sujeto idóneo para los estudios sociales ya que es sistemática y previsible pues construye siempre estrategias para satisfacer sus necesidades materiales e inmateriales, mantenerse unida y mejorar las condiciones de vida de sus miembros; la comunidad es una red familiar amplia por tanto previsible casi igualmente, en cambio el individuo es caótico y el municipio demasiado heterogéneo y a veces fragmentado. Los estudios de las ciencias sociales a microescala se han basado en el estudio del individuo o del municipio, saltándose esa red organizativa que, sin embargo aparece en los discursos hasta la saciedad, incluso los presupuestos sociales se piensan sobre las familias pero se ejecutan sobre individuos o poderes municipales. El sociólogo mexicano Othón Baños, en s u tesis doctoral, denió la unidad doméstica campesina como “la unidad de producción operada por un grupo doméstico y basada en los medios de producción, principalmente la tierra” 6, y basó el trabajo de campo en esta unidad de estudio, mezclando técnicas cualitativas y cuantitativas complementariamente; sin embargo quedó atrapado entre el análisis estructural que no explica la acción de los sujetos y el análisis basado en el individuo que no permite explicar las estructuras. Como consecuencia de un prolongado trabajo de campo en Santiago del Estero -provincia argentina de fuerte migración- Floreal Forní, Roberto Benencia, Guillermo Neiman y otros7, en 1991, comienzan a ver la emigración también como la expresión de un cierto dominio del medio por parte de las familias, lo que les permite construir sus propias respuestas a la modernización, conservando su idiosincrasia. 6 Baños, (1989, p. 23-28). 7 Equipo investigador del Centro de Estudios e Investigaciones Laborales CEIL, Buenos Aires.
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En mi tesis doctoral8 resumí ocho años de trabajo, formulando una teoría sistémica de la familia, desde la interrelación de la territorialidad, la familia y la identidad. La perspectiva de género asociada a la metodología sistémica fue fundamental para lograr la interpretación de la complejidad de esa institución; las herramientas heurísticas recursividad, continuum, intersección y conicto, fueron apropiadas para captar la dinámica y la innovación: las familias innovan, fabrican estrategias activas, innovan incluso para conservar. Las herramientas para la recogida de datos debieron adaptarse a la recursividad, desarrollando triangulación y metodologías participativas; para el análisis de gabinete también se ensayaron herramientas conformes a la estructura sistémica reduciendo la complejidad: la analogía y la identicación de discursos. En los casi seis años siguientes he podido comprobar que la territorialidad de la familia es una pequeña teoría sumamente ecaz y prolija ya que se adapta a la diversidad y universalidad de la familia, llegando a probar que la familia es determinante para la construcción de ciudadanía. Y es un poder que reta al Estado y compite con las demandas globales. I. La teoría de la ter ritorialidad de la familia
La familia es la estrategia universal que adopta la población. La teoría de la territorialidad de la familia es una nueva mirada al territorio, construye un nuevo sujeto para el análisis local. El individuo es caótico y la escala municipal demasiado heterogénea; la familia es un sujeto complejo pero sistemático, domina un territorio y promueve estrategias para satisfacer sus necesidades materiales e inmateriales, para garantizar su seguridad aumentando su calidad de vida. La familia controla y ordena un territorio que es el territorio familiar, está compuesto de núcleos, pasillos y enclaves, elementos que a su vez forman red con otros núcleos, pasillos y enclaves de las familias de interacción, constituyendo un poder que compite con la ordenación jurídica y legal del estado, al punto que cuanto más 8 Ayllón (2003).
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marginal es la comunidad, mayor poder tiene y menor es el de las instituciones centrales del Gobierno. a) Denición de familia Denimos familia o unidad familiar como el conjunto de individuos que proyectan vivir juntos y solidariamente a largo plazo; que aportan recursos al común y que a su vez, toman del grupo recursos materiales y no materiales para promocionarse, para defender su vida y satisfacer sus necesidades vitales y relativas. La familia es un factor limitante pero también favorecedor de la movilidad social de los individuos. Las unidades familiares construyen entre ellas redes solidarias mediante relaciones basadas en el parentesco. La red familiar se mantiene en los lugares de origen y en el exterior, cuando miembros de la familia emigran a otros mercados de trabajo. Estos espacios, fragmentados en el medio físico, suponen una continuidad en el dominio o territorio estratégico familiar ya que los recursos captados en un espacio son el sostén de economías familiares en el otro espacio. La familia transita por la senda abierta por alguno de sus miembros. Este hecho se reconoce universalmente y por ello se regula en las normativas migratorias como “reagrupación familiar” o a través de otras fórmulas de facilitar el desplazamiento de individuos hacia su parentela, bajo la condición de estabilidad residencial y laboral. Las estrategias familiares se construyen eligiendo la actividad a desarrollar por cada uno de sus miembros de entre las posibilidades que el entorno y la posición que ocupan en la sociedad les permite. Cuando los recursos del territorio son insucientes, la familia selecciona miembros familiares que recaben recursos en el exterior de su territorio. En la selección de los miembros que han de emigrar actúan criterios de ecacia, culturales, y de características individuales, a la vez que se relaciona con las posibilidades concretas y temporales del mercado de trabajo al que han de encaminarse y, por tanto, también con las facilidades y coste del transporte. Las familias construyen estrategias no para sobrevivir, sino en la abundancia o en la precariedad, por iniciativa o a la defensiva,
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porque construir estrategias de vida en conjunto es su razón de ser, es lo que hace a la familia universal, sea del modelo o composición que sea. b) Cada familia tiene un territorio que es el dominio familiar Tanto en el medio rural como en el urbano, el territorio se compone por la vivienda, más aquellos lugares en que la familia encuentra sus recursos vitales. También se incorporan los espacios de los miembros de la familia que así se consideren y como tal se comporten y relacionen. El dominio territorial puede detentarse por diversos medios según qué sociedad miremos; en occidente modernamente mediante cualquier forma de convenio, puesto que en la sociedad mercantilista todo está sujeto a las formas de propiedad y tenencia reguladas por el Estado, de manera que el dominio territorial se puede obtener legalmente por alquiler, usufructo, propiedad privada, comunal o cualquier otra. Pero también se dan formas de dominio territorial alternativas, por ejemplo: Los mendigos y vagabundos sin hogar se relacionan con el territorio que consideran “suyo” de manera similar a cualquier propietario, aunque limitando su dominio, circunstancia que puede acontecer sólo en la noche para cobijarse y dormir o durante el día para pedir limosna. Los asentamientos irregulares de grupos familiares suelen contar con amplios márgenes de tolerancia legal, variables según un complejo de circunstancias, y a veces terminan regulándose formalmente9. Las leyes coinciden en casi todo el mundo en proteger la inviolabilidad del domicilio10 familiar, aunque éste se haya conseguido de manera no legal o no ocial. c) Elementos de apropiación del territorio familiar y su control político: la Comunidad11 9 Véanse los barrios y poblamientos organizados por el Movimiento de los Sin Tierra en el norte de Brasil, las ciudades “de basura” entorno a Lima, los “paracaidistas” de Managua, las “chabolas” de Madrid, los “bidomvillage” en París y tantos otros. 10 Del latín domus (la casa). Se reere al dominio familiar: parientes, empleados, huerto, patrimonio. De ahí que podamos identicar casa y familia (famulus: siervos). 11 En México se denomina comunidad a una localidad rural inferior al municipio, suelen ser los habitantes de un ejido (territorio en usufructo comunal), una comisaría (comunidad ejidal, con un comisario como regidor/mediador), o coincidir con el establecimiento de un grupo étnico. La comunidad puede distinguir diferentes “familias” José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Comunidad es otro de los preconceptos que han levantado polémicas en la geografía social12 y que no han encontrado consenso en su denición. Para la sociología de la Escuela de Chicago comunidad se expresaba en el dominio rural, estaban organizadas coherentemente y eran estables, escapaban a la alienación social y a los modernos problemas sociales urbanos; enfrentaban la comunidad rural a la urbana la cual era denida como impersonal, producto de la desorganización social generalizada y caracterizada por la anomía o ingobernabilidad. Formularon esta oposición como un “continuo rural-urbano” o “rururbano”, que fue muy criticado desde la antropología y sociología por su eurocentrismo y su determinismo evolucionista, pues se trata de una dicotomía, no de un continuo, que ensalza los valores rurales y describe una trayectoria lineal y progresista, nunca como una relación sistémica13. En la teoría sistémica de la familia, la comunidad es la red familiar extensa o de interacción, que domina un territorio en el que entreteje su red, núdos o núcleos, canales, puentes y enclaves que son núdos discontínuos espacialmente y en esa red aparece un continuo rural-urbano con interacciones sitémicas. El grupo familiar o núcleo maneja un sistema de recursos domésticos o materiales, organizados desde los recursos humanos y dinamizados por energias intangibles: afecto, solidaridad, autoridad, identicación, delidad.. Estos recursos humanos se agrupan al interior por alianzas (los niños, los ancianos, las mujeres, los hombres) y al exterior por otras alianzas basadas en la identidad: los ancianos se reúnen con otros ancianos, las mujeres jóvenes con sus iguales, los futbolistas con vecinos futbolistas, los hombres o mujeres por sus trabajos, iglesias, deportes o anidades además de los compadrazgos. pero todos o casi todos los miembros resultan emparentados en mayor o menor grado. 12 Johnston, R.J. et al. (ed,) 2000. 13 Pepper, D. (1990, p. 63-79). Debo añadir que independientemente de
cómo lo usaran los seguidores de la Escuela de Chicago, el término “continuo rural-urbano” resulta más oportuno desde la teoría de sistemas, donde cada sistema está compuesto de otros y pertenece a sistemas de ámbito superior, participando éstos por tanto de los otros elementos que contienen los subsistemas, aunque modicados en su disposición y jerarquía. Así, sin prejuicios y en honor a la claridad vendo usando el concepto “continuum” o “continuo” dentro de un marco teórico-metodológico sistémico, en el cual opera con la recursividad y produce frutos estimables.
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Estas alianzas múltiples al exterior constituyen puentes, permiten la permeabilidad y extensión de los conictos además de la búsqueda de apoyos y recursos varios. A la vez cada miembro familiar actúa como bisagra, arreglando las relaciones estropeadas con otros núcleos familiares por enfrentamiento de alguno de sus miembros: lo que unos debilitan por un lado, otros lo reconstruyen por otro lado. Cuando miembros de dos núcleos se casan, cada uno hace de puente con la familia suya y la del cónyuge, y cuando la relación está sólidamente establecida esos puentes se vuelven canales que comunican aunque se deshaga el matrimonio por viudez o divorcio. Al emigrar uno de los miembros familiares, el territorio que ocupa donde llega se convierte en un enclave familiar ya que la familia entera cuenta con un lugar donde llegar y ser apoyado por el pariente, el cual ya conoce y domina cierto entorno en el nuevo territorio. El pionero construye un pasillo por donde transitarán otros miembros familiares para apoyarse en él o brindarle su apoyo. Esto será así no por lazos de sangre sino en tanto que se sientan familia y como tal se comporten. Así, independientemente de que percibamos la familia moderna como “mononuclear”, las familias se organizan en red, en una red que domina un territorio sólido, estable y ecaz. Un territorio mucho más extenso del que percibimos, que incluso salta fronteras regionales e internacionales, ya que los recursos obtenidos en un país, son el sostén de familias y modos de vida en otro. La población se sostiene en el territorio por la forma en que las familias se organizan y organizan sus recursos territoriales, incluida la emigración. Tesis probada14 desde el cruce de las perspectivas sistémicas y de género, mediante el análisis sincrónico de las relaciones que las unidades familiares sostienen con el territorio en el estado de Yucatán (México, 1996 y 97). Por todo lo anterior, la unidad familiar se revela como actor y 14 En la tesis doctoral “La intersección familia-identidad-territorio. Estrategias familiares en un entorno rural de fuerte migración. Yucatán a nales del siglo XX”. Universidad Complutense de Madrid, 2003. Investigación nanciada con una beca de un año por la Secretaría de Relaciones Exteriores de México y por otra beca predoctoral de cuatro años de la Universidad Complutense de Madrid. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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agente fundamental en la articulación del territorio y en la búsqueda de sustentabilidad urbana. La comunidad es el dominio de la familia extensa. Especialmente en las comunidades rurales y también en las ciudades, aunque con las políticas sociales y las distancias urbanas se diculta su visibilidad. d) La casa: un sistema económico familiar La casa es un sistema, una red de recursos renovables, regida por la familia. En el medio rural la casa es el centro rector de los recursos familiares del sistema económico local. Cuadro 1 Sistema casa maya y sus relaciones
Satisfactores
HÁBITAT Satisfactores
inmateriales
materiales REPRODUCCIÓN Habitaciones sin techar
Habitaciones techadas
polifuncionales
polifuncionales FAMILIA CASA
Socialización
Producción,reproducción Autoconsumo y Mercado
Agricultura intensiva, manipulación genética de plantas
Industrias y artesanías
Ganadería intensiva
Desde la teoría de la territorialidad de la familia, familia y casa son sinónimos pues no se puede decir que la casa sea el centro rector ya que es inanimada, pero tomada como sinónimo del sistema familia, es precisamente correcto. Si se observan las interrelaciones sistémicas en el Cuadro 1, no tiene sentido hablar de trabajo reproductivo separado u opuesto al trabajo productivo, es una división hecha desde fuera, desde el mercado. Para el sistema familia todo trabajo es productivo15, genera satisfactores, satisfactores, aporta ganancias o ahorra gastos y, para hacerlo consume energías de unos u otros miembros. Así también se invalida esa otra designación alóctona de economía de subsistencia, con la que se señala peyorativamente a los pueblos indígenas y a los sistemas campesinos tradicionales. Los anteriores estudios en Latinoamérica y Europa16 demuestran que en toda economía familiar se produce, al menos una parte, para el mercado, sea local o regional, de intercambio o monetarizado. Desde una mirada antropológica incluso cabe armar que todo trabajo es reproductivo, ya que tiende a reproducir el modo de vida y no sólo las necesidades biológicas. Esta visión del sistema económico familiar se opone a la perspectiva economicista y capitalista que dene como trabajo lo que está bajo control de los grandes agentes del mercado, relegando a categorías deleznables lo que se produce fuera del circuito comercial capitalista. La casa en el medio urbano es un sistema que ha perdido y/o modicado funciones y subsistemas, es una adaptación de la casa rural al medio liberal, individualista y basado en la dependencia del mercado.
INFRAESTRUCTURA
Trabajos por
Aprovechamiento energético Agricultura
cuenta ajena Caza. Pesca. Otros
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extensiva
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15 Para un análisis del trabajo doméstico como parte de la carga global de trabajo, ver la tesis tesis doctora doctorall de Cristina na García García (200 (2001). 1). 16 Ayllón lón (1995 (1995,, 1996, 1996, 1997b 1997b,, 1997c, 1997c, 1998, 1998, 1999 1999,, 2001, 2001, 2003, 2003, 2005 2005 y 2007); 2007); Ayllón Ayllón y Muscar (1998); Ayllón y Nuño (2005); Ayllón et al. (2000). De manera implícita se puede complementar con las publicaciones de la FAO sobre agricultura urbana. Ademáss empieza Ademá empieza a cobr cobrar ar fuerza fuerza el reconoc reconocimien imiento to de los cultiv cultivos os de sola solarr como como indicadores de sustentabilidad urbana: Loza y Ayllón ( 2007) y tesis de grado y posgrado que están elaborándose en la actualidad. José Basini | Márcia Calderipe Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares Tavares (Orgs.)
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En el Cuadro 1 y durante el estudio citado en Yucatán 17 podemos ver cómo desde la casa (versus familia), centro rector del sistema económico familiar, se organizan e interrelacionan todos los recursos, incluidos los recursos humanos, tangibles e intangibles. En posteriores investigaciones he constatado que el esquema se cumple en todas las localidades de fuerte componente indígena y en general en los ámbitos rurales tradicionales. Durante el año 2006 estudiamos en equipo 57 casas familiares del medio urbano, rural y rururbano de San Luis Potosí (México): mediante métodos cualitativos y mapas mentales concluimos que la pervivencia de la estructura de casa rural (familiar con patio y huerta) o modelo similar, aumentaba la sustentabilidad urbana, raticando en la región central de México lo que habíamos observado en el sureste yucateco 18 Estos estudios se presentaron en seis ponencias y cuatro carteles, en el Congreso Internacional de Ordenación Territorial (México 2007), constituyendo un simposium sobre ordenación territorial a escala micro, el primero que se ha realizado en esa línea de investigación. II. El arraigo
Al describir las relaciones r elaciones que vinculan al grupo g rupo familiar con su territorio, acudimos a la pirámide de Maslow 19 y analizamos las necesidades básicas. En particular es ilustrativo el elemento seguridad: el territorio o dominio familiar es el ámbito de máxima seguridad, siendo para el ser humano una necesidad de primer orden para su desarrollo saludable, su equilibrio psicológico y, añadimos, para su arraigo. El arraig o en las ciencias sociales como en el uso coloquial, es una noción –no un concepto- muy expresiva que habla de la estrecha relación de las personas con su territorio; el arraigo evoca la posibilidad de
aferrarse a la tierra como lo hacen las plantas, echando raíces de su cuerpo que casi se funden con la tierra. Arraigar es aferrarse a una tierra contra viento y marea, llegando a morir cuando las condiciones se vuelven adversas. Pero las personas no son plantas, las personas guardan esa identidad con la tierra aún cuando vivan a grandes distancias y por muchos años. Para los indígenas mayas de Yucatán, los teénec de la Huasteca Potosina, los cambas del Chapare boliviano o los waimiry atroarí del del Norte de Brasil, Brasil, la tierra es no sólo el contenedor de recursos que ve el mercantilismo, no es sólo el lugar querido con el que se cuenta, es el lugar de los antepasados, es lo que deberán dejar para los descendientes si quieren trascender. La tierra, su tierra, es donde están con propiedad, donde están en su lugar. El patrimonio cultural de manera intangible sostiene la vinculación al territorio, el ar raigo. La vigencia del legado indígena sólo puede deberse a la forma en que lo reproduce la familia -¿quién si no?- con sus ritos, sus mitos de origen y sus mandatos o tabúes. La familia indígena –o rural tradicional20- sin la relación con sus mitos y sus antepasados tendría tan poco fundamento como si se le quitara la tierra. Denimos por tanto el arraigo como identidad comunal territorializada, más en rigor: identidad cultural territorializada. Cada familia detenta un ter ritorio y, recursivamente recursivamente el territorio posee la familia Como sabemos la noción de territorio implica la noción de dominio, capacidad de utilización y administración, tal como las modernas naciones fueron conformando sus espacios limitados por una frontera. a) Entendemos que la familia como institución, es un poder y tiene un territorio que utiliza, administra, deende y, al hacerlo, recursivamente siente la seguridad y la pertenencia a ese lugar; en resumen: se identica con un lugar sobre el que tiene dominio.
17 Ayllón ón (1997 (1997),), Memoria Memoria del Proye Proyecto cto “Pob “Població laciónn y poten potenciali cialidad dad econó económica mica del territorio en la Península de Yucatán (publicado (publicado en Ayllón 1999). 18 Ayllón (2007) (2007) y Ayllón et et al. (2007). 19 Maslow (1943).
20 Excluimos aquí del uso del término rural a la nueva ruralidad, la cual está ya inserta en mecanismos más propios del sistema capitalista o/y de la sociedad de consumo moderna.
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Esta armación no acaba en la comunidad agraria, ni en el mundo rural que percibimos pegado a la tierra. La posesión de un territorio es inherente a una familia, incluso –de alguna manera- a un individuo sin familia. Lo que varía es la forma en que se utiliza, controla y administra ese terr itorio, especialmente desde la revolución urbana. En el medio urbano la familia tiene un territorio que puede oscilar en sus magnitudes y que puede registrarse ocialmente como propiedad, alquiler, préstamo u ocupación ilegal. En todos los casos existe un derecho que ampara el territorio familiar de las intrusiones de fuera. La familia puede habitar un territorio no registrado ocialmente y quedar exenta de la protección de otras instituciones pero actuará como cualquier otro grupo al hacer uso y defender su territorio. En cualquiera de las formas de expresión de la territorialidad de la familia, la familia organiza sus recursos estratégicamente y va creando estrategias de competencia y adaptación al medio que es el entorno -o diferencia- de su sistema familiar-territorial. familiar-territorial. Al organizarse y seleccionar sus estrategias la familia conserva e innova, incluso innova para poder conservar. En este juego de márgenes entre lo sustancial y lo circunstancial, sobre el telón de fondo de un paisaje natural y cultural, se va conformando la identidad de los individuos, futuros hombres y mujeres protagonistas de nuevas nuevas familias. b) Una vez armado que cada familia tiene un territorio, hay que armar que, recursivamente el territorio posee a la familia, a los conjuntos de individuos, individuos, pues forman parte de él y, si no estuvieran, el espacio cambiaría de signicado, el paisaje observado no sería el mismo. La identidad es un sentimiento de unicidad, de pertenencia a un conjunto de semejantes. La identidad se construye con vínculos afectivos duales y excluyentes: apego y desapego, lias y fobias, liación y antagonismo; la identidad (cada faceta identitaria) constituye un sistema y quienes no están contenidos en él, están fuera. Así la identidad se constituye por semejanza y diferencia; entre uno y otro elemento media el entorno. Un grupo de identidad -probablemente el más fuerte fuerte
y decisivo- donde se gestan la mayor parte de las facetas del sistema identitario individual, es la familia. Todo grupo familiar organiza a su conveniencia el espacio que habita y del que extrae, directa o indirectamente, todo lo necesario para satisfacer sus necesidades primarias y secundarias. En ese orden hay elementos de ecacia (económicos) y de seguridad (psicológicos) que tienen un sentido circunstancial en un principio pero que, con el paso del tiempo, se van adornando de elementos simbólicos, míticos o mágicos: se subliman y por ello se mantienen actos arcaicos, no tan ecaces materialmente, pero que pasan a tener valor de ritual, desprendiéndose de su aplicación inmediata. También en ese orden, junto a la ecacia y seguridad, hay un criterio de equilibrio y de justicia que diferencia o identica a una comunidad: su ética. La dureza del clima o del medio –ciclones, sequías, inundaciones, plagas, epidemias, terremotos, guerras- justica que se piense en lo incontrolable, en el azar, y se ensayen fórmulas de exorcizar la mala suerte y de invocar ayudas no terrenales. Cada cultura encuentra en su losofía claves para expresar estas relaciones entre el mundo tangible y otros intuíbles, percibidos o intangibles. Esas expresiones culturales se materializan a través del arte (música, danza, poesía, pintura, escultura, arquitectura) y de las artes cotidianas, tecnologías o artesanías, herramientas prácticas para la vida cotidiana de la comunidad –cerámicas, tejidos, tocados, tocados, instrumentos, hamacas- y que caracterizan un aspecto importante del paisaje de una comunidad: su estética. De manera que una cultura, una etnia, una familia, al interpretar o crear sus relaciones, produce sobre su territorio un paisaje en el cual cada cosa y cada quien está integrado, ética y estéticamente. Pero también cada cultura maniesta sus necesidades y prioridades dando nombres a las cosas y en la relevancia que esos nombres muestran: en los topónimos, en las plantas medicinales, en las especies comestibles vegetales o animales. En la nominación de los lugares guran advertencias sobre el agua o la fertilidad del suelo, sobre peligros o utilidades. La nominación es un acto de poder sobre el territorio, es
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clasicación y es ordenación del territorio y de sus actividades. Cuando se nominan instituciones, por ejemplo, se están estableciendo jerarquías sobre el conjunto de la población, cuando se establece un topónimo se destaca el uso y categoría que tiene un lugar para un actor con poder de administrarlo. El elemento seguridad que mencionamos como producto de un orden reconocido, forma parte importante de la adhesión a un territorio vivido ya que de ese espacio se extrae lo necesario para la orientación y la nutrición: se depende. La persistencia en el tiempo aumenta el sentimiento de seguridad en el que se basa la tradición. Así, como se ha denido, el arraigo es identidad cultural territorializada y es más ecaz cuanto más larga es la pervivencia cultural sobre un territorio. Todo ello, entretejido con el aspecto físico de un territorio, soporte de toda esa producción cultural, y la percepción de sus límites o fronteras, forma el paisaje cultural en que los seres humanos aprenden a vivir, en todas las dimensiones humanas que quepa enunciar. Todo ello es el sustrato en que las personas comienzan a echar raíces desde su nacimiento hasta sentirse todo uno, identicadas, soberanas y dependientes. Y por ello se requiere una fuerza poderosa para arrancarles de ese medio conocido, controlado y querido al que pertenecen. El arraigo de los pueblos no sedentarios Pareciera que la universalidad de la denición aportada entraría en contradicción con la familia en las culturas nómadas y, de alguna manera así habría de ser. Sin embargo, el arraigo como el dominio territorial es un hecho permanente expresado en formas diversas; por ejemplo, la población yucateca entiende como “suyo” un territorio mucho mayor que el que delimita el Estado Nacional que lo ha fraccionado en tres estados administrativos, incluso la misma “posesión” la entienden de manera comunal, compartida con otros seres no humanos, temporal y sometida a la responsabilidad de traspasar generacionalmente la tierra en iguales o mejores condiciones que la recibieron. Los Tuareg viven a caballo de cuatro naciones
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pero se sienten poseedores del Sahara que a su vez comparten con otros pueblos. Los mayas, los tailandeses y otros muchos pueblos, están convencidos que todos los lugares están habitados por gentes, aunque no las veamos porque pertenecen a otros mundos, por ello al usar el territorio hay que hacerles ofrendas, reconocimientos y petición de permiso para compartir. Los pueblos nómadas y semi- sedentarios en cualquier parte del mundo, entienden como “suyo” un territorio que no es “innito”, pero mucho mayor que el que habitan, y no ofende a su territorialidad que lo usen otros. La gran diferencia con la cultura que llamamos occidental es precisamente que sólo los modernos occidentales creen que el territorio les pertenece individual e incondicionalmente por que lo dice un papel. El mapa mental y el espacio vivido: los hechos y los lugares Las personas guardan en su memoria los recorridos cotidianos, los momentos más importantes, sucesos terribles o amados, los ritos, los lugares que les producen nostalgia, fobias o lias, los hechos que les hicieron reír, llorar o pasar miedo. Lugares y hechos aparecen, al extraerlos de la memoria, sobre un paisaje de fondo, como las tramoyas del teatro. Las distancias y los tamaños se modican en la mente de cada persona pero no es posible extraer de la memoria el paisaje que se ha vivido. Con esta herramienta, el mapa mental, hemos constatado que aparece siempre el paisaje percibido ¡con los cinco sentidos! Otra prueba más que el individuo pertenece al paisaje y éste a aquel, recursivamente. Nótese que ahora se ha usado “el individuo” y no el grupo familiar: efectivamente los mapas mentales no son coincidentes entre personas de la misma familia o comunidad sino que los hitos, barreras, lias y fobias, se expresan por conjuntos de identidad como la etnia, la edad, el género de quienes expresan su geografía mental en esos mapas21.
21 Vela (2007), tesis de licenciatura en Geografía, UASLP. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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III.Fronteras Los estudios sobre fronteras tienen una larga tradición en Geopolítica, desde la Geografía social y cultural22, y más recientemente los estudios sobre la frontera han interesado a todas las disciplinas sociales y a las ciencias de la naturaleza y de la ecología del paisaje. Desde la Biología interesa destacar un concepto que desarrolla esta teoría sistémica de la familia, que es la ecotona. Las fronteras naturales –o medios de interface- son espacios de contacto entre dos ecosistemas y en su borde emerge un sistema muy interesante pues en él conviven especies de los dos - o más - frentes que son tolerantes a la mezcla de hábitat, más otras especies endémicas de ese sistema ecotonal que presenta elementos propios que no existen en uno u otro borde. A riesgo de parecer determinista del medio físico, ensayé una frontera interior entre tres regiones económicas del estado de Yucatán y pudo observarse su dinámica de avance de las regiones más dinámicas en ese momento, sobre las otras menos dinámicas, lo que parecía dar cierta razón a Ritter y Ratzel quienes fueron seguidos por la tesis de la frontera como válvula de escape que justicó y aún justica el expansionismo norteamericano, como antaño Ratzel, en su segundo tomo, justicó el expansionismo alemán. Sin embargo, lo más interesante fue comprobar que no toda la región más dinámica (la ganadera en ese momento), se volcaba y colonizaba las actividades de las otras (maicera y henequenera), sino que las partes más activas o cambiantes eran las periferias, aún cuando los cambios se innovaran en el centro regional. Las innovaciones llegaban antes a los centros o a las capitales pero los cambios se producían más fuertemente y más dinámicamente en las ecotonas de las fronteras interiores de Yucatán23. Así pues, resulta interesante revisar las dinámicas 22 Karl Ritter en su obra, Friedrich Ratzel en los dos tomos de su Antropog eografía (1882 y 1891), Hartshorne (1939), otros clásicos. Más recientemente los estudios sobre la frontera han interesado a todas las disciplinas sociales y a las ciencias de la naturaleza y de la ecología del paisaje. 23 Ayllón (2001) (del IV Congreso Internacional y C-L de Antropología Iberoamericana: “Fronteras”. Ponencia: Un efecto de borde o zona de ecotonía. Universidad
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de frontera a la luz de la teoría de sistemas y aún más de los sistemas emergentes. Pero sería banal observar las fronteras sólo en su expresión material y económica pues las fronteras entre pueblos o estados son una construcción humana y cultural; son ante todo una construcción simbólica del pensamiento humano - ya que no todas las fronteras establecidas lo son por criterios defensivos- , esa es la noción moderna del estado nacional. Los gr upos humanos establecen fronteras – beligerantes o no- en base a su territorialidad, a la necesidad que les lleva a conocer, ordenar y dominar el espacio en que proveen sus necesidades y aspiraciones. Ahora bien, como hemos visto desde esta teoría de la territorialidad de la familia, ese espacio puede ser compartido, siendo a la vez el dominio de diferentes grupos, quienes unas veces actúan sinérgicamente y otras compiten por los recursos del medio. En este compartir o competir actúan intereses egoístas o cooperativos, ideologías24 integracionistas o exclusivistas y tensiones heredadas, criterios éticos y estéticos. Así podemos observar límites de cooperación, intercambio y ayuda mutua como la frontera peruano-boliviana del lago Titicaca, donde hay identidad vigente; ética y estética, pues sus pobladores son casi totalmente aymaras; o podemos mirar fronteras beligerantes y excluyentes como la servio-bosnia o la mexicano-estadounidense que es la más paradigmática de este grupo. Más comúnmente encontramos fronteras no internacionales y a la vez más impermeables o con menor ecotonía: fronteras de clase que impiden la movilidad social y provocan marginalidad consciente y voluntaria, y fronteras de etnias que provocan y mantienen frentes de conicto (alimentados por uno o los dos bordes), y que provocan exterminios genocidas como durante la dictadura guatemalteca en los años setenta; o en la tierra de los waimiry atroarí, de Salamanca, 2000). 24 En ideologías incluimos creencias o religiones. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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(Amazonía Brasilera) , hace un par de décadas, donde casi fueron exterminados. En resumen, las fronteras tienen un sentido antropológico de identidad/diferencia que no tienen por que ser oposiciones sociales ni necesariamente buscan excluir territorialmente a los diferentes sino autoarmar la identidad del propio grupo. Eso ocurre cuando la tierra se concibe como madre y señora, Pachamama, Tonantzin Tlalli 25, independiente, enajenable y personalizada. Cuando las fronteras nacionales separan tierras comunales, los conictos territoriales son episódicos, o no son por la tierra en sí. Por el contrario, la noción liberal y –más aún- neoliberal de tierra como patrimonio individual, producto mercantil para la acumulación capitalista, al arbitrio de la voluntad particular no puede ser otra cosa que excluyente, y así, con la soberanía humana en el centro, la tierra no puede ser sustentable y los territorios se vuelven frentes de batalla que aprovechan y estimulan cualquier diferencia cultural para enervar la confrontación y el expolio. Así podemos decir que, cuando las fronteras interiores o nacionales separan tierras en propiedad privada, los conictos territoriales aumentan.
del hecho familiar, incluyendo familias heterosexuales y no heterosexuales, incluso se ha arrojado luz sobre la inecacia de ciertas medidas gubernamentales que intervienen en la violencia familiar26 y en el turismo sexual. La aceleración contemporánea de que hablaba Milton Santos, ha producido cambios sorprendentes en las mentalidades pero no así en las prácticas sociales cotidianas lo que nos pone ante el conicto permanente entre grupos sociales, instituciones y del individuo consigo mismo. Esto no puede menos que reejarse en el grupo primario, base de la sociedad. En resumen, tomar a la familia como objeto de estudio abre un campo espléndido a las ciencias sociales, en particular a la geografía y en especial a la geopolítica. Así, a través de esta unidad de análisis hemos observado la apropiación y control del territorio, la división y especialización en el trabajo, la competencia por los recursos, la rivalidad con el Estado, el valor local que tienen las cosas, las decisiones que se toman, las estrategias en suma que la unidad familiar pone en marcha para conseguir mantenerse y mantener ecazmente el dominio territorial de sus antepasados. Se ha visibilizado en la familia el poder que yacía oculto en un discurso ocial liberal progresista que no le hacía justicia.
IV. El Conicto. Conclusiones desde la teoría sistémica
de la familia Se ha intentado aquí exponer la síntesis de trece años de trabajo. Los primeros ocho llevaron a formular la teoría de la territorialidad de la familia o teoría sistémica de la familia, que fue el aporte de mi tesis doctoral y que desde entonces está siendo desarrollada en proyectos cientícos, tesis de grado y posgrado logrando aportaciones más o menos claricadoras en la construcción de la ciudadanía, la construcción de indicadores para la delimitación rural- urbana y la sustentabilidad urbana y rural. Se ha aportado conocimiento sobre la heterogeneidad
Conicto y complejidad de la familia
La familia no es natural, ni la negación de la civilización –como armara Lévi Strauss-, no es atávica ni portadora de valores eternos, por el contrario: la familia es un sistema y como tal dinámica, compleja, recursiva y conectada en un
25 Pachamama: madre tierra en aymara; en náhuatl nantli Tlalli o Tonantzin Tlalli, aunque Tierra (planeta) es Cemtlatipac, Tlaltipac, Cemenahuactli. Según Carl Jung son “la madre arquetípica”, parte del inconsciente colectivo, y tal vez la vigencia de su culto puede ir unida a la vigencia de la tenencia comunal de la tierra.
26 “Creación de microempresas familiares turísticas llevadas por mujeres” (AECI, 2000), La territorialidad de la familia en la construcción de la ciudadanía” (SEP-20042007), “El continuum rural-urbano. Estudio demográco desde las familias en el Estado de San Luis Potosí” (FAI-UASLP, 2006-2007), “Indicadores para la sustentabilidad urbana y rural: las pirámides de población y la casa-solar familiar” (UASLP-2007), “Consecuencias de la inequidad: familias heterosexuales y no heterosexuales en San Luis Potosí” (Inmersión a la Ciencia, 2006-2007), “Causas, efectos y manifestaciones de violencia familiar en la microrregión Huasteca Centro, San Luis Potosí” (IMES 2005-2006), “Causas, efectos y manifestaciones de violencia familiar en la región conurbada de San Luis PotosíSoledad de G.S.” (IMES 2007), entre otros proyectos bajo mi dirección.
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continuo interactuante con una red más amplia, que no se reconoce como familia y se maniesta solidariamente como comunidad. La familia es acción: construye estrategias no para la “supervivencia”, sino porque construir estrategias, en la escasez o la abundancia, es su razón de ser. Su capacidad de adaptación, que no es pasividad sino selección de estrategias, es lo que la convierte en universal. La familia adopta formas diversas culturalmente según tiempo y lugar, e innova para adaptarse a los cambios, soportados o generados por ella. La familia guarda las tradiciones como ninguna otra institución pero al hacerlo las modica, innova incluso para conservar. La red familiar territorializada o comunidad compite con el estado centralizador, de manera dialéctica, cuanto más marginada la comunidad, mayor fuerza tiene su jurisdicción, y en tanto más competente es el estado, la familia tiene menos poder. La familia no está exenta de conictos (sería imposible dada su complejidad y los cambios que la afectan), pero su estructura tiene muchos elementos “puente” y “bisagra” que apoyan la restauración del equilibrio perdido en cada conicto, haciéndola sumamente competente a la adversidad.
El trabajo de campo requirió Instrumentos idóneos para la recolección de datos, igualmente sistémicos, que admitieran el diálogo de la recursividad. Así se optó por las metodologías participativas y herramientas técnicas modicadas o articuladas para tal n, triangulando metodológicamente, y reduciendo en el análisis la complejidad creciente, propia de los sistemas dinámicos. Un continuum sistémico en conicto con la linealidad
En los proyectos que nutren este trabajo se ha trabajado en ámbito rural y urbano, no obstante, en la tesis doctoral se haya realizado el trabajo de campo dentro de un área rural “profunda”, por entender que es en ese ámbito donde las fórmulas de organización familiar se perciben con mayor claridad. Y ya que la capacidad estratégica de un actor se pone a prueba en los momentos críticos y no en los de estabilidad y bonanza, se eligió entonces un entorno crítico, marcado por la migración persistente, en tanto ésta pone a prueba ese vínculo poderoso que llamamos arraigo. El conicto en el espacio público o la ordenación espacial
Conicto metodológico y transdisciplinaridad
a escala micro
La formulación de esta orientación teórica fue posible al cruzar las perspectivas de género y la teoría general de sistemas (ambas son disciplinas transversales), pues sólo así se consigue manejar la complejidad y superar los discursos ocialistas y feministas sobre la institución familiar y el maniqueismo masculino-femenino, víctima-explotador. La familia es un lugar de sujeción para la mujer -y para los otros miembros- pero es también el grupo solidario de apoyo mutuo. Es tautológico identicar mujer con familia, lo que es habitual, como en el extremo contrario identicar familia con hombres, cuando se habla de autoridad, ya que en la familia los recursos y el poder se reparten y comparten según lógicas de apoyo mutuo que incluyen división del trabajo según sexo, edad y otras características culturales e individuales.
En la etapa actual, esta teoría está per mitiendo desarrollar estudios sobre geopolítica microescalar: alianzas en las comunidades, conictos sociales locales, movimientos sociales, ordenamiento territorial de la vivienda familiar, de conventos, cementerios y vecindades, además de permitir ensayar metodologías de investigación - acción participativa. En particular aparece el conicto como la liberación de las tensiones acumuladas por la competencia en el uso del espacio público y de todo recurso compartido. En la estr uctura social y en los procesos de cambio de mentalidades, el conicto aparece como efecto de la dinámica o ruptura de la estabilidad en benecio de alguna de las partes lo que lleva a otras a adoptar posturas defensivas, beligerantes incluso desesperadas hasta
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llegar al punto pendular de adaptación. El conicto en la arquitectura de los sistemas
En un sistema, por denición dinámico o en equilibrio inestable, el conicto es responsable del cambio en la jerarquía del sistema, los subsistemas no cambian esencialmente sino que se reorganizan. La familia fue impactada muy fuertemente por el cambio de sistema preindustrial al industrial y tuvo que adaptarse perdiendo gran parte de su poder territorial, sobre los recursos y sobre su propio saber hacer acumulado. El estado de bienestar, donde lo hubo, suplió o disminuyó muchas de las funciones que venia detentando la familia y que operaban como ordenadores sociales, poder, el cual quedó desdibujado hasta su invisibilización en la sociedad urbana consumista. Las mujeres en bloque pasaron de la economía informal a la formal, con políticas de plenos empleo que fueron relegadas drásticamente con la colonización de las políticas neoliberales. La familia en el sistema neoliberal debe volver a dar los servicios personales que ocuparon las políticas sociales pero sin el benecio de la protección social a la familia.
unido, y procura las necesidades de sus miembros y el aumento del bienestar común; construye redes de solidaridades que les permiten dominar el territorio que administran, desbancando el poder central del estado y sus instituciones. La maa, en resumen se diferencia de la familia por obstaculizar el desarrollo de otros núcleos que no pertenecen a su red. El conicto como analizador
El conicto no es el problema sino su manifestación. Metodológicamente es la respuesta a una entrada de energía que desestabiliza un sistema. Socialmente el conicto es la manifestación visible de una crisis. En chino la palabra crisis se escribe con dos bellos signos pictográcos: el primero signica conicto y el segundo oportunidad. Las ciencias sociales tienen mucho que aprender de esa sabiduría milenaria, y desde una perspectiva amplia deben abordar el estudio de los conictos con el compromiso de crear opor tunidades para la existencia de mejores mundos posibles. V. Referências bibliográcas
Nuevas familias son fenómeno social en esta etapa neoliberal: en el mercado laboral la empresa se instituye como “la familia”, única que se arroga la disposición del tiempo completo de sus subordinados, los cuales no son empleados sino miembros autónomos e libres, que deben dedicar su tiempo libre a la convivencia en el seno de la familia empresarial. Mientras tanto el grupo familiar tiende a la desestructuración familiar. No es distinto en la política profesional, donde la “ropa sucia se lava en casa”, lo que fundamenta la corrupción, en tanto la gobernabilidad pasa de manos políticas a otros grupos basados en la estructura familiar –o parafamiliar- la maa. La maa se dene como “una familia” que está en permanente conicto con el poder organizador del estado; es también un grupo emparentado y aliado que aspira a mantenerse
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El conicto en la gobernabilidad o la anomia neoliberal
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PARTE II
GLOBALIZAÇÃO, ESTADOS NACIONAIS E POVOS EM SITUAÇÃO DE FRONTEIRA
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Agroestratégias e desterritorialização. Os direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios. Alfredo Wagner Berno de Almeida 1
As agroestratégias 1- As chamadas agroestratégias estão na ordem do dia das agências multilaterais (BIRD, FMI, OMC) e de conglomerados nanceiros. No quadro de uma propalada “crise do setor de alimentos” elas tem sido anunciadas com alarde e como uma medida salvacionista para resolver todos os problemas de abastecimento de gêneros alimentícios. Compreendem um conjunto heterogêneo de discursos e alocuções, de mecanismos jurídico-formais e de ações ditas empreendedoras. Tanto abrangem estudos de projeção, que tratam das oscilações de mercado e suas tendências (relatórios da FAO, do PNUD, do USDA) e que tratam de ajustes na carga tributária de alguns produtos e de insumos utilizados em produtos alimentares considerados básicos, quanto abrangem medidas regulamentares e atos perpetrados por diferentes agências nanceiras (bolsas de valores, fundos de investimentos, bancos) e por entidades representativas de grandes empreendimentos agropecuários. Compreendem um conjunto de iniciativas para remover os obstáculos jurídico-formais à expansão do cultivo de gr ãos e para incorporar novas extensões de terras aos interesses industriais, numa quadra de elevação geral do preço das commodities agrícolas e metálicas. 2- No caso brasileiro tais entidades concernem mais diretamente à Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e demais entidades patronais2, que agrupam os empreendimentos 1 Antropólogo. Coordenador do NCSA-CESTU-Universidade do Estado do Amazonas, professor PPGAS-UFAM. Pesquisador do CNPq. 2 A CNA mobiliza 27 Federações de Agricultura e Pecuária, organizadas por uni-
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produtores de grãos, óleos vegetais, carnes in natura e matérias primas de uso industrial (eucalipto, pinus), assim como empresas de consultoria e instituições de pesquisas que lhes propiciam suporte técnico e buscam avaliar quem produz o que no campo, quanto produz e onde3. Os estudos e pesquisas, que nos últimos anos tem convergido para o traçado das agroestratégias, reforçam a nalidade precípua de inuir na formulação de políticas governamentais, com seus respectivos planos, programas e projetos para o setor agrícola. 2.1- Além de propiciarem elementos para políticas agrícolas e agrárias, objetivando colocar como prioridade na agenda ocial a concessão de terras públicas e a isenção de carga tributária, as agroestratégias orientam também iniciativas localizadas de implantação de empreendimentos agroindustriais. Tais empreendimentos podem ser caracterizados, concomitantemente, por inovações tecnológicas, pela demanda de imensas extensões de terras aráveis e por uma racionalidade gerencial intrínseca ao mercado de commodities 4. Os cálculos, dades da federação, e 2.500 sindicatos rurais em todo o país. Além disto, há algumas entidades de referência a serem também mencionadas, a saber: ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), ABEF (Associação Brasileira dos Exportadores de Frango), SBS (Sociedade Brasileira de Silvicultura S) e Aprosoja/MT (Associação dos Produtores de Soja) dentre outras. 3 As referências mais conhecidas referem-se aos periódicos especializados Conjuntura Econômica e Agroanalysis, ambos da Fundação Getulio Vargas (FGV). Dentre as pesquisas que desenvolveram vale destacar o estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), também da Fundação Getulio Vargas (FGV), cujo relatório de pesquisa é intitulado: “Quem produz o que no campo: quanto e onde”. Para outras informações consulte-se: a) Lopes, Ignez Vidigal e Rocha, Daniela de Paula (economistas e pesquisadoras do IBRE)- “Agricultura familiar: muitos produzem pouco”. Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro. FGV. Fevereiro de 2005, p.30-34; b) “o agronegócio é o seguinte: desonerar a cadeia do agro” Agroanalysis- a revista de agronegócios da FGV . Vol 28. n.06. Rio de Janeiro, julho de 2008 p.3. 4 Os preços das principais commodities agrícolas e minerais são formados nos mercados internacionais e envolvem diferentes interesses de bolsas de valores (“mercados futuros”), fundos de investimentos, empresas transnacionais e agencias multilaterais. Eles se distinguem dos preços dos gêneros alimentícios (mandioca, cebola, batata, produtos hortigrangeiros), produzidos por pequenos produtores rurais, apoiados em unidades de trabalho familiar, que são formados majoritariamente no mercado interno e abastecem circuitos regionais. diferenciados.
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racionais e conscientes, de viabilidade e implementação destes empreendimentos, mesmo fazendo uso de uma retórica de “gestão ambiental” e de um “gerenciamento voltado para a sustentabilidade” parecem, entretanto, não estar levando em conta o seu elevado poder de destruição dos recursos naturais. A incorporação acelerada de imensas extensões de terras tem colocado em risco tanto patrimônios naturais, quanto patrimônios culturais, violando agrantemente, segundo entidades ambientalistas, tratados internacionais e convenções5. No que concerne às relações de produção verica-se ademais, que tais ações gerenciais tem se caracterizado pela intensicação de mecanismos de imobilização da força de trabalho. Mediante uma situação de expansão dos mercados de commodities, marcada, de acordo com técnicos de federações patronais rurais e por cooperativas agrícolas, por uma “falta de mão de obra no campo”6, prevalecem formas de recrutamento ilegal de trabalhadores7, realizadas por intermediários à serviço dos grandes conglomerados nanceiros, em regiões distantes daquelas onde os próprios empreendimentos estão sendo implementados. Transporte de trabalhadores por longas distâncias, com adiantamento de recursos monetários para serem saldados posteriormente, após iniciado o processo de trabalho; contratações eventuais e salário por produção, em condições de difícil execução, com casos de vigilância armada dos trabalhadores, completam este quadro de precariedade.
5 Os signicados de patrimônios cultural e natural, aqui utilizados, concernem aos termos dos Arts. 1 e 2 da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural aprovada em Paris, em 23 de novembro de 1972, durante a XVII Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e raticada pelo Brasil através do Decreto n.80.978 de 12 de dezembro de 1977. 6 Cf. Staviski, Norberto- “Falta mão-de-obra no campo e na agroindústria paranaense” Gazeta Mercantil, 15 de julho de 2008 p.C8. 7 À expansão do mercado de commodities corresponde uma precariedade nas relações de trabalho. A OMT (Organização Mundial contra Tortura) divulgou seu relatório anual em junho de 2008 e informa que há no Brasil oito mil pessoas sob condição de trabalho escravo. Vide “OMT diz que há, no País, 8 mil em trabalho escravo”. A Crítica.Manaus, 20 de junho de 2008 pág.C5. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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3- As agroestratégias caracterizam-se ainda por desconsiderarem a lógica de utilização destes recursos naturais seja pelas unidades de trabalho familiar, classicadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário sob a designação de “agricultura familiar”, seja por povos e comunidades que tradicionalmente ocupam as terras que os interesses dos agronegócios e de mineradoras pretendem incorporar a seus grandes empreendimentos. A denominada “agricultura familiar”, considerada grosso modo, abrange as famílias que integram os projetos de assentamento, os pequenos proprietários e os posseiros. Os povos e comunidades tradicionais8, apoiados também nas unidades de trabalho familiar e em diferentes modalidades de uso comum dos recursos naturais, apresentam uma consciência de si mesmo enquanto grupo distinto com identidade coletiva própria e formas de organização intrínsecas que não se reduzem à ocupação econômica ou à relação com os meios de produção. Para compreender estes povos e comunidades os fatores agrários e as interpretações de base econômica são insucientes. Devem ser considerados os elementos de autodenição e de consciência das suas próprias necessidades. A partir deles pode-se armar que fatores étnicos e identitários mostram-se capazes de delinear suas diferenças face a outros grupos. 4- A chamada “crise alimentar” aparece assim, for mulada segundo duas contradições principais: a) oposição entre mercado de commodities e mercado segmentado, expressa pelos conitos que envolvem grandes empreendimentos monocultores que buscam usurpar os direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais, apossando-se de suas terras, e b) oposição entre a produção de biocombustível e a produção de alimentos. 8 De acordo com o Art. 3º. do Decreto 6040, de 07 de fevereiro de 2008, compreendese por “Povos e Comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”
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4.1- No bojo desta “crise” a noção de commodity, usualmente vinculada a produtos homogêneos, produzidos e transportados em grandes volumes, passa atualmente por signicativas transformações que remetem, de maneira direta, à compreensão do que se considera como agroestratégias: 4.1.1- A primeira delas concerne à perspectiva de escassez dos combustíveis de origem fóssil e à emergência de biocombustíveis ou “combustíveis verdes”, que passam a compor a pauta de novas agendas e demandas empresariais, dentre as quais se destaca o etanol (álcool produzido a partir da cana-de-açúcar para o abastecimento de veículos automotores). Concerne também à expansão das áreas produtoras de grãos (soja, milho), de cana-de-açúcar, de óleos vegetais, de mamona e de outras espécies similares. 4.1.2- A segunda refere-se à elevação geral dos preços das commodities minerais e agrícolas e aos seus efeitos. Intensicam-se as concessões e incentivos creditícios para a atividade mineradora e para a produção de grãos (soja, milho), de carne in natura , de eucalipto, de pinus e outras matérias primas destinadas à indústria de papel e celulose, às usinas de fer ro-gusa, às siderúrgicas, às fábricas de óleos vegetais e empreendimentos sucroalcooleiros. Importa sublinhar que ambas vertentes requerem, de igual modo, imensas extensões de terras e se encontram em franca expansão com efeitos pertinentes sobre a estruturação formal do mercado de terras e sobre as terras ocupadas por unidades de trabalho familiar e/ou por povos e comunidades tradicionais, nos termos denidos pelo Decreto n.6040, de 07 de fevereiro de 2007. 4.2- Para tentar responder às questões de porque estão em tendência ascencional os preços dos alimentos e de porque estão em declínio e atingindo níveis alarmantes os estoques mundiais de gêneros alimentícios, tem-se polêmicas cruzadas com múltiplas interpretações divergentes. Uma das polêmicas mais renhidas a este respeito refere-se à relação causal entre o aumento da produção de José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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biocombustíveis e a redução das áreas de culturas alimentares. Ela pode ser assim resumida: 4.2.1-Entre abril e junho de 2008 diretores executivos de diversas agencias multilaterais, de maneira unânime, se expressaram no sentido de que o forte aumento da produção de biocombustíveis consiste num fator importante da disparada dos preços dos alimentos no mundo, sendo responsável por tumultos em países da África, da América Central e da Ásia. Dentre eles pode-se mencionar: Robert Zoellick, presidente do BIRD (Banco Mundial), Jacques Diouf, senegalês, que desde 1994 dirige a FAO (Food and Agriculture OrganizationOrganização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), Dominique Strauss-Khan, diretor-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), Jean Ziegler, suíço, relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Michael Barnier, Ministro da Agricultura, da França, secundado pelo diretor – geral da OMC (Organização Mundial de Comércio), Pascal Lamy, e o Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Peer Steinbrueck. Assim se manifestaram tais executivos: - O presidente do Banco Mundial declarou em abril de 2008: “É preciso reconhecer que o aumento da demanda em biocombustíveis tem um impacto em todos os preços dos produtos alimentares, e isso representa um grave perigo em algumas partes do mundo como no Haiti ou na África.” (“BIRD e FAO denunciam crise alimentar”. O Liberal. Belém, 12 de abril de 2008 p.10). - O relator da ONU, J. Ziegler, classicou a prod ução de biocombustíveis de crime contra a humanidade por seu impacto nos preços mundiais dos alimentos (cf. Veja. São Paulo, 30 de abril de 2008 p.59,60). O relator argumentou que o uso de terras férteis para cultivos destinados a biocombustíveis reduz as superfícies destinadas aos alimentos. Alertou que a escassez de alimentos e o aumento de preços conduzem o mundo para distúrbios sociais. Propôs ao FMI (Fundo Monetário
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Internacional) que altere suas políticas sobre os subsídios agrícolas e deixe de apoiar apenas programas destinados à redução da dívida. Conforme Ziegler, “a agricultura também deve ser subsidiada em regiões onde se garanta a sobrevivência das populações locais” (cf. “Biocombustível, crime contra a humanidade” A Crítica. Manaus, 15 de abril de 2008 p.A11). - Para o Ministro da Agricultura, francês, a produção agrícola com ns alimentares deve ser claramente prioritária (cf.”UE proporá supressão de subsídios”. A Crítica. Manaus, 15 de abril de 2008 p.A11). - O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, asseverou, em abril de 2008, que se faz necessário estudar cuidadosamente as vantagens e os inconvenientes da produção de energia a partir da agricultura. Retomando esta assertiva armou, dois meses depois, que: “quase 100 milhões de toneladas de cereais foram subtraídas aos mercados de alimentos para serem destinadas à satisfação de necessidades energéticas” (“Bio-combustíveis ou alimentos?” Diário do Pará. Belém, 27 de julho de 2008 pág.C5). - Um Relatório do BIRD (Banco Mundial), de abril de 2008, divulgado em julho de 2008, antes da reunião de cúpula do G-8, assinala que o desenvolvimento dos biocombustíveis provocou uma alta de 75% no preço dos alimentos, desde 2002. O BIRD avalia que a corrida na produção de biocombustível tem criado distorções no mercado alimentar em virtude do uso de plantações de cereais para produzir combustível, em detrimento da alimentação. O Relatório enfatiza que Estados Unidos e Brasil são responsáveis em conjunto por 70% da pr odução mundial de etanol, um dos principais biocombustíveis. (cf. “BIRD culpa o biodiesel por crise de alimentos” A Crítica. Manaus, 06 de julho de 2008). O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, em consonância com esta interpretação, armou que: “os preços dos alimentos praticamente duplicaram nos últimos três anos e milhões de toneladas de alimentos viraram combustíveis.” (“Bio-combustíveis ou alimentos?” Diário do Pará. Belém, 27 de julho de 2008, p.C5). José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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4.2.2- Por outro lado, segundo membros do governo brasileiro e economistas brasileiros com cargos em agencias multilaterais, acusar os biocombustíveis de provocar a disparada dos preços dos alimentos seria uma manobra dos setores agropecuários de países mais desenvolvidos, que recebem pesados subsídios dos seus governos. “Em discursos pronunciados na semana passada, o presidente Lula classicou as críticas de Ziegler e Zoellick de “falácias” abastecidas com motivos comerciais. Segundo Lula, o encarecimento dos alimentos deve-se, na verdade, aos subsídios agrícolas de americanos e europeus.” (cf. DUAILIBI, Julia – “Brasil. Ele é o falso vilão”. Veja. São Paulo, 30 de abril de 2008, p.59-61). Os desdobramentos deste argumento têm procurado distinguir a produção do etanol no Brasil daquela dos Estados Unidos: “os biocombustiveis inibem a produção de alimentos nos Estados Unidos, onde a produção de etanol já utiliza um terço da área plantada de milho.No Brasil, apenas 1% da área agriculturável é utilizada para produzir o combustível de canade-açúcar.” (DUAILIBI, ibid). De acordo com Guilherme Cassel, Ministro do Desenvolvimento Agrário, o Brasil, mesmo com índices de produtividade considerados baixos e com a adoção de pouca inovação tecnológica, tem respondido à demanda crescente por alimentos com um maior incentivo à agricultura familiar. Segundo o Ministro: “É ela que produz 70% do que consumimos no dia-a-dia. Os 4,1 milhões de estabelecimentos de agricultores e agricultoras familiares contribuem hoje com 56% do leite, 67% do feijão, 89% da mandioca, 70% dos frangos e 75% da cebola produzidos no país, entre muitos outros produtos.” (cf. Cassel, Guilherme- “Um plano para o Brasil”. Folha de São Paulo. São Paulo, 20 de julho de 2008 p.A3). Ambas os esquemas explicativos concordam, entretanto, que se mantidas as atuais condições de demanda por alimentos a reposição dos estoques durará alguns anos, constituindo-se num problema de urgência máxima.
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“Oferta aquecida, demanda apertada e estoques baixos foram o estopim para uma aceleração nos preços, incrementada ainda mais pelos fundos de investimento, que também escolheram as commodities agrícolas para investir. Com este cenário, a menos que haja uma redução muito forte no ritmo da economia mundial, a demanda por alimentos vai continuar forte e, nos patamares atuais de produção, a reposição dos estoques demora alguns anos.” (M.Zafalon – “Crise agrícola gera oportunidade ao país”. Folha de São Paulo, 27 de abril de 2008 p.B4).
5- No caso brasileiro, faz parte das agroestratégias a disseminação de uma visão triunfalista dos agronegócios articulada com uma imagem hiperbolizada do Brasil e de seu potencial agrícola. De acordo com esta formulação, no Brasil a terra seria um bem ilimitado e permanentemente disponível. Tal imagem aparece sintetizada em assertivas ufanistas, que enfatizam que o “país não pode perder esta oportunidade”, tais como: “o Brasil pode ser um dos principais fornecedores de alimentos porque detém a maior disponibilidade de terras agriculturáveis do mundo” ou “as ter ras aráveis do Brasil podem alimentar o planeta” ou ainda “as terras férteis do Brasil devem ser ocupadas em toda a sua extensão”. A força explicativa destas armações e seu amplo poder de convencimento tem acarretado modicações no tratamento midiático dos impactos sócio-ambientais provocados por aqueles grandes empreendimentos anteriormente mencionados. Estratagemas de comunicação, que visam atenuá-los, tem sido colocados em prática, nos jornais e revistas de circulação periódica, por interesses e por “especialistas” em meio ambiente coadunados com a lógica daqueles “grandes projetos” e com sua pretensa racionalidade na exploração dos recursos naturais. A narrativa mítica de terras ilimitadas, como se fossem recursos abertos e/ ou “espaços vazios”, abre em decorrência, um novo capítulo de conitos sociais no campo, porquanto toda e qualquer extensão de terra é apresentada como disponível à expansão dos
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agronegócios. Fatores étnicos, laços de parentesco e práticas costumeiras de terras de herdeiros sem formal de partilha, livre acesso aos campos naturais (no golfão maranhense, no cerrado, nas campinaranas de regiões amazônicas e nos campos da Ilha de Marajó) e inúmeras outras situações de uso comum dos recursos naturais, que se encontram formalmente abrigadas sob a designação de terras tradicionalmente ocupadas, são vistas como representando obstáculos às transações de compra e venda de terras. Enquanto tal obstaculizam a reestruturação formal do mercado de terras, deixando imensas extensões fora dos circuitos mercantis de troca. As agroestratégias visam remover tais obstáculos e incentivar as possibilidades de compra e venda, ampliando as terras disponíveis aos empreendimentos vinculados aos agronegócios. 5.1- Para reforçar a pujança de seus interesses, uma das modalidades que os estrategistas dos agronegócios tem adotado para divulgar sua visão triunfalista, concerne às estatísticas glosadas nas colunas de “opinião” que ladeiam os editoriais, notadamente de O Globo e O Estado de São Paulo. Simulam uma forma de “jornalismo cientíco”, valendo-se da autoridade acadêmica dos autores, que intentam demonstrar que o expansionismo seria das terras indígenas e dos projetos de assentamento da reforma agrária. Aliás, invariavelmente, estes periódicos tem estampado comentários iguais, no mesmo dia, de autoria dos mesmíssimos autores, propiciando estatísticas comparativas entre as áreas ocupadas pelos agronegócios e aquelas sob controle de unidades familiares e povos indígenas, concluindo, numa paradoxal inversão histórica, que as terras indígenas estariam em expansão. “Vejamos os números da distribuição agrária brasileira, referentes a 2007. As culturas temporárias, de ciclo anual, compostas, por exemplo, de feijão, milho, arroz, algodão, constituem 55 milhões de hectares, perfazendo 6,4% do total. As culturas permanentes, de ciclo mais longo, formadas por café, cítricos e frutíferos, constituem 17 milhões de hectares, 2%
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do total. As orestas plantadas constituem 5 milhões de hectares, 0,6%.As três áreas juntas somam 77 milhões de hectares, ou seja, 9% do total. Os assentamentos rurais por sua vez, perfazem sozinhos 77 milhões de hectares, ou seja, os mesmos 9% do total. A coincidência parece cabalística, mas é pura realidade. Atentem para o fato central: os assentamentos equivalem a toda a área de culturas temporárias, permanentes e de orestas no Brasil. E, no entanto, estas são objeto de invasões constantes, como se o país devesse se tornar um grande assentamento.”(...) “Tornou-se moda dizer que as áreas indígenas são insucientes, como se o limite de sua ampliação fosse todo o território nacional. Atualmente elas ocupam 107 milhões de hectares para uma pequena população. Dizer que os indígenas não possuem sucientes territórios é um evidente contra-senso, a não ser que o projeto político em questão consista em não considerá-los brasileiros, formando diferentes “nações”, que se contraporiam à nação brasileira. Faltaria somente a demarcação contínua.” (Cf. Roseneld, Denis Lerrer- “Qual latifúndio?”O Globo. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2008 p.7).
5.2- O expansionismo transnacional aparece, entretanto, explícito quando são delineadas as agroestratégias. Assim, de tal modo se coloca este objetivo de expansão das áreas pretendidas pelos empreendimentos dos agronegócios que os editoriais dos maiores periódicos de circulação nacional como a Folha de São Paulo, O Globo e O Estado de São Paulo falam, no momento atual, implícita ou explicitamente de agroestratégias como incorporação de novas terras aráveis, que podem inclusive transcender ao território nacional. Bem ilustra isto o editorial de 12 de maio de 2008 da Folha de São Paulo, intitulado xatamente de “Agroestratégias”, que sugere um “salto” de empresas brasileiras para o exterior: José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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“Inserir as savanas africanas, muito similares ao cerrado, nas áreas de expansão da oferta mundial de alimentos, deveria ser um objetivo estratégico dos agroempresários e do governo brasileiro.” ( Folha de São Paulo, de 12 de maio de 2008, p. A2). A repetida invocação de “modernidade” e “progresso” parece justicar que os agentes sociais atingidos pelos “grandes projetos” sejam menosprezados ou tratados etnocentricamente como “primitivos” e sob o rótulo de “atraso”, não importando se sejam povos indígenas, quilombolas, “povos do cerrado” brasileiro ou “povos das savanas” africanas. O signicado de agroestratégia, neste sentido, mostra-se coadunado com determinadas modalidades, mais recentes, de relações transnacionais. A m de preservar sua segurança alimentar certas nações e/ou regiões denem formas de expansão de suas plantações ou de incorporação de novas extensões de terras. O destino da produção agrícola já estaria pré-denido, desde os investimentos iniciais. Um dos exemplos mais ilustrativos disto seriam os programas para aquisição de terras aráveis, que começam a ser denidos por países centrais, através de conglomerados nanceiros, para países periféricos. A m de preservar sua segurança alimentar certas regiões denem formas de expansão de suas plantações ou de incorporação de novas terras às suas empresas. A China e a Índia tem sido apontadas como os “novos colonizadores” da África. A China estaria delineando também um programa para aquisição de terras na América do Sul9. Empresas imobiliárias norteamericanas estariam intensicando suas atividades no Brasil através de aquisições de imóveis rurais referidos à pecuária, à sojicultura e ao setor sucroalcooleiro, como veremos logo adiante. 5.3- Esta inspiração colonialista tem sido abalada, entretanto, face à gravidade dos antagonismos e à ecácia dos movimentos sociais e de entidades ambientalistas em impor publicamente à discussão novos critérios de consciência ambiental. Concorrem para tanto as experiências de segmentação dos mercados, isto
é, num cenário classicado usualmente como de “aquecimento global” e de “mudanças climáticas”, diversos circuitos e canais alternativos de mercado, com produtos diferenciados e tecnologias simples, apoiados em unidades de trabalho familiar e em laços de solidariedade étnica, tem se consolidado, contrapondo-se aos mercados homogêneos e impactando-os parcialmente, ao se erigirem em obstáculos à sua expansão. Estes obstáculos, que, em muitos países, são inclusive de caráter jurídico-formal, a despeito de estarem referidos a situações de conitos sócio-ambientais, não tem afetado, entretanto, senão circunstancial e localizadamente, a posição hegemônica das commodities. 6- As agroestratégias ganham maior expressão, portanto, nestas situações em que o aumento da demanda de novas áreas acarreta uma tendência ascencional dos preços da terra 10. Em termos do mercado de terras registra-se um impulso do valor de áreas agrícolas a partir das cotações em alta no setor de grãos, da expansão canavieira e dos incentivos ociais aos biocombustíveis. Novas aquisições dinamizam o mercado de terras ligadas à pecuária, à sojicultura11 ou ao setor sucroalcooleiro12. O ritmo das transações
9 Cf. Trevisan,C.- “China planeja compra de fazendas no Brasil”. Folha de São Paulo, 25 de abril de 2004 p.B-7. Consulte-se também: “ Agroestratégias”.Folha de São Paulo. São Paulo, 12 de maio de 2008.
10 Cf. Fortes, Gitânio- “Preços da terra batem recorde no país.Valorização que tende a prosseguir nesse ano, é um dos fatores que inuem no desmatamento vericado no limite da fronteira agrícola”. Folha de São Paulo. 10 de fevereiro de 2008. 11 Estas modalidades de aquisição de terras são tão distintas que merecem um estudo em separado. O tema, entretanto, tem sido pauta da imprensa periódica e de agencias go vernamentais. Para consulta leia-se: .”Estrangeiros tem 3,1milhões de hectares” Diário do Amazonas.Manaus, 09 de março de 2008. E também: “O INCRA tem registro de 33 mil imóveis adquiridos por estrangeiros que somam mais de 5,5 milhões de hectares.” Cf. “Madeireira é multada em R$381 milhões” Diário do Pará. Belém, 07 de junho de 2008. 12 Acompanhando inúmeras outras empresas imobiliárias estrangeiras que tem comercializado terras brasileiras a Sotheby’s previu, em julho de 2008, uma alta de 30% nos imóveis do Brasil. A Sotheby’s está no Brasil desde novembro de 2006 .“A Sotheby’s, especializada em venda de imóveis de luxo e obras de arte, que facilitar a compra de fazendas e resorts no Mercosul para investidores estrangeiros” (cf.Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2008).” “A Sotheby’s está no Brasil desde novembro de 2006, mas não revela o quanto já vendeu por aqui.” (cf. O Estado de São Paulo, 27 de agosto de 2008. p.B21). Aliás, desde 2004 tem-se registrado inúmeras corretoras estrangeiras de imóveis atuando no país. Grupos norte-americanos vinculados à Brazil Iowa Farms LLC teriam adquirido 2,8 milhões de hectares no oeste da Bahia para instalar a Fazenda Iowa. ( cf.Baldi, Neila- “Estrangeiros compram mais terras no Brasil”. Gazeta Mercantil, 31 de janeiro de 2005 p.B12).Outros grupos ligados à Ag.Brazil Inc., com sede no Missouri, teriam adquirido outras centenas de milhares de hectares em 2004 conforme declarou a O Globo, Phillip F. Warnken, executivo-chefe da empresa (cf.Passos,J.M.-“-
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atingindo preços recordes13 delineia uma pressão avassaladora sobre as terras agriculturáveis de pequenos produtores rurais e sobre o estoque de terras públicas. “Segundo pesquisa do Instituto FNP, consultoria privada especializada em agronegócio, ao longo de 2007, a valorização chegou a 17,83%, ganho real (acima da inação” de 9,6% no ano. O preço do hectare passou de R$3.2765 para R$3.860. Para 2008, apesar da turbulência nos mercados internacionais, que poderiam prejudicar investimentos, a perspectiva é de nova alta, com os negócios ainda aquecidos.” (FORTES, 2008).
Embora não haja informações estatísticas disponíveis para se armar que a concentração fundiária esteja avançando, pode-se asseverar que as disputas acirradas para liberar para os empreendimentos dos agronegócios todo o estoque de terras passíveis de serem aradas evidenciam o quanto certas regiões estariam correndo o risco de perder auto-suciência alimentar, desagregando a economia agrícola de base familiar e sendo levadas Gringos invadem as terras de cerrado brasileiro-Americanos e europeus trazidos por empresas dos EUA investem plantações de algodão, soja e milho” O Globo, 25 de julho de 2004 p.41). A estatal chinesa China Grains & Oils Group está estabelecendo negociações para compra de terras no norte do Mato Grosso (cf.Trevisan,C.- “China planeja compra de fazendas no Brasil”. Folha de São Paulo, 25 de abril de 2004. p. B7). O ritmo de transações de terras para estrangeiros foi medido a partir de dados do Cadastro de imóveis rurais de novembro de 2007 a maio de 2008 e o resultado apresentado em reportagem de Eduardo Scolese publicada na Folha de São Paulo, foi o seguinte: neste período, estrangeiros adquiriram pelo menos 1.523 imóveis rurais no País, em uma área que soma 2.269,2 quilometros quadrados.Os investidores estrangeiros estariam comprando diariamente 12 quilômetros quadrados de terras no País,motivados por plantações de soja, cana-de-açúcar, pecuária e incentivos à produção de etanol. (cf. “Brasil vende “seis Monacos” por dia para estrangeiros”. Diário do Amazonas. Manaus, 8 de julho de 2008 p.15). 13 As maiores valorizações, em termos absolutos, foram registradas em São Paulo e na Bahia. Aumentos vertiginosos foram registrados também no Maranhão, no Mato Grosso, no Piauí e no Tocantins. “As regiões de Araraquara, Bauru, Piracicaba, Ribeirão Preto e Pirassununga tiveram o valor do hectare duplicado em alguns casos em áreas para o cultivo de grãos, cana, café e pastagens.” (...) Um hectare de terra agrícola, que valia R$4.482 no município de Luis Eduardo Magalhães, no cerrado baiano, no começo de 2007, passou a R$7.000 depois de um ano. No cerrado de Balsas(MA), o preço passou da faixa de R$485/R$890 para R$ 1.300/R$1.430 em igual período. Em Alta Floresta (MT), a terra de soja evoluiu de R$1.360 a R$2.000.” ( Fortes, Gitânio- ibid. Folha de São Paulo. 10 de fevereiro de 2008).
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a importarem volumes consideráveis de produtos agrícolas. As campanhas de desterritorialização: agronegócio e reestruturação do mercado de terras. Estamos considerando como desterritorialização o conjunto de medidas adotadas pelos interesses empresariais, vinculados aos agronegócios, para incorporar novas terras aos seus empreendimentos econômicos, sobretudo na região amazônica, liberando-as tanto de condicionantes jurídico-formais e político administrativos, quanto de fatores étnicos e culturais ou determinados pelas modalidades de uso das terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, quilombolas, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, comunidades de fundos de pasto, faxinais, ribeirinhos, geraizeiros e outras categorias sociais. Um fator de tensão é que até setembro de 2008 estavam aumentando vertiginosamente as vendas especulativas de contratos de commodities agrícolas com reexos diretos sobre o mercado de terras e com efeitos sociais dramáticos para aqueles povos e comunidades tradicionais14 . A expansão dos agronegócios e a reestruturação formal do mercado de terras. O ritmo do avanço das pastagens articiais sobre áreas de oresta tem-se mostrado preocupante. De maneira concomitante registra-se uma rápida degradação dos pastos, sobretudo em regiões consideradas ambientalmente frágeis, como é o caso da oresta amazônica15, que já está sob pressão constante dos desmatamentos. 14 A partir de outubro de 2008 os efeitos da crise nanceira mundial, que tem prov ocado recessão nas principais economias, a partir de novembro de 2008 começaram a aparecer de maneira marcante nas exportações brasileira , sobretudo naquelas referentes aos agronegócios. Uma das principais retrações refere-se ao mercado de carnes bovina, suína e de frango. “As receitas com soja recuaram 35%, enquanto aquelas com óleo de soja, 50%, e as com farelo de soja, 2%.” (cf. Zafalon, Mauro- “Exportação agrícola sente os efeitos da crise mundial”.Folha de São Paulo. “Agrofolha”. 02 de dezembro de 2008). Segundo Zafalon, apenas três produtos conseguiram manter suas receitas com exportações: milho, açúcar bruto e álcool. O consumo interno de álcool continua elevado, enquanto a alta do dólar teria contribuído para dar suporte à produção de açúcar (ZAFALON, ibid.). 15 A recuperação de áreas de pastagens degradadas e a intensicação sustentável da produção pecuária foram temas da 10ª Reunião da Comissão de Desenvolvimento da Pecuária para a América Latina e Caribe (CODEGALAC) realizada entre 16 e 20 de setembro de 2008 em Brasília. Um das informações divulgadas pelo evento é que a pecuária estava crescendo 3,7% ao ano em toda a América Latina e mais de 70% José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Não obstante tais constatações, verica-se que, por parte das agroestratégias, tem sido intensicadas medidas que objetivam remover obstáculos jurídico-formais e políticoadministrativos, que reservam áreas para ns de preservação ambiental ou para atender a reivindicações de povos e comunidades tradicionais. De acordo com os interesses dos agronegócios tais áreas reservadas, além de retirarem do mercado grandes extensões de terras, que já estariam sob circulação mercantil, impedem o ingresso de novas áreas de terras no mercado. Para se contrapor aos efeitos imobilizantes destas áreas reservadas as agroestratégias tem desencadeado inúmeras ações tanto no legislativo, quanto no judiciário. Elas objetivam neutralizar quaisquer mecanismos que impeçam liberar terras para atos de compra e venda ou que delimitem o uso de apenas uma parte da área correspondente aos imóveis rurais. Neste último caso abrangeriam, inclusive, o conceito de Amazônia Legal com seus critérios de preservação ambiental e de concessão de incentivos scais e creditícios. De maneira resumida pode-se armar que as agroestratégias, além de contarem com o apoio de determinados aparatos ociais, inuenciando Medidas Provisórias (MP), portarias e ordens de serviço, operam simultaneamente na esfera do legislativo, através de ante-projetos de lei (APL) e de propostas de emenda constitucional (PEC), e na esfera do judiciário, principalmente através de ações de inconstitucionalidade (ADIN). Passaremos, a seguir, a descrever cada uma delas, visando compreender o senso prático das agroestratégias, e evidenciar o quanto expressam uma visão triunfalista e de expansão dos interesses ligados aos agronegócios. Cabe reiterar que elas intentam ampliar as extensões de terras aráveis modicando, de maneira concomitante, divisões político-administrativas, medidas de proteção ambiental das orestas e regras que orientam o uso dos recursos naturais nos imóveis rurais.
1-A redenição de Amazônia Legal
Uma vez que critérios de preservação ambiental foram instituídos para os imóveis rurais localizados na Amazônia Legal, denindo que 80% da área dos imóveis rurais devam ser mantidos como reserva, vericam-se tentativas de redenir este percentual e de redenir a própria área correspondente à Amazônia Legal. Assim, para contornar as interdições tem-se que a Amazônia Legal poderá ter sua área reduzida em até um quarto, caso dois projetos de lei16, que tramitam no Congresso Nacional, sejam aprovados. As propostas pleiteiam que sejam retirados da Amazônia os estados do Mato Grosso e Tocantins e parte do Maranhão. Os grandes proprietários rurais destas regiões querem liberar plenamente suas áreas para a expansão pecuária e para o cultivo de soja, cana-de-açúcar e eucalipto. Para tanto, decidiram se mobilizar para remover os limites da Amazônia Legal, liberando seus imóveis r urais da manutenção como reserva de 80% de sua área. As unidades da federação propostas para serem excluídas da Amazônia Legal seriam implicitamente classicadas como pertencentes ao “cerrado”, triplicando, portanto, o percentual das áreas exploradas internamente aos imóveis rurais. Considerando que a delimitação da Amazônia preconizada pela Lei n.1.806, de 06 de janeiro de 1953, ultrapassa a 500 (quinhentos) milhões de hectares17, tem-se que as medidas preconizadas pelos agroestrategistas naquelas regiões do Mato Grosso, Maranhão e Tocantins visam uma expansão de suas atividades numa área superior a 145 (cento e quarenta e cinco) milhões de hectares.
dos pastos estariam entrando num processo de degradação (“Pecuária ameaça área de oresta, diz FAO”. Diário do Amazonas. Manaus, 21 de setembro de 2008 p.12).
16 Um dos projetos de lei é de autoria do deputado federal Oswaldo Reis (PMDB TO), que alega que o Tocantins não teria área suciente para produzir porque está enquadrado na Amazônia Legal. O outro projeto é do senador Jonas Pinheiro (DEM -MT), recentemente falecido, e já foi aprovado em uma das Comissões do Senado em 2007. Segundo dados do IBGE o Estado do Mato Grosso tem quase metade do território em área de bioma da Amazônia o que é contestado pela Federação da Agricultura e Pecuária mato-grossense. 17 Esta referida lei dispõe sobre o Plano de Valorização Econômica da Amazônia e no seu Art. 2º. tem denidos os termos desta delimitação, conforme interpretação de Eidorfe Moreira in Amazônia-o conceito e a p aisagem. Rio de Janeiro. SPVEA,1960.
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3- A liberação de crédito para quem pratica crime ambiental Em março de 2008, através da Portaria 96, a Ministra do Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva, determinou que os órgãos públicos cumprissem a Resolução n.3.545 do Conselho Monetário Nacional (CMN) e interrompessem a concessão de créditos agrícolas para os proprietários de imóveis rurais que desmataram áreas de oresta. O Mato Grosso seria a unidade da federação mais atingida por esta restrição. De acordo com os cálculos dos agroestrategistas o corte dos nanciamentos públicos imposto pela Resolução do CMN atingiria 45% da área agrícola e 42% da produção do Mato Grosso 19. A bancada ruralista, juntamente como governador de Mato Grosso, realizou pressão sobre o governo federal, pretendendo xar uma distinção entre Amazônia(oresta) e Cerrado, como se o segundo fosse passível de desmatamentos. Mediante as pressões, o governo federal acabou decidindo por alterar a mencionada Portaria. Com esta alteração tem-se que a extensão das áreas excluídas da restrição corresponde a 155 mil km².
Ainda nesta alteração foi transferido aos governos estaduais o poder de determinar que imóveis rurais poderão usufruir de empréstimos públicos na Amazônia, cabendo aos órgãos estaduais de meio ambiente selecionar aqueles a serem contemplados. Não satisfeitos com este recuo governamental, mesmo quando se sabe que há governos estaduais articulados com os interesses dos agronegócios, verica-se que os agroestrategistas continuam a exercer pressões sobre o governo federal para que a Portaria seja revogada mesmo para regiões da Amazônia. Num mesmo sentido as pressões da bancada ruralista se voltam também para o Decreto n. 6.321, assinado pelo Presidente da República, em dezembro de 2007, juntamente com a então Ministra Marina Silva, que objetiva controlar o desmatamento e atualizar as informações do Cadastro de Imóveis Rurais do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), criando condições para impedir as ações ilegais e penalizar os infratores. Para neutralizar tais medidas de monitoramente ambiental e seus efeitos foi apresentado por interesses ruralistas um projeto de Decreto Legislativo20. Complementarmente a estas formas de ação tem-se as posições de conhecidos economistas de inspiração neo-liberal, que tem se manifestado contra a criação de restrições ao crédito para quem não cumpre as regras ambientais21, ou seja, para quem realiza desmatamentos de toda a área dos imóveis rurais e propicia condições de possibilidade para expansão da grilagem de terras públicas de oresta. O crédito aos infratores contribuiria para dinamizar os atos de compra e venda de terras desmatadas e preparadas para os cultivos de grãos. Para alguns intérpretes mais críticos tal iniciativa constitui uma das portas de entrada dos bancos à reestruturação porque passa o mercado de terras, porquanto permitiria créditos ininterruptos para os responsáveis pelos desmatamentos.
18 Cf. Projeto de Lei n.6.424/2005 de autoria do Senador Flexa Ribeiro (PA). 19 Para um aprofundamento consulte-se: Amaral, Michelle - “Lula cede a ruralistas e libera desmatamento no Cerrado”. Brasil de Fato, de 12 a 18 de junho de 2008, p.5.
20 A Senadora Kátia Abreu (DEM-TO) apresentou um projeto de Decreto Legislativo de n.13, objetivando inviabilizar as ações de combate aos desmatamentos, ou seja, mirando as medidas xadas pelo Decreto 6.321/2007 (Amaral, ibid. p.5). 21 Cf.Nóbrega, Maílson- “Desmatamento, crédito e incentivos”. O Estado de São Paulo, 02 de março de 2008 p. B12.
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2 - A redução da reserva legal dos imóveis rurais Articulado com esta iniciativa existe ainda um projeto de lei que propõe diminuir a reserva legal dos imóveis rurais da Amazônia de 80% para 50%, ou seja, autoriza a derrubada de até 50% da vegetação nativa em qualquer imóvel rural da Amazônia18. Esta medida legaliza praticamente todos os desmatamentos que nos últimos 40 anos derrubaram cerca de 700 mil km2 da área original de oresta. Desobriga ainda, os responsáveis pelos desmatamentos de recuperarem a área desmatada, permitindo que uma derrubada de ár vores realizada no Pará, por ex., seja compensada com plantios realizados em outra unidade da federação.
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4 - Privatização de terras públicas sem licitação na
Amazônia Foi aprovada no Senado em 09 de julho de 2008, por 37 votos a 23, com 3 abstenções, a Medida Provisória n. 422/2008 que aumenta de 500 para 1500 hectares o tamanho de áreas públicas invadidas na Amazônia, que podem ser privatizadas sem licitação. Esta MP, que havia sido aprovado na Câmara em 05 de maio de 2008, legaliza aqueles que ocuparam terras ilegalmente no passado e no presente. Embora a justicativa apresentada seja para agilizar a regularização fundiária da região amazônica, principalmente de Roraima e do Amapá, pode-se armar que tal medida corre o risco de legalizar atos de grilagem e apossamentos ilegítimos, incentivando inclusive novas invasões e desmatamentos22. Em verdade, trata-se de um tipo de ação fundiária que visa a titulação imediata, propiciando o ingresso de um considerável volume de terras griladas no mercado. O objetivo de reestruturação formal do mercado de terras passa assim por apossamentos ilegítimos, facilitando as pretensões de uma certa camada de demandantes, quais sejam, daqueles que querem adquirir grandes extensões de terras para empreendimentos vinculados aos agronegócios. 5- A redução da faixa de fronteira internacional Em 2006 o Senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.49/06, reduzindo a faixa de fronteira para 50km. No nal de 2007 a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a redução da faixa de fronteira dos 150 km atuais para os 50 km previstos na mencionada PEC, entre os Estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Os principais interessados nessa matéria seriam as empresas transnacionais de celulose, que operam no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com a
Argentina e o Uruguai. Existe ainda uma disposição rmada nesta referida proposta que permite que estrangeiros comprem terras na Amazônia23.
6 - A ação empresarial em terras indígenas No que diz respeito às tentativas de incorporação de terras indígenas e quilombolas ao mercado de terras, importa mencionar algumas situações de antagonismo registradas tanto no legislativo, quanto no judiciário, aproximando empresas vinculadas às commodities agrícolas daquelas referidas ao mercado de commodities minerais. Os debates no STJ em torno na homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, aproximaram, por exemplo, arrozeiros de Roraima de sojicultores e pecuaristas de outras regiões, e evidenciaram as formas de pressão institucionais em jogo. A possibilidade de mineração em terras indígenas aproxima-os todos, porquanto poderá ser um primeiro passo para exibilizar os direitos territoriais dos povos indígenas. Os movimentos indígenas temem o açodamento para esta autorização, porquanto ela poderá comprometer ademais os recursos hídricos e as áreas tradicionalmente destinadas às culturas alimentares. Existem reservas de estanho, ouro, ametista, cobre, nióbio, diamante e outros minerais em territórios indígenas, notadamente nos estados de Minas Gerais, Rondônia e Roraima. Esta última unidade da federação é a que concentra a maior quantidade de jazidas de minérios em terras indígenas. As empresas mineradoras pleiteiam uma regulamentação para as atividades extrativas. Atualmente, o Art.231 da Constituição Federal condiciona a pesquisa mineral em terras indígenas à
22 A ONG Amigos da Terra-Amazonia Brasileira entrou no dia 10 de julho de 2008 com uma representação no Ministério Público Federal contra esta lei. Vide: “ONG’s criticam área maior para uso r ural na Amazônia”. O Estado de São Paulo, 11 de julho de 2008, p. A19.
23 Complementa esta proposta a PEC235/2008, do Deputado Federal Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS). Vide também: Ogliari, Elder- “Forças são contra reduzir fronteira”. O Estado de São Paulo, 22 de julho de 2008, p. A10. O autor sintetiza a posição do Ministério da Defesa a respeito destas PECs: “A área de Defesa admite exibilizar a lei sobre faixa de fronteira, mas entende que os 150km devem ser mantidos. A tese foi transmitida apelo coronel Gustavo de Souza Abreu, representante da Secretaria Executiva de Política Estratégica e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa no Seminário sobre “Mudanças na Extensão das Faixas de Fronteira, ontem, em Porto Alegre”. (OGLIARI, 2008, p. A10).
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autorização do Congresso Nacional. Tramita na Câmara dos Deputados projeto que regulamenta a exploração mineral em terras indígenas. O projeto inicial do Senador Romero Jucá (PMDB-RO) previa que as comunidades indígenas teriam direito a 2% do valor de venda do produto explorado. O Relatório do deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que está sendo votado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados para depois seguir para apreciação do Senado, aumentou o percentual para 4%. Esta proposta do deputado Valverde24 faculta às comunidades indígenas o poder de veto à extração mineral. As terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas no Brasil correspondem a cerca de 112 milhões de hectares e não há uma estimativa de que percentual poderá ser afetado em caso de aprovação do projeto que regulamenta a exploração mineral em terras indígenas. No que concerne às terras de quilombos, os efeitos das ações perpetradas pelas agroestratégias são praticamente totais, haja vista que o anteprojeto de lei do Deputado Valdir Colato (SC) visa revogar o Decreto 4.887/2003 e anular seus efeitos. Em virtude disto, faz-se mister uma análise mais detida. As agroestratégias e a titulação denitiva das comunidades remanescentes de quilombos Para bem ilustrar as formulações anteriores passaremos a descrever as diculdades especícas concernentes à titulação das terras de quilombos. Cabe explicar que os dados ociais apontam 743 áreas de remanescente de quilombo, cuja população estimada em 2 milhões de habitantes está distribuída em 30 milhões de hectares. No entanto, estimativas não-ociais admitem a existência de mais de 2 mil comunidades. (Folder Quilombolas – MDA/ 24 “O relator do projeto, deputado Eduardo Valverde, admite que há pontos polemicos, previstos para serem discutidos hoje. Entre eles, esta a remuneração à comunidade indígena pelo uso da água. O Valor do metro cúbico a ser pago pela empresa seria denido por meio de decreto.A tendência, contudo, é suprimir esse item do texto nal.”É inconstitucional” explicou o presidente da Comissão Especial, deputado Edio Lopes (PMDB-RR).” Cf. Odilla, Fernanda- “Relatório eleva ganho de indígenas com mineração”. Folha de São Paulo, 02 de dezembro de 2008 p. A-10.
INCRA, 2004). Em 15 anos apenas 71 áreas foram tituladas. (Em Questão, 20/11/2003). Entre 2004 e 2007 foram tituladas mais 24 terras de quilombos com área correspondente a 52.113 hectares.(Cf. Coordenação-Geral de Territórios Quilombolas. INCRA-BSB,2007). Para 2008, as estatísticas ociais ainda não foram divulgadas, mas seus resultados são certamente inferiores àqueles do ano anterior. 1- Começamos tentando responder às perguntas repetidamente feitas pelo movimento quilombola e pelos que acompanham de perto a questão. Ela diz respeito aos resultados em temos quantitativos e à intensidade ou ritmo do processo de reconhecimento formal das comunidades remanescentes de quilombolas, a saber: • Por que, após 20 anos do artigo 68 do ADCT, da Constituição Federal de 1988, foram tituladas menos de 5% do total ocialmente estimado das comunidades remanescente de quilombos? • Por que, nos últimos três anos, não tem ocorrido titulação de nenhuma comunidade, senão em casos de terras públicas? Constatamos dois planos de obstáculos na titulação denitiva das comunidades remanescente de quilombos: • O primeiro concerne aos dispositivos jurídicos-formais e aos procedimentos burocráticos-administrativos que orientam a operacionalização do artigo 68; • O segundo, por sua vez, compreende as estratégias de interesses econômicos que detêm o monopólio da terra e são responsáveis pelos elevados índices de concentração fundiária, controlando as engrenagens de diferentes circuitos do mercado de terras, cuja expressão política maior consiste na ação de partidos conservadores, que aglutinam a chamada “bancada ruralista” e exercem pressão constante sobre o aparato de Estado. Certamente, estes planos são perpassados por fatores étnicos e se entrelaçam em determinadas situações sociais, porquanto a efetivação das leis expressa uma correlação de
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forças políticas, mas, para efeito de exposição, iremos analisálos separadamente.
2- Os quilombos e o mercado de terras Os obstáculos e entraves à titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombos não podem ser reduzidos tão somente a “defeitos” na engrenagem da máquina administrativa estatal. Há várias congurações neste jogo de poder que transcendem a questões de operacionalidade e a rubricas orçamentárias. Há tipos de entraves que inclu¬sive não aparecem de maneira explícita, mas que efetiva e implicitamente inibem as ins¬tâncias de poder competentes. 2.1 - Uma delas concerne às relações de poder historicamente apoiadas no monopólio da terra e na tutela de indígenas, ex-escravos e posseiros. Com fundamento nelas interesses latifundiários e outros grupos responsáveis pela concentra¬ção de terras rejeitam o r econhecimento de direitos étnicos pela propriedade denitiva das terras das comunidades quilombolas. Os argumentos que compõem suas alegações não são de ordem demográca como no tratamento que dão às terras indígenas, isto é, não fazem uso da máxima: “muita terra para poucos pretos”. Não são também de ordem geográca e agronômica como no tratamento que dão às entidades ambientalistas: “es¬tão querendo tomar as terras férteis (a Amazônia) e ricas em minerais”, mas se atêm ao princípio da propriedade e à sua história. Esta forma de dominação está enraizada na vida social, facilitando as reconstituições históricas com recuo às sesmarias, aos registros pa¬roquiais a partir da Lei de Terras de 18 de setembro de 1850 e às leis posteriores a 1891. Como corolário destas genealogias ilustres e das cadeias dominiais os quilombos para eles só poderiam ter existido em terras devolutas e públicas. Em outras palavras a história das chamadas “propriedades rurais” é um argumento que opõem à titulação de comunidades quilombolas, consideram que se “tudo era sesmaria e depois fazenda e estava titulado” os quilombos só poderiam ter existido fora do domínio das gr andes propriedades.
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Advogam uma dicotomia absoluta entre fazenda e quilombo, porquanto consideram que este esteve sempre localizado em lugares remotos e de mata, distante da “civilização” e, portanto, do mundo regido pelas grandes plantações . 2.2 - Nas peças técnicas dos processos judiciais os advogados destes interesses e os peritos por eles nanciados se esmeram em insistir que os quilombos, além de estarem fora dos limites das fazendas, são em número extrema¬mente reduzido e se localizariam tão somente no que hoje constitui os sítios históricos. A própria ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido da Frente Liberal (hoje Democratas), buscando impugnar o De¬creto n.4.887/03 reproduz de maneira implícita semelhante argumentação25. Os quilombos são vistos sob este prisma, simultaneamente como exceção e como monumentalidade, dispostos em terras públicas e dispensando o instrumento da desapropriação. 2.3 - Em contraposição a estas formulações, os movimentos quilombolas e os levanta-mentos ociais indicam que o número de comunidades remanescentes de quilombos per-manece ainda relativamente desconhecido, mas sempre crescente26 e abrangendo novas modalidades. Em conformidade com as estimativas disponíveis verica-se uma tendência 25 Para um aprofundamento desta interpretação consulte-se ALMEIDA, Alfredo W.B. de. “Os quilombos e as novas etnias”. In: O’ DWYER, E.C. Quilombos – identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: ABA/FGV. 2002, p. 43-81. 26 As comunidades quilombolas têm rompido com o dualismo rural/urbano, congurando-se em territorialidades especícas con¬soante duas maneiras: a) há reivindicações de reconhecimento de comunidades quilombolas dentro de perímetros urbanos, como no caso do Quilombo dos Silva na cidade de Porto Alegre (RS); b) há constatações dos próprios quilombolas que evidenciam o alar¬gamento das fronteiras de suas comunidades através de migrações tanto sazonais, quanto denitivas. Uma ilustração, concernen¬te à sazonalidade, pode ser expressa pelo depoimento da quilombola Aparecida Mendes, de Conceição das Crioulas, 2°. distrito de Salgueiro (PE), no decorrer do lançamento da Campanha Nacional pela Regularização Fundiária dos Territórios de Quilombos, realizado em São Paulo nos dias 18 e 19 de agosto de 2004: “Existem mais quilombolas de Conceição das Crioulas em São Paulo do que na própria vila,isto porque somos forçados a sair de nossas casas para trabalharmos na grande cidade.” Outra ilustração re¬fere-se às famílias quilombolas forçadas a sair de seus povoados em Alcântara, a partir da implantação da Base de Lançamento de Foguetes, e que se instalam em bairros periféricos (Vila Embratel, Liberdade, Camboa, Vila Palmeira) da capital São Luis, mantendo relações constantes com os locais de origem.
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ascensional com os totais sendo acrescidos a cada nova iniciativa de cadastramento. O pró¬prio folder do MDA sobre o Programa de Ação Armativa intitulado “Quilombolas”, reitera que os dados ociais apontam 743 áreas de comunidades remanescentes de quilombos com 30 milhões de hectares e complementa a possível subestimação do seguinte modo: “No entanto, estimativas não-ociais admitem a existência de mais de 2 mil comu¬nidades”. Ainda que se possa dizer que o procedimento de “cadastrar” envolve todo um conjunto de noções que exige análise, cabe frisar que tais estimativas mencionadas no documento ocial, que lança o programa Quilombolas, ultrapassam em quase três vezes o total usualmente apresentado pela Fundação Cultural Palmares, ou seja, está-se falando em pelo menos 5% do total de 850 milhões de hectares do território brasileiro. Pode-se imaginar os efeitos deste volume de terras de quilombo sobre o estoque geral de terras disponíveis às transações de compra e venda. Isto num num momento em que se busca uma reestruturação reestruturação formal do mercado de terra e em que o MDA admite que há 200 milhões de hectares sobre os quais o Cadastro do INCRA não possui qualquer infor mação. Em razão disto, aliás, o MDA tenta implantar desde 2004 o Sistema Nacional de Cadastro de Imóveis Rurais27. A expressão econômica destes mais de 30 milhões de hec¬tares não pode ser menosprezada, sobretudo se observarmos sua incidência nas regiões de colonização mais 27 Destaque-se que que dos 850 milhões milhões de hectares no Brasil, Brasil, cerca de 12% ou 110 110 milhões de hectares correspondem a 615 terras indígenas (sendo 442 demarcadas demarcadas,, 47 em demarcação e 147 a demarcar), enquanto 18 milhões de hectares constituem babaçu¬ais com livre acesso e uso comum reivindicado pelas quebradeiras de coco babaçu do MIQCB e já consagrados por leis municipais no Maranhão e no Tocantins. Tocantins. Outros 20 milhões são reivindicados por seringueiros e castanheiros, sendo que alguns já compõem as Reservas Extrativistas. Acrescentando mais de 30 milhões de hectares das comunidades quilombolas e as extensões correspon¬dentes a outras áreas de uso comum como as dos ribeirinhos da Amazônia e os fundos de pasto do semi-árido nordestino tem-se que cerca de 25% das terras do país não cabem exatamente dentro da categoria censitária ocial imóvel r ural, que é denida pela dominialidade. Sob este prisma as terras das comunidades re manescentes de quilombos encontram-se em outro patamar de conitos, dentro das áreas críticas de tensão, que estimulam solidariedades no plano da ação dos movimentos sociais representati¬vos das diferentes situações situações..
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antiga onde as terras são mais valorizadas do que naquelas de ocupação recente. Em algumas unidades da federação como Maranhão e Bahia a titulação das terras das comunidades quilombolas pode se constituir num destacado instrumento de desconcentração da propriedade fundiária, contrapondo-se frontalmente à dominação oligárquica. Não é por outra razão que os antagonismos sociais têm se acirrado nestas regiões, com comunidades quilombolas praticamente cercadas e com suas vias de acesso interditadas por interesses interesses latifundiários. 2.4 A propriedade denitiva idealmente tornaria todos “iguais” nas relações de mercado, com os quilombolas, emancipados de qualquer tutela, se expressando através de uma via comunitária de acesso à terra. O fato da proprie¬dade não ser necessariamente individualizada e aparecer sempre condicionada ao controle de associações comunitárias toma-a, entretanto, um obstáculo às tentativas de transações comerciais e praticamente as imobiliza enquanto mercadoria. As terras das comunidades quilombolas cumprem sua função social precípua, quando o grupo étnico, manifesto pelo poder da organização comunitária, gerencia os recursos no sentido de sua reprodução física e cultural, recusando-se a dispô-los às transações comerciais. Representada como forma ideológica de imobilização que favorece a família, a comunidade ou a uma etnia determinada em detrimento de sua signicação mercantil tal forma de propriedade impe¬de que imensos domínios venham a ser transacionados no mercado de terras. Contraria, portanto, as agências imobiliárias de comercialização18, vinculadas a bancos e entidades nanceiras, do mesmo modo que contraria os interesses latifundiários, os especuladores, os “grileiros” e os que detêm o monopólio dos recursos naturais28. Mediante obstáculos desta ordem, a titulação se mostra mais que essencial posto que, historicamente, as famílias destas comunidades têm sido mantidas como posseiros e assim 28 Para uma discussão dos fatores considerados imobilizantes, que não autorizam conferir à terra um sentido pleno de bem passível de mercantilização consulte-se: ALMEIDA, ALMEID A, A.W.B. A.W.B. de. “As “As áreas indígenas e o mercado de terras”. In: CEDI – Aconteceu Acontec eu - Povos Povos indí¬gen indí¬genas as no Brasil/1 Brasil/1984. 984. São São Paulo: Paulo: CEDI, 1985, p.53-59. p.53-59.
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parecem pretender mantê-las aqueles interesses contrários ao reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos. Mantidas como eternos posseiros ou com terras tituladas sem formal de partilha, como no caso das chamadas terras de preto que foram doadas a famílias de ex-escravos ou que foram adquiridas por elas, sempre são mais factíveis de serem usurpadas. Negar o fator étnico, além de despolitizar a questão, facilitaria, pois, os atos ilegítimos de usurpação. 2.5 - A gravidade destes antagonismos per mite dizer, contudo, que, em termos ope-racionais, não teriam sido viabilizadas ainda as condições imediatas de efetivação do reconhecimento e titulação das comunidades quilombolas, uma vez que foram inseridas num problema geral de regularização fundiária, que também envolve trabalhadores rurais, trabalhadores sem-terra e posseiros e que é denido como “mais amplo” pelos órgãos ociais. Ainda assim algumas indagações decorrentes, colocadas usualmente aos quadros técnicos da burocracia governamental podem ser recuperadas, a saber: como estão sendo superados estes entraves e tornadas efetivas as disposições constitucionais? A estratégia ocial de ação adotada atualmente para a aplicação do Art.68 passa por compromissos tácitos com a visão triunfalista dos agronegócios? Por que a excessiva burocra¬tização do processo de reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos, procrastinando as titulações e com discussões engessadas em torno de instruções normativas29 de inspiração conservadora e racista? Por que o governo não tem aventado da possibilidade de uma política étnica com instru¬mentos, quadros técnicos e instituições voltados precípuamente para esta nalidade e com capacidade operativa bem denida? Certamente que a resposta a estas indagações propicia condições de possibilidade para a compreensão da campanha de desterritorialização que está sendo urdida pelas agroestratégias e demais ações empresariais, objetivando a exibilização dos
Modalidades de apropriação de terras por estratégias empresariais diferenciadas e seus efeitos sobre os direitos territoriais30 Consoante a ordem de fatos até aqui apresentados podese asseverar que os esquemas explicativos da intensicação dos conitos e tensões sociais no campo apontam para duas ordens de argumentos, que explicitam aspectos contraditórios de estratégias governamentais e empresariais - e não mais somente das agroestratégias - voltadas para o que hoje se denomina de “desenvolvimento sustentável”, sustentável”, apoiado em transações formais de compra e venda de terras. 1- A primeira vertente considera que a elevação geral dos preços das commodities agrícolas e minerais, propiciando um ritmo forte de crescimento dos agronegócios, tem provocado um aumento da demanda por terras tanto para ns de extração de minério de ferro, bauxita, caulim e ouro, quanto para a implementação de grandes plantações homogêneas com ns industriais (pinus, eucalipto, cana de açúcar, soja, algodão, mamona, dendê). Segundo esta interpretação, não obstante os percalços de vários setores dos agronegócios em 2005 e 2006 (queda de rentabilidade da agropecuária, redução da área plantada de soja, aumento do endividamento e mudanças cambiais que com a queda do dólar tem diminuído a competitividade, como no caso dos óleos vegetais), retraindo circunstancialmente o volume de negócios, pode-se armar que no último lustro a tendência ascencional dos preços das commodities provocou um aumento geral nos preços das terras, notadamente em regiões do sul e sudoeste do Pará, na Pré-Amazônia Maranhense e no sul do Amazonas, mais particularmente nas regiões de Apuí e Lábrea. Em decorrência acentuou os índices de desmatamento nestas
29 O mais recente dispositivo dispositivo desta desta ordem trata-se da da Instrução Normativa Normativa n.49 de 29 de setembro de 2008, cujos procedimentos extremamente burocratizados e submissos a instâncias políticas, praticamente inviabilizam a titulação denitiva das comunidades quilombolas.
30 Para um aprofundamento aprofundamento deste tópico tópico consulte-se ALMEIDA, ALMEIDA, Alfredo Wagner B. Wagner B. de. “Uma campanha de desterritorialização”. desterritorialização”. Proposta.Revista Proposta.Revista Trimestral de Debate da Fase. Ano 31, 31, n.114, p.33-36, p.33-36, 2007.
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direitos territoriais de indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
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referidas regiões, notadamente com a formação de pastagens para criação intensiva, cujos resultados tem sido chamados de “carne verde”, e com a ação carvoeira das usinas de ferro-gusa, a despeito das estatísticas ociais enfatizarem uma redução geral da área desmatada na Amazônia 31. Uma variação desta vertente concerne à polêmica em torno de abrir a região do Pantanal para o plantio de cana de açúcar. Uma liberação parcial acompanhada pela autorização de instalação de usinas para a fabricação de álcool no Pantanal foi anunciada pela imprensa periódica em 23 de agosto de 2008. Nesta mesma data foi divulgado que na Amazônia seriam mantidas apenas as cinco usinas já existentes. Não houve consenso entre os ministérios. O Ministro do Meio Ambiente pronunciou-se contrário à liberação total das terras pretendidas pelo Ministério da Agricultura. Uma outra variação desta primeira vertente concerne ao uso intensivo de sementes geneticamente modicadas, evidenciando que “à medida que disparam os preços dos alimentos e a escassez de alguns deles se agrava, safras geneticamente modicadas parecem cada vez mais tentadoras como forma de elevar a produtividade da agricultura sem usar mais energia ou produtos químicos.”32. A declaração do G-8 a respeito da segurança alimentar, consoante o que foi denido na reunião de cúpula recentemente realizada no Japão reconhece o potencial das afras geneticamente modicadas com o compromisso de: “promover análise de risco, com base cientíca, inclusive quanto à contribuição de variedades de sementes desenvolvidas por meio de biotecnologia.” (ibid). 2- A segunda vertente aponta para novas modalidades de intervenção na questão ambiental por parte de órgãos
governamentais, agências de nanciamento e grandes empreendimentos bancários, os quais estariam se preparando prepar ando para lançar um amplo programa de concessão de créditos de carbono a projetos que preservem ou promovam o reorestamento. Para incentivar esta prática conservacionista estariam sendo criados inúmeros incentivos nanceiros nanceiro s para manter as orestas intactas33. Tal prática, denomi denominada nada por seus críticos de “colonial “colonialismo ismo verde verde”, ”, parece estar se tornando também o principal objeto de transações comerciais com a terra por inúmeras associações voluntárias nãogovernamentais. Um dos exemplos mais conhecidos refere-se ao fato de mais de 20 mil pessoas terem feito “doações”, durante a primeira semana de campanha do site da ONG Coll Earth, Earth , que foi fundada no nal de 2006, pelo parlamentar do Partido Trabalhista britânico Frank Field, e promete comprar e proteger terras na Amazônia.. A iniciativa Amazônia iniciativa foi lançada lançada em junho junho de 2007, 2007, com apoio de várias personalidades e entidades ambientais britânicas. O projeto propõe que os doadores patrocinem a conservação, por 35 libras (cerca de 140 reais), de meio acre de terra (o equivalente a 2 mil metros quadrados de mata) 34. Esta vertente ganha força com as notícias de que a República República da Guiana, antiga colônia britânica, que possui uma oresta tropical com área superior àquela da Inglaterra, estaria propensa a “entregar toda sua oresta ao controle de um organismo internacional de liderança britânica” mediante nanciamentos voltados para o desenvolvimento econômico do país35.
31 O fato mais recente recente acionado para para reforçar esta interpretação interpretação refere-se à suspensão do embargo à carne bovina e suína do sul do Pará e de mais sete estados brasileiros, pela Rússia, propiciando aos “frigorícos, no nal de 2007, retoma rem as exportações há muito impedidas devido aos focos da febre aftosa”, como sublinha o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa), Sr.Carlos Xavier. Cf. “Rússia abre as portas à carne paraense”. O Liberal. Belém, 24 de novembro de 2007, p.2 32 Cf. Folha de São Paulo, 15 de julho de 2008.
33 “O Rabobank, banco holandês que é o maior provedor mundial de nan ciamento à agricultura, está se preparando para lançar um esquema de créditos de carbono visando incentivar o replantio de orestas ilegalmente derrubadas na região do Xingu, na Amazônia Brasileira. Os organizadores esperam que ele venha a tornar-se um um modelo para conservação conservação do resto da oresta amazônica.” amazônica.”( ( cf. Jonathan Wheatley- “Banco incentiva replantio no Xingu. Experiência piloto libera recursos para 8 fazendas conservarem orestas”. Valor, 27 de novembro de 2007 p.A5). O banqueiro sueco, naturalizado britânico, Johan Eliasch, que faz parte do que se denomina de “colonialismo verde”, comprou terras nos municípios de Manicoré e Itacoatiara (AM), correspondentes a 160 mil hectares, área que equivale à “Grande Londres”. Tais terras teriam pertencido à Gethal Madeireira e seriam conservadas através de projetos de crédito de carbono. (Cf. “Milionário sueco vai visitar terras no Amazonas”. Amazonas”. A Crítica. Crítica. Manaus, 04 de janeiro de 2007). 2007). 34 Cf. www.rondonoticias.c om.br, 05 de agosto de 2007. 35 Cf. Howden, Daniel – “Guiana oferta oresta mediante nanciamento. País
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Uma variante desta vertente seria constituída por empresas de biotecnologia, laboratórios farmacêuticos e indústrias de cosméticos, cujas demandas pelas orestas36 se voltam para determinados recursos genéticos de espécies silvestres a partir dos quais pesquisam, praticam a coleta, direta ou indiretamente, e desenvolvem produtos. 3- De maneira resumida e evitando esquematismos, podese asseverar que haveria pelo menos duas grandes estratégias empresariais hoje face aos recursos da natureza, as quais estão em marcha e são aparentemente contraditórias. Os efeitos de ambas, a despeito da diferença dos objetivos imediatos entre os chamados “colonialismo verde” e “carne verde”, convergem para uma maior pressão sobre as terras e as orestas e seus recursos, cujo resultado mais perceptível é o aquecimento do mercado de terras. A formação do preço de terras no país tornou-se muito atrelada às oscilações do mercado de commodities 37 e em particular da soja, que ocupa hoje 47% da área plantada com grãos38. Com a expansão atual dos agronegócios tem-se argumentos triunfalistas, que armam que o setor pretende ocupar 250 milhões de hectares, ou seja quase 30% da superfície do Brasil, consoante depoimento do representante da Confederação Nacional de Agricultura, em Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, realizada em Brasília no dia 11 de setembro de 2007. Sob esta ótica triunfalista, os povos indígenas e quilombolas, bem como quer fechar acordo com Reino Unido e diz que trato é importante mensagem climática para a reunião de Bali.” O Globo, 25 de novembro de 2007, p.49. 36 Para outras informações consulte-se Franco, Ilmar e Carvalho, Jailton de – “ABIN: Amazônia é avaliada em US$50 bilhões” e “O Site da ONG Cool Earth diz que 37.100 acres já foram comprados.” O Globo. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2008 p.5. 37 Os exemplos mais recentes referem-se ao setor sucro-alcooleiro: “ “Há uma corrida de investidores internacionais para o agronegócio brasileiro.Eles buscam oportunidades que lhes garantam boa remuneração e entre as principais apostas estão a produção de álcool combustível e compra de áreas no Centro-Oeste, Nordeste e no Estado de São Paulo”. Arma o presidente da Associação de Private Equity e Venture Capital, Sr. Marcus Regueira.” (Cf. Márcia de Chiara- “Agroenergia atrai capital externo”. O Estado de São Paulo , 29 de janeiro de 2007) 38 Para outras informações consulte-se Cardoso, Cíntia- “Cana de açúcar valoriza terras em até 49%”. Folha de São Paulo, 31 de janeiro de 2007.
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as demais comunidades tradicionais, são considerados como um obstáculo à expansão ou à implementação dos ag ronegócios e às livres transações de terras. São vistos como sujeitos biologizados, isto é, como uma mera extensão dos recursos naturais, sem consciência e direitos. Este é um dos fatores explicativos do agravamento dos conitos sociais no campo, numa quadra em que os indígenas, quilombolas, quebradeiras de côco babaçu, castanheiros, ribeirinhos e seringueiros já conquistaram seus direitos territoriais e emergiram como sujeitos sociais. 4- Ao nos determos nos pontos em que tais estratégias se articulam umas com as outras podemos adiantar que estamos assistindo de fato à composição de uma poderosa coalizão de interesses, que objetiva limitar os direitos territoriais reconhecidos a povos e comunidades tradicionais, bem como controlar, sob diferentes meios, seus direitos de propriedade intelectual sobre o conhecimento dos recursos genéticos. As formas de ação dos integrantes desta coalizão tem levado inclusive a uma certa judicialização dos conitos39. Bem explicita isto a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas, em junho de 2004, contra o Decreto 4.887, que regulamenta o reconhecimento das terras de quilombos40. No mesmo sentido, conforme já sublinhado, tramita na Câmara dos Deputados o anteprojeto de lei do deputado federal Valdir Colato, que visa revogar o Dec.4.887 e anular seus efeitos. De outra parte o Estatuto do Índio permanece sem aprovação legislativa e há movimentação parlamentar no sentido de abrir as terras indígenas à extração mineral. Com respeito a T.I. Raposa Serra do Sol, conforme já foi também anteriormente sublinhado, os interesses do agronegócio se concentram em ações de contestação à homologação, que tramitam no STF. Acrescente-se a estas pressões sobre os direitos étnicos e 39 A noção de “judicialização da política” aplicada à situação brasileira é trabalhada pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos em “Bifurcação na Justiça” in C&D-Constituição & Democracia n.22 Brasília, UnB.maio de 2008 p.24. 40 O relator desta ação, que tramita no Supremo Tribunal Federal, é o Ministro Cezar Peluso.
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territoriais aquela relativa aos empreendimentos voltados para os biocombustíveis41 e para papel e celulose. Acrescente-se a estas pressões outras que tem mobilizado, além de entidades patronais e partidos políticos conservadores, as grandes empresas de comunicação de massa. Registre-se os inúmeros artigos que vem sendo regularmente publicados em O Globo, no Estado de São Paulo e na Folha de São Paulo, além de notícias veiculadas através de canais de TV, apresentando os direitos étnicos e a gura jurídica da autodenição como “descabidos”, “absurdos” ou meras “fraudes”, tal como sucedido com a comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu (BA). Mediante fatos desta ordem, pode-se falar numa ação sistemática em que o senso prático das estratégias empresariais busca exibilizar as normas que asseguram os direitos territoriais para expandir suas atividades econômicas sobre territórios coletivos, etnicamente congurados. Nesta iniciativa buscam tornar as políticas governamentais um instrumento auxiliar de sua expansão econômica. 5- As ações de inconstitucionalidade, perpetradas no âmbito das agroestratégias, vem inspiradas do propósito de impedir o livre acesso dos povos e comunidades tradicionais aos recursos naturais básicos e não apenas de limitar ou condicionar tal acesso. A médio prazo tais ações resultarão por praticamente anular o reconhecimento institucional dos territórios quilombolas e indígenas.Traduzem um propósito de retirar da imobilização recursos naturais que passam a se tornar objeto de compra e venda. Destruiriam, assim, o que já foi conquistado e formalmente reconhecido. Em outras palavras, o objetivo de anular os direitos territoriais pode ser lido como 41 No decorrer de 2007 tem aumentado as transações comerciais num dos componentes mais destacados do agronegócio, a chamada “agroenergia”, liderada pelo plantio de cana-de-açúcar para a extração de álcool combustível, e em decorrência o mercado de terras, num raio de 50km de proximidade das usinas, está num processo de forte valorização.(cf. “Cana de açúcar valoriza terras em até 49%”. Folha de São Paulo, 31/01/2006 e N.Staviski - “Terras no Paraná valem até 95% mais desde 2000”.Gazeta Mercantil, 05/07/2007). No Espírito Santo a Aracruz Celulose mantém disputa judicial com as comunidades quilombolas de Sapé do Norte, sobretudo Linharinho.
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uma forma de expulsar das terras para incorporá-las aos grandes empreendimentos ou como uma forma de neutralizar os direitos étnicos convertendo os membros destas comunidades em uma peça da engrenagem empresarial de gerir o que ela considera como “desenvolvimento sustentável”. Na verdade, estamos diante de uma campanha de desterritorialização, que já dura mais de dois anos e que tem recrudescido nos últimos meses, visando negar direitos ou neutralizá-los, assim como reverter conquistas dos povos e comunidades tradicionais. Negar o reconhecimento do território pode signicar a negação da identidade coletiva e fazer com que os atos de compra e venda de terras passem a incluir as comunidades, que passariam a ser contempladas com compensações. 6- Impõe-se uma reexão mais detida sobre o senso prático do conjunto destas estratégias empresariais, quando se sabe que no Brasil existe um percentual signicativo de áreas com maior cobertura vegetal, com orestas e cursos d´água preservados, que se encontra sobre o controle direto de povos e comunidades tradicionais. Embora sejam elevados os índices de concentração fundiária, não são nos grandes imóveis rurais que se encontram as áreas preservadas. Estas estão localizadas nas terras tradicionalmente ocupadas, quais sejam, terras indígenas, terras de quilombolas, de seringueiros, de quebradeiras de coco babaçu, de castanheiros, de ribeirinhos, de comunidades de faxinais e de fundos de pasto e outras formas de uso comum dos recursos naturais controlados por unidades familiares agroextrativistas. Estas identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais42, através de ações organizadas tem erigido uma muralha de proteção em torno das culturas alimentares e das territorialidades especícas nas quais asseguram sua reprodução física e social. O fazem não apenas através da exigência de 42 Para efeitos de ilustração importa mencionar os seguintes: APOINME, COIAB, CONAQ, MIQCB, MST, MAB, MABE, CNS, MORA, MONAPE, Articulação Puxirão, Central de Fundos de Pasto e inúmeros outros movimentos cujos raios de ação seriam mais localizados.
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cumprimento de dispositivos constitucionais43 e de novas leis estaduais44 e municipais, mas também através de ações diretas impedindo o desmatamento e exigindo maior agilidade governamental no reconhecimento das terras indígenas e quilombolas, no reconhecimento dos direitos à terra por parte de quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, faxinalenses, pomeranos e comunidades de fundos de pasto, dentre outros povos e comunidades tradicionais. Como pano de fundo verica-se que defendem o princípio de que não pode haver soberania alimentar se não há o reconhecimento de seus direitos territoriais, imprescindíveis para sua reprodução física e social. Em virtude disto, o acesso às orestas, seja em terras da União, seja em terras destas referidas comunidades, tem que ser necessariamente mediado pelo conjunto de
direitos45 que estes povos e comunidades tradicionais estão logrando conquistar a partir da Constituição de 1988. Torna-se redundante armar que as terras mantidas sob estes direitos coletivos são valiosas, notadamente na Panamazônia, por sua riqueza em biodiversidade e por se constituírem de maneira efetiva num fator básico para a existência cultural desta diversidade de identidades coletivas46.
43 Art.68 do ADCT e Art.231 da Constituição Federal de outubro de 1988. 44 Importa citar aqui as denominadas “leis do babaçu livre”, que já se encontram aprovadas em 13 municípios do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins. A Lei estadual do Estado do Tocantins, aprovada em junho de 2008. As leis municipais dos faxinais, no Estado do Paraná, e a lei estadual aprovada em maio de 2008. A lei do ouricuri livre, no município de Antonio Gonçalves, no Estado da Bahia, em agosto de 2005. Para complementar este quadro cabe citar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais promulgada através do Decreto n.6.040 de 07 de fevereiro de 2007. 45 Este conjunto de direitos abrange a Convenção 169 da OIT raticada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n.143, assinado pelo presidente do Senado em junho de 2002. Abrange também o Tratado Internacional sobre recursos togenéticos para a alimentação e a agricultura, aprovado em Roma em 03 de novembro de 2001, e raticado pelo Brasil em 22 de maio de 2006 e promulgado através do Decreto n.6.476 de 5 de junho de 2008. 46 Para uma reexão sobre outros países da Panamazônia, como Colômbia, Bolívia e Peru consulte-se: Etnias & Política n.1 Bogotá, julio de 2005.
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De los estados-nacionales a la globalización de los pueblos fronterizos César Pérez Ortíz 1 Deniendo la globalización “En la actualidad, el ordenador está revolucionando la organización de las comunicaciones, convirtiéndose en la herramienta ideal para enfrentarse a una economía basada en las relaciones de acceso y el marketing de recursos culturales y experiencias de vida. Al mismo tiempo, está cambiando de forma gradual la naturaleza de nuestra conciencia. La comunicación electrónica está organizada cibernéticamente, no linealmente. Las ideas de secuencialidad y causalidad se reemplazan por un campo global de actividad integrada y continua. En un mundo electrónico de comunicaciones, sujetos y objetos dan paso a nodos y redes, y las categorías estructura y función asumen la de proceso. La arquitectura de los ordenadores -especialmente, el procesamiento en paraleloreeja el funcionamiento del sistema cultural, en el que cada parte es un nodo de una red dinámica de relaciones en constante reajuste y renovación. La comunicación electrónica tampoco organiza el conocimiento como la imprenta. El hipertexto sustituye la referencia impresa de posibilidades más limitadas. Del contenido inamovible de un libro pasamos a un campo inagotable de información, en el que referencias y notas a pie de página se expanden indenidamente, creando nuevos subtextos y metatextos. Mientras que un libro impreso es lineal, limitado y jo, el hipertexto es asociativo y potencialmente ilimitado. El carácter de libro es autónomo y excluyente. El hipertexto es, sin embargo, inclusivo y relacional. Dicho de otro modo, el libro tiene principio y nal, está acabado. El hipertexto, en cambio, no tiene un principio y ni un n 1 Mexicano. Professor/Pesquisador na Universidade de Guadalajara, Curso de Antropologia no Centro Universitário do Norte de Jalisco
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denidos, sólo un punto de partida desde cual los usuarios van conectando materiales relacionados. Si el libro es un producto, el hipertexto es un proceso. Siempre está cambiando, nunca se acaba. Aquél se presta a la extensión de la propiedad, mientras que éste nos permite un acceso momentáneo.” (RIFKIN, 2000, p. 269-270). “El hipertexto socava también uno de los rasgos centrales de la conciencia impresa: la idea de un autor individual propietario de sus palabras e ideas. El hipertexto enturbia el concepto tradicional de autoría. Puesto el medio se basa en la inclusividad y la conectividad antes que en la exclusividad y la autonomía, no hay un límite denido que separe la contribución propia de la ajena. La gente recorta, recompone, ajusta, edita un material al que otros muchos ya han accedido antes, y lo combina después con el propio antes cambiarlo a otros nodos de las múltiples redes a las que está vinculada. Resulta difícil establecer la propiedad exclusiva del material, cuando es antes parte de un proceso abierto -que implica diversos agentes distribuidos en el tiempo y el espacio, y no ya fruto del esfuerzo creativo de una sola persona. El hipertexto nos conduce a
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la creación de una nueva forma relacional de conciencia, tal como la imprenta fomentó la idea de autonomía. Es muy probable que una generación que está creciendo con el hipertexto, implicada en múltiples redes, se muestre favorable a un mundo comercial inmerso en la conectividad y las relaciones de acceso. La nueva conciencia computacional y el nuevo estilo comercial vienen de la mano. Con el tiempo se entretejerán en una espesa red.” (RIFKIN, 2000, p. 271-272).
Eso es la globalización postindustrial y postmoderna, que implica la migración multicivilizatoria a la civilización informática del ciberespacio. Las nociones generales de la globalización tienen una larga historia, pero hablar de la globalidad como una condición, y de la globalización como una tendencia surge principalmente desde 1980. Una denición clara y precisa de la globalización y de lo global es crucial en el avance, tanto del conocimiento como de las políticas en la sociedad contemporánea. Cuando la globalización toma el signicado de internacionalización, liberalización, universalización u occidentalización, las ideas sobre la globalización revelan un pequeño conocimiento y pueden tener implicaciones políticas cuestionables. Es importante el nuevo discernimiento si permite entender la globalización en términos espaciales y en el despliegue de conexiones planetarias -y en tiempos recientes más particularmente supraterritorial. La globalidad es en este sentido una conectividad transmundial que se maniesta mediante áreas múltiples de vida social, incluyendo comunicación, viajes, producción, mercado, dinero, nancias, organizaciones, esfera militar, ecología, salud, ley y conciencia. Las nociones de globalización como el surgimiento de uniones, de ensambles planetarios y supraterritoriales, necesitan ser cuidadosamente considerados para evitar los excesos que comporta la globalización al marginar conceptos tales como desterritorialización y aterritorialidad (Scholte 2007:49). Por consiguiente, el concepto de globalización implica, en primer lugar, una expansión de las actividades sociales, políticas y económicas transfronterizas, de tal suerte que los acontecimientos, José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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o decisiones de actividades en una región del mundo pueden llegar a tener importancia para los individuos y las comunidades en regiones distantes del planeta. En este sentido, engloban la interconexión transregional, la amplitud del alcance de las redes de actividad social y de poder en la posibilidad de una acción a distancia. En segundo lugar, la globalización implica que las conexiones transfronterizas no sean sólo ocasionales o fortuitas, sino más bien regularizadas, de tal manera que exista una intensicación detectable a una creciente magnitud de interconexión de modelos de interacción y de ujos que trascienden a la sociedades de los estados que constituyen el orden mundial. Además, el creciente alcance e intensidad de interconexión global también puede conllevar a una aceleración de las interacciones y los procesos globales, conforme lo muestra el desarrollo de los sistemas de transporte y comunicaciones en todo del mundo, que magnican el incremento de la velocidad potencial, la difusión global de ideas, bienes, información, capital y personas. Así también, alcance, intensidad y velocidad crecientes de las interacciones globales pueden estar asociados con una interconexión más profunda de lo local y lo global, de tal manera que la repercusión de los acontecimientos distantes se amplica, al mismo tiempo que los desarrollos más locales adquieren consecuencias globales. En este sentido, las fronteras entre las cuestiones domésticas y las globales pueden hacerse borrosas. Una denición satisfactoria de la globalización debe capturar elementos tales como: alcance, extensión, intensidad, velocidad y repercusión. También realizar una denición satisfactoria de la globalización, que de ahora en más expondremos al vincular los elementos mencionados como dimensiones espacio temporales de la globalización. Al reconocer estas dimensiones se puede ofrecer una denición más precisa de la globalización. Formalmente la globalización es un proceso (o una serie de procesos) con tendencia mundial que engloba una transformación en la organización espacial de las relaciones y transacciones sociales evaluada en función de su alcance, intensidad, velocidad y repercusión, y que genera ujos y redes transcontinentales e interregionales de actividad, interacción
y del ejercicio del poder. En este contexto, los ujos se reeren a los movimientos de artefactos físicos, personas, símbolos, signos e información en el espacio y el tiempo, mientras que las redes se reeren a las interacciones regularizadas o que siguen una pauta entre agentes independientes, centros de actividad o ubicaciones del poder (HELD, David; MC GREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan, 2002). Con esta formulación se supera la capacidad de otros conceptos como localización, nacionalización, regionalización e internacionalización que son mas restringidos. La localización se reere simplemente a la consolidación de ujos y redes dentro de un ámbito especíco. Las nacionalización es el proceso mediante el cual las relaciones y las transacciones sociales se desarrollan dentro del marco de referencia de fronteras territoriales jas. La regionalización puede denotarse por una agrupación de transacciones, ujos, redes de interacciones entre agrupaciones funcionales o geográcas de los estados o de las sociedades, mientras que la internacionalización puede interpretarse como referida a los patrones de interacción e interconexión entre dos o más estados nación, sin importar su ubicación geográca especíca. Así, la globalización contemporánea describe los ujos de comercio y de nanzas entre las principales regionales en la economía mundial, mientras que los ujos equivalentes dentro de ellas pueden diferenciarse en función de las agrupaciones locales, nacionales y regionales (HELD, David; MC GREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan, 2002). Al ofrecer una denición más precisa de estos conceptos es crucial señalar que aquí la globalización no se concibe en oposición a procesos más limitados, sino, por el contrario, en una relación compleja y dinámica con ellos. Por una parte, procesos como la regionalización pueden crear los tipos necesarios de infraestructuras económicas, sociales y físicas que faciliten y complementen la profundización de la globalización. Por ejemplo, a este respecto la regionalización económica, como la Unión Europea, no ha sido una barrera, sino un estímulo, para la globalización del comercio y de la producción. Por la otra, estos procesos pueden imponer límites la
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globalización signos que alientan un proceso de desglobalización. Sin embargo, no hay una razón precedente para suponer que existe localización o regionalización en relación opuesta o contradictoria a la globalización (HELD, David; MC GREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan, 2002). Las formas históricas de la globalización pueden describirse y compararse inicialmente respecto a cuatro dimensiones espaciales y temporales: el alcance de las redes globales; la intensidad de la interconexión global; la velocidad de los ujos globales y la tendencia de la repercusión de la interconexión global (HELD, David; MC GREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan, 2002). La descripción de la globalización se sustenta en los anteriores puntos. Recapitulando, la globalización más que una condición singular, constituye una serie de procesos; no reeja una simple lógica de desarrollo lineal, ni pregura una sociedad o comunidad mundial. Maniesta la aparición de redes y sistemas interregionales de interacción e intercambio. La interconexión de los sistemas nacionales y de la sociedad en procesos globales más amplios se deben distinguir de cualquier noción de integración global (HELD, David; MC GREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan, 2002).
Globalización, Estados-nacionales y pueblos en situaciones de frontera Se abordará la cuestión de la identidad étnica a partir de los abordajes de la globalización que discuten las relaciones entre identidad cultural y las nuevas modalidades de etnicaciones en situaciones de frontera dentro del contexto de la globalización (OLZAK, 2007). Se plantearan nuevas modalidades culturales, a partir de las cuales, en América del Norte, se conguran nuevos procesos de identidad cultural étnica en situaciones de cross-border regions (BRETTEL, 2007). El propósito es abrir un espacio de reexión, debate y diálogo en torno a la premisa general de que la construcción
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y conguración de las nuevas identidades culturales étnicas a nivel global están determinadas por las políticas de movilización social inspiradas en una ideología mundial de respeto a las diferencias de identidades culturales étnicas, reconocimiento de los derechos de los pueblos indios y a las autonomías culturales étnicas; un complejo escenario que, muchas de las veces, genera múltiples escenarios de conictos y violencias étnicas impredecibles. El tipo de identidad cultural étnica al que se aludirá en esta mesa de trabajo tiene que ver con los nuevos tipos de etnicidades que se están congurando a través y en el ancho corredor transfronterizo México-Estados-Unidos-Canada. En varias regiones de esta área geográco-cultural de América del Norte, el término movilización étnica adquiere otros signicados que son muy distintos de aquellos que usan la categoría movilización étnica como sinónimo de confrontación violenta contra los no étnicos. En América del Norte existen muchas dimensiones mediante las cuales la movilización étnica puede expresarse de muchas maneras en contextos culturales diferenciados (ZELINSKY y LEE, 1998; BOGGS, 2004; ENGLUND y LEACH, 2004; SÖKEFELD, 1999). Una de las dimensiones importantes de esta categoría es aquella que tiene que ver con la construcción transnacional de identidades culturales regionales que se conguran y concretan en sociedades regionales supraterritoriales. La movilización étnica de estas identidades culturales regionales tiene que ver con la capacidad que tienen los distintos miembros de las culturas regionales para promover y desenvolver políticas culturales que les permitan defender, valorar y difundir su cultura más allá de su espacio sociocultural de pertenencia territorial. Este es un proceso social donde la movilización étnica recurre a diferentes recursos de intelectualidad orgánica localista para trabajar una historia cultural que valide en los niveles supraterritoriales de la región cultural la autenticidad de la cultura de pertenencia territorial. Para el caso de México, muchas de las características importantes de este tipo de movilización étnica se conguran y se han originado por el incremento constante de José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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los ujos migratorios principalmente hacia los Estados Unidos y Canadá. En combinación con los ujos migratorios de Europa, estas dinámicas de movimientos de población concretaron de un modo desigual la estructura económica, política, sociocultural y espacial de muchas regiones metropolitanas de los Estados Unidos (PANDIT y HOLLOWAY, 2006).
I.GLOBALIZACIÓN E IDENTIDADES CULTURALES ÉTNICAS La idea básica para desenvolver en esta mesa de trabajo propone comenzar a trazar cuestiones centrales de una discusión que gira en torno a la premisa de saber si las dinámicas globales han contribuido a la organización de movimientos políticos étnicos constituidos alrededor de distintas características culturales regionales (OLZAK, 2007; BODLEY, 2008). Tomando como punto de partida una perspectiva global (FRIEDMAN, 2004), es posible aproximarse a diferentes enfoques y abordajes de las movilizaciones étnicas si se teoriza a partir de la interacción entre fuerzas globales de integración y la movilización política de la etnicidad. Para referirse a la situación contemporánea de fragmentación y globalización, Jonathan Friedman argumenta que la transformación del sistema global es un cambio en el cual hay combinación de polarización vertical y horizontal, polarización entre clases, y la fragmentación de pueblos dentro de identidades culturalmente denidas y defendidas (FRIEDMAN, 2004). Dentro de esta perspectiva global no existen muchos desacuerdos con respecto al hecho de que el mundo está impregnado por una plétora de estrategias políticas culturales de grupos de indígenas, migrantes, “minorías”, “marginales” que aspiran a un tipo de liberación cultural de las fuerzas homogenizantes del Estado. De este modo, el resurgimiento de los movimientos indígenas es parte de este proceso sistémico total, el cual, por decirlo de alguna manera, no es el resultado de un movimiento mecánico determinista. Aunque relacionados entre si, existen dos aspectos
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completamente diferentes de este proceso. El proceso social consiste en la desintegración de los procesos de homogenización que fueron el soporte principal del Estado-nación. Esto dio origen al incremento de conictos acerca del derecho y los derechos de pueblos particulares, un conicto real entre derechos par ticulares y los colectivos, lo nacional versus lo étnico. En general, las políticas culturales son políticas de la diferencia. Una transformación de la diferencia en reclamos, puestos en la esfera pública para el reconocimiento por (de) los recursos, por la tierra. Pero estas diferencias son a su vez diferenciadas en importantes e interesantes maneras, no únicamente en relación a estructuras existentes de identicación. Tanto las identidades indígenas como las identidades de las sociedades regionales (niveles de identidad), reclaman al Estado-nación una identidad que está basada en la idea de una aboriginalidad auténtica. Son reclamos sobre la territorialidad como tal, y esos reclamos están basados en una situación contraria a la que es denida como “conquista”. Las raíces aquí están localizadas en un paisaje particular. La movilización étnica en las geografías globales puede denirse como la ecacia del potencial político que manejan los grupos étnicos para vincularse, representarse y moverse en arenas y campos políticos que trascienden el nivel de la villa y/o la comunidad local/regional; espacios donde pueden viabilizar y operacionalizar sus procesos de reivindicación de su identidad socioterritorial, ecológica y étnica-cultural. La representación que se congura en estos espacios globales es una, cuya lógica está organizada por el núcleo estructural de la nacionalidad. Una relación entre identidad cultural y territorio opuestos a la territorialidad del Estado, el cual está asociado con las dinámicas históricas de conquista y usurpación. Este tipo de estructuras emerge en condiciones en las cuales el Estado es claramente no representativo de los intereses del pueblo o de la gran mayoría de los sectores que conforman el pueblo. Dichas condiciones también son variables en el tiempo y en el espacio. La lógica que vincula pueblerismo regional e indianidad a la constitución del Estado-nación es la misma lógica José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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de las estructuras de oposición. La distinción entre Estado y nación es una variante importante de los procesos de formación de los Estados-nación contemporáneos, donde diferentes identidades culturales y etnicidades de sociedades regionales y pueblos indios se identican como segmentos subordinados y separados del Estado, el cual se percibe como un agente externo y extraño. De hecho, este sería el arquetipo de las relaciones coloniales. En muchas de estas situaciones la indianidad únicamente se fragmenta cuando opera como una identidad separada del Estado. Es por ello que los pueblos indios, como una forma de intencionalidad, únicamente se concretan mediante las políticas culturales de defensa del arraigamiento, éstas, en ciertas condiciones, puede producir nacionalismos extremos contra el Estado. No existe lógica alguna de que los Estados-nación y los movimientos étnicos puedan coexistir sin cambios en la estructura total del Estado mismo, o por el establecimiento de compromisos que sencillamente acentúan la ambivalencia en esta situación. Sin embargo, es necesario aclara que existen importantes ambivalencias en esta argumentación, pues todas las naciones pueden ser regionales y muchas naciones pueden identicarse como naciones de sustratos indígenas. Ambas identidades culturales – étnicas y regionales– son identidades igualmente poderosas, porque con frecuencia se basan en legados históricos y características culturales que son aceptadas por los individuos que aspiran a formar una nación (FRIEDMAN, 1992), (OLZAK, 2007). De esta manera, la persistencia de la movilización étnica, en los periodos contemporáneos, plantea importantes cuestiones acerca de los procesos que activan las identidades culturales que generan acción a lo largo de de los distintos contextos culturales étnicos. Los movimientos étnicos parecen estar asociados con los lazos del grupo, cuya fuerza mantiene control sobre las emociones y conductas de las formas fundamentales que no pueden dejarse de lado tan fácilmente; historias previas de violencias y odio aparecen como factores fuertemente motivantes, especialmente cuando se comparan, de una manera racional, evaluaciones de las costos y las consecuencias de la violencia étnica.
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Por lo tanto, las prácticas de las identidades culturales de estos nuevos tipos de etnicidades deben entenderse como un proceso y como la constitución de mundos de signicación, especícamente, de esquemas históricos. Es decir, el proceso de construcción de identidades no ocurre en un vacuum, sino en un mundo denido. En este sentido, la reexión debe centrarse en la siguiente cuestión: ¿cómo la acción colectiva aprueba, aglutina y refuerza las lealtades basadas sobre los marcadores étnicos? Todos estos procesos son aspectos fundamentales de la práctica de un tipo particular de identidad; una identidad de arraigos y de genealogías articuladas básicamente a un territorio, a la defensa de un territorio que es considerado como una pertenencia propia que es heredada por derecho natural y divino. Son dinámicas socioculturales que forman parte de complejos procesos de verticalización, fragmentación, etnicación y transición que afectarán las posibles movilizaciones entre uno o más de estos niveles de identidad (OLZAK, 2007). Por ejemplo, en los países donde la construcción del Estadonación es un proceso inacabado, los procesos de unicación pueden llegar a ser las bases de la insurgencia étnica, especialmente cuando los “constructores” del estado intentan imponer una “simple” identidad étnica nacional sobre regiones y sociedades culturales donde previamente ya habían existido o se habían construido otras etnicidades. De manera similar, los esfuerzos de consolidación de la construcción del Estado impuestos desde autoridades externas (colonialismo, imperios, fuerzas de ocupación) pueden, sólo temporalmente, aminorar la posibilidad de la movilización étnica, pero también puede potencializar su resurgimiento a largo plazo. Las oscilaciones entre los distintos niveles de identidad, acomodados en círculos concéntricos pueden tomar lugar como coaliciones políticas que vuelven viables algunas identidades más que otras. Para discutir estas hipótesis y premisas retomamos las siguientes cuestiones planteadas por Susan Olzak (2007, p. 5): “¿pueden los factores del nivel global ayudar a explicar la movilización basada en la identidad étnica; y pueden los procesos José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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globales ayudar a entender tales formas de movilización étnica?, y ¿bajo que condiciones los movimientos étnicos recurren a protestas relativamente pacícas, y cuándo se pueden volver violentos?, ¿cómo es que diferentes formas de movilización étnica muestran causas comunes que operan e interactúan con diferentes características culturales, históricas, económicas y políticas propias de cada estado-nación?”.
combinaciones entre diferentes niveles de identidad; 3. Esta perspectiva global permite distanciarse de los enfoques que consideran a todos los movimientos étnicos como malévolos y políticamente explosivos. Por el contrario, los movimientos étnicos son considerados como parte de los movimientos sociales y organizaciones mundiales que promueven políticas culturales de reconocimiento, respeto a las diferencias identitarias culturales y proclamación de derechos autonómicos; 4.El modelo global permite unicar distintas perspectivas y enfoques que abordan y explican diversos aspectos de las movilizaciones étnicas; además, facilita contrastar explicaciones que son manejadas por los análisis empíricos que únicamente toman en cuenta los factores del nivel estatal y que muchas veces han producido explicaciones contradictorias. 5.Finalmente, una aproximación global provee estrategias para debatir sobre los cuestionamientos que arman que los estudios de la movilización étnica carecen de un corpus teórico y empírico consolidado.
El modelo de análisis que relaciona la perspectiva de la globalización en relación con los procesos de construcción de las identidades culturales étnicas, presupone valorar los alcances (y sus posibles limitaciones) de este modelo de análisis a partir de los siguientes items: 1.Un enfoque trasnacional provee un contexto para entender algunas de las paradojas clave, presentes en la producción de la literatura empírica de los estudios acerca de las etnicidades en relación con los modelos desarrollistas. Por ejemplo, explorar hasta que punto las políticas de intervención de los Estados y empresas de los países desarrollados son viables para la promoción de modelos de desarrollo sustentable en regiones étnicas del tercer mundo consideradas como regiones de pobreza (WEERATUNGE, 2000; RIOJA, 2005). Ya no solamente pensar y estudiar las etnicidades como grupos atomizados, autocontenidos, o como grupos de autoadscripción, sino abordar la etnicidad a partir de los marcos de trabajo de la(s) antropología(s) de la globalización, donde, a través de distintos niveles de análsis, es posible ver cómo se conectan y superponen amplios corolarios de identidades culturales que trascienden múltiples niveles territoriales que sobrepasan diferentes espacios fronterizos y soberanías nacionales; 2.El abordaje global facilita comprender distintos estratos de las diferencias culturales expresadas como etnicidad. No obstante hay poco consenso para establecer categorías apropiadas que describan el fenómeno de la movilización étnica. Pues estas categorías pueden referirse a diferencias especícas tales como las religiosas étnicas, raciales o regionales; o pueden abarcar varias
II - FRONTERAS, SITUACIONES DE FRONTERA Y TRASFRONTERIZACIÓN Las fronteras existen desde tiempos inmemorables, pero las fronteras nacionales surgen a partir de la impresión de libros en lenguas vernáculas en las imprentas originalmente desarrolladas por Gutemberg. La espacialidad de las lenguas vernáculas denieron las demarcaciones del Estado-nación y se concretaron en la denición jurídica de Estado, gobierno, territorio y población, y la nación como una comunidad imaginada a partir de la novela. EL Moderno Sistema Mundial creó en su núcleo el sistema internacional de Estados adscrito a la civilización cristiana occidental que se convertirá en la norma de las relaciones internacionales entre Estados. Pero en la periferia y en la semiperiferia del MSM, los Estados-nación son una creación “articial” heredada de los colonialismos europeos, donde las fronteras interestatales nada tienen que ver con las fronteras culturales. Los nacionalismos étnicos
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populistas del siglo XX, en particular en América Latina, surgieron aproximadamente en la década de 1930; dichos nacionalismos son distintos de las naciones europeas y algunas regiones asiáticas que han estudiado (ANDERSON, 2006; GELLNER, 1997, 1983; VAN DER VEER, 2001, 1995, 1994). En la crisis de los años 30 del siglo XX, el ocaso de la globalización británica, la recesión de 1929 y los efectos de la 1ª Guerra Mundial llevaron a la contracción de la globalización británica decimonónica y fue cuando surgieron los Estados militaristas modernos con ideologías fascistas (nazismo, franquismo), estalinistas (ex-URSS) y étnico-populistas (México, Brasil, Egipto). Pero con la resurrección de la globalización desde la década de 1950 -que irrumpe mundialmente en 1972- los desarrollos estabilizadores de los Estados-nacionalistas se colapsan; la globalización, que desborda fronteras, vuelve parcialmente obsoletos los Estados-nación y las mismas fronteras se desdibujan. Desde los años cincuenta la geopolítica bipolar de la Guerra Fría moldeó las fronteras entre el mundo libre y la cortina de hierro; pero con la caída de la URSS y la planicación geoeconómica se pone en marcha el North American Free Trade Association (NAFTA), y el Tratado de Mastrich que generaría la Unión Europea; las fronteras de los Estados-nación quedaron en un plano secundario. En este sentido, muchas de las regiones “inhóspitas” de recursos signicativos geoestratégicos, incluida la región Amazónica; y de acuerdo con el modelo de Eric Wolf, se operaba una división entre periferia y arena exterior, materializada en las sociedades tradicionales y cuyas fronteras corresponderían a los círculos sistémicos de Immanuel Wallerstein (2004) o a los rimlands de Zbigniew Brezinski (1998) o a las fronteras civilizatorias de Samuel P. Huntington (1998). La composición regional a escala planetaria está ahora integrada por nuevas redes y grupos de poder que se articulan a las estructuras del mercado global (que pueden ser ilícitas) que a su vez reproducen, mediante el control relativo de ujos económicos, el carácter autonómico de las sociedades regionales frente al Estado. Este nuevo tipo de conguración del espacio
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social trasnacional-transfronterizo genera, a su vez, un nuevo tipo de violencia que se expresa en múltiples grupos de poder que van desde la conformación de grupos armados regionales hasta organizaciones criminales trasnacionales. Todo ello articulado en escalas distintas y en grados diversos con las nuevas geografías de la violencia mundial. Todas estas tendencias pueden ser visualizadas por las nuevas herramientas de la comunicación digitalizada, por ende, no están aisladas una de las otras, todas ellas interactúan en los distintos vehículos de comunicación globalizados. El ejemplo más claro es Internet, y estas nuevas tecnologías están fuertemente incorporadas a los procesos sistémicos globales. Sin embargo, la contradicción del fenómeno –la fragmentación cultural en las partes substanciales del mundo – al mismo tiempo es un incremento en la forma de comunicación aparente en la unidad global, ujos de capital, y en la formación de una elite global. Pero esta contradicción opera de manera violenta en los segmentos periféricos y semiperiféricos del sistema mundial. Los principales tipos de violencia se localizan en las arenas producidas por el proceso de desintegración de los grandes bloques mundiales. Esta es una violencia caracterizada como “lumpenproletarización” y está presente en muchas de las zonas urbanas del mundo. Para denir una situación de frontera como zonas de ambivalencia, para los objetivos de este trabajo, retomaremos el modelo de Jonathan Friedman. Conceptualmente, los diversos tipos de violencia pueden agruparse de la siguiente manera (FRIEDMAN, 2003, P 20-23): 1.La violencia es dirigida a un contrario quien entra en conicto con su “otro rival”, que a su vez remarca su identidad. 2.La violencia territorial se da por el control de los recursos signicativos de un espacio sociocultural y como consecuencia, sobre la identidad de las personas que ocupan esos espacios. 3.La violencia que se establece en zonas de contacto (boundary), debe analizarse como un tipo especial de violencia. Ésta se congura en zonas de gran ambivalencia. Tiene que ver con el temor de eliminación, traición, venganzas (o ajustes de cuentas). Además, existen zonas híbridas, pero éstas son producto de grandes categorías que se establecen en las fronteras (boundary zones). José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Por ejemplo, en el caso de la triple rontera Argentina-BrasilParaguay observamos, en términos geopolíticos, una región que puede ser denida como una boudary zone de gran ambivalencia. Un área geoestratégica de seguridad supraterritorial mundial, donde emergen diversos intereses geoeconómicos trasfronterizostrasnacionales de distintos stados-nación, regiones, grupos étnicos y actores potencia que no solamente están inmersos en las dinámicas políticas y socioculturales de su propio país, sino que, como región trasfronteriza y espacio geopolítico de seguridad mundial supraterritorial se incorpora a las dinámicas de un orden hegemónico mundial que trasciende las soberanías nacionales de sus respectivos países. La seguridad cultural de esta boudary zone está subordinada a los niveles de dominio supraterritorial de la geopolítica hemisférica transcontinental. Los múltiples grupos étnicos de esta boundary zone, no se enmarcan únicamente dentro de los criterios tradicionales del Estado-nación, sino que están vínculados a otros niveles extra-territoriales. En el caso de la Amzónia el escenario también puede ser semejante al de una boundary zone; aunque la situación de frontera de la Amazónia, en la que se mueven múltiples grupos, pueblos indios, y una variedad de agentes extra-regionales de carácter legal e ilícito, es una situación de frontera que, en primera instancia, responde a la promoción y el desenvolvimiento de políticas de conservación etno-ecológica de cada una de las subregiones de la gran cuenca amazónica. Sin embargo, como boudary zone, la Amazónia ya es considerada como una región de seguridad geopolítica mundial: “Na realidade, as particularidades geográcas da Amazônia oferecem facilidades para a prática do ilícito. A porção da região amazônica corresponde às áreas drenadas pelas bacias dos rios Amazonas, Araguaia Tocantins, Orinoco, Essequibo, entre outros rios de menor porte. De maneira geral, a Amazônia é considerada a região da América do Sul coberta predominantemente por orestas tropicais. Geogracamente, cobre uma área pouco maior que sete milhões
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de km², o que representa 5% da superfície terrestre do globo. A Amazônia continental ocupa 50% da América do Sul, espalhada por nove países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Apesar da extensa dimensão, em termos populacionais, a região congrega apenas 30 milhões de habitantes, o que representa 0,3% da população mundial, tornando-a uma das regiões com menor densidade demográca do planeta. É nesse ambiente de enorme proporção territorial e de baixa densidade demográca, onde a ausência do Estado chega a ser uma regra e não exceção, que identicamos a ação de grupos adversos que se aproveitam da densa oresta para acobertar inúmeras atividades ilícitas, utilizando-se de rotas áreas, terrestres e uviais clandestinas para transportar toda sorte de drogas, contrabando, armas e munições. Além destes delitos, ainda ocorrem na região os crimes ambientais, a biopirataria, a extração ilegal de madeiras, entre outras ameaças” (ISHIDA, 2005, p. 4).
En la actualidad la situación de frontera de la Amazonia está dinamizada, ya no únicamente por la realidad congurada por la etnopolítica regional; sino por grupos agentes externos que se encuentran operando a lo largo de la región panamazónica. Agentes externos, que como unidades de operación, se articulan en una compleja arena política de disputas, negociaciones y confrontaciones relacionadas, principalmente, por el control de los recursos ecológicos signicativos y por el control de zonas económicas clave. Para este complejo escenario trasfronterizo es necesario replantear nuevos modelos teórico-metodológicos que permitan estudiar la diversidad de caleidoscopios culturales concretados en las sociedades regionales de la Amazonia. Inicialmente el modelo pretende retomar como punto de partida la propuesta de Robert Carneiro de las circunscripciones sociales y ambientales, pues en el contexto de la globalización las sociedades regionales de la Amazonia están incrustadas en los rimlands geopoíticos, en los círculos del Modernos Sistema Mundial, y forman parte de los
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paisajes de Appadurai y de los modelos regionales, tanto culturales como económicos, redenidos por Guillermo de la Peña y Andrés Fábregas Puig. Importante es señalar también, que sólo pueden estudiarse mediante el método comparativo los pueblos indios de la Amazonia y las nuevas enticidades conguradas contemperadas en la actualidad; con los pueblos indios de México mediante modelos de sociedades regionales incrustadas en esferas geopolíticas globales. Reformulando el modelo de Lomnitz es posible comparar las regiones culturales de México con las diversas regiones del Brasil, pensando y teorizando acerca del sertão como una categoría analítica intrínsecamente relacionada con el signicado de lo que sería una región cultural en México. Los sertões de Brasil, como un espacio de región de regiones donde interactúan múltiples
etnicidades, culturas y sociedades regionales, con intereses políticos diversos y oposicinalmente articulados al Estadonación. En lo que respecta a la situación de ambivalencia de la Amazónia, puede abordarse a partir de las siguientes deniciones conceptuales (HARFF y GURR, 2004). Referências bibliográcas
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Povos tradicionais na Amazônia: notas sobre estados nacionais, fronteiras e globalização Guillermo Cardona Grisales, sj. 1
Nós falamos desde uma prática social onde temos compreendido como funcionam os processos sociais e como se realizam as montagens dos diversos eventos na sociedade. Trata-se dos esforços que todos fazemos para compreender o que se passa em nossas sociedades. Primeira anotação. Este seminário está ajudando a formular os desaos acadêmicos e as novas tarefas para a antropologia na Amazônia, especialmente em relação aos povos tradicionais. Não para uma militância política, mas, sobretudo, para um labor acadêmico que preste um serviço a toda a sociedade, próprio da função social da antropologia. Já foi apontada aqui a necessidade de repensar certas categorias que usamos em nossas análises, tais como globalização, território, etnia, tradicional, culturas, sociedades, comunidades regionais,. neo-capitalismo... As re-interpretações e re-signicações que vão adquirindo estas ferramentas de análise... Segunda anotação. Precisam-se lembrar as dimensões da Pan-Amazônia e da Amazônia Brasileira, pois isto tem tudo a ver com as dimensões dos processos de mudança sócio-econômico-cultural. A Amazônia é um dos maiores, diversos, complexos e ricos biomas do mundo. Vista a partir do cosmos, a Amazônia Pan-americana ocupa uma área de 7,01 milhões de quilômetros quadrados e corresponde a 5% da superfície da Terra, 40% da 1 Colombiano. Sacerdote Católico dos Padres Jesuítas, Secretário Executivo do Fórum Permanente de Defesa da Amazônia Ocidental, FORPAC.
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América do Sul, 59% do Brasil. Contém 20% da disponibilidade mundial de água doce não congelada e 80% da água disponível no território brasileiro. Abriga 34% das reservas mundiais de orestas e uma gigantesca reserva de minérios. Sua diversidade biológica de ecossistemas, espécies e germo-plasma é a mais intensa e rica do planeta: cerca de 30% do todas as espécies de fauna e ora do mundo se encontram nesta região. O sistema uvial Amazonas-Solimões-Ucayalli representa o mais extenso rio do mundo com 6.671 km; a Bacia Hidrográca do rio Amazonas é constituída por cerca de 1.100 rios, e o rio Amazonas joga no Oceano Atlântico entre 200 e 220 mil metros cúbicos de água por segundo, o que representa 15,5% de toda a água doce que entra diariamente nos oceanos. Ele leva para o Oceano uma gigantesca quantidade de sedimentos, calculada em 1 bilhão de toneladas por ano. As correntes do Atlântico Norte distribuem estes sedimentos férteis ao long o da costa até a Venezuela e algumas ilhas do Caribe. A Amazônia Legal Brasileira está formada por nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso2. O território compreende 5.030.730 km², 59% do território nacional e 65% de toda a bacia amazônica. Tem 11.248 km de fronteiras internacionais, 1.482 km de costa atlântica, 22 mil km de rios navegáveis; com 23 milhões de habitantes, dentre os quais 163 povos indígenas, que totalizam 208.000 pessoas, ou 60% da população indígena brasileira.“A Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemô-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma literatura inestimável, de numerosas monograas, mostramno-la sob incontáveis aspectos parcelados. (...) A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa” (CUNHA, 1986)3.
A globalização e as conseqüências para as nações e os povos tradicionais. Como nós a temos agora, a globalização se dá fundamentalmente graças à rapidez das comunicações (sobretudo a digital), à “liberalização” dos mercados (de mão única) e a grande transferência de tecnologia, especialmente eletrônica, entre outras causas. A globalização toca todas as esferas da vida individual e coletiva: as modas, costumes de jovens, os sistemas de consumo, de justiça, de ensino. Nesta troca se dão imposições, encontros, desencontros. A globalização não é um fenômeno homogêneo tanto em nível regional quanto de cada país. Esta globalização “tem entrado na casa” de cada unidade soberana que se tem protegido mediante as fronteiras4 e os sistemas de controle de pessoas, mercadorias e culturas. A globalização tem uma força tal que derruba fronteiras (exibilização das leis alfandegárias, das leis trabalhistas, da circulação de certo tipo de pessoas: os migrantes altamente qualicados são aceitos enquanto migrantes desqualicados são rechaçados). Mas também tem levado poderes internacionais a fazerem-se presentes nos países signatários para exigir
2 A Amazônia Legal, porém, não ocupa toda a superfície dos Estados de Mato Grosso (parte norte do paralelo 16º), do Maranhão (parte oeste do meridiano 44º) e de Goiás (parte norte do paralelo 13º, que corresponde apenas a cinco municípios: Campos Belos, Montividiu do Norte, Novo Planalto, Porangatu e São Miguel do Araguaia). 3 CUNHA, Euclides da. Um Paraíso Perdido. Rio de Janeiro: José Olympio,1986.
4 Esta palavra tem uma forte conotação militar no período medieval. Trata-se de territórios em disputa. Os primeiros intentos de institucionalização das zonas de fronteira são a “marca” “... termo oriundo da época românica, sobretudo utilizada no período carolíngio (742-814) para designar uma zona de defesa do império, esparsamente povoada, porém sujeita a disputas territoriais, correspondendo a uma faixa de extensão variável ‘submetida a um regime jurídico, político e econômico especial’ (COELHO, P.M.P. A cooperação fronteiriça na Amazônia: os planos-modelos de desenvolvimento integrado de comunidades vizinhas na fronteira – uma proposta’. Brasília: Instituto Rio Branco, Ministério das Relações Exteriores, 1990, p. 6-7, 157p.)”. São lugares também de junção onde se defrontam as áreas culturais, lugares onde se efetuam as confrontações, os empréstimos, as experiências. Prática espacial ausente no medievo, o estabelecimento de limites territoriais precisos à soberania — que hoje nos é tão familiar — é tributária de processos que começam a se delinear a partir da Renascença européia. O desenvolvimento da cartograa e a concomitante centralização administrativa dos reinos europeus provocaram uma mudança na escala de representação: a idéia de entraves à circulação e ao exercício da autoridade até então vivenciada somente em grande escala — nas “práticas cotidianas das populações limítrofes” —, é incorporada à representação do espaço em pequena escala (FOUCHER, M. Fronts et Frontières – un tour du monde géopolitique. Paris: Fayard, 1991 [orig.1988], p. 81, 691p.).
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o cumprimento de suas responsabilidades cívicas, o que possibilita o recurso a eles da parte dos ofendidos (respeito aos pactos e tratados internacionais, visitas internacionais de controle político, veredictos de tribunais internacionais, etc.). A globalização toca os códigos culturais, os regimes de educação, etc. Os povos tradicionais sofrem, atualmente, muitos golpes em sua vida e cultura e a redução de seus territórios da parte dos grandes empreendedores de plantações de soja, cana de açúcar e outros, da exploração de madeira em grande escala, da agropecuária, das explorações mineiras. A isto se somam os impactos que estão sendo produzidos pelos grandes projetos do Estado no Projeto de Aceleração do Crescimento – PAC - que, na Amazônia, trata também de realizar os projetos de infra-estrutura do IIRSA - Projeto de Infra-estrutura para a Integração Regional de Sul América - para adequar ainda melhor a Região aos grandes empreendimentos (de energia, de exploração de mineiros, produção de grãos). Estas ações estão dizimando muitas comunidades tradicionais pela fome, pelas enfermidades e pela perda de sentido de vida. Nesta avalancha de coisas novas, positivas e negativas, não se tem como se proteger. Isto tem a ver também com a geopolítica da globalização que é imposição e condicionamento, encontrando-se indivíduos arrogantes que agem como estando acima das leis nacionais, o que produz muitas tensões e conitos, onde, nalmente, o mais fraco tem ameaçada a sua capacidade de resistir.
que está sendo globalizado? A relação com os mercados internacionais, a informação que chega a eles e a que produzem e chega a outros mundos por televisão, a internet e até pelo uso de técnicas que entram no circulo da globalização: os indígenas do Xingu produzindo vídeos sobre a sua vida e rituais para colocá-los na circulação mundial... Invasão de suas terras, destruição de lugares sacros e da mãe natureza. Estes são processos muito violentos que atingem a identidade dos povos tradicionais.
Quais as conseqüências desta globalização, desta invasão do seu “território” para os povos tradicionais? No que tem a ver com os povos indígenas, eles foram primeiro invadidos e violentados pela modernidade do “branco” (roupas, alimentos, escola, instrumentos agrícolas...) e ultimamente pela globalização... De que forma os povos indígenas estão sendo invadidos pela onda da globalização? O
Como está se dando estes processos? Estes processos de globalização atingem todas as suas identidades culturais. Aqui se entende identidade no seu processo histórico e dinâmico. A pessoa humana, no seu processo de identidade, vai enfrentando situações novas que vai assimilando no seu próprio ritmo. A identidade é realidade dinâmica que está sempre em relação negociada com o diferente. É uma categoria dinâmica, que tem a ver com a capacidade de assimilação que possuem os grupos humanos, para incorporar novos dados a novas compreensões e atuações de vida... é uma capacidade de intercâmbio, de assimilações, de rupturas... O “branco” (usado como categoria do diferente) desconhece por completo a cultura em estado de re-signicação dos povos tradicionais, mas o que é mais grave ainda é a falta de valorização e respeito dessas mesmas culturas. Destruição dos símbolos do mundo espiritual desses povos... deixando-os em estado de “agonia espiritual” . Exemplos disto são as migrações forçadas destes povos para poder sobreviver. A simbólica espiritual do povo indígena é uma realidade unida profundamente ao “cosmos” e, quando não existe mais o espaço sagrado, a experiência espiritual ca sem referente e sem possibilidade de reproduzi-la a curto prazo. Neste ambiente de anomia e de desorientação profunda psicossocial se reforça o recurso à bebida alcoólica e aos estupefacientes, e até se dão os casos de suicídio sobretudo entre jovens.
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Outra característica dos povos tradicionais da Amazônia é o sentido e a convivência com a natureza.5 A relação com as dinâmicas da natureza e com os processos da vida são de convivência, como de um “mútuo envolvimento”. Se é parte da natureza e se deixa cuidar por ela. Assim, desta “experiência cósmica”, nasce o conhecimento tradicional que serve para “interpretar” os diversos códigos da vida em inter-relação: as estações, os climas, as enfermidades, as plantas que curam, as substâncias animais, o mundo dos espíritos, a organização social, e os rituais que ou estabelecem ou reforçam ou reorientam as forças sócio-cósmicas da vida. De aqui surge toda a riqueza socioambiental e a riqueza sociocultural da região. Nesse choque sociocultural que se dá na Amazônia se produz um ecocídio (matar as fontes de vida presentes na Amazônia), devido à forma de explorar os recursos naturais, os bens da natureza, devido a uma ruptura milenar da convivência com a natureza. Este comportamento ecocida se dá em todos os que são alheios a esta cultura: venham de países do Norte, venham de estados do Sul do Brasil, para impor o seu modo de produção destruidor da natureza e das comunidades; eles destroem todo “o mato” que encontram e juntamente com ele as comunidades que encontram; e tudo em nome do desenvolvimento. Todos trazem um modo de produção agrícola falido que coloca em grave perigo toda a humanidade. “Somente uma proporção muito pequena das plantas do mundo inteiro foi usada para a produção de alimentos em larga escala. Acredita-se que aproximadamente 80.000 plantas possam ser comestíveis, mas somente cerca de 150 são usadas na alimentação humana. À medida que as economias se tornaram mais globalizadas, o consumo se concentrou em poucas espécies, de modo que hoje, 90% do alimento mundial vêm de apenas 15 espécies. Três delas – trigo, milho
e arroz- fornecem dois terços (68%) desta quantidade. Embora exista cerca de 10.000 espécies de cereais, nenhuma nova espécie foi domesticada nos últimos 2.000 anos”. 6
Para ver se este comportamento destruidor estava mudando, a ONU mandou fazer um estudo avaliativo dos vinte anos do Programa PNEUMA das Nações Unidas de Meio Ambiente e Desenvolvimento realizado pela CEPAL, denominado “Estilos de Desenvolvimento e Meio Ambiente na América Latina”7. Constatou-se que a dimensão ambiental é algo totalmente externo aos processos de desenvolvimento. Esta “externalidade” se inicia nos processos de conhecimento e pesquisa na formação de prossionais nas universidades, ou seja, nos mesmos cursos universitários e no mesmo desenho das diversas disciplinas acadêmicas. Esperamos que o desenho do curso de antropologia da UFAM seja elaborado com um profundo conhecimento das dinâmicas que constroem e mantêm a vida no planeta e especialmente no Amazonas, que dá como fruto uma grande bio e sociodiversidade. Temos muito a apreender sobre os ciclos de criação, manutenção e interdependência das diversas formas de vida. Com a visão de que a pessoa humana é única na criação, que é animal racional, temos esquecido de que também somos uma espécie de mamífero: que estamos chamados a construir nossa vida em plena har monia com os ciclos da natureza, que tudo não é manipulável e que existem processos bióticos que não dependem de nós: os ecossistemas ou a biogeocenose.8
5 Cfr FREITAS, M., PINTO, Renan, ALLOUFA, J., MEUNIER, O., VIANA, V. Amazônia: A natureza dos problemas e os problemas da natureza. Manaus: EDUA, 2005.
6 PEREIRA, Henrique. “A Biodiversidade: Biblioteca da vida”. In: RIVAS, Alexandre e FREITAS, Carlos E. de C. Amazônia uma perspectiva interdisciplinar. Manaus: EDUA, 2002, p. 12, 271 p. 7 GLIGO V., Nicolo. Estilos de desarrollo y médio ambiente em América Latina, um quarto de siglo después. Santiago de Chile: CEPAL, 2006, 109 p. m. 8 Ecossistema ou biogeocenose é o conjunto integrado de fatores físicos, químicos e bióticos (vivos) que caracterizam um determinado meio ambiente e que se relacionam com os fatores abióticos (mortos) desse mesmo lugar. Incluem os fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico, através do uxo da energia das cadeias alimentares e da reciclagem dos materiais. Ecossis temas são as pequenas unidades funcionais da vida - uma bromélia, uma árvore, um jardim, um pântano, uma gr uta, um rio ou uma ilha, por exemplo. Os espaços
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Existem quatro grandes problemas que se devem enfrentar e têm a ver com uma forma de globalização que continua se impondo na Amazônia. O primeiro é a separação que existe no Brasil e em todos os países entre desenvolvimento e meio ambiente. Acha-se que obrigar a cumprir as normas ambientais é estar contra o desenvolvimento. Está-se contra sim o tipo de desenvolvimento que não respeita o meio ambiente, que não sabe conviver com ele. O segundo é o desconhecimento dos ciclos da vida e do valor para a vida de manter uma rica biodiversidade e uma rica sociodiversidade. Alguns falam do perigo de “biologizar” a vida humana, mas não podemos cair no erro de desvalorizar os processos bióticos para a conversação da vida de todos. (temo-nos esquecido de que somos também mamíferos). O terceiro, a separação entre meio ambiente e pessoa humana-comunidade. A mentalidade dos ambientalistas é preservar o meio ambiente sem ter presente as pessoas. (Isto se tem lembrado sempre aos funcionários do MMA – Ministério do Meio Ambiente - na hora de realizar as audiências públicas sobre a criação da UCs – Unidades de Conservação - na zona da BR-319). Podem criar-se também problemas defendendo as pessoas sem procurar preservar o meio ambiente. Temos que equilibrar estas duas realidades e colocá-las em convivência. Pó isso é melhor falar de realidades socioambientais. O quarto consiste em que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA - e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – exigidos para aprovar um grande empreendimento, dão pouca importância às conseqüências que os empreendimentos trazem para as pessoas e as comunidades; parece que movimentar pessoas é igual a movimentar coisas; e não é, em verdade, é destruir tecido social, destruir histórias em comum, acabar com o coletivo, e fragmentar a sociedade, o que leva à anomia, à violência, à depressão e ao suicídio.
A política de preservação do meio ambiente e de exploração dos recursos da Amazônia tem pontos muito erráticos: pensar que mover pessoas é movimentar coisas, que as pessoas não podem desenvolver formas de sobreviver preservando o meio ambiente. A que se deve a criação de tantas UCs de Desenvolvimento Sustentável – UDS - no estado do Amazonas? Nós temos, segundo um levantamento feito em 2006 74 UCs, no estado do Amazonas, atualizado agora, temos 85 UCs. Nessas UCs a gestão se está dando a ONGs e não às comunidades; porque se pensa que elas são incapazes e não se prevê “uma ação de formação e treinamento em dialogo” para que as UDS sejam levadas pelos comunitários? . Não vemos que tenham grupos fazendo pesquisa sobre o que signica este modo de preservar a Amazônia e a forma de gerir estes territórios. Referências Bibliográcas
COELHO, P.M.P. A cooperação fronteiriça na Amazônia: os planos-modelos de desenvolvimento integrado de comunidades vizinhas na fronteira – uma proposta. Brasília: Instituto Rio Branco, Ministério das Relações Exteriores, 1990, p. 6-7, 157p. CUNHA, Euclides da. Um Paraíso Perdido. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. FREITAS, M., PINTO, Renan, ALLOUFA, J, MEUNIER, O., VIANA, V. Amazônia: A natureza dos problemas e os problemas da natureza. Manaus: EDUA, 2005. GLIGO V., Nicolo. Estilos de desarrollo y médio ambiente em América Latina, um quarto de siglo después. Santiago de Chile: CEPAL, 2006, 109 p. m. PEREIRA, Henrique. “A Biodiversidade: Biblioteca da vida”. In: RIVAS, Alexandre e FREITAS, Carlos E. de C. Amazônia: uma perspectiva interdisciplinar. Manaus: EDUA, 2002, p. 12, 271 p.
maiores, como as orestas tropicais, o cerrado ou a tundra ártica, são chamados de biomas, que abrangem um conjunto diversicado de ecossistemas. “ o ecossis tema é a unidade funcional básica, uma vez que inclui os organismos + ambiente abiótico, cada um deles inuenciando as propriedades do outro, sendo ambos necessários para a conservação da vida tal como existe na Terra” (ODUM, 2001).
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Povos, fronteiras e os estados nacionais na fronteira Guiana-Brasil
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Stephen G. Baines 2 Introdução Este trabalho examina algumas perspectivas indígenas acerca da fronteira Brasil-Guiana e os territórios indígenas nestes dois Estados nacionais. Focalizando o trecho da fronteira habitado pelos Makuxi e Wapichana, povos que tiveram seus territórios historicamente divididos pela linha fronteiriça traçada entre o Brasil e a Guiana em 1904, examinamos brevemente o impacto das políticas indigenistas nessa região de fronteira internacional e as estratégias indígenas para armar seus direitos perante os Estados nacionais. O trabalho baseia-se numa pesquisa iniciada no ano de 2000 e atualmente em andamento, entre os povos indígenas Makuxi e Wapichana ao longo da fronteira internacional entre Brasil e Guiana3. Ao se referir aos espaços fronteiriços, ressalta Cardoso de Oliveira que “vale considerar, no que diz respeito ao processo identitário, que se trata de um espaço marcado pela ambigüidade das identidades – um espaço que, por sua própria natureza, abrese à manipulação pelas etnias e nacionalidades em conjunção” (2000, p.17). Acrescenta Cardoso de Oliveira (2000), examinando 1 Uma versão deste trabalho foi apresentada no 1º Seminário sobre Povos Tradicionais, fronteiras e geopolítica em America Latina: uma proposta para a Amazônia, na Universidade Federal do Amazonas, Manaus, em 23 a 27 de setembro de 2008. Meus agradecimentos ao Professor José Exequiel Basini Rodriguez, da UFAM e Coordenador do evento, pelo convite para participar deste Seminário e aos outros organizadores do evento. Meus agradecimentos ao CNPq pelos recursos que nanciaram a minha pesquisa na fronteira Brasil-Guiana. 2 Professor Associado, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília; pesquisador 1A do CNPq. 3 A pesquisa está sendo realizada em etapas, durante os recessos de aulas na UnB, nos meses de janeiro-fevereiro, desde 2000. Abrange os dois lados da fronteira internacional entre o Brasil e a Guiana de Jacamim no sul a Uiramutã, Willimon na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e Canapã, no norte, o que corresponde aos territórios dos Makuxi e Wapichana nesta fronteira.
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o caso de etnias indígenas situadas em áreas de fronteira, quanto à nacionalidade, como uma segunda identidade, é claro que ela será instrumentalizada de conformidade com situações concretas em que os indivíduos ou os grupos estiverem inseridos, como a de procurarem assistência à saúde, à educação dos lhos ou uma eventual proteção junto a forças militares de fronteira: seriam casos típicos de manipulação de identidade junto a representantes dos respectivos Estados nacionais (Ibid). Cardoso de Oliveira (2000) arma que, no caso de etnias localizadas em fronteiras entre Estados nacionais, não se trata mais de considerá-las em si mesmas, i. é, como tais, mas de inserilas num outro quadro de referência: o quadro (inter)nacional. A rigor, poder-se-ia dizer que tal quadro teria sua conguração marcada por um processo transnacional, apontando esse termo para o caráter dinâmico das relações sociais vividas pelo contingente populacional localizado na fronteira. (...) Portanto, no caso de uma situação de fronteira, aquilo que surge como um poderoso determinador social, político e cultural – provavelmente mais do que a etnicidade – passa a ser a nacionalidade dos agentes sociais; é quando nacionalidade e etnicidade se interseccionam (...) E é exatamente esse espaço ocupado pela nacionalidade que tende a se internacionalizar, graças ao processo de transnacionalização que nele tem lugar” (2005, p.14-15). O foco privilegiado de investigação será “não mais o sistema interétnico (como nas teorias (...) da fricção interétnica”, que no Brasil surgiu nos anos 1960), mas o sistema inter e transnacional, visto em termos das nacionalidades em conjunção (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2005, p.15). No caso em discussão, tanto o Brasil quanto a Guiana, apesar da segunda ser mais de 39 vezes menor que o Brasil em extensão territorial (BAINES, 2004b) compartilham o fato de que a população majoritária não-indígena se concentra no litoral e a população indígena ser uma pequena minoria das populações nacionais, concentrada em regiões distantes dos grandes
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centros urbanos e ao longo das fronteiras internacionais4. Na Guiana, colônia holandesa que se tornou colônia inglesa até sua independência em 1966, a história de relações entre os povos indígenas e os poderes coloniais foi marcada por tratados de comércio com os povos indígenas. O g overno da Guiana nunca extinguiu a posse indígena com base no reconhecimento de direitos consuetudinários, herança do sistema jurídico britânico de direito comum imposto no período colonial. No Brasil, o sistema jurídico de direito civil segue a Constituição de 1988 que reconhece os direitos indígenas às suas terras como direitos originários. As recentes transformações políticas no cenário internacional das relações entre os povos indígenas e Estado/ sociedade civil vêm acontecendo com uma rapidez no Brasil, sobretudo a partir da Constituição de 1988, com um processo crescente de concessão de poder aos povos indígenas. Além das mudanças na Constituição brasileira de 1988, há o reconhecimento de legislação internacional por parte do governo brasileiro, como a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, aprovado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 07/06/1989, e raticado em 2002 pelo governo brasileiro, depois de tramitar por 11 anos no Congresso Nacional. Ao entrar em vigor em 27/07/2003, a Convenção 169 da OIT traz para o ordenamento jurídico brasileiro diversas inovações que contribuirão para a defesa dos povos indígenas e passa a ser um importante instrumento internacional na defesa dos direitos indígenas brasileiros. A adoção da palavra “povos”, fundamentada no princípio de que os índios são sociedades permanentes, tem 4 Tomando-se em conta a atual divisão territorial adotada pela Guiana, nas Regiões 8 “Potaro-Siparuni” e 9 “Upper Takutu-Upper Essequibo”, na fronteira sudoeste da Guiana, vivem respectivamente cerca de 24,95% e 8,63% do total de 48.859 indígenas. Na Guiana a população indígena constitui cerca de 6,81% da população nacional (GUYANA,1996). Enquanto no Brasil a população indígena constitui uma pequena minoria de cerca de 0,2% da população nacional, em Roraima constitui cerca de 72% da população rural. No Município de Normandia, enclave fronteiriço na Área Indígena Raposa/Serra do Sol, os Makuxi constituem 92,71% da população rural. Em Bonm, constituem 22,96% e, em Boa Vista, cer ca de 16,18% (OLIVEIRA,1999) de uma população total em torno de 350 mil .
como intuito propiciar o estabelecimento de uma nova relação entre os indígenas e o Estado, baseada no reconhecimento da diversidade cultural e étnica. Além disso, a utilização do termo implica outorgar-lhes proteção e incentivá-los a estabelecer suas próprias prioridades de desenvolvimento. No nal de 1999 a Assembléia Nacional da Guiana aprovou várias emendas na Constituição da Guiana, inclusive os direitos de povos indígenas à proteção, conservação, e promulgação das suas línguas, seu patrimônio cultural e modos de vida, emendas baseadas em recomendações da Constitution Reform Commission (CRC). Ao longo do ano de 1999, a APA realizou ocinas sobre refor ma constitucional por toda a Guiana com intuito de preparar as recomendações para a CRC. As recomendações apresentadas à CRC pela APA incluíram um capítulo sobre direitos indígenas, que a Comissão não incluiu em suas recomendações encaminhadas à Assembléia Nacional. Apesar da exclusão deste capítulo, a APA considerou a inclusão de direitos básicos para a proteção e conservação da cultura indígena um avanço importante. Até 2006, a Guiana não raticou a Convenção 169 do OIT. Para entender o contexto desta fronteira internacional é necessário resgatar a história da atuação dos dois países em relação a ela, tarefa já realizada por Paulo Santilli (1994; 2001) e por Nádia Farage (1991; 1997). Santilli arma que em 1927 a migração de índios do Brasil para a Guiana Inglesa, provocada por violências cometidas por fazendeiros brasileiros, ainda era uma preocupação para os estrategistas militares. Acrescenta Santilli (1994,p. 68-69) “migração talvez não seja o termo mais exato para denir o processo” por se caracterizar por deslocamentos dentro de um mesmo território tradicional, em que a fronteira internacional havia sido imposta. Depoimentos recentes de moradores Makuxi e Wapichana no lado güianense da fronteira ressaltam este uxo populacional do Brasil para a Guiana antes da independência desta em 1966, muitos com nomes por tugueses e antepassados nascidos no Brasil. Atribuem a mudança para a Guiana à
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invasão do território indígena do lado brasileiro por pecuaristas e invasões esporádicas por garimpeiros a partir das décadas de 1920-1930. Além disso, armam que antes da independência da Guiana e a revolta do Rupununi em 1969, em que fazendeiros e seus trabalhadores indígenas na região fronteiriça do Rupununi declararam independência da Guiana, os serviços de educação e de saúde oferecidos pelo governo colonial eram melhores na Guiana do que no Brasil, situação que se inverteu nos anos posteriores à revolta. A independência da Guiana foi seguida de muitos conitos políticos naquele país, especialmente entre os grupos étnicos majoritários de afro-güianenses e indo-güianenses no densamente povoado litoral. Na revolta do Rupununi, os Wapichana, apoiaram os fazendeiros brancos e mestiços da região fronteiriça (FARAGE,1997). Forbes Burnham, primeiro ministro da Guiana (1964-80) e presidente (1980-85), representava a população afro-güianense. Após ter sido eleito, Forbes Burnham declarou a Guiana “República Cooperativista” em 1970, e se aliou ao bloco soviético. Cabe mencionar que após a divisão do People’s Progressive Party em 1955, a política partidária na Guiana se congurou mais em termos étnicos do que ideológicos. Os conitos étnicos no dens amente povoado litoral do país expressam-se na conguração dos partidos políticos. Os dois maiores partidos são o People’s Progressive Party (PPP) (fundado em 1950, com 53,1% dos votos nas eleições de 2001), visto como representante, sobretudo dos indo-güianenses, e o People’s National Congress (PNC) (fundado em 1955, com 41,7% dos votos nas eleições de 2001), dos afro-güianenses. Entre 1964 e 1992, o People’s National Congress dominou o cenário político do país. Os fazendeiros brancos e mestiços do Rupununi apoiavam The United Force (TUF), partido da direita fundado em 1960, e não se conformavam com o regime de Burnham. “Rebelaram-se os fazendeiros, incluindo a família Melville, cuja aliança histórica com os Wapichana pesou decididamente para obter seu apoio à revolta: na maioria das aldeias Wapishana, os
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homens aderiram à revolta” (FARAGE, 1997, p. 55). A “Revolta do Rupununi” foi sufocada pelo exército guianense e muitos dos fazendeiros e seus trabalhadores wapichana exilaram-se na Venezuela e no Brasil.
A situação atual Os povos indígenas desta região de fronteira estão em contato permanente muito antigo com as sociedades nacionais. A partir da década de 1970, com o crescimento de movimentos indígenas, a etnicidade destes povos vem se expressando a partir da mobilização política em organizações indígenas, além da sua participação nos partidos políticos das sociedades nacionais. Enquanto no Brasil, a partir da década de 1970, os povos indígenas do nordeste de Roraima vêm se organizando politicamente em organizações como o Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Associação de Professores Indígenas de Roraima (APIRR), a Organização de Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), a Sociedade de Índios Unidos do Norte de Roraima (SODIUR), e outras (REPETTO, 2002), no lado güianense da fronteira, apesar da crescente inuência de organizações políticas indígenas, sobretudo a Amerindian Peoples Association (APA), os povos indígenas têm uma longa história de participação nos partidos políticos daquele país. Existe quase uma unanimidade entre os moradores da região do Rupununi (atualmente “Region 9, Upper Takutu-Upper Essequibo”) quanto à sua decepção com a situação política na Guiana pós-independente, e com o socialismo por não superar os conitos étnicos do país. Um ex-prefeito de Lethem, Sr. Muacir Baretto, que se identica como indígena, lho de mãe Wapichana e pai Makuxi, descendente de brasileiros, porém de nacionalidade güianense, apresentou o Estado güianense como fraco e inviabilizado por conitos entre os dois grupos étnicos majoritários de afro-güianenses e indo-güianenses. Identicouse também como ex-socialista, na sua juventude, que havia passado 10 meses em 1977-78 como estudante em Moscou no período soviético, e se decepcionado com o socialismo ao José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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ver tentativas de implantá-lo na Guiana levar o país ao colapso econômico. Sr. Muacir contou que se associou ao único partido capitalista da Guiana, The United Force (0,7% dos votos nas eleições de 2001), o mesmo partido a que os fazendeiros do Rupununi e grande parte dos seus trabalhadores Wapichana aderiam na época da revolta do Rupununi em 1969. Em janeiro de 2006, Sr. Muacir me deu um cartaz de propaganda deste partido político com fotos dele e sua esposa como membros. Sr. Muacir acrescentou: “Moscou abriu meus olhos, mas os eventos dos anos ’90 apenas conrmaram a minha decepção... Quando estávamos em Moscou ele (Forbes Burnham) nos visitou. A primeira coisa que ele me disse foi que o povo de vocês está exigindo mais terras. O governo do PNC concedeu títulos através do Parlamento. Em torno de 25% das terras que o último Comissário de Terras havia recomendado. A Comissão de Terras, após independência, havia recomendado 24 a 25 mil milhas quadradas no nal dos anos ´60, início dos anos ´70. O PNC aprovou apenas 6 mil milhas quadradas. Isso foi lá por 1975. Nada mudou neste país desde então”.
Ao mesmo tempo, esta decepção com o governo da Guiana é acompanhada, na perspectiva de muitos habitantes desta região de fronteira, com uma esperança no Brasil. Muitos dos entrevistados indígenas em Lethem e na aldeia vizinha de St. Ignatius manifestaram a opinião de que os povos indígenas não têm nenhum futuro com o governo de Georgetown e olham para o Brasil como um grande sucesso econômico e como um caminho para escapar da pobreza acentuada e dos conitos políticos e étnicos que assolam o densamente povoado litoral atlântico do país. Um pequeno comerciante de Lethem, Sr. Don Melville, identicou-se como mestiço, neto de um fazendeiro escocês e sua esposa indígena Atoraid. Comentou-me, revelando uma perspectiva bastante difundida na Guiana, que o Estado nacional está em processo contínuo de formação e ainda incompleto: “Não existe muito patriotismo na Guiana. Ainda precisamos
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descobrir nossa identidade”. A coalizão (2,4% dos votos nas eleições de 2001), do Guyana Action Party (fundado em 1996) e o Working People’s Alliance (fundado em 1979), GAP-WPA denese como “uma organização autônoma de povos indígenas”. O fundador do GAP, o empresário Paul Hardy, é visto como mestiço, e a parlamentar Shirley Melville se apresenta como índia aruaque do litoral da Guiana. Apesar destes políticos apelarem a identidades pan-indígenas, são vistos como comerciantes pela população local, e alguns informantes indíg enas e não-indígenas os identicaram como exploradores da mão-de-obra dos índios. O marido desta parlamentar, Don Melville armou que: “Tony James (o representante local da Amerindian Peoples Association – APA de Aishalton) diz que ele não vai expulsar os colonos, porque são eles que nos dão empregos... Há muita história atrás de tudo isso aqui. Os índios não vão mandar embora os colonos, eles apenas querem saber onde estão os limites das suas ter ras”. Na Guiana, a organização não governamental indígena, Amerindian Peoples Association - APA5, criada em 1991, e reconhecida desde 1992, vem ganhando força política em relação a direitos territoriais. Entre as quatro principais organizações indígenas a nível nacional, a APA vem ganhando mais visibilidade nesta região de fronteira com o Brasil, apesar de a vida política estar orientada, sobretudo pela participação em partidos políticos Sr. Muacir Baretto ressaltou que a maioria da população da região vê o Brasil como o gigante econômico da América do Sul e percebe o desenvolvimento econômico do estado de Roraima como um grande sucesso, comparado com o que ele descreveu como o desastre político e econômico da Guiana. Porém, a maioria da população, independente das suas origens étnicas e decepções com a recente história política da Guiana, identicava-se como güianense e expressava patriotismo. Contou que, quando era prefeito de Lethem, ele sempre tentava cultivar um sentimento nacionalista nas suas visitas a aldeias. Sr. Muacir comentou: “cultivar um sentimento patriótico não é ruim”. 5
http://www.sdnp.org.gy/apa/
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Quando comentei que o Brasil, apesar deste crescimento econômico que ele tanto admirava ao compará-lo com a Guiana, apresenta imensas desigualdades sociais, uma pequena classe extremamente rica e uma grande maioria em extrema pobreza, Sr. Muacir armou que ele não defende desenvolvimento à custa do povo. Os posicionamentos dos habitantes desta região fronteiriça têm que ser considerados à luz das imensas desigualdades internacionais. A admiração pelo Brasil como um país que “deu certo”, quando comparado com a situação econômica crítica da Guiana, não signica que estas pessoas defendam as imensas desigualdades, sobretudo no que diz a acesso à justiça e uma ordem capitalista que se sustenta em relações de poder sistematicamente assimétricas. Ao não aceitar o socialismo da forma que as tentativas de efetivá-lo se processaram na Guiana, a maioria das pessoas entrevistadas no lado güianense desta fronteira revelava uma preocupação quanto às injustiças sociais no Brasil. Sr. Muacir acrescentou que “Nós nos assustamos pela escalada de violência que está tendo no Brasil”. Comentou o recente assassinato de um comerciante indo-güianense de Lethem, Mohamed Khan, que foi seqüestrado do ônibus em que viajava de Boa Vista para Manaus por um policial, e morto e queimado na beira da estrada BR-174. A situação nesta fronteira internacional revela como as ideologias dos Estados permeiam o pensamento das populações indígenas, compreendidas dentro dos contextos locais. Essas populações, também, estão estreitamente envolvidas em processos internacionais. Há poucos anos um lho do Sr. Ernesto Farias, ex-tuxaua de St. Ignatius, fez um curso na China sobre minihidrelétricas para trabalhar numa mini UHE em Moko Moko a poucos quilômetros de St. Ignatius. Jason Johnny, um dos netos do Sr. Osmond Joseph de St. Ignatius, está em Cuba, estudando medicina na Universidade de Cienfuegos desde 2003, com bolsa de estudos do governo cubana para 5 anos. Muitas das lideranças do Conselho Indígena de Roraima viajam freqüentemente pelo mundo participando de reuniões indígenas internacionais.
Sr. Muacir comentou que o casal de comerciantes de Lethem, Don e Shirley Melville, que se identicam às vezes como mestiços, outras vezes como índios, dependendo do contexto, não seriam plenamente aceitos como índios. Tanto na Guiana como no Brasil há divergências a respeito de quem é índio. A prefeita de Uiramutã, Florany Mota, que passou a se identicar como índia Makuxi, que atualmente está ligada ao PT, não é considerada índia pelo CIR, por que ela não é reconhecida como índia pela maioria das lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ao tentar reeleição, Florany Mota, continuava lutando contra a homologação contínua desta terra indígena, e acusava o CIR de não a considerar índia por “preconceito”, armando que “A partir do momento que me posicionei contra a homologação contínua da reserva Raposa/ Serra do Sol, deixei de ser índia para as lideranças dos grupos contrários ao meu posicionamento” (FOLHA DE S. PAULO, 23/05/2004). O rápido crescimento econômico de Roraima iniciouse após a criação do Território Federal de Roraima em 1944 e sua transformação em estado em janeiro de 1991 trouxe um aumento populacional extremamente rápido com a vinda de
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Uma distinção que os povos indígenas ressaltam com freqüência, tanto no lado brasileiro como no lado güianense desta fronteira, é entre a população indígena urbana e a população indígena que mora nas aldeias. Sr. Muacir Baretto armou que Os índios que moram nas cidades como Lethem e Bonm têm uma perspectiva bem diferente daquela dos índios que habitam as aldeias. Muitos habitantes de Bonm têm criticado a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua. Os índios que moram nas cidades, eles começam a pensar como os citadinos, e os citadinos não são índios. Então, quando eles têm de tomar partido, eles se identicam com as pessoas que estão contra a demarcação em área contínua. Pensam como os habitantes da cidade.
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migrantes de outras regiões do Brasil, especialmente para a capital Boa Vista. Como nunca antes na sua história, os territórios indígenas tornaram-se alvo de ocupação por pecuaristas, agroindustriais e garimpeiros a partir de 1990, sobretudo com as operações de retirada de invasores da área indígena Yanomami (SANTILLI,2001). A partir de 1975, a Diocese de Roraima passou a patrocinar reuniões anuais chamadas “assembléias de tuxauas”, criou-se um “projeto de cantinas” e, na década de 1980, a Diocese de Roraima implementou um “projeto do gado” com o objetivo de promover a ocupação do lavrado6, transformando os índios em pecuaristas. Destas iniciativas surgiram, em 1984, os conselhos regionais e, posteriormente, uma coordenação em Boa Vista que veio a ser o CIR. Paulo Santilli (2001, p. 44). assinala que “descolando-se do plano aldeão, o Conselho Indígena erigiuse verticalmente, privilegiando a hierarquia e a representação política em moldes partidários”. Ressalta também que:
6 Nome dado em Roraima à savana ou campos naturais que constitui a vegetação original de grandes extensões do nordeste e leste do estado de Roraima.
identidades muitas vezes se sobrepõem, aparecendo, à primeira vista, contraditórias. Os conceitos de território são moldados dentro de contextos altamente politizados que reetem as divisões políticas nesta região. Tanto na Guiana como no Brasil os povos indígenas, para ganhar o reconhecimento do Estado, têm de lidar com a questão de apresentar sua diferença em relação às sociedades nacionais e ao mesmo tempo evitar ofender os valores hegemônicos (POVINELLI, 2002, p.68). As utuações econômicas internas nos dois países levaram a uxos migratórios e, com a crescente redução de recursos para políticas públicas por parte dos governos, as ONGs indígenas, indigenistas e ambientais, nacionais e transnacionais, passaram a desenvolver um papel predominante, com freqüente sobreposição de interesses. Muitos dos moradores nesta fronteira são por tadores de documentos de identidade da Guiana com nome em inglês documentos do Brasil com nome em português, caracterizando um processo de transnacionalização apontado por Cardoso de Oliveira. Em anos recentes, a crescente inuência da Amerindian Peoples Association (APA) na região 9 da Guiana está levando parte da população indígena a contestar as reduzidas demarcações de terras indígenas realizadas pelo governo güianense. A APA organizou equipes que estão efetivando um levantamento de Terras Indígenas reivindicadas pelos moradores de aldeias para submeter propostas de redenição dessas terras na base de direitos consuetudinários que nunca foram extinguidos durante os períodos colonial e pós-independência, incluindo algumas propostas de regularização de áreas contínuas maiores que reúnem diversas áreas demarcadas anteriormente em ilhas e atualmente cercadas por fazendas. A APA vem dialogando tanto com o Estado güianense quanto com outras ONGs ambientalistas internacionais, como Conservation International , que atuam nesta região. No lado brasileiro da fronteira, após uma luta política que durou 30 anos, a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, de acordo com a Constituição brasileira, em área
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o suporte material para a organização do Conselho Indígena – e isso foi se tornando mais patente a cada fracasso dos ‘projetos comunitários’ concebidos pelas agências indigenistas – depende viceralmente de recursos externos, sejam eles injetados por missionários católicos, sejam provenientes de órgãos ociais como a Funai, sejam mesmo de cooperação internacional (Ibid).
Conclusão Nessa fronteira internacional, a rearmação étnica como índios, Makuxi, Wapichana, e outras etnias, acontece num contexto permeado por interesses políticos partidários em conito aberto. Surgem diversas formas altamente politicizadas de se identicar como índio, mestiço, Makuxi, Wapichana, brasileiro, güianense, ou Amerindian, além de identidades pejorativas como caboclo no Brasil e buckman na Guiana. Essas
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contínua de 1.747.460 hectares com uma população indígena estimada em 17.559 indivíduos (FUNAI/Boa Vista), em 15 de abril de 2005, contrasta com as demarcações de Terras Indígenas em ilhas na região da Serra da Lua, ao sul, onde a maioria das terras indígenas é de extensão reduzida para sustentar suas populações que estão em pleno crescimento. A demarcação em ilhas na Serra da Lua, região ocupada por fazendeiros antes da consolidação do movimento indígena em Roraima e conseqüente reivindicação dos seus direitos originários às suas terras, resultou em uma situação atual de freqüentes conitos entre fazendeiros e povos indígenas. O Conselho Indígena de Roraima lançou, no dia 07 de setembro, durante o Grito dos Excluídos 2006, uma Campanha Pós- Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Conselho Indígena de Roraima , 13.09.2006). Os indígenas que habitam essa Terra Indígena exigem a garantia e proteção integral de suas terras e dos recursos naturais, onde arrozeiros invasores continuam a explorar indevidamente as terras e os rios. O CIR exige a extrusão dos ocupantes não índios do interior da Terra Indígena e a sensibilização da população regional sobre os direitos indígenas; chama atenção aos danos ambientais deixados pelos invasores e a necessidade de sua reparação, assim como a importância das terras indígenas para a biodiversidade e para a diversidade cultural; exige o aprimoramento e desenvolvimento de iniciativas econômicas sustentáveis, e que o governo federal mantenha um plano permanente de segurança e proteção aos povos indígenas; exige também que se agilize, no âmbito judicial e administrativo, os inquéritos que apuram os crimes contra os povos indígenas. Apesar de existirem redes de parentesco que se ramicam entre as aldeias nos dois lados dessa fronteira e por dentro desses dois Estados nacionais por toda a região do lavrado, e uxos de migrantes que em anos recentes vêm da Guiana para o Brasil, o diálogo que existe entre as principais organizações políticas indígenas nessas regiões de fronteira, o CIR e a APA, é ainda incipiente. Entretanto, em cada um dos Estados nacionai,
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os movimentos políticos indígenas através dessas organizações indígenas, seguindo os sistemas jurídicos dos seus respectivos Estados nacionais, estão reivindicando a regularização de terr as indígenas que permitam a sobrevivência cultural dos povos autóctones que habitam esta região desde muito antes da imposição de uma fronteira internacional. Referências bibliográcas
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PARTE III
MOVIMENTOS SOCIAIS, POVOS TRADICIONAIS E O ESTADO NA AMAZÔNIA
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1 Ponencia presentada en el “1 º Seminário sobre Povos Tradicionais, fronteiras e geopo- lítica em America Latina: uma proposta para a Amazônia ”, en la Universidade Federal do Amazonas, Manaus, entre el 23 al 27 de septiembre de 2008. Algunas de sus ideas son el resultado de la investigación: “Representación de las comunidades locales en el régimen subsidiado de salud: el caso del departamento de La Guajira”, nanciado por Colciencias y la Universidad de Antioquia, con la participación de varias entidades locales y nacionales, parcialmente presentadas en: “Fronteras que unen. Encuentro amazónico de cuatro naciones”, organizado por CISP y ZIO A’I. Bogotá, Biblioteca Luis Ángel Arango, del 16 al 18 de abril de 2008 2 Estudiante del doctorado en Antropología social y Etnología de la Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales de París. Coordinadora de Investigación básica del Instituto de Estudios Regionales Iner de la Universidad de Antioquia. Investigadora asociada, Grupo Recursos estratégicos, región y dinámicas socioambientales Rerdsa del Iner. Contacto:
[email protected].
Aparentemente excluyentes, las políticas neoliberales y las políticas democráticas y multiculturales, van, según Hale, de la mano. Para este autor, los efectos del neoliberalismo son variados, pero entre ellos se puede contar el mayor control sobre la oposición política, a pesar de la aparente apertura de espacios democráticos, participativos y equitativos (HALE, 2005). A partir de esta paradoja, pretendo proponer una reexión sobre posibles caminos para la acción colectiva entre los pueblos indígenas, teniendo en cuenta, tanto las políticas económicas globales, como las prácticas de modernización que incluyen los mecanismos y espacios de participación ciudadana, más individuales que colectivos, y tal vez más adversarios que conciliadores. Para ello, en la primera parte trabajaré la idea de que la geopolítica y la política neoliberal del actual sistema económico mundial escoge poblaciones prioritarias para atender, excluyendo poblaciones enteras, reforzando las desigualdades, debilitando la función estatal, y yendo en contra de las dinámicas ciudadanas contemporáneas, fundamentadas en los derechos (sociales, políticos y económicos). En el contexto de las reformas neoliberales de los sistemas de salud, el modelo hegemónico de atención en salud se enfoca al individuo, desarrolla un consumidor de servicios, genera una dinámica de mercado (incluyendo el manejo de los dineros públicos con lógicas privadas), y en este sentido limita la acción colectiva. Este modelo hegemónico contribuye a la judicialización del ejercicio de derechos. En el segundo segmento de este texto quiero proponer algunos elementos para pensar los modelos de atención para la frontera y para pueblos indígenas. Para ello, privilegiaré un enfoque territorial, intercultural y político. Destacaré la necesidad de un modelo de atención fronterizo fundamentado en acuerdos económicos y coordinación de las acciones de prevención, promoción y salud colectiva, que al mismo tiempo promueva la acción colectiva mediante la participación (decisión y práctica). ***
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Claudia Puerta Silva 2
… neoliberal governance includes the limited recognition of cultural rights, the strengthening of civil society, and endorsement of the principle of intercultural equality. When combined with neoliberal economic policies, these progressive measures have unexpected effects, including a deepened state capacity to shape and neutralize political opposition, and a remaking of racial hierarchies across the region (HALE, 2005).
En este texto serán expuestas algunas ideas preliminares sobre los condicionantes estructurantes y los márgenes de maniobra de la participación social y la acción colectiva en el contexto del desarrollo de sistemas de salud interculturales. A pesar de que las reformas que han sufrido buen número de sistemas de salud latinoamericanos y africanos, provienen de mandatos neoliberales, para Colombia, por lo menos, podríamos decir que el sistema de salud se ha convertido en una interfaz de interacción privilegiada entre el Estado y los ciudadanos identicados como “vulnerables sin capacidad de pago”, entre los que se encuentran los indígenas. Y a pesar de este acercamiento del Estado, el margen de maniobra para la acción colectiva es reducido.
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En Colombia, como en otros países, el sistema de salud ha pasado de ser centralizado, universal y gratuito a ser un sistema descentralizado, focalizado y asegurado. Las reformas del sistema han implicado que los pacientes se conviertan en usuarios, e incluso, en clientes-consumidores. De hecho, se han aanzado las diferencias entre la atención en salud según el estrato socioeconómico. Además, las responsabilidades y funciones se han fragmentado y difundido entre varias entidades y actores. El capital privado ha aumentado su participación en el sector, de la mano del paulatino desprestigio de la administración pública. El usuario debe cumplir el rol de ciudadano, en tanto se contemplan para él espacios de ejercicio de derechos tanto relativos al acceso a los servicios de salud y a su calidad, como relativos a su participación en la toma de decisiones.
Los derechos sociales y la geopolítica de la salud El goce del grado máximo de salud que se pueda lograr es uno de los derechos fundamentales de todo ser humano sin distinción de raza, religión, ideología política o condición económica o social (Constitución de la OMS).
El Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones Unidas hizo en 2000 una observación general que expresa que “el derecho a la salud no sólo abarca la atención de salud oportuna y apropiada sino también los principales factores determinantes de la salud, como el acceso al agua limpia potable y a condiciones sanitarias adecuadas, el suministro adecuado de alimentos sanos, una nutrición adecuada, una vivienda adecuada, condiciones sanas en el trabajo y el medio ambiente, y acceso a la educación e información sobre cuestiones relacionadas con la salud, incluida la salud sexual y reproductiva” (OMS, 2007b).
Por ello, las prioridades establecidas en la garantía del derecho a la salud son: atención primaria de salud esencial,
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alimentación esencial mínima nutritiva, saneamiento, agua limpia potable; medicamentos esenciales. Otra obligación de los Estados es elaborar, adoptar, aplicar y revisar periódicamente, sobre la base de un proceso participativo y transparente, estrategias y planes de acción nacionales de salud pública; deben también, prever indicadores y bases de referencia que permitan vigilar estrechamente los progresos realizados; y nalmente, deben prestar especial atención a todos los grupos vulnerables o marginados (OMS, 2007b). El derecho a la salud en Colombia es un derecho prestacional, es decir, la obligación estatal se centra en garantizar la oferta de servicios de salud y en asegurar el acceso a los mismos. El Estado aboga, entonces, por el usuario, garantizando que proveedores y aseguradoras presten los servicios con calidad y eciencia. Como fue denido en la Constitución Política de 1991, la salud es un derecho prestacional 3, sin embargo, recientemente la Corte Constitucional denió el derecho a la salud como fundamental. Brasil, por su parte, es uno de los países en cuya constitución política hay una mención muy clara y explícita de la salud como derecho fundamental (GAURI, 2003)4. Esta mención, a diferencia de Colombia, permite un ejercicio más directo del derecho a la salud. Pero en Colombia, en tanto prestacional y no fundamental, el derecho a la salud es interpretado ambiguamente, tanto al interior del sistema mismo, como desde los usuarios, respecto a las responsabilidades diferenciadas del Estado y de los distintos proveedores y aseguradores, públicos y privados. Es 3 “El derecho a la Seguridad Social se considera como un derecho de contenido prestacional, porque, para su efectividad, requiere de una serie de normas y asignaciones de carácter presupuestal, además de un esquema de organización que permita la viabilidad de la prestación de determinado servicio público. En relación con el derecho a la salud se encuentra también por fuera del listado de derechos fundamentales y está incluido en aquellos de carácter social, económico y cultural” (VÉLEZ, 2005). 4 “Brazil offers a compelling example of the force of human rights language. The Brazilian Constitution of 1988 guarantees each citizen the right to free health care. Although the constitutional guarantee has not eliminated shortages and inequalities in the sector, that provision had real “bite” in 1996. That year a presidential decree initiated a program of universal access to anti-retroviral drugs for HIV patients, free of charge” (GAURI, 2003, p. 1).
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problemático para los usuarios distinguir entre una garantía limitada al acceso a los servicios, el subsidio y la aparente gratuidad. En este contexto, el ejercicio del derecho a la salud se ha judicializado paulatinamente. La demanda judicial del acceso a los servicios de salud se revela en la preeminencia del uso de mecanismos adversariales como la tutela5.
5 “Es el mecanismo creado en el artículo 86 de la Constitución de 1991, mediante el cual toda persona puede reclamar ante los jueces la protección inmediata de sus derechos constitucionales fundamentales, cuando estos resultan vulnerados o amenazados por la acción o la omisión de cualquier autoridad pública o de los particulares en los casos establecidos en la ley”. Debe ser respondida en menos de 10 días (PERSONERÍA-DE-BOGOTÁ, 2008).
talvez, en parte, a la relación triangular Estado/aseguradora- proveedor/usuario, en la cual el Estado delega la función pública, pero aún no tiene la capacidad ni la autonomía para ejercer un control adecuado de dicha delegación. El contrato social, como lo conciben Santos y García (2001), se ve fragmentado. A pesar de que el objeto mismo del Estado es garantizar el bienestar de sus ciudadanos, y en consecuencia, la salud, se convierte en un derecho (MCGREGOR, 2004), por lo menos en el caso colombiano su ejercicio se condiciona a la lógica del mercado, en la cual, el actor privado busca cumplir con la delegación, y también obtener lucro económico. La tendencia actual apunta a la comprensión de la atención en salud como un servicio disponible en el mercado, más que como un derecho ciudadano vinculado a la vida y al bienestar (HERNÁNDEZ ÁLVAREZ, 2000). La oleada de reformas de los sistemas de salud sigue esta misma tendencia. Todos los sistemas se han insertado en una lógica neoliberal, en la que se ubica al usuario de un servicio de salud como consumidor y no como paciente. Pero también ubica a los prestadores de servicios de salud (y a los administradores y aseguradores, en el caso colombiano) como empresas que deben generar estrategias para minimizar costos y rendir más, lo que en algunas ocasiones se traduce en prácticas que limitan el acceso a los servicios y bajan su calidad. En diferentes niveles de avance, las reformas de los sistemas de salud en todos los países, especialmente en los latinoamericanos, se dirigen hacia la descentralización, la privatización y/o la delegación de la función pública de la salud a terceros, en general privados. Otro común denominador se relaciona con el aseguramiento. La contención de costos del riesgo introduce elementos que favorecen las barreras al acceso, en detrimento de la salud y en benecio de las nanzas. En particular, el aseguramiento presenta dicultades administrativas en relación con las poblaciones indígenas, y mucho más, cuando sus territorios no coinciden con divisiones político-administrativas internas de los países, e incluso, se extienden más allá de los límites internacionales.
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But if understood not as binding constraints but high priority goals, rights to health care and education can be useful and meaningful… In this view, rights are not legal instruments for individuals (though they can be, if governments codify them in domestic law), but duties for governments, international agencies, and other actors to take concrete measures in pursuit of ideals on behalf of individuals (GAURI, 2003, p. 7).
Lo que expresa Gauri no ha sido posible. De hecho, la modernización del Estado, y con ella la reforma neoliberal del sistema de salud, reeja un nuevo contrato social en el cual el Estado no ofrece, en sí mismo, los servicios de salud sino que garantiza su oferta y las condiciones que permiten su desempeño (DOVER y PUERTA SILVA, 2008). “La transformación de un sistema de salud asistencial en un sistema orientado hacia la descentralización, al mercado y al aseguramiento, operando en un Estado moderno, e integrando un concepto de ciudadanía y de responsabilidad cívica, requiere un cambio de actitud por parte del usuario cuyo aspecto más evidente es la transformación del paciente en cliente o, mejor, en consumidor, y más aún en un consumidor crítico de un producto –servicios de salud– fundamentado en el ejercicio informado de un derecho ciudadano” (Ibid., 2008, p. 15).
La complejidad del sistema colombiano hoy se debe,
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Es posible entender la focalización del aseguramiento y el traslado de costos a los individuos en términos de una geopolítica de la salud, según la cual existen zonas prioritarias para la atención (grandes ciudades industrializadas) y de una biopolítica -como fue mencionado por Vladimir Montoya en una de sus intervenciones- que diferencia entre ciudadanos de primera y segunda categoría, entre ricos y pobres, y poblaciones prioritarias. En la situación actual del sistema de salud colombiano se podría interpretar el retiro del Estado como la casi delegación total de su soberanía en cuanto al cuidado y protección de sus ciudadanos. Al no tener capacidad institucional y administrativa para controlar y vigilar a los actores privados y a sus entes descentralizados, el Estado deja en manos de éstos, la responsabilidad de garantizar la salud de su población. La variable del mercado introduce elementos de focalización de salud como: privilegios de aseguramiento para la franja poblacional en edad reproductiva, la cual tiene menos riesgos de enfermarse; también privilegia la atención en las zonas urbanas en las cuales el gasto por parte del usuario es posible, pues en las zonas rurales este costo es del proveedor; se enfoca en zonas de producción de capitales y no en zonas que no son estratégicas económicamente. Las dinámicas económicas de la salud parecieran determinar, en resumen, a quien se atiende, cuida y cura. En este sentido, en contextos plurales, tanto en cuanto a la población como a los actores del sistema, más que hablar de derecho habría que hablar de derechos a la salud, entendiendo no solamente el derecho a la salud que garantiza la vida y su calidad, sino también, el derecho al acceso a la atención, el derecho a servicios adecuados cultural y territorialmente, el derecho a la calidad técnica de los servicios, el derecho a comprender los procedimientos para recuperar la salud, el derecho al mantenimiento de la misma, y el derecho a todos los condiciones positivas para la salud (agua, nutrición, sanidad ambiental, etc.). La participación social y la acción colectiva son centrales para comprender las tensiones que sufre hoy el sistema de salud. De alguna manera es la acción colectiva la que ofrece balance a las
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dinámicas económicas de la salud. Por ejemplo, un conjunto de acciones individuales llevó a la corte constitucional de Colombia a instaurar una regulación que obliga a las aseguradoras a autorizar servicios no contemplados en el paquete de servicios, pero que serán cobrados al Estado sin pasar necesariamente por una tutela, sino como un acto administrativo6. El caso de la movilización de los pueblos indígenas ha incluido, desde hace décadas, la interculturalidad como una de las condiciones irrenunciables de los sistemas de salud. Sin embargo, aunque se han hecho avances, la participación de los gobiernos indígenas con miras a la interculturalidad de los servicios de salud resulta ser centrada más en su participación económica que en su participación en la planeación de los servicios (PUERTA SILVA, 2004). La geopolítica de la salud resulta en la priorización de territorios y en la expansión de la hegemonía de un modelo de atención asegurado, medicalizado e individualizado. En las investigaciones realizadas se estableció que difícilmente los movimientos sociales tienen posibilidades de desarrollo en un contexto de necesidades insatisfechas, en donde la concentración de los individuos está enfocada a la sobrevivencia. La economía política ha integrado también al mercado los servicios que eran competencia del Estado, entre los cuales, los de salud. Es por ello que la participación de aseguradoras multinacionales en los sistemas de salud actuales es cada vez mayor. En este contexto, los servicios de salud, su calidad y sus enfoques, son determinados más por la economía política que por un enfoque de derechos. Ya que el individuo es central en el modelo que rige hoy la atención en salud, el margen de maniobra para la acción colectiva es reducido, puesto que se reproduce un acceso individual a los servicios, que no permite movilizar colectivamente una demanda de los mismos. La medicalización, además de contribuir a la deshumanización de la relación médico-paciente, tiende a promover la contención de gastos privilegiando la “curación” 6 En el periódico mensual El Pulso de los meses de agosto y septiembre 2008 se hacen amplios análisis sobre este fenómeno. Ver http://www.elpulso.com
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de la enfermedad en lugar de la prevención y la promoción de la salud. Tanto la atención primaria como las actividades educativas y de promoción han sido proclamadas, en general, como exitosas por parte de las autoridades internacionales, y sin embargo, hoy los sistemas de salud no invierten en estas acciones y concentran el gasto en la curación. Finalmente, la medicalización del modelo de atención en salud tiene varias implicaciones sobre la salud de una sociedad a largo plazo. Como no promueve estilos saludables, es probable que resulte en el aumento de costos a largo plazo, pues habrá mayores índices de morbilidad. Lo paradójico es que en países como Colombia, en los cuales las empresas aseguradoras serían las primeras interesadas en que nadie se enferme, y en consecuencia, que no se usen los servicios, al contrario, éstas buscan el lucro rápido mediante la imposición de barreras al acceso. Aunque la lógica del mercado supondría que “la libre elección” del usuario regularía la competencia gracias a las exigencias de calidad, en el caso de Colombia, la interpretación del subsidio de salud (o la garantía de la salud por parte del Estado) como un regalo del Estado, como una caridad o como un favor, limita el control social que el mercado “proporciona” a los individuos. Así, el ciudadano no se siente con el poder de crítica o demanda, pues no es consciente de que el pago realizado por el Estado a las aseguradoras, es una oblig ación de éste y un derecho suyo, que supone una delegación de la función pública y una transferencia de dineros públicos. Es por ello que en el contexto de un sistema de salud que se compadece con las declaraciones de los derechos sociales, económicos, y políticos, pero que también funciona bajo las lógicas del mercado, exige de un consumidor crítico que sea a la vez un ciudadano informado. Éste consumidor-ciudadano deberá participar en el control y vigilancia del manejo de los dineros públicos y del cumplimiento de la función delegada por el Estado. No obstante, la presión social que un ciudadano o grupo de ciudadanos pueda ejercer, los Estados que sufrieron las reformas neoliberales fueron debilitados mediante discursos
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hegemónicos y desmantelamientos prog resivos. A pesar de la armación de Hale, referente a la apertura de espacios políticos multisocioculturales, lo que vemos es que ante la negación de derechos a razón de las dinámicas económicas locales y nacionales, el individuo, quien es el centro del sistema de salud, se moviliza acudiendo a recursos jurídicos. Por eso, en este caso, -como en el expuesto por Alfredo Almeida frente a las nuevas identidades- también somos testigos de la judicialización del derecho a la salud. La participación del ciudadano es adversarial, más que consensual o constructivista. En el siguiente segmento de esta ponencia quiero proponer algunos elementos para pensar los modelos de atención en salud para la frontera y para pueblos indígenas. Para ello privilegiaremos un enfoque territorial, intercultural y político.
Hacia la construcción de modelos de atención en salud transnacionales e interculturales Múltiples son los mandatos, documentos marco y legislaciones que llaman la atención sobre la salud en relación con las poblaciones indígenas, indicando las prioridades para proteger y promover sus derechos (OMS, 2006). Dada la declaración de multiculturalidad de la nación colombiana en la reforma del sistema de salud realizada con la Ley 100 de 1993, se establecieron algunos parámetros para garantizar los derechos minoritarios en salud. Sin embargo, fueron muy vagos. Solamente con la Ley 691 de 2001 se aclararon algunos puntos, sin necesariamente ser concretados en la práctica. El reto más importante para un sistema de salud tal vez sea su capacidad de respuesta a las múltiples y diversas expectativas y necesidades de sus usuarios, especícamente, usuarios provenientes de grupos indígenas. La adecuación de la atención en salud entra en tensión con tendencias estandarizantes de la prestación de los servicios con el n de medir calidad y eciencia. No solamente los sistemas deben adecuarse a las condiciones y poblaciones locales, sino que también deben responder a los estándares médicos y a las José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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exigencias económicas de competitividad y productividad. En el caso de los límites fronterizos internacionales7, la complejidad aumenta en la medida en que la atención en salud, especialmente la salud pública y colectiva, idealmente no reconocería límites geográcos ni diferencias en sus modalidades de atención en salud. Más que en cualquier otro contexto, en el caso de los pueblos indígenas, la salud medicalizada y fragmentada en servicios, procedimientos, cadenas de trámites, entra en tensión con las concepciones de salud y bienestar indígenas, en general, integrales, colectivas y preventivas. El reto consiste, entonces, en que los sistemas de salud individualizados, mercantilizados, medicalizados y estandarizados de hoy, integren, reconozcan y favorezcan múltiples procesos de promoción, recuperación y mantenimiento de la salud, y diversas representaciones y prácticas culturales alrededor de ellos. La reforma del sector de la salud en Colombia cambió la manera en que se atendía a la población indígena. Antes de 1993 los servicios eran gratuitos y eran proporcionados por los hospitales públicos8. Las acciones de salud pública eran ejercidas por las Secretarías Departamentales de Salud, los hospitales públicos y por algunas direcciones de asuntos indígenas. Con la Ley 100 de 1993, los indígenas se convirtieron en beneciarios del régimen subsidiado de salud, pero también en actores protagonistas de su funcionamiento (PUERTA SILVA, 2004). Lo más sobresaliente de las normas que rigen el funcionamiento del sistema de salud para los indígenas, es la exigencia de la adecuación cultural de los servicios de salud, el respeto por sus cosmovisiones y la inclusión de la medicina tradicional. Aunque la reforma de los sistemas de salud es una tendencia, los países con inuencia en la Amazonía se encuentran en diferentes niveles de transformación de los sistemas nacionales de salud. La mayoría combinan sistemas de aseguramiento con
sistemas de atención gratuita a la demanda. Todos han descuidado de alguna manera la atención primaria en salud, la promoción de la salud, los mecanismos de servicios en red y la salud pública de enfoque comunitario, fundamentales para el caso indígena, y han propendido por modelos curativos, individualizados y medicalizados (OMS, 2007a). Finalmente, estos sistemas tienden a relegar el Estado a un plano menos protagónico, delegando en terceros sus funciones y responsabilidades, y ubicando el derecho ciudadano y colectivo a la salud, en el ámbito de los servicios y no de los “capitales” fundamentales de una Nación. En particular, para el caso de los pueblos indígenas, aún no ha sido posible integrar variables necesarias en los sistemas de información que produzcan evidencia sobre las particularidades culturales, y en consecuencia, no existen los instrumentos útiles para el diseño de modelos de atención pertinentes y adecuados (OMS, 2007a)9. Estos sistemas de información tampoco logran trascender las fronteras establecidas por los límites interadministrativos —municipalidades, territorios indígenas, departamentos o distritos—, y en este sentido, no dan cuenta de los vínculos que tienen las poblaciones con un territorio más amplio que estas jurisdicciones administrativas.
Particularidades culturales La pluralidad cultural es un reto para cualquier sistema de salud. Tradicionalmente, las “Otras” culturas —distintas
7 Por límites fronterizos entenderé los límites geográcos acordados por los Estados que delimitan los espacios en donde ejercen su soberanía. La noción de frontera, desde esta perspectiva, no es necesariamente geográca y su naturaleza es múltiple y variable. 8 El Decreto 1811 de 1990 estableció la gratuidad de los servicios de salud para los pueblos indígenas. Este decreto sigue vigente para los no aliados y para los servicios no cubiertos por el Plan Obligatorio de Salud – Subsidiado (POS-S).
9 Este mismo documento señala que “Las condiciones de salud de los pueblos indígenas son consistentemente peores que las de la población no–indígena. En la Región, más de 45 millones de habitantes pertenecen a las etnias originarias, pero los sistemas de información no destacan sucientemente las variables raciales y culturales, lo que diculta el desarrollo de estrategias apropiadas para intervenir sobre los daños a la salud de esta importante población hacia el acceso universal y equitativo de la atención de salud en las áreas rurales y periurbanas marginadas, donde los servicios son prácticamente inexistentes. Estos servicios deben ser culturalmente aceptables e incorporar adecuadamente las prácticas tradicionales locales de probada inocuidad y en lo posible efectivas. Se propone favorecer el desarrollo de los sistemas de salud propios de los pueblos indígenas, en paralelo a su inclusión al sistema nacional de salud. El fortalecimiento de los sistemas de referencia y contrarreferencia y el mejoramiento de los sistemas de información sanitaria a nivel nacional y local, facilitarán la provisión de servicios de una forma integral y oportuna” (OMS, 2007a: 15).
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a la occidental— han sido percibidas desde la salud pública como elementos complejizadores de la aplicación de políticas. ¿Cómo se ha tenido en cuenta “lo local” en los sistemas de salud? ¿Cómo se abordan las particularidades, las diferencias, la diversidad sociocultural, las prácticas cotidianas, las visiones del mundo? ¿Cuál es el contexto más amplio, desde el cual se formulan las políticas de salud? (PUERTA SILVA, 2007). Se podría decir que la salud pública, más que la atención clínica, se ha acercado a las particularidades locales. Ha tenido en cuenta estas particularidades culturales reconociendo la relación estrecha entre cosmovisiones y comportamientos. Ha identicado que las personas se comportan, se comprometen en acciones y toman las decisiones sobre su salud de acuerdo a la percepción que tengan sobre el tipo, la gravedad y los riesgos relacionados con la enfermedad o el malestar. Ha asumido que la salud y la enfermedad provienen de fuerzas culturales y de experiencias y percepciones individuales (SCRIMSHAW, 2006). Existe una amplia literatura sobre creencias y comportamientos en salud, contextos ambientales y biológicos, y éxitos y fracasos en la implementación de programas de salud, especialmente pública, que ha demostrado la impor tancia de tener en cuenta las particularidades culturales en los programas, o la pertinencia de “meterse en la cabeza del otro”, y de comprender la salud y la enfermedad desde sus diversas perspectivas (SCRIMSHAW, 2006). Sin embargo, no basta con reconocer la particularidad cultural para formular programas de salud, es necesario tener en cuenta el contexto que limita o posibilita su éxito. Por un lado, tiene que ver con la interculturalidad necesaria en el diseño de los planes de salud, y por otro lado, exige resolver condiciones globales determinantes que limitan el margen de maniobra de los sistemas (PUERTA SILVA, 2007). La interculturalidad de la salud, entendida como construcción social, está relacionada en primer lugar, con la pluralidad de concepciones que sobre la salud y el tratamiento de la enfermedad tienen los diferentes actores; y
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en segundo lugar, con la adaptación y desarrollo de sistemas de salud propios y adecuados. En la literatura se ha discutido ampliamente el bienestar en términos del vivir-bien, sentirsebien, y tener-bien, señalando que el bienestar es tanto un resultado, como un proceso (MCGREGOR, 2004). A esto se adiciona la diversidad de concepciones sobre “estar-bien”, las experiencias y, por lo tanto, las expectativas de bienestar, las cuales se reproducen en su articulación. Un elemento de análisis para acercarse a esta problemática es la interacción entre las propias concepciones de lo que es estar bien y estar sano, y un sistema que impone su propia concepción del proceso saludenfermedad, medicalizándola y despojándola de su humanidad (haciéndola más técnica y protocolizable)10. Entre los pueblos indígenas existe una diversidad cultural y étnica, traducida en diferentes formas de pensar la salud, la enfermedad y por las formas de relacionarse con el ambiente. Una fuerte dimensión espiritual que liga la salud con el estado de la tierra como un organismo viviente, juega un rol importante en la concepción de las relaciones con el entorno. Otras nociones que resultan constantes en las concepciones indígenas son: la armonía, el equilibrio, la reciprocidad, el orden y la regulación social derivada de la cosmovisión y de la relación con los demás constituyentes de la naturaleza, la importancia del territorio y de sus recursos para “estar bien”, y el sentido colectivo de la salud y el bienestar (PUERTA SILVA, 1999). Generalmente, las causas de las enfermedades están asociadas a estados de desequilibrio y desarmonía del mundo material y espiritual. Así mismo, la salud y el bienestar se relacionan estrechamente con todas las dimensiones que componen la vida social y cultural, es decir, la salud es de alguna manera el resultado de que todas ellas estén bien (Ibid., 1999). La visión clásica de occidente sobre la salud que ha determinado los modelos de atención hoy en curso, no 10 Aquí valdría la pena remitirnos a la diferenciación que hizo Vladimir Montoya en su intervención entre la perspectiva del desarrollo que impone un ideal occidental de “estar mejor” frente a un ideal no occidental de “estar bien”.
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responde a las concepciones indígenas, tal como las hemos descrito antes. La medicina occidental y las medicinas indígenas trabajan basadas en concepciones diferenciadas del cuerpo, la vida, la muerte, la enfermedad y la salud. Ya que hay nor mas que reconocen y promueven la diversidad cultural, es necesario encontrar los mecanismos para implementarlas. Los estados de la Amazonía han avanzado, por lo menos en la normatividad. En algunos de ellos se cuenta con algunas experiencias de construcción conjunta de sistemas de prevención, promoción y de atención que tienen en cuenta la pluralidad de concepciones 11, pero hace falta librar los obstáculos de un contexto neoliberal, la débil capacidad institucional de los Estados, las carencias en los procesos participativos, y las dicultades que plantea para los sistemas nacionales un enfoque descentralizado y transnacional.12 . La pluralidad cultural cruza también el ámbito de la atención y del acceso a los servicios de salud, de la participación en el sistema y de la articulación de los sistemas de salud tradicionales con el existente propuesto por el Estado. Actualmente la medicina occidental ha ganado espacio, aunque se hacen intentos por mantener activas, y en uso, las medicinas tradicionales. En un estudio realizado en La Guajira colombiana, se concluyó que los sistemas nacionales —el colombiano y el venezolano— son considerados por los wayuu como complementarios entre sí, y con la medicina tradicional. Aunque es generalizado el temor frente a la desaparición de las prácticas médicas tradicionales debido al aumento del uso de los 11 La experiencia de Nazareth en La Guajira; La experiencia reportada en Gue vara (1998) de la seccional de salud de Vaupés. Existen múltiples documentos que dan cuenta de los esfuerzos de las organizaciones amazónicas para consolidar sus propuestas de modelos de atención interculturales y transfronterizos (OPS, OTCA y REDSIAMA, 2005; RedSIAMA, 2002; ROSSI, 2007). 12 “Las diversas exposiciones señalaron la urgencia de diseñar líneas de base para la construcción de un modelo de salud intercultural en el marco de la protección social en salud. Entre ellas se destacan la puesta en marcha de un sistema epidemiológico con participación de las comunidades y la consecuente necesidad de desarrollar recursos humanos sensibles a la interculturalidad. También se debe resaltar la urgencia de reexionar en torno a la forma de descentralizar un sistema de salud sin perder de vista las dinámicas poblacionales que en muchos casos no respetan las fronteras” (OPS, OTCA y REDSIAMA, 2005, p. 6).
servicios de salud nacionales, podría decirse que los wayuu logran diferenciar, para cada dolencia particular, las mayores ventajas que les ofrece uno y otro. Sin embargo, lo que sí es evidente es una tendencia hacia la curación en desmedro de la promoción y prevención, tendencia causada por el fuerte enfoque curativo de los sistemas nacionales (DOVER y PUERTA SILVA, 2008). Aunque las aseguradoras y hospitales creados por grupos indígenas han logrado un posicionamiento en el sistema de salud, y cumplen en parte con los estándares nancieros y de calidad que exige el sistema, no logran aún la adecuación cultural de los servicios y de la atención. La interculturalidad no es solamente tener traductores y/o tener médicos nativos. Mucho menos, ésta es dada de facto por ser una institución indígena. La adecuación intercultural signica que tanto para los indígenas como para otros usuarios no indígenas se tenga en cuenta su cosmovisión y sus propias prácticas para prestarles los ser vicios apropiados. La interculturalidad no es tampoco instalar a un médico tradicional al lado del occidental, o institucionalizarlo. Se trata más bien de establecer mecanismos de referencia y contra-referencia, de consultas inter-médicas, de acuerdos en las propuestas curativas entre los médicos. Se trata de fortalecer la medicina tradicional en sus propios términos y lugares, garantizando su reproducción y el acceso a ella en las mismas condiciones que a los servicios del sistema nacional de salud. La interculturalidad es una construcción cotidiana que no puede ser ni impuesta ni pensada desde la normatividad. La normatividad la posibilita, pero son las voluntades, las capacidades, las habilidades y el margen de maniobra de los actores, los factores fundamentales para construirla. La capacidad no sólo signica la adquisición de conocimientos, signica también la sensibilización frente al otro, frente a sus conocimientos, frente a su manera de vivir y de experimentar la vida. En este sentido, consideramos que una interlocución en igualdad de condiciones y con léxicos compartidos fundamentaría una nueva forma de planeación y prestación de los servicios de salud (DOVER y PUERTA SILVA, 2008).
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En el caso de los indígenas se podría “aprovechar” su derecho a la autonomía territorial. La Constitución de Colombia denió los territorios indígenas como Entidades Territoriales13 , asimilándolos a los roles de departamentos, distritos y municipios. Los resguardos indígenas participan de las rentas nacionales y sus autoridades, en tanto “entidades públicas” adquirieron responsabilidades relativas a la salud, la educación, el desarrollo y los servicios públicos. En este sentido, valdría resaltar que, por lo menos en Colombia, los pueblos indígenas son al mismo tiempo agentes locales14 y usuarios del sistema de salud (PUERTA SILVA, 2004).
Trascendiendo los límites fronterizos y atendiendo territorios No se podría decir que los límites fronterizos y g eográcos coincidan con las dinámicas propias de la salud y la enfermedad. Las epidemias no conocen de límites. Para evitarlas y detenerlas se les imponen fronteras distintas a las geográcas: políticas, económicas, sociales y culturales. Los organismos internacionales han propuesto varias iniciativas de sistemas de salud que se fundamentan en las condiciones locales. Los sistemas locales de salud pretendían desarrollarse, reconociendo y acogiendo la diferencia y la autonomía de las localidades, proporcionándoles las condiciones necesarias para mejorar su salud y ejercer un mayor control sobre la misma (PUERTA SILVA, 1999). Según la Organización Panamericana de la Salud, los sistemas locales de salud en contextos culturalmente plurales “son el complejo conjunto de 13 El término de Entidades territoriales se reere a los municipios, departa mentos y territorios indígenas que participan en las rentas nacionales. 14 Basados en el “ principal-agent approach ”, Bossert y Beauvais (2002) denieron dos actores en los sistemas de salud: los “principales” (los Ministerios de salud y las instituciones estatales que regulan los sistemas descentralizados de salud); y los “agentes locales” (gobiernos municipales y regionales, así como las oci nas descentralizadas o las instituciones autónomas que implementan las acciones denidas por los principales). En este sentido, consideraremos a los gobiernos indígenas como agentes locales, pues participan en los procesos locales del sistema de salud.
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procesos que constituyen la totalidad de las acciones sociales en salud en el nivel local, incluyendo, pero no restringiéndose a la prestación de servicios de salud” (OPS, 1993). Los sistemas locales de salud y los modelos de atención asumen la relación intrínseca de la salud y las condiciones locales de existencia de las poblaciones. El desarrollo local de sistemas de salud permitiría la construcción y mantenimiento de una infraestructura ajustada a las condiciones particulares de la región y de la población; la conformación de un cuerpo con agentes de salud nativos, promoviendo el acceso a la salud, mejorando el uso de los servicios de salud; y la articulación de las prácticas médicas tradicionales con el sistema nacional. La participación de la comunidad en la denición de acciones y programas basados en sus necesidades, problemas y expectativas, podría promover su compromiso con su propia salud y el funcionamiento del sistema de salud. Aunque se han concretizado en acuerdos bilaterales, las acciones de cooperación, especialmente en salud pública, todavía deben avanzar hacia el diseño e implementación de modelos de atención que convengan con los modelos de cada uno de los sistemas de salud nacionales, con las concepciones indígenas sobre la salud, las prácticas médicas, etc. La cooperación internacional tiene una larga historia. A nales del siglo XIX se discutieron medidas de cuarentena para tratar las epidemias de la plaga y el cólera, que terminaron en acuerdos de cooperación internacional. Después de las dos guerras mundiales, el Plan Marshall para la recuperación de Europa incluyó ayudas para los servicios de salud. En la actualidad, la cooperación internacional se ha concentrado en lo que algunos denominan los “bienes públicos internacionales”, pero es complejo acordar acciones que comprometen intereses muy distintos (WALT, 2006). El caso de la resistencia creada por el abuso de antibióticos en países de ingresos bajos es uno de ellos. Los países productores son reacios a acuerdos que impliquen la reducción de estos medicamentos en los mercados.
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“El nuevo Reglamento Sanitario Internacional (RSI 2005) ofrece a los países nuevas oportunidades para fortalecer las capacidades de salud pública y colaborar entre sí. Los países de las Américas deben asumir las nuevas obligaciones que establece el RSI para prevenir y controlar la propagación de las enfermedades dentro y fuera de sus fronteras” (OMS, 2007ª, p. 21). El reconocimiento de las condiciones en las que viven actualmente las poblaciones ubicadas en límites fronterizos es un acercamiento a sus necesidades y expectativas. No puede ser posible que un límite administrativo imponga un sitio de atención, geográcamente más lejano que el cercano realmente. Los conglomerados de poblaciones que comparten características culturales, sociales y ambientales, deberían compartir también los modelos de atención en salud. En este sentido, desde la escala más local hasta la regional, los planes de salud se convertirían en las políticas locales de los sistemas nacionales de salud fundamentadas en la información verídica. El desempeño de los sistemas de salud convencionales se ve afectado por aspectos relacionados con las prácticas y visiones sobre la salud, los patrones de residencia, las migraciones estacionales, las actividades productivas, las actividades rituales, las condiciones ambientales. El desarrollo local de sistemas y de planes de salud, proporciona un espacio de participación importante para los pueblos indígenas, trascendiendo los procesos de consulta y concertación promovidos internacionalmente15. Desde el momento en el que se establezcan las prioridades locales en salud de acuerdo a las necesidades de las poblaciones y a sus intereses, será posible que se avance también hacia la intervención de los usuarios en procesos de control, vigilancia y evaluación. Para que este escenario sea posible, es fundamental que la participación indígena y la sensibilización y voluntad de los gobiernos locales y nacionales sean dirigidas hacia un 15 Como ha sido dispuesto por la Convención 169 de la Organización Internacional del Trabajo; la Constitución colombiana de 1991; la Ley 21 de 1991 y las otras normas relacionadas.
esfuerzo conjunto en el desarrollo local de sistemas de salud, manteniendo su articulación y cooperación con los sistemas nacionales. Por ello, el enfoque territorial de los sistemas de salud llama la atención sobre las particularidades locales que se extienden sobre un espacio más allá de divisiones político-administrativas. El territorio podría ser denido, desde esta perspectiva, como la producción, reproducción, representación y apropiación de un espacio de existencia por grupos humanos, asemejándose a una noción de ambiente que incluye la naturaleza, el ser humano, y otros seres y elementos con los que se interactúa según las diferentes cosmovisiones. Esta denición de lo territorial implica reconocer que las áreas delimitadas, por ejemplo, epidemiológicamente, pueden variar en términos de sus comunidades, lo que implicaría que un programa de salud pública para la malaria, por ejemplo, tendría necesariamente que identicar y enfrentar las variaciones socioculturales del territorio y no exclusivamente, geográcas. En este sentido, el enfoque territorial identica los territorios de inuencia de un modelo de atención o de un sistema local de salud en términos de las características de las poblaciones y de sus espacialidades, y no en términos de accidentes geográcos o límites políticoadministrativos (PUERTA SILVA, 2007). En este sentido, el enfoque territorial entiende que lo local consiste en procesos experienciales y culturales propios de las poblaciones; en la interpretación y agenda propia de los gobiernos locales; en los procesos que articulan a las localidades y poblaciones con procesos más amplios o globales. Los servicios de salud y los modelos de atención tendrán que ser construidos localmente para responder adecuadamente a estas condiciones. Tal vez los principales retos en los límites fronterizos tengan que ver con acciones coyunturales y acciones de largo aliento: por ejemplo, el control epidemiológico podría asumirse como respuesta a eventos que se presenten. Pero la vacunación, los controles de vectores, etc. deben constituirse en acciones
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periódicas y coordinadas, por los riesgos de repetición o de abandono de sectores. Por otro lado, la adecuación cultural de los servicios, a partir del desarrollo de modelos de atención intercultural y transfronterizo, son acciones permanentes que requieren la identicación de las diferencias y de las semejanzas entre los sistemas, y un mecanismo multilateral de coordinación y participación en los límites fronterizos.
La participación en salud: avanzando hacia sistemas de salud desde enfoques territoriales, interculturales y participativos Los indígenas son al mismo tiempo usuarios y agentes decisores y formuladores de políticas. Por ello, en el ejercicio de derechos y de roles en el sistema colombiano, los conocimientos, léxicos, actitudes y capacidades, además de las oportunidades, determinan la autonomía del usuario en su ejercicio como individuo y ciudadano a través de decisiones informadas (DOVER Y PUERTA SILVA, 2008, p. 41). Una perspectiva educativa/informativa en materia de la relación con los sistemas de salud aportaría a la construcción de sistemas de salud locales. No basta con reconocer la diversidad cultural y sus implicaciones para la formulación y ejecución de políticas públicas en materia de salud. Es urgente formar ciudadanos informados que amplíen sus expectativas frente al Estado como garante de sus derechos en salud y que por su parte se movilicen para ejercer sus derechos; pero también, que se movilicen para asumir responsabilidades y compromisos, participando en la toma de decisiones (PUERTA SILVA, 2007). La participación de las comunidades tal vez pueda ser posible y sostenible si se sienten motivadas e interesadas por las decisiones y por el desarrollo de proyectos que intervienen en el mantenimiento de la salud y la prevención de la enfermedad. Frecuentemente las prioridades de las comunidades tienen que ver con su supervivencia —sus formas de producción económica y su reproducción social—. Por ello, los derechos a la salud se extienden a todos esos aspectos que inciden en su
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mantenimiento o recuperación. Si bien un sistema nacional de salud no tendría la capacidad ni la responsabilidad de resolver, por ejemplo, problemáticas relativas a la provisión de agua, tendría que crear los mecanismos de cooperación con las entidades encargadas. Las acciones en salud deben responder a una visión integral de la salud y la enfermedad, y en consecuencia deben estar íntimamente ligadas a las acciones generales de mejoramiento de la calidad de vida. Finalmente, los patrones de cuidado a la salud, también deben considerar los cambios rápidos que sufren los pueblos indígenas y sus efectos sobre la salud (PUERTA SILVA, 2007). En el caso de los contextos culturalmente plurales, la participación es un proceso que se convierte en una negociación de concepciones, ideas y prácticas en donde los intereses se cruzan y las nociones divergen. No debería tratarse de una negociación de conictos, sino más bien, de una negociación de intereses y prioridades en donde se logra una participación desde el comienzo del proceso y un compromiso reejado en la permanencia y constancia. Estas negociaciones implican una serie de transacciones implícitas y explícitas mediante las cuales los actores priorizan sus intereses, presentan sus necesidades y ceden o no de acuerdo a los intereses y necesidades de los otros. Estas negociaciones, en general, conllevan pérdidas debidas a la capacidad de las comunidades y sus interlocutores, y a las estructuras de poder que rigen esas negociaciones. En el momento en que se recuperen y fortalezcan los canales de autoridad y toma de decisiones al interior de las comunidades indígenas y los mediadores —las organizaciones indígenas, los representantes legales y otros líderes— reconozcan su compromiso colectivo con sus comunidades de origen, las transacciones serán más equitativas pues se ganará equilibrio en la balanza de las relaciones. En esa medida serán capaces de controlar el uso que las entidades territoriales hacen de sus recursos y tendrán más incidencia en las decisiones que a ese respecto se tomen. De este modo, los actores, conjuntamente, tendrán la responsabilidad en la adecuada inversión de los José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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recursos para salud y de las regalías producto de la explotación minera, así como de la ejecución de los recursos provenientes de la participación en los Ingresos Corrientes de la Nación.
Si bien las políticas generales de salud promueven el funcionamiento descentralizado de los sistemas de salud con algunos logros en salud pública, los modelos de atención no logran adecuarse a las condiciones epidemiológicas y a las poblaciones locales. Los modelos estándares de atención no alcanzan a satisfacer ni las necesidades ni las expectativas de las poblaciones vulnerables, y mucho menos, de los indígenas, los cuales requieren acceso a servicios adecuados culturalmente, e incluso, a servicios articulados con las medicinas tradicionales. Con las reformas de los sistemas de salud, a los ciudadanos se les atribuye la co-responsabilidad sobre su salud individual y colectiva. Se espera que estén informados sobre el auto-cuidado, el funcionamiento del sistema y sus principios, sobre sus derechos asegurados y los espacios y mecanismos de participación y de protección. Al mismo tiempo, la integración del sector privado y de la delegación a terceros de la función pública en una lógica de mercado, le exige adicionalmente al usuario ser un consumidor crítico. Hay varios desfases entre los roles asignados a los usuarios del sistema de salud y la relación histórica que estos han tenido con el mismo y con el Estado. Por un lado, el Estado después de declararse multicultural y pluriétnico, permite el ejercicio de derechos por parte de diversos grupos sociales que demandan la adecuación de la salud y la educación, además del reconocimiento territorial, jurídico, económico y político.
Pero por otro lado, las lógicas del asistencialismo, la caridad y el clientelismo permanecen en las prácticas tanto de usuarios como de agentes institucionales. Tal vez esto incida en la posición frente al servicio que asume el usuario subsidiado por el Estado y que es atendido “gratuitamente”: subvalora su derecho y asume un papel de ciudadano de segunda categoría (DOVER y PUERTA SILVA, 2008). Esta interpretación por parte de los actores, puede traducirse en inequidad en el tratamiento. Si hay una noción de jerarquía de méritos donde el criterio es la capacidad de pago y no el grado de necesidad del servicio, existe un riesgo mayor para los indígenas, no solamente por los factores sociales y ambientales que redundan en su calidad de vida, sino también por las condiciones desiguales a las que se les somete en el tratamiento de la enfermedad y la recuperación y mantenimiento de la salud. La fragmentación de los sistemas de salud a la que actualmente asistimos se remediaría en parte con un enfoque territorial y participativo. Falta continuidad entre un Estado central que regula desde las capitales y unos estados locales que implementan las políticas con intereses no siempre acordes con las necesidades de las poblaciones. La delegación y la descentralización favorecieron de manera per versa la confusión de responsabilidades y por supuesto, la posibilidad para los actores institucionales de evadir sus responsabilidades y asignárselas a otros, lo que resulta en los recorridos administrativos de los usuarios por todo el sistema, a costa de la oportunidad y la calidad de los servicios. La falta estructural de regulación y control en el sistema es el ambiente más propicio para la prelación de los intereses de lucro en un sistema de función pública y con dineros públicos. Es preocupante que no se apliquen sanciones, por sus resultados sanitarios, a los delegados del Estado. El control del Estado se vería beneciado por una participación y vigilancia social, que se daria en la medida en que los usuarios se conciban también como agentes locales, que inciden en las decisiones.
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“Este uso adecuado [de los sistemas de salud], es decir, efectivo y participativo, incluye aspectos como la co-responsabilidad Estado/usuario en el mantenimiento de la salud, la solidaridad entre usuarios, el uso de los espacios de participación y de los mecanismos jurídicos para exigir la protección de los derechos y la calidad de los servicios” (DOVER y PUERTA SILVA, 2008, p. 13).
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En La Guajira probamos el Modelo de Interlocución sobre el desempeño local del sistema de salud que consiste en “un conjunto de procedimientos metodológicos que propician las condiciones adecuadas y los espacios de interlocución de conanza y no beligerantes, para la comunicación efectiva. En la Mesa de Trabajo en Salud, usuarios y agentes del sistema o institucionales (servidores públicos, decisores, guías educativos, promotores, atención al usuario, personal asistencial), identican conjuntamente los problemas, factores y actores involucrados, para concertar acciones de mejoramiento” (PUERTA SILVA y DOVER, 2007, p. 355).
Lo más importante de este modelo de interlocución es que prevé etapas preparatorias para que todos los participantes alcancen la capacidad y la disposición para involucrarse en procesos de negociación, que resulten en acuerdos para los cuales hay niveles compartidos de responsabilidad. El Modelo de Interlocución es una propuesta que articularía los espacios que se han creado en la Amazonía con el n de llegar a acuerdos sobre modelos de atención interculturales y transfronterizos. Los espacios de p articipación e interlocución que propone el Modelo buscan integrar espacios y mecanismos ya existentes. Rossi muestra, por ejemplo, que los consejos municipales de seguridad social, aunque incluyen representantes indígenas, no funcionan como espacios para la formulación de políticas. Allí se buscan las aprobaciones de los Planes de Salud Colectiva sin ninguna discusión previa. Es decir, son instancia aprobatorias y no de construcción y proposición colectiva (ROSSI, 2007)16. El Modelo propone generar espacios de concertación horizontales y no adversariales, por fuera de los circuitos políticos e independientes de las coyunturas administrativas. Manteniendo la Mesa de Trabajo en Salud como un mecanismo permanente de acuerdo para la solución de problemas locales
del sistema, todos los actores se involucran en la denición y ejecución de tareas que redunden en el mejoramiento de la calidad de los servicios. Las mesas de trabajo en salud son un mecanismo ya conocido por los pueblos indígenas en la Amazonía. Sin embargo, éstas carecen de procesos previos de preparación, fortalecimiento de las capacidades y sensibilización de los actores. También adolecen de falta de continuidad y de inestabilidad. Por ello, nos parece pertinente insistir en la importancia equivalente que tienen los componentes del Modelo: el conocimiento del contexto, la preparación para la interlocución y la interlocución17. En la Amazonía se han hecho adelantos sustanciales para la denición de modelos de atención en salud interculturales y transfronterizos. Las iniciativas en curso podrían beneciarse de procesos de educación y de información de los usuarios en el funcionamiento de los sistemas actuales de salud, del fortalecimiento de su capacidad organizativa, de la sensibilización y capacitación del personal asistencial y los gobernantes locales, y de la creación de espacios de conanza no politizados. En este sentido, tal vez sea el control social, aquel ejercido por los ciudadanos indígenas, su mayor aporte al fortalecimiento del Estado y en consecuencia, a su autonomía frente a las condiciones económicas y políticas que se imponen globalmente.
16 La misma situación fue observada por nosotros en La Guajira (DOVER y PUERTA SILVA, 2008).
17 Componente 1: Conocimiento del contexto: Identicar los actores pertinen tes: usuarios, instituciones, personal asistencial, personal de atención al usuario, gerentes, directores y coordinadores. Comprender cuáles son los aspectos que permiten o no la interlocución entre los actores, y qué se necesita para crear un espacio de interlocución: capacitación, fortalecimiento de la organización comunitaria, voluntad política, recursos, sensibilización de los agentes institucionales, diagnósticos, etc. Componente 2: Preparación para la interlocución: Convocar e involucrar a los actores identicados para que participen en el Modelo. Imple mentar las estrategias pertinentes para mejorar las condiciones de interlocución: talleres de capacitación, materiales educativos, programas de radio y televisión, audiencias públicas, diagnósticos institucionales, etc. Componente 3: Interlocución: Poner en marcha la Mesa de Trabajo en Salud, en donde se identican y priori zan los problemas, se identican las causas, y se logran acuerdos frente a las solu ciones, los plazos y los responsables (DOVER y PUERTA SILVA, 2008, p. 198).
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Referências bibliográcas
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Novos movimentos sociais e padrões jurídicos no processo de redenição da região
amazônica Joaquim Shiraishi Neto1 Disputa pela redenição da região amazônica2
Em meio às discussões relacionadas ao aumento do desmatamento na região e às medidas e estratégias para reduzi-los, a chamada Amazônia legal poderá ter sua área de abrangência reduzida em função de dois Projetos de Lei3 que se encontram em trâmite no Congresso Nacional. Os referidos Projetos de Lei objetivam dar nova redação ao inciso VI do §2° do art.1° da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, para alterar a denição de Amazônia legal, retirando dessa região os estados do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. Os argumentos apresentados consistem em armar que os critérios utilizados para a denição da reg ião à sua época não levaram em consideração as características dos diferentes “ecossistemas” ou “biomas” existentes em cada um dos estados4. A delimitação 1 Brasileiro. Advogado. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPGDA-UEA). Pesquisador do Projeto de Pesquisa Nova Cartograa Social da Amazônia (PNCSA-UFAM). 2 O artigo 43 da CF de 1988 previu a existência das regiões, com objetivo de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais. “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.” 3 O Projeto de Lei n° 1.278, de 2007, é de autoria do deputado Osvaldo Reis, do Estado do Tocantins, e se encontra em trâmite na Câmara Federal. O Projeto de Lei nº 005, de 2005, é de autoria do senador Jonas Pinheiro, do Estado do Mato Grosso, e se encontra no Senado. 4 Vale ressaltar que há uma vasta literatura a respeito das tentativas de denir e delimitar a região Amazônica. Tais discussões procuravam identicar o que pode ria ser tomado como “unidade” da região no sentido de justicar a sua existência física e social. Para Eidorfe Moreira, na “delimitação ocial” (Lei nº 1.806, de 06 de janeiro de 1953, que criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia - SPVEA; Lei n°5.173, de 27 de outubro de 1966, que ex-
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levou em consideração critérios eminentemente políticos, sem que houvesse preocupação com os cientícos, notadamente os de base geográca, que poderiam contribuir para nortear a sua denição. A necessidade de desenvolver os estados de acordo com as políticas públicas traçadas em consonância com um meticuloso planejamento5, orientou os atuais limites da Amazônia legal. O fato de a Amazônia ser compreendida como “região problema” fez com que os esforços governamentais se concentrassem e se dirigissem na adoção de um conjunto de políticas públicas voltadas à exploração “racional” dos potenciais da região, sobretudo pelo malogro das atividades até então desenvolvidas de exploração dos recursos de origem orestal e mineral. A exploração dos recursos naturais, que
trouxeram certa “prosperidade” à região, foi objetivo de análise econômica. Os esquemas interpretativos acionados que procuravam compreender esse processo o zeram a partir da noção de “ciclos econômicos”6, segundo um discurso teórico que procura articular os temas referidos aos mitos da região, como o “nomadismo”, o “extrativismo”, o “contato das raças” e a “entrada da civilização”, transformando-os em “verdades cientícas”7, que foram produzidas e difundidas enquanto tais. Nesse sentido, o desenvolvimento da região Amazônica implicava a adoção de políticas que tinham como pressuposto a necessidade de incorporá-la ao País. O processo de “integr ação” ocorreu atraindo capital privado por meio de incentivos scais e monetários. O desenvolvimento e a ocupação da região se tornaram objetivos e em nenhum momento os estados se opuseram ou mesmo rivalizaram a esse modelo de desenvolvimento marcadamente de caráter autoritário 8, na medida em que “desconhece” a existência de diversos grupos sociais portadores de distintas “temporalidades” e “axiologias”9,
tinguiu a SPVEA e criou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Medida Provisória n°2.157-5, de 24 de agosto de 2001, que extinguiu a SUDAM e criou a Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA), acabou vencendo o critério geodésico (MOREIRA, 1958, p.23); sendo que além desse critério, outros poderiam ser igualmente acionados, tais como: o “hidrográco”, o “togeográco”, o “zoogeograco”, o “político” e o “econômico”. Se for pos sível armar que há alguma relação entre os critérios, é o fato de se colocarem como verdade absoluta, por isso mesmo as discussões em torno dos critérios que justicariam a idéia de região Amazônica devem ser objeto de reexão. Não se pode perder de vista que a idéia de região está inscrita numa luta entre os cientistas que aspiram pelo monopólio de sua denição legítima (BOURDIEU, 1989, p.108). Para esse autor: “Ora, a ciência social, que é obrigado a classicar para conhecer, só tem alguma probabilidade, não já de resolver, mas de, pelo menos, pôr correctamente o problema das classicações sociais e de conhecer tudo o que, no seu objecto, é produto de actos de classicação e zer entrar na sua pesquisa da verdade das classicações o conhecimento da verdade dos seus próprios actos de classicação. O que quer dizer que não é possível dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma análise da relação entre a lógica da ciência e a lógica da prática” (BOURDIEU, 1989, p. 111). Foucault também chama atenção para a relação entre o poder e o saber, sobretudo das metáforas geográcas: “Desde o momento em que se pode analisar o saber em termos de região... pode-se apreender o processo pelo qual o saber funciona como um poder e reproduz os seus efeitos. Existe uma administração do saber, uma política do saber, relações de poder que passem pelo saber e que naturalmente, quando se quer descrevê-las, remetem-se àquelas formas de dominação a que se referem noções como campo, posição, região e território.” (FOUCAULT, 1988, p. 158). 5 A propósito da discussão entre planejamento e direito, ver a pesquisa desenvolvida por Grau (1978).. Para o autor, apesar de o planejamento tentar se desprender de seu conteúdo, trata-se de uma noção fortemente marcada por uma ideologia: “O que dene um pressuposto de não neutralidade no planejamento é justamente o compromisso prévio de preservação do mercado, instituição fundamental do sistema.” (GRAU, 1978, p.41).
6 Para Oliveira Filho (1979) esse esquema interpretativo objetiva construir uma “história geral” da região. A “noção de ciclo impôs-se como modelo de organização dos fatos históricos ligados à produção da borracha”. Continua o autor ...“o uso de tal noção funciona como mecanismo de ltragem e incorporação de fatos a uma forma pré-denida, excluindo sistematicamente de consideração aqueles fenômenos que pudessem refutar ou relativizar seu valor heurístico.” (OLIVEIRA, 1979, p.102). Na região Amazônica, diversas atividades extrativas foram objeto de interpretação econômica. No entanto, apesar de utilizarem de esquemas analíticos diferenciados para explicar os processos de exploração que se vericou em momentos distintos, acabaram chegando aos mesmos resultados: declararam o “m da atividade extrativa”. Para esse tipo de análise, acabaram os seringais, os castanhais, os babaçuais. A respeito da análise econômica da atividade extrativa do babaçu, ver Amaral Filho (1990). 7 Oliveira Filho (1979, p.106). 8 O chamado Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia apresenta também um caráter autoritário, com os mesmos arranjos de desenvolvimento para a região (ACSELRAD, s/d). 9 “O que é importante reter é que a formação talvez não de um consenso, que é um processo sociocultural de maior fôlego, mas de uma impressão, de que os problemas da Amazônia eram tão grandes, imensos, que as sociedades, comunidades, tribos, nações indígenas e etnias locais e regionais não teriam forças, competência técnica, recursos nanceiros, poderes abrangentes para superá-los.” (OLIVEIRA, 1994, 6). Aliás, esse discurso se vinculou a um outro, que foi igualmente produzido, reproduzido e difundido e que relaciona a total incapacidade do “Homem Amazônico” diante da imensidão da oresta (RANGEL, 1914; CUNHA, 1946; MOOG, 1936).
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levando à destruição das identidades coletivas. O viés autoritário do modelo serviu para atender aos interesses dos Estados e de determinados grupos locais que, de forma ampla, puderam se beneciar dessas políticas. Nas últimas décadas, duas tendências entrelaçadas vêm redenindo a região Amazônica. A primeira está relacionada ao papel do Estado na região, que tem se ocupado em promover o desenvolvimento a partir da vontade dos interessados em explorar economicamente a região. Observa-se que o discurso ambientalista10, que serviu como norte das discussões nas últimas décadas, aos poucos, perde força, diante da intensicação do processo de exploração econômica na região. Em outras palavras, o modelo em expansão retoma e “atualiza” o pensamento geopolítico brasileiro de vertente militar desenhado em tempos passados, cujo objetivo era a inserção da região na expansão capitalista contemporânea. A aquisição e ocupação de terras por grandes proprietários e empresas para o cultivo das monoculturas (de soja, cana-de-açúcar, dendê, eucalipto, dentre tantas...), bem como a exploração e intensicação dos recursos minerais e energéticos evidenciam o caráter predatório desse processo, que se coloca de forma antagônica ao vivenciado pelos diversos povos e comunidades tradicionais11.
A segunda tendência se refere à emergência dos movimentos sociais na região Amazônica12, que se denem e são autodenidos por critérios de identidade étnica, e reivindicam a manutenção e garantia de direitos, frente às situações que se lhes apresentam adversas. O avanço da exploração econômica sobre as terras e os recursos naturais coloca em risco as formas de reprodução física e cultural dos mais variados grupos. Em meio a esse intenso processo de disputas, os povos e as comunidades tradicionais vão desenhando seus territórios que, segundo Almeida, encontram-se em “processo de territorialização” 13. Desta forma, rivalizam com os territórios pretendidos, sendo que isso implica a redenição da própria noção de região a partir dos critérios de mobilização política.14Observase que a noção de região Amazônica se encontra em jogo mais uma vez. No entanto, os critérios acionados para sua denição se encontram delineados num campo de disputa, onde distintos interesses entram em conito, diferentemente da sua primeira denição, quando os critérios dominantes foram aqueles identicados pela “objetividade cientíca”.
“Novo” direito e “novos movimentos sociais” As reexões em torno do ordenamento ou sistema jurídico tendem a “apagar” a possibilidade de considerar a
10 Em meados da década de 1980, a intensicação do desmatamento na região Amazônica levou os movimentos sociais a se empenharem com os problemas ambientais. A existência social dos diversos grupos estava condicionada à manutenção da oresta. No entanto, o discurso de preservação ganha força somente com o aparecimento da questão da biodiversidade, que projetou nova luz sobre o meio ambiente. Os esforços em proteger a oresta estão entrelaçados com o seu valor econômico. As orestas representam um enorme depósito de espécies e de recursos genéticos que podem ser explorados economicamente. Para Santos, inaugura-se um novo tipo de exploração predatória que leva em consideração os potencias da diversidade da região (SANTOS, 1994). A necessidade de regulamentação dos conhecimentos tradicionais deve ser analisada com extrema cautela pelos intérpretes do direito, pois as categorias jurídicas utilizadas, sobretudo o “contrato”, ainda que de “repartição de benefícios”, tem sido um importante instrumento para facilitar e acelerar as transações mercantis, sem nenhuma preocupação prévia com os envolvidos. O contrato é um instrumento mercantil, que rompe com os laços e as relações comunitárias existentes entre os diferentes sujeitos e grupos sociais. A propósito dessa discussão, que objetiva analisar o processo de regulamentação jurídica à luz das situações vivenciadas pelos povos e comunidades tradicionais, consultar Shiraishi Neto; Dantas (2008). 11 A síntese desse processo que se verica em quase toda região Amazôni ca, pode ser resumida na noção de devastação dos recursos naturais. O grau de
intensidade e a extensão das áreas atingidas são tamanha, que se distingue das situações ocorridas em momentos anteriores. A respeito do processo nas áreas de babaçuais, ver Almeida, Shiraishi Neto e Martins (2005). 12 O conceito de “unidades de mobilização” utilizado por Almeida nos auxilia nesta análise das ações coletivas que demandam conhecimento jurídico formal. As “unidades de mobilização” representam instrumentos organizativos dos quais esses grupos sociais lançam mão para garantir e assegurar direitos em face das políticas contrárias aos seus interesses vitais, isto é, “as políticas públicas é que possibilitam os elementos básicos à formação de composições e de vínculos solidários essências ao êxito dessas mobilizações (ALMEIDA, 1994, p. 23). 13 ALMEIDA (2006, p. 21-99). 14 É interessante observar o intenso processo de mobilização das chamadas quebradeiras de coco babaçu a respeito do seu processo de territorialização. Segundo Almeida (1995, p.19) “...o mundo das quebradeiras revela-se agora política e economicamente construído e sua abrangência transcende as fronteiras xadas pelas divisões político-administrativas. Sua existência coletiva, por outro lado, não se confunde, necessariamente, com as áreas de ocorrência de babaçu. O movimento das quebradeiras não existe em todos os lugares em que há babaçuais.”
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existência de direitos, que possam estar para além ou aquém dos limites de seu tempo e espaço15. Os juristas se esforçam em fazer coincidir o espaço jurídico com a sociedade, modernamente com o Estado16. Trata-se do dogma da completude do ordenamento jurídico que consiste na propriedade do direito regulamentar toda e qualquer situação que exista de fato 17. Esta leitura formal do direito, que privilegia a interpretação das normas e a coerência do ordenamento, tem se constituído em objeto de discussão em face dos fenômenos sociais e econômicos18 recentes, que tem se apresentado de forma múltipla e complexa, obrigando a uma reexão permanente acerca dos signicados do direito. Percebe-se que o formalismo excessivo utilizado para compreender os fenômenos sociais e econômicos tem impedido a interpretação dos processos de extrema complexidade, que se colocam distantes da forma como o direito se produz, reproduz e difunde. Os intérpretes do direito têm encontrado enormes diculdades em atender de forma satisfatória às demandas, embora tenham se demonstrado bastante criativos em relação a elas19. A recusa em se admitir a insuciência do ordenamento
ou sistema jurídico, enseja a necessidade de revisitar o próprio direito e, nesse sentido, as reexões dogmáticas procuram se atualizar e o fazem se apropriando da noção de “pluralismo jurídico”, que sempre foi tomado como algo residual do direito positivado20. O “pluralismo jurídico” era formulado segundo o campo jurídico por historiadores21 e sociólogos22 do direito. Eles se utilizavam dessa noção operacional para demonstrar a insuciência do ordenamento jurídico, bem como para descrever as situações da realidade, que não se encontravam catalogadas no direito. Contudo, as reexões jurídicas mais recentes reconhecem o fato de que somos uma “sociedade plural”23. Para essa análise: “o pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes,
15 Carbonnier (1978, p. 349), procura (des)naturalizar as noções jurídicas de espaço e tempo. Lembra que “o espaço jurídico tem por suporte natural um território”, entretanto exemplica a situações dos grupos nômades. Enquanto que uma tribo cigana pode se constituir num espaço jurídico sem domínio territorial, outros grupos podem compreender certa noção de território, como área de deslocação (CARBONNIER, 1978, p. 349). 16 Carbonnier (1978, p. 356). 17 Bobbio (1999). 18 Para Faria, a expansão e o desenvolvimento da economia capitalista vêm “afetando radicalmente a estrutura, a funcionalidade e o alcance do direito positivo. Suas normas, face a uma realidade dominada por forças e dinâmicas globais que ultrapassam os marcos institucionais e nacionais tradicionais, vêm perdendo a capacidade de ordenar, moldar, conformar, controlar e regular a sociedade e a economia.” (FARIA, 2002, p.59). Sobre as profundas transformações do direito, que se encontra em processo de ser “suprimido”, “substituído” ou “suplantado”, consultar Arnaud (1999). 19 O reconhecimento dos direitos das chamadas minorias tem se tornado palco de acirradas disputas, sobretudo em função das enormes diculdades operacio nais de implementá-las. O universalismo jurídico tem rivalizado com o particularismo das situações. No Estado de São Paulo, uma deciente auditiva conseguiu na Justiça o direito de ter uma intérprete de Libras (língua brasileira de sinais) na sala de aula (Folha de São Paulo, 28 de junho de 2008. p.C4). As diculdades de garantir tal direito parte da própria Secretaria Estadual da Educação, que alega que o cargo de intérpretes de Libras ainda não foi criado.
20 As reexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” eram realizadas em es paços não dogmáticos por envolverem dimensões outras de uma discussão jurídica. Os debates mais sistematizados em torno dessa noção foram realizados por sociólogos do direito. Dentre os trabalhos, ver Gurvitch (1946) e Carbonnier (1978). No interior das reexões jurídicas, vale destacar o trabalho de Bobbio sobre “pluralismo jurídico”. O autor procura distinguir os ordenamentos jurídicos não-estatais do estatal (BOBBIO, 1999, p.164). A despeito de colocá-los no mesmo plano, numa concepção aparentemente dialética, procuram dotá-los dos mesmos elementos caracterizadores dos ordenamentos estatais, cuja forma e rigidez são elementos imprescindíveis para a sua existência. Tal entendimento de matiz nitidamente positivista do que seria ordenamento jurídico tende a levar ao processo de “absorção”, da “recusa” ou “indiferença” do ordenamento estatal em relação ao não-estatal, sobretudo por não possuírem esses elementos caracterizadores, o que lhes retira a condição de ordenamento jurídico. Já Santos procura identicar os contextos em que aparece o “pluralismo jurídico”. Além do contex to colonial, onde se verica o direito do Estado colonizador em face do “direito tradicional”, temos as situações em que os Estados adotam o direito europeu como instrumento de modernização e de consolidação do poder; as situações de revolução social, onde um “direito tradicional” entra em conito com o “direito revolucionário”; e as situações em que os povos são submetidos ao direito do conquistador (SANTOS, 1988, p.64-78). 21 Wolkmer (2001). 22 As reexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” procuram explicitar di ferentes situações. Para Faria, as limitações do direito positivo que se revelam incapazes de superar os problemas decorrentes do desenvolvimento e expansão do capitalismo, faz emergir espaços infra e supra legais, sendo que os primeiros sem interferência e os segundos com interferência dos Estados (FARIA, 2002, p.60-78). 23 A despeito do resultado da análise que se preocupa em identicar a “uni dade plural” da sociedade, é importante destacar o trabalho do Reale no âmbito do direito, pois esse autor rearma o fato de que “somos substancialmente uma sociedade plural que somente pode ser compreendida mediante uma série de fatores e circunstâncias que se interligam de maneira complementar e dinâmica.” (REALE, 2001, p. 23). Aliás, essa análise de que somos uma “sociedade plural” já havia sido anunciada em um outro período pelo mesmo autor (REALE, 1963).
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grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos”24. Optar pelo reconhecimento de que somos uma sociedade plural, tende a impor uma ruptura com os esquemas de pensamento jurídico tradicionais e a necessidade de repensá-los à luz das discussões do “pluralismo jurídico”. A diversidade importa no acatamento de “práticas jurídicas” diferenciadas, nem sempre catalogadas e que necessitam ser incorporadas às reexões jurídicas para garantir direitos efetivos à diversidade de sujeitos e grupos sociais, que sempre caram distantes dos tratamentos jurídicos25. As diculdades de interpretar os fenômenos sociais à luz dos padrões jurídicos tradicionais, sempre caram evidenciadas diante dos fatos26, embora os intérpretes preferissem ignorálos, já que a todo custo procuravam enquadrar as situações aos dispositivos legais, apesar de reconhecerem as diculdades27. Para cada situação, um dispositivo, o que implicava uma simplicação das situações, quando reduzidas ao mundo jurídico. Nesse sentido, o processo em curso que valida o pluralismo na ordem jurídica, importa, também, no reconhecimento de que a norma se origina de uma situação particular e que se universaliza no ambiente jurídico. O discurso jurídico e o “senso teórico comum dos juristas”28 têm garantido a produção, 24 Silva (2007, 143). 25 No contexto das discussões, vale retomar a polêmica gerada em torno da “morte” da Constituição Dirigente, nos moldes desenhados por Canotilho, a respeito da necessidade de se repensar a Constituição Federal de 1988 para além dos esquemas comumente acionados, sobretudo numa época de “cidadanias múltiplas” e “múltiplos de cidadania”. Para esse constitucionalista português, pensar o direito a partir desses esquemas seria prejudicial ao próprio cidadão. 26 Já no nal do século XIX e início do século XX há toda uma literatura jurí dica a respeito do tema, da diculdade das leis frente os fatos. Entre os autores, consultar: Geny (1899); Morin (1945); Cruet (2003). 27 A propósito da necessidade de o direito “enquadrar” as situações para encontrar a sua “natureza jurídica”, vale a pena ver as discussões em torno do “mutirão” se se trata de qual espécie de contrato. Após discorrer sobre as situações que envolveria o que foi designado como “mutirão”, Freitas Marcondes chega à seguinte conclusão: “podemos concluir que o mutirão é uma convenção consuetudinária de trabalho, sinalagmática, onerosa, `sui generis´, tendo por fundamento o solidarismo humano.” (FREITAS MARCONDES, 1949, p. 112). Além desse, outros exemplos também poderiam ser perlados. A respeito do enquadramento jurídico do “faxinal”, no estado do Paraná, ver: Gevaerd Filho (1986). 28 Para Warat (1994, 13), “a expressão “senso comum teórico dos juristas” de-
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reprodução e difusão da universalidade da norma jurídica, “livre” de qualquer tipo de interesses que possam maculá-la. Isso se constituiu num dos “obstáculos epistemológicos”29, que tem impedido a compreensão do próprio direito, inclusive a sua possibilidade de atualização. A necessidade de o direito ser pensado e organizado para atender a determinados problemas se torna “obstáculo” à própria capacidade de o direito se mod icar diante das situações que se complexicam, na medida em que a sociedade se globaliza. As situações complexas têm implicado a necessidade de envolver uma maior participação dos interessados30 e dos que detêm conhecimentos especícos a respeito, na medida em que esses procedimentos permitam contribuir na tomada das decisões judiciais, que possam ser consideradas mais justas. Os resultados do reconhecimento de que somos uma “sociedade plural” implica uma ampliação dos problemas, em decorrência do grau de disputas acirradas, que se colocam, por vezes, de forma contraditória no interior da sociedade31. Os esforços teóricos devem se concentrar na possibilidade de intensicar as reexões do papel do direito na sociedade contemporânea e de sua aplicação frente à dinâmica da realidade, que é reconhecidamente plural. Nesse sentido, as tentativas de simplicação dos procedimentos, a m de proporcionar maior celeridade à resolução dos conitos devem ser vistas signa as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do Direito. Trata-se de um neologismo proposto para que se possa contar com um conceito operacional que sirva para mencionar a dimensão ideológica das verdades jurídicas. 29 Miaille (1994, 37-42). 30 Em que pese à necessidade de uma análise mais rigorosa de como tem sido a “participação” nos processos judiciais em curso no Supremo Tribunal Federal, observa-se que esse Tribunal mudou de posição, pois tem se empenhado em assumir um papel mais ativo, quando da apreciação de questões políticas de ampla repercussão nacional. Trata-se de uma preocupação coadunada a uma tendência na ordem jurídica mundial. Ela se relaciona à necessidade de criar procedimentos que possibilitem um maior número de subsídios para fundamentar as decisões. O julgamento das células tronco, por exemplo, levou a realização da primeira audiência pública na história do STF para discutir esse tema ( Folha de São Paulo, 10 de agosto de 2008. A12). 31 Silva (2007, p. 143).
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com ressalva32, sobretudo pelo fato de existirem, no momento atual, reexões no âmbito do direito, que procuram encontrar na idéia do “consenso”, senão a única, mas a melhor forma para a resolução dos conitos sociais existentes. As reexões que se encontram ancoradas nas discussões de Democracia e Estado de Direito vêm sendo objeto de crítica33, já que trazem no seu bojo a idéia de que o direito representa os interesses da sociedade, diluindo a política sob o conceito de direito. Observa-se que o critério de identidade 34 vem contribuindo numa maior capacidade de os grupos sociais exerceram mobilização política para reivindicarem direitos. A organização e mobilização dos povos e comunidades tradicionais se constituem em um importante instrumento para enfrentar as situações concretas, que se evidenciam nos processos de disputas pelos territórios. Nesse intenso processo vivenciado pelos grupos sociais, o enfrentamento jurídico tem sido uma arena de luta privilegiada. As manifestações políticas dos movimentos, nas mais diversas situações, revelam diferentes estratégias e ações que se colocam em face dos seus antagonistas. Um traço distintivo que pode ser considerado comum a todos esses grupos sociais é o que pode ser denominado de “luta jurídica localizada” 35, que não se restringe aos limites do espaço municipal.
É localizada no sentido de que os grupos têm acesso aos meios e ao Poder Público responsável para atender e executar as medidas eventualmente propostas. Os esforços dos grupos sociais em manter a “luta jurídica localizada” decorre da utilização de diversas práticas, que não se encontram referidas no aspecto discursivo, acabando por impor formas próprias: junto às Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas dos estados; os povos e comunidades tradicionais, além de participarem das audiências públicas36 para discutir projetos que lhes afetam direta ou indiretamente, apresentam proposições por meio de representantes, as quais têm se transformado em leis 37; em debates com Poder Executivo vem discutindo e rmando determinadas medidas38, que tem se traduzido em políticas especícas39; e em discussão com o Ministério Público Estadual e
32 De forma antagônica, as reexões de Silva, onde o direito assume posição central na resolução dos conitos, temos a postura de Wald e Martins, que bus cam afastar esse papel. Para esses autores: “enquanto o processo judicial é uma espécie de guerra que afasta as partes, a arbitragem tenta manter as relações entre elas de modo que possam continuar a atuar em conjunto nos contratos de longo prazo, quer como fornecedores, quer como clientes.” (WALD; MARTINS, 2006). Sobre a discussão da substituição dos modelos jurídicos – do modelo do conito pelo modelo do consenso - é importante reetir as conclusões de Nader. Para essa autora, a substituição dos modelos conitivos para os de harmonia, não signica que esse último seja benigno. O modelo de harmonia, pelo contrário, tem sido um poderoso instrumento de controle social, exatamente pelo fato de aceitarmos a harmonia como benigna (NADER, 1994). 33 Ranciere (1996, p. 110) chama atenção para o fato de “o reino do direito é sempre o reino de um direito.” 34 Almeida enfatiza o fato de que os movimentos sociais na região Amazônica vêm se consolidando fora dos marcos tradicionais dos Sindicatos, incorporando critérios étnicos, que expressam a diversidade de formas de existência coletiva (ALMEIDA, 2006, p. 21-26). 35 O processo vivenciado por esses grupos sociais de promover a “luta jurídica localizada” se encontra em sintonia com o conjunto de reexões jurídicas a res peito da “democracia participativa”. Para Bonavides, trata-se de introduzir uma “nova legitimidade”, cuja base seria o cidadão (BONAVIDES, 2008). Aliás, para
Sen, o exercício dos direitos políticos é fundamental às pessoas, no sentido de garantir a participação, a reivindicação e formulação de propostas. Os direitos políticos não são apenas fundamentais para demandar respostas políticas, mas tem um papel construtivo na “conceituação das necessidades” (SEN, 2000, p. 173-187). 36 Embora o sistema de consulta e participação estejam previstos na Convenção n.169 da OIT, esses procedimentos não são adotados pelos diversos órgãos públicos, quando da realização de atividade que possa atingir direta ou indiretamente os povos e comunidades tradicionais. Percebe-se que os procedimentos são realizados ou não, consoante vontade do titular do órgão. Em 10 de julho de 2007, as Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Direitos Humanos e Minorias e da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional realizaram uma Audiência Pública, na Câmara dos Deputados para discutir o PL n.213/ 2007, que “dispõe sobre a proteção da derrubada de palmeiras de babaçu nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e mato Grosso.”, apresentado pelo Dep. Domingos Dutra. Essa audiência somente foi realizada em virtude de um requerimento pessoal do referido deputado. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não consta de nenhum artigo que determine a realização de audiência pública em caso de projetos de lei que possam atingir povos e comunidades tradicionais. 37 Recentemente foi aprovado o PL n.231/ 2007, no estado do Tocantins, que “dispõe sobre a proibição da queima, derrubada e do uso predatório das palmeiras de babaçu e adota outras providências.” Em 2007, a “rede puxirão”, no Estado do Paraná, conseguiu, após a realização de uma audiência pública, a aprovação do Projeto de Lei n.477/ 07, que “dispõe sobre o Sistema Faxinal e o processo de reconhecimento dos faxinalenses no Estado do Paraná.” 38 Em Curitiba, os ciganos da Associação de Preservação da Cultura Cigana (APRECI) conseguiram da Prefeitura Municipal a outorga de permissão e uso de uma área para a implementação do Memorial da Cultura Cigana, segundo o Decreto n.889/ 2004. É interessante observar que o art.6 do referido Decreto determina a vigência do contrato por um período de 90 (noventa) dias, período exíguo se levado em consideração os objetivos contidos no Decreto. Na verdade, o então prefeito municipal “empurrou” o problema para o próximo prefeito, que deverá adotar as medidas jurídicas, em função do término do contrato. 39 No âmbito desse processo, vale destacar o Decreto de 27 de dezembro de
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Federal apresentam e discutem a particularidade de seus problemas para a defesa de seus direitos 40. Percebe-se que há uma apropriação das “práticas” e do discurso jurídico, na medida em que esse campo tem se demonstrado extremamente favorável às disputas políticas. O fato do direito representar os interesses de determinados grupos - “o reino de um direito”, como armou Jacques Rancière - não tem se apresentado neste momento, pelo menos, como um obstáculo aos movimentos sociais que, ao se apropriarem das “práticas jurídicas”, procuram propor dispositivos legais que estejam mais alinhados com a sua maneira de viver. Em determinados momentos, procuram interpretar os dispositivos consoante os seus interesses e vontades, apesar de que a interpretação nem sempre encontra “eco” nos esquemas de pensamento jurídicos dominantes, estruturados em consonância com os padrões jurídicos tradicionais. Neste contexto em que os grupos sociais se organizam e se mobilizam, é importante destacar o papel do Poder Judiciário, que tem procurado reconhecer a relevância da ampla participação da sociedade nos julgamentos, diante da complexidade e da pluralidade de situações, que impõem novas formas, onde os pré-intérpretes são determinantes no processo decisório. No caso, há uma necessidade de ocupar o campo jurídico, sobretudo em função do momento vivenciado, em que os próprios intérpretes autorizados reconhecem a necessidade de uma maior participação da sociedade. Os esforços do Poder Judiciário em 2004, que “cria a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais e dá outras providências”; e o Decreto n.6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que “institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.” 40 Na Comarca de São Luís Gonzaga, no estado do Maranhão, o MP do Estado propôs uma ação civil pública, com pedido de liminar, proibindo a derrubada de palmeiras de babaçu. Tal ação se originou de uma representação da Secretaria da Mulher do Sindicato de Trabalhadores Rurais de São Luís Gonzaga .No estado do Paraná, a partir de re presentações formuladas pelos faxinalenses junto ao Ministério Público do Estado, foram propostas duas ações civis públicas, com pedido de liminar, proibindo o cercamento de uma parte da área do faxinal. No “Seminário de Direitos Étnicos e Coletivos”, que foi realizado na sede da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná, entre os dias 19-20 de agosto de 2008, o representante do MP se dispôs a atuar conjuntamente na defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais do Estado.
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ampliar a participação da sociedade nos processos decisórios se coadunam com os interesses dos povos e comunidades tradicionais. Extensivamente a esse processo, os grupos sociais intensicam sua luta em explicitar a sua existência social, bem como demonstrar a necessidade de protegê-la, mesmo que para isso seja necessário repensar os próprios padrões jurídicos instituídos. No processo que envolve o reconhecimento da diversidade, a primeira ação consiste em rearmar e armar a idéia da diferença, que motiva as reivindicações dos diversos povos e comunidades tradicionais. A partir do intenso processo de organização e mobilização política, os grupos sociais adotam a seguinte estratégia: a elaboração e proposição de dispositivos legais que, inicialmente, permitam reconhecer a sua existência social, bem como seus modos de “fazer”, “criar” e “viver”. As discussões em torno da elaboração e proposição dos dispositivos legais têm sido um elo importante no processo de construção das identidades coletivas41, na medida em que as discussões políticas em torno das proposições permitem ao mesmo tempo, afastar as divergências e aproximar os grupos, frente os antagonistas. A força e a intensidade dos processos fazem com que os grupos apaguem as diferenças e reforcem os laços de solidariedade. As idéias da existência de coesão social - que serviam para distinguir a região das demais - são recuperadas, mas sem perder a possibilidade de realçar as diferenças existentes entre os diversos grupos sociais que compõem a Amazônia. “Práticas jurídicas” localizadas: “novos” padrões jurídicos.
O deslocamento dos enfrentamentos políticos para a “luta jurídica localizada”, sobretudo a produção de dispositivos legais no âmbito municipal e, também, estadual revela um 41 A prática de elaborar e propor dispositivos legais tem sido utilizados indistintamente em função de interesses diversos, que nem sempre estão explicitados. Na cidade de Manaus, determinados indivíduos que se autodenem “caboclos” conseguiram aprovação de dois projetos de lei, no âmbito municipal e estadual (Lei n. 3.140, de 28 de junho de 2007), instituindo o “dia do caboclo”, que é comemorado em 24 de junho. É interessante observar que a designação “caboclo”, reivindicada enquanto critério de identidade, é utilizada para reforçar o poder de determinados políticos conservadores da região.
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dado “novo”, que merece ser incorporado às analises42. Nesse processo, os movimentos sociais passaram a ser os protagonistas e intérpretes de suas próprias ações e estratégias, diferentemente de outros períodos, quando o discurso era mediado. Até a década de 1980, observa-se que os conitos se referiam às disputas pela terra na região Amazônica, envolvendo uma intensa discussão em torno dos direitos de posse e propriedade. Na maioria das situações, as discussões eram encaminhadas ao Poder Judiciário43. O procedimento de encaminhar prevalentemente os conitos ao Poder Judiciário representava uma das estratégias mais utilizadas em face de seus antagonistas. O seu objetivo consistia em garantir ou mesmo evitar qualquer tipo de medida que pudesse implicar a ameaça ou perda da terra em disputa, embora não se esperasse que as ações fossem exitosas, isto é, julgadas favoravelmente. Os argumentos acionados eram os perlados pelos advogados, que promoviam a disputa no campo jurídico. As ações eram organizadas com intuito de demonstrar a existência da posse mansa e pacíca sobre a terra ou mesmo a insuciência dos documentos acostados aos processos judiciais. As disputas jurídicas se cingiam aos processos e às medidas administrativas junto aos órgãos fundiários, que eram acionados para promover o processo de desapropriação ou mesmo regularização fundiária do imóvel, objeto do litígio. Na década de 1990, a esse discurso do direito agrário, foram incorporadas as discussões de meio ambiente. A força do discurso ambiental que buscou identicar formas de preservação e conservação da região Amazônica, fez com que os grupos sociais passassem a ter uma participação mais ativa, aproximando-os das formulações e dos debates jurídicos
ambientais, que procuravam identicar formas para melhor disciplinar as ocupações e usos dos territórios. A experiência dos seringueiros com os Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEXs), incorporado pela Política Nacional do Meio Ambiente, por meio das Reservas Extrativistas (RESEXs), é um exemplo recorrente. Ele se espraiou por toda região Amazônica, vindo a se incorporar na Política Nacional de Unidades de Conser vação. No entanto, somente a partir do aumento do grau de organização e mobilização dos grupos sociais, é que as demandas jurídicas passaram a se tornar mais complexas, impondo questionamentos aos procedimentos comumente utilizados, que vinham se demonstrando inecazes diante dos problemas que se colocavam e que ameaçavam a reprodução física e cultural dos grupos. As discussões não mais se referiam ao direito à terra, mas a um conjunto de proposições, que implicam o reconhecimento da existência social dos povos e comunidades tradicionais. Os discursos jurídicos, agrário e ambiental, até então hegemónicos, foram perdendo gradativamente força junto aos movimentos sociais, que passaram a ar ticular as lutas a partir de “novas” formas. Tal processo reete as “novas” ações e estratégias dos grupos sociais, que procuram como medida na manutenção de seus direitos, ações mais localizadas em que pudessem deter o controle político do processo. A maioria dos projetos de lei apresentados pelos representantes dos movimentos sociais foram e estão sendo aprovados nas diversas Câmaras Municipais de toda região Amazônica44. Os projetos de lei, que implicam uma maior liberdade ou restrição de determinadas “práticas sociais”, apesar de sofrerem forte resistência, acabam sendo aprovados. Os
42 Tem-se observado uma preocupação dos movimentos sociais, portadores de identidade, em ocupar os espaços do legislativo municipal. Tal preocupação se faz presente em vários segmentos sociais. Segundo levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), pelo menos, 134 candidatos nas eleições deste ano se declaram gays, lésbicas, travestis ou aliados do movimento ( Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2008. p.A6). 43 A presente reexão fez um recorte proposital, priorizando uma leitura a partir das questões jurídicas. Este período é marcado por um intenso processo de mobilização política dos trabalhadores rurais em torno da Reforma Agrária
44 No âmbito de atuação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) existem pelo menos 14 (quatorze) leis aprovadas, que tratam de regulamentar o acesso e uso das palmeiras de babaçu. Ver: Shiraishi Neto (2006). Vale destacar, também, a Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, que “dispõe sobre a co-ocialização das Línguas Nheêngatu, Tukano, Baniwa à Lín gua Portuguesa, no município de São Gabriel da Cachoeira, estado do Amazonas. A esse respeito, consultar Almeida (2007). A Câmara Municipal de Antonio Gonçalves, no estado da Bahia, aprovou o projeto de lei n.04/ 2005, “que cria a lei de licuri livre ou lei do ouricuri, sua preservação, extrativismo e comercialização.” É copiosa os projetos e as leis aprovadas pela “rede puxirão”, no estado do Paraná.
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conteúdos dos projetos representam o grau de enfrentamento envolvendo interesses diversos que se realizam no interior dos espaços políticos. Verica-se que o maior grau de organização e mobilização dos grupos reete os ganhos e as perdas dos projetos de lei apresentados45. As estratégias utilizadas para a discussão e apresentação da proposição - que vai desde a escolha do vereador ou parlamentar - bem como as articulações que acontecem no decorrer de toda tramitação do projeto, incluindo o dia da votação, são dados relevantes que necessitam ser analisados, uma vez que contribuem com o maior ou menor êxito da maioria das propostas apresentadas. Nessa arena, onde os interesses divergentes se explicitam, a ação política exercida pode signicar um grande passo em direção à aprovação dos projetos. O conteúdo dos projetos aprovados, além de expressarem a correlação de forças localizadas, evidencia as situações existenciais de fato, vivenciadas diferentemente por cada grupo social, por isso mesmo não há restrições legais em relação ao que foi aprovado. Uma vez aprovadas, as leis cam “sacramentadas” e herméticas aos questionamentos. As leis aprovadas são acatadas, sendo que os diversos grupos e o Poder Municipal procuram cumprir o que foi previamente pactuado. O “pacto” envolve uma “consciência geral” do profundo 45 A esse respeito, é interessante observar os projetos de lei, que foram apresentados e aprovados nas Câmaras Municipais pelas chamadas quebradeiras de coco babaçu. O grau de organização e mobilização está expresso no conteúdo da lei aprovada, enquanto a Lei de Lago do Rodrigues garante o livre acesso e uso, a de Praia Norte, condiciona. A título de exemplo, comparar o artigo 1° da Lei n.32/ 1999, do município do Lago do Rodrigues, no Estado do Maranhão, com o artigo 1° da Lei n.49/ 2003, do município de Praia Norte, Estado do Tocantins. Artigo 1° da Lei n.32/ 1999: “ As palmeiras de babaçu existentes no município de Lago dos Rodrigues, Estado do Maranhão, são de livre acesso e uso das populações extrativistas que as exploram em regime de economia familiar e comunitária.” G.N Artigo 1 ° da Lei n.49/ 2003: “As palmeiras de coco babaçu existentes no Município de Praia Norte – TO, serão de propriedades e responsabilidades dos proprietários das terras, e na medida do possível poderão ser exploradas pelas quebradeiras de coco babaçu e suas famílias, que deverão explorar em regime de economia familiar e comunitária, cando a efetivação de caeiras dentro das terras de particulares , e caso destas vierem a existir danos aos pastos e à natureza, os responsáveis pela tragédia, juntamente com o segmento organizado ao qual pertence, deverão ser punidos nos termos da lei.” G.N.
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conhecimento da questão e a necessidade de regulamentá-la, sob pena de “novos” conitos. Observa-se que os envolvidos possuem plena consciência dos direitos em jog o, bem como da necessidade de protegê-los. Os deslocamentos das ações e estratégias para o plano jurídico local, especicamente para o da elaboração e proposição de leis vêm servindo para reconhecer a existência legal dos grupos sociais e, sobretudo legitimar as suas ações. Trata-se de promover a passagem de uma situação de “invisibilidade” para a de “visibilidade” jurídica, pois o direito somente protege os visíveis. Contudo, esse processo é pouco reetido, em função dos resultados positivos até aqui alcançados. Os grupos sociais vêm apostando suas lutas nesse processo que, sem dúvida, contribui com a construção de suas identidades. A elaboração e proposição dos dispositivos legais auxiliam no reforço e atualização dos laços sociais. Os indivíduos passam a se identicar enquanto membros do grupo. Os novos dispositivos legais criados a partir do controle exercido pelos movimentos sociais determinaram, de certa forma, a ampliação e abertura do ordenamento ou sistema jurídico até então indiferente aos direitos desses grupos. Os novos dispositivos necessitam ir se acomodando ao universo jurídico, sendo que esse processo pode implicar um menor controle dos grupos sociais, em função da “autonomia” do campo jurídico. A “autonomia” é construída em face das necessidades de produção, reprodução e difusão de um discurso jurídico, que sempre se ocupou em negar direitos a esses grupos. Isso deverá implicar um novo conjunto de ações e estratégias, sobretudo na capacidade de os grupos explicitarem a legitimidade dos seus direitos que, em muitos momentos, se encontram em conito com o próprio direito. Os esforços dos grupos deverão se dirigir e concentrar-se no direito em dizer o direito. Considerações nais
No bojo da dinâmica da região Amazônica, os novos movimentos sociais ganharam força e vitalidade, em face dos José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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projetos de intervenção na região, que procuram incluí-la na expansão capitalista. Em decorrência, as “práticas sociais” dos diferentes grupos vêm se impondo na ordem, acarretando uma intensa disputa sobre os territórios e no processo de redenição da região. É por esse motivo que os debates sobre a redenição da região Amazônica não podem prescindir da participação e do conteúdo desses grupos sociais. A força e vitalidade dos movimentos sociais residem, em primeiro lugar, no fato de terem garantido a sua existência enquanto grupo socialmente distinto. A sua permanência e perenidade rivalizaram com todos os esquemas cientícos de pensamento, que deduziam o seu “m” ou “assimilação” diante da sociedade nacional. Segundo essas leituras, esses grupos estariam fadados ao desaparecimento. Em segundo, porque a partir dessa primeira, lograram questionar o direito na sua concepção universalista, obrigando-o a se debruçar sobre as diversidades e as singularidades. Em outras palavras, a “luta jurídica localizada”, enquanto instrumento, vem aproximando o direito das situações mais particularizadas, implicando um repensar do próprio conteúdo jurídico. Tal processo vem fazendo com que os grupos sociais transitem de uma situação de invisibilidade para visibilidade; enquanto sujeitos coletivos de direitos têm suas “práticas jurídicas” igualmente reconhecidas dentre tantas. A região Amazônica expressa e contém essa diversidade sociocultural, que deve ser preservada, sendo que é por esse motivo, tomando emprestado o título do livro de Ronald Dworkin, “levar a sério” as proposições dos povos e comunidades tradicionais, incorporando-as como legítimas no interior da ordem jurídica, sob pena de negar direitos, comprometendo a reprodução física e cultural desses grupos sociais. Referências bibliográcas
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Movimento indígena na Amazônia: relato de uma experiência na COIAB Maria Miquelina Barreto Machado1 Caros colegas, amigos, militantes, autoridades e professores pesquisadores, tenho uma caminhada de conhecimento dentro da história de movimentos sociais, assunto que irei mostrar falando sobre a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, especialmente como trabalha hoje e qual a sua atuação em nível de Amazônia. Ontem, foi colocado pelos professores doutores e pesquisadores em Antropologia que cada país e cada povo têm sua própria história. Nós, indígenas, aqui no Brasil e especicamente na Amazônia, sofremos vários impactos de norte ao sul do país. Lembro-me que, em 1970, quando era criança, ainda uma jovem, na minha aldeia começou a ser criada uma organização com incentivo dos padres da igreja católica, pois os mesmos achavam que criando uma organização, nós indígenas teríamos condições de fazermos trabalhos comunitários. Mas, em nosso pensamento, achávamos que só tínhamos nós, aquele grupo indígena da aldeia, pois não tínhamos conhecimento que existiam outras etnias e civilizações, nosso mundo era fechado. Com a chegada dos padres, nós camos mais fechados, como em quatro paredes. Os padres nos ensinavam português, gramática, geograa e o mundo contemporâneo, mas não ensinavam a nossa cultura e isto foi a falha deles. Nós éramos obrigadas a falar somente português, caso o contrário, seríamos castigados. Essa foi a forma de educação que recebemos dos padres. Na década de 1980, houve o surgimento dos grandes desaos para nós, que somos povos indígenas do Alto Rio Negro, principalmente para nós Tukanos, pois fomos para 1 Brasileira. Pertence ao Povo Tukano. Coordenadora do Departamento de Mulheres da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB.
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outras cidades, conhecer outras realidades, estudar e voltar para a aldeia. Isso ocorreu comigo, com o meu marido e com outras pessoas. Sentíamos que tínhamos que nos organizar, porque a FUNAI falava em nome dos índios, a Igreja Católica falava em nome dos índios, o CIMI sempre colaborou falando em nome dos índios, apesar de tudo, porém, todos os projetos tinham que passar pelas mãos deles. Achávamos que deveríamos ter essa liberdade de expressão, de poder falar por nós mesmos, então mobilizamos a criação da antiga e extinta URCITES que, na época, foi um grande desao. Por quê? Para defendermos a demarcação da terra. Foi nesse período que entrei em campo. Porém, eu não sabia o que era demarcação, o que era terra para nós. Apenas sabíamos que aquele pedaço de terra era nosso e que ninguém poderia invadir o que era nosso, pois olhávamos para outros povos indígenas e víamos o quanto eles sofreram, uma vez que foram invadidos, atacados e mortos, tudo por terra. Fomos demarcar nossa área, na década de oitenta. Foi muito difícil a demarcação na área de fronteira, como todos sabem. Mas, na época, enfrentamos o governo brasileiro que era outro. Os outros indígenas diziam para nós: os Tucanos são doidos, esses parentes são doidos; por que eles vão demarcar terra? Eles querem ser atrasados? Eles não querem educação? Não querem nada. Por que eles vão car isolados? Esses Tukano vão comer ipadú. Ipadú é uma cultura dos nossos antepassados. Chegará um dia em que não vamos mais ser invadidos e nem vamos mais perder nossas terras. Tivemos uma caminhada para nos fortalecermos cada vez mais e nos juntarmos com outros grupos: os Baniwas e um pouquinho dos Ianomâmi. Quanto aos outros, não queriam saber, não queriam se identicar como indígenas, e, em São Grabriel da Cachoeira, principalmente, isso foi um corte e fomos discriminados. Mesmo assim, avançamos nessa luta e foi na mesma década, em Brasília, que o grupo União das Forças Indígenas - UFI foi criado, em nível federal, para fortalecer os povos indígenas. Foi criado também um grupo no centro do Mato Grosso. Foi essa a história.
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Em 1987, foi criada a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, para fortalecer os povos indígenas do alto Rio Negro, pois antes não sabíamos que os outros povos estavam precisando do nosso apoio. Os Tukanos tiveram incentivos e o apoio do governo para criar essa Federação, mas tivemos que articular e mobilizar várias instâncias do governo para podermos criá-la e, mesmo assim, fomos criticados novamente pelos nossos parentes, acusados de estarmos usando recursos do governo para criar uma org anização indígena. Enfrentamos diversas burocracias nas instâncias do governo e mais uma vez fomos criticados, mas também houve a participação de várias lideranças na aprovação da Constituição Federal. Muitas lideranças viajaram para Brasília para par ticipar e nós conseguimos nos fazer presentes. Dentro da constituição tem dois artigos que falam da questão indígena, que são o artigo 231 e 232. A Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro - AMARN foi criada em 1983 por um movimento de mulheres indígenas. Essas mulheres vinham de todas as regiões do alto Rio Negro e cavam aqui em Manaus como domésticas trazidas pelas freiras, padres, militares, à margem da vida. Portanto, foi criada a associação AMARN para termos uma referencia e isso foi se passando e ela tem hoje 25 anos de registro, mas, historicamente, ela é mais antiga que a FOIRN e a COIAB. A COIAB foi criada em 19 de abril de 1989 e quem fundou a mesma também foram os povos indígenas do alto Rio Negro, com articulações de outros povos de outras regiões da Amazônia. Assim fomos envolvidas. Nessa caminhada, a AMARN foi uma mãe, que amparou várias pessoas que não sabiam onde morar e onde comer. A associação ajudava essas pessoas como parentes, recebiam e davam apoio e, por isso, a AMARN é respeitada como parte das mulheres que tiveram participação no movimento indígena. Como o Nonato2 colocou, em 1997 já me encontrava em Manaus. Cheguei em 1986 e não vim por acaso, vim por 2 Professor Raimundo Nonato Pereira da Silva/DAN/UFAM.
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motivo de saúde, pois meu lho adoeceu. Infelizmente, ele faleceu aqui, tentamos cuidar, mas não deu certo. Meu marido era cacique, viajava e tinha conhecimento e acompanhamento. Quanto a mim, fazia acompanhamento, mas não diretamente, então logo o meu marido assumiu um cargo na FUNAI, pois naquele tempo contratavam as pessoas. Quanto a mim, eu era professora na minha aldeia, mas quando cheguei quei isolada e, em 1997, eu entrei no movimento com o convite das mulheres. Disse que não ia participar, mas meu marido disse: “tu vais, vais porque elas estão te convidando”, pois lá na minha aldeia eu era uma liderança e sempre participei da comunidade. Para mim foi como uma caminhada e ajudei, como o Nonato colocou, representando a AMARN, participando em eventos, seminários, etc.. A sede da AMARN estava para cair e as duas coordenadoras da época estavam assumindo para estruturar a sede. Eu viajava para lá e para cá e pude ver como era necessária a participação das mulheres que eram poucas no movimento. Isto acontecia principalmente porque nossos povos indígenas, na maioria, são muito machistas, porém eu falo para eles: vocês têm que chamar as mulheres, jovens, professoras, pois não custa nada trazê-las. Eles respondiam: “Não, a mulher tem que car em casa, a mulher tem que cuidar das crianças, a mulher tem que cuidar da roça”. E sempre era a mesma fala. Dizia para eles: “vocês são muito machistas, não têm que ser assim, vamos dividir por igual”. E eles falavam: “se elas vierem para cá vão arrumar outro marido”. Mas eu disse: “Que nada, vão namorar não sei o que, rapaz, e vocês não fazem isso? Fazem... Agora querem culpar as mulheres!” Então, lutei muito para que as mulheres participassem, pois observava quem era o grupo de professores, da educação, da saúde, das políticas públicas. Nos dias 28 a 30 de maio de 2001, nós tivemos uma assembléia da COIAB em Santarém. Foi uma viagem de barco na qual nós fomos muito bem agregados. Falei para as mulheres:
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“mulheres, vamos concorrer, dá para nós concorremos”. As repostas foram as mais diversas: “não, eu não posso, tenho marido, tenho lho, tenho trabalho, mas, tudo bem, vai você”. E eu disse que não, sozinha não e assim a gente conseguiu reverter, criando o departamento de mulheres na COIAB. Foi um passo que nós conseguimos, pois precisávamos da participação das mulheres, tanto na educação, saúde e outros trabalhos. Para quem conhece a história, em 2000 houve a comemoração dos 500 anos do Brasil que foi promovida pela COIAB e por várias outras organizações. Para os indígenas foi um marco muito triste, pois envolveu aquele escândalo que os militares começaram a atacar os índios, e isso foi uma decepção, eles tinham marcado uma audiência e foi muito triste. Nós continuamos as atividades que a COIAB vinha desenvolvendo em nível da Amazônia e fortalecemos também a criação de outras organizações, como a de professores, estudantes. Como mulheres tivemos vários avanços. Hoje as mulheres estão mais conscientizadas sobre quais são os seus direitos e, agora, elas já sabem participar das políticas públicas, mas não com qualidade. Entretanto, esperamos alcançar isso um dia e me sinto na obrigação de defender e de levar a capacitação para obtermos o conhecimento. Em 1999, o governo passou a responsabilidade da saúde para as organizações indígenas e não foi feito nenhum preparo para capacitar. Foi quando decaímos. Caímos, e muitas organizações foram fechadas, lacradas pela justiça e até hoje temos essa cicatriz. Entrei para concorrer na COIAB e ganhei. Quando a COIAB estava caindo, nós conseguimos levantar, mas faltava solucionar alguns problemas de ações trabalhistas que a FUNASA deixou, e nós jogamos para eles de volta a responsabilidade, porque a educação é direito de todos, mas a responsabilidade é do governo. Tivemos muitas experiências com isso tudo. Nosso pensamento hoje é que avançamos, pois tivemos grandes desaos e grandes avanços. Ainda prevalecem os conitos em terras indígenas, como José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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a Raposa Serra do Sol. Participei de várias caminhadas, eventos e conferências, onde todos falavam do que estava ocorrendo na Raposa. Que bom, pois nos sentimos até agradecidos hoje. No dia 12, lá em Roraima, pude os ver comemorarem aquele voto do ministro, para quem acompanhou sabe muito bem da história, eles estavam comemorando, dançando Carriço, mas cheguei no nal. Na mesa do dia 12 nos sentamos e explicamos para todos o que foi a nossa participação como movimento indígena da COIAB, dos movimentos sociais e eles caram felizes. Todos estão agradecidos, diretamente e indiretamente, todos que participaram a favor da homologação da Raposa Serra do Sol. Tanto que eles estão fazendo cartas, enviando agradecimentos para todos, nacional e internacionalmente. Por que nós fomos criticados? Sabemos que muitos políticos dizem que é muita terra para pouco índio. O que eles querem dizer com isso? Não sei, até hoje não entendi, mas sabemos que por trás disso tudo existe outro interesse, o de empresários e interesses econômicos. Quem estuda economia sabe. Para o movimento indígena ajudar a entender mais as políticas do governo, foi criado, em 2003, o abril indígena e todo o dia 19 as pessoas falam que é dia de índio. Nós vimos que podemos nos manifestar, pois não temos o que comemorar, mas podemos fazer propostas e campanhas para melhorarmos as políticas públicas. Estamos com excesso de diculdades na saúde e como poderemos resolver? Com audiência e com diálogo. Em torno de 800 a 1.000 pessoas vão fazer acampamento, manifestação, rituais em Brasília para levarmos propostas para o governo e podermos marcar audiência para discutirmos o assunto. Esse ano ainda prevalece esse tema, mas a cada ano o tema é especíco para o momento. Esse ano tratamos o tema “Mudanças Climáticas” e nos preparamos muito, e fomos chamados para irmos para o Fórum Permanente da ONU. O que seria isso para nós? Sempre
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ouvi falar, mas, meu Deus, o que quer dizer isso? Foi quando recebi o convite e falei: “meu Deus, onde é que eu vou parar? E comecei a articular com várias pessoas que me ajudaram e pagaram minha passagem. Tive que tirar um visto para poder ir para New York, nos Estados Unidos, o que é muito complicado, mas consegui e no dia 20 nós viajamos. Vi em uma entrevista aqui em Manaus, “os índios estão indo para New York para ir a ONU fazer denuncia”. E nesse Fórum o que nós zemos? Fizemos várias denúncias, em várias instâncias do governo brasileiro e, agora, vamos recorrer para onde? Agora para a ONU. Pode ser que eles nos atendam. Log o, fomos com documentos sobre mudanças climáticas e outros assuntos como Raposa Serra do Sol, a questão dos Cinta Largas, etc. Todos esses problemas são sérios aqui na Amazônia. Os representantes do Nordeste também levaram os documentos com suas denúncias, pois eles também sofrem muito com o caso da transposição do rio São Francisco. Todos esses documentos, levados por nós, que éramos a delegação Brasileira, composta por 10 pessoas, foram entregues para o relator da ONU. Todos da delegação tinham suas responsabilidades, houve ocinas paralelas e tivemos que dividir o grupo de trabalho. Com isso, para nós foi muito bom, pois conseguimos colocar nossos anseios. Quanto ao relatório da ONU, nós zemos o pedido para o relator dos Direitos Humanos que viesse visitar o Brasil, pois o representante veio antes do sentenciamento da Raposa Serra do Sol. Não pude acompanhar pessoalmente, pois estava participando de uma ocina, mas ele visitou Manaus e conversou com as pessoas na COIAB, algumas lideranças que colocaram os problemas. O representante da ONU também visitou o Rio Negro e Roraima. Quanto ao relatório de Roraima e de Mato Grosso, eles ainda vão terminar e encaminhar para nós. Conversei com o relator dos Direitos Humanos em Iquito, em um encontro de mulheres e ele foi muito claro em relação aos problemas colocados por nós. Também lhe z uma pergunta - por que não se põe na ONU a língua portuguesa, José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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pois só tem a espanhola e a inglesa. Temos essa diculdade de entendimento, mas com o espanhol vamos enrolando a língua e entendendo um pouco, mas inglês é difícil. Nós nos viramos e fomos atrás, para pegar um táxi, por exemplo, colocávamos no papel o endereço e entregávamos ao taxista. Foi muito bom participarmos, esse ano já iniciou as inscrições e a questão é a violência, mas não sei como vamos fazer para participarmos. Assim, em todas as instâncias que participamos é para discutirmos questões indígenas e as questões indígenas são muito difíceis de resolver, pois às vezes até a gente não sabe como buscar uma solução diante dos problemas. Foi colocado ontem a questão - o que é globalização para nós povos indígenas? Para mim, nesse sentido, acho que ainda estamos caminhando. Quer dizer, quando as pessoas falam assim: “Quando o índio está na cidade, ele deixa de ser índio”. E quem fala isso são os técnicos, são os prossionais, digo uma coisa: nós não deixamos de ser índios. Vocês estão vendo a comemoração dos cem anos que os japoneses chegaram ao Brasil. O que está ocorrendo? Eles mudaram? Eles deixaram de ser japoneses? Não... Então, acho que vamos aperfeiçoando o conhecimento que temos, as culturas que temos e esse foi um dos assuntos discutidos ontem. O que é cultura para nós? Para nós, hoje, a cultura está sendo comercializada. Por quê? Há uma necessidade, mas conservamos ainda os rituais, pois isso não pode ser patenteado, e foi dito aqui ontem. Como nós queremos que sejam distribuídos esses conhecimentos? Sabemos que algumas coisas irão ser fáceis, mas outras não irão. Com toda certeza será difícil repassar esse conhecimento, pois nós temos rituais que as mulheres não podem ver, somente os homens se preparam para esse ritual que há cerimônia. Os Tikuna celebram a cerimônia da moça nova. Os Tukanos também tinham essa cerimônia, um ritual de adoração, pois eles adoravam uma cruz, e cantavam assim: Santa Curacura santa, santa... Porque eles falavam assim? Eles tinham uma visão que existiam seres e acreditavam. Mas eu não digo que nós
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temos religião. Acreditamos no ser, pois é esse nosso trabalho. Nós viemos ver a história, de onde viemos e como surgimos e por que viemos parar aqui. Saibam que é uma história longa e eu não poderei contar agora, pois o velho me falou: “minha lha, a história dos índios, não é para ser contada em uma ou duas horas não. É para ser contada em dias, noites e horas, isso requer tempo”. Então, quanto à globalização, ela está na vida de todos, mas as pessoas falam ainda que os índios, hoje, usam celular, que alguns têm carro e outros têm casa própria. Sim, alguns têm esses bens, pois lutaram para possuir, mas não são todos que têm privilégio. Falo para os meus lhos que o mundo aqui fora tem muita gente passando fome, necessidade, mesmo porque não tiveram oportunidade. Mas sabemos que os grandes empreendimentos estão chegando em terras indíg enas, como o governo mesmo permite que os empreendimentos entrem em terras indígenas. Em muitos desses programas, nós indígenas não somos consultados, não temos participação, logo camos sem oportunidades. Pois, quem são as pessoas que o governo consulta? Todos os interessados? Somente os grandes empresários são consultados. Ficamos tristes com tudo isso. Hoje está sendo discutida a construção da Hidrelétrica do Rio Madeira, sabemos que essa construção traz prejuízos ambientais. Temos exemplo disso em relação aos prejuízos que as pessoas que moram próximas a transposição do leito do Rio São Francisco estão sofrendo. Os nossos parentes choram, quando falam nesse assunto, pois é triste a realidade que eles vivem. Tivemos a organização da COIAB que são liadas em outros estados, são 75 organizações em cada estado da Amazônia, mais as organizações de mulheres, jovens e outras que existem. Um grande conito que temos é com relação aos militares, pois eles cam xos em terras indígenas, gostaríamos de saber o porquê, por que eles não cam nas fronteiras, na linha do marco. Mas não, preferem car nas aldeias e com isso gera conito. José Basini | Márcia Calderipe | Dilton Rufno | Daniel Tavares (Orgs.)
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Em 2007 foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos dos Povos Indígenas e, para nós, é de suma importância, e acreditamos que tenha validade e que os governos de todos os países reconheçam esses direitos dos povos indígenas. Quanto à educação, pude analisar, até aqui, que enfrentamos muitas coisas, pois não temos apoio. Temos acesso parcial, pois quando se trata de cursos pagos, não temos apoio para permanência e isso se torna uma grande diculdade para enfrentarmos. Com as cotas da Universidade do Estado do Amazonas - UEA conseguimos espaço, mas somente vamos visualizar bem daqui há uns dez anos, pois teremos prossionais sucientes para nos ajudar a trabalhar. É um grande desao, para nós, conquistarmos mais espaços na área da educação. No momento, estamos vendo a discussão do Estatuto dos Povos Indígenas, que são vários estatutos atrelados, mas queremos unicá-los e, nos dias 7, 8 e 9 do próximo mês, iremos discutir o estatuto aqui na região norte, onde sempre tivemos a participação do Estado do Amazonas e do Estado de Roraima. Ocorrerá na cidade de Manaus, onde iremos ver se será aprovado o Estatuto dos Povos Indígenas de acordo com a nossa realidade hoje e com o apoio da sociedade, pois nós índios estamos cansados de sermos discriminados. Estamos discutindo com o governo e dando a nossa contribuição em relação ao turismo em terras indígenas. Quanto à exploração de minério em terras indígenas, temos grandes desaos, pois muitas pessoas entendem que nós vamos trazer danos ambientais e não queremos fazer isso, queremos apenas ter oportunidade de trabalho. Caso não tenhamos oportunidade de trabalho, irá ocorrer o que? O que acontece aqui nessa cidade, vão roubar por falta de emprego e fazer o que não devem e nós corremos esse risco. Por isso, temos que melhorar essa questão. As pessoas perguntam, por que tanta riqueza em terras indígenas. Nós não pedimos para nascer lá, e de alguma forma temos que trabalhar para nos sustentar, pois o governo não nos vai dar nada. Queremos trabalhar e cuidar
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da educação, assim como vimos em viagens que zemos. Pude ver que nos Estados Unidos, no Canadá, no Paraguai e em Iquito, quando visitei os parentes de lá, têm uma história de como eles trabalham e como desenvolvem as negociações com as empresas, madeireiras, cassinos e elétricas, e como eles tem apoio e estrutura, pois o governo paga técnicos para trabalhar com eles, ajundando-os e, assim, o lucro é dividido igualmente, e tudo isso com transparência. É dessa forma que nós queremos. Mas, infelizmente, em nosso país ainda têm muitos ricos ganhando a custa dos pobres e os pobres cada vez mais pobres. Desde logo, agradeço ao convite e a todos.
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É bem recente a criação de um espaço especíco de discussões e de formulações de políticas voltadas aos povos tradicionais no Estado brasileiro. Decorridos vinte anos da criação da Aliança dos Povos da Floresta, ato político fundador da articulação que unicou, no Acre, indígenas e seringueiros em um movimento de luta pelos direitos das comunidades tradicionais liderada por Chico Mendes, vimos, ao longo deste período, um avanço considerável do espaço político ocupado por estes grupos, agora cunhados de povos tradicionais. Um claro exemplo da crescente visibilidade dos povos tradicionais da Amazônia foi a escolha da cidade de Belém para a realização do Fórum Social Mundial. Foi durante a segunda metade do século XX que houve uma intervenção mais marcante do Estado, passando a atuar na Amazônia de forma estruturada. A região era pensada como uma imensa área vazia de homens e uma grande fronteira de recursos a serem explorados por meio da implantação de grandes projetos minerais e hidrelétricos, constituindo Carajás a grande expressão deste momento. Esta fase, que se estendeu até 1985, teve como efeito conitos sócio-territoriais envolvendo fazendeiros, posseiros, seringueiros e indígenas e impactos ambientais visíveis na aceleração dos desmatamentos provocados pela abertura de estradas, exploração madeireira e expansão agropecuária. Por parte do Estado, imperava a idéia do vazio social amazônico cristalizado nas propagandas de colonização que oferecia a Amazônia como a “terra sem
homens para homens sem terra”. Para a sociedade brasileira, índios, seringueiros e ribeirinhos eram personagens folclóricos, fósseis remanescentes do passado. Em duas décadas, o cenário é bem diferente. As comunidades tradicionais são razoavelmente reconhecidas pela sociedade e pelo Estado brasileiro como atores políticos destacados. Na Amazônia, região de origem deste empoderamento, suas demandas por reconhecimento territorial estão se materializando e traçando novas fronteiras através da criação de Reservas Extrativistas, Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Quilombos, Assentamentos como os Projetos de Assentamento Agro-Extrativista - PAE. No âmbito da conquista de espaço decisório dentro do Estado, a contestação destes movimentos sociais se traduziu em dezembro 2004 no decreto de criação da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. Com efeito, em agosto de 2005, no I Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais foram escolhidos os membros da comissão formados por representantes de diversas comunidades tradicionais brasileiras e objetivando, juntamente com o governo, promover e coordenar ações voltadas para implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável para esses povos2. Vale destacar que, entre as principais demandas do documento do I Encontro de Populações Tradicionais, de 2005, estava a necessidade de regularização fundiária e de garantia dos direitos destes grupos aos territórios tradicionalmente ocupados, a ameaça das grandes obras de infra-estrutura e as sobreposições na criação das Unidades de Conservação. Dois importantes marcos legais devem ser destacados no que tange ao processo de políticas públicas destinadas aos povos tradicionais: primeiro, em 13 de julho de 2006, um Decreto Presidencial nalmente institui a Comissão Nacional
1 Mestre e Doutora em Antropologia pelo PPGAS-Museu Nacional (UFRJ). Realizou estudos pós-doutorais no Programa de Formação de Quadros Pros sionais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de Antropologia e PPGAS-UFAM .
2 A comissão é presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável.
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Povos tradicionais: 20 anos de visibilidade política no Brasil Thereza Cristina Cardoso Menezes 1
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de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT: “fórum de composição paritária criado pela Presidência da República visando, justamente, à elaboração e implementação de uma Política Nacional que reita tal diversidade”. O segundo marco seria o Decreto Presidencial nº 6040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais: “a instituição da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais é fundamental não só por propiciar a inclusão política e social dos povos e comunidades tradicionais, mas também por estabelecer um pacto entre o poder público e esses grupos, que inclui obrigações de parte a parte e um comprometimento maior do Estado ao assumir a diversidade no trato com a realidade social brasileira”. Com o Decreto de 2007, o Governo Federal deniu uma política de desenvolvimento sustentável para os povos e comunidades tradicionais, no decreto publicado classicam-se as comunidades como grupos culturalmente diferenciados que possuem formas próprias de organização social. Destacamse os territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural e se utilizam conhecimentos e práticas transmitidas pela tradição. O documento dene ações para essas comunidades nas áreas de educação, regularização fundiária, reconhecimento da cidadania, proteção dos territórios tradicionais, construção de infra-estrutura, atenção à saúde, fortalecimento institucional, produção sustentável, segurança e inclusão social. Indígenas, sertanejos, quilombolas, pescadores artesanais, ciganos e pantaneiros, além de várias outras comunidades tradicionais brasileiras, estão contemplados pelo decreto3. 3 A política nacional para essas comunidades foi dividida em três diretrizes centrais. A primeira delas pretende assegurar os direitos civis, por meio do reconhecimento legal dos habitantes das comunidades, inclusive com fornecimento de documentos de identicação; a segunda é de reconhecimento e respeito à diver sidade étnica, ao direito à educação diferenciada e à prática religiosa especíca; e
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No entanto, um dos principais entraves à formulação e implementação de políticas voltadas aos povos tradicionais é a denição do conceito de populações tradicionais na legislação brasileira que vem sendo postergada desde os tempos da elaboração do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A denição desse conceito costuma produzir uma série de questionamentos no que se refere à categorização destes grupos e a diculdades de se estabelecer critérios que os denam além das características políticas que pesam sobre o conceito. O estabelecimento de políticas públicas voltadas para os povos tradicionais tem como um dos seus principais desaos enfrentar este universo obscuro de denições e imprecisões de ordem conceitual, quantitativa e geográca associada a esta categoria social. Neste sentido, há uma proposta do Governo Federal no sentido da realização de uma Pesquisa Nacional sobre Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil, visando a realizar um levantamento nacional sócio-demográco e econômico sobre povos e comunidades tradicionais, predominantemente em áreas rurais, por meio de pesquisa de campo, a m de subsidiar a proposição, elaboração, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, universais e especícas, voltadas para a garantia de direitos individuais e coletivos desses Povos e Comunidades. A pesquisa se propõe a trabalhar no sentido de suprir uma série de desaos técnicos e sociais tais como denir quem são as comunidades tradicionais; onde elas se encontram; qual o número de famílias e pessoas que as integram; segundo quais critérios podem ser identicadas; quais os melhores mecanismos para garantir seu desenvolvimento sustentável. Adiante busco apresentar uma sociogênese do conceito de povos tradicionais visando a reetir sobre a diculdade em lidar com este “novo conjunto populacional”. Apresentarei as origens do conceito nascido da interação entre movimentos a terceira busca resolver a regularização fundiária, já que muitas das comunidades tradicionais sofrem com o desrespeito à sua referência geográca.
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sociais originados em áreas preservadas e as preocupações com o manejo de unidades de conservação manifesta pelo conservacionismo internacional. Busco demonstrar, sobretudo, a invisibilidade a que as Ciências Sociais, em particular, a Antropologia, relegou estes grupos sociais em virtude das particularidades da conguração de seu campo teórico.
Da invisibilidade antropológica A assimetria e a subordinação do sistema social ao sistema natural costumam ser as características inicialmente destacadas por autores que estudam a relação entre habitantes da Amazônia e a oresta. A literatura freqüentemente aponta a natureza como elemento que limita, absorve e torna invisível, do ponto de vista sócio-político, os grupos sociais amazônicos. Em recente publicação voltada a reetir sobre as “sociedades caboclas amazônicas” (ADAMS et al,, 2006) as sociedades não-urbanas contemporâneas desta área são divididas e classicadas em três grupos: sociedades indígenas, camponeses “tradicionais” ou históricos (os chamados “caboclos” )4 e neocamponeses. Os índios teriam sido ecologizados e absorvidos pela representação da Amazônia e transformados em populações reguladas por parâmetros naturais” (CASTRO 1992, p. 25). Os camponeses tradicionais (caboclos) seriam oriundos da agregação da Amazônia ao empreendimento colonial e representariam o fracasso das tentativas de integração nacional do passado. Finalmente, os camponeses, migrantes vindos durante a década de 1970 através das políticas governamentais voltadas à ocupação da Amazônia e excluídos de projetos desenvolvimentistas de industria extrativa capitalista. Apesar das diferenças étnicas, sociais e de inserção histórica, a invisibilidade sócio-política seria o traço marcante presente no que tange aos três grupos (NUGENT, 1993). 4 Categoria de classicação que articula dimensões raciais, geográcas e de classe, representando para o senso comum o tipo humano característico da população rural da Amazônia. Segundo Lima (2001), este tipo de formação social camponesa seria marcado por uma forma particular de organização social, uso de recursos naturais e ocupação do espaço ou por apresentar um modelo sociocultural especíco de adaptação ao meio ambiente.
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É fortemente perceptível uma escala de originalidade ou concepções fundadas no dualismo espúrio/genuíno, expressa na classicação acima sobre as três sociedades amazônicas. Com base neste pressuposto, parte importante dos estudos antropológicos sobre a paisagem social da região tenderam a privilegiar pesquisas sobre grupos indígenas em virtude da desaante alteridade radical representada pela concentração de diversicados grupos na região. Os índios da Amazônia encarnavam o arquétipo do “selvagem”, objeto caro à antropologia por longa data. Neste contexto, as sociedades camponesas amazônicas, com sua inserção na região marcada pelo advento do colonialismo e da sociedade nacional, raramente são objetos de pesquisa antropológica ou o são pelo prisma comparativo do indígena. Deste modo, se o indíg ena é o habitante genuíno e fonte de cultura rica, única e capaz de abalar, até mesmo, os pilares do pensamento ocidental, as sociedades camponesas são “Outros falsicados”, pois sua existência seria parte da deletéria intervenção civilizatória. Duas obras referenciais da história da antropologia brasileira trataram a Amazônia para além da temática exclusivamente indígena. Charles Wagley (1953) e Eduardo 5 Galvão (1952 ), inspirados nas questões levantadas pela antropologia americana pós-boasiana, escreveram importantes obras versando sobre mudança cultural no encontro de sociedades. Os dois textos destes autores r ealizaram estudos de comunidades caboclas amazônicas a partir da ênfase do caboclo como integrante das camadas mais dominadas e marginalizadas das populações rurais. A partir de uma análise processual, Galvão indicava que a cultura cabocla estaria sempre em mudança, constituindo a resultante de um longo processo histórico e que o caboclo personicava o elo entre a cultura indígena ocidental. A abordagem dos autores inspirada na combinação de conceitos provenientes da antropologia americana produzida por Redeld, Linton e Herscovitz (idéias de aculturação) e Steward 5 Foi o primeiro antropólogo brasileiro com doutoramento. Sua tese de doutorado defendida na Universidade de Columbia foi orientada por Charles Wagley.
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(tipos de cultura) destacou-se nos estudos antropológicos brasileiros, espaço de predominância de estudos descritivos de traços culturais realizados em grupos localizados. Outros trabalhos relevantes foram realizados sobre as sociedades camponesas amazônicas posteriormente, mas não alcançaram destaque comparável às obras de Wagley e Galvão. Em geral prevalece nos estudos mais recentes abordagens direcionadas a um ponto de vista ecológico cultural que reica a cultura ao percebê-la como modelo de uso de recursos e sistema adaptativo (MORAN, 1974 ). Nugent (2006) atribui, entre os motivos da escassez de estudos rurais na Amazônia, a concentração dos mais interessantes estudos sobre campesinato do Novo Mundo em realidades moldadas pelo capitalismo agrário e industrial baseado na plantation. As especicidades da entrada da Amazônia na economia global moderna via extrativismo (ciclo da borracha) tornava-a pouco adaptada às interpretações e perspectivas teóricas construídas a partir da realidade da plantation. Outro elemento complicador seria o fato do campesinato amazônico não poder ser considerado pós-indígena como nos Andes e Mesoamérica, mas ao contrário, formado por mão-deobra migrante. A situação singular da fronteira amazônica se tornou outro elemento complicador, pois a região não estava plenamente integrada ao Estado, situação manifesta, por exemplo, no comercio regional fundado em relações diretas com os mercados internacionais. Nem índio isolado, nem trabalhador rural da plantation, ou seja, por sua realidade não se encaixar no aparato teórico disponível, o mundo rural amazônico dicilmente poderia ser integrado aos estudos sobre o campesinato. Apesar de suas singularidades, houve, porém, algumas tentativas de inscrever o campesinato amazônico em teorias de autores que se tornaram clássicos nos estudos de campesinato. Fraxe (2000), ao estudar camponeses que habitam a várzea do rio Solimões-Amazonas, sublinha a singularidade do caboclo ribeirinho (chamado pela autora poeticamente de homens
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anfíbios) a partir de sua tripla inserção, conformando um camponês agricultor-pescador-extrator. A distinta relação com o meio ambiente indicaria outra singularidade, visto que suas atividades não dependem da alternância de estação chuvosa e seca, mas, principalmente do regime uvial, o que redundaria, a partir de uma certa leitura de K arl Marx realizada pela autora, na existência de uma renda de terra molhada e renda da água. Baseada ainda na idéia de sistema de pousio de Eric Wolf, Fraxe destacaria outro diferencial do campesinato amazônico, o pousio manejado associando policultivos de subsistência e sistema de produção agroorestal, práticas oriundas de práticas indígenas caboclas de produção. Tal estratégia de uso dos recursos naturais seria passada de geração para geração e denotariam conhecimento aprofundado dos ciclos naturais e implicariam o uso de tecnologias simples e de impacto limitado sobre o meio ambiente. Finalmente, a dependência e simbiose com a natureza identicariam o campesinato amazônico e este caráter estaria expresso em mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades extrativas. São mencionados por Fraxe também como peculiaridades deste grupo social: a grande divisão social e sexual do trabalho, o fraco poder político e a força das relações de compadrio, uso quase exclusivo da mão de obra familiar, importância do território onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente e a integração parcial a mercados incompletos.
A produção social da visibilidade ou como os “caboclos” se tornaram povos tradicionais Do ponto de vista jurídico e institucional, o termo caboclo tem sido substituído recentemente pela noção de “populações tradicionais” ou “povos tradicionais”. A noção surgiu no âmbito dos debates do conservacionismo internacional6 sobre zoneamento e gestão de áreas protegidas para dar conta da 6 Por exemplo: assembléias da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e os Congressos Mundiais sobre Parques Nacionais e Áreas Protegidas. A mais recente destas reuniões foi realizada em Durban, na África do Sul em 2003.
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questão da ocupação humana e uso de recursos naturais em unidades de conservação (BARRETO FILHO, 2001). A partir da constatação de que o manejo muito restritivo é inadequado à gestão de espaços protegidos, reconheceram-se povos autóctones destas áreas como parte dos ecossistemas7. Já Diegues (1996) assinala para o caso do Brasil, a íntima relação entre campesinato e populações tradicionais, caracterizando todas as “populações tradicionais não-indígenas” brasileiras como “camponesas” (rurais, fruto de miscigenação entre brancos, índios e negros). A noção de miscigenação e, sobretudo, de gêneros de vida que resultaram da adaptação à diversidade a aspectos siográcos do Brasil, também dão sustentação à noção de populações tradicionais no Brasil. Quando aplicada à Amazônia, esta concepção permite unir, na mesma categoria, caboclos e povos indígenas, pois o caboclo seria herdeiro do arsenal tecnológico-adaptativo dos índios. Resultados de estudos de áreas como etnobotânica e ecologia histórica permitiram ainda novos enfoques sobre as populações residentes em áreas de orestas. Se antes estas eram vistas como invasoras, estudos destas áreas de conhecimento atestaram a adaptação entre sistemas regenerativos da oresta e as atividades do homem primitivo. Autores como Balée chegam a falar em “orestas culturais” sustentando a idéia de que a paisagem orestal é resultante de habitats manejados e não manejados. Segundo Viana (1996), os elementos mais comuns para identicar populações tradicionais são: 1) a relação particular com a natureza, fundada na dependência dos ciclos naturais que teria colaborado para a constituição de saberes técnicos e sistemas de uso e manejo adaptados às condições do ecossistema em que vivem; 2) posição periférica face ao mercado que teria resultado em áreas pouco transformadas e aproximação entre
biodiversidade e sociodiversidade. Esta situação particular tornaria estas populações protetoras preferenciais da biodiversidade global. As populações tradicionais ganham visibilidade legal com o artigo 68 da Constituição brasileira de 1988, onde foi instituída a apropriação formal de terras para povos como quilombolas baseada no direito à propriedade denitiva e não mais disciplinadas pela tutela, conforme ocorre com povos indígenas. É empregado na Constituição o termo “terras tradicionalmente ocupadas” (parágrafo 1º do Art.231) denidas como “habitadas em caráter permanente, utilizadas em atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais e reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” No Brasil, em 2004, o Governo Federal decretou a criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, visando à implementação de uma política nacional dirigida a tais comunidades. O uso de comunidades e não de populações para nomear a comissão já indica um debate ocorrido na OIT no m da década de 19808 onde o termo povos tradicionais passam a ser adotados em lugar de populações. Nos debates da Convenção, optou-se pelo termo “povos” indicando a existência de sociedades organizadas com identidade própria, em vez de simples aglomerados de indivíduos com as mesmas características raciais e culturais. Partilhando da posição de Barreto Filho (2006, p. 121) sobre a idéia de que “populações tradicionais tratase de um “construto ideológico cuja força reside exatamente na generalidade do seu signicado e na utuação do seu emprego”, pretendo explorar como o termo tradicional se tornou socialmente operativo, aproximou-se das demandas de grupos sociais no Amazonas e abriu espaço de interlocução na esfera do Estado. Exploro a questão a partir de estudos de casos
7 A Lei n.9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o Art.225 da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, faz menção as populações tradicionais e focaliza a relação entre elas e as unidades de conservação.
8 O Brasil raticou, através de Decreto Legislativo n.143, a Convenção 169 da OIT, de junho de 1989. Esta Convenção reconhece como critério fundamental os elementos de autoidenticação.
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onde a nova categoria se tornou instrumento de legitimação de políticas territoriais promovidas pelo Estado e instrumento de mobilização dos movimentos sociais por demanda territorial. Os dados apresentados são baseados em trabalho de campo realizado em quatro municípios situados no Amazonas9.
O Sul do Amazonas e suas novas fronteiras A região do sul do Amazonas, sobretudo na área às margens do rio Madeira, vem sendo alvo de exploração econômica desde o período inicial de extração da borracha. Nas últimas décadas, a região tem sido local de desenvolvimento de vultosos projetos governamentais e empresariais. O cenário atual do entorno do Vale do rio Madeira, sobretudo na faixa situada ao sul do Amazonas combina a reconstrução de rodovias como a Rodovia Federal BR 319 (Porto Velho-Manaus), criação de assentamentos rurais pelo INCRA, incentivo do governo do Estado ao cultivo de grãos e exploração da pecuária e a implantação do complexo Madeira Hidroelétrico. Na década de 1990, antigos seringais se tornaram, ainda, objeto de exploração de empresas madeireiras internacionais. O garimpo no Rio Madeira (entre Humaitá e Borba) emprega sazonalmente um número crescente de ribeirinhos. A expansão da fronteira agrícola que vem ocorrendo no sentido Porto Velho-Sul-Amazonas é ainda favorecida pela viabilização da hidrovia Madeira-Amazonas, que reduz o custo de transporte de escoamento da produção. Ao longo de todo trajeto Porto Velho-Manaus pelo rio Madeira, é comum observar um intenso uxo de transporte de balsas graneleiras dando escoamento da 9 O material apresentado é o resultado de duas etapas de trabalho de campo realizado em 2007 e 2008 nos municípios de Humaitá, Manicoré, Lábrea (sede municipal e sul do município, na fronteira de Amazonas com Rondônia) e Boca do Acre no âmbito do projeto “Transformações sócio-econômicas no Rio Madeira: análise crítica para ns de monitoramento de políticas governamentais” co ordenado por Alfredo Wagner B. de Almeida e por mim. Em sua primeira etapa, o projeto contou com apoio nanceiro da IRN (International Rivers Network) e Rede Brasil. A segunda etapa da pesquisa tem apoio da Fundação Ford através do Projeto Nova Cartograa Social da Amazônia e Instituto Internacional de Educação do Brasil - IEB.
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produção do Centro Oeste e Rondônia e sul do Amazonas para os portos de Itacoatiara e Belém. Para os representantes de instituições como IBAMA, INCRA e FUNAI contatados durante o trabalho de campo, o perl da região seria caracterizado pelo rápido avanço da fronteira agropecuária, exploração de madeireiras e as grandes obras de infra-estrutura como rodovias e o gasoduto UrucuPorto Velho. No município de Humaitá, por exemplo, sobressai o cultivo de arroz e soja realizado por produtores originários do sul do país, em outros municípios da região como Lábrea (no Vale do rio Purus) prevalece a exploração da madeira e pecuária. Esta matriz de projeto de desenvolvimento já produz efeitos marcantes. Lábrea, por exemplo, ostenta o título de campeão em desmatamento no estado do Amazonas10. O baixo grau de integração ao estado do Amazonas é outro ponto de destaque do universo pesquisado. Humaitá está situada a cerca de 200 Km de Porto Velho e possui acesso rodoviário (cerca de 3 horas) à capital de Rondônia pela BR319. Por outro lado, está distante 700 Km de Manaus, percurso que leva cerca de 3 dias de barco. Lábrea, por sua vez, está situada a 7 horas de barco de Manaus, e os povoados situados na parte sul do município procuram Rondônia ou Acre para ter acesso a serviços hospitalares, de justiça e previdência. Boca do Acre está distante 1028 Km de Manaus e a 208 Km de Rio Branco, no Acre, com acesso por estrada. Humaitá se tornou, nos últimos anos, um importante produtor de soja e, segundo dados de mapeamento realizado na região (IEB, 2001), o município teria uma área plantada de soja de 15.000 ha, indicando a preferência de médios e grandes proprietários por expandir cultivo de grãos nos campos naturais existentes na região. 10 Os sete municípios que concentram 90% de desmatamento no Amazonas estão inseridos na área intitulada arco do desmatamento: Humaitá, Manicoré, Lábrea, Apuí, Novo Aripuanã, Canutama e Boca do Acre. Em Lábrea está a maior área desmatada estadual, mas o ritmo da destruição caiu de 343,13 Km2 em 2006 para 176,6 Km2 em 2007. Em Humaitá houve crescimento, passando de 5,88 Km2 em 2006 para 11,2 Km2 em 2007.
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A grande presença de migrantes de Mato Grosso, Rondônia, Paraná e outros estados do sul do país é uma característica marcante deste município onde a população é majoritariamente branca e é cena comum ver pessoas na porta de casa tomando chimarrão. A crescente expansão da agroindústria tem gerado conitos institucionais no tocante aos processos de licenciamento e regularização de terras na região. Licenças concedidas pelo órgão ambiental do estado do Amazonas (IPAAM) não são reconhecidas pelo IBAMA devido à impossibilidade de enquadramento nas normas do Governo Federal. O INCRA não pode legalizar parcelas com mais de 100 hectares e, sem esta, o IBAMA não pode conceder licença para desmatamento e queimada. Os entraves burocráticos contribuem pela opção de madeireiros, pecuarista e produtores de soja de atuarem na ilegalidade, sobretudo face ao precário sistema de scalização. Em Humaitá, preservação ambiental e agronegócio são temas que costumam suscitar conitos. Em agosto de 2005, em um no seminário sobre alternativas ao desmatamento no sul do Amazonas, realizado em Manaus, o secretário-geral da ONG Grupo de Trabalho Amazônico - GTA proferiu palestra sobre a necessidade de preservação do Cerrado Amazônico e proteção das terras de povos tradicionais contra os grileiros. Após o discurso, o secretário do GTA foi cercado, ofendido verbalmente pelos produtores de soja de Humaitá11 e agredido a pontapés pelo secretário de produção do município. O impasse preservação natureza/povos tradicionais e desenvolvimento manifestam-se ainda no âmbito das políticas públicas. No nal da década de1980, o governo do estado do Amazonas incentivava o agronegócio na região através da implantação do projeto III Ciclo de Desenvolvimento no período 1994-1998. O projeto se pautava pela concessão de incentivos scais e orientação técnica para a instalação de projetos de produção de grãos, cujo objetivo seria criar o terceiro grande
ciclo econômico do Amazonas após a borracha e a Zona Franca de Manaus12. Humaitá se tornou maior produtor de arroz de terras altas e irrigadas desde então. Segundo técnico ambiental do IBAMA lotado em Humaitá há vinte anos, o projeto III Ciclo tornou-se motivo de disputa freqüente entre o órgão, a administração municipal e proprietários locais. O fato de o IBAMA não conceder as licenças ambientais para a execução dos projetos de expansão da soja resultou na acusação de que o órgão era um entrave ao desenvolvimento do município. Em virtude do fato, as autorizações passaram a ser emitidas pelo IPAAM (órgão estadual de meio ambiente). Visando a controlar a expansão do agronegócio, foi recentemente criada uma Unidade de Conservação (UC) de 800 mil hectares chamada “Campos da Amazônia”, cujo objetivo é funcionar como uma área de contenção justamente nas áreas mais visadas para expansão de grandes empreendimentos de soja e agropecuária em Humaitá e Manicoré. A grilagem e o desmatamento ilegal são percebidos nas diversas entidades pesquisadas como associados à expansão do agronegócio no município. As áreas exploradas pelas madeireiras em um primeiro momento são posteriormente transformadas em pastagens. O município de Boca do Acre, também situado no sul do estado, já possui o maior rebanho bovino do Amazonas. No caso do INCRA, as metas do governo federal para a área são elementos importantes para delinear a ação do órgão. Segundo a superintendente do INCRA em Humaitá (há 23 anos no órgão e há 4 anos no posto de superintendente), a grande meta para a área é a criação e expansão de assentamentos rurais que ela chama de “assentamentos ribeirinhos”, visto que são estes grupos os beneciários majoritários do novo estatuto territorial. A área controlada pelo INCRA-Humaitá possui três
11 Os produtores de soja estão organizados na Associação dos Produtores de Grãos de Humaitá.
12 O atual governo do Amazonas mantém em funcionamento os escritórios do III Ciclo, voltados exclusivamente ao incentivo ao agronegócio nos três municípios pesquisados.
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“antigos assentamentos”: PA São Francisco (criado em 1997 em Canutama), PA Matupi (criado em 1995 em Manicoré) e PAE Botos (criado em 2004 na margem do rio Madeira em Humaitá e em expansão, visto pelo INCRA como um assentamento de ribeirinhos). Em processo de criação, existem 7 PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista)13 e 1 PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável, Assentamento Realidade na BR-319). Segundo informações obtidas no INCRA, a criação de assentamentos se inscreve na valorização dos povos tradicionais, um modo de reconhecimento de “famílias tradicionais já há longa data implantadas no lugar”. A expansão dos assentamentos estaria também associada a problemas ocor ridos no sul do Amazonas entre 2003 e 2005. Neste período, houve muitas denúncias na imprensa nacional a respeito da grilagem na região, motivada pelo avanço do cultivo de soja. Por outro lado, a recuperação da BR-319 tornou os municípios do entorno da estrada, principalmente Beruri, Tapauá, Canutama e Lábrea, objetos de ação prioritária para a criação de projetos de assentamento visando a conter a ocupação irregular. Ao longo da pesquisa se tornou evidente a dupla posição do órgão no que concerne à difusão de assentamentos na região, signicando tanto uma ação de “justiça social” manifesta no reconhecimento dos direitos territoriais de povos tradicionais, quanto uma estratégia para impedir a ocupação territorial por grupos degradadores como posseiros, madeireiros, representantes do agronegócio. Preservação ambiental e proteção aos povos tradicionais constituíram, na prática administrativa do Estado, duas faces da mesma moeda. Em diversas situações, Terras indígenas, Unidades de Conservação, Projetos de Assentamentos têm muitas vezes como motivação central de sua criação a proteção e garantia de preservação do patrimônio biológico. Estes territórios são vistos 13 Projetos de Assentamento Agroextrativistas citados: PAE S. Maria Auxiliadora, PAE Novo Oriente, PAE Rio Assua, PAE São Joaquim, PAE Urupiara, PAE Floresta Ipixuna e PAE Santa Fé.
pelos agentes do Estado como barreiras para a fragmentação fundiária e aos impactos aos usos nocivos (ambientalmente incorretos) da terra. Por outro lado, o longo conhecimento das populações nativas a respeito deste patrimônio é também considerado base para o futuro proveito comercial destas áreas. Este ponto de vista estratégico se expressa, p or exemplo, nos dados territoriais recentes do Governo do Amazonas que, em 2002, possuía 7,4 milhões de hectares de unidades de conservação estaduais e ao nal de 2005, estas áreas já tinham alcançado 15,6 milhões. O governo está empenhado na criação de um novo mosaico de unidades de conservação com cerca de 2 milhões de hectares em terras estaduais sob ameaça de grilagem e desmatamento. A criação de áreas de contenção à agropecuária, sejam unidades de conservação ou assentamentos agroextrativistas, tem gerado uma série de efeitos sociais. Os conitos envolvendo unidade de conservação e área indígena foram temas obrig atórios levantados por pescadores nos municípios pesquisados no sul do Amazonas. Em Humaitá, a criação sem discussão prévia ou mesmo a divulgação de informações aos pescadores como a concessão de mapa de localização das unidades tem sido uma queixa recorrente. Áreas recentemente criadas estavam, por exemplo, situada em locais que inviabilizavam a pesca em uma grande região e vinha prejudicando seriamente a produção pesqueira local. Em Lábrea, a ênfase à proteção aos povos tradicionais tem concentrado a atenção na proteção dos indígenas. O crescimento destas áreas vinha provocando embates entre pescadores e indígenas em função da interdição em locais tradicionais de pesca que recentemente se tornaram terras indígenas. Segundo índios Paumaris, por exemplo, frotas pesqueiras de Lábrea, Manacapuru, Boca do Acre e Manaus em busca de cardumes de tambaquis invadiam suas terras. Muitos grupos indígenas vinham reagindo contra a sua expulsão, realizando a apreensão de equipamentos de pescadores, práticas que, eventualmente, resultavam em conitos armados entre
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indígenas e “invasores”. A visão do representante da FUNAI de Lábrea, que é um indígena Apurinã, é de que “pescadores são como garimpeiros, só pensam em destruir” e devem ter sua atividade veementemente coibida pelos indígenas, já que o Estado não o faz. Buscando reagir ao fechamento de áreas de pesca ocasionada pela criação de terras indígenas, os pescadores tentam com a colaboração da Comissão Pastoral da Terra - CPT e IBAMA garantir um território para eles, pleiteando a criação de uma reserva extrativista (Reserva Extrativista do Médio Purus), buscando garantir um espaço possível para a pesca em uma área cercada por 8 terras indígenas 14. O representante da FUNAI via a iniciativa da RESEX como expressão da “ciumeira que os pescadores têm dos índios” evidenciando que a criação de fronteiras territoriais fundadas em identidades étnicas ou prossionais é percebida como uma disputa pela continuidade e garantia de uso de recursos naturais, bem como por tratamento privilegiado por parte do Estado. Do lado do Estado, a ampliação das fronteiras sob controle de seus diversos órgãos representa a conquista pela esfera estatal de controle de áreas rigidamente controladas pelo poder privado. Atender às demanadas de movimentos sociais por territórios signica também uma ampliação através de novos mecanismos da esfera de poder estatal sob territórios que historicamente foram fragilmente dominados pelo Estado. A exploração privada do potencial hidrelétrico dos rios do sul do Amazonas vem também ganhando impulso na região. O Grupo Cassol, por exemplo, iniciou suas atividades no Amazonas em 1977, nos setores madeireiro e agropecuário 14 São oito Terras Indígenas em Lábrea, segundo dados do site da Funai, incluindo áreas homologadas, registradas e identicadas. Os povos nestas áreas são Apurinã, Kanamati, Jarawara, Jamamadi, Paumari. Em Humaitá há 4 terras indígenas onde vivem: povos Torá, Djarrui, Tenharim, Parintim e Apurinã. Em Manicoré há dez terras indígenas onde vivem os povos Mura, Djarrui, Tenharim, Torá, Parintim e Apurinã. Na contabilidade da Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus - OPIMP existiriam 72 comunidades indígenas e 24 terras indígenas em Lábrea. Durante o período de trabalho de campo, representantes da FUNAI estavam na área para identicação de índios isolados.
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e, atualmente, dedica-se ao setor de geração e comercialização de energia elétrica, já possuindo cinco pequenas hidrelétricas. Ivo Cassol, governador de Rondônia, declarou ter comprado com mais dois amigos 3 mil hectares de terra no rio Ituxi, em Lábrea e teria, supostamente, obtido autorização do Ministério das Minas e Energia para fazer o inventário hidrelétrico da área. Em Manicoré, as disputas entre indíg enas, pescadores e ribeirinhos aparentavam maior atenção dos órgãos públicos em virtude da ocorrência prévia de conitos armados. O ambiente de rivalidade e o sentimento de revolta em relação aos índios era marcante nos pescadores entrevistados na colônia de pescadores do município. Para estes, as áreas indígenas não fazem sentido porque não há “índios de verdade”15 lá. O presidente da colônia dizia “aqui todos nós somos apenas “povos tradicionais”, categoria entendida na Colônia como formada por pescadores, ribeirinhos, extrativistas, pequenos produtores, ou seja, pessoas que o Estado considerava etnicamente diferentes, mas que eram socialmente percebidas como iguais. Em conversa com os pescadores, armou-se que a demarcação das áreas indígenas criou embates e desestruturou uma convivência previamente não conituosa, fundada em acordos de pesca ou normas tradicionais de manejo e uso de recursos naturais entre ribeirinhos, pescadores e índios. O Presidente da Colônia de Manicoré, resume a situação dizendo que “o mundo inteiro está derrubando muros, enquanto o Amazonas não pára de construí-los.” Os pescadores descrevem o processo de criação de várias terras de Manicoré como suspeito e arbitrário. Segundo eles, a prática da FUNAI é fundada na auto-identicação e baseia-se no decreto “quem acha que é índio ca e quem acha que não é índio sai”. Durante uma visita à colônia fui apresentada a um liado indígena que havia passado por este processo e decidido 15 Em geral, os pescadores só consideram “índios de verdade” os índios isolados. Os Suriá em Lábrea e os Pirahã, em Manicoré são citados como índios de verdade e suas terras consideradas legítimas para a sociedade abrangente. Em Manicoré, o termo povos tradicionais costuma fazer menção a todos aqueles que não são os índios isolados.
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sair da terra indígena, sendo, por isso, considerado um exemplo por ter optado pela identidade de pescador àquela de indígena. Ele residia anteriormente em área que atualmente é uma terra indígena Mura (TI Rio Manicoré) e par te da sua família decidiu sair e outra parte cou. As vicissitudes desta escolha/identicação, bem como a percepção que se tem dela é um ponto que precisaria ser aprofundado com mais dados de campo, mas é possível sugerir, a partir das conversas com lideranças das organizações indígenas, que tornar-se índio signica proteção e benefícios (sobretudo saúde e educação), mas também perdas. Tanto em Lábrea quanto em Manicoré soube que não s e estava aceitando mais novos associados de origem indígena nas colônias de pescadores, o que, por sua vez, representa a perda do acesso a direitos trabalhistas e, sobretudo, ao salário desemprego na época do defeso. As representações negativas referentes aos que decidiram permanecer e se tornarem indígenas estão acompanhadas de acusações de perda da dignidade ao atribuir como efeito do privilégio de tornar-se eleito das políticas públicas, o desenvolvimento de um comportamento vicioso manifesto no fato de ocupantes de terras indígenas se converterem em dependentes da espera dos donativos, remédios e cestas básicas provenientes do governo. Este novo estatuto condenaria os índios ao isolamento de uma relação exclusiva com a FUNAI e a ruptura de outros vínculos como de vizinhança, de pertencimento a colônia de pescadores ou sindicatos, por exemplo. Esta retórica de acusações contra indígenas é recorrente e quase sempre remete a divisão diferencial de privilégios concedidos pelo Estado em grupos antes socialmente homogêneos e que agora passam a gozar de tratamento especial (saúde, recursos para projetos) que não é desfrutado por outros que não foram incluídos na nova identidade16.
No entanto, em Manicoré, o motivo objetivo dos conitos tem sido a proibição da entrada de barcos empreendida por índios Mura no rio Mataurá, área de acesso ao rio Mar melo. Os índios começaram a impedir o acesso por considerarem que a captura de peixe na boca do rio Marmelo prejudicava a pesca dos índios dentro de suas terras. A situação inversa também foi encontrada em Manicoré na área de uma Reserva Extrativista criada há 3 anos (RESEX Capanã Grande). A área é a maior produtora de seringa e castanha do município e denunciava-se que a prática da caça de peixe-boi e exploração de castanha por indígenas na área da reserva eram outro motivo para o clima de tensão crescente entre ribeirinhos que buscavam controlar o acesso aos recursos naturais pelos indígenas que invadiam suas áreas, segundo relatou técnico do IBAMA de Manicoré. Nos municípios pesquisados, encontramos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Na maior parte deles, a atuação tem seu cotidiano voltado quase que exclusivamente para as tarefas burocráticas relacionadas ao encaminhamento de processos de aposentadoria de trabalhadores rurais junto ao INSS. O STRBoca do Acre apresentava um perl diferenciado, promovendo, através de parcerias com CPT, CNS e com representantes de organizações indígenas ocupações do IBAMA e INCRA e bloqueio da estrada de acesso a Rio Branco para exigir reforma agrária ou asfaltamento da estrada. Dentre as manifestações que tiveram ativa participação do STR- Boca do Acre, cito os 17 dias de acampamento no INCRA para exigir a criação da RESEX Arapixi,ocorrida em 2006. A criação da RESEX foi resultante de 5 anos de demanda de seringueiros residentes ameaçados pela devastação ambiental
16 Funcionários da FUNAI de Lábrea referiam-se isso como “ciumeira dos índios.”
O Sul de Lábrea e os sem terra No Amazonas, raramente algum conito por terra em área rural ganha notoriedade da imprensa. Lábrea se notabilizou pelo mais destacado conito de terra do Estado, conito que trazia elementos novos para a realidade do Amazonas:
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ocupação, acampamento, despejo, milícias violentas expulsando trabalhadores. Lábrea está localizado entre Rondônia e Acre constituindo uma das áreas mais remotas do Amazonas, famosa por grandes áreas griladas17 e tendo as frentes de expansão de desmatamentos com acesso à Ponta do Abunã (RO), no entorno das estradas federais BR-230 (Transamazônica) e BR-319 (Porto Velho-Manaus). Ao sul do município, há acessos pela BR-364, que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco (AC) e também o Brasil à Bolívia. A parte sul do município é identicada com a região como os mais violentos conitos agrários do estado do Amazonas e maiores áreas de desmatamentos do estado. A política de criação de unidades de conservação teria excluído Lábrea da criação de novas UCS, optando por investir em novas unidades na área de recuperação da BR-319, área prioritária devido à previsão de grandes impactos. Segundo o Superintendente do IBAMA, “do ponto de vista ambiental a área desmatada de Lábrea , já era”. A sugestão do órgão é a criação de reservas ao redor da frente de desmatamento, como os parques nacionais de Ituxi, Mapinguari e as reservas extrativistas de Ituxi e do Purus. Também se pensa na ampliação da Floresta Nacional Balata-Atufari. Todas estão engavetadas em Brasília, na Casa Civil. A criação da RESEX de Ituxi, por exemplo, contraria interesses do Ministério de Minas e Energia, que quer gerar energia em cachoeiras na região, segundo armou o superintendente do IBAMA. O sul de Lábrea, particularmente, notabilizou-se por recentes conitos entre agricultores acampados em um seringal 17 . No relatório nal da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a in vestigar a ocupação de terras públicas na região amazônica, conhecida como CPI da Grilagem, havia 16 páginas sobre Mustaf Said,que foi prefeito de Lábrea por dois mandatos. Elas contam que, em 1898, o governo do Amazonas expediu à família Said títulos de propriedade das glebas São Pedro e São Pedro I, com 660 e 740 hectares, respectivamente .Em 1974, graças a uma ação de usucapião julgada em tempo recorde por juiz da comarca de Lábrea, Mustaf Said conseguiu unicar os lotes. O registro de suas propriedades foi ampliado para 485 mil hec tares. Em 2001, como um dos resultados das investigações da CPI da Grilagem, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Amazonas anulou esses títulos de propriedade.
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e madeireiros, resultando no assassinato de dois agricultores. A região era habitada por seringueiros e em 1985 um grupo 40 famílias de posseiros ocupou a área e iniciou plantações. Em 2001, o INCRA constatou grandes irregularidades no local como desmatamento e grilagem e decidiu-se que a área seria arrecadada pelo órgão para programa de reforma agrária. Uma área de 37 mil hectares foi vistoriada, sendo 12 mil hectares destinados à futura implantação de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDV), destinado a assentar os agricultores nesta área. A possibilidade da criação do assentamento fez o dono da fazenda (75 mil hectares) entrar com um pedido no IPAAM de projeto de manejo orestal na área de conito, no entanto, durante a vistoria do INCRA, os procuradores detectaram que a área teve um aumento irregular de mais de 60 mil hectares comparado ao título de terra expedido no início do século. Em 2005, com apoio da CPT-Amazonas, a área voltou a ser ocupada através da formação de um acampamento (acampamento Nova Esperança) formado por antigos agricultores estabelecidos na área há mais de dez anos e outros provenientes das áreas de fronteira entre Rondônia e Acre. Um novo mandado de reintegração de posse foi concedido pela justiça de Lábrea no mesmo ano, os acampados se recusaram a cumpri-lo e milícias privadas expulsaram violentamente os ocupantes. Nova ocupação e despejo ocorreram em 2006, sendo expulsas tanto as famílias que chegaram em 2005 quanto os antigos grupos de seringueiros lá residentes. Em 2007, o INCRA concluiu os trabalhos de demarcação do assentamento, foi conrmado o perímetro de 12 mil hectares e inscritas 148 famílias como beneciárias do agora Assentamento Gedeão (nome de um dos agricultores que participou da ocupação e foi assassinado). A imprensa noticiou o fato armando que o acampamento era formado por “800 famílias de sem terras”. O uso da expressão é encorajada pela CPT 18 e a líder do grupo é 18 O conito de Lábrea marcou um momento de inexão na CPT-Amazonas
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conhecida como “Rosa sem terra”. No entanto, nem sempre as lideranças do acampamento assim se autoidenticam, preferindo usar para tal, expressões como agricultores. Diferentemente dos assentamentos criados em Humaitá respaldados, segundo representantes do INCRA, na idéias de proteção aos povos tradicionais ou no acionamento da mesma identidade para contestar o privilégio do controle de áreas pesqueiras por indígenas em Manicoré; em Lábrea foi como “sem-terra” que se criou as condições de romper a invisibilidade e pleitear direitos à terra. Em uma área que ambientalmente “já era”, como considerou o superintendente do IBAMA do Amazonas a respeito do sul de Lábrea, seria inecaz legitimar direitos territoriais com base na proteção a ecossistemas. Acompanhei o georeferenciamento deste assentamento rural, realizado pelo Incra em julho de 2008. No dia de início da demarcação, o suposto dono da área, seu advogado e seus seguranças foram ao hotel onde eu, funcionários do INCRA e uma força tarefa de dez homens da Polícia Militar do estado do Amazonas estávamos hospedados e com tom de intimidação disse que nós estávamos proibidos de entrar na área a ser demarcada. A alegação era de que seus direitos estavam sendo desrespeitados, visto que possuía uma reintegração de posse da área, o que exigiria do INCRA um mandato judicial para entrar na terra. O INCRA enviou por fax uma certidão de inteiro teor das glebas que seriam demarcadas (Iquiri e Ituxi), onde não constava o nome do suposto proprietário. O georeferenciamento foi realizado com escolta policial fortemente armada da Polícia Militar do estado do Amazonas. Ao longo do processo encontramos várias famílias de pequenos proprietários residentes de longa data e que teriam comprado a terra de moradores do local e não estavam entre os beneciários das terras do assentamento. A participação em todo período de mobilização, especialmente a participação do acampamento, reuniões,
formação da associação do Acampamento Gedeão conferiu legitimidade para a inclusão no cadastro de beneciários, orientado pelas escolhas dos integrantes da associação. Aqueles que acreditaram na manutenção e legitimidade (posse por compra não documentada) dos antigos padrões de territorialidade foram excluídos. Um senhor que teria comprado um lote de um seringueiro da área, preocupado em garantir a posse de acordo com os antigos padrões de marcar o uso e a ocupação da terra, desmatou toda a área comprada, situada inteiramente dentro da mata e recebeu uma multa de R$ 250.000,00 do IBAMA. Ao longo deste texto, busquei demonstrar os efeitos da nova visibilidade dos povos tradicionais amazônicos sobre os padrões de territorialidade e de relações políticas, procurei destacar os signicados distintos de propriedade que estão em jogo neste processo que coloca em curso novas concepções e práticas relativas ao estabelecimento de fronteiras, bem como novos critérios de legitimidade e pertencimento a terra. As situações observadas no Amazonas indicaram uma inadequação dos termos clássicos para a realidade amazônica como camponês, trabalhador rural ou posseiro, diferentemente da idéia de povos tradicionais que, justamente por ser ampla, tornou-se mais próxima da diversidade de situações sociais do mundo rural amazônico. Destaquei, ainda, que associações como Sindicato de Trabalhadores Rurais ou as Colônias de Pescadores se tornaram referenciais apenas no que concerne ao direito das categorias ocupacionais. O que há de distinto é a crescente necessidade de outra liação de caráter identitário que, como tentei demonstrar, está associada tanto à legitimação da criação de espaços de tutela estatal (assentamentos, unidades de conservação, RESEX, terras indígenas) quanto à maior possibilidade de inserção em direitos territoriais em um ambiente onde se forma uma nova cartograa com base em liações identitárias que exige a todos a decisão de se autoindenticar.
que há mais de 20 anos busca criar um movimento de ribeirinhos no estado e esta mobilização resultou somente em reuniões anuais.
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