Introdução à sociologia
Ciências sociais e sociologia O campo das ciências sociais Os nascimentos das ciências sociais – que se ocupam da realidade social - na sua feição moderna foram ocorrendo a partir do século XVII e em particular no século passado. Antes deste nascimento a reflexão das sociedades por si próprias já existia. Na sua feição moderna, o estudo das sociedades passou a procurar dotar-se dos protocolos da cientificidade. 1. 1.1.
Numa primeira fase as ciências sociais recorreram aos modelos e instrumentos conceptuais elaborados noutros campos científicos e à importação de noções, conceitos, teorias, quer do senso comum e da linguagem quotidiana quer das ciências da natureza. O campo das ciências naturais, cujos modelos diziam respeito a questões epistemológicas, isto é, que postulavam certo tipo de possibilidades, limites e condições para atingir o conhecimento. Os modelos aprendidos pelas ciências sociais em formação tinham também a ver com questões postas pelos caminhos c aminhos críticos da pesquisa. Existiram “contaminações”/ “importações”no interior dos campos científicos : função: a sua noção matemática passa a ser usada no campo das ciências sociais. O conceito de função, articulando as instituições sociais e as suas actividades com o que se considerava serem as necessidades do organismo social, ganha grande g rande centralidade. O surgimento das várias ciências sociais verificou-se em ordem dispersa, à medida de procuras sociais com diferentes incidências e diferentes intensidades. O segundo conjunto de condições essenciais presentes na configuração de cada ciências condições teóricas da produção científica – o ponto de partida e de referência do trabalho que em cada momento é possível fazer num determinado campo. Envolvem toda a instrumentalidade teórica, metodológica e técnica disponível. A realidade social é estudada pelas diferentes disciplinas segundo perspectivas diferentes. Os fenómenos sociais são sempre “fenómenos sociais totais”, ou seja, são
simultaneamente económicos, políticos, etc. O vector vai no sentido do conhecimento para a realidade. Isto é, são as disciplinas que instituem dimensões dessa realidade ao examiná-la. O desdobramento de interesses, interrogações e olhares, por vezes contraditórios mas também complementares é o que singulariza as diferentes disciplinas e tornou historicamente plural o campo das ciências sociais. Na perspectiva racionalista o conhecimento é sempre um processo activo, de construção, com os seus protocolos próprios. A realidade não fala por si, é necessário interrogá-la para obter respostas. Para os problemas sociais se transcreverem para o interior do campo é preciso haver interrogações adequadas que abram domínios de visibilidade para tais problemas sociais – transformando-os em problemas sociológicos e, ao fazê-lo, suscitem conceitos, relações entre conceitos, teorias, com capacidade para explicar de modo mais ou menos adequado constituem a matriz disciplinar. Qualquer disciplina científica pode, então, ser entendida como uma matriz que dispõe de linhas representativas de dimensões da sua problemática e de colunas correspondentes às dimensões dos problemas tornados visíveis por essa problemática.
A matriz teórica representa o conjunto de disponibilidades instrumentais de que a disciplina se pode servir para construir saberes. Inclui métodos científicos e técnicas – meios de trabalho científico – procedimentos mais ou menos estandardizados de que a ciência se serve para testar as suas hipóteses, para pôr à prova e desenvolver as suas teorias. A distinção entre as ciências sociais encontra-se, então, na configuração das suas matrizes: nas interrogações que formulam; nos problemas que trabalham; nos conceitos e teorias que constroem; nos métodos e técnicas que accionam. A capacidade diferenciada que as ciências sociais tenham de a elas responder e corresponder, além de influir nas orientações prioritárias de cada uma dessas ciências, repercute-se no respectivo desenvolvimento e vitalidade globais. 1.2. E a sociologia? Obstáculos 1.2.1.
A sociologia nasceu com a modernidade, para a entender e lhe auscultar contornos e evoluções. Ao analisar práticas e contextos sociais nas sociedades contemporâneas ela continua a poder contribuir para a respectiva inteligibilidade. Uma das condições para que funcione com eficácia tem a ver com a capacidade que ela revele de se demarcar em relação às nossas concepções mais familiares e imediatistas. A ruptura com o senso comum começa por ser uma exigência do princípio crítico que está na base de qualquer ciência. As pessoas, os grupos, as sociedades, reflectem sobre as próprias condições de existência, formulando representações, noções e julgamentos – senso comum – não forçosamente equivocado. Reflexividade: entre a linguagem quotidiana e a linguagem da sociologia há trocas e influências nos dois sentidos. Entre o senso comum e as práticas científicas existem diferenças quanto aos objectivos e ao âmbito, bem como quanto aos protocolos e procedimentos, mesmo quando se apresentam como idênticos os horizontes empíricos a que se referem. Tipos de obstáculos que a construção do conhecimento sociológico precisa de ultrapassar: 1) Obstáculo individualista Pensamos que tomamos opções verdadeiramente leves. A sociologia mostra, pela observação e a explicação de regularidades sociais, como são múltiplas as interferências nessa escolha: constrangimentos de socialização presidem à formação dos nossos gostos, competências e valores. A experiência e a afirmação da individualidade tende, assim, a ignorar ou a contestar a própria existência de condicionamentos sociais – multidimensionais, identificam uma pluralidade de factores. O senso comum contenta-se com explicações inadequadas ou simplificadoras. 2) Obstáculo naturalista Na vida de todos os dias, a complexidade tem de ser reduzida. Essa redução consiste em naturalizar os fenómenos sociais: ignora-se a tal pluralidade de determinantes sócio-culturais para se eleger um factor simples e pseudo explicativo.
3) Obstáculo etnocêntrico Medir os outros pelos nossos próprios padrões, tomar por normal ou mesmo por única a nossa experiência de grupo, de classe, de nação, de raça. Generalizar sem controlo as suas visões limitadas tornando-as universais e trans-históricas. O senso comum não é homogéneo. Ele varia as formulações em função dos seus grupos suporte e das respectivas condições de vida. A construção sociológica supõe a superação dos obstáculos do senso comum. A “ilusão de transparência” de que falava Durkheim, o excesso de familiaridade com os
fenómenos que gera essa ilusão ao gerar automatismos acríticos de interpretação e de acção, localizam-se no interior da prática científica. Contra as generalizações sem controlo, as reduções simplificadoras, as normalidades intemporais e universais, a ciência dispõe de alguns recursos que lhe são próprios. Nos seus domínios de pesquisa, a sociologia critica, relaciona, compara, sistematiza, testa, para tentar ficar em condições de contextualizar, distinguir, relativizar e, nos melhores dos casos, explicar os fenómenos sociais. Construções O tipo de trabalho de pesquisa que a sociologia faz. Uma questão recorrente que é hábito colocar ao abordar a disciplina é a das ligações indivíduo – sociedade, do relevo a atribuir às dimensões individuais e às colectivas em termos de investigação. Conceito de actor e de papel – importados do teatro. Os seres humanos são simultaneamente livres e condicionados. Produzem realidade e são produzidos por ela. 1.2.2.
A Commedia dell’Arte representa uma boa metáfora do social. As sociedades não têm autor, ou como a Commedia dell’Arte têm autor colectivo. Os
indivíduos na sociedade representam papéis não escritos ou finalizados. Improvisam. Mas em certas condições que não criaram e que lhes impõem restrições e limites. Os observáveis sociológicos são simultaneamente o sistema de condicionamentos e o sistema de improvisações sociais. O tipo de objectos gerais que a sociologia pretende descrever e explicar: 1) Comportamentos e práticas sociais, procurando aí encontrar regularidades e inovações. 2) Dimensão simbólica do social. Estudar comportamentos que incluem o sentido que lhes é atribuído por quem os pratica. Representações e valores referem-se aos modos como a sociedade pensa e se pensa. 3) Identidades sócio-culturais. Do modo como segmentos sociais de diversos tipos se distinguem entre si e como perduram, no tempo, no plano simbólico, material e estratégico, essas características distintivas. Traça, claro, um plano de pesquisa, e mobiliza teorias, métodos e técnicas que encontra disponíveis, de modo a accionar a recolha e o tratamento da informação que julga pertinente. De seguida interpreta essa informação e procura explicações. Não são só as condições objectivas actuais, os recursos disponíveis num determinado momento que, com efeito, contam para o entendimento das situações. É igualmente importante auscultar as condições passadas e verificar efeitos de trajecto – processo de socialização: produtor de sistema de disposições.
1.2.3.
Fronteiras
A Sociologia foi forjando os seus próprios caminhos a partir de um programa analítico muito ambicioso, dotando-se de um horizonte empírico que não exclui nenhuma das dimensões nem dos processos sociais configuradores da modernidade. Sociologia: histórica, económica, política, da população, do território – nestas existem sobreposição com outras ciências sociais. O objecto empírico não define a disciplina. Todas as dimensões do social consideradas relevantes são susceptíveis de se estudadas pela sociologia. Daí que existam várias sociologias especializadas que aprofundam certas linhas de investigação. Rezões/explicações para a existência desse desdobramento/ sub-conjuntos: - produtividade científica; - produtividade pedagógica; - Aprofundar e desenvolver pistas de pesquisa variadas em torno de múltiplas dimensões do social exploráveis pela sociologia. Campo das ciências sociais: coexistência associada à sistemática exploração de complementaridades. 1) Fecundidade – a história das ciências tem mostrado que, em geral, é precisamente nos espaços de fronteira, nas zonas que por vezes suscitam a sobreposição ou a convergência de olhares disciplinares diferentes, onde maior inovação e progressão científicas se obtêm. 2) Cumulatividade – acumular os saberes, o conhecimento. Matriz disciplinar: cumulatividade dos saberes que produz. Transgressões fronteiriças – patamares: 1) Intradisciplinaridade: a sociologia tem a tendência de se fraccionar em múltiplos sub-campos, então torna-se necessário manter comunicáveis esses campos de modo a assegurar a fecundidade e cumulatividade para o conjunto. 2) Pluridisciplinaridade: diz respeito ao relacionamento da sociologia com outras disciplinas. Trata-se essencialmente de conseguir um primeiro nível de debate e de informação recíproca. 3) Interdisciplinaridade: trata-se de construir uma abordagem teórica global. Sem prescindir de contributos variados e complementares, tais contributos são valorizados numa unificação coerente que constitua a referência para conduzir pesquisas integradas.
4) Transdisciplinaridade: distingue-se da interdisciplinaridade pelo facto de supor maior fluidez e facilidade na construção da abordagem global. Passa-se dos convívios ocasionais para as coabitações estáveis. A Sociologia não é pré-paradigmática, é antes uma ciência pluriparadigmática. O pluriparagigmatismo não deve ser dramatizado. A diversidade pode ser virtude. A condição é que se definam programas de investigação abertos e consistentes que avaliam os vários corpos teórico-metodológicos não como fortalezas, mas como sistemas de recursos disponíveis a que se vai buscar o que se julga necessário. As fronteiras entre disciplinas: funcionam hoje movimentos compensatórios potenciando trocas e fecundações recíprocas.