O (RE)APARECIMENTO DO ENSINO PROFISSIONAL EM PORTUGAL NO FINAL DO SÉCULO XX – O RETRATO DE UMA ÉPOCA TÍTULO,
Teresa FONSECA I
[email protected] FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
João CARAMELO I
[email protected] FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Cristina ROCHA I
[email protected] FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RESUMO A mediatização e massificação recentes do Ensino Profissional (EP) em Portugal, justifica a pertinência de recuperar analiticamente a sua trajectória desde o seu (re)aparecimento na década de 80, através de uma abordagem de carácter sócio histórico, que enfatize a análise da sua génese, das suas articulações com as políticas educativas e do(s) modelo(s) educativo(s) e pedagógico(s) que corporiza permitindo avançar na compreensão, quer dos modos de enquadramento do EP no sistema educativo, quer dos modos como tem procurado construir a(s) sua(s) identidade(s). Em temos metodológicos, a pesquisa subjacente a esta comunicação envolveu a análise documental e a análise de conteúdo, a partir da recolha e sistematização de documentos produzidos desde o início da década de 80, em particular pelo Ministério da Educação, que permitem recolher dados relevantes para a análise do que tem sido a evolução do Ensino Profissional. Nesta comunicação vamos abordar em particular os significados de um dos princípios pedagógico-metodológicos associados ao modelo das Escolas Profissionais - a estrutura modular - apresentado como específico e “gerador[a] de aprendizagens individualizadas relevantes, significativas e integradoras” (NACEM, 1993). Assim, procuramos aqui discutir e perceber as “implicações ao nível do desenvolvimento curricular, da organização da escola e das práticas pedagógicas” (NACEM, 1993) subjacentes aos princípios psicopedagógicos da Estrutura Modular e, a sua relação com o processo de ensino/aprendizagem e o sucesso educativo dos alunos.
PALAVRAS-CHAVE: ensino profissional, estrutura modular, processo de ensino/aprendizagem .
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INTRODUÇÃO É no contexto do pós guerra que surge uma nova forma de pensar e organizar a formação - o sistema modular – essencialmente na tentativa de colmatar necessidades do mercado de trabalho, no pressuposto de que esta maneira de estruturar a formação permitiria transmitir conhecimentos e competências num curto espaço de tempo, centrando o ensino no saber e no saber-fazer, dando resposta a diferentes necessidades de formação da população, afastada durante muito tempo da escola ou com competências técnicas muitos específicas orientadas para a guerra. Esta nova forma de estruturar a formação tem um duplo sentido: garantir que os objetivos de formação sejam alcançados e garantir a qualidade da formação (Azevedo, 1991). É desta forma que surge em vários países europeus a formação profissional acelerada, em “kits” com programas, materiais, equipamentos fornecidos por instituições internacionais como a UNESCO e a OCDE, em ações de cooperação com países menos desenvolvidos. Desta forma, durante a década de 70, a organização da formação em sistema modular começa a emergir em alguns sistemas de ensino, entre eles o escocês que esteve entre os primeiros a adotar esta modalidade, pelo que é dos mais desenvolvidos, assim como dos mais testados, e avaliados (Marques, 1993). Segundo Marques (1993) esta modalidade de organização modular da formação aparece em Portugal pela primeira vez no final da década de 80, sob a designação de “unidades capitalizáveis”, sobretudo associada às formações técnicas e profissionais e, dentro destas, nas disciplinas técnicas ou tecnológicas. Publicada em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo abre a possibilidade de novas modalidades de educação escolar, através do artigo 19º nos pontos 3 e 5: “A formação profissional estrutura-se segundo um modelo institucional e pedagógico suficientemente flexível que permita integrar os alunos com níveis de formação e características diferenciadas”; e “A organização dos cursos de formação profissional deve adequar-se às necessidades conjunturais nacionais e regionais de emprego, podendo integrar módulos de duração variável e combináveis entre si com vista à obtenção de níveis profissionais sucessivamente mais elevados”. O ensino e a formação profissional passaram a ser “um campo prioritário das políticas educativas” (Marques, 1993: 22) e enfatiza-se a educação tecnológica, artística e profissional como forma de qualificar os jovens pós escolaridade obrigatória. O Ministério da Educação cria o Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional (GETAP) enquanto estrutura responsável pelas políticas de ensino profissional, com a finalidade de conceção, orientação e coordenação do sistema de ensino não superior, na área da educação tecnológica, artística e profissional. Estão assim criadas as condições para o relançamento do ensino profissional em Portugal, com a criação de escolas profissionais pelo Decreto-lei 26/89 de 21 de Janeiro, que segundo Roberto Carneiro in Marques (1993: 12) “representou uma das mais profundas, vastas, significativas e promissoras inovações no panorama educativo português (…)”. Este diploma estabelece o regime jurídico destes estabelecimentos de ensino e estipula a organização dos 260
cursos “de preferência, em módulos de duração variável, combináveis entre si, segundo níveis de escolaridade e de qualificação profissional progressivamente mais elevados” (NACEN, 1992: 9).
1. A ESTRUTURA MODULAR E O ENSINO PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE DIACRÓNICA A PARTIR DOS NORMATIVOS LEGAIS A Portaria n.º 1243/90 de 31 de Dezembro surge para colmatar as lacunas do diploma inaugural, sobretudo no regime de avaliação dos alunos que frequentam os cursos profissionais. Neste diploma ficam definidos os critérios gerais a ter em conta no processo de avaliação, “sem contudo comprometer o processo evolutivo de aprendizagem, dentro do princípio da autonomia pedagógica (…) de cada escola”. Após dois anos e através da interação permanente com as escolas, surge a Portaria n.º 423/92 de 22 de Maio, para “tornar mais explícito e rigoroso o sistema de avaliação e progressão, que decorre da gestão modular dos programas”. Respondendo, assim, às diretrizes estabelecidas pelo Decreto-lei n.º 401/91 de 16 de Outubro, que regulamenta as atividades de formação profissional inserida, quer no sistema educativo, quer no mercado de trabalho. Este diploma também clarifica que a forma de organização da “formação profissional deve, na medida do possível, favorecer a polivalência, estruturar-se em módulos e funcionar em ligação com os actuais contextos de trabalho e sua evolução”. O funcionamento dos cursos profissionais manteve-se inalterado até 2004, altura em que se decreta uma reforma do ensino secundário, por via do Decreto-Lei nº 74/2004 de 26 de Março que regulamenta esta reforma e define as estratégias para “obter resultados, efetivos e sustentados na formação e qualificação dos jovens portugueses para os desafios da contemporaneidade e para as exigências do desenvolvimento pessoal e social”, procurando aumentar a qualidade das aprendizagens, e simultaneamente combater o insucesso e abandono escolares e aumentando a escolaridade obrigatória para o 12º ano. Esta reforma veio consolidar a oferta formativa ao nível do ensino profissional, alargando-a a todas as escolas com ensino secundário, ainda que considerado um “modelo de sucesso”, com elevadas taxas de conclusão e baixos índices de abandono escolar, os cursos profissionais veem acabar a sua existência quase exclusiva no âmbito das escolas profissionais (95%). Neste contexto surge a Portaria nº 550C de 21 de maio que aprova o regime de criação, organização e gestão do currículo, bem como a avaliação e certificação das aprendizagens dos cursos profissionais de nível secundário, independentemente da natureza jurídica dos estabelecimentos de educação e formação em que são oferecidos, sem que nunca seja posta em causa a organização modular do currículo. A reforma de 2012 preconiza um reforço do Ensino Profissional justificado pelo compromisso para o crescimento, competitividade e emprego assumido pelo governo para o período de 2012 a 2014, tendo como prioridade aumentar o número de jovens que seguem as vias profissionais do ensino secundário, incentivar a articulação entre os diferentes promotores privados, numa lógica de racionalização financeira, criar um sistema integrado de orientação escolar e profissional e assegurar uma maior articulação entre as escolas e as empresas, com vista à divulgação das ofertas de emprego e das capacidades dos alunos. 261
É publicado o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho que “procede à introdução de um conjunto de alterações destinadas a criar uma cultura de rigor e de excelência, através da implementação de medidas no currículo dos ensinos básico e secundário”, fica assim regulamentada a revisão da estrutura curricular assente “na definição de princípios que permitem uma maior flexibilidade na organização das atividades letivas”. Após entrada em vigor deste Decreto-Lei torna-se necessário estabelecer normas de organização, funcionamento, avaliação e certificação dos cursos profissionais ministrados em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, que ofereçam o nível secundário de educação, e em escolas profissionais, feita através da Portaria n.º 74-A/2013 de 15 de fevereiro. O Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho é a primeira alteração feita ao Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho, nele se oficializa o alargamento da carga horária da formação em contexto de trabalho dos cursos profissionais do ensino secundário, “procurando desenvolver a componente técnica da formação de forma a possibilitar aos alunos a aplicação dos conhecimentos adquiridos e o desenvolvimento de novas aptidões que facilitem, quer a sua integração no mundo do trabalho, quer o prosseguimento de estudos”.
2. O SISTEMA MODULAR NOS CURSOS PROFISSIONAIS Organizar a formação em sistema modular implica dividir o processo educativo em unidades básicas, isto é, organizar os conteúdos de formação, dividindo os elementos práticos e teóricos dos conhecimentos em unidades independentes simples, que permitam criar estruturas flexíveis e pôr fim à divisão tradicional dos conteúdos educativos em anos escolares. Pelo que seria necessário criar dispositivos pedagógicos e organizativos que permitam a efetivação de uma progressão diversa, individualizada e flexível, podendo desta forma estarem em sala de aula alunos em diferentes fases de progressão, ou seja, em diferentes módulos, sendo “as práticas de docência (ensino) que têm de ajustar-se às necessidades dos alunos e não os alunos ajustarem-se ao ritmo de progressão” (NACEM, 1992: 25), havendo mesmo a indicação para a gestão das cargas horárias por disciplinas ser feita, não por ano, mas por níveis de realização da aprendizagem. A formação organizada desta forma permite a compartimentação dos conhecimentos ou competências a serem adquiridos, numa série de unidades formativas que podem ser trabalhadas separadamente. Assim como pode permitir a combinação de diferentes tipos de conhecimentos num mesmo módulo, respondendo à necessidade de uma possível interdisciplinaridade de conteúdo de alguns temas. É pois possível a integração de alunos com níveis de formação e características muito distintas, respondendo aos pressupostos subjacentes à criação dos cursos profissionais nas escolas profissionais: ensino personalizado, apoio e orientação educativa individual e avaliação essencialmente formativa (Orvalho, 1991), adequando os ritmos de ensino e da aprendizagem às características e capacidades dos vários alunos que partem com conhecimentos básicos diferentes, de forma a permitir que estes desenvolvam percursos individuais diversificados, criando condições para que todos, no final, “pudessem vir a obter níveis de desenvolvimento e de qualificação equivalentes e elevados” (Azevedo, 2009: 23). 262
Os cursos profissionais, criados com o objetivo de aproximar a escola às empresas, defendem “o primado da finalidade educativa da formação” (Montalvão e Silva, Silva & Fonseca, 1996: 16) e foi tendo esta conceção subjacente que se construíram os planos curriculares dos cursos profissionais. Contudo, de início não foi fácil organizar os programas numa estrutura curricular, quer por dificuldade de explicitação do GETAP, quer por dificuldade de compreensão por partes dos especialistas, fazendo com que inicialmente os planos de estudo e os programas não fossem concebidos numa perspetiva modular (Marques, 1993). Procurando colmatar este impasse, é criado no ano letivo 1990/91 o Núcleo de Apoio à Concretização da Estrutura Modular – NACEM que trabalha para a resolução das dificuldades de implementação da estrutura Modular, com a responsabilidade de conceber um plano estratégico de intervenção para as escolas profissionais, este núcleo emana pressupostos e princípios orientadores para a concretização da estrutura modular dos currículos. Este Núcleo parte do pressuposto que o desenvolvimento em estrutura modular dos currículos só é possível através da cooperação de várias condições, em que duas são consideradas imprescindíveis para “o sucesso de uma mudança que muito poderá enriquecer a educação tecnológica e profissional e o próprio sistema educativo” (NACEM, 1993: 5), ou seja, para o sucesso do processo de ensino/aprendizagem. A primeira condição “tem a ver com a construção de um modelo de profissionalidade docente”, através de uma nova organização do ensino que permita potenciar aprendizagens individualizadas relevantes, significativas e integradoras, são necessários docentes “que possuam um elevado saber científico, tecnológico, técnico e pedagógico, que relevem atitudes e comportamentos congruentes com o trabalho que deles se espera, que eticamente se coloquem ao serviço dos aprendentes que saibam exercer a autonomia didática e pedagógica” (NACEM, 1993: 5). A segunda condição” tem a ver com as dinâmicas de direção e gestão pedagógica, pois para a concretização de uma Estrutura Modular ao serviço de novas e outras aprendizagens passa por uma significativa liderança pedagógica, que mobilize os profissionais para a construção do sucesso educativo, que crie dinâmicas e oportunidades para a realização desta outra forma de organizar o ensino, as aprendizagens, a progressão e a creditação dos saberes” (NACEM, 1993: 5). O NACEM avança ainda com um modelo de intervenção assente em princípios psicopedagógicos cognitivo/construtivista/humanista que, definidos como estruturantes e por isso favorecem a qualidade educativa da formação. Cognitivo/construtivista, segundo este núcleo, porque permite que a aprendizagem se faça através de “processos de construção internos nos quais o sujeito dota de um significado especial o conteúdo da aprendizagem, relacionando “a nova informação” com os conceitos/esquemas relevantes preexistentes na sua estrutura cognitiva”, desta forma o fator que mais influência a aprendizagem são os conhecimentos e competências que o aluno já possui. Humanista porque o aluno é o centro de todo o processo, pelo que há que respeitar a sua individualidade e liberdade e simultaneamente acompanhar a par e passo o seu processo de ensino-aprendizagem.
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De acordo com estas perspetivas, a ênfase está nos processos interativos de aprendizagem, daí a necessidade de criar ambientes de ensino/aprendizagem, facilitadores do desenvolvimento integrado dos alunos. Obedecendo à conceção construtivista é necessário proporcionar aos alunos “situações em que as suas construções pessoais possam ser articuladas, desenvolvidas e confrontadas com construções formais aceites cientificamente. Só quando os alunos tomarem consciência das suas próprias ideias (pensar sobre o pensar), dos seus processos cognitivos (meta cognição) e do seu uso em situações problemáticas (transferência), poderão progredir no seu desenvolvimento intelectual (desenvolvimento cognitivo)” (NACEM, 1993: 19). Esta visão não esquece que a aprendizagem deve ser orientada por objetivos gerais, que devem ser explicitamente enunciados no currículo, nos programas e, em particular, em cada módulo. O sistema modular não deve ser confundido com uma atomização de processos ou conteúdos, nem com um individualismo competitivo. Antes supõe que, em cada módulo, se efetue uma convergência de dinâmicas sociais propiciadoras do desenvolvimento integral do indivíduo (Orvalho, 2008). Ainda assim, a organização curricular em sistema modular já tinha sido amplamente utilizada na formação profissional/profissionalizante na última década em vários países da Europa e Estados Unidos e objeto de várias críticas, nomeadamente devido ao seu carácter compartimentador de saberes. Pelo que a determinação pela administração central para a implementação do sistema modular nos planos curriculares nas disciplinas de todos os cursos profissionais, foi tudo menos pacífica. A polémica e a resistência surgiram sobretudo por parte alguns promotores e diretores pedagógicos, não tanto por razões ideológicas ou pedagógicas, mas pelo facto de, não havendo experiências desse modelo em Portugal no sistema de ensino, não existirem professores competentemente formados. Todavia, “apesar da dificuldade de realização prática generalizada da estrutura modular, ela foi uma das bandeiras do potencial inovador do ensino profissional” (Montalvão e Silva, Silva, & Fonseca, 1996: 37), ao pressupor uma forma flexível e diversificada na organizar da formação profissional, com implicações a vários níveis tais como o desenvolvimento curricular e as práticas pedagógicas e segundo Orvalho (1991: 1028) coordenadora da equipa do NACEM a estrutura modular aparece (…) como uma estratégia pedagógica naturalmente potenciadora de uma dinâmica de inovação capaz de favorecer, não só o sucesso educativo e garantir a qualidade da formação, como também de quebrar resistências à mudança, sendo por isso precursora de uma reforma de mentalidades há muito tempo exigida pelo nosso sistema de educaçãoformação.
Ao desafiar a logica convencional do ensino regular, não é difícil de imaginar os obstáculos imposto ao desenvolvimento modular que surgiram decorrentes das práticas docentes, da organização das turmas, das novas necessidades de recursos físicos e humanos (Montalvão e Silva, Silva, & Fonseca, 1996).
3. OS PLANOS CURRICULARES EM ESTRUTURA MODULAR Em estrutura modular os conteúdos programáticos embora relevantes deverão ser introduzidos à medida das oportunidades, o mais importante é “desenvolver capacidades, 264
qualificar, clarificar, relacionar, transformar, tomar decisões sobre, resolver problemas, pensar criativamente, pensar sobre o pensar” (NACEM, 1992: 21). Pelo que, as características fundamentais da estrutura modular de um curriculum são: a flexibilidade; a coerência interna e a potencialidade sistémica e são estas as razões que levaram à “expansão da organização modular do ensino-aprendizagem, fracionando os conteúdos/atividades em partes cognitivas e operacionáveis, de modo a oferecer percursos flexíveis que possibilitem ritmos de progressão mais diferenciados ou mesmo individualizados” (NACEM, 1992: 11). Assim, a organização em estrutura modular dos cursos profissionais envolve três níveis: conceção, realização e contexto. O primeiro, o nível da conceção, contempla os princípios psicopedagógicos estruturantes, os critérios para a organização modular e as perspetivas de desenvolvimento curricular. O segundo, nível da realização encerra a implementação das estratégias/atividades do processo de ensino/aprendizagem, a gestão do processo e a avaliação do processo e dos produtos da aprendizagem. O terceiro e último, o nível do contexto, uma nova “forma de pensar, organizar e administrar a escola (gestão pedagógica, espaços, tempos, etc), uma nova forma de ser e de estar na escola para todos os intervenientes (alunos, professores, meio escolar, comunidade)” (NACEM, 1992: 12). Os cursos profissionais são portanto concebidos para proporcionar aos jovens uma preparação adequada para a vida ativa ou simultaneamente, a possibilidade de prosseguimento de estudos. Procura igualmente, aproximar a escola do mundo do trabalho e facultar aos alunos o contacto com empresas, com contextos de trabalho e com experiências profissionais e, simultaneamente, proporcionar o desenvolvimento integral do jovem, isto é, “preparar os jovens para o trabalho sem perder de vista a finalidade última e primeira do ato educativo: o desenvolvimento integral do indivíduo” (Cabrito, 1994). Os planos curriculares foram inicialmente concebidos com duração da formação seria de 3600 h, distribuídas por três componentes, a sociocultural, a científica e a técnica/tecnológica ou prática, as duas primeiras com um peso de 25% (900 h) da formação e a última com um peso de 50% (1800 h), de forma a promover o desenvolvimento pessoal integral dos jovens através de uma boa formação geral, do conhecimento das ciências de base que fundamentam as tecnologias e/ou técnicas de um dado sector profissional e uma sólida formação técnica que possibilite aos jovens o desempenho de competências profissionais de um determinado sector de atividade. A componente sociocultural, a formação geral é igual em todos os cursos e para todas as áreas de formação, a componente científica varia de curso para curso, tendo em conta as necessidades específicas de cada um, mas é igual para o mesmo curso independentemente da escola onde é ministrado. Dentro da componente sociocultural inclui-se uma nova disciplina pensada em termos de conhecimentos e competências para o mercado de trabalho a "área de integração", que se centra “na aquisição de uma cultura profissional e de empresa e se define como instrumento de reflexão e ação sobre os diversos contextos de vida, entre os alunos e o trabalho” (Grácio, 1998). A componente técnica/Tecnológica/Prática varia necessariamente de curso para curso, além de que, no mesmo curso, pode variar de escola para escola espelhando o seu projeto educativo, que por sua vez, deve ser concebido de acordo com a relação entre a escola e o contexto local e a sua relevância para a integração dos jovens na vida ativa. 265
A reforma de 2004 e consequente uniformização dos planos curriculares é um duro golpe para uma oferta formativa que pretendia ser de uma aposta de iniciativa local, procurando estar adequada ao contexto económico, social e cultural envolvente, territorializandor as iniciativas de formação (Azevedo,1991). Os novos programas imanados da administração central ficando assim confinados aos conteúdos pré-estabelecidos pois só assim é possível a sua generalização para todas as escolas de ensino secundário. Na Portaria nº 550C que regulamenta esta reforma, estão ainda previstos exames nacionais, o que impossibilita manter “abertos” os programas das disciplinas. Não deixando de manter sua autonomia na gestão pedagógica da formação, a escolas sobretudo as públicas, viram estreitou o campo de ação ao serem inundadas de normativos publicados para colmatar as lacunas criadas pela expansão desta oferta formativa de forma a encaixa-la no “normal” funcionamento desses estabelecimentos de ensino. É no Decreto-lei nº 74/2004 de 26 de Março que se explicita as grandes alterações nos cursos profissionais, com a diminuição do número de horas de formação de 3600 para 3100 e consequente mudanças estruturais nas disciplinas, nos seus conteúdos e nas horas. A reestruturação dos planos curriculares leva a que as disciplinas estruturantes dos cursos, na componente científica e na técnica, tenham menos horas, sejam reorganizadas e algumas até extintas. A componente científica concentra-se em catorze disciplinas e que os programas sejam obrigatoriamente descaracterizados e descontextualizados para serem abrangentes, tornando os conteúdos mais próximos das mesmas disciplinas do ensino regular. Foram também drásticas, e até dramáticas, as alterações na componente técnica com a redefinição desta componente em rede para uma única matriz por curso, pondo de lado qualquer tipo de resposta às especificidades locais de formação. É, contudo, importante realçar que passa a fazer parte integrante de todos os cursos a Formação em Contexto de Trabalho (FCT) na componente técnica com 420 horas, onde os alunos estão diretamente ligados a atividades práticas no domínio profissional dos seus cursos e por isso, em contacto com o tecido socioeconómico envolvente (Portaria 550-C). Muito recentemente a Portaria nº 550C/2004 de 21 de maio foi revogada pela Portaria n.º 74A/2013 de 15 de fevereiro e estabelecer as novas normas de organização, funcionamento, avaliação e certificação dos cursos profissionais ministrados em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, que ofereçam o nível secundário de educação, e em escolas profissionais, sendo no entanto apenas significativas as alterações à avaliação. Mais tarde, a publicação a 10 de julho do Decreto-lei nº 91/2013 vem introduzir alterações nas horas de formação dos cursos profissionais, que agora poderão variar entre as 3200 e as 3440 horas. Este aumento incide sobre componente técnica para permitir aos alunos a aplicação dos conhecimentos adquiridos e o desenvolvimento de novas aptidões que facilitem quer a sua integração no mundo do trabalho quer o prosseguimento de estudos, com o alargamento da FCT, para 600 a 840 horas, mas com um prejuízo de 80 horas de formação em contexto de escola, na mesma área.
5. O SISTEMA DE AVALIAÇÃO EM ESTRUTURA MODULAR Segundo Marques (1993) é no regime de avaliação e progressão dos alunos nos cursos profissionais que se regista uma das inovações mais significativas ao pretender “a passagem de 266
um regime de progressão anual massificante e uniformizante para um regime individualizado e plural na lógica do respeito dos ritmos individuais de aprendizagem que a organização modular da formação permite” (idem: 63). O regime de avaliação dos alunos das Escolas Profissionais foi inicialmente instituído pela Portaria nº 1243/90 de 31 de Dezembro e, dois anos depois, reformulado pela Portaria nº 423/92 22 de Maio. Nas reformas de 2004 e de 2012 as alterações vêm definidas na Portaria nº 550C/2004 de 21 de maio e Portaria n.º 74-A/2013 de 15 de fevereiro respetivamente. Inovar criando um sistema modular para os cursos profissionais, como já atrás foi dito, levou à necessidade de explicitar a organização e gestão modular dos programas e, em especial, o regime de avaliação dos alunos. Este foi um dos pontos que mais polémica e contestação fomentaram no momento da sua implementação e, sendo uma novidade, obrigou a uma ampla difusão de informação para todos os atores deste novo processo de ensino/aprendizagem, através de diversas ações de formação por parte do GETAP. A avaliação da aquisição dos conhecimentos e competências foi desde logo concebida para ser feita módulo a módulo, o que segundo Orvalho (1991: 1027) “torna a avaliação mais fiável que o exame final no fim da formação”, pois desta forma fomenta o “sucesso educativo, favorece a autoconfiança, contempla vários ritmos de aprendizagem e progressão é o que o garante da qualidade da formação” (Orvalho, 1991: 1027). De acordo com esta autora “a avaliação módulo a módulo encoraja pelo sucesso e motiva os alunos a avançar na formação (impulso cognitivo), já que alguns dos fatores que mais influenciam a formação são a curiosidade, o desejo de saber e a motivação“ (idem: 1027).
5.1 . MODALIDADES DE AVALIAÇÃO Apesar de desde logo definido pela Portaria 1243/90 de 31 de dezembro, o processo de avaliação só ficou claro com a Portaria nº 423/92 de 22 de maio, onde se considera que assume um carácter predominantemente formativo e contínuo, com o objetivo de informar o aluno acerca dos progressos, dificuldades e resultados obtidos na aprendizagem, esclarecer as causas de sucesso e insucesso, assim como estimular o seu desenvolvimento global nas áreas cognitiva, afetiva, relacional, social e psicomotora e, por fim, certificar os conhecimentos e capacidades adquiridos (Marques, 1993). Este regime de avaliação ao privilegiar a modalidade de avaliação formativa, apela também ao recurso da avaliação diagnóstica, a realizar no início de cada módulo. Assim, nos cursos profissionais o modelo instituído para a avaliação dos alunos assenta “na conjugação equilibrada das duas modalidades” (Marques, 1993: 62): - A avaliação sumativa, que se concretiza no final de cada módulo, depois de um processo de negociação entre professor e aluno, e no momento da conclusão do conjunto dos módulos de cada disciplina. Esta avaliação incide fundamentalmente no campo limitado dos saberes e dos saber fazer previstos nos respetivos módulos. Contudo, é de realçar que em estrutura modular apenas se regista o sucesso, pelo que o registo da avaliação só tem lugar quando o aluno atinge a nota mínima de 10 valores, na escala de 0 a 20 (Marques, 1993) e o insucesso é interpretado e descrito como indicação de que o aluno não interiorizou os saberes.
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- A avaliação formativa é efetuada ao longo do processo de ensino/aprendizagem, pelo que tem um carácter sistemático e contínuo com a intervenção simultânea do professor e o aluno. Tendo um carácter regulador e retificativo, deve ser um processo de análise global de todos os elementos que intervêm no sistema de formação (Marques, 1993). A reforma de 2004 mantem a essência do processo de avaliação ao reiterar que deve incidir “sobre as aprendizagens previstas pelos programas das disciplinas de todas as componentes de formação, mas também pela FCT e sobre as competências identificadas no perfil de desempenho à saída do curso” (Portaria nº 550C). O processo de avaliação deve contribuir para a melhoria da qualidade do sistema educativo, possibilitando “a tomada de decisões para o seu aperfeiçoamento e reforço da confiança social no seu funcionamento”. Mantendo a natureza dos anteriores diplomas em relação à avaliação formativa, este diploma vem contudo subdividir a avaliação sumativa em interna e externa. A primeira compreende a avaliação feita módulo a módulo ao longo dos três anos de formação, ou seja avaliação de todos os módulos das diferentes disciplinas, assim como a FCT e a prova de aptidão profissional. A segunda surge apenas para efeitos de prosseguimento de estudos e compreende a realização de exames nacionais a pelo menos três disciplinas, Português e duas da componente científica do curso em questão. Entretanto surge a Portaria nº 797/2006 de 10 de Agosto para “ajustar as regras de organização, funcionamento e avaliação dos cursos profissionais de nível secundário” e extingue esta última avaliação, pelo que nunca foi concretizada. A recente Portaria n.º 74-A/2013 de 15 de fevereiro veio modificar a forma de avaliação dos cursos profissionais, mas apenas para os alunos que pretendem prosseguir para o ensino superior, reintroduzindo a avaliação sumativa externa nos termos e para os efeitos previstos no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, isto é, a avaliação incide sobre a disciplina de Português e numa disciplina trienal e noutra bienal da componente de formação específica, todas elas escolhidas de entre as que compõem os planos de estudo dos vários cursos científico-humanísticos. Estando especialmente vocacionados para a qualificação de jovens para o mercado de trabalho, os cursos profissionais, como todos os cursos das vias profissionalizantes, conferem dupla certificação, o 12º ano e a qualificação profissional de nível IV, possibilitando aos alunos o prosseguimento de estudos para o ensino superior. Portanto, foi com alguma consternação que estes alunos viram transformada a forma de acesso ao ensino superior, até porque a legislação publicada em fevereiro entrou de imediato em vigor.
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Portaria n.º 550-C/2004 de 2004-05-21 Portaria n.º 74-A/2013 de 2013-02-15
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