MÓDULO 4 A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento A Evolução demográfica
Relacionar a economia pré-industrial com o modelo demográfico antigo Na idade moderna (séc. XV-XVIII) vigorou na Europa uma economia de tipo pré-industrial, isto é, caracterizada por uma base agrícola e pelo atraso tecnológico. A maior parte da população (cerca de 80%) dedicava-se à agricultura utilizando utensílios rudimentares (foice, enxada), empregando, exclusivamente, a força animal e humana, praticando o pousio e desconhecendo o uso de fertilizantes, A debilidade tecnológica não permitia aumentar a produtividade, logo, o aumento da população era “bloqueado” pelas fomes. Em resumo, as crises alimentares ajustavam as populações às subsistências. Este equilíbrio precário entre os recursos alimentares e o contingente populacional só viria a ser rompido em meados do século XVIII, graças às revoluções agrícola e industrial.
Caracterizar a demografia pré-industrial Antes da Revolução Industrial do século XVIII, a Europa caracterizava-se, no que diz respeito à população, por aquilo a que se chama o modelo demográfico antigo ou modelo demográfico de Antigo Regime (séculos XV, XVI, XVII, primeira metade do século XVIII), apresentando os seguintes indicadores:
1. Taxa de Mortalidade (nº de óbitos por cada 1000 habitantes) muito elevada, na ordem dos 35‰ 2. Taxa de Mortalidade Infantil (nº de crianças mortas antes de perfazerem o 1º ano de vida), muito elevada, contribuindo em primeiro lugar, para a elevada TM geral (no século XVII, em cada 100 crianças nascidas, 25 morriam antes da idade de 1 ano).
3. Taxa de Natalidade (nº de nados-vivos por cada 1000 habitantes) ligeiramente mais elevada que a TM (na ordem dos 40‰), o que permitia, em anos normais, um ligeiro crescimento da população.
4. Casamentos tardios, que actuavam como meio de controlo da natalidade. Reconhecer uma crise demográfica No modelo demográfico antigo, as crises demográficas eram frequentes. Caracterizavam-se por uma elevação brusca das mortes para o dobro ou triplo da TM corrente (picos de mortalidade), acompanhada de uma quebra muito acentuada dos nascimentos e dos casamentos (recuo da natalidade e da nupcialidade), a que se seguia uma fase de recuperação da crise, restabelecendo-se os índices habituais de mortalidade, natalidade e nupcialidade, Estas crises, geralmente de curta duração (alguns meses), são uma característica do modelo demográfico antigo e explicam-se pela quebra do equilíbrio, já de si precário, entre mortalidade e natalidade, devido a uma fome ou a uma epidemia.
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Avaliar a incidência destas crises nos séculos XVII e XVIII No século XVII, em virtude do arrefecimento climático, as colheitas apodreciam, pelo que o preço dos cereais se elevava e, em consequência, os mais pobres eram atingidos (por vezes morriam) pela fome. Por seu turno, a fome tornava os corpos menos resistentes às epidemias: a doença, transportada por bandos de esfomeados, acabava por atingir ricos e pobres. Foi o caso da peste bubónica, que voltou a atingir violentamente a Europa entre 1590 e 1670. A falta de condições de higiene e de assistência médica, em especial nas cidades, agravavam o panorama das crises populacionais. Somava-se a estes dois factores a guerra, responsável por um número elevado de perdas humanas, quer pelo confronto entre tropas inimigas, quer pelos efeitos da passagem de exércitos pelas aldeias (devastação dos campos, desorganização económica, fuga das populações). A Guerra dos 30 anos (1618-1648), em especial, contribuiu para os picos de sobremortalidade do século XVII que afectaram, em particular, a Alemanha. No século XVIII, as crises demográficas esmoreceram, em virtude da transição para um novo modelo demográfico.
Explicar a alteração demográfica verificada na segunda metade do século XVIII A partir do século XVIII (1730-1740), (1730-1740), na Europa e a nível mundial, verificou-se um crescimento demográfico até então nunca registado e que não mais voltaria a conhecer retrocesso: tratava-se da transição para um regime demográfico moderno. Esta alteração explica-se, em primeiro lugar, pela redução da TM, em especial da TMI. A criança torna-se a preocupação central da família: nasce com o auxilio de um obstetra – médico com formação adequada – o qual substitui a parteira suja e ignorante – passa a ser criada pela mãe (e já não por amas, no campo, a troco de dinheiro) e deixa de ser enfaixada. Os cuidados com a criança são, simultaneamente, uma causa e um reflexo da redução da TMI. Relativamente Relativamente à redução geral da TM da Europa Ocidental, foram avançadas várias propostas de explicação: - os avanços na produtividade agrícola (que explicariam o recuo da fome, contribuindo para uma maior resistência à doença); - os progressos na higiene (pelo uso do sabão, nomeadamente); - as conquistas na medicina (graças, por exemplo, à vacina contra a varíola, descoberta por Jenner, à prática da quarentena para os enfermos de doenças contagiosas e ao desenvolvimento, desenvolvimento, já referido, da obstetrícia); - o desenvolvimento desenvolvimento dos meios de transporte (facilitando o acesso aos bens essenciais de consumo); - a ocorrência de menos guerras; - o clima mais favorável (resultando em boas colheitas); - o recuo da Peste (desde 1720). Enfim, todo um conjunto de factores (dos quais é difícil destrinçar o mais importante) concorrera para o surgimento de um novo modelo demográfico. O recuo da mortalidade, juntamente com a 2
Avaliar a incidência destas crises nos séculos XVII e XVIII No século XVII, em virtude do arrefecimento climático, as colheitas apodreciam, pelo que o preço dos cereais se elevava e, em consequência, os mais pobres eram atingidos (por vezes morriam) pela fome. Por seu turno, a fome tornava os corpos menos resistentes às epidemias: a doença, transportada por bandos de esfomeados, acabava por atingir ricos e pobres. Foi o caso da peste bubónica, que voltou a atingir violentamente a Europa entre 1590 e 1670. A falta de condições de higiene e de assistência médica, em especial nas cidades, agravavam o panorama das crises populacionais. Somava-se a estes dois factores a guerra, responsável por um número elevado de perdas humanas, quer pelo confronto entre tropas inimigas, quer pelos efeitos da passagem de exércitos pelas aldeias (devastação dos campos, desorganização económica, fuga das populações). A Guerra dos 30 anos (1618-1648), em especial, contribuiu para os picos de sobremortalidade do século XVII que afectaram, em particular, a Alemanha. No século XVIII, as crises demográficas esmoreceram, em virtude da transição para um novo modelo demográfico.
Explicar a alteração demográfica verificada na segunda metade do século XVIII A partir do século XVIII (1730-1740), (1730-1740), na Europa e a nível mundial, verificou-se um crescimento demográfico até então nunca registado e que não mais voltaria a conhecer retrocesso: tratava-se da transição para um regime demográfico moderno. Esta alteração explica-se, em primeiro lugar, pela redução da TM, em especial da TMI. A criança torna-se a preocupação central da família: nasce com o auxilio de um obstetra – médico com formação adequada – o qual substitui a parteira suja e ignorante – passa a ser criada pela mãe (e já não por amas, no campo, a troco de dinheiro) e deixa de ser enfaixada. Os cuidados com a criança são, simultaneamente, uma causa e um reflexo da redução da TMI. Relativamente Relativamente à redução geral da TM da Europa Ocidental, foram avançadas várias propostas de explicação: - os avanços na produtividade agrícola (que explicariam o recuo da fome, contribuindo para uma maior resistência à doença); - os progressos na higiene (pelo uso do sabão, nomeadamente); - as conquistas na medicina (graças, por exemplo, à vacina contra a varíola, descoberta por Jenner, à prática da quarentena para os enfermos de doenças contagiosas e ao desenvolvimento, desenvolvimento, já referido, da obstetrícia); - o desenvolvimento desenvolvimento dos meios de transporte (facilitando o acesso aos bens essenciais de consumo); - a ocorrência de menos guerras; - o clima mais favorável (resultando em boas colheitas); - o recuo da Peste (desde 1720). Enfim, todo um conjunto de factores (dos quais é difícil destrinçar o mais importante) concorrera para o surgimento de um novo modelo demográfico. O recuo da mortalidade, juntamente com a 2
manutenção de uma TN elevada, provocou o rejuvenescimento da população e o aumento da esperança média de vida. No século XVIII, Thomas Malthus reflectia, na sua obra Ensaio Sobre o Principio da População , as preocupações com este crescimento populacional, ao preconizar a
limitação dos nascimentos como único meio de evitar as catástrofes alimentares que adviriam da desproporção entre o crescimento da população e o dos alimentos.
A Europa dos Estados Absolutos e a Europa dos Parlamentos Estratificação social e poder político nas sociedades do Antigo Regime
Caracterizar a sociedade do Antigo Regime A sociedade de Antigo Regime (século XVI – finais do século XVIII) era constituída por ordens ou estados (por contraposição com a sociedade de classes que a substituiu a partir de finais do século XVIII). A ordem ou estado era uma categoria social definida pelo nascimento nascimento e pelas ffunções unções sociais que os indivíduos pertencentes a essa ordem desempenhavam. Era uma sociedade fortemente hierarquizada, pelo que a mobilidade social (capacidade de transitar-se para outro grupo) era escassa. As três ordens ou estados em que se dividia a sociedade de Antigo Regime eram o Clero, a Nobreza e o Terceiro estado, sendo as duas primeiras privilegiadas e a última não-privilegiada.
Diferenciar as três ordens, a sua composição e o seu estatuto A expressão “a nobreza luta, o clero reza e o povo trabalha”, com que se resumia, já na Idade Média, o estatuto de cada grupo social, impôs-se na longa duração do Antigo Regime, com alguma diversidade social interna.
1. O Clero, ou primeiro estado: - era considerado o mais digno (porque era mais próximo de Deus e protector de toda a ordem social); - era composto por elementos de todos os grupos sociais, dividindo-se em alto clero (composto, sobretudo, pelos filhos segundos da nobreza que se tornavam cardeais, arcebispos, bispos e abades, pois apenas os filhos primogénitos tinham direito a herança) e baixo clero (párocos e frades oriundos da população rural); - era o único grupo cujo estatuto não se adquiria pelo nascimento; - gozava de vastos privilégios: tinha foro próprio (direito de ser julgado em tribunal próprio), isenção de impostos, direito de asilo, recebia os dízimos (1/10 de toda a produção agrícola) e doações dos crentes que lhe permitia viver com desafogo económico e, até, no caso do alto clero, de maneira luxuosa; luxuosa; exercia cargos na administração, na corte e no ensino, era grande proprietário de terras.
2. A Nobreza, ou segundo estado: - retirava o seu enorme prestígio da antiguidade da sua linhagem (famílias de origem muito antiga) e da proximidade em relação ao rei; 3
- dedicava-se à carreira das armas (era a velha nobreza, chamada de nobreza de sangue ou de espada) ou a cargos públicos merecedores de um titulo de nobreza (era a burguesia enobrecida, chamada nobreza administrativa ou de toga); - ocupava os cargos mais elevados da administração e do exército; - gozava de um regime jurídico próprio (por exemplo, o nobre não podia ser açoitado nem enforcado); - não pagava impostos ao rei (excepto em caso de guerra); - detinha grandes propriedades; - fornecia os elementos que integravam o alto clero.
3. Povo ou Terceiro Estado: - era a ordem mais heterogénea, abarcando a elite burguesa (homens de letras, mercadores, boticários, joalheiros), os ofícios manuais (lavradores, artesãos, trabalhadores assalariados) e, por ultimo, os mendigos e vagabundos; - dedicava-se, na sua maioria (80%), à agricultura, como camponeses; - pagava impostos.
Reconhecer, nos comportamentos, os valores da sociedade de ordens Na sociedade hierarquizada de Antigo Regime, todos os comportamentos estavam rigidamente estipulados para cada uma das ordens sociais. Assim, o estatuto jurídico, o vestuário, a alimentação, as profissões, as amizades, os gastos, os divertimentos, as formas de tratamento deviam reflectir a pertença a cada uma das ordens: por exemplo, apenas o nobre usava a espada e apenas o membro do clero usava a tonsura (corte de cabelo que deixa uma coroa rapada no alto da cabeça). Esta preocupação em tornar visível a diferenciação social exprimia os principais valores defendidos na sociedade de ordens: a defesa dos privilégios pelas ordens sociais mais elevadas, a primazia do nascimento como critério de distinção e a fraquíssima mobilidade social.
Identificar as vias de mobilidade social Ao longo do Antigo Regime a mobilidade social era muito reduzida. Porém, lentamente, o Terceiro Estado conseguiu ascender socialmente. As vias de mobilidade ascendente da burguesia eram, de uma forma geral: - o estudo; - o casamento com filhas da velha nobreza; - os lucros do grande comércio (o dinheiro); - a dedicação aos cargos do Estado. Esta última via deu origem à chamada nobreza de toga, através da concessão de títulos nobiliárquicos. Já na época, alguns autores demonstravam saber que a esperança na mobilidade social era o garante da ordem social e da resignação dos grupos considerados inferiores.
Referir as características do poder absoluto O Antigo Regime caracterizou-se, a nível político, pelo sistema de monarquia absoluta, que atingiu o expoente máximo nos séculos XVII e XVIII. Segundo Bossuet (clérigo e teórico do absolutismo), o poder do rei tinha quatro características: 4
1.
Era sagrado (monarquia de direito divino, segundo a qual o rei apenas tinha de prestar contas dos seus actos a Deus).
2.
Era paternal (o rei devia satisfazer as necessidades do seu povo como se fosse um pai).
3.
Era absoluto (livre de prestação de contas), mas deveria assegurar a ordem e garantir os privilégios da Igreja e da Nobreza. O rei concentrava em si os três poderes do Estado – legislativo, executivo e judicial – por isso Luís XIV, o Rei-Sol, terá afirmado “O Estado sou eu”.
4.
Era sujeito à razão (à sabedoria do rei).
Os monarcas absolutos não reuniam os orgãos de representação da sociedade (na França, os Estados Gerais; em Portugal, as Cortes) apesar de não abolirem essas instituições para não afrontarem directamente as ordens sociais privilegiadas.
Sublinhar o papel desempenhado pela corte no regime absolutista Na monarquia absoluta, o rei utilizava a vida em corte para mais facilmente controlar a Nobreza e o Clero. O grupo que rodeava o rei (sociedade da corte) estava constantemente sujeito à vigilância deste. Em França, o centro da vida de corte desenrolava-se no Palácio de Versalhes, onde habitavam o rei e a alta nobreza. O Palácio era, simultaneamente, lugar de governação, de ostentação do poder e de controlo das ordens privilegiadas.
Esclarecer o significado da expressão “encenação do poder” Todos os actos quotidianos do rei eram ritualizados, “encenados” de modo a endeusar a sua pessoa e a submeter as ordens sociais, Cada gesto tinha um significado social ou político, pelo que, através da etiqueta, o rei controlava a sociedade. Um sorriso, um olhar reprovador assumiam um significado político, funcionando como recompensa ou punição de determinada pessoa. Nobert Elias descreveu magnificamente o cerimonial do acordar do rei Luís XIV, conhecido por “entradas”, através do qual o Rei-Sol submetia a corte a uma hierarquia rigorosa.
Evidenciar a preponderância da nobreza fundiária em Portugal A restauração da independência nacional, em 1640, por iniciativa da nobreza (liderada pelo duque de Bragança, que daria inicio à quarta e última dinastia de Portugal) concedeu a esta ordem, grandes proprietários de terras um papel social importante, reforçado pelos cargos na governação, na administração ultramarina e no comércio. Deste modo, as principais características da sociedade de ordens em Portugal são, por um lado, a preponderância política da nobreza de sangue e, por outro lado, o afastamento da burguesia das esferas do poder. A debilidade da burguesia portuguesa deveuse, em grande parte, à centralização das actividades mercantis nas mãos da Coroa e da Nobreza e à perseguição de judeus e cristãos-novos (judeus forçados a converter-se ao cristianismo) pela Inquisição.
Caracterizar o “cavaleiro-mercador” Em Portugal, a nobreza mercantilizada (dedicada ao comércio) dá origem à figura do “cavaleiromercador”, o qual investe os lucros do comércio, não em actividades produtivas, mas em terras e bens de luxo. Deste fenómeno decorrem duas consequências: a primeira, uma difícil afirmação da burguesia portuguesa (a qual, só muito mais tarde, na segunda metade do século XVIII, graças à 5
acção do Marquês de Pombal, ganhará preponderância); a segunda, o atraso económico de Portugal em relação a vários países da Europa.
Relacionar a eficiência do aparelho burocrático com a efectiva centralização do poder Nos séculos XVII e XVIII, os reis portugueses procederam a uma centralização do poder que se caracterizou pelas seguintes etapas:
1.
Século XVII – após o domínio filipino, D. João IV, o primeiro rei da dinastia de Bragança, viu-se na necessidade de reestruturar os órgãos da administração central e de enfrentar a situação de guerra. Assim, não sendo um rei de tipo absolutista, criou órgãos (como as secretarias e os conselhos) em quem delegava poderes. Assim, ao longo do século XVII as resoluções tomadas em Cortes tinham cada vez menos importância para o destino do Reino e a sua convocação foi-se tornando cada vez mais rara, ate se extinguirem praticamente, a partir de 1697 (data da ultima reunião dos três Estados, se não se contar com a aclamação de D. Miguel nas Cortes de 1828).
2.
Século XVIII – a figura mais marcante do absolutismo português, o rei D. João V, teve um papel muito interventivo na governação, remodelando as secretarias criadas por D. João IV e rodeando-se de colaboradores de confiança. Porém, a reforma da burocracia do Estado não se traduziu por uma maior eficiência para os súbditos: por um lado, faltava estabelecer uma ligação entre a administração central e a administração local; por outro lado, a dependência, para todas as decisões, da aprovação do rei, tomava qualquer pedido num processo muito lento. Na prática, a burocracia central afastava o povo do seu rei.
Caracterizar o absolutismo joanino O fenómeno a que se chamou a “encenação do poder” estava, também, presente na monarquia absoluta portuguesa, em particular no reinado de D. João V. Tal como o Rei-Sol (Luís XIV de França), D. João V realçava a figura régia através da magnificência (luxo) permitida pelo ouro e diamantes do Brasil, da autoridade e da etiqueta, de que se salientam os seguintes aspectos: - subordinação das ordens sociais (manifestada, por exemplo, na recusa de reunir Cortes); - apoio às artes e às letras (criando, por exemplo, a Biblioteca da Universidade de Coimbra e a Real Academia de História); - envio de embaixadas ao estrangeiro (destacando-se, pela sumptuosidade, a de 1709, ao Papa); - distribuição de moedas de ouro pela população (que lhe valeu o cognome de o Magnânimo, ou seja, generoso). - politica de grandes construções (em especial a do palácio-convento de Mafra, obra que se tornou no símbolo do seu reinado e cuja construção envolveu 45 000 trabalhadores, além dos recrutamentos forçados por todo país. O escritor José Saramago, na sua obra Memorial do Convento, recriou a pompa da colocação da primeira pedra do Convento de Mafra em 1717: no
centro do acontecimento estava o rei, rodeado pela nobreza e pelo clero. Excluída do grande 6
evento, fora da igreja e de joelhos, na lama, estava o povo, a massa de homens à custa de quem foi erguido o dispendioso monumento).
A Europa dos Parlamentos: sociedade e poder político Mostrar a fusão do poder político com o poder económico nas Províncias Unidas Foi o dinheiro que abriu à burguesia das Províncias Unidas as portas da ascensão social. Com o tempo, a ascensão da burguesia de negócios foi consolidada pela educação, pelo casamento e pela dedicação aos cargos do Estado: graças à descentralização administrativa, eram os chefes das famílias burguesas quem dominava os conselhos das cidades e das províncias formando uma elite governante. Foram-se quebrando, desta forma, os princípios da sociedade de ordens baseados nos privilégios do nascimento. Deve-se salientar, em particular, o caso de ascensão social da família de Witt, a qual, aplicando os lucros do negócio da madeira na Companhia das Índias Orientais, conseguiu preparar os seus filhos para o exercício de cargos na administração da Republica e, na terceira geração, conseguiu que Jan de Witt personificasse o domínio claro da burguesia ao assumir o cargo de Grande Pensionário (uma espécie de Primeiro-Ministro).
Contextualizar a teoria do mare liberum O Tratado de Tordesilhas, de 1494, havia ratificado o monopólio de Espanha e Portugal sobre os mares e as terras, restando a opção de corso (pirataria autorizada pela autoridade de um país) aos outros estados. No entanto, no século XVII, a doutrina de Mare Clausum (mar fechado) foi vivamente contestada, após a captura da nau Santa Catarina (embarcação portuguesa) por um almirante das Companhia das Índias Orientais holandesa, em 1602. Hugo Grotius, na sua obra Mare Liberum, de 1608, argumentava que não se podia impedir as nações de comerciarem entre si e que o mar não podia ser pertença de ninguém. A polémica manteve-se acesa durante cerca de um século, com Serafim de Freitas a representar os interesses portugueses, para os quais reivindicava o “direito histórico” (direito aos territórios descobertos ou conquistados). A defesa de mare liberum (mar livre), por Hugo Grotius, era, também, uma forma de legitimar as pretensões holandesas ao comércio internacional, uma vez que no século XVII foi, para esta nação, uma época de grande prosperidade.
Expor os acontecimentos mais relevantes da história política inglesa, no século XVII A luta histórica entre o povo – representado pelo Parlamento – e os soberanos ingleses remonta à Idade Média (com a Magna Carta, primeiro documento que protegia os Ingleses das arbitrariedades do poder real), porém, é no século XVII que vinga o parlamentarismo, por meio de duas revoluções importantes:
1. Instauração da República Inglesa – Apesar de ter assinado a Petição dos Direitos, em 1628, que o forçava a respeitar a vontade popular (ao determinar que o rei ou os seus herdeiros não podiam decretar impostos sem o seu consentimento nem atentar contra os 7
seus súbditos sem julgamento), o soberano Carlos I pagou com a vida as suas tentações absolutistas (1649). Foi, então, abolida a monarquia e instaurada uma República, chefiada por Cromwell. Este acabaria por impor um regime repressivo (sob o título de Lord Protector), restaurando-se a monarquia, após a sua morte (1658), na pessoa de Carlos II (marido da princesa portuguesa Catarina de Bragança, filha de D. João IV de Portugal).
2. Revolução Gloriosa – Ainda no século XVII, em 1688, a Revolução Gloriosa do rei Guilherme de Orange consagra a vitória do regime parlamentar contra o poder autoritário de Jaime II. O novo soberano comprometeu-se a respeitar solenemente as liberdades do povo consignadas na Declaração dos Direitos (Bill of Rights) de 1689. Este é um texto fundamental da monarquia inglesa, pois, ao contrário do que acontecia nos países de regime absolutista, estabelecia limites ao poder real, protegendo os direitos dos súbditos, o que fazia com que o filósofo francês Montesquieu declarasse que este país era “o mais livre do Mundo”.
Evidenciar o carácter liberal do regime parlamentar Nos países onde o poder absoluto dos monarcas foi limitado pela vontade dos cidadãos, como as Províncias Unidas e a Inglaterra, o regime parlamentar assume-se como defensor das liberdades politicas, económicas e religiosas. O cidadão, protegido das arbitrariedades do governo, substitui o súbdito, e os poderes legislativo, executivo e judicial são divididos por vários órgãos de poder.
Aplicar a filosofia política de Locke ao parlamentarismo inglês O filósofo John Locke foi responsável pela justificação teórica do parlamentarismo, ao defender que todos os homens se encontram naturalmente num “estado de perfeita liberdade” e num “estado de igualdade” ao qual renunciam, apenas, em favor da colectividade, quando se fazem representar
pelos seus governantes: “só então, nasce uma sociedade política ou civil” . O “poder supremo do Estado” era, segundo Locke, o poder legislativo, exercido pelo Parlamento. No entanto, Locke frisava que, se o poder legislativo fosse exercido de maneira absoluta ou prejudicando o bem comum, então os governados retomariam o direito à sua liberdade original, podendo depor os seus governantes. A teoria de Locke enquadra-se, por um lado, na justificação dos acontecimentos políticos de Seiscentos (em especial a Revolução Gloriosa de 1688) e, por outro lado, no contexto social de ascensão da burguesia, a qual apoiava o regime parlamentar, defensor da propriedade privada, da ordem e da segurança.
Contrapor o modelo sociopolítico absolutista ao modelo parlamentar Modelo Absolutista: → o rei detém o poder absoluto, concentrando em si os poderes legislativo, executivo e judicial; → o rei raramente convoca Cortes (em França, Estados Gerais); → o rei detém um poder sagrado, paternal, absoluto e submetido apenas à Razão; → o rei usa a vida de corte como palco de uma encenação do poder de forma a controlar as ordens privilegiadas; 8
→ os cargos de chefia são entregues à nobreza e ao clero, mesmo se a burguesia detém poder económico. Modelo Parlamentar: → o poder encontra-se repartido entre o rei e o Parlamento; → o Parlamento ocupa o lugar central na estrutura governativa; → a burguesia ocupa cargos importantes na administração do Estado; → os critérios sociais baseados no nascimento esbatem-se ou anulam-se.
O Triunfo dos Estados e dinâmicas económicas nos séculos XVII e XVIII O reforço das economias nacionais e tentativas de controlo do comércio
Enunciar os princípios mercantilistas O mercantilismo foi a doutrina económica vigente nos séculos XVI, XVII e XVIII segundo a qual a riqueza e o poderio de um país assentavam na quantidade de metais preciosos de que este dispunha. Deste princípio fundamental decorrem os seguintes: - balança comercial positiva ou superavitária; - proteccionismo económico; - fomento da produção industrial; - regulamentação do comércio externo.
Explicar a sua coerência interna O mercantilismo foi aplicado em diversos países europeus nos séculos XVII e XVIII como meio de fortalecer as monarquias e de aumentar a riqueza nacional. A intervenção do Estado na economia consistia em aumentar a quantidade de dinheiro em circulação no reino; para atingir esse objectivo, a relação entre as importações e as exportações (balança comercial) devia ser favorável, ou seja, devia exportar-se mais do que se importava, de maneira a impedir a saída de metal precioso do país. Ora, para exportar mais era necessário produzir mais, razão pela qual as politicas económicas mercantilistas tentaram implementar actividades industriais (manufacturas) que libertassem o país da necessidade de importação. Além disso, para reforçar a restrição às importações, sobrecarregava-se de direitos alfandegários (impostos) a entrada de produtos estrangeiros, de maneira a que os produtos nacionais ficassem mais baratos, logo, mais competitivos (proteccionismo económico). Muitas das vezes, o proteccionismo era reforçado com leis que impediam o uso de produtos de luxo, geralmente importados (leis pragmáticas). Por último, a vontade de auto-suficiência económica levou os países que adoptaram o mercantilismo a reorganizar o comércio externo (em particular, com as colónias) de modo a dispor de matérias-primas para as manufacturas e de mercados onde pudessem vender os excedentes do sector manufactureiro.
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Enquadrar na teoria mercantilista: - o conjunto de medidas encetado por Cromwell - a política económica de Colbert O mercantilismo francês foi implementado por Colbert (ministro do rei Luís XIV no século XVII). A sua politica económica, muito dirigista, concedeu o principal relevo ao desenvolvimento das manufacturas como meio de substituir as importações de produtos estrangeiros (da Holanda, da Alemanha, da Itália, etc.) por produtos franceses. O Colbertismo salientou-se, ainda, pelo desenvolvimento da frota mercante e da marinha de guerra e pela criação de companhias monopolistas (associações económicas que tinham o direito exclusivo de comerciar numa dada zona). Oliver Cromwell (chefe do governo republicano inglês entre 1649 e 1658) encarnou uma faceta do mercantilismo mais flexível, porém, igualmente empenhada na supremacia da economia nacional. As suas medidas económicas centraram-se na valorização da marinha e do sector comercial, através da publicação dos Actos de Navegação .
Distinguir entre o mercantilismo inglês, centrado no comércio, e o mercantilismo francês, centrado nas manufacturas O mercantilismo francês caracterizou-se, no sector manufactureiro, pelas seguintes medidas: - criação de novas industrias (às quais o Estado concedia privilégios, tais como benefícios fiscais e subsídios); - importação de técnicas (por exemplo, mandar curtir à maneira inglesa as peles de boi da França); - criação das manufacturas reais (protegidas pela realeza, fabricavam, sobretudo, produtos de luxo para a corte como, por exemplo, as famosas tapeçarias da família dos Gobelins); - controlo da actividade industrial por inspectores do Estado (que avaliavam, nomeadamente, a qualidade e os preços do trabalho realizado). Em Inglaterra, o mercantilismo, de feição comercial, distinguiu-se pelas seguintes medidas: - publicação (entre 1651 e 1663) dos Actos de Navegação: de acordo com estas leis, apenas podiam entrar em Inglaterra as mercadorias que fossem transportadas em barcos ingleses ou do país de origem; só a marinha britânica podia transportar as mercadorias coloniais e a tripulação dos navios devia ser constituída, maioritariamente, por ingleses. - política de expansão comercial (dirigida, em especial, às Antilhas e à América do Norte); - criação de grandes companhias de comércio, entre as quais a Companhia das Índias Orientais inglesa (a mais rica e poderosa das companhias monopolistas), que detinha o exclusivo de comércio com o Oriente e amplos poderes a nível da administração, defesa e justiça.
Relacionar o proteccionismo económico com o agudizar das tensões internacionais Uma vez que todos os países seguidores do mercantilismo adoptaram medidas de carácter proteccionista (proibição da entrada de produtos estrangeiros através das leis pragmáticas, imposição de elevadas taxas alfandegárias à entrada de produtos do exterior, etc.) registou-se, naturalmente, uma contracção do comércio entre os países europeus. 10
Como alternativa, esses países comerciavam com as suas próprias colónias, num regime (também proteccionista) de exclusivo colonial: cada um dos países de origem (metrópole) controlava a produção e os preços dos produtos coloniais, de maneira a garantir a obtenção de matérias-primas e de mercados de escoamento das manufacturas sem a interferência dos países rivais. Consequentemente, a criação de um império colonial e comercial passou a figurar como prioridade dos estados europeus. A prática do capitalismo comercial (procura de lucros no grande comércio) levou a agudizar das tensões internacionais. Assim se explicam os vários episódios de rivalidade e mesmo de guerra entre Holandeses e Ingleses, entre Holandeses e Franceses e entre Franceses e Ingleses nos séculos XVII e XVIII. Ponto alto deste clima de tensão, o desfecho da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) consagrou a supremacia da Inglaterra no comércio mundial.
Identificar as áreas coloniais disputadas pelos estados atlânticos No século XVIII, os estados atlânticos abarcavam regiões muito ricas, por exemplo: - império espanhol abarcava os territórios da América espanhola e Filipinas; - a Holanda, a província mais rica das Províncias Unidas, estendeu o seu poderio até à Ásia (arquipélago indonésio e Ceilão), África (o Cabo) e continente americano (Guianas holandesas); - a Inglaterra, graças à vitória na Guerra dos Sete Anos (Tratado de Paris), ocupou as possessões francesas nas Índias, territórios na América (nomeadamente o Canadá) e feitorias em África (Senegal); - o império francês ocupava territórios em África, no Oceano Índico (Madagáscar) e na Índia; - o império português retirava proventos do Brasil, das suas colónias em África (sobretudo Angola, Moçambique) e na Índia (Goa, Damão, Diu).
A hegemonia económica britânica No século XVIII, na região de Norfolk (Inglaterra), iniciou-se a chamada “revolução agrícola”, ou seja, um conjunto de alterações, rápidas no tempo e marcantes na forma de cultivar os campos. Graças ao apoio do Parlamento, os grandes proprietários de terras (landlords) puderam introduzir na agricultura uma série de inovações importantes: - sistema de rotação quadrienal de culturas (afolhamento quadrienal): o cultivo, de maneira rotativa, das quatro parcelas (ou folhas) de um campo, ao longo de quatro anos, permitia resolver, por fim, o secular problema do esgotamento dos solos e, assim, prescindir do pousio (terra deixada em descanso); - articulação entre a agricultura e a criação de gado: o cultivo de plantas forrageiras (que alimentavam os animais, por exemplo, o trevo) possibilitava, por um lado, assegurar o necessário estrume e, por outro lado, incentivar o melhoramento das raças animais; - vedação dos campos comunitários (enclosures): os campos cercados substituíram o anterior sistema de uso comunitário das terras (open field ), desencadeando a aplicação sistemática, pelos landlords, das inovações agrícolas (selecção das sementes, melhoramento dos utensílios, apuramento das raças animais); - inovações técnicas: a introdução de máquinas nos campos, por exemplo a primeira semeadora mecânica (1703), a charrua triangular (1731) e a primeira máquina debulhadora (cerca de 1780) retirava um maior rendimento da terra. 11
As inovações agrícolas resultaram num aumento da produtividade, o qual, por sua vez, estimulou o crescimento demográfico e canalizou a mão-de-obra excedentária para as cidades.
Explicar o conceito “mercado nacional” A Inglaterra foi o país que mais cedo se transformou num espaço económico unificado, onde o consumo interno podia expandir-se. Para a criação desde mercado nacional, contribuíram os seguintes factores: - o crescimento demográfico (da população) e urbano (das cidades, em especial, Londres) tornaram-se motores do desenvolvimento económico, ao proporcionarem um maior consumo interno; - o desenvolvimento dos transportes e vias de comunicação (construção de um sistema de canais, ampliação da rede de estradas) permitia resolver os problemas de abastecimento; - a inexistência de alfândegas internas retirava os entraves ao comércio; - a união da Inglaterra com a Escócia (1707) e com a Irlanda (1808) criava um contexto politico propício à circulação de produtos.
Avaliar o impacto do alargamento dos mercados na economia inglesa Ao nível do mercado externo, os ingleses conseguiram abrir brechas no rigoroso proteccionismo dos estados europeus e, ainda, comerciar com os continentes americano e asiático: - o comércio triangular partia dos portos ingleses: comprava-se, em África, os escravos negros por baixo preço, os quais eram transportados para as plantações e minas na América, onde eram vendidos a um preço elevado (tráfico negreiro). Da América os ingleses traziam os metais preciosos e os produtos tropicais (por exemplo, o algodão, o tabaco e o açúcar); - no Oriente, a vitória inglesa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) expulsou os franceses da Índia, assegurando à Companhia Inglesa das Índias Orientais o comércio dos produtos indianos (por exemplo, as especiarias, as porcelanas, os panos de algodão, o chá e os produtos agrícolas), quer para exportação para a Europa, quer para troca local, proibindo os produtores locais de venderem a outros estrangeiros que não os ingleses. Da Índia, os ingleses partiam para a China (porto de Cantão) de onde traziam, nos seus barcos (China ships) o famoso chá. O alargamento dos mercados constituiu, assim, um dos factores da preponderância inglesa sobre o Mundo.
Sublinhar os progressos no sistema financeiro O sistema financeiro favoreceu o sucesso inglês através das seguintes instituições: - Bolsa de Londres (Royal Exchange) - a compra de acções do Estado ou de companhias industriais permitiu reunir capitais em grande escala e fornecer elevados lucros aos particulares e ao Estado (desenvolvimento do capitalismo); - Banco de Inglaterra – realizava as operações de apoio ao comércio (por exemplo, depósitos e transferências), emitia o papel-moeda (notas) e financiava a actividade comercial e industrial.
Contextualizar o arranque industrial Na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, deu-se a Revolução Industrial, que pode ser definida como uma alteração tecnológica na produção acompanhada de rupturas em vários aspectos da vida humana (demográficos, económicos, sociais, mentais). 12
Preparada pela Revolução Agrícola, a ruptura tecnológica incidiu, em primeiro lugar, nos sectores do algodão (fornecendo vestuário a uma população em crescimento) e da metalurgia (fornecendo máquinas e elementos para a construção civil). Os inventos no sector algodoeiro alternaram entre a tecelagem (1733 – lançadeira volante, de Kay), a fiação (1768 – Spinning Jenny de Hargreaves) e, novamente, a tecelagem (1787- tear mecânico de Cartwright) pois, sempre que a tecelagem se desenvolvia, precisava de mais fio para a produção, e sempre que havia abundância de fio, eram necessários teares mais rápidos para o aproveitar. Desta forma, quando um dos ramos do sector têxtil se desenvolvia, o outro era obrigado a acompanhá-lo. Na metalurgia, o grande salto tecnológico consistiu em libertar a indústria do problema da escassez do combustível graças a Abraham Darby, que usou (em 1709) o carvão de coque (mineral) em vez do tradicional carvão de maneira (vegetal) para alimentar as fundições. A revolução metalúrgica também é devedora de John Smeaton, que melhorou o abastecimento de ar quente aos altos-fornos (1761) e de Henry Cort, que converteu a gusa (ferro de primeira fundição, não purificado) em ferro ou aço, através do processo da pudlagem (1783). Porém, o invento que simboliza a primeira revolução industrial é, acima de qualquer outro, a máquina a vapor (criada por Newcomen em 1708 e aperfeiçoada por James Watt em 1767), pois, pela primeira vez na história da humanidade, criava-se uma fonte de energia artificial, eficaz e adaptável a muitos usos (maquinismos e meios de transportes).
Sintetizar as condições da hegemonia britânica Graças a um conjunto de transformações que tomaram, genericamente, o nome de Revolução Industrial, a Inglaterra pôde exercer a sua preponderância (hegemonia) sobre o mundo praticamente até ao final da Primeira Guerra Mundial (altura em que os EUA tomaram a dianteira). A supremacia inglesa deveu-se a várias condições favoráveis:
1. No âmbito técnico e económico: - o sistema de rotação de culturas; - a articulação entre a agricultura e a criação de gado; - as vedações (enclosures); - as novas máquinas agrícolas; - as inovações técnicas no sector algodoeiro e metalúrgico; - a substituição da manufactura pela maquinofactura nos diferentes sectores da economia.
2. No âmbito social e demográfico: - o espírito empreendedor dos landlords; - a afirmação da burguesia industrial; - o crescimento demográfico; - a migração para os centros urbanos.
3. No âmbito político-militar: - o apoio do sistema Parlamentar às enclosures; - a promulgação dos Actos de Navegação; 13
- a criação das Companhias de Comércio; - as guerras contra a França e a Holanda de que a Inglaterra saiu vitoriosa.
4. No âmbito ideológico: - o fisiocratismo (nova doutrina económica que considerava a agricultura a base económica da nação).
5. No âmbito comercial e financeiro: - o comércio triangular a partir dos portos de Inglaterra; - o Tratado de Eden (realizado entre a França e a Inglaterra, em 1786, com clara vantagem da Inglaterra devido à exportação de lanifícios e ferragens em condições vantajosas); - a acção da Companhia Inglesa das Índias Orientais; - o comércio com a China; - a Bolsa de Londres; - o Banco de Inglaterra.
Portugal – dificuldades e crescimento económico Relacionar a adopção de medidas mercantilistas em Portugal com a crise comercial de 167092 Entre 1670 e 1692, Portugal enfrentou uma grave crise comercial provocada: - pela concorrência de Franceses, Ingleses e Holandeses, que competiam com os Portugueses na produção de açúcar e tabaco; - pelos efeitos da politica proteccionista de Colbert; - pelos efeitos da crise espanhola de 1670-1680 (redução do afluxo de prata da América espanhola, com a qual os Holandeses compravam o sal português). Uma vez que os stocks nacionais se iam acumulando, sem comprador, apesar dos preços cada vez mais baixos, a política do reino orientou-se, de acordo com as tendências mercantilistas da época, para a criação de manufacturas e a implantação de medidas proteccionistas.
Integrar estas medidas no modelo francês As ideias mercantilistas já haviam chegado a Portugal através da obra de Duarte Ribeiro de Macedo (embaixador em Paris) Discursos sobre a Introdução das Artes no Reyno (1675). No entanto, foi o conde da Ericeira (vedor da Fazenda de D. Pedro II, a partir de 1675) quem, actuando como um “Colbert português”, impôs, na prática, a adopção do mercantilismo. De acordo com o modelo francês, deu um forte impulso às manufacturas para atingir uma balança comercial positiva. As principais medidas do conde da Ericeira foram:
1.
Estabelecimento de fábricas com privilégios (por exemplo, de panos – sedas e lanifícios – de vidro e de papel);
2.
Contratação de artífices estrangeiros que introduziram em Portugal novas técnicas de produção; 14
3.
Protecção da produção nacional através das pragmáticas (leis que proibiam o uso de produtos de luxo estrangeiros);
4.
Desvalorização monetária (para tornar os produtos nacionais mais baratos em relação aos estrangeiros);
5.
Criação de companhias monopolistas (por exemplo, a Companhia do Maranhão, para o comércio brasileiro).
Explicar o retrocesso da política industrializadora portuguesa A decadência do esforço industrializante deveu-se, acima de tudo, à descoberta de minas de ouro (1690) e de diamantes (1729) no Brasil. A entrada de toneladas de metal precioso em Portugal, ao longo do século XVIII, levou a que, no reinado de D. João V, se cunhasse moeda em abundância, respirando-se um clima de prosperidade sem o esforço do investimento manufactureiro. As leis pragmáticas já não eram respeitadas e o país voltou-se para o comércio como actividade prioritária. A procura do ouro do Brasil era feita (já desde o século XVI) pelas bandeiras, expedições armadas que, empunhando um estandarte – a bandeira – partiam, geralmente da pobre vila de São Paulo, e se aventuravam no interior brasileiro para capturar índios e descobrir jazidas. O movimento dos bandeirantes, apesar do seu carácter desumano, que lhe valeu forte oposição dos jesuítas (devido ao apresamento e escravização dos índios), teve o mérito de proporcionar o alargamento e desbravamento do território brasileiro, cujas fronteiras foram então definidas segundo limites mais amplos do que aqueles inicialmente previstos no Tratado de Tordesilhas na época de D. João II.
Avaliar a dependência da economia portuguesa face à Inglaterra Segundo o tratado de Methuen (1703), a Inglaterra comprava os vinhos portugueses com vantagem competitiva em relação aos vinhos franceses, enquanto Portugal comprava os lanifícios ingleses sem restrições. Este tratado gerou uma situação de dependência de Portugal em relação a Inglaterra pois, não só contribuía para o abandono das manufacturas de panos em Portugal, como conduzia ao escoamento do ouro brasileiro para pagar as importações inglesas. Além disso, no terceiro quartel do século XVIII, 94% do vinho português exportado tinha como destino a Inglaterra, reforçando a dependência face a este país. Paradoxalmente, como dizia no início do século XIX o economista José Acúrsio das Neves, “Portugal, nadando em ouro, viu-se pobre”.
Contextualizar a política económica pombalina Face à nova crise de meados do século XVIII, o rei D. José I tentou uma estratégia de mudança em relação à política de seu pai (D. João V). O ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) delineou a recuperação económica com base nos pressupostos mercantilistas. As principais medidas económicas (do tipo mercantilista) que tomou foram: - a concessão de privilégios (subsídios, isenção de impostos) às indústrias existentes; - a criação de manufacturas da Covilhã e de Portalegre para desenvolver a indústria de lanifícios; - a introdução dos têxteis de algodão; - o desenvolvimento da indústria de vidro da Marinha Grande; 15
- o fomento de vários sectores da indústria (nomeadamente, a fundição do ferro, a cerâmica, a saboaria, a construção naval); - a contratação de empresários estrangeiros com o objectivo de diminuir as importações; - a reorganização da Real Fábrica da Seda (criada no reinado de D. João V e reestruturada com operários e mestres de várias artes de origem francesa). Além da actividade industrial, também o comércio foi reorganizado no intuito de reduzir o défice e de colocar as trocas na mão da burguesia portuguesa. O Marquês de Pombal conseguiu atingir estes objectivos graças às seguintes medidas: - criação de companhias monopolistas que aliavam os capitais privados aos do Estado (por exemplo, a Companhia da Ásia, para o comércio com o Oriente; a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, para o comércio com o Brasil; a Companhia Geral das Reais Pescas do Reino do Algarve; a Companhia para a Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada para a reorganização e controlo do comércio dos vinhos do Douro, então dependente dos ingleses); - atribuição do estatuto nobre aos grandes burgueses accionistas das companhias monopolistas; - instituição da Aula do Comércio, escola comercial para os filhos dos burgueses; - criação da Junta do Comércio, órgão que controlava a actividade comercial do reino. Em consequência desta política económica, o final do século XVIII foi, para Portugal, um período de prosperidade, com uma balança comercial positiva e a resolução do problema do défice comercial com a Inglaterra.
Construção da modernidade europeia O método experimental e o progresso do conhecimento do Homem e da Natureza
Comparar a atitude dos “aristotélicos” e dos “experimentalistas” perante o conhecimento No século XVII, a atitude perante a ciência dividia-se entre a crença dogmática nos livros dos “Antigos” (sábios greco-romanos e medievais, entre os quais se destacava o grego Aristóteles como autoridade inquestionável) e a procura do saber através da experiência (caso de Blaise Pascal, para quem “todas as ciências que derivam da experiência e do raciocínio devem desenvolver-se para atingirem a perfeição”). Para a nova atitude experimentalista contribuíram: - o espírito critico herdado do período do Renascimento (séculos XV-XVI); - o conhecimento da Natureza proporcionado pelas viagens da Descoberta. No âmbito desta nova mentalidade, os eruditos (sábios) criavam associações onde podiam realizar experiências, debatê-las e difundi-las (por exemplo, a Academia dos Linces, em Roma, de que fez parte Galileu Galilei) e reuniam colecções privadas de livros, maquinismos, plantas e animais.
Avaliar o impacto do método experimental no progresso da ciência Foi Francis Bacon, na sua obra Novum Organon (1620), quem expôs as etapas do método indutivo ou experimental, valorizando a realização de experiências apoiadas num “método seguro e fixo”. Este método compreendia várias etapas: observação, formulação de hipóteses, repetição das experiências, determinação de leis gerais. 16
Este “método de experiência” de Francis Bacon foi reforçado pelo “método da dúvida” defendido por René Descartes na obra O Discurso do Método , a qual estabelecia o primado do pensamento racionalista. A aplicação do método experimental de Bacon e da dúvida metódica de Descartes à ciência marca uma ruptura fundamental a que chamamos “revolução científica”: é a tentativa de apartar a superstição da verdade comprovável, de substituir a credulidade pela investigação.
Salientar os contributos dos principais cientistas dos séculos XVII e XVIII Galileu Galilei, figura central da revolução do conhecimento do século XVII, ousou destronar o pensamento geocêntrico do antigo grego Ptolomeu, confirmando a teoria heliocêntrica de Copérnico. Entre as suas invenções salienta-se o primeiro telescópio com que constatou a existência de crateras e montanhas na Lua, as fases de Vénus e os satélites de Júpiter. Para chegar às suas descobertas (por exemplo, sobre as leis do pêndulo), Galileu percebeu que o Universo era como um livro “escrito na linguagem da matemática”. A Igreja Católica julgou-o, em 1633, e obrigou-o a abjurar as suas descobertas. Newton formulou a hipótese (então) revolucionária de um Universo infinito, sujeito à “lei da gravitação universal”. Seguindo os passos de Galileu, aplicou metodicamente a matemática à pesquisa científica, tendo contribuído para o avanço de áreas como a óptica, a química e a mecânica. William Harvey descobriu a existência da circulação sanguínea, demonstrando os erros dos antigos Galeno e Avicena, ainda em voga no século XVII. Contrariando os preconceitos religiosos que impediam a prática de dissecações do corpo humano, abriu caminho ao desenvolvimento da medicina como prática.
Fundamentar a expressão “revolução científica” A revolução científica consistiu em banir da pesquisa sobre a Natureza toda a forma de superstição e de pensamento dogmático. Para a ciência deixava de haver verdades inquestionáveis, pois todas as descobertas podiam ser alvo de uma revisão. A revolução científica teve como base os seguintes pressupostos:
1. O método experimental; 2. A matemática como linguagem universal; 3. A medicina como prática; 4. O primado do racionalismo. No entanto, é de salientar que esta revolução do conhecimento encontrou numerosas resistências nos países católicos, como se infere da existência de indexes (listas de livros proibidos) e da perseguição pelo Tribunal do Santo Ofício (Inquisição). A Filosofia das Luzes
Explicar a designação “Iluminismo” dada ao pensamento da segunda metade do século XVIII O século XVIII é o século das Luzes ou do Iluminismo. Este conceito evoca, antes de mais, a luz da Razão (inteligência, esclarecimento). O raciocínio humano seria o meio de atingir o progresso em todos os campos (científico, social, político, moral). Por contraposição, os autores identificavam, 17
nesta época, a ignorância com as trevas: Galileu, nomeadamente, refere a importância da linguagem matemática sem a qual “vagueia-se num labirinto, às escuras”.
Esclarecer os pontos-chave do pensamento iluminista A corrente filosófica iluminista acreditava (na esteira do pensamento de John Locke, filósofo do século XVII) na existência de um direito natural – um conjunto de direitos próprios da natureza humana (e, como tal, naturais), nomeadamente: - a igualdade entre todos os homens; - a liberdade de todos os homens (em consequência da igualdade, “nenhum homem tem uma autoridade natural sobre o seu semelhante”, escrevia Jean-Jacques Rousseau; porém, este direito natural não previa a abolição das diferenças sociais); - o direito à posse de bens (tendo em conta que o pensamento iluminista se identifica com os anseios da burguesia em ascensão); - o direito a um julgamento justo; - o direito à liberdade de consciência (a moral era entendida como natural, independente da crença religiosa). O pensamento iluminista defendia, assim, que estes direitos eram universais, isto é, diziam respeito a todos os seres humanos e, por isso, estavam acima das leis de cada Estado. Os Estados deveriam, antes, usar o poder político como meio de assegurar os direitos naturais do Homem e de garantir a sua felicidade. Paralelamente, o Iluminismo pugnava pelo individualismo: cada indivíduo deveria ser valorizado, independentemente dos grupos em que se integrasse.
Avaliar o seu carácter revolucionário Destacavam-se os seguintes pensadores iluministas pela sua perspectiva revolucionária de encarar o homem e a sociedade:
1. Jean-Jacques Rousseau defende a soberania (poder político) do povo. É o povo que, de livre vontade, transfere o seu poder para os governantes mediante um pacto (ou contrato social). Consegue, desta forma, respeitar a vontade da maioria sem perder a sua liberdade. Em troca, os governantes têm de actuar com justiça, sob pena de serem depostos (obra de referência: O Contrato Social ).
2. Montesquieu defende a doutrina da separação dos poderes (legislativo, executivo e judicial) como garantia de liberdade dos cidadãos (obra de referência: O Espírito das Leis ). 3. Voltaire entre outras contribuições importantes para o Iluminismo, advoga a tolerância religiosa e a liberdade da consciência: a religião que criou, o deísmo, rejeita as religiões instituídas, centrando-se na adoração a um Deus bom, justo e poderoso, criador do Universo (obra de referencia: Tratado sobre a Tolerância ). Estas ideias foram aplicadas na prática, nas revoluções liberais, sob a forma de constituições políticas.
Distinguir os meios de difusão do pensamento das Luzes O Iluminismo, apesar da oposição que sofreu na sociedade do seu tempo, foi-se difundido graças a alguns apoios importantes, como sejam: 18
- a admiração que alguns monarcas nutriam por este novos ideais (Frederico II da Prússia, por exemplo, acolheu Voltaire na corte quando este andava exilado); - os salões, espaços privados da aristocracia que se abriam ao debate das novas propostas filosóficas; - os cafés, locais de aceso debate político-cultural e de apresentação de artistas; - a Maçonaria, sociedade secreta com origem na Inglaterra do século XVIII que pugnava pela liberdade política e pelo progresso científico; - o uso da língua francesa - conhecida dos intelectuais europeus – nas obras filosóficas editadas; - a Enciclopédia publicada por Diderot e D’Alembert, que reunia em vários volumes os conhecimentos mais avançados da época sobre a ciência e a técnica e dava voz às propostas iluministas; - os clubes privados, a imprensa e as academias, que faziam eco das novas propostas.
Relacionar o Iluminismo com a desagregação do Antigo Regime e a construção da modernidade europeia As ideias iluministas contribuíram para acabar com o Antigo Regime, pois:
1. a defesa do contrato social transforma o súbdito passivo e obediente em cidadão interventivo; deste modo, e ao contrário do que acontecia no Antigo Regime, “um povo livre (…) tem chefes e não senhores” (Rousseau).
2. a teoria da separação dos poderes acaba com o poder arbitrário exercido no Antigo Regime. 3. a ideia de tolerância religiosa conduz à separação entre a Igreja e o Estado, presente nos regimes liberais. 4. a teoria do direito natural leva a que os iluministas condenem todas as formas de desrespeito pelos direitos humanos (tortura, pena de morte, escravatura…), contribuindo para alterar a legislação sobre a justiça em vários países.
Reconhecer, no despotismo iluminado, a fusão do pensamento iluminista com os princípios do absolutismo régio O despotismo iluminado foi a forma de poder real praticada no século XVIII em várias regiões da Europa, nomeadamente: na Prússia, com Frederico II; na Áustria, com José II; na Rússia, com Catarina II; na Suécia, com Gustavo II; em Portugal, com D. José I. Sob o despotismo iluminado ou esclarecido, o rei tinha poder absoluto (era um déspota), mas justificava a sua autoridade através do pensamento iluminista. O rei, iluminado pela razão e apoiado pelos filósofos iluministas, propunha-se reorganizar o reino para o bem público e o progresso. Este regime permitiu, por um lado, o reforço do poder que os monarcas pretendiam e, por outro lado, a aplicação prática dos princípios iluministas desejada pelos filósofos. 19
Portugal – o projecto pombalino de inspiração iluministas
Integrar as medidas do Marquês de Pombal nos padrões do pensamento setencentista Na lógica do despotismo iluminado do século XVIII, o Marquês de Pombal, enquanto Secretário de Estado do rei D. José I, levou a cabo a reforma do reino em diversas áreas, em todas trabalhando para o reforço do poder régio e o controlo das classes privilegiadas.
1. Instituições de centralização do Poder: - o Erário Régio, que centralizava a recepção das receitas públicas e a sua redistribuição por todas as despesas; - a Intendência-Geral da Polícia, criada no âmbito da reforma judicial que uniformizou a justiça em termos territoriais (submetendo o direito local ao direito nacional) e sociais (retirando à nobreza e ao clero antigos privilégios); - a Real Mesa Censória, o organismo do Estado que retirava a função de censura da alçada da Igreja (subordinando o Tribunal do Santo Ofício à Coroa).
2. Principais episódios da repressão exercida sobre o clero e a nobreza: - o suplício dos Távoras (família da alta nobreza, opositora a Pombal, que foi executada por suspeita – infundada, pelo que se pôde apurar no reinado de D. Maria I - de tentativa de regicídio); - a expulsão da Companhia de Jesus, de Portugal e das suas colónias (pois os jesuítas controlavam a missionação e o ensino).
3. Acção urbanística: a reconstrução da cidade de Lisboa após o sismo de 1 de Novembro de 1755, entregue aos engenheiros Manuel da Maia e Eugénio dos Santos, foi orientada de acordo com o racionalismo iluminista da época. Este ditou as seguintes características: - traçado geométrico; - ruas largas e rectilíneas; - subordinação dos projectos particulares à unidade do conjunto (subordinando toda a sociedade a um mesmo projecto); - sentido prático (evidenciado, por exemplo, no sistema da “gaiola”, anti-sísmico); - valorização da burguesia (transformação do Terreiro do Paço em Praça do Comércio).
4. Reforma do ensino: os estrangeirados (portugueses que, vivendo no estrangeiro, traziam para Portugal as ideias iluministas) foram acolhidos pelo Marquês de Pombal. Ribeiro Sanches, Luís António Verney e Martinho de Mendonça foram alguns dos estrangeirados que mais influenciaram a reforma do ensino. Esta pautou-se pelas seguintes medidas: - criação do Real Colégio dos Nobres (para preparação dos filhos da nobreza de acordo com as novas concepções pedagógicas); - criação da Aula do Comércio para os filhos dos burgueses; - fundação das Escolas Menores, entre elas as de ler, escrever e contar, que eram oficiais e gratuitas; 20
- instituição de várias classes de Latim, Grego, Filosofia, Retórica, para preparação para a Universidade; - reforma da Universidade de Coimbra (preparada pela Junta da Previdência Literária e custeada por um imposto denominado Subsídio Literário), a qual foi dotada de novos estatutos que introduziram as faculdades de Matemática e Filosofia, bem como do suporte de um laboratório de Física, de um jardim botânico e de um observatório astronómico; por seu turno, a faculdade de Medicina adquiriu um carácter mais prático. Este novo ensino era alargado a um conjunto mais vasto da população e aberto às novas ideias da ciência experimental, de acordo com a Filosofia das Luzes; além disso, servia o propósito de preparar uma elite culta, de apoio à governação, colmatando a ausência dos jesuítas.
MÓDULO 5
O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX A Revolução Americana, uma revolução fundadora
Reconhecer a diversidade e a unidade das colónias inglesas da América do Norte No século XVIII, a Inglaterra possuía 13 colónias na costa oriental da América do Norte. Estas colónias estavam unidas: - por uma mesma língua – o inglês; - pela religião – predominantemente protestante; - pela luta contra os índios e Franceses; - pela submissão à coroa britânica (rei Jorge III) e ao Parlamento inglês. Porém, também existiam factores de diversidade: - as colónias do Norte e do Centro tinham como base económica a agricultura complementada pela pesca, criação de gado, comércio e indústria. Eram, também, constituídas por comunidades mais tolerantes; - as colónias do Sul especializaram-se na plantação de tabaco e do algodão assente na exploração de mão-de-obra escrava. Se, por um lado, os factores de união podem ter favorecido a criação, em 1776, de um país novo e independente (os Estados Unidos da América), por outro lado, os factores de diversidade podem ajudar-nos a compreender as hesitações na escolha de um modelo político após a independência: dever-se-ia escolher um governo central forte ou uma federação descentralizada? A formação, ainda que lenta, de uma consciência nacional levaria os Americanos a optar pela existência de um governogeral.
Explicar o conflito económico surgido entre a Inglaterra e as suas colónias da América após 1763 Os principais motivos de descontentamento dos colonos americanos prendiam-se com questões económicas:
1. A Guerra dos Sete Anos, que estendera ao território americano os conflitos entre Franceses e Ingleses, terminou com a vitória inglesa (Tratado de Paris). No entanto, em 21
troca da protecção concedida aos colonos, a Inglaterra sobrecarregou-os com impostos, de maneira a recuperar do esforço de guerra. Entre 1764 e 1767, o Parlamento britânico decretou taxas aduaneiras sobre a importação de certos produtos (papel, vidro, chumbo, melaço, chá) e criou um imposto de selo.
2. A região que os colonos reivindicavam, a oeste, para se expandirem territorial e economicamente, foi considerada propriedade dos índios pelo governo britânico. 3. Os colonos americanos tinham falta de liberdade comercial: só podiam exportar os seus produtos para Inglaterra ou para outras colónias inglesas e só podiam importar mercadorias europeias por intermédio de Londres (teoria do exclusivo comercial).
Mostrar como esse conflito adquiriu um carácter político O conflito económico ganhou contornos políticos quando os colonos americanos tomaram consciência de que, apesar de serem cidadãos britânicos, não estavam representados no Parlamento de Londres. Como tal, não consideravam legais os impostos votados. Os acontecimentos que se seguiram agravaram a controvérsia entre as colónias e a metrópole. Eis as principais etapas do processo de independência americana: - em 1765, realizou-se um congresso em Nova Iorque contra a imposição das leis; - em 1770, face aos protestos, os impostos foram abolidos, à excepção daqueles que diziam respeito ao chá, cujo monopólio de venda era entregue à Companhia das Índias; - em 1773, em Boston, os colonos revoltaram-se contra o imposto sobre o chá, atirando ao mar os carregamentos da Companhia das Índias (Boston Tea Party). O Rei Jorge III reagiu com medidas repressivas; - em 1774, no primeiro congresso de Filadélfia, os colonos ainda tentaram uma solução negocial; porém, nas ruas, organizava-se um movimento revolucionário armado; - em 1775, em Lexington, defrontaram-se em combate as tropas inglesas e os milicianos americanos: este encontro violento marcou o fim da possibilidade de negociação, o que levou Thomas Paine a escrever: “A palavra está nas armas. […] O sangue dos nossos mortos e a própria natureza gritam-nos «abaixo a Inglaterra»; - a 4 de Julho de 1776 (data oficial da independência dos EUA), os delegados de todas as colónias aprovaram a Declaração de Independência no segundo Congresso de Filadélfia.
Justificar o apoio da França à causa da independência das colónias inglesas da América do Norte Apesar da aprovação da Declaração de Independência (redigida por Thomas Jefferson) pelas colónias, os conflitos prosseguiram, sob o comando de George Washington (que viria a ser o primeiro presidente dos EUA). O apoio francês (em armas, soldados, dinheiro e barcos) surgiu em 1778 e justifica-se pela vontade de desforra deste país em relação à derrota na Guerra dos Sete Anos. Foi graças ao apoio da França, da Espanha (aliada da França na Guerra dos Sete Anos) e à acção diplomática na Europa (em especial, por Benjamin Franklin) que a vitória sobre os Ingleses se tornou possível.
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Em 1783, colonos e ingleses assinaram o Tratado de Versalhes, no qual a Inglaterra reconhecia a independência das 13 colónias. Nesse momento os Franceses puderam, também, sentir o sabor da vitória, recuperando alguns dos territórios perdidos em 1763.
Relacionar os princípios contidos na Declaração de Independência de 1776 e na Constituição de 1787 com a aplicação dos ideais iluministas A Declaração de Independência de 1776 justifica a ruptura relativamente à Inglaterra com base nos pressupostos iluministas: - defende o direito à igualdade e à independência como “Lei da Natureza”; - proclama, como direitos “inalienáveis” (isto é, que não se podem retirar nem transmitir a outrem) e concedidos por Deus, “a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade”; - institui a soberania popular com base em “governos, cujo justo poder emana do consentimento dos governados”; - prevê o direito de os povos deporem um governo que não os represente e de “instituir um novo governo”; - rejeita o “despotismo absoluto”. Em 1787, a Constituição definiu o modelo político do novo estado independente: foi instituída a República dos Estados Unidos da América, um conjunto de Estados federados com alguma autonomia mas obedientes a um Estado Central forte. Neste diploma foram aplicados, na prática, pela primeira vez, as ideais iluministas: - a divisão tripartida dos poderes, pensada pelo filósofo iluminista Montesquieu, foi aplicada da seguinte forma: o poder legislativo foi entregue ao Congresso, composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado (que reúnem no edifício do Capitólio, em Washington); o poder
executivo coube ao Presidente dos EUA (residente da Casa Branca, em Washington, desde 1800) e o poder judicial passou a pertencer a um Tribunal Supremo e a tribunais inferiores; - foram consignadas as liberdades e garantias dos cidadãos; - foi consagrada a soberania nacional, nomeadamente pela possibilidade de exercer o direito de voto. Em resumo, a Revolução Americana deu início a uma vaga de revoluções liberais que ocorreram entre os séculos XVIII e XIX e que puseram fim ao sistema de Antigo Regime baseado no absolutismo e na sociedade de ordens. Estes movimentos instituíram a soberania popular, a separação de poderes, a livre iniciativa económica, a tolerância religiosa e a descolonização.
A Revolução Francesa – paradigma das revoluções liberais e burguesas França nas vésperas da Revolução Mostrar o anacronismo das estruturas sociais francesas nas vésperas da Revolução Estamos perante um anacronismo quando, numa determinada época, existem características que deveriam pertencer a outra: era o caso da sociedade francesa do século XVIII, ainda muito ligada às estruturas de Antigo Regime. Persistiam, assim, as seguintes características sociais: 23
- a alta burguesia era superior às ordens tradicionalmente privilegiadas (clero e nobreza) em riqueza e instrução, contudo, não tinha acesso aos altos cargos da administração pública, do exército e da hierarquia religiosa, para os quais se exigia prova de nobreza; - os camponeses, apesar de constituírem a maioria da população (cerca de 80%) continuavam na miséria, pois não eram detentores das terras que trabalhavam e ainda tinham de pagar impostos; - os trabalhadores das cidades recebiam baixos salários; - a nobreza mantinha um estilo de vida ocioso e frívolo; porém, detinha a maior parte da propriedade fundiária, os postos mais importantes e estava isenta do pagamento de impostos; - o clero possuía terras, recebia rendas e a dízima (1/10 de toda a produção agrícola), no entanto, tal como a nobreza, não pagava impostos. Esta situação de profunda injustiça social foi, então, uma das causas das Revolução Francesa.
Analisar a crise económico-financeira Nas vésperas da Revolução, a França era afectada por uma crise económica motivada pelos seguintes factores: - o aumento do preço do pão, em virtude de maus anos agrícolas; - a quebra de produção têxtil, não só devido ao aumento do preço do pão (que limitava a capacidade de aquisição de outros produtos pelas famílias), mas também por causa do Tratado de Eden, de 1786 (que previa a livre-troca do vinho francês pelos têxteis ingleses); - as despesas do Estado com o exército, as obras públicas, a dívida pública e o luxo da corte, que originavam um défice constante, já que o clero e a nobreza não contribuíam para as receitas do Estado (pois não pagavam impostos). Podemos considerar a crise económico-financeira como o segundo factor que conduziu à Revolução.
Explicar o fracasso das tentativas políticas de reforma Perante a crise económico-financeira, o poder político tinha de agir. O rei Luís XVI, monarca absoluto, rodeou-se de ministros para o auxiliarem: Turgot, Necker, Calonne e Brienne propuseram, sucessivamente, reformas no intuito de solucionar a crise. Porém, a conclusão a que chegavam era sempre a mesma: a única maneira de obter mais receitas para o Estado passaria por fazer com que as ordens privilegiadas também pagassem impostos. Ora, o clero e a nobreza, opuseram-se terminantemente às tentativas de redução dos seus privilégios. A própria rainha Marie Antoinette, chamada pelo povo de “Madame Défice” devido às suas despesas com a corte, contribuiu para que os ministros fossem despedidos. Foi num clima de agitação popular e de oposição política das ordens privilegiadas que Luís XVI resolveu convocar os Estados Gerais (reunião dos representantes das diversas ordens sociais), enquanto se elaboravam os Cadernos de Queixas (registo dos anseios da sociedade francesa).
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Da Nação soberana ao triunfo da Revolução burguesa Interpretar a transformação dos Estados Gerais em Assembleia Nacional Constituinte A reunião dos Estados Gerais, em Maio de 1789, iniciou-se, desde logo, com uma questão controversa: a votação das propostas deveria fazer-se por cabeça (cada deputado, um voto) ou por ordem (cada grupo social, um voto)? Se a votação por cabeça ganhasse, os deputados do Terceiro Estado, maioritários, fariam valer as suas propostas; porém, se a votação se fizesse por ordem, as duas ordens privilegiadas (clero e nobreza) poderiam unir-se, dado que tinham interesses convergentes, na defesa do seu estatuto. Perante este impasse e a indecisão de Luís XVI, os deputados do Terceiro Estado (juntamente com alguns deputados do clero e da nobreza que partilhavam as mesmas ideias) reuniram-se à parte, na sala do Jogo da Péla, onde juraram, em Julho de 1789, não se separarem até que tivesse pronta uma Constituição. Devido a este acto revolucionário (conhecido por “Juramento da sala do Jogo da Péla”), os Estado Gerais transformaram-se em Assembleia Nacional Constituinte (uma assembleia destinada a redigir uma Constituição): era o fim do absolutismo e o início da Nação soberana.
Relacionar a abolição dos direitos feudais com a destruição da sociedade de Antigo Regime Entretanto, nas ruas, o povo realizava a sua revolução: a 14 de Julho de 1789, em Paris, a Bastilha (fortaleza para presos políticos do absolutismo) foi destruída pelo povo e pela Guarda Nacional (milícia composta por burgueses). A tomada da Bastilha, ficaria, para sempre, conhecida como símbolo máximo da Revolução Francesa, acontecimento comemorado todos os anos, em França, no dia 14 de Julho. Por toda a França, os camponeses revoltaram-se violentamente contra os senhores das terras e contra os encargos feudais (movimento denominado por “Grande Medo”). Face ao descontentamento popular, a Assembleia Nacional Constituinte produziu, em Agosto de 1789, diplomas legais que aboliam os direitos feudais (como a dízima à Igreja e o trabalho gratuito – corveias – prestado aos nobres) “aclamando o povo” para atingir a “tranquilidade pública”, como dizia, então, o presidente da Assembleia. Ao instaurarem a igualdade de todos perante a lei, nomeadamente o livre acesso aos empregos públicos, estes decretos destruíram a sociedade de ordens, assente nos privilégios da nobreza e do clero. No ano seguinte (1790) a Assembleia aprovou um documento polémico – a Constituição Civil do Clero – que transformava os membros do clero secular em funcionários do Estado, extinguia o clero regular e procurava salvar a economia francesa com os bens confiscados à Igreja, que constituíam a garantia dos novos títulos de papel-moeda (os assinados).
Sublinhar o significado da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Ainda durante a etapa da Assembleia Constituinte (1789-1791), os deputados elaboraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um documento de inspiração iluminista, fundamental, não só para a Revolução Francesa mas também para todos os movimentos revolucionários que esta inspirou. Os aspectos mais importantes da Declaração são: 25
- a proclamação do fim da sociedade de ordens (“Os homens nascem e são livre e iguais em direitos”); - a salvaguarda dos direitos naturais do homem (“A liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”); - a defesa da soberania popular contra o absolutismo (“O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação”); - a protecção dos cidadãos pela lei (“Tudo aquilo que não é proibido pela lei não pode ser impedido […]. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei”); - a tolerância religiosa (“Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas”); - a liberdade de expressão (“Todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente”); - a defesa da burguesia e do direito à propriedade privada (“A propriedade é um direito inviolável e sagrado”). Pela alteração profunda que este documento provocou nas estruturas sociais e políticas de Antigo Regime, podemos relacioná-lo com o início de um novo período histórico: a Época Contemporânea.
Caracterizar a monarquia constitucional Em Setembro de 1791 foi aprovada a Constituição. O rei tinha de obedecer a este documento fundamental, pelo que designamos a nova etapa (1791-92) por monarquia constitucional. Esta caracterizou-se por: - separação de poderes: o poder legislativo era entregue à Assembleia Nacional Legislativa (composta por 745 deputados), o poder executivo pertencia ao rei (que podia vetar as leis durante dois anos: veto suspensivo) e o poder judicial cabia a juízes eleitos e a um Tribunal Superior; - instituição da soberania nacional (é a Nação quem escolhe os governantes, através do voto – sistema representativo); - consagração dos Direitos do Homem e do Cidadão; - manutenção da distinção pela riqueza (o processo de eleição de deputados da Assembleia Legislativa era indirecto e realizado através do sufrágio censitário: apenas os homens mais ricos, que pagavam um imposto – ou censo – igual ou superior a três dias de trabalho, podiam votar; eram estes cidadãos activos quem podia escolher os verdadeiros eleitores, os quais, por sua vez, eram aqueles que tinham riqueza suficiente para pagar um imposto igual ou superior a dez dias de trabalho).
Descrever a passagem da monarquia à república A República foi proclamada em Setembro de 1792. Dois factores, em especial, precipitaram o fim do regime monárquico na França: - a tentativa de fuga do rei, em 1791, com o objectivo de ser acolhido no estrangeiro por um país de regime absoluto, e o seu regresso humilhante a Paris, apenas serviram para acelerar a instituição da República, forma de governo que, até, então, não fora defendida; - a guerra da França, em Abril de 1792, contra os estados absolutistas que queriam restituir o poder a Luís XVI (Áustria, Prússia) agravou os problemas económicos e contribuiu para o radicalismo político: os federados (milícias defensoras da Revolução) acorreram a Paris, assaltaram as Tulherias 26
e o rei foi suspenso pela Assembleia Legislativa em Agosto de 1792, terminando, assim, a monarquia constitucional. O fim da monarquia viria a consumar-se em 1793 quando, após um julgamento de 26 horas, Luís XVI foi condenado à morte na guilhotina (pena aplicada, também, à rainha Marie Antoinette, no mesmo ano).
Relacionar a obra da Convenção com a força do movimento “sans-culotte” e o triunfo dos ideais jacobinos A etapa da Convenção republicana (1792-1795) foi marcada pela divisão entre duas facções políticas: por um lado os Girondinos, por outros os Montanheses (estes últimos liberados por Marat, Danton e Robespierre). Apesar de todos terem ligações ao Clube dos Jacobinos (clube de burgueses revolucionários), os Montanheses eram mais radicais. Eram apoiados pelos chamados sanscoulettes. Estes eram membros das classes populares, artesãos, lojistas e operários que não tinham
rendimentos suficientes para se tornarem cidadãos activos (pois vigorava o sufrágio censitário) mas exprimiam as suas revindicações em clubes, debates e através de petições (propostas aos poderes públicos). Tratavam a todos por tu e vestiam-se de maneira característica. Foi devido à pressão dos sans-coulettes que os Girondinos (e os burgueses, seus apoiantes) foram afastados do poder em 1793 e o rei foi condenado à morte, sentença que Robespierre considerava “uma medida de salvação pública”. Os Montanheses estavam, então, livres para instaurar medidas que agradavam aos sans-coulettes, tais como: - a Lei do Máximo (que fixava preços e salários); - a abolição total do feudalismo; - a instrução gratuita e obrigatória; - a partilha, pelos mendigos, de bens retirados aos “suspeitos” de oposição à Revolução; - as leis de assistência social (por exemplo, abonos de família); - a abolição da escravatura nas colónias (1794).
Explicar o Terror O Terror designa a fase mais radical e violenta da Revolução Francesa, ocorrida em 1793-1794. A Convenção, que desempenhava o poder legislativo, criou um governo centralizado e ditatorial: o poder executivo pertencia a dois Comités – o Comité de Segurança Geral e o Comité de Salvação Pública, cujos membros dependiam da aprovação mensal da Convenção para se manterem em funções. O Comité de Segurança Geral prendia os suspeitos de contra-revolução e entregava-os a um Tribunal Revolucionário. Na verdade, a Lei dos Suspeitos, de 1793, traduziu-se pela legalização da violência: todos podiam ser suspeitos, quer “pelas suas conversas ou escritos”, quer por não possuírem “o certificado de civismo”, por serem “familiares de nobres” ou porque haviam emigrado. Após um julgamento sumário (breve e sem hipótese de defesa, uma vez que nem sequer eram inquiridas testemunhas) as vítimas do Terror eram encarceradas e, na maior parte das vezes, executadas pela guilhotina (inventada em 1789). Uma outra faceta do Terror consistiu na política de descristianização (movimento anti-religioso). O governo revolucionário instituiu um Estado laico (não religioso). As marcas do cristianismo foram 27
apagadas: o poeta Fabre Églantine criou um novo calendário, que situava o ano I na data da proclamação da República pela Convenção (1792) e criava novos nomes para os meses do ano; a hierarquia religiosa era ridicularizada, os padres refractários eram perseguidos, o culto dos santos foi substituído pelo culto aos mártires da revolução (por exemplo, a Marat, herói dos sans-coulettes, assassinado no banho por uma jovem girondina), o casamento religioso passou a acto civil, o divórcio foi autorizado (através da Lei do Casamento e do Divórcio). Para compensar a aniquilação do cristianismo, Robespierre criou um culto ao Ser Supremo, porém, um boa parte da população francesa, fiel à religião católica, afastou-se da revolução. Os confrontos fizeram-se sentir, em 1793, na região da Vendeia, onde monárquicos e católicos tentaram a contra-revolução (sem sucesso).
Justificar o fim da república jacobina A república jacobina teve o seu fim em Julho de 1794 quando Robespierre, responsável por inúmeras condenações à morte foi, ele mesmo, guilhotinado em resultado de uma conspiração da Convenção. O extremismo desta etapa foi responsável pelo seu fracasso.
Avaliar a acção do Directório A etapa do Directório (1795-1799) já foi descrita como a “anti-convenção”, no sentido em que o novo regime se opôs à ditadura de Robespierre e procurou restabelecer a concórdia social. Assim, de acordo com a nova Constituição de 1795: - o poder executivo era entregue a cinco directores (o Directório); - o poder legislativo pertencia a duas assembleias interdependentes – o Conselho dos Anciãos (que propunha as leis) e o Conselho dos Quinhentos (que votava as leis); - o sufrágio censitário indirecto era restabelecido. Em termos sociais, o fim do Terror jacobino e de todas as suas instituições exprimiu-se através de um ambiente de festas e de luxo (apesar dos problemas económicos decorrentes da guerra contra a Europa), bem como da adopção de uma moda extravagante.
Explicar a ascensão de Napoleão Bonaparte O golpe do 18 do Brumário do Ano VIII (09.11.1799), por Napoleão Bonaparte, acabou com o Directório, dando início à etapa do Consulado (1799-1804). Uma nova Constituição (de 1799) entregou o poder a Napoleão, que exercia o cargo de primeiro-cônsul. A obra do Consulado assentou nas seguintes medidas: - centralização administrativa e judicial (os juízes e os funcionários locais eram nomeados pelo governo; o Código Civil de 1804 unificava a França em termos legais); - recuperação financeira (criação do Banco de França, em 1800, e emissão de uma nova moeda - o franco germinal); - reconciliação nacional (fim das perseguições políticas; Concordata com a Santa Sé, em 1801). No entanto, Napoleão não abandonou o cargo de primeiro-cônsul ao fim de dez anos, como estava previsto; conseguiu que a Constituição de 1802 o tornasse cônsul vitalício e, em 1804, foi proclamado Imperador, autocoroando-se na Igreja de Norte-Dame, em Paris. Iniciava-se, então, a etapa do Império Napoleónico (1804-1815). 28
Figura de contornos míticos na história mundial, Napoleão teve um percurso político pautado por vitórias militares (destacando-se as campanhas da Itália, em 1796/97 e do Egipto, em 1798), e derrotas sucessivas (1812-1815), acabando por se retirar da cena política e exilar-se de França.
Sublinhar a consolidação da revolução burguesa A Revolução Francesa começou por ser uma revolta do Terceiro Estado que, nas palavras do contemporâneo Abade Sieyès, queria ser “tudo”. A Bastilha, símbolo da prepotência do regime absolutista, foi tomada pelo povo e por burgueses, as estruturas do Antigo Regime foram desmanteladas, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão exprimia o ideal político burguês. Durante a época da Convenção, o poder passou, efectivamente, para as mãos do povo: os sanscoulettes conseguiram que o sufrágio directo fosse instaurado e a política de condenação de todos os
suspeitos, encarnada por Robespierre, representou a vingança extremada do povo contra os séculos de repressão das ordens privilegiadas. Assim, para defender a revolução, a Convenção impôs o despotismo, o Terror. Seguiu-se-lhe o Directório que, preocupado em impedir uma nova tirania, instituiu a renovação periódica dos cargos e a distribuição dos poderes. Nesse processo, restituiu a chefia da nação aos burgueses. Finalmente, Napoleão Bonaparte, para além de ser considerado um militar brilhante, destacou-se como legislador activo, consolidando os direitos da burguesia, nomeadamente através: - do Código Civil de 1804, que assegurava a protecção à propriedade privada; - da criação dos liceus, em 1802, que permitia preparar os filhos dos burgueses para os cargos do Estado.
A geografia dos movimentos revolucionários na primeira metade do século XIX: as vagas revolucionárias liberais e nacionais A Europa e a Revolução Francesa Reconhecer o papel da Revolução Francesa na expansão das ideias liberais A Revolução Francesa contribuiu para a expansão das ideias liberais na Europa por duas vias: uma, não-intencional, pela aplicação prática, na legislação francesa, das ideias iluministas, numa sucessão de actos revolucionários cujos ecos chegavam ao resto da Europa; outra, intencional, pela guerra iniciada em 1792, que levou à “exportação” dos ideais revolucionários para os territórios conquistados.
Relacionar o Congresso de Viena com a criação de condições favoráveis à eclosão de revoluções liberais e nacionais Em 1815, após a abdicação de Napoleão Bonaparte, o Congresso de Viena estabelecia um novo mapa político da Europa. O novo desenho de fronteiras restituía ou, simplesmente, entregava territórios aos estados absolutistas da Rússia, da Áustria e da Prússia (que constituíam a Santa Aliança), à custa da independência de vários povos. O principal objectivo era impedir o regresso da
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revolução jacobina; porém, os efeitos foram oposto, pois as nações oprimidas e fragmentadas viriam a desencadear, ao longo do século XIX, uma série de revoluções liberais.
As “Revoluções em cadeia” da era pós-napoleónica Distinguir as vagas revolucionárias da era pós-napoleónica Podemos distinguir três vagas de revoluções liberais:
1ª 1820-1824: abrangeu a Espanha, Portugal, Nápoles e a Grécia, bem como as respectivas colónias do continente americano.
2ª 1829-1839: atingiu a França (revolução de 1830 que deu o trono a Luís Filipe de Orleães), a Bélgica (revolta, bem sucedida, contra o domínio da Holanda), a Polónia (revolta fracassada contra o domínio russo), a Itália, a Alemanha, a Espanha e Portugal (período de agitação política e social).
3ª 1848: ocorreu na França (implantação da Segunda República), no Império Austro-Húngaro, na Alemanha e na Itália (revoltas liberais e nacionalistas).
A implantação do Liberalismo em Portugal Antecedentes e conjuntura (1807-1820)
Mostrar a coexistência do Antigo Regime com forças predispostas à inovação no Portugal de inícios de Oitocentos Nos inícios de Oitocentos (século XIX), Portugal era, ainda, um país onde permaneciam vivas as estruturas de Antigo Regime (sistema social, económico e político que vigorou na Europa, aproximadamente, entres os séculos XV e XVIII, correspondendo, cronologicamente, à Idade Moderna). Persistiam, assim, as seguintes características: - uma sociedade de ordens, fortemente hierarquizada, em que prevaleciam os privilégios da nobreza e do clero; - uma economia agrícola, de fraco rendimento, em que os camponeses viviam na dependência dos senhores das terras; - um sistema politico absolutista, submetido à regência do príncipe D. João (futuro rei D. João VI) e à repressão ditada pela Inquisição, pela Real Mesa Censória e pela Intendência-Geral da Polícia. Contudo, simultaneamente, criava-se um clima propício à mudança. As principais forças de inovação eram: - a Maçonaria (organização secreta que defendia valores iluministas); - a burguesia comercial, desejosa de se impor socialmente.
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Explicar a invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas Em 1806, Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio Continental, que proibia as nações europeias de comerciar com a Inglaterra. Portugal, aliado histórico da Inglaterra, desrespeitou o Bloqueio e, em consequência, sofreu três invasões francesas:
1ª liderada pelo general Junot em 1807-1808 (chega até Lisboa); 2ª comandada pelo marechal Soult em 1809 (chega até o Porto, cujo bispo recusa a rendição; a tomada violenta da cidade redunda na fuga da população pela ponte das Barcas, que desabou. Soult retira-se após o envio de reforços de Inglaterra);
3ª chefiada pelo marechal Massena em 1810-1811 (graças às linhas de Torres Vedras, fortificações construídas por iniciativa de Wellington, a passagem do exército de Massena é interceptada, retirando-se em 1811).
Relacionar a conjuntura política, económica e social resultante das Invasões Francesas com a Revolução Liberal de 1820 As invasões francesas podem ser consideradas como uma causa indirecta da Revolução Liberal portuguesa de 1820, na medida em que criaram uma conjuntura propícia à mudança, a vários níveis:
1.
Conjuntura politica: a)
a família real, juntamente com todos os que representavam a monarquia e os súbditos que quisessem acompanhar a viagem em navios privados (cerca de 15000 pessoas, no total), embarcou para o Brasil (1807). A ideia não era nova, pois já em épocas anteriores (por exemplo, aquando da invasão espanhola, em 1580) se havia pensado nessa possibilidade. Porém, a mudança da Corte para o Brasil, apesar de justificada, então, pela necessidade de preservar a independência de Portugal e de evitar a dissolução da dinastia de Bragança, foi entendida, pelos súbditos comuns, como uma verdadeira fuga, contribuindo, assim, para o descrédito da monarquia absoluta.
b)
Na ausência de D. João VI (que apenas regressaria em 1821), Portugal ficou sob o domínio do marechal inglês William Beresford, tornado presidente da Junta Governativa. Beresford organizou a defesa contra os Franceses, controlou a economia e exerceu a repressão contra o Liberalismo nascente. Conquistou o ódio dos militares, que perdiam os postos de comando para os Ingleses, e da generalidade dos Portugueses que o viam como prepotente (tendo-se salientado o episodio da execução do general Gomes Freire de Andrade por envolvimento na conspiração liberal de 1817). A Revolução de 1820 viria a ser desencadeada aproveitando a ausência de Beresford, que se havia deslocado ao Brasil no intuito de solicitar ao rei poderes acrescidos.
c)
A permanência dos Franceses no território português (apesar de serem os invasores malquistos), bem como o exemplo da revolução liberal espanhola de 1820, contribuíram para disseminar as ideias as ideias liberais entre os Portugueses.
2. Conjuntura económica: 31
a)
As invasões francesas, para além de responsáveis pela destruição material à passagem dos soldados, provocaram a desorganização em todos os sectores económicos e o défice financeiro.
b)
A situação do Brasil como sede do reino (em consequência das invasões francesas) valeu-lhe a atenção do regente que, durante a sua estadia, tomou medidas favoráveis à economia brasileira, porem, muito contestadas pela burguesia da metrópole, destacando-se: -em 1808, a abertura dos portos do Brasil, obrigando a burguesia portuguesa a competir com os estrangeiros pelo mercado brasileiro; -em 1810, o tratado de comércio com a Inglaterra, que favorecia a entrada de manufacturas inglesas no Brasil.
3. Conjuntura Social: a) A burguesia, sendo o grupo mais afectado pela crise no comércio e na indústria decorrente das invasões francesas, era também o mais descontente, logo, mais inclinado à preparação da revolta. A tomada de consciência política traduziu-se na constituição do Sinédrio (associação secreta fundada por Manuel Fernandes Tomás, ligada à Maçonaria) que planificou a rebelião.
A Revolução de 1820 e as dificuldades de implantação da ordem liberal (1820-1834) Analisar a acção do Vintismo A 24 de Agosto de 1820, no Porto, saiu vitoriosa a Revolução Liberal portuguesa. Os objectivos da revolução, presentes no “Manifesto aos Portugueses” , de Manuel Fernandes Tomás, eram, essencialmente, três: a convocação das Cortes, a elaboração de uma Constituição e uma governação justa, que recuperasse o país da crise em que se encontrava. Formou-se, então, a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, que governou o país durante quatro meses e organizou eleições para as Cortes Constituintes (Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa). Da reunião das Cortes (1821-1822) resultou a Constituição de 1822, elaborada de acordo com a ala mais radical de deputados. O Vintismo é, assim, identificado com um Liberalismo de tipo radicalista, que vigorou em Portugal através da Constituição, entre 1822 e 1826, muito embora ameaçado por golpes absolutistas desde 1823. A acção do Vintismo caracterizou-se, no essencial, pelas seguintes medidas: - elaboração da Constituição de 1822 e instituição do parlamentarismo; - instituição da liberdade de expressão: a Inquisição acabou, a censura foi abolida (com efeitos importantes sobre a imprensa e o ensino); - eliminação de privilégios do clero e da nobreza: foram abolidos o pagamento da dízima à Igreja e os privilégios de julgamento; a reforma dos forais (1821) libertou os camponeses da prestação de um grande número de direitos senhoriais; a “Lei dos Forais” (1822) reduziu (mas 32
não eliminou) as rendas e pensões que os camponeses tinham de pagar aos senhores das terras.
Reconhecer no processo de independência do Brasil uma das razões do fracasso do Vintismo O Vintismo fracassou por vários motivos:
1. Pela oposição constante das ordens privilegiadas, que não queriam perder os seus direitos. 2. Pelo descontentamento das classes populares, as quais pretendiam uma reforma socioeconómica mais profunda, que anulasse as estruturas de Antigo Regime; ao invés, a actuação vintista defendeu os interesses da burguesia rural em detrimento do pequeno campesinato, pois os deputados das Cortes eram, também, proprietários de terras. A Lei dos Forais, nomeadamente, não surtiu o efeito desejado porque não se aplicava a todas as terras e porque convertia as rendas (habitualmente pagas em géneros) em prestações pagas em dinheiro, sem um critério de conversão uniforme.
3. Pela actuação antibrasileira das Cortes; apesar de o Brasil ter o estatuto de reino desde 1815, toda a actuação das Cortes se orientou no sentido de lhe retirar autonomia e de refrear o progresso económico: - o regresso de D. João VI a Portugal em 1821, onde veio assinar a constituição de 1822, interrompeu a obra de desenvolvimento que este monarca havia iniciado no Brasil (por exemplo, permitindo a criação de indústrias, ordenando a criação de um banco, de uma biblioteca, de um teatro, de uma imprensa local). Ficou no Brasil, como regente, o seu filho Pedro. - as Cortes, compostas por deputados que dependiam do comércio colonial, aprovaram várias leis que tornavam o Brasil directamente dependente de Lisboa (por exemplo, os poderes judicial e militar eram submetidos directamente a Lisboa) e que retiravam a liberdade de comércio à colónia (nomeadamente, só os navios portugueses podiam fazer o comércio do porto em porto em todas as possessões do Império). - o príncipe regente D. Pedro foi chamado a Portugal com o argumento (pouco convincente) de ser educado na Europa. Esta tentativa, por parte das Cortes, de retirar direitos que os colonos sentiam como adquiridos resultou, em 1822, na independência do Brasil proclamada pelo próprio D. Pedro, coroado Imperador do Brasil (foi D. Pedro I do Brasil, entre 1822 e 1831, e D. Pedro IV de Portugal, durante uma semana apenas, em 1826 antes de abdicar do trono português em favor da sua filha). A perda da colónia americana foi um dos factores de fracasso do Vintismo, pois retirou importantes fontes de rendimento a Portugal, o que provocou o descontentamento social. A independência do Brasil só viria a ser reconhecida pela metrópole portuguesa em 1825.
Comparar a Carta Constitucional de 1826 com a Constituição de 1822 A Constituição de 1822 é um diploma arrojado para o seu tempo. Eis as suas principais deliberações:
1. Os direitos dos cidadãos foram assegurados (art.º. 1 – “A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objectivo manter a liberdade, segurança e propriedade de todos os 33
Portugueses”). Porém, a ausência de representação das classes populares nas Cortes (os deputados eram, maioritariamente, magistrados, proprietários e comerciantes) repercutiuse na afirmação do sufrágio não-universal (Título III, Capítulo I, item 33 – “Na eleição dos deputados têm voto os portugueses que estiverem no exercício dos direitos de cidadão […]. Da presente disposição se exceptuam […]).
2. O poder real foi limitado: o rei, a quem cabia o poder executivo, tinha direito de veto suspensivo sobre as Cortes, isto é, podia remeter uma lei já aprovada às Cortes Legislativas, mas teria de acatar o resultado dessa segunda votação. Assim, o absolutismo foi abolido, pois a soberania residia nas Cortes e não no rei (Título II, item 36 – “A soberania reside essencialmente em a Nação”).
3. A sociedade de ordens foi abolida, pois não se reconheciam quaisquer privilégios à nobreza e ao clero (Título I – item 9 – “A Lei é igual para todos”). Esta determinação motivou, aliás, a oposição cerrada das ordens privilegiadas ao radicalismo vintista.
4. A responsabilidade de elaboração das leis foi entregue a uma Câmara única (Cortes Legislativas), o que retirava às ordens superiores a possibilidade de terem um órgão de representação próprio (Título III, Capítulo V, item 105 – “A iniciativa directa das leis somente compete aos representantes da Nação juntos em Cortes.”).
5. A religião católica era aceite como religião oficial dos Portugueses. A Carta Constitucional de 1826, ao contrário da Constituição de 1822, é um documento tipo moderado. A Carta foi outorgada por D. Pedro, após a morte do pai, D. João VI, em 1826 (“Faço saber a todos os meus súbditos portugueses que sou servido decretar, dar e mandar jurar imediatamente pelas três Ordens do Estado a Carta Constitucional […]. “ Procurava conciliar o Antigo Regime e o liberalismo, através das seguintes medidas:
1. O poder real foi ampliado: graças ao poder moderador de que passa a usufruir (Título V, art.º 71 – 2º poder moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao rei […]”), o monarca podia nomear os Pares, convocar as Cortes e dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir o governo, vetar a título definitivo as resoluções das Cortes (Título III, art.º 59 – “O rei dará, ou negará, a sanção em cada decreto […]”) e suspender os magistrados.
2. Os privilégios da nobreza foram recuperados (Título VIII, art.º 45, item 31 – “Garante a nobreza hereditária e suas regalias.”). 3. As Cortes Legislativas passaram a ser compostas por duas Câmaras: a Câmara dos Deputados, eleita por sufrágio indirecto e censitário, e a Câmara dos Pares, reservada a elementos das ordens superiores nomeados a título vitalício e hereditário (Título III, art.º 14 – “As Cortes compõem-se de duas Câmaras […]”.
4. A liberdade religiosa não era admitida. 5. Os direitos do indivíduo só aparecem no fim do documento (Título VIII, art.º 45.º - “[…] a liberdade, a segurança individual e a propriedade […]” e o sufrágio era censitário e indirecto. A Carta Constitucional teve três períodos diferentes de vigência: 34
1º - entre 1826 e 1828. 2º - entre 1834 e 1836. 3º - entre 1842 e 1910 (embora sujeita a alterações desde 1851). Relacionar a guerra civil de 1832-34 com a resistência ao Liberalismo O Liberalismo português sofreu várias ameaças: - as primeiras reacções absolutistas lideradas pelo infante D. Miguel foram apoiadas pela sua mãe, a rainha D. Carlota Joaquina, pela nobreza e pelo clero. Beneficiando de uma conjuntura externa favorável ao retorno das monarquias absolutas, D. Miguel pôs em prática dois movimentos militares: a Vilafrancada, em 1823 e a Abrilada, em 1824. Apesar de fracassados (D. Miguel é exilado em Viena de Áustria) puseram termo ao projecto progressista do Vintismo. D. João VI remodelou o governo, que passou a integrar liberais moderados, e muitos dos liberais (ou “malhados”, como lhes chamavam os partidários de D. Miguel) fugiram do país; - em 1828, Portugal tornou-se, de novo, um país absolutista. Perante o problema da sucessão ao trono após a morte de D. João VI, D. Pedro, então imperador do Brasil, confirmou a regência de Portugal pela sua irmã, a infanta D. Isabel Maria e abdicou dos seus direitos à Coroa em favor da filha D. Maria da Glória (rainha D. Maria II). Porém, como a sua filha tinha apenas sete anos, ficaria como regente D. Miguel, o qual casaria com a sobrinha e juraria a Carta Constitucional. O casamento não se chegaria a realizar pois D. Miguel, após ter regressado do exílio, convocou Cortes onde se fez aclamar rei absoluto. Assim, entre 1828 e 1834, Portugal viveu sob o regime absolutista, o que conduziu à fuga de um grande número de liberais; - entre 1832 e 1834 desenrolou-se a guerra civil entre os liberais (chefiados por D. Pedro desde 1831) e os absolutistas (liderados por D. Miguel). A implantação definitiva do Liberalismo revelou-se muito difícil, pois D. Pedro apenas dispunha de um pequeno exercito (de cerca de 7500 homens). Foi a partir da ilha Terceira dos Açores (que já se havia insurgido militarmente contra o absolutismo em 1828 e em 1829) que D. Pedro organizou a resistência. Em 1832 desembarcou em Pampelido (Mindelo), dirigindo-se para a cidade do Porto, onde foi cercado, durante dois anos, pelas forças absolutistas (Cerco do Porto). A vitória liberal só aconteceu em 1834, e foi selada pela convenção de Évora-Monte. D. Pedro morreu, pouco tempo depois, de tuberculose, enquanto o seu irmão D. Miguel foi exilado para o resto da sua vida. D. Maria II, rainha desde os sete anos de idade, só então, com quinze anos, pôde sentar-se no trono português.
O novo ordenamento político e socioeconómico (1832/34 – 1851) Analisar o papel da legislação de Mouzinho da Silveira e outros na liquidação do Antigo Regime José Xavier Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda (finanças) e da Justiça durante a regência de D. Pedro (1832-1833), promulgou decretos fundamentais para a consolidação do Liberalismo, atacando as estruturas de Antigo Regime: - na agricultura, aboliu os dízimos, os morgadios e os forais, libertando os camponeses das dependências tradicionais; 35
- no comércio, extinguiu as portagens internas e reduziu os impostos sobre a exportação, de maneira a retirar os entraves à actividade comercial; - na indústria, acabou com os monopólios, nomeadamente o da Companhia das Vinhas do Alto Douro; - na administração, dividiu o país em províncias, comarcas e concelhos; também instituiu o Registo Civil para todos os recém-nascidos, retirando a questão do nascimento da alçada da Igreja; - na justiça, organizou o país segundo uma hierarquia de circunscrições (divisões territoriais), submetendo todos os cidadãos à mesma lei; - nas finanças, criou um sistema de tributação nacional, eliminando a tributação local que revertia, em grande parte, a favor do clero e da nobreza; substituiu o Erário Régio (criado pelo Marquês de Pombal) pelo Tribunal do Tesouro Público para controlar a arrecadação de impostos; - na cultura, mandou abrir aulas e instituiu a Biblioteca Pública do Porto. Ferreira Borges desempenhou, igualmente, um papel importante na liquidação do Antigo Regime em Portugal, ao elaborar o Código Comercial de 1833, onde se aplicava o princípio fundamental do liberalismo económico: o livre-câmbio, ou seja, a livre circulação de produtos (por oposição ao proteccionismo), através da abolição de monopólios e de privilégios, bem como da eliminação do pagamento de portagens e de sisas. Joaquim António de Aguiar, ministro da Justiça, mereceu o epíteto de “mata-frades” pela sua intervenção legislativa (1834-1835) contra os privilégios do clero, em particular do clero regular, identificado com o projecto miguelista: - aboliu o clero regular, através do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas que acabava com “todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as Ordens Regulares” masculinas; as ordens religiosas femininas eram, indirectamente, aniquiladas por meio da extinção dos noviciados (preparação para o ingresso numa ordem religiosa); - os bens das ordens religiosas foram confiscados e nacionalizados; - em 1834-1835, esses bens, juntamente com os bens da Coroa, das Rainhas e do Infantado, foram vendidos em hasta pública – beneficiando a alta burguesia – e o produto da venda foi utilizado, pelo ministro da Fazenda (Silva Carvalho), para pagar dívidas do Estado.
Caracterizar o Setembrismo O reinado de D. Maria II (1826-1853) correspondeu a um período conturbado da história política portuguesa de Oitocentos. Começou a reinar, efectivamente, em 1834, sob a vigência da Carta Constitucional redigida pelo seu pai, D. Pedro (1834-1836: etapa designada por Cartismo). Porém, em Setembro de 1836, uma revolução de carácter civil obrigou a rainha a revogar a Carta e a jurar a Constituição de 1822. O Setembrismo (1836-1842) foi um projecto político da pequena e média burguesias, com o apoio das camadas populares (contra o predomínio da alta burguesia, que havia sido favorecida pela Cartismo). Os mentores do Setembrismo, que integravam o novo governo, eram Sá da Bandeira e Passos Manuel. A política setembrista, apoiada na nova Constituição de 1838 caracterizou-se, essencialmente, pelas seguintes medidas: 36
- o rei (neste caso a rainha) perdeu o poder moderador (embora mantivesse o direito de veto definitivo sobre as leis saídas das Cortes); - a soberania da Nação foi reforçada; - adoptou-se o proteccionismo económico, sobrecarregando com impostos as importações, de modo a tornar mais competitivos os produtos industriais nacionais (sem grande sucesso); - investiram-se capitais em África, como alternativa à perda do mercado brasileiro; - reformou-se o ensino primário, secundário e superior, com destaque para a criação dos liceus, por Passos Manuel, onde os filhos da burguesia se preparavam para o ensino superior o que lhes permitiria exercer cargos de relevo; - as taxas fiscais aplicadas aos pequenos agricultores não foram abolidas, o que contribuiu para o fracasso económico do Setembrismo.
Mostrar que o Cabralismo se identificava com o projecto cartista da alta burguesia Entre 1842 e 1851, vigorou a ditadura de António Bernardo da Costa Cabral. O país enveredou, novamente, pela via mais conservadora: enquanto o Setembrismo se inspirava na Constituição de 1822, o Cabralismo repôs em vigor a Carta Constitucional de 1826, identificando-se, assim, com o período do Cartismo (1834-1836). Tal como aconteceu com o Cartismo, as medidas tomadas durante o período do Cabralismo favoreceram, em primeiro lugar, a alta burguesia. Destacam-se, nomeadamente: - o fomento industrial (fundação da Companhia Nacional dos Tabacos, difusão da energia a vapor); - o desenvolvimento de obras públicas (criação da Companhia das Obras Públicas de Portugal para a construção e reparação das estradas; construção da ponte pênsil sobre o rio Douro); - a reforma fiscal e administrativa (publicação do Código Administrativo de 1842, criação do Tribunal de Contas para a fiscalização das receitas e despesas do Estado). No entanto, as Leis da Saúde Pública, em especial a proibição do enterramento dentro das igrejas, a par do descontentamento com o acréscimo de burocracia e com o autoritarismo de Costa Cabral, despoletaram duas movimentações de cariz popular – a revolta da “Maria da Fonte” e a “Patuleia” – que se transformaram em guerra civil (1846/47) e acabaram por conduzir a queda de Costa Cabral, em 1847. Este regressaria ao poder em 1849, sendo afastado definitivamente em 1851, pelo golpe do marechal-duque de Saldanha. Depois de uma primeira metade de século extremamente agitada, nos últimos 50 anos de Oitocentos, Portugal iria gozar a paz e o progresso material do período da Regeneração.
O legado do Liberalismo na primeira metade do século XIX Uma ideologia centrada na defesa dos direitos do individuo Interpretar o conceito de Liberalismo O Liberalismo é uma forma de organização social, política e económica que vigorou na Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX. 37
A nível político, o Liberalismo defende a representatividade popular, contra o regime absolutista; a nível económico, é a favor da liberdade de iniciativa privada, contra o intervencionismo do Estado; a nível social, coloca a burguesia no topo da escala social, contra os privilégios da nobreza e do clero. A implantação do Liberalismo correspondeu à queda do Antigo Regime e influenciou, de forma marcante, grande parte dos regimes actuais.
Mostrar que o Liberalismo defende os direitos individuais O Liberalismo defende os direitos individuais porque considera que esses direitos são naturais, isto é, derivam da própria condição do ser humano e, como tal, nascem com o indivíduo. São eles:
1.
O direito à liberdade (que dá o nome ao Liberalismo): é o direito mais abrangente, pois engloba todos os outros direitos – podemos referir, nomeadamente, a liberdade de seguir apenas a lei, rejeitando qualquer autoridade arbitrária, a liberdade de expressão, a liberdade de exercer uma profissão, de possuir bens, de reunião, a liberdade religiosa, a liberdade de participar na vida política.
2.
O direito à igualdade: todos os cidadãos passavam a ser considerados iguais perante a lei; porém, nas formas de liberalismo moderado eram aceites e, até fomentadas as distinções sociais, nomeadamente com base na riqueza. A questão dos direitos à liberdade e à igualdade levantou, em vários países, a polémica sobre a permanência da escravatura, considerada contraditória com os direitos naturais; nos EUA, nomeadamente, a escravatura esteve na base da guerra civil entre o Norte liberal e o Sul esclavagista, entre 1861 e 1865.
3.
O direito à segurança e à propriedade: a importância concedida à posse de bens explicase pela preponderância da burguesia (grupo social que baseou a sua ascensão social nos lucros do comércio e na aquisição de propriedades). Defendia-se, abertamente, que as assembleias representativas deveriam ser compostas por proprietários, os únicos que seriam capazes de representar os interesses dos seus eleitores (também eles, proprietários) e de manter a ordem e a segurança necessárias à preservação dos bens. A defesa do direito à propriedade explica porque é que, na maioria dos países que adoptaram o Liberalismo, só podia escolher os seus representantes quem atingisse um determinado patamar de rendimentos – sufrágio censitário – apesar de este tipo de sufrágio introduzir um factor evidente de desigualdade entre os cidadãos. Os mais ricos eram também, na opinião dos liberais, os mais instruídos e, portanto, os mais capazes de votar.
4.
O direito de intervir na governação: o súbdito do Antigo Regime é substituído pelo cidadão do Liberalismo, indivíduo que é convidado a participar na vida politica de múltiplas maneiras – como eleitos e detentor de cargos (se tivesse os meios económicos de se tornar cidadão activo), mas também participando nos diversos clubes (por exemplo, no Clube dos Jacobinos, em França), assistindo às assembleias legislativas, onde intervinha na discussão, escrevendo para jornais ou apresentando petições (reivindicações escritas). Basta lembrar a importância dos sans-coulettes na etapa da Convenção da Revolução 38
Francesa para nos apercebermos de como os cidadãos ditos “passivos” podiam influenciar de forma determinante o rumo da governação. Pela sua importância, estes direitos apareceram consignados nos diplomas fundamentais do Liberalismo: - a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) apresenta como justificação para romper os laços políticos com a Inglaterra os “Direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade”; - a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) tem como objectivo assegurar “os benefícios da liberdade”; - a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) refere, no seu artigo 1.º, que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos” e, no artigo 2.º que os direitos naturais do homem “são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”; - a Carta Constitucional de 1814 esclarece, no Artigo 1.º, que “Os Franceses são iguais perante a lei [..]”, embora apresente, seguidamente, todas as nuances a esse direito características de um liberalismo moderado (bicameralismo, sufrágio censitário, autoridade real reforçada, liberdade de expressão e de religião relativizadas); - a primeira Constituição Portuguesa (1822) explicita, logo no seu artigo 1.º, que “tem por objectivo manter a liberdade, a segurança e a propriedade de todos os Portugueses”; - a Carta Constitucional portuguesa (1826), partidária de um liberalismo mais moderado, remete a enunciação dos direitos para o fim do diploma constitucional, referindo, no artigo 45.º que “A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do Reino”.
Sublinhar os fundamentos do liberalismo político, a saber: constitucionalismo; separação de poderes; soberania da Nação, representada em assembleias Em todos os países onde o Liberalismo se afirmou, foi necessário criar os mecanismos legais para impedir o retorno ao Absolutismo. Deste modo, os princípios liberais eram salvaguardados pelas seguintes medidas: - elaboração de um documento onde eram explicitados os direitos e os deveres dos cidadãos e o funcionamento do Estado: esse documento podia ser chamado Constituição, quando era elaborado e votado pelos representantes do povo (deputados) ou Carta Constitucional, quando era outorgado por um monarca, nos regimes liberais mais conservadores; - separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, entregues a diferentes representantes de forma a que um déspota não pudesse concentrar em si todos os poderes. Habitualmente, o poder executivo pertencia ao rei (pois o Liberalismo não significou o fim das monarquias) e aos ministros do Governo, enquanto o poder legislativo pertencia a assembleias eleitas pelos cidadãos e o poder judicial cabia a juízes eleitos; - direito dos cidadãos da Nação a fazerem-se representar em assembleias (soberania nacional). As assembleias, que elaboravam as leis, podiam assumir a forma de uma Câmara única que representava os cidadãos (nos regimes liberais mais progressistas) ou de um sistema bicameral 39
(no Liberalismo moderado ou conservador) em que ainda se permitia que os representantes das ordens sociais superiores – clero, nobreza – se reunissem à parte, depois de nomeados pelo rei. A soberania nacional não deve de ser confundida com a soberania popular, característica dos regimes democráticos pois, devido às restrições impostas ao direito de voto com base na fortuna (sufrágio censitário), a população não era representada na sua globalidade. Um dos aspectos mais polémicos da implantação do Liberalismo foi a questão religiosa. A defesa dos direitos individuais dos cidadãos previa o direito à liberdade religiosa; porém, na maior parte dos países que adoptaram o Liberalismo, as estruturas da Igreja católica foram declaradamente atacadas por serem consideradas coniventes com o regime absolutista deposto. Em França, por exemplo, subordinou-se o clero ao Estado através da Constituição Civil do Clero, procedeu-se a uma campanha de descristianização e à promulgação da Lei do Casamento e do Divórcio que substituía o sacramento do matrimónio por um contrato civil, passível de dissolução. A laicização do Estado (emancipação do Estado da influência religiosa) passou, também, pelas seguintes medidas: - instituição do registo civil para os nascimentos, casamentos e óbitos, substituindo os registos paroquiais; - criação de escolas e hospitais públicos; - expropriação e nacionalização dos bens das ordens religiosas, muitas das vezes extintas. Devido à secularização (sujeição às leis civis) das instituições, o clero viu perder, num curto espaço de tempo, os privilégios de que havia beneficiado desde a Idade Média; o anticlericalismo chocou uma parte da sociedade civil, a qual chegou mesmo, por vezes, a identificar-se, de novo, com o Absolutismo – foi o que aconteceu em França, na revolta da Vendeia, ou em Portugal, na adesão popular a D. Miguel.
Caracterizar o liberalismo económico Ao contrário daquilo que defendia o mercantilismo, o liberalismo económico opunha-se à intervenção do Estado na economia. De acordo com o valor iluminista do individualismo, devia dar-se total liberdade à iniciativa privada, pois a procura individual do lucro resultaria, naturalmente, na riqueza e progresso de toda a sociedade. Destacaram-se vários pensadores na formulação dos princípios do liberalismo económico: - Adam Smith defende a inteira liberdade de iniciativa dos indivíduos para produzir e comerciar; o Estado não precisa de se imiscuir na economia pois esta rege-se por leis próprias, em particular a lei da oferta e da procura e a livre concorrência; - Quesnay advoga o fisiocratismo, doutrina económica segundo a qual a base da riqueza de cada país está na agricultura, pelo que se deve incentivar todos os cidadãos a serem agricultores e a comercializarem, em regime de livre concorrência, os seus produtos agrícolas; o fisiocratismo serviu de base ideológica à revolução agrícola inglesa do século XVIII; - Gournay exprimiu o ideal de livre concorrência na famosa expressão “laissez faire, laissez passer” (“deixai produzir, deixai comercializar”).
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Identificar as características do Romantismo No final do século XVIII e durante o século XIX, percorreu a Europa uma corrente estética com origem na Alemanha: o Romantismo. As principais características deste movimento cultural devem ser enquadradas no seu contexto histórico: - culto do eu: num tempo marcado por revoluções constantes, quer a nível político (revoluções liberais), quer a nível económico (revolução industrial), torna-se compreensível que uma das características mais importantes do Romantismo seja a recusa do racionalismo e da harmonia: o indivíduo centra-se nas suas sensações subjectivas, deixa que os sentimentos o dominem e procura paisagens dramáticas em consonância com o seu estado de espírito instável. O herói romântico experimenta, assim, uma insatisfação inexplicável – o “mal do século”; - exaltação da liberdade – o Romantismo exprimiu, na arte, o desejo de liberdade social e política enquanto, na prática, se envolvia nas lutas políticas e sociais da sua época. Várias figuras do Romantismo, nacionais e estrangeiras, combateram, na arte e na vida, pela liberdade dos povos. O Romantismo tornou-se, assim, sustentáculo do Liberalismo, o que levava Victor Hugo a afirmar: “O Romantismo […] é afinal de contas […] o Liberalismo em literatura”.
Relacionar o nacionalismo romântico com o interesse pela Idade Média A preocupação romântica em defender as minorias étnicas da sujeição aos estados autoritários (defesa do princípio das nacionalidades) e o apoio dos românticos aos movimentos de unificação nacional (quer a Itália, quer a Alemanha apenas se tornaram estados unificados no século XIX) alicerçaram-se no interesse pela Idade Média: nesse período histórico os românticos encontraram a origem das nações da Europa Ocidental. O Romantismo recuperou, da Idade Média, as tradições, a arte gótica, a literatura, em suma, tudo o que pudesse legitimar o seu desejo de liberdade através da busca das “origens”. Além do mais, os românticos identificavam a Idade Média com a sua própria sensibilidade, encarando-a como um período apaixonante e de profundo dramatismo.
Distinguir os princípios estéticos do Romantismo nas artes plásticas, na literatura e na música Desde o final do século XVIII, a literatura registou uma assinalável democratização graças ao avanço da técnica industrial, que tornou a impressão dos livros e jornais mais barata. As obras literárias românticas difundiram-se, assim, a um corpo de leitores mais alargado, que acompanhava com entusiasmo o novo estilo, baseado nos seguintes pressupostos: - reacção ao classicismo; - valorização do sujeito e das suas intuições; - busca do pitoresco e do exótico; - produção de romances com base em factos históricos, sobretudo medievais (por exemplo, os romances de Walter Scott e de Victor Hugo); - poesia emotiva (por exemplo, com Goethe e o movimento Sturm und Drang – “Tempestade e Paixão”); - culto das emoções externas; - culto das literaturas nacionais; 41
Nas artes plásticas, o Romantismo operou, também, uma revolução assinalável em relação aos paradigmas do racionalismo neoclássico: - captação de atmosferas através da cor e da luminosidade (por exemplo, na pintura de William Turner); - valorização da expressividade e do movimento (por exemplo, nas telas de Delacroix); - inspiração na Natureza; - nostalgia de um mundo desaparecido (Oriente, Idade Média). Na música, o Romantismo é emoção pura, caracterizando-se por: - apuramento da melodia; - desenvolvimento da sinfonia (destacando-se as sinfonias de Beethoven); - virtuosismo instrumental (como o demonstram as obras para violino de Paganini ou para piano, de Chopin); - inspiração na poesia (por exemplo, em Schubert); - revivalismo do folclore musical (nomeadamente, com Grieg e Sibelius); - afirmação da ópera (graças aos exemplos incontornáveis de Puccini, Verdi e Wagner).
Exemplificar manifestações literárias e artísticas do Romantismo em Portugal Embora com atraso cronológico (segundo quartel do século XIX), o Romantismo português acompanha de perto as características gerais do movimento romântico europeu: a par da idealização das personagens, as obras românticas integram, geralmente, a ideia de um destino fatal (a morte é, muitas vezes, a solução para o conflito), a salvação pela religião, a valorização do pitoresco e das raízes medievais. Tal como acontece no resto da Europa, o escritor romântico compromete-se com a ideologia política do Liberalismo. São exemplos marcantes do movimento literário romântico em Portugal:
Almeida Garrett: - é, geralmente, considerado o introdutor do Romantismo em Portugal (com os poemas Camões e D. Branca); - renovou o teatro português, como testemunha a obra dramática Frei Luís de Sousa; - aplicou-se na pesquisa das raízes populares da literatura nacional (de que resultaram o Cancioneiro e o Romanceiro); - inspirou-se na História, que fez reviver nos seus escritos (por exemplo, nas Viagens na Minha Terra e n’ O Arco de Sant’Ana); - abraçou a ideologia liberal, o que lhe valeu o exílio na Inglaterra e na França.
Alexandre Herculano: - marcou a historiografia nacional com a sua Historia de Portugal; - inspirou-se na Idade Média para os seus romances históricos (por exemplo, em Eurico, o Presbítero); - tal como Almeida Garrett, esteve exilado em França e desembarcou juntamente com D. Pedro IV e os liberais na praia de Pampelido.
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Camilo Castelo Branco: - o Romantismo literário encontrou-se com o dramatismo na vida real (Camilo experimentou o encarceramento, no Porto, devido à sua relação adúltera com Ana Plácido); - conduziu ao clímax o espírito romântico na sua obra Amor de Perdição. O Romantismo, movimento que exacerbava o fervor dramático, continuou a cultivar-se a par de uma nova corrente que a ele se opunha: o Realismo, movimento que desponta, em Portugal, no último quartel do século XIX. Na arquitectura, o Romantismo evidenciou-se na mistura de vários estilos como o manuelino, o gótico e os elementos exóticos árabes e indianos; este eclectismo teve um resultado feliz na construção do Palácio da Pena, em Sintra, ou da Estação do Rossio, em Lisboa. Na escultura destacaram-se de um panorama algo pobre Soares dos Reis (é famosa a sua obra O Desterrado) e o seu discípulo António Teixeira Lopes. Na pintura, devem salientar-se as obras de Domingos António Sequeira, Tomás da Anunciação, Francisco Pereira Meneses e Francisco Metrass.
MÓDULO 6
A Civilização industrial – economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas As transformações económicas na Europa e no Mundo Situar, no tempo e no espaço, a expansão da Revolução Industrial A expansão da Revolução Industrial, também designada por segunda revolução industrial, aconteceu na segunda metade do século XIX, na Europa, nos EUA e no Japão. No entanto, é necessário atender aos diferentes ritmos de industrialização de cada região ou país.
Justificar a ligação entre a ciência e a técnica A ciência e a técnica influenciaram-se mutuamente. Por um lado, os conhecimentos teóricos (a ciência) permitiram a criação de novos inventos (desenvolvimento técnico), pois as empresas criaram laboratórios e convidaram engenheiros para trabalhar, em equipa, nas novas descobertas. Foi o caso das indústrias de corantes sintéticos, que investiram grandes quantias em pesquisa laboratorial e obtiveram lucros ainda maiores da aplicação prática das pesquisas. Por outro lado, a indústria (técnica), ao criar produtos e máquinas cada vez mais complexos, exigiu da ciência uma constante pesquisa (progresso cientifico). Desta interacção entre a ciência e a técnica resultou uma série de inovações que se foram acumulando (em quantidade) e sobrepondo (em qualidade) – (progressos cumulativos).
Caracterizar a segunda revolução industrial Em sentido restrito, a segunda revolução industrial corresponde a um conjunto de transformações rápidas que beneficiaram o sector industrial, de que se destacam as novas fontes de energia
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(petróleo e electricidade), novos sectores de ponta (siderurgia, química) e novos inventos (por exemplo, o motor de explosão e a lâmpada). Num sentido mais amplo, a segunda revolução industrial ultrapassa os aspectos técnico e produtivo para abranger a expansão do capitalismo industrial com consequências ao nível de toda a vida em sociedade.
Referir os principais progressos técnicos Relembremos: o século XVIII (primeira revolução industrial) foi marcado pela revolução industrial do ferro, graças aos seguintes progressos:
1. A utilização do carvão de coque (obtido a partir de carvão mineral) como combustível. 2. O aperfeiçoamento dos foles. 3. A técnica da pudelagem (que permitia transformar o ferro de primeira fundição, não purificado, em ferro ou em aço). Já a segunda metade do século XIX (segunda revolução industrial) é o período de afirmação do aço:
1.
Em 1856, Bessemer inventou um conversor que transformava o ferro em aço segundo um processo muito mais rápido que o da pudelagem.
2.
Em 1867, o processo Siemens-Martin recuperava ferragens, permitindo produzir grandes quantidades de aço.
3.
Em 1878, o método de Thomas e Gilchrist permitia eliminar o fósforo, aproveitando maiores quantidades de minério.
A partir de 1880, o aço, mais moldável e resistente, substitui o ferro na construção de máquinas para a indústria, de meios e vias de transporte e na construção civil, conferindo à siderurgia o papel de sector de ponta da segunda revolução industrial. Outro sector que registou um grande avanço foi o da indústria química:
1.
Os corantes artificiais foram utilizados na indústria têxtil graças aos trabalhos de Perkin, em 1856.
2.
Criaram-se novos medicamentos, por exemplo, a aspirina, criada pela empresa Bayer, em 1899.
3. 4.
Os insecticidas e os fertilizantes foram produtos de sucesso deste ramo da indústria. O processo de vulcanização da borracha (Goodyear, 1884) deu origem à indústria de pneus para automóveis e bicicletas.
Enquanto a primeira revolução industrial é indissociável da energia a vapor, alimentada pela hulha (carvão mineral), a segunda revolução industrial introduziu novas fontes de energia que produziram uma ruptura tecnológica: o petróleo e a electricidade. A indústria petroquímica (relativa aos derivados do petróleo) beneficiou dos seguintes progressos técnicos:
1. 1859: exploração do primeiro poço de petróleo (Pensilvânia, EUA). 2. 1886: invenção do motor de explosão (por Daimler) que funcionava a petróleo; 3. 1897: invenção do motor movido a óleo pesado (gás oil). 44
Na mesma época, a energia eléctrica foi aplicada a uma serie de progressos técnicos que deslumbraram os seus contemporâneos:
1. A lâmpada eléctrica (grande invento de Edison) substituiu a iluminação a gás nas ruas e casas, com franca vantagem: ao contrário do sistema anterior, a lâmpada não libertava calor, não sofria explosões nem intermitências e o consumo era de fácil contagem;
2. A electricidade, aplicada aos mais diversos maquinismos, revolucionou a vida do cidadão comum. Surgiram, nomeadamente: - o comboio eléctrico (criado por Siemens em 1879, embora continuassem plenamente activos os comboios a vapor); - o telefone (invenção de Bell, em 1876); - o cinema (com origem no cinematógrafo de Lumière, em 1895); - a radiofonia (fruto da aplicação da teoria das ondas hertzianas, em 1887); - os metropolitanos e os carros eléctricos. Nos transportes, registaram-se os seguintes progressos:
1. A aplicação da energia a vapor ao comboio (por Stephenson que, em 1830, inaugurou a linha Liverpool - Manchester) e ao navio (a partir de 1860) ditou uma nova era nos transportes, facilitando a circulação das matérias-primas, dos produtos industriais e das pessoas.
2. A utilização do motor de explosão nos automóveis e aviões alterou, para sempre, as noções de distância. 3. A bicicleta tornou-se, não só, um meio de transporte bem acolhido por todas as classes sociais, mas também uma modalidade desportiva de grande êxito. Justificar a concentração monopolista A partir de cerca de 1870, a pequena oficina cede lugar à empresa concentrada, ou seja, a produção é realizada em grandes fábricas (concentração geográfica) que reúnem avultados capitais por acções (concentração financeira), onde trabalham numerosos operários (concentração da mãode-obra) os quais vigiam numerosas máquinas (concentração técnica). Este gigantismo explica-se, por um lado, pela própria natureza de alguns sectores económicos (como, por exemplo, o da siderurgia) que exigiam máquinas volumosas e um grande número de operários e, por outro lado, por imperativos económicos que tornavam mais rentável a grande fábrica, abolindo, assim, a concorrência das pequenas empresas através da criação de monopólios de produção (por exemplo, a empresa alemã Krupp detinha um verdadeiro monopólio da produção de aço). Em suma, a tentativa de criação de monopólios justifica-se pelo sistema económico do capitalismo industrial que caracterizou a segunda metade do século XIX.
Distinguir concentrações verticais e horizontais Concentrações verticais – consistem no controlo, por uma empresa, das várias etapas de fabrico de um produto industrial (por exemplo, da exploração da borracha à sua transformação em pneus de automóvel e, por último, à comercialização do produto acabado). Controlando todo o processo de produção, a empresa consegue diminuir o grau de imprevisibilidade do negócio e obter 45
as melhores condições financeiras em cada uma das fases de produção. Assim se formaram alguns dos monopólios do século XIX.
Concentrações horizontais – consistem no agrupamento de empresas de um mesmo ramo (por exemplo, têxtil) que combinam, entre si, as condições de produção que consideram melhores, de maneira a vencer a concorrência (quer interna, por parte de empresas que não integram essa concentração, quer externa, de outros países produtores). Também os bancos se envolveram no processo de concentração: os bancos mais pequenos foram sendo absorvidos pelos mais poderosos (por exemplo, os bancos da família Rockefeller) os quais se expandiram em número de sucursais e em volume de operações financeiras. Os bancos alimentaram a expansão industrial, oferecendo os seus serviços às operações comerciais e o crédito à indústria e, por sua vez, lucraram com o desenvolvimento industrial, muitas das vezes investindo directamente em companhias industriais (eram, por isso, chamados “bancos de negócios”).
Explicar os métodos de racionalização do trabalho O engenheiro Frederick Taylor expôs o método de transformar a produção num processo racional, isto é, pensado de maneira a tornar-se o mais rentável possível. A racionalização, descrita na sua obra Princípios de Direcção Cientifica da Empresa , foi chamada de taylorismo e assentava nos seguintes procedimentos:
1.
Dividir a produção de um objecto numa série de “movimentos essenciais que cada um dos operários tem de executar”.
2.
Pré-definir o tempo mínimo necessário para a realização de cada um desses gestos simples.
Produção de objectos todos iguais – estandardização. 3. Henry Ford aplicou o taylorismo à produção de automóveis, introduzindo a linha de montagem nas suas fábricas para (nas palavras do próprio Ford) “levar o trabalho ao operário, em vez de levar o operário ao trabalho”. Desta maneira poupavam-se todos os gestos inúteis ou lentos, o que resultou num extraordinário aumento da produtividade. Ainda de acordo com as ideias de Taylor, Ford aumentou os salários dos seus operários, conseguindo com essa medida motivá-los para o trabalho e até vender-lhes automóveis. A racionalização aplicada às fábricas tomou o nome de fordismo. Embora eficaz do ponto de vista do patrão, o fordismo foi considerado desumano para os operários: o capitalismo industrial transformou o antigo artesão, orgulhoso do seu trabalho criativo, que desenvolvia do início ao fim, num proletário, elemento substituível de uma cadeia de montagem que, de seu, apenas tinha um salário e a sua prole. Estava, assim, consumada a divisão entre o capital (patrão) e o trabalho (operário).
46
A Geografia da Industrialização Evidenciar a hegemonia britânica Em meados do século XIX, a Inglaterra detinha a hegemonia sobre os restantes países. Tendo sido pioneira da primeira revolução industrial, mantinha a preponderância que adquirira no século XVIII, o qual era evidente em vários factores: - era a primeira potência na produção têxtil (algodão) e metalúrgica (ferro); - utilizava a energia a vapor em larga escala; - possuía a maior extensão de caminhos-de-ferro; - controlava o comércio internacional graças à vasta frota mercante e ao sistema financeiro avançado; - registava o maior crescimento demográfico e urbano; - exibia, perante todo o Mundo, que estava “à frente do pelotão”, nomeadamente através da realização da Exposição Universal de 1851. A Inglaterra apenas perdeu a posição de comando no final do século XIX, quando foi ultrapassada pelos Estados Unidos da América por não ter acompanhado a modernização tecnológica.
Referir, em traços gerais, a geografia industrial no século XIX No século XIX, para além do caso particular da Inglaterra, os países mais industrializados da Europa eram: a França, a Alemanha, a Suíça e a Bélgica. A nível mundial salientavam-se: os Estados Unidos da América e o Japão. Certos países tiveram uma industrialização mais lenta, tais como; a Rússia, a Áustria-Hungria, a Itália, Portugal e Espanha.
Mostrar os particularismos do processo de industrialização das principais potências industriais A industrialização de cada país obedeceu a condicionantes próprias:
França – Apesar de ter sido o segundo país (após a Inglaterra) a industrializar-se, apenas alcançou a etapa da maturidade (segundo a teoria do economista Rostow) na primeira década do século XX, pois carecia de matéria-prima – carvão – e a sua economia dependia ainda, largamente, de uma agricultura de subsistência. A industrialização da França assentou, nomeadamente, na electricidade e na produção automóvel.
Alemanha – a etapa de arranque industrial (take-off) deu-se em meados do século XX, nomeadamente com a construção dos caminhos-de-ferro pela fábrica Krupp (a Alemanha ocupava o segundo lugar, a seguir à Inglaterra, em extensão de rede ferroviária). No final do século XIX, a Alemanha, então já unificada, conseguiu competir com a industria inglesa, suplantando-a na produção de aço a partir de inícios do século XX. Ao contrário da França, a Alemanha dispunha de carvão em abundância; aumentou as suas reservas de minério após ter conquistado à França a região de Alsácia-Lorena, na guerra franco-prussiana de 1870-1871.
EUA – a abundância de matérias-primas (algodão, lã, carvão, petróleo, entre outras), juntamente com a concentração empresarial (por exemplo, de empresas siderúrgicas, dando origem à United 47
States Steel Corporation – U.S.S.) e a energia eléctrica fornecida pelas quedas de água deram um forte impulso à industrialização dos EUA, país que, arrancando industrialmente cerca de 1830, veio destronar a hegemonia inglesa a partir de finais do século XIX. Basta lembrar, por exemplo, o sucesso na indústria automóvel, com a marca Ford.
Japão – caso único no continente asiático, o Japão industrializou-se na segunda metade do século XIX devido a intervenção do imperador Mutsu-Hito, o qual apoiou a produção industrial (construção naval, seda, siderurgia) seguindo os modelos ocidentais e abriu o país ao comércio com o exterior. Na mesma época, o Japão beneficiou de um crescimento demográfico intenso, o qual forneceu mão-de-obra e consumidores à indústria.
Reconhecer, no mundo industrializado, a persistência de formas de economia tradicional Um dos aspectos que mais fortemente marcou o século XIX (a partir de cerca de 1840) foi o triunfo do capitalismo industrial. Ao contrário do que previa Thomas Malthus no século XVIII, a produção de bens de consumo conseguiu acompanhar o crescimento demográfico e, no mundo industrializado, uma franja crescente da população beneficiava de uma melhor qualidade de vida. Porém, a par deste mundo industrializado, que os historiadores colocam em relevo pela novidade que apresenta em relação ao passado, não devemos esquecer que a maior parte do planeta era, ainda, um mundo “atrasado” (na expressão de Pierre Léon), onde o tempo parecia “imóvel”. Alguns países tiveram o seu arranque industrial tardiamente: foi o caso do Império Austro-Húngaro, do Império Russo, da Europa meridional (Portugal, Espanha, Itália, Grécia). Outros não puderam desenvolver-se porque eram colónias, dependentes das estratégias de mercado impostas pelas respectivas metrópoles: neste caso temos, por exemplo, os países da América Latina e do continente Africano. Por último, temos de salientar, no interior dos países desenvolvidos, os redutos de tradicionalismo, onde uma agricultura de subsistência, avessa ao campo fechado, coexistia, no mesmo país, com a agricultura mecanizada e o artesão trabalhava, em casa, perto de uma grande fábrica. Concluímos, assim, que a industrialização se processou a diferentes “ritmos”, como se o tempo passasse mais depressa ou mais lentamente conforme as condicionantes ditadas por cada região.
A agudização das diferenças Contrapor proteccionismo e livre-cambismo Nos séculos XVI, XVII e XVIII, vários países europeus adoptaram um sistema económico proteccionista, o qual servia de apoio ao mercantilismo vigente. O proteccionismo baseava-se na protecção à indústria e ao comércio nacionais: para conseguir uma balança comercial positiva, o Estado intervinha na economia, decidindo quais as manufacturas a implementar, o montante das tarifas aduaneiras a aplicar aos produtos importados, o preço dos produtos internos, as regras a impor ao comércio com o exterior. Em contraposição, no século XIX, a expansão da Revolução Industrial foi sustentada por um sistema económico livre-cambista que substituiu o anterior proteccionismo. 48
Ao contrário do proteccionismo, o livre-cambismo opunha-se à intervenção do Estado na economia; reunia defensores desde o século XVIII, em especial Adam Smith, economista escocês que advogava a total liberdade da iniciativa privada (liberalismo económico), uma vez que a economia se auto-regularia pela lei da oferta e da procura e pela livre concorrência. As ideias de Adam Smith foram desenvolvidas, ainda no século XVIII, por Thomas Malthus, David Ricardo e Jean Baptiste Saly e foram aplicadas no século XIX, um pouco por toda a Europa industrial que se revia no exemplo da Inglaterra e do seu primeiro-ministro Robert Peel. Este aboliu as chamadas Corn Laws, leis que protegiam a produção de pão nacional através de taxas aplicadas sobre a importação de trigo.
Caracterizar as crises do capitalismo Apesar de ser um sistema económico favorável ao capitalismo industrial, o livre-cambismo padecia de um problema intrínseco: de tempos a tempos (em intervalos de tempo de 6 a 10 anos), o sistema de livre concorrência (livre procura de lucro) originava crises económicas para se autoregular. Estes ciclos de curta duração, estudados por Clément Juglar (e por isso denominados, correntemente, por ciclos de Juglar) caracterizam-se por três etapas:
1.
Uma fase de crescimento económico, durante a qual a produção aumenta e as actividades financeiras (banca, bolsa) se expandem, de modo a corresponder à procura dos consumidores.
2.
Uma etapa de crise, isto é, de rápida diminuição da produção e descida dos preços, numa tentativa de escoar o excesso de produção acumulada (crise de superprodução). A tendência de baixa da economia conduz rapidamente a falência de empresas e de bancos e à quebra de investimento na bolsa (crash); a população desempregada não tem meios para consumir em abundância, o que retira o estímulo à produção. Em virtude do livrecambismo, a crise expande-se, a breve trecho, pelo mundo industrializado e respectivas áreas coloniais, originando uma contracção do comércio internacional.
3.
Uma etapa de recuperação, em que a oferta e a procura se reajustam e as actividades económicas são relançadas (até que uma nova crise venha abalar a economia).
Estas crises – que se distinguem das crises do Antigo Regime por serem crises de superprodução industrial e não crises de escassez devido a maus anos agrícolas – eram inerentes ao próprio sistema capitalista, em que o Estado não intervinha na economia; porém, os elevados custos, não só económicos mas também (e sobretudo) sociais, levaram os governos a admitir, no final do século XIX, medidas de retorno ao proteccionismo. No século XX, devido à Grande Depressão dos anos 30, despoletada pela crise de 1929 nos EUA, tornou-se evidente que o liberalismo económico puro tinha de ser refreado pela intervenção do Estado.
Explicar os fundamentos da divisão internacional do trabalho Entende-se por divisão internacional do trabalho a parte de produção e de comercialização que cabe a cada país: na linha da frente, e com o maior número de investimentos no Mundo e a respectiva compensação em lucros, encontravam-se a Inglaterra, a França, a Alemanha e os EUA. 49
Este protagonismo fundamenta-se na rápida industrialização que estes quatro países tiveram, a qual lhes permitiu explorarem economicamente os países mais atrasados e as colónias. O capitalismo industrial contribuiu para criar um mundo económico desigual, no qual um punhado de países detém o controlo das correntes de comércio internacional.
A Sociedade industrial e urbana A explosão populacional; a expansão urbana e o novo urbanismo; migrações internas e imigração
Interpretar a explosão populacional do século XIX No século XIX, verificou-se um crescimento muito rápido e acentuado da população mundial e, em especial, da Europa industrializada, falando-se, por isso, de uma explosão demográfica. No entanto, o fenómeno de crescimento populacional não era novo: a ruptura com o modelo demográfico antigo data de meados do século XVIII. No século XIX impôs-se o modelo demográfico moderno, cujas características eram:
1. O recuo da mortalidade (geral e, em especial infantil); 2. O declínio da elevada natalidade (a partir de cerca de 1870); 3. A descida da idade do casamento (invertendo a tendência para o casamento tardio, típica do modelo demográfico do Antigo Regime);
4. O aumento da esperança média de vida para ambos os sexos. 5. O aumento da densidade populacional. Estas características revelaram-se mais precocemente nos países industrializados da Europa (Inglaterra, Alemanha, França) e mais tardiamente na Europa do leste e do sul, pois a expansão da Revolução Industrial correspondeu a uma expansão da população. Assim, os demógrafos e historiadores, na tentativa de interpretar a explosão populacional do século XIX, apontam um conjunto de factores: - os melhores cuidados médicos (difusão da vacina contra a varíola, inventada no século XVIII por Jenner e criação de novas vacinas; prática de desinfecção); - a maior abundância de bens alimentares (produzidos em larga escala pela agricultura mecanizada e fornecidos pela revolução dos transportes); - o investimento social e afectivo da criança, tornada o centro da família burguesa; - os progressos na higiene (uso do sabão e do vestuário de algodão; substituição da madeira pelo tijolo nos edifícios; construção de redes de esgotos e de abastecimento de água potável). No século XVIII, Thomas Malthus havia alertado, no seu Ensaio sobre o Principio da População , para a necessidade de “um controlo forte e constantemente activo da população, em virtude da dificuldade de subsistência”. Por isso, no século XIX e inícios do século XX, face à explosão populacional, os neo-mathulsianos lutaram pela contenção da natalidade, em especial juntos dos proletários. Porém, foi nos meios mais abastados, onde a satisfação das necessidades básicas
50
permitia o surgimento do sentimento de paternidade, que começou a difundir-se a limitação voluntária dos nascimentos.
Justificar a expansão urbana O crescimento das cidades oitocentistas explica-se pela atracção que estas exercem sobre uma população em franco crescimento. Entre os principais factores de expansão urbana, contam-se: - o êxodo rural: as alterações na produção agrícola, ao dispensarem parte da mão-de-obra, levam a que o habitante da província procure a cidade (sobretudo a partir de 1850, a população urbana da Grã-Bretanha, da França e da Alemanha regista um crescimento substancial, enquanto a população rural desses países estagna ou decresce); - a emigração: a população europeia foi responsável por diversas vagas de partida para as colónias dos continentes africano, americano e oceânico, destacando-se, em especial, o crescimento urbano nos EUA (em consonância com a sua supremacia económica, Nova Iorque tornou-se a segunda cidade mundial, em 1900); - o crescimento dos sectores secundário e terciário: a indústria, o comércio, as profissões liberais concentram-se nas cidades e requerem cada vez mais efectivos; é o caso, por exemplo, da cidade de Essen, onde estava sediada a fábrica Krupp e que passou de 2000 habitantes, em 1800, para 443 mil habitantes em 1900. Simultaneamente, a população activa dedicada ao sector primário (agricultura, pesca, silvicultura) diminui acentuadamente (por exemplo, na Alemanha passou de 42,5% em 1882 para 28,6% em 1907).
Caracterizar o novo urbanismo oitocentista O crescimento muito rápido de algumas cidades (por exemplo, Londres, Paris, Nova Iorque) originou novos problemas que se tornaram um desafio para as chefias municipais e para arquitectos, urbanistas e filantropos. O novo urbanismo tinha, essencialmente, duas preocupações: - criar espaços para a burguesia, “entregando” a cidade àqueles que a tinham criado; - proporcionar condições de vida mais dignas para os proletários, em geral provincianos desenraizados, cujos filhos trabalhavam arduamente para aumentar o rendimento doméstico:
1. No âmbito da afirmação burguesa, destacam-se as grandes intervenções urbanas nas principais cidades europeias: as antigas muralhas são destruídas, rasgam-se avenidas, criam-se infraestruturas (abastecimento de água e iluminação, rede de esgotos), projectam-se espaços para o lazer
(óperas,
teatros,
jardins…),
criam-se
redes
de
transportes
públicos
(eléctricos,
metropolitanos….). Neste processo, a cidade expande-se em extensão (ou em altura, como nos EUA, com os primeiros arranha-céus), relegando as “classes perigosas” para a periferia. Os “grands travaux” (grandes obras públicas), encomendados ao barão Haussmann por Napoleão III em meados de Oitocentos, alteraram profundamente a fisionomia de Paris e serviram de exemplo a outras cidades em renovação nos séculos XIX e XX. A “Paris de Haussmann” celebra as conquistas da burguesia.
2. No século XIX, vários urbanistas, preocupados com os problemas sociais que atribuíam à deficiente habitação operária (alcoolismo, criminalidade, promiscuidade, epidemias, prostituição, mendicidade), procuraram soluções ideais para integrar harmoniosamente o operário no espaço 51
industrial. Ficaram conhecidos por urbanistas utópicos: Charles Fourier lançou a ideia de um falanstério – edifício para a habitação e o trabalho dos operários – e Godin criou o familistério ou palácio social, onde as famílias operárias dispunham de alojamento cómodo.
Distinguir a origem e o destino das migrações internas O fenómeno urbano esta intimamente ligado ao das correntes migratórias: no século XIX, a principal origem das migrações internas (dentro do mesmo país) era o campo - fosse porque uma agricultura mecanizada dispensava mão-de-obra para as fábricas, fosse porque uma agricultura de subsistência fornecia insuficientes rendimentos – e o principal destino era a cidade. A partir de 1850, o êxodo rural foi responsável pelo acentuado crescimento da população urbana da Europa (sobretudo da Grã-Bretanha e Alemanha). Para as raparigas do campo, o destino profissional era, na maioria das vezes, o serviço doméstico. Porém, um outro tipo de migrações internas era frequente: as deslocações sazonais (realizadas apenas em certas alturas do ano) para locais onde era necessário, pontualmente, um acréscimo de mão-de-obra.
Explicar o fenómeno emigratório A partir de 1840, os Europeus espalharam-se pelo Mundo em sucessivas vagas de emigração. Na origem deste fluxo emigratório terão estado os seguintes factores:
1.
A pressão populacional: os governos e sindicatos apoiavam políticas migratórias no intuito de contornar os problemas decorrentes da explosão populacional europeia (necessidade de mais empregos, contestação social).
2.
Os problemas do mundo rural: enquanto nos países desenvolvidos as transformações na agricultura libertavam mão-de-obra, nas regiões menos industrializadas persistiam as fomes provocadas por maus anos agrícolas (foi o caso da vaga de emigrantes irlandeses, durante a “potatoe famine” – fome de batatas - da década de 1840).
3.
Os problemas ligados à industrialização: uma industrialização muita rápida (por exemplo, na Grã-Bretanha) produzia desemprego tecnológico (os homens eram substituídos por máquinas), e uma industrialização lenta (caso de Portugal), não oferecia empregos suficientes para a população em crescimento. Ambas as situações podiam, portanto, levar à emigração para países com carência de mão-de-obra.
4.
A revolução dos transportes, que embarateceu o preço das passagens, nomeadamente de barco a vapor.
5.
A idealização dos países de destino (nomeadamente os EUA, que receberam metade da imigração europeia, e o Brasil, principal destino da emigração portuguesa no século XIX), os quais eram vistos como terra das oportunidades, da promoção social e da tolerância moral. Os EUA receberam perto de 34 milhões de pessoas entre 1821 e 1920, sendo a forte imigração apontada como um dos factores que explicam a sua pujança económica.
6.
A fuga a perseguições politicas e religiosas (por exemplo, aquando da instauração da 2ª república, em 1848, em França).
52
Unidade e diversidade da sociedade oitocentista Evidenciar a unidade e a diversidade da nova sociedade de classes A sociedade de ordens do Antigo Regime, na qual o nascimento era o principal factor de distinção social, deu lugar à sociedade de classes da Época Contemporânea, em que os cidadãos, embora iguais perante a lei, se distinguem pelo dinheiro e por todas as vantagens que este permite conquistar (instrução, profissão prestigiada, lazer). Deste modo, a unidade do corpo social, conferida pelo igual estatuto jurídico dos cidadãos (fruto das conquistas do Liberalismo), é fragmentada em dois grandes grupos:
1. a burguesia: é o grupo dominante porque detém os meios de produção, muito embora ela própria se divida numa hierarquia de diferentes estatutos.
2. O proletariado: é a classe mais baixa que fornece o trabalho à organização industrial. Na sociedade de classes a mobilidade ascensional é um fenómeno mais frequente do que na sociedade de ordem e os casos de sucesso de alguns indivíduos de origem humilde – self-made men – fazem crer a todos que os lugares cimeiros da sociedade podem ser conquistados apenas pelo mérito individual. Uma vez atingido o topo da escala social, cabe à família burguesa o papel fundamental de assegurar a continuidade do estatuto e, se possível, reforçá-lo por meio de estratégias diversas (aquisição de propriedades; fusão, através do casamento, com membros da aristocracia; nobilitação por serviços prestados à Nação; exercício de cargos na política). Criam-se, assim, as chamadas dinastias burguesas.
Distinguir as classes burguesas quanto ao estatuto económico e aos valores e comportamentos assumidos 1.Alta Burguesia No século XIX, a alta burguesia conquistou, finalmente, um poder equiparável ao seu estatuto económico: além de controlar os pontos-chave da economia (bancos, transportes, indústrias), exercia cargos na política (de deputado, de ministro). Porém, ao nível dos comportamentos, a nobreza continuava a ser o modelo: para afirmar o seu poder, os burgueses de negócios tentavam aproximarse da aristocracia (compravam castelos e mansões, casavam os herdeiros com membros da velha nobreza, organizavam bailes e caçadas). No entanto, pouco a pouco a burguesia foi definindo e impondo os seus próprios valores – tais como o apreço pelo trabalho, o sentido de poupança, a perseverança e a solidariedade familiar. Passou, então, a demonstrar orgulho pelo estilo de vida burguês (surgimento da consciência de classe).
2.Classes Médias As classes médias constituem o grupo mais heterogéneo e socialmente flutuante da sociedade industrial. Englobam o conjunto das profissões que não dependem do trabalho físico, isto é, o chamado sector dos serviços. A sua composição integrava:
53
a)
Pequenos empresários da indústria – embora vulneráveis às crises e aos consequentes fenómenos de concentração empresarial, foram-se expandindo em número ao longo do século XIX.
b)
Empregados comerciais – a expansão da revolução industrial criou novos empregos para fazer chegar o produto ao consumidor do mercado interno (por exemplo, os empregados de grandes armazéns ou os transportadores)
c)
Profissionais liberais – eram todos aqueles que, em vez de terem um patrão, trabalhavam por conta própria. Estavam ligados à ideia de promoção social: tornar-se médico, advogado, empregado de escritório (colarinho branco) ou professor primário era uma maneira segura de perspectivar um futuro desafogado, longe da dureza do trabalho manual da imprevisibilidade do mundo dos pequenos negócios. O seu estatuto valorizou-se na medida em que serviam as necessidades (de cuidados médicos, de conhecimentos jurídicos, de instrução) da sociedade industrial.
As classes médias eram acérrimas defensoras dos valores da burguesia, no intuito de permanecerem (e, se possível, promoverem-se) dentro dessa classe social. Tornaram-se, assim, as classes mais conservadoras. conservadoras.
Caracterizar a condição operária A aplicação do liberalismo económico nos países industrializados, ao estabelecer a nãointervenção do Estado, deixou os operários à mercê das regras do mercado. O proletário é aquele que não tem qualquer poder sobre a produção, pois as minas, os caminhos-de-ferro, as fábricas pertencem à classe burguesa que detém o capital. Ele apenas tem os seus filhos e um salário pelo seu trabalho, o qual aumenta ou diminui conforme a prosperidade da empresa, sem que um salário mínimo esteja assegurado. Neste contexto, os operários da segunda revolução industrial enfrentavam graves problemas dentro e fora do seu local de trabalho: - ausência de rede de solidariedade (em grande parte oriundos do campesinato, os operários tinha de sobreviver na cidade sem o apoio da família alargada); - elevado risco de acidentes de trabalho t rabalho e de doenças profissionais (que, a ocorrerem, podiam levar ao despedimento do operário, o qual se via, subitamente, incapacitado e sem salário); - ausência de medidas de apoio social (não existia o direito a férias ou a descanso semanal, o horário de trabalho rondava as 16 horas por dia, não se contemplava o direito a subsídios por desemprego, velhice ou doença); - proibição e repressão de todo o tipo de reivindicação social (pois as leis e as instituições de autoridade defendiam a classe dominante); - contratação de mão-de-obra infantil, por ser mais barata (cerca de um terço do salário de um adulto), menos reivindicativa e mais ágil (por exemplo, nos espaços exíguos das minas); daqui resultava uma elevada taxa de mortalidade infantil entre os filhos da população operária; - espaços de trabalho pouco saudáveis (ruído, calor ou frio extremos, iluminação deficiente, ausência de cantinas e de vestuário apropriado); - espaços de habitação sobrelotados e insalubres; 54
- pobreza extrema e todos os valores a esta associados (desnutrição, doenças, crimes, prostituição, consumo elevado de bebidas alcoólicas, mendicidade.).
Mostrar como se caracterizou o movimento operário As primeiras reacções dos operários contra a sua condição miserável foram espontâneas, pouco organizadas e dirigidas, sobretudo, contra as máquinas que lhes roubavam o trabalho (nomeadamente o movimento de Ned Ludd, na Inglaterra – luddismo – era mecanoclasta, isto é, destruía as máquinas de produção). Com o passar do tempo, o movimento operário (acções de luta dos proletários por melhores condições de vida e por uma maior intervenção política) organizou-se para se tornar mais eficaz, revestindo, no essencial, duas formas: f ormas:
1.
O associativismo – na falta das redes de solidariedade tradicionais (família, paróquia) as associações de socorros mútuos apoiavam os operários em caso de vicissitude (doenças, desemprego, acidentes) mediante o pagamento de uma quota.
2.
O sindicalismo – no início actuando clandestinamente, os sindicatos utilizavam como principais meios de pressão sobre o patronato as manifestações (por exemplo, a de 1 de Maio de 1886, em Chicago, pela jornada de 8 horas, actualmente comemorada como Dia do Trabalhador) e as greves. Estas constituíam uma forte arma de reivindicação, pois prejudicavam a produção e, consequentemente, os lucros da indústria e do comércio, além de evidenciarem a importância fundamental da classe trabalhadora (Proudhon (Proudhon dizia que, se o proletariado desaparecesse, a produção “pararia para sempre e era uma vez os proprietários”). Graças às greves, o enorme desfasamento entre o salário real dos operários e o custo de vida foi-se esbatendo pelo que, no final do século XIX, a classe trabalhado t rabalhadora ra havia conquistado um maior poder de compra.
Foi na Grã-Bretanha que o movimento operário se revelou mais precoce, com a autorização dos sindicatos (trade unions) e das greves em 1824-25. Os progressos da legislação social (por exemplo, a regulamentação do horário de trabalho, o repouso semanal, a criação de pensões para as situações de acidente, doença, velhice) tornaram-se mais notórios, na Europa industrializada, no terceiro quartel do século XIX, por efeito da pressão dos sindicatos, entretanto legalizados, legalizados, e pela difusão das ideias socialistas.
Relacionar a condição operária com as doutrinas socialistas As condições de miséria em que viviam os proletários despertaram a vontade de intervenção social de pensadores da época. No século XIX, a doutrina socialista emergente criticava a desumanidade do sistema capitalista e propunha uma sociedade mais igualitária. Porém, podemos distinguir duas abordagens diferentes do socialismo:
1.
Socialismo utópico – propunha alternativas ao capitalismo no intuito de criar uma sociedade mais justa. A principal referência é Pierre-Joseph Proudhon, Proudhon, o qual defendia que os operários trabalhassem “uns para os outros” em vez de trabalharem para um patrão. Entregando a propriedade privada a produtores associados e abolindo o Estado pôr-se-ia fim à “exploração do homem pelo homem”. 55
2.
Marxismo (socialismo científico) – o filósofo alemão Karl Marx analisou historicamente os modos de produção, tendo concluído que a luta de classes é um fio condutor que atravessa todas as épocas. Baseado neste pressuposto, expôs um plano de acção para atingir uma sociedade sem classes e sem Estado – o comunismo.
Expor os princípios do marxismo Karl Marx e Friedrich Fr iedrich Engels expuseram, no Manifesto do Partido Comunista (1848), uma proposta de explicação do processo histórico que tomou o nome de marxismo ou materialismo histórico: - a luta de classes entre “opressores e oprimidos” oprimidos” é um traço fundamental de toda a História; - a sociedade burguesa, dividida entre a burguesia e o proletário, será destruída quando este, “organizado em classe dominante” instaurar a ditadura do proletariado; - depois de conquistar o poder político, o proletariado retirará o capital à burguesia e o capitalismo será destruído pois estarão “todos os instrumento de produção nas mãos do Estado” assim se construirá o comunismo; - os operários devem unir-se internacionalmente para fazer a revolução comunista, por isso o Manifesto institui o lema “Proletários de todos os países, uni-vos”.
Indicar os seus efeitos no movimento operário Marx e Engels viveram uma parte da sua vida na Inglaterra no século XIX, tendo contactado com a miséria da condição operária. A teorização marxista revestiu um carácter prático que faltava ao socialismo proudhoniano e teve um impacto visível na sociedade do seu tempo: - de acordo com a ideia do internacionalismo operário, Karl Marx redigiu os estatutos da I Internacional (Associação Internacional de Trabalhadores), criada em Londres (1864); - Marx deu o seu apoio à Comuna de Paris, de 1871 (o primeiro governo operário da História); - Engels foi um dos fundadores da II Internacional, Internacional, criada em Paris (1889); - a realização das Internacionais Operárias promoveu a fundação de partidos socialistas na Europa. Apesar de ter chocado ideologicamente com outras propostas de remodelação da sociedade (nomeadamente, (nomeadamente, o proudhonismo, proudhonismo, o anarquismo e o revisionismo), as quais viriam a contribuir para o fim das duas Internacionais, a doutrina marxista prevaleceu viva e serviria de base teórica à revolução de 1917, na Rússia.
Evolução democrática, nacionalismo e imperialismo As transformações políticas
Evidenciar o aperfeiçoamento do sistema liberal no mundo ocidental, desde as últimas décadas do século XIX Desde o século XVIII, foi implantado um sistema liberal moderado em vários países da Europa nomeadamente em Portugal, na Grã-Bretanha, na França e na Bélgica. Tratava-se, nesses, países, da eliminação dos regimes absolutistas e da sua substituição por monarquias constitucionais. Instaurava-se a soberania nacional, pois os cidadãos activos eram apresentados em assembleias legislativas. 56
A partir do terceiro quartel do século XIX, surgiu um novo entendimento do sistema liberal que daria origem às democracias representativas (demoliberalismo):
1.
Alguns países substituíram o sistema monárquico por um regime político republicano, no qual o chefe de Estado e representante do poder executivo é eleito periodicamente (por exemplo, Portugal em 1910).
2.
O sufrágio censitário (voto reservado apenas aos detentores de um patamar mínimo de rendimentos) foi substituído por sufrágio universal, que abarcava os cidadãos maiores de idade. A soberania nacional dava lugar à soberania popular. No entanto, o voto das mulheres, dos negros e dos alfabetos foi, em geral, uma conquista difícil.
3.
Para aperfeiçoar o sistema representativo, a idade de voto foi antecipada (para os 21 anos, habitualmente), o voto passou a ser secreto e os cargos políticos passaram a ser remunerados (abrindo caminho à entrada das classes médias e do operariado na vida política).
Caracterizar os Estados autoritários da Europa Central e Oriental Enquanto a Europa Ocidental e os EUA aprofundavam os regimes liberais, na Europa Central e Oriental a estagnação económica prevalecente era acompanhada pelo imobilismo político. Durante o século XIX, e até o desmembramento dos impérios resultante do final da I Guerra Mundial existiam quatro grandes estados autoritários na Europa:
1. O império Alemão (II Reich, desde 1871), governado por Kaiser Guilherme II. 2. O império Austro-húngaro, governado pelo imperador Francisco José. 3. O império Russo, governado pelo czar Nicolau II. 4. O império Otomano, governado pelos sultões da dinastia otomana. Estes impérios tinham características comuns: eram Estados autocráticos (o imperador detinha o poder absoluto ainda que, por vezes, camuflado pela existência de Constituições e do sufrágio), conservadores (mantinham intocados os privilégios da nobreza e do clero) e repressivos (reprimiam a oposição política e as revoltas nacionalistas que ocorriam dentro do território).
Mostrar a submissão das nacionalidades nos Estados autoritários Sob a aparente unidade conferida por um imperador, um governo, um exército e uma religião oficial, estava a sujeição das minorias étnicas. O império Alemão dominava, por exemplo, os polacos; o império Russo, na sua enorme extensão, abarcava, nomeadamente, os Finlandeses e os Ucranianos; o império Austro-húngaro era composto por povos eslavos que não reconheciam a supremacia de Francisco José.
Concluir aspirações de liberdade nos referidos Estados Por várias razões – de ordem linguística, histórica, religiosa – vários povos não se sentiam integrados no Estado imperial a que pertenciam e, como tal, desencadearam movimentos de libertação. Umas vezes vitoriosas (independência da Grécia, em 1830), outras vezes fracassadas (rebelião polaca de 1830-31), as lutas pela emancipação prosseguiram ao longo do século XIX. No início do século XX, a repressão do princípio das nacionalidades e a luta por áreas de influência por parte dos impérios acabaria por gerar focos de tensão que conduziriam à 1ª Guerra Mundial. 57
Descrever sucintamente o processo de unificação nacional levado a cabo por italianos e alemães na 2ª metade do século XIX Unificação italiana (1861) – meados do século XIX, a Itália era um conjunto de sete Estados. Embora as correntes nacionalistas se viessem a expandir desde o século XVIII, a ideia de um Estado único enfrentava a oposição dos Austríacos, que dominavam os Estados do Norte e Centro, e a desconfiança do Papa, detentor de vastos Estados da Igreja. A unificação partiu da iniciativa do Reino do Piemonte-Sardenha, porque era o Estado onde o Liberalismo se encontrava em expansão, quer a nível económico (era o mais industrializado do território italiano), quer a nível político (vigorava a monarquia constitucional do rei Vítor Manuel II, favorável às ideias liberais). As figuras-chave da unificação foram o primeiro-ministro Cavour, que defendeu a integração de Roma na Itália unificada (mas salvaguardando a independência do Papa) e Garibaldi, conquistador do Reino das Duas Sicílias. Graças ao apoio da França de Napoleão III, os Austríacos foram vencidos em batalha e Vítor Manuel II tornou-se rei de Itália.
Unificação alemã (1871) – em 1850, o território alemão era composto por 39 Estados autónomos, embora ligados pela Confederação Germânica, criada pelo Congresso de Viana (1815). A unificação foi impulsionada pela Prússia (o Estado mais industrializado) que já havia derrubado as barreiras alfandegárias entre alguns dos Estados em 1828 (aliança que tomou o nome de Zollverein). Os principais obreiros da unificação foram o rei Guilherme I da Prússia e o chanceler do rei Otto von Bismark. A unidade alemã foi conseguida pelas armas, primeiramente contra a Áustria, na Guerra dos Ducados, para integrar os territórios do Norte e Centro, e depois contra a França de Napoleão III, em 1870-71, para dominar os Estados do Sul. A unificação, sob a forma de um Império com 25 Estados – o II Reich – consumou-se em 1871, sob o reinado do kaiser Guilherme I. A unificação de Itália e a da Alemanha exprime claramente o nacionalismo oitocentista, pois cumpriu, simultaneamente, dois objectivos: ligar povos com uma tradição comum e satisfazer interesses económicos. A integração de territórios ricos em matéria-prima para a indústria (caso da Alsácia e Lorena, anexadas pelo Império Alemão) e a conquista de colónias para escoar os produtos industriais não foram alheios aos anseios nacionalistas do século XIX.
Os afrontamentos imperialistas: o domínio da Europa sobre o Mundo Distinguir as zonas de expansão europeia entre fins do século XIX / início do século XX Grã-Bretanha – acalentava o projecto de dominar o território africano do Cairo ao Cabo; ocupava os territórios da Índia, da Austrália, do Canadá; exercia influência sobre a China e recebera, como concessão, Hong-Kong, em 1842.
França – ocupou territórios no Norte e Centro africanos (por exemplo, Marrocos, a Argélia, a Tunísia), na Ásia (Indochina) e na América (Antilhas Francesas, nomeadamente). 58
Império Alemão – possuía territórios em África (por exemplo, SE e SO alemão) e exercia influência na Ásia Menor e na Península Arábica.
Rússia - o Império Russo expandiu-se por províncias como a Geórgia, e o Azerbeijão e procurou estender a sua influência ao Extremo Oriente.
Aplicar a essa expansão os conceitos de imperialismo e colonialismo A expansão europeia inscreve-se numa estratégia de controlo de uma vasta extensão territorial com vista à satisfação das necessidades económicas das metrópoles e à afirmação de uma pretensa superioridade cultural. O caso mais evidente de imperialismo e de colonialismo ocorreu relativamente à ocupação do continente africano. Na Conferência de Berlim (1884-85), os chefes de Estado europeus repartiram, entre si, o território africano sem atender às fronteiras definidas pelos povos autóctones e impuseram o seu domínio a todos os níveis (económico, cultural, político, militar). Definiram que a colonização só poderia assentar no princípio de ocupação efectiva, isto é, já não bastava ter descoberto ou conquistado determinado território para ter direito a possuí-lo (direito histórico), era preciso que os países europeus mostrassem que eram capazes de “assegurar, nos territórios ocupados por eles no continente africano, a existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos”.
Contextualizar o imperialismo A formação de impérios pelas potências europeias explica-se, em primeiro lugar, no contexto da expansão industrial, que necessitava de matérias-primas para a produção maquinofacturada e de mercados para escoar os excedentes. Em segundo lugar, o continente europeu, em fase de explosão populacional, precisava de colónias para aliviar a pressão demográfica. Por último, os anseios nacionalistas que acompanharam a criação das democracias europeias tinham uma vertente imperialista. O nacionalismo carregava a ideia de conquista: pangermanismos, pan-eslavismo eram vocábulos correntes na época, utilizados para transmitir o desejo de expansão imperialista de um povo traduzida no prefixo pan (vocábulo de origem grega que significa tudo ou todo).
Discriminar algumas rivalidades imperialistas França / Império Alemão – A oposição da França à Alemanha explica-se, por um lado, pela disputa da Alsácia e Lorena, território perdido para a Alemanha em 1871, e, por outro lado, pelo desenvolvimento do novo império Alemão que retirou à França parte da preponderância económica que esta detinha sobre a Europa. Em contrapartida, a França conseguiu dominar grande parte do Norte de África.
Império Russo / Império Austro-húngaro – a rivalidade entre os dois impérios justifica-se, nomeadamente, pela disputa da influência nos Balcãs.
Império Russo / Japão – As ambições do Império Russo no Extremo Oriente colidiam com o imperialismo japonês, o que acabou por provocar, em 1904-1905, a guerra russo-japonesa, de que saiu vitorioso o Japão (o regime político autocrático russo sofria o primeiro grande abalo, não por coincidência, com a revolta de 1905, reprimida pelas tropas czaristas). 59
Relacioná-las com o clima de “paz armada” A tensão gerada pelas rivalidades económicas levou os Estados europeus a procurarem aliados:
1879 – Dupla Aliança (Alemanha e Áustria-Hungria); 1882 – Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália); 1907 – Tríplice Entende (França, Rússia, Grã-Bretanha). A política de alianças era complementada por uma corrida aos armamentos. Em 1908, a Áustria-Hungria anexou a Bósnia-Herzegovina, gerando protestos da Sérvia, a qual pretendia desempenhar um papel influente nos Balcãs (panservismo). Em 1914, quando o herdeiro ao trono austro-húngaro foi assassinado na Bósnia, a suspeita de que a Sérvia pudesse estar envolvida nesse acto levou o imperador Francisco José da Áustria-Hungria a declarar guerra à Sérvia. Era o fim da paz armada e o início da Primeira Guerra Mundial.
Portugal, uma sociedade capitalista dependente A Regeneração entre o livre-cambismo e o proteccionismo Interpretar o significado político da Regeneração Em 1851, o golpe de Estado do Marechal Saldanha instaurou uma nova etapa política em Portugal, designada por Regeneração. Este movimento, que se estendeu, cronologicamente, até à implantação da República (1910) teve um duplo significado: - pretendia-se o progresso material do país, com o fomento do capitalismo aplicado às actividades económicas: - encerrava-se uma longa fase de conflitos entre as facções liberais (a paz social foi conseguida através da Carta Constitucional - com a revisão que lhe foi introduzida pelo Acto Adicional de 1852 – e da promoção do rotativismo entre os partidos no poder).
Explicar o empenho do fontismo na política de obras públicas A política de Obras Públicas do período da Regeneração foi designada por fontismo devido à acção do ministro Fontes Pereira de Melo. Preocupado em recuperar o país do atraso económico, Fontes encetou uma política de instalação de infra-estruturas e equipamentos, tais como estradas, caminhos-de-ferro, carros eléctricos, pontes, portos, telégrafo e telefones. Vislumbravam-se três grandes vantagens decorrentes do investimento em transportes e meios de comunicação:
- a criação, pela primeira vez na história portuguesa, de um mercado nacional, fazendo chegar os produtos a zonas isoladas e estimulando o consumo; - o incremento agrícola e industrial; - o alargamento das relações entre Portugal e a Europa evoluída. Porém, como alertava, então, Oliveira Martins, embora o caminho-de-ferro fosse um meio de desenvolvimento económico – o “silvo aguda da locomotiva” que nos despertou “do nosso sono histórico” -, também criou “condições de concorrência para que não estávamos preparados”. 60
Caracterizar as linhas de força do fomento económico da Regeneração 1.
Revolução dos transportes – esperava-se que a política de instalação de meios de transporte e de comunicação levasse a todo o país um progresso geral. Assim, apostou-se na construção rodoviária e na expansão da rede ferroviária (em cerca de 50 anos, desde a ligação de Lisboa ao Carregado, em 1856, as vias férreas cobriram o território nacional). Construíram-se pontes (por exemplo, a ponte D. Luís no Porto) e portos (nomeadamente, o porto de Leixões).
2.
Livre-Cambismo – o fomento económico assentou na doutrina livre-cambista, expressa na pauta alfandegária de 1852. Fontes Pereira de Melo (o qual, além de ministro das Obras Públicas, foi, também, ministro da Fazenda) era um acérrimo defensor da redução das tarifas aduaneiras, argumentado que: - só a entrada de matérias-primas a baixo preço poderia favorecer a produção portuguesa; - a entrada de certos produtos industriais estrangeiros (que Portugal não produzia) a preços mais baixos beneficiava o consumidor; - a diminuição das tarifas contribuía para a redução do contrabando.
3.
Exploração da agricultura orientada para a exportação – a aplicação do liberalismo económico favoreceu a especialização em certos produtos agrícolas de boa aceitação no estrangeiro como, por exemplo, os vinhos e a cortiça. A aplicação do capitalismo ao sector agrícola passou por uma série de inovações, nomeadamente: - o desbravamento de terras (arroteamentos); - a redução do pousio; - a abolição de pastos comuns; - a introdução de maquinaria nos trabalhos agrícolas (sobretudo no Centro e Sul do país, pois no Norte a terra é mais fragmentada e irregular); - o uso de adubos químicos (produzidos nacionalmente, devido ao desenvolvimento da indústria química).
4.
Arranques industriais – apesar do atraso económico de Portugal em relação aos países desenvolvidos da Europa, registaram-se alguns progressos a nível industrial: - difusão da máquina a vapor; - desenvolvimento de diversos sectores da indústria (nomeadamente cortiças, conservas de peixe e tabacos); - criação de unidades industriais e concentração empresarial em alguns sectores (por exemplo, no têxtil); - aumento da população operária, sobretudo no Norte do país (apesar de se tratar maioritariamente de mão-de-obra não qualificada); - criação de sociedades anónimas; - aplicação da energia eléctrica à indústria (já no século XX).
No entanto, a economia portuguesa padecia de alguns problemas de base que impediram o crescimento industrial: 61
- a falta de certas matérias-primas no território nacional (por exemplo, o algodão); - a carência de população activa no sector secundário (totalizava apenas cerca de 20%, em 1890); - a falta de formação do operariado e do patronato; - a orientação dos investimentos particulares para as actividades especulativas e para o sector imobiliário, em detrimento das actividades produtivas; - a dependência do capital estrangeiro.
Entre a depressão e a expansão (1880-1914) Relacionar a crise financeira de 1880-1890 com os mecanismos de dependência criados Apesar da revolução dos transportes e dos progressos na agricultura e na indústria, a Regeneração assentou o fomento económico sobre bases instáveis:
Livre-cambismo – abriu caminho à entrada de produtos industriais a baixo preço. Portugal não tinha condições de competitividade, dado que a sua industrialização teve início cerca de meio século mais tarde que os países desenvolvidos da Europa. Simultaneamente, a exportação de produtos agrícolas decaiu (devido à doença das vinhas – filoxera – e à concorrência de outros países também produtores de laranjas e carnes). Em resultado, a balança comercial portuguesa era negativa ou deficitária (as importações sobrepunham-se às exportações), em especial cerca de 1890.
Investimentos externos – grande parte do desenvolvimento português (vias férreas, transportes urbanos, banca, indústria) fez-se à custa de investidores estrangeiros, logo, as receitas originadas por esses investimentos não revertiam a favor de Portugal. O ramo dos tabacos, nomeadamente, registou um desenvolvimento assinalável, porém, ficou na posse do capital estrangeiros a partir de 1891.
Empréstimos – O défice das finanças públicas agravou-se ao longo do século XIX (chegando aos 10 000 contos de reis entre 1885 e 1889). Os recursos utilizados para aumentar as receitas passavam, geralmente, pelas remessas dos emigrantes (que diminuíram devido à conjuntura política brasileira) pelo aumento dos impostos (medida anti-popular) e por pedidos de empréstimo ao estrangeiro, em particular ao banco inglês Baring & Brothers (empréstimos que eram utilizados, muitas das vezes, para pagar os juros de empréstimos anteriores). Por isso, quando o banco londrino abriu falência, em 1890, Portugal deixou de ter meios de lidar com a divida. O culminar da crise ocorreu em 1892, quando o Estado português declarou a bancarrota (ruína financeira).
Justificar o surto industrial de final do século No final do século XIX, a crise obrigou a uma reorientação da economia portuguesa, que apostou nos seguintes vectores: - retorno à doutrina proteccionista (com a pauta alfandegária de 1892), que permitiu à agricultura enfrentar os preços dos cereais estrangeiros e à indústria colocar a produção no mercado em condições vantajosas; 62
- concentração industrial – através da criação de grandes companhias, melhor preparadas para enfrentar as flutuações do mercado (por exemplo, a CUF – Companhia União Fabril, de Alfredo da Silva, produtora de adubos); - valorização do mercado colonial, suprindo a perda de mercados europeus; - expansão tecnológica, com a difusão dos sectores ligados à 2ª revolução industrial (electricidade, indústria química, metalurgia pesada) e da mecanização.
As transformações do regime político na viragem do século Equacionar os factores que contribuíram para o descrédito da monarquia portuguesa Entre as principais causas de crise da monarquia, contam-se:
1.
A crise do rotativismo partidário – o modelo político de alternância, no poder, entre dois partidos (Progressistas e Regenerador) que caracterizara a estabilidade da segunda metade do século XIX, encontrava-se esgotado, pois os políticos não haviam conseguido resolver os principais problemas do país. Nos finais do século XIX, a incapacidade do rei em pôr cobro às querelas políticas constituiu um dos factores da descrença dos cidadãos no sistema monárquico.
2.
A “questão do Ultimato inglês” – em tempos de nacionalismo imperialista, opuseram-se dois projectos de ocupação em África: o inglês, que pretendia unir os territórios numa faixa de Norte a Sul, ligando o Cairo ao Cabo, e o “Mapa cor-de-rosa” português, proposta da Sociedade de Geografia de Lisboa (1881) de ocupar os territórios entre as colónias portuguesas de Angola e Moçambique. A Inglaterra dirigiu um Ultimatum (última ordem) a Portugal em 1890, no sentido de impor, se necessário, pela força, as ambições inglesas. O governo português cedeu. A questão do Ultimatum foi considerada um insulto ao orgulho nacional e contribuiu para criar, entre a opinião pública, a ideia de que a monarquia era incapaz de defender os interesses do país. Deste incidente nasceu “A Portuguesa”, actual hino nacional que então exortava os portugueses a marchar “contra os Bretões”!
3.
A crise económica – a década de 1880-1890 foi marcada por uma crise económica aguda. No final do século XIX, apesar do fomento industrial baseado no proteccionismo económico, os problemas estruturais mantinham-se (nomeadamente, a falta de investimento em actividades produtivas, o atraso agrícola, a dependência externa, a emigração de parte da população activa para o Brasil em busca de melhores condições de vida). Na primeira década do século XX, o descrédito na política económica do Governo e da monarquia agravou-se devido à descoberta de irregularidades financeiras (ligadas ao favorecimento do capitalista Conde de Burnay nos tabacos e às despesas com a família real).
4.
A difusão da ideologia republicana – em 1876 foi fundada, em Portugal, o Partido Republicano. Rapidamente conquistou a adesão das classes médias, vítimas da crise económica e descrentes da política. Em 1880, as comemorações do tricentenário da morte 63
de Camões foram aproveitadas politicamente para reforçar o sentimento de desconfiança face ao regime monárquico.
5.
A revolta de “31 de Janeiro” – em 1891, em contexto de profunda crise económica e de rescaldo do ultimato inglês, um grupo de militares de baixa patente protagonizou uma tentativa de implantação da Republica, no Porto (na antiga Rua de Santo António, actual Rua 31 de Janeiro). Apesar de fracassada (foi violentamente reprimida), a revolta exprimiu os anseios de derrube da monarquia partilhados por grande parte da população.
6.
A ditadura de João Franco – em 1907, o rei D. Carlos dissolveu o Parlamento, permitindo ao ministro João Franco que governasse com plenos poderes. A ditadura apenas veio a reforçar o descontentamento com a monarquia.
7.
O regicídio – o assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, em 1908, mostrou, em evidência, o total descrédito em que havia caído a monarquia. Depois de um golpe tão violento, tornou-se impossível ao filho mais novo do rei – D. Manuel II – assegurar a continuidade da dinastia de Bragança no poder. Foi o último rei de Portugal.
Enunciar os princípios fundamentais do ideário republicano As principais ideias sobre as quais assentou a actuação dos governos da Primeira República foram: - a laicização do Estado (total separação entre a Igreja e o Estado) - porém, as medidas anticlericais do ministro Afonso Costa (por exemplo, a expulsão dos jesuítas do país) fizeram com que a primeira república perdesse uma grande parte do apoio popular; - a abolição da sociedade de ordens (pela aniquilação definitiva dos privilégios do Clero e da Nobreza); - a defesa dos direitos dos trabalhadores (nomeadamente, instituindo o direito à greve e o descanso obrigatório aos domingos para os assalariados); - o direito à instrução (através da reforma do ensino público) – a Primeira República conseguiu resultados assinaláveis no domínio do ensino, porém, afastou os analfabetos da intervenção política.
Descrever a Revolução de 5 de Outubro de 1910 A revolução foi preparada para ter início no dia 4 de Outubro, em Lisboa. Com efeito, desde a madrugada, foram-se organizando os oficiais revoltosos, os quais puderam contar o auxílio da Marinha. Seguiram-se recontros entre os republicanos e as tropas fiéis à monarquia. A República foi proclamada às 9 horas do dia 5 de Outubro de 1910, da varanda dos Paços do Concelho. Consumava-se o fim de um sistema político que, na prática, já ruíra. Logo após a revolução, formou-se um Governo Provisório presidido por Teófilo Braga.
Caracterizar o regime político instaurado pela Constituição de 1911 A Assembleia Nacional Constituinte elaborou a Constituição de 1911 e elegeu o primeiro presidente da República (Manuel de Arriaga). As linhas de fundo do regime político republicano eram: - superioridade do poder legislativo, pois o Congresso da República, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, era dotado de amplos poderes: controlava o Governo e podia destituir o presidente da República. Esta característica pode, aliás, explicar a instabilidade governativa da Primeira República; 64
- o carácter simbólico da figura do presidente da República, o qual era eleito pelo Congresso e não podia exercer o direito de veto sobre as leis emanadas do Congresso; - o sufrágio directo e universal para os maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família.
Os caminhos da cultura A confiança no progresso científico Relacionar o cientismo com os progressos da ciência e da técnica na segunda metade de Oitocentos Na segunda metade do século XIX, os extraordinários avanços da técnica e da ciência (proporcionados, por um lado, pela expansão da Revolução Industrial e, por outro, pela difusão dos laboratórios de pesquisa) foram responsáveis pela propagação da crença no poder da ciência. O Racionalismo parecia ser o único meio para explicar todos os fenómenos e a principal via para atingir a felicidade e o progresso. A esta fé nas verdades transmitidas pelo conhecimento científico dá-se o nome de cientismo.
Referir os principais avanços científicos No século XIX foram feitos estudos que marcaram o conhecimento até à actualidade, nomeadamente: - o casal de físico Pierre e Marie Curie dedicou a sua vida à ciência – Física -, em particular ao conhecimento da radioactividade; - o biólogo Charles Darwin concluiu que os animais – Homem incluído – sofreram alterações morfológicas ao longo de períodos de tempo muito longos, as quais resultaram de uma bem-sucedida adaptação ao meio ambiente (teoria evolucionista): - o químico Mendeleiev elaborou a primeira tabela periódica dos elementos; - Pasteur demonstrou a existência de microrganismos – bactérias - no ambiente; - Koch, no seguimento dos estudos de Pasteur, isolou a bactéria – também chamada de bacilo Koch – que provoca a tuberculose (doença de elevadíssima morbilidade no século XIX). As ciências sociais, à imitação das ciências exactas, procuraram estabelecer leis gerais e definir métodos rigorosos de pesquisa: - Augusto Comte foi a figura fundamental na definição do pensamento científico da segunda metade de Oitocentos. Criou o Positivismo, sistema filosófico que leva o cientismo ao seu expoente máximo, ao estabelecer que a Humanidade alcançará o estado positivo quando o conhecimento se basear apenas em factos comprovados pela ciência; - Émile Durkheim sistematizou as regras da nova disciplina das Ciências Sociais: a sociologia; -Karl Marx analisou os modos de produção ao longo da História, transformando o socialismo num sistema científico de análise da sociedade (o materialismo histórico ou socialismo científico).
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Explicar o investimento público na área do ensino No século XIX, a questão da educação tornou-se um tema prioritário para vários governos da Europa ocidental, pelos seguintes motivos: - o aprofundamento dos sistemas representativos (demoliberalismo) fez com que o direito de voto se estendesse à maioria da população, pelo que a classe política viu interesse na difusão do ensino público como meio de esclarecer os cidadãos e de influir na sua tomada de decisões; - o espírito positivista do século XIX, ao considerar unicamente como verdadeiro o conhecimento obtido através da observação e da experimentação, contribuiu para a valorização de instituições ligadas à ciência (universidades, laboratórios, museus de História natural); - a laicização dos Estados, ao retirar da alçada da Igreja a tradicional função educadora, levou a uma maior responsabilização dos Estados na alfabetização; - as classes médias, ligadas à vida urbana, procuraram cursos que promovessem a sua ascensão social, nomeadamente aqueles que os preparassem para exercer profissões liberais.
O interesse pela realidade social na literatura e nas artes – as novas correntes estéticas na viragem do século Evidenciar a modernidade das correntes estéticas do fim do século: Realismo, Impressionismo, Simbolismo e Arte Nova A segunda metade do século XIX foi extremamente rica em propostas artísticas; importa contextualizá-las historicamente:
Realismo – esta corrente afirma uma reacção clara aos pressupostos românticos: em vez do culto do eu, propõe a análise da sociedade; contrariando a nostalgia do passado, analisa criticamente a contemporaneidade; por oposição às paisagens dramáticas, representa cenas banais, e as suas personagens não são heróis, mas pessoas simples. O desejo de objectividade na arte reflecte a aceitação da corrente filosófica positivista. O gosto pelo concreto levou a que, na pintura, os artistas Courbet, Millet e Manet representassem cenas do quotidiano; porém, a tentativa de representar exclusivamente o real chocou a sociedade burguesa de então.
Impressionismo – foi da tela de Monet Impressão: Sol Nascente que nasceu o termo impressionistas, utilizado por um crítico, desdenhosamente, para designar o grupo de pintores (de que se salientam Monet, Renoir, Degas e Cézanne) que desafiaram as convenções artísticas da época. O Impressionismo procurava captar, em tela, a fugacidade do real. Aproximava-se da pintura realista no tratamento de temas vulgares e urbanos, mas aceitava a subjectividade do olhar, transmitida pelos efeitos de luz e pelas cores inesperadas. Graças à expansão das vias-férreas e à novidade dos tubos de estanho com as cores já preparadas, os pintores impressionistas puderam trocar os ateliers pelo ar livre.
Simbolismo – em reacção ao Realismo e ao Positivismo, a corrente simbolista acentua a impossibilidade de existência de uma só realidade e propõe como alternativa a representação 66
simbólica das ideias, razão por que os seus autores foram denominados simbolistas. Gustave Moreau e Puvis de Chavannes souberam criar nas suas telas um ambiente de mistério e de sonho, enquanto Paul Gauguin procurou afastar-se da civilização industrial europeia para procurar, na arte e na vida, um ideal de primitivismo. Em Inglaterra, a pintura de Rossetti ou de Burne-Jones (chamada pré-Rafaelita por recusar os cânones do Renascimento) pode ser integrada na corrente simbolista pela aproximação ao sobrenatural e pela valorização de ambientes de evasão.
Arte Nova – assumindo-se, sobretudo, como um estilo decorativo, a Arte Nova resulta da vontade de imprimir colorido e graciosidade a uma Europa descaracterizada pela industrialização. Os artistas da Arte Nova elaboram jóias refinadas (Lalique), adornavam a entrada para o metropolitano parisiense, ilustravam painéis publicitários com gravuras de mulheres idealizadas entre flores e folhagens (Mucha). O requinte e a elegância permitem identificar, rapidamente, todas as facetas da Arte Nova. Enquanto corrente arquitectónica, a forma ondulada, a aplicação do ferro e a valorização da estrutura como decoração marcaram as obras de Arte Nova, salientando-se as do arquitecto Gaudí, em Barcelona.
Estabelecer um paralelo entre as artes plásticas e a literatura As artes plásticas e a literatura seguiram caminhos comuns na revolução artística da segunda metade do século XIX, em particular nas correntes realistas e simbolista. Na literatura, as descrições minuciosas e a crítica social caracterizavam as obras literárias dos autores realistas, como Flaubert, enquanto Émile Zola denunciava as condições de vida do operariado. O simbolismo literário caracterizou-se pela expressão do sobrenatural e pela valorização das ideias subjectivas, nomeadamente na obra de Baudelaire, cujo soneto Correspondances é o ponto de partida para o cânone formal do Simbolismo, e em Edgar Allan Poe, autor inglês cujas obras são carregadas de mistério.
Portugal: o dinamismo cultural do último terço do século Enquadrar a cultura portuguesa nos caminhos da cultura europeia A Regeneração (através do fomento das vias de transporte e da modernização geral) aproximou Portugal, em termos culturais, da Europa desenvolvida. O grupo que encetou a revolução artística, chamado Geração de 70 (por serem os anos 70 do século XIX), era composto por autores que se opuseram aos cânones literários da época, nomeadamente Antero de Quental e Eça de Queirós. Em 1865, ainda estes estudavam em Coimbra, a ruptura efectuou-se com a Questão do Bom Senso e do Bom Gosto , polémica motivada por uma carta de crítica de Antero dirigida ao celebrado poeta Castilho. Mais tarde, em 1871, o programa das Conferências Democráticas, de Antero de Quental, previa “ligar Portugal com o movimento moderno” e “procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam na Europa”. 67