SŪTRA DA SABEDORIA ABSOLUTA (SŪTRA DO CORAÇÃO DA GRANDE SABEDORIA COMPLETA) 摩訶
般若
波羅蜜多
心経
MAKA HANNYA HARAMITTA SHINGYŌ Mahā Prajñā Paramitā Hridaya Sūtra
Comentários do Mestre 泰仙
弟子丸
老師
TAISEN DESHIMARU RŌSHI Tradução e Apresentação da edição em castelhano de Dokusho Villalba Tradução da Edição Espanhola Miraguano Ediciones – Madri – 1987 1
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APRESENTAÇÃO 1 O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é a quinta-essência do Budismo e, particularmente, do Zen Budismo ( 禅 宗 ZEN-SHU). É o cerne da realização do Buda Shākiamuni, transmitida de Buda em Buda, de Patriarca em Patriarca, geração após geração. Este Sūtra não é um texto escolástico nem filosófico. Não éfundamento fruto de elucubração mental não aspira a converter-se em dogmático de umaeescola de pensamento. É simplesmente a límpida manifestação na linguagem de uma profunda experiência interior expressada em palavras simples, em frases curtas, esmagadoramente curtas e densas. Esta experiência não é outra que a da verdadeira natureza do mundo fenomenal. Aproximar-se do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ através do estudo filosófico, ou simplesmente através de um estudo objetivo, é algo sem dúvida interessante e muito atraente, entretanto não nos permitirá de maneira nenhuma penetrar seu sentido profundo nem realizar a experiência vital subjacente à suas afirmações e negações. É impossível aproximar-se da Vacuidade ou do Vazio do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ através do pensamento conceitual. A prática e o ensinamento do Zen Budismo ( 禅宗 ZEN-SHU), cujo eixo fundamental é o 座禅 ZAZEN, conduz-nos imperceptivelmente a esta experiência essencial graças a qual despertamos para nossa natureza srcinal. É uma grande sorte que a partir de agora possamos contar com a tradução em castelhano deste Sūtra e com os comentários do Mestre 泰仙 弟子丸 TAISEN DESHIMARU, sem os quais não poderíamos vislumbrar o alcance ilimitado da sabedoria exposta no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. 1
Da edição em castelhano. (N.T.) 3
Para a compreensão justa desta sabedoria, a leitura do 心 経 HANNYA SHINGYŌ deve ser sempre acompanhada por uma prática assídua da meditação em 座 禅 ZAZEN, ao lado de um verdadeiro Mestre Zen da Transmissão. Somente a partir deste estado justo de consciência durante o 座禅 ZAZEN podemos compreender o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Durante o 座禅 ZAZEN, as 般 若
Sūtraperfume flores de frases do cujo se abremsepor impregna elas mesmas, cada célula como de formosas nosso corpo e cada ato de nossa vida cotidiana. Isto é o que eu desejo, querido leitor, agora que você vai submergir na leitura de uma obra prima da Humanidade, na qual a consciência humana desperta para a realidade substancial da existência, convertendo-se na Consciência de um Buda.
Dokusho Villalba
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INTRODUÇÃO O Sūtra da Grande Sabedoria é o quinto texto sagrado do Tch’an e do 禅 ZEN comentado pelo mestre 泰 仙 弟子丸 TAISEN DESHIMARU2. Esta obra que agora se apresenta tem, por duas razões, um valor histórico. É a primeira vez que este texto raiz do Budismo, se encontra explicado no Ocidente 3 : O 摩訶 般 若 波羅蜜多 心 経 Ō é umdaSūtra MAKA HANNYA HARAMITTA SHINGY que condensa de maneira muito concisa a essência literatura Prajñā Paramitā, transcrição em 600 volumes dos ensinamentos do Buda. Escrito srcinalmente em sânscrito, foi amplamente estendido por Nāgārjuna ( 龍樹 RYŪJU), e introduzido na China por Kumārajīva (鳩摩羅什 KUMARAJU) (402-403) 4 e traduzido integralmente para o chinês antigo (漢 文 KANBUN). Texto fundamental de todo o Budismo, e especialmente do ramo Mahāyāna (大乗 DAIJŌ), converteuse no Sūtra 禅 ZEN por excelência, já que a amplitude de seus enunciados supera qualquer concepção.
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Os quatro textos do Zen publicados anteriormente (em castelhano, N.T.) são: “Hokyu Zan Mai”, “El Samadhi del Espejo Precioso”; “San Do Kai”, “La Esencia y los Fenômenos se interpenetran”, ambos publicados por Editorial Kairós, dentro da obra: La Práctica Del Zen, 1982: “Shodoka”, “El canto Del Inmediato Satori”. Vision Libros, 1981, e Shin Jin Mei, “El poema de la Fe em el Espíritu”, Miraguano Ediciones, 1988. (N. Ed.. Esp.) Em português, temos “Shodoka – O canto do Satori Imediato”, Editora Pensamento, 2ª Ed., 1997. (N.T.) 3
Em castelhano. (N.T.)
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Ver os nomes próprios e os termos essenciais explicados no léxico, ao final do volume. (N.Ed.Esp.) 5
Por outro lado, as 23 caligrafias que o ilustram5 seguindo exatamente o corpo do texto, foram realizadas em escrita tradicional. Este Sūtra também se encontra caligrafado assim em apenas uma página. Mestre 弟子丸 DESHIMARU, por sua parte, quis que o texto srcinal seguisse seus comentários, percorrendo o Sūtra tema por tema e destacando as palavras chave mais importantes. A escolha definitiva destes magníficos ideogramas foi feita entre mais de 300 documentos, que ele mesmo traçou durante o 攝 心 SESSHIN de Verão de 1979, voltando a recomeçar incansavelmente até que cada caligrafia fosse a própria imagem do gesto justo. Com a ajuda dos “quatro tesouros do estudo de arte”, com os diversos pincéis de pelos delicados, com o papel 6, com o bastãozinho de tinta e a pedra tinteiro 7 , retomava estes gestos milenares, entretanto sempre novos, que convertem esta escrita em pintura da linguagem e que expressam o essencial. Na China antiga, a caligrafia era a forma de expressão mais elevada, a arte mais consumada. A pintura vinha apenas em segundo lugar. O ideograma é, com efeito, “a única arte abstrata em que a forma e o conteúdo se unem e se complementam reciprocamente: cada ideograma tem um significado bem definido, um som único, uma história. Independentemente de sua beleza simbólica, estes signos 5
Que não fazem parte desta tradução, tendo sido substituídas por seus equivalentes em 漢字 KANJI, gerados por um editor eletrônico de japonês. (N.T.) 6
Cuja invenção, recordemos, ocorreu na China. (N. Ed. Esp.)
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Blocode de tinta pedra(feito cortado especialmente o qual se esfrega bastão de cola e fuligem) sobre com um pouco de água.o (N. Ed. Esp.) 6
têm uma virtude esotérica, iniciática, cujo vigor não perde em nada para o da álgebra ou da geometria”.8 Na caligrafia chinesa e japonesa “a força de cada traço deve penetrar o papel e o espírito da construção gráfica deve desprender-se ... do papel: desta profundidade nasce a terceira dimensão que ... é uma arte de quatro dimensões”.9 Um espelho da alma do artista, que se põe em unidade com a energia cósmica do momento e traça sem retoques, estas formas feitas de matizes de tinta negra e de cor branca do papel. Tal é a caligrafia, reflexo da vida. Esta arte sempre foi apreciada pelos mestres禅 ZEN que encontraram nela os três pilares do 座 禅 ZAZEN, a 禅 ZEN: meditação - A postura, direita e equilibrada; - A atitude do espírito, concentrado sobre o aqui e o agora; - A respiração, de expiração larga e profunda. Graças a esta expiração um traço está vivo ou não. No Ocidente se diz que um artista tem inspiração. Esta palavra nos faz pensar também no ato respiratório que consiste em tomar o ar, o alento, a energia. No Oriente, o ato criador no adquirida, momento adacriar expiração devolverrealizado esta energia uma novaequivale vida pelaa transmutação do alento no corpo, na consciência e no gesto do artista. Henri Michaux disse maravilhosamente desta arte praticada desde há 3800 anos: “caligrafia ao lado da qual cada um se mantém como que ao lado de uma árvore, de uma rocha, de um manancial”.
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P. Jaquillard e Ung No Lee, “Calligrafie, peinture chiniose et art abstrait”, Ed. Ides Et Calendes. (N. Ed. Esp.) 9
“La caligraphie chinoise”, Leon L. Chang, CFL. (N. Ed. Esp.)
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谷 の 夢 谷の夢 “TANI NO YUME”
O SONHO DO VALE 8
O SONHO DO VALE (ESTRUTURA E ESSÊNCIA DO 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ)
O 摩訶
般若
波羅蜜多
心 経 MAKA HANNYA
HARAMITTA SHINGYŌ se compõe de cinco partes: Primeira parte: Do começo, 観 自 在 菩 薩 KANJIZAI BOSATSU, até 度 一切 苦 厄 DO ISSAI KU YAKU; Segunda parte: Desde 舎 利 子 以 無所得 故 I MUSHOTOKU KO;
SHARISHI até
Terceira parte: Desde 菩提 蕯埀 BODAI SATTA até 耨 多羅 三 藐 三 菩提 TOKU A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI; 得
阿
Quarta 故
知 até 故
parte:
Desde
般若 波羅蜜多 KO CHI HANNYA HARAMITTA 説 般 若 波羅蜜多 呪 KO SETSU HANNYA
HARAMITTA SHU; Quinta parte: Desde 即 説 呪 日 SOKU SETSU SHU WATSU até 菩提薩婆訶 BŌJISOWAKA. O 般若心経 HANNYA SHINGYŌ é um dos raros Sūtra que não segue a estrutura que se encontra normalmente na maioria deles. Os Sūtra se compõem geralmente de uma introdução, o corpo do texto e um epílogo que expõe o método prático para aplicar o texto. No 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ o corpo do texto constitui a totalidade. Seu tema 9
principal é a filosofia de 空 KU. 摩訶 般若 MAKA HANNYA é a sabedoria infinita que procede de 空 KŪ. Qual o método para acessar esta sabedoria infinita, para aceder ao 空 KŪ srcinal e último? Disto fala o 般若心経 HANNYA SHINGYŌ, de sua força e de seu poder quando se recorre a ele para exorcizar o mal e engendrar o bem. Como prólogo gostaria de contar um sonho que tive há 10
algum durante no Val tempo D’Isère., Ei-lo aqui:o 攝心 SESSHIN de verão que dirigi Passeava por um vale profundamente encaixotado, tão encaixotado que as paredes impediam parcialmente a penetração do sol. Caminhava assim já há algum tempo, só, sem preocupação, quando me encontrei com um homem. Tinha um aspecto de comerciante, ao menos isso era o que se podia pensar em vista da diversidade de produtos que exibia. Sentei-me ao seu lado e ele me apresentou sua mercadoria. “Tenho todo o tipo de elixires e de remédios maravilhosos para lhe fazer a vida leve e agradável”, disse.”Você é monge, não?” “Realmente! Isto logo se vê!” Naquele tempo eu era um jovem monge de uns trinta anos, e pelo hábito tradicional que levava, era fácil compreender minha ocupação. “Se você não quer morrer, tenho aqui um remédio de longevidade que lhe permitirá viver eternamente.” “Isto é uma estupidez”, respondi. ”Você não deveria transportar estes produtos diabólicos. Pessoalmente, prefiro morrer como deve ser, uma vez que minha vida tenha transcorrido seu tempo regulamentar.” Naturalmente, eu não queria este medicamento. Pusemo-nos a conversar, mas ele repetidamente voltava a conversa para suas preocupações sexuais, como uma obsessão que não o deixava. 10
A riqueza mítica deste sonho é particularmente surpreendente. (N. Ed. Esp.) 10
Finalmente o deixei... O caminho se dividia. Ele tomou um caminho e eu o outro. Caminhei e caminhei e meus passos me levaram aos limites de um bosque opaco, difícil de penetrar. Ao cabo de uma hora, cansado, voltei sobre meus passos e decidi seguir o outro caminho. O mercador havia seguramente tomado a dianteira. Mas este caminho também ia se estreitando, a medida em que o bosque ia ficando espesso e escurecia. De repente, enquanto eu avançava, vi uma enorme serpente atravessada na estrada a uns de distância. Não tinha nada àdemão para me poucos ajudar, metros nem sequer um bastão. Depois muitas tentativas, e não sem dar muitas voltas, consegui passar. Já começavam a habitar-me algumas reticências em prosseguir meu caminho, mas ainda não havia visto tudo. Com efeito, a alguns passos de distância, jazia o corpo de outra serpente cortado em dois, não menos grossa que a precedente. Sua vida havia sido arrebatada pouco tempo antes, já que sua cauda ainda se movia e de sua ferida continuava fluindo um líquido amarelado. Dei alguns passos e a serpente moveu a cabeça... Cantei o 般若心経 HANNYA SHINGYŌ... Neste momento, o sol penetrou e a serpente desapareceuFiquei como intrigado, se não tivesse sido maisavançando. que uma miragem. mas continuei Atravessei um ninho de caranguejos sem problemas, mas tudo isto redobrava minha inquietação. O bosque foi ficando de novo mais espesso, e subitamente uma visão de pesadelo apareceu diante de meus olhos. Uma grande multidão de aranhas corria em todos os sentidos, algumas desciam dos galhos até meu chapéu de monge, outras me assaltavam, subindo por minhas pernas até meus ombros. Só tive tempo de sair correndo a toda pressa para escapar do que poderia ter sido minha morte. Saí coberto de irritações e picadas. O bosque se aclarava e logo alcancei o outro lado, o que me aliviou profundamente. O vale se alargava diante de mim, mas continuava um sócaso caminho. Provavelmente poderia alcançar havendo o mercador, ele tivesse podido atravessar este bosque infernal. O vale era claro e acolhedor. 11
O único som era o murmúrio puro da água de um regato. Não parecia haver pegadas de habitantes. O sol se ocultava, lançando seus últimos raios. Senti o desejo de banhar-me na onda de frescura que corria a meus pés. Depois de caminhar por algum tempo, apareceu, como por encanto, uma minúscula morada, – de algum ermitão – pensei. Cavada no oco de uma rocha e rodeada de árvores, não havia podido vê-la antes. Aproximei-me e distingui a silhueta de um jovem. Não obstante, por suas respostas evasivas e seu comportamento estranho, dei contaao quelonge, estavaaum pouco transtornado. Um cavalome relinchou porta da ermida se abriu e de repente apareceu a silhueta de uma mulher jovem. Seu aspecto era agradável. “O que você quer?”, perguntou. Apetecia-me ficar ali, sem mover-me, sem desejo de continuar meu caminho, nem de voltar sobre meus passos. Sentia-me infinitamente distante... “Você não viu passar um mercador?” Sua resposta foi negativa. Era muito bela. A cor límpida de seus olhos se fundia com a brancura de sua pele e ressaltava seus lábios vermelhos, delicados e finos. Devido ao cansaço do dia decidi pedir-lhe refúgio durante a noite. “Mesmo que seja no estábulo”, disse-lhe. “Aceito dar-lhe abrigo, mas não no estábulo, de jeito nenhum. Meus cavalos são indomáveis. Eles o pisoteariam num instante. Eu compartilharei minha cabana com você. Mas minha morada é pobre e para tomar um banho ou para saciar sua sede, o único recurso é o rio. Sua água é pura e boa.” A noite caia. Ela mesma me acompanhou pelo caminho que conduzia até a cascata na qual tinha costume de se banhar, como ela mesma me explicou. Um velho passou e gritou: “Senhorita, tenha cuidado de não cair no rio com este jovemEste monge!” velho tinha um ar sábio que não compreendi, mas que me incitou a dizer à jovem para que não me 12
acompanhasse. Sua recusa foi-me de grande ajuda já que o caminho era sinuoso e a noite estava escura. De repente surgiu uma rã que se pôs a segui-la dando uns saltos tão grandes que pareciam impossíveis para uma rã. Devo dizer que era de um tamanho gigantesco. “Suplico que não me incomode”, disse dirigindo-se ao animal, “não vê que esta noite estou ocupada, com uma visita importante? Mais tarde, mais tarde!” E a rã desapareceu num salto na vegetação. Ao longo do comealgumas cabanas, choças podres, semcaminho dúvida cruzamos desabitadas de aspecto fantasmagórico. O lugar a que chegamos estava deserto e estranhamente selvagem. Somente o som da cascata turvava o silêncio e a solidão. O lugar era muito belo. O burburinho do rio contrastava com a vegetação tenebrosa dos arredores. “Este é o rio mais belo de toda a região“, disse-me minha acompanhante, como para confirmar meu sentimento. Já me dispunha a introduzir meu braço no regato, quando ela me deteve e me ordenou para que me desnudasse completamente e como se eu não o estivesse fazendo rápido suficiente, disse-me: “Vou ajudá-lo”. E partiu para a ação. Livrou-me de meu hábito negro e depois do branco. Minha nudez deixou à mostra as marcas vermelhas devidas às picadas de aranha. À jovem causou estranheza ver estas marcas sobre meu corpo, a ponto de não levantar o olhar delas. Depois de explicar-lhe a razão, ela relaxou e me disse: “Você deve se sentir feliz e dar graças aos deuses que te ajudaram tanto! São raros os que logram atravessar esta selva, a maioria perde sua vida nela!” Começou então a friccionar-me, com energia a princípio, depois suas mãos foram ficando mais suaves; com ternas carícias percorreu todo meu corpo com a água fresca do rio. Os cuidados quesensação minha benfeitora prodigalizava me causaram uma doce de bemme estar, cujas causas eram a doçura de suas mãos e a magia de suas carícias. 13
Meu corpo parecia flutuar numa nuvem de pétalas de flores. Não sei por quanto tempo este doce êxtase se prolongou. Quando voltei deste estado, ela se mantinha à minha frente, com a beleza de seu corpo nu, cujas formas suaves e voluptuosas iam se revelando sob a claridade da lua. Satisfeito plenamente, saciado de frescor e com o corpo leve, perdi-me durante alguns minutos nesta contemplação, depois voltei a me vestir. Ao recolocar meu hábito negro, ela de imediato se sentiu intimidada e retornou a me encarar. Neste momento, suaacabara cintura foi poruma um animal, um cachorro talvez, que derodeada saltar de árvore próxima, o qual a colocou num estado de grande cólera. Ela golpeou com raiva o animal na cabeça, murmurando palavras que me pareceram as mesmas que havia dirigido à rã gigante. O pobre animal fugiu lançando uns ganidos e saltando agilmente pelos galhos. Deduzi por isto que era um macaco. No caminho de volta, o velho se apresentou de novo e disse à jovem com um ar entendido e com um sorriso sarcástico: “Nosso jovem monge retorna com o mesmo corpo?” Estranha pergunta cujo sentido me escapava... Com certeza me sentia numa condição infinitamente melhor do que por ocasião da dura jornada que havia empreendido. Mas por que deveria ter mudado de corpo? E o olhar deste velho, seu aspecto desalentador... E esta jovem que parecia surda a todas as minhas perguntas! Mas me sentia demasiado bem para me preocupar com perguntas que se deviam certamente à decrepitude senil desse velho. O jovem se encontrava no mesmo lugar, na soleira da cabana, com o mesmo olhar vazio, encolhido em seu desvario. Finalmente me recostei sobre a cama que me estava destinada, confiante de dormir o sono dos justos. Não foi este o caso! Uns relinchos romperam brutalmente o silêncio profundo da sucesso noite. Vifazer então, próximo da porta, o velho tentando sem avançar um cavalo. 14
“De todo jeito tenho de ir vender este maldito animal!”, praguejava ao mesmo tempo em que esticava a corda. “Deves ir, realmente”, disse uma voz zombeteira, “e sabes que o caminho é comprido! Deverás apressar teu passo se queres chegar no mercado ao amanhecer. Vamos! Ponha-te a caminho e ande rápido!” A voz que eu acabava de ouvir não era outra de não a da jovem. Dizendo isto, aproximou-se do costado do animal e se pôs a acariciá-lo de forma lasciva. Apesar de minha as surpreendentes relações que incredulidade, uniam o cavalo constatei à mulher. O cavalo se excitou, relinchou, escoiceou algumas vezes, enquanto que uma verga de carne rosada, parecida com um tumor volumoso, crescia de maneira desmesurada. Neste último momento de excitação, o velho puxou violentamente o animal que, surpreendido, segui-o e ambos desapareceram. A jovem veio ao meu lado algum tempo depois e me perguntou com um ar preocupado e perplexo: “Você não viu alguém no caminho que traçou até aqui?” Respondi que havia cruzado com um mercador que seguiu pelo mesmo caminho uma hora antes de mim, mas que não o havia visto novamente. “Ah, bom!” Contentou-se em dizer, visivelmente satisfeita. Depois não pronunciou mais nenhuma palavra e me convidou a compartilhar a comida que, às suas ordens, era servida pelo jovem idiota. A refeição era escassa, mas o vinho era abundante. Ordenou ao jovem que se aproximasse e sentasse junto a si. Durante a refeição, fez com que bebesse diversas e copiosas vezes. Ele, um tanto ingênuo e idiota, aproveitava da atenção que ela lhe proporcionava, e cada copo era aceito com um amplo sorriso, com seus olhos ávidos exageradamente abertos. Confesso que não compreendia esta mania de sedução, desta vez com o jovem. Pensei cavalo e das demais criaturas estranhasque, que depois pareciamdotodas encantadas, por que não um rapaz jovem, por estúpido e feio que fosse? 15
Sua estreita cumplicidade acabou por me incomodar e decidi voltar à minha cama no aposento contíguo. Ouvi-los rir durante algum tempo, depois se impôs o silêncio, um silêncio de curta duração que nem me deu tempo de pensar numa trégua. Decididamente persistiam em me incomodar. Os gemidos amorosos da jovem chegavam a meus ouvidos e atormentavam a quietude em que acreditava estar instalado. A medida em que os gemidos se intensificavam, um enorme alvoroço crescia no exterior: mugidos, relinchos, grasnidos, tudo misturado com golpes na porta,decom pancadas fazendo-me acreditar na iminência uma invasão,nodesolo, um inferno animal surgido de não sei que abismos tenebrosos. A visão da cena me atemorizou ainda mais: monstros, semihomens, semi-animais e animais tão gigantescos quanto aterradores, todos gritando em uma histeria desenfreada. Todos se encontravam em um estado de excitação extremo. As delgadas paredes da choça, de construção precária, pareciam a ponto de desmoronar. Foi então que em meu espírito surgiu de repente o canto do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ e me pus a recitá-lo freneticamente. Esta era para mim a única esperança evidente, a única alternativa para atiçando este inferno indomável: minha fé aumentava a cada sílaba, a força com que sentia que poderia exorcizar o mal. Minhas esperanças se confirmaram, a agitação diminuiu ao mesmo tempo em que o alvoroço, depois parou completamente quando a jovem deixou de gemer. Um novo dia começava e a luz suave dos primeiros raios de sol, que se expandia difusa por cima dos montes, trazia nela toda a frescura de um manancial virgem e vivificante, toda a alegria de um nascimento de um novo mundo. Uma página havia sido virada e sobre a página em branco do dia nascendo aparecia com um caractere luminoso a palavra 攝心 SESSHIN. Levantei-me pronto para me despedir. No momento da partida, a jovem me dirigiu estas palavras, que para mim 16
tiveram o acento trágico e inevitável do destino que segue seu curso: “Sem dúvida, não voltaremos a nos ver. Quando, em seu regresso, você vir pétalas de flores de pessegueiro flutuando sobre a corrente, pense em mim, já que meu corpo terá sido tragado pelas ondas deste rio”. Lamentei não ser um monge errante e ter que voltar ao lugar do 攝心 SESSHIN. Contra a minha vontade, dei a meia volta e me fui dali. Cada passo que dava era uma luta contra uma corrente que me retinha ao destino da jovem. Todos os meus 煩 悩 BONNŌ me impediam de progredir tão rapidamente quanto havia querido. Sem cessar me devolviam a ela e queriam que passasse com ela pelo menos o lapso de tempo suficiente para envolver-nos em pétalas de flores perfumadas. Quando cheguei à cascata na qual havia me banhado no dia anterior, parei e meu olhar se perdeu na queda da água. Ontem, gritos de alegria a vida voltava a encontrar, hoje essa mesma vida não era mais que uma grande queixa desesperada. Então senti, francamente, o tom de reprovação que o salpicar glacial da água me jogava na cara. No lugar onde a queda d’água abria caminho com estrondo, no mesmo lugar onde no dia anterior havia gozado, abandonando-me de corpo alma aos em cuidados conjugados da água e da mulher, no emomento que, tenazes e inefáveis, surgiam em minha lembrança estas imagens de felicidade total, uma pétala branca se desprendeu de uma gota d’água, e em minha visão se impôs a imagem lúgubre da jovem agonizando. A rebelião que já fervia secretamente em mim explodiu de uma vez e, a não ser por uma mão que me segurou por trás do ombro, uma segunda pétala haveria sido arrastada pela água da corrente, determinando que meu corpo fosse abandonado às ondas. O velho estava atrás de mim. Fazia muito tempo que se encontrava ali ou acabava de chegar? Eu não sabia. O estado ensimesmado de meu espírito nesta dolorosa contemplação me havia privado de toda a consciência do que me rodeava. 17
Vi nele a mão salvadora que me liberava de uma morte suicida e, entretanto não pude reprimir um calafrio ao ver o esgar sinistro que desenhava seu sorriso, o qual não agourava nada de bom. “Volto do mercado, a venda foi boa. Veja o que trago!” disse lastimando-se num tom monocórdio. E estendeu para que eu visse melhor o cadáver sangrento de um cordeiro que arrastava atrás dele. E acrescentou: “O que vai fazer agora, jovem monge? Não se canse em cegueira mongezinho sobaeste calor que nãolonga, tarda em sua ser tórrido. A de distância daqui até aldeia não é tão mas você não deve se distrair demasiadamente. Sem dúvida, devem ter sido despertados em você terríveis sentimentos sob o encanto daquela mulher. Compreendo bem, mas saiba no entanto que é um milagre que você conserve ainda a sua aparência humana. Aqueles que se aventuraram até aqui a perderam devido ao efeito de seus poderes maléficos quando “curava” seus corpos na água desta torrente. O cavalo que você viu excitar-se noite passada e que eu acabo de vender, era o homem que você viu, aquele mercador de elixires que você não pode reencontrar. Com o dinheiro da venda comprei este cordeiro, que será a comida de hoje da jovem... Devo apressar-me em voltar e te convido a que faça o mesmo antes que seja demasiado tarde.” “Compreendo, compreendo”, balbuciei. Entretanto, permanecia perplexo sob o choque de suas revelações. Minha curiosidade estava atiçada, queria saber mais. “Como pode ter acontecido isto a uma jovem tão bela e de aparência tão amável? Por que? Explique-me”. O velho me observou durante um longo momento, desconfiado, não sabendo se devia responder-me ou continuar seu caminho. Parecia aterrorizado e aparentava que o fato de continuar seu relato lhe era tão penoso quanto a dor provocada por uma chaga recém aberta. “Ela é recebeu a filha dopoderes médicomisteriosos da aldeia”, eterminou poremdizer. “Ao nascer, a medida que crescia aprendeu a cultivá-los. Quando alcançou uma idade 18
razoável, decidiu pôr seus dons de cura a serviço dos enfermos e dos desgraçados. Durante muitos anos foi muito querida e muito respeitada. Vinham de todos os povoados e aldeias da região para lhe implorar uma cura. Com paciência, ela se ocupava de todos, um atrás do outro, exercendo sobre eles a imposição de mãos. A maioria recuperava a saúde, até que um dia sobreveio o acidente. Aconteceu com meu filho, esse jovem que você tomou muito justamente por um louco.” “Já sofria desde algum tempo, mas uma manhã despertou anomalia física: tinha um testículo a com mais.uma Eu overdadeira acompanhei com esperanças a casa desta jovem. Mas, qual não seria a minha pena quando, ao terminar a consulta, vi que meu filho não podia levantar-se nem dar um passo! Com a morte na alma, terminei a me acostumar a essa sorte, e decidi voltar à minha casa com meu filho nas costas.” “Mas minha desgraça não se deteve aí. Meu filho se negava energicamente a me seguir, suplicando-me que o deixasse ali, com a jovem, de quem havia se apaixonado perdidamente. Seu semblante pareceu que se transformava, ficando inquieto, selvagem e ameaçador... Eu não nada entendia desta convulsão brutal dos acontecimentos. Não obstante, ousei acariciar a vaga esperança de que a situação podia se restabelecer. Afinal de contas, isto não era mais que um acidente e a jovem havia demonstrado o valor de seu dom em solucionar as situações mais desastrosas.” De todas as maneiras, não podia deixar meu filho sozinho a mercê de sua vontade enlouquecida. Pedi então à jovem que nos acompanhasse até nossa humilde morada, esta mesmo na qual você passou a noite. Ainda me pergunto porque ela aceitou. Agora penso que, sem dúvida, havia perdido o controle de seus poderes e que estava possuída pelas forças do mal, que se desencadeavam anarquicamente através dela. momento eu e não podia Mas supornaquele o futuro desastroso quenão nos compreendia esperava. Maldição! 19
Apenas havíamos entrado no vale e se armou uma tempestade terrível, arrasando toda a região. Os bosques foram arrastados pelas torrentes transbordadas, os vales inundados, afogando pessoas e bens, todas as aldeias do vale foram tragadas pelas águas. Em vários quilômetros em volta não restou nada com vida. Só restamos meu filho, a jovem e eu. Isto já há muito tempo. Tenha cuidado de ter algum sentimento de piedade por ela ou será rapidamente transformado em um vil animal sedento de seus encantos. Entretanto, com certeza que isto já não lhe poderá acontecer. Você já passou pelas provas mais duras e até agora só tem alguns arranhões. Nenhum dos poderes dela poderá a partir de agora lhe fazer qualquer dano. Ademais, se você a visse com seu apetite carnívoro, devorando estas carnes ensangüentadas, com o ar feroz de uma leoa que defende sua presa, vomitaria todos os sentimentos que acalenta por ela, e terminaria fugindo o mais rapidamente possível.” Dizendo isto, afastou-se sem se despedir, sem que sequer eu tivesse tempo de verificar o peso da esmagadora verdade que acabava de me desvelar. Permaneci imóvel, como um idiota, sem pensar em me mover, sem pensar em lhe perguntar por que ele continuava seguindo com ela. Sua partida havia me deixado a impressão de alguém que cumpre seu dever, ou melhor, que assume sua função, sem motivo, simplesmente por que o haviam determinado a fazê-lo. Dava-me a impressão que havia superado qualquer forma de sentimento, como os seres que sofreram em demasia, e que estava desde então habitado pela fria indiferença do cinismo, que reconforta as almas azedadas... De volta ao povoado, sentia-me impaciente durante o 攝 心 SESSHIN e esperava que logo terminasse. Quando terminou, juntei comigo de meus discípulos fortes, preveni-os do que alguns nos esperava, e decidi voltar mais com um novo estado de espírito àqueles lugares maléficos. 20
O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ não deixou nossos lábios nem um instante. Tomamos o mesmo, o único caminho que nos conduziu até a espessa selva. O fervor do canto do sūtra afastou todos os obstáculos encontrados durante minha primeira viagem. Quando avistamos a choça, detivemo-nos a curta distância. Entoamos então com um fervor ainda maior uma série ininterrupta de 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, decididos a não nos determos até que todas as coisas se realizassem segundo a Lei. Um momento mais tarde, o velho se aproximou de nós com as mãos juntas em 合 掌 GASSHŌ, e nos expôs a situação no interior: “A jovem tem uma ‘febre de cavalo’ e sofre um grande martírio. Acaba de se levantar e não obstante, iniciou uma dança louca, sacudindo a cabeça em todas as direções, como se quisesse se libertar de seus males para sempre.” “Meu pobre filho, sentindo a altura do transe, tentou unir-se a ela com pantomimas mórbidas, mas não pode mais fazer o menor movimento, já que está mais entorpecido do que nunca. Creio que sua anomalia tenha aumentado, agora deve ter cinco testículos.” Cantamos o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ cada vez mais forte e cada vez mais rapidamente. Ao voltar a cabeça, vi um espetáculo horrível: corpos de crianças com cabeças de animais, de pássaros, de rãs, de macacos... Era apenas a fase mutante destes seres que voltavam lentamente à sua própria natureza humana. Entramos na sórdida cabana, sem deixar de cantar. A jovem parou sua dança imediatamente e desmoronou inconsciente sobre o solo de terra batida. O 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ animava ainda nossos lábios, quando sua cara marcada pelo sofrimento iluminou-se com um sorriso tingido de serenidade. Por fim, a morte a liberou de seu destino, de seu karma... Meu sonho terminou aqui e despertei. O rumor do Isère entrava por minha janela aberta: a voz do vale. 21
Tal foi o meu sonho. Eu fui ajustando a estória a medida em que a ia contando. Entretanto, em meu ensinamento, tudo é 公案 KŌAN e tudo deve ser matéria de reflexão para vocês, inclusive o erotismo que baliza esta narração. Esta estória constitui o númeno 11 de Val D’Isère e seu 公案 KŌAN forma a trama dos numerosos méritos do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Apesar de que é apenas um sonho, a veracidade deste conto é total, já que estabelece a fé no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Em minha infância, quando me dirigia à escola de bicicleta, nunca me esquecia de recitar este sūtra que me acompanhava ao largo de todo o caminho. O qual não me liberou, por outro lado, de todas as turbulências devidas ao meu caráter impulsivo. Mas tudo teria sido mais penoso se não tivesse tido fé no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Mais tarde, quando entrei para a vida social e minhas ocupações não me deixavam tempo para fazer todo o 座 禅 ZAZEN que eu desejava, o 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ fluía inconscientemente de meus lábios, incessante, enchendo-me de alívio. Tenham fé no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ e recitem-no nos momentos difíceis, ou contentem-se em recitar somente o mantra final: 羯諦、 羯諦 、 波羅羯諦、 波羅僧羯諦 、菩提薩婆。GYATEI, GYATEI, HARAGYATEI, HARASŌGYATEI, BŌJISOWAKA . (gate, gate, pāragate, pārasamgate, bodhi svāhā)... e tenham fé em sua eficácia. Não obstante, não esqueçam que devem recitá-lo sem meta! Não busquem a obtenção de algo, seja o que for. Cantem simplesmente com fé e deixem acontecer. 11
O autor utilizará recorrentemente esta expressão ao longo de todo
o comentário. Na de acepção utilizada passagem tem a conotação de “essência” ou “a coisa em si” nesta em oposição ao “fenômeno ou às coisas tais como aparecem e são conhecidas”. (N.T.) 22
Em meu sonho, todo mundo cantava ao final, GYATEI, GYATEI...
羯諦、 羯諦
“Vamos, vamos, vamos mais além do mais além, Até a verdadeira felicidade, Até a verdadeira liberdade, Vamos, juntos, Pela borda do infinito 悟 SATORI!” Existe uma quantidade inumerável de histórias referentes aos méritos ilimitados do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ. Estes méritos se realizam muito precisamente, e muito exatamente, se conservamos o espírito 無所得 MUSHOTOKU, sem objetivo, nem idéia de mérito, 只管 SHI KAN: sem meta. A história do Budismo Japonês conta numerosos casos de fervorosos crentes que recitaram o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ dia após dia e ano após ano, sem descanso, simplesmente movidos por sua fé. A história do Mestre 塙保己一 HANAWA HO KIICHI (1726-1821) é uma das que passou à posteridade. O Mestre 塙保己一 HANAWA HO KIICHI nasceu na província de 埼玉 SAITAMA, próximo a 東京 TŌKYŌ. Ficou cego aos cinco anos de idade. Aos doze anos, sua mãe morreu e ele se pôs a estudar medicina, acupuntura e a arte das massagens, entretanto não logrou triunfar já que não era muito hábil. Depois deste fracasso decidiu estudar literatura. Era incapaz de ler, mas sua enfermidade havia desenvolvido, em contrapartida, suas faculdades mentais, e muito especialmente a memória, de maneira que podia repetir quase textualmente toda uma obra, depois de a ter ouvido uma vez. Pouco a poucoespecializada sua memóriaespecialmente se transformou numasógrande enciclopédia, em obras literárias chinesas, até o ponto em que, aos vinte e 23
cinco ou vinte e seis anos, sua cultura nesta matéria superava a de seus preceptores. Como já não podia esperar nada em sua província, dirigiu-se a 東 京 TŌKYŌ, ao muito famoso santuário 天 満 宮 TENMANGŪ, onde fez a promessa de entoar o 般若 心経 HANYA SHINGYŌ ao menos uma vez ao dia. Sua promessa era recitá-lo pelo menos dez mil vezes, com a esperança de recordar-se, depois das cinco mil primeiras recitações, de todos os livros que havia lido e depois das cinco mil últimas, de poder comentá-los e publicá-los. Começou neste mesmo dia. Cada vez que recitava dez vezes, sua mulher colocava numa caixa um pedaço de papel para facilitar assim o cômputo, que ele efetuava a cada noite, antes de ir dormir. Às vezes superava uma centena de recitações ao dia. Nos dias em que seu fervor era especialmente grande chegava a duzentas, trezentas recitações. Assim continuou até sua morte, durante quarenta e três anos. Não passou um só dia sem que cumprisse sua tarefa. Aqui no 道場 DŌJŌ, apenas recitamos três vezes e alguns, cansados, se detêm antes do final sem emitir nenhum som, por medo de perder sua energia. 塙保己一 HANAWA HO KIICHI cantava-o até trezentas vezes ao dia sem por isto deixar de fazer 座 禅 ZAZEN. 座禅 ZAZEN é, desde logo, mais eficaz que a recitação do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ. Não obstante, se vocês caírem enfermos e tiverem que ficar acamados, poderão tentar recitá-lo cem, duzentas ou trezentas vezes. Não é tão fácil assim! Mestre 己一 KIICHI realizou sua promessa: escreveu quinhentos e trinta livros e publicou mais de mil. Sua mulher os lia, ele os comentava enquanto sua mulher escrevia seu ditado. Uma noite, ele comentava um texto, as velase se apagaram, já enquanto que se haviam consumido. Sua mulher seus parentes que escreviam à luz das velas lhe disseram 24
que não podiam continuar, pois estas haviam se extinguido. Sua resposta foi: “Que desgraçados sois ao possuir a visão! Que as velas se apaguem ou não, para mim dá na mesma! Posso seguir meus comentários de qualquer maneira!” Com efeito, se não fosse por sua cegueira, talvez não tivesse podido concentrar-se desta maneira, nem tivesse feito tantos esforços para realizar sua obra. A historia diz que recitou o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ de um a dois milhões de vezes e que devido a isto pôde levar a bom termo seu trabalho. Hoje em dia, a maioria de suas obras pode ser encontrada na importante Biblioteca Nacional de Tōkyō. O Mestre 玄奘 GENJŌ é também muito famoso por haver recitado um grande numero de vezes, mas 塙保己一 HANAWA HO KIICHI o superou amplamente. Pessoalmente, antes da Guerra fiz a promessa de escrever o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ um milhar de vezes. Cheguei a copiá-lo até seiscentas vezes, mas as folhas se perderam durante a Guerra, só me restou uma, que trouxe comigo para a França. Esta pendurada aqui, no muro deste 道場 DŌJŌ. Tinha o costume de escrevê-lo depois de cada 座禅 ZAZEN. Copiei-o umas seiscentas vezes, mas depois pensei que, se tinha tempo para escrever o 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, era melhor utilizá-lo para fazer 座禅 ZAZEN. Esta é a razão pela qual detive o trabalho. Muitos fervorosos crentes se entregam ainda hoje em dia a esta tarefa que constitui em escrevê-lo ou então em recitá-lo.
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漢 字 漢 文 漢字 “KANJI” e 漢文 “KANBUN”. 26
TEXTO EM 漢字 KANJI, TRANSCRIÇÃO FONÉTICA E TRADUÇÃO DO 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ
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般 若 心 経
羯 諦 羯 諦 波 羅 羯 諦 波 羅 僧 羯 諦 菩 提 薩 婆 訶
故 説 般 若 波 羅 蜜 多 呪 即 説 呪 日
是 大 神 呪 能 除 一 切 苦 真 実 不 虚
是 大 明 呪 是 無 上 呪 是 無 等 等 呪
得 阿 耨 多 羅 三 藐 三 菩 提 故 知 般 若 波 羅 蜜 多
三 世 諸 仏 依 般 若 波 羅 蜜 多 故
無 有 恐 怖 遠 離 一 切 顚 倒 薨 想 究 竟 涅 槃
菩 提 蕯 埀 依 般 若 波 羅 蜜 多 故 心 無 罣 礙 無 罣 礙 故 28
無 無
以 無 所 得 故
無 苦 集 滅 道 無 知 亦 無 得
明 亦 無 無 明 尽 乃 至 無 老 死 亦 無 老 死 尽
無 眼 耳 鼻 舌 身 意 無 色 声 香 味 触 法 無 眼 界 乃 至 無 意 識 界
舎 利 子
是 故 空 中
是 諸 法 空 相
無 色 無 受 想 行 識
不 生 不 滅 不 垢 不 浄 不 増 不 減
色 即
度 一
是 空
切 苦 厄
空 即 是 色 受 想 行 識 亦 復 如 是
舎 利 子 色 不 異 空 空 不 異 色
観 自 在 菩
摩
薩
般
行 深 般 若 波 羅 蜜 多 時 照 見 五 薀 皆 空
訶
若 波 羅 蜜 多 心 経 29
GYA
ZE
TEI
GYA
TEI HA RA
HAN NYA
GYA
TEI
KO
HA RA
HA RA
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SHIN SŌ
SHU
BŌ JI SO WA KA
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SHU WATSU
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GYŌ TEI
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ZE MU TŌ DŌ SHU
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30
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31
MAKA HANNYA HARAMIT-TA SHINGYŌ KANJIZAI BO-SATSU. GYŌ JIN HANNYA HARAMIT-TA JI. SHO KEN GO-UN KAI KŪ. DO IS-SAI KU YAKU. SHA-RI-SHI, SHIKI FU I KŪ, KŪ FU I SHIKI, SHIKI SOKU ZE KŪ, KŪ SOKU ZE SHIKI, JU SŌ GYŌ SHIKI YAKU BU NYO ZE. SHA-RI-SHI, ZE SHO HŌ KŪ SŌ, FU SHŌ FU METSU, FU KU FU JŌ, FU ZŌ FU GEN, ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZES-SHIN I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, MU MU-MYŌ YAKU MU MU-MYŌ JIN, NAI SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN, MU KU SHŪ METSU DŌ, MU CHI YAKU MU TOKU, I MUSHOTOKU KO. BODAI SAT-TA. E HANNYA HARAMIT-TA KO. SHIN KEIGE KO. U KU ON RIMU IS-SAI TENMU DŌKEIGE MU SŌ. KUMU GYŌ NEFU. HAN. SAN ZE SHO BUTSU. E HANNYA HARAMIT-TA KO. TOKU A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI. KO CHI HANNYA HARAMIT-TA. ZE DAI JIN SHU. ZE DAI MYŌ SHU. ZE MU JŌ SHU. ZE MU TŌ DŌ SHU. NŌ JO IS-SAI KU. SHIN JITSU FU KO. KO SETSU HANNYA HARAMIT-TA SHU. SOKU SETSU SHU WATSU. GYATEI, GYATEI, HARAGYATEI. HARASŌGYATEI, BŌJISOWAKA. HANNYA SHINGYŌ. 32
33
TRADUÇÃO DO MAKA HANNYA HARAMITTA SHINGYŌ
ESSÊNCIA DO SŪTRA DA GRANDE PERFEIÇÃO QUE PERMITE IR MAIS ALÉM Avalokiteshvara, o Bodhisattva da Verdadeira Liberdade, através da prática profunda da Grande Sabedoria, compreende que os cinco agregados (corpo-matéria-forma, percepção-sensação, pensamento, atividade e consciência) não são mais do que Vacuidade e, graças a esta compreensão, ajuda a todos os seres que sofrem. Oh, Shāriputra! Os fenômenos não são diferentes da Vacuidade. A Vacuidade não é diferente dos fenômenos. Os fenômenos são Vacuidade. A Vacuidade é fenômeno. O corpo-matéria-forma, a percepção-sensação, o pensamento, a atividade e a consciência são igualmente Vacuidade. Oh, Shāriputra! Todas as existências são igualmente
Vacuidade. Não há nascimento nem morte. Não há pureza nem impureza. Não há crescimento nem diminuição. Na Vacuidade não há corpo-matéria-forma, nem percepção-sensação, nem pensamento, nem atividade, nem consciência. Não há olhos, nem ouvidos, nem nariz, nem língua, nem corpo, nem mente. Não há consciência visual, nem consciência auditiva, nem consciência olfativa, nem consciência gustativa, nem consciência tátil, nem consciência da consciência. Não há ignorância nem extinção da ignorância. Não há envelhecimento nem morte, nem extinção do envelhecimento e da morte. 34
Não há sofrimento, nem causa do sofrimento, nem liberação do sofrimento, nem caminho que conduza à extinção do sofrimento. Não há sabedoria nem o que se conquistar. O único que há é 無所得 MUSHOTOKU: Nada que obter. Esta é a razão pela qual no espírito do Bodhisattva, graças a esta Ilimitada Sabedoria, não existem redes de obstáculos, nem causas de obstáculos. Não existe medo nem temor, nem causa de medo e temor. Desta maneira, o Bodhisattva se liberta das ilusões, das perturbações e dos apegos e chega à etapa ultima da vida, o Nirvana. Todos os Buddha do passado, do presente e do futuro obtiveram a Suprema Libertação graças a esta Grande e Ilimitada Sabedoria. Portanto, Hannya Shingyō é o Mantra Universal, o Grande Mantra Resplandecente, o Mantra mais Elevado, o Incomparável Mantra, aquele que extingue todo o tipo de sofrimento. É a verdade autêntica sem erro. assim:Este Mantra proclamado por Hannya Shingyō se diz 羯諦、羯諦、波羅羯諦、GYATEI, GYATEI, HARAGYATEI, 波羅僧羯諦、 HARASŌGYATEI, 菩 提薩 婆訶。 BŌJISOWAKA.
GATE GATE PĀRAGATE Vamos, vamos, vamos juntos! PĀRASAMGATE Vamos juntos mais além do além, BODHI SVĀHĀ até a realização última!
“O SUTRA DA ESSÊNCIA DA SABEDORIA”
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般 若 心 経 般若 心経 ”HANNYA SHINGYŌ”
“O SŪTRA DA ESSÊNCIA DA SABEDORIA” 36
37
摩訶 般若 波羅蜜多 心経
MAKA HANNYA HARAMITTA SHINGYŌ
38
HA MA SHIN RA KA GYŌ MIT HAN TA NYA 39
心 経
波 羅
摩 訶
蜜 多
般 若 40
41
COMENTÁRIOS SOBRE O TÍTULO
O Termo 摩 訶 MAKA, primeira palavra do título, significa “mais além”, “absoluto”. Mais além de todo o limite, mais além do tempo e do espaço. 摩訶 MAKA define o que está em tudo, o princípio inerente a todas as coisas, no interior e no exterior do ego, em qualquer época, em todas e em cada uma das coisas. É sinônimo do Poder Cósmico Fundamental que está em todas as partes, sem cessar em movimento, propagando-se como o ar e adaptando-se como a água. É o invisível sem forma. O segundo termo, 般若 HANNYA, define a sabedoria. Esta sabedoria nasce de 空 KŪ, do nada, do vazio. 般若 HANNYA é a emanação direta de 空 KŪ, seu outro aspecto, o manifesto e fenomenal. Portanto 摩 訶 般 若 MAKA HANNYA (Mahā Prajñā) significa a sabedoria infinita que procede de 般 [ 若 HANNYA] 12 ou de 空 KŪ, que não se fixa em nenhum lugar. É a verdadeira e total liberdade, o não apego absoluto. É a condição normal do espírito durante o 座禅 ZAZEN. No 座禅 12
No srcinal, “procede de 摩訶 MAKA”. (N.T.) 42
ZAZEN, os estímulos exteriores são percebidos com um grau de agudeza mais elevado que em tempo normal; mas seus efeitos sobre a consciência não se prolongam, desvanecemse rapidamente. O mesmo ocorre com os sentimentos, as emoções, os pensamentos que surgem do subconsciente. As recordações aparecem e passam, expulsos pela consciência 非思量 HISHIRYŌ, que é a condição normal do espírito. A consciência 非思量 HISHIRYŌ vê tudo, mas não se detém em nada, é fluida como a corrente de água. “As ondas se formam incansavelmente na superfície da corrente. Mas não podem apagar O reflexo da Lua que mora nela.” (Mestre 道元 DŌGEN)
煩惱 BONNŌ (ilusões, pensamentos e As ondas se dosformam, reminiscências) surgem, passam e morrem, sem afetar a consciência 非思量 HISHIRYŌ que permanece mais além. As ondas, longe de serem perturbadoras, são a condição do equilíbrio psicofísico, como a dor, por exemplo, que deve manifestar-se na consciência, que deve ser controlada e compreendida lucidamente, e de nenhuma maneira rechaçada de forma incontrolada às profundezas anárquicas do subconsciente. Evidentemente não podemos cortar definitivamente os 煩惱 BONNŌ, as ilusões: isto significaria a morte. A própria
vida através está feitadadevigilância ilusões. Não obstante, podemos controlálas da consciência que observa e compreende, e as faz diminuir. Por esta razão, não há 43
necessidade de se orgulhar das boas ações, nem se aborrecer com as más. Devemos nos sentir cheios de compaixão por aquelas pessoas dominadas por seus 煩惱 BONNŌ, seja por falta de lucidez, seja por debilidade. 摩訶 般若 MAKA HANNYA, esta sabedoria infinita sem apego, traduz-se, em seu último grau, pela atitude do espírito frente à vida e à morte: atitude sem apego, atitude de superação da vida e da morte, atitude de concentração sobre a vida, posto que estamos vivos, e sobre a morte, quando esta chegue, atitude de abandono ao Poder Cósmico Fundamental posto que tudo existe graças a ele,
atitude portanto sem ego (nem temor nem medo), sem númeno 13 . O sofrimento nasce desta dualidade, deste rompimento: Poder Cósmico versus consciência pessoal, Deus versus ego. Cada pessoa crê estar possuída de um espírito que lhe é próprio; pensamos então que este espírito nos faz sofrer, nos sacia ou nos faz gozar. Esta visão está mais próxima da verdade que aquela outra que consiste em odiar o mundo, crendo que ele éa dor a causa atribulações. Não obstante, desde física de aténossas a dor moral, a causa de nossos sofrimentos é, em qualquer caso, criada pelo apego ao ego, que se define como a crença errônea em uma entidade pessoal; erro de fixação e de crença na permanência do ego que nos conduz à ignorância. Bodhidharma ( 菩提達磨 BODAIDARUMA) estava sentado em 座 禅 ZAZEN frente a um muro. O segundo Patriarca, 慧可 EKA, que estava do lado de fora, na neve,
esperava um sinal do Mestre para que se dignasse a aceitá13
O autor emsignificado seus comentários voltará inúmeras vezes utilizar esta palavra cujo se refere “a coisa em si”, pora oposição ao fenômeno ou às coisas tais como aparecem e são conhecidas. (N.T.) 44
lo como discípulo. Mas Bodhidharma ( 菩 提 達 磨 BODAIDARUMA) permanecia imperturbável, e, diz-se, 慧可 EKA acabou por cortar seu próprio braço para expressar sua determinação. Dirigindo-se a Bodhidharma (菩 提 達 磨 BODAIDARUMA), disse: “O espírito de seu discípulo não está em paz! Mestre, rogo-lhe que o pacifique!” Bodhidharma (菩提達磨 BODAIDARUMA) respondeu: “Traga-me espíritopor e eutodas o pacificarei.” “Eu o tenhoseu procurado as partes”, respondeu 慧可 EKA, “mas não o pude encontrar. Não há como agarrá-
lo.”
“Isto significa que ele já está pacificado”, disse
Bodhidharma (菩提達磨 BODAIDARUMA)...
Um monge tropeçou em uma pedra e sentiu uma grande dor no pé. “Qual é a srcem de minha dor?”, perguntou-se. Neste mesmo momento obteve o 悟 SATORI. 波羅蜜多
Paramitā O oterceiro termoo ideal, o último, HARAMITTA significa mais além, a totalidade (plena. É a) prática excelente. 摩訶 般若 波羅蜜多 MAKA HANNYA HARAMITTA: a Grande Sabedoria que conduz mais além. E por último, o final: 心経 SHINGYŌ (Hridaya Sūtra) significa Sūtra do espírito. O que é o espírito? Espírito sem entidade, sem númeno. Assim fala o Budismo do espírito.
Eu falo sempre de Poder Cósmico Fundamental. Também se pode chamá-lo Espírito Único, ou Espírito Onipresente, que se estende por todo o cosmos e governa os fenômenos e a consciência do homem. Por outro lado, a
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palavra espírito, 心 SHIN pode ser traduzida também como “essência”, “centro” ou “medula”. 心経 SHINGYŌ se refere assim a “essência dos Sūtra”, ou ao “Sūtra essencial”. A primeira pessoa que traduziu o Sūtra do sânscrito ao chinês 漢文 KANBUN foi o mestre 玄奘 GENJŌ, que nasceu por volta do ano 600 d.C.. A lenda conta que, depois de ter decidido ir à Índia, tomou a firme disposição de trazer deste país todos os Sūtra budistas que encontrasse, para poder então propagá-los por toda a China. Acabava de passar pelas regiões fronteiriças da China com a Índia quando, repentinamente, caiu a noite. Dirigiu-se então a um pobre templo isolado. Apenas havia entrado e notou alguém falando. A voz era de um monge ancião, a ponto de morrer, que disse a 玄奘 GENJŌ imediatamente após vê-lo: “Sei o que é que você está à procura em nosso país. Escuteme atentamente”. E leu o Sūtra do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ 玄 奘 GENJŌ ficou profundamente comovido, pleno de alegria. Continuando sua viagem através da Índia não parou de cantá-lo, com medo de esquecê-lo, aumentando seu ardor quando sentia que sua vida estava em perigo. Uma noite, quando sua peregrinação já o havia levado ao centro da Índia, aquele monge ancião lhe apareceu novamente em seu leito, à noite. 玄奘 GENJŌ ficou muito surpreendido: - “Como pôde você ter chegado aqui?” – perguntou. -“Sou Avalokiteshvara, o bodhisattva 観音 KANNON”, respondeu a aparição. “Queria ensinar-lhe o maravilhoso Sūtra do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ . Esta é a razão pela qual eu vim até você”. Ditas estas palavras a aparição se desvaneceu novamente, deixando 玄 奘 GENJŌ novamente a sós no aposento, de posse do esplêndido tesouro do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, que a partir de ent ão compreendeu .
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perfeitamente, tanto em sânscrito como em 漢文 KAMBUN. 心 SHIN hridaya em sânscrito, significa “a essência”. A seita 真言 SHINGON omite o qualificativo “Grande”; para eles, o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ intitula-se “O Sūtra da Essência da Sabedoria”. 經 KYŌ (ou 経 GYŌ) corresponde a palavra sânscrita Sūtra. Os Sūtra são o conjunto de escrituras que transmitem os ensinamentos do Buda. –
經 KYŌ simboliza O ideograma se decompõe em dois elementos: o elemento da esquerda “o fio”; o elemento da direita, “a corrente viva”. Assim Sūtra, ou 經 KYŌ significa o fio transmissor, a corrente da vida, o Caminho. 経 GYŌ significa também “ir, caminhar direto”, como a marcha de 経 行 KIN HIN (caminhar lentamente segundo o método transmitido, depois do 座禅 ZAZEN). Depois da morte de Shākyamuni Buda, seus ensinamentos foram transcritos em folhas da planta Baitara (com 8 cm de largura por 60 cm de comprimento, aproximadamente) sobre as quais figura o traçado de uma corrente, definindo assim a natureza do texto. O título 摩訶 般若 波羅蜜多 心経 MAKA HANNYA
HARAMITTA SHINGYŌ pode ser traduzido então assim: O além.
Sūtra do Espírito da Grande Sabedoria que permite ir mais
47
心 空 心空 ”SHINKŪ” – A Mente que alcança todas as coisas. 48
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O ESPÍRITO DO VAZIO
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KAN JI ZAI BO SATSU Avalokiteshvara (KANJIZAI), o Bodhisattva (BOSATSU)
da Verdadeira Liberdade
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観 自 在 菩 薩 52
JI
HAN NYA GYŌ HA RA MIT TA
JIN
Através (JI) da prática profunda (GYŌ JIN) da Grande Sabedoria (HANNYA HARAMITTA).
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般 若 時 波 羅
行
蜜 多
深
54
SHO KEN GO UN KAI KŪ Compreende (SHO KEN) que os cincoSkandhas (GO-UN) (corpo-matéria-forma, percepção e sensação, pensamento, atividade e consciência) são (KAI) Vacuidade (KŪ).
55
照 見 五 薀 皆 空 56
DO IS SAI KU YAKU Ajuda a todas (ISSAI) que (DO) sofrem (KU) easseexistências afligem (YAKU) 57
度 一 切 苦 厄 58
A estrutura do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é de fato muito simples. O tema central é 空 KŪ e o ponto chave 無所得 MUSHOTOKU. Poderíamos resumir assim a tradução do Sūtra: Quando o Bodhisattva Avalokiteshvara pratica profundamente a Grande Sabedoria 般若
波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, vê que os cinco agregados são 空 KŪ (Vacuidade) e desta maneira ajuda a todos os que sofrem. Por isso, 舎利子 SHARISHI (Shariputra), 色 SHIKI (os fenômenos) não são diferentes de 空 KŪ (Vacuidade). 空 KŪ não é diferente de 色 SHIKI. 色 SHIKI é 空 KŪ. 空 KŪ é 色 SHIKI. O mesmo acontece com a percepção, o pensamento, a ação e a consciência. 舎利子 SHARISHI, todas as existências são 空 KŪ. São não nascidas e não extintas, não manchadas e não puras, não aumentam nem diminuem. Assim, em 空 KŪ, não há cinco elementos, nem seis órgãos da percepção, nem seis objetos da percepção, nem seis consciências, nem ignorância, nem extinção da ignorância, nem velhice, nem fim da velhice, nem morte, nem fim da morte, nem Quatro Nobres Verdades, nem sabedoria, nem proveito, somente há 無所得 MUSHOTOKU. Esta é a razão pela qual o Bhodhisattva, graças a esta Grande Sabedoria 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, tem o espírito tranqüilo e não conhece o medo. Separa-se de toda perturbação e de toda a ilusão e alcança o Nirvana. E os Patriarcas dos três mundos, graças à 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, chegam ao mais alto dos 悟 SATORI. Devemos compreender então que 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA é por excelência, o 59
Sūtra universal, o grande Sūtra luminoso, o mais alto e incomparável Sūtra graças ao qual se pode cortar todo o tipo
de sofrimento. Na verdade autêntica não pode haver erro. Eu declaro portanto que o Sūtra 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA proclama este mantra: “Vamos, vamos mais além, Vamos todos juntos mais além, Pela borda do 悟 SATORI”
O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ explica, por outro lado, que a sabedoria mais elevada é 空 KŪ, noção fundamental do Budismo. Por outro lado, o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ preserva o segredo do método para acessar esta sabedoria: trata-se de 無 所 得 MUSHOTOKU, a não busca da obtenção, a não persecução de uma meta. O paradoxo aparece: para obtê-la inteiramente, é preciso abandoná-la completamente; para obter a infinita sabedoria temos que nos libertar da busca da obtenção. Tem que ser 無所得 MUSHOTOKU. Mas para chegar a esta grande libertação, para nos desatar destes laços que nos atam à uma meta e à busca de um proveito, temos que compreender profundamente, intimamente, através do corpo e do espírito, o que é 空 KŪ. E para compreender 空 KŪ, o único método é a prática da concentração sem pensamento, mais além de qualquer pensamento: a consciência 非 思 量 HISHIRYŌ do 座禅 ZAZEN. Assim, o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ vai parar finalmente no 座禅 ZAZEN, e o 座禅 ZAZEN conduz à compreensão do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, a Grande Sabedoria.
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SOBRE A NOÇÃO DE 空 KŪ Este 漢 字 KANJI reaparece ao longo de todo o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. O 漢字 KANJI 空 KŪ é a tradução da palavra sânscrita shūnya ou shūnyatā, que tem sido traduzida no Ocidente como “vazio”; entretanto, esta tradução é imprópria. “Vazio” é somente um dos múltiplos significados de 空 KŪ. O sentido srcinal de shūnyatā é suvi, que designa a expansão, o movimento centrífugo; shūnyatā não é uma negação do conceito de existência enquanto tal, mas encerra a idéia de que toda a existência e seus elementos são dependentes do princípio de causalidade. Dado que estes fatores causais estão em perpétua mudança, dizemos que não pode haver existência por si própria. Shūnyatā nega portanto de maneira categórica a possibilidade de qualquer forma de existência fenomenal estática. Todos os fenômenos são relativos e interdependentes. shūnya é zero, conceito que os sentido muito de cedo, hindusOutro conheceram muito antes que no Ocidente. O zero não tem valor por ele mesmo, mas ocupa o lugar dos valores ausentes nos números. Simboliza por tanto todas as possibilidades, como um ovo cósmico que engendra e desintegra indefinidamente, em uma alternância rítmica de movimentos centrífugos e centrípetos. 空 KŪ não significa exclusivamente vazio. É ao mesmo tempo o alfa e o ômega, o receptáculo e o conteúdo de todos os fenômenos, os quais existem em função da não-existência e pelo princípio da interdependência. 空 KŪ é portanto “a existência sem númeno”, “a
existência desprovida de substancia própria”. Ouexistência também “ada não-existência do subjetivo e do objetivo”, ou “a 61
não-existência”. Pode ser também “a plenitude do vazio”, ou a plenitude potencial”. Existem duas noções importantes relativas a 空 KŪ: 人空 NINKŪ e 法空 HOKKŪ. 人空 NINKŪ designa o 空 KŪ do ego, o não-númeno do ego. 法空 HOKKŪ corresponde ao 空 KŪ do dharma, ao não-númeno de todas as existências. Todas as coisas, todos os fenômenos e todas as existências somente são o que são pelo princípio da impermanência. e porque estão submetidas à lei da interdependência No Budismo Hīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ), o conhecimento se estabelece através do método analítico. Tudo é analisado, desde a matéria até o espiritual, para chegar a noção final do NADA. O mesmo ocorre no processo da ciência moderna, que em suas últimas investigações tem chegado igualmente ao conceito do NADA. DAIJŌMas no Budismo Mahāyāna ( 大乗仏教 BUKKYŌ), a maneira de se aproximar da realidade é diametralmente oposta: a compreensão não nasce dos resultados de uma análise meticulosa, mas se estabelece de maneira sintética, a partir da intuição de 空 KŪ. A compreensão intuitiva e imediata de空 KŪ se converte assim na base de todo o conhecimento. Esta intuição permite o conhecimento e a compreensão das quatro verdades sobre a impermanência, a interdependência, os fenômenos e a essência. I. 無常 MUJŌ: A IMPERMANÊNCIA Todas as existências estão em perpétua mudança. Todas estão destinadas à vida e à morte. Todos os seresà sensíveis e todos os objetos inanimados estão submetidos 62
mesma lei universal: nascimento, desenvolvimento e crescimento, degeneração e morte, extinção. Nascemos, vivemos e entramos no ataúde. A mera compreensão desta lei deveria ser suficiente para cortarmos todos os apegos: apego à beleza, apego à juventude, ao amor... Mas queremos permanecer cegos e continuar a nos apegar. Tudo no cosmos sofre a lei da impermanência desde o átomo até as galáxias. Nosso nascimento nos conduz inexoravelmente até a morte. Por que ter medo? Por que rechaçá-la? Podemos morrer a qualquer instante, decidir aqui ea agora. Não há nada mais normal. Nós não podemos duração de nossa vida, nem o momento de nossa morte. Nosso corpo muda, evolui, transforma-se, da mesma forma que nosso espírito. Não há númeno permanente, não há entidade no ego. A ciência atual ainda não conseguiu determinar a natureza da substância vital. Atualmente, suas investigações a levaram a falar de energia fundamental, de força vital; mas estas não podem ser definidas precisamente. O fim da atividade vital significa a morte. No Budismo esta força é chamada 氣 KI. É o constituinte fundamental de todo o cosmos, e nisto, é equivalente a 空 KŪ. 空 o SHINGY KŌŪ e de fala o 般 若 Compreender 心経 HANNYA obterque a verdadeira
Sabedoria é compreender que o sofrimento nasce da ilusão que consiste em dar ao ego uma substância própria e durável, srcem do apego. A compreensão desta verdade é acessível durante o 座禅 ZAZEN. E seu conhecimento não é entristecedor, mas ao contrário, proporciona a alegria suprema e a autêntica coragem. II. 縁 EN: A INTERDEPENDÊNCIA Esta é uma noção da maior importância. Todas as existências são movidas pela lei da interdependência. 63
O termo dharma tem vários significados: Designa a multiplicidade de existências e de fenômenos, mas também, segundo a etimologia sânscrita, indica a ação de dirigir, de governar, de suportar; por último, seu sentido mais geral é o de ordem, lei. Só o jogo da interdependência de fatores diversos constitui a realidade impermanente das existências. A aglomeração momentânea de um certo número de elementos diversos e necessários, mantidos juntos pela força energética movimento, permite a srcina existência da estrutura fenomenal; em a perda do movimento a redução dos elementos, sua fixação num estado de inércia e a morte. A lei da interdependência permite a manutenção, em um estado de perfeito equilíbrio, de todas as relações e interações do mundo fenomenal. Desde a água, o ar, passando pelo corpo humano até os sistemas planetários, tudo é regido por esta lei na perfeita harmonia das interrelações. III. 色 SHIKI E 空 KŪ: OS FENÔMENOS E A ESSÊNCIA Os fenômenos são a causa direta do karma. O termo karma designa a ação, o movimento. Todo o fenômeno nasce da ação. O movimento procede de 空 KŪ, é seu aspecto fenomenal. Por isso, todos os fenômenos são as sombras de 空 KŪ, a sombra do espírito srcinal. 空 KŪ transcende os extremos, as polaridades. É o Caminho do Meio do Budismo, situado mais além dos contrários. Nosso mundo fenomenal é um mundo dualista, mas em sua essência, surge de 空 KŪ e desemboca em 空 KŪ, realizando-se através de 空 KŪ. Compreender esta lei, não intelectualmente, mas tornando-a presente no corpo e no espírito, é realizar o 悟 SATORI. Isto pode ser compreendido 64
inconscientemente, naturalmente, automaticamente, através do 座禅 ZAZEN. Todas as questões podem ser resolvidas assim, todos os sofrimentos podem ser superados. Isto é realizar o 空 KŪ do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, a autêntica e imanente verdade, é obter a liberdade suprema. 色 SHIKI representa os aspectos ou as estruturas provisórias, temporais, momentâneas e efêmeras. 色 SHIKI é a estrutura sem cessar em movimento do Poder Cósmico 空 KŪ é na o potencial nãoemanifesto, infinito emanifesto. eterno, presente infinidadecósmico de coisas imutável em sua natureza. É transcendente e imanente ao mesmo tempo, está além dos limites de qualquer coisa, mas está compreendido na própria essência de tudo.
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COMENTÁRIOS
観自在 菩薩 。 行 深 般若 波羅蜜多 時。 照 見 五薀 皆 空。 度一切苦厄。 KANJIZAI BOSATSU. GYŌ JIN HANNYA HARAMITTA JI. SHO KEN GO-UN KAI KŪ. DO IS-SAI KU YAKU. “Quando o Bodhisattva Avaloktehsvara (観自在 菩薩 KANJIZAI BOSATSU) pratica a Prajñā Paramitā, a Grande Sabedoria, observa e vê que os cinco skandhas ( 五薀 GO-UN: sensação, percepção, pensamento, ação e consciência) não são mais que Vacuidade, 空 KŪ. Por esta compreensão ajuda e salva todos os seres sofredores, desafortunados ou desgraçados.” Esta primeira frase é como um prólogo. Em sânscrito, o sūtra srcinal não tem título. Começa diretamente por: “Āryaavalokiteshvaro bodhisattvo gambhī rām prajñāpāramitācayām caramāno vyavalokayati sma: pañcaskandhās tāms ca svabhāva-shūnyān pashyati sma.”
O termo skandhās significa os cinco agregados, os GO-UN em japonês. Quando o HANNYA SHINGYŌ foi traduzido do sânscrito para o chinês por 鳩摩羅什 KUMARAJU (Kumārajīva), 五 薀 般若 心経
Ō, seu depois por 玄奘 GENJ sentido mais profundo com a transcrição em 漢字 KANJI. O ficou mesmo sucedeu ao 金剛 経 KONGO KYŌ, Vajracchedikā em sânscrito, o “Sūtra 66
do Diamante Cortador”. A tradução em ideogramas acrescenta sempre mais profundidade ao texto srcinal sânscrito. Ademais, na China, o Budismo Mahāyāna ( 大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ), o ensinamento do Grande Veículo, alcançou uma alta dimensão filosófica e prática, e se converteu em um pensamento mais acessível que o Hīnayāna ensinamento do Budismo (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ), reservado a um número restrito de ascetas e de praticantes, separados do mundo social. As frases srcinais do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ são muito simples. Não obstante, seu significado é muito profundo e necessita de extensos comentários. Os ideogramas 観自在 菩薩 KANJIZAI BOSATSU não traduzem somente o nome do Bodhisattva Avalokiteshvara, mas encerram em si um significado próprio. 玄奘 GENJŌ dava muitas outras possibilidades de tradução: 観世音 KANZEON, ou 観 自 在 KANJIZAI. 観 KAN significa observar, olhar; 自在 JIZAI: a liberdade; 菩薩 BOSATSU. O Buda vivo, a pessoa do 悟 SATORI. 観自在 菩薩 KANJIZAI BOSATSU: o ser vivo, aquele que alcançou o 悟 SATORI e a verdadeira liberdade. Segundo a tradição de 鳩 摩 羅 什 KUMARAJU (Kumārajīva), 観 世 音 KANZEON é homônimo de 観音 KANNON, aquele que observa o mundo dos sentidos, o mundo fenomenal, e experimenta uma grande compaixão. Na China e no Japão, 観自在 KANJIZAI só existe na forma de 観音 KANNON, o Bodhisattva da Compaixão; o culto que lhe dedicam está destinado a implorar e dar graças por sua compaixão. O conceito de 観 音 KANNON nunca foi conhecido como tal na Índia. A idéia se desenvolveu na China, onde muitos santuários foram dedicados à efígie do Bodhisattva; mas Japão onde se fez múltiplas verdadeiramente popular, e onde foi foi no representado segundo formas dependendo 67
das crenças, dos votos e dos poderes que lhe eram atribuídos. 観 音 A 14 KANNON srcinal é 千手観音 SENJŪ KANNON (Sahasra-bhuja), a 観音 KANNON de mil braços que simbolizam os múltiplos poderes de sua compaixão utilizados para socorrer à infinidade de formas de existência. Mas
também
se
pode
encontrar
a
馬頭 観音 BATO KANNON (Hayagrīva), ou a 観音 KANNON cabeça de cavalo, e a 竜 観 音 RYŪ KANNON, a 観 音 KANNON cabeça de dragão, que personificam os
poderes atribuídos respectivamente a estes animais. Também se pode ver 十 一 面 観 音 JŪICHIMEN KANNON (Ekadashmukha), a 観音 KANNON de onze caras, ou a 観 音 KANNON da liberdade, e a 六 観音 ROKU KANNON, ou a 観音 KANNON de seis corpos. Entretanto, a 観音 KANNON da água e da lua, ou a 観音 KANNON da rede sem dúvida se tratam da criação de algum poeta. Quando erae jovem me dirigia para contemplar suaeu face a encontrava muitoaos belasantuários nesta época. Um dia, um grupo de turistas americanos ria desmesuradamente enquanto contemplavam uma 観 音 KANNON de múltiplos braços. O jovem monge que guiava a visita interpelou uma americana do grupo e lhe perguntou: “A senhora tem filhos?” “Sim, tenho um.” 14
Da mesma apresentam-se forma em que não discutimos anjos”, ora os Bodhisattvas muitas vezeso “sexo com dos atributos femininos, ora masculinos, sendo transcendentes em matéria de gênero. (N.T.) 68
“Gostaria que me dissesse qual é seu método de educação.” “Depende”, respondeu ela. “Algumas vezes devo ser amável, outras vezes severa, algumas vezes tolerante, outras vezes intransigente, depende.” O jovem monge replicou então: “Quando uma mãe educa, ainda que seja um filho apenas, tem que usar diferentes métodos. Não estranhe então que o Buda necessite de mil, ou dez mil braços para salvarAà senhora infinidade de seres.” ficou muito impressionada... Cada uma das aparências tomadas por観音 KANNON tem um significado profundo. Cada uma dela personifica uma categoria de seres que 観音 KANNON deve salvar e conduzir até a Verdadeira Liberdade. Este é o sentido de 観自在 菩薩 KANJIZAI BOSATSU.
行 深 般若 波羅蜜多 時。 GYŌ JIN HANNYA HARAMITTA. 行 GYŌ: a prática, praticar. 行 GYŌ é difícil de traduzir. Não tem o sentido de prática voluntária, traduzindo melhor a idéia de prática total, profunda, nascida do corpo e do espírito, naturalmente. 深 JIN significa profundo, intenso. 般 若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA é a transliteração japonesa da expressão sânscrita prajñāpāramitā, a grande sabedoria surgida do 悟 SATORI. 波羅蜜多 HARAMITTA é a sabedoria que permite alcançar o ideal mais elevado, a partir da realidade fenomenal. Distinguem-se cinco tipos de práticas para se chegar a este ideal: 69
自 慳 布 施 JI KEN FUSE ( 布 施 FUSE, a doação) significando: abandonar os desejos pessoais, ter compaixão pelos demais. É dar o melhor de si com espírito 無所得 MUSHOTOKU, altruísta e despojado de todo o apego a si mesmo. 持 戒 JI KAI, é observar os preceitos, o respeito da moral. Aqui também não há de se respeitar os preceitos para proveito próprio, pelos benefícios que se possa conseguir com isso, mas para ajudar os demais, com um espírito 無所得 MUSHOTOKU. 忍辱 NINNIKU: a paciência. Deve ser exercida com um espírito 無所得 MUSHOTOKU. É difícil de praticar. 精進 SHŌ JIN: o esforço, a perseverança, a prática assídua de 座 禅 ZAZEN. Praticar 座 禅 ZAZEN para os demais e para o cosmos inteiro, e não para si mesmo, com uma meta egoísta, nem para se mostrar. 禅定 ZEN JŌ: 座禅 ZAZEN, o estado de serenidade. Esta atitude corresponde ao espírito de concentração que engendra a verdadeira atitude 無所得 MUSHOTOKU. A doação e a compaixão constituem a base e o 15 destas cinco práticas. resultado último A sexta prática é a última sabedoria, o poder de conhecer todas as coisas expresso no termo 波羅 HARA: o fundo do mar, os abismos, e aqui no sentido de penetração profunda. O seguinte conto japonês ironiza a maneira corrente de aprender a vida, com uma grande falta de sabedoria: “Um coelho, um cavalo e um elefante decidiram um dia atravessar correndo um rio. O coelho chapinhou na superfície da água. O cavalo nadou e o elefante caminhou pelo fundo do rio.”
15
Apesar de anteriormente ter falado em cinco, há uma sexta,
般若波羅蜜, HANNYA HARAMITSU. (N.T.) 70
O elefante chegou em primeiro, o cavalo em segundo e o coelho em terceiro. No 證 道 歌 SHŌDŌKA, de 永嘉大師 YOKA DAISHI 16 está escrito; “O grande elefante não brinca no atalho dos coelhos pequenos”. Como praticar 般 若 HANNYA, a grande sabedoria? É um grande 公案 KŌAN. O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ dá a resposta. 時 JI: quando, no momento em que. Quando 観 自 在 菩 薩 KANJIZAI BOSATSU, o bodhisattva da verdadeira pratica 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, liberdade, a suprema sabedoria.
照 見 五薀 皆 空。 SHO KEN GO-UN KAI KŪ. 照 SHO significa brilhar, aclarar. 見 KEN traduz a idéia de observar em direção ao
interior de si mesmo, observação de si mesmo que deve conduzir ao conhecimento de si. 照 見 SHO KEN significa assim a luz, o despertar interior, abrir o olho do espírito. GO-UN: Os panca-skandhās, em sânscrito, são os termos que designam os cinco agregados fundamentais de onde surgem todos os elementos físicos e mentais que constituem o mundo fenomenal. A filosofia Budista distingue cinco tipos de agregados: O primeiro é 色 SHIKI (rūpa em sânscrito), termo genérico que designa toda a forma material e abarca em seu conceito todo o mundo visível e fenomenal. 16
Yoka Daishi –“Shodoka – O canto do Satori imediato”. Tradução e comentários do Mestre Taisen Deshimaru Roshi, Ed. Pensamento, São Paulo, 1997. pág. 249. (N.T)
71
O segundo skandha, 受 JU (vedanā em sânscrito) se refere à percepção. O 漢字 KANJI 受 JU significa “receber” através dos cinco órgãos dos sentidos. Percebemos assim as cores, os sons, os cheiros, [os sabores] 17 , os contatos e experimentamos sofrimento ou alegria. Esta percepção é sempre compreendida segundo as três sensações: agradável, desagradável e indiferente. O 漢字 KANJI 想 SŌ (samjñā em sânscrito) designa a ação da consciência, as concepções mentais e as idéias. Através do segundo skandha, a percepção, e por meio da ação da consciência, nasce 行 GYŌ, o quarto skandha (samskāra em sânscrito) que é o skandha da volição. Depois da percepção, das concepções mentais e das idéias, aparece a vontade. Deseja-se agir. O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ insiste amplamente sobre os elementos que estão na srcem da ação, e sem os quais não apareceria nenhum aspecto do mundo fenomenal. Trata-se de 眼 耳 鼻 舌 身 意 GEN NI BI ZE SHIN I. 眼 GEN: o órgão da visão; 耳 NI: o órgão auditivo; 鼻 BI: o órgão olfativo; 舌 ZE: o órgão gustativo; 身 SHIN: o 意
órgão tátil; o instrumento da vontade, consciência. A discriminação, oI:juízo e o erro nascem desteacinco órgãos da consciência. Em um Sūtra se conta a seguinte história: O rei 波 斯 匿 HASHINOKU (Prasenajit) fala com a rainha: “O mundo é vasto, mas amas a alguém mais do que a mim?” “Gostaria de dizer-te que te amo mais que a mim mesma, mas na verdade creio que me amo mais”, respondeu ela. E o rei replicou: 17
Não consta do srcinal. (N.T.) 72
“É verdade, eu também me considero diante de meus olhos mais importante que qualquer pessoa.” Suas palavras eram justas: cada homem ama mais a si mesmo e cai no egoísmo e no narcisismo. O que é o egoísmo? É um grande 公 案 KŌAN. Abandonar o ego é muito difícil. O quinto skandha, 識 SHIKI18 corresponde a vijñāna em sânscrito. Vi significa analisar e jñāna, compreender. Vijñāna ou 識 SHIKI significa a consciência do espírito. Em kanji é 意 識 I SHIKI, a consciência do espírito. O conceito devijñāna representa a totalidade da vida do espírito, enquanto que os quatro skandhas restantes constituem assim a vida do corpo e do espírito de todos os seres sensíveis assumidos pelo mundo fenomenal e as forças do desejo. Formam o ego e todos os aspectos do mundo fenomenal. Sem embargo, o ser senciente não tem natureza essencial que lhe seja própria. Tudo está submetido à impermanência e à mudança perpétua. Os cinco agregados não tem substância própria. Isto é o que significa 五薀 皆 空 GO-UN KAI KŪ: os cinco skandhās são 空 KŪ. O ser senciente e temporal é sem substância. Existe e pode ser observado com os olhos de nossa consciência, mas sua condição está sempre em evolução. Sua substância é a vacuidade. Todos os juízos e todas as apreciações pessoais são fruto do egoísmo. Nada existe em si nem por si. Tudo é produto da interdependência. As interferências diversas criam karma diversos e individualizados. Não há ego estável. A existência é sem númeno.
18
Este 識 SHIKI (vijñ āna) é em japonês homófono do primeiro skandha, 色 SHIKI (rūpa). (N.T.) 73
Compreender isto é obter o 悟 SATORI. Durante o 座 禅 ZAZEN podemos realizá-lo. Como alcançar esta compreensão, como obter esta sabedoria última, este poder infinito, esta felicidade suprema? A existência de todos os seres sencientes é 空 KŪ. Tudo é 空 KŪ, sem númeno, tudo se modifica. E é em空 KŪ, no nada infinito, no abandono total do “eu”, onde se encontra a mais alta realização do ser.
度一切苦厄。 DO IS-SAI KU YAKU. 度 DO significa ajudar, salvar. 一切 IS-SAI: todas as coisas. 苦 KU: o sofrimento. 厄 YAKU: a desgraça.
Conta-se que na antiga Pérsia havia um rei chamado Zemir. Coroado ainda muito jovem reuniu ao seu redor numerosos eruditos procedentes de todos os rincões do mundo. a história da humanidade e pediu a estes Desejava eruditos conhecer que a escrevessem. Todos se puseram imediatamente a trabalhar consenciosamente, tencionando juntar o maior número de detalhes conhecidos. A tarefa não durou menos que trinta anos. Ao cabo deste tempo, dirigiramse até o palácio com mais de quinhentos volumes transportados por doze camelos. O rei Zemir já havia então superado os cinqüenta anos. “Já sou velho, não terei tempo de ler tudo isso antes de minha morte. Façam-me uma edição abreviada, eu suplico”. Os sábios empreenderam de novo a tarefa e trabalharam mais dez anos. Depois voltaram ao palácio com três camelos apenas. Mas o rei havia envelhecido muito durante estes dez anos. Quase nem tinha a coragem de se por a estudar, nem sequer a centena de volumes extraída da versão srcinal. 74
“Necessito de uma edição ainda mais abreviada”, disse aos sábios. Dez anos passaram novamente antes que voltassem a ver o rei com um elefante carregado com dez obras. O rei septuagenário e meio cego - já não mais podia verdadeiramente ler. Zemir pediu então uma edição de um só volume. Os eruditos também haviam envelhecido. Por isso, demoraram mais cinco anos para terminar seu trabalho. Voltaram a ver o rei com um só volume, mas o rei estava muito “Devo doente, agonizando. morrer sem conhecer a história da humanidade?” O mais velho dos sábios, sentado em sua cabeceira, sussurrou-lhe ao ouvido: “Vou explicar em três palavras a história do homem: o ser humano nasce, sofre e morre.” Neste mesmo instante o rei expirou. Buda alcançou o 悟 SATORI no mundo onde havia sofrido. Os sofrimentos e as dificuldades são o avesso do mundo da felicidade e das satisfações. As pessoas que desejam a com felicidade sofrer. Se soubermos nos contentar uma devem felicidade simples, o sofrimento desaparece: isto é o 悟 SATORI. A história do ser humano é a história do sofrimento: nasce, sofre e morre. Mas graças a 度一切苦厄 DO IS-SAI KU YAKU existe o meio para salvar todos os seres do sofrimento e da desgraça. Todos os seres nascidos podem ser felizes e gozar a vida eterna, se seu espírito é 無所得 MUSHOTOKU, se está desprovido de toda a busca de proveito. Mas o homem busca a felicidade de maneira errada. Precipita-se sem cessar na satisfação de seus desejos, crendo obter assim a felicidade. Não obstante, a felicidade não nasce do que se recebe, mas do que se dá. Quanto mais se recebe, mais se exige. Os desejos são insaciáveis, e a insatisfação, perpétua. Desprender-se dos desejos, esquecer a busca da felicidade, 75
abandonar a via errônea, todas estas atitudes que nos afastam do egoísmo e nos aproximam do espírito 無所得 MUSHOTOKU, aproximam-nos tanto mais da felicidade autêntica. A doação total de si, o abandono do ego, transporta o ser à felicidade suprema. Compreender isto é ter a sabedoria 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ.
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苦 諦 苦諦 “KU TAI” – A Nobre Verdade sobre o Sofrimento. 77
色 空
空 色
色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ
“Os Fenômenos são Vacuidade.” 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI “A Vacuidade é Fenômeno.” 色 即 是 色 SHIKI SOKU ZE SHIKI “Fenômenos são Fenômenos” 空 即 是 空 KŪ SOKU ZE KŪ. “Vacuidade é Vacuidade. 78
OS FENÔMENOS SÃO VACUIDADE A VACUIDADE É FENÔMENO
79
80
SHIKI Ū K SHA FU FU RI I I SHI SHIKI KŪ Oh, Shariputra! (SHARISHI), Os fenômenos (SHIKI) não (FU) são diferentes (I) da Vacuidade (KŪ). A Vacuidade (KŪ) não (FU) é diferente (I) dos fenômenos (SHIKI).
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空 不 異 色
色 不 異 空
舎 利 子
82
KŪ
SHIKI
SOKU SOKU ZE SHIKI
ZE KŪ
Os fenômenos (SHIKI) são Vacuidade (K Ū). A Vacuidade (KŪ) é fenômeno (SHIKI).
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空 即
色 即
是 色
是 空 84
YAKU JU BU SŌ NYO GYŌ ZE SHIKI A percepção-sensação (JU), o pensamento (SŌ), a atividade (GYŌ) e BU a NYO consciZE) ência (SHIKI) são igualmente (YAKU [Vacuidade].
85
亦 復
受 想
如 行 是 識 86
COMENTÁRIOS
舎利子、色不異空、空不異色、 色即是空、空即是色、 受想行識、亦復如是。 SHARISHI, SHIKI FU I KŪ, KŪ FU I SHIKI, SHIKI SOKU ZE KŪ, KŪ SOKU ZE SHIKI, JU SŌ GYŌ SHIKI, YAKU BU NYO ZE. A partir daqui começam as palavras de Buda dirigidas a 舎利子 SHARISHI. O Buda Shākyamuni ordenou dois mil e quinhentos discípulos, entre os quais selecionou dez para entregar a transmissão. O primeiro é o mencionado no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, 舎利子 Sharishi ( Shāriputra em sânscrito). Era famoso por sua grande inteligência. O segundo é 目連 MOKUREN ou 目犍連 MOKKENREN (Maudgalvalāyana em sânscrito), também chamado Kolita ( 拘栗 KURI). Nasceu de pai brahman na cidade de Kolita, perto de Rājagriha (王舍城 ŌSHA JŌ) . Sob a influência de seu amigo Shāriputra fez-se discípulo de Buda Shākyamuni. Maudgalvāyana era conhecido por sua habilidade com os poderes mágicos. O terceiro, 摩訶迦葉 MAKA KASHŌ (Mahākāshyapa em sânscrito) nasceu igualmente de uma família de brahmanes chamada Pippalayana e se tornou discípulo de Buda três anos depois de obter o 悟 SATORI. Depois de apenas oito dias de permanência ao lado de Buda, converteu-se em um sábio, em um liberado. Entregou-se à 87
prática do 頭陀行 ZUDAGYŌ 19, da qual foi um dos principais praticantes. Um dia em Benares, o Buda Shākiamuni, à maneira de sermão, tomou uma flor em seus dedos e a fez girar. Apenas Mahākāshyapa compreendeu o sentido deste gesto e sorriu. Buda lhe entregou a flor e lhe transmitiu o Dharma. Foi ele quem primeiro recebeu o 嗣 法 SHIHŌ, a transmissão. Antes de sua morte, ele a transmitiu por sua vez a頭 陀Ānanda , o qual obteve o mandato ordem 行 ZUDAGY Ō. Sua profunda virtude lhedavaleu ser conhecido com o nome de “discípulo da pele de ouro”. O quarto é 阿 那律 ANARITSU ( Anurudha em páli, Anirudha em sânscrito). Era primo de Buda. Sempre adormecia durante os sermões de Buda, e por isso fez a promessa de nunca mais dormir. Perdeu a visão em conseqüência, mas adquiriu o olho maravilhoso que faz parte dos seis poderes e que permite ver intuitivamente todas as coisas. Segundo a tradição birmanesa, Anirudha expôs o Abhidharma-Pitaka 20 no primeiro concílio de Rājagriha 王舍城 ŌSHA JŌ). Este concílio havia reunido, pouco menos (de um mês depois da morte de Buda, uns quinhentos monges, de santidade reconhecida, com a tarefa de reunir e transcrever as palavras de Buda. Desta forma, foram fixados e transcritos os textos canônicos. 19
頭陀行 ZUDAGY Ō: Práticas ascéticas destinadas à purificação do corpo e da consciência, e ao desapego à vestimenta, aos alimentos e à uma moradia fixa. 20
Abhidharma-Pitaka ( 阿毘達磨 ABIDATSUMA) Uma das três divisões do cânone Budista. É formado por comentários e tratados
sobre Segundo a filosofiao Budista e atribuídos aos (compilação) primeiros discípulos de Buda. cânone Páli, este Pitaka é composto por sete obras principais. 88
O quinto é 須菩提 SHUBODAI (Subhūti em sânscrito). Obteve o 悟 SATORI realizando 空 KŪ através do Sūtra do Diamante. O sexto é 富 楼 那 FURUNA ou Purna (PurnaMaitrāyani-Putra). Filho de um professor de Shuddhodana ( 浄飯王 JOBONNO), rei de Kapilavastu ( 毘羅衛国 KABIRAE KOKU), da mesma idade de Buda, nascido no mesmo mês. Foi o pregador mais eloqüente de todos os discípulos. 旃延 O sétimo: em sânscrito). Também procedia deKASENNEN uma família(Kātyāyana de brahmanes do sul da Índia. Foi um hábil orador que amava os debates. O oitavo 優婆離 UPARI ou UBARI (Upāli em sânscrito). Nasceu escravo. Fez-se o propagador da moral através dos preceitos, que ele mesmo respeitava escrupulosamente. O nono 羅 喉 羅 RAGORA ou RAUN (Rāhula em sânscrito). Filho de Buda, nasceu antes que Shākyamuni renunciasse ao mundo. Ele também respeitava profundamente os preceitos. O décimo: 阿難 ANAN (Ānanda em sânscrito). Também era primo de Buda. Esteve a seu lado por mais de vinte anos,
ajudando-o como criado. Era de umatodas delicadeza e de uma distinção notáveis. Sua beleza atraia as mulheres que o viam. Esta foi a razão pela qual foi para Buda um dos discípulos mais difíceis. Buda teve de admoestá-lo às vezes. Mas, por outro lado, há que se reconhecer nele grandes qualidades intelectuais e uma memória excelente. Assim como seu condiscípulo 阿 那 律 ANARITSU, expôs seus comentários sobre o Tripitaka ( 三 蔵 SANZO), durante o primeiro concilio de Rājagriha (王舍城 ŌSHA JŌ). Cada um dos discípulos de Buda tinha faculdades e qualidades muito diferentes. Sua educação foi conduzida segundo suas particularidades, que Buda descobriu e desenvolveu. De qualquer maneira, Shāriputra (ou 舎 利 子 SHARISHI) a quem Buda se dirige no 89
HANNYA SHINGYŌ, era conhecido por sua grande inteligência. É interessante saber este detalhe para poder compreender a continuação do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. 舎利子 SHARISHI: Oh, Shāriputra...! Nos Sūtra, as palavras sempre são dirigidas a um discípulo em especial. Na maioria dos casos, a data e o lugar em que se deu o ensinamento também estão indicados. Freqüentemente se encontra também o termo 如是 NYO ZE 般若 心経
21
que significa: “Assim eu ouvi” . Fala-se a um discípulo em particular, depois são citados os nomes dos discípulos presentes, o nome dos dez principais discípulos e ainda mais nomes em seguida, dependendo das circunstâncias. Nos sūtras amidistas, a palavra é sempre dirigida especialmente a舎利子 SHARISHI, o primeiro discípulo de Buda. Mas o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é um Sūtra que não tem introdução. Por isso não se conhece nem o lugar nem a época em que este ensinamento foi transmitido. A palavra é dirigida diretamente a 舎利子 SHARISHI22. 21
A forma canônica completa é 如是我聞 NYOZEGABUN, que corresponde ao sânscrito evam mayā shrutam , “assim eu ouvi”. Após a morte de Buda, seus discípulos se reuniram e codificaram seus ensinamentos. 阿難 ANAN ( Ānanda), conhecido por sua prodigiosa memória, recitava-os iniciando por esta fórmula. (N.T.) 22
O cânone tibetano conservou, em sua versão do Mahā Prajñā Paramitā Hridaya Sūtra, (bCom Idam’das ma shes rab kyi pha tu phyin p’ai snying po – Chom dän dä ma she rab kyi pa rol tu jin pai nying po), aquilo que corresponderia a introdução: “Assim eu escutei. Certa época, o Abençoado estava em Rajagriha , na Montanha dos Abutres,Naquela em companhia um grande número de monges e Bodhisattvas. ocasião,de o Abençoado
estava absorto na concentração dos inúmeros aspectos dos fenômenos, denominada Profunda Iluminação.” 90
舎利 子 SHARISHI nasceu de uma maneira especial que o predestinava a ser discípulo de Buda. Esta é a história: “Próximo ao lugar onde nasceu Buda, e alguns anos antes de seu nascimento, vivia um brahman que tinha uma filha chamada Shāri, de uma grande beleza. Shāri é o nome de um magnífico pássaro, uma espécie de fênix indiana de mirada penetrante. Esta era a razão pela qual o brahman escolheu este nome para sua filha Shāri, que também tinha um olhar profundo e penetrante. Shāri se casou com um jovem chamado Decha. Uma noite, Shāri teve um sonho onde viu um homem jovem que a impressionou por seu poder: estava vestido com um chapéu de aba larga e em sua mão direita tinha um cetro de diamante 23. Quando brandia o diamante, as montanhas se fendiam, desintegravam-se e desapareciam. Várias vezes elevou seu cetro e seu gesto provocou cada vez mais desmoronamentos. Continuou assim seu jogo até que, alçando a marca de seu poder, fazendo-o girar ao redor de sua cabeça, encontrou resistência em uma modesta montanha. Shāri despertou neste momento. Nesta mesma noite engravidou. Nove meses depois deu à luz um
āriputra. menino que chamaria Desde a mais Sh tenra idade, este menino demonstrou possuir uma inteligência destacada. Já adolescente, seu pensamento atingia tamanha profundidade que nem sequer os adultos dos arredores conseguiam sustentar a conversação com ele. De vez em quando, saia a dar longos passeios pelas altas montanhas dos arredores. Passeando assim um dia Extraído de “Coração da Sabedoria” – Um comentário ao Sutra Coração - Geshe Kelsang Gyatso - Ed. Tharpa Brasil, 2000. pág.161. (N.T.) 23
金剛杵
KONGŌ -SHO em sânscrito, japonês. (Este de Vajra diamante simboliza a natureza do em Despertar bodhicetro ou 菩提 BODAI), que corta todas as ilusões (klesha ou 煩悩 BONNŌ). 91
com seu amigo 目連 MOKUREN, perceberam no fundo do vale ruídos de festa e alvoroço que os tiravam de sua melancolia. “Vamos nos divertir com eles”, decidiram de comum acordo. Beberam, riram e dançaram durante toda a noite. O dia se levantava e depositava sua luz sobre os últimos atrasados, bêbados sempre sedentos, jovens desavergonhados, sempre insaciáveis em sua desmesura, jovens sem ocupação, embrutecidos, desenganados. Então verificaram a precariedade da vida, o redemoinho que arrasta as pessoas de um lado para o outro em menos tempo que o necessário para verificarmos que estamos atravessando o rio da vida, em menos tempo que o necessário para compreender a maneira de escapar ao naufrágio. “Vamos buscar a eternidade, vamos nos saciar da imortalidade”, disse Shāriputra, “vamos encontrar a fonte inesgotável que alimenta todo este movimento. Com certeza um grande mestre nos indicará o bom caminho”. Ficaram a procurar um verdadeiro mestre e se fizeram discípulos de um brahman chamado Sandyana. Pouco tempo depois, como os dois eram muito inteligentes, o mestre lhes disse: “Vocês também podem ser mestres. Tenho duzentos e cinqüenta discípulos. A partir de agora vocês se ocuparão de sua educação.” Uma semana mais tarde, converteram-se nos representantes do mestre. Entretanto 舎利子 SHARISHI e 目連 MOKUREN não estavam satisfeitos. Uma manhã, durante o passeio de mendicância (托鉢 TAKUHATSU), cruzaram com um monge muito jovem. Este se deteve frente a eles do outro lado do caminho. “Que serenidade e que nobreza! Que dignidade!” Não podiam desviar o olhar do semblante tão puro e agradável daquele jovem monge. 舎 利 子 SHARISHI e 目連 MOKUREN estavam absortos. 92
“Certamente é mais jovem do que nós, mas sua atitude, entretanto, é tão perfeita! Quem o dotou de tão belas qualidades? Que sábio o guia? Sem dúvida é um mestre!” O jovem monge respondeu: “Meu Mestre é Shākiamuni Buda”. 舎利子 SHARISHI e 目連 MOKUREN não esperaram mais nada para dirigirem-se a este mestre.Shākiamuni Buda dedicou toda sua atenção à sua educação e rapidamente converteram-se em seus melhores discípulos. 舎 利 子 SHARISHI era as vezes enviado por Buda para pregar em seu lugar. O poeta Pengissa, depois de ter escutado um de seus sermões, escreveu este poema: “Grande inteligência, grande sabedoria, muito profundas são as de Shāriputra. Muito hábil é para diferenciar o Caminho daquilo que não é.” Seus sermões eram freqüentemente simples e curtos, mas sempre de uma grande profundidade. Sua voz justa e Shāri forte vibrava comoviva. a doDoce pássaro . Suas fluíam como uma fonte como o mel, suapalavras voz transmitia alegria a todo o auditório. Sempre muito digno, Shāriputra era muito respeitado e admirado. Foi um grande pregador, um orador natural.” O Bodhisattva 観自在 KANJIZAI, ou Avalokiteshvara é uma figura simbólica, o símbolo do amor universal. É a imagem de um atributo do Buda: sua compaixão. Pelo contrário, 舎利子 SHARISHI existiu realmente e foi o primeiro discípulo de Buda. No 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, Buda, por meio de seu representante Avalokiteshvara, dirigiu-se então a 舎利子
SHARISHI. Por que esta conversação? Por que pôr em cena estas duas figuras? 93
舎 利 子 SHARISHI é o símbolo da sabedoria, da inteligência. Por isso, o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é
essencialmente um discurso que a compaixão faz à razão.
舎利子、色不異空、空不異色、 色即是空、空即是色、 受想行識亦復如是。 SHARISHI, KŪSOKU , KŪ FU SHIKI, SHIKI SOKUSHIKI ZE KFU Ū, KI Ū ZEI SHIKI, JU SŌ GYŌ SHIKI YAKU BU NYO ZE. Estas frases formam o pilar central do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, sua espinha dorsal. Depois do nome de 舎 利 子 SHARISHI vêm quatro frases compostas cada uma por quatro ideogramas: 色 SHIKI não é diferente de 空 KŪ: 空 KŪ não é diferente de 色 SHIKI: 色 SHIKI é 空 KŪ: 空 KŪ é 色 SHIKI:
色 不 異 空。 空 不 異 色。 色 即 是 空。 空 即 是 色。 94
E depois, 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI (este 識 SHIKI não é o mesmo que o anterior). Estes são os 五薀 GO-UN, os cinco agregados que tínhamos estudado anteriormente. Cada um destes cinco agregados é por sua vez 空 KŪ e 空 KŪ se transforma sucessivamente em cada um destes agregados. 色 SHIKI significa: os fenômenos, o visível, o universo nya 空 KŪ ésem material, a forma, o corporal. a Vacuidade, em sânscrito, a existência absoluta, númeno, sh a ūnãodiscriminação absoluta, a essência una e não conceitualizável. 色 不 異 空 SHIKI FU I KŪ: 色 SHIKI não é diferente de 空 KŪ, os fenômenos não são diferentes da essência. 空 不 異 色 KŪ FU I SHIKI: 空 KŪ não é diferente de 色 SHIKI, a essência não é diferente dos fenômenos. 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ: 色 SHIKI é 空 KŪ, os fenômenos em si são 空 KŪ, a Vacuidade. 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI: 空 KŪ em si é 色 SHIKI, a essência, a vacuidade mesma é fenômeno.
JU SŌ GYŌ SHIKI: como vimos anteriormente e com algum detalhe, 色 受 想 行 識 SHIKI JU SŌ GYŌ SHIKI são os cinco skandhās, os cinco agregados fundamentais: as formas e fenômenos, as sensações e percepções, as concepções mentais, a volição e a consciência. 色 SHIKI, o fenômeno (e primeiro agregado) é em si 空 KŪ, vacuidade; e 空 KŪ, a vacuidade, é em si, 色 SHIKI, fenômeno. 受 想 行 識 亦 復 如 是 JU SŌ GYŌ SHIKI YAKU BU NYO ZE: assim é para 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI, os 受 想 行 識
quatro OsKcinco agregados fundamentais não sãooutros nada agregados. mais que 空 Ū, Vacuidade. Assim, pode-se dizer 受 不 異 空 JU FU I KŪ, e 空 不 異 受 KŪ FU I JU: as 95
percepções não são diferentes de 空 KŪ, 空 KU não é diferente das percepções. 受 即 是 空 JU SOKU ZE KŪ, 空 即 是 受 KŪ SOKU ZE JU: as percepções em si são空 KŪ, Vacuidade e a Vacuidade em si é percepção. Podemos assim estabelecer as mesmas equações para 想 SŌ, as concepções mentais, para 行 GYŌ, a volição, e para 識 SHIKI, a consciência. Os cinco agregados são 空 KŪ, e 空 KŪ não é outra coisa que os cinco agregados. Esta passagem é uma das mais importantes do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ: define a filosofia essencial do Mahāyāna ( 大 乗 DAIJŌ), e muito particularmente do Budismo Zen (禅宗 ZEN-SHŪ), onde é seu pilar central. Em último lugar, os cinco agregados (dos quais emanam, por aglomeração e interferências múltiplas, a variedade infinita de estruturas do mundo fenomenal) manifestam sua presença relativamente à rapidez do movimento que lhes é intrínseco. Sua “materialidade” – sua atualidade – está em função do movimento, e encerrada nas coordenadas do tempo e do espaço. Assim, os cinco agregados fenômenos estão providos de um aspectoconstituintes único: o dadosimpermanência, o da mudança. Devido ao movimento que carregam dentro de si, eles mesmos são o tempo, portanto em perpétua evolução, desprovidos de toda estabilidade e de toda a fixação, e sem substância que lhes seja própria. Constituem nosso universo visível, mas sem existência real. 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI: sensações parecidas com borbulhas na água, aparecem e desaparecem, não podem ser apanhadas. 想 SŌ: pensamento conceitual parecido com a bruma de verão que emana da terra durante os dias de grande calor, como uma miragem. Não existe, entretanto pode ser vista como uma ligeira turbulência no ar ardente.
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行 GYŌ: a vontade, parecida com uma cebola. Pode-se descascá-la até a total desaparição do bulbo. Não se pode agarrar sua essência, assim é a vontade. 識 SHIKI; consciência sem númeno, ilusória. Não se pode pegar a consciência; o estado de consciência presente já passou, o seguinte chega, depois passa, passa.
Corpo e espírito são 空 KŪ, existência sem númeno. As coisas apenas existem enquanto categorias mediadoras entre acontecimentos diversos e interferentes, em perpétuo movimento, que por sua vez são posições intermediárias entre outros pontos espaço temporais. Tudo é movimento interdependente, estrutura cambiante constituída por posições instáveis. Repito sem cessar: 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ, o fenômeno é 空 KŪ. Outro dia, vi um desenho humorístico japonês em que representavam a Monalisa, la Gioconda, em forma de esqueleto. Essa mulher, exteriormente, parece bela. Interiormente, não é mais do que um punhado de ossos. Tudo é mudança, 無常 MUJŌ: impermanência. Sempre é necessário considerar dois aspectos de um fenômeno. Uma atitude assim reflete compaixão. 空 KŪ é a totalidade, e inversamente, tudo é 空 KŪ, Vacuidade. O nada inclui o infinito. Cada coisa é criada, composta, reunida por um encadeamento de causas interdependentes e efeitos interferentes. Todo fenômeno material é 色 SHIKI, e não tem nenhuma substância, nenhum númeno. Não existe isoladamente, senão criado por 縁 EN: o princípio da interdependência. Tal é o sentido de色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ. 色 SHIKI é 空 KŪ. Mas considerar as coisas unicamente desta maneira é uma compreensão errônea, já que existe também o segundo termo: 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI. 97
Dizer: “ 色 SHIKI em si não é nada”, expressa uma visão parcial, com tendência ao niilismo ontológico, atitude perigosa porque é simplesmente destrutiva. Segundo o sentido comum, o fenômeno não é outra coisa senão fenômeno: 色 即 是 色 SHIKI SOKU ZE SHIKI, e o nada é o nada: 空 即 是 空 KŪ SOKU ZE KŪ. Este modo de apresentação tem também sua parcela de verdade. Entretanto, 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ e 空 即 是 色o pólo KŪ oposto SOKUe ZE SHIKI são seu aspecto complementar, necessário.
Tal é a filosofia do Budismo. O movimento segue sem cessar de um pólo ao outro; inclusive com 空 KŪ, o nada, o pobre pode chegar a ser rico, o negativo contém potencialmente o positivo e o atualiza quando as condições requeridas se reúnem; o negativo se aniquila assim liberando o positivo. Este mesmo processo se estende a todas as formas e a todos os fenômenos do mundo manifesto. A vida surge da morte, o nascimento nos conduz inevitavelmente à morte. O belo se transforma em feio, o feio em belo, o jovem contém potencialmente a velhice, e a velhice contém a juventude. Todas as coisas são potencialmente, todas as coisas têm um contrário, e este mundo temporal só existe em relação a ele. Todas as coisas podem se converter em seu contrário. O nada e o todo não se rechaçam, e mais, só podem existir um em função do outro, em unidade. Se você vê 空 KŪ, vê também 色 SHIKI. Se vê 色 SHIKI, vê igualmente 空 KŪ. Esta atitude constitui um feito fundamental de sabedoria. Todo o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ repousa sobre a formulação desta lei. Compreender esta lei (não intelectualmente, mas interiormente, conhecendo-a na totalidade de nosso corpo-espírito), aplaina todos os obstáculos, suprime pseudo dificuldades. É possuir a Grande Sabedoria queas suprime qualquer oposição. 98
千利休 SEN NO RIKYŪ (1522-1591), o fundador da Cerimônia do Chá (茶の湯 CHA NO YU), recebeu um dia um ramo de flores muito bonitas 椿 TSUBAKI,24 que o Superior do grande templo 大徳寺 DAITOKU-JI de 京都 KYŌTO lhe
havia enviado. Um jovem monge devia entregá-las. Precisamente diante da sala de chá, tropeçou e deixou cair no chão as delicadas flores. Todas as pétalas se desprenderam miseravelmente, sobrando apenas os talos despidos nas doSEN monge. Muito confuso, o jovem se desculpou antemãos 千利休 NO RIKYŪ, que respondeu: “Entre na sala de chá”. No 床の間 TOKONOMA 25 , 千利休 SEN NO RIKYŪ depositou uma vasilha vazia. Introduziu os talos nela e depois as pétalas sobre o 畳 TATAMI (esteira de palha de arroz), harmoniosamente ao redor da vasilha. O conjunto ficou muito belo, muito natural e simples. 千利休 SEN NO RIKYŪ disse então ao jovem monge: “Estas flores trazidas por você eram 色 SHIKI: 色 即 是 色 SHIKI SOKU ZE SHIKI: o fenômeno é o fenômeno. emZE空KKŪŪ: ,o jáfenômeno não haviaé mais flores.Ao 色 cair, 即 是converteram-se 空 SHIKI SOKU 空 KŪ, nada. Com este nada, esta sala foi embelezada muito mais que se tivéssemos colocado múltiplos artigos de decoração. Apenas com algumas pétalas dispostas pelo 畳 TATAMI ao redor de uma vasilha sem flores no 床の間 TOKONOMA”. No srcinal, “TSUBA KIDES”. 椿 TSUBAKI em japonês é camélia. (N.T.) 24
床 の 間 TOKONOMA: nicho ou alcova nas casas japonesas destinado à apresentação de arranjo floral ( 生花 IKEBANA), caligrafia ( 掛物 KAKEMONO), ou outras peças de arte. (N.T.) 25
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Esta história reflete o espírito do 禅 ZEN do qual surgiu o Caminho do Chá, 茶道 CHADŌ. Uma famosa máxima japonesa ilustra este espírito da união dos fenômenos e da essência. “Tenha cuidado com o morto-vivo; nunca será um verdadeiro morto”. Atuando livremente tal e qual deseje, depois da morte terá uma vida maravilhosa. Ao morrer em si mesmo, verdadeiramente abandonando totalmente o ego, aqui e agora, pode-se encontrar a verdadeira vida e a suprema liberdade. É um problema espiritual. Se abandonarmos tudo, não há nada que perder ou que ganhar. Ser 無所得 MUSHOTOKU, ter o espírito livre de todo o apego (apego às sensações, aos sentimentos, aos pensamentos e às opiniões, aos desejos e às vontades), sem pensamento discriminatório, e permanecer na livre vacuidade: então se pode receber todo o universo. A intuição e sabedoria aparecem, a alegria pura e simples se manifesta. Mas se nos estancamos no complexo labirinto de nosso egocentrismo, se tergiversamos sem cessar, e assim enchemos nossocontraditórias, espírito de dúvidas, cismas,maravilhosos de desejos e de opiniões nenhumdedestes benefícios poderá se manifestar. Não se pode colocar vinho em uma garrafa que já está cheia. Mas a possibilidade é total se a garrafa está vazia. Existe uma similaridade entre o tema do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, fundado sobre a lei de 空 KŪ e de 色 SHIKI, e a teoria dos 五位 GO-I (五 GO: cinco; 位 I: etapas) cinco graus, os quais constituem os fundamentos da “lógica 禅 ZEN”. A teoria dos 五位 GO-I foi desenvolvida pelo Mestre 洞 山 TOZAN (807-869) e, mais profundamente ainda, por seu discípulo 曹 山 SŌSAN. Esta filosofia está exposta em forma poética em um compêndio intitulado 宝鏡 三昧 HŌKYŌ ZANMAI
100
26
, escrito pelo autor desta teoria, mestre 洞 山 TŌZAN. Este compêndio de poemas é considerado como a flor desta filosofia profunda, a qual não é uma análise racional nem um sistema edificado – o qual seria contrário ao espírito 禅 ZEN – mas uma aproximação intuitiva das relações que sustentam o mundo fenomenal e o mundo do absoluto. A essência desta filosofia é formulada em cinco enunciados, deduzidos uns dos outros:
I. II. III. IV. V.
正中偏 SHŌ CHŪ HEN. 偏中正 HEN CHŪ SHŌ. 正中來 SHŌ CHŪ RAI. 兼中至 HEN CHŪ RAI. 兼中到 HEN CHŪ TŌ.
正 SHŌ significa substância do cosmos, o Poder
Cósmico fundamental, o reto, o justo, a essência. Corresponde a 空 KŪ. 偏 HEN designa os fenômenos, o curvo, o oblíquo, o parcial. É 色 SHIKI.
26
宝鏡 三昧 HOKYŌ ZAN MAI: Ver nota nº 2. 101
Podem ser similaridades: 偏 HEN
O oblíquo, a diferença
estabelecidas 中 CHŪ entra em
assim
as
seguintes
正 SHŌ o reto, a igualdade. 空 KŪ a essência. 偏 HEN
色 SHIKI. 即 是 SOKU ZE Os fenômenos são em si 正 SHŌ 中 CHŪ o oblíquo, a diferença. O reto, a igualdade entra em 色 SHIKI. 空 KŪ 即 是 SOKU ZE o fenômeno. A essência é em si 兼 HEN 中 CHŪ 至 RAI O oblíquo, a diferença entra em (é) o oblíquo, a diferença. 色 SHIKI. 即 是 SOKU ZE 色 SHIKI. Os fenômenos são os fenômenos. 正 SHŌ 中 CHŪ 來 RAI O reto, a igualdade entra em (é) o reto, a igualdade. 即 是 SOKU ZE 空 KŪ 空 KŪ é A essência a essência.
兼 HEN
中 CHŪ
到 TŌ
Este quinto princípio resume, sintetiza e supera os quatro anteriores. Os cinco skandhās (as sensações, as percepções, as concepções mentais, a vontade e a consciência) são 空 KŪ. 空 KŪ não é diferente deles. Estes cinco agregados e sua aglomeração representam o corpo e o espírito, o ego. 102
Em 正 中 偏 SHŌ CHU HEN, ou em 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI, 空 KŪ se transforma no ego. O Poder Cósmico fundamental entra no ego, nascido ele mesmo do cosmos através da fecundação. Isto é 空 即 是 色 KU SOKU ZE SHIKI ou 正中偏 SHŌ CHŪ HEN: Deus entra no ego. O ego se transforma em 空 KŪ, volta ao Poder Cósmico fundamental. Quando se morre, o ego retorna ao Ū, 偏 HEN Ō. cosmos. a空空 KSHIKI entraZE em 正 Isto é 色 色 SHIKI 即 retorna 是 SOKU K ŪSHou 偏 中 正 HEN CHŪ SHŌ. A maioria dos homens crê (principalmente no Ocidente) que a diferença entre os fenômenos e o absoluto é total e irredutível. Por um lado estão os fenômenos, nada mais que os fenômenos, o mundo material, movido mecanicamente e diretamente observável. Por outro lado existe a crença num mundo ideal, absoluto, totalmente transcendente a este mundo fenomenal. Os Orientais nunca fizeram tais discriminações, que são consideradas por eles como um contra senso, como absurdos totais. Eles sabem que: 色 即 是 空 SHIKI são SOKU ZE KŪ , 偏中正 HEN CHŪ SHŌ, os fenômenos a essência. 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI, 正中偏 SHŌ CHŪ HEN, 空 KŪ em si é fenômeno. 兼中到 HEN CHŪ TŌ: 空 KŪ e 色 SHIKI estão em
unidade total, o cosmos e o ego se interpenetram. Mestre 道 元 DŌGEN
27
, no segundo capítulo do 正法眼蔵 SHŌBŌGENZŌ, 摩訶 般若 波羅蜜多 MAKA HANNYA HARAMITSU, comenta a realização da Grande Sabedoria de Buda, e a expressa assim: 27
Mestre 道元 DŌGEN introduziu o 曹洞宗 SŌTŌ -SHU no Japão no século XIII. 103
“Quando o Bodhisattva Avalokiteshvara (o Bodhisattva da Compaixão) teve a experiência e compreendeu a verdade através da Prajñā-Pāramitā, deu-se conta de que as existências são formadas pelos cinco skandha: 色 受 想 行 識 SHIKI JU SŌ GYŌ SHIKI (matéria-sensação, percepção, pensamento, vontade e consciência). Quando os cinco skandhās são observados através de Prajñā se vê 空 KŪ. A srcem de cada um destes skandhās é Prajñā.
que:
Quando se compreende isto, pode-se compreender
色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE K Ū - 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI
e 色 即 是 色 SHIKI SOKU ZE SHIKI - 空 即 是 空 KŪ SOKU ZE K Ū.
“Prajñā Pāramitā pode ser compreendida quando se compreende a importância do desapego em relação aos doze ou dezoito elementos geradores da consciência egóica.” Estes dezoito elementos estão repartidos em três domínios: O domínio dos seis órgãos dos sentidos (ou seis raízes):(enquanto os olhos,órgão os ouvidos, a língua e o paladar, corpo do tato)o enariz, a parte do sistema nervosoo que condiciona a aparição dos desejos e das formações mentais28. O domínio dos seus objetos dos sentidos: as formas e as cores, os sons, os odores, as texturas (que determinam o tato), e os pensamentos e as conceituações29. 28
六根 ROKUKON ( sad indriyāni): 眼 GEN, 耳 NI, 鼻 BI, 舌 ZE, 身 SHIN e 意 I, (caksuh, shrotra, ghr āna, jihv ā, kāya e man āmsi,
respectivamente). (N.T.) 29
六境 色 声 香 味 Ō, ROKKY ): gandha, SHIKI,rasa, SH KŌ, MI, , 触 SOKU e 法 HŌŌ ((sad rūpa,visayāh shabda, sprastavya e dharmah
respectivamente) (N.T.) 104
O domínio das seis consciências subjetivas, domínio que nasce da união dos precedentes: consciências visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e consciência voluntária30. A grande sabedoria da Prajñā Pāramitā pode nascer igualmente, como no caso do Buda Shākiamuni, da observação e da compreensão das Quatro Nobres Verdades 四諦 SHI TAI (catur-vidham satyam), que constituem a Via privilegiada da realização. Estas Quatro Nobres Verdades são: 1. A Nobre Verdade sobre o sofrimento, 苦 KU (duhka): o mundo está cheio de sofrimentos – nascimento, velhice, enfermidade, morte. Amar é sofrimento, odiar é sofrimento. 2. 集 JŪ (ou
SHŪ) (samudaya), a Nobre Verdade sobre a srcem do sofrimento: a raiz do sofrimento são os desejos intensos com os quais se vem ao mundo, desejos fundados sobre uma imperiosa necessidade de viver.
3. 滅 METSU (nirodha), a Nobre Verdade sobre a
supressão do sofrimento: quando o homem logra desenraizar suas paixões e consegue libertar-se de todos os seus apegos, põe fim a seus sofrimentos. 4. A Nobre Verdade sobre o Caminho, 道 DŌ (mārga),
que conduz à supressão do sofrimento. Esta Via é o Caminho Óctuplo (八正道 HASSHŌDŌ): visão justa, pensamento justo, palavra justa, conduta justa, 30
六識 ROKUSHIKI (sad vijñ ānāni): 眼識 GENSHIKI, 耳識 NISHIKI,
鼻識āna, 意識 BISHIKI, ZESSHIKI, SHINSHIKI e āna ( caksurvijñ -vijñ āna, -vijñ āna, , ISHIKI shrota舌識 ghrāna身識 jihvā-vijñ kāya-vijñ āna e mano-vijñ āna, respectivamente). (N.T.) 105
modo de vida justo, esforço justo, atenção justa e concentração justa31. Por
outro lado, há seis maneiras (六波羅蜜多 ROPPAHARAMITSU) de alcançar o despertar e de obter Prajñā Pāramitā, a grande sabedoria: 1. A doação, o oferenda. [ 布施 FUSE (dāna)] 2. O respeito aos preceitos. [持戒 JI KAI (shīla)] 3. A perseverança, a paciência. [ 忍 辱 NINNIKU (kshānti)] 4. O esforço, a assiduidade. [精進 SHŌ JIN (vīrya)] 5. A contemplação. [禅定 ZEN JŌ (dhyāna)] 6. A sabedoria. [智慧 CHI-E (prajñā)] “Prajñā Pāramitā inclui toda a sabedoria dos três mundos: do mundo passado, do mundo presente e do mundo futuro. Engendra as três formas de compreensão: temporal, espiritual e física, fundadas sobre a terra, a água e o fogo, o ar e o espírito, e as quatro formas de compreensão das ações da vida cotidiana: caminhar, permanecer de pé, sentarse e deitar-se. Cada uma destas Prajñā Pāramitā é atualizada no eterno presente, no 悟 SATORI supremo e perfeito.” Este texto do Mestre 道元 DŌGEN é muito célebre. 興道沢木 KŌDŌ SAWAKI freqüentemente o lia. 道元 DŌGEN conclui assim: 31
正見 SH Ō KEN ( samyag drshti ), 正思惟 SH Ō SHI YUI (samyag samkalpa ), 正語 SH Ō GO (samyag v āc ), 正業 SH Ō GYŌ (samyak 正命 正精進 karm āntavy ājīva),smrti ) e SH Ō MY Ō SH ), āyāma)SH (samiag 正念 SHŌŌ (samyag NEN ( samiak 正定 SHŌŌ JIN JŌ (samyak sam ādhi) respectivamente. (N.T.) 106
“Devemos saber que receber, ler e cantar todos os
sūtra juntos, tendo um conhecimento pleno e total deles, é preservar Prajñā Pāramitā e o Dharma. Meu falecido Mestre 如浄 NYOJŌ leu um dia este poema:
“O corpo inteiro é um sino32 suspenso no vazio. Pouco importa a direção do vento - norte, sul, leste ou oeste – o sino emite sempre o som dePrajñā: tilim, tilim, tilim.” Tal é o som de Prajñā na transmissão de geração em geração de Budas e de Patriarcas, no nosso corpo e no dos demais, no norte, no sul, no leste e no oeste.” O pensamento de 道元 DŌGEN é 非思量 HISHIRYŌ, infinito, mais além de todo o pensamento. Shākiamuni Buda disse um dia a seu discípuloSubhuti: “Todos os seres sencientes deveriam proteger e venerar Prajñā Pāramitā da mesma maneira que fizeram todos os Budas”. A 正法眼蔵
última frasediz: “Todos deste os Budas capítulonão são do SHŌBŌGENZŌ outra coisa que Prajñā Pāramitā, totalidade do Dharma búdico. E este Dharma é 空 KŪ, sem nascimento nem extinção, sem pureza nem impureza, sem aumento nem diminuição. A manifestação de Prajñā Pāramitā é a manifestação de Buda. Se você busca a verdade, aprenderá que honrar a Prajñā Pāramitā é encontrar o Buda, e que não se pode dizer que se encontrou o Buda a menos que o tenha servido”. 32
風鈴está 風 FU:nas 鈴 RIN: FURIN: vento; guizo. Este de guizo suspenso portas dos campainha, templos, tilintando ao tipo menor sopro do vento. 107
Existe outra escritura que apresenta outro aspecto do 般若 波羅蜜多 MAKA HANNYA HARAMITTA: trata-se do 理 趣 經 RISHUKYŌ, também chamado de 般 若 理 趣 經 HANNYA RISHUKYŌ. É o sūtra do Prajñā Pāramitā em cento e cinqüenta shlokah33, que descreve a verdade de Prajñā Pāramitā ou da sabedoria perfeita de que falava o Buda Vairoccana ( 大 日 如 来 DAINICHI NYORAI) em benefício de Vajrasattva 摩訶
KONGŌSATTA). O sūtra (金剛薩埵 começa comé um conviteo ao amor: “Voar sobre a flecha do amor, assim também espírito puro do Bodhisattva”. Na continuação, voltarei a estes comentários.
33
Shlokah: métrica de versificação dos textos sânscritos, composta usualmente de duas linhas de dezesseis sílabas. (N.T.) 108
無 ”MU”. 109
NEM NASCIMENTO, NEM MORTE NEM CRESCIMENTO, NEM DIMINUIÇÃO
110
ZE SHO SHA HŌ KŪ SŌ
RI SHI 111
Oh, Shariputra! (SHARISHI). Todas (SHO) as existências (HŌ) são (ZE) Vacuidade (K Ū).
諸
舎
法 空
利 子
相
是
112
FU FU FU ZŌ KU SHŌ FU FU FU GEN JŌ METSU 113
Não (FU) há nascimento (SHŌ), nem (FU) morte (METSU). Não (FU) há impureza (KU), nem pureza (JŌ). Não (FU) há crescimento (ZŌ), nem (FU) diminuição (GEN).
不
不
不
増 不 減
垢 不 浄
生 不 滅 114
SŌ MU ZE GYŌ SHIKI KO SHIKI MU KŪ JU CHŪ Da mesma forma (ZE KO), na Vacuidade (KŪ CHŪ), 115
não (MU) há corpo-matéria-forma (SHIKI), nem (MU) percepção-sensação (JU), nem pensamento (SŌ), nem atividade (GYŌ) e nem há consciência (SHIKI).
想 行
無 色
是 故
識
無 受
空 中 116
ZES MU SHIN GEN
I
NI BI
Não (MU) há olhos (GEN), nem ouvidos (NI),
117
nem nariz (BI), nem língua (ZE), nem corpo (SHIN) e nem mente (I).
舌 身
無 眼
意
耳 鼻 118
MI MU
SOKU SHIKI
HŌ SHŌ KŌ Não (MU) há cor-forma (SHIKI), nem som (SHŌ), 119
nem cheiro (KŌ),nem sabor (MI), nem texturas (SOKU), nem pensamento (HŌ).
味 触 法
無 色 声 香 120
I NAI MU
SHIKI SHI GEN
KAI MU KAI Não (MU) há consciência visual (GEN KAI) e assim por diante (NAI SHI) nem consciência auditiva, nem consciência olfativa, nem consciência gustativa, nem tátil, nem consciência da consciência]. Nãoconsciência (MU) há consciências sensoriais (I SHIKI KAI). 121
意 識 界
乃 至 無
無 眼 界 122
MU MU MU MU MYŌ MYŌ
JIN YAKU 123
Não (MU) há ignorância (MU MYŌ) e (YAKU) nem (MU) extinção (JIN) da ignorância (MU MY Ō).
無 無 明 尽
無 無 明 亦 124
YAKU MU RŌ SHI JIN
NAI SHI MU RŌ SHI 125
E assim sucessivamente (NAI SHI) até não (MU) há velhice (RŌ) e morte (SHI), e (YAKU) nem (MU) extinção (JIN) da velhice (RŌ) e morte (SHI).
亦 無 老 死 尽
乃 至 無 老 死 126
MU MU CHI KU YAKU SHŪ MU METSU TOKU DŌ Não (MU) há sofrimento (KU), nem causa de sofrimento (SHŪ), nem libertação do sofrimento (METSU), nem caminho (DŌ) que conduza à liberação do sofrimento. 127
Não (MU) há sabedoria (CHI) e (YAKU) não (MU) há o que obter (TOKU).
無 知 亦 無 得
無 苦 集 滅 道 128
MU KO SHO I
TOKU
129
A única coisa que há é: Nada que obter.
無 故所以 得
130
131
COMENTÁRIOS
舎利子、是諸法空相、 不生不滅、不垢不浄、不増不減、 是故空中無色無受想行識、 無眼耳鼻舌身意、 無色声香味触法、 無眼界乃至無意識界、 無無明亦無無明尽、 乃至無老死亦無老死尽、 無苦集滅道。無知亦無得、 以無所得故。 SHARISHI, ZE SHO HŌ KŪ SŌ, FU SHŌ FU METSU, FU KU FU JŌ, FU ZŌ FU GEN, ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZES-SHIN I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI,
MU YAKU MU MUMYŌ JIN, JIN, NAI MUMYŌ SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI 132
MU KU SHŪ METSU DŌ. MU CHI YAKU MU TOKU, I MUSHOTOKU KO. Toda esta parte se compõe de uma só frase, formada por uma série de negações que tentam dar uma idéia da noção de 空 KŪ. De certa forma, Avalokiteshvara, o grande Bodhisattva da Compaixão, parece dizer a舎利子 SHARISHI, a inteligência舎利子 encarnada: “Podemos encontrar Você a verdadeira eternidade, SHARISHI. Vou ensiná-la. é forte, inteligente, e possui um grande saber, mas isto não é suficiente.”
舎利子、是諸法空相、 不生不滅、不垢不浄、不増不減、 SHARISHI, ZE SHO HŌ KŪ SŌ, FU SHŌ FU METSU, FU KU FU JŌ, FU ZŌ FU GEN, “Oh, Shāriputra! Todas as existências são Vacuidade. Não há nascimento nem morte. Não há pureza nem impureza. Não há crescimento nem diminuição.” No começo tudo é 空 KŪ, toda a existência é 空 KŪ. No Budismo encontra-se sempre o termo 人空 NINKŪ: não ego, sem ātman, sem substância, existência sem númeno, e o termo 法空 HŌKKŪ: todas as existências do cosmos são sem númeno e sem substância, 空 KŪ. No budismo Hīnayāna, encontra-se freqüentemente a 無我空MUGA: noção KŪ. não ego; o pensamento, o corpo e o espíritode são
133
No Mahāyanā, 法 空 HŌKKŪ designa todas as existências, 空 KŪ. 空 KŪ se manifesta através da lei de interdependência e do principio de impermanência. Tudo é não nascido, sem começo nem fim, 不生不滅 FU SHŌ FU METSU, tudo é eternamente. O que é 空 KŪ? 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ. 空 即 是 色 KŪ SOKU ZE SHIKI. Fenômeno e vacuidade não são diferentes. Mas de nada serve compreender isso intelectualmente. importanterealizar é sentirplenamente a experiência, vivê-la com o corpo e oO espírito, a absoluta verdade. Esta experiência é 座禅 ZAZEN: a atitude do corpo e do espírito justa. 諸 法 SHO-HŌ: 諸 SHO: tudo, todos. 法 HŌ: tem numerosos significados. É o Dharma ensinado pelo Buda, a lei do cosmos; mas também as existências infinitas dos dharmas. Aqui, aplicado junto a 諸 SHO, tudo, todos, trata-se do segundo significado. Todos os fenômenos são formados pelos cinco agregados, os 五薀 GO-UN. Todos os fenômenos (色 SHIKI) são 空相 KŪSŌ ( 相 SŌ; o aspecto): aspectos de空 KŪ. 生 FU SHŌ ( 不 FU: Todas são 不produzido) negação, não.as 生existências SHŌ: nascido, não nascidas, não produzidas; 不 滅 FU METSU: não extintas, não desintegradas. 不 垢 FU KU: não são manchadas; 不 浄 FU JŌ: não puras. 不 増 FU ZŌ: não crescem; 不 減 FU GEN: não diminuem, não involucionam.
134
是故空中無色無受想行識、 無眼耳鼻舌身意、 ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZE SHIN I, 是 故 ZE KO: pois; 空 中 KŪ CHŪ: na Vacuidade; 無 色 MU SHIKI: 無 MU: negação. 色 SHIKI: visível, material. 無 眼 耳鼻 舌 身 意 MU GEN NI BI ZE SHIN I: 無 MU está
subentendido para cada um dos dez termos34.
無 眼 MU GEN, 無 耳 MU NI, 無 鼻 MU BI, etc...; 眼 舌 身(os 意 olhos, GEN os NI ouvidos, BI ZE SHIN I sãoa os seis oórgãos dos耳鼻 sentidos o nariz, língua, tecido
epidérmico e o sistema nervoso). Todas as existências são 空 KŪ: 諸法 因 縁 SHO-HŌ INNEN. 因縁 INNEN: 因 IN, a causa; 縁 EN; a interdependência. Todas as existências são a manifestação da lei da interdependência. Qual é a essência da vida, do ego, da consciência, do espírito? 34
Os quatro skandhās restantes, depois de 色 SHIKI, ou seja, 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI, mais os seis órg ãos dos sentidos, 眼 耳鼻 舌 身 意 GEN NI BI ZE SHIN I. (N.T.) 135
A ciência não tem conseguido responder até agora. Onde situar nossa essência? Em que parte do corpo? Ou fora do corpo? Não se pode encontrar uma verdadeira raiz da substância. Finalmente, chegamos à energia cósmica. Quando esta se encontra em um estado potencial, pode-se dizer que se tem uma aproximação objetiva da natureza de 空 KŪ; mas para compreender a natureza desta energia potencial, é necessária a dimensão da experiência, subjetiva, vivida com o corpo e o espírito. Esta experiência é inefável, inexpressável. Se esta experiência se situa mais além da consciência, como poderia ser traduzida em conceitos, em palavras estreitas? Seu conhecimento requer uma ruptura dos limites do ego. Qual é a srcem da luz? Em que se baseia o Poder Cósmico fundamental? O que sustenta esta manifestação? A doutrina de Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU), estipula a lei de interdependência, 縁起 ENGI, dizendo que esta é a trama da construção e da organização do universo. Em sânscrito se Pratītya diz , aKŪ. lei de coordenação sem substância própria, semsamutpāda númeno, 空 A interação é a lei de manifestação do Poder Cósmico fundamental; dito de outra maneira, o potencial cósmico fundamental, ao manifestar-se, se dispersa e materializa esta energia cósmica; esta se divide e trabalha segundo uma ordem regida pela lei de interdependência. Somente esta lei dá à energia sua aparência fenomenal.空 KŪ n ão tem como único significado vacuidade; seu sentido é muito mais profundo; as vezes se traduz por “a totalidade do cosmos, o todo”. O 漢字 KANJI 空 KŪ significa as vezes “vazio”, as vezes “céu”. É também o círculo que inclui tudo. Nāgārjuna 龍樹 縁起daENGI, RYŪJU, a partir da noção de ário 無 自性 MU JI SHŌ, sendo uma corol outra.extrai a de
136
JI SHŌ: a existência sem existência própria, sem númeno, 空 KŪ. A doutrina de Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU) é definida como a doutrina do”空 KŪ ativo”, por oposição à doutrina do “ 空 KŪ passivo”, ou 但空 TANKŪ, ensinada por alguns ramos do Budismo, sobretudo pelo Budismo Sthāvira 35 , cuja doutrina, depois de uma análise formal de todas as formas de existência, desemboca simplesmente na não substancialidade das existências; 無 自 性 MU
36 但空Meio FU TANKŪ, “空 KŪ inversamente, a doutrina de 不 do ativo”, expressa o Caminho . Esteounão se fundamenta unicamente sobre o aspecto negativo de 空 KŪ, mas realiza que a verdadeira natureza de 空 KŪ não é nem existência, nem não existência, mas as duas ao mesmo tempo.
A noção de 空 KŪ é tão vasta que, segundo a aplicação que se tenha querido dar, em função da tendência doutrinária dos numerosos ramos do Budismo, conduziu a doutrinas muito variadas. Fala-se assim em 析空 SHAKUKŪ, a “não substancialidade analítica”, estudo que procede , como seu nome indica, da análise e que se opõe a 體 空 TAIKŪ, aproximação interior procedente da meditação que deve conduzir a realização da “não substancialidade de toda forma de existência”. Nāgārjuna ( 龍樹 RYŪJU) em uma de suas obras 37 , empreendeu o estudo dos múltiplos aspectos de 35
Sthāvira: ou Sthavira-vāda uma das vinte escolas do Hīnayāna . ( 上 座部 JŌZA BU em japon ês). Também conhecida como Theravāda
(N.T.) 36
Caminho do Meio, 中道 CHŪDŌ, madhyama-pratipad. (N.T.)
37
O grande mestre Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU) parece ter composto um
āparamitā dos primeiros comentários do Prajñ , opreservado extenso ñāparamitāshastra ( 大智度論 DAICHIDO-RON), Mahāpraj
apenas na tradição chinesa. Na tradição tibetana, as seis principais obras de Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU), que explicam o ensinamento de 137
空 KŪ, tal e como estavam expostos nos textos doutrin ários:
mais de vinte aspectos são analisados. O mestre 永嘉大師 YOKA DAISHI, mais tarde, em sua obra, o 證道歌 SHŌDŌKA, 38 fará menção a isto e falará de “a porta dos vinte 空 KŪ”. Seja como for, a análise de 空 KŪ pode levar mesmo à negação de 空 KŪ: 空 KŪ não é 空 KŪ, e esta negação tem em certa maneira mais valor do que uma idéia dogmática de 空 KŪ, que pode conduzir aos extravios do niilismo. Esta é a razão pela qual o 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ nos coloca em guarda e diz que devemos encontrar em 空 KŪ o infinito e o eterno. Portanto, não há por que criar conceitos, não há por que sustentar nenhuma opinião. Somente praticar até a extinção absoluta do ego, extinção que conduz à absorção no infinito e no eterno. Isto é alcançar o nirvāna. A lei de 縁起 ENGI enquanto lei de interdependência produtora de fenômenos, pode ser formulada em quatro princípios muito simples: sh ūnyatā, são consideradas conjuntamente um dos mais importantes comentários do Prajñāparamitā. Estas são: Mūlamadhyamakakārikā (中論頌 CHŪRON -JU), o Yuktisāstika, o Vaidalyasūtra, o
Shūnyatāsaptati, o Vigrahavyāvartanī, e também o Vyavahāsiddhi (não mais existente) ou o Ratnāvalī . Destes seis, o Mūlamadhyamakakārikā ( 中 論 頌 CHŪRON-JU), ou Versos
Fundamentais do Caminho do Meio, é o mais conhecido e o mais fundamental. (N.T.) 38
”As vinte portas de 空 KŪ não têm existência. A natureza única do Tathāgatha é srcinalmente idêntica para todas as existências.” Yoka Daishi –“Shodoka –do O Mestre canto doTaisen Satori Deshimaru imediato”. Roshi, Tradução e comentários Ed. Pensamento, São Paulo, 1997, 2ª Edição. pág. 198. (N.T) 138
- Quando isto existe, aquilo existe. - Quando isto aparece, aquilo aparece. - Quando isto não existe, aquilo não existe. - Quando isto desaparece, aquilo desaparece. Tudo existe apenas por inter-relação. Todo fenômeno está ligado a um antecedente (ou a vários antecedentes). A lei de 縁 起 ENGI é uma negação da criação espontânea. A filosofia Ocidental sempre tentou, de forma analítica, aproximar-se da natureza do absoluto, peneirar a natureza da essência. Sempre quis atribuir à essência a consciência de númeno. A ciência atual continua este caminho através da experimentação objetiva. Tudo é 無常 MUJŌ: a perpétua mudança, sem começo nem fim. Nossa vida não começa com nosso nascimento, e não termina com nossa morte. Somos o fruto do karma que se encarna e se desencarna, que vem do cosmos e volta a ele, como as borbulhas que se formam na água, que explodem e que voltam a ser absorvidas. Devemos compreender a vida eterna. Deus ou Buda, o Poder Cósmico Fundamental,空 KŪ..., tantos termos que nosso espírito interpreta a seu modo. No Cristianismo, o conceito de Deus é o pilar central de toda a teologia, mas como acontece com outros conceitos, cada um o interpreta à sua maneira. A imaginação atua num papel fundamental. No Budismo é completamente diferente. As faculdades conceituais e de imaginação são consideradas como 煩悩 BONNŌ, uma ilusão. Ademais, Deus é substituído pela noção central de 空 KŪ, noção das mais indeterminadas, que não pode converter-se em objeto de nenhuma especulação. Eis aqui uma história japonesa extraída das crônicas do 曹洞 禅 SŌTŌ ZEN. Esta história põe em relevo o grande 139
valor do ensinamento do Mestre 良寛 RYŌKAN 39 , assim como a profunda sabedoria que manifestava com os seres sofredores e seus ofuscantes desejos: Um dia, um homem velho visitou o Mestre 良寛 RYŌKAN e lhe disse: “Gostaria de lhe pedir que faça um 祈禱 KITŌ40 para mim. Muitos de meus parentes morreram e eu mesmo não tardarei a desaparecer. Rogo que faça um 祈禱 KITŌ para que eu“Fazer possaum viver muito tempo.” 祈禱 KITŌ para obter uma vida longa não é difícil. Diga-me, que idade você tem?”, perguntou 良寛 RYŌKAN. “Oitenta anos.” “Mas você é ainda muito jovem! Um provérbio japonês diz que até os quarenta ou cinqüenta anos, ainda se é um bebê e que entre os sessenta e os oitenta, deve-se amar. Até que idade você quer viver?” “Conformo-me em viver até os cem anos.” “Apenas cem anos! Seu desejo não é especialmente grande. Até os cem anos! Então, só lhe restam mais vinte anos de vida! Não é muito tempo, vinte anos! Meus 祈 禱 KITŌ são conhecidos porque permitem às pessoas realizar seus desejos. Você morrerá portanto aos cem anos, exatamente.” O ancião sentiu medo e expressou seu desejo de viver até os cento e cinqüenta anos. 39
Mestre 良 寛 RYŌKAN (1757 -1831). Monge da escola 曹洞 宗 SŌTŌ SHU. Entrou para a ordem com a idade de dezoito anos. É muito conhecido por suas obras poéticas e por suas caligrafias, assim como por sua natureza excêntrica. 40
祈禱KITŌ KITŌ:não prece divindades parano obter Os 祈禱 sãoàsmuito praticados 禅 uma ZEN,meta mas precisa. são hábito
corrente no Budismo esotérico. 140
“Vejamos”, replicou 良 寛 RYŌKAN, “você já tem oitenta anos. Já viveu então metade de sua vida.... Escalar uma montanha exige muito tempo na ida, mas na volta é bem rápido. A partir de agora, seus últimos setenta anos vão passar como um sonho!” “Espere, espere! Dê-me então trezentos anos!” “Você sabia que o grou vive até os mil anos e as tartarugas até os dez mil?”, replicou 良寛 RYŌKAN. “Estes animais podem viver todo este tempo e você, que é um ser humano, só deseja viver trezentos anos!” “Tudo isto me deixa perplexo!”, disse o ancião. “Até quantos anos de vida você pode me dar?”. “Percebo assim que você não quer morrer. Saiba ao menos que sua atitude é a mais egoísta de todas!”. “Eu sei”, respondeu o ancião. “Então, é melhor fazer um 祈禱 KITŌ para não morrer!” “É possível?” “Sim, mas é muito, muito caro e requer muito tempo.” “Tudo bem”, disse o homem, “prefiro este 祈禱 KITŌ!” 良寛 RYŌKAN disse-lhe então: “Hoje vamos começar recitando o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ apenas, depois voc ê terá que vir todos os dias fazer 座禅 ZAZEN no templo. E eu lhe darei sermões.” Desta maneira, o Mestre 良寛 RYŌKAN conduziu o ancião à fé justa e exata. 不生不滅 FU SHŌ FU METSU: nem nascido, nem morto, a vida eterna. Nossa vida não começa com nosso nascimento, não termina com nossa morte. Comunicando-nos com o Poder Cósmico fundamental durante o 座 禅 ZAZEN, podemos receber a vida eterna. “Aqui e agora” nossa vida é muito importante. Uma respiração, uma expiração, uma inspiração, concentrar-se... Cada aos momento único. de O instante deve ser um ponto forte. Unido demaisé pontos nossa vida, esta será uma linha reta e profunda perpetuando-se na eternidade. 141
不生不滅 FU SHŌ FU METSU: sem nascimento nem
morte. 不垢不浄 FU KU FU JŌ: nem manchado, nem imaculado. Tal é a natureza de 空 KŪ e de todas as existências. A maioria das pessoas busca a pureza e rechaça as manchas. Originalmente, sem embargo, todos os fenômenos, todas as existências do cosmos não são puras nem impuras. Sua essência é idêntica. Mas devido à suas ações e pensamentos, o homem as vai maculando e cria tais discriminações. A terra, as montanhas, os rios, os bosques, os oceanos... Nada é puro nem manchado. É a natureza. Quando o espírito do homem “se purificar”, ou seja, quando alcançar a condição mais além de qualquer conceito de puro e de impuro, os fenômenos se lhe aparecerão em sua verdadeira natureza, tal qual são. É verdade que a civilização materialista produz um grande numero de manchas. A contaminação é o símbolo da crise atual da civilização. Mas é o mesmo problema. Originalmente, tudo depende do espírito do homem. A Terra Pura 41 não existe num país longínquo, nem mais além da morte. Se nossa consciência é justa e nossa
palavra exata, nosso comportamento reto, se as três ações 41
Terra Pura: 浄土宗 JŌDOSHŪ. A T erra Pura é uma vertente do Budismo que oferece a hipótese de fugir ao ciclo do renascimento samsárico através da fé num Buda deificado. Nos séculos I e II d. C., a especulação Mahāyāna desenvolveu uma cosmologia que era muito mais extensa do que qualquer outro tema discutido nos primeiros tempos do Budismo. Os Mah āyanistas propunham a existência de mundos sem fim, cada um dos quais albergava Budas e Bodhisattvas . Estes “territórios de Buda” são reinos paradisíacos e cada um deles é presidido por um Buda, sendo o mais célebre o paraíso ocidental conhecido por Sukhavati (極楽 GOKURAKU), a terra “feliz” ou “pura”. Esta é a morada do Buda Amitabha 阿弥陀仏 AMIDA-BUTSU ou 無量光仏 MURYŌKŌBUTSU. Trata de um paraíso onde há dores físicas nem mentais, cheio de-se deuses e de homens que“não nunca
renascem exceto como Bodhisattvas.”(N.T.)
142
da palavra, do corpo e do espírito são justas, tudo o que existe ao redor fica também justo. Esta perfeição da atitude é praticada durante o 座禅 ZAZEN: a boca permanece em silêncio, (o silêncio é melhor que a eloqüência), o corpo se encontra na atitude justa, e o espírito em sua condição mais autêntica, submergindo suas raízes na consciência srcinal. Esta é a razão pela qual os asiáticos veneram tanto a postura de Buda 座禅 ZAZEN. Desde pronto, eu respeito sentado em profundamente a Cristo crucificado. Este é o símbolo mais puro da doação de si, do sacrifício de si para a salvação do homem. Cristo pertence às mais altas esferas da religião. O abandono do ego é o ato mais importante, e o mais difícil também, de toda nossa vida. Durante o 座禅 ZAZEN pode-se abandonar o ego inconscientemente, naturalmente, automaticamente, pode-se esquecer de si mesmo, totalmente, e entrar em união profunda com Deus ou com o Poder Cósmico fundamental. Nosso karma evolui sem cessar, e o karma daqui e de agora, criado por nossas ações, influencia de maneira dominante o futuro. Com a boca em sua dignidade silenciosa, o corpo em 禅 ZAZEN nossa sua posturasemais nobre, durante o 座 consciência absorve na consciência suprema, universal e eterna, a consciência 非思量 HISHIRYŌ. No 普観座禅儀 FUKANZAZENGI, 道 元 DŌGEN escreve:
“Pensar sem pensar, não pensar pensando. “Pensar desde o fundo do não pensamento, isto é 非思量 HISHIRYŌ, mais além do pensamento, o segredo do 禅 ZEN”. Como pensar desde o fundo do não pensamento? Como desde o fundo do pensamento? Este é o 座禅 ZAZEN. segredonão do pensar 不思量 FUSHIRYŌ: não pensar. 143
思量 SHIRYŌ: o pensamento. 非 思 量 HISHIRYŌ: mais além do pensamento, o
pensamento infinito. 不垢不浄 FU KU FU JŌ: nem puro nem impuro. A percepção e a consciência dão às sensações e às impressões, às opiniões e às idéias infinitos matizes sempre em mudança. As formas e os fenômenos às vezes se revestem de pureza e às vezes estão manchados e recobertos de fealdade. Não se pode decidir nada de maneira categórica. A boca das pessoas é freqüentemente repugnante. Mas para os seres que se amam, isto é belo e sedutor. Nosso ego decide, elege, impulsionado por seus desejos. O bem e o mal, a desgraça e a felicidade não estão em dualidade. Não são estados fixos e em oposição, mas períodos, movimentos cíclicos sobre uma espiral em que o homem evolui. A felicidade se transforma em desgraça, a desgraça em felicidade segundo a posição do homem, segundo sua percepção momentânea. Como ter a consciência justa, aqui e agora, a karma, consciência o karma mau karma....que a leiinfluenciará da causalidade rege ofuturo? karma. Bom Aqui e agora, como pensar e como agir para ir no bom caminho e influenciar justamente o futuro? Como criar a vida eterna? A consciência 非 思 量 HISHIRYŌ, infinita, do 座禅 ZAZEN possui o poder penetrante e a sabedoria sem limite de engendrar o karma humano mais elevado. 不垢不浄 FU KU FU JŌ. Prazer e aversão, atração e repulsão são o resultado da atividade mental que emite juízos e apreciações em função do karma passado. O homem e a civilização a que
pertencecriam. refletem-se mutuamente os produtos ambos Se a humanidade cria como uma civilização cadaque vez mais complicada e sofisticada, esta criará por sua vez seres 144
cada vez mais complicados. Este é o caso de nossa civilização atual, na qual o homem perdeu o senso da apreensão direta e intuitiva e na qual, em contrapartida, os valores já não são criados pelo bom senso mas sim pela cortante frieza da análise. A atividade mental é um grande perigo; em seu aspecto negativo pode construir sistemas de uma lógica fria e implacável, e atrofiar assim o sentido inato do justo. A atividade mental julga e aprecia segundo critérios do indivíduo. Não obstante, espírito srcinal seme qual pureza e sem mancha, como onosso cosmos infinito que éé tal deve ser segundo o autêntico Dharma, segundo a Lei. Ao nascer, o bebê ignora as noções de pureza e de mácula. Depois, a consciência “desperta”. Mas desperta seguindo os trilhos que foram forjados pelos pais, o meio ambiente, o entorno, a educação. Os trilhos conduzem a um lugar determinado e desta maneira se perde a dimensão do infinito. O karma ignora o resultado, o efeito e a retribuição, e o resultado ignora a causa. Onde está a falta? Onde está o mérito? Somente a consciência humana decide se o vento deixa cair uma flor e a empurra até o altar de Buda ou de Deus, este vento ignora os méritos desta ação. Da mesma forma que a flor... Tudo provém da ordem Cósmica. Não há milagres. Só o espírito do homem cria os milagres. Apegar-se ou fugir, buscar sempre algo ou escapar de algo é srcem de sofrimento. A maioria das pessoas ignora que os fenômenos carecem de realidade e se apegam a eles, esquecendo que tudo é 無常 MUJŌ e 空 KŪ. Por isto sofrem. Esta consciência errônea é a raiz do sofrimento e da ignorância. Uma de minhas discípulas queria sempre que seu corpo, que todo seu ser estivessem puros.... puros... E de manhã até a noite se lavava continuamente. Sempre carregava consigo uma bacia, que se converteu em sua companheira acabei surpreendido e lhe disse que suainseparável. atitude nãoEuera muitomuito normal. Com o tempo, esta mulher ficou verdadeiramente louca... 145
不増不減 FU ZŌ FU GEN. 不 FU: negação. 不増不減 FU ZŌ FU GEN: não cresce
nem diminui. Não há dualidade: sem começo nem fim, sem mancha nem pureza. Nada aumenta, nada diminui. A água se evapora e se converte em nuvem, depois volta a cair em forma de chuva. O ser que morre subtrai uma pessoa à humanidade, mas devolve aos quatro elementos os componentes que o formavam. No cosmos nada aumenta nem diminui. Obtendo-se algo, perde-se algo. Tal é a fé perfeita, o equilíbrio cósmico. Tal é a filosofia 禅 ZEN. Mestre 道元 DŌGEN dizia: “Não se apegue aos benefícios nem às honras. Se ganhar dinheiro, se receber honras, desejará que estes aumentem durante sua vida. Será prisioneiro do conforto e da fama”. Um dia, o Buda Shākiamuni estava em meditação em uma pequena ermida. Estes pensamentos surgiram em seu espírito: “A boa, a verdadeira política de um governante consiste em não matar e em não ser morto, em não conquistar e não ser conquistado, em não provocar a desgraça nem sofrê-la. Pode ou não a política seguir a Ordem Cósmica?” Assim pensava quando de repente apareceu um demônio diante dele. Este demônio lhe disse ao ouvido: “Buda, era você quem deveria fazer política. Se você se dedicasse a isso seguramente chegaria a governar o país inteiro. Ninguém será morto nem matará. Ninguém conquistará nem será conquistado. Ninguém sofrerá nem será srcem de dor.” Buda Shākiamuni disse então ao demônio: “Demônio, por que me diz que devo fazer política?” O demônio respondeu: “Buda, você tem grandes poderes mágicos, você pode conseguir qualquer coisa que se proponha. Se quisesse transformar todo o Himalaia em ouro, conseguiria.” 146
Buda então compôs um poema: “Ainda que o Himalaia se convertesse em ouro, ainda que esta quantidade de ouro fosse duplicada, todo este ouro não poderia satisfazer sequer a uma só pessoa”. Buda Shākiamuni tinha o espírito totalmente 無所 得 MUSHOTOKU, não buscava nada, nenhuma meta, nenhum proveito, não desejava fama nem ouro. Os desejos do homem são ilimitados. Satisfazer todos estes desejos significa perturbar os demais homens. As fronteiras se movem, avançam e retrocedem, mas a terra continua a mesma. Não vivemos sozinhos, nem para nós mesmos. Vivemos graças ao Poder Cósmico fundamental. Compreender intimamente que o “eu” e todas as demais existências são uma unidade, é ter o 悟 SATORI. Eu e os demais temos as mesmas raízes. Todas as existências e eu somos idênticos. Por isso, os verdadeiros seres do 悟 SATORI esquecem o ego, inconscientemente, naturalmente, automaticamente todas as ecoisas, todo o universo se transforma em ego, oeego infinito cósmico. Durante o 座禅 ZAZEN, nosso cérebro frontal repousa, como durante os sonhos. Mas o cérebro interno, central, desperta e se ativa intensamente. Nosso poder vital se 座禅 ZAZEN é Deus ou Buda, fortalece. A postura do 座禅 ZAZEN é 悟 SATORI. Compreender isto através do corpo e não através do intelecto é o grande悟 SATORI.
147
舎利子、是諸法空相、 不生不滅、不垢不浄、不増不減、 SHARISHI, ZE SHO HŌ KŪ SŌ, FU SHŌ FU METSU, FU KU FU JŌ, FU ZŌ FU GEN, “Shāriputra, o aspecto de 空 KŪ de todas as existências não nasceu nem se extinguirá, não é puro nem impuro, não aumenta nem diminui”.
是故空中無色無受想行識、 無眼耳鼻舌身意、 無色声香味触法、 無眼界乃至無意識界、 ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZES-SHI I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, Por isto, em 空 KŪ, não há nem 色 SHIKI, nem 受 JU, 42
[nem 想 SŌ] 42
, nem 行 GYŌ, nem 識 SHIKI (os cinco Não consta no srcinal. (N.T.) 148
agregados). Não há nem olhos, nem ouvidos, nem nariz, nem língua, nem corpo, nem faculdades mentais. Não há nem cor, nem som, nem cheiro, nem sabor, nem tato, nem pensamento. Em 空 KŪ não existe o domínio dos sentidos. 無眼界乃至無意識界 MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI. Em 空 KŪ não existe o mundo das seis consciências
sensoriais. Não há nem nascimento, nem extinção, nem pureza, nem impureza, nem aumento nem diminuição. Por isso Shāriputra, em 空 KŪ, não há cinco skandhās ( 色 SHIKI, 受 JU, 想 SŌ, 行 GYŌ e 識 SHIKI), nem seis órgãos dos sentidos (眼 GEN, 耳 NI, 鼻 BI, 舌 ZE, 身 SHIN e 意 I), nem os seis objetos da percepção ( 色 SHIKI, 声 SHŌ, 香 KŌ, 味 MI, 触 SOKU, 法 HŌ). Tão pouco há seis consciências, domínios de percepção: visual (眼界 GEN KAI), auditiva ( 耳 界 NI KAI), olfativa (鼻 界 BI KAI), gustativa ( 舌 界 ZE KAI), tátil ( 身 界 SHIN KAI) e consciência da consciência (意 識 界 I SHIKI KAI). Em 空 KŪ não há fim dos doze 因 緣 INNEN: 因 IN: causa. 緣 EN: interdependência. Em 空 KŪ não há Quatro Nobres Verdades, não há nem compreensão nem proveito. Tudo é 無所得 MUSHOTOKU. O Bodhisattva, graças a sabedoria 般 若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, se separa de 顚倒薨想 TEN DŌ MU SŌ (as ilusões e os erros) e alcança o verdadeiro Nirvāna. Todos os patriarcas, igualmente, graças a esta completa sabedoria, obtém 得 阿 耨 多羅 三 藐 三 菩提 A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI, o verdadeiro 悟 SATORI, o mais elevado.
149
Em 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA se encontra o grande mantra: GYATEI, GYATEI, HARAGYATEI, HARASŌGYATEI, BŌJISOWAKA. Através da consciência 非 思 量 HISHIRYŌ do 羯諦、 羯諦、 波羅羯諦、 波羅僧羯諦、 菩提薩婆訶。
座禅 ZAZEN podemos compreender que não há objeto dos sentidos, que não há nada que ver, nada que ouvir, nada que
cheirar, nada que saborear, nada que tocar nem nada que pensar. Quando eu falo durante o 座禅 ZAZEN não faz mal não prestar atenção ao que eu digo. É melhor ouvir naturalmente, sem escutar. Às vezes pergunto a meus discípulos o que acharam do 口宣 KUSEN que acabaram de ouvir. Freqüentemente me respondem que não se lembram. Mas se eu volto a repeti-lo, então se recordam totalmente. O 口宣 KUSEN não é um ensinamento do mesmo tipo que uma conferência universitária. Durante o 座禅 ZAZEN, o cérebro frontal está em um estado de repouso. Mas a informação
recebida doregistrada cérebro para central fica impressa e permanece,através indelével, sempre. Tive um encontro com Karl Jaspers 43 , alguns meses antes de sua morte, na Universidade de Heidelberg. Explicou-me que a filosofia européia se encontrava num beco sem saída, que era incapaz de resolver suas contradições intrínsecas e que por isso estava destinada a uma eterna revisão, já que não possuía o meio de superar a dialética evolutiva, o meio que a fizesse acessar ao princípio imutável. Este meio é o não pensamento. Jaspers me disse que a 43
Karl Jaspers (1883-1969): psicopatologista, filósofo e teólogo alemão, fundou o moderno existencialismo, concentrando-se na análise das humanas às Age” situações Suas (1932). obras principais sãoreações “Man and the Modern (1931)extremas. e “Philosophy” (N.T.) 150
filosofia ocidental deve compreender o “nicht denken”, o não pensamento. Eu lhe respondi que o não pensamento era uma premissa do 禅 ZEN, que em certa medida constituía o que o jardim da infância é para a vida humana; que este não pensamento do 禅 ZEN era o ponto de partida que permite acessar a verdade mais elevada; que era a condição primordial e fundamental sem a qual nenhuma busca verdadeira podia triunfar. Jaspers, ao final de sua vida, estudou o Budismo e nele encontrou o alívio que lhe havia faltado durante toda sua vida: a resposta a suas perguntas metafísicas. Quando lhe falei do texto de道元 DŌGEN intitulado “O SER E O TEMPO”44, mostrou-se maravilhado e lamentou não tê-lo conhecido antes. Todas as filosofias têm tentado dar uma definição da noção de substância. Platão falava do mundo das Idéias. Demócrito, do átomo. Apesar de que todos falassem com uma intuição clara sobre as múltiplas possibilidades, esta intuição se fixa e se solidifica ao erigir um sistema lógico e fechado, posto que dualista e exclusivo, já que não aceita a simultaneidade A ciência dos estácontrários. na mesma situação. Chega um momento em que surge necessariamente o beco sem saída criado pelo dilema dos contrários, o qual enfrenta nosso entendimento, fundado na razão: nosso cérebro tem a faculdade de emitir todo o tipo de formulações que superam o entendimento, como o infinito e o eterno, o não espaço e o não tempo, etc. Sem embargo, a compreensão de tais formulações não será nunca possível. A formulação se produz a nível abstrato, por um órgão cerebral que pode conceber muitas coisas, mas que não pode compreendê-las todas, caso se considere que a autêntica compreensão é a vivida interiormente, a que foi 44
有時 UJI (SER-TEMPO) é um capítulo do 正法眼蔵 SH ŌBŌGENZŌ do mestre 道元 DŌGEN. 151
experimentada e conhecida. Por isso, pode-se dizer que a ciência (nossa busca fundamental) e a filosofia são como a flecha de Zenon de Eléia 45, que se aproxima do alvo sem acertá-lo nunca, já que lhe falta a compreensão da experiência vivida, ou seja, a dimensão da participação no infinito (ou no eterno). Esta compreensão se situa além das vias ordinárias da consciência, na via do conhecimento investida pela infinitude do tempo e pela onipresença do espaço ilimitado. Esta via é a via do fim da charlatanice, a via do silêncio profundo e insondável, a via do não pensamento e do pensamento absoluto, 非思量 HISHIRYŌ, mais além de qualquer forma de pensamento. Ao não saber observar, o homem se perdeu em um vão palavrório impedido e rechaçado sem cessar por seus limites. Palavras vãs já que fracassaram em sua missão: a de encontrar a verdade imutável que era o objeto de sua busca. A simples observação de uma chama pode conduzir à identificação das leis e grandes princípios que regem o cosmos e que se resumem nas noções de: - A impermanência. A mudança perpétua de todas as coisas, portanto a não entidade, a existência sem substância própria. - A chama morre no momento em que nasce. A chama que arde neste instante não tem nada a ver com a que ardia no instante precedente. A chama é a representação vívida da não substancialidade. - A interdependência: interdependência dos fenômenos que são eles mesmos forças determinantes, cujas múltiplas combinações engendram miríades de fenômenos. Por exemplo, para que exista uma chama são requeridos alguns elementos: - A matéria, como a madeira. - O ar, o oxigênio. 45
grego, - 430 a.C.) formulou numerosos paradoxos queFilósofo desafiavam as (495? idéias de pluralismo e a existência do movimento e da mudança. 152
- A faísca surgida ao esfregar um sílex, por exemplo. Estes três elementos são fenômenos em si, que quando se encontram, engendram um novo fenômeno. E se convertem em forças determinantes, tanto que são tributários uns dos outros. Se faltar um destes elementos, a mágica não poderá acontecer. Todos os fenômenos, sejam quais forem, são impermanentes, estão destinados a uma perpétua mudança de os constituição de estado. Todos fenômenose são dependentes uns dos outros. Portanto, a conclusão que devemos tirar deste princípio é que o único valor imutável é o potencial contido em cada fenômeno e que contém todos os fenômenos. Dito de outra forma, o potencial é a única coisa permanente e independente de cada forma manifestada (já que esta é impermanente e fruto da interdependência). É permanente já que tem sido desde toda a eternidade em tudo o que é e em tudo o que não é. É independente, já que é a causa e a condição de tudo o que existe. É o motor que produz e faz progredir as coisas manifestadas. O potencial existe em cada forma-força e em todas as relações que unem estas formasforça, desde o infinitamente pequeno até o infinitamente grande. Em toda a manifestação permanece a plenitude da potencialidade a qual contém por sua vez a totalidade da manifestação. Esta potencialidade é o Poder Cósmico Fundamental, é 空 KŪ, o Nada, o não manifesto e o Grande Tudo, o manifesto. Neste sentido, 空 KŪ contém o não manifesto e a manifestação em potencial, em sua perpétua evolução (da mesma maneira que a semente é o não manifesto da árvore e contém em potencial a árvore). Todas as existências são 空 KŪ, sem númeno. Tudo existe sem existir. Tudo existe somente em mudança e pela mudança, já que o que sustenta a mudança é o potencial. Quando chega nossa morte, nosso cosmos subjetivo, nossa visão subjetiva se acaba, mas nada se perde. 153
Nosso corpo e nosso espírito se perpetuam sofrendo grandes mudanças. O karma do corpo e do espírito, depois de nossa morte, continua, “se altera”. Alguns elementos voltam a terra, outros ao espaço. No transcorrer de um 問答 MONDO, alguém me pediu que desse uma explicação da alma. Este é um grande problema. O problema de todos os tempos, de todas as filosofias e de todas as religiões, o problema do corpo e do espírito. O Mestre 道元 DŌGEN, para falar da união do corpo e do espírito, dizia: 神人一如 SHIN JIN ICHI NYO. 神 人 SHIN JIN: corpo espírito. 一 如 ICHI NYO: uma mesma coisa, parecido, unidade. A psicofisiologia, a psicossomática, a neurobiologia tendem hoje a restituir a unidade corpo-espírito. Há aqui uma anedota do mestre 臨 済 RINZAI 一休 IKKYŪ, que viveu há aproximadamente quatrocentos anos. Naquela época, ele ainda era um jovem monge que vivia em um templo 禅 ZEN, no qual também estava seu irmão. Um dia, seu irmão deixou cair um bule de chá no chão, que se partiu em vários pedaços. Este bule era de grande valor, já que havia sido oferecido pelo Imperador. O superior do templo o advertiu severamente, causando-lhe tanta pena que o fez chorar. Mas 一休 IKKYŪ lhe disse para não se preocupar: “Possuo uma grande sabedoria. Vou encontrar a solução deste problema.” Recolheu os cacos de porcelana e os colocou na manga de seu 衣 KOLOMO. Foi então descansar no jardim do templo, esperando que o Mestre passasse por ali. Ao vêlo, foi até ele e lhe propôs um 問答 MONDO: “Mestre, os homens nascidos neste mundo morrem ou não morrem?” “Sem dúvida nenhuma morrem”, respondeu o Mestre. “até mesmo Buda morreu”. 154
“Compreendo”, disse 一 休 IKKYŪ, “mas as demais existências, os minerais e todos os objetos estão também destinados a morrer?” “Certamente”, respondeu o Mestre. “Tudo que tenha uma forma deve necessariamente desaparecer quando chegue o momento.” “Compreendo”, disse 一 休 IKKYŪ. “Em suma, como tudo é perecível, não deveríamos chorar nem lamentar o que não existe, nem se aborrecer contra o destino”. “Não, realmente”, respondeu o Mestre sorrindo. Neste instante, 一休 IKKYŪ tirou da manga de seu 衣 KOLOMO os restos do bule e os apresentou ao Mestre. Este ficou boquiaberto! Devemos compreender que 無常 MUJO, a mudança, é a eternidade. Esta é a sabedoria profunda que professa o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ.
155
是故空中無色無受想行識、 無眼耳鼻舌身意、 無色声香味触法、 無眼界乃至無意識界、 ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZE SHIN I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, 是故 ZE KO: assim. 空中 KŪ CHŪ: em 空 KŪ. 空 KŪ e 無 MU são dois conceitos diferentes. 空 KŪ significa existência sem númeno, a existência
mais além das formas, a existência absoluta. 無 MU é o contrário de 空 KŪ, a existência. É a não existência, a extinção da existência. 無色 MU SHIKI: não há 色 SHIKI, não há forma, não há existência formal e relativa, não há matéria. 無 受 想 行 識 MU JU SŌ GYŌ SHIKI: t ão pouco há 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI: em 空 KŪ, se desvanecem os 五薀 GO-UN, os cinco agregados. 色 SHIKI: a existência. Há dois tipos de existência: - a existência “subjetiva”, o ego; 156
- a existência “objetiva”, o mundo que nos rodeia. 色 SHIKI é um termo geral que designa a totalidade do mundo fenomenal, espírito e matéria em unidade. Por 色 SHIKI, união da matéria e do espírito, aparecem as percepções: 受 JU. As percepções criam as concepções mentais, a faculdade de conceituar: 想 SŌ. Com a conceituação nasce o ato voluntário: 行 GYŌ. Por último, 識 SHIKI (é a mesma fonética, mas seu sentido é distinto) designa o saber acumulado, a memória, a consciência e o subconsciente. 無 眼 耳 鼻 舌 身 意 MU GEN NI BI ZE SHIN I: não há seis órgãos dos sentidos. 無 色 声 香 味 触 法 MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ: não há seis objetos dos sentidos. 色 SHIKI: as cores, as formas. 声 SHŌ: os sons. 香 KŌ: os odores. 味 MI: os sabores. 触 SOKU: as sensações táteis. 法 HŌ: o pensamento. 無 眼 界 MU GEN KAI. 無 MU: não há. 眼 GEN: visuais. 界 KAI: mundo, percepções. Não há domínio (mundo) das seis percepções, o campo das seis percepções: visuais, auditivas, olfativas, gustativas, táteis e o domínio das percepções mentais. Assim, por não haver seis órgãos dos sentidos, 無 眼 耳 鼻 舌 身 意 MU GEN NI BI ZE SHIN I, não aparecem os seis tipos de percepções. Durante o 座 禅 ZAZEN, vocês podem ter esta experiência. Quando um ruído se manifesta, sua consciência auditiva se manifesta ao mesmo tempo, e sua consciência mental cria pensamentos, rememora lembranças, imagina a srcem do ruído, e sua consciência pura se distrai assim. Isto é 色受 SHIKI JU: pela matéria色 SHIKI, aparece a sensação 受 JU, e se manifestam as concepções mentais,想 SŌ. 157
Quando o responsável pelo 警 策 KYOSAKU faz ruído com seus passos, desperta a consciência auditiva: 受 JU. O pensamento nasce (decisão de receber o 警策 KYOSAKU): 想 SŌ. O pensamento cria a ação: 行 GYŌ. Os três fatores reunidos (objeto exterior, órgãos dos sentidos e consciência) conduzem à ação. Estes três fatores devem se manifestar juntos. Se apenas um deles falta, a ação não pode se produzir. Esta as sementes ação manifestadas as ações açõespassadas futuras. Este (lembranças), é o fenômeno e deposita de memorização do corpo e do espírito. Sem embargo, este processo carece de númeno e é criado a partir da interdependência dos elementos. Nasce da interação do potencial manifestado:
Seis 根 KON (raízes) estados)
受 JU
Seis 境 KYŌ (objetos ou
PERCEPÇÃO
Seis 識 SHIKI (Seis consciências subjetivas)
RECONHECIMENTO 想 SŌ
行 GYŌ
識 SHIKI 158
CONCEPÇÕES MENTAIS
AÇÃO
MEMÓRIA
DOMÍNIO DE FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA COGNITIVA Os seis órgãos dos sentidos ou seis raízes 六 根 ROKU KON: 眼 GEN 耳 NI 鼻 BI 舌 ZE 身 SHIN 意 I
Os seis objetos da percepção 六 境 ROKU KYŌ: 色 SHIKI 声 SHŌ 香 KŌ 味 MI 触 SOKU 法 HŌ
Seis Campos de percepção六塵 ROKU JIN
CAMPO DE PERCEPÇÃO
As seis consciências subjetivas, 六 識 ROKU SHIKI (sad vijñanāni), 159
os 五薀 GO-UN e o reconhecimento- memória. - Dos órgãos dos sentidos: 根 KON: a raiz; - Da matéria, objetos da percepção:境 KYŌ; - Da consciência subjetiva: 識 SHIKI. Os fenômenos aparecem graças a 根境識 KON KYŌ SHIKI. Os seis órgãos dos sentidos (根 KON) e os seis objetos 境 KYŌ) determinam o campo de percepção, o dos qual sentidos engendra( a consciência subjetiva 識 SHIKI. No Budismo foi proposta às vezes a questão de saber o que é anterior, o subjetivo ou o objetivo. A resposta varia segundo se trate do Mahāyāna (大乗 DAIJŌ) ou do Hīnayāna (小乗 SHŌJŌ). No Mahāyāna, (大乗 DAIJŌ) os três são simultâneos: 根 境 識 KON KYŌ SHIKI combinados juntos engendram os fenômenos. Mas o Hīnayāna (小乗 SHŌJŌ) expõe o problema da anterioridade e considera o material como causa primeira. Mas para o Mahāyāna ( 大 乗 DAIJŌ), este é um falso problema, desprovido de sentido. No Mahāyāna (大乗 DAIJŌ), não há ruptura entre o material e o espiritual. Toda impressão é por sua vez material e espiritual, e permanece registrada em forma de informação atualizável em qualquer momento. Isto descreve o processo do karma que nasce da ação. A ação procede por sua vez do material e do espiritual. Durante o 座禅 ZAZEN, depois de um período mais ou menos longo, a concentração aparece e nossos sentidos se calam. Isto é 無 眼耳鼻舌身意 MU GEN NI BI ZE SHIN I, a concentração em 空 KŪ, na qual tudo pouco a pouco é esquecido, o corpo e o espírito, o passado e o futuro... A calma se instaura e se pode alcançar o completo samādhi. Alguns estão às vezes adormecidos (estado de 昏沈 KONCHIN. Isto não é o samādhi, que supõe a calma 160
total e ao mesmo tempo a vigilância. Concentração e observação se sucedem. Depois de um período de 無 眼 耳 鼻 舌 身 意 MU GEN NI BI ZE SHIN I (ausência das seis percepções) aparece o período 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI, as percepções e concepções mentais, a imaginação, os desejos e a volição... Este é o estado de 散亂 SANRAN, estado de agitação. A concentração perfeita é samādhi ou 空 KŪ. 即色 是 色 Esta alternativa corresponde a 空em KŪ SOKU ZE SHIKI, 空 KŪ se transforma SHIKI, e a 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ, 色 SHIKI se transforma em 空 KŪ. A observação sucede à concentração e vice-versa. O espírito não tem começo nem fim. Ao mesmo tempo em que se forma a primeira célula do corpo aparece o espírito, que insufla vida à célula e retorna à energia do cosmos quando o corpo volta à terra. O corpo se debilita com a velhice e, na maioria dos casos, cria-se um desequilíbrio entre o ancião e seu entorno. O mundo dos desejos e da ação adquire menos importância, mas paradoxalmente, o egoísmo cresce com o estado de debilidade, criando um estado de desarmonia interior. Esta desarmonia interior é portadora de 受 想 行 識 JU SŌ GYŌ SHIKI, que se perpetua depois da morte, srcinando a transmigração. As “sementes” de karma perpetuam-se na consciência depois da morte. Deverão manifestar-se necessariamente em função da lei universal segundo a qual toda a semente deve germinar ou perecer (transformar-se) quando chegar o momento requerido. Formarão então os fatores hereditários de um recém nascido. Estes fatores hereditários são recebidos no mesmo momento da ovulação e seu potencial está contido no esperma do pai e no óvulo da mãe. Se a semente não germina, ao menos deve se transformar. Isto é o que sucede durante o 座禅 ZAZEN. O mau karma aparece e se libera do subconsciente; mas, pela ação da consciência durante o 座禅 ZAZEN, desprovida de 161
seis percepções e de ignorância, este mau karma pode se extinguir, ou seja, pode ser transmutado, sublimado e regenerado na consciência pura e srcinal. O espírito esvaziado assim das sementes do karma, abre-se para o eterno, funde-se com o infinito potencial cósmico, não submetido à impermanência nem à interdependência, não nascido, não criado, sem começo nem fim, realidade eterna de 空 KŪ. Por isso se diz: “Em 空 KŪ não existem os cinco agregados, nem os seis órgãos dos sentidos, nem os seis objetos dos sentidos, nem as seis percepções nascidas da ignorância e portadoras de ignorância.” Em 空 KŪ não existem o entorno nem nossos próprios órgãos subjetivos. Em 空 KŪ, tudo o que pertence ao domínio visual, auditivo, olfativo, gustativo e tátil, não aparece. Em não havendo entorno, não há observação objetiva, nem subjetiva, nem consciência. É o fim total, a extinção, a absorção completa no Nada, no 空 KŪ totalmente 空 KŪ, zero absoluto. Esta é a passagem mais difícil do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. É composta por apenas vinte e cinco 漢字 KANJI46, mas seu significado é muito profundo. Entre Deus ou Buda e o homem não existe nenhuma separação. Eu digo sempre: a postura de 座禅 ZAZEN é, ela mesma, Deus ou Buda. Aproximar-se de Deus, para a maioria das religiões, significa superar a condição humana. Pelo contrário, alguns precisam do humanismo. Mas a via ensinada toma freqüentemente caminhos muito sinuosos, já que esta superação da condição humana é o resultado de esforços, de proezas físicas e psíquicas consideráveis (tais como as práticas ascéticas, ou mortificações) que srcinam estados de 46
ZE 是故空中無色無受想行識、無眼耳鼻舌身意、無色声香味触法、 KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZE SHIN I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, (N.T.) 162
consciência especiais, mas sem nenhuma relação com a autêntica realização. No 禅 ZEN, a simples postura sentada e a respiração profunda determinam o estado de consciência justo, a consciência 非思量 HISHIRYŌ, infinita, que inclui todas as contradições e submerge o ser no pensamento ilimitado. Toda visualização, toda a visão, toda a sensação é rechaçada como ilusão. O fato de que apareça Deus ou o Demônio não é tão importante. Não é necessário prestar a menor atenção a isso. São fenômenos e apenas fenômenos, ilusões mentais. Na postura justa do 座禅 ZAZEN e graças à consciência 非思量 HISHIRYŌ, resolvem-se imediatamente todas as contradições, todas as oposições e todas as dualidades. Não há que procurar a “união divina”, nem a comunhão ou a fusão. A consciência 非思量 HISHIRYŌ nos submerge na raiz do divino. A consciência 非思量 HISHIRYŌ é a realidade divina, a unidade suprema e a sabedoria 般 若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA é sua emanação brilhante, que governa e conhece todo o cosmos.
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無眼界乃至無意識界、 無無明亦無無明尽、 乃至無老死亦無老死尽、 無苦集滅道、 MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, MU MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN, NAI SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN , MU KU SHŪ METSU DŌ, 無眼界 MU GEN KAI: o domínio sensorial não existe.
Já falei de 十 二 處 JUNISHO, os doze domínios sensoriais (dvādashāyatanāni em sânscrito). Tratam-se das doze portas de acesso à consciência, que se abrem sobre as faculdades cognitivas destinadas a captar os fenômenos da existência. Há seis faculdades cognitivas e seis categorias de objetos correspondentes. Desta forma, constituem os doze domínios sensoriais e formam a base do conhecimento. Segundo este sistema da filosofia Budista, a consciência não existe entidade isolada: os órgãos dos sentidos e os objetoscomo correspondentes. 164
No Budismo, buscar o Caminho significa desprender-se das ilusões, ter uma sólida confiança em si e uma fé profunda na busca da Verdade. Mantendo a consciência lúcida e o espírito de devoção, sejam quais forem os obstáculos encontrados, devemos permanecer sempre livres. Ainda que encontremos honras e benefícios em nosso caminho, não devemos ser influenciados por eles. Assim, através deste ensinamento pode-se obter a verdadeira felicidade do Dharma, a verdadeira atualização do 禅 ZEN, a verdadeira compaixão e a profunda sabedoria 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA. Desta maneira pode-se conseguir ajudar aos demais, sendo verdadeiramente um só graças a um equilíbrio harmonioso com o cosmos. Seja como for, a consciência apresenta o problema da maneira de pensar. A consciência é o determinante maior das ações, do comportamento e das atitudes. Traduz-se igualmente na expressão da cara, no olhar, e determina não somente a fisionomia, mas também a atitude. Aqui e agora: como pensar? É perigoso estar demasiado apegado ao ego, à forma física, às faculdades mentais, à inteligência. 47
Sūtraorgulhosa Em um se contaeque na época Buda obedecia vivia na Índia uma mulher altaneira, quedenunca
à seu marido e continuamente se levantava contra ele. Seus pais pediram a Buda que a educasse. Mas ela não respeitava seu ensinamento e fugia, escondendo-se em sua casa. Buda ordenou um dia que abrissem todas as portas e janelas e assim 玉耶 GYO KUYA não pode assim se ocultar mais. A face de Buda lhe apareceu e ele lhe disse: “Não fique tão orgulhosa de sua beleza, já que ela é impermanente e passará mais rapidamente do que você imagina. Existem sete tipos de esposas:”
47
Tr a t a- s e do
玉耶經 GYOKUYA KYŌ . (N.T.)
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- “A que se comporta como uma mãe com seu filho, socorre-o, mima-o, cobrindo seu marido de ternura como uma mãe faz com seu filho.” - “A esposa irmã que respeita seu marido, escuta-o com atenção e segue seus conselhos como se fosse seu irmão mais velho.” - “A esposa educadora que sempre com muito amor quer educar a seu marido, corrige seus erros, dando-lhe lições de moral, ou admirando-o quando seu comportamento é justo.” - “A quarta esposa é a clássica, que se fecha em seu lar, mulher fiel, honra seu marido com leais serviços e belos filhos. Cuida sempre de manter a harmonia entre todos os membros da família.” - “A quinta é a esposa serva, sempre muito devotada, nunca protesta por qualquer motivo.” - “E por último”, disse Buda, “está a mulher que odeia seu marido, despreza-o, só pensa em separar-se dele e a esposa malvada e infiel, que procura por todos os meios arruinar seu marido e sempre vai com outros homens. Esta mulher é muito perigosa, é uma força negativa e destruidora.” “Minha querida 玉耶 GYO KUYA”, acrescentou Buda, “em que tipo de esposa você se reconhece?” “Quero me entregar a meu marido”, disse ela arrependendo-se, “quero ser sua servidora, um apoio que possa ajudá-lo sempre. Quero estar próxima de minha família, de meus pais e faço a promessa de não voltar a ser orgulhosa até o momento de minha morte!” Entretanto, é tão perigoso apegar-se às suas próprias qualidades como às das dos demais! O que é permanente em nossa vida? Nada. Tudo é 無常 MUJŌ. Portanto atravesse para mais além da montanha da impermanência! Antes da revolução 明治 MEIJI no Japão, durante a era 徳川 TOKUGAWA, o tratamento dispensado aos criminosos era simples e expedito: eram decapitados 166
sem demora e sem distinção de caso. As crônicas desta época contam a história de uma célebre prostituta chamada お伝 高橋 ODEN TAKAHASHI, conhecida por sua beleza e por sua audácia. Um carrasco, chamado 浅 右 衛 門 ASAEMON, recitava sempre ao executar os prisioneiros, um poema do grande Mestre 弘法大師 KŌBŌ DAISHI, da seita 真 言 SHINGON: “As flores desabrocham, mas um dia morrem.” Depois de dizer isso, levantava sua espada e, com terminar um golpedizendo: certeiro,“Não cortava se iluda, a cabeça não tenha do sonhos condenado, maus,para não se embriague.” E depois de uma respeitosa reverência, guardava sua espada na bainha. Este era seu 祈禱 KITŌ silencioso, sua forma de exorcismo, sua maneira de ajudar o morto a se desgarrar do véu da ilusão. Um dia, no momento em que 浅右衛門 ASAEMON ia cortar a cabeça da bela 芸 者 GEISHA, quando estava recitando o terceiro verso de seu poema, a mulher se voltou para ele, mirou-o sem medo e lhe sorriu com todo o seu encanto. Neste momento, sua beleza poderia seduzir ao mais feroz dos demônios. O braço de 浅右衛門 ASAEMON desviou-se e golpeou outro lugar.
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無無明亦無無明尽、 乃至無老死亦無老死尽、 無苦集滅道、 MU MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN, NAI SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN, MU KU SHŪ METSU DŌ, Em 空 KŪ, 無 無明 MU MUMYŌ, não há ignorância, 無 無明尽 MU MUMYŌ JIN, nem extinção da ignorância. 乃至 NAI SHI: e assim sucessivamente. 無老死亦無老死尽 MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN: não há degeneração e morte, nem extinção da degeneração e da morte. O Sūtra do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ contém a essência do ensinamento de Buda. Nele se encontra a essência do Budismo Hīnayāna e Mahāyāna. Quais foram os ensinamento de Buda?
princípios
fundamentais
do
168
Em primeiro lugar o princípio de 三法印 SANBŌIN: “o Selo das Três Leis” (tri-drsti-namitta-mudrā). Estas três leis são: a) 諸行 無常 SHOGYŌ MUJŌ (anityābatasamskārāh): tudo muda sem cessar, tudo é impermanente. b) 諸 法 無 我 SHOHŌ MUGA (nirātmānah sarvadharmāh): não númeno, não ego. O ego é sem substancia. Tudo é 無常 MUJŌ e 無我 MUGA. c) 諸法 皆空 SHOHŌ KAI KŪ (sarva-dharma-shūnyatā): tudo é 空 KŪ. Esta idéia se encontra desde o começo do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ: 観自在 菩薩 。 行 深 般若 波羅蜜多 時。 照 見 五薀 皆 空。
KANJIZAI BOSATSU. GYŌ JIN HANNYA HARAMITTA JI. SHO KEN GO-UN KAI KŪ. O Selo das Três Leis distingue o Budismo das demais religiões. Estas três leis representam o nirvāna, a serenidade perfeita do corpo e do espírito. Às vezes se diferencia 空 KŪ do nirvāna, e nirvāna se converte em uma Quarta Lei, 涅槃 寂靜 NEHAN JAKUJŌ (shāntamnirvānam). O segundo ensinamento de Buda é 十二縁起 JUNI ENGI (dvādasha-pratītya-samutpāda): os doze 縁起 ENGI, o principio da interdependência. 縁 起 ENGI ou 因 縁 INNEN são dois termos que definem se produz na harmonia ode mesmo 因 IN e deprincipio. 縁 EN: a Cada causa eação a interdependência. 169
O fenômeno é produzido pela união de causas e circunstâncias múltiplas. Esta doutrina é essencialmente uma negação da geração espontânea. Terceiro princípio: 四諦 SHI TAI (catur-vidham satyam), as Quatro Nobres Verdades: 苦 集 滅 道 KU SHŪ METSU DŌ. 苦 KU (duhka): o sofrimento. Todas as existências
sofrem.
集 SHŪ (samudaya): a causa do sofrimento. A ilusão e o desejo. 滅 METSU (nirodha): a extinção do sofrimento, o ā nirv na, o reino livre de sofrimento. 道 DŌ (mārga): a Via, o método.
O método para alcançar o nirvāna é a prática de 八 正 道 HASSHŌDŌ, o Nobre Caminho Óctuplo, o quarto princípio. Suas oito divisões são: 正見 SHŌ KEN (samyag drshti): os pontos de vista justos. Refere-se à compreensão correta de 四諦 SHI TAI, as
Quatro Nobres Verdades. 正 思 惟 SHŌ SHI YUI (samyag samkalpa): o pensamento justo, que é a faculdade de refletir corretamente sobre 四諦 SHI TAI. 正 語 SHŌ GO (samyag vāc): a palavra justa. 正 業 SHŌ GYŌ (samyak karmānta): a ação justa. 正 命 SHŌ MYŌ (samyag ājīva): meios de existência justos. 正 精 進 SHŌ SHŌ JIN (samiak vyāyāma): o esforço justo. 正 念 SHŌ NEN (samiak smrti): a memória justa. 正 定 SHŌ JŌ (samyak samādhi): a meditação justa, 170
座禅 ZAZEN.
No Budismo Hīnayāna (“Pequeno Veiculo”) encontramse também estes quatro princípios. Mas com o Mahāyāna aparece a noção de Bodhisattva e outro quatro princípios vêm complementar os primeiros. Quinto princípio: 六 波羅蜜多 ROPPARAMITSU (sat-pāramitā): as seis Paramitā, ou “virtudes”48. São os seis tipos de prática através das quais os Bodhisattvas podem alcançar o nirvana: 布施 FUSE (dāna): a doação, a oferenda. 戒 KAI (shīla): os preceitos. 忍辱 NINNIKU (kshānti): a paciência, a perseverança. 精進 SHŌ JIN (v īrya): o esforço, a assiduidade. 禅定 ZEN JŌ (dhyāna): a meditação, 座禅 ZAZEN, e 智慧 CHI-E (prajñā): a sabedoria.
Sexto princípio: 佛 性 BUSSHŌ (buddha-dhātu): a natureza de Buda. O que é a natureza de Buda? É o espírito universal, o 悟 SATORI. E é o 禅 ZEN, 座 禅 ZAZEN, 只管打座 SHIKANTAZA, 非思量 HISHIRYŌ, somente sentarse e submergir na fonte srcinal, no pensamento absoluto. Sétimo princípio: 発 菩 提 心 HOTSU BODAI SHIN (bodhicitta) – produzir o espírito do despertar. O Mestre 道元 DŌGEN desenvolveu amplamente este sétimo principio, no primeiro capitulo de sua obra intitulada 48
Também conhecidas como “Perfeições”. (N.T.) 171
用心 集 GAKUDŌ YŌJIN SHŪ, “Recompilação da aplicação do espírito ao estudo da Via”. O Mestre 道 元 DŌGEN disse o seguinte a propósito do espírito do despertar: “Na verdade, quando se medita sobre a impermanência, o espírito do EU e do MEU não se produz, nem tão pouco surgem pensamentos de querer ser famoso e de ganância. Por se estar aterrorizado com a rapidez do tempo, pratica-se a Via com a mesma urgência de uma pessoa que deve apagar um fogo em seus cabelos... Aquele que esquece por um instante o EU e o MEU e pratica em seu retiro, retorna familiarizado com o espírito do despertar.” 学道
Oitavo princípio: a prática do ensinamento de Buda. Este princípio diz respeito a todos os problemas gerados pela prática. Sua essência é o 座禅 ZAZEN. Ao largo de todo o 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, voltamos a encontrar a presença destes princípios.
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無無明亦無無明尽、 乃至無老死亦無老死尽、
MU MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN, NAI SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN, Esta passagem é muito importante. Subentende o segundo princípio do Budismo, o princípio dos doze 縁起 ENGI ou 因縁 INNEN, ou também 因縁果 INNENKA. O que significa este princípio? É o conteúdo do 悟 SATORI de Buda, sentado serenamente na postura de 座禅 ZAZEN, embaixo da árvore Bodhi. Depois de abandonar os exercícios de mortificação e de ascese que o haviam ensinado os yogis e que só o haviam levado a um esgotamento total do corpo e do espírito, Shākiamuni decidiu simplesmente sentar-se na postura justa de concentração e de atenção. No amanhecer do nono dia, ao ver o primeiro resplandecer da Estrela da Manhã49, obteve o 悟 SATORI e realizou a impermanência de todas as coisas. Esta realização foi chamada mais tarde por seus discípulos “doze elos da interdependência”, em sânscrito D “ vādashatītya samutpāda”, 十 二 因 縁 Ū pra J NI INNEN, 49
O planeta Vênus. (N.T.) 173
因縁果 INNENKA ou 因果 INGA em japonês. Estes doze elos
são os doze fatores cujas interações determinam o processo vital, a existência fenomenal50. 因縁果 INNENKA é composto pelos 漢字 KANJI 因 IN, que significa a causa, 縁 EN, a dependência, as ações determinantes, e 果 KA, o efeito, o resultado. 因 縁 果 INNENKA define portanto as interações que unem a causa com o efeito por meio de condições dadas. (No Ocidente se tende No a crer que consagrado esta lei é ao o simples princípio de causalidade. capítulo karma se verá que é completamente diferente, devido a um elemento importante que o princípio mecanicista da causalidade não leva em conta: a liberdade de escolha, a existência de múltiplas possibilidades). Estamos também diante dos termos 縁起 ENGI ou 依他起性 ETAKISHO que têm significados similares. 依他起性 ETAKISHO define a produção que nasce em função de sua dependência com elementos exteriores, ou fatores baseados em eventos51. 縁 起 ENGI se traduz literalmente por aparição dependente, ou seja, as condições de aparição de um fenômeno. 縁 起presente ENGI,e futuro) entendido através dos três mundos (passado, determina o seguinte processo: - Temos 煩悩 BONNŌ (klesha). - Estes 煩悩 BONNŌ (klesha) determinam a produção de karma. - O sofrimento produz de novo 煩悩 BONNŌ (klesha). Este ciclo se repete sem fim. É constituído pelo conjunto 煩悩 業 苦 BONNŌ GYŌ KU (klesha-karma-duhka) 50
Ver “La práctica de la concentracion” de T. Deshimaru. Vision Libros. Barcelona, 1982. 51
“Baseado que em consta evento”noésrcinal a tradução da freqüenta curiosa aexpressão “evenemencial” e que não maioria dos dicionários.(N.T.) 174
ILUSÃO-AÇÃO-SOFRIMENTO, que é o pano de fundo da vida fenomenal normalmente observável. A análise da lei dos doze 因 縁 INNEN (ou causas interdependentes e determinantes) explica a aparição das existências fenomenais e de seu corolário, os 煩悩 BONNŌ. Esta lei fundamental da filosofia Budista é estudada em função de dois sentidos inversos, um que segue o processo evolutivo no sentido cronológico, do passado para o futuro, e outro que volta até a srcem do processo evolutivo. Aqui só descreveremos o primeiro, chamado 流 轉 RU-TEN em japonês. Tem como ponto de partida 無明 MUMYŌ, a ignorância, causa srcinal da qual depende toda a existência, e que nos conduz até 老死 RŌSHI, a degeneração e a morte: 1) 無 明 MUMYŌ (avidyā), a ignorância, primeiro 因 縁 INNEN, é o fator comum a todas as formas de existência fenomenal. É a sua causa primeira e determinante e condiciona o mundo fenomenal, que só existe por ela. O homem, antes de seu nascimento, é 無 明 MUMYŌ, ignorância. Seu nascimento é a atualização na matéria (ou encarnação) de sua consciência ignorante que, durante a transmigração, permanecia na consciência cósmica eterna, unida a ela: 無明 MUMYŌ é o agente produtor da ação. 2) Esta ignorância é a fonte original dos 煩悩 BONNŌ (klesha), e determina 行 GYŌ (samskāra), a ação. Este é o segundo 因 縁 INNEN. A ação é karma, produto da ignorância. No plano humano, este fator primordial, a ignorância, é produzido, em parte, pela ignorância dos pais, a qual engendra o ato sexual e kármico e provoca a fecundação. Por outro lado, se encontra a ignorância kármica de um defunto que quer encarnar e influencia a união dos pais. 175
As duas causas interdependentes conduzem à formação embrionária. A consciência do defunto encarna no mesmo instante da fecundação, a qual é uma manifestação da energia cósmica. Os três elementos que determinam a aparição do feto pai, mãe e consciência do defunto - são igualmente “responsáveis”, e não somente os pais, tal como se acredita ordinariamente, já que o antigo karma do defunto quer se realizar e deve encontrar suporte material para manifestar-se. As duas causas do passado, 無明 MUMYŌ e 行 GYŌ, ignorância e ação, engendram os efeitos do presente, que são: 3) 識 SHIKI (vijñāna): a consciência, o terceiro 因縁 INNEN. 4) Esta consciência determina 名色 MYŌ-SHIKI (nāmarūpa), o nome e a forma, ou o espírito e o corpo, ou as funções mentais e a matéria, quarto 因縁 INNEN. 5) Depois se forma 六入 ROKU NYU (salāyatana): os seis órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e espírito). Este é o quinto 因縁 INNEN. Durante os nove meses da gestação, o feto vive todos os estados da evolução e da mutação das espécies, desde o estado unicelular até o organismo infinitamente elaborado e complexo que constituiu o feto no momento de seu nascimento, passando do estado invertebrado até o vertebrado, mamífero. Depois do nascimento se desenvolvem as faculdades latentes do recém nascido, em função de seu entorno. 6) Com o nascimento e pela ação da consciência, do corpo e do com espírito e dos seis órgãos 觸 da consciência, aparece), o contato o mundo exterior, SHOKU (sparsha (sexto 因縁 INNEN). 176
7) Pelo contato se engendra 受 JU percepção (sétimo 因縁 INNEN).
(vedanā), a
Neste momento aparecem os 煩 悩 BONNŌ do presente, que são: 8) 愛 AI (trsnā), os desejos (oitavo 因 縁 INNEN), criados pela percepção. (nono
9) 取 SHU (upādāna), o ato de se aferrar, o apego 因縁 INNEN), produto dos desejos.
10) 有 U (bhava), o apego, a possessão, o “querer viver” (décimo 因 縁 INNEN), produzido pela vontade de aferrar. A existência foge da não existência, rechaça a morte. Dos efeitos futuros aparecerão: 11) 生 SHO (jāti), o vir a ser (décimo primeiro 因縁 INNEN), engendrado pelo querer viver. 12) E 老死 RŌSHI (jarāmarana), a degeneração e a morte, (décimo segundo 因縁 INNEN), conseqüência do vir a ser. Depois da morte, o karma da consciência passada, feita de ignorância, engendrará de novo a ação, que por sua vez produzirá as condições de desenvolvimento do novo organismo vivo. Assim se forma o ciclo da transmigração e das reencarnações. O segundo sentido se faz ao contrário: parte de 老死 RŌSHI, a morte e chega em 無明 MUMYŌ, a ignorância. segundo sentido corresponde ao 門 método de observação aEste partir do 悟 SATORI, chamado 還滅 GENMETSU MON: “a porta que conduz a extinção mediante o retorno a 空 KŪ, 177
ao nada”; e também 空觀 KŪ GAN: a absorção que retorna a 空 KŪ. Este foi o sentido seguido por Buda quando obteve o 悟 SATORI embaixo da árvore Bodhi. Através desta observação compreendeu o processo da transmigração. Buda decidiu deixar seu estado de príncipe e se fez monge quando realizou que a vida era sofrimento e impermanência. Ante seus olhos apareceram as imagens da degeneração humana, do sofrimento e da morte. 無常 MUJŌ, aanos impermanência, de ascetismosubmergiu-o e de mortificações no tormento, que viveu e durante depoisseis de sua fuga do palácio, em seu aprendizado com os yoguis, planejou resolver apenas este enigma torturante. Sua reflexão conduziu-o de 死 SHI, a morte, à 無明 MUMYŌ, a ignorância, causa primordial de todo o sofrimento. O 悟 SATORI que Buda obteve sentado em profundo nirvāna embaixo da árvore Bodhi, investiu-o da sabedoria que lhe fez compreender o encadeamento sem fim da vida e da morte. O círculo começa em 無明 MUMYŌ, a ignorância e termina em 無明 MUMYŌ. Nós podemos nos emancipar de 無明 MUMYŌ, a ignorância fundamental do mundo manifesto, retornando nossa natureza srcinal, verdadeira e absoluta. Todos os à sofrimentos terminam com a extinção de 無明 MUMYŌ e o perfeito nirvāna pode ser realizado assim. No 禅 ZEN, 無 明 MUMYŌ corresponde a 昏 沈 KONCHIN (a sonolência) e a 散 亂 SANRAN (a dispersão). 無明 MUMYŌ aparece quando se está em um destes dois estados, ou seja, quando nosso espírito está dissociado da consciência universal, cósmica, quando se estabelece em dualidade com a Ordem Cósmica. A ignorância individual é seu reflexo exato, sua outra face. O Mestre 塋山 KEIZAN , no 座禅 用心 記 ZAZEN YOJIN KI, escreve: “Todos os sofrimentos, todos os 煩悩 BONNŌ, as ilusões, as paixões nascem de 無 明 MUMYŌ. Durante o 座 禅 ZAZEN podemos clarificar nosso ego, que é sem 178
númeno. O egoísmo é o único produto de無明 MUMYŌ. Sem embargo, aquele que cortou todos os 煩 悩 BONNŌ sem haver cortado 無明 MUMYŌ, não pode ser considerado como um autêntico Buda nem como um verdadeiro patriarca. O método mais elevado, o único e secreto para cortar 無明 MUMYŌ é a prática de 座禅 ZAZEN, que é a Via real que nos conduz à extinção desta ignorância”. O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ apenas menciona o primeiro e o último 因 縁 INNEN, subentendendo os intermediários com o termo 乃至 NAI SHI que significa “e assim sucessivamente”. O 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ fala dos doze 因縁 INNEN, negando-os: “Em 空 KŪ não há nem ignorância ( 無 無 明 MU MUMYŌ), nem extinção da ignorância (無 無明 尽 MU MUMYŌ JIN), o mesmo ocorrendo com os demais 因 縁 INNEN. Não há velhice nem morte (無 老死 MU RŌSHI), nem extinção da velhice e da morte (無 老死 尽 MU RŌSHI JIN)”. Em 空 KŪ, pois, nega-se tanto a existência como a não existência (extinção) interdependentes: 無 無明 亦 das 無 doze 無明causas 尽 MU MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN: não há ignorância nem não ignorância. 無 行 亦 無 行 尽 MU GYŌ YAKU MU GYŌ JIN: não há ação nem não ação. 無 識 亦 無 識 尽 MU SHIKI YAKU MU SHIKI JIN: não há consciência nem não consciência. 無 名色 亦 無 名色 尽 MU MYŌ-SHIKI YAKU MU MYŌSHIKI JIN: não há nome-e-forma nem não nome-e-forma. 無 六 入 亦 無 六 入 尽 MU ROKU-NYU YAKU MU ROKU-NYU JIN: não há seis órgãos dos sentidos nem extinção dos seis órgãos dos sentidos. 觸亦無 觸não 尽 MU SHOKU YAKU MU SHOKU JIN: não há無contato nem contato.
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無 受 亦 無 受 尽 MU JU YAKU MU JU JIN: não há percepção nem não percepção. 無 愛 亦 無 愛 尽 MU AI YAKU MU AI JIN: não há desejo nem não desejo. 無 取 亦 無 取 尽 MU SHU YAKU MU SHU JIN: não há apego nem não apego. 無 有 亦 無 有 尽 MU U YAKU MU U JIN: não há posse nem não posse. 無 生nem 亦 não 無 生 尽 MU SHO YAKU MU SHO JIN: não há vir-a-ser vir-a-ser. 無 老死 亦 無 老死 尽 MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN: não há velhice e morte nem não velhice e morte. Desta maneira apareceu ao Buda a verdade sobre a impermanência do mundo fenomenal. Sentado em 座禅 ZAZEN, sua meditação não tinha sujeito nem objeto. A verdade surgiu por ela mesma, a partir da consciência 非 思 量 HISHIRYŌ, a consciência ilimitada, mais além do espaço e do tempo, mais além dos limites da consciência humana. Vivenciou a verdade, vivenciou-a com todo o seu ser desprovido de ego, com todo seu ser dissolvido no cosmos. Desta experiência nasceu a sabedoria infinita que permite compreender o princípio indiferenciado da multiplicidade e da unidade, e que lhe permitiu formular o principio dos doze 因縁 INNEN. Compreender esta verdade intimamente, desde o mais profundo do ser unido ao Ser Cósmico, é obter o 悟 SATORI. 座禅 ZAZEN é 只管打座 SHIKANTAZA, apenas sentarse. As funções cerebrais estão em repouso. Não há nada. Os pensamentos subconscientes surgem, manifestam-se na consciência, depois se desvanecem. Mas nada os retém, simplesmente passam, naturalmente. O subconsciente se esgota, a obscuridade se aclara, a ignorância desaparece. E quando a ignorância desaparece tudo desaparece, tudo o que fundamentava nosso ego ilusório. Tudo se extingue. Tudo volta ao espírito srcinal indiferenciado. 180
Durante o 座 禅 ZAZEN, em 空 KŪ, não há 無明 MUMYŌ, ignorância, nem extinção da ignorância. Isto é algo contraditório, mas verdadeiro. A aparente contradição se desvanece com a absorção da dualidade no Uno srcinal. Durante o 座禅 ZAZEN, muitas visões de Deus ou do Buda podem nascer procedentes do subconsciente. Podem surgir estados especiais de consciência. De toda a forma, continuando assiduamente a prática, todas estas condições fenomenais acabam por desaparecer. Em tais casos, há que levar rapidamente a atenção à manutenção da postura justa, há que recolher o maxilar, receber o 警 策 KYOSAKU. O espírito muda assim, desperta. E 無明 MUMYŌ desaparece.
乃至無老死亦無老死尽、
NAI SHI MU RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN, Durante os seis anos de mortificações que Buda passou ao lado dos yogis, teve a experiência de numerosos fenômenos da consciência. Numerosas questões e dúvidas se lhe apareceram: por que devo sofrer? Porque devo viver, envelhecer e morrer? Por que nasci? O que é a existência? O subconsciente se expressa com suas dúvidas, seus tormentos. Seis anos de vida errante haviam quebrado sua convicção. Havia deixado sua família para levar uma vida ascética, vestido com farrapos, mendigando sua comida, resguardando-se do sol e da chuva com as folhas das árvores. O objeto principal da suas meditações foi a busca do remédio para desmascarar o sofrimento e extirpá-lo. Sentado em 座 禅 ZAZEN embaixo da árvore Bodhi, à força de concentração e de observação, resolveu este problema e 悟 SATORI. Compreendeu a verdade alcançou o perfeitoe resolveu sobre o sofrimento o problema da vida e da morte,
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da impermanência dos fenômenos, retornando à essência primordial, voltando a 空 KŪ e convertendo-se em 空 KŪ. Os poemas de 参 同 契 SAN DO KAI tomam freqüentemente o termo 霊源 REIGEN, a fonte pura. Não se trata de 無明 MUMYŌ... A fonte srcinal do esp írito não é ignorância nem obscuridade. É perfeitamente pura, branca. Sem nada. É nada. Ānanda52 era um jovem forte e belo, discípulo de Buda.
Num dia de grande calor, ao voltar de sua ronda de mendicância (托鉢 TAKUHATSU), dirigiu-se até um poço em que pensava poder descansar. Ao chegar, viu uma jovem retirando água do poço. Ānanda pediu-lhe um pouco de água, mas a moça respondeu: “Sou uma sudaran (intocável). Você não pode beber água de minhas mãos”. E escondeu o rosto, cheia de vergonha. “Não!”, disse Ānanda, “o ensinamento de Buda está além das castas! A humanidade é uma só! Nenhuma casta pode dividi-la!” A moça então lhe ofereceu um pouco de água na concha de sua mão. Depois disso, dando-lhe as costas, Ānanda continuou seu caminho. A moça viu-o afastar-se. Sua silhueta era nobre e delicada! E sua face irradiava tanta beleza! Não lhe faltou mais nada para enamorar-se perdidamente por ele. Ao voltar à sua casa informou sua mãe deste encontro, confidenciou-lhe seus sentimentos e sua determinação 52
Ver “El Cuenco y el Bastón: 120 cuentos zen”. Vision Libros.Barcelona. português: Tigela e oEd. Bastão – 120 Contos Zen narrados peloEm Mestre Taisen “A Deshimaru”. Pensamento. São Paulo, 1990. 2ª Edição. (N.T.) 182
inquebrantável de voltar a ver Ānanda e de casar-se com ele. A mãe não podia crer na louca resolução de sua filha: “Você bem sabe que Ānanda é um grande discípulo de Shākiamuni Buda e que nunca consentirá em se casar contigo!”. “Mãe, sua grandeza de alma lhe permitiu sem embargo beber água na concha de minha mão; ademais, disse-me que eles não dão importância às castas, quaisquer que sejam. Não tenho razão em manter a esperança? Mãe, você possui poderes suplico os use por mim uma só vez. Faça commágicos, que Ānanda fiqueque a meu lado!”. “Tua estupidez não tem limites, minha filha, você bem sabe que meus poderes não têm nenhum efeito com as pessoas 無所得 MUSHOTOKU, que já não desejam nada, nem têm nenhum apego, menos que os mortos. Ānanda é um destes seres. Bom discípulo de Buda, é completamente sem desejo e respeita os preceitos. Renuncie portanto a este amor!” “Antes a morte!”, respondeu a jovem. Ante estas palavras, a bruxa, que também era mãe, aceitou a proposta de sua filha e, convencida, decidiu apelar a Ānanda. O ritual mágico supunha uma longa preparação. Teve que besuntar os muros da casa com esterco de vaca, amontoou uma boa quantidade de galhos verdes e por último encheu oito jarras com flores raras que havia tido o trabalho de pegar nos altos prados da montanha. Tudo estava por fim preparado. Ateou fogo aos galhos e a fumaça invadiu rapidamente a casa. Sacudindo a cabeça em todos os sentidos, sua longa cabeleira prolongando os movimentos, girava e girava com um passo entrecortado ao redor do fogo. O transe se intensificava e, como que possuída, gritou: “Demônios e deuses do fogo, deuses da terra e do paraíso! OuviConcedei-me meu tormento! Respondei às momento minhas imprecações! estes pedidos!”. Neste esvaziou no fogo o conteúdo das jarras. 183
O poder que se desprendeu do ritual surpreendeu a juventude inexperiente e inocente de Ānanda e o perturbou. Semi-consciente, despertou na casa da moça. “Aceite-me como sua esposa”, murmurou ela, “não posso conhecer a felicidade se não for contigo.” A beleza provocante de seu corpo se oferecia a Ānanda.
A certa distancia dali, Shākiamuni Buda estava oficiando uma cerimônia em um palácio. De repente, recebeu Ānanda da jovem. cruamente a visão do abraço “Ānanda, Ānanda , volte.amoroso Isso é de perigoso!”, edisse Buda gritando. A força de seu pensamento conduziu Ānanda ao palácio. A moça o seguiu, mas por ser intocável, sua entrada foi negada e teve então de esperar no portal até o fim da cerimônia. Buda enfim saiu, seguido por seus discípulos. A jovem se dirigiu até ele e o deteve. “O que deseja? Aonde vai?”, perguntou –lhe Buda. “Você me separou de Ānanda. Quero vê-lo e me converter em sua esposa, pois o amo”, confessou. “Por que você ama Ānanda? Pode me dizer o que é que você ama nele?”, perguntou Buda. Depois acrescentou: “Nos olhos de Ānanda há lágrimas. Seu nariz está cheio de muco. Sua boca exala odores putrefatos. Seu corpo está repleto de imundícies. Seus intestinos estão cheios de excrementos e por seu sexo a urina se esvai! Ainda assim pode amar a seu belo Ānanda? Convença-se então de que seu espírito não é tão puro! Agora o encontra doce e amável! Saiba, no entanto, que sua amabilidade não é mais que egoísmo, sua ternura deste momento não é mais do que um véu que dissimula seus sórdidos desejos. Quando se sentir satisfeito, vai descartá-la como a um objeto usado. A juventude de seus sentidos o debilita. Não caia em sua armadilha, não permita que ele a seduza. Tenha cuidado! A velhice vai te surpreender antes que tenha tempo de pensar nela. Seus sentimentos então já não importância. Quando você estiver enrugada nãoterão serátanta tão sedutora nem 184
tão seduzível. Da morte é a única coisa da qual não poderá se esconder”. Buda então pregou mais algum tempo com calma e paciência. Quando parou, julgando que seu ensinamento era suficiente, os cabelos da jovem, que ela mesmo havia adornado com flores, caíram suavemente. Suas vestes adornadas desvaneceram, transformando-se em um 袈裟 KESA que a recobriu completamente. Buda disse então: “Seu corpo é efêmero. Sua beleza só dura o tempo de sua paixão. Deixe de criar apegos e entra no Verdadeiro Caminho! Agora permito que você veja Ānanda, seja então sua esposa e sejam felizes.” Entre lágrimas e soluços de remorso, a recém ordenada monja confessou os extravios que seu coração apaixonado a haviam conduzido. “Até hoje, enganada por meus sentidos, extraviei-me pelos caminhos do sofrimento. Graças à este amor, meu espírito de apego acaba de desvanecer. Peço que me aceite como discípula!”. Desta maneira, converteu-se em uma verdadeira monja discípula de Buda, a quem se devotou durante toda a sua vida. Esta aventura obrigou Ānanda a se desculpar ante Buda. Confessou longamente, reconhecendo que havia sido induzido ao erro por seus sentidos, pela atração que a moça exercia sobre ele. Buda lhe disse: “Você amou esta mulher. Seu espírito foi manchado por esta paixão. Se o apego que normalmente resulta disso houvesse se perpetuado, criaria sementes de karma para a posteridade. Mas em seu espírito atormentado surgiu a reflexão e o remorso o levou a confessar. Desta maneira, lavou estas manchas, já que este espírito venceu suas paixões é o espírito puro e invisível, e que que possui o brilho ea solidez do diamante. Como ele, às vezes desaparece na 185
capa lamacenta das ilusões opacas. Mas quando o véu é removido, brilha instantaneamente com todo o seu esplendor.” Toda a vida se realiza em função destes dois espíritos. Às vezes um predomina. Quando nos deixamos levar pela corrente das circunstâncias que fazem brilhar os objetos e exacerbam os sentidos, o vagalhão das paixões se levanta, desenraizando o bom senso e destruindo a sabedoria. Uma vez que a tempestade tenha terminado, o outro espírito tranqüilo ee apaziguado, parecido um grande aparece, rio majestoso pacífico. Os dois com travam freqüentemente um combate encarniçado. Se às vezes o primeiro se mostra superior, o segundo permanece sempre imutável e indestrutível, nas profundezas solitárias do inacessível. Nada pode perturbá-lo. O fogo não pode queimálo, nem a água molhá-lo. Imbuído de uma paciência infinita e equilibrando as paixões exaltadas, age apenas com sua presença. Um momento de calma basta para que apareça. Este é o verdadeiro espírito, puro e eterno.” Shākiamuni Buda perguntou então: “Diga-me, Ānanda, onde está seu espírito de amante?” “Sem dúvida em meu corpo”, respondeu Ānanda. “Certo, o espírito tem a faculdade da reflexão e da introspecção e desta maneira pode conhecer inclusive ao ser que o habita. Mas, pode me dizer, Ānanda, mais precisamente em que parte do corpo o situa?” Ānanda ficou perplexo, mas respondeu: “Talvez exista também fora de meu corpo!” “Certo”, concordou Buda, “seu espírito tem a faculdade de sentir a atmosfera exterior de seu corpo. Não obstante, já que você disse que seu espírito existe fora de seu corpo, você acredita que sentirá dor se eu quebrar este sustentáculo?” Ānanda foi incapaz de responder. todoexistia o cosmos!”, disse finalmente Buda. “O “O espírito espírito abarca de amante inclusive antes que você viesse a este mundo. Um amálgama de circunstâncias 186
fizeram-no despertar em você. Você não tem sido mais que o joguete, a possessão deste espírito. E apesar de que você tenha se desfeito dele, sua existência continuará!” Em numerosas religiões, a meditação deve se basear em um objeto de fé, Deus, Buda, uma divindade. Muitas ilusões nascem disso. Tudo isso é ignorância. A partir de 無明 MUMYŌ e através de 無明 MUMYŌ se perpetua o ciclo de reencarnação e da transmigração. 無 明 MUMYŌ representa a edificação gigante das ilusões. 無明 MUMYŌ é o ego, o enorme engodo egóigo. Toda a ação e todo o fenômeno nascem de 無 明 MUMYŌ. Compreendam o que o Buda compreendeu embaixo da árvore Bodhi. O que é 悟 SATORI? O 悟 SATORI é 座禅 ZAZEN. “Para cortar 無明 MUMYŌ, o mais elevado e secreto método é a prática do 座 禅 ZAZEN”, escreveu o Mestre 塋 山 KEIZAN no 座 禅 用 心 記 ZAZEN YOGIN KI, “Recompilação 座禅 ZAZEN”. sobre a atenção do espírito durante o A expressão 無 無明 亦 無 無明 尽 MU MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN é, a priori, ambivalente. “Em 空 KŪ não há ignorância, nem extinção da ignorância”. Mas esta ambivalência só é tal para o espírito dualista que propõe a questão. Para compreender o sentido profundo e verdadeiro do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ só há uma atitude correta: superar o marco dualista do espírito, submergir as raízes da consciência na consciência 非 思 量 HISHIRYŌ do 座禅 ZAZEN. 無明 MUMYŌ e 明 MYŌ, ignorância e despertar, não são diferentes. Não são único, entidades separadas, o duplo aspecto de um princípio fundamental, nãosenão discriminado. 187
Esta dualidade nasce apenas devido aos limites de nossa inteligência. O estado de 散亂 SANRAN que aparece durante o 座禅 ZAZEN designa o estado de dispersão e de hipertensão. Os pensamentos afluem. Se alguém se detém sobre eles, estes pensamentos se desenvolvem e terminam por açambarcar tudo. No estado de 昏沈 KONCHIN, a sonolência invade o espírito. Os pensamentos e as imagens desfilam pouco a pouco, passam sem parar. A verdadeira concentração nos faz voltar ao 空 KŪ srcinal, à consciência universal, sem limites e atemporal. Esta concentração em 空 KŪ contém virtualmente a expansão em 色 SHIKI. A expansão fenomenal色 SHIKI contém virtualmente o retorno a 空 KŪ. 色 SHIKI virtual se manifesta por todas as partes, mas sempre tanto como aparência sem existência própria, quanto produto de nossa consciência. 空 KŪ virtual está por todas as partes em 色 SHIKI, é imanente53, apesar de não estar manifesto. Nossa essência srcinal é 空 KŪ, unidade, pureza. Estaum pureza pode seque, manifestar ao contato de um de fenômeno nele mesmo, não temelemento, realidade própria. 空 KŪ, o Nada, não é diferente de 色 SHIKI, os fenômenos ilusórios. Em japonês, o termo “ilusão” é designado às vezes pela palavra 客塵 KAKUJIN: “a poeira que entra na casa”. Os 煩 悩 BONNŌ são visitantes. Potencialmente possuímos todos os 煩 悩 BONNŌ, mas apenas se manifestam os que entram em contato com um fator externo que desempenha um papel de catalisador. Os 煩悩 BONNŌ são como as ondas que só se manifestam quando sopra o vento. A ignorância, a cólera, o medo, a ansiedade, as 53
Está compreendido na própria essência do todo. (N.T.) 188
paixões e os desejos são fruto do karma passado, sementes que florescem através da ação de estímulos externos. A capa de sensibilidade do ego é excitada. A reação emerge. Mas sem o oceano não pode haver ondas. Abandonando o ego nos desfazemos ao mesmo tempo de sua textura básica: a ignorância, os 煩 悩 BONNŌ, as ilusões, os desejos. Ao abandonar o ego, a consciência abre-se à dimensão do infinito. A onipresente sabedoria se atualiza. Originalmente não há 煩悩 BONNŌ. Originalmente flui a fonte pura de 空 KŪ. Os 煩悩 BONNŌ nascem com o ego. Tal é a natureza de todo o cosmos e das miríades de existências. 空 KŪ, Nada. Este Nada é inerente a tudo, está contido em tudo e contém todas as coisas, já que é a fonte infinita de potencialidade. Os fenômenos emanam de 空 KŪ. Os 煩悩 BONNŌ nascem do ego. A natureza profunda, essencial do ego é 空 KŪ; mas o ego, como tal, só deve sua existência aos 煩悩 BONNŌ. Só existe porque é um 煩悩 BONNŌ. Cortar os 煩悩 BONNŌ é portanto abandonar o ego, voltar a 空 KŪ. 色 SHIKI não é diferente de 空 KŪ. 空 KŪ, éNada. E a Os fenômenos são ilusórios ignorância produtora deilusórios fenômenos igualmente 空 KŪ, Nada. No 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ se diz que não há ignorância nem extinção da ignorância. O 悟 SATORI só existe em função de 無明 MUMYŌ (a ignorância) e dos 煩悩 BONNŌ (ilusões). 無明 MUMYŌ e 煩 悩 BONNŌ são portanto condição necessária para a existência do 悟 SATORI.
Esta é a razão pela qual se diz: 煩悩 即 菩提 BONNŌ SOKU BODAI: os 煩悩 BONNO, as ilusões são o 悟 SATORI. Portanto, não há que querer cortar無明 MUMYŌ, posto que 無明 MUMYŌ não tem existência real e nossa existência 189
não tem númeno. Para superar 無明 MUMYŌ, para se libertar da ignorância de que é feito nosso ego, basta concentrar-se sobre 空 KŪ e esquecer totalmente o ego. Nossa existência tem a consciência de 無明 MUMYŌ. Observar-nos e compreender a nós mesmos é observar e compreender 無明 MUMYŌ. Não é necessário buscar 空 KŪ, é inútil. Tão pouco há de se tentar resolver o problema de nossa existência ou de nossa não existência. Somente há 無明 RYŪJU), MUMYŌ. em seus comentários sobre que compreender Nāgārjuna (龍樹 o 般若 經 HANNYA KYŌ diz que “o Bodhisattva que quer compreender sua verdadeira natureza deve compreender a natureza de sua própria ignorância”. Originalmente, os 煩悩 BONNŌ, as ilusões são 空 KŪ. Desta maneira ainda que tenhamos煩悩 BONNŌ, não há por que se deter neles nem tentar extirpá-los, ou cortá-los. A sabedoria consiste em sublimá-los, em transformá-los. Os 煩 悩 BONNŌ seguirão naturalmente a direção de nossas intenções. Sem voluntarismo, mas através da concentração e da atenção centrados sobre cada uma de nossas ações, as
ilusões diminuem e os desejos são sublimados até uma nova dimensão, mais elevada, mais próxima do essencial. A doutrina do mais além da morte no Budismo é muito simples. As condições do mais além da morte são as seguintes segundo o 禅 ZEN: - Os elementos constituintes do corpo voltam aos elementos do cosmos: terra, água, ar e fogo. - 識 SHIKI, a consciência, desprendida do ego, volta à consciência Alaya ( 阿 賴 耶 識 ARAYA SHIKI); num dado momento, em que as condições requeridas apareçam, estas sementes se manifestarão de novo, materializando-se em uma estrutura que se desenvolverá e se realizará em um novo indivíduo. Estapelos é a razão pela elementos: qual a stupa tumba Budista) é formada seguintes na (abase se encontra o elemento cúbico que corresponde à terra, à cor 190
amarela, aos joelhos. Sobre ele há um elemento esférico que corresponde à água, à cor branca, aos intestinos. Em seguida o elemento triangular corresponde ao fogo, à cor vermelha, ao coração. Sobre o triângulo uma forma de meia lua, correspondente ao vento, à cor negra, aos pulmões e às mãos (a ação). Por último está o derradeiro elemento, uma esfera prolongada em seu pólo superior por uma protuberância, que corresponde ao éter, à cor azul e ao pensamento. A stupa simboliza os elementos em mutação, o aspecto fenomênico do cosmos. No muro posterior está sempre inscrito o termo 識 SHIKI, que designa a essência da consciência Alaya (阿賴耶 識 ARAYA SHIKI), que depois da morte se confunde com a consciência Amala (無垢識 MUKU SHIKI), ou 空 KŪ. Este é o aspecto eterno e imutável do cosmos. Esta consciência Amala ( 無 垢 識 MUKU SHIKI) universal e tranqüila, é o estado da consciência durante o 座禅 ZAZEN. A autêntica e pura sabedoria emana dela, ao mesmo tempo que 無 明 MUMYŌ desaparece. Todos os fenômenos, todas as perguntas, todas as dúvidas podem ser resolvidas. Uma compreensão clara e penetrante, uma visão universal alarga o campo da consciência até o infinito. A consciência se torna infinita, o ideal e a realidade convivem em perfeita harmonia, em unidade. Todos os aspectos ambivalentes se fundem. Esta é a realização de 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, a sabedoria suprema, o ponto que une o mundo fenomenal com o mundo da essência eterna. 座 禅 ZAZEN significa retornar à fonte srcinal, encontrar a condição normal, a natureza cósmica, voltar à essência. O homem acorrentado a sua condição fenomênica é anormal. Em nossos dias uma grande parte da humanidade é anormal. A crise atual repousa única e totalmente sobre a anormalidade dodoespírito do homem, quelugar se extraviou perdeu a noção essencial, perdeu seu no seio doe cosmos, esqueceu seu verdadeiro valor. Ao se fechar em seu 191
egocentrismo, ele mesmo construiu com suas próprias mãos os muros que agora o sufocam. Como um louco que sofre por sua loucura, mas que não sabe que está louco. 心 不可得 SHIN FUKATOKU: o espírito não pode ser
apanhado. 慧 可 EKA, primeiro discípulo de Bodhidharma ( 菩提達磨 BODAIDARUMA), era um discípulo sincero que
buscava o Caminho com um espírito firme e decidido. Isto não o impediu de ter algumas dúvidas. Ele acreditava que a srcem de seus tormentos era seu espírito, e que se conseguisse chegar até sua srcem, poderia resolver suas dúvidas. Mas, quanto mais buscava a srcem, tanto mais invisível esta se fazia, tanto mais espessa se fazia a obscuridade, mais se complicava o labirinto de seus pensamentos. Por isso, quando admitiu sua incapacidade e confessou a Bodhidharma ( 菩提達磨 BODAIDARUMA) que havia fracassado em sua busca, Bodhidharma ( 菩提達磨 BODAIDARUMA) compreendeu que havia chegado o momento de despertar mais profundamente seu discípulo: a aceitação de 慧 可 EKA de sua própria incapacidade, este princípio de renuncia é o sinal de que agora pode compreender. Não há que se apegar a querer fugir dos 煩悩 BONNŌ, nem conduzir o espírito até uma busca ideal, ainda que se trate de lhe imprimir a paz. Buscar ou fugir são 煩悩 BONNŌ universais. Não há que procurar nada nem fugir de nada, já que não há nada que buscar nem nada de que fugir. Há somente que esquecer, abandonar-se na natureza cósmica. O espírito não pode ser apanhado, é universal, infinito. Não se pode fixá-lo em lugar algum, não se pode atribuir a ele nenhuma forma, não se pode compreender nenhum de seus aspectos. Como 慧可 EKA poderia chegar até a fonte do espírito? Se aqui encontramos um aspecto, ali aparece Esta outro, assim, busca pode continuar indefinidamente. é aesrcem dosatormentos: o apego a querer prender, ou compreender. Mas se 192
abandonamos um de seus aspectos, todos os demais desaparecem também. Tal é o sentido da resposta de Bodhidharma (菩提達磨 BODAIDARUMA) : “Seu espírito já está pacificado. Se você compreendeu que não pode prender, segurar ou apreender este espírito, que não pode limitá-lo, nem curvá-lo à suas conveniências, desta maneira você se entrega à Ordem Cósmica, abre-se para ele, abandona-se, neste momento se manifesta a verdadeira paz cósmica dignificando seu corpo e seu espírito.” Tal é o ensinamento fundamental de Buda, transmitido por todos os Mestres e Patriarcas. Buda compreendeu as Quatro Nobres Verdades e resolveu os doze因縁 INNEN, os doze elos da interdependência. Esqueceu tudo e obteve o 悟 SATORI embaixo da árvore Bodhi. Depois continuou a prática de 座禅 ZAZEN por quarenta e nove anos. Seu corpo e seu espírito viviam em serenidade perfeita. Compreendeu o Caminho do Meio. Compreendeu que não havia sentido em se entregar à mortificação, tal qual ele havia feito durante seis anos, nem dar livre curso aos desejos de satisfação dos 煩悩 BONNŌ, tal qual ele mesmo havia feito antes, quando vivia na corte de seu pai. Ambas as atitudes produziram sofrimento e tristeza. Nem correr atrás de nada, nem fugir de nada. Depois de ter alcançado o 悟 SATORI, Buda deu seu primeiro sermão sobre as 四 諦 SHI TAI (catur-vidham satyam), as Quatro Nobres Verdades. E com o tempo isto se converteu no fundamento do Budismo. Volto a repeti-las aqui já que nunca insistirei o suficiente sobre sua importância: 1) 苦 諦 KU TAI: a verdade sobre o mundo fenomenal: escuro, ignorante, infestado de sofrimentos; 2) 集 諦 SHŪ TAI: a verdade sobre a causa deste mundo de pela sofrimento: a avidez, os desejos engendrados ignorância; 193
3) 滅 諦 METSU TAI: a verdade sobre o mundo do absoluto, tal e como é vivido no Despertar: felicidade pura e serenidade; 4) 道 諦 DŌ TAI: verdade sobre o Caminho que se deve percorrer para alcançar esta condição elevada de paz e alegria. Esta Via é o caminho óctuplo que tomam os homens justos. O homem Esta é aA verdade 苦 諦 vive KU em TAI,perpétua a qual insatisfação. é uma reprimenda. insatisfação srcina a busca. O homem, de erro em erro, de satisfação em insatisfação, terminará por descobrir, quando chegar o momento, seu caráter efêmero. Sua busca desembocará na única orientação que na realidade deve ter. Entretanto, entre sua avidez insaciável e sua busca de paz e de verdade suprema, quanto tempo tem que passar antes que descubra a clareza das Quatro Nobres Verdades! Não obstante, desde já, desde este presente momento, pode-se acabar com os sofrimentos. Tal é a força do ensinamento de Buda, cuja máxima expressão é a postura serena do 座禅 道 DŌ, o Caminho, a ZAZEN e a quarta Nobre Verdade, Senda Óctupla. Finalmente, basta abandonar o ego, esquecer de si mesmo. Todos os sofrimentos do mundo vão se dissipar desta maneira. Comece sentando tranqüilamente, com as pernas cruzadas e a cabeça alinhada e se deixe levar pela consciência, sem intervir, sem medo, sem fugir de toda a dolorosa história da humanidade. Tal e como fez o Buda quando compreendeu no nono dia de meditação a lei humana do encadeamento kármico, a lei dos doze 因縁 INNEN. Realizar a íntima compreensão desta lei é a certificação do verdadeiro 悟 SATORI. Naquele momento, tudo o que Buda quis foi ensinar a verdade que havia compreendido, e pregou os oito caminhos da salvação: 1) 正 見 SHŌ KEN (samyag drshti). 194
正 SHŌ significa justo. 見 KEN, a visão, a compreensão.
Este primeiro caminho conduz à faculdade de ver, de discernir e de observar corretamente. o contrário de 無明 MUMYŌ, a ignorância. O estudo do Caminho significa fazer florescer a verdadeira Sabedoria. Todos os tormentos do mundo provêm da falta de discernimento. Os ideais, incluindo as intenções, são construídos freqüentemente sobre premissas errôneas, já que a inteligência penetrante é confundida com a acumulação de saber. Há que saber observar e descobrir os erros. 2) 正 思 惟 SHŌ SHI YUI (samyag samkalpa). 思 惟 SHI YUI: o pensamento, a reflexão sem préjulgamentos.
Da reflexão justa nasce o comportamento exato, os gestos corretos, as ações e as palavras justas. 3) 正 語 SHŌ GO (samyag vāc). 語 GO: as palavras.
Seguindo este terceiro caminho, podem ser produzidas as palavras justas. A linguagem exata deve ser a mensageira doDharma. Neste caso, a linguagem é criadora de bom karma. Se nosso espírito está perturbado, se está imerso em terror, nossas palavras seguem o mesmo curso: palavras veementes, apaixonadas, falsas. Esta atitude é semente de mau karma. 4) 正 業 SHŌ GYŌ (samyak karmānta). 業 GYŌ: o karma, as ações. 195
Os pontos de vista justos, os pensamentos e as palavras corretas srcinam um bom comportamento na vida cotidiana. Quando as grandes linhas da moral fundamental são transgredidas, quando, por exemplo, mata-se, rouba-se, levase uma vida licenciosa, nossa vida se converte na expressão de um karma poderoso, incontrolado. Mas não existe nada absoluta e definitivamente predestinado. Todo karma pode ser corrigido a partir do momento em que se canaliza a energia para uma direção mais propícia, para o Caminho. Fazer 三 拝 SANPAI (prostrações), por exemplo, ou ler e cantar os Sūtra, costurar o 袈裟 KESA (hábito de monge), são as ações que mais eficazmente ajudam a cortar o mau karma, ou ao menos a atenuar sua força. 座禅 ZAZEN, de qualquer forma, é a ação mais elevada. A vida monástica é regida de tal maneira que as múltiplas tarefas a realizar devem conduzir o monge à paz de espírito e de corpo. A vida em sociedade não favorece o florescimento desta serenidade. Mas qualquer ação realizada com um espírito de concentração profunda conduz necessariamente a um estado de quietude. E esta quietude é produtora de bom e destruidora de mau karma. 5) 正 命 SHŌ MYŌ (samyag ājīva). 命 MYŌ significa o modo de vida e os meios de existência. A prática justa do Caminho necessita uma vida regular, ordenada, respeitosa do dever e ponderada. Seguir 道 觀 DŌKAN, a prática cotidiana (o círculo do Caminho): fazer 座禅 ZAZEN pela manhã, recitar o Sūtra das comidas antes da refeição matinal. Depois, se necessário, dizer boas palavras ( 真 言 SHINGON: as palavras verdadeiras, as palavras do Dharma, sementes de bom karma).
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Continuando, há que se concentrar sobre as tarefas atribuídas a cada um, com espírito 無所得 MUSHOTOKU e altruísta. E deitar, dormir, lavar-se, comer, passear às vezes, descansar ou praticar esportes, saber distrair-se, mas não se concentrar exclusivamente sobre as diversões: esta é a vida justa. Uma vida simples e ordenada não é sinônimo de rotina. O ensinamento 禅 ZEN dá sempre muito valor à criatividade. No ciclo da vida cotidiana, nas tarefas repetidas a cada dia – cada dia é diferente – deve soprar um vento de frescor, frescura que nasce da descoberta, da compreensão profunda que aquilo que é considerado excessivo freqüentemente é dado como algo adquirido ou apreendido. 6) 正 精 進 SHŌ SHŌ JIN (samiak vyāyāma). 精進 SHŌ JIN: o esforço, a perseverança justa.
O esforço é muito importante. A facilidade avilta o homem. O estudo do Caminho não é fácil; abandonar o ego não é fácil. Fazer 座 禅 ZAZEN requer um esforço perseverante, mas muitos fogem da prática por preguiça. Vão-se a estudar outras disciplinas que consideram mais ao seu alcance. O homem demonstra muita indulgência e complacência consigo mesmo! 7) 正 念 SHŌ NEN (samiak smrti). 念 NEN: a atenção.
A falta de atenção é causa de todas as atribulações que limitam nossa vida moral e física. Estar concentrado não significa estar tenso, mas simplesmente atento, vigilante. Progressivamente, através do 座 禅 ZAZEN, a concentração passa a ser um hábito. Inconscientemente, natural e automaticamente, será possível se concentrar 道場 DŌJŌ e fora do 道場 DŌJŌ, em perfeitamente, todas as ações no da vida cotidiana. 197
Quando o espírito é sereno, a atenção se instaura naturalmente. Não se esqueçam que a vida muda sem cessar, que não tem númeno, que é 空 KŪ. Conhecendo isto, os tormentos se acalmam, os apegos se desvanecem, o medo desaparece. É inútil temer pela própria vida. Esta não tem realidade própria. Nosso pensamento deve expressar esta compreensão. 正 念 SHŌ NEN também significa 非 思 量 HISHIRYŌ, o pensamento justo, o pensamento absoluto, mais além dos conceitos, mais além das categorias. É inútil atormentar-se. 8) 正 定 SHŌ JŌ (samyak samādhi) 定 JŌ: a concentração, a concentração 禅 ZEN, o 禅 ZEN.
Quando se alcança este nível profundo e sereno de profunda concentração nosso espírito, tranqüilo e sereno, não se move mais. Imobiliza-se na dimensão sem espaço nem tempo. O campo de consciência funde-se com o infinito. Seu poder e sua força tomam os valores do infinito. Assim nasce a intuição, o poder onisciente. Mas é inútil concentrar-se sobre a obtenção destes poderes, chamados “mágicos” pela maioria dos homens. Não se tendo meta alguma, estes poderes aparecem de maneira natural, automática e inconscientemente. O 座 禅 ZAZEN desenvolve simplesmente nossas faculdades de perfeição e de ação. Seja como for, a ciência infinita e suprema emana da concentração profunda (samādhi). o homem sai do ordinário graças à prática do 座 禅 ZAZEN. Volta a ser “normal”, e de nenhuma maneira especial ou para-normal, como o homem comum tem a tendência de defini-lo, devido à ignorância de suas verdadeiras qualidades espirituais. O oitavo nobre caminho quando os sete foram percorridos em aparece nosso corpo e em nossoprimeiros espírito, 198
quando já se teve um conhecimento e uma compreensão totais. Realizar estes oito caminhos é sinônimo de perfeição. Mas a vida, o mundo relativo e fenomênico nos ensina a modéstia. No mundo da impermanência devemos nos acercar da perfeição, devemos tender até ela, mas através de um esforço natural, através do 座禅 ZAZEN, sem turvar o pensamento com a vontade ou com a busca da obtenção dos oito caminhos. Neste caso, uma vez que a obsessão tenha se instalado, poderia produzir o efeito contrário. A perfeição mais elevada do Caminho é a dimensão da liberdade, da libertação do espírito: 無 MU, Nada, ou 非思量 HISHIRYŌ. Esta suprema obtenção nasce do despojamento total, graças à ação natural do 座禅 ZAZEN, sem apego, sem meta, arrastando corpo e espírito. 正 SHŌ tem dois significados: santo e justo. Mas o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ diz que em 空 KŪ não há 苦 集 滅 道 KU SHŪ METSU DŌ, não há Quatro Nobres Verdades. Também 是 故 空 中 無 色 無 受 想 行 識 ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, na vacuidade inexistem os cinco agregados54. Desta forma, 無 眼 耳 鼻 舌 身 意 MU GEN NI BI ZE SHIN I, inexistem os cinco órgãos dos sentidos e a consciência; 無 眼 界 乃 至 無 意 識 界 MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, inexiste o mundo da percepção; tão pouco há 無明 亦 無 無明 尽 MUMYŌ YAKU MU MUMYŌ JIN, ignorância e a extinção da ignorância e 老死 亦 無 老死 尽 RŌSHI YAKU MU RŌSHI JIN velhice e morte e extinção da velhice e da morte. 無 苦 集 滅 道 MU KU SHŪ METSU DŌ, não há Quatro Nobres Verdades. 無 知 亦 無 得 MU CHI YAKU MU TOKU, não há sabedoria e nem obtenção. 以 無 所 得 故 I MUSHOTOKU KO: há apenas 無 所 得 MUSHOTOKU. 54
No srcinal, “os seis objetos dos sentidos.” (N.T.) 199
Durante o 座禅 ZAZEN submergimo-nos no universo de 空 KŪ. No 道 場 DŌJŌ, o estado de espírito muda completamente, já que nos encontramos em um mundo essencial, profundamente interior. O 道場 DŌJŌ é um lugar sagrado, 空 KŪ. Ao sairmos do 道 場 DŌJŌ voltamos a submergir em 色 SHIKI, nos fenômenos. Fora do 道場 DŌJŌ tudo muda rapidamente. É possível beijar, falar, rir, beber 煩悩 BONNŌ surgem muito rapidamente. whisky... Eu Os digo sempre que entrar no 道 場 DŌJŌ é como entrar no ataúde. Este é o mundo da paz eterna, o mundo do 悟 SATORI. Esta é a razão pela qual durante o座禅 ZAZEN não há Quatro Nobres Verdades, nem Oito Caminhos Justos. Durante o 座禅 ZAZEN, faça somente 座禅 ZAZEN, 只管打座 SHIKANTAZA, sentar-se somente. Quanto mais importante é o ego, mais fortes são os desejos e os apegos, mais profundo é o sofrimento, mais acidentado é o mundo de 色 SHIKI, o mundo fenomenal. Durante o 座禅 ZAZEN, a consciência 非 思 量 HISHIRYŌ se manifesta, a quietude investe o corpo e o espírito, o sofrimento desaparece. E se não há sofrimento, não há necessidade de compreender as Quatro Nobres Verdades, nem seguir o Caminho Óctuplo, da mesma maneira que quando se está com boa saúde não há por que seguir alguma terapia. Em 空 KŪ, não há necessidade das Quatro Nobres Verdades, enquanto que no mundo de 色 SHIKI, no mundo dos fenômenos, da vida social, a prática do Caminho Óctuplo é necessária. Muitos fenômenos aparecem quando se está indo para o trabalho ou quando voltamos à nossas casas, e gostaríamos de escapar destes fenômenos. O espírito o deseja, mas o corpo não o segue. A harmonia perfeita não se constitui no mundo fenomênico. A unidade, inclusive entre seres intimamente
ligados A comunhão de Este pensamento só pode existir noé um não ideal. pensamento absoluto. é o domínio de 空 KŪ e não o de 色 SHIKI. Em 色 SHIKI cada um quer 200
sentir-se envolto por seu cosmos. Em 空 KŪ o Cosmos é Uno, sem disparidade de consciência, sem diferenciação. O Buda, depois de ter alcançado o 悟 SATORI, pregou durante quarenta e cinco anos. O primeiro que ensinou foram as Quatro Nobres Verdades; em continuação e devido que estas são de árdua compreensão, explicou a lei das doze causas interdependentes; e por ultimo pregou as seis Paramitā, ou seis virtudes. (Shrāvaka Dirigiu-se aosse聲聞 SHOMON homens ordinários. Todos reuniam ao seu redor ).e Os escutavam atentamente à suas palavras. O Buda utilizava palavras especiais para eles, palavras que alcançavam suas sensibilidades e que conseguiam despertá-los. Quando se dirigia aos eruditos, ou aos sofistas de sua época, os 緣覺 ENGAKU (Pratyiekabuddha), utilizava sua lógica e lhes demonstrava de maneira irrefutável a veracidade dos doze 因 縁 INNEN. Também instruía aos Bodhisattva. Estes já haviam alcançado uma certa compreensão da Lei e um certo grau de despertar. Exortava-os a praticar as六道 ROKUDŌ, as seis Paramitā. Diz-se que Buda passou quinze anos de
聲聞 SHOMON (Shrāvaka), quinze anos anos sua vida aos(Pratyiekabuddha 緣覺falando aos ENGAKU ) e outros quinze aos Bodhisattva. Mas seu ensinamento mais elevado não era expresso com palavras. Simplesmente se sentava e aqueles que compreendiam a importância desta atitude o imitavam. A assembléia dos praticantes submergia então no silêncio. O ensinamento das Quatro Nobres Verdades, dos doze 因縁 INNEN e das seis virtudes operava em cada um, em seu interior, de maneira imediata, sem os desvios da linguagem, por imersão direta da consciência na verdade universal, em 空 KŪ. A verdadeira Sabedoria se manifesta assim durante o 座禅
ZAZEN, nem sem obtê-la. esforço,Quando sem buscá-la, tentar compreendê-la o espírito sem não busca nada, quando se despojou de tudo, na atitude 201
無 所 得 MUSHOTOKU, esta Sabedoria se realiza natural, inconsciente e automaticamente. Isto é o 悟 SATORI, um 悟 SATORI cuja dimensão supera a do recinto do 道場 DŌJŌ, sem sair da postura do 座禅 ZAZEN. Através de uma longa prática de 座禅 ZAZEN e de uma assiduidade constante, o espírito 無 所 得 MUSHOTOKU, o espírito
desapegado, continua na vida cotidiana e permite não somente vencer, mas também iluminar todos os fenômenos do mundo, e transformá-lo em tributo ao Caminho. 無所得 MUSHOTOKU: é a segundo noção chave do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. A primeira, como j á vimos 諸 法 皆 空 SHO HŌ KAI KŪ: tudo é 空 KŪ, Nada. é Não há entidade. O segundo princípio,無所得 MUSHOTOKU depreende-se diretamente deste rico ensinamento: posto que tudo é 空 KŪ, vacuidade, não há nada que obter, não há nada que buscar. Nossa atitude de espírito deve ser 無所得 MUSHOTOKU, sem busca de obtenção, sem meta, nada que alcançar. 以 無 所 得 I MUSHOTOKU: somente 無所得 MUSHOTOKU, a única realidade é que não há nada
que obter. Neste momento do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, a noção de 無所得 MUSHOTOKU é a dobradiça que articula as duas metades do Sūtra. Todas as teorias, todos os princípios e as leis desembocam em 無所得 MUSHOTOKU, que se converte assim no cume do Sūtra. A partir de 無 所 得 MUSHOTOKU elaboram-se todas as realizações justas do corpo, da palavra e do pensamento. O 般若 心 経 HANNYA SHINGYŌ se alicerça sobre os seguintes dois princípios fundamentais: 諸法 皆 空 SHO HŌ KAI KŪ: 202
Todas as existências são 空 KŪ. 五薀 皆 空 GO-UN KAI KŪ: Os cinco agregados são 空 KŪ.
O corpo e o espírito são 空 KŪ, não têm númeno, não têm entidade própria nem existência particular. Sobre estes fundamentos se erguem as seguintes leis: Em primeiro lugar: 色 即 是 空 SHIKI SOKU ZE KŪ. O mundo fenomenal não é diferente de空 KŪ. 色 SHIKI é 空 KŪ. Todas as formas e todas as forças, visíveis ou invisíveis, todos os fenômenos e todas as existências são 空 KŪ.
Em segundo lugar, o texto se refere à doutrina de Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU):
舎利子、是諸法空相、 不生不滅、不垢不浄、不増不減、
SHARISHI, ZE SHO HŌ KŪ SŌ, FU SHŌ FU METSU, FU KU FU JŌ, FU ZŌ FU GEN Estasdofrases do 論 explicadas CHŪRON na de doutrina Nāgārjuna Caminho Meiotem中sido (龍樹 RYŪJU). 203
Todos os fenômenos cósmicos, todas as existências constituem o potencial temporal existente, ou manifestado, atualizado no instante. Cada um destes fenômenos depende da lei de interdependência, na qual a multiplicidade de fenômenos depende da multiplicidade das relações que os sustentam. Por isso, apesar de que estes fenômenos temporais tomem uma forma, transformando-se e se desvanecendo, sua substancia não foi produzida nem destruída, não aumentou nem diminuiu. Esta substancia é o Poder Cósmico Fundamental, potencial supremo de queeternamente procedemimutável. todas É aso potencialidades fenomenais, impermanentes, em perpétua mudança. Suas formas aparecem e desaparecem seguindo as interferências cósmicas rigorosamente ordenadas. Ao desintegrarem-se retornam à sua srcem, à essência cósmica, 空 KŪ.
204
Uma terceira etapa anuncia a doutrina deVasubandhu (世親 SESHIN)55:
是故空中無色無受想行識、 無眼耳鼻舌身意、無色声香味触法、 無眼界乃至無意識界、
ZE KO KŪ CHŪ MU SHIKI MU JU SŌ GYŌ SHIKI, MU GEN NI BI ZES-SHI I, MU SHIKI SHŌ KŌ MI SOKU HŌ, MU GEN KAI NAI SHI MU I SHIKI KAI, Vasubandhu (世親 SESHIN) desenvolveu amplamente este tema em sua 唯 識 YUISHIKI (citta-mātra), doutrina
segundo a qual todos os fenômenos são a expressão (projeção) de nossa consciência. Todos os fenômenos estão contidos em sua forma residual (ou latente) na consciência profunda Alaya (阿賴耶 識 ARAYA SHIKI). Os fenômenos se manifestam em uma infinita diversidade através da ação dos 五 薀 GO-UN (os cinco agregados ou os cinco grupos fundamentais) e dos dezoito mundos (as seis faculdades cognitivas: os órgãos dos sentidos, os seis objetos e as seis 55
Vasubandhu (世親 SESHIN ou 婆修盤頭 BASHUBANZU), nascido no séc. IV d.C. juntamente com seu irmão Asanga (無著 MUJAKU ou 阿 僧 伽 ASŌGA) foram os fundadores da Escola 瑜 伽 行 派 YUGAGYŌ HA (Yogācāra). Compôs o influente 唯識三十論頌 YUISHIKI SANJŪ RONSHŌ ( Trimsikā-vijñapti-mātra
shāstra ) Trinta Versos sobre a Mente Apenas, além de outras obras. É
também considerado o (二十八祖 NIJŪHACHISO) . (N.T.)
22º
dos
28
Patriarcas
205
consciências correspondentes). Em último lugar, sujeito e objeto se desvanecem em 空 KŪ, no não diferenciado. Não obstante, o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ supera a doutrina de Vasubandhu ( 世親 SESHIN), na medida em que nega tanto a realidade dos fenômenos perceptíveis como a realidade da consciência perceptiva. Enquanto que a representação subjetiva constitui o fundo real da doutrina de Vasubandhu ( 世 親 SESHIN), no 般 若 心 経 HANNYA Ō ambas consideradas SHINGY irreais.representações, subjetiva e objetiva, são
A quarta etapa explica o método de observação com a ajuda dos doze 因 縁 INNEN e da Lei do karma que se depreende deles. A lei do karma é negada no 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, assim como a teoria dos doze elos da interdependência. Em 空 KŪ não há nenhum vestígio de karma nem de 縁起 ENGI (ou 因縁 INNEN). O karma desaparece durante o 座禅 ZAZEN. Não resta nada. Shakiamuni Buda compreendeu o mundo através da intuição que teve sobre a cadeia da interdependência, a qual e edesemboca na parte da ignorância ( 無 明istoMUMYŌ) ignorância. Ao compreender despertou, seu despertar foi o final da ignorância. Desta maneira, os doze 縁起 ENGI e o Universo inteiro se desvaneceram com a extinção da ignorância. 無 明 MUMYŌ – a ignorância – sucede a 無 無明 MU MUMYŌ – a não ignorância. As duas coexistem e se complementam necessariamente. Este é o paradoxo, a ambivalência da verdade. Esta verdade é mais evidente ainda durante o 座禅 ZAZEN, durante o qual o estado de perfeita concentração (samādhi) é 無 無明 MU MUMYŌ, e durante o qual o estado de observação permite compreender e perceber 無 明 MUMYŌ. Para algumas pessoas, meu 口宣 KUSEN pode ser 無明 MUMYŌ, parecido com uma
música que as tocam em sua sonolência. Estas pessoas se obscurecem em 昏沈 KONCHIN, a ignorância. Para outros, 206
minhas palavras são um “ZENGLISH”56 incompreensível, sons murmurados, pronunciados com uma voz rouca. Outros nada ouvem, mas interceptam algumas palavras que se transformam num bom motivo para sonhar. A ignorância se propaga desta maneira e estas pessoas erram pelo 散亂 SANRAN. Eu falo continuamente de 昏沈 KONCHIN e 散 亂 SANRAN. Ambos estados se alternam, mas quando nem um nem outro predomina, aparece 非思量 HISHIRYŌ. A quinta etapa se refere à observação das Quatro Nobres Verdades: 苦 集 滅 道 KU SHŪ METSU DŌ ou 四 諦 SHI TAI. As duas primeiras [苦 KU (duhka): o sofrimento e 集 JŪ (samudaya): a causa do sofrimento] e as duas últimas 滅 [ METSU (nirodha): a extinção do sofrimento e 道 DŌ (mārga): o Caminho para acabar com o sofrimento] constituem o método para alcançar o Nirvāna. Particularmente, representam o ponto de vista religioso dos budistasHīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ) (“Pequeno Veículo). O 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ nega tanto a existência destas Quatro Nobres Verdades comoSHIa TAI do Nirv āna, enquanto objetos de obtenção. As 四諦 emitidas por Buda são verdadeiras à nível da observação fenomenal, mas desaparecem quando entramos no mundo de 空 KŪ, do 座禅 ZAZEN. A sexta etapa desenvolve o tema oposto ao que a doutrina 天台 TENDAI pregará mais tarde. O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ diz: 無 知 亦 無 得 MU CHI YAKU MU TOKU. Não há sabedoria, não há nada que obter. 56
Expressão utilizada por Deshimaru Roshi para designar sua peculiar maneira de falar inglês. 207
O ensinamento 天台 TENDAI sustenta que, graças à sabedoria, podemos compreender que todos os fenômenos são 空 KŪ: 皆 空 KAI KŪ. Tudo é 空 KŪ. Esta compreensão se fundamenta no poder da sabedoria, cujos méritos são obtidos através da prática autêntica. O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ, antes mesmo de que esta doutrina viesse à luz, rechaça de pronto tais afirmações. Esta forma de antecipar-se a qualquer forma de doutrina e de superar seus limites categóricos constitui a força e a profundidade deste Sūtra. Utilizando a negação, transcende qualquer afirmação, qualquer definição limitativa e aponta diretamente até o absoluto, 空 KŪ. A grandeza deste Sūtra nasce de uma experiência profunda, autêntica e inefável. Continuamente nos remete à experiência vivida, à prática do 座 禅 ZAZEN que é a única verdadeiramente 空 KŪ. A experiência do 座禅 ZAZEN corrói quaisquer definições: usaas, esvazia-as, arrebenta-as. Nada subsiste, apenas a realidade absoluta da experiência vivida na qual este mesmo 空 KŪ não é contestado, na qual sua essência está fundida na Essência. O mesmo 空 KŪ é negado. 般若 心経
Ō esta A única afirmação do a cada frase: HANNYA SHINGY implícita, mas transparece trata-se da afirmação subjacente do 座禅 ZAZEN, a dimensão mais elevada que submerge diretamente em 空 KŪ, através do espírito 無所得 MUSHOTOKU. Muitos pensam que para se obter o悟 SATORI temos que cultivar a sabedoria, resolver os 公案 KOAN, possuir um vasto saber filosófico ou teológico, etc.... E que desta maneira, podemos nos comunicar com Deus e obtermos a verdadeira experiência mística. Mas a verdadeira consciência transcendental é 非思量 HISHIRYŌ. E a consciência 非思量 HISHIRYŌ não
necessita sabedoria nem mérito. É infinita.
208
以 無所得 故。
I MUSHOTOKU KO. Esta expressão constitui o ponto culminante do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Não há um dia desde que
cheguei na França que não tenha pronunciado este 無所得 MUSHOTOKU. Esta é a essência do 座禅 ZAZEN, a essência do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Tudo é negado com este simples termo: qualquer doutrina, qualquer idéia, qualquer conceito, todo o Budismo e todos os teólogos. Fixar-se sobre um só objetivo, suportar o menor prejuízo, ou o pensamento mais ínfimo, afasta-nos inelutavelmente do verdadeiro 座禅 ZAZEN. Se em nossa prática persiste o menor objeto, a menor busca de resultado, ainda que acreditemos praticar o Budismo, fazendo-nos monges, respeitando os preceitos, seguindo uma prática rigorosa, cairemos no engano, vamos nos precipitar em uma atitude mortificadora e egoísta, seremos presas do dogmatismo. O 悟 SATORI não é outra coisa que compreender e chegar a ser intima e profundamente 無所得 MUSHOTOKU. 興道沢木 KŌDŌ SAWAKI dizia que o 悟 SATORI era um “dano” total, uma “perda” absoluta. Em outros termos, o 悟 SATORI é um despojamento, a morte do ego, a extinção dos desejos egoístas e de qualquer busca. Eis aqui um conto: Em um pequeno templo na montanha vivia um monge jovem com seu mestre. Este jovem monge não deixava de fazer 座禅 ZAZEN e acreditava ter obtido o 悟 SATORI. “Sou Buda e não necessito dosSūtra”, pensava. Amontoou todos os Sūtra que pôde encontrar no templo, destacou-os folha por folha e colocou-os no banheiro, para serem utilizados como papel higiênico. 209
Ao ver isto, o Mestre ficou colérico: “馬鹿野郎!BAKAYARŌ!”, gritou. “Cretino!” Mas o jovem monge respondeu impassível: “Estes Sūtra explicam o método para obter o 悟 SATORI. Antes de obter o 悟 SATORI são úteis, mas depois não são mais valiosos que o papel higiênico.” Mas o Mestre não via as coisas desta forma e aos berros, completou: “Cretino, mil vezes cretino! Se seu traseiro é o traseiro de um Buda, não o limpe com esse papel velho e amarelado. Seu traseiro é digno de um papel branco, virgem e imaculado! Como você pode utilizar esse velhos papeis de Sūtra?” Aniquilar o espírito de apego, não aderir a nada, não esperar nada, não perseguir nada, não querer nada para si, isto é 無所得 MUSHOTOKU.
210
無 所 得 無所得 “MUSHOTOKU”: Nada que obter.
211
波 羅 僧 羯 諦 波羅僧羯諦 “HARASŌGYATEI”
Vamos juntos mais além. 212
VÁ MAIS ALÉM DO MAIS ALÉM
213
BO DAI SAT TA O Bodhisattva. 214
菩 提 蕯 埀 215
HAN NYA KO HA E RA MIT TA Graças a esta Sabedoria que conduz mais além.
216
故
般 若 波
依
羅 蜜 多 217
SHIN MU MU KO KEI KEI GE GE Alcança uma consciência (SHIN) sem (MU) apegos (KEI) e obstáculos (GE) e sem (MU) causa (KO) de apegos (KEI) e obstáculos (GE).
218
心 無 無 故
罣 礙
罣 礙 219
MU U KU FU Não há (MU) [em seu espírito] medo (U) nem (FU) temor (KU).
220
無 有 恐 怖 221
TEN ON DŌ RI MU SŌ
IS SAI
[Seu espírito] está livreD(ON de todas (IS-SAI) perturbações (TEN Ō) e RI) ilusões (MU SŌ).
222
顚 倒
遠 離
夢 想
一 切 223
KU GYŌ NE HAN Finalmente chega ao (KU GYŌ) Nirvāna (NE HAN). 224
究 竟 涅 槃 225
SAN ZE SHO BUTSU Todos (SHO)(ZE) os Budas (BUTSTU) três (SAN) Mundos [passado, presentedos e futuro]. 226
三 世 諸 仏 227
HAN NYA KO HA E RA MIT TA Graças a esta ilimitada (HANYA) Sabedoria (HARAMITTA).
228
般 若 故 波 羅 蜜 多
依
229
SAN TOKU MYAKU A SAN NOKU BO TA DAI RA Alcançam (TOKU) a Consciência mais elevada, a Suprema Realização (A NOKU TA RA SAN MYAKU SAN BODAI). 230
三 藐 三 菩 提
得 阿 耨 多 羅 231
HAN NYA HA KO RA CHI MIT TA Portanto (KO CHI) HANNYA HARAMITTA.
232
般 若 波 羅 蜜 多
故 知
233
ZE ZE DAI DAI Ō JIN MY SHU SHU É (ZE) o grande (DAI) Mantra (SHU) Universal (JIN). É (ZE) o grande (DAI) Mantra (SHU) resplandecente (MYŌ).
234
是 大
是 大
明 呪
神 呪 235
ZE ZE MU MU TŌ D Ō D Ō SHU SHU É (ZE) o Mantra (SHU) inigualável (MU JŌ). É (ZE) o Mantra (SHU) incomparável (MU TŌ DŌ). 236
是
是
無 等
無 上
等 呪
呪
237
NŌ JO IS SAI KU Aquele que extingue (NŌ JO) todo o tipo (IS-SAI) de sofrimento (KU). 238
能 除 一 切 苦 239
SHIN JITSU FU KO Isto é Verdade (SHIN JITSU) não (FU) é mentira (KO). 240
真 実 不 虚 241
HAN NYA KO SHU HA RA MITSETSU TA Este (KO) Mantra (SHU) proclamado (SETSU) por HANNYA HARAMITTA.
242
般 若 呪 波 羅 蜜 多
故 説
243
SOKU SETSU SHU WATSU Este (SOKU) Mantra (SHU) se diz (SETSU) assim (WATSU):
244
即 説 呪 日 245
HA HA GYA RA RA TEI SŌ GYA GYA GYA TEI TEI TEI Vamos (GYA TEI), vamos (GYA TEI), Vamos (GYA TEI) juntos (HA RA) Vamos (GYA TEI) juntos (HA RA) mais além (SŌ). 246
波 羅 僧
波 羅 羯
羯 諦 羯
羯 諦
諦
諦
247
BŌ JI SO WA KA Até a Realização Última da Vida (BŌ JI). Que assim seja (WA KA). 248
菩 提 薩 婆 訶 249
HAN NYA SHIN GYŌ A essência (SHIN) do Sūtra (GYŌ) da Sabedoria (HANNYA).
250
般 若 心 経 251
COMENTÁRIOS
菩提蕯埀。 依般若波羅蜜多故。 心無罣礙無罣礙故。 無有恐怖。遠離一切顚倒夢想。 究竟涅槃。三世諸仏。 依般若波羅蜜多故。 得阿耨多羅三藐三菩提。 故知般若波羅蜜多。 是大神呪。是大明呪。 是無上呪。是無等等呪。 能除一切苦。真実不虚。 故説般若波羅蜜多呪。 即説呪日。 羯諦、羯諦、波羅羯諦、 波羅僧羯諦、菩提薩婆訶。 般若心経。
252
BODAI SATTA. E HANNYA HARAMITTA KO. SHIN MU KEI GE MU KEI GE KO. MU U KU FU. ON RI IS- SAI TEN DŌ MU SŌ. KU GYŌ NE HAN. SAN ZE SHO BUTSU. E HANNYA HARAMITTA KO TOKU A KO NOKU SANHARAMITTA. MYAKU SAN BODAI. CHITARA HANNYA ZE DAI JIN SHU. ZE DAI MY Ō SHU. ZE MU JŌ SHU. ZE MU TŌ DŌ SHU. NŌ JO IS-SAI KU. SHIN JITSU FU KO. KO SETSU HANNYA HAR AMITTA SHU. SOKU SETSU SHU WATSU. GYATEI, GYATEI, H ARAGYATEI, HARASŌGYATEI, BŌJISOWAKA. HANNYA SHINGYŌ.
As pessoas calculam sempre: mais-menos, lucroprejuízo. Mas a educação dos Mestres 禅 ZEN repousa fundamentalmente sobre a noção de無所得 MUSHOTOKU. Ensinam sobre a oferenda ( 布 施 FUSE, doação) gratuita. Pode ser uma doação de trabalho, de bens materiais, etc. A atitude justa é praticar 無所得 MUSHOTOKU . Há está que se esquecer dá, quem estánenhuma doando e o que sendo doado.a quem A açãosenão deve ter meta. Este é a verdadeira doação 無所得 MUSHOTOKU. 253
A maioria das pessoas, quando dá algo, quando convida alguém ou quando presta algum serviço, calcula sempre suas ações, e espera uma recompensa, o agradecimento.
菩提 蕯埀 無所得
BODAI SATTA MUSHOTOKU. O que é 菩提 蕯埀 BODAI SATTA? 菩提 BODAI: Bodhi, 悟 SATORI, ir sobre o Caminho. 蕯埀 SATTA: (sattva, em sânscrito), vivente, voltar aos seres viventes. 菩提 蕯埀 BODAI SATTA (ou Bodhisattva) é uma noção fundamental do Budismo Mahāyāna ( 大乗仏教 DAIJŌBUKKYŌ), já que abarca os dois planos, relativo e absoluto 57 . É o ponto que une a ambos os mundos. O 悟 SATORI que se Bodhisattva é assim o ser do compromete no mundo para salvar os seres viventes. 菩 提 BODAI: é a dimensão do absoluto, fazer 座禅 ZAZEN, estar em unidade com空 KŪ.
57
Toda a realidade é composta de dois planos, duas verdades, chamadas 二諦 NITAI (satya-dvaya ), que são divdidas em: - 勝義諦 SHŌGITAI ( paramârtha-satyatā), verdades absolutas, aquelas que são experienciadas pelos seres iluminados. Sendo transcendentes à quaisquer construções dualísticas, não podem ser exatamente expressas lingüisticamente. - 世俗諦 SEIZOKUTAI ( samvrti-satya ), verdades relativas ou convencionais, que são as experimentadas pelos seres não iluminados e que são ordinariamente expressas em construções linguísticas dualistas. (N.T.) 254
蕯埀 SATTA é a dimensão do relativo: submergir no mundo, trabalhar com todos os seres, para poder compreendê-los, ajudá-los e guiá-los pela Via justa. Fazer 座 禅 ZAZEN, recitar os Sūtra ou costurar o 袈 裟 KESA representam apenas Bodhi, o 悟 SATORI. Separar-se do mundo. Mas o valor elevado do Budismo Mahāyāna ( 大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ), sua superioridade sobre o Hīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ), reside nesta
compaixão dirigida no a todos compaixão ativa, que trabalha mundooseseres traça sofredores, nele o Caminho. Éo contrário da vida de ermitão, vida de reclusão e voltada para si mesmo. Todas as formas de Budismo Hīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ), assim como o 臨済 宗 RINZAI SHŪ, exortam o praticante a isolar-se do mundo com o fim de não sofrer suas tentações e poder eliminar os 煩悩 BONNŌ para alcançar rapidamente o 悟 SATORI com a ajuda do ascetismo e das mortificações. Esta atitude é puro egoísmo. É praticar somente 菩提 BODAI. Mas o 悟 SATORI obtido desta maneira não é o Supremo 悟 SATORI. Falta-lhe a integridade do desapego, da falta de discriminação. Uma atitude assim nãosepode conduzir à unidade Esta éa razão pela qual diz que o Hīnayāna (小乗perfeita. SHŌJŌ) é uma etapa intermediária na realização, e que o monge Hīnayāna ( 小 乗 SHŌJŌ) deverá se converter ao Mahāyāna (大乗 DAIJŌ) para realizar plenamente o Caminho.
255
依 般若 波羅蜜多 故。
E HANNYA HARAMITTA KO. Se a observação justa é praticada com o espírito 無 所 得 MUSHOTOKU aparece a sabedoria 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA. Esta sabedoria não
surge da consciência pessoal, mas da consciência cósmica, ilimitada. Quando nossos pensamentos e nossas ações são justos, quando não buscamos nada para nós mesmos, o espírito alcança a mais alta liberdade. 心無罣礙 SHIN MU KEI GE: o espírito sem obstáculos. A verdadeira liberdade se obtém através do sacrifício do ego. Dar uma grande importância à sua própria pessoa não é a verdadeira liberdade. Muitos sofrimentos e problemas surgem de uma atitude assim. Se o espírito está em total harmonia com a Ordem Cósmica, quando é 無所得 MUSHOTOKU, já não há nada que temer por nossa própria pessoa. O homem moderno evolui no medo e na ansiedade, devido a um apego excessivo ao seu ego, desenvolvido pelo meio em que vive. Suas relações consigo mesmo e com os demais são uma trama frágil de laços neuróticos. Vive-se sempre no medo de perder, no desejo de obter. Mas tudo isto é 無 常 MUJŌ: 諸 行 無 常 SHOGYŌ MUJŌ, tudo é impermanente, relativo, sem realidade. Tudo nasce, vive e desaparece. Não há nada que obter. O homem nasce e se encaminha inexoravelmente para a morte. O que é que se pode conservar?
256
無 知 亦 無 得。 以 無所得 故。
MU CHI YAKU MU TOKU. I MUSHOTOKU KO. Volto a esta passagem. Existem dois comentários interessantes desta 以 無所得 故 I frase: MUSHOTOKU KO marca a conclusão da primeira parte do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, e corresponde ao final do diálogo ( 問 答 MONDO) entre Avalokiteshvara ( 観 自 在 KANJIZAI) e Shāriputra (舎利子 SHARISHI). O Bodhisattva Avalokiteshvara é o símbolo da compaixão do Buda. Ensina a Shāriputra a verdadeira sabedoria. Para isso, nega a utilidade das funções mentais, dos conhecimentos, da filosofia e das doutrinas ( 十 二 縁 起 JŪNI ENGI, os doze elos da cadeia da interdependência, 四諦 SHI TAI, as Quatro Nobres Verdades, 八正道 HASSHŌDŌ, os oito caminhos justos). O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é particularmente o Sūtra da negação. Avalokiteshvara se dirige nele a Shāriputra, o representante por excelência dos intelectuais e filósofos. Este último sabe tudo, compreende tudo, possui um vasto saber, mas lhe falta a dimensão da compaixão, primordial sem embargo, para se querer penetrar no Caminho, tal e qual o ensina Avalokiteshvara. 無 所 得 MUSHOTOKU: o abandono total de si, dos pensamentos próprios, das metas próprias, dos desejos e de toda a atividade mental. O esquecimento de tudo o que constitui a telaabandono, de fundo começa do ego.por A ele verdadeira consiste neste e terminacompaixão nele. 257
Esta é a conclusão do diálogo entre Avalokiteshvara e Finalmente, a sabedoria mais elevada, a sabedoria transcendental é sem meta, manifesta-se mais além da consciência pessoal. É 無所得 MUSHOTOKU. Não é o resultado do pensamento discursivo, mas emana das profundezas inconscientes do espírito e do corpo, profundidades que são da mesma natureza que a supraconsciência cósmica.
Shāriputra.
258
以 無所得 故。 菩提 蕯埀。依 般若 波羅蜜多 故。 心無罣礙無罣礙故。 無有恐怖。遠離一切顚倒夢想。 究竟涅槃。
I MUSHOTOKU KO. BODAI SATTA. E HANNYA HARAMITTA KO. SHIN MU KEI GE MU KEI GE KO. MU U KU FU. ON RI IS- SAI TEN DŌ MU SŌ. KU GYŌ NE HAN. 無 所 得 MUSHOTOKU é a conclusão da primeira metade do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ e se converte no tema da segunda parte. O Bodhisattva, graças a 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA, a sabedoria suprema, explica os méritos de 無所得 MUSHOTOKU.
心無罣礙無罣礙故。
SHIN MU KEI GE MU KEI GE KO. 罣 KEI significa rede e 礙 GE: obstáculo.
Quanto mais o homem deseja ser livre, menos o é, já que sua aspiração de liberdade provém da busca da satisfação de seus desejos. A liberdade buscada neste caso é a expressão de um apego reforçado ao ego. É a expressão de uma fuga que vai contra a Ordem Cósmica e que aperta as malhas da rede em que se encontra prisioneiro: seu próprio ego. Quanto mais forte é o ego, mais se fecha a rede. O Bodhisattva tem o espírito livre, sem ego. É livre universalmente. Mas a prática desta autêntica liberdade vai 259
de encontro a “liberdade” buscada pelo mundo. A prática do
Bodhisattva consiste em abandonar o ego, sem esquecê-lo, seguindo as regras comuns – durante um 攝心 SESSHIN, por
exemplo – aceitando as admoestações do mestre, conformando-se à sua educação, etc. Tudo isto ajuda a perder o ego, e não a exaltá-lo. Combater pelas vaidades do mundo materialista e concupiscente, lutar por pretensões honoríficas, tudo isto é apego vulgar à ninharias. Mas este apego é tão grosseiro que cedo ou tarde o homem desperta desta estupidez e torpeza. O ponto perigoso aparece quando este apego é sinuosamente dissimulado atrás de um ar de falsa liberação, tal como, repito, o caso dos ermitões, que se separam do mundo e buscam, em seu egoísmo, a obtenção do Caminho para eles mesmos, indiferentes ou pior ainda, desprezando a dor do mundo. Sua necessidade de solidão, seu retiro, cuja meta é se elevar - eles apenas e apenas para eles, até a realização do Caminho – está na direção diametralmente oposta da verdadeira liberdade. Também neste caso a rede se fecha, devido à estreiteza de sua intenção. A autêntica liberdade pode ser realizada apenas ego se conforma Ordem Cósmica. àquando OrdemoCósmica é rechaçarà totalmente o corpoConformar-se e o espírito, e não guardar o menor rastro de complacência. A melhor maneira é fazer 座 禅 ZAZEN, sem dúvida, mas para a salvação de toda a humanidade. Isto significa virar criança quando ajudar uma criança, transformar-se em ancião quando ajudar um ancião. Significa ser malandro quando ajudar um malandro, ou santo quando ajudar um santo. Tal é o voto que realiza o Bodhisattva quando se compromete com o mundo. Seu 悟 SATORI é amplo, nobre e poderoso. Sua influência resplandece no mundo. E o mundo, longe de ser um obstáculo, é a via na qual se atualiza seu 悟 SATORI.
260
Se não se tem ego, não se teme nada. Quando não se possui nada, não se tem medo de perder. Os obstáculos e as dificuldades se convertem em modestos contratempos surgidos em nosso caminho com a finalidade de manter nosso espírito vigilante, e podem ser utilizados como um treinamento contínuo e sem relaxamento de nosso não ego. Tal é sabedoria nascida de 無所得 MUSHOTOKU, e que o Bodhisattva atualiza no não medo. Embaixo de uma ponte vivia uma família de mendigos, um homem, sua mulher e seu filho. Um dia, ao voltar de sua mendicância, a mulher disse ao marido: “Hoje nada me deram. Passaram uns ladrões e fizeram um arrastão pelas casas. As pessoas não me abriam as portas porque tinham medo.” Ao ouvir estas palavras, o filho, que ainda era uma criança, disse: “Papai, temos sorte! Os ladrões nunca entram em nossa casa!” “Realmente”, disse o pai. “Devemos agradecer nossa pobreza. Este é o mérito de seus pais. Ninguém vem roubarnos nesta ponte!” O homem moderno perdeu o sentido dos valores, perdeu o essencial. Descentrado, extraviado, precipita-se sobre as satisfações materiais com uma avidez de esfomeado. Avidez de bens, avidez de reputação, de eloqüência, de “saber”, e sobre tudo, como pano de fundo, avidez de superioridade. Não ter “mais e mais” é perder esta superioridade sobre os demais. E esta perda é aterradora. A exaltação do ego, o orgulho, alcançam em nossos dias cotas perigosas. A morte aterroriza. Todo mundo conhece a conclusão de nossa viagem terrestre, ainda que ninguém a admita para si mesmo.mas Todoignorância. mundo se Oangustia por um reside mistério, quevida, não é mistério maior mistério nesta na vida moribunda dos seres vivos, ou melhor, na vida deste 261
grande número de mortos vivos, já que o egoísmo é a morte mais escura, a morte da verdadeira vida cósmica, um estado de torpeza tenebrosa. Não obstante, a maioria o ignora! Todo mundo se inquieta por seu corpo, por sua beleza e por sua saúde. Esta inquietude é exagerada. As enfermidades são produzidas pelo ego. O câncer é uma manifestação do egoísmo. O que é preciso fazer então é começar por curar o ego. Abrir-se, abandonar o ego, significa neutralizar as enfermidades. terapia saudável para Seguir o corpoa eOrdem para oCósmica espírito. éE aesta curamais nos conduz à alegria suprema da vitória sobre a vida e a morte. A grande sabedoria 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA emana da paz que sucede a este combate ao ego. A verdadeira morte, a morte de si mesmo, transforma-se em alegria infinita, estado de profunda serenidade. 顚 倒 夢 想 TEN DŌ MU SŌ: oposições e perturbações desaparecem, absorvidas no Nirvāna.
心無罣礙無罣礙故。 無有恐怖。 遠離一切顚倒夢想。
SHIN MU KEI GE MU KEI GE KO. MU U KU FU. ON RI IS- SAI TEN DŌ MU SŌ. 遠離 ON RI
significa separação. 一切 IS-SAI: todo. 顚 倒 TEN DŌ: perturbações. 夢 MU: o sonho. 想 SŌ: a imaginação, o engano.
262
Uma noite, enquanto passeava, uma jovem viu uma serpente atravessada no caminho e saiu dali correndo, já que tinha muito medo. No dia seguinte, voltou a passar no mesmo lugar e viu uma corda no chão. Assim é 顚倒夢想 TEN DŌ MU SŌ: o engano ligado às formações mentais subconscientes que surgem à menor estimulação, ou quando a vida é deixada livre, como durante o sonho, por exemplo. Numa noite da Natal, um homem se dirigiu à igreja e invocou esta súplica: “Meu Deus, meu Deus, eu te rogo, faça com que eu encontre dinheiro!” No caminho de volta para sua casa, viu brilhar sob o luar uma bolsa, e gritou entusiasmado: “Uma bolsa cheia de ouro! Encontrei uma bolsa cheia de ouro!” Quis pegá-la, mas o caminho estava congelado e a bolsa estava presa sob o gelo. “Tenho que encontrar uma pedra para quebrar o gelo”, pensou. Mas alguém se aproximava e ele temeu ter de repartir“Vou seu urinar achado.sobre ela e o gelo se derreterá assim”, pensou. Feito isto, agarrou a bolsa e tentou abri-la, tentou, tentou com mais força, mas .... nada! Neste momento sentiu uma grande dor. Seu olhar estava voltado para o céu, mas não via céu nem estrelas. Então se deu conta que acabara de ter um sonho e que a dor que sentia vinha de seus testículos, os quais ainda estava agarrando firmemente. A cama molhada era sua única realidade. 顚倒夢想 TEN DŌ MU SŌ: o sonho, as quimeras, as
miragens, as alucinações. O 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ as distingue em quatro tipos: 263
- O primeiro erro de percepção é relativo a 無常 MUJŌ e consiste em crer em entidades invariáveis, na perenidade da existência. É um erro. Tudo muda sem cessar. Todas as existências estão destinadas à extinção. Nada é estático. Tudo evolui e se transforma. - O segundo erro concerne à natureza da felicidade. Este erro repousa sobre a crença na felicidade através das satisfações deste mundo: relações de amor, de amizade, alegria procedente do trabalho, das viagens, das diversas atividades, das diversões. Alegrias fugazes, felicidade efêmera. Este mundo só pode dar pálidos reflexos da verdadeira felicidade, aquela que é vivida na dimensão do absoluto, mais além dos gozos do mundo fenomenal. As 攝心 SESSHIN permitem fazer esta feliz viagem até outro mundo, a outra dimensão, ao mundo da plenitude. - O terceiro erro nasce do apego ao ego. Da complacência que se tem por si mesmo nascem muitos erros e sofrimentos. O ego não tem númeno. Não temos por que confortá-lo, satisfazê-lo, já que esta atitude cria um encadeamento sem fim. As satisfações dos desejos criam novos desejos e insatisfações. Compreender que se sofre deste apego é o começo da sabedoria. Depois do que há que praticar o esquecimento do ego, para que o grande reino da liberdade se abra. - O quarto erro consiste em acreditar ser superior e de maior valor que os demais. Temos muito freqüentemente uma percepção refinada para detectar os defeitos dos outros, mas na hora de ver os nossos próprios, nossa visão está velada.
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菩提 蕯埀。依 般若 波羅蜜多 故。
心無罣礙無罣礙故。 無有恐怖。遠離一切顚倒夢想。 究竟涅槃。 BODAI SATTA. E HANNYA HARAMITTA KO. MUON KEIRIGE MU USHIN KU FU. IS-MU SAI KEI TENGE DŌKO. MU SŌ. KU GYŌ NE HAN. “A sabedoria perfeita elimina qualquer obstáculo no espírito do verdadeiro Bodhisattva. Não resta medo nem temor. As miragens e os pontos de vista falsos desaparecem naturalmente, e por último, o Bodhisattva alcança o verdadeiro Nirvāna”. A maneira de pensar durante o座禅 ZAZEN e durante a vida cotidiana são fundamentalmente diferentes. Durante o 座禅 ZAZEN, o pensamento nasce de 空 KŪ, o nada, o absoluto. Na vida, nasce de 色 SHIKI, dos fenômenos. O ego cria 無明 MUMYŌ, a ignorância. O ego em si é 無明 MUMYŌ, ignorância, srcem de todos os 煩悩 BONNŌ. Tudo é 顚 倒 夢 想 TEN DŌ MU SŌ. As ilusões nascem do desejo, o qual por sua vez engendra a enfermidade do corpo e do espírito (muitas neuroses são a expressão de uma ruptura entre o desejo e sua satisfação). Mas se nos concentrarmos aqui e agora, os desejos desaparecem rapidamente. Um desejo nasce, depois morre. Passa por nossa consciência sem nos afetar, sem deixar vestígios. A memória e os projetos devem ser o motor da ação presente. Estes dois elementos são tão necessários para a vida como o ar que respiramos. Mas nossa boa saúde depende da dinâmica que lhes infundimos. Tudo muda, tudo 265
passa e se transforma. A vida é não fixação. Toda recordação fixada como desejo obsessivo é uma célula cancerígena da vida. Atrofia a vida, obstaculiza a circulação da corrente da energia cósmica. O espírito sereno que não se ata fundamentalmente a nada, deixa aparecer a autêntica sabedoria. A paz é srcem profunda de alegria. Seguir a Ordem Cósmica é levar uma vida bem aventurada, é alcançar o grande Nirvāna: 究 竟 涅 槃 KU GYŌ NE HAN. 究 竟 KU GYŌ: chegar a última etapa. 涅 槃 NE HAN: Nirvāna; literalmente: soprar (da mesma maneira que se assopra uma vela), apagar. Trata-se da extinção da chama de 顚 倒 夢 想 TEN DŌ MU SŌ, a consumação última do ser. Os conhecimentos afogam o ser quando se convertem em barreiras que o impedem de ir mais além deles. Há que se desfazer dos conhecimentos, há que superá-los, há que saber utilizá-los com moderação e manter o espírito aberto. Concomitante à sabedoria adquirida, deve se manifestar a sabedoria intuitiva. Esta última só aparece quando o espírito é livre. 徳 山 TOKUSAN era um famoso erudito. Particularmente havia estudado o “Sūtra do Diamante”, o 金 剛 経 KONGO KYŌ (Vajracchedika Sūtra). Um dia ouviu falar de um mestre que todo mundo considerava de grande sabedoria. Tratava-se do Mestre 龍潭 RYUTAN (literalmente “o dragão do lago”). 徳山 TOKUSAN acreditava-se imbatível em seu conhecimento do 金剛 経 KONGO KYŌ e por esta razão tomava-se por alguém de grande valor. Assim nasceu o desejo de se encontrar com este mestre que estimavam tanto, mais que a ele mesmo, e desejou ardentemente uma oportunidade de debater com ele. Ao chegar à porta do templo, viu um pequeno quiosque atrás do qual se encontrava uma velhinha. Nele vendia bolinhos de arroz. 266
徳 山 TOKUSAN lhe pediu três bolinhos. Seu ar fanfarrão
despertou a curiosidade da anciã: “O que você leva sobre os ombros?”, perguntou-lhe. “É um texto altamente precioso e demasiado profundo para que você possa compreendê-lo. É o 金剛 経 KONGO KYŌ, mas isso não significa nada para você. Dê-me os bolinhos de arroz!” “Sou ignorante, é verdade, mas curiosa”, respondeu a anciã. “Quero fazer-lhe uma pergunta. Se você me respondêla lhe darei os bolinhos. Não é neste precioso e profundo texto onde está escrito que o espírito do passado não pode ser alcançado, inalcançável é o espírito do presente, e igualmente inalcançável é o espírito do futuro? 58 Diga-me então: com que espírito você vai comer meus bolinhos de arroz? Com o espírito do passado, do presente ou do futuro?” 徳 山 TOKUSAN ficou estupefato.... E não pôde conseguir seus bolinhos de arroz, que dessa forma se tornaram também inalcançáveis. Perplexo, pensou que o Mestre 龍潭 RYUTAN devia ser mesmo um grande Mestre para que uma simples velhota, guardiã do templo, simples e sem cultura, tivesse espírito tão hábil. imediatamente o grandeumportal de entrada e foi Atravessou ver Mestre 龍潭 RYUTAN. Este o acolheu singelamente. Mostrou-lhe sua cama e pediu para que se recolhesse até o dia seguinte. Como trabalho, encarregou-o de varrer todos os dias o pátio do templo, carpir o jardim e limpar os corredores. Depois do trabalho deveria ir meditar com seus irmãos monges. E assim passaram-se vários dias... “Vim aqui porque havia ouvido que Mestre 龍潭 RYUTAN é o grande dragão do lago, mas neste lago 58
三 世 心 不 可 得 SANZESHIN FUKATOKU, o espírito dos três tempos não pode ser alcançado. (N.T.)
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não vejo nenhum dragão!”, gritou um dia, cansado e exasperado. O Mestre 龍潭 RYUTAN então resolveu aceitar o 問答 MONDO. O diálogo se prolongou até alta madrugada. Cansado de falar, o Mestre 龍潭 RYUTAN pediu-lhe que se retirasse. Uma vez passada a soleira da porta de seu aposento, 徳山 TOKUSAN deparou-se com a escuridão, que era total. O Mestre 龍 潭 RYUTAN foi então buscar uma lamparina de óleo para 徳 山 TOKUSAN. Mas no mesmo 徳山 TOKUSAN, assoprou a instante que a oferecia chama. Aem escuridão se fez deanovo, mais densa que antes Neste instante, 徳山 TOKUSAN obteve o 悟 SATORI.
O espírito do Bodhisattva que se estabelece na Prajñā Paramitā não é detido por nenhum obstáculo, transcende qualquer ponto de vista falso e, por último chega ao Nirvāna.
三世諸仏。 依般若波羅蜜多故。 得阿耨多羅三藐三菩提。
SAN ZE SHO BUTSU. E HANNYA HARAMITTA KO TOKU A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI. “Todos os Budas do passado, do presente e do futuro dependem de Prajñā Paramitā, e repousam sobre ela. Por último alcançam Bodhi, a sabedoria perfeita e o 悟 SATORI infinito.” 諸 仏 SHO BUTSU significa: todos os Budas, um número incalculável de Budas. Este termo designa todos os seres que realizam o budado. Trata-se de todos os Patriarcas e Mestres da Transmissão.
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No Budismo, consideram que os monges, depois de sua morte, alcançam o perfeito Nirvāna, e portanto são considerados como Budas. Às vezes, quando se pergunta no Japão: O que é Buda?, algumas pessoas respondem: “a morte.” No espírito de muita gente, em nossos dias, a palavra Buda significa “morte”. Esqueceram o verdadeiro sentido desta palavra. As frases: 三 世 諸 仏。SAN ZE SHO BUTSU. 依 般若 波羅蜜 多 故。E HANNYA HARAMITTA KO. 得 阿 耨 多羅 三 藐 三 菩 提 。 TOKU A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI, expressam o verdadeiro sentido da palavra “Buda”, isto é, o ser que obteve “阿 耨 多羅 三 藐 三 菩提。A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI”, o ser que despertou para a verdade suprema. 阿 A tem o mesmo sentido de 空 KŪ, é um prefixo negativo. 耨 多羅 NOKU TARA: por cima. 三 SAN: o justo, o verdadeiro. 藐 MYAKU: idêntico. 三 菩提 SAN BODAI: o 悟 SATORI, o despertar. 無 上 MUJŌ: o mais elevado, o que não pode ser
superado por nada. 正 SHŌ: justo. 徧 HEN: reto, justo. 正徧 SHŌ HEN: o sumo do justo, do autêntico. 菩提 BODAI: a sabedoria, o despertar, o 悟 SATORI. 三 藐 三 菩提 SAN MYAKU SAN BODAI, ao passá-lo a ideogramas, converte-se em 無上 正 徧 智 MUJŌ SHŌ HEN
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CHI 59 : o maior, o mais justo, a sabedoria suprema, a Sabedoria Cósmica. A sabedoria 阿 耨 多羅 三 藐 三 菩提 A NOKU TARA SAN MYAKU SAN BODAI é a sabedoria universal. Todos os Budas obtiveram o 悟 SATORI graças a ela e despertaram para a verdade cósmica. 仏 HOTOKE, em japonês, designa o Buda assim como a noção de “passar”. Às vezes emprega-se também o termo 安泰 ANTAI, que significa perder, deixar um pacote aberto.
Isto significa ser livre, estar liberado dos laços complicados dos 煩悩 BONNŌ, das ilusões. Tal como já expliquei, no Budismo Mahāyāna (大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ), o Buda não obtém o 悟 SATORI somente para ele mesmo. Formado em seu ensinamento e instruído na verdade, ajuda todos os seres a chegar no Nirvāna. Mestre 道元 DŌGEN escreveu no 傘松道詠 SANSHŌDŌEI um poema sobre este aspecto: “Eu sou demasiado estúpido para ser Buda. O único que deseja é ser um verdadeiro monge (um verdadeiro Bodhisattva) que ajude todos os seres a passar para a outra margem.”
Tal é o significado de “Buda” no Budismo Mahāyāna (大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ). 道元 DŌGEN nunca pensou: “Devo obter o 悟 SATORI, tenho que converter-me em um Buda.” Apenas disse: “Quero ser monge para ajudar a todos as seres, para conduzi-los até o Nirvāna, até o despertar.
59
No srcinal, SHO HEN TO SHO. (N.T.) 270
故知般若波羅蜜多。 是大神呪。是大明呪。 是無上呪。是無等等呪。 能除一切苦。真実不虚。 故説般若波羅蜜多呪。 即説呪日。
KO CHI HANNYA HARAMITTA. ZE DAI JIN SHU. ZE DAI MYŌ SHU. ZE MU JŌ SHU. ZE MU TŌ DŌ SHU. NŌ JO IS-SAI KU. SHIN JITSU FU KO. KO SETSU HANNYA HAR AMITTA SHU. SOKU SETSU SHU WATSU. mantra. Empregam-se os 呪 SHUindistintamente. ou 咒JU significa dois termos Um mantra é uma palavra ou uma frase sagrada. Os mantra se desenvolveram sobretudo no hinduismo (o célebre OM) e no taoísmo. No Japão, cantar um mantra equivale a recitar um 祈禱 KITŌ. Existem de todos os tipos, compridos ou curtos, poderosos e adocicados e pertencem a todos os ramos do Budismo. O 禅 ZEN também possui seus mantra.
羯諦、羯諦、波羅羯諦、 波羅僧羯諦、菩提薩婆訶。
GYATEI, GYATEI, H ARAGYATEI, HARASŌGYATEI, BŌJISOWAKA. 271
É o mantra do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. Ao contrário do conjunto do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ, a fonética do mantra final foi preservada em sânscrito, e a transcrição em 漢 字 KANJI é um simples suporte de leitura do srcinal: gate gate pāragate pārasamgate bodhi svāhā.
As frases que o precedem recordam que no Budismo,
Prajñā Paramitā é o grande mantra, o mantra da Grande Sabedoria, o mantra supremo, o mantra precioso capaz de
aliviar qualquer sofrimento. Foi proclamado na literatura Prajñā Paramitā, que o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ resume e que este mantra conclui. “Vamos, vamos juntos mais além do mais além, até a realização última.” 故知 KO CHI: então, pois. Devemos compreender que 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA é o maior (大 DAI) dos 神呪 JIN SHU. 神 JIN ou 神 SHIN: Deus. 呪 SHU: mantra, a verdade pura, expressa pela essência da alinguagem. A féacessar em seuapoder deve ser total, já que graças ela podemos verdadeira sabedoria. 神呪 JIN SHU: mantra divino. “Este é o grande mantra brilhante e luminoso. Sua força é tal que pode cortar todos os sofrimentos. É verdadeiro e sem mentiras. É o verdadeiro Sūtra divino. Graças a ele é possível alcançar a essência de qualquer verdade.” Um mantra não é nada misterioso. Tem um sentido profundo que não é compreensível por nossa consciência humana. Os termos são apenas um suporte, mas sua fonética encerra nela mesma uma poderosa força em que se tem de acreditar. E convém recitá-lo sem duvidar de sua eficácia. Crer é muito importante. O Mestre 道元 DŌGEN escreveu: “O problema da religião se resolva com a fé.” 272
Nāgārjuna ( 龍 樹 RYŪJU) escreveu em seus comentários sobre o “Sūtra do 摩訶 般若 波羅蜜多 MAKA
HANNYA HARAMITTA”, 大 智 度 論 DAICHIDO-RON (Mahāprajñāparamitāshastra): “Os homens que têm fé e recebem ordenação, ainda que infrinjam os preceitos ( 戒 KAI) e cometam pecados, podem alcançar o 悟 SATORI.” Para ilustrar seu pensamento, conta a história de 蓮華色 RENGESHIKI constitui o tronco central do “Sūtra(Utpalavarna da Flor”. É), ahistória históriaque de uma monja
muito bela – a monja de seis poderes – que viveu à época de Buda Shākyamuni. Buda fez dela uma grande monja e discípula. Por aquela época, 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) ia pregar nas casa aristocráticas e se dirigia especialmente às jovens e as exortava a fazerem-se monjas. Quase sempre encontrava sua resistência: “Somos jovens e formosas”, diziam estas mulheres, “nunca poderemos respeitar os preceitos”. Mas 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) insistia dizendo-lhes que a observação dos preceitos era de menor importância. Receber a ordenação era o essencial. Não deveriam ter medo de cair no inferno por infringir as regras ditadas pelos preceitos. Entretanto, a incredulidade que encontrava na audiência obrigava 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) a narrar sua própria historia: “Quão longe devo remontar em meu karma para convencê-las?”, dizia ela. “Em minha vida anterior fui uma prostituta de grande fama. Vinham de todas as partes para me ver dançar, adornada com os melhores vestidos. Minha beleza era suficiente para produzir o êxtase dos homens. Todos me desejavam e desta maneira pude reunir uma grande fortuna, dando-lhes um pouco de mim mesma.” “Um dia, tomei secretamente o hábito, 袈裟 KESA, de uma monja budista que passava por ali e continuei dançando assim, coberta com este hábito... Minha vida inteira havia sido governada pelas forças do sexo e da luxúria e, depois da 273
minha morte, tive que cair nas errâncias infernais da transmigração. No entanto, o poder do 袈 裟 KESA se perpetuava. O karma que eu havia engendrado pelo simples ato de havê-lo vestido uma vez manifestou-se em minha vida seguinte. Esta é a razão pela qual agora tenho a grande felicidade de ser monja.” Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU), em seus comentários sobre o 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA acrescenta à história de 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna)as seguintes minúcias sobre seu karma: 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) era incomparavelmente bela. Teve a sorte de tocar uma vez um 袈裟 KESA, o qual a procurou em sua vida seguinte produzindo o bom karma que a fez monja. Entretanto, teve que errar durante muito tempo pelos escuros corredores da transmigração, já que sua vida anterior havia sido muito conturbada. Sua mãe era ainda mais bela, para desgraça de 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna), já que seu marido não pôde resistir à sedução que sua mãe exercia sobre ele. Sogra e genro passavam juntos as noites, e 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) resolveu fugir. Em suas andanças, encontrou um dia um filho de ricos comerciantes que se enamorou dela e a fez sua esposa. A felicidade conjugal era total. Mas um dia, a pedido de seu pai, o jovem esposo teve que partir: tinha a missão de conduzir uma caravana através do deserto até uma região longínqua na qual poderia vender mercadorias de seu país. A viagem foi longa. Cada cidade deixada para trás marcava no coração deste nômade a amargura do descanso, do conforto e dos prazeres perdidos. O que mais lhe fazia falta eram as mulheres. Um dia, o marido de 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) se emocionou imediatamente ao ver a beleza fresca de uma jovem. Era a estação das chuvas. Quando o comércio do dia havia acabado, todo mundo corria para suas respectivas casas. E aeste jovem esposo, na solidão da separação, começou visitar aquela formosa jovem. Às vezes o assaltava o remorso, mas pensava para si “sou rico e 274
posso manter estes dois lugares! Esta jovem é tão encantadora!” O que mais o impressionava era a semelhança que havia entre esta jovem e sua própria esposa. As semanas se passavam e a estação de inverno já estava bem avançada quando 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) acolheu a volta de seu esposo. Este silenciou sobre sua aventura. Preferia deixar passar um pouco de tempo antes de contá-la a sua mulher. Mas esta havia tido em sua vida anterior a experiência da prostituição, e sua intuição era muito desenvolvida. Ante a falta de paixão de seu marido, ela compreendeu rapidamente o que se passava. Ele então lhe revelou o que acontecera. As explicações foram simples e ela compreendeu rapidamente. Ele lhe revelou a semelhança de traços e a beleza comum que as ligava. Justificou-se com a duração da viagem e a dureza da vida. Queria desculpar-se mais, mas 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) compreendia, 蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) perdoava e aceitava. “Que ela venha morar em nossa casa!”, foi sua conclusão. A beleza da jovem(Utpalavarna concubina), impressionou também 蓮華色 RENGESHIKI quando a viu pela primeira vez. Um dia, 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) se encontrava atrás dela, observando como se penteava diante do espelho. Olhando a cara refletida da jovem e a sua própria, ligeiramente atrás, estranhou a semelhança e a interrogou sobre sua srcem. Esta lhe falou sobre sua cidade natal, de sua infância na casa de seu pai, e lhe disse que não havia conhecido sua mãe, já que esta havia fugido de casa quando ela era ainda uma criança. Com uma profunda tristeza, 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) compreendeu então que tinha diante dela sua própria filha, nascida de seu primeiro matrimônio. Seu primeiro havia蓮sido seduzido por sua mãe, e o segundo por marido sua filha. 華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) se afligiu profundamente de seu mau karma. E 275
pela segunda vez, fugiu de casa. Terminou por se estabelecer em uma metrópole longínqua, no Leste, e para ganhar a vida voltou a seu primeiro ofício, o comércio de seu corpo. Sua grande beleza lhe ocasionou novamente fama e despertou o desejo nos homens... Por esta época, um personagem forte, jovem e distinto, de traços refinados vinha dos arredores da cidade. Nela pregava regularmente, prodigalizando os ensinamentos de seu Mestre, o Buda Shākyamuni. 目 連 Chamava-se MOKUREN (Maudgalvalāyana). 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) converteu-se rapidamente no objeto da inveja dos brahmanes, cujos ouvintes, em sua maioria mulheres, escapavam deles e iam engrossar as fileiras dos novos fiéis convertidos por suas palavras. Estes brahmanes se sentiam humilhados e preparavam um complô contra o intruso que lhes arrebatava suas fiéis e portanto, seu poder. De pronto, não podiam matá-lo, pois isto levantaria a opinião pública e provocaria desconfiança contra eles. Tinham que tentar então derrubar a imagem de pureza que 目連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) despertava na fé 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) era a mais popular. indicada para acabar com o mito. Uma vez seduzido, 目連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) perderia a alta estima de enviado divino que detinha no coração de suas fiéis. 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) comprometido com 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna)! Que escândalo! Assim pensavam os brahmanes, que foram então visitar 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna). Quando esta se inteirou de sua missão, ciente de seu poder de sedução exclamou: “Não há nada mais fácil! Todos os homens são parecidos! Todos terminam por se inclinar ante minha beleza! 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) não será exceção!
Duvido muito que sua virtude seja incorruptível! “Mas 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) é, sem embargo, um homem que só poderá ser pego através de 276
uma armadilha”, pensou 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna). “Segundo o que disseram os brahmanes, sua vida disciplinada é um obstáculo e uma insinuação demasiado direta seria imediatamente rechaçada. Tenho de encontrar uma saída astuciosa.” No dia seguinte, ao entardecer, 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna)deteve-se no caminho que normalmente tomava 目連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) quando voltava ao templo. Estendida sobre o caminho, gemendo, fingia estar ferida ou enferma, pensando que assim 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) não poderia permanecer insensível. “Então, será fácil seduzi-lo!”, pensou. Ouviu passos que se aproximavam e acreditou que havia chegado o momento de intensificar seus lamentos. 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) chegava... Mas 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana) passou sem prestar a menor atenção à mulher. Sua intiução superava o poder dos sortilégios! “ 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana)! 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana)! Ajude-me, estou enferma!” Dizendo isto, 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna)se levantou brutalmente e 目連
correu atéqualquer MOKUREN (Maudgalvalāyana ). Este dissipou dúvida sobre as intenções de 蓮 華ato 色 RENGESHIKI (Utpalavarna). Imperturbável, continuou seu caminho com 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) em seus calcanhares, gesticulando e maldizendo, suplicando, sussurrando palavras sem sentido. Quando por fim se tranqüilizou, desarmada, todo o caminho havia sido percorrido e o 道場 DŌJŌ do Buda se apresentava a sua vista. Buda a esperava: “Você chegará a ser uma grande monja”, disse-lhe. Pousou sua mão sobre a cabeça de 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna) e seus cabelos caíram imediatamente. vulgares seTodo transformaram 袈裟 KESA,Suas em sua vestimentas atitude foi dignificada. seu mau karma desapareceu de uma vez. A partir deste momento, 277
蓮 華 色 RENGESHIKI (Utpalavarna) já não era mais 蓮華色 RENGESHIKI (Utpalavarna), mas uma grande monja
que durante toda sua vida consagrou-se ao Buda. Por aquela época tinha uns quarenta anos. Seguiu o Buda por todas as partes, prodigalizando-lhe sua ajuda, assistindo-o em tudo. Não obstante, morreu prematuramente, assassinada por um tal Daiva. Este ato marcou a consumação final de seu mal karma. Esta foi uma das primeiras 60 monjas da história do Budismo. Buda sempre falava dela em termos elogiosos e a estimou ainda mais que a 目 連 MOKUREN (Maudgalvalāyana). Ele a havia compreendido profundamente. A fé profunda que nela se despertou em direção à 袈裟 KESA e ao Buda a elevou e a glorificou. Sabia que renasceria ainda para construir o Grande Caminho do Mahāyāna (大乗 DAIJŌ). Esta grande monja ajudou e ajudará à humanidade, mais do que poderiam fazê-lo dez grandes Bodhisattvas.” É assim que Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU) conta a história sobre os méritos da fé em 袈裟 KESA, e que 道元 DŌGEN, em continuidade, retomou em todo o seu profundo valor. O mesmo sucede para com os mantra. Seu valor não reside no significado que se possa dar para as palavras, assim como tão pouco na compreensão intelectual que se tem dele. Seu valor está ligado a fé que se deposita nele. É melhor recitar o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ sem conhecer seu significado, o qual seria compreendido através de nossas categorias pessoais e limitadas. É melhor recitá-lo naturalmente. Desta maneira, pode-se conservar toda sua profundidade. 60
No srcinal “a primeira”. Existe consenso em se estabelecer 大
生
主
Mahāprajāpatī DAISHŌSHU ou ( 摩訶波闍婆提 MAKAHAJABADAI) como a primeira monja histórica.
(N.T.) 278
Cada frase do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ é um mantra.
Mas o mantra final: 羯諦、羯諦、波羅羯諦、 波羅僧羯諦、菩提薩婆訶。
GYATEI, GYATEI, HARAGYATEI, HAR ASŌGYATEI, BŌJISOWAKA.
Gate, gate, pāragate, pārasamgate, bodhi svāhā!
é a essência do 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ. Se for traduzido perde sua profundidade. Só sua pronunciação e o som que emana dela são essenciais. Este mantra foi traduzido e recitado em todas as línguas. Os termos variam ligeiramente. 羯諦 GYATEI é traduzido às vezes por “passar”, outras por “alcançar”, outras por “ir”. Mas todas traduzem a mesma idéia fundamental. Estas palavras são dirigidas especialmente aos 聲 聞 SHOMON (Shrāvaka) e aos 縁 覺 ENGAKU (Pratyiekabuddha), os santos e os sábios, dogmáticos e individualistas, que buscam o 悟 SATORI para eles mesmos. Enquanto que para os Bodhisattvas e os Budas,波羅羯諦 a recitaçãoHARAGYATEI destes mantra reforça-os em seus avotos. significa alcançar outra margem com os demais, juntos, de maneira absoluta e universal. Este é o voto do Bodhisattva, o princípio do Budismo Mahāyāna (大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ). 波羅僧羯諦 HARASŌGYATEI reforça a idéia precedente: completamente, até o Nirvāna supremo. 羯 諦 GYATEI: partir desta margem e ir, passar, alcançar a margem do Nirvāna. Partindo da realidade deste mundo, alcançar o mundo supra real do grande 悟 SATORI. 波羅僧 HARASŌ: ir com, harmonizar-se. Não ir só, mas todos juntos até o mundo do Nirvāna. 菩提薩婆訶 BŌJISOWAKA 菩提 BŌJI: o Caminho, o Nirvāna, o 悟 SATORI. 279
薩 婆訶 SO WAKA: o fim, a realização total, a consumação final.61 Cada um destes termos do mantra é um universo infinito. Não se pode captá-los enquanto conceitos. Esta é a razão pela qual são intraduzíveis. É melhor conservar todo seu alcance e sua potência integral, limitando-se a expressar os sons puros. Um mestre 真言 SHINGON, o Mestre 弘法大 師 KŌBŌ-DAISHI, dizia que um 漢 字 KANJI inclui mil sentidos. Ao serem traduzidos perdem sua veracidade. O 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ é conhecido por seu poder misterioso, por seu poder intrínseco, independentemente do poder ligado à recitação de qualquer Sūtra. Numerosas histórias ilustram este poder sobrenatural que sempre lhe foi atribuído.
Lenda ou história verídica, ninguém poderá dizê-lo nunca, mas a história de 芳一 HŌICHI, o “sem orelhas” (耳な し芳一 MIMI NASHI KŌICHI), é uma bela ilustração disso. Foi contada por Lafcadio Hearn, escritor de língua inglesa, que contribuiu enormemente na introdução da cultura Japonesa na Europa. Esta história é em certa medida uma continuação da célebre e dramática história dos 平家 HEIKE (平家 物語 HEIKE MONOGATARI), na qual se inspirou Lafcadio Hearn62. 61
O seguinte comentário da Lama Anagarika Govinda complementa o significado de svāhā: “Svāhā é uma expressão de boa vontade e de auspiciosidade, como “salve”, “possa ser para o bem”, “possa ser abençoado”, “possa ser auspicioso.” Extraído de “Fundamentos do Misticismo Tibetano”, Lama 62 Anagarika
Govinda,Ecos Ed. Pensamento, 1996,interior Pág. 212.(N.T.) Ver “Kokoro: e nociones 3ª deEd. la , vida japonesa”. Lafcadio Hearn. Miraguano Ediciones, 1986. 280
Depois da derrota do clã 平家 HEIKE, há setecentos anos, acontecida durante uma batalha naval, todos os soldados e toda a família 平家 HEIKE foram engolidos pelo mar, no fundo de 壇ノ 浦 DAN NO URA, no estreito de 下関市 SHIMONOSEKI (関門海峡 KANMON KAIKYŌ). Nesta província, muito tempo depois, estranhas lendas de fantasmas apareceram. Há aproximadamente trezentos anos, vivia perto de 壇 ノ 浦 DAN NO URA um muito célebre 63
interprete de 琵 琶 BIWA 芳一 HŌICHI.
, conhecido pelo nome de Era cego. Não se sabe se por causa de sua enfermidade, mas o fato é que sabia extrair de seu instrumento tonalidades de uma tal pureza que arrancavam lágrimas de todos os que o ouviam. Por aquela região se encontrava o templo 阿弥陀 寺 AMIDA JI. O superior, um mestre ancião, amava-o muito. E como 芳 一 HŌICHI era muito pobre, havia lhe oferecido hospitalidade em um quarto de seu templo. Uma noite de verão, 芳一 HŌICHI estava sentado na borda da galeria circular, perdido na contemplação das estrelas 64 , esperando o retorno do mestre, saído para umas cerimônias na casa de unsque fiéis.havia De repente, um fazer som de passos que não lhe eram familiares o tirou de seu silêncio. Era um samurai (武士 BUSHI) com sua armadura. Aproximou-se e disse a 芳一 HŌICHI: “Não tenha medo. Sou um mensageiro que veio te buscar, da parte de uma família aristocrática, grandes personagens de alta nobreza. Quiseram ver o campo de batalha de 壇ノ浦 DAN NO URA, e em segredo vieram a esta província, acompanhados de uma comitiva importante. Ouviram falar de seu célebre 琵琶 BIWA e desejam ouvi-lo tocar.” 63 64
琵琶 BIWA: espécie de alaúde japonês.
Sic. (N.T.) 281
芳一 HŌICHI não tinha intenção de mover-se, mas o poderoso samurai segurou sua mão e o arrastou. Deixou-se guiar e rapidamente se encontrou diante de um grande palácio. Um pórtico elevado se abria. Muitas pessoas o esperavam: altos dignatários, oficiais importantes, senhoras vestidas elegantemente. No centro desta grande assembléia, num lugar elevado, reinava uma mulher excepcionalmente formosa. Pediu-lhe que tocasse seu 琵 琶 BIWA. Suas melodias, como sempre, provocaram suspiros de admiração e de entusiasmo. “Minha muito respeitosa senhora ficou muito satisfeita com sua interpretação, você a encantou. Volte todas as noites. Depois de cada recital haverá uma recepção e você receberá uma recompensa. Uma jovem mulher da alta nobreza deseja ser sua esposa. Não fale com ninguém a este respeito. Guarde segredo absoluto.” 芳 一 HŌICHI sentiu um pouco de medo, mas sua curiosidade havia sido despertada. O samurai voltou a acompanhá-lo até o templo 阿弥陀 寺 AMIDA JI. Na noite seguinte e na outra produziu-se a mesma
aventura. cabo de uma superior templo começou aAoinquietar-se cadasemana, vez maiso com estasdoerrâncias noturnas, sobretudo porque 芳一 HŌICHI apresentava um aspecto estranho, ensimesmado e absorto. “Por que não tem dormido aqui esta noite e as anteriores?”, perguntou a 芳一 HŌICHI. “Aonde vai? Você tem uma amante?” “Não, não, é um segredo!”, respondeu vagamente 芳一 HŌICHI . O Mestre decidiu então enviar dois monges para seguilo, mas o caminho que 芳 一 HŌICHI tomava desafiava qualquer um. Era praticamente impossível segui-lo. Os dois discípulos seu rastro seŌICHI puseram a 芳 一e H nesta procurá-lo. perderam Tudo emtotalmente vão. Encontrar região selvagem, durante a noite, só por um milagre. 282
Tomaram portanto o caminho de volta. Ao passarem diante do cemitério do templo 阿弥陀 寺 AMIDA JI, ouviram, pasmados, o som do 琵琶 BIWA. Correram até ali e viram 芳一 HŌICHI sentado diante das tumbas do cl ã 平家 HEIKE. A chuva havia empapado suas roupas, mas estava demasiado absorto tocando seu instrumento para sentir algo, fosse o que fosse. Seus amigos o chamaram: “ 芳一 HŌICHI, 芳一 HŌICHI!” Mas ele parecia nada ouvir. Tocaram-no nas costas. Chamaram-no de novo, sacudiram-no e ele finalmente se deu conta de sua presença. Ao voltar ao templo, contaram tudo ao superior, que ficou estupefato. “ 芳 一 HŌICHI caiu enfermo. Os espíritos dos 平家 HEIKE devem tê-lo possuído. Se continuar mais uma semana assim, morrerá”, disseram os discípulos. “De jeito nenhum!”, respondeu o Mestre. “Conheço um método para salvá-lo. Temos que fazer um祈禱 KITŌ o mais rapidamente possível.” Ordenou a seus discípulos que trouxessem seu material de caligrafia: tinta, pincel, pedra, etc... E lentamente, começou a pintar sobre a superfície do corpo de 芳一 HŌICHI o Sūtra da Grande Sabedoria, o 般 若 心 経 HANNYA SHINGYŌ. Todo o seu corpo foi coberto, desde o topo da cabeça até a planta dos pés. Depois disso, o Mestre lhe fez a seguinte advertência: “Sem dúvida alguma o samurai voltará esta noite, mas não lhe responda. Continue fazendo 座禅 ZAZEN, somente 座禅 ZAZEN, 只管打座 SHIKANTAZA. Não se mova. Cante o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ em voz baixa. Desta maneira, poderá escapar deste samurai e do feitiço.” Ao cair da noite, o samurai chegou, mas não pôde ver 芳 一 HŌICHI. Seu 琵 琶 BIWA estava pousado contra a parede, sozinho.
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O samurai olhou ao redor e viu duas orelhas suspensas no ar. Reconheceu-as: era as orelhas de 芳一 HŌICHI! Ele havia se transformado num fantasma! Segurou-as, esticou-as e por fim arrancou-as, levando-as consigo. 芳一 HŌICHI não sentiu dor alguma, mas um grande frio tomou conta de seu corpo. Seu sangue começou a fluir. Na manhã seguinte, o Superior do templo foi vê-lo: “Maldição!” exclamou, “você perdeu suas orelhas! Esqueci de escrever o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ sobre elas. Que esquecimento o meu!” O mestre estava muito comovido. Mas芳一 HŌICHI se recuperou rapidamente. A partir de então se fez célebre com o nome de “ 芳一 HŌICHI sem orelhas” ( 耳なし芳一 MIMI NASHI KŌICHI). Sua arte de tocar o 琵 琶 BIWA não se alterou pela perda das orelhas. Pelo contrário, à medida em que passava o tempo, não cessava de superar-se, para grande prazer de todos os amantes do 琵琶 BIWA, de todos os poetas e dos músicos, de todos os artistas, de todos os monges e mendigos, das mulheres e das crianças. Nem sequer o maior rústico podia permanecer insensível. Converteu-se assim de maneira incontestável no maior mestre do 琵琶 BIWA. “Vamos, vamos mais além do mais além, vamos todos juntos para a margem do 悟 SATORI.” Toda a razão de ser do 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ esta contida nesta frase: fazer com que todos os seres acessem a margem do 悟 SATORI. O meio para isso é explicado pelas seis Paramitā (六 波羅蜜多 ROPPARAMITSU), ou seis práticas, as quais já falei anteriormente. A primeira destas práticas é座禅 ZAZEN [禅定 ZEN JŌ (dhyāna)]; depois vem a sabedoria, 慧 E [ 智 慧 CHI-E (prajñā)], a doação, 布施 FUSE (dāna), a observação dos 284
preceitos, 持戒 JI KAI (shīla), a paciência 忍 辱 NINNIKU (kshānti) e o esforço, 精進 SHŌ JIN (vīrya). Mas finalmente, a simples prática do 座 禅 ZAZEN inclui todas as demais Paramitā. Isto é o que expressa implicitamente o 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ. A realização de 空 KŪ, do Nirvāna, é a consumação da prática autêntica do 座禅 ZAZEN. ā podem As outras cinco Paramit ser compreendidas realizadas profundamente graças à prática do 座禅 ZAZEN.e Por exemplo, 布施 FUSE (dāna).
No Mahāyāna (大乗 DAIJŌ) se distinguem três classes de 布施 FUSE (dāna): - As oferendas materiais; - As oferendas de Dharma; - As oferendas de paz, de não medo, de confiança. Nas oferendas materiais não estão compreendidas somente as oferendas de bens, mas também tudo o que provém do corpo: o trabalho, o serviço, um olhar, um sorriso, uma palavra, umoferecer gesto. aos demais? Um olhar não apegado Que olhar aos sentimentos, um olhar objetivo, um olhar que não julga, que não seduz, que não deseja nem ambiciona, nem rechaça. Qual é o verdadeiro olhar do Buda ou do Bodhisattva? O olhar fica profundamente transformado depois do 座 禅 ZAZEN. Toda a mudança da personalidade fica traduzida nele. O importante é conservar um estado de espírito pacífico. O olhar, as feições do rosto, o sorriso o refletem e o comunicam. O silêncio é mais freqüentemente preferível, mas quando devemos falar, falaremos sem paixão, sem orgulho e sem medo. Não digamos besteiras, expressemos palavras de compaixão, palavras verdadeiras inspiradas pelo Dharma. O Mestre 道 元 DŌGEN, no 正法眼蔵 SHŌBŌGENZŌ fala deste 布施 FUSE: 愛語 AIGO 285
são as palavras amáveis, afáveis. 離行 RIGYŌ consiste em prestar serviço. Finalmente, há que se dar aos demais um sentimento de segurança, de confiança e de paz através do corpo pela expressão do rosto, com o olhar, com as palavras. Tal é o verdadeiro 布施 無所得 FUSE MUSHOTOKU, que não espera nada em compensação. Também no 正法眼蔵 SHŌBŌGENZŌ, o termo 同事 DŌJI expressa a identidade entre o ego e os demais. Este é o último 布施 FUSE, a profunda compaixão. Os Sūtra falam freqüentemente do 布 施 FUSE da hospitalidade. Este 布 施 FUSE tinha uma importância particular para os viajantes e os monges errantes da antiguidade. Numerosos contos ilustram as virtudes desta prática.65 Aquele do pescador e do monge, por exemplo: A condição de um pescador desgraçado se agravava a cada dia porque sua pesca, havia meses, era muito má. Uma noite de inverno, um monge o chamou à sua porta e lhe pediu hospitalidade. O pescador ofereceu-lhe imediatamente sua modesta morada. Deu-lhe sua cama e a única manta que possuía. Saiu a buscar galhos de pinheiro e fez um fogo (segundo queimou os próprios tamancos de madeira). outras Como versões, nada tinha para comer, foi pedir para seu vizinho um pouco de arroz, que cozinhou e deu ao monge ancião. No dia seguinte, saudou-o, disse-lhe adeus, e depois 65
Na própria cultura Ocidental, esta prática também é relatada desde seus primórdios. Na Ilíada de Homero temos relatado o episódio em que o troiano Glauco encontra-se frente a frente com Diomedes, que lutava pelo lado grego. Ao se desafiarem para um duelo singular, como era hábito nestes tempos, em meio às respectivas apresentações, ambos reconhecem que suas famílias estão ligadas por laços de hospitalidade desde tempos antigos. Em virtude disso, deixam de se enfrentar e renovam estes laços, trocando as respectivas ofereceu a Glauco suasdearmas, que eram dearmaduras. bronze, eDiomedes recebeu deste as suas, que as eram ouro. Este episódio gerou um dito popular: “Trocar bronze por ouro”. (N.T.) 286
disso resolveu voltar ao lago, tal qual fazia todos os dias, incansavelmente. O monge então lhe disse: “Espere, vou com você. Apanhe a salmoura que você tem ali.” Uma vez na borda do lago, o monge apanhou a salmoura e a jogou na água dizendo: “Pegue seu barco e saia a pescar, depois volte para me ver.” pescador saiu eE após tempo voltou, com as redes O cheias de peixes. a partiralgum de então, não passou uma só manhã sem que, tendo ido pescar no lugar em que o monge havia lançado a salmoura, não voltasse com as redes repletas. Eis aqui uma outra história, dirigida desta vez aos avarentos. Um monge errante tinha sede. Viu uma pereira em um pomar e pediu a anciã proprietária permissão para tomar uma das frutas. Ela se negou secamente. O monge não insistiu e seguiu seu caminho. A partir deste dia, a velha não obteve mais uma só pêra de sua pereira, que ficou dura como pedra. Ainda em nossos dias pode-se ver esta pereira ressecada nesta aldeia. Seja como for, a sabedoria é necessária para praticar a doação. Os sorrisos devem se transformar em golpes de 警策 KYOSAKU. A doação, sem compaixão e sabedoria, não é uma doação. A educação 禅 ZEN é um grande 布施 FUSE, judiciosamente dosado em doçura e severidade. 法施 HŌSE, o dom do Dharma, é o 布施 FUSE mais elevado que se pode fazer a um monge. Esta é a doação que faz o mestre quando ensina o Caminho. Esta é a doação suprema que busca no homem o conhecimento de si, a porta aberta para o 悟 SATORI. Há que se dar o alívio, a confiança, a calma, a paz. E para isso há que se dar – de 287
corpo e alma, há que se chegar a ser como o outro para compreendê-lo intimamente se isso for necessário. De todas as maneiras, há que se evitar dar por obrigação, por necessidade, por despeito ou por medo de ser castigado. O 布 施 FUSE não deve ser praticado com vistas a recompensas kármicas, já que estas não se manifestarão se o espírito não for 無所得 MUSHOTOKU. O fato de se chegar a ser Bodhisattva ou monge, ou verdadeiramente religioso, deve conjugar-se com a prática da doação, que pode ser realizada todos os dias, em todos os momentos, sob qualquer forma possível. Como chegar a ser Buda ou Deus? Como alcançar a outra margem a partir desta margem? Como obter o 悟 SATORI? Fazendo 座禅 ZAZEN. A postura de 座禅 ZAZEN nela mesma é Deus ou Buda, ou o 悟 SATORI. Mas na vida cotidiana, as seis Paramitā são necessárias. Se a vida cotidiana não está em harmonia com a Ordem Cósmica, se não segue o Dharma, a prática diária do 座禅 ZAZEN perderá grande parte de seu valor. Ser Buda 座禅 ZAZEN não é o ou Bodhisattva somente durante o suficiente. Há que tentar sê-lo durante a vida de todos os dias. Para tanto, há que treinar em se manter o espírito sereno, desprovido de apego, deixando passar os desejos e pensamentos. A prática do Caminho consiste em tender cada vez mais ao espírito 無 所 得 MUSHOTOKU, o espírito desinteressado, generoso, voltado para os demais. Sabedoria e compaixão formam os dois pilares sobre os quais se apóiam toda a religião verdadeira, e os dois se articulam ao redor do eixo da meditação. A doação, na acepção ampla do termo, é uma exigência do espírito religioso. A doação pode ser praticada muito simplesmente, muito modestamente, sem o que não lhe resta valor. Por exemplo, não pegar um alimento que desejamos vivamente. Este ato é um 布 施 FUSE para o 288
mundo inteiro. Ademais, este tipo de ação é o mais difícil de realizar. São os pequenos apetites que mantém a persistência do ego, que perpetuam a indulgência e a complacência. Há que se acostumar a rechaçá-los, e com o tempo, desaparecerão automaticamente. Esta ação será então um beneficio infinito para todos os seres. Mas em nossos dias vivemos exatamente ao contrário deste comportamento. A avidez é o motor de nossa sociedade materialista. As religiões, debilitadas, não podem lutar contra esta corrente. São do inaptas para dar um novo impulso aos valores mais nobres ser humano. O labirinto sem saída em que se encontra nossa civilização repousa sobre uma falta de sabedoria. Os shīla ou os 戒 KAI, os preceitos, constituem outra Paramitā importante. Muito mais no Budismo Hīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ) do que no Budismo Mahāyāna ( 大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ). O respeito aos preceitos nos conduz à serenidade do corpo e do espírito. Todos os 煩 悩 BONNŌ se acalmam. Seguir exatamente todos os preceitos equivale a converter-se em Buda. Nossa atitude tem desta maneira uma grande importânciafelicidade sobre o mundo inteiro. É possível acessar a verdadeira neste mundo. Proteger e respeitar os preceitos é o Caminho que conduz à felicidade autêntica. Os 戒 KAI representam as etapas, o comportamento, a ação. Não são unicamente preceitos, nem mandamentos, mas definem o melhor modo de comportamento, a moral mais elevada, o respeito universal. Quando se recebe a ordenação de Bodhisattva ou de monge, recebe-se os dez 戒 KAI. Pelo simples fato de recebermos a ordenação nos transformamos em pessoas diferentes, situamo-nos mais além das pessoas comuns. Os 煩 悩 BONN Ō 戒diminuem pouco a pouco graçasdoaocorpo podere intrínseco dos KAI. O mau karma da palavra,
da consciência diminue naturalmente, inconscientemente. 289
Seja como for, os preceitos são sinônimos de moderação nos sentimentos, de veracidade nas palavras e de tolerância nos pensamentos. Devem expressar o Caminho do Meio. O Mestre 道林 DŌRIN, mestre 禅 ZEN chinês, fazia 座 禅 ZAZEN sobre um pinheiro. Por isso o apelidaram “Mestre Ninho de Pássaro” (CHOUKA ZENJI 鳥か 禅師). 白 楽天 HAKU RAKUTEN, um poeta romântico muito célebre, fez-lhe uma visita e, ao vê-lo fazer 座 禅 ZAZEN sobre o pinheiro, disse-lhe: “Tenha cuidado, é perigoso, você pode cair do pinheiro!” “De maneira alguma”, respondeu Mestre 道林 DŌRIN. “É você que está em perigo. Aqui e agora, faço 座禅 ZAZEN. Meu espírito esta totalmente tranqüilo, bem fixo em 空 KŪ. Você não faz 座禅 ZAZEN e seu espírito dá cambalhotas perigosamente de paixão em paixão. Seus sentimentos o arrastam num movimento incessante. Sua sensibilidade lhe dá vertigens. Você não tardará a cair já que está dominado pelo pânico.” 白 楽天 HAKU RAKUTEN refletiu. “Sim. Estou sempre dominado por minhas paixões e por meus tormentos. Não vivo em paz. Vocifero contra todo o mundo e freqüentemente provoco perturbações e crio sofrimentos. Você pode me dar um conselho, você pode me ensinar o Caminho do apaziguamento?” Mestre 道林 DŌRIN respondeu: “Seja modesto e tolerante. Não faça coisas más. Realize coisas boas, é suficiente. Nenhuma ação nefasta poderá nascer desta atitude. Afaste o mal, faça o bem. É muito simples. Esta é a essência do Budismo.” O poeta sorriu: “Todo mundo pode compreender isto, inclusive uma criança.” 290
Mestre 道林 DŌRIN respondeu-lhe: “Sim, inclusive uma criança pode compreendê-lo, o que não impede de ser difícil de praticar um comportamento justo e deter as más tendências. Inclusive aos oitenta anos é difícil.” Nosso mau karma diminui quando fazemos 座 禅 ZAZEN. Inconscientemente, natural e automaticamente se pode praticar o caminho justo, o bem. Em sânscrito, shīla (戒 KAI), tem duas traduções: saber deter com a vontade e criar o espírito que purifica a consciência. Não fazer coisas más. Ter sempre um espírito tranqüilo e apaziguado. O mau karma não se realizará. Mas, na vida cotidiana, a maior parte das pessoas não o consegue. Influenciados pelo entorno, queremos deter as más ações, mas é impossível. O karma srcinal aparece, a herança genética, o sangue exerce sua influência. No Budismo há dez 戒 KAI principais, mas no tempo de Buda, havia duzentos e cinqüenta para os monges e trezentos e cinqüenta para as monjas. A razão desta diferença pode se dever ao fato de que o homem tem oito orifícios a mulher nove, que aa formular mulher tem uma fisiologia emais delicada.tem Buda não echegou nenhum 戒 KAI. Educava as pessoas que encontrava em seu caminho suavemente, como eu. Punha em resguardo aqueles que tinham uma vida sexual demasiado intensa ou aqueles que tomavam drogas ou que levavam uma vida dissoluta ou desonesta. Seus discípulos reuniram depois seus ensinamentos e criaram as regras. Mas Buda nunca proibiu algo. O formalismo dos 戒 KAI não é bom. É necessário atuar com sabedoria segundo cada caso particular. Da mesma maneira que para os europeus é difícil não comer carne, os japoneses não podem passar sem comer 刺 身 SASHIMI (peixeDurante cru). As características de leio cadaos um戒são diferentes. as ordenações, KAI e os novos monges me respondem: 291
“Sim, sim, sim!” Devemos compreender o significado deste rito. Devemos deter as más ações e seguir a moral. Mas isto não é uma regra. Há que se compreender a situação com a consciência lúcida. Cada situação é diferente para cada um. O que significa deter as más ações? Significa não beber whisky? Às vezes sim, às vezes não. 攝 善法 戒 SHŌ ZENHŌ KAI. Respeitar a ordem natural, as maneiras de atuar, ajudar para o bem com compaixão e sabedoria. No Budismo japonês, os 戒 KAI estão limitados a três: 1. 攝 律儀 戒 SHŌ RITSUGI KAI (samvara-shīla), o preceito que recomenda evitar as más ações; 2.
SHŌ ZENHŌ KAI (kushala-dharmasamgrāhaka-shīla ): praticar as boas ações;
攝 善法 戒
3. 攝 衆生 戒 SHŌ SHUJŌ KAI (sattvârtha-kriyā-shīla): ajudar aos demais. Em seguida vêm os dez preceitos fundamentais da ordenação. Mas somos nós que devemos julgar e decidir se nossa ação é boa ou má. Por exemplo, pode-se dizer: não se conformar à lei ou molestar os demais é mau. Mas o que é o bem e o que é o mal? Devemos decidir com nossa própria sabedoria. Não obstante, a norma é necessária, há que se seguir a moral, a ordem social, a Ordem Cósmica. A sabedoria é igualmente necessária para ajudar aos demais. Todos os preceitos estão incluídos nos três 戒 KAI de base Budismo Zen (禅宗 ZEN-SHU). No 禅 dez ZENpreceitos não há regrasdocomo nas demais religiões. Os outros 292
são os que serão recebidos durante a ordenação e se resumem em dez princípios fundamentais: 1. 不 殺 生 戒 FU SESSHŌ KAI (prānātipātād vairamanī): Não matar. Não somente os homens, mas na medida do possível os animais e tudo o que vive, as árvores, as flores... Todos os seres sencientes. 2. 不 偸盜 戒 FU CHŪTŌ KAI (adinnādāna-veramanī): Não roubar. Este preceito é parte muito da importante. Roubar é absolutamente mau. Isto faz moral universal. 3. 不 邪淫 戒 FU JAIN KAI (kāma-mithyācārādviratih): Não levar uma vida de luxúria. No Budismo Hīnayāna (小乗仏教 SHŌJŌ-BUKKYŌ) é proibido fazer amor e inclusive olhar a cara de uma mulher. No Mahāyāna (大乗 DAIJŌ) é possível, o único que se recomenda é não ter uma má prática sexual. É proibido fazer amor com a mulher ou com o marido de outra pessoa. Mas na França, não sei.... Pelo que vejo, creio que não é tão mau..., nem é proibido. A sabedoria é necessária. 不 妄語 戒
-veramanī musāvādā FU MŌGO KAI (mentir, 4. mentir. Às vezes ): Não é possível como um meio. Tão pouco se deve contar estórias de maneira exagerada, nem utilizar palavras cômicas ou cheias de adulação. Os 戒 KAI se modificam segundo o país e a época. Há trezentos ou quinhentos anos, a vida era diferente da atual.
5.不 酤酒 戒 FU KOSHU KAI 66: Não negociar intoxicantes. 6. 不 說 四衆 過罪 戒 FU SETSU SHISHU KAZAI KAI: Não criticar. Não falar com uma língua bífida, pérfida. Não julgar segundo as categorias pessoais. 66
Não consta do srcinal. (N.T.) 293
7. 自 讚 毁 他 戒 JISAN KITA KAI 67 : Não se elevar e rebaixar os outros. 8. 慳 惜 加 毀 戒 KENSHAKU KEKI KAI: [Ser parcimonioso](*). Não desejar demasiado. Não ser ávido. 9. 瞋 心 不 受 悔 戒 SHINSHIN FUJUKE KAI. Não se encolerizar. 10. 謗 三寶 戒 HŌ SANBŌ KAI: [Não falar mal dos Três Tesouros]68. Não se equivocar quando falar. Não emitir opiniões e juízos errôneos. Devemos decidir nosso comportamento com nossa sabedoria e em função destes 戒 KAI. Uma história tradicional diz o seguinte: Uma pessoa se embriaga com álcool. Depois tem fome. Rouba uma galinha da vizinha. Mata-a e a come. A vizinha chega e lhe pergunta se viu a sua galinha. Esta pessoa lhe responde que não sabe de nada. E depois violenta a vizinha. Ao beber álcool se infringe assim cinco preceitos. Mas apenas beber álcool não é tão mau como roubar a galinha, matá-la, mentir e violentar a vizinha... Na medida do possível é melhor não beber álcool quando não se sabe se controlar. Com respeito aos preceitos, há que se agir com muita sabedoria, com muito discernimento. Devemos ter cuidado, estarmos atentos e vigilantes. O Dr. Paul Chauchard69 escreveu um livro sobre os desejos. Nele fala da moral do desejo na época moderna e se fundamenta em fatos científicos: 67 68
Não consta do srcinal. (N.T.) Idem. (N.T.) 294
“.... Podemos definir portanto os desejos ou a maneira sã de vivê-los como a escolha de desejos controláveis que, por isso, já começaram por ser controlados e avaliados lucidamente. Agimos de maneira desarmoniosa com atos automáticos porque estamos contrariados e porque não aprendemos a arte de ter atitudes corretas. Pelo contrário, os gestos profissionais são muito harmônicos e precisos e, mais ainda, se são executados maquinalmente e não se pensa neles. Precisamente, os gestosem profissionais são aprendidos com cuidado. Convertem-se bons hábitos e não necessitam ser controlados. Se queremos realizá-los conscientemente os perturbamos, já que desejamos que a vontade atue forçosamente em um automatismo, que assim se encontra perturbado. Mas de vez em quando há que controlá-los e, para isto, o melhor é tomar consciência de toda a sucessão de gestos. Acreditamos que para querer precisamos agir antes, entretanto primeiramente temos que sentir para que a ação possa ser inserida corretamente no estado do corpo.” “.... Os desejos são essencialmente centros afetivos inconscientes da base do cérebro, cujo desencadeamento sofremos. A vontade não está relacionada diretamente. Portanto, não devemos tentar lutar voluntariamente contra um desejo, temos que conhecê-lo indiretamente.” “.... Aquele que cria a calma em si, controlando sua respiração, relaxando, tomando uma atitude pacífica, tomando consciência de seu corpo e de suas sensações, desvia sua atenção do desejo e o diminui, mas ao mesmo tempo reforça sua vigilância, que o faz capaz de resistir melhor com o fim de orientar melhor seu desejo.” “.... É o psiquismo superior, o cérebro, o que controla, mas o fato de tranqüilizar o corpo através dos simples meios precedentes, pelo fato de que os centros da harmonia do 69
Ex-diretor de pesquisa do Departamento de Neurofisiologia da Sorbonne. (N.T. Ed. Esp.) 295
corpo são também os centros de harmonia do cérebro, tem como resultado um aumento de nossa vigilância cerebral, de nossa possibilidade de atenção. A paz do corpo é a fonte de paz interior.” “.... Os maus desejos, as más maneiras de viver os desejos, são tais que, se desejamos ou se deploramos, acreditamos que nos animalizamos (o que é impossível: só podemos nos desumanizar uma vez que não podemos encontrar os bons instintos perdidos que já não estão em nossa natureza e que tentamos sersimplesmente um anjo em contínua luta comliberada), um animal, em lugar de ser um homem.” “... O homem civilizado, presa dos desejos inúteis ou maus, é menos livre que o primitivo, simplesmente porque sua liberação das estreitezas moralistas o acorrentam às estreitezas dos costumes e da publicidade. Mais que o homem primitivo, o homem civilizado necessita aprender, necessita ser liberado. Ou que ninguém lhe ensine ou lhe explique. O paradoxo é que devemos tomar por exemplo os membros da civilização que ela julga “inferiores” e que não obstante são mais equilibrados, já que respeitam muito mais a natureza. Não se encontram no Oriente, com o Yoga e o Budismo Zen, os mestres do auto controle? Também podemos encontrar equivalentes em nossas tradições: nossos antepassados conheceram este auto controle, antes de se converterem em puros intelectuais e em técnicos, discípulos sem sabê-lo de Descartes. É certo que isto permitiu um progresso real da civilização, mas também na degeneração do homem, associação que de maneira alguma era obrigatória, e da qual temos que nos desembaraçar agora, se não queremos perecer.” “...Como conclusão ... A colméia é boa para a abelha enquanto que nossa sociedade é cada vez mais nociva para o homem, e não só pela poluição do meio ambiente, mas mais pelanadegradação das relações humanas.nem A soluçãoainda não está volta ao passado, nem na anarquia, em uma destruição revolucionária sistemática, mas na 296
referência ao sentido da história, desenvolvimento cultural de nossa natureza. Não se trata de se opor ao progresso mas de fazer que este seja um VERDADEIRO PROGRESSO PARA O HOMEM. Trata-se de reconhecer que nada é mau, com a condição que esteja bem orientado, em relação ao progresso da pessoa sob seus aspectos individual e social.” Seja como for, devemos controlar nossos desejos. Isto é muito importante. E na medida do possível, devemos fazer com que nossos maus devemos desejos diminuam, queo são fonte de tristeza, superá-losmaus paradesejos alcançar desejo espiritual, de dimensão elevada. Devemos fazer com que nossos desejos espirituais aumentem e que diminuam os desejos corporais e materiais. Desenvolvendo a sabedoria pode-se compreender e decidir quando um desejo é mau. Graças à sabedoria, cortando os apegos, nossos desejos diminuem. Desta maneira chegamos a ser verdadeiramente livres em nosso próprio espírito e alcançar o 悟 SATORI. 座禅 ZAZEN é o melhor método para escolher o caminho a seguir, o comportamento a adotar. A verdadeira sabedoria pode ser encontrada graças ao 座禅 ZAZEN. 忍辱 NINNIKU: a paciência. Como exercer a paciência em relação aos desejos, à cólera, à loucura? É importante que em nossa vida cotidiana cortemos os seguintes 煩悩 BONNŌ, ou ao menos que os façamos diminuir: - 貪 TON (rāga): o desejo, a avidez, a ambição;
- 瞋 SHIN (dvesa): a cólera, o orgulho; - 痴 CHI (moha): a estupidez, a ignorância.70 70
srcinal, “TON, 三毒NoSANDOKU ( tri-visaJIN ): e KIM”. Tratam-se dos “três venenos”, - 貪欲 TONYOKU ( kāma-rāga): o apego aos desejos; 297
Ainda que nos comportemos bem durante todos os dias de nossa vida cotidiana, basta que um dia nos ponhamos em cólera, para que esta destrua todos os bons méritos obtidos. Esta é a razão para se ter paciência e praticar a resistência, atitudes fundamentais que temos de respeitar para obter o Caminho. O conceito de paciência é muito importante, já que permite regular a conduta da existência. Ser objeto de críticas é freqüentemente muito mal aceito. Mas neste caso específico, no qual a força da paciência é posta a prova, se esta é mantida, para que o Caminho é o abandono do ego. oA mais crítica saudável é um método normalmente empregam os mestres 禅 ZEN, com este objetivo. Progressivamente, o apego ao ego diminui, e os sarcasmos, as zombarias, as reprimendas passam através do discípulo sem que este se veja afetado. A educação do discípulo passa a uma dimensão mais elevada: as críticas e apreciações do Mestre já não são sentidas como um ataque à personalidade (ego), mas como uma verdadeira instrução que edifica imediatamente o discípulo. Isto é o que diz o 證道歌 SHŌDŌKA: 71 “Suportar as críticas ajuda enormemente a progredir no Caminho”.
- 瞋恚 SHINI (dvesa) : raiva; - 愚癡 GUCHI (sammoha ): ignorância. (N.T.) 71
“Aceita as críticas e sujeita-te às calunias dos outros. Eles acabam se cansando por quererem incendiar o céu com uma tocha. Quando tu o escutas, é como um doce néctar. Ele se dissolve instantaneamente e ingressa no mistério.”
Yoka Daishi - “Shodoka - O canto do Satori imediato”. Tradução e comentários do Mestre Taisen Deshimaru Roshi, Ed. Pensamento, São Paulo, 1997. Pág. 86. (N.T.) 298
Não se encolerizar. Ainda que alguém se incomode, não conteste, não lute. Há que praticar a paciência, 忍 NIN. Existem três tipos de paciência: 生 忍 SHŌNIN, 法忍 HŌNIN e 信忍 SHINNIN72 生忍 SHŌNIN: se nos criticam, se nos tocaram de alguma forma nas profundezas de nosso ego, não devemos polemizar. Tenha sempre presente em seu espírito o valor que realmente temos: nem tão bom como dizem, nem tão mau como acreditamos. Permanecendo sempre lúcidos e vigilantes, não cairemos nas armadilhas da honra. Mantenha o espírito sereno, imperturbável. Algumas vezes sou muito diplomático, outras vezes sou cortante. 法忍 HŌNIN: este termo é freqüentemente repetido no 證道歌 SHŌDŌKA. Significa o não apego. O espírito interior deve permanecer sempre apaziguado e lúcido. Se nascem 煩悩 BONNŌ no espírito, deixe-os passar. Se for criticado, tenha paciência. Daqui nasce o poder material e a verdadeira sabedoria. 信 忍 SHINNIN: é outra forma da Paramitā kshānti ( 忍辱 NINNIKU). Trata-se desta vez da paciência corporal. Por exemplo, durante o 座 禅 ZAZEN, se as pernas, os joelhos, os tornozelos, os ombros doem, não os mova. Tenha paciência.
No 正法眼蔵 SHŌBŌGENZŌ, o Mestre 道元 DŌGEN comentou o Sūtra que relata a morte do Buda73. Nele fala dos 72 73
No srcinal, “SHEININ”. (N.T.) 大 般涅槃 經 DAI NEHAN KYŌ, Mahāparinirvāna-sūtra. (N.T.) 299
seis grandes 悟 SATORI de Buda, insistindo sobre a virtude de 忍 NIN, os méritos da paciência. Na vida social, para conseguirmos criar uma grande obra, a paciência, 忍辱 NINNIKU, é igualmente importante. Em um Sūtra, conta-se a história de um certo brahman que se encolerizou contra Buda e o criticou: O Buda Shākiamuni olhou-o pacientemente sem responder e depois lhe disse: “Já terminou, brahmam?” “Sim”, respondeu o brahmam. “Alguma vez você recebeu uma visita em casa?”, perguntou Buda. “Sim, é natural.” “Ofereceu-lhe chá e bolinhos?” “Naturalmente.” “E o que você faz caso a visita não queira aceitá-los?” “Pouco se me importa”, respondeu o brahmam. “Se a visita não os quer, eu mesmo os como.” “O Buda então replicou: “Brahmam, você me convidou hoje com suas críticas, serviu-me uma porção bolinhos de crítica. Eu não os aceito. Peço-lhe por tantodeque você mesmo os coma. Se eu aceitasse responder a seus argumentos, isso significaria que quero compartilhar os bolinhos com você, mas não os quero comer. Fica tudo para você. Por favor, pegue-os e leve-os consigo.” Este diálogo expressa um ensinamento muito profundo. O Mestre 興 道 沢 木 KŌDŌ SAWAKI recebia freqüentemente jovens estudantes que sempre queriam falar e discutir com ele. Mas como suas palavras lhes entravam por uma orelha e saiam pela outra, assim lhes dizia: “Não vale a pena discutir, assim não chegarão a nada fundamental. O silêncio é melhor, caso desejem encontrar o essencial. O silêncio é muito mais profundo.” 300
A quarta Paramitā é 精進 SHŌ JIN (vīrya), o esforço, a resistência. Praticá-lo, como a moralidade, é difícil. Todo mundo sabe agir de palavra, mas o comportamento na vida cotidiana não reflete estas palavras. A ação não segue o pensamento, o ideal não coincide com a realidade, o comportamento não é justo nem exato. Não corresponde de nenhuma maneira a 摩訶 般若 波羅蜜多 MAKA HANNYA HARAMITTA (Mahā Prajñā Paramitā), a Grande Sabedoria. Como passamos nossa vida? Como nos comportamos desde o nascimento até a morte? O 般若 心経 HANNYA SHINGYŌ nos dá o segredo das seis Paramitā. Seguir os preceitos, a moral, levar uma vida regrada, praticar boas ações, respeitar os cinco 戒 KAI fundamentais74 , tudo isto nos aproxima da verdadeira sabedoria. A sabedoria profunda do 座禅 ZAZEN nos permite discernir o justo do falso. Daí a importância de 精進 SHŌ JIN: o esforço, a perseverança, a quarta Paramitā, a concentração sobre uma só coisa, aqui e agora. Quando se pratica 座禅 ZAZEN há que se concentrar somente sobre 座 禅 ZAZEN e continuar assim. Tomar a postura uma vez só não basta! Alguns vêm fazer 座 禅 ZAZEN um dia, uma semana, um mês, um ano, e depois já não voltam mais. Quando cheguei na França muitas pessoas me seguiram, mas delas só umas poucas ainda continuam. Ensinei a milhares de pessoas, mas poucos continuam... Entretanto há que se praticar até a morte. 74
五 戒 GOKAI: os cinco preceitos fundamentais, que compõe o conjunto mínimo de restrições morais a serem seguidas por um praticante leigo: não matar ( 不 殺 生 FU SESSHŌ), n ão roubar ( FU CHŪTŌ), n ão manter relações sexuais impróprias 不 偸 盜 ( 不 邪婬 FU JAIN), não mentir( 不 妄語 FU MŌGO) e n ão negociar intoxicantes (不 酤酒 FU KOSHU). (N.T.) 301
O Sūtra sobre o testamento de Buda diz: “Se nos concentrarmos plenamente sobre uma coisa, consegui-la-emos.” Tudo é possível, mas no interior dos limites do justo e do verdadeiro, e de qualquer forma sem infringir os preceitos. Há que se concentrar sobre os Paramitā: os 布施 FUSE, os 戒 KAI, etc... Existem dois tipos de esforços: o esforço do corpo e o do espírito. Por exemplo, fazer um布施 FUSE ou respeitar um 戒 KAI refletem o 精 進 SHŌ JIN do corpo. Praticar a paciência ou o 座禅 ZAZEN requer um esforço do corpo e do espírito. Isto é criar sabedoria, o 精進 SHŌ JIN do espírito. O Sūtra do testamento de Buda disse: Perseverar é muito importante. Há que praticar 座禅 ZAZEN da mesma maneira que se fricciona dois sílex para fazer saltar a faísca. 道 元 DŌGEN escreve no primeiro volume do 正法眼蔵 SHŌBŌGENZŌ: “Continue o 座 禅 ZAZEN e os méritos infinitos, os méritos maiores chegarão sem sombra de dúvida. Mas não tenha como meta a obtenção de tais méritos. Vosso espírito deve ser 無所得 MUSHOTOKU, sem meta, sem busca de beneficio. Concentre-se apenas sobre o esforço.” Alguns Sūtra falam de três formas de esforço: 1. 精進 弓 SHŌJIN KYŪ75: 弓 KYŪ significa “arco”. É o esforço que serve de arma (simbólica). Uma pessoa armada não tem medo. Nosso espírito deve ser uma espada que corta o medo, que não teme as dificuldades e que combate o mal. Um combate que nosso espírito deve fazer primeiro contra ele mesmo. Tal é o esforço de um espírito armado. 75
No srcinal, “IKKO SHIKIN”. (N.T.) 302
2. 攝 善法 精進 SHŌ ZENHŌ SHŌ JIN76: o esforço que consiste em praticar ações justas e úteis aos demais. Para lográ-lo, há que conquistar todos os 煩悩 BONNŌ do corpo e do espírito, todos os desejos e todos os dogmatismos, todo o mau karma. Não se trata de conduzir-se desta maneira por um ano, por exemplo, e depois parar. Há que continuar todos os dias. Repetir. Repetir uma e outra vez é 道觀 DŌKAN, o círculo do Caminho. As pessoas da época moderna não gostam de repetir. Automaticamente crêem que já aprenderam. E tão rapidamente como aprendem, esquecem! Vêm fazer 座禅 ZAZEN durante algum tempo, depois deixam de vir e dizem: “Oh, eu já compreendi! Já compreendi o 座禅 ZAZEN e o 禅 ZEN.” Esta atitude é completamente equivocada. Há que continuar. Sem esforço só há debilidade e regressão. 3. O ESFORÇO PARA AJUDAR A TODOS OS SERES SENCIENTES. Por isso se necessita todo um leque de meios e de métodos. Não devemos ter dúvidas em nos precipitar para ajudar à humanidade, para corrigir e ajudar o mundo social, sem economizar energias. Desta maneira pratica o verdadeiro Bodhisattva. Seja como for, o esforço não deve ser praticado unicamente para si mesmo, mas deve se estender aos demais. E o método mais eficaz e o mais benéfico é fazer 座禅 ZAZEN. Os méritos do 座禅 ZAZEN brotam ao redor daquele que o pratica, no trabalho, na família, etc... 座禅 ZAZEN contribui para fazer progredir as existências no Dharma. Nossa atitude no mundo é o reflexo exato do grau de profundidade e de concentração de 座 禅 ZAZEN e da sabedoria que se realizou. Ao entrar em uma casa, pode-se 76
No srcinal, “SHOJEN BO SHOJIN”. (N.T.) 303
compreender rapidamente o estado de espírito da pessoa que vive nela. O Sūtra 正法念經 SHŌHŌ NEN KYŌ77 diz: “Apenas os estúpidos se comprazem na preguiça e no egoísmo, esta é a razão pela qual sempre encontram dificuldades na vida e sofrem numerosas atribulações. Fazendo o esforço de combater a preguiça e o egoísmo, obtém-se a alegria e paz profunda.” Todos os sofrimentos vêm da preguiça, do desleixo interior, mental e físico. No ensinamento do Caminho coexistem numerosos métodos, assim como códigos morais diversos. Mas 精進 SHŌ JIN, o esforço, é a fonte de toda a moral e a raiz de todo o ensinamento autêntico. “Meus queridos discípulos, eu o rogo, pratiquem os oito caminhos simples e realizem-nos, já que a visão justa, o pensamento justo, a linguagem justa, a maneira de viver justa, a ação (comportamento) justo, o esforço justo, a justa e adepende concentração justa estão ao vosso alcance eatenção sua realização unicamente de vocês mesmos.” Os ensinamentos são numerosos e os caminhos, múltiplos. Mas o esforço irradia universalmente como o sol. E o esforço consagrado à prática do 座 禅 ZAZEN é o mais radiante, o que mais aquece toda a terra. Por que é necessário o esforço? “Realizar o sentido último da vida é a obra prima do homem, a última. Aqueles que ignoram 無 常 MUJŌ, a impermanência, tornam-se preguiçosos. Acreditam possuir a 77
No srcinal SHŌBŌ NEN GYŌ.é Em se abreviada tratando do 正法念經 SHŌHŌ NEN KY Ō, este a forma do 正法念處經 SHŌBŌ NENSHO KYŌ, Saddharma-smrity- upasthāna sūtra . (N.T.) 304
eternidade para realizar sua obra, crêem que podem salvar sua vida com o egoísmo. Quanto se equivocam!” Assim se dirigiu Buda a seus discípulos, momentos antes de morrer. Um Mestre disse um dia: “Um homem valente, nobre e honrado, visitou um dia quatro grandes mestres de 弓道 KYŪDŌ (tiro com arco) que viviam juntos em um lugar retirado. O homem lhes falou assim: “Vocês são quatro. Que cada um caminhe em uma das quatro direções e depois se volte para mim. Disparem vossas flechas ao mesmo tempo. Eu as deterei antes que me alcancem.” “Não podemos acreditar!”, exclamaram. “Que rápido deve ser!”, acrescentaram os alunos. Já é difícil deter uma flecha lançada por um mestre: quatro ao mesmo tempo deve ser impossível! Deve ser um mago.” O mestre mais idoso argumentou: “Há ainda algo mais rápido que este homem nobre e valente: o raio de sol e o relâmpago. E há ainda algo mais rápido“Aquerapidez o raio de e o relâmpago... o que é?” de nossa da sol mudança, a impermanência vida é mais fugaz que a aparição do relâmpago!” Mas vocês se esquecem muito rápido e quase não se importam com isto. O sol e a lua têm uma vida eterna comparada à fugacidade da nossa. O tempo passa como uma flecha, mas 無常 MUJŌ é mais rápida que a flecha. Quando se tem ciência disso, pratica-se o esforço. Os fenômenos da natureza se sucedem rapidamente: as flores murcham, as folhas caem. O inverno passa, a primavera, o verão, depois de novo o outono, o inverno. Por isso devemos ter constantemente no espírito a realidade de 無 常 MUJŌ. Há que compreendê-la intimamente, desde o fundo de nossa consciência, e o sentimento que se desprende desta compreensão nos 305
conduz ao esforço. Inclusive os gatos e as pombas devem fazer continuamente esforços. Eu freqüentemente os observo desde a janela de meu quarto. Desde a manhã se põem a buscar alimentos. Espiam, olham, abrem seus grandes olhos e quando identificam um grão de arroz ou uma migalha de pão, precipitam-se para engoli-los. 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI nos repetia sempre que o esforço é muito importante. Eu faço esforço, desde a minha juventude, para continuar a prática até o dia de hoje. Nos templos, quando eu era jovem, era muito difícil acessar a leitura dos Sūtra. A primeira razão era a severidade do Mestre que proibia qualquer leitura. 座禅 ZAZEN, cerimônia e 作務 SAMU (trabalho manual) eram as únicas atividades permitidas. A segunda dificuldade era a debilidade da iluminação. Para falar francamente, simplesmente não havia iluminação. Tinha que ser muito astuto e sobretudo, ter uma firme determinação de ler os Sūtra. No inverno, graças à reverberação da luz produzida pela neve. No verão, vaga-lumes capturados se convertiam em fonte de luz. Às vezes, correndo o risco de sermos descobertos e de sofrer severo castigo, amparávamos-nos em grossos bastõezinhos de incenso, cuja extremidade incandescente posta a algunspara milímetros páginas,e proporcionavam luz suficiente delimitar das os traços adivinhar os 漢字 KANJI. Desta maneira passei longas noites decifrando os textos subtraídos durante o dia da sala de leitura dos monges mais velhos; depois, durante o dia, meditava sobre o sentido do que havia lido. Uma vez, o Mestre me descobriu lendo e ficou encolerizado (ou fingiu ficar): “É inútil ler”, gritou-me, “faça 座 禅 ZAZEN e não desperdice seu tempo.” Às vezes me escondia no banheiro para poder continuar tranqüilamente minhas leituras. As banheiras japonesas são muito profundas. Quando não são utilizadas, são cobertas por uma tampa de madeira, para evitar a perda de calor da água. Um dia, 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI me 306
descobriu dentro de uma delas sem que eu me desse conta, já que estava absorto na leitura. Cobriu então rapidamente a banheira e a manteve fechada durante alguns instantes. Eu então já não podia ler e menos ainda respirar. A quinta Paramitā, 禅 定 ZEN JŌ (dhyāna), a concentração durante o 座禅 ZAZEN, é muito importante no Budismo Mahāyāna (大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ). O Mestre 道元 DŌGEN dizia: “座禅 ZAZEN está mais além das Paramitā.” 座禅 ZAZEN é o ápice de todas elas. Nos demais ramos do Budismo, 真 言 SHINGON, 天台 TENDAI, 日蓮 NICHIREN, 念佛 NENBUTSU... também encontramos 禅定 ZEN JŌ. 座 禅 ZAZEN, dhyāna em sânscrito, é a base fundamental de todas as Paramitā e de todas as ações do budismo 禅 ZEN. Em forma de 漢字 KANJI, às vezes também se pode escrever assim: - 定 JŌ: a fixação; - 常靜 JŌJŌ: tranqüila; - 却 KYAKU: abandonar as coisas más; - 智楫 CHISHU78: a prática da atenção; - 功 徳 叢 林 KU DOKU SŌRIN: os méritos do 道場 DŌJŌ. Existem muitas traduções desta palavra禅 ZEN. No 曹洞 SŌTŌ, o 禅 ZEN é somente 座禅 ZAZEN, 禅定 ZEN JŌ. 78
No srcinal, “JOJYO”, “KIAKU” e “CHICHU”, respectivamente. (N.T.) 307
定 JŌ, a fixação ou o samādhi, a concentração do espírito sobre uma só coisa. Eu digo sempre: “Não devemos pensar em outra coisa, salvo nesta que nos ocupa agora. No 座禅 ZAZEN, estar somente concentrado sobre a postura e a respiração. O subconsciente surgirá como borbulhas na água. Quando nossos pensamentos aparecem, não há que se distrair, mas voltar à concentração sobre a postura, observar se os ombros não estão demasiadamente elevados, ou se o queixo está recolhido, a coluna vertebral bem alinhada... e o espírito permanece assim fixo e tranqüilo.” 座禅 ZAZEN significa às vezes “o pensamento tranqüilo, justo”, e também “a concentração”. Ainda que pratiquemos a concentração, o subconsciente surge. Não há nada que querer escapar dele, mas deixá-lo passar naturalmente. Como se fossem nuvens no céu... Muitos fenômenos mentais da vida cotidiana se manifestam durante o 座 禅 ZAZEN: as ansiedades, as alegrias, as preocupações... Mas não há que se deter neles. Desta maneira podemos nos dar conta de que na realidade tudo isso não é tão importante. O 禅 ZEN significa abandonar os pensamentos parasitas. Durante o 座禅 ZAZEN podemos abandonar tudo. Nada parece tão importante. Há que se concentrar somente sobre a postura, sobre a respiração e sobre a consciência. 座禅 ZAZEN significa também criar a sabedoria. Nāgārjuna (龍樹 RYŪJU), em seus comentários sobre o 摩訶 般若 波羅蜜多 MAKA HANNYA HARAMITTA, conta um 問答 MONDO entre um Mestre e um monge: Mahāyāna “O Bodhisattva do Budismo ( 大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ) deve ajudar a todos os seres. Como não se dar conta da contradição que há entre este preceito fundamental e o ato de fugir para a montanha, de isolar-se no bosque?”, perguntou o monge. “Ainda que o Bodhisattva se separe de todos os seres e continue o 座禅 ZAZEN na montanha, seu espírito não 308
deixa de ajudar os demais. Não está somente concentrado sobre si mesmo. Sua consciência infinita de 座禅 ZAZEN abarca todo o cosmos. Pouco importa o lugar em que ele medita. Sua sabedoria profunda aclara toda a humanidade”, respondeu o Mestre. A verdadeira sabedoria se cria natural, automática e inconscientemente através do 座禅 ZAZEN. É inútil buscá-la conscientemente. Para um monge ou para um Bodhisattva, o mais importante é deixar que se manifeste através de seu corpo e de seu espírito, com o fim de realizar o seu voto. Da mesma maneira que, às vezes, é conveniente descansar e cuidar-se para restabelecer o equilíbrio da energia, o Bodhisattva experimenta eventualmente a necessidade de retirar-se para o bosque ou para a montanha para fazer 座禅 ZAZEN. Este retiro atua como um ungüento que renova sua sabedoria. E depois, quando volta a emergir para o mundo, pode ajudar a todos os seres e estender os meios para socorrê-los. 座 禅 ZAZEN não significa fugir da nossa vida, nem fugir deste mundo. Esta prática contribui no mais alto grau para a salvação de toda a humanidade. Se queremos chegar ser autênticos plenamente realizados, necessitamos nosaretirar do mundo ecom o fim de retornar a ele com mais profundidade e mais eficácia. Dito com a linguagem da medicina: este duplo movimento permite que nos “imunizemos” contra as enfermidades do mundo e desta forma adquirimos a força necessária para poder socorrer aos demais. Quando você vem a este 道場 DŌJŌ, pela manhã ou à noite, você se desliga do mundo social. Aqui encontra, naturalmente, muitos amigos, mas suas relações não são diplomáticas, nem profissionais, nem amorosas... Durante o 座 禅 ZAZEN nos separamos da vida cotidiana, da nossa vida familiar por exemplo, isolamo-nos. Nosso espírito experimenta uma revolução radical. Podemos observar através do 座禅 ZAZEN, podemos refletir sobre nós 309
mesmos e desta maneira criar uma verdadeira sabedoria profunda. Depois de uma hora de 座禅 ZAZEN, ao sair do 道 場 DŌJŌ, voltamos ao mundo e voltamos a encontrar nossa vida cotidiana. Estes dois aspectos são muito importantes. A maioria das pessoas está concentrada sobre a vida cotidiana, sobre os fenômenos de todos os dias. Esta é a razão pela qual são presa do movimento, da efervescência que os afasta irremediavelmente do que, não obstante, todo mundo busca mais ou menos conscientemente: a felicidade e a paz. A tempestade está em seus espíritos e nela eles se perdem. Fazendo 座 禅 ZAZEN uma ou duas vezes ao dia, podemos voltar à verdadeira solidão, que é nossa condição srcinal, infinitamente pacificada. Durante um 攝心 SESSHIN, cem pessoas podem estar sentadas juntas num mesmo 道場 DŌJŌ, entretanto cada uma delas está sozinha, frente a si mesma. Mas o conjunto todo cria uma atmosfera que age sobre o 座禅 ZAZEN de todos e de cada um, como se tratasse de um fogo alimentado por muitos troncos. 色即是空。SHIKI SOKU ZE KŪ. 空即是色。KŪ SOKU ZE SHIKI. Estes dois aspectos são necessários e devem ser sempre repetidos. A partir dos fenômenos de nossa vida cotidiana, 色 SHIKI, devemos voltar a 空 KŪ, ao 座禅 ZAZEN. E de 空 KŪ, voltar a 色 SHIKI para ajudar todos ao seres e para nos harmonizarmos com eles. É inútil buscar a solidão corporal e se retirar a uma ermida distante. A verdadeira solidão se cria aqui, agora, no mundo, graças à postura do 座禅 ZAZEN. Depois, podemos voltar a submergir no mundo, nos fenômenos e difundir nossa sabedoria na vida corrente. O 座禅 ZAZEN se converte assim no timão dos impulsos vitais.
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Em todas as vertentes do Budismo Mahāyāna (大乗仏教 DAIJŌ-BUKKYŌ), 禅定 ZEN JŌ, a concentração, é o pivô central ao redor do qual se articulam todas as atividades. Numerosos ramos do Budismo sustentam que a prática da observação, durante o período de meditação, deve ser mais importante que o estado de concentração. Todas estas escolas produziram um estado de debilidade e degeneração graves. O ensinamento do 禅 ZEN é fundamentalmente a concentração em 空 KŪ, nada. Todos os países nos quais o 禅 ZEN foi implantado passaram por um período de impulso cultural e de fortalecimento muito importantes.
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五 智 五 智 “GO CHI” – As Cinco Sabedorias. 312
AS CINCO SABEDORIAS
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O ESPIRITO DO ZEN No Budismo existem cinco sabedorias, 五 智 GO CHI (pañca-jñānāni em sânscrito): 1. 成所作智
JŌSHISACHI 79 (krtya-anusthāna-jñāna).
Representa os meios adepassar ação, para o método para socorrerEsta os seres para ajudá-los a outra margem. sabedoria nasce a partir dos cinco órgãos dos sentidos, 眼 耳 鼻 舌 身 GEN NI BI ZE SHIN. 2. 妙 觀 察 智 MYŌKANZACCHI80 (pratyaveksa-jñāna). Esta sabedoria parte da sexta consciência que, na psicologia budista é 明 MYŌ, o despertar. 妙 觀 MYŌ KAN é a sabedoria que, gr aças a uma maravilhosa e profunda observação, penetra o espírito do discípulo e o guia e o instrui no caminho justo. Esta sabedoria dissipa todas as dúvidas. 3. 平 等 性 智 BYŌDŌSHŌ CHI (samatājñāna). O 漢字 KANJI 平等 BYŌDŌ significa “igual, idêntico”. Esta sabedoria se eleva inconscientemente, natural e automaticamente a partir do 座 禅 ZAZEN. Permite compreender a identidade de todos os seres, de todas as existências e ajudá-los universalmente, sem discriminação. Esta sabedoria nasce da sétima consciência, 末那識 MANASHIKI (manas-vijñāna), a consciência pessoal que filtra o subconsciente. 79 80
No srcinal, “JO SHO SAT CHI”. (N.T.) No srcinal, “MYO KAN SAT CHI”. (N.T.) 314
Estas três primeiras sabedorias surgem da consciência pessoal. As duas seguintes são relativas ao 座禅 ZAZEN. 4. 大 圓 鏡 智 DAIENKYŌCHI (ādarsha-jñāna). O subconsciente surge durante o 座禅 ZAZEN, as imagens passam e a reflexão se sobrepõe. O pensamento que nasce do subconsciente só pode ser produzido a partir do estado de concentração. Eu digo “Concentre-se. O aparecerá. espírito se converterá assim sempre: num espelho puro e a intuição 箇の不思量底を思量せよ。
KONO FUSHIRYŌTEI O SHIRYŌ SEYO. PENSAR EM NÃO PENSAR. 不思量底如何が思量せん。
FUSHIRYŌTEI IKANGA SHIRYŌSEN. COMO PENSAR EM NÃO PENSAR ? 非思量。
PENSANDO DESDE O HISHIRYŌ. FUNDO DO NÃO PENSAMENTO.81 5. 法界體性智 HOKKAI TAISHŌ CHI (dharmadhātuprakrti-jñāna). Esta sabedoria nasce da consciência Amala (無垢識 MUKU SHIKI), a nona consciência. É a sabedoria mais elevada, a consciência 非思量 HISHIRYŌ. Esta quinta sabedoria, 般 若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA (Prajñā Paramitā) é a sabedoria cósmica, universal, que reconhece o valor de cada existência. 81
No srcinal, “HISHIRYOFUKANZAZENGI, TE FUSHIRYO”. ”Regras Reproduzi a famosa seqüência do 普勸坐禪儀 Universais do Zazen” de 道元 DŌGEN.(N.T.) 315
A partir do 座 禅 ZAZEN aparecem estas cinco sabedorias, inconsciente, natural e automaticamente, desde a consciência 非 思 量 HISHIRYŌ, a consciência absoluta. Não é necessário querer realizar estas cinco sabedorias. O espírito deve permanecer 無 所 得 MUSHOTOKU. Estas sabedorias aparecerão espontaneamente, graças ao poder de 空 KŪ. Faço aqui um esquema do processo evolutivo da consciência através do 座禅 ZAZEN e da realização psicofisiológica do sistema: Tudo parte de 無明 MUMYŌ, a ignorância, que passa pelo hipotálamo, o tálamo e os seis órgãos dos sentidos. A consciência do cérebro frontal – o reconhecimento e o raciocínio (a volição) – constitui a consciência pessoal: 末那 MANA. A sétima consciência é a mente, o pensamento: 思量 SHIRYŌ. Depois alcançamos 阿 賴 耶 識 ARAYA SHIKI ñ Ālayavij āna ( ), a oitava consciência, o não consciente. Acima destes oito níveis de consciência encontra-se Amala (無垢識 MUKU SHIKI), a consciência 非 思 量 HISHIRYŌ, sabedoria cósmica, verdadeira 般若 波羅蜜多 HANNYA HARAMITTA. A grande lição do 般 若 波羅蜜多 心 経 HANNYA HARAMITTA SHINGYŌ é que a verdadeira sabedoria é em si 無 所 得 MUSHOTOKU. E que só pode se manifestar inconsciente, natural e automaticamente, quando nosso espírito totalser harmonia com aDa Ordem Cósmica. garrafa está vaziaem pode preenchida. mesma forma, Uma da vacuidade total emerge a sabedoria. 316
Se a garrafa está semi cheia, só se poderá acrescentar a metade de outro líquido. Ademais, uma garrafa semi cheia é ruidosa, da mesma maneira daqueles que possuem um saber pequeno, mas crêem possuir o segredo dos deuses e querem ensiná-lo a todos. Estes são volúveis e ruidosos. Mas quando a garrafa está completamente cheia ou vazia e a sacudimos, nenhum ruído emana dela. Assim sucede com o conhecimento infinito, ou com a sabedoria absoluta. Para que essa sabedoria apareça há que se fazer o vazio total. Ambos, sabedoria e vacuidade, 非思量 HISHIRYŌ e supra consciência, formarão uma equação perfeita. Os intelectuais não estão cheios nem vazios. Sabem o suficiente para fazer bastante barulho... Eu mesmo recebi uma educação de estilo europeu, primeiro no bacharelato e depois na universidade. Eu acreditava que sabia muito e que era invencível em vários aspectos, mas quando tive que entrar para os negócios e enfrentar a rapacidade dos ambiciosos e demonstrar mais sutileza que eles, os anos que havia passado me instruindo não me serviram absolutamente de nada. Meus estudos de economia eram demasiado teóricos e inadequados para criar uma solução oportuna. Nesta época, à época de minha iniciação na vida social, fuihavia visitar 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI, que momentaneamente se 82 estabelecido em 總持 寺 SŌJI JI . Ele era a encarnação do monge errante. Sua expressão era profunda, mas não tinha aspecto de intelectual. Sem embargo, quando visitei seu quarto encontrei-o submerso em livros, Sūtra e obras múltiplas, as quais em sua maioria eu nem sequer compreendia o título. “Você leu todos estes livros?”, perguntei-lhe desconcertado. 82
Um dos monastérios 曹 洞 宗 SŌTŌ SHU mais importantes do Japão. Foi fundado por 瑩山 紹瑾 KEIZAN J ŌKIN no século XIII. O outro é 永平 寺 EIHEI JI, fundado por 道元 禅師 DŌGEN ZENJI. (N. T. Esp.) 317
Eu também quis então me instruir na riqueza que deveria encerrar estes textos tão importantes. Pedi-lhe que me emprestasse alguns, mas ele me respondeu imediatamente que isso não servia para nada, que meu desejo só correspondia a um capricho infantil. Creio que neste momento obtive o 悟 SATORI. Encontrei-me tão perplexo com estas observações que tive que emprestar um livro que ele julgava interessante. Tratava-se de “A vida do mendigo 桃 水 TOSUI”. ( 桃 水 TOSUI significa água de pêssego). Depois, pouco a pouco, encheu-me os braços de obras e textos. Vinte ensaios sobre o 禅 ZEN e as Artes Marciais. Mas o que mais prazer me causou foi uma parte de suas notas pessoais. As que me entregou levavam na capa o título caligrafado em grandes traços por ele mesmo: “As orelhas do asno”. Li-as de uma só vez. Este foi provavelmente meu segundo 悟 SATORI. Todo meu pensamento sofreu uma revolução total. A educação européia, armazenada durante mais de dezessete anos, foi vomitada como um alimento indigesto desde as profundezas de meu corpo. Foi a destruição repentina da ilusão que Aeu próprio foifazia Tudo em se precipitou. comoção total.sobre Todo meu meu saber. ser assentiu bloco ao ensinamento de 興道沢木 KŌDŌ SAWAKI. Foi então que decidi não deixar jamais este homem em que se manifestava uma tal força do 禅 ZEN, capaz de transfigurar em alguns segundos meu espírito. Todos os pensadores, professores, universitários buscavam o ensinamento europeu que representava para eles o ápice da cultura. Esta é a razão pela qual se precipitavam a assimilar tudo. Mas 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI considerava esta afetação como avidez de falsos pensadores arrivistas que, numa sociedade transtornada pela ocidentalização, sofriam do complexo de medir-se inferioridade, daquele que se sabe ignorante, mas que quer com seus professores. Para 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI, o cume do 318
conhecimento intelectual não era mais que uma gota d’água no Oceano: “O conhecimento deve estar isento de qualquer conhecimento, deve ser sem limites, sem categorias, nem filosófico, nem científico, mas verdadeiro conhecimento transcendental”. Esta é a compreensão do 禅 ZEN que quero continuar difundindo aqui na Europa, convencido que existem seres suficientemente inteligentes e abertos para compreender. Desde logo, o 禅 ZEN já havia sido introduzido anteriormente graças aos trabalhos de certos professores. Mas 興道沢木 KŌDŌ SAWAKI, muito tempo antes de mim, dizia deles que eram só intelectuais que nunca haviam tido a experiência do 座禅 ZAZEN. Por esta razão, o único que podiam fazer era filosofar sobre o 禅 ZEN, sem compreendêlo, sem conhecer sua autêntica dimensão. Eu trouxe a prática do 座禅 ZAZEN para a Europa. No dia de minha chegada à Paris dei uma conferencia diante de uma assembléia composta em sua maioria por intelectuais. Eu era apenas um monge errante que unicamente possuía como bagagem o 衣 KOLOMO negro e o 坐蒲 ZAFU de 興道 沢木 KŌDŌ SAWAKI. Na primeira fila, justo à minha frente, estava sentada uma pessoa de olhar inteligente, mas tão sombria... Dada sua expressão congelada, representava a meus olhos o Shāriputra europeu. Perguntei-me então de que maneira podia abordar estes intelectuais graves e carrancudos. Ensinei a postura de 座禅 ZAZEN e os méritos do 袈裟 KESA. Desde este dia, essa pessoa não deixou de seguir os meus passos. Seus muxoxos céticos desapareceram, seu olhar se aprofundou. Agora leva em sua expressão o amor universal, transformou-se numa verdadeira 観音 KANNON. Agora é uma garrafa cheia, não vazia. Com o tempo tive a oportunidade de conhecer outros rostos avinagrados. Alguns compreenderam meu ensinamento e seguiram meus passos. Outros não puderam suportar minhas observações, perderam a paciência e se converteram nos primeiros detratores de meu ensinamento. 319
Então descobri até que ponto era importante o intelectualismo na Europa. Este intelectualismo especulativo que discute sobre conceitos vazios e carentes de vida, e estabelece sistemas muito bem estruturados, mas tão abstratos que apenas refletem a corrente vital de nosso mundo. No Oriente, a sabedoria está imersa na essência, está enraizada em 無所得 MUSHOTOKU, em 非思量 HISHIRYŌ, procede da intuição e do não pensamento, surge das camadas cerebrais primitivas. Transcende qualquer limite mental. Está mais além do espaço-tempo, eterna, imutável. Estamos tão distanciados da especulação! Esta é a razão pela qual Avalokiteshvara fala de 無 知 亦 無 得 MU CHI YAKU MU TOKU e de 以 無所得 故 I MUSHOTOKU KO, da não sabedoria, do não proveito. Somente existe o abandono de si mesmo e, graças a ele, a sabedoria desinteressada. Esta é a resposta incondicional de Avalokiteshvara, o Bodhisattva da Grande Compaixão, a Shāriputra, o intelectual. O beco sem saída em que se encontra nossa civilização é o resultado do desenvolvimento, levado até o absurdo, do racionalismo materialista. Ciência, técnica e pensamentos mudar necessariamente de direção. Neste momentodevem encontram-se no limite: se rebaixarem estes limites precipitarão toda a civilização a uma rápida destruição. O equilíbrio já é muito precário. Mas se desde o ponto em que nos encontramos agora, reconsiderarmos o mundo desde um ponto de vista global, com o equilíbrio que lhe é necessário, poderemos conduzir a humanidade à harmonia. Para isso, é necessária uma pausa, um descanso, deixando para a natureza um tempo de regeneração, reparando os desastres que tenham sido causados, com o fim de poder empreender de novo o caminho a partir de seus frutos sadios. Mas a sabedoria é necessária, a verdadeira sabedoria pura e desinteressada. Eu acredito no 般若 波羅蜜多 心経 HANNYA HARAMITTA SHINGYŌ, nesta sabedoria perfeita, ilimitada, não sujeita aos limites dos 320
“ismos”. Creio que o espírito deste Sūtra pode transmutar a esclerose atual de nosso mundo e sua precária sobrevivência numa dinâmica evolutiva, harmoniosa e justa.
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