HERMENÊUTICA JURÍDICA
Nra Juría 1. Introdução: o direito, na visão tridimensional de Miguel Reale, é composto pelo fato, pelo valor e pela norma. Sucede que não existe apenas uma única norma jurídica, mas várias que, reunidas por meio dos valores e da hierarquia, formam um sistema jurídico. De modo que para bem aplicar o direito ao caso concreto é preciso compreendê-lo, o que se faz por meio da interpretação. Entretanto, ante de interpretar é necessário conhecer o objeto da interpretação, isto é, a norma jurídica, suas fontes de revelação e, ainda, uma classicação básica delas.
2. O gênero norma: genericamente, pode-se falar que a norma é um imperativo de conduta, que visa disciplinar as relações humanas. Entretanto, não existem apenas as normas jurídicas, mas também normas sociais, religiosas, íntimas etc. Enm, a variedade de normas é tamanha
que passa a ser impossível uma enumeração taxativa; todavia, para ns de compreensão, po demos classicá-las em dois grandes grupos, a
saber: normas íntimas e sociais. 2.1. Normas íntimas: são aquelas que dizem respeito exclusivamente à pessoa considerada em si mesma. São normas que buscam harmonizar a pessoa e suas instâncias interiores, isto é, o bem estar psíquico. Tais normas são estudadas, por exemplo, pela psicologia. 2.2. Normas sociais: são aquelas que organizam as relações entre as pessoas, buscando uma convivência pacíca entre os seres huma nos. As normas sociais podem ser divididas entre normas de aperfeiçoamento e de garantia. a) Normas de garantia: são normas de convivência que buscam aprimorar a comunhão humana e cultural de um grupo social. São exemplos de normas de garantia: as religiosas, de boa educação, as morais etc. b) Normas de aperfeiçoamento: são normas que visam à manutenção do grupo social, são fundamentais para a sobrevivência e manutenção do próprio grupo social. As normas de aperfeiçoamento são consideradas normas jurídicas.
3. Norma jurídica: é um imperativo coercitivo, ou seja, uma ordem de conduta que, acaso descumprida, irá gerar uma conseqüência. Assim, são elementos essenciais da norma jurídica: a imperatividade e a sanção. 4. Imperatividade: é a ordem ou o comando de uma ação ou omissão que deve ser seguida pelo seu destinatário da norma jurídica. Pouco importa a roupagem lingüística utilizada pela norma jurídica. O seu escopo é sempre ordenar uma conduta. 4.1. Imperatividade e linguagem: a norma jurídica geralmente se expressa por meio da linguagem, isto é, a capacidade que possui o ser humano de comunicar-se por intermédio de símbolos, que podem ser gestos, sinais, desenhos e palavras. Em regra, o direito se exprime por meio de palavras; porém, algumas vezes, o direito também se expressa por meio de sinais (lembre-se do semáforo de trânsito), ou por gestos (ordem de parada, dada pelo policial por meio de um levantamento de mão) ou desenhos (placas de trânsito colocadas no percurso de uma rodovia). Considerando que iremos aprender técnicas de interpretação de textos jurídicos, é importante centrarmos nossa atenção na linguagem escrita por meio de vocábulos (palavras). 4.2. Proposição: é o conjunto de palavras que possuem um signicado em sua unidade (ex: bom-dia
– idéia de cumprimento). As proposições podem ser enunciadas gramaticalmente pela forma declarativa, interrogativa, exclamativa ou imperativa. De modo que uma proposição declarativa é considerada uma asserção, enquanto uma proposição interrogativa é considerada uma pergunta; já a proposição exclamativa é uma declamação e, nalmente, uma propo sição imperativa é um comando ou uma ordem. 4.3. Finalidade e linguagem da norma jurídica: as normas jurídicas podem ter inúmeros enunciados; todavia sua nalidade será sempre uma ordem ou
comando de comportamento, daí porque a norma jurídica é uma proposição imperativa. Por exemplo: quando o professor, em sala de aula, pede aos alunos para carem em silêncio, em que pese o enun ciado da mensagem ser feito na forma de pergunta (Vocês, por favor, podem fazer silêncio?), a nalida de do professor é dar uma ordem ou um comando
(Alunos, quem quietos!).
4.4. Imperatividade e deve ser: o enunciado normativo são os atos e fatos descritos pelo editor da norma (legislador) como aptos para gerar um efeito jurídico (sanção). Esses enunciados normativos, também chamados de “tipo legal” ou “hipótese de incidência” ou “fato gerador” ou “tatbestand” (expressão alemã) ou “fattispecie” (expressão italiana), visam disciplinar uma sociedade ideal, daí porque operam no mundo do dever ser, não no mundo da realidade. 4.5. Modais deônticos: são os três modos básicos de disciplinar de forma ideal, os comportamentos humanos impostos pelo Estado por meio das normas jurídicas. Os modais deônticos podem ser explícitos ou implícitos nas normas jurídicas. Exemplo: é proibido fumar neste recinto, note-se que a modal deôntico proibido está inserido no enunciado normativo. Por outro lado, o tipo penal que descreve o homicídio é vazado nos seguintes termos: matar alguém – pena de 06 a 20 anos. Note-se que, agora, o modal deôntico está implícito, isto é, é proibido matar. Passemos a estudar os três modais deônticos básicos: a) proibido: uma determinada conduta humana não deve ser realizada. Essa conduta pode ser um comportamento ativo (proibido roubar) ou um comportamento passivo (proibido o casamento entre pai e lha); b) obrigatório: uma determinada conduta humana ativa ou passiva deve ser cumprida. Exemplo: aqueles que estão viajando em um automóvel estão obrigados a usar o cinto de segurança; c) permitido: uma determinada conduta humana pode ser realizada, cando a critério do
destinatário da norma praticá-la ou não. Agora o destinatário da norma possui uma faculdade (prerrogativa). Exemplo: é permitido para as pessoas maiores e capazes contraíram matrimônio. Note-se que o casamento não é proibido ou obrigatório, simplesmente é autorizado.
5. Sanção: é a conseqüência ocasionada pelo cumprimento ou descumprimento de uma determinada norma. As normas sociais são dotadas de sanção, isto é, a reação por parte do meio 1
social ao comportamento individual conforme ou desconforme o preceito da norma. Note-se que as sanções sociais são geralmente difusas. 5.1. Sanção jurídica: é conseqüência imposta pelo Estado para garantir o cumprimento das suas ordens. A sanção jurídica é sempre predeterminada, isto é, possui os seus limites previamente denidos (ex: matar alguém – pena de
06 a 20 anos), bem como é organizada, ou seja, existem órgãos dentro da estrutura administrativa do Estado para aplicá-la ao caso concreto (ex: Poder Judiciário é quem julga a prática de um crime de homicídio). 5.1.1. Advertência: existe posicionamento doutrinário no sentido de que a sanção não é elemento essencial da norma jurídica. E exemplo usualmente citado é a dívida de jogo. Todavia, não é a posição doutrinária majoritária. 5.2. Tópicos de sanções jurídicas: pretendese, com a sanção, que ocorra o cumprimento da norma jurídica. Assim, temos: sanções penais e sanções premiais. a) Sanções jurídicas penais: o Estado, na imposição das sanções, pode-se valer de técnicas intimidativas, isto é, impor, como conseqüência, um mal ao infrator da norma (ex: dirigir acima da velocidade permitida – pena: pagamento de multa e pontuação na carteira de habilitação). Ao se falar em sanções jurídicas penais, não se pretende circunscrevê-las ao ramo do Direito Penal, mas apenas enfatizar que a sanção é vista como um malefício, como uma conseqüência ruim que será imposta ao infrator. b) Sanções jurídicas premiais: o Estado outorga incentivos e vantagens para aquele que cumprir a norma (ex: pagamento antecipado do IPVA terá desconto de 5% ). 5.3. Coerção: não se confunde com a sanção. É a possibilidade do uso da força a serviço do direito; logo, ao editar normas jurídicas e impor as respectivas sanções (penais ou premiais), o Estado obriga a todos que estejam dentro de seus limites territoriais. De modo que a norma jurídica é uma coerção do Estado, útil para garantir a liberdade das pessoas. 5.4. Coação: é a aplicação concreta e forçada da sanção. Caso a norma jurídica não seja cumprida pelo destinatário, isto é, se os modais deônticos proibido ou obrigatório não sejam seguidos, então o infrator da norma irá sofrer efetivamente a sanção. Assim, enquanto a coerção é uma possibilidade, a coação é uma realidade. LiNk AcAdêmico 1
Fntes a nra juría 1. Introdução: a palavra fonte indica a idéia de
origem. Ao estudar as fontes do direito, pretende-se descobrir a origem das normas jurídicas. Partindo da denição que a norma jurídica é um imperativo
coercitivo e considerando que, no estágio atual da civilização, o uso legítimo da força é prerrogativa do Estado, temos que a norma jurídica é ato de vontade do Estado. De modo que se pode analisar o tema fontes das normas jurídicas sobre dois prismas:
2. Fonte substancial: são os elementos materiais, históricos, racionais e/ou ideais que levaram à produção das normas jurídicas. Lembre-se de que o Estado é o catalisador destes elementos, daí porque é o Estado considerado como a principal fonte de produção do direito. A fonte substancial também é chamada de fonte material ou de produção. 3. Fonte formal: é o modo ou a maneira como as normas jurídicas são reveladas aos seus destinatários, isto é, como o direito se mostra para as pessoas. O Estado, ao editar a norma jurídica, utiliza-se de certas formas solenes que se expressam por meio de leis, decretos etc., ou os particulares produzem normas jurídicas (ex: contratos), cuja validade é admitida pelo Estado. Vamos nos concentrar apenas nas fontes formais, também chamadas de fonte de cognição ou conhecimento, que podem ser: 3.1. Estatais: as normas jurídicas são editadas por órgãos do Estado, incumbidos de criar e aplicar o direito; logo são fontes formais estatais de revelação do direito a lei (legislação) e a jurisprudência. 3.2. Não estatais: as normas jurídicas surgem na sociedade e são reconhecidas pelo Estado, por meio de seus órgãos incumbidos de aplicar o direito. De modo que são fontes não estatais os costumes, o negócio jurídico e a doutrina. 4. Sistema Romanístico e Sistema do “Common Law”: por questões históricas e sociais, geralmente uma determinada fonte formal estatal prevalece como sendo o mecanismo principal, mas não exclusivo, de criação do direito novo. Sempre que a LEI for a principal fonte de revelação do direito, estaremos em face do sistema romanístico de revelação do direito; todavia, se a JURISPRUDÊNCIA for a principal fonte de revelação do direito, estaremos em face do sistema do “Commom Law”. O Brasil segue a tradição romanística. A Inglaterra a do “Common Law”. 5. Lei: o termo lei pode ser empregado em três concepções básicas: 5.1. Constituição: agora o termo lei signica a “Lei Magna”, portanto a norma jurídica de maior hierarquia do sistema. 5.2. Sentido técnico: é uma norma jurídica votada e aprovada pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República; 5.3. Legislação: é o conjunto de normas jurídicas
emanadas pelos órgãos do Poder Executivo e Legislativo do Estado. Agora, a lei se confunde com a legislação e engloba (Constituição Federal, Lei complementar, Lei ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo, Regulamentos, resoluções, portaria, ordens de serviço etc).
6. Constituição: é a norma jurídica máxima do Brasil. Trata-se de um diploma jurídico que baliza a forma e a estrutura do poder, o tipo de governo e de Estado, bem como os direitos básicos de cada pessoa. 6.1. A Lei em sentido técnico: como o direito brasileiro segue a tradição romanística, a principal fonte do direito é a lei, em sentido estrito, e por isso daremos uma rápida olhada no procedimento para criar uma lei nova. Aludido procedimento é previsto na Constituição Federal (art. 61/69) e pode ser sintetizada nos seguintes termos: a) Iniciativa do projeto de lei: pode ser feita por qualquer deputado ou senador, comissão da Câmara dos Deputados ou Senado Federal, ou do Congresso Nacional, Presidente da República, ou do Supremo Tribunal Federal ou dos Tribunais Superiores, ou Procurador Geral da República. Alguns projetos de lei são de iniciativa exclusiva do Presidente da República. Finalmente, os cidadãos também têm iniciativa de propor projeto de lei, desde que seja subscrito por 1% do eleitorado nacional, distribuído por, pelos menos, cinco Estados, com não menos de três décimos por cento (0,3%) de eleitores de cada um dos Estados. b) Discussão e aprovação do projeto de lei: o projeto de lei proposto por Senador inicia seu trâmite pelo Senado Federal; todavia, se foi proposto por qualquer outro legitimado (deputado, Presidente da República etc), o projeto terá início na Câmara dos Deputados. O projeto iniciado na Câmara dos Deputados deverá ser discutido pelos deputados federais, podendo sofrer emendas e supressões. Após, deverá ser votado e, uma vez aprovado, remetido para o Senado Federal onde também será discutido pelos senadores, podendo sofrer nesta casa emendas e supressões. Caso o projeto seja aprovado pelo Senado sem nenhuma modica ção, irá para o Presidente da República. Entretanto, caso seja aprovado com modicação, o
projeto volta para a Câmara que irá deliberar se concorda ou não com as modicações e depois
o envia ao Presidente da República. c) Quorum para aprovação de projeto de lei: caso se trate de lei ordinária, o número mínimo de votos é maioria simples de deputados ou 2
senadores presentes á sessão em que houve a votação do projeto. Exemplo: o projeto de lei “A” foi submetido à votação no dia 1º de abril de 2009 e estavam presentes naquela sessão 60 (sessenta) senadores. A maioria simples de 60 é 31. Assim, para que o projeto seja aprovado, deverá ter o voto favorável de, pelo menos, 31 senadores. O importante é a quantidade de senadores presentes à sessão. Contudo, se se tratar de lei complementar, o número mínimo de votos é feito com base na maioria absoluta dos deputados ou senadores de cada casa, pouco importando se estejam ou não presentes. Exemplo: imagine que, no dia 1º de abril de 2009, houve votação no Senado do projeto de lei “B”, que se trata de uma lei complementar. Agora é necessário o voto favorável da maioria absoluta. Considerando que a totalidade dos senadores perfaz o número 81 (oitenta), então para se aprovar o projeto é necessário que, ao menos, 41 senadores estejam a favor do pro jeto. Agora, o que importa é a totalidade dos senadores, não importando quantos estejam presentes à sessão. d) Sanção presidencial: é a concordância do Presidente da República com o projeto de lei aprovado por ambas as casas legislativas (Câmara e Senado). Uma vez sancionado, o projeto vira lei, que será promulgada e publicada, passando a valer como norma jurídica. A sanção do Presidente da República pode ser expressa ou tácita, neste último caso, o Presidente deixa transcorrer o prazo para vetar e, então, presume-se que ele concordou com o projeto. e) Veto presidencial: é a discordância do Presidente da República quanto ao projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional. O veto do Presidente da República é sempre escrito, isto é, deverá dar razões jurídicas e políticas que o fazem discordar do projeto. O veto do presidente pode ser total (todo ou projeto) ou parcial (discorda de apenas parte do projeto). A parte que foi vetada do projeto de lei é devolvida ao Congresso Nacional, que poderá, por maioria absoluta, derrubar o veto. f) Advertência: não confundir lei (ordinária ou complementar) com a Constituição Federal. Esta última é votada pelo Poder Constituinte Originário, enquanto a primeira é de incumbência dos membros do Congresso Nacional. 6.2. Lei Delegada: é uma lei elaborada pelo Presidente da República, após prévia permissão do Poder Legislativo e nos limites postos por este Poder (art. 68, § 2º, da CF). A lei delegada está sujeita à apreciação do Congresso Nacional, que verica se corresponde à permissão dada.
6.3. Medida provisória: não se deve confundir a lei (complementar, ordinária e delegada) com a medida provisória, visto que essa última é editada exclusivamente pelo Presidente da República, sem prévia autorização do Congresso Nacional, para disciplinar matéria que seja relevante e urgente. A medida provisória tem força de lei, mas devem ser aprovadas ou rejeitadas pelo Congresso Nacional no prazo de 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogada uma única vez (art. 62, § § 1º e 2º da CF). 6.4. Decreto legislativo: é a norma aprovada por maioria simples do Congresso nacional sobre matéria de sua exclusiva competência, (art. 49 da CF). Exemplo: raticação de tratado internacional é ma téria de competência exclusiva do Congresso Nacional que edita um decreto legislativo, caso ratique
o tratado. 6.5. Resoluções: são normas jurídicas editadas por uma única das casas legislativas (Ex: resolução do Senado Federal suspendendo a execução de lei federal declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal). 6.6. Decretos: são normas jurídicas estabelecidas pelo Poder Executivo para dar concretude a uma lei. A lei é genérica, o decreto que a regulamenta procura especicar como a lei será cumprida. Exemplo:
A Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) prevê a possibilidade de uma pessoa ter porte de arma. O Decreto 5.123, de 1º de julho de 2004, regulamentou o mencionado estatuto, indicando órgãos e documentos necessários para que seja autorizado o porte. 6.7. Portarias: são normas gerais expedidas por um órgão superior para serem observados pelos subordinados. Exemplo: portaria do Juiz, indicando o horário de funcionamento do serviço cartorário. 6.8. Ordens de serviço: são estipulações concretas que são ordenadas pelo superior hierárquico para serem executadas por um determinado funcionário. Exemplo: determinação do Delegado de Polícia para que os investigadores diligenciem atrás de uma testemunha.
7. Jurisprudência: são decisões reiteradas e uniformes de um determinado Tribunal, acerca de uma dada matéria, considerada controvertida pelos Juízes de Primeiro Grau. É comum que, na atividade de aplicar o direito ao caso concreto, os Juízes acabem tendo opiniões divergentes sobre o correto entendimento de uma determinada norma jurídica ou sobre a forma de integração de eventual lacuna do direito. Tais divergências resultam em decisões conitantes.
As partes (advogados, procuradores e promotores) fazem recursos para o Tribunal que, toma conhecimento da divergência e começa a decidi-la. Sempre que houver decisões reiteradas do Tribunal sobre aquele assunto, surge a jurisprudência. Note-se que
a jurisprudência pode variar de tribunal para tribunal, visto que a divergência pode não ser apenas entre juízes de primeiro grau.
8. Costume: é uma fonte não estatal do direito. É a prática reiterada e uniforme de um determinado comportamento, dentro de uma dada sociedade, com a consciência jurídica da obrigatoriedade. O costume possui dois elementos básicos: a) reiteração de condutas; b) consciência que tais condutas são obrigatórias. O costume é tanto fonte formal do direito como forma de integrá-lo. O tema será desenvolvido quando do estudo da integração do direito. 9. Negócios jurídicos: são normas jurídicas criadas por particulares para regular certas relações especícas estabelecidas entre eles (ex:
contratos). O negócio jurídico é uma norma jurídica individual. Trata-se de uma fonte do direito não estatal que tem por fundamento a autonomia da vontade, isto é, a prerrogativa que cada pessoa possui de agir nos limites da lei. São pressupostos de validade do negócio jurídico: 9.1. Partes legítimas: pressupõe que os contratantes tenham uma idade mínima que lhes permite vincular a vontade para criar direitos e deveres, bem como que as partes manifestem livremente esta vontade. 9.2. Objeto lícito: a nalidade dos contratantes deve ser admitida pelo ordenamento jurídico; logo, se a nalidade é ilícita, as normas jurídicas
criadas não têm validade. Exemplo: “A” celebra contrato com “B”, cujo objeto é “B” matar “C”, mediante o pagamento de R$ 10.000,00 por parte de “A”. Note-se que o objeto do contrato (morte de uma pessoa) não é admitido pelo direito. 9.3. Forma prescrita em lei: em regra, os negócios jurídicos são pactuados livremente pelas partes, não existindo fórmulas sacramentais para realizá-los. Entretanto, para alguns negócios jurídicos são prescritas forma especíca
para sua realização que deve ser seguida, pena de nulidade. Exemplo: para a celebração válida do casamento, exige-se que os nubentes digam o “sim” perante o Juiz de Paz e em público.
10. Doutrina: é o estudo cientíco realizado pe los juristas quando analisam e sistematizam as normas que compõem o ordenamento jurídico. 10.1 Advertência: é controvertida a questão acerca de a doutrina ser ou não fonte do direito. Aqueles que negam ser a doutrina fonte do direito, argumentam que o discurso doutrinário é descritivo, isto é, ajuda a compreender o direito, mas não tem força vinculante, não prescreve normas de conduta. Outros admitem a doutrina 3
como fonte do direito e sustentam que os estudos cientícos inuenciam a aplicação do direito
e a formação de novas leis. LiNk AcAdêmico 2
Valae a nra juría 1. Introdução: após estudarmos as fontes do direito, fácil concluir que não existe uma única norma jurídica, mas várias que convivem no tempo e no espaço; logo, é necessário saber como uma norma jurídica é considerada parte integrante do sistema, isto é, se a norma jurídica é válida ou não. 2. Validade: é a relação de pertinência da norma jurídica ao sistema. A Constituição, como norma fundamental do sistema e hierarquicamente superior às demais, determina a forma e o conteúdo das normas jurídicas inferiores, para que sejam consideradas válidas e possam fazer parte do sistema. A norma jurídica editada de acordo com o procedimento e teor previsto na norma superior é considerada válida. A validade é uma relação hierárquica que se estabelece entre duas normas jurídicas. Basicamente temos três requisitos para aferir a validade de uma norma: 2.1. Órgão competente: a norma jurídica será considerada válida se foi editada por uma autoridade que tinha poder para criá-la. É a chamada validade formal. A Constituição Federal delimita as competências para edição de normas jurídicas entre as várias esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal), ou entre os vários poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). 2.2. Procedimento adequado: não basta que a norma seja editada por uma autoridade competente, para que seja válida, é mister que esta autoridade observe o rito previsto para a edição da norma. Rito são as formalidades que devem ser seguidas pela autoridade competente. Exemplo: uma lei nova deve seguir o procedimento legislativo previsto nos artigos 61/69 da Constituição Federal. A validade formal também engloba o procedimento. 2.3. Matéria: o conteúdo da norma jurídica deve estar de acordo com os ditames da norma superior. A norma inferior não pode ter comandos que sejam contrários aos da norma hierarquicamente superior. Por exemplo: A Constituição Federal não permite pena de morte, salvo no caso de guerra declarada; logo, se não estivermos em guerra, não é possível aplicar a pena de morte, portanto não se pode fazer uma lei que imponha como sanção a pena capital para o tempo de paz. Agora estamos em face da validade material.
2.4. Nulidade: a norma jurídica que não for válida é considerada nula, portanto não pode produzir efeitos. A norma jurídica é nula sempre que tiver algum vício quanto ao órgão que a emitiu, ou o procedimento adotado for inadequado, ou a disposição da matéria for contrária à norma superior. A nulidade é um defeito que vicia a elaboração ou o conteúdo da norma jurídica, que por isso é inválida. A nulidade pode ser: a) “Ex. tunc”: é o grau máximo de nulidade. Signi ca que a norma jurídica não pode produzir nenhum efeito, desde que foi editada, isto é, desde o seu nascimento. b) “Ex nunc”: a norma jurídica será considerada inválida somente a partir do momento em que for assim reconhecida pelo Poder Judiciário, ou seja, uma vez editada a norma jurídica, enquanto não for declarada sua invalidade pelo Juiz, ela deverá ser aplicada. Assim, ao ser declarada sua invalidade, a nulidade será considerada a partir da decisão judicial e não a partir do nascimento da norma. 3. Vigência: é o prazo que uma norma válida pode ser aplicada para solucionar um caso concreto. A norma jurídica editada pelo órgão competente, seguindo um procedimento legítimo, com conteúdo compatível com a norma superior, é considerada válida, portanto integra o ordenamento jurídico. Entretanto a aplicação da norma válida pode ser imediata ou demandar certo lapso de tempo, necessário para que se conheça o teor desta nova norma ou, ainda, para que os destinatários dela possam se adaptar aos seus comandos. 3.1. “Vacatio legis”: é o período de tempo que existe entre a publicação de uma norma válida e sua possibilidade de aplicação ao caso concreto. Decorrido o período de “vacatio legis”, a norma válida poderá ser aplicada porque vigente. Note-se que a validade e a vigência não se confundem, porque uma norma pode ser válida, sem ser vigente, mas toda norma vigente pressupõe seja válida. 3.2. Prazo de “vacatio legis”: a nova norma jurídica pode informar qual o seu prazo de “vacatio legis”. Por exemplo: O Código Civil, que trata de uma lei publicada em 2002, previu expressamente que o período de “vacatio legis” seria de um ano (vide art. 2.044). Contudo, no silêncio da lei nova, o prazo de “vacatio legis” será aquele previsto no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, isto é, quarenta e cinco dias depois de ocialmente publicada, caso a
lei nova seja aplicada no Brasil, ou três meses, caso a lei nova seja aplicada em Estado estrangeiro. 3.3. Nova publicação e “vacatio legis”: após publicada a norma jurídica (lei), caso ocorra nova publicação com a nalidade de correção de seu tex to, o prazo de “vacatio legis” começa a uir da data
desta nova publica (art. 1º, § 3º, da Lei de Introdu-
ção ao Código Civil). Caso a lei nova já esteja em vigência, então a publicação de novo texto é considerada lei nova e, portanto, o prazo da vacatio legis se inicia novamente. 3.4.. Forma de contagem do prazo da “vacatio legis”: a contagem do prazo para a entrada em vigor da norma jurídica nova far-se-á incluindo-se o dia da publicação, começando o cômputo do prazo por esse dia, e também se incluindo o último dia nesse prazo. Pouco importa se o último dia cair sábado, domingo ou feriado, posto que terminado o prazo de vacatio legis, a norma jurídica (lei) entra imediatamente em vigor. 3.5. Prazo da vigência: a norma jurídica, em regra, possui caráter permanente, vigorando enquanto não vier a ser revogada por outra norma (art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Lembre-se de que o costume contrário à lei não a revoga. Sucede que, excepcionalmente, a norma jurídica pode ter um prazo de vigência predeterminado. 3.6. Vigência temporária: as normas jurídicas, cujo prazo de vigência já esteja predenido, são
chamadas de normas temporárias ou excepcionais. A norma temporária já tem um prazo de validade estipulado, enquanto a norma excepcional subordina o prazo de vigência ao tempo em que durar uma situação jurídica anormal (ex: lei de tabelamento de preços, enquanto o país estiver em guerra). 3.7. Revogação das normas jurídicas: revogar signica retirar a vigência de uma norma jurídica
que estava em vigor. A revogação pode ser: a) total: é a supressão completa da norma jurídica anterior. É também chamada de ab-rogação. Exemplo: o novo Código Civil revogou o Código Civil de 1.916 (art. 2045 CC); b) parcial: é a supressão de parte da norma jurídica anterior. É também chamada de derrogação. O crime de sedução, previsto no artigo 217 do Código Penal, foi revogado pela Lei 11.106, de 28 de março de 2.005. Note-se que o Código Penal continua em vigor; todavia, não mais existe o crime de sedução; c) explícita: a nova norma jurídica, em seu texto, informa, expressamente, as normas jurídicas que serão revogadas. Exemplo: o novo Código Civil revogou expressamente o Código Civil de 1916 (art. 2045 CC); d) implícita: a nova norma jurídica, por ter o texto incompatível com a anterior, ou ainda, por regular toda a matéria da norma anterior, tacitamente a revoga. Exemplo: o artigo 165 do Código Penal foi revogado tacitamente pelo artigo 62 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 3.8 Repristinação: é fenômeno jurídico pelo 4
qual a norma jurídica revogadora, restaura a vigência de uma norma jurídica anterior a norma revogada. Exemplo: A Lei “X” revoga a Lei “Y”, depois a Lei “Z” revoga a Lei “Y” e determina que a Lei “X” tenha sua vigência restaurada. A repristinação é, em regra, proibida pela Lei de Introdução ao Código Civil que, excepcionalmente, admite essa possibilidade (art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil). 4. Ecácia: é a produção de efeitos por parte da norma jurídica. Signica que a norma jurídica
válida e vigente está, de fato, sendo aplicada aos casos concretos e produzindo os efeitos desejados para os destinatários da norma. Enquanto a vigência é a possibilidade de aplicação da norma jurídica ao caso concreto, a ecácia é
a aplicação da norma à realidade. 4.1. Irretroatividade da norma jurídica: a norma jurídica busca disciplinar os fatos futuros. Em regra, a ecácia da norma jurídica não re troage, porque deve respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, posto que as relações jurídicas pretéritas devem obediência ao princípio constitucional da segurança jurídica. a) Ato jurídico perfeito: é o ato praticado no passado em consonância com as normas jurídicas vigentes à época de sua realização. É um ato consumado e não o ato que ainda está em curso. Exemplo: pessoa se aposenta por tempo de serviço, com base na lei vigente na época da aposentadoria. Se houver lei posterior que aumente o prazo para a aposentadoria por tempo de serviço, a lei posterior deve respeitar o ato jurídico perfeito. b) Direito adquirido: é aquele que se incorporou, denitivamente, no patrimônio de uma de terminada pessoa. Pressupõe que uma norma jurídica, que, no passado, era vigente, gerou uma situação concreta de vantagem para uma pessoa, a qual poderá gozar essa situação, mesmo depois que revogada a aludida norma. Exemplo: uma norma jurídica garante a aposentadoria integral para aqueles que trabalharem por 30 (trinta) anos para o Estado. Paulo trabalha para o Estado há 31 anos, mas ainda não se aposentou. Entretanto, já tem o direito adquirido de se aposentar, integralmente, ainda que uma nova lei altere o prazo de trabalho para 35 (trinta e cinco anos). A nova norma deve respeitar o direito adquirido. b1) Expectativa de direito: não se deve confundir direito adquirido e expectativa de direito. O primeiro pressupõe uma situação jurídica já consolidada, mas ainda não exercida. O segundo pressupõe uma situação jurídica que está em
andamento, mas ainda não se consolidou. Partindo do exemplo anteriormente dado, imagine que Paulo trabalhou para o Estado durante 29 anos. Antes de completar 30 (trinta) anos, vem uma nova lei que aumenta o prazo para aposentadoria integral para 35 (trinta e cinco) anos de serviço. Nesta situação, Paulo não tinha direito adquirido, por isso não poderá se aposentar com proventos integrais, enquanto não cumprir trinta e cinco anos de serviço. c) Coisa julgada: é a permanência dos efeitos jurídicos de uma decisão judicial denitiva prolatada
quando da vigência de uma determinada norma jurídica. Pode ocorrer que não caiba mais recursos da decisão judicial ou que as partes não tenham recorrido. Por outro lado, a coisa julgada pode ser: a) material: os efeitos permanentes da sentença valem dentro e fora do processo (Exemplo: julgamento do mérito da reclamação trabalhista); b) formal: os efeitos permanentes da sentença valem apenas dentro do processo, mas não fora (Ex: extinção do processo, sem julgamento do mérito de uma reclamação trabalhista).
5. Retroatividade da norma jurídica: excepcionalmente, a norma jurídica poderá retroagir, sempre que for para beneciar o infrator da norma. Exemplo: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneciar o
réu” – art. 5º, XL, CF. Nesses casos, a retroatividade da norma jurídica atinge até os casos denitivamen te julgados. LiNk AcAdêmico 3
interpretaçã as nras jurías 1. Interpretação jurídica: pode ser denida como o ato de determinar o sentido e o alcance de uma ou várias normas jurídicas para solucionar conitos de
interesses que acontecem no meio social. Para se evitar o arbítrio ou abuso do intérprete, que irá dar concreção à(s) norma(s) jurídica(s), existem técnicas a serem empregadas na interpretação. O estudo dessas técnicas é feito pela hermenêutica jurídica.
2. Hermenêutica jurídica: é a parte da ciência jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos e métodos empregados na interpretação jurídica. Muito embora parte da doutrina sustente não existir diferença entre hermenêutica e interpretação, pode-se dizer, sem receio de errar, que a primeira é a teoria, enquanto a segunda é a prática. 3. O ojetivo da interpretação: a interpretação jurídica deve abranger as normas jurídicas, que são permeadas de valores, para regular os fatos. No Brasil, a principal fonte de revelação do direito é a lei. Note-se que a lei não é única fonte de produção, mas a principal. De modo que o estudo das normas
oriundas da lei impõe uma discussão prévia sobre o que se deve interpretar, isto é, o sentido prescrito pela lei (mens legis ou voluntas legis) ou o sentido desejado pelo legislador (mens legislatori ou voluntas legislatoris).
4. Teoria subjetiva da interpretação: o objetivo da interpretação é a vontade histórica do legislador que foi expressa na norma; logo, o que importa é a voluntas legislatoris. O intérprete deve levar em consideração, para descoberta da intenção do legislador, as discussões ou os debates preliminares à edição da norma e o momento histórico em que foi editada a norma. 5. Teoria objetiva da interpretação: a nalidade da interpretação é extrair o signicado
expresso na própria norma, independente da vontade do legislador, posto que a norma, uma vez editada, passa a ter vida própria que não se confunde mais com a intenção de quem a formulou. O que importa é a voluntas legis, cujo sentido deve ser extraído por meio da análise do texto normativo e também das condições históricas no momento da sua aplicação. Atualmente é a posição que prevalece entre os doutrinadores brasileiros.
6. Métodos de interpretação: é o estudo das regras técnicas empregadas para analisar o conteúdo de uma norma jurídica. Para ns didá ticos, podem ser assim esquematizados: a) gramatical; b) lógico; c) sistemático; d) histórico; e) teleológico; f) axiológico. 6.1. Gramatical: também chamado de método literal ou lológico porque estuda o signicado
das palavras que foram empregadas na norma jurídica (aspecto semântico), bem como a relação que se estabelece entre cada um dos vocábulos (aspecto sintático). É a mais antiga espécie de interpretação que se tem notícia. 6.1.1. Advertência: ressalte-se que a linguagem utilizada na norma, por vezes, é composta de termos técnicos ou de termos naturais, cujo alcance precisa ser determinado pelo intérprete. Além disso, há palavras de conteúdo indeterminado (ex: perigo iminente) ou valorativo (ex: honestidade) ou discricionários (ex: lesão grave e lesão leve) que exigem uma xação de sentido,
que necessita do emprego de outros métodos de interpretação. Bem, por isso não se deve olvidar que não existem palavras inúteis na norma, portanto os vocábulos ali expressos servem de ponto de partida da atividade hermenêutica. 6.2. Lógico: é o método de interpretar a norma jurídica por meio de sua estrutura topográca.
Através de um raciocínio, que pode ser indutivo (parte-se do especíco para o genérico) ou
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dedutivo (caminha-se do genérico para o especíco), o intérprete examina a ordem (estrutura)
que foi seguida pela norma para disciplinar um determinado assunto, buscando sempre a coerência dos preceitos da norma e explicando as contradições que, por ventura, existirem. Ex: ao analisar o tipo penal do homicídio, o intérprete nota que primeiro há um tipo básico (matar alguém), depois vem um tipo privilegiado (matar alguém por relevante valor moral) e, por último, um tipo qualicado (matar alguém com emprego
de fogo). Assim, por meio da estrutura lógica da norma, pode-se dizer se é possível a existência de homicídio privilegiado-qualicado (matar al guém por relevante valor moral com emprego de fogo) e qual a conseqüência desta situação, isto é, qual a pena que o agente irá sofrer. 6.3 Sistemático: a interpretação da norma jurídica não pode ser isolada; deve ser feita uma relação com as demais normas existentes dentro do ordenamento jurídico. Lembre-se de que o conjunto de normas jurídicas forma um sistema jurídico, porque possui uma estrutura fulcrada nos valores, que lhe dá uma unidade. O método sistemático exige que o intérprete faça uma avaliação da norma jurídica, concatenando-a com as demais normas do sistema, para que se mantenha a unidade e coerência do todo, que é o ordenamento jurídico. Uma norma deve ser interpretada em harmonia com os princípios gerais do sistema. Assim, um preceito contido na lei, deve estar de acordo com os preceitos expressos por meio da Constituição (ex.: o Código Penal Militar, que é uma lei, tem preceitos que admitem a aplicação da pena de morte; todavia a aplicação desse tipo de sanção somente é possível, a luz da Constituição Federal, quando o país estiver em guerra). 6.4. Histórico: é o método de interpretação que busca conciliar as condições especícas do
tempo em que a norma foi editada com aquelas existentes no momento da sua aplicação. Bem, por isso é também chamado de históricoevolutivo. O intérprete busca a “ratio legis”, isto é, a razão de ser da norma jurídica. Para tanto, exige-se o estudo da origem da norma, ou seja, as condições históricas em que foi posta pelo legislador. É a chamada causa remota da norma. Recomenda-se, para tanto, a leitura dos debates legislativos que antecederam a edição da norma, bem como dos precedentes normativos, a saber: as normas que estavam em vigor, antes da edição da nova norma. Após, deve-se estudar o momento atual em que a norma será aplicada, isto é, como operou a evolução da sociedade e quais os seus valores vigentes. É a
chamada causa próxima da norma. Conjugando-se a causa remota e a próxima, descobre-se a razão jurídica da norma que será aplicada ao caso concreto. a) Cuidado: a intenção fundamental desse método não é descobrir a vontade do legislador, mas adaptar a norma antiga à evolução da sociedade. Como exemplo, temos o conceito de repouso noturno previsto no Código Penal para majorar a pena do crime de furto. O horário do que se considera repouso noturno deve estar atualizado de acordo com a evolução dos costumes sociais. Note-se que o Código Penal é de 1.940, mas ainda hoje está sendo aplicado. 6.5. Teleológico: o método teleológico procura destacar a nalidade ou objetivo da norma (“mens
legis”). Deve-se descobrir o resultado que a norma jurídica busca atingir na sua atuação prática. O m
que inspirou o preceito normativo deve servir para delimitar o conteúdo da própria norma. Entretanto, a nalidade da norma jurídica não é perene, eter na. É mutável porque a Sociedade está em constante mudança. Ademais, a norma jurídica pode ter mais de uma nalidade, impondo ao intérprete
harmonizá-los. Inclusive, a interpretação teleológica é expressamente admitida na Lei de Introdução ao Código Civil, especicamente no artigo 5º, que pres creve: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos ns
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. a) Distinção: não existe incompatibilidade entre os métodos teleológico e histórico-evolutivo, visto que ambos buscam atualizar o entendimento da norma jurídica para o tempo da sua aplicação. A diferença entre ambos os métodos é apenas de enfoque. Enquanto o método teleológico busca os interesses (objetivos) que a norma deseja tutelar, o históricoevolutivo evoca as razões (fundamentos) para edição da norma e sua contínua aplicação no tempo. 6.6. Axiológica: é uma derivação do método teleológico, isto é, existe uma concepção que toda a norma jurídica possui uma nalidade. Entretanto, a nalida de não é um simples interesse a ser protegido, mas um valor que o Estado pretende tutelar. Os valores são unidades de sentido que o homem, enquanto ser social, busca implementar dentro da coletividade. Daí porque os valores são culturais, vinculantes, históricos, objetivos e mutáveis. Os valores são os bens jurídicos tutelados pelas normas. Nesse rumo de idéias, o método axiológico visa descobrir quais são os bens jurídicos tutelados pelas normas e, ainda, se há uma hierárquica entre tais bens jurídicos.
7. Efeitos da interpretação: ao serem aplicados os métodos de interpretação acima expostos, teremos um determinado resultado nal quanto ao sentido
e alcance da norma jurídica. De modo que, quan-
to ao resultado nal, a interpretação pode ser classicada em: a) declarativa; b) restritiva; c)
extensiva. 7.1. Interpretação declarativa: também chamada de especicadora. Em tais casos, o sen tido da norma jurídica corresponde ao texto de seu enunciado. Há uma perfeita correspondência entre as palavras utilizadas na norma jurídica e o sentido e vontade expressos pela norma, isto é, a mens legis. O aforismo in claris cessat interpretatio parece ser adequado para designar a ocorrência da interpretação declarativa. 7.2. Interpretação restritiva: não há uma perfeita correspondência entre o texto da norma e o seu sentido. O preceito normativo está escrito com vocábulos que expressam um pensamento mais amplo que a vontade da norma. Limita-se o alcance da norma para se evitarem efeitos injustos ou danosos. O alcance das palavras é restringido por meio da razoabilidade. Ex: imagine a seguinte norma: “o proprietário tem direito de pedir o prédio para seu uso”. Sucede que a propriedade pressupõe o poder de usar, gozar e dispor de um determinado bem, móvel ou imóvel. Os poderes de usar, gozar e dispor poderão ser divididos entre duas pessoas. Assim, aquele que tiver o poder de dispor da propriedade, é o “nu proprietário”. Já aquele que tiver o poder de usar e gozar do bem é chamado de “usufrutuário”. Ora, o “proprietário” a que alude a norma do artigo do Código Civil não engloba o “nu proprietário”, porque este não tem poder de “usar” a propriedade. Assim, o texto legal, ao usar a palavra proprietário, disse mais do que pretendia, tanto que o “nu proprietário” não está abrangido pela norma utilizada no exemplo. 7.3. Interpretação extensiva: também não há uma perfeita correspondência entre o texto normativo e o seu alcance. Os vocábulos utilizados no preceito normativo dizem menos do que o pensamento vertido pelo sentido e vontade da norma. Amplia-se o sentido da norma para além do conteúdo do seu texto. Voltemos ao exemplo anterior. O proprietário tem direito de pedir o prédio para o seu uso. Ora, no caso do usufruto, muito embora o usufrutuário não seja proprietário, obviamente está autorizado pela norma para pedir o prédio para o seu uso. Novamente não se desconsideram as palavras da norma e tampouco são acrescidos vocábulos. Simplesmente procura dar a real dimensão de uma palavra prevista na norma. a) Interpretação extensiva e analogia: são conceitos que não devem ser confundidos. Na interpretação extensiva, existe uma norma jurídica que, por meio da interpretação, terá seu 6
alcance ampliado. Analogia é um raciocínio empregado pelo Juiz para preencher eventual lacuna do direito. Quando se trata de analogia, signica que não existe norma jurídica para ser
aplicada ao caso concreto.
8. Interpretação quanto ao sujeito: é possível também classicar a interpretação de acordo
com o agente, isto é, a pessoa que a realiza. Temos, pois, a interpretação pública e a interpretação privada. 8.1. Interpretação pública: é aquela realizada pelos agentes que fazem parte da estrutura do Estado. Pode ser realizada pelos membros do Poder Legislativo, ou Executivo ou Judiciário. Esse tipo de interpretação pode ser subdividido em: 8.1.1 Interpretação autêntica: também chamada de legislativa, porque ocorre a edição de uma norma jurídica para explicar o entendimento de um determinado conceito que o emissor da norma (legislador) pretende que seja seguido. Exemplo: o artigo 327 do Código Penal reza o que se entende por funcionário público em matéria de direito penal. Como esta interpretação é oriunda de uma lei, possui força genérica e vinculante para todos. 8.1.2 Interpretação judicial: é realizada pelos membros do Poder Judiciário na aplicação das normas jurídicas aos casos concretos que lhe sejam submetidos a julgamento. Essa interpretação, em regra, tem força vinculante para as partes que estão em litígio numa determinada ação (ex: numa ação de reconhecimento de paternidade, a decisão judicial vale apenas e tão somente para o autor e para o réu dessa ação). Note-se que a interpretação judicial cria a jurisprudência, que signica decisões reiteradas de
um determinado Tribunal acerca de uma matéria jurídica complexa que pode ser a interpretação de um determinado dispositivo legal. a) Súmulas: é a síntese da jurisprudência dominante em um determinado Tribunal acerca de um dado assunto polêmico. As súmulas são editadas pelos Tribunais (ex: Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal, Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula 331 do Tribunal Superior Eleitoral). Em regra, não possuem caráter vinculante. São apenas modelos de interpretação jurídica que as instâncias superiores do Poder Judiciário editam e podem ou não serem seguidas pela sociedade, Administração Pública ou demais membros do Poder Judiciário. b) Súmula vinculante: a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de setembro de 2004, criou a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal
editar súmulas de caráter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A Súmula vinculante deve versar sobre matéria constitucional e terá, como um de seus objetivos, a “interpretação” de norma(s) determinada(s), acerca da(s) qual(is) haja controvérsia atual entre os juízes, tribunais e órgãos da administração pública (vide artigo 103-A, da CF). Note-se que a regra é a edição de súmulas normais, sendo que a súmula vinculante é uma exceção, que somente pode ser utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. 8.1.3. Interpretação administrativa: é a emanada dos órgãos que compõem a administração pública direta (ex: secretaria de governo) ou indireta (ex: fundações públicas). A lei é, usualmente, genérica; logo, para que o administrador possa lhe dar concreção, deverá interpretá-la. Essa interpretação é vinculante tão somente para a Administração. A interpretação pode ser: a) Genérica: existe a padronização do entendimento da lei para abranger a generalidade de pessoas que a administração atende (ex: regulamentos, decretos, portarias etc). b) Casuística: a administração irá procurar dar concreção à norma jurídica para situações excepcionais, mantendo a impessoalidade, mas visando sempre garantir a igualdade de tratamento. Exemplo: em concurso público, de caráter geral, podem concorrer pessoas portadoras de deciência visu al, portanto a prova escrita, para tais candidatos, deverá ser feita em método braile ou terá que ser lida por algum funcionário da administração para o candidato deciente, que irá responder oralmente a
questão, que deverá ser escrita ou assinalada pelo funcionário público designado para aplicar a prova. 8.2. Interpretação privada: é realizada pelos particulares, isto é, pessoas que não têm vínculo com o Estado, não fazem parte de sua organização. Pode
situação concreta. Logo, impõe-se o estudo prévio acerca da completude ou não do sistema jurídico, bem como, um modo como resolver eventuais vazios ou buracos, caso este sistema não seja completo.
2. Sistema jurídico: a criação do sistema jurídico não é tarefa fácil e pressupõe uma análise histórica do assunto. 2.1. Sistema jurídico externo: o germe inicial da idéia de sistema jurídico se iniciou na Idade Média, por meio dos glosadores, isto é, intérpretes do direito que procuravam analisar o Direito Romano (Corpus Júris Civile, de Justiniano, e o Decretum, de Graciano) e harmonizá-lo com os cânones e decretos papais, visando criar um direito que pudesse ser aplicado em toda a Europa, durante o período da baixa Idade Média que compreende os séculos IX ao XV. Nessa época, o sistema jurídico era externo ou extrínseco, por ser criado pelo intérprete, não pelo legislador. 2.2. Sistema jurídico interno: na Idade Moderna, com o aparecimento do Estado como detentor do Poder Soberano e, ainda, em face do paulatino enfraquecimento da Monarquia e da Igreja Católica, bem como a crença na razão livre como mola propulsora do desenvolvimento humano, social e econômico, o Direito será visto como um produto oriundo da razão humana. De sorte que o Estado Moderno, por meio de seu órgão legislativo, irá editar Leis, dotadas de harmonia e coerência. Nesse rumo de idéias, o direito será visto como um sistema interno ou intrínseco porque criado pelo legislador. Atualmente, é a visão que tem predominado entre os estudiosos da matéria.
do direito ao caso concreto (ex: contratos), ou teóri-
3. Repertório e estrutura do sitema jurídico: a questão quanto aos elementos do sistema jurídico (repertório) e a forma de relacioná-los (estrutura) é uma questão tormentosa dentro do direito. Existem inúmeras teorias sobre o assun-
ca, a signicar o estudo das normas jurídicas levado
to; todavia, para ns didáticos, vamos abordar
a cabo pelos doutrinadores do direito (ex: comentários ao Código Civil). A interpretação privada teórica é chamada de interpretação doutrinária e não tem caráter vinculante.
apenas dois modelos de sistema jurídico. 3.1. Modelo lógico-formal: o sistema jurídico é composto exclusivamente por normas jurídicas que se relacionam por meio das puras leis da lógica. O sistema jurídico é fechado e completo porque toda conduta humana está regulada pelo direito, quer positiva, quer negativamente. Para essa concepção de sistema jurídico, não há lacunas no direito porque os fatos que não estão juridicamente previstos no sistema são considerados juridicamente irrelevantes. Um dos principais partidários desta corrente é Hans Kelsen, que admite a ocorrência de lacuna na lei, mas não no direito.
ser prática, ou seja, realizada para ns de aplicação
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integraçã ret 1. Introdução: o direito não é composto por uma única norma jurídica, mas por várias normas, as quais são editadas por emissores (legisladores) diferentes e, muitas vezes, em épocas distintas. Entretanto, ainda que haja uma enorme quantidade de normas jurídicas, ainda assim é possível que não exista uma norma especíca para regular uma dada
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3.2. Modelo tridimensional: o sistema jurídico é composto por três elementos básicos (fatos, normas e valores), que se relacionam por meio de regras de calibração, isto é, os valores básicos que regulam a convivência humana dentro de uma determinada sociedade. Assim, o sistema jurídico é composto por três subsistemas: a) normativo; b) fático e c) valorativo, os quais estão em constante intercâmbio. Esse modelo de sistema é aberto e incompleto, porque está em constante evolução e modicação. Admite-
se, pois, a existência de lacunas não apenas na lei, mas no próprio direito, porque novos fatos e valores surgem dentro da sociedade e precisam ter uma regulação por meio de normas jurídicas. Um dos principais partidários desta teoria é Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
4. Lacuna: é a ausência de norma dentro do sistema jurídico para regular uma determinada situação fática. No momento em que se aplica o direito ao caso concreto, o intérprete detecta que existe uma incompletude dentro do sistema jurídico. Essas lacunas podem ser: 4.1. Lacunas autênticas: não existe norma jurídica para disciplinar o fato, que não era possível de ser previsto pelo editor da norma (legislador). Na lacuna autêntica ocorre um descompasso entre a norma jurídica e os fatos sociais. Esses, por serem mais novos e dinâmicos, não foram regulados pela primeira. Exemplo: o aborto dos anencéfalos – o Código Penal somente permite o aborto no caso de estupro ou perigo de vida para a gestante, entretanto é possível o aborto quando o feto é biologicamente inviável fora do ventre materno? Veja que o legislador de 1940 não podia prever o avanço da medicina fetal; logo há uma lacuna que precisa ser preenchida pelo aplicador do direito. 4.2. Lacunas não autênticas: existe uma norma jurídica para disciplinar o fato; todavia a solução proposta na norma é considerada insatisfatória, à luz dos valores existentes na sociedade. Os valores da norma jurídica são diferentes dos valores prevalecentes na sociedade. Exemplo: o jogo de bicho, embora punido como contravenção, é, em certas sociedades do Brasil, aceito como uma simples aposta, como se fosse uma espécie de loteria não ocial. A punição do jogo
de bicho é, ainda, válida? 4.3. Lacunas intencionais: o editor da norma (legislador), por questão de política legislativa, entende ser melhor atribuir ao intérprete da norma (juiz) a tarefa de encontrar uma regra
em julgamento, o valor devido pelo alimentante ao alimentado. 4.4. Lacunas não intencionais: o editor da norma (legislador), por descuido ou pelo fato de não poder prever o futuro, deixa de regular uma determinada situação fática. Se a omissão é por falta de cuidado, é chamada de lacuna indesculpável. Entretanto, se a omissão decorre da ausência de previsão acerca do futuro, então há a lacuna desculpável. 4.5. Lacuna originária: já existe no momento da edição da norma jurídica. A norma jurídica já nasce com uma lacuna, que pode ser intencional ou não. 4.6. Lacuna posterior: a norma jurídica nasce completa, mas, em decorrência das transformações nas situações fáticas ou no sistema de valores da sociedade, irá surgir uma lacuna.
5. Integração do direito: detectada a ocorrência de uma lacuna dentro da lei (concepção de Kelsen) ou do direito (concepção de Tércio), é mister que seja preenchida ante o postulado normativo da decidibilidade dos conitos sociais. Não se pode deixar de
julgar, a pretexto de existir uma lacuna dentro do sistema jurídico. Destarte, a integração do direito são os mecanismos a serem empregados para colmatar (preencher) as lacunas do direito. O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil indica quais são esses mecanismos de preenchimento das lacunas, a saber: analogia, costumes e princípios gerais de direito. Passemos ao estudo deles. LiNk AcAdêmico 5
Analga 1. Denição: é um procedimento por meio do qual
o intérprete aplica uma norma jurídica, estabelecida para uma determinada situação fática, para uma outra situação fática que ele reputa semelhante, posto que as duas situações possuem uma mesma razão jurídica. É a velha máxima ubi eadem ratio, ibi eadem júris dispositio (em que há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito).
2. Procedimento: na analogia existe um raciocínio quase lógico, que pressupõe a análise de duas premissas (situações fáticas), que devem ser tidas como semelhantes (mesma razão jurídica) para que se aplique a mesma norma jurídica. A analogia não é procedimento estritamente lógico de comparação entre duas situações, mas uma forma de procedimento que exige a valoração das situações. Ao ser falar em valores, saímos do campo da lógica estrita.
especíca para o caso concreto. Por exemplo,
3. Diferenças básicas: não se deve confundir a analogia com a dedução ou a indução. A dedução é uma forma de raciocínio que se parte do geral para
quanto ao valor dos alimentos, não existe um
o especíco. A indução é o contrário, isto é, parte-se
valor xo, mas deverá o juiz arbitrar, no caso
do especíco para o geral. Já a analogia é uma com -
paração entre duas situações especícas ou
duas situações genéricas. Na analogia não se vai do particular para o genérico ou vice versa. A analogia sempre pressupõe comparação de situações do mesmo nível (particular-particular ou geral-geral).
4. Etapas da analogia: O procedimento para se aplicar a analogia não é simples e, para ns de
estudo, pode ser decomposto em etapas: 4.1. Situação fática não prevista em norma jurídica: deve o intérprete bem conhecer o fato concreto que pretende regular por meio da norma jurídica. Exemplo: uma determinada mulher, vítima de atentado violento ao pudor, engravidou e pretende abortar. Para tanto, por meio de seu patrono, faz um pedido de aborto ao Poder Judiciário. 4.2. Existência de norma jurídica para umcaso especíco: deve o intérprete descobrir se existe uma norma jurídica, dentro do sistema, que contemple, em sua descrição fática (hipótese de incidência), uma situação semelhante àquela que se pretende julgar. Note-se que as normas jurídicas, em regra, são compostas de preceito e sanção. O preceito é a descrição fática que consta na norma jurídica (Ex: gravidez resultante de estupro – artigo 128, inciso II, do Código Penal). A sanção é conseqüência prevista (Ex: não se pune o aborto nesta situação especíca).
4.3. Comparar as situações jurídicas especícas e descobrir se possuem a mesma razão
essencial ou fundamental: o intérprete deve analisar as semelhanças entre as duas situações fáticas, isto é, aquela em julgamento (pedido de aborto em caso de gravidez decorrente de atentado violento ao pudor) e aquela prevista na norma jurídica especíca (a norma autoriza o
aborto no caso de gravidez resultante de estupro) e demonstrar que possuem a mesma razão jurídica, isto é, há uma razão essencial entre ambas. O raciocínio empregado não se baseia numa lógica comparativa, mas se insere em um processo axiológico, isto é, deve ser feito um juízo de valoração pelo intérprete. 4.4. Aplicação da norma por analogia: uma vez reconhecida a mesma razão jurídica, então a norma especíca, que regula uma situação fática especíca, é aplicada para regular outra
situação fática semelhante. No exemplo dado, o Poder Judiciário autoriza o aborto da mulher grávida em razão de atentado violento ao pudor, aplicando por analogia o artigo 128, inciso II, do Código Penal.
5. Modalidade de analogia: a doutrina costu8
ma distinguir dois tipos de analogia: 5.1. Analogia “legis”: o intérprete se vale apenas de uma única norma jurídica que será aplicada ao caso semelhante, não regulado por nenhuma outra norma. 5.2. Analogia “juris”: o intérprete se vale de várias normas jurídicas para extrair uma única razão jurídica, que servirá de fundamento para regular uma dada situação fática, não prevista em nenhuma outra norma do sistema jurídica.
6. Fundamento da analogia: assenta-se no princípio geral de que se deve dar tratamento igual aos casos semelhantes. Situações fáticas que tenham igualdade jurídica devem receber o mesmo tratamento. 7. Limites a analogia: como a analogia pressupõe o uso de valores na comparação de situações que se assemelham, evidente que haverá certo grau de discricionariedade do intérprete, que, por essa razão, emprega a argumentação para motivar e justicar sua decisão. Entretanto,
alguns setores do ordenamento jurídico, para evitar que a discricionariedade crie o arbítrio ou abuso, vedam o emprego de analogia. Daí porque, o direito penal não admite analogia para incriminar o agente (analogia “in malan partem”). Note-se que é possível a analogia em benefício do réu (analogia “in bonan partem”), mas não para prejudicá-lo. Também, em direito tributário, não é possível a analogia para criar tributos. LiNk AcAdêmico 6
cstues 1. Introdução: nos primórdios da civilização, quando não existia a idéia de Estado Soberano e tampouco da divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), as lides (conitos de
interesses) eram resolvidas pelos juízes com fundamento nos costumes, daí porque, além de serem um método de integração do direito, também são conhecidos como fontes formais do direito. 2. Denição: o costume é uma norma jurídica
não escrita, que surge da prática reiterada de um determinado comportamento por membros de uma sociedade, que entendem ser aquela conduta obrigatória. 3. Elementos: o costume possui dois elementos: a) objetivo, isto é, a prática reiterada de uma mesma conduta pelos membros da comunidade; b) subjetivo, ou seja, a consciência de que a conduta reiterada é juridicamente obrigatória.
4. Razões da existência da norma consuetudinária: as causas que levam ao surgimento de um costume são variadas e, sem a intenção de
esgotar o tema, podemos elencar: a) as psicológicas, como o espírito de imitação e o medo de inovar e não ser aceito pela sociedade; b) as sociais, que seriam o respeito ao passado e ao legado cultural deixado pelos ancestrais; c) as religiosas, ou seja, os dogmas baseados na crença da existência de uma divindade que ordena a sociedade; d) as valorativas porque o ser humano possui como um bem básico de convivência social a harmonia e o justo, daí porque normas de convivência que atendam os dois predicados expostos são tidas como obrigatórias e seu descumprimento gera punição.
5. Diferenças entre o costume e a lei: com o advento do Estado Moderno, que passou a ser o detentor do Poder Soberano, o direito é, preponderantemente, baseado na lei, que é um produto da razão humana externado, por escrito, pelos integrantes do Poder Legislativo. O costume, que é uma prática reiterada de comportamento, realizada por membros de uma determinada comunidade, com a consciência da obrigatoriedade, deixou de ter um papel relevante como fonte do direito e passou a ser visto como método de integração do direito. Assim, enquanto a lei fornece normas jurídicas escritas, o costume é escorado na tradição, portanto não é escrito. Além disso, a obrigatoriedade da norma legal deriva de uma ameaça de sanção certa e determinada, que será imposta pelo seu descumprimento; já a obrigatoriedade do costume advém da consciência coletiva da comunidade, que irá também impor sanção pelo descumprimento da norma consuetudinária; todavia esta sanção é difusa. 6. Diferença entre costume e hábito: sob o aspecto objetivo, tanto o costume quanto o hábito são comportamentos reiterados realizados pelos membros de uma determinada sociedade. Entretanto, sob o aspecto subjetivo, o costume possui a consciência da obrigatoriedade e o seu descumprimento irá gerar a imposição de sanção no âmbito do direito. A seu turno, o descumprimento do hábito não gera nenhuma sanção jurídica. Por exemplo: a moda de uma determinada cor nas vestimentas femininas é um hábito, não um costume, tanto que a pessoa que não seguir a moda, não irá sofrer nenhuma sanção jurídica. 7. Espécies de costume: a doutrina classica os costumes de acordo com a relação que ele estabelece com a lei. Assim, temos: 7.1. Costume “secundum legem”: é o costume de acordo com a lei; há uma conduta que é praticada de forma reiterada pela sociedade e existe uma lei que prevê esta mesma conduta como obrigatória. 7.2. Costume “contra legem”: é o costume contrário a lei; há uma contradição entre a conduta reiterada pelos membros da sociedade e a conduta im-
posta pela lei. Assim, a lei proíbe uma conduta que é considerada um costume pela sociedade. O costume contrário à lei pode ser dividido em: a) desuso: a lei deixa de ser aplicada por não ser mais adequada aos valores da sociedade; b) “ab rogatório”: a lei deixa de ser cumprida porque surge um costume em sentido contrário. Havendo contradição entre a lei e o costume, deve prevalecer a primeira, nos termos do disposto no artigo 2º, “caput”, da Lei de Introdução ao Código Civil. 7.3. Costume “praeter legem”: é o costume que se aplica quando não existe lei ou há uma omissão da lei sobre determinado assunto. Nesse caso, o costume serve como forma de integração do direito. Exemplo é o cheque prédatado que, muito embora não seja previsto na Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985, é aceito na prática comercial diuturna do Brasil.
8. Aplicação do costume como forma de integração do direito: o costume é uma norma jurídica não escrita, portanto não se sabe a data do seu início e tampouco as pessoas a quem atinge. Neste rumo de idéias, para a aplicação do costume como forma de integração do direito, deve-se provar a sua existência e vigência. O ônus desta prova incumbe a quem o alegar, nos termos do disposto no artigo 337 do CPC. Assim, ausente a lei, deverá a parte demonstrar ao juiz a existência de um determinado costume que regula a matéria. O costume a ser comprovado pela parte não precisa ser geral, pode ser local. 9. Como se prova a existência do costume: por meio de todas as provas admitidas em direito, tais como: testemunhas, cópias de decisões judiciais anteriores que o tenham admitido, cópias de contratos rmados com base no costu me etc.
Prníps geras e ret 1. Introdução: as modernas legislações do mundo ocidental, cientes da ocorrência de eventuais lacunas na lei, admitem o emprego dos princípios gerais de direito como uma forma de integração do direito. Todavia, o que se entende pela expressão “princípios gerais de direito” é matéria bastante controversa. Pelo menos, quatro concepções distintas existem sobre o assunto. 2. Direito natural: uma corrente de pensamento sustenta que os princípios gerais de direito identicam-se com o Direito Natural, que seria
superior ao Direito Positivo. Entretanto, o que 9
se entende por Direito Natural é uma questão
creto, quando ausente uma norma especíca que o
ainda não pacicada.
regule. Como existem vários princípios em disputa, o intérprete deve escolher aquele que se mostrar mais adequado ao caso concreto. Essa escolha não é arbitrária, mas feita por meio do postulado normativo da proporcionalidade.
2.1. Direito natural como expressão da razão: é o posicionamento de Giorgio Del Vecchio para quem os princípios gerais de direito são dogmas obtidos pela razão. 2.2. Direito natural como expressão da natureza das coisas:é o pensamento de Legaz y Lacambra, para os quais os princípios gerais de direito são postulados para a manutenção da vida em sociedade e, para descobri-los, devese analisar a convivência humana. 2.3. Direito Natural como leis divinas: é um posicionamento antigo que entendia serem os princípios gerais de direito revelados por meios das verdades que se podem extrair da interpretação dos textos bíblicos. 3. Eqüidade: para esta corrente de pensamento, os princípios gerais de direito são normas inspiradas no sentimento de igualdade. Entretanto, a eqüidade é uma forma de integração do direito que difere dos princípios gerais. 4. Princípios losócos / cientícos: para os
partidários desse entendimento, os princípios gerais de direito são princípios universais, ditados pela ciência e pela losoa, para o estudo
do ordenamento jurídico.
5. Positivista: os partidários deste pensamento defendem que os princípios gerais de direito são normas jurídicas positivadas por um determinado Estado Soberano. Aqui também reina enorme controvérsia entre os seus adeptos, uma vez que alguns, entre eles Savigny, sustentam que os princípios são as idéias fundamentais, inspiradoras das normas jurídicas; logo os princípios gerais de direito são os valores básicos que o sistema procura tutelar. Já outros, dentre os quais Esser, armam que os princípios gerais de direito são
normas jurídicas implícitas no sistema, as quais extraídas pelo intérprete por meio de processo de abstração das várias leis que compõem o ordenamento jurídico do Estado Soberano.
6. Posição atual: hodiernamente, os princípios gerais de direito estão previstos nas Constituições como normas de grande abstração, que devem ser utilizadas para julgamento de casos difíceis, para os quais não haja uma norma especíca. Exemplo: o uso de algemas e a digni dade da pessoa humana ou a necessidade de transfusão de sangue e a liberdade religiosa. 7. Aplicação dos princípios gerais de direito: como o próprio nome informa, não existe um único e exclusivo princípio que pode ser utilizado pelo intérprete para solucionar o caso con-
8. Proporcionalidade: trata-se de um raciocínio desenvolvido pelo intérprete em três fases, a saber: a) adequação: na ausência de uma norma especíca para regular uma determinada situação, deve-se procurar escolher os princípios mais aptos a atingir a nalidade de harmonizar o conito de interesses; b) necessidade: escolhidos os princípios que podem ser aplicados ao caso concreto, deve-se escolher o princípio menos gravoso, isto é, aquele que soluciona o conito e causa menor gravame à parte sucum bente, isto é, para aquele que vier a perder a causa. c) proporcionalidade em sentido estrito: encontrado o princípio adequado e necessário, pondera-se se aludido princípio, no caso prático, está de acordo com os valores mínimos da pessoa humana que devem ser respeitados no Estado. Para se evitar uma avaliação fortemente subjetiva do Julgador quanto aos valores mínimos a serem respeitados, necessário obedecer à tábua de valores que é expressa na própria Constituição (Ex: artigo 5º da CF, que menciona como valores básicos: a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade). LiNk AcAdêmico 7
Eqüae 1. Introdução: a eqüidade, além de ser uma forma de integração do direito, prevista legalmente no artigo 127 do CPC a determinar que “o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”, também auxilia na interpretação do sentido e alcance das normas jurídicas. Assim, a eqüidade possui uma dupla nalidade, isto é, serve como meio de integração
e interpretação do direito. 2. Denição: existem várias denições de eqüida -
de, porque se trata de um termo plurívoco. Podemos assim ter três acepções desse vocábulo: 2.1. Estrita: a eqüidade é a justiça do caso concreto. É amoldar a norma jurídica, abstratamente considerada injusta, ao caso concreto, para tornar justa a aplicação da norma. 2.2. Lata: a eqüidade seriam os princípios gerais de direito, numa perspectiva do direito natural. Partindo do pressuposto que o direito positivo aspira chegar à perfeição do direito natural, a eqüidade seria uma ponte entre ambos os direitos. 2.3. Latíssimo: a eqüidade é a suprema e universal regra de justiça, baseada na igualdade entre os homens. O direito positivo, em última análise, é baseado no princípio da isonomia.
3. Espécies de eqüidade: pode-se classicála quanto ao modo de expressar-se dentro do sistema jurídico: 3.1. Eqüidade legal: é aquela contida no texto da norma jurídica, isto é, o editor da norma faz referência que a sua aplicação somente se concretiza por meio da eqüidade. Exemplo: O artigo 1.584, § único, do Código Civil, reza que incumbe ao Juiz decidir por eqüidade, sobre a guarda dos lhos no caso de separação do casal.
3.2. Eqüidade judicial: ocorre sempre que a legislação, de forma expressa ou implicitamente, incumbir ao Juiz que a aplique a eqüidade ao caso concreto. Note-se que, agora, não é o texto de uma norma jurídica, mas o contexto de toda a legislação. Exemplo: O artigo 11, inciso II, da Lei 9.307/96 autoriza que o julgamento realizado por árbitros escolhidos pelas partes possa ser realizado por meio da eqüidade. 4. Pressuposto da eqüidade: é a exibilização da norma jurídica para evitar decisões injustas no caso concreto. O Juiz, estritamente formalista, que segue rigorosamente as palavras do texto da norma, geralmente, acaba sendo injusto. Deve-se evitar o brocardo latino: “summum jus”, “summa injuria”. 5. Procedimento: A aplicação da eqüidade como forma de integração do direito, segue as seguintes etapas: 5.1. Existência de uma lacuna: para decidir o caso concreto, não existe texto normativo claro e inexível a ser aplicado. Entretanto, se o texto
normativo expressamente faz referência à eqüidade, então a lacuna foi intencional e deve ser imediatamente resolvida pelo intérprete. 5.2. Insuciência das outras formas de inte gração do direito: caso o texto normativo não faça expressa referência à eqüidade, para o preenchimento da lacuna deve o intérprete valer-se primeiro da analogia, depois dos costumes e, então, dos princípios gerais de direito. Caso nenhum deles seja suciente para preencher a
lacuna do direito, então se aplica a eqüidade. 5.3. Elaboração da regra de eqüidade: o intérprete (juiz) deve formular a norma para o caso concreto de forma cientíca, isto é, harmonizan do a regra concreta com as idéias mestras do sistema jurídico do Estado. Exemplo: não pode o intérprete criar uma norma baseada exclusivamente na idéia de que os meios de produção pertencem ao Estado, quando o direito brasileiro adota o regime da propriedade privada. 6. Função interpretativa da eqüidade: como foi dito na introdução deste tópico, a eqüidade possui uma dupla nalidade: integração das
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lacunas e método de interpretação da norma jurídica. Empregando a eqüidade na função interpretativa, teremos as seguintes conseqüências:
já visto quando tratamos dos princípios gerais de direito. b) Antinomias aparentes: o ordenamento jurídico
6.1. Predomínio da nalidade da norma so -
prevê critérios especícos para solução do conito
bre o seu texto: na exegese da norma jurídica, deve o intérprete buscar o m da norma e não car preso à sua literalidade.
6.2. Critério de escolha da interpretação a ser aplicada: ao realizar a exegese da norma jurídica, são possíveis várias possibilidades de entendimento, dentre elas, o intérprete deve escolher aquele que se revelar mais humano e benigno, porque é o mais próximo da idéia de justiça. LiNk AcAdêmico 8
Antnas jurías 1. Introdução: o sistema jurídico, composto por regras e princípios, é estruturado por meio dos valores da sociedade. O aludido sistema deve ser uma concatenação lógica e coerente de normas jurídicas, evitando-se contradições. A unidade e a coerência do sistema decorrem da primeira norma que o origina. Hans Kelsen denomina esta primeira norma jurídica positiva como sendo a Constituição; todavia, acima da Constituição, existe a norma hipotética fundamental, que não é escrita, mas apenas pressuposta e serve como um apoio lógico racional para fundamentar o sistema jurídico. 2. Consistência do sistema: em que pese existam várias normas jurídicas, válidas, vigentes e ecazes, é necessário que tais normas
estejam em plena harmonia, não podendo ocorrer contradição entre elas, sob pena de surgir a antinomia.
3. Antinomia: é o conito entre duas normas jurídicas que são válidas, portanto pertencem ao mesmo sistema jurídico. Como o sistema é unitário e coerente, eventuais antinomias devem ser solucionadas pelo intérprete quando da aplicação do direito. Podemos classicar as
antinomias por vários critérios: 3.1. Quanto à solução: deve-se perquirir se o sistema prevê ou não formas para solução da antinomia: a) Antinomias reais: o ordenamento jurídico não prevê critérios de resolver aludido conito de normas ou existe conito entre os critérios a
serem utilizados. Exemplo: duas normas constitucionais (mesmo nível), igualmente gerais (mesma extensão), promulgadas ao mesmo tempo (simultâneas). Em tais situações, a solução para extirpar a antinomia é o recurso aos métodos de integração do direito, principalmente ao postulo normativo da proporcionalidade,
que, bem por isso, é somente aparente. 3.2. Quanto ao conteúdo: o conito de normas re sulta da disposição de seus comandos: a) Antinomia própria: ocorre sempre quando as normas jurídicas prescrevem condutas cujos modais deônticos são contraditórios. Os modais deônticos são as formas básicas de expressão da norma jurídica (proibido, permitido e obrigatório). Exemplo: o artigo 121 do Código Penal reza que matar alguém corresponde a uma pena de 06 a 20 anos. A bem da verdade, esta norma diz que é proibido matar. O mesmo Código Penal prevê a legítima defesa (art. 25 do CP), a signicar que é permitido matar para
se defender. Note-se que a conduta matar, ora está proibida, ora permitida; logo, estamos em face de uma antinomia própria. b) Antinomia imprópria: há uma contradição entre o conteúdo material das normas jurídicas. Os valores protegidos pelas normas estão em contradição. Existem as antinomias de princípios (valores opostos são protegidos – ex: liberdade e segurança), as antinomias de valoração (critérios de valoração adotados pelo legislador que são incoerentes – ex: pena mais leve para um crime considerado mais grave) e antinomias teleológicas (incompatibilidade entre os valores da norma m e os valores da norma meio
que deve ser empregada – ex: erradicar a pobreza por meio do controle de natalidade). 3.3. Quanto ao âmbito: o conito pode ser entre normas dentro de um mesmo ordenamento jurídico ou entre normas de ordenamentos jurídicos distintos. Portanto haverá: a) Antinomia de direito interno: são aquelas que ocorrem dentro do sistema jurídico de um determinado Estado Soberano. Tais antinomias podem ocorrer dentro de um mesmo ramo do direito (ex: direito civil) ou entre diferentes ramos (ex: direito civil e constitucional). b) Antinomias de direito internacional: são aquelas que ocorrem entre as normas que compõem o chamado Direito Internacional, isto é, as convenções internacionais, os costumes internacionais, os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas etc (art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). c) Antinomias de direito interno-internacional: é o conito que se estabelece entre a norma de di reito de um Estado Soberano e a norma de direito internacional que foi subscrita pelo aludido Estado. O problema reside em saber se haverá a prevalência de um sistema sobre o outro ou a coordenação entre ambos.
3.4. Quanto à extensão: o conito de normas relaciona-se aos termos empregados por cada um dos comandos em colidência. Daí pode-se inferir: a) Antinomia total-total: uma das normas não pode ser aplicada, em nenhuma circunstância, porque entra em conito com a outra.
b) Antinomia total-parcial: uma das normas em conito pode ser aplicada, em determinadas circunstâncias, sem entrar em conito com a
outra. c) Antinomia parcial-parcial: duas normas têm um campo de aplicação que, apenas parcialmente, entra em conito com a outra; en tretanto, em noutras circunstâncias, as normas são distintas, portanto não conitantes.
4. Solução das antinomias: para solucionar o conito de normas, necessário que se empre guem critérios lógicos, baseados no postulado da coerência, para manter a unidade do sistema. 5. Antinomia do direito interno: são previstos três critérios básicos para solução dessas antinomias: 5.1. Hierárquico: a norma superior prevalece sobre a inferior. Para saber se uma norma é superior ou inferior, devem-se analisar as fontes do direito, isto é, se a norma é constitucional, legal, regulamentar, contratual etc. 5.2. Cronológico: a norma posterior prevalece sobre a anterior. Por este critério para se descobrir a nova norma, deve-se levar em consideração o tempo de vigência dela e não o tempo em que foi editada ou publicada. Esse critério é utilizado apenas para normas que tenham a mesma hierarquia. 5.3. Especialidade: a norma especial prevalece sobre a geral. Entende-se por norma especial aquele que contém todos os elementos componentes da norma geral e, ainda, outros especícos que, bem por isso, lhe dão uma
feição diferente, portanto especial. Mencionado critério busca, em última análise, a igualdade por meio do reconhecimento da existência de situações desiguais. 5.4. Combinação dos critérios: é também chamada de antinomia de segundo grau, porque se trata de uma situação que costuma ocorrer freqüentemente porque a profusão de normas dentro do ordenamento e a velocidade com que são editadas acabam por criar situações em que os critérios lógicos de solução das antinomias devem ser combinados e, ainda, comparados em termos de força para saber qual deles deve prevalecer. Os critérios mais fortes são os 11
da hierarquia e especialidade, enquanto o mais fraco é o cronológico. Donde se chegam às seguintes situações: a) Critérios hierárquico e cronológico: é a situação de uma norma anterior-superior em conito com uma norma posterior-inferior. Como o
critério hierárquico é o mais forte, deve prevalecer sobre o cronológico. Nesse rumo de idéias, a norma posterior inferior não derroga a norma anterior-superior. Ex: uma lei complementar posterior não prevalece sobre uma emenda à Constituição anteriormente editada. b) Critérios especialidade e cronológico: é a situação de uma norma anterior-especial e outra posterior-geral. Considerando que o critério da especialidade é mais forte, prevalece sobre o cronológico donde se conclui que a norma anterior especial não é derrogada pela norma posterior-geral. Ex: o processo-crime previsto para os crimes relacionados ao tráco de drogas
(Lei nº 11.343/06) não foi derrogado pela Lei nº 11.704/98 que prevê novo processo-crime para o Código de Processo Penal, porque a nova lei é posterior, mas geral, enquanto a lei de tóxicos é anterior e especial. c) Critérios hierárquico e especial: é a situação de uma norma superior-geral em contradição com uma norma inferior-especial. Considerando que os aludidos critérios são igualmente fortes, para solucionar a aludida antinomia deve-se levar em consideração a eqüidade, buscando a justiça do caso concreto.
6. Antinomias do direito interno-internacional: o critério a ser utilizado irá depender do Juízo que estiver apreciando a causa. Assim, temos: 6.1. Tribunal Internacional: prevalece o tratado internacional sobre a norma interna, posto que, se o Estado Soberano aderiu, voluntariamente, ao tratado, devia adaptar sua legislação interna ao novo direito que foi aceito. 6.2. Tribunais Internos: prevalecem diferentes critérios para a solução do problema: a) Prevalência da norma interna: as normas jurídicas internacionais possuem uma relativa autoridade em face das normas internas, que têm autoridade absoluta dentro dos limites territoriais do Estado, daí porque, no conito entre
ambas, prevalece a norma interna. b) Prevalência da norma internacional: casos os tratados internacionais e as normas internas estejam no mesmo patamar hierárquico, prevalece o tratado caso tenha sido subscrito posteriormente à edição da lei interna. c) Prevalência da norma internacional: casos as normas dos tratados internacionais estejam
de acordo com os ditames da Constituição, então o tratado tem prevalência sobre a lei interna, ainda que a lei seja posterior à edição do tratado.
7. A Constituição Brasileira e os tratados internacionais: a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, disciplinou a recepção das normas internacionais pelo Estado Brasileiro (art. 5º, § 3º, CF). 7.1. Normas internacionais relacionadas a direitos humanos: as normas internacionais que versem sobre direitos humanos, uma vez subscritas pelo Governo Brasileiro e, aprovadas por três quintos de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, são consideradas emendas à Constituição, portanto prevalecem sobre a lei. 7.2. Normas internacionais gerais: uma vez subscritas pelo Governo Brasileiro e, aprovadas por maioria simples do Congresso Nacional, tem força de lei e, caso aprovadas posteriormente, prevalecem sobre a lei interna. LiNk AcAdêmico 9
Arguentaçã juría 1. Denição: é o estudo do discurso empregado
pelo Julgador para fundamentar a decisão de um caso concreto. É sempre um discurso racional que exige uma fundamentação.
2. Argumentação x demonstração: argumentar signica fornecer razões e motivos para justicar
uma decisão que foi tomada. Fulcra-se em um raciocínio persuasivo; já a demonstração liga-se a idéia de evidência, ou seja, a prova que se obtém por meio de raciocínios lógico-formais. De sorte que os argumentos devem ser baseados nos fatos demonstrados dentro do processo.
3. Argumentação e dogmática: o discursivo jurídico não é livre, mas limitado pelas normas jurídicas que compõem o sistema. Ao discorrer para a tomada de uma decisão, o Julgador Monocrático deve, primeiramente, situar o problema ou o conito a
ser solucionado. Após, analisar os fatos que foram demonstrados pelas partes, ou seja, o conjunto probatório e indicar a norma ou conjunto de normas jurídicas que serão aplicados para solucionar o conito
e assim terminá-lo. Note-se que o discurso jurídico não pode negar os pontos de partida, isto é, as normas jurídicas. Essas podem ser discutidas, analisadas, interpretadas, mas jamais negadas.
4. Argumentos jurídicos: são raciocínios persuasivos sobre o alcance e entendimento das normas jurídicas, no sentido de convencer alguém sobre o modo verdadeiro ou válido de solucionar uma lide, isto é, um conito de interesses entre duas ou mais
partes envolvidas no processo. 5. Classicação dos argumentos jurídicos: não é
possível classicar os vários tipos de argumen -
tos jurídicos, porque são variáveis de acordo com o momento histórico de cada povo. Assim, vamos enunciar os principais: 5.1. Argumento “ab absurdo”: no plano da retórica, temos uma argumentação absurda quando existe uma demonstração falsa, ou seja, inaceitável para o senso comum acerca do entendimento de uma determinada proposição normativa. Com aludido argumento, há um discurso persuasivo para reconhecer a “verdade” da proposição normativa, demonstrando o sentido “falso” dessa mesma proposição. Exemplo: A norma reza: “todo o homem é igual perante a lei”. A palavra homem não pode ser entendida como “simplesmente gênero masculino”, caso contrário, as mulheres não seriam protegidas pelo princípio da igualdade. 5.2. Argumento “ab auctoritate”: trata-se de um discurso que procura persuadir por meio da invocação da opinião de uma determinada pessoa ou grupo de pessoas sobre o assunto em discussão. O argumento de autoridade funda-se no prestígio da pessoa que for invocada para dar fundamento ao discurso retórico. Exemplo: para diferenciar o crime de homicídio do de aborto, a “doutrina dominante” entende que, no homicídio, há ofensa à vida humana extra uterina, enquanto no aborto ofende-se a vida humana intra uterina. 5.3. Argumento “a contrario sensu”: é o discurso lastreado na busca dos opostos. Assim, uma proposição é admissível, porque existe uma proposição que lhe é oposta. Exemplo: o princípio da legalidade em matéria tributária impõe que somente pode ser cobrado tributo nos casos especificados na lei; logo, raciocinando de forma contrária, não se podem cobrar tributos nos casos não especificados na lei. 5.4. Argumento “ad hominem”: é o discurso que limita a validade de uma proposição jurídica de acordo com os valores que o autor do discurso pretende sejam reconhecidos. É a admissão de uma premissa como verdadeira, desde que condicionada por determinados valores expostos por aquele que argumenta. Exemplo: a lei dos crimes hediondos não é inconstitucional, mas, ainda que fosse, o homicídio qualicado deve ser rigorosamente
punido. 5.5. Argumento “ad rem”: é o argumento válido para qualquer pessoa. Não se trata de uma opinião pessoal do autor do discurso, mas de uma verdade aceita por todos. Exemplo: ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo. 12
5.6. Argumento “a fortiori”: é o emprego de fórmulas verbais para justicar uma proposi ção jurídica implícita, baseada na hierarquia do sistema jurídica, em comparação com outra proposição jurídica explícita. É um discurso comparativo, em que a posição superior da norma jurídica será utilizada para justicar a
tomada de uma determinada decisão. Exemplo: aquele que pode o mais, também pode o menos. 5.7. Argumento “a maiori” “ad minus”: é um discurso que se lastreia na validade de uma proposição mais extensa para que se validade, também, uma posição menos extensa. Agora o discurso não está centrado exclusivamente na posição hierárquica da norma jurídica, mas no campo da validade da hipótese de incidência da norma jurídica. Exemplo: a desapropriação LÍCITA de imóvel deve ser previamente indenizado; logo a desapropriação ILÍCITA de imóvel, com mais forte razão, também deve sê-lo. 5.8. Argumento “a minori” “ad maius”: é o discurso que se fulcra na validade de uma proposição menos extensa que será utilizada para regrar uma situação mais extensa. Novamente o discurso está centrado na validade da hipótese de incidência da norma jurídica, buscando dar um tratamento igualitário para situações similares. Exemplo: se o homicídio culposo - não intencional - é punido, tanto mais o será o homicídio doloso, isto é, intencional. 5.9. Argumento “a posteriori”: o raciocínio parte de uma conseqüência que se pretende dar para um determinado problema que irá condicionar todo o discurso. Exemplo: o reconhecimento que casais homossexuais podem adotar uma criança parte da premissa que uma criança órfã precisa de família, portanto o resultado nal, que é o deferimento da doa ção, irá condicionar toda a fundamentação da sentença judicial. 5.10. Argumento “a priori”: o discurso consiste em partir de determinados princípios que servirão como fundamento para uma determinada conseqüência. Exemplo: na investigação criminal de um homicídio, caso não se tenha nenhuma prova ou pista da autoria delitiva, é possível investigar o crime por meio dos motivos, isto é, qual as razões para se ter matado a vítima? Quem teria essas razões? Um raciocínio desse tipo pressupõe certa razoabilidade da conduta humana, posto que a conduta humana irracional ca sem explicação.
5.11. Argumento silogístico: é o discurso que parte de premissas, tidas como verdadeiras e
por uma raciocínio lógico-valorativo chega-se a determinadas conclusões, também consideradas verdadeiras. Note-se que o argumento silogístico não se confunde com o silogismo, porque este último é baseado no raciocínio lógico-dedutivo. Exemplo: a lei penal não pode retroagir para incriminar uma determinada conduta; logo a lei dos crimes hediondos, editadas em 1990, não pode regular casos que ocorreram em 1989. Note-se que a premissa maior, isto é, a lei penal não pode retroagir, é valorada e não uma verdade demonstrada, porque, em regimes totalitários, é possível fazer leis penais retroativas. 5.12. Argumento exemplar: é o discurso que procura convencer o interlocutor por meio de exemplos concretos que, por força de serem semelhantes, devem ter uma mesma solução. Exemplo: princípios jurídicos formulados pela doutrina a partir da análise de casos concretos semelhantes. 5.13. Argumentação tópica: é o raciocínio baseado no discurso dialético porque utiliza premissas aceitas pela comunidade como parecendo verdadeiras. É uma técnica de instaurar uma espécie de ponte ou ligação ente opiniões opostas. As proposições utilizadas nos argumentos dialéticos não são axiomas (verdades demonstradas pela razão), mas “topoi” (lugares comuns) reconhecidos como forma de raciocínio válido para uma determinada comunidade. Os “topoi” são pontos de partida para desenvolvimento de uma série argumentativa que visa solucionar um determinado problema. Não se busca uma única solução do problema, mas a solução possível entre as várias soluções propostas. Na argumentação tópica, a busca das premissas (“topoi”) é mais importante que a conclusão. Exemplo: denir prova válida para, em cima dela, discutir a solução do conito.
6. Ideologia e aplicação do direito: o direito é composto de fatos, normas e valores; todavia, quando da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, a questão do valor protegido pela norma é delimitado pelo Julgador Monocrático. A ideologia do Juiz, isto é, o conjunto e a escala de seus valores pessoais, têm um papel neutralizador do valor da própria norma, visto que, por meio da ideologia, se medem os valores da norma. Há sempre uma ideologia jurisdicional, porque a aplicação do direito é uma operação lógico-valorativa. Assim sendo, o Juiz deve procurar aplicar a norma não de acordo com sua ideologia, mas sim de acordo com os valores e ideologias da própria norma, o que não é tarefa fácil de ser executada.
Assim, o juiz não goza de soberania, mas de autonomia, isto é, exercício de um poder dentro de limites previamente estabelecidos. O ato de impor a vontade do Estado para solucionar um conito de interesses é um ato de força ou
violência que, para ser legítimo, não pode ser subjetivo ou abusivo.
8. Conclusão: a teoria da argumentação jurídica não se preocupa propriamente com a verdade, mas com a verossimilhança. Assim, o importante no discurso jurídico não é a verdade em si, mas a versão da verdade que se consegue demonstrar. Como a versão da verdade está submetida a uma valoração do juiz, que deve empregar um discurso racional para justicar a tomada da decisão, temos que
o papel principal da argumentação jurídica é justicar a possibilidade do uso legítimo da
força pelo Estado para fazer implementar uma determinada decisão. Assim, se a decisão for espontaneamente cumprida, não será necessário empregar a força, porque a teoria da argumentação é veículo para ideologias que pregam a não violência real, mas apenas a violência simbólica. LiNk AcAdêmico 10
A coleção Guia Acadêmico é o ponto de partida dos estudos das disciplinas dos cursos de graduação, devendo ser complementada com o material disponível nos Links e com a leitura de livros didáticos. Hermenêutica Jurídica – 2ª edição - 2009 Autor: Rodney Cláide Bolsoni Elias da Silva, Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Promotor de Justiça do Estado de São Paulo. Autor de Obras Jurídicas e professor de Direito Penal e Processual Penal em universidades e na Memes Tecnologia Educacional. A coleção Guia Acadêmico é uma publicação da Memes Tecnologia Educacional Ltda. São Paulo-SP. Endereço eletrônico: www.memesjuridico.com.br Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da editora. A violação dos direitos autorais caracteriza crime, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.
7. Limites do poder de julgar: os membros do Poder Judiciário gozam de plena liberdade para aplicar o direito ao caso concreto; todavia a aludida liberdade é limitada pelo ordenamento jurídico. 13