FROMM, Erich - Zen Budismo e Psicanálise (Cultrix, 1960)

BUDISMO E

PSICANÃUSE D .I . SU SU ZU K I ERICH FROMM RICHARD DE MARTINO Cultríx 

ZEN-BUDISMO E PSICANÁLISE

Susuki Susuki, Fromm Fromm e De De Martino artino Êste livro que, em tradução de OctáVio Mendes Cajado, a Cultrix ora coloca ao alcance da curiosidade intelectual do leitor brasileiro, constitui o primeiro esforço sério no sentido de encontrar o terreno comum de duas áreas de investigação que Vêm despertando generalizado interêsse, tanto dos leigos quanto dos especialistas, nos últimos tempos: ZenBudismo e Psicanálise. Para tanto, aqui se juntaram juntaram um dos mais lidos psicanalistas de nossos dias, Erich Fromm; a maior autoridade, no Ocidente, quantos aos aspectos místicos do Zen, o Dr. Daisetz Teitaro Suzuki; e Richard de Martino, doutor em Filosofia e Religião pela Universidade de Columbia. Na primeira parte do volume, “Conferências Sôbre ZenBudismo”, estuda o Dr. Suzuki os objetivos do Zen e sua abordagem dos problemas humano, tanto ao nível teórico como prático; na segunda parte, “Psicanálise e Zen Budismo”, o Dr. Fromm comenta os pontos de encontro entre a visão religiosa do Zen e sua própria visão da Psicologia; no texto final do volume, “A Situação Humana e o ZenBudismo”, o Dr. De Martino, estudioso e praticante das duas disciplinas, procura formular uma síntese de ambas como abordagens eficazes e operativas da situação humana. Entre os principais pontos considerados nos três textos capitais que compõem Z e n  B u d i s  E P s i c a n á l i s e , destacamse a iluminação mo do eu e da humanidade como alvos principais quer da Religião quer da Psicologia, e o fato de que o Zen se aproxima muito da Psicanálise quando suscita a questão da compreensão consciente. Tal proximidade é muito bem ressaltada pelo Dr. Fromm quando escreve: “O pensamento Zen pode alargar e aprofundar o horizonte do psicanalista e ajudálo a alcançar um conceito radical de compreensão da realidade que seja o fim fim últim o de um entendimento pleno e consciente”.

Outros utros livros livros de inte interêsse rêsse-.-. A PSICANÁLISE HOJE — Charles Rycroft  (org.) — Um panorama elaborado por cinco especialistas com a finalidade de dai ao leitor uma visão geral dos problemas com que se depara a Psicanálise contemporânea e dos rumos que se lhe oferecem no futuro.

 David Foul A PSICOLOGIA DO SONO —  Da ke s   — As mais recentes descobertas científicas no que respeita às atividades da mente humana durante o sono, com especial ênfase na natureza e no significado dos sonhos. OS

MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EXTENSÕES DO HOMEM —  Marshall  Mc  McLuhan  — Um dos grandes grande s pensadore pensa doress da atualidade passa em revista as tecnologias do presente e do passado e mostra como os meios de comunicação de massa afetam profundamente a vida mental do homem, levandoo para o mundo audio táctil e tribalizado ,da Era Eletrônica.

ESTÉTICA, PSICOLOGIA E RELIGIÃO —   Lu  Ludwig Wittgenstein  — Notas No tas de aula do notável e discutido pensador vienense acêrca de problemas estéticos e religiosos, bem como observações críticas sôbre as idéias de Freud. PROBLEMAS DE DINÂMICA DE GRUPO Kurt Lewin  — Um livro de Psicologia Psic ologia Social que focaliza aspectos teóricos e práticos da dinâmica de grupo: os contrastes sociais e psicológicos entre sociedades autocráticas e democráticas, os problemas de grupos minoritários, a aplicação de técnicas científicas à solução de questões de relações humanas, etc.  —

 La  Lançamentos da EDITÔRA

CULTRIX

Rua Conselheiro Furtado, 648, São Paulo

z E NB U D I S M E

o

PS IC ANÁLIS E

D. T. SUZUKI ERICH FROMM RICHARD DE MARTINO

ZEN-BUDlSMO E

PSICANÁLISE Tradução de OcTAvio Me n d e s Ca j a d o

EDITÔRA

CULTRIX

SÃO PAULO PAULO

Título do original: ZEN BUDDHISM AND PSYCHOANALYSIS ZEN BUDDHISM

AND

PSICHOANAL YSIS

©

1960 by Erich Fromm THE

HUMAN

SITUATION

AND

ZEN

BUDDHISM

© 1960 by The Zen Studies Society, Inc.

MCMLXX Direitos exclusivos de publicação para o Brasil adquiridos pela EDITôRA CULTRIX LTDA. Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo, que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil Printed in Brazil

1 N D I C E I n t r o d u ç ã o ,  por

Erich Eri ch Fromm

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CONFERÊNCIAS SÔBKE ZEN-BUDISMO

I II III VI V

 D. T. Suzuki Orient rientee e Ocide cident ntee nconsci nscient entee no Zen-Bud Zen-Budiismo smo O inco conceito do Eu no Zen-Budism Zen-Budismoo O conceit 0 Koa oann Os Cinc ncoo Degraus egraus

PSICANÁLISE E ZEN-BUDISMO

 po  por Erich fromm I  A crise espiritual de hoje e o papel da psicanálise ores e met metas as nos nos conceit conceitos os pstcandít pstcandítiicos de I I Valores Freud  III  A natureza do bem-estar — a evol evolução ução psíquica psíquica do hom homem em IV  A natureza da consciência, do recalque e do desrecalque rincíppios do ZenZen-B Budism udismo V Princí V I  Desrecalque e iluminismo A SITUAÇÃO HUMANA E O ZEN-BUDISMO

 Richard De Por Ri

Martino

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 INT  INTRODUÇÃO Êste Êste lilivro se se origino originouu de um curso sobre sobre Zen-Budi Zen-Budismo smo e Psica sicanál náliise, realizad realizadoo sob sob os auspíci auspícios os do Departam epartament entoo de de Psica sicanál náliise da Escola Escola de Medici edicina na da Universi niversida dade de Autônom Autônomaa do Méxi éxico, durante durante a prim primeira eira sema semana de de agost agostoo de 195 1957, 7, em Cuernava uernavaca, ca, no Méxi éxico. (1) Qualquer psi psicó cóllog ogo, o, mesmo esmo há vin vinte anos, anos, teria eria fica cado do muito surpreendido — e at até choca chocado do — de encontrar encontrar seus co leg egaas int interessad eressados os por por um sist sistem emaa reli religioso “mí “místi stico” com comoo o  Ze  Zen-Budismo. E a surpresa teria sido ainda maior ao desco brir brir que
 A razão dessa mudança reside em fatores que se discutem mais ad adiiante ante neste neste livro, especi especialm alment entee no meu tra trabbalho ho.. Re sum sumindo ndo--os ràpi ràpida dam mente, ente, dire direii que êles êles se encont encontram ram *no de senvolvi senvolvim mento ento da teori teoriaa psica sicana nallítica, nas mudanças ocorri ocorridas no clim clima intel ntelectual ectual e espi espirit ritual do mundo mundo oci ociddenta ental e no tra tra  balho do Dr. Suzuki, Suzuki, que, através através de out outros ros livros, co conf nferê erên n cias e da sua persona personallida dade, de, tornou o ZenZen-Bud Budiismo smo conhecido conhecido do mun undo do ocidental ocidental.. Todos os pa partrtiicipa cipant ntes es do curso estav estavam am, de certo certo mod modo, o,  fa  familiarizados com os escritos do Dr. Suzuki, como é possível que aco cont nteç eçaa \a muit uitos leit eitores dêste dêste livro livro.. O que lhe dist distiin gue as as co conf nferênc erênciias aqui aqui pub publlica cada dass dos seus outros outros escrit escritos ê o fato ato de versarem especi especificamente ente probl problem emas as psi psicológ cológiico cos,s, com co mo o inco nconsci nscient entee e o eu eu,, e, além disso, disso, de se diri dirigir girem em a um um  pe  pequeno grupo de psicanalistas e psicólogos, cujas perguntas e  pr  preocupações lhe foram transmitidas durante as discussões e conversações de toda toda a semana que passa passaram ram jun unttos. Em re sult sultado de de tudo tudo isso isso,, estas estas conf conferê erência nciass terão, erão, crei creio eu eu,, espe espe cial va vallor para ara psiquia psiquiatras, psicólog psicólogos os e mui muittas out outra rass pessoas pessoas  po  ponderadas, que se interessam pelo problema do homem, pois se bem bem não sejam sejam de i{leitura eitura fáci fácill”, orientam rientam o leit eitor pa para umaa compreensão um preensão do Zen-Budi Zen-Budism smoo até até um ponto ponto que lhe per mitirá co cont ntiinuar por cont contaa próp própririaa.  As  As duas outras partes dêste livro poucos reparos mere cem. Mencione-s encione-see ape penas nas que, enquanto enquanto os trabal rabalhos do Dr. Suzuki Suzuki e do do Sr. De Martino são versões versões qu quaase liliterais da dass suas suas conf co nferê erências ncias (no tra traba ballho do Dr. Suzuk Suzukii só só se mod modiifico couu a  fo  forma direta de dirigir-se ao público, usada em conferências, substi substituída uída pela forma rma usua usuall em trab rabalho hoss escrit escritos), s), minha ex  po  posição foi completamente revisada, tanto na extensão quanto no co cont nteúd eúdo. o. Oprinci principa pall mot motivo de dessa ssa revisão revisão reside reside no pró  pr  prio curso. Se bem eu já estivesse familiarizado com a lite ratura ratura sôbre Zen-Budism Zen-Budismo, a esti estimula ulação do curso e as as refl refle  xõ  xões que me despertou levaram-me a considerável ampliação e revisão revisão de minha nhass idéi idéias. Isto se ref refere não só à minha co com m  pr  preensão do Zen, mas também a certos conceitos psicanalíticos,s, co co com mo os problem problemas as do que consti constitui o inco inconsci nscient ente, e, da transform ransformaç açãão do inco inconsci nscient entee em co consci nsciênc ênciia e do escopo escopo da terapêutica psicanalítica. Er i c h

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Fr o m m

CONFERÊNCIAS SÔBRE ZENBUDISMO

 po  por D. I.

T.

Suzuki

ORIENTE E OCIDENTE OCIDENTE

Muitos pensadores capazes do Ocidente, cada qual do seu  ponto  pon to de vista específ específico, ico, ventilaram êste tópico secular, secular, "Oriente e Ocidente”; mas, pelo que sei, são relativamente  poucos  poucos os autores do Extremo-O Extre mo-Orient rientee que expressaram expressaram suas suas opiniões opiniões como orientais. Êste fato fa to me levou a escolher escolher o assunto em tela como uma espécie de preliminar do que se segue. Basho (1644-94), grande poeta japonês do século XVII, compôs, de uma feita, um poema de dezessete sílabas conhe cido como haiku ou hokku. Traduzido Traduzid o para o português, portugu ês, diz diz mais ou menos o seguinte: Quando olho atentamente Vejo florir a nazuna Ao pé da sebe!

Yoku mireba  Na  Nazuna hana saku Kakine kana. Ë provável que Basho estivesse andando por uma estrada do campo quando reparou em alguma coisa quase desprezada  junto  jun to à sebe. sebe. AproximouAproximou-se, se, olhou bem para ela e verificou verificou que se tratava de uma planta silvestre, pouco mais que insig nificante e raras vê vêze zess notada notad a pelos transeuntes. transeunt es. Eis aí um 9

fato singelo, descrito no poema sem qualquer expressão de algum sentimento especificamente poético, a não ser talvez nas duas últimas sílabas, que em japonês se lêem kana.  Freqüen temente ligada a um substantivo, a um adjetivo ou a um advér  bio, essa essa partícula signif significa ica certo sentimento de admiração, de louvor, de tristeza ou de alegria e pode, às vêzes, traduzir-se apropriadamente numa língua ocidental por um ponto de ex clamação. Neste hatcai  o verso todo se conclui com êsse ponto. O sentimento que perpassa pelas dezessete, ou melhor,  pelas quinze sílaba sílabass rematadas por um ponto pont o de ex exclam clamação ação talvez não se comunique aos que não estão familiarizados com a língua japonêsa. Tenta Te ntarei rei explicá explicá-lo -lo da melhor maneira pos sível. Pode Pod e ser que o própri pró prioo poeta não nã o concordasse com a minha interpretação, mas isto não terá muita importância se soubermos que existe pelo menos alguém capaz de compreen dê-lo como eu o compreendo. Primeiro que tudo, Basho era um poeta da natureza, como o são são quase todos os os poetas orientais. Amam tanto tan to a natureza que se identificam com ela, sentem todas as pulsações que lhe  percutem as ve veias. ias. A maioria do doss ocidentais ocidentais propende propend e a alhear-se da natureza. nature za. Acreditam Acredi tam êles êles que o homem e a na tureza nada têm em comum senão em alguns aspectos desejá veis, e que esta existe apenas para ser utilizada por aquêle. Para o povo oriental, todavia, a natureza está muito próxima. Êsse amor à natureza foi avivado quando Basho descobriu uma  plantinha  planti nha modesta, quase desprezível desprezível,, que florescia florescia à beira da velha sebe dilapidada, ao longo da longínqua estrada campesina, tão inocente, tão despretensiosa, sem nenhum desejo de ser notada por quem quer que fosse. fosse. Entret Ent retan anto, to, quando qu ando olha mos para ela, vemo-la tão terna, tão cheia de glória divina e de esplendor, um esplendor mais glorioso que o do próprio Salom Salomão! ão! Sua Sua humildade, humildade , sua beleza sem sem ostentação, nos pro pr o vocam admiração sincera. sincera. O poeta poet a sabe ler em cada pétala pétal a o mais profun pro fundo do mistério da vida ou do ser. ser. É possível que o  próprio  próp rio Basho Basho não tivesse con consciê sciência ncia disso, disso, mas estou certo de que em seu coração, naquele momento, vibrava um senti mento algo semelhante ao que os cristãos denominam acaso amor divino, que atinge as maiores profundezas da vida cós mica. 10

As cordilheiras do Himalaia podem despertar em nós o sentimento de um sublime e respeitoso temor; as ondas do Pacífico sugerem, porvent porv entura ura,, algo algo do infinit infi nito. o. Mas quandotemos o espírito franqueado ao poético, ao místico ou ao reli gioso, sentimos, como o sentiu Basho, que até numa haste ae relva silvestre há qualquer coisa que transcende realmente todos os sentimentos humanos baixos e venais, que nos eleva a um reino cujo esplendor iguala iguala o da Terra Ter ra Pura. Pura . Em tais casos casos,, não importa import a a magnitude. Nesse sentido, o poeta japonês japonês tem um dom específico, que descobre grandeza nas coisas peque ninas e transcende todas as medidas quantitativas. Tal é o Orient Ori ente. e. Vejamo Vejamoss agora o que tem o Ocidente Ocident e  para oferec oferecerer-nos nos em situação situação semelhante. semelhante. Escolho Tennyson. Talvez não se trate de um poeta ocidental típico, que se possa destacar para cotejar co com m o poeta do Extremo-Oriente Extremo -Oriente.. Mas Mas o seu poemeto aqui citado possui algo que se relaciona muito estreit estr eitame amente nte com o de Basho. Basho. Ei-lo:

Flow Flower in in the the crannied crannied wall,  I Tiluck yOu out Of the crannies; —   HOld you here, rOOt anã all, in my hand,  Li  Little flower — but if I cOuld un unde derst rstand  and  What you are, are, root and all> and all in in all, all,  I should knowwhat God and man is. (*) Dois pontos há que eu gostaria de sublinhar nestes versos: 1, Tennyson Tennyso n colhe a flor, segura segura-a -a na mão, "co "com m raiz e tudo tu do”” , e olha para ela, talvez intensamente. É muito muit o pro vável que experimentasse um sentimento semelhante ao de Basho, que descobriu uma flor nazuna ao pé da sebe, à beira da estrada. estrad a. Mas há uma diferença entre os dois poetas: Basho Basho não colhe a flor. Limita-se a contemplá-la. Absorto Abs orto em seus seus  pensamentos. Sente o que quer que seja seja no espírito, mas mas não o expressa. Deixa que um po ponto nto de exclamação exclamação diga tudo tu do o (*) Flor Flo r no muro fendil fendilhad hado, o, / Eu te arranco arr anco das fendas;  — / Seguro Seg uro-te -te aqui, com raiz ra iz e tudo, em m inha in ha mão, / Florz Flo rzin inha ha  — m as se pude pudesse sse compre com preend ender er / O que és, com raiz ra iz e tudo, e tudo em tudo, tudo, / Eu conheceria o que são Deus e o homem. homem. 11

que êle êle quer dizer. dizer. Pois não tem palavras palavras para dizer; dizer; seu sen timento é tão pleno e tão profundo que não sente o desejo de conceptualizá-lo. Tennyson, porém, é ativo e analítico. analítico. Primeiro, Prime iro, colhe a flor do lugar em em que ela cresce. cresce. Separa-a Separa-a do chão a que ela  pertence. À diferença do poeta oriental, não a deixa em pa paz. z. Precisa arrancá-la do muro fendido, "com raiz e tudo”, o que signif significa ica que a flor terá de morrer. morre r. Não lhe interessa, apa rentemente, o destino dela; é mister que sua curiosidade seja satisfeita. Como o fazem fazem alguns alguns cientistas cientista s médicos, médicos, êle che garia à vivissecção vivissecção da flor. Basho não toca sequer a nazuna, limita-se a contemplá-la, a contemplá-la "atentamente” — e é tudo tud o o que faz. faz. Totalmente Tota lmente inativo, inativo, representa excelente con traste com o dinamismo de Tennyson. Eu gostaria de frisar êste ponto especificamente aqui, e talvez tenha ocasião ocasião de voltar volt ar a êle. êle. O Orie O riente nte é silencio silencioso, so, ao passo que o Ocidente Ocide nte é eloqüente. Mas o silêncio silêncio do Orien Or ien te não significa apenas ser mudo e permanecer sem palavras ou sem sem fala. fala. Em inúmeros casos, casos, o silêncio é tão eloqüente eloqü ente quanto a verbosidade. O Ocidente aprecia aprecia o verbalismo. E não é só isso, o Ocidente transforma a palavra em carne e faz que essa carnalidade sobressaia, às vêzes de maneira demasiado notável, ou melhor, demasiado gritante e voluptuosa, em suas artes e religião. 2. Que faz Tennyson a seguir? Olhando Olha ndo para a flor colhida, que muito provàvelmente já principiou a murchar, formula a pergunta dentro em si mesmo: "Acaso te compre endo en do?” ?” Basho Basho não faz faz perguntas. perguntas . Sente todo o mistério que lhe é revelado em sua humilde nazuna — o mistério que pe netra netr a fundo na origem de toda a existência existência.. Embriagado por êsse sentimento, exclama, e sua exclamação é um grito indizível, inaudível. Tennyson, ao contrário, prossegue em sua intelecção: “Se  [que eu grifo] pudesse compreender o que és, eu conhe ceria o que são Deus e o homem” hom em” . O seu apêlo à compre ensão é caracterlsti carac terlsticament camentee ocidental. Basho aceita, Tennyson Tennys on resiste. A individualidade de Tennyson mantém-se mantém-se apartada da flor, de "Deus "De us e do homem” homem ” . Êle não se identifica com 12

Deus nem com a natureza. Está Es tá sempre apartado apart ado dêles. dêles. Sua Sua compreensão é o que as pessoas, hoje em dia, denominam "cientificamente objetiva” . Basho Basho é inteiramente "subjetiv "sub jetivo” o”.. (Esta palavra não é boa, pois sempre faz que o sujeito se opo nha ao objeto. Meu "suje "su jeito ito”” é o que eu gostaria de chamar "subjetivid "sub jetividade ade absoluta” absol uta” ). Basho Basho se mantém ao lado dessa dessa "subjetividade absoluta”, em que êle vê a nazuna e esta o vê. Aqui não há empatia, nem Simpatia, nem identificação nesse sentido. Diz Basho: "olho atentamente” (em japonês, "yoku mireba” ). A palavra palavra "atentam "ate ntamente ente”” supõe supõe que que Basho Basho já não é aqui um espectador, senão que a flor, consciente de si mesma, silenciosa silenciosa e eloqüen eloq üentem temente ente a si mesma se expressa. E esta silenciosa eloqüência ou êste eloqüente silêncio da flor ecoa humana hum anamente mente nas dezessete sílabas de Basho. Basho. Sejam quais forem, a profundidade de sentimento, o mistério de enunciação ou mesmo a filosofia da "subjetividade absoluta” só serão inteligíveis aos que, de fato, experimentaram tudo isso. Em Tennyson, pelo que me é dado ver, não existe, em  primeiro lugar, profundidade profun didade de sentimento; êle é todo inte inte  lecto, típico da mentalidade ocidental. ocidental. Adv Advoga oga a doutrina dout rina do Logos. Logos. Precisa Precis a dizer alguma alguma coisa, coisa, fazer abstrações ou intelectualizações lectualizações acêrca acêrca da sua experiência concreta. Precisa Precis a dei xar o domínio do sentimento e penetrar o do intelecto, sujei tando o viver e o sentir a uma série de análises para satisfa zer ao espírito ocidental de indagação. Escolhi os dois poetas, Basho e Tennyson, como indicati vos de dois enfoques fundamentais e característicos da reali dade. Basho Basho é do Orie Or iente nte e Tennyson do Ocidente. Ocidente . Ao con frontá-los, descobrimos que cada qual revela seus antecedentes tradicionais. Nessas Nessas con condiçõ dições, es, o espírito ocidental é: analí tico, discriminativo, diferencial, indutivo, individualista, inte lectual, objetivo, científico, generalizador, conceptual, esquemático, impessoal, formalista, organizador, exercitador do  poder, dinâmico, dinâmico, inclinado a impor sua vontade ao aoss outros, outro s, etc. Em contraste com êsses traços ocidentais, os do Oriente  podem enumerar-se enumerar-se assim: assim: sintético, totalizador, integrador, não discriminativo, dedutivo, não sistemático, dogmático, in tuitivo (ou melhor, afetivo), não discursivo, subjetivo, es 13

 piritualme  piritua lmente nte individualista e socialmente socialmente co com m mentalidade grupai, grupa i, u) etc. Para poder simbolizar pessoalmente essas características do Ocidente e do Oriente, preciso remontar a Lao-tse (quarto século século A .C.), .C .), grande pensador da China antiga. antiga. Êle repre rep re sentaria o Oriente, e o que êle denomina as multidões pode riam representar o Ocidente. Quando digo digo "as multidões” não se veja nenhuma intenção de minha parte de atribuir ao Oci dente, em qualquer sentido depreciativo, o papel das multidões lao-tseanas quais as descrevia o velho filósofo. Lao-tse Lao-tse se retrat ret rataa com comoo um idiota. Dá a impressão de não saber nada, de não se se comover po porr coisa coisa alguma. alguma. PràtiPrà ticamente, não tem nenhuma utilidade neste mundo utilitarista. É quase inexpressivo. inexpressivo. Entre En tretan tanto, to, existe nêle qualquer qualq uer co coisa isa que o situa à parte do espécime do simplório ignorante. Ape nas externamente se parece com êle. Em compensação, o Ocidente possui um par de olhos agudos e penetrantes, profundamente encravados nas órbitas, que observam o mundo exterior como os da águia que paira nas alturas. altura s. (Na (N a verdade, a águ águia ia é o símbolo nacional de certa  potência ociden oci dental) tal).. Além disso, disso, o nariz aquilino, os lábios lábios finos e o contorno geral do rosto — tudo sugere uma intelec tualidade tualidad e altamente desenvolvida desenvolvida e suma presteza no agir. A  presteza é comparável à do leão. leão. O leão e a águ águia, ia, efetiva mente, são os símbolos do Ocidente. Chuang-tze, do terceiro século A.C., conta a história de konton ( hun-tun), o Caos. Caos. Os amigos amigos lhe deviam muitas muita s de suas suas consecuç consecuções ões e desejavam retribui retr ibuir-lh r-lhee os favores. Con sultaram sulta ram e chegaram a uma conclusão conclusão.. Observara Obse rvaram m que Caos Caos não dispunha de órgãos dos sentidos, que lhe permitissem dis tinguir ting uir o mundo exterior. Um dia dia lhe deram os olhos, no outro lhe deram o nariz e, no espaço de uma semana, concluí(1) Os cristãos cristão s consideram a Igre Ig reja ja co como mo o meio meio de salva salv a ção porque é a Igrej Igr ejaa que que simboliz simbolizaa Cristo, Cristo, o Salvador. Salvador. Os cris tãos não se relacionam individualmente com Deus, senão através do Cristo, e Cristo é a Igreja e a Igreja é o lugar onde êles se reúnem para adorar a Deus e rogar-lhe a salvação, através do Cristo. Nesse sentido, sentido, os cristão cris tãoss têm mental m entalidade idade de grupo, ao  passo  pa sso que que,, socialmente, socialmen te, esposam espo sam o individualismo. 14

ram a tarefa de convertê-lo numa personalidade sensível como êles êles mesmos. mesmos. Mas enq enquant uantoo se felicitavam pelo êxito êxit o feliz dá iniciativa, Caos morreu. O Oriente é Caos e o Ocidente é o grupo de amigos, agradecidos, bem intencionados, porém não discriminantes. Em muitos sentidos, o Oriente parece, sem dúvida, mudo e estúpido, pois os orientais são menos discriminativos e ex  pressivo  pressivoss e não dão tantas tanta s mostras visíveis visíveis e tangíveis tangíveis de inte int e ligência, ligência, São São caóticos e, à primeira prim eira vista, vist a, indiferente indife rentes. s. Mas sabem que, sem êsse caráter caótico da inteligência, sua pró  pria inteligência inteligência nativa não lhes seria seria de muita utilidade utili dade no viverem juntos junto s à maneira humana. Os membros individuais fragmentários não podem trabalhar harmoniosa e pacificamente se não forem relacionados ao próprio infinito, que em toda rea lidade jaz jaz debaixo de cada um de seus seus membros finitos. finitos . A inteligência pertence à cabeça e seu trabalho é mais notável e  poderá realizar muita co coisa isa se Caos Caos permanecer silencioso silencioso e tranqüilo tranq üilo por trás de toda a turbulência turbulênci a superficial. superficial. Seu Seu ver dadeiro significado nunca se mostra de modo que se torne re conhecível aos participantes. O Ocidente de mentalidade científica aplica a inteligência na invenção de toda a sorte de aparelhos destinados a elevar o padrão de vida e se poupar ao que, no seu entender, cons titui tit ui uma lida ou um trabal tra balho ho desnecessários. desnecessários. Assim sendo,  procura, po porr todos os meios, meios, "desenvol "dese nvolver” ver” os recursos recursos na natu tu rais a que tem aces acesso so.. O Oriente, Orie nte, por po r seu seu turno, turn o, não se se im  porta  por ta de empenhar-s empenhar-see em todas as castas castas de trabalhos servis servis e manuais e está, aparentemente, satisfeito com o estado "não desenvolvido” da civiliz civilizaç ação ão.. Não lhe agrada agrada ter o espírito espíri to obcecado pela máquina, transformar-se em escravo da máquina. Êsse amor ao trabalho talvez seja característico do Oriente. A história de um lavrador, contada por Chuang-tze, é extrema mente significativa e sugestiva em muitos sentidos, embora se suponha que o incidente ocorreu há mais de dois mil anos na China. Chuang-tze foi um dos maiores filósofos da antiga China. Deveria Dever ia ser mais estudado estu dado do que realmente realment e o é. Menos espe culativos do que os hindus, os chineses propendem a despre zar seus seus próprios própri os pensadores. Se bem Chuang-tze seja muito mui to 15