OCrente Carnal Este livro analisa um dos problemas mais sérios existentes dentro das igrejas evangélicas atualmente. Há um número crescente de membros de igrejas evangélicas que intelectualmente intelectualmente aceitam o evangelho, evangelho,
porém nunca movem uma palha a favor de Cristo, aparentando aparentando até mesmo estar em paz paz com os inimigos
de Cristo. Conforme aprenderam com seus líderes, consideram-se "crentes carnais" - pessoas que irão para o céu, talvez não de primeira classe. O autor procura mostrar, mostrar, biblicamente, que não existe uma classe de homens que possa ser chamada de "crente carnal". Existe Existe o homem homem não-convertido não-convertido e o homem espiritual. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é". é".
OCrente Carnal Este livro analisa um dos problemas mais sérios existentes dentro das igrejas evangélicas atualmente. Há um número crescente de membros de igrejas evangélicas que intelectualmente intelectualmente aceitam o evangelho, evangelho,
porém nunca movem uma palha a favor de Cristo, aparentando aparentando até mesmo estar em paz paz com os inimigos
de Cristo. Conforme aprenderam com seus líderes, consideram-se "crentes carnais" - pessoas que irão para o céu, talvez não de primeira classe. O autor procura mostrar, mostrar, biblicamente, que não existe uma classe de homens que possa ser chamada de "crente carnal". Existe Existe o homem homem não-convertido não-convertido e o homem espiritual. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é". é".
Introdução uitos uitos dos que regularmente ocupam bancos na de membros e estão igreja, fazem parte do rol de intelectualmente a par dos dos fatos do evangelho nunca de Cristo. Tais pessoas movem uma palha em favor de parecem estar em paz com os inimigos de Cristo. Não têm qualquer conflito com o pecado e, a não ser por algumas algumas poucas expressões sentimentais concernentes a Cristo, não há qualquer evidência de que tenham experimentado o poder do evangelho em suas suas vidas. vidas. No entanto, a despeito das evidências contra eles, se consideram exatamente aquilo que os seus professores lhes ensinam — que são crentes carnais. E , como crentes carnais, crêem que irão para par a o céu, embora não de primeira classe e talvez com poucos galardões. A maioria dos leitores destas páginas admitirá prontame prontamente nte que algo está seriamente errado erra do nas vidas que apresentam tais características; nem são se provar necessários argumentos para se provar isso. Todavia, o aspecto mais sério dessa situação nem sempre é reconhecido. O erro erro principal não não é a despreocupação de tais freqüentadores de igrejas, mas é o erro de seus mestres que, ao ensinarem a teoria do "crente
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1 carnal", levaram tais pessoas a crerem que há três espécies de homens — o homem não-convertido, o crente carnal e o crente espiritual. O meu propósito, neste livreto, é provar que tal classificação é errada, e apresentar a resposta positiva e histórica quanto à doutrina do "crente carnal". O
carnal", levaram tais pessoas a crerem que há três espécies de homens — o homem não-convertido, o crente carnal e o crente espiritual. O meu propósito, neste livreto, é provar que tal classificação é errada, e apresentar a resposta positiva e histórica quanto à doutrina do "crente carnal". O argumento derivado da História da Igreja não é sem importância, pois é fato consumado que, há menos de duzentos anos, tal ensino era desconhecido nas igrejas da América do Norte. Contudo, a minha preocupação é basear os meus argumentos numa declaração honesta do ensino da Bíblia. Escrevo depois de muito estudo, de muita meditação e oração, e depois de usar muitos dos antigos e respeitados comentários de outras épocas; todavia, o meu apelo central é dirigido à Palavra de Deus e, à luz de tal autoridade, solicito ao leitor que considere o que se segue. Devo também confessar que, por muitos anos, fui alguém que subscreveu e ensinou a doutrina que agora estou convencido ser errada e que possui muitas implicações perigosas. Como alguém que tem profundo respeito por muitos que abraçam essa posição, não irei atacar pessoas; tratarei de princípios e da interpretação de passagens específicas das Escrituras nas quais esta doutrina se alicerça. Em assuntos controvertidos deve-se sempre manter em mente que a experiência do cristão pode ser genuína, mesmo que a sua compreensão da verdade divina seja assinalada por erro ou por ignorância. O oposto também é possível: a compreensão intelectual da pessoa pode ser boa e a sua experiência, medíocre. Oro para que, se eu estiver em erro, em qualquer doutrina, venha a ser corrigido antes de partir deste
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mundo. Sei ainda que um de meus motivos — ou seja, promover a santidade bíblica e "buscar adornar a doutrina de Deus, nosso Salvador" — é o mesmo que move a muitos dos que aceitam esse pontode-vista errôneo. Para que o meu objetivo seja atingido, é da maior importância que o assunto como um todo seja colocado sobre um alicerce apropriado. Não quero pintar uma caricatura dos pontos-de-vista de outros e demonstrar depois o meu sucesso, demolindo essa caricatura. Também procurarei evitar declarações desproporcionais e unilaterais. O perigo de podermos obscurecer a sabedoria por meio de palavras sem conhecimento continua conosco. Oro para que este esforço promova a verdade e que a existência de opiniões variadas nos leve a buscar mais profundamente as Escrituras, a orar mais e a sermos diligentes em nossos esforços por aprender e descobrir qual é a mente do Espírito. Minha maior dificuldade será conseguir ser breve, porquanto esse assunto está profundamente ligado e interligado com a doutrina central da Bíblia, ou seja, particularmente com a justificação e a santificação, as principais bênçãos da nova aliança. Nosso assunto envolve, portanto, uma compreensão correta do que seja realmente o evangelho e do que este faz em favor da pessoa, quando aplicado eficazmente pelo Espírito. Nosso ponto-de-vista nesse assunto irá afetar também a nossa opinião quanto à relação do crente para com os dez mandamentos, na área de santificação, e na doutrina bíblica da segurança de salvação. Algumas das perguntas fundamentais que precisam ser encaradas são as seguintes:
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1. Somos santificados passivamente, isto é, "pela fé somente", sem a obediência à lei de Deus e de Cristo? Se a santificação é passiva — um ponto-devista representado pelas palavras: "Deixe isso nas mãos de Deus" — então, como poderíamos entender afirmações apostólicas como: "eu luto", "eu corro", "subjugo o meu corpo", "purifiquemo-nos", "esforcemo-nos", "deixemos de lado todo o peso"? Certamente tais afirmações não expressam qualquer condição passiva, nem tão pouco indicam que, mediante algum único ato, possamos entrar na posse da experiência da "vitória" e, assim, tornarmo-nos crentes espirituais e maduros. 2. Será que um apelo ao chamado "crente carnal", para que se torne um "crente espiritual", não reduz ao mínimo a experiência real da conversão, elevando desnecessariamente a importância de uma suposta segunda experiência, seja ela chamada de "vida mais alta", "vida profunda", "vida cheia do Espírito", "vidatriunfante", "receber a Cristo como Senhor, e não simplesmente como Salvador", e assim por diante? As palavras que lemos em 2 Coríntios 5.17: "E assim, se alguém está em Cristo é nova criatura, as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas", não se referem a uma segunda experiência, e, sim, ao que acontece em qualquer caso de conversão real. 3. Será que o crente espiritual pára de crescer na graça? Se não, como deveríamos chamá-lo, à medida em que ele continuar a crescer na graça? Precisaríamos criar ainda uma outra categoria, a dos crentes super-espirituais? 4. Quem decide quais são os crentes carnais?
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Quais são exatamente os padrões usados nessa determinação? São os crentes espirituais que decidem quem são os crentes carnais? Será uma igreja ou um pastor quem decide onde deve ser traçada a linha divisória, a linha que separa essas duas classes ou categorias? Desde que todos os crentes ainda têm em si algum pecado, e desde que pecam todos os dias, que grau de pecado ou quais pecados específicos classificariam uma pessoa como um "crente carnal"? Por acaso todos os crentes, ocasionalmente, não agem como homens naturais, em alguma área de suas vidas? Será que os pecados íntimos, tais como a inveja, a malícia, a cobiça, a lascívia (que inclui a imoralidade no nível mental) não demonstram carnalidade tanto quanto os pecados externos e as manifestações visíveis de outros pecados? Em Romanos 8.1-9 faz-se uma divisão, mas esta não é entre crentes carnais e crentes espirituais. Antes, distingue-se entre os que andam segundo a carne — ou não-regenerados — e os que andam segundo o Espírito, aqueles que pertencem a Cristo. Não existe uma terceira categoria. Novamente, em Gálatas 5.17-24, vemos apenas duas classes ou categorias: aqueles que produzem as obras da carne e aqueles que são guiados pelo Espírito. Não há terceira ou quarta classe ou grupo. Meu propósito nestas páginas, portanto, é o de defender a posição de que a divisão de crentes em dois grupos ou classes não é bíblica. Quero também mostrar as implicações perigosas e os resultados reais desse ensino. A interpretação que tentarei estabelecer, mediante um estudo dos comentaristas respeitados e aprovados do passado, tais como Matthew Henry,
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Matthew Poole, John Gill e John Calvin; como tam bém de teólogos do tipo de Charles Hodge (do antigo Seminário de Princeton), James P. Boyce (fundador do primeiro seminário batista do sul dos Estados Unidos), Robert L. Dabney (o grande teólogo do antigo Union Seminary, da Virgínia), e James H. Thornwell (brilhante teólogo do sul dos Estados Unidos; professor de teologia em Colúmbia, Carolina do Sul). Também examinei as obras de John Bunyan e investiguei as antigas confissões e catecismos, tais como o Catecismo de Heidelberg e a Confissão de Westminster (a progenitora de todas as confissões), a Confissão Batista de 1689 (a Confissão de Londres, mais tarde chamada de Confissão de Filadélfia), e a Declaração de Fé da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Em todas essas fontes não há sequer um traço da crença de que existem três classes de homens. Todas essas obras muito têm a dizer sobre a carnalidade dos cristãos, bem como sobre a doutrina bíblica da santificação e seu relacionamento com a justificação. Mas não há qualquer indício da possibilidade de dividirmos os homens em classes, como: "não-regenerados", "carnais" e "espirituais". Se as fontes que mencionei tivessem se deparado com a teoria do "crente carnal", creio que, a uma só voz, teriam advertido a seus leitores com as palavras de Hebreus 13.9: "Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas?" Confesso que, ao brandir a pena, nesta controvérsia, faço-o com profunda tristeza. Embora o ensino que eu desejo discutir seja tão relativamente novo na igreja, ele é seguido por muitos bons crentes, é ensinado por muitos respeitados e capazes
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estudiosos de nossos dias; por essa razão, abordo o assunto com cautela. Vivemos em dias em que existem tantos livros e tão grande variedade de ensinamentos sobre a vida cristã que os crentes se tornam inconstantes e podem ser "levados ao redor por todo o vento de doutrina" (Ef 4.14). Também se manifesta, hoje em dia, aquele amor ateniense pelas novidades, bem como o desprezo pelos caminhos antigos, provados e bem repisados de nossos pais. Esse amor excessivo pelo que é novo leva a um desejo insaciável pòr qualquer ensino que seja sensacional e estimulante, especialmente aos sentimentos. Mas os antigos caminhos conduzem a um espírito manso e tranqüilo, como aquele que o apóstolo Pedro recomenda, em 1 Pedro 3.4: "O homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é precioso diante de Deus".
O Assunto da Controvérsia {
A
m um culto que recentemente assisti em uma
Eigreja, o pregador, um ministro sincero, estava
expondo o capítulo três de 1 Coríntios. Ele afirmou, diante de numerosa audiência: "Depois que você se torna um crente, ainda tem uma outra escolha a fazer — o crescer na graça, seguir ao Senhor e tornar-se um crente espiritual, ou permanecer como um nenê em Cristo, vivendo como um homem natural". Ele usou o trecho de 1 Coríntios 3.1-4 para afirmar que existem três categorias de homens — o homem natural , o homem espiritual e o homem carnal . Ele descreveu o homem carnal como alguém que é semelhante ao homem natural, não-convertido. Essa é a essência do ensino que defende o conceito de "crente carnal". Uma das razões de tal ensino ter se espalhado tanto é que foi popularizado, por muitos anos, nas anotações da Bíblia Anotada de Scofield. Uma afirmação encontrada ali indica a natureza precisa desse ensino: "Paulo divide os homens em três classes: 'natural', isto é, o homem adâmico, não-regenerado pelo novo nascimento; 'espiritual', isto é, o homem renascido, que é cheio do Espírito e anda no Espírito em plena comunhão com Deus; 'carnal', o que vive na carne, isto é, o homem que, mesmo sendo regenerado, anda ' segundo a carne', permanecendo como um bebê em Cristo". É muito importante que observemos os dois principais aspectos dessa nota de Scofield. Primeiro, a divisão dos homens em três classes; segundo, vimos que uma dessas classes compreende aqueles que são
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identificados como "carnais" ou "bebês em Cristo", os que "andam segundo a carne". O verbo "andar" indica a inclinação de suas vidas; sua inclinação ou predisposição manifesta-se em uma direção, ou seja, em direção à carnalidade. Uma das maneiras mais populares e comuns de apresentar essa posição se encontra sob a forma de um pequeno livreto, o qual expõe esse ensino como segue: "Depois de você ter convidado a Cristo a entrar em sua vida, é possível você assumir novamente o controle sobre o trono de sua própria vida. Há uma passagem no Novo Testamento, 1 Coríntios 2.14 a 3.3, que identifica três espécies de pessoas: HOMEM NATURAL
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(Não-cristão)
HOMEM CARNAL (Crente que não confia em :
Deus)
HOMEM ESPIRITUAL (Crente que confia em Deus) h — trono ou centro de controle - "ego" ou "eu imito" 0 = vários interesses na vida (2 = Cristo, que está: (1) Fora da vida; (2) na vida, mas fora do trono; (3) na vida e no trono
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Não há como duvidar que o primeiro círculo representa o não-cristão. Note-se a posição do "ego", indicando que a própria pessoa está no trono. O homem natural é o homem egocêntrico; seus interesses são controlados por si mesmo. Compare-se esse primeiro círculo com o segundo. A única diferença é que aparece uma cruz (a qual representa Cristo), embora não esteja no trono. E os mesmos pontinhos que aparecem no primeiro círculo aparecem também no segundo, indicando que não houve uma reorganização básica ou mudança na natureza e no caráter da pessoa. Isso significa que a inclinação do crente carnal é exatamente a mesma que a da vida do descrente. O segundo círculo apresenta basicamente o mesmo quadro que o primeiro, sendo que a única diferença é que o crente carnal fez a profissão de fé de haver recebido a Jesus. No entanto, ele "não está confiando em Deus". Um breve exame desse diagrama e sua interpretação do trecho de 1 Coríntios 3.1-4 mostrará que se trata de uma apresentação exata do que já tivemos ocasião de encontrar, nas notas da Bíblia Anotada de Scofield.
Cumpre-nos não perder de vista três fatos muito claros e importantes a respeito desse ensino: Primeiro, notamos novamente que ele divide todos os homens em três classes ou categorias. Com esse fato não discorda nenhum dos proponentes desse ensino, embora possam apresentá-lo de forma diferente e aplicá-lo de forma também diferente. Segundo, uma classe ou categoria é a do "crente" que "anda segundo a carne". O centro de sua vida é
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seu próprio "eu", e ele é idêntico ao homem não-regenerado, no que diz respeito à inclinação de sua vida. Terceiro, todos aqueles que aceitam esse pontode-vista usam 1 Coríntios 3.1-4 para apoiá-lo. Conseqüentemente, se puder ser estabelecido que, preponderantemente, as Escrituras ensinam a existência de somente duas classes ou categorias de homens — regenerados e não-regenerados, convertidos e não-convertidos, aqueles que estão em Cristo e aqueles que estão alienados de Cristo — então a doutrina do "crente carnal" será confrontada com uma objeção intransponível. Ela se acha em conflito com a ênfase total das Escrituras, e com o Novo Testamento em particular. Antes que eu passe a examinar alguns dos erros e perigos do ensino sobre o "crente carnal", talvez seja sábio indicar o que estou querendo dizer. Nessa exposição sobre a teoria do "crente carnal", não estou fazendo vista grossa ao ensino bíblico sobre o pecado na vida dos crentes, sobre os bebês em Cristo, sobre o crescimento na graça, sobre os crentes que se desviam seriamente e sobre a disci plina divina que todos os crentes recebem. Reconheço que existem bebês em Cristo. De fato, não somente existem os bebês em Cristo, mas também há diferentes estágios entre os "bebês", no que concerne à compreensão da verdade divina e no que tange ao crescimento espiritual. Também reconheço que há um sentido em que se pode afirmar que os crentes são carnais, mas devo acrescentar que há diferentes graus de carnalidade. Todo o crente é carnal, em alguma área de sua vida,
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em muitas oportunidades da vida. E em cada crente "a carne milita contra o Espírito" (G1 5.17). Nem todas as características do cristianismo se fazem igualmente evidentes em todos os crentes. Tampouco qualquer dessas características se manifesta com a mesma intensidade em cada período da vida de um crente. O amor, a obediência e a devoção variam no mesmo crente em diferentes períodos de sua experiência cristã; em outras palavras, existem muitos estágios na santificação. O progresso do crente, em seu crescimento, não é constante e sem perturbações. Surgem muitas colinas e muitos vales no processo da santificação; e há muitos tropeços, quedas e passos errados no processo do crescimento na graça. Na Bíblia, há exemplos de quedas sérias e de carnalidade nas vidas de crentes verdadeiros. Por isso encontramos as advertências e as promessas de juízo temporal e de castigo, da parte de nosso Pai celeste. Todas essas verdades são plenamente reconhecidas, e não estamos tratando delas neste estudo. A questão que temos a considerar é: A Bíblia divide os homens em três categorias? Essa é a questão que se acha no âmago da doutrina do "crente carnal".
O Ensino a Que me Oponho Envolve Nove Erros Sérios: 1. O uso errado de 1 Coríntios 3
A doutrina do "crente carnal" depende de uma interpretação errada e de uma aplicação errada do trecho de 1 Coríntios 3.1-4: "Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais, como a crianças em Cristo... não é evidente que andais segundo os homens?" Para entender o verdadeiro significado dessas palavras, devemo-nos lembrar que a carta de 1 Coríntios não é, primariamente, uma carta doutrinária. Tal como toda Escritura, ela contém doutrina, mas não foi escrita — como é o caso da carta aos Romanos — para lançar alicerces doutrinários. A preocupação imediata de Paulo, ao escrever 1 Coríntios, foi a de tratar de problemas práticos em uma igreja nova. No terceiro capítulo, e ainda antes, ele trata do perigo das divisões que surgem de uma apreciação errada por aqueles de quem os coríntios haviam recebido o evangelho. Os crentes em Corinto estavam dando atenção a causas secundárias e esquecendo o Deus a Quem pertence toda a glória. Ao invés de dizerem: "Somos discípulos de Cristo", e reconhecerem sua união nEle, estavam formando partidos e dizendo: "Nós somos de Paulo, porque ele fundou a igreja em nossa cidade"; ou "Apoio é mais eloqüente que Paulo e nos edifica mais do que Paulo"; ou "Nós somos de Pedro". Assim, partidos opostos haviam se formado.
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E importante perceber que todo o contexto trata principalmente desse problema único de uma divisão prejudicial. Esse problema, contudo, tem uma raiz comum a todos os outros problemas tratados em 1 Coríntios — a defraudação de um irmão por outro, a desordem na ceia do Senhor, e assim por diante. Todos os problemas eram causados pela carnalidade, o resultado daquele princípio pecaminoso de vida que permanece em todos os crentes, que Paulo descreve em Romanos 7.21-23: "Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros". Ao tentar descobrir a concepção que Paulo tinha daqueles a quem se estava dirigindo em 1 Coríntios 3, devemos ter em mente as designações que ele lhes dá no capítulo um. Ele diz que os coríntios são "santificados em Cristo Jesus", que eles são recipientes da "graça de Deus", que são enriquecidos "em toda a palavra e em todo o conhecimento" (1.2-5). Eles são repreendidos no capítulo três, não por deixarem de alcançar os privilégios que alguns crentes alcançam, mas por agirem, a despeito de seus privilégios, como bebês e como os não-regenerados em alguma área de suas vidas.
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Isso é bem diferente de dizer que o apóstolo reconhece aqui a existência de um grupo distinto de crentes que possa ser chamado de "carnais". Quando Paulo trata de classes, ele só conhece duas, como fica claro no capítulo dois dessa mesma carta, onde
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ele divide os homens em "naturais" e "espirituais", e diz: "Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém, o homem espiritual julga todas as cousas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém" (1 Co 2.14,15). Sob a classificação de natural , o apóstolo inclui todas aquelas pessoas que não são participantes do Espírito de Deus. Se o Espírito de Deus não lhes deu uma natureza nova e mais elevada, então eles permanecem sendo aquilo que são por nascimento, ou seja, homens naturais. Os espirituais podem ser nada mais do que bebês na graça e bebês no conhecimento. Sua fé pode ser fraca, seu amor pode estar ainda desabrochando, seus sentidos espirituais podem ser pouco exercitados, seus defeitos podem ser muitos; todavia, se houver neles "a raiz da salvação", e se já passaram da morte para a vida — passaram da região da natureza para aquela que está além da natureza — Paulo os coloca em outra classe. Eles são homens espirituais, embora, em alguns aspectos de seu comportamento, não se mostrem como tais temporariamente. Certamente aqueles cristãos de Corinto eram imperfeitamente santificados, como, sem dúvida, são todos os crentes, em maior ou menor grau. Mas Paulo não estava dizendo que eles eram caracterizados pela carnalidade em todas as áreas de sua vida. Ele não estava expondo uma doutrina geral da carnalidade, mas reprovando um fruto específico da carnalidade, em um certo aspecto. Quando Paulo afirma uma verdade básica, com respeito à posição de todos os crentes, esta aparece em palavras, tais como: "Se
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alguém está em Cristo, é nova criatura", e para todos aqueles que estão "em Cristo" também é verdadeiro que "as coisas antigas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Co 5.17). Não há, na carta de Paulo à igreja de Corinto, lugar para duas classes de crentes, e, sem dúvida, não há lugar para essa doutrina em parte alguma das Escrituras. Interpretar 1 Coríntios 3.14 de tal maneira que divida os homens em três classes é violar uma regra fundamental na interpretação das Escrituras, ou seja, que cada passagem isolada deve ser interpretada à luz do todo. E como disse sabiamente um dos pais da igreja: "Se você tem apenas uma passagem em que basear uma doutrina importante, é bem provável que você, depois de um exame cuidadoso, descubra que não tem nenhuma". +
2. As bênçãos da nova aliança são distintas
O ensino do "crente carnal" divide as duas bênçãos fundamentais da nova aliança, porque nega que uma delas seja experimentada por todos os verdadeiros cristãos. Deixe-me demonstrar quão básica é esta aliança para o cristianismo. Jesus era o mediador da nova aliança: "Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas" (Hb 8.6-10). Os pregadores do Novo Testamento eram ministros da nova aliança: "Não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar alguma cousa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do
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espírito, porque a letra mata, mas o espírito vivifica" (2 Co 3.5,6). Todas as vezes que nos aproximamos para participar da ceia do Senhor somos relembrados das bênçãos da nova aliança : "Este é o cálice da nova aliança no meu sangue" (Lc 22.20). Estes fatos são suficientes para demonstrar a importância da nova aliança. Quais, porém, são as duas bênçãos da nova aliança? A resposta se vê claramente em muitas declarações das Escrituras: "Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá... Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei... Pois, perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei" (Jr 31.31-34). "Tomar-vos-ei de entre as nações, e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra. Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vosei coração novo, e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis" (Ez 36.24-27). "E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei nos seus corações as minhas leis, e sobre as suas mentes as inscreverei. Acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre" (Hb 10.15-17).
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E importante notar que esta aliança é a única e que possui duas partes inseparáveis — o perdão dos pecados e um coração transformado. Quando o pecador é reconciliado com Deus, algo acontece nos registros celestiais — o sangue de Cristo cobre seus pecados. Assim, a primeira bênção é o perdão dos pecados; mas, ao mesmo tempo, algo acontece na terra: no coração, uma nova natureza é concedida. Pelas Escrituras expostas acima aprendemos também que Cristo adquiriu para os seus os benefícios da nova aliança. Além disso, a carta aos Hebreus nos relembra que o evangelho que os apóstolos pregavam, como sendo o evangelho de Cristo, era o evangelho da nova aliança. Portanto, além de quaisquer outros benefícios que os pecadores possam receber, quando são chamados à salvação pelo evangelho, eles forçosamente recebem as bênçãos primárias da nova aliança, ou seja, o perdão dos pecados e um novo coração. Bem, o que é o perdão dos pecados? É uma parte essencial da justificação do homem perante Deus. E, o que é um novo coração? É o início da santificação. A doutrina do "crente carnal", todavia, apela àqueles que supostamente estão justificados, como se um novo coração e uma nova vida fossem opcionais. A santificação é tratada como se pudesse ser subseqüente ao perdão dos pecados, e assim as pessoas são levadas a crer que foram justificadas, mesmo quando não estão passando pelo processo da santificação!
A verdade é que não temos qualquer razão para crer que o sangue de Cristo cobriu nossos pecados, no que tange ao que aconteceu no céu, se o Espírito
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não modificou nossos corações, na terra. Estas duas grandes bênçãos estão reunidas em uma única aliança. A operação do Espírito e a lavagem no sangue de Cristo estão inseparavelmente unidas na aplicação da salvação divina. Assim sendo, a doutrina que requer um ato de submissão ou de entrega (ou seja lá como possa ser chamada) subseqüente à conversão, para que o convertido possa experimentar a vida espiritual, corta o nervo vital da nova aliança. Separa o que Deus ajuntou. 3. A fé salvadora e a fé espúria não são distinguidas
Outro grande erro é que essa doutrina não faz distinção entre a fé verdadeira, a crença salvadora, e a fé espúria que é mencionada nas seguintes Escrituras: "Muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos" (Jo 2.23,24). "Muitos dentre as próprias autoridades creram nele; mas por causa dos fariseus não o confessavam" (Jo 12.42). "Não têm raiz, crêem apenas por algum tem po" (Lc 8.13). Simão, o mago, "creu" e foi batizado; mas seu coração não era "reto diante de Deus" (At 8.12-22). Em outras palavras, era "crença" sem um coração transformado; e, por ser essa a condição de Simão, Pedro lhe diz que ele pereceria, se não chegasse ao arrependimento verdadeiro; ele estava em "fel de amargura, e em laço de iniqüidade" (v. 23). E a prova de que Simão, o mago, sem dúvida, não era salvo, pode ser encontrada em sua oração. Ele, como todas as pessoas não-regeneradas, estava preocupado apenas com as conseqüências do pecado. Não fez qualquer pedido para receber perdão e ser
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limpo da impureza do pecado. "Rogai vós por mim ao Senhor", disse ele a Pedro, "para que nada do que dissestes sobrevenha a mim". Tal como o chamado "crente carnal", ele queria a Jesus como uma espécie de apólice de seguro contra o inferno, mas não solicitou qualquer libertação do pecado. Em todos esses exemplos das Escrituras, pessoas "creram" e "demonstraram fé", mas não era a fé salvadora. E todos os crentes carnais professam ter fé, mas não é a fé salvadora. Charles Hodge, seguindo as Escrituras, fez uma distinção clara entre tipos diferentes de fé: fé especulativa, ou morta; fé temporária; fé salvadora. Robert Dabney diferencia entre: fé temporária; fé histórica; fé miraculosa; fé salvadora.
A doutrina do "crente carnal" não faz qualquer provisão para essas distinções; dá pouco ou nenhum reconhecimento à possibilidade de uma fé espúria, dando a entender, ou presumindo, pelo contrário, que todos aqueles que dizem "ter convidado a Jesus a entrar em suas vidas" possuem a fé salvadora. Se tais crentes não vivem e agem como crentes, seus líderes podem muito bem atribuir isso ao fato de não serem eles "crentes espirituais". A verdade é que podem nem mesmo ser crentes! 4. A omissão do arrependimento
Outra falha na doutrina do "crente carnal" está em sua virtual exclusão do arrependimento na experiência da conversão. Isso fica implícito na sugestão de que o "crente carnal" não,mudou na prática, mas vive e age tal como o homem natural. Essa doutrina é obviamente demonstrada no diagrama acima, onde
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o "ego" continua no trono, no caso daqueles que se encontram no segundo grupo. Porém, é um erro muito grave sugerir que o arrependimento, incluindo uma atitude transformada em relação ao pecado, não é parte essencial da conversão. Tal sugestão é um desvio do evangelho apostólico. Ninguém que minimize tanto a necessidade do arrependimento pode dizer, como Paulo: "Jamais deixando de anunciar cousa alguma proveitosa, e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando, tanto a judeus como a gregos, o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]" (At 20.20,21).
John Cotton, um dos líderes Puritanos da Nova Inglaterra, estava com a razão ao escrever: "Nenhum participante da aliança da graça ousaria se permitir permanecer em qualquer pecado; pois se um homem negligentemente cometer qualquer pecado, o Senhor o disciplinará vigorosamente e o fará perceber, com tristeza, sua ofensa à graça de Deus. Permaneceremos no pecado para que a graça seja mais abundante? De maneira nenhuma! Ninguém que tenha uma porção da graça de Deus ousa permitir-se permanecer no pecado; todavia se, pela intensidade da tentação, ele for levado a se desviar, em qualquer tempo, essa será a sua maior carga". 5. Ensino errado sobre a segurança da salvação
A teoria da existência de três classes de homens tende a oferecer a segurança da salvação àqueles que jamais se converteram. Quando uma pessoa diz pertencer a Cristo e ainda assim vive seguindo os padrões do mundo, como podemos saber que a sua
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profissão de fé é genuína? Como sabemos que ela não é genuína? Não podemos! Sempre há duas possibilidades: a pessoa pode ser um crente verdadeiro que se tenha desviado, ou é perfeitamente possível que nunca se tenha unido a Cristo, através da salvação. Somente Deus o sabe. Portanto, quando falamos de uma pessoa que se desviou, dois erros precisam ser evitados: (1) Afirmar inequivocamente que ela não é crente; (2) afirmar inequivocamente que ela é crente. O fato é que não o sabemos, e nem podemos sabê-lo!
A Bíblia certamente ensina que fazer com que os homens se considerem crentes, quando na realidade não o são, é um grande mal; e, a teoria do "crente carnal" tende a promover aquele mesmo mal, ao permitir a idéia de uma categoria inteira de "crentes", cujos corações não se renderam em obediência a Cristo. Nada poderia ser mais perigoso. Almas perdidas, enganadas por si mesmas, que deveriam estar clamando a Deus por aquela mudança sobrenatural que se torna conhecida a eles mesmos e ao mundo, mediante um coração e uma vida transformados, com freqüência se acham confortavelmente escondidas por detrás dessa mesma doutrina. Enquanto acreditarem nisso, tais pessoas jamais buscarão a verdadeira salvação. Embora professem crer em verdades evangélicas, a posição delas é muito pior que a dos homens naturais, que sabem que não são convertidos! A doutrina do "crente carnal" ignora grande parte do ensino bíblico sobre a doutrina da segurança na salvação, especialmente aquelas passagens bíblicas que mostram que o caráter e a conduta cristãos têm
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ligações com a nossa segurança. A breve primeira carta de João foi escrita para que aqueles que crêem possam saber que têm a vida eterna; isto é, possam saber que são nascidos de Deus (5.13). Por toda a carta, João acompanha os sinais que seguem o novo nascimento (3.9; 5.18). Ele mostra que a pessoa nascida de novo não se sente à vontade no terreno do pecado, e que a desobediência aos mandamentos de Deus não pode ser a inclinação da vida de um crente, conforme a doutrina do "crente carnal" pretende levar-nos a crer. "Porque tudo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé" (Jo 5.4). "Sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele" (Jo 2.3-5). Por meio destes textos fica claro que a obediência está intimamente relacionada à segurança; se não vivemos a justiça e nem a praticamos, não temos qualquer razão para pensar que somos "nascidos de Deus" . Novamente, o próprio Jesus disse: "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor" (Jo 15.10); e, não: "Para serdes crentes espirituais, guardai os meus mandamentos ". A obediência é para todos os discípulos. "Segui... a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14). "Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem" 1
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(Hb 5.8,9). "Segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo" (1 Pe 1.15,16). A Bíblia deixa perfeitamente claro que há um íntimo relacionamento entre a segurança na salvação e a obediência; mas a doutrina do "crente carnal" oferece certeza para aqueles que se sentem à vontade no domínio do pecado. Ainda assim são classificados como crentes. Por muitas vezes essa é uma segurança falsa e condenadora, porquanto essas pessoas não têm qualquer razão bíblica para crer que ao menos sejam crentes. 6. Um conceito inadequado do pecado
Os frutos dessa doutrina não são novos na história do cristianismo, embora essa doutrina apareça na cena atual sob uma máscara diferente. Trata-se da velha doutrina do antinomianismo. Paulo a ataca em Romanos 6.1,2, quando pergunta: "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum..." Pór implicação, a resposta da doutrina das três classes, à pergunta de Paulo, seria: "Sim, você pode continuar em pecado e ser um crente carnal". Nisso consiste o antinomianismo!
7. Cria-se a necessidade de uma segunda operação da graça
A doutrina do "crente carnal" é a mãe de muitos erros que defendem a segunda operação da graça; isso acontece porque depreciam a experiência bíblica de conversão, ao darem a entender que a transfor-
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mação efetuada no pecador convertido pode se limitar a muito pouco, ou mesmo a nada. Daí, prossegue afirmando que a transformação importante, que afeta o caráter e a conduta de um homem, é o segundo passo, que o torna um "crente espiritual". 8, Um conceito errado de Cristo
A doutrina do "crente carnal" é também a mãe de um dos ensinos mais perniciosos de nossos dias. Ela sugere que a pessoa pode receber a Jesus como seu Salvador e, ainda assim, considerar a obediência ao seu senhorio como uma opção. Quão freqüente é o apelo feito aos chamados "crentes carnais" para colocarem a Jesus no trono e fazerem dEle o Senhor! Ainda é dito a eles que, ao aceitarem a Jesus como Senhor, deixarão de ser crentes carnais. Tal ensino, todavia, é totalmente estranho ao Novo Testamento. Quando nosso Senhor apareceu em forma humana, na História, o anjo anunciou a sua vinda com as seguintes palavras: "Hoje vos nasceu na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor" (Lc 2.11). Ele não pode ser dividido. O Salvador e Senhor são um. Quando os apóstolos pregavam, proclamavam Cristo como Senhor. O ato de curvar-se diante de sua autoridade nunca foi apresentado na Bíblia como um segundo passo de consagração. "Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus" (2 Co 4.5). Quando os pecadores verdadeiramente recebem a Jesus, eles O recebem como Senhor. "Como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl 2.6). Matthew Henry, em sua introdução ao evangelho
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segundo Mateus, diz: "Toda a graça contida neste livro se deve a Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador; e, a menos que nos curvemos diante dEle como nosso Senhor, não podemos esperar dEle qualquer benefício como nosso Salvador". Charles Haddon Spurgeon advertiu a seus alunos: "Se o que se diz convertido declara, distinta e deliberadamente, conhecer a vontade do Senhor, mas não demonstra interesse em cumpri-la, vocês não devem estimular tal presunção; porém, é seu dever deixar bem claro que ele não é salvo. Não suponham que o evangelho seja magnificado ou que Deus seja glorificado se disserem aos mundanos que eles podem ser salvos, naquele mesmo momento, simplesmente por aceitarem a Cristo como seu Salvador, enquanto ainda estão ligados a seus ídolos, e em seus corações ainda estão apaixonados pelo pecado. Se eu fizer isso, estarei dizendo a eles uma mentira, pervertendo o evangelho, insultando a Cristo e transformando a graça de Deus em licenciosidade". Sobre este assunto, é de vital importância que observemos como os apóstolos pregaram o senhorio de Cristo. A palavra "Salvador" ocorre apenas duas vezes nos Atos dos Apóstolos (5.31 e 13.23); por outro lado, o título "Senhor" é mencionado 92 vezes; "Senhor Jesus", 13 vezes; e "Senhor Jesus Cristo", 6 vezes no mesmo livro! O evangelho é: "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo" (At 16.31). Foi a doutrina do "crente carnal" que fez surgir esse ensino errado sobre um Cristo dividido. Quando Pedro pregou o que poderíamos chamar de o primeiro sermão depois da ascensão de nosso Senhor, ele deixou perfeitamente claro que não somos nós
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que faremos de Cristo o Senhor, sob hipótese nenhuma: "Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo" (At 2.36). Deus o fez Senhor! "Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu; para ser Senhor, tanto de mortos como de vivos" (Rm 14.9). A mesma graça que salva é a que leva os pecadores a reconhecerem a Cristo como Senhor. Mas a doutrina das três classes, todavia, convida os "crentes carnais" a fazerem de Cristo o Senhor, e assim se tornarem crentes espirituais. Mais uma vez, vemos que isso é tratar a nossa aceitação do senhorio de Cristo como algo adicional à nossa salvação, quando, de fato, o reconhecimento dEle como Senhor é parte integral e necessária da conversão. A.A. Hodge escreveu: Você não pode receber a Cristo para a justificação, a não ser que o receba para a santificação. Pense em um pecador chegando a Cristo e dizendo: "Eu não quero ser salvo do pecado; eu gostaria de ser salvo em meus pecados"; "Não me santifique agora, apenas justifique-me agora". Qual seria a resposta? Poderia ele ser aceito por Deus? Você não é mais capaz de separar a justificação da santificação do que é capaz de separar a circulação do sangue da inalação do ar. Respiração e circulação são duas coisas diferentes, mas você não pode ter uma sem a outra; elas se combinam e completam, e constituem uma única vida. Por igual modo a justificação e a santificação; elas se combinam e constituem uma única vida. Se houve alguém que tentou receber a Cristo com a justificação e sem a santificação, ele não o conseguiu, graças a Deus! Tal pessoa não foi justificada nem santificada.
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9. Falsa espiritualidade
Tal doutrina estimula o farisaísmo nos chamados "crentes espirituais", que alcançaram algum padrão humano de espiritualidade. Não deveriam existir "crentes espirituais", e muito menos os "super-espirituais"! George Whitefíeld, um homem que vivia em íntima comunhão com o seu Salvador, orava em todos os seus dias de vida: "Permite-me começar a ser um crente". E um outro crente disse, expressando uma verdade: "Na vida do crente mais perfeito, todos os dias há ocasião renovada para a humildade, o arrependimento, para a aplicação renovada do sangue de Cristo, para a prática constante do fervor do Espírito Santo". Conclusão
O efeito de crer na verdade exposta nestas páginas deve ser o desejo de ver um evangelismo mais verdadeiro. A doutrina do "crente carnal" é, afinal, a conseqüência de um evangelismo fraco, antropocêntrico, no qual as decisões são buscadas a qualquer preço e por quaisquer métodos. Quando aqueles que são declarados convertidos não agem como crentes, não amam o que os crentes amam, nem odeiam o que os crentes odeiam, nem servem voluntariamente a Cristo em sua igreja, deve-se encontrar uma outra explicação além de chamá-los a se decidirem em favor de Cristo. Isso eles já fizeram e já foram declarados "cristãos" pelo pregador ou obreiro que os evangelizou. Quando eles não agem como crentes, algo está errado. O que é? A doutrina que procurei refutar afirma que tais pessoas são apenas "crentes carnais";
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não fizeram de Cristo o "Senhor" de suas vidas; não deixaram que Ele ocupasse o trono de seus corações. Como esta explicação não tem base bíblica, também uma análise demonstrará que ela está intimamente ligada ao erro inicial ocorrido no evangelismo. Com muita freqüência o evangelismo moderno substitui a "decisão" pelo arrependimento e pela fé salvadora. O perdão é pregado sem a verdade também importante de que o Espírito de Deus deve transformar o coração. Como resultado, decisões são encaradas como se fossem conversões, embora não haja evidências de uma operação sobrenatural de Deus na vida da pessoa. Certamente, a melhor maneira de se pôr fim a esse mal é orar e batalhar pela restauração do evangelismo neo-testamentário! Sempre que esse evangelismo for praticado os homens aprenderão que não è suficiente professar ser um crente, e que não é suficiente chamar Jesus de "Senhor, Senhor" (Lc 6.46). O poder do evangelho neo-testamentário motivará os homens a não descansarem até que tenham evidências bíblicas de que nasceram de Deus. Ele irá perturbar aqueles que, sem boas razões, acreditaram que já eram crentes. Despertará pessoas desviadas, afirmando que existe a possibilidade de que jamais serão crentes verdadeiros, enquanto permanecerem nessas condições. Além disso, compreender a existência dessa possibilidade fará com que novas profundezas de compaixão e de urgência surjam nos corações do povo de Deus, em favor do mundo perdido. Um dos maiores obstáculos à recuperação deste tipo de evangelismo é a teoria que temos considerado. Rejeitar essa teoria é voltar a um novo evangelismo
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