T eoria Ge Geral do Direito Civil Civil
ÍNDICE EXERCÍCIO Nº 1..................................................................................................................................................2 EXERCÍCIO Nº 2..................................................................................................................................................4 EXERCÍCIO Nº 3..................................................................................................................................................7 EXERCÍCIO Nº 4..................................................................................................................................................9 EXERCÍCIO Nº 5................................................................................................................................................13 EXERCÍCIO Nº 6................................................................................................................................................15 1ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 15 2ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 16 3ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 17 4ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 18
EXERCÍCIO Nº 7................................................................................................................................................20 1ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 20 2ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 21 3ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 22 4ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 22 5ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 27
EXERCÍCIO N.º 8...............................................................................................................................................28 1ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 28 2ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 30 3ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 31 4ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 31 5ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 32 6ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 33 7ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 34
EXERCÍCIO Nº 9................................................................................................................................................36 1ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 36 2ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 36 3ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 36 4ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 37 5ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 37 6ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 37 7ª HIPÓTESE ......................................................... ........................................................... ............................... 37
T eoria Ge Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO EXERCÍCIO Nº Nº 1
2
EXERCÍCIO Nº 1
(Dtºs de Personalidade) Personalidade) Margarida, professora de Chosa na Faculdade de Letras de Lisboa, arrenda um primeiro andar na Rua do Conde a fim de elaborar um estudo sobre a história e difusão da língua Chosa no continente africano. No R/C do seu prédio funciona desde há muito a boite “Pezinho de Dança”, que se encontra devidamente licenciada e cuja actividade respeita todos os regulamentos e leis em vigor. Margarida não consegue dormir nem trabalhar. Quid juris?
RESOLUÇÃO: Em primeiro lugar, há questões a que urge dar resposta: 1. Há nexo de causalidade entre o funcionamento da discoteca e o descanso e o sono da Margarida? Apesar de o enunciado nada dizer expressamente sobre o assunto, consideramos que ao colocar as duas situações uma em face da outra se pretende que seja extraída a inferência de que assim é. Concluiremos, assim, que a Margarida não consegue dormir devido à actividade levada a cabo na discoteca. 2. O dono da discoteca está a exercer o seu direito sem dele abusar? Mais uma vez, o texto nada nos diz, pelo que daremos como ponto assente que o funcionamento da discoteca, para além de se encontrar licenciada pela autoridade administrativa competente e cumprir todos os limites previstos nos regulamentos em vigor, se processo dentro dos parâmetros da boa fé, não havendo, por conseguinte, conseguinte, abuso de direito por parte do dono da discoteca. Haverá, isso sim, conflito de direitos. 3. Os direitos do dono da discoteca são da mesma natureza dos direitos da Margarida? Os direitos aqui em conflito são de espécie diferente: o direito amplo à integridade física e moral da Margarida, para além de expressamente tutelado pelo art. 70/1-2 do Código Civil, beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias previsto no art. 18º da CRP – 25º CRP –, vendo, assim, a sua tutela reforçada (deste direito amplo podem extrair-se outros direitos inominados, como o direito ao descanso, o direito ao sono e o direito a um ambiente de qualidade que não viole a sua integridade física e moral); contrariamente, os direitos à iniciativa económica privada ou liberdade de empresa – 61/1 CRP – e o acesso à propriedade (ou apropriação) privada – 62/1 CRP –, embora beneficiando de protecção constitucional, estão fora da protecção especial conferida pelo art. 18º da CRP e não são direitos de personalidade(1).
Daqui podemos extrair as seguintes conclusões: a) Verifica-se, no caso concreto, um conflito de direitos: por um lado o direito da Margarida ao descanso, ao sono e a um ambiente de qualidade, enquadrados no direito, em sentido sentido amplo, à não ofensa da integridade integridade física e moral da pessoa (art. 70/1); por outro, os direitos do dono da discoteca à iniciativa económica privada ou liberdade de empresa e do acesso à propriedade (ou apropriação) privada; 1
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo III, p. 90, Coimbra, Almedina, 2004
___________________________________________________________________________ ___________________________________________________ ________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
T eoria Ge Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO EXERCÍCIO Nº Nº 1
2
EXERCÍCIO Nº 1
(Dtºs de Personalidade) Personalidade) Margarida, professora de Chosa na Faculdade de Letras de Lisboa, arrenda um primeiro andar na Rua do Conde a fim de elaborar um estudo sobre a história e difusão da língua Chosa no continente africano. No R/C do seu prédio funciona desde há muito a boite “Pezinho de Dança”, que se encontra devidamente licenciada e cuja actividade respeita todos os regulamentos e leis em vigor. Margarida não consegue dormir nem trabalhar. Quid juris?
RESOLUÇÃO: Em primeiro lugar, há questões a que urge dar resposta: 1. Há nexo de causalidade entre o funcionamento da discoteca e o descanso e o sono da Margarida? Apesar de o enunciado nada dizer expressamente sobre o assunto, consideramos que ao colocar as duas situações uma em face da outra se pretende que seja extraída a inferência de que assim é. Concluiremos, assim, que a Margarida não consegue dormir devido à actividade levada a cabo na discoteca. 2. O dono da discoteca está a exercer o seu direito sem dele abusar? Mais uma vez, o texto nada nos diz, pelo que daremos como ponto assente que o funcionamento da discoteca, para além de se encontrar licenciada pela autoridade administrativa competente e cumprir todos os limites previstos nos regulamentos em vigor, se processo dentro dos parâmetros da boa fé, não havendo, por conseguinte, conseguinte, abuso de direito por parte do dono da discoteca. Haverá, isso sim, conflito de direitos. 3. Os direitos do dono da discoteca são da mesma natureza dos direitos da Margarida? Os direitos aqui em conflito são de espécie diferente: o direito amplo à integridade física e moral da Margarida, para além de expressamente tutelado pelo art. 70/1-2 do Código Civil, beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias previsto no art. 18º da CRP – 25º CRP –, vendo, assim, a sua tutela reforçada (deste direito amplo podem extrair-se outros direitos inominados, como o direito ao descanso, o direito ao sono e o direito a um ambiente de qualidade que não viole a sua integridade física e moral); contrariamente, os direitos à iniciativa económica privada ou liberdade de empresa – 61/1 CRP – e o acesso à propriedade (ou apropriação) privada – 62/1 CRP –, embora beneficiando de protecção constitucional, estão fora da protecção especial conferida pelo art. 18º da CRP e não são direitos de personalidade(1).
Daqui podemos extrair as seguintes conclusões: a) Verifica-se, no caso concreto, um conflito de direitos: por um lado o direito da Margarida ao descanso, ao sono e a um ambiente de qualidade, enquadrados no direito, em sentido sentido amplo, à não ofensa da integridade integridade física e moral da pessoa (art. 70/1); por outro, os direitos do dono da discoteca à iniciativa económica privada ou liberdade de empresa e do acesso à propriedade (ou apropriação) privada; 1
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo III, p. 90, Coimbra, Almedina, 2004
___________________________________________________________________________ ___________________________________________________ ________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
T eoria Ge Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO EXERCÍCIO Nº Nº 1
3
b) Não sendo conciliáveis, há que resolver o conflito entre estes direitos com base no art. 335 do Cód. Civil; c) Atendendo a que os direitos conflituantes são de espécie diferente, tal conflito deverá ser resolvido por cedência do direito de espécie inferior, nos termos do art. 335/2; d) Apesar de a prevalência dos direitos de personalidade não resultar de menção expressa na lei, quer a doutrina quer a jurisprudência tendem a colocar aqueles em posição de superioridade(2) e) Vão neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos: a. Ac. da Rel. do Porto de 12-3-1996 (R. 9 520 883) , cujo ponto III das conclusões é elucidativo: – “Independentemente de se cumprir ou não o regulamento geral sobre o ruído, destinado à protecção de interesses gerais e difusos inseridos no direito a um ambiente são, há que respeitar os direitos de personalidade das pessoas directamente afectadas por eventuais actividades lesivas desses direitos, cuja tutela jurídica, por estar inserida nos direitos de personalidade, é sempre superior à tutela dos direitos patrimoniais que possam estar subjacentes às actividades que tenham por objecto fins lucrativos de outras entidades” ;
b. Ac. do S.T.J. de 24-10-1995 (P. 87 187) , de que destacamos o ponto I: – “ Coexistindo, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono e, de outro lado, um direito de propriedade ou um direito à iniciativa privada, é o primeiro que goza da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias, porque é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam do regime material dos direitos, liberdades e garantias”; e
c. Ac. da Rel. de Coimbra de 8-7-1997 (R. 256) , cujos dois primeiros pontos são terminantes quanto a esta matéria: “ I – Em caso de conflito, os direitos de personalidade prevalecem sobre os direitos de propriedade. II – Os direitos de personalidade integram o direito ao sossego e ao repouso”.
f) Pelo que se conclui que a Margarida tem direito a ser indemnizada pelo dono da discoteca dos prejuízos que lhe resultarem da violação dos seus direitos de personalidade, bem como requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de atenuar os efeitos da ofensa já cometida e evitar a continuação dessa ofensa, nos termos do art. 70/2 do Código Civil.
2
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo III, p. 99-100, Coimbra, Almedina, 2004
___________________________________________________________________________ ___________________________________________________ ________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 2
4
EXERCÍCIO Nº 2 (Dtºs de Personalidade) Manuel, de 15 anos, adquiriu em Maio de 2003, por herança de um tio-avô americano que nunca conhecera, uma fazenda nos EUA e um monte em Sobral de Monte Agraço. Decidiu então que era tempo de mudar de vida, casando-se em seguida com Francisca, uma célebre manequim de 20 anos, vendeu o monte de Sobral de Monte Agraço e foram um mês em lua-de-mel para os Açores. A lua-de-mel não correu nada bem: Francisca não resistiu às delícias culinárias do arquipélago e engordou 5 Kg em duas semanas. Daí não adviria problema não fosse Francisca fotografada em biquini por um paparazi, aparecendo a sua fotografia em alguns órgãos de comunicação social longe da sua imagem de elegância a que o público estava habituado. Em consequência, a empresa “Lacticínios Formosa” pôs termo ao contrato de publicidade que havia celebrado com Francisca e esta, desgostosa, disse que ia fazer jogging para a Bolívia, não tendo até hoje dado quaisquer notícias. RESOLUÇÃO: Atendendo à matéria em estudo, relevam para a resolução deste caso apenas os aspectos relacionados com os direitos de personalidade, nomeadamente o direito à imagem e o direito à reserva da intimidade da vida privada. Assim, haverá que colocar as seguintes questões:
1. A fotografia foi tirada com consentimento da Francisca? E a sua publicação? Nada no texto nos permite afirmar que a Francisca deu o seu consentimento para ser fotografada. E embora também se não diga o contrário, as circunstâncias do caso levam-nos a concluir neste sentido: por um lado, porque a actividade típica dos paparazi é a de obter fotografias de celebridades à revelia do consentimento destas; por outro, devido à reacção desgostosa de Francisca ao ver a sua imagem exposta na forma em que então se encontrava. Daremos, assim, como ponto assente que a Francisca não deu o seu consentimento para ser fotografada e muito menos para que essa fotografia fosse publicada. 2. A não ter havido consentimento, haverá causa de exclusão da necessidade de consentimento? Assente que não houve consentimento, há que verificar então se este consentimento seria necessário. Para isso, importa esclarecer: 1) Em que lugar foi a Francisca fotografada: público ou reservado? 2) A fotografia foi tirada no âmbito da actividade que lhe conferiu notoriedade? 3) A fotografia veio enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente?
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 2
5
Relativamente ao primeiro ponto, o texto não é claro, pois da referência ao biquini não podemos inferir de pronto que a Francisca estivesse na praia: tanto poderia ser esse o caso como o de estar à beira duma piscina, que tanto podia situar-se em lugar público como em lugar privado… Não que se possa concluir do facto de estar num lugar público, mesmo na praia, que o direito à imagem deixa de ficar tutelado pela lei: não é esse o caso. Mesmo num local público a pessoa pode agir dentro da sua esfera privada, não sendo lícita a violação do seu direito à reserva da intimidade da vida privada (o Ac. do S.T.J. de 24-5-1989 (P. 77 193) fornece-nos um precioso exemplo disso). Quanto ao segundo ponto, o facto de a fotografia ter sido tirada no âmbito da actividade que deu notoriedade à Francisca (por exemplo, num desfile de moda) poderia relevar para a não necessidade de consentimento da retratada. Mas também aqui o texto nada nos diz, pelo que não iremos nós presumir. O mesmo se diga quanto a questão levantada no ponto três: se a fotografia tivesse sido tirada em qualquer das situações ali referidas tornar-se-ia desnecessário pedir o consentimento da retratada.
3. Admitindo, para efeitos meramente académicos, que houve consentimento ou este não era necessário para tirar a fotografia, poderia esta ser publicada sem consentimento da interessada? O facto de não ser exigível o consentimento para tirar a fotografia não significa que o mesmo se passe no que toca a ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, especialmente se desses actos resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada, conforme referido no art. 79/3. 4. Terá a Francisca direito a pedir uma indemnização pela violação do seu direito à imagem? Pela análise dos factos até agora realizada, tudo aponta para uma resposta positiva. Senão vejamos: 1) Não se provou que a Francisca tivesse dado o seu consentimento para ser fotografada e muito menos para que o retrato fosse publicado nos órgãos de comunicação social: a sua reacção demonstra claramente o contrário. E mesmo que o consentimento fosse desnecessário, por a situação se enquadrar numa das situações de excepção previstas no art. 79/2, tal não significaria luz verde para a publicação dessa imagem, atenta a possibilidade de tal representar um prejuízo para a reputação e decoro da Francisca; 2) Da publicação sem o seu consentimento resultou para a Francisca prejuízos evidentes, mais que não seja por ter perdido o contrato com a “Lacticínios Formosa”, que lhe causou um desgosto tal que a levou a abandonar o marido e o próprio país; 3) Nos termos do art. 70/2 do CC, tem a Francisca direito a pedir uma indemnização ao autor da violação, podendo ainda requerer as providências ali referidas com vista a produzir os efeitos também ali enunciados.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 2
6
5. E poderá a Francisca incluir nos prejuízos a indemnizar aqueles que resultaram da resolução do contrato por parte da “Lacticínios Formosa”? Parece-nos claramente de aceitar um nexo de causalidade entre a publicação ilícita da fotografia da Francisca no estado em que se encontrava e a resolução do contrato por parte da “Lacticínios Formosa”. É claro que se poderia argumentar que foi a Francisca que se colocou numa situação que permitia à outra parte resolver o contrato, mas também é verdade que ela estava em lua-de-mel e nada nos garante que antes de voltar ao trabalho ela não pudesse recuperar a forma exigível para as actividades para que fora contratada. Assim, pensamos ter a Francisca direito a exigir, no pagamento da indemnização por violação do seu direito à imagem, ser também ressarcida dos prejuízos resultantes da resolução do contrato.
Ac. da Rel. de Lisboa de 28-1-1999 (R. 6314/98)
28-Jan-1999
Direito de imagem I – O direito à imagem está regulado no artigo 79º do Código Civil e consagrado no artigo 26º da Constituição. II – É um direito especial de personalidade que integra o direito geral de personalidade. III – A reprodução do retrato justificada nos termos do nº 2 do artigo 79º do Código Civil, pela notoriedade das pessoas, pressupõe um interesse público de informação, sendo ilícita quando desviada para fins alheios à actividade pública dos retratos ou aos interesses públicos de informação (v.g. para exploração comercial inconsentida dessa notoriedade). IV – A inclusão de cromos de jogadores profissionais de futebol numa revista visando um aumento de tiragem ofende o direito à imagem, violando o disposto nos artigos 79º, nº 2 do Código Civil e 10º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho.
Col. de Jur., 1999, I, 93 Ac. do S.T.J. de 24-5-1989 (P. 77 193)
24-Abr-1989
Direito à imagem I – A Constituição da República, no seu artigo 26º, consagra o direito de todos os cidadãos «à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar». II – Por sua vez, o artigo 79º do Código Civil, inserido na secção II sobre direitos de personalidade, estipula também, no seu nº 1, que «o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem consentimento dela», e no seu nº 2 que «não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenha, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugar público ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente» e ainda no seu nº 3 se consigna que «o retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada». III – Age com culpa, praticando facto ilícito passível de responsabilidade civil nos termos dos artigos 70º e 483º e seguintes do Código Civil, o jornal que, sem o seu consentimento e não sendo ela pessoa pública, fotografa determinada pessoa desnudada e publica essa fotografia numa das edições, não obstante o facto de a fotografia ter sido obtida quando a pessoa em causa se encontrava quase completamente nua na «praia do Meco», considerada um dos locais onde o nudismo se pratica com mais intensidade, número e preferência, mesmo que se admita ser essa pessoa fervorosa adepta do nudismo. IV – É facto notório que a publicação em um jornal de grande divulgação e expansão de um retrato da autora em «topless» sem o seu consentimento se tinha de repercutir forçosamente na reputação e honra da retratada e, só por si, gerar prejuízos para ela, tendo, por isso, direito a ser ressarcida pelos mesmos.
Bol. do Min. da Just., 387, 531
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 3
7
EXERCÍCIO Nº 3 (Dtºs de Personalidade) António reencontra o seu primo Manuel, que não via há anos, propondo a este último a compra de um diário que afirma ser do poeta Fernando Pessoa, com múltiplas referências a Campo de Ourique e à sua amada Ofélia. António compra o diário e decide publicá-lo. Um mês depois da publicação do diário, Fernando Pessoa, um comerciante de Campo de Ourique, vê que o diário que tinha perdido numas mudanças de casa fora publicado, tendo a sua relação amorosa com Ofélia, lojista no Largo do Rato, sido revelada a milhares de leitores. A publicação do diário veio a suscitar diversas demandas judiciais: António quer anular a compra do diário; Fernando Pessoa, o comerciante, exige uma indemnização; e os herdeiros do poeta Fernando Pessoa exigem uma indemnização invocando que a honra do seu familiar foi lesada com a publicação de um texto falso, que ainda por cima não tem qualquer qualidade literária. RESOLUÇÃO: O caso vertente suscitaria uma série de questões para além das que vão ser tratadas na resolução que a seguir se apresentará, tais como a da anulação da compra por erro. No entanto, dado que o que está agora em causa é a matéria de direitos de personalidade, limitarnos-emos a abordar os problemas directamente relacionados com esta temática. Assim, haverá que analisar, sucintamente, as pretensões de Fernando Pessoa comerciante e dos familiares do Poeta. 1. Quanto à pretensão do comerciante Fernando Pessoa: pretende uma indemnização por o seu direito à reserva da intimidade da vida privada ter sido violada através da devassa do seu diário íntimo e subsequente publicação deste. O direito à reserva da intimidade da vida privada encontra-se tutelado pelo art. 70/1, podendo o seu titular recorrer aos mecanismos previstos no seu nº 2 para assegurar o seu direito e obter uma compensação pelo prejuízo resultante da violação; a protecção das memórias familiares e outros escritos confidenciais é tutelada pelo artigo 76º, ex vi do artigo 77 do CC. Mas será que a publicação do diário, que expôs a sua relação amorosa com Ofélia perante milhares de leitores, consubstancia uma violação do seu direito? Uma coisa parece clara: Fernando Pessoa comerciante não deu consentimento para que os seus direitos mencionados fossem violados. Mas, por outro lado, o texto não é claro quanto à questão de saber se o conteúdo do diário era de molde a permitir a algum ou alguns leitores identificar quer o autor do diário quer a sua amada Ofélia. Que relevância poderá este facto assumir na apreciação da questão? Há quem lhe atribua tal importância que baseia nele a resposta ao pedido de indemnização: se tanto quem publica como quem lê o diário não fizerem a mais pequena ideia de quem sejam as pessoas que nele vêm retratadas será que ainda assim se pode falar de violação da reserva da intimidade da vida privada? Apesar de haver quem possa defender essa construção, somos de opinião que o direito foi objectivamente violado de forma ilícita, que o lesado sentiu efectivamente os efeitos da ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 3
8
violação na sua esfera jurídica pessoal e, por conseguinte, deve ter direito a uma indemnização com base nas disposições legais supra mencionadas. 4. Quanto à pretensão dos familiares do poeta Fernando pessoa: em primeiro lugar, há que averiguar que direitos podem ter sido violados e quem tem legitimidade para requerer as providências necessárias a pôr fim à violação e atenuar os seus efeitos; depois, importa saber se as tais pessoas podem apenas requerer as tais providências ou se também têm direito a uma indemnização civil. O artigo 71/1 determina que os direitos de personalidade gozam de protecção mesmo após a morte do seu titular. Os familiares invocam uma violação da honra e do bom-nome do poeta, baseada no facto de ter sido publicado um escrito sem qualquer qualidade literária como sendo obra sua, o que punha em causa o seu prestígio literário. O direito à honra e ao bom-nome encontra tutela legal na proibição de ofensa à integridade moral das pessoas, prevista no art. 70/1. Surgem, no entanto, dúvidas em saber se a norma ínsita no art. 71/2 deve ser levada à letra, caso em que aos familiares do poeta nada mais restaria do que requerem as providências ali expressamente mencionadas para atingir os fins previstos no art. 70/2, ou se a menção à responsabilidade civil aqui referida lhes é também aplicável. A resposta a esta questão implica uma análise prévia das diversas teses sobre a póseficácia dos direitos de personalidade. Consoante a tese defendida, assim se aceitará ou rejeitará o direito a obter, por parte das pessoas com legitimidade para a requerer, uma indemnização civil baseada na violação dos direitos de personalidade do falecido. Há, fundamentalmente, três teorias que procuram explicar a natureza da tutela post mortem: 1) Teoria do prolongamento da personalidade (Pires de Lima/Antunes Varela); 2) Teoria da memória do falecido como bem autónomo (Oliveira Ascensão); e 3) Teoria do direito dos vivos (Menezes Cordeiro/Castro Mendes): a tutela em jogo visaria defender os direitos das pessoas enumeradas no art. 71/2, afectados pela ofensa à memória da pessoa falecida: elas teriam direito à indemnização por danos morais e patrimoniais sofridos. Para quem defenda esta última tese, não há dificuldade em aceitar que os familiares do poeta (desde que seja um dos que são referidos no art. 71/2) tenham direito a uma indemnização pelas ofensas à honra e bom-nome do falecido. Repugnaria, isso sim, que se permitisse ao infractor obter vantagem da ofensa e que o ordenamento jurídico não permitisse, por um lado, fazer sentir ao violador uma consequência desagradável e, por outro, garantir às pessoas afectadas pela ofensa obter uma compensação (se bem que grosseira) para esse sofrimento.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 4
9
EXERCÍCIO Nº 4 (Ausência: Curadoria provisória/definitiva e morte presumida) No dia 01-02-2004, António, alpinista, diz aos seus familiares mais próximos que não esperem por ele nos 3 meses que se seguem, porque vai tentar escalar o Everest. No dia 01-04-2004, a mulher de António, Carolina, entra no nosso escritório e pergunta o que pode fazer. No dia 01-07-2015, o filho de António e Carolina, Bernardo, entra no escritório e diz: – Que quer o carro que era de António; – Que está muito zangado porque Carolina pretendia casar-se no mês seguinte com Fernando, arqui-inimigo de António. Bernardo acrescenta que já tinha falado com o advogado de António, mas como ele não tinha sido capaz de responder, recorreu aos nossos serviços.
RESOLUÇÃO: § 1º: Para responder cabalmente à Carolina, era necessário analisar os seguintes pontos: 1. Pressupostos objectivos da ausência: são três os pressupostos da ausência previstos no artigo 89/1-2: 1) alguém estar desaparecido sem que dele se saiba parte; 2) essa pessoa ter deixado bens cuja administração se torne necessária; 3) não ter deixado representante legal ou procurador ou, tendo deixado, este não poder ou não querer exercer as suas funções. No caso sub judice, António não desapareceu: disse que se ia ausentar por três meses. Até esse prazo decorrer, mesmo não havendo mais notícias dele, considera-se que o mesmo não está desaparecido. António deixou um carro (aquele cuja entrega o seu filho agora reclama), ignorando-se se este terá ficado em condições que exijam ou dispensem a necessidade de administração. António deixou representante legal: o advogado a que se refere o último parágrafo e que não soube responder às questões de Bernardo. No entanto, parece que esse advogado não pode – porque não sabe (?) – exercer as suas funções. Admitindo que os dois últimos pressupostos pudessem estar reunidos, teremos de concluir que o primeiro – o António estar desaparecido – não está preenchido, pelo que não estamos perante um caso de ausência. Haveria então que elucidar a Carolina do seguinte: embora não estejam, neste momento, reunidos todos os pressupostos da ausência, eles podem acabar por se verificar se o António não regressar depois dos três meses nem, depois disso, der notícias num prazo razoável. Neste caso, haveria que verificar o seguinte: 2. Pressupostos da curadoria provisória: não está limitada pelo decurso de um prazo mínimo; o que releva são os três pressupostos da ausência acima referidos. 3. Legitimidade para requerer a curadoria provisória: a Carolina, como pessoa interessada na preservação dos bens do ausente, tem legitimidade para requerer a curadoria provisória (91º). Pode ser nomeada curador provisório nos termos do art. 92/1, se o juiz ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 4
10
entender que ela é a pessoa que melhor serve os interesses do ausente, interesses estes prevalecentes no instituto da curadoria provisória: a lei estabelece-a em favor do ausente e não para mera vantagem dos presentes. No entanto, se houver conflito de interesses entre o António e a Carolina, esta será afastada, podendo ser nomeado, na falta de outra das pessoas referidas no nº 1, um curador especial (92/2 e 89/3) 4. Regime da curadoria provisória: 4.1. Obrigações: tem que fazer a relação dos bens e prestar caução, que será fixada pelo tribunal (93/1). Se Carolina se recusasse a prestar a caução, tanto bastaria para que outro fosse nomeado curador em vez dela. Depois da nomeação, ficará sujeita ás obrigações decorrentes do mandato geral e das disposições específicas sobre a matéria (94/1), nomeadamente aquelas que proíbem de, sem autorização judicial, alienar ou onerar bens imóveis, objectos preciosos, títulos de crédito, estabelecimentos comerciais e quaisquer outros bens cuja alienação ou oneração não constitua acto de administração (94/3). Ficaria ainda sujeita ao dever de prestar contas do seu mandato perante o tribunal, anualmente ou quando este o determinar. 4.2. Entrega dos bens: só lhe serão entregues após terem sido relacionados e a caução prestada (93/1), excepto em caso de urgência (93/2). 4.3. Remuneração: a Carolina teria direito a 10% da receita líquida que realizar com a exploração dos bens do António, nos termos do art. 111º. 5. Termo da curadoria provisória: nos termos do art. 98, a curadoria provisória terminaria num dos seguintes casos: – Pelo regresso do António; – Se o António providenciar acerca da administração dos bens; – Pela comparência de pessoa que legalmente represente o António ou de procurador bastante; – Pela entrega dos bens aos curadores definitivos ou ao cabeça-de-casal, nos termos do artigo 103.º; – Pela certeza da morte do António. 6. Pressupostos da curadoria definitiva: em primeiro lugar, é necessário que os pressupostos da ausência estejam cumulativamente verificados; depois, a curadoria definitiva depende de justificação da ausência, nos termos do art. 99, que só pode ser requerida após 2 anos sem se saber do António ou, se considerarmos que o seu advogado era o seu representante legal, após terem decorrido 5 anos. 7. Legitimidade para requerer a justificação da ausência: a Carolina, como cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens – pelo menos nada no texto nos permite dizer que este fosse o caso – tinha legitimidade para requerer a curadoria definitiva ex vi do artigo 100º. 8. Regime da curadoria definitiva: permite, logo que a ausência esteja justificada, que o tribunal requeira certidões dos testamentos públicos e ordene a abertura dos testamentos cerrados, para serem levados em conta nas partilhas.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 4
11
8.1. Obrigações: o tribunal pode exigir caução, que terá em conta a espécie e valor dos bens e rendimentos que eventualmente hajam de restituir. Esta possibilidade não é já uma obrigação aplicável em todos os casos, mas apenas quando o tribunal assim o decidir. No restante, ficam sujeitos aos mesmos deveres dos curadores provisórios, nos termos do art. 94 ex vi do art. 110. 8.2. Entrega dos bens: a entrega dos bens aos herdeiros do António à data das últimas notícias, só tem lugar depois da partilha. Entretanto, os bens serão administrados pela Carolina, que será designada cabeça-de-casal nos temos do art. 2080. Se a caução tiver sido exigida, a sua prestação poderá condicionar a entrega dos bens, podendo mesmo levar à entrega dos bens a outro herdeiro ou interessado. A Carolina será havida como curador definitivo, mediante a entrega dos bens, nos termos do art. 104. Recorde-se, no entanto, que nos termos do art. 102, o Bernardo poderia requerer, logo que a ausência esteja justificada, independentemente da partilha, que lhe sejam entregues determinados bens a que teria direito por morte do António. No entanto, não consta do texto que o carro que este pretende lhe seja entregue esteja nesta situação. 8.3. Remuneração: a Carolina teria direito, como curador definitivo, à totalidade dos frutos percebidos, nos termos do art. 111/1 (se o curador definitivo fosse outro que não os referidos neste número, teria que reservar um terço dos frutos para o ausente — 111/2). 9. Termo da curadoria definitiva: conforme o disposto no art. 112, a curadoria definitiva termina: – Pelo regresso do António; – Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside; – Pela certeza da sua morte; – Pela declaração de morte presumida. No caso do regresso do António ou da notícia do seu paradeiro, os bens ser-lhe-ão devolvidos logo que ele o requeira. Aqui assenta uma diferença entre a curadoria provisória e a definitiva. Naquela não é necessário qualquer requerimento para a entrega dos bens: o simples cessar da curadoria torna automática a entrega dos bens; nesta a curadoria mantém-se enquanto não houver esse requerimento. 10. Pressupostos da declaração de morte presumida: verificados os pressupostos da ausência, e independentemente de ter sido instalada a curadoria provisória ou definitiva, pode ser declarada a morte presumida quando tiverem decorrido os seguintes prazos: – Dez anos sobre a data das últimas notícias; ou – Cinco anos a contar da mesma data se o desaparecido tiver entretanto completado oitenta anos; – Cinco anos após a data em que o desaparecido completaria a maioridade, se da aplicação dos dez anos resultar uma data inferior (isto é, a morte presumida não pode ser declarada, enquanto se mantiver a maioridade aos 18 anos, sem que a pessoa desaparecida tivesse completado os 23 anos: 18 + 5 = 23. Se da aplicação do período de dez anos a contar da data das últimas notícias resultar uma idade acima de 23 anos, será esta regra dos 10 anos a aplicar-se) . No caso sub judice, o texto é omisso quanto à idade do António. No entanto, uma vez que o mesmo é casado, supõe-se que tem de ter pelo menos 16 anos completos. Assim, tendo ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 4
12
decorrido já mais de dez anos após o seu desaparecimento, e mais de cinco após a data em que atingiria a maioridade, considera-se que estão reunidos os pressupostos para que a morte presumida seja declarada em 01-07-2015. 11. Legitimidade para requerer a declaração de morte presumida: quer a Carolina quer o Bernardo têm legitimidade para pedir a declaração de morte presumida do António (art. 100º ex vi do art. 114/1). 12. Regime da morte presumida: 12.1. Efeitos: produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento (115); no entanto, pode a Carolina contrair novo matrimónio, nos termos do artigo 116, sendo o seu casamento com o António dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida, caso este regresse ou se saiba que era vivo à data da celebração das novas núpcias. 12.2. Entrega dos bens: é feita nos termos do art. 101 e ss., mas sem necessidade de caução (art. 117). A Carolina, como cabeça-de-casal, administraria os bens até à partilha (103/2 ex vi 117). 12.3. Termo da morte presumida: a morte presumida cessa com o regresso do ausente, que determina que os seus bens lhe sejam entregues no estado em que se encontrarem (art. 119). § 2º: Importa agora responder ao Bernardo: 13. Quanto à entrega do carro do António: dependeria dos direitos que tivesse ao mesmo e do instituto a que esse bem estivesse sujeito: curadoria provisória ou definitiva ou morte presumida. Se o Bernardo beneficiasse de um legado sobre o carro, e este estivesse dentro da quota disponível do António, poderia requerer a sua entrega nos termos do art. 102 (logo que instalada a procuradoria provisória). Caso não dispusesse de um direito específico sobre o carro, teria direito à parte que lhe correspondesse por herança, pelo que teria que aguardar pelas partilhas para ficar a saber que parte seria essa. 14. Quanto ao facto de estar zangado por a Carolina ir casar-se no mês seguinte com o arqui-inimigo de António: a possibilidade de a Carolina contrair novas núpcias dependeria de ter sido já declarada a morte presumida do António. Atento o tempo decorrido desde que aquele deixou de dar notícias (presume-se que desde a data em que deveria ter regressado da escalada do Everest), tal declaração seria já possível. Como o texto nada nos diz, não vamos nós presumir que tal declaração tenha já sido feita, pelo que, a casar-se de novo, Carolina cometeria o crime de bigamia, podendo ser denunciada por Bernardo.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 5
13
EXERCÍCIO Nº 5
(Ausência: Curadoria...) No dia 01-02-2004, a Francisca, de 17 anos, decide fugir de casa para nunca mais ser vista. No dia 01-04-2006, é decretada a curadoria provisória de Francisca, sendo nomeado curador o seu pai, Manuel. O pai de Francisca, no dia 01-07-2006, vende a colecção de bonecas de Francisca. No dia 01-09-2008, Francisca regressa e exige que Manuel lhe devolva a sua barbie de estimação.
RESOLUÇÃO: O esquema de resolução deste caso é semelhante ao anterior: primeiro há que verificar se estão reunidos os pressupostos objectivos da ausência, de seguida os da curadoria provisória, verificar quem tinha legitimidade para pedir a curadoria e qual o regime desta, quer do ponto de vista das obrigações a que o curador fica sujeito, quer das condições para a entrega dos bens, a remuneração, o termo da curadoria provisória, etc. No entanto, pela similitude entre os casos, e dado o anterior ter sido tratado de forma exaustiva, vamos abreviar no presente: Assim: 1. A Francisca está efectivamente ausente (art. 89): fugiu de casa para local incerto e não mais deu notícias; deixou, como bens, uma colecção de bonecas cuja administração se impõe (as bonecas podem deteriorar-se se não forem cuidadas, algumas podem estar a perder valor aconselhando a sua alienação, etc.); deixou como seu representante legal, pela natureza das coisas, os seus pais: mas isto só sucede até completar 18 anos, o que acontecerá dentro de menos de um ano. Depois disso, terá que ser nomeado um curador. 2. O pai da Francisca, Manuel, tem legitimidade para requerer a curadoria provisória, nos termos do art. 91 e 92. 3. As obrigações e direitos de remuneração do Manuel são as que acima se referiram, pelo que as não iremos repetir. 4. A venda da colecção de bonecas da Francisca não pode ser considerada um acto de administração dessa mesma colecção: alienar não é administrar. Se tivesse sido alienada esta ou aquela boneca ou outra peça da colecção, como forma de administrar a colecção evitando que ela se deteriorasse e perdesse o seu valor, estaríamos ainda dentro do que é tido como acto de administração. Pelo contrário, ao vender a colecção de bonecas por inteiro, tal acto só pode ser considerado um acto de disposição. E este só pode ter lugar mediante prévia autorização judicial, nos termos do art. 94/3. 5. Manuel terá que prestar contas do seu mandato perante o tribunal. 6. Um dos fundamentos que determina o termo da curadoria provisória é o regresso do ausente, nos termos do art. 98-a, pelo que, tendo Francisca regressado, aquela cessa automaticamente. Apesar de a lei nada referir sobre o assunto, ao contrário do que sucede com a curadoria definitiva em que se exige que o ausente regressado requeira a entrega dos seus bens – mantendo-se a curadoria definitiva enquanto tal requerimento não for apresentado –, ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 5
14
entende-se que o termo da procuradoria provisória determina automaticamente a entrega dos bens ao ausente regressado. Ora, tendo os bens da Francisca sido alienados pelo Manuel, já não será viável essa devolução, nem mesmo a da sua barbie de estimação. Terá a Francisca de contentar-se, assim, com uma indemnização compensatória para atenuar a sua enorme mágoa…
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 6
15
EXERCÍCIO Nº 6 (Incapacidades) (Nº 62 da Colectânea) Raul, filho de Pedro e Patrícia, nasceu em 10-MAR-70. No Verão de 1985, Raul doou um valioso anel à sua namorada Rita e vendeu um computador ao seu vizinho Nuno, pelo valor de 100 contos, a pagar no prazo de um mês.
1ª HIPÓTESE Sabendo da venda em Dezembro de 1985, Pedro, depois de exigir, sem êxito, o pagamento dos 100 contos a Nuno, decide intentar uma acção com vista à invalidação do negócio.
O Raul tinha 15 anos quando vendeu o computador, pelo que era menor (122 CC). Sendo menor, carecia de capacidade para o exercício de direitos (123), pelo que não poderia celebrar tal negócio. Importaria, no entanto, verificar se este caso não cai numa das excepções à incapacidade dos menores previstas no art. 127: – Quanto à situação prevista na alínea a), o texto é omisso quanto à origem do computador, desconhecendo-se se o menor o terá adquirido pelo seu trabalho. No entanto, partindo do princípio de que o menor só pode trabalhar desde que tenha idade superior a 16 anos, vamos assumir que não é o caso; – Quanto aos casos previstos na alínea b), consideramos que a venda de um computador não se integra no conceito de negócio jurídico próprio da vida corrente do menor, tanto mais que o seu valor – 100 contos em 1985 – não pode claramente ser considerado de pequena importância; – Restam-nos as situações a que se refere a alínea c): todavia, nada há no texto que nos diga que o Raul estivesse a exercer profissão, arte ou ofício mediante autorização dos pais, pelo que assumiremos que também esta excepção não se dá por verificada. Caso o acto do menor pudesse ser integrado em qualquer das situações previstas nas três alíneas do nº 1 do art. 127, o acto seria válido. No entanto, da análise feita resulta, a nosso ver, que o menor carecia de capacidade de exercício para celebrar o contrato de compra e venda do computador, pelo que o negócio é anulável nos termos do art. 125. Importa agora ver se Pedro, pai do Raul, tinha legitimidade para intentar a acção, se estava em tempo e se a intenção com que o fazia estava de acordo com os fundamentos que presidem à possibilidade de anulação dos actos dos menores. Em primeiro lugar, sendo pai do menor e nada dizendo o texto quanto a impedimentos de exercício do poder paternal, consideramos que Pedro tem legitimidade para representar o menor e, consequentemente, para pedir a anulação do acto por este praticado (125/1-a). Quanto ao prazo, diz-nos o citado art. 125, que a acção de anulação do acto pode ser intentada no prazo de um ano contado a partir do momento em que tomou conhecimento do ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 6
16
facto, mas sempre antes de o autor do acto atingir a maioridade, a não ser que se verifique haver pendência de acção de interdição ou inabilitação, nos termos do art. 131. A acção pode ser intentada, sem observância de qualquer prazo, enquanto o negócio não estiver cumprido, nos termos do art. 287/2 ex vi do art. 125/1. No caso vertente, este problema não se coloca, uma vez que a acção está a ser intentada dentro do prazo de um ano após a prática do negócio, pelo que Pedro está em tempo. Por último, resta-nos ver se a acção está a ser interposta no interesse do menor, como é exigido por lei. De facto, ao dar aos representantes do menor a possibilidade de anulação do negócio praticado pelo incapaz – e não também à outra parte – pretende-se proteger o interesse do menor, por se entender que este não tem ainda a capacidade, discernimento e maturidade suficiente para defender por si só os seus interesses. A anulação encontra, assim, a sua justificação na desvantagem em que o menor tenha incorrido. Se o negócio lhe foi vantajoso, por outro lado, não parece que seja lógico que o seu representante venha pedir a anulação. Resulta do texto que Pedro pretendeu receber o pagamento dos 100 contos devidos pelo Nuno pela compra do computador. A ser assim, parece claro que estava interessado em manter a venda do computador. E agiu de forma a transmitir a ideia de que confirmava o negócio celebrado pelo menor. Ora, nos termos do art. 288/1, a anulabilidade é sanável mediante confirmação, acrescentando o nº 3 que a confirmação pode ser expressa ou tácita e não depende de forma especial. Entende-se, assim, que Pedro confirmou o negócio de forma tácita, pelo que, em nosso entender, deve ter-se o vício por sanado, não podendo ser doravante invocado.
2ª HIPÓTESE Em Abril de 1987, Raul casou com Raquel e, em Maio de 1988, pretende intentar uma acção com vista à recuperação do anel que doara a Rita.
A anulação dos actos praticados pelo menor pode ser concedida mediante requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação, nos termos do art. 125/1-b. Vemos, assim, que a partir da sua maioridade ou emancipação, Raul tem legitimidade para pedir a anulação dos actos que praticou enquanto menor. Está, no entanto, sujeito a um prazo, desde que o negócio já esteja cumprido, como é o caso da doação do anel que agora quer reaver. E é da forma como este prazo será contado que depende a possibilidade de a acção ser ainda interposta: se o prazo se contar a partir do momento em que o menor é emancipado pelo casamento, o prazo de um ano terá sido esgotado e a acção já não pode ser intentada; se, por qualquer razão, aquele prazo não for relevante, então o Raul poderá intentar a acção até um ano após ter atingido a maioridade, pelo que ainda estará em tempo. Vejamos: Em Abril de 1987, Raul tinha já completado 17 anos de idade. Nos termos do art. 1601-a, a contrario sensu, podem casar as pessoas que tenham 16 ou mais anos de idade, desde que para tal tenham autorização dos pais ou tutores (ou a falta dessa autorização tenha sido suprida), nos termos do art. 1612. ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 6
17
O casamento tem como efeito a emancipação plena do menor, nos termos do art. 132, tendo esta, por força do art. 134, os mesmos efeitos da maioridade. Há, porém, uma modalidade de emancipação restrita, que tem correlativa uma capacidade limitada de exercício por parte dos menores que dela beneficiem: dela nos fala o art. 1649/1 e refere-se aos casos em que o menor com mais de 16 e menos de 18 anos casar sem autorização prévia de quem de direito. Chegados a este ponto, levanta-se de imediato uma questão pertinente: o texto nada diz quanto ao facto de o casamento do Raul ter ou não sido autorizado, pelo que seguiremos a regra quanto a esta matéria: o que o texto não diz não cabe ao intérprete presumir. Abrem-se, assim, duas possibilidades: 1) O Raul casou com autorização dos pais ou a falta dessa autorização foi suprida nos termos do art. 1612/2: a emancipação é plena e ele adquire a plenitude da sua capacidade jurídica como se de maior se tratasse. Neste caso, Raul deveria ter intentado a acção até um ano após a data do casamento: não o tendo feito, o vício da anulabilidade sanou-se pelo decurso do tempo (287/1). 2) O Raul casou sem autorização: neste caso adquire apenas uma capacidade de exercício parcial, pois continua a ser considerado menor quanto à administração de bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade (1649/1). Apesar de esta norma apenas referir expressamente a «administração», é entendimento da doutrina que quem não pode o menos também não pode o mais , quem não pode administrar também não pode dispor, pelo que deverá interpretar-se em termos latos para incluir os actos de «disposição» nesta incapacidade. Sendo assim, a emancipação restrita não operava de forma a pôr termo, de modo total, à incapacidade do menor, não dispondo este de capacidade para intentar a acção de anulação senão quando atingisse a maioridade. Esta foi atingida em Março de 1988 e a acção intentada em Maio de 1988, pelo que está bem dentro do prazo de um ano exigido.
3ª HIPÓTESE Em Junho de 1988, Raul morreu. Em Maio de 1989, Pedro e Patrícia pretendem anular os negócios feitos pelo filho.
I — Levanta-se, nesta hipótese, a questão de saber se Pedro e Patrícia têm legitimidade para pedir a anulação dos actos praticados pelo Raul enquanto menor e se estão em tempo, já que a questão da anulabilidade dos actos referidos no texto já foi verificada. A resposta à questão levantada pode ser negativa ou positiva, consoante o casamento do Raul: 1) Tenha sido celebrado mediante prévia autorização dos seus pais ou, em alternativa, se essa autorização foi suprida nos termos do art. 1612/2; ou 2) Foi celebrado sem autorização. II — Se admitirmos, como admitidos na resolução da hipótese anterior, que o Raul casou sem autorização, então a emancipação resultante desse casamento foi restrita, ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 6
18
continuando a considerar-se menor para efeitos de administração dos bens previstos no art. 1649/1. A ser assim, o Raul morreu antes de se ter esgotado o prazo previsto no art. 125/1-b, uma vez que tal prazo só começou a contar da data em que atingiu a maioridade. Neste caso, qualquer dos herdeiros de Raul poderia requerer, nos termos do art. 125/1c, a anulação do negócio, dispondo do prazo de um ano a contar da data da sua morte. Ora, Pedro e Patrícia são herdeiros de Raul, por força do art. 2157, logo teriam legitimidade para requerer a anulação dos actos anuláveis – aqueles que não se integrassem nas excepções do art. 127 – praticados pelo menor. III — Caso se considerasse, por outro lado, que o casamento foi celebrado mediante autorização prévia dos pais do Raul, então a emancipação seria plena à data do casamento, nos termos dos artigos 132 e 133 do CC, pelo que o prazo previsto no art. 125/1-b começaria a contar dessa data, o que significaria que já se encontrava esgotado e a validade dos negócios realizados não podia mais ser atacada. IV — Apesar do que fica dito, uma ressalva importa ainda fazer no que respeita à compra e venda do computador: se considerarmos, como parece ser evidente neste caso, que o negócio ainda não foi [totalmente] cumprido, a anulabilidade pode ser pedida independentemente de prazo nos temos do art. 287/2.
4ª HIPÓTESE Nuno, que à data da compra e venda era um jovem multimilionário de 15 anos, ao perfazer 18 anos pretende obter a anulação do contrato.
I — Os negócios praticados pelos menores são anuláveis: esta é a regra geral do art. 125. Tal regra admite, contudo, excepções, estando estas previstas no art. 127 do CC. Sendo o Nuno menor à data da celebração do negócio, este é inválido a menos que ocorra uma das excepções previstas no citado art. 127. Iremos, portanto, proceder à análise de cada uma das possíveis excepções à regra geral da anulabilidade dos actos praticados por menores. Assim, Considerando que o Nuno tinha 15 anos, não podendo, por conseguinte, verificarse a excepção prevista no art. 127/1-a; Considerando que o texto nada nos diz quanto ao facto de tal aquisição se enquadrar em actos próprios de profissão, arte ou ofício que o Nuno estivesse autorizado a exercer, afastando a possibilidade de se integrar na excepção prevista no art. 127/1-c; Considerando que o Nuno era multimilionário à data da celebração do negócio; Importaria então apurar, no que a esta hipótese diz respeito, se estão preenchidos todos os pressupostos para que possa considerar-se válido o acto de compra e venda do computador, por força da excepção prevista no art. 127/1-b.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 6
19
II — Para alcançar tal desiderato, teremos, em primeiro lugar, que discutir e compreender os seguintes aspectos da questão: 1) Se a quantia de 100 contos pode ser considerada “pequena importância” atento o facto de o Nuno ser multimilionário; 2) Se esse negócio está ao alcance da sua “capacidade natural”; 3) Se a compra de um computador se integra no conceito de “negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor”. Qualquer dos aspectos mencionados envolve dificuldades acrescidas, mercê de estarmos a lidar com conceitos vagos e indeterminados de difícil concretização, o que nos obriga a recorrer a juízos de bom senso, aferidos à luz das concretas situações da vida prática. Esta análise força-nos a tomar na devida conta as diferentes capacidades de cada ser humano ao longo das diversas etapas da vida, a concreta experiência de cada um, os hábitos de vida e os recursos de que habitualmente dispõe. III — Posto isto, não se afigura fácil dizer que a quantia de 100 contos, especialmente há quase 20 anos atrás, pudesse ser considerada uma “pequena importância” para o comum dos mortais; mas também se pode alegar que o conceito é relativo e que, para um multimilionário como o Nuno, tal importância são “trocos”: não podemos esquecer que, sendo multimilionário, estará com certeza habituado a um tipo de vida faustosa em que gastos desta dimensão se tenham tornado vulgares. Todavia, a reacção do Nuno ao atingir a maioridade parece desmentir esta possibilidade, uma vez que vem agora requerer a anulação do negócio com fundamento na sua invalidade. Se tal quantia fosse assim tão insignificante, porquê vir agora tentar anular o negócio? Será que o Nuno deixou de ser milionário? Quanto ao segundo pressuposto, não custaria admitir que, transposta a situação para os dias de hoje, a “capacidade natural” de um menor com 15 anos de idade fosse suficiente para avaliar a natureza e dimensão do negócio: de facto, atendendo à evolução e generalização da informática, de que a geração mais nova é o principal motor impulsionador – veja-se a indústria dos jogos de vídeo e de computador –, não é assim tão invulgar que um jovem dessa idade esteja bem melhor preparado para negociar esse tipo de bens do que muitos adultos. Mas estamos a falar de 1985, época em que a informática tinha saído da sua infância, quando os PCs tinham preços proibitivos para a grande maioria dos cidadãos. Ainda não se tinha assistido à vulgarização que hoje se verifica, pelo que é legítimo sustentar que a capacidade natural do Nuno à época não seria a mais adequada à celebração deste negócio. Por último, não vemos como conciliar a compra de um computador com o conceito de “negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor”: é que não estamos a ver um menor, mesmo que seja multimilionário, a comprar rotineira e habitualmente um computador no valor de 100 contos, especialmente se recuarmos à época em que tal negócio foi celebrado! IV — Concluímos, em suma, que o negócio celebrado pelo Nuno era anulável por ter sido celebrado sem que para isso tivesse capacidade de exercício, nos termos do art. 125/1-b do CC, desde que o pedido ocorra dentro do ano subsequente à data em que atingiu a maioridade (o que é o caso).
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
20
EXERCÍCIO Nº 7 (Incapacidades) António, Francisco e Salvador, três irmãos gémeos filhos de Bernardo e Carolina, nasceram em 01-01-1980.
1ª HIPÓTESE Em 05-02-1996, António dirigiu-se a uma livraria jurídica e adquiriu uma edição do clássico A.T. da autoria de Larenz-Wolf, afirmando ao vendedor que precisava de estudar afincadamente esta obra para realizar um trabalho de investigação sobre a menoridade no âmbito da disciplina universitária de TGDC. Constata depois que na altura em que adquiriu o livro já havia uma edição posterior e pretende, em 02-01-1998, anular o negócio com fundamento na sua menoridade.
Tópicos de resolução: 1) António tinha 16 anos à data da celebração do negócio, logo era menor (art. 122); 2) Para adquirir o livro, o António agiu com dolo ao insinuar que era estudante universitário, logo maior (126 e 253); 3) António atingiu a maioridade às 24H00 de 01-01-1998; 4) Pretende anular o negócio no dia 02-01-1998, i.e., no dia imediato àquele em que atingiu a maioridade. I — Do levantamento das questões que se nos afiguraram pertinentes, ressalta como central a questão do dolo do menor para a prática do acto, que implica a impossibilidade de este vir invocar a anulabilidade. De facto, compreende-se que o negócio foi celebrado quando o António era ainda menor e não emancipado, logo, incapaz em razão da idade; e que, caso não tivesse havido dolo e não se integrando tal negócio em qualquer das excepções previstas no art. 127, tal facto implicaria fatalmente que o negócio fosse anulável, pelo que o António teria legitimidade e estaria em tempo para requerer a anulação do negócio nos termos do art. 125/1-b do CC; e também é certo que a anulação resultaria em benefício do menor, que poderia então adquirir uma edição mais actualizada do livro em questão. No entanto, o facto de ter agido com dolo ergue-se como uma barreira frente à pretensão do António, obstando à satisfação do seu desígnio. II — Mas, podemos perguntar-nos, o que é o dolo? E em que se consubstancia a imputação ao António de ter agido com dolo, razão que o impossibilita de pedir a anulação do negócio nos termos do art. 126? Segundo o art. 253, “Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”. Traduzindo para o caso vertente, o António agiu com dolo ao induzir o vendedor em erro fazendo-lhe crer que era um estudante universitário, o que, a ser verdade, significaria que era maior. Ao afirmar que pretendia adquirir o livro porque precisava de estudar afincadamente esta obra para realizar um trabalho de investigação sobre a menoridade no ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
21
âmbito da disciplina universitária de TGDC , criou no espírito do vendedor a convicção de que estava a tratar com uma pessoa na plena posse da sua capacidade para o exercício de direitos. Não pode agora, por conseguinte, vir invocar a anulabilidade do acto, quando foi o dolo que empregou no caso que levou à sua concretização (126).
III — Questão correlativa — embora não se levante em concreto na hipótese em análise — é a de saber se o dolo na prática do acto pelo menor implica que a anulabilidade deixe de poder ser arguida não só pelo próprio como pelos seus herdeiros e representantes. Aqui a doutrina divide-se: segundo alguns autores — entre os quais o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos — o dolo do menor implica a impossibilidade de quer ele quer os seus herdeiros e representantes poderem arguir a anulabilidade dos actos daquele; para outros — entre os quais o Prof. Menezes Cordeiro —, há que distinguir: essa impossibilidade propagase do autor do acto anulável praticado com dolo aos seus herdeiros, mas já não aos seus representantes. Porquê? Porque quer o autor do acto quer os seus herdeiros agem movidos por interesses próprios; e porque os herdeiros não podem receber, por herança, um direito que o autor da sucessão já não possuía. Contrariamente, os representantes do menor não agem no seu próprio interesse: fazem-no, única e exclusivamente, no interesse do incapaz.
2ª HIPÓTESE Em 03-02-1996 , A (António) apaixonou-se por Mariana e pediu-a em casamento. Esta começou por dizer que não, mas depois reconsiderou ao saber que ele recebeu dos pais quando fez 17 anos um Ferrari amarelo. António e Maria casam-se em 03-02-1997 sem autorização dos pais e sem suprimento da mesma pelo Conservador do Registo Civil. Mariana convence António a vender o Ferrari, argumentando que o carro era de Possidónio e que mais valia gastarem esses milhares de Euros em compras na Maxmara e na FNAC. A venda do Ferrari é celebrada em 15-02-1997 . Em 05-03-1997 , os pais de António requerem a anulação do negócio. Quid juris?
Resolução do Renato: Em 03/2/96, António ( 122º CC capacidade de gozo genérica, incapacidade de exercício genérica) apaixona-se perdidamente por Mariana e pede-a em casamento. Esta começa por dizer que não, mas rapidamente reconsidera ao saber que António recebeu de presente pelos 17 anos um Ferrari amarelo. António e Mariana casam-se em 3/2/97 ( 132º/133º) sem autorização dos pais e sem suprimento da mesma pela Conservatória do Registo Civil ( 132º 1649/1, 161, 1604 A ). Ariana convence António a vender o Ferrari, argumentando que o carro era Possidónio e que mais valia gastar esses milhares de euros na MaxMara e na Fnac. A venda do Ferrari é celebrada em 5/2/97. A 5/3/97 os pais de António requerem a anulação desse negócio ( 122º, 123º, 127º 125º/1/a ). ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
22
3ª HIPÓTESE Como se os problemas de António não bastassem, Bernardo e Carolina, convencidos que o Francisco tinha enlouquecido de amores por uma mulher 15 anos mais velha que ele, decidem requerer a sua interdição em 06-03-1997 , para produzir efeitos em 02-01-1998 , tendo sido decretada nesta data. Este decide, em 04-02-1998 , vender uma bicicleta que tinha comprado dois anos antes com o dinheiro que recebera a trabalhar como segurança no Pavilhão Atlântico, e um imóvel que os pais lhe tinham oferecido pelos 10 anos, com o intuito de fugir com a sua namorada para as Caraíbas e lá abrirem um bar de praia. Quid juris?
Resolução do Renato: Como se os problemas com António não bastassem B e C convencidos que Francisco tinha enlouquecido de amor por uma mulher 15 anos mais velha e que se dizia sua namorada, decidem requerer a sua interdição em 6/3/97, para que esta produzisse efeitos a partir de 2/1/98 ( 138º/2 – 131º, 141/2 legitimidade 144º não ) Tendo sido decretada nessa data, este decide em 4/2/98 vender uma bicicleta que tinha comprado ( 148º/139º,123º/127º )dois anos antes com dinheiro que recebeu a trabalhar como segurança no PA e um imóvel que os pais lhe tinha oferecidos ( 148º/139º, 123º/127º, 125º )pelos 10 anos, com o intuito de fugir para as Caraíbas com a namorada e lá abrirem um bar de praia.
4ª HIPÓTESE Salvador, que sempre parecia ter sido o mais certinho dos 3 irmãos e que estuda na FDUL, casa-se em 06-06-2002 com Leonor, uma amiga por quem se apaixonou ao resolverem juntos muitos casos práticos de TGDC. Veio-se, no entanto, a revelar que para além de Salvador ter uma atraente namorada secreta, morena e de olhos verdes, é um jogador incorrigível, gastando semanalmente largas quantias de dinheiro no casino do Estoril e em noitadas com os amigos. Leonor, perplexa e desgostosa, decide requerer, em 02-08-2002 , a inabilitação de Salvador. Salvador, mal soube da propositura da acção, doa, em 10-08-2002 , um carro à sua namorada secreta e vende a um amigo um anel de diamantes por 100€. Em 15-01-2003 , foi decretada a inabilitação de Salvador. Em 20-01-2003 , este mandou colher as laranjas da sua Quinta das Laranjeiras para vendê-las no mercado. Quid juris?
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
23
Tópicos de resolução: 1) Capacidade de exercício de Salvador; 2) Pressupostos da inabilitação; 3) Legitimidade de Leonor para requerer a inabilitação; 4) Regime da inabilitação: assistência ou representação; actos só patrimoniais ou também pessoais; actos só de disposição de bens ou também actos de administração; excepções do art. 127º; 5) Anulabilidade do inabilitando/inabilitado: antes da propositura da acção, no decurso da acção e depois do registo da sentença que decretar a inabilitação. 1.
Capacidade de exercício de Salvador.
I — Salvador nasceu em 01-01-1980, tendo, à data do seu casamento (06-06-2002), a idade de 22 anos. Diz-nos o art. 122º do CC que a maioridade se atinge aos 18 anos, enquanto o art. 129º refere que a incapacidade dos menores termina quando eles atingem a maioridade… Não se punha, por conseguinte, qualquer questão quanto à capacidade para o Salvador contrair casamento ou para administrar e dispor livremente dos seus bens, tanto mais que não consta que estivesse pendente qualquer acção de interdição ou de inabilitação que pudesse fazer actuar o normativo ínsito no art. 131º do CC.
2.
Pressupostos da inabilitação.
I —Veremos agora se estavam reunidos os pressupostos para que fosse instaurada uma acção de inabilitação. Para tanto, vamos debruçar-nos sobre o art. 152º do CC. O texto da hipótese não nos diz, nem nós vamos presumir, que o Salvador padeça de qualquer anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira que possam torná-lo incapaz de reger convenientemente o seu património; também nada refere quanto ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes que possam ter os mesmos resultados. Resta-nos averiguar então se a conduta do Salvador, quando relacionada com a sua dependência do vício do jogo de fortuna ou azar e com a liberalidade com que gasta o seu dinheiro nas noitadas com os amigos, pode subsumir-se no conceito de «habitual prodigalidade» previsto como causa idónea a justificar a aplicação do regime de inabilitação, desde que daí se possa extrair um juízo de valor quanto à incapacidade do Salvador para reger «convenientemente» o seu património. II — A lei não nos dá uma definição do que se deva entender pela expressão «habitual prodigalidade», cabendo este esforço à doutrina. Segundo a Grande Enciclopédia Universal, «pródigo» é aquele que dissipa a fortuna, o perdulário, o gastador… «Habitual» será o que se faz ou ocorre frequentemente, o que é usual, corrente... Na consideração de uma despesa como perdulária ou dissipadora não é o montante desta o que mais releva: mais importante do que o aspecto quantitativo é o ser ela injustificada e reprovável, o pôr em causa o capital ou os bens de onde provêm os rendimentos do pródigo. III — Para considerarmos a conduta do Salvador abrangida no conceito de «habitual prodigalidade» haverá, pois, que ter reunidos os seguintes pressupostos: a) o comportamento perdulário do Salvador; b) repetido de forma frequente; c) e que tal comportamento, pela sua frequência, permita concluir que o mesmo é incapaz de reger convenientemente o seu património.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
24
Face ao enunciado da hipótese, resulta bastante claro que todos esses pressupostos se encontram inteira e completamente preenchidos: o Salvador é dependente do jogo, vício este de carácter compulsivo e que oferece não poucas dificuldades ao jogador para dele se libertar; a sua prática leva a gastar «largas quantias de dinheiro», sendo tal comportamento habitual por se repetir «semanalmente». Como se tudo isso não bastasse, temos ainda as «noitadas com os amigos» e a «namorada secreta», ainda para mais «morena e de olhos verdes», a somar mais algumas despesas supérfluas (serão?!).
3.
Legitimidade de Leonor para requerer a inabilitação.
I — Poderia a Leonor, cônjuge do Salvador, requerer a inabilitação deste, uma vez verificados os pressupostos de que esta depende? O regime da inabilitação é omisso nesta matéria, pelo que teremos de nos ater à norma remissiva constante do art. 156º, que manda aplicar à inabilitação, com as necessárias adaptações, o regime das interdições. Vemos, assim, que nos termos do art. 141º ex vi do art. 156º, ambos do CC, a Leonor pode, na qualidade de cônjuge do inabilitando, requerer a inabilitação.
4.
Regime da inabilitação.
I — Quais as formas de suprimento da inabilitação? São, fundamentalmente, duas: a assistência por curador, nos termos do art. 153º, e a administração pelo curador do património do inabilitado, nos termos do art. 154º. As principais diferenças entre estas duas formas residem, por um lado, nos diferentes papéis a desempenhar pelo curador e, por outro, no diferente grau de dependência a que o inabilitado fica sujeito: no primeiro caso o curador assiste o inabilitado, autorizando os actos de disposição de bens entre vivos e todos os outros que forem especificados na sentença — mas quem pratica os actos é o próprio inabilitado; já no segundo caso, o curador administra por si próprio o património do inabilitado, agindo em sua representação. O inabilitado fica assim impedido de exercer pessoalmente quer os actos de administração, quer, por maioria de razão, os actos de disposição do seu património. Atendendo a que o regime previsto no art. 154º impõe maiores restrições ao inabilitado, o seu nº 2 estabelece um mecanismo de controlo do próprio curador, a fim de evitar abusos da sua parte: obriga à constituição do conselho de família e à designação do vogal deste que exercerá o papel de subcurador, nos termos definidos no art. 955 e ss. do CC para o protutor. No caso concreto do Salvador, o texto nada nos diz quanto à forma de suprimento adoptada na sentença que, em 15-01-2003, decretou a sua inabilitação. II — O regime da inabilitação respeita apenas a actos de natureza patrimonial, deixando de fora os aspectos pessoais. Repare-se que não se exige que os inabilitados se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens, como na interdição (138/1), bastando-se com a incapacidade de reger convenientemente o seu património. A interpretação do nº 1 do art. 153º, na parte em que sujeita a autorização, para além dos actos de disposição de bens entre vivos, «todos os que (…) forem especificados na sentença», poderia levantar algumas dúvidas. Uma análise menos atenta poderia levar-nos a considerar que nestes actos se poderiam incluir também situações de natureza pessoal. Mas não é assim: “o curador — ao contrário do tutor — não pode tomar quaisquer medidas no tocante ao inabilitado, o qual se conserva livre, na esfera pessoal”( 3). 3
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo III, p. 426, Coimbra, Almedina, 2004
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
25
No caso do Salvador, tal problema nem sequer se levanta, dado que só estão em causa actos de disposição de bens, praticados antes de a sentença ter sido decretada, e actos de administração de bens (em princípio...), depois da sentença. III — Duas outras questões se levantam ainda a propósito do regime da inabilitação: a de saber se a inabilitação abrange actos só de disposição de bens ou também aqueles que sejam considerados actos de administração; e se as excepções previstas no artigo 127º, relevam também para os casos de inabilitação. No que se refere à forma de suprimento prevista no art. 154º, não restam dúvidas que a inabilitação abrange quer os actos de disposição quer os actos de administração, ficando todos eles à responsabilidade do curador, que age, enquanto tal, como representante do inabilitado. Já no que se refere à forma definida no art. 153º, pelo contrário, a inabilitação abrangerá, regra geral, apenas os actos de disposição de bens entre vivos. Quaisquer outros — nomeadamente os actos de administração — só ficarão sujeitos a esse regime se a sentença, atendendo às circunstâncias de cada caso, os especificar expressamente. Neste caso, a forma de suprimento, mesmo quanto aos actos de administração especificados na sentença, é a da assistência por curador e não de representação, o que só acontece nos casos regulados pelo art. 154º. Quanto às excepções previstas no art. 127º, aplicam-se também ao regime de inabilitação ex vi dos art. 156º e 139º do CC.
5.
Anulabilidade dos negócios jurídicos celebrados pelo inabilitando/inabilitado.
I — Qualquer acção com vista à anulação dos actos eventualmente praticados antes da propositura da acção de inabilitação teria que seguir os termos do art. 150º ex vi do art. 156º, que remete para o regime da incapacidade acidental regulado no art. 257º do CC. No entanto, não são indicados no texto quaisquer actos praticados nestas condições que Leonor queira ver anulados. II — No que tange aos actos praticados na pendência da acção de inabilitação — a doação do carro à namorada secreta e a venda do anel de diamantes por 100€ —, não se nos oferecem dúvidas em afirmar que eles são anuláveis nos termos do art. 149º ex vi do art. 156º. De facto, estão reunidos todos os pressupostos de que depende tal anulação: os negócios em causa foram praticados depois de anunciada a propositura da acção de inabilitação (de resto, parece ter sido o conhecimento dessa propositura que desencadeou os próprios negócios); a inabilitação acabou por ser efectivamente decretada (em 20-01-2003); e é notório que tais negócios causaram prejuízo ao inabilitado. O curador nomeado pode, assim, requerer a anulação dos negócios no prazo de um ano a contar do registo da sentença — art. 149º, nº 2, art. 125º ex vi dos art. 156º e 139º. III — Finalmente, quanto aos actos praticados depois do registo da sentença, diz-nos o art. 148º que são anuláveis, sendo este preceito aplicável aos inabilitados por força do art. 156º do CC. Diz-nos o texto que o Salvador, no dia 20-01-2003, i.e., cinco dias após ter sido decretada a sentença de inabilitação, mandou colher as laranjas da sua Quinta “para vendê-las no mercado”. Em rigor, o texto não nos diz que vendeu as laranjas , mas que as mandou colher com intenção de vendê-las. Se as iria vender com ou sem assistência, com ou sem a autorização do curador que lhe tenha sido nomeado na sentença de inabilitação, não o podemos nós saber porque o texto o não diz. ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
26
A admitirmos que houvesse aqui algo para anular, esse algo seria apenas o acto de mandar colher as laranjas (se tal implicasse um qualquer negócio jurídico: contratação de pessoal ou equipamentos, armazenamento e conservação, etc.). Mas não encontramos aqui qualquer acto que possamos subsumir no conceito de «actos de disposição de bens» constante do art. 153º, nº 1, do CC. Vemos nele, tão só, um mero acto de administração ( 4). Ora, não sendo um acto de disposição de bens, fica a dúvida se o acto de mandar colher as laranjas para as vender no mercado estará ou não abrangido pelo regime da inabilitação concretamente aplicado ao Salvador. Só o poderíamos saber se nos fosse dado acesso à respectiva sentença, a fim de verificarmos se o mesmo ali se encontra especificado nos termos do art. 153º, nº 1, in fine. Outra solução seria a de o juiz ter entregue a administração dos bens do inabilitado ao curador, nos termos do art. 154º, caso em que mesmo os actos de administração deixariam de poder ser praticados pelo inabilitado. Se assim fosse, tais actos seriam anuláveis. Resumindo, temos que abrir várias sub-hipóteses: a) a sentença especifica o acto de administração que consiste em mandar colher as laranjas entre aqueles que só podem ser executados pelo inabilitado mediante autorização e com a assistência do curador, nos termos do art. 153º, ou b) o juiz entrega a administração do património do inabilitado ao curador, nos temos do art. 154º: o acto é anulável, desde que verificados os restantes requisitos; não ocorre uma coisa nem outra: o acto é válido e não pode ser anulado com base na inabilitação. IV — Posto o que ficou dito, e encarando a hipótese de o acto poder ser anulado, haveria que decidir qual o regime aplicável a essa anulação. Aparentemente, a colheita das laranjas para as vender no mercado, ocorrida em data posterior à sentença que decretou a inabilitação — desde que tal acto estivesse abrangido pela inabilitação, nos moldes que acima se indicaram —, seria susceptível de integrar-se nos casos abrangidos no citado art. 148º, não fosse o texto da hipótese ser omisso num ponto essencial: nele nada se diz quanto ao registo da sentença. Ora, para que os actos sejam anuláveis nos termos do art. 148º é necessário que esta formalidade tenha sido cumprida, o que deverá ser feito nos termos dos artigos 1920º-B e 1920º-C ex vi do art. 147º, todos do CC. Tudo visto e ponderado, e tendo em conta o princípio de que aquilo que o autor do texto não diz não deve o intérprete presumir, teremos que concluir que não foi realizado o registo da sentença que decretou a inabilitação de Salvador antes de este ter praticado o acto de mandar colher as laranjas e subsequente venda das mesmas. Tal conclusão implica que a anulação seja intentada, não através do regime prescrito no art. 148º, mas sim daquele a que se refere o art. 149º. Qual a diferença, poderíamos perguntar, se em ambos se prevê a anulação do acto praticado pelo inabilitado? Aparentemente, tanto faria ir por um como pelo outro artigo. Não é assim: no art. 148º prevê-se a anulação dos negócios jurídicos praticados pelo interdito (ou pelo inabilitado) depois do registo da sentença de interdição definitiva, não fazendo depender tal anulação da existência ou inexistência de prejuízo para o interdito (ou inabilitado); já no artigo seguinte, pelo contrário, a existência desse prejuízo é condição para que o negócio jurídico possa ser anulado. Vemos, assim, que não é indiferente o regime através do qual se intenta a anulação do negócio jurídico: é que a lei procura estabelecer um equilíbrio entre os interesses do interdito (neste caso inabilitado) e os interesses das pessoas que com ele entram em trato jurídico. E 4
Ainda mesmo que se aceitasse que a venda das laranjas tivesse acabado por se realizar sem autorização prévia do curador, sempre se teria que discutir o titulo a que o fez: no âmbito da administração da Quinta (e nesse caso continuaria a ser acto de administração), ou apenas para dissipar os bens, caso em que seria disposição. A lógica e o bom-senso empurram-nos para a primeira hipótese. ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 7
27
observa-se que o regime tende a proteger mais os interesses daquele em detrimento destes à medida que a situação de interdição ou inabilitação se vai tornando mais clara, segura e pública. Há uma gradação ascendente dessa protecção se considerarmos, por esta ordem, os art. 150º, 149º e 148º do CC.
5ª HIPÓTESE Bernardo, desgostoso com o rumo das vidas dos seus três filhos, vai jantar com Benedita ao Sushilands e afoga as mágoas em sakê quente e frio. Visivelmente embriagado, vende o seu relógio Ómega por 500€ a Mariana, gastando depois esse dinheiro oferecendo bebidas a um grupo de manequins que encontrou no Lux. No dia seguinte, depois de se levantar, arrepende-se do negócio que fez e exige a devolução do relógio a Mariana, que se recusa a entregá-lo. Quid júris?
TÓPICOS DE RESOLUÇÃO O negócio que Bernardo quer ver anulado não é regulado pelo regime quer da interdição quer da inabilitação. O art. 150º refere que aos actos praticados antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental. No entanto, nada no texto nos permite inferir que haja intenção, de quem quer que seja, de propor uma acção de interdição ou inabilitação de Bernardo, pelo que este artigo 150º não tem sequer aplicação ao caso concreto. O problema encontra solução nos termos do art. 257º sem que se veja necessidade de remissão do art. 150º. De acordo com aquele preceito, é anulável a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário. Temos aqui, no caso sub judice, reunidos os pressupostos de aplicação deste art. 257º: o Bernardo encontrava-se acidentalmente incapacitado de entender o sentido da sua declaração negocial devido à notória embriaguez em que se encontrava, perfeitamente apreensível pela outra parte no negócio jurídico — a Mariana. Esta sabia perfeitamente que o Bernardo estava acidentalmente incapacitado no momento em que celebrou o negócio consigo, pelo que o acto deste poderia vir a ser anulado.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
28
EXERCÍCIO N.º 8 (Pessoas Colectivas)
1ª HIPÓTESE António e 10 amigos de longa data, que como ele não tinham automóvel, decidem constituir a ADFA – Associação de Defesa do Furto de Automóveis. Sucede que, na escritura pública de constituição da Associação, declara-se expressamente que a associação não terá personalidade jurídica nem património. João, um dos associados, só participa na constituição da associação porque Francisco, um dos fundadores, disse que o torturaria se não participasse. Cinco meses depois, a maioria absoluta dos associados, descontente com o insucesso da iniciativa e com o facto de não terem conseguido ainda furtar automóveis para todos os associados, deliberam a dissolução da associação. Porém, um dos associados opõe-se invocando o direito à vida da ADFA. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Constituição da associação; 2) Obrigatoriedade de património; 3) Perturbação da vontade na constituição da associação; 4) Dissolução da associação. 1. Constituição da associação I — O acto de constituição da associação segue o regime dos artigos 167º e 168º do C. Civil, dependendo o reconhecimento da personalidade jurídica da associação do cumprimento das obrigações decorrentes do primeiro artigo supra, ex vi do art. 158º/1. Face a tal regime, há autores para quem a declaração de vontade dos associados no sentido de afastar o reconhecimento da personalidade jurídica da associação é irrelevante, não produzindo quaisquer efeitos. Outros autores há, no entanto, que defendem o contrário, posição que na opinião do assistente é mais coerente com o princípio da autonomia privada. O Prof. Menezes Cordeiro diz-nos que se alguém desencadeia todos os mecanismos destinados a criar uma pessoa colectiva e, depois, não a quer, temos três hipóteses: - ou há reserva mental, se nada disser; em princípio, ela é irrelevante (art. 244/2; - ou há declarações não sérias, se o disser; também são, em princípio, irrelevantes (art. 245) - ou há efectiva declaração contraditória com o resto da conduta ( protestatio facta contraria): nesse altura haverá que interpretar o conjunto, invalidando a declaração por indeterminabilidade, se não houver uma saída razoável possível. O mesmo Prof. Acaba, no entanto, por não tomar uma posição clara na matéria, terminando com duas alternativas: a declaração de não querer a personalidade colectiva ou é uma opção legítima pelos artigos 195º e seguintes ou é uma protestatio facta contraria. ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
29
II — A questão mais relevante quanto à constituição da associação centra-se, contudo, na questão de saber se o fim para que a associação foi criada é compatível com esta figura. E sobre isto diz-nos o art. 158º-A que é aplicável à constituição de pessoas colectivas o disposto no art. 280º, sendo que este se refere à nulidade do negócio jurídico. No seu nº 1, este artigo indica como causa de nulidade o objecto do negócio ser contrário à lei, alargando o nº 2 essa nulidade aos casos em que seja contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes. Tendo como objecto social a prática de furtos de viaturas, o fim da associação é tudo isso: ilegal, porque violador da lei penal, contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes, pelo que a constituição de tal associação é nula nos termos do citado art. 280º ex vi do art. 158º-A.
2. Obrigatoriedade de património Às associações, ao contrário das fundações, não lhes é exigível a afectação de um património para garantia da prossecução dos seus fins. O reconhecimento da personalidade jurídica das associações depende apenas de os seus fins não terem intuitos lucrativos, não de um património mínimo. 3. Perturbação da vontade na constituição da associação I — A liberdade de associação tem uma vertente positiva e outra negativa: por um lado, todos são livres de constituir associações (art. 46º/1 da CRP), por outro, ninguém pode ser constrangido a pertencer a qualquer associação contra a sua vontade (art. 46º/3 da CRP). O direito de liberdade de associação previsto no art. 46º da CRP é um DLG beneficiário do regime do art. 18º da CRP, que vincula entidades públicas e privadas. Conclui-se, assim, que o João não poderia ser constrangido por quem quer que fosse a aderir à associação. II — Se a situação tivesse a ver com a perturbação da convicção de voto no âmbito do funcionamento da assembleia-geral da associação, teríamos então que ter em conta o regime instituído pelo art. 176º do C. Civil. Neste caso, a perturbação da vontade do votante só seria relevante se dela dependesse a aprovação da deliberação. É a chamada «prova de resistência» definida nos termos do art. 176º/2.
4. Dissolução da associação I — Vimos ainda há pouco que o acto de constituição da associação era nulo por violar a lei, nos termos do art. 280º ex vi do art. 158º-A, ambos do C. Civil. No entanto, diz o enunciado que a associação funcionou por cinco meses, findos os quais pretendem os associados proceder à sua extinção. A extinção de uma associação pode ter lugar, entre outras causas, por deliberação da assembleia-geral, nos termos do art. 182º/1, al. a). A deliberação para extinção da associação está sujeita, no entanto, a maioria qualificada de 3/4, segundo o estipulado no art. 175º/4. Na falta da maioria exigida, a deliberação é anulável por força do art. 177, segundo os termos estabelecidos no art. 178º.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
30
II — A objecção à dissolução fundada no direito da associação à vida não releva, por ser um direito incompatível com a sua natureza. O associado interessado na não dissolução da associação teria que invocar outro fundamento para se opor a tal deliberação.
2ª HIPÓTESE Os administradores da FPSA – Fundação para a Protecção dos Sem-Abrigo decidem subscrever um milhão de Euros em acções do capital social da “Luz para Sempre”, uma próspera sociedade comercial dedicada à exploração hidroeléctrica. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Interesse colectivo vs. actividades lucrativas; 2) Prática ocasional ou reiterada de actividades lucrativas e suas consequências. 1. Interesse colectivo vs. actividades lucrativas I — Diz-nos o texto que a fundação ali referida subscreveu um milhão de Euros em acções de uma próspera sociedade comercial, o que indicia claramente o carácter lucrativo desta aplicação. Será que o podia fazer? É isso que iremos ver. II — O art. 157º manda aplicar o regime nele previsto e nos artigos seguintes às fundações de interesse social. Extrai-se, a contrario, que se o fim seguido pela fundação não tiver este carácter social não poderá beneficiar dos benefícios aí previstos. Mas será que quer dizer também que deve prosseguir exclusivamente fins sociais? Que não poderá, mesmo esporadicamente, desenvolver qualquer actividade lucrativa? III — Temos que distinguir: uma coisa é falar dos fins e outra do conteúdo dos actos. Podemos prosseguir fins de interesse social de diversas formas: umas não lucrativas e outras lucrativas. A forma como se prossegue o fim é uma questão de conteúdo, que não está determinado ou limitado pelo regime das fundações. O que releva aqui é o fim que efectivamente se prossegue, independentemente da forma de o fazer (desde que tal forma não seja contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes, claro…).
2. Prática ocasional ou reiterada de actividades lucrativas e suas consequências I — Se a fundação, para garantir a manutenção e o renovamento do património necessário à prossecução dos seus fins sociais lança mão ocasionalmente de uma aplicação financeira lucrativa, não se vislumbra aqui qualquer desvio dos fins que estiveram subjacentes ao reconhecimento da sua personalidade colectiva. Pelo contrário, se fizer disso pratica reiterada, fazendo da intenção lucrativa a sua principal finalidade em detrimento dos fins sociais a que se propôs, então não haverá dúvida que estaremos perante um caso de grave desvio susceptível de justificar a sua extinção nos termos do art. 192º/2, al. b) do C. Civil.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
31
3ª HIPÓTESE A sociedade comercial “Flutua Sempre, SA” (FS), constrói e comercializa embarcações de pesca. Na sequência de um violentíssimo tufão, cerca de metade das embarcações ancoradas no porto de Leixões ficou destruída. A administração da FS, decidiu assim, depois de um ano de bons resultados, doar embarcações a alguns pescadores mais carenciados. Porém, José Patinhas, accionista da FS, alega que essa doação não é válida porque a FS não é a Stª Casa da Misericórdia. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Liberalidades das sociedades comerciais. 1. Liberalidades das sociedades comerciais O art. 6º/2 do Código das Sociedades Comerciais refere as liberalidades que não são consideradas contrárias aos fins das sociedades. O valor da doação que aqui se pretende realizar parece não se coadunar com o conceito de liberalidades admissíveis ali definido, pelo que o accionista José Patinhas tinha todo o direito de contestar a deliberação em causa, devendo fazê-lo nos termos do Código das Sociedades Comerciais e não do Código Civil, que nesta parte não se aplica a este tipo de sociedades. Poder-se-ia discutir ainda a forma como o accionista descontente poderia impugnar a deliberação e qual o regime de invalidade associado, no entanto, dado ser matéria de direito comercial, não vai aqui ser tratada.
4ª HIPÓTESE Francisco, funcionário da Telebraza, é encarregue pelo seu chefe de entregar uma picanha acabada de assar em casa de Domingos. Porém, ao entrar distraído e a cantarolar no prédio deste último, deixa cair a picanha em cima de Carolina, vizinha de Domingos, que se preparava para estrear numa festa o seu recentemente adquirido fato Versace. Carolina exige agora à Telebraza uma indemnização pelo vestido e pelas queimaduras que sofreu, mas um dos administradores da Telebraza já adiantou que esta sociedade nada em a ver com o assunto e que quando muito dará a Carolina uma dose grátis da sua famosa entremeada. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Responsabilidade das pessoas colectivas por actos dos seus funcionários. I — O Francisco é funcionário da Telebraza, deduzindo-se que esta seja uma sociedade comercial regida pelo Código das Sociedades Comerciais, uma vez que, desde logo, é notório que o principal objectivo desta sociedade é o lucro. Nos termos do art. 165º do CC, as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos e omissões dos seus agentes nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
32
actos ou omissões dos comissários. Isto remete-nos para a responsabilidade pelo risco prevista nos artigos 500º e seguintes. II — O acto gerador de responsabilidade civil de Francisco foi praticado no exercício das suas funções enquanto empregado da Telebraza, pelo que não adiantaria ao administrador da Telebraza alegar que não era responsável pelos prejuízos de Carolina. Esta poderia exigir a reparação integral desses prejuízos, quer dos resultantes das queimaduras — danos patrimoniais resultantes dos tratamentos e não patrimoniais derivados das dores que sofreu — quer da destruição do seu fato Versace (e não do vestido!). É claro que a Telebraza, como comitente, tem direito de regresso contra o Francisco nos termos do art. 500º/3 pela indemnização que tiver pago a Carolina, uma vez que nos parece que a culpa é exclusivamente do empregado.
5ª HIPÓTESE António, coleccionador de latas, decide instituir por morte uma fundação destinada a promover o coleccionismo de latas na sua família. Para esse efeito, afecta à fundação a sua colecção de latas, bem como 100 Euros. Parece-lhe que esta fundação deverá ser reconhecida? Sendo a resposta negativa, qual o destino a dar à colecção de latas e aos 100 Euros?
Tópicos de resolução: 1) Relevância do interesse do coleccionismo de latas na família; 2) Suficiência do património; 3) Destino dos bens por falta de reconhecimento pela insuficiência de património; 4) Destino dos bens por falta de reconhecimento com base no fim. 1. Relevância do interesse social do coleccionismo de latas na família O coleccionismo de latas no âmbito de uma família não tem, seguramente, interesse social que justifique o reconhecimento da personalidade jurídica de uma tal fundação. Mesmo se o fim fosse o de fomentar o coleccionismo de latas em termos gerais o reconhecimento de tal fim como de interesse social seria discutível (dependeria de vários factores a analisar em concreto caso a caso). No caso sub judice é notório que o reconhecimento do interesse social desta fundação deveria ser negado nos termos do art. 188º/1. 2. Suficiência do património Um património de 100 € para instituir uma fundação de promoção do coleccionismo de latas, mais a colecção de latas do instituidor, parece-nos insuficiente para alcançar um fim socialmente útil. Limitado ao âmbito da família poderia considerar-se suficiente para permitir coleccionar mais umas latas, mas para que possa instituir-se como fundação afigura-se-nos claramente insuficiente.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
33
3. Destino dos bens por falta de reconhecimento pela insuficiência de património Este ponto não oferece dificuldades de maior: nos termos do art. 188º/3, sendo negado o reconhecimento da fundação por insuficiência do património fica a instituição sem efeito. Os bens existentes podem ter os seguintes destinos: são devolvidos ao instituidor, se for vivo; ou entregues a outra associação de fins análogos, caso não exista disposição em contrário do instituidor. 4. Destino dos bens por falta de reconhecimento com base no fim No caso de o reconhecimento ser negado por o fim prosseguido não ser considerado de interesse social, o art. 188º nada nos diz quando ao destino dos bens. Restam duas soluções: a conversão, nos termos do art. 293º, caso seja possível aplicar os fundos a um fim que não seja incompatível com a vontade do instituidor; ou a nulidade do acto de constituição, revertendo os bens para os respectivos herdeiros.
6ª HIPÓTESE A fundação Robin dos Bosques destinava-se ao apoio dos mais carenciados, tendo recebido ao longo dos anos valiosos bens doados por pessoas que queriam ajudar os mais necessitados. Porém, os administradores da fundação adoptam, desde 1996, o lema “Pobre que rouba rico não passa fome nem comete delito”, dedicando-se assim à prática de diversas actividades criminosas contra o “Grande Capital” e a sua política de “quero, posso e mando”. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Causas de extinção; 2) Efeitos da extinção; 3) Destino dos bens.
1. Causas de extinção A fundação tem prosseguido o seu fim recorrendo à prática sistemática de actividades ilícitas. Ora, quando isto acontece, é razão bastante para que a fundação seja extinta nos termos do art. 192º/2, al. c), do C. Civil. 2. Efeitos da extinção Declarada a extinção da fundação, seguem-se os efeitos previstos no art. 184º, ex vi do art. 194º, nomeadamente: limitação dos poderes dos seus órgãos à prática de actos meramente conservatórios e dos necessários à liquidação do património social e à ultimação de negócios pendentes; responsabilidade solidária dos administradores que praticarem actos não contemplados naquele conceito; limitação da responsabilidade da fundação por obrigações contraídas pelos administradores àquelas em que os terceiros estavam de boa fé. 3. Destino dos bens Ao destino dos bens da fundação extinta aplica-se o regime comum previsto no art. 166º, que prevê a possibilidade de afectação destes a outra pessoa colectiva mediante certas condições. Os bens que não forem reafectados a outras pessoas colectivas terão o destino fixado em leis especiais, quando as haja, nos estatutos da fundação extinta ou por deliberação ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
34
dos associados. Na falta de lei, estatuto ou deliberação quanto ao destino dos bens, o tribunal determinará que os mesmos sejam entregues a outra pessoa colectiva ou ao Estado, que assegurarão, quanto possível, os fins da pessoa extinta.
7ª HIPÓTESE António Pinheiro decide, em homenagem ao seu nome, instituir uma fundação em defesa do pinheiro manso. Para angariar fundos, vende por documento particular uma casa que tinha comprado e compra e revende bilhetes do concerto de Phil Collins e para a final do Euro 2008, na Alemanha. Quid juris?
Tópicos de resolução: 1) Prossecução de fim de interesse social; 2) Suficiência do património; 3) Desvio dos fins. 1. Prossecução de fim de interesse social Trata-se de um tema já anteriormente tratado, pelo que não irá ser muito desenvolvido. O que está em causa é saber se a defesa do pinheiro manso — independentemente das motivações do instituidor — é ou não um interesse social. E parece não restarem dúvidas que sim, pela que não seria por este motivo que o reconhecimento da personalidade jurídica não iria ser concedido (v. art. 188º/1). 2. Suficiência do património I — Também este ponto foi já anteriormente analisado. Nos termos do art. 188º/2, o reconhecimento da fundação será negado caso o património se revele insuficiente e não houver expectativas de suprimento da insuficiência. II — Diz-nos o texto que o António Pinheiro pretendeu angariar fundos com a venda por documento particular de uma casa que possuía e com a compra e revenda de bilhetes para o espectáculo de Phil Collins e da final do Euro 2008. Mas não nos diz se esta angariação de fundos é feita antes ou depois da instituição da fundação e se age enquanto representante da fundação ou como particular. O facto de a casa vendida ter sido por “si” comprada, parece indiciar que a angariação destes fundos é anterior à constituição da fundação e visava, precisamente, reunir um património suficiente para que esta pudesse ser reconhecida. E se assim era, uma vez que a venda da casa é nula por vício de forma, nos termos dos artigos 220º e 875º do Código Civil, poderíamos concluir que tais fundos não estriam disponíveis para os fins pretendidos, podendo ser fundamento de recusa de reconhecimento da personalidade jurídica da fundação. Mas este é um problema que facilmente poderia ser resolvido, bastando realizar o negócio de compra e venda da casa por escritura pública. A relevância dos meios de angariação de fundos é maior, no entanto, se tiver lugar depois de a fundação ter sido constituída. Aqui teríamos já de levar em conta o que dispõe o art. 192º/2, al. c), que define como causa de extinção a prossecução sistemática do fim da pessoa colectiva por meios ilícitos. Não há dúvida que a revenda de bilhetes fora das condições tipificadas pela lei constitui uma actividade ilícita, nalguns casos — como foi no Euro 2004 — de natureza criminal. Esta é uma situação já vista numa hipótese anterior…
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO N .º 8
35
III — O traço distintivo nesta hipótese, relativamente à anteriormente analisada, é o carácter ocasional ou sistemático das actividades ilícitas na prossecução do fim da fundação. É que não basta dizermos que o António Pinheiro violou a lei neste ou naquele caso ao vender os bilhetes fora das condições legais para que possamos concluir que haja aqui causa de extinção da pessoa colectiva: é preciso provar que tais violações são sistemáticas, pois só assim atingem um tal grau de gravidade que justifique tal medida. Parece-nos não termos neste caso dados suficientes para afirmar que a forma como foi prosseguido o fim da fundação tenha o tal carácter sistemático que justifica a extinção.
___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005
Teoria Geral do Direito Civil
EXERCÍCIO Nº 9
36
EXERCÍCIO Nº 9 Abuso do direito (art. 334º) (v. como exemplo art. 269º – abuso de representação) Tipos doutrinários de abuso do direito: 1) Exceptio dolli : exercício doloso 2) Venire contra factum proprium : (vir contra facto próprio) – ter ou praticar comportamentos contraditórios que leses uma determinada confiança legítima. 3) Inalegabilidades formais: alguém que teria o direito de alegar uma invalidade formal deixa de o poder fazer por ter sido ela própria a provocar a sua existência. 4) Supressio surretio: tempo + boa fé faz com que o exercício de um direito passe a ser considerado abusivo (e como se uma pessoa perdesse a faculdade de exercer certos direitos e outra ganhasse essa faculdade). 5) Tu quoque : (tu também) – a pessoa que incumpre uma norma não pode, depois, tirar desse incumprimento um benefício. 6) Desequilíbrio no exercício, que se apresenta em três vertentes distintas: a. Exercício danoso inútil; b. Exigir aquilo que se deve restituir; c. O exercício de um direito gerar prejuízos manifestamente desproporcionais às vantagens que dele possam resultar. Identifique os tipos doutrinários de abuso do direito nas seguintes hipóteses:
1ª HIPÓTESE O senhorio pede o despejo de um inquilino por este durante anos ter depositado a renda num sítio que não era o contratualmente estabelecido, mas durante todo esse tempo nunca o problema foi levantado. R. Venire contra factum proprium. Pode também ser supressio surretio (nada impede que na mesma situação se verifique mais de um tipo doutrinário de abuso do direito).
2ª HIPÓTESE Durante 30 anos o senhorio consentiu o uso do imóvel para fim diferente daquele que fora contratado e agora intenta um despejo por esse motivo. R. Supressio surrectio
3ª HIPÓTESE Um armazém precisa de obras e o inquilino pede ao senhorio que as realize, mas este não as faz. O inquilino tem que deixar de usar o armazém porque chove lá como na rua, devido à ___________________________________________________________________________ Carlos Fernandes – 2004/2005