2- O QUE É A EUTANÁSIA? A eutanásia é o acto de, invocando compaixão, matar intencionalmente uma pessoa. Primeiro, que a eutanásia implica tirar deliberadamente a vida a uma pessoa; e, em segundo lugar, que a vida é tirada para benefício da pessoa a quem essa vida pertence ― normalmente porque ela ou ele sofre de uma doença terminal ou
incurável. Isto distingue a eutanásia da maior parte das outras formas de retirar a vida. Para analisarmos melhor o assunto sobre a eutanásia é necessário estabelecer algumas distinções. A eutanásia pode ter três formas: voluntária, não-voluntária e involuntária.
2.1- EUTANÁSIA VOLUNTÁRIA, NÃO-VOLUNTÁRIA E INVOLUNTÁRIA INVOLUNTÁRIA Há uma relação estreita entre eutanásia voluntária e suicídio assistido, em que uma pessoa ajuda outra a acabar com a sua vida (por exemplo, quando A obtém os medicamentos que irão permitir a B que se suicide). Um exemplo deste caso é o de Ramón Sampedro: Se, enquanto ainda capaz, tiver expresso o desejo reflectido de morrer quando numa situação como esta, então a pessoa que, nas circunstâncias apropriadas, tira a vida de outra actua com base no seu pedido e realiza um acto de eutanásia voluntária. A eutanásia é não-voluntária quando a pessoa a quem se retira a vida não pode escolher entre a vida e a morte par a si ― porque é, por exemplo, um recém nascido irremediavelmente doente ou incapacitado, ou porque a doença ou um acidente tornaram incapaz uma pessoa anteriormente capaz, sem que essa pessoa tenha previamente indicado se sob certas circunstâncias quereria ou não praticar a eutanásia. A eutanásia é involuntária quando é realizada numa pessoa que poderia ter consentido ou recusado a sua própria morte, mas não o fez ― seja porque não
lhe perguntaram, seja porque lhe perguntaram mas não deu consentimento, querendo continuar a viver. Embora os casos claros de eutanásia involuntária possam ser relativamente raros, houve quem defendesse que algumas práticas médicas largamente aceites (como as de administrar doses cada vez maiores de medicamentos contra a dor que eventualmente causarão a morte do doente,
ou a suspensão não consentida ― para retirar a vida ― do tratamento)
equivalem a eutanásia involuntária.
2.2- EUTANÁSIA ACTIVA E PASSIVA Até agora, definimos "eutanásia" de forma vaga como "morte misericordiosa". Há, contudo, duas formas diferentes de provocar a morte de outro; pode-se matar administrando, por exemplo uma injecção letal, ou pode-se permitir a morte negando ou retirando tratamento de suporte à vida. Casos do primeiro género são vulgarmente referidos como eutanásia "activa" ou "positiva", enquanto casos do segundo género são frequentemente referidos como eutanásia "passiva" ou "negativa". Quaisquer dos três géneros de eutanásia indicados anteriormente ― eutanásia voluntária, não -voluntária e involuntária ― tanto podem ser passivos ou activos.
3- ARGUMENTOS A FAVOR 1. Direito de morrer - se por um lado a sociedade proclama o direito à vida como um valor absoluto e inviolável, não menos importância parece ter a proclamação da autonomia e da liberdade do homem que poderá, no fim de contas, levar o homem a renunciar a qualquer direito que poderá, no fim de contas, levar o homem a renunciar a qualquer direito, inclusive o direito à vida, desde que a sua escolha seja realmente voluntária, isto é, não sujeita a uma pressão externa e ou resultante de informação completa. Os defensores da eutanásia associam assim ao direito de viver com dignidade o direito de morrer dignamente, o qual não pressupõe mais do que pôr termo à vida para se ser aliviado do sofrimento. 2. Evolução cultural - a vida humana é pois pautada por escolhas pessoais, inclusivamente para morrer. Morrer deixa de ser um acontecimento clínico para se transformar numa decisão pessoal. 3. Para muitas áreas culturais e religiosas – a vida não possuiu um valor absoluto. A argumentá-lo estão a guerra, a pena de morte, a legítima defesa, as mortes até contabilisticamente previsíveis em acidentes de trabalho e de viação, e outros. “Suicídio medicamente assistido” - A expressão “suicídio medicamente assistido”
aplica-se aos casos em que o médico, ou uma terceira pessoa, fornece ao doente os meios para pôr termo à vida, sendo ele incapaz de o fazer sem ajuda. Difere de eutanásia activa voluntária porque nesta o médico pratica o
acto letal, enquanto no primeiro caso é um mero assistente ou cúmplice. É defendida a sua prática com base nos seguintes argumentos: 1. O objectivo da medicina é aliviar o sofrimento dos doentes 2. Actualmente, deve haver respeito pelo doente face à evolução da tecnologia. Passamos de um quadro sociológico em que se morria em casa para o processo de morrer nos hospitais bem equipados, onde muitas vezes é prolongado, de forma desumana, o processo agónico. 3. Necessidade de os médicos respeitarem a autonomia individual. 4. Compreensão dos usos errados dos poderes da vida e da morte e adaptação às novas situações. 5. O suicídio medicamente assistido é praticado desde há muitos anos, em privado, devido à boa relação entre médico e doente. 6. Há uma grande diversidade de argumentos religiosos, a favor e contra a eutanásia, existindo também muitas religiões diferentes, mas nenhuma lei religiosa deve prevalecer sobre o direito de autonomia dos doentes.
4- ARGUMENTOS
CONTRA
Argumentos de ordem moral e comunitária: Os argumentos de oposição à eutanásia são sustentados por argumentos de ordem moral e cristã. Considerando ser o primeiro direito do homem – o direito à vida – na sua realidade profunda, desde o nascimento até à morte e cujo desenvolvimento e identidade há que respeitar, então a aceleração da morte de um doente incurável ou terminal não pode ser desejável, através da eutanásia, seja ela activa ou passiva, voluntária ou involuntária, contribuindo para a eliminação de seres humanos, quer se trate de adultos com mente sã e portadores de doença incurável, crianças ou doentes mentais. Torna-se evidente a desumanização e anti-socialização pela eutanásia, porque ataca o próprio fundamento da comunidade que é a vida dos seus membros. Em ultima análise, é a morte que dá sentido à vida, tornando-a qualquer coisa de precioso a conservar, a defender, a prolongar, a enriquecer. Mais vida não faz desejar menos vida, mas acrescenta-lhe o desejo e a importância. A vida torna-se tanto mais preciosa, quanto mais se intensifica, quanto mais espaço subtrai à morte.
Argumentos da deontologia médica: Dos argumentos mais antigos que se conhecem sobre a sobrevivência humana, e que perpassam as diferentes culturas até à actualidade sobressai a esperança constante sobre a vida e que popularmente dizemos: “enquanto há vida há esperança!”.
Relativamente aos médicos e á medicina é sentir comum que nunca se pode ter total certeza de que determinada doença é incurável. Nalgumas culturas ditas evoluídas (EUA, Reino Unido, Países Nórdicos), tudo se espera da medicina e da tecnologia, a morte humana não é considerada um fenómeno biológico natural e inevitável; se não há cura, que se mate! Seguese, que numa sociedade em que se despenalize a eutanásia, ninguém, jamais, estará seguro. Matar não pode ser nunca um acto médico!
Argumentos da doutrina cristã: A doutrina social da igreja na qual a questão da eutanásia se insere, inspira-se no Evangelho e tem como objectivo primário a dignidade pessoal da vida humana, imagem de Deus e salvaguarda dos seus direitos inalienáveis. Optar pela eutanásia é, “pela parte do homem recusar a soberania de Deus e o seu desígnio de amor”. Além disto é a negação da natural aspiração da vida, uma
renúncia ao amor por si próprio e aos deveres de justiça e à caridade para com o próximo. Escolher a morte para si é uma violação da lei divina, uma ofensa à dignidade da pessoa, um crime contra a vida, um atentado contra a humanidade. Legislação portuguesa sobre a eutanásia: Em Portugal a eutanásia é referida na Constituição da República Portuguesa e em Códigos que regem a actividade médica e do cidadão em geral. Na Constituição da Republica Portuguesa, exalta-se desde o inicio a dignidade humana (art.º 1º, 13º), em consonância com o articulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art.º 16º). Especificamente nos Artigos 24º, 26º e 64º consagra o direito à vida, o dever de a defender e promover, a sua e a dos outros, sustentando que a vida humana é inviolável, sendo proscrita em nenhum caso a pena de morte.
5- EUTANÁSIA: CRIME OU SOLUÇÃO?
Ao longo da história, diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados à beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e bocas obstruídas com o barro. Uma vez feito isto, eram atirados ao rio para morrerem, seguindo assim um costume milenar. A discussão acerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia também tem suas raízes na Grécia Antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Já Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, ao contrário condenavam tal ato. A discussão sobre o tema prosseguiu ao longo da história da humanidade, com a participação efetiva dos filósofos Lutero, Thomas Morus, David Hume, Karl Marx, Schopenhauer entre outros
6- O QUE PENSAM OS PORTUGUESES - 62,6% - tem posições favoráveis à prática da eutanásia em Portugal - 54,1 % - diz que a "eutanásia é um acto aceitável dentro de certos limites" - 8,5% - aceita a eutanásia sem limite - 35,3% - opina que a "eutanásia é um acto condenável em qualquer situação" 10.1-
EUTANÁSIA VERSUS CUIDADOS PALIATIVOS
A “medicina paliativa”, ou “cuidados paliativos”, é a forma civilizada de entender
e atender aos doentes terminais. Esta é uma nova especialidade de cuidados médicos ao doente terminal, que contempla o problema da morte do homem numa perspectiva profundamente humana, reconhecendo a dignidade da pessoa no âmbito do grave sofrimento físico e psíquico que o fim da existência humana muitas
vezes
comporta.
O que são os cuidados paliativos? Uma plena resposta activa aos problemas resultantes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimento que ela causa e de proporcionar a máxima qualidade de vida possível a estes doentes e às suas respectivas famílias.
12- PRESPECTIVA FILOSÓFICA O ser humano foi “dado a si próprio” e não se “fez” a si próprio. (anónimo)
A questão da Eutanásia não é nova. Platão na "República" já a aborda e parece concordar com a mesma, nomeadamente como uma forma de eliminar pessoas com doenças incuráveis. Tomás Moro, também na "Utopia", propõe que os sacerdotes e os magistrados convençam estes doentes a morrerem. Francis Bacon que terá inventado o termo, defende-a também. Nietzsche em várias obras tem idênticas posições. A aceitação da morte pelo doente é encarada como uma forma de evitar encargos "inúteis" para a sociedade e as famílias. Este argumento económico continua a ser largamente referido para a tomada de medidas a favor da eutanásia. A evolução das sociedades humanas tem sido feita no sentido de preservar a vida humana, independentemente das condições do seu ser. Cada pessoa é única e tem a sua própria dignidade e como tal deve ser respeitada. Neste sentido, a partir do século XIX começou a ser proibido diversas práticas antes aceites ou toleradas, como o aborto, eutanásia e a eugenia. Os que defendem a eutanásia, afirmam que esta é a única forma de preservar a dignidade do ser humano quando só lhe resta o sofrimento e a dependência extrema. Manter a vida em condições artificiais é prolongar o sofrimento e a agonia dos doentes, condenando-os a uma sub-vida. Os que a condenam a eutanásia afirmam que esta é sempre o suicídio de alguém, ainda que para morrer tenha que pedir ajuda a outros. Quem presta ajuda esta a cometer um homicídio ou assassinato. O que está em causa, segundo esta perspectiva, é o valor da vida humana, e esta em circunstância alguma deve ser posta em causa. A "eutanásia involuntária" por todas as razões anteriores é um claro assassinato, pois nem a desculpa tem que corresponde a um pedido da vítima. É sempre a partir da vida, com ou sem boa saúde, que se fala de morte e da aproximação da morte. O pensamento sobre a morte suscita habitualmente o medo, o terror perante o possível sofrimento, a angústia não só em face do desconhecido, mas principalmente perante o sentimento do vazio ou do nada, no qual nos projecta. É por isso que não gostamos de evocar nem a morte nem a
sua aproximação. A prova indirecta desta situação, ao nível da filosofia, encontramo-la na quantidade relativamente reduzida de trabalhos dedicados à compreensão da morte e aos problemas conexos.
A Eutanásia como problema ético: A ética enquanto apresentada filosoficamente não é por si própria capaz de se impor de modo autoritário: a sua única autoridade é a da racionalidade dos seus argumentos, o que exige dos seus auditores a decisão de se deixarem guiar só pela força inerente ao discurso racional, isto é, pelo poder de convicção sobre as consciências individuais. O facto de invocar a incapacidade do outro para tomar decisões, em virtude do seu eventual estado de inconsciência, não altera as condições nas quais se opera o relacionamento de uma liberdade com outra liberdade. A incapacidade de manifestar vontade própria quer por causa da perda de consciência, quer sob o impacto do sofrimento, não nos confere um direito de decisão sobre a morte do outro. O respeito recíproco que pessoas humanas podem e devem esperar uma da outra faz-nos considerar como violação da liberdade e da pessoa do outro a decisão da eutanásia praticada sem o conhecimento da pessoa a quem diz respeito. Esta tese ética decorre da compreensão antropológica e constitui a fundamentação sólida contra o uso da eutanásia. O erro teórico consiste aqui em confundir a liberdade dentro da vida, isto é, a autonomia ética, com a liberdade em face da vida, sendo a vida entendida como totalidade temporal. Tal é o principal argumento ético que se opõe quer à eutanásia a pedido do doente, quer à assistência ao suicídio, quer ao próprio suicídio. A eutanásia implica um acto que, erradamente, a liberdade julgou eticamente correcto; erradamente, porque se confundiu a capacidade humana de “pôr actos livres” e
a condição de uma liberdade absoluta, dispensada de qualquer exigência de justificação. Sem autonomia não haveria liberdade. A liberdade reside na capacidade de assumir os seus actos, de lhes conferir um sentido e de os integrar no dinamismo de uma vida ética pessoal. A autonomia implica a presença da razão no ser humano. Sem a razão, o homem é prisioneiro dos seus desejos, das suas paixões e do capricho afectando as suas aparentes decisões livres. O ser humano sendo autónomo, não dispõe de uma liberdade absoluta sobre si próprio. Tendo recebido a vida, ele é, quer queira quer não, responsável face à vida recebida. Esta responsabilidade implica a capacidade de responder pela sua vida em face dos outros, dos seus próximos, em face do próprio
mistério da vida biológica assim como em face do mistério da origem absoluta da vida. A eutanásia, o suicídio, assim como o pedido de eutanásia se fosse atendido, não corresponderiam a um acto correcto e adequado da liberdade “autónoma”. Além da razão já invocada, segundo a qual o pedido de eutanásia recobre na maior parte das vezes, sob forma de grito, um pedido de socorro, concluímos que o suicídio é o acto de uma liberdade que se julgou erradamente autárcica, isto é, única dona e proprietária de si mesmo. Neste sentido, o suicídio bem como a eutanásia não se coadunam com a ética da “condição humana”.
Toda a decisão ética quanto à eutanásia pressupõe uma fundamentação filosófica. No fim de contas trata-se de saber quais os limites da liberdade humana na sua autonomia. A autonomia humana comporta os limites inscritos na sua finitude radical. O ser humano foi “dado a si próprio” e não se “fez” a si
próprio. Do mesmo modo, não lhe compete atribuir-se a possibilidade ética de se “desfazer” a si próprio.