FILOSOFIA kjr ATUAL
IDADE MÉDIA ATÉ TOMÁS DE AQLIINO
E R IC
HISTÓRIA DAS IDÉIAS POLÍTICAS - VOLUME II
V O E G E L IN
Im presso no Brasi l, outub ro de 2012 T itulo srcinal: History ofPolitical Ideas, Volume II, The Middle Ages to Aquinas.
C opyri ght © The C urator s o f the U nivers it y o f M is souri . U niversit y of M issouri Press , Co lum bia, M O 6520 1. C opyri ght © From Enlightenment to Revolution,19 75 by Duk e U niversit y P res s. T odos os direi
tos reservados.
Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho Gerente editorial
Gabriela Trevisan Preparação de texto
William Campos da Cruz Revisão
Geisa Mathiasde Oliveira
Gapa epmjetágri^mo ó$íagmm0b Mâurício Nisi Gonçalves eAndré Cavalcante Gimenez / Estúdio É
Pré-impressâoe impressão Geográfica Editòra Os di rei tos desta edi
ção p ert enc em a
E R eali zações E ditora, Livraria
e D istri bu ido ra Ltda.
C aixa Po stal : 453 21 -040 10 970 • São Pau lo SP Telefax: (11) 5572 5363
[email protected] • www.erealizacoes.com.br R eser vados todo s os direi tos desta obra. Proibi da toda e qualquer reprodu ção desta edi ção p o r q u a lq u e r m e io o u fo rm a , se ja e la e le trô n ic a o u m e c â n ic a , fot ocópia, gravação ou qua lquer ou tro me io de reprodu ção,
sem perm is são expressa do edit
or.
1UOSQF1A ATUAL *
HISTÓRIA DAS IDÉIAS POLÍTICAS VOElIMl II
IDADE MÉDIA ATÉ TOMÁS DE AQUINO
IN IROIXIC, Ao  1DK, Ao AMI.RK ANA
PETER VON SIVERS IKAl)ÜC,ÃO
MENDO CASTRO HENRIQUES
Realizações I (íll()l/l
S um ário I DADE M ÉDIA ATÉ TOMÁS DE AQUI
NO
Introdução do editor I. “A Alta Ida de M édia ” e os estud os medievais atu ais ....................... II. Esboço do enqua dram ento teórico
15
............... ...... 22 IV. “A Alta Ida de Méd ia” e as obras posteriores de Voe gelin .............. 27 Nota do edit or ............. .............. .............. .............. .............. ..... 31 Nota bibliográfica .............. ............... .............. .............. ............. 32 III. Esboço do conteúdo
.............
11
TERC EI RA PA RTE -
..............
..............
S A C R U M I M P E R IU M
1. In tr od ução.................................................................................35 § 1. A estrutura ger al da Ida de M édi a ...............
................ ............ $ 2. A s migrações ................ „ . „ .......... .................. .................. $ 3 .0 isolamento do Ocid ente ............. .............. .............. .............. $ 4. Política espiritual ............
..............
...............
$ 5. Consequ ências pa ra a apres entação da s idéias
.............. .......... .............................
35 36 40 43 45
A - A ASCENSÃO DO IMPÉRIO 2. As tribo s ge rm ânica s da m ig ra çã o.......................................... 49
$ 1. A estrutura gera l do mito ge rm ân ico ............. ............... ............. 49 § 2 .0 mitofranc o ............. ............. ............. ............. ............. .... 50 § 3 .0 mito o str ogod o ............ .............. ............... .............. .......... 52 § 4 .0 mito de B orgonh a - O mito da derrota ...................................53 § 5 .0 mito da derrota na hist ória tardia das idéias germânicas ............ 54 § 6. Reino e existência na cio na l .............. ............... .............. ......... 5 5 $ 7. Teoria do reino na história tardia das idéias fra nc es as ................. 58 3 .0 novo im p é rio .........................................................................61
§1.A transferência do império ........................................... $ 2. Gelásio - A separa ção entre po der espiritual e po de r tem poral
.......
61 62
§3. A reação ocidental à política de C onstantinopla ......................... §4 . A quebra do pode r bizantino no Ocidente .................................
63 64
§5 . A construção jurídica do Im pério Romano no período da m igração . 65
§7 . A coroação de Carlos M agno
..............
. . .......
............
§6 . A aproximação e ntre o pap ado e o poderfranco
................
................
................ ................ §9 . A igreja territo rial - A capitular de 802 .................................... §8 . A doação de Constantino
................
66
... 68 ....... 69 71
§10 . A diferença entre a dinâm ica imperi al no Ocidente e em Bizân cio .. 72
P erson a Regali s no corpo m ístic o .................... $ 12. Os mosteiros - A regra de São B en to ................... .•................. §11 . A integração da
72 74
4. A prime ira refor m a ...................................................................
77
$ 1. Crescimento de uma evocação ................................................ 77 $ 2. As ondas de reforma monástica .............
..............
...............
.... 81
.................................................... §4 . A Controvérsia das Investiduras ............ ...............
..............
§ 5 .0 Cardeal Humber to ..............
...............
§ 3 .0 espírito militante
§ 6. Tractatus
..............
85
..............
......95 ... 106
Eboracenses.........................................................
109
B - A ESTRUTURA DOSAECULUM 5. Introdu ção
........ . .............................. .............................. ....... 121
§ 1. As novasforças .............. §2.
O saec ulum renasce
..............
..............
ns........................
..............
..............
§ 3 .0 pro ble ma da ord em intra mundana § 4. As questões pr im or dia is ...............
..............
...........
............... ..............
...............
..............
121
.... 123 ..........
126
...........
128
6. João de Sali sbú ria ..............................................
131
............. ............. ............. .............. ... 131 § 2. Feud alismo .......................... : ........................ ................. 136 ..... 140 $ 3. A comunidade ............. 1 .............. ............... ................ § 1.Anovacaracteriologia
§4. Tiranicídio
.
..............
.
..............
...............
..............
....
141
7. Joaquim de Fiore (Flora)........................................................145 §1 . A estrutura da história cristã §2. Os três reinos..............
............
...............
.............. ...........
.............
..........
145 148
§ 3. Os elementos constantes da nova especulação p o lí tic a ................ §4 . A irman dade das peSsoas autôn om as. .............
..............
...........
149 152
8. Sfio Fra ndac o ............ ..............................................................157 $ /. OElo gi o das V irt udes... .......... ........... .......... ........... .......... .. 157 ................... .................. ......... 159 §2. A vi da de po br ez a ................ $ 3. A submiss ão à Igrej a .............. .............. ............... .............. ... 161 §4. A Ecdesia dos leig os .............. ............... §5 . A conformidade com Cr isto - A natu reza § 6 . 0 Cristo intramunda.no ..............
............... ............... ................................ .............. .............. ...............
162 163 165
9. Frederico II...............................................................................167 § 1 . 0 deslocamento (peripeteia) do império ................................... 167 §2. As Consti tui ções de Mel fi......... ........... .......... ........... .......... ... 174 .............. .............. ............... 182 § 3. Cristand ade cesar ean a .............. 10.0 direito ................................................................................. 187 § 1 . 0 direito oc idental e o direito ro m an o ...................................... 188 .............. ............. 190 § 2 . 0 mito do di reito romano ............. .............. $ 3. A revitalização bolonhesa .............. .............. .............. ............ 196 ................... .................. ... 200 § 4. Efeitos da revitalizaç ão ................ $ 5. A D eli beratio Papae de Itio cêticio II I ............. ............... .......... 203 11. Sigério de B rab ante ...............................................................209 ............... ............... ................ ........ 209 § 1. Aristotelismo............... .............. .............. ............... . 214 § 2. A Faylas üf. ............. .............. ................ ............... ................ ...... 219 § 3 . 0 intelectual ................ .............. .............. .............. .............. ..... 231 § 4. Pob reza .............. $ 5. Conclusão - As bases do renas cimen to po lít ic o .......................... 237
C - O CLÍMAX 12. Santo T omás de Aquino....................................... . / f ' .. ... 2 41 .............. .............. .............. .............. ..... 241 § 1. História .............. .............. .............. ............... .............. ...... 250 § 2. Polític a .............. ................. ................. ................. .......... 259 § 3. Direito ............... .............. .............. .............. ... 268 § 4. Conclusão ............. ..............
índice rem is sivo.........................................................................271
4
I ntrodução
*
d o editor
O que se convencionou chamar de “Idade Média” é o pe ríodo dura nte o qual os europeus ocidentai s se inseriram no prim eiro plano das civilizações mundiais. Fizeram-no a p ar tir de uma posição periférica e sofrendo reveses, mas todo o processo de inserção foi extremamente curto. Os povos na Antiguidade precisaram de milênios para construir as civi lizações ecum ênica s típicas do Mediterrâneo," Pérsia, Jude ia e China. Por outro lado, os europeus ocidentais medievais, fundamentados em realizações anteriores, alcançaram este posto em poucos séculos. 0 aspecto intelectual desse proces so de integração é o tema do pre sente volume.
I. “A A lta I d a d e M é d i a ” eoses tudo sm ed ieva isatuai s Eric Voegelin concluiu o ma nuscrito dest e volume em 1944, quando a Idade Média ainda era encarada por
europeus e norte -
-americanos basicam ente pelas lentes das ideologias dos sécu los XIX e XX: nacionalismo, progresso e eurocentrismo (para não m encion ar marxismo, fascismo e nazismo). A Idade Média
era encarada como um período durante o qual a Europa Oci dental de ca itU rfu llu ra grega e romana par a a barb árie - um
lapso felizmente há muito superado pela marcha inexorável da humanidade a caminho do progresso. A infame declaração de James Bryce sobre o caráter essencialmente “apolítico” da Idade Média, quand o as idéias da Antiguidade sobre a política tinham se toma do “incompreensív eis” para a mente medieval, aind a tinha apelo pop ular suficient e para in citar Voegelin à sa r cástica obser vação de que, d e u ma perspectiva medieval, ta lvez os problemas polít icos m odernos “não fossem tão impo rtantes quanto parecem a nós”.1 No final deste século [XX], com o colapso das ideologias e das políticas por elas alimentadas, tais opiniões perderam a estridência, ainda que s obrevivam resíduo s ideológicos. Os medievalist as já não estão em dívida com o nacionalismo, mas ainda permanece certo compromisso irrefletido com a noção de progresso que vai de uma “perspectiva da totalidade me dieval” até ao constitucionalismo ilustrado
mo dern o e aos di
reitos individuais.2 O mais recente compên dio do pensam ento político medieval, po r exemplo, começa assim: “A natureza do ‘pensamento político medieval’ é problemática”, embora, algumas páginas adiante, admita que há diversas maneiras “em que se pode determinar o caráter genuinamente políti co do ‘pensamento político medieval’”. Em contrapartida, o compê ndio m ais recente sobre a história d a Alta Idade Médi a começa com uma visão crítica da disciplina a partir das suas srcens romântico-nacionalistas e confessionais no início do século XIX até “ao colapso do modelo de história nacional”
1James Bryce,
4. ed. Nova York, Macmillan, 1904; The Holy Romatt Empire.
reedição: No va York, Schoc ken, 196 1, p. 91; adiante, p. 43 . 2 Ver Walter U llm ann, mondsw orth, Pelikan,
A History ofPoUtical Thought: The Middle Ages. Har196 5. Estou citan do a partir da edição revis ta, Medieval
Political Thought. Harmondsworth, Penguin, 1979, p. 16. Ullmann vê a Idade Média como um processo que vai de uma concepção de autoridade “descen dent e” a uma “ascendente”, sendo q ue esta última acabou por dissolver a t otali dade medieval e i naugurou a “atomiza ção” e “departamen talização” moder nas. O que está ausente desta visão é um acerto de contas com os pontos de vista modernos sobre a totalidade, com o o nacionalismo, o comunism o, o fascismo
e o nazismo, que decerto nãojepresentam progresso. Ullmann parece antecipar essa objeção, falando de formas medievais e modernas de totalitarismo sem, no entanto, clarificar a distinção.
121H í i tô ri i da sI d ci aiPo l í ti cai - I d i d cM éd i i
após a Segunda Guerra Mundial e a adoção de abordagens interdisciplinares na segunda metade do século XX.30 autor deste livro defende a análise estrutural, dedicando-se a uma discussão da economia, da sociedade e da mentalidade dos europeus ocidentais medievais, ramificando o debate para a antropologia e a religião com para da e, como resultado, ofere cendo um reanim ador panoram a não ideológico. O eurocentrismo, no entanto, ainda é visível, mesmo nos trabalhos de investigação interdisciplinar. De fato, ainda existem reverências obrigatórias a autores islâmicos e seus textos que foram traduzidos para o latim nos séculos XII e XIII.4Todavia, a importante revisão da chamada tese de Pirenne, de Richard Hodge s e David Whitehouse - segundo a qual os carolíngios não romperam relações com o Mediter râneo oriental, mas desfru tavam de um vivido comér cio com os mu çulm anos através dos nórdicos no
Volga - aind a tem
de pass ar p or mais aval iações até ser aceita na academia.5 Da mesm a forma, até agora, é só entre historiad ores globa is que surgiu a consciência de uma Eurásia maior,"na qual as civili zações muçulm ana, bizantina, indiana e chines a, bem como a civilização cris tã ocid enta l, en tre cerca de 500 e 1500 d.C., são vistas como exibindo característ icas comuns, d istinguind o-as da antiguid ade an terior.6 Um exemplo é a difer enciaç ão entre religião e governo, partilhada em diferentes graus pelo cris tianismo ocidental e oriental, bem como o islã. Essa diferen ciação encontra um paralelo na índia, com o surgimento, em cerca de 650 d.C., de cultos populares hindus centrados nos 1John H. Burns (ed.), The Cam bridge History ofMedieval Political Thought, Cambridge, Cambridge University Press, 1988, vol. 1, p. 3; c. 350-c. 1450. Arnold Angenendt, Das Frühmittelalter: Die abendlüendische Christenheit von 400-900.Stuttgart, Kohlhammer, 1990, p. 22-52. 4 D. E. Luscombe e G. R. Eva ns, “Th e Twelfth-Century Renaiss ance” . In:
Cambridge History ofMedieval Political Thought, p. 329-34. Mohammed, Charlemagne and the Origins ofEurope: Archeology and the Pirenne Thesis. Londres, Duckworth, 1993. 4Richard Hodges e David Whitehouse,
h Em particular, William H. Mc Ne ill,
A History of the Human Community:
Prehistory to the Present,
c Lcítcn S, Stnvrium)#.A
5, ed, Knglcwood Cliffi», N.J., Prentice Hall, 1996; (ilolhil History; Erom Prehistory to the Present. 6. ed.
Knglcwood Cl ilJk fN .|.. I,ii,uil»r I liill,
templos autônomos durante o período dos reinos regionais. Na China, a diferenciação surgiu em cerca de 950 com a dina s tia Sung, com o autocultivo pessoal neoconfuciano q
ue surge
ao longo do cum prim ento de obrigaç ões sociais .7 Apesar de uma feliz desideologização, a Europa Ocidental ainda é am plam ente vista sem seus paralelos com os mun do s islâmico, hin du e chinê s. Neste vo lume sobre as idéias políticas do início da Alta Idade Média, bem como na sua
H istó ria d a s Id é ia s P o líti-
cas como um todo, Voegelin rejeita diretamente a ideologia nacionalista-progressista e, assim, antecipa a direção toma da pela historiografia posterior. Em contrapartida, não se afasta de modo significativo das convenções eurocêntricas da academia de meados do século XX. A seu favor, deve-se acrescentar que no início dos anos 1960, ele desenvolveu um intenso interesse pelas civilizações pré-históricas e não europeias, abandonando assim muitas das suas visões eu rocêntr icas anteriores e antecipando
a disc ipli na contem po
rânea emer gent e - a hist ória mundial.8 Em geral, o material deste volume tem resistido bem ao teste do tempo. O que ainda o torna m uito atraente é sua abor dagem completamente inovadora, afastando-se de clichês e general izações convenientes e buscan do estabelecer a s bases experienciais que caracterizam o período medieval. De fato, há uma série de detalhes factuais que à luz de estudos mais recentes necessitam de correção, e alguns pensadores deixa dos de fora talvez merecessem inclusão, mas no seu todo o manuscrito merec e plenam ente esta public ação tardia.
7 Para uma discussão recente sobre os paralelos entre as três primeiras civili-
Empire to Commonwealth: Consequences ofMonotheism in Late Antiquity. Princeton, Princeton University Press, 1993, p. 20.
zações, ver Garth Fowden,
Não tenho conhecimento de bibliografia que estenda o paralelismo para a índia e Ch ina. Sobre sincromsmos possíveis entre a s civilizaç ões, veja a diante, p. 4 2. 8 Essa mudança se reflete, por exemplo, em
Ecumenic Age. Baton
Order and History, vòl.
IV,
The
Rouge, Louisiana State University Press, 1974. [Edição
brasileira: Ordem
e HistónãpVol.lV, A Era Ecumênica. Trad.
Paulo, Loyola, 2010.]
1 4 1H ist óri adasIdéi asPolí ticas- IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
Edson Bini. São
II. E sb o ço d o e n q u a d r a m e n to teó rico 0 que é central pa ra Voegelin neste volume é sua “convic ção” de que, na evocação política, em princípio, o homem está com prometido com “toda” a sua personalidade, e todas as cria ções civilizacionais de uma comunidade devem ter a marca do “todo” abrangente. A “totalidade” docosmion , entretanto, raramente surge, se é que surge, como uma unidade compac ta estática; é antes um fluxo de integração e desintegração, e não há uma fórmula simples que conecte qualquer instituição política específica com um fenômeno civilizacional contem porâneo de contexto diverso.9 Como se pode deduz ir a p art ir desta citação, a conv icção de Voegelin engendra uma teoria comp leta da total idade; conse quentemente, ele estuda as comunidades organizadas como “cosmions” - isto é, “cristalizações cósmicas” ou versões do cosmos em pequen a escala, abrange ntes no desi gn, mas limi tada s e “fluidas” na su a his tór ia.10 Vamos examinar ess a teoria da totalidade em m aior deta lhe. Segundo Voegelin, é na “esfera da política” que se apre sentam as nossas “atitudes” ou “sentimentos” fundamentais, com os qu ais m oldam os as no ssas “evocações” civilizacionais no sentido mais amplo. Por “esfera política”, ele quer dizer o contexto em que somos alimentados desde crianças, den tro do qual conduzimos nossascomo atividades diárias, bem como nos planejamos as nossas vidas um todo, e que podem destruir, se não as mantivermos bem ordenadas. É neste con texto, portanto, que adquirimos a nossa sensibilidade para o que é certo ou errado e, deste modo, nos sentimos motivados 9 Ver adiante, p. 124 . 10 Voegelin tom ou o termo
cosmionde Adolf Stõhr, um filósofo da Universi-
dade de Viena. Por sua vez, Alffed Schütz tomou o termo de Voegelin. Ver llja Srubar, Kosmion: Die Genese derpragmatischen Lebenswelttheorie vonAlfred Frankfurt, Schützund ihjymthr opologischer Hintergrund.
Suhrkamp, 1988.
Int roduçãodo
edit or 1 15
a fazer mu dan ças o u a re sistir a elas.1 1De form a um tanto sim plificada, pode-se dizer que em muitos lugares deste volume, onde Voegelin fala sobre “sentimentos” responsáveis pela formulação de “evocações”, ele se refere à aceitação ou rejei ção pess oal de um determinad o arranjo particular ou situaç ão como justo ou injusto e o vocabulário correspondente para exp ressa r essa aceitação ou rejei ção. “Sentimento” e “evocação” devem corresponder um ao outro, de acordo com Voegelin, a fim de desempenhar pa péis significativos em cada situação. No en tanto, em bo ra ao longo dos anos ou séculos os “sentimentos” de situações específicas se enfraqueçam ou desapareçam, as “evocações” engendradas podem permanecer, especialmente se forem escritas em textos. Neste cas o, as “evocaçõ es” pod em causar incomp reensão ou trazer à mente como num
passe de má gica
sentimentos falsos, não fazendo nenhum sentido em novas situações. Voegelin chama “idéias” às “evocações” mistura das com sentimentos falsos. Essas “idéias” literais tomadas de textos anteriores, enfati za ele, podem dom inar os “senti m entos” reais de justiça ou injusti ça em situ ações posteriores e assim sugerir soluções falsas. Inversamente, se as “evoca ções” modernas forem retiradas dos “sentimentos” corres pon dentes e aplicadas à Idade Média, torn am -se “idéias” que sugerem “sentimentos” medievais que, em primeiro lugar, nu nca ex istiram. Em sum a, as “evocações” são “idéias” vi vas e as “idéias” são “evocações” mortas; portanto, os dois con ceitos devem ser cuidado samen te d istingui dos. 1 11 Nas conferências e seminários de que partici pei co mo est udante, assistente de ensino (19 60-1 967 ) e pro fessor assistent e (19 67-1 968 ) de Voegelin, muit as vezes o ouvi evidenciar a necessidade de cultivar a virtude da justa indignação contra a injustiça como manancial de pensamento e ação na pessoa madura. Sua insistência sobre a importânci a desta virtude precisa ser tida em con ta para uma correta interpretação de sua declaração, na p. 124: “o campo da política é aquele em que ocorrem as alterações essenciais de sentimentos e atitudes, e é do reino da política que irradiam novas forças para outros campos da ativi dade hum ana - co mo a filosofia, as artes e a literatur a”. Ém outras pala vras, é a sensibi lidade aos efeitos degra dantes da injustiça que mexe n o pensamento e na açã o humanas, bem com o n a cria tividade. D a me sma forma, é essa mesma
virtude que torna uma pèsSoa^un adversário ou um defensor do processo po lítico em cada sociedade, conforme as circunstâncias.
1 6 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTom ásde A qui no
“Evocações”, continua a teoria de Voegelin, são formu lações da totalidade. Não é fácil apreender seu conceito de totalidade, em parte porque ainda está situada no quadro kan tiano, cuj o impacto e ra inev itável para os europ eus con tinen tais na prim eira m etade do século X X.12 Somente d u rante os últimos anos de sua vida Voe gelin abriu caminho para s ua própria teoria d a totalidad e, assunto su m aria m en te debatido m ais adiante. Basta aqui dizer'que os “todos” ou
cosmions
possue m tan
to o aspecto composto quanto o unitário: um reino medieval antigo era um compósito de camponeses, vassalos e um rei, mas tam bém um a unid ade singular simbolizada pela coroa.13 Os todos, como compósitos, são investigados com a ajuda de métodos analíticos e sintéticos, como é o caso nas modernas ciências sociais e físicas. Quant o aos todo s como un idad es, ap e nas se pode, supo stamen te, especular e , portan to, são invenções imaginati vas, mític as ou metafí sicas - como dizem os mod er nos redurionistas dessas ciências. Após melhor inspeção, no entanto, verifica-se que os reducionistas-também têm as suas próprias especulações. Partículas, genes, corpos, natureza e universo são tão unitário s qu anto reinos, tribos, mentes e Deu s. Assim, as teorias so bre a evolução das espécies , o
bigbang
ou o
universo com muitos mundos são tão especulativas quanto as teorias d a criação divina, o apocalipse ou a escato logia, a pesar de, aparentemente, estarem mais em
sintonia c om a nossa era
“científica”.14Em úl tima análise, não há m aneira de elim inar a
12 Ver Voe gelin, Autobiographical Reflectíons. Ed. Ellis Sandoz. Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1989, p. 96. [Edição brasileira: ReflexõesAutobiográficas. Trad. Maria Inês de Carv alho. São Paulo, Editora É, 20 08 , p. 142.] 13Sou responsável pelo exemplo do reino, mas as noções de um aspecto “com posto” e “unitário” do “todo” são de Voegelin. Ele não discorre sobre eles neste volume, mas estão claramente implícitos na forma que ele desenvolveu em um livro anterior, uma crítica das ideologias racistas do direito, cujo título é Rasse undStaat.Tübingen, Mohr [Paul Siebeck], 1933, p. 18-19. Edição em inglês: Race and State. Trad. Ruth Hei n. Ed. Klaus Vondung. Baton Rougis, Louisiana State University Press, 1997 (CW, vol. 2).
14A respeito de um a acusação recente de ingenuida de especulativa dos reducionistas, ver Joe Rpsen, The Capricio us Cosmos: Universe beyondLaw.Nova York, Macmillan^J-991.
especulação, o mito o u a metafísica , seja do pensa mento em ge ral, seja, mais especificamente, das ciências “duras”. Dada a legitimidade de investigar os todos como unidades, e não apenas como compósitos, o método correspondente de in terpretaçã o simbólica é tão válid o como o são a análise e a síntese. É este o méto do que Voegelin usa pa ra a investigação do pen sa mento político medieval, e é bem ilustrado ao co nsiderarmo s os três símbolos centrais da totalidade no início da Idad e Média: o Sacro Império Romano (sacrum imperium ), o corpo místico ( cor p u s m ysticum ) d a igreja e o reino de Cristo (reg nu m Christ i). Um pensador antigo que cristianizou o império roma no pagão, desse modo o santificou, foiimperador o bispo Eusébio 339), um econtemporâneo do primeiro cristão,(f Constantino (306-337). Ele expandiu o significado universal do império pagão, ao incluir a atividade missionária: “O Im pério Romano (...), a fim de fundir toda a raça numa unida de a abran ger todos o s que aind a não estão unidos, até aos limites do mundo habitado ( oikumene )”.15Um esc ritor pos terior, Cosmas Indicopleustes (fl. meados do século VI), abo liu a noção pagã do “império sem fim” (imperium si ne fine) e substituiu-a pela consumação do império através do apocalip se e pela posterio r transfiguração escatol ógica no reino e terno de Cristo.16O sacro impé rio é, portanto , um todo com posto (nos term os de Eus ébio: a maioria dos povos do m und o estão unidos imperialmente, mas alguns ainda têm de ser adicio nados) e um todo unitário (humanidade). No entanto, esta Überdas Leben Comtanú ns, Constanti ns Rede an die heilige Versammlung, Tricennatsrede an Constantin. Ed. Ivar A. Heikel. Diegriechischen christlichen SchriftsteUerder erstenJahrhunderte, vol. 1 ,1902; reedição: Berlim, Akademie-Verlag, 1975, XVI.6. Edição em inglês: In Praise of Constantine: A HistoricalStudy and New Translation ofEusebius' Tricennial Orations.Trad. Harold Drake. Berkele y e Los Angeles, University o f Califórnia " Euscbius, “Triakontaeterikos”. In:
Press, .1 97 5, p. 120. Sigo a tradução de Dra ke, exc eto p or juntar duas frases. 16 A resp eito da conclusão escatol ógica do Império Romano n o reino de Cris to, ver Cosmas Indicopleustes,
Topographie Chrétienne. Ed. Wanda Wolska-
Canus. Sources chrétiennes, volumes 141, 159, 197. Paris, Editions du Cerf, 19 68 -1 97 3,2 , p. 74-75; Edição em in glês:
The Christian Topography of Cosmas,
an Egyptian Monk. TradrJdmW. McCrindle. Hakluyt Sodety, série 1, n. 98, 1897; reedição: Nova York, Franklin, 1979, p. 70-71.
1 8 1H ist óri adasIdéi asPolí ticas- IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
totalidade é relativizada (o sacro império será transfigurado no reino de Cristo) e por isso o s ímbolo do império com o um todo combi nado - unitár io e c ompost o - é subordi nado ao todo pu ram en te un itário do re ino de Cristo.17 O símbolo da Igreja como corpo místico de Cristo nasceu no pensamento de São Paulo (Romanos 12,3-8,1 Coríntios 12,12-31, Efésios 4,15-16 ). Em 1 Corín tios, on de ele aparec e na sua forma mais elaborada, a igreja (literalmente
ecclesia
ou com unida de) é descrita como o corpo de Cristo composto pelos seres humanos im perfeitos que são os cristãos em vida, dispostos em uma ordem orgânica hierárquica. Cooperam com os seus r espectivos dons, em ordem decrescente: após tolos, profetas, doutores, operadores de milagres, de curas, de assistência, de orientação, ou po
rta-vozes em línguas es
tra nh as .18Paulo, é claro, deixa de fora os govern antes pagãos (que reconhece , no ent an to, em Ro manos 13,1-7, como algo zes ordenad os po r Deus para pu nição dos m alfeit ores), bem como bispos e sacerdotes (que ainda não existiam na igreja nascente). A legislação do império carolíngio, oito séculos mais tarde , incorp ora devidam ente na Igrej a os governantes, 17A fi m d e sermos abrangentes, é preciso adicionar outro s ímbo lo relativizador o “reino nacional”. O simbolismo deste reino deriva das instituições régias e mi tos tribais do período migratório genhânico e assim define a completude (totali dade) não em termos de humani dade universal, mas de identidades nacionais sin gulares. Voege lin aborda o tema das migrações germânicas e dos reinos nacionais emergentes n o c apítulo 2, mas adia a discussão sobre a sua crescente atratividade como alternativas ao império. O termo sacro impirio (sacrum imperit tm)apareceu como tal somente durante o reinado de Frederico I Barba-Ruiva (1152-1190). Carlos Magno, em 800, via-se como o governante do império romano com o título de “Sereníssimo Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, governante do Império Romano”. N os séculos seguintes , o império foi habitu al mente referido como “romano” ou “cristão”. Os termos
e Sacro Impirio Romano
Sacro Império Romano da Nação Alemã apareceram no fim da dinastia Hohenstaufen (1254) esob os Habsburgos (Frederico III [1452-1493]), respectivamen te. Ver Harold J. Berman, Law and Revolution: The Formation of the Western
Legal Tradition. Cambridge, Harvard University Press, 1983, p. 603. 18 E aqueles que De us estabe leceu na igreja são, em primei ro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores... Vêm, a seguir^ os dons de m ilagres, da s curas, da assistên cia, d o gov erno e o de falar diversas lín
guas. Porventura, são todos apóstolos? To do s profetas? Todo s doutores? Todos realizam milagres? Todos têm o dom de curar? Todos falam línguas? Todos as interpretamíJ^Còríntios 12,28-29. (N. T.)
Int roduçãodoe
dit or 1 19
bispos e sacerdotes, com a auto ridade ( auctoritas e sacerdotes considerada acima do poder (
) de bispos
p o testa s ) de reis
e imperadores, dado que os primeiros ministram a salvação a estes últimos. Por outro lado, os governantes já não são meras autoridades
ordenadas po r Deus para a punição, mas
figuras majestosas que irradiam a mesma glória que enche o reino de Cristo. Como um corpo que engloba o conjunto de congregações, sob a autoridade dos sacerdotes e bispos, a Igreja é um tod o com posto. Como corpo idêntico ao im pé rio, é também um todo unitário que represen ta a universal i dade. Como tal, é classificada como superior ao império em significado simbólico, uma vez que é sustentada pela auto ridade espiritual, e não pela força bruta. No entanto, assim como no caso do império, a totalidade unitária da igreja é relativizada em favor da verdadeira unidade no símbolo do reino de Cristo. 0 símbolo do reino de Cristo, não composto e inteira mente unitário em seu significado, é o elemento escatológico que o cristianismo partilha com o zoroastrismo, o ju daísmo tardio e o islamismo, as quatro religiões reveladas da Antiguidade. Como tal, é um símbolo do fim (
eschaton)
que descreve em linguagem figurativa as características da nossa existência além daquelas da vida entre o nascimento e a morte. Acima de tudo , refle te uma existênci a bem ord e nada que compensa as injustiças da vida. Na escatologia, a existência tem instituições simbólicas (por exemplo, a rea leza de Cristo) que, com seu equilíbrio bem ordenado, são a medida p ara todas as instit uições da vida, r elegando-as a um pata m ar de significação simbólica dim inuída. Instituições reais, como são inextrincavelmente compostas e unitárias, não podem ser aperfeiçoadas até ao nível de totalidade re pre sentada pelo simbolismo escatológico. Após os sí mbolos de “todos” puram
ente unitários terem
entrado n a história do pensam ento, como sucedeu na Anti guidade tardia, os impérios políticos ficaram comprometi
dos para sem pre, e nem a un idade da Igrej a, simb olicamen te
2 0 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas-IdadeM
édi aat éI bm ésdeA qui no
mais po derosa, conseguiu manter- se a longo prazo. As civi lizações antiga e medieval distinguiam-se claramente uma da outra no processo histórico através da inserção da totali dade escatológica no processo político. A Antiguidade teve, é claro, tantas revoltas e sublevações quanto a Idade Média, mas só a par tir do período medieval fo i poss ível l egitimar a contestação dos pr ópr ios sím bolos da organização polít ica e religiosa imperial, em razão da sua inco
mp atibilidade com o
padrão escatológico. Voegelin afirma que a Idade Média começou com certo equilíbrio entre os três símbolos, sem elhante ao indicado aci ma, e que ele chama de “compromisso com o mundo”. Sua tese principal é que du ran te os cinco séc ulos entre a fundação carolíngi a do sacro imp ério (800) até à m orte de Santo Tomás de Aquino (1274), o símbolo escatológico do reino de Cristo gradualmente foi perdendo seu poder de atração. Embora fi zesse sentido para os primeiros cristãos ansiar pelo estabele cimento iminente do reino de Cristo, a razão para tal anseio dim inu iu, um a vez que o im pério foi santifica do.19No enta nto, apesar dos ganhos a curto prazo, nem o império nem a igre ja foram capazes de tirar proveito: eles dependiam demais da medida escatológica para se sustentarem. O que ocorreu foi um a nova busca de totalidades comp
ostas-unit árias, na qual
ora a necessidade de símbolos u nitários foi diminuída, ora, ao contrário, o papel desses símbolos foi exagerado muito além do considerado admissív el para o império ou par a a igreja sob as restrições da escatologia. Na opinião de Voegelin, apenas um pensador, Tomás de Aquino, era capaz ou estava dispos to a estabelecer um novo equilíbrio entre os novos símbolos comp ostos e unitários da sua época e um símbolo remodelado do reino de Cristo ressuscitado do passado. 19 Voeg elin não com enta a falh a inerente à má interpr etação da escatologia como apenas um acontecimento do futuro, no cristianismo primitivo e na Idade Média. Como configuração imaginativa de uma totalidade puramente unitária, a escatologia não pode ser reduzida ao futuro, mas tem de incluir o
passado e o presente. X a plenitude d o te mpo presente a qualquer mo me nto e acessível como tal. Neste sentido, integra os símbolos da criação, o reino, e a medida presente de mdtrjustiça completada em um todo unitário.
Int rodução do edit
or 1 21
0 “sentimento” di rigido à manutenção de um equilí brio en tre os três símbolos - sacro império, igre ja e fim escatológico é chamado por Voegelin de “espiritualidade”. O sentimento oposto, visando d esvalorizar ou exagerar a simboli zação uni tária de comiinid ades políti cas compo stas, é designado como pensam ento “intramundano”, “intracósmico” ou “im anente”. A transição crít ica de um “sentimento” a outro, p repa ran do novas “evocaçõ es”, ocorreu n a segund a metad e do sécul o XI, quando a Controvérsia das Investiduras (1075-1122) le vanto u questões fun dam entais d e justiça polític o-religiosa. Voegelin formula o referido par de se ntimen tos, em confor midade com a tradicional distinção cristã entre este mundo e o outro ou, na linguag em kan tiana mais técnica anteriorm ente mencionada, entre “transcendência” e “imanência”. Ocasio nalme nte, o pensame nto polít ico “im anen te” que apareceu no mu ndo medieva l do séc ulo XII em dian te tamb ém é chamad o de “mo derno”, de modo a indicar a g enealogia da m odern ida de na Idade Média . Esta evol ução de simbolismos espirituais para simbolismos intram undanos e para os modernos simbo lismos políticos é, para Voegelin, a história de um declínio: é um process o duplo - de empobrecimento simbóli co com o secularismo; e inflação simbólica com a especulação. A Idade Média é, para el e, um “compro misso ” medieval , desi ntegr an do-se graduaímente nas duas faces modernas: o secularismo emp obrec ido e a especulação ideológica inf lada.
De acordo com Voege lin, um traço característico d a Idade Média é a “enorme extensão da fase preparatória” necessária para a “evocação focal” do sa c m m im p eriu m se torna r reali da de institucional, ain da qu e fraca, como ve io a suceder no seu auge sob o imperador Henrique VI (1190-1197). Ele atribui
essa lentidão do período de crescim ento às migrações germ â nicas e asiáti cas que se estender am ao longo de um período de
2 2 1H ist óri adasIde i iPol íticos- IdadeM édif lfl téT bm ái deA qu ino
quase seis séculos (cerca de 400-950). Essas migrações per turbaram e isolaram a civilização romana ocidental que, aliás, tinha, um nível de urbanização, conhecim ento e comérci o in ferior ao do Oriente. Os migrantes germânicos formaram grandes grupos, com os seus próprios reis e mitos fundacionais, alegando descen der dos troianos (fran cos) ou comem orando os trá gicos acon tecimentos dos nibelungos (borgonheses). Oportunamente, realeza e mito combinaram-se para criar as “evocações” dos “reinos nacionais”, os últimos rivais medievais do sacro im pério como simbolizações da totalidade. A criação do sacro império por Carlos Magno (768-814) impôs a construção de novos simbolismos distintos dos an teriores, rom anos ou bizantinos. Voege lin examina a s etapas do processo de const rução: a teoria da separação entre os po deres tempo ral (inferior) e o espiritual (superior) do império, formulada pelo papa Gelásio I (492-496); a nomeação ponti fícia de líderes germânicos para cargos imperiais; a coroação de Carlos Magno como im perad or (800); a-alegada doação do território de Roma ao papa pelo Imperador Constantino; e a incorporação dos governantes no corpo místico de Cristo. O resultado deste processo foi o govern o do império p or dois líderes, o im perador e o papa, cada um teocrata em sua pró
pria região geográfica e ambos desobrigados de lidar seria men te com as respect ivas e sobrepostas pretensõe s ao “todo” pela grand e distância que os separava. A única instituição que n ão se encai xava bem na con strução teocrática do sacro império inicial era o convento: ou seja, a concepção mais restrita de corpo de Crist o, que reu nia pessoas que jur aram pobreza, castidade e obediênci a rigorosa s. Os mo s teiros foram cruciais para a cristianização da população rural, mas, p ara que essa missão não se dissolvesse nas funçõe s menos rigorosas da teocracia ca rolíngia, teriam de se torn ar organiza cionalmente autônom os. Assim, Vo egelin discut e o sur gimento
das ordens monásticas autônomas (cluniacense, cisterciense, franciscana); a cristianização da população, particularmente a
Int roduçãodoedit
or 1 23
classe de cavaleiros, que se reflete nas cruzad as e na criação de orde ns militares, e a reforma do papado. No decurso da sua reforma, o pap ado conseguiu abolir as teocracias ao norte dos Alpes. Durante a Controvérsia das Investiduras, o papado obteve dos governantes o direito de escolher o s seus pró prios cand idatos pa ra os cargos e clesi ás ticos. E nquanto essa reforma estava em andam
ento, surgiu
a difícil questão de sab er se os bispos em possados de modo não canônico e, portanto, “indignos” (na linguagem medie val, os bispos que cometeram “simonia”) poderíam minis trar os sacramentos (administração reservada aos apóstol e seus sucessores no
os
de Paulo). Voegelin discute três
respostas, fo rmuladascorpus por Pedro Damião ( t 1072), Hum berto da Silva Cândida ( f 1062) e pelo an ônimo norm an do (fl. ca. 1100). Damião introduziu uma distinção entre por tadores de cargos dignos e indignos, enquanto Humberto, preocupado com o problema geral da corrupção simoníaca, esperava que a ação reformadora da igreja eliminasse completamente a corrupção da política. O anônimo tomou o caminho opos to: Cri sto adotou a forma hum ana de um sa cerdote para redimir a humanidade, mas a sua função real no reino po r vir é régia, pelo que os sacerdote s se encontram abaixo dos governantes. Como men cionado acima, no decu rso da Co ntrovérsia das Investiduras, ficou claro que com um sacro império e uma igreja universal, o fi m escatológico deixara de ser u ma pre ocu pação prem ente. Desconsiderando seu engajam ento, os pen sadores também podiam ser afas tados pe los argumentos em disputa e pela busca de novos “todos” compostos-unitários, diferentes do império e da igreja. No século XIl, surgiu uma série de teóricos que propôs o que Voegelin chama de novos tipos “iman entes ” de instituiç ões. Voegelin começa o exame deste processo com uma dis
cussão de três teóricos. João de Salisbúria (f 1180) apresentá o símbolo de uma comunidade ^ m pub lica) que não é nem o
império, nem um reino específico. Além disso, esta com unid a de já não é construída com todo o espectro de tipos human os paulinos unidos na igreja. Ele se concentra unicamente no ho mem político, que pensa que é livre, como Deus, e, portanto, dom ina “até onde o seu pod er se estende”. Como consequên cia, há um tiran o em cada go vernante, e est e pode ser deposto com justiça. Joaquim de Fiore (f 1202) especula sobre um ter ceiro reino que completa o progresso do hom em d a lei natura l para a lei mosaica e evangélica e em direção à lei totalmente espiritual onde a vida é caracterizada por espírito, contempla ção e liberdade. Joaquim considerou-se o precursor de um lí der sem no me que, em 1260, iria inau gura r este reino fi nal na terra. São Francisco de Assis (t 1226), tal como João, estreita o espectro paulino a um só tipo humano, no seu caso, o leigo comum que abdicou radicalmente de todos o s vícios do m un do. Esta pessoa não se purifica na expectativa do Reino por vir, mas em conformida de com a condição básica deste m und o, no qual Cristo foi sacrificado pa ra nossa salvação. Além dos pensadores, havia também õs homens práticos. Voegelin estuda as Constituições da Sicília, do imperador Frederico II de Hohenstaufen (1220-1250), que forneceram a base legal para o primeiro reino, dentro do império, não feudal e centralizado. Nessas Constituições
, Frederico aparece
como o guardião d a “un idad e indivisível da fé”, autorizado a erradicar as heresias. A crítica do instrumento divinamente escolhido seria um sacrilégio; não há recu rso ao papa. Cerca de um século antes, na Universidade de Bolonha, Irnério ( t cerca de 11 30) começara a lecionar s obre o corpus do direito romano justiniano. Como enfatiza Voegelin, elemen tos do direito romano foram praticados sem interrupção na Lombardia e o chamado renascimento de Irnério foi, na ver dade, um retorn o ao corpus completo do direito romano que, na Idade Média, tom ou- se imutáv el e “sacratíssimo”. Ap ós Irnério, o direito foi glosado de acor do com a práti ca legal, e no
tempo de Acúrsio (t 1263) os comentários tornaram-se mais importantes do que o corpus jus tini ano inicial. Os glosadores,
Int roduçAod oedi tor 1 25
por sua vez, segundo Voegelin, abriram o caminho para a le gislação de um modo casuístico, racional, sistemático e, em suma, “intramundano”. Os exemplos característicos estuda dos são as Constituições
de Frederico II e a prom ulgação d a lei
canônica no D ecretum G ra tian um . Mais ou menos ao mesmo tempo (aproximadamente en tre 1160-1260), o corpus de escritos de Aristóteles, até então desconhecido, ficou disponível para os cristãos ocidentais, pr i meiro através de traduções do árabe e, d epois, diretamen te do srcinal grego. Para alguns muçulmanos, sobretudo Averróis ( t 1198), Aristóteles era a perfeição da hu manida de e o funda dor de uma religião do intelecto igual, se não superior, à que se vê como a imagéti ca religião do ho me m com um contida no Corão. A visão averroísta enc ont rou um sucessor cristã o em Sigério de Brabante ( t cerca de 128 6), a que m Voegelin estud ou como um pensador de uma estrutura de mundo “imanente”, concluída com a negação da imortalidade individual, da cria ção do m und o e da interferênci a direta de Deus na natureza. Em contrapartida, Voegelin descreve Tomás de Aquino ( t 1274) como um “int electual cri stão”, para quem a verdade de Deus se manifesta igualmente de três formas: na criação, na encarnação e no princípio do ser. A filosofia é digna de ser exercida, embora a religião do homem comum não seja, de modo algum, desprezível. O cristianismo ainda precisa expandir-se a todas as nações da terra, mas a unidade reli giosa já não exige unid ade imperial : é compat ível com um a multiplicidade de unidades políticas estruturadas de modo “imanente”. Santo Tomás aceita a noção aristotélica da pólis como a com unid ade perf eita que cond uz à fel icidade, mas também não deix a dúvida de que comunidade política: uma
víncia -
em qualquer que sej a a
civitas, um regnum ou uma p ro
os seus habitantes apenas terão a plena bem-aven-
tur an ça n o r eino d e Cristo.A. pólis, claram ente, deixou de ser um a “evocação” viva e tornou -se um a ideia mo rta, em bora as
novas comunidades políticas ainda não se tenham tornado “todos” com pod er sim bólIcõT
2 6 1H ist óri ad asIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
Voegelin considera que a teoria do direito de Tomás é mais específica que sua teo ria política. A regra
(ratio) d a cria
ção divina é a lei eterna , im press a na m ente como lei natural, que, no entanto, só pode se aproximar do direito positivo. Além disso, Deus revelou a s ua lei divina n o Antigo e no Novo Testamentos, a fim de orientar o homem para além da sua realização natu ral - para a beatitude escatológica. A lei na tu ral só existe sob a forma de princípios gerais, entre os quais Voegelin enum era “autop reservação , conservação da espécie através da procriação e educação, preser vação (...) atrav és do conhecimento de Deus e (...) da vida civilizada em comuni dade”, por isso a dificuldade de promulgar, a partir dela, o direito positivo detalhado. A noção tom ista de uma lei eterna como a raiz da l ei natural é engenhosa po rque trans cende as armadilhas de uma lei natural autossuficiente e limitada a princípios im anentes como, nas palavras de Voegelin, “in s tintos, desejos, carências, razão secular, vontade de poder, sobrevivência dos m ais aptos, etc.” Voegelin conclui afirmando que Tomas de Aquino foi o único pensador capaz de absorver a “irrupção das forças intramundanas, desde a Controvérsia das Investiduras” e de equilibrá-las com o legado espiritual srcinal com que a Idade Média começara. Depois dele, o equilíbrio r om peu -se e, desta vez, para sempre.
IV . “A A lta Id a d e M é d ia ” ea sob ras po st eri ores de V oegel in Na sua “História”, Voegelin em preendeu um a grande nar rativa desde a história antiga até ao presente. Continuou a fazê-lo de forma mais expandida nos três primeiros volumes de
Ordem e Históri a, qu e foram pu blicado s nos ano s 1950. No
entan to, no q uarto do s seis volumes previstos de Ordem e His tória, publica do em 1974, Voegelin abandono u esta narra tiva.
Ele deu duas justi ficativas princi pais: prim eiro, a mass a de no vos materiais (em p arte descob ertos depois de el e ter aba rca do civilizações não ocidentais) aum entar ia o man uscrit o para proporções “incomportáveis”; e, segundo, “a impossibilidade de alinhar os tipos empíricos [de ordem e simbolização] em qualquer sequência de tempo que permitisse que as estruturas efetivamente des cobertas emergissem de um a história conce bida como um ‘curso’”. Em outras palavras, em bora talvez fosse possível dominar a massa de materiais, era impossível estender eurocentricamente ao resto do mundo a história europeia ocidental da crescente polarização entre simbolizações seculares e especulativas iniciada na Idade Média. Em vez disso, arg um ento u Voegelin, era preciso ter em conta que “as importantes linhas de significado na história não fluíam ao longo das linhas de tempo”. Assim, substituiu a narrativa cronológica por ensaios de exemplos históricos, movendo-se “para trás , pa ra a fre nte e para o lado” .20 No entanto, enquanto esses argumentos contra a “história concebida como um ‘curso’” eram impressos, Voegelin não pôde resistir à tentação de esboçar uma grand e narrativ a his tórica nas suas
R eflexões A utobiográfic as de 1973. Aí, relata
como nos anos 1960 percebeu que “praticamente todos os símbolos que aparecem no Antigo Próximo Oriente têm uma pré-história” que, passando pelo neolítico, atinge o paleolítico e perm item um a distinção entre os períodos de simboliza ções pré-histórica, cosmológica e ecumênica.21 Da mesma forma, afirma qu e ficou consciente de que: Aos impérios ecumênicos e sua grande convulsão, segui ram-se os impérios ortodoxos - seja na China confucionista, na índia hinduísta, no império islâmico, seja nos impérios ortodoxos grego oriental ou romano ocidental. Essas novas civilizações imperiais [baseadas em doutrinas como suas teologias políticas], que, como sociedades civilizacionais, não são
20 The Ecumenic Age, 2, p. 57. [Edição brasileira:
A Era Ecumênica, p. 54.]
21 Autobiographical Reflections, p. 82. [Edição brasileira:
ficas, p.
126.]
-------
2 8 1 H ist óri adasIdé ias Polí ticas- IdadeM édi aat éI bm ésdeA qui no
Reflexões Autobiográ-
de forma alguma Idênticas às sociedades governadas pelosm i périos ecumênicos, sobreviveram, de modo geral, até a nova onda de convulsão e ruptura no chamado períodomoderno.22 Se esta lógica for seguida até ao seu desfecho, a história emerge como um processo em que as simbolizações secular mode rna e especula tiva, identi ficadas no final da seção ante rior, podem ser vis tas como começando com a dissol ução do “império latino ortodo xo o cidental” por volta de
1600-1700,
que foi seguido por rupturas semelhantes, embora graduais, no resto do mundo, durante os séculos subsequentes e pelo triunfo d a mod ernid ade em to do o mun do, no século XX. Este esboço de um “curso” da história, desde a pré-h istória até ao presente, é muito semelhante às estruturas das pri meiras grandes narrativas publicadas por historiadores do mun do d uran te os anos 1960 e 1970.23Hoje, essas est rut ura s são comuns a praticame nte todos os compêndios de históri
a
mundial. Além disso, Voegelin delineia um curso de história que vai desde a sua srcem pré- históric a até ao nosso pre sen te moderno em que coexistem continuaraente simbolizações equilibradas e doutrinações extremas. Não há nenhum pe ríodo da história sem “ortodoxias estabelecidas” em que os símbolos são “deformados” em “doutrina”. No pensamento de Voegelin, na década de 1970, qualq uer “progress o” ocorri do no mundo sob a forma de símbolos mais “diferenciados” do “to do” era desfeito pela inevit ável “dou trinação ” dessas di ferenciações. A história do mundo aparece, assim, como um processo aberto de inegável progresso, mas neutralizado por des astre s igualm ente inegáveis, de tipo secular e e speculati vo. O que se pode observar no pensamento de Voegelin, entre este volume e as
Reflexões A utobiográficas ,
é uma mudança
sutil de ênfase, de um princípio “espiritual” do período me dieval para uma “ortodoxia” “doutrinária” medieval. O que neste volume é incisi vamente cham ado de “imanentização” de 1
11 Ibidcm,
p. 105-06. [Edição brasileira:
J’ Ver as obras citadas na nota 6, acima.
ReflexõesAutobiográficas, p. 155.]
símbolos “ trans cend entes ” no decorr er dos séculos me dievais, nas Reflexões Autobiográficas é apresentado, de modo mais neutro, como “a redescob erta ocidental da Antiguidade pagã e , paralelamente, a expansão das ciências naturais”, as quais abri ram “a consciência do hom em p ara esferas da realidade que as ortodoxias dos impérios hav iam obscurecido até ent ão”.24Em suma, quanto maior se tornou o horizonte histórico de Voegelin, menos ele foi capaz de dissociar os movim entos d e imanentização e transcendentalização no processo históri co. De fato, em seu livro E m Busca da O rdem , postumamente publicado, o par “imanência” e “transcendência” já nem se quer aparece. Os arreios kantianos de dois mundos irreconciliáveis - experienc ial e conceituai - finalmente cederam em favor de um a única “realidade” com dois aspectos, chamados “realid ade-Iss o” e “realida de-co isa”.25 Como esta intro duç ão não é o lugar para discutir os meandros das últimas simbolizações de Voege lin, basta dizer que o símb olo de Voegeli n de realidade única, claro, é mais uma variação do que pode ser conside rado, constantemente, o poderoso núcleo da obra de Voegelin, a sua te oria do “todo” com posto -unitá rio.26É esta teoria, e não as polêmicas sobre transcendência e imanentização em que ele se deixou enre dar nas obras do seu período interm ediário,27que lhe assegurará um lugar pro eminente n a história do pensa me nto do século XX. 24 Autobiographical Reflections, p. 106. [Edição brasileira: Reflexões Autobiográ-
ficas,
p. 155.]
25 Order
vol. V, In Search of Order. Baton Rouge, Louisiana State and History,
University Press, 1987, p. 16. O termo transcendênciamencionado uma vez é [Edição brasilei (p. 35), num contexto em que é criticado como “ideológico”. ra: Ordem
vol. e História,
5,
Em Busca da Ordem. Trad. Luciana Pudenzi. São
Paulo, Loyola, 2010, p. 57.] 26 Inexplicavelmente, o aspecto “isso” ainda é chamado “não experienciável” em
In Search of Order, 72-73.
[Edição brasileira:
Em Busca da Ordem, p. 91.]
Explorei possíveis explicações num escrito de 1995 inédito intitulado “The ‘Not-Experientiable’ Ordering Force: Reflections on the Kantian Baggage of
In Search of Order”. 27 Particularmente,TheNew Scien ce ofPolitics: AnIntroducti on.Chicago, Univer sidade de Chica go Press, 1952 , que, i ronicamente, é de long e seu trabalho mais
conhecido e mais reimpresso. [Edição brasileira: A Nova Ciência da Política. ed. Trad. José Viegas Filho . Brasflia^Editora Unive rsidade de Brasília, 1982.]
2.
0 trabalho científico nos anos 1980 prop orcio nou um im pulso para a reflexão sobre a natureza unitária da totalidade e acabou com o reinado da cisão kantiana entre os dois reinos separados da realidade - iman ente e transcendente . As expe riências de Alain Aspect, em 1982, refutaram as últimas objeções à mecânica quântica, para a qual Georg Cantor (f 1918), com seus símbolos matemáticos da totalidade como conjunto de múltiplos infinitos, criara as novas ferramentas conceituais: a infinidade real de potencialidades se manifesta por meio de probabilidades estatísticas na infinidade potencial de fatos.28Os leitores que des anima rem com a teoria do “todo” de Voe gelin ou com o meu resum o nesta introdu ção podem to mar coragem: sua teoria é positivamente fácil em comparação com o emer gente pensamento quântico, onde atualmente se está recons truindo a
philosophia perennis.
Nesta edição, tentei seguir um caminho intermediário entre abster-me de qualquer intervenção editorial e tornar o inglês de Voegelin totalmente vernacular. Assim, reestruturei apenas as frases que de outr a f orma teriam sido muito difíceis de entend er. Em to dos os out ros casos, desde que o signifi cado não estivesse obscur o, deixei intacta a liç ão do auto r. Aqueles que conhecem Voegelin reconhecerão as idiossincrasias que distin gue m o seu estilo e uso da linguagem. Aqui e ali, quebr ei parágrafos que se estendiam po r mais de u ma página do ma nuscrito . Em geral, Voegelin man tin ha curtas e básicas as suas
Adaptei esta formulação de Carl Friedrich von Weizsácker,
sik. Munique,
Aufbau der Phy-
Hanser, 1985, p. 375 e 58 4-85- A respei to da obra de Canto r
sobre os infinitos, ver seu “Beitráge zur Begründung der transfiniten MengenIclire”. Mathematische Annalen, n. 46 ,18 95 , p. 481-512 e n. 49 ,18 97 , p. 20646; Edição em inglês:
Numbers. Trad.
Contribu tions to the Foundin g ofthe Theory ofTransfinite
Philip E. B. Jourdain. Nova York, Dover, 1955- Uma ampla
discussão sobre as consequências filosóficas do novo conceito de múltiplos infi
nitos reais pode ser encontrada em Jean E. C haron,
Les Lumieres de llnvisible.
Paris, Albin Michel, 1985-
Int rodução do edit
or 1 31
notas de rodap é, indicando as fontes primária s e, geralmente, abstendo-se de discutir a bibliografia secundária. Portanto, não incluí notas de rodapé, exceto onde considerei oportuno reme ter o leitor a reimpressões ou reedições das fontes citadas pelo autor. Todos os detalhes bibliográficos são dados ape nas nâ primeira menção. Nos casos em que as conclusões de Voegelin foram superadas pelas pesquisas mais recentes ou quando, na ausência de materiais adequados nos anos 1940, as suas conclusões se revelaram prematuras, acrescentei no tas do editor, qu e vêm indicadas entre colchetes.
M a b ib lio g rá fica Nesta obra, Voegelin utiliza alguns volumes da M o n u m e n -
ta Germaniae Histórica
(M G H ), srcinalmente editada por
Georg Heinrich Pertz. Apresentamos a seguir um panorama dos volumes relevantes da série
M G H e suas abreviações. Os
detalhes bibli ográficos sobre cada texto são fornecidos nas no tas de rodapé.
AA
A u cto res a n tiq u issim i
Cap .
C apit ulari a regu m fran co rum (in L egum , II)
Cons t. Co nsti tut iones et acta pub li ca im pera torum et reg u m (in L egum , IV) Epp.
E pisto lae
Leg.
L egum , 1
L ibelli Libelli de lite im p era to ru m e tp o n tific u m saeculis X I e t X I I conscripti (in legum , V ) SS
Scriptorum
P ete r V on Sivers
TER C EI R A P ARTE
SACRUM 1M P E R ÍU M
1. I n t r o d u ç ã o
$ L A es trut ura ger al daIdade M édi a As idéias políticas da Idade Média orien tam -se pa ra a evo cação do sa crum im p e riu m , do Santo Império, da mesm a m a neira que a teoria helênica se orientou para a pòlis e a teoria cristã-romana para o reino do céu e o Impépio Romano. Entretanto, a evocação do
difere de modo
sa cru m ime proman eriu m a porqu e o Im decisivo da m esopotâmica, hel ênica pério Medieval jamais alcançou coerência interna e eficácia como organização de poder que se compare com a de Babi lônia, da Pérsia, de Atenas, de Es parta e de Roma. O império alcançou um clímax espiritual e territo
rial no fim da Terceira
Cruzada, dur an te o breve reino de H enrique VI (119 0-1197). Então, a organização imperial abrangia os territórios italia nos e alemães e a Sicília. Ricardo Coração de Leão reinava na Inglaterra como feudo do imperador, e o matrimônio do irmão do imp erado r com um a princesa bizantina es tabel eceu direito ao Império Bizantino. Mas mesmo neste breve mo mento histórico de dois ou três anos (1194-1197), o império era só a Alem anha e a It ália; o resto e ram reivindicaç ões con testada s e irreal izávei s. A organiza ção da histór ia medieval segundo divisões cro
nológicas definitivas nunca será completamente satisfatória.
Os dois séculos entre 1070 e 1270, com a Controvérsia das In vestidu ras e as Cruzadas, florescimento do simbolism o alemão e italiano, S ão Francisco e Santo Tomá s, são o cum e espi ritual da Idade Médi a. Mas o long o período preparató rio d a evoca ção imperial do século V ao XII prolonga-se até ao período de culminação, sobrepondo-se ao começo da desintegração do império em unidades nacionais. Assim, a história da Ida de Média consiste em dois longos processos de integração e desintegração da ideia imperial, com um clímax efêmero em torno de 1200.
§ 2 . A sm igr aç õe s A enorme extensão da fase preparatória e a complexi dade de sua estrutura interna resultam de eventos do pe ríodo prec eden te à migração. A Grande Migração costum
a
ser datada desde a entrada dos visigodos no Império Ro mano, em 376, até a irrupção dos lombardos na Itália, em 568. Mas essas data s, em bo ra reflitam a eficácia do m ito de Roma na construção da história, têm pouca relação com o rea l al cance dos m ovimentos, pois apenas indicam
as pri
meiras e as últimas grandes fixações de tribos germânicas dentro das fronteiras do Império Romano. Para uma com pree nsã o mais adequada do pro ce sso, te m os qu e ex am i nar os m ovimentos na sua totalidade e disti movim entos tribais germânicos devi
dos a causas internas
- tai s como o aum ento da população e os cos dom ésticos que obrigam
ngui-los entre eventos polít i
à emigração de fr ações de um
po vo - e os m ovim ento s c au sa dos exte rnam ente pe la pres são das migrações asiáticas.
a. Oprocesso da migração germânica
Por razõe s intern as, a expansão germânica começou em torn o de 700 d.C. Da Escandinávia e da Alemanha d o norte,
entre o Elba e o Oder, as tribos germ ânicas mov eram -se para oeste, para sul e sudeste. Um primeiro choque com os ro manos ocorreu nas guerras entre Roma e os cimbros e os teutões no fim do século II a.C.; outros seguiram no meio do primeiro século a.C. nas guerras de César com as tribos germân icas que ten taram invad ir a Gália. Uma série de cam panhas menores contra os germânicos começa no reino de Augusto e culmina com Marco Auréli o nas guerra s dos m arcoma nos em 166-175 d.C., criand o o preced ente de estabele cer grupos germânicos dentro do Império. A onda seguint e foi a Grande Migração de 376 a 56 8; não ser á a últim a, sen do seguida nos séculos IX e X pelas ondas de nórdicos, termi nand o n a conq uista da I ngla terra no século XI. Os períodos entre as grandes ondas não deixaram de ser marcados por migrações, mas os deslocamentos ocorreram em regiões mais distantes ao norte e foram, portanto, menos registra das pelos historiadores romanos do que os contatos com a civilização mediterrânica.
b. Oprocesso da migração asiática As migraçõe s germânica s e os contato s com o Imp ério Ro mano têm um paralelo no Oriente com os movimentos das tribos d a Ásia central e seus co ntato s com a China. Os movi mentos ocorridos no O rient e distante não são rel evant es para o nosso prob lem a.1No sécülo IV, entretanto , a prim eira ond a asiática dos hunos alcançou a região do Mar Negro, onde cem anos antes as tribos germânicas orientais tinham che gado no de correr de sua expansão. A destr uição do império ostrogodo e a derrota dos visigodos, após o choque em 372, desencadeou um m ovimento das tribos germânicas orientais 1 1 Para uma excele nte pesquisa dos m ovim ento s asiáticos, ver Louis Halphen, "The Barbarian Background”. In:
The am Cbri dge Anci ent HistoEd. ry.John B.
Bury, Stanley A. Cook e Frank E. Adcock. Cambridge, Cambridge University Press, 1939, vol. 12, cap. 3. Sobre as relações dos movimentos asiáticos com os
TheEarl y Empir es fo Centr al Asia: AStudy oftheScythi ans andhet H umandhe t P artThey Playedin
europe us, ver a ótima pesq uisa de William M . M cGo vem ,
Chapei Hill, UniverW orl d H ist o ry, w ith Spec ific R ej t rences o C hi t n ese So u rc es. sity o f North Carolina Preii, 1939, p. 11-17.
em direção ao Ocidente e iniciou a Grande Migração. No século V, os hunos avançaram até à Europa ocidental, mas foram derrotados na batalha de Châlons (451). À derrota seguiu-se uma revolta das tribos germânicas conquistadas e incorporadas no Império Huno. No século VI, começou o avanç o d a tribo asiáti ca seguinte, os avaros, e os lombardos, após breve al iança, partiram par a a Itáli a. Os avaros ainda a s sediavam Carlos Magno no fim do século VIII. Os séculos IX e X trouxeram a onda dos m agiar es para a Europ a central , de tida de finitivamen te em 955 na bata lha de Lechfe ld. As ondas asiáticas poster iores d e seljúcidas, mongó is de Geng is Khan, turcos otomanos, e mongóis e turcos de Tamerlão, alcança ram as fronteiras do Império Romano ocidental e constituí ram temporariamente uma ameaça, mas não romperam a estrutura do m undo ocidental. Os dois processo s de migração, o germ ânico e o asiático, e a sua interação após o século IV d.C., determinaram a estru tur a geral da história das instituições e das idéias medievais . O estabelecimento germânico na Europa não foi um evento ocorrido num dado momento. Não foi uma conquista con cluída num período curto, seguida pelo crescimento sereno de instituições políticas. A migração foi um processo que se estendeu durante séculos, conduzindo à fundação e à des truição de impérios por grupos tribais comparativamente pequenos e em condições terríveis. Temos de imaginar que os visigodos, ostr ogodos, vândalos, hérulos e lombardo s não são grandes poderes guerreiros, lançados à conquista vito riosa do m und o como Alexa ndre e os seus macedônios; sã o tribos derrotadas, dizimadas, assustadas, “espremidas” en tre os hunos e os romanos, na busca desesperada de um lugar onde encontrassem descanso, e segurança. A desintegração psicológica e espiritual que acom panhou esta expansão re sultante de razões internas agravou-se ainda mais após as derrotas perante as tribos asiáticas. A prontidão surpreen dente das tribos germânicas para adotar a cristandade, e o seu respeito pela tradição romana, devem ser atribuídos a
esse estado d e desintegração.
3 8 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
c, Os rei nos germ ânico s da m igração A maior parte das conquistas imperiais das tribos germâ nicas revelou-se precária por várias razões. O reino vândalo na África (429-534) teve que enfrentar não só a resistência da população e do clero católicos aos conquistadores arianos heréticos, mas também as revoltas berberes; foi esmagado finalm ente pelo pod er bizantino. O reino visigót ico de Toulouse (419-507) foi destru ído pelos francos. Os reinos ibéricos rem a nescentes con tinuaram um a existê ncia insignificante dura nte dois séculos até sucumbirem pe rante a conqu ista muçulm ana. O reino dos hérulos de Odoacro durou menos de duas déca das (476-493) antes de se desmoronar perante o assalto dos ostrogodos. O império dos ostrogodos na Itália foi liquidado e a população praticamente aniquilada por Belisário e Narses na reconquista bizantina de 552. O reino lombardo na Itália durou dois séculos (568-774), até ser incorporado no reino franco por Carlos Magno. Mas, neste caso, o povo lombardo con tinuo u a existir na Itália e, se não fossem demasia do fracos numericamen te, poderíam ter sido o núcleo de um reino ítalo-germânico do mesmo tipo da França, Alemanha e Inglater ra. Mesmo assim, os séculos IX e X foram a idade heróica da nobreza lombard a, em bora os imperad ores e os rei s da Lombardia não fossem capazes de manter a própria Itália e não fossem reconhecidos fora dela. O reino lombardo acabou por ser des truíd o pelas expedições italianas de Otã o, o Grande, que tiveram início em 951.
d, Peculiaridades da fun dação dos francos O reino mais duradouro foi o dos francos. Pormenores à parte, podemos indicar os três fatores que contribuíram para o suces so dos francos . Eles foram a única tribo germ ânica do período da migração que não migrou sob pressão asiática. Moveram-se primeiramente da Europa central para o Reno e, encontrando a fronteira indefesa, expandiram-se para a Gália romana. A situação interna dos francos no século IV
pode comparar-se à do império ostrogodo do Mar Negro de
Ermanarico antes da chegada dos hunos. A causa principal da eficácia política superio r dos francos resulta de te rem sido poupados às influências desestabilizadoras da Grande Migra ção. O segundo f ator imp orta nte é o fat o de estarem a grande distância do pod er bizantino. O Império Romano o riental não tinh a po der par a lançar expediç ões contra os francos, como as que aniquilaram os vândalos e os ostrogodos. E, finalmente, a conversão d e Clóvis ao catolicismo, em 496, criou u m apoio papal e episcopal à Gália que permitiu aos francos enfrentar o poder rival dos visigodos heréticos em 507. Mesmo a fun dação franca, entr etanto , não sobreviveu a C arlos Magno por mais de três anos. Em 817 começaram as divisões do im pério e, por mea dos do século IX , as migrações alcanç aram um novo clímax de expansão com os nórdico s na Rússia, Constantinopla, ilhas britânicas, na Europa ocidental e do norte através dos rios e, fi nalmente, até o Mediterrâneo. Ao mesm o tempo , as ondas asiáticas trouxeram a invasão magiar do Ocidente, sendo atingida a Borgonha na primeira metade do século X. Um novo pod er cristaliza dor, os duque s da Saxônia, emergiu da anarquia do século X, conduzindo à fundação imperial da Alta Idade Média po r Otão, o Grande, cuja coroação como im perador ocorreu em 962.
$10
isol am ento do O ci dent e
Essas migrações estabelecer am a base étnica das instituiçõ es ocidentais, mas quebraram a unidade civilizàcional do mun do antigo. Na altura da expansão imperial da Macedônia e de Roma, e apesar da diferenciação interna, o mundo antigo era uma vasta unid ade civilizacional que se esten dia d a Mesopotâmia ao Atlântico e qu e irradiav a pa ra a Ásia central. No sécu lo VII, foram quase simultaneamente criadas duas ba rreiras nesta área, dividindo-a em três seções. Em meados do século VII, a
expansão árabe alcançou a Pé rsia e inter rom peu os contatos d i retos entre a área mediterrâniça-asiática e o Oriente distante.
4 0 1 H ist óri adasIdéi asPol íticos- IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
Pérsia, Síria, Palestina
e Mesopotâmia afastaram-se desde en tão do mundo mediterrânico e tornaram-se “asiáticas”. Na se gunda metade do século VII, a invasão dos búlgaros asiáticos, acarreta ndo a grande expansão dos esla vos do sul, penetro u as províncias do nordeste do Império Bizantino entre o Danúbio e os Bálcãs, interrompendo a ligação terrestre entre o império oriental e o Ocidente. As relações cultura is direta s entre o Orien te grego e o Ocidente latino diluíram-se; as influências rema nescentes passavam pela Sicüia, ou através da África do Norte e da Hispânia islâmica. Desde o século VII, podemos falar do “Ocidente” como um a região civilizacional com base étnica ger mânica, situada na periferia das grandes civilizações antigas, e delas separada pelas barreiras turco-eslava e islâmica. Este quadro de isolamento fic a mais completo s e reco rda r mos os principais eventos que circunscreveram ainda mais a área ocidental. A conquista árabe não só introduziu uma barreira na Ásia, isolando o Antigo Oriente, mas, através da expans ão na Áfri ca e na Espanha, criou também uma b arreira a sul que confinou o Ocidente àcostanortejdoMediterrâneo. A expansão eslava preencheu os espaços europeus esvaziados pelo movimento das tribos germânicas em direção ao Ociden te, fechand o o cerco a orie nte do Elba. A invasão seljúcida no século XI separou a Ásia Menor da velha área civilizacional doravante limitada à geografia da Europa. A invasão otomana, finalmente, terminou a civilização bizantina independen te e restringiu a área da velha civilização à Europa ocidental e central, e às penínsulas ibérica e itálica. Em consequência deste isolamento e circunscrição, os períodos da Alta Idade Média e do início do Renascimento revelam uma estrutura de idéias mu ito complexa. Do século XI em diante, tem os que disting uir entre os seguint es fator es: o crescimento inter no da men te ocidental até a culminação espirit ual, particularmente nas cidades ocidentais; a tradição greco-romana preservada sobretudo pela ordem de São Bento, juntamente com os ele mentos da literatura clássica preservados por Cassiodoro, e
Boécio e Símaco durante grego o reinoatravés de Teodorico (493-526); apor assimilação do pensamento da transmissão
1- I ntr odução 1 41
islâmica; o “verdadeiro” Renascimento italiano, como um despertar do italianis mo autóctone na Itália cent ral; a im portação da tradição clássica, preservada no Império Bizantino por acadêmicos refugiados de Constantinopla; as influências das civilizdentro ações islâmicas, gol eestudos turc a. Étratar tecni cam im possível do âmbitomon destes essesente fatorçs em detalhe; mas devemos ter presente esta rede complicada como o pano de fundo de um a seleção que p ermite que os pro blemas pareçam mais simples do que são.2
2 [Estes parágrafos não são fáceis de seguir. A migração dos povos asiáticos à destruição do Império Romano ocidental do Ocidente e do Império Persa econduziu contribuiu para a criação da cristandade e oriental; o mesmo se verificou em relação ao Império islâmico-árabe e suas transformações ulteriores. Mas é pouco claro o que significa para Voegelin uma prévia indivisão “de uma unidade civilizacional que se estendia da Mesopotâmia até o Atlântico e que irradiava para a Ásia central”, desintegrada pelas tribos asiáticas. Em termos de instituições políticas e religiosas, o mundo eurasiático nunca foi unificado: os Impérios R oman o c Persa estavam tão se parados - institucional e religiosa ment e - quanto o s seus suces sores carolfngios e ab ássidas. A intervenção da s migrações tribais não alterou nada. Em termos tecnológicos e comerciais, a Eurásia (incluindo a índia e a China) permaneceu una: a migração asiática, longe deintensificação revelar um efeito de cisão,Oriente-Ocidente, representa hodiernamente umd.C. testemunho vivo da das relações no período Nessa perspectiva da unidade eurasiana, foi o relativo atraso civilizacional, mais do que as cisões tribais externas, que por um longo período contribuiu pára o “isolamento” da Europa ocidental. Antes de ca. 1050, havia pouca procura de especiarias e produtos de luxo oferecidos pelos mercadores árabes e judeus (que nunca tinham feito qualquer tipo de transação pelo Volga e Báltico ou Marselha com os carolíng ios, co mo demonstrado por Ric hard H odges e David Whitehouse, Mohammed, Charlemagne and the Origins of Europe: Archeology and the PirenneThesis.Londres, Duckworth, 1993; e também Moshe Gil, “The Rhadanite Merchants and the Land of Rhadan”. Journal o f the Econo-
mic and Social ory ofthe Orient,n. 17, Henri 1974, p. 299-328). Osconcluído; árabes não romperam com Hist a Europa ocidental, como Pirenne tinha eles simplesmente a deixaram por si mesma. Ver Charlemagne et Mahomet. 2. ed. Presses Universitaires de France, 1992; Edição em inglês: Mohammed and Charlemagne. Trad. BernardMiall. Nova York, Barnes and Noble, 1992. Curiosamente, uma vez que a Eu ropa ocidental adquiriu um semblante de for ça política, o seu isolacionismo contribuiu para evitar mais imigrantes. Leften S. Stavrianos (em A Global History: From Prehistory t o the Present. 6. ed. Englewood Clifls, N.J., Prentice Hall, 1995, p. 147-55) salientou que depois dos magiares (955) nenhum asiático permaneceu; ao contrário, no Oriente Médio e na índia, os mongóis e os turcos ficaram até 1258 e 1516. Os governantes
europeus tiveramnacional uma vantagem de aproximadamente séculos paraapesar criar uma monarquia (etnicamente unificada, comotrês se diria hoje), de seu atraso civilizacional inicial.]
4 2 1 H ist óri adasIdeiai
Polí ticas-IdadeM
édi aat éTum ás dcA qui no
$ 4 .P olí tica e spiri tua l A tal ponto as idéias políticas medievais diferem das do período moderno do estado-nação que, segundo alguns estudiosos do século XIX, as idéias medievais nem sequer se deverí am chamar políticas. Embora esta op inião ten ha desa parecido da bibliografia acadêmica, ainda tem eco, nã o sendo supérfluas algumas observações sobre o problema. Em seu tratado
The Holy Ro m an E m pi re [ 0 Santo Império Romano],
Sir James Bryce escre veu em 1873: A Idade Média é essencialmente apolítica. As idéias cor rentes nas cidades da Antiguidade e hoje em ida, como o bem comum enquanto objetivo do Estado, os direitos do povo, os méritos comparativos das diferentes formas de governo, eram desconhecidas e talvez incompreensíveis na sua formu lação especulativa - embora por vezes realizadas de fato.3 Podemos deixar a parte descritiva da afirmação ir, em bora convide a qualificação. A conclusão He qu e a Idade Média foi apolítica só é possível com base n a sup osição g ra tuita de que as idéias do estado nacional moderno detêm o monopólio do termo
p o lític a . T ambém po demos voltar o
feitiço con tra o fei ticei ro: pod em os co nsid erar a política da Idade Média como o padrão e chegar à conclusão de que os nossos problem as polít icos não são t alve z tão im po rtan tes como nos parecem, considerando que a humanidade os conseguiu evi tar duran te quase m il anos. Truques terminológicos desse tipo não fazem progredir a compreensão do assunto. 0
que desconcerta o estudioso do
século XIX é o fato de que as evocações políticas medievais tratam da personalidade espiritual do homem, en quan to o sis tema constitucional mo derno ocidenta l deixa a personalidade espiritual livre para se institucionalizar, ou não, nas igrejas.
1
1James Bryce,
4. ed. Nova York, Macmillan, 1904; The Holy Roman Empire.
Kcediçllo: No va York, Scho eke n, 196 1, cap. 7.
1 - Int rodu ção 1 43
0 sistem a político de Platão é semelhan te à evocação medieva l. Por isso, é preciso corrigir a indicação de Bryce segundo a qual as teorias helênica e mod erna se op õem à medieva l. Obser va mos o deslocamento da reflexão política dos níveis do faraó pa ra o papa, e chamam os a atenção pa ra a dinâmica tem poral do trabalho platônic o, indicand o que a evolução da alma platô nica é equival ente às evol uções no perío do cristão que d uram séculos. Consequentemente, a teoria política espiritual medie val não é um fenôm eno isolado. S ó parece únic a se igno rarm os a fundação espiritual de Platã o e nos conce ntrarm os em frag mentos da sua teo ria após a transformação aristotélica. Se desejamos uma compreensão preliminar da teoria po lítica medieval, temos que imaginar o que aconteceria se o modelo da pólis de Platão tivesse sucesso, se ele se transfor masse no filósofo -rei, ou se tivesse enc on trad o um , e se tives se surgido um corpo d a teoria políti ca du ran te sécul os foca do no seu modelo espiritual. A cristandade não produziu uma teori a deste ti po du rante o Império Romano porque
muitos
fatores impediram que a nova evocação penetrasse a comu nidade política. Primeiramente, a concepção apocalíptica do reino do céu superou muito lentamente a tensão escatológica; em segundo lugar, o reino do céu não destruiu comple tamente o paganismo, e a sociedade cristã permaneceu um fragmento den tro do Im pério Romano; em terceiro lugar
, as
g e n te s foram um fator perturbador. A teoria de Santo Agos tinho no século V reflete o caráter incompleto da evocação. Além disso, o pensamento cristão não podería facilmente evoluir para um sistema completo de política espiritual nos primeiro s séculos após as migrações porq ue a diva ge m pagã-cristã da sociedade est ava agravada com o arianism o dos conquistadores germânicos: Somente o império franco teve condições para uma evocação cristã. A teocracia de Carlos Magno é o prim eiro exempl o de um im pério com um a pop u lação cristianizada e um núcle o étnico un iforme. Durante o período da culminação do império em cerca de
1100, a história das idéias políticas começou a mostrar as ca racteríst icas de u m sistém ãde po lítica espiri tual. Os probl emas
4 4 1 H ist óri adiaId elu P olf ticu- Idade M édi aat é Ibm ás
d e Aquino
do espírito são complexos, e consequentemente encontramos uma massa enorme de literatura política, que ultrapassa em quantidade qualquer outro período da história antes da invenção da imprensa. A quantidade, além disso, é aumentada pelo caráter controverso dos problemas medievais. As relações entre os dirigentes espiritual e temporal do sa crum im perium deram srcem a inúm eras obras literárias sobre a Cont rovérsia das Investiduras. E às vezes é difícil distinguir nesta literatura entre as idéias polít icas propriam ente ditas e as idéias metafísicas e te ológicas. Como a evocação política do Im pério se baseia na evocação da comunidade cristã espiritual, são poucas as questões sobre a personalidade espiritual do homem e das relações com os seus conter râneo s e com Deus que não ten ham um impacto direto ou indireto na evocação política.
$ 5.
C onse quênci as p a ra a apres ent ação da s idéi as
A organização da história medieval em divisões cronológicas claras nunca será satisfatória por causa da sobreposição das várias fases. A forma de apresentação do material a seguir está, inevitavelmente, sujeita a críticas; pode encontrar a sua justificação somente como a melhor entre outras formas possíveis. A divisão em quatro seções principais não resulta da cronologia estrita, mas, antes, da estrutura interna da evolução espiritual e intelectual medieval. A primeira seção, intitulada “A ascensão do império”, trata das srcens dos reinos de migração, da dinastia carolíngia e da m aturação espiri tual do imp ério até o século XI II. A seção “A es tru tur a do
Saeculum ” analisa a transformação da espiritualidade m e-
dieval sob o impacto de novas forças intramundanas. A terceira seção, “O Clímax”, apresenta o esforço de Santo Tomás para h armonizar a cristandade im perial com as novas forças. A quarta seção, “A Igreja e as Nações” [no volume III], trata
da crise do império causada pela ascensão das monarquias nacionais. Cronologicamente, existe sobreposição das seções.
I ° Introdução [ 45
A estru tura ção do sen timen to m edieval nos séculos XII e XIII, o tópico da segunda seção, corre em paralelo com as últimas fases d a m aturação. A qu art a seção , sobre a ascensão de m o nar qui as nacion ais, cobre princ ipa lm ent e os séculos XIV e XV, ma s local iza a gênes e das novas entid ades políticas nos sécu los XII e XIII. Finalmente, nesta p arte não se trato u do papel importante dos movimentos heréticos; por razões técnicas, pareceu aconselhável tra tá-las no contexto dos problemas da Reforma num a par te s ubseque nte sob o título “Tr ansição”.4
4 Ver “Th e People o f Go d”. In :
History ofPolitiad Ideas, vol.
IV,
Renaissance
cap. and Reformation,
3. Ed. David L. Morse e William M. Thompson. Columbia, University o f Missouri Press , 1998 , p. 4 (CW, vol. 22). [Edição brasi leira: “O Pov o de D eu s”. In:
HIP, vol. 4, Renascença e Reforma]
2. AsTRI
BOSGERM
ÂNI CASD AM I GRAÇ ÃO
§ l.A es trut ura geral do m itoge rm âni co Os princípios de seleção que adotamos neste capítulo não permitem tratar as idéias políticas germânicas como um todo, mas somente as i déia s das tribos que entraram órbita mediterrânica e serviram como instrumentos para a
na
formação dos impérios da migração. Isso exclui de nosso olhar muitos materiais sobre as tribos germânicas do norte e nos limita ao cinturão de estados tribais do Reno ao Mar Negro, do s francos aos go dos.1 Nos séculos em que essas tribos se tran sform aram em forças ativas na história do mundo, suas idéias políticas as sumiram um padrão muito complexo devido aos efeitos desintegrado res dos eventos da migração a que já nos referimos. As migrações e as guerras com os hunos e romanos pertur ba ram o equilíbrio in terno em vários graus, alguns a po nto de falarmos de uma perda de identidade étnica e de tenta tivas de desenvolver uma identidade nova com o apoio dos
1
1Para uma apresentação das idéias germânicas, co m base sobretudo n os materiais «obre o norte, ver Vilhelm P. Gronbech, The Cultureofée Teutons.Trad. Willinm J. A. Worstcr, Londre*, Oxford University Press, 1931. Reeditado em 1971.
simbolismos greco-romano e cristão. As tribos germânicas vivem um a situação muito diferente da helêni ca e da romana. 0 mito homérico foi o grande fundo mítico da política helê nica porque era a história de um esforço coletivo vitorioso que forjou e manteve a identidade helênica durante séculos. 0 mito de Virgílio foi baseado no fato do
im peri um sineji ne de
Roma; na ho ra da vitória rea l, o poder as cendente ass um iu as vestes do m ito homérico que os greg os tinha m deixado cair e proclamou a vitória mítica de Troia. No caso das tribos ge rm ânicas, a m igração não constituiu uma vitória, mas sim um desastre de que só os francos es caparam, ao menos fisicamente. Em nenhum caso, o mito das srcens étnicas germânicas é preservado em sua forma srcinal no período da Grande Migração ou depois. Encon tramos várias estruturas evocativas que indicam a maior ou menor transformação dos sentimentos e idéias srci nais sob o impacto da derrota ou da submissão necessária a uma civilização supe rior. No caso dos franc os, favorecidos po r circun stâncias históricas, en co ntram os as sucessivas camadas de idéias em que o mito greco-romano foi incor porado em mitos germ ânicos an teriores, tran sform an do-o , mas sem o destr uir com pletamen te. A transição dos francos para os franceses é um processo co ntínuo . A leste, na área que se trans form ou n a Alemanha, as experiênci as da migra ção produziram um mito grandioso da derrota, refletindo a ansiedade causada pela perda da identidade nacional e pela ameaça da aniquilação, fato que perdura na estrutura de sentim entos políti cos alemães até hoje.
§2 . O m itofr anco Mencionamos o mito franco no volume precedente, no capítulo sobre a Idade de Ouro, a
pro pó sito da recepção d o
mito helênico, através de Virgílio, no reino das idéias ro manas. Apontamos brevemente que o mito da ascendência
troiana se difundiu entre gauleses e francos. O mito da as cendência troiana, agora, era para os francos o último es tágio do desenvolvimento precedido por outros que refle tiam situações políticas anteriores. No período de contato com os gaules es, os francos desenvolveram um
contram ito
à já existente reivindicação gaulesa da ascendência troia na. Esse estrato do mito é preservado no relato de Tácito
(Germania
3) sobre Asciburgium, lugar do culto fundado
por Ulisses, filho de Laerte. Os fran co s assu m em o pap el dos gregos, rivais dos gauleses troianos. Sob este estrato, pode-se identifica r um culto de Odin, o deu s vag abund o, com detalhes que têm de ser adivinhados pela reconstru ção das fontes normandas. 0 culto de um herói tribal de ascendência divina, compelido a deixar Asgard, o lar dos deuses, e a vaguear sobre a terra,
era o núcl eo de um mito
que podia integrar os eventos da migração e, simultanea mente, utilizar os simbolismos grego e troiano em sua ex pressão. Após a conquista da Gália pelos fran co s, o mito da ascendência grega mesclou-se com o da descendêndia de Troia e foi de fmi tiva men te s upe ra do. 2
<*•
Nesta sequência franca observamos a evolução contínua do mito etnogônico da experiência de independê
ncia germânica,
através de u ma rivalidade com a avançad a civilização vizinha, até um a identificação com a nação imp erial da alta civil ização. 0 mito permaneceu vi vo na França por u ns mil anos . Encon tramo-lo na obra de Gaguin,
Ori gi ns o fth e Franks
[A Origem
dos Francos], no final do século XV, e o mito da ascendência troiana é usado como argumento para fundamentar a inde pendência do rei franco do imperador em 1545.3
i Para uma bibliografia, verHistória das Idéias Políticas, vol. I, Helenismo, Roma Trad. Mendo Castro Henriques. São Paulo, Editora e Cristianismo Primitivo. É, 2012, p. 195, n. 8. ■ ' Cf . R ob er t Gag ui n, Compendium de Origine et Gestis Francorum. Paris, Andreas Bocard, 1947, livro I, cap. 3. Edição francesa: Les Croniques de France... Paris, Michele Le Noir, 1516. A passagem sobre a independência francesa está em Charles dc Grassaile, Regftlium Franciae Libri Duo, Iura
Omnia et DignitatesChristíaníy, Gallie Re gum Continentes. Lyons, Heredes Simonis Vincentii, 1538, II.
§ 3 .0 m itoos trog od o Um padrão diferente de evolução mítica é perceptível no caso dos ostrogodos. Eles preservaram a sua identidade na cional intacta durante o período do Império do Mar Negro e não desli zaram gradualmente para o mito romano , mas foram aparen temente forçados a aceitá -lo devido a u ma convulsã o de sentimentos provocada pelo choque com os hunos. A History ofG oth s [História dos Godos] de Jordanes (que é uma simpli ficação da H istory ofG o th s [História dos Godos] de Cassiodoro, que se perdeu) perm ite certas conclusões judiciosas relativa s ao processo dos sentimentos.4 A H istory de Jordanes relata o pri meiro êxodo do s godos d e Scandza, “a Mãe das Nações”, e a sua expansão pa ra o Mar Negro. Nessa prim eira parte, as evocações srcinais ainda podem ser sentidas, de modo notório, no papel atribuído aos reis heroicos e o relato de um culto a “Marte”, que recebeu honras divinas “co mo se fosse o antepassado da tribo ”. Surge então uma ruptura repentina e somos confrontados por uma história artificial dos godos a relatar uma série de en contros gloriosos com as nações de civilização superior que é atraiçoada pela preocupação de equiparar os godos às demais nações mediterrânicas.5 Os godos, de acordo com essa história fictícia, envolveram -se nu ma guerra com os egípcios (VI). Uma parte separou-se e formou o povo mais militar da Ásia, os partos (VI). Durante as campanhas militares, as mulheres foram dei xadas sozinhas; defenderam-se com sucesso quando atacadas e, como as amazonas, detiveram por um século o domínio da Ásia (VII). A rainh a amazônica Pentesileia par ticipou n a guerr a de Troia (VIII). Um rei dos godos, Télefo, o filho de Hércules 4 Jord anes,
De Origine Actibusque Getarum. Ed. Alfred Holder, Germanischer
Bücherschatz. Friburgo e Leipzig, J. C. B. Mohr, 1882 (Vol. 5). Nova edição:
In Fonti per la Storia cTItalia pubblicate dalTIstituto, 1991. Edição em inglês: The Gothic Historyo fJordanes. Abreviado e traduzido por Charles C. Mierow. 2. ed. Princeton, Princeton University Press, 1915. Reedição: Cambridge, Speculum Historiale; N ov a York, Barnes and No ble , 1985.
5 Cf. a frase patética: “Portanto o^g odo s eram sempre mais civilizados do que os outros bárbaros e eram muito semelhantes aos gregos”, v. 40.
52
e de Auge, foi casado com uma irmã de Príamo de Troia (IX). Télefo e seu filho Eurípilo, amantes de Cassandra, participaram na guerra de Troia (IX). O xá persa Ciro teve que lutar contra Tamires, rainha dos godos (X). Os sucessores, Dário e Xerxes, conduziram campanhas contra os godos (citas) (X). Por fim, Filipe de M acedônia casou-se com u ma princesa visigót ica para fortalecer o domínio em casa (X). 0 novo mito coexistiu com o velho; não era um a reinterpre tação do mito tribal srcinal nu m novo conjunto de símbolos, mas uma criação independente. Podemos dizer que se tra ta de um caso de personalidade dividi da. A velha identidad e dos godos nã o se perdeu, m as foi criada uma nova, num a tentativa de autoafirmação após o choque com os hun os e no período de incorporação no seu império.6
§4 .0 m itode Borgo nha- 0 m itodader rot a As tribos germânicas acabaram
por ser fundado ras do im
pério ocidental, m as com um custo terríveL Todo o horror da migração é descrito nas evocações míticas sobre a ansiedad e' da imin ente extinção ét nica. O destino dos borgon heses, qu a se aniq uilado s pelos huno s em 437, produ ziu o ci clo de sagas que, no começo do século X III na A lemanha do sul, se crista
N ibelu ngenlied . A saga de Borgonha forneceu o “enredo” dos N ibelung enlied, mas a lizar am n a grande épica g ermânica, o
épica represento u mais que o destino de um a tribo particular. 1
11Os visigodos foram derrotados pelos h unos, mas não absorvidos por seu impé rio. As vitórias dos visigpdos sobre os romanos, seus avanços pela Itália, a con quista de Roma, e o avanço adicional bem-sucedido ao sul da França e da Espa nha refletiram-se num sentimento diferente da construção mítica. No parágrafo dc abertura da History
of Visigoths
[História dos Visigodos] de Santo Isidoro,
a srcem escandinava é encoberta apenas por uma fina camada de simbolismo bíblico, que fàz remontar a srcem dos godos até Magogue, filho de Jafé. O livro contém o famoso “Elogio dos Godos”, que se gloriam nas vitórias sobre Roma, a
Historia de Regibus Gothorum, In: Migne, PL, vol. 83, coluna 1057-82. T ambém edi Wandalorum etSuevomm.
“vencedora das nações”. Ver S. Isidore o f Seville,
tado por Theodor Mom msen cm MGH, AKs, vol. II, pt. 2. Berlim, Weidmann, 1894, p. 241-303. EdiçBo em inglês: History ofthe Kings ofthe Goths, Vandals,
andSum,
2. cd. Trad, Ciiildn Donini c Gordon B. Ford Jr. Leiden, Brill, 1970.
Absorve u o sentim ento trági co de seis sécu los de luta germ â nica desde a invasão dos hunos até a dos magiares, em que foram dizimados os vândalos, os suevos, os visigodos e os ostrogod os, os hérulos e os borgonheses , e em q ue os fra ncos se mistura ram à civilização galo-romana, e só as tribos rem a nescentes do leste dos francos pres erva ram s uficientemente a identida de para fundar o impéri o germânico-romano. O N ibelu ngenlied é um caso único de mito nacional em que um povo experimenta não o tr iunfo, mas a angústia de sua mo r te. 0 único fenômeno comparável surge na experiência israelita da d errota que conduziu à espiritualização do sentimento escatológico figura doisraelita, Servo Sofredor. o paraleloàs nã garras o é com pleto. Nonaexemplo a vitória Mas foi arrancada da derro ta m ediante a sobrevivência espiritual d a identidade tribal depois de a existência políti ca ter sido des truída. No caso dos ale mães, o m ito da der rota não foi espiritualizado, mas pe rmanec eu em sua realidade dur a como um a cicatriz que podería reabrir-se na história alemã pós-migração.7 É significativo que, precisa mente no ponto d e culminação da ideia espiritual imperial crist ã romana, a saga da derr ota se tenh a cristalizado na grande épica.
§5 .0 m ito da der rot ana hi st óri a tardiad asidéi as germ ân icas No sentimento político alemão permaneceu viva a consciên cia de um passado perdido, a mem ória de um a identidade tri bal
7 A afinidade entre alemães e judeus n ão passo u despercebida. Ver, por e xemp lo, os versos de Stefan George: Blon d oder schwarz demselben sc hoo s entsprungne / Verkannte brüder suchend euch und hassend / Ihr immer schweifend und drum nie erfiillt! Ver “Der Stern des Bundes”. In: Gesam t-Ausgabe der Berlim, Georg Bondi, 1927, vol. 8, p. 41. Também em
Werke. En dgiiltige Fa ssung. Werke,Ausgabe in zwei
Bãnden. Düss eldo rfe Munique, H elm ut Kupper, vormals Georg Bondi,
1968, vol.
I, p. 345-94. Nova edição: SãmtlicheWerkein 18 Bãn den.Stuttgart: Klett-Cotta, 1982. Edição em inglês: Star ofthe-Gonvemnt, In: The Works.Trnd. Olgu Mnrx c Ernst Manvirz. Chapei Hill, University of N o rt h Ciorolimi Preiw, 197'!, p. 244 -78 .
5 4 1 H inóríâ d u Ide lu Pol íticas * I dade M édi a
áH in é ilcAqu ino
pré-imperial, pré-cristã, que sofreu um a derrota e que um dia podería regressar vitoriosa, de uma personalidade nacional que poderia ressurgir depois de a embalagem civilizacional mediterrânica ser quebrada. Na França, as tentativas de integrar o passado germânico na consciência nacional, como por exemplo em Montesquieu e Gob ineau, tiveram pouco suc esso; a mist u ra com a civilização mediterrânica foi perfeita. No sentimento político alemão, a tensão germânico-mediterrânica é um a força viva, determ inan do a ten dência das idéias e o curso da hist ória. Seria simplista explicar o ro ma ntism o alemão do século XIX c suas ramificações para o nacional-socialismo apenas como um p rodut o desta font e. Entretanto, os sentimentos fixa dos na migração permanecem ativos na agitação de fundo que pro duz ondas na superfície, como o sucess o do d ram a germânico wagneriano; a reinterpretação da guerra da Saxônia de Carlos Magno como o grande crime contra a raça germânica; o retor no aos cultos germânicos, como a Mathilde de Ludendorff; o rom antism o c amp onês germ ânico de Ricardo Waltei* Darré; o mito da srcem nórd ica da civi lização; a mov imentação c on tra a cristandade em geral, e o catolicismo em particular; o mo vimento contra o direito romano “estrangeiro”; a crença de Fichte no
Urvolk
alemão; a crença na “srcinalidade” da lín
gua alemã em contraste com o caráter derivado do francês e do inglês; a crença de que a nação alemã foi sacrificada pela ideia imperial e, assim, traiu o seu próprio destino; o medo de uma repetição da derrota da migração, expressando-se no mito recorrente do “cerco”; e, finalmente, “a revolta contra o Ocidente” em geral.
Utilizamos com frequência os termos
identidade nacional
e
perda da identidade nacio nal nas páginas precedentes. A descri ção dos eventos da migra ção nestes termos não é um adend o mo
derno, mas transmite corretamente a interpretação dos eventos
pelos historiadores do período. A identidade de um a nação (gens ) está inexoravelmente relacionada com a submissão a um “rei”. As fases críticas da aquisição ou perda da identidade eram a eleição ou a morte de um rei. Das várias fontes, selecionei para comentar a History o fL o m ba rd s [História dos Lombardos] de Paulo, o diácono (ca. 720 - ca. 800), porque contém referências numerosas aos vários aspectos do problema.8 A história ativa dos lombardos começa quando, após a morte de dois duques, os povos decidiram que não queriam mais viv er em peq ueno s grupo s federados sob duqu es e “ins tituíram um rei, como as outras nações” (1.14). A fraseologia é influen ciada pela pa ssagem de 1 Samuel 8,5, que expre s sa o desejo israelita de ter um rei “como as outras nações”. Quando no curso da migração a federação tribal se revelou dem asiad o fragilizada, um rei foi eleito pa ra a cond ução efica z dos assu ntos militares e adm inistr ativo s. O rei foi selecionado de u ma família “considera da p artic ularm ente nobre”. Após a eleição do rei, começaram as guerras vitoriosas. Os hérulos foram derrotad os e seu pod er que brado até o ponto em qu e “já não tinh am um rei” (1.20). Seguiu -se a gu erra com os gépidos, cujo evento decisivo fo i a m orte d o filho do rei gépido “que de sen cad eara a guer ra” (1.23). Após a mor te do novo príncip e, os gépidos fugiram e “decaíram tanto que não mais tiveram um rei”. Após a m orte de Clef (575), o reino lomb ardo sofreu um a interrupção. Seguiram-se dez anos de independência ducal até que a situação política se tornou tão perigosa que, em 584 , mais um a vez um rei teve de ser el eito, a quem os duque s ce deram metade das suas propriedades para da casa e dos oficiai s do rei.
cobrir as d espes as
Outros historiadores dão interpretações semelhantes do reino. Isidoro relata como os alanos e os suevos perderam a independência dos seus reinos para os godos, sendo curioso que preservassem o reino na Espanha po r tanto tempo, “pois
Historia Langobardorum. In: MGH, Scriptores rerum Langobardicarum etltalicarum Saeculi VI-BGEd. Ludwig Bethmann c Georg Wait/,.
8 Paul the Deacon,
Hanover, Hahn, 1878, p. 12-187 (reimpressSo em 1988),
3 6 1 H M rò d aa Id c íi Pol itic âi - I da de M é di a téI bm ái dcAqui no
nâo tinham necessidade dele na sua impassibilidade”. A ide n tidade nacional, o reino e a ação militar surgem claramente associadas. Há mais passagens noutros historiadores sobre alanos, ost rogodos, suevo s e borgonheses. Jordanes , por outro lado, refere-se ao pro priu s regulus dos ostrogodos durante a sua incorporação no império dos hunos como a prova de sua existência nacional contínua. Alfred Dove resumiu o proble ma: “Em inúmeras passagens dos relatos latinos dos séculos V ao IX, encontramos os conceitos de
rex e gen s em inter-
- relações var iadas . A conexão é tã o forte qu e a ren ún cia ao reino por parte das tribos é considerada equivalente à perda da existência autôn om a e à degeneres cência da identidade n a cional ( W esen
)”.9
A relação estreita entre a existência nacional e o reino é um fenômeno germânico autóctone; não deriva das instituições romana ou cristã. Com os reis, as nações germânicas da mi gração alcançaram a consciência de sua personalidade política. A fundação deste reino é uma fusão peculiar do carisma pes soal, que tem de ser demonstrado mediante' o^sucesso militar e administrativo, com a ascendência de uma família nobre. 0 reino não passa simplesme nte de pai para fil ho, emb ora seja habitual que o filho legítimo mais velho suceda ao pai no trono se suas qualificações pessoais f orem evidentes. Se o reino se t or nará nessas circunstâncias uma série de querelas permanentes entre suces sores ri vais ou um a m onarquia hereditária depende do prestígio da famíli a real e do acaso de, dur ante um período de tem po considerável, um filho capacitado se guir o seu pai. A histó ria infeli z dos lom bard os é em p art e devida ao fato de a maio ria dos reis terem morr ido sem filh os. Já a evolução da m onarq uia frances a foi abençoada por um a suce ssão inin terr up ta d e doze reis capet íngios; o fi lho sucede ao pai desde Hugo Capeto, em 987, até Luís X , que morreu em 1316. A si tuação sob os reis merovíngios dos francos é parti cula rm ente
IJ( :r, Alfred Do vc, “Der Wicdereintritt des nacionalen Prinzips in die We ltgeh Ii íc Ih c ”. In: Ausgewàhlte Schriftchtn Vornebmlkh Historischen Inhalts. Leipzig, Dnnckrr and Humblot* 189H, p,
iA iU lboi ger m A akudt m ^i çf to 1 5 7
reveladora. A casa merovíngia apreciou o prestígio da linha sagrada, e a sucessão era inconte stada. O único rem édio con tra um rei indesejável era o assassinato, aliás amplamente praticado, ao p onto de, por vezes, serem mortos quase todos os me mbros da casa real. O rei Go ntram (567-593) teve de s e dirigir ao p ovo de Paris, reunido num a igreja para essa f ina lidade, com estas palavras tocantes: “Conjuro-vos, homens e mulheres a qui presentes, a que perman eçais fié is a mim; não me m atem, como m atastes os meus irmãos. Deixai -me viver três anos para que eu possa educar conv enientemente a meus sobrinhos. Se eu m orrer, vós também perecer eis porque não tereis um rei forte pa ra vos defe nde r”.10
§ 1. T eori a d o reino n a hist ória
O rei germânico é a figura central do s imp érios d a migração. A evocação do rei como símbolo da existência e da ação na cionais é o núcl eo ao qual se agrega ram diversos simbolismos mediterrânicos - do governante ungido de Isr ael ao impera dor romano. A unidade do rei, c omo senho r da guerra e pro tetor de seu povo, com o povo a ele unid o pela lealdade
(fides), é a pr e
missa para a evolu ção de formas constituci onais de govern o o que às vezes se esquece. A evolução de idéias con stituc ionai s é secundária relativamente à evocação da u nidade política his toricamente ativa, e a evocação de unidades políticas ociden tais é, sobretu do, o trabalho dos reis. No Ocident e, a função e o prestígio do reino permanece ininteligível se não recordarmos o seu papel decisi vo na f ormação das nações ocidentais. 10 Citado por Christian Pfister, “Gaul under the M erovingia n Franks”. In: vol. 2, 1913, p. 134 ss. Levemente abreviado de Cambridge Medieval History, Histoire des Francsr. Textes des Manuscrits de Corbie et de Bruxelles. Ed. Rene Poupardin. Paris , A. Picard, 1 913 . R eeditado em: Colectíon Gregory of Tours,
Paris, A. Picard, de Textespour Etude 1’ eem t a inglês: lEnsei gneme nt History de THistoire. 1980-1986, vols.Servir 2 e 16.aEdição The of the Fran ks.Trad. Lewis G. M. Thorpe. Harmòndswõrfh e Baltimorc, Penguin, 1986.
5 8 1 H ist óri a das Idéi as Po líticas - Idade M
édi a at é I bm áfl de A qu ino
Na fase crítica final dos reinos ocidentais, quando a função régia corre o risco de ser submergida por ondas de constituciona lismo popular, normalm ente tem lugar um renascimento das teorias políticas que sublin ham a função “ representat iva” do rei perante o corpo político. Na revolução inglesa, Hobbes desenvolveu a teoria do rei representativo. Nas longas lutas revolucionárias da França, a teoria do reino é reconsiderada, precisamente no mom ento em que estava institucionalmente em declínio, no fim do governo de Napoleão III (1852-1870). A teoria de Hobbes será tr atad a no capítulo d o filósofo inglês, mas o exemplo francês merece ser considerado neste contex to, pois os teóricos franceses basearam as suas idéias explicilamente no papel dos primeiros reis franceses para uma evocação da França. Em 1869, Ernest Renan publicou suas idéias para uma reforma da constituição francesa e considerou a restaura ção da monar quia e da no breza de im portân cia fulcral.11 A França era a obr a de seus reis, da nobrez a, do clero e do ter ceiro estado. O que veio mais tarde, o “povo”, entrava numa casa que não construíra e não poderia preservar. “A alma de uma nação não pode ser conservada sem uma assembléia encarregada oficialmente de sua proteção.” Ouve-se aqui o eco dos historiadores da migração a prantear o suicídio que a nação com eteu qua ndo decepou a cabeç a do rei. A tradição de Renan foi continuada pelo trabalho de Maurice Hauriou e tornou-se uma teoria detalhada das instituições políticas.1
12
Uma comunidade, de acordo com Hauriou, nasce de poderes imaginativos e evocativos de uma personalidade fundadora. O fund ador transf orm a-se no criad or do corpo pol ítico na cio nal se conseguir im prim ir as suas idéia s n a realidade históri ca, conduzindo as forças políticas a seu elemento formativo.
Revue des Deux reedição: La Reforme
11 Ernest Renan, “La mona rchie co nsti tutio nell e en France”. In:
Mondes, n. 84, novembro, 1869, p. 71-104. Citado da Intellectuelle et Morale. Paris, Michel Levy Frères, 1871;
Reedição: Nova York,
Circcnwood Press, 1968; Bruxelas, Editions Complexes, 1990, p. 144-46.
IJ Maurice Hauriou, Pricis de Droit Constitutionel. 2. ed. Paris, Librairie du Uca icil Sirey, 1929; Pariu, Ce ntic National de I a Rechcrche Scientifique, 1965.
0 núcle o de um a insti tuição é a idée directri ce do fundad or e de seus sucessores qu e con tinua m a realização da ideia. Com as funções de fundar, fortalecer e preservar, os governantes transformam-se nos “representantes” da instituição. A “au toridade” de um governante depende intimamente de seu suces so em transf orm ar seu pode r real num a rela ção convi n cente com a idée directri ce de uma instituição. 0 modelo que Hauriou usou na elaboração de sua teoria foi, como o no caso de Renan, a função criativa dos reis fran ceses. O resultado teoricamente relevante destas concepções, sobre representação e autoridade, é a compreensão das rela ções entre a liderança e a le i. Hau riou critica a teoria de que a legitimidade de um governante, ou de um governo em geral, depende da “legalidade” de sua posição. Contra esta suposi ção, Hauriou afirma que a ord em jurídica constituciona l é um fenômeno secundário, dependendo da fundação e preserva ção das funções do “repr esen tan te”. Onde qu er que haja uma instituição política bem-sucedida na história, fora da imagi nação de um governant e, encontramos aí subsequentem ente “uma ordem constituci onal”, um conjunto de regras jurídi cas que governam a instituição. A “legalidade” enquanto tal não legitima um arra njo polít ico. A teoria de Hauriou do m om en to fundacional pré-juríd ico e da idée directri ce , orientada para o reino migratório franco-francês, ajudará a compreender as idéias que governam a fundação carolíngia.
6 0 1 H ist óri adasIdé iasPolí ticas-IdadeM
édi aat óI bm áadeA qui no
3.0NO VO I M PÉ RI O
§ 1. Á transferênci a do im pério As idéias sobre a
tr anslat io im perii R om an i
para o reino
dos francos, assi m como as idéias que governam a es tru tu ra interna do novo império cristão, não foram criadas de forma sistemática; cresceram durante um período de três séculos, começando com a invasão germânica da Itália e o correspondente enfraquecimento do poder imperial ro mano. O lento amadurecimento da situação que culminou com a coroação de Ca rlos Magno como im per ado r rom ano, em 800, é essencial à estrutura das idéias, uma vez que eslas não se srcinam n a esfera secun dária da argum entação ju rídica, mas na experiência im edia ta das decisões histó ri cas que, segundo o simbolismo da época, eram decisões d e Deus. Para os contemporâneos da coroação, a transferên cia do império não foi um ato do papa, nem do rei franco, nem do povo de Roma, mas um ato de Deus. A providên cia divina mostrou suas intenções por meio do curso que a história tomou; e os homens nada puderam fazer senão
aceitar a decisão divina.
$
2.G el ás io- A se paraçãoentr e p o d er espi ri tuale po d er tem pora l
A situação, como dissemos, foi amadurecendo lentamente. Aos poucos, o papado e o reino franco retiraram -se da órbita do Império Romano e evoluíram para a nova unidade do Im pério Carolíngio. O distanciamento do papado em relação a Roma começou pouco depois da invasão germânica da Itália por Odorico (ca. 435-493) e, mais tarde, pelos ostrogodos. Em bora a ocasião da divergência nada tivesse que ver com a inva são, parece estar fora de dúvida que a repentina decisão firme dos bispos romanos foi influenciada pela ineficácia do poder imperial na Itália na época. A ocasião surgiu com os eventos que precedem e se seguem ao Concilio da Calcedônia, em 451. A decisão do Concilio con tra a cristologia m onofisista baseou-se na doutrin a ortodoxa escrita no Tomo do pa pa Leão I (440461). A subsequente revolta monofisista induziu o imperador Zenão (474-491) a sancio nar o H enoticon , de 481, que pr ete n dia reunir por uma fórmula de acordo os partidos ortodoxo e monofisista no oriente. É difícil dizer o que m ais enfu receu o pap ado: o golpe con tra o prestígio espiritual causado pela rejeição da declaração doutrin ária de Leã o ou o fato de o impe rado r ter exerci do sua prerrogativa em matéria doutrinai. O resultado foi a interrup ção da comunhão entre Roma e Constantinopla e uma série de cartas dos papas Félix III (483-492) e Gelásio I (492-496) sobre a jurisdição espiritual, série que culmina no Tractatus I V e na E p istula X II de Gelásio I, a magna carta da liberdade medieval da Igreja.1 0 imperado r ren unciara ao título â e p o n tif ex m a xim u s , mas a idéia pagã do reino sagrado ainda nãò estava morta, e a prerrogativa de interferência em matérias espirituais não tinha cessado. Gelásio, agora, desenvolvera o
Tractatus IV, particulamente 1Gelasius, § II, p. 56 8;pontificum. e EpistulaXII, te § 2, p. 350-52; ambos em Epistolae romanorum Ed. particularmen Andreas Thiel. Braunsberg, E. Peter, 186 8. ReedÍç5õ: Hi]de sheim e Nova York, Olms, 1974.
6 2 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTbm áa deA qui no
princípio da separação entre poder espiritual e poder tempo ral, disti nguin do en tre a
auctorit as sacratap on tif icum e a rega-
lís po testas. Cristo conhec ia a fragil idade da natureza h um ana e ordeno u a separação dos dois poder es entre duas au toridades, linlre ambos os poderes existe um sistema de medidas e de contrapesos segundo o qual os imperadores cristãos necessilum dos sacerdotes pa ra a vida eterna, enqu anto os sacerdotes necessitam das ordens imperiais para os assuntos temporais, lista declaração introduziu um princípio incompatível com a prática dos imperadores bizantinos, se não com sua teoria.2
listavam declarados o princípio e o modelo que determi nariam a estr utu ra do im pério ocidental . Mas nos três sécu los de papado entre Gelásio I e Leão III (795-816) houve muitas experiências perigosas e humilhantes que alargaram o fosso entre Roma e Constantinopla. As principais fases desta luta foram determinadas, por um lado, pela política egípcia-monoíisista dos imperadores e, por outro, pelas vicissitudes da posição imperial na Itália. No século VI, após a abolição do reino dos ostrogodos, Justiniano tentou de novo estabilizar u questão monofisista mediante a condenação, no
Tría Ke-
phálaia (os três capítulos), de três eclesiásticos avessos aos egípcios; e, no Quinto Concilio Ecumênico de 553, obrigou o papa Virgílio (537-555) a consentir na resolução mediante violência física. 0 resu ltado im ediato foi um cisma no Ociden te; as comunidad es cristãs da Ilíria e ístri a rom pera m as rela ções com Roma p or m ais de um a geraçã o.1
1juit ini ano
recon heceu o prin cíp io no édit o de 53 5
o respeite ao lidar com a igreja. Para uma edição das
embora não {Novellae VI), Novellae, ver Paul Krüger,
Thrnilor Mommsen, Rudolf Scholl e Wilhelm Kroll (eds.), Mrrlim, Wcidmnnn, 1973.
vol. (Corpus juris rivilis,
3)
Novellae.
7. ed.
No século VII, surgiu uma situação similar com as tentati vas de apaziguar o Orie nte med iante a Ekthesis (exposição da fé) de Heráclio (545-641) em 638, e o Typos (modelo d a fé) de Constante II (641-66 8) em 648. Martinho I (649-655) opôs-se ao Typos e foi exilado de Constantinopla pelo exarca, aprisio nado, deposto e banido par a a Crime ia, onde m orreu. No sé culo VIII, a pressão do puritanism o não helênico no Orient e, passando pelos nestorianos e monofisistas, bem como pelo islã e pelos judeus, tornara-se tão forte que Leão, o Isáurio (680-741), emitiu o Édito de 726 contr a as imagens. As revol tas contra o decreto começaram im ediatamente n a Grécia e na Itália, e o pod er imperial tom ara-se tão fraco que não podería resistir por muito tempo ao assalto combinado da populaça italiana e dos lomb ardos. Em 751, o poder bizan tino n a Itália estava praticamente derrotado.
§ 4 .A quebr a do po de rbi zant ino no O ci de nt e O acúmulo dessas experiências, durante três séculos, cla rificou as diferenças entre a cristandade grega e ocidental, mas não quebrou ainda a ideia do Império Romano-Cristão. É supreen dente que por tanto tempo o papado c ontinuasse a respeitar o imperador, apesar das hum ilhaçõ es a que divers os papas foram expostos. A interferência em matérias espirituais provocou separações provisórias de comunhão na época de Gelásio, mas mesmo o édito iconoclasta herético não provo cou uma rup tura formal . A situação podería ter continuado estagn ada indeíinidamente se, entretanto, não ocorressem mudança s impo rtantes n a esfera do po der temporal. O primeir o evento dec isivo foi a quebra d a administraç ão biza ntina na Itália, no final do século VI; a sobre vivência da cidade de Roma ficou dependente da organização pa pal, em particular, das importações de alimentos dos domínios
da Igreja, sob o pontificado de Gregório I, o Grande (590-604). Gregório não apenas reivindicou a supremacia papal sobre as
641Históriadas IdéiaslítPo icas -Idade Médiiaté bI mUde AquJno
outr as igrejas e sobre o patriarca de Constantinop la, mas de fato desemp enhou as funções de um príncipe temporal no Ocidente, dirigindo campanhas con tra os lombardos. 0 segundo event o foi o declínio gradual do dom ínio político e militar bizant ino na I tá lia, antes do avanço dos lombardos; estes atacaram o exarcado bizantino como representante de um poder iconoclasta herético. 0 papa foi colocado “entre um herético e um salteador” (como escreveu Bryce de modo sucinto) e teve que pro curar apoio t em poral noutra parte, a menos que quisesse tomar-se mais um bis po da corte lombarda, uma posição ainda menos atraente do que a interferência imperial em ma térias espirituais.
const rução jurídica do Im péri o R o m a n o n o p e río d o d a m ig ra ç ã o
$5. A
A desintegração da estrutura espiritual e temporal do im pério preparou a aliança entre a Roma papal e o reino franco. As aproximações foram cautelosas e graduais, porque estava cm causa nada menos que um a revir avolta completa da estru tura j urídica do mund o rom ano-cristã o. Para compreender o problema, é preciso saber que as categorias de descrição his tórica a que nos acostumamos na interpretação dos eventos da migração não coincidem com a interpretação dos con
tem
porâneos sobre os mesmos eventos. Deve ficar claro, sobre tudo, que o famoso ano de 476, dat a da deposição de Rômulo Augusto po r Odoacro, não ass inala o “fim do Im pério O ciden tal” simplesm ente porq ue, d o pon to de vista l egal, o Império Romano era um só, e diversos augustos e césares, desde a reforma de Diocleciano, eram dignitários do
único Império
Romano. Se depois de 476 nenhum imperador ocidental foi nomeado , isso apenas significava que as províncias ocidentais catavam reunidas sob o mando de Constantinopla, como su cedera ap ós Diocleci ano (284-305) sob Constantin o, o Grande
(306-337), Constâncio II (317-361) e Juliano, o Apósta ta (361663), e, brevem ente, sob T eodósio, o Grande (379-395).
Pode-se dizer que a transição para um a nova estrutur a im perial após a infiltração dos bárbaros começou após a morte de Teodósio, e m 395. Típico das no vas relações foi o reino de Honório (384-423), que teve de desposar a filha do seu
m a-
gister m ilitu m , o vândalo Estilicão, e ficou comp letam ente sob sua influência; bem como a deposição do imperador Avito
(455-456) pelo general suevo Ricimer, em 456, e a sequência dos quatro imperadores seguintes nomeados por Ricimer, com o consentimento de Constantinopla. Há várias fases de transição en tre situações deste t ipo e a rup tu ra com pleta c om o Império Rom ano em 80 0: Odoacr o foi um com andan te bár baro com o título de p a tr iciu s , mas, tal como Ricimer, não se importava de nomear imperadores-fantoches. Teodorico, o
p atricius e m ag ister m ilit u m , expulsou o pa triciu s Odoacro. O imperador Honório concedeu a Aquitania Secunda ao visigodo Wal lia, em 419, e a concessão con duz iu à fund ação do reino de Toulouse. Cló vis foi nom ead o patrí cio e cônsul ho no rário depois da conquista das províncias da Gália. Começara um sistema de construção imperial que foi continuado pelo Império Bizantino quando de seu relacionamento com os go verna ntes eslav os no período da Id ade Média. A soberan ia do império sobre as provín cias exte riore s m antinha -se n um a for ma jurídica pouco definida, em troca de presente
s apreciados
pelos bárbaros, tais como um título, uma coroa, um man to de púrp ura e uma princesa bizantina bem asseada.3
$d A
aproxi m açãoent reo pap ad o
Neste contexto, a carta de Gregório III (731-741) a Car los Martel (714-741) , em 739 , pedin do ajuda ao
Usu br eg ulu s
Carolus”, expressa uma etapa que encerra consequências
3 Sobre as relações construídas entre o Im pério Bizan tino e as províncias unidas, ver Michel de T aube, Étudesju r le Développement HisUmtjue du Dmjt interna-
tionaldans 1’Europe O rientale. ParisTHachette,
1927.
6 6 1 H ist óri adas Idéi asPol íticas - IdadeM édi aat éT o n é deA qui no
Imensuráveis. Não exigiu ajuda nos termos de semelhantes petições anteriore s a um f o e d e r a t u s , um aliado do império r um crist ão, mas pediu “proteç ão”; e ped iu não para o im pério ou a cristandade, mas para “a Igreja de São Pedro ” e o seu povo. A carta é a pr im eira ten tativa de en co ntr ar a ex pressão formal p ara a nova situação do poder. Carlos M artel respondeu cortesmente, mas não interveio na Itália exceto mediante pressão diplomática sobre os lombardos. A pró xima ocasião par a um a etap a mais a ber ta vei o com a ele ição de Pepino, o Brev e (751-768 ), como re i dos francos, e m 751; it sanção da Igreja era necessária pa
ra con ferir auto rida de à
nova dinastia; o papa Zacarias (741-752) consentiu em de por Childerico, o último merovíngio, e ungir Pepino como o novo Davi escolhido pelos francos. Estava criado o prece dente para a arbitragem pap
al em questões internacionais.
Poucos anos depois, com o perigo crescente dos lombar dos, houve um acordo pelo qual o próprio papa Estevão II (752-757) ungi u Pepino, em São Dinis, e lhe deu o título d ep a-
tri ciu s R om an or u m
(754) , qu and o Pepino veio aju dar Roma e
fez a doação à Santa Sé dos territórios da península italiana,desde Parma até à Apúlia. 0 título p a t r i c i u s R o m a n o r u m re quer algum com entário. Seu sign ificado fi ca obscuro quand o comparado ao título de
p a tric iu s
frequentemente dado pelos
Impera dores a os comandan tes bárbaros. 0 título dado po r Es tevão II a Pep ino foi um a criação no va; nunc a tinh a havido um
p a tr ic iu s R o m a n o r u m
antes. O título im perial de p a t r i c i u s , em
bora não indique as funções que detém, é claro quanto ao fato de o consi gnatári o aceitar um cargo subordinado n a estrutu ra Imperial. 0 título d ep atricius R om an oru m abran ge com igual clareza uma função de defensor e protetor de “Roma” como o novo poder que emergia em torno do centro administrati vo papal, embora a ruptura final com o império ainda fosse evitada mediante a am biguidade do termo
p a t r i c i u s . Mas era,
sem dúvida, a evoc ação de um a nova entidade pofit ica, porque o papa, segund o a lei imperial, não tinh a o direito de con ferir o
tílulo de p a t r i c iu s R o m a n o r u m (nem o de p a t r i c i u s ), nem o rei franco podia fazer “ doa ções” de províncias imperiais.
§ 7 .A co roaç ãodeCar los M agno No Natal de 800 ocorreu a etapa final no aperfeiçoamento da no va evocação. O significado da coroação de Carlos Magno como imperador romano era claro para os contemporâneos. A questão foi obscurecida mais tarde pela literatura sobre a
translatio imperii
, depois do renascimento do pensamento
jurídico antigo, quando a transferência foi interp retada como um pensamento legal. No
Gestis Caroli, o monge de São Gall
refere o mod erador onipotente de reis e rei nos que qu ebrara os pés de ferro e argi la da e státua rom ana e erigira a ca beça de ouro d a nova estátua en tre os francos.4O s quatro im périos do livro de Daniel estavam consumados e Deus criou uma nova estátua. A translação do império é entendida no sentido de Daniel, como a o bra d e Deus. A mesma interpretação emerge dos relatórios da coroa ção. Os A n a is
d e L auresheim e a Crônica de Moissac
referem
os eventos em Constantinopla, onde governava a imperatriz Irene (797-802), e interpretam-nos como o fim do império entre os gregos. A cessação do Im péri o como co nsequ ência da usurpação por uma mulher, combinada com a posse, pelo rei dos francos, de Roma, “mãe do Imp ério”, além da Itália, Gália e Alemanh a ( “Deus lhe deu todas estas terras em suas m ãos”), parecia exigir que a situação fosse reconhecida; “Pareceu cor reto que, c om a ajuda de Deus e a oração de todo o povo crist ão, ele [Carlos Magno] também tivesse o nome do imperador”. E Carlos Magno, “submetendo-se com humildade a Deus”, permitiu-se ser consagrado. As fórmulas legais em torno da posse de um novo im perador incluía a coroação e a unção pelo papa, o consentimento dos bispos e sacerdotes, o consen time nto do “senado” dos francos e dos ro man os, e a aclamação do povo de Roma. Mas todo esse aparato de form as não te ria
4 M onk o f Saint Gall,
Gesta Karoli. Ed. Georg Heimich Pertz. In: MGH, SS. Ha-
nover, Hahn, 1879, vol. 2. Reedição: Stuttgart, Hiersemann; Nova York, Kraus, 1963, p. 726 -63. Edição em jngtès: Einhard e Not ker the Stammerer, Two Livesof
Charlemagne. Trad. Lewis G. M . Thdrpe. Londres e Nov a York, Penguin,
6 8 1 H ist óri adasIdéi asPolí ticas - IdadeM édi aat éTom ás deA qui no
1969.
sido considerado suficiente, sendo o elemento decisivo o fato de que tudo “era feito também pela vontade de Deus”.5 Com a coroação de Carlos Magno, surgiu a ideia do im pério que iria do minar séculos da história política medieval. A Igreja reen contra ra um p ode r cristão ortodoxo que po dería alegar ser a organização temporal universal do povo cristão; com a conquista da Itália, o reino dos francos era mais que um reino cristão nacional e tinha o estatuto de um império mul tinacional. A com unid ade cristã com suas du as cabeças, espi ritual e t emporal - com a re ssalva que logo apontaremos - , incorporava a declaração gelasiana dos poderes separados. 0 princípio da independência espiritual de Roma exprimiasc com a distância física do poder temporal transalpino. 0 princípio imperial exprimia-se com o poder temporal so bre Roma. 0 padrão geográfico ítalo-transalpino reaparece na renovação imperial de Otão I, o Grande (936-973), e perma neceu o padrão da política para a região ítalo-transalpina no século XIX, até ser dissolvida, após 1866, pelos novos estados nacionais, a no rte e a sul dos Alpes.
» A
Abaixo dq nível evocativo delineado há pouco, o novo império mostrou profundas diferenças do velho Império Romano-Cristão. As idéias constitutivas neste nível mais baixo - po r exemplo, as relacionadas com a emergência das relações feu dais - não a lcançaram expressão sistemática, ex ceto em raros casos; permaneceram difusas nas instituições do tem po e em alguns atos políti cos isolad os. Sobre detal hes dessas instituições, o leitor deverá consultar os tratados de história política do período carolíngio. Aqui apenas sugeri mos algumas questões im porta ntes p ara a história das idéia s. '
Atitudes Laureshamenses.
Ed. Georg Heimich Pertz. In:
MGH, SS.
Hanover,
I lulm, 1876, vol. I. Reedição: Stuttgart, Hiersemann; Nov a York, Kraus, 19 63 , p. 1H|Chmdcoti
p. 305, (in ibidem): unam ethoc tiatu Deifactum est” Moissiaceme,
Tanto o papado como a monarquia franca desenvolve ram-se segundo dinâmicas que, ao menos na superfície, parecem co ntrad izer a declaração; de Gelásio sobre a se paração dos poderes. Já an tes de Gregório I, o Grande, o pap ado crescera até se tornar um a enorm e ad m inistração senhorial; desde Gregório, adquirira as características de um principado temporal, sancionado na doação de Pepi no; a cabeça espiritual da cristandade transformara-se em monarca temporal. A nova estrutura institucional foi ex pre ssa teoricam ente na famosa falsificação da “Doação de Co nstan tino” .6 O pro pósito da falsi ficação era legitim ar as possessões tem pora is da Igreja, conferir ao papa um grau superior ao do imperador e equipá-lo como a um príncipe temporal, com a parafernália im perial do paláci o de Latrã o e da igreja palatina de São Pedro, incluindo um senado, pa trícios, cônsules e uma hierarquia imperial de oficiais, bem como uma coroa imperial, a qual, entretanto, não era usa da. (Isso parece indicar que a Doação deve datar de depois do ano 800.) Para definir brevemente a evocação da Doa ção, teríamos que cunhar um termo que invertesse a união
*’ O debate sobre a data da Doa çã o prossegue. A o pini ão inicial de H einr ich Grauert (1882-1884), que a inseria no século IX, teve que ser revista, sendo subst ituíd a pelas opiniões de Paul Scheffe r-Boicho rst ( 18 89- 189 0) e outros qu e a situam no período do acordo entre Pepino e Estevão II. Mais recentemente (Maximilian Büchner,
Das Vizepapsttum des Abtes von St. Denis. Paderbom,
Schõn ingb, 192 8) a data é de nov o transpos ta para o i nicio d o século IX. Alois
Sacrum imperium: Geschichtsund Staatsp hilosophie es d Mittelalters und der politische n Renaissance(Munique e Viena, Oldenbourg, 1929; 4. ed., Dempf,
1973), concorda com a última opinião, apresentando uma evidência interna convincente. Dempf deve ser consultado sobre o problema da construção análoga da Doação no sentido da sua evolução na esfera temporal, problema que é demasiado vasto para ser tratado aqui. [Atualmente, em termos acadêmicos, a Doação é aceita como um exercício hagtográfipo escrito por um clérigo romano em ca. 760. Este exercício teve lugar na suposta homenagem do imperador Constantino ao papa Silvestre I (314-335) e chegou até nós por ter sido inserido na coleção de uma lei canô nica francesa do século IX. Ele voltou a Roma antes do século XI para apoiar a Reforma da Igreja. Ver Horst Fuhrmann, “Konstantinische Schenkung und Sylvesterlegende in neuer Sicht”.
Deutsches Archiv,
n. 15, p. 523-40, (1959);
Fuhrmann, “Konstantinische Schenkung und abendlãndisches Kaisertum”.
DeutschesArchiv, n. 22 ,19 66 , p. 63-178; e F
uh rma nn,
Einfluss und Verbreitung
derpseudoisidorischen Fãlschungen.Schriften der MGH. H anover, Hiersemann , 1972-1974, vol . 24 .]
---------
7 0 1 H ist óri adasI déi asPolí ticas - IdadeM édi aat éI bm áBdeA qui no
do poder temporal e espiritual; em vez de césaro-papismo oriental dever-se-ia
falar de um “papo-c esarismo ”.
$ 9 .A igr ej a terri tori al - Á ca pit ular de80 2 A monarquia franca evoluiu num sentido teocrático, mesmo antes da coroação de Carlos Magno, na medida em que a organização da Igreja se integrou à hierarquia ad ministrativa da monarquia, e o rei presidia a assembléias eclesiásticas, interferindo em matérias de disciplina, como por exemplo no sínodo de Frankfurt, em 794. A organiza ção eclesiástica assumira a forma de igreja territorial
(Lan-
deskirche). U ma cap itular, n a assem bléia de Aix- la-Chapelle, cm 802, m ostra esse caráter teocráti co do reino.7 Todas as pessoas do reino, incluindo os clérigos, até aos doze anos de idade, tiveram que fazer juramento de lealdade ao novo imperador, muito similar na estrutura e função ao jura mento da clientela dos imperadores romanqs, embora fosse uma evol ução das instituições germânicas co rresp ond ente s.. 0 juramento implicava mais do que obediência temporal às ordens imperiais e lealdade à pessoa do monarca. Os jura mentados obrigavam-se a viver “ao serviço santo de Deus”. Requeria aind a a observância de u m a série de deveres soc iais (a conduta para com as viúvas, órfãos, estrangeiros, regras de hospitalidade, conduta dos eclesiásticos, etc.) misturando a tal grau o que nós hoje cham aríam os obrigações juríd icas e morais que os limites entre am bas desaparecem n a prática.8 ' Capitul are missorum generale.Ed.
MGH, Cap. Hanover, Missi cuiusdam admonitio, in ibidem,
Alfred Boretius. In:
Hohn, 188 3, vol. 1. Para o que segue, ver p. 239.
"Sobre o juramento de 802, ver Heinrich Mitteis,
Lehnrecht und Staatsgeivalt:
Unttrsuchungen zur mittelal terliche n Verfassung. Weimar,
H. Bõhlaus Nach-
íolger, 1939. Reedição: Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1974, p. 50-52. Um estudo a respeito da coexistência do juramento geral de lealdade relativamente a todos os assuntos com os juramentos especiais do cargo (como
no
Principate) é fornecido por Carlos E. Odegaard, “Carolingian Oaths o , n. 16, 1941, p. 284 ss. Speculum
dclity".
f Fi-
§ 1 0 . A di fere nça entr e a dinâ m ica im peri al no O ci dent eeem B izâncio A evolução para o papo-cesarismo, de um lado, e para o césaro-papism o, do outro , parece contra dizer os princípios de Gelásio; e temos q ue recon hecer nessas tendências a raiz mais imp ortante da Contr ovérs ia das Investiduras sobre a separa ção jurisdicional en tre poderes entro sados. Mas seria precipi tado su po r que as tendências teocráticas no Império Ocident
al
reproduzem o césaro-papismo do Império Bizantino. Embora a relação estática seja semelhante, as dinâmicas são comple tamente diferentes. No Oriente, a administração imperial re presentava as velhas forças civilizacionais, e a igreja cristã teve que in tegrar-se n um sistema estabelecido de qualidade c ivilizacional superio r. No Ocident e, a Igreja rep rese ntav a as forças civilizacionais superiores, e o poder temp oral teve que adq ui rir e statu ra po lítica e histórica por meio do auxílio eclesiást i co. A ascendência institucional do poder temporal no reino franco foi equilibrado pelo fato de a adm inistração carolí ngia depender da organização da Igreja, cujo pessoal dependia da introdu ção na esfera governam ental e civil izacional do reino, particularm ente onde a população germ ânica era numerosa. A missa obrigatória de domingo e a influência exercida do púlpito foram o principal instrumen to do po der temporal para u nir os povos e transm itir as intenções da administração central até aos povoados mais remotos.
§ 1 1 . A int egraç ão da P ers on aR egal i s no corpo m íst ico As formulaçõ es teóricas da nova comu nidade tem poral e es piritual, especificamente ocidental, aparecem em documentos
oficiais e nos escritos de e rudito s edu cados na escola de Al cüíno de York ( f 804). Algumas ref erências basta rão para indic ar
721H istóri adas diéias Pol ítica s - IdadeMédiaatéIbmésdeAqulno
n tendência de teorização. Uma capitular de Luís, o Pio (814840), e os sínodos de Worms e Paris, em 829, evocam a ideia do corpo de Cristo, cujos membros têm funções diferentes, conforme a teoria paulina. Sob Cristo, o rei-sacerdote, as fun ções superiores são a pe ssoa sacerdotal ( persona sacerdota lis) e a pessoa régia ( persona regalis ); o grau sacerdotal é m ais ele vado p or causa da superioridade dos valo res espirituais sobre os temporais. A teoria gelasi ana foi transformad a, po rqua nto o vocabulário da
res pub lica rom an a ( auctoritas , po testa s ) cedeu
perante a terminologia germ ânico-cristã das “pessoas”.9 A mu dança na terminologia indic a a desintegr ação do pa drão mediterrânico do pensamento político da pólis, e a sua substituição pelas cat egorias medieva is apro priadas, na nova unidad e do sacrum
im p erium . Na nova uni dade, não há distin
ção entre o “estado” e a “igreja”, porque clérigos e leigos, re presentados pelas pessoas sacerdotais e régias, são mem bros
do Corpo de Cristo. A nova te oria é aceita no s rito s de coroação. Na oração de H incm ar de Reims (ca. 806-882), por ocasião do seque stro d a coroa do rei lotaríngio p or Carlqs II (843-877), o rei é enumerado como uma das figuras carismáticas do corpo, místico, a pa r de sacerdotes, profetas e m ártir es.10A dou trina paulina dos carismas, dos do ns da graça que diferenciam as funções dos mem bros do
corpu s m ys ticu m y generalizou a ideia
anterior de comunidade cristã. O corpo de Cristo absorveu o
\d y n a m i s de Cristo. O cargo de gov erna nte foi ca racteriza do como a exousia po r São Paulo e e xcluído do corpus m ys ticum ; deste modo, o governante tornou-se carismático.
governante n
IJlipiscoporum
adHludoivicum imperatorem Ed. relatio. Alfred Boretius e Victor Krausc. In: MGH, Cap. Hanover, Hahn, 1897, vol. 2., p. 26-29. Ver especialmcnce as seções “Quod universalis sanctai De ecclesia unumcorpus, eiusque caput Christus si?e "Quod eiusdem ecclesiae corpus in duabus principaliter dividatur fximiispersonis”. IUQrdo
coronationisKaroli I in regno Hlotharii IIfactae.In: ibidem, 2, p. 45658. Observar o trecho decisivo na página 457: “Coronet et Dominus cororut gloriae in misericórdia et miserationibus suis et ungat te in regni regimine oleo gmtiae Spiritus sancti sui, unde unxit sacerdotes, reges, prophetas et martyres, qui
per fidem regna etgratia operatiDei suntdignus justitiam atque adepti sunt promissiones; eisdemq nevicerunt promissionibus efficiaris, quatenus eorum cons ortia roflrsti regno perfrui merertris ,"
3■0 novoi m péri o 1 73
A nova posição carism ática do governan te cristã o, dis tinta do reino sagrado helenístico com sua conotação pagã, é o ponto de par tida d o qu al o gênero literário do “Espelho de Príncipes” pôde se desenvolver. Carlos Magno já vira a si mesmo na im a gem do novo Davi, ungido pelo Senhor, e aceitara o “espelho de Santo A gostinh o” como o rientação . Com Jonas de Or leans11 ( t 842/3) começa a longa s érie de “e spelhos do príncipe cris tão”, até que a evocação do príncipe secular, no “espelho de Maquiavel” , inau gur a um a nova époc a.
$
12 . Os m ost ei ros - A re gra de São B ento
Na criação do povo cristão do Império Cristão, o mosteiro foi um a instituição de im portânc ia decisiva. A fundação dos m os teiros na Gália começou no final do século VI com monges ir landeses. As institui ções imp useram -se com o o fator civi lizador do campo com a introdução da regra de São Bento, no século IX. A regra tornou-se obrigatória para os mosteiros com Luís, o Pio (814-840). Criada por Bento de Núrsia ( f ca. 547) para a abadia de Mo nte Cassino (ca. 520), a regra é um dos m ais inte ressantes exemplos da tradução de idéias helenístico-romanas para o novo ambiente medieval. As principais formas da cristand ade oriental tinha m sido as comu nidade s eclesiais urbana s e os anacoretas, pessoas retira das do mundo. São Bento criou a regra em ambiente rur al para um a comunidade monás tica - de cenobitas, contrastando com os anac oretas.112 A regra transferia o ideal helênico da pólis como comuni dade autossuficiente pa ra um a comu nidade cristã. O mosteiro deveria ficar isolado, cercado por terras e muros; deveria ter 11 Jonas o f Orléans, De instituúone regia. In: Jean Reviron, Jonas d’Orlíans et Son De Institutione rega: Lesdée I s Politico-Religeuses dun Évêquedu Díe Siècle; Étude et texte Critique. Paris, Librairie Philoso phique Jean Vrin, 1930 . 12 Saint Benedict, Regala Monasteriorum. Ed. Benno Linderbauer. Bonn, Pcter Hanstein, 1928. Edição bilíngue latim/inglês: The Rule ofSt. Benedict: In
Latin and English with Notes and Thematic Index. Collegeville, Minn., Liturgical Press, 19 81.
'
"~
7 4 1 H ist óri a daa Idéi as Pol íticas - Idade M édia at é Tb m ás dc A quino
oxtenilo suficiente para satisfazer as necessidades materiais e espirituais do grupo, mediante a divisão de trabalho e a cooperaç ão. A vida cotidiana era equilibra da entre o traba lho, o serviço religioso e o estud o. Pode-se d izer que São Bento foi u criado r da pólis cristã idea l, como Platão foi o fund ado r da pólis helénica espiritual. A diferença im portante é que a pólis platônica era um a unidade político-religiosa autossuficiente, 10 passo que a pólis ben editin a adq uiria signi ficado den tro da comu nidade cristã mais vasta, como vida subsidiária do cler secular e do poder temporal. A pólis rural espiritual de São Bento, como parte do Império Cristão, é o símbolo da tran sição da antiga civilização mediterrânica para a civilização ocidental: da pólis para o império territorial (e, mais tarde, o estado territorial); da civilização urbana para a civilização agrícola feudal; do m ito pagão p ara o espírito de Cristo.
o
4. APRI
M EI RA REF ORM A
§ 1 . C res ci m ent o de um a evocação A história das idéias, da declaração gelasiana de princípios até o estabelecimento do Império Carolíngio, tem uma estru tura singular nem sempre bem compreendida. Encontramos frequentemente a suposição de que pouco de importante su-. cedeu entre Santo Agostinho e o século IX, e há quem alargue este períod o estéril até ao século XIII. Alguns auto res d esem ba raçam-se dos oito séculos entre Agostinho e Tomás de A quino de modo sucinto e seco, como “o intervalo antes de Tomás de Aquino”. As suposições deste tipo, na turalm ente, erram. A hu manidade não cessa de ter idéias políticas; e estas persistirão enqu anto houver instituições política s, pois a evocação mágica do cosmion através das idéias é a su a verdadeira essênci a.
a, Um caso modelar Embora a concepção de uma “lacuna” ou “intervalo” nas idéias seja insustentável, pod em existir, e realm ente existem, diferenças de estrutura neste processo. Claro que não encon tramos um grande sistema de pensam ento polít ico entre Ag os
tinho e Tomás de Aquino ; m as este fat o não deve induzir-n os
complacentemente àquela conv ersa de sem pre sobre a “Idade das Trevas”; p elo contrário, deve estimu lar um a invest igação rigorosa do caso. Sabemos que os grandes sistemas teóricos marcam os pontos de culminância dos períodos evocativos que antecipam o declínio. Platão e Aristóteles marcam o fim da pólis; Santo Agostinho, o fim da cristandade romana; To más de Aquino, a transição da Alta Idade Média par a o Renas cimento; Hegel, o fim do períod o do E stado Nacional. Do ponto da vista da ciência e da metodologia, os séculos “estéreis” após Santo Agostinho oferecem a oportunidade de estudar o crescimento de uma evocação. Na Antiguidade Helênica, infelizmente, falta essa oportunidade: nada sabemos sobre o processo misterioso em que a pólis era comemorada; qu and o o registro de nossas idéias teve iníci o, com Hesíodo, a pólis tinh a por detrás de si um a longa história, e as sementes de desintegra ção começavam a surgir. O Crescimento paralelo do Império Romano e da com unidade cristã permite um a boa análise do período formativo de um a evocação, mas o caso não serve como um tipo ideal, pois a teleologia do processo não alcançou a sua fase de perfeição; o império universal enquan to organização do poder e a comunidade espiritual universal aproximaram -se, mas acaba ram po r não se i dentificar. 0 edifí cio teóri co de Sant o Agostinho, como vim os, reflete essa falha . Já a evocação do império medieval oferece a melhor aproxi mação conhecida do exemplo ideal de um
processo formati vo
em plena luz da história. A evocação do Império Carolíngio constitui a prim eira fase do processo, e o movim ento da Gran de Reforma dos séculos XI e XII, com o ponto dramático da Controvérsia das Investiduras, constitui a segunda fase. Por tanto, temos de considerar brevemente a estrutura das duas fases como um caso modelo do processo em qu e um a evocação se desenvolve e alca nça o clímax. \
b. A tensão entre a ideia e a reali dade
A prim eira fase f oi caracterizad a pelo movimento extre mamente lento de cisão-dckvelho Império Romano. A ideia
7 8 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTom ás dcA qui no
de Roma pesa sobre o processo histórico, e foi necessária uma força acumulada de séculos de eventos para cristali zar lima nova evocação. Após a fundação do Império, mais uma vez as exigências da situação foram m ais fortes que as idéias. A person alidade rég ia fo i construíd a segu ndo o sis tema paulino das funções carismáticas, com a devida pre cedência da pessoa sacerdotal. Contudo, nesta construção teocrática das instituições, est
ava l atente um a inco nsistên
cia que se revelou como fonte de instabilidade: a dinâmica da evocação mudou, e a lógica das idéias prevaleceu relati vamente aos impulsos e aos interesses do poder. As carac teríst icas desta p rim eira fase sã o: (1) a extensã o de tempo necessária par a sup erar o período de um a evoc ação vigent e como a de Roma imperial; (2) a igualmente longa extensão de tempo e a enorme pressão das circunstâncias requeri das para moldar uma nova evocação e torná-la convincen te para os coevos como sendo o “destino” ou a “vontade de Deus”; (3) resultante de ambas características, a fórça má gica da nova evocação deve ser me dida com base no esfor ço das gerações em seu acúmulo; (4) a tensão inicial na nova evocação, entre a “ideia” e a “realidade”, que fixa a linha da evoluç ão da realidad e em direç ão à ideia .
c. Predomínio do Espírito Na segunda fase da nova evocação, o centro dinâm ico des locou-se da luta de poder para a integração institucional da esfera espiri tual. A s ondas de m igraç ão muçu lmana, nórdica e magiar que abalaram
o Império Carolíngio - e exigiram a
sua refundação p elos imperad ores saxô nicos - tinha m sido em parte repelidas, em parte assimiladas. A administração imperial fora reformada por Otão I, o Grande, que usou a hierarquia eclesiástica, e particularmente os bispos educa dos na chancelaria r eal, p ara a admin istração central. A luta pela vida aquietou, e na quietude comparativa que se seguiu,
tornou -se vi sível a tensão intern a da evocação. Uma in terp re tação adequ ada do processo das idéias, nesta segunda fase, é
prejudicada pela atenção im pró pria dad a aos incidentes da Controvérsi a das Investiduras. Algumas vezes, a querela entre o poder espiritual e o poder te m p oral so bre a in vestidu ra laica do s bis pos go vernantes, com papa e imperador como protagonistas, alcançou m om entos esp etaculares. O triunfo do p apa Gre gório VII sobre o imp erad or H enrique IV , em Canossa nos Apeninos, em 1077, foi pa rticularm ente dram ático: o papa forçou o im pera dor a espe rar três dias na neve,
de pé s des
calços, antes de o absolver. Contudo, como é frequente, o espetacular tende a obscurecer o essencial. A questão da investidura secular não era uma “questão” de modo ne nhu m . Segundo a lei canônica acei ta, o papad o tinh a con trole sobre os bispos, e
este controle não p
oderia ser exer
cido se as nomeações eclesiásticas fossem de influência laica; estava claramente indicada uma reforma, afirman do a i nv estidura pela Igr eja . A reform a transfo rm ou -se em um problema prático, pois os bispos converteram-se em cabeças de corpos administrativos temporais, e a afirma ção do con trole papal des truiria o sistema
de governo que
regia a sociedade feudal medieval. A resposta canônica à qu estão ficou clara l ogo que colocada; e a solução política, o compromisso alcançado na concordata de Worms em 1122, foi um a conclusão a nun ciad a. Na his tó ria das idéias, nem a qu estão nem a solução são importantes; importante foi o fato de a querela, existente tanto no século XI como nos três séculos precedentes, pu desse ser posta em evidênci
a pel o po der espiritual com po s
sibilidade de sucesso contra as exigências do sistema feu dal. E a questão surgiu como um evento dentro da grande onda espiritual, que denominamos no título deste capítulo “A Prim eira Reforma” porq ue, em seu curso, foram levan tadas pela primeira vez
as quest ões fund amentais que rea
parec em na Reforma do século XVI e qu e levaram - tendo
em conta a respectiva alter ação do contexto da unidade medievafdo [s acr um imperium ,
a uma cisã o
801H istóri adas d Iéias Política s - IdadeMédiaatéI bm éideAtj ülwi
$2 A i
ond asderef or m am onást ica
A reforma, em princípio, tinha a ver com uma reafirma ção das exigências evangélicas contra os males incrustados na vida da comunidade cristã séculos após Carlos Magno. As exigências de pobreza, celibato e discipl ina cristã se voltavam contr a os principais males - investidu ra laica, simonia e casa mento dos cléri gos em parti cular - , e eram dirigidas, em ge ral, contra o envolvimento dos representantes da vida cristã, do clero secular e dos m osteiros no s interesses mu nda nos. A re forma começou onde se sentia mais agudamente o contraste entre a ideia espiritual de c ristanda de e a realidade, e onde, ao mesmo tempo, m ais faci lmente s e poderia supe rar a resistên cia de interesses instalados: os mos teiros.1
a. A ref orm a de C luny
-
A o r d e m so b e r a n a
Foram vários os movimentos de reforma monástica. O primeiro associa-se à fundação, em 9-10, de Cluny. O local da fundação, na diocese de Mâcon, em Borgonha, tem signifi cado estratégico e contribuiu para o seu sucesso; está situado na estrada principal que vai da Itália para França e para nor te e nordeste até Inglaterra e Alemanha ocidental. Cluny tem na primeira reforma uma função similar à de Genebra, como centro dá atividade de Calvino na Grande Reforma. A regra de Cluny não foi inteirame nte inovadora, m as foi uma renovação da regra beneditina com um a tentativa bem-sucedida de obser vância rigorosa. Cluny inovou fundando mosteiros dependentes da matriz; anteriormente os mosteiros beneditinos eram unidades inde pendentes. Cluny foi a prim eira
gregação de most eiros -
ordem
- dist inta de uma
con-
sob a liderança de um abade da matriz .
Os priores das casas afiliadas reuniam-se em capítulo anual, 1 Para acomp anhar a his tória do monasticismo, ver Alex H . Thom pson , “The
Monascic Orders”. In: Cambridge hihliogrnlin ali apresentada.
vol. 5, Medieval History,
1926, cap. 20, e a
presidido pelo abade. As decisões do capítulo vinculavam-se a todas as casas; havia observadores nomeados pelo capítulo e responsáv eis pera nte o governo central. A gran de expansão d a ordem e o aperfei çoamento da sua constitu ição ocorreram com os abades Odilo (994-1048) e Hugo (1049-1109). A ordem não respondia perante a autoridade episcopal e temporal; submetia-se, sem intermediário, apenas ao papa. A estrita observância da regra e a constituição centralizadora tornaram-na atraente aos olhos do papado como modelo de uma organização espi ritual hierárquica com a concentração da autoridade máxima no cabeça da Igre ja; era exatam ente o tipo d e organização que poderia servir de padrão para a independência da Igreja diante do po der sec ular. Num recant o pouco m und ano da comunidade cristã, no meio dos difusos poder es regionais feudais , emergia um tipo de organização soberana integrada que poderia ser usada a serviço da Igreja e, mais tarde, da autoridade política secular. A organização internacion al d a ordem, p or outro lado, e a sua isenção perante a jurisdição loc al tom aram desejável um papado forte que a protegesse contra as investidas dos poderes locais - episcopal e temporal. Es te interesse mút uo p erm itiu relações estreitas entre a ord em e os papas reformadores do sé culo XI na Controvérsia das Investiduras.
b. Reforma anacoreta
-
intensidade espiritual
A ordem de Cluny alcançou uma posição predominante no século XI, mas foi apenas um exemplo no m ovimento in terna cional da reforma dos mosteiros beneditinos da época. E a pró pria reforma beneditina foi um aspecto de um movimento maior. Uma segunda fase com eçou, em paralelo com o aum ento d a im portância de Cluny, com o renascim ento do espírito monástico anacoreta. As ordens anacoretas começaram a surgir na Itália, onde a tradi ção o riental e ra mai s forte, por volta do ano 1000. As fundaçõ es mais i mportantes são as de Camaldoli e La Cava (am bas da prim eira metade do século XI). Ambos os casos, entretan to, provaram que os anacoretas tiveram pouca importância no
Ocidente. Os eremi tas indi viduais, como o calabrês qu e insp irou
Santo Estevão na fundação de Muret (mais tarde, Grandmont), exerciam alguma influência como modelos de extremo ascetis mo cristão e assim se tomaram uma força regeneradora, mas tão logo os princípios ana coréticos foram transferidos par a um grup o maior, seguiu-se um encobrimento pelo cenobit ismo be neditino. A fundação de Fontebuono, em 1102, é típica de um mosteiro cenobita, filial de Camaldoli, que servia aos eremitas de Camaldoli, particula rme nte na doença. Um desenvolvimen to similar é característico de La Cava: em si, era o Monte Athos ocidental, mas suas fu ndações, tal como Monreale, reto rnaram à regra be neditina. Valombrosa combinava os elementos anacoreta e cenobita e adicionou os conversi, irm ãos leigos, às atividades não contemplativas. A única fundação anacoreta bem-sucedida foi Grande Ch artreuse, que conserv ou a sua inflexibilidade pela restrição inexorável do número de membro s.
c. A reforma cisterciense - A carta de caridade As ondas de reforma monástica ocorreram com interva los de, aproximadamente, um século. A jorrem soberana de Cluny nasceu no começo do século X; a onda anacoreta co.meçou por volta do ano 1000; a terceira onda, caracterizada pela ascensão dos cistercienses, começou aproximadamente em 1100. A fundação de Cister, em 1098, por Robert de Malesme, marcou um a síntese na dialé tica da história -
caso
tenha existid^ uma. Cluny tinha disciplina, obediência e or ganização; os anacoretas tinham pobreza, ascetismo e vida contemplativa na solidã o. Duzen tos anos de sucesso en riqu e ceram Clun y e dotar am -na d e um esple ndor exter no, ao pon to de obscurecer a espiritualidade cristã que pretensamente representava. O movimento eremita, por outro lado, carac terizou-se como associai; a tentativa de retomar a simplici dade cristã primitiva implicava retirar eficácia à vida cristã da comunidade. A ordem de Cister, com o ímpeto recebido da perso nalid ade de São Bernardo ( f 1153), que aos 2 5 anos fund ou Claraval, em 1113, com bin ou o elemento org anizacio nal de Cluny com o elemento anacoreta de um ascetismo de
nível espiritual renovado. Esta simbiose foi possível devido
4 • A pri m ei ra ref orm a 1 83
ao amadurecimento do espírito ocidental nos séculos prece dentes, em p articular com o surto da prim eira cru zada (109 51099). A personalidade
eros platônico, com uma diferen ça: a alma do pai espiritual não cria um cosmion novo, pois p ai e lha-se, em algun s aspectos, ao
filho são membros da comunidade pneum ática em Cristo. No período dos papas cistercienses, a diferença relativa mente ao tipo platônico de comunidade torna-s e evid ente na relação entre São Bernard o e Eugênio III (1145-1153). Quando o filho esp iritua l de São Bernardo, o abade do mo steiro cisterciense em Roma, se tor na pap a, e assim “o filho torno u-se pai, e o pai, filho”, Eugênio III pede instruções a São Bernardo; e o abade de Claraval responde ao pedido escrevendo
D e consid e-
rati one li bri qu inqu e a d Eu genium , um caso ún ico do “Espelho do Pa pa” . O chefe da cris tand ade su rge com o o humanissimus cujo poder é um ministerium non dominium , que emana do cargo e não da pes soa; e acolhe em si - no decorrer do pon ti ficado - a herança de Cris to a ser tra nsm itida a seu sucessor.2 consideratione libri V ad EugeniumTertium. EL, vol. 182, col. 379-93. Edição em inglês: Five Books ofConsidera-
2 Saint B ernard o f Cla irv au ^D e In: Migne,
tion.Trad. John D. Anderson e Elizabeth T. Kennan. In: The Works ofBernard ofClairvaux.Kalamazoo, De Cistercinn Publicntions, 1976, vol. 13.
§ 3 .0 es pí ritom ilitan te a. As Cruzadas
As ondas de reforma constituíram um desenvolvimento interno da espiritualidade ocidental conducente a uma autoconsciência amadurecida em São Bernardo. Um segundo impulso no processo ocidental consistiu na defesa contra o Islã. No século XI, a defesa começou a evoluir para ataque; prim eiramente pelos no rm andos, genoveses e pisanos; mais tarde, após o discurso de Urbano II (1088-1099) no Concilio de Clermont, em 1095, transformou-se em empresa comum do Ocidente cristão sob a forma de cruzadas contra os infiéis. No caso das Cruzadas, tem os de distinguir - como n a Grande Migração - entre as categorias de histór ia polít ica sobre even tos nas esferas do poder e da ação e os contextos relevantes para a história das idéias. O período das cruzadas é já uma segunda fase, se não terceira, na concentração da substância física e espiritual, que confere uma expansão dinâm ica peculiar da nossa civ i lização ocidental. Numa primeira fase, podemos incluir os eventos da migração até ao século VIII; por essa época, a área do Ocid ente era um a nova u nidade étnica e ci vilizadonal, em con traste com o Mediterrâneo antigo. Uma segunda fase foi marcada pelos distúrbios migratórios dos séculos IX e X, term ina nd o nos avanços dos eslavo s e dos ma giares a leste e na m aré islâm ica, a sul. A terc eira fase foi alcan çada com as cruzadas; as relações externas do Ocidente evoluí ram da sem iconsci ência do crescimento na tura l e da reaçã o defensiva para uma atitude inteiramente consciente de autoasserção e de ação ofensiva, em paralelo com o processo intern o em que a lógi ca das idéias con tra os infi éis é segui da pela pacífica atividade do missionário. A primeira fase é caracterizada pela ascensão das ordens militares e de seu serviço contra muçulmanos e eslavos; a segunda, pela as
censão das ordens me ndicantes com o trabalho m issionário
4 - A pri m ei ra r ef orm a 1 85
dos franciscanos e dominicanos. O deslocamento para a fase espiritual sedimentou-se na língua pelo uso do termo cruzada
para assinalar a propaganda de uma causa por
meios pacíficos.
b.
A s
ordens militares
As ordens militares emergiram no século XII, primeira men te em Jerusalém, para a defesa dos peregrinos (Templári os ca. 1120, Hospitalários militarizados ca. 1130) e, mais tarde, na Espan ha e em Portugal , co ntra os m uçulman os (Calatrava 1164, Alcânta ra 1183, Santiago 1171, etc.). A terc eira das gr an des ordens de Jerusalém, os Cavaleiros Teutônicos (criada em 1190, militarizada em 1198), transferiu a sua atividade prin cipal, em 1229, pa ra a região do Bál tico, num a cruzada co ntra os infiéis eslavos. As datas das fundações sugerem a tendên cia para a diferenciação nacional da comunidade cristã ocidental; as primeiras ordens de Jerusalém eram de caráter internacio nal; o grupo seguinte foi distintamente espanhol e português; e, no último grupo das grandes ordens, os teutônicos são os primeiros a ter um a designação nacional. As regras consistiam em modificaç ões das regras cistercienses e de Santo Agostinho ; incluíam os votos de pobreza, castidade e obediência, mas a admissão à caval aria era restrita a hom ens de sangue nobre.
aa. Os Temp lários As ordens militares têm um lugar na histó ria das idéias polí ticas dad a a evocação de comu nidades al tame nte centralizadas que adicionam a disciplina do soldado à disciplina espiritual ao mo do de São Bernardo. A comb inação deixou marcas i nde léveis nas atitudes e nos sentimentos políticos do mundo oci denta l, embora as ordens tenham desaparec ido ou ten ham so frido mudan ças funcionai s que as torn aram insignificantes e m termos práticos. Cerceando os poderes feudais, as ordens con
tinuaram a tendência que tinha ficado visível com a reforma de Cluny. A Ordem dos Templários evoluiu, na geração de sua
8 6 1 H ist òr indosIdéi asPol íticas - IdadeM édi aat éIb n é doA quí no
fundação, para um a organiz ação soberana, isenta de jurisdição feudal e episcopal, e tend o o pap a como cabeça suprem a. Mas o caráter militar introduziu complexi dades que não existiam nas ordens moná sticas. A proeza físic a, som ada à disciplina esp iri tual e à confiabilidade ét ica, cria ra um tipo d e organização com funções que os podere s feudais loc ais não tin ham. No caso dos Templários, a ordem expandiu -se rap idamen te à escala inter nacional; os castelos fortificados desde a Irlanda até a Armê nia, e as tropas bem-armadas que se movem entre os pontos fortificados, tornaram-na ideal para transportes de dinheiro, para a função de banco de depósito e, dada a riqueza crescente, para operações internacionais de empréstimo. A queda da or dem deveu-se à sua riqueza e posição como credora de Filipe IV, o Belo (1285-1314). A abolição da ordem em 1312 liquidou o débito real; as propriedades na França foram transferidas para a coroa, e a organização do banco central, no Templo em Paris, foi integrada à ad minis traç ão f inanceira régia. O destino dos Templários ilustra bem por que razão a or dem militar apenas poderia ter uma função transitória na quele tempo. Assim que ad quiriu riqueza e po der e, com o fi m das Cruzadas, sua função srcinal desapareceu, ela se tornou uma organização rival do estado nacional em crescimen to. Com a consolidação das monarquias nacionais no século XIII, a ordem militar deixou de ser u m “estado” den tro de um campo feudal de poder, mas passou a ser um “estado dentro do estado”. Nesta contenda, venceria a organização com maior base social e econômica.
bb. A Ordem Teu tô nica Graças à distância de um poder rival com a força da mo narquia francesa e graças à localização territorial na costa Báltica, a Ordem Teutônica teve vida mais longa. O estabe lecimento territorial dos cavaleiros teutônicos permitiu um melhor desdobramento das possibilidades governamentais
da nova organização militar. A Ordem opero u com um a cons tituição outorgada por Frederico II (1215-1250) na Bula de
4' A pri m ei r aref orm aJ 87
Ouro de Rimini (1226), incorporando as características prin cipais do governo siciliano centralizador que Frederico trou xera d o Oriente. O território da ordem mostra u m a primeira aproximação de um a organização mo der na do estado, fora do Mediterrâneo, usando elementos da técnica administrativa bizantina e islâmica. Apesar da posição mais favorável como empresa nacional alemã contra os eslavos, e d o avanço cristão contra os infiéis, a ordem sofreu os mesmos constrangimen tos dos Templários. Suas ativid ades com erciais, aprova das por concessão papal de 1263, criaram rivalidades com as cidades comerci ais no seu próp rio te rritório , e a ordem finalmente su cumbiu ao poder nascente da Polônia e à revolta dos prussia nos agora cristianizados. cc. Uma comparação:
o m ístico-guerreiro
ideal de
Kamakura As ordens m ilitares na sociedade ocidental tiveram de ceder o lugar à cidade e ao estado nacional. Contudo, o desapareci mento precoce não deve obscurecer a importância intrínseca do fenômeno. Em circunstâncias mais favoráveis, como por exemplo no Japã o, a mis tur a do mong e e dos ideais do guerrei ro dete rmino u dura nte séculos o caráte r político da civilização. Por coincidência histórica, a introdução do budismo Zen no Japão, patrocinado pelo
shogunato de Kamakur a, tem um p a
ralelo com a ascensão d as orde ns militares no Ocident e. A fusão peculiar do misticismo e do esteticismo Zen com as virtudes guerreiras de lealdade, resistência e obediência deram forma à vida da classe governante guerreira de Ka maku ra, po is a dinâ mica d a polít ica japonesa naquel e tempo seguiu um percu rso oposto à do Ocident e cristão.3A s ordens ocidentais sucum biram porque as nov as e fortes unidades po líticas emergiram a partir do campo feudal do poder. 0 ideal japonês do místico-guerreiro venceu porque a vitória do clã
3 Sobre o misticismo Zen, ver Daisetz Teitaro Suzuki,
Essays in Zen Buddhism.
I a série. Londres, Luzac, 1927; 2 a série. Londres, Luzac, 1933 ; 3 a série. Londres, Luzac, 1934. Reimpressão: Londres, Rider, 1970; e Tcipci, Chen^ Wcn, 1971.
8 8 1 H ist óri ados Idcí as P ol íticas - IdadeM édi nnlé Tomd. s dcA quino
tlc Minamoto e o estabelecimento do governo militar em Kamakura encerr ou o período do gover no imperial central mo ribundo, copiado das instituições chinesas, e iniciou a idade feudal japo nes a (1192). As orde ns militar es do Ocidente, além disso, não podiam evoluir para uma elite governante, pois o celibato moná stico cortava a base vital que
é a exig ência ine
vitável par a a continuação de u m grupo secular gover nante; a atitude espiritual militar
japonesa p oderia crescer como um a
força política estável porque a base vital era uma sociedade vitoriosa de um clã guerreiro.
dd. O soldad o político No Ocidente, os efeitos da evocação do guerreiro-monge foram mais indiretos e intermitentes. No contexto social e temporal imediato, as ordens militares afetaram o ideal de cavalaria, fortalecendo a dim ensão espiritual da lealdade feu dal e da virtude cavalheiresca. Em longo prazo, tiveram in fluência nu m a variedade de fenômenos políticos com srcens múltiplas . O núcleo essenc ial da a titude do guerreiro-m onge, que é transferível a outras situações, pode ser definido atra vés dos seguintes elementos: (1) ação militante, (2) estrita obediência ao superior e (3) “causa” espiritual como subs tância da organização m ilitante . Se a atitud e é assim definida, podemos ver quais circunstâncias são favoráveis ao reapare cimento destá atitude e quais não são. Uma organização do exército assente na nobreza feudal e seus descendentes não é o melhor ambiente para esta atitude: a lealdade recíproca entre o sen hor e o va ssalo deixa intactas am bas as perso nali dades . 0 código de honr a da personalidade independen te e o tradicional ismo da condu ta im pedem a obediên cia complet a e a imposi ção de táticas do com bate pela hierarquia. Um exér cito merc enário pode desenvolver a s virtudes e a disciplina do soldado profissional, mas lhe falta a causa espiritua l. A atitude do místico-guerreiro começa a aparecer outra
vez com a ascensão de movimentos espirituais entre o povo c a organização de unidades de combate de base popular.
4 - A p ri m ei ra r ef orm a 1 89
0 choque dos caval eiros com os s oldados cristã os em Marston Moor, em 1644, é o símbolo do começo de uma época nova. 0 exército nacional desde a Revolução Francesa marca uma etapa adicional n a revol ução, de tal o rdem que o nacionalis mo se transforma na causa espiritual do soldado moderno, mas a expressão dessa atitude encontra-se menos nas bases do exército nacional do que nos grupos da elite oficial e da conspiração político- oficial . As associações políticas revolu cionárias, do
Bünde
ou dos
fa sci,
desde a
Giovane Italia
de
Mazzini até aos revolucionários profissionais bolcheviques, os fa s c i de Mussolini, e o mo vimento nacional-so cialista, sã o os exemplos modelares do soldado político moderno unido com seus cam aradas pela substância e spiritual de um a “cau sa”. No m ovim ento nacional-so cialista, a ideia de ord em, em si mesma, ressurgiu e gerou um sistema educacional para lí deres no as sim chamado
Ordensburgen.
As ordens modernas renovam a união entre espirituali dade, obediência estrita e militância; além disso, destacam-se da massa por meio de uma regra de conduta e de uma disciplina especí fica, como expresso na oposição de Musso lini entre a
vita eroica
do fascista e a
vita co m m od a
do povo;
po r um a consciência esp iritual su perio r, como expresso na funç ão de vanguarda do núcleo com
unista diante da massa
do proletariado; e por sua submissão a uma magistratura específica, como exemplificado no
P a rteig eric h t
nacional-
-socialista. Em certo sentido, pode-se afirmar que a ordem moderna consegue extrair uma possibilidade inerente do grupo, de forma mais vigorosa do que as ordens militares medievais, pois uma análise da ordem moderna não reco nhece, implícita ou explicitamente, a singularidade espiri tual da personalidade humana. Consegue subordinar o ser humano completamente às exigências substanciais da co munidade e alcançar o racionalismo supremo do agir. No context o da antropo logia crist ã, a total obediênci a a um su perior secu lar pare ce um a aberra çã o da ideia cristã; num
contexto coletivista, a ordem espiritual-ativista surge como a form a ideal de um a elit e políti ca.
9 0 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aal óTbm áa deA qui no
c, As ordens mendicantes A ordem ativista de tipo militar foi suplantada um sé culo mais tarde por um movimento de espiritualização e Intelectualização da expansividade autoconsciente. As or dens mendicantes que representam esta segunda fase são um fenômeno com ramificações vastas e nem todos os seus aspectos pertencem à história das idéias políticas. Concentrar-nos-emos em três problemas: (1) A extraordinária per sonalidade religiosa de São Francisco de Assis (1181-1226) foi compreendida em seu tempo e na geração seguinte de religiosos franciscanos como o símbolo de uma nova dispensação cristã - a era do Espírito Santo, após as eras do Pai e do Filho. Nesse sentido, São Francisco tem uma função Importante na história da especulação simbólica no Tercei ro Império do Espírito. Trataremos desta questão na seção
Sa ecu lum ”. (2) O movimento de Sflo Francisco e dos po verelli distingue-se, em sua forma seguinte, “A Estrutura do
srcinal, pela personalidade do santo, mas não difere, em essên cia, de m ovimentos sem elhantes do pe río do , como o dos begardos nos Países Baixos, dos h u m iliati, dos pobres dè Lyon. Nesse aspecto, é típico dos movimentos religiosos po pulares espalharem -se pelas cidades da Europa em grandes corrente s heréticas que acabarão po r abrir cam inho n a esfe ra institucional do
sa cru m im periu m pa ra a Grand e Reforma.
'IVataremos à ) fenôm eno desses movim entos clandestinos no capítulo “0 Povo de Deus”. (3) A ordem francisc ana - em sua segunda forma, conventual com casas perm anente s - e a ordem dom inicana podem caracterizar-se co mo tentat ivas bem-sucedidas de integrar o espírito ativista do sectarismo popular em instituições aceitáveis, e não heréticas. A imitação de Cristo através de uma vida de pobreza, a
pregação para a salvação das almas e a cu ra de do entes
levou as novas ordens a ultrapassar a vida cenobita dos mostei ros e a ter um a ativi dade missionária dentro
da Eu
ropa e além dos limite s da civili zação ocid ental.* Com esse ntivismo, elas se tornaram o grande instrumento ortodoxo
4 - A p r i m e i r a r e í b r m a 1 91
de cristianização das massas, tanto positivamente quanto na forma negativa de inquisição papal, confiada às ordens mendicantes. Para as tarefas de pregar e converter, as or dens tiveram de treinar seus membros; as suas escolas tor na ram -se no s séculos XI II e XIV os grand es c entros da filo sofia cristã e da atividade intelectual, teológica e filosófica. 0 dom inican o Santo Tomás criou a filo sofia oficial da Igrej a Católica e permanece até hoje. A expansão missionária da cristandad e e o intelectual ismo ativo orientado s pa ra a sis tematização do pensam
ento cristão são a s duas carac terísti
cas das ordens m endicantes que continu
am relevantes para
o contexto presente. Tratemos brevemente do espaço geográfico da missão. O começo formal da atividade franciscana data de 1210, ano em que São Francisco e os onze primeiros seguidores obtive ram a aprovação pap al para a sua empre sa. Em 1217 começou a expansão além Itália, par a os países cristãos a n orte do s Al pes. Antes da morte de São Francisco, existiam treze provín cias na Europa, sendo a mais recente a inglesa, fundada em 1224. A ordem dom inicana espalhou-se de Toulouse, ond e a primeira casa foi fund ada em 1215, até Paris em 1217, Bolo nha em 1218, Inglaterra em 1221, e rapidamente depois em toda a Europa. A expansão das ordens para fora da Europa começou a ser um fracasso quando se dirigiu para os países islâmicos. O episódio teve alguma importância, porque na preparação p ara a tarefa as ordens estabeleceram escolas para o ensino do heb raico e do árabe. Mais bem-sucedidas foram as expedições em meados do século XIII que, pela primeira vez, trouxeram o longínquo Oriente para a órbita expansiva espiritual ocidental. A oca sião imediata deste movimento foi o avanço mongol na Eu ropa central , em 1240.0 papa e o r ei de França despacharam missões para a corte de Karakorum, a fim de iniciar enten dimento sereno com osmongóis e, se possível, convertê-los
à cristan dade . A missã o pap al de 1245 foi dirigida pelo franciscano João de Piano Carpini; a missão francesa de 1253,
9 2 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éTbm dsdc A qul no
pelo franciscano Guilherme de Rubruck. As missões foram importantes em vários aspectos. Elas marcam, em primeiro lugar, o começo das missões franciscanas no Oriente; sob a dinastia mongol, estabelece-se a diocese chinesa com João de Monte Corvino, o primeiro arcebispo de Pequim (Beijing). Os relatórios escritos pelos em baixadores franciscanos fornecem os primeiros conhecimentos exatos sobre os povos orien tais e as suas instituições. Em bora os materiais geográficos tenham sido substituídos por resultados mais avançados, as descrições etnográficas ainda são uma fonte segura para a com preensão da antiga sociedade mongol. O s relatórios preservaram as cartas dos cãs ao papa e ao rei de frança, cartas que são a fonte principal das estruturas cons titucionais e teoria política dos mongóis. O Itin era riu m de Guilher me de R ubruck tem u m signi fica do esp ecial na h istória das idéia s po rque descre ve os debates religiosos na corte de Karakorum entre cristãos ocidentais, nestorianos, budistas e xamãs a fim de estabelecer perante o Gran de Cã qual das posições religi osas era lu per io r. Esses debates ocorreram no clímax da expansão conscient e ativis ta do espírito cristão ocidental, e simbolizam os limites des ta expansão civilizacional. O absolutismo da movimentação cristã foi destruído, em princípio, pela consciência da rela tividade resultante do contato com um mundo de forças su periores que seguiam as suas próprias leis. A assem bléia de religiões, na corte do imp erad or do mu ndo, em pé de igual dade, antecipava os futuros debates religiosos no Ocidente e produções literárias, como a lenda dos “Três Anéis” ou o
ll cptap lomeres de Bod in, que indicam o começo da transf or mação interna da espiritualidade ocidental e a ascensão da ideia de tolerância. Os frades mend icantes competiam com os movimentos po pulares heréticos na Itália do Norte e na França do Sul, e esses movimentos eram liderados por gente de grande inteligência,
competentes em questões teológicas e com grande sincerida de pessoal. As missões estrangeiras, além disso, exigiam um
pessoal bem treinado que não fosse considerado medíocre ao contatar os representantes das grandes civilizações orientais. Consequentemente, a mbas as ordens m arcaram decisivamen te o ambiente intelectual da época através do pessoal de suas escolas, mais os dominic anos qu e os ffanciscanos, que tiveram que supe rar a m emória da baixa estima que seu fundad or [São Francisco] nu tria do lugar da instrução na pregação do Evan gelho. Basta enumerar algumas das figuras principais para se alcançar o significado deste estrato intelectual na constituição interna do sacru m im p eriu m . A ascensão das ordens mendicantes coincidiu com a intensi ficação das relações com o Oriente bizantino e islâmico. A intro dução de Aristóteles no Ocidente, por meio dos comentadores muçulmano s e das traduções latinas feit as diretamente dos ma nuscritos gregos em Cons tantinopla, foi o grand e estímulo in te lectual do século; na luta em torno do banimento ou admissão do filósofo, coube às escolas dom inican as receber e er igir a filo sofia aristotélica em um sistema de p ensam ento cristão. Alberto Magno (1200-1280) e Tomás de Aquino (1225-1274), nas esco las de Paris e de Colônia, conseguiram a simbiose aristotélico-cristã, e no sistema tom ista reconhecemos o grandio so símbolo do acúmen intelectual dos séculos em que o império ocidental ganhou plena consciência de si. As escolas ffanciscanas de Paris e de Oxford tiveram uma tradi ção co ntínua desde 1231, quand o Alexandre de Halles ( f 1246) aderiu à o rdem em Paris e Roberto Grosseteste (ca. 1175-1253) foi induzido a aceitar o cargo de len te na escola de Oxford. A escola de Grosseteste foi frutífera parti cularm ente no incentivo dos méto dos experim entais e no estudo da matemática e da física. Uma lista longa de sábios eminentes - Roger Bacon (ca. 1214-ca. 1294), Duns Escoto (ca. 1266-1308) e Guilherme de Ockham (ca. 1285-ca. 1349) - determ inaram o perfil intelectual dos franciscanos de Oxford como distintos do aristotelismo d ominicano de Paris e Colônia. Nenhum dos fran» ciscanos, contudo, alcançou a culminância e a autoridade de
Santo Tomás, e Ockham já representava as tendências do pensa mento q ue ultrapa ssam a evocação do sucrum im p e rium .
§ 4. A C ontr ovérsi a d as Inve st id ura s a. 0 declínio e a reforma do pap ado A análise precedente tra to u o tópico mais delicado de uma história das idéias políticas, isto é, o crescimento da subs tância espiritual que determina os conteúdos e o espaço da evocação política. Acompanhamos este crescimento até ao ponto da maturidad e em Bernardo de Claraval, e seguim os adiante na autoaíirmação militar e intelectual do Ocidente, c na expansão ativista para Oriente até o ponto em que, no conflito com os mongóis, ficaram vis íveis os limites do m un do ocidental. Agora temos que examinar as idéias de ordem do sa cru m im periu m . 0 problema deste esboço geral já foi mencionado ante riormente. O princípio ordenador fundamental da evocação Imperial é a separação gelasiana entre os poderes espiritual e temporal, e os mecanismos de controle entre eles. As exigên cias da fimdação carolíngia e os distú rbio s da mig ração dos sé culos poster iores atr ofiar am o cen tro espiritual; a r egeneraçãodo papado com o poder espiritual, começada com a reform a de Cluny, criou um conflito inevitável com o pod er tem poral que nflo queri a abdicar da predo min ância adquirida. Com o declípio do I mpério C arolíngio, a Itália ficou expos ta bs invasões dos muçulmanos e dos magiares, e o papado foi transformado, na defesa da Itália, em um poder secular nas mãos da nobreza roma na e lombarda. Uma medida de ordem íoi reintroduzida no papado por Otão, o Grande, em 963, por ocasião da sua segunda expedição a Itália. A intervenção de Otfio reintegrou o papado no sistema de bispados imperiais, melhorando o pessoal da cúria. Na ausência do pod
er imperial
transalpi no, a instituição caí a nas mãos dos aristocratas rom a nos, como sucedeu com os papas d e Crescentian
de 1003 a 1012
t na série de papas toscanos de 1013 a 1046. Em 1046 havia
Irês pap as em Roma, o que a carret ou a intervenção .de Henri que III (1039-1156). Três papas foram depostos, por pressão
4- Ap ri m ei rar ef orm a 1 95
imperial, nos sínodos de Sutri e de Roma (1046); o imperador recuperou o direito de nom ear o pap a e compel iu os romanos a jurar que renunciatam ao direito de eleição. A renúncia da eleição pop ular removeu a b arreira institucional mais perigo sa à independência espiritual. O sínodo de Roma (1047) começou a reforma mediante decretos contra a simonia e o casamento de clérigos. Leão IX (1049-1054), prim o afastado de Henrique III, in augur a a série de papas reformadores de Cluny. A principal etapa institucio nal veio no sumo episcopado de Nicolau II (1058-1061) com o decreto da eleição do sínodo de Latrão de 1059, que instituiu o colégio de cardeais de R oma com o o corp o eleitoral,4 preserv an do o direito imperial de nom ear de mod o tão vago que se pod e ría interpretar como referente apenas ao imperador (Henrique IV, 1056-1106). A Igreja desenvolvia um procedim ento eleitoral autossuficiente, to rnan do supérflua a intervenção imperial . Em 1075, o decreto de um sínodo romano, sob Gregório VII (10731085), decidiu pela primeira vez contra as investiduras laicas, punindo os violadores com excomunhão, e estendendo o prin cípio do controle da igreja da cabeça papal até aos bispos. Foi esta etapa que precipitou o grand e conflito entre o pap ado e os poderes temporais - a Controvérsia das Investiduras.
b. Oproblema da simonia - Pedro Damião Os eventos políticos que acompanham a controvérsia são descritos em todas as boas histórias da Idade Média. Aqui só interessam os problemas principais e alguns tratados proemi nentes sobre o tema. O primeiro grande problema a resolver radicava na simonia, ou seja, a compra de benefícios eclesiás ticos e, particularmente, de promoções episcopais da parte de senhores feudais. Quando começou a reforma do sacerdócio» Leão IX (1049-1054) enco ntro u sérias dificuldades p ráticas que exigiram o esclarecimento de problem as teóricos fimdam entall 4 Este método de eleição não era inteiraménte novo. Tinha sido substancial*
mente introduzido em 769 e permaneceu em força até 824, quando foi abolido na Constitutio Lotharii.
9 6 1 H ist óri adasI déi as Polí ticas - IdadeM édi aat éI b m áideA qui no
itobre a substância da Igreja. Com apoio imperial, foi possível remover os bispos feudais do simoníaco, com extensão da
refor
ma aos atos sacram entais de bispos d o simoníaco, em especial i\ ordenação dos sacerdotes que tin ham recebido o s acram ento de boa-fé, desp ertand o resse ntimen to e resist ência entre as víti mas inofensivas de um zelo purificador . A invalidação do sa cra mento sacer dotal administrado po r bispos culpados mostrou•se praticam ente impossíve l, e até a imposição d a penitência a tais sacerdotes fo i considerad a uma injustiça. O compromisso de 1060 deixou no cargo aqueles que foram, se m qua lquer culpa própria, obrigados pelos simoníacos e retirou dos bispos simoníucos o pod er de ordenação, em term os futuros. A solução prática parecia simples e sensível, mas impli cou uma decisão essencial relacionada com a objetividade sacramental e preservou a Igreja de transformar-se em uma seita, em consequência de sua reforma espiritual. A questão loí discutida po r Pedro D amião em seu
L iber gra tissim us (ca.
I052). 5Damião era um reform ista, mas viu o perigo res ulta n te de tornar a validade do sacramento dependente do valor do padre que o ministra. Apoiado pela autoridade de Santo Agostinho, ele coloca a igreja no centro de sua discussão e decisão. A vida espiritual da igreja emana diretamente de Cristo, cabeça do corpo místico. O carisma sacramental é sempre puro, mesm o que seja indigna a mão que o adm inis tra. O sacramento é
ad m inistrad o somente pelo sacerdote; a
ftíb stância não é afetada por suas qualidades pessoais. Para tornar o carisma do sacramento eficaz, o receptor tem que encontrar-se em estado de graça, mas não está em poder do
ministro exercer um poder mágico compulsivo sobre Deus, convertendo-se em pessoa
digna ou indigna como med iador
do dom de Deu s ao hom em. A análise de Damiã o lançou u ma teoria mais ela borada dos sacramentos e de sua administração, com a vantagem de
estig
matizar o sacerdote simoníaco e evitar os males daí decorrentes,
' Pvicr Pamion, Liber Gratissimus. Ed. L. de Heinemann. In: MGH, Libelli. lUnuvcr, Hnhn, 1891, p. 76-94, vol. 1. ReediçSode 1956.
enqua nto, simultan eamen te, acentuava a objetividade do sacra mento, torn ando desnecessário, para o reformador, um extre mismo sectarista com ò objetivo de criar uma igreja dos eleitos no corpo místico. A objetividade do sacramento como o prin cípio ordenador do corpo místico é a condição prévia de uma função da igreja enquanto organização espiritual unificadora do
sacrum im perium . Quando
se enfatiza em demasia o mérito
pessoal dos membros, o risco de um a ruptura revolucionária da unidade eclesiástica surge caso forças sociais suficientes este jam disponíveis para uma reforma violenta.6
c.
Pata ri a -
B o n iz o d e S u tr i
As forças sociais que poderíam abalar a Igreja, em nome da reforma espiritual, surgiram com a Pataria de Milão, em 1056. P ataria
é
o nome do mercado de panos em Milão e da
população que habitou o bairro. O movimento de reform a do povo de Milão con tra o clero aristocrático simoníaco foi o pri meiro de u ma longa série e m que os povos das cidades euro péias en co ntraram um a consciência espiritual e social, até que veio a ruptura com a Grande Reforma. No exemplo de Milão, o papado usou o movimento popular para o estabelecimento de “casos de test es” contr a o clero fe udal; a cidade foi um tip o de laboratório socia l para a reform a antes de a querela se pr o pagar extensivamente pelo império, na Inglaterra e na França. Quanto à predestinação de Milão como o campo de experiên cia - por causa de sua preservação das tradições desde a época de Ambrósio, de sua posição militar fundamental na alta Itá lia, do direito de conceder a coroa de Itália, de seu valor como um aliado na futura querela com o Império -
, remeto o le itor
a uma his tória d a Idade Médi a.
6 O perigo oposto, de uma profunda corrupção do clero caso a validade do sacramento fosse inteiramente dissociada do mérito do ministro, foi visto claramente pelos contemporâneos. O cardeal Deusdedit encontrou uma fórmula para o problema em seu
Libellus contra Invasores et Symoniacos et Relicjuos
(1097), quando diz que uma tolerância sob a pressão da extrema Schismaticos
neces sidad e “de maneira algum a deve ser considerada u lei". I;.d. Rrnst Sackur, In: MGH,
Libelli. Hanover,
Hahn, 1892, p. 327, vol. 2,
9 8 1 H ist óri a dos I déi as Pol ít icas I dade M ídia at é Ihm i i s de
A quino
Na história das idéias, o exemplo d a Pataria sugeriu a in terpretação da reforma que en contramos em Boni zo de Su tri, èm seu
L ib er q u i in scrib itu r a d a m ic u m (ca. 1086).7 Boni
zo assum e um a posição na refo rma do século X I semelhante à de James Ha rrin gto n na Revolução Inglesa do século X VII. Destaca-se dos contemporâneos pela observação das impli cações sociais do movimento reformista. Identifica os inte resses simoníacos com os dos senhores feudais que du
rante
0 período da migração conquistaram posições que agora estavam relutantes em abandonar; e vê na Pataria um mo vimento demo crático, sob a l ideranç a da alta nobreza do es pírito, que visa o controle popular do alto clero, no interesse de um a reform a espiritual. A análi se de Bon izo não recebeu a ate nção merecida, e m pa rte po rque o movimento da de escapou do controle:
cida
a Pataria insurgiu -se, no sécul o XII,
na comuna de Roma sob Amold de Bríxia (ca. 1090-1155), contra a p rópria igreja e t orno u-se herét ica.
d. A controvérsia - Os argumentospa pàise imperiais Na luta entre o pap a e o im perador, a controvérsia sobre os direitos respecti vos não p rod uziu idéias novas. Foi essen cialmente um a con tenda p or juris dições ; a dissenç ão recai u sobre a interpret ação de regras dúbias para am bas as partes. A controvérsia, assemelhou-se, neste contexto, às diferenças de opinião entre Jaime I e sua corte e o parlamento no início da Revol ução Inglesa. O que po demo s observar é um end ure cimento da índole e uma lógica interna dos eventos que leva os protagonist as à beira de um a cisã o do império; que, contu do, se interrompe bem perto do momento decisivo. A lógica interna pode expor-se m uito brevemente. Quando a questão da sim onia foi resol vida com o rigor da teoria dos sacram en tos, perm aneceu o problem a prático de que todas as medidas do papado seriam frustradas caso os poderes temporais não cooperassem e continua ssem com práticas simoníacas. Como 1
1 Bonlzlo de Sutri. I. p. 168-620,
LiberadAmieum, Ed. Ernst DUmmler. In:
MGH, Libelli,
etapa seguinte necessária, houve sanções contra os príncipes ofensores, variando entre admoestações, excomunhões e até deposi ções como últim a medida. Medidas com consequências tão vastas na ordem inter na do sa crum im periu m permitiram o debate da questão em ambos os lados. Como justificativa das medidas papais, ao extremo de depor o imperad or e de liberar o s súditos de seu juramen to de lealdade, podia-se alegar: que Pedro recebera o poder de ligar e desligar; que, de acordo com a separação gelasiana do
sa cerdo tiu m e do regnu m y o poder espiritual é su
perior ao temporal; que a deposição do último rei merovíngio pelo papa Zacarias constituiu um precedente para a atual ação papal; que a liberdade espiritual da igreja requereu e justificou a interfe rência e m matérias temporais ao ponto de tais inter ferências serem necessárias para manter a substância espiri tual intacta (um tipo do argumento “necessário e apropria do ” no sentido const ituciona l americano, prepara ndo p ara a teoria vindo ura de Roberto Bel armino “do poder in direto ” do papa em casos tem porais); que o imperador era um mem bro do corpo m ístico como todo cristão e não estava isento da dis ciplina espiritual da ig reja; que um a instânc ia de último recu r so era necessária no império; e que este natura lme nte residia no papa, u ma vez que repre senta o pode r espiritual . Em favor do i mperado r podia-se argumentar: q ue, de acordo
sacerdotium y em questões t emp o rais, dependia tanto do regnum como o regn um y em questões com a separação gelasiana, o
espirituais, do sacerdotium ; que o pod er real foi decretado por Deus e o sacerdócio teve, pela autoridade dos pais da igreja, de o respeitar de forma incondicional e mesmo contribuir para manter a sua autoridade; que o poder espiritual sobre os reis podería exercer-se som ente em caso de heresia; que os perso-
na regalis tiveram, no sentido da doutrina do século IX, status no corpus m ystic um ; que esse poder temporal não é oriundo, consequentemente, do iha l; que a un idade do sacrum im periu m
dependeu da cooperação dos poderes; que o poder espiritual não podería reivindicar, consequentemente, supremacia sobre
1 0 0 1 H ist óri a da s Idéi as Polí ticas - Idade M édia at é I bm da de A qulno
o poder temporal; que, pelo costume do império, o imperador exerçe o proteto rado sobre Roma; e a influênci a em nom eações eclesiásticas abaixo do papa e ra seu dever.8 lÍNtu ' A de argumentos sozinha não faz justiça à riqueza da discussão em que Imlu ii gama de diferenças regionais e civilizacionais do Ocidente, bem como llinu série de personalidades, entram no jogo. A controvérsia foi o maior debale político do mundo ocidental e o teste supremo de sua habilidade política. A breve enumeração das contribuições típicas a seguir pode dar uma ideia da amplitude das forças. IJm dos primeiros tratados do lado imperial foi a
Epistula ad Hildebrandum
(cerca de 108 1), d e Wenric h de Trier, que afirma a santidade do juramento Irudal e c onde na co mo inovação a ideia de que os padres devem levar a dissen«Oo para as nationese depor prí ncipes . O Liberde Controversis Inter Hildebran , de W ido de Osnaburgo, esqu adrin ha de modo dum et Henricum Imperatorem nmis profundo a estrutura histórica do império. Enfatiza que os problemas da igreja se devem a seu envolvimento em questões seculares desde Gregório Magno, que a intervenção e o controle imperial eram desejados pelo papa do como necessários durante a desordem italiana e que, com a diminuição da necessidade, a intervenção imperial ainda era legítima, porque o imperador, com sua unção, manteve uma posição sacramental no corpo místico. O
Liber
de Unitate Ecclesiae Conser vanda(da
década de 1090, atribuído a Walram de Nmimburgo) apresenta o argumento de que o corpo místico não é só uma
cantas concorda Um procedimento unilateral do papa destrói z unidade da igreja e membrorum.
unidade sacramental, mas também étnica, que repousa sobre a
do império, pois o reino de Deus entre os homens é idêntico à igreja de Deus. () anônimo Tractatus de Investitura Episcoporum, de 1109, vai mais longe na amilise política e introduz pela primeira vez a ideia de uma translado imperii purumente política dos gregos aos francos. O autor exorta os dois poderes a rvilnr a ruptura do crescimento histórico-político da cristandade. A
Defensio
Htnrici IVRegis (1084), de Pedro Crasso, deve ser mencionada como prova da sobrevivência da tradição imperial romana em solo italiano, particularmente na m o la de direito de Ravena, que mais ta rde anunciou o l egalismo italiano. O Iratado italiano de Gregório de Catina,
(1111), Orthodoxa Defensio Imperialis
proveniente de Faríà, se distingue por sua profunda compreensão da teoria puulina do corpo místico. Ele usa o argumento da analogia orgânica para tratar da necessid ade de cooperação entre o s dois poderes. I>u lado papal figuram Gebhardt de Salisburgo com sua Epistula ad Heriman(1084). Ele insiste, em particular, no fato de que a controvérsia uum Metensem üimtimiu sua forma mais feia através da ação injustificada do sínodo de Worms, nn 107 6, que depôs o papa. Todas as ações subsequentes do papa foram reações i mura esta brecha da ordem da com unid ade cristã . U ma so lução, assim propõe a curta,
pode ser encontrada apenas por meio de uma assembléia representativa
do Império, e até então alguém teria de tentar trazer o rei de volta a seu cargo pelo exercício do
pastorale officium. O relaxamento da tensão que preparou o
compromisso veio, entretanto, com a personalidade piedosa do papa Pascoal II ( 109 9-1 11 8), que imaginou a medida radical de renu ncia r à pos ição feudal dos lilopoa, abrindo mão das regalias e apoiando a igreja apenas por seu domínio e
pelo dízimo. Ele antecipou em séculos o retraimento da igreja à esfera moralmpiritunl, mas teve de ceder ante as condições d o século XII. Embora sua polít li a se quebre diante da reslsltui Ia unida de leigos e clérigos, o prestígio de sua
\
- Apri m ei rar ef orm a 1 101
e. Gregário VII Antes da luta contra Henrique IV, já se sabia a que ex tremos Gregório VII iria recorrer para tratar os príncipes recalcitrantes. Nas cartas aos bispos franceses de 1073 e 1074, ele esboça as medidas que usaria a fim de compelir o rei da França a desistir das práticas simoníacas. As primei ras etapas seriam repreensões e adm oestações pelo s bispos; seguir-se-ia a excomunhão do povo francês, c aso não ren un ciassem a sua lealdade perante o rei, por um interdito da igreja; a excomunhão do rei; e sua deposição.* 9No
D icta tu s
p a p a e de 1075, ele enum era ent re os pode res do pa pa o dire i to de depor o imperador e dispensar os súdit
os do juram ento
de lealda de (fidelitas ).101Os doc um en tos qu e acom pan ham as ações de 1076 (deposição do papa pelo imperador e do im pera dor pelo papa) nad a acrescentam a estas ameaças e aos argumentos precedentes indicados. De certa importância, entretanto, as cartas de Gregório a Hermann de Metz indi cam, em term os radicais , que a reale za é srcinada no orgu lho do homem que, incitado pelo diabo, se assenhoreia de seus iguais po r meios in íqu os.11 As cartas suscitaram muitos comentários entre os con temporâneos e entre os escritores posteriores, porque foram compreendidas como uma nova teoria, exaltando o poder espiritual como divino sobre o poder temporal diabólico; as passagens foram consideradas um documento da arrogância clerical, no seu pior. Mas, segu ndo Alexandre Carlyle, se fos sem interpretadas desta for ma, as cartas estariam em
contra
dição com outras indica ções do pa pa s obre a ordenação divina atitude foi um elemento na vitória da reforma. A respeito deste levantamento, ver Dempf,
Sacrum,parte III, cap. 5, “Einheit und Freiheit der Kirche”.
Registrum. Ed. Erich Caspar. In: MGH, vol. 2, fase. I. Berlim, Weidmann, 1920, II., p. 5: “ Modis omnibus regnum Franciae de eius occupatione, adiuvante Deo , temptemm eripe re". 9 Gregório VII,
10Ibidem, 11.55a, r eg ra si 2« 2 7. Sobre Gregório VII, ver Henri-Xavier Arquillière,
Saint Grégoire VII: Essaisur sa Conception du PouvoirPontificai
In: UEglise etl’Etat
auMoyenAge.Paris, LibrairiePhilosophiqueJean Vrin,
1934 , vol, 4.
11 Cartas de 10 76 e de 1081 . In: Gregório VII, RegiitrwH* IV ,l p VIU.21.
1 0 2 1 H ist óri a das Idéi
as Pol íticas - Idade M
édia at é T om il
dlA ^ u ln o
do poder régio.u Assim, o significado das passagens não se encdntra no conteúdo teórico. Na verdade, já recordamos em capít ulo anterior -
sobre a t eoria cri stã da l ei natural -
que a condenação da ordem positiva como um mal é uma das posições fundamentais que foi superada pela teoria da lei natural “relativa”. Que a posição tenha sido considerada insatisfatória nas cartas do papa não é um desenvolvimento teórico novo, mas é, pelo contrário, uma prova da escassa articulação intelectual da do utrin a cristã no século XI. O va lor funcional de um fragmento isolado da teoria ainda podia compensar a responsabilidade do pensamento sistemático. 0 equívoco deve servir como advertência geral para não se proc urar por teo rias sistematizadas sobre os poderes papais e imper iais em literatura controve rsa, mas para to m ar os es critos c omo sumár ios, mais ou me nos organizados, que l idam com os arg um ento s trad icio na is.13
12 Cf. Alex ander J. Carlyle e Robert W . Carlyle, A His tory ofMediaevalP olitical Theory in the West, vol. 2. The P olitical Theory ofthe Roman Lawyers and the Canonists, from the Tenth to the Thirteenth Century. 2. e3. Éclinburgo e Londres, Blackwood, 1928, p. 94 ss. Reedição: 1950. ” Um bom exemplo de um provável mal-entendido surgiu no caso do escritor papista Manegold de Lautenbach, que, em seu A d G ebhardum Liher (cerca de 1084), supostamente antecipa a teoria da srcem contratual do estado. M anegold feia, de feto, a respeito de um pactum. Mas por que a palavrapactum deveria ter neste contexto o mesmo sentido dos acordos e contratos dos séculos XVI e XVII? D em pf parece sensato ao sugerir (Sacrum, p. 210) que pactum não quer dizer nada mais corriqueiro d \ que o juramento oficial oferecido ao príncipe na ocasião de sua cerimônia de posse. A relação feudal não era de direitos assegurados pelo prín cipe e obrigações devidas pelos súditos, mas uma relação de direitos e obrigações mútuas. Continha, portanto, um forte elemento que, com cautela, podemos cha mar democrático. O ressentimento dos senhores alemães, temporais ou espirituais, contra Gregório se devia menos a suas tentativas de reformar a igreja do que a sua negligência no processo, de lidar com o imperador. A deposição de um príncipe pão devia ser uma medida unilateral do papa, mas uma medida a pedido e com o consenso das assembléias representativas compostas por dignitários seculares e temporais. Antes da segunda excomunhã o e deposição de Hen rique IV, o papa to mou, portanto, as devidas medidas legais para submeter a decisão entre Rodolfo de Suábia e Henriq ue a uma assembléia representativa com o o legítim o órgão de resis tência da comunidad e contra um rei tirano, antecipando a ideia da M agna Carta. A passagem em Manegokj de Lautenbach não devia, portanto, ser compreendida como uma teoria contratual prematura, mas, antes, como o resultado da atenção
direta às instituições feudais como fonte de sentimentos que mais tarde seriam expressos por meio do símbolo do contrato. Arriscamo-nos a dizer que a teoria do contrato é, em certo pon to, o feudalismo traduzido na linguagem da classe média.
4 -A prlm cira ref or ma 1 103
Temos que admitir, entretanto, que a política papal em questões internacionais forneceu um forte pretexto para in terpretar as indicações ocasionais como sintomas de vastas ambições políticas. Divers os predecess ores de Gregório V II já tinh am tentado criar rela ções espec iais de suprem acia da Santa Sé perante pod eres tem porais. Típi co é o juram ento de Robert Guiscard, de 1059, em que se den om ina d uque de Apúlia e de Calábria por graça de Deus e de Sã o Pedro e co ncord a em não ju ra r fidelidade a ninguém exceto à Santa Igreja Romana.14 Alexandre II (1061-1073) tenta tutelar Guilherme, o Conquis tador, indicand o os tributos pagos “
do ne cA ng lif ide lis e r a n f.
Carlyle integr a esses desenvolvim entos em s ua H isto ry o fM e-
diaev al Poli tical The ory [História da Teoria Política Medieval], volume 4, como um reforço “da autor idade feudal do papa do”. A classificação não está incor reta, m as é um a meia-v erdade. Há decerto um elemento de rivalidade com o poder imperial tem poral, particularmente nas referências à doação de Constantino. Mas as fórmulas da época de Nicolau II e Alexandre II têm im plicações que não são de tipo feudal. O termo fid elita s , que su postamente significa a submissão feudal, tinha então o duplo significado de lealdade feudal e lealdade na fé
(fides , pistis no
sentido paulino). Esse duplo sen tido fica particu larm ente claro na ca rta de Alexandre I I a Guilherme, o Conquistador, em que a
tutela da Sant a Sé está relacionada com a co nversão dos anglos à cristand ade e os pagamentos estão vincul ados com a fé dos an glos. Não é dessarrazoado sup or qu e a am biguidade foi utilizada intencionalmente pelo papa a fim de chegar por meio da
fides
cristã à fid e s feudal com mais consequências políticas. Guilher me, o Conquistador, parece ter compreendido o jogo, porque considera que a fid es é exclu sivamente feudal e não respon de a o argumento do papa. Ma s a fid e s crist ã misturou- se com a
fides
feudal em um novo tipo de relacionamento entre o vicário de Cristo e os príncipes cristãos, indicando n ovam ente a força do
14 De us de di t, Collectio Canonum. Ed. Pio Marcinucd. Veneza. Almiliana, 1899, Liv. 3, n. 137, p. 340. Outra edição: Die Kanontstammlung des Krirdinub
Deusdedit. Ed. Victo r W ol f von
Glanvell. Paderb orn. Skhonlng. 1903 . vol, 1,
1 0 4 1H ist óri ada sI déi asP ol ít icos- Idad eM édi o l éTb m éi deA qu ino
polo espiritual levantando-se num sistema duplo do poder do
sa cru rn im perium . Sob o episcopado d e Gregório, a ques tão teórica se complica com o problema da supremacia papal nos assuntos da cristandade em situação de emergê ncia; cabe à autorida de espiritual do papa a função de tribunal de última instância se os poderes temporais não se entenderem. A posição do papa, como ár bitro internacional, estava em gestação desde a sanção papal da transferência da monarquia franca dos merovíngios para os carolíngios. Com Gregório, a função cresceu para além da situação da emergênc ia entre dois imp eradores rivais , e ao m e nos potencialmente o papa adq uire pod er de intervir em favo r de uma organização política eticamente desejável da humani dade crist ã. 0 princípio direti vo da interfe rência p apal assen tava na ideia agostiniana de que as peq uenas nações livres de vem ser protegidas contra a tirania de um império. Na carta de 1075 ao rei de Hungria, Gregório desenvolve os princípios de sobera nia papal em rivalidade com as reivin dicações do im pe rador: o reino da Hungria dev e preservar, com a outros nobres reinos, a autodeterminação (in prop rie liber tati s sta tu debere esse) e não deve sujeitar-se a um rei de outro reino (no caso, o alemão), ma s som ente à igreja como a mãe sa nta e universal que recebe os seus súditos não como servos, mas como filho s. Segundo a concepção papal, a relação feudal s ó pod e gover nar a ordem in tern a de um reino nacional. S e um rei nac ional estender o senhorio sobre um outro rei nacional, a relação é “tirânica”, e o rei vassalo não é um rei, mas um regulusP O caráte r tirânico de um relac ionam ento feudal entr e reis na cionais é a base para a interferência papal com a finalidade de proteger liberdades nacionais. O sa crum im p eriu m é uma pluralidade de principados nacionais independentes, e a j i delitas ao papa seria o instrum ento jurídico para preservar a liberdade na unidade do corpo místico. O argumento é fala cioso ao pro por que o poder espiritual pode gerir uma ordem eficaz sem se transf orm ar em tem poral. É compreensível que
•' Circgórlo VII, Rtgütrum,11.63. |>. 70.
os contemporâneos reagissem contra o que consideraram um a aventura na políti ca do poder, m as esta reaçã o não dev e obscurecer o fato de que a política papal era consequência da nova espiritualidade dinâm ica. A construç ão gelas iana disten deu até ao ponto de ruptura ; e a ascens ão de um m undo de es tados nacionais sobre as ruínas dos poderes papal e imperial transform ou-se em visão no horizont e.
§ 5 .0 ca rde al H um be r to 0 corpo principal da literatura controversa tende, como vimos, para a solução do acordo de W orms com suas influên cias equilibradas de poderes espiritual e temporal nas inves tiduras dos bispos. A controvérsia não se refere às relações entre a “igre ja” e o “estad o” (estas duas categorias pertencem a um período posterior), mas à ordem de poderes dentro do
sac ru m im periu m . Podemos at é mesmo dizer que nesta con quista que ameaça va a unidade co m um a rup tura, o im per ium crist ão alcanço u a consciênc ia suprema de sua estrutu ra pe culiar. A teoria política teve de enfrentar os compromissos implicados na decisão paulina de estabelecer o reino de Deus como um reino durad ouro neste mundo . E, apesar das ri vali dades, detect a-se a vontade comum para elaborar um a ordem de funcionam ento para um império espiritual que sati sfaça as necessidades vitais de um a comu nidade. Dos argumentos da controvérsia, emerge, em certo sen tido, a filosofia política definitiva do império cristão. Mas apenas porq ue a controvérsia é a consumação de problemas antigos, e porqu e é dom inada por um espírit o de sanidade e compromisso, não é uma aven tura em abismos perigos os do intelecto pe los quais a construção instável do império p
ude s
se ser arruinada. Se quis ermos abord ar os problemas teóric os da ideia imperial, teremos
de o bservar os grandes intelectuais
radicais que, re lativamente à evoca ção central do império, la deavam a controvérsia. Essas alas radicais sflo representadas
1 0 6 1H ist óri ad asI déiasPol
ít icas- Idad eM édi ai téTo m ái deA qu lno
tipicamente, no lado sacerdotal, pelo cardeal Hum lado régio, pelo autor anôni mo dos
berto e, no
Trat ados de York .
0 cardeal Humberto, um cluniacense que veio de Roma com Leão IX, apres ent a em seu
L ib ri tr esA d versu s Sim o niaco s
(ca. 1058) a teoria po lítica espiri tua l do per íod o.16O prime iro livro do tratado aborda a questão da simonia, toman do u ma posição oposta à de Pedro Damião. H um berto ataca a sim onia não co mo u m abuso, mas como u ma here sia, uma vez que a defesa de práticas simoníacas implica a crença de que o Es pírito Santo pode ser compelido a integrar um a alm a “a ser viço de mãos servis e comerciais”. Humberto é um paulino pneumático rigoroso: a
metanoia real da alma humana, por
si só, to rna um hom em cristão, e o corpo místico pode se r es piritualmente livre som ente se os mem bros participarem em uma realidade livre no espírito de Cristo. Enquanto Damião vê uma compulsão mágica na suposição de que o espírito é dependente, para seu fl uxo, do mérito do ministro, Hum berto vê a compulsão na suposição de que a administração do sa cramento mediará o carisma independentemente do mérito minis terial. Deparamo-nos com um a fórmula prec isa de uma oposição entre a objetividade sacramental como o princípio de um cor po místico mesclado de “ be m” e de “mal” (que po r essa razão s e pode transf orm ar no
corpus humano de uma ci
vilização cristã), e o po stulado radical da liberdade espiritual que, por necessidade, distingue en tre um corpo puro d e Cristo e um “contraco rpo ” místi co do diabo. Não nos surpreendemos, assim , em encontrar, no segun do livro, que trata da estrutura da história, uma abordagem incisiva do problema ticoniano. A igreja espiritual livre é a igreja do corpo de Cristo; o corpo simoníaco infectado é o
corpus diabo li. Mas Humberto não remonta meramente aos africanos dos séculos IV e V, nem recusa a incorporação realizada, no século IX, da A evocação do
person a regalis no corpo místico.
imperium , com a posição sacramental do rei,
IA Hum berto da Silva Candida, Libri III Advrnus Simoniacos. EA Friedrich Thuner. In: MGH, Libeili, I. p. 95-253.
4 - A p r im e lra r e ib r m e 1 107
está bem estabelecida; assim, a ordem política temporal não corre o risco de descambar para um reino do mal. Pelo con trário, a autoridade temporal também representa o Espírito Santo, e a reprim enda mais severa que Hum berto pode fazer relat ivamente à simonia é que corrom pe o poder tem poral e o priva da majestade da função im perial. A relação feudal é integrada na relação cristã, e podemos observar agora em outro
context o a simbiose entre a
fid elita s
cristã e feudal, referida previamente nas construções impe riais dos papas reformistas.
A fid elita s,
em seu duplo senti
infidelitas e a perfídia que assomam na ânsia tirân ica pelo po der (do m inii cupido) são categor ias do reino do mal. 0 corpus anticristão do, é a categoria do verdadeiro corp o místic o; a
tem um paralelo com o cristão na história desde o tempo de Caim e Abel, mas a esp erança de refo rma r a unid ade histórica real de um império-eclesiástico e torná-lo um corpo cristão verdadeiro não é a diada para u m termo esca tológico do mu n do; a reforma é possível como um evento na história cristã. 0 ticonianismo é absorvido na evocação imperial na medida em que a civitas diaboli é transformada em um elemento do maligno que pode ser combatido, se não superado, reform u lando a ação. A teoria de Hum berto, neste contexto, ma rca um nível distin tam ente novo do pens am ento político cristão. 0 terceiro e últ imo livro desenvolve um a teoria da ordem política cristã, incorporando com ousadia toda a estru tura da história secular na manifestação do Espírito Santo.17Quanto à questão crucial das investiduras dos bispos, Humberto decide que a dignidade sacerdotal é inseparável da administração da propriedade da igreja, que a propriedade é tão sagrada quanto a estru tura espirit ual da igreja e que, consequentemente, é incon cebível fazer o po de r tempor al prece der ao espiritual n a questão das investiduras. A inversão do procedim ento, o que realmente foi praticado, pervertería a ordem e a função verdadeiras dos membros do corp o m M co . A esfera de bens materia is toma-se
17 Com pare c om a elaboração anterior em
Helenismp, Roma t Cristianismo Pri-
mitivo,parte 2, cap. 5, “Santo Agostinho”.
1 0 6 1H ist ó ri ada sI dé iasPo líti cas• Id adeM édia t d' Ihm ás deA qu lnn
u sim inclusa no reino do espírito; o re ino de Deus não é um reino de pessoas, meramente, mas compreende a dimensão física deste mundo. Tomando um organismo como símbolo, Humberto r etrata a ordem sacerdotal como o s olhos no co rpo; o poder secular, como o tronco e os braços de defesa; o povo, como as extremidade s; a pro pried ade eclesiástica e a profana, como o cabelo e as unh as.18É quase u ma constru ção panteística, testificando o peso que o “ mundo” tinha ganhado no senti mento crist ão desde o t empo romano-cristão. O mu ndo em sua realidade histórico-política plena, com sua estrutura material, converteu-se num a dimensão tão firme da ordem cristã do pen samento que a tensão esca tológica entre um reino de Deus que não é deste mundo e o próprio m undo praticamente desapare ceu. Se retirássemos d a teoria de Humberto o conflito entre os dois corpos mí sticos - do espírit o e do diabo - , chegaríamos a uma identif icação da estr utura real do mundo com a ordem di vina desejada; uma identific ação que desem penh aria um papel importante n o pensam ento herético d a Alta Idade M édia.19
$6 . T ract atus Eb orace nses Embora seja descabido forçar demais a literatura contro versa em busca de um a d outrin a sistemáti ca, seria igual mente insensato nãó vislumbrar num homem do nível do cardeal Humberto nada senão um polemista. Ele participou, de fato, da con trovérsia, e pode -se classif icá-lo como mais u m papista, como geralmente sucede, mas, para além do conteúdo con troverso de seu trabalho, torna-se visível uma atitude nova para com o mundo da política e da história que podemos denominar um “novo realismo”. A linha de evolução que foi significa tivamente indicada pela integração da perso n a regalis IHl.ibri IIIAdverm
Simoniacos.Livro 3, cap. 28, p. 235. Ver, entretanto, outra
comparação organológica em ibidem, cap. 21, p. 225, onde a dignidade sacerdotal
é comparada à alma e a dig nidade
real é comparada ao corpo.
''' A respeito desse aspecto da revolução medieval, ver vol. IV,
Renascença e
Reforma, parte 4, cap. 3, “O povo de Deus”.
4
- A primeira reforma 1
109
no corpo místico, no século IX, alcançou um grau em que a penetração intelectual do novo reino de Deus, aceita em seu sentimento ao menos pelas mentes mais esclarecidas da épo ca, foi pressionada. Este aspect o da teoria de Hu mb erto torn a-se mais importante se considerarmos a grande figura da ala oposta da controvér sia, o anônimo dos Tratad os de Y ork . O
Tractatus Eboracenses é
uma série de tratados escritos
durante a controvérsia inglesa das investiduras na última dé cada do século XI e na primeira metade do século XII. 0 autor é anônimo, mas difici lmente pode ter sido outra pessoa senão o arcebispo Gerardo de Yo rk (f 1108), antagoni sta de Anse lmo de Cantuária (ca. 1033-1109) na controv érsia ingle sa, pois não surgem muitos homens desse calibre e permanecem na com pleta obscuridade.20Os
Tratados de York confundiram muitos
intérp retes,21 pois seu m isticismo da realeza de ve, de fato, pa recer um sintom a de impraticabili dade se a expect ativa assen tar em u ma solução da controvérsia. O espiritua lismo irrestr ito de H umberto, mesmo que ineficaz politic amente, é comp reen sível porque o poder espiritual no
imperium
radicou, apesar
de tudo , na ascendência; mas a elevaç ão do pod er real sobre o sacerdócio, nos Tratados de York, parece u ma aberra ção.
2U [Os estudiosos contem porâneo s têm abandonado a identificação com G e rardo e em geral chamam o autor de “Anônimo Normando”. O título Trac tatus Eboracenses pertence a Heinrich Bõhmer, que editou seis dos 31 tratados dos 415 manuscritos, Corpus Christi College, Cambridge, in: M G H , L ibelli. Hanover, Hahn, 1897, vol. 3, p. 642-87. Nova edição: D ie Texte des normannischen Anonymus. Ed. Karl Pellens. Verõffentlichungen des Instituts fiir EuropãiscbeD Geschichte, vol. 42. Wiesbaden, Franz Steiner, 1961. Ver também er Codex 415Mainz, des Corpus Christi College. Cambridge: Faksimil eausgabe der Textüberlieferung des Normannischen Anonymus. Ed. Ruth Nineham e Karl Pellens. VerõfFentlichungen des Instituts fíir Europãische Geschichte, Mainz, vol. 82. W iesbaden , Steiner, 1977. Sobre a questão da autoria, ver George H. Williams, “The Norman Anonymus of 1100 A.D.: Toward the Identification and Evaluation of the So-Called Anonymous of York”. Harvard Theological Studies, n. 18, 1951; Ruth Nineham , “Th e So-Called Anonymo us o f York”. J ournal o f Ecclesiastical His tory, n. 14, 1963, p. 31-45; e Karl Pellens, “The Tracts o f the Norman Anonymous: C CC 41 5”. Transactions o fthe Cambridge B ibliographicalS ociety, n. 4,1 96 5, p. 155 -6 5.]
21 Ver, por exem plo, Carlyle e Carlyle, vol. 4. The Th isto eoreTw i self of the RelationoftheEmpireandthePapacyfroAmHth ery Te,nth Centu ryto the lh, p. 273, onde o autor fala sobre “as estranhas disctiNsÔcN dou tratados".
1 0 1H ist óri ada tI dci a Po líticas-I dad eM édi a l é' Ibm ás deA q É o
Os
Tratados
fazem sentido, entreta nto, se considerarm os o
autor não como um pa rtidário que quer dar um a cont ribuição prática à construção imperial, mas como um intelecto po de roso que, com ironia e às vezes com malícia, tem prazer em alonga r um argumento ao extre mo, pa ra irritação de algumas mentes mais moderadas, mais conservadoras, mas que tém direito de indulgência neste jogo intelectual, pois sua atitu de é srcinada numa profunda experiência de uma realida de ordenad a por Deus. Na controvér sia, Humberto e o autor
Tratados de York são oponentes: um realça a dignidade sacerd otiu m , o outro a do regnum ; mas em suas atitudes
dos do
fundamentais aparentam-se. 0 anônimo é mais radical, uma vez que o mu ndo é imbuído de espírito ao ponto de torn ar o sacerdote uma figura secundária, se não supérflua; o mundo do anônimo espiritualmente se basta. Os
Tratados de York
são uma expressão avançada dos sentimentos que poderia mos discernir no tratado
de Humberto: o reino de Deus é uma
amálgama d a realidade histórico-política, e a tensão
escatoló-
gica é circunscri ta. A importância deste processo não pode ser sobrestima da. Menci onamos n este capítulo fla sh es isolados de atenção a processos históricos, tais como a análise de Bonizo de Sutri sobre a Pataria, ou a interpretação do poder-político da
translado imperii
no
Tractatus de investitura episcoporum.22
Agora testeihunhamos a emergência, a nível teórico, de um mundo cris tão que, por ser u m mun do divino em todas suas dobras m ateriais, pode torn ar-se o objeto legítimo de inves tigação. Antes de ter uma ciência do mundo, temos de ter a concepção de um mundo que pode ser objeto de ciência.
JJ [Voegeli n aparentemente está m enci ona ndo aqui um a discussão em Carlyle, ib id em, vo l. 4, p . 1 03 -06 .0 cm
Tratado anônimo foi editad
o por Emst B emheim
MGH, Libelli, 2, p. 49 3-5 04 . Jutta Krimm-Beumann ap resenta razões con
vincentes para apontar Sigeberto de Grembloux (Sigebertus Gemblacensis, f. ca. 1111) com o o autor dest e livro . Ver “Der Trak tat ‘D e inves titura episco porum von 1109’". n. 33,
DeutschesArchivfurdieErjbrschungdesMittelalters,
1977, p\ 37-83. O artigo contém uma nova edição do inmbém Wilfried Hartmann, In:
p. 66-83. Ver Tratado, EncyclopâdieDeutscher
Der InHestiturstreit. (ieschichte, vol. 21. Munique. Oldenbourg, 1993,66,114. Cf. n. 8, acima.]
4 - A p r i ir i c i r a r e f b r m â 1 111
Na concepção ag ostiniana de história, o s a e c u lu m atual sur gia c omo o derrade iro da histó ria, um pe ríodo de espera pelo fim, sem uma estrutura relevante própria. Agora o foco da histó ria desloca-s e do passado pa ra o presente, e a estr utu ra atual da polític a e da história transform
a-se no objeto de in
teres se, pois o presente em sua dim ensão plen a é o reino de Deus. Os Tratados de York
são a primeira etapa decisiva de
um a evo lução para o reconheci mento da es trutu ra im anente do mundo; e a evolução do sentimento religioso para um reconhecimento do mundo histórico como divinamente re levante constitui a base de nosso cuidado m
ode rno com este
mun do, e m term os práticos e teór icos. A “estranheza” dos
Tratados de York
, como agora pode
mos ver com m aior pre cisão, é causada por seu mo dernismo de sentimentos, expressa nos símbolos da antiguidade cristã tardia. Quem experimentou a dificuldade de encontrar a ex pressão ap ropriad a para um sentim ento novo surp reende-se com a realiz ação deste pensa do r isola do que, com u ma lucidez soberba em termos linguísticos, se serve do inventário tradi cional dos símbolos para sua nova finalidade. Com a possível exceção de Anselmo de Cantuária, foi o maior intelectual de sua era, e podem os detectar, ao ler seus cia de solidão nos pri ncípios apontados -
Tratados , a consciên que parecem par a
doxais no vocabulário da controvérsia gelasiana e alcançam sua p lena signifi cância à luz de eventos posteriores,
da Grande
Reforma e do Renascimento. Os Tratados
não são um sistema, mas uma série de dis
sertações sobre problemas políticos essenciais, reunidos pelo sentim ento de um realismo novo. Seleciono, para um a apresentação neste contexto, alguns argumentos que levam diretamente ao cerne do pensamento do autor. Na discus são sobre o casamento dos sacerdotes, o Anônimo interpreta a lex aetem a , a ordem divinamente desejada para o mundo, como pen etrando õ re in o da naturez a; casamento ou castid a
de estão contidos, para o caso indivi dual, na predestina ção de Deus; os pais não são “os autor es” na procriaçfl o das crianç as,
1 1 2 1H ist óri ad asI dé iasPol ít icas- Idad eM édi a t éI b m ásdeA qu lno
mas “ministros” da vontade de Deus; o processo natural de procriação é a base vital da cidade de Deus, provida com os corpos viv os de seus mem bros. As questões do pecado srci nal e da permissividade de determinados tipos de uniões são problemas não da ordem da natureza, mas de ordem moral. Na ordem da natureza, os filhos de sacerdotes são igualmen te legítimos, e com o sacramento do batismo adquirem o mesmo estatuto no corpo místico que as crianças de srcem
lex a ete m a agostiniana aparece em uma nova função como o princípio geral ordenador do saeculum atual “legítima”. A
na dimensão plena de sua estrutura imanente. Esta posição não é muito dis tinta d a do cardeal Humberto; o que é nov o é a autenticidad e e o radicalismo de su a aplicação aos elementos estruturais do sa e c u lu m P A pa rte d ecisiva dos te, a teoria do
Tratados de York é, consequentemen
saeculum atual. Para alc ançar uma e strutur a do
saeculum que servisse às necessidades de uma experiência nova do m undo, o auto r têm que reorden ar as cat egorias paulinas e agostinianas da história divinamente ordenada. Em üm concei to rem iniscente de Platão, o curso real da história é compreendido como correspondendo
ao p a ra d ig m a da histó
ria n a m ente e n a von tade de Deus.24Este ta um a sequência de t rês
p a ra d ig m a apresen
saecula , de três eras, em que o reino
de Deus cr esce grad ualm ente em direção a sua realidade ple na; três era^ distintas pelo grau em que a plena participação da humanidade no reino de Deus é concretizada. A primeira era corresponde ao Antigo Testamento e a sua representação geral do sacerdócio e da realeza; a segunda é a era do Novo Testamen to (da prim eira à segunda aparição de Cri sto) com o sacerdócio verdad eiro e generalizado dos crentes e o sacerdó
cio verda deiro e a realeza de Cristo; e a terceira é o reino v erda deiro de Deus em qu e os crentes re inam como reis com Cristo em sua glória. 25 A história espiritual da hu manid ade adqu ire 15 u
Ed. Bõhmer, p. 642-44. Tract atusEborac enses. Ibidem, p. 648: "P ara digm a... in quo m oniumsae culorum formaepi dcta est”.
(regCompare num) doi Céui, mas em parte alguma o sacerdócio (sacerdotium)” Ibidem , p. 66 7: MEm toda parte a* Escrituras prom etem ao fiéis o reino .
4-Aprl meiraK Íbnna 113
uma ordem teológica nova; a redenção não é um ato desor denado da graça divi na, mas u ma etapa conducente à rea leza humana final. A função real de Cristo se apresenta como su perior à função red entora dos sacerdotes. Cristo, rei da eterni dade, adotou a forma hum ana do sacerdo te para redimir o ho mem do mal e torná-lo m emb ro e potencia l regen te do rein o. A análise do
saeculum atual orienta-se, no seu conjunto,
como u ma série de deduç ões do plano geral do m undo . A função real é superio r à sacerdotal porq ue Cristo enq uan to rei é igu al a Deus, mas com o sacerdote é inferior . 0 rei reflete ( praefigurat) a naturez a divina de Cr isto; o sacerdote, sua nature za hum ana. Como cada cristã o se transform ou através de Cris to em um par ticipante do corpo místico e al cançou um estatuto sacerdotal ,*26 surge a questão a respeito da função de um sacerdócio especial na h ierarq uia d a Igreja. A resposta é simples e ingênua; a fimção da igre ja de Roma é um a usurpação que surgiu a p artir de um a situação de emergência no cristianism o primitivo. Os presbíte ros das igrejas primevas tiveram, de acordo com o Anônimo, um a inclinação censurável par a consid erar seus rebanhos como próprios, e não de Cristo
non Christi).
(quos ba pti zaverant , pu tab a nt su os ,
0 cristianismo foi ameaçado por cismas e, a fim
de evitar cisões, decretou-se que um dos presbíteros deve ser super ior aos outros; a escolha recaiu sobre Roma po r causa do prestígio imperial da cidade.27 0
sacerdo tiu m espec ial decresceu afastado de um a medida
da emergênci a, e o rei det ém o poder sup remo da nação crist ã no
regnum form ado à im agem de Cristo. A função da realeza é
com as três eras do Tratado de York as três séries de São Paulo: lei paga, lei mosaica, lei pneumática. A lei pagã perdeu seu interesse, e o reino de Deus entrou na série na outra ponta; é bom notar essa mudança de padrão histórico rumo ao futuro porque é o primeiro passo caract erístico na evolução para . a teoria do Terceiro Reino. 26 Ibidem, p. 665: “omnes electi uxrdote u s'.A afirmação é baseada em Apoca lipse 5,1 0 - “Deles fizeste, para nosso D eus, / uma Reale za de Sacer dotes” que, por sua vez, remete a Êxodo 19,6 - “£ vós ser eis para mim um reino de sacerdotes, uma nação santa ” - e a Isaías 6 1 ,6 - “Quan to a vós, sereis chamados
sacerdotes de Iahw eh”. 27 Ibidem, p. 660.
1 1 4 1H ist óri adasI déi asP o líti cu - I dadeM édi a t éI b m áid l A qu lne
CXlltada
repeti das vezes nos
Tratados como vicariato de Deus
sobre d povo de seus sacerdot es.
O poder do rei é o poder de Deus; Deus detém-no por sua natureza; o rei, por graça de Deus. O rei é, portanto, Deus e Cristo, mas por meio da Graça, e o que quer que faça, não o faz simplesmente como um homem, mas como Deus e Cristo por meio da Graça. Em verdade, aquele que é Deus e Cristo por natureza age através de seu vigário pormeio de quem executa seus assuntos (p. 668). [O rei] não deve ser chamado um lei go, porque é o Cristo do Senhor, é Deus pela Graça, é o líder supremo (rector ), é o sumo pastor, e governante, e defensor, e professor da santa Igreja, é o senhor de seus irmãos e deve ser adorado (adorandus) por todos, pois está acima de todos como o Senhor supremo (p. 679). Obviamente, esta não é a linguagem de um polemista que deseja defender a jurisdição do poder temporal contra a in tromissão de um papa ambicioso. A controvérsia propria mente dita se move na estrutura da declaração gelasiana, ao passo que nos
Tratados de York
o p o d e r sacerdot al institu
cionalizado dissipou-se . O “m un do ” ( m un du s ) que de acordo com Gelásio deve ser governado pelos poderes reais e sacer dotais torna-se, para o Anônimo, idêntico ao “povo cristão”, isto é, a jornada da igreja neste mundo. E o domínio sobre as pessoas dos sacerdotes é dado ao “imperador ou ao rei”. Quando o sacram ento do sacerdóci o não pud er ser admin is trado pelo rei,28o pod er d a in vestid ura s obre os ho mens é sua prerrogativa, pois é, pela Graça, o conregnans
de Cristo neste
sa eculum .29 O Anônimo não está interessado na preservação do sa crum im periu m e seus poderes. Novas força s estão pre s sionando a supe rfície, e podemos ag rupar dos Tratados um a n A razão não é evidente; parece que neste ponto o Anônimo hesita em extrair
as consequências do problema. O leitor há de notar nesta passagem, como em outras anteriores, a oposição rntre os termos “por natureza” c “pela graça”, o primeiro referindo-se a Deus, e
o segundo, às pessoas c a seus cargos seculares. O significado destes termos, na rliil>oriiçã(\ dos'Datadosde York , idcntifiça-se com o contraste platônico ente a ídciii r sua cópia no mundo sensível.
lista de pas sagens que prenu nciam os traços pelos quais a es tru tu ra im perial s e fragmen tará nos sécu los segui ntes . No debate sobre a Igreja de Roma, o au tor utiliza o argu mento de que a função da emergência de Roma para evitar cismas chegou a um termo e que Roma, po r sua vez, se tra ns formou em uma fonte de cisões devido a suas usurpações. 0 problema tyconiano do
corpus diaboli
em nenhum outro
lugar é destacado com tanta força como na sugestão de que a Igre ja Romana pode ter-se transform
ado, em grande parte,
em corpo do “diabo”. Podemos ver a linha dos
York
até ao
Tratados de
L evia tã de Hobbe s com su a inter pretação d a igreja
como o reino da escuridão que imp ede a função da verdadeira realeza cristã. S urge a ideia de um a igreja naciona l inglesa, li vre da interferência “estrange ira”. A ideia de pontificado não m eram ente de u m rei em ge ral, mas de um rei nacional é esboçada claramente nas medidas ofensivas pelas quais o papado tentou integrar a hierarquia num corpo soberan o da igrej a. Os bispos são declarados como iguais. Os bispos de Roma e de Rouen são um Pedro, e a ale gação romana de superioridade é um exercício de personali dade desintegrada. Reunir os bispos em Roma é contrário à ordem da igreja e empobrece as dioces es longínquas. A isen ção das abadias da jurisdição episcopal local e a organização de ordens internacionais soberanas destroem a paz da igreja, etc. Podemos afirmar que os
Tratados de York
representam
um sentimento que corresponde à visão gregoriana de uma hum anidade cristã or ganiza da em um reino na cional - com a diferençá ess encial de que a suprem acia pap al extinguiu os Tratados e a cristàndade é concebida como uma pluralidade aberta de “igrejas-reinos” nacionais cristãos. A linha divisória entre as idéias do Anônimo e do luterano
L a n d eskirch en tu m é
praticam en te inexistente. 0 elemento mais revolucionário num horizonte de lon go prazo consiste no ^scrituralismo protestante do Anôni mo. 0 que surpreend e o leitòr dos
Tratados
em cada trecho
é a interpretação livre e independente das Escrituras, sem
consideração
para com as tradições e as instituições da Igre
ja Romana. O sacerdócio geral do cristão não é um a mera proposição teórica, mas a realidade viva na opinião do Anô nimo. Com franqueza rude, ele nega que a Igreja Romana tenha uma função de ensino relativam
ente aos cristãos; pos
suímos as Escrituras proféticas, evangélicas e apostólicas, e conhecemo-las melhor do que o papa (o que é completa mente verdadeiro no caso do Anônimo); se o papado quiser exercer a função de mestre da humanidade, tem o mundo pagão com o cam po de atividade; na cristandade ocidental, é desnecessário. Podem ser sentida rão a unidade eclesiástica do
s as forças que desinteg ra
sa c ru m im p e riu m , do mesmo
modo que a questão nacional desintegrou a precariedade temporal na revolta da Grande Reforma.
\
4-Aprimeir a re form a 1117
5 . I ntrodução § 1 .A s novas f orç as A reforma cluniacense da Igreja afetou toda a estrutura institucional do mundo ocidental. O processo de maturação espiritual assumiu, prim eiro, a forma de fundações mon
ásti
cas; depois, difun diu-se da esfera das ordens p ara o papado e o episco pado; e, com a extensão da reforma à hierarq uia ecle siástica, inici ou-se a gran de po lêmica sobre a constituição
do
império. A polêmica foi trava da sob o pressup osto aceito por todos os envol vidos de qu e a declar ação gelasiana constituía um princípio, válido d a or dem imperi al: o com prom isso fina l de Worms assegurava a liberdade do espírito, assim como a unid ade da evocação imperial. No decurso da polêmica afigurou-se, contudo, que a din â mica da autoafir mação espiritual pudesse destruir a estru tura do
sa crum im p eriu m . Os Tratados de York
revelaram o que ti
nha acontecido e o que iria acontecer. Se os princípios gerais do Anônimo relativos ao sacerdócio geral e à usurpação de Roma não fosse m mais do qu e um argumento dos partidários da
person a regalis , eles poderíam ser ignorados como incon
sequentes; tnas eram muito mais que isso, pois implicavam
um fato: a livre personalidade do autor que podia viver na era de Crist o sob a orientação das es crituras sagradas e sem o
apoio da Igreja de R oma. A aliança do papad o com as m on ar quias francas, e mais tarde com as monarquias germânicas, cum prira a sua função histórica de criação
do impé rio cristão
ocidental; o Ocidente constituiu-se como o mundo cristão e havia r egiões neste m und o, como a No rma ndia e a Inglaterra, e homens nestas regiões, como o Anônimo, para quem este trabalho constitucional era obra do passado e, consequente mente, não permitia aos atuais herdeiros dos antigos poderes interferir na vida de comunidades independentes e de homens espiritualmente am adurecidos . O au tor dos
Tratados de York
surge isola do em sua ép o
ca como um intelectual perspicaz e radical, capaz de ar ticular o novo sentimento em fórmulas revolucionárias; mas não era o único a experimentar tais sentimentos. Os dois principais tipos de comunidades se tornaram visíveis port adora s do no vo sentim en to : as cidades e os reinos na cionais . Desde a Pataria, os movim entos religi osos pop ula res alastraram-se pelas cidades europeias. Os movimentos eram cada v ez mais dirigi dos c ontra a hierarquia sacerdo tal até que, sob Inocêncio III, se testemunha, nas guerras albigenses (1208- 1213), a prim eira Cruzada, não con tra o s infiéis, mas contra populações cristãs autodeclaradas. Do ponto de vista da constituição im perial, tem os qu e classi ficar o problema albigense como uma guerra da classe go vernante contra a revolta popular. Simultaneamente, sob os papas cluniacenses, a ascensão de uma agremiação de principados secundários co meçou na Esp an ha, na Itália do Su l e Sicília, na Ingla terra no rm and a, n a Dinamarca, na Rússia, na Hungria e nos Bálcãs, o que deu ocasião para que o papado tentasse a construção de um mundo cristão de estados m enores sob a liderança direta de Roma
.
Se o plano fosse bem-suced ido, a constituição do m undo ocidental assentaria hqm império centrado nos dois velhos poderes gelasianos, rodeado por um sistem a de estados de
srcem mais recente, relacionados com o antigo imperium através do papado. Não é acidental que muitas das grandes
1 2 2 1Hi s tóri ada*I déi as Pol ítica s-I dadeM édi aU éM § deÃqul no
figuras nos dois séculos após a Controvérsia
das In vestidu ras
vettham da ala imperial: o Anônimo de York e João de Salisbú ria (ca. 1100-1180, da Inglaterra norm anda), Joaquim de Fiore (ca. 1132-1202, de Calábria), Frederico II (1296-1337, Sicília), Tomás de Aquino (1225-1274, Itália normanda) e Sigério de Brabante (fl.1260-1277, Flandres). A estrutura
sa eculum não é um problema somente nas páginas dos Tratados de York , mas enfrenta um mun do on de prol ifer am
do
forças que não en co ntra m explicaç ão segundo os padrõe s gelasianos. O espírito d e fato pe ne trar a o mu ndo , e as forças do mun do cris tão começaram a determ inar a estru tura d a épo ca. O sentim ento agostiniano de um
saeculum senescensy à espera
do fim , foi abando nado , e ganhou força o sentimento de um
sa ec u lu m renascens.
$ 2 ,0 s aecu lumren ascen s Tenho falado de um
sa ecu lu m renascefis a fim de indicar
que somos confrontados pel o problema de determ inar onde exatamente, no longo processo da Idade Média, começam a aparecer os sinais definitivos de uma nova era. A divisão convencional de idades históricas pelo recurso a um fator ext erno - a descober ta da A mér ica - não contri bui para a compreensão da história em termos espirituais e intelec tuais. Considerar, por outro lado, que se iniciou uma nova era com a Reforma e o Renascimento, atendendo aos fenô menos com os quais lidamos, não é suficientemente cla ro, pois torna o significado dependente das definições que atribuirmos a Reforma e a Renascimento. Os historiadores traçaram as raízes da grande revolta do século XVI remon tando a “renascimentos” do século XIII e até mesmo do sé culo XII.1Mas as divisões deste gênero são irrelevantes se não forem sustentadas com fundamentos.
Fazer rem on tar o
1Ver Charlei H. Haiklm,
The Renaissanceofthe TwelfthCentury. Cambridge,
Harvard Univcrilty Prc«*, 1927. Recdiçío: Nova York, Meridian, 1976.
5 • Intr odu ção 1 12 3
Renascimento à ép oca de Dante - altura em que a literatura vernácula se inic iou - não nos garante que a história da lite ratu ra ass um a primazia na deli mitação de épo cas. Também não ajuda muito adotar uma perspectiva humanística que identifique o Renascimento como um retorno ao conheci mento da filosofia aristotélica do século XIII, ou do direito romano do século XII, pois tais revivalísmos são sintomas secundários que não contribuem para nossa compreensão dos m otivos que levaram a esse revi valismo. O problema é de importância capital para a história das idéias políticas porque cremos que o campo da polí tica é aquele em que ocorrem as alterações essenciais de sentimentos e atitudes, e que é do reino da política que irradiam novas forças para outros campos da atividade hum ana - como a fi losofia, as artes e a literatura . Esta crença, naturalmente, não visa estabelecer uma relação causai simplista entre instituições políticas e outros fe nômenos civilizacionais característicos de uma época. Mas, de acordo com a nossa teoria do caráter evocativo do co sm ion político, quer dizer que na evocação política, em princípio, o homem está comprometido com “toda” a sua personalidade e que todas as criações civilizacionais de uma com unidade dev em ter a marca do “t odo” abran gente. A “totalidade” do cosmion> entretanto, raramen te surge, se é que surge, como uma unidade compacta está tica; é antes um fluxo de integração e de desintegração, e não há uma fórmula simples que conecte qualquer insti tuição p olítica específica c om um fenôm eno civÜiz acional contemporâneo de contexto diverso. A pólis grega, como vimos, estava em estado de desintegração na altu ra de He ráclito, quando os cidadãos mais distintos já não se inte gravam socialmente na comunidade de acordo com o seu nív el espiritual. Mas decorreu um sécu lo e meio antes que as instituições da pólis entrassem em cola pso no confro n to com a M acedônia; e estè século e m eio src inou a glória
das guerras persas, da tragédia grega, da era de Péricles nas artes, d os sofistas e de Sócrates e Plat ão.
1 2 4 1H ist óri ad asI déias Po líti cas - Idad eM édi a t éI b m ésdeAq uJno
Assim, na questão sob re o iní cio da idade mod erna, não pode mos fiar-nos n um a divisão das épocas com base e m fe nôm enos civil izacionais secundários, como
os que são usa
dos na discussão literária e humanística do Renascimen to, nem - e isso é de espe cial imp ortânc ia para nós - nas instituições políticas. Se traçássemos uma linha divisória em 1100, os institucionalistas
pod eríam arg um entar corre
tamente que colocamos o Sacro Império Romano dos Hohenstaufen depois da Idad
e Méd ia; se traçarm os u m a linha
divisória, como geralmente sucede nas histórias de idéias po líticas, an te s de Maquiavel, os institucionalistas pode ríam objetar corretamente que situamos na Idade Média a evoluçã o de um caráter distintamente m
oderno - e srcina
do ao longo dos séculos. Para uma história das idéias polí ticas assente n um a teoria de evoc ações, a questão é outra. As divisões dos períodos devem ser procuradas não num contexto institucional, mas num contexto de sentimentos e atitudes que determ inam a asc ensão e a queda das evoca ções. Nesse sentid o, o século X II de fat o m ar gi um a época, à medida que o período entre a Concordata de Worms e a
Summa Theologiae
de Tomás de Aquino é permeado por
um crescendo de idéias incompatíveis com a estrutura do
sa cru m im p e riu m
e que indica novas evocações iminentes.
Reservando todas as qualificações para os capítulos sub sequentes, podamos referir o seguinte conceito geral para caracterizar o período: o “compromisso com o mundo” e a sua institucionalização no
sa cru m im p eriu m
resultaram
num enfraquecimento gradual do sentimento de separação entre o mundo e o reino que não é deste mundo; o com po nen te escatológico prese nte no se ntim ento cristão estava desaparecendo
de forma rá pida e, paral elamente, crescia o
sentimento de que a estrutu
ra do m undo fazi a parte do rei
no cristão; o mundo se inseria no reino de Deus. A afirma ção pode parece r surpree ndente - mas nã o tanto - , porque encontramos seitas heréticas em direção a um panteísmo
extremo, justificando a indulgência pessoal na paixão, no luxo e no cri me como manifestações da von tade divina.
5'Muçlo 11 25
A aquisi ção de um estatuto legít imo no s a e c u lu m de Cristo pelas forças seculares as sum iu consequências de longo al canc e para a es trutu ra in terna do éon crist ão. Por um lado, a liberação de forças pessoais e comunitárias incomensuráveis foi um a consequência óbvi a; por ou tro, a nova liberdade im plicou encargos adicionais para as pessoas e para as comuni dades. Já re ferimos este s encargos quando , n a interpretação dos Tratados de York , realçamos a duplicidade de sentido da obra: o autor firmou os seus sentimentos fora da constitui ção gelasiana da ordem sacerdotal-régia e, por ter abando nado existencialmente essa ordem, a estrutura do sa e c u lu m tornou-se problemática e necessitava de uma corajosa reinterpretação das três idades. Podemos generalizar o caso e dizer que a entrada de forças temporais no reino cristão foi acompanhada por uma autoconsciência nova, requerendo pa ra cada força uma definição de um s ta tu s relativo a forças preexistentes, coexistentes e pós-existentes. A ord em tr ans cendental de Deus foi substituída por uma ordem de forças intramu ndana s que preencheram o rei no. Ca da uni dade in dividual, pessoal ou social, agindo na criação de um lugar no reino, fo i acompanhada simultaneamente por
uma justi
ficação da ação específica, que atribuía uma função ou uma missão esp ecífica qu e, sup ostamen te, não po deríam ser cum pridas por n en hum a outra u nidad e. Com essas novas forças, teve início uma era de autointerpretação política. Não é necessária muita imaginação para perceber que, no processo de autointerpretação, os próprios agentes - pessoais ou so ciais - mostraram uma tendência para atribuíre m a si mesmos funções importantes e honrosas, ao ponto de pode rem considerar-se como as forças organizadoras de suas co munid ades , ou de um w u p o de co muni dade s, ou do mundo ocidental como um todo^ou até da hum anidade . Parece e xistir
um obstáculo à tendência das forças mundanas de se consti tuírem como um pode r organ izacional da époc a, barreira que
1 2 6 1H ist óri ada sI d éi asPo líti cas- Ida deM éd iaat é Ib m tf i d eAq ui no
N6 torna perceptível quando um grupo de franciscanos se vê inclinado a considerar Süo Francisco como a figura proemi
saeculu m , substituindo o saeculu m de Cristo. A tentativa de criar um carpus m ystic um Francisci como sucesso r de um corpu s m ystic um Christi falhou, e a tentativa frustrada nente do novo
provou que, no mundo ocidental, todas as mudanças estrutu rais constituíram uma “nova” era, no sentido de uma ordem distinta de forças mundanas específicas, embora apenas o
sae-
culum cristão abrang esse todas as eras. Com esta limitação presente, podemos precisar o pro blema do
sa ec u lu m . Até à Controvérsia das Investiduras,
o debate político delineou-se tecnicamente no acervo de idéias e argumentos oferecidos pelas sagradas escrituras cristãs, pela literatu ra patrística e pelas instituições feudais (o juram ento , a obrigação de fi delidade) - se excluirmos os elementos pagãos (Platão, Estoicismo) e a sua introdução no campo cristão pela assimilação dos seus líderes. Essas fontes refleti ram o aparecim ento do E spírit o Santo no m un do assim como a determinação subsequente*.da vida cristã pela ordenação do corpo místico e do poder governam ental temporal. Do século XII em diante, o horizonte das idéias e teoria s políti cas ocidentais já não era traçado nas categori as da Antiguidade Romano-C ristã. O surgimento das forças seculares desde as bases acres centa uma dimensão nova ao sistema de ordenações; como consequência, a teoria política passou
a lidar com du as ta
refas distintas: (1) ordenar o novo campo de forças; e (2) inserir adequad am ente a n ova orde m na antiga ordem cris tã, que não cessara de existir. No que se refere à primeira taref a, é óbvio que a recepção de um corp o de con hecim en to sobre a ordenação das forças seculares, como presente nas obras aristotélicas, constituiu uma vantagem. Quanto à teoria política, temos de ver a revivificação de Aristóte les primordialmente sob o aspecto dessa função. Todavia,
por mais afortunada que te nha sido essa recepção para o uvanço do pensamento político ocidental, foi acompanhada
5 - I ntr od ução 1
1 27
de inconvenientes. O encanto das fórmulas era forte, como sabemos, e a adoção de categorias aristotélicas teve como consequência o obscurecimento de importantes domínios da realidade política ocidental que não se inseriam num sistema de política construído segundo o modelo da pólis helênica. A ciência política ainda sofre da ressaca aristotéli ca. O segundo problema, a tarefa de harm
oniza r a nova
ordem intram und ana às catego ria s do s a e c u lu m cristão, re velou-s e ain da mais espinhoso. A im ponen te ob ra de Tomás de Aqui no, no lim iar entre o período medieval e o mod erno, per m anece como o prim eiro e últim o sistem a que resolveu o problem a com um a aproximaç ão eficiente de um ideal, ao menos para a sua época. Os grandes sistemas políti cos pos teriore s são pre judica dos p or um a “intoxicação” existencial que conduz o pensa dor a con siderar a si e a sua comunidade como a derrad eira força do s a e c u lu m .
$
4. A s quest ões pri m ord iais
As questões sistemáticas primordiais que surgem de modo necessário no presente contexto podem-se apresentar de mod o sucinto. Em primeiro lugar, abordaremos a autoconstituição das forças s eculares - pessoais e sociais - como os agentes que determinam a estrutura do
sa e c u lu m . A personalidade políti
ca eminen te de força histórica é repre sentad a po r Frederic o II; dad a a sua relevâ ncia revolucionária, el e foi inevi tavelmente estigmatizado pelo s eu opo nente, o pa pa Gregório IX (12271241), como o Anticristo. Pa ra a con stituição de forças da co munidade como agente intram und ano, a próp ria Igr eja pode servir de protótipo. A organização concentrada da Igreja de Inocêncio III surgiu como o primeiro estado dentro do Im pério. E, no contextoQps reinos nacionais, a Inglaterra, após a conquista normanda (1066), é o exemplo mais evidente de
um a força organizada recentement e.
0 segundo problema sistemático resultou do desejo das novas forças de interpretarem o
saeculum
como uma nova
cra porq ue veicu lava, ou deveria veicula r, o seu cunh o. Neste domínio, as ordens monásticas prevaleceram. As fundações monásticas foram a primeira expressão organizada do novo espírit o; e o ideal monástico de vida reivindicou a prerrogativa de determ inar a estru tura da época. O monge calabriano Jo a quim de Fiore des envolveu a ideia de que um Terceiro Rei no do Espírito sucedería aos Reinos do Pai e do Filho e de que a comunidade monástica seria o modelo de vida do Terceiro Reino. A ideia de u m Terceiro Reino perma neceu como cate goria básica de especulação política ocidental, reaparecendo quando uma força emergente expressou a sua pretensão de domínio sobre a sua época . As novas forças, finalmente, estavam atuantes no mun do; e as normas de ação secular foram objeto de atenção crescente. O século XII foi o período de despertamento da consciência jurídica. Ressurgiu a cultura da categòrização e argumen tação jurídica; o direito roman o transform ou-se em tema de exploração científica como o modelo de uma ação ordenada, no mesm o sentido em que Arist óteles foi estudado como modelo pa ra a expl icação das forças natura is; o direito canônico fo i coletado e orga nizado; e os ev entos da his tória po r exem plo, a translado
im perii
- fora m interpretados como
acordos jurídicos. No campo da realidade histórica, contudo, os problem as não surgiram de forma sistemática. Os únicos exemplos re presentativos do novo sa ec ulum não eram, em sua maioria, interdependentes, mas surgiam sem relação, paralelamente. Na exposição qu e se segue, aderimos a um a ordem cronoló gica, mas não hesitaremos em afastar-nos dela quando o as sunto tratado demandar um ajuste. Uma ordem cronológica estrita é, em m uitos casos, de imp ortância li mitada, se consi derarm os a espontaneidade do proces so.
\
5-Introduçâo 1 29
6 . J o â o d e S alisbüria
O P olicraticus (1159 ) de João de Salisbüria sempre atraiu a Atenção como o p rimeiro trata do político sistemático medie val. Aparece u no intervalo e ntre a Controvérsia das Investidu ras e a luta de Henrique II (11 54-1189) con traT ho mas Becket (1118-1170), longe da pressão direta das grandes emoções políticas. Além disso, surgiu na esfera do poder no rm an do e, po rtanto, não foi dominado pela preocupação com a consti tuição imperial. Esta relativa neutralidade da atmosfera é, talvez, o principal motivo de um tratado sobre relações go vernamentais ter sido escrito naquela época. A importância do P olicraticus é realçada pelo detalhe de ser o único tratado político escrito antes d a recepção de Aristóteles, constituindo uma s u m m a pré -tom ista da teoria polític a medieval.1 Dadas as excelentes interpretações do livro já existentes, é
fácil sintetizá-lo como segue: o corpo principal da obra é
uma reafirmação detalhada mas pouco srcinal da doutrina romano-cristã e pós-agostiniana, embora, em
alguns pontos
John of Salisbury, Policraticus, Sive de Nugis Curialium, et Vestigiis Philosophorum Libri Octo, F.d. Clcmení C. J. Webb, 2 vols. Oxford, Clarendoii, 1909. Rcedlçloi I97H.
particulares - como, por exemplo, as questões sobre as duas espadas, o tiranicíd io e a concepção orgânica da socieda de apresente, se não um novo começo, ao menos u m refinamento dessas posições com consequências para o futuro. Temo, no entan to, qu e esta síntese não faça justiç a ao tratado. Ainda que a afirmação a resp eito da realização intelectual esteja inteira P oli-
mente correta, existe uma nova atitude nas páginas do
craticus que não se capta apenas pelo registro das doutrinas. O que surp reen de o leitor é a viva cidade do text o. O autor dominava a literatura estoica e patrística, tinha grande conhecimento do direito romano e citava livremente Virgílio, Ovídio, Horácio, Juvenal, Pérsio, Marcial, Estácio, Petrônio, Lucano, Terêncio, Valério Máximo, Aulo Gélio, Frontino, Plínio, Apuleio, Suetônio, Plutarco e muitos ou tros clássicos menores.2As citações dos autores antigos não é quest ão de ornam ento ou erudição ; o auto r aprendeu a arte da caracteriologia com os satíricos romanos. Um retrato de meia página do chancele r norm ando com qu em João c olabo rou na Apúlia é uma pequena obra-prima, sugerindo a arte da caracterização de Eneias Sílvio Piccolomini. A anedota do tratamento dado pelo chanceler aos três concorrentes a um bispado é o material de qu e são feitas as novelas de Boccaccio. Os estudos sobre os dissimuladores e os que andam atrás de cargos - o cortes ão, o monge autêntico, o hipó crita e o solda do fanfarrão - lemb ram -nos Jean de L a Bruyère. As qualidades caracteriológicas do
P olicratic us requerem
atençã o espe cial porque nos pe rmitem m ostrar como as cate gorias rom ano-cristãs foram reutil izadas para descrever uma estrutur a intram und ana. Segu ndo Sa nto Ago stinho, a s condi ções de perten ça à civi tas De i e à civitas terrena
são o am orDe i
e o amo r su i , qualidades da personalidade que determinam a inclusão nos reinos respectivos. Mas Santo Agostinho não
2 Para um breve resum o dos autores com que m João se familiari zou e para os índices de sua biblioteca, ver Clerrient J. C. Webb,
John ofSalisbury.
Londres,
Clarendon, 1932. Reedição: Nova York, Russell e Russell, 1971, cap. 6. Ver também Policraticus. Ed. Webb, vol. I, ProUgomerut, § 5.
1 3 2 1H ist óri ada sI déias Po lít icas- Ida deM édia t éI b m ésdeA qu lno
Utilizou essas qualidades pessoais para a descrição empírica de tipos hum anos, mas para designar inclinaç ões do espír ito, que aparecem e desaparecem no hom em de acordo com a predcNtinação divina. Na ob ra de João, os dois tipos reaparecem; desta vez, não no cont exto de uma m etafí sica da história, mas como instr u mento s para a de scrição do homem no m undo .3 0 homem do tipo am or De i passa para os bastidores porque é uma ex ceção, enquanto o antitipo agostiniano, o tipo
am or s ui , se
torna o caráter normal no campo da política. “Não falo aqui dos hom ens cujos corações estão puros e que se rejubilam na sujeição contínua, declinando governar alguém nesta vida; a minha tarefa é analisa r a vida do hom em no estado políti co”.4 I) hom em “no estad o político” é a nova unid ade de investiga ção, e o term o ab rang e pratica men te a todos, com exceçã o dos poucos “cujos corações estão puro s”. O modelo agostiniano é subvertido. Reconhecemo-lo como pano de fundo, porque João salienta que o mun do político, dom inado po r este ti po, é mau; a paz eterna agostiniana perm
anece um ideal a ser rea
lizado pelo desaparecimento das relações “políticas”. Mas o problem a de Ticônio não é o seu interesse principal; o m undo
'
Policr Liv. VII, cap. 17, em referência a Santo Agostinh o, De Libero A rbítrio, .,
l.iv. I, cap. 4 , § 10 e Liv. III, cap. 2 4, § 7 1. Para a dúvida de Santo Agostin ho entre a predestinação e o livre-arbítrio, ver Retractationum,Liv. I, cap. 9. João de Salibúria usou D e lib\como sua fonte porque, nesta obra, Santo Agostinho en fatiza os aspectos psicológicos dos dois tipos, em particular na crítica à superbicv, a elaboração de De civitate D ei não teria se encaixado tão bem. Em R etr., Santo Agostinho conserva a formulação de De lib. contra o uso equivocado por Pelágio e enfatiza mais uma vez que o próprio Deus prepara a voluntatespor sua graça. Ver Saint Augustine, De libero arbítrio. In: Migne, P L, vol. 32, col. 1221-1310; uma edição recente de W. M. Green. In: Opera, vol. 29, 1970. Edição em in glês: On Free Choice oftheW ill. Trad. Thomas Williams. Indianápolis, Hackett, 1093. R etractationum. In: Migne, P L, vol. 32, col. 583-656. Edição recente de Almut Mutzenbecher. In: Opera,vol. 57, 1984.
Policr., Liv. VII, cap. 17. In: Joh n o f Salibury, The Statesmans Book ofjohn Salisbury. Trad. John Dickinson. Nova York, Knopf, 1927. Edição em inglês: Policraticus: O fthe Courtiers and theFootprints ofPhilosophers. Trad. e ed . C aiy 1
|. Nederma n. Cambridge, Cambridge Unive rsity Press, 1 990. N o texto srciiml:
"Non enim de his institutus est termo, qui sunt omnino anima defa ecati, et
miectione continua gaudentes, alicui in vita praeesse refugiunt. Vita potius politiivrum excutienda est ", VerPolirr. Ed. W ebbíTi v. 2, p. 162. 6
6 - Joã o dc Sali sbúri a 1 13 3
de forças ou, n a linguagem de João, “o estado político”
(vita
p o litic o ru m ), entrou no sa eculum . A transferência de categorias agostinianas para a análise do mundo não é uma obra-prima teórica, e resulta em am biguidades que desesperam o intérprete. Não obstante, João esforça-s e por encon trar termo s adequados para a descrição política. Se considerarmos que não se dispunh a de termos melhores, o ponto de partida caracteriológico é bem escolhi do. Tratand o-se do c aráter hum ano em gera l (com as re servas já mencionadas), o método caracteriológico permite-lhe cons truir a teoria das instituições sobre uma teoria das relações sociais elementares; o caráter político aparece nas instituições temporais, mas também nas eclesiais. João descreve o cará ter em term os m ais contundentes que os agost inianos, rumo a uma análise hobbesiana do orgulho e da loucura humanos. 0 homem , ignorante de seu verdadei ro estatuto e da obediên cia que deve a Deus, “aspira po r um tipo de liberda de fictícia, imaginando em vão que pode vive r sem m edo e que pode pra ticar impunemente tudo o que lhe agrada, e de algum modo assem elha r-se a Deus”.56João chegou o m ais per to que pod ia em sua época de intui r que a srcem da ação pol ítica criadora é o desejo de evocar um a nálogo do cosm os, o desejo de repr e sentar, n a esfer a hum ana, a criaçã o divina da ordem. 0 caráter é, como dissem os, geral: Embora não seja dado a todos os homens apossar-se do poder principesco ou régio, é raro ou inexistente o homem completamente isento de tirania. No discurso comum, o tirano é quem oprime um povo pelo governo baseado na força; no entanto, não é apenas sobre um povo como um todo que um homem pode ser tirano, mas sobre qualquer condição, mesmo a mais humilde. Se não for sobre o povo inteiro, cada homem procura assenhorear-se de tudo a que estende o seu poder.6
5 Policr. Trad. Dic kins on, Liv. VIII, cap . 17. Cf. Santo Agos tinho, De lib., Liv.
III, cap. 25, § 76. 6 Policr.., Liv. VII, cap. 17. O paralelo co m a dcscrlçAo liohhniinna identifica-se
1 3 4 1H ist óri ada sI déias Po lít icas- I dad eM édi a t éTbm ái d l A qu ino
An passagens
cit adas m ostram que desapareceu o cont exto liconiano e agostiniano dos tipo s hum anos e que os conc eitos élicòs de rex e tyrannus também sofreram danos considerá veis. É precis o r om per com a distinção basead a em diferenç as de conduta jus ta e injusta, se governar depende da ambição e nc é a marca caracteriológica da ambição que define o tirano. Cada rei é um tirano porque cada homem que não “purifi cou o seu coração” à sujeição absoluta também é um tirano. 0 homem polít ico apar ece nestas passage ns como um a enti dade intramundana. Não se tem em conta, neste contexto, os poderes de origem divina; pelo contrário, reconhece-se que “ninguém deixa de se alegrar com a liberdade, ou não dese ja a força para a preservar (...) porque a escravatura é como u imagem da morte, e a liberdade é a certeza assegurada da vida” (7.17). Os que têm os corações purificados são esque cidos provisoriamente; a sujeição é escravatura, e a liberdade é alegria. É uma nova harmonia que soará mais retumbante mente na virtü de Maquiavel. Com João, o som a inda é tênue. 0 tratado não defende a nov a posição, e ao co meço caracteri ológico esperançoso de um sistema de política intramundana 8egue-se um trata mento mais convenci onal do rei e d o tirano segundo as velhas categorias éticas. N o entant o, a ideia de que cm todos os governantes espreita um tirano mantém-se ao longo do livro e vem à tona novamente quando o autor exa mina a possibilidade de reinos amigos e pacíficos, isentos da iniquidade dá tirania. Como epílogo, afirma que, sem iniq ui dade, talvez não existissem sequer reinos “porque está claro desde os historiadores antigos que, no começo, tais reinos foram fundados pela iniquidade como incrustações presun çosas contra o Senhor” (8.17).
em termos de imagens. Ver, por exem plo, a comparação da asp iração a posições políticas com uma corrida em Liv. VII, cap. 19: “e assim todos co nten dem na corrida, e quando o objetivo é alcançado, quem entre eles recebe o prêmio é quem é mais rápido do que os restantes na corrida da ambição, e ultrapassa Pedro ou quaisquer dos discípulos de Cristo”. João também utiliza o conceito
ilc "cavaíò negro” que íicará conhecido de modo inesperado. Cf. os últimos rupítulos sobre Hobhcs,
6•j ofiodeSa llsb úrla11 35
§ 2 . F eudal ism o De vez em quando, historiadores expressam sua surpresa com o fato de um tratado do século XII, anterior à recepção de Aristóteles, mostrar poucos traços do sistema de governo entã o prevalecen te, o feudalismo. Atribu i-se a razão à posição eclesiástica de João de Salisbúria e à sua falta de interesse na política pu ra men te secular. O problem a merece um a análise mais cerrada porque oferece uma oportunidade para a com preensão da teoria medieval. Vamos, em primeiro lugar, esclarecer a questão do feuda lismo como sistema de governo. Frederic William Maidand observou ironicamente, em The Con st ituci onal Hist ory o fE n -
g la n d t que
não existiu nenhum “sistema” do feudalismo na
Idade Médi a; “o sistema feudal” fo i introdu zido na Ing laterra por Sir Henrique Spelman no século XVII e recebeu a fórm u la ortodoxa com Sir William Blackstone no século XVIII.70 “sistema” do feudalismo foi um adendo, concebido no am biente da mon arquia nacional e destinado a co ntras tar um estado político passado com o estado presente do “sistema” de governo. Essa tentativa de interpretar as instituições me dievais fo i louvável, ma s ma l-suced ida. As instituições f eudais não podem ser classificadas como uma forma de governo de maneira alguma, mas, antes, têm de ser consideradas uma técnica de administração . Os intérprete s atuais preferem falar de administração de tipo feudal, a par dos tipos patrimonial, bu rocrático e outros.8
7 Frederic William Maidand,
The Constitution al History of England.Cam-
bridge, Cambridge University Press, 1908, p. 142. Reedição: 1974. 8 Para um est udo padrão sobre o fe udal ismo , ver a brilhant e análise de Max Weber, em
Wirtschaft und GeseUschaft,2 vols. Tubinga, Mohr
parte 1, cap. 3, § 12b e § 12c e parte 3, cap. 8. Edição recente: Ed. GeseUschaft: Grundissderwrstehenden Soziologie.
[Siebeck ], 1922,
Wirtschaft und
Johannes Winkelmann,
2 vols. Colônia, Kiepenheuèr and Witsch, 1956-1964. Edição em inglês:
nomy and Society: An Outlineo f Interpretive Soci ety.Trad.
Eco-
Ephraim Fischoff,
Hans Gerth, A. M. Henderson et al., 2 vols. Bcrkeley e Loi Angeles, University o f Califórnia P ress, 1978.
1 3 6 1H ist óri adasI dé iasPol íticas - Idad eM éd iaat é Ib m á i deA tjÉ O
0 feudali smo ocidental foi uma técnica adm inistra tiva em pregada por tribos relativamente primitivas que, após con quistarem grandes territórios, se deparavam com a tarefa de explorar, defender e administrar as conquistas, mesmo sem ter o pessoal nem as capacidades para criar administrações centralizadas com tudo o que isso i mplica: um g rupo treina do de funcioná rios, um sistema de estradas e uma econom
ia com
rendimentos monetários suficientes. Os serviços tinham de ser fornecidos por um sistema de concessões de terras cujos donatários teriam que prestar um serviço em troca, nomea dam ent e militar.9 Com a feudali zação crescente sob pre ssão de exigências militares (necessidade de trop a mo nta da con tra a caval aria muçu lmana), diluiu-se a suserania precária sobre senhores factualmente independentes no reino que emergiu das migrações e conquistas; mas
não d esapareceu a evocaç ão
política básica. Essas notas permitem apreciar melhor o problema en frentado por João de Salisbúria. Não é preciso invocar a pqsição eclesiástica do auto r para com preender por que ele não considera va a cl assif icação das instituições feudais sua tarefa principal. Apesar do seu modernismo, João vivia as evocações do seu tempo centrad as no reino carismático ger mânico, cuj o núcleo assimilara os símbolos m
editerrânicos
de governo: a figura hebraica do rei ungido, o rei sagrado helenístico, o imperador romano e, com o simbolismo im perial, a ideia do duplo do mínio esp iritual e tem pora l da comunidade cristã. Juntamente com estes símbolos, foram absorv idas as idéias m edite rrân icas de povo: o povo da cosmópolis estoico-ciceroniana, evocada pel
os estrangeiros da
pólis helênica, o povo da dem ocracia heb raica prim itiva e o
p o p u lu s ch ristia n u s.
v Sobre este e outros aspectos do feudalismo, ver Otto Hinze,
breitung des Feudalismus, Sitzungsberichte
Wesen und Ver-
der Preussischen Akademie der
Wiíscnscbaftcn, Phil.-hilt. Klassc. Berlim, Akademie-Verlag, 1929. Reedição:
Feudalismus und Kapitalhmus. Qkiingcn, Vandenhoek and Rupprecht, 1970.
Em comparação com esses símbolos dominantes, as instituições feudais não tinham uma natureza evocativa (embora tivessem possibilidades evocativas, a respeito das quais trataremos em momento oportuno). As tendências centrífugas do feudalismo poderiam enfraquecer a autori dade rea l ao ponto do desmem bram ento do rei no, mas nu n ca foram uma força integradora da comunidade política. A consolidação de unidades políticas foi levada a cabo na Idade Média na m edida em que os rei s se afirmaram contra a usurpação do po der pelos senhores. No Imp
ério Caro lín-
gio, Carlos Magno estab eleceu as relações evocativas direta s com o povo mediante a exigência de um juramento geral de fidelidade, além dos jur am en tos feudais de servi ço. Ma s, apesar do prestígio imperial e da forte administração pe los missiy a instituição durou pouco tempo; os carolíngios, recordados de suas srcens, hesitaram em criar uma sede forte de poder semelhante à que lhes permitira superar os merovíngios. Já na Inglaterra normanda, os reis conquis tadores criaram uma administração central forte com base no Tesouro; a par de outros fatores , esta evoluç ão permitiu-lhe s con solidar a autor idade régi a sécul os antes da França. Como e qua ndo as inst itui ções feudai s se tom ara m parte do padrã o evoca tivo do reino é uma perg unta que pode ser respondida com precis ão absoluta. Enquan to o p a c tu m feu dal teve como c onteúdo a delegação de autorid ade p or parte do rei em troca d e serviç os po r par te do s vassalos, a e vocação do reino m anteve a pos ição monopolista na o rdem do reino. Somente quando os senhores adquiriram uma autoridade independente como “representantes” da
universitas
pude
ram rivalizar com o po der simbólico do r ei. 10 A aquisi ção
10A mesm a regra geral se aplica à d iferenç a entre o pactum feudal e o pactum social n o século X V I. Para o c on trat o social e a sua evolução p lena, é e ssencia l que os povos sejam a fonte da autoridade, mesmo se a transferência da autoridade co ndu zir ao pod er absoluto ao rei e nã o h ouv er lugar para a r esist ência ou para a d eposi ção. N o caso de Man eg ò ld .po r ou tro lado, obse rva mos o pactum feudal ser vir para um a interpretação da rel
açã o entre o rei e o s povo s. N o exemplo da
institu ição feudal régia , nen hu m a autor idade é tra nsferida do i povo s para o rei; a funç ão rea l não a ssenta n u m a potestas translata, mas é uma dignitas concessa. V èr
1 3 8 1 H ist óri a das Idéi as Polí ticas - Idade M édi a at é Tbm ás d f A qul no
do caráter representativo, entretanto, não foi apenas uma questão de p rocessos j urídicos; foi a evoca ção criati va de um símbolo novo que se acre scentou aos de rei e pov o. Isso nos traz de volta ao problema central do presente discur so - a ascen são de for ças i ntram und anas ao poder simbólico. A propósito da Controvérsia das Investiduras, indicamos como se tomou importante a função de uma assembléia representativa do reino, como agente legítimo para a deposição dos go vern an tes. Mas estes casos não ori ginaram uma ideia evocativa clara. Na seção 14 da Magna Carta (1215) sobre a convocação de dignitários espirituais e temporais para um conselho comum do reino, a fim de tratar de questões financeiras, a funç
com m une consi li um re gni .
sobretudo implicada na fórmula No
ão represen tativa está
P o licratic us , ainda não se desenvolveu a função repre
sentativa de forças políticas extragelasianas. 0 rei é “o por tador da pessoa púb lica” e o “representan te de todo o corpo da comu nidad e”, com exc lusão d e outras entida des (
P olic r .
IV.2, V.2). 0 rei exerce o monopólio da representação, mas a linguagem da “rep resen tação” é ainda incipiente. A ord e nação divina do poder real é ainda a ideia dominante para João, mas começa a fazer-se sentir a influência clássica da
lex regia que atribui a o rei um estatut o intram und ano como representante da comunidade.*
11
Manegold o f Laute nbach, Liberad Gebehardum. Ed. Ku no Fra ncke. In: MG H ,
Libelli, Livro I, p . 365. Os po vo s “exalta m” um hom em com o gove rna nte por mias qualidades pessoais, que supostamente o capacitam para exercer o excelso cargo que deriva a s ua autori dade de Deus , e ligam- se a e le por u m jur am ento (iuramentum).Se a esc olha prov ar se r u m erro e o rei não m antiv er a confiança , cíntão a questã o da sua de posição surge. Co
n st itu i u m inte res se e cle siá stico ób vio
realçar e sta verten te relacion ai, e os e scritore s ligados à Igrej a fo ram os que mais colaboraram para promover a ideia de direitos populares. Neste sentido, não se deve dei xar passa r desperc ebido qu e as preocupações eclesiá stica s vão op erar automaticamente contra o reconhecimento das questões seculares. 11 N a excele nte intro duç ão a sua tradução, Dic kin so n r ealç a que a interpreta ção da
lex regiapo r Glossa tors é posterior e , p or pouc o, qua se coeva. Con sid erando q ue João es tava fami liarizado com o d ireit o rom ano, e considerando, além dis
so, que
o fator dink mi co de uma "in fluência” é ajiisposição para receb er s ugestões - e a "abertura lúc ida" dc Jollo i liulub ilávcl a influência foi provavelme nte indireta.
$3 . A com uni dade Antes de as forças intramundanas (rei, nobreza, povo) aparecerem como símbolos representativos, a comunida de política teve que ser estabelecida como símbolo intra-
P olicraticus marca um avanço distin to. De uma fonte espúria, então conhecida como In stitu tio Traiani, de Plutarco, João de Salisbúria adotou a analogia mundano. Nisto, o
da com unidade como organismo .12 A comunidade é um corpo que o favor divino dotou com vida; o sacerdócio é a alma; o príncipe, a cabeça; os funcionários públicos corres pond em a outras partes do corpo; e os camponeses têm os pés no solo. O que é novo não é a utilização da analogia or gânica na especulação política, mas o objeto de aplicação. A chamada teoria orgânica de Platão era, como vimos, um mito da alma. 0 corpo místico cristão não é o corpo de uma comunidade, mas a comunidade é o corpo de Cristo. No
P o-
licraticus , por outro lado, a comunidade de fato é vista como um corpo que circula e se firma na terra, como uma unidade dentro do mundo. Aqui testemunhamos a fase inicial de um ato evocativo: a evocação da comunidade como a unidade de ação política neste m undo. Mas a evocação não era mais do que u ma ten ta tiva. Ainda fal ta m uito p ara alcança r o Estado soberano fecha do. Na obra de João, a unidad e a qu e ele se refer e permanece em susp ensão . João de Salisbúria evitou refer ir explicitamente o
como a
d a cristandade, mas
sa crum não im puso eriuuma des ignaçã “Federação” também o de regnum (França ou Ingla terra) para a comunidade. A suspensão alerta-nos para o sen timento que teve de ser superado até se encontrar a lingua gem simbólica explícita para a estrutura do novo
saeculum .
A tentativa pap al no século X, de criar u ma facção de princi pados dependentes dcupapa, implicava que nen hum príncipe ousaria assumir diretamente o poder
“de D ieu et de son épée” ,
12 So b re o Institutio Traiani, ver Policraticus.Rd. Webb, l,lvm I. p, 2H0».
H ist óri adasIdci asPo líticas- IdadeM édi aaté Ibm áid rA quln o 1401
como escreveu Jean Bodin; procuraria sempre legitimar-se com a autoridade espiritual do sacrum im perium .
§4. Tiraniddio Temos agor a um a ideia da s potencia lidades do pensam en to polít ico de Joã o de Salisbúria e do gr au a que po deríam ser concre tizadas. A teoria da políti ca intram und ana não e ra ain da um sistema coerente, permanecendo no nível de aborda gens separadas de diversos problemas. 0 homem no estado político surgia como um tipo novo, mas a análise não rompe com as categorias antigas de homem bom e mau; o rei mos trou uma tendência a transformar-se em representante da comunidade, mas mantém-se a srcem divina do poder; a analogia orgânica mostra a comunidade como uma unidade intram undana, mas perm anece suspensa a exi stência de uni dades políticas fora do imperium. — yi*
Este sentimento da suspensão entre o reconhecimento de forças intramundanas e a relutância em abandonar o antigo padrão é evidente na teoria do tiranicídio de João. É fácil acu mular irrelevâncias na exposição dessa teoria. É a primeira vez que um pensador cristão advoga o assassinato, e juristas posteriores invpcam o nome de João em favor do tiranicídio. Mas fica em aberto a p erg unta p o r que ra zão , repentinamen te, o indivíduo ganha tanto poder e p o r que razão a teo ria só se XVI. apontar muitospor exem plosimplanta bíblicosnoe século clássicos de Pode-se tiranicídio aventados João a fim de conferir a sua teoria ampla autoridade histórica. Mas a pergu nta permanece: p o r q ue razão todos estes exemplos, já acessíveis antes de João, são agora invocados? Alguns histo riadores criticam a m oralidad e duvidosa da teoria, em vez de inquirir sobre os senti mentos que a sustentam. A dificuldade da teoria reside numa ambiguidade siste
mática. Por um lado, existe a irrupção violenta de uma força
6 -)oA ode Sal isbúr ia 1 141
intram imd ana quan do o indivíduo tem o direito de governamentais, ao ponto de m
julgar a tos
atar o governant e. Por outro
lado, há uma extrema unilateralidade se a realidade política intramundana se reduz ao indivíduo como seu único repre sentante. Com a ascensão do governante à posição de mo narca intram und ano absoluto cuja vontade é a le i, a teoria do tiranicídio teve de recuar, em bo ra não desaparecesse comple tamente. Só ganhará força nova quando os movimentos re ligiosos populares do século XVI devolverem a iniciativa ao indivíduo. Embora o
P olicratic us não inaugure uma série de
teorias sobre o tiranicídio, revela o indivíduo como a fonte dos novos sentimentos intram und anos. O absoluti smo do mo nar ca não é srci nal; é uma analogia do a bsolutismo individual e foi superado pelo absolutismo do indivíduo na chamada era liberal em que o indivíduo, como membro da burguesia na cional, tinha um peso p olítico que um m em bro de um a comu nidade feudal urbana jamais pod
ería sonhar.
A força intramundana expressou-se com o individualis mo extremo porque faltava um contrapeso noutros níveis da
P olicraticus não é um monarca absolut o que possa agir segundo o princípio regis volun tas suprem a lex nem um mona rca limitado p elo consen estrutura governamental. 0 governante do
timento do s órgãos represent ativos da comunidade. Não é um legislador soberano; está sob a lei, e a lei é um corpo íixo de regras - o código bíblico, o direi to ro mano e a lei divina. A lei é como um céu que cobre todos os hom ens, e o rei está debai xo dela, como o resto da hu manida de. A lei não se dif erenci a aind a em lei superio r e lei posit iva, porq ue aind a não exist em agências representativas que transformem os princípios su periores em lei positiva p ara a comunidade. 0 príncipe bom é um rei que obedece à le i e, na adm inistração , não se desvia da equidade (8.7; 4.1,2). O tirano é o escravo dos seus dese jos e oprime o povo em vez de lhe proteger a liberdade (8.17), Como a lei é conhecida, de todo s e pod e ser in ter preta da sob a orientação da sabedoria>todos são chamados a formar a sua
opinião sobre o caráter do governante. Quando o governante age tiran icam ente , coloca-se fora da le i, e é dever do indiví duo
1 4 2 1 H ist ór ia dasI déi as Pol ítica i - idade M éd ia al é M
d t Aqui no
executar o governante fora da lei porque, de outra maneira, podería cometer “uma ofensa contra si próprio e todo o corpo da co mu nidade terre na” (3.15).13 A atitude de João adm itia comprom issos. Em várias passa gens do Policraticus, o rei aparece como orden ado p or Deus e o rei m au como a punição de um povo te imoso, a ser suportado com paciên cia até que Deus ajude do ext erior. As dificuldades e as hesit ações de J oão ser ão m ais bem com preend idas se ana lisarmos as implicações do texto de Mateus 26, 52, que o aut or invoca em apoio do tiranicídio. O texto “todos os que pegam a espada pela espada perecerão” geralmente é compreendido como um conselho de não resistência à violê ncia. Mas esta in terpretação não faz justiça ao contexto da passagem. Na cena dramática em Getsêmani, o Senhor recomenda a Pedro que embainhe a espada porq ue a resistênc ia ness e m omen to iria interferir no plano divino de salvação: “Com o seriam cum pri das as Escrituras?” (Mateu s 26,54; tamb ém João 18,11). Quem saca da espada pertence a este mundo e sofrerá a lei deste mundo. P edro pertence a o reino que não é deste mundo , e no noVo reino de Deus a es pad a nã o tem lugar. A expectativa escatológica do reino é o pre ssu po sto do texto. Fora do contexto, seria obviamente insens ato, po rque a não resistênc ia aumen ta a possibil idade de perecer pela espada, en quan to o uso da e s pada au men ta a segurança. No contextò do
P olic ratic us , a passagem muda de sig
nificado porque João de Salisbúria não vive na expectativa escatológica. Pelo contrário, o compromisso com o mundo é aperfeiçoado a ponto de a estru tura in terna do mu ndo de ter minar a ordem da comu nidade. Viv endo no m undo, João tem que especul ar sobre a de licada pergunta, m as sem im portâ n cia no Evangelho:
de quem
é a espada que mata aquele que
pega a espada? Como não se pode esperar que o tirano se sui cide, e não existem órgãos não cristãos pronto s pa ra executar a tarefa, é um cristão qu e tem de agir. Para João de Salisbúria,11
11 Sobre a teoria da le i c do r eino, bem com o sobre o con texto teóric o do tir ani d d io em gera l, ve r u Inimd uvflo da rra duç So de Dickins on.
o indivíduo tem que ser o executor, porq ue não exist e um ór gão representativo da resist ência da c omunidade. 0 argum en to decisivo contra o tiranicídio em séculos posteriores será sem pre o perigo para a orde m civil. 0 direito de remover o gov ernan te é reserv ado à ação colet iva represen tativa. Os altos e baixos da teoria são estritamente determ inados pela opiniã o sobre a existência de órgãos de resistência colet iva. 0 .tiran icí dio aparece como o correti vo extremo pa ra o governo injusto, sempre que os órgãos representativos da resistência estejam ameaçados: por exemplo, quando o país foi conquistado por um invasor que ameaçava o povo com a extinção nacional, a guerra de guerrilha ou o assassinato individual dos mem bros das forças ocupantes são as únicas formas de resistência. A interp retação de Mateus 26, 52 como regr a de não resistência é impossível depois de a cristandade estabelecer compromis sos com a civilização. Quando o mundo cristão se transfor mo u no mu nd o em q ue querem os viver e desenvolver valores civilizacionais, a não resistência torn a-se um a ofensa “contra si próprio e con tra a comunidade primitiva”.
1 4 4 1 H is t ór iadai I d ei u Pol ít ica s-I dade M ódl a at é M
d t Aq ul no
7 . J oaquim
d e F iore
(F lora )
I I calavrese abate G iovacchino di spiríto profético dotato. Dante
§ 1 .Á est rut ura d a hi st óri a cr ist ã No
PolicraticuSy o sentimento de uma-mova era expressa
va-se no frescor da caracterização, no despontar das forças intramundanas do homem político e da comunidade e no processo radical de d ota r o indivíduo com o direito e o dever de avaliar o governante. Com Joaquim de Fiore
, o sentim ento
alcançou um estágio de consciência reflexiva: a estrutura do
saeculumadquiriu relevância. Pode-se sintetizar a principal ideia de Joaquim do seguinte modo: a história do mundo é articulad a pelo suces sivo despo ntar d e três reinos: o reino do Pai, que a bar ca de Adão a Crist o; o reino do Filho, en tre Cristo e 1200; e o terce iro re ino, do Esp írito, qu e vai de 1200 até o dia do Juíz o Final. Os prob lem as implícitos nesta ideia são tantos que abordarem os apenas algu ns. A teoria das três idades, correspondentes às três pessoas da Trind ade, perten ce a um tipo de especula ção simbólica que teve o seu cume, d ura nte o perío do cristão, no simbo lismo de
Santo Ag ostinho. 0 méto do do simbo lismo é a
spiritalis intelli-
gentia, a compreensão espiritual do mundo subsumindo-o a
princípios sagrados como o da Trindade, do
hexaémeron
[a
obra da criação], da geração de grupos da história hebraica, etc.1 0 resultad o deste método, obviament e, não pode ser um quadro racional e científico do mundo, que possa ser altera do po r um a crítica progressiva . O mo vimento do pen same nto simbólico srcinado no reino dos sentimentos determina a orientação do m étodo simbólic o. Os sentimento s agostinianos relativ os à estrutu ra da h is tória dominaram a Idade Média, durante o século XII, até a situação se alterar gradualmente. Nesse sentido, os senti mento s de Joaquim marcam o fim da evoluçã o, não o i nício. A categoria trinitária esteve ausente desde que Montano empregou o esquema das três pessoas para uma evocação
sa ec u lu m do Espírito sucedendo ao sa ec u lu m de Cristo. Com Rupert de Deutz, em D e sa n cta tr in ita te et operibus eius (ca. 1110), inicia-se uma série de construções profética do
simbólicas utilizando de novo a Trindade como categoria predom in ante na articu lação das eras. Nesta obra, a Idade do Espírito não se distingue do niano, não obstante a
sa ec u lu m senescens agosti-
problem ática ser comum .12Na Summa
1O s prim eiros trat ados sob re o m étodo de e xegese simb ólica sã o Saint Augu stine, In: Migne, vol. 34, col. 15-21; edição recente
DeDoctrinaChristiana. PL, Opera, On C hri stian de Joseph Martin. In: vol. 32, 1962; Edição em inglês: Doctrine. Trad . Du ran t W . Robe rtson Jr. Nov a York , Liberal Arts Pr ess, 195 8; e orm ulae Spiritalis Intel ligentiae. Euc he rius of Lyons (t 452), F A ugsburg, G u en ther Zain er, 1473. Sobre a relação entre o métd od o sim bólico de Joaqu im e o de outros pensa dore s cri stã os, ver Joachim o f Fiore, “ Scritti m in o ri” . Ed. Ernest o Buonaiuti. Fo per Stouri d ltalia,aTipog Pubblica st Ito, ituto rico ilM edi o Evo ,nti Scrtito rila , Séc loaXII. Rom rafiate de d ial Sena n. 78 Sto ,19 36 Ita , p.lianoper L X X X III s s; e Herbert Grundm ann, St udi enüber Joachi m von F lori Beitrãgc s. zur Kulturgeschichte des Mittelalters und der Renaissance, vol. 32. Leipzig e Berlim, Teubner, 1927. Reedição: Stuttgart, Teubner, 1975, cap. 1.
DeSancta Trinitate. In: Migne, PL, vol. 167, p. 198 ss: EstautemtripartitumeiusdemTrinitatisopus, aconditionemundi usqueadfi nemeius. Primumestab xort e u pri mae uc lis, usq uead alpsumprimi hominis, Secundum ab eod emlap sú^ pri mi hom inis usque pa ad ssionem secundi hom inis JesuChristifilii Dei. Tertiurnaresurrectioneeiusdemusqueadsaeculi comummationem ; id esteneral g emmort uorum resurr ect ionem . Et rim p um ui qdemPatris, 2 Ru per t de De ut z,
Nova edi secun dumaut emFilii, tert iurn ra ve Spir itus nct i pro pri um pus evols. ção: Hrabanus Haacke. In: C orp usC hri stiano rum ,sa ('oHtinuatio Medoie valis,st. 21-24. Tu rn ho ut , Bre pols, 1971-1972.
1 4 6 1 H i st óri adssIdci
asl ^i l í t i caf l -Idad eM éd i i U éIb m il d l
glo ria e (ca. 1120) de Honório de Autun (A ugusto dun ensis), expressou-se pela primeira vez o motivo de um novo sentiniento: o
sa ec u lu m de Cristo não é simplesmente um pe
ríodo de espera, mas tem uma estrutura interna de cinco idades, caracterizada pelo aparecimento de apóstolos, mártires, clérigos, ordens monásticas e, finalmente, do Anticristo. Cinco idades pós-cristãs equilibram cinco idades pré -c ristãs agostinianas, surg indo a época prese nte como a época das orden s mon ásticas. Finalmente, no
L ib er de m a fo r m a cred en d i e t m u ltifo r-
m it ate vi vend i (1135) de Ansel mo de Havelbe rg, surge um a discussão crítica do problema. Como ministro em Constantinopla, Anselmo começou por especular sobre o sig nificado de diferentes
religiones cristãs, apesar da unidade
necessária da Igreja. Ele via o fenômeno da diferenciação greco-latina repetir-se na fundação das ordens (
religiones ),
e chegou a uma explicação psicológica no fato de o hábito enfraquecer o espírito e uma renovação dos fundamentos ser necessária pa ra um a ascensão der espírito cristão
em
direção a uma perfeição mais alta. A Igreja é una, mas as religiones que a compõem são multiformes e alteram-se ao longo das gerações; a
varietas reli gionu m revigora a Igreja.
Cada época marca um progresso na graça espiritual e no entendimento da verdade. Em cada época ocorre o amadu recim ento cio espírito em d ireção à realização plena, até m inar na últi ma idade do Espír ito, transcendente ao m
cul undo
e na presença e terna de Deus. A presente era é um período de amadurecimento do espírito. O pessimismo agostiniano é ultrapassado; o
sa ec u lu m de Cristo tem uma estrutura
endógena com sentido; o esp írito avança rumo
à perf eição,
e a garantia desse avanço é observada no crescimento de orden s m onásticas cada ve z mais perfeitas.3
■' Para um levan tam ento das correntes de pens
amento qu e perm eiam as idéia s
dc Joaquim, ve r Grun dm ann , Studien, cap. 2 ; e Dem pf , Sacrum, p arte 2, ca p. 6. Para a lgumas corr eções da s afirma ções de Dem p f, ver a introd uç ão d e Buo naiu li a Joaquim,
S iritti, |>. M i l ss.
7-
147
§ 2 . O s três rei nos Selecionamos três obras reveladoras do desenvolvimento de um novo sentimento e de um novo simbolis mo que o ex prim e, mas essas ob ras não constituem casos isolados. Era geral, na época, o sentimento de que o crescimento das or dens signilicava um progresso da espiritualidade e inaugu rava um a n ova fase da vida cr istã.4 A experiência revelatória de Joaquim foi necessária para acionar as potencialidades deste campo de sentimentos e criar uma nova configuração da história cristã. O passo decisivo foi a concepção do Ter ceiro Reino, não como u m
Sabbath eterno, m as como a idade
derra deira da história da hum anid ade que se segue à dispensação do Filho. A civilização ocid enta l alcança n este proce sso a ideia de um íutu ro significativo neste m undo. A história da humanidade é uma progressão de evolução espiritual desde a lei natural pré-mosaica, passando pelas leis mosaicas e do evangelho, até alcançar a plenitude da liberdade espiritual. O decurso d a história se articula nos três reinos das três
pes
soas divinas e, uma vez que a estrutura interna é idêntica nos três períodos, a completude do Primeiro Reino fornece o padrão pelo qual compreendemos a estrutura do Segundo Reino, aproxim ando-se d a reali zação plena. Podemos d eter minar, em termos rigorosos, o ponto alcançado no presente po rque conhecemos a lei que preside todo o decurso e pode mos, inclusive, preve r eventos futuros. 0 decurso de um reino abrange um período preparatório (de Adão a Abraão, 2 1 gerações) s eguido pela initiatio (Abraão a Uzias, 21 gerações) e pela fru ctific a tio (Uzias a Zacarias, 21 gerações), a última das quais é, ao mesmo tempo, o período preparatório para o próximo reino. Os remos têm , pois, 42 ge rações; e como a du ração d as gerações para o reino de Cristo é de 30 anos, o Segundo Reino term ina ria em 1260. A da ta é an tecipada para 1200 ]5qrque o Segundo Reino é precedido por
4 Ver , po r exemp lo, Ern st Benz, “ La messiani tà di S. Bene det co" .
pose, n. 7, 1931, p. 336-53.
1 4 8 1H ist óri adasIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat éIbm éideA qui no
Ricercht Reli-
um curto período preparató rio das duas geraçõe s precursoras, de Zacarias e J oão Bati sta, de m odo que Joaquim está no final do Segundo Reino e pod e ser o pr ofe ta do Terceiro.5O começo de cada reino é marcado po r um a trindade de diri gentes , dois precursores e o dirigente do próprio reino com os seus doze filhos (Abraão, Isaac e Jacó com os seus doze filhos carnais; Zacarias, Jo ão Batista e Cri sto, o ho me m, co m seus d oze filhos espirituais). O Terceiro Reino, depois de Joaquim, começará, portanto, com dois precursores a serem seguidos na terceira geração por um novo dir igente , u m
d u x e Ba bylone , que se rá o
fund ado r do Rei no do Espírito .
$ 3.
O s el em entoscon st an tesda no va especul ação po lítica
A concepção de Joaquim resultou num conjunto de elementos formais para a interpretação
àdsqgculum
que, desde
então, permanecerá, isolado ou em combinação, como parte integrante d a especula ção política ocidental .
’ Joaquim escreveu suas obras principais ca. 1190-1195. Abaixo estão elencadas as obras utilizadas. Veneza, Luere,
Conco rdi a Noviac eVet ri s Test ament i.
1519. Reediçãp: Frankfurt, Minerva, 1964. Edição recente: “Liber de Con cordia Novi ac Veteris Testamenti”. Daniel E. Randolph (ed.), vol. 73, parte 8. Filadélfia, American
Transactions of the m Aeri can Philosop hical Socei ty, Expositio in Apocalipsim. Veneza, Bindoni e Philosophical Society, 1983. PsalteriumDece m CordaPasyni, 1527. Reedição: Frankfurt, Minerva, 1964. Veneza, Bindoni e Pasyni, 1527. Reedição: Frankfurt, Minerva, 1983 e rum. tatus superuor quatEv angeila .. Chiara valle , Edizioni Fram aSud, 1983. Trac Ed Ernesto Buonaiuti, Fonti peral Stori a d'Italia Pubblicate daWIstituto Sto rci o Italianoper il MedioEvo, Scrittori, SéculoXII, n. 67, Roma, Tipografia dei Senato, 1930. Ree diçã o: Tur im , Bottega d’Erasmo, 1966. Joachim , Scritti. Sobre Joaqu im de Fiore,
além dos tra balhos de Gr un dm ann e De m pf , ver
Gioacchi noda iF ore,i Tem pi, la Vita, il M essa ggio. Roma,
Er nes to B uon aiuti, Collezione Meridio nale Editrice,
19 31 (Colle zione di studi meridionale,
JoachimofFlora. Londres, Methuen, 1931. Para um levan
14); Hcnry Bett, tament o d a literatura sobre A C r itic ai Su rvey ” .
vol.
Joaq uim , ver G eorge La Piana , “Jo achim o f Flora : n. 7, 1932, p. 257-82. Os seis artigos de Buo
Speculum,
RicercbeRtligiose 4-6, 19^8-1930, foram praticamente integrados Ihniatusc ao Scritti. nu sua introduçAo ao
naiuti èm
7•JoaquimdePiore(Flora ) 1149
a. 0 signif icado da hist ória Em primeiro lu gar, a história tem de ter u ma estrutu ra in teligível. A presente era não é uma era de transição sem sen tido; constitui uma etapa dotada de significado em direção a um objetivo definido. 0 pessimismo agostiniano que aguarda pelo fim de um saeculum desest rutur ado desapareceu. [ Em se gun do lug ar], a fim de chegar a uma in terpre tação significat iva do presente, temos vários modelos ao nosso dispor. Podemos isolar o padrão de progresso linear e atribuir ao presente a função de ponte entre um patamar menos perfeito para um futuro mais perfeito; esta função exaure o sentido do presen te. A teoria kantian a da história constitui um bom exemplo de isolamento deste padrão. Ou podemos mesclar os padrões de reinos com a linha evolutiva e concluir que a presente era é o Terceiro Reino ou que é o período que o antecede. Os sistemas de Comte e Hegel são exemplos de uma especulação sobre o Terceiro Reino do prime iro su bgên ero referido; os sistemas de Fichte e Schelling são exemplos do segundo subgênero .6 E, ter ceiro, o conhecimento de uma e stru tur a intern a do reino pode serv ir de base d e cálculo relativamente ao presente e ao futuro por meio da comparação de um reino incompleto do presente com reinos qu e estão em devir, como na s técnicas preditivas de um Splengler ou de um Toynbee. Estando as três possibilidades implícitas na teoria de Joa quim, surge um quarto modelo nas especulações joaquimitas mais tardia s - um p adrão que não é co nsider ado de for ma si milar: a atribuição à era presente de um modelo de decadên cia. Os fatores perturbadores de uma evolução espiritual não se apresentam como imanentes à evolução, mas surgem como séries paralelas de incômodos inimigos externos na história 6 Schelling refere-se especificamente à especulação de Joaquim de Fiore como para lela à sua, negando um a influênc ia direta . Ve r Friedrich W ilh elm Jo seph von Schell ing, In: vol. 4. Stuttgart e Augs-
Philosop hie^ierOffenb arung . Werke, burg, Cotta, 1858, p. 298.''hjova edição: Werke. Ed. Manfred Sc
hrõ te r. M u n i que, Beck e Ol den bo ur g, 192 7-19 28, sup. vo l. 6. Ediçõe s re cente s: Taschenbuch Ed. Manfred Frank, Suhrkamp Wissenschaft,
der ftenba O rung.
Philosophie
vol. 181. Frankfurt, Suhrkamp, 1993; e fre d Dürn er. S tuttgart, From m ann-Holzbo
1501
H ist óri a da s Idéias Polí
ticas - Idade M édia at é
Historisch-kritischeAmgtibe. Ed. Man g, 19 94.
Ib m iiRdeA qul nn
cristã e hebraica, culminando no aparecimento do Anticristo, que será derrotado no final. Mas as experiências joaquimitas não referem este sentimento de um mal historicamente imanente. Por outr o lado, nota-se que certa s filosofias da de cad ên cia - tal como a concepção de Spengler de um a civilização felá com um derradeiro período da cultura -
relaciona m-se mais
intimamente com o sentimento agostiniano de um senescens do que com o sentimento
sa e c ulu m
joaquimita de um a espe
rança futu ra otimista.
b. Afunção d o pensador político O segundo problema formal refere-se à designação de um lugar definitivo na história para o pensador político. Vimos que Joaquim não só estava preocupado com a estrutura da época como tal, mas também foi cauteloso para definir o seu lugar no final do Segundo Reino, a fim de legitimar sua fun ção de in térprete da concordia n ov i ac vet eri s testam enti. A sua profecia de um novo d u x não deriva tanto d e um a inspir ação, mas é calculada pela lei de uma ordenrsimbólica que lhe foi revelada durante um período contemplativo. Ele faz previ sões, não como um profeta pneumático, mas fundamentado nu ma “lei” substancia da po r dois cic los históricos completos.7 Esta relaç ão dialética peculiar da ideia com o lug ar histó ri co do p ensador (em que a posição hist órica l he permite pensar a ideia e a ideia define a sua posição histórica) ressurge nos grandes sistemas de teoria políti
ca no período do estado na
cional, no mom ento em qu e se procura um a reestruturação do sa e c u lu m a fim de atribuir lugares significativos às principais
nações e aos seus pensadores representativos. Encontramos isso em Bodin, n a França; e m Vico, na Itália; em Fichte e Hegel, na Alemanha; em Dostoiévski, na Rússia. Já nos depara mos com situaçõe s desse tipo anteriorme nte nos Tratados de York na Inglaterra depo is da conquista normand a.
1 Sobre outros asp ectos do profetisnjo d
naiuti ao
e Joaquim , ver a introd
ução de Bu o-
Tractatus,p, I.XII **.
7«J oaquimdeFlore(Flora)1151
c.
0 dirigen te do tercei ro rei no 0 terceiro elemento formal da especulação sobre o nov o rei
no é o símbolo do
dux, o líd er. Denominamo-lo formal porqu e
não estamos interessados aqui na liderança carismática en quant o tal (o que, obviamente, pode ocorrer sem relação com o problema da estrutura secular), mas no modelo teórico que se liga ao despo ntar de um a era com o surgimento de um a per sonalidade simbólica. Ne ste cont exto, observamos um a simpli cidade extrema em Joaquim. Sua participação na introdução de uma nova era confinou-se à compreensão e exposição da ordem do m undo em benefício dos seus coevo s. Essa limitação perm aneceu como elemento característico das especulações mais tardias porque, em nossa civilização cristã, a primazia simbólica do saeculum permaneceu na sombra de Cristo en quanto Um
d u x do saeculum cristão. saeculum radicalmente novo teria de ser inaugurado
po r um a figura substituta de Cristo. Obviamente, a tendência de simbolizar um a época por m eio da figura de um líder é fo r te, assim como geralmente o é a tendência a uma evolução de todo o padrão simbólico por ocasião de uma nova fundação. Talvez o melhor exemplo seja a história do comunismo, que, apesar do pretenso cará ter cie ntífico de sua teoria e da suposi ção de que u m novo reino se de ve à ação de força s desconheci das, dese nvolveu escritos canônicos, apóstolos , má rtires, u ma patrologia, heresias (desvios) e a figura do salvador - Lênin. Mesmo no caso de Hitler, as interpretações messiânicas per manec eram no nível de mero exercício literário. Os líderes ca rismáticos de nov os reinos do mun do ocidental não transc en dem à estru tura intra mu ndan a implementada pel a era c ristã.
§ 4 . A irm andadedas A reinterpretação\do
pes soas aut ônom as sa ecu lu m cristão ao extremo de
postu lar um a nova dispen sação constitui a maior prova da
existência de novas forças exercendo uma pressão sobre a
1 5 2 1H ist óri adasI déiasPol
ít icas- Idad eM édi a t óI b m ó sdeAq ul no
superfície a fim de imprimir sua assinatura à época. Mas ainda não conhecemos as novas forças. Neste contexto, o sistema j oaqu imita é em p arte revelador, em p arte decepci o nante. É revelador porque nos fornece um exemplo clássico de uma ideia política oriunda de uma experiência comuni tária; mas decepciona porque a escolha das experiências é tão estreita que a evocação pode não ser efet iva num a esca la histórica mais ampla. A com unid ade social que forneceu o mod elo de evoc ação da nova era foi a congregaçã o m onástica. No capítulo a nte rior, traçamos a constituição da espiritualidade ocidental por meio das sucessivas ordens até à matu ridade de Ber nardo de Clar aval e ao ativis mo dos milit ares e das ord ens mendicantes. Joaquim era cisterciense antes de fundar a ordem fiorense. Os mosteiros de Cister não eram apenas centros de reforma religiosa, mas empresas econômicas agrícolas que, por meio da instituição de irmãos leigos, integravam em suas fileiras massas rurais consideráveis e assim adquiriam liberdade dos laços feudais, uma moral autônoma e uma personalidade espiritual. 0 movimento cisterciense desempenhou uma função para o estrato in ferior da sociedade feudal idêntica à do calvinismo para a burguesia ascendente e à do marxismo para o trabalh ador do século XIX. Em forma cisterciense, o movimento mo nástico atingiu o caráter de um movimento democrático contrário ab ambiente feudal porque, cum prindo de modo estrit o a Regra Benediti na - nos termos do espiri tualis mo de São Bernar do - , apresen ta um con traponto de soli darie dade, simplicidade, pobreza e disciplina de trabalho, en carnando o espírito evangélico de modo mais verdadeiro que o clero secular e a igreja feudal.8 O conteúdo da constru ção joaquim ita é determ inado pelo sentimento gerado no contexto cisterciense. Nos três reinos predominam sucessivamente a lei, a graça e o espírito. No primeiro reino, desenvolveu-se a vida do leigo; no segundo,
" Sobre este assunto, ver Ernesto Buonaiuti, “Gioacchino da Fiore, San Bonavent ura, San Tom m tuo "
Rictrcht Religiose,n. 6,1930, p. 290.
a vida do sacerdote; no terceiro, a contemplação espiritual perfeita do monge. No nível da história espiritual, a spirita-
lis intelligentia
irá proceder do Velho e do Novo Testamen
tos, tal como o Espírito procede do Pai e do Filho. O Espírito irá manifestar-se socialmente através de uma nova ordem. A perfeição da vida é dada através dos três elementos: con templação, liberdade e espírito. A nova descida do Espírito está fora da histó ria dos Evang elhos que constituem o segun do reino; os quatro evangel hos serão seguidos por um quinto, o
evangel ium aeternum
anunciado em Apocalipse 14,6. Não
será um evangelho escrito, mas o Espírito na sua atualidade, transf orm and o os mem bros da ordem em membros do R eino (cf. O evangelium regni de Mateus 4,23), sem med iação pelos canais sacramentais da graça. A igreja deixará de existir no Terceiro Reino porque os dons ca rismá ticos necessár ios para a vida perfei ta alca nçarã o o homem sem adm inistração sa cerdota l de sacram entos. A façanha dessas construções simbólicas reside na evo cação de uma nova ideia de homem como pessoa espiritual autônoma e livre, capaz de formar uma comunidade de soli dariedad e fraterna, independ ente da organizaç ão feuda l ecle siásti ca e tempo ral da socieda de. O hom em, dotado de poderes espirituais amadurecidos, surge como o potencial organizador da comunidade. Podemos ver a linha que lig a o protestantismo intelectual dos
Tratados de York
e o individualismo tiranici-
da de João de Salisbúri a com a ideia joaqu imita de libertar o homem das formas sociais, eclesiásticas ou profanas de uma época moribunda. Podemos ainda reconhecer as camadas sociais portadoras do novo sentimento; cresceram para além da população urbana da
Pataria e de intelectuais isolados da
população rural; Joaquim talvez fosse de origem rural. Mas tam bém são óbvias as limitaçõe s da ideia. O Terceiro Reino é constituído por uma elite religiosa. Perdeu-se o compromis so civilizacional qu^confere eficácia ao cristianismo. 0 novo reino não tem lugar para as fraquezas do homem nem para a
variedade dos seus dot es natura is. A riqueza hum ana d a ideia de um corp us m ysticum se perde no igualitarism o aristocrático
1 5 4 1H ist óri adosI d éi asPo líti cas - Ida deM édia al óI b m áadeA qu lno
de pessoas espiritualmente maduras. A evocação de Joaquim pode originar uma seita, mas não um povo. Sua construção é a fórmula mais gera l para o problema da era porque
emana do
centro espiritual, ma s o conteúdo social restrito deixa a ideia no níve l sintomático que caracteriza o período anterio r a To más de Aquino. O hom em espiritualmen te ma duro de Joaquim segue-se ao indivíduo político de João de Salisbúria e ao in telectual independente dos
Tratados de York
. 0 lequ e de pos
sibilidades intram und anas está cre scendo, mas sem nenhum a nova síntese à vista.
8. S ã o
F
r a n c is c o
P ri mum ig itur sciendum est quod beatus pater noster Fransdscus in omnibus suis actibus fu it Christo conformis . A c tu s l.l
§ 1 . 0 E l ogi o d asV i rt u d es Como figuras simbólicas da sua época, as personalidades de São Francisco de A ssis e de Joaquim de Fiore estão intim amente ligadas. Sã o Francisco não ter ia sido vist o pelos esp irituais como a fi gura decis iva que inaugura va um a nova época na histó ria cristã se as profecias de Joaquim não fornecessem o padrão simbólico para a sua interpretação; e as profecias de Joaquim não poderíam ter exercido a forte infl uênci a que exerceram no século XIII e em Dante a menos que o aparecimento de São Francisco confirmasse a previsão do
d u x de
uma nov a era . Tal como no caso de Joaquim, na interpretação de São Francisco temos de esta r ciente s da relação dialétic a peculiar entre suas idéias e suas ações. A doutrina de São Francisco é um evangelho de amor fraterno, pobreza, obediência e sub-
missão; eniana de uma vontade autoafirmativa, inflexível e dominante, criando um estilo de vida para o simples leigo, o
idiota
, sem distinção feudal nem eclesiástica, mas lado
com a s duas gr andes ordens da autoridade -
a l ad o
temporal e espi
ritual. 0 d eno minado r comum da ação evocativa neste tempo é o impulso de f orças hum anas pa ra enc ontra r seu lugar num mu ndo crist ão preocupado com os poderes estabel ecidos. 1 A necessidade trágica de que a cria ção de um a ordem , m es mo de amor, exija uma dureza daimoníaca de ação, ofensiva ao ambiente em torno, matiza a página ffanciscana do
E lo -
gio das V irtudes.12 A virtude da obediência tem como função a completa submissão do corpo à lei do espírito, de modo que o homem está submetido aos seus companheiros; e não só aos seus companheiros, mas também aos animais selva gens “para que lhe façam o que desejarem, até ao ponto que lhe for permitido do alto, pelo Senhor”. 0 pacifismo radical de não resistência em São Francisco parece ser o oposto da violência tiran icida de João de Salis búria; mas essa impressã o é enganosa. As virtudes têm a função combativa de desb aratar os vícios, e os vícios a serem desbaratados são apenas incidentalmente os vícios da pessoa cujas virtudes causam esse desbaratar; em primeiro lugar, o alvo são os vícios do mundo
(munduSy saeculum ).
Vie de St.FrançoisAssis d’e. Edição LifeofSt. FrancisofAsdefinitiva. Paris, Fischbacher, 1931; Edição em inglês: sisi. Trad. Louise S. Hougthon. Nova York, Scribner’s, 1894. Reedição: 1938. von Assisi und die Anfdnge der A lém diss o, ver tam b ém H e n r y Th o d e, Franz Kunstder en Raissa nce ni Italien. Berlim , Gro te, 1904; Vid a Scudder, TheranF ciscan Adven ture:A Study ni the iFrstHundredarsYefo ht eStrde .oF rranofcis 1 Sobre Sã o Francisco , ver Paul Saba tier,
2. ed. Londres, Dent, 1931; Dempf, pt. 2, cap. 8; John R. of Assisi. H . Moorman, TheSourcesfor he t life ofSt. Sacrum, Francis Assisi. ofManchester, ManGli Scrtiti di S. chester University Press, 1967. Edições recentes e traduções: France scoA’ssisi. d Edição e tradução italiana de Kajetan Esser. Pádua, Edizioni Messagero, 1982; The W rittings ofSt. Francis of ssisi A Trad . . P la cid Herrm ann. Chicago, Franciscan Herald Press, 1976; e TheWrittings ofSt. FrancisAof ssisi. Trad . Ignat ius C . Brady e Gian Lui gi Ub ol di. Assis i, Casa Editric e France sca na , Edizion i Porziuncula, 1983.
LaudesdeVyrtutibus. AnalektenZurGeschichtedesFranziskus
2Saint Francis, In: Ed. Hein ric h Bõhtner e F riedrich Wiegand . Samm lung ausg ewá hlt er kirchen- und dogmengeschichtlicher Quellenschriftcn, nova série, 2. ed., vol.
von Assi si.
4. Tüb in g en , M o h r (Pa ul Sie beck), 1930. Re ediçã o: 1961 . Edição cm ing lês: Trad. Puschul Uoliliuon. Filudélfia, DoL
The Writtings of St. Francis Assisi. of
phin Press, 1906.
15 8 1 l l i ft l óri a d os I d ci as Po líti cos
I da de M éd i a at é 'l l i i n h il r A fin o
impossível com preend er a atitude franciscana se as cate gorias éticas de virtude e vício forem referidas apenas ao ca ráter individual da pessoa. No contexto do
Elogio, virtudes e
vícios são forças que emanam dos poderes supremos do bem e do mal, de Deus e de Satã , e que se apo deram dos hom ens. A luta da s virtu des con tra os vícios é um a em pres a coletiva. As virtudes de u m grup o têm a função de desbara tar os v ícios do outro. Há um traço do imanentismo maniqueísta nessa con cepção de luta entre o bem e o mal, embora sem alcançar a rigidez da fórmula. A simplicidade tem
de vencer a sabedor ia
deste mundo; a pobrez a tem de vence r os cui dados deste m un do; a humild ade tem de vencer o o rgulho e particu larm ente “a todos os hom ens deste mundo e tudo qu anto há no m und o”. Possuir a s virtudes exi ge atacar o mu ndo e suas instituições família, propriedade, herança, autoridade governamental e civilização intelectual. O ata que reveste-se da forma social de uma pregação das virtudes. Alé m da forma norm al, São Fran cisco desenvolveu, num momento em que sentia-se demasia do doente para pregar, a forma da carta aberta, divulgando a sua mens agem aos fiéis. A ma is im po rtan te dessas ca rtas, e a mais notável por sua simples d ignidade, é a carta “A Todos os Cristãos”, de 1215 .3Esta carta, d e um leigo par a todo s os cris tãos, é característica do novo
p a th o s do homem
que surge da s
cidades e adquire u ma estatu ra que lhe permite falar a todo o univer so cris tão como um pa pa ou um imperador.4
§ 2 . A vi da de pobreza O ataque ao mundo em nome dos conselhos evangé licos parece revigorar a expectativa escatológica de um
Opuscul umcom moni torum et exhort atori um{Epístola quam misit om nibusfidelibus). In: Analekten. Ed. Bõ hm er e Wiegan d, p. 33 s s. '
*
Outras cartas de São Francisco, falando com a mesma autoridade, são endereçadas a audiências menores. Ver a ea
EpístolaadPopulorumRectores Epístola
,e de Verba ad Capi tiHumGeneral admoni tioni s.In: Analekten. Ed. Bõhm
er e
Wieg and , p. 27 ss , dirigid as para “T od os os F rade s” .
8 - São Franci
sco 1 15 9
reino que não é deste mundo. Isso, no entanto, é um equí voc o. Trata-se, ao mesmo temp
o, de uma forç a e uma f ra
queza de São Francisco o fato de ele ter elaborado a ideia de uma vida em conformidade com Cristo como modo de existência. Tentou realizar o que Joaquim de Fiore proje tara: estabelecer uma nova ordem do espírito no mundo. Assi m, sua lingua gem e sua atitude sofrem d dade constante.
esta am bigu i
Quando ataca o “m un do ”, o
m u n d u s ou o
s a e c u lu m , utiliza o vocab ulário evangéli co, mas n em s em pre com o significad o evangélico. O ho m em não é cham a do a arrepender-se porque o reino de Deus está próximo (Mateus 3,2), mas porque a vida de pobreza e obediência é aconselhada como a
constituição per m anen te do mu ndo
em conformidade com a vida do Salvador. Os escritos de São Francisco apresentam, portanto,
P rim eira R egra, por exemplo, delineia a “vida do Evangelho” {vita evangelii) para a qual São Francisco obteve permissão oral elementos que se contradizem flagrantemente. A
de Inocêncio III.5N o capítulo 1, encontra mos u ma longa lis ta dessas passagens dos Evange lhos que aconselham o ódio ao pai e à mãe e o rompimento com a família e suas obri gações, a fim de tomar a cruz e seguir o Senhor. Reaparece a dureza escatológica de Cristo, não só nas palavras dessa
R eg ra, mas tam bém na atitud e de Sã o Franci sco para com os pais. Por ou tro lado, ele aceita inco nd icionalmente a existên cia da Igreja sacramental como a única evidência corpórea do Filho de Deus neste m un do .6 Ele não p ret en de ba sear a vida de perfeição evangélica diretamente no evangelho, mas mantém um sentimento para com a Igreja, lembrando-nos do dito de Santo Agostinho segundo o qual não acreditaria em Cristo se não fosse a Igreja.
5 Regulanon bullata quae dicitúr prima.In: Analekten. Ed. Bõlimer e Wiegand,
p. 1 ss.
6 Testamentum. In: Analekten. Ed. Bõhmcrc Wicgaiu!, |». )A n*. Ver sua conlissão: " Iü satis libettter manebamus iti m i n ia, l'l rrainm ydlolr n \ubditi omnibus"
1 6 0 1 l i lóri d u Idc i i P olí licu Idade M édi a il llim á» d« A qul im
§ 3 . A subm issão à Igre ja Esses conflitos profundos nos ajudam a determinar de modo mais preciso a posição e a função de São Francisco em sua época. 0 espírito de revolta contra os poderes es tabelecidos espalhava-se por todo o mundo ocidental, dos intelectuais às populações urbanas e camponesas. 0 movi mento era cada vez mais dirigido contra a organização feu dal da sociedade, incluindo a Igreja sacramental. Quando o movimento encontrava apoio das massas, adotava a forma de fundações sectárias, criando atritos com a Igreja, quer intencionalmente qu er po r pressões circunstanciai
s, pois o
regresso ao ideal evangélico de perfeição era o único sim bo lism o revolucionário disponível para a civilização cristã dess e tempo . P ortanto, não t emos que nos preocup ar dema siado com a questão de saber se a glorificação franciscana da Irm ã Pobreza fo i ou não influenciada p elo conhecimento dos ideais dos pobres de Lyon. Em qualquer caso, o ideal de pobreza, juntamente com outros conselhos evangélicos, estava destinad o a ser o símbo lo da revolu ção. O que distinguia São Franci sco de outr os dirigentes sectá rios e fez dele um santo e não um heresiarca era a sua since ridade convincente, sua encarnação exemplar dos ideais que ensinava, o seu Wicanto, a sua hum ildad e e um a ingenuidad e que não era deste mu ndo. Para sua subm issã o à Igrej a e para a sua crença em que a fraternidade dos
pobres em Crist o po
dería per sistir sem instituci onalização, não temos o utra expli cação senão uma cegueira para as vias do mundo, srcinada pela grande pu reza do seu coração. As inevitáveis decepções que experimentou podem ser fortemente sentidas nas admoestações aos irmãos n o da
R eg ra -
Testamento
nada acresc enta r a ela, nem dela subtrair - , não fa
zer glosas sobre ela nem interpretar o nova
: mante r a simplicidade
R eg ra ,
Testamento
como uma
e não procu rar da Cúria qual quer tipo de privi lé
gio. 0 mundo não cedeu ao seU/ataque, mas, por seu turno, penetro u a sua irmandade.
8 - S ão Fr anc is co 1 161
A santidade do seu caráter teve consequências de grande alcance no domínio da política. Ao mesmo tempo que con duzia a cruzada contra os albigenses, Inocêncio III confir mava a R eg ra de São Francisco. Se con sid erar mos o apelo de São a rápida difusão da Ordemé difícil e, em particular, o inflFrancisco, uxo maciço n a Ordem Terciária, imagin ar que formas a revoluçã o social teria adotad o se a Igreja não tives se captado o movim ento através da pessoa de São Fra ncisc o e a integrasse na sua organização graças, sobretudo, à ação do cardeal Ugolino de Óstia, o protetor da ordem que mais tar de se torn ou o pa pa Gregório IX (1227-1241). O diversionismo do movimento íranciscano em formas sob o controle da Igreja conferiu a esta um novo alento, até que o movi mento popular finalmente abalou as instituições medievais por meio da Reforma.7
$4.AEcclesiaíÍ05%O5 As idéias, as atitudes e a eficácia de São Francisco revelam a doença que se abateu sobre o corpo místico de Cristo e a transformação que estava em andamento. No capítulo ante rior, observamos que o estabelecimento do império cristão transferira o cristianismo do ambiente urbano mediterrânico para uma sociedade predominantemente rural. Com essa transferênci a, a dinâmica da vida cristã passou das co munida des para as hierarquias - espirituai s e temporais. O surgimen to do idiota, desde o século XII, como uma nova força cristã implic a a ree ntrada da com unidade u rban a como força s ocial no mundo cristão. Essa mudança de ênfase se reflete na mu dança de sentido de termos fundamentais. O significado srcinal de ecclesia era aquele de comunidade-Igreja. No fínpério Romano, a ecclesia local formou
7 Sobre o s mov im entos populares nã o cond uzidos pela Igreja nascença e Reforma, parte 4, ca p. 3, “O Povo de Deus",
1 6 2 1 H ist óri adasIdé iasPol íticas - Id adeM édi aaté lb m íi d tAquino
, ver vol. V I,
Re-
uma ilha de organizações do
p o p u lu s c h ristia n u s num mar
de paganismo. 0 abismo entre as comunidades cristãs e a organização imperial nunca foi completamente fechado, como vemos na teoria de Santo Agostinho. No Império Carol íngio, por fim, f oi enco ntrada um a instituição que in tegrava a autoridade temporal no sistema dos
ch arism ata
cristãos, de modo que as duas ordens do corpo único de Cristo cooperavam na difícil tarefa (e que hoje seria considerada totalitária) de criar um povo cristão uniforme com base em hie ra rq uias preexistentes. Agora, no século XII, tem início um processo de dissocia-
ecclesia estava prestes
ção. Na linguagem de São Francisco, a
a se reduzir a u ma organização sacerdotal, enqua nto os leigos, os idiotae, formavam suas próprias comunidades, as quais, entretanto, tentavam viver em paz com a hierarquia tradicional. A fissura se toma ominosamente aberta na diferenciação ffansciscana entre a vida do leigo, em conformidade com Crist o, e a vida sacerdotal, em conformid ade com a Igreja
ecclesia estava crescendo desde dentro, ecclesiae crisde modo parecido à posição que ocúpaVa a Romana.8Uma nova
tã srcinal no ambiente pagão. A ecclesia ffanciscana e seus problemas de ajuste estavam apenas começando. Os mesmos problemas reaparecerão quando novas
ecclesiae nascerem de
cidades, nações e camadas da sociedade e tiverem que lutar por um lugar no sistema dos velhos poderes. \
$5. A
conform idad e c om Cri sto - A na tureza
A pessoa de São Francisco e a
religio que ele fundou
eram inconfundivelmente forças intramundanas em oposição ao
im p e r iu m , do tado de princípios gelasianos. 0
ficou meio obscurecido pelo ideal d
fato
e um a vida em confor-
midade com Cristo. A linguagem do ideal induz a crença
"
Testamentum.In: Annlthten.
F,d. Òfthmcr e Wiegand, p. 3.
8 • São Franci
sco 1 16 3
de que a religiosidade franciscana é, de f
ato, um retorn o às
idéias do cristianismo primitivo. Mas essa suposição ne gligencia a dif erença dec isiva, a saber, qu e os fié is das p ri meiras comunidades
se g u ia m o Messias, o rei, no reino de
Deus , ond e partic ipar iam em Sua glória régi a, ao passo que São Francisco imitava a vida do homem Jesus a partir de uma até então inexistente compreensão de seu sofrimen to sacrificial em humildade na terra. 0 nível do cristianis mo franciscano não é determinado por um renascimento do desejo de entrar no reino dos céus (que é dado como certo), mas por uma nova compreensão da dignidade do sofrimento e da criação sem voz. São Francisco é espanto sam ente sensí vel à criaç ão divin a on de ela é mais “criad a” e menos autoafirmativa: nos homens que sofrem, nos po bres, doente s e m orib undos, nos anim ais, nas flores e na ordem silenci osa do cosmos. Um novo reino do ser entra no foco de atenção, uma ten dência que j á observamos em seu iníci o no cardeal Hum berto e nos
Tratados de York.
A penetração do Espírito no reino
da natureza atingiu, então, seu pleno desenvolvimento. São Francisco utiliza as fórm ulas d a seve ridade escatológica, e ele mesm o age com dureza, mas o sentime nto que o move não re nega o mund o; pelo contrário, adiciona-lhe um a dimensão até então ausente da dispensação cristã. A alegria da existência como criatu ra e a expansão al egre da sua alma - alcançando em am or fraterno essa parte m uda do mundo que gl orifica a Deus apenas pela humildade de ser criado, a alegria simples na com unidade recém-descobert a da cri ação divina - tornam São Francisco o grande santo. Através de sua d escobe rta e ace itação do e strato mais ba i xo da criação como parte significativa do mundo, ele se tor nou uma das figuras relevantes da história ocidental. Tomou os humildes pela n^o e os conduziu à sua dignidade, não para um reino de Deus no outro mundo, mas num reino de
Deus que é deste m undo. Conf eriu à natureza a sua alm a cr is tã e com ela a dignidade que a torna objeto de observação.
1 6 4 1 H istór ia d as Idcias Po líticas - Idüd c M édi n t tlé 'loiná* dc A qulno
A expressão sublime deste sentimento é o
Criaturas.9
Cântico das
O cântico abre com o louvor a Deus, depois aos
corpos celestiais, aos elementos, à terra que produz frutos e flores, aos humildes que perdoam e vivem em paz e à mor te corpórea; e termina com a exortação a que todos sirvam a Deus
cum g rand e hum il it ate.
$ 6 .0 Cr is toi nt ram undano A preocupação alegr e com a nova descoberta resultou,
po
rém, nu ma limitação difere nte da experiência cristã. Sã o Fran cisco alargou o nosso m und o, m as a sua tônica na nova dim en são negligenciou outros problemas. A vida do santo trouxe uma irrupção de nova s forças intramund anas, m as não uma nova síntese. Sã o Francisco f oi um gr ande n atura lista, u m fato que fica quase obscurecido por sua completa espiritualização dos sofredores e da natureza silenciosa. Sua fórmula de uma vida em conformidade com Cristo, não nos esqueçamos, é em conform idade com o so frime nto de Crist o, não com Cristo-Rei em sua glória. Em sua conformidade com Cristo, o homem, São Francisc o alcança a máx ima alt ura possíve l à nature za h u ma na qu ando recebe os estig mas n a noite de La Ve ma. Mas nenhum ser humano pode conformar sua vida à do Messias. Ao con form ar sua vida à do Cristo sofredor, São Fran cisco tinha conformad o a imagem de Crist o às possibili dades humanas. Na sequênc ia das fo rças intram und anas que usam símbolos cristãos para sua autointerpretação, São Francisco teve de criar o símbolo do Crist o intram und ano , m as este sí mbolo só po de absorver aquele aspecto da pesso a do Salvador que se conforma com os humildes e sofredores deste mundo. A função d e Cristo como hiera rca sac erdo tal e real teve de ser
g Canticum fratris solis. In: Analekten. Ed. Bõhmer e Wiegand, p. 44 ss; o cân tic o é preced ido pelas seguintes pala vras:
“Incipiuntur laudes creaturarum , (juas fecii beatus Franciscus ad laudem (ft honorem Dei, cum esseinfirmus apttd Sanctum Damianum".
8 • São Franci
sco 1 165
negligenciada; o Crist o de São Francisco é o Cri sto in tram un dano dos pobres; não é mais o cabeça do
corpus m ysti cu m
da
hum anid ade. A grand e realiz ação evoc ativa do comprom isso com o m undo, particularmente no período imperial ocid ental, foi a compreensão d a diferenci ação natu ral dos hom ens e das hierarquias espirituais e temporais como funções no corpo místico . Em sua preferência pelo Cri sto dos pobres e sua ne gligência par a com o Cristo hiera rca, esta gran de o bra civilizacional foi, em prin cípio, desf eita po r São Francisco. O mund o teve de se dividir quand o Cristo deixou de ser a cabeç a do co r po diferenciado da cristandade e se to rn ou apenas o símbolo de um a das forças particulares que reivindicavam para si um
sta tu s privile giado de con formidad e com
ele.
A evocação de São Francisco foi o sintoma mais impressio nante do processo em que o
sacrum im perium
se desintegrou.
Enquanto o Santo atingia o clímax de sua conformidade com Cristo ao receber os est igmas, erguia -se a estrela do im perado r Frederico I I - que era considerad o o Anticristo, porq ue pela primeira vez, desde a Antiguidade, incorporou a lei de Deus em sua p essoa - e estabelecia mais um a vez o dirigente como o nom os empsyc hos , fora da ord em carism ática do corpo míst ico.
1 6 6 1H ist ó ri ad a i Id éi asPo líti cas- Id ad eM éd iaal éI b itl é i i l rA(| ul n»
9 . F rederico
II
D o m in u s M u n d i
§ 1 .0 de s loc am e nt o ( p eri p etei a ) do im péri o O último imperador medieval foi o fundador do primeiro estado moderno. Nele, a crise da época encontrou o homem que se torn ou seu sím bolo perfeito g raças às circunstâncias de sua qu eda e de seu gê nio pes soal. P ara com preen der seu papel e sua consciente ratifi cação del e, temos de observa r o processo de trans formação da estr utu ra polít ica do m undo ocidental que co nstituía i ) cenário de sua vida estup enda. O fator dinâmico que determinou a transformação e, em última análise, a desintegração da ideia imperial foi o surgimento de unidades políticas periféricas em torno do núcleo germânico imperial. Vimos que no século XI esse conjunto de principados tinha obtido importância suficiente para inspirar Gregório VII com a visão de uma comunidade de reinos nacionais, dependentes da autoridade semifeudal e semiespiritual do papado como contrapeso ao próprio imp rio. Os eventos que promoveram a ascensão desse grupo de
é-
principados à efetividade política em escala mun dial foram a expansão normanda dos séculos X e XI, a fundação dos
reinos n as ilhas da Sic flia e da Ing laterra e a expansão dos po deres insulares para o continente por meio de matrimônios e heranças. As consequê ncias da expansão norm and a foram extraordinárias por duas razões: (1) a instituição da regra no rm an da n a Sicflia, na Itália do Sul e na In glater ra adicionou dois poderes consideráveis ao sistema europeu de unidades políticas; (2) o fato de novos poderes terem sido estabeleci dos pela conquista possibilitou aos duques normandos criar organi zaçõe s governam entais com u m g rau de racionali dade até então desc onhecido no m undo ocident al. Não vamos nos estender aqui sobre fatos históricos já bem conhecid os; basta me nciona r que Guilherme, o Conquis tador, e seus sucessores desenvolveram uma administração régia centralizada e podiam manter em xeque os recursos e os po deres dos senhores feudais, e que a concentração do poder nas mãos do rei foi a base de desenvolvimento da pequena aristocracia inglesa e da classe média e, consequentemente, da evolução das form as c onstit ucio nais d e governo. Na S icflia, a tarefa de estabelecer um governo racionalizado foi relati vamente mais fácil. As tradições de administração bizantina e islâmica, bem como uma população acostumada a formas absolutas de governo, facili taram o process o. 0 estado de Ro gério II (1130-1154) era, em sua sub stânc ia, o estado que fora aperfeiçoado por Frederico II (1211-1250). A expansão continental assumiu formas semelhantes em ambo s os casos. 0 casam ento de Matilda, filha de Henrique I (1100-1135), com Geoffrey de Anjou trouxe a casa de Plantageneta ao trono inglês, e o casamento de Henrique II (11541189) com Eleonor de Aquitânia acrescentou o sudoeste da França aos feudos d etidos pelo rei angevino da Inglaterra. C om a m orte de H enrique II, o “impé rio” angevino era constituído pela Inglaterra e pela maior parte da França até os Pireneus, enq uan to a esfera defiifluênci a dos Capetos fo i reduzida a les te. Através dos casam entos de du as filhas com Afonso VIII de
Castela (1158-1214) é Guilherme II da Sicflia (1166-1189), a influência dos Plantagenetas estende u-sc por toda a perife ria
1 6 8 1 H ist óri ado sIdéi asPolí ticas- IdadeM édi aall lt m ásil fA i|ulnu
oeste e sul do império; e através do casamento de uma ter ceira filha com Henrique, o Leão, duque da Saxônia e da Baviera, o rival do Hohenstaufen, foram lançadas as bases
par a
a influência sobre o império e para a posterior aliança anticapeto entre os ingleses e os guelfos. No sul, Guilherme II da Sicília casou Constança, herdeira de Rogério II (1103-1154), com o filho de Frederico Barba-Ruiva (1152-1190), o futuro Henrique VI (1190-1197). Na época em que esse casamento foi celebrado, o seu propósito não era tan to g anh ar influência sobre o império, mas impedir o imperador de interferir nos planos imperiais de Guilherme no Mediterrâneo. Após a mor te de Guilh erme, um a revolta nac ional sob Tancredo de Lec ce, auxilia do pelo papa e po r Ricardo I da In glaterra (1189-1199) , resistiu à ascensão de H enrique V I ao trono e teve de ser su b jugada pela força em 11 94 .0 resultado político foi, em certo aspecto, semelha nte ao dos casam entos inglese s: os angevinos torn aram -se reis da Ing laterra com os f eudos franceses como anexo ao seu poder; os Hohenstaufen tornaram-se sicilianos com o impé rio como anexo ao núcleo real do seu poder. O po der deslocou-se geograficamente para a periferia do império. Na últim a década do século XII, Inglaterra e Sicília eram os dois grandes centros de pode r do mu ndo ocidental - o inglês irradiando a partir do norte da Europa ocidental para os Pireneus; o siciliano irradiando a partir do sul, passando pela Itália, pa ra a Europa centr al. Ident ificamos o componente norm ando na esfera d o poder desse tempo. Mas nenhuma tendência que possa ter existido para a consolidação deste imperialismo incipiente conseguiu amad urecer, pois as for ças de oposiçã o eram m uito fortes. No con tinent e, o per íodo que vai de 1190 a 1250 foi api nha do po r um grupo de governantes muito capazes cujas aç ões e re ações determ inaram a estrutura políti ca da Europa durante a maior parte do período moderno. O reinado de Filipe II Augusto (1180-1233) na F rança ma rcou o início do fim da expansão in glesa no continente e estabeleceu o núcleo do Estado nacional
francês. O breve reinado do imperador Henrique VI levou o sonho de um império do mu ndo ocidental para mais próximo
9 - Fr eder i coI 1 1 6 9
da realização do que nunca. 0 primado do papa Inocêncio II (1198-1216) trouxe a construção oposta de uma dominação pontifícia da Europa ao ponto mais alto de realização. Os anos 1216-1254 viram a luta final entr e Frederico II e os papas Honório III (1216-12 27), Gregório IX (1227-1241) e Inocênc io IV (1243-1254), a qual term ino u na aniquilação dos Hohenstaufen, o interregn o e a fragmentação d a Alemanha. As construções imperiais de Henrique VI e Inocêncio III não contam com elementos essencialmente novos; o que é novo é a escala do sucesso. No seu governo, Henrique foi ca paz de unir o império e a Sicüia; obrigou Ricardo I a tornar a Inglaterra em feudo e através del e reivindicou autoridade so bre o rei de França. Dinamarca e Polônia eram seus vassalos, Itália estava em seu po der e, como rei da Sicüia, era o re i da África. Ele morreu de repente, en qua nto es tendia o seu poder para leste. Inocêncio III restabeleceu a construção gregoria na da “agremiação”, abrangendo Sicüia, Aragão, Portugal, Dinamarca, Polônia, Hungria, Bulgária e Sérvia. Além disso, ele obrigou João (1199 -1216) a tornar a Ingl aterra em feudo, excomun gou Fili pe II de França, e afirmou o d ireito de ser juiz em eleições imperiais, qua ndo concedeu a coroa a Otão IV dos Guelfos (1208-1215) co ntr a Füipe de Suábia. Os padrões dessas construções de oposição são tradicio nais, mas o problema subjacente que os liga, a questão da Sicflia, é um novo elemento da política de poder. A questão da Sicüia havia surgido duran te a Controvérs ia das Investiduras, quando o papado encontrou nos normandos um aliado con veniente, embora frequentemente irrequieto, contra a pres são imperial na Itália. A existência de uma Sicflia forte como feudo papal era do interesse da Santa Sé, do ponto de vista do po der - e mesmo geopol ítico. O interesse imperial oposto pela Sicüia tornou-se notável durante o século XII, com Fre derico I Barba-Ruiva, Um fator desse interesse foi o ressurgi mento da ideia de qije o império ocidental devia ser o dono
do antigo território do Império Romano e da Cidade Eterna. No entanto, de importância mais prcmcnlc foi a percepção de
1 7 0 1H isl óri oà s Idei of t N íti ca a ■ IdadeM édi a l él li n ibil r A qul no
que o imperador alemão necessitava, para a manutenção da sua posição, de um território que pudesse ser racionalmente organizado como o centro de seu poder. O casamento do fi lho do imperador com Constança da Sicília foi, por parte do imperador, arranjado com vistas ao estabelecimento de um dom ínio im perial n a Itália. Podemos verifi car as implicações no fato de que, após o casamento , Henrique foi coroado Caesar (1186) , em Milão , um título que design a o corregente imperial na Constituição de Diocleciano e nu nca antes foi utilizado no império ocidenta l. As consequências políticas do cerco ao papado, quando a Sicília e o império ficaram unidos nas mãos de um imp erador forte, ton ara m-se evidentes no reinado de Henr ique VI. Após a sua morte, tornou-se o grande interesse de Inocêncio III im pedir a todo o custo a repetição dessa constelação. No conflito entre Filipe da Suábia e Otão de Brunswick, ele decidiu con tra a família Hohenstaufen e acabou po r coroar Otão em 1209. No ano seguinte, no entanto, Otão IV retomou a política dos Hohenst aufen e come çou um a c am pa nh a de gran de suces so, conq uistando até o sul de Itália e a Sic ília. A habilid ade diplo mática de Inocêncio III evitou o n ovo perigo par a o papado no último momento. Em 1211, um grupo de príncipes alemães, inimigos dos Guelfos, elegeu Frederico como rei alemão, por acordo com o papa e o rei da França. Na guerra que se seguiu entre as alianças França-Hohenstaufen e Inglaterra-Guelfos, a batalha de ^ouvines, em 1214, foi favorável a Frederico II e Filipe II Augusto. As consequências da batalha foram importantes e influen ciaram a estrutura política da Europa até o presente. Para a Inglaterra, a batalh a foi seguida pela concess ão da M agna Car ta em 1215; foi o primeiro grande passo rumo ao desenvolvi men to c onstitucional ingl ês. Para a França, salvou as reformas administrativas, financeiras e militares de Filipe II e estabe leceu o reino francês como potência europeia de primeira
orderh; a França iniciou o seu desenvolvimento em direção ao estado administrativo continental por excelência. No seu
reto rno à Sicüia como co nquistad or, Frederi co II foi capaz d e lançar as bases da monarquia centralizada e burocrática (lei de
resignandisprivilegiis).
Ao lid ar com a Alem anha, seguiu a
política oposta de concessões liberais aos príncipes espirituais e temporais, a fim de garantir o seu apoio; o in fa v o re m p rin c ip u m ecclesiastic orum , de 1220, eP rivilegium a Constitutio in fa v o re m p rin c ip u m , de 1231, fixaram as linhas do de senvo l vime nto particularístico da Alemanha . Este escrutínio dos fatos principais é extremamente in completo, mas serve para m ostr ar a modifi cação completa d o cenário político. A importância relativa do
sacrum im perium
diminuiu porque novos poderes surgiram na “periferia” e, com sua pressão, deslocaram o centro da política para oeste e para sul. A ascensão destes poderes teve como consequên cia a dissolução da ideia imperial e sua
suplantação p or novas
idéias evocativas adaptad as a um mun do de poderes riva is; o princípio gelasiano como ideia evocativa do minante do Oci den te estava em declí nio, e emerg iram os problem as do poder político no sentido m oderno. A irrupção de forç as intram un dan as no campo da evoc a ção i mp erial exprim iu-se, à época , po r meio de três formas prin cipais: o apare cim en to da arte de go vern ar, o apare cimento do estadista e o claro crescimento da consciência nacional como fator determinante na política. Quanto ao apare cim ento d a arte de govern ar, observam os seus ef eitos nas conquistas normandas. A situação de conquista teve, no período entre os séculos XI e XIII, uma função seme lhante à da revolução no período posterior dos estados nacionais; a l impeza que foi feita nos interesses e ntrinc hei rados clareou o caminho para uma reconstrução racional da organização governamental. A melhora da administra ção financeira e militar aumentou enormemente o poder po lítico. A Sicília er^ cobiçad a p orq ue tinha um sistema de imp ostos que fazia db seu mo narca o m ais ri co da Europa,
A racionalização milttar resultou na derrota da cavalaria feudal de Frederico I Barba-Ruiva pel os mãos da in fanta ria
1 7 2 1H ist óri ada sIdéi asPo líticas- I dad eM édi a t óI bm áod rA t| i ilno
burg uesa da liga lo m bard a em Legano (1176) e no triu nfo da cavalaria profissional de Filipe II e da milícia burguesa sobre as forças feudais em Bouvin
es (1214) ; o prim eiro es
calão do poder militar de Frederico II eram as tropas mer cenárias islâmicas. Em segundo lugar, notamos a aparição dos grandes organizadores dos governos domésticos na Inglaterra, França, Sicüia e dos mestres do poder político. Mesmo os representantes dos velhos poderes gelasianos, Henri que VI e Inocêncio III, eram homens do estilo novo, em bora no caso do im perador Hen rique VI fique claro que a idei a imperial não tinh a lugar nos novos padrões
de poder.
0 mais comovente docu m ento do período foi o T esta m en to do imp erador, no qual H enrique V I praticam ente dissol veu a sua gigantesca construção e abandonou alguns de seus domínios mais bem estabelecidos, admitindo silenciosa mente que, no campo
do po der polít ico, o império era um a
unidade entre outras e que estava morto o sonho de uma organiz ação do pode r imp erial do Ocidentç. 1 Finalmente, observamos a consciência nacional como um fator no colapso do im pério angevino com a formação da po lítica nacional fran cesa e ingles a. A consciência naciona l espa nhola cristalizou-se rapidamente sob o contínuo esforço das guerras contra os muçulmanos. Em 1135, Afonso VII de Castela (1126-1157) foi coroado imperador, um título de pouco efeito prático, mas indicativo do significado de igualdade em grau com o cabeça do sacrum im perium .
Testamentum. Ed. Ludwig Weiland. In: M G H , Const., vol. 1. Hanover, Constitutions ofM elfi: The liberAugustalis or Constitutions ofM elfi: Promulg ated by the Emperor Frederick IIf ò r the Kingdom ofS icilyin 1231. Trad. James M. Powell. Siracuse, N. Y., Siracuse University Pres s, 1971; e Constitutiones Regni Siciliae: LiberAugustalis. Ed. Hermann Dilcher, Mittelalterliche Gesestzeesbücher europãischer Lãnder in Faksimiledrucken vol. 6. Glashütt en, T aunus, Aver mann , 1 9 7 3. 0 último livro é um fac-símile da cdiçõo de Naples, S. Reissinger, 1475. Ver também, D ie Hahn, 1893, p. 530-31, n. 379. Publicações recentes de
,
S iziliariische Gesetzgtbung K aizer Friedrichs II : Quellen der Constitutionen von M elfi und ihrtr Novtl/fn, (Inlõnin, Bflhlau, 1975.
9■ Freder icoI I 1 17 3
§2, A s Con stitu içõe s de Mel fi A posição de Frederico II entre as eras tor no u-o um Salva dor para os amigos e um Anticrist o par a os inimigo s. 0 estilo de do m inu s m un di, empregado po r seus cortesã os, osc ila en tre os significados de senhor imperial do orbis terrarum e de príncipe satânico deste mundo. O fascínio luciferino do im perador ainda dificulta que se chegue a uma imagem confiá vel, não enviesada, des sa pesso a e de suas idéias. É grand e a tentação de ver nel e o renascimento de um ideal de governan ça clássico, mediterrânico e pré-cristão e é igualmente ten tador vê-lo como “o primeiro homem moderno”. Alguns o conside ram um espritfort que não acreditava na im ortalida de da al ma; outros o maquiaram e retrataram como um bom católico; adeptos de um culto epigônico de grandes homens enalteceram-no como um super-homem, de dimensões he róicas; historiadores nacionalistas alemães condenaram-no por sua Verwelschung do im pério e pe lo parcelam ento d a Ale manha; uns eram sensíveis sobretu do ao pathos de m ajest ade imperial; outros enfatizaram sua evocação de um colégio de príncipes seculares da Europa. Não tencionamos adotar como definitivo qualquer destes retratos. A grandeza do imperador não reside nem na força de um caráter firme e c laro, nem no s méritos de u ma política, nem na consistência com que a empreen de. Reside, antes, na força e vastidão de u ma alma que era igual às tensões d a épo ca. Reaparece a expectativa entre a evocação antiga e a irrup ção de força s in tram und ana s carac terística das teorias de J oão de Salisbúri a, ag ora com a escala e a respon sabilidade d a ação imperial. A experiência da plenitu de dos temp os que de term i nou a construção apocalíptica de Joaquim de Fiore exprime-se no jogo de Frederico com o símbolo de Augusto, o arauto da Idade de Ou ro, um a^ gu ra que tem paralelo com Cri sto na história profana. Em relação a Frederico, a Quarta Éclog a de
Virgílio parece ter sido aplicada pela primeira vez na história cristã, não a Jesus, mas a um governante. E a conformidade
\ H
|H is tória d asIdé iasP olí ticos- Idad eM édia atéIh i é ilr A <| iiliio
franciscana ao Cristo sofredor tem paralelo na conformidade do im perad or ao Mes sias vitor ioso, a um ponto tal que beira a evocação de deus-ho níem . Mas as imagens confli tantes de um príncip e do Renascimento e de u m im perador carismático do Ocidente, do governante carismático do do rei sagrado helenístico, do cristão hum
sa crum im p eriu m
ilde que reconhece a
e
autoridade do papa e do rei-messia s, permanece como campo de tensõe s. 0 imp erador podia ad otar difere ntes pa péis, podia encená -los até o ponto de r up tur a em que el es se transform am em realidad e inflexível, mas, p or fim, com prom eteu-se a não consid erar uns com a exclusã o dos outros. Quando tentamos olhar por trás dos papéis desempe nhados, em busca das qualidades da pessoa que os reúne, encontramos vitalidade e sensualidade abundantes, uma capacidade sempre pronta a desempenhar o papel sugerido pelas circun stân cias da situação; um a disposição alegre de investigar, até aos limites, a estrutura da realidade tal como esta se apresenta, seja nos problemas empíricos da caça ao falcão, nos problemas intelectuais das Questões Sicilianas, na técnica dos proced imento s da corte , ou em apocal ípticoscontramanifestos às acusações papais. Nele é impossível tra çar um a linha entre o hom em de aç ão e o ator, entre a se lvageria de sua vontade e a ironia do seu jogo. Liga-se aos seus atos a qualidad e da repres entaçã o; n a pom pa barroca d a lin guagem, no seu sentido do ritual, na representação plástica e arquitetônica do culto da Justiça na Porta de Cápua e na consciê ncia representativa d a su a majestade. Também é impossível demarcar a linha que divide sua curiosidade intelectual e sua descrença dogmática. Quando na
Carta a Jesi
se refere ao seu local de nascimento em ter
mos de Belém e à sua mãe como uma
theotokos
, não sabe
mos quanto disso é um jogo com símbolos representativos, quanto é conformidade ao Messias com propósito político e quanto, talvez, é apenas ingenuidade. Quando o papa o cha
ma de avbesta apocalíptica qu e subiu do m ar e ele dá o troco chamando o papa de “cavalo vermelho do Apocalipse”, não
9-Fred etoIf | r ô
po demos saber até que ponto a réplica é política, convicção religiosa ou pura brincadeira. Temos de atender a essas ten sões na alma a fim de compreender a impressão que o impe rad or exerce u sobre os contemp orâneos. Estava m assustados po rque ninguém pode ría dizer o que um hom em desta capa cidade faria em seguida e a que extremos o conduziría um temperamento duro e selvagem. A visão nietzscheana de Cesare Bor gia como papa está perfeitam ente dentr o das possib i lidades da alma de Freder ico II. Abundam os materiais para a interpretação de Frederi co II. Temos de nos lim itar a uns poucos exemplos representat
ivos
que ilustram a estrutura do sentimento há pouco esboçado. O mais importante documento para o presente propósito é o P ro o em iu m das C on stit uições de M elfi , de 1231, o ato con clusivo da reorganização política da Sic ília.2 A pró pria pro mulgação foi indicativa da situação. As
Constituições
foram
proclamadas pelo im perad or romano, mas não se de stina vam ao império; elas codificavam o direito constitucional, administrativo, penal e processual para a Sicília. Nenhum outro go vernador da época teria ti do auto ridade pa ra renovar a função imp erial de legi slador para seu reino; e o impera dor não pod ia fazê-l o no im pério, mas a penas na Sicília. Estamos no início da transformação das categorias políticas imperiais em categori as políti cas mod ernas, as quais pressupõ em uma 2 O melhor estudo das idéia s políticas do imperador ainda é Wolfram von dcn Steinen, Das Kaisertum Friedrichs des Zweiten nach dert Anschauungen seiner
Staatsbriefe. Berlim e Leipzig, de Gruyter, 192 2. Ver tamb ém Ernst H . Kantorowicz, K aiser Friedrich der Zweite. Berlim, Bondi, 1927. Edição em inglês: Frederick II, 1194-1250. Trad. Emily O. Lorimer. Nova York, Smith, 1931. Reedição: Nov a York, Ungar, 1967 . An ton io de Stefano, Lidea Imperiale di Federico II. Florença, Valecchi, 192 7. Reedição: Parma, Valecchi, 1978; Franz Kampers, K aiser Friedrich I I, der Wegreiter der Renaissance, Monographien zur Weltgeschichte, vol. 34. Bielefeld e Leipzig: Velhagen und Klasing, 1929; e Ste fano, La Cultura A llá Corte di Federico I I Imperatore. Palermo, Cinni, 1938. Reedição: Parma, AlFinsegna dei veltro, 1990. Sobre o Proemium, ver Historia Diplomática Frederici Secundi.Ed. Jean-Louis-Alphonse Huillard-Bréholles, voí. 4. Paris, Henricus, 1854. Reedição: Turim, Bottega d’Erasmo, 1963, cap. I. [Os estu dos mais recentes sobre Frederico II são David Abulafia, Frederick I I:
A MedievalE mperor. Londres^ Allen Lane Penguin, 1988; c Wolf gang Stürncr,
Friedrich II, vol. 1. Di e Kônigsherrschaft in Sizilirn mui PriitNchland, 1 1941220. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgrurlliiihfili, I992,|
17 6 1 H ist óri adasIdéi asPolí ticas- IdadeM édi ai ttfI bm áad eA tjul no
pluralidade de un idades governamentais soberanas. O impe-
rator in regno suo é
um a conc epção transitó ria entre o impe
rado r e o príncipe soberano. Igualmente importante é a mistura de categorias imperiais crist ãs e romanas, p ara trans form ar a lei da humanid ade cris tã n a lei positiva do estado secular. Os princípios orientadores dessa codificação, como estabelecido no conceitos cristãos de
p a x e t ju stitia ,
P ro oe m ium , eram
os
mas rodeados pelos de
dois grandes imperadores de paz e justiça, Augusto e Justiniano. As
Constituições
datavam de agosto de 1231, embora
tivess em sido publicadas em setembro , e foram chamad as de
L iber A u gustalis\ e o P ro o e m iu m , ele mesmo
um a imitação da
introdução do Corpusjuris, foi precedido pelo estilo imperial de Justiniano. O s historiador es que fixa m sua atenção no sim bolism o imperial romano po dem falar até certo po nto de um ren ascim ento d e idéias clássica s, ma s o fato decisi vo é que os símbol os romanos não serv em para um a reconstrução impe rial, mas, antes, para a destruição do
sacrum im p eriu m
por
meio da instituição de uma província do império sob catego rias que deveriam ficar reservadas par a a totalidade. 0
P ro oe m iu m
contém a teoria da função régia da legisla
ção embutida no simbolismo cristão da srcem da ordem governamental no estado do homem após a Queda. Depois de concluir a obra da criação, Deus deu ao homem, a mais perfeita criatura, o do mínio sobre ela, impo ndo-lhe tão só a observância da lei . A transg ressão foi punid a com a p erda da imortalidade. Com a morte do homem, entretanto, a criação teria perdid o seu sentido e, para não de stru ir a criação com o prim eiro ho mem , Deus o fez fértil. Uma vez que a inclinação par a a transgressão é herda da, os homens brigam entre si, e Deus providenci a governa ntes para preservar a ordem da so ciedad e hum ana. A história é reveladora em vários aspectos. Em primeiro lugar, temos de estar cientes de que esta descrição não é a narrativ a do Gênesi s, mas um a seleção de elementos retirados
dela e fundidos numa nova unidade sistemática. 0 problema
moral d a Queda desapareceu e, com ele, a redenção através de Cristo. A qued a no P ro oem iu m é uma ofensa legal que recebe a devida punição, uma punição que continua até hoje, como se nunca tivesse havido um Salvador. Além disso, notamos a introdução de conceitos aristotélicos. 0 mundo como criação de Deus tem uma enteléquia; quando o telos, o homem, de saparece, o resto do mundo perde sua “forma” ( defo rm atur ). A substituição da com unidade do homem mortal pel o homem imortal reforma a estru tura hierárquica do mundo; a criaç ão atinge o seu cl ímax no governante que tem de preserv ar a or dem do povo. A função ordenadora do governante surge da necess itas re ru m , as necessidades do mundo; o homem iras cível precisa do governante, e asclaro, açõesapontar deste restauram sig nificado da criação. É possível, a relação oentre a teoria do P roo em iu m e certas correntes da filosofia cristã primitiva do direito natural que encara a ordem positiva do mu ndo como a ordem má que se faz necessária após a Que da, e muitos historiadores enfatizam essa rela ção. Mas a insistên cia neste ponto negligenciaria a diferença essencial entre as duas idéias: a teoria cristã do direito considera o problem a da ordem comum em sua ligaç ão com os fat os da histór ia sagra da; o P roo em ium usa o simbolismo cristão, mas se a história da Queda fosse omitida, a teoria da ordem e do governo não sofreria q ualq uer alteração. Vazada nu ma lingu agem cr istã, o P roo em ium promove uma teoria naturalista do poder, deri vando a função de gover nar das estrutu ras da realidade i ntramun dana. A noção de necessit as reru m introd uz um elemento na ideia de um governo divinamente o rdenad o que mais tarde viria a s e torn ar a raiso n d ’éta t. Finalmente, emergiu no P ro oe m iu m outro elemento que teria importância crescente na especulação política subse quente, um elemento que, para ser breve, chamaremos de averroísti co. O lugar na hi erarq uia do casal paradisíaco imo r tal, após a Queda, foi\ubstituído pela sucessão de gerações de hom ens m ortais. A imortalidade col etiva da human idade
sucedeu à imortalidade individual do Paraíso. As implica ções da ideia não foram elaboradas no P ro oe m iu m , e alguns
1 7 8 1 Hist óri adasI déi asPol íticas- IdadeM édiaal éI bm ésd eAqulnn
intérpretes podem ter ido l onge demais quando presum iram que as implicações foram pretendidas pelo imperador. Sim plesmente não sabemos se foram ou não, e presumir um a posição ou outra arruinaria a incerteza que marca o período. Mas muito provavelmente estão presentes. A interpretação coletivista da hu manid ade se opõe, por princípio, à ideia cris tã de cor pus m ysti cum . A ideia do corpo místico atinge uma compreensão da un idade espiritual da humanidade, ao passo que deixa intactos os dons naturais, a personalidade huma na e a im ortalidad e da alma. A ideia coletivista, em su a forma logicamente elaborada, absorve a personalidade humana no espírito do grupo. O hom em é a individuação de um intelecto genérico, e a morte é apenas a despersonalização através da dissolução no espírito do mu ndo (o u espírit o de grupo). Essa análise da personalidade humana foi apresentada na teoria aristotélica da alm a pelos fi lósofos muçulma nos, e pa rticula r men te po r Averróis (Ibn Rushd, 1126-1198). No campo da éti ca e da política , esse pressup osto antropológico pode te r como consequência o apoio ao ideal de conformidade a um tipo, a uma disciplina de grupo e a medidas governamentais de re forço à con formid ade e à disciplina. A antropolog ia averroísta pode tornar-se, em síntese, a base filosófica de uma organiza ção coletivi sta e total itár ia da sociedade. No caso do P ro o e m iu m , temos de resistir à tentação de encontrar nele mais do que o que de fato está lá. É imprová vel que as doutrinas averroístas tenham sido incorporadas consci entemente porque os primeiros sinais de um a influên cia doutr inária do averroí smo no Ocidente não surgem antes de m eados do século.3 Por isso mesmo, é im por tante deixar claros os elementos na situação po lítica que cr iaram a recep tividade para as idéias averroístas. As C onsti tuições de M elf iy nesse sentido, não eram o início, mas já representavam um estágio avançado. A consciência da unidade espiritual do 3 Sobre este assunto, ver Stefà no,
La cultura,
cap. 3, “‘Quasti siciliani’ e
Paverrqismo latino”. Ver também Charles H. Haskins,
of MedievalScience, 2.
Studies in the History cd. Harvard j-Iistorical Studies, vol. 27 . Cambridge,
Hnrvnrd Univcriilty l’rr««, 19 27 , cap ítu los 12 -1 4.
9 -Frederico 111 179
povo como problem a governamental surgiu vinculado a mo vimentos heréticos de caráter popular. A primeira legislação civil cont ra heresia s sur giu co m a Assize de Clarendon (1166). Em grand e escala, a questão torno u-se premente sob o po nti ficado de Inocêncio III, com a cru zada c ontra os albigens es e o estabelecimento da Inquisição como aparato para impor a conformidade. A característica mais importante do processo inquisitorial foi a invenção da “investigação régia”, que era a caça aos acusad os por investi gadores ofi ciais e o julgamento sem queixa privada. Nas
Co nsti tui ções de M elf i , esses princípios se desenvolve
ram num sistema de coação governamental à conformida de, de tal modo que a linha divisória entre heresia religiosa e insubordinação política foi praticamente abolida. O artigo Io trata da perseguição de heréticos e patarenos, sobretudo dos patarenos que se dispersaram, conforme a letra do arti go, da Lombardia, passando pela Itália, até alcançar o reino de Frederico. A proteção da fé era parte da guerra contra a resistência comunitária das cidades lombardo-patarenas; a guerra contra os heréticos era parte da campanha contra os movimentos populares que puseram em risco a autoridade dos príncipes. As fórmulas usadas par a respalda r as medidas anti-h eréticas são altamen te sugest ivas dos desenv olviment os posteriores do período dos estados nacionais. A acusação de que os patarenos induziram um a cisã o n a “indivisível unida de d a fé” nos lem bra d a “indivisível soberan ia d a nação” nas constit uições revolucioná rias d a França.4 A alegação de qu e os patarenos cruelmente destroem a si mesmos, porque tinham de ser queimados pelos governantes devido a sua persistên cia em suas crenças heréticas, lembra-nos o argumento de Hobbes segundo o qual aquele que desobedece o príncipe, e 4 Ver Comtitutiones, tit. I: “In ipsius indivisibilis fidei unitatem nituntur inducere sectionem teovesa Petri custodia,cui pascende a Bono Pastore sunt credite, segregare”, co m a Con st itui çãcrFran cesa de 3 d e setem bro d e 17 91 , ti t. 3, a rt . I : LaSouverainetiestune; indivisible, inalienable et imprescriptible. Elle appartient à la Nation. Ver France, A ssemb lée nati onale con sti tuti vc, La C onstituti on “
frança is e, presentée au Ro m erie de Cau ss e, 179 1.
i pár 1‘A ssem blée, Septem
ber 3, 17 91. D ijon, Im pri-
1 8 0 1H ist óri adasIdéi asPol íticas - IdadeM édi aat éIbm éid tAq ul no
consequentemente é levado à morte, comete suicídio; ou das teses nacionais-socialistas de que um homem de estado que resiste à Alemanha pode, irresponsavelmente, trazer miséria a seu povo e a si mesmo. Os artigos sob re os hereges são seguidos pelo artigo IV, que proíbe a discussão das leis, decisões, serviços e nomeações ré gias, considerando que tal ação seria um sacrilégio (
est pars
sacrile gii). Este artigo, que, por seu lugar no sistema do có digo e por seu conteúdo, classifica a crítica ao governo como heresia, remonta à época de Rogério II. A legislação sobre a dignida de sacramen tal da autoridad e do governo secula r an teced eu a legislação anti-h erétic a de Assize de Clarendon. A receptividade crescente das idéias coletivistas devia-se, obviamente, a fatores diversos, mas com efeitos convergen tes. Primeiro, a desintegração do
corpus m ysticu m através do
crescimento de novas associações coletivas nos movimentos heréticos. Uma v ez que as heresias tinham , ao mesm o tempo, o caráter de movimentos populares contrários às hierarquias estabelecidas, elas acarretaram uma contração da substân cia da fé por parte das forças tradicionais por meio de uma elaboração mais detalhada da posição ortodoxa, da evolução dos órgãos inquisitoriais e da exigência de conformidad e aos padrões. Em segundo lugar, temos de mencionar a tensão crescente entre as hierar quias espiritual e temp oral no
corpus
m ys ticum , o que mais uma vez resulta na contração e inten sificação das posições relativas por meio da luta pelo poder. Terceiro, testemunh amos o surgimento das nações co mo sub divisões politicamente organizadas
do
p o p u lu s christianus.
Esses três fatores contribuíram para a evolução de uma
ecclesia polític a in tram und ana, que se torn ou visível nas Constituições. Uma comunidade de seres mortais man tém-se liga da pela ideia de que somente a continuidade das gerações confere o significado da vida im ortal n o topo da pirâm ide d a criação. Sua existência como gru po im orta l se tor na possível através da fun
ção ordenadora do governante e de seu corpo administrativo. A substância espiritual é regulada, se não fornecida, pelo rei; a 9 Fre dericoII1181
fé deriva a sua validade pública de um a autorização estatutária; os ditames régios equiva lem a u m credo religioso; qualq uer dissensã o é sacrilégio e, como tal, deve ser coibido. A hum anidade está claramente dividida entre a massa de homens mortais e o governante, que se eleva sobre os seus súditos como aquele que, por seus atos, tem de ma nter em forma a criação de Deus . Vem à mente a distinção aristotélica entre escravos por natu reza e home ns plenamen te desenv olvidos, mas a evocação das
Constituições
tende a reservar a dignidade de toda a humani
dade a uma única pessoa da comunidade, o governador. Essa grave irrupção d a força intram und ana d o governo no domínio das idéias cristãs, a transformação do corpo místico dos fiéis imortais sob a liderança de Cristo num corpo místico de mor tais sob a liderança de um governante, tin ha de precipitar um a crise quan do ultrapassa sse o estági o das implicações, como de fato veio a suceder com os atos e pron unc iamento s de Frederico II e seus sequazes.
§ 3 . C ri st anda de C es ar eana O termo
Cristandade Cesareana
foi empregado por Wol-
fram von den Steine n para designar a tendência do imperad
or
a assimil ar sua função imperial à função de Salvad or. De certa forma, podemos usar o termo com um sentido mais amplo, a fim de designar o problema que, no governo, corresponde à cristandade franciscana. Temos de ver como São Francisco transformou a imagem do Cristo na do Jesus sofredor, tendo como consequência o fa to de que o Cris to se torn ou um sím bolo intram und ano ao qual os pobres e os humildes podiam se amoldar, enquanto as hierarquias foram deixadas sem a cabeça messiânica. As idéias de Frederico II repr esen tam a ten tativa oposta de criar uma imagem de governo em conformi dad e com o Cristo
cosmbcrator , com o Messias em su a glória, i
A tentativa permaneceu dentro da lógica da situação evo cativa, embora fosse necessária uma personalidade pouco
1 8 2 1 H ist ór iadasI dci asPol ítica s- Idade M édi aa téM i d rAqul nn
comum para levá-la adiante. O governo, dentro do
m ys ticu m ,
corpus
status de um cargo carismático. Mas a posição de um governante D ei gratia tinh a suas ambiguidades. alcançou o
0 sent ime nto do governante po dia oscilar, e de fato oscilava, entre a humildade de um cristão que desempenha uma fimção e deve o seu sucesso à graça divina e o orgulho do ho me m exaltado po r Deus acima dos o utros devido a suas qualidades pessoais superiores. A autoridade do cargo procede de Deus, mas sua manutenção, sobretudo quando um procedimento eletivo está presente, era u m a
dign itas conces sa
que pressupõe
o m érito do titular. N esta última acepção referi da, assentam as possibilidades de um desenvolvimento ulterior da ideia de go verna nte, pois o s istem a alicerçado no carism a ficou instável. A intromissão do governante como uma função intramundana teve de mu dar a tônica da autorida de do carg o no corpo m ísti co em desintegra ção em element os como a personalidade ca rismá tica e a família carismática, el ementos tradicionalmente presentes desde o tempo do reino carismático germânico pré-cristão. Essa alteração da tônica implicou uma diferença ge nérica entre os homens; opôs-se, portanto^a q princípio cristão da igualdade espiritual de todas as pessoas. A ideia de uma
stirps caesarea , favorecida pelos Hohens-
taufen, foi provavelmente o fator dete rm inant e na solução do pap ad o de combater a família amaldiçoada até à exterm inação. A tentativa de Frederico II de assentar a sua autoridade imperial nas suas qualidades “sobre-humanas”, semidivinas, conduziu a que ele e seus sucessores travassem combates mortais com os papas, havendo cessado esta situação após ele. No que ao governante concerne, a monarquia ocidental assumiu formas derivadas: primeiro, o princípio “dinástico” na política; mais tarde , n a e ra constitucional, a “le gitimidade” da família governante. As formas derivadas eram sustentá veis porque o monarca adquiriu a qualidade de “represen tan te” da com unidade ou d o estado, pre figur ado na teoria de João de Salisbúria, de modo que a própria unidade política
intraipu ndan a veio a ser a princip al fonte da autoridade, e a delicada questão do carisma pessoal e familiar podería outra
9 - Fr ede r i coI I 1 1 8 3
vez retroceder para o crepúsc ulo em que tinha permanecido durante o período eminente do sacrum im p eriu m . Mais uma vez, as idéias de Frederico II foram características do período de transição em que for ças intra mundan as desconexas vieram à super fície com ferocidade extrema sem encon trar um con trapeso em forças parale las. As fontes par a a evocação do im pera dor estão profus am en te dispersas entre documentos oficiais. Podemos consultar apenas um ou dois documentos mais elaborados. A primeira manifestaçã o significativa é a encíclica de 1229 que anu ncia a entrada em Jerusalém e a coroação.5É notável pelos termos de louvor ao Senhor do Antigo Testamento , como o Deus que pode dar a vitória sobre as forças por meio da sua vontade com os instrumentos escolhidos. Cuidadosamente relembra as fracassadas tentativas ante riores de c onq uistar Jerusalé m e reforça o fat o de que Deus escolheu o im pe rado r para executar Sua vontade. A última parte, p resta ndo honras a Deus, ass enta nu ma “exaltação miraculo sa” do im pera dor acima de todos os outros príncipes do m undo en quanto instrum entos de D eus. 0 docum ento mais inc isivo é a Carta a Jes i de 1239, sua c ida de natal.6 Tece elogios a Jesi como a nova Belém onde “a mãe divina” teve seu filho; e prossegue parafraseando Mateus 2,6: “E tu, Belém, na M arca, de m odo algu m és o m eno r entre os príncipes da nossa tribo. Porque de ti sairá o dux> o príncipe do Império Rom ano, que guiará o povo”. A glorificação final é realizada no L o u vo r do Im p era d o r de Piero delia Vigna.7 Neste louvor, o im perad or é o d u x do Ter ceiro R eino, um a força cósmica, “sob re-h um ana”, “po r quem a mão do Sumo Art ífice criou o homem ”. É o “imp erad or ver dadeiro” conced ido por Deus ao mundo ; a terra, o m ar e o ar o adoram; é o amigo da paz , o patrono da cari dade, o fund ador
5 Encyclica imperatoris. Èd. Ludwig Weiland. In: MGH, Corut., vól. 2. Ha* nover, Hahn, 1896, p. 162\67, n. 122. 6 Mandatum at civitatem lestj. In: MGH, Const., vol. 2, p. 304, n. 219.
7 Piero delia Vign a (Petrus de Vinei s), Epistolarum libri VI, Bn*cl, Pnulus Quccus, 1566, livro 3, n. 44.
1 8 4 1H ist óri ada s I déias Po líticas - IdadeM édi aat é
Ibmés deA qul nn
da lei e o que garant e a justiça; “quem regula o mu nd o com a sua influência perpétua”. O simbolismo da idade dourada é evocado “quando as espadas são despedaçadas”, para louvar o m estre que p ode orden ar o mun do po rque tem “inata a ide ia
(insita for m a bonii). O L o u vo r do Im p era d o r se compara ao Câ nti co das C riat uras , de São Fran cisco. A glorificação
de Deus”
do pobre e do hum ilde que a todos se rve encontra seu contrapo nto na glorificação do go vernante que é o mestre de todos. A amplit ude das forças que transfo rma m a época at inge o seu clímax no grande santo e no grande imperador, pod bos se r considerados os líderes do Terceiro Reino.
endo am -
^ k á
10.0
D IR E I T O
Os sécul os XII e XIII testem un har am um a r evitalização do estudo do direito rom ano e o desenvolvimento de um a ciência jurídica na escola d a Bolonha. Essa revitalização foi o evento mais importante no processo em que as novas forças, indivi duais e coletivas, geraram uma ordem de ação e um método de racio cínio jurídico in tramu ndanos. A estru tura do proces , so, e em pa rti cul ar as circu nstân cias d a "revitalização, e ram bem conhecidas através dos tratad os de história do direito romano na Idade Média, pelo que podemos remeter o leitor para a bibliografia sobre o tem a.11 3 *
1 O tratado padrão sobre o d ireito romano na Idade Média ainda é Fr iedrich Carl von Savigny,
Geschichte des Romiscben Rechts im Mittelalter.
2. ed., 7 vols. Heidelberg, Mohr e Winter, 1834-1851. Reedição: Darmstadt,
The His tory o fRoman Law during the Middle Ages. Trad. E. Cathcart. Edinburgh, Black, 1829.
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1961. Edição em inglês:
Reedição: Westport, Conn., Hyperion Press, 1979, vol. I (apenas um publica
Geschichte der Quellen und Literatur des Rõmischen Rechts im jrühen Mittelalter.Leipzig, Hinrichs, 1891. Reedição: Aalen, Scientia, 1963; e também Cario Calisse, S toria dei D iritto Italiano, 3 vols. Florença, Barbera, 1891; 2. ed., 1903; Edição em inglês: A His tory of Italian Law. Trad. Layton B. Regist er. C ontine ntal Legal His tory Series, vol. 8. do). Além disso, ver Max Conrat (Cohn),
Boston, Litde, Brown and Co., 1928. Reedição: South Hackensack, N.J., Rothman, 1969. Um breve estudo em inglês se encontra em Paul VinogradofF,
Roman Law in Medieval Europe, 2.ed. Oxford, Clarendon, 1929. Reedição: No va York, Barnes and N ob le, 196 8. Para um estudo mais recente, ver Harold
D. Hazeltine, “Roman and Canon Law in the Middle Ages”. In:
Medieval History, vol, 5 (1926), cap. 21, com bibliografia.
Cambridge
§ 1 .0 di re ito oci dent al eodi rei to rom ano Uma breve análise é necessária, no entanto, porque uma história das idéias políticas tem de acentuar aspectos do pro cesso que não recebem a atenção devida nu m a história do di reito. P ara um estudante de história jurí dica, o direito romano é o sistema j urídico que se transform ou em fator comum no cresci mento do direito continental europeu e que deixou m
ar
cas no direito inglês. A evolução do direito rom an o co nstitu i o centro de interess e. P ara o histo riad or de idéias pol íticas, é um acidente histórico que o direito
rom ano estivesse disponíve l e
pudesse ser revitalizado naquele tem po em que as atividades comerciais das cidades lombardas, o confronto entre forças imperiais e papais e o começo da concentração do pod er e da ação nas mãos das burocraci as criaram a necess idade urgen te de um direito mais elaborado nos domínios civil, criminal e processual. Se o direito romano não estivesse à mão para atender a essa necessidade, o curso real da história jurídica europeia seria extremam ente diferente, embo ra a necessi dade pudesse ser eficazmente satisfeita sem ele - como mos tra o crescimento do direito comu m inglês em que a influência d o direit o rom ano é um fator menor. Uma vez que se compreende que a revitalização teve ape nas um papel incidental no processo histórico, ficam mais claras as peculiaridades do fenômeno. Para o histo riado r mo dern o do direito roman o, os sécu los subsequ entes à fundação dos reinos bárbaros dentro dos limites do império são um período de decadência. Em co ntrapartid a, os séculos que co meçam com a fund ação da escola de Bolonh a aparecer-lhe-ão como um renascimento; ele distinguirá, depois, entre o pri meiro florescimento da escola de glosadores, a estagnação no período seguinte dos comentadores, e um renascimento hu manís tico n o século\£VI. Essa period ização é justificável se supusermos que o direito romano é uma entidade absoluta,
com um a história próp ria. Mas não é a ceitável se supu sermo s que as evoc ações polít icas são os f atos prim ordi ais da h istória,
1 8 8 1 H ist óri a das Idéi as Polí ticas - Idade M
édi a atl Ibm ás de A qul tio
enqu anto os sistemas jurídicos pod em ter apenas u ma função secundária de orden ar as aç ões hum anas den tro da estrutu ra de evocações estabelecidas. Com este segundo pressuposto, que é o de uma história das idéias evocativas, a história do direito corresponde apro ximadamente à história das unidades políticas. Com a desin tegração do Império Romano, o direito romano não “decai”, mas é transformado: nos reinos germânicos passa de direito imperial a direito tribal dos cidadãos romanos conquistados, conforme a vontade dos conquistadores. Livros de direito como o
B rev ia riu m A la ricia n u m , de 506, de Alarico II (ca.
487-507) para os súditos romanos, não refletem qualquer decadência do direito romano. Provavelmente, o B reviariu m serviu muito bem às necessidades jurídicas da população romana, e reflete a situação em que caíra a vida provincial romana no século VI em comparação com a vida urbana do primeiro império ou os padrões intelectuais e civilizacionais da Constantinopla contemporânea. Os séculos seguintes às conquistas germânicas não são de trevas"sêm descanso. Ao contrário, mostram o que é normal nessas circunstâncias; um a vida jurídica correspondente ao dese nvolvi mento econô mico e civiliz acional e à consolidação da nova ord em. Nossas fontes são escassas, particularmente quanto aos primeiros séculos, mas a pa rtir de u m livro como
E xceptiones P etr i , um
código da Provença do fim do século XI, podemos inferir um estado do estudo e da prática jurídicas de alguma quali dade. O conhecimento do direito romano no deriva do
E xceptio nes não
B reviarium , m as diretamente das fontes romanas.
Contudo, não apreciaremos corretamente o desenvolvi mento jurídico se concentrarmos nossa atenção apenas nos direitos pessoais dos súditos romanos nos reinos germâni cos. Esses direitos integravam uma ordem jurídica superior que abrangia o direito germânico dos conquistadores. O de senvolvimento mais importante nesta ordem abrangente de
populações etnicamente misturadas é a aproximação entre duas ordens jurídicas de srcens diferentes, como ocorreu
1 0 -0 di r ei t o 1 18 9
particularm ente na Lombardia. No século XI, observamos o desenvolvimento rápido do direito lombardo, a ascensão do mé todo g lossatorial na escola de direito de Pavia , e o uso cre s cente do direito rom ano pelos advogados da Lombardia para preencher “lacun as” no direito lombardo e pa ra a moderni zação casuística da prática jurídica. Assim, n a perspecti va do história jurídic a lombard a, a ch ama da revital ização do direito rom ano em Bolonha aparece como a aplicaç ão sistemática do método glossatorial, que fora desenvolvido pelos advogados lombardos, ao corpo principal da legislação de Justiniano, pois até então o direito romano recebera tratam en to apenas incidental no trabalho casuísti co e glossatori al no direito lom ba rd o p ro priam en te dito.
$20
m ito d o di rei to rom ano
De acordo com os princípios de uma história das idéias, a revitalização do direito romano tem de ser interpreta da sobretudo como um evento na história jurídica italiana, A penetração do direito roman o n a prática jurídica da Lom bardia alcançara um po nto em qu e os advogados italianos consideraram recomendável ocupar-se sistematicamente com as fontes do direito romano. Contudo, há um elemento na revitalização que não pode respond er pela util idade superior -
para um a soc iedade
comerci al em expansã o - de um sist ema jurí dico dotado de direitos e ações subjetivos. A divisão da história jurídi ca medieval em um período de decadência seguido por um pe ríodo de revitalização tem os seus méritos, porq ua nto reflete o mito do direito romano como o direito padrão do mundo ocidental. A periodização “romanizante” não pode ser ace ita c omo a W dem da história, mas tem tância como um símbolo míti
sua im po r
co; não forn ece uma in terpr e
tação apropriada da história, pois ela mesma constitui um
fato na história das idéias que requer interpretação. A ideia
1 9 0 1 H ist óri adas Idéi as Polí ticas - IdadeM édi aol é Ihm ái i d r Aqu int t
do direito romano como direito superior, transcendendo o nível das leis meramente históricas, não é um adendo mo derno; acompanha o direito romano desde a era de Cícero, e a periodização mod ern a de decadência e rena scim ento en con tra sua justificati va como o último resquício da sup
erio
ridade m ítica do Imp ério Rom ano e do seu direito.
a. O estr ato ciceroniano do
m it o
Os conteúdos do mito do direito romano não podem ser facilmente determinados; cresceu historicamente como um conjunto de sentimentos e idéias; neste contexto apenas po demos mencionar os elementos mais importantes que se in corpo raram no século X II. Quanto ao primeiro estrato histórico do mito, remetemos o leitor ao capítulo sobre Cícer o. Na concepção ciceroniana , a
lex
de Roma foi identificada com o
nomos-logos
da especula
ção estoica. A corrente helênica e helenística de especulação sobre o problema de uma ordem justa foijnjterrompida pela prim eira vez pela suposição de Cícero de que a ordem espi ritual se incorporara perfeitamente à ordem intramundana finita e abolira a tensão en tre ambas as ordens como fonte de especulação. Com este ato de divinização, a ordem imperial intramundana transformou-se no padrão final para avaliar a ord em políti ca na história. Na identificação ciceroniana da cosmópolis com Roma, ve mos a prim eira etapa p ara a criaçã o do mito de um a ordem intra m und ana absoluta do dir eito .
b. A codif ic ação d e Ju sti nian o aa. A canonização do direito rom
ano
A segunda etapa decisiva surgiu com a legislação de Jus tiniano. Quando falamos da revitalização do direito romano, referimp-nos ao seu estudo renovado na coleção elaborada
pela comissão de juristas de 'Justiniano. Essa coleção não
1 0 -0 di r ei t o 1 1 9 1
foi um ato legislador criativo, mas sim uma seleção e orga nização sistemática de constituições imperiais e opiniões jurídicas do período clássico, suplementadas pela nova legis lação destinada a preencher falhas. Foi uma realização mo numental que coroou o desenvolvimento do direito romano e transformou-o em repositório cujos conteúdos influencia ram profun dame nte a histór ia jurídica ocidental. Mas nem a grandeza nem a eficácia histórica desta obra devem iludir mos acerca do fato de que o poder evocativo do direito esta va ultrapassado no império; uma evocação como a regra de São Bento, contem porâ nea da legislaçã o de Justinian o, é uma obra de nível superior. Nem se pode afirmar que a codificação assinala a última fase do desenvolvimento jurídico romano sem a qualificar como um a restauração. A chama da decadência do direit o ro mano não se segue à obra de Justiniano, mas precede-a e é dela contemporânea. A grande legislação é uma tentativa de interromper a decadência e tem de ser compreendida como parte da política geral de Justiniano para restaurar a anterior grandeza do império. É um último esforço para conservar a ideia e a realidade imperiais da destruição e desintegração progressivas. A Constitutio omnem revela que o estado da aprendizagem e do ensino do direito estava tão deplorável, me smo em cidades como Alexandria e Ce sareia, que o ensino da nova legislação teve de se restringir às escolas de Constantinopla, Roma e Beirute. Sente-se a atmosfera de uma fi nalidade fúnebre, canonizante, nas medidas que proíbem o estudo histórico do direito mediante a comparação da nova coleção com as fontes de onde foram extraídas, bem como todo o trabalho de comentário. O desaparecimento quase completo da litera tura jurídica a nterio r a Justiniano foi expli cado, e provavel mente de modo acertado, como um a destru i ção deliberada. Criou-se um bloco de direito fora do tempo, ligado ao processo^istórico apenas mediante os privilégios imperiais de interpretação e introdução de novas constitui
ções. A ideia ciceroniana da ordem romana como a ordem correta, além de ser uma especulação metafísica, recebera
1 9 2 1H ist óri ada s I déi as Polí ticas - IdadeM édia até To m ás deA quJno
um grande fundam ento num a ordem jurí dica el aborada para além da interpretação histórica e sistemática. bb. A ordem absoluta cristã Na política de Justiniano, é difícil separar o elemento da tradição romana da ideia cristã oriental de uma ordem abso luta das coisas humanas e divinas. As guerras de restauração do Império eram sobretudo guerras do imperador ortodoxo contra os arianos na Itália e na África. E as guerras contra os herétic os ocidentai s faziam parte de u ma política que se ma ni festava no Oriente medi ante a supressã o das heresias orientais e dos resquíci os de pagani smo. 0 impe rador teve de m anter a república na guerra e na p az atrav és da auto ridade de Deus, que governa o imperium. Não pod ia confia r nem na força dos exér citos nem no seu gênio pessoal , mas sim na prov idência divina, porque a Trindade é a fonte “de onde procedem os elementos do universo” e pe la qual é determin ada a ordem dos elementos no mundo ( orbi s terraru m ). 0 mais digno de todos os objetos no m undo , entretanto, é a autorida de do direit o, a causa da boa ordem das coisas divinas e do ser humano e que expele a ini quidade. A tarefa do im perad or é resta urar o sistema claro do direito q ue se confund ira com o decurso dos sécu los. Neste argumento da C on sti tuti o Deo au ctore (De conceptione di gestorum ), o mun do é conceb ido como uma emanação da divindade , e a ordem jurídica, como a p arte da ord em cósmica que causa a correta disposição das coisas divinas e humanas no orbis terrarum. Essa ordem intram und ana não é est ática. É suscetível à destruição e à restauração, e é a função do im perador na ordem cósmica expulsar a iniquidade e melhorar a orde m no tod o e nas parte s. Essa c oncepç ão cristã oriental de luta entre a ordem e a iniquidade divina não dife re muito das antigas idéi as orien tais sobre a luta en tre a Verdade e a Menti ra, e da funçã o do rei como pr opaga dor do reino da Verdade. A tradição oriental, viva e incorporada no império sassânida
vizinho, faz- se sentir com partic ular força na C onstituti o tanta (De confirmatione digestorum ), onde se introduz a “natureza 1 0 -0 di r ei t o 1 19 3
sempre apressada a criar novas formas” como o principal inimigo da ord em em anada de Deus. Quando a fertili dade da
A u g u stu m rea for tun a imperi ali s
natureza causa distúrbios, o recurso deve ser o
m ed ium
de u m a deci são imper ial, porque
foi estabelecida po r Deus sobre o mu ndo hum ano p ara ajustar a ordem às contingênci as da Natureza.2
cc. A am álgam a das idéias rom ana s e crist ãs A ideia oriental de ordem não conduziría necessariamen te à fixação intramundana da ordem num sistema escrito de regras para além do estudo histórico ou de comentários; este resultado só surge da combinação com a tradição romana. Os
ConstitutioS u m m a conclusiva. 0 De
“quase 14 séculos” de história romana, a que as
nes alude m, são o fundam ento desta conceptione salienta que tod as as com unidad es devem seguir o costum e de Roma, porq ue Rom a é a cabeça do orbis t errarum . A glória da velha Rom a, ent retan to, pas sara, e “Roma” tem de ser compreendida como a velha Roma e como a Roma do
ba -
sileus.
éa
Este duplo significado de
R o m a vetus e R o m a regia
precondição para a estrutura da grande legislação. O direito da
ojus, recebe a formula ção final, inalterável, na co leção do Digesto ; o novo direito, a lex, é coligido no código das
velha Roma,
constituições imperiais e está abe rto a acréscimos. Mediante esta amálgama da ordem cristã com a tradição romana, o
D igesto
alcança o grau de uma escrita sagrada,
para não ser alterada ou subm etid a a crítica histórica, e as decisões e constitui ções imp eriais adq uirem o grau de inter pretações e evoluções doutrin ária s, executadas por um a au toridade carismática.
2 A análise do texto é baseada nas versões latinas das constituições. As versfle» gregas revelam variações terminológicas que não alteram substancialmentc o significado, contudo é aconselhável resistir à tentação de pressionar ainda maU as formulações. As constituições não são tratados filosóficos que empregam uma terminologia rigorosa. À edição utilizada é de Paul Krüger e Theodor Momm sen (eds .), CorpusJuris Civilis, vol. 1. 13. ed. Berlim, Weidmann, 1920.
Reeditado em: 1965. Edição èm inglês: Civil I m w . Trad. S. P. Scott, 7 vok Cincinnati, Central Trust, 1932.
1 9 4 1 H ist óri adas I déi as Polí ticas - IdadeM édi aatélbm
és deA qui no
c. A Lex Generalis - A Exposititio ad Librum Papiensem 0 mito do direito romano como uma ordem absoluta à qual as leis históricas das
civitates
devem se conformar não
m orreu com o imp ério no Ocidente. A pa r com a conc epção de uma lex rom anorum , um direito pa ra os súditos de srcem romana, persistiu a ideia da lei romana como lex generalis
,
uma lei comum a todos os homens. Naturalmente, a cons ciência da univer salidade roma na permaneceu desperta
en
tre os praticantes da l ei roma na; não é surpresa e ncon trar no prim eiro capítulo de
E xceptio nes P etri
um excerto referente
aà mais sagra da das leis que lig a a vida de todos os ho me ns e, po r isso, deve ser conhecida de to dos”.3A tradição é man tida pela Igreja que, en qua nto instituição, perm aneceu sob a lei roman a. Mais imp ortante em nosso context o, entretanto , é a vitalidade da tradição na prática da lei lombarda. A ideia da lei rom ana com o lei geral não sucede e acom pan ha a revitali zação em Bolonha, mas a precede. Na preexistência da ideia de generalidade no contexto da Lombardia, presenciamos um dos fator es que contribuíram
de forma deci siva para um
renas cim ento d o século XII. Essa terceira camada do mito do direito romano surge de modo mais evidente na
E xp ositio a d librum p a p ie n se m ,
um
comentário de finais do século XI referente ao livro da lei de Pavia escrito pouc o antes d o cres cime nto de Bolonha. A
sitio rev ela um a tendência pa
E xp o-
ra restringir, de várias maneiras,
o grau de aplicaç ão da lei lom bard a a fim de sub stitu ir o esti pulado pelos rom anos. No caso de uma relação entre lombardos e romanos, o autor está inclinado a aplicar a lei romana aos lombard os, em vez de aplicar a lei lom bard a aos roman os. Interpre tará o direi to lombardo de form a restrita e preenche rá com o direito rom ano a “lacun a” gerada. Por exemplo, a lei lombarda que refere o direito de um prop rietário de m ata r um in truso que resiste à prisão é con siderada inap licável a um intruso romano, pois m atar alguém 1
1Texto encontrado em Savigny, Geschichte , vol. 2, ap. IA, p. 319-428.
1 0 -0 di r ei t o 1 19 5
por um pequeno delito seria contrário ao espírito da lei ro ma na - garantida aos romanos. Em inumerávei
s situ ações o
auto r interpreta a le i lom barda po r meio de princí pios rom a nos. Ma is característica é a incli nação do auto r para encon trar “lacunas” no direito lombardo, as quais eles colmata com o direito romano. Este procedimento revela duas situações. Em prim eiro lugar, um sistema leg al não tem “lacuna s”; uma “lacuna” pode srcinar-se somente quando alguém considera que certa situação soci al, não re gulam entada pela lei de for ma determ inad a, deve sê-lo. Surg e da ten são e ntre a ordem legal existente e a concepç ão relativa aos conteúdos adequad os de um a reform a legal. 0 reformado r repara na exist ência de uma “lacuna” po r que quer uma lei que abarque um grupo de fatos que con sidera uma demanda, quando do ponto de vista da ordem ju rídica existente não existe dem anda alguma. Daqui, a des coberta das falhas revela, segundo a opinião do autor, que determinadas demandas romanas também devem ser de ma ndas sob o direito da Lomb ardia. O direito da Lombardia é medido por padrões romanos. Em segundo lugar, o autor colmata as f alhas por meio de uma com paração das duas or dens através das regras ro ma nas. Esta função subsidiária do direito rom ano é justificada pela suposição de que o direito romano é um direito geral a ser usado legitimamente para
(Ro m an a lex, que o m niu m est gener al is; le x R o m a n a generalis; etc.).4 esta finalidade
$3. A
r e v it a l iz a ç ã o b o l o n h e s a
Por volta de 1100, o direito romano, na forma da legisla ção de Just iniano, tinha absorvido o absolutismo das
ordens
romanas e cristãs òpentais e, ademais, tinha adquirido
------------\----------------------------------
a
4 O s exemplos foram retirad i» do excelente estudo d o problema em Max Coiv rat, Geschichte, p. 404 ss. O texto é a Expositio ad Librum Papiensm. líd. Al lreil Boretius. In:
MGH, Legum, vol. 4.
Han over, Hahn, 1868 , p, 2% Ni.
1 9 6 1H ist óri ada sIdéi asPolí ticas- IdadeM édiaat é' Ibm ásdeA quino
digni dade de direi to com um d a hum anidade para além das leis regi onais e privadas no m und o ocidental . Torn ara-se um dos fatores comuns da civilização europeia, no mesmo nível que a dignidade imperial, a Igreja e a língua latina oficial.5 Em virtu de deste acú mu lo de idéias, fi cou disponível par a ser o modelo de uma ordem intramundana quando surgisse a necessidade de um a ord em d e ação e process ual mais elabo rada. O que p recisa fica r claro é que a revital ização não rep re sentou um estudo do direi to rom ano com a intençã o de com preender as instituições jurídicas da república romana ou do império, mas sim a aceit ação de uma ord em mítica absoluta que serviría c omo estr utu ra sistemática para as necessidades práticas e casuísticas da época. Aliás, a forte preocupação com o direito romano podia levar a sua compreensão filológica e histórica, m as o pro pósito p rim ário er a a elaboração da ordem jurídica contemporâne a. A história do direito romano que começa com a escola de Bolonha tem uma estrutura curiosa que pode ser avaliada de diversas maneiras, de acordo com os princípios de interpre tação aplicados. Do ponto da vista do estudioso de direito rom ano, interessad o nu m a compreen são da legi slação de Justiniano, a revitalização começa bem com Irnério ( f ca. 1130) e com os primeiros glosadores que tentaram fixar um texto claro e bem interpretado do escrito sagrado. Mas com o tra balho glossatorial crescente, o texto cobriu-se de glosas, até que, no tempo d e Acúrsi o ( f 1263), o texto já tinh a menos in teresse do que as glos as usa das n a prática jurídica. A situ ação piorou no século XIV qu ando os conteúdos foram subm etidos ao chamad o método dialét ico cujos comentários quase apaga ram o significado histórico das instituições jurídicas roman as. O estudo e a prática do direito romano transformaram-se, neste pe ríodo, num confronto entre comentadores, resultan do em citações e menções a autor idad es com posições opostas e na substituição do significado do direito romano pela
m unis opini o dos comen tadores.
com-
\
’ Snvigny.
___________________________________________
, vol. 3, p. 87. Gttchkhtt
1 0 -0 di r ei t o 1 19 7
Se não escolhermos o destino do direito romano como nosso ponto de orientação, mas optarmos pela perspectiva do direito ocidental, o mesmo desenvolvimento aparecerá como a absorção do texto romano pelo processo de cresci mento jurídico que causou a revitalização. Os juristas da Lombardia não r ecupera ram o texto a fi m de ter um materi al para estudos históricos, mas para ter um modelo absoluto do direito para uma prática cada vez mais complexa. Uma vez dom inado o conhecimen to do modelo, o t exto passou a acu mular camadas sucessivas de comentários conforme as ne cessidades práticas; as gl osas e o com entário qu e constituíam o direito vivo substituíram gradualmente o texto. Com estes comentários supérfluos, que desagradavam aos romanistas, a legislação de Justiniano amalgamou-se com o direito não romano, isto é, a prática da corte, direito usual germânico e estatutos urbanos. Os detalhes deste amálgama não cabem no presente con texto, mas um exemplo ilustrará o problema. A propósito do título
im pera tor à moda de Justiniano, o glosador esclarece a
posição imperial de seu tempo, em que o im perador tem de
rex rom ano rum antes de adqu irir a digni dade comple ta do im pe rator . A dignidade im perial de Justiniano não inte ser um
ressa nem um pouco ao glosador; o importante é a estrutura da dignidade im perial como sobreposta no reino alemão. 6 Um outro exemplo de tais amálgamas revela bem o argum ento usado para afirm
ar a vali dade do direit o rom a
no em toda a comu nidade cristã ocidenta l. Trata- se de uma glosa de Bártolo de Sassoferato (f 1357) sobre o p o p u lu s R o m a n u s no D igesto 49.15.24. O s “rom ano s” são as nações ( g en te s ) obedientes ao Império Romano. 0 glosador está a contraditar o argumento de que essas nações são poucas, só abrangendo os feudatários do rei alemão. Em primeiro
6N a Accursiamt, edição util iza da: A ccursius, Digestum Vetus, seu Pandectorum Juris Civilis Tomus Primus... CommentariisAccursii etScholis Contij, et Paratitlis Cujacij... IUustratus.
Paris,88. Sebastianum Ninellium, Ed.us srcinal: Vene- m Juris Civilis, za, Baptis ta de T ortis, 14 R eedit ado em : 1576. Corp Glossntoru vol. 7. Turim, Ex officia Erasmiana, 1969.
1 9 8 1 H ist óri ada sIdéi asPol íticas- IdadeM édi aat ó' Ibnuti deA qulno
lugar, existem as nações em obediência direta ao Império Romano, que pertencem , sem dúv ida,
ao pop ulus rom anus
;
há, em segun do luga r, as nações que não obed ecem ao Im pério Romano em tu do, mas so m en te em alguns aspe ctos, como as cidades-estados de Toscânia e da Lombardia que vivem sob a lei imperial; há, em terceiro lugar, as que nem obedecem ao imp erad or nem vive m de acordo com sua l ei,
gen
mas têm um privilégio, como Veneza; há, quarto, as
tes
que não obedecem ao imperador, mas reivindicam a
liberdade em virtude de uma relação contratual, como as provín cias doadas por Constantino à Igreja Rom ana; há , finalmente, os reis e os príncipes, como na França e na Inglaterra, que reivindicam a independência, mas devem ser considerados eives romani , porque reconhecem o im perador como o
univer sal is dom inusy
de modo que sua in
dependência se deve a um privilégio ou a uma prescrição. Fora desta órbita de nações que, pelo menos, reconhecem o imperador como
unive rsal is do m inus
, estão os
p o p u li exp o p u lu s
tranei que não podem ser considerados parte do romanus , como os tár taro s, indianos,"árabes, jude us
e, so
bretu do, o povo para quem a legislação de Ju stin ia no foi feita, os súditos do imperador de Constantinopla.7 Talvez a exclus ão do povo bizantino d a ó rbita d as que constituem o
p o p u lu s ro m a n u s
gentes
ilustre melhor o fato de
que o direi to rom ano não foi recuperado em sentido histó rico, mas o esquele to da orde m jurídica ro m ana foi adotado para ser reco berto com a carne viva das instituiçõ es con temporâneas. A reflexão de Bártolo sobre o rol de
gen tes
a
ser incluído no império serve ao propósito de expandir ao máximo o campo das nações que, potencialmente, aceita riam este direito vivo. A combinação do mito romano com a movimentação intramundana dos advogados lombardos resultou na evoc ação de uma ordem intram und ana, paralel a com as evocações intramundanas da dignidade imperial, da con duta cristã e da vida do intel ecto.
7 A passagem de Bártolo é citada em Savigny, Geschichte, vol. 3, p. 87-88n.
1 0 ' 0 di r ei t o 1 19 9
§ 4 . E fei tos da revi tali zaçã o a. Influência na teoria jurídica A influência do direito romano renascido nas idéias políti cas do período corresponde em sua estru tura às pecul iarida des de u ma revitalização. A influência na práti ca jurídica , centrad a em Lombardia, e na evolução das instituições de direito civil e criminal foi enorme, uma vez que a ânsia por essa evolução era o incentivo par a a revitali zação. A influência nas idéias p o líticas que era m inseparáveis da evolução do
sacrum im perium
e dos reinos nacionais foi fraca. 0 grande desenvolvimento da teoria medieval do direito e da política, iniciado por Santo Tomás e continuado por Egídio Romano, Marsflio de Pádua e Guilherme de Ockham, mostra a influência das tradições estoica e patrística, de Aristóteles e do Pseudo-Dionísio, do espiritualismo franciscano e do averroísmo, mas dificilmente é tocado por qualquer influência do direito romano. O dado não surpreen de, porq ue as fórmulas t eorétic as encontradas na legislação de Justiniano são de natureza secundária; refletem um a filosofia do direito, ou mais do q ue um a, mas n ão são em si mesmas a expos ição sistemática de u ma teoria . Os juristas de Bolo nha que com entaram o
D igesto e o Có
digo não poderíam muito mais do que assum ir um dos l ados no problem a apresentad o pelo t exto. A o comentar, por exem plo, o
D ig esto 1.3.32 pod eríam afirmar: a) o co stum e cancela
o direito estatutário, enaltecendo o costume p
opular sobre o
estatuto do príncipe, ou: b) o costume não cancela
um a cons
tituição im perial porq ue o impe rad or é o único l egislador. N o que diz respeito à
lex regia , eles pode ríam suste ntar a opinião
de que o poder reside no po vo e que tal poder, da mesma m a neira que foi concedido pelo povo, podería ser retirado, ou que a transferência diçra irrevogavelmente o poder absoluto ao príncipe. Essas divergências só têm importância à medi
da que ambos os lados1tinham seus defensores e nenhuma posição é visivelmente aquela que favorecería um princípio
2 0 0 1H ist óri adas Idé iasPol íticas- IdadeM édi aat éI b m fadeA qui no
de uma soberania popular ou, mais provavelmente, o poder absoluto do príncipe. Ass im, o direit o rom ano fornecia argu mentos p ara a soberania pop ular e, mai s obviamente, para o poder absoluto do príncipe, mas a escolha era de term in ad a pelas posições políticas d a época.8
b. Bolonha e política imperial Não existe relação en tre a política imperial e a escola de Bolonha. Os principais jurist as bolonheses era m mais guelf os do qu e gibelinos, e a próp ria cidade de Bol onha era mais fre quentemente anti-imperial do que pró-imperial. Frederico II tento u abolir a esc ola de direito d a Bolonh a, mas sem êxito, e a sua fundação em Nápoles nu nca flores ceu. 0 favor ou o desfa vor imperial parece ter tido pouca influência
nu ma instituição
com raí zes na vida urban a da Lombard ia. Houve alguma discussão a respeito dos
R oncaglia
eventos n a
D ieta de
em 1158, quan do u ma comissão de advogados deci
diu a qu estão dos
regalia
em favor do impera dqr e contra as ci
dades lom bardas . As críticas con tra os advogados - ent re eles. os grandes dou tores de mead os do século XII, Bulgarus, Martinus, Jacobu s e Hugo - devido à decis ão anti-italiana po r supo s ta influência do direito rom ano, não têm fundam ento. Savi gny mostrou que o direito romano não se envolveu na questão; a decisão baseou-se no direito constitucional l om bardo.9
c. ODecretum Gratianum Os efeitos da revitalização bolonhes a na esfera política resi dem na m udan ça de atitude pe rante o problema da legi slação. Sob o impacto da legislação de Justiniano, agora plenamente compreendida, ficou evidente uma tendência a fazer-se um paralelo com o direito romano por atos ocidentais de legisla ção. O primeiro movimento neste sentido foi a nova coleção
History, vol. 2, p. 75^ Ver sobre este assun to Savigny, Geschichte, vol. 4, p. 171-78.
* Carlyle eCar lyle , ,
10 -O dir cil o 1 20 1
sistemá tica d o direito can ônico por Graciano (f l. 1140), monge camaldulense e professor do direito canônico em Bolonha. Já tin ha m sido feita s várias cole ções de direito canônico antes da
Concordantia discordantium canonum
de Graciano (ca. 1140-
1150). Os século IX tinham sido a última is docronológica. coleção deFalsos textos Decreta em ordem Entre os Falsos De-
cretais e Graciano existem cerca de quaren ta coleções de valor variável. Nenh uma delas foi reconhecida como texto padrão. O trabalho de Graciano se distingue do de seus anteces sores por sua integralidade e método. Enquanto as coleções anteriores dispunham os srcinais em ordem sistemática, Graciano organi zou um tratad o de direito canônico, integran do os m ateriais históric os na pesquisa. El e harm onizou tanto quanto possível as contradições entre as cláusulas dos vários documentos, usando, para este fim e talvez refletindo uma in fluência de Abelardo, o chamado método dialético, que hoje chamaríam os de método da crítica hi stóric a. Esta tentativa de extrair de um vasto corpo de materiais o conteúdo válido do direito e apresentá-lo em um a ordem sistemática, sem contra
Dig esto em seu tratamen to glossatorial. O D ecretu m G ratianu m alcançou, log o que surgiu, um dições, corresp ond e à ideia do
estat uto q uase oficial como a fonte do d ireito canô nico e como o texto padrão para seu ensino. Foi submetido ao tratamento glossatorial da mesma maneira que a legislação de Justiniano. A tendência dos canonistas de emular os doutores do direito romano revela-se no uso, desde o século XII, do termo
corpus
ju ris canonici para o direito canônico, em paralelo com o uso bolonhês do termo
corpus ju ris civi lis para o direito ro mano .10
d. As Constituiçõ es de M elfi e a Extra O D ecretum
G ratianum tom ou-se o sumário padrão do di
reito canônico, em bora apen as fosse um a parte de legislação do
corpus ju ris civilis. A àçgunda grand e etap a no desenvolvimento
10 Dev e-se notar que o corpo' do direito referido com o Corpus Juris Civilis con tinha, além do texto d e Justini ano, a lei feudal da I .omhardia c, no decurso do tempo, as leis dos imperadores de Hohcnatuufcn.
2 0 2 1H ist óri ad u Idei ai Pol ítica s• IdadeM édi au éIb m íi deA qul nn
da legislação ocidental, o decr eto form al em paralelo ao código de Justiniano, surgiu um século depois. Os aspectos secular e eclesiástico dessa fase estão estreitamente relacionados. Em 1231, Frederico II p rom ulgo u as
Constit uiçõe s deM elfi par a a Si-
cflia, com intenção legislativa e e stilo legislador análogos ao a to de Justiniano. A esta prim eira codific ação ocidental de um cor po jurídico seguiu-se em 1234 a bu la R ex pacific us de Gregório IX, que conferi a autorida de jurídica formal a um a compilaçã o dos decretos emitidos desde o
D ecretum G ratianum .
A compilaç ão era de Raymond de Penafort por or dem do papa, e foi enviada para as un iversidades de Bolonh a e Paris para ser vir de base p ara o ensino d o dire ito canônico. A c odificação for mal desses E xtr a (isto é, o D ecretum G ra tian um ) indiretamen te também conferiu um status formal ao D ecretu m . Permanecia a diferença técnica entre o
D ecretum e os E xtr a porque as con
D ecretum tinh am de ser resol vidas de acordo com o princípio lexposterior deroga tpri ori, enqu anto os cânones do E xtra , apesar de sua srcem tem poral divers a, tiveram de ser tradições no
considerados como igualmente v álidos porq ue fazia m p arte de uma codificação formal de 1234.
$5. A D el i b erat i oP ap ae
deI no cêncioIII
A organização sistem ática dos digestos e dos códigos é o sin toma mais tan gível do cre scimen to de um campo intram undano de ação, racionalizad o p or regras e pela argumentação casu ística. Nesta c onclusão tratarem os do grande docum ento que, pela primeira vez, submete as decisões políticas de um papa à argumentação racional e casuística, sem recurso à inspira ção carismática: a
D eliberatio Papae (1200) d e Inocênci o III.11
11 Innocen t III, Opera omnia,vol. 3. Registrum de negptio R omani Imperii, X X IX In: Migne, PL, vol. 216, p. 1025 ss. Edições recentes: Regestum super Negptio Romani Imperii. Ed. Friedrich Kempf. Rome, Pontifica Università Gregoriana,
1947; D ie Regtster Innocenz I I I Ed. Othm ar Hageneder , Anto n Haidacher, et al . õstcrreichisches Kulturins titut in Rom .^íisto rische Studien und Publikationen, Quellen, série lj 2 vols, Ciiw, Rõhlaus Nachfolger, 1964-1979.
I 0- 0dirdlo
1203
A
D eliberatio
trata do reconhecimento papal de um dos três
reis rom ano s eleitos - Frederico II, Filipe de Suábia e Otflo como imperador. Está organizado com uma indicação prévia dos princípios e do a rgum ento apropriado. O argumento tem três partes, e cada p arte tra ta de um dos reis. As razões a favor e contra o reconhecimento estão organizadas do seguinte modo: primeiro, são apresentados os argumentos a favor de Frederico II; depois, os argumentos contra seu reconhecimento; e, final mente, um a refutação das obj eções contra o segund o conjun to de argumentos, de modo a que a decisão final seja contra Frederico II. O mesm o proced imento , então, é seguido no caso de Filipe da Suábia . Para o ú ltim o do s cand idatos , Otão, os ar gum ento s desfavoráveis são apresentad os prim eiro e só depo is são indicadas as razões em seu favor, as quais, em última ins tância, motivaram o pap a a reconhecê-lo. Uma decisão política importante é, inevitavelmente, um salto para dentro das contingências da história. Nada pode abolir esse caráter contingente, embora variem os sentimen tos do ato r e as suas atitudes. O estadista pod e coníiar na sua , no carism a pessoal, no car ism a do cargo, ou derivar a fonecess r tu n aidade de sua ação da crença num a lei da história que o faz sentir-se cham ado a executar. A D eliberatio é caracterizada pela tentativa de cap tu ra r a miríade de fatores determ inantes nu ma rede de raciocín ios e de tecer o argum ento de mod o tão cerrado que a decisão parece resultar necessariamente dela. Mas é uma tentativa futil. Qualquer decisão podería resultar do arranjo de razões
p ro e contra
; mas é exatam ente essa fu
tilidade que a torna importante, porque aqui nos deparamos com um novo modo de “encobrir” a contingência da ação. Além disso, a
D eliberatio
não é um d ocum ento público; é um
me mo rand o confide ncial pa ra uso pessoal do papa; e es ta pri vacidade acentua ainda mais a função da motivação racional como a racionalização de um a decisão cuja irracionalidade fi nal deve ter si do s e n ti a forte mente por se u autor . 0 apar ato escolástico de prem issas axiomáticas, argum entos casuíst icos
pró e contra, objeções e refutação e, finalmente, a conclusão, transforma-se num escudo intramundano que visa conferir
2 0 4 1 H ist óri adasIdc iuPolí tica s- Ida deM fdli ilfIbm áideAqul no
segurança às ações decisivas que ainda na época de Gregório VII eram sentidas como transcendental e carismaticamente determinadas. O uso do método escolástico para esta finali dade esclarece, po r acaso, sua função na econom ia dos senti mento s nos cam pos d a teologi a e da metaf ísica. O conteúdo da D eliberatio corresponde a sua forma. Os próprios argumentos utilizados na construção deste escudo intramundano são de um tipo intramundano. Para a análise selecionaremos a introdução e um ou dois argumentos do corpo principal do docu men to. A introdu ção define ser dever da Sé Apo stólica trata r com diligência e prud ência a tarefa de prover a dignidade imperial. Este dever resulta do princípio
im pe rium pertence ao papad o quan to à srcem e fina lidade. N o que diz respeito à srcem ( principalite r ), o império de que o
foi transferido pelo papado dos gregos para o Ocidente para melhor defesa. No que diz respeito à finalidade
(finaliter ), o
imperador aceita a imposição da sua dignidade nas mãos do pap a mediante a coroação e investidura com o
im pe riu m .
Em substância, esses princípios reinterprétam a constitui
sacrum im periu m y transformando a ordeni carismática em ordem processual. A tran slatio im pe rii já não ção gelasiana do
é mais um a época da his tória desejada e constituída p or Deus, mas um ato jurídico da Cúria com a fi nalidade de ganhar um pro tetor mais eficaz para a Igreja. 0 reconhecimento cerimo nial do imp erado r eleito como a cab eça sec ular do i mpério que segundo a conce pção ante rior som ente pod eria ser negad o por causa de no tória indignidade espiritual do candidato - é transformado em uma etapa processual que pode ser nega da p or razões políti cas à discriçã o do pap a. A prim eira dessas reinterpretações, relativa à
tran slatio im pe rii , é talvez a mais
impressionante politicamente, porque implica o direito papal de transferir e conferir o
im p er iu m . A segunda reinterpreta-
fin is, revela o problema teórico de modo mais compl eto: brincando com o duplo sentido do term o fin is , ção, em relação ao
Inocênci o III tradu z a finalidade ou enteléquia carismática do im pe rium como o derradeiro e mais elevado ato processual
1 0 -0 di r ei t o 1 205
palia aurea) que deve ser ministrado pelo pap a.12As épocas da história divinamente ordenadas e o sta tus carismático do im pe riu m no corpo místico são reduzidos a (investidura com a
uma ordem po r ação papal. A deliberação só tem interesse pelo peso dado às circuns tâncias que acompanham a eleição dos três candidatos a rei de Roma e po r questões de expediente. Três argumentos, en tretanto, merecem atenção porque foram decisivos para o re sultad o da deliberação. O prim eiro refere-se a o me do do cerco territo rial a Roma caso o
im pe rium estiv esse nas m ãos de um
rei da Sicília. O argumento é claramente de política de poder e nad a tem a ver com a qualifi cação pessoal do jove m Frede rico contra o q ual inves te. O segund o arg ume nto aproxima-se do problema carism ático da dignid ade im perial. Inocêncio II I mostra preocupação com o fato de que a dignidade imperial pode tornar-se hereditária caso haja continuidade na mes ma família da série dos imperadores. Fica ameaçada a livre escolha do c andidato m ais apt o pa ra o carg o - o cari sma da linhagem de sangue pode substituir o carisma do cargo. O argumento, saudável em princípio, não é particularmente cogente. Relações familiares sempre foram um fator na sele ção de um imperado r porque a nobre descendência - e nada poderia ser mais nobre do que a descendência do im perador era im po rtan te pa ra a qualifi cação do candidato. O s príncipes tinh am provado ser ca pazes d e afirma r a sua liberdad e de es colha interrompendo ocasionalmente a sucessão do pai para filho ou o parente mais próximo, como na eleição de Lotário de Su pplinburg (1125- 1137) como o sucessor de Hen rique V em vez de o duqu e d a Suábia. 0 terceiro argumento fustiga o papa com o medo da
stirps
caesarea , do genu s persecutorum que perturbava a Igreja des de a época do Henrique V. O papa enumera as más ações de
12 “Finaliter (sc. imperium pertinet ad sedem apostolica m), quoniamimperator a
summo pontífice finalem sive ulpimam mantís impositionem promotíonis proprit
V er I nnocent accipit, dum ab o bene e dicitur,coronatur, et deImpério inmtitur," III, Opera,p . 1 0 2 5 .
2 0 6 1 H istóri adas idéi asPol íticas- IdadeM ódlaa lóI b m tli d rAqu lno
Henrique V, Frederico I e Henrique VI e decide contra os Hohenstaufen porque a maldição de Deus, que pune os pecados dos pais nos filhos até a terceira e qu arta geração , estava sobre eles. A tensão en tre os dois poderes gelasiano s tin ha se tom ado cada vez mais evidente n os conflitos entr e Henrique IV e Gregório VII, entre H enrique V e Pascoal II, no estilo imperi al novo e romaniza nte de Frederi co I, e na grande con strução imperial de Henrique V I. É projetada agora pelo papa a ideia de u m gen us persecutorum . Este bloco intramundano da resistência má é a contraid eia à ideia do pa pado como a força posi tiva que governa a ord em da história e da finali dade do imp erium . A decisão do p apa não resultou de deliber ação; emergiu dos sentimento s que se cristalizaram na oposiçã o da ação papal à força luciferi na da família am aldiçoada (od eru nt D eu m ). Ne nhum a delibera ção era necessária par a exp erimentar o pe rigo que ameaça um papado historicamente srcinado e requisita do de um a famíli a que m ostrasse, por suas tentat ivas de criar um im pe rium hereditário, a força de sua própria movimenta ção histórica. A experiência do perigo motiva a decisão. Não obstante, o papa dispõe os argumentos enffoftna escolástica. A conspiração e a contradição entre a ordem real dos senti- * mentos e a ordem ilusória de raciocinar para alcançar a deci são desvendam o m o m en tum da fé na argum entação casuística como um a fonte de ordem independente e i ntramun dana.
10-0dircito 1207
1 1 . S lG ÉR I ODEBRA
BA NT E Vivere sine litterismors est et vilis hominis sepultura. Sigério d e Brabante
A segund a meta de do século X III foi, até recentem ente, um dos recantos mais obscuros d a história das idéias pol íticas m edievais.1 As razões são bem conhecidas. A gran de luta entre os mestres de artes da Universidade de Paris, de um lado, e os teólogos e as ordens m endicantes, do outro, centrad a na atitude dia nte d a filosofia aristotélica e do ideal de pobreza, term inou com a vitória dos últimos. Como frequentemente acontec
e
nessas situações, os escritos do lado perdedor caíram no esquecimento e não receberam a devida atenção por mais de cinco séculos. Temos a sorte de não terem sido destruídos, como os de muitos o utros m ovimentos m edievais não ortodo xos. O princ ipal pro blem a teórico diz respeito à recepção da filo sofia aristotélica. A recepç ão do corpus aristotélico n o Ocidente, primeiramente através dos comentadores muçulmanos e mais
1 [Partes deste capítulo foram publicad as co mo “Siger de Braban t”.
and Phenomtnol agkalResearch,vol. 4,1944, p. 507-26.]
Philosophy
tarde com o conhecimento direto dos textos gregos, perturbou a evolução do pensam ento cristão, uma vez que muitas propo sições metaf ísicas, físicas e psicológicas de Aristóteles eram in compatíveis com a do utr ina cristã. A reação a este co nflito se guia uma de três formas: (1) a supressão do aristotelismo; (2) o desenvolvimento de um sistema teológico e filosófico cristão que incorporasse tanto de Aristóteles quanto compatível com a doutrina cristã; ou, finalmente, (3) o cultivo da filosofia aristotélica sem conside rar o perigo da posição herética resultante. A supressão foi tentada pela igreja em 1210 com a proibi ção do ensino da
Física e da M etafísica em Paris. A proibição
foi renovada em 1215. Como essa atitude negativa se tornou praticam ente impossível, em 1231 um a comissão foi en carregada da tarefa de produzir um Aristóteles expurgado; até a conclusão da tarefa, jamais completada, o ensino seria proibido. O quadro jurídico perm aneceu inalterado, mas, de fato, Aristóteles foi ensinado em Paris até que, em 1255, a Fa culdade das Artes regulamentou formalmente o ensino das obras p roibidas, apesar d a proibição papa l renovada em 1263. O método mais bem-sucedido de tra tar o problema fo i a apre sentação e a revisão en ciclopédica do conhecimento aristotélico começada por Alberto Magno (ca. 1193-1280) após 1240, e continuado mais criticamen te po r Tomás de Aquino (12 251274) com a colab oração filológica de Gu ilherme d e Moerbeke (fl. 1260-1286), tendo por resultado a grand e síntese d a
Sum -
m a Theo logiae.2 A terceira atitude, aquela que permitiu uma continuação direta da filosofia aristotélica transmitida pelos
Comentários
de Averróis, tornou-se muito visível após 1255,
quando a Faculdade de Artes regulamentou o ensino; essa atitud e é repre sentada princ ipalm ente po r Sigério de Braba nte (ca. 1235-ca. 1286) e Boécio de Dácia (fl. 1270). O sucesso dessa esco la tem de ser medid o pela resistência do lado mais conservador assim como dos teólogos aristotelizantes. Em
Fotschmgen über die Lat einischen Aristotelesüb ersetzung en desXIII Jahrhunderts. Bcitrtigc
2 A respeito do processo d e 'recepção, ver Martin Grabmann,
zur Geschichte der Philosophíe des Mictclalceri, Tcxtr mui Untersuchungen, vol. 17, fase. 5-6. Münstcr, Asclicndorff, 1916,
2 1 0 1 His tór ia dasI dé ias Pol ítica s - Ida de M ód la n t M i d r Aqui no
1256, enc ontr am os o tra tado de Alberto Magno, D e U n itate I n tel lectus contra Ave
rroistas ; em 1270, Tomás de Aquino d irig iu
um tratad o com o mesm o título co ntra Sig ério, e sua Summa Co ntra G entil es é um trabalho siste mátic o detalhado contra a filosofia aristotélica islâmica. Em 1270,13 propo sições averroístas foram conden adas p or Etienne Tem pier, bispo de Paris, e em 1277 foram condena das 219 pro posições, de um a assen ta da, inclu indo proposiçõ es d e Averróis e de Tomás de Aquino , o qual parecia igualm ente perigos o. A literatura do lado perdedor da contenda saiu de cena, como dissem os, e o processo de edição crít ica e interp retaçã o dos seus textos ainda está em andamento. Os principais da dos dest e processo e os proble ma s específicos da teoria po lí tica sã o os seguintes: em 1899, foi publicada a gran de mono grafia de Pierre Mandonnet sobre Sigério de Brabante, com alguns t extos inéditos e um estudo histórico do período que con tinu a a ser a base de todo o trabalho pos terior.3 A segunda edição adiciono u alguns textos,4e as obras m ais volumosas de Sigério foram publicadas po r Fern and van Steenberghe n em 1931.5Os elementos que nos permitenfcohipreender a luta em torn o do ideal de pobreza, l uta travada e ntre os membrós das orden s men dicantes e os mestres de artes, foram editados e interpretados criticamente por Max Bierbaum em 1920.6
Siger de Brabant et TAverroisme Latin au XlIIe Siècle: Etude Critique et Documents Inédits. Collecteana Friburgensia, vol. 8. Friburgo, 3 Pierre Félix M andon net,
Librairie de 1’Univ ersit é, 18 99 . Reedição: Genebr a, Slatkine, 19 76. Essa edição foi precedida por Clemens Bàumker,
Die Impossibilia des Siger von Brabant.
Beitrãge zur Geschichte der Philosophie im Mittelalter, Texte und Untersuchungen, vol. 2, íàsc. 6. Münster, Aschen dorff, 1898.
* Mandonnet, Siger de Brabant et Averroisme l’ Latin au XlIIe Siècle: Etude Cri 2. ed., vol. I, Etude critique, 1911; vol. 2, Textes tique et Documents Inédits. inédits(1908). Les philosophes belges, textes et études, vols. 6-7. Louvain, Editions de 1’Institut Supérieur de Ph ilosoph ie de 1’Université, 19 08- 19 11 . ’ Fernand van Steenberghen,
Siger de Brab ant dAprèsSes Oeuvre s Inédites. Phi
losophes belges, textes et ét udes, vols. 12- 13. Louvain, Editions de 1 ’Institut Supérieur de Philosophie de l’Université, 1931.
Bettelorden und Weltgeistlichkeit an der Universitãt Paris: - und Exemtionsstreit des Texte und Untersuchungen zum literarischen Armuts
6 Max Bierbaum,
Franziskanische 13. Jahrhunderts (1255-1272). Aschciulnrffi 1920,
Studien, vol. 2. Münster,
Martin Grabmann publicou se us relat órios sobre um m anu s crito de Munique em 1924.7A primeira interpretação deta lhada do período, do po nto de vista de um a história das idéias políticas, foi apres en tada p or D em pf em 1929 e é a base para o nosso trabalho, com algumas correções técnicas menores à luz de elemen tos po steriore s.8 Elementos ad icionais foram disponibil izados por Gr abmann em 1931 e mostra m o pano de fundo p or trá s das figuras principais.9 Um a interpretaç ão adequada do R o m a n d e la R o s e - revelando plename nte sua impo rtância para as idéi as soc iais do período - foi publica da pela primeira vez em 1933 po r Matthieu-M axime Gorce.10 As dificuldades técnicas oferecidas por um material ainda não explorado em todos os detalhes est ão sendo rap idamente superadas; os contornos da filo sofia política intram und ana dos mestres de artes de Paris estão agora razoavelmente estabele cidos. Contudo, ainda persiste um desnivelamento da divisão
7 Martin Grabmann,
Neuaufgefundene Werke des Siger von Brabant und Boetius
Sitzungsberichte der Bayrischen Akademie der Wissenschafteni von Dacien. Philoso phisch-p hilolog ische und historische K l asse, Jahrgang, 192 4, fàsc. 2, Muni que, Bayrische Akademie der Wissenschaften, 1924. Os ensaios acadêmicos de Grabmann foram reeditados em Gesam melte Aka de1979. Ver também “ Neuau fge
2 vols. Pader born, Schõnin gh, mieabhandiungen,
fundene ‘Qua estion en’ Sigers von Brabant zu den W erken des Aristót eles (Clm. 9559)”. In:
Miscelbtnea Francesco Ehrle, Scritti
di storia e paleografia, Studi e
testi, vols. 37-42. Roma, Biblioteca Apostólica Vaticana, 1924. Reedição: Graz, Akadcmischc Druck- und Verlagsanstalt, 1962, Liv. 1, p. 103-47). ' Dempf, “Die philosophische Renaissance”. In:
Sacrum.
9 Martin Gra bman n, Der lateinische Averroismus des 13. Jahrhunderts und seine Stellung zur christli chen Weltanschauung: Mitteilung aus unged ruckten EthikSitzungsberichte der Bayrischen Akademie der Wissenschaften, kommentaren. philosophisch-historische Abteilung, fase. 2. Munique, Bayrische Akademie der Wissenschaften, 1931. 10 Guilla ume d e Lorris e Jean de M eun,
Le Roman de la Rose.
Ed. Matthieu-
Maxim e Gorce. Paris, Editions Monta igne F. Aubier, 193 3. Reedi ção recente de
TheRomance Trad. Francês Horgan. Oxford, Oxford University Press, 1994; Trad. ofthe Rose.
André Mauiy. Paris, Garnier-Flammarion, 1984. Edição em inglês:
Charles Dahlberg, 3. ed. Princeton, Princeton University Press, 1995. Foi-me inacessível a obra Steenberghen,
Les Oeuvres et la Doctrine de Siger de Brabant.
Academie royale de Belgiquk Classe des lettres et des Sciences morales et politiques, Memoires, Collection in 8, 2. sér., vol. 39, fiisc. 3. Bruxelas, Palais des Academies, 193 8. Fui informlado de algumas de suai principais posições por
meio de Martin Grabmann, "Siger von Brabant und Danic". Deutsches Dante21 . Weimar, Btihlaus Nachfblgcr, 1919 , p. 109 ,10,
Jahrbuch, vol.
2 1 2 1H ist óri adasIdéi asPol íticas-Id ideM édii ittf Ib m éiürA qulno
do trabalho entre acadêmicos. 0 aristotel ismo da Faculdade de Artes se baseia nos Comentários
de Averrói s. Essa interp osição
islâmica não era simplesmente um a m udança doutrinai a que a filosofia de Aristóteles se sub me tera nas m ãos dos com enta dores , mas resultou num a mud ança impo rtante na posi ção do filósofo na sociedade política. No ambiente islâmico, mais do que no temp o de Aristót eles, a filosofia tinh a se torna do um a forma de vida p ara um a elite int electual. Os “ resultados” da fi losofia, as proposições consideradas verdadeiras, m
antinh am
a sua importância intrínseca, mas subordinadas à função de “filosofar” como um estilo d e existência. Temos de considerar essa mudança de funções a fim de compreender as peculiaridades da história islâmica do pen sam ent o e do averroísm o latino. Os qu atro séculos de fi losofia islâmica mostram relativamente pouco desenvolvimento dos problem as filosóficos de maneira independente; a principal fórmula é a do “comentário” de obras aristotélicas. Alguns estudiosos aproveitaram para falar de uma falta de talento filosófico determin ada racialmen te entre os árabes - um a ex plicação malograda porque, dos primeiros filósofos chamados árabe s, só u m era ár abe, A bü Yüsuf al-Kindi (ca. 800 -870); os outros eram persas e turcos. Parece mais razoável salientar a diferença funcional entre a filosofia no mundo islâmico, de um lado, e na Gré cia e no Ocident e mod erno, de outro. O mesmo problem a surge com relaçã o a Sigéri o de Brabante. Ele surpreen de os intérpre tes ao com binar um a perspicácia filosófica iricomum com um a curiosa satisf ação por pe rm ane cer dentro da órb ita do pensa mento de Aris tóteles e Averróis. Além dis so, oferece um enigm a psico lógico dad a a su a dispo sição pa ra en frentar os conflitos entre a d ou trina cristã e suas próprias posições filosóficas, entre a fé e a razão, sem tentar uma harmonização ou descartar uma ou outra como inváli da. 11A chave des ta justa pos ição apar ente mente pacífica das
11 “t^ous avons enten du Siger plac er 1’enseign emen t de la foi au dessu de tout
et dédarer y odhércr fidèlcment. ILnous à appris, dautre part, et démontré &aa façon. i|iie lu rnlion dc Thomme démontré scientifiquement des vérités
verdades da fé e da razão m ais um a vez se encontra no dese n volvimento islâmico. O problema indicado, entretanto, ainda não foi tratado de maneira satisfatória porque, em regra, os especialistas em filosofia islâmica não abordam as questões mais intricadas do pensamento ocidental, e os especialistas em filosofia medieval ocidental, em regra, não penetram na estr ut ur a islâmica dos sentim entos filosóficos que baseiam a atitud e de Sigério. Mesmo De mpf, que fez um a das mais pen e tran tes análises d os asp ectos políticos da filosofia de Sig ério, na m edida do possív el num a base de materiais ocidenta is, não tocou na relação c om a pré- história islâmica do problema .*12
§ 2 .A F a y la s ú f A palavr a árab efaylasüf,
um a translit eração de
em grego , indica os autores islâmicos que basearam
philosophos seus estu
dos na filosofia grega, a qual, n a civilização islâmica, é rep re sentad a s obret udo po r Arist óteles. A filosofia não é um ramo da ciê ncia, mas um a atitude integra l perante o m und o basea da em um “livro”, assim como a atitude dos muçulmano s or todoxo s se baseia n o Corão. A implicação s ectária é evidente; os filósofos
(falãsifa)
representam um movimento religioso,
philosoph iques qui so nt la négation de 1’ense igne men t révelé. Q ue fàut-il conclure de ces affirmations contradictoires? Siger et ses collègues en Averroisme croyaient-ils trouver dans ces dédaradons incohérentes une solution qui satisfaisait à des convictions religieuses et à des convictions philosophiquei également sincères? Ou bien, un semblableprocédé n’etait-il quun expédient destiné à pallier une absence de foi et à s’échapper aux censures et aux pour* suites ecdésiastiqu es? C e st qu’il serait sans doute intéressant de s avoir”. Ver Mandonnet,
Siger,1911, p. 190 ss.
12 A obra mais velha de Ernes t Renan
{Averrões etAverroisme, 1’
3. ed. Pctrli.
Levy, 1866; reedição: Hildesheim e Nova York, Olms, 1986) contém algUIMI páginas excelentes a respeito do caráter sectário da filosofia árabe, mas o autor não esboça qualquer conclusão em favor dos averrofstas de Paris, porque IUU obras eram praticamente desconhecidas na épo ca em que foram escritos. R eim pressões recentes da 3. ed. são encontradas em: Verõffentlichungen des I nstltuti fiir Geschichte der ara bisch-is lamischen Wissènschaften, Reihe B: Nachdnick e.
Ab teil ung Philos oph ie, vol. 1. Frankfurt. Institui Pür Gesc hich te der arabischislamischen Wissenchaften, 1985.
2 1 4 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas - IdadeM édi aat óTbm ás deA qui no
com e stru tur a social e do utr ina diferentes das de ou tras seitas islâmicas, mas pertencem ao mesmo tipo.
a. Aform ataçã o grega do problema Esse desenvolvimento islâmico não é inteiramente inde pendente; foi formatado a par tir de determinados aspectos da filosofia helênica e helenística. Platão c riou u m a evocação po lítica e, ao mesm o temp o, um a religião que ten de a substit uir o velho mito helênico. Aristóteles teve dificuldades teológi cas po rque a sua ideia de vida contem plativa
(bios theoretikos
)
tendia a uma religiosidade mística que encontrou resistên cias. No caso platônico, poderiamos discern ir o plano de um a igreja-estado político-religiosa com incursões profundas na religião da pólis; no caso de Aristóteles, surge a religiosidade intelectual que tenta não entrar em conflito com os poderes existentes. Se a Academia e o Liceu (
L ykeio n ) são geralmen
te classificados como escolas filos óficas e não como seitas ou heresias, a razão principal é que, na civilização helênica politeísta, não exist ia um a igrej a nem u ma teologia mono teísta ra cional , a servir de pan o de fund o dian te do qual novas atitudes religiosas pudessem parecer sectárias ou heréticas. A est rut u ra po liteísta da religiosidade helênica tinha clareiras em que se podia desenvolver uma atitude filosófica racional sem entrar em conflito aberto com um sistema religioso concorrente de igual escopo intelectual. O “conflitoentre fé e razão”, aberto durante a recepção de Aristóteles no Ocidente, também existiu na Grécia, mas sem assu mir formas violentas ; n a época de Aris tótele s, a póli s de sintegra ra-se a tal pon to qu e era impossí vel um conflito nessa escala. Nã o obstan te, o credo d a pólis ainda era suficientem en te forte para levar Aris tóteles a pisa r cautelosamente o terren o e a construir sua
bios theoretikos
como “ação contemplativa”
num sistema de conduta apropriado ao membro da pólis. A ru pt ur a pública só virá co m os cínicos, est oicos e epicuri s-
tas; o vcaráter religioso sectário das “escolas” tomou-se evi dente no períod o helen ístico."
b. M ist ici sm o n eop lat ôn ico no arist oteli sm o árabe D e t od os os m ov i m entos gregos, o ari st otel i sm o p arec e o m en os p rom i ssor no qu e s e r ef er e à e ventual evol ução par a um a con d u t a re l i gi osa da vi da; de fat o, t em os d e entend er o ari st otel i sm o do s falãsifa is l âm i cos co m al gu m a qu al i f i ca ção. Os grand es d eba t es fi l osóf i cos i sl âm i cos n ão se cen t raram no Organonou na Físicade A ri st ótel es, m as sim no l i vro XII da Metafísica e no livro III do De Anima, t r a n s m i t i d o p e l o c o m en t ári o de A l exan dre de A fr od í si as. A Política, m a c u l a d a pel o c om prom i sso da bios theoretikoscom a pó l i s, n ão foi t ra du zi da e o se u l ug ar f oi ocu p ad o pel as Leisde P l at ão. A p edra angu do cânon er aa adoscham , u md ae p aráfrasel arabreviad ú l tada i m os t rêsTeologia l i vros das de Aristóteles Enéadas Plot i no.O m i st i ci sm o neo plat ôn i coeocom en t ári od eA l exan d re de A fr od í si as ao De Animafor m ar am o cent r o d i nâm i co da fi l osof i a is l âm i ca, fornecen d o os p ri n cí p i os d e inter p ret a ção p ara os com en t ári os d as ob ras ar i st otél i cas p ropri am ente d i t as. Po ssi b il i tar am a evo l u ção d a idei a do Intel ect o A t i vo com o u m a em an ação de D eus que despert a a at i vi dade do i nte l ect o p ass i vo d o h om em . O al vo d a vi da h u m an a é, ness e si st em a, a real i zação d a un i ão co m p l eta, a itti$ãl,d o intel ec t o h um an o co m o Int el ect o A t i vo. P or t rás da f órm ula s eca da u nic i dad e do I ntel ect o A t i vo em t od os os ser es hu m ano s, en co n tr a-se u m a exp eri ên ci a m í st i ca e u m a at i t u de rel i gi osa desenvolvida que confere significado às questões teóricas. O choq ue en t re f é e razão no século XIII é, no fun do , u m ch o qu e en t re du as rel i gi ões, en t re a cri st an d ad e e o m i st i ci sm o neo plat ôn i co do
sfalãsifa.
c. O A ristóte les m íti co Foi n essas cir cu n stân cias qu e a f i gu ra de A ri st ótel es assu m i u p ropo rç ões m í t i cas. N ão era só o au t or de ob ra s genuínas sob re f í si ca, l óg ica, m etaf í si ca e éti ca, m as o seu n om e ab sorv e ra a g l ória da Repúblicade P l at ão c da t eol ogia e do m i st i ci sm o
de P l ot i no . Na li ng uag em de A verr ói s: inventou e com p l et ou as “três a rtes” (f ísi ca, l óg i ca, m etafísica); é o m estre atravé s ti o
2 1 6 1 Hi st óri ada s
Mc
iü í
l'ol ílu. ti« Ida üe M é d liIb f ié i d f Aqul tto
qual os estudiosos posteriores conseguem alcançar a perfei ção; estes têm de compreender suas palavras e as conclusões delas de rivadas ; nad a pode se r adicionado a este trabalh o e ne nhu m erro pode ser encontrado. Tais qualida des reun idas num só homem fazem-no mais divino que humano. “Louvemos a Deus que pôs est e home m à p arte de todos os outros pela sua perfeição e lhe concedeu o máximo de excelência humana, inalcançáve l por q ualqu er outro em qualquer idade.” E no De A n im a nós enco ntram os o credo de Averró is: “Eu acredit o que este homem foi a regra da natureza e o protótipo que a n aturez a criou a fim de to rna r visível o limite da perfei ção humana neste mundo (in materiis )”.13É este A ristóteles mítico que dominou os falãsifa e através deles se tornou co nhecido no Ocidente. O que perturbava não era o conteúdo de sua obra; os resultados aristotélicos podiam ser assimila dos, como de mons trara m Alberto Magno e Tomás de Aquin o. 0 perigo era o Aristóteles mítico, com uma nova autoridade espiritual, do mesmo grau que a revelação e a tradição cris tãs. O Aristóteles que er a regu la in na tura et , exem plar podería ser um modelo requeress doseria homem mesmo sentido que em que o Cristoe adeconformidade São Francisco o pa no drão de confo rmidade pa ra o cristão. d. A Fa
yl asü
fe
a ortodoxia islâmica
Na civilização islâmica, a f ay lasüf pôde florescer devido aos elementos estruturais que não existiam, ou não exis tiam da mesma maneira, no mundo cristão do século XIII. A pré-cond ição social geral para a tran sform ação da filos o fia islâmica na religião de u ma elite intelectual era o atraso cultural do fimdam entalismo islâ mico por trás das grandes civilizações dos pa íses orie nta is conq uistad os: Síria, Pérsia e Egito. A orto doxia islâmica, co nfiante na aceitaç ão literal do Corão, não estava à a ltur a das forças intelectuais e místicas
\
-----------------------------------------------
L1 Compilaç ões dc ua i c de outras pâssag ens são encontrada s em Renan,
rties,p.
54
m,
e em Mandonnct,
Siger, 1908,
p. 153 ss.
Aver-
do Mediterrâneo oriental e dos rincões asiáticos. 0 desen volvi mento dos problemas d entro do islã ocor reu de modo extremam ente l ento. Doutrinas como a crenç
a num desti no
divinamente ordenado, que hoje associamos automatica mente ao islã, só surgiram um século após a Hégira (622) e pela mão de teólogos persas , não árabes. Ainda no século IX, o ortodoxo Ahmad Ibn Hanbal (f 855) recusou-se a dar qua lquer resp osta definit iva a perg unta s sob re a sua crença, exceto citando o Cor ão - um a ampliação d a ideia da citaç ão literal quand o a argu me ntação n ão é perm itida. No séc ulo X, sob a pressão da difusão da filosofia e das seitas, começou a evolução de u ma teologia escolásti ca islâmica, culminando na obra d e Muhamm ad al-Ghazãlí ( t 1111). Essa situação peculiar de um credo rígido, dominante nas regiões vencidas das grandes civilizações, deve ser levada em conta se desejarmos compreender que os primeiros
falãsifa,
al-Kindi e Abü Naçr al-Fãrãbi (f 950), poderíam ser aristotélicos e muçulmanos leais ao mesmo tempo. A incompatibili dade última da tradição filosófica helenística com a ortodoxia muç ulma na não se manifestou nos prim eiros sécu los porque o conteúdo da filosofia não estava ao alcance de um credo sub desenvolvido e sem argumentação. A filosofia podia ser uma religião esotérica pa ra hom ens com experiências místicas e ca pacidades intelectuais mais ricas, suplem entar ao fundamentalismo islâmico. Por volta do século XII, com o crescimento da teologi a argum entativa escolástica, a incompatibilidade to r nou-s e visível. Par a Avempace (Abü Bakr Ibn Bãj ja, f 1138), a ortodoxia era um a form a imperfeita de ve rdade, útil como rel i gião par a a multidão, ao passo que as pessoas intelectual mente mad uras seguiríam a revel ação m ais perfeita do aristotel ismo. Averróis tratou o problema em seu tratado
ment ofReligion with Philosophy
On the Agree-
[Sobre a Concordância da
Religião com a Filosofia). A religião do povo deve s er r espei tada pelo filósofo como necessária ao bem-estar da multidão
e à expressão adequada da sua piedade e moralidade; o filó sofo não deve criticar a doutrina da religião estabelecida nem
2 1 8 1H ist óri a da sI déi as P o lí t í cu -Idade M éd li it é Ibm ái dcA qul no
subm eter-se a ela. A dis cussão racional de questões religios as e metafísicas tem de ser cultivada num círculo pequeno de pessoas educadas que a possam compreender. Comunicar ao povo os resultados da filosofia confundi-los-ia e privá-los-ia do tipo de crença de que necessitam.
$ 3 .0 int el ec tual a. 0 filósofo ocidental e a cristandade Com a transferên cia d a filosofia islâmico-aristotél ica para o amb iente ocidental, a dinâm ica da relaçã o ent re a fé e a ra zão mudo u m uito, e a nova dinâmica modif icou a atitude do filósofo. No mun do islâmico, a/flyía sü/rep resen tou o elemen to civilizacionalmente superior e teve o monopólio de uma compreensão racionalizada e sistemática do mundo durante séculos, antes de a teologia islâmica desenvolver um siste ma moderadamente elaborado. No Ocidente, a nova atitude filosófica deparou -se com um a cristand ade .que evoluir a ra cionalmente sob influência helenística desde São Paulo e que atravessara o período patrístico com firme fundação sistemá tica em Santo Agosti nho. No i slã, os antagonism os e ntre a or todoxia e a filosofia não conduziam a choques porque o Islã não criara uma hierarquia espiritual independente capaz de passar à ação direta; a tolerância ou supressão de grupos re ligiosos não ortod oxo s estava a critério d o califado. A política financeira do califado favo recia a existência de gran des grupos de não muçulm anos porq ue os inf iéis pag avam um impost o. Nessa atmosfera de relativa tolerância, durante o califado almóada (1159-1229), parece muito provável que a coexis tência relativamente serena da ortodoxia reacionária com a filosofia pratica me nte ag nóstica se devia a um acordo d e cava lheiros entre os dois grupos; o precedente encontra
ra expres
são na vontade dos filó sofos hispano-muçulm anos de trata r a
ciência como um credo esotér ico par a elites e não incom odar o povo com ele. No Ocidente^ristão, a nova atitude filosófica
adqu iriu um a agres sividade t ípica porque a autoridade d a razão desafiou a autoridade do sistema espiritual estabelecido, bem institucio nalizado por um a hierarqu ia com poderes de disciplina e decisão em ma térias espiritu ais.14
14 [O excurso de Voegelin sobre a ci viliza ção islâ mica, em algu ns aspe ctos, é es * darecedor, mas, co mo não era um es pecia lista , Voe gelin teve que confiar na in formação contemporânea maculada por equívocos, alguns dos quais persistem até hoje. A sua notável contribuição ao entendimento da civilização islâmica é seu compreensão da filosofia grega como uma religião da elite intelectual me dieval. Os problemas aparecem em sua abordagem da história do pensamento islâmico. Apresentamos a seguir um esbo ço da evoluçã o da civilização islâm ica, segundo os estudos mais recentes. (1) Embora o imperador Constantino e seus sucessores tenham procurado transformar Roma em um império cristão, esta permaneceu uma fundação paga e assim foi vista (por Santo Agostinho), sendo continuamente afligida pelo estigma de sua srcem ilegítima. Entretanto, caso se estivesse ansioso por remover tal i legitimidade, poder-se-ia tentar substituir o império por um “verdadeiramente” revelador, em antecipação ao dia do juízo divino. Os califàs árabes do século VII podem ser vistos como os pioneiros do conceito de um império final revelador que suplanta o império “pagão” dos predecessores ro manos (c persas), um conceito abraçado um século mais tarde também por Carlos Magno. Assim, o novo período dos impérios ortodoxos - cristão ociden tal e islâmico, e o chinês neoconfuciano, com o “ilegítimo” Império Bizantino entre ambos - foi inaugu rado, sucedendo ao período precedente de impérios “ecumênicos” pagãos. Cf. Garth Fowden,
Empire to Commonwealt/r. Conse-
quences ofMonotheismniLateAntiquity.Princeton, Princeton University Press, 1993, p. 20, onde se diz que “Constantino tentou, e Maomé conseguiu unir o ímpeto imperial ao monoteísmo missionário”. A feliz distinção entre “império ecumênico” e “ortodoxo”, naturalmente, é tomada emprestada de Voegelin (ver a introdução , p. 2 8-29 ). (2^ Sem surpresa, os doi s impérios ortodo xos - a saber, o impér io islâmico que emergiu das conquistas árabes, após cerca de 690, e a sua contrapartida cristã ocidental, após cerca de 80 0 - partilham diversas semelhanças est ruturais. Am bos foram organizados em torno de doutrinas que podiam ser formuladas de muitas maneiras, variando desde o literalismo escriturai até à mística alegórica; e ambos evoluíram gradualmente para civilizações, depois do papel de guar dião da doutrina ter passado dos califàs/imperadores para o estabelecimento religioso e do poder político se ter deslocado dos califàs/imperadores para uma multiplicidade de sultões e/ou de reis. Cf. Ira M. Lapidus, “The Separation of State a nd Religion in the Deve lopm ent o f Early Islami c Society”.
International
Journal ofMiddle East Studies, vo l. 6, 19 75 , p . 363-85. (3) Há poucas evidências de que o literalismo escriturai tenha sido mais rígido ou hostil à filosofia na civilização islâmica do qu e na civilização cristã ocidental. Desde o início, o literalismo foi acompanhado pelo misticismo, carecendo de um aristotelismo básico para ser articulado. De íàto, o literalismo e o mis ticismo foram-se acomodando iun ao outro ao longo dos séculos da mesma forma espir itual e institucio nal qo Ociden te; quem desejasse escapar da rigidez
doutrinai encontrava seu lar na flexibilidade espiritual das irmandades islâmicas
(tariqa)ou
das ordens cristãs. Embora permanecessem algumas tensões (por
2 2 0 1 H ist óri a dasIdeiu
P otí ticu- Idade M édli it éIbm ái deA qul no
b. Fé e ra zão A marca agressiva não se suavizou, antes se tornou mais exasperante, pelas repetidas garantias de que Sigério de Braba nte dá preferência à verdade da fé mesmo que esta se opo nha ao s resultado s d a filosofia. Não há razão par a supo r que o reconhecimento de duas verdades opostas implique insince ridade p or p arte do filó sofo. Significa simplesm ente um a con fusão de sentim entos em consequência do reconhecimento de duas autoridades que não precisam estar em conflito no que diz respeito à doutrina, embora esteja em ascensão a autori dade da razão intramundana. Talvez o conflito de sentimen tos fique mais claro pela com paração de algumas passagens de Sigério de Brabante, dispostas numa sequência que mostra o peso crescente da razão: “Afirmamos que é esta a opinião do exemplo, as controvérsias que cercam o pensamento de Muhyl Al-Din Ibn al-Ârabí [t 1240] ou São Francisco), muçulmanos e cristãos ocidentais expri miram sua ortodoxia doutrinai numa mesma escala, oscilando entre o literalismo e o misticismo. Para uma visão geral recente e abrangente das doutrinas literalistas cristãs, ver Caroline Walker Bynum, The Resurrectiono fthe Body in Western Christianity, 200-1336. Nova York, Columbia University Press, 1995. (4) Se m dúvida foi injetado mais aristotelismo na ortodoxia cristã ocidental d o ' que em suas contrapartidas islâmicas, xiita ou sunita. Contudo, não entendo como esta maior aristotelização modificou “a dinâmica da relação entre a fé e a razão”. O aristotelismo não escriturai de Sigério fracassou e o aristotelismo cristianizado de Tomás de Aquino contribuiu pouco para o pensamento da Idade Média tardia. Qualquer mudança “decisiva” deve ser datada de meados de 1600, quando Galileu, com a sua nova física do movimento, desafiou a doutrina da fé na interpretação literalista. Como está atualmente bem estabelecido, Galileu não atingiu a sua nova física adicionando os toques finais a quatro séculos de conciliação entre escolástica e aristotelismo, mas rèjeitando-a como tal. Em outras palavras, abandonou toda a discussão cristã ocidental e islâmica sobre a compatibilidade entre a doutri na religiosa e o aristotelismo e desafiou Aristóteles no seu próprio domínio. O ponto crítico sobre o aristotelismo não é, consequentemente, em que me dida ele penetrou ou não a ortodoxia, mas até que ponto foi percebido como dotado de sentido em seu mundo de natureza. Sobre o papel do aristotelismo em retardar mais do que promover o advento do pensamento mecânico mo derno, ver Paul Lawrence Rose, The Italian Renaissance ofMathematics: Studies on HumanistsandMathematicians from Petrarch to Galileo.Genebra, Librairie Droz, 1975, e, mais recentemente, H. Floris Cohen, The Scientific Revolution: AHistoriographical Inquiry.Chicago, University o f Chicag o Press, 1994. A questão de por que não foi um m uçulmano, mas um cri stão que com eçou a
revolução científica ultrapassa o escop o deste volu me, mas teria de ser respondi da por uma inve stigação do crescim ento histórico da matemática não geométr i ca, e não da especulaçã o física e metafís ica aristotélica no mund o p ós-helênico.]
filósofo sobre a união da alma intelectiva com o corpo; mas se a opinião da santa fé católica for contrária à opinião do fi lósofo, gostaría mo s de p referi-la neste caso como no utro s”.1’' Noutra ocasião, à garantia de preferência segue-se um a afir mação mais impaciente: “Não é preciso falar dos milagres de Deus quand o debatemos naturalm ente sobre cois as naturais
{de naturalibus naturaliter)”.1
516
A situação alcança o ponto crítico na discussão sobre a imo rtalidade d a alma, que Sigério nega em ter mo s racionai s: se qualquer
filósofo disser o contrá
rio, a resposta seria que, ta l
como o hom em po de com preen der cois as que os animais não compreendem, há “homens proféticos” que têm o conheci mento de coi sas que “ a razã o com um ” do hom em não alcan ça, tend o de aceitar o testem un ho dos pro fetas .17Este último acesso e a ocasi ão em que ele ocorre, a qu estão da imo rtalida de da alma, revela que está em jogo mais do que um sereno debate racional. Sentimos aqui a paixã o que aspira po r resul tados e que considera homens de classe inferior aqueles que não co nsegue m seguir a nova revel ação. A negação da criação do mundo no tempo, a negação da alma individual imortal, a negação de uma vida no além, a negação da recompensa ou punição sobrenatural para a ação neste mundo, a negação de um
su m m u m b o n u m ,
com
exceção da felicidade alcançável na escala da existência ter rena, são as principais negações que organizam o mundo como uma estrutura imanente sem relação com uma rea lidade transcendental no sentido cristão. 0 conteúdo po sitivo da nova atitude não foi desenvolvido em um sistema abrangente, mas pode ser reconstruído a partir de várias fontes. A ajuda mais importante para esta tarefa é a lista de 219 proposições condenadas pelo bispo Tempier em 1277. Quaestiones de Anima Intellectiva. In: Mandonnet, Siger, 1908, p. 156 ss. Nova edição: Siger de Brabant, Quaestiones in tertium De aniEd. Bernardo Bazán. Louvain ma, De anima intell ectiva, Dé aetemitate mundi. 15 Siger de Brabant,
e Paris, de Vrin, 197 2.
[
16 M and onn et,
Siger,p.
154.
17 Ibidem , p. 164.
2 2 2 1H ist ór ia dasI déi as Pol ítica s-Ida deM édi a al óM s deA qui no
Seus méritos são manifestos na ord
em das proposições edita
das po r Ma nd on net.18A lista é uma enu mera ção circ unspecta da condenação, cobrindo praticamente todos os axiomas de um sist em a filosófico e teológico completo.
c. 0 elogio do filósofo 0 primeiro tópico, na sequência de Mandonnet, diz res peito à existência do filósofo. São condenadas as sentenças segundo as quais não h á vida mais excelente do qu e devotar-se à filosofia e que os filósofos são os únicos homens sábios deste mundo. Essas condenações mostram, mais uma vez, que o confli to não su rgiu sim plesmen te de um a divergência a respeito de opiniões te ológicas, mas pene trou os sentim entos que determ inam a atitude fundam ental perante a vida . A ati vidade intel ectual é um a força intram un dan a que tenta, como um absoluto, determinar os padrões da existência humana. Na obra de Sigério, encontramos a sentença: “Acordarás, es tud ará s e lerás, e das dúvidas restantes serás conduzido a mais estud o e leit ura, porq ue a vida sem letras
{vivere sine litteris) é
a mo rte e o túm ulo do hom em vulgar”.19 Boécio de Dácia compusera um elogio do filósofo que al cança o
su m m u m b o n u m mediante a devoção à vida intelec
tual. A existência humana é mais perfeita se, com o exercício do intelec to especul ativo, o hom em p rocu rar o conhecimento da ordem verdadeira do mundo que culmina no
en s primu m
(o ter mo com que Aristóteles design a Deus) e, com o ex ercício do intelecto prático, procurar viver de acordo com a verda de reconhecida. A vida do filósofo, vit a philosoph i , conduz à
Propositions condamnies par Etienne Tempier, évêque de Paris. In: Man donnet, Siger,190 8, p. 176 ss . A ordem srcinal é encontrada em H einrich Denifle, Emile Chatelain e Charles de Samaran (eds.), Chartularium Univol. I. Paris, Delalain, 1889-1897. Reedição: Bruxe versitatis Parisiensis, 18
las, Culture et C ivilisati on, 1964 , p. 5 43 ss. U ma contribuição import ante para a compreensão dos problemas sistemáticos também se encontra em
Incerti Auctoris Tractatus de Erroribus Philosophorum. Siger , 1908, p. I ss. Ig Mandonnet,
Siger, p. 171.
In: Mandonnet,
maior felicidade atingível pelo homem. Esquecem-se a idela cristã de existência hum ana e o signi ficado cristão da vida e da orde m da sociedade.20 O p a th o s do intele ctua l intram undano independente irrompe aqui com a mesma veemência que o do indivíduo intramundano em João de Salisbúria, da
pperson a th o s alidade
histórica em Joaquim de Fiore, do cristão in
tram und ano em São Francisco, do governante intramu ndan o em F rederico II. No cam po das expressões literária s, temo s de acrescentar o elogio da inteli gência autôn om a po r Boécio aos elogios an teriores das criatura s e do im perad or. Com os av erroístas regressa o padrão dialético da sustentação mútua da existê ncia fi losófica e do conteúd o d a doutrin a, já observado em Joaquim de Fiore: a existênci a intelectual iman ente é parte da estru tura im anente do m undo como re velada pela at ivida de intel ectual intramund ana.
d. A unidade intramundana da espécie A conc epção intram undan a de hom em r equer um a ide ia de humanidade contrária à concepção transcendental cris tã. A ideia da humanidade como o corpo místico de Cristo é substituída pela ideia da espécie humana como unidade coletiva que existe pelo processo de geração desde a eterni dade.212Nenhuma alma individual dá forma ao corpo, mas o intelecto
uno in numero
opera sobre os seres humanos.”
De Summo Bono sive de Vita Philosophi. Edição em inglím On the Supre me Good, On the Etemity ofthe World, On Dreams.Trad. John P,
20 Boethius o f Dacia,
Wippel. Mediaeval Studies in Translation, vol. 30. Toronto, Pontificai Institute o f Mediaeval Stu dies; Leiden, Brill , 198 7.
De Aetemitate Mundi. In: Mandonnet, Siger, 1908, p. 132 ss. Nov a edição: Quaestiones intertium De anima. Ed. Bazán. Edição em inglês: Saint Thomas Aquinas, Siger de Brabant, and Saint Bonaventure, On the Etemity ofthe World (De aetemitate mundi). Trad. Cyrill Vollert, Lottic H. 21 Siger de Brabant,
Kendirsk i e Pau l M . Byme . Mediaeva l Philosophical T e n s in Trans latio n, vol, 16. Milwaukee, Marquette University Press, 1964.
QuaesHones de anima,
22 Siger de Brabant,
ghen repudiou a identificação, feita em 1931, de Sigêrio de Brabante como o
autor de poitcrlor, nesin librosAristo telis De III, 7numa intituladaQuaestio In: Trois Com * Un Comm entaire Simi-averroi ste anima, du Traité deÂme. l‘ edição
mentaires Anonymes sur leTraité deAmr ’l d'Aristote. Philuiophes
2 2 4 1H ist óri adasIdci asPol íticns - IdadeM édli at éIbm d i dcA quí no
médiêvuux 11.
Esse pressuposto metafís ico da exist ência coletiva da hu m a nidade, tanto biológica quanto intelectualmente, marca a primeira aparição das divindades intramundanas ocidentais para as quais Hegel encontrou a fórmula clássica do “Espírito Objetivo”.23 Com Sigério, o intelecto objetivo é ainda a alma da hum anidade; no curso da posterior fra gmentaçã o ociden tal da hum anidade, veremos a ascens ão de um a plurali dade de almas coletivas nas unidades nacionais (o Volhgeist ), em grupos particulares determinados racialmente, e classes so ciais funcionalm ente determ inadas. Há também tendências re conhecíveis para um a ordem hie rárquica da coletividade, diferenciando os homens conforme o grau de participação no intelecto objetivo. Em Averróis, Si gério e Boécio, observamos a tendência a tra tar o hom em não filosófico como um tipo inferior e a co mpará-lo aos animais; essa atitude n asce logo que se ab ando na a vis ão cristã da dig nidad e espiritual de todo s os homens. A ideia elitista na o bra de Sigério confina-se à esfera intelectual da vita philosophiy mas a ideia liberal do homem educado como um tipo social vilis homo> já superior ao homem comum sem educação, o está presente. As implica ções burguesas são óbvias, porq ue ó ideal da vida intelectual se liga à ideia de que o homem com substância é moralmente superior ao homem pobre.24É já um esboço de que prop rieda de e instrução são as duas qu alidades que conferem prestígio e distinção à sociedade burg uesa libe ral. Na evolução da sociedade ocidental, a construção elitista
Louvaín, Publications Universitaires, 1971, p. 121-348. Nenhum outro autor foi identificad o desde então. Ver nota 30 adiante.] 23 A teoria de Sigério do inte lec to uno in numero é tecnicamente chamada de 1“monopsiquismo”. Evitei o termo no texto porque pode dar uma impressão incorreta. A teoria de Sigério concerne quer ao corpo quer à mente. É um exemplo de “monossomatismo” e “monopsiquismo”. A concentração termi nológica no aspecto intelectual com frequência impede a plena compreensão do averroís mo latino. [O problema filosófico do m onopsiquism o é investig ado detalhadamente por Philip Merlan, Monopsychism, Mysticism, Metaconscious-
ness: Problems ofthe Soul in the Neo-Aris totelian an d Neo-PlatonicTradition. The Ha^ue, Nijhoff, 1963.]
MEtienne, Propositions, n. 212: “Quodpauper bonis fortunae non potestbene
agere in moralibus
será transferida para as entidades coletivas particulares do tipo nacio nal, racial e de class e.
e. A ética u til itária A teoria geral intramundana da sociedade realiza-se no campo da ética. A ideia de humanidade como uma espécie que existe através da passagem das gerações conduz a uma nova moralidade sexual. A partir das P ropositions C ondamnées [Proposições Condenadas], podemos deduzir que os averroístas sustentavam que: a fruição do ato sexual não danifica o uso do intelecto (n. 207); a continência não é es sencialmente uma virtude (n. 208); a abstinência perfeita corrompe a virtude e a espécie (n. 210); e as relações sexuais pré-maritais não são pecaminosas (n. 205). Seria um erro interpretar essas fórmulas como expressão de libertinismo ou de moralidade sexual lassa. A humanidade, como vimos, é uma unidade coletiva, tanto biológica quanto intelectual mente. Torna-se essencial, portanto, harmonizar ambas as esferas no reino da ação. As regras que regem as relações se xuais não podem ser julgadas pelos padrões da moralidade crist ã, mas têm de ser com preendidas no contexto sistemáti co da nova teoria social. Em sua interpretação do R o m a n de la Ro se , Gorce form ulou a ideia de q ue o elogio da Aleg ria não indica u ma “laicização”; pelo co ntrár io, é a esfera de relaçõ es sexuais que se torna “teologizada”. O ato procriador assume sua fun ção numa meta física intram und ana da hum anidade.” É necessário interpretar corretamente este problema para compreen der a re gra geral que rege as boas e as más ações. Um ato hu mano é bom se for orien tado para o bem da espécie.2526 25 Além da já citada monografia de Gorce{Roman), ver Jan Huizinga,
The Waning ofthe Middle Ages: A Study ofthe Forms ofLife, Theory and An in France and Trad. Frederik Jan Hopm an. in theNetherlands in theXIVth andXVth Centuries. Londres, Arnold, 1 927. Reedição: Harmondsworth e Baltimore , P enguin, 1976, particularmente cap. 8, “LovéFormalized”. O
Roman é uma obra extremamente i
complexa, e a interpretação dé Gorce, embora isole o problema principal, que
importante em nosso contexto! de maneira alguma o esguia. 26Sigerde Brabant, Impossihilia. In: Mundomirl, Sigtt, I *#(>H , p. H7.
2 2 6 1H ist ór iadasI déi as Pol ítica s- Idade M ódi a sl ó' M deA quí no
As regras especiais citadas acima são aplicações desta regra básica. O ato não é bom por sua natureza, nem pela referência a parte s e xtra-hu man as d o univer so, mas exclu sivamente pela referênci a à comunidade hu ma na, de man eira que, como con sequência do ato,“os homens possam viver bem”. Há aqui a su gestão de um cálculo social do bem e do mal; par a Sigério, um ato pode ter consequências más para um grupo de homens; todavia, terá que ser julgado como bom se o mal parcial for feito no interesse de tod a a comunidade civil ( civitas ).27A ética utili tária , que toma o bem -estar do grup o como axioma prin cipal, tem raízes no coletivismo averroísta. Essa estrita construção imanentista do mundo é incompa tível com a ideia de um ato cr iador divino inic ial e com a inter venção divina posterior. O mundo existe desde a eternidade, e sua existên cia no temp o é governada pelas leis da su a estru tura inte rna fixa. A ideia cristã da história é substitu ída pela ideia babilônico-helênica do eterno retomo. A espécie retoma aos primórdios e prepara-se para um novo ciclo idêntico. Regressam as mesmas “opiniões, leis e religiões”, embora os ciçlos ante riores não sejam recordados po r causa da-dist ância temporal a que e stão.28Dem pf observou correta mente que existe um a nova situação social por trás dessa nova atitude perante a história. Não reflete o otimismo espiritual da comunidade monástica, nem a vitalidade revolucioná ria e antifeudal das comun as ur ba nas, n em o ind ividualismo espiritual de São Francisco; reflete a submissão do súdito n a m onarq uia absoluta que v ê o processo do p oder na história passar po r cima de s i sem qualquer inter venção ativa .29^ atitude floresceu em Paris, e não entre os patareno s de Milão, nem na Ú mbria ou n a Calábria. Para além desta visão, entretanto, não é fácil determinar o significado preciso da teoria de Sigério; os elementos são
27 Ibidem, p. 86; como exemplo de um grupo que podia sofrer males Sigério
panifices [padeiros; cf. adiante, p. 231]; seria interessante saber se ele estaria disposto a usar os philosophi como exempl o. menciona os
28 Sigef de Brabant, De aet., p. 139 ss. 29 Dempf, Sacrum, p. 345 . "
não determina de modo inequívoco um fenômeno intelectual. Se uma atitude demasiado escassos. Uma situação social
In-
telectual se encaixa num a situação social, podem os falar de uma
menos que a atitu de seja escolhida deliberada mente por razões oportu* coincidência funcional, mas não de um efeito causai, a
nistas. U ma teo ria social que não se fun dam enta na esfera cria* tiva do governo, mas n a esfera dos objetos pass ivos da ação
go*
vemamental, certamente corresponde à posição de um sujeito nu ma m ona rquia absoluta. A vida contemplativa do mistici smo
apolí* o místico viva em m onar quia absoluta ou
intelectual, po r outro lado, sempre tende rá a uma atitude tica e a-histórica, quer
não. O misticismo intelectual, ademais, é um pilar apropriado para a vida não só num a monarquia absoluta, mas mesmo
n os
períodos de desintegração política, como o presente. Portanto, preferimos distinguir entre a coincidência funcional do intelectualismo averroísta com a ascensão da mo narq uia absoluta, os elementos tradicionais resultantes d a posição da fa yla sü fc o ele mento ocidental do intelectualismo intramundano como uma nova força que qu ebra o
corpus m ystic um
.30
[A recente publicação de textos adicionais de pensadores aristotélicos do século XIII tornou os acadêmicos mais cautelosos quanto a toda a questão do avcrroís» mo latino. Parece, hoje, que o averroísmo latino foi muito mais um espantalho do que até agora se supôs, construído pelos teólogos das ordens mendicantes con trários ao estudo de Aristóteles fora das faculdades de teologia. Muitos dérigoi regulares ensinaram Aristóteles nas faculdades de artes liberais, usando as obscu ridades e contradições da obra do estagirita para exercícios nos cursos de retóri ca e dialética. Consideraram mais importante o esclarecimento dos argumentai aristotélicos nestes cursos do que a explicação de sua conformidade ou làlta de conformidade com a doutrina cristã, problema que deixaram para os teólogos. Foi precisamente contra essa relativa desatenção à doutrina cristã por parte dos professores regulares nas artes liberais que os professores mendicantes de teologia montaram os seus ataques. Sem surpresa, os professores de artes co meçaram a tratar as questões teológicas e produziram tratados cada vez mais sofisticados, em particular sobre a questão da alegada incompatibilidade entre Aristóteles e as doutrinas de salvação pessoal no reino dos céus e da criação do mundo por Deus. Procedendo assim, extravasaram do seu mandato de ensino das artes liberais e intrometeram-se na teolo gia. Inevitavelmente, as conclusões dos professores de artes pareceram menos autorizadas do que as dos teólogúg, mesmo que fossem mais sutis e sofisticadas. Tendo em vista esta rivalidade institucional entre professores de teologia e de ar tes, não surpreende que estes tenham sido censurados em 1270 c 1277, tal ramo
men cion ado por Voegelin. Foi entfio, na década de 127 0, quand o os acusações # contra-acusações circulavam em Paris, que a Inquisição real começou a investigar
2 2 8 1H ist óri adasIdci aiPol íticos - IdadeM édii stêI b m áideA qui no
membros da faculdade das artes na Sorbonne, incluindo o proeminente Sigério de Brabante, que acabara de escrever o
Uber de Causis(cerca
de 1274-1276).
Neste tratado sobre os conceitos de alma imortal e natureza criada, Sigério res ponde com cuidado ao seu principal antagonista intelectual, Tomás de Aquino, e, naturalmente, procura refutar as acusações da Inquisição contra ele. O tratado só foi redescoberto em 1966 (Antoine Dondaine e Louis-Jacques Bataillon, “Le Manuscrit Vindo b. Lat. 2 33 0 e t Siger de Brabant e”. Archivum Fra-
trum Praedkatorum. v. 36, 1966, p. 133-215) e só ficou disponível em
edição
a partir de 19 72 (Siger de Braban t, “Les Quaestiones super librum D e Causis”. Ed. Anto nio Merlasca .
PhilosophesMédiévaux, Louvain e P aris, D e Vrin, vol.
12,
1972). Não restam dúvidas de que, no decurso da sua carreira docente, Sigério alcançou um c onhe cim ento considerável a respeito das limitações do pensamen to d e Aristóteles e Aver róis. Embora Sigério não partilhe as soluções teológicas de Tomás de Aquino para os problemas da alma e da natureza, admite, não obstante, que a obra de Aristóteles e de Averróis não são coerentes o bastante para permitir soluções filosóficas unívocas favoráveis ou contrárias à doutrina religiosa. Averróis é, inclusive, descrito com o irracional e herético. C onseque n temente, tal como sugerido recentemente por Richard C. Dales, não há razão para duvidar da sinceridade da perspectiva do próprio Sigério de que “devemos piedosa e firmemente, e sem mais investigação adicional, acreditar que a explica ção repousa na autoridade da fé cristã” ( The Problem
ofthe Rational Soul in the
Leiden, Brill, 1995, p. 176-77,192-202). Thirteenth Century. Sigério admite a convergência talvez de modo mais aberto do que Boécio de Dácia, o outro suposto averroísta latino discutido por Voegelin. Não obstante, apesar de partilhar de um a posição for temente antitomista, Boéc io também nega expressamente a validade da filosofia fora de sua própria ,psfera. Esta negação emerge num manuscrito de 1270-1273, que também foi redescoberto recente mente, em 1971. Dales apresenta fortes razões para Boécio ser o seu provável au tor (p. 154 -59 ). Ver “U n C omme ntaire Averroiste sur les Livres I et II du Traité de l’Ame”. Oxford, Merton College 275, p. 108-21. Ed. Maurice Giele. In: Philosophes TroisCommentaires Anonymes.
medievaux, vol. 12. Louvain, Pu-
blications Universitaires, 1971. De acordo com registros dominicanos, Boécio junt ou-s e à orde m e m algum mo me nto depois de 12 73. Ver B oeth ius o f Dacia, De Mundi Aeternitate. Ed. Un Traité Récemment Découvert de Bo iice de Dacie: Géza Sajó. Budapeste, Akadémiai Kiadó , 1954 , p. 18-19. Embora qualquer cristão interessado na exploração da natureza necessariamen te tenha de ter interesses “intramundanos”, quase não se justifica a conclusão de que Sigério de Bfabante e Boécio de Dácia são os primeiros a dar uma ide ia - no sécul o XII I - de um intelect ual se cular moderno imbuído d e vi sõe s utilitárias. Parece a ntes que os d evem os considerar, mais cautelosamente, c omo os primeiros representantes de uma comunidade escolar sofisticada numa civi lização cristã, rumo a uma aculturação ao nível da civilização islâmica. Nessa civilização , a gama de tipos humanos é obviamente mu ito mais la rga e inclui os pensadores desejosos de suplementar a rigidez intelectual da doutrina religiosa com a especulação filosófica ou mística. Se a sua ânsia for
de bona fide, não há
razão para hoje pensarmos de outra maneira. Mesmo Averróis (apesar das observações depreciativas de Sigério, que, em re trospectiva, têm que ser descritas como mal-infbrmadas) pode ser visto como partilhando da mesma
bonafides.Por exemplo,
Averróis nunca viu contra dição
entre ser d juiz princ ipal de Córdo va e realizar os seus três famosos c omentários de Arist ótele s - longo, médio e curto - por encomenda dos cal ifàs almóadas.
f . A e s tr u tu r a d a h istó ria im a n e n te Há outros pontos a serem considerados. Dempf salicnlti o paralelo entre a causalidade imanente dos ciclos eternos c o padrão rígido da história em Joaquim de Fiore. Em am bos os casos, o curso da hist ória é governad o po r um a lei inexorável, seja qual for a ação individual. A comparação é boa e, paro dar-lhe mais precisão, deve ser ligada à filosofia da história que, em ambos os casos, tem a função de dar significado à existência intramundana do pensador. Fiore toma parte ati va no processo da história ao assumir o importante papel dc profeta do Terceiro Reino; Sigério de Brabante retira-se do processo histórico para a esfera a-histórica de um a estrutura geral sem a qualidad e da singularidad e históric a.
g. O a tiv is m o ético A posição de Sigério é a-histórica, mas não é desprovida de ativismo. Já assinalamos o elemento de cálculo social na ética utilitá ria. Sigério pos sui u m a escala de valores e sabe o Claro, ele também teve problemas com os literalistas doutrinários que o dr nunciaram fortemente. Mas, tal como Sigério e Boécio, ele estava disposto * admitir as limitações da filosofia. É difícil, portanto, sustentar a verdade rece* bida de que ele foi o srcinador da infame teoria da dupla verdade que leva o seu nome. A respeito da afirmação de Averróis sobre a primazia da rcvelnçAo veja o seu Al-Kashf'an manãhij al-adillafi'aqã’id al-milla (Exposição da provti a respeito das crenças da comunidade; tradução parcial em George F. Houranl, The Harmony ofReligion and Philosophy.Londres, Luzac, 1961; reeditado ent 1977). Esta obra não estava disponível aos cristãos ocidentais do século XIII. Assim, a bona fides de Averróis, tal c om o a de Sigéri o e d e B oéc io, ainda cmAn A espera de maior reconhecimento pelos eruditos. De acordo co m o nosso conhe cim ento atual do debate no século XI II o respeito da alma e da natureza, não há uma única obra na civilização islâmica ou trUlA que endosse sequer uma pequena pa rte das teses condenadas em 1270 c 12 /7 Portanto, se de fato nenhum verdadeiro averroísta latino acredita numa (lll|ili) verdade, p odem -se extrair duas concl usões que mo dificam o retrato traçado por Voegelin no início da década de 1940. (1) Conflitos a respeito das muita* een* clusões ambíguas ou contraditórias de Averróis e de Aristóteles eram inevitá veis, dada a organização institucional específica das faculdades de Parla e tniítM universidades (teólogos versusprofessores de artes liberais, monges mendlcátlüü versuso clero regular). (2),No decurso de cerca de cinquenta ano* de debaifi ocorreu uma convergência! gradual de perspectivas, em que *c concordou t|Uf
Aristóteles e Averróis não eram os exemplo* dc clareza que alguns talvez. «spr rassem e que a fé era indispensável.)
2 3 0 1H ist óri adasIdéi asPol íticas-IdadeM
édi aat éIb m íi deA quüio
que deve ser feito na comunidade. Sabe, por exemplo, que regulamentar um negócio de padaria é justificável se isso ser vir para o bem-estar da com
unidade co mo um todo, ain
da que prejudique os inter esses dos proprietários. Essa
ten
dência intervencionista aparece frequentemente vinculada a uma atitude intelectual segura de seus valores, mas cega para a estrutu ra histó rica da vida hum ana e social. Pode mos dizer que, na posição de Sigério, o intelecto ocidental, a-históri co e eticamente ativo anuncia
sua pretensão de va
lidade objetiva e o direito de distinguir entre o bem e o mal social, sem con sideração pelos valores históricos. Podem
os
discernir as raízes da atitude que mais tarde se ramificará em duas; de um lado, a reform a social; do outro, a pron tidão devastadora dos intel ectuais para organizar o m undo - uma pro ntidão qu e é hoje considerad a con stru tiva .31
§ 4 . P obre z a a. 0 ideal de pobreza 0 confronto entre os artistas e as ordens mendicantes sobre o aristotelismo articula- se com outro conf ronto, tam bém ama r go, sobre o ideal da p erfeição cristã, em p arti cula r o problema da pobreza. A ideia franciscana de u ma v ida em conformida de com Cristo sofria de um a dificuldade inerent e: os conselh os evangélicos só têm pleno sentido num ambiente de expecta tivas escatológicas; seu significado secundário, de princípios orientadores da vida de uma elite cristã, era postulado como absolutos da vida in tram und ana p ara todos os crist ãos. Na vida cotidiana, entretanto, a pobreza escatológica pode facilmente parecer com vadiagem e pedintaria, um problema que já pre ocupava São Pau lo. Era inevitável qu e a questão fosse bran did a contra as ordens mendicantes assim que surgiu uma oportu nidade. As ordens mendicantes tinham atacado demasiados
1
11 [Vogeiin está se referind o ao ativism o liberal, naziíàscist a e comun ista de meados do século XX.]
interesses instalado s: dos bispos, através das isenções pap ais da jurisdição diocesana; dos párocos, que viam o interesse dos paroquian os desviado par a os frades peregrinos; do clero intelec tual secular, porque as cátedras de ensino desses mendicantes em Paris atraíam os estudan tes que, do utra m aneira, teriam ido aos artista s. A luta resultante, qu ando emergiu de f orma a berta na literatura, produziu um padrão intrincado de problemas que saltam de u m ponto d e ataqu e favorável ao seguinte. Se leciona mos alguns dos tratad os pro emin entes deste con fronto.
b. Gerardo de Borgo San Donino - OEvangelium Aeternum A ocasião formal de confronto surgiu com a publicação do
E vangelium A ete rn um
de Gerardo de Borgo San Donino, um
membro do círculo de João de Parma, prior da ordem franciscana em 1247-1257.0
E vangelium A etern u m
deveria con
sistir das três principais obras de Joaquim de Fiore com um
Introducto riu s
de Gerardo. O
lntroductorius
e o primeiro livro
foram publicados em 1254. Em 1255, uma comissão inquisitorial tratou da publicação; as poucas sentenças condenadas presentes no relatório da comissão são tudo o que possuímos da obra.32 O E vangelium assumia que as profecias de Joaquim tinham sido cumpridas com a vinda de São Domingos e São Francisco. Os dois santos e Joaquim são os três iniciadores do Térceiro Reino. A ordem franciscana é a realidade do novo rei no. A dificuldade de um paralelo entre São Francisco e Cristo foi evitada pela interpretação de que o santo era apenas um dos doze companheiros que fundaram a ordem, o que impe dia a divinização de São Francisco. Mas a ord em deveria ser o novo
corpus m ysticu m , seguindo, como terceira ordo , às duas
anterior es - dos clérigos e dos leigos. Com o cum prim ento d a profecia, os escritos de Joaquim transformaram -se em escritos canônicos d o novo reino, o
evangeli um aeternu m
final.
32 Heinrich Denifle, “Das Evangelium aeternum und dic Commission zu Armg-
ni”. Archivjur
Literatur- und Kirchengeschiehte I.
18 8 V p. 99-1 02 . Ilecdíçfln do
periódico: Graz, Akademischc Dmck- und Vnlrt|t»un»iull. I9 SV I9 % ,
2 3 2 1 H ist óri adasIdéi asPolí ticas- IdadeM édi a
t\i'M
d eAq u in o
c, Guilherme de S. Amour - A ética do trabalho
A obra expôs a ordem frandscana aos ataques do dero secular contra a pretensão do E va ng eliu m de monopoli zar a cristandade verdadeira para um grupo de espirituais. Em 1256, apareceu o tratado de Guilherme de S. Amour, De P ericulis N o vissim oru m T em po ru m . A parte relevante para o nosso problema é o capítulo 12, que contém o ataque contra o ideal de pobreza. De acordo com Guilherme, a mend icância condu z à Hsonja, maledicência, me ntira e roubo. O conselho evangélico de tudo deixar par a seguir Cris to e imitá-lo em sua boa obra significa bom trabalho , mas não m endicância, que é proibida expressamente por São Paulo.33 À questão de como um homem viverá após se despojar de tudo, responde que deve trabalhar com as suas mãos ou en tra r para um mosteir o. A sug estão tem outro alv o: eliminar da profissão docente em Paris os teólogos mendicantes (Alberto, Tomás, Boaventura, etc. ) e pô-los para c uidar da te rra e lavar pratos nos conventos. Este ataque é característico da pervasividade do novo ethos d a vida intramu ndan a. Teologicamente, o argumento de Guilherme é muito fraco porque o conselho da pobreza pertence, junta mente com os de castidade e o be diência, aos conselhos (não mandamentos) para a vida cris tã perfeita, que tem sua validade como a vida da elite cristã. Esta refutação foi feita p or Santo Tomás34e São Boav entura.35 A fraqueza teológica do argumento, que Guilherme decerto não desconhec ia, não o im pediu de considerar o ethos do tra balho como o elemento relevante da pobreza evangélica. 33 William o f Saint Amour baum,
Bettelorden, p.
(De Periculis NovissimorumTemporu m. In:
Bier-
28 -30 ) apresent a uma gran de coleção de citações so bre o
tema “trabalho” tiradas das Epístolas de São Paulo. 34 S. Th om as A qui nas,
ra Omnia,vol
Contra Impug nantes DeiCultumet Religio nem.In: Ope-
15. Parma, Fiaccadori, 1852-1873. Edições recentes: Vernon
Joseph Bourke, 25 vols. Nova York, Musurgi Publishers, 1948; e Stanislaus E. Frette e Paul Mare, 35 vols. Roma, Commissio Leonina; Paris, Librairie Philosophiquejean Vrin, 1982.
35 S. Boaventura, Quaestiones Disputatae de Perfectione Evangélica. BoOmnia,vol. 5 (Ad Claras Aquas [Quaracchi]: Ex Typographia CollegiiIn:S. Opera naventura; 1901), p. 117-98.
d. Bertrand de Bayonne - A hierarquia espiritual Se excetuarmos as duas figuras proeminentes do período, Santo Tomás de Aquino e S ão Boave ntura, os autores que p ar ticiparam da discussão parecem agir sob o impulso de sub verter cada tópico numa direção intramundana. Gerardo de Borgo San Donino desviou a inter pretação da ord em franciscana para um
corpus mysticum
intramund ano, compost o pe
los espirit uais. G uilher me de S. Amour tr ansfo rm ou a pobreza evangélica num a ética do trabalho . O ffancis cano Bertrand de Bayonne, ao responder a Guilherme, mostrou-se um teólogo conservad or na questão da pobreza, mas, a fim de justificar a s funções de estu do e pregação da su a ord em e m cerca de 12561257, ele desenvol veu um a teoria intra m un da na d a hierarquia eclesiástica e do p apado.36 0 poder papal de conferir os privilégios de pregar sem perm issão do prelado é fundado no poder legislador discri cionário e na sua liberdade divina
(li bertas divina )
mediante
as quais pode derrogar as decisões dos Concflios e Decretos e criar precedentes novos. A noção de poder papal ilimitado deriva de u m a concepção nova da hierarqu ia eclesiá stica que abole a distinção entre os poderes carismáticos que emanam de Cri sto e a função puram ente ad ministrativa do papado.
0
instrum ento teórico usado por Bernar do é retirado dos trata dos pseudodionisíacos sobre as hierarquias celestiais e ecle siásticas admitidas na escola de São Vítor em Paris e agora aplicadas pela primeira vez à solução de problemas institu cionais.37A hie rarq uia eclesiástica é u m análogo d a h ierar quia dos anjos. A “influência da virt ude” em ana d o topo d a h ierar quia
(prima persona in hierarchia)
para as ordens e pessoas
36 Bertrand de Bayonne, Manus, que Contra Omnipotentem baum, Bettelorden, p. 37-168.
Tenditur. In:
Blcr-
37 Pseudo-Dionysius Âreopagita, De CoeUsti Hierarchia. In: Migne, PC, vol. 3, p. 177 ss; De Ecclesisaitica Hierarchia. In: Migne, PC, vol. 3, p. 371 ss. Sobre oi doi s tratados, ver tarribém Des heiligen Dionysius Âreopagita angebliche Schrifttn
Trad. Joseph Stiglmoyr. Bibliothck der Kirchetv überdie Hierarchien. vãter, vol.beiden 2. Kempten e Munique, Joseph Kflscl, 1911. lullçflo em inglês; In: Trad. Colm l.uibheitl, Novw York. Pnulist Pré»*, I9H7. The Complete Works.
2 3 4 1H ist óri adoaIdei
aiPol ítlca -IdadeM
édi a t éU m iás deA quino
inferiores; a hierarqu ia culm ina em Deus, o hierarca supremo, de quem a substância da luz divina de sce par a a prim eira pes soa da h iera rqu ia.38Na igreja, o pa pa é um hierarcha homoyo vir divinus in D eo manens, de quem os poderes eman am e são distribuídos aos mem bros da ecclesia. A importância desta concepção dificilmente poderá ser hiper estim ada. A ideia cristã pluralista dos charismatadados por Deus aos homens, de maneira que dos resultados da dis tribuição divina resulta o corpus mysticum articulado da hu manid ade cristã, não é expressam ente abolida, ma s é afastada da ribalta pela idei a do p ode r luminoso divino que desce atra vés dos graus da hierarquia, torn ando os poderes de cada grau dependentes da hierarquia na “influência” que vai descendo para o grau seguinte. A hierarquia engoliu a comunidade; o termo ecclesia, que src inalmente signif icava a comu nidade, praticamente mudou de significado para hierarquia. Sigério apresentou u ma interpretação naturalista da socied ade intramundana; Bertrand está dando uma interpretação supranaturalista da sociedade não menos intramundana. A evocação de Bertrand constitui uma comunidade fechada, organizada como uma pirâmide, com a substância do poder fluindo do topo para a base. É um a teoria da substância da comunidade espiritual fech ada; mas, em princípio, apresenta o padrão que pode ser transferido para a comunidade política fechada do estado, com a substância do poder descendo do príncipe, pas sand o pelos graus da hierarq uia buro crática e chegando até o povo, como veremos n a evocação de Bodin. Em ambos os casos, a construção bem-sucedida da ideia hierárquica resulta de influências mediterrânicas orientais: no caso de Bertrand, das concepções pseudodionisíacas que vêm do ambiente monofisista; no caso de Bodin, das idéias hierárquicas transm itidas do heleni smo neoplatôni co via mu çulmano s e Maimô nides. No amb iente ocidenta l, entretan to, a hiera rqu ia não é absoluta como no Orient e; serve antes como
38 Está citação e a seguinte foram retiradas de Bertrand de Bayonne. In: Bierbaum, Bettelorden, cap. 17, p. 151-55.
o veículo para os movimentos dos análogos da liberdade: no campo do poder espiritual, para o movimento que vai do in dividualismo espiritual dos séculos XII e XIII até “a liberdade divina” do pap a e de volta pa ra a liberdade do
Christenmensch
[Cristo Homem] na Reforma; no campo do poder temporal, para o movimento que parte do individualismo revolucio nário de João de Salisbúria e das comunas urbanas até à li berdade do príncipe absoluto independente e de volta para a liberdade do indivíduo democrático. Em ambos os casos, o pêndulo parece balanç ar no sentido de um a nova hierarquia espiritual-temporal nas
comunidades tota litár ias.
No tra tado de Bertrand, a teoria da hierarquia parece ser vir para a justificação das ordens mendicantes, do seu ideal de pobreza e dos seus privilégios de estud ar, ens inar e pregar. O ho m o
hierarcha , o papa do qual todos os poderes emanam,
tem o direito e o dever de conceder privilégios, rompendo com a ordem regular, se assim julgar necessário para a saúde espirit ual da com unidade. 0 caráter incidental da te oria não diminui a importância desta; ao contrário, revela uma carac terística distintiva da situação intelectual. Na forma, a teoria de Bertrand é um a teoria da com unidade cristã e do papad o; na substânc ia, é a ide ologia de um partido . Usamo s a pala vra
ideologia po r falt a de um term o melhor ; neste conte xto, pre tende indicar u ma teoria política que sej a um a teoria gera l da sociedade, como neste exemplo da teoria geral da estrutura da comunidade espiritual cristã; nessas circunstâncias, tem a funç ão de trabalh ar pela vantagem políti ca de um g rupo p ar ticular da comunidade maior e negligenciar o equilíbrio de forças na comunidade.
e. Gerarão de Abbeville - A autoridade episcopal O caráte r particularístico e ideológico da teoria de Bertrand conduziu às Excepfrowes de Gerardo de Abbeville.39A construção
lncipiunt exceptiones contra libram qui incipit: Martin, que contra omnipotentem In: etc.Bicrbiuim, fíeltelorden, p. 169-207. 39 Gérard o f Abbevi lle,
2 3 6 1H ist óri ad u Id éi asPol íticas - IdadeM édi aitlI bm tfi deA qui no
hierá rquic a é criticada devido aos defeitos óbvios . O po der ili mitado do pap a destru iría a organi zação prelatí cia da Igreja e perturbaria o sta tu m
to tius ecclesiae. Os prelados recebem seu
po der não de um homem, mas de Cristo, o Senhor (p. 200). O espírito não desceu apenas sobre Pedro, m as sobre todos os que estavam reu nidos no P entecost es (p. 202 ). Assim, o poder dos graus inferiores não deriva completamente do papa,
“mas,
antes , de Cristo, o cabeça de toda a Igreja”. D e outro modo, os poderes da hierarquia iriam perecer quando o papa morresse (p. 203). O papa pode visitar ou p regar em toda a parte, seja pessoalm ente seja através dos seus delegados, m as “não deve pôr a foice em seara alheia”. A jurisdição episcopal não deriva apenas do direito canônic o, ma s da ordenação de Deus e dos apóstolo s (p. 204). A terceira epístola d e Clemente é ci tada: cle ro e povo devem obediência aos bispos, ou serão expulsos do Reino de Deus. Quem resiste à autoridade dos bispos, resiste ao Redentor de quem são embaixadores (p. 205). A indepen dência protestante dos
Tratados de York
alcançou um novo
patam ar de precisão. A crítica de Gerardo é um a afirmação definitiva da auto ridade episco pal em matérias jurisdicionais contra as reivindicações papais exageradas; é um prelúdio aos movim entos Galicano e Conci liar dos séculos seguintes. A ati vidade particularista de um g rupo provoca o particulari smo do outro. O
sacrum im p eriu m desapareceu inteiramente dessas
controvérsi as. Os distúrbios do sistema de po der já não se re ferem às relaçõ es entre os poderes espiritual e t emporal, mas são esforços jurisdicionais dentro do
status ecclesiaey tendo a
palavra sta tu yo significado da organização mo der na de Estado.
$ 5 .C o nc l usã o-A sb as e s do
Uma palavra final deve ser dita a fim de evitar mal-en ten
didos. Esse s confron tos sobre aristotelismo e pobreza podem criar k impressão de que o sa crum im p eriu m pertence ao
passado e qu e até a Cristandade está à míngua. Nada disso. Como Gorce demonstrou, Sigério de Brabante era heterodoxo, mas não um renegado. A evocação da hierarquia espiritual de B ertrand é incompatível com a ideia crist ã de poderes espirit uais que descem de Cri sto sobre os m embros da com unidade, mas B ertrand era tão cristão quan to São Francisco, embora transform asse radicalmente a imagem de Cristo. Todavia, o processo de desintegração da crista
nda de imperial medieval
estava em curso; a s forças intr am un da nas de pessoas e grupos particulares rompiam cada vez mais profun da e inten samen te a velha evocação. 0 período ent re a Controvérsia das Investiduras e Santo Tomás é medieval, mas assentou a base para o tipo de pensamento a que costumamos chamar de moderno. O Renascimento político do século XIV é incompreensível a meno s que conheçamos as suas raízes nos dois grandes séculos revolucionári os que o precedem .
23B | H ist óri a das Idelai
Polí ticas - Idade M
édi a até Ibm ás de A quino
4
*
12. S anto T omás d e A quino Sic enim est dispositio rerum in veritate, sicut in esse. Santo Tomás,
C ontra Gentiles
§1 . H is t óri a a. V erdad e e Ser
A obr a de Santo Tom ás de Aquino (1225-1 274) absorve u-o literalmente - mo rreu exausto antes de completar 50 anos - e absorveu-o existencialmente, porque foi a expressão de uma vida a serviço da investigação e ordenamento dos problemas da sua época. Afirmar que ele foi um grande pensador siste mático é uma meia-verdade. Ele tinha uma mente excepcio nalm ente or denado ra e sabia aplic ar ess a men te à m ultiplici dade de materiais que entravam em sua órbita devido a uma personalidade que se destaca pela receptividade sensorial, grandeza de alma, energia intelectual e sublimidade de es pírito. A vontade de ordenamento, sozinha, podería ter pro duzido um sistema mais admirável por sua coerência do que pela captação da realidade. A extraordinária receptividade às coisas do mu nd o pod ería ter srcinado u ma encic lopédia. Mas as duas facul dades comb inaram-se par a criar um sistema que
àsrínala o impulso dinâmico âe Deus para o mundo, através
da causalidade criadora, e do mundo para Deus, através do
desiderium naturale.
A srcem desta combinação deve-se ao
sentim ento que fez de Tomás um santo: a expe riênci a da ide n tidade en tre a verdade de Deu s e a real idade do m undo . “A ordem das coisas na Verdade é a ordem das coisas no Ser.” Esta frase da Su m m a Cont ra Gent iles significa, do ponto de vista ontoló gico, que o intelecto divino, como causa prim ei ra do universo, está impresso na estru tura do m undo. Do pon to de vista metodológico, sig nifica que a descrição ord ena da do mu ndo resultará nu m sistema que descre ve a verdade de De us. Do ponto de vista prático, isso que r dizer que todo s os seres , e o homem em particular, têm sua
ratio, seu sen tido , na hie rar
quia da criação divina e encontra a realização de sua existên cia ord ena ndo -se ao fim último, isto é, Deus. A afirmação não deve ser entendida apenas de m odo genér ico, mas também se aplica ao hom em individual, e em p artic ular ao pró prio Tomás de Aquino . Ontologicamente, o seu intelecto detém a m arca do intelecto divino; metodologicamente, o uso do intelecto revela a verdade de Deu s m anifestada no mu ndo; em term os prático s, a utilização do intelecto significa a orientação da mente para Deus. Quando Santo Tomás analisa a função do intelecto, a dis cussão de problemas teóric os fundam entais se tom a, portanto, um autorre trato intelectual do santo.
b. O intele ctu a l crist ão O mais elaborado desses autorretratos é apresentado nos capítulos de abe rtura da Su m m a C ont ra Gen tiles . Santo Tomás de Aquino concebe a filosofia como a arte de ordenar e gerir as coisas p ara um fim. Entre todas as artes, a filosofia é a mais alta porq ue contempl a a finalidade do universo, ou seja, Deus, e apresenta os conteúdos do mundo a Ele ordenados. Deus, a causa prim eira e destino final do m und o, é Intelecto. A finalida de da filosofia é, portanto, o bem do intelecto - que é a Verdade. No termo veritas fundim-se os significados d a verdade reve
lada da fé, a verdade da automanifestaçlo d e Deus na criação e a verdade que resulta do trabalho intelectual do filósofo que
2 4 2 1 H ist óri adasIdéi asPolí ticas- IdadeM édi aat éIbtn áideA qui no
rastreia as manifestações d o intelecto divino. A verdade de Deus se manifesta de três formas: a criação, a encarnação de Cristo (com referência a João 18,37) e o trabalho do intelecto hum ano na exposição, feita pelo filósofo, do princí pio primeiro do ser. O conceito de verdade é impor tant e como contraposição cris tã ao pa th os averroísta do intelectual. A autoridad e do intelecto não é de mod o algum questiona da; ante s, detém um a dignida de adici onal porque o intel ecto huma no é a ratio da existência hum ana , conforme criada p or Deus. Por meio de seu intele cto, o hom em fica mais pe rto de Deus e, na vida intelectual, e le se aproxima d a divindade n o sentido aristotélico do termo. Ma s o intelectual agora tem de enco ntrar seu lugar na sociedade cristã. Ele ainda sabe mais que o hom em comum, mas est e não é um vil is hom o. Para designar o homem comum, Santo Tomás usa o termo idiota, no qual não h á distinção entre o sentido de lei go cristão e le igo no saber, emb ora às vezes tam bém empregue rudis hom o. A distância entre o intele ctual e o leigo não se com para à distância entre homens e animais, mas, antes, à distância entre os anjos e os homens. Já se destacouxleyidamente que a distân cia dos anjos para os intelectuais é muito m aior do que a outra distância que, no fim das contas, pertence à variação da espécie huma na. Ademais, o hom em comum não é deixado sem conhecimen to. Aquilo que o filósofo conhece através da ativid a de do intelecto, o leigo conhece através d a revelação de Deus em Cristo. A manifestação sobren atural da Verdade em Cristo e sua manifesta ção natura l no intel ectual enquanto homem maduro ficam lado a lado. c. F é e razão
Essa justaposiçã o poderia levar ao c onflito entre fé e razão que ob servamo s n a o bra de Sigério. Santo Tomás evita-o me diante uma interpretação engenhosa. Fé e razão não podem estar em conflito porque o intelecto humano detém a marca do intele cto divino. É imposs ível que Deus seja culpado de e n
ganai o homem ao conduzi-kfpelo intelecto a resultados que contradizem a fé revelada. Segue-se que o intelecto humano,
12- Sant o I bm ásdeA qui no 1 2 4 3
em bora capaz de errar, ch egará a verdades aonde quer que vá. A fé revelada, entretanto, contém, além das verdades acessíveis ao intelecto natural, como a existência de Deus, outras verdade s, como o caráter trinitá rio da divindade, que sào inacessíveis à razão. A teoria é um princípio dinâm ico prim ordial. Ela separa a s esferas natural e sobrenatural da teologia. A parte sobrenatural é removida do debate intelectual e pertence à esfera da Revelação e das decisões dogmáticas d a Igreja . A par te n at ural fica livre para ser inte grada n um sistem a de conhecimento humano sob a autoridade da razão. Não é exagero dizer que a autoridade de Santo Tomás e sua soberba capacidade pessoal de atingir a harmonização influenciou decisivamente, em seu tempo, o destino da ciência no mundo ocidental. Ele mostrou na prática que a filosofia pode funcionar no sistema cristão e que a v erdad e revelad a é compatível c om a filosofia; ele form ulou o princípio metafí sico que confere legiti midade à filosofia na cristandade. Ambas as realizações têm de ser vistas à luz do fato de que a filosofia, na época, dependia dos clérigos para sua evolução. Isso não significa que as relações entre fé e razão foram suavizadas no pensamento de Tomás; vimos que na C ond em nation
[Condenação] de 1277 algumas
teses tomistas ainda eram consideradas heréticas. O avanço da comp reensão empírica e intelect ual do m undo requer uma permanente redefinição da linha que separa a verdade sobrenatu ral e a natural. Nessa tarefa, ambos os lados responsáveis pelo desenvolvimento intelectual de nossa civilização, a igreja e os intelectuais, evidentemente fracassaram. A estagnação intelectual das igrejas desde o século XVI e a penetração da vida intelectual secular com princípios metafísicos opostos ao cristianismo produziram uma situação que hoje parece quase sem esperança. No entanto, Santo Tomás
deu a melhor
formulação e solução possível no seu tempo por meio de sua obra. Ainda estamos par a ver formulação e soluç ão melhores. O retrato do santo emerge da construção metafísica no am -
biente do seu tempo. Ele enfrenta as forças intram undanas que
2 4 4 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas - IdadeM édi ai té Ib m á»drA qui no
ameaçam de struir o mu ndo cristão, e é bem-sucedido em sua busca po r uma síntese. Tal como Sigério, Tomás é um intelec tual, mas não tem nenhum desejo de fazer do intelecto uma autoridade independente. A autoridade do intelecto é preser vada, mas, com sua o rientação transcendental, deixa de ser um rival intram und ano da fé e passa a ser um a expressã o legít ima do ho mem natural. A vida intelectua l é a forma mais eleva da de existência humana porque orienta a criatura racional na direção de seu criador. 0 seu orgulho intelectual não é mais fraco que o de Sigé rio; pode mos perc eber isso na descrição da filosofia como arte regente e ordenadora, bem como na just a posição do filósofo (em quem se manifesta a verdade natural) com o Cristo (em quem a verdade se encarna sobrenatural mente). Mas é um orgulho temperado pela espiritualidade que reconhece a revela ção e não p ode conc eber um conflito entre a razão nat ural e o espírit o.
d. P ropa ga nda int elect ua l A mesma vontade de harmonia permeia a transformação dos pro blem as suscitados por Joaquim, Sã o Francisco e pelos espirituais franciscanos. Santo Tomás era um mendicante, e a agressividade espiritual do esforço missionário e pregador era uma característica essencial de sua atitude. Mas o anti-intelectu alism o de São Francisco foi vencido. 0 Cristo de To más não é um Cristo apenas para os pobres no espírito e em bens, mas um Cristo que expande o Seu reino através da pro paganda intelectual. A C ontra G
enti les foi escrita pa ra que as
missões dominicanas na Espanha enfrentassem a influência intelectual mu çulm ana em seu território. Santo Tom ás afirma no
P ro o em iu m que é possível argum entar com os judeus com
base no Antigo Testamento e com hereges com base no Novo Testamento; diante dos muçulm
anos, contudo, é preci so ape
lar à autoridade do intelecto. A situação assemelha-se à de São Paulo. As três leis paulinas correspondiam civilizacionalmertte ao cristianismo no a mb iente j udaico e heleníst ico. Para
Santjo Tomás, os muçulmanos tomaram o lugar dos pagãos,
12- Sant oI bm ásde A qui no 1 245
com uma importante diferença: os primeiros cristãos eram ex-pagãos sulicientemente familiarizados com a civilização pagã para opor-se, em defesa do cristianism o, aos pagãos em seu próprio terreno, ao passo que os cristãos do século XIII não estavam sulicientemen te familiarizados com a civilização islâ mica para fazer em o mesmo. £ o intelec to que pode pro du zir resultados cr istã os se to m a o instrum ento d a propaganda cristã nu m a escala interc ivilizacional. O fun da ment o re pou sa na alegação de que a civi lização oci denta l é a mais elevada e m terre nos racionais, um a alegação que sobreviveu à estreita relação com a espiritualidade cristã e atingiu toda sua agressividade apenas na era posterior, a era da razão secu lar. P ara com preender a dinâmica intern
a
cional da civili zação ocidental, tem os d e esta r cientes dessas raízes na posição de T omás de Aq uino. Não é da validade da razão que a ale gação retira suas força s, mas d a harm onia das operações intelect uais com a espiritualidade
cristã . Quand o
essas fontes secam e a razão se torna um hieróglifo, a vitali dad e inte rna da alegação se enfraquece e a co nvicçã o que po dería conter ex tem am ente se perde. No presente, chegamos a um a situação em que a revolta contra a razão pode apelar em nome de quase qualquer espiritual ta, porque o
momentum
idade e encontrar respos
cristão do intelecto em nossa civili
zação está à míng ua.
e. A s hierarquias Em relação às hierarquias, o horizonte de Santo Tomás era mais amplo q ue o dos franciscanos, ma s sua atitud e diante do poder espiritual não era a mesma que diante do poder tem poral. A função do príncipe como fu nd ador e governador da comunidad e terren a está bem elaborado. O retrato do príncipe em
D e R eg im ine P rincipum
mostra a impressão deixada em
Tomás de Aquino pela figura de se u ant epassa do Frederico II, Sua compreensão do xonselho aristotélic o áo governador bem-
-sucedido é determinada pelo surgimento do governador intramundano em seu próprio tempo e pela observação de suas
2 4 6 1 H ist ór ia da i Idel u Pol ítica s-I da de M éd ia at éM
d f A qu ino
ações. A ideia de comunidade, evocada como experiência por João de Salisbúria, é agora plenamente desenvolvida com o aparato da
Política de Aristóteles. Quanto à igreja, por outro
lado, sua po sição é mu ito sem elhante à fran ciscana. A igreja é aceita como a instituição que ad ministra os sacram entos e, na hierar quia dos poderes, o pod er espiritual tem prim azia sobr e o temporal; m as a igreja não foi construíd a no sistema de To más de Aquino. Santo To más nu nca escreveu um tratad o sobre a igreja comparável ao
D e R eg im in e P rincipum sobre o governo
temporal. E , em bora te nh a um a pa rte volumosa sobre o go ver no e a lei (I-II, 99.90-114), a
Summa Theologiae
não tra ta ex
plicitam ente da igreja. Mesmo a teoria do direito simplesmente ignora o direito canônico. Que uma teoria possa ser montada a partir de passagens esparsas de sua obra não compensa a omissão, que certam ente não é um descuido.1 A intensidade do interesse m udo u significativamente. O sa-
crum im peri um com os po deres gelasi anos já n ão está na pauta do dia; estamos nu m período de interre gno. O po der temporal, que n a época da Contro vérsia das Investiduras ainda era impli citamente compreendido como o p ode r imperial, é agora subs tituído pela pluralidade de unidades políticas com sua estru tura natural imanente, e o poder espiritual recua de seu lugar como uma ordem dentro da unidade do império cristão para a posiç ão de supe restrutura espir itual da multidão de
civitates.
A Política d e Aristóteles, que não teria feito qualqu er sentido no ambiente do
sa crum im p eriu m , pod ia agora s er aceita como
um a teoria adequ ada ao pluralismo político.
f. OEv
ang
el ium
A et er num
-
Imperialismo ociden tal
A redistribuição das ênfases mostra que Tomás podia ser maleável quando confrontado com as exigências da realidade 1 Para uma apresentaçã o da teoria da igr eja, ver Martin Grabm ann, Thomas
Aquinas. Trad. Virgil G. Michel. Nova York, Longmans, Green, 1928, cap. 13, “Thoughts on Christianity and the Church”. Reedição: Nova York, Russel d Russel, 196 3. Ver também Grabmann,
D ie Lebre des HeiligenSystem Thomas A i uin von der K irehe ais Gotteswerk: Ihre Steüung im Thomistichen undvon in dek Geschichttder Mittalterlichen Theologie. Regensburg, Manz, 1903.
12-S a n to M
de Aq u in o1 2 4 7
histórica. Sua grande flexibilidade deve ser medida como um fator na avaliação de sua a titude d iante d e Joaquim de Fiore e do E vangeliu m A ete m u m . A ideia de um Terceiro Reino do Espíri to é severamente conde nada com o inse nsata.2A era de Cris to é também a era do Espírito; não se pode conceber nenhum estado mais perfeito que a vida sob a lex nova. Mas essa condenação não significa destruir o elemento dinâmico de uma história progressiva. Para Santo Tomás, a era de Cristo é diversificada de acordo com o espaço, o tempo e as pessoas, à med ida que a Graça do Espírito pode ser retida por alguns de mod o mais pe r feito que por outros; e essa diversificação não é despro positada , pois pode-se discernir uma tendência para uma realização mais completa do Evangelho. 0 evangelho foi anunciado ao universo de uma vez por todas, m as par a que essa anunciação seja e feti va, é necessá ria a pregação con tínua até que a igreja se estabele ça em todas as nações (I-II. 106.4, ad. 4). Às vezes, os historiadores acusam Santo Tomás de care cer de uma filosofia da história. A acusação é justificada se sa crum supusermos que a história significa ou a história do im pe rium ou a história das nações que estavam surgindo. Tomás vive entre duas épocas: morreu a unidade medieval da cristandade imperial, mas ainda não nasceu o mundo dos estados nacionais. Assim, ele não tem uma filosofia da história de nenhum dos mundos políticos; o simbolismo de Joaquim de Fiore e o princípio renascentista das nações como os agentes da histó ria são igualm ente impossíveis e m sua situação. No entanto, seu senso histórico é muito forte, e ele exprimiu perf eitam ente a força histórica em que estava vivendo - isto é , a imp erialista vontade de pod er da ci vili zação intelectual cristã. Ela já não pode mais simbolizar o
2 “Stultissimum est dicere quod Evangelium Christi non sit Evangelium regni,”
Summa Theologiae, pt. I-II, qu. 106, art. 4. Sobre as edições recentes em Opera Omnia, ver acima, p. 23 3, n. 3 4. Ver também Summa Theologiae: Latin Textand English Translation.Trad. Blackfriars, 60 vols. Nova York, McGraw Hill; Lon dres, Eyre and Spottiswood e, 1964 . Edição em inglês: Summa Theologica. Trad. Padres da Província Do min ica nar 22 vols. Londres, Burns, Ontcs and Washburn,
1912-1936. Reedição: Nova York, Christian CIa mIc s , 1981. I'anu tradução tam bém está disponível em 17 CD s, Pit tsbormigli, N , ( I n i c l r * ( nrp,, 1992.
2 4 8 1 Il islórí a d as Idci as P olí ticas - Idade M édi oaté Ibn if li il r A i| i iliin
cumprimento da história cristã pela ideia de uma nova descida do Espírito, agindo por meio de uma fraternidade elitista, pois é mais do que um espiritualista medieval: sua pe rson alid ad e é gra nd e o basta nte para ab ra ça r os co nteú dos natura is do mun do bem como do intel ecto hum ano e da hum anidad e organiza da num a plural idade de comunidades. A filosofia da história corresponde ao poder e à amplitude de sua m ente, que examina a expans
ão da cristandade
inte
lectual em todo o universo de povos através das atividades de sua ordem. No sistema de forças históricas e políticas ocidentais, Santo Tomás representa a vontade de domínio imperial do homem
intel ectual e espiri tualmen te maduro.
A evocação de Tomás de Aquino continua em nossa his tória das idéias como um componente do imperialismo no período dos estados nacionais. No século XVI podemos id en tificá-lo em combinação com o imperialismo espanhol nas teorias de Francisco de Vitória bem como no imperialismo inglês elizabetano. No século XVII, é visto em combinação com o imperialismo comercial holandês de Hugo Grócio e, em geral , nas lutas su bsequen tes po r impérios colonia is que implicam a ideia de uma dom inação providencial do Ociden te sobre o resto do mun do.
g. O e sp írito h istó ric o Agora estamos em posição de esclarecer o caráter do pensa m ento to m ista. Tom ás não era um pensador teó rico, se por teoria entenderm
os a orde nação sistemática de um
campo a-histórico de problemas. Suas soluções teóricas, como a análise da relação entre fé e razão, são ao mesmo tempo harmonizações de forças históricas. A verdade de Deus se manifesta no mundo, mas o mundo não é uma es tru tu ra estát ica; é , antes, um organismo de forças hi stóricas mutáveis. Desse modo, o trabalho intelectual do filósofo não se esgota em especulações aprioristas; deve recriar no arçáboüç o de um sist ema a unidade do m undo historica
mente concr eto num dado momento.
A forma das quaestiones da Summa Theologiae é o instru me nto ideal par a a execução dessa ta refa, pois permite a orga nização do material numa grande estrutura estável e oferece uma ampla oportunidade de preencher de detalhes históricos as notas polêmicas que precedem e seguem o corpo da quaestio. A Summa , portanto, graças a sua riqueza de detalhes, está longe de ser um tratado sistemático. Discurs os e ob iter diet a da maio r importâ ncia par a a compreensão das intenções do fi ló sofo estão escondidos nos corolários e às vezes são encontra das nos lugares mais improvávei s, de mo do qu e sua descoberta é uma gran de sorte. A s transições de um assunto pa ra o outro, ademais, são frequentemente obscuras, q uando não ausentes. Nesse sentido, Santo Tomás em grande medida lembra Hegel, que mantém os níveis de sua filosofia do espírito habilmente distintos, embora as transições de um nível a outro sejam de caráter duvidoso. Esse sistema muito pouco rígido, em alguns pontos salientes e inundados pelo excesso de digressões, é o símbolo pe rfeito de um a me nte que não é apriorista nem empirista, mas é um ser histórico que vivência sua harmonia com a manifestação de Deus no mundo histórico. À convicção de Santo Tomás de que as partes do mundo divino se entrelaça riam correspon deu o seu dese jo de prov á-la com sua obra. Ess a convicção deu aos seus escri tos um to m magnífico de auto rida de, mas te ria tido u m efeito para lisan te a meno s que o esforço incessante de to rnar a verdade manifesta pelo intelec to tivesse sido, no sentimento do santo, um ato de orientação rumo a Deus e um a incumbên cia das criaturas racionais.
§ 1 Pol ítica a. A rece pçã o de Arist ótel es - H um an is m o Na apresentação da política tomista topamos, pela primeira vez desde a recepção de Aristóteles, com a maldição da teoria
política ocidental - a maldição de não sabermos exatamente o que os nossos símbolos significam. A Política dc Aristóteles
é, definitivamente, uma teoria da pólis helênica; ela exclui de seu escopo as organizações governamentais de nações sobre uma base territorial como a Pérsia. Embora numa penetran te análise de um tipo particular de organização política seja impossível não tocar no s problem as gerais da política, as c a tegorias aristotélicas se form aram com especia l consideração pelas experiências da cidade-estado dos séculos VI a IV a.C. Quando Santo Tomás a ssum iu os conc eitos arist otélicos fun dam entais, ele fa voreceu, até certo ponto, a u m exercício hu manista com pouca relev ância para os novo s problemas p olí ticos de seu tempo. As dificuldades ficaram visíveis na tradução do termo pó lis. Tomás emprega o termo civitas como equivalente, mas também gens, reg nu m ou pro vínc ia . Nos term os gen s e regnum as organizações políticas dos povos estão incluídas. P rovín cia provém do vocabulário imperial romano, onde designava, por exemplo, as províncias da Gália, da Espanha, África e Egito. O termo p ro vínc ia era geralmente aceito na época, e João de Salibúria usou-o quando se referiu a países como* provavel mente, França e Inglaterra. 0 suspense”eríi relação ao tipo de organização política a que a teoria se aplica é marcado pela dedicação do D e R eg im in e P rin cip um ao rei de Chipre. Na Ter ceira Cruza da, a ilha de Chipre fora conqu istada po r Ricardo I da Inglaterra e p or ele vendid a a Guy de Lusignan. A dedicató ria de Chipre a um rei Lusignan mostra o alcance do horizonte político da época. Mas o fato de o tratado não ter sido dedica do nem ao imperado r nem a um rei ocid ental mostra t ambém quão longe estava a nova teoria que r dos prob lemas imperiais da Contro vérsi a das In vestiduras que r dos problemas polít i cos do estado nacional. Come ça a surgir a curiosa estru tura da teoria política com que ainda hoje, notoriamente, sofremos: nen hum a teoria do gove rno é genér ica o bastante pa ra abar car os elementos de tod as as formas políticas nem suficie nte mente específica para ser aplicada sem ambiguidades a uma unidade polít ica con cre ta. Ainda hoje não ultrapassam os a Wgueza e o irrealismo hu ma nístico que at ribu i validade geral
ao reino das categorias re sultantes da recepção de Ari stóteles.
b. A d edicatóri a a Chipr e Há, entretanto, um elemento de realismo na dedicação a Chipre que para nós não é fácil captar, agora que o futuro incognoscível par a Santo Tomás se to m ou o passado conhecido por nós. Parte da força d a teo ria política helênica resultou do fato de que as poleis mais antigas se empenhavam em fundar novas cidades. A possibilidade de criar novas unidades políti cas desde a sele ção de um lugar, passando pelo planejamento da cidade, até chegar ao esboço da constituição são o pano de fundo para a construção de estados ideais tanto para Platão quanto para Aristóteles. O horizonte de novas fundações so men te seria novamente ab erto em larga esca la com a descober ta da América e o estabelecimento de colônias ocidentais. No século XIII surgiu um a situação comparável, não pela abertura de novos territórios para assentamentos, mas por meio das migraçõ es nor man das e das Cruza das com sua profusão de no vas insti tuições governamentais. Discutimos anteriorm
ente os
efeitos revolucionários das conquistas normandas na Sicüia e na In glaterra sobre o cenário pol ítico europeu. Temos de acres cent ar agora efe itos similares da fund ação da Ordem Teutônica no Oriente, da consolidação dos governos nórdicos e eslavos e, particularmente, da cadeia de prin cipados exóticos estabeleci da fora dos do mínio s islâmicos e bizant inos pelos Cruzado s. Não era ainda previsível nesta época que a expansão dos fun damentos políticos ocidentais no Mediterrâneo oriental logo entrariam em colapso com o avanço turco nem que o peso da política ocidental se deslocaria para o Ocidente e cruzaria o Atlân tico.3Aqui, o Oriente era uma fronteira de fundações políticas, 3
O D e Regimine Principum é dat ado de 126 5-126 6. Constant inopla foi reco n
quistada em 1261 por Miguel VIII Páleólogo, mas na Europa o império bi zantin o estava territorialm ente restrit o ao ento rno imedia to da capital. Edições recejntes: De Regimine Principum. Ed. Stephen Baron. American University Studies, series 17: Classical Languages and Literature, vol. 5. Nova York, Lang, 1990; e De Regimine Principum. Milão, Editoria Elettronica Editei, 1992. A edição de 199 2 é um arqu ivo de texto num C D . Edição em ingl ês: On K ing -
ship: To the K ing o f C yprus .Trad. Gerard B. Phelan e I. T. Eschmann. Medi-
aeval Sources in Translation, vol. 2. Toronto, Pontificai Instituto ofMediaeval Studies, 1949. Reedição: 1982.
2 5 2 1 H ist óri adasI déi asPol íticas-IdadeM
tfdi l il óIb m ísdrA qul no
aparen temente apon tando para um a expansão da civilização ocidental entre as gente s , de acordo com a visão imperialista de Santo Tomás. Contudo, o livro II do De R egim in e P rincip um , com o seu conselho de u ma pólis co nstruíd a à melhor m aneira aristotélica, parece meio estranho em comparação com os verdadeiros problemas dos fundamentos governamentais da época.
c. Opríncipe - O análogo divino No problema da fundação, havia mais do que o desejo de assumir a todo custo parte da doutrina aristotélica. No sistema de Tomás, a teoria da fundação assume o lugar que no sistema aristotél ico é ocupado pela teoria da evoluç ão das formas sociais: d a família para a aldeia e da aldeia par a a pólis. No capítulo sobre Aristóteles vimos que a ideia platônica da fundação p or forças anímicas tinh a se perd ido e que a ideia da pólis como o cristal cósmico tinh a sido substituída pela ideia da unidade
autarkic, a evolução “por natureza” foi substituí-
da pela fundação pelo espírito. Santo Tomás inverte a esca la aristotélica. El e rem onta à interpret ação pla tôn ica sistematicamente superi or e traça um a série de ana logias: Deus co mo o governante do universo; a alma como governante do corpo; e o príncipe como o governante da
civitas. Paralelamente
às funções divinas de criar e governar o universo, as funções principescas são fundar e governar a
civitas (D e re g. p r ., 13).
A inversão par a o gov ernante como análogo de Deus ine vitavelmente subverteu a visão aristotélica da pólis “por natureza”. Perde sentido a sequência obrigatória de comu nidades (família, aldeia, pólis), pela simples razão de q ue Santo Tomás não está, e não po dería estar, inter essado n a pólis. Preserva o naturalismo aristotélico à medida que aceita a ideia de que o homem tem de viver em comunidade porque, quando isolado, ou mesmo na família, não desenvolve as suas capacidades racio nais de for ma plena.4 Par a Tomás existe algo como
Naturaleauttm est homini utsitsocialeetpoliticum, magis etiam quam omniaalia akimalia: quodquidem mturalis necessitas deckrat”Ver De Regimine, liv. I, cap. 1.
a perfecta c o m m u n ita s , a comunidade perfeita, que atende àd necessidades natu rais de subsistência, de defesa e de vida in telectual. Entretanto, o modelo sociológico da “comunidade perfeita” permanece indeterminado com ele. Para além da fa mília, o vocabulário de T omás d e Aquin o fica meio obscuro: a sequência aristotélica é traduzida por fa m ilia , civ itas , p ro v ín cia (1.1), mas rex, defini do como o governador da comu nida de perfeita, pode ser rex da civitas ou da província . O padrão aristotélico é red uzid o a dois tipos: o chefe de família e o re i. A introd ução do rei como figura central da unidad e políti ca não é simplesmente um retomo ao rei-filósofo de Platão. Essa possibilidade foi excluída depois da aparição de Cristo. A função régi a de Tomás não é espiritual, mas natu ral. Na di s tribui ção dos do ns, um indiví duo pode se dest acar por possuir a regi a v irtus , a virtude régia (1.9). A regia virtus não é a pla tônica sabedoria do governante, pois não detém a autoridade espiritual. Também não é a aretê de Aristóteles, pois não é a virtude do cidadão ideal, mas uma habilidade específica no sistema dos dons naturais. É quase a virtii maquiavélica, mas não se iguala a ela porque não contém o elemento demonía co maquiav élico. Contudo, aproxim a-se de um a evocação do príncipe da Renascença, e carrega a marca de Frederico II.
d. A co m un ida de de cri st ãos livr es O rei atua como governant e de u ma comunidade de homens livres (liberorum multitudo 1.1). Talvez seja este o mais impor tante desviocritérios do sistema aristotélico. Tomás faz da mem liberdade e da servidão do bom e ma u governo. Se os bros da comun idade cooperam livremente nas tarefas da existênci a co mum , o govern o é bom, tenha forma de mo narquia, arist ocracia ou politeia. Se um ou muitos são livres e conduzem o governo ém proveito próprio , explorando os restantes, o governo é mau. O vocabulári o aristoté lico das form as de bem e mal é preserv a do, mas, segundo Santo Tomás, me smo o bom regime de Ar is
tóteles seria mau, p orqu e a teoria da póli s admitia, sob qu alquer circunstância, “escravos por natureza”. Para Santo Tomás não
2 5 4 1 H ist óri adasIdéi asPol íticas-IdadeM
édi oal óI bm áadeA qui no
existem escravos por natureza. Sua antropologia opera com a ideia do hom em cristão livre e maduro, e em sua ideia magnâ nim a de liber dade podemos sentir um toque do igualitarismo aristocr ático d e São Francisco. Tomás sente intensam ente a liberdade do cris tão, mas não coloca o homem numa comunidade natural com obrigações próprias. Os livres são um a
multitudo , uma multidão, e a co
mu nidad e surge como resultado da livre cooperaç ão criador a. Tomás não ap resenta u ma teo ria do contrato soci al que institui obrigações nem uma teoria da organização política do povo. Seus reis são os príncipes do
p o p u lu s chris tia nus que trans
cende os limites de qualquer unidade política particular. As dificul dades que se seguem dessa fraqueza podem ser traçadas
Summa Contra Gentiles até a Su m m a The ol ogi ae . A Contra Gentiles ainda não tinh a ado tado plen amente a sociologia aristotélica. 0 homem é o natura li ter an im al soci al e (III.117), e é da
naturalmente inclinado para o amor mútuo e a solidariedade, mas a finalidade s ocial não resid e na esfera natural. 0 que constitui a comunidade humana é a finalidade co mum de amar a Deus e a ordenação da vida para a beatitude eterna. Entre aquele s que têm um a finali dade comum deve ha ver “laços d e afeição” (II I,117); e dess a necessidade se seguem as regras para a vida do homem em comunidade conforme dad as po r Deus (III. l 11-46). Na
Summa Theologiae
(I-II.90.2),
Santo Tomás desenvolve pela primeira vez a mesma posição com relação à finalidade espiritual como o determinante da vida comunitária. Então, Tomás deixa cair do céu a citação de Aristóteles segundo a qual a
civitas é a comunidade per
feita porque conduz à felicidade, apesar do fato de que, para Aristóteles, a pólis historicamente con creta é um absoluto em
bios t heor etíkos se constrói com consideráveis esfor ços de interpretaçã o, ao passo que, n a Summ a , a beatit udo é o absoluto que anexa a si uma vida comu que a “ação contemplativa” do
nitár ia na tural sem qualificação polí tica. Apesar da incorpora-
çãp de Aristóteles, a figura simbólica da política tomista não é o zo on p o litik o n , mas o ho m o christ ianus {De r eg. pr. 1.14).
A tradução e adaptação do termo aristotélico
an im ale po liti •
cum não implica um a adaptação do senti do. 0 homem de Aris tóteles encontra a realização de sua existência na pólis e nada m a is é do que o zo o n p o litik o n y ao passo que o h om o Christian u s está orientado a u m fim transcend ental espiritual e é, entr e outras cois as mai s importantes, também um an im alp oliticum . Portan to, a sequência de anal ogias - Deus no universo; o príncipe na civitas; a alma no co rpo - não pode conti nuar sen do a palavra fina l na política tom ista. A ord em d a mu ltidão de cristãos tem de viver sob o governo daquele que é o rei espi ritual da hum anidade - isto é, sob Cristo. 0 ministério de ste reino espiritual é confiado aos sacerdotes, a fim de mantê-lo separado dos assuntos m undano s, e em particular a o pontíf i ce rom ano, “ao qual todos os reis de povos cri stãos estão su bordinados como ao próp rio Senhor Jesus” (1.14). Nas mãos de Santo Tomás, o termo
po lítica começa a assumir seu sen
tido moderno; a dicotomia gelasiana entre poder espiritual e poder tem poral começa a ser substituída pela dicotomia mo derna entre religião e política. Com Tomás, a esfera política, no sentido moderno, ainda está completamente orientada para o espiritual, mas pode-se identificar o início da enérgi ca evolução que levou - através d a privatização da religião (à maneira de Locke) e da atribuição de um monopólio público à política - à integra ção totalitária de uma esp iritualidade intram und ana na esfera pública da pol ítica.
e. A teoria do governo constitucional No plano das instituições governamentais, o caráter humanístico da teoria de Santo Tomás é tão forte que mal se pode falar de um sistema. Os princípios do governo constitucio nal se desenvolvem pela referência às instituições israelitas e aristoté licas , e continua incerto em
que medid a podem ser
aplicados à situação política do século XII I. A única referênci a clara a um a estr utu ra social da época está na tese de que toda
comunidade p e T fe ittfm u ltitu d o p erfe cta ) tem de estar social mente estratificada nas três ordens: os op tim ates , o popu lu s
2 5 6 1 H ist óri adas Idéi asPol íticas- IdadeM édi aat éIb m íi deA qui no
honorabilis
e o
p o p u lu s vilis (Summa Theologiae
1.108.2).
O modelo das três ordens, obviamente, é dado pela estratificação típica das cidades i talianas - nobreza,
po polo grasso e
p op olo m in u to .5 Isso nos dá um a ideia das potenci alidade s de uma teoria política conduzida pelo sentimento de liberdade cristã e que tenta desenvolver instituições governamentais para o hom
o christ ianus como hom em político. Se as idéias de
governo constitucional e de sufrágio un iversal fossem aplica das a um a com unidade constituída p elas três ordens, não ape nas o Terceiro Estado, o burguês, seria integrado no sistema político, mas tam bém o proletariado. Pois as cidades italianas pretendiam um a representação adequada de tais elementos sociais, c omo a e os
P ata ria de Milão , ou as corporações menores
ciompi de Flore nça. Não sabem os, entretanto, qual seria a
política de Santo Tomás na situação concreta de um a cidade italiana, nem como seus pri ncípios teriam operado em unid a des territo riais complexas co mo a Inglaterra, que tinh a acaba do de chegar ao estágio Montfort de parlamentarismo, ou na França, com sua est ru tu ra feudal e com movim ento comunal. No D e
R eg im in e P rin cip u m , a teoria do governo constitu
cional surge ligada ao problema da tirania (1.6). Tomás não aprova o tiranicídio, como o faz João de Salisbúria. A depo sição do governante injusto recai sobre a
auc torit as pu blica
coletiva. A maneira mais adpquada de lidar com o perigo da tirania é sua prevenção por meio da delimitação do poder régio. O
D e R eg im in e P rin cip u m perm aneceu inconcl uso, e a
seção sobre a m ona rquia lim itada não foi elabora da. Na Summa Theologiae , o problema vem à baila duas ve zes. Na primeira vez, aparece numa breve enumeração das forma s aristotéli cas de governo (I-II.95.4), concluindo com a afirmação de que o
re gi men con m ixt um é a melhor forma de
governo. A passagem e meramente uma adoção verbal; para
5 Não se compreendem as três ordens meramente como grupos empíricos. Su/ postamente , eles correspond em a um padrão nece ssário de or dem hierárquica.
/
/ É por isáo que este importante pro tótipo polít ico se encontra na quaestiosobre a hierarquia dos anjos, onde o problema ge ral da hierarquia é discutido.
além da citação de Santo Isidoro, segundo a qual sob um re gime misto patrícios e plebeus cooperam na legislação, nadn pode ser extraído daí. A segunda ocasião surge na discussão das instituiçõ es israelitas (I-II.105.1). Este artigo é de es pecial interesse porque mostra a quase inacreditável desatenção de Tomás quando chega à análise sistemática estrita. A monar quia é considerada, tal como em D e R eg im in e P rincip um , a melho r forma de governo porq ue é análoga ao govern o divino do mundo. Por outro lado, não é a melhor forma de gover no porque, empiricamente, os homens são fracos e a ameaça da tirania requer institüições que a impeçam. Este conflito na avaliação de formas de governo, que por si só representa um problema sistemático melindroso, é ainda mais agravado porque a democracia primária de Israel não comporta reis. Deus considerou a realeza tão ruim que confiou a guarda do seu povo aos juizes e recebeu com desagrado a expressão da von tade p opula r de ter um rei (I-II. 105.2). A dificuldade é re solvida com a expli cação de que os judeu s são particu larm en te cruéis e avarentos e que Deus tinha de tomar precauções. A construção mostra que as coordenadas do sistema estão bem fixas: os problemas suscitados pelos fatos da história são registrados, mas não sugerem u ma revisão dos ax iomas. Entretan to, o caso israelita ofe rece a oportu nidad e de ela borar a forma constitucional ideal com mais detalhe. O prin cípio orien tado r é a reg ra aristotélica de u ma politeia e stável: todos devem ter participação no governo. A politeia (Tomás usa o termo p o litia ) deve ter como seus magistrados o rei, os chefes da nobreza os repr constitucional esentan tes doque, povoemeleitos por s u frágio geral. É umeprojeto princípio, seria realizado pela Constituição Inglesa na segunda metade do século XIX. Nada se diz sobre as funções e os poderes re lativos dos “príncipes”. Contudo, as normas constitucionais não devem ser aplicadas incondicionalmente. O objetivo do governo constitucional é a prevenção da tirania. Se o sufrá gio democrático resultar em uma tirania da parte inferior da
escala social, será indicado regressar a formas aristocráticas de governo. Os critérios para uma tirania feita de baixo são:
2 5 8 1 H ist óri a das I déias Po líticas - [ ( I i k Ic M étl lf l fl lé Ibi m ín d e A qtntui
com pra de votos, eleiçã o de figuras q uestionáve is (1-11.97.1) e a espoliação dos ricos
(De reg. Pr. 1.1).
Como fontes princi pais de onde deriva o pensam ento polí tico de Tomás, podemos indicar a teoria política aristotélica, a constituição romana, a democracia srcinal e a monarquia de Israel, a experiência de democracia das cidades italianas e o sentimento da liberdade cristã. Esses elementos não estão integrados num sistema estrito; coexistem, lado a lado, rela tivamente deslig ados, ao est ilo harm onizador do pensam ento de Santo Tomás. O que resu lta dessa amálga ma de elementos é a evocação da ideia de governo constituciona l basead a em dois princípios: o axioma psicológico natural de que a estabilidade de um governo depende da participação do povo, e o princí
pio
espiritual cris tão da liberdade do ho mem maduro . A evocação é humanística porque as operações intelectuais, na termino logia de Aristóteles, ainda não penetraram suficientemente nos pr oblem as co ncretos d a política. Nessa época, a evoc ação era esotérica, po rque a sua eficácia pública não ia, perceptivelmente, além da ordem dominicana. Ainda assim , represe nta a síntese de n ature za e espiritualism o cristão n a política , e, como. símbolo desta síntese, dom inou, com ou sem referênc ia explí cita ao seu au tor, a evolução da po lítica oci dental, até hoje.
$3. Direito a. Os q u atro ti po s de direit o Para um a compreensão adequada da teor ia tomista do di reito, é e ssencial atentar p ara o lugar em que ela é tratad a na
Su m m a Theol ogi ae . A prifii eira parte da Summa tra ta de Deus e da Sua cri ação; a segunda , do Ho mem; e a terceira, da red en ção através do Cristo. A
P rim a Secundae (I-II), em particular ,
trata das ações huma nas. Primeiro abo rda a final idade da vida
hum ana , que consist e na beatitude (I-II.1- 5); depois trata dos / meios pelo s quais o home m po de chegar a tal fim. Os meios
12• Sant oI bm ásde A qui no 1 259
consistem em ações humanas, que se subdividem em ações voluntárias, especificamente humanas (6-21), e as paixões, que são tipos de açã o que os homens têm em comum com os animais (22-48). Por fim, os princípios da ação humana são contemplados e subdivi didos em intern os e extern os. Os prin cípios internos são os poderes e hábitos (48-89). 0 princípio externo que move o hom em p ara o bem é Deus. Deus pode mo ver o hom em po r meio da in strução d a lei (9 0-108), ou com a assistência da Graça (109-14). Des se modo, a teo ria do dire ito é a teoria da instrução dada po r Deus ao hom em pa ra m otivar o s seus atos com vist as ao obje tivo último - a beati tude. Este esboço ge ral da teoria do direito segue como um a apli cação dos princípios ontológicos discutidos antes de o pro blem a ser assim formulado. O m un do, incluindo o homem, é uma criação de Deus e detém a marca do intelecto divino; o significado da existência criada é o mo vimento de retorn o a Deus. A regra q ue motiva a ação hu mana de retor no a Deus é a ratio da criação no intelecto do próprio Deus. A
ratio divina
é chamada de le x aetem a. Por meio do processo de criaçã o, a lex aetem a é imp ressa na natureza do homem; os ditames da
razão que vivem no homem são chamados de
lex naturalis.
Como o hom em é imperfei to, ele possui a lex aetem a apenas em seus princípios gerais; a adaptação e a elaboração para as contingênc ias da exist ência hum ana pelo próp rio homem prod uz a lex hum ana. Se o homem fosse apenas um ser natu ral, que encontra a realização de sua existência no desempe nho terren o, e ssa instruçã o seria sufici ente. Uma ve z que ele , todavia, se orienta para a beatitude espiritual t ranscendental , foram necessá rias revelações especiai s da lei divina no Antigo e no Novo Testamentos, e estes são chamados de
lex divina.
As quatro l eis - eterna, natural, hum ana e div ina - são assun tos da teoria do direito.
b. A definição de direito
A tese ontológica sVcombina com a teoria das analogias (Deus no universo, o príncipe na co munida de) a fim de chegar
2 6 0 1 H ist ór iada sIdei » Pol ítica s-Id ade M édl i ittf M
drA qul no
a um a definição de direi to. 0 direito é de finido como o ord e namen to da razão
(ratio) p ara o bem comum, feit o po r aquele
que tem a guarda d a comu nidade e promulgado p or ele (9 0.4). A definição é impor tante po rque soa como u ma definição do direito pos itivo, ma s pretend e ser um a defin ição dos qu atro ti pos de direito mencionados h á pouco. A ambiguidade mostra que a tônica do interesse rec ai intensamente sobre a comu ni dade política e os órgãos constitucionais de legislação, mas o problem a d a autoridade política legislativa ainda não está se parado da autoridade da ordem legal por virtude da justeza dos seus conteúdos. Como consequência, os quatro elementos da definição não se enqu adra m nas variedades de direito - eter no, natural, hum ano e divino - igualmente bem. Os elementos da razão e bem co mu m inevitave lmente s e enquad ram po rque são estritamente especulativos; uma regra que é desproposi tada, ou que não se volta ao bem comum, simplesmente não é um a lei. O element o d e promulgação pode ad aptar-se ao in terp reta r a manif estação da na forma de A
lex aetem a no espírito do homem,
lex natura lis , como sua prom ulgação (90.4 ad. 1) . um a promulgação da lei eterna pela Escritura .
divina E a lexlexhum ana éé prom ulgada pela autoridade pol ítica adequa da, em bora a qui não fique claro de que lei a
lex hum ana é uma
promulgação: da lei eterna, da lei natural, ou sim plesmente da lei humana mesmo? Assim, surgem sérias dificuldades com a “feitura” da lei pelo representante da comunidade. Supos tamente, o elemento refere-se a Deus e ao príncipe, e de fato enco ntram os em 91 .1 a analogia presen te na esplênd ida figura de Deus como o príncipe da civi tas perfecta do mundo, que rege o universo por sua lei eterna. Mas a analogia se quebra porque a lex aetem
a não pod e ser “feita” em qu alque r sentido
concebível, mas existe nja mente de Deus desde a eternidade. Por ou tro lado, observam os que em 90.3 , onde o elemento de “feitura” é discutido explicita mente, T omás se refere exclusi vam ente à com unid ade na tur al perfei ta. A “feitura” da l ei está confiada à multidão ou a seu representante ( vici s gere
ns ); e o
aqúin ate discu te como exemplo a função leg islativa de pa trícicls e plebeus sob a con stituiç ão r om ana.
1 2 * S e n t o 1 b n U l « d e A q u in o 1 2 6 1
Obviament e, Santo Tomás está ten tando desenvolve r uma teoria do direito positivo. A tentativa deve levar, no contexto de então, a um conflito com a teoria dos conteúdos da
ordem
jurídica dad a na classificação das quatro variedades. Quanto ao conteúdo, toda lei é criada por Deus, com exceção da aetema
le x
incriada. Os homens podem participar dessa criação
somente através da “feitura” da
lex hum ana. Mas esta “feitu
ra” humana consiste em encontrar os elementos retos da lei de acordo com a lei divina e natural. Essa “feitura” é parte do retorno do ho mem a Deus, e a “feitur a” hum ana tem a estr u tu ra dialética de um a elaboração da l ei por Deus tendo como instrum ento a ação humana, ou, vist a desde ou tra perspecti va, de um a orientação do h om em a Deus at ravés da criação de regras de c ond uta de acordo com a vontade legi slativa divina. A dialética da lei positiva resu ltan te da posição ontológica in i cial de Tomás nunca é tratad a adeq uadam ente. Em vez disso, de um lado encontramos a desconcertante identificação da lei positiva com a “essência” da lei em 90.4 e, de outro, com lex hum ana em 95.1-2. A confusão neste po nto correspo nde a
uma lacuna no sistema, a qual observamos na seção anterior P olític a
sobre a qua ndo a com unidad e aristotélic a perfeita c ai do céu na discussão da m ultidão livre e sua fi nalidade comum. A com unida de perfeita, sua c onstituição e a ação legis ladora são recebidas factualmente no sistema, mas, pa
ra Tomás, não
era possível uma integração teorética conclusiva.
c. A te oria do di reit o na tura l
A força da filosofia jurídica tomista reside na teoria dos conteúdos da lei e particularm ente da lei natura l. A lei eterna é impressa nas criaturas racionais e dota-os de uma inclina ção par a as ações e fin s corretos. Essa participação da
criatura
racional na lei eterna é cham ada de lei natural. A luz da razão natural pela qual distinguimos entre o bom e o mau é a re tração da luz divina em nós (91.2). Toda lei, na medida em que participa dessa razão, é, portanto, derivada da lei eterna
(93.3). De acordo conras limitações da natureza humana, o conhecimento direto se retringe apenas aos princípios gera is,
2 6 2 1H ist óri adas Idéi as Polí ticas - IdadeM édi aat é' Ibm ái deA quino
a saber : a autopreservação, a preservação da espéci e po r meio da procriação e educaç ão, a preservação da natu reza racional através do desejo de conhecimen to de Deus e a incl inação para uma vida comunitária civilizada (94.2). A interpretação está metafisicamente no plano da teoria estoica do direito natural
koi nos nom os , e da participação nele através do apospasma , a centelh a do nomos no homem indiv idual , embo ou comum, o
ra a antropolo gia se tenha to rnado cristã. A concepção estoico-helenística podería conduzir, por um lado, a um a teoria neoplatônica da iluminaçã o individua l, que ain da é identificável em Santo Agost inho; ou, por ou tro, à hipó tese coletivist a da
an im a intel lect iva , que observamos na teoria
averroísta de Sigério de Brabante. Para Tomás, a participação na lex aetema é objetiva na medida em que não depende da iluminação individual; e confere peso à singularidade da pes soa porquan to conceb e a comunidade juridicam ente ordenada como o esforço cooperativo dos
hom ine s ch rist ianilm es.
Sistematicamen te, o fund ame nto ontológico de u ma teoria do direito natu ral de Tomás de Aquin o é provavelmen te a ú ni ca posição defensável para uma filosofia do direito. Casó não recorramos à lex aetema transcendental, temos de escolher entre duas alternativas: ou não ter qualquer fundamento on tológico para os conteúdos da ordem jurídica e aceitar como válida qualquer ordem jurídica positiva que possa compelir à submissão; ou erigir como absolutos elementos intramundanos, tais com o instintos, desejos, ca rências, razão s ecular, von tade de poder, sobrevivência dos mais aptos, etc. A primeira opção é niilista; a segunda é incapaz de integrar as experiên cias religiosas tran scen den tais na filosofia da ética e do direito. A teoria to mista é a solução cl ássica na me dida em qu e fornece um fundam ento religi bso a uma ordem jurídica que respeita a estru tura ontológica da existên cia humana. A fundação transcendental não determina o tipo de co mu nidad e a ser o rdenada. A filosofia tomista do direito tem
uma importância durad oura no pensamento polí tico ocid en tal (porque harmoniza a personalidade espiritual cristã com
1 2 -Sant oI bm Jf l de A qui no 1 263
é
a comunidade natural perfeita. A “comunidade perfeita”
um a fórmu la elást ica com p otencialidades imprevi síveis. No sistem a de Tomás, já não é idêntica à pól is helêni ca, mas co n tinua em sua maior parte sem descrição no que diz respeito ao tipo social a que aponta. O povo político foi criado, mais tarde, p ara p reencher a fórmula em esque leto, e nela podem entra r também outros tip os que podem ad quirir o e statut o de “perfeição”, tais como federações de povos. A este respeito, a teoria de Tomás é eminentemente dinâmica; sua função na civilização ocidental, na me dida em qu e esta é crist ã, de m a neira alguma chegou ao fi m. Historicamente, o paralelo com a teoria estoica da par
tici
pação no koi nos nom os merece alguma atenção. Ambas as teo rias são universalist as no sentido de que assum em a igual dade espiritual dos homens e entendem que os homens iguais são os elementos constitutivos da comunidade. Não é por acaso que as teorias universalistas aparecem no momento em que as instituições mais antigas começam a se desintegrar. A dis soluçã o da pólis forma o p ano de fundo do estoicismo assi m como a dissolução do
sacrum im p eriu m
constitui o cenário da
ontologia tra nsce nde ntal de Tomás. Em ambo s os casos, além disso, a teoria universalista é absorvida pela filosofia política das novas evocaçõe s que surgem: a teoria estoica na cosmópo lis romana de Cícero, e a história tomista na teoria do direito natur al do período dos estados nacionais.
d. Lei hu m an a - Dir ei to posit ivo Uma vez que a le i hum ana é determ inad a pelas contingên cias naturais e a lei divina pelas contingências sobrenaturais da vida hu ma na, as l eis divinas e hum anas podem ser cla ssifi cadas jun tas como con teúdos contin gentes d a lei. A discussão da
lexhuma na
na questão 95 suscita mais u ma vez o problema
do direito pos itivo, na m edida em que a ca com a
lexpositiva.
lex hum ana
se identifi
A confusão técnica resulta d o fato de San
to Tomás não distinguir^suficientemente entre o conteúdo da ordem jurídica e a autoridade legislativa e o poder dc coação.
2 6 4 1H ist óri adasIdéi asPolí ticai-idadeM
édi aitíH m uli daA qui nn
0 termo lex huma na na verdad e abarca dois concei tos diferen tes. A lex human a como conteúdo da lei é descrito como lex adinventa , cujo sentido é que a ação racional hu mana inventa as regras detalhadas que preenchem o arcabouço geral da lei natural por derivação desta e por sua aplicação a uma situa ção concreta. A lex huma na como corpo de regras feitas pelos órgãos legislativos e impostos pela sanção governamental é chamada de le x hu m an it us posit a ou lex po sit iva. A lex ah hominibus inventa do mina a questão 91.3 ; a lex hu m an it us posi ta dom ina a questão 95 . Deixando de lado a terminologia equívoca, os problemas são m uito claros. Sob o título de le x hum an it us posit a , são tra tados os dois problem as: (1) a generalidade da lei e (2) a coerção. A regra jurídica não pode per man ecer informu lada até o mom ento em que surge um caso, pois “a justiça vi va do juiz” se encon tra em m uito po ucos hom ens. É preferível estabelecer regras ger ais para o futuro, porq ue então as regras podem ser formuladas com tempo e com a devida consi deração pel os pro blemas envolvidos; além disso, a formulação tem mais chance de ser imparcial, e, por fim, a elaboraçãoleglslativa pode ser confiada a pessoas com petentes seleciona das. A coerção é ne1 cessári a porque a natureza do ho mem é fraca e as sementes da virtude precisam do apoio da “força e do tem or” para cresce rem (95.1). Sob o título de lex ah hom ini busrinvent a trata-se do problema da adequação da lei às contingências da vida natural. A este respeito, Tomá s segue o consel ho de Santo Isid oro {Eti mologias 5.21): a lei deve ser conform e à religiã o e aos princí pios do direito natural. Não deve exigir o que é humanamente impossível nem contradizer as tradições locais; antes, devem respeitar as circunstâncias de tempo e lugar, ser necessárias, servir ao bem com um e $er claras (95.3).
e. A lei antiga - A sociedade de proprietários A lei divina foi dada por Deus porque a finalidade sobre
natural do homem exige uma orientação que este não pode eficontrar apenas com suas faculdades natur ais, u ma vez que
12 - Sant oTom ás deA qui no 1 265
o juízo hum ano é incerto. Na elaboração da le i hum ana, o ho mem precisa do apoio de regras indubtáveis, porque (1) a lei hum ana só pode punir atos, não int ençõe s; (2) uma proibição exaustiva dos maus atos pela lei humana também destruiría o bem da vida comunitária; e (3) a l ei divina tem de regular e sancion ar o mal que inevitavelmente escapa à regulamentação hu m an a (91.4). A lei divina é um a só; as sucessivas reve lações da Antiga e da Nova L ei corr espond em aos estágios da m atu rid ade hu mana . A Antiga Lei equivale a o estágio imperf eito da infância human a; a Nova L ei ao estágio da m aturid ade e spiri tual. A Antiga Lei ordena o ho me m a bens terre nos, regulando atos externos e compelindo à obediência por tem or do cast igo. A Nova Lei conduz o homem ao reino celeste, regulando atos internos e induzindo a obediência através do amor de Deus instilado no coração do homem pela Graça (91.5). A posição assumida por Tomás implica uma filosofia da cultura. Ela cria uma relação entre o conteúdo de uma or dem jurídica e o estágio civilizacional geral de um povo. A discussão da Antiga Lei permitiu que Tomás tratasse das instituições israelitas de modo extensivo, formando pratica mente um a m onograf ia à parte (questão 98- 105). Dem pf des taca corretamente que essa monografia é o primeiro tratado sobre u ma civilização antiga concebida no espírito hum anístico do R enasci mento. Abrange um a pen etrant e análise da vida civil, política e cer imon ial de Israel. Já apresentamos, na seção sobre a
P olíticay a teoria do go
verno constitucional, desenvolida nesta ocasião. Num nível similar, está a teoria da propriedade privada, elaborada em conjunto com a análise da ordem civil. Tomás distingue dois tipos de relaçõe s na comu nidade perfeita: a relaçã o governa menta l entre o pr íncipe e seus súditos, e as relaç ões pri vadas e civis entre os próprio s súditos. A autorida de governamental sobre súditos se manifesta em co mpelir à ordem jurídica. As relações privadas entre súditos resultam da autoridade do ci dadão sobre os seus bens privados,
res possessae.
Os súditos
podem ter relações comerciais uns com os outros, exercendo sua autoridade de proprietário, cxpreNNando «c na compra,
2 6 6 1 H is tór ia das Idei u M íticas I dadr M éd ia m l M
i k Aqui fio
venda, doação, et c. Hoje a teoria pode p arecer trivia l, mas, na época, era revolucionária porque punha de lado a estrutura feudal d os direitos de pro pried ade e promo via a sociedade de proprietários e suas relações comerciais para o centro de uma teoria jurídica. A teoria da sociedade de proprietários tem o mesmo toque intemporal e hum anista que a teoria do gover no constituci onal, mas tev e também a mesma p ortentosa rele vância para a evoluçã o futur a do pensa me nto polít ico.
f . A n o v a le i - ju s tific a ç ã o p e la f é Comparado com o volumoso tr atad o sob re a Antiga L ei, a discussão da Nova Lei, que no fim das contas devia ser mais importante para a existência do cristão maduro, é surpreen dentemente breve (três
quaestiones curtas, 106-108, com cerca
de um quinto do tamanho da Antiga Lei). A concisão, entre tanto, não im pede a discussão de chegar à s raias do revolucio nário, como fizer am as teorias d o governo constitucional e da sociedade dos proprietários. A
lex nova é
inscrita pela Graça
do Espírito nos corações dos fié is; apenas sè cund ariam ente é lei escrita. Com um giro radical, sem eliminar mas também sem mencion ar a igre ja, a ess ência do cristianismo é colocada diretamente na fé, na
p istis em sentido paulino. Para excluir
qualq uer outr o princípio de justificaçãCf, Tom ás (I-II. 106.1) cita Ro manos 3,27: “Onde está, en tão, o motivo d e glória? Fica excluído. Em força de que lei? A das obras? De modo algum, mas e m força da le i da fé”. Trata-se d a passagem q ue precede a famosa dec laração: “Porquanto nós sustentam os que o ho mem é justificado pela fé, sem a prática da lei”. O princípio da just ificação pela f é se torn a a essência da
lex nova. Dentro
do arc abou ço da teologia católica ortodo xa, essa é talve z a ex pressão mais forte do princípio da espiritualidade cristã livre.6
6 O texto toca num problema fundamental da doutrina católica e talvez seja necessário precaver-se de possíveis equívocos. É claro que não há nada de luteranismo na teologia de Tomás de Aquino. A questão em discussão não é,
estrit amente falando, de doutrina, mas de ênfas e e de tensões. Nas quaestiones que tratam da lex nova,Tomás de Aquino enfatiza ao máximo o elemento 'espiritual da fó cm detrimento da mediação eclesiástica. As formulações mais
Somente se levarmos em consideração o espiritualismo inde pendente de Santo Tomás poderemos entender plenamente a força dos sentim entos qu e se exprimem n a concep ção da co mu nidade dos cristãos l ivres e ma duros, de sua partici pação no através do universal e na constituição de umgoverno a livre sociedade desufrágio proprietários.
O lugar de Santo Tomás n a história d o pen sam ento políti co tem de ser fixado com rela ção à irrupção das forças intram undanas a partir da Controvérsia das Investiduras. A nova era, que se anunciava na agitação dessas forças, podia ser carac teriza da pel a entrad a do “m und o” na órbita do espir ituali smo sobrenatural da cristandade. Tomás de Aquino se encontra na linha que divide as eras, no sentido de que seus poderes de harmonização foram capazes de criar um sistema espiri tual cristão que absorveu os conteúdos do m und o agitado em todos os seus aspectos: do povo revolucionário, do príncipe natural e do intelectual independente. Seu sistema é medie val enquan to manifestação do espiritualismo cristão com sua pretensão de validade universal. É moderno porque expressa
contundentes, que expressam espiritualismo, se encontram na questão 113.4:
“/ijdeo motusfidei requiritur adjustificationemne u[e]x quopatet quod in ju s tificatione impii requiritur actusfidei quantum ad hoc quodhomo credat Deum esse justificatorem hominem per mysterium C hris ti. As formulações são tão fortes que na edição que es tou usand o (Regensb urg, 1876) , o editor julgou aconse Fides quae àdjustificationem requiritur estfides C atholica,qua redimus vera essequaeper g ratiam ejus, per redemptionem quae est in Christo Jesu. Non vero requiritur, ut volent lutberani, fides illa qua unusquisque in s peáali credit vel certissime confidit s ibi remissa essepeccata(cf. Concilium Trid., Sess. VI, can. 12 )”. A advertência foi considerada necessá ria, embora lhável incluir uma nota:
a
não haja dúvida de qu e ne nhu ma interpretação luterana des sas passagens pode
actus fidei em II-II.2 e o corpus mysticumem III.8.6. O conceito
ser feita se levarmos em conta a investigação sobre o artigo sobre Cristo como o cabeça do
de justificação pela fé em I-IL106 e 113 continua bem inserido no sistema da
doutrina católica, a menos que seja^tirado do contexto da Summa theologiae como um todo - mas na i nvesti gaç ão da lex nova, tomada isoladamente, o es piritualismo de Tomás de Aquino, de fato, fica algo desatento ta instituições.
2 6 6 1 H ist ór iadas Idéi as Pol ítica s - Idade M édi a at é M
deAqui no
as forças que vão determinar a história política do Ocidente até aos nossos dias: o povo organizado com constituição, a so ciedade comercial burg uesa, o espiritualismo da Reforma e o intelectualismo d a ciênci a. Santo Tomás pôde alcançar essa espantosa concentração do passado e do futuro de um a civilização elevada mediante o mi lagre da su a personalidade. O s sentimentos de seu temp o eram fortes o bastante para dar forma separadamente a personali dade s imp onen tes e distin tas, d e João de Salibúri a a Sigério de Brabante. Santo Tomás absorveu-os e manteve-os em equilí brio. Comparando-o a Frederico II, podemos dizer que ele com partilhava da em patia do im perador com as forças da época, mas u ltrapassa va-o em inteligênci a e qualidades espirituais. O individualism o de ca ráter d e João de Salisbúria s e eleva ao pe r sonalismo espiritual do homem
político cristão; o hum anism o
de Santo Tomás integra Aristóteles e cria como subproduto o estudo das instituições israelitas. O individualismo espiritual de São Francisco aparece ainda mais radical no espiritualismo quase pr otestante de Santo Tomás; o populismo ffanciscano é continuado pela evocação da comunidade dos homens politi came nte liv res, enquan to as limitaçõe s do Cristo dos pobr es são superadas pelo reconhecimento da nova função do príncipe. A consciência secular de Joaquim de Fiore é trad uzid a na ideia de um a expansão da igr eja em to do o mun do; o horizonte es treito d a irm andad e m onástica é al argado à v isão imp erialis ta de um mu ndo de com unidades cristãs perfe itas. O intelectua lismo de Sigério e Boécio está plenamente presente, mas é equilibrado por um a orientação espiritual igualmente f orte. Através de seu domín io sobre as forças e da harm onização entre elas, Sant o Tomás to rnou -se a única figura capaz de dar voz ao p a th o s da cristand ade im perial medieval na linguagem do Ociden te moderno. Ninguém, depois de le, representou com o mesmo estilo grandioso - o homem ocident al es pirit ual e intelect ualmente madu ro.
12 • Sant o Ibm ásde A qui no 1 269
Í ndice
r e m is s iv o
A
sobre as pequenas nações ivres l
Abelardo, 202
protegidas pelo papado, 105
Abel e Caim, 108
sobre o amor Dei e amor sui, 132-133
Abraão, 148-149
sobre o Império Romano, 220nl4
actus,157
sobre osaeculum senescens, 123,151
Acúrsio, 25-26,197
Alanos, 56-57
Ad Gebhardum liber (Manegold de
Alarico II, 189
Lautenbach), 103n 13
Alberto Magno, 9 4,2 10, 211 ,217
África, 39,4 1,25 1
Alcuíno de York, 72-73
Agostinho
Alemanha, 53-5 4,167-16 8,170,1 72,
caracteriologia de, 132-133,133n3,
174,181
134,135
Alexandre de Afrodísias, 216
Carlos Magno e o Espelho de Santo
Alexandre de Halles, 94
Agostinho, 74
Alexandre II, 104
e abismo entre as comunidades
Alexandre, o Grande, 38
cristãs e a organização imperial, 163
Afonso VII de Castela, 173
e evocação política, 45 e iluminação individual, 263
Afonso VIII de Castela, 168-169 alma
e o fim da cristandade romana, 78
Aristóteles sobre, 179
e Pedro Damião, 97
e cardeal Humberto, 107
fundação sistemática Ha rristandadp,910
imortalidade da, 222
séculos “estéreis” após, 78
Platão sobre a, 44,140 ,2 53
, sobre a civitos Deie civitas terrena
pneumática paulina, 107
132-133
Sigério de Biabante sobre, 2a25,229n30
sobre a estrutura da história, 112,
Amazonas, 52-53
113,146-147,130
amor Dei, 132,133
sobre a Igreja, 160
amor sui, 132,133
anglos, 104
Arnold de Bríxla, 99
263 anima inteüectiva,
arte de governar/diplomacia, 172-173
animal otit p icum,256
Asciburgium, 51
Annales Laureshamenses, 69n5
Aspect, Alain,31
anônimo normando, 24,109-117,
aspecto não experienciável da realidade,
110n20,121-122
veja também Tratados de York
30n26 assembléia de Aix-la-Chapelle de 802,71
Anselmo de Cantuária, 110,112
Assis, Francisco de vejaFrancisco de Assis,
Anselmo de Havelberg, 147
Assize de Clarendom, 180,181
Anticristo, 151
atitude do místico-guerreiro, 88-90
Antiga Lei, 265-267
A Todos os Cristãos ( Francisco de Assis),
Antigo Testamento, 56 ,1 13 -1 14 ,1 14n26, 154,177,184,245-246,261
159 (autoridade), 20,73 auctoritas
Apocalipse, Livro de, 114n26,154
auctoritaspublica,257
263 apospasma,
auctoritassacrata pon tificum,63
Apuleio, 132
Auge, 53
Aquino vejaTomás de Aquino
Augusto, 37
árabes, 40-41,4 1n 2,199,2 13,218 ,220nl4
Aulo Gélio, 132
areté,254
autoridade episcopal, 236-237
arianismo, 44
avaros, 38
Aristóteles
Avempace, Abü Bakr Ibn Bãjja, 218
conhecimento de, retorno ao, 26,94,
Averróis (Ibn Rushd), 26,179,210-214,
124,127-128,129,200,209-214
De Anima de, 216,21 7 e bios
216,217,218-219,225,228-230n30 averroísmo, 17 8-18 0,200,2 11,213, 224,
215,216,255 theoretikos,
226-228,228-230n30
e escolas dominicanas, 94
averroísmo latino, 213,225n23,228n30
e Frederico II, 178
Avitus, Imperador, 66
e religiosidade intelectual, 215 e Tomás de Aquino, 94,2 10,2 11, 217 ,
B
220-221nl4,250-256,259,269
Bacon, Roger, 94
Física de, 210,216
Bártolo de Sassoferato, 198-199
Metafísica de, 210,216
Beatitudo, 255
mítico, 216-217
Becket, ThomasvejaThomas Becket
místico, 215
begardos, 91
de, 216 Organon
Belisário, 39
Política de, 216,247,250-25 1
bem e mal, 159,227
sobre a alma, 179
Bento de Núrsia, 74
sobre a pólis, 26,78,215,216
Bernardo de Claraval, 83-84,95,153
visão muçulmana de, 26,214-219
Bernheim, Ernst, 11 ln 22
aristotelismo, 26,94,124,127-128,200,
Bertrand de Bayonne, 234-236
209-219,220-221nl4,228-230n30,231, 237-238,243,250-256,258-259,262
2 7 2 1H ist óri adasI déi asPol íticas - Id ade M édi aa ltf M
BíbliavtjaNovo Testamento; Antigo Testamento
deA tjul no
Bierbaum,Max,211
e juramento de lealdade, 138
215,216,255 bios theoretikos,
e os avaros, 38
Blackstone, Sir William, 136
guerra da Saxônia de, 55
Boaventura, 233,234
reino lombardo incorporado por, 39
Boccaccio, Giovanni,132
teocracia de, 44
Bodin, Jean, 93,1 41, 151 ,23 5 Boécio de Dácia, 41-42,210, 223-224 , 225,229-230n30,269 Bóhmer, Henrich, 110n20
título de, como governador, 19nl7 Carlos Martel, 66-67 Carlyle, Alexandre, 102-103,104, llln22
bolcheviques, 90
Cartaa Jesi(Frederico II), 175-176,184
Bonizo de Sutri, 9 8-99,111
(Harding), 84 carta caritatum
Borgia, Cesare, 176
carta de caridade, 83-84
Borgonha, 81
casamento dos sacerdotes,112
borgonheses, 53-54
Cassandra, 53
Bouvines, Batalha de, 171,173
Cassiodoro, 41-42, 52
Breviarium Alaricianum (Alarico), 189
César, 37
Bryce, James, 1 2, 43 ,4 4, 65
césaro-papismo, 71,72
Büchner, Maximilian, 70n6
Châlons, batalha de, 38
budismo, 88,93
charismata e monarquia carismática,
Bula de Ouro de Rimini,87-88
73-74,79,137,183,206,235
Bulgarus, 201
Childerico, 67
Bünde, 90
China, 14,37»42n2,93 Chipre, 252-253
c
Christenmensch , 236
Caim e Abel, 108
(Crônica de Chronicon Moissiacence
Calábria, 104
Moissac), 68-69
Califado Almóada, 219-220
Cícero, 191,192-193
calvinismo, 153
Cimbros, 37
Calvino, João, 81
cínicos, 215
Camaldoli, 82-83
ciompi,257
(Francisco de Cântico as d Criaturas
Ciro, Rei, 53
Assis), 165,185 Cantor, Georg, 31
Cister, 83-84 citas, 53
capitular de 802,71
199 eives Romani,
caracteriologia, 131-135
civitas(comunidade civil), 26,2 27,2 51,
caritas concord a mem brorum, 101n8
253,254,255
Carlos II, rei, 73
civitasDei,13 2-133,133n3
Carlos Magno
civitasdiaboli,108
coroação de, 23-2 4,68-6 9,77 -80
261 civitas perfecta,
divisões do Império depois da morte
132-133 civitas terrena,
de, 40
195,247 civitates,
e Espelho de Santo Agostinho, 74
clã de Minamoto, 88-89
Claraval, 83-84
argumentos papais e Imperial* «obre a,
classes sociais, 225
99-101,101-102n8
Clef, 56
como cume espiritual da Idade
Clemente, 237
Média, 36
Clóvis, 40,66
e Cardeal Humberto, 106-109
Cluny e a reforma duniacense, 81-83, 86-87,95,121
e Concordata de Worms, 80,106 e declínio e reformado papado, 95-96
comentário (Alexandre de Afrodísias), 216
e Gregório VII, 80,96,102-106
Comentários (Averróis), 210,213 commune consi lium reg ni,139 communisopinio, 197
e movimento da Pataria, 98-99 e os Tratados de York, 109-117
“compromissocom o mundo”, 21,125
e papado, 24,95-96 ,99-1 06
Comte, Auguste, 150
e simonia, 24,99-101
comunidade, 140-141,183-184,246-247
literatura concernente, 45
veja também ecclesia ( comunidade) comunidade temporal e espiritual,
questão essencial da, 80 raizes da, 72
formulação da, 72-75 comunismo, 9 0 ,1 52 ,231n31
e ordem beneditina, 81-82
transformação das evocações pela, 22,24,27,78
Concilio da Calcedônia, 62
conversi (irmãos leigos), 83
Concilio de Clermont, 85
Corão, 26,2 14-215,21 7-218
Concord antiadiscordanti um canonum
Coríntios, Epístola aos, 19
(Graciano), 202 concordata de Worms, 80,106,121,125
concordia novi ac veteri s testamenti,151 conquista normanda, 128,138,151,167168,172,252
conregnans, 115-116 consciência nacional, 55,172,173 Constançada Sicilia, 169,171
corpo místico de Cristoveja corpus
mysticum corpu s diaboli, 107,116 202 corpu s juris canonici, corpusjuris civilis, 177,202 corpusjustiniano do direito romano, 25-26,190-194,196-197,198
corpus mysticum (corpo místico), 18,
Constâncio II, 65
73-74,100-101,101n8,127,140,154-
Constante II, 64
155,166,179,181,183,224,228,232,
Constantino, Imperador, 18,23,65,
234,235,267-268n6
69-71,220nl4
corpus mysticum Francisci, 127 Corte de Karakorum, 9 2, 93 -
26,174-182,202-203
Cosmas Indicopleustes, 18
(Frederico II), 25, Constituições de Melfi
Constitutio Deo auctore (De conceptione cosmion, 15,15nl0,17,124 digestorum), 193-194 cosmópolis, 137 Constitutio Lotharii, 96n4
cristandade
Constitutio omnem, 192
cesareana, 182-185
Constitutio tanta (De amfimatione digestorum), 193-194
cismas na, 114,116 cristianismo frandscano, 164
contrato social, 138nl0,255 Controvérsia das Investiduras
2 7 4 1 H ist óri a das Idéi as Polí ticas - Idade M
crÍ8tlanl*mo oriental, 193-194 crlitologl* inonnflslita, 62,63-64
édi a at é Ib tn íi de A quino
Tomás de Aquino sobre, 245,248
diferenciação entregoverno e, 13-14 e aristotelismo, 94 ,209-2 10,21 7,22 0-
cristologia monofisista, 62
221nl4,228-230n30
cruzadas, 36 ,84,8 5-86 ,87,1 22,1 80, 251,252
e Carlos Magno, 44 e cristandade cesarean a, 182-185
culto a “Marte”, 52
e filósofo ocidental, 219-220 e igreja como corpo místico de
culto de Odin, 51
Cristo, 19-20 ,73-7 4,97 ,101n8,140,
D
154-155,179,182,232,268n6
Dales, Richard C., 229n30
e intelectualismo, 242-246
Damião, PedrovejaPedro Damião
e mosteiros, 23-24,74-75
Daniel, livro de, 68
e ordens mendicantes, 91-94
Dante Alighieri, 124,145
e pobreza, 159- 160,16 1,209,2 11,
Dário, 53
231-237
Darré, Ricardo Walter, 55
e reino do céu, 44 e tribos germânicas, 38
De Anima (Aristóteles), 216,217 De conceptione, 193,194 De consideratione übri quinque ad Eugenium (Bernard), 84
fé e razão, 213-214,21 5,216,2 21-223 ideal de existência humana, 223-224 ordem absoluta da, 193-194 Tomás de Aquinosobre a comunidade de cristãos livres, 254-256 Cristo, Igreja, papado veja também cristianismo oriental, 193-194 Cristo como sacerdote, função redentora de, 114 como sofredor, 163-166,175, 182 conformidade com, e Francisco de Assis, 163-166,174-175,182,217, 231,238
222 de naturalibus naturaliter, Depericulis novissimorum temporum (Guilherme de Saint Amour), 233
De regimineprincipum (Tomás de AquinojT246-247,251,252n3,253, 257,258
De sancta trinitate et operibus eius (Rupert de Deutz), 146-147
Be unitate intellectus contra Averroistas (Alberto Magno), 211
De unitate intellectus contra Averroistas (Tomás de Aquino), 211
e autoridade episcopal, 236-237
decadência,150-151
e Segundo Reino da história,145,
declaração gelasiana, 62-63,69-72,
148-149 e separação dos poderesespiritual e temporal, 62-63 Frederico II e Cristo como 182 cosmocrator, função real de, 24 ,11 4 igreja como corpo místico de, 19-20, 73-74,97,101n8,140,154-155,179, 182,232,268n6
77,95,100,121,122-123,172,207, 247,256
Decretum Gratianum, 26,201-202 Defensio Henrici IV regis (Pedro Crasso), 101n8
Dei gratia, 183 Deliberado Papae (Inocêncio III), 203-207 Dempf, Alois, 7 0n 6,10 3n l3,212,227,
intramundano, 165-166 no Getsêmanl, 143
230,266 derrota, mito da, 53-54
í ndice re m ist ívo 1 275
Deus caráter trinitário de, 193,244
legislação dr )ust111i.mi>do,
191 194, I9(>197, 198
e hierarq uia esp iri tual, 234-2 36 sentido aristotél ico de, 223-22 4,243
lexgenc rali s , 195 190 lexRomanorum , 195
Tomás de Aquino, 241-243,249-250,
mito do, 190-196
Deu253-255 sdedit, Cardeal, 98n6
m to contrageiro o direi romovimen an o “estran ”, 55 to
D ictatu s p a p a e (Gre gó rio VII), 102
renascimento do, 25-26,123
Dieta d e R oncaglia, 2 01
129,187-190,195-202
D igesto, 194,198-199,200,202 D ign it as concessa, 1 38 -139 nl0,1 83
teo ria cristã do, 178 teoria do, de Tomá s de Aquino, 27
dinastia sung, 14
teoria tom ista do, 259-2 68
Diocleciano, 65 direito
124,
doação de Const ant ino, 69-71,70 n6 ,104, 199
canônico, 201-203,237,247 Cícero sobre o, 191,192-193 codificação de Justiniano do, 25-26,
de Pepino, 67,70 dom ini canos, 86,91-94,245 dom inus m undi , 174
191-194,197,198
Dostoiévski, Fiodor, 151
eGraciano, 201-202
doutrina católica, 55,267,267n6 doutrinações, 29
influência do direito roma no renas cido n as idéias políticas, 2 00-201
Dove, A lfred, 57
lonibardo, 190,195,196,201
Du ns Escoto, 94
ociden tal e rom ano, 188- 190
fíu x e B a bylo ne,
positiv o, 261 ,2 62,2 6 4-265 rel ação en tre a política impe rial c a
í/m x
escola de direito de Bolonha, 20 1 revita liza ção bolon hesa do direit o romano,25-26,187,190,
195,196-199
romano, 25-26,55,124,129,132, 139n l 1,142,187,188-202 am álgama das idéias r
oma nas e
cristãs, 194
149
(líder), 149,151,152,157,184
E ecclesia (com unidade ), 19,162- 163, 181-182,235
Écloga (Virgílio), 174-175 efésios, Epístola aos, 19 Egídio Rom ano, 200 Egito, 63,217-218,251
can oniz açã o do , 191 -193 Cícero sobre, 190-193
E kth esis (expo sição d a fé), 64
e direito Iomb ardo, 189- 190,
E lo gio das V irtu des, 157-159 E m B usca d a O rd em , 30 ,30 n25, 30n26 E ncyclic a im pera toris, 184n5 E n éa d a s (Plotino), 216 en spri m um , 223-224
195-196,201 e direito ociden
tal, 188-190
e Igreja, 195 e João de Salis búria, 132 ,13 9 nll, 142 e ordem abso luta cri stã, 193- 194
Eleono r de Aquitânia,
epicuristas, 215
168- 169
E xception es P etri, 189,195 E xpositi o a d li b ru m pa pien sem , 195
E pís(Itola a d ca p ilu lu m g a w ra lc t iiiu Is u i dr Assis), |59n4
276| llislóriatl;isItlciiis1’olflias IdadeMliMMllltAtjllllio
Epístola adpopulorum redores
evocação
(Francisco de Assis), 159n4
como formulações da totalidade,17
epístolas, 19-20
crescimento de uma, 77-80
Epistula ad HerimannumMetensem
de Francisco de Assis,166
(Gebhardt de Salisburgo), 101-102n8
definição de, 15,16-17
Epistula ad Hildebrandum (Wenrich de
do Império Carolíngio, 78 do império medieval, 78
Epistula XII (Gelásio 1), 62-63
dos “reinosnacionais”, 23
eremitas, 82-83
e predomínio do espírito, 79-80
Ermanarico, 39-40
e tensão entre a ideia ea realidade,
erosplatônico, 84
78-79
escatologia, 20 ,21 ni9 ,24,54,108 ,109,
platônica, 215
Trier), 101N8
111,143,159-160,231-232
política, 15,124
(fim), 20 eschaton
Sacro Império como, 35-36,45,77-80
escolas de Bolonha, 25-26,18 7,188-1 89, 196-201,203
transformação de uma, pela Controvérsia das Investiduras, 22,
escravatura, 135,254-255
24,27,78
escravos, 135,14 2-143,1 82,254- 255
Exceptiones (Gerardo de Abbeville),
escrituralismo protestante, 116-117
236-237
Espanha, 41,56-57,122,245,251
Exceptiones Petri, 189,195
Espelho do Papa, 84
existência
espelhos do príncipe cristão, 74
coletiva da humanidade, 224-226,227
Espírito Objetivo, 225
nacional e monarquia nas tribos
Espírito Santo, 91,107,108,127
germânicas, 55-58
espiritualidade, definiçãode, 22
Êxodo, Livro do, 114n26
Estácio, 132
Exousia, 73-74
estadista, 172,173,204
I Expositio ad librumpapiensem, 195
Estevão II, Papa, 67,70n6 Estilicão, 66
F
estirpe cesariana , 183-184
Falsos Decretais, 202
estoicos, 127,132,191,200,215,263,264
familia, 253-254
ética utilitária, 226-229 ,229n30
Fàrãbi, Abü Nasral-, 218
ética, 226-228,230-233
jasá,%
Eugênio III, papa, 84
fascismo, 90 ,231n31
Euripilo, 53
Faylasúf, 214-219
eurocentrismo, 11-14
fé
Eusébio, Bispo, 18-19
e razão, 213-214,215,216,219,221-
evangelhos, 142-144,154,157-158,
223,243-245,249
160,248
Evangelium aetemum (Gerardo de Borgo
justificação pela, 267-268,268n6 FélixHI, papa, 62-63
San Donino), 15 4,232,247 -249
emgellum regni, 154
feudalismo, 104-106,108 ,127,136-139 , 138nl0,153,267
Fichte, Johann Gottlleb, 55,150,151
fidelitas (juramento de lealdade),102106,108,127
cn rtiiH abe rtas no s fi éis , de, 1 5 9 ,139n4 com o cum e es plr lt uul da Ida de M édia, 36
fides (lealdade), 58,104
como figura proeminente,126-127
Filipe de Macedônia, 53
comparado om c Joãode Salisbúria,158
Filipe de Suábia, 17 0,1 71 ,204
comparado com Tomás de Aquino,
Filipe II Augusto, 169-17 0,171 ,173
254-255,269
Filipe IV, o Belo, 87
doutrinaversusações de, 157-158
filosofia
e conformidade com Cristo,163-166,
e fé e razão, 221-223
174-175,182,217,231-232,237-238
e intelectualismo cristão, 242-246
e cristão intramundano, 224
elogio do filósofo, 223-224
e Cristo intramundano, 165-166
filósofos hispano-muçulmanos,
e ecclesia dos leigos, 162-163
219-220
e Joaquim de Fiore, 157-158,159-160
helênica e helenística, 215,218,219,
e natureza, 164-165
245-246,263
e submissão à igreja, 161-162
islâmica, 211,213-219
e vida de pobreza, 159-160
o filósofo ocidental e a cristandade,
Elogio das Virtudes, 157-159
219-220
em Evangelium aetemum, 232
filósofos específicos veja também
estigmatização de, 166
filósofos árabes, 213-219,214n 12
importância de, 91
Fiore, Joaquim de vejaJoaquim de Fiore
organização da Ordem Franciscana
Física (Aristóteles), 210,216 Flora, Joaquim de vejaJoaquim de Fiore foederatus, 67
por, 91
Fontebuono, 83
Primeira Regra de, 160
fortuna, 204 fortuna imperialis, 194
Regra de, 160,161,162 de, 161 testamento
França
panorama do pensamento de, 25,269 personalidade de, 162-163
francos, 23,39-40 ,50,51,5 7-58,61 ,66-69
estrutura feudal e movimento
Império Carolíngio; veja também
comunal na, 257
Carlos Magno; reino dos francos
integração do passado germânico na consciência nacional, 54-55 João de Salisbúria na, 251
Frederico I Barba-Ruiva, 19nl7,169, 170-171,172-173,207 Frederico II
monarquia na, 57-60
Cartaa Jeside, 175-176,184
movimentos populares heréticos, 93-94
como Anticristo, 128,166,174
no século XIII, 171-172
como figura proeminente, 122-123,
templários em, 86-87
168,174-177,269
ffanciscanos, 86,91,9 2-93 ,94,1 27,1 62, 164,200,23,245,246,269 Francisco de Assis anti-intelectualismo de, 245-246-—
Constituiçãoda Ordem Teutônica de, 87-88 disputas com os papas, 128,169-170, 176,183-184
de, 165,185 Cântico das Criaturas
2 7 8 1 H ist óri ad asIdéi asPolí ticas- Idade M édi oitéIbmtf
e Batalha de Bouvines, 171,173
ii deA qui no
e Constitui ções
de M elfi,25,26,174-
governo
182,202-203
constitucional, 256-259,266-267
e Cristandade Cesareana, 182-185
diferenciação entrereligião e, 12-13
e Deliberado Papae de Inocêncio III,
pólis, política veja também
203,204
Grabmann, Martin, 212
e lei de resigna ndis rpivilegiis,172
Graciano, 201-202
e Tomás de Aquino, 24 6-24 7,254 ,269
Grande Chartreuse,83
papéis de, 175,224
Grandmont, 83
Privilegium infavoremprincipum 172 eccksiasticorum,
Grassaile, Charles de, 51n3 Grauert, Heinrich, 70n6
qualidades pessoais de, 174-176
Gregório de Catina, 101n8
tentativa de abolir a escola de direito
Gregório I, o Grande, papa, 64-65,70,
da Bolonha, 201 Frederico III, 19nl7 Frontino, 132
101n8 Gregório III, papa, 66-67 Gregório IX, papa, 128,16 2,1 70, 203 Gregório VII, papa, 80 ,96, 102 -106 ,
G
167-168,205,207
Gaguin, Robert, 51 Gália e gauleses, 37,39-40,51,66,68, 74,251 Galileu Galilei, 2 21n l4
Grócio, Hugo, 249 Grosseteste, Roberto, 94 guelfos, 169,170,171,201 guerras albigenses e cruzadas albigenses,
Gebhardt de Salisburgo,101n8 Gelásio I, papa, 23,62-63 Genebra, 81 Gênesis, Livro de, 177-178 Gengis Khan, 38 genoveses, 85
gens veja nação (gens) Geoffrey de Anjou, 168-169 George, Stefan, 54n7 gépidos, 56
122,162,180 guerrawlos^narcoma nos, 37 guerreiro-monge, 89 Guilherme de Moerbek e, 210 Guilherme de Ockham, 94,200 Guilherme de Rubruck, 93 Guilherme de S. Amour, 203 Guilherme II da Sicília, rei, 168-169 Guilherme, o Conquistador, Rei, 104, 168
Gerardo de Abbeville,236-237 Gerardo de Borgo San Donino, 232,234
Guiscard, Robert, 104 Guy de Lusignan, 251
Gerardode York, arcebispo, 1 10 ,1 10n20 51 Germania(Tácito), 3 (monge de São Gall), 68 Gestis Caroli
H
Ghazãli, Muhammad al-, 218
Habsburgos, 19nl7
gibelinos vejaguelfos
Harding, Stephen, 84
90 Giovaneltalia,
Harrington, James, 99
Gobineau, Joseph-Arthur de, 5
Hauriou, Maurice, 59,6 0
godos, 49,52-53,52n5,53n6,56-57
Hegel, G. W. F., 78,150,151,225,250
Gontram, Rei, 58
Henoticon, 62
Gorce, Matthieu-Maxime, 212,226, 226n25,238
Henrique I, rei, 168-169 Henrique II, rei, 131,168-169
índice rem issi vo 1 279
Henrique III» Imperador, 95-96
H is tó r ia d o s G o d o s (Jordan
Henrique IV, imperador, 80,96,102,
H is tó r ia
103nl3
ai), 5 2 d o s L o m b a r d o s (Paulo, o
diácono), 56
Henrique, o Leão, 168-169
História dos Visigodos (Isidoro), 53n6
Henrique V, imperador, 206-207
Hobbes, Thomas, 59,1 16, 134 ,134 -
Henrique VI, imperador, 22-23,3 5,1 69171,173,207
135n6,180-181 Hodges, Richard, 13,42n2
Heptaplomeres (Bodin), 93
Hohenstaufen, 19nl7,125,169,170,
Herádio, 64
171,183,202nl0,207
Herádito, 124
homem comum, 225-226,243
Hércules, 52-53
255,256,257 homo Christianus,
hereges e heresias, 100-101,152,1 80,
Honório de Autun, 147
181,193,245
Honório III, papo, 170
heresias especificas veja também
Honório, imperador, 66
Hermann de Metz,102 Hérulos e reino dos hérulos, 38,39, 54,56
Horário, 132 Hospitalários 86 Hugo, 201
Hesíodo, 78
Hugo, Abbot, 82
235 hierarcha homo,
Hugo Capeto, 57-58
hierarquia
humanos
eclesiástica, 234-236,238
Aristóteles sobre, 255-256
espiritual, 2 34-23 6,238
caracterologia de João de Salisbúria,
hierarquias, 234- 236, 237,2 46-24 7,257n5
132-135
Hincmar de Reims, 73-74
como unidade coletiva, 224-225,226
hindu, hinduísmo, 13-14
tipos agostinianos de, 133-134
história
Tomás de Aquino sobre, 255-256
Agostinho sobre a, 112,113-114,
Humberto da Silva Cândida, 24,106-109,
146-147,150
110,111,113,164
Cardeal Humberto sobre a, 107-108
humiliati,91
categoria paulina de, 113-114
hunos, 37-38,40,49-50,52,53-54,53n6,
como “curso", 27-31
54,57
filosofia da, 248-249 ideia babilônico-helénica do etemo
I
retomo dos anos do mundo, 227
Ibn Bãjja, Abü Bakr, 218
Joaquim de Fiore sobre,145-151
Ibn Hanbal, Ahmad, 218
teoria kantiana da, 150
“Idade das Trevas”, 78
Tomás de Aquino sobre, 241-250
Idade Média
três idades da história nosTratados
Bryce sobreo caráter “apolltico” da,
de York , 113-114,126
12,43-44
História das Idéias Políticas (Voegelin), 14,27-28
^
definição de, 11-12 diferencial entre religião e governo
História dos Godos (Cassiodoro), 52
na, 13-14
e “compromisso com o mundo”, 21,
e hierarquia espiritual, 234-236,238
22,125,166
e varietas
e as obras posteriores de Voegelin,
Francisco de Assis sobre a,161-166
27-31
função de emergência daIgreja
e direito romano, 25-26
Romana, 114,116
e feudalismo, 104-106,108,136-139,
nacional inglesa, 116
266-267
Romana nosTratados
e isolamento do Ocidente, 40-42,42n2
114-117
e migrações, 19nl7,22-23,36-40
territorial, 71
enquadramento teórico de Voegelin
Tomás de Aquino sobre, 246-247
sobre, 15-22
cristandade, papado veja também
147 religionum,
de York,
esboço de Voegelin do conteúdo
Ilíria, 63
sobre a, 22-27
imanência, 22,26,30,150-151
estrutura geral da, 35-36
imanentismo maniqu eísta, 159
estudos medievais e “a Alta Idade Média”, 11-14
imanentização, 29-30
fase preparatória para o Sacro
império (imperium ), 99,100,108,110,
Império, 22-23,36 Império Carolíngio, 19-20,23-24,
imperat or in ergnosuo,177 162-163,193,205 Império
42n2,61-75
Abássida, 42n2
modernidade na, 22
Sassânida, 193-194
política espiritual em geral, 43-45
Bizantino, 35,39,40-42,63-66,72
tese de Pirenne sobre a, 13,42n2
Carolíngíd
pensadores específicos veja também 60 idée directrice,
após a morte de Carlos Magno, 40
idéias
68-69,163
como Sacro Império, 18-19,
definição de, 16
criação do, por Carlos Magno,
diferentes de evocações, 16
23-24,68-69
“lacuna” ou “interva lo" nas, 77-78
declínio do, 95-96
tensão entre realidade e, 78-79
e c oroação de Carlos Magn o, 23-
identidade helênica, 50
24,68-69,77-80
idiota(leigo), 158,162,243
e Império Abássida, 42n2
Igreja
e juramento de lealdade ao
Agostinho sobre, 160
imperador, 71,138
como corpo místico de Cristo, 19-20,
e ondas de migração, 79
73-74,97,101n8,140,154-155,179,
evocação do, 78
182,232,268n6
processo de construção do, 23-24,
como corpu 116 s diaboli,
61-72,77-80,105
e a capitular de 802,71
refundação do, pelos i mperadores
e aristotelismo, 209-210
saxônicos, 79-80
e autoridade episcopal, 236-237 e direito romano, 195
francos veja também Huno, 38
Inocêndo III,p a p a , 122, 128,160,162,
Romano
170,171,173,180,203.207
dimax do, após a Terceira Cruzada, 35
Inocêncio IV, papa, 170
como Sacro Império (sacrum
inquisição, 180,228-229n30
19 nl7 ,21,22-24 , imperium),
Institutio Traiani (Plutarco), 140
35-36,44-45
Intelecto Ativo, 216
comparado com o império
intdectualismo
islâmico, 2 20nl 4
e Averroismo, 21 9-231,243
construção jurídica do, no período
e Sigério de Brabante, 219-231,269
da migração, 65-66
intelectual cristão, 242-243
e juramento da dientda, 71
interregno, 170
e migrações, 36 -40 ,42 n2, 49-60
“investigação régia” , 180
e totalidade, 18-20
Irene, imperatriz, 68
e totalidade unitária do reino de
irmandade das pessoas autônomas,
Cristo, 20,21 fim do, 65-66
152-155 Irnério, 25-26,19 7
fundação pagã do, 220nl4
Isaac, 140
movimento lento de cisão do
Isaías, Livro de, 114n26
velho Império Romano, 78-79
Isidoro, Santo, 53n6 ,56-57,258265
período preparatório para o Sacro
Islã, 13-14 ,20,64,85,92 ,94,173,211,
Império, 22-24,36
213-219,288-289nl4,246
transferência do Império e
israelitas, 54,56,58,256-257,258,259,
coroação de Carlos Magno, 61
266,269
vejatambém judeus
impérios ecumênicos, 28-29
Istria, 63
ortodoxos, 28-29,220nl4
Itália
imperium veja império {imperium),
democracia das cidades, 259
índia, 13-14,42n2,199
império ostrogodo na, 39,62,63
108 infidditas,
invasão germânica da , 62-63
Inglaterra
lombardos na, 36-40
autoridade régia na, 138
movimento da Pataria na, 98-99,111,
Constituição da, 258
122,180,227,257
e a conquista normanda, 37,12 8,1 38 ,
movimento popularherético na,
151,168,172-173,252
93-94
e Magna Carta, 139,171-172
ordens anacoretas, 82-83
feudalismo na, 136
poder bizantino quebrado na, 64-65
igreja nacional na, 116
regra normanda na, 168
João de Salisbúria sobre a, 251
reino lombardo na, 39 ,56 ,57 -58 ,65
parlamentarismo na, 257
Renascimento na, 41-42
reis durante o século XII, 168-169
visigodos na, 53n6
RevoluçãoInglesa, 99
—
papado
Inocêncio II, papa, 170
veja também Itinerartum (Guilherme de Rubruck), 93
2 8 2 1 H ist ór iada s Idéi as Pol ítica s - Idad eM édi ait ó M d iA qui no
I
homem espiritualmente mad uro
Jacó, 149
de, 155
Jacobus, Jurista , 201
panorama do pensamento de, 25
Jafé, 53n6
sobre a decadência,150-151
Jaime I, rei, 99
sobre a função do pensador político,
Japão, 88
151
João Batista, 149
sobre a irmandade das pessoas
João de Monte Corvino, 93
autônomas, 152-155
João de Parma, 232
sobre o dirigente do terceiro reino, 152
João de Piano Carpini, 92-93
JonasdeOrleans,74
João de Salisbúria
Jordanes, 52,57
caracteriologiade, 131-135
judaísmo, 20
como figuraproeminente, 123
judeus, 42n2 ,54 n7 ,199, 245,258
veja também israelitas
comparado com Francisco de Assis, 158
Juliano, o Apóstata, 65
e comunidade como organismo, 140-
juramento de lealdade, 71,102-106, 108, 127,138
141,183-184,247 e direito romano, 13 2, 139nl 1
Justiniano, 25-26,63,63n2,177,190194,196-197,198
e indivíduo intramundano, 224, 236,269
Juvenal, 132
influências sobre, 139nl 1
Policraticus de, 131-135,14 0-144,145
K
poucos traços do feudalismo
Kant, Immanuel, 22,30,31,150
encontrados em, 136-139
Kindi, Abú Yüsufal-, 21 3,218
província como termo usado por, 251
263,264 koinos nomos,
sobre o tiranicídio, 141-144,257
Krimm-Beumann,Jutta, 11 ln22
visão geral do pensamento de, 24-25, 154-155
L
'
João, Evangelho de, 143,243
La Bruyère, Jeande, 132
João, rei, 170
La Cava, 82-83
Joaquim de Fiore
Landeskirche (igreja territorial), 71
como figura eminente, 123,174-175 Lauresheim, 68 comparado com Tomás de Aquino, 269 Leão I, papa, 62 e estrutura da história cristã,145-149
Leão III, papa, 63
e Francisco de Assis, 157,159-160
Leão IX, papa, 96 ,1 07
em Evangeliumaetemum, 232,
Leão, o Isáurio, imperador, 64
247-248
Lechfeld, Batalha de, 38
e os três reinos da história,129,
“legalidade” do governante, 60
145-149
lei
e significado da história, 150-151,224
antiga e nova, 265-268
e Terceiro Reino do espírito, 129,145,
Constit uições de elfi M de Frederico II,
148-152,232,248
25,26,171-172,174-182,202-203
Decretum Gratianum, 26,201-202
Liber de unltate ecclesiae conservando
Deliberatíopapae de Inocêncio III,
(Walram de Naumburgo), 101n8
203-207
Libergratissimus (Pedro Damlâo), 97
divina, 142,260,264,265-266
Liber qui inscribituradamicum (Bonlzo
eterna, 27,260-262
de Sutri), 99
Frederico II e leide resignandis
liberdade, 135
privilegiis, 172
liberoru m multit udo,254
humana, 261,26 4-265 ,266
( liberdade divina), 234 libertas divina
mosaica, 113-114n25,148
Libri tres adversus simoniacos
natural, 25 ,27,10 3,148,1 78,262 -264
(Humberto), 107
pagã, 113-114n25
liga lombarda, 173
pneumática, 113-114n25
literalismo, 220-221 nl4
Rexpacificus de Gregório IX, 203
Locke, John, 256
leigos, 162-163,243
Leis (Platão), 216 Lênin, V. I., 152
lombardos, 36-4 0,56 ,57-58 ,64,65 Lotário deSupplinburg, imperador, 206
Louvor do Imperador (Piero delia
Leviatã (Hobbes), 116 lex,191,194 direito, direito, romano veja também
Vigna), 184-185 Lucano, 132 Ludendorff, Mathilde de, 55
265 lex ab hom inibus inventa,
Luís, o Pio, imperador, 73,74
265 lex adinventa,
Luís X, rei, 57-58
lexaetema,112,113,260-263 lex divina, 260,261
M
195-196 lexgeneralis, lexhumana,260,261,262,264-265
magiares, 3 8, 42n2, 54,8 5,95
lex humanit us posita,265
Magna Carta, 6 2- 63 ,1 03 nl 3, 139,
260,261 lex naturalis,
magistermilitum,66 171-172
24 8,2 67, 267-268n6 lex nova,
Magog, 53n6
lex pos itiva,264-265
Maimônides, 235-236
139,139nll, 200-201 lex regia,
Maitland, Frederic William, 136
lexRomanorum , 195
mal, 107,159,206-207,22 7,231,
Libelluscontra invasores et symoniacos et reliquos schismaticos (Deusdedit), 98n6 LiberAugustalis (Frederico II), 177 Liber de causis (Sigério de Brabante), 228-229n30
Liber de controversis inter Hildebrandum
254-255 Mandonnet, Pierre, 211,223 Manegold de Lautenbach, 103nl3, 138-139nl0 Máquiavel, Nicolau, 74,125,135,254 Marcial, 132
(Wido de etHenricu Imperatorem
Marco Aurélio, 37
Osnaburgo), 101n8
Marsílio de Pádua, 200
Liber de unaforma credendi et multiformitatevivendi(Anselmode^
Martinho I, papa, 64 Martinus,Jurista, 201
Havelberg), 147
marxismo, 153
2 8 4 1H ist óri adas Idéi asPol íticas- IdadeM édi aat óIbm áideA qul no
Mateus, Evangelho de, 143, 144 ,154 ,
e TerceiroReino do Espírito, 129
160,184
reforma anacoreta e intensidade
Matilda, Condessa de Anjou,168-169
espiritual, 82-83
Mazzini, Giuseppe, 90
reforma cisterciense emosteiros
Mesopotâmia, 40-41
cistercienses, 83-84,15 3
(Aristóteles), 210,216
reforma duniacense e ordem
Metafísica Metanoia, 107 migrações
soberana, 81-84, 86-8 7,95 ,121 mosteiros beneditinosvejamosteiros
asiáticas, 22-23,37-38,39-40,42n2
Movimento Conciliar, 237
e Império Carolíngio, 79-80
Movimento da Pataria, 9 8-9 9,11 1,12 2,
e isolamento do Ocidente, 40-42,42n2
180,227,257
germânicas, 19nl7,22-23,36-39,
movimento galicano, 237
49-60
muçulmanos, 13,26,85,86,94,95,173,
Grande Migração, 3 6, 37 ,3 8, 40 ,5 0 84 ministerium rton dominium, missi,138 misticismo, 216, mito
179,209-210,214-215,218,219, 221nl4,235-236,245-246
(multidão), 255 multitudo 256-257 multitudo p erfecta, mundo veja mundus; saeculum
da derrota, 53-54
mundus(mundo), 115,158,160
de Borgonha, 53-54
Muret, 83
de Virgílio, 50
Mussolini, Benito, 90'
franco, 50-51 germânico em geral, 49-54
N
-
greco-romano, 49-51 homérico, 50
nação (gens ), 51,55,56,57,59,180,251 nacional-socialismo, 55,89-90,180-181
ostrogodo, 52-53
Napoleão III, imperador, 59
modernidade, 22,112,125
Narses,39
monarquia, 257,258
naturauter animal sociale, 255
hebraica, 56,58,137
natureza, 163-165,193-194,217
monge de São Gall, 68
nazismo vejanacional-socialismo
monges irlandeses, 74
neoconfocianismo, 14
mongóis, 38, 42n2 ,92-93,95
neoplatonismo, 216,235-236,263
monopsiquismo, 225n23 Monreale, 83
nestorianos, 64 ,93 nibelungos,Nibelungenlied, 23,53-54
Montano, 146-147
Nicolau II, papa, 96,104
Monte Athos, 83
Nietzsche, Friedrich, 176
Montesquieu, Barão de, 55
nomos empsychos, 166 nomos-logos, 191
mosteiros e cristianização dapopulação, 23-24,
nórdicos, 37,4 0,79 ,25 2
74-75
normandos, 8 5,167 -173,2 52
e reforma monástica, 81-84
Nova Lei, 26 6,26 7-26 8,267n6
e regra beneditina, 74 -75,81-82 , 82-83,153
Novo Testamento, 27,113-114,143,144, 154,160,184,243,245,247-248,260
í nd i ce rem isi ivo 1 285
0
panlflces, 227n27
ocidente, isolamento do, 40-42,42n2
papado
207 oderuntDeum,
como principado temporal, 70
Odilo, 82
corpo eleitoral do, 96 ,96n4
Odoacro, 39,65,66
declínio e reforma do, 95-96
(mundo habitado), 18 oikumene On the A greement ofR eligiort wit h
diferenças entre Império Bizantino
Phibsophy (Averróis), 218-219 256-257 optimates,
e, 64-65 e a Controvérsia das Investiduras, 24, 95-96,99-106
174,193,194 orbis terrarum,
Ordem eHistória(Voegelin), 14n8,
e Decretum Gratianum, 26,201-202 e doação de Constantino, 69-71,
27-28,30n25 ordem fiorense, 153
70n6,104
ordem militar
e doação de Pepino, 67,7 0
comparado com místico-guerreiro de
e Frederico II, 128,170,176,183-184
Kamakura, 88-89
e hierarquia espiritual, 234-236
ordem teutônica, 87-88
e Império Carolíngio, 62,64- 72
soldado político, 89-90
e movimento da Pataria, 98-99
templários, 86-87
e mundo cristão de estados menores,
Ordem Terciária, 162
106,122-123,167-168,169-170
Ordem Teutônica, 87-88,252
e reino franco, 61, 62, 65-7 2,1 05
ordens mendicantes, 85-86,91-94,209,
Gelásio e separação dos poderes
Organon (Aristóteles), 216
21 l,228-23 0n3 0,231-232,236
temporal e espiritual, 62-63 papas cistercienses, 83-84
Oriente Médio, 42n2
papas deCrescentian, 95-96
srcem contratual do estado, 103nl3
papas reformadores de Cluny, 96,122
(Gregório Orthodoxa Defensio Imperialis
papas toscanos, 95-96 poder ilimitado do, 237
de Catina), 101n8
“poder indireto” do papa em casos
ortodoxia, 29-30
temporais, 100
islâmica, 217-219 ostrogodos, 37-38 ,39,40 ,52-53 ,54, 57,62,63
Igreja veja também papas
Otão I, o Grande, imperador, 39,40,69,
de Crescentian, 95-96 toscanos, 95-96
79-80,95 Otão IV, imperador, 170,171,204
papo-cesarismo, 71 ,72
Ovídio, 132
Parteigericht, 90 partos, 52
P
Pascoal II, papa, 101-102n8,207
pagãos, 62 -63 ,74 ,114n25,11 7, 245-246
'0nl4,
patricius Romanorum, 67 Paulo
Palestina, 41
comparado com Tomás de Aquino,
palia aurea, 206
245-246
2 8 6 1H isí dri adas Idc iasPolf ticai - IdadeM édii «t ^Ibn u li d#A qui no
evolução da cristandade depoisde,
Pérsio, 132
219
persona regalis (pessoa régia), 72-74,79,
sobre aexousia, 73-74 sobre ahistória, 113-114 sobre a igreja como corpo místico de
100-101,107-108,109-110,121-122
persona saeerdotalis (pessoa sacerdotal), 73,79
Cristo, 1 9-2 0,7 3-7 4,101n8 sobre a mendicância, 233
pessoas autônomas, irmandade das, 152-155
sobre apistisi 104,267
Petrônio, 132
sobre a pobreza, 231-232,23 3
philosophos, 214-215
sobre os carismáticos, 73-74, 79
Piccolomini,Eneias Sílvio, 132
Paulo, o diácono, 56
Piero delia Vigna, 184-185
paxetjustitia, 177
Pirenne,Henri,42n2
Pedro, Apóstolo, 100,143,237
pisanos, 85
Pedro Crasso, 101n8
pistis, 104,267
Pedro Damião, 24,9 6-98 ,10 7 Pelágio, 133n3
Plantagenetas, 168-169
pensamento imanente, 22 ,24 ,26 ,29 -30 pensamentointramundano artedegovemar/diplomacia, 172-173 consciência nacional como fator determinante na política, 172,173 Cristo intramundano, 165-166 definição de, 22 e Frederico II, 172-185,224 e João de Salisbúria, 140-144,224 e Joaquim de Fiore, 149-152,224 e Sigério de Brabante, 223-224,235 estadista, 172-173 ética utilitária, 226-229 ,229n30 governo, 183 intelectual independente, 219-231 pobreza, 159-160,161,209,211,231-237 problema da ordem intramundana, 126-128 Tomás de Aquino, 241-269 ve/a também história; Direito; política; Direito, Romano
Platão e religião, 215 elementos de, no cristianismo, 127 evocação de, 215
Leis de, 216 rei-filósofo de, 254
República de, 216-217 sobre a alma, 44,140,253 sobre a história, 113-114 sobre a pólis, 44 ,78 ,12 4 sobre eros, 84 teoria orgânica de, 140 Plínio, 132 Plotino, 216 Plutarco, 132,140 pobres de Lyon, 9 1,161 pobreza, 159-160,161,209,211,231-237 Policraticus (João de Salisbúria), 131135,140-144,145 pólis aristotélica, 26,78,215,216,250-256
Pentecostes, 237
beneditina, 74-75
Pentesileia, 52-53
desintegração da, 73 ,78 ,12 4
Pepino, o Breve, 6 7 ,7 0 ,70n6
platônica, 44 ,78 ,12 4
perfecta communitas, 253-254
politia, 258
Pérsia e persas, 40 -41 ,42 n2, 213,217 218,220nl4,251
política campo da, 15-16,16nll, 124
(ndice rem issi vo 1 287
e consciência nacional, 172,173 espiritual, 43-45 Tomás de Aquino e, 250-259
Política (Aristóteles), 216, 247,250-251, 262 Polônia, 88,170
popolograsso, 257
razão e fé, 213-214,215,216,219,221223,243-245,249 realidade-coisa, 30 realidade e ideia, 78-79 realidade-isso, 30 ,30n26
Reflexões Autobiográficas, 28-30
reforma, 80 ,81,91,98 -99,11 2,123- 124,
popolo minuto, 257
162,236,269
populi extranei, 199
anacoreta, 82-83
populus Christianus, 137,163,181, 255
cisterciense e mosteiros cistercienses,
populus honorabilis, 256-257
83-84,86,153
populus Romanus, 198-199
da Igreja
populus vilis, 257
Controvérsia das Investiduras,
potestas, 20,73
95-106
potestas translata, 138-139nl0 poverelli, 91
cruzadas, 85
presbíteros, 114
e crescimento de uma evocação,
Príamo, 53
77-80
Primeira Regra (Francisco de Assis), 160
espírito militante, 85-94
príncipe como análogo divino, 253-254
ordens mendicantes, 91-94
Privilegium infavorem principum
ordens militares, 86-90
e Cardeal Humberto, 106-109
172 ecclesiasticorum,
reforma monástica,81-84
Tractatus Eboracenses, 109-117
progresso, 29
Prooemium das Constitui ções de M elji, 176-180
201 regalia,
regalis potest as,63
Propositions Condamnées, 22 3nl8,22 6
254 regia virtus,
propriedade privada, 266-267
257-258 regimen conmixtum,
província, 26,251,254
regis voluntas uprem s a lex,142
Prússia, 88
regnum,26,100,111,114-115,140-141,
Pseudo-Dionísio, 2 00,234 ,235-2 36
251 regra beneditina, 41- 42,7 4-75 ,81,8 3,
Q
queda de Adão e Eva, 177 quinto Concilio Ecumênico, 63
153,192 Regra de Francisco de Assis, 160,161, 162 105-106 regulus,
R
reino
Race and State (Voegelin), 17nl3
dos francos, 3 9-40,4 4,51,57 -58,61 ,
178 raison detat,
62-63,65-72
ratio(razão), 261
sagrado, 62-6 3,7 4,1 37
ratio(regra), 27,260
reino, monarquia
ratio(sentido), 242 Raymond de Penafort, 203
2 8 8 1His tór ia dasI déi as Pol ítica s-Ida deM ódl a ot ó M
“autoridade” do governant e, 60 caráter tirânico da relação feudal
deA qui no
entre reisnacionais, 105-106
respublica romana, 73
cristandade e reino do céu, 44
revitalização bolonhesa do direito
dos Israelitas, 56,58,137
romano, 25-26,187,190,195,
e "legalidade” do governante, 60
196-199
e feudalismo, 137-139,143nl3
revoltas berberes, 39
e função régia do Cristo, 24,113-114 evocações dos reinos nacionais, 23
Rex, 57,135,254 198 rex romanorum,
existência nacional emonarquia nas
Ricardo Coração de Leão, rei, 35
tribos germânicas da migração, 55-58
Ricardo I, rei, 169,170,251
função “representativa” do rei, 58-60
Ricimer, 66
Gregório VII sobre a monarquia, 105
RobertGuiscard, 104
João de Salisbúria obre, s 135,139,
Roberto Belarmino, 100
142-143
Roberto Grosseteste, 94
monarquia francesa, 58-60
Rogério II, 168,169,1 81
nos Tratados
Roma, como cabeça do orbis
113-116 de York,
rei-filósofo de Platão, 254
terrarum,
194
reino carismático germânico, 137,183
Roman de la Rose, 212,212nl0
reino franco, 39-40,44,57-58,60,61,
Romanos, Epístola aos, 19-20
62,65-72,105
romantismo, 55
reino lombardo, 39,5 6,5 7-5 8,6 5
Roma regia, 194
reino sagrado, 62-63,74,137
Roma vetus, 194
reinos germânicos da migração, 39,
Rômplo Augusto, 65
55-58
Rupert de Deutz, 146-147
,226
reinos nacionais, 19nl7,23 simbolismo dos reinos nacionais,
s
19nl7
sacerdotium, 100,111,114-115
tiranos, 135,142-143
sacráínentos, 24 ,96 -98 ,98n6
Tomás de Aquino sobre, 254-255,
sacrilégio, 181,182
257-258
Sacro Império sacrum ( imperium)
veja também Império, Carolíngio;
ascensão da força do polo espiritual
Império, Romano
no, 104-105
reis angevinos, 168-169,173
como evocação focal das idéias políticas da Idade Média, 22-23,35-
capetíngios, 57-58,168-169
36,44-45,77-80
merovíngios, 57- 58,67 ,100,10 5,138
conceito geral para caracterizar o
relações sexuais, 226
período, 125
Renan, Emest, 59,60,214nl2
desintegração do, 80,117,121-122,
Renascimento, 41-42, 112,1 23-1 24,1 25,
166,172,177,237,247,264
175,238,254,266
República (Platão), 216-217
e dominicanos e franciscanos, 94 e integração da Persona Regalis no
266-267 res possessae, res publi ca(comunidade), 24-25
corpo místico, 72-74 e ordem de poderesdentro do, 106
e principados
nacionai s
sh o pu na to , 88
independentes, 105-106
sh og uti a lo de K amaku ra, 88
fas e prepa ratória para o, 22-24,36 igrej a com o organizaç ão espirit ual
Sicília, 25,35,41,122,167-182,203, 206,252
unificad ora do, 9 8
Sigeberto de Grem
reinterpr etação do, pela D elíbera tio P a p a e de Ino cen te II I, 205- 206 termo, criação do, 19 nl7
Sigério de B rabante com o figura proem
Tom ás de Aq uino sobre, 125
bloux, 11 ln22 inente, 123
e arist otel ismo, 210 -214,22 0nl4, 228-230n30
Sacr o Impéri o R omano, 1 9 n l7 ,1 25 za c ru m im p e ri u m veja Sacro Império
e ativism o ético, 230-2 31 e ética utilitária, 227-228,229n30
sa e cu lu m
e intelectualismo, 219-231,245,
e Francisco d e Assis , 157-166 e João de S alisbúria, 131-144
263,269 e unidade intram
e Joaquim de Fiore, 145-155 e o probl ema da ordem intramundana, 126-128
224-226,235 G orce sobre, 238 investigação de, pela
e Sigério de B rabante, 219-231
228-229n30
e Tratados de
L ib er d e ca u sis, 229n30
York, 111-116,100n29,
un dan a da esp éci e,
Inquisição,
123 questões primordiais sobre o,
publicação das obras de, 211 sobre a alma, 22 5,229n30
128-129
sobre a imo rtal idade d a alma, 22 2
s a e c u lu m ren ascen s, 123-125
sobre fé e razão, 221-223
s a e c u lu m sen e scen s, 123,146-147,151 Salisbúri a, João de veja João de
Salisbúria Sam uel, Livro de, 56
sobre o bem e o mal, 2 27 ,227n27 sobre o intel ecto, 224-226 ,225n2 3 visão gera l do p ensam ento de, 26 Silvestre I, pap a, 70n6
São Dinis, 67
Símaco, 41-42
Satã, 159
símbolos deformad os, em d outrina, 29
Savi gny, Friedric h C arl von , 201 Saxônia, 40,55,79-80 Scheffer-Boichorst
do reino naci onal , 1 9n l7,23
, Paul, 70n 6
do Sacro Im pério, 22
Schelling, Friedrich, 150,150n6 Seljúcidas, 38,41
iman entização de sí mbolos transcenden tes, 29- 30
sentimentos
de V oegelin de realidade ú nica, 30
definição de, 15-16 espiritualidade versus pensamento int ramu ndano, 22
simonia, 24,81,96-100,102,107,108 sínodo de F ran kfu rt (794), 7 1
no c ontex to cister ciense, 153-1 54 transform ação de, pela Controvérsi a
de Latrão de 1 059,96 de P aris (829), 73
das Investi duras, 22 ,24 ,27
de R oma (1046), 96
\
de Roma (1047), 96
Servo So fredor, 5 4
2 9 0 1H
i st óri ado sI dciasPo
l í t i cas- Idad eM éd í i Ité
Tbmá*d íAquin o
de Roma (1075), 96
(Francisco de Assis), 161 Testamento
de Sutri (1046), 96
(Imperador Henrique VI), Testamento
de Worms (1076), 101n8 de Worms (829), 73
173 Teutões, 37
Síria, 41,217-218
Thomas Becket, 131
Sócrates, 124
tirania e tiranicídio, 105-106,134,1 35,
sofistas, 124 Spelman, Sir Henrique, 136
141-144,257-259 Tomás de Aquino
Spengler, Oswald, 151
caráter do pensamento tomista,
spiritalis intelUgentia, 145-146,154 statum totius ecclesiae, 237
249-250
status ecclesiae, 237
242-243
Stavrianos, Leften S., 42n2
condenação de, pelo bispo Etienne
Steenberghen, Femand van, 211
Tempier, 211,244
Stephen Harding, 84 Stõhr, Adolf, 15nl0
De Regimine Principum de, 246-247,
Suetônio, 132
De unitate intellectus contra
suevos, 54,56-57,66
Averroistas de, 211
(Tomás de Summa Contra Gentiles
e aristotelismo, 94,2 10,2 11, 217 ,
Aquino), 211,242,255 (Honório de Autun), Summa gloriae 146-147 (Tomás de Aquino), Summa Theologiae
como “Intelectual Cristão*, 26,92,
251,252-253,257,258
221nl4,250-255,259,269 e “compromisso com o mundo”, 21, 125,268-269 e definição de direito, 260-262
125,210,247,250,255,256-258,
e espírito histórico, 249-250
259-260,268n6
e filosofia da história, 248-249
222,223-224 Summum bonum,
e Sigério de Brabante, 228-229n30 e teoria do direito, 27
T
idéias precedentes, 77-78
Tácito, 51
morte de, 21,241-242
Tamires, 53
relevância de, 36,77 -78,1 23,2 00,
tártaros, 199
268-269
Télefo, 52-53
sobre a comunidade dos cristãos
Tempier, Etienne, 211,222
livres, 254-256
Tempiários, 86-87
sobre a comunidadeperfeita, 253-
Teodorico, Rei, 41-42,6 6
254,261,263,266-267
Teodósio, o Grande, 65 ,66
sobre a era de Cristo, 248
Teolog ia de A ristóteles,216
sobre a lei antiga e nova, 265-268,
teoria orgânicada comunidade, 140
267-268n6
Terceiro Reino do E spírito* 129,145,
sobre a pobreza, 233
148-152,154,184-185,232,248
sobre a política, 250-259
Terêncio, 132 tese de Pirenne, 13
sobre a tirania, 257-258 sobre a Verdade e o Ser, 241-243
264-265,266
e m igrações asláitl cai, 37- 38 e m it o da d errota, 54-55 e total idade do reino nacional,
sobre fé e razão, 243-245
19n7,23
sobre história, 241-250
estrutura geral do mito germânico,
sobre o direito natural, 262-264
49-50
sobre o direito, 259-268
francos, 23 ,39-40,50 ,53-54 ,58-60,
sobre o governo constitucional, 256-
61,65-67
259,266-267
guerras de, 37,49- 50
sobre o príncipe como análogo
ostrogodos, 37- 38,39 ,40,52- 53,54,
divino, 253-254
57,62,63
211,242,255 Summa Contra Gentiks, de, 125,210,247, Summa Theologiae
período das, 19 nl 7, 37-38
250,255,256-258,259-260,268n6
reinos, 39,55-58
sobre as hierarquias, 246-247 sobre as leis humanas, 260,261 ,262 ,
reino e existência nacional, 55-58
visigodos, 36 ,37 -38 ,40 ,53n6
totalidade da Igreja como corpo místico de
Trindade, 145-147,193,243-244
Cristo, 19-20,72-74
Cristo; Deus; Espírito veja também
do reino nacional, 19nl7,23
Santo
e Império Romano, 18-19
troianos, 23,50-51
escatológica inserida no processo
turcos, 3 8, 41 ,41n 2,213,252-2 53
político20-21,2 In 19
otomanos, 38,41
teoria de Voegelin da, 15- 18 ,17nl3,
tutela,104
30-31,124
tyconianismo, 108
trabalho científico sobre, 31 Toulouse, 3 9, 66 ,9 2
Typos(modelo da fé), 64 135 tyrannus,
Toynbee, Amold, 150
u
trabalho, a ética do, 233
Ugolino de óstia, Cardeal, 162 Tractatus de investitura episcoporum, I01n8,111-112, llln
Ulisses, filho de Laerte, 51
TractatusEboracenses (Tratados de York),106-107,109-117,126,151,
Ullmann, Walter, 12n2 unidade eurasiana, 42n2 unidade, 18
154-155,164,237 (Gelásio I), 62-63 Tractatus IV transcendência, 2 2 ,3 0 ,30n25
199 universalis dominus, Universidade de Paris, 2 03, 209 ,210 ,
, 61,68,101n8,111, Translatio imperii
228-230n30 138-139 universitas,
129,205
Tratados de York,106-107,109-117,
Urbano II, papa, 85 55 Urvolk,
126,151,154-155,164,237
Tria Kephálai a (Justiniano), 63
Uzias, 148-149
tribos e migrações germânicas borgonheses, 53-54
\
V
e interpretação legal doImpério Romano, 65-66
Valério Máximo, 132 Valombrosa, 83
2 9 2 1H ist óri adasIdéi asPol íticas - Idade M édi aat éIbm éideA qui no
vândalos, 38,39,40,54,66
z
147 varietas religionum,
Zacarias, papa, 67,100
Verdade c Ser, 241-242
Zacarias, profeta, 148-149
veritas(verdade), 242-243
Zen, budismo, 88
174 Verwelschung,
Zenão, imperador, 62
vícios, 158,159
zoon politikon, 255
veja também mal Vico, Giambattista, 151 Vigílio, Papa, 63 vi/ishomo(homem comum), 225-226,243 235 vir divinus in Deo manens, Virgílio, 50,132,1 74-17 5 virtü, 135,254 virtudes, 157-159 bem e mal veja também visigodos, 36,3 7-38 ,40,53 n6,54,66
vita comm oda,90 90 vita eroica, 160 vita evangelii, 223-224,225-226 vitaphilosophi, 133-134 vita politicorum, Vitória, Francisco de, 249 223 vivere sine litteris, Voegelin, Eric vejatítulos específicos das obras 225 Volksgeist, 133n3 vohmtates,
W
/
Wagner, Richard, 55 Wallia.66 Walram de Naumburgo,101n8 Wenrich de Trier, 101n8 (identidade nacional), 57 Wesert Whitehouse, David, 13 ,42n2 Wido de Osnaburgo, 101n8 Wolframvon den Steinen, 182
X
zoroastrismo, 20
xamãs,93 Xerxes, 53
(ndiceremluivo 1293
D ados I nternacionais ( C âmara
de B rasileira
C atalogação do
P ublicação , SP, B rasil ) na
L ivro
(CIP)
Voegelin.Eric, 1901-1985. A Idade M édia até Tomás de Aq uin o: hi stória das idéi as polít icas - Volume II / Eri cVoegel in; introdu ção à edição am ericana Peter Von S ivers; traduç ão M endo C ast ro Henriques. - São Pau lo: É Reali zaç ões, 2012. (Coleção filosof ia atu al) Titulo srcinal:
History o f P oliticd Ideas, Volume II, T he M iddle Ages
toAquinas
ISBN 978-85-803 3-111-0
1. Ciência po lítica - Filosofia - His tória 2. Ciência polític a - Histó ria 3. Ida de M édia I. Sivers, Pe ter Von. II. Título. III. Série. 12-11466
CDD-320.09 Í ndices
p a r a catãlogo
sistemático
1. Idéias po lític as : H istória
Este livro foi impresso pela Geográfica Editora para É Realizações, em outubro de 2012. Os tipos usados são Minion Condensed e
:
320.09
Adobe Garamond Regular. O papel do miolo é off white norbritc 66g, e o da capa» cordenona itardrcam tapphlra 300g,