Sobre Vampirismo
Éliphas Lévi. A Ciência dos Espíritos. Pensamento. Págs. 126-127.
Em nossas nossas obras obras ante anterio riores res,, admi admiti timo moss a possi possibil bilida idade de do vamp vampiri irism smoo e até até procuramos explicá-lo. explicá-lo. Os fenômenos que se produzem atualmente nos Estados Unidos e na Europa pertencem, por certo, a essa horrível doença. De forma imprópria, chamamos de vampiros certos monomaníacos que, como o sargento Bertrand, são fatalmente levados a alimentar-se alimentar-se com a carne dos mortos; mas os verdadeiros vampiros são mortos que aspiram e sugam o sangue dos vivos. Os médiuns não comem, é verdade, a carne dos mortos, mas aspiram por todo seu organismo nervoso o fósforo dos cadáveres ou a luz espectral. Eles não são vampiros, mas evocam os vampiros. Também são todos frágeis e doentes, frágeis de espírito e de corpo, fatalmente propensos às alucinações e à loucura. As práticas enervantes da evocação esgotam-nos rapidamente e eles caem num definhamento lento, comparável ao que o doutor Tissot descreve como continuação dos hábitos solitários. O espiritismo é o onanismo das almas. A lei lei de Moisé Moiséss quer quer que condene condenemo moss os qu quee consu consult ltam am os Ob Oboth oth,, isto é, os fantasmas do Ob ou da luz passiva. Esse grande legislador queria, por exemplos rigorosos, preservar seu povo do contágio contágio do vampirismo vampirismo e dos abismos abismos da alucinação alucinação espectral. espectral. Não acreditamos mesmo que o simples sonambulismo magnético agradasse aos seus olhos. Não estamos mais na época de Moisés e o código penal do profeta hebreu felizmente foi abrogado, como o de Dracon. Certamente, não queremos que se matem os sonâmbulos e os espíritas, mas se nossas advertências, baseadas na ciência e na religião, puderem evitar que alguns se matem a si próprios, não teremos perdido nossas pesquisas e nosso trabalho.
Eliphas Levi. História da Magia. Pensamento. Págs. 374-380.
As pessoas enterradas vivas não podem aliás ter debaixo da terra senão sonhos rápidos e de pouca duração, podendo viver todavia aí muito tempo conservadas pela luz astral num estado completo de sonambulismo lúcido. Suas almas acham-se então sobre a terra ainda presas ao corpo adormecido por uma cadeia invisível; se são almas ávidas e criminosas, elas podem aspirar a quintesência do sangue das pessoas adormecidas de sono natural, e transmitir transmitir esta seiva a seu corpo enterrado para conservá-lo mais tempo, na esperança vaga que ele será enfim restituído à vida. É este espantoso fenômeno que se chama vampirismo, fenômeno cuja realidade foi constatada por numerosas experiências e tão bem atestadas como tudo o que há de mais solene na história.
Se duvidais da possibilidade desta vida magnética do corpo humano na terra, lede esta narração de um oficial inglês chamado Osborne, atestada ao barão Du Potet pelo general Ventura.
No dia 6 de junho (1838) diz Osborne, a monotonia de uma vida de campo foi felizmente interrompida pela chegada de um indivíduo célebre no Pendjab. Ele gozava entre os Sikhs de uma grande veneração por causa da faculdade que ele tinha de ficar enterrado o tempo que lhe aprouvesse. Contavam-se no país fatos tão extraordinários sobre este homem e tantas pessoas respeitáveis garantiam sua autenticidade, que estamos desejosos de vê-lo. Ele contou-nos que exercia seu ofício (o de fazer-se enterrar) há muitos anos e que em diversos pontos da Índia repetiu esta estranha experiência. Dentre os homens dignos de fé que disso dão testemunho, devo citar o capitão Wade, agente político em Lodiana. Afirmou-me este oficial, ter assistido à ressurreição deste faquir depois de um enterramento que teve lugar alguns meses antes, em presença do general Ventura, do Marajá e dos principais chefes sikhs. Eis os detalhes que lhe tinham dado sobre o enterramento, e os que ele acrescentava, segundo sua própria autoridade, sobre a exumação. “Depois de alguns preparativos que duraram alguns dias e que repugnaria enumerar, o faquir declarou estar pronto para a prova. O marajá, os chefes sikhs e o general Ventura reuniram-se perto de um túmulo de pedra construído expressamente para recebê-lo. Sob seus olhos, o faquir fechou com cera, com exceção da boca, todas as aberturas de seu corpo que podiam dar entrada ao ar, despojando-se em seguida das roupas que trazia; envolveram-no então num saco de tela, e segundo seu desejo viraram-lhe a língua para trás, de modo a fechar-lhe a garganta; imediatamente após esta operação o faquir caiu numa espécie de letargia. Fechou-se o saco que o continha, que foi selado pelo marajá. Depois puseram este saco numa caixa de madeira com cadeado e o enterraram; lançaram uma grande quantidade de terra em cima, pisa- ram esta terra e nela semearam aveia; por fim postaram-se senti- nelas ao redor, com ordem de velar noite e dia. “Apesar de todas estas precauções, o marajá conservava dúvidas; ele veio duas vezes no espaço de dez meses, tempo durante o qual o faquir ficou enterrado. Mandamos abrir o túmulo em sua presença; o faquir achava-se no saco, frio e inanimado, tal como o haviam posto. Expirados os dez meses, procedeu-se à exumação definitiva do faquir. O general Ventura e o capitão Wade vieram abrir o cadeado, quebrar os selos e tirar a caixa do túmulo. Retirou-se o faquir: nenhuma pulsação quer do coração, quer do pulso indicava a presença da vida. Como primeira medida destinada a reanimá-lo, uma pessoa introduziu-lhe docemente o dedo na boca e pôs a língua na posição natural. Só no alto da cabeça havia calor sensível. Derramando lentamente água quente sobre o corpo, obtiveram-se pouco a pouco alguns sinais de vida; depois de duas horas de cuidados, o faquir levantou-se e começou a andar, sorrindo.
“Este homem extraordinário conta que durante seu enterramento ele teve sonhos deliciosos, mas que o momento do despertar lhe é sempre penoso; antes de voltar à consciência de sua própria existência ele sente vertigens. manha.
“Ele tem perto de trinta anos; sua figura é desagradável, tem certa expressão de
“Conversamos muito tempo e ele ofereceu-se para fazer-se enterrar em nossa presença. Aceitamos o seu oferecimento e marcamos “rendez-vous” em Lahore, prometendolhe de fazer ficar enterrado todo o tempo que durasse nossa estadia nesta cidade. “Tal é a narração de Osborne. Esta vez ainda o faquir se deixou enterrar? A nova experiência podia ser decisiva. Eis o que aconteceu:
“Quinze dias depois da visita do faquir a seu campo, os oficiais ingleses chegaram a Lahore onde escolheram um lugar que lhes pareceu favorável, mandaram construir uma sepultura de pedra com uma caixa de madeira bem sólida e exigiram o faquir. Este veio encontrá-los no dia seguinte, testemunhando-lhes o desejo ardente de provar que não era um impostor. Ele já havia passado, dizia ele, aos preparativos necessários à experiência; seu porte traía entretanto a inquietação e o abatimento. Ele quis antes saber qual era sua recompensa: prometeram-lhe a quantia de mil quinhentas rúpias e uma renda de duas mil rúpias por ano que eles se encarregariam de obter do rei. Satisfeito sobre este ponto, ele quis saber que precauções contava tomar; os oficiais fizeram-lhe ver o aparelho de cadeados e de chaves e preveniram-lhe que sentinelas escolhidas entre os soldados ingleses velariam ao redor durante uma semana. O faquir ficou satisfeito e proferiu muitas injúrias contra os Frenghis, contra os incrédulos que lhe queriam arrebatar a reputação; exprimiu a suspeita que queriam atentar contra sua vida, recusou de abandonar-se assim à vigilância dos europeus, pediu que as chaves de cada cadeado fossem dadas a alguns de seus correligionários e insistiu sobretudo para que os funcionários não fossem inimigos de sua religião. Os oficiais não quiseram aceder a estas condições. Diferentes entrevistas tiveram lugar sem resultado. “Estas hesitações e estes receios do faquir serão provas peremptórias contra eles? Resulta daí que todas as pessoas que anteriormente sustentaram ter visto os fatos sobre os quais repousa sua celebridade quiseram impô-la ou foram alvos de uma hábil mistificação? Confessamos que não podemos duvidar, segundo o número e o caráter das testemunhas, que o faquir não se tenha feito realmente enterrar; mas admitindo mesmo que depois do amortalhamento ele conseguira comunicar com o exterior, seria ainda inexplicável como ele poderia ficar privado de respiração durante todo o tempo que decorreu entre seu enterro e o momento em que seus cúmplices lhe vieram em auxílio. Osborne cita em nota um trecho da Fotografia Médica de Lodiana, do Dr. Mac Gregor, médico inglês que assistiu a uma das exumações, e que, testemunha do estado de letargia do faquir e de sua volta gradual à vida, procura seriamente explicá-lo. Um outro oficial inglês, Boileau, numa obra publicada há alguns anos, conta que foi testemunha de uma outra experiência onde todos os fatos se passaram da mesma maneira. As pessoas que quiserem satisfazer mais amplamente sua curiosidade, podem procurar com confiança os fatos que acabamos de indicar. Existe ainda um grande número de atas sobre a exumação dos vampiros. As carnes estavam em estado notável de conservação, mas tresandavam a sangue, seus cabelos haviam crescido extraordinariamente e saíam em anéis entre as fendas do caixão. A vida não existia mais no aparelho que serve à respiração, mas somente no coração que de animal parecia se ter tornado vegetal. Para matar o vampiro, era preciso atravessar-lhe o peito com uma pua, então um grito terrível anunciava que o sonâmbulo do túmulo se despertara em sobressalto numa verdadeira morte. Para tornar esta morte definitiva, cercava-se o túmulo do vampiro de espadas plantadas no solo com as pontas para o ar, porque os fantasmas da luz astral se decompõem pela ação das pontas metálicas que, atraindo esta luz para o reservatório comum, destroemlhe os montões coagulados. Ajuntemos, para tranqüilizar as pessoas tímidas, que os casos de vampirismo são felizmente muito raros e que uma pessoa sã de espírito e de corpo não poderia ser vítima de um vampiro se não abandonou em vida seu corpo e sua alma por qualquer cumplicidade de crime ou de paixão desregrada. Eis uma história de vampiro que é referida por Tournefort em sua Viagem ao Levante. “Fomos testemunhas, diz o autor, na ilha de Micone, de uma cena bem singular, por ocasião de um destes mortos, que julgam ver regressar, depois de seu enterramento. Povos do Norte os chamam Vampiros; os gregos os designam sob o nome de Broucolaques. O de que se vai dar a história era um camponês de Micone, de natural triste e briguento; é uma circunstância a notar em relação a tais assuntos: ele foi morto no campo, não sabendo ninguém como nem porque.
“Dois dias depois que o inhumaram numa capela da cidade, correu o boato que o viam passar de noite, a grandes passos; que ele vinha nas casas derrubar os móveis, apagar as lâmpadas, abraçar as gentes pelas costas e fazer mil pequenas brincadeiras. A princípio isto despertou riso; mas o negócio tornou-se sério, quando as pessoas de respeito começaram a queixar-se. Os papas (sacerdotes gregos) aceitaram os fatos e sem dúvida eles tinham suas razões. Não se deixou de mandar dizer missas: o camponês continuava a mesma vida sem se corrigir. Depois de algumas reuniões dos principais da cidade, dos sacerdotes e religiosos, concluiu-se que era preciso, não sei porque antigo cerimonial, esperar os nove dias depois do enterro. “No décimo dia, celebrou-se uma missa na capela onde estava o corpo, a fim de expulsar o demônio que se julgava estar lá encerrado. Depois da missa, desenterrou-se o corpo e tiraram-lhe o coração; o cadáver tinha tão mau cheiro que se foi obrigado a queimar incenso, mas a fumaça, confundida com o mau odor, só fez aumentá-lo e começou a aquecer aquelas pobres pessoas. “Muitos dos assistentes asseguravam que o sangue deste infeliz era muito vermelho; outros juravam que o corpo estava ainda quente, donde se concluía que o morto não estava bem morto, ou para melhor dizer, de se ter deixado reanimar pelo diabo; eis precisamente a idéia que eles têm de um brucolaco; fazia-se então retumbar este nome de um modo espantoso. Uma multidão de pessoas que apareceram, protestaram muito alto que eles aperceberam bem que este corpo não se tinha enrijecido, quando o levaram do campo à igreja para o enterrar; e que, por conseqüência, era um verdadeiro brucolaco; era o estribilho. “Quando nos perguntaram o que pensávamos deste morto, respondíamos que o julgávamos muito morto; e que, por este pretendido sangue vermelho, podia-se ver facilmente que não era mais do que um pus de muito mau odor; enfim, fizemos o que foi possível para curar ou pelo menos para não azedar sua imaginação ferida, explicando-lhes os pretensos vapores e o calor de um cadáver. “Apesar de todos os nossos raciocínios, opinou-se de queimar o coração do morto, que, depois desta execução, não foi mais dócil do que anteriormente e fez ainda mais ruído. Acusaram-no de bater as pessoas à noite, de empurrar as portas, quebrar janelas, rasgar roupas e de esvaziar garrafas. Eu penso que ele só poupou a casa do cônsul onde morávamos. Todo o mundo tinha a imaginação invertida. As pessoas de melhor espírito estavam tão impressionadas como as outras. Era uma verdadeira moléstia do cérebro, tão perigosa como a mania e a raiva. Viam-se famílias inteiras abandonar suas casas e vir das extremidades da cidade trazer seus leitos às praças para aí passar a noite. Cada um se lastimava de algum novo insulto, e os mais sensatos retiravam-se para o campo. “Os cidadãos mais zelosos pelo bem público julgavam que se tinha faltado ao ponto mais essencial da cerimônia; só se devia celebrar a missa, no pensar deles, depois de ter tirado o coração deste infeliz. Pretendiam eles que com esta precaução, não se teria deixado de surpreender o diabo. “Depois de todos estes raciocínios, acharam-se todos no mesmo embaraço que no primeiro dia. Havia reuniões dia e noite; fizeram-se procissões durante três dias e três noites; os papas foram obrigados a jejuar. “Numa prevenção tão geral, tomamos o partido de não dizer .nada, porque não só éramos tratados de ridículos como de infiéis. Como fazer voltar a si todo um povo? Todas as manhãs, davam-nos a comédia pela narração de novas loucuras deste pássaro da noite; acusavam-no mesmo de ter cometido os pecados mais abomináveis. “Entretanto repetimos tantas vezes aos administradores da cidade, que, num caso tal, não se deixaria em nosso país, de fazer guardar à noite, para observar o que se passasse, que
por fim se prenderiam alguns vagabundos, que certamente, tinham parte em todas estas desordens: mas cedo se revelou tudo, porque, dois dias depois, para se vingarem do jejum que fizeram na prisão, eles começaram a esvaziar as garrafas de vinho, das casas daqueles que eram tolos demais para abandonar seus lares à noite. Foram então obrigados a voltar às preces. “Um dia, quando recitavam certas orações, depois de ter plantado não sei quantas espadas nuas sobre o fosso do cadáver que se desenterrava três ou quatro vezes por dia, segundo o capricho do primeiro que aparecia, um albanês, que se achava presente, disse com um tom doutoral, que era muito ridículo em tal caso, de servir-se de espadas dos cristãos. “Não vedes, pobre gente, dizia ele, que a guarnição destas espadas fazendo uma cruz com o punho, impede o diabo de sair deste corpo? Porque não servir antes dos sabres dos turcos?” “A opinião deste hábil homem de nada serviu, o brucolaco não pareceu mais tratável e ninguém sabia a que santo se apegar, quando de uma só vez, como se houvesse combinação, puseram-se todos a gritar, por toda a cidade, que era preciso queimar o brucolaco todo inteiro; que depois disso eles desafiavam o diabo a vir ocupá-lo de novo, que melhor seria recorrer a esta medida extrema do que deixar deserta a ilha. “Levaram então o brucolaco, por ordem dos administradores, à ponta da ilha S. Georges, onde prepararam uma grande fogueira com alcatrão, receosos de que a lenha, um tanto verde, não ardesse muito depressa. Os restos deste infeliz cadáver aí foram lançados e consumIdos em pouco tempo. Era a 1º de Janeiro de 1701. Desde então não se ouviram mais queixas contra o brucolaco; contentaram-se em dizer que o diabo tinha sido pegado esta vez e muitas canções foram feitas para ridicularizá-lo”. Notemos na exposição de Tournefort que ele admite a realidade das visões que aterrorizavam todo um povo. Que ele não contesta nem a flexibilidade nem o calor do cadáver, mas que ele procura explicá-los e isto somente com o fim louvável sem dúvida de acalmar aquela pobre gente. Que ele não fala da decomposição do cadáver mas somente do seu mau cheiro, mau cheiro natural aos cadáveres vampiros, como aos cogumelos venenosos. Que ele atesta enfim que o cadáver uma vez queimado, os prodígios e as visões cessaram. Mais eis-nos muito longe das fantasias da magia, esqueçamos os vampiros e digamos algumas palavras sobre o cartomante Edmundo. [...]
Eliphas Levi. História da Magia. Pensamento. Págs. 101-102.
Paracelso diz que o sangue perdido, quer regularmente quer em sonho, pelos celibatários dos dois sexos, povoa o ar de fantasmas. Pensamos ter indicado aqui, segundo os mestres, a suposta origem destas larvas sem que haja necessidade de outros comentários.
Estas larvas têm pois um corpo aéreo formado do vapor do sangue. É por isso que elas procuram o sangue derramado e nutriam-se outrora das exalações dos sacrifícios. São os filhos monstruosos destes pesadelos impuros que se chamavam outrora os incubos e os sucubos. Quando eles estão bastante condensados para serem vistos, não é mais do que um vapor colorido pelo reflexo de uma imagem; eles não têm vida própria, mas imitam a vida daquele que os evoca como a sombra imita o corpo. Eles se produzem sobretudo ao redor dos idiotas e dos seres sem moralidade que seu isolamento abandona a hábitos desregrados. A coesão das partes de seu corpo fantástico sendo muito fraco, eles têm o ar livre, o grande fogo e sobretudo a ponta das espadas. Eles tornam-se de alguma sorte apêndices vaporosos do corpo real de seus pais, depois eles não vivem senão da vida daqueles que os criaram ou que os apropriam evocandoos. De modo que se se ferirem suas aparências de corpo, o pai pode ser realmente ferido, como a criança que ainda não nasceu é realmente ferida ou desfigurada pelas imaginações de sua mãe. O mundo inteiro é cheio de fenômenos que justificam estas revelações singulares e só por elas se podem explicar. Estas larvas atraem a si o calor vital das pessoas de boa saúde, e esgotam rapidamente as que são fracas. Daí vieram as histórias de vampiros, histórias terrivelmente reais e periodicamente averiguadas como se sabe. É por isso que ao aproximar dos médiuns, isto é, das pessoas obsedadas por estas larvas, sente-se um resfriamento na atmosfera. Devendo estas larvas a existência às mentiras da imaginação exaltada e ao desregramento dos sentidos, não se produzem nunca em presença de uma pessoa que sabe e que pode desvendar o mistério de seu monstruoso nascimento.
Eliphas Levi. Dogma e ritual da Alta Magia. Pensamento. Págs 160-162 Dissemos que na luz astral se conservam as imagens de pessoas e coisas. É também nesta luz que se pode evocar as formas daqueles que não estão mais neste mundo, e é por meio dela que se realizam os mistérios tão contestados como reais da necromancia. Os cabalistas que falaram do mundo dos espíritos, contaram simplesmente o que viram nas suas evocações.
Eliphas Levi Zahed1[1], que escreve este livro, evocou e viu. Digamos, primeiramente, o que os mestres escreveram das suas visões ou intuições no que chamavam a luz de glória. Lê-se no livro hebreu da Revolução das Almas, que há almas de três espécies: as filhas de Adão, as filhas dos anjos e as filhas do pecado. Há, também, conforme o mesmo livro, três sortes de espíritos: os espíritos cativos, os espíritos errantes e os espíritos livres. Há, pois, almas de homens que nascem viúvas, e cujas esposa; estão retidas em cativeiro por Lilith e Naemah, as rainhas das estriges: são as almas que têm de expiar a temeridade de um voto de celibato. Assim, quando um homem renuncia desde a infância ao amor das mulheres, faz escrava dos demônios da depravação a esposa que lhe estava destinada. As almas crescem e multiplicam-se no céu, assim como os corpos na terra. As almas imaculadas são filhas dos beijos dos anjos. Nada pode entrar no céu, a não ser o que saiu do céu. Depois da morte, pois, o espírito divino que animava o homem volta sozinho ao céu e deixa na terra e na atmosfera dois cadáveres: um terrestre e elementar, outro aéreo e sideral; um já inerte, o outro ainda animado pelo movimento universal da alma do mundo, mas destinado a morrer lentamente, absorvido pelas forças astrais que o produziram. O cadáver terrestre é visível; o outro é invisível aos olhos dos corpos terrestres e vivos, e só pode ser percebido pelas aplicações da luz astral ao translúcido, que comunica as suas impressões ao sistema nervoso, e afeta, assim, o órgão da vista até fazer-lhe ver as formas que são conservadas e as palavras que estão escritas no livro da luz vital. Quando o homem viveu bem, o cadáver astral se evapora como um incenso puro, subindo para as regiões superiores; mas se o homem viveu no crime, o seu cadáver astral, que o retém prisioneiro, procura ainda os objetos das suas paixões e quer retomar a vida. Atormenta os sonhos das moças, banha-se no vapor do sangue derramado, e arrasta-se para os lugares onde se passaram os prazeres da sua vida; vela ainda sobre os tesouros que possuía e escondeu: esgota-se em esforços dolorosos para fazer para si órgãos materiais e reviver. Mas os astros o aspiram e bebem; sente a sua inteligência se enfraquecer, a sua memória perder-se lentamente, todo o seu ser dissolver-se... Os seus antigos vícios lhe aparecem e o perseguem sob figuras monstruosas; eles o atacam e o devoram... O desgraçado perde, assim, sucessivamente, todos os membros que serviram para as suas iniqüidades; depois, morre pela segunda vez e para sempre, porque, então, perde a sua personalidade e a sua memória. As almas que devem viver, mas que ainda não estão inteiramente purificadas, ficam mais ou menos cativas no cadáver astral, em que são queimadas pela luz ódica que procura assimilálo a si e dissolvê-lo. É para desembaraçar-se deste cadáver que as almas sofredoras, às vezes, entram nos vivos e aí ficam num estado que os cabalistas chamam embrionato. São estes cadáveres aéreos que evocamos pela necromancia. São larvas, substâncias mortas ou moribundas, com as quais nós nos relacionamos; ordinariamente, só podem falar pelo zumbido dos nossos ouvidos, produzido pela agitação nervosa de que falei, e, de ordinário, raciocinam refletindo nossos pensamentos ou nossos sonhos.
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[1] Estes nomes hebraicos, traduzidos em francês, são Alphonse Louis Constant.
Mas para ver essas formas estranhas é preciso pôr-se num estado excepcional, que participa do sono e da morte, isto é, é necessário magnetizar a si próprio e chegar a uma espécie de sonambulismo lúcido e acordado. A necromancia obtém, pois, resultados reais, e as evocações da magia podem produzir visões verdadeiras. Dissemos que, no grande agente mágico que é a luz astral, se conservam todas as impressões das coisas, todas as imagens formadas, quer pelos raios, quer pelos reflexos; é nesta luz que os nossos sonhos nos aparecem, é esta luz que embebeda os alienados e arrasta o seu juízo adormecido à perseguição dos fantasmas mais bizarros. Para ver sem ilusão nesta luz é preciso saber separar os reflexos por uma vontade poderosa e atrair a si só os raios. Sonhar acordado é ver na luz astral; e as orgias do sabbat, contadas por tantos feiticeiros nos seus juízos criminais, não se apresentavam a eles de outra maneira. Muitas vezes, as preparações e substâncias empregadas para chegar a este resultado eram horríveis, como veremos no Ritual; mas os resultados nunca eram duvidosos. Viam, ouviam e tocavam nas coisas mais abomináveis, mais fantásticas, mais impossíveis. Voltaremos a este assunto no nosso décimo quinto capítulo; aqui só nos ocupamos da evocação dos mortos.
Eliphas Levi. A Ciência dos Espíritos. Pensamento. Todo o Cap V. Os mistérios da loucura são os mistérios do sangue. São os movimentos desregrados do sangue que perturbam a razão das pessoas despertas, como produzem, durante a noite, o desregramento dos sonhos. A loucura e certos vícios são hereditários, porque residem no sangue. O sangue é o grande agente simpático da vida; é o motor da imaginação, é o substratun animado da luz astral polarizada nos seres vivos; é a primeira encarnação do fluído universal, é a luz vital materializada. É feito à imagem e semelhança do infinito; é uma substância negativa na qual nadam e se agitam bilhões de glóbulos vivos e magnetizados, glóbulos cheios de vida e bem vermelhos graças a essa insaciável plenitude. Seu nascimento é a maior de todas as maravilhas da natureza. Ele vive apenas para transformar-se. É o Proteu universal: parte de princípios em que não estava contido, torna-se carne, cabelos, tecidos particulares e delicados, unhas, suor, lágrimas. Não se alia nem à corrupção nem à morte. Quando a vida cessa, decompõem-se; se conseguirmos reanima-lo, refaze-lo por nova imantação de seus glóbulos, a vida recomeçará. A substância universal, com seu duplo movimento, é o grande arcano da vida. Da mesma forma, todos os mistérios religiosos são igualmente mistérios de sangue. Não há culto sem sacrifícios e o sacrifício incruento só poderia existir como transubstanciação de um sangue verdadeiro, sempre efervecente, sempre falando, sempre gritando, com sua força divinamente expiatória, tanto no altar como no Calvário. Os deuses da Antigüidade gostavam de sangue, e os demônios tinham sede de sangue. Isso levou o
conde Joseph de Maistre a pensar que o suplício suplica, que o cadafalso é um complemento do altar e que o carrasco é um prolongamento do sacerdote. “É do vapor do sangue”, diz Paracelso, “que a imaginação tira todos os fantasmas que cria”. As visões são o delírio do sangue: agente secreto das simpatias, propaga a alucinação como um vírus sutil. Quando ele se evapora, seu soro se dilata, seus glóbulos se intumescem, se deformam e dão corpo às mais bizarras fantasias. Quando sobe ao cérebro exaltado de Santo Antão ou de Santa Teresa, aparece-lhes realizando por eles quimeras mais estranhas do que as de Callot, de Salvador ou de Goya. Ninguém inventaria os monstros que a sua superstição fez brotar: é o poeta dos sonhos; é o grande hierofante do delírio. Assim, tanto na Antigüidade como na Idade Média, evocavam-se os mortos pela efusão do sangue. Cavava-se um fosso, jogava-se vinho, perfumes inebriantes e o sangue de uma ovelha negra; as terríveis feiticeiras da Tessália acrescentavam ainda o sangue de uma criança. Os próprios hierofantes de Baal ou Nisroch, em exalação furiosa, faziam incisões por todo o corpo e solicitavam aparições ou milagres, aos vapores de seu próprio sangue. Então, tudo começava a rodopiar diante de vapores de seu próprio sangue. Então, tudo começava a rodopiar diante de seus olhos desvairados e doentes; a Lua tingia-se de cor do sangue derramado e acreditavam vê-la cair do céu. Em seguida, começavam a sair da Terra coisas horríveis e disformes, que se arrastavam, que esvoaçavam; viam-se formar larvas e lêmures. Cabeças pálidas e sórdidas como os velhos sudários, todas barbadas com o bolor do túmulo, vinham debruçar-se sobre o fosso e estendiam a língua para beber o sangue esparramado. O mágico, completamente enfraquecido e ferido, debatia-se contra elas com o gládio até a aparição da forma esperada e do oráculo. Em geral, era o último sonho do esgotamento, o paroxismo da demência. Então, o evocador caía quase sempre como fulminado e, se estivesse só, se não o socorressem prontamente, se um poderoso remédio não o fizesse voltar a si, no dia seguinte o encontrariam morto e dir-se-ia que os espíritos se tinham vingado. Os mistérios do mundo antigo eram de duas espécies. Os pequenos mistérios estavam relacionados com a iniciação ao sacerdócio; os grandes eram a iniciação na grande obra sacerdotal, isto é, na teurgia. A teurgia, palavra terrível, palavra de duplo sentido, quer dizer coração de Deus. Sim, na teurgia ensinava-se ao religioso como ele deve criar os deuses à sua imagem e semelhança, tirando-os da própria carne e animando-os com o próprio sangue. Era a ciência das evocações pelo gládio e a teoria dos fantasmas sanguinolentos. Nesse caso, o iniciado devia matar o iniciador, e Édipo tornava-se rei de Tebas, condenando Laio à morte. Tentaremos explicar o que essas expressões alegóricas têm de obscuro. Já se pode entrever que não havia iniciação nos grandes mistérios sem a efusão do sangue, e mesmo sem a efusão do sangue mais nobre e mais puro. É na cripta dos grandes mistérios que Ninyas teve de vingar em sua própria mãe o assassinato de Nino. Os furores e os espectros de Orestes foram obra da teurgia. Os grandes mistérios eram a Santa Veme da Antigüidade, em que os franco juízes do sacerdócio modelavam novos deuses, com a cinza dos antigos reis diluída no sangue dos usurpadores ou dos assassinos. Assim, eles próprios seriam assassinos, ou pelo menos carrascos? Não, pois o direito ao sacrifício lhes era reservado pelo consentimento universal das nações. O religioso não assassina, não executa; ele sacrifica. E é por isso que Moisés, sustentado pelo .dogma dos grandes mistérios, escolhia como tribo sacerdotal a que soubera melhor, segundo a própria expressão da Blolia, consagrar suas mãos no sangue. Não eram somente Baal e Nisroch que então exigiam vítimas humanas; o Deus dos judeus também tinha sede de sangue de reis, e Josué oferecia-lhe hecatombes de monarcas vencidos.
Jefté sacrificava sua filha; Samuel cortava em pedaços o rei Agag, na pedra sagrada do Galgala. Moisés, como os antigos iniciadores nos grandes mistérios, fora com Josué, seu sucessor, às cavernas do monte Nebo, e Josué voltara só. Nunca se encontrou o cadáver, pois, nos grandes mistérios, possuía-se o segredo do fogo devorador. Nadab e Abiú, Core, Datan e Abirão tiveram sua triste experiência. Quando Saul foi rejeitado por Deus, isto é, condenado como usurpador do sacerdócio e profanador dos mistérios, tomou-se joguete de alucinações, pois os grandes hierofantes tinham o segredo dos fantasmas. Foi então que Achitophel lhe aconselhou o massacre de todos os religiosos, como se algum dia se pudesse massacrá-los a todos. O sangue dos sacrificadores é semente de novos sacrifícios. Instituís o 2 de setembro e a noite de São Bartolomeu está justificada. Acreditais punir Torquemada e preparais grandes obras em Trestaillon. O religioso que conduz Luís XVI ao cadafalso e lhe diz, com a autoridade suprema do pontífice: “Filho de São Luís, subi aos céus!” parece executar sozinho, com a Convenção para ministro subalterno, o grande sacrifício da Revolução. A própria vítima, ao cair, revela e consagra o religioso. “Colocarei em ti um sinal”, diz Adonai a Caim, “para tomar-te inviolável e para que ninguém ouse levantar a mão contra ti”. Abel foi a primeira vítima, Caim foi o primeiro sacerdote do mundo. Todavia, Abel exercera, antes de Caim, uma espécie de sacerdócio e fora o primeiro a derramar o sangue de criaturas de Deus. Ele oferecia ao Senhor, diz a Bíblia, os primeiros animais de seu rebanho; Caim, pelo contrário, só oferecia frutas. Deus rejeitou as frutas e preferiu o sangue; mas ele não tomou Abel inviolável, porque o sangue dos animais é antes a expressão do que a realização do verdadeiro sacrifício. Foi então que o ambicioso Cairo consagrou suas mãos no sangue de Abel; em seguida, construiu cidades e fez reis, pois tomara-se sumo pontífice. Se, mais tarde, Judas Iscariotes tivesse feito penitência em vez de suicidar-se, teria feito grande concorrência a São Pedro. De fato, São Pedro, logo depois de Judas, era o mais sanguinário dos apóstolos. Somente por isso ele merecia ser o primeiro papa? Longe de nós a idéia de uma ironia sacrílega! Revelamos a grande lei sacerdotal e com isso não insultamos o papado. Queremos dizer que o sacrificado r assume para si, e resume em si, todos os crimes do povo e que ele é o primeiro a ser purificado pelo sangue todo-poderoso da vítima. Pelo menos é o que pensavam os hierofantes do mundo antigo quando, na cripta dos grandes mistérios, vinham oferecer-se ao gládio de seus sucessores com a cabeça coberta por um véu. Édipo matara Laio sem conhecê-lo e todos os grandes iniciados na ciência de Édipo expiavam, por sua vez, o assassinato simbólico de Laia. Na Maçonaria, que ainda hoje conserva a tradição simbólica dos antigos mistérios, fala-se sempre de vingar a morte do fabuloso Hirão. O homem que se sente infeliz, sem ter consciência de ser justo, facilmente se crê punido por um erro involuntário. Julga ter matado sua própria felicidade: a necessidade de expiação faz com que sonhe com o sacrifício, e é o sacrifício que forma os sacerdotes, ao consagrar o altar sanguinário dos deuses. Jesus, o único iniciador que não matou ninguém, morre pela abolição dos sacrifícios sangrentos. Então, é maior do que todos os pontífices; nesse caso, o que seria ele se ele não fosse Deus? Ele se fez Deus no Calvário; mas seus discípulos, ao renegá-la e vendê-lo, fizeram-se religiosos e deram continuidade ao velho mundo, que durará tanto quanto o religioso tiver necessidade de viver do altar, isto é, de comer a carne das vítimas. E existem pretensos sábios que vos dizem que o Cristianismo expira e que o mundo de Jesus Cristo está acabando! É o velho mundo que expira, é a idolatria que está acabando. O Evangelho foi apenas anunciado; ele não reinou sobre a Terra. A catolicidade, isto é, a universalidade de uma única religião ainda é um princípio que muitas pessoas consideram
utopia. Mas os princípios não são utopias; são mais fortes do que os povos e os reis, mais duráveis do que os impérios, mais estáveis do que os mundos. “O céu e a Terra podem passar”, disse Cristo, “minhas palavras não passarão”. Lemos, nos Atos dos apóstolos, que São Pedro teve uma visão. Via uma vasta extensão de terra coberta de animais puros e impuros e uma voz dizia-lhe: “Mata e come!” Assim se revelou, pela primeira vez, o mistério do papado temporal. Desde então, os sumos pontífices acreditaram que podiam matar para comer. Jesus Cristo jejuava e não matava; dissera mesmo a São Pedro: “Repõe tua espada na bainha, pois aquele que fere com a espada pela espada morrerá”. Mas aí está uma das frases que não podia ser compreendida, antes da vinda do espírito de inteligência e de amor que, como se vê bem, ainda não instalou seu reino definitivo neste mundo. Portanto, os sumos pontífices dos cultos antigos eram todos sacrificadores de homens, e todos os deuses do sacerdócio amaram a carne e o sangue. Moloc diferia de Jeová apenas pela falta de ortodoxia e o Deus de Jefté tinha mistérios semelhantes aos de Belus. Os monges da Idade Média tiravam-se sangue, regularmente, como os religiosos de Baal. A continência perpétua, essa divindade estéril, é um ídolo que deseja sangue: a força vital que se quer subtrair à natureza deve ser vertida no altar da morte. Dissemos que o sangue é o pai dos fantasmas, e foi através dos fantasmas do sangue que os religiosos de BabeI e de Argos perturbaram a razão de Ninyas e de Orestes. Semírarnis e Cliternnestra foram consagradas aos deuses infernais, e suas lendas se assemelham de tal forma que as julgaríamos calcadas uma na outra. Nino era o rei dos sacerdotes; Semírarnis quis ser a rainha dos povos e assegurou, com um crime, a posse da coroa de Nino. O mundo político não dispunha, então, de tribunal que pudesse julgar essa mulher, tanto que ela se justificou com grandes realizações. Ela semeava o mundo com maravilhas. Os que dela tinham inveja levantavam as multidões contra ela: ela vinha só, e as revoltas se acalmavam. Mas tinha um filho que os sacerdotes conservavam corno refém: Ninyas era iniciado nos grandes mistérios e jurara vingar Nino, cujo assassino ainda desconhecia. Semírarnis, por seu lado, vivia obcecada por fantasmas e remorsos: dentro dela, secretamente, a mulher vencia a rainha. Freqüentemente, ela se dirigia sozinha à necrópole para chorar e gemer sobre as cinzas de Nino. Lá encontrou Ninyas, conduzido pelos hierofantes. Entre mãe e filho levantou-se o espectro do rei assassinado. Semírarnis estava coberta com um véu; o fantasma ordenou que ele a atacasse. O jovem iniciado avança, Semíramis dá um grito e levanta o véu. Ela reconheceu Ninyas: “Não, tu não és mais Ninyas”, disse o espectro, “tu és eu próprio, tu és Nino saído do túmulo!” E pareceu absorver o jovem em si mesmo e confundir-se com ele de tal forma que a rainha viu, diante dela, apenas o espectro de Nino, pálido e com o gládio sagrado na mão. Então, tirou o véu de sua cabeça e apresentou o flanco, como devia fazer mais tarde Agripina. Quando Ninyas voltou a si, estava coberto com o sangue de sua mãe: “Então fui eu que a matei?” gritava desvairado. “Não”, respondia Semíramis, abraçando-o pela última vez. “Somos duas vítimas e o sacrificador não és tu. Morro assassinada pelo sumo sacerdote de Belus!” Assim eram os sacerdotes da Babilônia, assim foram os de Micenas e Argos: Calcas exige o sangue de Ifigênia; Clitemnestra amaldiçoa os sacerdotes e vinga sua filha com o assassinato de Agamêmnon; Orestes, impelido pelos oráculos, mata sua mãe e vai procurar
até no fundo do Queroneso Táurico o ídolo sangrento da Diana vingadora. Devemos ficar espantados com esses atentados contra a familia, quando, séculos mais tarde, e em pleno Cristianismo, vemos um religioso romano, o terrível Jerônimo, escrever a seu discípulo Heliodoro: “Se teu pai se deita na soleira da porta, se tua mãe descobre a teus olhos o seio que te alimentou, calca aos pés o corpo de teu pai, pisa com os pés o seio de tua mãe e, com os olhos secos, vai ao encontro do Senhor que te chama!” Tais são os sacrifícios da carne e do sangue que consomem a grande obra da teurgia. O Deus – por quem pisamos com os pés o seio de nossa mãe –, devemos vê-lo doravante com o inferno sob os pés e o gládio exterminador na mão. Ele perseguiu o asceta como um remorso; irá saborear na solidão os terrores do inferno e os desesperos do pensamento. Moloc queimava as crianças apenas durante alguns segundos; ele pertencia aos discípulos do Deus que morre para livrar o mundo de criar um novo Moloc, cujo braseiro é eterno! Renan, cuja malfadada obra não gostaríamos de ter escrito, registrou, todavia uma boa frase que faz esquecer muitas falhas, segundo a nossa opinião. Ei-la aqui: “Ninguém foi menos sacerdote do que Jesus”. No entanto, estabeleçamos uma distinção, pois se trata do sacerdote da Antigüidade que, infelizmente, ainda encontramos nos tempos modernos. São Jerônimo era, sem saber, um hierofante dos grandes mistérios; São Vicente de Paulo é o tipo do novo sacerdote, do verdadeiro sacerdote cristão, reencarnação perpétua de Jesus Cristo. A IGREJA TEM HORROR AO SANGUE. Nessa eterna máxima está resumido todo o espírito do Cristianismo. A Igreja tem horror ao sangue e repele, para longe de seu seio, todos os que gostam de vertê-lo. O sacerdote cristão não pode exercer as funções de acusador público, ou de juiz, sem tornar-se irregular, isto é, incapaz de exercer as funções sagradas. Assim, os inquisidores assassinos não eram sacerdotes cristãos; eram sacrificadores do mundo antigo que mentiam ao Cristianismo. Um papa não pode condenar ninguém à morte. O bom pastor dá a sua vida por suas ovelhas, mas não sabe matá-las. Um papa não pode fazer guerra. Quando Júlio II fazia o papel de velho soldado, não agia mais como papa; ele era um tirano do Baixo Império. O bom Pio IX que tem – diz-se – visões, deve viver obcecado pelos espectros de Perouse e Castelfidardo. Então, deve sentir horror de suas próprias mãos, ele que é o chefe supremo da Igreja, pois a Igreja tem horror ao sangue. Sacrificar os outros por si, eis o velho mundo, o mundo de Júpiter e de Saturno, o mundo dos Césares e dos augúrios. Sacrificar-se pelos outros, aí está o mundo novo, o mundo de Cristo, o mundo do futuro. Matar para viver, eis a grande fatalidade dos grandes mistérios. Morrer para que os outros vivam, eis o direito divino e a liberdade da iniciação humana no triunfo da razão. A divindade e a humanidade uniram-se estreitamente em Jesus Cristo, e quem atinge uma fere a outra. Juizes da Terra, tende cuidado: doravante todo homem pertence a Cristo; ele pagou com seu sangue inocente toda a humanidade culpada. Todo culpado é chamado para o arrependimento e todo homem que ainda pode se arrepender deve ser sagrado como Caim. Sabeis por que Deus guardava, tão preciosamente, o sangue de Caim? É que cada uma das gotas desse sangue valia uma gota de sangue redentor e, para que o resgate fosse eficaz, era preciso que nenhuma parcela da coisa resgatável fosse perdida. O sangue de Abel clamava a Deus, diz a Bíblia. Mas quem podia fazê-lo calar-se? Para extinguir essa voz era preciso uma voz mais possante, a do sangue de Jesus Cristo. O sangue de Abel exigia justiça: Abel era apenas um homem e o sangue de Jesus era o único que tinha força suficiente para gritar que a justiça, em Deus, é o perdão. Então, quem lhe
poderia dizer isso? Somente Jesus Cristo sabia-o para diz-lo ao mundo e, se o sabia, é porque era Deus! Ele também podia abolir, sozinho, o sacerdócio de sangue e instituir o sacerdócio do sacrifício voluntário. É o que fez, é o que os mártires entenderam, é o que santos como Vicente de Paulo tentaram, não em vão, mas ainda tão dificilmente na Terra, e ousais dizer que o Cristianismo está se acabando! Pergunto-vos se ele veio ao mundo de outra forma, a não ser como palavra incompreendida e prodígio contestado. Pergunto-vos se o sangue de Abel parou de correr e se o sacerdócio escapou, definitiva- mente, das mãos sangrentas de Caim. Diz-se que todos os anos, em Nápoles, o sangue do mártir Genaro se liquefaz e borbulha, como se não pudesse parar. Diz-se que, em vários lugares da França, o vinho dos cálices virou sangue e que as hóstias consagradas mancharam-se, com suor semelhante ao da agonia no Jardirn das Oliveiras. É que os mártires são solidários uns com os outros; é que o sangue não-expiado clama contra as efusões do sangue novo. O sangue de São Januário protesta contra a inquisição ainda viva, na triste memória dos Gaume e dos Veuillot. O vinho da Eucaristia vira sangue para impedir que os sacerdotes indignos o bebam e as hóstias impregnam-se das nuanças do assassinato, como se Cristo desencorajado renunciasse à transubstanciação e se tornasse cadáver. Quando Cristo se torna um cadáver, prepara-se para ressuscitar, e acreditamos que a ressurreição do Cristianismo esteja próxima; mas não é isso o que devemos provar aqui. Mantenhamo-nos dentro do assunto e constatemos, somente, que o reino dos deuses de sangue terminou. Portanto, não vertamos mais sangue, nem o agitemos, mesmo para fazer com que dele surjam deuses. Deixemos em paz os mortos, pois os oráculos do sangue derramado são irmãos dos oráculos do túmulo. A mesa gira, porque o sangue se agita; deixem o sangue acalmar-se e os pretensos espíritos se calarão. Sim, espíritas, os espíritos que falam nas mesas são os espíritos do vosso sangue. Vós vos fatigais para animar a madeira, como esses sacerdotes do México que acreditavam dar uma alma a seus ídolos, lambuzando-os com sangue recentemente derramado. O que fazeis, nós o fazíamos antes da chegada de Jesus Cristo; fIzemos e provavelmente o fazemos ainda na Índia. Nós o fazemos sobretudo no meio dos selvagens, onde charlatães cercam com cabeleiras sangrentas o altar de seus manitus, que eles invocam e fazem falar. O magnetismo é a projeção dos espíritos do sangue e vós magnetizais os vossos móveis, empobrecendo o vosso cérebro e o vosso coração.