João Henrique Bordin
Educação Revessa R evessa
Educação Revessa
João Henrique Bordin
Educação Revessa
Pelotas, 2010
Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas
Reitor: Prof. Dr. Antonio Cesar Gonçalves Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Manoel Luiz Brenner de Moraes Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Dr. Luiz Ernani Gonçalves Ávila Pró-Reitora de Graduação: Prof. Dra. Eliana Póvoas Brito Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Dr. Manoel de Souza Maia Pró-Reitor Administrativo: Prof. Ms. Élio Paulo Zonta Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Admin. Tânia Marisa Rocha Bachilli Pró-Reitor de Recursos Humanos: Admin. Roberta Trierweiler Pró-Reitor de Infra-Estrutura: Mario Renato Cardoso Amaral Pró-Reitora de Assistência Estudantil: As. Social Carmen de Fátima de Mattos do Nascimento CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Carla Rodrigues Profa. Dra. Cristina Maria Rosa Profa. Dra. Flavia Fontana Fernandes Profa. Dra. Francisca Ferreira Michelon Profa. Dra. Luciane Prado Kantorski Profa. Dra. Vera Lucia Bobrowsky
Prof. Dr. Carlos Eduardo Wayne Nogueira Prof. Dr. José Estevan Gaya Prof. Dr. Luiz Alberto Brettas Prof. Dr. Vitor Hugo Borba Manzke Prof. Dr. Volmar Geraldo da Silva Nunes Prof. Dr. William Silva Barros
Editora e Gráfica Universitária R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150 Fone/fax: (53) 3227 8411 E-mail:
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Diretor: Carlos Gilberto Costa da Silva Gerência Operacional: João Henrique Bordin Secretaria: Isabel Susan Cochrane Designe: Karina Crochemore Pereira e Douglas Meireles Veiga Seção Gráfica: Alexandre Passos Moreira, Arlete Xavier de Farias e João José Pinheiro Meireles. Editoração Gráfica: João Francisco Ferreira Pinto Capa: Gilnei Capa: Gilnei da Paz Tavares Revisão de texto: Anelise Anelise Heidrich Impresso no Brasil Edição: 2010 ISBN: 978-85-7192-708-7 Tiragem: 300 exemplares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação: Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881 B238r
Bordin, João Henrique Educação Revessa. / João Henrique Bordin; prefácio de Avelino da Rosa Oliveira – Pelotas: Editora Universitária/UFPEL, 2010. 150p. ISBN 978-85-7192-708-7 1. Educação. 2. Dialética Idealista. 3. Dialética Materialista. 4. Concepção Educacional Omnilateral. I. Título. CDD 370
Dedico este livro a todos os que, de uma forma ou de outra, estão preocupados com a educação, especialmente especialmente aos que, mais do que preocupados, estão com ela ocupados.
Agradeço aos que, sabendo ou sem saber, s aber, contribuíram para a execução deste trabalho, com especial dedicação à Cláudia Beatriz Borges Bordin, esposa e às filhas Francine Borges Bordin, Karen Borges Bordin e Rafaele Borges Bordin
Sumário Prefácio ................................................ ....................... ................................................ .......................................... ................... 9 Introdução ............................................... ....................... ................................................ ..................................... ............. 15 Reflexões Preliminares ........................................................... ................................... ............................. ..... 19 Dialética Idealista................................................ ......................... ............................................... .......................... 25 Georg Wilhelm Friedrich Hegel.............................................. ...................... .......................... 25 Dialética Materialista .............................................. ....................... ............................................ ..................... 31 Karl Heinrich Marx ................................................................. ......................................... .......................... 31 Semelhanças Semelhanças e diferenças entre Marx e Hegel............................. ........................ ..... 39 No que se assemelham ............................................................. ........................................ ..................... 39 No que diferem ................................................ ......................... ............................................... .......................... 41 Método Dialético de Marx .............................................. ....................... .................................... ............. 43 Dialética e Educação ............................................... ........................ ............................................ ..................... 55 Um Pouco de História ............................................. ...................... ............................................ ..................... 65 65 Comunidades Comunidades tribais ................................................ ......................... ........................................ ................. 67 Grécia ............................................... ...................... ................................................ ........................................ ................. 71 Roma ........................................................................................ 73 O Feudalismo .............................................................. ...................................... ..................................... ............. 76 Renascimento Renascimento ...................................................... ............................... ............................................ ..................... 80 80
Capitalismo .............................................................................. 85 Proletariado .............................................. ...................... ................................................ ................................ ........ 91 Nova Educação ........................................................................ 96 Concepção Concepção Educacional Educacional Omnilateral......................................... ....................... .................. 101 Adorno ................................................................................... 105 Freinet .................................................................................... 108 Gramsci .................................................................................. 110 Makarenko ............................................................................. 113 Pistrak................................................ ....................... ................................................ ..................................... .............. 116 Snyders .............................................. ..................... ................................................ ..................................... .............. 117 Suchodolski .............................................. ...................... ................................................ .............................. ...... 120 Educação Omnilateral .............................................. ....................... ..................................... .............. 123 Disciplina na Educação................................................ ......................... ..................................... .............. 127 Referências bibliográficas bibliográficas ................................................... ............................ ............................. ...... 147
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Prefácio
N
os últimos anos, temos assistido a um colossal esforço
dos
educadores.
Somos
constantemente interpelados por uma sociedade que se move em ritmo cada vez mais veloz e paradoxal. O acelerado progresso econômico anda lado a lado com a injustiça na distribuição de seus frutos, com os ataques ao meio ambiente, que põem em risco a humanidade toda e com o descalabro da miséria absoluta, que transforma imensos contingentes de seres humanos em quase sub-raças. De um lado, a ciência avança em vertiginosa velocidade e oferece respostas em todas as frentes; de outro, os próprios avanços tecnológicos daí decorrentes tornam ociosos milhões de trabalhadores. De um lado, a comunicação vence as determinações de espaço e reúne todos os povos; de outro, as guerras ainda impõem-se como argumentos de força e aniquilam milhões de pessoas. Em contexto tão conturbado e repleno de incertezas, a educação contemporânea vem recebendo uma variadíssima
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quantidade de demandas sociais. Para o mercado, que cada vez menos necessita de trabalhadores fixos, deseja-se educar para a empregabilidade, buscando alunos capazes de adaptarse habilmente a diferentes tarefas, aptos a tomar decisões frente a variados contextos e capazes de encontrar soluções para quaisquer problemas. Mas busca-se também educar para a desempregabilidade, formando espíritos empreendedores que dispensem o salário regular e vão em busca de caminhos próprios, que desonerem os empregadores. Para dar conta de novas tecnologias, que proliferam em velocidade vertiginosa, é
necessário
aprender
a
aprender,
pois
qualquer
conhecimento destina-se à obsolência e reclama sempre um novo e rápido aprendizado, que tão logo começa já perdeu a vigência. Para a sociedade, que assiste estarrecida a milhares de erupções superficiais a denunciar a irracionalidade de suas entranhas, são múltiplas as demandas a atender. Se a quebra da repressão sexual faz-se acompanhar da morte transmitida ou das vidas indesejadas: educação sexual. Se a indústria automotiva insufla o consumo desenfreado de um novo veículo a cada ano e se a mais elementar das leis físicas não permite a circulação: educação para o trânsito. E se tantas outras mazelas acumulam-se, tantos mais são os remédios solicitados: educação para a paz, educação para os direitos humanos, educação para a tolerância, educação para a
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sustentabilidade, educação para o consumo. Educação para tudo. Educação para corrigir o incorrigível, para domar o indomável, para aplacar o insaciável. Educação para nada. Pois o livro de João Bordin não entra nesta corrente, resiste ao fluxo, não o aceita como curso natural. Só mesmo uma Educação Revessa pode afrontar a lógica onímoda do sistema. Mas o que há de revolucionário na Educação Revessa
não é propor qualquer outro princípio, estranho,
como articulador de uma nova síntese social. O inesperado e desconcertante para o modelo social que se orgulha de ter universalizado a liberdade é exigir que ela mesma, a liberdade, em sua plenitude, seja tomada a sério como horizonte da sociabilidade. Não mais a liberdade apenas de comércio, de mercado. Não a liberdade unideterminada, de seres humanos unilaterais. A liberdade que João Bordin advoga é aquela de seres humanos onilaterais. É o horizonte da emancipação humana. A Educação Revessa, portanto, é um exercício de liberdade: afronta a tirania escravizante da liberdade mutilada, concedida unicamente dentro dos limites do cálculo, e orienta-se pela liberdade que, ultrapassados os simples remendos ao
status quo
vigente, pode andar em
direção ao ainda não existente. Reafirmar a liberdade, porém
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não mais comprometida com a lógica do capital, é propor um movimento tal como o da luva, que tirada ao revesso de uma mão, encaixa-se perfeitamente na outra. É com base neste projeto socioantropológico fecundo que João Bordin anuncia seu rumo. “Liberdade não
consiste em se livrar de todas as contingências que afligem a vida em determinada situação pessoal, no grupo de amigos, ou sistema social, tampouco é fazer tudo o que se quer, como se quer e onde se quer. Liberdade é saber posicionar-se frente às intempéries da vida e responder de forma coerente às investidas que tendem a manobrar o caráter e deformar a personalidade. A disciplina, a priori, com suas regras e normas, ensina e conduz no caminho da liberdade. Liberdade pressupõe a disciplina formadora do caráter e da personalidade autêntica e consciente. Disciplina deve ser o horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de viver em liberdade. Não há liberdade sem disciplina.” (pg.145) E se vierem os cépticos e os desiludidos a perguntar de onde tiro a convicção de que não estamos condenados ao eterno retorno do mesmo, não apelarei às demonstrações históricas, sequer farei recordar os argumentos racionais, que já são conhecidos à farta e, por isto mesmo, rebatidos.
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Deixar-me-ei guiar unicamente pela sensibilidade e cantarei os versos do poeta Vladímir Maiakóvski. Tu não vês nada? Franzes os olhos? Queres ver? Teus olhinhos — como duas fendas abre-os! Olha, em meus grandes olhos abertos como o pórtico duma catedral. Homens! Amados e não amados, amad os, conhecidos e desconhecidos, desfilai por este pórtico num vasto cortejo! O homem livre — de que vos falo — virá, acreditai, acreditai-me!
Avelino da Rosa Oliveira
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Introdução
O
século vinte e um
está sendo marcado
por um extraordinário avanço tecnológico, especialmente dos eletroeletrônicos,
em
que
a
computação consegue adicionar milhares de informações, com inúmeras funções, em apenas um microchip. Avanço bem-vindo, que ajuda muitos, aproxima outros e integra cada vez mais o mundo globalizado. No entanto, há uma disparidade com relação a outras áreas do desenvolvimento e do conhecimento humano. Uma dessas áreas, que é tema deste trabalho, é a educação, que, em alguns aspectos, ainda está no início do século vinte, enquanto a tecnologia se avizinha a um futuro distante. Na tentativa de aproximação da educação ao modo contemporâneo, contemporâneo, futurista e tecnológico, em que é projetada a nova maneira de ser do homem, faltam recursos à razão para engendrar
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uma maneira de equalizar o que seria novo no processo de educar. Este ato educativo inovador deve ter a mesma aceitação nas crianças e jovens, quanto o é a tecnologia. Não sabemos o que diria Marx a respeito da educação no mundo de hoje, tão diferente do seu tempo, mas na certa iria além de uma educação elementar e de o manejo das ferramentas de trabalho. Os pós-marxistas avançaram muito nesse sentido e em certo período até parecia que a educação tomaria as rédeas de um ensino igual para todos, em todas as sociedades. Entretanto, de um tempo para cá, por volta das décadas de oitenta e noventa, do século passado e início deste, houve um desvirtuamento no que tange à formação disciplinar em sala de aula. Como resultado, o que se vê dia a dia, no geral das escolas deste País, é um ensinar nem muito preocupado com o conteúdo transmitido e bem menos com o educar para a formação do cidadão. Na intencionalidade de fomentar a reflexão neste campo, apresentamos de início, o que vem a ser dialética no contexto histórico, como surgiu e para o que serviu. Hegel nos ensina a usá-la idealisticamente e Marx a nível real material. Tanto Hegel como Marx nos fornecem elementos para um aprofundamento reflexivo da razão e da práxis humana. No entanto, nos atemos mais ao método dialético marxista, pois nos faz ver além do
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estabelecido e programado mundo contemporâneo e perceber a possibilidade de sua superação. Concordando com Marx de que o materialismo dialético considera o pensamento e a matéria como elementos de uma mesma natureza, abordamos a educação dialética com o intuito de perceber as amarras que fazem o sistema educacional ser mais ideológico do que filosófico. O estudo da história da educação nos revela como aconteceu, em cada época, o processo mantenedor, ou de mudança, dos valores e da cultura de cada povo. Também nos situa, contemporaneamente, como vivendo um momento de transição, em que está em nossas mãos a possibilidade de implementar o novo – uma nova forma do homem ser no mundo. O novo é viabilizado pela educação omnilateral, como nova maneira do homem pensar e se posicionar frente ao sistema do capital e rever o atual quadro de desigualdades sociais. A educação omnilateral omnilateral marxista é a possibilidade que o homem tem de dar início à construção da nova sociedade. Por fim, e para dar sustentabilidade a toda essa nova maneira de conceber o mundo, precisamos rever a forma com que é abordado o tema da disciplina na sala de aula. Sem disciplina não há liberdade. Atrelada à disciplina está a autoridade do professor - sem ela a escola desautoriza a família e desaparece o
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respeito pelo outro. É a consciência coletiva, já conhecida, porém esquecida, que precisa ser fomentada para que a educação seja um instrumento que auxilie a sociedade a mudar.
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Reflexões Preliminares
O
propósito desta pesquisa, no campo da educação, não é a pretensa ideia de apontar erros, indicar
acertos e nem criar uma teoria nova. Apenas parte do entendimento que a educação pode ser o norte, ou a possibilidade de ser o caminho de superação das desigualdades sociais, cristalizadas e pacientemente aceitas por todos aqueles que vivem e sobrevivem do Capitalismo. De início, para ter arrimo científicofilosófico, estabelece relação com uma teoria que dê suporte à fomentação de uma discussão e que seja uma alternativa de prática libertadora. Com esta intenção, percebemos tal possibilidade, que também pede ser encontrada em outros pensadores, no sistema filosófico de Karl Marx, pois, através dele e de seu método, muitos pretenderam e ainda são motivados a procurar uma saída para a dominação do capital. Marx, sem dúvidas, mantém relação com as questões contemporâneas, visto que “a fecundidade da
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teoria marxista reside nela instigar o pensamento presente, dirigindo-o à busca de alternativas de práxis transformadoras em todos os campos da vida”1. Para compreender melhor a dialética marxista será necessário um breve estudo da dialética hegeliana. Partindo do preceito da filosofia de Friedrich Hegel e admitido na filosofia de Karl Marx, que partilham o princípio de que toda coisa tem dois níveis de realidade, o da essência e o das manifestações. Que a essência determina sua manifestação por contradições que se exteriorizam e se manifestam de forma diferente do que é. Que a dialética, como ciência, descobre porque ao se exteriorizar se inverte numa contraposição de identidade e diferença fundamental. Este trabalho pretende colaborar na reflexão sobre a educação em sua essência e em sua manifestação por dupla contradição, a do indivíduo e a do social. Para a colocação deste problema faz-se necessário adentrar na mente humana para detectar os mecanismos pelos quais a educação forma o pensamento e a maneira como ele se exterioriza com suas contradições na sociedade vigente. A dialética ajuda na percepção dos mecanismos do pensamento, torna explícita a manifestação das contradições e conduz a mente na compreensão de como a educação ajuda no processo de 1
- Oliveira, Avelino da Rosa. Marx e a Liberdade. Porto Alegre: EDIPUCRS, (Coleção Filosófica; 62), 1997. P.180
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emancipação. Partimos da premissa de Karl Marx, colocada como um “proceder por análise e síntese, propondo um método de pesquisa e um método de exposição”2. Convêm inicialmente
mostrar o significado de análise, síntese, método, pesquisa, exposição e dialética, termos que fazem parte e sustentam o método dialético. Para começar vamos a um dicionário, qualquer dicionário, e vemos que a palavra “análise” aparece como a
decomposição de um todo nos seus componentes, ou o exame, estudo, pesquisa, investigação, ou classificação desse todo. O termo “síntese”, entre outras definições, é a reunião dos elementos simples para formar o composto, que parte do princípio e chegam às consequências, é a organização mental de um sistema, resenha, ou resumo. O “método” é significado como a maneira de ordenar a ação segundo certos princípios na investigação, no estudo, na persecução de quaisquer objetivos. Um modo de agir com disciplina, técnica e organização. A expressão “pesquisa” se refere à busca, à indagação e à investigação. O vocábulo “exposição” é a exibição pública de algo ou alguém, uma declaração, manifestação, narrativa, ou revelação. A dicção “dialética” é especificada como a arte do diálogo e da discussão. O diálogo e a
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- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Paulo: Cortez, 1983. P.17
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discussão subentendem ideias divergentes. O diálogo é a forma de expressão da linguagem em sua concretude. Diante desses significados podemos aprioristicamente conceituar a “Educação Dialética” como o método de ordenar a
ação, principiada pela análise, e através da pesquisa investigar e reunir, na síntese, os elementos mais simples da educação, para, na exposição, revelar a sua forma em si, ou a totalidade com todas suas contradições. contradições. Essa é a definição dos dicionários, onde podemos notar que as palavras análise e pesquisa se assemelham e são ordenadas pelo método, a síntese aparece na exposição e a dialética exerce a função de ser mediadora e fomentadora das discussões de todo o processo. Na verdade, é a dialética que faz a ligação e a intermediação de toda a metodologia através das contradições que se apresentam na explanação do sistema analisado. Mas para ter uma maior compreensão desses termos, precisamos entender a dialética de Hegel e como Marx passou a utilizá-la na luta do proletariado para tentar superar o sistema do capital. A palavra dialética já era usada na Grécia Antiga como um modo específico de argumentação. Formada por dois termos
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“dia”, que expressa a ideia de dualismo, de troca; e “lektikós”, que
quer dizer “capaz de falar ”. Significa duas opiniões divergentes e pode ser entendida como a arte do diálogo e da discussão. Para Platão, era um método de ascender ao inteligível e para Aristóteles apenas auxiliar da filosofia 3. Neste estado, de auxiliar da filosofia, permaneceu até a época moderna, perdendo seu poder argumentativo. Hegel é que a retoma e a coloca no centro da filosofia. Para uma melhor compreensão do termo dialética, começamos expondo o conceito hegeliano. Em seguida faremos uma explanação de como Marx o utiliza no sistema do capital e tentar estabelecer a relação entre os dois sistemas dialéticos para ver que colaboração um e outro oferecem à Educação Dialética, para depois aprofundar esta a partir da metodologia marxista. É possível estabelecer uma “Educação Dialética” no atual
sistema do capital? Qual a relação e as consequências de uma “Educação Dialética” com o indivíduo, com a sociedade e com o
sistema capitalista? Pode alguém que passa pelo processo de “Educação Dialética” se submeter ao capital ? Essa submissão, depois de passar pela “Educação Dialética”, pode revolucionar a sociedade? Na hora do “vamos ver”, a sobrevivência fala mais
alto e anula esse processo educacional, educacional, ou não? 3
- Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007, p. 291
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Essas e outras indagações despontam na mente durante o processo de pesquisa e as respostas não cabem ser explanadas neste trabalho, embora diversas pistas possam aparecer. Entretanto, o processo prático da “Educação Dialética ”, com a constatação das contradições e de sua possível superação, pode dar margem a tais respostas e veracidade a todo o processo. Portanto, iniciamos aprofundando a dialética em Hegel e em Marx.
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Dialética Idealista Georg Wilhelm Friedrich Hegel O
mais
importante
filósofo
do
idealismo alemão pós-kantiano e um dos
que
mais
influenciaram
o
pensamento de sua época e o desenvolvimento posterior da filosofia. Nasceu em Estugarda (Alemanha) no ano de 1770. Em 1790 obteve o grau de Magister Philosophiae no seminário Teológico de Tübingen, onde estudou com o poeta Friedrich Hölderlin e o filósofo Schelling. Os três estiveram atentos ao desenvolvimento da Revolução Francesa e colaboraram em uma crítica idealista de Kant. Em 1795 publicou “A Vida de Jesus” e em 1805 é
nomeado por Goeth para ser professor extraordinário em Jena e ensina que só o todo é verdadeiro e o todo é identidade entre pensamento e ser. Em 1806 publica a “Fenomenologia do Espírito. Em 1811 casa-se com Marie Von
Tucher e em 1816 é nomeado para a Cátedra de Filosofia da Universidade de Heigelberg. Em 1817 publica a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas” e em
1818 torna-se Catedrático de Filosofia na Universidade de Berlim. Em 1821 são publicados os “Princípios da Filosofia do Direito” e em 14 de novembro
de 1831, acometido de cólera, morre na cidade de Berlim, na Alemanha. Hegel construiu um dos maiores sistemas filosóficos de todos os tempos e pode ser considerado o último grande sistema da tradição clássica. (Os Pensadores, Hegel, São Paulo; Nova Cultura, 1999)
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P
ara explicar a inversão da essência das coisas ao se exteriorizar em suas manifestações, Hegel parte da
mente, da categoria mais simples e abstrata, o ser puro, e apreende a contradição dos fenômenos como unidade da essência, na ideia, como a “existência de uma estr utura utura universal da totalidade do ser”4. Para isso, retoma a dialética, que até então era apenas
auxiliar, e a faz o centro da filosofia. “Hegel chega ao real, ao concreto, partindo do abstrato: a razão domina o mundo e tem por função a unificação, a conciliação, a manutenção da ordem do todo. Essa razão é dialética, isto é, procede por unidade e oposição de contrários”5.
Para chegar à essência é necessário conhecer o modo de ser de cada coisa. Por exemplo, para conhecer uma pessoa é necessário abarcar em toda sua história de vida, do nascimento até sua idade atual. Só o todo é real, é verdadeiro e é identidade entre o pensamento e o ser. É a totalidade da razão, um sistema ontológico fechado no qual a história se modela sobre o processo metafísico do ser e determina que o racional é real e o real é racional. Para Hegel, a natureza e o espírito, que formam o todo, são contraditórios. A dialética é o movimento pelo qual o espírito, 4
- Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 70 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Paulo: Cortez, 1983. P.18 5
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a razão e o divino se realizam através da história em três fases: a afirmação, ou a tese, ou posição; a negação, ou antítese; e a negação da negação, ou a síntese. A antítese é a contraposição da afirmação e a síntese é a superação da contradição, negar e conservar. O idealismo hegeliano considera a história como a realização do pensamento humano, visto que a dialética é o motor do pensamento e da própria história. Na lógica as “determinações “determinações da reflexão” partem da
contraposição da identidade e diferença absolutas, distintas e diversas uma da outra na pura identidade consigo mesma. “Esse processo dialético pode ser percebido quando se pensa no ser humano: a criança pode ser vista sob a perspectiva da tese; o adolescente seria então a antítese e o adulto representaria a síntese. Nesse exemplo é fácil perceber que o adolescente, além de ser diferente da criança, nega-a, pois não quer mais fazer muitas das coisas que uma criança faz, procurando distanciar-se do que era e cria uma nova identidade. Isso mostra uma antítese que não se encerra nesse ponto. O adulto vem contradizer novamente, negando o que era como adolescente: uma dupla negação. Mas o adulto não apenas nega novamente, pois apesar de, em certo sentido, ser diferente da criança e do adolescente, reconcilia e mantém algo ao mesmo tempo em que deixa de lado
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outras coisas”6. Essa reconciliação, negação da negação, negar conservando, é a síntese que reconcilia as contradições. A dialética começa com a diversidade, onde existe alteridade e movimento de uma coisa a outra. A negação recíproca das coisas as define; algo é por não ser o que não é; uma cadeira é uma cadeira porque não é uma mesa, e vale o contrário; afirmação e negação. Na oposição cada coisa tem em si o positivo e o negativo, que se diferenciam; e cada um, como um todo, abarca contraditoriamente a sua negação; afirmar negando-se. O trabalho é o conceito chave para compreender essa superação dialética. Hegel usou a palavra alemã “ aufheben” , um verbo que significa “suspender”7, em três significados: primeiro é anular, negar,
cancelar; segundo é suspender e manter algo erguido; e terceiro é promover a passagem de algo a um nível superior. No entanto são, para Hegel, usados ao mesmo tempo, por exemplo, na fabricação de uma cadeira a matéria-prima é negada e ao mesmo tempo conservada para assumir uma forma nova. A unidade viva, o trabalhador, é a compreensão da determinação positiva e ao mesmo tempo negativa. O fundamento é contraditório e no conflito criativo, do positivo e negativo, “funda”, a partir de si, outra coisa, e se “afunda” na contradição, não se anula, o faz para
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- Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007, p. 295 e 296 - Konder, Leandro. O que é Dialética. Editora brasiliense. Rio de Janeiro. P. 28
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superar e repor continuamente a contradição enquanto força criadora. Esse movimento pode ser compreendido através do exemplo de uma flor: “o botão é, numa planta, a negação determinada da semente, e a flor a negação determinada do botão (...) nosso conceito vê que a semente s emente é potencialmente potencialmente botão e que o botão é potencialmente flor” 8. Portanto, conceito em Hegel é a
possi bilidade bilidade máxima de realização de algo. “O conceito adequado revela não a natureza de um objeto (...) nos diz o que a coisa é em si mesma” 9. O conceito mostra o “em si” de algo no
processo concreto da realidade que se dá de forma histórica. Por exemplo, o conceito de semente é sua potencialidade de se tornar árvore. O positivo e negativo são totalidades excludentes, um inclui o outro; se um exclui o outro exclui a si próprio. Hegel eleva a substância real a sujeito através da reflexão, do dobrar-se sobre si. Mistifica a dialética colocando a superestrutura das representações mentais como produtoras das bases materiais da sociedade. Ao pensar o real descobre a mútua determinação de identidade e diferença, mas mistifica o real ao estabelecer que a identidade predomina para compor o mundo do uno em sua 8 9
- Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 70 - Idem. P. 71
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diversidade e conflitos só aparentes. “A dialética é um processo num mundo onde o modo de existência dos homens e das coisas é engendrado por relações contraditórias; assim, cada conteúdo particular só se expande ao mudar- se no seu oposto”10, cada coisa possui determinadas qualidades que as distingue das outras e são sua contradição. Por exemplo, dizer que uma cadeira é azul significa que ela é algo que não é ela mesma, a qualidade azul. Dizer que determinada pessoa é alta, ou gorda, estas qualidades são contraditórias com o ser que é ela mesma e isso poderia causar desunião no meio social. Por isso, o Estado é a totalidade dialética que dá coesão à sociedade civil, em suas múltiplas carências individuais e numa unidade política. “O indivíduo só poder ser livre como um ser político”11 e algumas mentes mais evoluídas
reúnem essa vontade geral, que é o resultado e não a origem do estado, para que a grande maioria possa seguir. O mundo constitui um todo e a verdade é reconstruir esse todo.
10 11
- Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 73 - Idem. P. 88
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Dialética Materialista Karl Heinrich Marx Marx nasceu em Trier (Trevès, em Frances), em 1818, na Renânia, então província da Prússia, limite com a França, hoje sul da Alemanha. De origem judaica, era filho do brilhante jurista Hirschel, que chegou a ser conselheiro da justiça, que em 1824 converteu a família ao Cristianismo e adotou
o
nome
Heinrich,
mais
germânico. O pai faleceu quando tinha vinte anos e dele recebeu vigorosa formação, pois cresceu enquanto se estruturava a indústria fabril e no entorno da qual surgiam as duas classes sociais que seriam o centro de sua obra, o proletariado e a burguesia. A essas circunstâncias sociais, se vinculam as ideias do iluminismo iluminismo francês, do qual o pai era adepto. Em 1835, com 17 anos, Marx termina o ensino secundário e vai para a Universidade de Bonn, onde inicia o curso de Direito, mas não o termina; e em 1837 vai para a Universidade de Berlim, onde se encanta pela filosofia de Hegel, que tudo explica a partir de uma ideia, de um princípio único. Estudou Hegel como ninguém, encontrando em seu sistema não só a explicação lógica e abstrata das coisas, mas a maneira de analisar a sua produção. O sistema hegeliano abrange e explica tudo a partir da liberdade. Só não foi hegeliano de maneira estrita, pelo seu espírito inquieto e inclinado às ideias anticonservadoras. Marx formou-se em Jena, cidade da Turíbia, em 1841, com a tese de
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João Henrique Bordin doutorado, “Diferenças entre as Filosofias da Natureza de Demócrito e Epicuro”. Nessa tese, Marx demonstra sua identificação com o método
empregado pelos atomistas, que é o mesmo que Hegel usa em seu sistema filosófico. “Tudo é manifestação da liberdade”. Em 1844 escreve “Sobre a
Crítica da Filosofia do Direito ” de Hegel, em 1847 escreve “A Miséria da Filosofia”, em 1852 “O Brunário de Luís Bonaparte”, em 1859 “Sobre a Crítica da Economia Política”, e em 1867 o primeiro volume de “O Capital”. Os volumes II e III de “O Capital” foram publicados em 1885 e em 1894,
por Engels, após a morte de Marx em 1883. Juntamente com Engels publica, em1845, “A Sagrada Família”, entre 1845 e 1846 “A Ideologia Alemã” e em 1848 “O Manifesto Comunista” (O Capital. tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e apresentação de Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996).
O
mesmo princípio defendido por Hegel, de que toda coisa tem dois níveis de realidade, o da
essência e o das manifestações, Marx admite. No entanto, traz essa dialética para o mundo material e afirma que apenas certos tipos de relações sociais historicamente constituídas são contraditórios; em geral o das sociedades de classe e em particular a sociedade capitalista. A partir do capital, Marx analisa a realidade concreta, pois este influencia “todas as relações
humanas, desde as mais insignificantes até as mais complexas do modo de ser das pessoas”12. Parte do princípio de que o
conhecimento já está presente na realidade e cabe ao pensamento apreendê-lo enquanto síntese de múltiplas determinações contraditórias. Com o materialismo histórico se apreende as 12
- Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 300
Educação Revessa
contradições do real concreto e resgata o crítico da dialética de Hegel. A unidade do Estado só acontece no plano jurídico, como um todo identitário, em que todos são iguais perante a lei, mas repousa e se determina numa desigualdade social entre proprietários e trabalhadores livres, juridicamente iguais. É ilusório pensar que só exista igualdade e liberdade e negar a desigualdade. “A dialética, em Marx, é vista a partir do capital que é responsável pela existência da contradição da sociedade de classes: uma que detém o capital (burguesia) e a outra que não detém (proletariado)”13. O Capitalismo se assenta na ideia de que tudo vira mercadoria com valor abstrato, na ideia da mais-valia, ou seja: o óprio “valor do que o trabalhador produz menos o valor do seu pr óprio trabalho”14. A abstração acontece pelo fato do capital se fundamentar em convenções: “uma cédula de papel -moeda, só por convenção, é assumida como valendo 100 reais” .15 É conveniente
que haja igualdade jurídica dos vendedores e compradores na circulação de mercadorias em contraposição à desigualdade social
13
- Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 302 - Mais-Valia em: Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 15 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 301 14
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entre trabalhadores e capitalistas na produção. O que importa é a igualdade jurídica sustentada pelo Estado. As diferenças profundas compõem o todo e se determinam na identidade externa. Pensar é transformar o real, descobrir o princípio de suas diferenças e encontrar sua solução. A análise dialética constitui e transforma o objeto, o social, desmascarando seu fetiche, suas contradições e seus movimentos. O capital é a totalidade e a mercadoria geral (trabalho) sua oposição. “O mundo das mercadorias é um mundo falsificado e mistificado, e a análise crítica dele deve começar por acompanhar as abstrações que o constituem, devendo, pois, partir dessas relações abstratas para atingir o seu conteúdo real” 16. Enquanto
totalidade o capital inclui seu oposto, o trabalho vivo (o trabalhador); e enquanto momento corporificado nos meios de produção ele o exclui, para que não faça parte da mercadoria produzida. O trabalho, não capital, não objetivado, negativamente apreendido, excluído das riquezas objetivas, do não valor, não como objeto, mas como atividade, é fonte de vida do valor. O trabalho e capital condicionam-se mutuamente; o trabalho não objetivado vivo é o oposto do capital como existência oposta e por outro lado pressupõe o capital. Os meios de produção, trabalho 16
- Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 286
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morto, são vivificados pelo trabalho vivo. O capital e trabalho morto se apresentam como totalidade e se opõem ao trabalho vivo. O capital inclui em si a força de trabalho como momento variável para se valorizar e se definir como capital e a exclui enquanto possível totalidade, que poderia deixar de produzir para ele e com isso deixaria de ser capital. Excluir seu oposto implica excluir-se a si mesmo, negar a si próprio, contradizer-se. É o “caráter negativo da realidade” 17 que despertou tanto Marx como
Hegel. Na contradição, o capital enquanto totalidade inclui o trabalho e simultaneamente o exclui de si. Substancialmente, enquanto valor, o capital é constituído pelo trabalho, que formalmente o subordina e o define como pobreza absoluta, despojado dos meios de produção e sendo mera parte integrante do todo. A contradição unilateral do capital nunca se resolve de modo pleno, visto que o aspecto positivo está inserido no negativo, não há solução idealista, só crítica e revolucionária. O capital não é a substância real. A força de trabalho, fonte efetiva do valor, é que deveria ser elevada à substância, a sujeito, e para isso precisa se apropriar dos meios de produção. O capital se apresenta como sujeito, vampirescamente roubando a vitalidade criadora da força de trabalho. 17
- Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 285
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Há uma inversão do movimento dialético; a força de trabalho é negatividade referida a si, na relação de trabalho vivo, com o objeto criado que não lhe pertence mais. Retorna, assim, o trabalho de mãos vazias e resulta na sua exclusão da riqueza objetiva e o impede de passar o sujeito, para conferir essa posição ao capital. Marx “aponta que a negação da negação, o estágio final, acontecerá desde que a totalidade do estado negativo vigente seja anulado”18. A contradição profunda não se resolve porque
consiste em uma torção, em que a subjetividade é um poder alheio à substância. A dialética de Hegel estaria de cabeça para baixo ou como uma luva, que ao ser tirada da mão fica do avesso. Assim, vê o pensamento como o que concebe o real e a contradição está na mente; a identidade seria o que está do lado de dentro da luva determinado pelo que está do lado de fora. Marx coloca a dialética de Hegel de cabeça para cima, corrige o viés idealista e apresenta corretamente a vida material como produto das representações mentais; a contradição está no material. “A análise que Marx faz não é do ser em geral , ou das
coisas em geral, mas das relações produtivas, responsáveis por conduzir a sociedade ao es tado em que se encontra”19. Na análise, 18 19
- Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 305 - Idem. P. 303
Educação Revessa
leva em conta as condições materiais, concretas, econômicas e sociais que conduzem a humanidade a uma sociedade de classes marcada por conflitos. Descobriu que a luva está do avesso e a identidade está no lado de fora da luva, que precisa ser desvirada para que o real apareça, e é determinada pelo que está do lado de dentro.
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Semelhanças e diferenças entre Marx e Hegel No que se assemelham
O
sistema filosófico de Marx recebeu grande influência do pensamento de Hegel, pois se sentiu
muito atraído pelo método de explicação da totalidade. Foi colocado, no início deste trabalho, que Hegel e Marx concordam com o princípio de que toda coisa tem dois níveis de realidade, o da essência e o da sua manifestação por contradições, e que a dialética descobre porque que ao se exteriorizar a essência se inverte
numa
contraposição
de
identidade
e
diferença
fundamental. A concordância também se dá no caráter histórico em que para conhecer algo é necessário compreender o processo pelo qual esse algo ocorre e como é transformado pelo movimento. “Ambos sustentam a tese de que o movimento se dá
39
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pela oposição dos contrários, isto é, pela contradição” contradição”20. Outro
ponto de convergência está na análise da realidade, em que são despertados pelo caráter negativo. Percebem, assim, que só abarcando todas as contradições de algo é possível compreendê-lo na sua essência. Para ambos a verdade das coisas só é encontrada na solução de sua contradição, que está oculta no conflito e não naquilo que se apresenta, ou na sua negação. O trabalho é outro ponto que ambos utilizam para explicar a transformação do real, apesar de ser de ângulos diferentes. A dialética, para ambos, começa com a diversidade, com a análise das contradições e segue uma metodologia rigorosa, para abarcar todas as determinações e chegar à totalidade. Hegel sustenta a existência de um conceito, ou princípio, como sendo o máximo que alguém pode atingir; aquela possibilidade oculta que será alcançada com a solução das contradições. Marx se assemelha, ao entender que a história efetiva da humanidade começará quando o capital for superado e o comunismo instaurado, acabando assim com os conflitos. Por último, podemos dizer que ambos, de uma forma ou de outra, pretenderam contribuir concretamente para a transformação do mundo e que a dialética ajuda o homem a chegar ao conceito, ou a alcançar a verdade. 20
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.20
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No que diferem
U
ma
primeira
diferença
fundamental
que
encontramos de Hegel para Marx é com relação à
explicação da realidade. A percepção dialética hegeliana acredita poder explicar toda a realidade, a partir do ser puro. A visão marxista diz respeito apenas à realidade concreta, ou seja, ao capital, visto que este influencia todas as relações humanas. Hegel parte da mente, da categoria mais simples e abstrata, o ser puro. Marx parte do capital, do concreto, da sociedade e todas as relações humanas, traz a dialética para o real. Quanto à análise, em Hegel temos a ontológica, em que considera o ser de uma forma geral; e Marx leva em conta apenas as condições que levaram a sociedade ao atual estado. O movimento histórico, em Hegel, é percebido como um todo; e em Marx a preocupação histórica é centrada em sua época, especialmente na luta de classes, com a intenção de mostrar quais acontecimentos levaram a tal momento. O movimento, pela oposição dos contrários, em Hegel se localiza na idéia; enquanto “Marx a localiza no seio da própria coisa, de todas as coisas, e em íntima interação com elas”21.
21
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.20
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Com relação à negatividade, em Hegel é vista como algo natural, de tudo aquilo compreendido pela contradição da realidade. No entanto, Marx atribui um aspecto negativo à contradição da realidade, realidade, ao ser imposta pelo capital, e só com sua superação a humanidade poderá viver sua história verdadeira. Para Hegel a dialética é um movimento lógico do real apresentado na tese, antítese e síntese, sendo que neste último estágio acontecerá a reconciliação, rejeita e aceita partes dos estágios anteriores e ainda este pode se apresentar como uma nova tese. Por outro lado, aceitando esse esquema lógico, Marx não pensa em reconciliação, mas que a negação da negação, último estágio, é a anulação da totalidade do estado negativo vigente, a eliminação do capital, e conduzirá a humanidade ao comunismo onde não haverá mais conflito. Portanto, a dialética não mais se manifestará. Hegel acredita que o estado é a totalidade dialética que mantém unida politicamente a sociedade em suas carências individuais. Marx esclarece que a unidade acontece só juridicamente e que a sociedade repousa na desigualdade social.
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Método Dialético de Marx
C
omo foi colocado no início deste trabalho, Marx parte da premissa do proceder por análise e síntese
e para isso propõe um método de pesquisa e um de exposição. A pesquisa, que leva à análise, é lançar o olhar por entre as coisas que me rodeiam, entre elas e as pessoas inseridas no sistema capitalista, e perceber, pouco a pouco, a quantidade de contradições existentes. Após essa percepção, faz-se a exposição de todos os contrários e elabora-se a síntese, que remete novamente a uma nova pesquisa, com um rigor mais apurado. Para Marx a “pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria,
analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real” 22. A síntese é a exposição da
pesquisa de forma detalhada e refletindo a totalidade
22
- Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de Jacob Gorender; Volume Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, Cultura, 1996. P.140
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Essa análise nos faz ver além do estabelecido e programado mundo contemporâneo, não com a intenção de negar e propor um novo sistema, mas sim desencadear a sua superação. O método dialético de Marx “assume toda a realidade
contraditória e até vê no desenvolvimento das contradições, no emergir do lado negativo, antagônico, a única via histórica de solução”23. A concepção de Marx é anti-ideológica, ele não aceita
retornar a uma solução ideal de equilíbrio anterior e nem eliminar a atual sociedade industrial burguesa. A solução é sua superação, através da exposição de suas contradições materiais. “A dialética não é um movimento espiritual que se opera no interior do
entendimento humano. Existe uma determinação recíproca entre as ideias da mente humana e as condições reais de sua existência: o essencial é que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam e determinam reciprocamente as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência. Não se trata de conferir autonomia a uma ou outra dimensão da realidade social. É evidente que as modalidades de consciência fazem parte das condições de existência social” (Gadotti, Moacir: Concepção Dialética da Educação, p.21).
A exposição dialética materialista é aplicada em toda trajetória marxista, em especial na obra “O Capital”, q uando essa
metodologia já está claramente dominada. A derivação dialética opera com as contradições imanentes dos fenômenos, não suprime a derivação dialética própria da lógica formal, baseada justamente 23
- Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.114
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no princípio da não contradição. Marx não descansava enquanto não se esgotassem todas as fontes informativas de que tinha conhecimento. O fim último da investigação consiste em se apropriar em detalhes da matéria investigada, analisar suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir suas verdades internas. Neste caso a matéria investigada é o sistema educacional, inserido no sistema capitalista. Somente depois seria possível a sua reprodução real na prática no mundo do capital. Esta é a construção “a priori” que Marx utiliza para analisar a estrutura
social do Capitalismo burguês. Seu método configur a o “todo artístico” ou a “totalidade orgânica” , o que pressupõe a aplicação
da lógica hegeliana. A exposição não se orienta pela sucessão histórica, mas por categorias abstratas e determinações preconcebidas. A exposição historiográfica configura uma contraprova para tornar a investigação inserida no real. Portanto, entre a lógica hegeliana e o resumo histórico, que explica o acúmulo originário do capital, há um entrelaçamento, cruzamento e circularidade que dão à pesquisa maior clareza em sua exposição 24, pois o lógico é o fio orientador da exposição e o histórico oferece a contraprova.
24
- Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de Jacob Gorender; Volume Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, Cultura, 1996. P.24 e 25
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Tal rigor, na exposição de Marx, se deve ao fato de sua obra ter a finalidade de descobrir o desenvolvimento das leis econômicas
da
sociedade
burguesa,
seu
nascimento,
desenvolvimento e provável fim do modo de produção capitalista. Para Marx só importava descobrir a lei dos fenômenos. Provar, mediante escrupulosa pesquisa científica, a necessidade de determinados ordenamentos das relações sociais e apontar, de modo irrepreensível, os fatos que lhe servem de ponto de partida e de apoio. O movimento social é um processo histórico-natural dirigido por leis que determinam a vontade, a consciência e as intenções dos indivíduos. A crítica limita-se a confrontar um fato com o outro. A pesquisa, portanto, tem de captar detalhadamente detalhadamente a matéria, avaliar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão intima25. Só depois podemos expor adequadamente o movimento real. Marx atribui a dialética um “status” filosófico (o materialismo dialético) e científico (o materialismo histórico)” 26, substituindo assim o idealismo de Hegel, fechado no mundo das ideias, por um realismo materialista, coloca-a na matéria. Marx, no contexto materialista, considerava a matéria como a única realidade e negava a existência da alma, de outra vida e de Deus. 25
- Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.138 a 140 26 - Idem. P.19
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A filosofia que apresentou era revolucionária ao demonstrar as contradições internas da sociedade de classes e a exigência de sua superação. “A dialética de Marx não é apenas um método para se
chegar à verdade, é uma concepção do homem, da sociedade e da – mundo”27. Essa concepção desfaz a ideia de que relação homem – mundo”
só o pensamento, em suas abstrações, elabora o conhecimento. Marx busca integrar o real ao pensamento, pois o conhecimento não é mais do que a matéria, o real, transposto para a mente do homem. O modo de produção capitalista “é o próprio homem que figura como ser
produzindo-se a si mesmo, pela sua própria
atividade,
pelo
modo
de
produção da vida material. A condição para que o homem se torne homem (porque ele não é, ele se torna) é o trabalho, a construção da sua história. A mediação entre ele e o mundo é a atividade material” 28.
Pela existência da matéria o homem nasce, cresce, se desenvolve e morre, como qualquer outro ser vivo, mas é através do trabalhar a matéria que se torna homem e constrói sua história.
27
- Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.138 a 140 28 - Idem. P.20
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Para Marx as leis do pensamento correspondem às leis da realidade. A dialética, pensamento e realidade, a um só tempo, na contradição da sociedade de classes, a partir do capital, estabelece a existência de uma que detém o poder (burguesia) e de outra que obedece (proletariado). A Revolução Industrial causou profundas transformações em todos os níveis sociais e Marx vê esse momento e assume uma “postura consciente da historicidade das
relações sociais e do seu reflexo na ideologia, é prontidão para captar, no dado histórico, a tendência do movimento” 29. Mas não
se lamenta, não assume uma aceitação a-histórica e nem formula uma realidade utópica, mas se empenha em elaborar um método dialético para superar a situação de negação da subjetividade humana no objeto produzido. A matéria e seus conteúdos é que dita a dialética do marxismo como momento contraditório de um movimento histórico. Para Marx a dialética é ciência que mostra como as contradições podem ser concretamente idênticas e passam uma pela outra. Por isso, a razão deve considerá-las, não como mortas ou imóveis, mas vivas, móveis e lutando uma contra a outra. Para entender e superar as contradições Engels segue alguns princípios da dialética, muito criticados pelos críticos marxistas, mas hoje aceitos como ponto de partida para este estudo. 29
- Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.123
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O primeiro princípio “da totalidade”, “lei da ação recíproca e da conexão universal”, diz que tudo se relaciona. O
segundo princípio “do movimento”, “lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante”, diz que tudo se
transforma. O terceiro princípio “da mudança qualitativa”, “lei da conversão da quantidade em qualidade e vice- versa”, diz que com o
acúmulo
de
elementos
quantitativos
produz-se
o
qualitativamente novo. E princípio da contradição “dos contrários”, “lei fundamental da dialética”, diz que os contrários
coexistem na realidade e um não pode existir sem o outro 30. Portanto, a relação intrínseca das coisas, na totalidade, desencadeia sua transformação contínua e no processo a quantidade, em seu cruzamento e desdobramento, adquire novas qualidades. O método que Marx utiliza em suas pesquisas tem um fundo atomista, quando expõe as coisas, o sistema, e vê qual a relação, o que é a favor e o que é contra, etc., em todas as suas partes. “Método” para Marx é, simultaneamente, simultaneamente, a exposição da
totalidade do sistema em partes para através destas fazer a crítica. Na obra “Para a Crítica da Economia Política”, procura analisar o
processo produtivo, dentro do sistema capitalista, em seu esquema 30
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.24 a 26
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e produção, distribuição, troca e consumo. A lógica da Economia Política estabelece que na produção o homem, em seu estágio primário, trabalha a natureza para retirar-lhe a sua subsistência. A distribuição, de acordo com o modelo de produção, de determinada sociedade, é dar a cada um o que lhe cabe, segundo a posição social que ocupa. Da troca vem a satisfação das necessidades individuais. O homem troca o que produziu, e lhe coube na distribuição, pelas mercadorias que mais lhe satisfaz os desejos. O consumo é o desfrutar do que se conseguiu no processo de produção, distribuição e troca. O consumo, por sua vez, vai determinar a nova produção e a isso Marx se opõe, pois pode conduzir à supervalorização de determinada mercadoria, a qual todos vão querer produzir, ocasionando escassez e desinteresse para com os demais produtos. Essa breve compreensão da Lógica da Economia Política é necessária para poder entender a relação estabelecida entre o sistema de produção capitalista, o trabalhador assalariado e o produto do seu trabalho. Relação que gera uma mercadoria de troca com valor sobre todas as demais mercadorias, o dinheiro, a “forma equivalente geral é uma forma do valor em si” 31. É com
esta mercadoria, o dinheiro, e por ela, que todo o trabalhador se submete ao sistema, vendendo sua mão de obra, para poder 31
- Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de Jacob Gorender; Volume Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, Cultura, 1996. P.195
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recebê-lo em troca. Com a mercadoria “dinheiro” o indivíduo pode trocar (comprar) por outra que lhe convier, inclusive uma boa educação. O método de Marx utiliza a dialética da contradição das classes sociais a partir do capital, seu contraditório. O capital é a tese, a situação, o proletariado sua antítese, sua negação e, na síntese, negação da negação, o contraditório, o capital, é superado e a sociedade vive uma nova ordem social. Para melhor entender a Educação Dialética convém esclarecer a diferença da concepção da educação metafísica e dialética. Na concepção metafísica a educação se insere na realidade daquilo que deve ser o indivíduo em sua essência e concebe o “homem como um caso individual” 32. O homem realiza a educação como um bem particular, através de seus esforços a adquire como uma conquista pessoal. A concepção dialética da educação opõe-se fundamentalmente à concepção metafísica. Na concepção dial ética da educação “a formação do homem se dá pela elevação da consciência coletiva realizada concretamente no processo de trabalho (interação) que cria o próprio homem. A educação é o que se pode fazer do homem de amanhã” 33. É dentro dessa concepção dialética que a pedagogia
deve elaborar seu método, a fim de, superando todas as 32
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.148 33 - Idem. P.149
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contradições, elevar a educação de um aspecto abstrato e irreal para uma realidade concreta, real e verdadeira. Esta nova educação, revolucionária, cria o homem de amanhã, com a realização da consciência coletiva e uma interação igualitária nas condições de trabalho e nas relações sociais. Marx, ao se mostrar preocupado com a situação do trabalhador, sem instrução no manejo dos instrumentos de trabalho, sugere um ensino ao trabalhador. Afinal “trata-se de um trabalho produtivo, prático de manejo dos instrumentos essenciais de todos os ofícios, associado à teoria com o estudo dos princípios fundamentais das ciências”34. O trabalhador, assim, teria condições de produzir mais
e melhor e teria t eria a possibilidade da formação de sua consciência. consciência. A contradição, própria da dialética, sempre esteve presente, mesmo que escondida, nos discursos filosóficos. A matéria (mundo real, concepção dialética) e o espírito (mundo das ideias, concepção metafísica) constituíram-se como contrários, opostos, em que o espírito seria a fonte da verdade e a matéria a sua anulação. “Enquanto Hegel localiza o movimento
contraditório na lógica, Marx a localiza no seio da própria coisa, de todas as coisas, e em íntima int egração com elas”35. Não é uma 34
- Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.125 35 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.20
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negação do espírito, o mundo das ideias, e afirmação ou elevação da matéria como única que contém a verdade. É uma adequação do pensamento e da matéria para a apreensão do conhecimento. Trazer a Lógica para a coisa, a matéria, o mundo real, é superar as suas contradições e colocá-las no mesmo mundo, em que, pela sua íntima integração, se superam superando todos os contraditórios de todas as coisas e, consequentemente, as contradições do espírito em si e deste com o da matéria. O que Marx mais criticava era a questão de como compreender o que é o homem. Não é pela razão, nem por ser um animal político que o homem expressa sua singularidade, mas por ser capaz de produzir suas condições de existência, tanto material quanto ideal. Como o homem é historicamente determinado pelas condições, se torna responsável por todos os seus atos, pois ele é livre para escolher. Por outro lado, o homem não é só um ser material, portador do dom espiritual, ele é, também, essencialmente essencialmente um ser social. A Educação Dialética é social, científica... “voltada para a
construção do homem coletivo, voltada, portanto, para o futuro”36. Sendo dialética, a educação afronta a questão da própria formação 36
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.149
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do homem como tarefa social, com suas condições reais e múltiplas determinações. Na confrontação, com o único fim de superar os contrários e aperfeiçoar o social, estabelece a questão central da educação que é “o homem enquanto ser político, a libertação histórica, concreta, do homem contemporâneo” 37. Ser
político significa estar engajado no social, estar sendo o sujeito de sua libertação histórica e das manobras do sistema vigente, tornando-se, assim, indivíduo consciente de sua concretude e que pode fazer a diferença em seu meio social. Uma das conclusões da obra de Marx, com relação ao sistema de trabalho, se encontra quando ele fala “de modificar o
mundo, isto é, de uma atividade na qual a sociedade humana está fortemente empenhada e que representa de certa maneira todo o processo da sua história: apropriar-se da natureza de modo universal, consciente e voluntário, modificá-la e, ao modificar a natureza e seu próprio comportamento em relação a ela, modificar a si próprio como homem.”38 Trazendo isso para a educação, o apropriar-se se apresenta como um ver o sistema com olhos atentos e detectar, dialeticamente, os seus contraditórios na tentativa de superá-los, superando-se, numa modificação do homem e seu comportamento e do sistema s istema social universal. 37
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.149 38 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.126
Educação Revessa
Dialética e Educação
A
“Educação Dialética” deve, em sua análise,
levar em conta toda a realidade, com sua
diversidade nas relações e condições sociais, em especial o modo como se constitui a consciência do homem, cidadão do mundo. Portanto, “o essencial é que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam e determinam reciprocamente as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência ”39. É certo que as condições de existência social determinam as modalidades de consciências. Um indivíduo, por exemplo, que vive em uma cidade onde o respeito pelo outro, o público, o que é privado, pelos idosos, mulheres, crianças, etc., é considerado um dever supremo, onde todos têm as mesmas condições de trabalho, estudo, lazer e atendimento à saúde, tem um nível ou modalidade de consciência diferente daquele que vive em uma cidade abandonada social e moralmente. 39
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.21
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Para Marx “o materialismo dialético não considera a
matéria e o pensamento como princípios isolados, sem ligações, mas com aspectos de uma mesma natureza, que é indivisível e que se exprime sob duas formas diferentes: uma material e outra ideal; a vida social, una e indivisível, também se exprime sob duas formas diferentes: uma material e outra ideal; eis como devemos considerar o desenvolvimento da natureza e da vida social. O materialismo dialético considera a forma das ideias tão concreta quanto à forma da natureza ”40. A “Educação Dialética” se vale des sa concepção e, como o marxismo, “não separa em nenhum momento a teoria (conhecimento) da prática (ação), e afirma que a teoria não é um dogma, mas um guia para a ação. A prática é o critério de verdade da teoria, pois o conhecimento parte da prática e a ela volta dialeticamente”41. Essa modalidade oferece um toque especial à
Educação e lhe oferece o movimento. O movimento adquirido através da prática é experimentado e elaborado como conhecimento
prático,
consequentemente,
a
prática
é
aperfeiçoada. A Educação, utilizando o “método dialético”, faz a análise do sistema capitalista como uma “realidade objetiva, 40
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.22 41 - Idem. P.23
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analisa, metodicamente, os aspectos e os elementos contraditórios dessa realidade (considerando, portanto, todas as noções antagônicas então em curso, mas cujo teor ninguém ainda sabia discernir)”42. Depois de feita a distinção dos aspectos ou dos
elementos contraditórios, sem negligenciar as suas ligações, sem esquecer que se trata de uma realidade, a Educação vai reencontrar o sistema capitalista na sua unidade, isto é, no conjunto do seu movimento. Essa nova visão, mais rica em detalhes e conhecimentos, oferece, agora, a possibilidade de aplicar, com mais rigor, o “método de pesquisa” e com mais veracidade o “método de exposição”.
O método de pesquisa é esta volta à realidade para a apropriação, em
pormenores,
de
todos
os
elementos contraditórios da realidade. É a “análise que colocará em evidência as relações internas, cada elemento em si” 43. O método de exposição é a reconstituição desta
realidade em forma de síntese de todos seus fenômenos. A realidade “revela -se gradativamente segundo as peculiaridades peculiaridades próprias”44. O atual sistema educacional da era
42
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.31 43 - Ibidem.
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tecnológica “tende a reunificar a ciência e o trabalho: apoiada na
cibernética e na automação, exige cada vez menos operários e cada vez mais técnicos e pesquisadores de alto nível; exige, ao mesmo tempo, conhecimentos específicos para cada uma das estruturas – disciplinas, aparelhamento aparelhamento – e capacidade de integrar mais estruturas ou de dominar as relações que as une” 45. Como
fica o ensino técnico para todos, se cada vez menos se precisa deles? Ao se oferecer conhecimentos específicos apenas, não se está esquecendo aqueles da formação própria do ser humano? Essas e outras são as questões para as quais a educação precisa encontrar respostas. Essa maneira de analisar a realidade que Marx nos oferece e que, pela “Educação Dialética”, aplica em todo seu
sistema, não pode ficar na fase de pesquisa e exposição. Para ser verdadeiramente dialética a educação deve fomentar o surgimento do novo. O método dialético foi utilizado por Marx para fazer a análise e fornecer ao proletariado uma arma revolucionária contra a burguesia. “O verdadeiro revolucionário é aquele que, como dialético, cria as condições favoráveis ao advento do novo” 46. Por
44
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.31 45 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.129 46 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.33
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Educação Revessa
isso, não podemos compreender o método dialético fora do pensamento marxista. Não queremos dizer com isto que devemos ser marxistas, mas sim, como homens esclarecidos, assumir, através da prática dialética na educação, a posição de filosofia da práxis. Que cada educador realize “constantemente o reexame da teoria e a crítica da prática”47, em si mesmo e no educando. A educação que cada educador recebeu e transmite ao educando deve ser “aberta,
inacabada, superando-se constantemente” 48. A superação da educação acontece na contínua reciprocidade com a sua realização. A concepção da educação dialética parte do princípio da igualdade de condições que as crianças normais têm em sua mente de aprender todas as formas de conhecimento. A “Educação Dialética”, acreditando que “o desenvolvimento humano se dá
pela interação de determinantes internos e externos, negando a existência de uma natureza a priori da criança, que não seja a genérica
natureza
humana,
suscetível
de
todos
os
desenvolvimentos”49, faz a análise dessa estrutura, tanto dos
47
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.37 48 - Idem. P.38 49 - Idem. P.150
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determinantes internos quanto externos, não para eliminá-los, mas para compreender e estar consciente de seu funcionamento. Com o método de pesquisa a educação se apropria de toda a realidade, sem deixar de considerar “os elementos internos,
as contradições no interior do indivíduo e da própria instituição educacional” 50. Desse modo pode, com o método de exposição,
revelar desde os anseios, indagações e conflitos do indivíduo, até as mais profundas falhas do sistema educacional. Com essa exposição volta à realidade do indivíduo e do sistema, com um amplo arsenal educativo, capaz de restabelecer a educação como meio de levar o homem a se tornar o sujeito da ação transformadora. A “Educação Dialética” está inserida num meio social dividido em um lado conservador que, a qualquer custo, pretende manter a ordem estabelecida, e uma emergente potência de uma classe que encontra na escola a possibilidade de um instrumento de luta para poder vencer os obstáculos impostos. Para Marx “o esforço pedagógico em direção à
constituição de uma educação do trabalho e dos trabalhadores é parte do processo complexo de questionamento e luta contra a
50
- Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1983. P.150
Educação Revessa
organização imposta pela burguesia à sociedade” 51. Com relação à
imposição, atualmente nos referimos ao Capitalismo, que não mudou em nada, ou melhor, o lado dominante aperfeiçoou a forma de impor suas normas. O Capitalismo continua com o objetivo de treinar as crianças, da classe trabalhadora, para o serviço manual e para que no futuro possam exercer seu lugar aonde o sistema necessitar. Nesse processo a “escola participa da reprodução das forças de trabalho; ela é posta a serviço dos interesses do capital”52. A educação, nas últimas décadas, avançou muito, mas
ainda não conseguiu se desvencilhar das amarras dos interesses do sistema e obter sua liberdade e independência. Sabemos que para isso precisaria abrir mão dos recursos do Estado, o que seria um caos, já que esse só financia porque ajuda a manter sua ideologia. Mas, mesmo dentro do sistema, através da dialética, a educação aos poucos pode levar o indivíduo a se libertar das amarras do sistema e, quando a direção do Estado tiver influência nessa educação, o sistema do capital poderá iniciar a superação. A educação para ser verdadeiramente dialética precisa adequar pedagogia, educando e educador na realidade social atual, tendo em mente a formação do homem novo. O método de Marx, 51
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.16 52 - Ibidem
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aplicado hoje, é descobrir “a contradição entre o elevado nível
tecnológico exigido ao moderno produtor, bem como na condição social e, assim, detectar as exigências da formação técnica, cultural e social a serem s erem satisfeitas”53.
Com a “Educação Dialética” é possível fazer es sa análise no sistema educacional, detectando a existência de um alto nível de ensino para uns e para a maioria, que são as escolas primárias, com um ensino precário. Através de tal constatação a educação analisa as contradições e encaminha sua superação. Por conseguinte estabelece qual formação técnica deve ser aplicada em determinada região e qual educação precisa ser universal, igual em todas as sociedades, lembrando que a contradição é o princípio fundamental da dialética. A aplicação prática da dialética na educação pode, nos parece, seguir o caminho traçado por Marx na obra “Para Uma Crítica da Economia Política”, no capítulo terceiro “O Método da Economia Política” e transcrevê -lo para a Educação. Para isso
precisamos estabelecer claramente claramente a divisão dos nossos estudos de maneira a não deixar nada no esquecimento. Como a Educação não é algo abstrato, fora da realidade, ou separado dela, nossa análise deve situá-la na sociedade contemporânea. Com isso a 53
- Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez, 1991. P.129
Educação Revessa
pesquisa inclui as contradições da Educação e todos os seus esquemas internos e externos, e as contradições do Sistema Capitalista com sua complexa superestrutura e variações de sociedade em sociedade. O primeiro passo é determinar as abstrações gerais mais ou menos válidas, tanto para a Educação como para o Capitalismo, e detectar a principal contradição, ou seja, a existência de ricos e de pobres. Um segundo passo é analisar as categorias que constituem a estrutura, interna e externa, do sistema educacional e do sistema capitalista sobre as quais repousam todos os seus membros. Nesta etapa da pesquisa faz-se o levantamento das contradições, desde a precariedade das escolas, das moradias e da infraestrutura social, contrapondo ao desleixo do sistema capitalista, até a formação do método pedagógico ditado por esse sistema, em si mesmo contraditório, e passando pelos salários, condições de atuação do professor e aprendizagem do aluno, etc. A terceira etapa é uma síntese da relação do sistema educacional e do Capitalismo, sob forma de Estado, considerada a relação relação entre os dois. dois. A aplicação aplicação dos impostos, ou não, a capacidade do educando, a qualidade dos alunos, o abandono escolar, etc. Numa quarta etapa, a Educação e o Capitalismo são comparados a nível internacional, já que estamos num mundo globalizado, verificando os intercâmbios.
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João Henrique Bordin
Para finalizar, juntamente com o mercado mundial, a pesquisa analisa a Educação e o Capitalismo em suas crises mundiais. Toda esta pesquisa e explanação da contraditoriedade social e educacional precisam acompanhar todo o processo de aprendizagem do indivíduo, pois, assim, o acúmulo quantitativo de
conhecimentos,
acompanhado
dialeticamente
do
amadurecimento qualitativo, levará à formação do homem consciente, sujeito de sua história e em busca do novo.
Educação Revessa
Um Pouco de História
A
educação por si só já é dialética, pois se situa no limiar da diversidade social, cultural e ideológica,
de um determinado grupo, em determinado lugar. A educação ajuda a sustentar uma sociedade, a explicar sua cultura e a defender a ideologia dominante. Por outro lado, pode a educação questionar as culturas, pôr em conflitos os modos de vida social e desestruturar as ideologias. Portanto, cabe-nos perguntar: que tipo de educação queremos? E mais profundamente: o que entendemos por educação? O que é educação? Queremos a educação que mantém as coisas como estão; que não gosta de mudanças e tem medo do novo; ou a que tudo questiona e tem a visão do novo como possibilidade de ser realizado? Por educação entendemos apenas a forma de transmitir conhecimento, ou a maneira do homem se portar como presença no meio social? Educação é a forma com que alguns modelam o comportamento e o agir da
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maioria a seu gosto, ou é o modo como o homem assume sua postura de ser cidadão no mundo. Já expusemos e ficou clara a questão da dialética. Em Hegel vimos como funciona a dialética idealista e em Marx como é aplicada para explicar o funcionamento do capital. Ambas sustentam que a dialética atua com as contradições, seja ela para explicar a totalidade do ser, como fez Hegel, ou para discernir o funcionamento social, econômico e político da atualidade. Assim, o enfoque da dialética na educação é a contradição, tanto a nível estrutural como na sua aplicabilidade social. Na educação, entendida como o caminho mais seguro para superar as desigualdades sociais, precisamos, em primeiro lugar, descobrir qual a contradição que está na sua estrutura e que mantém estreito o horizonte da mente humana. Após esta descoberta, a análise se estende às contradições em todo o sistema educacional, desde os conhecimentos repassados, passando pela autoridade do professor na sala de aula, pelas perspectivas dos alunos, até os objetivos da educação. Para a proposição da “Educação Dialética” faz -se
necessário analisar a história da humanidade e perceber como a educação mudou no decorrer do tempo e a que ou a quem serviu. Não vamos aqui fazer uma descrição pormenorizada das
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Educação Revessa
civilizações, mas brevemente traçar um perfil histórico do homem nas sociedades em sua ação de transmitir ou modificar culturas e perceber como foram surgindo as grandes contradições. contradições.
Comunidades tribais
C
omeçamos comunidades
bem
lá
tribais.
no
princípio
Elas
com
surgiram
as
como
aglomerações de famílias com o objetivo primeiro de garantir sua sobrevivência. Nessa ocasião, as crianças aprendiam imitando os gestos dos adultos, nas atividades diárias e nos rituais místicos. “Nas comunidades
primitivas, as mulheres estavam em pé de igualdade com os homens e o mesmo acontecia com as crianças... A sua educação não estava confiada a ninguém em especial, e sim à vigilância difusa do ambiente”54. É a influência natural que vai moldando o 54
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.18
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João Henrique Bordin
indivíduo e sua maneira de pensar conforme as necessidades particulares do grupo. As atividades eram executadas em conjunto, ninguém podia ficar de fora sem se abster da repartição dos víveres. “A execução de determinada tarefa, em que um
membro da comunidade não podia realizar, deu lugar a um precoce começo de divisão do trabalho de acordo com as diferenças existentes entre s exo”55. Aparecem, assim, as primeiras desigualdades tribais sem que, com isso, houvesse submetimento por parte da mulher. Com o passar do tempo, em que “o dever ser, no qual
está a raiz do fato educativo, lhes era sugerido pelo meio social desde o momento do nascimento”56, foram acontecendo mudanças e começaram a aparecer diferenças entre os membros da comunidade tribal. “Qualquer desigualdade de inteligência, de
habilidade ou de caráter, poderia servir de base para uma diferença
que,
com
o
tempo,
poderia
engendrar
um
comunidade, surge submetimento”57. Assim com o crescimento da comunidade, a necessidade de um líder e “a direção do trabalho se separa do
55
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.18 56 - Idem. P.20 e 21 57 - Idem. P.24
Educação Revessa
próprio trabalho, ao mesmo tempo em que as forças materiais se separam das físicas”58.
Na sociedade em formação, a educação se sistematiza, se organiza, se torna violenta e surge no momento em que perde seu primitivo caráter homogêneo e integral. O rito tribal de oferendas aos deuses e de uma relação natural, aos poucos, é substituído por uma crença em deuses dominadores e crentes submissos. Começam as diferenças entre os membros privilegiados e o povo. Com uma educação imposta, os nobres se encarregam de difundir e reforçar seus privilégios. Com o surgimento das primeiras cidades e consequente divisão entre cidade e campo, houve a necessidade de uma educação mais elaborada. O primeiro registro histórico nos vem da península itálica. “Os jovens eram forçados a viver no campo
com os pastores, dividindo com eles seu árduo labor e, através desse
método,
desenvolviam
as
habilidades
que
eram
fundamentais para as atividades básicas de sua vida: a agricultura, a caça, a pesca e o pastoreio” 59. Assim, o homem ia se
fortificando, aumentando a produção e as cidades iam crescendo. A autoridade paterna subjugava a mulher e os filhos e os sábios se 58
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P. 24 59 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.13
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separavam cada vez mais dos trabalhadores, justificados por uma religião e educação secreta. Mas faltava “uma instituição que não
só defendesse a nova forma primitiva de adquirir riquezas, em oposição às tradicionais comunidades da tribo, como também que legitimasse e perpetuasse a nascente divisão em classes e o direito de a classe proprietária explorar e dominar os que nada possuíam. E essa instituição surgiu: O Estado”60, que aparece para amenizar
as emergentes contradições nas desigualdades sociais, ou seja, uns que detêm o poder e a riqueza e a maioria que obedece e vive na miséria. Com o surgimento do Estado vieram suas leis e preceitos como sendo de inspiração divina. A religião foi o meio adequado e necessário para apaziguar os ânimos do povo que por ventura se exaltasse. Para assegurar lealdade dos súditos, a educação imposta pelas classes proprietárias devia “cumprir três finalidades
essenciais: 1ª- destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga; 2ª- consolidar e ampliar a sua própria situação de classe dominante; 3ª- prevenir uma possível rebelião das classes dominadas” 61. Assim germina e se consolida o comando de uma
classe em detrimento das demais e vai passando de sociedade em sociedade até culminar na atualidade da dominação capitalista. 60
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.32 61 - Idem. P.36
Educação Revessa
Grécia
A
sociedade grega se destaca das demais, entre outras coisas, pelas artes e pela filosofia. A Grécia
pode ser considerada o berço da pedagogia, a “Paidéia” –
paidagogo – aquele que conduz a criança. No entanto a classe dominante, classe da beleza, do poder e do saber, precisava manter este status e para isso criou seus exércitos com o próprio povo. Transformou assim a “sua organização social
num acampamento militar e fez com que a sua educação estimulasse as virtudes guerreiras”62. Através da disciplina, pela
prática
da
ginástica
austeramente
controlada,
mantinha
superioridade militar sobre a classe subalterna e as demais cidades da região. Até os sete anos a criança vivia com os pais, após o Estado se apoderava dela e até os quarenta e cinco anos pertencia ao exército. Depois, até os sessenta, era posto na reserva, mas, como não sabia fazer outra coisa, a ele pertencia à vida toda 63. 62
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.40 63 - Idem. P.41
71
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Os filósofos, que também pertenciam pertenciam à classe dominante, exerciam grande influência e explicavam porque as coisas funcionavam daquela maneira. “Platão estabeleceu o princípio da divisão do trabalho... mostrando que o homem não poderia ser eficiente no atendimento de suas necessidades se dispensasse seus esforços em atividades tão diferentes como cozinhar, costurar suas roupas e trabalhar a terra. Por essa razão, ele deveria concentrar-se naquelas atividades para as quais mostrasse mais talento, em benefício da comunidade” comunidade”64. O saber estava destinado apenas para a classe dominante e Platão “reservou o estudo da dialética pa ra
um pequeno número de jovens selecionados que seriam preparados para serem os futuros magistrados”65. Os magistrados teriam a missão de instruir o “Estado” no saber e
no conhecimento, e conformar a classe subalterna de sua situação predestinada. É a filosofia a serviço da ideologia na justificativa dos contrários. contrários. Aristóteles reforça a ideia da superioridade de alguns, afirmando que “a escravidão estava na natureza das coisas” 66. O 64
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.14 65 - Idem. P15 66 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.59
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Educação Revessa
homem já nascia com a condição de ser livre, aristocrata, escravo, camponês, etc. Por isso cada um devia se conformar com sua situação, pois “as classes industriais são incapazes de virtudes e de poder político”67. Ainda afirmava que a visão do divino estava
reservada
para
muito
poucos.
Nesta
justificativa
do
funcionamento do sist ema fez sua profecia involuntária. “Quando os teares funcionarem sozinhos e as cítaras tocarem por si mesmas, então já não necessitaremos de escravos, nem de patrões de escravos”68. Essa é a visão grega do mundo justificada por seus
filósofos, com a garantia de dar sustentabilidade ao poder dominante.
Roma
A
sociedade romana, como todas as demais, também estava
baseada
na
escravidão.
“Grandes
proprietários, os patrícios, monopolizavam o poder, a expensas dos pequenos proprietários, os plebeus, que, apesar de livres, estavam excluídos dos postos dirigentes” 69. Como os plebeus,
insistentemente, reivindicavam seu posto no poder, os patrícios
67
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.59 68 - Ibidem. 69 - Idem. P.61
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João Henrique Bordin
“lhes deram, no ano 287 AC, a igualdade política”70. A junção
tornou Roma superior às demais nações e em pouco tempo conquistou toda a região. Como na Grécia havia os magistrados para instruir o povo e formar a classe dominante, em Roma havia o orador. “O
orador, diz Quintiliano, é o verdadeiro político, o homem nascido para a administração dos assuntos públicos e privados, capaz de reger um estado com os seus conselhos, de estabelecê-lo mediante leis e de reformá-lo pela justiça... o homem de bem” 71. O homem de bem, na concepção romana, é aquele que pela educação desenvolveu as qualidades necessárias para cuidar dos interesses da classe dominante contra as ameaças dos motins da população. A educação no império romano, de maneira geral, passou por três fases. A latina original, de natureza patriarcal, onde os ensinamentos e a tradição era passada no berço da família. Depois veio a influência do helenismo, que, com a dominação de Roma à Grécia, se espalhou por toda a região e era muito criticada pelos defensores da tradição. Por fim, a cultura helênica e a romana se fundem e os valores gregos ficam nitidamente na supremacia. Com a fusão, desde o século IV AC, a educação sofrera uma reforma por ser insuficiente o estilo ministrado aos nobres até 70
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.61 71 - Idem. P.63
Educação Revessa
então. Nessa época surgiram “os ludimagister, para a educação primária, os gramáticos, para a média, e os retores, para a superior”72. A educação primária era destinada as grandes massas,
com o intuito de apaziguar seus espíritos. Eram escolas rudimentares, com uns bancos e uma cadeira para o mestre, poucos recursos, esferas e alguns mapas e cubos. A situação dos gramáticos e retores, que eram dirigidas aos nobres, estavam subsidiadas de todas
as
formas
de
aprendizagem e muitos recursos73. Aqui nota-se o surgimento da contradição da educação institucional, com um tipo de ensino para os nobres e outro para os plebeus. A religião não podia ficar de fora do sistema de educação romana. Usando a forma universal, é a vontade dos deuses, o corpo de professores, como um regimento que defende os interesses do Estado, e caminha com ele aos mesmos passos, usa esse método para legitimar o poder dominante. A escravidão e a submissão do povo são tão bem aceitas, no meio, que a única esperança que lhe resta é a boa vida após a morte. “Em uma 72
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.67 73 - Idem. P.67 a 80
75
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comédia de Plutarco, chamada Os Cativos... um escravo encarregado de vigiar os outros escravos dirige as seguintes palavras:... Desde que esta é a vontade dos deuses... um amo jamais se equivoca, até o mal que nos faz deve ser olhado como um bem”74. Um escravo cuidando do outro escravo, parece
comédia, mas era o cúmulo do domínio de um estado e uma religião que encasulava a mente do homem e o fazia acreditar que os deuses lhe traçaram essa vida.
O Feudalismo
A
pós essa fase greco-romana, a educação entra numa fase mórbida na história da humanidade.
Com uma superestrutura religiosa, o Feudalismo se perpetua durante séculos. Só por volta de 1450 alguns corajosos se aventuram a contradizer esse sistema e, em muitos casos, acabaram nas mãos da inquisição. Na “Idade Média, o Feudalismo
conhecia três variedades sociais: os bellatores, ou guerreiros, os oradores, ou religiosos, e os laboratores, ou trabalhadores”75. Cada uma dessas classes sociais deveria agir sensatamente dentro de sua
74
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.80 e 81 75 - Idem. P.86
Educação Revessa
situação e pela piedade divina um trabalhador, por exemplo, poderia passar para outra, se assim Deus o quisesse. A superestrutura religiosa feudal, como todas as anteriores, só que com mais veemência, domina o espírito
humano.
“O
Cristianismo canaliza para um mundo extraterreno as suas inquietações e as suas esperanças. Enquanto o escravo e o servo sofriam sob os seus senhores, o Cristianismo proclamava que eles eram iguais diante de Deus. Descoberta maravilhosa que respeitava o status quo terreno, enquanto não chegava o momento de alterá-lo, mas no céu ”76. A ganância da Igreja era tanta que, para evitar que sua riqueza acumulada passasse a herdeiros particulares - filhos dos padres e bispos que casavam e formavam nova família, longe da igreja - impôs o celibato a todo o clero. As escolas, no sistema feudal, estavam centradas nos monastérios e divididas em duas categorias. Uma para instruir os religiosos e se baseava no estudo da Bíblia, em algumas obras 76
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.87
77
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literárias e na aprendizagem da língua oficial da Igreja, o latim. A outra era dirigida a manobrar a população. A “finalidade dessa escola não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantêlas dóceis e conformadas”77. Com a instituição do celibato
surgiram as escolas externas, isto é, situadas fora dos muros dos conventos, mas com domínio destes, e se destinavam ao clérigo secular e a alguns nobres que queriam estudar sem pretender usar o hábito. Com esse esquema educacional, semelhante ao das escolas romanas, o Estado, aliado à Igreja, pretendeu justificar o ter e o poder de alguns em detrimento da grande maioria. maioria. O conhecimento saindo dos Conventos passa a fomentar novas maneiras de se ver o mundo. Por exemplo, podemos citar Rebelais (1495-1553) que “introduz em sua proposta pedagógica a importância do conhecimento das coisas e da natureza através da observação direta”78. De outro lado temos Montaigne (1533-
1592), dizendo que “na aprendizagem (em grande parte baseada no interesse em conhecer a natureza e incluindo a prática de exercícios físicos), era necessário não sobrecarregar a criança com excesso de informações. Ele preferia uma cabeça bem feita a uma
77
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.91 78 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.24
Educação Revessa
cabeça muito cheia” 79. Também temos o revolucionário padre
Tomaso Campanella (1568-1639), com sua obra Cittá Del Solle (Cidade do Sol). A sua forma pedagógica parte do princípio da defesa da “emulação, a competição e a rivalidade entre grupos e
indivíduos como um elemento de motivação na prática educacional... Defende a coeducação e rejeita a discriminação entre os seres, atribuindo alto valor à educação científica, numa era de domínio do obscurantismo clerical” 80. Com essas ideias o
padre Campanella sofre duras perseguições da inquisição. Na mesma linha revolucionária aparece Thomas Morus, com a obra “A Utopia”, e Francis Bacon, com a obra “Nova Atl ântida”.
Já há alguns séculos existiam as Escolas Catedráticas em que o centro das suas preocupações pedagógicas era, sem dúvida, a teologia. Amar e venerar a Deus eram a suprema aspiração do sábio. No século XI essas escolas germinaram e surgiram as universidades, como cobrança da burguesia nascente que reivindicara sua parte na educação. “A fundação d as
universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das 79
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.23 80 - Idem. P.21
79
80
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vantagens da nobreza e do clero que até então lhe tinha sido negadas”81. Começa então a diminuir o poder da superestrutura do sistema feudal. Nos meados do século XIII, “os magistrados das
cidades começaram a exigir escolas primárias, que as cidades custeavam e administravam. Tratava-se de uma iniciativa que se dirigia diretamente contra o controle mantido pela I greja”82. Começa o declínio do Feudalismo e surgimento da burguesia, que a princípio se mostra dócil, humana e capaz de superar as contradições sociais . “Se para o Feudalismo a virtude dominante era a submissão, para a burguesia mercantil do renascimento passa a ser a individualidade triunfante, a afirmação da própria personalidade... O renascimento se propôs a formar homens de negócio que também fossem cidadãos cultos e diplomatas hábeis”83.
Renascimento
O
movimento renascentista renascentista inicia na Idade Média, se consolida a partir do século XIV, e lança as bases
da burguesia moderna. O Renascimento pretendia um retorno à 81
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.101 82 - Idem. P.104 83 - Idem. P.110
Educação Revessa
antiguidade clássica, com a retomada do pensamento grecoromano em sua origem, não o interpretado e adaptado. Humanismo e reforma é o que pretendia o Renascimento. Surgia uma nova maneira de encarar a religião, com a derrocada da concepção teocêntrica do universo. A reforma protestante, movimento que valorizava a individualidade, se opôs às normas da Igreja. É certo que Martinho Lutero “foi o primeiro a afirmar que a instrução constituía uma fonte de riquezas e de poder para a burguesia, também não é menos certo que ele nem de longe pensou em estender estender esses benefícios às às massas populares”84.
A ciência, abandonando o método especulativo, volta-se para a investigação da natureza e adota o método da experimentação. Nessa época Galileu (1564-1642) descobre os satélites de Júpiter e Harvey e prova, afirmando a descoberta de Copérnico, que a terra gira em torno do sol. Bacon (1561-1626) afirma que a realidade muda com o tempo e o poder aumenta com o conhecimento. Descarte (1596-1650) ensinava que só colocando a evidência em dúvida e pela análise e síntese chega-se à verdade eterna – penso, logo existo.
Pascal (1623-1662) diz que a
experimentação experimentação era o único critério seguro no campo científico.
84
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.120
81
82
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A filosofia e a ciência refletiam as profundas modificações que a economia ia introduzindo na estrutura social, preocupadas com as consequências para o ser humano. Enquanto isso nas escolas da burguesia continuava-se ensinando a ciência dos antigos, quer dizer, uma anatomia sem dissecações e uma física sem experimentos. A indústria e o comércio se desenvolvem a largos passos e quando a máquina de fiar substitui o fuso, o tear mecânico o manual, a produção deixou de ser uma série de atos individuais, para se converter numa série de atos coletivos 85, como predisse Aristóteles. No século XVII “a incorporação incorporação da Geografia, da
Aritmética, da História e do Direito Civil à educação do jovem gentlemen indicava que a nobreza havia mudado completamente de orientação”86. A indústria e o comércio haviam diminuído a
distância entre o burguês e o nobre e necessitavam de novos métodos na educação. A liberdade do comércio trouxe, como consequência, a liberdade de crenças e ideias. Com isso desestabiliza a nobreza, e a burguesia começa a introduzir seus novos comandos. Em toda a história podemos observar que “cada vez que
num regime social se vislumbra a possibilidade iminente de uma 85
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P126 86 - Idem. P.129
Educação Revessa
derrocada, surge sempre, como um sintoma infalível, a necessidade de um retorno à natureza” 87. Quando o mundo antigo
desabou, os Estóicos pregavam a urgência de uma vida mais simples. O Renascimento, fim do Feudalismo, proclama a volta ao antigo, ao paganismo da carne e da beleza.
Agora,
monarquia,
com
Rousseau
a
queda
da
(1712-1773)
escreve o Evangelho da Natureza, no qual explica o surgimento, com mais vigor, do individualismo dos sofistas, dos estóicos,
a
volta
ao
antigo
dos
renascentistas88. No combate às contradições instauradas pela sociedade feudal, Rousseau foi um grande pedagogo da educação tradicional. Ao lado de Rabelais e Montaigne, foi um crítico do Feudalismo e também da sociedade civil burguesa em desenvolvimento. No Contrato Social deixa claro que não pode existir liberdade sem igualdade. “Para ele igualdade não era
apenas necessária, mas essencial a uma sociedade justa e moral. A desigualdade era intrinsecamente imoral” 89. A informação e a 87
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.130 88 - Ibidem. 89 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.31
83
84
João Henrique Bordin
politização do povo eram essenciais para que fosse capaz de expressar a vontade geral. Na vontade geral cada indivíduo renuncia parte da liberdade natural e a soma, de todas essas partes de liberdade individual, abdicadas, constitui uma força maior. A força maior do povo acontece na soberania da sua reunião em assembleia. O povo sempre detém em suas mãos o poder real para manter ou transformar as instituições sociais. Essa concepção de Rousseau é de uma educação revolucionária com plena participação política. Na discussão político-pedagógica mostra ser possível uma verdadeira síntese entre duas correntes opostas, através de sua superação verdadeira. Nessa contribuição as correntes opostas são trocadas e se fundem reciprocamente. A superação dialética implica numa ultrapassagem, ultrapassagem, num ir além, que só se dá pela incorporação do que se supera. A educação tradicional de Rousseau está centrada na ideia de um mundo corrompido e a nova educação deseja, ao contrário, confiar no mundo e no homem. O homem não pode pensar-se a si mesmo como um ser isolado, essa autossuficiência hipotética se equipara a um mineral. Por fim, podemos dizer que Rousseau pretendia um ensino de experiência. É tirando vantagens das oportunidades, oportunidades, que se lhe apresentam no presente, que a criança se prepara para o futuro, mas o faz vivendo essas experiências como sua própria vida, não apenas para capacitar-se a viver num futuro distante e
Educação Revessa
imaginário. Isso implica em que a educação é vida hoje para o educando, não apenas preparação para uma vida futura 90.
Capitalismo
D
epois de tantos séculos de sujeição feudal, a burguesia afirmava os direitos do indivíduo.
Direito à liberdade absoluta para contratar, comercializar, crer, viajar e pensar. É justo reconhecermos que a burguesia comandou o assalto ao mundo feudal e à monarquia absoluta com tanto brilho e entusiasmo que, por um momento, ela assumiu, diante da nobreza, o papel de defensora dos
direitos
gerais
da
sociedade91. Essa manobra política
da
burguesia
culminou com a Revolução Francesa, no século XIX, e consequentemente com a Revolução Industrial. O novo regime investe pesado para manter sua hegemonia. “Formar indivíduos
aptos à competição do mercado foi o ideal da burguesia
90
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P33 a 46 91 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.130
85
86
João Henrique Bordin
triunfante”92, com o objetivo único de formar trabalhadores para suas fábricas. Assim, com esse ideal a burguesia pretendeu, e consegue até hoje, esconder a grande contradição do capital, ou seja, a existência de ricos e pobres. Não que ninguém veja a existência de ricos e pobres, muito pelo contrário, mas não sabem o porquê da necessidade de sua s ua existência. A burguesia pensa em seus próprios interesses. Para isso afirmava que “os filhos das classes superiores devem e podem
começar bem cedo a se instruírem e, como devem ir mais longe do que os outros, estão obrigados a estudar mais... as crianças plebeias necessitam de menos instrução do que as outras e devem dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais ”93. A educação superior mantinha sua independência, mas o ensino primário era dirigido e vigiado pelo Estado. Assim, a burguesia se apoderava da máquina administrativa. Nesta época, século XVIII, meados do século XIX, a burguesia se dá conta de que a liberdade religiosa concedida ao povo e que a ajudou a derrubar a monarquia poderia se levantar contra ela própria e a derrubar. Voltaire, pedagogo burguês, certa noite discutindo religião com amigos, interrompe a reunião para impedir que os criados escutem, com medo de represália durante a 92
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.135 93 - Idem. P.137
Educação Revessa
noite. Ele afirmava que “era necessário impedir, mediante a religião e a ignorância, a ascensão das massas” 94. A burguesia não
tolerava a Igreja, mas ao mesmo tempo precisava dos seus serviços. Então a fez sua sócia, pagando-lhe um alto custo para que lhe servisse de um “poderoso instr umento umento para inculcar nas
massas operárias a sagrada virtude de se deixar tosquiar sem protesto”95.
Com o aumento e modernização da indústria torna-se necessário instruir os trabalhadores com uma educação elementar, para que possam satisfazer o seu padrão de vida e saber que a livre concorrência exige uma modificação constante das técnicas de produção e uma necessidade permanente de invenções. Começaram a surgir as escolas politécnicas. Uma educação primária para as massas e uma educação superior para os técnicos. técn icos. Reservava, todavia, para os seus filhos outra forma de educação – o ensino médio – em que a ciência ocupava um lugar discreto, em que o saber continuava livresco e bastante divorciado da vida real96. A burguesia e sua indústria instalam um novo sistema de exploração, o Capitalismo. “O triunfo do Capitalismo sobre o Feudalismo, apenas significou realmente triunfo do método de
94
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.145 95 - Idem. P.154 96 - Idem. P.146
87
88
João Henrique Bordin
exploração burguesa sobre o de exploração feudal” 97. A educação
também deveria estar de acordo com esse novo sistema para garantir seu progresso. A burguesia sabia bem que uma educação adequada deveria dispor das Ciências Naturais, da História, da Matemática, da Economia, da Estatística, da Filosofia, da Arqueologia, etc. As humanidades e as letras “são o próprio
homem, eliminá-las da educação é como que eliminar o homem do próprio homem”98. Isso gerou um conflito entre seus temores e os seus interesses, que solucionou “dosando com parcimônia o
ensino primário e impregnando-o de um cerrado espírito de classe, como para não comprometer, com o pretexto das luzes, a exploração do operário, que constituía a própria base da sua existência”99.
Por outro lado, enquanto o Capitalismo insurge e se instaura, começa a se formar uma nova corrente de pensadores socialistas, preocupados com os rumos tomados pelo novo mundo materialista. Suas reflexões não se dão numa tentativa de voltar a um passado distante ou a uma volta à natureza, mas, de uma forma ou de outra, apontam para uma tentativa de superar, avançar ou inovar o frio e calculista método de produção do novo sistema. No que se refere à educação, o objetivo é tirar da inércia 97
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.148 98 - Idem. P.149 99 - Idem. P.150
Educação Revessa
o ensino dirigido às massas. Dentre eles destacamos Charles Fourier (1772-1837), que tinha um ideal socialista fundido a uma concepção utópica e visionária da transformação social e a defesa do absolutismo político. Fourier “acreditava
que a miséria da humanidade resulta da supressão das paixões humanas”100. A
felicidade se alcança na forma natural de expressão dos sentimentos. Propôs “um
sistema educacional com um elevado respeito pela liberdade das pessoas, no qual a educação para o trabalho recebeu grande ênfase, como pareceria natural. Conhecendo-se seus pontos de vista mais gerais sobre a sociedade”101 alcançaria a convivência
pacífica de todos os membros da comunidade. Outro precursor do socialismo, Saint Simon (1760-1825), refletia uma maneira de superar a decadente sociedade medieval.
“Estava interessado em
oferecer à sociedade em crise os meios para que se organizasse segundo o que considerava uma forma nova e superior. 100
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.61 101 - Idem. P.70
89
90
João Henrique Bordin
Tal ordem nova deveria se basear no mais elevado princípio – o da indústria”102. Essa forma industrial, proposta por Simon, não é
a mesma da burguesia. Para ele, o Estado, segundo o princípio industrial, deveria ter em mente sempre o social. “Acreditava na
organização racional e na planificação, encontrou o conceito fundamental de toda sua teoria na indústria. Seu sistema mantinha o interesse individual e os privilégios da riqueza, com a condição de que fossem aplicados à indústria” 103, que daria suporte para a
organização da sociedade. Para Simon a educação estava em “segundo nível de governo, enquanto a direção da produção estava no mais alto nível da administração” 104. Quando toda a
sociedade participar ativamente do sistema industrial poderá chegar a um nível educacional educacional mais elevado. Robert também
Owen
precursor
do
(1771-1858), socialismo,
acreditava no cooperativismo industrial, “nega a ideia generalizada de que o
homem constrói seu próprio caráter. Segundo ele, o caráter dos seres humanos é moldado pelas circunstâncias nas quais
102
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.74 103 - Idem. P.75 104 - Idem. P.77
Educação Revessa
nasce e no meio em que vive e trabalha”105. Nesse sentido, a cooperativa de trabalhadores melhoraria as condições de vida do operário, método que aplicou nas indústrias New Lamarck, que comprou com sócios em 1799 e deu grande resultado. O “humanismo se expressa através do respeito pelo que a criança
tem de natural e pela renúncia a qualquer manipulação de sua vontade através do esforço, externo e artificial, a diferentes comportamentos e ações, porque seria injusto e prejudicial fazêlo”106. A liberdade natural da pessoa precisa ser respeitada como
sagrada. A realidade escolar, em sua unidade, faz parte da realidade social. Para isso “o ambiente escolar deveria ser encorajador, receptivo e nunca repressivo” 107. A criança, com
isso, respeitada em sua individualidade, cresceria com um entendimento entendimento maior do seu papel na sociedade e na indústria.
Proletariado
E
m 1830, com
as promessas
de igualdade de direito dos indivíduos para comercializar, crer, viajar e pensar, satisfazendo 105
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.84 106 - Idem. P.88 107 - Idem. P.90
91
92
João Henrique Bordin
assim seus interesses, a burguesia conquistou o apoio do proletariado. No entanto, alguns anos mais tarde, o proletariado cobra o cumprimento dessas promessas. A burguesia, que havia se separado da Igreja, porque esta manipulava as massas, viu-se obrigada a reatar com ela para, em conjunto, manterem seus privilégios. Assim “a burguesia e a Igreja se estornam
mutuamente muitas vezes, mas como tem um inimigo comum pela frente seria insensato que elas se separassem demasiado uma da outra”108. O proletariado, que agora é inimigo, novamente é
manipulado pela educação que recebe e pela religião que o rodeia. Entretanto, a liberdade já havia sido decretada e muitos pensadores conseguiram ir além das manobras do capitalismo burguês e pensar um novo sistema. Vitor Considerant (1808-1893) foi um desses pensadores e levantou questionamentos
sobre
a
educação
burguesa. Entre elas “se incluíram a
crítica à educação sob o capitalismo, ao elitismo, à reprodução educacional dos padrões da sociedade maior, à educação como
instrumento
ideológica,
à
de
educação
hegemonia como
repressão
e
ao
caráter
discriminatório de uma educação popularesca e instrumental para 108
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.155
Educação Revessa
a classe trabalhadora”109. No capitalismo os filhos dos
trabalhadores tendem a assumir posições ocupacionais similares a de seus pais, pela falta de incentivo material para a sua sobrevivência antes de sua educação. Considerant afirmava que é necessário o “estabelecimento de um nível de vida aceitável,
incluindo o direito de todos a um trabalho digno e adequadamente remunerado” 110, para que a proposta da “Nova Educação” se torne realidade. Na “Nova Educação sob-harmonia, defende a
participação do próprio estudante na organização e administração efetiva do sistema educacional” 111. O aluno, razão de ser da
escola, junto com o professor, estabelece o tipo de ensino desejado para aquela ocasião. No estado burguês “a escola primária está orientada de
tal modo que afastam do proletário os poucos filhos de operário que a frequentam. Mediante um ensino habilmente dirigido e continuado, ela os leva a compreender a sua superioridade em relação aos seus pais e faz com que se esqueçam ou se envergonhem da sua origem modesta. Formar uma aristocracia operária arrivista e dedicada é uma das intenções mais claras do
109
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.99 110 - Idem. P.101 111 - Idem. P.102
93
94
João Henrique Bordin
ensino popular dentro da burguesia” 112. É um ensino selvagem de
negação das origens e formação de seres alienados. Para tentar superar essa forma educacional, Marx e Engels, no século XIX, elaboram a teoria marxista. “O
marxismo em si mesmo é, não uma ciência
contemplativa,
mas
a
análise científica da realidade e, ao mesmo tempo, o guia para a ação política transformadora dessa realidade”113.
O
marxismo,
“no
processo
histórico
de
autocompreensão, do autoconhecimento do homem e da humanidade” 114, é uma tentativa de expor o capital como conceito
explicativo da sociedade burguesa e a existência de sua contradição, ricos e pobres. Nessa época surgiram outros pensadores, que conceberam a educação como forma de superação de um ensino classista.
O
poeta
cubano,
escritor,
jornalista e educador, José Marti (18531895), “acreditava profundamente no poder
112
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.156 113 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.116 114 - Idem. P.116
Educação Revessa
e na importância da educação” 115, não das classes mais pobres,
mas que todos fossem bem educados, com as mesmas condições e possibilidades. A ideia central do seu pensamento educacional consiste em uma educação para a vida, uma educação inovadora e ativa. A nação mais feliz é aquela cujos filhos têm a melhor educação e para todos. Todo o homem tem o direito de ser educado e obrigação para educar os outros. José Marti defendia uma educação leiga, não religiosa, devido a sua necessidade de honestidade116. Outro pensamento, nessa linha educacional, vem de Lenin (1870-1924), no qual sua preocupação era de um processo de politização para atingir um maior nível de consciência política. Lenin “reintroduz a abordagem dialética do próprio
Marx, na qual são os próprios indivíduos que, através de sua prática (sua atividade produtiva), não apenas mudam o mundo, mas também atingem uma maior compreensão deles e nesse processo mudam a si próprios também”117. É uma ideia de
educação socialista, com possibilidade de aplicação no capitalismo, para tentar superá-lo.
115
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.144 116 - Idem. P.150 117 - Idem. P.169
95
96
João Henrique Bordin
Nova Educação
P
or volta de 1900, surgem duas correntes do movimento pedagógico da “Nova Educação” – a
metodológica e a doutrinária. Na corrente metodológica, com suas raízes no marxismo, aparece o respeito pela atividade livre e espontânea da criança. A nova didática consiste principalmente em substituir o trabalho escolar individual pelo trabalho coletivo. A
corrente
doutrinária
aceita
os
mesmos
postulados
metodológicos. No entanto, para respeitar o que a criança tem de mais íntimo, afirma que é necessário o Estado obter autonomia do ensino. A escola aparece como negação de todo o partido e de toda a seita, bem como das igrejas e seus dogmas, porque a escola é a vida do espírito e o espírito vive na plenitude de sua liberdade. A escola deve ser o órgão do espírito humano no qual esse expressa o seu conteúdo atual 118. Nessa linha José Ortega Y Gasset (1883-1955 afirma que “se educação é a transformação
de uma realidade, de acordo com certa ideia melhor que possuímos, e se a educação só pode ser de caráter social, resultará que a pedagogia é a ciência de transformar sociedades” sociedades”119. Até então a 118
- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.167 e 168 119 - Idem. P.168
Educação Revessa
educação era o processo no qual a classe dominante prepara na mentalidade e conduta da criança as condições fundamentais de sua própria existência. Após a Revolução Socialista e implantação do primeiro governo em 1917, na Rússia, um grupo de pedagogos, entre eles Pistrak
(1888-1940),
elaborou
a
proposta
pedagógica
revolucionária conhecida como a “Escola do Trabalho”. Pistrak afirmava que não pode haver neutralidade na educação, “Se se
pensa que a educação não é política e, baseando-se nessa premissa, não se age politicamente como educador, essa inação tem o mesmo significado da ação conservadora... Se não se age para mudar a realidade social, então se a está mantendo, justificando e legitimando legitimando”120. O educador deve reeducar-se ou ser reeducado para, só após, criar seu próprio método. Para Pistrak, a educação é uma tarefa coletiva, envolvendo os professores que entendem seu papel político na construção da nova sociedade, participação na qualidade de analistas críticos do que se está processando, mediante a incorporação e desenvolvimento de um referencial teórico, pedagógico e social, que dará sentido a suas ações. Tanto o professor como o aluno e a sociedade deve ter em mente que a educação sempre satisfaz as necessidades de um
120
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.21
97
98
João Henrique Bordin
determinado regime, e se não o faz é eliminada 121. Um educador deve sempre pensar que “o que realmente importa não é a
quantidade, mas a qualidade de conhecimento que permitiria ao estudante possuir um controle sólido dos métodos científicos fundamentais para elaborar as manifestações da vida” 122, afirma
Pistrak. Durante a primeira guerra mundial, Antônio Gramsci (1891-1937), líder revolucionário socialista, na Itália, concebe o homem como como “sujeito da história e que, como como tal, tem a iniciativa iniciativa
revolucionária, a iniciativa da ação transformadora... Os intelectuais têm a missão de organizar a cultura e de tornar possível o acesso das massas a essa vontade coletiva – consciência de classe – que é fundamental como instrumento da ação realmente voltada para a transformação social... a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais em diversos níveis ”123. Sua educação alternativa supera o humanismo tradicional para fundar as bases do “Novo Humanismo”. O humanismo tradicional era um instrumento de alienação, o novo “é capaz de preservar o
121
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.24 a 26 122 - Idem. P.59 123 - Idem. P.80 e 81
Educação Revessa
alto valor do homem como sujeito da história e centro das preocupações preocupações sociais”124.
O proletariado, nesse sistema capitalista, de divisão das forças intelectuais e forças físicas, se torna assim o instrumento de superação da sociedade classista. Na autêntica escola proletária as fábricas adquirem o ritmo da escola e “a teoria aviva a cada
instante a marcha da prática e a prática se ilumina sem cessar com a teoria”125. No sistema capitalista burguês de divisão da
sociedade em classes, com predominância de uma em detrimento das outras, o instrumento capaz de se opor é a educação. “Enquanto a sociedade dividida em cla sses não desaparecer, a
escola continuará sendo uma simples engrenagem dentro do sistema geral de exploração e o corpo de mestres e de professores continuará sendo um regimento, que, como os outros, defende os interesses do Estado”126. A educação tem a possibilidade de ser
um instrumento revolucionário, de superação de um sistema que nega a humanidade do homem para tornar este sujeito o construtor de sua própria história. A “Educação Dialética ”, ao perceber a contradição nela
contida e a contradição do capital, através da análise e exposição 124
- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.82 125 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.174 126 - Idem. P.182
99
100
João Henrique Bordin
de todas as contradições da sociedade, pode se tornar um instrumento nas mãos do povo para superar o atual sistema. O novo, que surge desse processo, é o revolucionário homem novo, social, verdadeiro, livre e sujeito consciente de sua ação.
Educação Revessa
Concepção Educacional Omnilateral
U
ma sociedade como a nossa, eminentemente capitalista e hierarquicamente dividida em classes,
desde a dominante até a mais popular, trabalhadores ou desempregados, estabelece a concorrência, muitas vezes desleal, que reproduz e concretiza a desigualdade em todos os níveis de todos os setores sociais. A escola, sendo uma parte dessa sociedade e a serviço da ideologia dominante, não foge à regra. No entanto, partindo da concepção educacional marxista que tem como horizonte as relações socioeconômicas, mostra que é possível reverter o processo, diminuindo as diferenças sociais, a partir de uma educação que contemple o homem em sua totalidade e omnilateralidade e que atenda aos interesses do povo como um todo, dos pais, dos alunos, dando preferência à classe trabalhadora, mas estendida a todas as classes, ou seja, uma educação revolucionária. revolucionária.
101
102
João Henrique Bordin
A história nos mostra que, em cada época, surgiram diferentes maneiras de abordar o tema da educação. Muitos pensadores desenvolveram sua visão educacional a partir de sua visão de mundo e do modo como concebiam o homem em sua conduta social. Assim, neste capítulo, abordaremos, brevemente, a concepção educacional marxista, já que a teoria de Marx foi escolhida para dar suporte a nossa reflexão. Na sequência, seguindo nesta linha, aprofundamos a compreensão com alguns educadores que buscaram essa direção, uns declaradamente e outros que, embora omitindo, desenvolvem o mesmo caminho, ou seja, uma educação para além do horizonte do capital, com atenção às necessidades individuais e sociais de cada um e estendida a todos. Conforme os primeiros capítulos deste livro, ao estudar o filósofo alemão Karl Heinrich Marx (1818-1883), na tentativa de entender o mecanismo de estruturação do capital, de início percebemos sua atração pela filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), por encontrar nela um princípio único que tudo explica a partir do conceito de liberdade. Somos todos historicamente livres. Estudando a filosofia hegeliana como ninguém, Marx fez a crítica da sociedade alemã, mas percebeu que o Capitalismo não se explica com o sistema filosófico de Hegel. Assim se propõe a produzir uma teoria crítica do capital e
Educação Revessa
da sociedade sociedade moderna que fosse fosse um instrumento nas nas mãos mãos do proletariado para a revolução social. “O Capital” é a mais importante obra de Marx e
verdadeiro método dialético, pois simultaneamente faz a explanação do sistema e através dela realiza a sua crítica. Sua metodologia inicia com a pesquisa que “(...) tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real”127. Dessa forma tem-se uma visão adequada da realidade do
capital e a possibilidade de superar sua fria existência ou conscientemente aceitá-lo. Um processo educativo só se define com a compreensão de toda a estrutura da sociedade. O pensamento marxista pressupõe, antes de qualquer coisa, a convicção de que tudo se encontra em permanente conexão material e universal e, em tal condição, a filosofia social de Marx nos indica como deve ser a educação socialista. Marx afirma que “por um lado, é necessário modificar as condições
sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro, falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais”128. A educação deve ser uma ferramenta de aglutinação 127 128
- Marx, Karl H. O Capital. São Paulo. Nova Cultura. 1996. P.140 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.107
103
104
João Henrique Bordin
social
e
escolar
para
emancipar
o
homem
em
sua
omnilateralidade, articulando o trabalho manual e intelectual em todos os sentidos e com a consciência de que a história está em constante movimento e nos encaminha a superar o capital. A educação envolve a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível com a finalidade da emancipação humana, ligando as partes ao todo e sua compreensão simultânea e recíproca. Assim, o princípio de uma teoria educacional marxista comporta um ensino omnilateral que leve o indivíduo multifacetado multifacetado à humanização tendo no horizonte a totalidade. Esse fundamento educacional marxista pode, hoje, ser aplicado na reformulação do sistema educacional, tendo em vista amenizar as desigualdades desigualdades sociais e tornar o Capitalismo mais humano. Na linha marxista de pensar a educação encontramos vários autores, como Adorno, Freinet, Gramsci, Makarenko, Pistrak, Snyders e Suchodolski, que acreditando numa sociedade “(...) onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe
aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador,
Educação Revessa
pescador ou crítico”129, e preocupados com a situação do povo de
suas épocas, desenvolveram, a partir da concepção educacional de Marx, como poderia ser uma escola, uma sociedade e seus indivíduos se o ensino tomasse por base a formação em sua omnilateralidade omnilateralidade e em sua totalidade.
Adorno
O
alemão Theodor Wiesengrund Ludwig Adorno (1903-1969),
com sua obra “Educação e Emancipação” , afirma que é necessária uma educação que evite a barbárie e simultaneamente busque a emancipação humana. A questão da barbárie é identificada por Adorno a partir do nazismo que banalizou a violência física forçando as pessoas a se identificarem com ela. Com o fim da grande guerra, a barbárie passou a se revestir da autoridade, com seus po deres estabelecidos, para “(...) praticaremse precisamente atos que anunciam, conforme sua própria configuração, a deformidade, o impulso destrutivo e a essência
129
- Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.25
105
106
João Henrique Bordin
mutiladora da maioria das pessoas” 130 e o papel da educação é
precisamente evitar a proliferação dos atos bárbaros. Atos que num primeiro momento parecem inocentes, mas que aos poucos desencadeiam um relacionamento antipático e que podem culminar na barbárie. Um exemplo destes atos é o costume que os alunos têm de se acotovelarem ou se soquearem e para Adorno é necessário “(...) desacostumar as pessoas de se darem cotoveladas” 131 e se soquearem por ser uma expressão bárbara.
A barbárie, hoje, muitas vezes inicia com a mania que os alunos têm de se atribuírem apelidos, quase sempre pejorativos. Para superar essa barbárie Adorno concebe uma educação que ajude o indivíduo a pensar com a própria cabeça - para isso a família e a escola devem andar juntas e levar o aluno a formar sua maioridade ou sua emancipação. Essa autonomia só é alcançada através do “esclarecimento”, tema que retoma de Kant e que
sempre é atual, pois é devido à “(...) falta de decisão e de coragem de servir-se do entendimento, sem a orientação de outrem”132, que o indivíduo permanece alienado e o “esclarecimento é à saída dos homens de sua autoinculpável menoridade” 133. Isto pressupõe que
130 131
- Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.159
- Idem. P.162 - Idem. P.169 133 - Ibidem. 132
Educação Revessa
o indivíduo tenha vontade própria e coragem para fazer uso do próprio entendimento. entendimento. Para Adorno, a maioridade começa a ser alcançada quando a identidade é descoberta e isso acontece no encontro com a autoridade na qual a criança se identifica, a princípio, e na sequência do processo de maturidade ocorre o rompimento com a mesma. A criança necessita do pai. Portanto, uma autoridade se apropria dela e a interioriza, mas ao descobrir, “(...) por um processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figura paterna, não corresponde ao eu ideal que aprendeu dele, liberta-se assim do mesmo e torna-se, precisamente por essa via, pessoa emancipada” 134 (Adorno, 1995, p.177). Nesse sentido a escola,
que não pode ser concebida sem professores e muito menos sem sua autoridade, “(...) mas que, por sua vez, o professor precisa ter
clareza quanto a que sua tarefa principal consiste em se tornar supérfluo”135. Essa posição do professor faz com que o aluno sinta
o apoio autoritário e ao mesmo tempo a necessidade de se emancipar, pensar com a própria cabeça. Adorno afirma que a ”(...) emancipação precisa ser acompanhada por certa firmeza e unidade do eu” 136, para que 134 135 136
- Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.162 - Idem. P.177
- Idem. P.180
107
108
João Henrique Bordin
possa formar uma representação sólida de sua personalidade e da própria profissão. Por isso “(...) a única concretização efetiva da
emancipação emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência” 137, a
começar pela formação da consciência do aluno, da situação real da sociedade em que vive e de todas suas manobras para acostumá-lo em sua precária situação.
Freinet
O
francês Célestin Freinet (1896-1966), em sua obra “Para uma Escola do Povo”, questiona a escola da
época, que até então tinha sido mais ou menos perfeita na “(...) adaptação do indivíduo ao
âmbito
estreito
de
seu
novo
destino
econômico” 138, mas que já está ultrapassada.
Alguns
do
povo
tomam
consciência
da
necessidade de uma mudança. No livro, afirma que no século XX a criança necessita de “(...) uma educação que corresponda às
necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais da vida do povo na era da eletricidade, da aviação, do cinema, do 137 138
- Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.183 - Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.02
Educação Revessa
rádio, do jornal, da imprensa, do telefone, num mundo que esperamos não tardará a ser o do socialismo triunfante” 139. Como
o mundo está em constante mudança, e no Capitalismo a tecnologia avança dia a dia, a educação necessita a todo o momento se atualizar e renovar seus conceitos, para não ficar aquém das necessidades que vão surgindo. Assim, o professor saberá encaminhar o aluno na busca de respostas para suas atuais indagações. Para Freinet a edu cação não pode ser apenas uma “(...) instrução suficiente para enfrentar os exames, ocupar cargos cobiçados, ingressar em determinada escola ou em determinada administração”140, como a maioria dos pais desejam para seus
filhos, fazendo com que eles se esforcem para atingir o objetivo. Para isso a escola de amanhã, como costumava designar o novo modelo de educação pretendido, precisa estar “(...) centrada na criança enquanto membro da comunid ade”141, essas deveriam satisfazer, reciprocamente, sua s necessidades e possibilitar “(...) à criança alcançar, com uma pujança máxima, seu destino de homem”142. Isso requer mais que centrar a atenção na matéria a
ser ensinada e estabelecer o que é essencial e necessário para o 139
- Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.07 - Idem. P.08 141 - Idem. P.09 142 - Ibidem 140
109
110
João Henrique Bordin
desenvolvimento manual e intelectual e atender às necessidades individuais e da comunidade. Na escola de amanhã “o trabalho será o grande princípio,
o motor e a filosofia da pedagogia popular (...) ”143, dizia Freinet, uma nova maneira de se ver o mundo e a relação com ele, de maneira que o respeito pelo outro transpareça na escola, no trabalho e na sociedade, fazendo com que um indivíduo e sua comunidade estejam em constante sintonia. Para isso colocará toda a formação da criança em uma dis ciplina que será “(...) a expressão natural e a resultante da organização funcional da atividade e da vida da comunidade escolar” 144. Com uma
formação assim, a criança poderá reconstruir um mundo melhor do que aquele que deixamos ruir, pensava Freinet, e que pelo convencimento de um processo eficiente e com entusiasmo a escola se adaptará ao novo mundo que há de surgir.
Gramsci
O
italiano Antônio Gramsci (1891-
1937), fundador do Partido
Comunista italiano e antifascista, tinha como 143 144
- Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.11 - Idem. P.12
Educação Revessa
preocupação uma educação capaz de desenvolver intelectuais trabalhadores, através de uma “(...) escola única de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” 145. É a necessidade de criar
uma cultura do trabalhador que faça parte da vontade das massas. O povo intelectualizado tem condições de decidir os rumos que sua vida, sua comunidade e seu País devem seguir. Para Gramsci todos os homens são intelectuais e racionais, mas nem todos exercem esse papel. Intelectual não é só o letrado, mas os diretores e organizadores na construção da sociedade. Assim, “(...) a escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social” 146 e que desmistifica
os intelectuais tradicionais, aqueles que se veem como uma classe à parte da sociedade, para, junto com os intelectuais orgânicos, grupo de pensadores produzidos por cada classe social, articular o senso comum e a filosofia propriamente dita, a cultura de massa e a erudita. Dessa forma as ideias hegemônicas a prevalecer não
145
-
Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.33 146 - Idem. P.40
111
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João Henrique Bordin
seriam as de um grupo social dominante, mas do conjunto das classes sociais. Os intelectuais fazem o trabalho da hegemonia e ao mesmo tempo são hegemonizados pelas ideias hegemônicas. Ao incorporem uma ideia hegemônica a defendem, mesmo sem ter consciência disto e o que dizem não é verdade deles, mas de ideias id eias já disseminadas, estabelecidas estabelecidas e que se tornaram senso comum e atribuíram hegemonia a todo um grupo social. Isso requer a criação de uma nova camada de intelectuais, com a consciência de que “(...) existem graus diversos de atividade especificamente intelectual (...) não se pode separar o homo faber do homo sapiens”147. Ou, todo o homem que exerce uma atividade
intelectual, de qualquer grau, precisa saber expressar sua intelectualidade intelectualidade na realidade e através do fazer, da prática, renovar e justificar o saber, a teoria. Em Gramsci a educação assume o papel de devolver ao povo a intelectualidade e a cultura que a todos pertence. Para ele, “(...) todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma
atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim 147
- Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.52-53
Educação Revessa
para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar”148. Todo o povo pode
colaborar na formação, manutenção e/ou modificação das ideias hegemônicas.
Makarenko
O
ucraniano Anton Semionovich Makarenko (18881939) organiza a escola como
coletividade tendo em vista a felicidade da criança e a expressão de seus sentimentos, sempre com rigidez e disciplina formadora da personalidade, com uma clara responsabilidade de seus direitos e deveres no convívio social. Assim, constituiu uma pedagogia profundamente humana e exigente, segundo o que afirma em seu livro Problemas da Educação Escolar Soviética, “(...) pedir el máximo a cada persona, pero también hacerle objeto del mayor respeto posible”149. Exigir
de cada um o máximo possível, respeitando suas limitações e seus sentimentos, sem que estes se sobressaiam ao coletivo, transforma a personalidade do indivíduo, tornando-o um adulto mais
148
-
Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.53 149 - Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora Progresso, s.d. P.10
113
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João Henrique Bordin
responsável e apto a enfrentar tudo o que vai contra seus princípios socialistas. Dessa forma, Makarenko consegue reestruturar a vida de dezenas de jovens infratores, muitos órfãos, que mal sabiam ler e escrever, num modo socialista de ver o mundo, onde o espírito de grupo e o trabalho coletivo eram levados às consequências mais radicais. Para ele a educação soviética “(...) debe ser organizada sobre la base de crear coletividades unificadas, fuertes, influentes. La escuela debe ser una coletividad única, en la que estén organizados todos los processos educativos y en la que cada miembro sienta su dependência de ella, sea fiel a los interesses de ésta, defienda esos interesses y, en primer término, los salvaguarde”150. A unicidade escolar advém da união do seu grupo
de alunos, em que sendo bem organizados adquirem força e influenciam todo o processo educativo. O fazer parte da educação desenvolve a fidelidade entre alunos e professores, haja vista que ambos, e em conjunto com a comunidade local, defendem os mesmos interesses, fazendo com que se desencadeie uma luta coletiva para manter o que a todos pertence. Esse processo educacional não se limita à escola, mas comporta toda a vida da coletividade local e familiar com reuniões 150
- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora Progresso, s.d. P.37
Educação Revessa
constantes entre pais, alunos e professores, para juntos decidirem os principais rumos a serem seguidos. Com esse modo de organizar a educação, Makarenko disciplina não só os alunos, mas toda a coletividade. Como ele mesmo afirma, “la disciplina en la coletividad es la defesa completa, la seguridad plena de su derecho, de las vias y possibilidades que precisamente existen para cada indivíduo”151. A preocupação de resguardar os direitos
individuais e coletivos dá respaldo para que a disciplina seja aceita por todos, não uma disciplina de agressão corporal ou moral, mas de fazer o infrator sentir, sendo colocado diante da infração, que com essa atitude está contrariando toda a coletividade. A coletividade resguarda os direitos de cada um e “(...) la disciplina ensalza a la coletiv idad”152 - há uma
cumplicidade recíproca entre individual e coletivo que garante o êxito do processo educacional educacional socialista. A educação para Makarenko é um processo coletivo que deve abranger a totalidade individual e social para a formação humana completa, seguindo as exigências e subordinação da coletividade, mantendo-se fiel aos princípios da educação marxista. Para Makarenko, como em Marx, a educação é uma
151
- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS,
Editora Progresso, s.d. P.53 152
- Idem. P.60
115
116
João Henrique Bordin
ferramenta que leva o indivíduo a seu desenvolvimento pleno, com o objetivo de superar as desigualdades.
Pistrak
O
russo Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940),
em sua obra “Fundamentos da Escola do
Trabalho”, apresenta como formação básica do cidadão “(...) a soma de conhecimentos ou de hábitos e o grau de técnica adaptados a uma determinada idade, que conduzam direta e plenamente à compreensão marxista da vida moderna” 153. Esse devia ser o
objetivo do ensino com atenção especial ao trabalho social da escola, ou seja, formar crianças para serem trabalhadores completos. A escola do trabalho, apresentada por Pistrak, deve fazer uso da ciência “(...) apenas como meio de conhecer e de
transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da escola”154, que ensina apenas o que pode ser útil mais tarde e
oferece ao aluno conhecimentos que não sejam esquecidos, mas que cientificamente lhes sirvam em suas necessidades no trabalho 153
- Pistrak, M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo. Expressão Popular. 2003. P.117 - Idem.P.119
154
Educação Revessa
e na vida social. Para isso, a escola deve ser organizada de maneira que “(...) nenhuma disciplina escolar tem e pode ter uma finalidade em si mesma (...) ”155, cada disciplina tem uma parte da verdade e só tem sentido sua existência no conjunto com as demais e subordinadas aos objetivos gerais da escola. Mais que programas de estudos, o ensino, para Pistrak, é um “plano de vida escolar” que envolve todas as situações do dia
a dia e o si stema de complexos estabelece “(...) que cada disciplina escolar analisa uma parte determinada de uma matéria geral concreta, propondo-se, antes de tudo, a dar ao aluno o domínio dos métodos experimentais próprios das ciências” 156 -
assim o papel do complexo é treinar a criança no método dialético. Para atingir seu objetivo, a compreensão marxista da vida moderna, faz-se necessário que toda a vida escolar, todo o trabalho e atividade das crianças, tenha uma concepção comum a fim de atribuir unidade a toda a produção social.
Snyders
O
francês Georges Snyders
(1917-...), que nos
155
mostra
- Pistrak, M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo. Expressão Popular. 2003. P.145 - Idem. P.153
156
117
118
João Henrique Bordin
que é possível que haja alegria na escola e satisfação na aprendizagem, apresenta em sua obra “Escola, classe e luta de classes” o monopólio da classe dominante para que a escola lhe
sirva na manutenção do poder estabelecido. Assim, “(...) a escola acaba por participar na manutenção das relações de classe; reflete as divisões sociais existentes, tende a perpetuá-las, até a acentuálas; da mesma forma como tende a perpetuar o poder da classe dominante” 157. Tal fato é percebido quando a escola tem uma
posição de domínio sobre os alunos, para perpetuar o poder da classe dominante de certos docentes, ou quando deixa a educação a Deus dará, dividindo os alunos e professores segundo interesses pessoais e negligenciando o convívio social e a boa educação. Para Snyders, a escola ao mesmo tempo em que mantém a ideologia pode desestruturá-la, isso porque a própria classe dominante necessita de “(...) uma qualificação capaz de responder
ao progresso técnico, à revolução técnica, às constantes modificações
técnicas”158;
nesse
sentido
ela
pode
ser
revolucionária visto que “(...) a cultura é um dos fatores que pode
impedir a escola de pender para as classes dominantes (...) ”159. Cultura dispensada por pertencer à classe trabalhadora que está relacionada com a verdade, e que com as reivindicações das 157
- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.101 - Idem. P.102 159 - Idem. P.103 158
Educação Revessa
massas podem ajudar o professor a contestar a escola como mantenedora do poder e imprimir- lhe um “(...) sentido progressista (...)”160, com a certeza de que o trabalhador estará colocando seu filho numa escola por ele reivindicada, “(...) realmente aberta a todos; a sensibilidade às injustiças da escola agudiza-se paralelamente com a convicção de que é possível uma outra sociedade”161. É de suma importância que o social, como um
todo,
participe
do
pleno
desenvolvimento
educacional,
respeitando as diferenças, mas na busca do bem comum. Os professores, os alunos e os pais precisam dialogar a respeito do que pensam da educação e juntos construírem um processo educacional em vista do bem comum. São as ideias progressistas, segundo Snyders, que detectam que “a escola é simultaneamente reprodução das
estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de libertação” libertação”162, e que aos poucos, numa luta pela
igualdade social, diminuem as distâncias entre as classes, dentro da própria escola, “(...) conquistando largas camadas da população, em que as forças progressistas se vão afirmando e impondo que a escola pode efetivamente renovar-se sem chocar a 160
- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.103 - Idem. P.104 162 - Idem. P.106 161
119
120
João Henrique Bordin
imensa maioria dos pais” 163. Com isso a sociedade efetivamente
pode desenvolver-se formando indivíduos conscientes de suas responsabilidades. Portanto, a escola só tem êxito em ser revolucionária se realizar tarefas progressistas em união com os alunos, os pais e que contemple as classes populares. A escola, com sua pedagogia, “(...) só pode triunfar junto dos alunos do
povo e fazê-los triunfar se for capaz de comunicar uma alegria atual àquilo que lhe ensina (...) ”164. Alegria que é prazer que o aluno sente em participar, não só dos conhecimentos e ensinamentos obtidos do professor, mas de toda a vida escolar que deve ser um reflexo do social e este um reflexo da escola.
Suchodolski
O
polonês Bogdan Suchodolski (1907-1992) que em sua obra “La Educación Humana del Hombre”
destaca a importância de Marx e Engels na nova perspectiva de desenvolvimento social em que a atividade humana deve descobrir, através da análise
científica,
o
melhor
modo
de
desenvolvimento social. Foi com eles, segundo Suchodolski, que “(...) la educación se convierte en un elemento 163 164
- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.108 - Idem. P.395
Educação Revessa
de orientación conciente conciente de los indivíduos in divíduos y de su preparación con vistas a acometer las tareas que plantean las condiciones históricas y sociales en un período determinado”165, com isso questiona a tarefa da educação em seu tempo e que também vale para a análise educacional no tempo atual, visto que a sociedade em que vivemos hoje só difere da sociedade do tempo de Marx e de Suchodolski no que se refere ao avanço tecnológico, mas as artimanhas do capital permanecem as mesmas. A educação, para Suchodolski, deve emancipar o ser humano a começar pelas relações de produção, relações sociais e através da cultura. Tudo o que o homem produz, no trabalho ou em seu tempo livre e a relação que mantém com esta produção, sua cultura, o que apreende ou deixa de apreender na escola e fora dela, as relações sociais, o convívio com os amigos, colegas de trabalho, associações, etc., “(...) constituyen el fator dundamental
que forma su conciencia, su postura, sus conceptos y sus experiências”166. Uma educação, no estilo marxista, transforma
toda a sociedade, questiona suas relações, pois parte do princípio de que a cultura não é privilégio de alguns para o dominio das relações de trabalho e sociais. Com uma educação no estilo marxista a cultura deixa de ser um complexo conteúdo espiritual 165 166
- Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P. 75 - Idem. P.76
121
122
João Henrique Bordin
de alguns escol hidos para se converter “(...) en una realidad cotidiana relacionada con el trabajo y la actividad social de los indivíduos”167. A cultura existe e deve se expressar em todas as
relações da sociedade. Para chegar a uma realidade social concreta no estilo marxista, segundo Suchodolski, o homem deve superar-se criativamente superando o desenvolvimento histórico e não limitar-se a simples repetição dos fatos. Na época contemporânea, os indivíduos e o mundo criado por eles enfrentam um problema filosófico e que vem a ser o mesmo da educação. A saber: “?es que y en qué sentido el hombre contemporâneo puede acceder a la conciencia del pleno sentido y valor de la existência y de qué manera há de integrarse en una actividad en la cual se encuentre a si mismo y cómo y hasta qué punto sabrá estabalecer los contactos sociales con la comunidad de los demás indivíduos?” 168. A ascensão da consciência ao pleno sentido e valor da existência está na relação concreta que o indivíduo mantém consigo mesmo, com sua atividade e com o outro. São os três estágios da mesma consciência, ou seja, a consciência subjetiva, objetiva e coletiva. A resolução deste dilema, para Suchodolski, bem como em Marx, só é possível com uma sociedade sem classes em que 167 168
- Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P.82 - Idem. P.84
Educação Revessa
nesta “(...) surgen las possibilidades de una vida en la que el
hombre real se convierta en un hombre verdadero, y el hombre verdadero en un hombre real; entances surgen asimismos las condiciones necessárias para educar a unos hombres plenos y concretos, puesto que es posible liquidar y superar los factores que constituyen la fuente de la esclavitud humana y es posible asimismo solventar realmente los problemas de la liberdad humana que hasta la fecha se han venido solucionado de un modo mitológico”169. Portanto, na atual sociedade capitalista dividida
em classes, em que uma domina as outras, a solução parece ser impossível, pelo menos enquanto a educação estiver a serviço da ideologia dominante, a menos que, dentro do próprio sistema do capital, encontre o modo de superá-lo e talvez a solução seja a de formar educadores mais que simples transmissores de conhecimento.
Educação Omnilateral
C
om esta breve análise da educação em Adorno, Freinet, Gramsci, Makarenko, Pistrak, Snyders e
Suchodolski, afunilam-se o entendimento na concepção educacional marxista a partir do momento que todos prescrevem 169
- Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P.90
123
124
João Henrique Bordin
um ensino de união entre escola e sociedade, com articulação do trabalho manual e intelectual, para formar a consciência de que a história está em constante movimento e não podemos repetir fatos históricos, mas sim superá-los, para diminuir as desigualdades sociais e tornar o capital mais humano. Adorno apresenta uma educação que evite a barbárie, ou a não violência, e emancipe o homem, ao levá-lo a pensar com a própria cabeça. Freinet uma educação centrada na criança enquanto membro da comunidade. Gramsci uma escola que concilie trabalho manual e intelectual. Makarenko uma educação em vista da felicidade da criança com disciplina formadora da personalidade. Pistrak uma educação que seja a soma de conhecimentos, hábitos e técnicas que conduzam à compreensão marxista da vida moderna. Snyders uma educação reivindicada pelo trabalhador e que comunique alegria àquilo que ensina. Suchodolski uma educação do estilo marxista, questionadora, com base na cultura do povo e que ascenda a consciência ao pleno sentido da existência. Todas essas maneiras diferentes de conceber a educação sintetizam-se na educação omnilateral, que leve o indivíduo multifacetado à humanização tendo no horizonte a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível, com a finalidade de construir uma nova sociedade.
Educação Revessa
A concepção de uma educação marxista omnilateral é a chance que o homem tem de revolucionar a maneira de pensar e de se posicionar frente ao sistema capitalista, possibilitando, assim, reverter o quadro de desigualdades da atual sociedade. A educação não faz a revolução, mas com certeza nenhuma revolução acontece sem ela. O primeiro passo para garantir uma mudança social e evitar o retorno ao momento histórico anterior é fazer com que todo o povo esteja bem preparado intelectualmente, intelectualmente, com uma cultura por ele formada, seja consciente dos percalços que virão e tenha sabedoria e entendimento para posicionar-se na nova maneira de conceber o mundo. Essa nova concepção do mundo é o de uma sociedade sem classes, mas não se pode esperar esse momento acontecer, visto que jamais acontecerá no atual sistema do capital. Mesmo assim, aqui e agora é possível começar a revolução intelectual, devolvendo ao povo o livre pensar e ajudando-o a organizar sua cultura de forma que ele mesmo seja criador e construtor de sua história. Para dar início a este processo é preciso que os docentes que assim pensam se empenhem o máximo para, em sua escola, começarem uma silenciosa revolução e de escola em escola garantirem a mudança, primeiramente no sistema educacional e depois certamente acontecerá, pacificamente, a revolução social.
125
126
João Henrique Bordin
A educação marxista omnilateral é a possibilidade que o homem tem de dar início à construção da nova sociedade onde, como citado no início deste artigo, “(...) cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isso a meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico” 170. Devemos lembrar sempre que a educação deve ser uma ferramenta de união entre escola e a comunidade, pois não é possível educar as crianças com diferentes posições diante da realidade existente.
170
200 6. P.25 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006.
Educação Revessa
Disciplina na Educação
O
processo de construção deste trabalho inicia com a colocação da teoria marxista, pois vimos nela,
especialmente especialmente na dialética, a possibilidade de encontrar suporte na reflexão das contradições do Capitalismo, do sistema educacional e na apresentação da educação omnilateral. Em seguida, passando pela história, tivemos uma breve visão de como o ato de educar foi se modificando de tempo em tempo. Tudo isso formou o horizonte no qual engendramos a omnilateralidade como forma do homem se desenvolver em sua totalidade. No entanto, para que isso aconteça no atual sistema de ensino, constatamos a necessidade da reflexão de um ponto crucial: a disciplina e rever a questão da autoridade do professor. A educação, segundo o dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é o "Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual ou moral do ser
127
128
João Henrique Bordin
humano”171, visando a sua melhor integração individual e social. Complementando podemos entender a educação como o modo de formar a personalidade da criança e do ser humano em geral, bem como sua conduta no meio social, tendo sua iniciação no interior da família e sua continuidade na escola. Analisando estas duas instituições, família e escola, que formam a base da sociedade, percebemos o quanto são contraditórias no trato dos temas que estão em pauta na mente das crianças, jovens e adolescentes. A mídia - TV, rádio, internet, jornais, revistas e todos os demais meios de comunicação social apresenta diariamente milhões de informações que precisam ser digeridas de forma a esclarecer e enriquecer enriquecer o crescimento pessoal de cada um. No entanto, o que se constata é que nem a família e nem a escola sabem oferecer uma posição correta ou adequada a toda essa situação, pois não estão e nunca foram preparadas para oferecer alguma solução. Os pais, não sabendo lidar com os problemas dos filhos, vêm pedir ajuda à escola que também não sabe oferecer um posicionamento adequado. A escola, por sua vez, quando um aluno está com dificuldades na aprendizagem, convoca a família para um auxílio. É a família repassando à escola a educação que lhe cabe, e a escola empurrando à família o ensino que lhe pertence. 171
- Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 – Educação.
Educação Revessa
Temos, por um lado, um sistema educacional desatualizado para a geração atual e sem perspectivas para as gerações das futuras sociedades. De outro lado temos uma geração que só pensa no presente, e no prazer que dele pode usufruir, sem a mínima preocupação em planejar seu futuro. E ainda temos uma escola com professores despreparados e uma família com pais que não sabem o que fazer. Este último ponto, a escola e a família, é o que interessa neste capítulo, por entendermos que as duas instituições, apoiadas por uma disciplina formadora do caráter e da personalidade responsável, levam o indivíduo a valorizar o “eu” em relação ao respeito pelo outro, objetivando a igualdade
social. O respeito pelo outro é o ponto de partida na tentativa de solucionar o problema aqui apresentado e entendemos que a disciplina na educação, tanto em sala de aula como além dela, na família e na comunidade em geral, pode ajudar a superar o atual sistema de desigualdades sociais, no qual o sentido da existência e a liberdade só existem atrelados ao consumismo. Entendemos que a solução não está apenas atrelada a uma instituição ou em alguns indivíduos iluminados. Esses têm o dever do envolvimento ativo na sua execução, mas são especialmente a escola e a família, em sintonia, que podem deflagrar o ponto inicial da superação desse dilema social.
129
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João Henrique Bordin
Num primeiro olhar na situação das escolas constata-se a falta de interesse tanto por parte dos alunos como dos professores. Os alunos estão dispersos, em outro mundo; e o professor por sua vez está noutro bem diferente - e ambos não se encontram no mundo real. O mundo do aluno gira em torno da tecnologia que avança dia a dia. A TV e toda a mídia criam a ilusão de que tudo é fácil, basta apertar um botão, como no videogame ou no controle remoto. O mundo do professor ainda é muito antigo - com giz e apagador – e não desperta a atenção do aluno. O professor não consegue o domínio da classe. Por outro lado, a família não tem colaborado. Seus filhos vão para a escola sem limites e se o professor tenta impor alguma ordem os pais lhe tiram a razão. É aluno rebelde e professor que não sabe o que fazer, pois punição a direção, o Estado e os pais não permitem. Na escola também se refletem as impunidades sociais e com isso o jovem não vê perspectivas do porquê e para que estudar. A impunidade, na sociedade em geral, soa como um “pode fazer o que quiser que nada vai te acontecer ”. Nesse
contexto o professor se desmotiva, não planeja direito suas aulas e, devido a seu despreparo, postura e métodos inadequados à
Educação Revessa
realidade atual, não encontra motivos para engendrar mudanças. É claro que sempre há os que se importam. No decorrer dos últimos trinta anos aconteceram muitas investidas na tentativa de salvar um sistema que só se preocupa com a transmissão de conhecimentos, que com certeza são muito importantes, mas a educação perdeu no que tange à formação do caráter e da personalidade do cidadão. Houve um grande avanço a nível tecnológico e o corpo docente, em sua didática pedagógica, não conseguiu acompanhar a evolução. Até então o esforço educacional girou e gira em torno de manter todas as crianças na escola e evitar que sejam repetentes, mediante a perda do ‘incentivo’ e visando a tirar o País do analfabetismo, para, diante
do mundo, mostrar que aqui todos sabem ler e escrever. Uma medida que tem seu valor, a partir do momento que assegura vagas para todos os alunos, esquecendo, no entanto, que analfabeto não é aquele que não sabe ler, mas o que não quer ler. O esforço não é nem um pouco árduo, já que com a criança na sala de aula e o favorecimento de sua galga série após série, não há muita exigência da escola. No início do século XXI, devido a essa forma educacional, as crianças vão à escola com um comportamento perturbado, proveniente do interior das famílias. Famílias essas que devido à falha na educação que receberam não souberam, ou
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não tiveram, como iniciar a educação dentro do lar. As crianças vão à escola não para se educarem, mas porque lá tem outros amiguinhos para fazer estripulia. As crianças vão à escola não para aprenderem, mas para bater nos colegas e mostrar que podem mais, pela força. As crianças não vão à escola para se prepararem para o futuro, mas para se rebelar e provar que são “demais”. As crianças não vão à escola para ouvirem o professor, mas para escutar a turma gritando “bate, xinga, soqueia ”... As crianças não vão à escola porque querem, porque não é à escola que querem. Não vão à escola porque gostam, porque não é da escola que gostam. Ainda há os que vão à escola por causa da merenda, se bem que esses, na maioria das vezes, são esforçados e não criam problemas. Portanto, na escola as crianças não encontram o meio adequado para redirecionarem sua maneira de ser e estar na sociedade, tendo em vista a convivência harmoniosa. A iniciativa para reverter a atual situação da educação está na própria escola em sintonia com a família. A nosso ver, para estabelecer uma educação que responda aos anseios dos alunos, pais e professores, é necessária a implantação da disciplina na sala de aula com total apoio da família, pois juntos precisam encontrar a maneira de sua imposição. A família precisa devolver ao professor a autoridade que lhe foi subtraída, fazendo com que hoje se encontre impossibilitado de impor limites sob pena de ser
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processado. Não que a família tenha tirado a autoridade do professor, mas ela tem o poder de devolvê-la. Tais limites advêm de uma disciplina formadora do caráter, mediante o aluno assumir suas responsabilidades, e só com a sintonia entre escola e família alcançará esse objetivo, pois a escola com seus professores sem autoridade desautoriza a família, desaparecendo o respeito pelo outro. Etimologicamente a palavra disciplina se assemelha a discípulo, que quer dizer “aquele que segue” e deriva do termo
pupilo, do latim, que significa instruir, educar treinar, dando ideia de modelagem total de caráter. Também é um dos nomes que se pode
dar
a
qualquer
área
de
conhecimento conhecimento estudada e ministrada em um ambiente escolar ou acadêmico. A escola precisa de regras e normas para um bom funcionamento, possibilitando a perspectiva de construir juntos essas mesmas regras para a perfeita interação entre os diferentes elementos que nela atuam, com a finalidade do convívio social. As regras determinam os limites necessários para atingir a disciplina. A disciplina é um hábito interno que facilita a cada pessoa o cumprimento de suas obrigações, é um autodomínio, é a capacidade de utilizar a
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liberdade pessoal, isto é, a possibilidade de atuar livremente superando os condicionamentos internos e externos que se apresentam na vida cotidiana. A vida em sociedade pressupõe a criação e o cumprimento de regras e preceitos capazes de nortear as relações, possibilitar o diálogo, a cooperação e a troca entre membros do grupo social. A escola, por sua vez, também precisa de regras e normas estabelecidas para orientar o seu funcionamento e a convivência entre os diferentes elementos que nela atuam. Nesse sentido, as normas deixam de ser vistas apenas como prescrições castradoras, e passam a ser compreendidas como condição necessária ao convívio social s ocial172. Para abordar o tema da disciplina faz-se necessário investigar as causas que fazem com que o aluno seja indisciplinado. Não basta, e nem é objetivo do presente estudo, aplicar punições ou impor limites através da coação. A disciplina requerida é a que leve o aluno a um posicionamento responsável, consciente e íntegro diante de si e do outro – o colega, o professor, sua família e a comunidade – para formar sua personalidade baseada no convívio social com direitos e deveres iguais para todos. No dizer de Anton Semionovich Makarenko (1888-1939) “(...) pedir el máximo a cada persona, pero también hacerle objeto
172
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Disciplina - Disciplina.
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del mayor respeto posible”173, isto é, a exigência no cumprimento do dever sempre deve vir acompanhada do respeito pelo outro, condição para para ser atendido em seus direitos. Na maioria dos casos a indisciplina tem ligação com o descontentamento que o indivíduo tem de si próprio e do outro, desaparecendo o respeito e a valorização do eu e de tudo o que é público. As origens do descontentamento nem sempre estão na escola. Algumas vezes vêm da própria família, outras da comunidade onde vive e ainda podem decorrer da desigualdade social que a criança percebe em nível mais amplo, na sua cidade, por exemplo. Diante disso a escola precisa estar apta para detectar a origem dos descontentamentos e encaminhar uma solução. A escola e a família precisam estar convencidas, por isso em sintonia, de que a disciplina “(...) en la coletividad es la defesa completa, la
seguridad plena de su derecho, de las vias y possibilidades que precisamente precisamente existen para cada indivíduo”174 e que suas regras são
essenciais para o desenvolvimento da estrutura mental das crianças, dos jovens e dos adolescentes, e que isso passa por uma revisão da autoridade do professor na sala de aula.
173
- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora
Progresso, s.d. P.10 174 - Idem. P.53
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A disciplina, o ser discípulo, exige a imposição de limites, não como um impedimento à ação do aluno, mas como uma preparação para a verdadeira liberdade e valorização de sua ação. Tomemos o exemplo da poda. O pessegueiro, a macieira, a parreira e muitas outras árvores frutíferas, se deixadas crescer conforme a natureza permite, produzem poucos frutos, de baixa qualidade e com pouco sabor. O agricultor sabe que se quiser colher bons e saborosos frutos precisa praticar a poda em seu pomar. Ao cortar certos galhos infrutíferos, possibilita uma maior colheita naqueles que produzem.
A poda, a princípio dolorosa,
impede
o
exacerbado
desenvolvimento da
planta
e
direciona-a para um crescimento adequado à produção de frutos, que acompanhada de uma boa adubação e cuidados especiais deixa a árvore esparramar livremente seus galhos. Assim é a disciplina formadora da personalidade responsável, limita a ação do comportamento inadequado para tornar o indivíduo consciente e integro na relação consigo mesmo e com o outro. Disciplinado, o discípulo, podemos dizer que é aquele que pacificamente se sujeita às normas estabelecidas, aos cortes necessários em sua conduta para um maior e melhor crescimento. Indisciplinado é o que se rebela, não se submete, questiona, cria rupturas e não
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permite deixar de lado hábitos impróprios para a interação grupal, é o não discípulo. Na ótica do convívio social, familiar e bom funcionamento da escola, a indisciplina é vista como um desrespeito aos acordos j á estabelecidos. A disciplina “(...) ensalza a la coletividad” 175, portanto os limites não são apenas para o
próprio bem e sim para o perfeito equilíbrio entre os deveres e direitos do eu e do outro. A autoridade do professor precisa ser considerada como fator decisivo na viabilização do processo disciplinar e educativo dentro da sala de aula. Essa autoridade deve ser entendida não como um autoritarismo, em que o professor manda e o aluno obedece calado em sua classe, mas como um posicionamento firme e decidido, no qual o aluno, num primeiro momento, se espelhe e posteriormente o supere. A escola que não pode ser concebida sem professores e muito menos sem sua autoridade nos remete ao dizer de Theodor Wiesengrund Ludwig Adorno (19031969) “(...) o professor precisa ter clareza quanto a que sua tarefa
principal
consiste
sem
se
tornar
supérfluo”176,
esse
posicionamento faz com que o aluno sinta o apoio da autoridade e ao mesmo tempo a necessidade de se emancipar, ou seja, pensar com a própria cabeça ou alcançar sua autonomia. 175
- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora Progresso, s.d. P.60 176 - Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.177
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Para fazer da disciplina um aspecto essencial do processo educacional faz-se necessário, além da pedagogia, o uso da psicologia, sociologia, antropologia e demais campos do conhecimento humano, a fim de garantir que os limites aplicados, na sintonia entre a escola e a família, levem o indivíduo a uma formação plena de caráter e personalidade voltada para o bem comum. Como aspecto essencial do processo educacional, a disciplina tem dupla função na sala de aula e fora dela. De um lado limita responsavelmente o aluno, dando-lhe mais liberdade em sua condição discente. De outro devolve a autoridade do professor,
transformando-o
de
simples
transmissor
de
conhecimentos em educador. Ao se estabelecer a disciplina na sala de aula como um processo educativo, em sintonia com a família e com a restauração da autoridade do professor, acreditamos ser possível dar início à solução do dilema social no qual Marx afirma que “p or um lado, é
necessário modificar as condições sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro, falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais”177, e nessa resolução
afirmar a convicção de que tudo se encontra em permanente conexão material e universal. Assim, a educação disciplinada se torna uma ferramenta de aglutinação social, a começar pela 177
- Marx, Karl H. O Capital. São Paulo. Nova Cultura. 1996. P.107
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sintonia entre família e escola, se expandindo pelos demais níveis da sociedade para emancipar o homem em sua omnilateralidade, formando a consciência de que a história é um constante movimento, tornando possí vel vel a superação do capital. A “(...) emancipação precisa ser acompanhada por certa firmeza e unidade do eu”178 e acredito que só é possível alcançar esta firmeza e
unidade do eu mediante a revisão da autoridade do professor e uma disciplina formadora da personalidade. personalidade. O professor professor precisa precisa ser mestre e o aluno discípulo. O verdadeiro mestre almeja ser superado pelo seu discípulo. Essa superação se torna possível com uma formação omnilateral. Historicamente, e mais precisamente depois do surgimento da concepção cristã do homem e da sociedade, esses foram mantidos em uma noção de mundo cindida. O indivíduo cindido entre o humano e o divino formou a base do sistema de divisão do trabalho e sua organização social. A educação, no sistema, atendia à ideologia dominante, determinando o que cabia a cada classe social. Em tal contexto e na tentativa de manter a integridade da pessoa, Marx e Engels esclarecem que “por
educação entendemos três coisas: 1) Educação intelectual; 2) Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios da ginástica e militar; 3) Educação tecnológica, que recolhe os 178
- Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.180
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princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos industriais”179. Esse é o ensino politécnico anunciado por Marx e
Engels e aqui denominado omnilateral por desenvolver uma educação abrangente, ou seja, em todos os sentidos e proveniente de todos os lados. A educação omnilateral é a possibilidade de o homem chegar ao desenvolvimento da totalidade de suas capacidades e usufruir, espiritual e materialmente, de toda a produção social, conceber-se como sujeito da história, com direitos e deveres e uma consciência crítica na relação com o mundo. A disciplina na escola, acompanhada da autoridade do professor, em sintonia com a família, torna possível uma educação que envolva a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível com a finalidade da emancipação do homem, pois não se trata apenas de transmitir conhecimentos dentro da sala de aula, mas de um processo educativo de ligação e interação das diversas partes sociais, em especial entre família e escola, foco deste estudo. A disciplina deve fazer parte do processo de uma educação, como no dizer de Célestin Freinet (1896-1966), “(...) centrada na criança
179
200 6. P.68 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006.
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enquanto membro da comunidade”180, pois a formação do aluno
sempre tem um fim social. A recíproca colaboração, colaboração, entre escola e família, envolve o princípio de uma teoria educacional marxista que comporta um ensino omnilateral que leve o indivíduo multifacetado à humanização, tendo no horizonte a totalidade, e pode ser aplicado na reformulação do sistema educacional tendo em vista amenizar as desigualdades sociais e tornar o Capitalismo mais humano. É uma educação altamente revolucionária, revolucionária, mas para que sua concretização se torne possível é necessária a união entre a escola e a família, numa recíproca colaboração, transformando a escola no lugar de encontro entre pais, alunos e mestres, com a finalidade de construir um processo educativo que desenvolva o indivíduo na sala de aula reciprocamente com o desenvolvimento em seu lar. O lar é o primeiro mundo que a criança conhece, o lugar onde seus sentidos principiam o descobrimento da vida. O lar apresenta as primeiras contradições e definições à criança. No lar a criança conhece e sente o que é o amor, o carinho, a amizade, o respeito e também pode presenciar a existência do ódio. No lar a criança aprende a dividir, a compartilhar. No lar a criança 180
- Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.180
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percebe que não estamos sós, que vivemos em sociedade e que o outro, além de sua família, também pertence a um lar, diferente, mas a um lar. No lar a criança inicia a construção de sua personalidade. No lar o jovem tem acompanhamento e apoio em suas decisões, recebe e aceita críticas que o ajudam a melhor compreender o que pretende para sua vida. No lar o indivíduo tem apoio nas fomentações de mudanças sociais e ajuda no planejamento planejamento das táticas para sua concretização. concretização. A sala de aula, por sua vez, é um universo onde circulam os conhecimentos básicos e as grandes teorias do saber humano. Ela é um conglomerado de contradições e definições. É lá que se dá a continuidade
da
formação
da
personalidade do indivíduo. É lá que a criança conhece e descobre os diversos rumos que sua vida pode tomar. É lá que o jovem define o seu futuro profissional. É lá que o homem proclama sua liberdade desencadeando a libertação do outro. A sala de aula é o lugar onde se fomenta a mudança social e se planejam táticas para sua superação. Tanto na escola como no lar a disciplina é imprescindível, pois sem ela o indivíduo cresce sem limites, sem a valorização do eu e sem o respeito pelo outro.
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Para que o aluno, cidadão com múltiplas relações socioeconômicas, possa realizar o que a escola, a família e ele próprio se propuseram é necessária uma constante renovação em todo o processo educativo. Antônio Gramsci (1891-1937) diz que “(...) todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma
atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo; isto é, para suscitar novas maneiras de pensar”181. Portanto, as opiniões,
os questionamentos, os incentivos devem sempre estar em pauta na união pais, alunos e professores, o que não é possível sem uma disciplina formadora da personalidade responsável e de uma consciência íntegra diante de si e do outro. Essa união é a base de uma nova sociedade, o terreno fértil para engendrar as tarefas, no dizer de Georges Snyders (1917-...), com um “(...) sentido progressista (...)”182, que possibilita a mudança do atual sistema e o ponto de partida para desencadear uma educação revolucionária que tem em seu bojo uma pedagogia inclusiva e extensiva, assegurando aos pais que estarão colocando seus filhos numa escola por eles reivin dicada, “(...) realmente aberta a todos; à 181
- Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.
Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.53 182 c lasses. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981.P.103 - Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes.
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sensibilidade às injustiças da escola agudiza-se paralelamente com a convicção de que é possível uma outra sociedade” 183. Pedagogia
inclusiva porque objetiva a participação social, pais, alunos e professores na elaboração de seu método e conteúdo a ser transmitido. Extensiva, pois almeja não só a formação do aluno na sala de aula, mas também dos demais membros da família, visto haver uma grande disparidade entre o que os pais sabem e o que na sala de aula se propõe a ensinar, proposição essa elaborada na união escola e família. A disciplina, o ser discípulo, viabiliza a concretização da concepção marxista de uma educação omnilateral e é a possibilidade que o homem tem de implantar a nova sociedade “(...) onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe
aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva. É a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isso a meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico”184. Devemos lembrar sempre que a educação
deve ser uma ferramenta de união entre escola e a comunidade, pois não é possível educar as crianças com diferentes posições 183
ed . Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.104 - Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed.
184
200 6. P.25 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006.
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diante da realidade existente. Urge a necessidade de formar a consciência coletiva, com a convicção de que a liberdade só é verdadeiramente um fato se acompanhada da disciplina e que a escola torna isso viável se a educação for amparada pela autoridade do professor. A educação, vista desse ângulo, não é uma forma mágica de transformação do mundo, mas um instrumento que auxilia a própria sociedade a mudar. Liberdade não consiste em se livrar de todas as contingências que afligem a vida em determinada situação pessoal, no grupo de amigos, ou sistema social, tampouco é fazer tudo o que se quer, como se quer e onde se quer. Liberdade é saber posicionar-se frente às intempéries da vida e responder de forma coerente às investidas que tendem a manobrar o caráter e deformar a personalidade. A disciplina, a priori, com suas regras e normas, ensina e conduz no caminho da liberdade. Liberdade pressupõe a disciplina formadora do caráter e da personalidade autêntica e consciente. Disciplina deve ser o horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de viver em liberdade. Não há liberdade li berdade sem disciplina. "Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda" (Paulo Freire).
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Liberdade não consiste em se livrar livra r de todas as contingências que afligem a vida em determinada situação pessoal, no grupo de amigos, ou sistema social, tampouco é fazer tudo o que se quer qu er,, como se quer qu er e onde se quer. Liberdade é saber posicionar-se frente às intempéries da vida e responder de forma coerente às investidas que tendem a manobrar o caráter e deformar a personalidade. A disciplina, a priori, com suas regras e normas, ensina e conduz no caminho da liberdade. Liberdade pressupõe a disciplina formadora do caráter e da personalidade autêntica e consciente. Disciplina deve ser o horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de viver em liberdade. Não há liberdade sem disciplina.
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