29 EDIÇÃO A C T U A L I Z A D A A Regra Re gra do J o g o
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2.» Edição com um posfácio de Miguel Esteves Cardoso
PHILIPPE DAUFOUY JEAN JEAN - PIERR PIERRE E SARTON SARTON POP MUSIC/ROCK
«Uma cantora que canta como um pássaro 6 um trabalhador improdutivo. No momento em que vende o seu canto, torna-se assalariado ou comer ciante. Mas a mesma cantora, quando contratada para dar concertos e render dinheiro, esté a ser um trabalhador produtivo , pois produz directa mente capital.»
Karl Marx, Matériaux pour /’ «Économie», cap. II. Travail productif et Travail improductil, La Pléiade, vol. II, pág. 393.
A REGRA DO JOGO, EDIÇÕES
Mu sic ¡ Ro ck ck* * Título do original francés: francés: «Pop Music
(§} Éditions Champ Libre, Paris, 1972 2 .a
EdiçSo, 1981.
Direitos reservados para a língua portuguesa
Tradução: Tradu ção: Carlos Lemos A Regra do Jogo, Edições, 1974. R ua Sousa Sou sa M artin art ins, s, 5-2 5-2 ° Dto. Dto . — 1000 Lisboa Lisb oa — Telef. 5716 571631 31 Ruaa Costa Ru Cos ta Cabral, Ca bral, 859 859 c/v c/ v — 4200 4200 Porto
INDICE
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Algumas definições
11
Que sirva de advertência
19
7 Alteração a integração
21 29 33 42 49 71
1. 2. 3. 4. 5. 2
73 95 117
As origens musicais do rock'n'roll O produto rock'n'roll As independentes As nacionais A pop music «negra»
A crise ideológica americana e a pop music 1. 1960-1965 2. Primavera 1965 — Verão 1967
3 A canalização da crise
119 127 133
1. A fixação 2. Os meios ideológicos 3. Os resultados
167
4
Música / arte / política
181
Discografia selectiva
205
5
O ovo e o novo (Uma) Discografia duma década de Rock: 1970-1980 por Miguel Esteves Cardoso
A L GUMA S DEFINIÇÕES
Para que certos termos (musicais) não se prestem a con fusões. serão dadas aqui as suas definições originais. • Pop music: abreviatura de popular music, geralmente des tinada à juventude. Importado para França, o termo tornou-se mais restrito, passando a designar apenas o rock americano e inglês. Para sermos mais claros, designaremos o signifi cado francês de pop music, por pop music/rock. • Rock: gênero maior na pop music cuja origem data da 1965 ( c i. Beatles, Rolling Stones, Dylan, Cream). A par tir de 1967, sinónimo de underground music, com tendências diversas: country, blues, progressivo, psychedelic, etc.. Des tinado a ser consumido pelos teenagers das camadas médias, 4,efine-se por uma intelectualização constante, sensível ao nível dos textos e na complexidade crescente do suporte musical. • Rock'n’roll: diferente de rock and roll. Surgido em 1965 e desaparecido (sob esta designação) no princípio dos anos sessenta. Apreciado pelos adolescentes das camadas modes tas. Recusou qualquer sofisticação. • Rhythm' rí blues (R&B): blues do sul dos Estados Unidos (principalmente Mississipi), modernizado, electrificado e urba nizado. • Folk, country (& western), folk rock, protest, psychedelic, hard rock, high school, etc., são definidos nos capítulos mu sicais. 9
• Disco de ouro: venda de um milhão de exemplares duma canção gravada em 45 rotações e/ou um milhão de dólares em vendas dum álbum de 33 rotações. • Hit: canção classificada no Top Ten. • Top Ten: classificação das dez melhores vendas (hits) nos Estados Unidos; fonte: Billboard. Quando designamos por hit uma canção classificada nos vinte, trinta ou cem primeiros lugares de vendas, isto é especificado no texto. • Mercado Pop: o conjunto do mercado musical americano; por deformação, mercado musical dos Brancos, representando cerca de 90 % do consumo musical total. • Mercado R&B: mercado que cobre o conjunto dos géneros musicais destinados aos Negros americanos (não confundir com a designação musical R&B). Enfim, o termo juventude será usado numerosas vezes. ê necessário entendê-lo segundo o conceito usado pela ideo logia dominante para designar uma categoria etária, com a finalidade de ocultar a existência de classes antagónicas. Por outro lado, a energia constantemente recalcada no jovem pro cura vias de libertação diferentes das que lhe são impostas pela sociedade. Deste modo, para que esta energia não encon tre a sua saída natural, a sociedade moderna criou sectores de produção especialmente destinados a canalizá-la: espectá culos. discos, modas, motos, etc.. O rock'n'roll e a pop music/ /rock pertencem também a estes sectores.
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QUE SIRVA DE ADVERTÊNCIA
Pop music/rock pode ser escrito no pretérito. Somente as revistas especializadas (apologéticas) empregam um pre sente que não deixa de ser cada vez mais anacrónico. Sur gida em 1965 da fornalha californiana, por sua vez resul tante da dupla crise universitária e racial, a pop music/rock morreu algures por esses fados, por volta de 1968 -1969. Provavelmente em Chicago (Agosto de 1968)1 Mas foram precisos dois anos para que as ondas de choque atraves sassem o Atlântico e viessem agitar um fenómeno musical que teimava, não há muito tempo, em implantar-se social mente na Grã-Bretanha. Wight-70 demonstrou a toda a gente (excepto para os cegos ou imbecis) a agonia desta música além-Mancha. No tocante à França, pensando bem, é difícil encontrar um princípio e um fim, de tal modo o festival de Amougies (Outubro de 1969) e/ou o de Biot (Agosto de 1970) parecem indicar-nos que aqui a pop music/rock não é mais que um feto mantido vivo artificialmente, através de todas as astúcias comerciais, ideológicas, musicais, etc. Estabelecer uma data é pois arbitrário e sobretudo secun dário. O essencial é determinar o momento em que a socie dade americana se viu obrigada a lutar contra um movimento do qual perdera o contróle, mas que a própria natureza pro funda dessa sociedade tinha produzido, e, assim, de algum modo neutralizado/automatizado. Tal alteração de conjuntura deu-se em 1967, em virtude das perspectivas que a concen tração hippie em S. Francisco deixava adivinhar. Mas acre ditar que a sociedade capitalista americana repele/recusa o movimento hippie, seria ver apenas um aspecto do problema. A par da repressão do movimento autêntico (leis de Estados proibindo os festivais, repressão sobre os grupos estudantis, políticos, denúncia e repressão dos efeitos da droga, etc.), levada a cabo por uma administração que durante os anos 60 deixou cair a sua máscara liberal, há (houve) um sector modernista que representa (ou) os interesses objectivos e ge rais do capitalismo. Este sector conseguiu dominar a quase totalidade da pop/rock metamorfoseando-a e reificando-a em categoria artística, e como tal votada ao desaparecimento. Nos anos 50, o rock'ríroll simbolizou o conflito de gera ções, e a sua recuperação, através do frenesi familiar do twist, veio resolver esse antagonismo. Como consequência, a música adocicou-se e perdeu força. Poder-se-á imaginar uma evolução dialéctica tão perfeita? (Isso só se torna possível 13
quando o elemento em questão — neste caso a música — for separado do movimento geral. Aquilo que constitui uma ilu são da realidade, depois de manipulado, transforma-se em realidade da ilusão. A ideologia veiculada pelo twist, a sua .prática, a sua inserção social, constituiram a realidade dessa ilusão). Este processo, específico da nossa sociedade, confere à música um papel ideológico inseparável do próprio objecto musical. o seu carácter de simultaneidade com 0 rock'ríroll e a música popular (comercial) negra permitiram um controle suficiente da música feita por volta de 1965. O apagamento e a camuflagem de tudo aquilo que pudesse ter uma cor respondência social foram sistematicamente praticados. Daí que tenha sido esquecido que S. Francisco era vizinha de Berkeiey, mas também de Oakland. Foi entretanto necessário todo o mimetismo de que são capazes os grupos musicais «poli tizados» para que se valorizassem produções que faziam conscientemente referência a uma situação. As mutações da pop music/rock puseram em destaque a forma blues e os grupos ingleses, tendo sido estes, muitas vezes, os trans missores daquela forma, a ponto de terem monopolizado entre um quarto e um terço dos trinta primeiros lugares de vendas de álbuns nos Estados Unidos. Isto é espantoso, quan do se sabe que os melhores grupos são americanos. Uma análise do objecto pop music/rock demonstrou-nos que a quase totalidade da música gravada é percorrida e regida por critérios hiperburgueses datados e limitados. As três correntes principais: o slogan (protest sortg e variantes), o expressionismo musical (hard rock e psicadélica) e a van guarda confortável (elementos tirados do free jazz e da mú sica contemporânea, mas sem tocar na natureza profunda da pop music/rock) não fornecem qualquer elemento crítico. A própria alternativa violência ou não-violência, transposta para o plano musical, fica sob a influência da ideologia domi nante. A destruição/desconstrução deste objecto está ainda por fazer. Isto permite-nos afirmar que a corrente musical pop/rock veicula formas passadas, e que as combinações constantemente renovadas não põem absolutamente nada em causa esse facto. Ora, de há cinquenta anos para câ que a vanguarda só progride pela trituração do discurso ideológico que a acom14
panha. Os códigos e critérios violados/violentados pertencem ao século passado. Nessa altura, a burguesia controlava o capitalismo, e o seu progressismo impunha-se naturalmente no plano cultural. Depois da primeira guerra mundial, o poder democratizou-se sem que o capital fosse ameaçado. Deste modo, o assalto crítico à cultura burguesa foi sempre feito fora de qualquer período revolucionário (à excepção do Dada alemão com o Spartakus), facto que impunha a sua recon dução e não a sua destruição. Ora, é só quando os fenó menos culturais' voltam a mergulhar na realidade que a classe política aniquila o movimento — hippie, na circunstância — , conservando um sector (limitado) de objectos destinados a serem reíficados. No fim de contas, tudo isto não passa de contradições inerentes ao sistema. Daqui que, se o fenómeno musical interessa apenas para descrever, analisar ou teorizar um processo, os fenómenos ideológico e social (como a pop music/rock não separada das suas origens), em contrapartida, revelam-se interessan tes em si. Que através dum salto dialéctico o movimento hippie se torne uma realidade, nascida de mistificações/distorções, e que a sociedade americana tenha que suprimir as suas forças vivas, não é de espantar, se conhecermos os con flitos ideológicos que se desenrolam nas superestruturas. En tretanto, a solução desta crise social não deve fazer-nos esque cer que a sociedade capitalista, hoje a americana, amanhã a mundial, está posta perante um problema fundamental e permanente. A vaga de desemprego provocada pela automa tização é inerente ao capitalismo. Assim, é de toda a con veniência para este organizar ghettos (duradoiros) para esses párias. A ideologia é o recurso utilizado. E isso não pode ser isolado da publicidade feita à música como sendo a arte de massa por excelência. Rebelde até aqui a todo o tra balho de significação, a música tornou-se a arte suprema da nossa sociedade. Com efeito, parecendo estranha às inves tidas ideológicas, ela é, sem dúvida pela sua aparência de neutralidade, o suporte ideal para a circulação/valorização duma ideologia dominante, tanto mais de temer quanto inaparente. E isto porque a ideologia não se liga ao objecto musical, mas aos lugares e momentos em que ele circula. Os efeitos desta crise estrutural, por razões históricas ou especificas, cristalizaram-se nos Negros e nos estudantes. Mas 15
a música popular que daí resultou teré acentuado essa crise? Hoje parece, pelo contrário, que durante os anos 60 terá abortado nos Estados Unidos uma possibilidade revolucioná ria. Com efeito, o desenvolvimento e fusão daqueles dois movimentos teria talvez trazido à superfície a questão do comunismo de que a América está grávida desde há cin quenta anos. A divisão, acrescentada à exterioridade em relação ao modo de produção, fixou a crise no plano ideo lógico ’. Consequentemente, a acção subversiva só achou apli cação em esferas não decisivas. Os dois movimentos nunca se uniram senão no plano eleitoral, pois a sociedade americana desde sempre privilegiou a questão racial quando se tratou de opor Brancos e Negros. Por exemplo, os jovens músicos brancos nunca criaram senão a partir de elementos da cul tura negra, previamente adocicados, reproduzindo assim a pi lhagem já praticada pelos músicos das gerações anteriores \ Nada sofre alteração. Os dois movimentos, não desem baraçados dos estigmas do passado — o branco menos que o dos Negros, cf. Watts (1965)— , provocaram a sua própria derrota. Nunca nenhum músico de pop/rock reconheceu (ver dadeiramente) esse fenómeno de extorsão, claramente ates tado pela maestria dum Chuck Berry ou pela fulgurância criativa/crítica dum Jimi Hendrlx. Compreende-se assim a razão pela qual a análise do objecto musical pop/rock não foi feita. E os Negros não se enganam a esse respeito; basta ler as várias opiniões de músicos freo sobre a pop. Todos vêem nela a confirmação da sua situação. O que não impede que esta crise seja um sinal incontestável do enfraquecimento, logo da mutação, do capital. Assim, as *
* — A corrente hippie, o uio da drosa, o movimento ecológico, a revolta doa negro», e tc ., sSo uma» tantas manifestações, 'essencialmente ideológicas, reveladoras da presença objectiva do comunismo. Durante os próximos anos irlo ganhando importância. O mesmo t dizer que o capi tal americano deverá reforçar-se se quiser ultrapassar e integrar essas irrupções. * — Facto que n ão invalida a existencia duma d ivisão, com o tínhamos feito notar atrás, entre as produções musicais populares branca e negra. Os jovens Brancos apoderaram-se na generalidade de fo rm as musicais ultra passadas ou de tt tm e n to s ts pec ta cu la re s en riq u e ctd ora a sstp li za d o i (reti rados do f r t e ¡ a z à . Esta apropriação situa-se nos antípodas de qualquer fusão mútua no mero plano musical.
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práticas (inconscientes?) dos jovens músicos brancos, revelam que uma camada social do devir adopta as posições duma comunidade que, provavelmente devido à sua posição (pária) na sociedade mais desenvolvida do ponto de vista do capital, foi, no século XX, o grupo artisticamente mais criativo. Ainda que sujeitos à situação de marginais, os Negros viram cres cer à sua volta as fileiras dos aliados do proletariado. A ques tão da integração do proletariado deixa de se por, quando sabemos que a classe trabalhadora, actualmente, existe é nos longos exércitos de desempregados, quer profissionais quer naturais. Para que uma parte seja hiperintegrada, a outra terá de ser hiperexcluída. Esta expropriação permanente tem limites: os do próprio capitalismo. Apostemos em que as divi sões da sociedade, que agora servem para assegurar a sua permanência, só por alguns anos poderão impedir o inevitável, e em que encontraremos novos «movimentos hippies» e mo vimentos negros multiplicados, aos quais o proletariado se unirá — pela sua própria negação — na recusa do trabalho e do capitalismo. Notemos, por fim, que um processo ideal — porque sepa rado e cuidadosamente tratado — descreve um movimento com pleto. 0 movimento hippie e as suas correspondências musi cais oferecem-nos a imagem duma pirueta, isto é, dum irónico desenvolvimento dialéctico, que vai remover certos maus chei ros. Da pirueta sai-nos o krapo, Jesus von Nazareth, com uma camuflagem psicadélica e a fumar o joint. I^os tempos que correm, «rebenta» por toda a parte e conspurca-nos, onde quer que nos situemos, é tempo de denunciar, senão mes mo de esmagar esta pústula do Além, antes que essa «cons piração orquestrada pelo poder e pela sua oposição»* nos*
* — N os últimos anos, a p op m usic fr ock suscitou um vivo interesse. Citemos as iniciativas louváveis do general Clément (1970) e do costureiro Jean Bouquin (1971), o qual, por pouco, ia herdando a estação d'Orsay e várias Casas da Cultura como recompensa. Fixemos igualmente a grande compreensão do papa que, ao receber em Roma (Abril de 1971) sessenta músicos e artistas p o p ¡r ock participantes num concerto patrocinado pela com issão pon tifical para a pastoral d o turismo, declarou : «para falar ver* dade, n ão estamo s em situação d e apreciar as vossas expr essões artísticas nem de avaliar as formas estéticas que exprimem a vossa personalidade. Ma s apercebemo-nos de alguns dos valores secretos que v ós buscais. ( . . . ) Deus não está ausente dessa busca.» O Papa concluiu com um convite
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converta, objectivamente, já se vê, em povo do ópio (para fraseando John Lennon). Talvez não esteja longe o tempo em que um músico, imitando Woodie Guthrie, venha a escre ver na sua guitarra, «este engenho foi feito para matar os democratas». Nesse dia, a pop music/rock, isto é , as partí culas contagiosas e contaminadas que percorrem actualmente os circuitos artísticos de valorização, terá (sobre)vivido.
aos seus auditores para que «se tornem mais homens e mais cristãos». Ao dizer isto, estava a fazer-se eco do seu homólogo chinês Chou En-Lai que tinha afirm ado, dois dias antes, a respeito do movimen to hippie : «Os jovens deveríam tentar sempre encontrar algo de comum com a grande maioria. ( . . . ) Compreendo as idéias da juventude.' ( . . . ) O espírito deve ser transformado era força material (realidade da ilusão, parece-nos) para que o mundo possa avançar. Para isso, é necessário ter o acordo da maioria do povo.»
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1
A LTERA ÇÃ O E INTEGRA ÇÃ O
1.
AS ORIGENS MUSICAIS DO ROCK'N'ROLL
Se o rock'ríroll só invade o «mercado branco» em 1955, a responsabilidade disso pende sobre as próprias estruturas do capitalismo americano. De facto, ele existia já há vários anos, nas suas formas origináis ( rhythm'n'blues, gospel. bailad), no «mercado negro» (mercado R&B) constituido principalmente pelos ghettos das cidades do Norte (Nova Iorque, Baltimore, Philadelphia, Detroit, Chicago) e do Oeste (Los Angeles). É que a segunda guerra mundial obrigou a industria a urna aceleração da produção, o que arrastou uma importação ma ciça de trabalhadores do Sul, de origem rural na maior parte, e ao mesmo tempo a constituição de importantes bairros negros. Para estes emigrantes internos, a fixação no Norte mo derno e «liberal» não modificou em nada as suas posições de segregados e de culturalmente/socialmente dominados; apenas se modificaram as formas da sua alienação. Efectivamente, o consumo nos ghettos reproduzia as ca racterísticas do «mercado branco». No «dominio musical», as juke-box e, mais tarde, a partir do fim dos anos 4Ó, as esta ções R&B da rádio, adquiriram uma grande influência nos gostos e na orientação das compras do auditório negro. Este mercado R&B ascendeu a urna relativa autonomia através da criação de pequenas marcas de produtos musicais exclusi vamente destinados aos Negros. Deste modo, a evolução musical, entre 1945 e 1955, da música comercial negra (excluindo o jazz que só se relacionou indirectamente com o rock’ríroll) esteve ligada aos critérios dos detentores de meios de difusão e/ou de produção musi cal (geralmente brancos), e às flutuações da .população negra. Entra 1949 e 1953, estas casas especializadas produziram 96 % dos hits R&B. Um tal êxito não podia deixar de con21
duzir à constituição dum autêntico mercado nacional de R&B (segundo o BHIboard), que se tornou possível, desde logo, pela crise económica dos anos 30 e, mais tarde, pelas res trições de matérias-primas necessárias ao fabrico de discos. Consequência: as marcas nacionais reduziram e chegaram a suprimir os seus catálogos de «race» records'. Por outro lado, estas pequenas etiquetas não só dominaram o mercado, como estiveram na origem de «novos» estilos.
O BLUES
No Sul, após a guerra da Secessão (e portanto depois da abolição jurídica da escravatura em todos os Estados Unidos), o blues tinha sido o modo de expressão favorito dos Negros. Transmitindo uma experiência individual vivida e adquirida e um testemunho realista da situação dos Negros (escravos, perseguidos, explorados, etc.), o blues empregava elementos musicais adaptados ao canto; donde, os ritmos irregulares, espontâneos, e os instrumentos simples : voz, viola simples. Conhecido pela designação country blues até 1940-1945, situava-se geograficamente dum e doutro lado cio Mississipi, para sul de Memphis e no Delta, onde se desenvolvera um blues considerado mais «primitivo» (canto falado, música rudimentar) e que utilizava a técnica do bottle-neck ou slide guitar O blues acompanhou o Negro nas suas migrações, tendo sofrido inevitavelmente uma urbanização, a partir dos anos
1 — Termo que entre &9 duas guerras serviu pa ra designar os discos destinados aos Negros. A partir de 45, a indústria fonográfica empregou os termos : ebony, sepia, cajún e uma vez mais roce, antes de vir a adoptar o termo R&B, no princípio dos anos 50. 2 — Técnica que permite obter uma sonoridade metálica prolongada, pelo deslizar (slide) dum gargalo de garrafa ( bottleneck ) ou mais vulgarmente dum dedal metálico enfiado num dos dedos da mão que ponteia as cordas. O emprego de tal técnica parece baseado na vontade de obter um efeito de eco para o canto. Possibilidade permitida pela estrutura da canção blues. 22
30, sobretudo em Memphis e Kansas City. Aí, as suas rela ções íntimas com o jazz, conjugadas com os ecos do estilo boogie, determinaram o aparecimento de grandes orquestras (Count Basie) com um shouter (vocalização gritada/berrada) como vocalista. Uma das principais consequências desta urbanização do blues, posterior à segunda guerra mundial, está patente na dança. O saxofonista e o cantar-shouter foram-se progressivamente impondo, provocando, com a ajuda da electrificação dos instrumentos (a princípio só da guitarra) e da ampli ficação, a redução dos conjuntos. O volume musical aumentou, a acentuação rítmica regular (nos segundo e quarto tempos) tornou-se mais precisa, a vocalização deixou de ser dominante, e a temática dos blues foi-se limitando aos problemas de sexo, jogo, bebida, droga, etc.. Este estilo foi rapidamente baptizado rhythm'ríblues \ 0 jump blues, derivado do estilo boogie, ostentava as mesmas determinações nos temas e uma transposição do ritmo boogie ( 8/8 com acentuação rítm ica)— obtido pela mão esquerda do pianista — para a guitarra, piano e contrabaixo, apoiados pela batería, para servir de suporte rítmico ao canto e ao saxofone, e visando apenas um objectivo de distracção: a dança. A vocalização já não era berrada/gritada, mas sim descontraída: triste ou irónica. A partir de 1942, com o Louis Jordan's Timpany Five (Choo, Choo, Ch'Boogie, 1945; A ir ít Nobody Here But Us Chickeris, 1947; Saturday Night Fish Fry, 1950), este estilo tornou-se popular entre os Negros, e igualmente entre certos Brancos, por perpetuar, aos olhos destes, a imagem do clown negro (vestuário extravagante, etc.). No Norte, Jimmy Reed foi um inovador, transpondo o trabalho de piano do boogie para os bordões duma segunda guitarra, e veio a inspirar Slim Harpo e Chuck Berry, entre outros. No Sul, Fats Domino, Lloyd Price, «Guitar» Slim e Smijey Lewis, mostraram-se refractários a qualquer aggiornamento. Em contrapartida, o jump blues do Oeste adoptou um ritmo mais acentuado, relegando para segundo plano os aper- 8
8 — Por exemplo, Joe Turner : Chains Of I.ove, Sweet Sixteen 0952), Shake, Rattle & Rotl (1954), Atlantic. 23
feiçoamentos instrumentais e vocais. Através da acentuação (e transformação) do ritmo boogle, constituiu a prefiguração do rock'n'roll, e daí a sua popularidade: Roy Milton, ao obter o primeiro disco de ouro do mercado R&B com R. M. Blues (1945), iria atingir obrigatoriamente o auditório branco. O fu turo citadino do jump estava traçado: a dança. Seja como for, qualquer das três variantes regionais optou pelo con junto reduzido, permitido pela amplificação, e designado por combo. De modo inverso, poderiamos dizer, o Mississipi-Chicago bar blues sofrerá de forma menos intensa os efeitos desta urbanização. A nova geração (Muddy Waters, B. B. King, John Lee Hooker, Elmore James, etc.), directamente filiada no country-Detta blues, tinha já reproduzido na sua música as determinações citadinas, de Memphis na circunstância. A maior parte destes bluesmen tinham-se lançado como disc-jockeys nas emissões R&B da rádio, vindo depois a constituir os seus próprios grupos. A primeira gravação deste country blues novo modelo foi feita por Muddy Waters (/ Carít Be Satisfied, 1948) para uma marca de Chicago, Aristocrat (1947), que em breve passaria a chamar-se Chess (1949). Marcou a introdu ção da guitarra eléctrica nos blues (em disco), pois havia já uma dezena de anos que T. Bone Walker* e B. B. King a utilizavam. Daqui em diante, o número de instrumentos irá aumentando, pelo que nos é dado ver no grupo de Muddy Waters: piano, baixo, harmónica (Rollin ‘ Stone, 1950), bateria (Hoochie Coochie Man, 1954). O country blues permanecia presente no canto «gritado» e nos temas, não obstante um deslocamento destes, onde se poderá ler a influência das condições de existência e da ideologia, se bem que esses temas tenham conservado a sua violência verbal e realismo5. A bateria, em particular, suscitou a formação de estruturas rítmicas regulares que conduziram ao estabelecimento de normas rígidas para o rhythm'n'blues (três vezes quatro compassos, três acordes, etc.). Como con-*8
4 — Foi o prim eiro a revelar em palco as qualidades de brinquedo divertido e dc símbolo sexual deste instrumento. 8 — E até uma referência política : Hard Tintes de Snoopy Pryer, Democrat Blues de Bobo Jetikins, Eisenhower Blues, transformado, depois dc passagem pela censura, em Tax Paying Blues, J. B. Lenoir. 24
sequência, a comercialização dos blues (Chicago) foi relati vamente limitada, em comparação com os outros estilos R&B. Quando, a exemplo do que tinham feito com Waters, os novos proprietários da marca Aristocrat, os irmãos Chess, fizeram emigrar para Chicago Little Waíter, Sonny Boy Williamson II, «Howlin' Wolf» Chester Burnett, Elmore James, ao mesmo tempo que associavam a si o produtor, compo sitor e contrabaixista Wiilie Dixon, a sua firma • e a sua cidade tomaram-se, nos anos 50, o centro do blues. Antes disso, em Memphis, Sam Phillips contratara How lin' W olf e Elmore James, para em seguida os voltar a ceder a uma marca de Los Angeles, Modern (na circunstância a sua sub-marca RPM). Esta última tinha já gravado, em 1948, 9 primeiro disco de John Lee Hooker influenciado pelo ju m p/ /boogie, rapidamente n.° 1 com Boogie ChUdren, e, em 1952, o primeiro hit de B. B. King, Three 0'Clock Blues. O sucesso comercial do R&B/ex-country blues, inc.tou os fundadores da Modern/RPM, em 1952, a criar, em Memphis, uma outra firma, a Meteor (Elmore James e Rufus Thomas Jr.). No ano seguinte, foi a vez de Sam Phillips com a Sun (Little Junior Parker, Little Milton), ao mesmo tempo que, em Nashville, aparecia a Excello (Slim Harpo e diversos gru pos gospel). Por outro lado, a popularidade do blues do Texas (clareza vocal e musical, cantado de forma mais calma), ilustrada por Amos Millburn (Chicken Shack Boogie, 1948) e por Aaron T. Bone Walker ( Stormy Monday, 1947), coin cidira com o aparecimento no mercado duma nova casa, a Peacock (1949), em Houston, a qual, três anos mais tarde, abria uma «sucursal» em Memphis, a Duke. Esta infra-estrutura de marcas independentes, desde Los Angeles (Speciality dispensava o melhor acolhimento ao dance/jump blues de Nova Orleães) até Chicago, passando por Memphis, foi determinante no aparecimento do rock'ríroll, pois que desde 1955 (com Nova Iorque, Cincinatti e Chicago para os grupos vocais negros) vinha lançando os primeiros discos do género, que vieram revelar a um público mais vasto os desenvolvimentos regionais do R&B entre 1945 e 1955. A costa Oeste continha um outro tipo de blues: o club. Era praticamente a bailad (balada), síntese de influências ne gras e ocidentais, num tom triste e narcísico. O acompanha mento musical blues foi obrigado a tornar-se mais «doce»; Nat «King» Cole, no pós-guerra, foi o percursor deste gé25
ñero no plano comercial. Se bem que tendo inspirado Ivory Joe Hunter (/ Alm ost Lost My Mind, 1950), Cecil Gant (/ Wortder, 1945), Ray Charles (Baby Let Me Hold Your Hand. 1951; Kiss Me Baby, 1952), sofreu rapidamente a concorrência dos Johnny Moore's Three Blazers, com o pianista-cantor Char les Brown, originário do Texas. Os Brancos aceitaram rapida mente esta música, de tal maneira se revelavam profundas nela as influências ocidentais.
OS GOSPELS/CANTICOS RELIGIOSOS
Em oposição ao blues, desprezado pelos Negros das clas ses mais abastadas e por quase todos os Brancos, por ser «vulgar», «trivial», «sujo», existiam os cánticos religiosos, em princípio «aceitáveis» por toda a gente. Não é portanto de espantar que tenham tido, em comparação com o blues, um sucesso mais marcado junto do público branco, a .partir do momento em que a sua transplantação para a música comer cial foi decidida. Os gospels/spirituals, cânticos religiosos colectivos, com partes em solo no caso dos spirítuals, revestiam-se de grande importância para os Negros, pois neles se cristalizavam os seus protestos dirigidos a Deus, no único enquadramento em que podiam reunir-se: a igreja. Esta constituiu, de resto, o ponto de fixação política e social enquanto os Negros perma neceram no Sul. No entanto, os gospels empregavam um código de linguagem que os Brancos desconheciam. Utili zavam características da expressão vocal africana (ritmo, improvisação colectiva), assim como ocidental (harmonia, pureza, «rigor» vocais). Entre 1940 e 1945, alguns discos de cânticos religiosos penetraram no mercado R&B (Golden Gate Quartet, Sister Rosetta Tharpe, etc.). No decurso da evolução destes cân ticos houve a preocupação da reorientação dos temas (a adolescência e os seus problemas, vistos na perspectiva da ideologia dominante, sobrepuseram-se à religião) e da modi ficação das características africanas. São exemplos deste «gospel» ocidentalizado, os Dominóes (1951), que trouxeram 2G
na sua esteira os Drifters, os Five Royales, os Midnighters, etc. Um tal êxito acarretou a comercialização do preachin' com James Brown {Please, Please, Please, 1956), embora o ritmo irregular e a orquestração reduzida tenham limitado o seu desenvolvimento ao «Negro marketn.
A BALIA D
A evolução do gospel, revelada essencialmente na nova técnica de vocalização ( cali and response, diálogo vocal entre o solista e o coro), aproximou-o da bailad, género ainda mais minado por influências ocidentais. Com efeito, a bailad decal cava cada vez mais a estrutura vocal gospel; apenas a mú sica permitia ainda estabelecer a distinção: ritmo atenuado sustentado pela guitarra, sonoridade clara, pureza vocal, har monia e equilíbrio vocal entre as vozes alto, baixo e tenor. Os percursores chamaram-se Ink Spots, Mills Brothers, mas foi preciso esperar pelos Orioles para que, a .partir de 1948, o modelo viesse a impôr-se com It's Too Soon To Know. Imediatamente Chicago se especializou no género, optando pela «dramatização» das vozes: os Moonglows, os Moonlights, os Flamingos, os Platters. A universalidade deste género ficou atestado pelo sucesso dos Orioles no mercado pop branco, com Cryirí In The Chapei (1953). Definitivamente, a partir de 1954, gospel e bailad suplan taram os bluesmen no mercado R&B, e conseguiram uma in vestida massiva do mercado pop. Em contrapartida, o rythm'rí blues teve de sofrer um determinado número de adaptações: desde logo, censura dos textos com a finalidade de conquis tar o mercado branco; em seguida, transposição da vocali zação levada a cabo pelos Brancos e/ou conformação dos cantores negros às normas vocais e morais ocidentais a fim de se impor sob a designação de rock'ríroll “. O que se*
* - N o plano vocal, passo que os «gritadores» mercado pop em várias Brown, B. B. Ring. Lista ponde antes a normas de
os shouterò não apareceram no rock'nroll, ao (Roy Brovvn foi o protótipo) penetraram no épocas : Little Richa rd, Bobby Bland, James filtragem preferencial não é um acaso, corres aceitação musical bem definidas. 27
explica facilmente, porque o rythm'ríblues tinha, aem dúvida, incorporado elementos ocidentais, mas sem negar nunca o seu carácter negro, enquanto que os cánticos religiosos tinham perdido a maior parte das suas determinações espirituais, para se transformarem, no Norte, num meio de expressão facilmente recuperável*. Quanto ao Chicago-Memphis bar blues, se não se integra no mercado branco devido aos seus particularismos negros mais marcados, a sua posição marginal valer-lhe-á, por outro lado, durante a vaga do rock'ríroll, vir a ser o «inspirador» e o fornecedor do rock('n'roll) britânico, e depois americano, entre 1963 e 1970. Contudo, o sucesso comercial do R&B estilo Chicago de clinou a partir de 1955-1956. Depois desta data. Muddy Waters obteve apenas um hit (Cióse To You, 1958). A rudeza e a simplicidade dos seus blues não se integravam no refinamento da época. O jump/boogie do Texas manteve-se durante algum tempo com Jimmy Reed (A ir ít That Lovin' You Baby, 1956; Baby, What Do You Want Me To Do, 1960), Lightnin' Slim e Slim Harpo ( Tm A King Bee/Tve Got Love You If You Want It, 1957; Rainirí In My Heart, 1961; Baby Scratch My Back, 1966). Mas uma das maiores vedetas do R&B foi B. B. King que obteve sete hits entre 1955 e 1960. quer com ballads, quer com blues marcados por influências gospel. 0 R&B estilo Chicago não podia deixar de o imitar, mesmo quando se reencontrou «musicalmente» nas posições novas, portanto mais «ofensivas», das igrejas do Sul. Numerosos cantores de blues evoluiram, portanto, no mesmo sentido. Citemos Junior Parker, Bobby Bland, Ted Taylor, Jimmy Johnson, Little Johnnie Taylor, etc.. O ano de 1964, reconduzindo a música para uma maior violência e simplicidade, foi-lhes entretanto fatal. 7
7 — Referimo-nos evidentemente à transplantaç ão dos cânticos reli giosos «das Igrejas do Sul p ara os estúdios de gravação do Norte», e não aos cânticos religiosos que, permanecendo no Sul, irão conduzir à fu nkyls oul music, tradução musical da tomada de consciência política dos negros no contexto das igTejas do Sul. Para uma an&lise das origens e da evolução dos géneros musicais negros reinseridos no campo das suas determinações sociais/históricas» consultar o livro de P h. Caries e J - L. Comolli, Free Jazz!Black Power # edições Champ Libre. Paris, 1971. 28
2.
O PRODUTO ROCK’N ' R O U
0 aparecimento da geração consecutiva ao baby boom de 1940-1943, o declfnio da política maccarthyista, o fim da guerra da Coréia, vieram, a partir de 1954, modificar o sector musical, introduzindo nele um produto ò medida, o rock'n'roíl. Até esta altura, tinha havido uma compartimentação dos produtos musicais, respeitando a separação das comunidades negra e branca. Foram raras as excepções: para seduzir o ouvido branco, os Negros teriam que perder tudo. Em contra partida, alguns cantores brancos como Johnnie Ray, impuseram-se no sentido inverso. Mas a separação racial esboroava-se, pois alguns jovens Brancos pouco preocupados com ortodoxias começaram a ouvir R&B. Esta minoria definia-se por uma «identificação com os grupos socialmente desfavo recidos, não apenas com os Negros, adoptando ou não uni. culto romântico do proletariado, (...) por um 6dio à pseudo-sexualidade romântica na música, (...) por um sentimento de que a música era demasiado importante para servir de pretexto/suporte para a dança, para a conversa, (...) por um ressentimento difuso em- relação è imagem do teenager produzida pelos mass media'.»
A COVEfí
Entre 1945 e 1954, a cover foi o único processo de filtrar/transpor os sucessos de rhythm'ríblues para o mercado pop. Se o ritmo passava na censura, as letras, por sua vez. 8 8 — Da vid
Riesman : Ustening To Popular Music , A mer ican tc rly II, Glencoe, The Free Press, New York 1957, pp. 359-371.
Quar-
29
sofriam o assalto do puritanismo branco *. Oeste modo, as características dominantes do R&B desapareciam com as te souradas dos adaptadores, que se chamaram Dorothy Collins, Pat Boone (adaptação de A ir ít It A Shame de Fats Domino, e de Tutti Frutti) e Bill Haley. Este último, a partir de 1951, especializou-se em cover. O seu semi-fracasso com Rock The Joint (segundo Rocket 88 de Jackie Brenston) não o fez de sistir. Pela audição de R&B, veio a formar um grupo, os Comets, síntese do band blues e do ¡ump blues do Norte. Por tabela, o fenómeno da cover" veio a beneficiar, em 1952, com o fim do maccarthysmo. Alan Freed, um disc-jockey de Cleveland, criou um programa de rádio, Moondog's Rock And Roll Party, onde passava numerosas covers e alguns originais de R&B. O sucesso obtido levou-o a organizar, no ano seguinte, uma série de espectáculos com vedetas negras destinados aos jovens Brancos. E em 1954 instalou-se em Nova Iorque onde, juntamente com alguns outros disc-jockeys, foi passando, nos seus programas, um número cada vez maior' de originais aceitáveis pelos Brancos. Bill Haley aproveitou-se disto para conseguir na Oecca, marca nacional que o tinha comprado à Essex depois do seu segundo hit (Crazy Man Crazy), um bom lugar no Top Ten: Shake Rattle & Roll (1954). Reincidiu na primavera de 1955, classificando-se em 1.° lugar com Rock Around The Clock, cover de Let's Rock Awhile (1949) de Amos Millburn. O acolhimento favorável por parte da juventude provava que o produto rock'n'roll fizera suas certas regras definidas
* — Na cover de Shake R aule & Roll de Joe Hunter, Bill Haley transformou «Get out of that bed» em «Get out in that kitchen», supri miu «Usas esse decote/E o sol entra por ele/Não posso acreditar/Que tudo isso te pertença», em favor de «Usas essas roupas/É tão belo o cair dos teus cabelos/Pareces apaixonada/Mas o teu coração é frio como gelo» Na cover de Work With Me, Annie, de Hank Ballard and the Mídnigbters, o termo work, sexualmente alusivo, foi alterado para roll (com Wallflower Etta James) e veio depois a castrar-se em dance com Georgia Gibbs. Sobre isto, ¿ revelador saber-se que, originalmente, no calão dos ghettos, to rock designava o acto de fazer amor, tal como to jazz, de resto. 10— Prática essencialmente das marcas nacionais que dominavam o mercado po p As marcas independentes produziam apenas para o mer cado R&B 30
pelos critérios comerciais, estéticos e morais da ideologia dominante. Por exemplo, o ritmo regular (2/4, acentuação dos últimos tempos) que tornava possível a dança, a alte ração duma certa violência musical e vocal em favor duma estruturação harmónica da vocalização e das canções (três estrofes seguidas de refrão, curto solo de saxofone e de guitarra depois da segunda estrofe/refrão). Mais uma vez. a exemplo do que se passara com os cânticos religiosos, o sistema americano iria apoderar-se de elementos musicais negros, depois de os ter decantado. Mais ainda, uma tal recuperação ameaçava neutralizar a própria juventude negra.
O NOVO CONSUMIDOR
0 disco de 45 rotações, que ganhava terreno ao de 78, iria permitir o consumo massivo do rock'ríroll por parte da juventude americana. Igualmente, o potencial económico desta obrigou os fabricantes a proporem-lhes produtos dife rentes daqueles que eram oferecidos aos seus pais, refor çando deste modo o falso conceito de juventude. Os fabri cantes reproduziram, neste caso particular, o esquema sempre operante do consumo cultural: novo à superfície para atrair, mas fundamentalmente tradicional para assegurar um reconhe cimento imediato. A moda do vestuário, a literatura, o cinema (The Wild One, 1951, com Marión Brando, e fíebel Without A Cause. 1955, com James Dean, onde a brutalidade espon tânea camuflava um reforço dos valores burgueses e uma aprovação da violência institucional) desenvolveram um novo tipo de consumidor. Neste sentido, o ano de 1955 foi decisivo: o cinema desempenhou um papel determinante na aceitação do rock'ríroll. Com efeito, no fim desse ano foi exibido o filme de Richard Brooks, Blackboard Jungle, cuja banda sonora re tomava Rock Around The Clock de Bill Haley. E também aqui, o significado investido no filme se resumia na ruptura cultural entre gerações. Não se viam os jovens estudantes de Bronx, das mais diversas raças e à beira da delinquência, destruir a colecção de discos do professor porque o jazz não lhes interessava ou não lhes dizia respeito? Este trabalho ideoló 31
gico avalizava e ao mesmo tempo reforçava um facto: o sistema americano tinha descoberto o produto destinado a amolecer essa juventude. Igualmente grave foi a atitude do cinema em relação aos originais. Pois não foi, evidentemente, por acaso, que Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino ou os Platters apareceram nos ecrans (equivalente dum reforço da filtragem a nível musical), passaram a ser as vedetas negras mais populares do rock r í rol! (reflexo da filtragem cine matográfica no campo musical/comercial) e foram limitados à interpretação das suas canções (reforço da imagem do Negro: clown, servindo para divertir, destituído de sentimentos, pois não desempenhando qualquer papel no filme.
32
3.
AS INDEPENDENTES
As marcas independentes foram as primeiras a propor discos de rock'ríroll em grande escala, pois produziam já, para o mercado Negro, o(s) rhythm’ríblues e os discos dos grupos vocais negros. Em 1955, a sua penetração foi nítida, pois obtiverem 20 % dos discos seleccionados no Top Ten, contra uma percentagem desprezível no ano anterior, e provo caram um aumento de 30 % no Montante de Transacções (M. T.) da industria fonográfica americana, o qual se encon trava estagnado desde 1946. As marcas nacionais, por seu lado, não reagiram, supondo tratar-se duma moda passageira e, além disso, porque o género fazia confusão às concepções dos produtores em matéria de música popular; tais foram as razões por que estas marcas nacionais não se lançaram no rock'ríroll senão no ano seguinte. Deste modo, 1955 conti nuará a ser o ano mais original para o rock'ríroll, graças à sua variedade e à personalidade das suas vedetas. Esta penetração não teria sido possível sem a cumplici dade das juke-box 11 e das estações radiofónicas que, a partir dássa altura, começaram a passar discos de rock'ríroll nos seus «programas Top 40». A censura tornara-se menos neces sária pois o produto adaptara-se aos critérios estéticos e ideo lógicos dominantes. Os discos malditos porque «obscenos» ou «tão maus para a juventude como a droga» diminuiram pelas pressões da A. S. C. A. P., a associação de edição musical das marcas nacionais, sociedade que, sempre que tinha oportunidade, não hesitava em proibir o máximo de discos editados pela B. M. I., a associação das etiquetas mais pequenas.
11 — Responsáveis pele venda de 40
3
%
de «singles» 43 rotações.
33
Mas as pequenas firmas não se desencorajaram e persis tiram. Neste caso, mais uma vez, cada região elaborou o seu estilo .próprio.
O NORDESTE
— Nova Iorque: grupos gospel e gospel/club blues, ou seja, os estilos mais marcados e mais alterados pelos crité rios ocidentais. A firma Jubilee (1948), que tinha lançado os Orioles, fez gravações com novos grupos: os Four Tunes, os Cadillacs, etc.. Mas foi a Atlantic (1948) que se impôs como a firma independente mais próspera dos Estados Uni dos. Se em 1950 ela ainda só tinha conseguido três can ções para o Top Ten de R&B, em 1954 colocou nele quinze e, no ano seguinte, dezasseis. Para conseguir isto, a Atlantic utilizou produtores notáveis (Jerry Wexler, Lieber/Stoller), músicos de estúdio reputados, Mickey Baker (guitarra), King C urtis 13, Sam Taylor (saxofones), Henry Van Walls (piano), solistas rapidamente consumíveis (Ivory Joe Hunter, Ruth Brown, La Vern Baker, Chuck Willis com See See Rider e What Am I Living For?, Bobby Darin), assim como alguns gru pos (os Clovers, os Cardinais, os Coasters). Mencionemos também as marcas Herald/Ember, Apollo, Rama, Old Town, Baton, etc., que lançaram os Turbans, Silhouettes, Valentines, Crows, Solitaires, Hearts, Fidelitys, etc.. O club blues bailad viria a a parecer um pouco mais tarde. — Cincinnati: a firma King (1945) copiou Nova Iorque (Royáis, Midnighters). Mas, em virtude da sua situação geo gráfica, gravou discos de country rock, de gospel (James Brown), de rock'n'roll instrumental (Bill Dogett com Honky Tonk, 1956) e de northern band, com os band blues da década anterior como modelo. — Philadelphia: foi a transformação, em 1957, da emissão local de televisão ( American Bandstand) em emissão nacional, que lhe abriu as portas do mercado pop. A sua imagem de
13 — Ex-m úsico
34
da orquestra
de Lionel
Hamp ton.
marca foi-lhe fornecida pelo jovem Branco, clean (limpo), donde a designação de highschool; Carneo, Swann, Chancellor, satisfizeram a procura. Musicalmente, o rock'ríroll mal se dei xava perceber, sendo a velha canção americana que retomava os seus direitos.
CHICAGO
Aqui predominavam o bar blues e o jump blues do Norte. Apenas o jump se impôs com dois Negros, Chuck Berry e Bo Diddley, que praticaram o «pass for white»; o primeiro com Maybelline (1955), cuja rítmica, na fronteira do permissível, foi aceite graças à vocalização límpida e clara de Berry e ao matraquear publicitário de Alan Freed (o seu empre sário); o segundo com Bo Diddley (1955), com um texto «in congruente» mas com um forte balanço rítmico. Um e outro marcaram o rock'ríroll não pelos seus sucessos pessoais, pois eram Negros, mas pela influência que tiveram nos seus con temporâneos. Entretanto, os temas de Berry louvavam o «verde paraíso» da adolescência (School Days; Sweet Little Sixteen; Oh, Baby Do//), donde um abrandamento do ritmo; nunca a brutalidade da sua primeira gravação veio a ser retomada, demonstrando claramente as concessões exigidas para a sua aceitação no mercado branco. Bo Diddley seduziu pela origi nalidade do seu ritmo 13 sincopado, a ponto de inspirar legiões de imitadores (os Rolling Stones, entre outros). Bo Diddley conseguiu manter a sua popularidade “ sacrificando-se à dança e adaptando o seu ritmo a cada nova moda. Entretanto, a sua casa de discos, Chess/Checker (1949), reservou um lugar importante aos grupos vocais negros, como os Flamingos, os Moonglows, os Monotones. Vee Jay (1953), a outra marca independente da cidade, gravou principalmente Jimmy Reed, que, não obstante a sua
l% — O riginalidade para os Brancos e a um nível fonográfico comercial, pois esse ritmo era de origem africana. « — Vou Pretty Thing (1958), Say Man (1959).
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enorme influência musical e literária, nunca veio a encontrar o sucesso, pois sempre se recusou a concessões, e John Lee Hooker.
LOS ANGELES
Se esta cidade albergou marcas independentes, e por tanto estilos, em verdade estes não deviam nada à região, pois provinham da Louisiana (Nova Orleães, particularmente com o jump/boogie blues do Sul), do Mississipi (com o bar blues de Memphis), do Texas (com o club blues) e do Sul em geral (com o gospel). Isto devia-se à falta, nestes Estados, de marcas fonográficas. As migrações para a Cali fórnia (ghetto de Watts) tinham favorecido a eclosão destas firmas em Los Angeles. Por ter respeitado as regras da música branca, a Speciality (1945) tomou rapidamente a dianteira com Lárry Williams e Little Richard. O seu estilo, o dance blues, tinha-se tornado popular com Huey «Piano» Smith, em Nova Orleães, e apro ximava-se do ¡ump/boogie blues. No entanto, o trabalho do piano distinguia-o deste, sobretudo pelos breaks improvi sados com a mão direita, designados por shuffle. Little Richard gravou assim, com sucesso, em 1955, Tutti Fruttl, segundo um modelo preparado pelos produtores. «Blackwell [um dos pro dutores] não queria deixar 'sair' a canção, porque havia riscos (palavras «carregadas de cor» para a época) de ela não ser passada na rádio. Uma rapariga chamada Dorothy LaBostrie, que se encontrava no estúdio onde tinha ido ofe recer as suas canções, modificou o texto; e, por isso, recebeu a sua .percentagem», declarou mais tarde Art Rupe, o outro produtor 1S. Mas foi só no ano seguinte que Little Richard se impôs, com Rip It Up, Long Tall Satly, e, em 1957, com Keep A Knockirí, Lucille, antes de abandonar o rock'ríroll por razões religiosas, a seguir a Good Golly, Miss Molly (1958).
w — In Arnold Shaw, New York 1970, pág. 153. 36
The World Of Soul, Cowles Book Companv.
0 seu êxito deveu-se principalmente às suas aparições no ecran e ao seu movimentado comportamento em palco (des nudamento... parcial, piano literalmente espezinhado, vestuá rio burlesco, etc.). 0 seu comparsa, Larry Williams, substi tuto de Lloyd Price, que tinha sido «desviado» pela ABC Paramount, orientou-se para um rock’n'roll afectado e conven cional, à imagem do teenager ideal. Incidentalmente, veio pro var que a ideologia dominante tinha, a partir de 1957, uni ficado e «autonomizado» o «mundo» dos adolescentes (Short Fat Fanny). Perante isto, os Beatles não podiam deixar de se interessar por canções como Slow Down, Bad Boy, Dizzy Miss Lizzy. Por isso a Speciality não se contentou com estes solistas e, sem grande sorte, lançou aquele que foi prova velmente o melhor duo de rock'ríroll, D on 16 e Dewey, en quanto continuava a gravar R&B (Guitar Sh'm), grupos gospel (Pilgrim Travellers, Soul Stirrers) e bayou blues (Clifton Chenier). Mas a sua prosperidade declinou a partir de 1957, pois, ao que parece, não quis submeter-se aos novos métodos elaborados pelas marcas nacionais. Mencionamos a firma Alladin (1945) apenas para referir Shirley and Lee, que vieram a conseguir um hit, Let The Good Times Roii. Pelo contrário, a Modem (1945), embora não desprezando o R&B (Lightnin' Hopkins, Jimmy Whitherspoon, John Lee Hooker, B. B. King, Johnny «Guitar» Watson, Elmore James, etc.), praticou sistematicamente a cover de numerosos sucessos deste género musical (Etta James, Ri chard Berry, os Jacks ou os Cadets). Contrariamente às suas esperanças iniciais, os hits não se multiplicaram, e aca bou por abandonar o rock'ríroll. Foi um ex-R&Bman, Fats Domino, que impôs a marca Imperial (1947). Para ascender ao sucesso, aceitou todas as subserviências, inclinou-se perante toda e qualquer exigência, e o resultado esteve à altura duma tal demissão: o Top Ten em 1956, com Tm In Love Again e oito hits entre 1957 e 1962. A sua reaquisição pela ABC Paramount e a voga do twist fizeram cessar brutalmente a sua popularidade. Isso não impediu que a Imperial prosperasse e que, jogando em dois campos, tivesse decidido fazer concorrência a Elvis Pres-
M —
Redescoberto em 1969 em Los Angeles pelos seus méritos violinista e relançado com o nome de Don cSugarcane» Harris.
de
37
ley, com Ricky Nelson. Mas, sem o acompanhamento country do guitarrista James Burton (Believe What You Say), os hits conseguidos seriam hoje inaudíveis. Los Angeles albergou também a Liberty (1947) que, para além de Bobby Vee, soube dar uma oportunidade a um outro Branco, Eddie Cochran, que se impôs, a partir de 1957, como o melhor produto rock'n'roll de estúdio com Twenty Flight Rock. Rival de Presley, de quem copiava o tom enfá tico nos tempos lentos, assemelhava-se musical e temática mente, nos ritmos rápidos, a Chuck Berry ( Summertime Blues, 1958; C’mon Everybody, Something Else, 1959). A estrutura da sua música anunciava o rock’n'roll instrumental dos anos 60, pois inspirava-se em Duane Eddy ” . O éxito que obteve assegurou o futuro do «rock californiano», e a sua morte" permitiu que os imitadores pululassem: Beach Boys, Jan & Dean,' Gary Lewis and The Playboys. Finalmente, o club/bailad blues encontrou o seu lugar no mercado pop graças à firma Keene, com Sam Cooke (You Send Me/Summertime, 1957), ao mesmo tempo que as in fluências mexicanas se iam infiltrando no rock na pessoa de Ritchie Valens (La Bamba, 1957; Donna, 1958). A política da Liberty, como a da Keene, reproduzia a das grandes companhias, explicando-se este fenómeno pelas datas em que aquelas firmas se constituiram. Este evoluir da produção para um rock'n'roll «programado» é patente para o conjunto das firmas independentes, com excepção da Speciality e da Sun.
MEMPHIS, TENNESSEE
Aquí, os cantores brancos impuseram as normas do country blues. Com efeito, a segregação racial impedia que o rock'n'roll se apoiasse em intérpretes negros. Competia portanto aos Brancos integrar o R&B.1 1 8 7 17 — Du ane Eddy, com o auxílio de Lee Hazelwood, crio u um rock’n'roll instrumental baseado no vibrato da guitarra e da guitaira-baixo reintroduzida no rock’n’roll (Rebel Rouser, 1958). 18 — Coch ran morreu num desastre de automóvel em 1960, durante a sua triunfal digressão pela Grã-Bretanha que marcou definitivamente a im plantação do rock ’n ’roll neste país. 38
A marca Sun (1953) de Memphis abriu o caminho com Elvis Presley (Thafs All Right Mama, 1954). O colorido musi cal, no que respeitava à guitarra (Sco tty Moore) e ao baixo (Bill Black), baseava-se no country & w e s t e r n a batería insuflava um ritmo directamente trazido do R&B. Aquí, Presley cantava num estilq inspirado pelo bluesman Arthur «Big Boy» Cruddup. Assinale-se que o country rock/roc kabilly (rock + hillbilly) demonstrava que os Brancos do Sul podiam assimilar harmoniosamente elementos culturais negros, e sobretudo torná-los seus. Quando a popularidade de Elvis Presley ultrapassou as fronteiras do Tennessee, a marca nacional RCA-Victor com prou-o a Sam Phillips (direc tor da Sun Records) por trinta mil dólares e um Cadillac oferecido ao cantor. Os seus novos patrões iriam, em seguida, alterar o seu trabalho. A saída de Presley não afectou Phillips, mestre orien tador do country rock, que voltou a pôr mãos à obra. O seu novo rebento. Cari Perkins, num estilo mais violento, obteve o primeiro disco de ouro do rockabilly com Blue Suede Shoes (1956). Contudo, a brutalidade do seu rock’ríroll ameaçava-o, a longo prazo, de ser afastado da rádio. Um desastre de automóvel veio simplificar o problema. Alguns meses mais tarde, Johnny Cash (/ Walk The Une) veio impor um rockabUly diferente, mais lento e cuidado, que anunciava os coros de que viría a servir-se a partir de 1958 (Bailad Of The Teenage Queen). Mas Sam Phillips, que tinha deixado de ser o seu produtor, não prestou atenção a esta inovação: nesse momento, era todo atenções para a sua outra descoberta, Jerry Lee Lewis, um rocker na tradição, pelo menos no início, de Little Richard. Só que o que poderia ter sido uma imitação de admirador não passou, de facto, duma caricatura de desprezo. Nem por isso deixa de ter sido o melhor performer de rock'n'roll. Contudo, a sua aparição, tardia para um estilo como o dele, e a sua incapacidade para compor limitaram-lhe a popularidade a três hits: Whole Lotta Shakirí Goirí On (1957), Great Balis Of Fire, Highschool Confidential (1958). Deste modo se deu o declínio rápido da Sun, a partir 9 1
19 — Comercialização, posterior à segunda guerra folclórico branco dos Estados d o Sul. Sinónimo : HilIbiUy.
mu ndial,
Jo
39
estilo
de 1958, paralelamente ao da SpeclaHty. a testemunhar do fim do rock'ríroll produzido pelas marcas independentes. Estas só puderam manter-se adoptando os métodos das grandes companhias. Meteor (1952), pelo seu lado, exceptuando o bluesman Elmore James, não beneficiou da voga do country rock, não obstante, e também por causa de, Wayne Me Guiness, Júnior Thompson, Charlie Feathers. Duke (1952), com Johniiy Ace (Pledging My Love, 1954), Bobby Bland e Junior Parker, tão pouco conheceu sucessos duráveis, pois foi comprada um ano depois pela Peacock (1949), firma de Houston, que se tinha especializado em grupos gospel com Hound Dog (1953) de Willie Mae «Big Mama» Thornton, cujo acompanhamento musical anunciava o country rock. A etiqueta Ace (1955), criada em Jackson por um antigo produtor da Speciality, foi beber aos estilos musicais de Nova Orleães. E assim, Huey «Piano» Smith (and the Clowns), inspirador de Little Richard,® entre outros, fez-se notar no estilo shuffle com Rockirí Pneumonia And The Boogie Woogie Flu (1957) e Dorít You Know It (1958). Esta firma gravou também o cantor bailad Jimmy Clanton, que fazia lembrar Johnny Ace. Nashville, uma outra cidade do Tennessee especializada em country & western, esteve na origem dum duo célebre, os Everly Brothers. Se bem que lançados pela firma nova-iorquina Cadenee (1953), foram representantes perfeitos do ambiente musical de Nashville, tanto mais que o guitarrista de C&W Chet Atkins participava nas gravações. A seguir a uma série de sucessos (Bye Bye Love; Wake Up Little Suzie, 1957; Bird Dog, 1958), a sua aquisição pela nova firma nacional Warner Bros fez com que perdessem parte do seu interesse musical, pela imposição da inevitável orquestra. Ainda no Tennessee, a Dot gravou country rock e R&B, praticando continuamente a cover, de que Pat Boone foi o melhor exemplo. Podemos ainda ligar os Crickets ao estilo rockabilly/ /country rock, não obstante pertencerem à Brunswick, uma sub- 0 9
90 — Hue y Richard.
40
«Pian o»
Smith
é
o
pianista
no
Tutti
Frutti
de
Little
-marca da Dacca, pois concretizaram os esforços do pro dutor independente Norman Petty. O seu primeiro hit, That’ll Be The Day (1957), vero distingui-los dos produtos da Sun. A sua estrutura influenciou, quase tanto como o rock'n'roll de Chuck Berry, os grupos ingleses (1963-1966). O leader Buddy Holly (cantor, guitarrista e compositor com Norman Petty) destacou-se muito cedo e abandonou o grupo em 1958. A partir daí, tornou o seu estilo mais brando e deixou-se «transportan) por um grupo vocal com o qual viria a gravar alguns discos para a Coral. A seguir à sua morte, a confusão entre ele e os Crickets não foi obra do acaso, correspondeu antes a urna mistura dos dois estilos, e isto por razões (ideológicas) musicais e comerciais. Em resumo, 1955 foi o ano em que se impuseram as marcas independentes, assim como os melhores produtos de rock'n'roll. Os anos seguintes vão assistir à alteração desta música e à aproximação entre as marcas independentes e as nacionais. De facto, é nitidamente perceptível a divagem entre Chuck Berry, Little Richard (1955) e Eddie Cochran, Everly Brothers, Chuck Willis (1957). A flexibilidade das pequenas firmas na adaptação à situação imposta pela ideologia musical, permitiu-Ihes produzir, entre 1955 e 1959, 69% dos títulos rock clas sificados no Top Ten. 11 Mas esta «cumplicidade» foi-lhes prejudicial a partir de 1960: contribuindo para a asfixia dum género marginal, acti varam o seu próprio desaparecimento.
*• — E
49 %
do
total
dos h it i,
representando
o ro ck
43 %
dos
Top Ten hits durante esses cinco anos.
41
4.
AS NA CIONA IS
As marcas nacionais, depositárias dos critérios estéticos musicais da ideologia dominante branca, fixaram a sua política em face do rock'ríroll a partir de 1955. De resto, a sua táctica foi das mais simples: deformação do original até à mudança do próprio nome: doravante, rock and roll em vez de rock' n'roll. Para isto, uma razão ditada pelo curso da história Com efeito, deparou-se aos managers nacionais a coincidência do rock'ríroll com a luta dos Negros pelos direitos cívicos. Daí a fusão: «o entusiasmo por esta música faz parte duma maqui nação da N.A.A.C.P. “ para corromper a juventude branca do Sul», declararam, no princípio de 1956, vários agrupamentos religiosos brancos do Sul. Em Birmingham (Alabama), um comando do White Citizen's Council que proclamava «o boicote da música pop e negra», juntando o gesto às palavras, atacou mesmo o moderadíssimo Nat «King» Cole que, como se sabe. não tinha nada a ver com o rock. Noutros sítios, houve pas tores da igreja a indignarem-se com os movimentos «obscenos, -claramente sexuais» dos cantores e bailarinos de rock'ríroll; alguns sindicalistas e políticos admiraram-se desta música ¡ungle não ser perseguida pela lei. Isto equivale a dizer que. se uma fracção da juventude apreciava o rock'ríroll, a maioria dos pais, marcados pela ideologia dominante, não aceitava esta música portadora dos «estigmas» da etnia negra. A atitude das grandes companhias fonográficas foi ditada pelas reacções:
tt — National Associa tion fo r the Advan cem ent of Coloured P eo ple . organização intcgracionista negra, não-violenta, criada em 1903, que lutava pela obtenção dos Direitos cívicos; era dominada pela burguesia neg ra que queria tornar-se uma classe política- Em 1955, uma recrudescência da sua actividade provocou violentas reacções (repressões) por parte dos Brancos dos Estados do Sul 42
«recuperação» do género em virtude do seu indiscutível valor comercial, e, para conseguir tal, deformação obrigatória do modelo. Antes de mais, as emissões Top 40 limitaram o número de discos de rock'ríroll, censurando, por pressão da A.S.C.A.P., os chamados títulos jungle. A televisão só tolerou as canções mais moderadas e só aceitou Elvis Presley com a condição da câmara não fixar os seus «perversos movimentos de ancas» (para o Ed Sullivan Show). A pouco e pouco, foi-se fazendo apenas a promoção dos cantores brancos, «limpos e sãos», e de alguns grupos vocais negros cujo «Unele Tomismo» tornava consumíveis. No plano musical, foram retomados pelos produtores o ritmo de 2/4, a que se enfraqueceu a acentuação, a vocalização necessariamente clara e equilibrada, a estrutura da canção com um solo depois da segunda estrofe. O texto devia reflectir o suposto universo dos teenagers; as instru mentações do tipo guitarra/baixo/piano/saxofone/bateria cede ram o lugar à orquestra onde aqueles instrumentos foram integrados ou obrigados a recuar em favor das cordas e dos grupos vocais, mais melodiosos.25 Assim, ao resultado desta metamorfose chamou-se rock and roll e Elvis Presley foi a sua primeira e maior vedeta.
DE ELVIS PRESLEY .
Como sabemos, a RCA-Victor tinha-o comprado, em 1955, à Sun Records. O seu primeiro disco (Heartbreak Hotel) saiu em Janeiro de 1956. Beneficiando do matraquear da televisão,
a — O discurso ideológico do Cash Box, em Março de 1957, pra ticando a habitual inversão das determinações, faz o resumo do projecto que irá conduzir o rock’n’roll até ao rock and roll: «No início do rock’n’roll os jovens adoravam o tbig beato (ritmo forte). As letras e a melodia tinham pouca importância para eles, se é que chegavam mesmo a tocá-los. Neste momento, parece que o impacto inicial do «big beato terá desaparecido, e que os jovens estão virados para trechos mais meló dicos, para um som menos rouco e definitivamente atentos à história que a canção conta.» 43
atingiu rapidamente o topo das classificações pop e R&B. A RCA aplicou ao seu novo produto a fórmula do rock and roll de e s t ú d i o . E a partir de 1957, o negócio Presley” , gerido pelo «Coronel» Parker, rendia vinte milhões de dólares por ano. Ele foi Mister Number One: a morte de James Dean (1956) veio no momento exacto para completar a sua imagem de sedutor cinematográfico. Tornou-se o protótipo do mito criado e mantido pelos mass media. Assim, a publicidade feita ao seu comportamento «exemplar» no serviço militar demons trou a que ponto ele pesava na consciência da juventude americana.*'1 O alibi ideológico era importante.” Para lá disto, a sua própria evolução musical e artística inspirou e evolução do rock and roll a ponto de colocar este à mercê da sua car reira. De Hound Dog à balada Love Me Tender, passando por Dorít Be Cruel, é a América e a sua ideologia que estão em jogo. Em 1960, o remake de O Sole Mio (lt's Now Or Never) coroou a sua carreira, com uma venda de mais de 10 milhões de exemplares. Contudo, a RCA-Victor foi menos feliz com os seus outros lançamentos. Um pouco à imagem da Columbia, que apoiou sem convicção o country & western (Frankie Laine) e o rock and roll, se bem que este último gênero só tenha existido através da sua sub-marca Okeh. Para mais, a única vedeta da Okeh, Screamin' Jay Hawkins (I Put A Spell On You), só foi admitida na rádio depois de suprimidos os queixumes e os murmúrios mal humorados com que a canção começava, con siderados obscenos. No mesmo ano, foi proibido de actuar em público por indecência: entrava em palco num caixão donde saía segurando um cráneo que fumava um cigarro e a que chamava Henry, provocava os espectadores física e oralmente, e depois ia-se embora envolto numa nuvem de fumo. ” 8 2 5 7 *
u — Po r ou tro lado, Presley especializou-se na cover de títulos de Little Rich ard : R ip It Up, Lo ng Tall Sally, Ready Teddy, Tu tti Frutíi. 25 — Entre 1955 e 1959, Presley obteve quinze hits (Fats Domino, Rick y Nelson : oito ; Everly Brothers : seis ; Pat Boone, Coasters : cinco ; Chu ck Berry : quatro ; Jerry Lee Lewis, L ittle Richard, Lloyd Price : três). 28 — A coro ação veio com o prim eiro filme de Presley a seguir a desmobilização : G. 1. Dlues. 27 — A classe dom inante em Fra nça veio a reprod uzir o mesmo esquema com Johnny Halliday. A imitação foi até à comparação das patentes a tr ib u íd as: sargento. 28 — A sua obra-prim a parece ter sido Constiparon Blues 44
A MGM, cujo departamento de música de filmes foi fundado em 1946, ¡nteressou-se moderadamente pelo rock and roll. Apenas um Branco, Conway Twitty, tránsfuga da Sun e «discípulo» de Presley, obteve um hit, em 1958, com It's Only Make Believe. A Decca, interessada à força, antes da guerra, no blues e no country & western, tinha sob contrato, desde 1954, Bill Haley. Foi a sua única iniciativa neste campo. Em contra partida, as suas sub-marcas meteram-se mais a fundo no rock and roll. Por exemplo a Coral, velha especialista em cover, produziu os discos do Johnny Burnette Trio e de Buddy Holly. Brunswick, a outra filial, gravou Jackie Wilson, que não viría a ultrapassar o mercado R&B, e os Crickets, cujo leader, como sabemos, era Buddy Holly.
.. A GENE VINCENT
A única companhia a adoptar urna política eficaz em relação ao rock foi a Capitol. 0 sucesso de Elvis Presiey impeliu-a a organizar concertos para lhe descobrir um rival. O escolhido. Gene Vincent, e o seu primeiro disco (Be-Bop-A-Lula, 1956) corresponderam em parte às esperanças da Capítol: classificou-se por algum tempo em primeiro lugar, antes de vir a conhecer sucessivos fracassos. A seguir, para «cobrir» Little Richard, a Capitol lançou um tal Esquerita cujas gravações eram sempre inspiradas no disco anterior de Richard; urna grande promoção viría a assegurar-lhe o sucesso. Mas também neste caso, a Capítol veio a renunciar às suas pretensões: a violência, a «anarquia» musical, a «selvajaria» da sua vocali zação, mantiveram-no na sombra. Na sequência, foi a vez de Johnny Otis conseguir um hit com The Johnny Otls Hand 3/Ve. Ainda que sem subverter o mercado, Otis gravou alguns títulos interessantes para a época (1958-1959): Ma, He's Maklng Eyes At Me; The Llght Shines In My Wlndow. Em virtude da sua situação geográfica (Los Angeles), a Capitol gravou, por acréscimo, vários cantores de blues bailad, como Nat «King» Colé, que foi o mais popular de todos. 45
OS PLATTERS E PAUL ANKA
A Mercury, localizada em Chicago, ambicionou produzir o máximo de grupos vocais negros. Os primeiros (Penguins e Platters). foram «desviados» pela firma a urna rival de Los Angeles. Ao contrário dos Penguins, os Platters, num estilo limite entre o rock'n'roll e a bailad, conseguiram sucessos atrás de sucessos (Only You, The Great Pretender, 1956), retomando mesmo temas standard (My Prayer, You'll Never Know, 1957). Outros grupos se seguiram, como os Diamonds. Citemos ainda Freedie and the Bell Boys (no estilo northern band), Big Bopper e Eddie Bond, influenciados pelo country rock. Buck Ram, empresário dos Platters e dos Penguins, era o principal produtor da ABC Paramount, firma fundada em Hollywood em 1956. Sendo a mais recente no mercado, esta firma foi obrigada, para progredir, a produzir mais rock and roll que as outras companhias. Comprou Lloyd Price à Speciality, o qual veio a impór-se com Personality (1959) cuja fórmula se assemelhava bastante às de Dave Bartholomew e de Fats Domino. Mas, à semelhança da maior parte das marcas inde pendentes que desejaram aumentar o seu peso, a ABC Para mount deu preferência aos jovens intérpretes brancos ( rock and roll de estudio). Assim, em 1957, triplicaram os hits das marcas independentes e as grandes companhias aumentaram os seus em 60%, o que contribuiu .para fazer desse ano o mais produtivo do rock and roll, género musical que representou 61 % do total dos hits .20 Esta evolução para um rock and roll «embranquecido» explica o triunfo, no ano seguinte, dum Paul Anka com Diana (nove milhões de exemplares). Os especialistas catalogaram esta canção no género rock'n'roll mas, contudo, basta compará-la com Maybelline ou mesmo com All Shook Up para repôr Paul Anka no lugar que Ihe compete: o da balada pop. O seu sucesso anunciava, na verdade, o despontar do género highschool. Como a designação indica, este género destinava-se aos adolescentes com esperanças na criação dum universo teenager autónomo. Neste tipo de operação, o papel
“ — Em 1955 a percentagem 1958 de 50% , em 1959 de 42 % . 46
foi
de
15 %, em
1956 de
34 %,
em
principal era desempenhado pelo produtor, limitando-se o cantor a cumprir as suas ordens. Esta mutação deu-se paralelamente à voga do calipso, em 1956-57, lançada pela RCA e pela Columbia. Se bem que com raízes na Jamaica e sendo embora Negros os seus dois intér pretes mais populares (Johnny Mathis e Harry Belafonte). o calipso foi lançado com o intuito de depreciar ainda mais a cultura negra americana. Em resumo, as companhias nacionais tinham «pescado» no rock'n'roll alguns elementos musicais convenientes para revigorar a balada pop tradicional. Daí resultou que as firmas independentes se viram obrigadas a «depurar» o seu rock' ríroll.
Isso não teria sido possível sem o apoio da televisão, cuja eficácia tinha ficado provada pelas passagens de Elvis Presley nos programas de Jackie Gleason e Ed Sullivan. O cinema desempenhou igual papel. Em conjunto, estes dois media promoveram simultaneamente o highschool e a dança. Na origem desta mutuação esteve, a partir de 1957, o programa de Dick Clark ( American Bandstand), difundido à escala na cional a partir de Philadelphia. Numa primeira fase, a emissão favoreceu o highschool em detrimento do rock and roll; numa segunda fase, Philadelphia, centro de «opinião» da pop music, veio por sua vez impôr os seus produtos locais, elaborados com base no princípio da fusão da imagem e do movimento, orientação que relegou a música para segundo plano. Em seguida vieram as danças. Chubby Checker lançou The Twist (cover do hit de R&B de Hank Ballard, 1958). Em 1960, reacção das companhias nova-iorquinas, com Gary Bonds e Bobby Lew is. Como resposta, a Cameo-Parkway incitou Chubby Checker a gravar Let's Twist Again (1961). A partir daqui, de pois de ter conquistado os adolescentes, o twist lançou-se à conquista dos adultos invadindo as discotecas recentemente cria das (por exemplo Le Club, em Manhattan). Esta aproximação de duas gerações determinou um acréscimo no consumo de discos, numa altura em que os jovens se tinham desinteressado do *ock and roll depois de ter sido revelada a «corrupção» dos disc-jockeys (Alan Freed, comprado por trinta mil dólares, pro vocou, com a sua influência, juntamente com alguns outros corruptos, uma baixa de 30% nas vendas de «singles»), Henry Miller extraiu a moral desta voga do twist: «É o que eu chamo dança assexuada; isto é, uma pessoa a mexer-se sòzi47
nha; ou seja, a masturbar-se. Parece-me ser narcísico e ego cêntrico no mau sentido, é como o irromper dum átomo. ( ... ) Uma prova suplementar cio isolamento e da alienação. No meu tempo, a dança servia de capa à sexualidade «vestida». (...) Agora, a dança recusa o sexo; dois homens poderíam dançar juntos.» O tw is t veio, portanto, confirmar os costumes sau dáveis da América oficial. Outras danças vieram reforçar este assalto da ideologia dominante, tais como o Mashed Potato, o Fly, o Popeye, o Dog, o Monkey, o Frug, etc. A indústri'a fonográfica pôde assim manter-se até à irrup ção dos Beatles, em 1964. A filtragem tinha destituido o rock and roll/highschool de qualquer dinamismo, condenando-o assim a morrer. Uma antologia do rock'ríroll realizada em 1961 por Alan Freed, onde se traçava a história desta música em 1954 e 1958, veio pôr ponto final na aventura.
48
5.
A POP MUSIC «NEGRA»
Como vimos, a interpenetração dos mercados pop e R&B intensificou-se em 1956-1957 com o aparecimento de muitos rock and rollers brancos assim como de solistas e grupos vocais negros. As emanações ideológicas desta fusão visavam sobretudo a juventude dos ghettos negros: o sucesso pro fissional dos artistas negros que acederam a curvar-se perante as «regras» ocidentais e, logo, perante os produtores e pro gramadores, servia como símbolo das virtudes da integração capitalista. Além disso, a mistificação musical apoiava-se no desejo da burguesia negra de encerrar/desviar a luta política na (para a) mera reivindicação de igualdade de Direitos cívicos. Por isso a N.A.A.C.P. e a Urban League receberam o apoio dos liberais brancos. Desde então, a administração governamental encorajou verbalmente os Negros a ¡nscreverem-se ñas listas eleitorais. As igrejas do Su l30 empreenderam a concentração dos descontentes a fim de obterem a abolição da segregação escolar e eleitoral. Para atingir tais fins, foi preconizada a não-violência. A pop music, media ao serviço da ideologia dominante, produziu, durante oito anos, a imagem da integração ideal. 0 vector perfeito foi, como vimos, o grupo vocal/o artista solista. Os temas de amor religiosos transformaram-se em temas de amor de adolescentes, a voz de tenor acentuou os seus agudos contrastando com as vozes de barítono e baixo (rítmica), o volume musical diminuiu, já que a guitarra e/ou os saxofones se tinham tornado rnais discretos. Os produtores brancos ditaram as ordens, os intérpretes caucionaram a ma-
* — S. C. L. C. — Shouthern Christian Leadership Conference , organização integracionista negra dirigida pelo pastor Martin Luther King. 49
nobra. Os modelos chamaram-se Orioles (1948) e Dóminos (1951); o sucesso do Sh. Boom dos Chords, numa cover dos Crewcuts de 1954, demonstrou que o produto não deixava de surtir efeito. Os primeiros a ¡ncarnar a integração harmoniosa foram os Platters e os Coasters. Se o Only You dos Platters denotava uma nítida insipidez, as suas harmonias vocais não dei xavam contudo de sugerir as origens raciais do grupo. Fabri cados por Buck Ram, os Platters realizaram uma carreira notável no que toca a longevidade. Um ano depois (1957), os Coasters, num estilo infinitamente mais «negro», evitaram o romantismo e a forma bailad dos seus concorrentes e incluí ram alguns hits no reportório (Searchin' e Young Blood, 1957). Fazendo larga utilização da voz de baixo a vocalizar duma forma mecânica, o grupo veio reforçar a imagem do Negro estúpido e indolente, tanto entre os Brancos como entre os próprios Negros. Este grupo beneficiou ainda da qualidade dos músicos utilizados pela Atlantic Records, tais como King Curtis que, através de alguns solos estereotipados de saxofone, criou um estilo, o «yakety», assim designado por ter surgido em Yakety Yak (1958). Mas a popularidade dos Coasters decli naria depois de Poison Ivy (1959), vindo a ser abandonados pe los seus produtores em favor dos Drifters. Os outros artistas solistas da Atlantic como LaVern Baker (Jim Dandy), Chuck Willis (See See fíider, What Am I Living For?) e Ivory Joe Hunter (Since I Met You Baby) foram igualmente bem suce didos na sua progressão no mercado branco.
A partir de 1959, a música negra alterou-se dum modo mais profundo. Além das guitarras terem sido progressivamente substituídas pelos violinos, os grupos vocais femininos foram objecto da mesma manipulação que tinha afectado os grupos masculinos. Paralelamente, intensificavam-se as lutas, sempre não-violentas, pela obtenção dos direitos cívicos. 1957 e 1958 tinham ficado marcados por manifestações sobre Washington; 1960 tinha assistido ao boicote e/ou ocupação de restaurantes universitários reservados aos Brancos, pelos sit-in dos estu dantes negros. Além disso, desde 1957 que o governo federal fazia a sua intervenção a favor da integração escolar. Em consequência da interdição proclamada pelo governador do Arkansas, Faubus, contra nove jovens Negros que queriam ingressar no liceu de Little Rock, e das desordens que daí 50
resultaram, o presidente Eisenhower chamou a Guarda Nacional para aquela cidade a fim de assegurar o acesso às aulas dos alunos Negros. Não obstante a resistência do governador e a viva hostilidade dos Brancos, o governo federal fez reafirmar a sua autoridade sobre o governo local. Este caso transformou-se em símbolo duma política de integração, em verdade bem reduzida. Acções deste género conduziram à formação do S.N.C.C.,31* enquanto que os liberais brancos apoiavam o C.O.R.E..33 Deparados com a «indiferença» da administração federal e com a estagnação das lutas, os militantes negros, a partir de 1961, endureceram a sua prática com o recurso às «.Mar chas para a liberdade». Alguns artistas de R&B (Ray Charles, Sam Cooke, Clyde McPhatter) ilustraram esta viragem política.
OS VIOLINOS
Ora, foi portanto por ocasião do lançamento dos Drifters 33 pelos produtores Lieber-Stoller, que o universo musical do R&B passou a incluir os violinos, instrumentos «ocidentais» que ¡riam permitir uma acentuação melódica a par duma ate nuação rítmica. Retomando a fórmula do grupo gospel, Lieber e Stoller produziram There Goes My Baby (1959), primeiro sucesso dos Drifters. Mas a vocalização do solista, Ben E. King, era tão intensa para um público branco, que a canção só foi aceite graças à tal secção de cordas. Como que por acaso, nas gravações seguintes, o tom de Ben E. King ir-se-á tornando mais suave: Dance With Me (1959) e Save The Last
M— Students Non Violent dantil nâo-violenta inter-racial. “ — Congress On Racial -violenta, inter-racial, com base *®— Não confundir com mados por Clyde Mc Phatter. antes da saída do leader, facto ração do grupo (1958).
Coordinoting
Comitee: organização
estu
Equality: organização integracionista nãopopular. os Drifters aparecidos em 1954 e for Obtiveram um hit (Such A Night, 1954) que provocou o declínio e depois a sepa
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Dance For Me (1960). Na segunda destas canções, uma produ ção de Pomus-Shuman, as guitarras flamenco fizeram caír em desgraça a voz de Ben E. King, que abandonou o grupo para encetar sozinho uma carreira trabalhada por Phil Spector e que foi carregada de hits: Spanish Harlem (1960), Stand By Me (1962). Rudy Lewis veio substituir Ben E. King, enquanto os produtores se sucediam uns aos outros para manter os Drifters no topo: Up On The Roof (1962) com Goffin-King, On Broadway (1963) com Mann-Weill-Lieber-Stoller, Under The Broadwalk (1964) com Bert Berns. Foi a firma Sceptor-Wand (1959) que gravou o primeiro grupo vocal feminino negro: as Shirelles (Dedicated To The One I Love, 1958; Tonighfs The Night, 1960; Will You Love Me Tomorrow?). Logo a seguir, Phil Spector aperfeiçoou o modelo com as Crystals, chegando mesmo a errar, em Los Angeles, a sua própria firma: Philles Records (1961). Spector baseava-se numa única idéia à volta da qual tudo se construía. Assim, uma grande orquestra multiplicada pelo processo de re-recording, evocava a «solidão genial» da intérprete, e os sentimentos eram «ilustrados» por crescendos postos em relevo por silêncios-traços-de-união. A seguir às Crystals (He's A Rebel, And Then He Kissed Me, Do Doo Ron Ron), Spector lançou as Ronettes (Be My Baby, 1963) cuja imagem de marca tra duzia a evolução do music-hall. ** As cantoras do grupo encar navam o papel de «mulheres fatais», mostravam-se «vamps», levando o público a sonhar com uma orgia sexual tanto mais falaciosa quanto simulada. Como solista, a mulher negra obteve também, a partir de 1961, o seu pequeno quinhão do bolo integracionista. com a imagem de Gladys Knight and the Pips (Every Beat Oi My Heart). Little Eva (The Locomotion, 1962) confirmou a tendência, mas foi preciso esperar por Dionne Warwick para que a adolescência se curvasse perante a mulher. Contudo, o facto dos grupos de R&B se terem ocidentali zado, permitiu que os cantores solistas se impusessem num estilo mais «negro» e. por isso, mais personalizado, o que reflectia em parte a determinação dos grupos políticos frustra
** — Musicalmente não parece que esta etapa tenha sido ultrapassada, a avaliar pelo enorme sucesso dum M y Sweet Lo rd «de» George Harrison, cópia fiel de H e’s So Fine (1963) dos Chiffons. 52
dos com a lentidão da luta pelos Direitos cívicos. Ao mesmo tempo que Ben E. King e Clyde Mc Phatter abandonavam as suas respectivas casas editoras, Lloyd Price trocava a Speciality pela ABC Paramount e conquistava algum êxito com Stagger Lee (1958) e Personality (1959). Mais durável, pelo contrário, foi o sucesso de Ray Charles que, não obstante várias exce lentes classificações R&B (I Got A Woman, 1955; Hallelujahl I Love Her So, 1956; Talkirí About Vou, 1957), só veio a impôr-se entre os Brancos em 1959, com What'd I Say?. A ABC Paramount tratou logo de o adquirir à Atlantic. A grande firma californiana impós-lhe menos concessões que a sua rival nova-iorquina, menos «standards», menos baladas románticas. Mas nem por isso deixou de gravar, a seguir a Hit The Road Jack (1961), uma canção de country & western (/ Carít Stop Lovirí You, 1962), sem dúvida o seu maior êxito, mas também a concretização da sua total ruptura com a cultura negra. Na sua esteira, vieram a impor-se Jackie Wilson e Brook Benton (Kiddio). Carreira diferente foi a de Sam Cooke, ex-leader dos Soul Stirrers, o qual, depois de satisfazer o público branco com Cupid (1961), Twistirí The Night Away (1962) e Another Saturday Night (1963), gravou algumas canções desti nadas aos Negros, como Bring It On Home To Me, A Change Is Gonna Come, bem marcadas por influências negro-ameri canas. Um polícia pôs fim à sua carreira, matando-o. E, por fim, Jerry Butler que foi o último solista importante deste período. Abandonara os Impressions “ para encetar uma carreira em colaboração com o seu guitarrista Curtis Mayfield. Após alguns hits {He W ill Break Your Heart, 1960; Find Yourself Another Girl; Tm-A-Telling You, 1961), Mayfield dei xou Butler entregue às suas interpretações de standards ( Moon River, 1962) e a um sucesso efêmero, para reagrupar os Impressions. Tornado assim produtor em Chicago, veio a criar, em 1961, a sua própria companhia editora de música. Foi o se gundo Negro a obter uma tal tcindependência»; Sam Cooke fôra o primeiro, um ano antes.
M — Sucesso
em
1958
com
For
Your
Precious
Love.
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O ACESSO A PROPRIEDADE
A nova imagem da integração tornou-se mais nítida através deste acesso à propriedade que os transformou, aos olhos dos Brancos, em exemplos e porta-vozes do povo Negro, à maneira da N.A.A.C.P. Contudo, estes self made men perderam parte" da sua influência cultural pela neutralização que a orquestra, que tinham aceitado, veio impor às suas canções. Se as canções gospel ganhavam em intensidade, anunciando a soul music (a comercial), a orquestração, com o emprego de coros e de secções de cordas, afastava-se da música de com bate que os jovens militantes desejavam. Entre 1958 e 1960, o sistema americano permitiu portanto a realização comercial do Negro, mas à custa da perda definitiva da integridade deste. Como paréntesis, notemos que a ilusão de síntese entre músicas negra e branca permitiu a alguns grupos vocais brancos tentar a imitação do canto gospel. Os Four Seasons conseguiram-no; evidentemente que se tornaram o grupo mais popular da pop music. Com Bob Crewe como produtor, os Four Seasons alinharam dez hits entre 1962 (Cherry) e 1965. Facto curioso, graças à sua cor, permitiram-se mais originali dade que os seus colegas negros. Fenómeno idêntico com os Righteous Brothers, apoiados por Phil Spector (You've Lost That Lovin' Feelirí 1964), e com os Mc Coys (Hang On Sloopy). A fechar este paréntesis, façamos notar o fracasso, exemplar sob este ponto de vista, do duo negro Ike and Tina Turner (River Deep, Mountain High, 1966), para extrairmos a moral: não é negro quem querlM
O APARECIMENTO DA TAMLA MOTOWN Entre 1961 e 1963, 33 % dos hits no mercado pop eram «obra» de Negros (1957-1960: 24%; 1954-1956: 16%; 1950-
“ — Em Inglaterra este disco foi um hit, o que mostra uma vez mais o carácter de intermediária da Grã-Bretanha entre as músicas negra e branca americanas
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-1954: menos de 5%), e o êxito profissional na ideologia capi talista tornou-se o metro-padrão do sucesso. 0 «espectáculo» alimentava o espectáculo. Em contrapartida, o Movimento para os Direitos cívicos marcava passo. Deste modo, urna parte do proletariado e sub-proletariado negros separou-se da N.A.A.C.P. para experimentar formas mais violentas de luta. Esta etapa na tomada de consciência passou necessariamente pela glorificação da raça, da cultura e das tradições negras. Por sua vez, os intelectuais do S.N.C.C. romperam com o Movi mento dos Direitos cívicos.” Contudo, estes factos não puseram termo aos mitos que a pop music «negra» alimentava na maioria dos Brancos (estu dantes incluídos) e naqueles Negros que, no Norte, iam ascen dendo à «classe média»,3 3 78 tanto mais que nos três ou quatro anos seguintes, a companhia de discos Tamla Motown parece vir indicar a toda a América que o poder negro não é mais que o poder do capital. Sete meses antes do presidente Johnson assinar a lei sobre os Direitos cívicos, garantia constitucional da integração, o Billboard, a pretexto da interacção entre os mercados branco e negro, suprimia, em Dezembro de 1953, a sua categoria fí&B, querendo significar com isto que a integração estava «concluída». 0 êxito da Tamla Motown, casa fundada e diri gida por Negros, serviu de montra a esta mistificação. Berry Gordy, um Negro que era produtor desde 1957, tinha criado em Detroit, em 1960, a sua própria marca: Tamla Records. Decerto que não foi o primeiro Negro a fundar uma firma, foi, sim, o primeiro a ser bem sucedido. O seu sucesso baseou-se numa sonoridade que evocava a igreja pelo emprego siste mático do eco. Os tamborins, congas, bongos, palmas, a bate ría, serviam a rítmica, a guitarra-baixo produzia a linha melódica, enquanto a secção de cordas da Detroit Symphony e a clareza/ /pureza das vozes permitia a sua aceitação pelo auditório
37 — Logo em 1964, depois de se iniciar a ofensiva Vietcong, em Maio-Junho, o S. N. C. C. foi o primeiro a condenar a guerra no Vietname, afirma ndo : «a política de genocídio dos Americanos no Vietname é igual à dos brancos americanos contra os Negros nos E. U. A. » 38 — Categoria da sociologia americana : no plano dos rendimentos, os seus limites eram, no fim dos anos 60, de 7000/7500 dólares até 10 000 dólares po r ano.
branco. Os discos do reverendo pastor C. L. Franklin ” tinham influenciado fortemente os produtores de Detroit. Assim, se se fala dum Detroit Sound não é tanto pela sua originalidade e características, mas pela sua uniformidade, pois se os grupos variam, a música que os sustenta é a mesma. Ela foi produ zida pela orquestra da Tamla Motown que incluía os habituais Earl Van Dyke (piano), James Jamison (guitarra-baixo) e Benny Benjamín (bateria) “ . Durante quatro anos, a firma de Detroit limitou-se ao mercado R&B, com excepção de Fingertigs do harmonicista Little Stevie Wonder, que chegou, em 1963, a n.° 1 nas tabelas pop. O primeiro hit R&B foi para Shop Around, dos Miracles. 0 vocalista, compositor e produtor do grupo, chamava-se Smokey Robinson; o seu êxito permitiu-lhe tornar-se vice-presidente da companhia, a qual tinha entretanto ascendido a uma completa autonomia com a criação duma editora de música, Jobete*0 41, duma firma para contratação de grupos, International Talent Management, dum complexo de estúdios de gravação, Hitsville, de novas etiquetas, Motown, Soul, Gordy, VIP. Em 1961, foi a vez das Marvelettes recolherem «alguns» dólares (Please Mr. Postman). No ano seguinte, os Contours (Do You Love Me?) e Mary Wells ( You Beat To The Punch) imitavam os seus predecessores. Em 1963, os grupos Miracles (You've Really Got a Hold On Me) e Martha and the Van dalias (Heart Wave) classificavam-se no Top Ten. Finalmente, em 1964, numa altura em que os direitos cívicos estavam concedidos, a Tamla Motown impôs-se definitivamente no hit parade pop/branco, não obstante a chegada dos grupos ingle ses, outro índice do agravamento do problema negro.
58— Pai
de A retha
e
Erma
Franklin
40 — Os contraba ixistas da Tamla Motown são particularmen te requi sitad os : Crosb y Stills Nash & Young jun taram a si, por algum tempo, Greg Reeves ; Je ff Beck gravou um LP em Detroit mas não conseguiu trazer um contrabaix ista p ara a Grã-Bretanha ; Miles Davis recorreu a Michael Henderson, antigo baixo de Stevie Wonder 41 — Prime ira soc iedade de edições musicais americana em 1970, tendo publicado 11 % dos hits (hits do Hot 100) 56
4 S OUL M US IO
Mas, entre 1963 e 1964, deu-se uma quebra na classifi cação dos hits propriamente negros. De 35 % em 1963, pas saram para 20 %, confirmando a ruptura duma parte das mas sas negras com os Brancos". A influência crescente de Malcolm X, leader dos Black Muslims ** que pregava a glorificação do Negro e a recusa de tudo o que estivesse marcado pela cultura ocidental/branca, deu a dimensão da evolução dos Negros. Esta reviravolta ideológica provocou um reforço das separações raciais e sociais e veio ratificar uma atitude política mais realista. No plano musical, desde os anos 60 que o free jazz ilustrava estas contradições, mas foi só em 1964 qup a esta atitude, designada por soul, correspondeu um pro musical comercial marcado e até trabalhado pelos Branc, a soul musió. Retomava o principio do que fora o funky/soul no jazz: o regresso às fontes, aos blues. Donde a reintrodução duma rítmica acentuada, duma interpretação instrumental e/ou vocal mais violenta. Iam desaparecer a pureza, a moderação, o aper feiçoamento do R&B dos anos de 56-63, em favor de caracte rísticas acentuadamente negras. Claro que a transposição destes princípios do jazz para o R&B foi acompanhada da inevitável filtragem. Dado que a soul music concretizava uma afirmação da etnia negra, foi injectada com aquelas características que os Brancos lhe reconheciam: fixidez rítmica, violência da mú sica, aspecto cómico da expressão dos seus sentimentos. Em pouco tempo, este enxerto teve o^eu sucesso assegurado entre os Negros, eles próprios vítimas da ideologia dominante e, a médio prazo, entre os Brancos", a partir do rfiomento em que o suporte musical perdeu as suas relações sociais e polí ticas directas. James Brown fez a síntese da primeira etapa, e os músicos de Memphis e de Muscle Shoals, a da segunda 4 2 *
42 — Mutação que obrigou o Billboord a reconstituir a sua goria R&B. 4" — Black M uslim s: seita muçulmana negra dirigida, nessa altura, por Malcolm X. A sua audiência mimentou fortemente no princípio dos anos 60, principalmente nos ghettos do Norte. 44— Cf. o sucesso do Nu es de Liitle Johnny Taylor. Part Time l.ove, classificado, a partir de 1963, no To p 20 dos Brancos. 57
cate-
Contudo, as primeiras manifestações de soul music, ainda isoladas nessa altura, datavam de 1958. Entre 1961 e 1963, os recém-chegados (Etta James, Ike and Tina Turner, Salomon Burke, Isley Brothers, etc.) impuseram-se, enquanto outros (Bobby Bland, James Brown, Sam Cooke, etc.) viram a sua popu laridade aumentar. Até 1959, os hits em estilo vocal intenso ou no género gospel tinham sido raros; foi só depois dos grandes sucessos de What'd I Say?, de Shout dos Isley Bro thers, de Lonely Teardrops de Jackie Wilson, que o seu número aumentou de maneira nítida **. No ano seguinte, Etta James (Something Got A Hold On Me) e, em 1962, Bobby Bland (Stormy Monday), os Isley Brothers (Twist And Shout), os Valentines (Lookirí For A Love), os Falcons (/ Found A Love), Salomon Burke (Cry To Me), guindaram-se ao Top Ten de R&B. Mas voltemos a James Brown. Embora o seu primeiro sucesso remonte a 1956 ( Please, Please, Please) e o primeiro top one date de 1958 (Try Me), a sua orientação .para um acompanhamento musical funky soul deu-se em 1963-1964. Au mentou então o volume musical e acentuou a intensidade vocal e rítmica; a guitarra-baixo passou a auxiliar a batería na mar cação do ritmo, a vocalização adquiriu um acentuação dividida (frases separadas por gritos e berros) e linear (repetição con tínua do tema). Booker T. and the MG's, músicos de Memphis, tinham também participado na elaboração desta música. Obtiveram um primeiro hit, em 1961, com Last Night e, no ano seguinte, repetiram com Green Onions. Em 1963, a sua companhia, Stax Volt, veio a aplicar a mesma fórmula a Rufus Thomas para uma nova dança (The Dog) e para o seu remake (Walkin’ The Dog) e, mais tarde, a Otis*Redding (Pain In My Heart). Em termos exactos, esta fórmula resumia-se numa transposição (inspirada no C&W) do papel rítmico da batería para a gui tarra-baixo, assumindo aquela, deste modo, uma liberdade que se empregou na acentuação de alguns tempos e no trabalho do bombo, enquanto a guitarra-baixo abandonava o seu papel melódico e acentuava o ritmo das canções dando, pela varie- 8 4
48— Bobby Bland obteve oito hits entre 1961 e 1963, contra quatro en tre 1955 e 1960 ; James Brown, cinco contra três ; Sam Cooke, nove contra seis ; E tta James, cinco ; Ike and Tina Tu n\er e Salomon Burke, quatro cada
5Ô
dade das suas tonalidades, uma nova leveza aos te mas” . A gui tarra e/ou o órgão/plano e os metais cumpriam o papel do grupo vocal gospel acompanhante. Dos quatro músicos res ponsáveis por esta transformação, dois eram negros, o baterista Al Jackson e o organista Booker T. Jones; e dois brancos, o contrabaixista Dick Dunn e o guitarrista Steve Cropper. O re sultado, fruto da «colaboração» entre músicos negros e bran cos, foi baptizado soul music e oferecido aos Negros como sendo a sua própria música ". Todos os produtos foram rapi damente rotulados de soul, e entre eles a música. «0 mundo não-musical descobriu-o [o termo soul] logo no decurso dos recentes levantamentos nos ghettos negros, quando os comer ciantes exibiram as inscrições soul brother para escapar à des truição e à pilhagem ” ». James Brown, empregando produtores-músicos negros, sou be evitar esta pressão de Memphis, não por recusa, mas muito simplesmente porque a sua firma, King, tinha chegado4 4 7 9 *
44— Esta técnica de baixo era empregada no C<£U , onde a gu i tarra acentuava os 2.° e 4.® tempos. Foi introduzida no R A B fr ock’n'roll por Bill Black, músico da Sun Records e, po rtan to, de Elvis Preslcy. Com o seu combo, Black prosseguiu, nos discos Hi, com Smokey (1959), White JSilver Sonds, n.° 1, Josephine (1960). O que leva muitos crítico» a afirmar que foi a Hi Records «a etiqueta que criou o Mem phis sound », pois outros instrumentistas (de sopro) tinham gravado, paralela mente, desta soul music «avant la lettre» : Ace Ca nnon, WiJIie Mitchell. A transposição de que falámos foi facilitada pelaintrodução da guitarra-baixo eléctrica Fender, que datava do princípio do rock’n'roll. 47 — «A so ul music de qualquer variedade ou tipo é executada por grupos integrados, grupos negros usando material escrito por Brancos e gra vações feitas por Brancos, assim como por grupos brancos com material escrito por Negros e gravações feitas por Negros. ( . . . ) A música negra, ou soul, como preferirem, é a pedra angular da po p music de hoje. Quer seja executada por um Branco americano ou por um Branco ingles, a gênese é negra. ( . . . ) A so ul music é a fusão dos ritmos africanos com as melodias europeias.» (Reggie La Vong, vice-presidente do marke ting R&B da Capítol, Bi llb oa rd, 22 de Agosto de 1970, pág. 34). A opinião deste «Unele Tom» varre qualquer dúvida sobre as determinações ideoló gicas dos protagonistas da so ul : a integração e a imagem da integração. Num contexto mais geral, é interessante notar que tanto os «Unele Tom» (mesmo usand o um vocabulário idealista : fusão) como os Negros (os culturalistas do Art Ensemble of Chicago, favoráveis aos Black M uslims), estão de acordo num ponto: a origem e a natureza da pop m usic lr ock e do rock ’n’roll. 49 — Arnold Shaw, op.
cit., pág.
2.
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a um resultado mais ou menos idêntico misturando C&W com R&B gospel. Logo em 1964, Brown obteve um hit e, a seguir, dois n.° 1 (/ Got You e Papas Got a Brand New Bag, 1965). Por seu lado, a firma Stax/Volt, de Memphis, trepava ao Top Ten graças a Otis Redding ( Mr. Pitiful, 1964; Respect, 1965). A Atlantic, sua distribuidora, ao ver isto, apressou-se a man dar Wilson Pickett para o sul para aí gravar. Resultado; dois hits em 1965 (In The Midnight Hour e Dorít Fight It). 0 su cesso de Hold What You've Got de Joe Tex, da mesma altura, demonstrou que- os estúdios de Muscle Shoals" rivalizavam com os de Memphis, a duzentos quilómetros de distância. Com a entrada do trio de compositores-produtores Holland-Dozier-Holland para a Tamla Motown, o mercado pop ficou a saber que daí em diante teria de contar com essa firma. Em 1964, o trio presidiu ao lançamento do grupo feminino Supremes. Balanço: um hit (Where Did Our Love Go?) e sete discos de ouro ( Baby Love, Come See About Me, Stop In The Ñame Of Love, I Hear A Symphony, etc.) entre 1964 e 1965. Eclipsaram as Marvalettes, Mary Wells e The Contours. Depois deste sucesso, Holland-Dozier-Holland lançaram Martha and the Vandellas, outro trio feminino ( Heat Wave, 1963; Dancing In The Street, 1965; Nowhere To Run, 1965). Os Four Tops, um quarteto masculina, foram igualmente produzidos por H-D-H. Começaram com Baby I Need Your Loving (1964) e vieram a impor-se com / Carít Help Myself (1965), o maior sucesso da Tamla Motown. Holland-Dozier-Holland empregaram uma grande orquestra com secção de violinos, que sustentava o ritmo regular/dançante das canções dos Four Tops. O seu concorrente Smokey Robinson, pelo contrário, adaptou os arranjos orquestrais às elaboradas har monias vocais que compunha para o seu grupo, os Miracles. e para um quarteto masculino, os Temptations. De qualquer modo, ambos os grupos entraram no mercado branco. A voz de adolescente de Smokey Robinson era o veículo ideal para os seus textos inocentes e ingênuos, que Dylan considerou como sendo os do «maior poeta americano vivo»(l?) O saxofonista «shouter» Junior Walker, que lançou vérias danças em 1965, e o cantor Marvin Gaye (Airít That Peculiar) completavam a equipa Tamla Motown que, com os discos de
"- ■ R ev elad os, em 1964, por Don Covey (Mtrcy, Mercy), na Atlantic 60
Curtis Moyíield em C h i c a g o obteve, em 1964-1965, 40 % dos hits R&B e a maior parte dos sucessos pop «negros» (20%). Este êxito de indiscutível impacto ideológico isolou, com a ajuda dos grupos britânicos, a soul music; ¡solamento que só foi quebrado pelos acontecimentos políticos, o que arrastou a evolução da Tamla Motown e o declínio dos grupos ingleses.
AS PRIMEIRAS RUPTURAS
0 verão de 1964 assistiu, em Harlem, ao acender das pri meiras revoltas nos ghettos negros. Nesse mesmo ano, os estudantes brancos foram excluídos do S. N. C. C. na sequên cia do fracasso das manifestações nos Estados do Sul: dois estudantes brancos e um operário negro mortos. A ruptura inscrevia-se agora, também entre os jovens, mesmo tendo sido os estudantes brancos os militantes mais activos na obtenção dos direitos cívicos. 0 retraímento dos ghettos sobre si mesmos e o emprego da violência a contrastar com os métodos pacíficos dos universitários, vieram acentuar a sepa ração. Pela primeira vez desde há nove anos, as marcas independentes produziram a sua música, a soul, sem se preo cuparem com a sua aceitação pela juventude branca. Esta, «descobria» os grupos ingleses e a miragem da Tamla Motown. Mas a situação alterou-se, provocando a oscilação da soul music para o sector do consumo branco, pois os motins tinham recomeçado, durante o verão de 1965, em Los Angeles, onde, no ghetto de Watts, nove mil negros revoltados fizeram frente durante cinco dias à polícia e ao exército Balanço: trinta
60 — Diferenças mais marcantes : voca lização mais cool, menor ri queza orquestral. Com os Impressiona» Curtis Mayfield arrancou alguns hi ts : Peo ple G et R ea dy (1963)» K ee p On Pushing (1964)» tal como Major Lance» Um, Um, Um, Um, Um, Um (1964) que lançou o monkey. 11 — A acreditar no pastor Martin Luther King («Quando se faz uma marcha não se verificam desordens, ela permite saciar todos os sentimentos de frustração.» Declaração feita em Los Angeles, três semanas antes da revolta.), não deve ter havido marcha catártica no dia da revolta.
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mortos e centenas de feridos e de prisões; consequência: uma vaga de revoltas através dos EUA (Chicago, Phlladelphia, Sprlngfield, etc.). Na origem destas revoltas, o desemprego (21 % da população activa negra em 1964, contra 16 % em 1962, 30 % em Los Angeles onde os Negros representam apenas 11 % da população), o baixo nível dos salários (média: 3200 dólares por ano/6000 para os brancos), as más condições de habitação nos ghettos. Estes movimentos espontâneos repe tiram-se, no ano seguinte, em cerca de quarenta das cidades maiores, e particularmente em Chicago e Cleveland, encontrando a sua canalização e a sua expressão política consciente na palavra de ordem de Black Power do novo presidente do S.N.C.C., Stokely Carmichael, assim como na ideologia anti-capitalista e na prática de guerrilha urbana do futuro Black Panther Party Esta radicalização incitou o pastor Martin Luther King a romper publicamente com as organizações extre mistas (Julho de 1966), no momento em que o eleitorado negro do Sul, recentemente inscrito, demonstrava uma certa força ao eleger um senador e alguns sheriffs e mayors negros. Difun didas por todo o território através dos mass media do sistema, tais conquistas tiveram um inegável efeito ideológico sobre os Negros. A classe política burguesa negra nascente trabalhou a sua clientela na esperança de lhe fazer crer que os Negros podiam «vencer» em massa. Bill Crosby, o primeiro Negro a ser vedeta dum folhetim da TV, o actor Sidney Poítier, o cantor James Brown, a firma fonográfica Tamla Motown, propriedade de Negros, serviram como argumentos. Frágeis embora, mas atraentes. A soul music, vector ideológico desta integração política, penetrou no mercado pop, o que permitiu ao sistema ameri cano isolar os partidários do Black Power. James Brown gravou uma balada ( It's A Marís Marís Marís World), Otis Reddmg retomou o Satisiaction aos seus imitadores, Wilson Pickett
“ — O Black Panther Party for Self Defense foi formado em Outu bro de 1966, no ghetto de Oakland, cidade vizinha de Berkeley, em redor dum manifesto de 10 pontos redigido por Huey P. Newton e pelos militantes mais extremistas do Black Power Movem ent. Organizado no modelo fascista e exaltando o nacionalismo negro, o B. P. P. evoluiu pa ra o marxismo-leninism o, a partir de 1968, sem aban donar a sua estru tura fascista (ou estalinista), a sua prática terrorista e o seu programa refor mista, na defesa das suas posições svanguardistass/oportunistas.
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multiplicou os títulos no Top Ten pop gravando agora na Muscle Shoals (Mustang Sally, 634-5789, Land Of 1000 Dances), Joe Tex pôs-se na sua esteira com A Sweet Woman Like You e S.Y.S.L.J.F.M. (The Letter Song), Sam & Dave revelaram-se com Hold On, Tm A-Comlrí; You Got Me Hummim; You Don't Know Like I Know; e, por fim, Percy Sledge obteve, no verão de 1966, o primeiro n.° 1 de soul music nas tabelas pop com urna bailad (When A Man Loves A Woman). Esta penetração acentuou-se em 1967“ , na altura em que os tumultos assola vam, durante o verão, cerca de sessenta cidades, entre as quais Nova Iorque, Newark (23 mortos), Detroit (36 mortos). A Atlantic, ao ver os sucessos de Percy Sledge e de Wilson Pickett, contratou uma cantora de gospel, Aretha Franklin, ao mesmo tempo que continuava a ser a distribuidora da Stax/Volt e da Dial (Joe Tex). As qualidades vocais de Aretha foram postas em relevo pelos músicos (brancos) de Muscle Shoals: Chips Moman (guitarra-solo), Jimmy Johnson (guitarra-ritmo), Tommy Cogbill (guitarra-baixo), Spooner Oldham (órgão, .piano), Roger Hawkins (batería) ", para onde o produtor Jerry Wexler a tinha trazido, juntamente com Wilson Pickett. 0 sucesso de Aretha Franklin ultrapassou rapidamente o dos seus predecessores, tendo a sua aceitação entre os Brancos sido facilitada pela sua imagem de mu'her «assexuada», sentada ao seu piano. I Never Loved A Man, Respect — n.° 1 “ — Baby I Love You, etc., concidiam com o momento em que as organizações negras insistiam na sua radicalização. 0 C.O.R.E. excluía os Brancos das suas fileiras, declarava-se «hostil à integração e partidário dã revolução negra, da unidade das organizações, da destruição do impe rialismo americano pela guerrilha urbana"». Na mesma altura,3 4
34 — Em Junh o, o Billboard empregava pela primeira vez a palavra soul, numa série de artigos intitulados The World Of Soul. No ano se guinte, o termo era adoptado por toda a imprensa, e Aretha Franklin vinha na capa da Time. M— E por vezes o saxofon ista negro King Kurtis. “ — O seu lugar no topodas tabelas pop ilustra perfeitamente a evolução da soul music ; Otis Redding, em 1965, com a mesma canção, tinha atingido apenas o Top Ten Ré.B. M— Enquanto os Negros e mesmo o s «Unele Toma rompiam com a unidade racial que desde há anos vinhasendo pregada por todo s, Party, voltava a ligar-ee às a vanguarda política negra, 6 Black Panther organizações estudantis e políticas brancas. A National Conference fo r New
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Otis Bedding triunfava frente aos hippies, no festival de Monterey, depois de ter obtido o seu primeiro Top Ten hit com Tramp, em duo com Carla Thomas, e antes de Sam & Dave passarem para n.° 1 com Soul Man. James Brown, no princípio do verão, obtinha um décimo lugar (CoId Sweat), tal como Wilson Pickett (Funky Broadway). Aretha Franklin, por seu lado, continuava a coleccionar discos de ouro (Chain Oi Fools, Since Youve Been Gone, The House That Jack Built), embora, para o fim do ano, se fosse esboçando o declínio da soul music. Títulos como Say It Loud (Tm Black And Tm Proud) de James Brown, Soul Sister e Brown Sugar de Sam & Oave, Who's Making Love? de Johnny Taylor, Slip Aw ay de Clarence Cárter, constituiram, depois dos discos de ouro de Joe Tex ( Skinny Legs And All) e de Otis Redding ( Dock Of The Bay), os raros sucessos da soul music. As consequências do assassínio, em Memphis, em Abril de 1968, do pastor Martin Luther King, não deixaram de acelerar esse declínio", Esta morte pôs fim, simbolicamente, à forte corrente integracionista e não-violenta que, lentamente,
Volitics de Chicago (Agosto de 1967), marcara a evolução do nacionalismo negro pa ra um a ideologia marxisla-lcninista e a ultrapassagem teó rica da ruptura entre as comunidades. A fundação do Peace and Freedom Farty e a fusão com o S. N. C. C. (1968) confirmaram a reunificação, que se concretizou na candidatura da dupla Eldridge Cleaver-Jerry Rubín às eleições presidenciais de Novembro de 1968. As evoluções do B. P. P. e das organizações brancas dc esquerda iriam ser, a partir de 1969, simi lares e simultâneas : isolam ento, radicalização verb al/prá tica, etc.. A vida agitada do Partido (repressão global : 28 leaders assassinados, mais de trezentos militantes presos, leaders processados : Huey P. Newton, Bobby Seale ; fugas de Cleaver e R ap Brown ; cisão agitada com Stokely Carmichael ; controvérsia e m esmo luta aberta entre a tendência .do Oeste, reformista, enfeudada ao P. C. A., newtoniana, e a do Leste, terceiro mundista, cleaveriana) contrastou com a calma relativa que voltou aos ghettos a partir do verão de 1969. Esta calma não deixava de se ligar com o programa anti-pobreza do presidente Johnson, iniciativa reformista que parece ter feito concorrência à política oportunista dos Black Phanthers. Esta campanha, levada a efeito paralelamente à repressão, reduziu o B. P P , a pa rtir de 1971, a uma organização esquelética onde os ajustes de contas entre facções não eram mais que ilustrações do fracasso lógico do partido. M — A metamorfose ope rada em Memphís* con tribui também para explicar esta evolução. Em seis ano s (1964-69), esta cidade abandono u as suas características sulistas, de segregação aberta, para recriar a sepa ração das comunidades em bairros e a segregação social «subtil» própria
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se tinha vindo a demarcar da burguesia negra e do poder Daí em diante, a alternativa política era simples: ou inte grar-se na «classe média» colocando-se ao lado das burgue sias branca e negra; ou permanecer nos ghettos militando ou simplesmente a lutar violentamente contra o sistema de exploração. Estalaram tumultos em cento e setenta cidades, nos quais morreram cerca de cinquenta pessoas. Nesta oca sião, James Brown serviu de moderador, ao aparecer na TV para pedir aos Negros de Boston, e depois aos de Washington, que não viessem para a rua. Em Junho, deslocou-se ao Vietname; esta caução dada à política externa americana va leu-lhe críticas dos dirigentes extremistas negros, particular mente de Rap Brown. Se é verdade que James Brown dava 10% dos seus rendimentos para os ghettos, no que fazia lembrar a «política social» das famílias Ford e Rotschild, nem por isso deixava de se instalar em terreno capitalista (duas estações de rádio 51, uma firma de discos, uma editora musi cal, uma cadeia de restaurantes). De qualquer modo, os tumultos do verão de 1968 var reram qualquer idéia de integração: em Cleveland, estiveram frente a frente os Negros dos ghettos e o «mayor» negro. Cari Stokes, auxiliado pela polícia, à qual pertenciam bas tantes negros. Sondagens feitas revelaram que as comunidades negras estavam a isolar-se, e o abandono da soul music aos Brancos era um sinal disso. Os sociólogos e etnólogos (lacaios ideo-
das grandes cidades do Norte. Os Negros puderam «integrar-se» sob certas condições, e a soul music de Memphis do Sul, que ilustrava a sua afir mação, foi abandonada, uma vez realizada a «integração». Musical, eco nómica e socialmente, o Sul tinha-se colocado atrás das grandes cidades do Norte. M— No princípio de 1968, King condenava a intervenção no Vietname : Withney Young, presidente da Urban League, aprovava-a e defendia-a. King desejava, portanto, manter o contacto com as massas negras, enquanto a burguesia negra desejava manter relações com a sua homóloga branca. M— São suas duas das cinco estações de rádio R&B pertencentes a Negros, sendo as outras 523 propriedades de Brancos. N. do T. — Na campanha eleitoral de 1972, apoiou a candidatura de Nixon participando em espectáculos de propaganda. À saída de alguns desses espectáculos a polícia teve de intervir para o proteger dos jovens radicais negros. De soul brother n.° l, como era conhecido entre as popu lações dos ghettos, pastou assim a sold brother n * I.
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lógicos do capitalismo) lançaram, sobre o problema negro, explicações não destituídas dum lado cómico: «a pobreza é urna cultura"», disseram os primeiros; os segundos, por seu lado, explicaram: «Submetidos à 'experiência' americana, a maior parte dos fiihos e netos de emigrantes vieram a fun dir-se no conjunto da população. Apenas os Negros, pela cor da sua pele, se viram impossibilitados de fazer outro tanto"». Seja como for, no ano seguinte, a soul music obteve apenas alguns hits*1. Declínio confirmado pelo Billboard, em Dezem bro de 1969, num editorial intitulado: Queda brutal da soul nas emissões Top 40. Em diversas reportagens ficou provado que os Negros, tal como os jovens Brancos, estavam a aban donar esta música. O R&B comercial voltou ao primeiro plano, ainda que o Billboard tenha subtilmente rebaptizado de soul a sua categoria R&B. Todos sabiam que a soul estava a ago nizar, ainda que, em consequência da sua lenta desaparição do mercado negro, se tenha vindo a insinuar um poüco melhor no mercado p o p /branco. Em face disto, operou-se a mutação da Tamla Motown, entre 1966 e 1967. Stevie Wonder, reconvertido em cantor, iniciou-se com canções ritmadas (Uptight, 1966; / Was Made To Love Her. 1967), mas em breve mergulhou em baladas cada vez mais débeis (For Once In My Life. 1968). A seguir a ele, os grupos mais populares (Four Tops. Supremas, Martha and the Vandellas, Temptations) vieram igualmente a declinar duma forma nítida. Mas a integração da poderosa firma de Detroit no sistema americano fez-se por intermédio da mafia, que tomou o negócio entre mãos. De que maneira? Muito simplesmente «obsequiando» Gordy, um dos responsáveis da firma, que tinha conseguido pôr a tra balhar em cabarets «brancos» de San Juan as principais vede tas da Tamla, mas onde tinha, entretanto, durante o inverno de 1965-1966, contraído importantes dívidas de jogo que a
m — Citado em informations & Documento, revista dos Serviços ame ricanos d e Informaçã o e de Relaçõe s culturais, bastante chegados à C. I. A., ao que parece. ( I D t n.® 275, Março de 1969). m
— i d
n.o 250, Outubro de 1967.
“ — A maior parte fo i para James Brown que, simultaneamente pelo seu ritmo de produção e pelo seu nacionalismo racial demagógico, se consegu e manter ainda, pois em 1970 era o décimo segundo em vendas de «singles» nos EUA.
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mafia «lavou» a troco da sua entrada para a companhia. Comprometido pelas suas relações com os dirigentes desta organização (Joe Zorelli, Joseph Barberra Jr. e Anthony Corrado), Berry Gordy furtou-se sempre a explicações. Retirou-se para Beverly Hills, em Los Angeles, levando consigo urna parte da equipa de Detroit: Diana Ross and The Supremas. Holland-Dozier-Holland, responsáveis por 45 % dos hits da Tamla entre 1961 e 1967, deixaram de ser os produtores de Martha and the Vandellas, dos Four Tops e de Diana Ross and the Supremes. Abandonaram a firma sem explicações, em 1969, para criarem a sua própria casa de discos. Smokey Robinson abandonou os Temptations, em 1968, a um novo produtor, Norman W hitfield ", que tinha conseguido um hit alguns meses antes, com Gladys Knight and the Pips (/ Heard It Through The Grapevine, 1967). Whitfield modificou o quar teto depois da saída de David Ruffin. Ao mesmo tempo que substituía Ruffin por Dennis Edwards como solista porque «era alto e 'lim p o '. Temos que fornecer imagens exempla res que os Negros devem adoptar84», Whitfield escrevia can ções «sociais» para os Temptations, seguindo, nisso, a meta morfose ideológica dos negros: Cloud Nine (1968); Runnaway Child, Running Wild, I Can't Get Next To You, 1969); Psychedelic Shack, Ball Of Confusión (1970). Além disso, retomou a estruturação vocal de Sly and the Family Stone e eliminou a secção de violinos em favor duma guitarra-baixo servindo a rítmica. Marvin Gaye aproveitou-se disto para obter dois primeiros lugares com uma nova versão de / Heard lt Through The Grapevine (1968) e What’s GoiríOn (1971). Resultados Idênticos para David Ruffin com My Whole World Ended (1969) e para Edwin Starr com Double-O-Soul, 25 Miles (1939) e para os War, em 1970. O conselheiro-mestre de Whitfield, Sly Stone, aliás Sylvester Stewart, fora produtor da Autumn Records “ em S. Francisco e saíra do anonimato em 1967 com o seu grupo.
** — O qual, em 1970, se veio a tornar o primeiro produtor ame ricano, com treze /uí5 (no Ho t 100), ou seja, a quarta parte dos sucessos da Tamla Motown nesse ano M— Entrevista dos Temptations, Ro//ing Síone n.° 65, 3 de Setemhrn de 1970. ** — Lançou os Beau Brummels e os Grea t Society, grupo execrável '•ogundo Sylvester Stewart, e onde apenas Grace Slick, vocalista e autora 67
Family Stone, aproveitando-se da voga dos conjuntos e da sua procura pelas marcas nacionais, neste caso a Epic, uma etiqueta da Columbia-CBS. Dance To The Music foi o seu primeiro hit (1967); na verdade, os arranjos musicais e as harmonias vocais produziam uma música que não era incom patível com um ritmo simples e dançante; o resultado agradou aos Negros, mas também aos Brancos, a quem se destinavam as letras e a sonoridade «moderna» psicadélica. Everyday People, Hot Fun (1969), Thank You (1970) repetiam a receita, enquanto as letras iam revelando a sua ideologia hippie, abstracta, não-violenta e, no fim de contas, integracionista, sendo o total envolvido num esquema mistificante de recurso ao princípio do «nem-nem»: ao Don't Cali Me Nlgger, Whitey, fazia eco o Don't Cali Me Whitey, Nlgger ". A imagem mul tirracial do grupo (cinco Negros, dois Brancos), agitada nos grandes festivais pop de Woodstock (1969) e Wight (1970), reforçava a expressão dum centrismo cúmplice. Este R&B recuperador floresceu igualmente em Chicago, com Curtis Mayfield e os seus Impressions. Mighty Mighty, This Is My Country, We're A Wlnner (1967), Cholee OI Colors (1970), denotavam intenções políticas crescentes semelhantes às de Sly Stone. Mas, segundo Richard Robinson, bastante chegado ao grupo, «Mayfield, como muitos artistas negros, viu-se obrigado a alterar a sua música para agradar [sublinhado por nós] ao auditório branco"». The Delis, com Stay In My Corner (1968), encarnaram também este R&B de Chicago, mais fil trado que o de Detroit. Pelo seu lado, Jerry Butler, antigo colaborador de Mayfield, foi «agarrado» por Gamble-Huff, pro dutores de Philadelphia. Do seu trabalho em comum resul taram hits como Hey Western Union Man, Never Glve You Up, Only The Strong Survive (1968) e LPs que se fizeram notar (The leeman Cometh, Ice On Ice, 1969). Gamble-Huff foram bem sucedidos como produtores de Archie Bell and the Drells (Tlghten Up, I Can't Stop Dancing, 1968), assim como dos Delphonics. Mas ainda que este R&B alterado tenha sido o mais original da época, foi, no entanto, ultrapassado
da primeira canção do grupo, Somebody To Love, conseguia elevar um pouco o nível. •• — Não me chames preto, branquita I Nâo me chames branquita, preto. Araold Shaw, op. cit. p. 89. * — In.
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em sucesso pelo grupo Fifth Dimensión. A sua música era de tal modo «branca» que só a cor da pele lhes permitia figurar na categoria R&B. Stoned Soul Picnic, Up, Up And Away (1968), Aquarius/Let The Sunshine In, Wedding Bell Blues (1969), permitiram-lhes dominar a música «negra» dessa altura. Constituiram, juntamente com a Tamla Motown, uma alternativa «sedutora» para a soul music agonizante. Por esta razão, a partir do fim de 1968, o mercado R&B foi recon quistado pelo R&B comercial. Uma vez mais, em 1970, as vedetas da Tamla Motown, instaladas em Los Angeles, foram várias vezes citadas no Top Ten. As Supremes, separadas de Diana Ross, regressaram com Up The Ladder To The Roof, Stoned Love (1970); Diana Ross impunha-se como solista com A irít No Mountain Hlgh, Remember Me (1970). Mas a reve lação foram os Jackson 5 (adaptação do ritmo de Sly Stone às normas TM), cujo solista tinha doze anos: quatro discos vendidos num ano a mais de dois milhões de exemplares cada. Esta revelação dos adolescentes (a promoção dos Voices Of East Harlem emprega os mesmos processos) correspondeu a um trabalho ideológico sobre a juventude negra usando como instrumento o media mais poderoso: a pop music "\ 0 enorme êxito dos Jackson 5 levou à construção de estúdios e escritórios Tamla Motown em Sunset Boulevard. O abandono de Detroit por uma parte da «família»" Tamla, revestiu-se dum carácter simbólico; não podendo sustentar por mais tempo a imagem da integração ideal, a firma evoluiu, dividindo-se por vários sectores, para melhor reflectir/suscitar os gostos musicais dos Negros e dos jovens Brancos. Assim, tornou-se uma imagem em espelho deformante das divisões entre as classes negras, e entre as comunidades branca e negra.
w — Nesse trabalho participou, entre outros, James Brown que, depois de ter gravado D on't Be A Drop~Out, fundou um clube com este nome. Encorajou a juventude negra a integrar-se em vez de se marginalizar. Como assinala Richard Williams no Me lody Maker (6/3/71) : cele é c om pletamente a favor da participação e, juntamente com a Tam la Motown. é provavelmente o melhor exemplo do capitalismo negro em acção». A con tradição itinerante que é James Brown, esoul brother n.° /» (segundo LeRoi Jones) não hesita em recorrer à tibieza e à confusão, começando os seus espectác ulos a gritar : ePeace, Peace, Soul Power, Soul Power ! ». *• — Esta palavra foi frequentemente empregada, até 1966-1967, para designar a empresa de Detroit. O significado implícito deste termo é elo gíente cm relação ao mito Tamla Motown.
69
Desde 1955 que a força ideológica da pop music «negra», revelada pelo sucesso do rock'n'roll, servia a política de inte gração do sistema capitalista americano™. Continuando embora os «industriais da música» a encontrar empregados negros prontos a servirem de caução em troca dum título de pro priedade (cf . James Brown, Sam Cooke, Ray Charles, Isley Brothers, Holland-Dozier-Holland, Jimi Hendrix, Sly Stone, Cur tis Mayfield, Mickey and Sylvia), parece que a música «negra» se esgotou", uma vez separada das suas fontes de inspi ração (ao contrário do free jazz). Não podemos portanto deixar de nos interrogar sobre o futuro duma música cujo papel ideológico é constantemente denunciado.7 1 7 0
70 — Que se limitava, no campo social, a 23% de Negros perten centes à «classe média» porque possuindo rendimentos anuais acima de 7000 dólares em 1966, enquanto que a percentagem dos brancos se ele vava a 53 %. Daqui que o poder de compra dos Negros americanos represente 4 % do de todos os americanos, embora a percentagem dc populaç ão negra em toda a América seja de 12 %. 71 — A única fórm ula nova, a do pianista-cantor Isaac Hayes, ainda que singularmente popular, reorganiza músicas já datadas, vira-se para o passado, adoptando uma atitude musical/estética «reaccionaria» 70
2
A CRISE IDEOLÓGICA AMERICANA E A POP MUSIC
1.
1960-1965
Seria, pelo menos, inútil tentar explicar as mutações sur gidas entre 1960 e 1967 na pop music/rock através duma qualquer querela estética. As suas causas inscrevem-se, bem pelo contrário, nos campos político e social. 0 maccarthismo e a guerra da Coréia tinham destruído, no inicio dos anos 50, qualquer veleidade de oposição na vida política americana. No dominio cultural eram reprodu zidas as ideias dominantes, e os Estados Unidos atravessaram um período de nacionalismo tanto mais intenso quanto refor çado pela intervenção soviética de 1956 na Hungria. O pró prio conservadorismo da universidade achou-se consolidado pela votação duma lei, o «G.l. Bill 0f Rights», que permitiu a oito milhões de G.l.'s o acesso ao ensino su pe rior” . Na mesma altura, os Estados Unidos sofriam duas recessões eco nómicas, uma de 1953 a 1954, e outra de 1957 a 1958. Deste modo, os primeiros sinais de oposição directamente relacionados com a esfera económica e social, surgiram a partir de 1956: as lutas pelos Direitos cívicos estavam a des pontar, enquanto uma nova «esquerda literária», a Beat Generation, entrava em cena, com o processo de Alien Ginsberg provocad o pelo seu poema H ow l” . A reunião, em S. Fran cisco, dos poetas beat datava de 1953. Lawrence Ferlinglfetti recorda-a nestes termos: «A minha livraria [a City Lights], que tinha aberto em 1953, iria rapidamente transformar-se em ponto de encontro para toda a espécie de escritores, par ticularmente poetas, no meio dos quais eu fazia, aliás, figura
T* — Esta lei con sistia essencialmente na atribuição de antigos combatentes da Segunda guerra mundial e da guerra n — Poema editado em S. Francisco, pela City Lights.
bolsas aos da Coréia.
73
de veterano, pois era dez anos mais velho que a maioria deles. Também os futuros beatniks, quando começaram a che gar do Leste, em vagas sucessivas, não demoraram muito a aparecer por lá. A minha livraria tornou-se assim, uma das encruzilhadas do movimento, do mesmo modo que um ou outro bar ou clube de jazz» 0 papel dos poetas beat foi determinante. Escreveu Ginsberg: «Duvido que algum país se desmorone. «Felizmente todos os governos se hão-de desmoronar» «Os únicos que poderíam persistir seriam os governos bons «e os governos bons não existem.» Dum modo geral, os poetas beat investiram contra os valores ocidentais «reconhecidos» e «respeitados», simboli zados pelo american way of Ufe. Gregory Corso exprime a sua reprovação do mundo nuclear em Bomb. poema-caligrama cuja disposição tipográfica reproduzia a do cogumelo atómico. Ferlinghetti traduziu Artaud, Michaux, Prévert, etc., enquanto William Burroughs empreendeu a crítica da escrita e do uso policial que dela é feito. Na via encetada por Tzara e pelos surrealistas, fez experiências de novas técnicas de escrita: o cut up (invenção do pintor Brion Gyson) e o fold in". Todos fizeram uso da droga, que, segundo eles, ampliava o campo das percepções e das idéias. Contudo, a ideologia dominante, através dos seus mass media, tentou reduzir a revolta ao plano ético, abafando o conteúdo social do movi mento. Assim, o Reader's Digest proclamava: «São uns vadios, que rebentem para aí! Acabarão, como Germain Nouveau e os outros poetas vagabundos, a pedir esmola à porta das igre jas "». Ao beatnik foi acoplada a imagem de drogado, do ser associai. Por fim, a polícia, em nome da moral, acabou com as suas reuniões. Ferlinghetti resume esse período nos seguintes termos: «O gosto pelo paraíso artificial desenvolveu-se rapidamente. Fumou-se marijuana. Esta transgressão originou a intervenção da polícia, que fechou as 'boites' e centros de reunião dos
T4— Respectivamente e a dobra. T# — Citad o em La 1965, pág 183. 74
o
corte-colagem
Poésie
de
la
(técnica Beat
da
frase
Generation,
desmontada)
Denoel,
Paris,
beatniks, os quais, de resto, tinham começado já a disper sar-se. Em 1961, estava tudo acabado.» Seja como for, a ge ração dos beats (na sua maior parte ex-universitários) rom peu com mais de dez anos de conformismo e de submissão cultural". Por outro lado, nos últimos meses de 1960, uma crise económica (recessão) e social iria favorecer o desenvolvi mento e a politização dos movimentos de oposição. Numa altura que era de automatização, fez a sua entrada no mercado de trabalho a geração de 1940-43, cerca de um milhão de trabalhadores. A recessão estendeu-se e atingiu o seu pònto mais baixo em Fevereiro-Março de 1961, com 5 700 000 desempregados. A crise atingiu a universidade e o ensino em geral. As instalações tornaram-se insuficientes. (A vaga de inscrições na universidade entre 1955 e 1960, ligada ao crescimento considerável da população e ao pro gresso do nível de vida, congestionou por completo os ensi nos secundário e superior.) No total, teriam sido necessárias mais 150 000 turmas. Grande número de profressores não possuía a qualificação exigível; avaliavam-se em 227 000 as vagas para professor; e se não viesse uma ajuda federal, as crianças das classes sociais desfavorecidas ver-se-iam obri gadas a abandonar o ensino. Kennedy, no seu plano de auxílio ao ensino, escrevia, em Fevereiro de 1961; «O nosso país não progredirá se o sistema de ensino não progredir. As nossas responsabilidades mundiais, as nossas esperanças de expansão económica, as nossas aspirações enquanto cidadãos duma nação democrática, tudo nos obriga a desenvolver ao máximo as capacidades de todas as crianças.» Mas, em Setembro, o Congresso reprovou o orçamento para auxílio ao ensino. Muitos jovens abandonaram o ensino, alguns com habilitações muito fracas, o que tornava ainda mais aleatória a sua insèrção no mercado de trabalho. Assim, em Junho de 1963, as estatísticas revelaram que em 4 800 000 desem pregados, dois milhões tinham idades entre catorze e deza nove anos
— Não tiveram, contudo, a atenção que mereciam, pois os meios editoriais foram-lhes pouco favoráveis. Só alguns jovens editores como Anerham e Grove dedicaram algumas páginas à sua poesia. 75
Os Negros foram, evidentemente, os mais atingidos pela recessão. Cerca de metade dos que habitavam nas cidades caíram no desemprego. O governo Kennedy, na esperança de solucionar parcial mente a crise, empenhou-se cada vez mais na Asia. Antes de 1960, os EUA forneciam armas e conselheiros militares (327) ao Laos e ao Vietname do Sul. Para o fim de 1961, o número de conselheiros passou para 685, e uma maior quantidade de material m ilitar— compreendendo helicópteros — era desembarcado em Saigio. Em 1963, 16 500 homens das forças U. S. A. acampavam no Vietname, passando para mais de 125 000 em 1965. Durante este período, a taxa. de desemprego diminuiu de 6,7%, em 1961, para 3,9%, em 1965.
O NASCIMENTO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
a.
Os efeitos da crise na universidade
O estatuto da universidade torna-se aquí importante. De facto, ela não depende do governo federal, mas dos estados e das comunidades locais, isto é, dos industriais que as dirigem. Estes podem ter lugar nos conselhos de adminis tração (poderes deliberativos), decidir directamente das inves tigações industriais, e recrutar nestas universidades os seus futuros quadros. Uma tal ligação económica torna o ensino dependente da conjuntura política, económica e social dos Estados Unidos, vindo cada crise a afectá-lo em maior ou menor grau. Todas as normas ideológicas se encontram repro duzidas no seu seio; para nos convencermos disso, basta ler a Fundamental Standard (modelo de vida do estudante de Stanford, Califórnia): «Tanto na universidade como fora déla, os estudantes, como todos os outros cidadãos, devem mani festar o seu respeito pela ordem, pela moral, pela honra e direitos do individuo, etc.». Em 1960, as práticas racistas na universidade, sobretudo no Sul, correspondentes ao dominio económico dos Brancos, provocaram a reacção de estudantes negros que começaram 76
com os sit in (método não-vio:ento e «sentado» de boicote das instituições), para virem depois a criar, em Abril, o S.N.C.C. que reunia estudantes negros e brancos. Durante 1961, e depois em 1962, o agravamento da situação social da comunidade negra levou um número cada vez maior de Brancos — sobretudo universitários — a participar no movimen to de Luther King e no S.N.C.C.. A sua participação nos desfiles do Movimento para os Direitos cívicos permitiu-lhes sair dos «campus» universitários. Entre 1960 e 1961, o nacionalismo perdeu parte da sua influência junto dos intelectuais, do mesmo modo que o anti-comunismo diminuiu na sua eficácia. Deste modo, quando em Janeiro e depois em Fevereiro de 1961, o governo de Kennedy rompeu as ligações diplomáti cas com Cuba. e proibiu em seguida as deslocações de cidadãos americanos àquele país, originaram-se manifestações universitárias". A agitação e a recessão estiveram na origem do S.D.S. (Students for Democratic Society), que viría a de finir a sua linha política, no princípio de 1962, no Port Hurón Statement. manifesto redigido por Tom Hayden. Este texto, muito reformista (o S.D.S. reunia muitos militantes da ala esquerda do partido democrata), proclamava o seu desejo duma «democracia mais humana» fundada no conceito de participação, deixava transparecer o seu anticomunismo (retrógado em relação a certos grupos estudantis) e condenava o imperialismo. Mas, no seu conjunto, as reivindicações do S.D.S. quase não ultrapassavam o plano universitário, reflectir.do por consequência bastante bem o mal-estar ideológico da juventude estudantil. Foi igualmente entre 1962 e 1963 que o movimento Campaign for Nuclear Disarmament, C.N.D. (mo vimento anti-bomba) recrutou um máximo de adesões ™. Para frenar a politização dos estudantes (e evidente mente dos Negros, em primeiro lugar), o governo Kennedy lançou-se, a partir de 1961, numa campanha a favor da inte gração, e conseguiu finalmente fazer votar um aumento do orçamento federal destinado à educação (de 850 milhões de*1 7
” — Acentuemos que em 1959 havia já grupos de oposição estu dantil. Em Outubro, tinham sido organizadas em Berkeley manifestações contra o treino militar. Outras se seguiram, em Maio de 1960, em S Francisco, contra o H. U. A. C. (organismo estatal). 71 — Criado, em 1959, na Grã-Bretanha. 77
dólares em 1960 e 1961, passou para 1200 milhões em 1962). Mas o projecto da Casa Branca fracassou em 1963, em virtude do alastramento do movimento Negro e da violência dos Brancos do Sul. A partir daí, iría ser delineado e posto em prática, em fins de 1963 - principios de 1964, um pro grama de luta contra a pobreza nos bairros negros e também entre os Brancos, iniciativa do S.N.C.C. e do S.D.S. (recolha de fundos ñas universidades e ajuda directa aos pobres). Para o S.N.C.C. e o S.D.S., o reconhecimento da pobreza, também e sobretudo entre os Brancos, consistia numa denúncia/desmlstificação das características específicas da ideologia dominante, ou seja, a democracia baseada na igualdade e na abundância. Mas objectivamente a crítica era mais profunda e vinha ilustrar urna das tendências fundamentais do capital, que só se pode desenvolver com base na desigualdade e por isso se implanta precisamente onde a sua valorização é mais fácil. Durante este período, o S.N.C.C. desinteressou-se progressivamente da universidade para se consagrar ¡nteiramente aos problemas sociais e políticos e à sua análise. A situação geral provocada pelas políticas interna e externa dos Estados Unidos aumentou a audiência do movimento estudantil. Em 1964, houve mesmo uma manifestação contra as práticas racistas de certos patrões de S. Francisco. A seguir à agitação de 1964, o S.N.C.C. rejeitou o princípio da não-violência e expulsou das suas fileiras os estudantes brancos, que voltaram às assembléias gerais uni versitárias, às comissões de ajuda aos Brancos pobres, e às exposições públicas (e no que respeita a este ponto, pela primeira vez) acerca da guerra no Vietname. A «multiversidade» de Berkeley tornou-se, pois, o núcleo central da agi tação. Ora, era justamente nesta cidade que funcionavam os centros de investigação de física nuclear, aos quais, todos os anos, a Comissão de Energia Atómica e os Departamentos do Exército (sobretudo da Marinha e Aviação) concediam impor tantes somas. Estes centros tentaram, numa primeira fase, neutralizar Barkeley. Em 14 de Setembro de 1964, as autori dades universitárias publicaram a sua decisão de proibir toda a propaganda política (distribuição de comunicados, recolha de fundos, venda de revistas). Evidentemente que os mili tantes não aceitaram esta decisão e, no dia 1 de Outubro, um deles foi preso pela polícia. No dia seguinte, ocupação dos recintos universitários pelos estudantes. Alguns dias mais 78
tarde, uma estrutura organizativa — o Free Speech Movement — faz a sua aparição. 0 trabalho crítico desenvolvido pelos seus membros foi determinante, demonstrando a cumplicidade da universidade com as indústrias de armamento e com os orga nismos militares americanos, ou seja, a caução inconsciente (consciente para alguns) dada pelos estudantes, assistentes, professores, ao imperialismo americano, particularmente no Vietname. Numa carta dirigida aos estudantes (A Letter To Undergraduates) distribuída durante o Free Speech Movement, Brad Cleaveland escrevia: «a 'multiversidade' não é um local de estudo, mas uma indústria altamente qualificada: produz bombas, máquinas de guerra e, porque não, algumas máquinas 'pacíficas'; produz também em massa autômatos aperfeiçoados que inspiram confiança para corresponder às exigências dos homens de negócios e dos políticos.» Por outro lado, a carta esboçava uma crítica da vida quotidiana do estudante.” No dia 1 de Dezembro, seis mil estudantes, utilizando os métodos de luta ensaiados pelos Negros no Sul, ocuparam os «campus», e depois as próprias instalações universitárias. No dia seguinte foi enviada polícia para o local, pelo governador democrata Edmund Brown. Mais de setecentas e cinquenta prisões. Foi decidida a greve, que se desenrolou, como todas as greves, numa atmosfera de festa, o que equivale a dizer que foi uma fonte de desalienação, tendo como consequências o regresso a uma certa liberdade, um aumento do consumo de droga e o esbatimento das barreiias entre os sexos. O dia 3 de Janeiro de 1965 marcou o fim da primoira fase da contestação estudantil, com a anulação das medidas que tinham sido deliberadas em 14 de Setembro. Os dados do problema universitário modificavam-se; o movimento estudan til tomara consciência da sua força; as organizações radicais ampliavam a sua influência; e o S.D.S. modificava a sua linha política: passou a acentuar a necessidade de transformar o sistema em vez de tentar melhorá-lo.
" — Citada em 1968, pás 37.
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79
b.
Leary e a d ro g a
Já em 1962, tanto dentro como fora da universidade, se praticavam «viagens» clandestinas com LSD.8 81' Na primavera 0 desse mesmo ano, Timothy Leary, professor de psicologia clínica em Harvard (Cambridge, Massachussets), em ruptura com os métodos clássicos da psiquiatria, experimentou nas aulas, com os alunos, os efeitos da psilocybina e do LSD 25. Em 1960, no México, o professor Leary tinha ingerido alguns cogumelos contendo psilocybina, componente químico dos cogumelos sagrados dos mexicanos. Entusiasmado com os efeitos destes alucinogénios (foi «a experiência religiosa mais profunda da minha vida, senti-me transportado por um Niagara de sensações a um turbilhão de visões transcendentais e de alucinações»), Leary decidiu prosseguir, duma forma sistemá tica, as suas investigações. De regresso aos Estados Unidos, estudou os efeitos nele próprio e em alguns voluntários das suas relações e, depois, na universidade. No Outono, fundou, com Richard Alpert, o I.F.I.F. (International Federation for International Freedom). Talvez sem se aperceber disso, Leary opunha-se aos valores dominantes (viría a declarar mais tarde: «a própria palavra droga, resume-se a uma aestas duas asso ciações: médico e doença, por um lado, toxicomanía e crime, por outro»): emprego/experiências de e sobre a droga. De qualquer modo, na primavera de 1963, Leary e o seu colabo rador, o Dr. Richard Alpert, foram expulsos de Harvard. Ambos protestaram. A imprensa apoderou-se deste caso, revelando assim a um grande número de americanos a existência do L.S.D. Adeptos, estudantes, beatniks e desobedientes colocaram-se ao lado de Leary. Houve também várias celebridades a apoiá-lo: «actores como Gary Grant, escritores como Bud Schulberg e, sobretudo, Aldous Huxley, que se declarou 'ar dente fanático do LSD', poetas-historiadores como Robert Graves ( ...) e sobretudo Alien Ginsberg. *’» Ao dossier LSD veio juntar-se uma tese controversa dum jovem teólogo de Harvard, Walter Pahnke, defendida em Junho
80 — LSD : Lyserg Diethylamid (dietílamída do ácido lisérgico), cujas propriedades alucinógenas (o ram descobertas em 16 de Abril de 194.1, em Bale, pelo doutor Albert Hoffmann. 81 — Michel Lancelot, Je veux regarder Dieu en face , Albin Micbel, Paris, 1968, pág. 69.
80
de 1963. Parece que neste trabalho universitário intitulado Drugs and Mysticism, Walter Pahnke terá querido estabelecer e analisar as relações entre as drogas alucinogénias ditas psicadélicas e a consciência mística. Pahnke reuniu vinte voluntários, estudantes de teologia, aos quais deu uma pequena dose duma certa substância, mas apenas dez estudantes rece beram psilocybina. O teólogo achou os resultados «conclu dentes», pois só os estudantes que tinham ingerido a autêntica substância alucinogénia, afirmaram a existência dum poder revelador/místico na droga.52 Os casos Leary/Alpert e Pahnke fizeram crescer a atenção dos jovens para a droga. Outros investigadores se dedicaram ao estudo destas substâncias, permitindo a criação duma nover disciplina científica, a psicoquímica. Com os progressos desta, novos produtos surgiram, contribuindo para a evolução do psicadelismo.
OS EFEITOS DA CRISE DA CULTURA
Depois de dispersos, os poetas beat continuaram a escre ver. A sua poesia infiltrou-se lentamente na universidade. Lawrence Ferlinghetti escreveu o único poema notável, direc-
12— É contudo necessário pôr algumas restrições aos resultados «concludentes** desta experiência. Efectivamente, segundo Leary e outros, tanto o LSD como a psilocybina, e algumas drogas mais, ampliam o campo da consciência e da percepção interna e externa do indivíduo ; daí que, em estudantes de teologia, cuja consciência está impregnada de misticismo, *e dê a multiplicação deste poder, no sentido religioso. Mas, em indivíduos «normais», os resultados não agem unicamente nesse sentido. Há relatos de que, se alguns se tomam por Jesus, tentam caminhar sobre a água e se afogam, outros imaginam-se pássaros, lançam-se por uma janela... e esborracham-se no solo. Contudo, são apenas casos particulares. Em geral, e ainda segundo Leary, com um guia expe riente e uma droga de boa qualidade e em dose determinada, os resultados não parecem nocivos. Igualmente, Robert E. L. Masters e Jean Houston, segundo as suas pesquisas de quinze anos na Foundation for Mind Research de Nova Iorque, admitem que os únicos perigos do LSD provêm da sua aquisição r.o mercado negro (onde a sua qualidade é incerta), do número de ingestões
6
81
tamente inspirado na situação política: um poema de amizade a Fidel Castro, intitulado M il Palavras Ansiosas Para Fidel Castro. Pouco tempo depois, em 1961-1962, alguns pintores, imitando Huxley" e as suas «viagens» mescalínicas, experimen taram pintar depois da absorção de alucinogéneos, sobretudo peyotl. Foi com eles que nasceu a arte psicadélica, à qual Leary deu a sua contribuição, no fim de 1963. Fundou a Revista Psicadélica, composta por tribunas livres e artigos onde se exprimiam eruditos e personalidades do mundo da droga. Finalidade? Fornecer um órgão de contra-informação para destruir o monopólio da imprensa governamental. Esta publi cação adquiriu uma sólida reputação de seriedade e constituiu o centro do psicadelismo, o qual, contudo, só viría a estender-se realmente a partir de 1965. Paralelamente a esta arte ainda subterrânea, vai desen volver-se uma escola de pintura, a Pop Art. Reconhecida em 1963 nos Estados Unidos, e depois na Europa em 1964, con trastou, na representação da América, com a pintura beat, cuja cor dominante era o preto. Predominaram nela colagens e justaposições de elementos variados; foram-lhe integrados ou minuciosamente reproduzidos detritos, fragmentos de car tazes publicitários e de jornais, latas de conserva, bustos de mulher com os seios tapados por publicidade de marcas, bocados de bandeira americana, de dólares ou fotografias de estrelas de cinema; enfim, qualquer objecto da vida corrente que o artista quisesse integrar na sua composição. Esta eseola reagiu contra a arte abstracta e, como acontecera com o dadaísmo e o surrealismo, pôs em causa a compartimentação da estética.*
e das doses usadas. No seu livro V A r t Psickédetique (R. Laffont, 4d.). fazem notar que, segundo estudos na Temple University Medicai School, a observação de doentes que seguem unia psicoterápia com L5D não revelou «nenhum sinal inquietantes. * — O escritor inglês Aldou s Huxley, radicado na Califórnia desde 1939, teve papel importante nos debates é nas revistas da «nova esquerda literárias. A sua personalidade marcou os escritores beat, particularmente Alan Watts e AUen Ginsberg, assim como Timothy Leary, o promotor do LS D. Três das suas ob ras foram escritas sob o efeito da mescalina : As portas da percepção (1954), O Céu e o Inferno (1956), A Ilha (1962). Nestes livros, Huxley descreve as incidências da experiência psicadélica no funcionamento cerebral, nas percepçSes e nos estados de consciência. Aldous Huxley morreu em 22 de Novembro de 1963
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Na plano teatral, organizou-se em Nova Iorque uma nova corrente representada principalmente pelo Living Theatre. 0 grupo situou-se fora do contexto comercial, e actuou muitas vezes em sala própria. Salas onde se realizaram também expo sições de jovens pintores e happenings. Pela sua recusa duma exploração comercial, os membros do Living viveram em con dições miseráveis; resultou dai una unidade reforçada e, do mesmo passo, um reforço dá sua alienação e da sua tomada de consciência. Estes grupos, e sobretudo o Living, basearam as suas representações na provocação; através da improvisação, do silêncio, da utilização do corpo como elemento essencial da encenação, os actores quebraram com a ditadura da palavra no teatro. Mas aquilo que é permitido no palco, num enqua dramento bem delimitado, sieixa de o ser na vida; e o Living, uma das primeiras comunidades a adoptar as mesmas atitudes na vida social e no teatro, viu-se exposto à agressão policial. Expulso de Nova Iorque, o grupo veio exilar-se, em 1963, em Paris. O Living Theatre exprimira, numa linguagem diferente, as mesmas obcessões da Beat Generation; atrás de si ficava um exemplo, o símbolo dum modo de vida possível; a comunidade. ê aí que ele pode ser considerado como uma transição entre os beatniks e os futuros hippies.
O APARECIMENTO DO UNDERGROUND
A utilização das superestruturas repressivas (polícia, leis, magistratura) contra a comunidade negra e contra as minorias activas brancas desmascarou a aparente neutralidade da esfera ideológica, revelando a sujeição desta última à violência da classe dominante, e a sua dependência em relação à forma de existência do poder central: o salariado. Foi nesta base que se elaborou uma corrente ideológica diferente da oficial, e que viría a lutar contra ela. A sua característica concreta; undergroundV*0 6
60.
M — O termo unierground era pouco utilizado no principio dos anos Designava qualquer produção que não circulasse pelas vias normais
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Em 1964, o underground tentou aumentar a tiragem de revistas e a produção de filmes. Perante um universo funda mentado no dinheiro e no puritanismo, a imprensa underground respondeu com uma vaga de espiritualidade: o amor e Deus andavam frequentemente de mãos dadas, tal como no Relch de Le Meurtre Du Christ. Em face dos tabus, pregou a pornografia, e valorizou de igual modo, e de forma obcessiva. sexo e misticismo. Em face da guerra, afirmou a sua não-violência. Por seu lado, os representantes da Beat Generation, depois da refusão do grupo no flm de 1963, com mais alguns recém-chegados, instalaram-se próximo de S. Francisco, na área de Big Sur, o refúgio de Henry Miller, que baptizaram com o nome de Onan City. Aí se juntaram Alien Ginsberg (de regresso da India), Cari Salomón, William Burroughs (ainda que se tenha fixado várias vezes em Tânger, seu segundo refúgio), Bob Kaufman, Lawrence Ferlinghetti (que continuava a dirigir a sua editora e a sua livraria), Claude Pelieu, um jovem poeta-escritor francês trazido de Paris por Mary Beach, filha do editor de Joyce, e que o apresentou a Ferlinghetti, que veio a associá-lo aos seus trabalhos de livreiro e publicou os seus primeiros texto s.85 0 contributo de Pelieu, pela sua frequência assídua dos surrealistas, como o de Mary Beach, pelo seu conhecimento de Ezra Pound e dos Imagistas, não deixaram de Impulsionar o movimento. Mary Beach aditou os Beach Books Texts and Documents. Deste modo, graças a ela e a Ferlinghetti, difundiram-se mais amplamente os poe mas beat.
de comercialização, situada à margem da cultura oficial do sistema c vivendo de recursos próprios. Sob este vocábulo agrupavam-se os opositores do regime americano. O underground conheceu um progresso, entre 1964 e 1965, pela passagem a um estado artesanal dos seus meios de existência, c, a partir de 1965-1966, pela extensão do seu campo semântico, com proliferação de revistas, nos Estados Unidos, que beneficiavam de auxílio financeiro da indústria fonográfica. Desde aí, os industriais da cultura po p reduziram-no a um qualificativo referencial, aplicado principalmente à música, e servindo para estimular as vendas. Mas este termo não foi inteiramente fossilizado. Hoje, reune as revistas americanas da extrema-esquerda (em número de 300 a 500, com uma tiragem de dois a três milhões de exemplares). *3 — Pelieu, por sua vez, traduziu os textos de Bob Kaufman, Cari Salomón e William Burroughs, e os poemas de Alien Ginsberg. Foi o introdutor deles em França. 84
Também em S. Francisco vieram a manifestar-se dois outros agitadores culturais: Bruce Connor, conhecido pelas suas construções com nylon, cordões e cera com o aspecto de esperma, e o poeta beat Michael Mc Clure que se exibia em público cheio de LSD, para lhe demonstrar os efeitos. A polícia corria-o de teatro em teatro. Nesta mesma altura, por outro lado, Ginsberg e Fainlight tinham montado um consul tório jurídico para auxiliar os beatniks. A cerca de quatro mil quilómetros, na Greenwich Village de Nova Iorque, os Fugs, um grupo underground burlesco com posto por sete músicos de folk rock e dirigido por Ed Sanders, percorria as coffee houses. Cultivando o gosto dum teatro grosseiramente simbólico, apresentavam-se num cenário de «desenhos de Deuses egípcios beijando-se alegremente em todas as posições»; «Ed Sanders colocava todas as suas acti vidades sob o signo do C.N.D.5*». Adeptos do LSD (muitas vezes drogados em palco) e não-violentos, produziam canções e música que, pelo recurso à provocação, tinham para eles o significado duma forma de comprometimento e de combate contra o mundo do dólar. «Os Fugs, não só com as canções de Sanders e de Kupferberg, como com composições musicais de Shelley e Blake, são indefiníveis nas suas qualidades. [Não obstante o seu hillbilly sound muito swing e sonante] as suas canções tinham um papel importante pela sua sexualidade audaciosa (...) e pela interpretação selvagem que Sanders lhes dava em público.8T» Em virtude das suas actividades literárias, musicais e cênicas, Ed Sanders e Tuli Kupferberg relacionaram-se com os habitantes de Onan'City e com os meios do cinema underground (Sanders tinha-se relacionado com Andy Warhol quando este era conhecido apenas como pintor pop). Ed Sanders publicou uma antologia de poemas inéditos de Gins berg, Snyder, Whalem, Burroughs, Mailer, Szabo, Fainlight, Ted Berrigan e dele próprio, intitulada Fuck You, A Magazine Oi The Arts. Era tr início da Fug Press, verdadeiro ponto de reu nião do underground. Sanders montou uma livraria, a Peace Eye Bookstore, no seu apartamento. Os problemas que teve com
M— Jeff Nutall, The Bomb Culture, Paladin, 1970, Londres, pág. 16ís. »' — Ibid 85
a censura obrigaram-no a uma ampla distribuição por cor respondência de Fuck You. Mais tarde, veio também a publicar The Fug Songbook e Bugger An Anthology Of Anal-Erotic
Poetry. Tuli Kupferberg, pelo seu lado, lançou a Birth Press, revista que dissertava sobre sexo (com fotografias), droga, e com poemas de crianças, vindo a publicar mais tarde True Confessions, feita de colagens. Jeff Nutall constata: «os opús culos de Kupferberg sobre a droga foram os mais bem infor mados que já encontrei sobre esse assunto». Em conclusão, o underground era o correspondente cultural — fora dos «cam pus» universitários — da revolta política dos estudantps (prin cipais consumidores). Ambas as lutas se travaram contra a ideologia dominante.
CONSEQUÊNCIAS DO PERIODO, BLUES NA MÚSICA AMERICANA Abandonando o rock'n'roll por este ser destinado aos teenagers e porque, a partir de 1959, estava em declínio, os estudantes vieram a adoptar o blues, e.-mais particualrmente o country blues. Por outro lado, o folk/C&W fez as delícias de toda a gente, na medida em que a sua «pureza» tinha sido posta em destaque tanto na revista Sing Out! como no livro de Samuel Charters, The Country Blues. Na circunstância, este gosto pelos blues. e em menor grau pelo jazz, queria significar, para lá duma apreciação musical, a solidariedade dos estudantes brancos com o combate travado pelos Negros para a obtenção dos Direitos cívicos. Do mesmo modo, e em termos gerais, a folk veiculava a oposição à guerra, è bomba atómica, e pre gava a não-violência e o seu humanismo. Deste modo, o apoio aos Negros no âmbito universitário encontrou a sua equivalência nos géneros marginais à indústria fonográfica. Assim se criou um circuito paralelo à volta de Nova Iorque - Boston.M Em 1959, George Wein, organizador, desde
*' — Marca s de discos especializadas, em Nova Iorque: Elektra (Juddy Collins, Tom Paxton. Théo Bikel), Vanguard (Joan Baez, Buffy Ste. Marie). 86
há cinco anos, do Newport Jazz Festival, e Albert Grossman, um produtor manager de folk, montaram o primeiro festival folk de Newport. Os cantores convidados ilustravam perfeitamente as normas estabelecidas pela crítica: Pete Seeger, um iolk singar com opiniões «comunistas», que tinha conhecido Woodie Guthrie, o percursor deste género; Sonny Terry, Brownie McGhee e John Lee Hooker, country bluesmen. A única excepção a esta regra tácita do jogo chamava-se Kingston Trio, e era um mero produto de folk/C&W alterado. Esta reunião, aperfeiçoamento do circuito (coffee hoi/ses/«campus») próprio dos folk singers do Nordeste, veio a consagrar novos talentos todos os anos (por exemplo Joan Baez, em 19SO). Mas como o festival de jazz de 1960 tinha sido teatro de violências relacionadas com a campanha para os Direitos cívicos, o festival folk foi suprimido em 1981 e 1962, o que veio acelerar a reintegração das vedetas folk nos circuitos musicais «habituais». Deste modo, Peter, Paul and Mary, em «progresso» em relação ao Kingston Trió, invadiram o mercado pop através da TV, inscrevendo-se, no ano seguinte, no Top Ten, com Blowirí In The Wind: era a primeira vez que urna canção pacifista se transformava em hit. O seu sucesso teste munhou, de forma contraditória, que o humanismo servia o capitalismo americano e que a solidariedade para com o movi mento dos Direitos cívicos alastrava entre os liberais brancos do Norte. Reorganizado em 1963, o festival trouxe definitivamente para primeiro plano Judy Collins é Bob Dylan, autor de Blowirí In The Wind e, para a época, prototipo do folk singer. Razão suficiente para que Albert Grossman e a sua companhia de discos, a Columbia, o transformassem num pseudo-leader, profeta da juventude estudantil politizada. Blowirí In The Wind veio modificar o estilo da sua carreira centrada ñas coffee houses de Greenwich Village, e que se ilustrava no seu primeiro álbum (Bob Dylan), publicado em 1952. A crítica elogiara-o porque ele correspondia às suas categorías estéticas: viola simples e harmónica, remakes de country blues e gospeP e
?• —
See That My Grave te Kept Clean (Biind Lcminon Jefíenon). Fixin' To Die, adaptado de In M y Time of D yin ' (Bukka White), fíab y Let M e Follow You Down (Ric von Schmidt, jovem biuesman branco), House O f The Risin * Sun (ouvido a Woodie Guthrie), Freight Train Blue s Cospel Plow. 87
títulos folk. Com o disco seguinte, surgiu um cantor politizado, mas num sentido muito preciso: Grossman e a Columbia tinham com efeito conseguido reproduzir a ruptura que vinha nascendo entre Brancos e Negros, obrigando os estudantes brancos a encarar apenas apenas uma uma prática prátic a não não - violent vio lenta a (lega (le gal). l). Para conse guir isto, os temas políticos perderíam toda a consistência e. já que o S.D.S. exprimía o nível de consciência liberal, Dylan escrevería Masters Of War, Blowiríln The Wind, Talking World War III Blues. Apenas Oxford Town se referia aos Negros, ao mesmo tempo que dava o aval à política governamental. Por outr ou tro o lado, a censura (Grossman e a Colum Col umbia bia)) pôs de parte vários blues ” e modificou m odificou alguns alguns acompanhamento acompanhamentos s musicais, para que as canções respeitassem os «cânones» da f o lk . 91 O resultado desta manipul manipulação ação ideológica e musical musical veio a chamar-se The Freewheelin' Bob Dylan (1963), como que a reforçar o carácter mistificador do álbum. Na sequência, a imprensa iria criar a lenda: juventude difícil, passagem pela universidade, encontro com Woodie Guthríe no leito de hospi tal deste (a «história» do encontro tomou o aspecto duma transmissão de poderes políticos e mágicos), personagem politi zada zada (partici (pa rticipa paçã ção o na na «Marcha «Marcha sobre Washingto Wash ington»), n»), O terceiro LP, The Times They Are A'-Changing (1964), veio sistematizar sistem atizar a táctica tácti ca adoptada ( With God on Our Side, The Times They Are A'-Chang'mg, When The Ship Comes In. idealmente políticas e politicamente ideais; Bailad Of Hollis Brown, texto acerca dos Brancos pobres). Mas em breve Bob Dylan recusou este papel de leader fabricado pelo sistema, e dedicou-se à desconsfrução da sua própria personagem, trocando as canções «políticas» por com posições autobiográficas. Grossman e a Columbia neutrali Ano therr Side Of* Of1 6 * zaram esta tentativa, intitulando o LP seguinte Anothe
90 — Ram R ambí bíM M Ca tnbl tn blin in* * Willi Wi llie, e, R oc ks A n d Cravei, Crave i, L et M e Die Di e In M y Footsteps, assim como uma sátira política concreta, Talking John Dirch Society Blues, aparecidos numa versão não oficial, foram substituídos por Masters Mast ers Of War, Talk Ta lking ing W orld or ld War II I Blues e por duas baladas (Girl From The bforth Country, Bob Dylan’s Dream). 61 — Corrina Corvina, em que • o acompanham acomp anhamento ento musical (guitarras eléctricas, piano, batería) é atenuado na mistura sonora. D o r it Th ink in k Twice, Twic e, It 's A ll R ight ig ht,, anunciada na capa com um acompanhamento, é interpretada por po r Dylan Dy lan.. sozinho. sozin ho. 88
Bob Dylan (1964),”2 o que deixava perceber que, de futuro, o profeta não voltaria a esquecer o seu «dever». Mas a Columbia frustar-se-ia: dessa altura em diante, Dylan vinha mostrando uma aversão cada vez maior pelo seu mito: «Pus a minha máscara de Bob Dylan», declarava ele em 1964 no Hallowe'in de Nova Iorque; e repetia aos jornalistas: «sou um cantor e um bailarino». As vezes chegava mesmo a pôr em prática tais declarações e abandonava o palco imitando o andar de Charlot. Além disso, na altura do seu espectáculo no Hallowe'in. como a Columbia quisesse gravar um LP ao vivo, opôs-se a isso, interpretando um reportório pouco coincidente com a imagem fabricada pela companhia. Bob Dylan encarnava, nessa altura, o herói folk para consumo universitário; no seio do público pop/adolescente, a sua popularidade era insignificante e inferior à de Peter, Paul and Mary e de Joan Baez, mais «apurados».
CONSEQUÊNCIAS NA MÚSICA INGLESA
Por outro lado, como vimos anteriormente, os aconte cimentos políticos de 1963-64 provocaram uma reconstituição de mercados distintos, por exemplo, o da soul music para os Negros. Ao mesmo tempo, os grupos ingleses iriam permitir a ocultação da soul music e dum certo rhythm'ríblues. Os Beatles foram os primeiros a triunfar nos Estados Unidos. Ainda que celebrados desde há um ano na Grã-Bretanha, os seus discos publicados além-Atlântico come çaram çaram por po r ser fracasso fracassos. s. Contudo, Contud o, em Janeiro Jane iro de 1964 19 64,. ,. a Capitol “ desenvolveu todos to dos os esforços esforços para para a promoção promoçã o do conju co njunto nto de Liverpoo Live rpool. l. Foram Foram inve in vestido stidos s 50 000 dólares na publicidade do disco / Want To Hold Your Hand. Classificado deste modo como hit, determinou a vinda do grupo a Nova* Nova *
M— Do qual foi foi retirado / / pan had o po r um a form açSo açS o rock * — Distribuidora dos Beat Beatles les tânico EMT (Eléctrica! and Musical
You Goda Go, Go Now porque acom-
(este título só foi produzido em 1967) po rque filial filial do grupo fonográfico bri Industries Ltd.) desde 1956. 89
Iorque, e a sua apresentação no Ed Sullivan Show, o que lhes assegurou um auditório de sessenta milhões de telespecta dores. Resultado concludente: em Março, cinco discos ante riores faziam um come back back e inscreviam-se no Top Ten; em Julho, a Capitol podia arriscar-se a pôr no mercado, na mesma semana, semana, dois doi s LPs, LPs, cinc ci nco o «singles» e um super supe r - 45 rotações. rota ções. A procura, condicionada condicion ada pela pela ideologia branca branca,, foi tão grande, que outros grupos britânicos como o Oave Clark Five e os Herman's Hermits vieram a beneficiar disso a ponto de, em 1934, 327» dos hits hits lhes pertencerem (enquanto os hits negros caíam de 367» 367» para para 20% 20 % ). O prin pr incíp cípio io do d o R&B R&B interpre tado por Brancos incitou, dada a sua rentabilidade a curto prazo, à importação de novos grupos ingleses e à procura de fórmulas equivalentes nos Estados Unidos (lucro superior) que se sobreporiam assim aos produtos europeus. Se o rock and roll roll se tinha infiltrado na Grã-Bretanha a partir de 1956, o R&B/rock R&B/rock «negro», em contrapartida, nunca tinha sido reproduzido. Por esta razão, os Beatles fizeram sensa ção nas suas primeiras exibições; o uso que o quarteto fez das harmonias de vozes dos agrupamentos vocais negros (Drifters, Miracles), surpreendeu a Inglaterra. Além disso, o seu acompanhamento musical, assemelhando-se ao twist ame ricano, se não rompia com a dança, rompia contudo com a incapacidade dos músicos de estúdio britânicos para tocar rock and roll. roll . M Esta stas qualidades assegu assegurara raram-lhe m-lhes s uma uma rápida rápida supremacia na Grã-Bretanha; daí resultou uma verdadeira caça ao grupo através das Ilhas britânicas. A primeira onda veio de Liverpool, cidade de origem dos Beatles: Gerry and the Pacemakers, The Swinging Bluejeans, Billy J. Kramer and the Dakotas, etc. Depois, foram Newcastle, Southampton, Birmingham e Londres que vieram alimentar as vçgas seguintes. O traço musical comum a estas cidades foi coberto pela etiqueta rhythm ‘n bines, bines, englobando assim todos os R'n'B,n R'n'B,n desde o mais comercial (Tamla Motown) ao mais marginal (country-blues ( country-blues de Memphis — Chica Ch icago). go). A crítica* crítica3 9 *
94 — Foi neces sário o apareci mento dos Shado ws Apa (A pa ch e, 1960) para que os ingleses mostrassem alguma destreza nesse campo. ro ll. En> 93 —* Ou seja, tudo tud o o que não tinha tinh a éx ito it o n o ro ck an d roll. Inglaterra, Chuck Berry e Bo Diddley, privados de hit s, foram classificados RAB R AB m en em 1963-64.
90
musical inglesa ( Melody Maker, R&B monthíy e Jazz Beat) tinha introduzido e apadrinhado estes estilos. 0 fenómeno R&B tinha conhecido um precedente em Inglaterra com o skiffle, um «cocktail» muito insular de fo!k e blues americanos (Lonnie Donnegan, com John Henry/Rock Island Une em 1956). 0 seu sucesso determinou na crítica o estabelecimento de normas regidas pelos mesmos critérios que nos Estados Unidos: «autenticidade», «pureza» e «sobrie dade» instrumentais. Foi tal a sua hegemonia, que em Londres, Big Bill Broonzy viu-se obrigado a acompanhar-se de viola simples, aínda que em Chicago se fizesse acompanhar, desde há quatro anos, por um quarteto: piano, harmónica, baixo e batería. Do mesmo modo, Muddy Waters, usando em 1957 urna guitarra eléctrica, chocou o público londrino, para o qual esse instrumento era sinónimo de «comercial». Nestas circuns tancias, não é de espantar que que o jazz chamado «Trad» (tra (t ra d i cional) tenha gozado de tanta popularidade (Chris Barber, Acker Ack er Bilk, Kenny Ball) entre os estudantes. estudantes. Assim, em 1964, a moda moda apoderou-se apoderou-se do R&B que veio, ele ele próprio, a modificar a sua instrumentação: aceitação das gui tarras eléctricas e da batería em substituição das violas simples, contrabaixo e washboard (á letra, tábua de lavar). O Alexis Korner Blues Incorporated, o harmonicista Cyril Davies, e depois a Graham Bond Organization, divulgaram estas novidades. Uns hospedes efémeros do Alexis Korner criaram os Rolling Stones M e obtiveram um h it (menor) com Come On. A partir par tir daqui, daqui, Little Lit tle Richard Richard,, Chuck Chuck Berry e Screamin' Jay Hawkins aceitaram, nas suas digressões, o acompanha mento de grupoã ingleses: Rolling Stones, Animais, etc. Para lelamente, os Rolling Stones (/ Wanna Be Your Man, etc.), os Animais (The House Of The Rising Sun), os Pretty Things ( Rosalyn), os Them (Gloria) e depois os Kinks e Maníred Mann com fórmulas mais comerciais e p op mas abusivamente qualificadas de R&B, confirmaram o sucesso da vaga que per mitiu a Chuck Berry ( Memphis Tennessee, You Never Can Tell, No Particular Place To Go) e a Howlin' Wolf (Smokestack Lightin') a obtenção de alguns hits, e a Sonny Boy Williamson
" — Form ados pelo guitarris guit arrista ta Rrian Jones que se serviu serviu do título Jum blues de Muddy Waters: Rolli Ro lling ng Stone Sto ne Í1950). 91
(harm (h armon onic icis ista) ta) ser acompanhado pelos Yardbirds. “! O facto fact o de beber em particular no country blues blues e no Chicago bar blues, e dum modo geral nos estilos de blues blues baseados na guitarra eléctrica, centrou definitivamente esta música neste instrumento. Pouco a pouco, os solos de guitarra foram adquirindo impor tância. Assim, a partir de 1964-65, o interesse dos «fans» dirigiu-se igualmente para os músicos, e em primeiro lugar para para os guitar guit arris ristas; tas; e foi fo i assim assim que que um um Eric Eric Cla C lap p ton to n — um dos dos poucos pouco s a possuir um nível técnico técnic o sufici su ficien ente te ness nessa a época — emergiu do lote. A popularidade do R & B ** tinha sido multiplicada pelas emissõe emis sões-p s-pira iratas tas de rédio ré dio,, que estavam a surgir sur gir ness nessa a altura. altu ra. M7 9
com
97 — Cf. Cf . LP e m públi pú blico co Sottny Boy Willionison Clapton (1965), Columbia EMI. F t íc
With
The
Yurdbirdà
9fl — Tinha Tin ha sido necessário necessá rio abrir ab rir um novo Marquee Marq uee Club, cm Wardoiíi W ardoiíi Street, em Março de 1964. Aí se iriam revelar numerosos grupos: Manfred Mann, The Who, Spencer Davis Group, The Move, Ten Years After, Nice. Jeth Je th ro Tull, Tu ll, King Kin g Crim Cr imso son, n, Yes. w — Em Março Ma rço de 1964 1964,, Rá dio Carolin e, a primeira estação, iniciou iniciou suas emissões. Era constituída por um barco de guerra desarmado as munido du ma antena emissora. A embarcação embarcação estava estava ancorada no limit limitee das águas territoriais, próximo da foz do Tamisa. A equipagem era consti tuída por marinheiros, técnicos de rádio e dise-jockeys, ps quais eram rendidos de vinte em vinte dias. Este negócio aventureiro era financiado por Ronan 0 ’Rahilly, jovem irlandês que que tinha feito fortu na com os Animais. Animais. A fim de se instalar ao alcance de Londres, fora obrigado a «ultrapassar» o major Smedley, homem de negócios londrino, antigo dirigente do partido liberal, que investira perto de duzentos milhões de antigos francos na compra dum edifício e dum emissor. O exemplo foi retomado: em Dezembro, funcio nava Kadio-London, financiada por capitais americanos, e depois Radio-England; as Ilhas britânicas foram rapidamente cobertas por uma dezena de estações piratas. Um a fórm ula simples simples:: difun dir discos discos pop, po p, passar publici dade, distrair o auditório. O desenvolvimento destas estações deu-se rapida mente, transformando-se num novo estímulo para o consumo caseiro e num enorme suporte par a a po p music. mus ic. Radio Caroline dava toda a liberdade aos disc-jockeys disc-jockeys na escolha dos discos; Radio Lond on, pelo con trário, trári o, estabelece estabelecera ra uma fórmula comprovada: um disco classificado na Brã-Bretanha, um outro nos E.U. E .U.A. A.,, p m sucesso sucesso antigo- e uma novidade. O hit-parade de previsões de Radio-London permitia determinar os futuros sucessos, já que esta estação era, de longe, a mais ouvida. A estes factos juntou-se a pirataria autêntica : abordagem de estações emissoras, assassínios de concorrentes, como o de Reg Calvert pelo major Smedley que não queria deixar-se «ultrapassar» outra vez. O governo britânico, trabalhista na altura, na impossibilidade de aplicar impostos às receitas comerciais destas emissoras e desejoso de manter o prot pr otec eccio cio nism ni smo o da indú in dú stria str ia fon ográf og ráfica ica,, decidiu dec idiu eliminá elim iná-las. -las. U m a lei entra en trada da em vigor em Agosto de 196*7, interrompeu a carreira das estações piratas 92
0 seu aparecimento veio comercializar o R&B inglês, coisa a que a BB BBC C e a Radio-Lux Radi o-Luxembou embourg rg (as duas única ú nicas s estações es tações de rádio da Grã-Bretanha) se recusavam. Recusa motivada, pela parte da BBC, por um acordo assinado com a indústria fonográfica estipulando que seria difundida uma percentagem mínima de discos americanos (contra 50%, anteriormente). Este contrato promoveu as versões inglesas de rock and roll (Cliff Richard, Adam Faith, Biíly Fury) e, na sequência, a cons tituição duma pop music inglesa (Beatles, Rolling Stones), perspectiva que se anunciava desde 1956, com Lonnie Donneg a n . E s t a s medi medida das s protecc proteccion ionist istas as rev revel elar ara am-s m-se bené benéfi fic cas a partir de 1963-64, pois o aparecimento dos Beatles conjugou-se com um aumento nítido de vendas de discos e gira-discos. Em seguida, em 1964-65, assente nesta base musical e artística, iria nascer uma indústria especializada «em» juventude: imprensa, cinema, moda (mini-saia, Carnaby Street, King's Road), que veio engendrar a ilusão duma sociedade de «jovens» com sinais particulares (cabelos compridos, vestuário excêntrico, vocabulário de calão, etc.), onde os confrontos dominicais entre Mods (fatos «elegantes» e scooters) e Rockers (calças e blusões de couro «sujos» e motos) nas estâncias balneares, faziam faziam as vezes de luta luta de cla class sse es.101 Contudo, os USA só aceitaram os Rolling Stones no Outono de 1964, durante a sua segunda digressão além-Atlântico (graças ao Ed Sullivan Show). O fracasso 4a pri meira digressão resultara dum erro de utilização. Com efeito, os empresários da digressão, intrigados por certo com os cabelos cabelos compridos, vestuário descuida descuidado, do, linguage linguagem, m, pro voca vo ca dora, atitude chocante, e com a música «negra» do grupo, tinham relacionado esta com a música de circo. Na segunda digressão foram mais felizes. O sucesso dum grupo branco interpretando um R&B elaborado em Memphis/Stax Volt surgia no momento em que os estudantes negros excluíam os brancos
Apenas Radio-Caroline tentou resistir, a despeito das dificuldades jurídicas e financeiras; só conseguiu manter-se por alguns meses. A partir daí, uma cadeia do Estado iria consagrar-se à po pop p music. primeiro can tor inglês inglês a ob ter três disco discoss de ouro m _ Foi o primeiro Qu ant e os Beatles, Beatles, iniciadores iniciadores deste consumo consu mo de vestuário ve stuário m — Mary Quant e/ou de discos, não falando já no impacto ideológico do seu êxito/produção sobre a juventude, foram elevados a Membros do Império Britânico, alta distinção geralmente destinada a defensores da Coroa (ou da Libra). 93
do S.N.C.C. dando, por consequência, o seu aval à ruptura entre as comunidades. Dai a reconstituição de mercados pop e R&B distintos. Pela sua situação privilegiada em face dos Estados Unidos (língua e cultura comuns, ausência de problemas raciais), a Grã-Bretanha foi a intermediária ideal entre a música «negra» e a evidenciação de adaptadores brancos, e serviu, necessariamente, de modelo à indústria fonográfica americana.
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2.
PRIMAVERA PRIMAVERA 1965 1965 - VERÃO VERÃO 1967 1967
A EVOLUÇÃ EVOLUÇÃO O POLITICA POLITICA E SOCIAL
Durante o ano de 1965, o Vietname veio unificar as lutas e as tendências políticas, e a violência repressiva da admi nistração Johnson aumentou o impacto da extrema-esquerda americana. Em 22 de Janeiro, bonzos sacrificaram-se pelo fogo no intuito de denunciar a agressão dos Estados Unidos no Viet name. Seguiram-se violentas manifestações anti-americanas em Saigão. Em 7 de Fevereiro, começava a escalada: pela primeira vez, a aviação U.S. fez bombardeamentos para lá do paralelo 17. Os estudantes, em resposta, iniciaram, em Março, na Universidade de Michigan, o teach In, uma nova forma de luta que viria a estender-se, em Maio, a todo o pais. Os teach in reuniam alunos e professores em debates sobre a política americana no Vietname. Em Junho, orientaram-se para a «crise» de S. Domingos e seu significado, depois da invasão da ilha, para virem em seguida a englobar o conjunto das realidades sócio-económicas. Estes debates envolveram, no espaço de três meses, mais de cem mil estudantes. No decurso do Verão, o Vietnam Day Committee de Berkeley tentou impedir o embar que dum destacamento de tropas para o Vietname (o número de soldad so ldados os americanos na Indochina passara de 21 000 em 1964 1964,, para 54 000 em Junho Jun ho de 1965 1965,, mês da utili ut iliza zaçã ção o em operações dos B52, e para 125000 em Julho, aos quais é necessário juntar as forças da marinha e aviação que constituem a 7.* Esquadra), no momento em que em Watts estalavam revoltas que causavam mortes, relegando a não-violência para o campo da utopia e revelando o conteúdo da «democracia». Na sequência de Watts, os Negros proclamaram a desobediência cívica (negação radical da ideologia dominante), recusando. 95
alguns, a incorporação ou a mobilização para o Vietname, imitados pelos estudantes brancos que, em Setembro-Novembro, queimaram em público as suas cadernetas militares. As mani festações e os teach in continuaram até ao fim de Dezembro, tendo-se verificado, no fim de Novembro, o suicídio pelo fogo de dois Americanos. As primeiras formas do movimento movim ento hippie germinaram germinaram nest neste e cont co nte e xto xt o social. soci al. Em Maio Ma io de 196 1965, 5, no Colorado (a alguns alguns quilómetros de Trinidad), um grupo de estudantes de diversos ramos (arquitectura, psicologia, belas-artes), em ruptura com o ensino esclerosante, fundaram a primeira comunidade, Drop City, com o intuito de desenvolverem a sua criatividade através dum regresso à natureza. Os «communards» recusaram a noção de propriedade privada declarando Drop City aberta a todos, distinguindo-se pela recusa de chefes e de todo o trabalho organizado, isto é, das normas sociais dominantes. Entretanto, erigiram-se em exemplo para os estudantes, e, dum modo geral, para todos os jovens fartos de viver em família. Paralelamente ao movimento psicadélico, aumentou o con sumo de droga na universidade. Leary, preocupado há vários meses com os acidentes que ela provocava, escreveu, no verão de 1965 1965 — depois de A Experiência Experiência Psicadélica m — , o seu segundo livro: Orações Psicadélicas. Estas obras preten diam ser guias para todos os inexperientes que pretendessem iniciar-se na comunhão psicadélica. Fazendo a adaptação a modelos orientais, Leary enunciava nelas as condições neces sárias para a preparação duma «viagem» interior ou exterior, conferindo à comunhão psicadélica o aspecto dum autêntico culto, ao mesmo tempo que refere os cuidados e conselhos necessários para acalmar as angústias e terrores que possam sobrevir numa sessão. Mas não obstante todas as especifica ções, Leary era ainda ambíguo quanto à dose de LSD admis sível, pois, para uma pessoa não iniciada, aconselhava uma dose entre 200 e 500 microgramas. Como se vê, a margem é grande, tanto mais que a dose geralmente aconselhada é de 250 mc m c g .101 Isto não impede que Têáry seja seja considerado consider ado um dos «gurus» da geração-hip.
m — o sucesso deste deste livro publicado em Agosto de 1964 (três (três reedições no espaço dum ano) testemunha da importância do psicadelismo. 191 — N um a entre en trevis vista ta dada da da à Playboy, em 1966, Leary declarou mesmo que «uns cem microgramas constituem uma dose razoável» 96
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alastramento da toxicomanía alarmou as autoridades. E estas, atingindo Leary, julgavam decapitá-la, Mas cometeram um erro ao ignorar que a toxicomina tinha raízes sociais pro fundas, e que por isso não era a repressão que iria resolvê-la. Leary, instalado com alguns alunos em Zihuatanejo com a fina lidade de fundar um centro de pesquisas psicadélicas, viu-se banido, pouco depois, pelo governo mexicano. Encontrou então William Hitchcock, um jovem milionário que pôs à sua dispo sição uma propriedade de oito mil hectares, a Castalia Founda tion, em Millbrook, próximo de Nova Iorque. Mas na sequência duma outra viagem ao México, Leary foi preso na fronteira. Acusado, em Dezembro Dezembro de 1965 1965,, de infracção à legislação sobre sobr e a mariju marijuana, ana, viría v iría a ser condenado, em 11 11 de Març Ma rço o de 1966, a trinta anos de prisão e trinta mil dólares de multa. Mas esta prisão nãc veio quebrar o progresso nem a pro pagação da arte psicadélica. O light show, como veremos mais adiante, seria uma das suas consequências. A fusão oficial ofic ial destes destes diversos elementos element os (contesta (con testação ção,’ ,’ música, modo de vida, filosofia, cultura, etc.) que constituem a ideologia pop, deu-se a 6 de Novembro de 1965, em S. Francisco, na altura dum festival organizado em benefício da San Francisco Francisco Mime Troupe " * — grupo teatral financeiramente financeiram ente patrocinado por Bill Graha Graham m — ,próximo da comunidade comunidad e radical de Berkeley, e perante um público composto por uma maioria de estudantes. Este festival reuniu Lawrence Ferlinghetti para a poesia, os Jefferson Airplane e os Fugs para a música, o grupo de John Handy para o jazz, e Alien Ginsberg que fez os três mil participantes cantar «mantras». Esta fusão, decomposição da ideologia racionalista e eco nomista americana, irá crescendo em 1966-1967, com a acen tuação das contradições capitalistas. Em Janeiro de 1966, centenas de teach in por todo o país foram a manifestação concreta da escalada no Vietname e, indirectamente, da extensão do movimento contra a guerra. Ao mesmo mesmo tempo, havia havia estudantes a abandonar o ensino para para formarem comunidades comunid ades rurais e sobretudo sobretu do urbanas na Calif C alifòròr- 1 4 0
104 — O mais antigo grupo teatral do género em S. Francisco. Fran cisco. Fund Fu ndado ado em 1959 por Ronnie Davis, que declarou nessa altura: «tentamos, na medida das nossas modestas possibilidades, a destruição dos Estados Unidos.» 7
97
nia e em Nova Iorque. Esta forma de deserção social (drop out) atraíu cada vez mais jovens nos meses ¡mediatos. Perante este movimento espontâneo e imprevisível, o governo viu-se desar mado para lhe reagir e o circunscrever. Mais tarde este movi mento irá solucionar, em parte, a crise das classes médias. Mas, de momento, a classe dominante, desconcertada ideologicamen te, tentou remediar o mais urgente, fazendo abranger o movi mento pelas categorias sociológicas à sua disposição. Aliás, parece ter sido um jornalista do San Francisco Chronide Chronide (Herb Caen) quem tomou a iniciativa de lhes colar o rótulo de hippies. hippie s. A p arti ar tirr dos primeiros pri meiros meses meses de 1966 1966,, os .hippie .hip pies s invadiram S. Francisco e Los Angeles é fizeram de Haight Ashbur Ash bury y e Fairfax Av Avenu enue/S e/Suns unset et Strip os seus seus bairros de eleição (rendas baixas). Fenómeno idêntico na East Village de Nova Iorque. A estrutura underground underground existia nestas três cidades, e a imprensa divulgava as idéias da «nova esquerda» literária, musical e política. Bem depressa, aqueles que acaba vam de deixar a família e renunciavam ao «sucesso» abando nando os estudos e o trabalho, forjaram para si uma nova moral, já contida no capital, a do ghetto. Não tendo sido vítimas (como os Negros) da violência física da classe domi nante, responderam à guerra e à violência com o amor e a liberdade; à segregação opuseram a fraternidade e a igualdade. A violência violê ncia mistifica mist ificadora dora contrapuseram’ contrapu seram’ assim assim,, inconsciente incons ciente mente, a mistificação da não-violência. E, a fim de afastar momentaneamente a alienação, gabaram os méritos da droga. Exerceram algumas tarefas marginais para proverem às suas ne cessidades. Os seus cabelos compridos e vestuário excêntrico exprimiam um desprendimento provisório. Façamos ainda notar que a maioria destes recém-chegados provinha das várias uni versidades do país e era recrutada na «classe média». Este fe nómeno era tanto mais inquietante para a fracção retardatária da classe dominante quanto se ligava à universidade e à sua contestação e dava, por esta ligação, uma imagem «degra dante» do ensino superior americano, além de afectar, apesar de tudo, o rendimento daquele organismo. Ora, para o con jun ju n to dess dessa a classe classe,, a universidade é o facto fa ctorr de expans expansão ão n.° n.° 1 . Para ficarmos certos disso, basta-nos ler estas linhas da revista Informations & Documents: Documents: «Os Americanos (...) con sideram a universidade, antes de tudo, como uma fábrica de homens livres, e sentem-se felizes por o ensino nela não ser reservado a uma determinada classe social ou a uma élite. 96
mas acessível a todos. A esta ideología silenciosa, alguns gostam de chamar democracia1M». Tal como esta declaração de Robert NcNamara, em Fevereiro de 1967: «Sem este pro gresso na técnica de organização, isto é, sem progresso na educação, o mundo que nos rodeia corre o risco de se tornar cada vez mais retrógrado e desequilibrado. 0 avanço tecnoló gico, que assenta por completo num grau elevado de conheci mentos gerais e na capacidade de gestão, não pode realizar-se sem esse alicerce onde tudo assenta, que é a educação — dos jovens como dos adultos». Para lá disto, a importância cres cente da universidade constata-se nos números: em 1930, o total das despesas com o ensino era de 3,2 milhares de milhões de dólares; em 1965, passou para 39 mil milhões. Não fosse esta ligação, e o poder não teria atribuido uma importância mais que secundária a este fenómeno social, como fizera com os Negros antes de estes usarem a violência. Para conjurar/mistificar a crise universitária e reduzi-la assim a um plano secundário, o poder e os seus mass media lança ram-se numa vasta campanha anti-droga, no intuito de fazer acreditar a ideia de que era a droga que alimentava o motor dos «males» da juventude. Tratava-se de reiterar o processo já utilizado contra a Beat Generation, 1M com a diferença que desta vez a droga conhecia já uma ampla difusão, pois que numerosos distribuidores individuais se tinham apoderado do mercado de drogas brandas (marijuana, haxixe, LSD, etc.). A partir de Fevereriro de 1966, vários Estados proscreveram o LSD. A 2 de Março, o presidente Johnson ordenou ao F.B.I. a realização dum inquérito sobre o consumo de droga. A im prensa publicou números: entre 1960 e 1966, as apreensões de «pot» (marijuana) pela polícia novaiorquina tinham aumentado dezassete vezes; entre 1965 e 1966, o uso de marijuana, na Califórnia, aumentou em 140%, incidindo principalmente na highschool, colégios e universidades; mais de 15% dos estu dantes, só na cidade de Los Angeles, entregavam-se ao LSD, etc. Cadeias de televisão (C.B.S., A.B.C. principalmente) con duziram campanhas contra o LSD, enquanto a polícia, se bem
jo# —
Precisemos que este é um extracto do n.° 119, public ado em Março de 1960, época de aumento da segregação racial. 10• — A este respeito, lembremos o modo como o gove mo francés, a seguir a Maio de 68, desacreditou, no espirito dos trabalhadores, os «condutores» do movimento de Maio. 99
que activa, deparava com inúmeras dificuldades na detecção dum produto sem cheiro nem sabor. Em Abril, o primeiro drama. Um ex-estudante que tinha assassinado a sogra declarou ter agido sob efeito do LSD. A imprensa exagerou ¡mediatamente o caso, na sequência do qual, conservadores, polícias e psiquiatras se apressaram a declarar o LSD droga homicida. O governo decidiu proibi-lo. Nesse mesmo mês, a polícia fez investigações na proprie dade de Millbrook, pois era necessário, a todo o preço, prender Leary, o «leader». (Com efeito, Leary, a seguir ao seu processo, tinha apelado e fora libertado de novo; uma vez em liberdade, voltou a Millbrook e continuou os seus trabalhos.) A 16 de Abril de 1966, de novo incriminado, declarou: «Depois de cinco horas de buscas, a polícia prendeu quatro pessoas: um fotógrafo em missão profissional, um santo homem hindu e a sua esposa — todos acusados de posse de marijuana — e eu próprio. Não afirmaram que eu tivesse marijuana; o que me foi censurado foi ser o director da casa.» Foi assim que no mês de Abril se realizou, na universidade da Califórnia, um congresso sobre o LSD reunindo protago nistas s opositores. Podemos ter uma idéia do que foi a intervenção de Leary pela leitura da entrevista dada por ele à Playboy (cf. Le Crapouillot, 1966): «Em três mil pessoas que faziam uso de LSD e que observei pessoalmente, não houve mais que quatro casos de psicose prolongada — nas duas ou três semanas consecutivas às sessões. Além disso, essas pes soas já tinham estado internadas anteriormente. (...) Em vinte e três anos de experiências, observámos um único caso de suicídio ocorrido durante uma sessão de LSD. Tratava-se duma mulher, na Suíça, a quem tinha sido dado LSD sem que ela soubesse. Supôs que tinha enlouquecido e atirou-se da janela. (...) Houve outros boatos a respeito de pânicos imputáveis ao LSD que teriam terminado no suicídio. Pessoalmente, espero factos cien tíficos. Em mais de um milhão de adeptos de LSD, não houve mais que um ou dois casos de assassínio ou suicídio imputáveis a esta droga, com fornecimento de provas. (...) 90% das pessoas que tomaram LSD connosco viveram experiências maravilhosas. Nem uma só nos deixou para ser hospitalizada em Bellevue.» No decurso de meses, a campanha anti-droga não obteve mais que meias vitórias, pois não obstou ao consumo de droga nem à vaga hippie (mais de cem mil acampavam em 100
território americano e este número aumentou durante as férias escolares do verão de 1966), que veio mesmo a ser aceite pela população de S. Francisco. Quanto a Leary, fez com que a justiça americana se voltasse contra si própria: na Constituição há um texto que reconhece a utilização de alucinogéneos na celebração de cultos religiosos. Por isso, em 19 de Setembro, fundou uma religião nova, a League For Spiritual Discovery, cujo sacramento era dado pelo LSD. Logo no dia seguinte, foi celebrado o primeiro ofício desta seita religiosa no seu templo — um teatro — em Nova Iorque.,0T Isto não invalida que a outra consequência desta cam panha anti-droga tenha sido benéfica à administração de Washington, pois permitiu-lhe mascarar as causas reais da crise universitária. Mas esta táctica teve pouco peso em face das contradições económicas e sociais do sistema, pois toda a gente sabia que o problema negro só se resolverla por uma revolução e que o descomprometimento no Vietname estava fora de causa dadas as suas consequências sócio-económicas e políticas. (A guerra do Vietname tinha contribuido para a criação de cerca de um milhão de novos empregos. As indústrias de armamento davam ocupação a mais de 4,1 mi lhões de trabalhadores. Num relatório sobre a economia datado de Março de 1966, o Comité de conselheiros económicos do governo declarava: «Entretanto, os seis mil milhões de dólares que vão custar este ano as operações no Vietname absorvem 13% do aumento do produto nacional. O seu efeito estimu lante sobre a economia é evidente. 40% deles regressam à indústria sob forma de fornecimentos vários com destino às forças armadas, etc.»). E foi o agravamento destas contradições que veio refor çar, ao longo desse ano, a extrema-esquerda e o fenómeno hippie. Em Março, novos motins em Watts vieram constranger o S.N.C.C. a pronunciar-se a favor do Black Power. Em Agosto, militantes seus atacaram centros de incorporação no Sul. Outro facto importante deste período: a evolução do S.D.S. Ao lado do Progressive Labor Party (maoísta), organizou manifestações fora dos ghettos, paralelamente às dos Negros, o que permi tiu desfazer o torniquete policial em redor dos ghettos. E em
10T— Na
Flórida» um adepto de Leary fundou uma ou tra religião, a New Am erican Church . A partir destes modelos, numerosas outras seitas se vieram a formar. 101
28 de Dezembro de 1966, o S.D.S. publicou uma plataforma, o Antl-Draft Resolution, que tentava estabelecer uma relação entre economia, imperialismo, política e exército. «1. O S.D.S. reafirma a sua oposição à guerra imoral, ilegal e genocida do governo dos Estados Unidos contra o povo vietnamita em luta pela auto-determinação. «2. O S.D.S. reafirma a sua oposição ao alistamento, seja sob que forma for. Sustentamos que qualquer alista mento é coercitivo e anti-democrático e que é utilizado pelo governo dos Estados Unidos com fins de opressão, tanto dentro dos Estados Unidos cofno noutros países do globo. «3. O S.D.S. reconhece que o alistamento esté intima mente ligado às exigências do sistema económico e da política externa dos Estados Unidos ’“ .»
A EVOLUÇÃO MUSICAL A pop music camuflou a evolução dos movimentos de oposição, elaborando mesmo uma «filosofia»/ideologia que ia transformar-se no seu significado profundo (quando uma mú sica em si mesma não significa nada) quanto às suas orienta ções temáticas. E quando Bob Dylan, os Rolling Stones e os Beatles se inscreveram na mesma corrente, a unificação das suas produções favoreceu a formação duma variedade do rock and roll, consumível pelos estudantes, o rock, que provo cou um nítido aumento do montante de transacções da indús tria fonográfica. Foi o início da vitória do sistema capitalista americano sobre a crise universitária. No espaço de alguns meses — a partir de Março de 1965 — apareceram Subterranean Homesick Blues, Like A Rolling Stone e os LPs Bringing It All Back Home, Highway 61 Revisited de Bob Dylan, Mr. Tambourlne Man e o LP com o mesmo nome dos Byrds, Eve Of Destruction de Barry Mc Guire, Satisfactionm dos Rolling Stones, Help, Day Tripper/*9 l0S — Citado em Combats cíudiants duns Ic monde, pág. 58. io9 — Canção que reto mava, tal como I Feel Fine c Day Tripper, os acordes introdutórios empregados por Bobby Parker em Watch Your Step (1961). 102
/W e Can Work lt Out e o LP Rubber Soul dos Beatles Indiciavam não só uma profunda mudança musical, como também a integração (catarsis) na pop music das reivindi cações radicais. Lembremo-nos de que a «novidade» introduzida por Dylan na sua música se chamava guitarra eléctrica. A crítica e o público folk clamaram traição. Mas graças a ela, Dylan alcançou um público mais vasto e coleccionou hits, ainda que escarnecido quando apresentava em palco o seu grupo rock e abandonava canções como Blowin' In The Wind, With God On our Side, como aconteceu em 1935 no Newpcrt Folk Festival, frente a 80 000 espectadores. Numa entrevista de 1965 para a Long Island Press, declarou: «Nunca quis com por canções tópicas. Já ouviu os meus dois últimos discos, Bringing lt All Back Home e Highway 61 Revisited? Está lá tudo. Esse é o autêntico Dylan.» A uma pergunta sobre a razão de ser das suas canções sobre os Direitos cívicos, respondeu: «Foi a minha oportunidade... Não ia longe com aquilo que estava a fazer nessa altura — canções como as que escrevo agora. De igual modo, Broàd^Side [a primeira revista a publicar as suas canções] ajudou-me a arrancar"’.» A atitude retrógrada da crítica e do público folk revelava a sua incapacidade para apreender as transformações musicais exigidas pela urbanização da sociedade americana. Saudosista, incapaz de explicar as mutações, mas desejosa de ditar a excomunhão em massa dos cantores que violassem as suas normas, assim era essa crítica Tal como Big Bill Broonzy em Londres, Bob Dylan, em Newport, trocou a guitarra eléc trica por uma viola simples.1 0 1
110 — Sem con tar, porque passaram despercebidos na altu ra, com os pr.mciros LPs da Paul Butterfield Blues Band, dos Fugs, de Capta in Beefheari and his Magic Band; e com as primeiras exibições dos Jefferson Airplane, dos Grateful Dead (em S. Francisco), de Country Joe and the Fish (em Berkeley), dos Love, dos Doors (simultâneas com as suas primeiras gravações pa ra a Columbia, que permaneceram inéditas), dos Molh ers Of Inv ention (em Los Angeles), de Jimi Hendrix com o seu próprio grupo, do Velvet Underground (em Nova Iorque); e ainda as primeiras manifestações culturais cm S. Francisco (Fillmore Auditorium e Avallon Ballroom). m — Entrevista reproduzida em Zigzag, n.° 14, Agosto de 1970. m — O fantasma de pureza artística sustentava,inconscientemente, o te filtro de juízos/classificações. 103
De resto, as produções seguintes de Dylan desmentiram os seus detractores pois os LPs Highway 67 Revisited (1965) e Blonde On Blonde (1966) foram, a seguir a Bringing It All Back Home (1965), os seus melhores discos. Abandonando o tom moralista, humanista e enfático que caracterizava as suas canções políticas, elas próprias resultantes de lugares-comuns, de alegorias bíblicas, de facilidades literárias, recor reu, entre outros processos de inovação, à chamada técnica da escrita automática. Assim, contando a sua história, pôs-se a nu fazendo uso de expressões duras, cruéis e/ou cínicas. Reciprocamente, demonstrou a que ponto as suas primeiras canções eram «pré-fabricadas». Mas a sua investida no mer cado pop foi simultânea com o sucesso dos Byrds com uma composição sua, Mr. Tambourine Man. A prática alegórica, em pregada por necessidade, nessa altura, para evocar a droga, estendeu-se, tal como o tema da droga, tendo sido Mr. Tambourine Man o primeiro hit duma longa série de drug songs. Os Byrds tinham interpretado a canção num ritmo de rock'ríroll engendrado pelo baixo com o auxilio da batería; a sonoridade da guitarra-solo, extremamente clara, em harmonia com as vozes, denotava influências de folk/C&W, compreensíveis pela origem do grupo. Mas o que não foi revelado é que apenas Jim Mc Guinn, o guitarra-solista, tocou na gravação, enquanto os outros Byrds se limitaram a acrescentar as suas vozes. Para além do seu carácter anedótico, este facto ,,s demonstrou que o produto folk rock não era mais que a sobreposição técnica duma música «negra», o rock'ríroll, executada por músicos de estúdio, e dum meio de expressão vocal branco, o country & western, interpretado por folksingers. (Se a firma Sun de Memphis tinha já ensaiado a fórmula anteriormente, fora sempre com preponderância para as influências R&B.) 0 resultado foi portanto baptizado folk rock; recapitulando, Dylan era considerado como praticante desse gênero, ao passo que os seus acompanhantes (Mike Bloomfield, Al Kooper, bluesmen, Jaime Robbie Robertson, Richard Manuel, Rick
m — Po r exemplo, Léon Russel participou, com outros músicos, neste disco. Por isso vinha mencionado no primeiro LP dos Byrds, M r Tambourine Man. Esta prática (o emprego de músicos de estúdio) 6 corrente no rock , onde os talentos musicais nem sempre estão à altura da reputação dos grupos. Jimmy Page, entre muitos outros, elevou certos discos dos Them, Kinks, Who. 104
Danko, Garth Hudson, rock'n'rollers, ex-acompanhantes de Ronnie Hawkins) se limitavam a um rock'n'roll «tradicional». A firma Columbia, responsável pelo termo folk rock, transfor mou folk singers (Pete Seeger, Simón and Garfunkel, etc.) em cantores de folk rock, pela simples adição de guitarras eléctricas. De resto, em relação a Simón and Garfunkel o pro cesso foi caricatural. Bastará que o produtor de Dylan, Tom Wilson, acrescente um acompanhamento eléctrico ' e rítmico (baixo e batería) para que Sounds Of Silence seja n.J 1, mesmo sem os cantores terem conhecimento disso. Mas um novo fenómeno se produziu: Barry Mc Guire, em Eve Of Destruction, atacou violentamente o governo ame ricano envolvido na guerra do Vietname. Dois anos depois de Blowiríln The Wind, a violência da sua canção revelava o estado de consciência dos estudantes: a guerra, tornada realidade, solicitava os jovens para além-mares. Por outro lado, a intensa promoção feita a este disco descobria o poder de recuperação do sistema capitalista americano graças aos seus princípios «liberais.» O sucesso de Eve Of Destruction incitou os produtores a fazer protest: o mercado existia. Lou Adler, criador da Dunhill Records na Califórnia e produtor do sucesso de Mc Guire, transformou a artesanal protest song em indústria, fazendo usó de P. F. Sloan, «escrevedor» prolifero (vários textos por semana). 0 folk rock de Adler era diferente do da Columbia: gui tarras folk amplificadas, harmónica e batería a produzir o ritmo rock, uma grande orquestra discreta completando e alterando o modelo original. Alguns meses mais tarde, usando a mesma fórmula, os Mamas and Papas obtiveram um sucesso. California Dreamin , cujo tema perpetuava o mito edénico da Califórnia. Os Lovin' Spoonful, os Turtles, conseguiram outros hits classificados como folk rock. Se bem que este género se fizesse notar pelos seus artifícios, não deixava de ter o seu futuro asse gurado, pois atraía os antigos folksingers de Greenwich Village: Jim McGuinn (Byrds), Steve Stills (Buffalo Springfield), John Sebastian (Lovin’Spoonfull), Barry Mc Guire, ex-New Christy Minstrel, Paul Simón (Simón and Garfunkel), John Phillips (Mamas and Papas), etc.. 105
Em Londres, o folk rock impôs-se com Dylan, e depois com os Byrds, na primavera de 1965. Ameaçou a hegemonia dos grupos nacionais no mercado britânico, tanto mais que o Ft&B acabava de se esgotar. Os Rolling Stones encetaram então o seu período de transição com The Last Time, cópia de This May Be The Last Time, dos Staple Singers. Aban donaram por completo o acompanhamento blues, em favor da fórmula de Phil Spector (A/ot Fade Away) que assegurava um verdadeiro «muro» musical. No princípio do verão, iria resultar daí, sob a influência de Dylan, Satisfaction, tornado singular pelo uso da fuzz-box Primeiro hit composto por Jagger-Richard, quadrava perfeitamente com a imagem do grupo e de Jagger. Seguiram-se Get Off Of My Cloud (1965) e 19th Nervous Breakdown (1966). Por uma justa compen sação, a sua adaptação à situação americana valeu lhes ultra passar, por algum tempo, Além-Atlântico, a popularidade dos Beatles. Estes, por seu lado, com Help, testemunharam das mesmas influências sobre John Lennon. Desde então, a dupla Lennon-McCartney acabou com a produção de canções de amor para os adolescentes dançarem (Love Me Do, From Me To You, She Loves You, Carít Buy Me Love). As determina ções do ambiente musical e cultural tinham já melhorado a pobreza musical e literária do grupo. Em / Feel Fine, o gui tarra-solista, George Harrison, reproduzia o efeito do eco obtido em palco por Eric Clapton, e o emprego do sitar pelo suces sor deste, Jeff Beck, no seio dos Yardbirds, levou-o a ter lições cujos primeiros resultados se manifestaram logo no LP Rubber Soul (1965) com Norwegian Wood. Depois, Positively 4th Street, de Dylan, suscitou o Day Tripper dos Beatles. No álbum seguinte (Revolver, 1966) os passos em frente conti nuaram: o texto de Yellow Submarine tinha sido inspirado a John Lennon pela leitura de Psychedelic Experience de Timothy Leary; Eleanor Rigby utilizava arranjos sinfónicos. Love You To assentava totalmente no sitar; Tomorrow Never Knows tomava de empréstimo, em complemento do texto «Science íiction» de John Lennon, certas técnicas da música contempo rânea que lhe tinham sido transmitidas por Luciano Berlo e La Monte Young1 1
111 — A p a r e l h o m esm o
106
sem
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saturado.
m u s i c a lm e n t e
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Pela sua audiência, os Beatles desempenharam o papel de vulgarizadores duma cultura classificada como underground. As suas produções consolidaram as relações entre a pop music e a cultura. A pop music, para lá dos adolescentes, fazia a conquista dos «campus» universitários. Deste modo, as refe rências à droga, à oposição à guerra do Vietname, à cultura underground, às criações psicadélicas e Pop’Art, tornavam-se indispensáveis, enquanto a permanência da música rock'n'roll 'favorecia o seu consumo, como referência ao passado deste público. A par desta culturalização da pop music, surgiu uma nova imprensa musical. As companhias fonográficas de Los Angeles activaram a criação de revistas sobre pop music, enquanto, no Swarthmore College, aparecia Crawdaddy!, re vista redigida por «amadores» e fundada por um estudante de dezoito anos. Paul Williams, e inteiramente consagrada ao rock, que, juntamente com a crónica Popeye de Richard Goldsteln no Village Voice, foram as percursoras da «crítica rock». Os «campus», por sua vez, vieram a possuir numerosos jor nais r o c k ns. fenómeno que levará os exploradores do movi mento hippie a produzir Rolling Stone (Novembro de 1967), recuperando Crawdaddy! que será transferida para Nova Ior que em 1967. Em Inglaterra, entretanto, a pop music recolhia outras con tribuições: os Who, por exemplo, foram considerados adeptos da Pop'Art. 0 seu comportamento em cena, destruidor (eventração dos amplificadores pelo guitarrista, destruição do mi crofone contra os címbalos, demolição da batería, lançamento de bombas fumígenas), caricaturava o happening alargando/
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q u a re n ta .
1 07
interiorizando o simples espectáculo às possibilidades da violência e da provocação cénica e musical. A sua música, adaptando especialmente o soul de James Brown “ “ desconhe cido na época na pop music, ensaiou as sonoridades quali ficadas de psicadélicasm, o uso do larsen pelo guitarra-so lista Pete Townshend, assim como as possibilidades abertas à bateria pela transposição do papel rítmico pera a guitarra-baixo. Deste modo, Keith Moon modificou a abordagem da bateria r o c k Ils graças à prática constante de rufos nos tambores-baixo, nos tímbalos, na taróla e nos címbalos. Pete Townshend tornou-se, deste modo, o ideólogo desta «socie dade de jovens» britânica com os hits My Generation (1965), Substitute (1966). Na segunda destas canções os Who aban donaram o seu estilo R&B/soul em favor do rock, depois de terem lançado as bases da futura vaga blues A causa deste abandono poder-se-ia explicar pela investida da soul music no mercado pop em 1966, o que levou os Animais a reconverterem-se ao rock (Inside-Looking Out), mas, já não dispon do dum compositor-adaptador (Alan Price tinha-os abando nado no ano anterior), desapareceram, não obstante as espan tosas qualidades vocais de Eric Burdon (cantava «como um Negro»). Por seu lado, os Them, os Pretty Things, os Moody Blues, incapazes de escrever as suas próprias composições, cairam no esquecimento. Os próprios Rolling Stones, com a concorrência da soul music, decaíram, ainda que tendo jogado tudo ñas sonoridades indianas ( Paint It Black) e na 11* — I D on't Mind ; Píeose, Pleose, Please do LP The W ho ! My t/eneration ( 1 96 5) D E C C A . 1,7 — An yway, Anyho w, Anywhere; l'm A .Man do LP atrás citado. ns — Esta evolução anunciava o aparecimento de bateristas influenciados pelo jazz, cujo «to ur de force »/mom ento de proeza será o ritual do solo, qualquer que seja o valor do executante. Simultaneamente, o fenómeno irá afectar guitarristas, organistas, etc. Os critérios populares de apreciação substituirão a qualidade pela quantidade: Alvin Lee, Keith Emerson serão os melhores porque os mais rápidos; Eric Clapton, Ginger Baker, porque os ruáis resistentes; Hendrix, Page, porque os mais «fortes». Assiste-se à corrida à canção mais longa, ao solo mais comprido, etc.; as normas serão quantitativas (decibeis, watts, acordes por minuto, espectadores, discos de ouro) denunciando as relações estreitas «mantidas» pela pop music com a industria. nü — l'm A Man propôs o futuro esquema «blues»: tema e parte vocal — duas vezes — , depois «improvisações» individuais sucessivas (guitarra, pia no — Nicky Hop kins — bateria) com efeitos sonoros, e o retomar do tema e da parte vocal
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imitação (Have You Seen Your Mother, Baby, Standing In The Shadow?) dum hit de Ike and Tina Turner (River Deep, Mountain High). Manfred Mann, pelo seu lado, plagiou até ao exagero Bob Dylan (tf You Gotta Go, Go Now; Just Like A Woman), não hesitando já em fazer referência/reverência ao «mestre» ,:o, ao passo que, dois anos mais cedo, não teria tido qualquer benefício nisso. Quanto aos Small Faces e aos Kinks, resolveram-se a reintegrar a pop (Sha La La La Lee, A Well Respected Man): os Yardbirds, por sua vez, elabora ram o «psicadélico» (Still Tm Sad) graças ao trabalho sonoro do guitarrista Jeff Beck (Shapes Of Things: Over, Under, Sideways, Down). Apenas o Spencer Davis Group, pela amplitude do seu registo, pelo seu reportório blues, e pelas qualidades vocais de Stevie Winwood, se inseriu facilmente no R&B. Os seus esforços foram coroados por três hits que se ficaram a dever, em boa verdade, às composições do cantor de reggae Jackie Edwards (Keep On Running, Somebody Help Me, When I Come Home). recuo dos sucedâneos britânicos em favor da soul music tornou-se sensível, a partir de 1966, nos Estados Uni dos, tendo a sua percentagem de hits caído de 32 para 24 % Este declínio beneficiou as marcas nacionais que produziram nesse ano 60 % dos hits made in USA contra 45 % em 1965, mantendo as posições alcançadas graças aos grupos ingleses. 0
u° — o qual o considerava (e considera ainda) o seu ada ptad or/inté r prete mais fiel e original. m — Género musical originário da Jamaica, comparável aos blues nas suas determinações (escravatura, colonialismo británico), e que, musical mente, se aproxima do R&B com influências calypso. Conheceu uma explo ração na altura em que o rock’n’roll suplantou o R& B nos Estados Unidos e em que o calypso foi aí promovido, em 1956-57. A Grã-Bretanha, a fim de propôr reggae aos Jamaicanos fixados na metrópole, criou etiquetas (Island, Bluebeat, Trojan, etc.) onde gravaram cantores importad os : Desmond Dekker, Jimmy Cliff, Millie, Jackie Edwards, e alguns grupos: os Pyramids, etc. Em 1968-69, o seu sucesso ultrapassou as tabelas reggae inglesas para penetrar nas tabelas pop, devendo-se este fenómeno aos skinheads (cabelos curtos e indumentárias sóbrias como reacção ao aparato «hippie»), jovens de origem operária que optaram por esta música própria para dançar como reacção ao crescente intelectualismo do rock. m — Esta baixa prosseguiu regularmente: 1967 , 20%; 1968, 14%; 1969, 10%. 109
A multiplicação dos sucessos americanos derivava da extensão do folk rock, como era atestado pelos hits de Simón and Garfunkel ( Sounds Of Silence, l'm A Rock, Homeward Bound), dos Mamas and Papas ( Monday, Monday; I Saw Her Again), de Bob Dylan (Rainy Day Woman n.° 12 <5 35, / Want You), dos Byrds (com novas drug songs: 5th Dimensión, Eight Miles High), de Donovan (exilado nos Estados Unidos a seguir a um caso de droga, tinha sido lançado como réplica de Dylan: Sunshine Superman; Mellow Yellow). Por outro lado, o sucesso de Sonny and Cher, que carica turavam os beatniks/drop, testemunhava da ofensiva do sis tema contra o movimento «hippie». 0 folk rock de 1365-1966, com efeito, tinha atraído as atenções sobre a Califórnia (Los Angeles, mas também S. Francisco) tanto pelos temas como pela localização geográfica dos novos grupos, sendo este último facto determinante do primeiro. Por esta altura, um velho grupo californiano, cs Beach Bóys, aproveitou a onda para se integrar no rock, tanto mais que Derek Taylor, que tinha colaborado no lançamento dos Beatles e depois dos Byrds, tinha remodelado o grupo. Outrora símbolos do dile tantismo, fanáticos de surf e de carros, os Beach Boys repensaram o seu valor de troca deixando crescer os cabelos e afectando um ar «negligé» estudado... Imediatamente con sumidos como imagem do novo Éden,nem por isso despre zaram a sua originalidade musical. Brian Wilson não aban donou mais os estúdios, afastando-se dos palcos para se consagrar às suas pesquisas técnicas ( Sloop John B., God Only Knows, Good Vibrations) que permitiram aos Beach Boys, com o LP Pet Sounds, rivalizar, em 1966, com os Beatles. Mas foram os Lovirí Spoonful que conheceram a maior po pularidade por um recurso directo ao chamado mundo da adolescência, já que John Sebastian soube' alternar o rock e o folk rock ( Summer In The City, Nashville Cats, Daydream, Do You Believe In Magic?).
Enfim, a Atlantic, contratando, os Young Rascais, resolveu não cado pop. No ano seguinte, com rado pela folk, o grupo obteve
em 1965, um grupo branco, ceder o seu lugar no mer um rock muito pouco alte alguns hits (Good Lovirí,
You'd Better Run). Mas o folk rock não constituiu mais que uma etapa
para a indústria fonográfica. Se é verdade que permitiu aos Estados Unidos restabelecer o seu domínio musical e eco110
nómico na pop music, depois dos grupos ingleses terem relan çado o consumo de discos pelos jo vensIM, o seu aspecto «comercial»m não conseguiu, no entanto, controlar a crise estudantil. Donde, a necessidade de condicionar meios de expressão «novos» e/ou diferentes, a fim de dar o aval ao aspecto underground da música elaborada em S. Francisco e Londres. Os Beatles (Rubber Soul, Revolver), Bob Dylan (Sringmg It All Back Home, Highway 61 Revlslted, Blonde On Blondo), os Byrds (Mr. Tambourine Man), os Rolling Stones (Aftermath), os Beach Boys (Peí Sounds), tinham revelado que o álbum se tomara um enquadramento mais próprio para as suas músicas. Devido aos antecedentes no rock (LPs da Paul Butterfield Blues Band, dos Fugs, de Captain Beefheart and his Magic Band, de John Mayall, da Graham Bond Orga nizaron (1965), dos Love, do Blues Project, dos Mothers Of Invention, dos Jefferson Airplane, da Incredible String Band, 1966), o seu fracasso, mais ou menos nítido, tinha sub traído o fenómeno à atenção geral. Foi o álbum Sergent Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967) que incitou a indústria a promover, em relação ao rock, o LP. Os Beatles centraram o seu álbum numa ¡deia: a caricatura do rock. Não só a ordem dos títulos suscitou análises e reflexões «filosóficas» que eles próprios eram incapazes de exprimir, como também a idéia (significado) fazia do LP o seu significante (investimento que justificava uma minutagem superior, quarenta minutos, em vez de três). Para os Beatles foi a hora de apoteose: enalteceu-se a sua música «sintética» e «universal», o seu papel sócio-cultural, quando, afinal, a colaboração entre Len-*6 3
,2S— Depois dos escândalos que o rock’n'roll tinha conhecido, em 1959, as vendas estagnaram. Se o montante de transacç ões aum entou, Isso ficou a dever-se às vendas de LPs (75%) (1958: 1 LP disco de o uro; 1962: 36 LPs discos de ouro), LPs estereo (princípio introduzido no mercado com os gira-discos estereo, em 1958) pelos adultos, Foi só em 1964-65 que as vendas «jovens» vieram a aumentar, primedro com os «singles» (discos de ouro x 2), e, em seguida, com os LPs (7 discos de ouro — Beatles — em 46, em 1964*65). m — pa ra corresponder à ilusão de autonomia social/económ ica condi cionada pelo fantasma da autonomia e da pureza artística exprimida pelo anátema sóld out — vendido — , o sistema soube en con trar meios de expres são contrastantes e formalmente virgens de toda a recuperação. 111
non e Mc Cartney estava a acabar,;5; para a industria «da música», o principio pomposamente baptizado concept serviu para promover os LPs em oposição ao hit ( = comercial). O rock, veículo de textos para uso dum público mais «ma duro» e mass media da transmissão da ideologia dominante e da sua reprodução (não-violência, «hippismo»), encontrou um dos seus meios de expressão «novo»/diferente, e a in dústria a oportunidade de um lucro maior.
O MOVIMENTO HIPPIE
Simultaneamente à definição pelo S. D. S. da sua nova linha política, o movimento hippie desenvolveu-se fortemente, entre os fins de 1966 e os seis primeiros meses de 1967. Desde logo, um pouco por toda a parte, constituiram-se cen tros de apoio. Entre os mais citados, apontemos a comunidade de Galahad em Nova Iorque. Galahad e o seu amigo Groovy, chegados a esta cidade em 1966, decidiram apoiar os hippies. Sem quaisquer posses, decidiram alugar três apartamentos cu jas rendas foram pagas por diversos processos (peditórios e o pouco dinheiro que os hippies que lá pernoitavam lhes deixavam). No que toca à alimentação, à semelhança dos futuros Diggers, recuperavam os restos dos restaurantes ou as mercadorias tornadas impróprias para consumo. As comunidades construídas segundo este modelo desenvolveram-se rapidamente. Algumas delas, devido ao estreita-
m — Não sc trata do trabalh o de composição em comum limitado aos seus hits de 1963-64, mas da sua colaboração musical, da qual A Day In The Life (1967) se conserva como a obra-prima. Este divórcio veio de John Lennon, que não queria continuar a manter o mito Beatles, grupo cataüzador /vulg arizado r dum a cultura (na realidade, campo — exposto, vigiado, analisado — de múltip las determinações culturais [leituras, filosofias, arte psicadélica, drog a, músicas, etc.] mal assimiladas e muitas vezes ingenuamente reflectidas e/ou sob forma de tópicos/ «clichés»), mas decidido, ao contrário, a «fazer música»: o rock’n’roll: Back In The USSR, Yer Blues, Revolution (1968), Bailad Of John And Yoko, Come Togheter (1969). Oeorge Harrison iria substitui-lo nesse papel mistificador junto dum Paul McCartney de novo reduzido às suas especialidades: baladas, composições «sinfónicas» 112
mento de laços entre os seus habitantes, passaram a cha mar-se tribos. Em 1967, contavam-se vinte e três em Nova Iorque, reunindo entre quàtrocentos e quinhentos hippies. Ginsberg fo i o chefe duma destas tribos (uma vez por mês, os vinte e três chefes reuniam-se para discutir os problemas das suas comunidades e para tentar resolvê-los). Algumas des tas comunidades especializaram-se na defesa de hippies pre sos, como por exemplo os «Jades Companions» (juntavam dinheiro para pagamento das cauções). Outros, preocupa vam-se principalmente com a recuperação de tudo o que fosse comida, para servir refeições gratuitas. Ainda em Nova Iorque, Abbie Hoffman abriu a primeira loja gratuita da cidade. As comunidades floresceram em vários Estados, mas con centraram-se na Califórnia. No princípio de 1967, em Haight Ashbury, Emmet Grogan fundou os Diggers, o organismo de ajuda mais típico e mais conhecido do movimento. Estes novos anarquistas, nas suas realizações, deram formas con cretas, mas reformistas, à utopia. Inauguraram «a era da gratuitidade» em S. Francisco. Todos os dias, com o auxílio de diversos donativos recebidos, paravam a sua furgoneta Volkswagen próximo de Haight Ashbury e distribuíam pratos quentes. Além das dádivas de comerciantes e de donos de restaurantes, os Diggers entraram em contacto com a comu nidade de «Morning Star», cujo principal objectivo era a cul tura de legumes. Em troca, os Diggers enviavam;lhes traba lhadores. De certo modo, reiteravam, nos factos, o capitalismo. Foi depois a vez dos Diggers retomarem a experiência da gratuitidade no comércio: mercearias, lojas de roupas e restau rantes vegetarianos. Toda a gente trouxe para estas lojas aquilo de que já não fazia uso. Grupos de Diggers vieram a formar-se noutras cidades: Nova Iorque, Los Angeles, Bos ton. Chicago, etc., até Toronto (Canadá). Os Diggers de Toronto, além das refeições, ofereceram também aos hippies assistência judicial gratuita. Mencionemos, entre outras, as seguintes organizações de ajuda, .em S. Francisco: a Haight Ashbury Legal Organisation para a defesa jurídica, a Hip Job Coop para os «part-times» e a Huckleberry’s Organisation para as dormidas. Em Los Angeles, o centro Kerista encarregava-se de arranjar dormi das e proteínas. 113 a
Contudo, as formas mais interessantes continuavam a ser as clínicas gratuitas, tendo uma das primeiras sido fundada pelo doutor Smith, em Haight Ashbury, com a ajuda dos hippies que constituíam também a maior parte do pessoal, e as universidades livres, a mais conhecida das quais é a de Berkeley (os cursos mais frequentados ligam-se ao simbolismo dos «tarots», ao yoga, filosofias orientais, à ecologia e à guer rilha urbana). Estas duas estruturas justificavam-se, uma, pelo acréscimo constante, em 1967, da população hippie, a outra, pela multiplicação, entre 1965 e 1967, dos teach in nas univer sidades, assim como pelo número de estudantes ou ex-estudantés no movimento. Dentre as outras características do movimento, mencio nemos também o be in e o love in. Depois da inauguração, em 6 de Outubro de 1966, por cerca de trinta mil hippies, do primeiro love in (manifestação de amor e paz, prelúdio dos futuros festivais) sobre os relvados do Golden Gate Park de S. Francisco, seguiu-se, no mesmo local, o grande human be in (espécie de Congresso) de 14 de Janeiro de 1967, que esteve na origem do flower power. Entre trinta e cin quenta mil participantes (Ginsberg e Leary entre eles) com flores no cabelo e guizos na mão, tinham-se juntado aí ao cuidado dos Jefferson Airplane, Grateful Dead e Quicksilver Messenger Service. A festa só viria a .acabar de madrugada A presença de música nesta manifestação não é de espan tar. Com efeito, os hippies, além de usarem a viola como emblema, reuníam-se frequentemente no ambiente eléctrico do acid rock e dos light shows do Avalon Ballroom e do Fillmore Auditorium, no que toca à Costa Oeste, ou do Palm Gardens, para Nova Iorque. Esta música, dita psicadélica, rejeitou, pelo menos no seu início, a comercialização. Assim, os Gra teful Dead e os Quicksilver Messenger Service (ao contrário dos Jefferson Airplane) recusaram a assinatura de contratos com os industriais de Hollywood; esta posição «digna» reflectia bem a origem dos elementos dos grupos; saídos do movi mento hippie, reproduziam fielmente a sua atitude filosófica de recusa. Durante os primeiros meses de 1967, estes grupos participaram apenas nas manifestações dos flower children,
— Man ifestação idêntica, algumai 1967) no Central Parir de Nova Iorque. m
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semana l
mais
tarde, (Março
de
mesmo assim gratuitamente. Consequentemente, espalhou-se a idéia de que uma free music seria possível ™. Ainda por cima, as declarações de Lennon-McCartney ou as composições de Sergent Pepper's... assim como as posições tomadas pelos Stones em face do movimento hippie, vieram aumentar a con fusão, fazendo desempenhar à pop music/rock o pape) de «reflexo» da «nova» juventude (objecto e sujeito da tomada de consciência). Já que os hippies reivindicavam esta música, ela, por sua vez, declarou-se pertença deles. Os Beatles e os Stones, considerados como os leaders da pop music, torna ram-se os «mestres» da geração florida. O movimento hippie, ponto culminante da crise social e política, ideológica e universitária, conjugou-se com uma recrudescência da agitação e uma desmistificação mais pro funda do sistema de educação. Em Fevereiro de 1967, Ramparts, a revista underground, denunciou a infiltração da C. I. A. nas universidades, o que provocou alguma «agitação» no público e uma intervenção policial e judicial contra os directores da revista. A presença da contra-espionagem americana no ensino fez acreditar defi nitivamente, entre os estudantes, a hipótese duma ligação directa entre o ensino e as superestruturas de força. Pouco depois, foram denunciadas as pesquisas sobre a guerra quí mica e bacteriológica (Universidade de Pennsylvania), assim como as actividades do Instituto para a Análise da Defesa que organiza estudos, em algumas das universidades mais importantes, sobre estratégia contra-revolucionária. Em Abril, depois das manifestações contra a guerra em Nova Iorque e S. Francisco (reunindo entre dez e vinte mil pessoas), o S. D. S. criou a Anti-Draft Union (Sindicato contra o recenseamento) e constituiu serviços para desertores, em contacto 0
m — Na realidade, a exemp lo dos Jefferson Airplane em 1966, a maior parte dos grupos Unha assinado contratos e faz>ia os seus primeiros álbuns. Foi assim que, na Primavera de 1967, saíram Elec tri c M usic For Th e M in d A n d B ody (Country Joe and tbe Fish), Big Bro th er o nd th e H old in g Company, The Groteful Dead, Moby Grape, aos quais a indústria fonográ
fica acrescentou o segundo álbum dos Jefferson Airplane, Surrealistic Pillow, t os LPs dos grupos de Los Angeles, The Doors, Da Capo (Love), Th e Vélvet Underground and Nico, Absolutely Free (Mothers Of Invention), constituindo a amálgama altamente comercial/ideológica denominada West Coast. A promoçfto do to do f oi assegurada, à escala na cional, em Junho, atravée do Festival de Monterey.
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com as comunidades hippies. Cada vez mais, foi proclamada a desobediência cfvica: «já em 1967, 952 jovens tinham sido condenados a penas por vezes bastante pesadas, por se recusarem à incorporação “ ». (Em 1968, o número de recusas de alistamento variará entre 75 e 150000.) Em Maio, as orga nizações estudantis obrigaram a Universidade de Pennsylvania a interromper as pesquisas sobre guerra química e, em Junho, lançaram uma campanha de informação sobre a guerra do Vietname (Vietnam Summer). Em escassos meses, mais de vinte manifestações, no decorrer das quais se celebrou o Vietnam Day Cominee, se sucederam à porta da empresa Dow Chemical Co. (Califórnia) que fabrica o napalm. O facto de se voltar a pôr em causa o estatuto e a função da universidade estava agora a prejudicar, segundo os regents, o rendimento desta. Tornava-se necessário à classe dominante travar esta amplitude nova das lutas estudantis, tarefa tanto mais difícil quanto as situações externa e interna (causas dá crise) engendradas pela política dos Estados Uni dos eram extremamente tensas (525 000 homens estavam nessa altura no Vietname e, em Junho-Julho, os motins de Cincinnati, Newark, Detroit, tinham causado mais de 70 mortos e 3500 feridos). A resposta desencadeou-se portanto em duas frentes: ideologia e indústria.
Le
“ — C itad o em Inttrnettio nale Êtudiante de J. J. Brochier e B. Oclgart, Seuil, Paris 1968, pág. 249.
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3
A CANALIZAÇÃO DA CRISE
1. A FIXAÇÃ O
Desta vez, os estrategas optaram por uma táctica mais simples e subtil que a de 1966 (campanha anti-droga). Numa primeira fase, delimitaram a crise através da criação dum abcesso de fixação. Local: Califórnia; objecto: o movimento hippie e a sua filosofia da recusa (os hippies eram ainda, nessa altura, quase completamente marginais em relação ao sistema econômico). Simultaneamente, a 7 de Julho de 1967. Time Magazine (três milhões de exemplares) e Life (sete milhões de exemplares) publicaram, a primeira, um inquérito sobre os hippies, a segunda, uma reportagem sobre os teeny-boopers. Espectacularizando o fenómeno, a imprensa tentava ocultar, ao mesmo tempo, a crise universitária e a repressão contra os Negros1” . Ao mesmo tempo que atraía a atenção do movimento hippie para os perigos da droga, a ideologia dominante estava a recuperar, ipso facto, a sua filosofia e o seu gosto pela não-violência (deste modo se passava a privilegiar o mov i mento dos Direitos cívicos em detrimento do Black Power). A «boa consciência» americana estava a salvo, a contesta ção aparecia apenas como uma crise moral da juventude (conflito de gerações). Textos como estes permitiram assim orientar/reorientar os jovens em ruptura ou em vias de rom perem com o sistema para uma revolta «aceitável», que era elevada, por meio da publicidade, ao nível de modelo. Para além disso, esta operação dissimulava dois outros objectivos, a saber, o enfraquecimento/isolamento dos grupúsculos de *
*** — O núm ero 274 de Inform ati on* A D oc umen ts (Janeiro de 1969) forneceu a confirmação pois que, a propósito destas reportagens, publicou o seguinte comentário: «Dois dossiers que oficializam um fenómeno até aqui considerado menor, proyectándolo bruscamente para o primeiro plano da actualidades
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extrema-esquerda, e o convite aos jovens para se dirigirem aos próprios locáis onde os hippies viviam. Esta contra-ofensiva, montada no início das férias escola res, teve o sucesso que se esperava, auxiliada, involuntaria mente é certo, pela imprensa underground, que «exaltava» a rebelião hippie e a sub-cultura. Milhares de jovens e de turistas confluíram assim, no verão, para S. Francisco e Los Angeles “ . Logo que o movimento de «revolta» ficou circunscrito (a propósito disto lembremo-nos da transformação, levada a cabo pelos mass media, de Nanterre em ghetto/base do «gauchismo»), a burguesia encetou a segunda fase da opera ção, recuperando cultural e comercialmente o movimento. Para conseguir isto, a indústria fonográfica colocou-se em terreno «adversário»: música, psicadelismo, cultura, underground, etc..
OS MEIOS MATERIAIS: OS ESTIMULANTES
a.
Os estimulantes recuperados
1. O festival: Depois dos be In/love in, a recuperação da música pop orientou-se para o isolamento desta enquanto objecto de consumo. Como prova disso, o f'jlk festival de 1967 em Newport: «Não foi a 'insurreição' de Newark que mostrou a que ponto Newport estava deslocado. Newark não fez mais que sublinhar e ampliar o anacronismo. Houve um tempo em que os festivais de Newport eram capazes de servir de síntese e de plataforma para muitas coisas novas, em transformação e significativas, na América. (...) Mas em 1967, a causa da folk music estava vitoriosa [e no entanto] não havia ninguém em Newport verdadeiramente capaz de
* • — Michel Lancelot faz notar, no prólogo cron ológico do ieu livro (pág. 16): <7 de Julho de 1967: os hippies contam-se, presentemente, em mais de 3S0 000. Na da deixa crer que este progresso numéribo se interrompa. Estudantes universitários, e mesmo colegiais, juntam-se a eles assim que as aulas acabam, e, por vezes, mesmo... antes. As fugas de adolescentes multiplicam-se no seio das familias americanas, sem distinção de classe.»
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agir ou de reagir em favor de Newark. Nem mesmo os Chambers Brothers, eles próprios vindos de Watts, foram capazes de insistir sobre a realidade, num momento em que a ilusão estava tão próximo de cair por terra.» (Irwin Silber, Sing Out!, n.° 5, vol. 17, Outubro/Novembro de 1967). De resto, nenhuma alteração foi feita no quadro do espectáculo, a não ser a sua própria consagração como estrutura alie nante. E o . primeiro festival «integrado» só diferiu pelo au mento dos participantes. Com efeito, quinze mil espectadores assistiram, em Junho de 1967, ao Fantasy Faire and Magic Mountain Music Festival (monte Tamalpais, a noroeste de S. Francisco). Contudo, este «primeiro festival pop do mundo» não teve grande eco. O de Monterey, em contrapartida, de terminou, durante os verões de 1969 e 1970, a multiplicação do princípio, ê que, para a sua promoção, nada foi deixado ao acaso: a organização recaiu em especialistas, na circuns tância um publicista (Derek Taylor), produtores (Lou Adler, Andrew Oldham) e músicos (John Phillips, David Crosby, Paul Simón, Paul McCartney). Durante três dias, este festival acolheu entre cinquenta e cem mil espectadores e serviu de trampolim (a nivel nacional, pela audiência do filme que dele foi feito) aos grupos californianos (Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Grateful Dead, Moby Grape, Big Brother and The Holding Company com Janis Joplin) e ingle ses (The Who, The Jimi Hendrix Experience). O psychedelic/ /underground levou assim de vencida a música «dos anos 63-66» (Beatles, Rolling Stones, Dylan, folk rock). O futuro e o sucesso desta música estavam tanto mais assegurados quanto este new sound era destituído de qualquer «passado» e, portanto, de qualquer traço de compromisso. Um ano bastou para que o festival se tornasse um apoio real da indústria pop: o tempo necessário para que, depois de produtores e músicos, a idéia «seduzisse» os banqueiros. E o verão de 1969 assistiu, nos Estados Unidos e na Europa, a uma sucessão de festivais-feiras. Big Sur (gratuito), Woodstock (gratuito à força), ilha de Wight (para Dylan), por seinscreverem (os dois primeiros) algo à margem da exploração comerciai, impuseram a imagem ideal da comunhão das mas sas com o espectáculo da sua alienação. Mas a recuperação mercantil (filme, disco triplo) e ideo lógica (aos «três dias de paz, de música e de amor» da Warner Bros, fez eco a Woodstock Natíon de Abbie Hoffmann) 121
de Woodstock foi suspensa pelas consequáncias do festival d'Altamont. Organizado à pressa pelos Rolling Stones no mo mento em que terminavam a sua digressão americana do Outono de 1969, este festival foi, na verdade, palco de vio lências «imprevisíveis» mas que viriam a ser exploradas a seguir. Os Hell's Angels, que tinham sido incumbidos do ser viço de ordem a troco de quinhentos dólares em cerveja, repeliram por várias vezes, com tacos de bilhar, os especta dores que tentavam subir ao palco. Ao que parece, mataram um jovem Negro, Meredith Hunter, com várias facadas, com o pretexto que ele teria brandido um re vólv er1” . Conta-se também que enquanto o crime se desenrolava, mesmo à sua frente, os Rolling Stones não interromperam senão por um momento Sympathy For The Devil Na sequência destes acontecimentos, a maior parte dos Estados publicaram leis que, ao limitarem o número de espec tadores, vinham complicar, de futuro, a tarefa dos organiza dores. Não obstante estas medidas, o princípio do festival voltou a ser aplicado, no decorrer do verão de 1970. Mas só a Europa pôde ainda organizar festivais — «salões de mú sica»: Bath, Rotterdam, W ig ht... A despeito de tais transformações, o valor estimulante e recuperador do festival continua inegável e mesmo reconhe cido. 2. As marcas independentes: Quando, em 1966, o movi mento hippie surgiu, e com ele as idéias de escapar ao sis tema (gratuitidade, contra-cultura e circuito paralelo), apa receram e desenvolveram-se pequenas firmas (Dunhill, World Pacific, etc.) nas quais se lançaram os grupos da West Coast, na esperança de escapar às pressões comerciais. Mistificados, os hippies relacionaram-se com estas noções de «indepen dência» e de «marginalidade». Para mais, na tentativa de cana lizar o potencial de consumo (e depois a totalidade da exis tência) da juventude, as companhias fonográficas nacionais fundiram-se nas independentes, conservando contudo a eti1.1 — Balanço final desta manifestação: quatro mortos (dois desastres de automóvel, um afogado, um assassínio) e dezenas de feridos. Pelo contrário, os quatro partos são uma invenção da organização para contraba lançar as quatro mortes. 1.2 — Veja-se Gimme Shelter realizado pelos irmãos Mysles, a partir de Altamont. 122
queta original, a fim de não se perderem as conotações que o rótulo underground implicava. Donde uma profusão de sub-marcas, dum e doutro lado do Atlântico. 3. A imprensa «underground»: A partir de 1964, as mar cas independentes tinham contribuído, através de anúncios publicitários, para a formação duma imprensa underground, sobretudo em Los Angeles. Mas, prioritariamente consagrada à pop music, ela veio a aproveitar-se da confusão que o seu aspecto gráfico criava com a autêntica imprensa underground. A compra das marcas independentes, a partir de 1968, não acabou com esta imprensa, apenas a sua independência de princípio cedeu o lugar a um controlo financeiro mais evi dente (Rolling Stone, por exemplo).
b.
Os estimulantes criados
1. As salas tipo «Fillmore»: A primeira sala deste tipo abriu em 1966, em S. Francisco. 0 princípio do Fillmore Auditorium assentava na aplicação comercial do light show, que visa criar a ilusão dum espectáculo total pela ruptura (superficial) da relação músico-espectador. Para isso, foram suprimidas as cadeiras. 0 grande volume sonoro, os aromas de incenso e droga, acentuavam a ilusão. Quanto ao processo, em si, do light show, «tomado de empréstimo» principal mente a Mark Boyle, consistia na projecção numa tela (por detrás dos músicos), das deformações, provocadas pelo calor do projector, de gotas artificiais de gelatina corada. Além disso, eram intercalados dispositivos de rostos e de poses eróticas. Em resumo, o espectáculo devia recriar, artificial mente, os efeitos duma «viagem» com LSD. 0 êxito do Fillmore (dirigido e concebido por Bill Graham) determinou a criação, em S. Francisco, dum outro «hall» musical, o Avallon Ballroom, e depois, nos meses seguintes, apareceram o Palm Gardens e o Fillmore East em Nova Iorque, o Winterland em S. Francisco, o Aragón Ballroom em Chicago, etc..2 2. As estações de FM: A estação de FM (Modulação de Frequência) KMPX de S. Francisco impôs, em Janeiro de 1967, um novo estilo radiofónico. Até essa altura, as esta123
ções convencionais (AM: ondas longas/médias/curtas) faziam eco das classificações de vendas de «singles»/pop music (princípio do Top 40 datando da expansão do mercado dos «45 rotações», em 1954-1956). A KMPX difundiu títulos ex traídos de álbuns, provocando assim o desenvolvimento do mercado do LP è volta de S. Francisco (a curto prazo) e ace lerando a evolução para o álbum (a médio prazo). Devido à sua difusão em modulação de frequência, até aí destinada à música clássica e ao «jazz», a pop adquiriu um rótulo de «qualidade». De 1969 em diante, a influência das estações FM nas vendas ultrapassou a da rede Top 40/AM A televisão imitou, a partir do Outono de 1970, o prin cípio FM, programando espectáculos de progressivo rock, quando, anteriormente, o rock não tinha direitos de cidadania nos écrans. 3. As digressões «estilo Cream»: Este princípio da pro moção dum produto/grupo, à escala nacional, ascendia a 1967, data da primeira digressão dos Cream pela América. Cada visita a uma cidade importante era precedida por uma cam panha na imprensa underground e (mais tarde) por uma pro moção nas estações de FM. 0 êxito dos Cream incitou os promotores a lançar, por este processo, cada novo produto/ /grupo inglês: Ten Years After, Led Zeppelin (1969), Jethro Tull, Joe Cocker (1970), Emerson, Lake & Palmer, Elton John, Faces (1971), etc.. 4. O cinema «pop»: Ao cinema que exibia vedetas pop/rock em filmes de ficção (Presley, Cliff Richard, Beatles), veio juntar-se um cinema directamente musical: a gravação de festivais. Se o Dorít Look Back de D. A. Pennebaker não rendeu o que se esperava, o seu filme seguinte, Monterey, veio indicar o caminho a seguir. Woodstock,3i enveredou**
*** — Em boa verdade, as estações Top 40, difundindo apenas «singles», influem afinal nas vendas de álbuns, pois o sucesso dum «single» acarreta normalmente a saída dum álbum que normalmente se vende bem. 334 — Com este festival, culm ina a edificação dum a consciência alienada. Notem os que o filme fez en tr ar nos U.S.A. vinte e dois milhões de francos para a W ar ne r Bros, em dois meses de exclusividade, enquanto o triplo-álbum realizado com as gravações do festival rendeu noventa milhões (só nos U.S.A.), sem falar do segundo triplo-álbum, editado pela Cotiilion. sub-marca da Atlantic, por sua vez filial da Warner Bros. 124
totalmente por esse caminho, resultando dai um sucesso comer cial (triplo álbum) e ideológico (mito dos «três dias de paz, música e amor»). A partir daí, a lista não parou de crescer 5 + 1 . Let It Be, Amougies, Gimme Shelter, 200 Motéis. Joe Cocker: Mad Dogs and Englishmen, Rainbow Bridge, Jimi Plays Berkeley, etc., o que traduz uma «tomada de consciência», por parte da indústria cinematográfica, da importância da mercadoria «jovem» '(segundo certas sondagens, 60% dos espectadores tinham menos de trinta anos). Também os temas dos filmes de enredo, por sua vez, se modificaram: The Gradúate (1968), Easy Rider (1969), Strawberry Statement, Atice's Restaurant, Zabriskie Point, MASH. Catch 22 (1970), Five Easy Pieces, Joe, etc. (1971).155 A crítica super ficial da sociedade americana passou a entusiasmar um pú blico numeroso e uma Hollywood decrépita. A partir desse momento, a Warner Bros pôde arriscar-se a fazer sàir Performance, um filme feito dois anos antes; Mick Jagger, arqué tipo da época, substituiu Sinatra e Brando no coração dos fans. O imenso sucesso mundial de Hair. anunciador de O Calcutta e doutros Trepa ai acima, e verás o meu Cristo, veio confirmar a mesma tendência no domínio da comédia musical. 5. As sub-marcas: O fenômeno da sub-marca manifestou-se de forma mais evidente na Grã-Bretanha, se bem que tenha raízes americanas. Manifestando-se a partir de 1967 (pois a Inglaterra não estava fora do «movimento psicadélico») com a criação da Deram pela Decca, da Track pela Polydor, da Blue Horizon pela CBS, veio a estender-se em 1969, com a formação da Harvest pela EMI e da Vértigo pela Phillips e, em 1970, da Down pela PYE. Sucedia à vaga das marcas indepen dentes aparecidas em 1966-1967: Island, Immediate, Page One, Reaction, Major-Minor, Regai, Zonophone. Nos Estados Unidos, as marcas independentes transfor maram-se em sub-marcas. A GRT adquiriu a Thumb e, mais tarde, a Chess; a ABC Paramount comprou a Dunhill Records por quatro milhões de dólares; a Transamerican Corporation (seguros) comprou a World Pacific e a Liberty; Gulf & Western
**” — Jo e permanece (permanecerá) como o resultado repugnante/mistifi cador deste contra-senso histórico: classe operária e juventude-classe ( = revo lucionária)
125
Industries fizeram outro tanto com a S ta x /V olt1"; a Elektra foi cedida por dez milhões de dólares à Kinney International Service Incorporated (parques de estacionamento) que já se apropriara da Warner Bros/Reprise e, em 1967, por dezassete milhões de dólares, da marca Atlantic-Atco-Cotillion Estas sub-marcas («independentes») especializaram-se em LPs, atribuindo-lhes um carácter de marginalidade. 0 que veio separar a produção fonográfica em dois sectores, «jovens» e «adultos» (mais clássico). Por isto, revelaram-se determi nantes na recuperação comercial da crise da juventude ame ricana. 6. O comércio destinado aos hippies: depressa floresceram as lojas de vestuário e os bazares onde se podiam encontrar emblemas, posters, cachimbos para marijuana, bolsas de tabaco, guizos, pérolas e velas coloridas, lenços pslcadélicos. Se é verdade que os bazares quase não sobreviveram ao movimento, as lojas de vestuário, pelo seu lado, mantiveram-se com a criação duma moda «hippie».**
*** — Em 1970, a St ax /V olt (por d o » milhões de dólares) e a Blue Thumb obtinham de novo a liberdade. A sua compra não tinha rendido os frutos esperados. ,n — Esta concentração veio transformar a fisionom ia da indústria fonográfica, em 1971: Trust Kinney (marcas: Warner Bros/Reprise, Atlantic/ /A tc o/C oti llion, Elektra), cerca de 20% do M. T. (montante de transacções) da indústria; CBS (marcas: Coiumbia/Epic), 16%; Capítol Records (filial do grupo industrial britânico EMI), cerca de 9%; Tamla Motown (marcas: Gordy/ /T ara la /S oul/M oto wn) firma independente, cerca de 9%; London, 5,8%; A&M, firma independente, 4,5%; lib er ty /U A /W or ld Pacific, 4%; Apple, 3,5%.
126
2.
OS MEIOS IDEOLÓGICOS
Todos estes estimulantes, reforçando a mercadoria-disco, desenvolveram o montante de transacções da indústria fono gráfica. Esta a razio porque, na indústria pop, nos interessa, antes de tudo, a produção material e, no seio desta, o álbum, que, nos Estados Unidos, representa cerca de 90% do M. T. (montante de transacções) total realizado no mercado do disco. Para avaliar da importância (económica) do álbum, de componhamos o seu preço de «retalho» nos seus diferentes elementos, tanto em relação à Grã-Bretanha como à França. A. Na Grã-Bretanha, em 1970 (onde o LP representava 83% do M.T. total). Custo de produção: prensagem, im pressão, despesas de gravação, diver sos, encargos (entre eles os salários). direitos de artista, direitos de autor Lucro da co m p anhia ........................
11,60 Francos 39,4% 3,10 » 10,6%
Preço de c u s t o ................................. Imposto (50% do preço de custo)
14,70 7,35
» »
25 %
Preço por grosso para o revendedor Lucro do vendedor (taxas a reduzir)
22,05 7,30
» »
25 %
Preço médio de venda dum álbum pop
29,35
»
100 %.
— No s Estados Unidos, tais cálc ulo s. s lo mais complexos devido á divisão do território em cinquenta Estados, cada um com a sua legislação própria e, por consequência, com impostos diversos. Contudo, o preço médio dum LP é de quatro dólares. m
127
B.
Em França (mesmo período)
Custo de produção ..................................... Lucro da c o m p a n h ia .................................
9,25Fr. 39,5% 2,50 » 10,5%
Preço de c u s t o ...................................... 11,75 » Imposto T V A * ( 2 5 % ) .................................. 2,95 » Preço por grosso para orevendedor 14,70 » Lucro do vendedor . .................................. 8,77 » (A reduzir: TVA, 2 5 % ) ........ (5,87 ») Preço médio de venda dumálbum
vulgar
23,47 »
12,5% 37,5% 100* %
Vemos assim que os capitais variáveis e constantes num LP representam 39,5% do seu valor, e a mais-valia 60,5% (cabendo ao Estado, em França, 37,5%, ao comerciante, em lucro/remuneração, 12,5%, e à companhia, 10,5%). Comparativamente, as taxas de capitais constantes e variá veis dum «single» representam 44,5% do seu valor, a TVA total, 38%, o lucro da companhia, 7%, e o lucro do vendedor, 10,5%.“ A primeira vista, a próspera indústria pop aparece como uma enorme colecção de mercadorias, e cada uma destas mercadorias (consideraremos apenas o disco) parece não ser mais que um simples elemento dessa riqueza, quando afinal se apresenta sob um aspecto duplo: valor de uso e valor de troca .140 Estes dois valores, distintos mas confundidos no disco-mercadoria, apresentam-se, para os industriais, estritamente delimitados. Para eles, o disco não passa duma roda de cera, isto é, apenas valor de troca. Esta a atitude que caracteriza revistas como o Billboard (Estados Unidos) ou Le Métier (França) que, no plano da troca, funcionam ccmo estimulantes. *
* Tax sur la Valeur Ajoutée (N. do T.). *** — A o mito de que o «single» (45 rotações) n io dá qualquer lucro, opomos esta declaração de Peter Rodge, da Track Records: «com os nossos «singles», obtemos um lucro de 6 shillings (4F.)». Por outro lado: «Fizemos sair um álbum dos Who a uma libra (13,40F) e ainda tivemos lucro» (Meiody M àker, 6 de Fevereiro de 1971.) Ê fácil perceber qual será o lucro quando o «single» ou o LP são vendidos aos seus preços normais. In — Rem ake dum refrão bastante célebre, interpretado por Karl Marx, consultar Contribuição para a crítica da Economia política. 128
Quanto ao valor de uso, é abandonado a uma imprensa especializada (Roiling Stone ou Rock & Folk) falsamente inde pendente, que trata exclusivamente do «aspecto cultural» da pop. Em resumo, se o industrial não vê no disco mais que uma relação financeira, o consumidor é essencialmente sensivel ao seu conteúdo e só o apreende como objecto neutro, dis tante de qualquer processo de produção. Por consequência, o valor de troca só se concretiza no consumo, o que quer dizer que o valor de uso é a base material onde assenta uma relação determinada: o valor de troca. O preço é a expressão monetária deste valor e o fundamento da produção da mercadoria-disco. Para um profissional, o disco não adquire a sua significa ção plena senão quando ultrapassa um determinado nível de vendas, ou seja, quando se torna rentável. Depende simulta neamente dum estudo de mercado e duma campanha de promoção.,l' O profissional leva em conta a evolução do poder de compra dos consumidores e, em função deste, impõe os seus produtos («singles», EP, álbum, duplo-álbum, caixa). Entra igualmente em consideração a época em que se põe a cir cular o produto: as férias grandes são um período propício (particularmente em França) para os slows ou para os «ri tmos», e as festas de fim-de-ano para os álbuns. O show business tem em Billboard uma bolsa dos melho res valores da canção. Os artistas obtém a sua recompensa em função das vendas: um disco de ouro para uma venda dum milhão de exemplares dum «single», ou para um milhão de dólares realizados na venda dum álbum Dirigida ainda aos profissionais, existe uma classificação dos maiores sucessos mundiais, estabelecida por países, o que fornece pontos de referência para a importação. O disco é, portanto, antes de tudo, uma indústria submetida às leis da oferta e da procura. Para o enriquecimento dessa indústria contribui, em 50 %, a pop music.
1(1 — Esta é assegurada, como vimos, pela rád io, televisão, jorn ais, digressões de verão, festivais oficiais como o de Montreux, e os não menos oficiais como o de Wight e. enfim, o MIDEM (feira anual desta mercadoria). 1U — Nas charts do Billboard são mencionadas as vendas que ultrapassam um milhão de dólares.
9
129
Mesmo que o consumidor, na compra dum disco, não vise mais que a satisfação temporaria duma necessidade, aa qual abstrai qualquer ideologia, e ainda que o artista procure apenas a exteriorização dum trabalho musical que é seu, e que ele quer neutro ou mesmo crítico, a existência dum intermediário-mercadoria mistifica-os aos dois, pois toda a mercadoria é resultado da alienação industrial e contém em si o duplo aspecto que lhe é inerente. Mesmo que o primeiro não deseje mais que a aquisição dum valor de uso, e o segundo a produção individual desse valor de uso, este é alienado pelo facto de transportar em si o valor de troca, base da recuperação social. A mercadoria é sempre encarada do ponto de vista do resultado final, ou seja, enquanto valor de troca de que o dinheiro é a expressão. O movimento hippie, no seu início, com a inauguração dos free concerts, atacou o valor de troca pela negação do intermediário-mercadoria. Mas depois dos Jefferson Airplane e dos Grateful Dead terem assinado contratos, a noção de free concerts arruinou-se. Para uma melhor delimitação do conceito de alienação industrial, examinemos o caso dum cantor que vende a sua força de trabalho a urna casa de discos. Ele vai produzir composições musicais das quais é desapossado pela sua fixa ção em disco. A um nivel individual, criou um valor de troca. Mas esse valor de troca, a um nivel geral, o disco, é-lhe totalmente estranho. Não é ele que o produz: é apenas na despossessão do seu trabalho, e na transformação deste em mercadoria, que a alienação industrial Intervém. 0 trabalho produtivo do cantor reentra numa determinada organização social, resultando dai, num primeiro grau, a transformação das composições musicais em valor de troca, e, num segundo grau, a materialização deste valor de troca individual num valor de troca geral sob a forma do disco. 0 mesmo é dizer que, por duas vezes, a actividade específica do cantor foi socializada. A relação entre o e/ou os produtores e o consumidor é assegurada pela circulação, igualmente chamada processo de troca, que é o movimento pelo qual o produto pessoal (a canção) se transforma em valor de troca (dinheiro, depois da assinatura dum contrato), ou seja, produto social, que por sua vez é transformado de novo em produto social geral (o disco), para regressar à condição de produto individual 130
(valor de uso e objecto de consumo) para o individuo. Eis a razio porque o disco é um produto ideológico, já que, pela sua aquisição, implica, na verdade, a aceitação do sis tema de produção burguês e do regime de salariado em que este assenta. Por esta razão, é em vão que se privilegia a pop pelo facto de ela dizer respeito a uma multidão de jovens. É uma mercadoria como qualquer outra, e ainda mais perigosa pelas ilusões que engendra. Por isso, Phillipe Paringaux não tem razão ao lançar o anátema sobre os organizadores de Bath: «os 'fabricantes' de Bath, escreve ele, não tinham o mínimo sentido da organização — o que, afinal de cortas, não é mui to grave — e puseram o festival de pé apenas para ganhar dinheiro — o que é mais grave’".» Idem para Phillipe Aubert: «Falar de 'esquerda' ou de 'direita' a propósito da pop music é considerar desde logo que ela pertence ao antigo siste ma ’“ .» É evidente que pop rima com dinheiro e pertence ab «antigo» sistema! Na maneira como é apresentado, o conteúdo social da pop é falsificado, voluntariamente ou não, de modo a não deixar transparecer senão o seu conteúdo cultural. A pop, aparentemente manifestação autêntica da juventude, adquire ipso facto uma imagem de pureza, imagem cultivada pela imprensa pop e que os empresários dos grupos souberam montar peça por peça. Em troca, uma parte da juventude enxerta sobre esta ideologia as suas próprias ideologias (não-violência, ecologia, misticismo e/ou revolução) e, definitivamente, «liberta espi ritualmente» uma mercadoria sem desconstruir a alienação que lhe está intimamente ligada: o seu circuito de produção. Ora, a pop music é não só mercadoria cultural e reguladora de energia, como também, e por esse facto, se encontra subme tida às leis d® mercado e culturais do sistema de produção. Paul McCartney sabe que é assim, como o demonstra a versão «supervisada» de The Long And Winding Road. A sua recusa em deixar gravar assim esta canção foi ignorada pelo businessman Alien Klein. 0 comércio sobrepõe-se às consi derações individuais. Também Frank Zappa se curvou perante
l4t — Roc k
& Folk n.° 43.
1U — Actue l, n.°
14.
131
as exigências da M. G. M.. Numa entrevista à Actuel (n." 10), Zappa declara: «Actuel: Pode dar-nos exemplos de censura? Zappa: Cortavam certas passagens das canções sem me prevenirem. Actuel: Como era feita, na prática, essa censura? Zappa: Modificavam o som da gravação, de maneira que as palavras se tornassem imperceptíveis. Actuel: Não havia nada a fazer? Zappa: A partir do momento em que lhes cedo a fita gra vada, deixo de ter controle sobre eles. Durante a mistura, podem facilmente 'fabricar' o som.» A M. G. M. foi ainda mais longe, rescindindo contratos com grupos que empregassem nas suas canções as palavras fuck, shit, etc., ou que fizessem alusão à droga Todos estes factos (efeitos) revestem o produto pop, no seu estado final, duma alienação mercantil e duma alienação cultural ™. Mas isto não preocupa ninguém, nem ideólogos da pop nem consumidores. A mercadoria-disco, uma vez me tida numa capa esmerada, permite o esquecimento do seu conteúdo social e recuperador.
i« — Outro exemplo de censura: uma canção de Yoko Ono, Open Your Box, cuja letra: «Open your trousers, open your shirts, open your legs and open your tights» (abram as calças, abram as camisas, abram as pernas abram as coxas) foi transformada pela EMI, em: «Open your houses, open your church, open your lakes and open your eyes» com o acordo dc Yoko/Lennon. — Canções com o L et’s Spend The Night Togheter ou Street Fightin' Man viram a sua passagem na rád io americana proibida. Ouçamos ainda Zappa (op. cit.): «a rádio recusarse geralmente a passar os nossos discos. Apenas uma ou outra estação aceita passar as nossas canções e, mesmo assim, só as mais curtas ou meros extractos. Aliás, escolhem apenas as canções que foram submetidas à sua aprovação e, de preferência, as apolíticas. Numa palavra, tudo aquilo que tem menos probabilidades de despertar os ouvintes. Com a televisão, passa-se quase a mesma coisa.» Esta constatação de Zappa é aplicável a todos os grupos. 132
3.
OS RESULTADOS
A manobra ideológica que acabámos de descrever, se visava a manutenção dos «jovens» no consumo, nem por isso desprezava a possibilidade, para lá duma recuperação comercial avaliável através dos números, de se infiltrar em toda -a parte onde a juventude e os seus porta-vozes reconhe cidos (imprensa e artistas) tentassem escapar ao sistema.
OS RESULTADOS MERCANTIS / ARTISTICOS
a.
Os números
Em seis anos, o montante de transacções da industria fonográfica americana duplicou, atingindo 1800 milhões de dólares em 1970 (862 em 1965). O importante desenvolvi mento desta indústria é, em grande parte, imputável às com pras de LPs e de fitas magnéticas de pop music/rock " 7 (mais de 90% no M. T. de 1970 )"'. Semelhante êxito per mitiu o arranque comercial das fitas magnéticas cassettes-
141 — Com efeito, em 1970, entre os vinte maiores vendedores de .13 rotações, catorze são vedetas de po p musiclrock : Crcdence Clearwater Reviva!, Beatles, Three Dog Night, Grand Funk Railroad, Chicago, Led Zeppelin, Crosby Stills Nash and Young, Temptations, Jackson 5, Rarc Larth. Moody Blues, Santana, Iron Butterfly, Blood Sweat A Tears. 148 — Mais precisam ente, os LPs representam 68 %, as fita s magné ticas (cassettes-cartuchos) 26 % . os «singles»,'45 rotações 6 % do M. T de 197<>.
133
-cartuchos que, até 1966, se tinham mantido num estadc artesanal, assim como o aparecimento dum mercado dito pi rata, fruto duma ideologia da marginalidade, que reproduziu os circuitos de mercado com álbuns e fitas de má qualidade
b.
Os explorados/exploradores
Seria mistificador deixar crer que esta prosperidade só traz proveito aos Industriais do disco; também os arbstas colhem os seus benefícios. A análise que os Beatles fizeram do seu próprio papel na pop music/rock, levou-os à criação da Apple Corporation e, depois, à revisão do seu contrato de distribuição nos Estados Unidos com a Capítol Records. O novo contrato traduzia a sua profunda «tomada de cons ciência»: em cada LP vendido nos Estados Unidos, o grupo obtinha 69 % do preço de venda (até 1967: 6 %; depois de 1967, a seguir à morte de Brian Epstein, até 1969: 31 %). Deste modo, os Beatles, em sete meses, ganharam tanto como nos sete anos precedentes: dezassete milhões de dó lares. Urna cláusula previa que em 1972 a percentagem do grupo se elevasse a 84% . Se aparentemente a Capitol perdia com isto. a verdade é que a sua margem manteve-se (2,40 dólares por exemplar), pois, por comum acordo, o preço do LP passou de 3,70 dólares em 1967, para 7 dólares, dois anos depois. Logo, não obstante a sua quebra de percen tagem, a Capitol mantinha os seus lucros na íntegra, enquanto que os do grupo atingiam, em 1969, 4,80 dólares (antes de 1967: 25 céntimos). Este novo contrato assinado por Sal lanucci, P. D. G. da Capitol, e por Alien Klein, empresário financeiro da Apple, atesta da cumplicidade dos Beatles com a indústria do dis co ,!C. Abbey Road, Hey Jude, Let It Be, ao preço de 7 dó-*0 6 1
U9 —
, a pirataria fonográfica nos U. S. A. diz principal mente respeito a fitas (cassettes-cartuchos). A sua venda representa 26 % do M. T. «oficia!» de fitas, ao passo que a percentagem correspondente a LPs é ínfima (menos de 5 %). 160 — O pape! determinante dos Beatles na economia revelou-se na época da «Beatlemania». Em 1964, foram produzidos na Grã-Bretanha 567 000 gira-discos, enquanto que em 1967 (data em que a referida «Beatle mania» se acalmou de m aneira notável) apena s saíram das fábricas 485 000 aparelhos. 134
1970
lares, tiveram uma venda de 5 e 3,3 milhões de exemplares, enquanto Rubber Soul e Revolver, a 3,70 dólares cada, atin giram apenas 2,5 e 1,5 milhões. Rocky Catena, empresário da Capítol, ilustrou claramente esta lógica mercantil: «Pode riamos vender os álbuns dos Beatles a dez dólares. Se as pessoas podem pagar um tal preço, é porque não é exa gerado.» (Entrevista à Rolllrtg Stone). E nem a tomada de posição de John Lennon (desejoso de organizar, em Julho de 1970, em Toronto, um free festival for one dollar) nem o misticismo apalhaçado de George Harrison, vieram pôr em causa aquele contrato. Contudo, se bem que os Beatles conservem, neste domí nio, o titulo de «campeões», outros houve a imitá-los, como os Moody Blues que fundaram a Threshold, Frank Zappa que constituiu a Straight, assim como os Beach Boys, Sly Stone, James Brown, John Mayall. Léon Russel, os Rolling Stones, enquanto que Credence Clearwater Revival e os Who adquiriam importantes interesses respectivamente na Fantasy e na Track, as suas casas editoras.
c. As bases artísticas A Califórnia, em 1965-1966, tinha dado uma resposta musical/artística/abstracta aos problemas do desarmamento, da guerra do Vietname, da universidade, dos Negros, com o folk e o folk rock. Mas o agravamento da crise tornou ne cessária uma «nova» música, a música psicadéfica, que, como já fizemos notar, não se manteve à margem do sistema senão alguns meses. Retomemos agora, com mais detalhe, a história deste movimento. Numa primeira fase, os grupos de S. Francisco ' tinnam recusado os contratos com marcas nacionais; seguiu-se a isto o lançamento de grupos de Los Angeles. Na primavera de 1966, a Elektra lançou os Love; depois, a Verve, sub-marca da M. G. M., produziu os primeiros álbuns dos Mothers Of Invention e do Blues Pro ject, grupo do ex-organista de Bob Dylan, Al Kooper. Se a novidade dos segundos surpreendeu, o seu sucesso, ainda que limitado, demonstrou que existia um público para esta música. Já os Fugs, de Nova Iorque, tinham encetado esta via com a gravação do seu primeiro LP para a E9P, marca «underground». Aproveitando-se da 135
confusão que reinava em redor do movimento hippie, cettas firmas lançaram no mercado alguns grupos psicadélicos, na esperança que a clientela os associasse ao mito de S. Fran cisco (sucesso tênue mas significativo de / Have Too Much To Dream dos Electric Prunes, a seguir ao obtido por Psychotic fíeaction dos Count Five, e pela classificação no Top Ten de Nothirí Yet dos Blues Magoos). Mas, durante o verão, um dos grupos mais populares de S. Francisco, os Jefferson Airplane, cedeu perante as investi das da RCA, e, em Agosto, o seu LP Takes Off impôs-se, sobretudo na Califórnia. Imediatamente, as outras marcas na cionais reiteraram as suas ofertas e, desta vez, com sucesso. Em Londres, a recuperação foi facilitada pela ausência de qualquer referência social ligada com o underground. En tre 1950 e 1965, a vanguarda, agrupada por detrás dos apologistas literários da índia — Aldous Huxley e Alien Watts — e influenciada pelos textos beat, exprimia-se no jor nal Peace News, e actuava enquadrada no movimento anti-bomba. A loja Better Books, criada em 1963, serviu de cen tro de reunião e difusão. Em 1966, apareceu um underground musical cujos grupos mais representativos se chama vam: Soft Machine e Pink Floyd. Os primeiros podiam ser ouvidos em clubes e caves, enquanHkque, para os segundos, era necessário ir à John Hopkins FrSpSchool. Todavia, vieram a reunir-se em Outubro, na Roundhoüse, por ocasião do lan çamento do I. T. (Internacional Times), jornal de Jim Haynes, John Hopkins e Jack Moore. Dois meses bastaram para que, na sequência deste espectáculo, os Pink Floyd estivessem anunciados no Marquee. Depois, veio o primeiro disco, Arnold Layne, o primeiro hit\ Como das outras vezes, atrás dum vieram os outros: Smoke, Jonh's Children, Soft Machine, Social Deviants, Tornorrow, Crazy World of Arthur Brown. Melhor ainda, o se gundo álbum da Incredible String Band (5000 Spirits And The Layers of Onion), a que a Elektra deitara a mão, foi notado pela crítica, que o comparou a Sergent Pepper's ... Mas à parte este sucesso limitado, a notoriedade destes grupos foi efêmera (salvo para os Pink Floyd e para a Soft Machine), à imagem do LP dos poetas underground de Liverpool, Adrián Henri e Roger McCough ( Incredible New Liverpool Scene). Consequentemente, as firmas orientaram todos os seus esforços para os grupos «psicadélicos»: Cream, Jimi Hendrix 136
Experience, Herd. A Deram, por exemplo, fez-se notar com o Procol Harum 1!', Move, Denny Lalne and the Electric String Band, e com os Flower Pot Men, Dado o sucesso desta ope ração, a partir de Julho-Agosto de 1967, a Roundhouse U. F. O . s e r v i u de trampolim aos novos grupos (Jeff Beck Group). Por outro lado, os festivais (Windsor Woburn) contri buiram para impulsionar a vaga dos grupos «Wues», à cabeça dos quais estava o pioneiro John Mayall: Peter Green's Fleet-
— Cujo hit, A Whiter Shade Of Pale, não era mais que uni rcmáke do título soul de Pcrcy Sledge When A Man Loves A Woman que se tinha classificado no ano anterior Keith Reid, com a ajuda duma letra qualificada de «surrealista», tinha assegurado a transposição «neces sária». — U. P. O. abriu as suas portas em 31 de Dezembro dc 1W>. Dois membros fundadores: Joe Boyd e John Hopkins. O prim eiro conta assim a sua história ao Melody M a k e r: «O U. F.. O. tinha uma função muito importante pelo facto de ser uma espécie de capela ou cidadela para um número importante de «beautiful people». O U. F. O. era ún-co ; penso que era o único sítio onde se podiam ver grupos fazendo coisas novas — coisas que não poderíam ser apresentadas em mais sítio nenhum.» Pink Floyd, Soft Machine, Move, Arthur Brown e Tomorrow — isto 6. todos os grupos «psicadélicos» — se apresentavam lá regularmente. Era o tempo do underground musical. Os Beatles apareceram lá uma vez por outra como espectadores, e o clube tornou-se demasiado popular. Em Junho, enchia-se com uma maioria de recém-chegados, sobretudo indivíduos disfarçados de Flower People. Também na altura da prisão de Keith Richard e Mick Jagger, a reacção do U. F. O. não deixou de espantar os observadores. Mas ouçamos Joe Boyd: «Noite verdadeiramente genial foi aquela cm que se anunciou o processo dos Stones, quando ainda tocavam os Tomor row. Â meia-noite o clube esvaziou-se e descemos todos para Picadilly para nos manifestarmos contra a condenação dos Stones. Por fim, toda a gente voltou ao Clube, e, às cinco horas da manhã, a sala estava superlotada. Quando os Tomorrow subiram ao palco, ( ... ) a atmosfera era inacreditável. (...) Então, descendo à sala com um microfone, os Tomorrow com eçaram a cantar «Revolution Now ! Revolution Now !» Aquilo tinha de facto significado. Nessa noite, os Tomorrow tocavam Re volution pela primeira vez.» Depois da saída de Sergent Pepper’s e de We Lovc You, o U. F. O. foi invadido pelos jovens. Por isso a polícia começou a aparecer por lá, e depois afixou mesmo um aviso de encerramento por alguns dias. Joe Boyd : «perante estas pressões, fomos convidados por Brian Epstein a instalarmo-nos por algum tempo no «Champagne Bar» do «Saville Theatre». Mas ¡mediatamente alguns juristas decidiram que o «Champagne Bar» era um local impróprio para o U. F. O.. Deste modo, passámos a encontrar-nos na Roundhouse. Organizámos aí algumas boas noites. Mas a renda da Roundhouse era elevada e òe grupos estavam mais caros, de modo que fomos obrigados a fechar, pelo menos temporaria mente.» O U. F. O. terminou assim a sua carreira, a 13 de Outubio de 1967. 1 51
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wood Mac, Ten Years After, Nice, Jeff Beck Group, Savoy Brown Blues Band. Em Outubro, deu-se o naufrágio do U. F. O.; no mês seguinte, a CBS lançava a sua sub-marca blues, Blue Horizon. Dirigida por Mike Vernon, editou o «single» dos Fleetwood Mac, / Believe My Time A ir ít Long, cópia conforme da canção de Elmore James, ao mesmo tempo que eram gravados o primeiro LP dos Ten Years After e o primeiro «single» dos Nice. Durante o inverno e a primavera, os gru pos de blues proliferaram nos clubes londrinos, antes de virem a servir como mercadoria de qualidade para as marcas nacio nais americanas. Estas, anteriormente, tinham contratado, a seguir aos Jeíferson Airplane, o Grateful Dead (Warner Bros), Moby Grape (Columbia), Steve Miller Blues Band, Quicksilver Messenger Service (Capítol). Mas Big Brother and the Holding Company e Country Joe and the Fish haviam assinado com marcas independentes: Mainstream e Vanguard. Em Los Angeles, a MGM/Verve disfarçou Eric Burdon de hippie e empurrou-o para S. Francisco; em seguida, fez gravações com o grupo financiado pelo pintor-cineasta Andy Warhol; Velvet Underground. A Liberty contentou-se com os Canned Heat. A Elektra relançou os Love e a Paul Butterfield Blues Band e produziu um quarteto de blues de Los Angeles, os D o o r s O seu
— o grupo americano mais popular até 1968. O seu co mp orta mento em palco contr ibuiu em muito para isso ; antigos estudantes, como a maior parte dos membros dos grupos psicadélicos, os Doors, mais que quaisquer outros, tinham-se inspirado no teatro ( cf. Alabama Song, adaptada do Whiskey Bar de Kurt Weill e Bertolt Brecht), particularmente no opús culo teórico de Antonin Artaud, O Teatro da Crueldade. Por exemplo, este extracto («Além disso, a necessidade de agir directa e profundamente na sensibilidade através dos órgãos, incita, do ponto de vista sonoro, à pesquisa de qualidades e vibrações sonoras absolutamente invulgares, [estas] levam igualmente a procurar [instrumentos que] possam produzir sons ou ruídos insuportáveis, lancinantes.») parece ter inspirado de forma singular a sua música. Os Doo rs levaram emconta os conselhos sobre encenação, vestuário, relação actor/espectador, luz (vermelha para uma atmosfera tensa/trágica), linguagem cênica («Não se trata de suprimir a fala articu lada mas sim de dar às palavras, pouco mais ou menos, a impor tância que têm no sonho.»). O que veio a dar, na boca de Jim Morrison, inspirado por Freud : «Pai? Sim, meu filho? Quero ma tar-te. Mãe, quero-te Aaa aaa hrr.» Ou ainda : «Queremos o mundo, e queremo-lo agora.» A p artir daí, a violência con stante da sua música nunca foi inútil — como no caso do hard rock — pois era portad ora da virulência verbal e física de Jim Mo rrison Este, profundamente perturbado pelas causas do seu sucesso, im
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«single» Light My Fire tomou-se n." 1 depois dos Jefferson Airplane terem atingido o Top Ten (Somebody To Love) e depois dos mass media terem ampliado a sua campanha ideo lógica sobre a Califórnia (cf. reportagem da Ufe e da Time). na altura em que Scott McKenzie arrancava um hit com San Francisco, uma produção de Lou Adler. Induzida em erro por este sucesso, a Columbia promoveu Moby Grape com cinco «singles;) simultáneos. Este lançamento espalhafatoso arruinou a carreira deste grupo. A substituição da designação hippie por underground tor nou assim possível a promoção de grupos ingleses, promoção essa que inaugurou um periodo de experimentação cujos sucessivos pólos foram a WB/Atlantic e a Columbia, e depois a Capítol. Com efeito, a firma novaiorquina Atlantic, que fa
lhara S. Francisco, fez emigrar para esta cidade os Buffalo Springfield e lançou, também aí, os Vanilla Fudge. Mas os seus melhores esforços recaíram sobre os produtos de Além-Mancha: os Bee Gees (na realidade, australianos) viram atribuírem-lhes, no mercado pop, o papel de rivais dos Bea tles; em pura perda, já que, na mesma altura, a TV contribuía para o sucesso dum grupo que macaqueava o modelo; os Monkees. Já vimos que, para os Cream, a Atlantic/Atco tinha ensaiado um novo estilo de promoção/digressão relacionada com a saída dum álbum. Êxito total. De futuro, os grupos de blues submeter-se-ão às regras impostas pelos Cream, resul tantes, afinal, das próprias fraquezas do grupo; ausência de compositores, donde improvisação, redução do canto, inde pendência dos músicos e por isso aparecimento de longos solos (guitarras, batería). Os princípios pop modificaram-se: as canções passaram a barreira dos três minutos e foram gravadas em concertos públicos. Em 1968, o terceiro LP (du plo) do grupo, Wheels Of Fire, foi n.° 1. A Reprise, uma sub-marca pertencente, tal como a Atlan tic/Atco a partir do outono, à Warner Bros, escolheu o fes-
fechou-se cm si mesmo, aban donando em seguida o .grupo, depois da g ra vação do LP L. A . Wo ma n (1971). O resto, a sua morte, pertence à crí tica rock que o reivindica como herói/mártir. Esta, poderá agitar à saciedade o mito eternamente ocultante do poeta maldito. Seja como for. os Doorn ilustraram o melhor rock : considerado não como um fim, mas como um meio sugestivo para uma criação mais vasta, uma espécie de «rock-teatro» (Phillipe Paringauí dixit).
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uval de Monterey para ensaiar a Jimi Hendrix Experience sobre o auditório hippie. A atitude em palco e o aspecto furioso do guitarrista negro seduziram os jovens Brancos; esta táctica, que assentava, de facto, «nos mais horríveis clichés que o faziam parecer muito obsceno ,M», reforçou a imagem do Negro (bestial no seu inconsciente). A sua «exclusão», por obsce nidade, no decorrer duma digressão com os Monkees, com pletou a campanha publicitária orquestrada pelo seu empre sário Chas Chandler i:'\ Dois meses mais tarde, o LP Are You Experienced? era disco de ouro. Neste lançamento, a imagem do «Negro» prevaleceu sobre as qualidades do músico. Não obstante, ele esgotou os recursos técnico/musicais do seu instrumento no quadro do rock. (Emprego de vibrato, da câmara de eco, do efeito de distorção, da fuzz-box, do pedal wah-wah com um volume musical invulgar.) O aparecimento de Hendrix reforça a nossa primitiva hipótese sobre a verdadeira natureza do rock: o roubo, come tido por Brancos, da música negra,M. Donde ressalta que, por mediocridade, os Brancos não podem ir além da imitação! Basta ver o número de cópias suscitadas por Hendrix, o que, de resto, provocou a promoção de Eric Clapton. I3T.
154 — Chas Chandler, in Amold Shaw. The World Of Soul, pág. 264. 153 — «Inventámos a histó ria que as Daughters Of American Revolution tinham objectado a Jimi que o seu comportamento em palco era obsceno. O logro resultou — todos os jornais do país falaram disso e incluí ram alguns ornamentos de Jimi como, por exemplo, que tinha sido tro cado por Mickey Mouse.» Ibid., pág. 265. lM — A este respeito, a sua versão de Star Spongled tíanner, o hino nacional americano, resultado duma desconstrução sistemática, pode ser rece bida com o um testemunho alegórico da maneira com o os Negros am eri canos perceberam e interiorizaram a ideologia dominante capitalista branca, na circunstância, as suas manifestações simbólicas. i6T — o seu prestígio, a sua veneração (Clapton is God), sâo elo quentes notas à margem sobre a ideia que os Ocidentais fazer da música. A descrição que Phillipe Paringaux, crítico-ideólogo da Ro ck
U;n outro grupo mylôs veio a aproveitar-se do festival de Monterey: ot Who. Abandonando a sua personalidade de Mod, o grupo percorreu os Estados Unidos como autêntico pioneiro do rock, tocando Summertime Blues, Fortune Teller, Tvjist & Shout, Shakirí All Over, Young Man Blues. Na rea lidade, não houvera qualquer alteração na sua música nem no seu comportamento em palco, violento e destruidor. O que lhes valeu a qualificação de «melhor grupo de rock do mun do» atribuída pelo Melody Maker. Para mais, a sua ópera Tommy (1969)- conferiu-lhes, nos Estados Unidos, uma audiên cia à escala nacional. Ainda por ocasião de Monterey, a Columbia assinou um contrato com Big Broíher and the Holding Company, dado o sucesso obtido pela vocalista do grupo, Janis Joplin. Mas, escaldada depois de Moby Grape, foi preciso o bom acolhi mento feito a Time Has Come Today (canção de onze minu tos) dos Chambers Brothers, para que a companhia se deci disse a fazer sair, um ano depois, o LP (Cheap Thrills) do seu novo grupoResultado: um disco de ouro, mas também, alguns meses mais tarde, a separação do grupo. Para além disto, a companhia novaiorquina, preocupada em responder à WB/Atlantic, confiou à sua sub-marca Epic, a tarefa de reunir o máximo de grupos britânicos. O Jeff Beck Group fazia parte do monte e progrediu rapidamente. Foi a propósito deste grupo que Fred Frank, director de pro moção da Epic-Okeh, declarou: «As estações FM são, na ver dade, um instrumento para as vendas 15“.» Por outro lado, o regresso de Bob Dylan, depois de dezas seis meses de inactividade devido a um acidente de moto, autorizou a Columbia a relançar o folk(rock). 0 sucesso cons tante de Donovan (Epic) e o aparecimento de Arlo Guthrie com Alice's Restaurant (Reprise) constituíram os índices reve-
«selvagem» (Paringaux dixit). Esta re-secreção das normas estéticas bur guesas vem depois/em contraposição da descrição de Hendrix, na qual, se. por um lad o, a música seduz incontestavelmente («Hendrix é o maior»), por outro, as suas características são enquadradas pelas mesmas normas que para Clapton, o que leva a dizer que Hendrix é «um louco magni fico». Assim se define o estatuto do músico louco, genial, possesso, extraor dinário, etc. {Rock A Folk n.° 27, pág. 37). 1U — Para «garantir a jogada», a Columbia reproduziu na capa do disco uma banda desenhada de Robert Crumb, oferecida por este a Joplin. — B illb otr i, 24 de Agosto de 1968. 141
ladores, que vieram a ser confirmados por John Wesley Harding para Dylan, e por Bookends juntamente com o «single» Mrs. fíobinson para Simón & Garfunkel. Aproveitando o ba lanço, a Columbia testou Johnny Cash (LP A t Folsom Prison); Leonard Cohén, poeta-escritor judeu canadiano, como «rival» de Dylan; Tim Hardin e Laura Nyro. Quanto ao cantor negro Taj Mahal, participou na ofen siva blues da Columbia, a qual permitiu também o álbum Super-Session de Al Kooper, Mike Bloomfield e Steve Stills, álbum que denotava duas viragens: o super-grupo e a jam-session. O duplo álbum ao vivo Uve Adventures Of Al Kooper And Mike Bloomfield foi a ilustração «ideal» disso, ao mesmo tempo que revelou dois guitarristas: Elvin Bishop (aluno e sucessor de Mike Bloomfield junto de Paul Butterfield) e Car los Santana. Enfim, a quebra de popularidade dos Beach Boys e a retirada (Apple) dos Beatles obrigaram a firma Capítol, de Los Angeles, a produzir o primeiro álbum da Band (ex-grupo de Ronnie Hawkins), que tinha acompanhado Bob Dylan em 1965 e 1966. Mesmo sem referências a Dylan, a Band não podia deixar de se impor. The Weight, vocalmente perfeito e «novo» musicalmente, e o disco Music From Big Pink agitaram/impressionaram todo esse pequeno mundo da «Internacional Musical Pop» e suscitaram «vocações»: Grateful Dead, Blind Faith, Crosby Stills Nash & Young, Quicksilver Messenger Service, etc.. A relativa liberdade musical, gerando uma impressão de ingenuidade, e o elevado teor significante duma combinatória dos mitos americanos, aliavam-se naquilo que permanece como o ponto mais alto do rock.
OS RESULTADOS IDEOLÓGICOS
Por causa desta vasta operação comercial, o movimento hippie veio a conter bem cedo no seu seio aquilo que dese java rejeitar. Para mais, a fim de aumentar a decompo sição do movimento, veio acrescentar-se a repressão policial As fichas de busca relativas aos runaways — jovens adoles centes de catorze-quinze anos que abandonam a familia — 142
deram á policía um pretexto legal para penetrar nas comu nidades urbanas e proceder a investigações. As prisões por causa de droga atingiram, em 1967, na Califórnia, o número de trinta e sete mil. Enfim, aconteceram recontros, muitas vezes violentos, com os Hell's Angels e com o lumpen-proletariado negro e portoriquenho. Esses não-violentos, a braços com a violência directa, viram os seus sonhos deitados por terra. Perante estas pressões variadas, grande número de hippies trocaram a cidade pelo campo, abandonando lenta mente as drogas em proveito do yoga ou da ascese reli giosa As cerimônias fúnebres do movimento foram anunciadas a 6 de Outubro de 1967, na imprensa underground. No dia seguinte, em S. Francisco, os Diggers presidiram à cerimô nia e anunciaram a morte oficcial do Hippie e o nascimento do Homem Livre. O novo movimento que lhe sucedeu, — The Brotherhood of Freemen — foi baptizado «Freebie» pela im prensa (mais uma farsa que uma realidade). A época das flores estava definitivamente ultrapassada. Com os Freebies e os Yippies, o mundo pop atingiu a sua imagem actual, isto é, a de uma cultura reivindicada pelo movimento não-violento, mas que os partidários da violência querem libertar e que os «teóricos pop» consideram como fonte dum surto revolucionário. Em resumo, fracasso ou vitória da canalização material da «crise» pela ideologia dominante? Para termos uma noção disso, refiramos este extracto do n.° 272 (Janeiro de 1969) de Informations & Documents: «Hoje, um novo grupo social tomou consciência da sua existência [a juventude], particular mente nos Estados Unidos (...). Os mais velhos ajudaram a circunscrevê-la dedicando-lhe uma atenção constante e fornecendo-lhe um local de agrupamento maciço, a universidade
'* — Acentuemos, contudo, que uma fracção do movimento hippie de Nova Iorque se tinha politizado, sob a influência de Abbie Hoffman. Organizador do be in de Central Park, fez-se expulsar pela policia, junta mente com os membros da sua Flower Brigade, duma manifestação, em Abril de 1967. Radicaliza-se, e a 20 de Maio de 1967, celebra o «fim do dinheiro* na Bolsa de Nova Iorque, o «banho de sangue p ara Dean Rusk* (armados de sacos de sangue e de bombas fumígenas, os mani festantes bombardearam os polícias e o cortejo oficial — uns seiscentos litros de sangue foram atirados) e, no fim do mesmo mês, criou, com Jerry Rubín e Paul Krassner, o Youth International Party (Yippie).
143
polivalente, bem como um mercado de bens fabricados pelos adultos para uso quase exclusivo dos adolescentes: vestuário, discos de ídolos, revistas, veículos apropriados.» Quanto aos resultados imediatos do empreendimento ideo lógico, diremos que, com a criação das sub-marcas, a in dústria pop conseguiu impor/reforçar o mito da «juventude», isto é, a ilusão de que a juventude forma uma classe so cial A pop music oculta as disparidades sociais que se revelam na juventude e faz crer num hipotético conflito de gerações que, por sua vez, reforça a direita política (estilo Sanguinetti) A indústria, se por um lado conseguiu fragmentar o mo vimento geral de contestação e dividi-lo em duas tendências principais, uma (os hippies), com posições individualistas — o retiro para as comunidades"3 — a outra (os grupos radi cais), com posições leninistas e violentas — devidas ao seu isolamento progressivo — ,soube, por outro lado, obter a sua unanimidade sobre pop music (elementos da contra-cultura), ou seja, a cristalização da sua «energia libertadora» sobre este sector de consumo. Além disso, o enterro do Hippie, em 1967, não impediu a sobrevivência (mantida pela ideologia dominante) da sua doutrina filosófica. É fácil de compreender: a ideologia pre gada (não-violência) equivale, na prática, à aceitação do mundo real. Nem a droga nem o misticismo, e menos ainda o huma nismo, impedirão que as bombas chovam no Vietname, ou farão esquecer/modificar a exploração, o poder do dinheiro, e a violência que deles derivam. A não-violência continua a ser uma ideologia da colaboração. Seja como for, o movimento estudantil teve o seu apo geu em 1968: «campus» continuamente agitados por manlfes-1 1 9 191 — Estas linhas do n.° 272 de Information^ & Docunients são reveladoras : «Pela prim eira vez desde há um século, uma nova entidade social apareceu, facto notável, neste país de igualdade : a juventude como classe.» m — isto é, todos aqueles que querem confundir «a juventude da revolta com a revolta da juventude». A juventude sente duma maneira mais aguda as contradições do sistema, e está sem dúvida mais prepa rada para as manifestar, como escrevem alguns e, neste caso bem con ereto, sem se enganarem. ,M — Mas o comunism o primitivo pertence à histó ria e é impos sível erigi-lo em finalidade. O que para seiscentos mil indivíduos é uma solução provisória, já não o é para duzentos milhões. 144
tações contra a guerra no Vietname (em particular: ocupação da universidade de Berkeley, em Mai o ); renúncia — em parte por pressão do mo vim ento — do presidente John son a dis putar um segundo mandato; formação do partido de coliga ção d e extrema-esqu erda, P .F.P.,M; e sob retud o, manifestações aquando da Convenção democrótica de Chicago, para as quais apelaram todas as organizações da oposição (SDS, Yippies, grupúsculos, e mesmo o Black Panther Party). Krassner,
Rubin m e
Hoffmann
viram
aí
a
oportunidade
de constituir uma frente da «juventude» e de acabar com a não-violênc ia, don de a necessidade de atrair a Chicago y -i¿m m áximo de part ici pan tes v ...¿val da Vida».
para o qu e chamaram o «Fes-
Rubin declarou: «Os Yippies são revolucionários. Fundimo-nos com a Nova Esquerda política, conservando um estilo de vida psicadélico. O nosso estilo de v ida — ácido, cabelos compridos, vestuário exótico, marijuana, rock music, sexo — 6 a próp ria Revolu ção. A nossa existência rid icul ariza a A m é rica. A ordem velha está a morrer, e o Partido democrático também. Enquanto eles agonizam, nós celebramos o Festival da Vida. Venham a Chicago. Nós somos a política do futuro.» Krassner: «Os Yippies são um mito. São aquilo que quizerem que eles sejam. Façam muito simplesmente o que vos apetecer,
mas venham
imensamente sistema.»
fazê-lo
agradável,
vai
no
ser
próx imo como
A go st o.
que
Vai
fornicar
com
ser o
O «Festival da Vida» devia prolongar-se desde sábado, 24, ató quint a-feira, 29 de Ag os to . A música pop entrava na festa. No dia da abertura da Convenção, contavam-se cerca de dois mil manifestantes. Dez mil, na quarta-feira. As autoridades da cidade, tendo levado a 6ério certas declarações burlescas
t de
Hoffm ann,
* doze
mil
receando
polícias
e
seis
um mil
extravasa men to , Guardas
m ov im entaram
Nacio nais
e
o b ti v e
ram um reforço de seis mil soldados com jeeps e tanques. A farsa foi ex cel en te, os res ultad os não o fo ram tan to . No Lincoln
sábado, enquanto o MC5 tocava, Park. No dia seguinte, primeiros
escaramuças no combates sérios
"* — Peace and Freedom Party, formado no principio de 1968, na Califórnia, reunia o P. C. A., o P. L. P. (maofsta), o Independem Socialist Club, e diversas formações/grupúsculos da Nova Esquerda. Apresentou às eleições presidenciais de 1968 a dupla Eldridge Cleav er - Jer ry Rub in. 1M— Jerry Rub in foi extremamente activo no Fret Speech Movemtnt.
10
145
de rua, que se prolongaram até de madrugada. Na segunda-feira, a tensão aumentou. Na escuridão, os policias, «per dendo o controle», matraquearam tudo o que lhes apareceu à frente. A resposta não se fez esperar. Na terça-feira, tumul to s em série. Duzento s
padres paci fis tas sof rem
urna carga
e são matraqueados em Lincoln Park. Os polícias chegaram mesmo a ent rar em apartamentos e em bares. Mas foi na quarta-feira que correu mais sangue. 0 hotel Hilton, onde se tinha ho spedado Mc Carth y e os formado em hospital. Assim, na
seus partidários, foi trans quinta-feira de manhã, os
policias puderam ir lá «limpar» os feridos. A
Balanço pesado: várias centenas de feridos e de prisões. A m ér ic a tinha m o strad o, urna vez mais , a sua ver dad ei ra
face.
E
os
Yippies
provavam
o
fracasso
do
pacifismo.
Por
uma subtil e intensiva campanha de imprensa, os Republicanos fizeram com que a desordem se tornasse insuportável para a maioria dos Americanos, assegurando a Richard Nixon o mandato presidencial (muitos explicam deste modo a impor tante publicidade feita aos incidentes de Chicago.) Mas a abertura da conferência de París sobre o Vietname, a suspensão dos bombardeamentos no Vietname do Norte e a promessa eleitoral de Nixon de põr fim ao conflito, pro vocaram uma inversão de tendências e desarmaram o movi mento, a partir do princípio de 1969. Pouco depois, o Student Coordinating Committee, o Movimento para a Paz (dominado pelos liberais e pelos pacifistas), o Movimento anti-guerra (dominado pelos trotskystas e pelo PC americano), desorga nizaram-se. Deste modo, as últimas manifestações de massa organi zadas nos «campus» viram a repressão aumentar, o que se revelou fácil, porquanto os estudantes estavam isolados. Em M aio , o go vern ado r Reagan, em Berkeley, fez apelo aos grandes recursos: recolher obrigatório, cerco dos «cam pus » pela Guard a Nacion al e pelo exércit o. Balanço: 1 mo rto , 70 feridos. Esta embo sc ada pro vocou o estilhaçar do m ov i mento estudantil e da Nova Esquerda. Em Junho, terminou o Congresso do S. D. S., com a cisão entre «reformistas» e «r ev o lu ci on ár io s », os W e a t h e r m e n A p rát ic a dest es fo i
*" — Jovens revolucion ários brancos de tendência maoista que esco lheram . este n ome em evocaçã o dum verso de D y la n : «Não 6 necessário ser-se meteorologista (.wtalhwman) para saber de que lado sopra o vento.»
146
o terrorismo (atuque ao bairro residencial de Chicago, aten tados, assaltos n bancos), a clandestinidade e o abandono dos «campus» às correntes reformistas ( cf . os Adiamentos de incorporação, a eleição municipal de Berkeley), trocando-os pelos meios urbanos/ghettos. Mas a sua estratégia foi infir mada pelo ressurgimento duma autonomia da classe operária, em 1970 (cf. por exemplo , a greve da General Mo to rs ). A s
corren tes
reformistas
(r es tos
do
Mo v im en t o
para
a
Paz, do Movimento anti-guerra; PFP; Yippies; White Panther Party; tend ência refo rm ist a do S. D. S„ ou RYM 2; PLP; partidários de Eugene Mc Carthy; etc.) sofreram derrota sobre derrota: os Adiamentos para a guerra do Vietname, a greve geral
universitária
consecutiva
ao
assassinato,
pela
Guarda
Nacional, de quatro estudantes da universidade de Kent, o movimento contra a guerra do Camboja, a tentativa de paralização do Pentágono e de Washington, resultando dal a desmobilização lável nos e 1969^
e
despolitização
«campus»
em
da
1970
e
população 1971,
em
estudantil, relação
a
reve1968
Imediatamente, a burguesia tentou separar os elementos «recuperáveis» / valorizáveis (mús ica -» discos; imagem -+ ves tuário, filmes, etc.) dos elementos «irrecuperáveis»/não-valorizáveis (os próprios jovens, as comunidades, as drogas não controladas pela mafia, os aspectos políticos impossíveis de transpor para o informal mas que são um frutu oso catálogo
pop revolution, et c .)
Em
cons equência,
reforç o
do s
as-
CSubterrean Homeslck Bluts). Esta escolha ilustra claramente os esquemas voluntaristas/leninistas deste grupúsculo. Como a quase totalidade dos gru pos da Nova Esquerda americana, aceitam o conceito do desaparecimento do proletariado como classe potencialmente revolucionária. A s i m ideologia/prática tende a substituir esse proletariado momentaneamente ausente do palco da história; essa a razão porque só prosperam durante periodos contra-revolucionários. — Se a • repressão contra as correntes reformistas se vem juntar aos fracassos destas, 6 porque daqui em diante o governo não pode aten der, senão parcialmente, as reivindicações reformistas (fim previsível do conflito na ex-Indochina, luta contra a pobreza, por exemp lo). Este fenómeno é extremamente importante; vem revelar que, pela primeira vez, o bastião do capitalismo não pode resolver, senão dum modo parcial, as suas contradições passageiras, donde o reforço da contra-revolução, evidente a partir de 1969. ** — Ed Sanders, dos Fugs, ao mesmo tempo que m ostrava a am biguidade do termo underpound, revelava, logo em 1968, a cisão latente
147
pcctos
ideológicos
(campanha
Woodstock,
por
exemplo)
em
detrimento dos aspectos vivos (repressão, luta contra os dro gados, contra o movimento ecológico, proibição dos festivais) e políticos (fracasso da política voluntarista, suicidária dos Weathermen, e da política reformista), donde uma manipu lação
facilitada
e
uma
música
reificada.
0
resultado
deste
trabalho de filtragem e de falsificação revelou à luz do dia as contradições inerentes ao movimento «hippie» e ò cultura numa sociedade capitalista. Como consequência disto, durante os dois últimos anos, vários
representantes
notórios
do
movimento
não-violento
vieram a modificar sensivelmente o seu ponto de vista. Desde logo Tuii Kupferberg, que escreve no International Times: «O militantismo exacerbado é o resultado dum deses
pero (as massas na América não se movem, ajudemos então os nossos irmãos do Terceiro Mundo em luta, importemos a guerra para cá, eis o nosso segundo campo de batalha) e duma espécie de crença ingênua e tola em que isso vai agitar a parte mais jovem da classe operária (não estou seguro de que não t enham razão — mas, co mo pacifista, não tenho que me preocupar em saber se os devo seguir ou não; contudo, uma
sabotagem
sem
desgaste
humano
ó
sempre
sedutora).
De facto, penso que, para sobreviver, o movimento pacifista deverá encamin har-se n esta direcção "*». Depois, John Lennon que, a seguir a All Yóu Need Is Love (1967), canta agora / Found Out: «Compreendí
os
drogados,
experimentei
tudo
•Conhecí a religião de Jesus a Paulo Não os deixem apanhar-vos com a droga
e
a
cocaína
Não vos fará mal nenhum sentir as vossas próprias dores Descobrí.»
entre os diferentes elementos: «O undtrground t uma guloseima ilusória. As pessoas que o inventaram vivem no topo do mundo dos negócios. Este undtrground de luxo t uma falsificaçSo. Mas há pessoas que vivem de facto undtrground, que se desligaram realmente ¡dropptd out ) e que trabalham e criam.» (M tlod y M dk tr, 12 de Outubro de 1968). " — Reproduzido no n.* 13 de A ctu tl.
148
ou God: «Deus é um conceito Pelo quel avaliamos a nossa dor Não acredito na magia Não acredito em I. Ching Não acredito na biblia Não acredito no tarot Não acredito em Hitler Não acredito em Jesus Não acredito em Buda Não acredito em Mantra Não acredito em Gita.» culminando tudo com
Working Class Hero e Power To The
People. E,
finalmente,
Timothy
Leary
que,
metido,
em
Abril
de 1970, na prisão californiana de San Luis Obispo, se vê aí ombro a ombro com os Black Panthers. Foge de lá sete meses depois, graças à cumplicidade dos Weathermen, e re dige um manifesto no qual declara: «A Terceira guerra mun dial está neste momento declarada pelos robots de cabelos curtos, com o fim deliberado de destruir uma complexa rede de vida livre e selvagem pela imposição duma ordem mecâ nica. (...) Matar um polícia-robot genocida para defender a vida é um acto sagrado. (...) Ando armado e devo se r considerado minha vida
perigoso para qualquer pessoa que ameace a e a minha liberdade. (...) Armem-se e matem
para viver!» Exilado com a sua mulher, em Alger'™, explica a um jor nalista da Rolling Stone1” : «Há cinco anos começámos a pôr a Constituição à prova. Ganhámos e voltámos a ganhar nos tribunais, fazendo est ritamente o jogo deles. ( . .. ) Ago ra, a minha divisa é: (...) «Ninguém deve cooperar com a lei». Não
somos
partidários
da
violência,
apenas
da
auto-defesa
contra os robots que usam espingardas. (. .. ) A violência é um mito dos media. Os Weathermen são violentos, mas não1 0 1
bons
110 — Parece que o governo do coronel Houmedicnne não encarou com olh os a sua presença, pois expulsou Lec.'y. em Ja neiro de 1970. m — N.* 68.
149
o será também o governo, que fabrica milhões de megatoneladas de explos ivos p or o nosso guru político.» Mas
o
abandono
de
ano?
( . .. )
posições
Eldridge
idealistas
(Cleaver )
não
é
modificou
em nada as ilusões àcerca da contra-cultura. Só porque Joan Baez e Joni Mitchell já não eram suficientes para a defesa da não-violência, a industria, urna vez mais, tomou a dianteira com Woodstock. Este festival foi urna das mais belas mani pulações ideológicas operadas pela indústria, assim como um belíssimo
êxito
comercial,,J.
Que
há
de
melhor
para
abafar
a violência, que fazer reviver a imagem do hippie gentil do verão de 1967 ” '? Com o vimos, o filme Woodstock forneceu a ocasião para isso. A partir daí, sistematizou-se a exploração do festival. Afirmaram-se duas tendências: — Os n ão-vio lent os , qu e aceitaram pagar bilhete para se encontrarem e viverem na ilusão de que a música muda os costumes; — A
extrema-esquerd a,
que quis
transform ar essas
ma
nifestações musicais em free festivais, isto é, libertar a pop do seu aspecto comercial. € sem dúvid a sed u tor assi stir a um es pec tác ulo g rat u ita mente, mas a atitude manifestada em relação à pop music é pouco reflectida (porquê «libertara este sector de consumo, em vez de outro qualquer?). Resposta: os industriais da cul tura ultrapassaram todas as suas expectativas no seu empreen dimento de falsificação. Não só mantiveram o seu valor de troca sob úma cobertura cultural, não deixando à mostra senão o valor de uso, como ainda manipularam este valor de uso, ajudados nisso pela imprensa. Assim, a seguir a Wight, desde o Sun ao Times, podiam ler-se as declarações do chefe da
1T1 — Em Dezembro de 1970, o fenómeno Love S to ry entrou como sobresselente: 10 milhões de livros vendidos nos U.S.A., 8 milhões de dólares em duas semanas de exploração do filme. Nixon declara: «Reco» mendo este filme (...), uma grande obra.» Ê total a manipulação ideológica: contestação (verbal), juventude rica/pobre, monogamia, amor, música p o p : «Ela gostava de M ozart e Bach. E dos Beatles.» 111 — A este propósito, pode ler-se em In fo rm atio ns A Doc um en ta de Fevereiro de 1969, n.° 274: «os beatniks negavam Deus, os hippies procuram-no. Os beatniks não eram hostis ao uso da força (...), os hippies pregam a não-violência. Em suma, os hippies adoptaram uma atitude muito mais positiva e construtiva que os beatniks, o que lhes valeu, da parte do americano médio, uma simpatia que nunca foi ostentada em relação aos seus predecessores. ( . . . ) No fundo, são seres puros.» 150
polícia Douglas Osmond: «Gosto bastante de pop music. ( . . . ) A m aior p ar te dos joven s que se en contram aqui são gen te muito decente.» E Le Fígaro, a propósito da acção de Jean-Jacques Lebel e dos anarquistas, escreveu: ciso muito mais para sabotar um festival, e
«Mas é pre esses poucos
perturbadores perderam-se rapidamente na multidão que inva diu a ilha e qu e é olhada com simp atia pelos h abitantes ” ‘». Tanto apoiamos o Jean-Jacques Lebel que parte a cara aos policias de Wight-70 e entra de graça, como o julgamos ridiculo quando se arma em «libertador da pop». Ele tinha obrigação de saber que não se liberta uma mercadoria en quanto persistir o seu circuito de produção; tinha também obrigação de saber que a lei do valor só desaparecerá com a destruição da ordem actual. Não é o caráct er gratuito dos con certos de Hy de Park ou do Festival de Altamont que alteram a alienação funda mental
da
música
pop.
A
própria
noção
de
free (gratuito,
livre), aplicada a um festival, não tem sentido. Um festival como o de Wight, free ou não, põe em marcha todos os mecanismos da sociedade. Permite: . — um frutuoso comércio alimentar, de discos, de v estu á rio, etc.; — um imp ortante embolso de dinheiro p o r parte dos organismos de transportes públicos: avião, comboio, barço (a Brítísh Railways nunca tinha ganho tanto dinheiro em tão pouco tempo); — o tráf ic o de droga e, com ele, a justifica.ção da exi s tência de policia para a «manutenção da ordem»; — uma manipulação ideológica. Porquê? Porque é uma estrutura de distribuição da mer cadoria
pop
e,
como
tal,
enquadra-se
numa
organização
social determinada. Produção, distribuição, troca e consumo formam um ciclo único , do qual é imposs ível isolar um dos elemento s. A pro dução funciona como ponto de partida da mercadoria, o consumo
como
ponto
de
encerramento.
A
distribuição
é
a
m — O próprio Partido comu nista francês percebeu as vantagens que podia retirar da p o p mus ic. No outono de 1970, os dirigentes culturais do P.Ç.F. incluiram no programa da festa do H um an ité os Pinlc Floyd e as Voices of East Harlem, na esperança de disputar aos «gauchistas»
a clientela ejovem».
151
estrutura determinada peta sociedade, e a troca o factor deter
free festival, a troca existe. Confinada à publicidade que os grupos pop obtêm a
minado
pelos
indivíduos.
Mesmo
num
seguir à sua apresentação, e que terá como efeito um aumento das vendas de discos. Só graças ao free concert de Hyde Park é que os Stones puderam regressar a um primeiro plano, e que grupos como Mungo Jerry e Edgar Broughton Band se fizeram notar, aceitando, muitas vezes gratuitamente, tapar buracos nos festivais. E
finalmente,
a
relação
actor/espectador
definida
nos
concertos gratuitos reproduz as relações do espectáculo bur guês (descompressão colectiva concentrada, ilusão àe vida) submetidas a leis culturais determinadas. A par tir de A lt am o n t, as cl áusulas, an ter iorm en te latentes, para os espectáculos, foram claramente explicitadas, ratificadas e integradas nas jurisdições federais, e cláusulas «anti-obscenas» foram incluídas nos contratos dalguns grupos: — Os Jefferson Airp lane foram várias v ezes co ndenados a uma multa de mil dólares por desrespeito de uma destas cláusulas: — os Greateful Dead, a uma mult a de cinc o mil dólares (Texas) por idênticas razões; os
— Country Jo e Mc Donald, quinhentos dólares de multa e cabelos rapados por ter pronunciado a palavra fuck
(Massachussets); — Jim Morri so n, seis meses de prisão e mu lta de quin hen tos
dólares
por
«exposição
indecente»
e
emprego
de
«lin
guagem ordinária» (Florida). Doravante, as autoridades municipais irão censurar os concertos. Exemplo: numa cidade de Oklahoma, quando o público pede o regresso ao palco dos Jefferson Airplane, um polícia vem anunciar o fim do espectáculo porqu e, co m o ele próprio explica, o «Airplane terá que levantar de manhã cedo». Ou ainda, como conta Jimmy Page: «Certa vez, os chuis quise ram interromper o espectáculo. Um deles, nos bastidores, tinha encostado o revólver à barriga de Peter Grant, o nosso empre sário. Tivemos que parar, claro, mas na sala assobiavam-nos, sem c om preend erem o que se passava. m» A pop music/rock é alienada na çua totalidade. A pre- 8 7 1
178 — Entrevista de Jimmy Page,
152
R oc k
Fo lk
n * 47.
sença da polícia não altera em nada esta alienação; pelo contrário, tem como função aumentar as Ilusões da «juventude» acerca duma coisa que, afinal de contas, não é mais que uma expressão artística. Quer sejam os Blood Sweat & Tears, partidários da «democracia» americana, quer o anarquista inglês Edgar Broughton a clamar as suas ideologias, a música con tinua submetida às leis mercantis e culturais do capitalismo. É um falso sector de combate. Edgar Broughton compreendeu isso. Mesmo conservando as suas • convicções anarquistas, decidiu fazer dinheiro, por não poder escapar a isso, e criou o seu próprio jornal. Em contrapartida, Abbie Hoffmann chegou ao ponto de trair a sua própria imagem, pois passou a pregar a colaboração de classes. Que belo mas nada surpreendente caminho, salvo para os imbecis ou para os canalhas, aquele que o conduziu de «0 Poder para a Woodstock Nation» até «Votem no Domingo por X..., o bom liberal». Na realidade, Woodstock, e sobretudo as suas ondas de choque ideológicas propagadas pelos mass media, foi a antítese (a negação) de Chicago; porque um não pcderia prosperar senão em detrimento do outro. Estes acontecimentos provaram a inversão de tendências que veio determinar/permitir a evo lução da pop music/rock, a partir de 1969. No interior do quadro alienante — a indústria — houve quem inventasse uma nova forma de resistência: a pirataria do disco.1,7 Negando as disposições jurídicas que protegem as estru turas económicas da indústria fonográfica americana, o disco pirata testemunhou dum elevado nível de consciência. (Gra vado em público em fitas magnéticas, ele vai surgir da transcriação desta fita para uma matriz que é reproduzida em alguns milhares de exemplares numa oficina de prensagem. A operação', no seu total, permite uma redução do custo de produção do álbum igual a 35% do seu preço de venda normal, uma vez*1 7
j;* — Declar ação du rante a emissão Pop 2. 177 — Consid eraremo s aqui, apenas a pirata ria recente dbs discos pop nos Estados Unidos, e não aquela que, na Asia, remonta ao principio dos anos 60, e que consiste na reprodução pura e simples dos discos e capas impressos no Ocidente, excluindo deste modo quaisquer direitos de autor e de editor. 153
desaparecidos os direitos de artista, de editor, de empresário, e de autor; o álbum pirata encontra-se, além disso, isento de impostos.)
Sociedade
como
o
A.S.C.A.P.
perderam
as
suas
percentagens sobre direitos de autor/editor. Mas depois do anónimo autor das fitas ter retirado a sua .percentagem e do dono da oficina de impressão ter descontado os seus riscos, o preço do álbum pirata, no Hmiar duma distribuição difícil, variava entre os trinta e cinquenta francos (ó duplo //Ve pirata dos Led Zeppelin vendeu-se mesmo a noventa francos). O mesmo é dizer que o consumidor não foi beneficiado com o desvio. Na Europa, a venda de álbuns piratas desenvolveu-se. O primeiro disco pirata, Great White Wortder (duplo-álbum de Dylan), aparecido durante o Verão de 1969, atingiu os quatro centos mil exemplares, o que, noutras circunstâncias, lhe teria valido um disco de ouro. Se é verdade que os primeiros discos .piratas emánaram de individuos ¡solados e, ao que parece, do circuito underground, o recente impacto deste fenómeno e o nivel elevado dos preços de venda, passam a fazer crer na hipótese dum possivel con tróle da mafia. . Um a legislação reprim ind o a p iratari a, entrada em vi go r no fim de 1970, prevd multas que se elevam ató cinquenta mil
dólares
para
qualquer
infracção.
Na
Grã-Bretanha,
toda
a discoteca que detenha produtos piratas cai sob a alçada da lei. Seja
como
for,
este
desvio
da
mercadoria
pop nunca
provocou qualquer quebra de preços. O seu único interesse, repita-se,
é
a
negação
das
leis
comerciais
oficiais,
mas
a
hipótese de fraude elimina este interesse, restituindo à mer cadoria a sua verdadeira natureza.
ira — Um a segunda form a de pirataria apareceu nos Estados Unid os : a das ca ssettes e dos cartuchos que representam 30 % das vendas oficiais. A partir de Janeiro de 1971, a pirataria lançou- se nas video-cassettes.
154
PROMOÇÃO
e
PRODUÇÃO: 1969
0 reforço das correntes «apolíticas»/não-violentas facilitou a constituição dum mercado nacional rock,™ a tal ponto que, sendo a sua parte aproximadamente metade do M.T. (Mon tante
de
Transacções)
da
indústria
fonográfica,
poder-se-ia
dizer que «esta música quase se tornou no negócio do disco e que «os jovens identificam-se com ela, porque é uma lin guagem sua conhecida e algo que lhes pertence (sic). Eles constituem a maioria dos consumidores de discos.UI» 1969,sí
ficou
assim
marcado
pelo
aparecimento
duma
classificação rigorosa dos géneros musicais (prova da reificação da música, premissa da escleroso): jazz rock, hard rock,
country rock, classic rock, constituindo, o total, a progressivo music. £ que o esgotamento, o desaparecimento e o des gaste
comercial
dos
modelos
(The
Cream,
Jimi
Hendrix
Experience, The Who, Jeff Beck Group, The Band, os grupos californianos, o blues boom britânico de 1988), impuseram a promoção da vaga dos supergrupos e aceleraram a formação de outros novos. O filme Easy Rider (1969), o enorme número de festivais no verão, o fenómeno «discos piratas», vieram confirmar a
— Desenvolvimento comparável e paralelo ao da drog a nos «cam pus» : uma sondagemGallup, efectuada em Dezem bro de 1970, assinala que 42 % dos estudantes interrogados declaram u sar drogas m ais ou menos regularmente. Estes números revelam um aumento de 100 % em relação aos de 1969 que, por sua vez, tinham quadriplicado em relação aos de 1967. ira — Norm an Racusin, vice-presidente e «manager»-geral da RCA, New York Tim es, 16/3/69. M1 — Um distribuidor de discos de Nova I orq ue, Ne w York Ti me s, ibid. us — Um a reportagem de Billboo rd (26 de Outubro de 1968) descreve esta mutação cujo centro foi S. Francisco e a Califórnia: «A caldeira de creatividade da Baía continua em ebulição de forma espantosa, indi cando que o que alguns tinham sentido como uma moda florescente em S. Francisco, é ago ra um assunto sério. Um bom núm ero de com panhias fonográficas passaram a ter o seu grupo de S. Francisco. ( . . . ) Os 230 000 mil dólares que a RCA adian tou aos Airplane não são nada ao lado das quantias pagas pela Capitol, Columbia e Mercury para obterem a sua parte do bolo de S. Francisco. ( . . . ) O sucesso nacional destes grupos nos últimos dezassete meses resulta dos esforçosdas etiquetas que, mesmo ausentes da cidad e, não deixam por isso d e possuir aí os seus organismos de venda e prom oção. Ago ra a situação é ou tra : as marcas constroem ou modernizam aí, estúdios de gravação.» 17 9
155
amplitude do campo de valorização da rock culture a um nivel nacional e até internacional (América do Norte, Europa Oci dental, Japão, Austrália). A ofensiva precedente (1968) da Columbia incitou a WB/Reprise/Atlantic a responder, tanto mais que os Cream se tinham separado e Hendrix abandonara a sua imagem lucra tiva de «Negro mau». Chas Chandler tinha abandonado a Experience, e Jimi Hendrix transformou-se no seu próprio produtor para o LP duplo Electric Lady Land. A resposta da Atlantic, Iron Butterfly, com a canção maratona In A Gadda Da Vida (1968) e o 33-rotações Ball (1969), inscreveu-se no «clube» dos milionários do disco. A Reprise, por seu lado, recrutou em Inglaterra Family e Jethro Tull. Enfim, no inicio de 1969, a Atlantic produziu o primeiro disco dum grupo inglês desconhecido, Led Zeppelin, que, na esteira da digressão dos Vanilla Fudge, tinha obtido urna certa popularidade pelo facto do seu leader-guitarrista, Jimmy Page, ter sido o substi tuto de Jeff Beck nos Yardbirds. Assim, desaparecidos os Cream, a Atlantic lançou os Led Zeppelin. Musicalmente, o grupo representava uma escalada na potência sonora em rela ção aos Cream/Hendrix. A dobragem do papel rítmico da guitarra-baixo pela guitarra-solo produzia urna música sim plista, repetitiva, enfática pelo uso da batería no sentido duma acentuação dos tempos, e agressiva pelo papel complementar do bombo em relação à guitarra-baixo. Perfeitamente orques trado e equilibrado nos seus efeitos, este hard rock agradou e, como das outras vezes, suscitou numerosas imitações bas tardas: Cactus, NRBQ, Deep Purple, Black Sabbath, Grand Funk Railroad, Allman Brothers Band. Na Grã-Bretanha, em 1970, o grupo destronou os Beatles no referendo do Melody Maker e, nos Estados Unidos, passou a ser o grupo mais bem pago. Mas o seu perfeito dominio da dupla tensão-repouso veio a alterar-se, em seguida ( Led Zeppelin III). Depois de sair dos Cream, Eric Clapton alienou a sua liberdade gravando um disco com Stevie Winwood, outro músico- com positor-cantor de renome, em ruptura com o grupo Traffic. 0 matraquear publicitário usou como tema o supergrupo assim constituido (Clapton-Winwood-Baker) e o nome escolhido (Blind F aith).1M Contudo, a exagerada publicidade na imprensa,
— Crença Cega. 156
não impediu que cem mil espectadores abandonassem Hyde Park desiludidos, em Junho de 1969; é certo que a digressão pela América, que se seguiu, permitiu que o élbum se tornasse n.°
1/disco
de
ouro,
mas
o
supergrupo
não
se
recompôs.
Também Crosby Stills e Nash não resistiram a este método de .promoção do supergrupo. Na realidade, se bem que vindos de grupos conhecidos (Byrds, Buffalo Springfield, Hollies), o resultado
decepcionou,
se
exceptuamos
a
canção
Wooden
Ships e a no tável harmonia vocal do gru po. A adiç ão d e Neil Young (ex-Buffalo Springfield) não alterou o problema, apenas se enriqueceu a aparência enganadora do mosaico. Idem para o Traffic, reconstituído em 1970, taxado/promovido de/como supergrupo. Quanto a Jethro Tull, ao contrário da Family, impôs-se de forma mais marcada. No princípio do ano, Frank Zappa e os seu Mot hers
of
Invention não renovaram o contrato com a MGM/Verve, de tal maneira tinham sofrido com as censuras e com campanhas de
promoção
que
nada
diziam
da
sua
critica
cáustica
da
sociedade americana. A Europa (a Inglaterra, sobretudo) tinha reservado um acolhimento mais favorável a Freak Out (1966), Absolutely Free (1967), We're Only In It For The Money (1968). Deste modo, Zappa assinou um contrato com a Reprise/W. Bros e desencantou os meios necessários para a produção/fabrico/ /distribuição da sua própria etiqueta, a Straight. Pôde assim dar uma maior liberdade a Captain Beefheart e à sua Magic Band
para
Replica.
o
terceiro
Beefheart
ia
LP
(duplo)
¡mensamente
deste mais
grupo, longe
Trout Mask que
Zappa.
Usava não-músicos a quem ensinava a partitura, e isto a fim de conseguir uma melhor adaptação ao seu canto-dicção e aos seus textos redigidos segundo a técnica da escrita automática. Para além disso, ao assinar com a Reprise, Frank Zappa sabia, com base nas vendas dos Fugs (cem mil exem plares de cada um dos seus álbuns), o que estava a fazer. Iria vender, e vender beml Quanto à corrente classic rock, aparecida por volta de 1967, veio a impôr-se, definitivamente, em 1969. Compôs-se de duas tendências distintas: uma baseada numa concepção sinfônica da pop music/rock, e outra apoiada no emprego parcial (no espaço musical) dos temas e/ou da «cor» clássica. Os Moody Blues, reagrupados em 1967 em torno de três antigos membros e de Justin Hayward, um recém-chegado com múltiplas atribuições (compositor, cantor, guitarra-solista). 157
vieram,
deste
modo,
a
recorrer
a
uma
formação
sinfónica-
-clássica. Vieram depois a elaborar um rock sinfónico, limpo, equilibrado. A segu ir ao seu sucesso em W ig h t
(196 9), irão
prosseguir com as suas experiências acetinadas, no seio da sua própria etiqueta. A o c o ntrár io , a ser en idad e musical do s Pink Floyd pareceu minada, a partir de 1968, pela violência crescente que envolveu a pop music. 0 álbum A Saucerful Of Secrets, gravado num clima «hipnótico» e «cósmico» devido a uma tensão rítmica cres cente, irá ser, por m ui to tempo , o testemun ho desta «idade de ouro». A música do grupo postulava a concepção cíclica (filosofia
oriental),
ética
bem
aceite
na
época
nos
meios
pop. Mas, lentamente, o nirvana foi-se esboroando, oscilando entre um rock mais duro, mas anónimo, e uma música sinfónica mais clássica e definitivamente enganosa: Atom Mother Heart (1970). Os Vanilla Fudge, sob a influência do organista Mark Stein, gravaram, em 1968-1969, uma música de intenções próximas da dos Pink Floyd (LPs The Beat Goes On, fíenaissance) antes de regressarem por completo ao hard rock (LP Rock'rí
Roll). Em certa medida, este grupo conjugou as duas ten dências. A d ec ad ên c ia des te género, tec ed ura de at mosferas angus tiantes, não foi estranha a uma tomada de consciência, mesmo confusa, por parte dos grupos constrangiam esta música.
criadores, das violências que
Por outro lado, os Nice, e depois Emerson iake & Palmer, Curved Air, Blood Sweat & Tears, acrescentavam à sua paleta musical
a
tonalidade
espectacular
do
«clássico».
Sobretudo
os primeiros, na pessoa do organista-pianista Keith Emerson, deram mostras duma ampla cultura clássica reforçada por uma rapidez estéril e por um comportamento em palco relevando ao mesmo tempo do circo e da rubrica desportiva. O que demonstrou
a
impossibilidade
da
redução
do
«clássico»
ao
r o c k 1,4 e desv end ou as autên tic as m ot iv açõ es d e grupos com o este: busca de tema-valor de troca e desejo de valorizar o seu/ 6 *2
u« — «Actualmente» há grupo s ro ck a tocar em conjunto com orques tras e a coisa não resulta porque essas pessoas tentam combinar rock e música clássica. São duas coisas que se misturam tão mal como o azeite e a água», Richard Wright, organista dos Pink Floyd» M el ody Maker, 26 de Setembro de 1970.
158
/ o rock atravós destas fricções com o «clássico». Complexo/ /motivação ridicularizado (a) por Pete Townshend na ópera dos Who: Tommy. Mas, no ano seguinte, a ópera Jesus Christ
Superstar voltou à carga, exibindo todos os sintomas deste comp lexo d e in ferioridade que fez (faz) sicos excremenciais. Sem querermos
aplicar
analogias
aparecer tantos demasiado
mú
simplistas,
constataremos que fo¡, grosso modo, durante o mesmo período, que Dylan, encerrado em Nashville, metrópole da C&W, pre parou o seu álbum Nashville Skyllne e encerrou, depois, o festival de Wight (1969). Aí, de farto completo branco e acom panhado pela Band, acabou com o «herói revoltado» de 1965-1966. Duzentos mil espectadores, estupefactos, caíram das nu vens: o «seu» Dylan tinha morrido. E para cúmulo, por vontade sua, o seu mito viria a afundar-se, no ano seguinte, com o duplo-álbum Self Portralt. De maneira análoga, qu ando , em 1971, certos assassinos fabricaram um filme sobre ele, anunciaram-no nestes termos: «O filme que irão ver ó sobre o antigo Dylan — um rapazinho íntegro — qu e cantava a verdade e dava algum do seu dinheiro ao S.N.C.C. O Dylan recente, pelo contrário, não passa dum porco (a p ig ), dum drogado, dum cretino . " V Alan J. Web er m an , p rofes sor d e d ylan lo gia, a, c o m o tal , um dos que lucra com a contra-cultura, não podia impedir-se de concluir uma entrevista com o seu ex-ídolo com um juízo como este: «Vocfi com esse dinheiro todo, enquanto a maior parte das pessoas só possui merda; vo cè ô o p rópr io inim igo — o «pig». Bobby, você é um capitalista, mas em vez de produzir autom óveis, espingardas, etc., pro du z c u lt u r a.im» ' Seja como for, o regresso de Dylan reforçou o folk ou o
folk rock. espalhado, doravante, com a etiqueta country rock, e fez-lhe perder qualquer espécie de marginalidade em relação à pop muslc/rock. A Band,“ Carole
King,
Van
Morrison,
Grateful Dead, os (no vo s) Byrds, Rod
Stewart,
Neil
Young,
etc.,
aproveitaram-se disso para demonstrar que esta corrente, a mais originai porque a mais impregnada por um estilo branco.
“* — Ê revelador/(lenificativo que todos sejam untnim es em julgf-lo um disco medíocre. N Io 4 verdade que o m ito i preferível à realidade? — R olU n t Sto n» n.° 77, 4 de Março de 1971. “ * — TT, a.» 97, Fevereiro de 1971. ***—'A meia-sala presente, em 23 de Maio de 1971, no Olympia, pdde constatar que os rumores suscitados tinham , a sua just üica çlo. Depo is
159
o estilo folk, incluia as individualidades e os grupos mais fortes da pop music/rock. 0 contributo rítmico da música negra, neles existentes, não lhes roubava personalidade; assumiram, deste mo do, a sua música, sem s er 'c o m a consc iência pesada do ladrão. Logo durante esse mesmo ano de 1969, a Columbia res pondia à Atlantic com NRBQ (contra Led Zeppelin) e Mountain (contra os Cream), ao mesmo tempo que prosseguia com a sua ofensiva blues com um guitarrista texano alb in o IM desconh e cido. Apresentado como o gênio dos gênios, Johnny Winter revelou-se um bom instrumentista, mas um btuesman mediano, enqu anto
Taj
Mahal ,
lançado
dis cr etament e
um
ano* antes,
vinha reafirmando que o blues continuava a ser um meio de expressão exclusivo dos Negros. Mas os maiores esforços da firma
de
Nova
Iorque
incidiram
num
puro
artifício
derivado
do folk rock, o jazz rock. E assim, os Blood Sweat & Tears vieram materializar a aldrabice com um LP e vários «singles».
Spinning Wheel, And When I Dle. Chicago (Transit Authority), num estilo menos normativo, atraiu as atenções com o seu primeiro 33-rotações, antes de vrr a monopolizar o mercado com os seus outros discos (sempre duplos), em 1970-1971. Receita infantil: permitir o reconhecimento dum rock tradicional integrando-lhe uma sonoridade «nova» obtida por repetição de figuras decalcadas do jazz mais conformista.,H Em contrapar- 0 9 1 8 *
deste conc erto, é em vão que se procura alguém que possa rivalizar com a Band. 189 — Esta «anomalia» fisiológ ica revelou-se uma «mina» para a Colu m bia. Pena que os Negros não nasçam todos albinos! 190 — O empre go da etiqueta J a u ro ck teve como efeito principal a valorização da po p m usi cf rock por meio de fricção, ao mesmo tempo que a «jazzificação» progressiva do trabalho instrumental tinha como efeito, não menos importante, a camuflagem duma perpetuação da rítmica po p (batería e baixo), garantia da comercialização desta música. Deste modo, e paralelamente, a partir de 1969-70, a «crítica rock» vai praticar a comparação das motivações/discursos da pop m usiclrock e do fr ee ja zz, o que permite a colocação destas músicas num mesmo plano abstracto (manobra que traz implícita a ideia da equivalência): o das intenções e d os princípios. Co mo sempre, a fricção beneficia a produção branca ; é invocado o conceito idealista das «acções recíprocas», o que tem como efeito apagar a realidade histórica. Mistificação que permite iludir o facto da p o p m iu ic fr ock não ser mais que a sequela/o bastardo (rapidamente chegado à maioridade, o que explica que reivindique a sua autonomia!
160
tida, os R o c k “ , louvados por John Mayall, vieram introduzir uma
variante:
o
uso
do
violino
em
vez
da
guitarra,
como
instrumento solista. Seguiu-se Santana, que baseou o seu estilo em percussões rítmicas inspiradas pela música afro-cubana-brasileira. Contudo, a sua maneira coo/ de tocar, assim como
duma agressão (entre tantas outras) cometida pela sociedade yankee contra o povo negro. Passar em silêncio esta violação, equivale a aceitá-la. Apelar para a ruptura e para o empenhamento do fr ee j a u para valorizar o seu domínio e não deixar que os fr ee jazz m en tenham a palavra, são formas de perpetuação desta concepção forçada. Eis o que pensam, de facto, da pop m usic jr ock , os membros do Art Ensemble Of Chicago: cLester Bowie: encontramos nela algo de familiar (risos), uma for tíssima relação com a nossa música. A p o p não passa, toda ela, duma cópia da Great Black Music. ( . . . ) O dinheiro vai parar aos Brancos que melhor copiam os Negros. Pode dizer-me onde está a criatividade disso? eActuel (os Brancos): Não aceito o seu ponto de vista. A p op music não é apenas uma imitação da música negra. ( . . . ) Olhe o caso dos Mothers Of Invention. Na sua opinião terão eles também copiado os negros? «Joseph Jarm an: Exploram o ácido — o LSD — e mais nada. Oh yeah, w ow, inacreditável, terrível... Tiram uma ideia daqui, outra dacolá ... Estou a lembrar-me dos grupos do inicio, ' quando se contentavam em insistir nos blues. Depois ouviram um bocado de fr ee j a u e introduziram o espaço na sua música. A pop é uma música de morte e de dinheiro. ( . . . ) Para nós, a pop é um assunto comercial, uma questão de milhões de dólares. ( . . . ) Em Amougies fizemos, sem maldade, uma paródia do rock and ro ll. Acusaram-nos de troçar da pop.a (Actuel, nova série, n.“ 3, Dezembro de 1970, pp. 62-Ó3). Na realidade, os casos dos Negros e dos Índios são de aproximar: extermínio, roubo, músicas «metidas na Ordem»: «os cantores e os per cussionistas que vivem afastados das tradições — em cidades ou bairros não índios ou em reservas modernizadas — perdem o contacto com as poliritmias e com as métricas irregulares difundidas nas canções do velho estilo. ( . . . ) Para os cantores não é necessário que a melodia seja can tada no mesmo ritmo da percussão; pode-se cantar a 2/4 e fazer a batida em 3/4. Por vezes estabelece-se o ritmo, e a melodia é depois entrelaçada através dele. Um compasso de nove batidas pode seguir-se a um de duas, e a canção pode continuar assim, irregularmente, até ao fim.» (Buffy Ste. Marie, cantora folk americana-india, in Sing Ou t 1, vol. XVH. n.° 3 ,. 1967, pág. 30). Assim , a • normalização/redução de m úsicas ricas e m poliritmias, por um tacanho «taylorismo» estético (divisão métrica, batida regular, cons tância rítmica) revela-se inerente ao fenómeno de assalto das culturas (simultâneo ao das estruturas económicas e políticas) não ocidentais. A adulteração destas músicas pelos critérios estéticos ocidentais surge como «indispensável» para a perpetuação distractiva (não lúdica) e mercantil atri buída à música popular. m — A origem de certos grupos j a u ro ck lança um pouco de luz sobre a gênese deste género: Electric Flag, Chicago (Transit Authority)
11
161
a do organista, mantinha a tonalidade pop (o que significa «à la mode») indispensável porque sinónimo de sucesso (iP
Abraxas. 1970). Mas outros empréstimos contraídos ao jazz foram mais felizes. Assim, Colosseum propôs uma música mais articulada nas suas colagens; e também East Of Eden praticou colagens mais
modernas
(Charlie
Mingus,
John
Coltrane,
irée jazz).
mais audaciosas e heteróclitas. Por outro lado, Soft Machine e Miles Davis «trocavam de campo». Enfim, Jack Bruce, Frank Zappa/Mothers (a seguir a Unele Meat, 1969), Larry Coryell — e mais alguns, em meno r grau — , vieram mo delar materiais jazís tic ós numa es tét ic a pop/rock, a ponto de podereln levar a crer que o termo jazz rock podería significar síntese dos dois géneros, quando, na verdade, o que estes rhúsicos faziam era alterná-los. Face à rivalidade acesa entre a Columbia e a WB/Reprise/ /A tl an tic , as marcas independentes só' puderam contr apôr a particularização dos estilos nacionais: Delaney and Bonnie, duo
soul branco, os Stooges, grupo «obsceno», e os MC5 (Elektra); Jo e Cocker (A & M ); Steppenw olf e Three Oog Night (Dunhill Records). A Fantasy, uma pequena marca de S. Francisco,
e o s Flock vieram de Ch icago ; deste m odo, a introducto dos. metais e do violino 6 explicada pela evolução do H u e t . de Chicago. N o fim dos anos 50, Junior Wells e, depois, B. B. King, integraram os metais. Vinam assim a determinar a constituidlo destes grupos ja zz rock pela introdução dos me tais, mas também do violino (Flock), cujo papel era o de trans posição do trabalho da guitarra e/ou da harmónica. Mais uma vez, o R& B «inspirava» a p o p m u de mais em matéria formal que espiritualmente, o que corresponde às «regras» ocidentais da música. Tinham s ido já os guitarristas e os harmonicistas de Chicago que tinham influenciado os r o d e e n brancos. Paul Butterfield imitou o harmonicista Little Walker e o cantor Muddy W ate rs; o seu guitarrista, Mike Bloomfield, fo i influen ciado p or B. B. K ing, Buddy Cuy e sobretudo T. Bone Walker. O seu sucessor/discípulo, Elvin Bishop, bebeu nas mesmas fontes; Steve Miller, originário de Chicago, aprendeu muito com a sua frequência das «boites» do South Side e do West Side (ghettos negros de Chicago). Pode aplicar-se a todos os «desinteressados» émulos brancos dos Muer, este juízo formulado acerca da Peter Green's Fleetwood Mac (céle bre plagiador/ladrão de Elmore James), por Arnold Shaw: «E temos assim o ersatz-espectáculo de cantore s e mús icos que 'viram literalmente às aves sas o processo de criação. Em lugar de tocarem o género de música que vivem , tentam viver o género de música que tocam.» (Arnold Shaw, op. ei»., pég. 91).
162
descobriu o filão com os Credence Clearwater Revival. Reve lados com Suzie Q ( 19 68 ), foram n.° 1 com Proud Mary (1969) e com uma série de hits, «singles» e LPs. Uma notável ressur reição do ¡ump-boogie-rock de Little Richard e Chuck Berry e do «som» Sun (graças a uma voz pseudo-«bayou»), permi tiram-lhes
tornarem-se
o
grupo
vedeta
americano
dos
anos
1969-1970-1971. Entre os
«veteranos »,
as coisas
não
iam
pelo
melho r.
A in d a que o seu val o r de troca es tiv esse a sal vo de q ual q u er vicissitude (basta lembrar que as ofertas subiram até cinco milhões de dólares quando se tratou de lhes arranjar um novo distribuidor), os Rolling Stones passaram «a pasta». E Mick Jagger voltou à ordem, frequentando as galerias de arte da rua Bonaparte, os filmes de Godard e as igrejas francesas. Entre os Beatles, as cisões afectaram profundamente a imagem de marca do grupo. Claro está que tinham prestado e continuam a prestar numerosos serviços à indústria do disco. Assim, Paul McCartney gravou, para a Capítol, um álbum como solista (Maio de 1970), mas não conseguiu resolver o desastre artístico/financeiro que tinha provocado ao querer liderar o underground londrino. A firma Apple veio a perder as edições musicais Northern Songs, deixando o terreno livre ao ex-empresário dos Stones, Alien Klein. John Lennon, por seu lado, divorciou-se do seu grupo e passou a actuar em palco com a Plástic Ono Band. O álbum
Let It Be, «repescado» (1969-1970), marcou o fim do quarteto. Quanto a Jimi Héndrix, decepcionado com Band Of Gypsies, foi impedido pela morte de completar The Cry Of Love (1971). A ter m inar , citem o s a bat alha dos solistas trav ad a en tre a Capítol, WB/Reprise/Atlantic, RCA, Columbia a MCA/Decca, cujos principais protagonistas foram: Eric Clapton, James Taylor, Neil Young, John B. Sebastian, Joni Mitchell, Tony Joe White, Ry Cooder, Randy Newman, Van Morrison, Steve Stills, David Crosby, Graham Nash, Léon Russell, Joe Cocker, Rod Stewart, Cat Stevens, Carole King, Paul Kantner, Simón & Garfunkel, Johnny Cash, Elton John, e os velhos «mestres» Dylan, Harrison e Lennon. Paralelamente, completou-se o jazz rock graças, em primeiro lugar, à Soft Machine e, depois, a Miles Davis, e reforçou-se a corrente blues pela promoção de autênticos bluesmen (Robert Johnson, Bukka White, Leadbelly, Lightnin' Hopkins), já que a morte brutal de Janis Joplin tinha arrui nado as esperanças de se ver nascer um blues mais moderno. 163
O verão de 1971 veio confirmar a decadência dos festivais-«saióes de música»; e isto, devido à violência da administra ção e da polícia (Ilha de Wight, Hyde Park, Festival da Cele bração da Vida: 3 mortos), ou à de urna parte do público (Newport, Weeley). Apenas o concerto duplo organizado por George Harrison e Ravi Shankar em auxilio dos refugiados do Bengla Desh decorreu sem violências, sem dúvida pela protec ção que lhe fo rn ecia o Madis on Square Garden. Além disso, propunha um elenco assaz excepcional: Bob Dylan, Eric CIapton, George Harrison, Ringo Starr, Léon Russell, Ravi Shankar, etc. O êxito musical e organizativo desta manifestação não foi fruto do acaso, ficando a dever-se, antes de tudo, aos músicos rock que souberam entender-se com as leis do mer cado.
Alien
Klein,
por
seu
lado,
aproveitou-se
destas
para
aplicar com benefício a receita do con certo. A Columbia e a Capítol/Apple esfarraparam-se pela distribuição e direitos do triplo-álbum extraido desta manifestação. Opostamente, o desgaste dos géneros nados-mortos (hard
rock, jazz rock, supergrupos) veio a acentuar-se em 1971. As vedetas (tor nad as) individ uais — Steve Stills, Paul Mc Cartney , Eric Clapton, Ginger Baker, 'David Crosby, Graham Nash, etc. — revelaram as suas limitações, em benefício das ind iv id uali dades (tor nad as) vedetas — Van Morrison , James Taylor , Rod Stew art , Neil Young, Carole King, etc. — que se exprim iam dentro do country rock, a única corrente criativa da pop music /
¡rock. Em
resumo,
a
evolução
do
rock desde 1967 até 1971
(limite provisório) foi, portanto, antes de mais, produto da indústria fonográfica, em particular, e da sociedade capitalista americana, em geral. Se esta última, para responder à crise ideológica que brotava no seio da sua juventude, tinha feito tudo, entre 1956 e 1964, para que a realidade da ilusão espec tacular pop/rock se transformasse em ilusão da realidade, os seus esfo rço s passaram, ent retant o, a incid ir (a part ir do momento em que a ilusão se tornou realidade social, entre 1965 e 1967) sobre o desaparecimento desta, que ela consi derava, segundo os seus critérios, improdutiva, logo negativa/ /prejudicial. Mas no decurso deste último período, ao seu esforço veio sobrepor-se o desejo propriamente mercantil de separar os produtos culturais (realizáveis nos circuitos capita list as) desta realidade, em parte respons ável po r tais cr iações. 164
E assim, este esforço contraditório marcou, a partir de 1967•1968, a evolução da pop mus ic/rock e do seu ambiente. A fim de se desenvolver, a produção fonográfica não teve mais que moldar as sistematizações e caricaturas duma música imobilizada/esclerosada.’** Desta maneira, o sistema americano alcan çou o fim em vista: alimentar/reactivar a ideologia não violenta-pacifista-colabo rante
do
período
de
-1967-1969
para — ao
menos no campo ideológico (como se fosse possível separar os sectores com esta facilidade) — resolver os con flitos e neu tralizar a hipo tética tomada de consc iência, p o r part e dos estudantes, das violentas contradições que caracterizam as relações sociais contemporâneas.
w — Bill Graham, fundador do i Fillmora, parece partilhar esta opi nião, pois decidia fechar as suas salas, em Julho de 1971. Para além da qualidade constantemente decrescente do público e da música, foi a infláção no preço do ro ck ao vivo, a partir de Woodstock, e a obrigação imposta pelos promotores de digressões do contrato de grupos de segunda categoria para garantirem para si o grupo vedeta, que ditaram a decisão de Bill Graham. O seu abandono assinala o fim dos «pioneiros» (1965-68). Todos os sintomas de alargamento do campo de valorização (onde o produto, avaliado e trocado por dinheiro, gera lucro) apareceram nos Estados U n id o s: aceleração do ritmo das digressões e de realização de discos (tanto mais que o LP passou a ser o disco de base), aumento dos p reços (discas, lugares, contratos de grupos),, aumento do montante de transacções da indústria fonográfica, etc.. Estes sintomas confirmam que esta indústria passou a contar com a expansão da p op m urlc /r ock para garantir a sua própria expansão, cujo nivel é superior ao do conjunto da indústria am erica na: 9 a 10 % por ano, contra 3 a 4 %, donde uma taxa de lucro superior à média do sector capitalista, o que clarifica/ /explica o fenó men o de concentra ção e de aq uisição pelos holdings (cf. Kinney adquirindo a WB/Reprise, Atlantic, Elektra) da maior parte das firmas fonográficas americanas. 165
4
MÚSICA / ARTE/ POLÍTICA
Em 1970-1971, as evol uç ões — factuais: festivais de Aix-en•Provenc e
e de
Biot
(Julh o-Ag os to
de
1970);
Palácio
dos
Desportos (Janeiro de 1971); festa pop no Marché aux Puces no centenário da Comuna de Paris (Març o de 1971); m ul tip li cação dos concertos pop nos liceus, faculdades, centros de ju v en tu d e e/o u em sítios «d es locad os»; — organizativas: cria ção da F.L.I.P. “ ; — literárias: aparecimento da revista underground Actué!, dos jornais Le Pop, Le Parapluie, etc.; ensaios teóricos nas colunas de Rock & Foik: c o n s t i t u i ç ã o / p u b l i c a ç ã o dum dossier pop music enquadrado na revista Musique En
J eu m, perm item que nos interroguemos sobre a- eventualid ade do seu papel militante/crítico aos níveis musical e ideológico. Questão
essa
contida
no
problema
mais
geral
da
arte
no
sistema capitalista; suas determinações, situação, papel, possi bilidade de se tornar militante/crítica; questão que coloca, enfim, o problema da eficácia da arte. Se bem que as normas da pop music/rock tenham ficado enumeradas no decorrer dos capítulos anteriores, parece neces sário reconvocá-las para proceder a uma análise numa óptica
crítica. Para tanto, faremos referência a textos aparecidos nos órgãos literários atrás citados, essencialmente Musique En Jeu, e tentaremos extrair desses textos, favoráveis à pop music/rock, sob forma de citações, os elementos duma crítica. A n tes de mais, im porta d el im itar/en u n c iar o ou os el em en tos que determina(m) o valor mercantil desta música; é impor tante (re)determinar a ligação, a submissão da pop music/rock às normas estéticas burguesas/mercantis. Ela situa-se, desde logo e sobretudo, ao nível do ritmo: simples e regular,
é
este
o postulado, a sujeição que esta música não põe jamais em
m — Força d e Lib ertaçã o e de Interven ção Pop, associação de grupos p op e de indivíduos criada a seguir ao fracasso dos festivais mercan tis/burgueses do verão de 1970, em França, e destinada a inserir a p op m usic ir ock nas lutas sociais. ** — Pode falar-se de pop mus icirock em Franca (em vez de fran cesa), segundo Philippe Constantin (e estamos de acordo em relação a isso), a partir do Outono de 1969, ou seja, depois do festival de Amougies (Musique En Jeu, n.° 2, pp. 95-101), festival a seguir ao qual decuplicaram as vendas dos grupos Progressive (de Ummagumma de Pink Floyd. se bem que duplo, venderam-se, em 1970, 50 000 exemplares, ao passo que do seu anterior álbum se tinham vendido, em 1968, 5000 exem plares). Fenómeno que convenceu a indústria fonográfica francesa a lançar, nos festivais do verto de 1970, grupos nacionais, em simultáneo com o aparecimento duma imprense especializada.
169
causa: «A excepção do beat, forte e muitas vezes constante, todos os elementos musicais parecem suficientemente abertos para permitirem qualquer incursão de influências e de aconte cimentos. ” *» «Apo iando -se o total [os elementos constitutivo s da pop music/rock], num ritmo p rim itiv o im placável.” *» «Eu [Yoko Ono] digo a John [Lennon]: 'Mas porquê empregar sempre esse beat ? Sempre o mesmo, porque é que não faz algo de mais complicado?' m». Os desvios sãó raros: «Algumas inovações atonais e rítmicas [sublinhado por nós] apareceram, principalmente Mothers
Of
nas
composições
Inven tio n.” *» «A
de
Frank
Zappa
para
os
própria [sublinhado p or nós]
estrutura rítmica, por vezes [sublinhado por nós], apresenta-se
com características bastante [sublinhado por nós] ins ólit as.1” » A lém di sso , pro va a contrario, os poucos «inovadores», Frank Zap pa/Mo th ers Of In ven tio n,” * Captain Beefheart, Soft M a chine, Grateful D ead ,” 1 etc., são ao mesmo temp o notados *•* — Luciano Bario — mú sico «contempo râneo» que vive nos Estados Unidos. Commentaires au rock, Musique En ¡eu, n.° 2, pág. 59, comple tados por nota s redigidas por Susan Berio, 1971, Le Seuil, Paris. Lemery, M us ique En ¡e u, n.° 2, pág. 84. i m — Denis organizadora de happenings, autora de filmes undermi — Y ok o On o, gr ou nd, cantora «contemporánea», mulher de John Lennon. Entrevista de John Lennon (e Yoko Ono), R olting Síon e, n.° 74, pág. 33. “ • — D . Lemery, op. d /. , pág. 82. — L. Berio, op. c i t pág. 62. ** — Quan do Frank Zappa declara : «Precisámos dum ano para apren der a tocar Son Of Susie Creamcheese. Sabe porquê? A métrica, o ritmo, são fantásticos» (Actuel, nova série, n.° 3 , pág. 17) e sabendo nós que esta música dura apenas um minuto e trinta e três segundos, ficamos a compreender que o problema do ritmo no ro ck surja como inultrapassável, já que 93 segundos implicam um ano de trabalho. Por outro lado, se é verdade que o trabalho de Frank Zappa c apreciado de maneiras muito diversas — «Zappa é incapaz de escrever um texto. Esconde as suas deficiências musicais convertendo todos os grupos a que faz apelo» (Doug Yule, membro do Velvet Underground, JT n.° 97, Fevereiro de 1971, pág. 7) — , toda a gente é unânime em se declarar confundida perante a sua concepção da música, próxima do nm sio n ato : «Todos estes jovens americanos ( . . . ) desconhecem o que seja uma orquestra, o jazz, e uma certa linguagem teatral surrealista, « a o tran sp orm os o total para um tema de rock'n ’roU (sublinhado por nós] temos a possibilidade de fornecer uma quantidade de novos dados» (F. Zappa, A ct uel n»* 10, pág. 47). Como o papel dos vulgarizadores foi sempre bastante suspeito, inclinar-nos-íamos para partilhar a opinião segundo a qual «Zappa é um snob que despreza o seu público» (Lester Bangs, Roüin g Stone n.* 73, Dezembro de 1970, pág. 50). 301 — O sucesso tardio (1970) deste grupo coincide com o seu gosto actual pelos ritmos simples (cf. LP Workingman’s Dead, 1970, Warner Bros).
170
e confinados àquela «fronteira» (repetição incansável, por parte dos críticos, das influências originais) onde a lenda e o mito (estatuto de heróis) lhes reservam üm lugar de popularidade e
de
valor
excêntricas papel
de
mercantil (no
(limitado).
sentido
original
Enfim, do
«vanguarda» — designados
as
termo)
suas
posiçõ es
delegam-lhes
Progressive
o
groups — ,
«qualidade» que ressalta no meio do conformismo generalizado da pop music/rock e que permite a esta erigir-se em arte. A propósito do fen óm en o rítm ico, lan Carr (t r o m p etis ta do grupo Nucleus, rotulado de jazz roc k) escreve na sua crónica mensal no Melody Maker que, no jazz rock; à luaz da análise facilitada pela natureza caricatural da música dos Blood Sweat & Tears: «os solos são mais decorativos [sublinhado por n ó s ] que orgânicos — seja qual for o instru mento que to ca (ou «jue não to ca) — , a estrutura do trecho m antem-se igual, o ritm o esclerosa-se, o número pré-estabelecido de compassos enca deia-se de forma regular.» lan Carr delimita assim a natureza profunda desta música ao descrever a sua hierarquia rígida: «Jazz à superfície e rock na base. £ atraente, inofensivo, e dá uma idéia de virilidade.» Ora, o que é válido para o jazz rock é-o de igual modo para todos os géneros integrados na
pop music/
/rock. Revela-se consequentemente a hierarquia imperativa des ta música: de baixo para cim a, ritmo (s ), melodia (s )/te m a (s ), som(ns), sectores quase independentes uns dos outros, o que acarreta a especialização e divisão entre instrumentos solistas e instrumentos rítmicos, sendo a liberdade de criação depen dente do nível, ampla no vértice e quase inexistente na base. Enfim,
este
esquema
permite-nos
enunciar:
«a
característica
principal dos grupos rock: a concepção segundo a qual a secção ritmica
funciona
quase
independentemente
do
resto,
execu
tando simplesmente o seu trabalho específico, a repetição das suas figuras de base», (lan Carr, Melody Maker, 10/4/1971.) Nisto, a pop music/rock inscreve-se como o prolongamento lógico do rock'ríroll: a mesma alienação a n orm as r ítmic as — ritmo(s) simples e regular(es), garantia dum reconhecimento/ /consumo imediato: «os trechos de rock que mais se venderam apresentavam, formas
mais
na
sua
maior
tradicionais
do
parte,
uma
certa
fidelidade
às
rock'ríroll, do folclore western
(melodias simples, textos sempre inteligíveis e padrões musi cais geralmente familiares). São músicas como estas que pro 171
voc am
vendas astronóm icas
única finalidade:
de discos. *"»
a distr acção
dança
e/o u
E isto
com
transe:
« (. .. )
uma Ele
[ o rock ] é in separável *das suas co ndi ções de u tili zação num dancing. " *» «Quando ele [o ro ck ] é colocado no seu co ntexto mais aprop riado, o da n c in g ...” *» (L. Berio entende po r dancing o «Psychedeiic Dance Hall», «dancing alucinatório».) Mas de que maneira é sentida a ruptura entre rock'ríroll e rock ? «Se bem que o rock se pareça em parte com o rock'
‘ríroll de há dez anos, podemos considerá-lo apenas como uma contin uação mo dific ada. *"» «O rock'ríroll foi essencialmente uma música negra ( blues ) que teve os seus imitadores. O rock, pelo contrário, acabou por adquirir a sua autonomia e, como fez notar Ralph Gleason, é o Negro que irá agora decidir se vai ou não integrar-se nele.*" Quando o rock, hoje, faz referência á música negra, já não se trata duma imitação: o blues trans formou-se
num
dos
numerosos
afluentes
que
alimentam
a
corrente rock . *" » Os ideólo go s pop são ainda mais explícitos: « ê também a época da explosão da música dos Beatles.**» Ao lermos o que ficou dito, teremos que nos admirar que nenhum dos c om entadores tenha tido o cuidado de se interrogar sobre a causa e a natureza desta «deflagração» (não se teria ela dado
*•* — Susan B eñ o, M us iq ue En /e u , n ° 2, — L. Beño,
op.
pág. 63.
eit., pág. 59.
304— L. Berio,
op.
eit., p&g. 60.
305 — L.
op.
eit., p&g. 57.
B eñ o,
not e 5,
906 — A opin ião de Ralph Gleason diz respeito a um fenómeno ante ñor à po p mus ic , remontando à época swing dos anos 30: também os músicos negros de jazz Unham sido considerados pelos Brancos (músicos/ /críU cos/espectadores-co nsum idores) co m o quase estran hos a esta música (já qualificada como sintética); fenômeno que só o campo social/históñco vem aclarar: a sujeição económica e cultural dos Negros americanos pelos Brancos e o roubo, aos níveis artístico e mercantil, das criações culturais que lhes são próprias. Este apelo (o fazer acompanhar uma alteração de sentido por uma normalização dos elementos musicais) de Susan Berio a Ralph Gleason surge como lógico, se nos lembrarmos que Luciano Beño considera o free ja zz, dum modo global, como «uma exibição de activismo instrumental». Este juízo parece aludir ao empenbamento político do fre e j a z z ; o que nos é permitido ler nas entrelinhas, constitui uma nota elo quente acerca da concepção de Luciano Berio sobre a prática musical. 907 — S.
Berio,
op.
eit., pág. 63.
M — Jean François Bizot, M us ique igualmente Denis Lemery, ibid, p&g. 82.
172
En
ie u , n.*
2,
pág.
75.
Ver
na análise/com pr eensio destes ideólo go s” *?) nem de localizar os seus «efeitos» (Ideológicos entre outros). A menos que seja necessário satlsfazermo-nos com uma resposta superficial que
explique
a
história
através
dum
deslizar
da
idade
dos
consumidores de pop musió " , deslizar esse que determ inaría o «inclusivismo» e o «ecletism o»’" , o «sinc retism o»’” . Por isso mesmo, não faremos aqui o levantamento das contradições de opinião que estes termos revelam para uma definição das qualidades emprestadas à pop musiç/rock. Na realidade, esse «ecletismo»/«incluslvlsmo»/«sincretismo», louvado como sendo a sua qualidade primordial, apre senta-se ao mesmo tempo como reduzido e redutor: reduzido a um estilo dominante: a verificação quase estatística das frequências de aparição assim como a aferição dos espaços dos diversos estilos musicais («ó/ues, charleston, western song, soul musió, sea chanties, hinos religiosos, música isabellna. Indiana, árabe, etc. ’” », «blu es, j azz, ro ck,
co n tem
por ânea, folc lor es vários »’1*) aos quais acresc entar emo s a m ú sica «clássica», permitem confirmar que os blues/R&B perma necem como o contributo e a «inspiração» principais da pop
music/rock — onde o
grupos pop ] se terem apoderado do jazz para toda a espécie [sublinhado por facto
de
«eles
[o s
nós ] de im pro visaçõ es’” » se deve Interpretar como uma con firmação, conhecendo nós a permanência e Intimidade das relações blues-\azz — e que as normas rítmicas Imperativas (binárias, simples e regulares) tomadas de empréstimo à música negra e tornadas rígidas pelo rock'ríroll permanecem como base e característica desta música;
** — Visão tão idealista com o a de Boris Vian — mas neste volun tariamente idealista e côm ica — a prop ósito do «nascimento» do ro ck 'n ’ro ll : «Inventado por O. Rock e Jean Roll, em 1827, no fim duma longa noite de tempestade durante a qual onze garrafas de whisk y encontraram uma morte gloriosa, o «rock and roll» . . . » (Jack K. N etty, aliás Boris Vian, na contra-capa do EP R ock A nd R oll, de Henri Salvador/Henry Cording (1956), Fontana.). ,n — Hipótese que J. F. Bizot parece pa rtilh ar : «A partir dal, fica traçada a via real ( . . . ) , pode [sublinhado por nós] existir um sincre tismo musical, uma enorme clientela está preparada» (op. c i t , pág. 76). 111 — L. B eñ o, op . cit., pág. 58. ,a — J. F. Bizot, op. cit ., pág. 76. *“ — L. Berio, op. cit ., pág. 57. ,M — J. F. Bizo t, op . c it ., pág. 76. •“ — D . Lemery, op . cit., pág. 84.
173
e redutor («O rock representa (...) uma imagem res tri ti va das suas descendênci as estilísticas. ’ ” ») de estilos es tranhos a ornamentos musicais que desempenham o papel de surpresas (porque elementos secundários rapidamente inte grados no sistema de referências) estimulantes dum consumo massivo e imediato. Não só o ritmo se revela um postulado imperativo, como também os restantes elementos permanecem sempre rígidos: «a
pop
music
não
nhado por nós] e, com uma repetição
acefta
facilmente
a
improvisação [ s u b l i
em público, contenta-se frequentemente quase literal das gravações. A criação
[sublinhado por nós] (...) retoma muitas vezes um esquema clássico
c an ç ão /re fr ão 217.»
Assim,
apenas
o
aspecto
sonoro
parece ser .portador de algumas inovações: «Micr ofo nes, am pl i ficadores, altifalantes, não são portanto simples extensões da voz e dos instrumentos, mas tornam-se, eles próprios, instru m en to s 2’8», se bem que frequ entem ente não sejam mais qu e processos para obter uma maior «eficácia sobre o público» pois o «som, amplificado a um nível que se dirige mais ao visceral que ao auditivo, (...) exige [s ub li nh ado po r nó s] ou a f u g a219.»
ou
uma
total
sujeição
Desd e lo go , a su jeiç ão dos sen ti do s 220 e a ausência duma vo nt ade cr ític a agind o s obre a inteligência 222 (crítica que oode**•
— L. Beñ o, op. c it ., pág. 58. *n — D . Lemery, op. c it ., pág. 82. m — L. Berio, op. c it ., pág. 60. w — S. Berio, op. c it ., nota 5, pág. 64. **• — «A c riação co m uma preocupação de eficácia sobre o puolico» (D. Lemery, op . c it ., pág. 82). W1 — Critica no sentido duma crítica das suas normas estétic as, da sua função eminentemente distractiva. Para já, é impossível atribuir à música uma missão de critica do mundo e da cultura, pois a problemática do sentido esbarra no material musical ; no caso da p op mus ic ¡ro ck é possível, por uma análise dos textos e das práticas, enunciar as concepções (musi cais, pessoais) e determinações (culturais/mercantis/sociais) que presidem à sua criação. Mas podemos dizer desde já que «a música é ideológica no momento em que as suas condições de produção privilegiam as forças produtivas. Seria conveniente examinar aquilo através de que a música se pode tornar ideológica: pela produção de falsa consciência, pela diversão que transfigura a existência banal, pelo seu desdobramento que se torna ainda mais estabilizador, e sobretudo pela afirmação abstracta. ( . . . ) A di visão (entre música «séria» e música impropriamente designada por «ligeira») tinha provavelmente as suas raizes na divisão do trabalho social e nas mais arcaicas condições de classe que reservavam o seleccionado para os
174
arrastar uma distanciação) permitem que a pop music/iod: assegure a continuidade distractiva do rock'n'roll, tal como este foi ao mesmo tempo o continuador (comercial) e o subs tituto
(musical)
do swing, e que responda à «problemática
do capitalismo; todos os signos são transformáveis em mer cadoria, isto é, qualquer objecto, veiculo de uma série de afectos e de representantes de pulsões, pode transformar-se em valor de troca, pode entrar no circuito do capital, e a sua produção gerar mais-valia; descobre-se o inesgotável mer cad o do des ejo ***». A prát ica da pop music/rock aparece portanto como a escolha duma arte expressionista: «Põe-se em prática o tema de Mac Luhan: «A música é a tradução sonora duma atitude ou dum m o vi m en to »11*.» «Apo iando -se o to do [o s elemento s constitutivos
da
pop music/rock ]
(...)
num
expressionismo
v o c al 11*.» Qualidade que lim ita/an u la (? ) o seu p od er cr itic o, o que é reconhecido por alguns; «A pop music não ó. enquanto «forma»
e
linguagem
musical,
o
meio
de
expressão
duma
critica p o lític a” .» A constatação desse fracasso mostra que esta música é, já por si, muito refractária a um discurso realista político (fenómeno bastante compreensível), dificul dade que ilude a fortiori o problema da sua atitude crítica. Pelo
contrário,
a
maior
parte
das
pessoas
admite
que
ela pode/deve ser utilizada como «uma arma subversiva para múdar a vida e transformar o mundo aqui e agora» através duma conquista dos media pelos não-violentos, e/ou dum
governantes e o vulgar para a populaça; na diferença estética puderam inserir-se diferenças culturais. P ou co a pou co, a divisão fo i-se to m an do mais rígida, reificou-se e foi , por fim, institucionalizada. ( . . . ) A esfera inferior (música «ligeira») obedeceu à preeminencia das condições de pro dução. Uma sociologia critica da música terá que explicar detalhadamente a razão porque a música ligeira á, boje — diferentemente de há cem anos — má sem excepção, obrigatoriamente má. ( . . . ) A música ligeira não faz mais que confirmar, repetir, fixar este abaixamento psic ológ ico, con seguindo, afinal de contas, que a sociedade se instale nos homens» (Theodor W. Adorno, 1967, Mus iq ue En Je u, n. ° 2, pp. 11-12). Para meditar. Veri ficar também se a p o p m usic /r ock 6 um a música «ligeira» ; em qualquer caso, o seu carácter de massa é inegável. “ — Dominique Avron, Jean-François Lyotard, M usi qu e En Jeu, n * 2, pãg. 35. sss — Paul Alessandr ini, R ock A Folk n.° 46, pág. 64. ‘" — D . Lemery, o p. c it ., pág. 84. * * — Goorges Haessig, M us ique En Jeu, n * 2, pág. 93.
175
«desloc amento de circ uito , de carácter e de público “ *», em proveito dos militantes revolucionários adeptos da violência. Oeste modo, todos recusam a noção de que «á arte resta subverter a sua função, tornar-se anti-arte. O que está en: causa não é já o efeito de participação, mas de contestação, nem tão pouco a circulação dos signos, traficada na sua origem e no seu fim, mas a crítica desses signos como ins trumentos de alienação. Crítica ela própria constantemente recuperada,
e
a
necessitar
constantemente
de
ser
desloca
da ,n.» Negam o po der cr ítico da arte, a po ssib ilid ade duma anti-arte, para voltarem a colocá-la na sua alternativa de sempre: a arte ao serviço dum qualqu er realismo po lítico “ • ou a arte pela arte. Significa, do mesmo passo, atribuir a esta
música
um
poder
demoníaco,
sublimando
(intelectual-
mente) as suas possibilidades de eficácia, e dar o aval ao mit o bu rg uês . da essência «natural» e do etnocentrism o da «Arte» ocidental. A
primei ra at itu d e — conquista dos media — postula que
«os media constituem a chave. Temos de nos servir deles silenciosamente. Reprovo a táctica do confronto directo nas r u as ...” *». A escolha deste campo de con fron tação é errada se
constatarmos
que
o
sistema
capitalista
detém
e
utiliza
ideologicamente estes media; situação que implica a censura de qualquer produção considerada comg «subversiva» ou «crí tica». De resto, a utilização de tais processos parece indicar que a burguesia receia mais a crítica formal qué a subver
1J* — M anife sto/apelo da F. L. I. P. m — D . Avron, I. F. Lyotard, op. c it ., pig. 35: m — Com o no caso (extremo) dos MC5, dos Stooges, dos Frost, cujo rock convencional é continuamente investido/valorizado pelos críticos: «Sem dúvida que valería a pena examinar a linguagem que as pessoas usam quando visam a música. Pode adiantar-ee a hipótese desta linguagem consistir largamente em «clichés» socialmente pré-fabricados que escondem uma viva relação com a coisa; (...) esta linguagem detém conteúdos ideológicos e racionalizações psicológicas que, por sua vez, são susceptíveis de influir na própria recepção.» (Th. W. Adorno, o p cit ., pig. 14). Isto põe o problema dos críticos : cães de guarda e/o u batedores? Deste modo se atribui à po p rruoiclrock a faculdade de «traduzi» musicalmente o re volucionário : «Ê também um a música [a dos Stooges] da alegria vermelha, da revolução em marcha, ( . . . ) uma porta aberta à vertigem do acaso, mas assente na ar mação fornecida pelo co ns tante [sublinhado por nós] rolamento rítmico da batería.» (Paul Alessandrini, R ode 4 Folk n » 47, Pâ«. 93). “ — Frank Zappa na London School O f Economice, em Junho de 1969.
178
são formal, porque normas musicais, o to, ao passo que segunda valoriza o
a primeira transgride valores morais e/ou que enfraquece o valor mercantil do objeco emprego do slogan político feito pela objecto a ponto de ser tolerado a certos
senão a todos ( cf. Dylan People de John Lennon). níveis, A
segunda
at itu d e — em preg ar
em
1963,
Power To The
a pop music/rock c o m o
«arma subversiva» pelo «deslocamento dos circuitos», etc. «para transfo rm ar o m undo » — visa ligar o musical e o po lítico («Os temp os são d e luta. ” *»). Nisso, esta táct ica ataca v ivam ente a separação «Arte»-política instaurada pela burguesia, arras tando a reacção/repressão por parte do sistema que, pela força (Chicago, Agosto de 1968; Marché aux Puces, Março de 1971; etc .), rest abelece a separação, co loc ando d e n ov o a «Art e» fora do temp o e do
campo so cial/histó ric o
Se é
verdade que este lugar de confronto parece mais apropriado — para actos s ubversivos — convém, cont udo, reintrodu zir des de já a análise da pop music/rock a fim de mostrar que esta atitude implica um avanço perpétuo no sentido da nega ção, desconstrução, destruição deste objecto, para conservar assim a sua pos ição c r íti c a” 3. Com efeito , a permanênc ia das normas estéticas burguesas acarreta a re-secreção das relações acto r/p ú bl ic o . vigentes no espectáculo, seja qual for o local, mesmo que seja «desloc ado» — «lares de trabalha dores, bairros, arredores, liceus, faculdades e, porque não [sub linhado por n ós ], fábricas " *». A transgressão mo mentânea (de local, de público, principalmente) transforma-se e prazo (curto
ou
médio)
num
elemento
constitutivo
de
novos
cir
cuitos culturais paralelos (com tudo o que a atitude paralela
— Man ifesto/apelo d a F. L. I. P.. m — Por e xe m plo : cÉ necessário que a culture nSo degenere em initrumento político. A partir do momento em que a cultura for assim desviada, entra-ee no campo das coisas ignóbeis. E nio penso sequer em retirar esta palavra.» (Jacques Chaban-Delmas, Bordóus, 19 de Dezembro de 1970). “ — A superafio da p op m u sic /r ock aquando da festa p o p de Estras burgo, na antiga faculdade de letras da Esplanade, em 1 de Abril de 1971, mostrou ao mesmo tempo os seus limites e a sua inadequado como «arma subversiva» por si só. Ela apenas pode servir de pretexto/cobertura oficial para festas de transareisIo (nas quais se poderla celebrar a sua destruido?). m — Manifesto/ap elo da F. L. I. P.. m
12
177
implica) invariavelmente baptizados u n d e r g r o u n d A crónica que atrás ficou feita das diversas manipulações do underground tem valor de demonstração a priori. Enfim, escolher este local de confronto para um objecto desta natureza seria esquecer as suas «qualidades catárticas» como fica provado por este extracto duma interessante con versa: Pergunta: «Ê sua opinião (...) que a agressividade de monstrada pelos adolescentes para com os vigilantes e pro fessores poderia encontrar o seu exutório numa expressão musical criativa, constituindo esta, em certa medida, urna válvula de escape. Interpretei bem?» Resposta: «Sim, com efeito, penso que a música pode ter um papel catártic o !“ .» Por outro lado, as investigações levadas a cabo (as únicas, até aqui) por Colin Fletcher «acerca da relação da violência com o rock and roll indicam que a música tem tendência a absorver a violência e a reorientar as energias violentas para a criação musical ou para o apoio, mas essen cialmente não-violento, a determinados grupos ou cantores.1*4 130». Assim, a pop music/rock (mais exactamente a sua van guarda ” ’ ) envereda por um caminho bem b alizado (isto não
114 — N os U SA , a actividade musical pop í inversamente proporcional à efervescência política nas universidades (c/. a suspensão das digressões p op aqua ndo da greve geral universitária que se, seguiu ao assassínio dos quatro estudantes de Kent). Podemos portanto concluir dal que quando o social ressurge a p op (ou o espectáculo) recua. A aceitarmos esta hipó tese, que se deverá entã o deduzir em relação a França onde fora m apa recendo, ao longo dos a n o s: a revista Actuel (autoclassificada de eunder gr ou nd ») e a companhia fonográfica Futura (autobaptizada como primeira etiqueta francesa tu nde rg ro un d* ). etc.. a í — Entrevista de Madeleiue Cagnard, autora de Ulrútiatión Musicale des le unes (Casterman, Paris, 1971), M usique En le u n:° 2, pág. 126. 280 — Charlie Gille tt, The Sound Of The City, Outerbridge and Dienstfrey, No va Iorq ue, 1970, pág . ,300. Estudo de Colin Fletcher in New Society e The Pop Procese, Richard Mabey, Hutchinson Educational, Lon dres, 1970. m — Con viría desenvolver a problemática da Vanguarda em arte, pois o termo aparece frequentemente em textos sobre po p mus ic Iro ck (Paul Alessandrini, pa rticularm ente: «Será pois po sto o problema da noção de vanguarda e da sua acçãos, R ock £ Folk n .° 46, pág. 64), m a s, . de mo m ento , basta ver que «a burguesia delegava em alguns dos seus cria dores tarefas de subversão formal, sem que, por isso, rompesse verda deiramente c om eles : não 6 ela, no fim de contas, que dispensa à arte
178
constitui uma aposta/projecção sobre o seu futuro, mas sim uma reflexão sobre os seus presente e passado, sem especular acerca da sua evolução ulterior) sem pôr a si mesma o problema da arte e da sua eficácia na história, como Hegel, antes de tantos outros, o punha, há mais de século e meio, ao começar o seu curso sobre a estética: «A Arte é para nós coisa ultrapassada *"», con ferind o-lhe
(tal v ez
temente, isto é uma interpretação nossa) 1. a A rt e é relegada à inacç ão, para a
inc ons cien
dois significados: peri feria (ex ac ta
mente para o vértice, para o lugar de Deus, cf„ entre outros, a filo sof ia dos ro m ânti co s) da soci edade burguesa; 2. a A r te (a contemporânea de Hegel) apela para (dialéc tic a»: a arte cr ítica/a anti-arte (? ).
a
sua
negação
de vanguarda o apoio parcimonioso do seu público, quer dizer, o seu dinheiro? ( . . . ) Subjectivamente, e ao nível do próprio criador, a van* guarda é vivida como uma libertação total. ( . . . ) Um a experiência criativa só pode ser radical se investir contra a estrutura real, isto é, política, da sociedade. ( . . . ) Parece que apenas conquistada pela evidência das tarefas revolucionárias, a vanguarda renuncia a si própria, aceita morrer.» (Roland Bartbes, Esstds Critiqu es , Seuil, Paris, 1964, pp. 80- 81). m — Citado por Maurice Blanchot, L ‘Esp ac e U tt éra ir e, Oallimard, Paris, 1955, pág. 286.
179
DISCOGRAFIA SELECTIVA
Tentámos nesta discografia salientar algumas ilustrações e ao mesmo tempo alguns pontos de referência do movimento musical estudado. A ordem dos nomes é alfabética, enquanto que as produções estão ordenadas cronologicamente por 45 - rotações e depois por álbuns (a data indicada diz respeito quer à gravação, quer à publicação; quando houver um inter valo importante entre estas duas datas, elas serão ambas indicadas). As referências de nacionalidade são precisadas: as marcas francesas (o que importa aqui não é o lugar de produção, mas sim o lugar de distribuição) com letra grossa, as britânicas com letra fina, as americanas em itálico (as segunda e terceira edições são geralmente encontráveis nos importadores).
ANIMALS Componentes: Eriç Burdon (vocalista), Hilton Valentine (guitarra-solo), Chas Chandler (guitarra-baixo), Alan Price, mais tarde Dave Rowberry (órgão, piano), John Steel, mais tarde Barry Jenkins (batería). Separação em 1966. Inside — Looking Out — Dorít Bring Me Down — See See Rider (1966), D e c c a . Os seus hits (1964-65) no álbum The Most Of The Animáis (1966) — LP Animal Tracks (1965), Columbia EMI.
ATLANTIC Firrha de Nova Iorque fundada em 1947, incluindo quatro etiquetas: Atlantic, Ateo, Cat, Cotillion, comprada em 1967 pela Warner Bros/7 Arts/Reprise, filial do Kinney Record Group. Os■■hits dos seus artistas nos oito volumes da History Of fíythm & Blues, 1947-67, Atlantic S 8161/4, S 8193/4, S 8208/4.
JOAN BAEZ (1941), Uma selecção das suas gravações no duplo-álbum The First 10 Yeers (1971), Vanguard. 183
THE
BAND
Componentes: Jaime Robbie Robertson (guitarra-solo, vocalista), Rick Oanko (guitarra-baixo, vocalista), Richard Manuel (piano, órgão, batería, vocalista), Garth Hudson (órgão, piano, metais, acordeão), Levon Helm (batería, guitarra, voca lista). LP Music From Big Pink ( 1 9 6 8 )— LP The Band (1909) — LP Stage Fright (1970) — LP Cahoots (1971), pirata The Band Uve (1970).
THE
BEACH
Capítol
— LP
BOYS
Co m p o n en tes . Brian Wilson (guitarra-baixo, vo calista) mais tarde — em públic o a partir de 1965 — Bruce Johnston; Cari Wilson (guitarra-solo, vocalista), Mike Love (vocalista), A lan Jar d ine (g u itar ra rít m ica, v o c alis ta), Dennis Wils o n (b a tería); em 1972, Blondie Chaplin (guitarra-baixo), Ricky Fataat (batería).
Good Vibrations ( 1 9 6 6 ) — Heroes And Villeins (1967). Os seus hits no álbum The Best Of The Beach Boys — LP Pet Sounds (1966) C a p í t o l — LP Surfs Up (1967-71), Stateside.
BEATLES Componentes: John Lennon (guitarra rítmica, apiano, vo calista), Paul McCartney (guitarra-baixo, mellotron, vocalista), George Harrison (guitarra-solo, sitar, vocalista), Bingo Starr (batería, vocalista). Separação em 1970. Love Ma Do (1962)— Please Please Me — From Me To Yo u — Twist And Shout (EP)— She Loves You — / Want To Hold Your Hand (1963) — Carít Buy Me Love — Long Tall Sally ( EP) — A Hard Days Night — I Feel Fine (1964) — Ticket To Rida — Help — Yesterday — Day Tripper/We Can Work It Out (1965) — Nowhere Man — Paperback Writer — Eleonor Rigby/Yellow Submarina (1966)— Penny Lane/Straw berry Fields Forever — All You Need Is Love — Hallo Goodbye — Magical Mistery Tour. EP (1967) — Lady Madonna, O d o o n . — Hey Jude/Revolutio n (1968)— Get Back — The Bailad Of John And Yoko — Something/Come Together (1969) — Let It 184
B e — Long And Winding Road (19 70 ), A p p l e — LP Rubber Soul (1965) — LP Revolver (1966) — LP Sergent Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), O d eo n — LP pirata em público Bea tles Uve At Shea Stadium (1965-70).
JEFF
BECK
GROUP
Com po nentes:
Rod Stew art
(voc alis ta), Jeff
Beck
(g ui
tarra-solo, vo calis ta), fíonn ie Wo od (gu itarra-baix o), Mic xy Waller. mais tarde Tony Newman (batería), mais tarde Nick Hopkins (piano). Separação em 1969.
Hi-Ho Sllver Uning/Beck's Bolero — Tallyman/Rock Plimsoul ( 1 9 6 7 )— LP Truth (1968). Columbia EMI.
CHUCK
BERRY
My
(1926)
Os seus hita no duplo-álbum Chuck Berry's Golden De
cade. Chess.
BIG BROTHER AND THE HOLDING COMPANY Com pon entes: 1967-68 — Janis Joplin Gurley
(guitarra-solo ),
Sam
An drew
(voc alis ta). James
(guitarr a-so lo ),
Petar
Alb in (g u itarra-b aix o ), Dav id G etz (b ater ía ). LP Blg Brother And The Holding Company (1967), CBS — Mainstream/fonxana— LP Cheap Thrills (1 9 68 ), C B S .
BLIND
FAITH
Componentes: Stevie Winwood (órgão, guitarra-solo, vo calista), Eric Clapton (guitarra-solo, viola simples), Rick Grech (guitarra-solo, violino), Ginger Baker (batería). Formação, separação em 1969. LP Blind Faith ( 1 9 6 9 ) , P o l y d o r .
GRAHA'M BONO ORGANISATION Componentes: Graham Bond (órgão, saxofone-alto, voca lis ta), Oick Hecktall-Smith (saxofones, cl arin ete), Jack Bruce (guitarra-baixo), Ginger Baker (batería): 185
LP Sound Of 65 (1965 ) — LP There's A Bond Between Us (1966), Warner Bros.
BOOKER T AND THE MG'S Co m po nen tes : Steve
Cropper
(gu itarra-sol o),
Booker T.
Jones (órgão), Donald «Duck» Dunn (guitarra-baixo), Al Jackson (batería). Gravaram também com o nome de Mar Keys com adi ção de três metais; no seio desta formação acompanharam, em disco, Otis Redding, Sam & Dave, Arthur Conley, Rufus e Carla Thomas, Wilson Pickett, etc.. Os seus hits no álbum
The Best Of Booker T And The MG‘s (1969), Atlantic.
JAMES
BROWN
(1928)
Comp onentes : James Brown (vo ca lis ta), The Famous Ra ines (grupo vocal), uma orquestra de acompanhamento: guitarra-solo/baixo. órgão, bateria, metais, secção de cordas/violinos.
Out Of Sight (1964), Smash — Os seus hit s (1956-62) no álbum Sixteen Unbeatable Hits, King — ,Os seus hits (1963-69) no álbum The Best Of James Brown — LP em p ú b li co James Brown Uve At The Apollo, V. 2 ( 1 9 6 8 ) , P o l y d o r .
BUFFALO
SPRINGFIELD
Componentes:
Neil
Young
(guitarra-solo,
piano,
vocalis
t a ), Steve Stills (vio la de 12 cordas, vo cali st a), Ritchie Furay (guitarra
rítmica,
vocalista).
Bruce
Palmer
(guitarra-baixo),
Dewey Martin (bateria). Separação em 1968. Os seus hits/registos no álbum The Best Of Buffalo Spring-
field/Retrospectivo (1969), Ateo.
PAUL BUTTERFIELD BUJES BAND
Componentes : 1965-66 — Paul Butterfield (harmónica, vo calista), Mike Bloomfield (guitarra-solo), Elvln Bishop (gui 186
tarra-ritinica), Mark Naftalin (órgão), Jerome Arnold (guitarra-baixo), Sam Lay (bateria). LP The Paul Butterlield Blues Band
(1965) — LP
East-
-West ( 1 9 6 6 ) , E l e k t r a .
BYRDS Com po nent es: 1965 — Gene Clark (voc alist a, abandona em 1960), David Crosby (guitarra rítmica, vocalista, excluído 'em 1967), Mike Clarke (bateria, abandona em 1967), Chris Hillman (guitarra-baixo, vocalista, abandona em 1968)/ J im / /Roger
McGuinn
(guitarra-solo,
vocalista),
mais
tarde
suce
dem-se Kewin Kelley, Gram Parsons, John York, Gene Clark, Doug Dillard e «Sneaky» Pete. 1971 : Roger McGu inn , Clarence Wh it e (gui tarra-solo , vo calista,
ingresso
em
1968),
Gene
Parsons
(bateria,
ingresso
em 1938), Skip Battin (guitarra-baixo, vocalista, ingresso em 1969). Os seus hits no duplo-álbum The Byrds 1964-1971 — LP Mr. Tambourine Man (1965) — LP duplo em pi ibl ico /estú dio sem titulo
(1970), CB S.
CAPTAIN BEEFHEART AND HIS MAGIC BAND LP Safe As Milk (1965), Buddah. Com po nent es : Don Van Vliet (harmónica, vocalista), Ry Cooder (viola metálica), Alex St-Claire Snouffer (guitarra-solo), Jerry Handley (guitarra-bai xo), John French «Drumbo» (bateria). LP Strictly Personal (1968), Blue Thumb. Componentes : Don Van Vliet, Alex St-Claire Snouffer, Jeff Cotton (guitarra-solo), Jerry Handley, John French «Drumbo». LP duplo Trout Mask Replica (1969), Straight. Componen tes : Don Van Vli et vocalista),
Zoot
(clarinete-baixo, saxofone ten or /sop rano ,
Horn
Jimmy Simmons (viola rinete-baixo, vocalista),
Rollo
(guitarra-solo,
flauta),
Antennae
metálica), The Mascara Snake (cla Rockette Morton (guitarra-baixo, nar
ração), John French «Drumbo». LP Uck My Decalls Off, Baby (1970),
Straight. C o m p o
nentes : Don Van Vl iet , Zoo t Horn Rollo, Roc kett e M or to n, John French «Drumbo», Art Trip (marimba-baixo, bateria).
187
LP Mirror Man (1965-71), Buddah. Componentes: Don Van Vliet (vocalista, harmónica, first time musette), Alex St-Claire Snouffer (guitarra-solo), Antennae Jimmy Simmons, Jerry Handley, John French «Drumbo».
CANNED
HEAT
Componentes:
Bob
Hite
(harmónica,
vocalista),
Henry
Vestine, mais tarde Harvey Mandei, Henry Vestine (guitaira-solo), Alan Wilson (guitarra rítmica, harmônica, vocalista), 1 1970 — Larry Tayl or , mais t arde An to nio de la Barreda (guitarra-baixo). Fito de Ia Parra (batería). LPs Living The Blues, V1 e V2 (1968), Liberty.
JOHNNY
CASH
Componentes: Johnny Cash (guitarra eléctrica, viola sim ples,
guitarra-baixo, batería). Os seus hits (1956-58) nos dois volumes/álbuns Originai Golden Hits V1 e V2 com os Tennessee Two, Sun, LP em p ú b l i c o ' Johnny Cash At St Quentin ( 1 9 6 9 ) , C B S .
CHAMBERS
BROTHERS
Componentes: Willie Chambers, George Chambers, Lester Chambers, Joe Chambers (vocalistas, guitarra-solo/baixo/rítmica), Brian Keenan (batería). Time Has Come Today (1968), versão abreviada em «single»/versão integral no LP The Time Has Come ( 19 6 7) , C B S .
RAY
CHARLES
(1932)
Componentes: Ray Charles (piano, órgão, vocalista), The Raelets (grupo vocal), um grupo de acompanhamento: guitarra-solo/baixo, piano, órgão, metais, batería, secção de cordas/violinos. Os seus hits (1953-71) no álbum Ray Charles: His Alt
Time Great Performances, Atlantic. 188
EDDIE
COCHRAN
(1938-60)
12 OI His Bigest Hits, Liberty.
Os seus hits no ¿Ibum
JOE COCKER Componentes: Joe Cocker (vocalista), 1968-70: The Groa se Band (guitarra-baixo/solo, órgão, batería), dúo vocal e/ou «friends» (em disco) — 1970: Mad Dogs An d Englishmen (guitarra-solo/rítmica/baixo, órgão, piano, metais, coro diri gido por Léon Russeli). 1972: The Chris Stainton Band. Os seus hits no álbum Cocker Happy (1970), Hifly.
LEONARD
COHEN
Componentes:
(1935) The
Army
(guitarra-baixo,
grupo vocal feminino, batería). LP Songs Of Leonard Cohén
viola
simples,
(1968) — LP Songs From
A Boom ( 19 6 9 ). C B S .
COUNTRY
ta),
JOE
AND
THE
FISH
Componentes:
Joe
Burry
(guitarra-solo),
Maltón
McDonald
(guitarra Bruce
rítmica,
Barthol,
vocalis
mais
tarde
Pete Albin, Doug Metzner (guitarra-baixo), David Cohén, mais tarde Mark Kapner (órgão, piano), Chicken Hirsch, mais tarde David Getz, Grog Dewey (batería). Separação em 1970. Selecção das suas gravações no álbum Greatest Hits — LP
Electric Music For The Mind And Body (1 96 7),
Van g u ard .
CREAM Componentes: Jack Bruce (guitarra-baixo, viola simples, órgão, vo cali st a), Eríc Clapton
(guitarra-sol o, vo cal is ta), Gin-
ger Baker (batería). Separação em 1968. Os seus hits no álbum The Best Of Cr-eam ( 19 6 9) — L P duplo em público e estúdio Wheels Of Fire (1 96 8),
Po ly d o r. 189
CREDENCE
CLEARWATER
REVIVAL
Componentes: John Fogerty (guitarra-solo). Tom Fogerty (guitarra rítmica, abandona em 1971), Stu Cook (guitarra-baixo), Doug Clifford (batería).
Susie Q — I Put A Spell On You . ( 1 9 6 8 ) — Proud Mary — Bad Moon Rising — Green River/Commotion — Fortunata Son ( 1 9 6 9 ) — Travellirí Band — Up Around The Bend — Lookirí Out My Backdoor — Have You Ever Seen The Rain? (1970) — Sweet Hitch Hicker (1 97 1), A m e r i c a .
CRICKETS Com po nent es: 1957-58 — Buddy Holly (guitarra-solo, vo calista), Nick Sullivan (guitarra rítmica), Joe Maudlin (guitarra-baixo), Jerry Alison (batería). Os seus hits no álbum The Chirpirí Crickets, Coral.
CROSBY STILLS NASH AND YOUNG Componentes: David Crosby (guitarra rítmica/solo, viola simples, vocalista), Steve Stills (guitarra-solo, viola simóles, órgão, piano, vocalista), Graham Nash (viola simples, órgão, piano,
vocalista),
Neil
Young
(guitarra-solo,
viola
simples,
órgão, piano, vocalista). Bruce Palmer, mais tarde Greg Rreeves, Clavin Samuels (guitarra-baixo). Dallas Taylor, mais tar de. Jo hn ny Barbata (b at er ía). Separação em 1970.
Wooden Ships no álbum Crosby Stills & Nash (1969) — Carry On e Déjà Vu no álbum Déjà Vu (1970) — Ohio (1970),
Atlantic.
SPENCER
DAVIS
GROUP
Compo nentes : 1964-67 — Stevie Win w oo d
(guitarra-solo,
órgão, piano, vocalista), Spencer Davis (guitarra rítmica, vo calista), Muff Winwood (guitarra-baixo). Pete York (batería). Os
seus
hits
no
álbum
Spencer Davis Group Greatest
Hits, Fo n tan a — L P Aútu mrí66 (1966), Fontana. 190
BO
DIDDLEY
(1928)
Os seus hits no álbum
16 Alt Time Greatest Hits, Chec-
ker.
DOCTOR JOHN Componentes
musicais:
anónimos
(piano,
guitarra-baixo,
tuba, batería). Componentes vocais: coro, Sister Stephanie, Sister Teresa, Cecilia la Favorito. LP Dr John, The Nighjt Tripper (1967)-LP Remedies (1970),
Atlantic. FATS DOMINO (1928) Os seus hits no álbum The Very Best Of Fats Domino, Liberty.
DONOVAN
(1946)
Os seus hits no álbum Donovarís Greatest Hits (1969), Pya.
THE DOORS Componentes: Jim Morrison (vocalista) t em 1971, Robby Krieger baixo
(guitarra-solo), de
pedal),
John
Ray
Manzarek
Densmore
(órgão,
(batería);
piano,
mais
contra
tarde,
em
1972, Bobby Ray (guitarra-solo), Jack Conrad (guitarra-baixo). Os seus hits no duplo-álbum Weird Scenes Indside The
Gold Mine
(1972) — LP The Doors — Strange Days (1967) — LP duplo em pú blico . Absolutely Uve ( 1 9 7 0 ) — L A. Woman (1971), Elektra.
BOB
DYLAN
(1941)
Componentes: variáveis de álbum para álbum. Mixed Up
Confusión ( 1 9 6 2 ) — Positively 4th Street — Can You Please 191
Crawl Out Your Window? — I Want You/Just Like Tom Thumb's Blues ( e m p ú b l i c o ) ( 1 9 6 6 ) — If You Gotta Go, Go No w (1 9 64 -6 7) — L P Bob Dylan (1962) — LP Bringing It Alt Back Home — LP Highway 61 Revisited ( 1 9 6 5 ) — LP dup lo Blonda On Blondo (19 66), C B S . LP duplo pirata Great White Wonder (1981-63-6 4-66-69)— o Basement Tape no LP pirata Uttle White Wonder (1967-70) — Uma face do triplo-álbum Bengla Desh (1971), Apple.
ELECTRIC FLAG Componentes:
Nick
Gravenites
(vocalista),
Mike
Bloom-
field (guitarra-solo), Harvey Brooks (guitarra-baixo), Herbie Rich (saxofone, piano, órgão), Marcus Doubleday, Barry Goldberg, Peter Stazza (metais). Buddy Miles (batería). Separação em 1969. LP A Long Tim e Comir í ( 1 9 68 ), C B S .
EVERLY BROTHERS Componentes:
Don
e
Phil
Everly
(violas
simples,
voca
listas). Os seus hits no duplo-álbum The Everly Brothers' Original
Greatest Hits. C B S .
A RETHA FRA NK L IN Os
seus
(1 939)
hits
no
Componentes:
Ed
álbum Aretha's Greatest
Hits (1971)
Atlant ic. THE FUGS
(t am b o r i n s , nhantes John
m a r a c as ),
(1965-68) :
Anderson
Sanders K en
Peter
(vocalista),
Weaver Lee
Kupferoerg
(p e r c u s s ã o ) — A c o m p a
Kearney, Vin n y
(guitarra-baixo).
Tuli Leary
Crabtree
(gu itar ras ),
(piano).
LP The Fugs First Album (1965), Broadside &ESP — LP The Fugs (1966), ESP — LP Tenderness Junction (1968), Warner Bros. 192
T HE
G RA TEFU L
D EA D
Componentes: Phil Lesh (guitarra-baixo, vocalista), Jerry Garcia (pedal Steel guitar, guitarra-solo, vocalista), Bob Weir (guitarra rítmica, vocalista), Ron «Pig Pen» McKernah (piano, órgão, vocalista), Tom Constanten (piano, fitas magnéticas) abandonou, e mais tarde, em 1971, Keith Godchaux (piano), Mickey Hart (percussão) abandonou, BiH Kreutzmann (batería), Robert Hunter (textos). LP Grateful Dead (1967) — LP Anthem Of The Sun (1968) — LP duplo em público Uve Dead — LP Workingmarís Dead (1970) — LP duplo em público Grateful Dead (1971),Warner Bros.
PETER GREEN'S FLEETWOOD MAC Componentes: 1967-68 — Peter Green (guitarra-solo, voca lista), Jeremy Spencer (guitarra-solo, piano, vocalista), John Me Vie (guitarra-baixo), Mick Fleetwood (batería). LP Fleetwood Mac (1968), B lue H orlz on .
BILL HALEY (1927) Componentes: The Comets. Os seus hits no álbum Rock The Joint, Decca.
DON Sugarcane HARRIS (1938) LP Burnt Weeny Sandwich/Mothers Of Invention (1969) — LP Hot fíats/Frank Zappa (1969) — LP Weasels fíipped My Flesh/Mothers Of Invention (1970), R e p ri s e — LP USA Union/John Mayall (1970), P o ly d o r — LP Sugarcane (1970), Epfc.
GEORGE
HARRISON
(1943)
Ver Beatles. Trôs faces no álbum Bengla Desh, Apple.
13
193
JIM I HENDRIX (1942-70) Componentes: Jimi Hendrix (guitarra-solo, vocalista). Noel Reddlng, mals tarde Bill Cox (guitarra-baixo), Mltch Mitchell, mals tarde Buddy Mlles/MItch Mitchell (batería). Hey Joe — Purple Haze — The Wind Cries Mary (1967), B a r c l a y — Steppin'Stone (1970), Reprise — Star Spangled Banner no LP triplo Woodstock (1970), C o tillio n — LP Are You Experienced? — LP Axis, Bold As Love (19 67)— LP duplo Electric Ladyíand (19 68 )— LP em público Band Of Gypsies (1970) — LP The Cry Of Love (1971) — LP em público Hendrix In The West (1970-72), Barclay.
INCREDIBLE STRING BAND Componentes: Robín Willlamson (viola- simples, percussão, violino, flauta, vocalista), Mike Heron (piano, órgão, cravo, viola simples, vocalista) mais tarde Rose Simpson, e depois Malcolm le Maistre (guitarra-baixo, vocalista, dança), Licorice (bateria, órgão, mandolino, dulcimer, vocalista). LP Relies Of The Incredible String Band (1970), Elektra.
THE JEFFERSON AIRPLANE Componentes: Signe Anderson, mais tarde Grace Slick (vocalista, órgão), Marty Balín (vocalista, abandona em 1970), Jorma Kaukonnen (guitarra-solo), Paul Kantner (guitarra rítmica), Jack Cassady (guitarra-baixo), Skip Spence, mais tarde Spencer Dryden, Joey Covington (bateria). Os seus hits no álbum The Worst Of Jefferson Airplane (1970) — LP Takes Off (1966)— LP Surrealista Pillow (1967) — LP After Bathing A t Baxter's (1967) — LP Volunteers (1969), RCA — LP Bart (1971), Grunt.
JANIS JOPLIN (1943-70) Ver Big Brother And The Holding Cçmpany. LP Pearl (1971), CBS. Componentes: John Till (guitarra-solo), Brad Campbell (guitarra-baixo), Ken Pearson (órgão), Richard Bell (piano). 194
THE
KINKS
Componentes: Ray Davies (guitarra-solo, vocalista), Dave Davies (guitarra rítmica, saxofone), Pete Quaife, mais tarde John Dalton (guitarra-baixo), Mick Avory (batería). Os seus hits (1964-70) no álbum Golden Hour Of The Kinks, Pye.
LED ZEPPELIN Componentes: Robert Plant (vocalista, harmónica), Jimmy Page (guitarra-solo, viola simples), John Paul Jones (guitarra-baixo, órgão), John Bonham (batería). Whole Lotta Love (1969) — LP Led Zeppelin (1969),
Atlantic.
JERRY LEE LEWIS (1935) Os seus hits nos álbuns Original Golden Hits OI Jerry Lee Lewis V1 e V2, Sun.
JOHN LENNON (1940) Ver Beatles. Com a Plástic Ono Band: John Lennon (vocalista, piano, guitarra rítmica), Yoko Ono (vocalista), Erlc Clapton (guitarra-solo), Klaus Voorman (guitarra-baixo), Alan White, Ringo Starr (batería). Give Peace A Chance — Cold Turkey (1969)— Instant Karma (19 70 )— LP em público Uve Peace In Toronto (1969) — LP John Lennon/Plástic Ono Band (1970) — LP Imagine (1971), Apple.
LITTLE RICHARD (1935) Os seus hits no álbum Uttle Richard's Grooviest 17 Original Hits, Speciality. 195
LO VE
Componentes: 1965-68 — Arthur Lee (vocalista, guitarra rítmica, piano) Brian Mc Lean (guitarra-solo), John Echols (guitarra rítmica), Ken Forssi (guitarra-baixo), Alban «Snoopy» Pfisterer (batería, mais tarde piano, cravo), Michael Stjart (batería), Tjay Cantrelli (flauta, saxofones). 1969-71: Arthur Lee, Noony Rickert (vocalistas), Jay «Donnellan» Lewis, mais tarde Garry Rowles (guitarra-solo), Frank Fayad (guitarra-baixo), Georges Suranovitch (batería). Sepa ração em 1971. Uma selecção das gravações do grupo apareceu depois da sua separação na Blue Thumb (1969) no álbum Love Revisited (1970)— LP Love (1966)— LP Forever Changes (1967),
Etektra.
LOVIN' SPOONFUL Componentes: John Sebastian (guitarra rítmica, harmó nica, vocalista), Zal Yanowsky (guitarra-solo), Steve Boone (guitarra-baixo, piano), Joe Butler (bateria). Separação em 1968. Os seus hits no duplo-álbum 24 Karat Hits (1969), Kama Sutra.
THE MAMAS AND THE PAPAS Componentes: John Philips (viola simples), Michelle Philips, Cass Elliott, Denny Doherty (vocalistas). Separação em 1968, reconstituição em 1971. Os seus hits no álbum The Best Of The Mamas And The Papas, RCA Dunhill.
MANFRED
MANN
Componentes: Paul Jones, mais tarde Mike d'Abo (harmó nica, vocalista), Manfred Mann (piano, órgão). Tom Mc Guiness (guitarra rítmica), Mick Vickers, mais tarde Jack Bruce, 196
Klaus Voorman (guitarra-baixo), Mike Hugg (bateria). Sepa ração em 1969. II You Gotta Go. Go Now (1965), HMV— Just Like A Woman (1966)— Mighty Quinn (1968), Fontana.
JOHN MAYALL (1933) Componentes: John Mayall (guitarra, órgão, harmónica, vocalista), Bernie Watson, mais tarde Roger Dean, Eric Clapton, Peter Green, Mick Taylor, Harvey Mandei, Jerry McGhee, Jlmmy Mc Cullosh, Freddie Robinson (guitarra-solo), John McVie, mais tarde Jack Bruce, Paul Williams, Keith Tillman, Andy Fraser, Tony Reeves, Steve Thompson, Alex Dmochowsky, Larry Taylor, Víctor Gaskin (guitarra-baixo), Peter Ward, mais tarde Martin Hart, Hughie Flint, Aynslay Dunbar, Keef Hartley, John Hiseman, Colín Alien, Paul Lagos, Ron Selico, Keef Hartley (batería), Rip Kant, Chris Mercer, Dick Hecktall-Smith, Henry Lowther, Johnny Almond, Richard «Blue» Mitchell, Cliff Solomon (metais), John Mark (viola simples), Henry Lowther, mais tarde Don «Sugarcane» Harris (v iolin o). LP The Bluesbreakers (1966) — LP Looking Back, selecção de gravações entre 1965-69, Decca.
BARRY MC GUIRE (1935) Eve Of Destruction (1965), RCA Dunhill.
VAN MORRISON (1945) LP Astral Weeks (1968)— LP Moondance (1970)— LP Van Morrlson, His Band And The Street Choir (1970), W a rn e r Bros.
MOBY GRAPE Componentes: Peter Lewis, Jerry Milier (guitarra-solo e rítmica), Bob Mosley (guitarra-baixo), Skip Spance, mais tarde Don Stevenson (bateria). Separação em 1969, reconstituição em 1971. LP Moby Grape (1967), CBS. 197
THE
M OT HERS
OF
IN V E N T IO N
Componentes: 1965-70: Frank Zappa (guitarra-solo), Ray Collins (vocalista), Lowell George (guitarra rítmica), Bunk Gardner (sax-tenor), Buzz Gardner (trompete), «Motorhead» James Sherwood (sax-barítono, tamborins), Roy Estrada (guitarra-baixo, vocalista), Don Preston (piano, violino), lan Underwood (metais, piano, órgão), Don «Sugarcane» Harris (violino), Jim Cari Black, mais tarde Art Tripp, Billy Mundi (batería). Separação em 1970. Reconstituição em 1970: Frank Zappa, Mark Howard Kalen (vocalista), lan Underwood, mais tarde George Duke, Bob Harris, Don Preston (piano), Jeff Simmons, mais tarde Martin Lickert, Jim Pons (guitarra-baixo), Aynsley Dunbar (batería). Uma selecção — aprovada por Frank Zappa — no álbum Mothermania (1 96 9)— LP duplo Freak Out (1966), versão americana — LP Absolutely Free (1967)— LP We're Only In It For The Money (1968), M G M /V e rv e — duplo-álbum Unele Meat (1969), LP Mothers Of Invention: Fillmore East (Junho de 1971), Reprise.
THE MOVE Componentes: Cari Wayne (vocalista), Roy Wood (gui tarra-solo), Trevor Burton (guitarra rítmica), Ace Kefford (guitarra-baixo), Bev Bevan (batería). Night Of Fear — / Can Hear The Grassv Grow, R e g a i Z o n o p h o n e — Flowers In The Rain (1967) — Fire Brigade (1968), Deram.
RANDY NEWMAN (1944) LP Randy Newman Uve (1970-71), W arner Bro s.
WILSON PICKETT (1941) Os seus hits no álbum The Best Of Wilson Pickett (1967), A t l an t i c .
198
PINK
FLOYD
Componentes: Syd Barrett, mais tarde David Gilmour (guitarra-solo, vocalista), Rick Wright (órgão, piano), Roger Waters (guitarra-baixo), Nick Masón (batería). Arnold Lane — See Emily Play (1967)— LP Piper At The Gates Of Down (1967) — LP A Saucerful Of Secret (1968), C o lu m b ia E M I — LP duplo em público e estúdio Ummagumma (1969), Harvest.
ELVIS PRESLEY (1935) Os seus bits no álbum Elvis Golden Hits — As suas gra vações Sun no álbum For LP Fans On/y (1954-59), RCA.
PROCOL HARUM Componentes: Gary Brooker (piano, vocalista), Ray Royer, mais tarde Robín Trower, Dave Bali (guitarra-solo), Dave Knights, mais tarde Chris Copping, Alan Cartwright (guitarra-baixo), Matthew Fischer, mais tarde Chis Copping (órgão), Bobby Harrison, mais tarde Berry J. Wilson (batería). LP Procol Harum (1967), D e ra m — LP Home (1970), Pathé M arc on i — LP Broken Barricades (1971), Llve/ln Concert With The Edmonton Symphony Orchestra (1971-72), Chrysalis.
QUICKSILVER MESSENGER SERVICE Componentes: John Cipollina (guitarra-solo, vocalista), Gary Duncan (guitarra rítmica), David Freiberg (guitarra-baixo), Greg Elmore (batería), mais tarde Dino Valente (vocalista), Nicky Hopkins (piano). LP em público Happy Trails (1969), Capítol.
RASCALS (YOUNG) Componentes: Félix Cavaliere (órgão, baixo), Eddie Brigati (percussão vocalista), Gene Cornish (guitarra-solo), Ding Danelli (batería).
Os seus hits no álbum The Rascais Greatest Hits (1958), Atlantic.
OTIS REDDING (1941-67) Componentes: Em estúdio, The Mar Keys (Booker T. and the MG's mais três metais). Os seus hits no álbum History Of Otis Redding (1967), A teo .
THE ROLLING STONES Componentes: Mick Jagger (vocalista, harmónica), Keitn Richard (guitarra-solo), Brian Jones, mais tarde Mick Taylor (guitarra rítmica/solo) Bill Wyman (guitarra-balxo), Charlie Watts (batería). Brown Sugar/Bitch (1971), Rolling Stones Records — Os seus hits no duplo-álbum Hot Rocks 1964-1971 (1969) — LP Aftermath (1966)— LP em público Get Your Ya Ya's Out (1970), D e c e a — LP Sticky Fingers (1971) Rolling Stones Re. cords.
SAM & DAVE Componentes: Em estúdio, The Mar Keys (ver acima). Separação em 1970. •Os seus hits no álbum The Best Of Sam & Dave (1969), A tlan tic .
SANTANA Componentes: Carlos Santana (guitarra-solo, vocalista), Greg Rolie (órgão, piano, vocalista), David Brown (guitarra-baixo), José Aréas (trompete, címbalos, congas), Mike Carrabello (congas), Mike Shrieve (batería), mais tarde Niel Schon (guitarra rítmica). LP Abraxas (1970), CBS 200
S IM O N
&
GA RFU N KEL
Componentes: Paul Simón (viola simples, vocalista), Art Garfunkel (piano, vocalista). Separação em 1970, The Sounds Of Silence — / Am A Rock — Homeward Round (1966)— Mrs Robinson (1968)— The Boxer (1969) — Bridge Over Troubled Water (1970)— LP Bookends (1968), CBS. SLY AND THE FAMILY STONE Componentes: Sly Stone (órgão, vocalista), Freddy Stone (guitarra-solo), Larry Graham (guitarra-baixo), Cynthia Robinson (trompete), Jerry Martini (sax), Greg Errica (batería), mais tarde Rosie Stone (piano eléctrico, vocalista). Os seus hits no álbum Sly And The Family Stone Greatest Hits (1970), Epic. THE SMALL FACES Componentes: Steve Marriott (guitarra-solo, vocalista), Ronnie «Plonk» Lañe (guitarra-baixo), James Winston, mais tarde lan Mc Lagan (órgão, piano), Kenny Jones (batería). Separação em 1968. Os seus hits no álbum In Memoriam (1970)— LP Ogden's Nut Gone Flake ( 1968), Immediate. SOFT MACHINE Componentes: Daevid Alien (guitarra-rítmica, vocalista), abandona em 1967; Kevin Ayers (guitarra-solo, vocalista), abandona em 1968; Mike Ratledge (piano, órgão), Robert Wyatt, mais tarde Phil Howard, John Marshall (batería), mais tarde Hugh Hopper (guitarra-baixo), Elton Dean (sax). Love Makes Sweet Music/Feeling Realing Squealing (1967), LP duplo em público Thlrd (1970), CBS. ROO STEWART (1945) Ver Jeff Beck Group, Faces. LP An Oíd Raincoat Won't Ever Let You Down (1969) —
LP Gasoline Alley (1970)— LP Every Picture Tells A Story (1971), Vértigo. TAJ MAHAL Componentes: Taj Mahal (harmónica, vocalista), Jessie Edwin Davis (guitarra-solo), Ryland Cooder (guitarra rítmica, mandolino), James Thomas (guitarra-baixo), Sanford Konikoff (batería). LP Tai Mahal (1968), CBS. TAMLA MOTOWN Firma de Detroit fundada em 1960 incluindo cinco etique tas: Tamla, Motown, Gordy, Soul, VIP. LPs Greatest Hits em um ou dois volumes (Smokey Robinson and) The Miracles (Diana Ross and) The Supremes, The Temptations, The Four Tops, Gladys Knight and The Pips, Marvin Gaye, (Little) Stevíe Wonder, Edwin Starr, Junior Walker and The All-Stars, Martha and The Vandellas, Jackson Five. Selecção de 58 hits entre 1960 e 1970 na caixa de 5 LPs The Motown Story, The First Decade (1971), Tamla Motown, edição limitada. TEN YEARS AFTER Componentes: Alvin Lee (guitarra-solo, vocalista), Leon Lyons (guitarra-baixo), Chick Churchill (órgão, piano), Ric Lee (batería), LP Ten Years After (1967), Deram.
JOE TEX Os seus hits no álbum The Best Of Joe Tex (1967), Atlantic. TRAPFIC Componentes: Stevie Winwood (guitarra-solo, piano, órgão com contrabaixo de pedal, vocalista), Dave Masón (guitarra202
-solo, vocalista), Chris Wood (flauta, sax.), Jim Capaldi (batería). Separação em 1968, reconstituição em 1970. Rick Grech (guitarra-baixo, violino) entra em 1970. Selecção das suas gravações no álbum Best Of Tratfic (1969)— LP John Barleycorn Must Die (1970), Island.
IKE AND TINA TURNER Componentes: Tina Turner (vocalista), Ike Turner (guitarra rítmica), conduzindo um grupo com guitarra, baixo, metais, batería. Proud Mary (1970), L ib e rty — Os seus hits (1960-69) no álbum Ike And Tina Turner Greatest Hits (1969), Warner Bros.
VANILLA FUDGE Componentes: Vinnie Martell (guitarra-solo, vocalista), Tim Boggert (guitarra-baixo), Mark Stein (órgão), Carmine Applce (batería). Separação em 1970. LP Vanilla Fudge (1967) — LP em público Near The Begm ning (1969), Ateo.
VELVET UNDERGROUND Componentes: Nico, mais tarde Lou Reed (vocalista), Sterling Morrison mais tarde Wllliam Alexander (guitarra-solo), Lou Reed, mais tarde Walter Powers (guitarra rítmica, voca lista), John Cale (guitarra-baixo, violino), mais tarde Doug Yule (guitarra-baixo, piano, órgão), Manreen Tucker (batería). LP The Velvet Underground And Nico (1966-67)— LP White Ught/White Heat (1968), Verve — LP The Velvet Underground (1968), MGM.
GENE VINCENT (1935-71) Componentes: The Bluecaps. Os seus hits no álbum Gene Vincent's Greatest. Capítol. 203
THE
WHO
Componentes: Rogar Daltrey (vocalista), Pete Townshend (guitarra-solo) John Entwhistle (guitarra-baixo), Keith Moon (bateria). Os seus hits (1965-70) no álbum Meaty Beaty, Big And Bouncy (1971), P o l y d o r — LP My Generation (1965), Decca — LP duplo Tommy (1969), LP em público Uve At Leeds (1970), Track/Polydor.
YARDBIRDS Componentes: Keitn Relf (vocalista, harmónica), Eric Clapton, mais tarde Jeff Beck, Jimmy Page (guitarra-solo), Chirs Dreja (guitarra rítmica e depois baixo), Paul Samuel-Smith, mais tarde Jimmy Page, Chris Dreja (guitarra-baixo), Jim Mc Carty (bateria). Separação em 1968. Os seus hits no álbum The Yardbirds' Greatest Hits (1964), Columbia EMI.
NEIL YOUNG (1946) Ver Buffalo Springfield e Crosby Strlls Nash & Young. LP Everybody Knows This Is Nowhere com Crazy Horse (1969), — LP Alter The Goldrush (1970), Re pris e.
FRANK ZAPPA (1940) Ver Mothers Of Invention. LP Hot fíats (1969), Reprise.
2 04
O OVO E O NOVO (UMA) DISCOGRAFIA DUMA DÉCADA DE ROCK: 1970-1980 MIGUEL ESTEVES CARDOSO
(antes)
A década de 70 é um “ U ” . Por muito geométrico que pareça, e apesar da ignorância do Sr. Gauss no que toca às coisas do Rock, os pontos altos da década são 1970 e 1980. A partir de 1970 a qualidade, medida pela quantidade de lançamentos importantes, decresce progressivamente. Atinge a fossa mais profunda e pestilenta cm 1975, recuperando depois nos anos seguintes, até atingir novo auge em 1980. Abrindo e fechando com Rock de ouro, a década de 70 dá fumos de ser um com partimento conveniente — uma caixinha arrumada, com gavetas numeradas onde caberão os caprichos do arquivador e a ânsia de rigor do historiador. Felizmente, esta década de Rock, como todas as décadas e todas as artificialidades da divisão do tempo, não pode ser arrumada com esses requintes geométricos de correcção. É uma caixa toda aberta, com gavetas emperradas, fichas perdidas ou roubadas, e urna vasta série de papéis e recortes entalados entre as fiestas, impossíveis de remover, quanto mais classificar. A simetria quase perfeita deste gráfico imaginário de qualidade é um acaso, assim como o é a divisão do Rock em períodos de dez anos. Sendo assim, qualquer análise não pode agasalhar ambições de ir além dum olhar circunscrito sobre a música que ouvimos entre o dia 1 de Janeiro de 1970 e o dia 31 de Dezembro de 1979. Por isso mesmo, recomendo a perversa inclusão de 1980 que, como se verá, deita toda a simetria a perder. Não pode haver desrespeito mais saudável pelo calendário romano (afinal, que percebiam os romanos de ska?) do que afirmar redondamente, sem qualquer laivo de pretensão científica, que a década de 60 acabou em Agosto de 1969, no orgasmo múltiplo de idealismo e de música que foi o festival de Woodstock. A partir de Woodstock, o idealismo puro duma geração de “filhos das flores” degenerará para misticismos estéreis, irrealidades alucionogéneas e uma profunda e debilitante apatia colectiva que passou a ser a ressaca adiada das ilusões de Maio de 68. A banda sonora dessa apatia, ou seja, o Rock que o reflectiu e depois o adensou, abandonaria a simplicidade musical e a relevância sociopolítica dos anos 60 para se perder num labirinto fedorento de complexidade e de monotonia. O Rock, prostrado de compaixão pelas suas reveladas limitações, mergulhava para dentro de si próprio, contemplando o um bi207
go condoidamente, emitindo súplicas resignadas. Separado da força social que lhe dera vida e sentido, o Rock entregava-se voluntariamente aos valores antagónicos que tão denodada mente combatera em 60 — o ênfase sobre a execução técnica, a megalomania do Épico e a supremacia do instrumento sobre a música. Era a agonia do “ solo” de viola ou de batería, o tédio indiluído do fundo rítmico 4/4, a pobreza pomposa de letras rebuscadamente crípticas e o interminável “riffing” que só podia ser suportado com a ajuda da distorção sensível oferecida por um bom estupefaciente. Assim, se a década de 60 morre combatendo pelo slogan “ O Rock por um ideal” , a década de 70 arranca cambaleando com outro: “O Rock pelo Rock.” E, quando se deu conta da sua aridez interior, n um raro intervalo entre “ trips” , o Rock não gostou do que viu. E quis ser Jazz, ou música sinfónica ou Stockhausen para gente “veste jovem” . Dando-se fé da sua insolúvel solidão, divorciado da realidade e sentindo-se como um solteiro em segunda mão, quis arranjar casamentos de con veniência: Cavalheiro, 25 anos, com casa descomposta, procu ra senhora solteira, virgem de preferência, intelectualmente respeitada, para fins matrimoniais... Responderam muitas candidatas ao anúncio e entrava-se na chamada década de fusão. A fusão como último desejo dum moribundo, e não como primeiro sorriso dum recém-nascido — porque, ao procurar cúmplices e alibis para organizar a ex pedição gloriosa que salvaria o Rock do beco sem saída onde entrara, o Rock cometia a última traição, cortando o último la ço que o ligava às suas honradas raízes. Depois de se ensimesmar, o Rock voltava, finalmente, as costas a si próprio. Os casamentos, em vez de produzirem crianças frescas e sãs, deitaram cá para fora monstros híbridos, filhos fortuitos de en laces quase sempre grotescos, dos quais o mais irremediavel mente mongolóide seria o chamado “ jazz rock” . O Rock fu n dia-se e... inevitavelmente, “ fúndia-se” ...
(jazz
+ rock)
Em 1970, Miles Davis publica “Bitches Bretv”, Após um número de trabalhos experimentais que esboçavam as origens duma síntese jazz + rock ( ‘‘Miles in the Sky " e ‘‘Filies de Kila208
majaro ” cm 68 c “In a Silent Way ’' em 69), as longas im pro visações de Davis nesse duplo-álbum chamaram a atenção da quele público Rock qu e procurava um a saída do círculo vicioso e viciado onde o Rock, de livre vontade, circulava. Reforçando o novo dogma do tecnicismo musical, o virtuosismo de Miles Davis, a sua ininte rrup ta espontaneidade, pareciam ser a salva ção dò Rock. E, na verdade, duran te o ano de 1970, o Rock, na sua nova incarnação, convalesceu. Jean-Luc Ponty interpretou Prank Zappa em ‘‘K ing K ong " e os W eather Report lançaram um muito prometedor primeiro álbum. Um ano mais tarde, H erbie Hancock, que havia tocado com Davis entre 63 e 68, aparecia com “ M wandishi ”, ensaiando um esboço de idioma com os seus teclados electrónicos, que prolongava criativamen te as obsessões pioneiras de Miles Davis. Mas este casamento não passaria da lua-de-mel e em 1973 o jazz rock disjuntava-se nos seus dois componentes ou sofria os excessos da sua infun dada ambição. Mais do que os trabalhos citados propriamente ditos, a sín tese jazz + rock serviu apenas para consolidar e estim ular a ideologia predominante e precipitar a fuga para o tecnicismo, para a produção grandiosa, e para a pompa e circunstância da época do rock “ progressivo” , do “ sinfónico” , e do “ concei tu ai” . Não é pouco irónico que, volvidos e resolvidos dez anos, estejam a ressuscitar o jazz rock na imprensa musical in glesa. O jornal "New M usicalExpress", indubitavelmente o melhor barómetro do Rock que possuímos, põe “ Are You G lad to Be in Am erica? ’’ do guitarrista Jam es >‘B lo od’' Ulmer nos píncaros da lua — só que desta vez o rótulo vem disfarçado e despoluído de q uaisquer conotações anos 70 ( “ punk -jazz ” ). Mas é fundamentalm ente o mesmo namoro de sempre. E, p ro va inegável de que se trata du ma doença cíclica, o mesm o jo r nal esbanja superlativos ao redigir um notável panegírico ao último álbum dos W eather Report — ‘‘N ig h t Passage ’', ten tando talvez redimir-se dos vilipêndios de um a década; Como se vê, não há nada de novo nesta expressão musical que d ep en de exclusivamente (e paradoxalmente) da novidade.
(o ovo do novo)
Todo o novo põe (e vem de) um ovo. A expressão Rock renova-se apenas por recurso a si própria. Nas alturas em que o 209
Rock se abraça a formas musicais que lhe são estrangeiras, con vencida de que se está a aperfeiçoar ou dalgum modo a “ subir de classe” , os resultados desastrosos que se seguem acordam-no impiedosamente. E a cada venêta segue-se um regresso às raízes. Se isto é claro e evidente (e na década de 70 o violento acordar do verão Punk de 76 assumiu dimensões imprevisíveis), não serão nem tão claras nem tão evidentes es sas misteriosas “ raízes” a que sente necessidade de regressar. Todo o novo vem dum ovo que já foi novo. E as raízes do Rock, na década de 70, não são as mesmas que em 60, e nada têm a ver com as raízes históricas do Rock. Ao longo da década de 70, essas raízes variam, são truncadas ou trabalhadas, m isti ficadas ou definidas, e seria disparatado fingir que há um terri tório musical estático ao qual se recorre, a espaços, cada vez que perdemos o caminho. Cada revolução invoca a tradição que lhe é predilecta e conveniente, alterando-a sempre que o ajuste não é ade quado . O Punk em 76, e o Ska e o Mod em 79, foram um a “ novidade” apenas na medida em que reabilita vam u m a linguagem caída em desuso, trabalhando-a com um vocabulário m oderno, e incorporando a gramática Rock entre tanto revista nos anos distando entre origem e recuperação. Se é, portanto, importante compreender a relatividade de qual quer tradição, será igualm ente de realçar os ingredientes origi nais trazidos conscientemente para o “ novo” cozinhado. Se o Rock fosse obrigado a suportar o fardo pesado duma tradição fixa, a obedecer a um código vigente, cedo morrería. O Rock é desobediência, paixão, sensibilidade enaltecida pelo processo pelo qual se liberta. Tem que ser instável, nervoso, efêmero a té, sob pe na de se tornar num fóssil institucionaliza do. Música produzida pelas multidões para as multidões, espí rito de revolta repartido, o Rock não se pode dar ao luxo de honrar o seu passado duma forma linear. O passado tem que ser fragmentado, corrigido de acordo com as exigências do m o m ento “ agora” . Como diz Jagger na canção “Y esterday’s Pa p e n " : Quem quer os jornais de ontem? Mas é de responder: os leitores de depois de amanhã. Porque o processo de inova ção é sempre um processo de recuperação. Um ou dois acessó rios originais, um a tradução moderna, o ímp eto automático de que beneficiam os novos rostos, vozes, instrumentos e técnicas de gravação, e um talento escapatório para a composição são tu do o que basta para lançar uma ‘‘novidade’ ’. No ‘‘depois de amanhã” do Rock, irão buscar o Rock de ontem, porque o 210
tempo entre os dois é o bastante para fazer do velho, novo. En tre o arcaico e o moderno, avós e netos, há muito menos tem po Rock do que se pensa. Em 1980, por exem plo, o Rock mais moderno é o mais antigo de todos — o "rockabilly” dos anos 50, da etiqueta Sun, de Gene Vincent, é o rockabilly de 1980 com os Síray Cats, os Polecats, os Cramps e os M atchbox. Toda a obsessão pelo novo e pelo ovo, q ue é central ao Rock, significa que, em termos humanos, haja um ritmo , inexistente nas outras artes populares, de substituição de músicos e ban das, de modas c de correntes, extraordinariamente rápido. O novo tem o hábito de envelhecer e a década de 70 viu passar centenas de promessas que nunca se cumpriram, ídolos de quinze minutos, obras-primas que foram parar aos armazéns de sobras, rebeldes que ascenderam a priores da ortodoxia, editoras independ entes que se tornaram em dependências es táveis e obedientes da hierarquia discográfica capitalista, rea parecimentos fulm inantes tão rápidos que nin guém deu por nada e salvadores do Rock que se esgotaram no espasmo do primeiro sermão. Eiiquanto o novo envelhece, e o ovo que trouxe com ele re trocede novam ente para a obscuridade histórica do nd e foi mo men taneamente retirado, há um novo “ novo” que surge, su bindo com a ajuda da queda do anterior (os novos recentes a ta cam sempre aqueles que pretendem deslocar) e agitando no ar um novo passado de referências e tradições que p rom ete conti nuar. Pode parecer desumano, pois que a mecánica do Rock pou co deve a considerações como o talento ou o valor, mas é essen cial à própria sobrevivência do Rock funcionar segundo os dois princípios da novidade e da saturação. O éxito que'se segue a um mom ento de revolta bem acolhido invariavelmente destrói a motivação que produziu o grito — e não h á nada mais deso lador do que o Rock de barriga cheia produzido por ex-rebel des exilados por razões fiscais no sul da Califórnia. A década de 70 foi a década da fusão — da “ fusica” Rock. Milhares de jovens experimentaram fugazm ente a fam a, só pa ra serem esquecidos ou vilipendiados por aqueles que, no dia anterior, os haviam erguido no ar, dizendo: “Tomai — eis o futuro do Rock.” Mas o Rock, que não tem nem futuro nem passado, antes vivendo do presente (e do passado escolhido p a ra o justificar), não é de todo invulnerável ao verdadeiro gênio. 211
É apenas muito mais exigente e severo para com os seus culto res do que as outras artes populares. Ao rever a discografia de 11 anos de Rock (de 1970 a 1980), apenas pu de contar onze nomes que sobreviveram qualitativa mente a década — nomes que em 1970 ou 1971 lançaram re gistos fundamentais, continuando a obedecer aos rigorosos cri térios pessoais que se impuseram ao longo da década, e que em 1979 ou 1980 ainda espantavam e comoviam, como é o condão do melhor (e único) Rock. Em contrapartida, a década destroçou exércitos inteiros de homens e mulheres de inegável talento. Essa é-a verdadeira história de 70 — uma lista dolorosa de prostituição de dons, de limitações não reconhecidas e de criatividades interrompi das. A verdadeira história de 70 é um quadro de tábuas de sal vação que, sem se terem afundado completamente, vogam en tre as tábuas de hoje, meio-imersas na água, sem saber se são náufragos ou apenas velhos timoneiros caídos na desgraça. E não pode haver melhor exemplo da relação precária e fun dam ental entre o novo e o velho do que uma comparação entre o primeiro e o último ano sob escrutínio.
(1970
+ 1980)
Em 1970, Sly an d the Family Stone lançam a sua obra-prima de Funk — ' 'Stan d' ’ e os temas •'Everyday People ” e “I W ant to Take You Higher” são um hino agressivo e belo ao ritmo orgânico e africano que informara as origens remotas do Rock and Roll e uma afirmação de orgulho racial adjacente ao movi mento de dignificação do homem negro dos Black Panthers. O Funk era a novidade. Em 1980, a novidade é o Funk. O álbum “ Rem ain in U ght ’' dos Talking Heads é a aventura mais excitante do ano, reinterpretando o Funk de 70 à luz já distante do New Wave, enquanto bandas inglesas novíssimas como A Certain Fatio utilizam-se do Funk para levedura das suas construções rítmi cas lineares. Entretanto, o New Musical Express anuncia, com as suas mais cobiçadas condecorações (a capa e as páginas) a chegada do “ Brit-Funk” , ou seja, Funk tocado por bandas de origem britânica. E, para 1981, diz-se, a novidade é precisa 212
m ente isso. Entretanto a recuperação do passado rigorosamen te seleccionado arranca e, em Dezembro de 1980, Jam es Broten, há muito repudiado pela juventude vanguardista do Reino Unido, é novamente um ídolo. Em 1970, os Pink Floyd atingem os arredores da perfeição com “A tom Heart M other”. A necessidade então era ser-se etéreo, passar as maçãs do rosto pelas nuvens e diluir num coro angélico a mágoa do fim de 60. E esse ideal esvaía-se nu m dos mais belos e duradouros artifícios da história da música. 1970 foi, tam bém , o ano do álbum-estreia dos Emerson>Lake a n d Palmer , nu ma altura em que Keith Emerson ainda con trolava as suas perigosas tendências para a megalomania. Até hoje é o único álbum dos Emerson, Lake and Palmer que so breviveu à data em que foi lançado. Nesse mesmo ano, a ideia de construir um Rock que fosse capaz de preencher, entre a juventude pequeno-bruguesa, a posição que a música clássica preenchia entre as camadas bur guesas mais educadas, foi cimentada por um a série de bandas tecnicamente proficientes (e, no caso de Rick W akem an e de K eith Emerson formalmente treinados para a execução de m ú sica clássica) que aspiravam, e nalguns casos quase.consegui ram, criar um a música grandiloquente e atmosférica que fosse o equivalente, em termos de Rock, aos contos de fadas ou às histórias fantásticas de Tolkien. Neste aspecto, as capas do ilustrador Roger Dean (rapazinhos a fazer chi-chi para lagos prateados enquanto alguns pterodáctilos de arribação voejavam delicadamente no horizonte) são bem a imagem do Rock sinfónico, com as suas conotações psicadélicas e fantásticas. “Trespass”, a puberdade delicadamente aflorando dos Gé nesis, insiste agradavelmente num a paixão contristada pela melodia que redime os aspectos algo bombásticos dos arranjos. Os Yes tam bém lançam o seu escadote ao Paraíso com ‘ ‘Time an d a W ord”, um modo de ver ainda mais branco e utópico, e, ainda cm 1970 os Soft Machine publicam o seu terceiro ál bum (' ‘Three' ’) num doido esforço de dignificação do Rock que finalmente o decompõe e afasta de si próprio. * Em Janeiro de 1970, os Pink Floyd dominaram os cabeçalhos da imprensa musical británica com uma tirada anti-single. "Nunca mais lançaremos um single", afirmaram membros da banda orgulhosamente, no limiar da década do álbum conceituai. Mas, no último més da década, em Dezembro de 1979, o single ' ‘Another Brick in the Wall (Parí II) ’' dos Pink Floyd era número 1 na grande maioria das listas de vendas da Europa. 213
O rock oblíquo c abstracto dos So ft Machine, as visões cor-de-rosa dos Yes, as elegías multifacetadas dos Génesis, as or questrações agressivas dos Emerson, Lake an d Palmer, as lentas e evocadoras canções celestes dos Pink Fioyd, e ainda a sensibi lidade sublime e poética dos King Crimson (em ' ‘In th e Wake o f P oseidon' ’ e “Lizard”) — todas estas concepções das possi bilidades e do papel do Rock repartem u ma definição da músi ca popular impensável no primeiro lustro da década de 60. O Rock deixava de ser urna anfetamina para passar a ser um bar bitúrico — onde anteriormente havia agido como mola para a actividade, agora actuava sobre o sistema nervoso-poético cen tral como um calmante, urna banda sonora para a passividade e para a apatía do inicio de 70. “Cadenee and Cascade ” dos King Crimson é bem a canção de 1970, misturando livremente personagens mitológicas e alusões a melodias clássicas. O elitismo desta música, reflectindo a origem burguesa dos seus cria dores, e claramente influenciada pelo desejo de construir urna parecença musical às experiências com a droga, consistia, afi nal, em tornar o Rock respeitável, aproximá-lo um pouco da música europeia secular e salvá-lo das ruas e dos ghettos onde nascera. O que se pretendia, o objcctivo rebuscadamente con cretizado, era atingir uma espécie de poesia de premissas cu riosamente perversas: A simplicidade surgirá da complexida de, a pureza poderá ser produzida pelo artifício e o poder elec trónico preencherá as lacunas emocionais que o Rock sinfónico necessariamente abre. Até meados da década vigoraria este gongorismo popular, gozando duma respeitabilidade conside rável até à explosão Punk no verão de 76. Em 1980, um espírito em muito semelhante ao de 70 come ça a insinuar-se na música moderna popular. A mesma distân cia entre público e músicos, o mesmo culto cuidado da com plexidade e o mesmo ênfase tecnológico. A frieza e o carácter profundamente clínico da música de bandas eminentemente novas como os Cabaret Voltaire ou os Bauhaus traem a sua ati tude intelectual. É sempre de desconfiar do Rock que, não sendo nem Folk nem Country, não se pode dançar, nem com a maior das boas vontades... O álbum “Voice o f Am erica", dos Cabaret Voltaire é um exemplo admirável. Música trabalhada (de ruídos), ecos cós micos (de voz), textos vagos (de símbolos) e — pervadindo to do o espaço sonoro contido no vinil — um conceito. ' ‘In a Fiat Field" dos Bauhaus é outro exemplo, desta feita condenável, 214
daquilo que acontece ao Rock quando ele se cansa. Se, em 1970, a desilusão alimentava-se a partir do “ non-sequitur” de Woodstock, em 1980 alimenta-se de todas as promessas feitas pelo Punk, que em 77 queria destruir o sistema e em 78 já o reforçava, assegurando mesmo a sua continuidade. O Woods tock da década de 70 foi o Punk. Se a depressão apática pós-Woodstock foi a causa do rock sinfónico, a depressão seme lhantemente apática pós-Punk é a causa da “onda fria” de 1980. Assim como Woodstock, o Punk foi uma celebração de unidade, contra um a realidade política degradante. Ambos partiram directamente das classes mais desfavorecidas, contan do depois com a participação delas. Em contrapartida, tanto o Rock sinfônico de 70 como a onda fria de 80 partem da bur guesia educada, e, supondo um desencanto intelectual só m i noritariamente partilhado, excluem a participação por inter médio da sua própria impenetrabilidade. Bandas de 80 como os Sim ple M inds, os OrcbestralManouevres in the Dark (nos álbuns ‘ ‘Empires a n d Dance ” c ‘ ‘Orga nizaron) e os Ultravox (em ' ‘Vienna ’’) mais não fazem do que reinterpretar o “ovo” de 70, com graus variáveis de sofistica ção e de êxito. É novidade em 1980 o sintetizador, aclamado como o instrumento do futuro. Em 1970 era o sintetizador Moog — mas, essencialmente, à parte meras diferenças de di mensão e de potência, são precisamente a mesm a coisa. A di ferença que, conforme sugerimos, faz do novo mais do quç um reaparecimento do ovo é apenas estética. Ao passo que em 1970 cultivava-se o belo, em 1980 todos essés padrões cosméti cos foram virados de avesso, e cultiva-se afincadamente o fe io . Se aquele pretendia ser uma forma assídua e acessível de esca pism o, este deseja espelhar um a realidade industrial moderna, sobretudo urbana, e é portanto uma forma de confrontação. Duas faces divergentes mas, finalmente complementares, co mo as superfícies opostas da mesma moeda.
(heavy metal)
Se não bastassem estes três exemplos — o jazz-rock, o Funk e o rock atmosférico — para demonstrar a futilidade de encarar o Rock como um a progressão cronológica ou, pior ainda, como 215
uma série de paragens e de arranques, existe ainda outro que liga estes dois anos separados por um a década. É evidente que, caso fossemos incluir outros anos, os exemplos multiplicar-se-iam quase proporcionalmente. A natureza do Rock não o leva a ser cíclico, mas obriga-o, por virtude dos seus parâmetros na turalmente constrangidos, a recorrer constantemente a parce las soltas de si próprio, numa série de tentativas desesperadas de dar corpo a u m a ‘‘nova’’ reinvenção de viabilidade garanti da e de longevidade necessariamente limitada. Assim, em 1970, irrompem (todos) os três álbuns seminais de ‘‘heavy m etal” : ' 'LedZ eppelin II ” e, num plano inferior, "Deep Purple in Rock” e “Paranoid” dos Black Sabbath. O primeiro trabalho, sobretudo, tentava devolver ao Rock a agressividade interrompida pelo pacifismo dos “ hippies” . Duma urgência refrescante, mesmo assim tinha dificuldades em pensar noutra coisa que não os malabarismos vistosos dos solos de Jim m y Page. O grande problema, todavia, era que, ao experimentar a violência que tinha objecto definido (à parte a mulher), o rock pesado dos Led Zeppelin esgotou-se rapida mente, mais uma vez encerrado nos horizontes mesquinhos que a vista grossa de Page e de Plant deixava espreitar. Tanto mais que a história do Rock só admite, como contribuições inovadoras do heavy-metal, dois álbuns: precisamente o pri meiro e o segundo dos Led Zeppelin. Em 1978 estes três LP’s vendiam-se por um a bagatela nos ar mazéns de sobras discográficas e era, mesmo assim, difícil para o comerciante desfazer-se destes dinosauros. Há dois anos ape nas o Rock pesado era uma coisa do passado, um fenómeno primitivo, pré-histórico e irredimivelmente estúpido. (O facto de ter sido sempre isso tudo e de continuar a sê-lo, mas mais, em 80, é uma consideração subjectiva). Mas, em 1980, o disco mais vendido, entre as editoras independentes britânicas, foi a reedição de um desses três álbuns — “Paranoid”. Caso fla grante do novo a exibir sem complexos o ovo que lhe deu vida, a chamada ‘ ‘New Wave of Hçavy Metal’ ’ ganha uma adesão extraordinária. Só que esta “ New Wave” consegue, inexplica velmente, ser ainda mais abscena e boçal do que aquela que plagia sem remorsos nem reconhecimento. Bandas recente mente aparecidas como os Motorhead, os Quartz, os Tygers o f Pang Tang, e os Saxon, coexistem com as figuras do antigo re gime da pesada — o “ novo” lado a lado com o “ ovo” . E o “ heavy metal” é novidade dez anos depois de ter sido. 216
Neste caso, porém, e ao contrário dos três exemplos anteriores, não existe reinterpretação — apenas um a simplificação brutal do modelo, espécie de caricatura burlesca sem obsessão instru mental ou pretensões épicas. A primeira geração pesada — os L ed Zeppelin, os Deep Purple, os Black Sabbath, os Uriah Heep e os Judas Priest — repartia com o rock sinfônico de 70, e bebia da atmosfera geral que sufocava o Rock, um a ideia de falsa grandiosidade segundo a qu al todo o álbum tinha de ser um “ magnum opus” . As bandas esforçavam-se desgraçadamente para encontrar “ conceitos” e significados profundos — ora sociais ora religiosos. Ê por exemplo inconcebível em 80 a leveza romântica e mitológica dum “Stairway to Heaven” (Led Zeppelin). Os textos de 80 são directos e analfabetos, m a chistas e violentos. A obsessão com o solo de viola atenuou-se mas aumentou a velocidade de execução e a força decibélica. Ao todo, portanto, este “novo” não acrescentou nada ao “ ovo” — pelo contrário, diminuíu-o muito. As diferenças entre a geração de 70 e a de 80 são poucas, por muito importantes e deprimentes que sejam. Por um lado as publicações afectas ao género e a juventude (que em 70 ainda não tinha entrado na adolescência) que sustenta esta nova vaga fazem distinções irrisórias entre as duas gerações, apelidando a original de “ hard rock” e a presente de “ heavy m eta l” . Por outro lado, porém, as bandas de 70 interrompem a reforma para voltar à actividade “ musical” . No ano de 1980 a preocu pação mais evidente é saber se os Deep Purple se vão nova mente juntar — um pouco como aconteceu com os Beatles após a sua separação em 1970. E a verdade é que ex-membros dos Deep Purple (lan Gillan, Eitchie Blackmore e D avi Coverdale) dominam as listas de vendas britânicas com os seus novos agrupamentos, fugindo ao rock só ligeiramente mais trabalha do que fizeram em 70, e imitando a boçalidade barulhenta dos seus imitadores de agora. Nunca a tendência incestuosa do Rock esteve tão exposta como no revivalismo do rock pesado de 1970 em 1980, e jamais se viu prova mais irrefutável d a relati vidade da relação entre ovo e novo, influência e influenciado, tradição e modernismo. Será uma coincidência significativa o facto de serem precisa mente os álbuns e as tendências mais esquecíveis de 70 os mais intensamente imitados em 80? Será também um a coincidência que o melhor Rock da década de 70 se inspirou inteiramente na década de 60? Ao longo da exposição sobre os lançamentos 217
da década, reparar-se-á que a década de 70, à pane três ou quarto nomes e trabalhos excepcionais, não é um período de inovação como foi a década de 60, mas antes um momento em que o Rock se resume e sumariza, se mistura e electriza, sem pre sem saber se presencia um renascimento ou um funeral. A comparação entre estes dois anos seria desequilibrada, se não fossem traçados alguns exemplos de continuidade criativa. A diferença é entre a parasitagem negativa (a imitação mal dis simulada ou , p or analogia, um a paráfrase) e a parasitagem po sitiva (a inovação referenciada, uma glosa inspirada). Assim, em 1970, os Kinks, emergindo pela última vez da pobreza onde haviam mergulhado depois da sua tempestuosa orgia de gênio de,meados de 60, lançaram a sua derradeira grande canção — “Lola”. Dez anos depois, numa atmosfera de reconhecimento pelo talento de composição de Ray Davies (sem dúvida, com Lennon e McCartney c Smokey Robinson um dos maiores compositores da década de 60), as Raincoats repescam deliciosamente a mesma canção. Em 1970, Sm okey Robinson e os Miracles obtêm um êxito retumbante com “Tears o f a Clown”. No fim da década, os B eat estreiam-se com uma versão fresca e irresistível desse grande movimento d a música popular, honrando-o e revitali zando-o ao mesmo tempo. Em 1970, Geno Washington com o seu Ram Jam E an d c on segue entrar no Top 50 pela primeira e últim a vez da sua car reira. Desaparecem de circulação até que, dez anos depois, os Dexy 's M id nig ht Runners, possuídos por uma “nova” fé Soul chegam a número u m com o seu segundo single — ' ‘G en o' uma homenagem ao seu (justamente) obscuro ídolo. E, em 1980, Geno Washington alcança finalm ente a fama que nunca alcançara ou merecera, voltando em gesto triunfal (mas feliz mente gorado) à vida musical. Em 1970, os Maytals, um a banda reggae, têm u m êxito m e nor com o single " M onkey M an”. Nunca mais lhes sorrie a sorte, em termos comerciais, até que os Specials incluem unja versão afectuosa no seu álbum-estreia. E, em 1980, é lançado o álbum " Toots an d The Maytals U v e” (gravado, prensado e distribuído pela editora no tempo-rccorde de 24 horas), cuja faixa principal, também lançada em single é, precisamente, “M onkey M an ”. 218
(1970
— 1980)
A utilidade desta comparação situa-se no estabelecimento dum a continuidade qualitativa ao longo da década. Examinar os lançamentos excelentes de 1970 e contrapô-los brutalmente com os de 1980 desses mesmos nomes não será suficiente. Mas é interessante, pois que aqueles que conseguiram vencer as leis cruéis da novidade e da saturação às quais o Rock cegamente obedece serão os verdadeiros bastiões da música popular. À parte uma notável excepção — D avid Borne — estes músicos e cantores nada tiveram a ver com os mecanismos imediatos da moda. Limitaram-se apenas a produzir canções transcenden tes, tão removidas do processo temporal de “ondas” e ressa cas, que persistem através dos anos sem envelhecerem. E não envelhecem, porque nunca foram novas, no sentido que o Rock dá ao termo, ou seja, de novidade. Não fazendo parte de onda alguma, não caíram vítimas da ressaca. Não pactuando com a moda, nem sequer em compromissos menores, eleva ram a canção acima do cantor, assegurando assim a atemporalidade dum hino ou dum trecho folclórico. Utilizando impiedosamente este espaço dum a década, não é possível levar em cónta nomes surgidos já depois de 1970, por muito tentador que seja incluir nomes como Brian Eno, Bruce Springsteen,Joan Armatrading, DavidByme ou lan Dury, en tre tantos outros que iniciaram as suas carreiras discográficas durante a década. Nem tão-pouco é legítimo fazer precisões hipotéticas sobre a continuação pela década fora de nomes tra-' gicamente perdidos pela morte — casos de J im i H endrix, Janis Joplin (1970), Jim Morrison (1971), Jim Croce, Gram Parsons, Clarence W hite (1973), NicJk Drake (1974), Tim Buckley (1975), Phil Ochs (1976) ou Sandy Denny (1978). Segundo o critério descrito, de continuidade através de onze anos, é possível traçar uma lista de nomes que navegavam nos mares e ondas do Rock em 1970 e continuavam a fazê-lo em 1980. Divido-a cm duas secções — sobreviventes e náufragos, de acordo com uma comparação qualitativa, entre os dois anos, e ao longo dos onze. (sobreviventes)
Esta lista pode ser dividida em três constelações, conforme o critério de continuidade qualitativa enunciado: 219
a) Primeira constelação (qualidade constante e ininterrupta ao longo da década): Jo n i M itchell, Leonard Cohén, Da v id Bowie e Bob Marley. b) Segunda constelação (qualidade inconstante, com pou cas interrupções de má qualidade): N eil Young, Lou Reed, Ry Cooder e Van Morrison. c) Terceira constelação (qualidade inconstante, com inter rupções frequentes de actividade ou de qualidade): Robe rt Fripp, Rob ert Wyatt, Stevie W onder e John Cale. A primeira constelação atravessa a década num aperfeiçoa mento progressivo que não proíbe o experimentalismo ocasio nal e, no caso de Bowie, constante. Jo ni Mitchell experimenta o Jazz (sobretudo em “Mingus"), Leonard Cohén tenta o idioma Pop de Phil Spector em “D eath o f a Ladies ‘M an” e Bob Marley explora um a suavidade inédita no reggae em ‘ ‘Ka y a " . O convencional de Bowie é o experimental, c a sua regu laridade advém-lhè precisamente da inspirada irregularidade que faz dele um exemplar camaleão do Rock. Vejamos, através do seguinte quadro, a ponte de criativida de qu e estes músicos conseguiram erguer entre o início e o fim da década de 70. 1970 1980 Joni Mitchell.... "ladies ofth e Canyon".. . . "Mingus” Leonard Cohén.. "Songs from a Room" ( 6 9 ) . ' 'Recent Songs" (79) David Bowie.... "Man WhoSoldthe World”"Scary Monsters" Bob Marley......... "African Herbsman'' .......... " Uprising " Neil Young ......... “After the Goldrush" ........ “Hawks andDoves" LouReed(') ......... "Loaded” ............................. "Growing Up in Public" Ry Cooder ........... "Ry Cooder" ( 71)................ “Borderline" Van Morrison... "Moondance" .................... "Comtnon Man" Robert Fripp(* * ).. “In tbe Wahe ofPoseidon" & "lizard" .......................... "Under Heavy Manners” Robert Wyatt(* ‘) “Tbe End ofan Era" (71). ."Arauco" Sc "At Last l ’m Pree" (singles) Stevie W o n d er .. "Signed, Sealed and Delive-
red" ...................................... “Hotter Tban July”
* Com os Velvet Underground. * Integrado nos King Crimson. 220
Como se vê, estes onze nomes mantiveram-se ao longo de um núm ero igual de anos, entrando na sua terceira década de actividade (pois que todos começaram as suas carreiras em fins de 60) com a mesma alta dose de criatividade com q ue assina laram o despertar de 70(* ***). A m agnitude deste em pre endi m ento só se revela em tod a a sua rara glória q uan do deparamos com as multidões de náufragos, nomes q ue chegaram a 80 com a reputação muito longe de estar intacta. O exercício qu e proponho é semelhante ao anterior, embora de poucb servisse apresentar apenas os lançamentos de 1970 c de 1980, pois perderíamos a oportunidade de localizar o ano em que se ‘ ‘desencaminharam” . A melhor e mais interessante abordagem consiste em recuarmos no tempo e considerarmos os melhores trabalhos de 1970, traçando depois a trajectória dos autores através dos anos seguintes e a consequente irrealização da promessa aparente em 1970.
(náufragos)
1. Elton John publica o seu segundo e melhor álbum de sempre — “Elton John", bem assim como “Tumbleweed Connection". Ambos estes trabalhos revelam um gênio da música, duma lucidez e sensibilidade excepcionais. “Elton J o h n ”, cm particular, merece ser incluído n a discografia mais básica da música popular anglo-americana. Contém um a das mais belas canções de toda a história da música (“Sixty Years On ’’) e docum enta o início (e o ponto álto) d a associação entre
** Para além de "Third", integrado nos Soft Machine. *** O caso de Paul Simón é menos claro, pois que o seu último álbum lança do durante a década de 70 foi “Sttll Crazy After AU.These Years”, em 1975. Em 1980 reaparece com um álbum verdadeiramente decepcionante — “One Trick Pony”. Dado que Simón teve cinco anos para o preparar, e levando em conta a sua evidente falta de inspiraçáo, náo seria justo incluí-lo nos sobrevi ventes de 70. Os álbuns lançados no primeiro lustro foram, todavia, dos me lhores da década. A questáo da sobrevivência de Paul Simón deve, portanto, permanecer em aberto. 221
Elton John , B em ie Taupin (autor das letras), Gus Dudgeon (produtor) e Paul Buckm aster (autor dos arranjos e, a seguir a John, o elemento mais importante)(*). " Tum blew eed C onnection”, embora muito inferior, pro longava os dons melódicos de Elton Jo hn através das imagens do velho oeste americano fornecidas por Taupin. A canção sin gular que volta à grandeza do álbum anterior nada tem a ver com a mitologia dos cáubóis e é a canção de amor que um a ge ração inteira apropriou ' ‘Love song ’ Em 1971, à parte um álbu m gravado ao vivo (“17-11-70”),
Elton Jo h n lança ' ‘Friends' ’, band a sonora dum filme com o mesmo nome, que contém provas deslumbrantes das capaci dades de composição do autor, e “Madman Across the W ater”, o último grande álbum de Elton Jo hn e até hoje o mais perturbantemente enigmático e atmosférico. A quebra qualitativa vem no ano seguinte com “Honky Chateau”, e contém os compromissos comerciais que fariam dele uma super-estrela, invulgar para um compositor-cantor da n atureza intimista de E lton Joh n. A partir de 1972, a perdi ção concretiza-se dolorosamente, apesar de momentos isolados em que aceita esquecer po r momentos as exigências financeiras (algumas canções em “Goodbye Yellow Brick Roa d” 1973, e “Blue Moves", 1976). Mas chegará ao fim da década um ho mem destruído, tendo perdido a glória passageira que gozou em 1973 c 1974 assim como a dignidade com que marcou a sua entrada no mundo da música popular. Seria doloroso mencionar os seus momentos flagrantemente mais baixos (“Rock o fth e W esttes", 1975 e “ Victim o fLo ve" , 1979) sem fazer notar q ue E lton Jo hn, tendo prostituído o seu talento a torto e a direito, não deixa de ser um valor ímpar na composi ção musical por causa disso. Aquilo qu e marca o seu gênio é a versatilidade — a capacidade de compôr baladas, puro Rock’n ’Roll, disco, e tu do o mais que quiser — igualada ape nas por outro nome que, curiosamente, seguiu um percurso semelhante de promessa e prostituição — Paul McCartney. * Salientem-se também: “ Your Song” , “ I need you to tum to ” , “ First Episode at Heinton” e “ The Greatest Discovery” . 222
2. Paul McCartney lança o seu primeiro álbum a solo, antes da separação dos Beatles (McCartney). Embora desigual, revela um a sensibilidade reprimida pelo formato multi-talentado dos Beatles e constitui um esforço interessante que viria a surgir numa forma mais completa e conseguida em ' ‘Ram ” e, espe cialmente, em ' ‘W ildL ife ’ ’, o primeiro dos Wings (ambos de 1971). A partir de “W ildL ife”, porém, Paul McCartney esco lhe seguir um percurso exclusivamente ditado por considera ções financeiras e egoístas (como ser o mais bem sucedido dos ex-Beades). ' R e d Rose Speedway ’’ (1972) é um a lásdma p e gada e ' ‘B an d on the R un ” (1973) é o último trabalho a con ter umas faíscas do criador de ‘ ‘Eleanor R ig b y ' Dez anos de pois do seu primeiro álbum McCartney publica “ McCartney I I ” (1980), sobre o qual quanto menos se disser, melhor. 3. John Lennon, na ressaca da separação, sai com o soberbo "John Lennon and the Plástic Ono B an d’ ’, depois de 3 álbuns esperimentais que prolongavam a monotonia pretensiosa da faixa ‘ R evolution N.° 9 ’’ contida no Álbum Branco dos Bea tles, e um álbum ao vivo menos maus ( “liv e Peace in Toron to ” , 1969). Ainda hoje, as canções poderosamente confissionais desse álbum de 1970 (com realce para a força crua de “Mother” e a honestidade autobiográfica de “Working Class H ero ' ’) rivalizam em qualidade com as melhores canções dos Beatles. Depois da nudez de 1970, seguiu-se o álbum “Imagi n e ” cm 1971, que já mostrava suavidade onde outrora existia revolta, melodia em vez de ritmo, canto em vez de gritos, e uma sensibilidade fantástica no lugar do realismo indiluído do trabalho prévio. Até ao ano de 1975, altura em que Lennon lança o seu último da década ( “R o ck 'n’R o lT ’) ( ') , não conse gue recapturar a garra irrequieta que inscreverá nas obras-pri mas de 1970, se bem que nunca tenha deixado de se manter fiel aos seus princípios. Isto é, até 1980, altura em que lança “Double Fantasy” a mielas com a sua esposa Yoko Ono; um álbum péssimo que seria o seu últim o trabalho e, tragicamente serviu de despedida para quem havia escrito a grande maioria das melhores canções da década de 60.
■ O LP "ShavedFtsb", também editado em 1975, não conta, pois era uma compilação de singles. 223
4. George Harrison, tal como os seus dois colegas, aproveita o ano de 1970 para fazer um álbum a solo (o triplo “A ll Things M ust Pass” ) e não lhes fica atrás em inspiração (*). “ All Things Must Pass” continha quatro lados cheios das in fluências orientais de Harrison, já assimiladas e amadurecidas, e incorporadas com perícia e saber em canções esperançadas e agradáveis. A faixa-título, eivada duma melancolia inteligen te, é um dos mais sensibilizadores réquiems de sempre à mo rte de 60 (e dos Beatles) e viria mais tarde a aplicar-se ao próprio George Harrison. Tendo esgotado os seus trunfos numa só jo gad a, os trabalhos seguintes não ofereciam nada de novo ou de belo, documentando com rigor a agonia dum a criatividade desfalecida(**). Em 1980, Harrison escreve uma autobiogra fia, impressa com todos os luxos, que se vende ao preço m ód i co de 20 mil escudos. Tal como havia previsto no seu belo tra balho de 1970, “ all things must pass” — só que Harrison “passou” muito antes db que seria de esperar. Ringo Starr também lançou dois álbuns em 1970 (“Sentim e n t a l J o u m e y " e “Beaucoup o fB lu e s”), mas creio não ser exagerado dizer que esses trabalhos nunca foram mais do que um divertimento simpático e que ninguém podería esperar mais ou melhor dele. Ao todo, 1970 foi um ano de esperança e de qualidade para os Beatles e para os seus fãs. “Let it B e” fora uma despedida inconveniente e muito aquém da qualidade do passado (con ten do apenas u m a faixa de valor — ‘‘Across tb e Universe' ’, de John Lennon) e foi encorajante assistir ao afloramento dos gê nios dos ex-Beatles em condições de maior liberdade. Foi um ano excepcional, mas foi só um , pois os Beatles iriam ser as pri meiras vítimas da década. 5. Em 1970 sai o segundo LP dos Crosby, Stills, Nash & Young — ‘‘Deja V u ”. Mais do que o trabalho de um grupo, era um veículo para as composições individuais dos com ponen tes, dando-lhes uma oportunidade de verem as suas canções acompanhadas musicalmente por amigos que eram, também, * Anteriormente, havia publicado a banda sonora dum filme atroz ("Wonderwall", 1968) e o obrigatório álbum experimental ( " Electronic Sounds", 1969). ** " Concert fo r Bangla Desh" (1972), "living in the Material World" (1973), "Dark Horse" (1974) e "Extra Texture" (1975) — cada um pior do que o anterior. 224
excelentes músicos. As harmonias vocais de Graham Nash e D avid Crosby continuam a ser um dos exemplos mais agradáveis de complementaridade de sempre, mas não h á dúvida que os dois criadores da banda eram Stephen Stills e, mais ainda, N e il Young.
Nesse mesmo ano, Stephen Stills lança um magnifico ál bum a solo ( “Stephen S tills”), David Crosby surpreende o mundo da música com a qualidade invulgar de “I f l C o uld Only Remem her My N am e” e N e il Young continua a encantar c a impressionar com o seu terceiro LP, o seminal “A fter the GoldRush”. Graham Nash, em 1971, também se estreia sozinho com "Songs fo r Beginners”, uma elegia ao seu romance com Jo n i M itchell que contém um núm ero de canções muito melódicas mas demasiado sentimentais e ingênuas para sobreviverem aos rigores da passagem do tempo. À parte Neil Young, que atravessaria a década aos tombos e às recuperações sucessivas, a explosão de talento de 70 não iria durar. Nem Stills, nem Nash nem Crosby conseguiríam produzir trabalhos tão inspirados como estes depois de 1970. Em 1980, sempre ressalvando a discografia de Neil Young, a contribuição dos Crosby, Stills, Nash & Young, como banda e como indivíduos, continua, essencialmente, a ser a mesma que foi em 1970 (*). 6. "Sweet Baby James”, o segundo LP de James Taylor, ilumina 1970 com a sua sensibilidade genuinam ente americana, numa síntese dé textos confissionais e de motivos retirados ao “ country” . Chamada “ soft rock” , a música descansada e introspectiva de lames Taylor é honrada com uma capa na revista “ Tim e” . Hum dos álbuns fundamentais do Rock e ilustra com rara perfeição a reacção ao cabotinismo do rock ‘‘progressivo” , que se traduziu num regresso à pureza da viola acústica e aos vocais naturais. Tirando partido das suas expe* Stephen Stills produz ainda "Stephen Stills 2 " (1971), ' ‘Manassas’' (1972), "Down the Road" (1973), "Stills" (1975), "Stephen Stills Uve" (1975), " lllegalStills" (1976), e "Long May You Run" (1976). De todos estes álbuns o único que recompensa o ouvinte é o último, e, mesmo assim, só por causa da colaboração de Neil Young. Graham Nash colabora com David Crosby numa série de LPs memoráveis pela sua falta de inspiração — ‘‘Crosby and Nash” (1972), “ Wind on the Water" (1975), e “ Whistlin' Down the Wire" (1976). O segundo álbum a solo "WildTales" (1974), é igualmente esquecível.
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riências pessoais, Taylor foi um dos primeiros, com Neil Young e John Lennon, a servir-se da música como um instru mento de catarse, expondo e resolvendo as suas neuroses atra vés dum pendor para a autobiografia critica. No entanto, Ja mes Taylor lançaria apenas um outro álbum que faria justiça ao conteúdo excelente de “Sw eet Baby Jam es " — “M ud Slime Slim an d the Blue Ho rizon”, no ano seguinte. Nesse ál bum , a canção “Hey M ister Th at's Me O n T he Ju keb ox ” ten tava exorcisar o demônio da fama e do contentamento que ameaçava secar a angústia, e consequentemente a inspiração, de Taylor. Foi coisa que ele não conseguiu fazer, tendo caído num ócio despreocupado que deu cabo da razão de ser da sua música e nunca mais haveria um trabalho de James Taylor que correspondesse à promessa e à realização dos dois álbuns de 70 e de 71...(*) 7. Os Genesis em 1970, embora num a formação primitiva, conseguem um som distinto em “Trespass”. £, durante a pri meira metade da década, lançam uma série de belíssimos tra balhos, cuja virtude principal é a celebração dum lirismo poé tico que não foge de todo à realidade. À medida que a década envelhece, os Genesis, sempre atribuindo uma importância desproporcional a Peter Gabriel, vão consolidando o seu trata mento altamente original de temas sociais, distinguindo-os com pletamente da transcendência banal das outras bandas sin fônicas como os Yes, os Pink Floyd, os King Crimson e os Emerson, Lake and Palmer. “Nursery Cryme” (1971), “fm /r o /” (1972) e “SelltngEnglandby the P ound” (1973), à parte o arroubo comovente de certos trechos e sequências musicais, denotam um a consciência política rara e um desejo de expôr a falsidade e a crueldade do ‘‘life-style’’ da burguesia inglesa. Combinando um poder me lódico que sobressaía pela riqueza e pela profundidade com textos incisivos, os Genesis foram certamente a banda épica mais satisfatória da história do Rock. “Lamb lies Down on Broadway”, publicado em 1974, embora enriquecido por mo* Ultrapassado pela avalanche de cantores-compositores que o seguiram, por vezes reconhecendo a dívida (Jackson Browne, Loudon Wainright) James Tay lor foi-se tom ando cada vez mais preguiçoso e en tediante, com "One Man Dog” (72), “Waking Man” (74), ‘‘Gorilla (75), "In tbe Pocket" (76) e "JT" (1977). 226
memos de puro êxtase musical (como ‘‘The Carpetcrawlers ’’) , caiu vítima das suas próprias pretensões, por muito louváveis que tenham sido. No fim de 1975, Gabriel abandona os Gé nesis e chega ao limiar de 80 com três álbuns, dos quais o ter ceiro (Peter G abriel3) (1980), é seguramente o melhor. C urio samente, o LP seguinte dos Génesis, publicado em 1976 já sem Gabriel — ‘ ‘A Trick o f the T ail’' — é ain da mais pod ero so, com um teor de invenção melódica mais concentrado, do que o anterior. Mas seria a derradeira gravação im portante d u ma ban da de excelentes (e variados) executantes. Depois disso os álbuns “A n d Then There Were T hree” (1978) e “D u k e ” (1980) só esporadicamente atingiam o nível da sua época dou rada, embora nitidam ente superiores aos esforços a solo de Steve Hackett, Tony Banks (um dos teclistas mais dramáticos de sempre) e M ichael Rutherford. Os Genesis pertencem in teira mente à década de 70 e seria surpreendente se conseguissem afugentar o cansaço e a preguiça po r demais em evidência em “ T h r e e " t “ D u k e " nos anos 80. 8. 1970 foi tam bém o ano dos Pink F/oyd que cm “Atora H ea rt M other” mostraram estar bem à frente dos seus rivais, adaptando a linguagem fascinante de " U m m a g u m m a ” (1969) para produzir um som coral acessível e arrebatador que ainda hoje causa um a sensação de elevação espiritual no ou vin te. O LP seguinte ( “ M eddle ", 1971), embora menos dra máti co continha uma das suas mais evocadoras composições — ‘‘Echoes' ’ — que iria fornecer matéria-prima para muitas rcinterpretações e auto-plágios futuros. Os Floyd voltaram ao seu form ato menos grandioso com ‘‘Obscured By Clouds ’’, um a série de composições derivativas que nada apresentavam de novo, embora fossem claramente agradáveis. No anq seguinte, em 1973, lançam o que muitos consideram ser a sua obra -pri ma — ‘ ‘Dark Side o f the Moon ’ De certa maneira, é um ál bum tão inspirado, à sua maneira, como “A tom Heart M o ther”. Todas as ambições do Rock sinfónico encontram uma definição palpável em “ Moon” — melodias insinuantes que varrem as composições, multiplicadas, repetidas e elevadas ao ponto de construírem um a atmosfera cósmica de espaço e de libertação. Embora o pessimismo dos textos, e um grau notá vel de auto-crítica, sobrecarreguem a música, o efeito final é de espiritualidade desenvolta. Todos os defeitos e todas as qualidades dos Floyd encontram-se neste álbum — po r um la 227
do, um ênfase excessivo sobre a produção que conferia uma prioridade nunca vista ao estúdio (e a consequente perda de espontaneidade e de pureza emotiva) e, pelo outro, uma capa cidade épica que conseguia tocar sem se degradar em senti mentalismo. Talvez o supremo artifício de toda a história do Rock, “ Moon” fazia pressentir que os Floyd, notórios forretas no que diz respeito à oferta de melodias originais, se tinham esgotado. O álbum seguinte, ‘‘Wish You Were Here”, era mais um a reciclagem de temas antigos, um resumo acrescenta do de obsessões passadas, do que propriamente uma colecção de composições novas. O ano era 1976 e em “Shine On You Crazy D iam on d” os Floyd homenageavam o gênio pioneiro de S yd Barrett, oito anos depois da sua partida(*). Este trabalho meio-decepcionantc, foi seguido pelo desastre de “ A nim ais ” (um esforço tão desinspiradamente porcino como a capa) e por ‘‘The W all' ’ cm fins da década. ‘'The Wall' ’ é inevitavelmen te pretensioso, sobre-produzido e finalmente vazio. Impeca velm ente executado, a agressão que os Floyd tentam transmitir soa a falso ou adormece, conforme o tema. É, mesmo assim, uma melhoria em relação a ‘‘A nim ais”. Contendo uma ou outra altura de genuína emoção (como o single “Another Brick in th e W all”), o álbum acusa uma falta quase total de vontade, perdido nos complexos efeitos sonoros e na grandio sidade narcisista da música. É impressionante à primeira audi ção, enfadonha à seguinda e debilitante à terceira — “The Wall’’ deixa um mau sabor na boca — um sabor de artifício indiluído por paixão, de frieza-instrumental realçada pór vo cais ora derivativos ora teatrais, de gênio apodrecido. Mesmo aquelas opiniões que consideram este trabalho magnífico (aliás maioritárias) não ousariam colocá-lo ao lado de ‘ ‘Ummagumm a ", ‘‘A tom H eart M other” ou ‘‘Dark Side o f the M oon ”. * 1970 também foi o ano em que Syd Barren lançou os seus dois únicos ál buns a solo — ' 'Syd Barrett ” e ‘'The Madcap Laughs' Embora náo tenham resistido inteiramente à passagem do tempo, continuam a ser trabalhos pro fundamente subversivos, irrequietos e originais, onde náo raro brilham estreli nhas de jrrd adeiro génio. Barren, o ex-líder dos Floyd, possuía em demasia aquilo que sempre faltou aos álbuns destes — uma assustadora espontaneida de, uma criatividade praticamente automática. (O álbum-esneia foi gravado em dois dias apenas, numa época em que as bandas gostavam de se demorar anos lectivos inteiros dentro do estúdio). Até ao fim de 1980, Barren tem vivi do como um eremita, imperturbado por boatos frequentes que dáo como cer to o seu reaparecimento. 228
Embora os Floyd, pela sua colectiva capacidade musical e pela cautela e paciência que dedicam a cada gravação, não sejam fi sicamente capazes de fazer música mâ, a verdade é que já não são capazes de exprimir mais do que a ausência de motivos pa ra o fazer. Sem mais nada para dizer, os Floyd dissimulam o vácuo com sumptuosas orquestrações e enigmáticos conceitos que atraiçoam, a cada momento, a mentirosa produção. Com os seus melhores trabalhos editados entre os anos de 1969 e 1973, não parece que os Pink Floyd tenham quaisquer propos tas excitantes para pôr à década de 80. 9- Das outras bandas grandiosas, os Yes foram os primeiros a naufragar no mar gelado da sua vaidade pretensiosa. Em 1980, parece incrível dizer que os Yes foram um nome, senão fundamental pelo menos interessante, da década de 70. Inte grando influências clássicas com ritmos trepidantes e moder nos não-pouco individados para com o trabalho de Keith Emerson nos Nice, os Yes, após dois LP’s instáveis mas prome tedores ( “ Y e s ” em 1969 e “Time an d a W ord" cm 1970), lançam, em 1971, ' ‘The Yes A lbu m ’’. É um momento de vir tuosismo e de delicadeza lírica, atribuindo um papel de relevo aos teclados de Rick Wakem an e à voz de cana-rachada, agra dável, de Jon Anderson. Sempre uma banda cor-de-rosa, des bragadamente sentimental e cristalina, os Yes pareciam m e lhorar com cada lançamento. “Fragüe” (191 \) revela a perícia técnica do guitarrista Steve Howe e é um belíssimo disco, se bem que seja o primeiro a conter indícios de megalomania nas contribuições de Wakeman. É no ano seguinte, porém, que saem com a sua obra-prima — “Close to the Edge” — cuja faixa “You a nd 1” ilustra todas as qualidades líricas dos Yes sem nenhum dos defeitos. Pela primeira vez, talvez, os Yes apresentavam-se como mais do que a soma das suas partes, com um som unificado e monumental, sem que isso abafasse o tom elegíaco e intimista da música. Seguir-se-ia “Tales fro m Topographic Oceans”, tão pretencioso e desprovido de razão de ser como indica o título, e o princípio dum a série de desas trosas produções. “Tales” é ainda audível, apesar do seu gongorismo estéril e da sua falta mal camuflada de idéias musicais, devido ao profissionalismo imaculado da execução e da produ ção, mas provoca um a admiração fria e desenraizada. Com um ano apenas de intervalo entre este c o anterior, estamos a sécu los de distância no que diz respeito à capacidade de suscitar 229
emotividade ou participação sensível no ouvinte. Com uma precisã pre cisão o m atem at em átic át ica, a, sem se m pres pr estar tar atenç ate nção ão aos vai-e-véns vai-e-v éns de Wakeman e às mudanças no seio da banda, cada LP é pior do que o anterior ( “Relayer”, Relayer”, “Going “Going fo r the O ne ”, “Tormato ”). Em 1980, numa altura em que entram para os Yes Yes dois ex-B ex-Bugg uggle less e depois da saída de Jo n Anderson, q u an do parecia que era físicamente impossível piorar mais, os Yes conseguiram-no com o monumental “Drama”, u m a das das m e lhores anedotas da história do Rock. Os álbuns a solo dos mem bros dos Yes são são consistentemente pobres (proporciona (proporcionallmente à sua proximidade com a década de 80), mas “Six Wi (Rick k Wakem Wak eman, an, 1973) 1973) e “Oli vesofHenry VIU” (Ric “Olios o f Sinhillow” (Jon Anderson, 1976) são menos maus(*) em 80, por tanto, os Yes são um anacronismo patético, embaraçando e envergonhando os seus ex-fãs com a sua persistente continua ção. 10. A últim a das band as orquestrais orquestrais qu e começou começou em 197 1970 0 Em erson, Lake La ke a n d Pal P al e recusa-se a morrer em 1980 são os Emerson, Depois du m a estrei estreiaa fulgurante que durante dur ante alguns alguns anos anos mer. Depois Nice, ice, os EL&P enveredaram por fez esquecer as saudades dos N u m trajecto trajecto q ue reprim ia a sensibilidade sensibilidade de Greg G reg La Lake a favor favor da inveterada e insuportável megalomania de Keith Emerson. Enquanto Emerson era abafado por considerações mais tarde abandonadas (melodia, ritmo, inteireza de composição, coe são instrumental), os EL&P conseguiam excitar com a desen voltura pseudo-improvisada da sua música. “Tarkus” (1971) continha os impulsos totalitários de Emerson (que levariam a melhor, mesmo assim, depois no LP “Brain S a lad Surge Su rgery' ry' ’) e era um trabalho de cativante cativante emotividade, manchado po r ras ras gos absurdos de violência despropositada, sem alvo nem razão de ser. ser. “PicturesatanExhibition”, lançado ainda em 1971 foi u m a tentativa te ntativa cora corajo josa sa de tradução, mas mas essenci essencialment almentee falha falha da, acabando por deturpar a matéria-prima de Mussorski sem ob ter q ualq uer vantagem visív isíveel que qu e não mais mais uma maneira de exigir os talentos de Emerson. A utilização utilização dum d um a peça clá cláss ssic icaa deixava espreitar a escassez de inspiração que, já nesses temHome e "Fis "Fish h Out Ou t o f * “Beginnings" (1975), (1975), o primeiro do guitarrista Steve Home Water" do do viola-baixo Chris Squire (tamb (ta mbém ém de 1973) 1973) são os mais escapató rios dos restantes, mas pouco mais do que uma um a exibiçã exibição o técnica, técnica, disfarçada por composições composições insubstanciais. 230
pos, po s, começava começ ava a amea am eaçar çar a criati cri ativid vidad adee (nu (n u n c a gene ge nero rosa sa)) dos EL&P. Fugindo para os efeitos sonoros complexos e para o bio b iom m bo do p o d er decibé dec ibélico lico (característi (cara cterística ca c o m u m no d ese es e n volvimento volvime nto das bandas ban das sinfónicas sinfónicas), ), os EL EL&P nunc nu ncaa mais volta vol ta riam à q ualidade do seu seu primeiro primeiro álbum . SeguemSeguem-se se penosa m ente, en te, num nu m a proci prociss ssão ão de desespero desespero e de megalom meg alom ania, os ál ál Brain Salad Surgery” Su rgery” (73) e o grotesco bu b u n s “Trilogy" (72), (72), “Brain triplo-álbum triplo-á lbum gravad gravado o ao vivo vivo (sempre o con duto du to dos criativa criativa elcome Back Back My Friends.. Friend s.... ” (74). Na mente esfumados) " W elcome segunda metade da década, bombardeiam o mundo com os pro p rod d u tos to s choc ch ocan antes tes das suas ilusões de g ran ra n d eza ez a e d e g ênio ên io,, culminando na apresentação de “Works, N.° 1“ e “Works, N.° N .° 2 " , como que arvorados em Beethovens para jovens. Emerson Emerson chega chega ao ao pon to d e ofere oferecer cer “ conce concert rtos os para pia no ” , devidam ente numerados, como como contrib contribuição uição para a posterida de... 11. Os King Crimson foram os únicos, dentre as grandes band ba ndas as sinfónica sinfó nicass d a déca dé cada da,, q u e escolh esc olhera eram m arru ar rum m a r as bota bo tass em nom e d a sua integridade artísti artística, ca, para perseguir carr carrei eira rass individuais fres fresca cas. s. Até 1974 1974,, produ ziram álbu ns dum d um a qu ali Pete S in field e R obert dade e beleza sempre consistentes(*). Pete Pripp, em 1980, ainda estão na vanguarda do Rock. 12. 12. Pafa além desta lista lista de náufragos célebres, há aind ai nd a a ajuntar aqueles nomes que, prometendo em 1970, e conti nuando ainda em 1980, não sobreviveram qualitativamente a década: Jo J o h n D enve en ver r encanta com “Whose Garden Was This?’’, Prayer erss a n d Prom i mas, em 1971, 1971, depois do êxito de “Poems, Pray ses’’ (71), (71), começ começaa a produzir um a q uan tidad e astronómic astronómicaa de música música desodori desodorizada zada — “ Country” Cou ntry” p ara consumo consumo de que m não gosta de country, tal como como Mateus Mateus Rosé Rosé é u m vinho v inho para p ara quem não gosta de vinho — que é duma falta de qualidade, inspiração e sensibilidade perfeitamente abismai. Em 1980 é um pa teta alegre alegre (e ric rico) o) venden do o ar podre po dre do seu ‘‘ar puro montanhês” como o bom merceeiro que se tornou. * Os melhores serio ser io certamente ' Tn the Covrt Covrt o f the Crim Crimso son n King' Kin g' 1(estreia, 1969), “Uzard" (1970), “Islands" (1971) e “Lark’s Tongues in Aspi As picc " (1973), mas são também dignos de atenção “In The The Wake o f Poseidon” Poseidon” único mo mo (1970) (1970) e “R e d " (1974, despedida). ‘‘StariessandBible Black“ í o único mento de relativa fraqueza dos King Crimson. 231 23 1
Ian Ia n M atthe at thew w s lança “M atthew atthew 's Southern C om fort ” , forma depois uma banda com o mesmo nome, publicando ainda “Second Spring Spring ’' e e “Later tha t Same Same Ye Year” ar”.. No ano seguin te, aparece o justamente famoso “I fY o u Saw Throu Through gh My Ey E y e s' e ainda ain da o igualm igu almente ente belo ‘ ‘Tiger Tigerss W ü l Survive ’’. Com C om cinco álbuns de inegável qualidade no espaço dè dois anos apenas. Ian Matthews parece ter gasto o seu talento introspec tivo tivo invulgar (mas lim itado) e nun ca mais poderá igualar o p a drão imposto de maneira tão marcante. Perdendo as suas raí zes zes simples e a p urez ur ezaa de d e concepçã concepção o de d e 1970-7 1970-71, 1, Matthe M atthews ws iria op tar ta r por po r um som mais comerc comercial ial e cheio cheio (por exemplo ‘ ‘Go ForBroke" de de 1976) 1976) que qu e sufoca sufocaria ria a nature na tureza za pess pessoal oal e delica damente esquizofrénica que tanto haviam enlevado no início. A I Stewart, Stew art, um cantor na veia de Mattews, embora mais Dylanesco Dylanesco,, publica o bon ito ' ‘Zero She Fites ’’ em 1970, após ap ós o ainda mais mais bonito ' ‘Love Lo ve Chronicles Ch ronicles ’' de 196 1969- No N o mesmo mesm o ano é editado, em versão algo diferente, o seu primeiro LP ( “Bedsitter sitter Im agès” de 1967). Entra na década de 80 munido de menos imaginação e de menos poder descritivo com “24 carats”, um trabalho com humor e pouco mais, tendo diluído prog pr ogre ress ssiv ivam amen ente te o seu enca en cant nto o (de (d e observ ob servado adorr solitári soli tário o e ter te r namente apaixonado) com “Orange” (72), “Past, Present an d Futur Fut ure” e” (7'4), “Modem Times” (75) (75),, — este este último utili zando guitarras eléctricas e uma banda, Home, pela primeira yez — “The Yearofthe Cat” (76), e “Tim e Passage Passages” s” (78). Em bora ten ha alcançado um êxito êxito conside consideráve rávell com os os seu seuss ál bu b u n s d e 76 e 78, o comp co mprom romiss isso o necessário rou r oubo bouu-lh lhee tod to d a a qualidad qua lidade. e. Stewart Stewart era era um amador talentoso, talentoso, since sincero ro e simpá tico, repa re partin rtindo do u m quar qu arto to alugado com as as suas suas neuroses neuroses e p a ranóias — agora é apenas um compositor mediano, nem es pect pe ctac acul ular ar n e m simple sim ples, s, atin at ingi gido do pela pe la sua su a próp pr ópri riaa m adur ad urez eza. a. Os Je J e thro th ro T u ll ainda não tinham perdido a frescura em 1970, embora já estivessem a descer no escorrega do declínio, nu m movimento uniformem ente ace acele lerrado. ado. ' B ‘B e n e fit fi t " é o seu seu álbum de 1970, e o último a ser apenas uma colecção de can ções. “Aqualung” (71) era meio álbum-conceito, meio ál bum-co bum -cole lecçã cção, o, e (um (u m pouc po uco o como aconte aco nteceu ceu com K eith ei th Em er er son e os EL&P) a ascendência ditadoriãl de Ian Anderson co meçava a fazer faze r sentir-se senti r-se.. ‘ ‘Thick Th ick as a Brick B rick'' '' é é totalmente con ceptual ceptua l e em m edida edi da igual insuportável. insuportável. A vis visãão de Ian And er son, refrescante em “This Was” (68) e sobretudo em “Stand U p ” (69), começava a ser cansativa. Vítima da megalomania 232
comum no iníc início io da década, Anderson, Anderson, pade cendo du m com co m plexo ple xo d e p rofe ro feta ta d e formid for midáve áveis is dimen dim ensõe sõess e insi in sisti stind ndo o n a im por p ortâ tân n cia ci a do q u e tin ti n h a para pa ra prof pr ofet etiz izar ar,, foi fo i lanç la nçan ando do álb ál b u n s musicalmente correctos mas persistentemente insípidos(**). *). Em 1980 1980,, após um a ridícul ridículaa m udança de imagem — Ian A n derson deixa de ser o fauno irrequieto de flauta sempre nos beiços, beiços , p ara ar a se torn to rnar ar em astro as tron n auta au ta futu fu turi riss ta — os T u ll la n çam " A " num último esforço desesperado de revitalização. Os Je conseguiram ram dobrar a esqui Jeffer fferso son n A irpla irp lan n e tamb ém consegui na da década, depois de cinco magníficos trabalhos(*), com ‘'Volunteers ’’, u m álbum qu e era uma um a longa long a exortaçã exortação o pol p olíti íti ca, uma tentativa militante de quebrar a apatia pós Woodstock. Vigoro Vigoroso, so, transbordan transbo rdando do de idealismo idealismo e de fé, “ Volun teers” seria o último álbum verdadeiramente impressionante dos Jefferson Airplane. Com a p artida de d e Marty Balin, nu nca mais conseguiríam captar a urgência activista dos seus melho res momentos, preferindo apascentar numa placidez irreal es sencialmente hippy, bem expressa no álbum “Sunfighter ” , d e PaulKantner e Grace d a inevitável separação, Grace Slick. Slick . Depois da e de álb álbuns uns-s -sol olos os que n ada propun ham ou redim iam, a form a 1974 confirmou a pobre za criati criati Jeffer fferso son n Starship Star ship em 1974 ção dos Je va de Slick e Kantner e não deu trabalhos importantes, com a excepção relativa de “R ed O ctopus ctopus ”, o segundo, editado em 1975 (talvez devido ao auxílio do talentoso Marty Balin). Che gando a 1980 já com nada na manga, Grace Slick voltava aos trabalho trab alhoss a solo com o decepciona decepci onante nte ‘‘D ream Com o gran g ran rea m s ’ ’. Como de parte das bandas que emergiram nos últimos quatro anos de 60 e continuaram, obs tinadamente, po r 70 fora, os Jeffer son Starship são apenas um fac-simile esborratado do que eram. Ao contrário, porém, de outras bandas americanas da altura, os primeiros discos não estiolaram com a passagem dos anos an os,, e clássic clássicos os como com o “ Somebody Som ebody to L ove’’ ov e’’,, “W hite R a b b it ” , “The Bail Bailad o fY o u , Me and Po oniel’ oniel’’, “Lather” e
* "A Pass (74), "Minstrel (75), Passio ion n Play" Play " ( 73), “War “War Child" Chil d" (74), "Minstrel in the Gallery" Gallery" (75), “Too Oíd to Rock'n'R Ro ck'n'Roll..." oll..." (76), "Songs "Songs from fro m the th e VPoo VPood" d" (77), " Repeat" Repe at" (78), "Heavy Horses" (79). Uma boa compilação das melhores canções dos Jethro Tull foi "Living in the Past" (72). (72). * O primeiro pr imeiro LP, LP, sem Grace Slic Slick, k, foi "Jeff "Jeffers erson on Airplane Airplan e Takes Takes O ff" ff " (1966). Seguiram-se Seguiram-se o portentoso po rtentoso "Surr "Surreal ealis isti ticc Pülow" P ülow" (\96 (\ 967) 7)% %a sua obra-prima "After Bathing Bathing at Baxters", B axters", no mesmo ano, "Cr "Crown own ofC reation" rea tion" ( 1969)e “Bless I f s Pointed Little Little H ead”, também de 69. 233
con tinuam am a transm itir a mesm a atmosfera “Wooden Ships' ’ continu desorientad deso rientad amente am ente apaixonada a paixonada e idealista idealista que fascin fascinou ou em 60. ' ‘V olun teen ” e ‘‘We Can Be Together’ ’ do álbum de 70, 70, fora fora do contexto histórico (o pesadelo de Vietname), perdem rele vância e força, força, mas são são hinos hino s e, como hinos, transpõem transpõ em as bar bar reiras imediatistas do tempo. Na N a imp im p ossi os sibi bilid lidad adee d e traçar traça r o declí de clínio nio das promessa prom essass de 1970, é de reparar na excelência dos seguintes álbuns, todos lançados ness nessee mesmo ano, an o, e compará-la compará-la friamen te com a for ma actual dos artistas: Soft Machine — Third Steve Miller — Your Saving Grace The Who — Live Liv e a t Leed Le edss Jo J o e C ocker ock er — M a d Dog D ogss a n d Eng E nglishm lishm en Eric Bu B u rdo rd o n declares W ar S/y and the Family Stone — Stand! Chicago (Transit Authority) — Chicago II Cat Stevens — M ona on a B o n e Jako Ja kon n Lin L ind d isfa m e — Fog on the Tyne D a v id Ack A ckles les — Subway to the Country — W orkingm G ratef rateful ul D ead — orkingm an 's 's D ead c Am A m erica er ican n B eauty ea uty N e n h u m destes des tes nom no m es passo pa ssou u além al ém d e 75 com a insp in spira iração ção e a criatividade intactas — todos eles entraram na decadência e pers pe rsist istem em cm 1980, d u m m odo od o geral ger al inde in deco coro rosa sam m ente en te.. O exemplo mais patético de todos será a carreira dos Bloo B lood, d, Sweat an d Te Tear arss que em 1970 ainda lançaram um álbum im po p o r tan ta n te ( “Three”) Three”) em bora bo ra represe representa ntasse sse um a q ued a vertic vertical al em relação relação aos aos dois anteriores, mais influenciados pelo espírito ben b en ign ig n o d e A l Koo K oope per. r. Em 1980, depois dum descartar mise rável de discos execráveis, recusam-se a admitir a sua patente incom petência cri criati ativa va e lançam lançam u m trabalho eivad eivado o de hip o cris crisia ia e musicalmente mu sicalmente vazio, vazio, ten tand o apanh ap anh ar o barco barco do m o vimento anti-nuclear.
(o que 0 Rock fa z, desfaz) desfaz)
Todos estes estes náufragos náufragos repartem um problema prob lema insolúvel insolúvel que é a caussa rem ota do seu frac fracas asso so recente recente — um u m a incapacidade 234
manifesta de lutar l utar contra o conforto. Refugiam-s Refugiam-see num concei concei to estéril de execução musical, segundo o qual a qualidade é uma função da excelência de produção. A instrumentação, a técnic técnica, a, a habilidade profissio profissional nal e um culto apurado apu rado da orto o rto doxia agravam esta visão restrita e debilitante. O Rock não é um a escol escolaa de perfeiç perfeição ão — é um fazer-gazêta fazer-gazêta desequilibrado, desequ ilibrado, um a actividade criativa criativa fora-de-portas, um a expres expressão são bruta bru ta de insatisfação e de desconforto. Pouco pode ter a ver com opu lências tecnológicas, excepto se as puser constantemente em causa, causa, e pouco tem a ve verr com o chamado “ profissionalis profissionalismo” mo” . O Rock Rock é amador, cm, cm , apaixonado, instável instável,, volúvel volúvel e imedia im edia to; ou não é nada. Pode sê-lo à superfície (como o Punk) ou em profun pro fundidad didadee (como (como o cao caos poéti poético co de Joni Jo ni Mitchell) Mitchell),, mas a característica fundamental é a honestidade criativa — o ter algo para dizer e a coragem de o fazer. Depois de Woodstock, depois do Punk, Punk , a contest contestaçã açãoo criat criativ ivaa continua contin ua a determ d eterm inar a raíz raíz de todo o melhor melho r Roc Rock. k. Sobretudo, o Rock Rock não é prod pr oduto uto do conte co ntenta ntam m en ento, to, da satis satisfaç fação ão e do optim ismo. ism o. Se reflectir o m undo da ma, m a, da juventude na ma; se for a músi música ca da m a nu nu m a linguagem que a m a possa possa tomar por sua, então o Rock Rock é. Se os náufragos de 70 e, aliás, a grande maioria dos nomes do Rock, Rock, arrancam da m a, cantando-a, acabam por p or espai espairece recer, r, renegando reneg ando-a, -a, nas avenidas avenidas pacífic pacíficas as e confort confortáveis áveis do êxito fi nanceiro. É triste, mas é verdade — 99 por cento dos artistas têm m uito pouco p ouco para dizer. Arrancam com um a refl reflexã exãoo pes soal do seu mundo, ajudados pelo mecanismo da novidade, e cedo esgotam a sua inspiração inspiração ou razão razão de ser, soterrados pelo fenôm fenô m eno inevitável da saturação. saturação. O Rock Rock é um pouc poucoo como o mundo literário, por exemplo, acelerado mil vezes. Em vez de demorar cem anos para cair no esquecimento, demora cem dias — em vez de levar vinte anos para alcançar o êxito, leva vinte dias. dias. Esta Esta instabilidade frenética frenética não é um a cmeldad cm eldadee — é uma um a necessi necessidad dade. e. O Roc Rock espelha o m om ento presente, presen te, am plia pl iann do do-o -o,, e as canções são imor im ortai tais, s, mas ma s só p o r u m d ia. ia . A imortalidade é um fenómeno raro, reservado para os criadores de canç canções ões.. E não é por po r coincidênc coincidência ia que qu e o Rock Rock menos instá in stá vell é aqu ve aquele ele que q ue partilh p artilhaa de modo mo do evidente ev idente as carac caracter teríst ística icass de géneros duradouros — baseados na canção e não na moda, no humano-contínuo e não no pessoal-momentâneo — como o Folk, a música Country ou o Blues. Uma boa canção não tem data nem morte — como ‘ 'Amazing Grçce ” ou o u ‘ ‘Suza Su zann nnee ’’ — existe em dois séculos, nu nunn ca é no novi vida dade de e nu nunn ca env envelh elhee235
ce. Ora o Rock ofereceu muito poucas. É um a arte “já ” , uma expressão “ hoje” e todas as suas qualidades, bem assim como todos os seus defeitos derivam dessa sua natureza essencial. É um a arte que oferece um a possibilidade de acesso praticamen te ilimitada, exigindo m uito poucas habilitações para além du ma capacidade musical mínima. Mas, assim como é fácil en trar , é praticamente impossível continuar e quase inevitável morrer. Só os grandes criadores, aqueles que conseguem existir fora do circuito imediatista, através duma inspiração inesgotá vel e dum impulso constante de transformação e de descober ta, podem fugir e sobreviver. O mínimo que se poderá exigir é uma década (o que, na matemática hiperbólica do Rock equivale a um punhado de séculos). Assim, por muito tentador que seja vaticinar a conti nuação de nomes aparecidos depois de 1970 (como Bruce Springsteen, Ian Dury ou os Talking Heads), a década perten ce àqueles que a sobreviveram, e os anos individuais àqueles que a marcaram dalguma maneira. Isto porque, dentro dos mecanismos citados, é uma espície de lei do Rock que o pri meiro álbum tem a tendência para ser o mais rico em composi ções originais, o segundo tem a tendência para ser o mais con seguido, o terceiro para ser a obra-prima e o quarto para ser o princípio do fim. Há coisas que explicam esta regra incom preensível — os intervalos de tempo entre gravações (as bandas têm ‘‘a vida inteira’’ para o primeiro LP, menos para o segun do, e, se tiverem alcançado um êxito considerável, mais um pouco para o terceiro, e tempo a mais para o quarto), a nature za geralmente finita do estímulo criativo, uma tendência per versa para a perfeição técnica, uma predisposição inata para deixar que o ‘ego’ se insufle (degenerando, às vezes, em mega lomania) e, finalmente, uma obsessão de mudança que entra em conflito com o desejo de estabilidade profissional. Todas estas pressões, provocadas parcialmente pela própria estrutura do sistema comercial, agem sobre ò artista com efeitos quase sempre destrutivos. O ritmo estonteante da vida duma banda Rock, o “ efém ero-rápido” de tudo, é o catalisador inevitável, e daí que muitas vezes hajam consequências trágicas. Na déca da de 70, morreram músicos no auge da sua criatividade (caso de Jim Morrison ou de Gram Parsons), outros que, havendo começado a derrapar, ainda se mantinham fiéis ao seu padrão de excelência (Phil Ochs, Tim Buckley), mas a maioria, inca236
paz de suportar a natureza implacável e volúvel da estima p ú blica e crítica, morreu no (e por causa do) declínio. Logo, a sobrevivência exige um atributo da dureza psicoló gica, de independência perante todas as pressões inevitavel mente exercidas, que permita à criatividade desenvolver-se li vremente. Nunca a situação foi tão bem descrita como na can ção "Free Man in Paris”, um dos melhores momentos do ál bum “Court an d Sp ark” de Joni Mitchell.
(sobreviventes, novamente)
1. Jo n i M itchell ilustra com perfeição inquietante o fenó meno raro duma evolução criativa constante que inova sem ruptura, que experimenta sem inconsciência e que abre novos caminhos sem ser à custa do encerramento de outros. Como todos os artistas verdadeiramente grandes do Rock, Mitchell consegue escrever textos que se aguentariam sózinhos, o mais das vezes directamente relacionados com as suas experiências pessoais. É um acto poético de catarse, às vezes de puro exor cismo, que trata o ouvinte como um ser inteligente e preocu pado. As letras de Joni Mitchell são uma eterna variação sobre o tema da dualidade razão/coração — por um lado fala a se nhora que se julga, pelo outro a mulher que se devora de pa i xão. Emerge um retrato em corpo inteiro, oscilando entre um sentimentalismo temperado e um racionalismo frio e implacá vel. A menina com o arco, a adolescente de patins, a mulher amante e amada, a velha cínica com uma ponta escondida de romantismo —Joni Mitchell é este quarteto de idades e de im pressões. A guerra suada entre homem e mulher, as minúsculas bata lhas de estupidez e de ternura, o lento cansaço amoroso, a der rocada da expectativa e do egoísmo — Joni Mitchell, sempre fascinada pelo pormenor, escreve sobre o desfecho de todo o êxtase. As suas canções são sempre uma saudade que lu ta con tra a luz, um passado que o presente não deixa embelezar, um a ilusão destruída que se recusa a desvendar. É um universo limitado — sobretudo por causa da quase exclusividade de matéria-prima autobiográfica — mas gloriosamente inteiro, acarinhado e polido, virado e aquecido pelas mãos da compo 237
sitora. Há mais violência cm certas canções de Joni Mitchell do que em todo o reportório do Punk — nascida sempre do terror da confrontação psicológica, da decomposição cruel dos ele mentos absurdos ou narcisistas do amor. Ao longo dos anos, os textos têm-se tornado cada vez mais realistas, menos senti mentais, mais duros. A inteligência da cantora tem abafado os devaneios fatalistas de outrora, e os últimos trabalhos regojizam numa espécie de alegria aliviada — a alegria de ter com preendido ou definido uma tristeza. Porque Joni Mitchell sempre foi uma criatura melancólica, insatisfeita, saudosa e ir remediavelmente romântica, para cúmulo. Toda a sua obra é um longo ensaio, virtualmente ininterrupto, sobre a desilusão. Aprendeu a aceitar a beleza das coisas imperfeitas, o encanto ainda valioso dos fracassos mais frágeis e da paixão declarada mente não intacta. E, ao assimilar a cristalização de mil desa venças, Joni Mitchell tem produzido u m novo romance — um que é, em muito, semelhante à vida real... A evolução musical, em contrapartida, seguiu a direcção contrária — da simplicidade acústica dos primeiros álbuns p a ra a complexidade multi-sonora e “jazzy” dos mais recentes. Jo ni Mitchell fez experiências com música africana antes de es tar na moda (sobretudo em “Hissing o f Sum m er Lawns” e “D on J u a n ’s Reckless D au gh ter ”), brincou com o music-hall e o hino, tento u o jazz moderno e, dum modo geral, cada vez que se satisfaz com um determinado som, abandona-o e come ça de novo com outro. Neste sentido, todos os seus álbuns são de transição, instáveis, documentos temporários da localização musical de Joni Mitchell. Paralelamente à direcção simples-complexo, há também uma tendência marcada da melodia para o ritm o, e da tonalidade para a atonalidade. É uma evolu ção constantemente fascinante e surpreendente, maravilhosa de presenciar. O primeiro LP, “Songs to a Seagu ll’’, muito enraizado ain da nas tradições da canção folk americana, continha um a can ção (' 7 H ad a K ing ’') sobre a dissolução do seu casamento e ainda hoje é um dos exemplos mais bem articulados (e belos) da obsessão temática de Joni Mitchell. A perda e a saudade ex primem -se de duas maneiras — o passado não se deixa man char pela descoberta amarga do presente, e a ilusão e a desilu são coexistem num delicado equilíbrio, reforçando-se por con traste. Em ' ‘Songs to a S eagu ll’ Joni Mitchell é a menina que 238
deixou de ser, guardando ainda os vestigios do seu idealismo, mas caminhando já para o racionalismo. “Clouds ”, o álbum seguinte, editado em 1969, já semencon tra divestido da atmosfera conto-de-fadas do anterior. É o pri meiro em que Joni Mitchell se põe a medir a sua vida, pesando com introspccção esclarecida ‘‘ambos os lados da vida. ’ ’ A fan tasia e o realismo ensaiam um periclitante pas-de-deux, parcei ros ilógicos que não sabem se hão-de lutar ou dançar. Esta con fusão (admiravelmente delineada em “I D on ’tK no w Where I Stand”) iria ser lentamente resolvida nos próximos trabalhos. ‘'Clouds ’’ permanece como o seu álbum mais conscientemen te melancólico até à data. "Ladies o fth e Canyon”, provavelmente construído a partir das experiências pessoais de Joni Mitchell durante a sua estadia em Laurel Canyon, foge da tristeza e tenta apresentar uma imagem de solidez e de resignação. É musicalmente superior aos dois anteriores, mas textualmente inferior. Em " Ladies o f the Canyon” Joni Mitchell esgota as possibilidades do formato folk, enriquecendo-o ao ponto de ruptura. A faixa ‘ 'Circle Ga m e ’’ honrava a tradição ortodoxa, enquanto que ‘ ‘Rainy N ig b t H ouse”, por exemplo, apontava já para o ecleticismo futuro. Mas, como todos os trabalhos de Joni Mitchell, com a excepção dos LPs ao vivo, é uma colecção preciosa que envelhece com elegância. Ê impossível a saturação, por muitas vezes que ou çamos as canções de Jo ni Mitchell, e é precisamente esta quali dade que a separa da natureza espanta-e-farta do Rock. "Blue”, lançado em 1971, é um álbum difícil de catalogar. £ um álbum de canções de amor — â parte Leonard Cohén e Tim Buckley, o mais lindo de todos. A faixa ‘ ‘A Case o fY o u ’’ é um deslumbre de paixão e de amor, onde a mulher, na sua plenitude exacta de carne e coração, se desenha livremente. Jo ni Mitchell deixa de procurar metáforas e imagens mitológicas e revela a sua intimidade perturbada, morrendo de brandura e de violência, em toda a sua glória. Outra característica que aparece definida pela primeira vez é a saudade pelo Canadá, que surge na forma dum regresso imaginário aos seus cantos perdidos — um tema que ela viria a tornar seu. Aliás esta fa ceta nacionalista, exclusivamente transmitida por via poética, existe também noutro canadiano, Leonard Cohén e é constan temente examinado e reexaminado por outro ainda, Neil Young, c todos eles sobreviventes. 239
“Blue” contém a composição “This Flight T o n igh t" onde Jo ni Mitchell, po r interm édio duns coros muito kitsch, começa a utilizar elementos estranhos à ortodoxia da música Folk. Este alargamento sugestivo viría a ser assumido quase completa m ente no LP seguinte — “ For the Roses” — em 1972, por ventura o álbum de fusão rock/folk mais excitante de sempre. £ mais impressionista e menos directo, talvez até menos ime diatamente pessoal do que os anteriores. Talvez porque Mit chell começou neste álbum a explorar com maior consistência c arrojo as possibilidades dos arranjos mais cheios, tentando con ciliar um a temática própria da balada com a energia do Rock. A canção que mais sobressai é sem dúvida “ Blonde in the Bleach ers' um retrato da sua perigosa, mas encantadora am bivalência. Depois de um intervalo de dois anos, Joni Mitchell reapare ce com ' ‘Court a n d Spark ’ um dos cinco melhores álbuns de 74. Qualquer ligação com os seus três primeiros álbuns é prati camente impossível de descobrir, em termos de arranjos ou de pureza acústica. Através da colaboração de Tom Scott e os LA Express, Joni Mitchell atinge finalmente o que queria — um álbum de Rock puro, com toda a sensibilidade do Folk. H á um duplo ênfase raro: uma letra bem escrita, discursiva e confes sional embrulhada por um som gordo e vivo que não magoa nem deturpa as palavras. As melodias começam a ser menos límpidas e a voz de Joni Mitchell cai e levanta-se, solidariza-se e entra em conflito com o tema ou as palavras que canta. ' ‘Co urt an d Spark ’’ representa um a ousadia recompensada. A partir daqui Joni Mitchell irá abandonando gradualm ente os confins do Rock e as fórmulas da música Pop, satisfeita com os resultados, mas insatisfeita com a relatividade da meta. Numa crítica pessoal ao mundo do Rock (“a maquinaria fabrica-estrelas ” ) ela faz a sua declaração de má fé na brilhante canção ' 'Free Man in Paris ’’. D esiludida, ela voltará à sua amada soli dão, convencida da preciosidade da sua cruzada. N o mesmo ano sai um duplo-álbum ao vivo — “Miles o f A ísle s” — que é um desapontamento. Joni Mitchell só rara mente participa em concertos e.^ouvindo este trabalho, com preende-se porquê. “ Miles o f Aísles” mergulha demasiado no Rock, abafando a intim idade de Joni Mitchell e destruindo as sim o frágil fascínio da sua música. Como criadora genuína, ela prefere o acto de composição à interpretação. Uma vez es crita e cantada, a canção está acabada. Aliás, neste álbum ela 240
troça levemente com o público, dizendo que ninguém pede a um pintor para repetir o seu quadro, e confessa não achar m ui ta piada à actuação pública. Em 1975 sai “Hissing o f Su m m er Lawns”, um novo mo mento de partida. A melodia é quase totalm ente sacrificada ao ritmo e os textos abandonam, por momentos, a transparência realista de ‘‘For the Roses ' ’ e “Court an dS pa rk” para se deli ciarem com jogos de palavras ou poemas surrealistas. Apare cem pela primeira vez as influências africanas (com os tambo res dos guerreiros do Burundi) em ‘ ‘The Jungle Line ’ ’ e Joni Mitchell lança-se a instrumentos anteriormente desprezados, tocando piano e sintetizador. É um álbum um tanto ou q uan to hermético, pouco acessível até, mas, como é sempre o caso com os álbuns pós-75 dela, as canções abrem-se com cada au dição. Ãs vezes pode durar quarenta ou cinquenta audições antes que as canções floresçam, tan to no aspecto musical como no que diz respeito à subtileza e à ironia camuflada dos textos. ‘‘Hissing o f Sum m er Lawns ” é o primeiro Joni Mitchell mo derno, mas, sendo o mais experimental de todos, falta-lhe em coesão o que ganha em espontaneidade. Mas, como todos os bons vinhos, amadurece com a passagem do tempo. Em 1980 está com um belíssimo “ bouquet” . O álbum seguinte, " Hejira ”, de 1976, é um lapso na sua progressão musical para o Jazz. É, também, a sua obra-prima. Resumindo todas as suas obsessões, desde “ Songs to a Seagull” até “ Summer Lawns” , “ Hejira” é um a longa elegia à adolescência perdida. A música espraia-se, descansando sob um fio insuportável de tensão nostálgica, enquanto os textos voltam ao realismo de outrora. É um a senhora que canta, can sada, desejosa, capaz de suportar os novos limites da sua ima ginação. Já não é a menina enfatuada, nem a mulher à procura do amor perfeito, nem a poetisa-aventureira vogando ao sabor dos acontecimentos como um Rimbaud embriagado. Em “ Hejira” já não há lutas entre a multidão de pessoas que Joni Mitchell foi ou quis ser — é uma pessoa apenas, reconciliada com a sua fraqueza, reconfortada com a imperfeição da sua força. E a música afasta-se para a deixar falar, um pouco como se não se quisesse intrometer. As canções ‘ ‘Am elia " e ‘‘Song For Sharon' ’ contam-se entre as melhores de toda a sua carrei ra. A última, sobretudo, é discutivelmente a sua composição-chave. É certamente a sua canção mais forte, e uma das dez mais singelas de toda a história da música popular. 241
Dois anos depois, Jo ni Mitchell lança o seu álbum mais am bicioso de sempre — “D on Juan ’s Reck/ess D aughter ” — tão experimental como “Summer Lawns” e a culminação da sua fase africana. Com largas passagens instrumentais, e poucas ou nenhumas concessões à melodia ou à harmonia, é o trabalho em que ela mais utiliza a voz como instrumento musical. Em bora contenha canções que não estariam deslocadas nos seus álbuns anteriores, “ D o n ju án ” procura novos alimentos, des brava novos caminhos, o mais fértil dos quais relaciona-se com o Jazz. É proibitivo e claustrofóbico, enigmático e narcisista, brilhante e aventureiro. Os defeitos desculpam-se pela visão que fornece do processo criativo na sua forma mais bruta — os elementos de improvisação vocal, a distorção do sentido das palavras, os longos interlúdios repetitivos e a crueza geral do som contribuem para subverter toda a tradição do álbum do cantor-compositor. É um trabalho que pretende derrotar as convenções da balada e deitar abaixo as barreiras artificiais en tre géneros considerados incompatíveis. No fim, cai vítima da sua ambição, mas orgulhosamente, como quem acha que “ va le a pena” e sobrevivem apenas as canções menos caóticas. É um belíssimo fracasso com uma redenção intrínseca e, com a passagem do tempo, é provável que se abra mais. “M ingus ”, lançado em fins de 1979, é certamente a conse quência inevitável da cristalização das suas experiências de composição e de canto. Fascinada pelo Jazz (e em especial pela natureza mais espontânea dela), Joni Mitchell procura encon trar nas melodias de Charlie Mingus um a estrutura que autori ze a improvisação, sem sacrificar o pulso e o vigor dos ritmos africanos que incorporou com tanta facilidade na sua música. “M ingus”, é, no entanto, um álbum atípico. Joni Mitchell nunca se contentou com o fornecimento regular de produto asseguradam ente vendável — ela é instável, ansiosa de conquista e mudança, sempre procurando novas molduras musicais para os seus poemas. Surpreende, irrita, espanta e aliena os seus mais fiéis admiradores com a sua sede de experiências, mas nunca deixa de os provocar com a grandeza e a amplitude do seu talento. “Mingus” é uma excursão temporária e não uma mudança de direcção — uma homenagem à música e ao músi co que mais lhe deram nos últimos anos. Testemunho inegável da sua versatilidade e da sua coragem, “Mingus” é um traba lho fundamentalmente maculado, mas redimido pela proxi midade alcançada em relação ao objectivo. 242
Em 1980, seis anos depois de “Miles o f A ísles", é lançado outro álbum de concerto — ‘ 'Shadows a n d L igh t ’ ’. Menos ex plosivo e confuso do que aquele, contém interpretações inte ressantes, pequenas nuances e, às vezes, reviravoltas totais — mas é apenas uma "sombra” da "luz” que deitam os álbuns de estúdio. Tendo-se sempre recusado a lançar uma compila ção do tipo ‘‘Greatcst hits’’, talvez porque cada álbum de Joni Mitchell é um momento contido, quase estanque, os álbuns “ ao vivo” são oferecidos, com honestidade despretensiosa, co mo substituto. Mas a verdade é que não resultam — as can ções, fora do contexto do álbum original, perdem o seu enqua dramento estilístico e o contacto com o público — por muito horrendo que possa parecer — desvirtua a solidão interpretati va. É a diferença que existe entre um poema favorito, lido em silêncio, e uma recitação pelo autor. Neste caso, perde-se toda a intimidade e, com ela, grande parte do encanto. Como se vê, a década viu muitas Joni Mitcheüs aflorarem. Desde a pureza folk de “Ladies of a Canyon” até aos excessos de " D o n ju á n ” , vai uma distância que só duas ou três pessoas poderíam percorrer m antendo intacta a reputação. Ela sempre correu riscos, nunca se deixou ficar nem aceitou recolher-se no conforto de fórmulas bem ensaiadas e sucedidas. Esta caracte rística de criatividade nunca satisfeita, de experimentalismo constante, trouxe-a a 1980 e levá-la-á até onde quiser. Os quatro sobreviventes da década dividem-se em duas for mas de evolução: Joni Mitchell e- David Bowie reexaminam constantemente o seu trabalho, avançando por quebras e par tidas. São experimentalistas, praticando o equivalente musical da política de terra-queimada. Cada álbum, ou grupo de dois ou três álbuns, representa uma fase distinta. N ão há linearida de, nem sequer uma evolução previsível. O passado não é re jeitado teoricamente, mas, na prática, é o que acontece. A ne cessidade predominante é de mudança e de inovação. David Bowie será um caso ainda mais extremo do que Jo ni Mitchell e mais importante num contexto universal, por causa da sua enorme influência sobre a música popular da década. Para além do processo de inovação musical e estilístico, Bowie mu da de imagem, vestindo e divestindo-se de personalidades ao sabor da sua insatisfação. Tal como Joni Mitchell, é irrequieto, mas, ao contrário dela, mergulha de cabeça no mundo do Rock. Faz parte do sistema, nutrindo-o e utilizando-o para a protecção das suas idéias. Bowie é um actor e participante, 243
Mitchell é um a eremita e observadora — mas, na essência, par tilham dum mesmo percurso acidentado de criatividade. Os outros dois sobreviventes têm uma forma de evolução com pletam ente contrária — Bob Marley e Leonard Cohén per manecem fiéis a uma mesma concepção, a um mesmo forma to. Avançam duma maneira linear, sem quebras nem partidas, aperfeiçoando com dedicação o formato há muito escolhido. A personalidade é sempre a mesma, a estrutura musical é variada e experimentada, mas sem jamais ser posta em causa ou substi tuída. Isto porque, para estes dois sobreviventes, a estabilida de musical não é mais do que um veículo útil. Utilizam sem pre a mesma velha mas incansável campana para transportar as suas idéias e palavras. O que importa não é a forma ou o estilo, mas a sua capacidade de conter uma mensagem, um poema ou uma luta. Bob Marley e Leonard Cohén escolheram formatos opostos, mas utilizam-nos da mesma maneira e repartem um mesmo objectivo(*). Ambos têm uma qualidade que só se poderia classificar de ‘‘religiosa’’. Acreditam que a canção deve ser um hino, remo vida dos caprichos do Rock, mas forçosamente interveniente na causa geral da liberdade do indivíduo ou d um povo. É ime diata a influência do Rastafarianismo sobre Marley e do Judaís mo sobre Cohén — mas, menos aparente, é a característica que ambas as religiões e ambas as obras têm em comum: o messianismo. É esta fé esperançada que alivia a visão negra que ambos têm do presente. E, dado que ambos constroem hi nos, como instrumentos eficazes e mobilizadores, é óbvio que acreditam no poder da canção. Esta fidelidade à sua arte, m ui tas vezes expressa na obra de ambos, une-os inseparavelmente. Ao contrário dum “ h it” , um hino é para sempre. A música preenche uma função secundária, servindo o texto ou a mensa gem, e, como tal, tem de possuir uma qualidade atemporal. São canções feitas para durar e servir. Estamos muito longe do radicalismo experimental de David Bowie ou de Jo ni Mitchell. Bob Marley e Leonard Cohén utili zam um formato musical fixo, polindo-o ou limando-o só su' Curiosamente, Bob Marley na belíssima canção que é ‘'Redemption Songs ’’ (do álbum “Uprising”.de 1980) aproxima-se muito do modelo acústico de Leonard Cohén. A letra dessa canção, por muito estranho que possa parecer, também é muito Coheniana. Preocupada com o poder da canção como instru mento de redenção ou de liberdade, “Redemption Songs” tanto poderia des crever a obra de Marley como a de Cohén. 2 44
perfíciaimente, que preenchem com os desenvolvimentos su cessivos duma colecção de temas que não se modifica através dos tempos. Atravessaram a década sem fazer concessões, con vencidos da legitimidade do que faziam. Não m udar é tão ar riscado como mudar, no mundo volúvel e sedento de mudança que é o Rock. É interessante notar, porém, que tanto Marley como Cohén fizeram a experiência de mudança — com ‘‘Ka y a " e ‘‘Death o f a Ladies'Man ’ Mas, depois da partida radi cal, voltaram ao seu caminho original, desiludidos. Assim como tomámos o exemplo de Joni Mitchell para ilus trar o primeiro tipo do percurso, tomemos agora o de Leonard Cohén para ilustrar o segundo. Veremos que as três constela ções de sobreviventes se acomodam, com relativa limpeza, nu ma ou noutra das formas evolutivas: no estável/tradicional ou no instável!experimental.
(.sobreviventes, fin alm ente)
Leonard Cohén é um poeta que usa a canção, ao contrário da vasta maioria dos artistas semelhantes que são cantores que usam a poesia. Como poeta, prefere traçar episódios completos retirados dum a longa história fragmentada, que nunca chega rá ao fim. Há um herói fatalmente imperfeito e fraco, um a he roína inevitavelmente bela e forte, e um contexto urbano de desonestidade e de solidão. Todas as canções de Cohén são dramáticas, recheadas de imagens poderosas, geralmente “maiores” do que a realidade que ilustram. O amor é mais amoroso, a beleza é mais bela, a tristeza mais triste e o amor fí sico mais físico. É um universo encantado de desespero e de êx tase, de fé e de desilusão, de amor e de ódio. Ao longo da sua carreira musical (porque os poemas e as novelas que publicou referem-se a um mundo muito mais pessoal e psicológico), Lei .íard Cohén tem-se tornado mais religioso e inquisitivo, mais poético e resignado. “Songs o f Leonard Cohén' editado em 1967, é um álbum de canções de amor — o mais persistentemente apaixonado de todos. “ Suzanne ” e “Hey That’s No Way to Say G oodbye ” são límpidamente belas e, embora eivadas duma saudade sua vemente suportada, fundamentalmente alegres. Mas, nesse mesmo LP, notam-se já as obsessões eternas: a inveja, a traição 245
e a atracção/repulsa da Pátria. Não há temas nem histórias nem imagens a acrescentar depois desta colecção. A fórmula musical já está estabelecida, o estilo semi-narradvo e semi-sim bólico já se apresenta na sua fase definitiva e o' conteúdo está determinado. A partir daqui, a única coisa que Cohén trará são outros poemas — como quem fabrica um caderno pessoal, com páginas de tamanho predilecto e o melhor papel branco, que se propõe encher de poemas ao longo da sua vida. É por esta razão que as canções não têm data — tal e qual como um a folha branca não acusa a idade. Mesmo assim, Cohén introdu ziu mudanças subtis (de arranjo, de melodia, de perspectiva) que enriqueceram os textos e forneceram o mínimo de variação musical para estabelecer uma identidade própria para cada canção. Devido a essa identidade ou inteireza dos poemas, é impossível falar em cada álbum como uma entidade separada — os álbuns são apenas colecções de canções. Cada canção é um projecto demorado, cuidadosamente lapidado até ao limi te da sua perfeição. Os poemas são tudo menos espontâneos — Cohén é um artífice escrupuloso e, como diz Eugênio de An drade, cada poema surge-lhe sílaba a sílaba. A estética é co mum, só os tempos e os temperamentos se mexem, levando cambiantes à tona da canção. É nitidamente uma estética for mal e antiquada, quase Bíblica, que suporta poemas pagãos e sensuais. O “ belo” é o objectivo, mas só na expressão, pois que Cohén inevitavelmente escreve sobre as áreas fronteiriças à depressão e à loucura. ‘‘Songs of Leonard C ohén’’ foi apenas a primeira vez que o pudemos ouvir, a primeira vez que apare ceu o padrão — não se lhe segue amadurecimento, mudança ou progressão. Como tal, a única coisa que distingue o álbum dos outros é essa suavidade de amor, sem raiva nem cobiça, sem paixão nem fome, que pervade as duas canções acima cita das. “Songs fro m a Room ”, de 1969, traz-nos as preocupações políticas de Cohén na sua forma mais clara e incisiva. Mas, co mo sugeri, é apenas um cambiante tênue, como a sombra dum cubo que rodamos lentamente nas mãos. “The Old Revolut i o n ” mostra que, para Cohén, as lutas são todas velhas, são sempre pela liberdade ou pela tirania. Não há nada de novo — Cohén reduz tudo a um a dualidade religiosa entre bem e mal, amor e ódio, liberdade e tirania. O sangue tem que ser verti do, as ilusões têm que ser despedaçadas, o amor tem que ser feito — mas nada se resolve ou adianta senão o orgulho. O 246
egoísmo luta contra o instinto de luta comum, o orgulho destrói o amor, a comunidade sofre os seus heróis tanto como os seus malvados. É assim que toda a temática de Cohén se encontra dom inada pela figura do mártir — da guerra, do amor ou do simples processo de viver. Outra canção nesse álbum, ‘ ‘B ir don a Wire ’’, fala do poder da canção — como promessa, como mensagem ou como catarse, mas sempre como comuni cação necessária. É como se dissesse “A canção nada pode fazer,'mas não há mais nada para fazer’’ — a tentativa nada po de ter a ver com a inevitabilidade do fracasso. De grande inte resse, também, é a referência directa ao Velho Testamento em ‘‘The Butcher's S ong' ’ e em ‘‘Story o f Isaac ’’, revelando assim uma das suas fontes mais utilizadas. Dum a maneira geral, este álbum é muito menos pessoal do que o primeiro e está mais imediatamente preocupado com a dimensão social da natureza gulosa e egoísta, idealista e generosa do homem. A dualidade existe e não é decomposta — simplesmente, Cohén ora traz o bem, ora traz o mal à superfície, sem chegar a conclusões. Esta será a prova da sua honestidade mais contundente. “Songs ofL ove an d H ate”, lançado em 1971, discutivel mente o seu álbum mais poderoso, é uma colecção de canções que são documentos dum desespero quase final. Contém as canções mais deprimentes de toda a história da música popu lar, debruçadas para o suicídio e sem uma única faísca de espe rança. ‘ ‘Dress Reh earsd Rag ’’ é um retrato quase tão angustiante como a angústia que pretende descrever. Grande parte das canções falam do homem falhado que, ao examinar toda a sua vida, não vê nada que não esperanças reveladas como absurdas e depois destruídas. Nem o passado possui o que quer que seja de lindo, nem o presente pode ser mais miserável. Não há fu turo. É uma depressão completa, sem luz. Esta escuridão vai ao ponto de Cohén ridicularizar-se impiedosamente, imerso numa compaixão doentia de si próprio. Até a canção, esse ins trumento branco e amado, sofre o ódio destemperado de Co hén, em “Sing Ano therSo ng, Boys”. “ Songs ofLove and Ha te” só tem duas canções de amor — as restantes são de ódio. Curiosamente, uma dessas canções de amor — “Famous B lue Raincoat” — é a sua obra-prima. Duma tristeza resignada quase insuportável, porque não é movida nem por raiva nem vingança, é a canção mais transparente saudosa e bela de toda a sua carreira. A outra, “Joan o f A re ”, admiravelmente servi247
da pelos arranjos de Paul Buckmaster, volta à religiosidade do álbum anterior, aperfeiçoando as imagens Cohenianas com um contexto só parentemente histórico — o mártir, possuído duma visão branca, é devorado pelo fogo ancestral da estupi dez e da falta de fé. “lave Calis You By Your Ñame’’ não é um a canção de amor — mas um a declaração contra o amor. Es tá ñas antípodas de ‘‘So Long Marianne ” ou de ‘‘Suzanne ’ ’. Quando Cohén fala do amor, é sempre num contexto de des pedid a e de ausência, um pouco como acontece com o Fado. Mas a beleza não se perde, e a memoria não se despede — toda a saudade retém o consolo do passado. Neste álbum, porém, (e é uma mudança de espirito que irá notando-se cada vez mais nos LPs posteriores), o amor nada deixa, não valeu a pe na , foi só pen a — e a sua partida tam bém é só isso: pena, pie dade, amargura. A saudade não é a lembrança dum bem pas sado, mas a consciência amarga dum bem apodrecido e debili tante, a escuridão profunda da desilusão. Depois de um álbu m gravado “ ao vivo’’ (incluindo quatro canções iné,ditas das quais se salienta “Queen Victoria ”), cha mado ' ‘Live Songs ’ que pouco contribuiu para o seu repertó rio, nem sequer conseguindo captar a atmosfera dos seus con certos; Leonard Cohén voltou, no ano seguinte, em 1974, com um novo e magnífico álbum — “New Skin fo r the O ld Cere-
m o n y ' ’. A “ velha cerimôn ia” é, evidentemen te, o acto do amor. Ou do ódio, ou da revolução, ou do canto... Todas as imagens do passado coexistem. Depois da escuridão de “ Love and H ate ” , “ New Skin” marca um renascimento. O poeta sobreviveu, criou calos, recuperou uma espécie de beleza. Pela primeira vez de seftipre, surge o hu m or seco e irónico de Cohén em toda a sua glória, no auto -retrato " F ieldCommander Cohén” e na canção tragicómica “There Is A War", uma composição que revela a dualidade (ricos e pobres, homens e mulheres, etc.) que está na base de toda a sua obra. * Há tam bém u m regresso ao amor brando do seu primeiro ál bum , com ‘‘Take this Lon ging' se bem que já não haja qu al qu er indício de platonismo. “ Take this Longing” é um a belís sima afirmação de desejo, de lonjura, de força carnal. Os ele mentos líricos são mais tênues, mas existe uma nudez de pro* Esta dualidade também existe na canção ‘‘Love Calis Your By Your Name ’’ doLP ‘ ‘Songs ofLove and Hate ' ', embora sem o mesmo nítido grau de oposi ção. 248
pósitos que é fundamentalm ente romântica, e a melodia, en tão, ultrapassa até o padrão convencional de Cohén, igualando em beleza musical as canções como “ Suzanne” ou “ Hey That’s No Way to Say Goodbye” . Finalmente, as obsessões re ligiosas vêm ao de cima em “Who By Fire” — o fogo da re denção e do sacrifício, da purificação e da morte. “New Skin’’, é, portanto, o álbum mais claramente diversificado de todos — é um a colecção que não mostra o mais pequeno dese quilíbrio. A qualidade dos textos e das melodias obedece sem pre ao critério imperdoavelmente severo de Leonard Cohén e, neste sentido, é mais um trabalho perfeito que fica, para sem pre. Seguiu-se, em 1975, uma compilação ridiculamente intitu lada “The Best of Leonard Cohén” que reunia as canções de Leonard Cohén mais acessíveis dum ponto de vista musical. Mas, ao serem escolhidas as canções menos ‘‘pesadas’ ’, obteve-se um álbum pouco representativo. A grande vantagem do ál bum eram os apontamentos que Cohén escreveu sobre as can ções. O álbum seguinte, ‘ D eath o f a Ladies ’ M an' foi o seu ál bum experimental. Chamando esse gênio do Pop que é Phil Spector para fazer os arranjos e produzir as canções, Cohén tentava ganhar um auditório mais vasto. É um álbum fracassa do, tragicamente mutilado pelos excessos de Phil Spector. Mesmo assim, apesar de todo o mau-gosto dos arranjos, as le tras continuam a impressionar e transmitem uma nova obses são. “Ladies Man” é um trabalho sobre a impotência sexual — ora no seu aspecto mais circular (o ciúme, que aqui toma a forma dum homem que ouve a mulher que ama a fazer amor com outro homem, num quarto de hotel contíguo ao seu), ora no seu aspecto imediato (na canção, aliás péssima, ‘ ‘D on 't Go H om e W ith YourH ard -O n"). As mulheres são criaturas vora zes, de pernas permanentemente abertas, exibindo o seu pra zer singular como uma espécie de poder sobre o homem. Há uma semelhança preocupante entre a mulher de “Ladies Man” e a mulher na obra do dramaturgo Tennessee Williams. O envelhecimento de Cohén, ou seja, a perda da sua juventu de física (pois a emocional perdera-a em “ Songs of Love and H ate ” ), resulta num a amargura estúpida e pouco característi ca. O título — morte dum saieiro, ou morte dum conquista dor — revela com dolorosa precisão o estado m ental de Cohén, que passa de amante-participante a “ voyeur” . As tentativas 249
de humor são patéticas, pois que partem de premissas odiosa mente sexistas, tentando ferir. O peso das orquestrações quase Wagnerianas de Spector, falsificando a pureza acústica que sa be servir u m poema, ain da exacerbou a natureza vil do exercí cio. Só duas canções se salvam dos destroços: ‘‘Death o fa Lad ies ’ M a n ”, a faixa-título, que é puro Cohén e ‘‘True Love Leaves N o Traces ’ um a canção cujo poema tranquilamente amoroso é desvirtuado, mas não tanto como no resto do ál bum , pelos maneirismos musicais de Phil Spector. Ao todo, é um álbum artificial, uma experiência improdutiva — Cohén parece, dar-se fé disto através de declarações que prestou na al tura. 1 ‘‘R ecent So ng s”, em 1979, é o seu álbum de redenção. T u do aquilo q ue havia infligido sobre o público com “ Ladies’ Man” esquece-se dentre os acordes magoados desta sua última colecção. Regressando com uma pureza alucinante às suas ve lhas perguntas, em textos saturados de uma tristeza que ap ren deu a viver consigo próprio, e ajudado por novas instrumenta ções de sabor oriental, Leonard Cohén produz um a obra cheia, redonda e líricamente perfeita. Reconciliado com a sua velhi ce, ele retom a a sua lu ta ingrata com os seus demônios pred i lectos — o amor, a tirania dâ possessividade, o país natal, a saudade insolúvel — e reaparece com um a vitalidade que não se via desde 1974. O seu ‘‘romantismo apesar de tu d o” , sem pre a sua característica mais fascinante, dá-nos um a das suas mais lucid am ente belas canções — ‘‘The Smokey Life ’ uma celebráção da sua velha cerimônia amorosa, sinal supremo de resistência ao cansaço e à desilusão. O outro ponto alto do ál bum é a analogia poética de ‘‘Bollad o f The A bsen t Mare ’ em que Cohén volta a confrontar, com mão tipicamente leve, a relação difícil entre a liberdade individual e o enlace do amor. ‘‘Recent Songs” é, assim, o arranque du m a nova ilusão, a esperança duma nova beleza e a afirmação da religiosidade rejeitada no álbum anterior. Leonard Cohén continuará a es crever os seus poemas, a cantar as suas canções, utilizando um formato musical para todos os efeitos invariável — é, no en tan to, sob a calma aparente da música, que a alma se contorce ou se enleva,'em permanente agitação, ora cantando, ora fa zendo amor, ora lutando com os seus fantasmas, sempre osci lando entre os dois polos radicais — o amor e o ódio, a luz e a escuridão, a fé e desespero, a esperança e a saudade. E sempre entre tudo isso. 250
(estável e instável)
Depois dos dois casos examinados — o de Joni Mitchell co mo representativo do instável/experimental e o de Leonard Cohén como exemplo do estável/ tradicional — é possível re parar que as diferenças são mais superficiais do que profundas. A evolução de Mitchell ou de Bowie pode ser mais vistosa, mais repentinam ente deslumbrante, do que a de Cohén ou de Marley — mas, no fundo, como criadores que sobreviveram, eles partilham o mesmo espírito curioso, a insegurança funda mental que os leva a vaguear e os impede de estagnar num mesmo sítio, de êxito comprovado. Tomando a lista de sobreviventes da década, é agora possí vel classificá-los, aplicando os critérios apontados: Instável/E xperim ental
Joni Mitchell David Bowie Lou Reed Robert Fripp •Robert Wyatt John Cale Brian Eno (*)
Estável/Tradicional
Leonard Cohén Bob Marley Neil Young Ry Cooder Van Morrison Stevie Wonder
É evidente que muitos dos melhores álbuns da década não foram lançados por nenhum destes sobreviventes. Mas não é difícil fazer de um a três bons álbuns — o que constitui excepção à lei da novidade e saturação que domina o mundo do Rock é produzir LPs consistentemente frescos e bons ao longo dum período de tempo considerável. Os nomes da coluna dos instáveis tomam o princípio da novidade e da saturação e agem de acordo com as suas exigências — produzem uma/novidade, saturam-se, passam para outra, rejeitam-na e começam a tra balhar num outro projecto completamente novo. David Bowie é o exemplo supremo desta habilidade de m udar de casaca, co mo um camaleão transforma a sua cor, mas ao contrário — o camaleão toma a cor daquilo que o rodeia, mas Bowie toma a cor inversa, aquela mais berrante, mais capaz de dar nas vistas. * Brian Eno não aparece na lista de sobreviventes, visto que, dum ponto de vista discogrífko nada lançou antes de 1970. No entanto, pode-se abrir uma excepçüo, dado que os Roxy Music se formaram no fim de 1970. 251
A sua influência ê tão grande, sobretudo na segunda metade da década e no princípio dos anos 80, que é aquilo que o ro deia que muda de cor para o igualar. É nessa altura, quando o radical se torna ortodoxo, que Bowie empreende nova trans formação. Mas, ao longo de todas as mudanças, há um fio de continuidade inquebrável — no caso de Bowie, a sua reinter pretação grotesca do “ star system” , a tentativa de deitar abai xo as barreiras imagéticas entre a estrela masculina e a femini na, a sua obsessão com o futuro e a tecnologia, e a criação de personalidades andróginas de cabimento fantástico. Se os instáveis denotam sempre um fio de continuidade, os estáveis deixam sempre ver, no todo observável da sua obra, fracturas expostas de descontinuidade. Seja na forma dum a ex periência total, ou através de oscilações temáticas ou musicais subjacentes, os estáveis reflectan sempre uma constante insa tisfação com o passado — uma desilusão, uma reavaliação, um a mudança subtil de perspectiva ou de ênfase. É como se os primeiros, cada vez que se fartassem do ambiente criado, m u dassem de casa e de cidade — enquanto que os segundos ape nas se limitam a mudar o quarto para a sala, ou a tirar e mover mobília. Mas os primeiros, quando m udam de casa, podem es colher a disposição interior da mobília que existia na casa que abandonaram. E os segundos, deixando a fachada exterior in tacta, podem transformar completamente a sua casa, sem que isso seja apatente a um observador descuidado. A diferença entre os dois grupos é, então, uma diferença de ênfase e de exibição. Ambos mudam, insatisfeitos, nómadas criativos, mas os primeiros exibem dramaticamente as suas de cisões, enquanto que os segundos ou as escondem ou não as exibem. Mas a característica que arma o sobrevivente e o dis tingue do náufrago é o nervosismo criativo, a fidelidade ao ins tinto irrequieto de mudança, o desejo de prolongar e diversifi car a sua obra sem consideração pela ortodoxia ou pelas arantías provadas do êxito comercial. A conclusão que pretendo oferecer, como sugestão útil e viável é que, no fim de contas, os sobreviventes são precisa mente aqueles que mais se parecem com a natureza instável e neurótica do Rock. Embora o façam individualmente, reflec ta n com inteireza todos os paroxismos evolutivos ou regressi vos do Rock. E, por isso mesmo, a contradição entre o efémero-imediato do Rock e o duradouro-demorado dos sobreviven tes não é insolúvel. Ou seja, as considerações gerais sobre a 252
criatividade e a inovação, que se aplicam a qualquer arte, tam bém se aplicam ao Rock (ou, melhor, a certas figuras do Rock) e são semelhantes as condições misteriosas que determinam a persistência através do tempo (‘‘im ortalidade” é um termo absurdo) dum dado produto artístico. Não é justo, por isso, considerar o Rock como uma arte popular menor, inteiram en te governada pelos caprichos da m oda. As verdadeiras canções, as de Marley, de Cohén, de Mitchell, as de Dylan e de Neil Young, estarão connosco durante m uito tem po, como a músi ca ‘‘folk” do século 24. As modas, por muito atraentes na al tura, serão apenas recuperadas por intermédio de revivalismos ou para fins exclusivamente nostálgicos.
(a década, propriamente cantada)
Para compilar um a discografia para a década, a melhor m e todologia é imaginar-mo-nos na seguinte situação: Um a missi va da Associação de Estudantes do Planeta Marte pretende sa ber o que foi o Rock nos anos 70. Se gostarem do que ouvirem, prometem não invadir a Terra. As grandes companhias disco gráficas põem as suas discotecas ao dispôr do indivíduo encar regado de fazer a escolha. Mas a selecção tem que ser limitada e daí que os marcianos peçam que sejam assinalados os álbuns excelentes e aqueles que são meramente muito bons ou bons. Qualquer discografia é subjectiva, mas faz parte do gozo destes exercícios nunca toalmente vãos a discussão apaixonada sobre omissões ou inclusões contenciosas. O Rock não pode ser mais do que é e daí que a crítica de Rock nunca existiu nem existirá. Quanto muito, poderá haver venêtas ou obsessões ge neralizadas, favoritismos levemente informados, mitos que fa zem parte dum a crença maioritária ou dogmas comodamente aceites. Qualquer tentativa de objectividade (ou seja, de levar em conta os dogmas alheios) produziría resultados absurdos. É que nem naquilo que chamamos de ‘‘gosto pessoal” há um grau aceitável de coerência, quanto mais no gosto das multi dões. Se nos formos reger pelas listas de vendas, perdemos a vasta parte dos registos de qualidade. Porque a ‘‘qualidade” é a única característica que não de pende exclusivamente dos preconceitos estéticos do ouvinte — 253
é possível
respeitar o trabalho de alguém sem gostar minim a mente dele. Mas é um critério subjectivo à mesma e daí que es ta discografia não possa agasalhar pretensões de ser exaustiva ou acima da birra mais trivial. No Rock, não se devem respei tar as opiniões dos outros, salvo quando coincidem com as nos sas. Tentar fingir o contrário é tentar destruir todo o prazer (em larga medida irracional) do Rock. A discografia está organizada cronologicamente, por anos, e não por nomes de artistas. Isto porque este últim o método não consegue captar a azáfama totalmente confusa que é o Rock num determ inado ano. Mesmo a divisão em “ anos” não satis faz, porque pressupõe uma obediência ao calendário que não existe, mas é a única que tem um mínimo de piada. Através duma quantificação qualitativa, está dividida em três discografias concêntricas. Assim, os álbuns assinalados com cinco estrelas (**•**) são considerados excelentes e for mariam daqu ilo que poderiamos chamar a “ discoteca básica” , por serem verdadeiramente indispensáveis. Os álbuns com quatro estrelas (* ***) são considerados muito bons e form a riam , juntam ente com os de cinco estrelas, um a ‘‘discoteca re presentativa ’’. Finalm ente, os álbuns de três estrelas (* **) são considerados bons, mas de maneira nenhuma indispensáveis ou sequer altamente desejáveis. Completariam a “discoteca id ea l” da década de 70. Este esquema apenas tenta aproximar-se dum vago rumor de objectividade dentro d a min ha própria subjectividade — e não se pode pedir mais ou, pelo menos, não se devia...
(uma) discografia duma década de Rock: 1970-1980
Por razões de conveniência, e por muito arbitrário que seja, dividi os lançamentos discográficos em categorias artificiais mas geralmente reconhecidas. Todas as etiquetas desvirtuam e falsificam o objecto que supõem identificar, mas existe uma vantagem ligeira em distinguir estilos muito gerais. Assim, e à parte designações óbvias como “ reggae” ou “ rock sinfónico” , são as seguintes classificações aquelas que utilizei. A sua virtu de principal é precisamente a qualidade vaga e imprecisa — servindo, quanto muito, de guia muitíssimo geral: 254
Soft — Rock de influência Folk, Country ou Blues ou carac terizado por uma utilização maioritária de instrumentos não-electrifiçados. Mainstream — Rock “ co rrente” , de influência R ’n ’B ou R’n ’R, caracterizado po r instrum entos eléctricos — na sua for ma mais simples, por viola rítmica, viola baixo e percussão. Hard — Uma versão mais rápida e decibélica do Rock ‘‘cor rente” com preponderância da viola-rítmica e “ solos” fre quentes. Vocalização agressiva, sem harmonias. O rock dito “ p esad o” . Fusão — Rock que incorpora influências exteriores ao dese n volvimento da música popular anglo-americana: seja do jazz, seja da música clássica, seja donde for. Estas quatro etiquetas formam um sistema básico de classifi cação, o mais simplificado possível. Assim fenómenos como o “Punk” inglês, ou a “New Wave” caem dentro do rótulo ‘‘Mainstream” , a música dos W eather Report, dos Génesis ou dos Pink Floyd cai dentro d a ‘‘Fusão” e por aí a fora — em bo ra existam diferenças enormes, como não podia deixar de ser, dentro dè cada caixinha classificativa. A classificação qualitativa é igualmente simples, inteira mente subjectiva e não é estática. Ou seja, qu alq uer livro sobre Rock, mesmo enquanto está a ser escrito, está forçosamente desactualizado. O passado não permanece imperturbável às oscilações e venetas do gosto — daqui a cinco anos um álbum qu e hoje tem quatro estrelas pode ter três, ou vice-versa, ou ser completamente excluído. Os álbuns de cinco estrelas, contu do, penso resistirem ao tempo e ao gosto — mas nem esta re serva está acima de discussão:
*** — Bom. C ontém boas canções, mas um a ou outra can ção indiferente ou medíocre. **** — Muito bom. Contém sobretudo boas canções, com um ou outro deslize de pouca importância. ***** — Excelente, sem reservas.
1970
Soft Simón and Garfunkel (CBS) * * * * *
—
Bridge Over Tro ubled Waters
255
Nem Paul Simón nem Art Garfunkel conseguiríam ultra passar o encanto perpétuo deste seu último álbum conjunto, nos álbuns individuais que lançaram ao longo da década. Dez anos depois do seu aparecimento, continua a ser um monu mento de vidro — frágil, sumptuoso, tranquilamente cristali no. Talvez excessivamente trabalhado, um tanto ou quanto ro cocó, os alicerces líricos e melódicos tudo fazem perdoar. O de sespero de “Bookends” (68) e a melancolia sentimental de “Parsley, Sage, Rosemary an d T hym e” (66) casam-se imperceptiveímente e é um prazer secreto assistir à cerimônia. Tim Buckley — Lorca (Elektra) * * * * *
Tão fulgurantemente original como o álbum anterior ( “ H a p p y/S a d ”, 69), “Lorca” marca a mistura sensual de in fluências jazz com a pureza folk, um a das primeiras experiên cias do género. Buckley é o trovador introspectivo, solitaria mente perseguindo a alegria que acredita, mas não vê, existir. É raro encontrar a melancolia nesta forma esperançada e nada sentimental. Sempre o poeta honesto, constantemente a inter rogar-se, o gênio musical de Buckley ainda não recebeu a acla mação que merecia. O afloramento desta experiência espontâ nea mas rigorosamente controlado viria no ano seguinte, com “Starsailor”. Depois disso, e até à sua morte, Buckley já não conseguiu acercar-se da grandeza dos seus álbuns de fins de 60, princípios de 70. Crosby, Stills, Nash and Young — Deja Vu (Atlantic) * * * * Stephen Stills — Stephen Stilss (Atlantic) * * * * D avid Crosby — lfO n ly I CouldRemember My Name (Atlan tic) * * * N e il Young — A fte r th e Goldrush (Reprise) * * * * *
1970 foi o ano dos músicos e compositores reunidos tempo rariamente nos Crosby, Stills, Nash and Young. (Graham Nash lançaria o seu álbum “Songs fo r Beginners” no ano se guinte). E uma orgia de talento e de criatividade, colectiva e individualmente. Mas da promessa exuberante de 1970 só Neil Young, desde o início o mais poderosamente genial dos qua tro, viria a cumprir. Laura Nyro — Christmas a n d the Beads o f Sweat (CBS) * * * * *
Laura Nyro é apenas excepcional em três coisas — na beleza telúrica das suas letras, no seu notável talento para a composi256
ção, e na maneira idiossincraticamente fascinante como canta e toca piano. Ou seja, em quase tudo , é um a intérprete-com po sitora da estirpe dum a Joni Mitchell. Os dois álbuns anterio res, o segundo e o terceiro da sua carreira ( “E lia n d the Thirtee nth Confession ” de 68 e ' 'New York Tendaberry ’' de 69), estão cheios do “ Soul” branco mais demolidor de toda a his tória do Rock. Este é o culminar de toda a sua incansável em o tividade, tão violento e nu como brando e espiritual. Jo n i M itchell — Ladies o f the Canyon (Reprise) ***** Jam es Taylor — Sw eet Baby Jam es (Warner Bros.) ***** John D enver — Whose Garden Was This? (RCA) * ** Phil Ochs — P hil O chs’ Greatest H its (A&M) ** ** D avid Ackles — Subway to the Country (Elektra) * ** Z.Z. Top — First A lbu m (London) *** “Easy Rider’’ — Soundtrack (Stateside) *** Creedence Clearwater Revival — Willy and the Poor Boys (Fantasy) *** Fairport Convention — Full House (Island) * * ** N ick Drake — Bryter Later (Island) ** * Fotheringay — Fotheringay (Island) ***** Pentangle — Cruel Sister (Transatlantic) ** * Lindisfam e — Fog on the Tyne (Charisma) * ** Cat Stevens — Mona Bone Jakon (Island) ** * A l Stewart — Zero She Flies (CBS) *** Elton Joh n — Elton Jo hn (DJM) ***** Elton Joh n — Tum blew eed Connection (DJM) ** * Incredible String B and — I L ooked Up (Elektra) ** * Enquanto que nos Estados Unidos, James Taylor ejo n i Mit chell chegavam aos píncaros da música pop ular com os seus es pantosos álbuns, a Grã-Bretanha teve um dos melhores anos de sempre. O álbum de 1970 é indiscutivelmente “Fotherin gay ” — a voz e as canções de Sandy Denny capturam todo o romantismo embriagado da altura, condensam todos os moti vos do folk inglês e alcançam a eternidade com a sua inescapável beleza. Tal como fizera nos Fairport Convention, e como viria a fazer nos seus álbuns a solo, Sandy Denny sabia cantar direito ao coração, apaixonadamente falando do seu estranho fatalismo e dum passado amoroso resistente a todo o exorcis mo. Mais do que Janis Joplin, foi ela a verdadeira voz do Blues, naquilo que ele tem de mais secreto e vulnerável — a paixão dolorosa que o canto não alivia nem re dim e... 257
Ian M atthews — M atthew ’s Southern C om fort (Uni) ** * M atthew s Southern C om fort — Second Spring (Uni) * ** M atthew s Southern Com fort — Later That Sam e Year (Uni) *** Mainstream The Beatles — L et it Be (Apple) *** George Harrison — A ll Things M ust Pass (A pple) ** * P au l McCartney — McCartney (A pple) *** John Len non a n d th e Plástic Ono B and (Apple) ***** Eric Clapton — Eric Clapton (Polydor) ** * Rolling SIones — G et Your Ya-Yas G ut (Decca) *** D avidB ow ie — The Man Who Soldthe World (RCA) *** The Who — Live a t Leeds (Track) *** Joe Cocker — M ad Dogs a n d Englishm en (A&M) *** Eric B urdon — Declares War (Polydor) *** Spooky Tooth — The Last P u ff (Island) **** M ott th e H oople — M ad Shadows (Island) ** * Jethro T u ll — B en efit (Chrysalís) *** Traffic — John Barleycom M ust D ie (.Island) **** l f — I f l (Island) ** ** Na Inglaterra, os Beatles fazem o mesmo que fizeram os CSB&Y nos Estados Unidos — os seus talentos explodem brilhantemente, mas é também, para todos os efeitos, o canto de cisne. A melhor canção de 1970 é, curiosamente, u m single — “M emo from T um er’’, de MickJagger. Mas, de resto, embora abundem bons álbuns, não há nenhum que se possa considerar excelente ou com pletamente resistente à passagem do tem po. As novas etiquetas “ in dependentes” — a Island, a Chrysalis, a Charisma e a Vértigo — dominam o ano com as novas bandas ditas “ un de rgroun d” . Os Spooky Tooth e os Traffic são os autores dos dois melhores álbuns, mas a revelação do ano são os I f uma banda injustamente esquecida, que ainda se ouve com proveito em 1980. The Doors — Morrison H ote l (Elektra) * * ** The Doors — A bsolutely Live (Elektra) *** * Velvet Underground — Loaded (Atlantic) ***** John Cale — Vintage Vióleme (CBS) *** The Stooges — Fun House (Elektra) *** MC5 — Back in th e Usa (Atlantic) * ** Estes seis álbuns seminais, lançados no mesmo ano, são mais importantes pelas influências que exerceram durante a década 258
do que pela música propriamente dita. Todos eles informaram em larga medida o Punk de 76-77 (sobretudo o LP dos MC5) e a New Wave de 77-80 (salientando os Doors e o lindíssimo LP dos Velvet Underground, urna despedida nada típica que sua vizava o som anterior sem perder nem urna pitada de esponta neidade). — Moondance (Warner Brothers) ***** Trabalhando nos E. U. , Van Morrison consegue exceder a indiluída força bruta de ‘‘Astra l Weeks ’’ (68) com novo tour-de-force. É, sem dúvida alguma, o álbum de Rock mais justifica do e firme do ano e tem envelhecido com graciosidade. Van Morrison
Steve Miller — Your Saving Grace (Capítol) *** Jefferson Airplane — Volunteers (RCA) " * Sly and the Family Stone — Stand! (CBS) *** Santana — Abraxas (CBS) *** Blood, Sweat and Tears — 3 (CBS) *** Chicago — Chicago II (CBS) *** Woodstock, the Soundtrack (Atlantic) ****
Todas estas bandas americanas estavam a aproximar-se do fim da inspiração e não durariam, qualitativamente, a década, embora tenham contribuído com novas idéias e instrumenta ções em 1970. Pesado L ed Zeppelin — II (Atlantic) **** Deep Purple — In Rock (Harvest) *** Black Sabbath — Paranoid (Vértigo) *** Fusão (.sinfónico) Pink Floyd — A to m Heart M other (Harvest) ** *' * Syd Barre tt — The Madcap Laughs (Harvest) *‘ * Syd Barrett — Syd Barrett (Harvest) ***(*) King Crimson — In the Wake o f Poseidon (Island) **** King Crimson — Lizard (Island) **** Yes — Time an d a W ord (Atlantic) *** Genesis — Trespass (Charisma) * **
*Os dois LPs de Syd Barrett não são de fusão sinfónica, antes tranquilamente experimentais, com muita improvisação. 259
Em erson, Lake a n d Palm er — Emerson, Lake an d Palmer (Island) ** * The Moody Blues — A Question o f Balance (Threshold) * *‘ Fusão (Jazz) M iles Davis — Bitches Brete (CBS) ***** W eather Report — W eather Report (CBS) *** Jean-Luc Ponty — K ing Kong (Pacific Jazz) *** Soft Machine — Third (CBS) ** ** Soul e Reggae Isaac H ayes — The Isaac Hayes M ovem ent (Stax) * *** Bob Marley — African Herhsm an (T u ff Gong) ** ** Bob Marley — Rosta R evolution (T u ff Gong) * *** Varios — Reggae Chartbusters (Trojan) * ** Singles representativos M atthew ’s Southern Com fort — Woodstock Beach Boys — Cottonfields Peter, Paul an d Mary — Lcaving on a Jet P lan e The Kinks — Lola D esm ond D ekke r — You Can G et it If You Really W a n t ..... J im i H endrix — Voo doo Chile ..... Bob a n d Marcia G riffiths — Young, Gifted and Black Jim m y C liff — Wild World Maytals — Monkey M a n Sm okey Robinson a n d the Miracles — Tears of a C lown M ickja gger — Memo from T u rn e r Free — Alright N o w Deep Purple — Black Night. Com o se vê, 1970 foi um ano riquíssimo, duran te o qual o Rock se alastrou por quase todas as áreas da música, procuran do novos formatos. Foi o ano em qu e Simón and Garfunkel, os Crosby, Stills, Nash and Young e os Beatles produziram os seus últimos álbuns de estúdio e se separaram. Os Spooky Tooth acabam a sua carreña injustamente menosprezada em bom estilo. Fói o ano de Jo ni Mitchell e de Sandy Denny, de Ian Matthews e de Van Morrison, dos Pink Floyd e Miles Davis, e o ano em que Bob Marley fundou a etiqueta “Tuff G ong” . Teríamos de esperar dez anos para que surgisse um a colheita tão abundante e saborosa como esta... ......
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1971
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Soft Dory Previn — Mythiccd Kings a n d Iguanas (UA) *** ** 260
O primeiro e m elhor álbu m de Dory Previn foi a grande sur presa de 71. Utilizando a música como psicanálise, Previn d e senterrava os caranguejos dos seus castelos de areia com uma honestidade e um sentido de humor invencíveis — poemas concisos, às vezes elípticos, u m a voz ema mas cheia de nuances de poderosa ironia e a atmosfera daquela estrofe de M arianne Moore — “jardins imaginários com sapos verdadeiros’’... Judy Collins — Wbales and Nightingales (Elektra) Tão glorioso como os seus álbuns de 60, este álbum tem o coração dum espiritual negro, retendo ain da alguma da pureza do folk que Jud y Collins elevara a um novo plano de sensibili dade poética. Sandy Denny — N orth Sea Grassman a n d the Ravens (Island) ***** Laura Nyro — Gonna Take a Miracle (CBS) ** ** Jo n i M itchell — Blue (Reprise) ***** Carly Simón — Carly Simón (Elektra) *** Mary Travers — Mary (Warner Brothers) *** * O ano foi generoso para a voz da m ulher, surgindo com um novo poder comunicativo, liberta dos complexos e dos estereo tipos dos anos 60 e enfrentan do com coragem as possibilidades de composição oferecidas pelo Rock. Pela primeira vez é repre sentado com justiça o trabalho da mulher em todas as suas d i mensões até aqui reprimidas ou disfarçadas. Desde a visão tra dicional de Mary Travers à garra de Sandy Denny o u d e Laura Nyro vai uma amplitude considerável, mas une-as u m a mesma atenção à palavra, um mesmo desejo de desmistificar, e uma mesma atitude (embora elegíaca) de aberta contestação. Para completar magníficamente esta explosão de ta lento , é editado, postumam ente ‘'Peari' ’ de Janis Joplin (CBS). Leonard Cohén — Songs o f Love a nd H ate (CBS) ***** Jackson Browne — Jackson Browne (Asylum ) Jam es Taylor — M ud Slide Slim & the Blue H orizo n (W arner Bros.) Tim Buckley — Starsailor (Straight) Graham Nash — Songs fo r Begionners (Atlantic) Loudon W ainright — Loudon W ainright I (Atlantic) **** D on McLean — Am erican Pie (UA) **** Três revelações excelentes em Browne, cujas canções já ha 261
viam sido largamente conhecidas e mostravam a todo o mo m en to o cuidado lírico qu e lhes era dispensado McLean, so bre tu do pela canção títu lo , que ap anha como mais nenhuma outra a desilusão do abrir da década, (McLean não viria a escre ver outra canção dessa estatura) e o magnífico Loudon Wainright. Este último era um Dory Previn em hom em, alternando gritos de desespero com observações hilariantes, ataques des broncados com poemas termos de amor — uma espécie de adolescente permanente, encharcado em álcool e compaixão. Tremendamente original, Wainright projectava-se desavergo nha damente nas suas canções e tem m antido u m rumo direito ao longo da década, apesar da sua pobreza musical e falta de versatilidade lírica. Am erica — Am erica (W arner Bros.) *** The Byrds — U ntitled (CBS) N ew R iders o f the Purple Sage — New Riders o fthe Purple Sage (C B S ) " ' Commander Cody — Lost in the Ozone (Param ount)' ' ' Enq uanto os Byrds voltavam mom entaneamente à força dos seus primeiros LPs, aparecia o Country-Rock dinâmico dos New Riders e o eclectismo Country de Commander Cody, u ma reacção enraizada contra as experiências menos naturalistas de ban das como os Crosby, Stills and Nash. Os America foram prazer passageiro e tênue. N ick Drake — Pink Moon (Island) *** Steeleye Span — Please to See the K ing (B&C) " " Roy Harper — Stormcock (Harvest)' * * Ian M atthew s — IfY o u Saw Throught My Eyes (Vértigo) " " lan Matthews — Tigers W ill Survive (Vértigo) *** D onovan — H .M .S. Donavan (Dawn) ** * Elton John — M admen Across the W ater (DJM) ***e Friends (DJM)' ** Cat Stevens — Tea fo r the Tillerman (Island) Cat Stevens — Teaser a nd the Firecat (Island) * '' N a Inglaterra, o ano pertence aos Steeleye Span e a Ian M at thews, embora haja uma alegria sincera no álbum-para-crianças-adultas de D ono van, duas faixas excelentes no LP de Elton John (a faixa-título e “Holiday I n n ”) e algumas canções de Cat Stevens ( ‘‘Peace Train ’ ‘‘Father a nd Son ’’) que os anos, cruelmente, tornaram insuportáveis. 262
Mainstream John Lennon — Im agine (Apple) ***** Paul an d lin d a McCartney — Ram (Apple) * *' Rolling Stones — Sticky Fingen (Rolling Stone) W ho — W ho 's N ex t (Track) Procol H arum — Broken Barricades (Chrysalis) *** Traffic — Welcome to the Canteen (Island) ** * Traffic — The Low Spark o f H igh-he eled Boys (Island) **** O álbum do ano, no Reino Unido, é “ Imagine” — menos dramático do q ue o anterior, mas mais equilibrado, com q ua tro composições potentes ( ‘'Give m e Som e Truth ’ ‘'How D o You Sleep ’ ‘‘C ripp ledInside ’ ’ e “Jealous Guy ’ ’) e um a nova acuidade lírica. Este seria o último álb um verdadeiram entein dispensável de Lennon, apesar de momentos fulgurantes em ‘ W alls an d Bridges” (74). Os Stones continuam brilhantes e o seu álbum de 71 con tém algumas das suas mais sensíveis canções, veiculando um desespero genuíno. "Sister M orphine” é dum calibre seme lhan te à faixa ‘'Co id Turkey ’’ de Jo hn Lennon, sobre o mesmo tema da droga, e há tam bém o lirismo viril de ‘ ‘W ildH orses ’ ’ e o ritmo esfuziante de ‘‘Can ’t You Hear Me K no cking ’’. Os Who utilizam o sintetizador com efeitos inovadores e (mais tarde) muito influentes em “Baba O ’R eilly’’ e “W on ’t G et F ooled Ag ain ”, e os Traffic tam bém aperfeiçoam a u tili zação melodramática dos teclados em ‘'Low Spark' ’ com efeito excitante. Doors — L .A . W om an (Elektra) **** Lou R eed — Lou R eed (RCA) John Cale — Church o f An thrax (CBS) *** Nico — Desertshore (Reprise) Quatro álbuns que iriam ter uma responsabilidade maciça na nova vaga de 1978-1980. O últim o dos Doors é menos evo cador, mas agressivamente lírico. O álbum da Nico é comple xo, fabulosamente misterioso e retém todo o seu encanto em 1980. D avid Bowie — H unky Dory (RCA) ***** O primeiro álbum monumental uc buvwc, t-uni mtlutiu. la dos Velvets (em “Queen Bitch ” , um a ode decadente à bissexualidade) mas com uma visão inteiramente nova que em 1980 ainda não foi exorcisada — o mundo da m oda, da roupa, 263
do hedonismo exaltado é traçado com relevo impressionante em canções soberbas, impregnadas de surrealismo e de fanta sia. " Bewlay B ro thers" , “Changes ” , “Oh You Pretty Things ’’ e ‘‘L ife on Mars' ’ estão entre as canções fundam entais da década. No fim de 1980, esta visão paga dividendos desola dores com o aparecimento da “ brigada de pose” , composta por figurinos derivativos como os Spandau Ballet ou os Visage. Kevin Ayers — Shooting at the Moon (Harvest) ** * Van Morrison — Túpelo Honey (Warner Bros.) The Beach Boys — Surfs Up (Stateside) **** Johnny W inter A n d — Uve (CBS) *** A rgent — Ring o f H ands (CBS) * ** Cinco álbuns que marcaram presença grata no ano, com a grande surpresa dos Beach Boys terem regressado com um ál bum que fazia lembrar glórias há muito passadas, o que não repetiríam ao longo da década. Fusão (sinfónico) Génesis — Nursery Cryme (Charisma) **** Pink Floyd — M eddle (Harvest) *** * Yes — The Yes A lbu m (Atlantic) ***e Fragüe (Atlantic) *‘ ** King Crimson — Islands (Island)*** Gentle Giant — Gentle Giant (Vértigo) *** Procol Harum — In Concert w ith th e Edm onton Sym phony (Chrysalis) *‘ * Os Genesis avançam solidamente para o seu auge, enquanto qu e os Yes já lá estão. Os Pink Floyd envolvem o ano em tran se com “ Echoes” e os King Crimson conseguem obedecer ao mesmo padrão de excelência dos LPs anteriores. Os Procol Ha rum expe rimentam ser sinfónicos, mas arrependem-se e apare cem os Gentle Giant, que faziam pouca falta. Outros (Soul, etc.) Osibisa — Osibisa (MCA) **' Joh n McLaughlin — My Goal's B eyond (Douglas) *** O primeiro álbum dos Osibisa foi uma surpresa excitante, com uma proposta de incorporação de percussão africana que revitalizava o Rock — era mais um a “ novidade” do que u m trabalho de peso, mas acabou por merecer o seu lugar na mú si ca popular (veja-se o LP “Remain in Light’’ dos Talking Heads, lançado em 80, bem assim como as declarações de 26 4
Brian Eno c os ritmos de Bow-wow-wow em ‘‘Cassette Pe? ’ no mesmo ano). John McLaughlin consegue antecipar o jazz-rock com grandes influências orientais que viria a querer exprimir uma espiritualidade indefinida, sem o conseguir de todo. Isaac Hayes — To Be Continued (Stax) *** Isaac Hayes — Shaft (Stax) O primeiro é semelhante às suas experiências anteriores, mas a ban da sonora do filme “ Shaft” foi seminal e, até certo ponto , ditou a direcção que o Soul havia de tomar na década de 70 (levando, inevitavelmente ao ‘‘Disco” ) com o uso gen e roso de instrumentos electrónicos. O álbum “Black M oses", lançado ainda em 71, apresentado como “ m agn um o pu s” do artista era excessivamente melodramático e, ú ltim am ente, va zio. Era o fim de Isaac Hayes, que depois iria tomar o Disco a sério e perder todo o encanto cabotino que tinha. Singles representativos O melhor single do ano é ‘‘A in ’t no Su nsh ine’’ do fabuloso Bill Withers. Mas o paladar do ano foi apan had o por Judy Collins ( Am azing Grace), James Taylor (Y o u ’ve G ot a Friend), Byrds (ChestnutMare) , Buffy St. Marie (SoldierBlue) , Curvcd Air (Back S treet Luv), T. Rex (HotLove), Curtis Mayfield (Mo ve on Up), Pioneers (Let Your Yeah be Yeah), e, evidente mente, “American Pie’’ de Don McLean... ------------------------------------ 1972
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Soft Jo n i M itchell — Por the Roses (Asylum) ***** Judy Collins — Living (Elektra) *** Dory Previn — Mary C. Brown and th e H ollyw ood Sign ( U A ) '" Dory Previn — Reflections in a M ud P uddle (UA) *** Carly Simón — A nticipation (Elektra) *** A abundância louca de 70, e a riqueza de 71 vêm desem bo car na relativa pobreza de 72. Aliás, a quantidade de lança mentos de qualidade decresce a partir de 70 quase regular m ente, assim como recupera a partir de 1977. Nad a há de n o vo, à parte os LPs mais recentes dos nomes excepcionais. Joni Mitchell dá um salto empolgante com “ For the Roses” , Jud y Collins vai degenerando sorumbaticamente para a canção de 265
salão, Dory Previn começa a dar sinais de falta de imaginação e Carly Simón não corresponde inteiramente à promessa do ál bum -estreia. Mas nesse ano há ainda regozijo e criatividade: Sandy Denny — Sandy (Island) **** Paul Sim ón — Paul Sim ón (CBS) * *** Peter Yarrow — Peter (Warner Bros.) *** Pa ul Stookey — Pa ul A n d (W arner Bros.) *** N e il Young — Harvest (Reprise) **** Crosby, Stüls, Nash and Young — 4 Way Street (Atlantic) *** J.J. Cale — Naturally (A&M) ** * Tim Buckley — Greetings from L .A. (Straight) *** Loudon W ainright — Loudon W ainright II (Atlantic) **** L ittle Feat - Sailin ’ Shoes (W arner B ros.)' ** Aparecem as primeiras gravações de J.J. Cale e de Little Feat, ambas prolongando a tendência para fugir à fusão exces sivamente comercial do Country com o Rock e celebrando um som mais simples e emotivo. No ano anterior, à parte o Comm ande r Cody e ós New Riders, Ry Cooder havia lançado o seu prim eiro álbum ( “Ry C ooder"), um a pequen a jóia chamando todas as tradições da música americana (o country, o blues, o folk, o bluegrass, o cajún e o próprio rock) para uma mesma celebração qu ieta, virada para os anos 20 e 30, dirigida para os anos 70. Em 1972, sai com mais dois poderosos álbuns: “Into the Purple Volley ” e ' 'Boomer ’s Story ’ ’. Esta tendência pu ris ta foi também reforçada pelo trabalho exímio do guitarrista Leo K ottk e, que também começou em 1971 (com “Six and Twelve String Guitar") e iria continuar a sua cruzada de ho nestidade ao longo da década. O seu álbum de 72 é “Mudlark ’’, um trabalho com pletamente seguro de si próprio, em bora o virtuosismo de Kottke seja, às vezes, u m a distracção in fértil. A grande força deste movimento descoordenado foi pôr em dúvida a validade do Rock como música aglutinadora e en volvente, aproveitando o público impressionado com bandas como os Byrds ou até os Crosby, Stills an d Nash para lhes mos trar a música indiluíd a q ue lhes servia de base ou de ingredien te excitante. Entretanto saem três álbuns individuais, de Paul Simón (que se liberta dos excessos orquestrais dos últimos LPs dos Si m ón an d Garfunkel para escrever canções mais fortes, alim en tadas por influências musicais tradicionais mas relativamente desconhecidas — o gospel e o reggae são os dois exemplos mais 266
significativos), de Paul Stookey e de Peter Yarrow. A música americana está em bom estado, como se deixasse de se preocu par. Tim Buckley, Neil Young e Loudon W ainrig ht somam e seguem, o último com redobrada força. Steeleye Span — Below the Salí (Chrysalis) *** * A cena folk no Reino Unido vai perdendo ím peto e razão de ser e os Steeleye Span são os únicos a sair com um registo de qualidade neste ano, pleno de efusiva urgência e de garra, evi tando o sentimentalismo e mostrando invenção nos arranjos. Mainstream Rolling Stones — Exiles on Main Street (Rolling Stones) ** ** Trafftc — Shoot Out at the Fantasy Factory (Island) * * * Os Stones assinam a últim a obra im portante da sua carreira, nu m álbum claustrofóbico e honesto que acom panha o regres so aos blues qu e caracterizou os dois primeiros anos d a década, enquanto que os Traffic entram marcadamente no declínio, tendo esgotado a fórmula que tão inspiradamente inventaram . Mas 1972 é o princípio duma nova era, nitidamente apre sentada por Bowie com “Hunky Dory” no ano anterior: B avid Bowie — Ziggy Stardust (RCA) **** Roxy Music — Roxy Music (Island) ** ** Lou R eed — Transformer (RCA) ***** Kraftwerk — Kraftwerk (Vestigo) ** ** M ott the Hoople — A ll th e Young D udes (CBS) A du pla Lou Reed-David Bowie é a mais influente d a déca da. Bowie havia saqueado a imagem Warholiana dos Velvets para construir a sua Super-estrela decad ente, bissexual e super ficial. Por sua vez, como tantas vezes acontece, Bowie ajudou Lou Reed (e não só por ter produzido “ Transform er” ) com a grandeza da sua proposta, hiperbólica, excessiva, virada para o “ glam our” . Os Roxy Music, formados em 1970, pro punham uma mesma sofístifícação, apoiada no experimentalismo irre quieto de Brian Eno e na imagem anos 30 de Bryan Ferry que, apesar de cabeludo nesses anos, já cantava como um Sinatra, embriagadamente lamentando artifícios melodramáticos. Os Roxy Music e os Kraftwerk são as revelações incontestadas do ano — estes últimos são os pioneiros do Pop electrónico, mo nótono, repetitivo e frio — a sua influência seria vasta. O pró prio David Bowie, no seu magistral “ Low ” , gravado em 1977, recorrería à ambiência Kraftwerk. 267
Mas o nome mais importante, menosprezado por ser menos sensacional que Bowie ou Eno, é Lou Reed. ‘‘Transformer’’ é a afirmação definitiva da estética Warholiana, a celebração final da m aquilhagem ( ‘‘M ake-up ”), da bissexualidade ( ‘‘W alk o n the W ild Side ”) e do humor irónico que são os alicerces do Novo Romantismo. A grande força de Lou Reed é a sua habili dosa forma de escrever, semi-satírica e semi-séria, sempre deliciando-se com a sua sugestiva ambiguidade. Outro nome im portante, ligado aos Velvets (por intermédio de John Cale que produziu ‘‘The Stooges ’’ em 1969) e depois produzido e guia do por Bowie é Iggy Pop. O próprio Brian Eno colabora com John Cale em dois álbuns ( “Slow D azz le” e " H elen o f Troy”, Island, 1975). Como se vê, a força mais influente de toda a década, não só no principio mas também no fim, são os Velvet Underground, porventura a banda mais importante de toda a história do Rock, exceptuando os Beatles. Lou Reed, John Cale e Nico, David Bowie, Iggy Pop e Brian Eno são nomes determ inantes d a década, colectivamente responsáveis por uma pequena revolução no Rock, musical e líricamente. É es tranho, porém, que o melhor single de 1972 seja dos Mott the Hoople — “AU the Young Dudes”, produzido por Bowie. Todo o mundo cosmopolita, figurinos, modelos, viciados, ho mossexuais, transsexuais, cantores, poetas embriagados, pros titutas e músicos está nesta canção, uma síntese quase total das preocupações de Lou Reed e de David Bowie. 1972 foi o ano em que esse decadentismo excitante e inova dor explodiu, simultaneam ente diversificado e coeso, repartin do um fastio provocado pela uniformidade de R’n’B e pela simplicidade “ hip py ” . No mesmo ano, há ainda a registar o álbum de John Cale — ‘Academy in Peril”. Outro nome da vanguarda do ‘Rock’, talvez o mais ousado de todos, é Terry Riley — que já tocava piano ainda Lou Reed e os outros anda vam na escola — cujas experiências de composição convence ram m uita gente a abandonar (pelo menos um pouco) a orto doxia reinante. Depois de um álbum que, nada tendo a ver com o Rock, atraiu o público do Rock ( “A Rainbow in Curved A ir ”) Riley colaborou com Jo hn Cale em “ Church o f A n th ra x”, ambos de 71. Toda a atmosfera dos anos 71 e 72 era de radicalismo experimental, embasbacado com as possibilida des da música electrónica e com a procura duma linguagem si multaneamente humana e tecnológica. 268
Fusão (sinfônico) Génesis — Foxtrot (Charisma) *** ** Yes — Cióse to the Edge (Atlantic) **** Pink Floyd — Obscurecí by d o u d s (Harvest) * ** Outros (Soul etc.) B ill W ithers — tive at Camegie Hall (A&M) *** * Staple Singers — Bealtitude: Respect Y ourself (Stax) ***** Dois álbuns cem por cento magníficos, transbordantes de alma e de sensualidade, puros e im ediatos — a verdadeira es sência do Soul. As Staple Sisters com o seu “ gospel” invigo rante, Bill Withers com a sua espantosa espontaneidade (e a voz mais ritmada de sempre) — sózinhos aguentan do um ano, doutra forma empobrecido. Bob Marley — Catch e Fire (Island) ** ** O primeiro passo de Marley na direcção duma maior sofisti cação técnica foi aquele que pela primeira vez chamou a aten ção da Europa para o seu trabalho. Como todos os seus traba lhos, é atemporal — mas é aqui que Marley começa a cuidar das suas canções, preparando-as para um público maior, sem sacrificar uma só onça da sua integridade.(*) Singles representativos O melhor single do ano é ‘ ‘A ll the You ng D udes ’’ dos Mott the Hoople. Mas salientem-se também "Mothef and Child R eunió n” (Paul Simón), “My Ding-a-Ling" (Chuck Berry), "Tumbling Dice” (Stones), “ Layla” (Derek and the Domi nóes) e ‘ ‘Virginia Plain' ' (Roxi Music).
------------------------------------1973 ------------------------------------Soft Judee Sills — Heart Foot (Elektra) ***** Judy Collins — True Stories and Other Dreams (Elektra) *** * Em 1972 foi gravado o primeiro álbum inteiramente preenchido com “ dub” (o percurso monótono do tambor e da viola-baixo é varrido, a espaços, por pequenas pitadas de outros instrumentos vocais, metais, teclados, e gui tarras). Hermán Chin-loy — Aquarius Dub (Aquarius). O “dub” iria receber novo impulso depois do Punk, indo muito alêm do Reggae. Os Basement Five, os Clash e outtas bandas utilizaram-no largamente em 1980. 269
Judee Sills é a voz mais bonita da década, com uma ampli tude expressiva que deita abaixo quem a ouça pela primeira vez. É a cantora do chamado “Jesus Rock” , mas nem essa mensagem entediante consegue roubar nem um frémito de prazer ou de despoluída espiritualidade à sua voz e ao seu ta lento de composição. Judy Collins, um a voz semelhante (m ui to limpa, mas mesmo assim nada que se compare à voz de Sills), assina o último LP meio-decente da década, antes de se entregar quase totalmente ao seu novo papel de Barbra Streisand dos hippies quarentões. Paul Sim ón — There G oes R h ym in' Simón (CBS) **** Leo nard Cohén — Live Songs (CBS) * ** Tim Buckley — Selfronia (Discreet) *** Loudon W ainrig ht — Loudon W ainright III (CBS) *** N e il Young — Time Fades Away (Reprise) * **
Gram Parsons (with Emmylou Harris) — GP (Reprise) **** N itty G ritty D irt B and - W ill the Circle be Unbroken (UA) *** * L ittle Feat — D ixie Chicken (W arner Bros.) ** * Ozark M oun tain D evils — Ozark M oun tain D evils (A&M) *** The B and — M oondog Marinee (Capítol) *** Leo K ottk e — Greenhouse (Capítol) * *** e My Feet are Sm iling (Capítol) * * *
Enquanto os “consagrados” têm um ano menos brilhante, Gram Parsons consegue a fusão de Country e de Rock mais perfeita de sem pre, o fruto de quase uma década de labuta ho nesta (nos International Submarine Band, nos Byrds e nos Flying Burrito Brothers) e indisputavelmente superior à gran de maioria dos álbuns dessas bandas. Os vocais trepidantes e nervosos de Emmylou Harris casam-se imperceptivelmente aos seus e o resultado é comovente, na sua inocência romântica, mas também na força subjacente às suas composições. A sua obra-prima, porém, seria o LP seguinte, já editado postuma mente — “Grievous A n g e l” (1974), um dos trabalhos funda mentais do Rock. O country-rock é um estilo difícil, muitas ve zes ambíguo ou irresolúvel (veja-se a mediocridade dos Eagles), mas Parsons fazia com que tudo parecesse natural, fá cil, imprescindível até. 270
Os Nitty Gritty Dirt Band, uma banda radicalmente enrai zada e completamente avessa a qualquer compromisso, que possuía u m espírito semi-anárquico e semi-sério, lançam o seu melhor álbum — já com influências menos restritas (menos vaudeville e menos música de “ jug -ba nd ” ) e conseq uente mente mais ecléctico e acessível — salientem-se as faixas “House at Pooh Comer” e a,versão deliciosa de ‘‘Mr. Bojangles”. Leo Kottke atinge o seu auge, conseguindo aproveitar a sua voz limitada de forma menos conspicua e exibindo a sua notável proficiência técnica, em ‘‘Qreenhouse ’ Aparecem os Ozark Mountain Devils (uma espécie de Eagles menos axaro pados) e os Little Feat treinam agradavelmente para a qualida de total do seu álbum seguinte — “Feats D o n ’t Fail Me N o w ” , de 1974. En tretanto os Band, qu e haviam caído em maus tem pos, surpreen dem toda a gente com a excelência cria tiva de ‘ ‘Moondog M atinne ’ Mainstream Bruce Springsteen — Greetings fro m Asbury Park N J (CBS)*" Apesar de toda a publicidade que acom panhou o aparecimen to de Springsteen, aclmamando-o como o “ novo Dy lan” , a verdade é que ele consegue fazer esquecer o “ m arketing” com um punhado de boas canções, aliando um talento romântico de redacção com uma paixão raramente vista pelo bom Rock and Roll. O primeiro álbum é notável pela composição — o resto viria mais tarde. M ott the H oople — M ott (C BS)' ** Traffic — On the Road (Island) ** * D avid Bowie — A lladin Sane (RCA) ** * e Pin-Ups (RCA) *** Iggy P°P — Raw Power (CBS) *** Lou R eed — Berlín (RCA) **** Roxy Music — For Your Pleasure (Island) **** e Strand ed (Island) **** Bryan Ferry — These Foolish Things (Island ) *** Fripp Eno — (No Pussyfooting) (Island) Kraftwerk — R a lf an d Florian (Vértigo) *** Walter Carlos — A Clockwork Orange (W arner Bros.) *** A promessa de 72 é lentamente consolidada. Bowie muda radicalmente de imagem e de estilo e a sua associação com Iggy 271
Pop cm ‘ ‘Raw Pow er’ ’, um álbum pesado e não mu ito agradá vel, revela-se em faixas como “Jean G enie" e “Panic in De tr o it”. “P in-Up s” é interessantíssimo, contendo versões inspi radas de canções dos anos 60, e mais uma prova da versatilida de quase ilimitada de Bowie, para além duma valorização ne cessária de composições escritas pelos Pretty Things, os Who, os Yardbirds, os Mojos e os Mersey Beats (o último dos quais deu-lhe um êxito com “ Sorrow”). Lou Reed produz uma obra-prima de dram atismo decadente com ‘‘Berlín ” — talvez o LP mais menosprezado de toda a sua obra. Profundamente teatral, Reed levanta uma atmosfera fumarenta populada por seres humanos em situações extremas de declínio e de maso quism o. Dum a força quase visual, os textos condensam as ob sessões estilísticas de Reed — uma espécie de elegância do de sespero. Os Roxy MusiC mostram ter encontrado o seu nicho, igual mente romântico mas menos poderoso que o de Lou Reed. Brian Eno partiría em fins de 73 e os Roxy perdiam o carácter algo intransigente de experimentalismo Rock para se dedica rem à visão po lida e sofisticada de Ferry. ‘‘Stran ded’' é um dos momentos altos da sua carreira, rápido e irrequieto, conduzin do-se num modo Rock que seria, mais tarde, gradualmente abandonada. Eno dá largas à imaginação na süa colaboração com Robert Fripp num álbum desigual, com momentos de tensão e de excessiva indulgência a intercalarem-se anárquica mente. A electricidade de combate radical entre Eno e Ferry havia produzido o encanto multifacetado dos Roxy Music, evi de nte nestes dois álbuns de 73. Q uando se separaram, as dife renças eram exibidas com flagrante despudor — enq uanto Eno se preocupava em inventar uma linguagem, Ferry queria reno var a tradição dos “crooners” (Sinatra, Dean Martin). O seu álbum " These Poolish Things” é uma jóia de falso sentimen talismo e de gloriosa superficialidade que mostra o lugar per feito para a sua voz acetinada. Os Kraftwerk, em “Ralt andFlorian” divestem-se das in fluências anteriores (Terry Riley, os Floyd) e surgem com um estilo independente — rítmico-monótono, atmosférico-indus trial, técnico-frio. Destruindo qualquer vestígio de “ im agem ” , os Kraftwerk reproduzem o expressionismo ale mão dos anos 30 ( “ Metrópolis” , o filme de Lang, ocorre à m e mória) nos seus aspectos mais simétricos e maquinais. 1973 é tam bé m o ano do sintetizador de Walter Carlos e a band a so 272
nora do filme “A Clockwork O range" — ora épico, ora frívo lo, é mais um a ode à electrónica do que qu alquer outra coisa.
Fusão (sinfónico) Pink Floyd — Dark Side o f The Moon (Harvest) ***** Génesis — Selling E nglan d by the P ou nd (Charisma) ***** M ike O ld fie ld — Tubular Bells (Virgin) * *** Paust — The Faust Tapes (Virgin) ** * 1973 é o ano em que duas bandas produzem as suas últimas grandes obras da década. Os Pink Floyd conseguem resumir toda a sua música na grandiloquência neurótica de “M oon ”, enquanto que os Génesis lançam o seu melhor trabalho — en levado, consciente dum a realidade social que reflecte e/ou de turp a inspiradamente (como em “Cinema Sho w ”) e recheado de passagens instrumentais altivamente belas, esbanjando tre chos melódicos como se tivesse um armário cheio ( “Firth o f Forth”). Mike Oldfield é a sensação do ano com um álbum flagrante mente original que explora desinibidamente uma vasta série de instrumentos musicais, regozijando com cada um, tratan do-os como personalidades ou pontos de vista. Utiliza um a pe ça musical simples e deixa q ue as diferentes orquestrações a i n terpretem a reinterpretem a seu belprazer. Faust, por sua vez, é menos sistemático e cauteloso, construindo uma espécie de espontaneidade intimista de relativo interesse. Outros Vários — N uggets-O riginal Artefacts from th e FirstPsychedelic Era 1966-1978 (Elektra/Sire) Este álbum-compilação tem a glória (duvidosa?) de ser o primeiro LP Punk. Reunindo todo um m undo de bandas de garagem, excitando-se com a sua incompetência e energia, de fine as origens do Punk e contém já as características musicais e as obsessões textuais que viriam a ser notórias depois do apare cimento dos Sex Pistols em 76. Os nomes mais seminais e in fluentes são os Standells, os Electric Prunes, os Seeds, os 13th Floor Elevators, os Magic Mushrooms e os Shadows of Knight. Só faltam os “ ? and the Mysterians” e os Sir Douglas Q uintet para termos num único (duplo) álbum to da a árvore genealó gica do Punk e da New Wave de 1976-1980. 27 3
Stevie Wonder — Talking Book (Motown) " " " Joan Arm atrading — Whatever's For Us (Cube) ** * Bob Marley a n d th e Wailers — B um in ’ (Island) **** Jim m y C U ff — U nlim ited (EM1) *** Singles representativos O melhor single do ano é a versão de “A H ard R a in’s A Gonna Fali” A t Bryan Ferry. A morte de Jim Croce deixou "I G ot a Nam e ’ Roberta Flack canta ' ‘K üling Ule Softly ’’, os Temptations atacam com ‘ ‘Papa was a Rolling Stone ’ ’ e Ju dg e Dread diverte com ‘ ‘Big Seven ’
1974 Soft Jo n i M itcbell — Court a n d Spark (Asylun) ***** e Miles o f Aísles (= ) *** Sandy Denny — Like an Old-Fashioned W altz (Island) Bob Dylan — Planet Waves (Island) " " Bob Dylan entro u mal na década, com o terrível " Self-portrait ’’ (70), o medíocre ‘'New M om ing ” (70) e um a band a sonora muito ensonsa em “Pat G arrett” (73). “Planet Waves ” , embora contenha duas ou três canções decentes, não satisfaz. ( ' ‘Forever Young ’’ será a única com a estatura das suas composições de 60). Chegaria ao fim da década sem um único grande álbum, embora “B loo d on tbe Tracks”, “D esire" e “Slow Train Corning”, tenham momentos de grande inspiração. Em 1980 lança “ Saved ” , mas não tinh a, apesar do títu lo, salvação. Dylan é um dos poucos gênios da música popular, mas a sua capacidade para produzir canções indiferentes é enorme. Tim Buckley — Look at th e Fool (Discrete) *** Leonard Cohén — N ew Skin fo r the O ld Ceremony (CBS)""" N e il Young — On The Beach (Reprise) **** Ry Cooder — Paradise an d Lunch (Reprise) " " Granm Parsons (W ith Em m ylou Harris — Grievous Angel (Reprise) ***** Leo K ottk e — Ice W ater (C apítol)' ' * 2 74
Richard
an d Linda Thompson Lights T onight (Island) *****
— I W ant to See The B rig ht
 parte a desilusão de Buckley, foram poucos e bons os ál buns de 1974. Neil Young traça o seu paralelo duma forma quase épica, produzindo uma visão caótica e desesperada. Ry Cooder dá-nos um álbum equilibrado, simples e profunda mente enraizado. G ram Parsons deixa um deslumbrante teste munho do seu talento para casar a sua alegria tranquila com um a singela tristeza sentimental em “ Grievous A n g el”. O ál bum do ano, porém, é o do Richard and Linda Thompson — um retrato amargo e revoltado da sociedade tecnológica que leva o idioma folk inglês ao ponto de ruptura, pondo em causa as suas premissas de inocência e de naturalismo com um a força só anteriomente vista em Sandy Denny. A superfície da músi ca é tosca, as harmonias vocais honestam ente discordantes e to das as letras subvertem os temas e as fórmulas tão queridas a uma tradição adormecida. “/ Want to See The Bright Lights To night ” esgota e derrota a ideologia romântica do princípio da década, enterrando-a com um brado, chorando-a com um canto. Mainstream Van Morrison — Veedon Fleece (Warner Bros.) * ** Bruce Springsteen — The Wild, the ln no ce n tan d the E Street S h u ffle ( C B S ) " ' Eric Clapton — 461 Ocean Boulevard (RSO) ** *
Um ano pouco excepcional, sem novas direcções ou idéias. Springsteen melhora nitidamente, mas ainda está longe de atingir a perfeição dos seus álbuns ulteriores. O segundo lado do LP já faz antever a temática romântica q ue ele desenvolve ría com tanta inspiração e contém algumas das duas canções mais duradouras — " Rosalita" e “ In cident on 51th S tr eet” serão as mais clássicas. Van Morrison recusa-se a avançar além do conforto encontrado e Clapton emerge da apatia com um LP quase fresco que exibe novamente os seus descansados e agradáveis dotes de guitarrista. Roxy Music — Country Life (Island) **** Bryan Ferry — A noth er Time, A noth er Place (Island) * ** Eno — Here Come the Warrn Jets (Island) * ** Eno — Taking Tiger Mountain By Strategy (Island) ** ** 275
John Cale, Nico, Eno a n d Kevin Ayers — June 1 1974 (Island) ** * John Cale (w ith Eno) — Fear (Island) *** N ico — The E n d (Island) Lou R eed — Rock ’n 'Roll A n im al (RCA) **** Lou R eed — Sally Can ’t Dance (RCA) * ** D avid Bow ie — D ia m ond Dogs (RCA) * ** Kraftwerk — A utobahn (Vértigo) ***
1974 foi o auge do movimento neo-romântico, dominado por Brian Eno. Bryan Ferry entrega-se livremente às suas bala das ironicamente sentimentais, tanto em ‘ ‘Country U fe ’ ’ co mo no seu álbum a solo. Está completada a imagem suave e superficial do “gigolo” com um coração de ouro — vivendo num mundo hiperbólicamente luxuoso, populado por carica turas de smoking e de cigarreira e criaturas ‘‘divinas’’ com sor risos frágeis. Os Roxy deixam de ser um a banda para servir de veículo para as vinhetas hollywoodescas de Ferry. Eno, entretanto, parece estar em todo o lado ao mesmo tempo. Depois do desapontador “WarmJets”, “TigerMountain ” é uma série de divertimentos electrónicos de curiosa transparência e beleza. A sua colaboração num concerto desi gual mas refrescante realizado em 1.6.74, embora inferior à potência destrutiva de Nico, tem o seu quê de maravilhoso e o álbum com John Cale, embora excessivamente indulgente e completamente destituído de qualquer perspectiva crítica, dá um a ideia convincente da irrequieta imaginação e inteligência de ambos. Nico, sempre produzida e acompanhada pelo gênio distor cido de John Cale, torna-se cada vez mais prisioneira do seu castelo gótico, cantando o desfecho da humanidade e da bele za como um a invocação apaixonada à escuridão. É um roman tismo doentio, sufocado pela poesia da sua angústia interior e Nico será o “ anjo azul’’ dos anos 70, presidindo ao apocalipse como um a musa caída na desgraça, expulsa do paraíso de outrora. Ferozmente original, Nico nem sempre sabe conter a sua tendência para o exagero e não há dúvida que os seus álbuns mais emocionantes (mas menos perturbantes ) datam da déca da anterior.(*) * Sobretudo nos álbuns “Chelsea Giris" (68) e no soberbo “The Marble In dex’’ (69). Mais quentes, reflectan uma resignação quase apática, mas intran sigentemente erótica. A exaltação romântica e o terror dos seus álbuns de 70 serão, em larga medida, uma contribuição de John Cale. 276
Lou Rccd e David Bowic regressam à crueza do Rock and Roll, talvez enfastiados com a indefinição atmosférica dos seus álbuns de 73. Reed mostra que nunca perdera a sua paixão de adolescente, e Bowie quer apresentar um mundo destruído, populado por estranhas mutações humanas, que faz lembrar certas imagens de Chirico e não é de todo estranho à visão do filme de Kubrick “ A Clockwork Orange” . Ambos os álbuns antecipam-se à futura vaga do Punk — ‘‘Rebel, R e b e l'' de Bo wie constituiría um a espécie de hino tradicional para a geração dos Sex Pistols, e todo o álbum “R ock’n ’R oll A n im a l” um monumento às intenções da New Wave americana de 77. Em ‘‘Sally Can’t D ance” , porém, Reed faz marcha-atrás (talvez para reforçar a sua conta bancária) e produz um álbum muito aquém do seu talento e tristem ente ortodoxo. Só as duas faixas de peso “ A nim a l Language” e “K ill Your Sons ” honravam quem as criara. Fusão (sinfônico)
1974 assinala o fim do Rock sinfónico como força criativa. É significativo que o acontecimento do ano seja a reedição de dois álbuns de 67 c 68 dos Pink Floyd, sob o título “ A Nice Pair”. Enquanto os Yes desgastam a mais tenaz das paciências com “ Talesfro m Topograpbical O cean”, os Tangerine Dream reinventam o tédio com “ Phaedra” e Mike Oldfield m ostra as suas limitações em ‘ ‘Hergest Ridge ” , o único álbum escapató rio é ‘ ‘Lamb Lies Down on Broadway ” dos Génesis, por muito inferior que seja ao anterior. Outros Stevie Wonder — Innervisions (Motown) Stevie Wonder — Fulfillingness ’ First Finale (Motown) Embora “Innervisions” tivesse sido lançado em 1973,
estes dois álbuns têm pontos de contacto evidentes. O primeiro re presenta a destilação conseguida do eclecticismo de Wonder, que se utiliza de influências Soul, Pop e Reggae duma forma efectiva e poderosa. Algumas das suas melhores faixas encontram-se nesse álbum ( ‘‘He ’s a Misstra Know I t A ll’ ’, ' ‘Too H ig h ” e “Living in the C ity”). O segundo é exageramente místico, pretensioso até, embora redimido por canções como ‘‘B ird o f Beauty ” e ‘‘Boogie on Reggae W om an ’ 27 7
B um ing Spear — Marcus Garvey (Island) ***** A aiirmação mais contundente e expressiva do Rastafarianismo de sempre, impregnado duma religiosidade rebelde e esti mulante. As canções “Marcus G arvey", “Slavery D ays", “Jordán R iver” e "Resting Place ” são hinos clássicos à visão mítica de Garvey. Singles representativos: O melhor é “A utoba hn ” dos Kraftwerk, mas é também o ano de “I Sbot the S h e riff ’ (Clapton) e "Rebel” (Bowie).
1975 Soft Jo n i M itchell — The Hissing o f Sum m erLawns (Asylum ) ’ ** ** Em m ylou Harris — Pieces o f the Sky (Reprise) * ** Judy Collins — J u d ith (Elektra) *** Janis Ian — Betw een th e Lines (CBS) **** Emmylou Harris estreia-se convincentemente, pese embora não ter feito m elhor depois de “ Pieces of the Sky” . Jud y Col lins continua a valer apenas pela sua voz, interpretando can ções populares que já nada deyem ao folk, e Janis Ian reapare ce com uma colecção desesperadamente sentimental, carrega da de auto-compaixão e de mágoa, mas salva pela força em oti va e pelo sarcasmo atilado das letras. Paul Sim ón — S till Crazy A fte r A ll These Years (CBS) **** N e il Young — T on ight's the N igh t (Reprise) *** * O último trabalho de Simón é tamb ém o último da década, mas traz uma nova sofisticação musical e uma maturidade líri ca que o coloca outra vez na primeira linha dos compositores-cantores. “My little Town” conta com a voz de Art Garfúnkel (qu e se perdera logo após a separação com LPs lamedlas e gelatinosos) e é uma das faixas mais sensibilizadoras, en quanto que "50 Ways to Leave Your Lover" é uma das suas melhores de sempre. Neil Young chega ao pico da sua angústia num álbum in transigente q ue chora com um a força demoníaca as vidas ami gas qu e tom baram à sua volta, descrevendo com aguda ironia os sintomas e as causas da cultura da droga. O álbum é dedica do ao guitarrista dos Crazy Horse, Danny Whitten (que mor278
rcra antes da gravação de “ Harvest” ), e está impregnado du ma raiva e duma paixão quase insuportáveis. Bob Dylan — B lood on the Tracks (CBS) The Chieftains — The Chieftains 5 (Island) **** Steeleye Span — A ll A rou n d My H at (Chrysalis) Ã parte o regresso de Dylan, e a continuação dos Steeleye Span, o LP mais lindo do ano é o quinto dos Chieftains, que interpretam a música tradicional da Irlanda dum modo carre gado de força nostálgica c de desavergonhada emoção. É uma excepção clara (e de pouca consequência) à atmosfera geral de estafada criatividade que pervade a música de inspiração folk de ambos os lados do Atlâhücó. O estertor final, e um dos seus mais belos gritos, fora o álbum de Richard and Linda Thomp son — e, em 1975, praticamente não há música que reste, para fazer ou ouvir. Mainstream Bruce Springsteen — Bom to R un (CBS) ***** Tom Waits — N ighthaw ks a t the D iner (Elektra) ***
O álbum ao vivo de Waits é um veículo apaixonante para a projecção da sua personalidade tão carismática como invulgar e parece captar a atmosfera íntima e levemente surrealista das suas actuações. A voz de Tom Waits é de quem engole um cin zeiro cheio de beatas todos os dias ao pequeno almoço e a sua recitação quebrada é originalíssima. O único grande álbum de Rock do ano (e o Rock and Roll andava doente desde o fim da década de 60) é o trabalho mo numental de Bruce Springsteen. É o poeta dos espaços abertos, devorados pela velocidade do automóvel amorosamente m on tado; o poeta dos amores furtivos e da paixão impedida; o can tor do sonho americano coagulado em pedaços azedos de pesa delo. Canta a cidade e a pobreza, o velho ímpeto americano de correr mas e estradas sem destino certo que não o prazer da própria corrida. Corrida que é aparência de fuga, corrida que acaba por ser prisão, fuga de que não há fuga, velocidade de não se chegar a lado nenhum. O cenário tem sempre três acto res: a estrada pela qual se corre de automóvel, a cidade-selva donde se foge, e a mulher que se quer levar. “ Bom to Ru n” é uma produção quase tão hiperbólica como um projecto de Phil Spector — com um dramatismo intenso e chocante, perfeitamente calculado e interpretado. É mais imediatamente visual do que um filme (e deve muito a cineastas como Nicholas Ray 279
e Raoul Walsh), mais literário do que um livro (mais forte e coeso do que qualquer livro de Kerouac) e é muito mais do que mera música. Springsteen é o derradeiro Romântico ame ricano, paixão carregada com o fardo da inteligência, sentido poético devassado pela consciência da realidade. “ Born to Run” é uma vasta tela panorâmica onde toda uma cidade e o seu cidadão se erguem em três dimensões, com proporções gi gantescas. É o primeiro álbum de verdadeiro Rock and Roll da década, e o segundo (' ‘D arkness at th e Edge o f Town ’’) tam bém lhe pertencería. — Horses (Arista) Produzido por Jo hn Cale, este espantoso trabalho de poesia e de Rock foi o segundo a socorrer um ano doutra maneira po bre, e até hoje é o trabalho mais original de Patti Smith, o úni co em que as suas muitas vezes absurdas pretensões se justifi cam plenamente. A paixão dramática de Smith atinge mo mentos de clímax de efeito devastador (como na sua versão desse clássico do Rock e do Punk: “Gloria") e a sua voz inte ressantemente desequilibrada transporta as canções na sua cris ta arrogante e sanguínea. Patti Smith
D avid Bow ie — Young Americans (RCA) ****e Station to Station (RCA) ***
Uma nova metamorfose, desta vez embrulhada naquilo a que Bowie viria a chamar a sua fase de ‘‘soul plástico” . Ritmos Disco e porto-riquenhos, entranhadamente americanos, mar cam a grande maioria das canções destes dois álbuns. Com uma imagem já completamente diferente (o famoso ‘‘thin white Duke” ), Bowie cultivava uma elegância à América de Nixon e da juventude burguesa metropolitana, abandona toda a visão apocalíptica para abraçar uma ortodoxia hiperbólica. “Station to Station" é mais Berlim do que Nova Iorque, com aspectos desagradávelmente ambíguos (de apologia do ho mem ariano) que Bowie viria a lamentar e/ ou a negar mais tar de. Só que para Bowie, espécie de Oscar Wilde do Rock, a po se dita o resto — não há consciência que não a estilística, nem considerações para além da forma. Daí que, à parte certas canções memoráveis (“Young A m e ricans ’ ‘‘F am e' ‘G old en Years ” e ‘‘Stay ’’), esta seja a fase mais vazia da carreira de Bowie, embora tenha sido uma das mais prolíficas. 280
Roxy Music — Siren (Island) **** Brian Eno — A noth er Green W orld (Island) ****c D iscreet Music (Island) *** Fripp a n d Eno — Evening Star (Island) ** * Kraftwerk — Radioactivity (Capítol) ***
Nada de verdadeiramente novo nesta frente, que começa a perder vapor, limitando-se a consolidar e a polir experiências originais anteriores. Os Roxy são agora indistinguíveis de Ferry e “Siren”. é um álbum luxuosamente trabalhado, grave mente sentimental, com momentos de claustrofóbico romantis mo. É sem dúvida um excelente álbum, com duas canções pausadamente histéricas ( ‘‘Both Ends Bu m ing ” e ' ‘Love is the D rug”) de grande valor estético. Brian Eno lança o seu LP mais cristalino de sempre, com trechos hipnóticos e ligeiros que constituem uma espécie de música de câmara electrónica, ideal para tardes de chuva, com uma controlada e apetecível m elan colia. “Discreet Music” é mais derivativo, menos inspirada mente melódico, mais papel de parede do que ambiente pro priamente dito, enquanto que a nova colaboração com Fripp, embora superior à anterior, denota um certo eclipse criativo e um a obsessão excessiva com o pormenor em detrimento da in teireza. Os Kraftwerk, também, limitam-se a aperfeiçoar fór mulas ensaiadas e garantidas, demonstrando apenas a sua ine gável proficiência técnica. É evidente que 1975 marca o fim do Novo Romantismo como impulso de inovação corajosa, tanto mais que todos estes álbuns, mesmo os melhores, deixam transparecer um certo cansaço muito semelhante ao enfado. Pink Eloyd — Wish You Were Here (Harvest) ***
Outros Joan Arm atrading — Back to the N ig ht (A&M) ** * Bob Marley — N atty D read (Island) ***** (Island)
e Uve!
Joan Armatrading estabelece o seu estilo pessoal de baladas acústicas vigorosamente ritmadas, embora as suas canções não atingissem ainda o peso que viriam a ter. Mas o ano pertence a Bob Marley que em “ N atty D read” tem a sua obra-prima, com canções de enganadora simplicidade que resistirão ao tempo — “Them Belly F ull", “N atty D read”, “Lively Up Y ou rself ’ e ‘ ‘N o W om an no Cry ’’. O exuberante LP ao vivo é uma festa ou um transe, um documento arrebatador da sua es 281
pantosa habilidade musical e do seu poder de comunicação quase total. Singles representativos: ' ‘A t Seventeen ’’ (Janis Ian)
e ‘ ‘Make m e Sm ile ’ ’ (Steve Har-
ley and Cokney Rebel). ---------------- ------------------ 1976 ----------------------------------Soft Kate and Anna McGarrigle — Kate and Anna McGarrigle (W arner Bros.) ***** Jo n i M itchell — Hejira (Asylum ) ***** M addy Prior a n d June Tabor — Silly Sisters (Chrysalis) **** Janis Ian — A fte rtones (CBS) *** Laura Nyro — Smile (CBS) Em m ylou Harris — Elite H otel (Reprise) *** A revelação do ano é o álbum-estreia das irmãs McGarrigle.
Tomando a música tradicional canadiana na sua forma mais rude e espontânea, juntando-lhe letras desinibidamente femi ninas e cantando-as caoticamente, sem preocupações de sofis ticação ou de harmonia, elas produzem um dos grandes álbuns da década. Trapalhonas, sentimentais, poderosamente comu nicativas, as irmãs McGarrigle não deixam que nada lhes corte o caminho. Há canções profundamente belas, de superfície toscamente atraentes, onde a sexualidade da mulher surge in teira, completam ente destituída dos estereotipos impostos por homens e cegamente aceites por mulheres (como Judy Collins e Emmylou Harris). É um álbum sobre o desejo, que não des conhece a troça nem o amor. As vocalizações ranhosas e espon tâneas são um antídoto benvindo à lamechice tradicional e há uma atmosfera contagiosa de companheirismo e de riso que pervade todas as canções. Joni Mitchell lança um álbum que pode ser considerado o seu melhor de sempre (ver página 241). O folk inglês, ador mecido ou desgraçado nos últimos anos, reaparece em toda a sua estonteante pureza, sem acrescentes nem subtracções, nas vozes de Maddy Prior e de June Tabor, vítreas mas espessas, autênticos instrumentos musicais. O grande reaparecimento do ano é o de Laura Nyro, que brando um silêncio de cinco anos, mas apresentando-se com a inspiração e o vigor interpretativo intactos. Embora o tom do álbum seja menos exuberante e mais pensativo do que os ante282
ñores, a originalidade de Nyro, a sua obsessão convicta na via bilidade dum Soul branco e finalmente o seu talento para es crever poemas invulgarmente evocativos surgem com a mesma admirável honesñdade de sempre. Bob Dylan — Destre (CBS) **** N eil Young — Zum a (Reprise) *** Ry Cooder — Chicken Skin Music (Reprise) ***
O ano de 1976 foi paupérrimo, com lançamentos muito ‘‘em baixo de forma’ ’ de Young e de Cooder. Bob Dylan salva a pátria com um LP surpreendente que é de longe o seu único trabalho importante da década. Voltando ao tom elegíaco de ‘‘Blonde on Blo nde”, mas incorporando elementos excitantes e novos (os cânticos hebreus e, em 1‘One More Cup o f C offee'' dir-se-ia o Fado!), Dylan oferece uma colecção quase impecá vel de canções rigorosamente novas. Emmylou Harris contribui com o seu apoio vocal, e a voz de Dylan é torturada e precária, levada aos limites da sua (não muito grande) flexibilidade. ‘‘Desire ” é um dos seus trabalhos mais expansivos e contem os melhores poemas desde ‘ John Wesley H ard ing". Salientem-se ‘ ‘Sara ’ ‘‘M ozam bique ' ‘‘Hurricane " e ' ‘One More Cup o f Coffee ’
Mainstream
O Rock tradicional está praticamente morto. O movimento romântico está em mau lençóis — Lou Reed lança o decepcio nante “Coney Island Ba by", David Bowie está inactivo, co mungando com Brian Eno, os Roxy Music separam-se e Bryan Ferry deita cá para fora o terrível ‘ ‘In M y M ind ' ’. É o ano dos Eagles, da desgraçada reunião dos Crosby, Stills and Nash, dos Kiss e dos Electric Light Orchestra. Os Chicago já vão no “X.°” álbum, os Bcegees começam a sua tenebrosa reaparição, os Abba vendem milhões de LPs com “Arrival” e os Stones fazem a sua tournée do Japão. Neste poço vazio e fedoren to onde o Rock caíra, ir-se-ia criar o embrião duma pequena revolução musical que transformaria o Rock por dentro: o Punk. No ano de 1976 aparecem as primeiras bandas Punk na Grã-Bretanha: os Sex Pistols, os Jam, os Vibrators, os Clash, os Stranglers e muitos outros. Mas, ao contrário do que se pensa, o Punk não nasceu no Reino Unido, embora tenha sido aí que tenha ganho a sua notoriedade. Já em 1975 havia uma cena 283
“punk” cm Nova Iorque, cm clubes como o famoso “CBGB’s” (imortalizado na canção de David Byrne, “Life D uring W artim e") e “ Max’s Kansas City” , outras bandas co mo Richard Hell, Televisión, Ramones, Blondie e Talking Heads pegavam numa tradição largamente americana (MC 5, Velvet Underground, 13th Floor Elevators, os Stooges e outros nomes predominantemente associados ao psicadelismo da se gunda metade de 60) para arrastar o Rock and Roll para a es pontaneidade enérgica das suas origens. Na Grã-Bretanha, as raízes do Punk encontram-se no cha mado “pub-rock” (rápido, curto, barulhento e tosco), na in fluência remota de bandas americanas como os Stooges ou pró xima de bandas como os Ramones. O Punk não é uma inova ção — é uma reacção. Se veicula uma nova estética, ele deve mais à atitude de exuberante incompetência do que a qual quer tentativa calculada. É um movimento de abertura: o Rock como meio de expressão abandona as suas exigências téc nicas (que tanto mal lhe haviam feito), as suas condições de entrada passam a ser o contrário do que eram. Seja como for, o Rock passa a ter um contexto social relevan te. O Punk é (ou era, ou deveria ter sido) o grito da juventude desempregada, sem esperança, nem divertimento — uma reacção contra o tédio. O seu niilismo destrutivo é apenas uma faceta insignificante — o mais importante é o desejo de resti tuir o Rock ao seu papel essencial, o de música de rua, de con tacto directo, o de música de putos. A energia, a gana, a revol ta e a irreverência são as características principais, reflectidas na música, que mais não é do que um Rock ingênuo. A contri buição musical do Punk não é original, mas revalorizou o m i nimalismo das bandas americanas psicadélicas ou “bubble-gu m” , assim como a vocalização rude e gritante popularizada por Reg Presley dos Troggs em clássicos como “W ild Th ing”. Os Sex Pistols, geridos pelo gênio de marketing de Malcolm McLaren, transformam-se na imagem-tipo do Punk, cultivan do um estilo e uma moda baseadas na antítese dos figurinos predominantes. A violência e a rebeldia são parte da estratégia de venda e, numa altura em que o Rock se perdera na apatia, ditam a composição Punk, repleta de afirmações do tipo ‘‘Quero lá saber” , “ Vai à merda” , “ Detesto isto e aquilo” , ‘‘Abaixo tudo ” e ‘‘Viva eu e o resto que se lixe ” . A estética do Punk é um mau-gosto cultivado, uma espécie de desarmonia rigorosamente construída. No fim de contas, o Punk apenas 284
serviu para assustar o ‘‘status quo” do Rock, levando-o a ab an donar a sua complacente indiferença para com o mundo da rua. Não deixou obras originais, mas levou a que aparecesse uma série de novas bandas, mais puramente empenhadas em fazer Rock duma maneira espontânea. O Punk não deu cabo do sistema, como dizia pretender — apenas renovou-o, crian do novos públicos e novas estrelas para o alimentar. O auge do Punk ocorre antes de qualquer edição discográfi ca — no festival no “ 100 Club” em Setembro. Logo que as bandas abandonaram as garagens e as sociedades e as rúas, o Punk, como movimento espontâneo de juventude, deixa de existir. Embora muitas bandas assinem com grandes editoras (os Pistols com a EMI, depois a A&M e finalmente a Virgin, os Clash com a CBS) algumas arrancam com as suas próprias edi toras independentes, tentando estabelecer um circuito parale lo, uma alternativa fresca aos preconceitos e à ortodoxia das grandes empresas discográficas. Esta é a consequência singular mais importante do Punk e, assim como o princípio da década é dominado pelas etiquetas “independentes” (como a Island, a Chrysalis e a Charisma), o fim pertence às etiquetas pós-punk, como a Stiff e a Rough Trade. Os Damned foram a primeira banda a lançar um disco (o single ‘ ‘N ew Rose ’’ em fins de 76) e também a primeira a edi tar um álbum ( “D amned Dam ned D am ned”, o primeiro da Stiff). Mas, do outro lado do Atlântico, ainda em 1976, os Ra mones, fingindo ser irmãos, lançam um álbum seminal. Ram ones — Ram ones (Sire) ****
Está aqui a arte rupestre da pré-história do Punk e da New Wave. Um mínimo de acordes, um mínimo de letras, um mí nimo de desenvolvimento melódico — os Ramones impõem desde logo o seu estilo particular: o mais curto, o mais estúpi do, o mais rápido possível. É um álbum estupendo, de galo pante amadorismo, com letras tão absurdas que chegam a ser boas. Atacando as suas canções (que são todas iguais) com uma ganância irresistível e certamente invulgar, os Ramones marca vam o passo, estabelecendo os padrões gratuitos e divertidos de grande parte da produção musical Punk. É lixo — mas, a verdadeira fina flor da enxúndia. Os verdadeiros pioneiros do Punk, porém, não são os Ramo nes, mas sim os Modern Lovers de Jonathan Richman. Em 1971 gravam um LP que só é lançado em 1976: 285
— The Modem Lovers (Beserkly) ***** Jonathan Richman é uma figuta caricata, altamente dese quilibrada e inocente, que produziu Rock originalíssimo, de inspiração bubble-gum, com letras genuinamente tresloucadas que anteciparam com grande precisão todo o reportório de es tereotipos do Punk. A grande virtude deste álbum, à parte a sua data, é a maneira como Richman passa por cima de toda a ideologia dominante (tocando Rock psicadélico contra os valo res do psicadelismo), ousando fazer afirmações pessoais duma irrelevância quase total, sem fingir que elas tenham qualquer importância oculta ou sequer algum significado. É um poeta semi-dádá, semi-incompetente, e, como músico, bastante pior. Mas, em canções deliciosas como "Pablo Picasso”, “ M o dem World’' e o celebérrimo " Roadrunner ”, Richman revela-sc um verdadeiro mestre do “ sem-mestre” . O álbum é fresquíssimo e, reconvertendo a linguagem densa dos Velvet Underground à sua simplicidade inicial, fornece a ponte necessá ria entre os antecedentes e os novos da New Wave. The Modem Lovers
Outros Stevie Wonder — Songs in the K ey o f U fe (Motown) **** Joan Arm atrading — Joan Arm atrading (A&M) * *** Toots an d the Maytais — Reggae G ot S oul (Trojan) *** Bob Marley — Rastam an Vibration (Island) * *** A ugustu s Pablo (Produtor) — King Tubbys Meets Rockers Uptown (Yard Music) ***
Talvez a consequência mais frutífera do fenómeno Punk te nha sido a consciência súbita da riqueza do Reggae que o acompanhou. Esta enfatuação feliz viria a servir de tábua de salvação de parte significativa da Nova Vaga, desde 1977 até 1980 (e com uma probabilidade esmagadora de continuar), através da incorporação de ritmos Reggae (os Clash, os Mem bers, Ian Dury etc.), culminando no estouro Dois-tons em fins de 79. Começou um movimento excitante de Reggae britâni co, feito por emigrantes da Jamaica, muitos dos quais nunca tiveram oportunidade de ver a sua terra natal e a religião Rastafariana ganhou muitos novos adeptos. Singles representativos
O Punk e o estabelecimento duma série de novas editoras independentes ameaçaram, em fins de 76 e 77, transformar ra dicalmente o panorama discográfico britânico. O “single” foi 286
o grande veículo do Punk, quase sempre gravado e prensado com equipamento rudimentar e de preço agradavelmente em conta. A grande maioria dos lançamentos seminais do Punk foi no formato single — não só porque muitos nunca chega ram a gravar álbuns, mas também porque o álbum transmite um a sensação menos espontânea c reflecte sempre um período de tempo tão grande que se perdia o impacto imediato e direc tamente relacionado a uma determinada realidade temporá ria. O single do ano é evidentemente “Anarchy in the U .K ." (Sex Pistols), a faixa fundamental do Punk e dos Sex Pistols. Enquanto o Rock tradicional produzia duas maravilhas, “Love andÁffection” (Joan Armatrading) e “Dreams” (Fleetwood Mac) os primordios discográficos do Punk estão no EP “Blank Generation ’' (Richard Hell) e em ‘ ‘Sex Offenders ’’ (Blondie). No reggae, triunfou “Dat” (Pluto Shervington). --------------------------------------------- 1977 ---------------------------------------------
Soft Sandy Denny — Rendez-vouz (Island) Kate and Anna McGarrigle — Dancer with Bruised Knees (W arner Bros.) Leonard Cohén — Death o f a Ladies ’ Man (CBS) Ry Cooder — Show tim e (Warner Bros.) **’ N eil Young — Stars ’n ’ Bars (Reprise) *** 1977 foi o ano em que a explosão Punk/Reggae se repercu tiu numa avalanche discográfica, sobretudo de singles, mas de álbuns também. Nos Estados Unidos não há nada de novo — Leonard Cohén é produzido por Phil Spector e o resultado é desastroso, Neil Young emerge da sua depressão e começa a sua fase de reflexão sobre os Estados Unidos (embora o seu país natal seja o Canadá) em “ Stars V Bars’’, um pouco em baixo de forma. As irmãs McGarrigle suavizam-se e perdem um pou cochinho do seu estranho encanto, e Ry Cooder continua obs tinadamente a perseguir as suas pesquisas dignas. Na Inglater ra é editado postumamente um Sandy Denny um nada aquém do seu valor. Mas não é no Rock americano tradicional que os olhos de 77 estão fixos. Mainstream É precisamente o Rock ‘‘mainstream ’’ que a New Wavc ten ta varrer da superfície da terra, juntam ente com todos os pre 287
conceitos tecnicistas e estéticos que representa. A New Wave quer substitui-los por outros: pela energia, pela espontaneida de, pelo espírito de revolta. E acaba por ser, não uma força destruidora, mas um mero catalisador duma renovação quase inevitável. Mais do que uma inovação, a New Wave quer re gressar aos anos 60, aos ideais (límpidamente invertidos) e à i música (cautelosamente ramificada). É um momento de dolo rosa interrogação para a velha vanguarda (David Bowie, Lou Reed, John Cale, Iggy Pop, Brian Eno), que se vê repentina mente posta em causa, apesar da sua contribuição inestimável para a germinação de vários ramos da New Wave. Lou Reed lança um dos seus piores LPs de sempre (“Rock and Ro/l H eart"), Iggy Pop está na decadência ( “The Id io t”) e John Cale participa activamente nesta explosão que tanto lhe devia. David Bowie, colaborando com Brian Eno, reage ao Punk d u ma forma espectacular, lançando um LP insuportavelmente triste que é também um mom ento de beleza e um dos álbuns mais importantes e influentes do virar da década — ‘ ‘Low ’’. — Low (RC A) ***** É talvez o LP de Rock electrónico mais perfeito de todos — mostra uma imaginação libertada por uma nova melancolia, um a faceta da personalidade múltipla de Bowie que ninguém podería ter adivinhado. As contribuições de Eno e de Robert Fripp são certamente importantes, mas, no fim, é a David Bo wie que pertence a visão unificadora de ‘ ‘Low ’ Juntamente com os LPs dos Kraftwerk (sem os quais, duma forma tangen cial, este álbum nunca podería ter sido feito), “L ow " é a Bí blia de toda a Cold Wave de 78-80 (Ultravox, Jo hn Foxx, H u man League, Gary Numan, Japan, etc). O seu lançamento no auge do Punk (em Janeiro) foi uma surpresa total e mostra a malandrice intrínseca de Bowie e a ânsia de ser diferente. É um álbum ferozmente introspectivo, triste e atmosférico — e este ambiente seria continuado (com outro mas fundamentalmen te semelhante trabalho) pelos Joy División em 1980 (no belís simo “ Closer
D avid Bow ie (w ith Brian Eno)
— Heroes (RCA) Bowie abandona o hermetismo claustrofóbico de ‘‘Low " e o seu trabalho abre-se substancialmente. A estadia de Bowie em Berlim com Iggy Pop foi uma das influências mais produtivas
D avid Bow ie
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na sua música. ‘‘H ero es ” é o scu LP mais berlinesas, com um grau de romantismo fatalista que chega a ser comovente. Mais uma vez é ajudado por Eno e Fripp, com as mesmas conse quências benéficas observáveis em “Low”. New Wave Sex Pistols — Never M in d tbe BoUocks (Virgin) * * * * Stranglers — Rattus Norvegicus (UA) The Clasb - The Clash (CBS) Tbe Dam ned — D am ned D am ned D am ned (S tiff) * * * X-Ray Spex, Wire, A dvertí, Buzzcocks — Roxy L ondon WC 2 (Harvest ) ' * *
Cinco álbuns que contêm a essência despoluída do Punk londrino. O álbum dos Pistols é mais importante pela novida de crua que traz do que pela qualidade das composições — mas de qualquer forma este não era conceito legítimo para jul gar a música Punk. Tinha energia, humor (talvez a grande qualidade dos Pistols), raiva, frescura e um desespero franca mente solto. A irreverência e o desrespeito são lendários e a atitude dos Pistols transforma-se rapidamente num estereotipo para centenas de bandas derivativas. Os Stanglers, que não eram nenhuns adolescentes, são importantes por causa da m a neira como evitam a ruptura completa com o Rock’n Roll, tra zendo ecos dos E)oors e dos M O que enriqueceram musical mente o Punk. À parte a sua qualidade musical, pouco valor têm , e os seus álbuns posteriores não confirmariam a promessa do primeiro. Os Clash são o Punk positivo, rejeitando o niilismo gratuito dos Pistols c escrevendo letras abertamente politi zadas — onde existe claramente um inimigo e se discernem ideais socialistas ingênuos. Musicalmente, também, são supe riores, quer aos Pistols, quer aos Stranglers, por darem um ên fase muito maior ao ritmo. A utilização do reggae na versão que fazem de “ Pólice a n d Thieves” é um exemplo que seria seguido e reproduzido muitas vezes ao longo do resto da déca da. Os Damned representam o Punk na sua pureza incompe tente, energia, lata e pouco mais — a fórmula que inspiraria uma geração inteira de zé-ninguéns a pegar na viola e a dar uns berros alegres. O álbum gravado ao vivo no Roxy (um dos clubes londrinos que foi o centro do Punk) é duma qualidade quase inexistente, contando com a colaboração de m uitas ban das atrozes, mas, como documento duma certa euforia, tem o scu valor histórico. 289
Elvis Costello — My A im is True (Stiff) ***** The Jam — In The City (Polydor) **** e This is The Módem World (Polydor) Varios — N ew Wave (Vértigo) Elvis Costello foi o primeiro talento verdadeiro de composi ção que o P unk revelou. Sempre rejeitando as modas prevalentes, Costello escrevia (e escreve) canções clássicas do Rock, com letras competentes e melodias fortes. Sendo assim, devolveu à New Wave o sentido da responsabilidade criativa e fê-lo dum modo original que não deixava de ter raizes genuínas. Os Jam , pioneiros do revivalismo Mod, foram outros que restituíram uma tradição com que o Punk entusiasticamente rompera, lembrando (ao contrário de todas as outras bandas) precursores britânicos do cham ado “ British Beat” , especialmente os Kinks, os W ho e os Troggs. Den otando um a maturidade sur pre endente, o álbum-estreia dos Jam é uma peq uena obra-pri ma da anomia urbana, expressa articulada e vigorosamente.
Talking Heads — 77 (Site) ***** Televisión — .Marquee Moon (Elektra) Blondie — Blondie (Chrysalis) *** Ramones — Leave H om e (Sire) Nos Estados Unidos, surge um peq ueno número de bandas com uma personalidade musical e temática americana, situa das nas redondezas do Rock (ao contrário da explosão britânica que se alastrou po r toda a cena popular). Indubitavelmente a melhor banda de toda a New Have anglo-americana, os Tal king Heads ousaram tornar literata a nova vaga, produzindo um álbum implacavelmente inteligente e poético (“77”) que está entre os cinquenta melhores da década. Elegantemente neuróticos, atirando-se com um misto de graciosidade e de frenesim para uma visão urbana levemente surrealista, os Heads ofereciam poemas dadaístas sobre temas invulgares, contados com grande dramatismo teatral e suportados por um som exu berantemente rico, freq uentem ente endividado para com in fluências nessa altu ra impensáveis (o Soul, o Funk). " 7 7 ” é uma colecção de canções atemporais carregadas da imaginação severa de David Bryne onde nada é estável ou seguro, onde nem a loucura tem lugar, tão envolvente é o pesadelo cosmo polita que co ntrariadam ente habita. Os temas musicais são ex celentes, as letras são sugestivas, a execução é imaculada, e o 290
Rock como Rock, essa vclha criatura acordada pelos brados d u ma geração irrequieta, não se deixa adormecer. O primeiro álbum dos Blondie ainda apresenta vestígios embaraçantes da fase “cabedal-e-botas, estrito Punk” que Debbie Harry escolhera para dar um novo ímpeto à sua carrei ra, mas já revela um particular encanto (por exemplo em ‘ ‘R i fle Range”) que havia de fazer dos Blondie a ban da New Wave mais bem sucedida de todas. A voz de Debie Harry era a es sência escondida do mito americano, o plástico-fantástico de brilho brando que Marilyn Monroe já incarnara. Pintando o cabelo du m louro cinematográfico e arrumando límpidam ente a sua voz, Harry era o símbolo seguro e não-ameaçador de fra gilidade sensível e vulnerabilidade sexual de que o público, açoitado pelo vento cinzento, uniforme e vergonhosamente puritano da New Wave, estava trepidantemente à espera. A New Have ganhava fascínio, “ glamour” , um foco erótico. Debbie Harry, friamente calculista, deu ao público a criação artificial que ele queria, sem fazer concessões de maior e sem pre ocultando uma veia satírica, de língua na bochecha, que fascinava ao mesmo tem po os sectores intelectuais. Era a Doris Day do novo Rock, o sonho intacto da América, uma ‘‘estrela’ ’ que reunia o espírito de transgressão do Pun k com o contexto cultural das artes populares norte-americanas. Como David Bryne nos Heads, e Debbie Harry nos Blondie, os Televisión eram o veículo confortável dos talentos musicais de Tom Verlaine, um guitarrista cristalino que restituía a pu reza instrumental (e a perfeição técnica) a um movimento que havia nascido embriagado pela sua própria incompetência, e movido apenas por uma energia ilimitada. Muito tradicional, Verlaine não foi tanto um inovador como uma chamada à atenção para a importância do som despoluído da guitarra. Como tal, embora a influência que teve sobre a nova geração (os Feelies, por exemplo) fosse considerável, Verlaine não é da mesma estatura que um Byrne, um Costello ou um Dury. A grande diferença entre a New Wave britânica e a america na era que esta, para além d e ser mais polida e elegan te, reves tia-se dum aspecto mais impenitentemente comercial e sofisti cado, na boa tradição do velho complexo “The show must go on.” A New Wave britânica era mais socialmente dirigida, mais tosca, mais honesta e terra-a-terra. A frivolidade encanta dora dos Heads ou dos Blondie não existia na visão severa e pouco sofisticada dos Jam ou de Costello. 291
Outros Jo an Arm atrading — Show Some Emotion (A 8 1 M ) " * ' Bob Marley — Exodus (Island) * * * * e Kaya (Island) * * * (1978) Gregory Isaacs — Extra Cíassic (Conflict) * * ' * Singles representativos
Dada a estrutura desta discografia seria impossível ambicio nar, quanto mais absurdo tentar, uma representação equili brada, quanto mais exaustiva, da plétora de singles que, m ui to mais do que os LPs, foram a nova vaga. Sem qualquer pre tensão, portanto, e motivado apenas por uma necessidade de localização estilística, eis alguns dos singles que carregaram o espírito da New Wave em 1977: God Save the Queen (Sex Pistols), Solitary Confinement (Members), W hite Riot (Clash), Really Free (John Otway and Wild Willy Barren), Spiral Scratch EP (Buzzcocks), 2.4.6.8. Motorw ay (Tom Robinson Band), Sheena is a Punk Rocker (Ramones), Egyptian Reggae (Jonathan Richman), Spanish Stroll (Mink de Ville), Watching the Detectives (Elvis Costello), W hite Pun ks on D ope (Tubes), The P ink Parker (Graham Parker), e Prove it (Televisión). O melhor single do ano é Ja m m ing (Bob Marley). ------------ --------- :-------------- 1978 ----------------------------------Soft J o n i M itchell — D on Juan 's Reckless D aughter (Asylum ) * * * * N eil Young — Comes a Time (Reprise) * * * *
Neil Young volta, num salto, ao auge da sua inspiração com um álbum transbordante de ternura amorosa que parece levar Young para a pureza de instintos dum passado que ele nunca possuiu. Abandonando a pungente depressão que arrastara os seus álbuns anteriores para os caminhos de auto-compaixão, Young faz a cône a um ideal estético de beleza semi-alegre que já transparecera de “After the Goldrush”. É o trabalho mais lírica e melódicamente perfeito de toda a sua carreira. Mainstream Bruce Springsteen (CBS ) * * ' * *
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Darkness on the Edge o f Town
Ao contrário da produção épica de “Bo m to R u n ”, “Dark ness ’ ’ marca o regresso de Springsteen ao Rock and Roll simul 292
taneamente pensativo e emotivo dos dois primeiros álbuns. É um álbum mais tranquilamente melancólico, não pouco aco metido da mais tênue das saudades, onde as cenas tradicionais do filme Springsteeniano, em vez de m ontadas em grandes se quências cheias de mudanças de ênfase, são apresentadas em pequenas vinhetas pormenorizadas, contos ou canções q ue os cilam entre a tristeza e o júbilo da recordação da infância. A voz de Springsteen é menos exuberante, mais consciente da sua am plitude dramática e a composição pura e simples toma o lugar de relevo onde outrora dominava a produção. Os poe mas, com um pendor nostálgico doloroso, rejeitam as imagens gradiloquentes de " Bom to R u n ”, permitindo à voz e à exce lente E Street Band uma posição determinante na realização de cada canção. Em 78, Bruce Springsteen ergue sozinho a voz do Rock and Roll num deserto onde cambaleiam os velhos he róis, incapazes de socorrer os seus talentos da estagnação esti lística. Lou R eed — Street Hassle (Arista) * * * * *
Aquilo que distingue os artistas dos esporadicamente inspi rados é a capacidade invulgar que os.primeiros possuem para surpreender constantemente admiraqòre^e detractores ao mesmo tempo — Lou Reed e David Bowie nunca foram previ síveis, nunca se instalaram confortavelmente num nicho res guardado e sempre saltearam os seus compromissos comerciais com genuínos esforços de inovação. ‘‘Stree t H assle' ’ é um mo mento poderoso na história do Rock, um naco claustrofóbico de gênio a desfazer-se numa última tentativa de criatividade plena. É um álbum que, praticam ente, não tem antecedentes — uma visão priveligiada dum mundo urbano tragicamente desequilibrado, onde o humor e o insulto, a luz e a escuridão coexistem precariamente, aguentados por não sei que mistura eficaz de técnica e de arrojo lírico. A suite “Street Hassle", propagada por cordas quase fantasmagóricas, alcança uma in tensidade de expressão, ao mesmo tempo clara e ambígua, que o Rock só a (longos) espaços pode aspirar. As canções ‘'D irt ’' e “I Wanna be Black”, impregnadas de injecções estonteantes de sarcasmo nova-iorquino, oscilam sugestivamente entre a sá tira e o realismo, sempre veiculando a mesma paixão raivosa pelo meio que está em todos os melhores momentos de Lou Reed. 293
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Iggy Pop — L ust fo r L ife (RCA) * * *
Um criador menor e um intérprete derivativo (Bowie, Reed, Jagger), Iggy Pop é, mesmo assim, uma figura curiosa do Rock. Enquanto que Bowie e Reed se divertem com as suas metamorfoses construídas, Iggy Pop é genuinamente louco, leva todo o romantismo decadente a sério, e essa sinceridade patarata, bem assim como a forma total com que se entrega às suas interpretações, fazem com que seja um nome a ser afec tuosamente lembrado. Ian Dury — N ew Boots a n d Panties (Stiff) * * * * *
Dury, poeta e filósofo das mas do este londrino, distingue-se de todos os outros nomes da New Wave pelo seu humanis mo atemporal, acima das modas e das tendências, como o sol em relação às èlfações do ano. É o velho enternecido ou o puto rebelde, o IícMern apaixonado ou a criança descobrindo o brinquedo do mundo. “New Boots a n d Panties’’, embora manchado por momentos de mau gosto, concessões à pose prevalente do Punk ( “Plaistow P atricia’’), é um dos trabalhos mais claramente originais da década, reunindo um número vastíssimo de influências musicais (o music-hall britânico, o jazz, o punk, o disco, a balada) para presidir a um a colecção de letras de qualidade raramente vista. Dury é o momento em que o Punk se examina escrupulosamente, fingindo gostar do que vê mas, secretamente, divestindo-se das suas características mais absurdas. O bairrismo de Dury, bem compreendido, tem uma universalidade benvinda, numa altura em que o Rock se fecha em pequenos compartimentos estanques, fazendo caixi nha e abrigando-se de qualquer investida crítica. Public Im age L td — First Edition (Virgin) * * * ‘
John Lydon, ex-Johnny Rotten e ex-símbolo do Punk britâ nico, é dos primeiros a despedir-se do simplismo improdutivo em que caíra entretanto o Punk e a rejeitar o comercialismo ge ral da atmosfera Rock na Grã-Bretanha de fins de 77 e 78. Este seu álbum é importante, não por causa do seu conteúdo musi cal (que tem muito de pretensioso e excessivamente descuida do), mas devido à influência enorme que veio a exercer sobre o Rock pós-Punk na Inglaterra, nomeadamente no anti-Rock. O anti-Rock, propositadamente amelódico e arrítmico, tentava destruir sem reconstruir — apresentar uma colina extrema donde fosse possível vigiar criticamente a corriqueira activida294
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de decorrendo no vale do comércio e da concessão. Exercendo uma influência desmistificadora positiva, e inspirando inúme ras bandas (entre as quais os Gang o f Four, a quem muitos n o mes de 79-80 traçam, por sua vez, a sua descendência), os Pu blic Image não conseguiram, mesmo assim, ir além da sua vi são negativa. Como críticos têm o seu valor — falta saber se poderão construir, dos bocados que arrancaram ao edifício or todoxo da musicalidade Rock, um a alternativa pelo menos viá vel. John Cooper Clarke — John Cooper Clarke (CBS) Uma das consequências mais benéficas do Punk foi a des centralização do Rock, de Londres para as regiões da Inglaterra e depois para a Irlanda e a Escócia, Manchester foi um dos ber ços mais produtivos — John Cooper Clarke, uma espécie de Dylan com histeria verbal, mas também os Buzzcocks, os Ma gazine, os Fali, os Joy División, os Distractions e os A Certain Ratio, dedicaram-se a uma representação implacável e directa da realidade social nos ex-centros degradados da revolução in dustrial. Em vez do escapismo frívolo de grande parte das ba n das londrinas, apanhadas por fantasias confusas de guerrilha urban a e de levantamento popular, as bandas ditas “ indus triais” preocupavam-se sobretudo com o real-existente, cons truindo imagens cinzentas, não pouco melancólicas e sempre indignadas, que constituíam u ma impressão musical da m ono tonia miserável que os rodeava. Jo hn Cooper Clarke, um poeta aquém da expressividade de Dury mas com um talento singu lar para o encadeamento rápido de imagens violentas e desini bidamente surrealistas, foi quem conseguiu com mais facilida de reflectir a sensação de beco-sem-saída, só redimido pelo ab surdo, que caracteriza o Punk-New Wave provincial. Contan do com o gênio da produção que é Martin Hannett, o enqua dram ento musical dos poemas de Clarke é imaginoso e pe rtu r bante, num a rara simbiose de rimas verbais com ritmos frag mentados. Elvis Costelio — This Year’s M odel (Radar) Clash — Give 'Em Enough Rope (CBS) Siouxsie a nd the Banshees — The Scream (Polydor) The Jam — A ll M od Cons (Polydor) Boom tow n Rats — Tonic fo r th e Troops (Ensign) Tom Robinson Band — Power in the Darkness (EMI) 295
The Pólice — Outlandos Outlandos d'A d'A m ou r (A&M) (A&M) * * * * * Em 1978 1978 a acalmia já se havia havia reestabelecido, se é que algu alg u ma vez existiu verdadeira rebelião. Os elementos puros do Punk foram aproveitados para uma nova síntese que não era mais do qu e o Pop P op británico dos anos 60 combinado comb inado com voca voca lizações agressivas e uma maior potência acústica. Os Pólice, po p o rém ré m , cons co nseg eguir uiram am acert ac ertar ar com u m a fórm fó rm u la g e n u ina in a m e n te original ao entrelaçarem subtilmente sub tilmente no seu seu som ritmos ritmos reggae reggae ligeiramente espaçados e modulados, dando uma impressão dum crochet irregular mas percussivamente irresistível. Sem paran pa rantes tesco co n e n h u m com co m o Punk Pu nk (ao contrá con trário rio dos J a m , dos Rats e dos Clash), os Pólice foram a primeira banda da Nova Vaga Vaga do Pop, e “ Outland os d ’Am our’’ é um álbum de lirante m en te fres fresco co e refrescan refrescante. te. Uma Um a outra out ra consequência consequência salutar do reexaminar reexaminar de atitudes que qu e foi, afinal, a New Wave, foi o apa recimento da mulher como parte integrante do Rock, sem ha ver as as conotações sexuai sexuaiss ou de ‘‘novid no vidad ade” e” de outrora. ou trora. A m u lher deixa de ser um objecto ou u m a simples simples intérprete de cria ções ções alheias alheias pa parar rar tom to m ar o seu lugar devido de participan partic ipante. te. Co mo instrumentalista (por exemplo, Tina Weymouth dos Talking Heads), como vocalista assexuada (Poly Sterene), como compositora (Siouxsie Sioux) ou como aquilo que muito bem entendesse. Num mundo tradicionalmente machista, só mu lheres lheres com com o vigor vigor invulgar invulgar de u m a Janis Joplin Jop lin o u dum a Patti Smith haviam conseguido estabelecer-se como artistas de ple nos direitos, sem serem forçados a utilizar os seus corpos ou rostos rostos para serem aceites. aceites. A New Wave limitou-se a abrir um a m ina de talento tragicamente tragicamente inexplor inexplorada ada durante duas déca das. Siouxsie e Poly Sterene dominavam criativamente as suas ban b and d as, as , não nã o pelo pe lo facto fac to d e serem m ulhe ul here ress e estar est ar n a m o d a, mas simplesmente porque eram elas as responsáveis principais pe p e la prod pr oduç ução ão artís ar tístic tica. a. Esta a b e rtu rt u ra indisp ind ispen ensáv sável, el, sem a qual o Rock teria ficado desgraçado, iria concretizando-se à medida que o tempo passava — no fim de 1980 os preconcei tos e inibições responsáveis pelo desequilíbrio estariam já, pelo menos parcialmente, destruidos. B lon lo n d ie — Plástic Letters (Chrysalis) e Parallel Line L iness ( = ) * * * * * Debbie Harry e Chris Stein dominam criativamente os Blondie e os seus dois álbuns de 1978 (sobretudo o segundo) situam-se já no Pop comercial e eficiente que, impelido pelas 296
fórmulas mais ensaiada ensaiadass da d a New Wave, chega à limpid ez n ada complicada comp licada da música de consumo consum o de massas massas.. Os Blondie B londie cedo estabeleceram um a personalidade perso nalidade estilística estilística própria pró pria,, graças graças em grande m edida à vo voz de D ebbie Harry Harry — suficientemente suficientemente d o ce para ser vendável, suficientemente eivada de sexualidade ambígu am bígu a para não ser ser lamecha lamecha e suficientemente emo tiva para não ser monótona, sem cair contudo na histeria apaixonada. Com composições originais inteligentemente construídas, irresistivelmente irresistivelmente melódicas e enriquecidas por po r textos semi-satísemi-satíricos, em estilo de “pastiche” ambíguo, os Blondie oferece is”, ram uma série de clássicos instantâneos do Pop: “D en is”, “Tou “T ou ched che d By Y our ou r Pres Presen ence ce,, D ear”, “Berm uda Triangle” Triang le”,, “Sunday Sun day G irl”, irl”, “Picture Picture T b is", “H eart o f G lass”, lass”, “H anging on the Telephone Telephone ” e ‘ ‘O ne Way o r A n o th e r ' ’. ‘ ‘H eart ea rt o f especialmente mente importante, imp ortante, por abrir o caminho para Glass lass ’ ’ é especial um a recon reconci cili liaç ação ão (por m uito duvidosa) duvidosa) entre en tre a New N ew Wave e o seu arqui-inimigo, o Disco. “Heart o f Glass’ Glass’’’ agradou a gre gos e troianos e, seja qual for o seu valor puramente crítico, é testem unh o da d a espantosa espantosa habilidade hab ilidade e do imaculado profissio profissio nalismo de Debbie Harry e de Chris Stein.
Talking Heads — More M ore Songs Son gs A b o u t B u ildin ild ing g s a n d Fo F o o d (Sire)"" Dtre D tre Straits Stra its — Dire D ire Straits Str aits (Vértigo) Os Heads He ads consolidam a sua vis visão ão inicial, sem se aventurare ave nturarem m demasiado, pelo que “More Son gs” é o álbum álbum deles deles que m e nos satisfaz, seja comercial, seja criticamente. Os Dire Straits são notáveis apenas como o veículo para a técnica ofiginal do guitarrista Mar Mark k Knopfler. Depois de um single arrebatador, o Sultans o f Swing”, Swing”, os Straits apenas se limitaram magnífico " Sult a fazer variações, mais lentas ou não, sobre o mesmo tema, sem jamais jamais largarem largarem o pano-dc-fund o-rítmico do primeiro êxi to. Como tal, este primeiro primeiro álbum álbum resulta, resulta, mas está está m uito lo n ge de ser versáti versátill — os os Straits Straits parecem parecem ser u m a ban b an da vo lunt lu nta a riamente limitada e nada indica que os seus horizontes Se es tendam muito nos próximos anos. Em 1978, a prioridade gozada pelo single agrava-se, atin gindo as proporções duma verdadeira renascença. A maioria dos álbuns álbun s são são pouco mais do q ue u m a col colec ecção ção de singles singles po po tenciais, contrastando desagradavelmente uns com os outros. Mesmo Mesmo assim, assim, e lem brando bran do as limitações limitações atrás atrás mencionadas mencion adas,, é 297 297
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possível faze fa zerr u m a lista lis ta d e lança lan çam m en entos tos excitan exc itantes tes q u e e stim st imu u laram a imaginação colectiva. Singles representativos “Roxanne” e “C an't Stan d Los Losing Y o u ” (Pólice), “Rat Trap" (Boomtown Rats), “W uther utheriing H eights” Kate Bush), “My Best Friend's Girl” (Cars), “Hong Kong Gardens” (Siouxsie and the Banshees), “Public Image’’ (Public Image Ltd), ‘ ‘W ha t a W aste' ‘‘Sex an d Drugs Drugs a n d Rock a n d R o ll' ll' ’ e “H it Me W ith ith Yo ur Rfoyt Rfoythm hm Stick Stick ” (Ian Dury), “Shot By B o th S ides ide s ’’ (Magazine), ‘ ‘W e Are Devo ” e “I Can ’t G et No No Satisfaction” (Devo), “Germ Free Adolescence” (X-Ray Spex), ‘ ‘In to th e Volley Volley ’ ’ (Skids), “Airport” (Motors), “Morning ning o f Our Uves Uves (Modem Lovers), ' ‘Lovely Lo vely D ay ’' (Bill Withers) e “Is This Love ” (Bob Marley). O Melhor single do ano é “J ilte d J o h n ” (Jilted (Jilted John). John ).
1979 Soft A n n e tte tt e Peacock Peaco ck — X-D X -D rea re a m s (Aura) (Au ra) * * * * Jo J o n i M itch itc h e ll — M ingus ing us (Asy (A sylum lum ) * * ' * Rick R ickie ie Le Leee Jo n e s — Rick R ickie ie Lee Jon Jo n es (W arner arn er Bro B ros.) s.) * * * Maria M ariann nnee F a ith ful fu l — Bro B roke ken n E nglish ng lish (Island) * * * *
Rick Rickie ie Le Lee Jones, Jone s, levemente leveme nte tonta, ton ta, como como quem qu em se embriaga com a música da voz humana, apresenta canções graciosamen te anárquicas, com inflexões amorosas de jazz, intensamente pessoais e notávei notá veiss pelo pel o a m b ient ie ntee de irracion irra cional, al, mas be benv nvin inda da felicidade que transmitem. transm item. Marianne Marianne Faithful Faithful está está na nass antípo ant ípo das dessa inexplicável alegria. Surpreendendo o mundo do Rock com o seu vigor interpretativo, Marianne Faithful reapa rece com uma colecção de ataques violentos e amargurados à tradição platónica ou romântica prevalente no Rock, onde a m ulher ulh er é um u m ser ser físic físico, o, igual ao homem em todos os seus seus an seios e inibições, destrutivamente regida pela possessividade e pelo pe lo ciúm ci úmee sexual. sex ual. É u m álb ál b u m po poder deroso oso,, ag agin indo do como u m tónico de emergência sobre os tecidos do sentimentalismo ge ralmente associado às cantoras-compositoras anglo-america nas.
Leo L eon n a rd C ohén oh én — Rec R ecen en t Song So ngss (CBS) * * * * * 298
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Bo B o b D ylan yla n — Slow Traitt Corning (CBS) N e il Y o u n g — Live R u st (Reprise) (Reprise) Mainstre M ainstream am D a v id Bow B owie ie — Lodg Lo dger er (RCA) (RC A) * * * Lou Lo u R e e d — The Bells (Arista) Roxy Ro xy M usic — Man M anifesto ifesto (Polydor) Van Morrison — In to th e M usic (Mercury) * * * *
À parte o reg regre ress ssoo de Leonard Leonard Cohén, Cohé n, 197 19799 foi u m ano a no po- « bre p ara ar a o Rock. Os Roxy Music reap re apar arec ecem em,, já qu quas asee tota to tall- 4 * m en ente te dedicados ao Disco; Disco; Lou Reed faz faz novo volte-face, com consequências pouco brilhantes; David Bowie, tendo assimila do os os ven ventos tos da mudança m udança do do Punk, P unk, produz um álbum m uito inferior aos aos seus seus padrões normais em qu quee se liberta das suas suas in in terrogações de obsolência e Van Morrison lança o seu melhor álbum desde “Veedon Fleece”, algo manchado por referên cias religiosas de pouco interesse, mas à mesma um trabalho recompensador.
lan Dury — Do D o i t Y o u r s e lf (S tiff) * * * * * Elvis C ostello — A r m e d Forces Forces (Radar (Radar)) The Jam — Setting Sons (Polydor) * * * Siouxsie and the Banshees — Jo J o in H ands an ds (Polydor) The Clash — Lond Lo ndo o n Calli Ca lling ng (CBS) * * * Pólice — Reg R egaifa aifa d e Blanc Bla nc (A&M) (A&M ) Publi Public llm m age L td — M e tal ta l Box Bo x (Virgin) (Virg in) * * * Gang Gang o f Four Four — E n terta te rta inm in m e n tl (EMI) (EMI)
A correrí correríaa solta solta e uniform e da d a New Wave de 77-78 77-78 fragmenfragm enta-se em várias equipas (Punk, Mod, Ska, Moderne), rivais, com um a nova ideologia ideologia co comerc mercial ial.. A ideia é reinventar a m ú sica sica Pop dos anos 60 com a ajuda aju da das instruções instruções menos d estru es tru tivas deixadas pelo Punk, procurar um som que seja simulta neam nea m en ente te estim ulante ulan te e acess acessív ível el,, agrade ag rade à crítica crítica e ao público ao mesmo tempo. Entretanto a New New Wave é já um a O ld W a ve, colhendo os frutos da experiência, aperfeiçoando-se tecni camente, came nte, mas deixando de inovar ou de d e romper rom per com as as fórm fór m u las de efeito comercial garantido. Ian Dury, recusando-se a compartimentalizar-se, lança um fabuloso LP multifacetado, bo b o rbu rb u lhan lh andd o n u m a profu pr ofusão são d e ingr in gred edie ient ntes es de desi sirm rman anad ados os (Reggae (Reggae,, Disco, Disco, Rock’n Rock’n ’Roll, Roll, lenga-lenga len ga-lenga vaudeville), que q ue p a rece fazer pouco das “cliques” em que o Rock se parece açoi tar. Elvis Costello politiza as suas letras, possuído da mesma 299
honestidade e do mesmo espírito (por vezes excessivo) de cru zada pessoal q.ue injectara nos seus LPs anteriores — a canção “Oltver’s A r m y ” é uma das mais vigorosas do ano, mas o ál bu b u m te m m o m ento en toss bolo bo loren rento tos. s. Os Ja m , q u e desd de sdee 1977 se vão vão libertando das suas suas infl influênc uências ias,, produz em u m álbum inte int e ligente, vendo-se repentinamente objecto duma adoração de massas p or causa do revivalismo revivalismo Mod. Siouxsi Siouxsie, e, pione pio neira ira da re cuperação de elementos psicadélicos, abandona os maneirismos diletantes (ou, pelo menos, os mais irritantes) dos seus prim pr imor ordi dios os,, enco en cont ntra rand ndo o o apoio apo io técni t écnico co par p araa as suas idéias id éias ex pressio pre ssionist nistas as em ‘Join Hands". Os Clash, prematuros velhotes, aperfeiçoando aperfeiçoando substancialmente a sua qualidad e musical, musical, lançam um duplo-álbum zangado, com acessos de fúria inter calados calados por trechos trechos de inegáv inegável el sentido sentido d e hu m or, que qu e não só não desaponta os aficcionados, como ganha novos adeptos no públ pú blic ico o m ais ai s com co m edid ed ido o e ortod or todox oxo o dos Estados Esta dos Unido Un idos. s. Os Pólice, Pólice, jun tám en te com os os Blondie Blondie os grandes êxi êxito toss 'p e renes’ ren es’ de 1979, não deixam arrefece arrefecerr o entusiasmo entusiasmo inicialme in icialmen n te causado pela sua sofisticada fusão Pop-reggae e aparecem com um álbum tão generosamente cheinho como o anterior, um misto de profissionalismo impecável, exuberância comer cial e letras taciturnas sobre a solidão e a saudade. Os Public ta l Image Im age Ltd dão largas largas às às suas suas ambições anti-Rock anti-Rock em “ M e tal B o x ”, uma experiência curiosa com linguagens melódicas dis sonantes e ritmos repetitivos que paga, aqui e ali, dividendos ( " Poptones" é é uma das grandes composições de 1979)- O ra dicalismo dos PiL só raramente produz resultados positivos, mas pelo meno s houve a corag coragem em de tenta te ntarr cri criar ar um a alternati alterna ti va nu m a altu ra cm q ue o ‘‘experimental experime ntal ’’ não era ainda aind a o con con vencional. Inspirados pela ousadia dos PiL, os Gang of Four tentara ten tara m ada ptar o anti-Rock anti-Rock de maneira m aneira a qu e pudesse pudesse serv servir ir de veíc veícul ulo o p ara um a den úncia efi efica cazz de tod o o siste sistema ma de tr u ques e de fórmulas com as quais quais se m antém a comunidade comun idade de vendedores abastada e a população iludida com uma sensação para pa rasi sitá tári riaa e vazia va zia de d e co c o n ten te n tam ta m e n to. to . D esm es m onta on tan n do o Rock, os os Gang of Four, afinando com o convencionalismo confortável do Pop, Pop , desafinavam. desafinavam. Mais Mais um a vez, vez, é o seu seu idealismo, idealismo, num n um a atmosfera cínic cínicaa e destituíd de stituíd a de integridade, que qu e mais mais impres siona — isso e a sua convicção ideológica, invulgarmente sóli da e articuladamente expressa nas suas melhores anti-canções ( “ 5 .4 .4 5” 5” , “A tH o m e H e’ anti-Rock ck não é e’ss a Touri Tourist st” ”). M aso anti-Ro mais do que isso mesmo — anti-Rock. 300
B-52s B-5 2s — B-52s B-5 2s (Island) *** * Talking Heads — Fear Fear o f M usic (Str (Stre) e) * * * * * Blo B lon n d ie — Ea E a í to th e B e a t (Chrysaits) (Chrysaits) * * * Tom Verlaine — Tom Verlaine (Elektra) * * *
Os B-52s são uma lufada de traquinice adolescente numa maré de bandas que, tal como as raparigas, insistem ser ‘ ‘sé rias” rias” . É um m und undoo meio-apanhado meio-apanhado entre entre um a visã isão “ banda-dcsen -dc senha hada da”” (visualmente, (visualm ente, eles eles são são idênticos a ess esses es velhos h e róis futuristas da TV — os Jetsons) e a mobília grotesca dos anoss 50. A música é furiosamente ano furiosam ente banal, bana l, excitante, in traplanetraplane tária, Pop de latão e de gritinhos, tão emocionante como um filme série B de Hollywood. Acaba por ser uma paródia bem hum orada do sonho sonho americano americano tragicament tragicamentee azedado, captada como frenesim frenesim e histeria, histeria, redim re dimida ida por um estilo estilo que só se se p o de chamar absurdo-pornogr absurdo-pornográfic áfico, o, temperado por condimentos condim entos surrealistas. Os B-52s são desavergonhadamente divertidos e, por po r isso mes m esm m o, u rge rg e n tem te m e n te necessários. Qs Talking Talkingss Heads não têm nad nadaa de divertido divertido em ” Fea Fear o f — um dos álbuns mais assust assustado adores res da ddécada. écada. É u m a M u sic' sic ' ' — série série de poemas po emas sobre co coisas isas qu quee correm correm mal m al — o cidadão cida dão pre p re so na cidade, sem saber saber distinguir o terror do fascínio fascínio,, o solda do na n a guerra, o vicia viciado do na droga — e o am biente bie nte é nervoso, nervoso, in in seguro, sempre muito próximo do pânico. É o retrato doloro samente preciso e pormenorizado duma loucura que pouco se distancia distancia da simples consci consciênc ência ia da realidade urb u rban anaa m ode oderna rna — u m pe pesad sadelo elo pa passa ssand ndoo à fren fr ente te d e olho ol hoss só pa parc rcia ialm lmen ente te cerrado cerrados. s. É o trabalho mais perfeitamente perfeitamen te contido e auto-sufi auto-su fi ciente dos Talkink Heads de sempre. Os Blondie, Blond ie, en entre tretan tanto, to, abriam as asas asas para/ abranger, abranger, o maior maio r nú núm m ero possív possível el de influências influênc ias (e (e de público p úblicos) s) com ' ‘Eaí incoerente e desigual desigual que exi to the B eat", um álbum m uito incoerente bia bi a ale a legr grem emen ente te as h ab abil ilid idad ades es eléctricas.de eléctri cas.de D e b b ie Ha Harry rry e de de Chris Stein, Stein , sem a urgência urgên cia infecciosa infecciosa de ‘ ‘ParedlelUnes’’ e ca da vez mais distante do Rock'n’Roll de gema. A relativa relativa m on onoto otonia nia do ano de 19 19779 é quebr que brad adaa pelo pelo fenó fen ó meno Dois-tons, Dois-tons, um movimento cujo cujo ideal ideal era a união de m ú sicos sicos (e músicas) brancos e negros e que qu e se utilizava utiliza va do d o Ska e do Rock Ro ckste steady ady,, popu po pular lar najam na jam aic a e na Europa nos anos 60, para construir construir um a nova música, música, espéc espécie ie de Ska Ska elaborado, elabo rado, cantado com as vocalizações típicas do Punk. Os pioneiros desta nova onda on da,, refrescantemen refrescan temente te musical e dançável, dançável, foram os Spec Specia ials ls.. Seguiram-se-lhe os Madness, os Selecter e os Beat, e, no ano 301
seguinte, muitas outras bandas que partilhavam dos mesmos princípios e seguiam os mesmos passos de m usicalidade multi-cultural. Duran te os últimos meses de 1979, respirou-se nova m ente o idealismo que se vira em Woodstock e, já em 70, du rante o primeiro surto do Punk. The Specials — The Specials (2-Tone) * * * * * Madness — One Step B eyo nd (2-Tone) * * * * Selecter — Too Much Pressure (2-Tone) * * * Os Specials representam a face sisuda e pensativa do Ska Novo — as suas letras são hinos responsáveis, incitações furio sas à concórdia interracial, denúncias ferozes da m onotonia ur bana, retratos maliciosos dos padrões burgueses do conforto e da estabilidade. O ím peto e a paixão que caracterizam a essên cia do Rock estão neste maravilhoso álbu m, carregado de tud o o que vale a pena na música popular de atracção verdadeira m ente universal. Os Madness, como o nome fielm ente indica, são divertimento puro, dançarinos entusiásticos no rebordo ir reverente da vida, rajada repentina de saxofone, frenesim des motivado de rir, vontade absoluta de não deixar morrer um se gundo sem que seja celebrado. O álbum, refrescantemente original, contém, à parte os entreténs e os gozos, uma peque na obra-prima da agonia doméstica dos amores adolescentes — ‘ ‘My G irl’ a contribuição duradoura dos Madness para o reportório da música popular da juventude. Os Selecter, que completam o triângulo “ skaleno” , estão simultaneamente mais perto das origens do Ska e das fórmulas melódicas preferidas do Pop britânico. As suas letras oscilam entre a gravidade política dos Specials e o humor contagiante dos Madness, com pausas para as canções de amor corriqueiras. Há um realismo directo, um contacto constante com a rua, que distingue os Selecter dos outros dois nomes do Novo Ska de 1979- Não têm porém o poder inventivo, nem sequer a ca pacidade dos Special, e são ligeiramente menos divertidos do que os Madness. O idealismo dois-tons entorna-sc para o ano seguinte, con tribuindo directa ou indirectamente para o aparecimento de novas bandas (Dexy’s Midnight Runners, UB40, Bodysnatchers) que enriquecem generosamente 1980. Outros Bob Marley 302
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Survival (Island) * * * *
lin to n ’K w esi’Johnson — Forces o f Victory (Island) * * * * * As canções de Marley tomam -se mais concretas, mais po liti camente claras, embora ele faça sempre dum humanismo lato a base de todas as suas lutas. Um artífice superior da canção, dá a sensação dum homem com um a inspiração inesgotável, se bem que o seu repertório do fim da década seja por vezes fla grantem ente desenraizado e até demasiado brand o, sofisticado e comercial. Linton ’Kwesi’ Johnson, um poeta cuja expressividade só é igualada por Ian Dury, John Cooper Clarke e David Byrne, lança o que talvez possa ser considerado o m elhor álbum Reggae da década. Palavras que servem de objectivo político, po derosamente pronunciadas, com uma eficácia severa. Música renitentemente rítmica, luxuosamente bordada com motivos melódicos de fascínio quase instantâneo. Teatro de rua, gran de tela de realidade, palco aberto — os textos de Johnson são descritivamente perfeitos, agarrando cada cenário pelos colari nhos e sacudindo-os até saltar cada imagem individual. A voz é grande, furiosa, redonda da verdade que descarrega. Final mente, é um dos álguns mais bem arranjados e produzidos de toda a história do Reggae. O ano de 1979 foi fértil em pretensão — não só Stevie W onder com “The SecretUfe ofPlants ”, mas, inescapavelmente, os Pink Floyd com “The W all”. Enquanto que Stevie W onder conseguiu extrair momentos de prazer estético da experiência (e o seu gênio significa sempre que é incapaz de produzir um a canção medíocre), os Pink Floyd apenas extraíram um single clássico do Pop, convenientemente enriquecido por um coro de crianç^* “AnotherBrick in The Wall (Parí II)’’. O álbum era instantaneamente agradável, dum modo narcótico, mas, com audições sucessivas, revelava-se o equivalente musical do vácuo, arrastado por letras complexadas, inexoravelmente mo nótono, como um funeral a querer passar por renascimento; como os Floyd. Singles representativos “Heart o f Glass’’ (Blondie), “I D on ’t U ke M ondays’' (Boomton Rats), ' ‘Eton R ifles ’’ (Jam), ‘’O liver’s Arm y ’’ (Elvis Costello, “B ahylon’s B u m ing ’’ (Ruts), “Sound o f the Suburbs’’ (Members), “Love Song’’ (Damned), “Message In a Bottle’’ (Pólice), “Prime T im e” (Tubes), “London Calling ’’ (Clash), ' Lucky N um ber ’’ (Lene Lovich), ‘ ‘M oney ’’ 303
(Hying Lizards), “Into the Volley" ( Skid), “Making Plans fo r N ig e l’' (XTC), “Stop Sobbing", "PreciousKid" e "Brassin Pocket ’’ (Prctcndcrs), “A t H om e H e ’s A Tourist ” e ‘‘Damag ed Goods'' (Gang o f Four), ‘‘Mem ories' ’ (Public Image Ltd), ‘‘Typical Girls ' ’ (Slits), ‘ ‘Reasons to Be Cheerful’’ (Ian Dury), "Conscious Man ” (Jolly Brothers), "Money In My Pocket” (Dermis Brown), “ Gangsters” e "Message to you, Rudie’’ (Specials), "One Step Beyond" e "My Girl” (Madness). O single do ano, que fechou a década como ela tinha sido aberta, foi "Tears o f A Clown" (Beat).
1980
Soft A n n ette Peacock — The Perfect Release (Aura) * * * * Em m ylou Harris — Roses in th e Snow (W arner Bros) * * * Joan Arm atrading — Me M yself I (A&M) * * * J o n i M itchell — Shafows o f Ligbt (Asylum) * * * 1980 c o ano do regresso à diversidade, em m uito semelhan te a 1970. Annette Peacock, depois do sumptuoso "X-Dreams" { Aura, 1979), surge com um álbum sedoso e qu ente qu e assalta os sentidos, acordando-os um a um , encharcándo o s em orvalho erótico, interrog ánd oo s ainda com um a inteli gência apaixonada. " Succubus” é a canção-chave, uma espé cie de "Walk on By" de Isaac Haycs, mas no feminino. Emmylou Harris faz um álbum de “ bluegrass” inviolado, cu jas estritas limitações se adaptam perfeitam ente à voz bela mas por dem ais frágil d a cantora. Joan Arm atrading, seqhpra sábia e clara do Rock, m ostra não ter perdido inspiração algtyna pelo caminho, cantando a simplicidade honesta que admira* inte n samente hu m ana , um a fogueira impagável na floresta da m ú sica popular. Ry Cooder — The Long Riders (Warner Bros.) *‘ *e Borderline r=r***
N e il Young — Hawks a n d D oves (Reprise) * * * Jo h n H ia tt — 2 Bit Monsters (MCA) * * * Tom Waits — Heart A tta ck a nd Vine (Asylum ) * * * John Martyn — Grace a n d Danger (Island) * * * A cruzada de Ry Cooder que, praticamente sozinho, se en carrega de manter vivas as tradições musicais americanas do 304
princípio do século (blucs, blucgrass, country, cajún, folk), triunfa com a renovação de estilo e a imaginação melódica con tidas em “Borderline”. Neil Young trabalha o seu tempera mento mais optimista com reflexões ambivalentes, m enos iró nicas do que é habitu al na sua obra, levadas nu m a nova rudeza musical, que tentam enfrentar a realidade norte-americana pós-Watergate. Embora possua um grande vigor inte rp re tati vo, e contenha letras com um ênfase político interessante, ‘‘Hawks a n d Doves ’’ é um dos seus álbuns menos impressio nantes. John Hiatt, um cantor-compositor rigorosamente fiel ao Rhythm and Blues de talentos moderados e pouco especta culares, lança um álbum que é flagrantem ente superior às suas tentativas modestas de outrora, revelando uma consciência aguda e honesta de interpretação, com um a voz invejavelmente sólida e expressiva. Tom Waits, um velho delinquente dissoluto, renitentemente “ beatnik” , é uma das grandes figuras originais do Rock, combinando poemas de inegável hum or, se bem que algo rígidos, coih um a voz lendariamen te tosca e decibélica. Tendo optado por uma maior musicalidade em “Blue Valentine” (78) e experimentado com a melodia cm ‘‘Nighhaw ks a t the D iner’ ’ (79), ' ‘Heart A ttac k a n d Vine ’' é o seu melhor LP de sempre — o único em que h á interesse evi dente aquém da personalidade exuberante de Waits. John Martyn apareceu com mais um LP intransigente, explorando a convincente combinação de elementos americanos (jazz, blues) e britânicos (sobretudo o folk escocês ) que vem perse guind o desde o princípio d a década, e pond o à prova as virtu des mais radicais da viola acústica. Em ' 'Grace andD anger’ o som típico de Martyn é mais acessível, como se tivesse encon trado a comercialidade fortuita que sempre conscientemente evitou. Mainstream Bruce Springsteen — The River (CBS) * * * * Graham Parker — The Up Escalator (Stiff) * * * Bruce Springsteen, cada vez mais perto do Rock and Roll de gem a, aparece com um a colecção de novas canções, como se ti vesse voltado aos seus 20 anos — frescas, rápidas, intensas, de sobedientes, com um êxtase incontido. “ The R iver” é um dos álbuns mais vastos de toda a história do Rock — espaços im en sos, tud o desde o mom ento de pensamento até à alegria da au to-estrada, amores, desamores, o quarto alugado e a nação — 305
e cada canção é um pedaço de vida, brilhantemente inteiro, a pró pria realidade interior e exterior ressuscitada. As melhores canções, cheias de compaixão e de melancolia de libertação frustrada, são as mais contemplativas, mostrando um Springsteen diferente do seu passado — “Independence D a y”, “The R iver”, “P oint B la nk”, “Drive cdl N ig h t ” e “W reck on the N ighway " — debruçado para um a visão mais corajosa e menos pessoal do seu país, com o qual sustem um romance perpetuamente oscilando entre o amor e o ódio. Do ponto de vista negativo, a selecção é menos cuidada do que é hábito em Springsteen, e incluem-se algumas canções de puro Rock and Roll qu e nada acrescentam ou inovam à sua obra ou à música Rock em geral — mas é um senão quase irrisório. Graham Parker, estu dan te valente e imbatível do R’n ’B, não é um compositor original (embora seja sólido), mas imbui todas as suas (re)-recriações duma paixão estoica e é um dos melhores músicos do género, jun tam ente com Van Morrison e Mink de Ville. “The Up Escalator” t excepcionalmente pode roso, um a pureza de comb ate e de atitu de invulgar, melodias pouco imaginosas mas substanciais, letras menos inspiradas mas honestas, um a interpretação vocal furiosa. Depois de três álbums podres, Parker voltava à garra de " H ow ling W in d " e de “Heat Treatment”. Peter Gabriel — (III) (Charisma) * * * * Lou R eed — Growing Up in Public (Arista) * ’ ” Roxy Music — Plesh a n d Blood (Polydor) * * * D avid Bowie — Scary Monsters (RCA) * * * * Peter Gabriel é a grande surpresa de 1980, voltando ao auge da sua criatividade com um álbum fortíssimo, virtuosamente original. A sua capacidade de expressão nunca esteve tão de molidora como aqui — Gabriel atira-se aos limites da sua já de si invulgar flexibilidade vocal e arranca das entranhas um bra do assustador. Ousando encarar a loucura com raiva (em vez de frieza racional), Gabriel corre risco após risco em persegui ção dum a emotividade de instintos, carnal e básica, q ue agarra o ouvinte menos avisado pela garganta. Lou Reed, deixando as responsabilidades musicais a Michael Fonfara, dedica-se pacientemente às palavras, no seu álbum mais bem escrito de sempre. Implacavelmente autobiográfico, honesto e corajoso, o Lou Reed de 1980 é o ensaísta satírico, o romancista que descobriu o realismo e ainda o poeta lírico que 306
não precisa dc esconder a sua ternura sob ambiguidades de ca rácter irónico. “Growing Up in Public” é Reed a fazer-se de velhote trocista e, com canções como “Keep Aw ay ” , “The Po wer o f Positive D rink ing ' ’ e tantas outras, ning uém tem o di reito de reclamar. David Bowie também faz o esforço do exame em "Scary Monsters”, criticando toda a sua obra, desiludido com a sua própria instabilidad e, cansado de si próprio. “Ashes to Ashes” e “ Fasbion” revêem o metamorfismo do supremo criador de modas passageiras, com frequentes alusões amargas à sua carreira profissional, e chegam ao pon to de incrim inar os seus seguidores. Musicalmente, é o álbum mais imaginativo desde “ Low ” , com arranjos ricos e ritmos cripto-Disco, e ver dadeiras melodias. Mas, tal como acontece com Reed, é apenas outra fase, Bowie a brincar à auto-crítica, jogando o jogo da honestidade para ver “ o que d á” . Neste caso, dá certo. Os Roxy Music são Bryan Ferry e Bryan Ferry é o futuro Frank Sinatra, nada mau em “ Flesb a nd B lood ”, um a jóia ar tificial qu e brilha no escuro de repetidas visões do filme “ Ca sablanca” . Não é estritamente Rock, nem sequer estritamente música — mas um am biente luxuoso de gigolos e mulheres de boquilha de metro e m eio, onde a coisa mais real é o sumo da lima no daiquiri. Captain Beefheart — Doc at th e Podar Station (Virgin) Pobert Fripp — Under Heavy M anners/G od Save the Queen (Polydor) Peter H am m ill — Blackbox (S-Type) * * * Brian Eno — Music fo r Airports (EG) * * * A brigada dos visionários de 70 entra por 80 adentro com o ímpeto de crianças a descobrir, pela primeira vez, um xilofo ne. Sempre mais irrequietos que os netos, continuam a reinar aos compositores, com consequências quase sempre estimulan tes. O Capitão lança dois álbuns em 80 ( ‘'Shiny Beast" é o ou tro), o segundo dos quais é um mergulho anárquico na imagi nação desenfreada que, a inda em 60, b rindou o m und o com o maravilhoso “Trout Mask R eplica”. Contando histórias como um ancião orates, à beira do colapso nervoso, Beefheart atinge um a dimensão épica que lhe fica bem. Robert Fripp, outro i n corrigível infante do Rock, faz da sua intransigência uma arte, contando com a ajuda de David Byrne — como todos os tra ba lhos dele, é um álbum que salta do terrível para o sublime, às 307
vezes no espaço de escassos segundos, mas é genuinamente ex perim ental, com momentos de grande luminosidade. Peter Hamm ill, tão inconstante como Fripp, mas muito menos dile tante e precioso, volta (numa etiqueta independente) ao seu modo profundamente pessoal e analítico de escrever, viagens angustiantes ao fundo de si próprio, exorcismo de demônios interiores e um a certa sensibilidade agitada que insiste em não se deixar adormecer. Se Hamill é muitas vezes excessivo, de masiado ansioso em revelar o seu íntimo, em “Blackbox” vol ta ao lirismo violento que fizera falta na sua fase Van Der Graaf Generator. Brian Eno é tudo menos introvertido e emo tivo — é o compositor da racionalidade e da superfície. Ante cipando-se (como muitas vezes acontece com ele) à voga de "muzaque” que emergiría no fim de 80, Eno apresenta uma banda sonora para servir de pano de fundo às actividades de correntes num aeroporto — é musica de fundo sem fundo. Eno trabalha por idéias — como os filmes de Warhol nos anos 60, o resultado prático é de pouca importância — é a ideia que mais fascina. Como tal, ouvir a música de Eno, em 1980, não é tão interessante como ler as suas entrevistas. ‘‘Plateaux ofM irrors”, uma colaboração com Harold Budd, e “Music for Films” completam a obsessão de Eno para a nova década. En tretanto não foi ainda lançado o seu empreendimento com David Byrne — " Life in th e Bush o f G hosts” — que promete ser uma proposta de transcrição musical dos ritmos e lenga-lengas tribais da África Meridional. Flying Lizards — Flying Lizards (Virgin) * * * H um an League — Travelogue (Virgin) * * * Orchestral Manouevres In The Dark — Organisation (Din Disc) * * * Yellow Magic Orchestra — X - 0 - 0 M últiples (A&M) * * * Cabaret Voltaire — Voice o f Am erica (Rough Trade) * * *
1980 foi, talvez tragicamente, o ano das mil e uma bandas electrónicas, todas “industriais” à maneira de Kraftwerk. Os Flying Lizards são a criacção de David Cunningham e foram um momento feliz, se bem que de pouca monta, de minima lismo electrónico. Os Human League, uma banda que, junta mente com os Ultravox de 77-78, foi um dos pioneiros desta “ Cold Wave” , continuaram a fazer boa música Pop sem caí rem no pretensiosismo — tal como os Orchestral Manouevres, cujo single “Electricity” foi um dos melhores do ano. Os Yei-
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low Magic Orchcstra, vindos do Japão, fazem um Disco irreve rentem ente satírico, dançável e frívolo, como convém neste gé nero algo desumano do Rock — é o seu terceiro LP e a sua in fluência sobre as novas bandas electrónicas é muitas vezes me nosprezada. Os Cabaret Voltaire distinguem-se de toda esta leviandade, como Leonard Cohens do sintetizador, produzin do música deslavada c cinzenta, notável pela atmosfera real (e não futurista, ou armada em Flash Gordon) que a perpassa. Nesta mesma veia, mas com menos êxito, há ainda os alemães Deutsche Amerikanische Freundschaft, os ingleses Throbbing Gristle e os americanos Tuxedo Moon — à parte centenas de novas bandas desoladamente monótonas. Mas é um género fútil e perigosamente ridículo — veja-se Gary Numan, os New Musik, os Telex, John Foxx, os Duran Duran e os Visage — que manchou o panorama musical de 1980. Daí que o álbum de 80 dos Devo, sem ser nada de espe cial, fosse benvindo ( “Freedom o f Choice”), assim como o ál bum-estreia dos Silicon Teens ( “Music fo r Parties”). Dentre toda esta série de trabalhos, pode dizer-se com segurança que nenhum será lembrado. É um exemplo flagrante do poder da ‘‘novidade’’ no Rock, e, como tal, será rapidam ente vítima da inevitável saturação que se lhe seguirá. Elvis Costello — G et Happy! (F-Beat) * * * Joe Jackson — Beat Crazy (A&M) * * * lati Dury — Laughter (S tiff) * * * John Cooper Clarke — Snap, Crackle & Bop (CBS) * * * Pólice — Zen ya tta M ondatta (A&M) Skids — The Absolute Game (Virgin) * * * The Jam — S ound AJfects (Polydor) ‘ * * * Clash — Sandinista! (CBS) * * * Pretenden — Pretenden (Real) * * * * * Undertones — H ypnotised (Sire)
1980 foi o ano em que as editoras e as bandas rechearam os LPs com mais do que as 11-12 faixas da ordem — seguindo a deixa das bandas Ska, e tentando atrair novamente o público para a compra de álbuns (cujas vendas haviam progressiva mente caído desde 1978). Elvis Costello meteu 20 canções de Pop impecável em ' ‘G et Happy ” , os Undertones enfiaram 15, os Clash venderam o seu triplo-álbum pelo preço de um, e os Pretenders ofereceram quase uma hora de música no seu exce lente álbum-estreia. 309
Os Pólice, sempre diligentes e activos, despacham um ál bum manifestamente inferior aos dois anteriores, embora as letras sejam melhores. Os Skids, responsáveis por álbuns me nos brilhantes, conseguem dar um salto qualitativo com “The Absolute G am e ' Os Jam lançam uma pequena obra-prima de música anos 60 para o espírito sombrio de 80, mostrando que é possível conciliar um som comercial com letras relevan tes. Os Clash brincam com mil géneros musicais em “Sandinista!” , ganhando em diversidade o que perdem em coerência e integridade. O grande álbum Pop do ano é o dos Pretenders, onde a agressividade e a honestidade telúrica de Chrissie Hynde encontram um veículo sensualmente expressivo. A mú sica é gloriosamente antiquada, espevitada e exuberante — mas é a extraordinária voz de Hynde que foge com todas as honras, a Grace Slick desta década, uma combinação fatal de malandrice e de indignidade, de desejo e de repulsa, de bra dos e sussurros. Os Undertones são a banda humilde e despre tensiosa de 80, o Pop gaiato, imediato e cordato. Canções nor mais sobre a normalidade por jovens normais — no mundo sensacionalista do Rock, os Undertones pareciam perversamen te anormais. Ü-2 — Boy (Island) Echo and the Bunnymen — Crocodiles (Korova) *** The Teardrop Explodes — Killimanjaro (Phonogram) *** Psychedelic Furs — Psychedelic Furs (CBS) ***
1980 foi o ano do chamado “neo-psicadelismo” — um re gresso (outro!) à herança dos Velvet Underground de 1967-68, desta vez com o simbolismo a tomar o lugar da heroína. À par te as letras rebuscadas, a atmosfera semi-melancólica e semi-decadente e as vocalizações pastosas, não é mais do que um Pop barroco, trabalhado, propositadamente ambiguo. Os Bunnymen serão os mais densos e ricos, alcançando uma nova tristeza claustrofóbica nas suas canções mais conseguidas. Os Teardrop Explodes são extremamente melódicos, atirando-se de cabeça para produções grandiloquentes de paladar românti co, embrulhando-as em letras que se esforçam ingloriamente para serem misteriosas. Os Furs são muito menos britânicos e mais fiéis ao seu modelo Velvets, com um tipo de música me nos comercial, mais atabalhoada e fumarenta. É um álbum muito derivativo, mas a teatralidade berlinêsca (que deve mui to a Iggy Pop, Reed e Bowie) das canções tem a sua piada. Os 310
U-2, finalmente, são desenfreadamente poéticos, tentando um Rock lírico qu e aspira apenas à beleza melódica, com coros angélicos, vôos de viola e letras saturadas dum simbolismo “ dan dy” . São talvez a band a menos interessante destas q ua tro, devido ao seu pretensiosismo e à sua evidente falta de sen tido de humor. Magazine — The Còrrect Use o f Soap (Virgin) *** Joy División — Closer (Factory) ***** The Fali — Grotesque (Rought Trade) **** Três bandas nascidas da explosão regionalista que se seguiu ao Punk, oriundas de Manchester mas muito diferentes uma da outra. Os Magazine, peritos proficientes da New Wave não-comercial (distinguindo-se assim dos colegas Pólice, Skids, Talking Heads e companhia), lançam o seu terceiro álbum, impecavelmente tocado, mas pouco mais (o que, no caso dos Magazine, não é pouco). Os Joy División, que lançaram um álbu m interessante mas monótono no ano anterior (“Unknown Pleasures”), produ zem o álbum mais sentidamente belo do ano. Ou antes, o meio-álbum: as faixas “Heart a n d S o u l", “Twenty Four Hours”, “The E te m al’’ e “Decades’’ comemoram uma an gústia branca, um sofrimento calmo, de tal m aneira impressio nantes que parecem transmitir-se, inteiros, ao ouvinte. A voz de Ian Curtis é cheia e resignada, como um Jim Morrison ago nizante, e carrega os poemas taciturnos e saudosos com uma convicção e uma alma que nada têm de teatral ou de fingido. A música dos Joy División é quase clássica, morosa, espiritual, um Blues branco q ue atinge um a expressividade dolorosam en te honesta, implacavelmente triste. “ Closer" surge depois do suicídio de Curtis e, por causa da sintonia mórbida entre o ál bum e a morte, é difícil, a tão curta distância, não se ser in fluenciado pelo facto. Mesmo assim, é um trabalho profundo e perturbante, diferente de tudo o mais que saiu em 80. Os Fali, a banda que serve de pano de fundo rítmico para as recitações convulsivamente instintivas de Mark Smith, começa ram em 77 e “Grotesque" é o seu quarto LP. Os poemas de Smith são estricnina, ferozm ente críticos, quase sempre dirigi dos contra o meio do Rock (bandas, disc-jockeys, críticos, com panhias discográficas). Os Fali são o advogado de acusão do Rock, contra o sistema, contra o escapismo, contra a hipocrisia, contra a hegemonia de Londres, contra o luxo, contra os Esta311
dos Unidos. A indignação de Smith faz lembrar as tiradas do jovem Bob Dylan, a sua vocalização é equilibradamente histé rica e os enquadramentos rítmicos, tipo locomotiva com um maquinista embriagado ou ausente, são demolidores e efica zes. É o regresso' da (verdadeira) canção de protesto. The Passions — Michael a n d Miranda (Fiction) **** Mo-D ettes — The Story So Far (Dream) Slits — Cut (Island) ** * Young Marble Giants — Colossal Youth (Rough Trade) The Raincoats — The Raincoats (Rough Trade) ***
1980 foi o ano em que as bandas femininas ou femininistas deixaram de ser um objecto de curiosidade e afírmaram-se co mo bandas-ponto final. Os Passions são gloriosamente melódi cos, complicados e temperamentais, mostrando a vivacidade tingida de misterio que as bandas psicadélicas procuram mas não encontram. As Mo-Dettes são bilhete-postal, sabor de boulevard, Pop travesso, double-entendre, livro aos quadradi nhos sugestivo e picante, banda a divertir-se com o facto de se rem mulheres, entretem gozando. As Slits são mais sérias, músi ca desconjuntada e espaçada com ritmos quebrados que gosta riam de ser reggae, pioneiras do Pop faça-você-mesmo, incom petentes, desafinadas, mas redimidas pela soltura da sua lata e por letras (feministas) satíricas e mordazes. Os Young Marble Giants têm a voz aguada de Alison Statton, delicada e terna, com um fundo mórbido, sobre instrumentações quase inexis tentes — um minimalismo com melodias esguias que é quase folk na sua tranquila pureza. É um dos álbuns mais fresqui nhos do ano, reduzindo a música aos seus componentes mais essenciais e tirando partido desse (quase) silêncio. As Raincoats são mais ambiciosas, experimentando ideias ao sabor do mo mento, adaptando o som ao poema, esticando os instrumentos para ver o que dá. A versão de “Lola” é um dos singles do ano, mas é a honestidade directa das letras, e a atmosfera des preocupada e desinibida das Raincoats que as salva do diletan tismo. B-52s — W ild Planet (Island) Motéis — Motéis (Capítol) ****e Careful (=)*'*
Os B-52s reaparecem, pouco mudados, mas ainda inspiradíssimos, com o mesmo humor melodramático e uma dançabilidade mais acentuada, provando que são, mais do que um mero 312
“ gadget” , um conjunto genuinamente divertido com um a personalidade própria / deliciosamente imprópria. Os Motéis, graças à voz poderosamente fumarenta de Maritha Davis, são a banda romântica do ano, uma espécie de Rock-cabaré sem des cendência certa, e o primeiro álbum tem uma das grandes can ções de amor da música popular, um clássico instantâneo — “Total Control’’. O segundo álbum, menos pausadamente intenso e mais físico, é menos emocionante. Tedies — Crazy Rhythms (Stiff) Talking Heads — Rem ain in Light (Sire) *****
Os herdeiros directos de Jonathan Richman, os Feelies reve lam o seu Rock fininho, como uma tapeçaria de algodão, te cendo sequências rítmicas elípticas que são a viola eléctrica li bertada do terra-a-terra surumbático do baixo. É Rock à flor da pele, fantasia colorida e pura, transe cristalino e frágil. " Crazy Rhyth m s ” é o grande álbum instrumental de 1980 — um a vi são privilegiada da New Wave como arte inocente, e arroubo. Os Talking Heads, seguindo as setas apontadas em “I Z i m bra" (a primeira faixa de “Fear o f Music") e chamando a si sangue novo, na forma de músicos negros educados no institu to Funk, excedem todas as expectativas como uma viagem ra dicalmente diferente, em direcção à batida cardíaca da música de inspiração africana. Mais um a vez, é Brian Eno a contribuir a “ atmosfera” , enquanto David Byrne fornece a mobília e a festa de fantasmas e de loucos. ‘ 'Remain in Lig h t" é u m júbilo estonteante de dança e paixão, aumentado pelo fjermento ter rível da imaginação lírica de Byrne, sempre obcecado em ex plorar sensações de deslocação e de outridão, como um surrea lista fascinado pelas miúdezas da vida marginal. A obra-prima da esquizofrenia “ funky” , espécie de Sly and the Family Stone para intelectuais que releram “A Náusea” vinte vezes, e talvez o melhor álbum Rock do ano. The Specials — More Specials (2-Tone) ***** Madness — Absolutely (Stiff) The Beat — I Just Can ’t Stop (Go-Feet) ***** Bad Manners — Ska ’n ’B (Magnet) ***e Loonie Tunes ( = ) * * ' UB 40 — Signing O ff (Gradúate) ***** Dexy ’s M id night Runners — Searching fo r the Young So ul Rebels (EMI) 3 13
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Os Specials, em cujos estaleiros nasceu o Novo Ska, são os primeiros a abandonar o barco. Impelidos pelo imediato Jerry Dammers, amotinam-se, lançando um álbum corajoso que as simila géneros anteriormente malditos: O rumba, o chá-chá-chá, e tudo o mais que seja ligeiro e dançável. O LP é dom ina do pelo Yamaha baile-de-sociedade de Dammers, os vocais so rumbáticos de Terry Hall e as improvisações rimadas de Neville Staples, para não falar em marimbas, bongos e um vasto ar senal de “ sabor latino” . Elevando a “ muzaque” ao nivel da arte, é um dos álbuns mais ousados e musicalmente excitantes do ano, enquanto as letras prolongam a crítica social semi-satí rica do primeiro álbum. Os Madness preferem passear pelos carreiros comprovados do Ska e “Absolutely” é muito seme lhante ao seu antecessor, servindo apenas para mostrar que não se haviam esgotado fulminantemente na primeira tentativa. Os Beat são os autores do álbum mais compulsivamente enér gico e esfuziante do ano — recheado de boa música de dança, Ska com Funk com o saxofone levemente Jazz de ‘Saxa’’, abso lutamente irresistível, um gozo permanente de vida, humor e integridade política. Musicalmente, sob todos os aspectos pos síveis, os Beat são a banda Ska mais conseguida e “I Just Can ’t Stop " é o álbum fundamental da imaginação e da vivacidade do novo Ska. Os UB40, embora tenham surgido graças à onda Ska, tocam um reggae branco, não muito diluído, notável pela sua incrível beleza musical. As letras são de carácter místico ou socialista, empenhadas numa recuperação honesta do idealis mo que a década de 70 deixou fugir — cantadas com uma en toação abatida e melancólica, plangente até. É alimento para o coração, fruta madura que parece doce mas ocultando um tra vo amargo, e sobe rapidamente à cabeça. Os Dexy’s Midnight Runners, finalmente, nada devem ao'Ska senão a oportunida de de aproveitar o am biente ávido de música negra para apre sentarem a sua versão contemporânea do velho Soul Big-Band dos anos 60. A música é muito dramática, inegavelmente emotiva, com uma preponderância refrescante de metais, e o vozeirão exaltado de Kevin Rowland a fornecer o ingrediente ‘X’ de originalidade. As letras, contudo, são pateticamente pretensiosas e/ou insignificantes e a arrogância geral da banda é um a distracção infeliz. Assim, embora tenham sido respon sáveis por dois excelentes singles (' ‘Geno " e ‘‘There, There, My Dear”), o álbum é demasiado irregular para constituir 314
uma sementeira para a grande renascença Soul, como preten diam ¿modestamente os Dexys. Bob Marley — Uprising (Island) **** Bum ing Spear — H ail H .I.M . (Island) li n to n ‘Kwesi’Johnson — Bass Culture (Island) **** LKJIn
Dub ( = ) " * Black Churu — Sinsemilha (Island) ** ** 1980 foi um ano invulgarmente bom para o Reggae, não só por causa da nova atenção indirectam ente atraída pelo fenó meno do novo Ska, mas tam bém devido ao grande núm ero de lançamentos (sobretudo em single) de novos artistas, a maioria dos quais radicada na Grã-Bretanha. ‘'Sinsemilla ’’ é o álbum mais estimulantemente enraizado (à parte as letras algo insig nificantes, como na faixa-título, um panegírico amoroso à va riedade Sinsemilla da planta do canábis), enq uanto que o mais musical e textualm ente aventureiro é o de Johnso n. Bob Mar ley não se cansa da sua excelência (e ‘ R edem ption Songs ’’ é um a das canções mais singelas e puras do ano) e Burning Spear regressa com um trabalho que faz lembrar o seu passado (mais) rico. Em 1980 o domínio do single sobre o álbum é completo, o culminar da tendência que arrancou no fim de 1976 com a re novação do Punk e o aparecimento dum panorama editorial saudavelmente amplo e diversificado. Daí que a selecção que se apresenta seja necessariamente condensada, limitando-se a pousar sobre a nata dum grande batido espumoso de música. Singles representativos ' ‘Love W ill Tear Us Apart ”, ‘ ‘Atm osphere ” e ‘‘She ’s Lost Control” (Joy División), ‘‘Fligbt’’ e “Shack-up” (A Certain Ratio), “ Final Day EP" (Young Marble Giants), “ Rescue " (Echo and the Bunnymen), “Blue Boy” e “Simply Thrilled H oney” (Orange Juice), “ Your Cassette Pet” e “ C30 C60 C90 Go!” (Bow-wow-wow), “ The Swimmer” (Passions), “Politics” (Girls At Our Best), “Talk ofthe Town” (Preten dere), 1‘Going Underground’ ’ (Jam), ‘‘Strange Fruit ’’ (Robert Wyatt), “A Song From Under The Floorboards” (Magazine), ‘ Runaway Boys ’’ (Stray Cats), ‘ ‘How I Wrote Elastic Man ’’ e ‘ ‘Fiery Jack ’ ’ (The Fali), ‘‘Electricity ’’ (Orchestral Manouevres In The Dark), “Geno” e "There, There, My Dear” (Dexy’s Midnight Runners), “Steréotypes" e “Do Nothing” (Spc315
ciais), ' ‘Hands O ffS h e ’s M in e' ’, ‘‘Mirror in the Bathroom ’’, ‘‘S ta n d Dow n Margaret/Best Friend' ’ e ‘‘Too Nice to Talk to ’' (The Beat), “Easy Living” (Bodysnatchers), ‘‘Sitting and Watching” (Dennis Brown), ‘‘FoodFor T bo ug ht”, ‘‘IT h in k I t ’s Going To Rain Today” c ‘‘The Earth Dies Screaming” (UB 40), “Redem ption Songs” (Bob Marley) c “I Can't Give You My Love ’' (Gregory Isaacs). O melhor single é ” 1t ’s Obvious/D iet ” (Au Pairs).
Miguel Esteves Cardoso Novembro/D ezembro de 1980 316
Figuras / Música
POP MUSIO/ROCK — 2? edição Philipe Daufouy/Jean-Pierr Sarton, 320 págs. FREE JA ZZ/ BLACK POWER — 2? edição Philippe Carl/Jean Louis Comolli, 328 págs. CORAÇÕES FUTURISTAS (notas sobre Música Popular Brasileña)
James Anhanguera, 324 págs. JOÃO NA TERRA DO JAZE José Duarte
A Regra do Jogo, Edições