SAES, Décio. O conceito de democracia. In: Décio Saes. Democracia. São Paulo: Ática, 1087, p. 7-32. A obra busca esclarecer a definição do tema democracia do ângulo da história das ideias políticas. Propõe uma definição clara e precisa de democracia, seu intuito é fornecer um instrumento de classificação política das sociedades humanas concretas.
A Teoria Marxista de Estado
O Manifesto do Partido Comunista foi um elemento chave na aplicação marxiana dos processos de conservação e transformação da sociedades humanas concretas. Para Marx e Engels existe um Estado onde um homem, detentor dos meios de produção, não usufrui do mesmo, sua utilização é feita por outro homem que, por não possuir meios de produção, subordina-se a aquele que o detém. Alguns homens exploram o trabalho de outros. Isso acontece, porque a coletividade se encontra dividida em classes sociais antagônicas, onde deve existir um complexo de atividades, distintas do estado de produção destinadas a preservar esse estado de coisas.
A função do Estado
Para Marx e Engels, a função do Estado é desempenhar a função de assegurar a continuidade de exploração do trabalho e de preservar a cisão da coletividade em classes sociais antagônicas, na medida em que essas praticam ações destinadas a amortecer o conflito de classes e frustrar a revolução social. O Estado é em última instancia, uma organização social da classe exploradora, isto é, busca proteger os interesses da classe que possui os meios de produção, e conservar essa relação de exploração.
O Estado como organização especializada especializada Para eles, o Estado é um “poder especial de repressão”, consiste em um
grupo de homens especiais, que denominam seus funcionários. São especiais no sentido de que são destacados, parcial ou totalmente, do processo de produção, para que possam desempenhar a função conciliadora entre as classes e frustrar a revolução social. Os funcionários administrativos (aqueles que recolhem os impostos) e os militares (reprimem os comportamentos que impedem im pedem o crescimento dos meios
de produção) na verdade, desempenham a função de amortecer o conflito entre as classes antagônicas. As classes sociais exploradas não desvendam essa verdadeira função porque, nas sociedades compostas por divisão de classes há uma repartição de tarefas entre a classe explorada. O Estado é portanto, a organização especial, a função expressa, “oficial”, de preservar a unidade, a função latente de reproduzir a exploração de
trabalho uns pelos outros. O conceito de Estado era um instrumento necessário, e não suficiente para a explicação dos processos de conservação e transformação das sociedades humanas concretas.
Os tipos históricos de Estado
Os diversos tipos de Estados são resultantes dos diferentes tipos de produção: o Estado Antigo, o Estado asiático, o Estado feudal, Estado burguês moderno. Se em cada sociedade dividida em classes existe uma organização especial de aparência “universalista”, voltada para a defesa do interesse geral
de uma única parte (classe exploradora) da coletividade, o modo de organização pode variar, assim como a forma de exploração do trabalho.
Forma de Estado e regime político
O Estado é sempre um organização especial, um corpo de funcionários cuja função é praticar uma série de atos destinados a amortecer o conflito entre as classes sociais antagônicas. A forma de Estado varia conforme a sociedade, cada Estado impõe limites diferentes ao conflito de classes. O processo de implementação política é feito através dos funcionários do Estado juntamente com a classes exploradora. O processo de definição ou execução da política de cada Estado é o que chamamos de regime político. Deste modo, assim como varia a forma de Estado, varia também o regime político, ou seja, cada forma de Estado corresponde a um regime político. Recorremos a expressão democracia para designar ao mesmo tempo, uma forma de Estado e um regime político. O que é possível em qualquer tipo de Estado é o relacionamento entre o corpo de funcionários e a classe exploradora, no terreno da implementação da política de Estado.
A democracia como forma de Estado e como regime político
A democracia como forma de Estado implica a presença de algum órgão de representação direta da classe exploradora no seio da organização estatal total. É preciso também que tal órgão intervenha de fato no processo de definição ou execução da política do Estado. Não basta que o Estado abrigue uma Assembleia, onde se reúnam todos os membros da classe exploradora para que haja democracia. Se essa Assembleia não for capaz de intervir no processo decisório e se estiver reduzida ao desempenho de um papel decorativo, a forma assumida pelo Estado não é a democrática. Dentro dos limites dessa forma de Estado, podem variar tanto no seu número quanto no grau de abrangência do órgão de representação direta da classe exploradora quanto o seu modo de intervir no processo de definição/ execução da política do Estado. A Assembleia poderá conceder assentos para todos os membros da classe exploradora (democracia direta) ou limitar-se a um número restrito (representatividade). Todo Estado é uma ditadura, ou seja, é um órgão opressor, capaz de aplicar até mesmo a violência material para garantir a continuidade da exploração do trabalho. A democracia também é um regime político, onde um Estado de qualquer tipo, assuma a forma democrática e é necessário que membros da classe exploradora possam exprimir abertamente sua intenção de participar do processo de definição da política e imprimir uma certa direção da política do Estado. Portanto, a cena política democrática consiste na vigência efetiva das liberdades políticas para o conjunto de membros da classe exploradora. Quando a plataforma política do Estado possua apoio unanime, dizemos que ela assume um caráter consensual, abrindo pouco espaço para o pluripartidarismo. Lenin sustenta que com a transformação da coletividade baseada em classes sociais antagônicas numa coletividade sem classes, aumentam a extensão e o grau de desenvolvimento da democracia. Alguns autores definem a democracia como um método de seleção de lideranças governamentais através de competição eleitoral. Agora a expressão democracia apresenta-se como um programa político.
A democracia como programa
Marx e Engels sustentaram que o proletariado deveria constituir um Estado dotado de características organizacionais inéditas e estabelecer um novo padrão de relacionamento entre classe dominante e organização estatal. Segundo eles, o Novo Estado proletário deveria assumir o controle efetivo dos funcionários pelos trabalhadores manuais, rotatividade de
desempenho nas tarefas administrativas e militares, estabelecimento do “governo da maioria”.
A democracia proletária designa a esfera não-estatal; a gestão de massa, efetivada pela organização dos trabalhadores de cada unidade de produção particular e do conjunto do aparelho produtivo; o desempenho direto, pela produção armada, das tarefas de defesa nacional; a resolução pré judiciária, nos próprios locais de trabalho ou de habitação, dos conflitos individuais etc. A expressão democracia é submetida a uma torção semântica de uma variante do Estado à essência do Estado; e do Estado no não-Estado ou antiEstado.