FICHAMENTO - Chesnais, François – A Mundialização do Capital Capítulo 1 - Decifrar palavras carregadas de ideologia As publicações que fazem a mais extremada apologia da "globalização" e do "tecno-globalismo" apresentam esse mundo que está nascendo como "sem fronteiras" (borderless, título do livro de 1990 de Ohmae) e as grandes empresas, como "sem nacionalidade" (stateless, expressão empregada pela influente revista Business Week, 1990). Termo Termoss vagos vagos e ambígu ambíguos: os: Esses Esses termos termos,, portan portanto, to, não são neu neutro tros. s. Eles Eles invadi invadiram ram o discur discurso so polític políticoo e econômico cotidiano, com tanto maior facilidade pelo fato de serem termos cheios de conotações (e por isso utilizados," de forma consciente, para manipular o imaginário social e pesar nos debates políticos) e, ao mesmo tempo, vagos. O termo de origem francesa "mundialização" (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, alem da constataçao de ser o ingles a lingua por excelencia do capital, também,com certeza, pelo fato de que o termo "mundialização" tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos "global" e "globalização". A palavra "mundial" permite introduzir, com muito mais força do que o termo "global", a idéia de que, se a economia se mundializou, seria importante construir depressa as instituições políticas mundiais capazes de controlar o seu movimento. Ora, isso é o que as forças que atualmente regem os destinos do mundo não querem de jeito nenhum. Os grandes grupos" industriais ou operadores financeiros internacionais, que acabam de recuperar uma liberdade de ação que não conheciam desde 1929, ou talvez mesmo desde o século XIX, estão ainda menos dispostos a ouvir falar de políticas mundiais coercitivas. Ocorreu uma liberalização muito ampla do comércio exterior. Mas seu efeito foi sobretudo fa cilitar as operações dos grupos industriais multinacionalizados. É o que se manifesta na importância do intercâmbio intracorporativo (40% do comércio dos EUA e do Japão), e sobretudo do nível dos suprimentos internacionais em produtos semielaborados e produtos acabados, organizados com base em terceirização internacional. O capital produtivo agora está à vontade para pôr em concorrência as diferenças no preço da força de trabalho entre um país - e, se for o caso, uma parte do mundo - e outro. Para isso, pode atuar, seja pela via do investimento, seja pela da terceirização. Adaptar-se às imposições dos mercados financeiros? f inanceiros? Em 1993, só a liquidez concentrada nas mãos dos fundos· mútuos de investimento (mutual funds), companhias de seguro e fundos de pensão atingia 1 26% do PIB dos EUA e 165% do PIB do Reino Unido. No mesmo ano, as admi admini nist stra rado dora rass amer americ ican anas as e euro europé péia iass dess desses es fund fundos os (men (menos os de 500, 500, as que que real realme ment ntee inte intere ress ssam am)) concentravam em suas máos, sem contar ·os bancos e fundos japoneses, 8 trilhões de dólares. Mesmo que na época apenas uns 5% dos fundos estivessem investidos sob forma de carteira de divisas - proporção que se elevaria a 12% em 1 995 -, já são 400 bilhões de dólares que podem ser mobilizados só por esse grupo de operadoras. A partir daí compreende-se por que os 300 bilhões de dólares que o Banco da França e o Bundesbank Bundesbank alemão empenharam conjuntamente para tentar preservar o Sistema Monetário Europeu (SME), em julho de 1993, não foram suficientes para frear os ataques contra o franco e por que os bancos centrais não têm mais meios de "punir" os especuladores. Internacionalização Internacionalização do capital e mundialização A idéia subjacente a esta obra é que a mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas.
Aspectos importantes da mundialização: O IED (investimento externo direto) suplantou o comércio exterior como vetor principal no processo de internacionalização. O IED caracteriza-se por alto grau de concentração dentro dos países adiantados, especialmente os da Tríade. Esse acerto de alvo se fez às custas dos países em desenvolvimento. O chamado intercâmbio intrasetorial é a forma dominante do comercio exterior. Caracteriza-se pelo intercâmbio intragrupo, no quadro dos mercados privados das multinacionais, bem como por suprimentos internacionais, organizados pelos grupos, em ínsumos e produtos acabados. A integração horizontal e vertical das bases industriais nacionais separadas e distintas está ocorrendo a partir do IED. Os grupos industriais tendem a se reorganizar como "empresas-rede". As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de comp lexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes grupos a reconCIliar a centralização do capital e a descentralização das operações, explorando as possibilidades proporcionadas pela teleinformática e pela automatização. O grau de interpenetração entre os capitais de diferentes nacionalidades aumentou. O investimento internacional cruzado e as fusoes-aquisiçoes transfronteiras engendram estruturas de oferta altamente concentradas a nível mundial. Sobre essa base, houve o surgimento de oligopólios mundiais num número crescente de indústrias. Constituídos sobretudo por grupos americanos, japoneses e europeus, eles delimitam entre si um espaço privilegiado de concorrência e de cooperação. Esse espaço é defendido conta a entrada de novos concorrentes de fora da área da OCDE, tanto por barreiras de entrada de tipo industríal quanto por barreiras comerciais regidas pelo GATT. A ascensão de um capital muito concentrado, que conserva a forma monetária, a qual favoreceu, com grandes lucros, a emergencia da "globalização financeira", acentuou os aspectos financeiros dos grupos industriaIS e imprimiu uma lógica financeira ao capital investido no setor de manufaturas e serviços. O movimento da mundialização é excludente. Com exceção de uns poucos "novos países industrializados", que haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento industrial que lhes permite introduzir mudança na produtividade do trabalho e se manterem competitivos, está em curso um nítido movimento tendente à marginalização dos países em desenvolvimento. Esse movimento caracterizou-se, na década de 80, por um claro recuo dos IEDs e das transferências de tecnologia aos países em desenvolvimento, bem como por um começo de exclusão de vários países produtores de produtos de base, em relação ao sistema de intercambio. A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às politicas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o inicio da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan. A perda, para a esmagadora maioria dos países capitalistas, de boa parte de sua capacidade de conduzir um desenvolvimento parcialmente autocentrado e independente; o desaparecimento de certa especificidade dos mercados nacionais e a destruição, pata muítos Estados, da possibilidade de levar adiante políticas , próprias, não são conseqüência mecânica da globalização, intervindo como processo "externo", sempre mais coercitivo, impondo a cada país, a seus partidos e a seus governos uma determinada linha de conduta Sem a intervenção política ativa dos governos Thatcher e Reagan, e também do conjunto dos governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a implementação de políticas de desregulamentação, de privatização e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido destruir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles de se expandirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente. Terceirização: essas técnicas de organização servem principalmente aos grandes grupos, os que emitem pedidos, para fazer recair sobre as firmas "terceiras" os imprevistos conjunturais e para impor aos assalariados dessas firmas o peso da precariedade contratual, combinado com níveis salariais bem inferiores.
Concentração transfronteiras e oligopólio mundial: Observar a hierarquia das regiões a serem exploradas, segundo o interesse que têm para os países e grupos que constituem o oligopólio, bem como a rede mundial dos pontos que lhe estão mais estreitamente associados. Espaço de rivalidade industrial. Esse espaço é um lugar de concorrência encarniçada, mas tambem de colaboraçao entre os grupos. A ele pertencem, essencialmente, grupos originarios de um dos três pólos da Tríade, pois as relações constitutivas do oligopolio sao por si mesmas, de modo intrínseco, um importante fator de barreIra de entrada, ao qual podem agregar-se, depois, outros elementos. Mundialização e agravamento da polarização No enfoque das "business schools", o termo "global" se refere à capacidade da grande empresa de elaborar, para ela mesma, uma estratégia seletiva em nível mundial, a partir de seus proprios interesses. Esta estratégia é global para ela, mas é integradora ou excludente para os demais atores, quer sejam países, outras empresas ou trabalhadores. A extensão indiscriminada e ideológica do termo, tem como resultado ocultar o fato de que uma das características essenciais da mundialização é justamente integrar, como componente central, um dupo movimento de polarização, pondo fim a uma tendência secular, que ia no sentido da integração e da convergência. Há uma polarização interna a cada país (concentraçao de rendimentos numa exígua parcela da sociedade), e outra internacional. Os países da periferia são países que praticamente não mais apresentam interesse, nem econômico, nem estratégico (fim da "guerra fria"), para os países e companhias que estão no centro do oligopolio. São pesos mortos, pura e simplesmente. Não são mais países destinados ao "desenvolvimento", e sim áreas de "pobreza (palavra que invadiu o linguajar do Banco Mundial), cujos emigrantes ameaçam os "países democráticos". Observa-se uma nítida tendência à marginalização dos países em desenvolvimento. Essa tendência esteve marcada, nos anos 80, por um forte recuo dos IEDs e das transferências de tecnologia destinados à grande maioria desses países, bem como por um início de exclusão, do sistema de intercâmbio, de muitos países produtores de produtos básicos. Esses países foram golpeados em cheio, ao mesmo tempo, pela conjuntura mundial e pelas transformações tecnológicas ocorridas no centro do sistema, no sentido de substituição dos recursos tradicionais por produtos intermediários industriais, provenientes de indústrias intensivas em pesquisa e desenvolvimento (novos materiais e biotecnologias). E.M.Mouhoud (1993) utiliza o termo "desconexão forçada" para caracterizar essa marginalização de áreas inteiras dos continentes, em relação ao sistema de comércio internacional. A civilização da mundialização - indústrias de "mídia" - campo importantíssimo da valorização do capital - essas indústrias tiveram um papel importante em reforçar o nivelamento da cultura e, com isso, a homogeneização da demanda a ser atendida a nível mundial.