Sophia de Mello Breyner Andresen A Noite de Natal
PERSONAGENS: NARRADOR JOANA MANUEL CRIADA 1 CRIADA 2 PAI COZINHEIRA GERTRUDES MÃE TIO JOÃO TIA PRIMO PEDRO PRIMO SAMUEL MELCHIOR GASPAR BALTAZAR
Narrador: Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta. No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. ( Entra Joana e fica a brincar debaixo da árvore)
Com musgo e ervas e paus fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões. Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos, mas os meninos faziam troça das suas brincadeira. E ela ficava triste ( Joana senta-se e põe a cabeça entre as mãos) E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha. Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro. ( Joana senta-se e vê passar outra criança. Nota-se que era pobre pois vem vestido com roupa remendada. O rapaz vem, contudo, saltando e feliz)
JOANA: — Ah! (diz Joana em voz baixa) Parece um amigo. É exatamente igual a um amigo. ( Joana põe-se de pé e grita) — Bom dia! MANUEL: ( Virando a cabeça em direção a Joana e sorri) — Bom dia! A cena fica como em pausa, com as duas crianças a olhar um para o outro.
NARRADOR: Ficaram os dois um momento calados. Tudo agora parece um mundo infindável de esperança. “Será que vou ganhar um amigo?”, tenho a
certeza absoluta de que é isto que estavam os dois a pensar. JOANA:Como é que te chamas? MANUEL : Manuel. JOANA: Eu chamo-me Joana.
E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouve-se tocar ao longe o sino de uma quinta.
MANUEL:O teu jardim é muito bonito. JOANA: É? Achas? Queres vê-lo melhor? MANUEL: Claro. É mesmo muito bonito. JOANA: Oh ...vem ver. Joana pega na mão de Manuel e passeiam pelo jardim
NARRADOR: Para a Joana aquilo era o céu. Alguém se interessava pelas suas casitas de musgo, pelo seu jardim. E parecia verdadeiro. O Manuel olhava uma por uma cada coisa. JOANA: (Com um entusiasmo contagiante)- Olha, aqui é o tanque e tem uns peixes vermelhos espetaculares. Ali está o nosso pomar. Temos pereiras , macieiras e laranjeiras. Apetece-te uma laranja? (Sem dar muito tempo a obter a resposta, Joana tira uma laranja da árvore e estica-a para o Manuel)
MANUEL: AH....sim, muito obrigado. JOANA: Não tens que agradecer. Podes comer quantas quiseres. SÃO DE-LI-CIO-SAS. Anda ...vou dar-te a conhecer os meus cães.
NARRADOR: (As crianças andam à volta do palco enquanto o narrador fala, fazendo gestos de ver, observar, tocar nas coisas que o narrador menciona)
Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas e as flores. MANUEL : (com uma voz um pouco triste) - É lindo, é lindo. JOANA: Olha, aqui é o cedro. É aqui que eu brinco. (Os dois sentam-se sob a sombra redonda do cedro.)
NARRADOR: A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar. JOANA: Olha Manuel...vamos construir uma casa para o rei dos anões. MANUEL: Boa! Olha...vou buscar aquelas pedras e os paus que estão ali. JOANA: Eu vou por um pouco de musgo por cima do telhado. (As duas crianças brincam construindo a casa. Soa uma musica alegre. De vez em quando uma criança ri e outra responde.) Som de um apito de uma fábrica.
MANUEL: (Olhando para onde veio o som e levantando-se) Meio-dia ! Tenho de me ir embora. JOANA: Onde é que tu moras?
MANUEL: ( Apontando) Além nos pinhais. JOANA: É lá a tua casa? MANUEL: É, mas não é bem uma casa. JOANA:Então? MANUEL: O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia mas não temos dinheiro para ter uma casa. JOANA: Mas à noite onde é que dormes? MANUEL: O dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro. E por esmola dá-me licença de dormir ali também. JOANA: E onde é que brincas? MANUEL: Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte. JOANA: ( pondo as duas mãos nos ombros do Manuel) E agora brincas comigo. (triste) Mas eu não posso sair deste jardim. MANUEL: Não há problema. Amanhã volto para brincar comigo. (Manuel afasta-se correndo olhando para Joana, que fica debaixo do cedro, fazendo adeus) (Apagam-se as luzes do palco. Foco só no Narrador)
NARRADOR: Daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro. Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro. E foi assim que Joana encontrou um amigo. Era um amigo maravilhoso. Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal. (Acendem-se as luzes do palco. Cenário de um salão com uma mesa quase preparada para a ceia de Natal. Entra Joana com o vestido azul...alisando a saia do vestido...olhando para o espelho)
(Som de vozes...pessoas a falar. Joana corre até ao outro lado do palco e faz gestos como se estivesse a ouvir . Ri-se e corre para ver a mesa.) Entram duas criadas com pratos na mão.
CRIADA 1 – Ó menina Joana. O que está a fazer? JOANA: (Dá um salto assustada) – Ah? Eu? Ahhhh..nada. Estava só a olhar para o armário. As criadas colocam os seus pratos na mesa e começam a ajeitá-la. Vão ao armário buscar coisas...Joana segue-as e vai perguntando. CRIADA 2 – Menina Joana ...Se os seus papás a apanham a cirandar por aqui,
não vão gostar lá muito. CRIADA 1- Vá, vá lá para a saleta que os seus primos devem estar quase a chegar. JOANA: Mas porque é que só abrimos o armário na Páscoa e no Natal? CRIADA 1- Ó menina...saia da frente...deixe-nos por a mesa. CRIADA 2- Se chegam os convidados e não temos a mesa posta é um sarilho. JOANA: Mas eu gostaria tanto de poder brincar com estas coisas. Parece uma caverna cheia de maravilhas...e segredos.
CRIADA 1- E partir qualquer coisa? Não senhora. A senhora Gertrudes e os seus pais ...ui ui...não quero nem pensar. CRIADA 2- Ah ah ah ah (rindo-se)....eu até que gostaria de ver a cara da Gertrudes se se partisse qualquer coisa. ( riem-se as duas criadas ) (As criadas continuam num vaivém trazendo copos e pratos. Joana segue-as para trás e para diante)
JOANA: Para mim são coisas encantadas. Olhem só para esta menina...é uma campainha ( agita a boneca . Ao mesmo tempo a criada 1 retira a boneca da mão da Joana e guarda-a no armário. Fecha o armário à chave)
CRIADA 1: Pronto menina. Já está. Não se amarrote. CRIADA 2: Vá para a saleta esperar os seus primos. Vá vá..andor. Está quase na hora. Saem as criadas. A criada 1 alisa o vestido de Joana e sai um pouco à pressa. Joana fica e dá uma volta à roda da mesa.
NARRADOR: Era uma festa. Era o Natal. Mas a Joana tinha que ir ao Jardim porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são diferentes. Abriu a porta da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio brilhava. As folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os ramos nus desenhavamse no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos. JOANA: (Olhando para o céu) Que bonita esta escuridão onde as estrelas cintilam. mais claras do que tudo. Entra o pai e acerca-se a Joana.
PAI: Joana, que fazes aqui ao frio? JOANA: Oh pai...já viste como no céu de Natal há uma festa enorme com milhões e milhões de estrelas brilhantes? PAI: Ai a minha Joana. Pois sim é muito verdade. Há uma festa no céu. JOANA: Cá em baixo há muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu a festa é maior, com milhões e milhões de estrelas. PAI: Vem para dentro...está frio. E os tios e os primos estão a chegar. JOANA: Posso ficar uns minutos mais? PAI: Pronto...um pouco só. (o pai beija a frente da Joana e sai. Joana ficou algum tempo com a cabeça levantada. Depois volta para casa e fecha a porta . Entra a criada 2. )
CRIADA 2: Ó menina...ainda por aqui? Porque não está na saleta? JOANA: Ainda falta muito tempo para o jantar? CRIADA 2: Ainda falta um bocadinho, menina. (Saindo sem olhar para a Joana) . Apagam-se as luzes do palco. Foco no narrador .
NARRADOR: Então Joana foi à cozinha ver a cozinheira Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas quentes sem se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo. Joana achava-a a pessoa mais importante que ela conhecia.
Acendem-se as luzes do palco. Cenário de uma cozinha. A cozinheira Gertudes está debruçada a ver o forno. Entra a Joana.
JOANA: Gertrudes, ouve uma coisa. (Gertrudes levantou a cabeça como assustada e parecia tão assada como os perus.)
GERTRUDES: O que é? JOANA: Que presentes é que achas que eu vou ter? GERTRUDES: ( andando de um lado para o outro preparando a comida. Joana vai a seguindo...falando) Não sei menina. Não posso adivinhar. JOANA: Tu sabes muita coisa... GERTRUDES: Oh menina...não é altura para perguntas. Tenho que terminar a ceia. Porque não está na saleta? JOANA: ( olhando para o teto...mão na boca como se estivesse a pensar. Para um pouco e pergunta) E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes? GERTRUDES: ( Não parando de trabalhar) Qual amigo? JOANA: O Manuel. GERTRUDES: Ai a menina...não me deixa trabalhar. JOANA: Responde lá Gertrudes. O Manuel terá muitos presentes? GERTRUDES: O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns. JOANA: ( parando admirada) Não vai ter presentes nenhuns!? GERTRUDES: Não! (abanando a cabeça ) JOANA: Mas porquê, Gertrudes? GERTRUDES: ( Parando...e pondo uma mão na cara da Joana) Porque é pobre, Joana e os pobres não têm presentes. JOANA: Isso não pode ser, Gertrudes. GERTRUDES: ( Voltando ao trabalho e fechando a porta do forno) Mas é assim mesmo! Joana fica parada no meio da cozinha. Apagam-se as luzes. Foco no narrador.
NARRADOR: Gertrudes conhecia o mundo. Todas as m anhãs a ouvia discutir com o homem do talho, com a peixeira e com a mulher da fruta. E ninguém a podia enganar. Porque ela era cozinheira há trinta anos. E há trinta anos que ela se levantava às sete da manhã e trabalhava até às onze da noite. E sabia tudo o que se passava na vizinhança e tudo o que se passava dentro das casas de toda a gente. E sabia todas as notícias, e todas as histórias das pessoas. E conhecia todas as receitas de cozinha, sabia fazer todos os bolos e conhecia todas as espécies de carnes, de peixes, de frutas e de legumes. Ela nunca se enganava. Conhecia bem o mundo, as coisas e os homens. Acendem-se as luzes do palco Joana está calada a cismar no meio da cozinha. Entra a criada 1 .
CRIADA 1 : Menina ...que faz aqui ? Que faz aqui? Agarra Joana por um dos braços e “arrasta -a” para fora da cozinha. - Já chegaram os primos. Apagam-se as luzes do palco. Som de muita gente a falar. Soa musica de natal.
Acendem-se as luzes. Cenário da mesa com a árvore de Natal...com alguns presentes e que as personagens, à medida que vão entrando vão colocando mais. A mãe e o pai estão com a Joana ao pé. De um lado estão as duas criadas. Os tios os primos vão entrando, bem como os avós. Todos vão cumprimentando-se. A
MÃE: Olá querida irmã. Boa noite....e bom Natal. TIA: Ah...minha maninha! Que saudades! PAI: João. Então essa viagem? Tudo calmo? TIO JOÃO: Claro que sim... um pouco de frio. Aqui estes dois estiveram a dormir todo o tempo. TIA: Pelo menos não estiveram todo o tempo com os jogos. MÃE: Que crescidos estão desde o Verão. PRIMO PEDRO e PRIMO SAMUEL: (Em uníssono) : Bom Natal! E correm para dar um abraço aos tios...e outro à Joana.
TIO: E a minha querida Joana...estás tão bonita! JOANA: Obrigado padrinho. PAI: Aqui não é sítio para conversar...vamos para a sala de jantar e conversamos à mesa. TIA: Parece-me muito bem. TIO: E estes presentes? MÃE: AHAAHAH...sei quem vai ficar radiante com eles. Não é meninos? CRIANÇAS: PRESENTES...PRESENTES! MÃE: Vá ponham os casacos neste banco...e os presentes....( é interrompida pela Joana)
JOANA: Debaixo da árvore!!!
NARRADOR: Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as pessoas riam e diziam umas às outras: «Bom Natal». Os copos tilintavam com um barulho de alegria e de festa. JOANA: Mãe, como será o Natal do Manuel? MÃE: Oh minha filha. Não sei como será...mas será diferente do teu. JOANA: Por quê diferente? MÃE: Pois filha...sabemos que o Manuel, infelizmente, é pobre. TIO: Quem é o Manuel? PAI: Um amiguinho que vem todos os dias brincar com a Joana. Muito bom rapaz. TIA: E é pobre então? MÃE: Sim . Coitado . É órfão de pai...e vive numa espécie de estábulo. TIA: Estábulo? Como no presépio? JOANA: Com certeza que a Gertrudes se enganou. PEDRO: Enganou-se com o quê? JOANA: O Natal é uma festa para toda a gente. SAMUEL: Pois é...mas como é que ela se enganou? JOANA : Ela disse que o Manuel não tinha presentes. MÃE: De certeza que ele também terá presentes. TIA: Claro que sim. PAI: Amanhã falas com ele verás que sim ele terá tido presentes. JOANA: Verdade?
Apagam-se as luzes...foco no narrador.
NARRADOR: E consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como antes. O jantar do Natal era igual ao de todos os anos. Primeiro veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de ovos, depois as rabanadas, depois os ananases. Acendem-se as luzes e a arvore de natal está no centro.
TIO: Este ano parece que há mais presentes TIA: O menino jesus foi mais generoso este ano. PAI: Parece que sim. Aqui todos temos direito a presente. MÃE: Todos mesmo...Gertudes...Sofia...Ana. Venham cá que está na hora dos presentes. Entram a cozinheira e as criadas. Sentam-se ao redor da árvore com a família.
JOANA: Já a árvore de Natal 9 vezes e é sempre como se fosse a primeira vez. SAMUEL: É como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. PEDRO: Ora...é o Natal. E por isso a árvore enche de luzes bolas. TIA: E sabem por quê? SAMUEL: Não. TIA: Em memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra. TIO: E no presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro também servem o mesmo propósito. PEDRO: Parecem estar a ter uma conversa. PAI: Sabem...é uma conversa que se vê...mas que não se ouve. NARRADOR: Joana olhava, olhava, olhava. Às vezes lembrava-se do seu amigo Manuel. SAMUEL: (puxando-a por um braço .) Joana, ali estão os teus presentes. JOANA: Vou abri-los um por um. TIO: Creio que vais gostar muito deles. JOANA : Claro que sim. Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios de desenhos a cores, a caixa de tintas. Todos riem e conversam. Todos mostram uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo tempo.
MÃE: São onze horas e meia. São quase horas da missa. PAI: E são horas de as crianças se irem deitar. CRIANÇAS: JÁ??? TIO: Sim ..Amanhã terão muito tempo para brincar. Amanhã almoçamos aqui. A família sai e as criadas também.
PAI: Boa noite minha querida. Dorme bem. Bom Natal.
MÃE: Bom natal minha filha. Bom Natal. Gertrudes encarregue-se de deitar a Joana por favor. GERTRUDES: Sim senhora. Os pais saem .
JOANA: Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade? GERTRUDES: O que é que eu disse? JOANA: Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm presentes. GERTRUDESEstá claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore do Natal, nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres. Têm a pobreza. JOANA: Mas então o Natal dele como foi? GERTRUDES: Foi como nos outros dias. JOANA: E como é nos outros dias? GERTRUDES:Uma sopa e um bocado de pão. JOANA: Gertrudes, isso é verdade? GERTRUDES: Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar porque estamos quase na meia-noite. JOANA: Boa noite Gertrudes. Bom Natal! Gertrudes dá um beijo à Joana e sai de cena.
JOANA : Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. São tal e qual os presentes que eu queria. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada. Que frio, que escuro e que triste lá deve estar! Amanhã vou-lhe dar os meus presentes. (Suspira...pausa e segue) Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal. Joana corre veste um casaco e apanha os presentes. Sai de cena. Apagam-se as luzes. Foco no narrador.
NARRADOR: A noite estava escura e silenciosa. Ninguém passava. O Manuel estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o pinhal. Soam as doze badaladas. O narrador grita para o outro lado do palco.
Corre Joana. Ainda é Noite de Natal. Não tenhas medo...continua e não tenhas medo. Cenário escuro. Joana entra a caminhar lentamente. Olha para todo o lado. Os braços cruzados como se tivesse frio.
JOANA: (olhava em todas as direções) Para que lado ficará a cabana? Como é que hei-de encontrar o caminho De um lado do palco, surge uma luz. Joana segue aquela luz.
Som de passos na erva.
JOANA: Será um ladrão? Joana para e senta-se. Entra um rei. Tem na cabeça uma coroa de oiro e dos seus ombros caía um longo manto azul todo bordado de diamantes.
MELCHIOR: Boa noite.Como te chamas? JOANA: Eu, Joana. Levanta-se MELCHIOR: Eu chamo-me Melchior. Onde vais sozinha a esta hora da noite? JOANA: Vou com a estrela. MELCHIOR: Também eu . Também eu vou com a estrela. Som de passos na erva. Surge outro rei.Tem na cabeça uma coroa de brilhantes e um grande manto vermelho coberto de muitas esmeraldas e safiras.
JOANA: Boa noite .Chamo-me Joana e vou com a estrela. GASPAR: Também eu também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar. Som de passos na erva. Surge outro rei.Tem na cabeça um turbante branco e um longo manto verde bordado de pérolas. A sua cara é preta.
JOANA :Boa noite .O meu nome é Joana. E vamos com a estrela. BALTAZAR_ Também eu caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar. Apagam-se as luzes. Foco no narrador.
NARRADOR: No chão, os galhos secos estalavam sob os passos, a brisa murmurava entre as árvores e os grandes mantos bordados dos três reis do Oriente brilhavam entre as sombras verdes, roxas e azuis. Já quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a estrela parou. E continuaram a caminhar. Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava. Acendem-se as luzes. Cenário do presépio.
NARRADOR: Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia sorrindo. Em sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. Era assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel. Joana aproxima-se do narrador.
JOANA: Ah aqui é como no presépio! NARRADOR: Sim aqui é como no presépio. Entendeste Joana? JOANA: Sim ... entendi. Joana, o narrador e os reis ajoelham-se. Joana e os reis poisam no chão os seus presentes.
