A Colônia em Movimento - Fortuna e Família no Cotidiano Colonial
de Sheila de Castro Faria Nova Fronteira. Fronteira. 440 págs. págs.
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As entranhas do Brasil colonial
Ilana Blaj Homens livres e pobres percorrendo a colônia à procura de melhor sorte; forasteiros portuguese portugueses, s, geralmen geralmente te comercia comerciantes, ntes, busca buscando ndo um um matrimônio matrimônio que lhes lhes trouxes trouxesse se distinção social; filhos de famílias prestigiadas migrando para outras paragens na esperança de um bom casamento que os aquinhoasse com terras e escravos; forros negros e mestiços perambula perambulando ndo pelos pelos sertões, sertões, tentan tentando do fugir fugir do estigma estigma da cor, cor, mas mas empenha empenhados dos em em constituir família e adquirir raízes. Andanças, migrações, enfim, um movimento constante, mas também a busca da estabilidade, representada pela família. Seria esse um dos paradoxos coloniais? É essa a questão fundamental debatida em "A Colônia em Movimento", livro no qual se analisam os múltiplos movimentos, tanto geográficos quanto sociais, dos vários grupos que têm em comum, além do movimento e do desejo de ascensão, a constituição e o fortalecimento da família, entendida como núcleo econômico, social e político, talvez a célula básica da sociedade colonial. Complexidade da colônia
Valendo-se de uma documentação extremamente variada -inventários e testamentos, registros paroquiais, mapeamentos agrários e populacionais-, a autora centra seu estudo nos chamados Campos de Goitacazes, na região norte fluminense, antiga capitania da Paraíba do Sul, privilegiando principalmente o século 18. É nesse período que essa área transita da pecuária pecuária e da cultura cultura de de alimentos alimentos,, atividades atividades voltad voltadas as ao merca mercado do interno, interno, para para a exporta exportação ção da cana de açúcar. Assim, torna-se um pólo atrativo para pessoas de diferentes origens e variados níveis de fortuna, que buscam focos de expansão agrícola para enriquecer e constituir família. Essa população será o alvo da análise de Sheila Faria. Para chegar aos grupos sociais que revelam a dinâmica interna e a complexidade social da colônia, Sheila critica historiadores como Caio Prado Jr. e Fernando Novais, que teriam privilegiado nossa vocação exportadora e a exploração mercantil metropolitana. Julgo necessário ressaltar as preocupações desses autores e situá-los nas épocas em que escreveram a respeito do tema. A ênfase de Caio Prado Jr. na questão do sentido mercantil e exploratório de nossa colonização rompe com toda uma produção tributária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que acentuava, justamente, a missão civilizatória da colonização portuguesa. Da mesma forma, "A Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808)", de Fernando Novais, espelha as suas preocupações, em finais da década de 60 e inícios da seguinte, com os mecanismos que criaram a dependência externa e foram gerados desde nosso passado colonial. Cabe ressaltar, ainda enquanto apreciação geral, a excelente discussão das fontes consultadas, não em item à parte, mas no interior dos capítulos em que aquela documentação é mais utilizada. Assim, inventários post-mortem e testamentos são discutidos no capítulo dedicado àqueles que têm bens ou propriedades a ser legados aos seus herdeiros; da mesma forma, os registros paroquiais são destacados, quando se trata dos escravos, documentação privilegiada privilegiada para o conhecim conhecimento ento possív possível el dos cativos, cativos, geralme geralmente nte tratados tratados de maneira maneira anônima e como que destituídos de história.
Às vezes, graças à documentação consultada, emergem histórias individuais, reveladoras de todo esse microcosmo composto por senhores proprietários, escravos, pequenos e grandes comerciantes, foreiros, arrendatários, criadores de gado, lavradores de cana, forros livres etc. Porém a autora não permanece apenas nessa dimensão: ao contrário, insere os indivíduos em grupos e classes sociais, as quais se tornam o alvo central da análise e direcionam o próprio plano do livro, livro, revelando revelando as articula articulações ções mais mais gerais gerais e profundas profundas de de nossa nossa socieda sociedade de passada. passada. Já no primeiro capítulo, a partir da crítica à demografia histórica que, aqui no Brasil, raramente iria além da "fria análise estatístico-demográfica", Sheila considera o patriarcalism patriarcalismoo enquanto enquanto esfera esfera do poder poder e da domina dominação, ção, a noção noção de família família extensa, extensa, a importância da parentela e dos casamentos. Destacando sempre as especificidades das áreas urbanas como São Paulo e, caso limite, Minas Gerais, o que ressalta são as semelhanças encontradas nas áreas rurais: a onipresença da família extensa, de fundamental importância enquanto estratégia econômica e de poder; o grande número de filhos legítimos provenientes de casamentos lícitos e a avultada cifra de pedidos de dispensa de impedimentos matrimoniais. Assim, o casamento é visto como fundamental para a constituição da família e essa, por sua vez, além de propiciar a sobrevivência nas zonas agrícolas, garantia, igualmente, a respeitabilidade de seus membros. Dessa forma, as migrações para as áreas em expansão visavam à ascensão econômico-social, tendo como fundamento primeiro a família. É o movimento em busca da estabilidade. A utopia da ascensão O segundo capítulo é dedicado aos "andarilhos da sobrevivência", forros pobres que volteiam pelos sertões fugindo do estigma da escravidão recente e buscando melhores condições de sobrevivência. Dirigem-se às cidades, mas, sobretudo, às áreas agrícolas em expansão, onde se estabelecem em terras ainda ain da não apropriadas legalmente. O elevado número de casamentos e recasamentos atesta a importância da família, pois os filhos seriam a mão-de-obra básica para aquela unidade uni dade doméstica. Quando setores da elite ambicionavam aquelas terras, os forros pobres permaneciam nelas como agregados do senhor ou eram expulsos, voltando a andar pelos sertões. Seriam o que Caio Prado Jr. chamou de camada flutuante e Laura de Mello e Souza de "desclassificados sociais". Sheila de Castro Faria rejeita essas denominações, alegando que "esses andarilhos eram vistos como mão-de-obra em potencial ou adequados e subjugados ao poder de mando dos "homens bons'; por outro lado, quando livres e autônomos, significavam ameaça à ordem que se queria impor". Ora, resistir à ordem não deixa de ser uma forma de tentar nela ingressar, perseguindo, mediante as andanças, a utopia da ascensão social no interior do modelo senhorial; subjugar essa camada significa, igualmente, tentar classificá-la, enquanto subalterna, no interior das múltiplas hierarquias de uma sociedade escravista. Assim, não só os senhores os enxergavam, mas também os próprios forros pobres se viam como desclassificados... O capítulo seguinte é dedicado aos comerciantes que almejam, em última instância, tornar-se grandes senhores rurais. Sheila enfatiza a vinda de mercadores forasteiros para a vila de São Salvador e as estratégias que desenvolvem para casar-se com as filhas dos "homens bons", aliando, assim, à fortuna, o status e prestígio social. Por outro lado, os filhos das famílias principais também migram tentando reaver, igualmente pelo casam casamento, ento, parte parte da fortuna fortuna depaupe depauperada rada por por sucessiv sucessivas as partilhas partilhas.. Sendo Sendo branco, branco, membro de família prestigiada, tendo tido fortuna anterior e exercido postos administrativos, o matrimônio não era tão difícil para eles que, ao fim e ao cabo, buscavam a requalificação por meio meio de novo enlace. enlace. Assim, Assim, tanto tanto para para os come comerciante rciantess como para os os filhos dos grande grandess
proprietários, proprietários, o movimento movimento é o mesmo: mesmo: migraç migrações ões em em busca busca da estabilidade estabilidade mediante mediante bons bons matrimônios. Não deixa de ser a tentativa de preservar e ampliar o modelo de dominação senhorial. Já aqueles que não têm capital significativo dedicam-se à cultura de alimentos ou à criação de gado, setores constituintes do mercado interno colonial. No entanto, tanto para eles quanto para os lavradores de cana, como também para os próprios senhores de engenho, a desclassificação é sempre possível. E assim voltamos ao ponto de partida: as andanças, as migrações na procura constante da fortuna e da estabilidade. No tocante tocante aos escrav escravos, os, a autora autora acentu acentuaa a construç construção ão de relações relações sociais sociais no interior interior do próprio grupo e a prática prática de concess concessões ões e de adequa adequações ções no relaciona relacionamento mento com outros. outros. Para os cativos a família também é fundamental e o que se observa nesse grupo, por meio dos variados registros paroquiais, é a construção de uma ampla rede familiar e de relações de compadrio. Mesmo os nascimentos ilegítimos devem ser pensados conforme a realidade concreta. São maiores nas áreas urbanas e portuárias e nas fazendas canavieiras, locais onde o trabalho masculino preponderava. Já nas atividades madeireiras, pecuaristas e na cultura de alimentos, a presença da família era mais importante -daí o número maior de casamentos e de nascimentos legítimos. Se os escravos valiam-se do casamento cristão para se ver reconhecidos socialmente, a internalização desse modelo por eles interessava também aos senhores, pois diminuía o número de fugas e também os custos com a alimentação. Afinal, "dificultar-lhes as fugas, adequá-los ao cativeiro e ao trabalho, estabilizá-los na região e torná-los dóceis foram objetivos ferreamente perseguidos por senhores". Enfim, por intermédio dos grupos e classes sociais, Sheila de Castro Faria privilegiará o movimento e a busca pela estabilidade por meio da família. Não é um paradoxo, mas é a revelação das entranhas da própria sociedade colonial: a internalização do modelo senhorial pelos mais diverso diversoss segmento segmentoss sociais, sociais, modelo modelo basead baseadoo na família família extens extensa, a, na parente parentela, la, no patriarcalism patriarcalismo, o, no status, status, prestígio prestígio social social e na hierarquia hierarquia.. É esse esse modelo modelo que informa informa o percurso percurso dos dos grupos grupos mais mais desfavore desfavorecidos cidos que almeja almejam m alcançá-lo, alcançá-lo, ou pela pela aceitação aceitação ou ou pela resistência; é ele, enquanto núcleo do poder, que os estamentos privilegiados tentam preservar, preservar, ampliar ampliar e monopoliza monopolizar. r. Daí o aparente paradoxo, movimento/estabilidade, ser na verdade a própria dinâmica colonial. Ilana Blaj é autora de "A Trama das Tensões" (Hucitec, no prelo). Foi professora de história
na USP entre 1986 e 1999, tendo falecido em 1999. Fechar esta janela