1 THAÍS LANZA BRANDÃO PINTO
A CIDADE DE BANANAL E O CICLO DO CAFÉ: 1850 – 1889
2007
2 THAÍS LANZA BRANDÃO PINTO
A CIDADE DE BANANAL E O CICLO DO CAFÉ: 1850 – 1889
Dissertação apresentada ao Programa Interdisciplinar em Educação, Comunicação e Administração da Universidade São Marcos, sob a orientação da Prof. Dr. Lincoln Etchebehére Júnior, com vistas à obtenção do título de Mestre.
2007
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Dedico esse trabalho à Mariana, ao Nuno, ao Du, meus três filhos, minha inspiração e à Amanda, minha neta muito amada, que há dez meses habita em nosso coração.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha família, por acreditar em mim, sempre. Agradeço a todos os valeparaibanos que se empolgaram pelo tema junto comigo e deram contribuições importantes para a realização dessa pesquisa. Agradeço a Prof. Dra. Laima Mesgravis pela orientação durante a pesquisa, orientação essa que não se restringiu àquilo que eu poderia facilmente ler em algum livro de metodologia científica, mas pelas grandes sacadas do trabalho, que só uma pessoa com sua sutil sabedoria seria capaz de fazer. Agradeço ao Prof. Dr. Lincoln Etchebehére Júnior que, com sua educação, fineza e, principalmente, com sua notória sabedoria, trouxe contribuição singular à minha pesquisa.
5 RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo reconstituir a história do Vale do Paraíba e, em especial, da cidade de Bananal, durante o apogeu da economia cafeeira, mais precisamente, entre os anos de 1850 a 1889. Para isso, foi utilizada uma abordagem interdisciplinar entre várias ciências como história, geografia, sociologia, arquitetura, educação e cultura, para recompor, por meio de revisão da literatura, os aspectos mais importantes da trajetória do café que fizeram surgir cidades e possibilitaram a mudança de costumes, imprimindo à sociedade oitocentista novos valores. Enquanto muitos fazendeiros de café do Brasil se importavam pouco com as condições de moradia de sua família e de seus escravos, em Bananal, houve uma corrida pela reforma das casas das fazendas, das capelas, além da corrida pela construção de palacetes na cidade e busca por decoração e mobiliários que poderiam ser comparados ao estilo de vida europeu, fatos que impressionaram muito os viajantes estrangeiros que por lá passaram no século XIX. E, ainda, os moradores de Bananal revelavam grande preocupação em promover a educação e cultura e deixá-la como herança a seus descendentes. Existiram na cidade de Bananal, no período de abrangência dessa pesquisa, mais de dez escolas particulares, mais de cinco jornais, um teatro que recebia companhias européias e da Corte, bandas de música formadas por negros e regidas por maestro alemão. Tais características tornaram a cidade de Bananal diferente das demais localidades do Vale do Paraíba.
Palavras-chave: história; cafeicultura; educação; cultura; cidade; Vale do Paraíba..
6 ABSTRACT
This dissertation intends to restore the history of Vale do Paraíba, specially the history of the Bananal town during the coffee economy prime, specifically between the years of 1850 and 1889. We used an interdisciplinary approach enclosing history, geography, sociology, architecture, education and culture to rearrange, by theory references, the most important aspects of the coffee plantation culture which carried out new values to the eight hundred's society. In general, the brazilian land owners did not concern about living conditions of their own families or their slaves. In Bananal, there had been a movement toward the houses and shrines complete makeover and restoration, besides the building of several new manor houses looking up for decoration and furniture pieces which were clearly european lifestyle inspired, facts that had highly impressed the outsider travellers in the XIX century. The most important, Bananal inhabitants were also highly concerned with outstanding education and culture in a way the comming generations could inherit it. Bananal, in the period comprehended by the present work, had more than ten private schools and more than five daily newspapers, and also a theater that presented european and brazilian royalty companies. It had indeed placed a musical band with black players conducted by a german band leader. Those features made Bananal specially different from other towns in Vale do Paraíba in the same period.
Key-words: history; coffee plantation culture; education; culture; city; Vale do Paraíba.
7 LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Padrão de posse de escravos..................................................................
38
8 LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Origem das vilas e cidades valeparaibanas..........................................
15
QUADRO 2 – Principais cidades paulistas..................................................................
20
QUADRO 3 – Produção do Vale do Paraíba nas primeiras décadas do século XIX...
25
QUADRO 4 – Exportação da província de São Paulo.................................................
29
QUADRO 5 – Total de escravos por propriedade, no ano de 1854.............................
36
QUADRO 6 – Número de escravos nas vilas e cidades da Província de São Paulo, no ano de 1869 ……………………………………………………………………….
37
QUADRO 7 – Vila de Areias em 1836........................................................................
43
QUADRO 8 – Produção cafeeira do Vale do Paraíba em dólares ..............................
44
QUADRO 9 – Censo escolar de instrução primária....................................................
71
QUADRO 10 – Censo escolar de instrução secundária...............................................
72
QUADRO 11 – Pesquisa educacional.........................................................................
91
QUADRO 12 – Profissões e ocupações elencadas no século XIX ............................
97
QUADRO 13 – Relação de proprietários de fazendas no ano de 1872.......................
100
9 LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Esboço de mapa com as localidades da região, durante o século XVII.
10
FIGURA 2 – Esboço de mapa com a ocupação durante o século XVIII.....................
13
FIGURA 3 – Vale do Paraíba atualmente....................................................................
16
FIGURA 4 – Esboço de mapa com a ocupação territorial do Vale do Paraíba durante o século XIX...................................................................................................
17
FIGURA 5 – Banda de Música....................................................................................
60
FIGURA 6 – Anúncio de jornal...................................................................................
61
FIGURA 7 – Vista aérea da cidade de Bananal...........................................................
94
FIGURA 8 – Fazenda Resgate em Bananal.................................................................
105
FIGURA 9 – Salão principal da Fazenda Resgate.......................................................
106
FIGURA 10 – Capela da Fazenda Resgate..................................................................
108
FIGURA 11 – Sede da Fazenda Três Barras, onde pernoitou D. Pedro I, por ocasião da viagem da Independência...........................................................................
110
FIGURA 12 – Fazenda Bela Vista, hoje hotel fazenda ..............................................
111
FIGURA 13 – Vista da entrada da Fazenda Boa Vista em foto tirada da varanda do prédio ..........................................................................................................................
113
FIGURA 14 – Fazenda dos Coqueiros .......................................................................
114
FIGURA 15 – Pequeno museu da Fazenda dos Coqueiros..........................................
115
FIGURA 16 – Tanque para lavar café, do século XIX................................................
116
FIGURA 17 – Fazenda Independência, hoje hotel fazenda ........................................
117
FIGURA 18 – Fazenda da Barra ................................................................................
118
FIGURA 19 – Solar Aguiar Vallim ...........................................................................
119
FIGURA 20 – Teatro Santa Cecília, hoje centro cultural...........................................
120
FIGURA 21 – Estação de Ferro de Bananal ...............................................................
123
FIGURA 22 – Moedas de circulação em Bananal, no final do século XIX................
124
FIGURA 23 – Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento...........................
125
FIGURA 24 – Igreja Nossa Senhora do Rosário ........................................................
127
FIGURA 25 – Pharmacia Imperial, a mais antiga farmácia em funcionamento no Brasil............................................................................................................................ 128 FIGURA 26 – Frascos utilizados no século XIX.........................................................
129
10 FIGURA 27 – Frascos da Drogaria Morse que abastecia a farmácia..........................
129
FIGURA 28 – Prateleira da Farmácia Imperial com mais de dois mil frascos do século XIX...................................................................................................................
130
FIGURA 29 – Santa Casa de Misericórdia de Bananal...............................................
132
FIGURA 30 – Túmulo de Maria Joaquina Toledo Sampaio de Almeida....................
133
FIGURA 31 – Chafariz da Praça Rubião Júnior..........................................................
134
FIGURA 32 – Solar do Comendador Luciano José de Almeida.................................
135
FIGURA 33 – Sobrado da Rua Luiz Valiante, conhecido como casa da D. Laurinha
136
FIGURA 34 – Prédio da Câmara Municipal de Bananal.............................................
137
11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................
3
CAPÍTULO I – O MÉDIO VALE DO PARAÍBA: POVOAMENTO E CRESCIMENTO..........................................................................................................
9
CAPÍTULO II – A FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DAS CIDADES VALEPARAIBANAS DO SÉCULO XIX ENTRE OS ANOS DE 1850 E 1889 E O DESTAQUE PARA A CIDADE DE BANANAL..................................................
17
1. CIDADES.................................................................................................
17
2. CAFÉ........................................................................................................
22
3. ESCRAVOS.............................................................................................
34
4. A IMPORTÂNCIA POLÍTICA DO VALE DO PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO.............................................................................
42
5. A REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1842 E O “SEPARATISMO” DE
BANANAL..................................................................................................
52
CAPÍTULO III – A CULTURA NO VALE DO PARAÍBA DURANTE O ESPLENDOR DO CAFÉ E A CIDADE DE BANANAL...........................................
55
1. O COTIDIANO DOS MORADORES DO VALE DO PARAÍBA E OS MELHORAMENTOS URBANOS.......................................................
55
2. O LAZER E A CULTURA NO VALE DO PARAÍBA COM DESTAQUE PARA A CIDADE DE BANANAL......................................
59
3. RETRATO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL IMPÉRIO, COM OLHAR SOBRE A CIDADE DE BANANAL..........................................................
62
4. OS CRONISTAS DO SÉCULO XIX EM VIAGEM PELO VALE DO PARAÍBA E SUAS IMPRESSÕES SOBRE A CIDADE DE BANANAL
80
CAPÍTULO IV – A CIDADE DE BANANAL: PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DO VALE DO PARAÍBA.....................................................................
94
1. BANANAL NAS ESTATÍSTICAS ........................................................
94
2. BANANAL: A VIDA NAS FAZENDAS ...............................................
102
3. BANANAL: A VIDA NA CIDADE .......................................................
119
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 139 FONTES....................................................................................................................... 144 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 145
12 A CIDADE DE BANANAL E O CICLO DO CAFÉ: 1850 – 1889
13
“Somos produto do passado e vivemos imersos
no passado que por todos os lados nos oprime. Como empreender vida nova, como criar nossa nova ação sem sair do passado, sem sobrepujálo? E como sobrepujá-lo, se estamos dentro dele e se ele está conosco? Só há uma saída, a do pensamento quer não corta relações com o passado, mas que se levanta idealmente sobre ele e o converte em conhecimento. É preciso encarar de frente o passado ou, sem metáfora, reduzi-lo a problema mental e resolvê-lo em uma proposição de verdade que será a premissa ideal de nossa nova vida”.
(Benedeto Croce)
14 INTRODUÇÃO
Quem lê a epígrafe desse trabalho se remete à sua conclusão mesmo sem o saber. O passado de uma região, de uma cidade, de um povo, se compreendido, o torna ímpar. Ao contrário do que diz o senso comum, o passado não está cristalizado. Ele é puro movimento. O ritmo desse movimento é dado pelas diversas leituras que pesquisadores imprimem às fontes de pesquisa e aos estudos acadêmicos. O que procuramos nesse trabalho é a vida cotidiana e cultural dos moradores do Vale do Paraíba, região do Estado de São Paulo, banhada pelo rio Paraíba, dando especial atenção à cidade de Bananal. Para tornar singular o presente estudo é necessário olhar para o passado sob o prisma da interdisciplinaridade: procuramos encontrar pontos em comum na história, geografia, arquitetura, economia, sociologia, educação e cultura, não pretendendo esgotar o assunto em nenhuma ciência, haja vista a impossibilidade de considerar finita qualquer análise comparativa e histórica. Antes de iniciar a leitura do corpo do trabalho, é preciso tecer algumas considerações acerca do que julgamos balizar a linha de raciocínio que conduziu a pesquisa. Tão logo os primeiros portugueses chegaram ao Brasil, o território pertencente à capitania de São Vicente que, a partir do ano de 1711, passou a ser capitania de São Paulo, começou a ser colonizado. De todo o território destinado à capitania, as terras que ladeavam o rio Paraíba tiveram um povoamento com poucos habitantes e muita pobreza. Inicialmente, as terras interessavam à colônia porque era um dos caminhos que poderiam ser usados para adentrar no interior do país. De lugar de passagem até o final do ciclo do ouro, com as atividades cafeeiras a região começou a se desenvolver. O período que vai do início do século XIX e dura mais ou menos oitenta anos é objeto de interesse de várias ciências. Ao pesquisar o tema, encontramos vasto repertório de artigos, ensaios, teses e livros sobre a ascensão do Vale do Paraíba e muitas explicações para a rápida queda de sua estrutura econômica. É interessante notar que muitos dos mais notáveis estudiosos do assunto são descendentes de pessoas influentes da época ou nascidos na região. A exemplo disso citamos: Renato Leite Marcondes, Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Lucila Hermann, Luis Nogueira Porto, Hebe de Castro entre outros tantos que se debruçaram sobre a história do Vale do Paraíba durante o século XIX para entendê-la melhor. De todo o Vale, chamamos atenção para a cidade de Bananal que teve seu apogeu econômico e cultural durante algumas décadas do século XIX.
15 Nos dias de hoje, Bananal é uma cidade conhecida pelo turismo histórico e ecológico, possui uma população menor do que na época que vamos estudar e, indubitavelmente, seus dados econômicos da atualidade a colocam em situação nada privilegiada e bem distante daquela vivida durante o apogeu do café, quando chegou a ser considerada uma das localidades mais ricas do país, tendo ocupado, no século XIX, o primeiro lugar na lista das cidades mais ricas da província de São Paulo por aproximadamente três anos. Tendo sido uma das primeiras regiões do estado de São Paulo a cultivar o café em larga escala, Bananal, ao lado de Areias e São José do Barreiro, logo se tornou uma das vilas, posteriormente cidade, mais importantes para a província. Chama a atenção o fato de essa cidade, ao contrário da grande maioria dos lugares que viveram o ciclo do café, ter desenvolvido com destaque seus aspectos urbanos paralelamente aos rurais. Entre os usos e costumes urbanos destacamos as grandes construções como o palacete do Comendador Vallim, que sobressaía na paisagem urbana por ter sido construído com dezesseis janelas de frente, quando o usual eram oito janelas. A primeira farmácia a ser construída com esse fim no país que ainda hoje, mesmo que de forma precária, mantém-se aberta. Outras construções e costumes também merecem atenção na cidade como poderemos observar ao longo do trabalho. A cidade usufruiu de toda a estrutura escravocrata da época para esbanjar riqueza, deliciar-se em festas e todo tipo de situação que pudesse levar o nome da cidade e de seus ilustres moradores à Corte do Rio de Janeiro e aos lugares mais bem freqüentados da Europa. A ligação da localidade paulista com os costumes da Corte, a tornaram singular na região. Até os dias atuais, a cidade de Bananal é carinhosamente chamada de República Independente de Bananal. O presente estudo concentra-se entre os anos de 1850 a 1889, e como já foi dito, na região do Vale do Paraíba, com especial olhar para a cidade de Bananal, procurando reconstituir para o trajeto da formação econômica e social do Vale e de Bananal durante o período, por meio de uma revisão da literatura sobre o tema e com a intenção de analisar aspectos importantes dessa cultura e as marcas por ela deixadas para as gerações futuras. Talvez, a resposta mais adequada para tal questionamento seja a de que os valores culturais como arte e educação, bem como os patrimoniais como os casarões, prédios públicos, fazendas, igrejas e teatros marcam indelevelmente uma sociedade. Podemos observar esse fato no cotidiano e na cultura da vida dessas localidades que, embora tenham assistido à migração de muitos de seus habitantes durante os três primeiros quartos do século XX, vê o século XXI surgir como um renascer não apenas proporcionado pelo turismo, mas como
16 uma retomada dos valores emocionais contidos na história da cidade. Já citamos os acadêmicos que fizeram trabalhos precisos sobre o Vale e podemos completar dizendo que não foram poucos os descendentes de moradores da região que procuraram manter viva a história da cidade de Bananal: Píndaro de Carvalho Rodrigues, Agostinho Ramos, Carlota Pereira de Queiroz, José Luiz Pasin entre outros. Justificamos o tema pela proposta de apresentação de um novo viés para fatos já conhecidos, agora reunidos num só trabalho. A cidade de Bananal será o fulcro da pesquisa da história, da economia, da sociologia, arquitetura, literatura, estudos os quais foram analisados e interpretados para chegar à compreensão do papel da cidade de Bananal nesse cenário. Quem como eu, acredita no pensamento de Croce que “ somente o homem que se
assenhoreia do seu passado compreende toda a extensão da própria responsabilidade” , pode vir a apaixonar-se cientificamente pelo tema (e acredito nessa forma pesquisa). É lamentável que a história do Vale do Paraíba seja conhecida por poucos. É lamentável também que os currículos escolares quase nunca dêem importância ao fato local, como se as pessoas pudessem crescer despidas de identidade cultural e passar uma vida sem saber de onde vieram e por que vieram. O presente estudo está dividido de forma a partir do geral para o particular, em torno de tópicos que são considerados importantes para compor a compreensão proposta pelo tema. O capítulo I refaz o roteiro geográfico dos primeiros colonizadores do Vale do Paraíba, partindo da sesmaria de Jaques Félix até chegar à cidade de Bananal, dos primeiros habitantes à vila já consolidada. Apresentamos a história do povoamento do Vale, inicialmente como caminho em direção à garganta do Embaú para onde os paulistas se dirigiriam às Gerais em busca do ouro, a edificação das primeiras capelas que dariam início às cidades as quais durante o século XIX teriam importante papel na construção da economia paulista, tais como Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena, Areias e Bananal. O capítulo II segue roteiro histórico do crescimento da população da região, de início a agricultura de subsistência, da timidez dos engenhos de cana de açúcar aos cafezais. O crescimento das cidades, o valor do trabalho escravo para o desenvolvimento da economia cafeicultora, a importância política do Vale do Paraíba durante o Império. Trata da formação econômica e social das cidades do Vale do Paraíba entre os anos de 1850 e 1889. Por meio de estudo dos censos realizados durante o século XIX, podemos traçar um perfil das principais ocupações da época, ressaltando as formas de comunicação e transporte entre São Paulo e Rio de Janeiro porque tais fatos foram relevantes para a
17 ascensão do café na região, lembrando que o ouro e o açúcar também tiveram de ser transportados em lombo de burros para fazer a travessia da Serra da Mantiqueira e fazer embarcar os produtos de exportação. Nesse capítulo ainda, dedicamos algumas páginas para narrar e analisar a participação tumultuada da cidade de Bananal na Revolução Separatista de 1842. Em documentos do arquivo da própria cidade e outras da região, vemos a ânsia dos bananalenses em pertencer ao território do estado do Rio de Janeiro. Até hoje os habitantes da cidade comentam tal fato, o que gera polêmica porque uns queriam que realmente o intento do século XIX tivesse acontecido, enquanto outros tratam o assunto como anedota, mas o fato é que Bananal teve um papel particularizado nesse episódio. O capítulo III está dividido em quatro partes: a primeira aborda questões do cotidiano do Vale do Paraíba e de Bananal durante o século XIX, ressaltando aspectos da região que podem compor o cenário em que viveram as cidades nessa época. A segunda parte dá atenção ao lazer e à cultura da região sempre retratando a cidade de Bananal em suas peculiaridades. Ele está dedicado às realizações culturais e de lazer presentes na vida dos fazendeiros do Vale do Paraíba e de Bananal. Na vila havia um teatro, no qual as grandes companhias nacionais e internacionais faziam apresentações à população mais rica da cidade. Além disso, Bananal teve orquestras com músicos de refinado gosto e preferência pela música clássica. Também abordaremos um dos lazeres dos valeparaibanos na época dos grandes lucros proporcionados pelo café, que consistia em deixar preservada para a posteridade os nomes e momentos considerados importantes na vida. Passaram pela cidade inúmeros fotógrafos contratados para registrar as pessoas e fatos relevantes da vida dos fazendeiros e de seus descendentes. Vemos também o requinte com que decoravam suas fazendas. Enquanto fazendeiros de outras regiões mantinham os mesmos costumes do século XVII em que prevalecia a simplicidade e a rusticidade, os fazendeiros do Vale não mediam contos de réis para financiar novas construções que pudessem ostentar todo o requinte e o gosto da época. No auge da cafeicultura, houve uma corrida dos grandes proprietários de fazendas para reformar as construções antigas ou levantar novos prédios, momento em que o requinte ditava as regras. Foram contratados profissionais de várias partes da Europa para imprimir às moradias jeito de casas da Europa ou na Corte. Esse fato, que ainda gera admiração no mundo da arquitetura e da decoração, diferenciou os bananalenses da grande maioria dos fazendeiros da região. O pintor catalão José Maria Villaronga andou pelo Vale do Paraíba a pintar e decorar casas, tendo ficado conhecido como o pintor do rei café. A terceira parte detalha a educação brasileira imperial,
18 procurando abordar como se desenvolveu a instrução no país, um século após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal. Mereceu lugar de destaque nessa pesquisa um dos poucos estudos feitos à época. Trata-se da análise sobre educação e cultura brasileiras feita por Antônio Almeida Oliveira durante o século XIX, que teve uma publicação pelo Senado Federal, no ano de 2003, com prefácio e recomendação do historiador David Gueiros Vieira, como sendo uma leitura inadiável para quem quer estudar a educação e a cultura do século XIX. Mesmo com o ensino dando seus primeiros e inseguros passos em busca de coerência e organização, esse autor tem clareza do que seria educação e cultura de qualidade para o Brasil. O mais importante desse estudo e que tem ligação direta com o presente trabalho, está no fato de que, mesmo com uma educação e cultura incipientes, a cidade de Bananal chegou a ter mais de uma dezena de escolas particulares para atender à população, inclusive os negros e pobres, o que não era muito comum. Para concluir esse capítulo, falamos de viajantes que, andando pelo Vale, o retrataram em crônicas. Ressaltese a importância da literatura de viagens pelo fato de ela apresentar, de forma clara e com grande fidelidade de informações, desde a história da região ao seu dia-a-dia. Utilizamos os diários de viagem de Spix e Martius, Saint-Hilaire, Zaluar e o fazendeiro-cronista Manuel Elpídio Pereira de Queiroz. O capítulo IV analisa os aspectos peculiares à cidade de Bananal no século XIX, comparando-os com alguns dados da atualidade, com o objetivo de ratificar o destaque dado à cidade ao longo do estudo proposto. Foram utilizadas fontes locais e regionais, como ex-moradores, estudiosos da região, tanto para os dados do século XIX quanto do século XXI. Além disso, fotos e informações obtidas em visitas à cidade, formaram um elenco de provas que, aliado aos outros registros, permitem conduzir o trabalho a sua conclusão. Tornou-se imprescindível a coleta de imagens sobre a cidade para subsidiar esse capítulo. Tais imagens foram feitas pela autora em várias visitas à cidade e mesmo não sendo possível garantir a máxima qualidade às fotos, elas conseguiram traduzir aquilo que muitas vezes não conseguimos exprimir por palavras. Na última parte que denominamos conclusão, não falamos de heranças em bens materiais, mas sim daquela herança que está presente em cada habitante, mas que raramente tem oportunidade de ser manifestada. Valemo-nos das personalidades do Vale do Paraíba e Bananal para chegarmos finalmente arrematar as idéias até então expostas. Foi feito um questionamento a alguns estudiosos da história da região, sobre as heranças deixadas às gerações futuras pela civilização do café. Sabemos que alguns historiadores não consideram o termo civilização adequado para designar o período em que o café
19 alavancou a economia do Vale. Mas utilizaremos o termo civilização do café, para nos referirmos aos usos, costumes e valores introduzidos, se ainda não existiam, ou aprimorados se eram comuns na sociedade oitocentista. As respostas ao questionamento, vão compor o pensamento conclusivo de que tudo que a cidade de Bananal viveu no século XIX, imprimiu sutis diferenças a sua população. É aquilo que podemos chamar de bens imateriais, nos quais se misturam valores pessoais, orgulho pela contribuição histórica deixada na fala, na escrita, na alma de cada morador ou de cada descendente dos fazendeiros de Bananal.
20 CAPÍTULO I – O MÉDIO VALE DO PARAÍBA: POVOAMENTO E CRESCIMENTO
A urbanização da região que conhecemos hoje como Vale do Paraíba, é uma extensa faixa de terra que corre paralelamente ao rio Paraíba 1 do Sul e data de mais de três séculos, sendo uma das áreas mais antigas do estado de São Paulo. Durante todo o século XVII, a região na qual corria o rio Paraíba era apenas uma zona de passagem e com pouca importância para a metrópole. Caracterizava essa época, o aprisionamento de índios e o desenvolvimento da economia de subsistência. As terras do Vale do Paraíba 2 começaram a interessar ao Brasil no século XVIII, devido ao ouro de Minas Gerais, ao advento do café no século XIX e à industrialização, no século XX. Segundo Hermam 3, o Vale do Paraíba se formou nos séculos XVII e XVIII com uma estrutura econômica, familiar, política e demográfica diferente das outras regiões do país, onde predominava o trabalho familiar e o cultivo de gêneros alimentícios, além de alguns pontos de venda de beira de estrada para atender os viajantes. A capitania de São Paulo esforçou-se para abrir caminhos e povoar o norte e o oeste do território com o objetivo de atender as necessidades da mineração em Minas Gerais. Os fatores que desencadearam a urbanização da região foram a necessidade de a metrópole ocupar o território no século XVII, a procura por ouro no século seguinte e a ligação com o litoral norte, a província de São Paulo e o Rio de Janeiro, já nos oitocentos. Nesse trabalho, usamos a denominação de Médio Vale e Alto Vale do Paraíba tendo como referência o trabalho de Nice Lecocq Müller 4 que classifica as cidades da região da seguinte forma: 5ao Vale Médio pertencem as cidades de Aparecida, Areias, Bananal, Caçapava, Cachoeira Paulista, Canas, Cruzeiro, Guararema, Guaratinguetá, Igaratá, Jacareí, Lavrinhas, Lorena, Monteiro Lobato, Pindamonhangaba, Piquete, Queluz, Roseira, Santa Isabel, São José do Barreiro, São José dos Campos, Silveiras, Taubaté e Tremembé. Ao Alto Vale pertencem as cidades de Cunha, Jambeiro, Lagoinha, Natividade da Serra, Paraibuna, Redenção da Serra, Santa Branca e São Luiz do Paraitinga. A esses 32 municípios somamos mais 7 que foram omitidos na classificação apresentada ou ainda não
1
Paraíba = na língua indígena significa trecho de rio impróprio para a navegação. Nice Lecocq Müller O Fato urbano na bacia do rio Paraíba , Estado de São Paulo. Fundação IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia.Biblioteca Geográfica Brasileira. Publicação nº 23. Rio de Janeiro, 1969. 3 Lucila Hermam. Evolução da estrutura social de Guaratinguetá num período de trezentos anos . São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica, 1986. 4 Nice Lecocqe Müller, op. cit. 1969. 5 Disponível em http://www.pindavale.com.br/mapas/mapa_vale.htm. Acesso em 9/7/2007. 2
21 haviam sido transformados em
cidades: Campos do Jordão, Canas, Caraguatatuba,
Lagoinha, Potim, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal. Em 1628, deu-se início à ocupação do Médio Vale do Paraíba com a doação de terras onde hoje se localizam as cidades de Pindamonhangaba e Taubaté. A doação foi feita quando a Condessa de Vimieiro e Donatária da Capitania de São Vicente – Mariana de Souza da Guerra – ofertou “légua e meia” a Jacques Félix, morador da província de São Paulo. Sendo Jacques Félix muito ocupado na capitania onde era vereador 6, não tomou posse imediatamente das terras recebidas. Isso fez com que em 1636, Francisco da Rocha – Capitão-mor da Capitania de Itanhaém deliberasse que a terra doada fosse imediatamente ocupada pelo beneficiário, fato que levou seus netos a acatarem a ordem. Foi quando Jacques Félix (Neto) ordenou a construção de igreja, cadeia, casa de sobrado, moinhos de trigo e engenho de açúcar. Dessa forma, em 1645 estava erguida a vila de São Francisco das Chagas de Taubaté que ficou sendo o pólo de difusão para o aparecimento de outros povoados. FIGURA 1 – Esboço de mapa com as localidades da região, durante o século XVII
FONTE: Material de pesquisa elaborado pela Professora Alice G. Brandão Ribeiro – FIC/SP, gentilmente cedido para este trabalho.
6
Nice Lecocqe Müller Müller, op. cit. 1969.
22 Vemos pelo mapa apresentado a ocupação do Vale do Paraíba no século XVII, ocupação essa iniciada pela vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, em seguida pelas vilas que hoje são as cidades de São José dos Campos, Guaratinguetá, Jacareí, e Tremembé, no interior e no litoral São Sebastião, Ubatuba e Caraguatatuba. Ressalte-se que no período colonial a criação de uma vila tinha como conseqüência a criação de um município, constituindo-se, portanto, a vila, na sede de um novo município, enquanto que a palavra freguesia etimologicamente está ligada à religião e quer dizer paroquiano. Assim, um povoado que conseguisse erguer uma capela já era elevado à categoria de freguesia. Como Igreja e Estado mantinham estreitas relações de poder, as freguesias, além de sua função religiosa, exerciam também a função jurídica. Na história da evolução das comunidades vemos que a vida urbana começava por um povoado, depois vinha freguesia, em seguida uma vila e por fim uma cidade.
7
No ano de 1646, na mesma região, o sertanista Domingos Dias Lemes obteve terras que formariam uma sesmaria 8 e que logo se desenvolveu, tendo sido elevada de freguesia a vila em 1651, batizada com o nome de Santo Antônio de Guaratinguetá. Segundo a tradição popular, os portugueses como católicos fervorosos, tinham grande consideração pelos santos intercessores e toda terra que pretendiam povoar, a primeira coisa que faziam era erguer uma igreja e invocar um santo protetor para o lugar. E assim, sucessivamente, foram surgindo outras vilas: Pindamonhangaba surge quando Padre João de Faria Fialho construiu uma igreja onde se rezava missa para os moradores da região e logo se constituindo no povoado de Nossa Senhora do Bom Jesus de Pindamonhangaba. A cidade de Tremembé teve sua origem quando sertanistas construíram uma igreja no local e em 1672 o povoado oficialmente nasceu. Surgiu também, nessa época, uma vila que rapidamente transformou-se em centro urbano, devido à facilidade de acesso ao Médio Vale – Nossa Senhora da Conceição de Jacareí e em1642, uma aldeia de nome São José com casas de taipas para índios e brancos. O século XVII termina com três vilas – Taubaté, Jacareí e Guaratinguetá; dois povoados – Pindamonhangaba e Tremembé; e dois aldeamentos indígenas – Nossa Senhora da Escada (hoje Guararema) e São José (hoje São José dos Campos). No século XVIII, com o desenvolvimento do ciclo do ouro em Minas Gerais, há cada vez mais interesse nas terras do médio Vale do Paraíba devido a sua via de circulação 7 8
Hilton Federici. Atas da Câmara Municipal de Cruzeiro. v. 1. Tomo A. Campinas: Editora Palmeiras, s/d. Antônio Candido. Os parceiros do rio bonito. 34. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2001. p. 79. “Sesmaria foi
a maior fonte de propriedade no regime colonial, consistindo, como se sabe, na concessão de terra a quem requeresse legalmente, com a condição de lavrá-la dentro de seis meses.”
23 entre as minas e o litoral, acrescido à possibilidade de fazer o escoamento do ouro sem a utilização das terras pertencentes ao Rio de Janeiro. A econômica do Vale restringia-se ao comércio de beira de estrada, oferecendo serviços aos viajantes que se dirigiam às terras do ouro. Não havia ainda estrutura escravocrata que só vai começar a dominar a região a partir da década de 1770. As famílias não eram grandes porque as condições higiênicas não permitiam proles numerosas e o trabalho para sustento da população era executado pelos próprios familiares, existindo também algumas profissões já estabelecidas como os militares, religiosos e agricultores, consideradas predominantes e os artesãos como carpinteiros, arcadores, seleiros e cangalheiros de menor prestígio. A primeira metade desse século viu surgirem mais povoados com a intensificação da rota para as Minas Gerais dos Cataguás. O caminho preferido foi a garganta do Embaú, trajeto já utilizado pelos indígenas. Com isso, em 1702, nasceu a freguesia de Lorena, uma vez que, para que os bandeirantes alcançassem a garganta do Embaú, tinham de atravessar o Rio Paraíba, na altura de Guaypacaré, em terras de João de Castilho Tinoco e por lá pernoitavam dando origem ao povoado de Lorena, com as bênçãos de Nossa Penhora da Piedade. Com intenso tráfego de bandeirantes, a cidade logo se desenvolveu e foi elevada a vila no ano de 1788. Seguindo caminhos usados pelos habitantes da região – índios tamoios, outros povoados foram surgindo com o objetivo de facilitar o acesso ao litoral. Entre eles temos os povoados que tão logo se desenvolveram foram elevados a vila como São Luiz do Paraitinga – 1773, Cunha (antiga Nossa Senhora da Conceição do Facão) – 1785, Cachoeira Paulista (antiga Santo Antônio da Bocaina) – elevada a vila em 1880, e Paraibuna (antiga Santo Antônio de Paraibuna) – elevada a vila em 1863. Cunha era o mais importante centro da época porque fazia a ligação entre Guaratinguetá e Parati – única via de acesso ao Rio de Janeiro. Embora fosse de conhecimentos das autoridades da época, que muitos desbravadores optavam por rotas conhecidas, mas não oficializadas pela Coroa, para fugir de impostos e qualquer tipo de controle de mercadorias, o caminho preferido pelos sertanistas para ir das minas ao litoral não era o oficial e mesmo assim, teve sua primeira capela erigida pelo Sargento-mor Antônio Lopes do Lavre, em terrenos doados por João Ferreira da Encarnação e dedicados a Nossa Senhora da Conceição do Embaú, no ano de 1781, onde anos depois nasceu a cidade de Cruzeiro. Ainda no século XVIII, com a descoberta de novas minas de ouro em Cuiabá e Goiânia, o governo paulista considerou importante abrir uma nova rota que ligasse o Vale do Paraíba ao Rio de Janeiro, ultrapassando além da vila de Lorena, para ser usada como
24 alternativa às rotas marítimas que saíam de Parati e Angra dos Reis e que eram constantemente furtadas por piratas. Em Lorena, conforme apontamentos no livro de Rodrigues, 9 a estrada se dividia em duas opções: ou o viajante seguia para Minas, como era usual fazer, passando pelo Embaú ou podia ir ao Rio de Janeiro por outra via que não fosse o mar, evitando assim, ataques às embarcações do governo que transportavam ouro das minas para a Europa. No ano de 1725, o Governador Geral da Capitania de São Paulo – Rodrigo César de Menezes comunicou à colônia a abertura do caminho novo que saia de Lorena e chegava São João Marcos, no Rio de Janeiro. A abertura dessa nova via de acesso teve muitos revezes devido a interesses dos fluminenses e dos jesuítas que tinham terras na região – Fazenda Santa Cruz e não se interessam em dispor delas. A nova estrada só se tornou de uso regular a partir de 1770 e propiciou o aparecimento de dois povoados – Areias e Bananal. FIGURA 2 – Esboço de mapa com a ocupação durante o século XVIII
FONTE: Material de pesquisa elaborado pela Professora Alice G. Brandão Ribeiro – FIC/SP, gentilmente cedido para este trabalho.
Podemos observar pela Figura 2 que o século XVIII foi bastante significativo para o povoamento do Vale do Paraíba. Pela legenda vemos que a rota mais importante usada 9
Píndaro de Carvalho Rodrigues. O Caminho Novo: povoadores do Bananal. São Paulo: Governo do Estado, 1980.
25 pelos bandeirantes era a que cortava o Vale paulista de ponta a ponta, atravessando a garganta do Embaú para chegar às Gerais. Ressaltem-se do mapa também, as vias secundárias para levar o ouro do Vale até os portos e ainda, o Caminho Novo da Piedade que ia de Lorena a Bananal, caminho que teve grande contribuição ao povoamento do município de Bananal. Bananal começou a ser povoada nos meados de 1783 com os fluminenses João Barbosa de Camargo e Maria Ribeiro de Jesus, responsáveis pela construção da capela com o nome de São Bom Jesus do Livramento de Bananal fato que elevou o povoado a freguesia em 1811, a vila em 1832 e a cidade em 1849. Antes disso, porém, entre 1732 e 1734 houve a doação de duas léguas de terra, na região da cidade de Bananal, a Manoel Antunes Fialho 10. A sesmaria já era habitada por índios puris, cujo termo significava gente mansa, gente tímida. O nome Bananal teria vindo do termo banani que na língua indígena significava rio sinuoso. 11 Foi com o café que o Vale do Paraíba teve suas cidades desenvolvidas e outras tantas criadas. O quadro abaixo pode exemplificar o quanto o café foi importante para a criação de uma identidade valeparaibana:
10 11
Píndaro de Carvalho Rodrigues, op.cit. 1980. Ibid.
26 QUADRO 1 – Origem das vilas e cidades valeparaibanas
Denominação
Categoria
Ano
Santa Isabel
Vila
1832
Taubaté
Cidade
1842
Queluz
Vila
1842
Silveiras
Vila
1842
Guaratinguetá
Cidade
1844
Bananal
Cidade
1849
Pindamonhangaba
Cidade
1849
Jacareí
Cidade
1849
Caçapava
Vila
1855
Mogi das Cruzes
Cidade
1855
Lorena
Cidade
1856
Areias
Cidade
1857
São Luis do Paraitinga
Cidade
1857
São Bento do Sapucaí
Vila
1858
Cunha
Cidade
1858
São José do Barreiro
Vila
1859
FONTE: Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p. 198.
Hoje o Vale do Paraíba compreende 39 cidades de pequeno, médio e grande porte, com destaque para as cidades de São José dos Campos e Taubaté como pólos industriais de alta tecnologia. Além da indústria de aeronáutica e automobilística, o Vale atualmente se destaca pelo turismo religioso nas cidades de Aparecida com o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Cachoeira Paulista com o movimento de renovação carismática Canção Nova e Guaratinguetá incrementando seu turismo religioso com a figura de Frei Galvão, hoje canonizado como o primeiro santo brasileiro. O chamado Vale Histórico que compreende as cidades de Queluz, Areias, Silveiras, São José do Barreiro, Arapeí e Bananal as quais se mobilizaram na década de 90 para a construção de uma estrutura para
27 oferecimento de turismo cultural e ecológico. O turismo cultural, segundo Reis 12, exige mais atenção da indústria do entretenimento porque se caracteriza por uma complexidade natural, uma vez que solicita atenção especial da história, do patrimônio e de suas formas de realização, convivendo com a modernização da sociedade. Isso reclama envolvimento da comunidade que deve estar preparada com educação voltada para os valores históricos e a convivência diária com passado e presente. FIGURA 3 – Vale do Paraíba atualmente 13
Legenda: 1. Igaratá 4. Santa Branca 7. Jambeiro 10. Ilha Bela 13. Redenção da Serra 16. Santo Antônio do Pinhal 19. Pindamonhangada 22. Lagoinha 25. Potim 28. Canas 31. Cruzeiro 34. Queluz 37. São José do Barreiro
12
2. Jacareí 5. Monteiro Lobato 8. Paraibuna 11. Caraguatatuba 14. Taubaté 17. São Bento do Sapucaí 20. São Luiz do Paraitinga 23. Roseira 26. Guaratinguetá 29. Lorena 32. Cachoeira Paulista 35. Silveiras 38. Arapeí
3. São José dos Campos 6. Caçapava 9. São Sebastião 12. Natividade da Serra 15. Tremembé 18. Campos do Jordão 21. Ubatuba 24. Aparecida 27. Cunha 30. Piquete 33. Lavrinhas 36. Areias 39. Bananal
Fábio J. Garcia dos Reis. Turismo cultural e perspectivas regionais. In: REIS, Fábio José Garcia. (org.) Turismo uma perspectiva regional . Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2003. 13 Disponível em http://www.pindavale.com.br/mapas/mapa_vale.htm. Acesso em 9/7/2007.
28 CAPÍTULO II – A FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DAS CIDADES VALEPARAIBANAS DO SÉCULO XIX ENTRE OS ANOS DE 1850 E 1889 E O DESTAQUE PARA A CIDADE DE BANANAL
Neste capítulo vamos abordar a formação das cidades valeparaibanas desde a sua primeira etapa de ocupação até o século XIX. Das choupanas rústicas aos grandes casarões de influência européia, os lugarejos foram se tornando vilas e cidades, convivendo com o progresso e luxo trazidos pelo café que se tornou o produto mais importante para a economia da Província de São Paulo e fez do Vale do Paraíba, fenômeno ímpar na cultura brasileira.
1. CIDADES FIGURA 4 – Esboço de mapa com a ocupação territorial do Vale do Paraíba durante o século XIX
Fonte: Material de pesquisa elaborado pela Professora Alice G. Brandão Ribeiro – FIC/SP, gentilmente cedido para este trabalho.
29 Na Figura 4, observamos que um grande número de localidades surgiu em comparação à figura dois. Alguns lugares ainda guardam o mesmo nome desde o seu início, como é o caso da grande maioria deles como, por exemplo, Taubaté e Bananal. Outros, porém, por motivos diversos que não compete a esse trabalho pesquisar, tiveram seus nomes trocados como é o caso de Igaratá, que antes se chamava Patrocínio de Santa Isabel. O médio Vale do Paraíba, em fins do século XVIII vivia essencialmente para servir aos mineradores e o desenvolvimento das cidades ficou restrito ao ciclo do ouro. Os índios, paulatinamente, vão sendo substituídos pelos missionários e pelos grandes proprietários de terras. No final do século XVIII, os agricultores do Vale começam a trocar a lavoura da cana, pela de café. Em 1782 14, foram trazidas sementes de café da cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro para Bananal e além da lavoura de subsistência – arroz, batata e frutas, o café passou a ser cultivado regularmente na região, fazendo do Vale do Paraíba o pioneiro na plantação da rubiácea. Mesmo assim, a cana-de-açúcar predominou até 1830. Embora o café fosse cultivado desde o final do século anterior, o período de maior produção, durou cinqüenta anos – 1836 a 1886 15. As localidades valeparaibanas que mais rapidamente beneficiaram-se com o café, devido à aceitação do solo, foram Areias, Santa Isabel e Bananal. Com a riqueza prometida, moradores de diferentes regiões e também de Portugal vieram instalar-se na região. A exemplo disso, no ano de 1800, registra-se, na região da cidade de Queluz, próxima a Areias e Bananal, a presença do missionário Francisco Chagas Lima que viera evangelizar os índios puris que lá habitavam.
16
Observamos também o quanto o Vale se expandiu para o noroeste e com o desenvolvimento da economia cafeeira tornou-se região de importância para a província. Nos anos de 1854 e 1860, Emílio Zaluar e Manoel Elpídio Pereira de Queiroz em visita ao Vale do Paraíba chamavam cidades de domingo aquelas localidades em que somente nesses dias e nas eleições pareciam habitadas. É o caso da cidade de Bananal que, mesmo sendo a maior produtora de café da província, a segunda do Estado e habitada por dezoito mil almas, ficava deserta durante a semana. Antes da cultura cafeeira, a policultura de gêneros alimentícios e a lavoura de cana, juntamente com o comércio de beira de estrada para atender aos desbravadores, formavam o tripé das atividades dos valeparaibanos. A estrutura escravocrata só vai dominar a partir do ano de 1770, como veremos ainda nesse trabalho. Até então, o trabalho nas lavouras era desenvolvido pela própria família. Ao final 14
Píndaro de Carvalho Rodrigues, op.cit. 1980. Nice Lecocqe Müller, op.cit. 1969. 16 Alfredo de E. Taunay História do café no Brasil. v. 5. Tomo III. Rio de Janeiro: Edição do Departamento Nacional do Café, 1939. 15
30 do século XVIII e início do XIX, mesmo prevalecendo a base familiar nas atividades produtivas agrícolas, algumas profissões começam a surgir nas cidades do Vale, entre elas, podemos citar as de maior valor social como a de militares e agricultores e as menos reconhecidas socialmente como os artesãos – ferradores, sapateiros, ferreiros, oleiros, alfaiates, carpinteiros, arcadores, seleiros cangalheiros e religiosos. 17 Note-se que os censos nos quais se acham os presentes dados, não se encontram registros sobre as atividades desenvolvidas pelas mulheres, fato que representa o costume da época mas que também torna claro a inconsistência dos censos uma vez que sabemos que o trabalho desempenhado pelas mulheres e crianças na lavoura, no artesanato e nos serviços domésticos era de vital importância para a sobrevivência da família. No que se refere à infra-estrutura dos centros urbanos – rede de esgoto e água encanada – sabemos que a falta de higiene era responsável por grande número de óbitos até o início do século XIX e tal dado explica por que as famílias mais pobres não conseguiam constituir grande prole. Na segunda metade do século, apesar de ainda existirem problemas de limpeza, de sanitários, de escoamento de águas pluviais, são registradas iniciativas das Câmaras Municipais para solucionar e amenizar esses problemas com o abastecimento de água nos centros urbanos. Em 1872, a Câmara Municipal de Bananal recebeu um comunicado do engenheiro responsável pelas obras de infra-estrutura da cidade, informando que as obras de encanamento de água estavam concluídas e que a cidade poderia providenciar um chafariz para ser colocado em logradouro público a fim de abastecer a população. 18 O chafariz foi comprado e instalado na praça em frente à igreja Matriz. Essas medidas se restringiram à captação de água em vertente, calçamento de ruas, coleta de lixo, proibição de criar animais em quintais e principalmente a construção e funcionamento de Santas Casas de Misericórdia em Guaratinguetá, Lorena e Taubaté e hospitais em Jacareí e Bananal. Todas essas iniciativas em relação à saúde não resolveram o problema da falta de médicos na região e manteve-se a necessidade de permitir que pessoas “experientes” fizessem atendimento médico aos doentes.
Campos Aguirre19 fez de 1836 a 1870, um ranking da renda das principais cidades paulistas, conforme quadro abaixo:
17
Lucila Herman, op. cit. 1986. Alcides Pereira Peixoto. 1º Centenário da cidade de Bananal, 1849 – 1949. Bananal: Papelaria Cheminand, 1949. 19 Apud Afonso E. Taunay, op. cit. v 5, T III, 1939. 18
31 QUADRO 2 – Principais cidades paulistas
Ano
Areias
Bananal
Guaratinguetá
Jacareí
Lorena
Pindamonhangaba
São Paulo
Taubaté
1836
8º
9º
17º
20º
7º
11º
1º
13º
1841
4º
5º
19º
24º
13º
1
1º
12º
1846
19º
3º
12º
14º
6º
4º
2º
15º
1851
29º
2º
Não
21º
13º
9º
1º
15º
informado
1860
6º
2º
11º
32º
14º
17º
11º
12º
1864
17º
1º
21º
23º
12º
15º
2º
7º
Fonte: Afonso E. Taunay, op. cit. v. 3, T I, p. 235, 1939.
Os dados fazem referência à arrecadação global, não os lucros gerados pela economia cafeeira. Em 1851, Bananal, ocupando a 2º colocação em rendimentos passa a ser a grande rival em arrecadação da própria sede da província. Situação privilegiada que permaneceria até meados da década de 70, quando a cidade começa a perder para Campinas, São Paulo e Santos. Além de Bananal, na década de 1850, a cidade de Vassouras, no sul do Rio de Janeiro era a capital fluminense do café. Toda a mata do lugar, já havia sido substituída pelos pés de café. Em vinte anos, a cidade de Vassouras recebeu migrantes mineiros, nordestinos que vinham para à procura de novas formas de economia, uma vez que o ciclo da cana-de-açúcar havia se esgotado no norte e nordeste do país e imigrantes europeus, os quais vinham para serem cronistas como o botânico inglês Gardner Saint Hilaire, Eloy de Andrade e outros. Para garantir o desenvolvimento das cidades de modo a dar conta de escoar toda a produção cafeeira das fazendas do Vale, além do aperfeiçoamento das técnicas agrícolas, as vias de acesso às principais localidades eram preocupação constante dos governantes. As estradas tinham de ter razoáveis condições de tráfego. Por volta do ano de 1829, constata-se a preocupação do Vice-presidente da província de São Paulo – D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, com as estradas paulistas, em particular com as que escoavam o café para o litoral como as que passavam por Areias e Bananal em direção ao litoral fluminense. As estradas em território paulista que levavam ao litoral de Angra dos Reis, Mambucaba, Caraguatatuba e Ubatuba e as que se dirigiam a Minas Gerais
32 encontravam-se em situação de calamidade, algumas com obras iniciadas e paralisadas por falta de verbas e outras intransitáveis pela deterioração causadas pelas chuvas e intenso uso sem conservação. A grande preocupação dos presidentes das províncias de São Paulo, ao longo de muitos anos, era com a condição das estradas, chegando mesmo o presidente Manuel Felizardo de Souza e Mello, na década de 1840, proposto a criação de um departamento de estradas, cuja finalidade seria a de acelerar, baratear e aprimorar a construção e manutenção das vias. Por causa de todos esses entraves de ordem administrativa, os produtos agrícolas tinham seu preço cotado no valor mínimo. No ano de 1835, segundo um Quadro Estatístico apresentado por Daniel Pedro Müller 20, o café da região do Vale do Paraíba paulista tinha o menor preço de mercado: $1.600 réis por arroba nas cidades de Bananal, Areias e Pindamonhangaba, enquanto o preço máximo podia chegar a $3.200 réis a arroba. Na década de 1850, as vias de transportes continuaram sendo o maior empecilho para a agricultura paulista. Em 1868, o presidente provincial, Saldanha Marinho, relatou o estado deplorável em que se encontravam as estradas estaduais principalmente as vias de acesso a Areias e Bananal, municípios que tinham uma expressiva contribuição nas finanças de São Paulo e que estavam quase incomunicáveis com as demais cidades da província. Alertou ainda que as verbas destinadas ao reparo dessa estrada haviam sido muito reduzidas. Na habitação das cidades valeparaibanas a tendência observada foi a mesma do restante do país. Até o século XIX, não havia uma diretriz comum que norteasse a construção das casas de família, comércio e prédios públicos. De 1834 a 1929 houve sim uma tendência no desenho arquitetônico dos prédios paulistas de inspiração européia. De todas as centenas dos municípios paulistas, apenas vinte e nove foram criados sem vínculo com a história do café, inclusive a própria cidade de São Paulo. 21
20 21
Apud Afonso E. Taunay, op. cit. 1939. Luis Saia. Morada Paulista. 3. ed. São Paulo: Perspectiva. 1995.
33 2. CAFÉ
Quando as plantações de café invadiram o Vale do Paraíba, tanto prosperou o antigo dono de engenho com foros de artesão, quanto o tropeiro rude, o bronco mercador de escravos, o esperto vendeiro de beira de estrada, o lavrador rústico, iluminados todos por projetos idênticos e realizáveis por um só meio: enriquecer, afazendando-se.22
O século XIX começa com a região do Vale do Paraíba bem mais habitada como fica claro no mapa três. No século XVIII, a capitania de São Paulo era vista como um problema para o país. Tentativas foram feitas para tentar fazer dela um lugar atraente; tanto é que em 1779 o governador Martins Lopes sugeriu o cultivo de anil e tabaco para que a capitania tivesse algum produto para comercializar. Não podemos dizer que essas localidades eram ricas, ao contrário, ainda eram pontos de pouso e parada que serviram, inicialmente, às bandeiras e mais tarde aos comerciantes do ouro, mas podemos dizer que a grandiosidade de números nos quais hoje São Paulo se sustenta como a maior economia do país e uma das maiores do mundo tem suas raízes na cafeicultura. Segundo Luna 23, a falta de dados sobre a economia e a sociedade impossibilitou a formulação de teorias sobre a ocupação inicial do estado de São Paulo. Sabemos que no final do século XVIII, a lavoura da cana e tabaco na região se constituiu num incremento à economia agrária paulista. O café era menos valorizado socialmente que a cana. No livro de Bruno, vemos referência sobre esse dado nas palavras do Major Taunay que, em 1837, disse que “ter engenho de
açúcar era privativo dos capitalistas. Os homens de mediana posse podiam aspirar à propriedade de lavoura de café e cereais.”24 Isso se deveu à migração de escravos e
senhores das Minas Gerais para o território paulista, em especial ao Vale do Paraíba. Enquanto as regiões de Campinas e Itu sobressaíam-se com o cultivo da cana, a região de Lorena e Guaratinguetá tinha lavouras de tabaco sendo cultivadas em larga escala, e comercializadas no Rio de Janeiro. No mesmo Vale do Paraíba, Bruno afirma que SaintHilaire, cronista que passou por lá como veremos ainda nesse trabalho, constatou que as 22
Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Ática, 1974. ( Apud MARCONDES, Renato Leite. A arte de acumular na economia cafeeira. 1ª ed. São Paulo/Lorena: Editora Stiliano. 1998.) 23 Francisco Vidal de Luna, Herbert S. Klein Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São Paulo de 1750 a 1850. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. 24 Ernani Silva Bruno. Café e negro. São Paulo: Atalanta Editorial, 2005.
34 lavouras mais valorizadas no início do século XIX eram mesmo cana, em primeiro lugar, seguida do fumo e, por último, o café.
25
Durante o século XX, a descoberta de amplo acervo sobre censos enriqueceu os estudos acerca da região. Por isso, esse trabalho se utiliza dos levantamentos feitos por diversos autores com base nos censos. Encontramos dados divergentes quanto aos registros pesquisados, mas o importante é que, mesmo com algumas divergências, eles tornaram o trabalho do pesquisador mais próximo da realidade. Os primeiros pés de café foram trazidos do Maranhão pelo desembargador João Alberto Castelo Branco e plantados no Rio de Janeiro entre os anos de 1760 e 1768. 26 Embora também fosse cultivado em outras regiões, como Campinas e Sorocaba, onde a plantação não era valorizada, foi no Vale do Paraíba que a rubiácea se destacou. Em Areias, havia perto de 100 pés de café, além de Queluz, Lorena, Cachoeira Paulista, Guaratinguetá, Taubaté e Jacareí. Conforma já dito, no ano de 1782 deu-se início à plantação de café na cidade de Bananal. Nessa época, o café já começava a dar bons rendimentos aos fazendeiros. No século XIX, o Brasil era o Vale do Paraíba. Assim resumiam os sociólogos a influência que o café teve na economia nacional.
27
Nas três
primeiras décadas do século XIX, o Vale do Paraíba viu suas cidades crescerem e a população enriquecer. No início do século, eram poucos os agricultores que conheciam a semente de café. Entre 1801 e 1817 Bananal cresceu 7,1% ao ano e ao final do século XVIII e início do XIX a população feminina era maior entre as pessoas de nove a quarenta anos do que a masculina, fato esse explicado pela migração sertão adentro à procura de ouro. Bananal, ao contrário, ainda mantinha a população masculina maior que a feminina devido à ocupação da região ainda ser recente o que garantia a permanência dos jovens na localidade a fim de fazer o povoamento dos novos territórios e um crescimento maior que o das outras regiões. As cidades de Areias e Bananal, por serem pouco povoadas atraíram rapidamente muitos homens para a região. Enquanto a maior parte das cidades do Vale tinha grande número de pequenos agricultores, Bananal e Areias tinham muitas terras nas mãos de poucos proprietários, o que pode justificar a riqueza acumulada por esses grandes proprietários. 28 Na capitania de São Paulo, no ano de 1817, cumprindo uma ordem de D. João VI, foi elaborado um tombamento que tinha como objetivo recensear as freguesias, vilas e 25
Ernani Bruno, op. cit. 2005. Ibid. 27 Afonso E. Taunay, op. cit. v. 5, T III, 1939. 28 Renato Leite Marcondes, op.cit. 1998. 26
35 cidades, além de registrar o nome das fazendas, bem como o nome de seus proprietários e a lista de produtos com os quais trabalhavam e o valor do lucro recebido pela produção.
29
Tal censo registrava nessa data, a existência de trinta e quatro vilas e freguesias. Mesmo com imperfeições na coleta de dados, esses registros nos mostram que as localidades ainda plantavam cana e cereais e quanto ao plantio do café, não houve registros nesse censo. Porém, a literatura de viagens de Spix e Martius, entre 1817 e 1820, nos revela a presença de alguns pés de café nas cidades de Areias e Bananal, conforme já havia sido noticiado ainda no século XVIII. 30 Outro dado importante apresentado no censo e que interessa a esse estudo é que nele não constava menção alguma ao plantio de café no território paulista, no início do século XIX. Alguns anos mais tarde – 1825, em outro levantamento do mesmo tipo, embora ainda não houvesse registros sobre a existência de plantações de café, esse produto já aparece na relação de mercadorias exportadas pela província de São Paulo, a saber: 343.524 arrobas 31 de açúcar e 141.663 arrobas de café, seguidos por toucinho, banha, fumo, algodão em rana 32, quina33 e butua.34. Além desses produtos agrícolas exportam-se também outros produtos como tecidos de algodão, madeiras e aguardente. 35 Nas primeiras décadas do século XIX, o café já ganhara forças no Vale deixando de lado a cana, o tabaco e a aguardente. Pelo quadro abaixo podemos observar a força que o café começava a ter na região:
29
Afonso E. Taunay, História do café no Brasil. v 3, T I. Rio de Janeiro: Edição do Departamento Nacional do Café, 1939. 30 Ibid. 31 Arroba = peso equivalente a 15 kilogramas. 32 No livro de Taunay, foi encontrada a expressão “algodão em rana”, mas no Dicionário Houaiss não foi registrada tal expressão „rana‟. Apresenta, porém, o sufixo – rana como elemento da língua tupi, que quer dizer semelhante a e exemplifica com palavras, entre outras, algodãorana . 33 Quina = planta com propriedade antitérmica. 34 Butua = uva do gentio. 35 Afonso E. Taunay, op. cit. v. 3, T I, 1939.
36
QUADRO 3 – Produção do Vale do Paraíba nas primeiras décadas do século XIX
Localidade
Fazendas de café
Outros empreendimentos
Areias
238
12 destilarias
Bananal
82
8 engenhos
Guaratinguetá
40
3 engenhos
Jacareí
64
20 engenhos
Lorena
62
9 engenhos
Pindamonhangaba
79
1 engenho
Taubaté
86
1 engenho
Fonte: Ernani S. Bruno, op. cit. 2005.
Na década de 1830, os representantes do governo imperial não haviam percebido que o café começava a vicejar como produto promissor da agricultura nacional. Além da cana, era o plantio do chá que até essa época ocupava as atenções dos governantes. O Império era responsável pela distribuição oficial das sementes da erva mate por todo o país. As autoridades provinciais justificavam que o chá traria mais lucro ao agricultor porque a cultura necessitava de menos mão de obra escrava e podia ser semeada em poucas terras além de que o beneficiamento não exigia técnica avançada e o mercado europeu se mostrava mais receptivo ao chá do que a outros produtos. Por esses motivos, vários colonos chineses foram trazidos ao Brasil para plantar chá. Na cidade de Bananal há registros da presença de dez chineses, mas não há registros de plantação de chá. Somente em 1839, há relatos do senador do Império – Francisco de Paulo Almeida e Albuquerque dizendo que em Santa Catarina e no Espírito Santo já havia sido instalada a produção cafeeira. Mesmo assim, os demais senadores e alguns presidentes de províncias demoraram a enxergar o café como a lavoura do século XIX no Brasil e davam mais atenção à cana, ao algodão e ao chá.
36
Na segunda metade do século XIX, os cafezais viram-se ameaçados
por uma praga que chegou a assolar muitas plantações. O governo empenhava-se em importar mudas da planta para substituir as acometidas pelo mal, o que pouco adiantava para a erradicação da doença. Em 1860, a praga já se extinguira quase por completo dos cafezais paulistas, sem ter registros de como isso acontecera. 36
Afonso E. Taunay, op. cit. v. 3, T I, 1939.
37 Quando tem início o declínio do café, em 1886, o Vale do Paraíba contava com um total de quinze cidades, dez vilas, cinco freguesias e dois povoados. Esse dado merece atenção, porque no censo já citado e no mesmo estudo feito por Taunay, em 1817, foram contabilizadas trinta e quatro localidades entre cidades, freguesias, vilas e povoados, número que difere do censo de 1886. Entre as cidades que assistiram a seu próprio declínio estavam Bananal, Pindamonhangaba, Areias, Guaratinguetá, Lorena e Taubaté. Junta-se à crise cafeeira, a iminente abolição da escravatura e as medidas tomadas pelo governo como a proibição do tráfico negreiro – 1850, Lei do Ventre Livre e Lei Sexagenária, fatos que juntos levaram essas cidades ao desespero, chegando a haver em 1884, na Câmara Municipal de Lorena, um manifesto de repúdio às iniciativas anti-escravidão do governo imperial. 37 É interessante notar que nos relatórios dos Presidentes das Províncias, a imigração era vista como uma alternativa para a escassez da mão de obra escrava já a partir de 1850. Diversas regiões do estado recrutavam colonos vindos de diferentes países. Não se registra, porém, que o Vale do Paraíba tenha necessitado, nessa época, de trabalho estrangeiro, haja vista, o grande número de escravos existentes nessa região. Em 1854, no Quadro Estatístico dos estabelecimentos rurais da província de São Paulo, vemos que os municípios da região do Vale do Paraíba, em especial Bananal, produziam quase todo o café do estado em 70 fazendas, 7622 escravos e apenas 10 colonos. A título de exemplo da situação no Vale, a cidade de Areias tinha 341 fazendas de café, 4069 escravos e nenhum colono. Esses números faziam dos municípios valeparaibanos os mais ricos da província; enquanto isso, os demais municípios já utilizavam o trabalho dos colonos o que fazia com que os lucros com a venda do café fossem menores. Com o fim do tráfico negreiro, a saída para os fazendeiros do Vale foi receber os negros vindos do Norte do país. A seca de 1860 fez com que muitos pecuaristas da região Norte e Nordeste dispusessem de seus escravos porque não tinham mais como sustentá-los. Os escravos das etnias Haussa, Gêge e Ioruba, cujos ancestrais conheciam e praticavam o islamismo se diferenciavam dos outros negros porque possuíam vasto repertório cultural que incluía o domínio da leitura e escrita e conhecimento de artes. Muitos desses homens escravos ou não, vieram para o Sudeste e fizeram fama nas cidades do Vale do Paraíba. A superioridade dos escravos baianos chegou a provocar ciúmes, causando conflitos nos lugares onde esses homens se instalaram. 37
Nice Lecocq Müller, op.cit. 1969.
38 Para se expandir, a cultura cafeeira aproveitou tudo de que se serviram os engenhos de cana, desde o capital até as benfeitorias existentes no engenho de cana que foram adaptadas para as primeiras colheitas de café. E assim, paulatinamente o café foi substituindo a cana e as autoridades começaram a perceber a potência que a rubiácea passaria a representar para a economia brasileira. No relatório do presidente da província de São Paulo, em 1855 lemos: “A cultura do café tende a reduzir consideravelmente, se não a absorver todas as demais indústrias agrícolas e oferece atualmente o aspecto mais lisonjeiro.” 38
Falar da plantação de café no século XIX, nos obriga a tecer algumas considerações acerca das técnicas utilizadas pelos fazendeiros que cultivavam a rubiácea. É sabido que a lavoura paulista seguia a rudimentar técnica de destruição das matas, queima, plantação e abandono depois de exaurido o solo. Dos agricultores da época, apenas alguns nas cidades de Itu e Campinas conheciam e usavam o arado. O trabalhador escravo fazia todo o serviço. O estatístico Daniel Pedro Müller 39 já acusava a urgência de se buscar no país, máquinas para semear, arados para preparar a terra e o uso de abudo para fertilizar o solo. Ressalta o estudioso, que os proprietários de fazendas no Brasil, na ilusão de que o trabalho escravo lhes traria lucros ainda mais altos, preferiam a mão de obra dos cativos à modernização de sua produção. As ferramentas utilizadas no plantio remontam a eras remotas: enxada, foice e machado. Em 1836, com exceção do município de Cunha, o Vale do Paraíba produzia mais café que qualquer outra região: Areias vinha em primeiro lugar com 102 797 arrobas e Bananal com 64 822. A essas duas cidades seguiam ainda: Pindamonhangaba com 62 628, Jacareí com 54 000, Lorena com 33 649, Taubaté com 23 607, Paraibuna com 23 322 e Guaratinguetá com 22 442. Nesse mesmo ano, Bananal possuía oitenta e duas fazendas de café e oito engenhos de açúcar e Areias duzentos e trinta e oito fazendas, além de doze destilarias. No final de 1850, o presidente da província de São Paulo, Fernando Torres em seu relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial, manifestava preocupação com as condições em que se encontrava a lavoura paulista, afirmando que ela estava sendo penalizada pela falta de braços e de meios apropriados para o cultivo do café. Aconselhava a instrução da classe agrícola com novas tecnologias, meio segundo o qual garantiria o aumento da produção cafeeira, que já não podia contar com tanto trabalho do cativo como 38 39
Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p. 54. Afonso E. Taunay, op. cit. v. 3, T I, 1939, p 100.
39 havia sido feito até então. Aliado ao ensino de técnicas agrícolas, também deveria ser criado o crédito agrícola para incentivar o agricultor a produzir mais. A situação, segundo o presidente provincial era agravada pelo mau estado de conservação das estradas. Nesse mesmo relatório, há menção à paulatina substituição do trabalho escravo pelo dos colonos. Enquanto as regiões do Oeste paulista possuíam muitas colônias particulares composta por trabalhadores estrangeiros, o Vale do Paraíba possuía apenas seis, sendo quatro em Pindamonhangaba, uma em Paraibuna e uma colônia em Lorena. Esse fato deve ser ressaltado porque mostra que enquanto as cidades valeparaibanas ainda podiam contar com o trabalho escravo, em outras localidades o número de cativos escasseava rapidamente. Em 1858, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional solicitou ao governo imperial a criação de escolas com internato, onde se ensinasse praticamente a cultura dos cereais, dos legumes, do café, da cana, do algodão, a horticultura, a arboricultura, e em geral, a agricultura relativa aos produtos de nossa lavoura: a fabricação especializada de adubos para cada uma das culturas, os processos modernos da veterinária e finalmente o emprego prático de mecanismos destinados ao reparo e construção de máquinas agrícolas. Entre os anos de 1866 e 1869, a exportação de café no estado de São Paulo chegou a atingir o impressionante volume de 8 856 743 (oito milhões, oitocentos e cinqüenta e seis mil, setecentos e quarenta e três) arrobas, o que somou aos cofres da província e das cidades 28 141 886$030 (vinte e oito milhões, cento e quarenta e um mil, oitocentos e oitenta e seis) contos de réis. 40 As autoridades consideravam que a cifra elevada da produção poderia ser mais alta se houvesse aperfeiçoamento das técnicas de colheita. Nesse período, começaram a surgir planos para criação de uma escola agrícola com o objetivo de levar o agricultor brasileiro a usar tecnologia já largamente utilizada em países europeus e norte-americanos. 41 Nos anos de 1869 e 1870 a província de São Paulo continuou a exportação do café produzido em suas terras, nas seguintes cifras:
40 41
Afonso E. Taunay, op. cit. v. 3, T I, 1939. Ibid.
40 QUADRO 4 – Exportação da província de São Paulo
Período
Quantidade em arrobas
1869/1870
3 342 251
1879/1880
5 483 251
1889/1890
9 193 204
Fonte: Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p 67.
Na década de 1970, registra-se, em algumas regiões da província, o trabalho do campo com o auxílio de máquinas e trabalhadores livres, em regime de colônia. Ressaltese que pelo menos há trinta anos era conhecido o tipo de trabalho que se utilizava de mão de obra do homem livre. Já era conhecido também o regime de trabalho que havia sido implantado em uma colônia de estrangeiros na região de Ibicaba, colônia essa que teve sucesso em relação a muitas tentativas feitas no interior do Brasil. A plantação do café, que tão rapidamente se adaptou no solo valeparaibano e foi o responsável por todo esse período de riqueza que ora estudamos, obedecia a um ciclo de trabalho bem delineado. Inicialmente, roçava-se o terreno para retirar espinhos e ervas; trabalho que necessitava da mão de obra de aproximadamente oito homens escravos. Depois, fazia-se a derrubada das árvores e queimava-se o terreno para que as sementes pudessem ser plantadas. De onde vinham as sementes? Bruno 42 afirma que elas eram retiradas dos pés mais antigos ou eram colhidas do chão ao redor dos cafeeiros. Saint-Hilaire registrou em seu diário de viagem que “[...} quando alguem quer fazer uma plantação nova de café abstem -
se de colher os fructos de algum cafezal velho; Estes cahem no chão, apodrecem, os grãos germinam e depois se transplantam os pés novos.”43
Tempos depois, alguns fazendeiros já haviam aprimorado as formas de plantar: durante o primeiro ano, as sementes ficavam em viveiros até ter feição de uma muda. Depois as mudas eram definitivamente plantadas nas covas onde deveriam crescer. Os pés formavam uma linha bem reta e eram separados por uma distância de 12 pés, no mínimo, sendo adubados com esterco animal e mais tarde com resíduos do próprio cafezal. A limpeza dos cafezais era feita em media três vezes no ano. 42
Ernani S. Bruno, op. cit., 2005. Auguste de Saint-Hilaire. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Geraes e São Paulo (1822) . Tradução de Affonso de E. Taunay. Companhia Editora Nacional, 1932, p. 211. 43
41 Para fazer a colheita da rubiácea era preciso o trabalho de um escravo escolhendo os grãos amadurecidos para cada mil pés de café. Em 1883, os escravos conseguiram aperfeiçoar seu trabalho e cada um conseguia colher as cerejas de 3644 pés de café. Uma técnica para a colheita de café no Vale do Paraíba era a utilização de um lençol estendido sob os pés de café que eram sacudidos pelos escravos e assim, as frutas maduras caiam e facilitava o trabalho de recolha do produto bem como amenizava o esforço do escravo. Nas fazendas paulistas, a exemplo do que era feito na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, o administrador dava a cada escravo uma ficha correspondente à produção que deveria apresentar. O excedente poderia ser convertido em pagamento ao cativo. O contrário também acontecia. Caso um escravo não desse conta de sua cota diária de colheita poderia ser castigado. Para armazenar os grãos utilizavam cestos presos à cintura das mulheres ou ao peito dos homens. Bruno lembra que essa atividade foi tão corrente na região que ficaram registrados no folclore local os versos: “Eu quisera sê penera Na coieta de café Para andá dependurado
Nas cadera das muié.”44
Colhidos os grãos, iam secar ao sol nos terrenos que antes eram de chão batido, o que dava um gosto de terra à bebida e mais tarde, em uma mistura de barro, areia, excremento de gado e tabatinga 45. As propriedades mais organizadas e ricas chegavam a fazer terreiros com cal de pedra e pó de tijolo dando uma aparência de piso tipo cerâmica. À noite, o café era coberto com lençóis para não apanhar o orvalho e ficar molhado. A secagem durava em média sessenta dias. Se chovesse seguidamente, o café era recolhido e levado às estufas, que se consistia numa caixa de madeira forrada e tampada com zinco e esquentadas por caldeiras de ferro. A cada vinte e quatro horas de trabalho essa estufa permitia a secagem de aproximadamente 180 arrobas de café. Tais caixas não eram feitas nas fazendas, mas sim industrializadas no Brasil por Flewy e Lenoir e instaladas em
44 45
Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p. 88. Tabatinga = qualquer tipo de argila mole e untuosa, sedimentar, de colorações diversas.
42 Bananal. A técnica de secagem em estufas embora eficiente foram subutilizadas pelos fazendeiros do Vale e por isso não alcançaram notoriedade em outras regiões. Depois de secos, os grãos eram armazenados em tulhas 46 para manter a qualidade do produto a ser exportado. Faltava ainda o beneficiamento do café para que finalmente fosse comercializado. A técnica para isso era a socagem do café no pilão. Havia também quem utilizasse vara e malhação para descascar o café. O trabalho nos pilões exigia muito esforço dos escravos, por isso quando a colheita começou a alcançar enormes números, esse método tornou-se contraproducente, tendo sido, aos poucos, esquecido pelos grandes proprietários. Os pilões manuais logo foram substituídos pelos monjolos que economizavam braços, mas precisavam de muita água. 47 O Vale do Paraíba usou o monjolo até meados do século XIX, quando monjolo e pilão deram lugar a outro método chamado carretão, ribas ou ripes.
48
Em nossa região, fazendeiros deram preferência por
um “sistema constituído por uma longa e forte peça de madeira, movendo -se horizontalmente em torno de um eixo vertical fixo ou móvel e no qual, em uma das extremidades se prendia o animal de tração que, em sua lenta marcha, descrevia uma larga circunferência [...] Seguindo o traçado da circunferência, construía-se um cocho circular que recebia [...] certa porção de café em coco, sobre o qual passava rolando, repetidamente a grande roda de madeira. Ao fim de algumas horas de trabalho, retirava-se o café, então, quase todo descascado que era levado a uma peneira sacudida na mão”. 49 Socado o café,
era passado por uma peneira de taquara, momento em era feita a seleção entre os grãos com ou sem casca. Esse trabalho começava por volta das quatro horas da manhã, como bem presenciou Saint Hilaire, no ano de 1822, por ocasião de sua viagem ao Vale.
50
Embora essa técnica tenha durado bastante, de 1830 a 1870, foram sendo substituídas por outras mais modernas como os engenhos de pilão que aliavam a técnica dos engenhos utilizados em outras épocas com os pilões. O certo é que havia muitas iniciativas para o aprimoramento das técnicas agrícolas, mas a farta e barata mão de obra escrava dificultou a disseminação de tecnologia avançada para a colheita de café. Com o fim do tráfico negreiro, a necessidade de utilização de máquinas começou a se fazer presente em várias regiões do país e a partir de 1860 várias máquinas agrícolas foram trazidas ou mesmo montadas no Brasil. Na região de Campinas, em 1864, Willian Van 46
Tulha = recipiente usado para armazenagem de cereais. Monjolo = engenho rudimentar, acionado à água, usado para pilar milho e descascar café. 48 Carretão = máquina primitiva usada no beneficiamento do café. As palavras ribas ou ripes não foram encontradas no dicionário. 49 Ernani S. Bruno, op. cit. 2005. 50 Ibid. 47
43 Vleck Lidgwood já possuía uma oficina para conserto de máquinas e Conrado Mayer, em 1867, montou uma indústria de máquinas para ajudar na colheita e beneficiamento do café. 51
As mais utilizadas na cafeicultura eram os descascadores, os ventiladores,
catadores, brunidores e os separadores de café. Apenas o ventilador fazia o trabalho que dezoito homens fariam durante 10 horas por dia. Mais tarde apareceu a “Máquina econômica Combinada e MacHardy”
52
que reunia ventilador, descascador, catador, polia e
transmissor. O maior benefício que as máquinas trouxeram foi a melhoria na qualidade do grão a ser exportado e que vinha ao encontro do gosto do consumidor mais exigente. Ressalte-se que a introdução de maquinário agrícola na cafeicultura deu-se primeiramente na região de Campinas e Itu, e mais tardiamente no Vale, devido, como já foi abordado nesse trabalho, terem os fazendeiros da região muitos escravos a seu dispor, fato que provavelmente tenha acelerado o início da decadência dos cafezais do Vale do Paraíba. Além disso, a inserção de máquinas no beneficiamento de café exigia certa qualificação para montá-las e fazer sua manutenção, fato que também fez com que os valeparaibanos preferissem o trabalho escravo ao investimento em tecnologia, visto que o trabalho do técnico demandaria mais gastos com a produção do café. Para finalizar o processo de produção do café, precisamos lembrar da forma como o café a cidade de Bananal fazia o escoamento da rubiácea que necessariamente deveria passar por uma barreira, para ser pesado e depois do pagamento de impostos recebia a guia para liberação do produto. Havia muita desorganização no pagamento desses impostos o que deixava os fazendeiros de café insatisfeitos com a situação, a ponto de pedirem a intervenção dos governos de São Paulo e da Corte, entretanto, cada governo deliberava da maneira como achava mais lucrativa, o que causou mal estar entre as duas províncias e pela primeira vez a Corte do Rio de Janeiro levantou a hipótese de propor a anexação de Bananal ao território fluminense. A proposta agradou a muitos bananalenses porque pertencer ao Rio de Janeiro, traria ainda mais importância à cidade e resolveria de vez a questão da arrecadação de impostos. Falar da história do Vale do Paraíba, da cidade de Bananal e do café, nos obriga a lembrar de alguns autores que, escrevendo sobre as técnicas para o melhor aproveitamento da lavoura nos mostram também alguns os costumes da época, quando era grande a preocupação com as formas arcaicas de plantio e colheita como já pudemos observar. Citamos alguns, entre eles, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, Barão do Paty de Alferes, dono de oito fazendas e de vários títulos do Império e também escritor que 51 52
Ernani S. Bruno, op. cit. 2005. Ibid, p.112.
44 alcançou o respeito e admiração dos brasileiros com seu livro intitulado “Memória ” e que conforme os registros de Taunay 53 seria um compêndio da ciência agronômica voltada para o café. A obra indicava ao leitor os melhores meses do ano para a semeadura e a capina, não deixando de abordar as questões sobre queimadas, adubagem, aragem e a utilização das máquinas e ferramentas pelos escravos. É ainda, um manual detalhado sobre a administração das fazendas. Aconselhava os proprietários a controlar o trabalho dos escravos e dos agregados de forma a preservar os lucros com o café. Instruía os leitores a trabalharem para que suas fazendas produzissem tudo de que precisavam, apenas comprando sal, pólvora e ferro e ensinavam a aproveitar tudo do milho e outras plantações como as batatas, o cará e o inhame. Aconselhava a não investir em gado que deveria ser criado apenas para o sustento da família. Um outro escritor dessa mesma época, o padre mineiro, Antonio Caetano da Fonseca escreveu “Tratado da Cultura de Algodoeiro no Brasil ”, no ano de 1862 e “ Manual de Agricultura dos Gêneros Alimentícios”, em 1867. Nesse livro, o autor se
adianta por um século e faz denúncias sobre as queimadas. O autor demonstra conhecimento quanto aos prejuízos que o uso regular do fogo podia trazer às lavouras e o quanto a falta de técnica para lidar com a terra causava danos à natureza. A consciência ecológica que sobrava em algumas pessoas faltava à grande parte da população brasileira. Os fazendeiros insistiram, ao longo dos anos, em maltratar a terra com fogo e percebiam que a sua fertilidade diminuía ano a ano, mas se limitavam a atribuir o fato à época de pecados em que vivia o mundo. Houve ainda outros escritores que se dedicavam a escrever sobre o café. Podemos citar Dr. Frederico Leopoldo Burlamaque que escreveu “Monografia do Café e Cafeeiro”. Membro honorário da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, sua obra destinava-se a oferecer ao agricultor um panorama das técnicas utilizadas em outros países como Antilhas, França, Ilhas Maurícia, Martinica e países árabes. Analisava os métodos utilizados por essas localidades e propunha quais seriam os melhores métodos para o Brasil. 54 Num estudo denominado “Grandeza da Província e Decadência do Estado do Rio de Janeiro” , de Eloy de Andrade, que tratava da ocupação das terras
fluminense à margem
do rio Paraíba, constata-se a violência utilizada por muitos proprietários de sesmarias que se apossavam das terras já cultivadas por desbravadores. A exemplo dos senhores de 53 54
Afonso E. Taunay, op. cit. v. 5, T III, 1939. Ibid.
45 engenho e dos senhores feudais, os fazendeiros de café expulsavam os antigos posseiros das terras e se instalavam nelas e nada havia o que pudesse ser feito para estancar a violência ou punir os abusos. Isso porque os próprios representantes do Império partilhavam da mesma idéia dos administradores das províncias quanto ao direito de uns tirarem a terra dos outros. Aos lavradores pobres, sobravam alguns nacos de solo para o plantio da lavoura de subsistência. 55 O período entre 1860 e 1888 caracterizou-se pelo declínio da atividade cafeeira no Vale do Paraíba e na ascensão do Oeste de São Paulo, região onde hoje se encontram as cidades de Capivari, Rio Claro, São Carlos, Descalvado e Araraquara.
3. ESCRAVOS
A grande riqueza do Vale do Paraíba, no século XIX, que muitos chamavam de fabulosa se deveu ao trabalho escravo. São apontados na região do Vale do Paraíba oitenta e quatro fazendeiros que possuíam muitos escravos. As anotações feitas pelos viajantes, nas primeiras décadas do século, nos revelam que na região de Bananal, o sargento-mor Braz de Oliveira Arruda possuía oitenta escravos na fazenda Bom Sucesso e setenta na fazenda Pouso Seco. Em Lorena, havia cento e trinta escravos na fazenda Bocaina que pertenciam ao sargento-mor Ventura José de Abreu. Em Pindamonhangaba, apenas uma fazenda tinha mais de quarenta escravos – a do Capitão-mor Manuel Marcondes de Oliveira e Mello. Taubaté possuía fazendas cuja população de negros cativos não ultrapassava a vizinha Pindamonhangaba. Na cidade de Guaratinguetá, o Capitão-mor Manuel José de Mello possuía cento e oitenta escravos. Segundo o tombamento da cidade de São José dos Campos, não havia proprietários de escravos. Nessa época, houve uma corrida dos fazendeiros da região valeparaibana em busca do aumento do número de negros, devido ao receio de que a iminente extinção do tráfico negreiro pudesse dificultar seus negócios. Segundo Taunay, Daniel Pedro Muller contabilizou uma população na província de São Paulo de 283.972 almas, sendo que na capital viviam 21.993 e em Taubaté, 11.833.
55
Afonso E. Taunay, op. cit., v. 5. T III, 1939.
46 Desses habitantes, 239.969 eram livres e 86.993 escravos na sua maioria do sexo masculino, o que correspondia 52,8% e 24, 2% da população respectivamente.
56
A aquisição de escravos fazia parte da vaidade dos senhores: quanto mais peças possuíam, mais admiração despertava em seus conhecidos. Há registros de que na cidade de Areias todas as rendas eram destinadas à compra de escravos porque todo o trabalho dependia dessa mão de obra. Além da compra de escravos, mesmo depois de extinto o tráfico, em 1850, muitos fazendeiros ainda conseguiam comprar plantéis com bastantes deles. Some-se a isso a migração entre os anos de 1852 e 1859, do norte do país para o sul, ocasião em que 27 441 escravos migraram para o Vale do Paraíba e outras regiões da província. Devido ao grande número de cativos na região, o comércio dessas pessoas era muito freqüente; anunciavam-se a venda de escravos da mesma forma como eram anunciadas a venda de casas. O preço médio de um escravo variava entre 500$000 e 700$000 réis, e após o fim da importação dos africanos o preço subiu, fato que levou o mercado de escravos a ter inflação. No ano de 1768 já havia uma preocupação com a escravização do negro sendo essa prática vista como riqueza certa. Nesse cenário, o Vale se destaca em número de cativos em relação a outras regiões da província, como já tivemos oportunidade de observar nesse trabalho em relação a outros estados ou países. Comparando-se dentro do território paulista, a posição do Vale continua sobrepujando. Bananal tinha um grande número deles, porque a lavoura de café assim o exigia e como já vimos, o Vale do Paraíba foi uma das regiões que mais resistiram à implantação do trabalho com colonos. No auge da economia cafeeira no Vale do Paraíba que se deu na década de 1850, era espantosa a soma de escravos que sustentavam a lavoura de café e o luxo de seus proprietários. Observe a quantidade de escravos existentes nas fazendas valeparaibanas em 1854:
56
Afonso E. Taunay, op. cit., v. 5. T III, 1939.
47 QUADRO 5 – Total de escravos por propriedade, no ano de 1854
Localidade
Fazendas
Escravos
Areias
341
4069
Bananal
70
7662
Guaratinguetá
103
1605
Jacareí
96
2435
Lorena
57
1621
Pindamonhangaba
112
2800
Queluz
76
230
Taubaté
240
4345
Fonte: Ernani S. Bruno, op. cit., 2005. p. 41.
No quadro a seguir, podemos observar que na década de 1860, o número de escravos continuava elevado na região. Das dezesseis localidades apresentadas, oito estavam no Vale do Paraíba.
48
QUADRO 6 – Número de escravos nas vilas e cidades da Província de São Paulo, no ano de 1869.
Localidade
Número de cativos
Araraitaguaba
648
Atibaia
462
Cunha
743
Guaratinguetá
998
Itu
1230
Jacareí
210
Jundiaí
367
Mogi das Cruzes
749
Mogi Guaçu
489
Mogi Mirim
489
Piedade
448
Pindamonhangaba
488
São Sebastião
109
Sorocaba
980
Taubaté
879
Ubatuba
226
Fonte: Ernani S. Bruno, op. cit. 2005.
Para isso, era de vital importância que os negros formassem famílias e se tornassem menos rebeldes. O maior comprador de escravos da cidade, Comendador Vallim, era contrário à compra indiscriminada de escravos, dando preferência à formação de seu plantel a partir das famílias constituídas e àqueles que já possuíam alguma qualificação como a de ferreiro, feitor, funileiro e carpinteiro. Em 1864, no Vale do Paraíba, 48% dos homens escravos maiores de vinte anos eram casados e em 1878 esse número subiu para 60%, o que comprova a tese de que na região a formação de famílias era incentivada pelos fazendeiros, tendo como objetivo principal, amansar os homens. Os escravos chamados de profissionais tendiam a se casar e logo tinham família formada. Esses homens valiam em média 200$000 e a eles era
49 permitido obter economias com o trabalho em feriados e finais de semana. Em Bananal, e principalmente na fazenda do Comendador Aguiar Vallim, era comum as meninas logo serem tiradas do trabalho na lavoura para servir a casa. Isso conferia uma relação amistosa entre o dono da propriedade e os escravos. Mesmo após a morte de Vallim, sua esposa manteve o mesmo tipo de administração o que fez com que a família tivesse pouco prejuízo com o investimento em escravos porque muitos deles, após 1888, permaneceram com os antigos donos e depois patrões, a módicos salários. Dado relevante nesse estudo é que a população escrava de Bananal chegou a representar 52% do total como podemos observar na tabela abaixo: TABELA 1 – Padrão de posse de escravos
Localidade
Ano
Número médio por % de escravos na proprietário
população
Bahia
1816/1817
7,2
30,8
Jamaica
1832
25,0
86,5
9,6
33,5
Sul
dos
Estados 1830
Unidos Bananal
1829
11,7
38,0
Bananal
1872/1876
14,2
52,0
Fonte: SCHWARTZ, 1988; MOTTA,1990; RGB, IBGE, 1872. Livro de classificação dos indivíduos e das famílias do município de Bananal, 1876.57
Pelos números apresentados, ratificamos a afirmação de que todo o luxo das famílias que cultivavam o café em Bananal tinha como suporte o trabalho dos escravos. No censo de 1872, a cidade de Taubaté era a mais populosa do Vale, com cerca de vinte mil habitantes, mas a cidade de Bananal detinha o maior número de escravos do Vale.
58
Algumas personalidades da época viviam como reis e imperadores tendo a seu dispor uma enorme quantidade de pessoas. Sozinho, o Comendador Vallim, na década de 1870,
57
João Luiz Ribeiro Fragoso, Ana Maria Lugão Rios Um empresário brasileiro nos oitocentos. In: CASTRO, Hebe, SCHONOOR, Eduardo, (org.) Resgate: uma janela para o oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995, p. 241. 58 Renato Leite Marcondes, A propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista durante a década de 1870 . Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 29, 2002. Disponível em http\\www. cpdoc.fgv.br/revista/arq/321.pdf. Acesso em 11/02/2007.
50 detinha 6% do total de todos os escravos do município e os outros grandes proprietários eram parentes de sangue do Comendador. Em 1873, o número de escravos no Vale do Paraíba, embora vistos hoje como altíssimos, já não era mais um dos primeiros da província: Bananal contava ainda com o trabalho de 8141 cativos, Guaratinguetá com 4632, Taubaté como 4184 e Pindamonhangaba como 3736 escravos. Marcondes, observou que “em Bananal [ se viam ]
as características mais próximas às da plantation59 cafeeira. Em nenhum outro lugar verificamos posses cativas tão elevadas e padrão semelhante de concentração da propriedade escrava.” 60
Os cativos viviam nas senzalas das fazendas que eram construções muito rústicas. Na cidade de Bananal, de modo geral, eram edificadas a 50 centímetros acima do solo e divididas em pequenas casas para abrigar dois casais; em cada uma havia uma “tarimba” 61
de tábuas e uma esteira de palha de bananeira. As senzalas eram fechadas por grandes portões o que dava sensação de segurança aos donos das fazendas. Os escravos trabalhavam das 4 da manhã até as 19 horas e eram sempre vigiados por um feitor que podia ser tanto um escravo quanto um branco administrador da fazenda. Não trabalhavam aos domingos nem em dias santos. Quase sempre possuíam alguma habilidade: ferrador, serrador, carreiro, mecânico, pedreiro, carpinteiro, jardineiro entre tantas outras funções. Havia os escravos que faziam o trabalho doméstico como as costureiras, lavadeiras, engomadeiras, cozinheiras, copeiros sapateiros, rendeiras e alfaiates. Nas fazendas de Bananal era costume dar trabalho doméstico aos homens jovens; entre esses afazeres estavam a obrigação de manejar abanadores de pena de pavão para espantar moscas e pequenos serviços aos senhores, também podendo servir de acompanhantes. Os homens se vestiam geralmente com calças de brim, camisa branca e chapéu e as mulheres de saia de chita, camisa e, às vezes, xale. A alimentação dos escravos é matéria controversa entre os historiadores. Enquanto alguns consideravam a dieta dada pelo senhor aos seus cativos, muito pobre em todo tipo de nutriente, além de pouca, outros acham que era suficiente porque era aproximadamente como a alimentação de grande parte da população. O certo é que havia variações de região para região, de fazenda para fazenda. Na região do Vale do Paraíba, os escravos eram
59
Plantation = propriedade agrícola em que se cultivam produtos tropicais, muitas vezes para exportação. Renato Leite Marcondes, op. cit, 2002, p. 18. 61 Tarimba = qualquer cama dura e desconfortável. 60
51 alimentados com a fruta-pão 62, alimento que nutria e custava nada. Hoje são raros os exemplares dessa árvore no Vale do Paraíba porque, segundo relato de populares, após a abolição da escravatura, D. Pedro II ordenou que essas árvores fossem extintas do país. Nas propriedades rurais produtoras de café da cidade de Bananal, os escravos se alimentavam três vezes ao dia de feijão, angu, farinha de milho, alguma carne e frutas do pomar das fazendas. Não era raro os escravos serem viciados em tabaco e aguardente. Faziam um cigarro no qual eram misturados fumo e folhas de maconha. Quanto aos hábitos de higiene dos escravos, registra-se que todos os dias, ao findar a exaustiva jornada de doze horas de trabalho, todos tinham de lavar pelo menos os pés e as mãos. Ao amanhecer era obrigatório tornar a lavar o rosto. Alguns senhores estipulavam dias nos quais o banho, talvez de rio, era obrigatório. 63 Apesar da rispidez com que os escravos eram tratados muitos fazendeiros do Vale, entre eles o Comendador Aguiar Vallim, incentivavam e propiciavam a união matrimonial de seus escravos. É obvio que o matrimônio, como já vimos, podia abrandar a ira do escravo, bem como fixá-lo à terra, além de ficar garantida a procriação de mais mão de obra. Segundo Marcondes, os escravos eram adquiridos tanto no Vale do Paraíba quanto em outras regiões, de três formas: compra, herança ou reprodução natural. À medida em que aumentava a aquisição de escravos, a riqueza também crescia, ficando concentrada nas mãos de uma minoria de fazendeiros de café, como já dissemos. No ano de 1829, por exemplo, os empresários da cidade de Lorena, detinham 31,6% da riqueza acumulada e 74% dos escravos. As atividades paralelas que davam sustentação aos plantadores de café do Vale do Paraíba, eram o comércio e as casas de crédito que não chegavam a deixar ricos seus proprietários visto que possuíam poucos escravos e, quase sempre, apenas um imóvel. 64 Era conhecida a contrariedade que a iminente abolição do trabalho escravo trazia aos cafeicultores do Vale. Segundo Abreu 65, no ano de 1852, o Comendador Vallim e o 62
Fruta-pão: é uma árvore que chega a medir 25 m de altura, relativamente frondosa. Desenvolve-se em clima tropical úmido e adaptou-se bem à região do estado de São Paulo. A polpa da fruta- pão é rica em calorias, carboidratos, água, vitaminas B¹, B², cálcio, fósforo, ferro e tem baixo teor de gordura. Em uso caseiro a polpa pode ser cozida, assada, transformada em purê ou consumida em fatias fritas. As sementes da fruta-pão de caroço podem consumidas torradas, assadas, ou fervidas em água e sal. 63 Ernani S. Bruno, op. cit. 2005. 64 Renato Leite Marcondes. A arte de acumular na economia cafeeira. 1. ed. São Paulo/Lorena: Editora Stiliano, 1998. 65 Marta Abreu. O caso do Bracuhy. In: CASTRO, Hebe, SCHONOOR, Eduardo, (org.) Resgate: uma janela para o oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
52 fazendeiro José de Souza Breves foram acusados de contrabandear escravos do porto de Bracuhy, freguesia da Ribeira, próximo à cidade de Angra dos Reis, cidade fluminense, dois anos após a extinção do tráfico de escravos no Brasil. Naquele ano, na edição do dia 11 de dezembro, o jornal Diário do Rio de Janeiro noticiou o contrabando de escravos africanos pelos dois fazendeiros. A denúncia foi feita pelo delegado de polícia de Angra dos Reis. Como Vallim era o delegado de polícia da cidade de Bananal e os componentes da política local eram parentes seu, o juiz de direito da comarca de Guaratinguetá foi a autoridade designada pelo governo imperial para empreender busca aos escravos e, no início do ano de 1853, foram encontrados muitos deles nas terras de Vallim e em outras fazendas da região. Fato que ficou conhecido na corte como o Caso Bracuhy. À época, os fazendeiros da região mobilizaram-se em favor dos fazendeiros, enviando cartas de solidariedade aos jornais de grande circulação no país o que gerou enorme polêmica: de um lado liberais pediam a condenação de Vallim que chegou a ficar detido na delegacia de Bananal e de outro lado estavam os conservadores revoltados contra as medidas imperiais para resolver o problema alegando que o fato estaria causando impertinência à convivência diária com os escravos. Tal fato desgastou consideravelmente a figura dos fazendeiros envolvidos. Depois da acusação, Vallim pediu demissão do cargo, alegando que assim seria mais fácil ser julgado. Vemos aqui que tal artifício para escapar das acusações são velhas e sabidas manobras que ainda hoje são usadas por muitos em nosso país para livrarem-se dos holofotes e assim serem esquecidos. Por ter se demitido ficou livre das acusações e apenas o amigo Breves foi julgado e considerado inocente. Castro 66 afirma que foi por esse motivo que Vallim e Breves não conseguiram o tão almejado título de Barão, tendo de contentar-se com o de Comendador. A esse respeito merece nota a resposta do Marquês de Abranches ao pedido de baronato de Manuel de Aguiar Vallim: Não posso encarregar-me da pretensão da pessoa de que trata o memorial junto a vista dos papéis existentes, na secretaria, relativos à questão negreira de Bracuhy e examinados por ocasião de pretensão idêntica d‟outra pessoa, foi-me insinuado que não propusesse indivíduo algum que
tenha sido pronunciado nesta questão embora, despronunciado ou absolvido depois.67
66 67
Marta Abreu, op. cit. 1995, p. 183. Ibid, p. 182.
53 Podemos perceber que na construção da história do Vale do Paraíba, o café deu formato às cidades, as quais se desenvolveram e enriqueceram com o trabalho escravo. É por isso, que à economia, à antropologia, à educação, à geografia tanto interessam os aspectos aqui resumidos e apresentados.
4. A IMPORTÂNCIA POLÍTICA DO VALE DO PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO
Conforme apontou Luna, 68 o Vale do Paraíba foi a extensão da economia da capital do Império. A região compartilhou com a capital do país dos avanços econômicos, culturais e sociais quando das primeiras fazendas de açúcar e café. No início do século XVIII, São Paulo era um lugar atrasado porque povoado por mestiços, índios e pela marginalidade portuguesa. Lembramos que a região produzia além da lavoura de subsistência, pouco açúcar e aguardente deixando o posto de maiores produtores para o nordeste brasileiro. Nos séculos XVI e XVII, o movimento bandeirante alargou as fronteiras da província, mas pouco mudou no panorama econômico até o surgimento do café. Depois da cidade de São Paulo, a região mais importante era o Vale do Paraíba que seguia para o Rio de Janeiro ao lado da Serra do Mar. No entanto, devido à exploração inadequada do solo, essa região teve rápida ascensão e decadência. São Paulo teve sua economia incentivada pela Coroa a partir do declínio do açúcar nordestino. Primeiramente o incentivo foi para a exploração de minerais. Só mais tarde foi para o café. Após a Guerra dos Emboabas, as atividades auríferas se estagnaram e os paulistas começaram a empreender na agricultura com o objetivo de alimentar o comércio com Minas Gerais. A partir de 1700, houve notável crescimento na população escrava de São Paulo, principalmente no Vale do Paraíba, para atender a essa nova demanda de trabalho. Em cem anos, a região passou de rota de passagem à produtora agrícola. A produção de açúcar chegou em 1801, a 229 toneladas que provavelmente foram produzidas no Vale por meio da mão de obra escrava. 69 A preferência pelo uso do trabalho escravo nessa época foi a semente da economia cafeeira, assim como a melhoria dos transportes como veremos mais adiante. Açúcar e café eram culturas bem diferentes, porque enquanto o primeiro virava riqueza em pouco tempo, o segundo demorava a tornar-se moeda, isso, 68 69
Francisco Vidal de Luna, op. cit. 2005. Ibid.
54 entretanto, não impediu que o açúcar logo cedesse lugar ao café e a primeira localidade, em São Paulo, a produzir a rubiácea foi a cidade valeparaibana de Areias. Em Guaratinguetá e Pindamonhangaba há registros de café já em 1804. Em 1822, Saint-Hilaire observou que fazia apenas vinte anos que a região começara timidamente a investir na plantação de café. 70 Em 1854, a produção de café em solo brasileiro chegou a 51000 toneladas, empregando 54000 escravos, em 2600 fazendas. Além de escravos, embora pouco disseminado no Vale, havia ainda o trabalho dos colonos livres nas fazendas, que chegavam a representar a décima parte da força de trabalho nas fazendas de café. 71 No início da segunda metade do século XIX, a cidade de Bananal produzia 15% de todo o café do Brasil em 70 fazendas e 7600 escravos, produzindo 8000 toneladas de café. Vemos que no Vale do Paraíba o trabalho do colono livre não foi muito requisitado pelos grandes proprietários devido à facilidade com que adquiriam escravos. É notável que na região da cidade de Areias, assim como em Bananal, a produção de café não liquidou a plantação de outros produtos. Tal fato fez com que houvesse diminuição dos custos com o plantio do café, porque a venda lucrativa de outros gêneros alimentícios necessários para a dieta dos habitantes da região, não era pequena e dava lucros significativos. Mostramos isso no quadro abaixo: QUADRO 7 – Vila de Areias em 1836
Produtos
Quantidade em toneladas
Café
699
Milho
1233
Arroz
300
Feijão
267
Aguardente
175
Farinha de mandioca 290 Fonte: AESP – Dados da vila de Areias.72
70
Auguste de Saint-Hilaire. op. cit. 1932. Francisco Vidal de Luna, op. cit. 2005. 72 Ibid. 71
55 QUADRO 8 – Produção cafeeira do Vale do Paraíba em dólares. Municípios
1854 US$
Areias
1 110 021
Bananal
1 594 475
Guaratinguetá
290 044
Jacareí
690 029
Lorena
359 375
Paraibuna
340 170
Pindamonhangaba
1 006 250
São José dos Campos
172 500
Taubaté
1 019 849
Outros municípios
1 391 500
Total do Vale do Paraíba
7 974 212
FONTE: Fábio Rici. A economia cafeeira e as bases do desenvolvimento no Vale do Paraíba paulista.
Revista de História Econômica & Regional Aplicada. v. 1, nº 1, jan. –
jul. 2006, p. 5.
Podemos notar a impressionante cifra atingida pelo Vale do Paraíba, no início da segunda metade do século XIX. Não é de espantar que a cidade de Bananal tenha desenvolvido, já nessa época, intensa vida urbana proporcionada pela entrada de grande soma de dinheiro na economia local. Além de sua vocação agrícola, o Vale do Paraíba destacou-se porque teve participação singular nos episódios que antecederam a data de 7 de setembro de 1822. Da viagem de D. Pedro I, do Rio de Janeiro a São Paulo, iniciada em 14 de agosto do mesmo ano, sobram registros e histórias. 73 Desde o momento em que saiu da capital fluminense, o regente foi acompanhado por pessoas influentes do Vale, como seu secretário Luiz Saldanha da Gama, mais tarde Marquês de Taubaté. O príncipe e sua comitiva se utilizavam das Câmaras Municipais para escrever despachos e os enviá-los por mensageiro ao Rio. A Guarda de Honra do monarca foi oficializada na Vila Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, em 20 de agosto de 1822, sob o comando do Coronel 73
José Luiz Pasin. A jornada da independência. Guaratinguetá: Museu Frei Galvão, 2002.
56 Manoel Marcondes de Oliveira e Mello, futuramente o primeiro Barão de Pindamonhangaba. No primeiro dia da viagem, a comitiva real pernoitou na Real Fazenda de Santa Cruz. No dia seguinte, em São João Marcos, na fazenda Olaria de propriedade de um cidadão bananalense. Dia 16 hospedaram-se na Fazenda Três Barras, em Bananal e em 17, na Fazenda Pau D´Alho em São José do Barreiro. E assim sucessivamente, a cada dia a comitiva pousava em uma cidade valeparaibana – Lorena, cidade de onde o regente emitiu diversos documentos entre eles o decreto que dissolveu o governo provisório da província de São Paulo. A próxima cidade a receber D. Pedro I foi Guaratinguetá, seguida por Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí e Mogi das Cruzes. Em cada localidade, agregava-se à comitiva do príncipe mais e mais valeparaibanos muitos dos quais presenciariam os acontecimentos do dia da Independência do Brasil. Um outro dado a ser considerado na formação da sociedade valeparaibana e que representou fator importante para a província de São Paulo, diz respeito ao empréstimo de dinheiro feito de pessoa para pessoa, uma vez que o desenvolvimento das atividades bancárias se deu a partir de 1864, com a lei das hipotecas. Esse tipo de empréstimo assumiu papel fundamental na economia cafeeira do Vale do Paraíba, durante quase todo o século XIX. Registramos a observação de Stein, que afirmava que “ existiam também
fazendeiros das vizinhanças (da cidade fluminense de Vassouras) dispostos a emprestar dinheiro a juros e alguns deles amealhavam fortunas consideráveis, fazendo empréstimos judiciosos .”74 Como conseqüência do declínio da atividade cafeeira no país, o endividamento dos proprietários de fazendas de café do Vale do Paraíba, chegou à cifra de 39,8% do total da hipotecas a favor do Banco do Brasil, Predial, Crédito Real de São Paulo 75. Nem todos os fazendeiros endividavam-se. Alguns poucos enriqueciam com o empréstimo de dinheiro a juros. Citamos os Visconde de Guaratinguetá e o Comendador Manuel de Aguiar Vallim de Bananal, vistos como os grandes empresários do café. Quando o Visconde faleceu, em 1879, o montante de sua riqueza era de 1047 contos de réis. O Comendador, quando de seu falecimento, em 1878, deixou 1000 apólices da dívida pública brasileira no valor de um conto de réis cada, 245000 dólares em títulos da dívida dos Estados Unidos da América de 1867 e 16500 libras esterlinas correspondentes a títulos da dívida do empréstimo
74 75
Stanley Julian Stein. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba . São Paulo: Brasiliense, 1961. Renato Leite Marcondes, op. cit. 1998.
57 brasileiro.76 Aguiar Vallim também investiu muito dinheiro na compra de escravos o que fez com ele não tivesse uma riqueza ainda maior, quando veio a falecer. Segundo Fragoso e Rios,77 o Comendador se utilizava de juros dos empréstimos concedidos para aumentar seu plantel de escravos, escolha que certamente definiu-se como inadequada, uma vez que com a abolição da escravatura, escravos pouco significavam em termos de rendimentos. Se desde o início da segunda metade do século XIX já se dava como certa a abolição, qual o motivo de o fazendeiro investir na compra de escravos? A reposta poderia ser a incerteza do sucesso da causa abolicionista entre os fazendeiros valeparaibanos, como já assinalamos na presente pesquisa. Mesmo o esgotamento das terras do Vale não atrapalhou significativamente os investimentos dos bananalenses em terras e escravos. Na concepção dos fazendeiros, ao final da exploração do terreno poderiam migrar para outras terras com seus escravos e assim dar continuidade em seus investimentos. Alguns irmãos do Comendador Vallim, como o fazendeiro Antônio Henrique de Aguiar e José de Aguiar Vallim, tão logo iniciaram os anos de 1870, mudaram para o estado do Espírito Santo com seus plantéis e família. Conforme o estudo de Marcondes 78, as taxas de juros bancários entre os anos de 1850 e 1872 oscilaram entre 17,1% (1860/1872) e 19,9 (1850/1859). Os juros ao empréstimo para os cafeicultores eram mais altos que o praticado, devido aos riscos com o mercado, os problemas de comunicação e transportes. Quando os empréstimos não eram os bancários, “os fazendeiros de café obtinham cerca de 40% de
suas necessidades de capital das fontes locais. A maior parte desses emprestadores eram outros fazendeiros ou então comerciantes da cidade. Os empréstimos tinham por garantia hipotecas das propriedades rurais, o prazo era em geral de dois a quatro anos e a taxa de juros oscilava entre 10% e 12%.”79
Além dos dois grandes empresários de café na região – Visconde de Guaratinguetá e Comendador Manuel de Aguiar Vallim que, como já vimos, aproveitaram a falta de um sistema bancário consistente no país, para se tornarem grandes capitalistas com renda gerada na economia local, outros, a partir da construção das ferrovias e com a possibilidade de transporte rápido e eficiente se deslocaram para outras regiões da província seduzidos pelas notícias de fartura em outras terras. Fazendeiros de Bananal, São José do Barreiro, Areias, Queluz e dos municípios fluminenses de Resende e Barra Mansa migraram para o 76
Carlos Eugênio Marcondes de Moura. O Visconde de Guaratinguetá: um titular do café no Vale do Paraíba. São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. 77 João Luiz Ribeiro Fragoso, Ana Maria Lugão Rios. op. cit. 1995, p. 194. 78 Renato Leite Marcondes, op. cit. 1998, p. 230. 79 Pedro Carvalho de Mello. A economia da escravidão nas fazendas de café : 1850-1888. Rio de Janeiro: PNPE, 1984. Apud MARCONDES, op. cit. 2005, p. 230.
58 Oeste paulista, o chamado de São Simão, lugar das terras roxas – Caconde, Casa Branca, Santa Rita, São Simão, Cravinhos, Ribeirão Preto, Jardinópolis, Batatais e Franca, enriquecendo-se de novas culturas cafeeiras. As terras do Vale do Paraíba tinham como característica seu relevo acidentado, motivo pelo qual a região foi penalizada durante muito tempo pelas dificuldades nos transportes de sua mercadoria. A cidade de Bananal, embora fosse privilegiada pela existência de quatro estradas – Ariró e Serra de Ramos, para Angra dos Reis; Carioca, com destino a Barra Mansa; Estrada Geral que seguia para a Corte 80 – sofria com o estado desses caminhos, uma vez que investimentos no setor, era raro. As estradas eram construídas com calçadas de pedra, estivas e aterro. Ainda hoje, algumas cidades da região, que não ficam à beira da via Dutra, têm um desenvolvimento acanhado devido às mesmas dificuldades apresentadas pelos cafeicultores do século XIX, na utilização das estradas para chegar aos grandes centros urbanos. É o caso das cidades de Areias, São José do Barreiro, Arapeí, tornada cidade em fins do século XX, e Bananal, cujos moradores, nos últimos dois anos, para chegarem à Via Dutra através da Rodovia dos Tropeiros, são obrigados a passar por um atalho dentro de uma fazenda, porque chuvas daquela época inutilizaram um trecho da estrada, e até o ano de 2007, não havia sequer iniciado obras de recuperação. Sabemos que durante o período em que o café foi mercadoria abundante no Vale, uma das formas de fazer o carregamento era feito em lombo de bestas, principalmente devido às peculiaridades do relevo. As tropas de mulas resolveram, na medida do possível, o problema do escoamento da produção cafeeira da província na primeira metade do oitocentismo, dando margem ao desenvolvimento de uma organização complexa e a uma profissão – tropeiro – de suma importância para a época.81
Como conseqüência, a região desenvolveu o tropeirismo como uma rentável atividade profissional. No Vale, essa prática foi muito bem organizada e por isso, chamava a atenção de outras regiões, como Sorocaba que também teve o tropeirismo bem desenvolvido. Alguns fazendeiros do Vale do Paraíba tinham suas próprias tropas e outros contratavam os serviços de tropeiros para escoar a produção de café. Os tropeiros eram gente “graúda” das cidades e chegavam a ser vistos como personalidade por onde 80 81
Lucinda Coutinho de Mello Coelho. Ensaio sócio-econômico de áreas valeparaibanas . 1984. Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p. 124.
59 passavam. A tropa levava o café no lombo das mulas que, geralmente, carregavam até 120 quilos de grãos, em dois sacos de 60 quilos cada, através da serra fechada para chegar a seu destino que eram os portos de Ubatuba, São Sebastião, Caraguatatuba, Parati e Angra dos Reis. Quando retornavam ao Vale, para não perderem tempo nem dinheiro, traziam sal e outros produtos para abastecer as fazendas. 82 As tropas normalmente eram compostas por sete bestas conduzidas por um tropeiro, em geral, um escravo do dono da tropa. Havia tropas compostas por vários lotes de mulas, com um número de animais que variava entre doze e quinze, os quais eram guiados pela mula chamada “madrinha”, porque, com um
cincerro 83 preso ao pescoço, dirigia os outros animais. Eram transportadas, em média, 50 arrobas de café por tropa que percorria um caminho de aproximadamente 14 milhas
84
por
dia. As tropas da região de Bananal pernoitavam em fazendas de café ou em rancharias que eram choupanas construídas ao longo das estradas para receberem os tropeiros. Embora muitas tropas percorressem o caminho mais curto, que eram aqueles que iam de Salesopólis a São Sebastião, de Paraibuna a Caraguatatuba, de Taubaté a Ubatuba, de Lorena e Silveiras a Parati e de Bananal a Angra dos Reis 85, outras passavam pela serra do Quebra Cangalha, na região de Bananal. Como o próprio nome sugeria, esse caminho era de tamanha adversidade que causava grandes prejuízos aos donos das tropas pela perda de animais e, às vezes, de tropeiros. Conseqüentemente a esse modo de fazer o transporte, um outro tipo de comércio também foi crescendo: o de acessórios para o tropeirismo, desde vestimentas aos ornamentos das madrinhas das tropas. A cidade de Silveiras, Lorena, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, São Luiz do Paraitinga e Bananal se destacaram com o intenso comércio de mulas. Hoje a cidade de Silveiras ainda mantém estreitos laços com a atividade do tropeirismo e é conhecida nacionalmente por preservar e resgatar a memória dessa atividade profissional do século XIX. O Vale do Paraíba também teve como meio de transporte de café o carro de bois, o qual conduzido por esses animais de grande porte, eram mais econômicos e por ter a carroceria fechada, garantia mais qualidade ao produto transportado porque o livrava da chuva e da poeira. Ainda existiu na região, a navegação do rio Paraíba que passava pelas cidades de Caçapava, Quiririm, Tremembé, Pindamonhangaba e parava em Cachoeira Paulista, 82
Ernani S. Bruno, op. cit. 2005. Cincerro = sineta que pende do pescoço de certos animais (égua madrinha, besta, vaca), e cujas batidas de sonoridade indefinida servem para guiar e reunir uma tropa, um rebanho. 84 Milha = antiga medida itinerária terrestre, variável segundo o país; no Brasil equivalia a 1.000 braças ou 2.200 metros. 85 Ernani S. Bruno, op. cit. 2005. 83
60 porque a partir daí, ficava impossível a navegação fluvial devido aos grandes bancos de areia e severa correnteza. O transporte era feito em barcas de aproximadamente vinte metros de comprimento e tripulada por nove pessoas, o que também gerava mais economia ao final da produção de café. Tal prática para garantir o escoamento da mercadoria, durou até o último quartel do século XIX, quando os carros de boi e as tropas deram lugar para as locomotivas. O ano de 1855 viu nascer no Brasil o transporte que iria ser a redenção do Vale, quando se deu o início da construção da Estrada de Ferro Pedro II para ligar o Rio de Janeiro a São Paulo. Thomaz Cochrane, médico inglês, tentou de 1839 a 1852 introduzir em terras brasileiras a primeira estrada de ferro. A concessão obtida por ele era válida para construir uma estrada de ferro no Vale do Paraíba a qual deveria partir da Corte e ir até a cidade de Cachoeira Paulista, limite extremo da navegabilidade do rio Paraíba do Sul, em seu curso médio.86
Dezessete anos mais tarde, outra estrada de ferro cortou o Vale: a Estrada de Ferro São Paulo – Rio de Janeiro que se encontrava com a D. Pedro II na cidade de Cachoeira Paulista e em 7 de julho de 1877, foi inaugurada pela Princesa Isabel, momento em que começou a ser utilizada para escoamento do café produzido pelo Vale do Paraíba. No mesmo ano de 1877, por ocasião da edificação do Monumento do Ipiranga, na cidade de São Paulo, os bananalenses contribuíram com a importância de 4 329$000 como contribuição para a construção, fato que até hoje orgulha muitos cidadãos da cidade que, em sua grande maioria, não conhecem Praça do Monumento. Uma outra característica importante do Vale do Paraíba e que deve ser destacada tendo em vista o objetivo do presente estudo, foi a obtenção de 59 títulos nobiliárquicos aos moradores do Vale, sendo 11 deles para a cidade de Bananal e os demais divididos entre as cidades valeparaibanas. Tais títulos eram concedidos pelo Imperador Pedro II, costume esse trazido pela aristocracia de Portugal. Eram títulos de Barão e Visconde concedidos aos grandes produtores rurais como forma de reconhecimento pelos serviços prestados à nação; já os títulos de conde e marquês ficaram reservados aos políticos do Império. Em Bananal foram agraciados com os seguintes títulos: 86
Gleise Ferreira Sobreiro de Oliveira. Do cincerro das madrinhas das tropas de burros ao silvo das sirenes das locomotivas: o município de Cruzeiro. Campinas: Editora Átomo, 2006, p. 37.
61 1. Barão Almeida Vallim
para Luciano José de Almeida Vallim, filho do
Comendador Aguiar Vallim, foi presidente da Câmara Municipal, Intendente Municipal, deputado, senador e coronel da Guarda Nacional. Recebeu o título de Barão em 15 de novembro de 1888. 2. Barão de Joatinga para Pedro Ramos Nogueira, o fato que gerou o baronato, foi a doação de dinheiro para a construção da Escola Normal. 3. Barão Aguiar Vallim para Manuel de Aguiar Vallim, filho do Comendador Aguiar Vallim, de sua vida pública, sabe-se apenas que prestou vários serviços à comunidade. 4. Barão de Ribeiro Barbosa para Cândido Ribeiro Barbosa, foi presidente do Partido Conservador, da Companhia de Estrada de Ferro do Ramal Bananalense, comandante do 6º Esquadrão de Cavalaria da Guarda Nacional do Bananal, Juiz de Paz e vereador da Câmara Municipal de São Paulo. 5. Barão de Bananal para Luiz da Rocha Miranda Sobrinho, não nascido em Bananal, foi proprietário de várias fazendas no município e recebeu o título pelos serviços prestados à comunidade. Seu filho era o senador Rodolfo Miranda. 6. Barão de Ariró e Visconde de Ariró para Henrique José da Silva, chegou a Bananal em 1838, vindo de Santa Catarina, foi quem possibilitou a construção da Santa Casa da cidade, com a doação de grandes quantias em dinheiro, também doou dinheiro e escravos ao país por ocasião da Guerra do Paraguai, além de grande incentivador à causa educacional. Primeiramente recebeu do Imperador D. Pedro II a Comenda da Imperial Ordem da Rosa, mais tarde o título de Barão e em 1876, o título de Visconde. Era conhecido como o Apóstolo da Caridade e antes de seu falecimento, libertou a maioria de seus escravos. 7. Barão de Bela Vista e Visconde Aguiar Toledo para José de Aguiar Toledo, foi tenente-coronel da Guarda Nacional, chefe do Partido Conservador, deputado estadual e comendador da Ordem de Cristo e da Imperial Ordem da Rosa. 8. Barão Almeida Vallim para Luciano José de Almeida Vallim, foi presidente da Câmara Municipal, Intendente Municipal, deputado, senador estadual e coronel da Guarda Nacional. 9. Visconde de São Laurindo para Laurindo José de Almeida, nascido em Bananal, estudou em sua cidade natal, cursou a Academia de Direito em São
62 Paulo e completou seu bacharelado na Alemanha. Foi deputado provincial de São Paulo, vereador em Bananal. Foi jornalista, orador e conferencista. Em 4 de fevereiro de 1884 recebeu o título de Visconde de São Laurindo, do Rei Dom Luiz I de Portugal, em reconhecimento a um grande empréstimo de dinheiro feito por ele a Portugal, por ocasião de um epidemia de cólera. D. Pedro II autorizou o uso do título português no Brasil e ainda o condecorou com a Comenda da Ordem da Rosa. Consta da tradição oral da cidade que o Visconde foi vendendo todos seus bens e faleceu na miséria. O presente trabalho contou com dois depoimentos a respeito da importância do Vale do Paraíba para o país, principalmente com referência ao café, como alavanca da economia de São Paulo. Reproduzimos o relato de Thereza Maia – Diretora do Museu Frei Galvão de Guaratinguetá, autora de diversos livros sobre o assunto em pauta e divulgadora da cultura do Vale:
“Considerado o maior fenômeno agrícola do século XIX, o café gerou novas possibilidades
econômicas para seus beneficiados. Trouxe sensíveis alterações na maneira de o homem valeparaibano pensar, agir, trajar, estudar, comer, habitar, enfim, viver. Com o café muita coisa mudou. Das fazendas para a cidade transferiram-se as casas de morada. Aformosearam-se as igrejas. Requintaram-se as festas religiosas, surgiram novas formas de lazer. Afrancesaram-se muitos costumes. Ergueram-se teatros. Pequenos e grandes palacetes passaram a agasalhar a família patriarcal, até então moradora nas fazendas. Modificou-se a vida urbana das “outrora cidades de domingo”. Marcando de novos elementos a paisagem urbana e rural, o trem de ferro tornou intimo o
convívio do Vale do Paraíba com a Corte. Esta também se viu favorecida com essa euforia econômica, importando hábitos e moda europeus.”
Também o depoimento da Professora Gleise Ferreira Sobreiro de Oliveira, estudiosa do Vale do Paraíba e autora de livro usado na presente pesquisa: O Vale do Paraíba passou a representar uma região definitivamente incorporada ao Brasil apenas quando o café aqui se estabeleceu. Em menos de cinqüenta anos de exploração intensa, o café transformou a vida do vale, fazendo dele o centro da economia do Segundo Reinado, sendo a região mais agraciada com títulos de nobreza. A aristocracia rural cafeeira controlava não só a economia, como também a política do Império até o longo e progressivo início de seu processo de decadência.
63 5. A REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1842 E O “SEPARATISMO” DE BANANAL
O Vale do Paraíba teve papel importante durante a Revolução de 1842. Autoridades de todo o Vale fizeram parte da Revolução Liberal. A cidade de Lorena teve destaque porque em 31 de maio de 1842, compôs a Junta Revolucionária com o Capitão-mor Manuel Pereira de Castro, Tenente Anacleto Ferreira Pinto, Cláudio Guimarães, Padre Manuel Teotônio de Castro que era comandante das tropas que marcharam para atacar a cidade de Silveiras uma vez que lá o partido conservador era dirigido pelo Capitão Manuel José da Silveira, importante fazendeiro da região. Exercendo a função de subdelegado de polícia, este último organizou resistência aos liberais. Por esse motivo, foi morto em 3 de junho de 1842. Entre os liberais que atacaram e mataram o capitão estavam os lorenenses Capitão Manuel Alves de Sene, Antônio Bueno da Cunha e Vicente Moreira da Costa sendo os dois últimos condenados pelo assassinato do silveirense. 87 A cidade de Bananal destaca-se como um caso particular na história dessa revolução. Alguns personagens importantes da luta separatista, como Joaquim de Souza Breves, morador do município fluminense de Piraí, era muito ligado ao comendador Antônio José Nogueira que chefiava o Partido Liberal da cidade de Bananal. Em 18 de junho de 1842, pelo Decreto nº 180, de autoria do Presidente da Província, as vilas de Bananal, Areias, Silveiras, Lorena, Guaratinguetá e Cunha foram anexadas ao território do Rio de Janeiro. O motivo alegado para tal providência, foi a interrupção da comunicação entre a São Paulo e essas vilas e a necessidade de assegurar o restabelecimento da ordem provincial. No mês de agosto do mesmo ano, restabelecida a ordem, essas localidades voltaram a pertencer a São Paulo. Quase todas as cidades atingidas pelo decreto voltaram a suas rotinas e deram o caso por encerrado. Bananal, encantada com o curto espaço de tempo em que pertenceu à província do Rio de Janeiro, que sediava a corte, e inconformada com a revogação do Decreto, começa a empreender uma campanha com o objetivo de anexar-se definitivamente ao território fluminense, campanha que vai durar até 1855. Anualmente, desde o ano de 1842, a Câmara Municipal de Bananal, enviava a autoridades diversas – Ministro e Secretário de Negócios da Guerra e ao Imperador (1842), Câmara dos Senadores (1843 e 1851), Câmara dos Deputados (1852, 1853 e 1855) súplicas 87
Aluisio de Almeida. A Revolução Liberal de 1842. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1944. (Coleção Documentos Brasileiros).
64 para que as autoridades intercedessem pelos interesses do município, no sentido de fixar-se em território fluminense em definitivo. Alegavam que a desanexação de São Paulo se justificaria por razões geográficas, a vila estaria encravada em meio à cidade de Resende e Angra dos Reis, ambas pertencentes ao Rio de Janeiro; a distância da Província de São Paulo dificultava os negócios da cidade principalmente os relacionados aos recursos judiciais e administrativos, sendo a cidade constantemente prejudicada por isso, a ponto de sofrer retaliações da província, citando o exemplo da não aprovação de seu Código de Posturas pela Assembléia Provincial. E por último, alegava que não havendo comércio entre a vila e a província, inexistia, portanto, motivo para que Bananal pertencesse a São Paulo. Em 1853, em manifesto à Câmara dos Deputados, os cidadãos bananalenses alegam a urgência em se obter uma resposta para o pedido reiterado inúmeras vezes e que se arrastava há mais de uma década. Enfatizavam que por esse empreendimento a cidade de Bananal vinha sofrendo punições do governo de São Paulo, desde 1846, com a cessação de repasses de verbas para reparação de estradas e construção de edifícios públicos; que os investimentos na vila teriam sido feito apenas por moradores. Em 1855, a vila de Areias que acabou sendo envolvida nesse episódio e manifestou-se contra a anexação de seu território ao Rio de Janeiro, justificando que Bananal estaria sendo ingrata com o governo paulista, uma vez que a cidade sempre se mostrara como uma das preferidas da província e que o desejo de pertencer ao Rio de Janeiro seria fruto de ambição e opulência de seus habitantes. Como não recebera resposta das autoridades e sem o amparo da vizinha Areias, a Câmara Municipal de Bananal deu por terminado seu plano de pertencer ao território fluminense. O governo da Província de São Paulo sabiamente não desejava perder a cidade que àquela época já despontava como a mais promissora da província. Por outro lado, a Corte seduzia os bananalenses pelo modo de vida urbano que Bananal iria perseguir num futuro próximo. Bananal era um lugar que qualquer presidente de Província poderia lutar para ter em seu território. Hoje, quando perguntado aos bananalenses sobre esse episódio, alguns acham que se o território tivesse passado, àquele tempo, para o estado do Rio de Janeiro, a cidade seria outra, porque consideram que o governo do Estado de São Paulo não dá a devida atenção ao município. Não podem afirmar com certeza de que forma essa atenção diferenciada seria dada à cidade, mas se ressentem do pouco investimento dos governos federal e estadual na infra-estrutura da cidade, que tem arrecadação pequena e como todas
65 as outras cidades nessa situação, uma quantidade enorme de funcionários públicos municipais. Outros, porém, sentem orgulho de a Província de São Paulo não ter permitido a anexação do território ao outro Estado.
66 CAPÍTULO III – A CULTURA NO VALE DO PARAÍBA DURANTE O ESPLENDOR DO CAFÉ E A CIDADE DE BANANAL O modo de viver dos valeparaibanos – do artesão ao médico, do camponês ao grande proprietário de terras, do humilde vendeiro de beira de estrada ao grande capitalista do Império – foi se modificando a partir da convivência com o café. Pelo novo jeito de ser e ter dos moradores da região, percebemos o quanto esse produto diferenciou o Vale das demais regiões do país.
1. O COTIDIANO DOS MORADORES DO VALE DO PARAÍBA E OS MELHORAMENTOS URBANOS
A partir dos lucros das primeiras safras de café, a obsessão pelo luxo, pela glória de ser admirado fez com que muitos fazendeiros empenhassem a receita vinda do café na ostentação. Não há historiador, cronista ou romancista que tendo escrito sobre a região do Vale do Paraíba no século XIX, não tenha descrito a opulência das construções e os vultosos gastos de uma parcela da população que vivia do lucro do café. José de Alencar, escritor romântico e preciso observador da sociedade urbana e regional do século XIX, soube fazer um retrato fiel dos costumes e valores das pessoas que habitavam uma fazenda de café. Quando se quer trazer o passado para o presente, a leitura do clássico O Tronco do Ipê se torna obrigatória. ...aproveitavam os escravos aquela hora de repouso e liberdade que medeia entre a Ave-Maria e o recolher para tratarem de seus pequenos negócios, passarem uma vista de olhos a suas rocinhas e também fazerem suas queixas e pedidos à Alice, protetora de todos eles.88
Multidões de lanternas do ar e fogaréus que agitavam os escravos da fazenda, derramou-se pelo vasto pátio, iluminado de repente. A banda de música dos pretos, com suas roupas agaloadas, saiam do saguão onde estivera oculta. Ao mesmo tempo abriam-se de par em par as janelas da 88
José de Alencar. O tronco do ipê. São Paulo: Ática. 1977, p. 89.
67 casa-grande, cujas salas nadavam em luz e n as sacadas apareciam o barão, a baronesa, o conselheiro, o vigário e outros hóspedes que pela sua idade ou posição grave não tomavam parte direta nas folias dos moços.89
Eloy de Andrade 90 narra os costumes que os donos das fazendas de café foram adquirindo à medida que enriqueciam. Os bailes, banquetes e saraus conferiam prestígio e despertavam admiração ao dono da fazenda e toda sua família. A pretensa bondade dos senhores para com seus escravos em datas específicas, traziam tranqüilidade religiosa aos donos dos negros. Vimos esse costume descrito por Alencar 91
Entretanto ao som da banda de música da fazenda e dos risos folgazões, os pares pulavam na sal entremeando o ril e o muidinho às monótonas quadrilhas francesas....Às dez da noite, suspendeu-se a dança, enquanto o barão e a família, acompanhados pelos convivas iam dar cumprimento a uma usança estabelecida desde tempos remotos...Na noite do Natal, os pretos da roça tinham licença para fazer também seu folguedo, e os senhores estavam no costume de por esta ocasião honrar os escravos, assistindo à abertura da festa que principiava pelo infalível batuque.
Eram muitos os fazendeiros 92 que gastavam fortunas em jogos. Perder alguns contos de réis numa única noite era símbolo de poder e riqueza. A exemplo disso, Eloy de Andrade nos conta que na inauguração da Estação de Paraibuna, o fazendeiro Januário Fernandes Alves gastou mais de dez contos de réis para receber a comitiva imperial e seus amigos. Já o Barão de Campo Bello, da cidade de Vassouras, Lauriano Correa e Castro em outra inauguração no Vale do Paraíba e também para receber o Imperador D. Pedro II, gastou trinta contos de réis. Vemos um ranking entre os fazendeiros para oferecer à gente da corte demonstração de bom gosto e de apreço ao regime político do país. Segundo ainda Eloy de Andrade, a Baronesa de Baependy vivia num palacete como se vivia na Idade Média. Raras vezes, saía de seu palácio feudal para vir à cidade e aparecer em público. Em sua fazenda, tinha a seu dispor padre, médico, e tudo o mais de que precisava.
89
José de Alencar. op. cit. 1977, p. 95. Apud Taunay, op. cit. v. 5, T III, 1939, p. 160. 91 José de Alencar, op. cit. 1977, p. 112. 90
68 Mas a população que não possuía fazendas de café, também dava sua contribuição ao desenvolvimento da região. Entre as ocupações do Médio do Vale do Paraíba no século XVIII, são registrados93 alcaides, escrivães e juízes de órfãos no setor administrativo; no religioso encontram-se os vigários e os fabriqueiros que tinham como função administrar as igrejas; no campo educacional, registram-se alguns profissionais que viviam de “ensinar gramática” ou “ensinar meninos”. Todos os demais moradores da região viviam daquilo
que se produzia no campo. As grandes propriedades praticamente fabricavam tudo de que precisavam e até mesmo fornecia seu material excedente – geralmente sobras de tecido – aos comerciantes locais. Observa-se uma diminuição no trabalho ligado ao setor primário da economia – as atividades rurais que antes ocupavam 64% da população, na terceira década do século XVIII, caíram para 41%, segundo os Mapas de População para 1805180694. No século XIX, por volta de 1830, notam-se transformações nos quadros das ocupações das cidades do Vale com o plantio do café e a renda proveniente do comércio cafeeiro que começava a fomentar a economia regional.
95
A cidade de Bananal começou a
assistir uma intensa movimentação urbana, a partir dos lucros advindos do café, fato como veremos na presente pesquisa, vai diferenciar substancialmente essa localidade das demais. Houve, ainda, alterações nas ocupações do setor secundário que era constituído quase que totalmente por artesãos – 19% em 1805, para 27% em 1830. No setor terciário da economia, 13% dos habitantes das cidades exerciam atividades ligadas ao comércio. Interessa apontar o aparecimento no censo populacional já citado, das funções do mestre de música e do escultor, além de cirurgiões e alguns professores. Esse dado nos leva a crer que tais ocupações já eram socialmente reconhecidas pela sociedade oitocentista. Merece destaque especial entre as ocupações do século XIX, aquelas exercidas pelos chineses que aportaram no Vale, na cidade de Bananal, no início do século XIX. 96 A imigração dos orientais que já citamos no capítulo anterior, teve como objetivo central promover o incremento ao cultivo do chá que foi bem visto pelos governantes, uma vez que era uma cultura que necessitava de pouca mão de obra, florescia rápido e era atraente ao europeu. A Fazenda Santa Cruz localizada onde hoje situa-se a Baixada Fluminense, era administrada por jesuítas que após a expulsão da congregação pelo Marquês de Pombal foi tornada patrimônio do governo. Alguns chineses, porém, vindos de Macau, não se 93
Nice Lecocq Müller, op.cit.1969. Ibid. 95 Ibid. 96 Luis de Almeida Nogueira Porto. Chineses no Bananal . Diário Oficial de Leitura. Nº 120. 94
69 adaptaram ao rígido controle a que eram submetidos nas plantações de chá e foram para outros lugares da região, entre eles a cidade de Bananal. Na cidade, preferiram exercer funções no comércio, na confecção de fogos de artifício ou na prestação de serviços como a venda de água entre outras atividades. Poucos se casaram, mas muitos deixaram descendentes; não se alfabetizaram em língua portuguesa, mas adotaram o catolicismo como religião. Dado interessante foi o aportuguesamento de seus nomes, tornando-se Josés ou Raimundos, mas sempre mantendo a partícula “chim” nos nomes. O mais famoso
chinês de Bananal foi o China Raimundo que deixou muitos filhos entre eles alguns que atingiram certa notoriedade como, por exemplo, José Nogueira Sampaio e Cantídio Nogueira Sampaio. O lugar onde viveram os chineses de Bananal é hoje ponto de visitação turística. Durante o processo de povoamento da região de Bananal, na fase que antecedeu a plantação de café, cultivou-se, além da lavoura de subsistência, o anil 97 que foi plantado em larga escala no território fluminense, principalmente na Fazenda Santa Cruz, e tornouse um dos principais produtos de exportação – o azul fluminense – do século XVIII.98 Dado importante para as famílias bananalenses foi a condição proporcionada pelo dinheiro para a preservação da memória familiar por meio da fotografia, atitude pouco valorizada na região, durante o oitocentos. As sessões de fotos faziam parte do cotidiano de alguns moradores já no início dos anos de 1850. 99 Fotógrafos da Corte eram contratados para retratar a sociedade bananalense, em especial os membros da família Vallim e Laurindo. Além disso, a estada de herdeiros dessas famílias em países europeus para estudar ou passear, tinha como rota sempre uma casa de retratos. Tais registros imortalizavam as famílias mais abastadas e ainda hoje constam do patrimônio dos herdeiros.
97
Fábio Pesavento. O azul fluminense: o anil no Rio de Janeiro colonial, 1749 – 1818. Universidade Federal Fluminense: Dissertação de Mestrado. Niterói: 2005. 98 Ibid, p. 11. Anil: “é um corante, extraído da anileira, empregado para tingir fios de algodão sendo comercializado na forma de pó ou grãos. Existem mais de trezentas espécies de indigofera no mundo, porém no Brasil há apenas três: Indigofera Suffruticosa, Indogofera Truxillensis e Indigofera Hirsuta. Todas são daninhas, isto é, grupos de plantas silvestres que crescem espontaneamente em todos os solos agrícolas e em outras áreas de interesse do homem”. 99 Ana Maria de Souza Andrade Essus. Resgate de memória. In: CASTRO, Hebe, SCHONOOR, Eduardo, (org.) Resgate : uma janela para o oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
70 2. O LAZER E A CULTURA NO VALE DO PARAÍBA COM DESTAQUE PARA A CIDADE DE BANANAL
O cotidiano dos moradores da cidade de Bananal durante mais de três décadas – 1850 a 1889, reflete a riqueza proporcionada pelo café. A população cultivava as atividades culturais relacionadas à musica, teatro e dança. Taunay 100 ressalta que na “vida artística das cidades paulistas abundavam os musicos, symptoma de opulencia a confirmar o proloquio de que o dinheiro é o adubo da arte (sic)”. Para que tenhamos noção da
importância da cultura nesse período, usamos alguns dados comparativos em relação à região do Vale do Paraíba. São registrados nos dados da província que a cidade de Areias tinha vinte e dois músicos, Bananal, dezesseis, Lorena contava com doze músicos e Pindamonhangaba com vinte, além de quatorze santeiros, trinta pintores de parede e quatorze pintores – talvez com outras habilidades que não a pintura de paredes – e carpinteiros. Na cidade de São Paulo foram registrados nas primeiras décadas do século XIX quinze profissionais da música clássica. 101 Na área cultural, havia na época nove casas de teatro, lugar onde a comédia era a principal atração dos mais abastados, juntamente com as “partidas de dança”. Outro traço
que começa a se delinear como característica do ciclo do café na região, foi a importância dada pelos fazendeiros à nobiliarquia que concedeu cinqüenta e nove títulos até o final do século, sendo onze deles na cidade de Bananal, como já registramos nesse trabalho. No que se refere à música registra-se, em Bananal, a presença do advogado Francisco de Paula Ferreira, que se dedicava à organização de uma orquestra na cidade. A orquestra formada por professores de música acrescentava fausto às apresentações, quando em grandes datas fazia-se acompanhar por cantores vindos de outras partes do país. Mesmo depois do desligamento do advogado das atividades culturais da cidade, o gosto pela música já havia se perpetuado na localidade e na segunda metade do século XIX, a cidade de Bananal contava com uma orquestra permanente e duas bandas de música: a União Conservadora e a Lira; havia, ainda, as bandas nas fazendas Bela Vista e São João. As fazendas São Francisco e Cachoeira tinham bandas formadas por escravos, sendo que a primeira chegou a ser regida também pelo escravo Lameu dos Santos, na ausência do 100 101
Affonso de E. Taunay. op. cit. v. 3. T I.,1939. Ibid.
71 maestro alemão Hermann Klauser 102. A fazenda pertencente ao Visconde de Ariró, mantinha uma orquestra formada apenas por escravos. Além das bandas e orquestras são registradas na cidade de Bananal a corporação musical Progresso Filarmônico, em 1868, Guarani e Filarmônica em 1876. FIGURA 5 – Banda de Música
Banda de Música dos escravos de Antônio Luís de Almeida, genro e cunhado de Manuel de Aguiar Vallim, conhecida em Bananal como "Banda do Tio Antoniquinho” , regida pelo maestro alemão Wiltem Sholtz Entre outros tocavam na banda os "pretos" Bernardo, Eduardo, Lino, Felício e Zacarias.
FONTE: Autor anônimo, 1870. Coleção Particular. Família Almeida Vallim.103
Em 1866, tem início na cidade as atividades do Teatro Santa Cecília, que pertencia a Empresa Teatral Santa Cecília, patrocinado pelo Comendador Aguiar Vallim. O teatro de que falamos foi pintado e decorado pelo artista catalão José Maria Villaronga. Esse artista também pintou o teatro Santo Antônio em Areias, o Teatro São João em Taubaté que ainda hoje funciona como teatro, recebendo várias companhias teatrais.
102
Agostinho Ramos. Pequena história do Bananal . Saõ Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978. 103 Hebe de Castro e Eduardo Schonoor.(org.) Resgate : uma janela para o oitocentos. Rio de Janeiro: Top Books, 1995.
72 FIGURA 6 – Anúncio de jornal
Anúncio de apresentação da família Sawyer no Teatro Santa Cecília de Bananal. 1867. Jornal 1ris Bananalense. 1867.
FONTE: Coleção Particular . Família – Almeida Vallim104
Os jornais da cidade, principalmente O Atalaia, registram vários anúncios de aulas gratuitas ou não, de música e piano, de instrumentos de corda e sopro, conserto de piano, oferecimento de serviços das bandas à população. A imprensa no século XIX, em Bananal teve desenvolvimento que retratava a vida agitada das cidades que se beneficiavam com o café. Dentre os municípios que tinham seus próprios jornais, destacam-se as cidades de Sorocaba, Santos, Itu, Guaratinguetá, Campinas, Taubaté e Pindamonhangaba entre os anos de 1842 e 1861. Bananal editava nessa época os jornais: 1866 – Íris Bananalense sendo seu primeiro diretor Francisco José da Costa Machado; 1871 – Eco Bananalense de propriedade de Jesuíno Ataliba Bitencourt e dirigido por Antônio Rodrigues Leite;
104
Hebe de Castro, op. cit. 1995.
73 1878 – O Embrião que teve foi dirigido por Mateus Chaves também diretor do Colégio Marinho; 1880 – O Monitor Paulista dirigido por Almeida Nogueira; 1880 – O Bananal cujo diretor foi o Capitão Ponciano Barreto Ferreira Souto 105; 1884 – Nova Fase dirigido por J. A. Mancini; 1889 – Jornal do Povo tendo como diretor João América de Carvalho. 106 Com exceção do jornal Nova Fase, que foi fundado pelo Coronel Pedro Ramos, podemos observar que quase todos eram fundados e dirigidos por pessoas que não tinham negócios de café na cidade, mas se interessavam bastante pelo lucro proporcionado por ele. Observamos também que a vida desses periódicos era muito pequena. Chegavam a funcionar um ou dois anos. Ao longo da história da cidade muitos outros jornais foram fundados e sempre tiveram a mesma característica de efemeridade.
3. RETRATO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL IMPÉRIO, COM OLHAR SOBRE A CIDADE DE BANANAL
A educação é a maior herdeira da cultura e do poder político do país. Sendo a cultura o modo de ser, viver e conhecer do homem, é esperado que surja, ao longo dos tempos, a necessidade de garantir a permanência dos bens culturais já conquistados por uma nação.107 Essa garantia é assegurada pela comunicação entre os membros de uma mesma família ou comunidade e também pela educação. À escola cabe preservar a cultura de seu povo. O processo educativo sempre atendeu as demandas sociais de uma determinada fatia da sociedade, que é aquela que prepara o currículo a ser ensinado nas escolas. Os princípios axiológicos dessa camada social vão se impor sobre os valores culturais da classe que freqüentará a escola. O ensino no Brasil também obedeceu a esse princípio de preservação cultural, desde a colonização, em que os jesuítas serviam-se da educação dos índios para preservar a cultura européia no país. A sociedade colonial, estruturada na propriedade de terra e no 105
Agostinho Ramos, op. cit. 1978. Plínio Graça, Estância Turística e Ecológica de Bananal: Terra dos Barões do Café. São Paulo: Noovha América, 2006. (Série conto, canto e encanto com a minha história...). 107 Otaíza de Oliveira RomanelliI. História da educação no Brasil. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005. 106
74 patriarcalismo, entendia que a educação serviria para que alguns homens – desde que não fosse o filho primogênito, a quem caberia cuidar das terras da família – fossem preparados pelos jesuítas com uma vasta cultura humanística para assumir a direção da família, das cidades, dos negócios. Os valores da Contra-Reforma, especialmente aqueles ligados às ciências humanas, direcionaram os conteúdos ligados à literatura, à gramática, à filosofia e destinados a formar a elite que pensaria e dirigiria o país. À população masculina e mestiça – índio ou negro – eram ministradas lições elementares, ficando os conteúdos mais nobres
reservados à classe dominante que poderia completar seus estudos na Europa. Com a expulsão dos jesuítas em 1759, a educação na colônia sofreu um golpe que abalou sua estrutura. Ruiu sua organização que apesar de apresentar problemas como, por exemplo, o excesso de aulas ligadas às ciências sociais e ensino voltado para as elites, cumpria seu papel. A organização dos níveis de estudo desapareceu e o currículo foi elaborado para satisfazer desejos individuais. Entre a expulsão dos jesuítas e a chegada de Dom João VI no país, um grande hiato se formou na educação brasileira. Com a justificativa de que o ensino jesuítico não atendia aos interesses de Portugal, a eliminação radical da educação escolástica acabou piorando o que já era ruim. Como herdeiros da educação jesuítica, os novos professores tentam manter as mesmas atividades da instrução desenvolvidas pelos padres, da organização curricular até o uso das normas disciplinares. Os jesuítas tiveram de ser substituídos por leigos ou religiosos de outras ordens e a partir do início do século XIX, o estado teve de avocar para si e educação da colônia e principalmente depois da instalação da corte no Rio de Janeiro, a vida cultural brasileira começa a dar sinais de mudança. Os estudantes que retornavam da Europa e a facilidade de circulação de livros e jornais, proporcionada pela instalação da Imprensa Régia na capital, fizeram com que se veiculassem rapidamente as idéias liberais, oriundas dos movimentos sociais setencentistas. 108 Essas idéias foram tonalizando os movimentos da Independência e da Abolição da Escravatura. O fato de Dom João VI ter tomado algumas iniciativas para que ele e sua comitiva conseguissem viver melhor no Rio de Janeiro, para onde foram obrigados a vir, levou a cidade a transformar-se culturalmente. Exemplo disso foi a produção da Imprensa Régia, que de 1808 a 1822 publicou 1154 documentos e a Biblioteca Real criada em 1810, com sessenta mil volumes trazidos de Portugal. Acrescido a tais fatos, temos ainda, os costumes de vida diária que quinze mil pessoas provocam numa cidade de quarenta e cinco mil 108
Fernando Azevedo. A transmissão da cultura. Parte 3ª, 5ª edição da obra A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1976.
75 habitantes, quando resolvem se mudar definitivamente para lá. Somem-se também as idéias liberais e revolucionárias que já germinavam por aqui. Todos esses dados foram os responsáveis pela grande transformação cultural primeiramente do Rio de Janeiro e depois de todo o Brasil. No século XIX, a educação passou a interessar àquela camada da população que não era mais a proprietária de terras; eram os pequenos comerciantes, artesãos, jornalistas e funcionários públicos que despontavam como futuros consumidores, também de educação. 109 Com o início da industrialização e a fixação do homem nos centros urbanos, a educação tornou-se necessária ao sistema econômico na medida em que ela era e ainda o é, o veículo de perpetuação dos valores da sociedade industrializada. O poder político exerceu sua influência no encaminhamento da educação, uma vez que os sistemas de ensino foram estruturados por uma parte da sociedade que ocupava os principais cargos decisórios no país, fosse em âmbito local ou em âmbito central. Observamos aí, que quando as decisões são tomadas em esfera local, raramente são implantadas políticas públicas de interesse geral, devido às várias interferências de uma pequena parcela da população que se encontra mais perto do poder. Daí que as ações voltadas à educação serem sempre submetidas aos atos do dia-a-dia que favorecem a um ou a outro individuo ou grupo de indivíduos e a educação continuar a atender a classe dominante quando assegura que privilégios sejam atendidos. Nas esferas de poder político mais amplas, observa-se o predomínio de posições do grupo dominante. O exemplo disso é a educação jesuítica que inicialmente tinha como objetivo a evangelização dos índios e logo se transformou em educação de elite que desejava repassar o ensino enciclopédico da Companhia de Jesus. Mesmo após a expulsão dos jesuítas, o ensino se manteve com as mesmas características e a mesma demanda, embora os dirigentes da nação soubessem que o tipo de ensino eminentemente humanístico não atendia as necessidades da maior parte da população. A educação do século XIX veio a atender não apenas a pequena camada mais rica da população, mas também a classe média que ia se formando, à medida que a economia brasileira ia se diversificando, principalmente após os investimentos da era joanina. Ao ensino superior chegava a classe dirigente para aprender de tudo um pouco sem aprofundar-se em nada, vulgarizando a figura do bacharel. Os estudantes recém saídos das faculdades falavam sobre todos os assuntos e isso parecia ser requisito mais importante 109
Otaíza de Oliveira Romanelli, op. cit. 2005.
76 para pertencer à elite que comandava o país. Por outro lado, o ensino superior foi o responsável por uma classe que começou a lutar para mudar a vida política, econômica e cultural do país. Apesar dessa situação precária em que se encontrava a educação brasileira, no período imperial, foram apresentados às Câmaras Legislativas cerca de quarenta projetos sobre a instrução pública no país que versavam sobre diferentes problemas como, por exemplo, a educação de cegos e surdos e as escolas normais. O maior incentivo à área educacional ficou por conta da criação de algumas universidades, devido às necessidades de qualificação de mão de obra nacional. Assim surgiram, nos dez primeiros anos de governo joanino, cursos superiores de medicina, direito e ainda alguns poucos cursos técnicos em economia, agricultura e indústria em diversas regiões do país com predominância para os estados da Bahia e Rio de Janeiro. Essas atividades levaram o país a divorciar-se definitivamente dos métodos escolásticos de ensino. A fundação das faculdades de Direito de São Paulo e Recife, em 1827, trouxe mudanças na organização do ensino secundário no país, entre elas, alterações curriculares porque o ensino deveria então preparar o aluno para freqüentar o curso superior. Como o estado brasileiro não tinha recursos para oferecer a todos uma educação de qualidade, o ensino acabou se concentrando nas mãos de particulares que priorizavam a escola secundária por atrair clientes que pudessem sustentá-lo. Após a Independência, o ensino brasileiro começou muito timidamente a ser objeto de discussão da minoria jovem e estudada do país. A Constituição de 1824 garantiu a instrução primária e gratuita a todos os cidadãos. Uma lei geral, de 15 de outubro de outubro de 1827, dispõe sobre as escolas de primeiras letras, fixando-lhes o currículo e institui o ensino primário para o sexo feminino. Essa lei determinava que os Presidentes das Províncias fizessem um levantamento dos lugares mais populosos e avaliassem os projetos educacionais para atender a população que mais precisava de escola, inclusive transferindo professores de escolas ou localidades a fim de racionalizar a oferta da educação. Além disso, a lei imperial fixava um piso salarial aos professores, entre 200$000 e 500$000 anuais. Cabia ao professor ensinar a "ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionais à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a constituição do Império e a História do Brasil". 110 Quanto à 110
Lei Geral de 15 de outubro de 1827. Disponível em www.educacaopublica.rj.gov.br. Acesso em 23/07/2007.
77 questão metodológica, a lei propunha o ensino mútuo 111 nas capitais e nos locais mais populosos, enquanto que nas pequenas vilas, haveria as aulas avulsas. As aulas avulsas eram parecidas com as aulas régias no ensino secundário e tinham aulas de latim, retórica, filosofia, geometria, francês e comércio. Os primeiros liceus foram provenientes da junção de aulas avulsas existentes nas capitais. Um dos motivos que concorreram para a extinção de várias escolas secundárias, inclusive as de Bananal, foi o fato de elas não poderem habilitar seus concluintes ao ingresso nos cursos superiores do país. Mesmo tendo tido bom desempenho desempenho nos exames e xames escolares, os candidatos ao bacharelado, tinham de se submeter a novas provas. Exceção Exceção à regra r egra foi o Colégio Colégio Pedro II, na Bahia e Pernambuco que isentava seus alunos de novos exames e isso fazia com que os filhos das famílias mais abastadas procurassem os liceus que tinham autorização para fornecer provas de habilitação necessárias ao bacharelado. Inicialmente os exames tinham muita seriedade por parte da banca examinadora que era composta por renomados professores. É interessante notar que em 1886, a exemplo de outros paises europeus, foi instituído no país o exame de Madureza, cujo principal objetivo era aferir o grau de maturidade daqueles que desejavam candidatar-se a uma vaga no ensino superior. Essa prova não deveria medir a quantidade de informações armazenadas na memória, mas sim o desenvolvimento intelectual para seguir o novo curso. Os colégios da Corte e de todo o país, de uma maneira geral, não tinham muitos alunos e alguns, além disso, não tinham nenhuma qualidade de ensino. As escolas secundárias particulares funcionavam como os cursinhos de hoje. Davam o conteúdo de forma aligeirada como se fosse um treinamento para o ingresso no curso superior. A partir da segunda metade do século XIX, verificou-se um aumento expressivo no número de escolas em São Paulo que passou de 147 para 437 entre os anos de 1852 e 1873. Vicejaram, nessa época, apenas as escolas públicas e particulares de ensino secundário, as quais recebiam os jovens da elite brasileira. Essas escolas contratavam homens que se destacavam intelectualmente na região e também contratavam professores de outras partes do mundo. As escolas privadas se sobrepujaram às escolas públicas nessa fase e isso, de alguma forma, foi importante para o desenvolvimento da educação no país porque com a ascensão do ensino particular houve a procura por uma escola de qualidade 111
O ensino mútuo baseado nas idéias de Lancaster preconizava que o ensino deveria ser ministrado m inistrado pelos alunos mais preparados, os quais cada aluno recebia r ecebia o nome de decurião. Para cada decurião haveria uma decúria, ou seja, grupo de alunos que iriam aprender com os mais adiantados. Caso algum professor não soubesse como desenvolver o ensino mútuo, deveria ele mesmo buscar sua formação na metodologia m etodologia lancasteriana.
78 superior o que criou uma corrida das escolas às inovações pedagógicas; extinguindo-se os castigos corporais e renovando-se os métodos de ensino. É importante destacar o papel do Imperador D. Pedro II na história da educação do Brasil porque ele fez o papel de mecenas na condução da educação e cultura do país. No que diz respeito à educação, o monarca foi mais um incentivador do que propriamente um executor ainda mais porque já vimos que a iniciativa privada tomou para si a tarefa de abrir escolas no país. Há uma incoerência entre a atitude do Imperador ante a cultura da nação e as políticas públicas voltadas para a área. Parecia que a educação era indiferente ao monarca, uma vez que a elite do país tinha acesso a ela, não havia necessidade de outros também terem. Da mesma maneira a República também pensava sobre a educação e o Brasil assistiu por mais de cem anos à desorganização educacional. Não houve, nesse período, a menor articulação articulação entre os ensinos ensinos de primeiras letras, o secundário, secundário, ambos administrados pelas províncias e, menos ainda, com o superior. Mas situação um pouco diferente viveu o ensino secundário particular no país. Os colégios privados mantiveram a metodologia dos jesuítas, principalmente a partir de 1842, quando muitos jesuítas voltaram ao Brasil, oitenta e três anos depois de serem expulsos. O primeiro colégio de ensino secundário foi fundado pela Congregação Lazarista em 1820, o Colégio Caraça, em Minas Gerais. 112 Essa escola abriu suas portas com apenas quatorze estudantes. Em quinze anos, o Colégio Caraça já havia atendido 1525 alunos e ensinava as primeiras letras, latim, francês, geometria, filosofia e música. Outros colégios, nos mesmos moldes, foram criados: em Santa Catarina, Pernambuco, São Paulo, Paraíba e Bahia. Não podemos deixar de citar o mais famoso deles, o Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, fundado em 1837, que nasceu da transformação do antigo Seminário dos Órfãos de São Pedro e depois Seminário de São Joaquim. O aluno formado nesse colégio recebia o diploma de bacharel em Letras, em sete anos de estudo. O diploma o habilitava a entrar no Ensino Superior. As disciplinas do Colégio Pedro II estavam voltadas para a formação universal, enciclopédica, com predominância para os estudos literários e também para as línguas estrangeiras com ênfase para o latim, grego e alemão. O currículo da escola secundária adquiriu um viés utilitário que se baseava na seguinte questão: o que um indivíduo da elite deve saber para se tornar um componente da classe dirigente do país? Daí, a educação acentuar as diferenças sociais no Brasil 112
Fernando Azevedo, Azevedo, op. cit. cit . 1976.
79 oitocentista. Aos homens da aristocracia todo o empenho para garantir a manutenção da sociedade patriarcal e escravocrata. Às mulheres, crianças e negros restavam manter o respeito à classe dirigente e rica do país. A educação do Brasil Império fortaleceu o fosso da desigualdade social que até hoje persegue a população brasileira. A elite letrada do país, formada nas escolas secundárias e depois na Europa ou tornados bacharéis e doutores nas universidades nacionais de um lado e o povo analfabeto a vagar nas ruas e as mulheres enclausuradas nas fazendas. O ensino das primeiras letras sob a responsabilidade das províncias não atendia à maioria da população. Estima-se que em 1867 havia 107 483 alunos matriculados nas escolas do país, o que corresponde a 10% do total de alunos em idade escolar. Característica da época foi que o ensino primário particular acabou não sendo muito procurado pela falta de qualidade enquanto o secundário alcançou qualidade superior. Também foi dessa época a instauração de escolas ligadas a algumas sociedades beneficentes que se utilizavam do trabalho docente voluntário. Essas escolas tinham como principal objetivo alfabetizar alunos em cursos noturnos e oferecer algum tipo de ensino profissionalizante. Na província de São Paulo, a Sociedade Propagadora da Instrução Popular, datada de 1873, tinha como meta “ministrar gratuitamente ao povo, conhecimentos necessários às artes e ofícios, ao comércio, à lavoura e às indústrias.” 113
Eram professores voluntários. Além do próprio Leôncio de Carvalho, Rangel Pestana, Antônio Caetano de Campos e Inglês de Souza entre outras personalidades paulistas ministravam essas aulas. Essa época também viu florescer iniciativas particulares cujas balizas eram os estudos científicos a respeito dos métodos de ensino para a criação de escolas-modelo que pudessem irradiar novas e melhores formas de ensinar. São exemplos desse tipo de instituição, a Liga de Ensino Brasileiro e Associação Promotora da Instrução, ambas no Rio de Janeiro. O incentivo do governo ao caráter experimental e inovador proposto por algumas autoridades educacionais do Império, teve como exemplo Abílio César Borges, Barão de Macahubas que, tendo fundado o Colégio Baiano, o Colégio de Barbacena e o Colégio Abílio no Rio de Janeiro, este último imortalizado na obra O Ateneu, de Raul Pompéia. Esse educador disseminou inúmeras obras ligadas à didática em todas as regiões do país com a finalidade de dar oportunidade de os professores estudarem e aperfeiçoarem seus métodos de ensino. No Congresso de Instrução, acontecido em 1883,
113
Maria de Lourdes Mariotto Haidar. O ensino secundário no Brasil Império . Editora da Universidade de SP. Ed. Grijalbo Ltda. 1972, p.193.
80 Antônio Cândido da Cunha Leitão defendeu a mesma idéia de “privatizar” a formação do professor com o seguinte discurso: É preciso haverem estabelecimentos livres que, como se diz familiarmente, caminhem na frente, corram as aventuras, porque o Estado não pode correr aventuras, o Estado não pode fazer experiências, é preciso que alguém faça as experiências por sua conta e no seu próprio interesse.114
Bem diferente do que vemos hoje, o Estado é o grande responsável pelas atividades de formação dos profissionais da educação. A onda de fomento à educação levou à criação dos primeiros Jardins de Infância, os quais tinham como meta fornecer subsídios à criança para o ingresso no ensino elementar. No ano de 1878, é inaugurado em São Paulo o Kindergarten – Jardim da Infância da Escola América, hoje Colégio Mackenzie funcionando num prédio entre as ruas São João e Ipiranga. Essas escolas de infância eram em instituições privadas e por isso se diferenciavam das creches que eram destinadas à classe trabalhadora 115. Mesmo com tantas inovações, o ensino particular, principalmente o secundário, continuou a preparar para os exames para ingresso na universidade e mantendo um currículo essencialmente voltado para as humanidades. Enquanto isso, o curso secundário resumia-se à matrícula por disciplinas preparatórias para os exames das faculdades: português, latim, francês, inglês, aritmética, álgebra, geometria, cosmografia, geografia, história, retórica e filosofia. Interessa a esse trabalho o estudo feito por Antônio de Almeida Oliveira, um maranhanse que viveu entre os anos 1843 e 1887, e que fora um grande pesquisador das questões educacionais e incentivador das propostas de mudança para a área no panorama nacional. Sua obra é fruto de pesquisa, o que lhe deu subsídios para fazer críticas à educação do Brasil Império. Republicano e admirador da cultura norte-americana, fez comparações entre os números apresentados neste e em outros países e clama por uma instrução pública de qualidade. Podemos observar em seu trabalho que o estágio no qual vemos a educação brasileira hoje nasceu há tempos. Se compararmos a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a chamada Lei Darcy Ribeiro, com as propostas 114
Apud Maria de Lourdes Mariotto Haidar. op. cit., 1972, p.199. Atas e pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro. Tipografia Nacional. 1884. Pareceres da 1ª Seção, 2ª questão: Liberdade do Ensino Primário e Secundário. Parecer do Dr Antônio Cândido da Cunha Leitão, p. 14. 115 Lia Beatriz de Lucca Freitas e Terri Lisabeth Shelton. Atenção à primeira infância nos EUA e no Brasil. Psic.: Teor. e Pesq. [on line]. 2005, vol. 21, no. 2. pp. 197-205. Disponível em: http://www.scielo.br
81 feitas por Antonio de Almeida Oliveira, veremos que temos traduzidas, em textos legais, e por isso, mais propícios a acontecer, as mesmas reivindicações do século XIX, feitas pelo educador. Nessa obra, o autor relata que na década de 1870, quase metade da população era analfabeta, num país que tinha 10 161 041 habitantes, sendo 8 490 910 livres e 1 670 131 escravos e se preocupa muito em recensear a população estudantil brasileira para além de melhor análise dos dados, poderia instruir a posteridade a fazer o mesmo. Para Daniel Pedro Müller, o levantamento de dados é necessário para que saibamos sobre nossas escolas “[...] sua fundação, seu progresso, as rendas com se elles
mantêem, se preenchem os fins para que forão instituídos, e se disso resulta utilidade publica: se os há beneficência, quantos sejão necessários para que não recresça o numero dos indigentes: se há escolas sufficientes para a Instrucção publica, essa mola real da prosperidade d´um paiz, que suaviza os costumes, que faz os homens mais cordatos, mais urbanos, mais respeitadores dos direitos alheios: se convirá a creação de mais alguns d´esses estabelecimentos, ou alguma alteração no methodo d´ensino: e finalmente, quaes devão ser os públicos, quaes os particulares.” 116
Pela tabela abaixo, podemos ter a certeza de a pesquisa feita no século XIX, pode nos dizer muito a respeito dos números da educação do Brasil Império e ratifica a importância de seu trabalho como fonte de pesquisa e análise.
116
Daniel Pedro Müller. Ensaio d´um quadro estatístico da Província de São Paulo . São Paulo: Typografia de Costa Silveira, 1838, p. 19.
82 QUADRO 9 – Censo escolar de instrução primária. Instrução Primária Províncias
Pública
Particular
Aulas
Alunos
Aulas
Alunos
Sexos
Sexos
Sexos
Sexos
M
F
T
M
F
T
M
F
T
M
F
T
Amazonas
28
8
36
771
187
958
7
1
8
252
7
259
Pará
90
73
163
4217
1202
5419
17
3
20
414
58
472
Maranhão
76
47
123
4153
1161
5314
14
9
23
600
406
1006
Piauí
40
22
62
1268
366
1634
11
1
12
10
172
182
Ceará
139
83
222
6965
3388
10353
28
21
49
4562
2220
6782
27
81
1897
735
2632
7
4
11
212
94
306
31
111
3997
948
4645
36
6
42
155
152
307
Pernambuco 196
148
344
8118
4919
13037
60
53
113
1100
590
1690
Alagoas
72
56
128
3449
2405
5854
38
41
79
393
468
861
Sergipe
86
65
148
3355
2136
5491
20
11
31
410
172
582
Bahia
219
61
280
11592 3418
15010
60
36
96
3106
1550
4656
Espírito
68
14
82
1561
275
1836
4
1
5
106
32
138
177
416
6486
3175
9661
116 48
164
2936
1177
4113
36
31
67
2296
1721
4017
53
56
109
2921
1711
4636
São Pedro
164
90
254
4642
2607
7249
69
36
108
3042
1360
4402
São Paulo
298
181
479
9255
4853
14108
61
42
103
3010
1620
4630
Santa
53
41
94
2186
1002
3188
24
4
28
632
114
746
Paraná
53
33
86
1506
629
2135
11
5
16
236
74
310
Minas
391
125
516
14552 2790
17342
73
32
105
462
201
663
Goiás
49
24
73
1687
492
2179
1
1
32
32
Mato
22
5
27
1005
171
1176
5
5
60
60
Rio Grande 54 Norte Paraíba
80
Santo Rio
de 239
Janeiro Município neutro
Catarina
Gerais
Grosso Total
2453 1339 3792 94658 38580 133238 685 413 1098 24651 12178 36829
Fonte: Antônio de Almeida OLIVEIRA. O Ensino Público. Brasília: Senado Federal – Conselho Editorial. 2003.
83 QUADRO 10 – Censo escolar de instrução secundária Instrução Secundária Províncias
Pública
Particular
Aulas
Alunos
Aulas
Alunos
Sexos
Sexos
Sexos
Sexos
M
F T
M
F
T
M
F
T
M
F
T
Amazonas
2
2
84
84
Pará
3
3
130
130
7
5
12
875
302
1177
Maranhão
4
4
139
139
6
5
11
386
301
677
Piauí
1
1
55
55
Ceará
10
10
473
473
2
7
9
99
335
434
5
117
117
1
1
5
4
4
115
115
4
1
5
69
11
80
Pernambuco 7
7
379
379
22
10 32
471
201
672
Alagoas
3
3
936
93
5
2
7
195
65
260
Sergipe
4
4
226
226
1
2
3
26
5
31
Bahia
3
3
444
444
1
1
2
17
10
27
Espírito
2
3
61
32 93
1
1
2
17
10
27
3
43
43
10
4
14
617
207
824
3
3
370
370
37
28 65
São Pedro
2
2
39
39
1
São Paulo
4
4
226
226
9
Paraná
2
2
57
57
3
Minas
37
37
1250
1250 26
Goiás
2
2
145
145
Mato
8
8
87
87
109 1
110 4536 32 4568 166 84 248 5769 2522 8291
Rio Grande 5
5
Norte Paraíba
1
Santo Rio
de 3
Janeiro Município
1250 533
1783
1
53
53
9
436
436
1
4
133
18
151
3
29
97
55
152
1
26
neutro
Santa Catarina
Gerais 1
26
Grosso Total
Fonte: Antônio de Almeida Oliveira. op. cit. 2003.
84 O autor teve a rara oportunidade de recensear a educação brasileira por ter sido por mais de uma vez, presidente de províncias e isso garantiu a ele acesso aos poucos dados existentes. Observamos que os dados referentes à educação de São Paulo, não colocam a província em situação diferenciada das demais; ao contrário, muitas províncias do Norte e Nordeste do país têm números mais avantajados que os paulistanos. O ensino correspondente ao Ensino Fundamental, embora menos valorizado pela elite, já começava a se disseminar no país, como já apontamos nesse trabalho, de forma descontinuada e assistemática. Dependia em muito da boa vontade de algumas pessoas como fazendeiros e poucos governantes. Quanto aos números do ensino secundário, que corresponderia ao hoje chamado Ensino Médio, apesar de ser o nível mais valorizado pela população mais esclarecida, era o menos oferecido, por razões várias, entre elas, o fato de muitos brasileiros irem estudar fora do Brasil e falta de professores qualificados para esse grau de ensino. Tendo feito também outros censos sobre a cultura e comunicação no Brasil oitocentista, afirma que o país teve duzentos e setenta e dois títulos de jornais o que representa um exemplar para cada 33 828 habitantes livres; em relação aos museus havia dez, setenta e uma bibliotecas científicas e literárias. O autor critica a constituição de 1824, afirmando que o governo imperial, repassando a responsabilidade da instrução primária aos municípios, acabou impedindo sua disseminação, uma vez que as cidades não tinham como arcar com as despesas relacionadas à instrução e salienta que professores mal remunerados certamente não dariam boas aulas. Mesmo que as iniciativas em relação à educação fossem insuficientes, ele via com bons olhos as alterações promovidas na área, especialmente com a criação de escolas noturnas para a população, como a que foi instalada no município de Bananal com donativos feitos pelo Barão de Joatinga, sendo esse um dos motivos pelos quais foi-lhe outorgado o título de nobreza. O autor estava certo de que havia sete medidas que deviam ser perseguidas pelos governos para elevar a educação do país ao nível dos países desenvolvidos. Eram elas: a) ...que se organize convenientemente o ensino... b) ...e se lhe faça uma boa dotação... c) ...que ele seja dado em boas escolas... d) ...e por bons mestres... e) ...e bons métodos... f) ...que a obra da escola seja auxiliada pelas mães de família...
85 g) ...e que o povo encontre em toda parte as boas casas de leitura... 117 Quanto ao primeiro item, o autor compara dados dos países onde a educação era obrigatória, como a Inglaterra, a partir de 1870, e onde não era, ressaltando que a obrigatoriedade do ensino era uma necessidade social porque ao homem seria preciso dar condições de “... preencher seu destino...” com certos conhecimentos e a sociedade teria interesse na educação porque era na “...ignorância e na falta de educação que residia a fonte de miséria e da desordem...” 118 Elencou as desculpas que os brasileiros davam para
justificar a falta de escola para todos, entre elas, a falta de dinheiro para o pobre comprar material, falta de vestimenta para o aluno ir à escola, a distância dos prédios escolares, a necessidade de a criança trabalhar em casa para ajudar a família.
Para
todos
esses
argumentos, só havia uma resposta: era dever do estado, prover a educação para aqueles que tinham algum tipo de dificuldade. E também que a falta de investimento em instrução acarretaria danos à sociedade e ilustra o texto citando que em 1866, nos EUA, 80% dos crimes haviam sido cometidos por analfabetos. Quanto à obrigatoriedade do ensino no Brasil, disse que o país precisaria ter, no mínimo, uma escola para cada setecentos habitantes, mas que o melhor mesmo seria haver uma escola para cada 375 pessoas, como faziam os melhores países europeus. Completa seu raciocínio afirmando que paralelamente à obrigatoriedade de ensino se estabeleceria a gratuidade a todos os cidadãos, que era o segundo item apontado, uma vez que “...obrigar o povo a fazer coisas pagáveis (seria) cercear a obrigação de uma dupla resistência...”119
Em relação ao ensino gratuito, o autor afirma que não ser condição para que o aluno aprendesse, mas garantia que era preservação da igualdade de condições assegurada por uma nação democrática. Um outro aspecto apontado na trabalho de Antônio de Almeida Oliveira, disse respeito à liberdade do ensino, que foi criticada severamente pelo autor, pelo fato de os governantes e legisladores se posicionarem contra a abertura de escola por particulares. Acreditava ele, que o estado não deveria conter a abertura de escolas, nem exigindo habilitação para os professores, nem controlando as atividades curriculares da escola. Se o estado fosse bem organizado poderia estabelecer estratégias de inspeção para assegurar o desenvolvimento da educação no Brasil e, assim, o país só teria a ganhar com a multiplicidade de ações para instruir seu povo. Outro ponto considerado importante para o desenvolvimento educacional brasileiro seria o que ele chamou de 117
Antônio de Almeida Oliveira, op. cit. 2003, p. 64. Ibid, p. 71. 119 Ibid, p. 84. 118
86 secularização do ensino que significava tornar o ensino laico, a exemplo de países adiantados como Holanda, Estados Unidos da América, Canadá e Austrália. Disse que os governos temiam a laicização do ensino porque acreditavam que a religião poderia “enfrear paixões e prevenir desordens” 120 no que o autor refutou a idéia justificando que a educação
poderia conter o povo enfurecido. Considerava injusta toda a sociedade que não sendo totalmente católica era obrigada a arcar com as despesas de uma educação eminentemente confessional como assegurou a Constituição de 1824, e assegurava que o Estado deveria manter-se afastado da opção religiosa da população já que o catolicismo não era a religião mais verdadeira ou a mais correta do mundo. Aliava o fato de Roma ser intolerante para com interpretações de textos religiosos feita por leigos e isso já bastava para que o governo livrasse a escola do Brasil do jugo religioso. Não propunha uma escola pública sem Deus, mas sim uma escola sem dogmas. A escola que quisesse professar determinada religião deveria pertencer a particulares e não ser obrigação estatal. A educação em comum, para meninos e meninas era proposta de Almeida que justificou tal medida tanto pela conveniência moral quanto econômica. Nesse aspecto, incentivava a educação para ambos os sexos visando a diminuir os gastos com a construção de prédios públicos que muitas vezes ficavam quase vazios por abrigarem poucas meninas e por isso onerava os cofres públicos e impedia a edificação de mais unidades escolares. No que tange à moralidade, era lícito que a mulher aprendesse tudo o que seria concernente à sua função feminina como, por exemplo, cozinhar, bordar e também o que era comum aos dois sexos como ler, escrever, contar e, por fim, alegava, que como a mãe tinha papel imprescindível na educação dos filhos, deveria aprender ainda, moral, religião e higiene. Antecipando-se ao século XX, o escritor fez um estudo sobre os níveis de ensino oferecidos no Império e também da elaboração do currículo das escolas brasileiras. Analisou o quadro do ensino primário e secundário e chegou à conclusão que apenas o primeiro habilitava a ler, escrever e contar medianamente. Tais conhecimentos oferecidos à população somente dariam direito ao exercício das funções de sapateiro ou alfaiate, fazendo dessa forma, severa crítica ao currículo da escola brasileira. O secundário, ao se constituir como um aperfeiçoamento do primário, só daria condições de o aluno entrar num dos cursos superiores disponíveis no país como o de médico, oficial da marinha, legista ou engenheiro militar ou civil. 120
Antônio de Almeida Oliveira, op. cit. 2003, p. 105.
87 Quanto às outras profissões que sustentavam o país como as de agricultor, mecânico ou físico não havia projeto educacional que pudesse dar conta da formação dessas categorias. Para atender a essa exigência de tornar a educação equalizadora, bastariam os conhecimentos de leitura, escrita, redação e recitação, seguidos de moral, religião, fisiologia, ginástica, canto, matemática e desenho, astronomia, geografia, história, economia, física e química. Os estudos se estenderiam, no Brasil, por até os dezesseis anos. Chamou a atenção do educador maranhense, a questão disciplinar nas escolas. Citou a Suíça como país moderno onde não existiria a prática da expulsão e nem se chamaria os pais para que fizessem interferência na educação dos filhos, mas sim existiriam salas nas q uais os alunos infratores seriam levados pra “refletir” sobre suas faltas e tivessem tempo de se mostrarem arrependidos. Para o Brasil, o autor sugeriu que a punição fosse da advertência à expulsão, mas ressaltou que ao aluno seria dada nova oportunidade de estudo em outro estabelecimento. É interessante notar que até hoje os regimentos escolares tratam as infrações da mesma forma, acrescido a isso um agravante: o desejo de expulsão sumária sem dar nova oportunidade ao aluno. Em relação à administração das escolas brasileiras, propunha integração entre os níveis estadual e municipal, com a criação de conselhos municipais para estabelecimento de metas da educação. Dentre as propostas para solucionar os problemas da educação no Brasil, estava a criação das escolas noturnas para os “ignorantes adultos”.121 O país contava no período compreendido pela obra de Almeida com cento e trinta e seis escolas noturnas, sendo oitenta e três públicas e cinqüenta e três particulares, mas isso significava pouco para o país com tantos anos de atraso na vida educacional. Seria necessário recuperar o tempo dos adultos que não aprenderam na juventude porque a nação precisava de gente instruída. O que chamamos de acesso e permanência na escola, como princípios da democracia instituída no país, o educador dava o nome de escola de meninos desvalidos, cegos e surdos, a quem deveria ser oferecida educação suficiente para ter qualificação para o trabalho. Notamos que a indicação para estudo dessa minoria da população, era a partir de nove anos de idade até os dezesseis, porque essa seria a faixa etária propícia para ao trabalho das crianças, sendo que elas deveriam trabalhar no diurno e estudar no noturno. Daí a vinculação do trabalho àquela camada da população desprovida de família e que certamente não teria, também, futuro. Salienta que esse tipo de educação 121
Antônio de Almeida Oliveira. op. cit. 2003, p. 178.
88 deveria ser exceção e não regra no Brasil para que se garantisse a dignidade dos cegos, surdos e desvalidos por meio do estudo e do trabalho, citando exemplos de pessoas bem na vida mesmo contando com restrições sociais e biológicas. O autor dedica um capítulo de seu livro à importância do professor, afirmando que não bastava ao mestre ter competência técnica, ele deveria ter também as habilidades necessárias ao convívio humano e, além disso, ser honesto e íntegro porque ele seria sempre referência para a sociedade. Outro capítulo é dedicado à atuação da mulher no magistério que o educador vê com muito bons olhos e cita exemplos de países com Estados Unidos e Portugal, onde a docência era exercida principalmente por mulheres e por isso, obtinha-se excelentes resultados. Vemos que mais uma vez o escritor adianta-se a nossa Lei de Diretrizes e Bases quando aponta a inclusão social e cultural de alunos deficientes, as competências que o professor deve ter para ensinar e a necessidade de formação inicial e contínua com qualidade. O estudo acima exposto ajuda a entender a educação imperial no Vale do Paraíba. São poucos os registros sobre a educação na cidade de Bananal durante o apogeu do café. Em 1841 registra-se a presença do primeiro Inspetor Geral de Instrução Pública da região, fato que nos leva a inferir sobre a intenção do governo ou de particulares em prover a vila de escolas. Fato que podemos constatar na cidade de Bananal, na segunda metade do século XIX, que teve em funcionamento seis escolas privadas e que ofereciam o ensino secundário. Antes, porém, dos poucos dados coletados registra-se em 1838 que a cidade de Bananal contava com 194 pessoas “[...] que sabendo ler e escrever tem decente subsistencia [...]”122. Além disso, Neste Municipio existem creadas quatro escolas publicas de instrucção primária, sendo duas dos sexos masculino e feminino, na cidade, as quaes funccionão, e duas outras nos bairros do Capitão-Mor e Rancho-Grande: estas duas não estão providas.”123
Havia uma escola de primeiras letras, com 30 alunos, e “[...] uma dicta P, ensina gramática, Latina e Francesa,”124 com 9 alunos, o inspetor chamava-se Xavier Vahia Durão
e os professores eram Hippolyto da Rocha Trigueirinho, nos bairros do Capitã-Mor e 122
Daniel Pedro Müller. op. cit. 1838, p. 36. Antônio José Batista de Luné. Almanak da Província de São Paulo para 1873 . Org. e publ. por Antônio José Batista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca. São Paulo: Imprensa Oficial de Estado, Arquivo de Estado, 1985, p. 234. 124 Daniel Pedro Muller, op. cit. 1838, p. 263. 123
89 Rancho Grande e a professora Adelaide Guilhermina Trigueinho. Sabemos que a primeira escola do município de Bananal funcionou na Chácara Campos da Paz, onde hoje está construído a Escola Estadual Visconde de São Laurindo. Com o objetivo de flexibilizar a educação, a freqüência deixou de ser obrigatória, a matrícula passou a ser feita por disciplina e a houve o fim da seriação, medidas que influenciaram a organização dos sistemas de ensino, bem como ditaram as alterações que deviam ser almejadas pela população. Vemos aqui que a preocupação das autoridades era com a formação de muitos alunos, sem a garantia da qualidade do ensino, garantia apenas para a classe dominante que sempre se mantinha no poder devido às oportunidades a eles oferecidas. Todas essas inovações se deveram ao fato de que o Brasil precisava começar a sustentar-se intelectual, cultural e tecnicamente para assegurar a industrialização que despontava como introdutora de uma nova era de desenvolvimento. O sistema econômico, a cultura, as necessidades da população e o sistema de poder, são fatores que influenciam a organização dos sistemas de ensino e ditaram as alterações que eram almejadas pela população. Em 1849, por Lei Provincial nº 10, são criadas em Bananal cadeiras de latim e francês. Em março de 1867, é apresentado à Assembléia Provincial por Paulo Ferreira projeto para a criação de um colégio em Bananal que deveria chamar-se Liceu Bananalense com inauguração prevista para o primeiro dia de maio daquele ano. Tratavase de uma escola com internato e externato. Os alunos internos pagariam por trimestre 100$000. Os alunos em regime de externato, caso fossem de primeiras letras, pagariam 5$000 e se fossem do ensino secundário, 10$000. Seu diretor foi Marcolino Pinto Cabral e vários professores ministravam inglês, francês, latim, matemática retórica geografia, filosofia, além das primeiras letras. 125 Em janeiro de 1867 Joaquim José de Azevedo inaugura outro Colégio masculino na cidade onde se ensinam operações decimais, gramática, desenho, caligrafia e pintura. Em regime de internato e externato esse colégio destina-se às famílias mais abastadas da cidade o que se verifica através dos preços cobrados por internato e externato, 20$000 e 12$000, respectivamente. 126 Dona Carlota Maria da Conceição da Cunha abre uma escola de primeiras letras destinada ao sexo feminino, em 1868, por autorização da Inspetoria Geral da Instrução Pública. No ano de 1874, é aberto o Colégio Marinho de instrução primária e secundária, 125 126
Agostinho Ramos, op. cit. 1978. Ibid.
90 destinado também aos filhos dos mais ricos. Três anos mais tarde, outra escola abre-se em Bananal – Colégio Oliveira – para internos e externos. No ano seguinte, Mr Simon Bloch abre um curso de francês e alemão para funcionar à noite.
127
Como já havia adiantado Oliveira, alguns filantropos faziam doações para a educação. Foi o caso do Barão de Joatinga cuja doação somou 10 000$000 e do Visconde de Ariró de 4 776$000 para a construção da Escola Normal da Rua da Boa Morte, em 1879. Não há informações, porém, sobre os avanços da educação no município a partir do investimento de empresários no setor. Sabe-se apenas que tais benefícios deveriam atender a população carente do serviço educacional. Além da iniciativa do curso normal gratuito, é criado um curso noturno, de francês, inglês, música, escrituração mercantil e noções de direito criminal. No mesmo ano, outro colégio para meninas é criado em Bananal por Maria Cândida Pacheco Há menção ao Colégio Gosling, cujo diretor – Arthur Gosling – oferece à Câmara da cidade cinco bolsas de estudo para alunos pobres devido à falta de escolas públicas no município. Esse colégio oferecia os ensinos primário e secundário. Ao currículo dessa escola, além dos conteúdos já mencionados, foram acrescentadas trigonometria e cosmografia além de preparar os moços para as academias do Império. No ano de 1880, é fundado o Clube Artístico Literário que tem como objetivo oferecer uma escola noturna aos que não podiam pagar e, além disso, oferecer biblioteca, saraus literários e lazer à população. Constava do currículo dessa escola noturna as seguintes disciplinas: primeiras letras, português, francês, inglês, música, doutrina cristã, caligrafia, desenho e direito. Ainda em 1880, funda-se o Colégio Bom Jesus oferecendo as instruções primária, secundária os cursos Normal e de Engenharia e, em 1886, abrem-se as portas do Colégio Ateneu Demétrio, com os ensinos primário, secundário e normal. 128 Quase no limiar da República, o currículo desse último colégio demonstra uma preocupação com o cumprimento de um programa mais abrangente e reflete a preocupação para com a intelectualização das elites já conscientes da queda irreversível de suas rendas. No primário estudava-se leitura, caligrafia, cálculo mental, doutrina cristã, lições de cousas, noções gerais sobre geografia e história do Brasil; no secundário, prevaleciam português, francês, latim, grego, italiano, geografia, cosmografia, história, matemática, filosofia, retórica e poética. No curso Normal, ao português, à matemática, à retórica, à cosmografia, à história e à geografia, eram acrescentadas caligrafia, ortografia, pedagogia, 127 128
Agostinho Ramos, op. cit. 1978. Ibid.
91 prática, desenho, geometria, estilo e redação. As mensalidades tinham o valor de 5$000 (cinco mil réis) para os alunos em regime de externato, 20$000 (vinte mil réis) para o semi-internato e 30$000 para os internos. Registra-se também que ainda existiram em Bananal os Colégios Nossa Senhora da Conceição, que talvez tenha sido o colégio feminino citado anteriormente, e o Colégio São Luiz 129. O período imperial chega ao fim sem que tenha sido instalado na cidade de Bananal um único colégio de instrução pública, com o objetivo de atender aos que não podiam pagar pelos caros liceus da aristocracia cafeeira. Em contrapartida, observamos que onze ou doze colégios abriram suas portas na cidade entre os trinta e nove anos em que se situa a presente pesquisa. Pelos fatos já apresentados sobre a educação no período imperial que dependia muito mais da boa vontade de políticos locais do que de uma política pública em educação e, ainda, pela falta de informações mais precisas sobre a administração desses colégios, pode-se supor que, assim como muitos jornais do século XIX, tiveram vida curta e assistemática.
4. OS CRONISTAS DO SÉCULO XIX EM VIAGEM PELO VALE DO PARAÍBA E SUAS IMPRESSÕES SOBRE A CIDADE DE BANANAL
Essa parte do trabalho é destinada a rever o que alguns cronistas do século XIX escreveram sobre o Vale do Paraíba. Por terem sido escritas no momento em que os viajantes vão passando, tornam os textos muito fiéis à realidade, mas sem perder de vista que relatos de viagem são suscetíveis às condições climáticas, ao conforto das acomodações, à simpatia dos anfitriões, aspectos que certamente, influem no humor do viajante e à fidelidade das impressões da viagem, os escritos de Spix e Martius, Auguste de Saint-Hilaire, Zaluar e Manuel Elpídio, aliado a outros relatos, nos dão condições para enxergar a região valeparaibana detalhadamente. Os botânicos Spix e Martius andaram pelo Brasil entre os anos de 1817 e 1820. 130 O fato de serem botânicos acabou diferenciando o estilo da narrativa dos dois estudiosos. Os relatos estão impregnados de termos científicos e o interesse deles é pelas 129 130
Alcides Pereira Peixoto, op. cit. 1949. Spix e Martius. Viagem pelo Brasil – 1817 – 1820 . 2. ed. v. I. São Paulo: Editora Melhoramentos. s/d.
92 características do solo, espécies da fauna, exemplares da flora que pudessem servir para levar a Munique na Alemanha, para serem detalhadamente estudados. Em viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, interessa a esse estudo os dias que os viajantes pernoitaram e passaram pelas cidades valeparaibanas. Pousaram alguns dias na freguesia de Bananal. Lá, observaram que o solo era composto granito, com mica cinzenta e prateada, e de quartzo e feldspato brancos. Notam eles que embora a região fosse quase deserta era mais cultivada que outras por onde passaram, destacando a plantação de milho do lugar. Chamou a atenção dos cronistas os belos exemplares de borboletas e as altas montanhas, cobertas de densa mata em direção ao oceano – Serra do Mar. Saindo de Bananal, passaram por São José do Barreiro e nada relataram sobre a cidade. Quanto à cidade de Areias, se detiveram mais na descrição do lugar, inclusive fazendo críticas ao governo na administração das colônias de trabalhadores que eram “plantadas” em regiões pouco populosas do país com o intuito de povoar e oferecer braços
à agricultura. Na cidade de Areias, chamou sua atenção o estilo das casas que eram construídas sem a intenção de serem duradouras como que para receber um povo andante. Havia uma pequena aldeia de índios, chamado de caboclos pelos desbravadores da região e que se caracterizavam pelo apreço ao ócio. Spix e Martius se detiveram muito nas narrativas populares contadas pelos tropeiros que os acompanhavam: de receitas veterinárias a reza para espantar cobra venenosa. Fizeram questão de relatar esses casos para assim irem traçando o perfil do homem do interior e talvez unir os costumes do povo a suas experiências científicas. Apenas citaram o povoado de Silveiras e disseram ter notado vastas planícies plantadas com milho, mandioca e cana. Sempre beirando o rio Paraíba, os naturalistas chegaram à cidade de Lorena que chamaram de cidade pobre, mas com comércio promissor. Observaram que o comércio nessas localidades que ligam São Paulo a Minas Gerais, girava em torno de mulas, cavalos, sal, carne seca e alguns utensílios fabricados na própria região. Notaram também que a paisagem, a partir de Lorena e Guaratinguetá, começara a mudar. Ao invés de densas florestas, havia agora prósperas plantações de fumo divido ao calor e à umidade do solo da terra. Tais produtos, segundo os viajantes, eram muito valorizados no exterior e serviam como moeda de troca na aquisição de escravos da Guiné. Indo para Guaratinguetá disseram ter vida mais civilizada e até com certo luxo. Havia casas com vidraças o que simbolizou para os viajantes muita riqueza. Mas apesar do tom civilizatório, Spix e Martius observaram falta de regulamentação para os trabalhadores devido ao modo de viver dos fazendeiros ricos, que designavam seus escravos para fazer de tudo, o que dificultava
93 atraso no desenvolvimento das sociedades modernas. Continuando a caminhada, chegam ao “sítio das romarias”,131 em Aparecida, à época do Natal. Tendo sido eles muito bem recebidos, tendo tido uma acolhida confortável, os viajantes europeus não pouparam elogios ao lugar. Para não desagradarem quem os havia recebido, primeiramente foram fazer uma visita à santa quando perceberam e descreveram os trajes usados pelos romeiros paulistas e mineiros que pareciam roupas do sul do país: Aqui o modo de viajar, tanto das mulheres como para os homens, é sempre montado a cavalo, ou em mula [...] O traje desses roceiros é inteiramente adequado às condições do local: chapéu de feltro cor de cinza com abas muito largas, que serve igualmente para proteger contra o sol e contra a chuva; um poncho azul comprido, muito vasto, tendo no meio uma abertura por onde passa a cabeça, calças e paletó de tecido escuro de algodão botas altas, não engraxadas, seguras, embaixo do joelho por uma correia e fivela, facão comprido com cabo prateado que, como arma ofensiva e defensiva, mete no cinturão ou no cano da bota e igualmente, tem total serventia à mesa como para outros misteres. Tais são as características dos paulistas em viagem. As mulheres usam vestidos de panos largos e compridos e chapéus desabados. 132
De Guaratinguetá a Pindamonhangaba a caravana de Spix e Martius foi penalizada pelas chuvas de verão. A grande preocupação dos cientistas era com a as peças que faziam parte da coleção brasileira. Não era de espantar que chegando a Pindamonhangaba, a avaliaram como pobre, apesar de serem bem recebidos pelo Capitão-mor do lugar, que os levou a uma igreja assim que lá chegaram, fato que fez com que o espírito cristão fosse tido como uma das características mais marcantes dos habitantes do Vale do Paraíba. Da cidade de Taubaté, o que chamou a atenção da dupla de viajantes foi um convento franciscano e a existência da fundição real que tantos conflitos trouxeram entre os taubateanos e a população de São Luis do Paraitinga, conflitos gerados devido à exigência de fiscalização do ouro que seguiria para o litoral. Os viajantes disseram que a extração do ouro havia sido abandonada pelos moradores de Taubaté, mas parecia que essa função nunca havia sido exercida pelos homens dali, pela simples inexistência desses minerais. Quanto aos costumes regionais observaram a confecção de esteiras de material natural que eram vendidas no Rio de Janeiro. Em relação à construção das casas, a 131 132
Spix e Martius, op. cit. s/d, p. 128. Ibid, p. 132.
94 observação apurada merece ser reproduzida para evitar a perda de detalhes importantes que a paráfrase, com a preocupação em não ser apenas reprodução sinonímica, inevitavelmente omite.
As casas são raramente de mais de um pavimento... o telhado consiste em telhas ocas ou ripas, raras vezes de palha descuidadamente colocada, nas paredes abrem-se uma ou duas janelas de rótula. A porta de entrada, em geral meio ou inteiramente fechada com tranca, dá logo na peça principal da casa que, sem soalho e sem paredes caiadas, mais parece um paiol. Na ponta dos fundos estão os quartos de mulher e do resto da família, que aqui, segundo o costume português, logo se retiram para esses cômodos quando chegam pessoas estranhas. O mobiliário consiste apenas em alguns bancos e cadeiras de pau, uma mesa, uma grande arca, uma cama com tabuado assentado sobre quatro paus (jiraus) coberta com esteira ou couro de boi. Em vez de leitos, servem-se os brasileiros, quase por toda a parte de redes tecidas...133
Também não encontraram os viajantes poços de água, surpreendendo-se com a utilização apenas de águas pluviais. Notaram que muitos habitantes da região tinham um mal chamado bócio, que se caracterizava por um aumento exagerado da largura do pescoço. Descrevem a ignorância com que tratavam a doença e demonstravam desconhecimento avançado sobre as causas do distúrbio glandular e o tratamento adequado para a doença. Os viajantes apenas citaram as localidades de Vila de São José, Jacareí, Escada (hoje Guararema) e Mogi das Cruzes, antes de avistarem a capital da província de São Paulo. Fez um relato dos índios que encontrou ao passar por essas cidades. Disseram ser uma gente estranha, mistura de várias tribos sem nenhuma identificada em particular. Considerou esses indígenas muito diferentes de outras raças encontradas no Brasil. Os escritores já haviam se referido ao massacre sofrido pelos índios encontrados nesse país, desde a época do descobrimento, principalmente aos pertencentes aos tupinambás. Impressionaram-se, por fim, com a quantidade de cafusos encontrados perto de Mogi. Disseram que essa mistura de índios e negros havia produzido uma raça muito diferente, 133
Spix e Martius, op. cit. s/d, p. 134.
95 mais parecida com a raça etíope do que com a indígena. Ficaram impressionados com o modo de usar o cabelo “que a primeira vista parece mais artificial do que natural e faz
lembrar o coque polonês, não é doença, porém conseqüência exclusiva do cruzamento das raças...”134
No ano de 1822, Auguste de Saint-Hilaire, também andou pela região e traçou um caminho pelo qual a agricultura valeparaibana chegou ao café. Observou o viajante que no início do século XIX a aptidão do Vale era pelo cultivo cana-de-açúcar pelos mais abastados e de algodão juntamente com a criação de bovinos e suínos pelos demais 135. Sobre a cidade de Bananal, descreveu como uma “[...] fundação intereiramente nova, mas
(seria) provável que (adquirisse) logo importância, pois fica(va) situada no meio de uma região onde se cultiva muito o café e cujos habitantes por conseguinte possuíam rendas consideráveis.”136
Em 1854, o fazendeiro Manuel Elpídio Pereira de Queiroz fez viagem de Jundiaí, lugar onde possuía terra, negócios e família, ao Rio de Janeiro. O diário dessa viagem é rico em detalhes sobre o Vale do Paraíba. Encontramos nele referências precisas sobre o deslocamento do viajante que durou trinta e noves dias – de 21 de março a 30 de abril. Interessa ao presente trabalho todas as anotações feitas por onde o relator passou, especialmente aquelas que tratam da cidade de Bananal. Notamos que o cronista ficou impressionado com a cidade de Jacareí, Caçapava, Taubaté e Lorena, destacando sempre a presença da igreja, das ruas de casas e comércio e também com a construção das cadeias. Ressaltou a presença marcante do rio Paraíba que acompanhou até a cidade de Cachoeira Paulista. Sobre a cidade de Bananal onde passou dois dias de sua viagem – 7 e 8 de abril – Manuel Elpídio fez a seguinte descrição: [...] a cidade é pequena, porém tem muito boas casas, elegantes as ruas principais são do Comércio, Direita e do Rosário; a matriz mostra ser ordinária, é melhor a igreja do Rosário, posto que no pátio desta Igreja está se fazendo uma rica casa do comendador Manuel d´Aguiar Vallim, notável pelo seu tamanho. Tem no largo da Matriz lindas casas; a rua do Comércio começa desde a margem direita do ribeirão até o largo da 134
Spix e Martius, op. cit. s/d, p. 139. Auguste de Saint-Hilaire. Viagem à província de São Paulo (1819) . Trad. Rubens Borba de Morais. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1940. 136 Auguste de Saint-Hilaire. op. cit. 1932, p. 216. 135
96 Matriz. Enfim, o Bananal é linda cidade, com bons prédios e rica; a primeira em riqueza da Província de São Paulo e a última na extrema da Província para este lado do norte...Torno a dizer duas palavras a respeito do Bananal: é pequena cidade, situada entre diversos morros, nas na s margens do ribeirão Bananal tem vinte e tantas casas de sobrado e algumas térreas boas. A cadeia é ordinária, situada no pátio do rosário. Faz calor excessivo. 137
Anos mais tarde, o escritor português naturalizado brasileiro, Augusto Emílio Zaluar, que morou na cidade de Vassouras e Paraíba do Sul, entre os anos de 1860 e 1861, realizou viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo e retratou, por escrito, as impressões que lhe foram importantes durante a trajetória. O estilo das crônicas de viagem de Zaluar, passa pela descrição das cidades, enfocando as belezas da natureza que a circundavam e a construção dos edifícios públicos, com especial atenção à matriz, à câmara, à cadeia, ao cemitério. Esse dado nos leva a perceber que a principal característica a ser levada em conta na formação da identidade dos municípios estava ligada às questões relacionadas à manutenção da ordem religiosa e políticas do país. Não deixa de registrar dados quantitativos sobre a administração pública, relativos à educação, à economia, à agricultura, normalmente obtidos em documentos a ele disponibilizados ou através de relatos de moradores. Em seu estilo de escrever, notamos também a preocupação em ser grato a quem o recebeu, deixando sempre espaço para a redação encomiástica. Por quase todos os lugares onde passou, ressaltou a existência de nobres fidalgos, a quem não economizou adjetivos para descrever suas boas qualidades, seja como administradores, filantropos ou apenas seus anfitriões. “O senhor Barão de Bela Vista é moço, inteligente, rico e viajou à Europa: que mais é preciso saber para fazer-se um juízo da amabilidade do seu trato e do agradável conforto de sua convivência?”138
Sobre a cidade de Bananal, a primeira coisa que chamou sua atenção foi o fato de a cidade, desde sua localização geográfica até os costumes cotidianos de seus habitantes parecerem pertencer ao Rio de Janeiro e não a São Paulo. Talvez a história da Revolução Liberal de 1842, tenha sido relatada a ele por seus anfitriões o que fez com que o viajante se solidarizasse com a causa que naquela ocasião ainda não havia sido resolvida. 137
Carlota Pereira Queiroz. Um fazendeiro paulista no século XIX . São Paulo: Conselho Estadual da Cultura. s/d. 138 Augusto Emílio Zaluar. Peregrinação pela Província de São Paulo . São Paulo: Livraria Martins Editora. s/d. p. 42.
97 Considerou justa a reivindicação da Câmara bananalense e criticou a falta de empenho do governo provincial em resolver a questão. Ao descrever o município de Bananal, Zaluar observa que há uma discrepância entre a arquitetura dos prédios e o estado de conservação deles, em especial a matriz, o hospital, a câmara, cadeia e cemitério e o luxo das fazendas e casas de moradores ilustres ilustres como como o Comendador Comendador Manuel d‟Aguiar Vallim e Maria
Joaquina de Almeida. Ele atribui o descaso para com patrimônio público a interesses individuais dos dirigentes da cidade. Zaluar distingue três grandes propriedades entre as muitas que visitou em Bananal: a Bela Vista, do Comendador Vallim e chama a atenção do leitor com a descrição da magnificência da casa e a decoração feita com os pincéis de Villarongo; a fazenda de Luciana de Almeida e Pedro Ramos Nogueira onde o que mais chamou sua atenção foi a hospitalidade do casal de proprietários. Compara a fazenda Cascata do Comendador Antonio Barbosa da Silva aos suntuosos castelos da Escócia. Notou também que a cidade era vazia de pessoas e que a vida agitada era característica das fazendas do local, e que isso se devia à grande desigualdade social do Brasil, uns muito ricos e a grande maioria muito pobre e à ausência de uma classe média que clamasse por educação, cultura e direitos iguais; acentuava a diferença de classe daquela cidade de Bananal. Rumou depois o viajante à cidade de São José do Barreiro e descreveu a harmonia em que a população vivia e acrescentou que esse dado certamente seria responsável pelo progresso que adviria à cidade no futuro. Na cidade de Areias, Zaluar criticou a falta de informações sobre o lugar que não registrava seus dados e por isso, ninguém sabia ao certo dar informações sobre a vila, a não ser através de relatos de populares. A igreja matriz chamou sua atenção não pela beleza, como em muitos outros lugares por onde passou, mas pelo descaso das autoridades em zelar pelo patrimônio religioso. A população estava à espera de uma nova igreja desde o ano de 1816, por ocasião da elevação de Areias à categoria de vila. Por todos os lugares por onde passou, Zaluar observou o mau estado de conservação das estradas, sempre em péssimas condições de tráfego, com enormes buracos e curvas sinuosas o que demonstrava a falta de atenção das autoridades provinciais para com as vias de acesso entre o Vale do Paraíba e as capitais. Em Queluz e Silveiras, o que mais chamou a atenção foi a relação entre as cidades e os recursos naturais que as rodeiam e os aspectos de cultura popular como as diversas cruzes que os viajantes encontram pelas estradas da região, que tanto podem simbolizar perda como saudade, ressaltando a devoção do povo do lugar. Também chamou sua
98 atenção a convivência harmoniosa das diferentes posições políticas dos homens daquelas cidades. Usando a linguagem própria da crônica de costumes de escritores modernos e o uso da primeira pessoa do tempo verbal, propicia ao leitor, numa narrativa leve, o contato com as crendices do lugar, aproveitando a oportunidade para interceder a favor das convicções políticas e partidárias de seus anfitriões e resume a cidade de Silveiras em torno da Câmara, cadeia, matriz e cemitério, num uma mistura de religiosidade com fatos do cotidiano – o poder dos homens versus o poder de Deus. De Silveiras a Lorena é interessante notar que Zaluar chama a atenção do leitor para a figura do caipira que um século mais tarde seria imortalizada na figura lobatiana do Jeca Tatu. Observa que a casa do caipira era uma choupana que mais parecia uma tenda árabe, dada à precariedade de sua construção que se assemelhava ao povo nômade. A arquitetura das casas condizia com as características do solo que era extremamente irregular e pantanoso “tipo que não se reproduz em nenhuma nenhuma outra parte do Império.” 139 Da cidade de Lorena, ressalta a ponte sobre o rio Paraíba, o zelo que a administração municipal tinha para com o desenvolvimento urbano e criticou a ação do governo provincial pelo pelo descaso com que olha o lha para as necessidades necessidades regionais. Destaque do autor para as três praças que compõem o retrato de Lorena: a da Matriz, a do Rosário e a praça Imperial quando o costumeiro era encontrar apenas uma praça em frente à igreja principal e para a quantidade de lojas de comércio: setenta ao todo, o que demonstrava vocação para o desenvolvimento futuro. Zaluar menciona na região a existência de uma fazenda de café que funcionava com o trabalho de colonos alemães, ao estilo das experiências já colocadas em prática pelo Senador Vergueiro. Chegando à cidade de Guaratinguetá, estimou que a população fosse em torno de trinta e cinco mil pessoas e fez severas críticas à paisagem urbana, que era incompatível ao grande centro produtor de café que era a cidade de Guaratinguetá: descreveu a pobreza das construções, a matriz construída na parte mais elevada da cidade sem uma praça ao redor e que apesar de a cidade apresentar uma número expressivo de escolas, havia muitos alunos que eram apenas matriculados e não freqüentavam de fato as aulas. Nessa cidade, a pessoa escolhida pelo autor para receber os elogios foi o vigário Antônio Martiniano de Oliveira a quem o cronista não poupou loas aos nobres sentimentos do padre que chamou de “varão de grande piedade e virtudes” 140 e que poder-se-ia compará-lo a São Jerônimo. Atribui a
ele a fundação do Asilo Religioso das Irmãs do Bom Pastor, instituição filantrópica que 139 140
Augusto Emílio Zaluar, op. cit, s/d. Ibid.
99 tinha como meta dar abrigo às órfãs e às donzelas. Destacou a existência de duas bandas de música, um jornal com o nome de Mosaico que circulava duas vezes por semana e um teatrinho, diminutivo com sentido jocoso, já que considerava que a cidade tinha porte para ter um teatro maior e mais suntuoso. A descrição sobre a cidade de Aparecida recebeu tratamento especial do autor: mistura a apreciação do lugar à devoção que certamente nutria pelo cristianismo. Relata em texto eivado de adjetivos a rusticidade do lugar que era habitado por pessoas de sentimentos puros. Contrapôs a civilização das cidades da América com a simplicidade do interior. Criticou a corrupção e egoísmo das sociedades polidas e enalteceu os sentimentos primitivos que brotavam dos moradores que foram escolhidos por Deus para “morar mais próximos do céu ”
141
. Narrou a história da imagem de Nossa Senhora encontrada, em
1719, no rio Paraíba e suas curas milagrosas. A crença na santa que atravessou todo o século XVIII e chegou ao século XIX mais viva ainda e se instalou numa pequena capela sobre uma colina. Os moradores do lugar consideraram justo edificar uma outra capela, bem maior, para fazer jus a tantos milagres e graças concedidas pela santa dos brasileiros e que a quantia de dízimos doados à capela era tão volumoso que, indubitavelmente, poderiam construir um templo de “vastas proporções” para tornar a região mais importante
ainda. O cronista embora concordando com a fé do povo e o poder da santa, discordou da construção de uma nova igreja por considerar que outras obras pias eram mais necessárias naquele momento, como a criação de um hospital com capacidade para atender aos doentes que eram numerosos na região. Quanto aos outros aspectos da cidade nada nos revelou o escritor. Passando por Pindamonhangaba não deixou de compará-la às paisagens da Grécia e da Itália. Comentou como costumeiramente fazia, sobre os prédios públicos como a cadeia, o cemitério, a ponte sobre o Paraíba e deu destaque ao palacete em construção do Capitão Antônio Salgado Silva. Disse que a cidade deveria ter entre quatorze e dezesseis mil habitantes que viviam principalmente da plantação do café. Zaluar disse que a cidade rumava ao progresso devido às construções da cidade e ao comércio, e ressaltou que pelo número de habitantes apresentados e os dados colhidos referentes à educação notava-se uma incoerência – dezesseis mil habitantes e quase duas centenas de alunos. Ele justifica tal inconsistência pelo fato de os filhos das famílias mais ricas irem estudar, desde cedo na 141
Augusto Emílio Zaluar, op. cit, s/d.
100 capital da província, onde ingressavam na Faculdade de Direito. Ainda sobre Pindamonhangaba, o viajante afirma ter uma quantidade grande de enfermos, que vindo de Minas Gerais já doentes e não conseguindo chegar a São Paulo, iam parando pelas regiões do Vale a infestar as cidades. Daí a necessidade que havia em se construir hospitais nas cidades do Vale do Paraíba. De Pindamonhangaba até a cidade de Taubaté, Zaluar demorou um dia inteiro e chegou a seu destino ao entardecer, momento que fez com ele enaltecesse as belezas do lugar, estimando que a população do município deveria estar por volta de vinte e seis mil a trinta mil habitantes. Esse cronista também observou a casa de fundição de ouro que recebia o pagamento do quinto real de todo ouro que vinha de Minas com destino ao litoral. Disse também que a cidade não era grande produtora de café, como as demais da região, em conseqüência, casas eram feias, pobres e as pessoas mal-humoradas e disse ter conhecimento, através de relatos de populares, sobre a existência de um convento na cidade onde havia aulas de filosofia e matérias religiosas. Como de praxe, agradeceu a hospitalidade de quem o recebeu durante os dias que passou em Taubaté e se referiu resumidamente à cidade de Caçapava e São José dos Campos apenas referindo-se a algumas construções em andamento como a cadeia, a câmara e a igreja de São José, descrevendo essa última localidade como o símbolo de atraso, caracterizado novamente pela figura do caipira, quando de sua passagem a Lorena, enfatizando que excetuando um ou dois fazendeiros ricos, todos os habitantes do lugar viviam como nômades, aproveitando-se daquilo que a terra dava sem se preocupar com o futuro. Conclui, dizendo que se o povo fosse menos preguiçoso, existiria ali plantação de café, exploração de madeira, enfim, com tantos recursos naturais, faltava àquela gente vontade de trabalhar. 142 Registrar as impressões dos lugares visitados por vários cronistas, leva-nos a refletir sobre as alterações vividas pelas cidades e pelas pessoas ao longo dos anos. Alterações essas que passam pelas mudanças alcançadas pela população através das oportunidades de estudo, trabalho e ser mais ou menos visível aos olhos dos governantes. É o caso da cidade de São José dos Campos que na segunda metade do século vinte até a presente data, tornou-se pólo industrial e desfruta de confortável situação econômica e cultural, como mostram os dados referentes à cidade: população por volta de seiscentos mil
142
Augusto Emílio Zaluar, op. cit. s/d
101 habitantes no ano de dois mil e seis 143 e Produto Interno Bruto estimado em treze mil e seiscentos reais 144. A última cidade do vale descrita por Zaluar foi Jacareí que recebeu poucas palavras do escritor devido a sua pressa em chegar à capital, mas não poderia deixar de se referir ao hospital ainda em construção, à câmara e à cadeia. Quanto a outros dados como as atividades comercial, cultural e educacional nada registrou a respeito de Jacareí. Quanto à educação, Zaluar disse que era também função do cronista fazer levantamento sobre os dados educacionais das localidades por onde passou, porque pela atenção dispensada à educação, conhecia-se o compromisso social do administrador. Constatou que entre os anos de 1860 e 1861, o Vale do Paraíba possuía um ensino que retratava o resto do país, pois era descontínuo e assistemático, conforme veremos no quadro 10.
143
IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais. Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 30/10/2006. 144 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais - PIB a Preço de mercado corrente – 2002. Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 30/10/2006.
102 QUADRO 11 – Pesquisa educacional Escolas
Cidade
Tipo de ensino
Nível de ensino
Quantidade
Iniciativa
de alunos
Bananal
3
São José do Barreiro
2
masculino
não informado
masculino
não informado
feminino
não informado
não
informado Primário
(supomos
20
Privada
2
Pública
40
Pública
ser
masculino) feminino
não informado
50
não informado
Areias
*
não informado
não informado
não informado
não informado
Silveiras
3
masculino
Primário
26
Pública
feminino
Primário
primário
(os cofre provinciais repassavam
masculino
Secundário
10
800$000
Rs
e
o
município
400$000 Rs para a educação)
Lorena
4
masculino
Primário
50
Pública
feminino
Primário
30
Pública
masculino
Primário
30
Privada
*
Aula de francês e 6
*
latim
Guaratinguetá
5
masculino
Primário
115
Pública (seriam 2 escolas)
masculino
não informado
48
Privada (seriam 2 escolas)
feminina
não informado
30
Pública
feminina
não informado
16
Privada
masculino
aula de latim francês 16
não informado
e latim
Aparecida
não informado
Pindamonhangaba
3
masculina
Primário
20
Pública
feminina
Primário
60
Pública
*
cadeira de latim e 12
*
francês
Caçapava
São
José
dos
4
*
Aulas
97
Privada
3
masculina
Primária
não informado
Pública
masculina
Primária
não informado
Pública
masculina
Primária
não informado
Particular
não informado
Campos Jacareí
não informado
Fonte: Augusto Emílio Zaluar, op. cit. s/d.
É importante destacar que o quadro acima mesmo podendo não corresponder a total fidelidade de informações, devido à escassez de dados e fontes, cumpre seu papel de recensear a população que freqüentava escola, bem como fornecer informações sobre
103 outros aspectos importantes sobre a área educacional. Se compararmos os números apresentados pelo cronista com aqueles apresentados pelo estudioso Antônio Almeida Oliveira, vemos que o Vale do Paraíba não desenvolvia a educação a contento, como o resto do país, uma vez que foram registradas a existência de 27 escolas com mais de duas centenas de alunos, sem contar as informações não recebidas pelo viajante. Como afirmou o próprio autor do censo, todos os viajantes deveriam ter também a função de analisar a localidade por onde passavam para dar publicidade aos fatos e poder colaborar com o desenvolvimento dos povos, sugerindo políticas públicas voltadas para o povo.
104 CAPÍTULO IV – A CIDADE DE BANANAL: PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DO VALE DO PARAÍBA
Esse capítulo dedica-se à cidade de Bananal, enfocando suas principais características no século XIX e comparando-as com a atualidade. Utilizamos dados dos oitocentos para traduzir a grandiosidade dos números da cidade e propor um outro modo de olhar para a história da região, que, contrário do que muitas vezes é veiculado, não perdeu sua vida após o declínio da atividade cafeeira, apenas esteve à procura do caminho mais curto entre os séculos que separaram o café, do turismo histórico e cultural. Não podemos, no entanto, dizer que o potencial turístico da cidade é grande nos dias de hoje, pois em comparação ao turismo de regiões semelhantes, Bananal ainda precisa se desenvolver bastante, principalmente no que se refere à estrutura turística como, por exemplo, a rede hoteleira e melhoria das vias de acesso.
1. BANANAL NAS ESTATÍSTICAS
A cidade de Bananal, pelos dados estimados no ano de 2005, possui 10 233 habitantes, um Produto Interno Bruto – PIB – de $ 5 857,00145 com um Índice de Desenvolvimento Humano – IDH146 – de 0,758147, números que não fazem dela um grande centro de desenvolvimento, como o que despontou no século XIX, assim descrito em 1873:
“[...] tem progressivamente ido em augmento , devido á fertilidade de
suas terras e á pequena distancia em que se acha dos portos marítimos a que leva os seus produtos. A Freguesia que em seus princípios pertencia á Villa de Lorena, pela creação da Villa de Áreas, lhe ficou pertencendo, estendendo os seus limites ate as barrancas do Pirahy; e assim permaneceu ate que, por decreto de 1º de Julho de 1832, foi elevada a 145
IBGE Cidades. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/. Acesso em 1/5/2007. IDH – Índice de desenvolvimento humano. Número considerado ideal é o 1. Esse número é a síntese do índice do IDH em Educação, Longevidade e Renda do município de Bananal que são respectivamente: 0,870; 0,702 e 0,703. Dados disponíveis em: http://www.apaulista.org.br/apm/idh/mu_idh_atual.asp.Acesso em 8/8/2007. 147 FOLHA DE SÃO PAULO, Cotidiano, 27/12/2002. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u65592. Acesso em 1/5/2007. 146
105 Villa, em cuja categoria foi installada a 17 de Março do anno seguinte. [...] Crescendo em população e riqueza, em 3 de Abril de 1849, por Lei da Assembléia Provincial, foi elevada á categoria de Cidade, dando-se sua installação a 7 de Setembro do mesmo anno. [...] Hoje esta cidade é cabeça de Comarca, tanto civil como ecclesiastica, a qual é formada deste Termo, dos de Áreas, S. José do Barreiro e Queluz.[...] É essencialmente agricola este Município, cultivando-se de preferencia o café, que se exporta para o Rio de Janeiro.”148
O Império começou a demonstrar a importância que Bananal passava a ter para o Brasil, transformando a vila em cidade, em 1849, no auge da economia cafeeira. A cidade de Bananal está localizada no extremo oeste do Estado de São Paulo, com uma área territorial de 616,32 km². Distante 330 km da capital de São Paulo e 153 km da cidade do Rio de Janeiro, tem acesso pela Rodovia Presidente Dutra que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Para chegar à cidade de Bananal, no sentido São Paulo – Rio de Janeiro, segue-se até o município de Queluz e depois segue-se pela Rodovia dos Tropeiros – SP 58. No sentido inverso, segue-se até a cidade de Barra Mansa e depois pela Rodovia Álvaro Brasil Filho – SP 64. FIGURA 7: Vista aérea da cidade de Bananal.
FONTE: www.explorevale.com.br/cidades. Acesso em 12/10/2007. 148
Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p. 233.
106
Pela figura podemos observar a região montanhosa que circunda a cidade, relevo que dificultou o desenvolvimento da agricultura após o declínio do ciclo do café. Descrição similar da cidade, feita em 1873, nos mostra a precisão de dados na pesquisa e aponta que
[...] situada ao norte da Capital de São Paulo, de onde dista 60 leguas ou 333,3 kilometros, confina com os Municípios de Barra Mansa, S. João do Príncipe, Rio – Claro, Rezende e Angra dos Reis, na Província do Rio de Janeiro; e com o da Villa de S. José do Barreiro desta Província. [...] á de 2 leguas ou 11,1 kilometros de São José do Barreiro, á de 9 leguas ou 50 kilometros de Áreas; á de 12 leguas ou 66,6 kilometros de Silveiras; á de 19 leguas ou 105,5 kilometros de Lorena; á de 10 ½ leguas ou 58, 3 kilometros de Queluz; á de 23 ½ leguas ou 130,5 kilometros de Guaratinguetá; á de 9 leguas ou 50 kilometros da Cidade de Angra dos Reis na Provincia do Rio de Janeiro. Não possue nenhum monte notável, alem da serra que o divide do Municipio de Angra dos Reis, em toda a extensão deste Municipio a oeste, a qual toma diversos nomes, segundo as estradas que a atravessão, ou portos a que se dirigem, e assim, sendo a mesma e unica serra, é conhecida por serra dos Ramos, serra do Ariró, serra do Retiro, serra do Carioca, e serra do Pouso Seco. Não tem nenhum rio navegável, nem mesmo por canoas; o principal que possue denominase rio do Bananal, que tem sua nascença na serra do Retiro, e corre de sul a norte, pela povoação, com um curso de cerca de duas leguas; e dahi faz uma curva , e segue de oeste a leste, ate a Freguesia do Espírito-Santo, vulgo curato, no Termo da Barra Mansa, onde vai desaguar no rio Parayba, sendo navegável da Freguesia do Espírito-Santo em diante, devido aos muitos pequenos rios que recebe em sua passagem.149
Segundo dados oficiais, na atualidade, a cidade vive basicamente da pecuária, que é tida como a atividade permanente e na agricultura destaca-se a cultura do milho, cana e feijão. A fabricação de aguardente remonta ao século XIX na região. Além de Bananal, a cidade valeparaibana de São Luiz do Paraitinga também tem a fabricação de pinga, como orgulho para a cidade. Podemos apontar ainda, outras manifestações culturais que aproximam essas duas localidades: o Carnaval de rua, que faz parte do calendário das duas 149
Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p.234.
107 cidades desde os meados do século XIX, as comemorações de Corpus Christi e a Festa do Divino. Especificamente em Bananal, ainda hoje se comemoram a Folia de Reis, nos dias 5 e 6 de janeiro, na Serra da Bocaina, a Festa de Emancipação Política da cidade, em todo 10 de julho, Festa do Padroeiro – Senhor Bom Jesus do Livramento, em 15 de agosto, a Festa de São José do Retiro, que acontece em frente à igreja de mesmo nome, no mês de março e as tradicionais festas juninas. A cachaça tornou-se produto símbolo da cidade de Bananal, que hoje é sem dúvida nenhuma, o município que recebe o maior número de visitantes que vêm ao Vale Histórico. Há alambiques que ainda têm parte da produção artesanal como se fazia séculos atrás. Hoje a cidade é conhecida por seu artesanato em barbante, cujos fios são fabricados na cidade vizinha de Arapeí. São muitos os moradores que vivem de comercializar, principalmente, colchas, toalhas tapetes e cortinas, o que demonstra que Bananal deixou para trás a opulência dos tempos do café e vive hoje uma outra realidade, bem mais simples, porém, indo ao encontro da vocação da cidade, que é o turismo e o artesanato. O artesanato em crochê, que ocupa a maior parte das mulheres da cidade, iniciou-se por iniciativa de uma bananalense, Dona Laurinha, que, na busca pelo resgate do valor histórico e cultural da região, incentivou a atividade artesanal com o crochê feito de barbante e conseguiu transformar um passatempo em profissão. A partir da segunda metade do século XIX, as atividades profissionais já eram bastante diversificadas e recenseadas, entretanto, sem o rigor científico de hoje, mas com precisão de dados, como vemos no quadro a seguir:
108 QUADRO 12 – Profissões e ocupações elencadas no século XIX
Profissões/ocupações Profissões/ocupações Advogado Agrimensor Alfaiate Alugador de animais Armador Barbeiro Bilhar Carpinteiro Casas de artes e ofícios Cocheiro Comerciante na cidade Comerciante nas fazendas Dentista Fabricante de aguardente Fabricante de fogos Fabricante de fumo Farmacêutico/Boticário Ferreiro Homeopata Inspetor de instrução pública Lojas de fazendas e ferragens Médico-cirurgião Ourives Padeiro/Padaria Pedreiro Pintor Professor de meninas Professor de música Professor de piano e canto Professor de primeiras letras particular Proprietário de armazém de café Proprietário de hotel/hospedaria Proprietário de lojas de calçados Relojoeiro Seleiro Serralheiro Tipógrafo
1858 21 3 1 52 10 3 1 2 2 -
1872 7 1 3 5 3 1 1 6 2 44 42 1 3 3 2 4 3 1 6 3 3 5 2 3 1 2 2 2 4 1 4 2 5
FONTES: Antônio José Batista de Luné. Almanak da Província de São Paulo para 1873 , p 235. Marque & Irmão. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de São Paulo para o anno de 1858.
Org. e Redigido por Marques & Irmão, 2º anno. São Paulo: Typografia Imparcial, p. 270.
Podemos observar que os dados levantados no século XIX, mesmo não sendo tão abrangentes, conseguem apresentar o perfil da cidade ao leitor. Embora contenham lacunas importantes, os dois censos poderiam ser fontes de detalhada análise, as quais não serão
109 contempladas no presente trabalho, haja vista que os objetivos desse estudo não prevêem tal discussão, que deveria ser objeto de estudo de outra pesquisa. Porém, chama a atenção no quadro que a vida urbana da cidade de Bananal desenvolveu-se rapidamente rapida mente após os anos de 1850, apesar do declínio declínio dos lucros lucros advindos do café já começarem a ser sentidos pela economia local. Os números apresentados pelos censos mostram a importância da cidade para a região e para o país. Sete advogados revelam a intensa prática de negociação da cidade, assim como a existência de muitos médicos e farmacêuticos mostra a procura da cidade por profissionais de áreas diversas, enquanto o país carecia de mão-de-obra especializada. Todos esses dados mostram a modernidade que o café imprimiu à vida dos bananalenses. Merece atenção, ainda, a constatação de agitada vida na cidade, pela quantidade de comerciantes instalados no centro, oferecendo à população serviços variados. Para atender a agricultura cafeeira, um grande número de ocupações foi surgindo ao longo do século XIX. As fazendas de grande porte podiam contar com seu próprio grupo de profissionais, que estavam a serviço das famílias abastadas, trabalhadores que, certamente, não fizeram parte dos censos aqui apresentados. Enquanto o café se desenvolvia nas fazendas, a vida na cidade recebia reflexos da economia cafeeira. Quase todos os profissionais que não plantavam café, viviam do lucro que ele dava aos fazendeiros. Com o passar dos anos e com o incremento dado à vida urbana pelos lucros com a exportação de café, observamos que não apenas as atividades profissionais se diversificaram e aumentaram na cidade, mas também que o rigoroso registro delas passou a ser a maneira pela qual a Província podia controlar, entre outras coisas, a arrecadação. É interessante notar que, excetuando alguns profissionais que moravam nas fazendas de quem os contratava, como é o caso de um professor de música, um médico-cirurgião, dos fabricantes de aguardente, todos os demais habitavam o centro da cidade, concentrando o endereço de trabalho e domicílio nas ruas do Comércio, da Misericórdia, do Lavapés, do Ipiranga e no Largo do Rosário, fato que intensificou a vida nas cidades e ela foi deixando deixando de ter o aspecto das “cidade de domingo”, como observara observara
antes, o viajante Saint-Hilaire. Já nessa época muitas ruas foram abertas na cidade para receber toda a movimentação proveniente das fazendas. As antigas ruas do Matadouro, hoje Rua Barão de Joatinga, Rua da Palha, atual Rua Boa Esperança, Rua do Comércio, hoje Rua Manuel Aguiar, Rua do Fogo, atual Presidente Whashington Luiz, Rua do Lavapés, atual Oscar de Alemida, Rua da Misericórdia hoje Avenida Bom Jesus, Rua do Ipiranga hoje Rua Pedro José Nader, todos esses logradouros que ao todo formavam 14
110 quarteirões, constituíam a intensa zona urbana de Bananal, diferentemente das outras vilas cafeeiras do Vale que mantinham a vida girando em torno da zona rural. Como já foi dito nesse trabalho, as cidades cresceram em conseqüência da atividade cafeeira. Lojas da capital do Império abriam filiais na cidade como é o caso da loja carioca “Ao braço de ouro” que vendia de “tecidos a charutos Havana e porcelana de Sevres.” 150
Mas o grande ícone da riqueza da época continuou a ser as fazendas, que mais tarde iriam inspirar a movimentação da cidade. O fazendeiro de café enriquecia em cinco anos. Nas palavras de Ernani S. Bruno, “seria mais exato, no entanto, dizer -se -se que o café apenas tornava mais ricos, ou em certos
casos fabulosamente ricos, homens que já eram mais abastados, ou pelo menos dispunham dos capitais necessários para desenvolver uma fazenda de café com suas terras, instalações e sobretudo mão-de- obra, em geral dispendiosas”. 151 A constatação do estudioso é importante, na medida em que a cidade de Bananal pode ser o exemplo de que o café alavancou uma nova cultura na cidade. No quadro abaixo, vemos o registro da relação dos fazendeiros mais importantes da cidade, para o ano de 1873, quase duas décadas após o auge dos lucros com o café. Notamos a hegemonia de algumas famílias cujos sobrenomes estão sempre despontando nos dados da região, como é o caso dos Barbosa, Nogueira, Arruda, Aguiar e Toledo. Muitos herdeiros dessas fazendas tiveram o cuidado em preservar tanto o prédio, quanto o mobiliário, mas poucos mantiveram vivas, as histórias do lugar, e isso tornou difícil a trajetória daqueles que quiseram resgatar alguma coisa, além do patrimônio.
150 151
Hebe de Castro, op. cit. 1995, p. 42. Ernani S. Bruno, op. cit. 2005, p. 57.
111 QUADRO 13 – Relação de proprietários de fazendas no ano de 1872
Proprietário
Título
Propriedade
Alda Cordoville Barbosa de Souza Arruda
Dona
Cascata
Antônio Barbosa da Silva
Comendador Bom Retiro de Cristo Oficial da Glória Rosa Comendador Cachoeira da Rosa sem informação Campo Alegre
Antônio José Nogueira Antônio Luiz de Almeida Augusto César Pereira Leite Henrique José da Silva
Braz Barbosa da Silva
Barão de São João Batista Ariró Barão de Bela Vista Bela Vista Doutor Campinho
Braz de Oliveira Arruda
sem informação
Carioca
Candido Ribeiro Barbosa
Major
Cachoeirinha
Domiciana Nogueira da Silva
Dona
Roseira
Domiciano Pereira Leite
Capitão
Cachambu
Domingos José da Silva Monteiro
sem informação
Bom Sucesso
Emerenciana Maria de São José
Dona
Mato Dentro
Faustino José Correa
Capitão
Boa Vista
Francisco Maria de Jesus Peixoto
sem informação
São Joaquim
Francisco Antônio de Moura
Tenente
Soledade
Francisco Gonçalves Pereira
Alferes
Cantagalo
Francisco Gomes de Paula Francisco Ribeiro Barbosa
Oficial da Serra Rosa Tenente Cachoeira
Genoveva Maria de Magalhães
Dona
Chácara
Ignácia Gonçalves Penna
Dona
Arribada
Januário Ribeiro Guimarães
sem informação
Retiro
João Gonçalves Pereira
sem informação
Três Saltos
João Paulo dos Santos Barreto
Bacharel
Formiga
João Venâncio Alves de Macedo
Doutor
Divisa
Joaquim Gonçalves Pereira
Alferes
Piranchim
José de Aguiar Toledo
112 Joaquim José Rodrigues
sem informação
Santa Rita
Joaquim Silvério Nogueira
Major
Fortaleza
José de Aguiar Vallim Filho José Gonçalves Pereira
Comendador Resgatinho de Cristo sem informação Bahia
José de Magalhães Couto
Coronel
Barra do Turvo
José Ramos da Silva Sobrinho
sem informação
Alambary
Laurindo José de Almeida
Doutor
Antinhas
Lourenço Justiniano da Silva
Doutor
Santo Antônio
Luiz Manoel de Freitas
Capitão
Quilombo
Luiz Ribeiro de Souza
Capitão
Graminha
Manoel de Aguiar Vallim Manuel Antunes de Sá
Oficial Rosa Capitão
Manuel Dias de Freitas
Major
Pirapitinga
Manuel Ferreira de Aguiar
Tenente
Roseta
Manuel Joaquim Rodrigues de Carvalho
sem informação
Doce
Manuel Pinto da Silva Torres
Doutor
Serra
Manuel Rebello Rosa
Capitão
Esperança
Marcos de Oliveira Arruda
Bom Sucesso
Maria Joaquina de Almeida
Tenentecoronel Dona
Pedro Ramos Nogueira
sem informação
Loanda
Pedro Ramos Nogueira Junior
Paineiras
Rita Thereza dos Santos
Tenentecoronel Dona
Rodrigo Pereira Leite
Doutor
Rodrigo Ribeiro de Miranda
Alferes
Tiburcio Ribeiro de Mattos
sem informação
Fonte: Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p. 237.
da Resgate Carioca
Boa Vista
Barra da Cachoerinha São Francisco São João da Boa Vista Barra do Cedro
113 É interessante notar que da lista apresentada, sete fazendas são propriedade de mulheres, numa sociedade predominantemente patriarcal. Muitas dessas mulheres foram grandes empreendedoras e suas histórias ficaram perdidas, a exceção de Dona Domiciana, que mesmo não aparecendo na lista acima, depois de ficar viúva do Comendador Manuel de Aguiar Vallim, na década de 1870, continuou a tomar contar de seus negócios. Esse dado nos remete a uma característica da cidade no século XXI, que chamou a atenção de outros estudiosos: a prefeitura é ocupada por mulher, muitas secretarias são ocupadas por mulheres, tendo já a cidade muitas mulheres como vereadoras, promotora e juíza. Observando ainda o quadro, lembramos que nem todos os proprietários que constam dele, tiveram duradouro sucesso como empresários do ramo da agricultura cafeeira. Muitos deles, não foram mais citados após alguns anos. Tal fato pode ser explicado. Quando o café alavancou a economia do Vale, os pequenos proprietários de fazendas não conseguiam suportar momentos de dificuldades nos negócios porque não tinham recursos suficientes para isso. Se alguma intempérie se deitava sobre a lavoura de café, logo sua produção e a propriedade eram incorporadas por fazendas maiores, o equivalente ao que vemos atualmente na fusão de grandes empresas. Desde a vinda da família real em 1808, até o advento das ferrovias na década de 1870, aconteceram significativas mudanças econômicas e sociais no modo de vida no Vale do Paraíba e dos produtores de café, em especial os da cidade de Bananal. Nesse período muitos fazendeiros deixaram de ter como domicílio a sede da fazenda para ir morar na cidade; assim aqueles que tinham muitas posses construíam uma grande casa na fazenda e um palacete na cidade. As casas de vivenda e de morada, como eram chamadas as construções nas fazendas e nas vilas, tiveram arquitetura e decoração que buscavam traduzir, de maneira ímpar, a época de glória da civilização do café. 152
2. BANANAL: A VIDA NAS FAZENDAS
Na segunda metade do século XIX, foram construídas as principais casas na cidade e nas fazendas do Vale do Paraíba. A construção das sedes das fazendas de café reproduzia 152
Marcos Ferreira de Andrade. Casas de vivenda e morada: estilo de construção e interior das residências da elite escravista sul-mineira – século XIX. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Ser. v.12. p. 91128.jan./dez.2004. Disponível em http://www.doaj.org. Acesso em 11/03/2007.
114 a construção dos engenhos açucareiros do Nordeste. Inicialmente com pouco conforto, de mobiliário rude, as casas das fazendas lembravam aos cronistas-viajantes os castelos feudais da Europa medieval. Com os lucros gerados pelo café, uma febre de reformas e construções tomou conta dos fazendeir os. “Nos salões, o velho mobiliário em que a utilidade e não o adorno, tinha sido a única preocupação misturava-se a sofás estofados em brocados e a bibelôs de porcelana.” 153 Geralmente as casas das fazendas eram construídas
no plano mais alto do terreno, obedecendo a um padrão: muitos quartos, com muitas janelas, extensas áreas de serviço, vastos salões de festa, varandas percorrendo toda a casa e na frente, uma grande escadaria, com vista para o terreiro, de onde se podia fiscalizar o trabalho dos escravos. Construídas em taipa, distante uns 3 metros do solo para evitar a umidade excessiva, eram quase sempre pintadas de branco. Ao lado das casas, havia horta e jardim sempre cultivados com capricho e não raramente, com belos chafarizes e peixes ornamentais. Em cada fazenda não podia deixar de ter as capelas como tradução da religiosidade do proprietário. Em Bananal, destacam-se as capelas das fazendas São Francisco, Bela Vista, Rialto, Alto do Espírito Santo, Antinhas. Foi assim com algumas fazendas da região, como aquela que veio a se tornar um ícone da arquitetura da época: a Fazenda do Resgate. Merece destaque especial nesse trabalho o fazendeiro Manuel de Aguiar Vallim, figura responsável pela manutenção e conservação de duas casas as quais viraram o símbolo da economia e da sociedade cafeeira do século XIX: a Fazenda do Resgate e o Solar dos Vallim, na região urbana de Bananal. Não sabemos ao certo a data de origem da Fazenda do Resgate, e são várias as versões sobre a escolha do nome, sendo a mais divulgada aquela que se referia à operação comercial da compra de escravos. Seriam os resgatados, daí o nome Fazenda Resgate. Os documentos nos afirmam que essas terras eram cabeça de sesmaria do Padre Antônio Fernandes da Cruz e parte de outra fazenda maior chamada Três Barras. Nos apontamentos existentes, consta que o Brigadeiro Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, filho do Visconde de Congonhas do Campo, ofertou as terras da Fazenda como dote de casamento de Alda Rumana de Oliveira Arruda com seu filho, o Coronel Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, ainda no século XVIII. Por volta de 1818, a Fazenda do Resgate foi adquirida por José de Aguiar Toledo, descendente do fidalgo português D. Francisco de Toledo que aportou por aqui nas caravelas, em 1625. 153
Sônia Sant´Ana. Barões e escravos do café : uma história privada do Vale do Paraíba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
115 De construção inspirada nas fazendas mineiras e também nas construções européias, ao longo de sua existência foi várias vezes reformada. De início, uma fazenda na qual a cultura do café dividia espaço com outras culturas como milho, feijão e mandioca, como quase todas as demais da região. 154 Adquirida pela família Aguiar Vallim em 1833, teve sua administração voltada para a plantação e beneficiamento do café, ocasião em que foram construídos pilões, engenhos e tulhas, além do aumento expressivo do número de cativos para dar suporte a toda a necessidade da fazenda. Conforme os costumes da época, os escravos do Resgate não deveriam apenas plantar, eram também utilizados na produção do luxo, que deveria fazer inveja às mais seletas sociedades européias. Na Resgate, 30% dos escravos eram para servir a família Aguiar Vallim. Havia ao todo “[...] 5 caseiros, 13 cozinheiras, 5 pajens, 7 costureiros, 1 alfaiate, 2 amas, 8 mucamas, 1 copeiro, 1 sapateiro, 1 barbeiro, 2 lavadeiras, 1 rendeira, 1 seleiro e 1 hortelão...”155
154
Maria Cecília Winter. Três fazendas cafeeiras paulista do século XIX . Disponível em: www.klepsidra.net. Acesso em 11/06/2007. 155 Hebe de Castro, op. cit. 1995, p. 38.
116 FIGURA 8 – Fazenda Resgate em Bananal
FONTE:
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007
Quarenta e nove serviçais à disposição dos moradores da fazenda, nos leva a acreditar nos registros que apontam muitos momentos de luxo e ostentação: bailes, banquetes, corridas a cavalo, caçadas. Além disso, nessas ocasiões os donos da fazenda, para tentar impressionar os visitantes, faziam doações de roupas novas e outros objetos aos escravos. Tal costume foi relatado por José de Alencar no romance O Tronco do Ipê. A Fazenda do Resgate consumia produtos com fabricação interna; dos gêneros alimentícios ao anil, das ferraduras dos animais aos móveis que decoravam os cômodos; dos tecidos de lã, às linhas de coser. Doutor Jardim era o médico da fazenda, que tinha enfermarias masculina e feminina e Patrício Góes era um arquiteto irlandês, que mais tarde veio a exercer a função de contador da família e, além, é claro, de padre, professor, capelão, boticário, parteiro, colcheiro, marceneiro e tantos outros mais.
117 FIGURA 9 – Salão principal da Fazenda Resgate
FONTE: Hebe de Castro, Op. Cit. 1995.
A sala de entrada da casa, pintada por Villaronga retrata a flora que circundava o local: os pés de café predominavam na decoração, mas aparecem também o milho, o feijão, a cana e a mandioca, cujas folhagens subiam pelas paredes contornando as janelas. No mesmo ambiente, foram retratadas espécies de pássaros brasileiros com a técnica trompe d´oil utilizada pelo pintor para causar efeitos de ótica.
No salão de jantar sua fantasia teve rédea livre: num grande painel, uma gaiola de pássaros solta no espaço domina uma plantação de café, ao pé da qual, de uma caixa-forte aberta jorram torrentes de papel-moeda do Império; no painel ao lado figuram motivos chineses em moda da época, e
118 com boas razões em Bananal, para onde uma imigração daquela nacionalidade fora iniciada na década anterior.156
No salão nobre, predominam as cores vermelha, azul, dourado e branco-marfim. As portas com painéis de pássaros e frutas tropicais. Havia ainda, carrancas representando os sete pecados capitais. A capela construída envolta em luxo e bom gosto, abrigava as cenas da vida religiosa dos moradores da fazenda. Servia tanto aos moradores da casa, aos parentes, amigos e aos escravos.
156
Luiz de Almeida Nogueira Porto. Dos barões do café aos empresários modernos. Diário oficial Leitura, São Paulo, 9 de abril de 1991.
119 FIGURA 10 – Capela da Fazenda Resgate
FONTE: Hebe de Castro, Op. Cit. 1995.
Na capela, o catalão pintou a imagem da natividade em 8 metros de comprimento por 2,12 metros de altura, com nítidas influências de paisagens árabes e ainda, pintou molduras que simulavam portas que dariam para outro cômodo.
120 Mesmo após a morte do Comendador, em 1878, a Fazenda do Resgate manteve seu lugar de destaque por mais algumas décadas, principalmente quando resolveu modernizar as técnicas de plantar e colher café.
Para fazer escoar toda a produção agrícola da
fazenda, um de seus proprietários – Dona. Dominiciana, viúva do Comendador Aguiar Vallim, mandou construir um ramal ferroviário que transportava o café e outros produtos até a Baia da Ribeira, passando pela Serra da Bocaina. A Fazenda do Resgate teve diversos proprietários ao longo de sua existência, até o ano de 1970, quando foi adquirida por Carlos Eduardo Kramer Machado da Silva, responsável por sua restauração. Hoje a fazenda pertence ao empresário carioca Carlos Henrique Ferreira Braga. Em 8 de maio de 1969 foi tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Está localizada a 8 km do centro da cidade na SP – 64. Das propriedades e iniciativas de Vallim que tanto enobreceram a cidade de Bananal, passamos a outros patrimônios igualmente importantes para a compreensão da história da cidade, como as sedes de algumas fazendas ainda conservadas e de imenso valor arquitetônico, histórico e turístico. Entre elas, citamos a Fazenda Três Barras, da qual a Fazenda do Resgate fazia parte, e que recebeu o Príncipe D. Pedro, quando de sua viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, em agosto de 1822.
121 FIGURA 11 – Sede da Fazenda Três Barras, onde pernoitou D. Pedro I, por ocasião da viagem da Independência.
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
Situada na Rodovia dos Tropeiros, a Fazenda Três Barras – cujo proprietário era o Capitão Hilário Gomes Nogueira, e lugar onde o Príncipe D. Pedro I pernoitou do dia 16 para 17 de agosto de 1822, na viagem da Independência, tendo sido uma das primeiras propriedades do Vale a contratar imigrantes para o trabalho na lavoura, tão logo foi proclamada a libertação dos escravos. Está a 6 km do centro da cidade e atualmente transformou-se em hotel fazenda.
122 FIGURA 12 – Fazenda Boa Vista, hoje hotel fazenda.
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007 A Fazenda Boa Vista fazia parte da sesmaria da Água Comprida, no Caminho Novo que ia de Bananal a Angra dos Reis e levou mais de cem anos para ser construída, de 1713 a 1840. A fazenda, antes da cultura de café, teve grande produção de anil e açúcar. Registra-se que na fazenda havia produção de potassa 157
157
extraída da palha de café e por sua
William A. Millett. A potassa era um produto químico, que podia ser usado na indústria de vidros, cerâmica e de sabão. Seu nome vem do inglês pot ash, cinza de potes ou perlassa, de pearl ash, cinza perolada, pelo seu aspecto e cor. Para a obtenção da potassa era necessário queimar as madeiras ou arbustos secos em buracos no chão, até que se formasse uma quantidade suficiente de cinzas. O carbonato de potássio era extraído das cinzas por mistura com água quente em tonéis com fundo falso furado coberto de palha. A solução coada contendo o álcali é evaporada em potes de ferro, formando uma massa marrom, que então era aquecida fortemente em fornos para eliminação dos resíduos de carvão. O produto continha cerca de 70% de carbonato de potássio. Só a Inglaterra em 1760 importava vários milhares de toneladas. A atividade entrou em decadência a partir de 1860, quando as minas de potassa na Alemanha começaram a funcionar. Essa atividade foi muito importante para a economia dos Estados Unidos em seus primeiros anos de independência. Disponível em http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/voxscientiae/william14.html.Acesso em 03/10/2007.
123 qualidade, fazia concorrência aos Estados Unidos da América com a exportação desse produto. A potassa era vendida na Corte por 5$500 a arroba, o que demonstra que o proprietário da fazenda teve significativos lucros com a potassa que produzia. A Fazenda Boa Vista tinha, na segunda metade do século XIX, 700 000 pés de café, 159 animais de tropa e 9 animais de sela, 99 cabeças de gado, 21 bois de carro, 88 carneiros. Embora não haja registros sobre a disposição do mobiliário da casa, nem de sua decoração, sabemos que existiam além do prédio principal da casa, uma enfermaria, uma botica bem aparelhada e bomba de água. Pela suntuosidade dos cômodos, podemos perceber a riqueza de seus ambientes. Com imensa sede, hoje transformada em hotel fazenda, está situada na Rodovia dos Tropeiros e é um dos maiores acervos arquitetônicos de Bananal e do Brasil, do século XVIII. A fazenda pertenceu ao Barão da Boa Vista e nos últimos tempos tem servido de palco para novelas de televisão e também às produções de cinema. Nota-se que os atuais proprietários, embora conservem muito bem o prédio, nada sabem sobre sua origem ou sobre sua história, concentrando a importância do lugar apenas pelo fato de ter sido cenário de grandes produções televisivas, como as novelas D. Beija, Cabocla, Sinhá Moça e minisséries. Os aspectos históricos e culturais poderiam se sobressair, deixando a ocupação como palco de novelas, apenas como ilustração do quanto a fazenda é valorizada pela sua arquitetura e história.
124 FIGURA 13 – Vista da entrada da Fazenda Boa Vista em foto tirada da varanda do prédio.
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007.
Em 1842, por ocasião da Revolução Liberal, essa fazenda recebeu a visita do Duque de Caxias. Podemos perceber que nas laterais do terreno ficavam as 50 senzalas cobertas de telha, casa de engenho de café com máquina para beneficiamento, 3 paióis para armazenamento do produto, 60 lanços de senzala e 7 lanços de paiol de milho, um moinho americano para fubá e outro para arroz, um engenho de cana. À frente, o grande terreiro no qual o café era distribuído para secar, em épocas de pouca chuva e também, lugar de onde a herdeira da fazenda, D. Maria Joaquina de Almeida, viúva do Comendador Luciano, comandava a enorme produção da rubiácea, exercendo seu matriarcado com mão de ferro e, segundo os historiadores, ela fez aumentar consideravelmente a fortuna de sua família.
125 FIGURA 14 – Fazenda dos Coqueiros
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007 Com o sugestivo nome de Fazenda dos Coqueiros, foi construída em 1855 e está localizada a 5 km do centro da cidade, na Rodovia dos Tropeiros, e abriga entre outras curiosidades a antiga senzala, o lavador de café e banheiro típico da época imperial. É uma propriedade cujo dono permite a visitação mediante pequena contribuição. Os visitantes são ciceronados por uma funcionária que descreve os cômodos, a mobília, as louças e todos os outros objetos da casa, com riqueza de detalhes. Quando perguntado a ela quem havia contado tudo aquilo que sabia, sua resposta foi que fora sua patroa quem havia dado todas as informações. Nota-se que muitos dos que fazem parte dessa indústria do turismo histórico, têm dados e informações, mas não sabem analisar, nem discutir o porquê das coisas de que falam, apenas reproduzem frases já amareladas pelo tempo.
126 FIGURA 15 – Pequeno museu da Fazenda dos Coqueiros
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007 Os proprietários da Fazenda dos Coqueiros demonstram grande preocupação com a preservação histórica do lugar. Em todos os cômodos da casa há móveis que datam da origem da fazenda e objetos que pertenceram aos primeiros moradores. Qualquer objeto encontrado no terreno da casa, em pequenas escavações é fruto de análise, na tentativa de saber a origem e utilização. São exemplos disso, alguns objetos que aparecem na figura acima como as panelas e as ferramentas encontradas no terreno da fazenda.
127 FIGURA 16 – Tanque para lavar café do século XIX
FONTE: Foto do autor 10/10/2007 Durante visita à fazenda, tivemos informação de que o tanque para lavar o café, era composto desse que vemos na foto e outro de iguais dimensões que ficava mais abaixo. O recipiente de cima recebia cestos com as cerejas de café. Os grãos considerados bons para o consumo não boiavam e, empurrados pela água, caíam no segundo tanque e se instalavam no fundo, sendo, então, recolhidos pelos escravos e levados ao sol para secar. Os grãos desprezíveis ficam à tona e eram retirados pelos escravos.
128 FIGURA 17 – Fazenda Independência, hoje hotel fazenda.
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007 A Fazenda Independência ganhou esse nome porque, à época da Independência do Brasil, os proprietários eram parentes dos donos da Fazenda Três Barras que hospedou D. Pedro em sua viagem a São Paulo. Essa fazenda foi um desdobramento de sesmaria do Padre Antônio da Cruz. Poderia ser considerada como uma das localidades mais charmosas da região. Exemplarmente conservada, no pavimento inferior foram construídos, no antigo porão da casa, suítes que recebem mais de uma dezena de hóspedes, decoradas com elegante e confortável simplicidade. No pavimento superior, foram mantidos os cômodos da antiga fazenda e também transformados em suítes para hóspedes, decoradas com elegante e confortável luxo. Ao lado da casa, ficava a tulha que hoje foi transformada em cozinha, lugar onde se encontra uma enorme máquina de beneficiamento de café, datada de 1928, o que nos leva a perceber que a região continuou a produzir café por muito tempo ainda, depois do acentuado declínio da atividade cafeeira na cidade.
129 FIGURA 18 – Fazenda da Barra.
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007. De difícil acesso, mas com belíssima vista, a Fazenda da Barra foi construída em 1850, possui amplas salas, quartos e cozinha, todos muito bem conservados, em seus mais de vinte cômodos, com mobília e objetos que guardam o século XIX. Embora esteja situada em terras de São José do Barreiro, essa propriedade pertenceu ao Visconde de São Laurindo e hoje transformou-se em hotel fazenda. Ao ser visitada, o turista recebe a companhia de uma prestativa jovem que acompanha a todos pelos amplos cômodos da casa, mas não conhece nada sobre o lugar, nem os aspectos históricos ou geográficos. Das 81 fazendas de café pertencentes ao território da cidade de Bananal, as mencionadas acima resumem o que foi o ciclo do café, para a região. Existem ainda outras propriedades que estão em bom estado de conservação e uma grande maioria de fazendas não existe mais.
130 3. BANANAL: A VIDA NA CIDADE
Além da Fazenda do Resgate, a família Vallim possuía a casa na cidade de Bananal, destinada a atender a família e proporcionar relacionamentos sociais. FIGURA 19 – Solar Aguiar Vallim
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
Edificado em meados do século XIX, o sobrado evidenciou a riqueza da época. Com características neo-clássicas, como as portas principais em arco pleno e a escada principal em lances simétricos, com dezesseis janelas de frente, foi idealizado pelo Comendador Vallim, e ficava no Largo do Rosário, hoje Praça Rubião Júnior, no centro de todas as atenções da cidade de Bananal. Foi símbolo de vaidade e ostentação que
131 caracterizou a época do café na região. Construído em taipa de pilão 158, foi decorado pelo artista cata lão José Maria Villaronga, chamado de “o pintor da corte do rei café ”.159 O solar da cidade cumpria o papel de vitrine da família tanto para a sociedade bananalense quanto à sociedade fluminense. Era ali que se fizeram belas festas, podendo ser comparadas aos mais requintados bailes da corte. FIGURA 20 – Teatro Santa Cecília, hoje Centro Cultural
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
FONTE: www.bananal.sp.gov.br. Acesso em 12/09/2007.
158
Maria Augusta Justi Pisani. Taipas: a arquitetura da terra . Recebe esta denominação por ser socada (apiloada)
com o auxílio de uma mão de pilão. A forma que sustenta o material durante sua secagem é denominada de taipal, que até hoje significa componentes laterais de formas de madeira. A taipa encontrada no período colonial brasileiro é executada com terra retirada de local próximo à construção devido às dificuldades de transporte e ao volume grande de material. As argilas são escolhidas pelo próprio taipeiro que conhecia de forma empírica as propriedades físicas do material e do componente construtivo, selecionando-a com o tato e visualmente. Disponível em: www.cefetsp.br Acesso em 16/07/2006. 159
Luiz Antonio Nogueira Porto. Diário Oficial de Leitura. Nº 95.
132
O Comendador também era proprietário do teatro Santa Cecília. Bandas vindas do Rio animavam as festas dos Vallim. O teatro recebia companhias do Brasil e do exterior, e teve uma programação agitada durante algumas décadas do século XIX. Hoje abriga o centro Cultural da Cidade, mas nada tem a oferecer ao turista que o visita. Segundo dados de 1872, a cidade de Bananal possuía “[...] mais um lindo theatro,
sob a denominação de Santa Cecília, com duas ordens de camarotes, varanda, espaçosa platea, e um vasto salão na frente, com tres portas e janella envidraçadas, sendo o palco de regular dimensão.”160 Outro patrimônio histórico de Bananal que também teve sua construção incentivada e parcialmente patrocinada pelo Comendador Águia Vallim foi a Estrada de Ferro Ramal Bananalense. Sobre a construção da ferrovia pouco se registrou, mas é certo que tanto hoje quanto no século XIX, a ferrovia é motivo de orgulho não só ao povo de Bananal como a todos os valeparaibanos. Sabemos que em meados de 1870, foi proposta a construção de uma estrada de ferro que ligasse Bananal a Barra Mansa, num trajeto de vinte e oito quilômetros, com o objetivo de possibilitar o escoamento do café, que até então era feito em transporte animal. 161 Apesar do empenho dos engenheiros Manuel Antônio da Silva Reis e Antônio Alves da Silva Sá, somente anos mais tarde é que o governo provincial aprovou o projeto de construção da ferrovia. Bananal se empenhou para que o projeto saísse do papel e os empresários da cidade lutaram para conscientizar a população da urgência e necessidade da construção de um caminho mais moderno, barato e rápido para fazer escoar a produção que muitos achavam que poderia voltar a render as mesmas cifras da década de 1850. A edição do dia 9 de maio de 1874 do jornal Echo Bananalense, comenta sobre a importância da estrada para o município: Temos em vista que para este município chegar ao alto grão de prosperidade que lhe compete, em virtude de sua extrema fertilidade, só lhe falta o meio fácil e barato de transporte de seus gêneros ao mercado.
Um outro comunicado da Câmara Municipal de Bananal, publicado no mesmo jornal em 18 de abril de 1875, convidava os cafeicultores a participarem da Exposição 160
Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p. 234. História do Ramal Bananalense . Arquivos do Instituto de Estudos Valeparaibanos – IEV. Datilografado, s/d. 161
133 Universal que aconteceria nos Estados Unidos da América, a fim de demonstrarem seus produtos produto s e espécimes da indústria nacional, já contando com o advento da ferrovia e como afirma Essus, os bananalenses tinham em mente que “[...] o princípio da civilização no
interior, na próspera região do Vale do Paraíba [estava] completamente calcado na circulação e no consumo do emblema do exterior quer da Corte do Rio de Janeiro ou de países estrangeiros.”
Finalmente, em 1883, foi inaugurado o primeiro trecho da estrada na Estação Rialto. Até o ano de 1887, a obra da estação foi paralisada diversas vezes devido às dificuldades financeiras do governo e da empresa que iniciara as obras. O Comendador Manuel de Aguiar Vallim assumiu a empreitada e deu continuidade ao projeto de construção da estrada de ferro. Em 1887 (ou 1888) os trilhos atingiram a Fazenda Três Barras com trem de carga e de passageiros. As locomotivas foram batizadas de Bela Vista e Resgate, esta última luxuosamente decorada à semelhança dos cômodos da fazenda de mesmo nome, à época propriedade de Aguiar Vallim. Os carros faziam o trajeto de Bananal até Barra Mansa para deixar seus ocupantes mais perto da corte. Neste mesmo ano, é erguida a Estação de Bananal, outro exemplo de riqueza e ostentação da cidade. Em primeiro de janeiro de 1889, o Barão de Almeida Vallim, então presidente da Câmara Municipal de Bananal convida os cidadãos bananalenses para a inauguração do tráfego provisório da Estrada de Ferro até a estação terminal: ...convida a todos seus conterrâneos a comparecerem hoje, ao meio dia, na praça D. Domiciana, para assistirem a inauguração do trafego provisório da E. de Ferro Bananal ate a estação terminal. E com este vem abrir n´este município uma nova era de progresso e engrandecimento, convida a todos os cidadãos bananalenses residentes n´esta cidade a iluminarem e adornarem as frentes de suas habitações para maior realce dos projetados festejos... 162
E assim, a estrada de ferro funcionou até ser definitivamente desativada em primeiro de junho de 1964, depois de passar por muitos revezes em sua existência, e ter sido comprada pelo rico fazendeiro Domingos Moutinho em data não revelada.
162
Ana Maria de Souza Andrade Essus. op. cit.1995, p. 115.
134 Para garantir o efetivo uso da estrada de ferro, o mesmo mesmo Comend Co mendador ador Vallim, arcou com os custos da aquisição de material para a construção de uma estação para receber os trens quando o ramal estivesse totalmente pronto. Para isso, importou da Bélgica um exemplar, que segundo especialistas deve ser único no mundo. Proveniente da firma belga Forges Daiseu, toda sua estrutura foi pré-fabricada naquele país. Num total de 335 m², confeccionada em ferro, com paredes duplas , com colchão de ar, forro e cobertura em placas justapostas, pisos e esquadrias em pinho de riga. De desenho arquitetônico muito simples, composto por uma sala central, para bilheteria e sala de espera e mais dois grandes compartimentos laterais que deveriam ser para armazenamento do café. O acesso ao pavimento superior se dava por uma escada em formato helicoidal. 163 Não há registros sobre sua utilização e movimentação, nem sobre maiores detalhes de sua compra. Hoje é um das maiores atrações turísticas da cidade. FIGURA 21 – Estação de Ferro de Bananal
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007 163
Selso Dal Belo. A Estação de Ferro de Bananal . Apostila do Núcleo de Pesquisa Regional. Instituto de Estudos Valeparaibanos. s/d.
135 Constam nos arquivos da cidade que o Comendador Moutinho, depois de ter assumido a construção da estrada de ferro e com o intuito de resolver o problema da falta de moedas divisionárias nacionais foi autorizado pelo governo federal a cunhar moedas próprias da cidade, com as quais fazia o pagamento aos trabalhadores e fornecedores, inclusive os construtores da estrada de ferro. Há divergências nos documentos que registram a existência dessas moedas. Um deles aponta que houve moedas de vinténs e eram de cobre, prata e ouro; outro afirma que havia apenas três moedas de cobre. Pelas imagens, vemos que a moeda bananalense exibia de um lado a fras e “Agricultura e viação férrea” e “Do Bananal de São Paulo” e do outro lado seguiam, os seguintes valores: Rs 500$00; Rs 1000$00; Rs 2000$00 e em circunferência a inscrição “Propriedade de Domingos Moitinho”. As moedas circularam
nas cidades de Bananal e Barra Mansa sendo aceitas também no Rio de Janeiro, até o ano de 1918. FIGURA 22 – Moedas de circulação em Bananal, no final do século XIX
FONTE: Hebe de Castro, op. cit. 1995.
136
A cidade de Bananal fez erguer durante toda sua vida ligada ao café, outros monumentos históricos como é exemplo, a igreja Bom Jesus do Livramento. FIGURA 23 – Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Livramento
FONTE: Foto do autor 10/10/2007
A Igreja Matriz é o símbolo do início da vida da cidade de Bananal que “[...] t endo sido fundada entre os annos de 1810 a 1815, foi elevada a Freguesia por alvará de 1811, cuja Capella, então em começo, sob a invocação do Senhor Bom Jesus do Livramento , ficou sendo a Matriz com o mesmo orago.” Como c ristãos fervorosos os povoadores da
freguesia logo construíram outras igrejas a fim de adequar os costumes da pequena localidade aos das cidades maiores, e pelos dados da Província de São Paulo, Bananal
137
“[...] além da Matriz, possue mais este município cinco Capellas, sendo
duas, a de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora da Boa-morte, no recinto da Cidade e tres outras no Municipio, sendo uma no bairro da Cachoeirinha, dedicada a Santa Cruz; e duas dedicada a Santo Antonio, uma no bairro denominado Barreiro de Baixo, e outro nos do CapitãoMor e Alambary. Esta ultima é hoje Capella curada, passando a curato por provisão de 19 de Setembro de 1870, teve lugar a sua inauguração a 20 de maio de 1871; seu cura é o padre Brotero Ferreira de Souza Correa.”164
A igreja foi construída em 1811, em estilo colonial, e destacam-se os Doze Apóstolos em madeira que compuseram o cenário do altar do Santíssimo. Na década de 1830, a Irmandade do Senhor Bom Jesus do Livramento de Bananal empreendeu esforços junto ao presidente da Província, à época Rafael Tobias de Aguiar para doação do terreno onde ficava a igreja para que com arrecadação pecuniária da própria Irmandade, fosse construída nova matriz uma vez que a existente estava em ruínas, a ponto de desabar sobre a cabeça dos fiéis. A Irmandade era composta pela elite da vila de Bananal e tinha como principal função zelar pela igreja, daí o empenho junto às autoridades para a construção de novo prédio religioso. A obra da atual Matriz finalizou-se muitos anos depois de iniciada a campanha para sua reconstrução. Sua arquitetura é caracterizada pela simplicidade de planta fechada, possuindo implantação de destaque na principal praça da cidade. É orgulho dos bananalenses e está localizada na Praça Monsenhor Cid França Santos.
164
Antônio José Batista de Luné. op. cit. 1985, p. 234.
138
FIGURA 24 – Igreja Nossa Senhora do Rosário.
FONTE: www.bananal.sp.gov.br. Acesso em 13/10/2007 Em contraposição à Matriz, foi construída a Igreja Nossa Senhora do Rosário, com construção simples, no altar principal a imagem de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e nas laterais as imagens de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora de Lourdes, vindas da Europa para decorar a igreja de Bananal. Segundo a tradição, a igreja Matriz seria destinada a atender a elite da cidade e essa igreja deveria atender a população negra.
139 FIGURA 25 – Pharmacia Imperial, a mais antiga farmácia em funcionamento do Brasil
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
A antiga Pharmacia Imperial foi fundada em 1830 por um boticário francês – Tourin Mosnier, tendo, depois de sucessivos proprietários, chegado às mãos do farmacêutico Ernani Graça, pai do atual proprietário. Está localizada na Rua Manoel de Aguiar, no Centro Histórico, e paga-se a módica quantia de R$ 2,00 para visitar suas dependências que ainda guardam frascos e produtos para a composição dos medicamentos, além, é claro de farto estoque de remédios.
140 FIGURA 26 – Frascos utilizados no século XIX
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007
A foto mostra dois frascos com sais utilizados no século XIX, para fazer a manipulação de remédios. O frasco da esquerda Noz de Cola, vindo de Portugal, é a matéria prima do refrigerante Coca-cola. Entre outras indicações, servia para amenizar dores. O frasco da direita é tintura de ópio, segundo o herdeiro da farmácia, a tampa do vidro revela que ele pertenceu ao século XIX, e era indicado também para dores. FIGURA 27 – Frascos da Drogaria Morse que abastecia a farmácia
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007
141
Não há dados disponíveis sobre a Drogaria Morse, laboratório que abastecia a farmácia, embora no rótulo tenha sido dado o endereço da química, não foi possível localizar nenhum tipo de informação sobre ela. Há inúmeros frascos similares aos apresentados nas figuras nas prateleiras da farmácia, em perfeito estado de conservação. Mostram alguns tipos de tinturas utilizadas na manipulação de remédios. FIGURA 28 – Prateleira da Farmácia Imperial com mais de dois mil frascos do século XIX
FONTE: Foto do autor em 22/10/2007
Pela foto podemos observar a quantidade de sais e tinturas que foram adquiridos pelo proprietário durante as décadas em que Bananal desfrutou da riqueza proporcionada pelo café. Podemos imaginar o quanto era procurada a farmácia, que quase duzentos anos depois ainda mantém um estoque considerável de produtos. Conforme relato de seu atual proprietário, senhor Plínio Graça, na década de 1980, a Fundação Roberto Marinho e o Laboratório Roche realizaram uma pesquisa sobre farmácias no Brasil e deram o título de mais antiga farmácia em funcionamento no Brasil. São mais de 2000 frascos guardados
142 desde sua fundação até a década de 1960, ano em que os mantimentos da farmácia passaram a fazer parte do acervo histórico da cidade. Como já vimos no presente trabalho, apenas algumas cidades do Vale possuíam hospitais, no século XIX. A cidade de Bananal teve o seu, construído em 1851, logo após ter sido elevada à categoria de cidade, a partir da doação de 30:0000$ 165, feita por um filantropo bananalense e sendo descrito como um “[...] e stabelecimento de caridade, sob a denominação de Santa Casa de Misericordia, que esta em exercicio, e muito bons serviços tem prestado á pobreza desvalida. Este pio estabelecimento foi fundado pelo benemerito cidadão Tenente Jose Ferreira Gonçalves já fallecido”166, português que dedicou o hospital
à Santa Izabel de Portugal. Em 1853, uma sessão da Câmara Municipal, registra a doação do Tenente para a construção da Santa Casa e ainda de outras construções como a Igreja da Boa Morte e a igreja Matriz e, ainda, de obras em território fluminense.
165
Manuel Eufrásio de Azevedo Marques. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos da Província de São Paulo. v. 1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. 166 Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p. 234.
143
FIGURA 29 – Santa Casa de Misericórdia de Bananal
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
A construção do hospital obedeceu aos padrões das casas pias da época, tendo duas grandes enfermarias, farmácia, cozinha e sala de espera, além de uma grande área de lazer para os internos. Juntamente ao hospital, foi construído o cemitério da cidade, que se tornou ponto turístico de Bananal e lugar onde muitos moradores visitam o túmulo da matriarca da família Vallim, fazendo devoção a ela, em agradecimento a possíveis graças recebidas por intercessão da bananalense. Mesmo não sendo ela a fundadora da Santa Casa, foi a pessoa mais empenhada no funcionamento da instituição, inclusive deixando considerável soma como herança, após seu falecimento em 1882. Infelizmente na cidade não há registros sobre a construção da câmara mortuária e o patrimônio não recebe nenhum tipo de conservação seja pela família, seja pelo poder público.
144
FIGURA 30 – Túmulo de Maria Joaquina Toledo Sampaio de Almeida
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
A Santa Casa e o Cemitério continuam em funcionamento na cidade de Bananal. Ainda na segunda metade do século XIX, na Praça Rubião Júnior foi construído um chafariz em 1879 e inaugurado em 1º de dezembro de 1880, o qual abastecia a cidade que ainda não contava com extensa rede de água encanada, mas estava em estágio adiantado de canalização de água potável. Com ornamento barroco, feito em ferro fundido foi adquirido da empresa brasileira Fundição Central de Alegria & Cia e encontra-se em perfeito estado de conservação.
145 FIGURA 31 – Chafariz da Praça Rubião Júnior
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007.
O chafariz é um dos pontos da cidade mais apreciados pelos turistas. Podemos observar o quanto a vida urbana foi desenvolvida em Bananal, pois na Praça Rubião Júnior e ao redor dela, se encontravam as construções que ofereciam ao município condições de vida iguais ou melhores que na Corte ou outras capitais.
146 FIGURA 32 – Solar do Comendador Luciano José de Almeida
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
Ainda na região central, em frente à Praça Rubião Júnior, o Solar do Comendador Luciano José de Almeida, foi construído em 1847. Com 13 portas no pavimento superior que se abrem para a praça, entendemos porque a vida nas cidades foi se alterando após a instalação das famílias nas casas urbanas. Esse prédio abriga desde 1928 o Hotel Brasil, famoso como ponto de parada da antiga rodovia Rio – São Paulo, hoje Rodovia dos Tropeiros.
147 FIGURA 33 – Sobrado da Rua Luiz Valiante, conhecido como casa da D. Laurinha
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
Seu primeiro proprietário foi João Magalhães Couto e a construção data de 1811. É uma das mais antigas construções da cidade, tendo sido registrada em desenho por Thomas Ender, em 1817. Tombado pelo Patrimônio Histórico, apresenta janelas e portas lavradas à mão, sacadas com piso de cobre e “muxarabiê” , que é tipo de janela mourisca, na qual as
mulheres poderiam apreciar a paisagem urbana sem serem vistas pelos transeuntes e, a exemplo dos desenhos da Capela da Fazenda do Resgate, mostra a influência árabe em nossa arquitetura. Está localizado ao lado da Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento. Foi recentemente vendido pela bananalense D. Laurinha a empresário de Guaratinguetá.
148 FIGURA 34 – Prédio da Câmara Municipal de Bananal
FONTE: Foto do autor em 10/10/2007
“Possue igualmente um edificio, proprio nacional, que serve de cadea na parte
terrea, e de paço da Camara Municipal, de reunião do jury e do corpo eleitora, na parte superior.”167
167
Antônio José Batista de Luné, op. cit. 1985, p. 234.
149 A grande herança dos filhos e netos dos produtores de café do século XIX, na região Vale do Paraíba e da cidade de Bananal foi o prestígio social conferido pela atividade política e a vida acadêmica. A formação da tradicional elite do Vale do Paraíba, cultivada pela riqueza do café e do tráfico de escravos e alimentada pela mão de obra escrava, tinha um circuito definido que se iniciava na própria região, com preceptores estrangeiros, desenvolvia-se na Corte ou na cidade de São Paulo, aprimorava-se no contato com o exterior e profissionalizava-se na política para a defesa da ordem e interesse da região.168
Além de terem amealhado grande riqueza, tinham também a preocupação com a manutenção do status. Vimos no presente estudo o interesse dos bananalenses pelos registros fotográficos, pela aquisição de obras de arte, pela abertura de escolas e fundação de jornais. Quase todos os filhos das famílias mais abastadas de Bananal e do Vale estudaram no exterior; alguns se tornaram depois ministros, presidentes de província e exerceram outros cargos no poder legislativo.
169
Os descendentes das famílias mais ricas
substituíram o dinheiro pela formação intelectual. Assim, no decorrer do século XX, se sobressaíram no mundo político e acadêmico, como por exemplo, na organização e fundação da Universidade de São Paulo.
168
Ana Maria de Souza Andrade Essus. op. cit. 1995, p. 121. Sheila S. de Castro Faria. Fortuna e família em Bananal no século XIX. In: CASTRO, Hebe, SCHONOOR, Eduardo, (org.) Resgate : uma janela para o oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. 169
150 CONCLUSÃO
Tendo em vista a finalização do presente estudo, que teve como principal objetivo reconstituir a história do Vale do Paraíba, destacando sempre a cidade de Bananal, por meio da interdisciplinaridade, urge fazer algumas considerações acerca de tudo que foi pesquisado. O Vale do Paraíba teve participação singular nos acontecimentos históricos do século XIX os quais, indubitavelmente, trouxeram contribuições à vida do século XXI, especialmente no que se refere às atividades ligadas ao turismo e à cultura. O poder político conferido aos Barões do café, com destaque para os onze títulos recebidos pelos bananalenses, duraram quase cem anos, indo da década de 1820, até o início do século XX, com a primeira eleição do valeparaibano Rodrigues Alves, em 1902. Para o Vale do Paraíba, o século XX foi um período de desconstrução da imagem da região valeparaibana. Muitos fatores contribuíram para isso, entre eles, e com muita força, a caricata figura do Jeca Tatu, descrito por Monteiro Lobato, primeiramente em conto publicado em jornal no ano de 1914 e mais tarde no livro Urupês. Como Lobato foi promotor na cidade de Areias e sendo filho do Vale do Paraíba, logo seu personagem foi associado ao piraquara, que é o habitante que vive às margens do rio Paraíba, ou seja, todos os moradores do Vale. A figura de Jeca já habitava a mente de muitos valeparaibanos letrados porque as crônicas de viagem dos estrangeiros traziam comentários sobre a formação do nosso povo, retratando um tipo de brasileiro com todas as características do personagem de Lobato. Saint-Hilaire, em 1818, percebeu que com sistema de sesmarias do governo português, muitos brasileiros tinham ficado à deriva no processo de colonização do país. Para se obter uma sesmaria era preciso ter fortes ligações com o governo e empreender negociações diversas, práticas desconhecidas do simples homem do campo, que só sabia negociar na feira. A história de Jeca Tatu que foi apresentada ao público por Lobato, era a síntese das leituras de Saint-Hilaire e Zaluar, história que deu ao caboclo um nome, uma casa e uma atividade, que não diríamos profissional, mas de luta pela sobrevivência. O perfil era o mesmo – o nômade, o preguiçoso, o defensor da lei do menor esforço. No entanto, Antônio Cândido, ao analisar o caipira paulista da cidade de Bofete, que tinha os mesmos hábitos do caipira do Vale do Paraíba, explica que o nomadismo dos
151 primeiros habitantes de São Paulo se deveu, em grande parte, a uma espécie de consciência ecológica. Na falta de técnicas apropriadas para equilibrar o uso da terra, a opção era usá-la e depois mudar-se dela para, quem sabe qualquer dia voltar, garantindo assim a alimentação da família, hábito que fez com que nutricionistas do século XX, considerassem a dieta paulista – composta de toicinho, carne de porco, feijão, milho, mandioca, farinha de trigo, peixe salgado, aves e carnes – superior à do restante do país. 170 Daí podemos perceber que à figura lobatiana foram acrescentadas outras características que garantiram a mitificação do Jeca Tatu, como o homem que representava o valeparaibano e, ainda, todos os brasileiros. Outro fator que contribuiu para a formação de imagem negativa da antiga região cafeeira, foi a acentuada migração dos herdeiros dos grandes templos do café para a capital do estado de São Paulo e para outras cidades, como Ribeirão Preto e Campinas. Não tendo mais como arcar com as despesas da fazenda, bastantes fazendeiros venderam as terras, as quais passaram por muitas mãos até encontrarem uma finalidade que garantiria sua própria sustentabilidade, que foi justamente o turismo. Além disso, muitos migrantes, não tendo mais a riqueza material, se inseriram em atividades de cunho acadêmico, e nas últimas décadas, muitos fizeram da própria atividade um retorno às suas origens. Mas a consciência dos valores históricos da região somente foi semeada nas últimas décadas do século XX. A passagem da imagem das cidades mortas para o Vale Histórico como pólo de história, turismo e cultura foi a partir da reconstrução da memória valeparaibana através de iniciativas de instituições universitárias como o Instituto de Estudos Valeparaibanos, na cidade de Lorena, o Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá, o Museu Major Novaes, na cidade de Cruzeiro, e outros órgãos, instituições e historiadores como os que já foram citados na introdução desse estudo, que empreenderam esforços no resgate da memória imaterial do vale. Não apenas as instituições, mas quase todas as pessoas do Vale têm dado contribuições importantes para a retomada dos valores culturais, adquiridos por meio da atividade cafeeira do século XIX, para recolocar a região em lugar de destaque no cenário nacional. No que diz respeito especificamente a Bananal que está situada na ponta do Vale Histórico, a cidade nunca perdeu a consciência histórica de que falamos. Apenas em meio a tantos jecas e itaocas lobatianas, a cidade tinha certa reserva em relação à demonstração
170
Antônio Cândido. op. cit. 2001.
152 de seus valores e opiniões, fato que fez com que os munícipes se apropriassem timidamente da história do lugar. Quando fazemos visita à cidade, encontramos poucas pessoas que conhecem a história do lugar, ou conhecendo, ainda não se sentem à vontade para dela se orgulhar, com receio de que a idéia das cidades mortas se sobreponha à idéia contemporânea do valor histórico da região. Também encontramos poucos registros arquivados na cidade, e quase nenhum que traga dados novos, diferentes daqueles abordados pelos primeiros historiadores como Daniel Pedro Muller, Azevedo Marques e Afonso de E. Taunay ou os cronistas de viagem de quem já falamos. Certamente a cidade de Bananal, dentre as tantas cidades que se sobressaíram a partir do café, foi a que teve seu aspecto urbano mais desenvolvido como ficou provado várias vezes nessa pesquisa. O fato de Bananal ter tido vida urbana crescente e agitada, durante as décadas em que o café preponderou na cidade, fez com que os costumes citadinos impregnassem a cidade de uma cultura diferenciada das demais. O gosto pelas obras de arte que se fizeram presentes nas paredes das casas e fazendas, especialmente aquelas que saíram das penas de Villaronga, a afinidade da cidade com as artes cênicas, traduzidas nas apresentações do Teatro Santa Cecília, o gosto pela música erudita presente nas diversas organizações musicais que existiram ao longo do ciclo do café, o interesse perpétuo pela educação de boa qualidade, haja vista o grande número de escolas que a cidade teve em sua fase de maior riqueza, a certeza de que uma cidade sem imprensa calaria a população e deteria as informações nas mãos de uma minoria, daí a existência de inúmeros jornais ao longo da história da cidade, tudo isso acabou se transformando em herança para as gerações que vieram nos séculos posteriores. Sem dúvida nenhuma, o café aquilatou a vida dos bananalenses de forma singular. As demais cidades da região não tiveram a mesma sorte. Outro fator chama a atenção de quem tem contato com os bananalenses: eles, sem mesmo saber da importância histórica da cidade, sempre agiram como se soubessem. Explico melhor: em determinados segmentos sociais como a educação, por exemplo, poderíamos classificar como modernas ou até mesmo de vanguarda, as metodologias usadas nas escolas da cidade. Quando na década de 1990, começou a disseminação de novos métodos para o sucesso da aprendizagem dos alunos, muitas dessas propostas já eram exitosas, porque cotidianamente utilizadas por professores de Bananal. É fato inconteste na região que os bananalenses quando chamados, sempre se destacam naquilo que se propõem a fazer.
153 Por outro lado, pensamos que se a questão agrária tivesse sido tratada, tendo em vista a efemeridade que a caracterizou, a cidade poderia ter tido outras oportunidades de desenvolvimento como essa que agora chega com o século XXI. A utilização das terras continua comprometida. Para que qualquer grande empreendimento agrário desse certo depois do café, seria necessário fazer a compostagem do solo para que novos produtos fossem cultivados em grande escala na cidade. A opção pela pecuária talvez tenha sido a mais acertada para a utilização das terras, já que a agricultura não se mostrava mais adequada. Ainda assim, seria preciso fazer um reflorestamento na área rural da cidade, uma vez que, quando se chega a Bananal, seja por qual caminho for, é lamentável a vista da paisagem com grandes áreas de erosão e ar de abandono. Da mesma forma que muitos turistas se encantam com a cidade, passando a fazer dela ponto obrigatório em período de férias, outros vão esperando um grande centro turístico com infra-estrutura hoteleira e de lazer, cidade bem desenvolvida e se decepcionam por não encontrarem o casario preservado e as estradas de acesso em perfeitas condições. Algumas reclamações de turistas são procedentes como aquelas que versam sobre a falta de preservação dos bens materiais da cidade, ou a falta de consciência histórica da grande maioria dos moradores. Outras, porém, são de caráter estritamente pessoal como a queixa de que as ruas da cidade poderiam ser asfaltadas. Esquecem os turistas que a preservação do centro histórico não contempla a remodelação do calçamento das ruas, a exemplo do que fizeram as cidades históricas de Minas Gerais que ainda preservam as ruas e calçadas, além disso, o clima quente e úmido traria sensação de calor ainda maior com ruas asfaltadas. Hoje há bons restaurantes na cidade, mas ainda não existe uma coerência quando se trata da comida típica da região, o que faz com que sejam servidos pratos que encontramos em qualquer restaurante do país. Além disso, como já apontamos, se a população soubesse da sua história, conhecesse o valor de seu passado e se preocupasse com a preservação da parte histórica da cidade, tudo isso poderia levar Bananal a ser um roteiro turístico como Tiradentes, Mariana e Ouro Preto. Essas cidades que encontraram sua vocação há muito tempo, entenderam o sentido de memória e por isso sobrepujaram o passado e passaram a viver dele. A partir da reconstituição da história da cidade de Bananal e a compreensão da sociedade oitocentista no Vale do Paraíba, esperamos ter contribuído para o resgate dos valores que a cultura do café imprimiu à cidade e em seus moradores.
154 Falta agora, não ter vergonha de falar, de orgulhar-se, de exigir das autoridades o compromisso para com a memória da cidade. Uma cidade que chegou a ter, apenas entre 1850 e 1880, dozes escolas particulares, bandas de música, teatro, sua própria moeda e estrada de ferro não pode ignorar seu valor. Quando Croce foi citado na epígrafe desse trabalho, tínhamos como meta encarar o passado de frente para entendê-lo melhor e fazer de sua análise a premissa de uma nova forma de enxergar a história do Vale do Paraíba, em especial da cidade de Bananal.
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