MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. 1 Segunda Parte: Ensaio sobre a dádiva
Neste texto, t exto, publicado pela primeira vez, em 1924, e considerado, ainda nos dias d ias atuais, a tuais, um marco nos estudos sociológicos, Marcel Mauss analisa o fenômeno das trocas, da dádiva entre os povos australianos que estudou. Mauss nunca fez pesquisa de campo. Sua produção consiste de análises de trabalhos monográficos produzidos pela Antropologia Social inglesa. Mauss era sobrinho de Durkheim e foi professor de Lévi-Strauss e Roger Bastide entre outros, no curso que formou os primeiros p rimeiros etnólogos da 2 antropologia francesa . Mauss influenciou tanto etnógrafos quanto psicólogos, linguistas, estudiosos da religião. Segundo Lévi-Strauss, a noção de fato social total foi introduzida pela obra de Mauss que está sendo objeto deste fichamento. (LÉVI-STRAUSS, (LÉVI-STRAUSS, 2003). Mauss foi o primeiro etnólogo a “transcender a observação empírica e atingir realidades mais profundas. [...]. Pela primeira vez, o social cessa de pertencer ao domínio da qualidade pura — anedota, anedota, curiosidade, matéria de descrição moralizante ou de comparação erudita — e e torna-se um sistema, entre cujas partes pode-se descobrir, portanto, conexões, equivalências e solidariedades ” (LÉVI-STRAUSS,
2003). Este trabalho é parte de uma pesquisa maior que Mauss desenvolve sobre o regime de direito contratual e o que o autor nomeia como “sistema das prestações econômicas” entre os gru pos que compõe as “sociedades ditas primitivas”. Mauss estudou o sistema de trocas presentes na cerimônia do Kula – índios índios da Polinéisa – e e dos potlatch – índios índios do noroeste norte-americano. " Nesses fenômenos sociais totais [...] exprimem-se [...] as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais [...] econômicas [...] sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e fenômenos morfológicos que estas instituições manifestam” (p. 187).
Embora ainda não existisse a moeda, de certo modo, existia um mercado. “[...] os fenômenos de troca e de contrato nessas sociedades que são, não privadas de mercados econômicos [...] mas diferente do nosso [...] veremos o mercado antes da instituição dos mercadores e antes de sua principal invenção, a moeda propriamente dita [...]” (p. 188).
Neste trabalho, Mauss analisa o que considera a característica mais marcante dentro deste sistema de prestações: "o caráter voluntário [...] livre e gratuito e, no entanto, obrigatório e interessado dessas prestações" (p. 188). É uma economia natural e social. [...] “não são indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrário são pessoas morais: clãs, tribos, famílias que se enfrentam e se opõem, seja em grupos frente a frente, seja por intermédio de seus chefes, seja ainda dessas duas maneiras ao mesmo tempo” (p. 190). O que é trocado “não são exclusivamente bens e riqueza, bens móveis e imóveis, coisas uteis economicamente. São, antes de tudo, amabilidades, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras [...] dos quais o mercado é apenas um dos momentos e nos quais a circulação de riqueza é apenas um dos termos de um contrato mais geral e bem b em mais permanente” (p. 191).
Todos os bens trocados tem um hau, um poder espiritual – o o hau da dádiva. Você me dá, eu dou a um terceiro, este me retribui com outro. Eu sou obrigado a dar porque devo devolver. “O hau acompanha não apenas o primeiro donatário [...] mas todo individuo ao qual o taonga é simplesmente transmitido. No fundo, é o hau que quer voltar ao lugar de seu nascimento. nascimento. [...] ele se prende a essa série de usuários, até que estes retribuam com seus próprios taonga, suas propriedades ou então seu trabalho ou comercio, através de banquetes, festas, presentes [...]. Eis a ideia dominante [...] a circulação obrigatória das riquezas, tributos e dádivas” (p.. 199-200).
Dar algo a alguém é dar algo de si. Aceitar algo de alguém é aceitar algo de sua essência espiritual, de sua alma. A conservação desta coisa seria perigosa, mortal e ilícita. “A coisa dada não é uma coisa inerte” (p. 200).
1
Fichamento elaborado por Marcia Dias para a disciplina Teorias Clássicas do PPGCS-UFRRJ. Abril/2015. Informações disponíveis em < http://www.antropologia.com.br/comu/colab/c13-release_mmauss.pdf> http://www.antropologia.com.br/comu/colab/c13-release_mmauss.pdf>.. Acesso em 04/04/2015. 2
1
“Em direito maori, o vínculo de direito, vínculo pelas coisas é um vínculo de almas. A própria coisa tem uma alma, é alma. Dar algo a alguém é dar algo de si. Aceitar algo de alguém, é aceitar algo de sua essência espiritual, de sua alma. A conservação desta coisa seria perigosa, mortal e ilícita. A coisa dada não é uma coisa inerte” (p. 200). “A prestação total implica a obrigação de retribuir, de d ar, de receber.” (p. 201).
Segundo Mauss, a palavra KULA quer dizer CÍRCULO. O kula - é como se todas as tribos, expedições marítimas, objetos de uso, alimentos e festas, rituais, serviços sexuais, homens e mulheres fossem pegos dentro de um círculo e seguissem ao redor desse círculo tanto no tempo como no espaço, um movimento regular. O kula é uma espécie de grande potlatch, veiculando um grande comércio intertribal e intratribal. Nesta etnografia, Mauss faz uma análise estrutural das sociedades ditas primitivas do noroeste americano, Polinésia e Melanésia, pois segundo Mauss, “o princípio e o fim da sociologia é perceber o grupo inteiro e seu comportamento inteiro” (p. 312). Mauss pretende mostrar que o comportamento humano, a vida social é passível de ser estudada. Estudos sobre a ciência dos costumes, conclusões moral, de civilidade, de civilismo. Estes estudos permitem entrever, medir, ponderar as diversas motivações estéticas, morais, religiosas, econômicas, os diversos fatores materiais e demográficos cuja direção é a Política, no sentido socrático da palavra.
As dádivas descritas por Mauss, mais que um costume, consiste num sistema de trocas que perpassa toda a estrutura de relações sociais. O sistema de prestações totais adotado pelos australianos e pelos índios norte americanos baseiam-se no voluntariado e, concomitantemente, na obrigatoriedade. É um sistema de coesão e coerção. Aparentemente voluntario, o que, a princípio mostra a autonomia do individuo, após um estudo mais aprofundado revela-se coercitivo, pois pressupõe a obrigação em dar, receber e retribuir. O sistema de trocas, de dádivas que assume o nome de kula, potlatch e outras variáveis dependendo do círculo social ao qual se refira, revela por um lado, a liberdade, a vontade, o voluntariado em dar – presentes, filhos, mulheres, talismãs – mas por outro revela a obrigatoriedade em receber e retribuir as dádivas. Esta é uma regra social que, em algum momento e tempo específico foi criada por um coletivo de indivíduos com o propósito de manter a coesão entre os grupos, mas ao pressupor a obrigatoriedade, o kula torna-se um sistema coercitivo. No caso da dádiva, esta obrigação não é do individuo, mas da coletividade – tribos, aldeias, famílias. A recusa em aderir ao sistema de prestações totais pode culminar até em guerra. Existe uma obrigatoriedade absoluta de retribuir as dádivas, sob pena de perder o maná, esse talismã, fonte de riqueza que á a própria autoridade. O sistema de dádivas ou sistema de prestações totais trazem em si os elementos da honra e do crédito. É uma honra dar. Ao dar se honra o outro é se é honrado, pois no ato de dar é revelada a riqueza de quem deu. Ao mesmo tempo, o dar pode ser um meio de humilhar o outro grupo, de mostrar o quanto se é mais rico. Concomitantemente, este sistema traz consigo o elemento crédito. Ao dar, adquire-se a certeza de que também irá receber dádivas ainda maiores e mais valiosas, pois o kula pressupõe a contrapartida com juros. Quem dá sempre receberá mais do que deu. Em algumas aldeias, a dádiva é a doação de um filho (bem uterino) à família da mãe. Como retribuição, o filho adotivo torna-se herdeiros dos pais adotivos. Nos dias atuais e nas sociedades ocidentais, a previdência social pode ser interpretada como uma dádiva. O individuo doa sua força de trabalho ao patrão e a coletividade. Estes, na forma do Estado, retribuem garantindo a subsistência deste indivíduo durante a velhice e casos de doença ou desemprego.
Bibliografia:
LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac Naif, 2003. p. 11-45. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In: Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac Naif, 2003. p. 183-314. 2