CINEMA surrealista
“Cara imaginação, o que eu amo, sobretudo em você, é que você não perdoa”. André Breton
CINEMA surrealista
Abraão Coutinho Bianca Trancoso Fernando Barbosa Luigi Pinheiro Mariana Costa
Índice
Surrealismo
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Cinema Surrealista
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Cineasta Luis Buñuel
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Filme Um Cão Andaluz
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Roteiro do lme
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Pôster
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Reerências bibliográcas
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o Surrealismo
Paris, anos 20. Até então os movimentos de vanguarda manifestaram a consciência desagregadora que agitava a época da guerra. Os expressionistas haviam promovido manifestações subjetivas e psicológicas da criação humana, influenciando novos desdobramentos motivados pelo sentido de construção e organização que subiam dos escombros da grande gr ande guerra. Baseados nessas idéias, André Breton , juntamente com Louis Aragon e Philippe Soupault, escritores e poetas ranceses, undam a revista Littérature, em 1919, publicando seus pensamentos e maniestos claramente contrários à guerra. No ano de 1921, Breton passou a rivalizar com Tristan Tzara, líder de um grupo de escritores e artistas alemães, pela direção do movimento dadaísta, iniciado em Zurique, 1916, e alastrado em pouco tempo para outras cidades, inclusive Paris. O ceticismo absoluto e improvisação, o ilógico e absurdo eram características do movimento. É niilista (alta de sentimentos baseada na análise racional), arte experimentalista, espontânea, trabalha o acaso. Apesar da aparente alta de sentido, protestava contra contra a loucura da guerra. Assim, sua estratégia era e ra mesmo denunciar e escandalizar. Devido a divergências com Tzara, Breton desliga-se do movimento, o que causou o enraquecimento do dadaísmo e ortalecimento de seu grupo. Esse grupo, que estudava Freud e azia experiências com o sonho e com o sono hipnótico, procurou superar o sentido de grupo destinado apenas à divulgação de suas idéias para se transormar numa equipe de estudos e experimentações psicanalíticas. Ao niilismo dadaísta opunham agora o conhecimento total do homem, para o que tanto a poesia quanto a pintura não passavam de meios de investigação que lhes 5
permitiam, como cientistas, explorar o inconsciente, o sonho, o maravilhoso. Assim, o grupo oi se organizando como rente única de pesquisas, contando com poetas e pintores, dentre os quais Aragon, Soupault, Artaud, Crevel, Desnos, Eluard, Prèvert e Vitrac, cheados por Breton, que em 1924 lançaria o primeiro maniesto denindo anal as diretrizes desse grande movimento cultural, chamado surrealismo. Depois de 1924 segue uma ase de declarações e descobertas surrealistas. A partir do maniesto, os surrealistas buscavam a emancipação total do homem, ora de valores burgueses como lógica ló gica e razão, inteligência crítica, amília, amíli a, pátria, moral e religião – o homem livre de suas relações psicológicas e culturais. Idéias de bom gosto e decoro deviam ser subvertidas. A tentativa era a de descobrir o homem primitivo, ainda não maculado pela sociedade; daí a recorrência ao ocultismo, à magia, à alquimia medieval. O desenvolvimento da psicologia e a descoberta do método psicanalítico da escrita automática e do pensamento alado, bem como a exploração do inconsciente, as narrações dos sonhos, as experiências com o sono hipnótico, a contra lógica e um pouco de humor são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. Houve a ase de conscientização política, na qual as idéias de Marx zeram enatizar a inclinação comunista do movimento. Agora, o grupo desejava levar a poesia à ação: de método de investigação do inconsciente a um instrumento de agitação social, refetindo ecos da revolução comunista de 1917. Breton ligava o movimento das artes à atividade revolucionária, coisa com a qual alguns indivíduos do grupo não concordavam, motivando a partilha do surrealismo entre comunistas e não-comunistas. Em 1930 Breton publica o segundo maniesto do surrealismo, a partir do qual se verica a preocupação com o materialismo marxista e a desagregação progressiva e cada vez mais grave do grupo surrealista. Apesar de contar agora com a internacionalização do movimento conquistando países da Europa e Américas, e com a adesão de outros nomes como os pintores espanhóis Pablo Picasso, Juan Miró e Salvador Dali, ou ainda o cineasta Luis Buñuel, Breton perdia a maior parte de seus antigos companheiros. Mais tarde, após retornar da viagem dos Estados Unidos, em 1946, Breton buscou reeditar seus maniestos com o intuito de rearmar o seu protesto contra a exploração do homem pelo homem e pelas religiões, pregando um novo mito social, alando de seres superiores, em telepatia, cosmos e certas ormas de premonição. Assim como depois da Primeira Guerra Mundial, Breton tentava depois da Segunda abrir outros campos de especulações, mas o movimento do surrealismo havia passado e as palavras de Breton se perdiam 6
dentro da nova corrente losóca emergente chamada existencialismo. O surrealismo oi descrito como “uma losoa que exprime uma nova concepção do mundo e busca a posse do segredo do universo” (Michel Carrouges). Os adeptos do movimento estabeleceram estabele ceram o contato entre poesia e ciência elevado à categoria categoria mágica, mágica , em que a poesia se transormava em instrumento da ciência e vice-versa, em que a escrita automática, a telepatia, o esoterismo, os campos de exploração mental se transormaram nos grandes motivos dos artistas surrealistas. Como movimento visual tinha encontrado um método: expor a verdade psicológica ao despir objetos ordinários de sua signicância normal, a m de criar uma imagem que ia além da organização ormal.
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o Cinema Surrealista
No início das décadas de 1920 e 1930 duas tendências se confrontavam no cinema, sendo uma chamada de cinema gráfico gr áfico e a outra de cinema subjet ivo. A primeira possuía uma relação direta com a linguagem pictórica, da busca pela construção de um texto visual. Esta tendência repudiava o modo que a otograa acilmente representava as coisas do mundo e, propendendo à recursos retóricos explícitos, utilizava de eeitos especiais assim como propunha experiências sinestésicas que se utilizavam de cores, sons, etc. Já a outra vertente, a chamada de cinema subjetivo, evitava a utilização de tais recursos e não repudiava a otograa. Procurava criar representações por retóricas implícitas, a imagem otográca era usada para construção de metáoras, assim como a montagem era usada para produzir no espectador uma visão não amiliar do mundo. Sua intenção era garantir deste modo a estruturação de mensagens com sentidos polivalentes. É neste contexto que o cinema surrealista dene suas principais características. Os surrealistas pouco se interessavam pelos lmes grácos ou abstratos, como também pouco se importavam com a técnica, os jogos de luz e sombra, a montagem rítmica e outras preocupações dos cinemas da época. Estruturavam seus lmes de orma não-linear, mostravam uma realidade para incutir estranhamento, em uma outra perspectiva, algumas vezes cruel. O oco estava na mensagem, não para que osse captada diretamente, mas que o leitor construísse leituras em seu subconsciente. A estética estava na não-preocupação com estética e outras racionalidades, que eram tidas como irrelevantes pelos surrealistas. 8
Acreditavam que limitar a representação das coisas aos moldes da consciência era restringir de maneira intolerável a liberdade. Em seus lmes, emergiam imagens reprimidas e traumas de diversos tipos, trabalhavam o inconsciente de orma automatista consciente. Não procurando narrar especicamente um sonho, apesar de se aproveitarem de um mecanismo análogo ao dos sonhos. André Breton opunha-se a repressões e outras amarras da sociedade, indo contra, principalmente, o modo conservador de signicação de signos impostos pela sociedade. Em seu primeiro maniesto surrealista critica os lugares-comuns, a mania reducionista de tornar o desconhecido em conhecido, mostrando, pela psicanálise Freudiana, que o sonho é uma parte psíquica considerável que não poderia ser ignorada como estava sendo. A partir par tir disto, gera quatro parágraos de refexão acerca disto: 1º) O sonho é contínuo e possui traços de organização. Porém, a memória az cortes, não leva em conta as transições; 2º) O estado de vigília, que é uma interrupção do sono, causa uma estranha tendência à desorientação; 3º) O espírito humano se satisaz plenamente durante o sonho, é inapreciável temos acilidade a tudo; 4º) Por m, Breton acredita que a resolução destes dois estados, o sonho e a realidade, possam ser resolvidos numa espécie de realidade absoluta, que ele denomina como surrealidade. Partindo de tais preceitos, analisamos que o lme surrealista demonstra claramente esta incerteza entre o sonho e a realidade.
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o Cineasta Luis Buñuel
Luis Buñuel nasceu na Espanha numa família abastada. Estudou durante a infância e a pré-adole pré-adolescência scência num colégio de jesuítas, mas, com o passar do tempo, virou ateu e expulsaram-no da escola. Em 1917 oi estudar em Madri, na Residencia de Estudiantes , onde entrou em contato com as vanguardas artísticas da época, como cubismo, dadaísmo e surrealismo, além de conhecer Federico Garcia Lorca e o próprio Salvador Dalí, com quem trabalharia anos mais tarde no curta Un Chien Andalou. Tinha contato com o cinema na Espanha quando undou, em 1920, o primeiro cineclube espanhol. Porém, oi em Paris quando estudou e trabalhou com o cinema, em 1925. Em 1929 escreve em parceria com Salvador Dalí o roteiro do lme Un Chien Andalou , que é considerado um ataque a Federico García Lorca devido a sua homossexualidade da qual Buñuel possuía aversão. É importante ressaltar que com essa obra tanto Buñuel quando Dalí passaram a participar do grupo surrealista de André Breton. Pouco tempo depois ele realiza o lme L’Âge d’Or, que conta com a participação de Dalí no início do roteiro. Buñuel volta para Espanha depois da proclamação da República e lma o documentário Las Hurdes Tierra Sin Pan (Terra sem pão), que trata sobre o dia-a-dia da aldeia Extremadura, localizada na Espanha. O governo vigente da época proibiu a obra, alegando que passava uma imagem negativa do país. Com o começo da Guerra Civil Espanhola emigrou para os Estados Unidos, onde trabalhou no Museu de Arte Moderna. Morou também no México por alguns 10
anos onde realizou praticamente um lme por ano. Foram oito lmes em oito anos. Devido ao sucesso de seus lmes oi convidado pelo General Franco, que comandava a Espanha, para retornar ao seus país de origem e azer um lme nanciado pelo estado. Buñuel lma Viridiana, um lme ortemente anti-católico que posteriormente a sua exibição oi proibido pelo governo espanhol e ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Realizou seus últimos lmes na França, que mesmo chocando a sociedade aziam sucessos de bilheteria como Belle de Jour, Le charme discret de la bourgeoisie e Le fantôme de la liberté . Parou de lmar em 1976 devido a problemas de saúde e em 1983 publicou sua autobiograa Mon Dernier Soupir . Morreu no dia 29 de julho de 1983 na Cidade do México aos 83 anos de idade.
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o Filme Um Cão Andaluz
O filme foi filmado em apenas 15 d ias e teve sua estréia em seis de junho, perante um público extremamente elitista francês. A partir daquela sessão Un Chien Andalou foi considerado um filme polêmico, com suas cenas de cunho violento e anticlerical. Representou uma violenta reação contra o cinema de vanguarda que, preocupado com a montagem rítmica e a pesquisa técnica, por vezes exibia um estado de espírito pereitamente convencional e barato. No lme a posição tomada pelo produtor-diretor oi puramente moral-poética, assumindo um comportamento antiplástico e antiartístico, tendo como objetivo despertar no espectador reações de atração e repulsa. A concepção surrealista da trama é evidenciada pela motivação psíquica consciente dos personagens e o uso de imagem poética como arma para derrubar a representação convencional da natureza das relações humanas, da mesma orma que o lme instiga e ataca o espectador azendo-o enxergar os desejos relegados ao estado antástico dos sonhos. Permeados ao discurso não linear, está incutido um descrédito, assumido pelo autor, às instituições burguesas e religiosas categoricamente cercadas de ações misteriosas e inexplicáveis.
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o Roteiro do Filme Era uma vez... Um balcão de noite. Um homem afia sua navalha junto do balcão. O homem olha o céu através dos vidros e vê... Uma nuvem clara avançando para a lua cheia. Depois, uma cabeça de moça, de olhos arregalados. A lâmina da navalha dirige-se para um dos olhos dela. Agora a nuvem passa pela lua. A lâmina da navalha atravessa o olho d a moça, seccionando-o. Oito anos depois.
Uma rua deserta. Chove. Uma personagem, vestida com uma roupa cinza escura, esc ura, aparece de bicicleta. Tem a cabeça, as costas e a cintura envoltas em panos brancos. Em seu peito está presa, por correias, uma caixa retangular, listrada em diagonal de preto e branco. A personagem pedala maquinalmente, o guidão livre, as mãos pousadas nos joelhos. A personagem vista de costas até as ancas em P.A., P.A., superimpressão no sentido longitudinal da rua na qual ele circula de costas para a câmara. A personagem avança até à câmara até que a caixa listrada esteja em primeiro plano. Um quarto qualquer num terceiro andar dessa rua. No meio está sentada uma moça vestida com uma roupa de cores vivas, que lê atentamente um livro. De repente estremece, escuta com curiosidade e aasta o livro atirando-o sobre um divã próximo. O livro cai aberto. Numa das páginas, pág inas, vê-se uma reprodução de A Rendeira, de Vermeer. A moça está agora convencida de que alguma coisa está acontecendo: levanta-se, dá meia-volta e vai à janela com passo rápido. 13
A personagem de há pouco acaba de parar, em baixo, na rua. Sem opor a menor resistência, por inércia, cai na sarjeta com a bicicleta, bicic leta, no meio de um monte de lama. Gesto de cólera, de rancor, da moça que se precipita para as escadas para ir à rua. Primeiro plano da personagem caída no chão, sem nenhuma expressão, na posição idêntica à do momento da queda. A moça sai de casa, casa , correndo para o ciclista e o beija bei ja reneticamente na boca, nos olhos, no nariz. A chuva aumenta a ponto de azer desaparecer a cena precedente. Fusão com caixa, cujas listras oblíquas superpõem-se às da chuva. Mãos contendo uma pequena chave abrem a caixa, da qual retiram uma gravata embrulhada em papel de seda. É preciso considerar que a chuva, a caixa, o papel de seda e a gravata devem ter listras oblíquas, apenas variando o tamanho delas. O mesmo quarto. Em pé junto à cama está a moça que contempla os acessórios usados pela personagem - panos, caixa e colarinho duro com gravata osca e lisa -, tudo disposto com se esses objetos estivessem sendo usados por uma pessoa deitada na cama. A moça nalmente decide-se a pegar o colarinho, do qual retira a gravata lisa para substituí-la pela listrada, que ela tirou ti rou da caixa. Coloca-a no mesmo lugar e depois senta-se junto à cama, na atitude de uma pessoa que vela um morto. (Nota: a cama, isto é, a colcha e o travesseiro, estão levemente amarrotados e aundados como se realmente um corpo humano ali estivesse.) A mulher tem a sensação de que alguém está por trás dela e voltase para ver quem é. Sem o menor espanto, vê a personagem, desta vez sem nenhum acessório, que olha com grande atenção qualquer coisa em sua mão direita. Há muita angústia ang ústia nessa grande atenção. A mulher aproxima-se e olha por sua vez o que ele tem na mão. Grande Plano da mão, no centro da qual agitam-se ormigas que saem de um buraco escuro. Nenhuma delas cai. Fusão com pêlos axilares de uma moça deitada na areia ensolarada de uma praia. Fusão com um ouriço do mar, cujos espinhos móveis oscilam levemente. Fusão com a cabeça de uma outra moça, tomada em plongé muito violento e cercado pela íris. A íris abre-se e mostra que essa moça está no meio de um grupo de pessoas que procura orçar o círculo eito por policiais. No centro do círculo, a moça tenta apanhar, com uma bengala, uma mão cortada, de unhas pintadas, que está no chão. Um dos polícias aproxima-se dela e a repreende severamente, abaixa-se e apanha a mão, que embrulha cuidadosamente e põe na caixa do ciclista. Entrega tudo à moça, cumprimentando-a militarmente enquanto ela agradece. É preciso notar que, no momento em que o polícia lhe dá a caixa, ela está invadida por uma emoção extraordinária, que a isola 14
completamente de tudo. Ela está como que subjugada pelos ecos de uma longínqua música religiosa: talvez uma música ouvida em sua mais tenra inância. O público, satiseita a curiosidade, começa a se dispersar em todas direções. Essa cena é vista pelas personagens que deixamos no quarto do terceiro andar. Vêmo-las através dos vidros do balcão, de onde se pode ver o m da cena acima descrita. Quando o agente entrega a caixa à moça, as duas personagens do balcão parecem, também elas, invadidas pela mesma emoção, emoção que chega até às lágrilágr imas. Suas cabeças balançam como se seguissem o ritmo daquela música impalpável. A personagem olha a moça e az-lhe um gesto que parece signicar: “Viste? Não te disse?”. Ela olha novamente na rua a moça que agora está só, como que pregada no chão, em estado de inibição absoluta. absoluta . Passam autos em velocidades vertiginosas. De repente, um deles passa por cima dela, mutilando-a terrivelmente. Então, com a decisão de um homem em plena posse de suas aculdades, a personagem aproxima-se da moça e, depois de tê-la olhado lascivamente dentro dos olhos, apalpa-lhe os seios através da roupa. Grande Plano das mãos lascivas sobre os seios. Estes emergem da roupa. Vê-se então uma terrível expressão de angústia, quase mortal, refetir-se nas eições da personagem. Uma baba sanguinolenta escorre-lhe da boca sobre o peito nu da moça. Os seios desaparecem para se transormar em nádegas que continuam a ser apalpadas pela personagem. A expressão deste muda. Seus olhos brilham de maldade e de luxúria. Sua boca, boca , escancarada, echa-se, minúscula, em orma de esíncter. A moça recua para dentro do quarto, seguida pela personagem sempre na mesma atitude. Subitamente, ela az um gesto enérgico para separar os braços dele, libertando-se assim do contato audacioso. A boca da personagem contrai-se de ódio. Ela compreende que uma cena desagradável ou violenta vai acontecer. Ela recua, passo a passo, até um canto onde entrincheira-se por trás de uma mesinha. Gesto de vilão de melodrama da personagem. Olha para todos os lados, procurando alguma coisa. A seus pés, ela vê a ponta de uma corda e a apanha com a mão direita. Tateia com a mão esquerda e apanha uma corda idêntica. A moça, colada à parede, olha, apavorada, a manobra de seu agressor. Este avança para ela, arrastando com grande esorço o que está amarrado nas cordas. Vê-se passar, primeiro, uma cortiça, depois uma cabaça, dois irmãos de colégios cristãos e nalmente, dois magnícos pianos de 15
cauda. Os pianos estão cobertos por carcaças de burros cujas patas, caudas, ancas e excrementos transbordam da caixa harmônica. Quando um dos pianos passa diante da objetiva, vê-se um enorme cabeça de burro apoiada no teclado. A personagem, puxando com grande esorço essa carga, está desesperadamente inclinada para a moça. Ela derruba cadeiras, mesas, uma lâmpada de pé etc. As ancas dos burros embaraçam-se em tudo. A lâmpada do teto, sacudida de passagem por um osso descarnado, cará balançando até o m da cena. Quando a personagem está a ponto de atingir a moça, esta esquivase com um pulo e oge. Seu agressor, largando as cordas, sai em sua perseguição. A moça abre a porta de comunicação, por onde desaparece no quarto contíguo, mas não sucientemente rápida para echar completamente a porta. A mão da personagem, tendo conseguido interpor-se, ca presa pelo punho. No interior do quarto, echando cada vez mais a porta, a moça olha a mão que se contrai dolorosa e lentamente, e as ormigas, que reaparecem, espalham-se pela porta. Imediatamente, ela vira vi ra a cabeça para dentro do novo quarto, que é idêntico ao precedente, mas ao qual a iluminação dará um aspecto dierente : a moça vê... A mesma cama, na qual está estendida a personagem, cuja mão continua presa na porta, vestida com os panos e a caixa sobre o peito, sem azer o menor gesto, os olhos arregalados e com uma expressão supersticiosa que parece signicar: “Neste momento vai acontecer uma coisa extraordinária!”. Pelas três horas da manhã
No patamar da porta de entrada do apartamento, uma nova personagem, vista de costas, acaba de parar. Aperta a campainha da porta do apartamento onde essas coisas estão acontecendo. Não se vê nem a campânula nem o martelo elétrico da campainha mas, em seu lugar, por dois buracos praticados na olha da porta, vê-se passar duas mãos que sacodem um shaker de prata. Sua ação é insins tantânea, como nos lmes comuns, quando se aperta aper ta a campainha. A personagem deitada estremece. A moça vai abrir a porta. O recém-chegado vai diretamente até a cama e ordena imperativamente à personagem que se levante. Ela obedece de tal maneira recalcitrante que o outro vê-se obrigado a pegá-la pelos panos, orçando-a a levantar-se. Após ter-lhe tirado os panos um a um, joga-os pela janela. A caixa segue o mesmo caminho, bem como as correias que o outro procura, em vão, salvar da catástroe. E este gesto leva o recém-chegado a punir a personagem, obrigando-a a car de castigo casti go contra a parede. O recém-chegado az todos esses movimentos de costas. Então volta-se pela primeira vez para apanhar alguma coisa do ou16
tro lado do quarto. Nesse instante, a otograa torna-se esumada. O recém chegado move-se em câmara lenta e vê-se suas eições, idênticas às do outro; não são mais que um; só que este tem um ar mais moço e mais patético, como o outro deveria ter sido há alguns anos. O recém-chegado vai até o undo do quarto, precedido pela câmara, que o acompanha em Plano P lano Aproximado. Uma carteira escolar, para a qual se dirige nosso indíviduo, entra em campo. Dois livros, na carteira, bem como vários outros objetos escolares: suas posições e sentido moral se determinarão cuidadosamente. Ele apanha os dois livros e volta-se para juntar-se à personagem. Nesse instante, tudo volta ao estado normal, cessando o esumado e a câmara lenta. Chegando perto dele, ordena-lhe que abra os braços em cruz cr uz e põelhe um livro em cada mão, mandando-o car assim de castigo. O castigado tem um ar nório e cheio de traição. Volta-se para o recém-chegado. Os livros, que continuam em suas mãos, transormam-se em revólveres. O recém-chegado olha-o com ternura, sentimento que aumentará. A personagem dos panos, ameaçando o outro com as armas, orçao ao “mãos ao alto!” e, apesar de ter sido obedecido, descarrega sobre ele os dois revólveres. Em Plano Aproximado, o recém-chegado cai mortalmente erido, as eições se contraindo dolorosamente (o esumado volta e a queda para a rente é numa lentidão mais pronunciada que a anterior). De longe, vê-se o erido cair, não mais no quarto mas num parque. A seu lado está sentada, imóvel e vista de costas, uma mulher de espáduas nuas, ligeiramenre inclinada para a rente. Caindo, o erido tenta agarrá-la e acariciar suas costas; uma de suas mãos, trêmula, vira-se para ele próprio; a outra, roça a pele das espáduas nuas. Finalmente cai no chão. Tomada de longe. Alguns Alg uns transeuntes e guardas correm para socorrer o recém-chegado. Levantam-no nos braços e o carregam através do bosque. Fazer intervir o capenga apaixonado. Volta-se ao mesmo quarto. Uma porta, aquela em que a mão esteve presa, abre-se lentamente. Aparece a moça que já conhecemos. Fecha a porta atrás dela e olha atentamente a parede contra a qual esteve o assassino. O homem não está mais lá. A parede está lisa, sem nenhum móvel ou eneite. A moça az um gesto de impaciência e de despeito. Vê-se outra vez a parede, no meio da qual há uma pequena mancha preta. Essa manchinha, vista mais de perto, é uma mariposa. A mariposa em Grande Plano. 17
A caveira das asas da mariposa cobre toda a tela. Em Plano Aproximado, aparece bruscamente o homem dos panos, que leva a mão rapidamente à boca, como alguém que perde os dentes. A moça olha-o desdenhosamente. Quando a personagem retira a mão, vê-se que a boca desapareceu. A moça parece dizer: “Bom. E agora?” e acentua a pintura dos lábios. Vê-se o rosto da personagem. No lugar da boca, começam a nascer pêlos. A moça, reparando naquilo, abaa um grito e olha vivamente sua axila, que está completamente depilada. Desdenhosa, mostra-lhe a língua, põe um xale nos ombros e, abrindo a porta de comunicação a seu lado, passa para o quarto contíguo, que é uma grande praia. Junto da água, uma terceira personagem espera. Cumprimentamse amavelmente e passeiam acompanhando a curva das ondas. Plano das pernas e das ondas que morrem a seus pés. A câmara acompanha-os de carrinho. As A s ondas atiram suavemente a seus pés primeiro as correias, depois a caixa listrada, os panos e nalmente a bicicleta. Esta tomada continua ainda um instante sem que o mar atire mais nada. Continuam o passeio na praia, desaparecendo pouco a pouco enquanto no céu aparecem estas palavras: Na Primavera
Tudo está mudado. Agora, vê-se um deserto sem m. Plantados no centro, enterrados na areia até o peito, vê-se a personagem principal e a moça, cegos, as roupas esarrapadas, devorados pelos raios de sol e por uma nuvem de insetos.
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o Pôster
O pôster enquanto design gráfico e, portanto, aplicado também ao cinema, enquadra-se na categoria da apresentação e da promoção, na qual imagem e palavra precisam ser econômicas e estar vinculadas a um significado único e fácil de ser lembrado. Nas ruas das crescentes cidades do nal do século XIX, os pôsteres eram uma expressão da vida econômica, social e cultural, competindo entre si para atrair compradores para os produtos e público para os entretenimentos. As ilustrações refetiam o estilo artístico da época e introduziram uma nova estética de imagens econômicas e simplicadas. O texto lhes atribuía precisão e contexto para assim completar a signicação do todo. O pôster é caracterizado por abrigar um signicado que pouco tem a ver com o indivíduo que o criou: não expressa as idéias de seu designer. A mensagem do designer atende às necessidades de quem está pagando por ela. Mesmo abrigando a subjetividade de quem o criou, é produzido segundo critérios para se colocar na linguagem do público ao qual é direcionado. O design ainda não era reconhecido nos primórdios da popularização do pôster, muitos dos pioneiros a ingressar no ramo eram artistas plásticos. Os que se dedicavam exclusivamente ao oício eram chamados de artistas comerciais, ou “visualizadores” (artistas (ar tistas de layout), o que mais tarde, por convenção, mudou para engenheiros visuais, ou designers. Assim, o pôster nunca oi uma obra de arte, mas um trabalho de design, porque além de ser produzido unicamente para vender um produto ou uma idéia, é projetado para a reprodução mecânica em escala industrial. 19
O século XX oi marcado pela guerra, houve a necessidade de inori normar e instruir a população para recrutar os indivíduos. Os pôsteres oram utilizados pelos governos para azer propaganda e anúncios públicos e exortar e os cidadãos no esorço de guerra. Muitos elementos característicos do design gráco surgiram não apenas nos pôsteres, mas também na própria guerra. Os militares precisavam de um sistema de signos para organizar suas equipes, manuais de instrução, insígnias de posto, símbolos para identicar unidades e regimentos. O design havia tornado-se um veículo de comunicação de massa, principalmente no período de pós Revolução Russa de 1917, quando o sistema socialista oi implantado e o pôster de propaganda em massa começou a ser utilizado em larga escala pela agência de propaganda e diusão ideológica da União Soviética. O cartaz russo se caracterizou pelo envolvimento com as vanguardas construtivistas e a propaganda do governo. Na Europa, os designers comerciais oram seguidos por artistas de vanguarda, que viram no design gráco uma maneira de estender a arte para a vida moderna. Eles usaram a tipograa tradicional, a otograa a subversão de imagens e a montagem como um novo e expressivo recurso de comunicação. Ao nal da guerra os movimentos artísticos predominantes eram o expressionismo e o dadaísmo. O estilo Art Déco, ramicação do cubismo, teve uma extensa presença nos pôsteres do século XX. Todos esses movimentos oram precursores do surrealismo. Este, porém, não participou ativamente na produção de pôsteres de sua época, sua participação cou no campo das artes: pintura, escultura, otograa e cinema. Entretanto nos dias de hoje encontra-se cartazes de lmes com elementos surrealistas, como o do lme O Silêncio dos Inocentes (1988), e mais recentemente (2005) o do lme Abismo do Medo, ambos com releituras da obra In Volupta Mors (1951), de Dali. Para o nosso projeto gráco zemos um cartaz animado para veiculação na web. Escolhemos duas cenas do curta Un Chien Andalou : a do barbeiro que corta o olho da mulher, logo no começo do curta, e a da mão com ormigas brotando. São duas cenas marcantes, sendo que a segunda representa um ditado popular da França fourmis dans les paumes (ormigas nas mãos), que signica a vontade assassina do homem. Usamos como trilha sonora o tango presente na versão sonorizada de 1960.
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In Volupta Mors, Salvador Dali Cartaz de “O Silêncio dos Inocentes”
Detalhe da obra de Dalí na borboleta
Cartaz do filme “O A bismo do Medo”
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Referências Bibliográficas HOLLIS, Richard. Design Gráco: Uma história concisa. São Paulo, Martins Fontes, 2005 MASCAR ELLO,, Fernando. História do cinema mundial. Campinas, MASCARELLO SP: Papirus, 2006 BERNADET, Jean Claude. O que é cinema: série primeiros passos. São Paulo, Brasiliense, 1980 TELES, Gilberto. Gil berto. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. Rio de Janeiro, Vozes, 1987 BRETON, Andre. Maniesto do Surrealismo. [online] Disponível na internet via WWW. URL: http://www.scribd.com/doc/2873624/ Maniesto-do-Surrealismo-Andre-Breton. Maniesto-do-Surrealismo-Andre-Br eton. Acesso em julho de 2009 Luis Buñuel. [online] Disponível na internet via WWW. URL: http:// pt.wikipedia.org/wiki/Luis_Buñuel. Acesso em julho de 2009 ROSSINI, Miriam. Surrealismo rancês. [online] Disponível na internet via WWW WWW.. URL: http://www http://www.chasqueweb.urgs.br/~miriam. .chasqueweb.urgs.br/~miriam. rossini/surr_lm.html. Acesso em julho de 2009 Ciclo de lmes Buñuel. [online] Disponível na internet via WWW. URL: http://www.pco.org.br/livraria/programacao/ciclobunuel/ biograa.htm. Acesso em julho de 2009 LIMA, Wanderson. Surrealismo e quixotismo no cinema de Luis Buñuel. [online] Disponível na internet via WWW. URL: http:// www.revista.agulha.nom.br/ag52bunuel.htm. Acesso em julho de 2009 http://www.cinemaemcena.com.br. http://www .cinemaemcena.com.br. Acesso em julho de 2009 22