Estudos tecnológicos - Vol. 1, n° 2: 30-38 (jul/dez. 2005)
ISSN 1808-7310
Cementação empregando granulados elaborados a partir de carvão vegetal reciclado e ativador de carbonato de cálcio (CaCO3 ) Júlio Frederico Baumgarten Engenheiro, Metalab – Laboratório para análise de materiais
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Cesar Edil da Costa Dr., Professor do Departamento de Engenharia Mecânica, CCT/UDESC Joinville, SC, Brasil
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Resumo
Abstract
Foram pesquisadas diferentes formulações de Granulados aplicados a Cementação Sólida dos aços comerciais classes ABNT 8620, avaliando os efeitos da substituição do carvão vegetal ativado novo por material reciclado descartado pela Indústria de Bebidas, assim como a substituição do ativador Carbonato de Bário pelo novo ativador Carbonato de Cálcio, considerado como tecnologia mais limpa do ponto de vista ambiental. Foram determinadas para duas condições de temperatura de processo (930ºC), as curvas de cementação, perfil do teor de carbono e microestrutura, comparando os resultados obtidos com os valores apresentados por Granulados Comerciais. a classificação dos resíduos sólidos resultantes da cementação foi realizada conforme normas ABNT 10.004, ABNT 10.005 e ABNT 10.006, avaliando quimicamente a sua condição após Lixiviação e após Solubilização.
The aim of this study was to evaluate the influence of the use of recycled activated carbon material and calcium carbonate as agent for chemical activation, responsible for the generation of Carbon Monoxide (CO) during the pack carburizing process. This new process is considered a cleaner technology in the environmental point of view. The carburizing condition, carbon profile and microstructure were studied for two different process conditions (processing temperature of 930 ºC). All the results are compared with de properties obtained with commercial materials. After the heat treatments, the residue of the granulate materials was classified according to 10.004, 10.005 and 10.006 ABNT norms, evaluating the chemical condition after lixiviation and solubilization.
cementação sólida, reciclagem, camada cementada.
Pack carburizing, energizer, recycling, carburized layer.
Palavras-chave:
ativador,
Key
words:
1. Introdução O processo de cementação sólida, é um dos tratamentos térmicos mais antigos de que se tem registro na história, sendo encontrados artigos de aço tratado do período de 300 anos antes de Cristo, elaborados provavelmente pelos antigos ferreiros romanos (Kubel, 1990). Desde essa época, o homem já se preocupa em desenvolver processos que lhe garantam cada vez maior vida útil, resistência e confiabilidade nos componentes produzidos, buscando sempre a máxima reliabilidade durante a aplicação mecânica. Dentre os 30
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vários processos de tratamentos térmicos utilizados atualmente, a cementação tem um importante destaque principalmente por permitir a utilização de aços de baixo custo, que após o processo apresentam elevada dureza superficial e excelente tenacidade no núcleo (Cottrell, 1962; Hirschheimer, 1975; Muller e Coelho, 1981). Com a crescente preocupação das questões ambientais no mundo, houve a necessidade do desenvolvimento de novos processos que atendam tanto os aspectos técnicos do tratamento térmico, quanto as questões de geração de resíduos e contaminação do meio ambiente. Um dos principais problemas dos processos termoquímicos convencionais é a grande geração de resíduos tóxicos, principalmente a base de cianetos, cianatos e metais pesados, resultantes do processo de decomposição do agente de cementação. As novas Leis Ambientais controlam de forma severa o uso e o descarte destes materiais e resíduos, sendo que na maioria dos países desenvolvidos estão sendo utilizados tratamentos térmicos que garantam a não contaminação do meio ambiente “processos a gás, vácuo e iônico” (Krause, 1975; Gupta, 2003; Beauchesne, 2003; Yan, 2001). Este trabalho leva em consideração a crescente preocupação mundial na conservação do meio ambiente e a necessidade do desenvolvimento de um processo industrial de cementação com menor impacto ambiental. O objetivo fundamental desta pesquisa, está na elaboração de um granulado para Cementação Sólida que utiliza como parte da matéria-prima
resíduo de Carvão Vegetal Ativado empregado na indústria de
refrigerantes, disponível em larga escala e sem custo. Como agente ativador, foi substituído o tradicional carbonato de bário (metal pesado) por Carbonato de Cálcio (CaCO 3) que não possui restrições com relação a questões ambientais. Foram elaboradas diferentes formulações de Granulados, variando a concentração do carvão ativado reciclado e a concentração do carbonato de cálcio, obtendo assim uma gama considerável de diferentes agentes de cementação, que permitem rastrear de forma consistente o efeito destas variáveis sobre o potencial cementante do novo material. Na figura 1 pode-se observar o esquema dos processos de cementação utilizados na indústria.
Figura 1: Processos de cementação industrial.
2. Método experimental Para a elaboração das diversas formulações de Granulados, utilizaram-se os processos de mistura rotativa, extrusão, corte, secagem em estufa e pirolização do ligante carbonáceo. O fluxograma a seguir, apresenta a seqüência da técnica empregada na produção dos diferentes lotes de granulados utilizados nesta pesquisa. 31 Estudos tecnológicos - Vol. 1, n° 2:30-38 (jul/dez. 2005)
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Figura 2: Fluxograma do processo para fabricação do granulado atóxico.
Por motivo de contrato de sigilo, não estão sendo apresentados em detalhes os parâmetros de processo, tais como temperaturas, quantidades de aditivos e tempos de processo. Deve-se considerar no entanto que as formulações predefinidas e apresentadas na Tabela 1 abaixo foram respeitadas, sendo que os valores representam as quantidades em quilogramas para cada constituinte. Tabela 1: Formulação dos granulados.
Como pode ser observado, mantiveram-se constantes os agentes de processo e o ligante, variando a quantidade de carvão ativado novo, carvão ativado reciclado e carbonato de cálcio. Tal planilha de formulações foi cuidadosamente projetada objetivando avaliar o efeito da variação destes insumos, sendo que todas os lotes foram elaborados respeitando rigorosamente o mesmo processo de fabricação. A codificação “R” indica granulado com adição de carvão ativado reciclado.
2.1. Caracterização das propriedades dos granulados 2.1.1. Densidade aparente. Um dos parâmetros mais importantes dos granulados é sua densidade
aparente, uma vez que através deste parâmetro são definidos o peso e volume de granulado utilizado durante o processo de cementação. O valor da densidade aparente para o granulado novo produzido 32 Estudos tecnológicos - Vol. 1, n° 2:30-38 (jul/dez. 2005)
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comercialmente está em torno de 0,50 g/cm 3, sendo considerado como referência para este trabalho. Para a determinação da densidade aparente foi empregado o método gravimétrico, realizando-se a pesagem do granulado necessário para o preenchimento de um volume padrão conhecido (100 cm3). A razão entre o peso de granulado e o volume padrão resulta no valor da densidade aparente para as várias formulações elaboradas. 2.1.2. Tamanho dos grânulos de cementação. A distribuição da granulometria do granulado é outro
parâmetro fundamental, uma vez que define os “vazios” dentro do empacotamento da carga de cementação. Os vazios são responsáveis pela movimentação dos gases no interior da carga, sendo que grânulos muito pequenos resultam em maior dificuldade de circulação dos gases principalmente o monóxido de carbono (CO), afetando o rendimento do processo de cementação do aço. O método utilizado foi através do controle do comprimento em milímetros (mm) dos grânulos, uma vez que o diâmetro é constante ( ∅ 4,0 mm) , resultado do processo de extrusão. 2.1.3. Microestrutura do Granulado. Para a identificação da microestrutura do granulado, utilizou-se um
microscópio eletrônico de varredura, com os seguintes parâmetros de análise: Tensão de Aceleração: 20 KV, Corrente na Amostra: 85 µA, Fator de Distância de Trabalho (WDF): 10 mm, Detetor: Detetor de Elétrons Secundários, Vácuo: 10-7 mBar. Importante a observar na figura 3 a seguir, é a formação da porosidade secundária, resultante do processo de pirolização do ligante carbonáceo. Tal porosidade contribui no aumento da superfície específica do granulado, sendo que quanto maior o seu valor, maior será área de reação para geração do gás monóxido de carbono (CO).
Figura 3: Microestrutura do granulado atóxico R 1070.
2.2. Variáveis de processo Para o desenvolvimento do estudo, utilizou-se a classe de aço normalmente empregada na indústria metalmecânica. Os corpos de prova, de diâmetro 20 mm e comprimento 50 mm foram elaborados com o aço baixa liga ABNT 8620. Foi definida como temperatura para o processo de cementação a condição normalmente empregada na indústria. A temperatura escolhida para esta pesquisa foi 930 ºC.
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Foram empregadas duas condições de resfriamento para os corpos de prova, sendo a condição C 1: resfriamento ao ar, objetivando avaliar o efeito da cementação no enriquecimento em carbono superficial e determinar seu gradiente a partir da superfície. Condição C 2: resfriamento em óleo de têmpera morno a 50 ºC. Utilizou-se como parâmetro de tempo de cementação os seguintes períodos de processo: T1 = 4 horas de encharque, T2 = 8 horas de encharque. A tabela 2 apresenta os resultados da análise química realizada pelo método de espectrometria ótica no corpo de prova do material pesquisado. Os valores correspondem à composição do núcleo do aço (matériaprima). Tabela 2: Análise química do aço utilizado.
2.3. Montagem da carga de cementação A figura 4 mostra o esquema da montagem da carga de cementação, onde os corpos de prova são posicionados com afastamento de 2 cm, sobre uma “cama” de granulado de 3 cm de espessura. A montagem da carga é de grande importância devendo ser observados a quantidade de granulado, afastamento entre amostras e a espessura das camadas sobrepostas, além de garantir o fechamento da caixa evitando a queima excessiva do granulado e a perda do gás cementante.
Figura 4: Esquematização da carga de cementação.
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3. Resultados A tabela 3 apresenta os resultados das densidades aparentes calculadas para os granulados desenvolvidos. Tabela 3: Densidade aparente dos granulados atóxicos.
Os resultados obtidos no controle dimensional dos granulados pesquisados, para as várias formulações são apresentados na tabela 4. Tabela 4: Tamanho dos grânulos.
A dureza Brinell superficial (HBN) obtida do controle dos corpos de prova cementados e, resfriados lentamente está em torno de 225 HB, sendo considerada normal para este processo de tratamento térmico. A dureza Rockwell C obtida na superfície das amostras temperadas em óleo, revela o efeito da presença de austenita retida, sendo que os corpos de prova cementados por 8 horas foram os mais críticos. A tabela 5 mostra os valores médios de Dureza Brinell Superficial (HBN), obtidos no controle dos corpos de prova cementados e resfriados ao ar com os diversos tipos de granulados, para tempos de tratamento de 4 horas e 8 horas. Tabela 5: Dureza Brinell Superficial dos corpos de prova resfriados ao ar.
A tabela 6 apresenta os valores médios da dureza superficial obtidos nos corpos de prova elaborados em aço ABNT 8620.
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Júlio Frederico Baumgarten, Cesar Edil da Costa Tabela 6: Dureza Rockwell C (HRc) dos corpos de prova cementados e temperados em óleo.
Para a determinação do teor de carbono em função da profundidade de cementação, realizou-se uma operação de usinagem nos corpos de prova resfriados ao ar, sendo que os cavacos retirados foram analisados através do equipamento Quimitron® utilizado para controle de carbono e enxofre. A tabela 7 a seguir apresenta os valores obtidos no controle do teor de carbono, considerando as seguintes variáveis: aço ABNT 8620, temperatura de cementação 930 ºC, tempos de cementação 4 horas e 8 horas. O teor de carbono analisado para as diferentes profundidades de cementação revela que o processo “atóxico” não sofreu alteração, sendo que para maiores teores de carbonato de cálcio registrou-se maior profundidade de enriquecimento em carbono. Tabela 7. Teor de Carbono x Profundidade de Cementação.
Para a determinação da curva de cementação, empregou-se o método estabelecido na Norma ABNT NBR 13.178, que define o procedimento para o cálculo da profundidade efetiva de cementação. A tabela 8 apresenta os valores de dureza obtidos para as diversas condições de cementação, considerando: aço ABNT 8620 utilizado, temperatura de cementação 930 ºC, tempo de cementação 4 horas e 8 horas. Tabela 8: Dureza Microvickers (mHV 1 ) x Profundidade de Cementação.
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A curva de cementação, obtida do ensaio de microdureza Vickers (mHV 1) revela que para teores maiores de ativador (CaCO3) e tempos maiores de processo há um aumento da profundidade de cementação. Com o aumento do uso de carvão ativado reciclado há uma redução no enriquecimento de carbono e conseqüente queda da profundidade efetiva de cementação. Os valores encontrados para os granulados R 1035 e R 1070 são considerados normais quando comparados aos obtidos com produtos comerciais, sendo que os granulados R 1535 e R 1570 apresentam valores 10 % abaixo do produto comercial. Da análise metalográfica confirmou-se a presença de austenita retida nas amostras tratadas com tempo de 8 horas, em função do excesso de difusão de carbono na superfície. Tal fato explica a menor microdureza vickers obtida na superfície destas amostras, sendo considerada normal para os parâmetros de processo empregados. As figuras 5 e 6 exemplificam as microestruturas resultantes da cementação para as amostras tratadas com granulado classe R 1570 com tempos para 4 horas e 8 horas.
Figura 5: Camada cementada com
Figura
6:
granulado R 1570, tempo 4 horas.
cementada com granulado R 1570,
Microestrutura formada por martensita
tempo
fina. Aumento 100 x, ataque Nital 3,5
formada por martensita e austenita
%.
retida. Aumento 100 x, ataque Nital
8
Detalhes horas.
da
Camada
Microestrutura
3,5 %.
Como vantagem industrial, destacamos que foi empregado o processo normal de fabricação dos granulados de cementação, não sendo necessária alteração dos parâmetros de produção, incluindo a técnica de extrusão e pirolização do material carbonáceo.
4. Conclusões
A presença de porosidade secundária no interior do granulado favoreceu o aumento da superfície específica do agente de cementação.
A densidade aparente das várias classes de granulados ficou entre 0,47 a 0,51 g/cm 3, sendo considerado normal, muito próximo ao obtido em granulados comerciais, enquanto que o tamanho médio dos granulados está em torno de 11,00 mm, dentro dos parâmetros de produtos comercia is.
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Para teores maiores de carvão ativado reciclado, observou-se que há uma queda no potencial cementante do granulado, o que é explicado em função da queda da superfície específica do pó reciclado, gerando menor quantidade de monóxido de carbono (CO) em alta temperatura.
Finalmente, pode-se concluir que o emprego do ativador carbonato de cálcio, sem restrições ambientais, e o uso de carvão ativado reciclado não afetam de maneira importante o processo de cementação sólida, sendo que além das vantagens com relação ao descarte dos resíduos há ainda uma redução do custo de fabricação dos granulados.
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