BUDISMO EM QUADRINHOS PARA PRINCIPIANTES
BUDISMO EM QUADRINHOS PARA PRINCIPIANTES
BUDISMO EM QUADRINHOS PARA PRINCIPIANTES
Texto e ilustrações de
Stephen T. Asma
Tradução
GILSON CÉSAR CARDOSO DE SOUSA
Título original: Buddha for Beginners
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Copyright © 2008 Stephen T. Asma. Copyright da edição brasileira © 2011 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. Publicado originalmente por Hampton Roads Publishing Company, Inc. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Pensamento não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro. Design da capa: Jane Hagaman Arte da capa: Stephen T. Asma Coordenação editorial: Denise de C. Rocha Delela e Roseli de S. Ferraz Preparação de originais: Roseli de S. Ferraz Revisão: Yociko Oikama Diagramação: Join Bureau
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Asma, Stephen T. Budismo em quadrinhos para principiantes / texto e ilustrações Stephen T. Asma ; tradução Gilson César Cardoso de Sousa. – São Paulo: Pensamento, 2011. ISBN 978-85-315-1761-7 1. Buda Gautama – Ficção 2. Civilização hindu 3. Filosofia oriental 4. Histórias em quadrinhos 5. Parábolas I. Título. 11-10883
CDD-294.3630207
Índices para catálogo sistemático: 1. Buda: Ficção : Histórias em quadrinhos 294.3630207 O primeiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena à direita indica o ano em que esta edição, ou reedição, foi publicada. Edição 1-2-3-4-5-6-7-8-9
Ano 11-12-13-14-15-16-17 Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP Fone: 2066-9000 — Fax: 2066-9008 E-mail:
[email protected] http://www.editorapensamento.com.br que se reserva a propriedade literária desta tradução. Foi feito o depósito legal.
S UMÁRIO
Agradecimentos 6 Uma Nova Introdução 7
Capítulo I
A Busca do Jovem Príncipe 11
Capítulo II
A Roda do Vir a Ser 45
Capítulo III
O Nirvana e as Nobres Verdades 85
Capítulo IV
A Evolução do Budismo 123 Pós-escrito 157 Referências Bibliográficas 159
A busca do jovem priíncpe
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AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, nisto como em tudo o mais, agradeço ao meu pequeno Julien e sua mãe, Wen. Em seguida, gostaria de agradecer aos que me ajudaram a criar e apoiaram este livro, tanto em sua encarnação anterior quanto na manifestação atual. Muitos agradecimentos a Jane Hagaman, Stacey Ruderman e meu velho amigo Peter Altenberg. Há alguns anos, Heidi Wagreich inspirou boa parte do humor do livro, pelo que me sinto grato. Agradeço também ao simpático pessoal da Hampton Roads Publishing e aos meus maravilhosos colegas do Columbia College de Chicago. Agradecimentos especiais ao meu editor, Greg Brandenburgh – que parece um leão entre cordeiros. Sou grato ainda aos amigos, alunos e professores que entenderam que o riso é a resposta certa ao dogma sacrossanto. Finalmente, dedico este livro aos meus pais, Ed e Carol, que sem dúvida são bodhisattvas disfarçados.
UMA NOVA INTRODUÇÃO ste livro foi publicado pela primeira vez no final dos anos 1990 e encontrou ótima acolhida entre os interessados pelo Buda, chegando mesmo a iniciar alguns praticantes. Ao longo do tempo, foi traduzido para o espanhol, para o híndi e para o chinês. Sinto-me orgulhoso ao lançar essa nova edição revista pela Hampton Roads Publishing, que me permite esclarecer melhor e matizar as ideias básicas do Buda. A motivação inicial do livro foi a constatação de que o budismo é muitíssimo malcompreendido no Ocidente – fato que, infelizmente, pouco mudou. Ao contrário da maioria das outras escrituras religiosas, constituídas de parábolas, lendas e alegorias, os ensinamentos budistas contêm também autênticos conceitos filosóficos apresentados pelo próprio Buda. Meu livrinho ilustrado versa sobretudo sobre esses conceitos. Será um pouco irônico se meus quadrinhos atraírem as pessoas para argumentos filosóficos decididamente incomunicáveis por meio de desenhos. Tão distorcida é a visão ocidental do budismo que certamente será uma surpresa para muitos constatar que o Buda recorreu a argumentos racionais e evidências empíricas em seus ensinamentos. Há pouco, numa de minhas aulas, uma aluna me “informou” que, no Oriente, pessoas como os budistas não conversam em termos lógicos – basta-lhes olhar uma para a outra e ler seus pensamentos com total compreensão. Ela colhera essa sabedoria de programas de televisão, filmes e comerciais americanos, que mostram monges místicos quase sempre ajudando um confuso ocidental a escolher o refrigerante certo, a contratar o melhor serviço de telefonia celular ou a resolver qualquer outro dilema consumista do gênero. Os estereótipos são duros de morrer, bem sei, e o tédio da cultura de consumo pode às vezes nos induzir a romantizar tradições monásticas exóticas. Espero, entretanto, que este livro ensine aos interessados um pouco mais sobre a ética, a metafísica, a epistemologia e mesmo a lógica do budismo. Desde que o livro foi publicado, mais de uma pessoa quis saber por que, em meus desenhos, o Buda se parece com Osama bin Laden. Acho isso engraçado, mas também um pouco desconcertante, visto que uma conotação assim tão estranha e desagradável dificilmente pode ser útil na tarefa de explicar o budismo. Tive de garantir aos leitores que Bin Laden não estava em meu radar, como no de ninguém ainda, quando desenhei o Buda, muitos anos antes do 11 de setembro. Na verdade, copiei-o de mim mesmo, o que, admito, parece o cúmulo do narcisismo – mas, como todo ilustrador sabe, na falta de um modelo, precisamos ensaiar expressões faciais e movimentos corpo-
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rais diante do espelho. Assim, Gautama e muitas outras personagens acabaram se transformando em versões exageradas e modificadas de minha própria cara envelhecida. Ninguém pode dizer ao certo como era o Buda, exceto talvez que tinha os traços étnicos de um indiano moderno. Em definitivo, não era gordo nem se parecia com um chinês ou japonês – interpretações errôneas, mas bastante comuns. É compreensível que esqueçamos as origens indianas do Buda, pois o budismo, deixando de ser uma seita dominante na Índia há doze séculos, continua a inspirar até hoje as culturas do Extremo Oriente. O predomínio geográfico justifica a confusão étnica, mas por que quase sempre o retratam como uma pessoa obesa? Duas considerações podem esclarecer o mistério. Em primeiro lugar, devemos ter em mente que em outras partes do mundo e em outras épocas a gordura era considerada uma boa coisa. Em nosso atual estado de prosperidade “adiposa”, os americanos e o resto do mundo desenvolvido estão desesperados para emagrecer; mas nossos ancestrais históricos pouco se importavam com as calorias. Ser gordo era raro e constituía um símbolo de poder, saúde, riqueza e até status social. Significava que a família havia investido bastante no filho, tornando-o um bom partido matrimonial. Acrescente-se, a essa, a segunda consideração: quando o budismo chegava a um novo lugar, não ocupava um vácuo religioso, mas tinha de competir no mercado das outras tradições. No Tibete, surgiu como intruso numa região dominada pela religião animista nativa, bon. Na China, pareceu uma novidade passageira ao lado do taoismo e do confucionismo. No Japão, o xintoísmo já dominava – e assim por diante, onde quer que o dharma desse o ar da graça. A imagem encorpada do Buda pode ter ajudado a conquistar adeptos em novas terras, funcionando como boa peça de propaganda. O contraste entre o Buda chinês gordo e o Buda indiano magro suscita uma importante distinção geral entre a cultura do budismo e a filosofia do budismo. Antes de escrever este livro, viajei por todo o Oriente, morando por longos períodos no Camboja e na China, mas passando também um bom tempo na Tailândia, no Laos e no Vietnã. Para mim não foi surpresa constatar que, onde quer que eu fosse, as estátuas do Buda nos templos se pareciam muito com a população local. Além disso, em cada país, o próprio budismo apresentava aspectos de uma religião diferente. E é assim mesmo que deve ser, pois as religiões, como qualquer outra tradição cultural, devem nos ser úteis para enfrentar os desafios diários do ambiente em que vivemos. Os rituais budistas, por exemplo, ajudam os fiéis a prantear os familiares mortos, a celebrar nascimentos e casamentos, a abençoar novos lares e empresas e assim por diante. Portanto, de um modo geral, os costumes religiosos se adaptam às condições sociais e mesmo geográficas do ambiente. Num único país como o Camboja, encontrei diversos tipos de budismo. Os ocidentais que estudam o budismo nos livros (e, em alguns casos, chegam a se declarar “budistas”) ficam com frequência chocados ao se deparar com pessoas de países budistas que se entregam a complicados rituais e crenças – crenças que não lembram em nada a doutrina aprendida naqueles livros ocidentais. Num santuário budista do Vietnã, por exemplo, vi jovens casais de namorados depositando caixas de cerveja e fotocópias de dinheiro no altar, na esperança de garantir uma data auspiciosa para seu casamento. Considere-se também que, em muitos países asiáticos, mais pessoas conhecem e amam Guan Yin (uma santa budista secundária ou bodhisattva) do que
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o Buda Gautama histórico. É preciso levar em conta igualmente o estereótipo ocidental do budismo como uma postura pacifista, dócil e submissa, que pouco lembra a visão, predominante em várias regiões da Ásia, de um budismo agressivo, forte, ao estilo kung fu. Na China, por exemplo, os guerreiros shaolin fazem parte da cultura budista tanto quanto os monges esqueléticos. E o famoso conto folclórico budista, conhecido em toda a Ásia, do rei macaco (Sun Wukong) e sua “Jornada ao Ocidente” (Xi youji) está impregnado de um budismo viril que poucos ocidentais reconheceriam. Para nós seria tentador dizer: “Ah, esse tipo de cultura não é o budismo verdadeiro”. Mas é. O budismo filosófico constitui o enfoque deste livro, não por ser o budismo verdadeiro, mas por fazer parte do budismo (parte articulada pelo próprio Buda, mas que ainda permanece na obscuridade). Grosso modo, a filosofia do budismo pode ser encontrada nas Quatro Nobres Verdades e nas seguintes ideias: (a) transitoriedade de todas as coisas, (b) interdependência de todas as coisas e (c) doutrina do não eu. Quando, no decorrer do livro, aponto para onde as culturas budistas ou mesmo as escolas do budismo tardio entram em conflito com o dharma filosófico básico, não o faço por presunção, mas por um senso de dever profissional – é assim que agem os filósofos ao esmiuçar inconsistências intelectuais. Em última análise, aceito a filosofia do budismo, mas aprecio também as culturas budistas. Não “acredito” nele como as pessoas crédulas acreditam em milagres; acredito nele porque testei suas hipóteses psicológicas e analisei seus corolários metafísicos. A meu ver, os benefícios do budismo para todos, orientais e ocidentais, têm muito a ver com sua abordagem da reeducação da mente humana. Se os homens conseguissem refrear o salto mental precipitado do desejo à ação, poderiam evitar muitas das formas usuais de sofrimento: raiva, humilhação, intoxicação, vício e assim por diante. O budismo é uma tentativa de moderar a tendência psicológica a ceder ao desejo. O budismo é mais velho que o cristianismo, mais velho que o islamismo, mais profundo que os rios Ganges e Mekong. Hoje, mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo praticam-no sob suas diversas formas. Mas, não importando a forma que assuma, ele sempre busca libertar o homem da vida de sofrimento. É uma filosofia da emancipação. Como o rio que transborda após a estação chuvosa e vivifica a terra crestada, o budismo turbilhona pela mente consciente – purificando, iluminando e nutrindo a psique. O Buda sugeriu uma imagem para nos ajudar a compreender sua mensagem de libertação: a flor do lótus. O lótus se enraíza na lama e na podridão das margens dos rios, mas alteia-se das águas e desabrocha em pleno ar puro. Os seres humanos estão enraizados no mundo caótico dos desejos, mas, com disciplina, são capazes de superá-los e alcançar o nirvana, embora permaneçam ligados à matéria. O budismo não é uma filosofia do além. É o caminho para uma vida melhor neste mundo passageiro. Segundo o Buda, não posso realmente controlar os acontecimentos (estratégia da maioria das religiões devocionais); entretanto, se conseguir controlar minha própria mente, não haverá necessidade alguma de controlar o mundo exterior.
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CAPÍTULO I
A BUSCA DO JOVEM PRÍNCIPE
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ssim como há inúmeras formas de cristianismo no Ocidente, há manifestações diversas do budismo no Oriente. E assim como existiu, sem dúvida, um Jesus que viveu e ensinou na Galileia há quase 2 mil anos, existiu também um homem historicamente real que percorreu o norte da Índia e se tornou o “Buda” (Iluminado). Seu nome era Siddhartha Gautama e, ao escrever este livro, eu quis sobretudo apresentar e explicar sua doutrina, em vez de percorrer todo o espectro dos desenvolvimentos budistas posteriores.
A
Há épocas em que o Ocidente fica encantado com o budismo naquilo que parecem ciclos de busca espiritual. No século XIX, os transcendentalistas americanos e continentais reconheceram a sabedoria do budismo e tentaram absorvê-lo de alguma maneira. Na era beat do século XX, todo “poeta marginal” tinha seu exemplar das escrituras budistas na mochila.
Infelizmente, nesta nossa “Nova Era”, qualquer coisa misteriosa, desde a “cura pelos cristais” até a façanha de entortar colheres com a energia psíquica, passa a ser associada espuriamente ao budismo ou à “espiritualidade oriental”. Mas, felizmente, o Buda histórico não era tão bobo quanto as recentes superstições que enxovalham seu nome.
A busca do jovem príncipe
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Gautama nasceu no vale do Ganges, perto de Gorakhpur, entre o Nepal ao norte e a cidade indiana de Varanasi (Benares) ao sul. Vários estudiosos sustentam que Lumbini, no moderno território nepalês, é seu verdadeiro berço.
d u m a n C a t
N e p a l
Gorakhpur Rio G ang es
Varanasi Gaya CalcutÁ
Tibete Nepal
Paquistà o DÉlhi
Varanasi (Benares)
Bangladesh CalcutÁ
r M a b i c o Á r A
a i m B o m b
Sri Lanka
a n o O c e
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Í n d
s h d e a l n g B a Dhaka
Nasceu em 563 a.C., filho do rei Suddhodana e sua esposa Maya (ambos da tribo dos shakyas). Reza a lenda que, quando veio ao mundo, um “vidente” previu que um dia ele abandonaria sua família para vaguear como um asceta santo. Suddhodana temeu que a profecia se realizasse e, depois da morte prematura de Maya, procurou, com a ajuda de Prajapati, tia de Gautama, isolar o menino do mundo exterior ao palácio. Para que Gautama não tentasse escapar, o pai e a tia superprotetores cercaram-no de todo o luxo imaginável, insistindo em poupar-lhe a mínima imagem de sofrimento.
A busca do jovem príncipe
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Príncipe que era e gozando ao máximo os privilégios dessa condição, Gautama sem dúvida foi muitíssimo bem educado e aprendeu as lições espirituais bramânicas dos Upanishads e escrituras védicas hindus – mas sem grande aprofundamento, pois Suddhodana queria um herdeiro pragmático e de bom senso para sucedê-lo no trono.
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Gautama desposou sua prima Yosodhara e tiveram um filho chamado Rahula.
A família vivia pacífica e agradavelmente, mas num estado de feliz ignorância do mundo lá fora.
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Chegou um dia, porém, em que o príncipe presenciou o sofrimento e a morte de seres humanos além das muralhas do palácio. Essa nova consciência despertou nele a compaixão por seus semelhantes e o desgosto pela vida privilegiada e segura que levava. A preocupação cada vez maior de Gautama com as dores humanas está cristalizada na lenda em que ele vê pela primeira vez um ancião decrépito, depois um aleijado e, finalmente...
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… um cadáver. Essas cenas são relativamente novas para o jovem, que mais ainda se perturba ao saber que o mesmo destino aguarda todos os seres humanos.
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Embora sejam escassas as fontes relativas à vida familiar de Gautama, temos todas as razões para acreditar que ele era um bom marido e um bom pai. No fundo de sua mente, porém, fermentava um senso pertinaz de incompletude e uma simpatia cada vez mais intensa pelos menos afortunados. Como permaneceria naquela bem-aventurança artificial, pensava Gautama, quando o mundo inteiro à sua volta estava mergulhado no sofrimento? E como poderia continuar ignorando o fato brutal de que sua esposa e filho um dia haveriam de enfrentar a doença e a morte?
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Na intenção de descobrir a verdade sobre a vida e a morte, Gautama resolveu abandonar casa e família, só regressando quando houvesse descoberto o antídoto para esses males. Certa noite, bem tarde, quando tinha 29 anos, Gautama contemplou por muito tempo a esposa e o filho adormecidos, e partiu silenciosamente do palácio. Renunciava assim a tudo quanto aprendera e amara até então.
Paradoxo interessante, para tornar-se iluminado e deslindar o enigma do sofrimento humano, Gautama teve de provocá-lo ao abandonar a família.
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A fim de entender o curso da jornada espiritual de Gautama, é importante examinar o contexto filosófico e religioso da Índia na época. O sistema hindu de crenças é muito complexo, mas suas raízes comuns encontram-se nas antigas escrituras conhecidas como os Upanishads (cerca de 900-200 a.C.) e nos Vedas, que são anteriores (remontam a mais ou menos 1200 a.C.).
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As escrituras védicas são o produto de um choque cultural e ideológico ocorrido durante o segundo milênio a.C. Os árias do norte invadiram e conquistaram o território dos povos nativos da Índia, por volta de 1700 a.C. Esse episódio ensejou uma rica fusão de tradições e a teologia daí resultante, dominada por divindades arianas, foi articulada nos hinos coletivamente conhecidos como os Vedas (dos quais o mais notável é talvez a obra cosmogônica, o Rig-Veda). O que se sabe da cultura não ariana original é muito pouco, mas importante. Por exemplo, sua orientação religiosa era acentuadamente ascética e igualitária. Em outras palavras, ela enfatizava mais a luta espiritual do indivíduo contra as distrações do corpo do que a elaboração de uma teologia e o estabelecimento de uma hierarquia sacerdotal. Essas dimensões não arianas assumem maior peso no hinduísmo tardio do período Upanishad.
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A literatura védica aborda o panteão básico do hinduísmo. Uma trindade de deuses – Brahma, Vishnu e Shiva – forma o núcleo das crenças hindus.
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Brahma é uma espécie de primeiro princípio não pessoal de toda a criação, enquanto Vishnu (o preservador) e Shiva (o destruidor) aparecem em muitas mitologias. Vishnu é o princípio cósmico responsável pela manutenção da realidade e Shiva transforma essa realidade em formas novas por meio da destruição. As três divindades são manifestações religiosas dos infindáveis ciclos naturais de geração e corrupção, nascimento e morte. Textos hindus mais recentes (depois da morte de Buda), como o Bhagavad Gita e o Ramayana, dão seguimento à teologia de Vishnu em outras encarnações – Krishna e Rama, respectivamente.
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SHIVA
Que tal pisar mais leve, grandalhão?
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Na época de Gautama, as tradições védicas haviam se tornado puro ritual e uma classe de sacerdotes, os brâmanes, eram os donos incontestes da verdade religiosa.
Escondam os livros, rapazes!
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A tradição védica tinha uma metáfora “anatômica” para a rígida ordem social do sistema de castas. A classe brâmane ou sacerdotal era a “cabeça” de um organismo; o guerreiro e a classe nobre eram os “braços”; os comerciantes e artesãos eram as “coxas”; e os camponeses eram os “pés”. Era obrigatório, na concepção hindu, que os indivíduos de cada casta se resignassem a seu papel na ordem cósmica.
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O QUE FOI?
Me aguarde na pr Óxima vida, CAMARADA!
Sabemos que Gautama se tornou hostil à classe sacerdotal e pregou contra as práticas comuns dos sacrifícios ritualísticos de animais, não poupando também as cerimônias vazias. A condição social de Gautama pode explicar em parte esse comportamento, pois há forte ênfase na literatura Upanishad, escrita séculos antes e no decorrer da vida do príncipe, sobre a classe dos guerreiros e príncipes (os ksatriya) a que ele pertencia. Essa ênfase implica que a classe brâmane já vinha perdendo seus antigos privilégios e talvez explique a forte desconfiança que Gautama passou a sentir pela autoridade.
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