Renata Renata Ortiz (arg.) (arg.)
3 . GOSTOS GOSTOS
DE CLASSE CLASSE E
ESTI ESTILOS LOS DE VIDA* VIDA*
A S o c i o l o g i a d e
PIERRE BOURDIEU* ,
As diferentes diferentes posi<;6esno posi<;6esno espac;o social social correspo correspondem ndem estilos estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que sac a retraduc;ao simb6lica de diferen<;as objeti objetivam vament entee inscri inscritas tas nas cond condic; ic;6es 6es de existe existenci ncia. a. As pnltic pnlticas as e as propriedades constituem uma expressaosistematica expressaosistematica das condi90es de existencia existencia (aquilo (aquilo que chamamos chamamos "estilo "estilo de vida") vida") porque saoo produtodo produtodo mesmo operador operador pnltico, pnltico, 0 habitus sistema de disposi< disposi<;oes ;oes duraveis duraveis e habitus - sistema transf transferf erfvei veiss que expri exprime me sob a forma forma de pref prefer~ er~nci ncias as sistem sistemati aticas cas as necess necessida idades des objeti objetivas vas das quais quais ele e 0 produto.' produto.' A correspond~n correspond~ncia cia observada observada entre os espac;os espac;os das posic;oes posic;oes sociais sociais e dos estilos estilos de vida resulta resulta do fate de que condi<;6es condi<;6es semelhante semelhantess produzem produzem habitus substitu substitulveis lveis que, por sua vez, engendram segundo uma 16gica especifica pniticas infinitamente diversas diversas e imprevislveis imprevislveis em seu detalhes detalhesingula ingular, r, mas sempre sempre encerradas encerradas nos
*
* Esta Esta
obra foi publieada publieada originalment originalmentee pela Editora Editora Atiea dentro da Cole9iio Grandes Grandes Ciemistas Sociais, sob 0 tftulo Pierre Bordieu (edi9aO esgotada).
~ setembro/2003
Reproduzido Reproduzido de BOURDIEU, BOURDIEU, P. e SAINT-MARTI SAINT-MARTIN, N, M. Gollts Gollts de c1asse c1asse et styles styles de vie. vie. Actes de la Recherche Recherche en Sciences Sciences Sociales, Sociales, n. 5, (Excerto (Excerto do artigo artigo Anatomie Anatomie du gollt.) gollt.) Actes out. 1976, p. 18-43. Traduzid Traduzidoo por Paula Paula Montero. Montero. 1. As correlac; correlac;oes oes estatf estatfstie stieas as entre entre propriedades, propriedades, assim assim como 0 salado salado ou 0 nfvel de instruC;aoe C;aoe tal ou qual pratica pratica (a fotografi fotografiaa ou a visita visita a museus) museus) nao autorizam autorizam fazer fazer deles fatores explicativ explicativos: os: nao e propriament propriamentee urn baixo ou alto salario que comanda as pnlticas pnlticas modesto ou gosto de luxo, q u e . objetivamente objetivamente ajustadas ajustadas a esses meios, meios, mas 0 gosto, gosto modesto e a transcri transcri9ao 9ao dura vel das pratieas pratieas nas tendenCias e que encontra encontra nesses nesses meios as Clondi90es de sua reaIizac;ao reaIizac;ao.. Isto se torna torna evidente evidente em todos as casas em que, ap6s uma mudanC;adeposiC;ao social, as condic;oes nas quais 0 habitus foi produzido nao coineidf[m com as condic;oes condic;oes nas quais ele funciona e podemos, portanto, portanto, apreender apreender urn efeito efeito aut6nomo aut6nomo do habitus e , por meio dele, das condiC;oes(passadas) de suaproduC;ao.
limites inerentes as condic;oesobjetivas das quais elas sao 0 produto e as quais elas elas estao estao objeti objetivam vament entee adapta adaptadas das.. Gerado Gerado num tipo tipo determ determina inado do de condic;oes condic;oes materia materiais is de existe existencia, ncia, esse sistema sistema de esquemas esquemas geradores, geradores, inse insepa para rave velm lmen ente te etic eticos os e este esteti tico cos, s, expr exprim ime, e, segu segund ndo o sua sua logi logica ca,, a necessidad necessidadee dessas dessas condic;oes condic;oes em em sistemas de preferencias preferencias cujas cujas oposic;oes oposic;oes reprod reproduze uzem, m, sob forma forma transfig transfigura urada da e muit muitas as ve'zes ve'zes irre irrecon conhec hecive ivel, l, as diferen<;asligadas a posi<;aona posi<;aona estrutura da distribuic;ao dos instrumentos instrumentos de apropriac;ao, assim transmutadas em distinc;oes simbOlicas. simbOlicas. conhecimento nto das caracterist caracteristicas icas pertinent pertinentes es ~lcondic;ao economica o conhecime e social (0 volu volume me e a estr estrut utur uraa do cap capit ital al apre apreen endi dido doss sinc sincr6 r6ni nica ca e diacro diacronic nicame amente nte)) so p perm ermite ite compre compreend ender er ou prey preyer er a posi<; posi<;ao ao de tal tal individuo individuo ou grupo no espac;o espac;o dos estilos de vida, ou (0 que da no mesmo) as praticas praticas pelas das quais ele se marca e se demarca, demarca, se for concomita concomitante nte daf6rmula la generativa generativa do sistema ao conheciment conhecimento o (pratico (pratico ou erudito) erudito) daf6rmu sistema de disposi<;oesgenerativas (habitus) no qual essa condi<;aoecon6mi condi<;aoecon6mico-so co-social cial se traduz traduz e que a retraduz. retraduz. Falar Falar do ascetismo ascetismo aristocnit aristocnitico ico dO'sprofe dO'sprofess ss ores ou da pretens pretensao ao da pequena pequena burguesia burguesia nao e somente somente descrever descrever esses grupos grupos median mediante te uma de suas propri proprieda edades des (ainda (ainda que a mais importan importante) te),, mas e tentar indicar 0 principio gerador de todas as propriedades. A sistematic sistematicidade idade e a unidade unidade s6 estao estao no opus operatum porque elas operandi. Essas estao no modus operandi. Essas duas caracterfsti caracterfsticas cas so estao estao no conjunto das "propriedad "propriedades" es" (no duplo sentido do termo) de que se cercam cercam individuos individuos ou g grupos rupos (casas, m6veis, quadros, livros, livros, autom6veis autom6veis,, bebidas, bebidas, cigarros, cigarros, perfumes, roupas) e nas pniticas em que se manifesta sua distinr;ao (esportes, jogos, distrac;oesculturais) porque estao na unidade originariamente habitus, principio sintetica sintetica do habitus, principio unificador unificador e gerador gerador de todas as pniticas. pniticas. 0 gosto, gosto, propensao propensao e aptidao aptidao a apropria apropriac;ao c;ao material material e/ou simb6lica simb6lica de uma categoria categoria de objetos objetos ou praticas praticas classificadas classificadas e classifi classificador cadoras, as, e a f6rmula f6rmula genera generativ tivaa que esta esta no princi principio pio do estilo estilo de vida. vida. Este, Este, e urn conjunto unitario de preferencias distintivas que exprimem, na 16gicaespecffica de cada sUbespac;osimb01ico (mobilia, vestimentas, linguagem ou hexis corporal corporal), ), a unidade de estilo que se entrega mesma mesma inten<;ao inten<;ao expressiv expressiva, a, principio principio da unidade diretamen diretamente te a intuic;a intuic;ao o e que a analise analise destr6i destr6i ao recortarecorta-Io Io em universos universos separados.2 Assim, Assim, a visao de mundo mundo de urn velho marceneiro marceneiro,, sua maneira maneira
2.
Destinado Destinado a manifes manifestar tar a unidade unidade que a intui~1ioimediata intui~1ioimediata apreende e pela pela qual se guiam guiam as opera~5es opera~5es ordinarias de c1assifica~ao, c1assifica~ao, entre entre todas as propriedades propriedades ligadas a urn grupo,0 esquema te6rico das pniticas pniticas e das propriedades propriedades constitutivas constitutivas dos diferentes diferentes estilos de vida
de gerir 0 orc;amento, lidar com 0tempo tempo e 0 corpo, corpo, seu uso da lingua linguagem gem e escolh escolhaa de roupa roupa estao estao inteir inteirame amente nte presen presentes tes em s:ua etica etica de trabal trabalho ho escrupulos escrupulosaa e impecavel impecavel,, no cuidado e esmero, esmero, no bem-acaba bem-acabado do e na estetica do trabalho trabalho pelo trabalho trabalho que 0 faz medir a beleza beleza seus produtos produtos pelo cuidado e paciencia que exigiram. exigiram. Pars totalis, cada dimensao dimensao do estilo estilo de vida simboliza simboliza todas as outras: outras: as oposic;oesentre oposic;oesentre as classes classes se exprimem exprimem tanto no uso da fotografia fotografia e na quantidade quantidade ou qualidade qualidade das bebidas bebidas consurnida consurnidass quanta quanta nas preferenc preferencias ias em pintura pintura ou musica. musica. Do mesmo mesmo modo, a oposic;ao oposic;ao (entre (entre bebida bebida e abstinencia abstinencia,, intemperan intemperanc;a c;a e sobriedade sobriedade,, bar e lar) simboliza simboliza urn aspecto aspecto da oposic;ao oposic;ao entre entre as classes classes populares populares e a pequena pequena burguesia burguesia.. Esta, identifica suas ambic;oes de ascensao e preocupac;oes de respeitabilidade na rupt ruptura ura com tudo tudo que associa associa ao unive universe rse repudi repudiado ado,, no inte interio riorr do universe universe dos connaisseurs, para quem e uma questao de honra honra possuir uma cave requintad requintadaa ou ornamentar ornamentar as paredes paredes com quadros dos grandes grandes mestres. mestres. A oposi<;ao oposi<;ao entre champanhe champanhe e uisque condens condensaa a dista distanci nciaa entre entre a nova nova burguesia e a tradicional, assim como as oposir;oes paralelas entre os m6veis Luis XV e os moveis Knoll, ou entre 0gaullismo gaullismo e 0 atlantismo. As diferenr;as sociais sociais mais fundamentai fundamentaiss poderiam poderiam manifesta manifestar-se r-se quase Hiocompletam Hiocompletamente ente por urn aparelho simb6lico reduzido a meia duzia de elementos (Pernod, vinho espumante espumante,, agua mineral, mineral, Bordeaux, Bordeaux, champanhe champanhe,, ulsque) ulsque) quanto quanto por sistemas sistemas expres expressiv sivos os aparen aparentem tement entee mais mais complex complexos os e refin refinado ados, s, como como os que que os universos universos da musica musica ou da pintura pintura ofere cern a preocupar;ao de distinc;ao.
de
mais is import important antee das diferenr diferenr;as ;as em estilo estilo de vida, vida, e sobretu sobretudo do na o ma "estiliza< "estiliza<;ao ;ao da vida", reside reside nas variac;oes variac;oes de distancia com 0 rnundo rnundo - nas pressoes materiais e urgencias temporais - que depende da urgencia objetiva da situar;ao situar;ao no momento momento considerad considerado o e da disposir;a disposir;ao o para se distanciar distanciar dessa situar;ao situar;ao.. Por sua vez, tal disposir;ao disposir;ao - que mal podemos podemos chamar chamar de subjetiva, subjetiva, pois e objeti objetividad vidadee interiori interiorizada zada e so pode constitui constituir-se r-se em condir; condir;oes oes de
justap6e informa~6es relativas a domfnios que 0 sistema sistema de classifica~ao classifica~ao ordinario ordinario separa - a ponto ponto de tomar impensavel impensavel ou escandalosa escandalosa a simples simples aproxima,,:ao: aproxima,,:ao: 0 efeito efeito de disparate que daf resulta resulta tern a virtude de romper romper as hierarquias hierarquias ordinarias, ordinarias, isto e , as prote~5es que envolvem as praticas praticas mais legftimas, legftimas, e de deixar deixar transparecer transparecer,, assim, as hierarquias hierarquias econom economic ic as e sociais sociais que que af se exprim exprimem, em, mas mas sob uma forrna forrnairr irreco econhe nhecfv cfvel. el. .
existencia relativamente liberadas da urgencia - depende de toda a trajet6ria sociaJ.3 Assim, as preferencias dos openlrios recaem, com mais freqilencia do que em outras classes, em interiores asseados e limpos, faceis de manter, ou nas raupas de carte classica sem as riscos da moda que a necessidade economica, em todo caso, lhes destina. Onde as classes populares, reduzidas aos bens e as virtu des de "primeira necessidade", reivindicam limpeza e comodidade, as classes medias, mais liberadas da urgencia, desejam urn interior quente, intima, confortavel ou cuidado, ou uma roupa da mod a e original. Por serem muito arraigados, esses valores lhes parecem naturais e evidentes, sendo relegados a segundo plano pelas classes privilegiadas. Acatando inten<;oes socialmente reconhecidas como esteticas - harmonia e camposi<;ao -, as classes privilegiadas nao podem identifticar sua distin<;ao com propriedades priiticas au "virtudes" que, Mmuito assimiladas, nao pre cisa m ma is ser reiv ind icad as au que , tor nad as com uns , gua rda m seu valo r de uso, mas perdem seu valor distintivo.4 Assim, as gostosobedecem a uma especie de lei de Engels generalizada: em cada nfvel de distribui<;ao, aquilo que e raro, luxe inacessfvel ou fantasia absurda para as ocupantes do nfvel a nt er io r o u in fe ri or , t or na -s e b an al a u co m um e r el eg ad o a or de m d o necessaria e do evidente mediante 0aparecimento de novas consumos, mais raros e, portanto, distintivos.5 Ajustadas a uma condi9ao de classe como conjunto de possibilidades e de impossibilidades, as disposi<;oes sac tambem adequadas a uma posi<;ao e urn nive! na estrutura de classes, sempre referidas, ao menos objetivamente, as disposi<;6es associadas a outras posi<;6es. Por uma especie de adesao de
Mostramos,em outrosescritos,como a disposi,
segunda ordem a necessidade, as diferentes classes:assumem como ideal etico as escolhas implfcitas do ethos que essa necessidade lhes imp6e, recusando as "virtudes" chamadas de necessidades por outrem. Nao ha pro fiss ao peq uen o-b urg ues a de asc etis mo , nem elo gio do lim po, do s6b rio e do bem-cuidado que nao encerre uma condena9ao tacita a sujeira e a inconveniencia nas palavras au coisas, a intemperan<;a, a imprevidencia ou a irnprudencia, como se as agentes s6 pudessem reconhecer seus val ores naquilo que os valoriza, na ultima diferen<;a que e tambem, muitas vezes, a ultima conquista, na distahcia genetica e estrutural que propriamente as define. Do mesmo modo, nao ha reivindica<;ao burguesa de desembara<;o ou discri<;ao, de desprendimento e desinteresse que naa vise as "pretensoes" sempre marcadas pelo demais ou de menos - da pequena burguesia, acanhada e espalhafatosa, arrogante e servil, inculta au escolar. As chamadas a ordem ("quem voce pens a que e?", "nao e para pessoas coino n6s") - em que se enuncia 0 pri ncip io de con for mid ade , uni ca nor ma ma is au me nos exp lfci ta do gosto popular, e que visam a encorajar as escolhas "modestas" impostas pel as con di< ;oe s ob jetiv as - enc etra m um a arn ea<; a con tra a am bi< ;ao de identificar-secom outros grupos, de se distinguir e se distanciar do grupo. Vma pretensao particularmente condenada nos homens, 0 refinamento em m at er ia d e li ng ua ge m o u d e ve st ua ri o e l og o p er ce bi do c om o s in al d e aburguesamento e tambem como indicio de tendencias efeminadas. Toda tentativa de produzir urn organon estetico comurn a todas as classes esta de antemao cornprornetida, a menos que se jogue sistematicamente com 0 fato de que a lfngua, assim como toda moral universal, e comum as diferentes classes e capaz de receber sentidos diferentes e mesmo opostos nos usos par ticu lare s e ate anta g6n ico s que deJ a se faz . Os grupos se investem inteiramente, com tudo o'que os opoem uns aos o ut ro s, n as p a la vr as c om un s e m q ue s e e xp ri me s ua i de nt id ad e, q ue r dizer, sua diferen<;a. Sob aparente neutralidade, palavras comuns como "pratico", "s6brio", "funcional", "engra<;ado", "fino", "fntimo" e "distinto" estao divididas contra si mesmas, seja porque as diferentes classes lhes conferem sentidos diferentes, seja porque lhes dao 0 mesmo sentido mas atribuem val ores opostos as coisas nomeadas. Por exemplo, a expressao "bem-cuidado" - tao fortemente apropriada por quem pretende manifestar seu gosto pelo trabalho bem feito como urn criterio de perfei9ao estetica - esta carregada de conota90es sociais, confusamente sentidas e recusadaspelos outros. Ou ainda "divertido", cujas conota<;oes sociais - associadasa pro nun cia e loc uc;a o soc ialm ent e ma rca das , rna is par abu rgu esas ou esn obe s
- entram em contradiqao com os valores express os, afastando aqueles que se reconheceriam num equivalente popular a "engragado" ou "gozado"6. A disposigao estetica - com a competencia especffica correspondente, '" ela constitui a condigao da apropriagao legftima da obra de arte - e dimensao de um estilo de vida no qual se exprimem, sob forma irreconhecfvel, as caracterfsticas especfficas de uma condig3.o. Capacidade generalizada de neutralizar as urgencias ordinarias e de colocar entre parenteses os fins praticos, sendo inclinagao e aptidao duniveis numa pnitica sem fungao p ratica, a disposigao estetica s6 se constitui numa experiencia do mundo liberada da urgencia e na prlitica de atividades que tenham em si mesmas sua finalidade, como os exercfcios de escola ou a contempla<;;3.o das obras de arte. A disposig3.oest6tica sup5e uma distancia do mundo (da qual a "distancia em rela<;ao ao papel", de Goffman, e uma dimensao particular) que esta no princfpio da experiencia burguesa. 0consumo material ou simb6lico da obra de arte e uma das manifestag5es supremas do desembarlir;O, no sentido de condi<;ao e de disposig3.o, dado pela lfngua ordinaria a essa palavra. 0 desprendimento do olhar puro nao pode ser dissociado de uma disposi<;ao geral ao gratuito e ao desinteressado, produto paradoxal de um condicionamento economico negativo que engendra a distancia frente a necessidade. Desse modo, a disposi<;ao estetica se define tambem, objetiva e subjetivamente, com rela<;aoa outras disposiq6es: a distancia objetiva frente a necessidade e aos que dela se acham prisioneiros se sobrep5e uma tomada de distancia intencional, reduplica93.0 deliberada, mediante a exibi93.0 da liberdade. Na medida em que cresce a distancia objetiva com relaqao a necessidade, 0 estilo de vida se torna cada vez mais 0 produto de uma "estilizac;ao da vida", decisao sistematica que orienta e organiza as praricas mais diversas, como a escolha de urn vinh07 ou queijo e a decOra93.0da casa de campo. Afirma93.0 de urn poder sobre a necessidade dominada, 0 estilo de vida encerra a reivindica<;ao de uma superioridade legftima sobre aqueles que, nao sabendo manifestar esse desprezo pelas contingencias no luxo gratuito e no desperdfcio ostentat6rio, permanecem dominados pelos interesses e urgencias mundanas. Os gostos de liberdade s6 podem se afirmar como tais com rela<;;aoaos gostos de necessidade e, passando para
a ordem da estetica, constitufdos como vulgares. Tal pretensao tern menos possibilidade que qualquer outra de ser contestada, pois tern todas as chances de passar despercebida aquela relag3.o sobre a qual se funda - disposi93.0 "pura e desinteressada" com relagao as condic;6esque a tornam possivel, isto e, as condi90es materiais de existencia mais raras porque mais liberadas da necessidade economica. Assim, 0 privil6gio mais c1assificador tern 0 privil6gio de aparecer como 0 mais fundado na natureza. Ao conhecer a genese e a estrutura da classificar;ao arbitraria e desconhecida como tal, e portanto legftima - a qual distingue, no interior do universo dos objetos trabalhados aqueles socialmente designados como obras de arte e que exigem e merecem ser abordados segundo uma disposi93.0 propriamente est6tica, capaz de reconhece-Ias e de constitui-Ias como obras de arte8 -, quisemos estabelecer empiricamente ascondigoes sociais de possibilidade da disposigao estetica que determinam a maneira como varia a aptidao para adotar essa disposig3.o. Sem poder montar urn instrumento experimental, tentamos medir indiretamente a disposi<;aoestetica - sob forma de aptidao para reconhecer como devendo ser apreendidos esteticamente quaisquer objetos desigualmente constitufdos esteticamente - mediante a produr;ao artfstica no momenta considerado. Essa aptidao funciona sob modo de conhecimento, isto e, do saber que nao implica necessariamente uma pratica correspondente. As declara<;oes dos entrevistados sobre 0 que consideram "fotografavel" delimitam 0 campo do que a seus olhos 6 suscetfvel de ser constitufdo esteticamente (por oposigao ao que dele e excluido por sua insignificancia, feiura ou por razoes eticas). A aptidao para adotar a disposi<;ao estetica se mede pela distancia (que, num campo de produc;ao cuja lei de evoluc;ao e a dialetica da distin<;ao, e tamb6m uma distancia temporal, urn atraso) entre 0 que e esteticamente constitufdo por urn grupo considerado e 0 que e esteticamente constitufdo pela vanguarda artistica.9
8. 9.
6. Daf 0 interesse e a extrema eomplexidade do "teste etieo", que eonsiste em propor a todos os entrevistados, qualquer que seja sua classe social, a mesma !ista de adjetivos, para caracterizar 0amigo, a vestimenta ou 0interior ideal. 7. No original, millesime: eifra indicadora da data de uma selo, moed!l, ou - neste easo - de urn vinho. (N. da T.)
Ver BOURDIEU, P. Disposition esthCtique et competence artistique, Les Temps Modernes, 295,1971, p. 1345-78. Nas previassubmetemos ao julgamento dos entrevistados algumas fotografias, na maioria celebres, de objetos que foram simplesmente nomeados nas entrevistas propriamente ditas - pedras, mulher gravida. As rea~5es registradas diante da simples imagem se revelaram semelhantes aquelas que suscitava a imagem realizada; recorremos a fotografias, por uma lado, para evitar os efeitos de imposi~ao de legitimidade que teria produzido a pintura; por outro, porque sendo a pnltica da fotografia percebida como mais acessfvel, os julgamentos formulados arriscavam ser menos irreais.
Nad a disti ngu e com ma is rigo r as clas ses do que as disp osic ;5es e as competencias objetivamente exigidas pelo consumo legitimo das obras legftimas. Mais rara do que a capacidade comum de adotar urn ponto de vista estetico sobre objetos ja constitufdos esteticamente - apresentados, portanto, a admirac;ao daqueles que aprenderam a reconhecer os sinais - e a capacidade reservada aos "criadores" de constituir esteticamente objetos quaisquer ou mesmo "vulgares" (porque apropriados, esteticamente ou nao, pelo vulgar) ou a aptidao para engajar os princfpios de uma estetica "pura" nas escolhas m ai s o r din ar ia s d a e xi st en ci a, e m m at er ia d e co zi nh a, v es ti me nta ou decoraC;ao. Defrontados com as obras de arte legitimas, os mais desprovidos de competencia especffica lhes aplicam esquemas universais do ethos, os quais estruturam sua percepC;ao dos objetos do mundo. Concedendo uma atenc;ao secundaria forma - sem poder separar os panos de fundo esteticos, o que impede de percebe-la como tal e, sobretudo, sem meios de apreender as propriedades distintivas do modo e do estilo que lhes advem de sua relac;ao com outras formas (no campo das obras e sua hist6ria e pela referencia a elas) - eles s6 podem ligar-se a coisa representada, interrogando-se sobre 0 que ela "quer dizer" e recusando-lhe qualquer valor quando nao preenche sua func;ao primeira, que e dizer 0 que tern para dizer, C"epresentar 0 qu e representa. Mas a forma s6 e plenamente justificada; independente da perf eic; ao com que pre enc he sua func ;ao de repr esen tac; ao, se a cois a representada merece se-lo, se a func;ao de representac;ao esta subordinada a uma func;ao mais alta (como louvar e ex altar) fixando-a e eternizando-a como realidade digna de ser sublimada. Tal e 0 fundamento do "gosto barbaro" de que falava Kant e ao qual as form as mais antiteticas do gosto dominante sempre se referem negativamente: esse funcionalismo realista reconhece apenas a representac;ao realista de objetos designados por sua beleza e importancia social, excluindo a possibilidade de que uma coisa feia seja objeto de uma bel a representac;ao (a serpente) ou que uma coisa bela fielmente representada nao seja automaticamente bel a (0 por-do-sol).10 0interesse pela forma, quando se exprime, encontra fundamento nos esquemas do ethos, disposic;oes eticas que engendram produtos de uma sistematicidade nao . desejada, em tudo opostas aos princfpios mais ou men os completamente explicitados de uma escolha estetica. ll 0 interesse pela forma s6 assume seu
a
10. Para um a an31isedo gostopopular como "barbaro"oposto em tudo ao gosto "puro" e "de-
sinteressado",vel'BOURDIEU,P. et aI. Un Art Moyen. Paris: Minuit, 1965,p. 113-33. 11. E esse, sem duvida, 0 fundamentoobjetivoda representac;aopopulistado proletariocom o "em si", opaco, denso e duro, antiteseperfeita do intelectual, "para si", U'ansparentepara ele mesmo, e inconsistente.
verdadeiro gosto pelo prM icas , a sobriedade
sentido quando 0 trazemos a seu verdadeiro princfpio (como 0 trabalho bem-cuidado), que se exprime tambem em todas as hipe rco rrec ;ao da ling uag em , a estr ita cor rec; 3.o do vest uar io ou a do lar.
(uma casca, armac;ao A aptidao para encarar objetos ordinarios metalica, repolhos), espontaneamente "odiosos" (uma cobra), ou tabus sociais ( um a m ul he r g ra vi da o u u rn ac id en te a ut om ob il fs ti co ) c om o b el os o u 0 mais acessfvel dos pas sfve is de tran sfigu raC ;ao arti stica (pe la foto gra fia, instrumentos de produc;ao artfstica), esta fortemente ligada ao capital cultural herdado ou adquirido escolarmente. 12 Somente uma minoria (produtores artfsticos, professores de ensino superior e mediadores culturais) considera, como 0quera definic;ao legftima da disposic;ao legftima, que qualquer coisa pod e ser obje to de um a bela foto gra fia. Os integrantes das classes populares e as frac;oes menos ricas em capital cultural das classes medias recusam sistematicamente a sofisticac;ao prop riam ente este tica qua ndo a enc ontr am em espe tacu los que Ihe s sao familiares, como os programas de variedades televisionadas. 13 Do mesmo modo que no cinema muitas vezes fica desconcertado com os flash-backs, o publico popular gosta das intrigas 16gicas e cronologicamente orientadas par a urn happy end e se situa melhor nas situac;5es e personagens simples do
12. A dependenciados gostos em materia de cultura legitima, com relac;aoas condic;5eseconomicas,se estabelecepOl'i ntermedioda disposic;aoestetica (cujaconstituic;aoe usa - disUl.nciacom relac ;ao a necessidade - elas tornam possive!) e do capitaI cultural, que, s6 pod endo ser acu mul ado - isto e, inco rpo rado - me dian te ur n ga sto e m dinh eiro e tem po, e um a fonna transformadadas condic;5eseconomicas. 13. "Eu nao gosto nada desses neg6cios todos cortados, onde vemos cabec;a,urn nariz, uma pern a ( ...). Vem os urn c anto r qu e te rn tre s me tros de aItu ra, dep ois ele tern br a~o s de dois metros de largura, voce acha isso engrac;ado?Ah, eu nao gosto, e bobo, eu nao vejo interesse em deformaras coisas" (padeira de Grenoble).Diferentes pesquisasconfinnam essa hostilidade a toda especie de experimentac;aoformal. Vma pesquisaregistra 0 desconcerto dos telespectadoresdiante de Les Perses, espetaculo estilizadoe dificil de seguirdevido a ausenciade dialogose de trama visivel (Les TeLespectateurs en 1967, relat6rio dos estudos de mercado da ORTF,I, p. 69 et seqs.).U ma outra, que compara as rea~5esdiante da "noite de gala da Unicef', de estilo classico, e "Allegro", menos tradicional, estabelece que 0 pub lico pop ular cons ider a a so fisti cac ;aodas tom ada s de ce na e da e stiliz ac;a odo c enario urn empobrecimentoda realidade e percebe freqiientementecomo deficiencias tecnicas as tomadas de cena em superexposic;ao;e le aplaude, ao contrario, 0que chama de "ambiencia", isto e, uma ce rta quaIidadede relac;oescriadas entre 0 pub lico e as artis tas, deplorandocomo falta de calor a ausenciade animadores (ibid, p. 78).
que nas "hist6rias" ambiguas e simb61icas, sem ordem aparente e remetendo a experiencias e a problemas totalmente estranhos a experiencia ordinaria. Vemos nesses exemplos que 0 principio de tais recusas nao esta apenas na falta de competencia tecnica, mas na adesao a um conjunto de "valores" que nega a pesquisa formal. Assim, 0 gosto do publico popular por shows mais grandiosos (music-hall, teatro de boulevard, circo, grandes produ<;;5es cinematograficas) e pelo aspecto mais espetacular - trajes, musica, aC;;ao, movimento fantastico, paixao pelas formas de cornico e sobretudo pela par6dia ou satira dos "grandes" (irnitadores, cat1tores etc.) - sao dimens5es do ethos dafesta, da franca diversao e riso livre que libera, invertendo 0 mundo social, as conven<;;5ese as conveniencias. Ja a preferencia pela pintura figurativa e pel a representac;;ao fiel da beleza natural - bela crianc;;a,bela menina, belo animal, bela paisagem - se inspira numa recusa ao formalismo que coloca em primeiro plano a forma (isto e, 0 artista, com suas intenc;;oes,jogos e efeitos) e se distancia da propria coisa, vetando uma comunica<;;aodireta e total com a beleza do mundo que e a forma por excelencia da experiencia estetica popular. 14Nada se op6e mais a esse culto da beleza e da alegria do mundo, ao qual 0 artista deve servir, do que as experimentac;;5es da pintura cubista, unanimemente apontadas como agress5es a ordem natural e,' sobretudo, a figura humana. As distancias entre as classes sac mais marcadas quando consideramos a competencia especifica, uma das condi<;;oes(tacitas) do consumo de bens de cultura legftimos. Assim, 0 numero de compositores de:musica conhecidos e func;;aodireta do capital escolar (daf a distancia entre industriais e grandes comerciantes, e artesaos ou pequenos comerciantes: enquanto nenhum dos
14. A experimenta<;:3.oformal - que, na literatura ou no teatro, leva a obscuridade - e , aos olhos do publico popular, urn dos indicios daquilo que por vezes e sentido como urn dese jo de afastar 0 nao-iniciado, ou, como dizia mais ou menos outra entrevistada acerca de certas transmiss5es culturais da televisao, de que se esta falando a outros iniciados "por cima da cabe<;:ado publico". Porque pertence.a ordem do sagrado e do separado"a cultura legftima sempre se anuncia por interm6dio de todo urn aparato de distanciamento de que a solenidade de museu 6 urn exemplo. 0 grand magasin nao e a galeria do povo simplesmente porque oferece objetos que fazem parte do mundo familiar, cujo uso conhecemos, e que poderiam inserir-se no quadro cotidiano e podemos nomear e julgar com as palavras de todos os dias (quente ou frio, simples ou empetecado, extravagante ou s6brio, opulento ou escasso); ele 0 6, tambem e sobretudo, porque Iii as pessoas nao se sentem conceituadas a partir de normas transcendentes, das regras da "boa educa<;:ao"de uma classe reputada superior, mas sim autorizadas a julgar livremente, em nome do arbitrio legitimo dos gostos e cores.
trabalhadores ou empregados interrogados e capaz de identificar pelo menos 12 compositores de 16 obras apresentadas, 52% dos produtores artisticos e dos professores - 78% s6 entre os professores de ensino superior atingem - esse escore).15 o indice de respostas em branco a questao sobre os pintores ou sobre as obras musicais preferidas tambem depende estreitamente do nivel de instruc;;ao,opondo fortemente as classes populares, os artesaos e os pequenos comerciantes as classes superiores.16 Do mesmo modo, a audiencia as estac;;5esde radio mais "eruditas", France-Musique e France-Culture, e das transmissoes musicais ou culturais, a posse de Uma eletrola, a audi<;;aode discos (cuja natureza ignoramos, 0 que minimiza as distancias), a freqiiencia a museus e b nivel de competencia em pintura, trac;;oscom forte correlac;;ao, sao estreita func;;aodo capital cultural e hierarquizam brutalmente as diferentes classes e frac;;5esde classe (a audiencia a programas de variedades varia em sentido inverso),17
As classes sociais se diferenciam menos pe10 grau em que reconhecem a cultura legftima do que pelo grau em que a conhecem: as dec1arac;;5esde indiferen<;;asao excepcionais, e mais ainda 0 saoas rejeic;;5es- ao menos numa situac;;aode imposic;;aode legitimidade que cria a relac;;aode pesquisa cultural como um quase-exame. Um dos mais seguros testemunhos de
15. Pelo fatode se apresentar como urn verdadeiro teste de inteligencia, a questllo sobre os compositores permitiu medir os nfveis de competencia espedfica e suas variac;:5essegundo diferenies variaveis, mais precisamente do que a questao sobre os pintores, que aparecia como uma questao de preferencia, mas que s6 funcionava como tal a partir de urn certo nivel de competencia. 16. Nesse caso, 0 fato de responder au nao depende tanto das di$posi<;:oesquanto da pura com petencia, de maneira que 0 esnobismo cultural que caractenza particularmente a nova pequena burguesia af pode exprimir-se (inversamente, os professores primarios, que identificam mais compositores que as membros da nova pequena burguesia, negam-se mais freqUentemente do que aqueles a exprimir suas preferencias). 17. Para atividades que, como a pratica de uma arte p!astica ou de urn instrumento musical, sup5em urn capital cultural adquirido no mais das vezes fora da escola e independentemente (relativamente) do nivel escolar, a correla<;:ao,muito forte tambem, com a classe social se estabelece por intermedio da trajet6ria social (0 que explica a posi<;:aoparticular da nova pequena burguesia).
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reconhecimento da legitimidade esta na propensao dos entrevistados a dissimular sua ignorancia ou indifereneraease esforerarem propor as opini5es e praticas mais conformes a definierao legitima. Basta relacionar as opini5es sobre a musica com 0 conhecimento das obras para ver que uma boa parte (2/3) daqueles que escolhem a resposta mais "nobre" ("eu gosto de toda musica dequalidade") tern urn conhecimento muito mediocre das obras musicais. Em outro nivel, muitos dos que dizem gostar das "valsas de Strauss" estao entre os mais totalmente privados de competencia cultural e rendem home nag em a legitimidade cultural d:l' qual, a seus olhos, 0 entrevistador e depositario, escolhendo em seu repertorio 0 que Ihes parece mais de acordo com a defini9ao legftima. Mas esse reconhecimento, indubitaveI, nao elimina 0 sentimento da exclusao.~ara mais da metade das pessoas interrogadas, a cultura erudita e urn universo estranho, longinquo e inacessivel; s6 entre os detentores de tftulo superior e que 0 sentimento de estar no mesmo nivel das obras legitimas deixa de ser priviIegio de uma minoria para se tomar urn atributo estatutano.18 Poderfamos dizer que a distilncia em relaeraoas obras legftimas se mede pela distancia em relaerao ao sistema escolar se a edtlcaerao familiar nao tiver urn papel tao insubstituivel, devido a sua prioridade e precocidade, na transmissaQ dos instrumentos e do modo de apropria9ao legitimos. Nao por acaso as pesquisas sobre praticas e opinioes em materia de cultura tendem a assumir a forma de urn exame no qual os entrevistados, que sac e sentemse medidos em rela9ao a norma, obtem resultados hierarquizados de acordo com seu grau de dedicaerao escolar e exprimem preferencias que correspondem bastante a seus titulos, no contetido e na modalidade. 0 fato aparentemente paradoxal e que, quanto mais nos 'elevamos na hierarquia social, mais a verdade dos gostos reside na organizaerao e no funcionamento do sistema escolar, encarregado de inculcar 0 programa (no sentido da escola
que nao correspondern a nenhurna pratica real. Assirn, numa pesquisa sobre 0 publico de teatro, 74% dos entrevistados de nlvel primario (e 6 6% de nlvel secundario) aprovam pre julgamentos, tais como "0 teatro eleva 0 espfrito" e se perdern em discurso de complacencia sobre as virtudes "positivas", "instrutivas", "intelectuais" do teatro, ern oposi'i'iio ao cinema, simples distra9lio, facH, fatica, ate vulgar. Por mais fictfcias que sejam, essas declara90es encerram uma realidade e nlio e insignificante que os mais desguarnecidos cuIturalmente, os rnais velhos, os que moram mais longe de Paris e tern menos chances de ir realmente ao teatro, sejam os que reconhecem rnais freqUenternente que "oteatro eleva o espfrito",
e da informatica) pessoal"
que govern a os espfritos "cultos" ate na procura do "toque
e na ambi<;ao da "originalidade".
Ligadas
a
trajet6ria
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social e
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essencialmente atribufveis a urna transmissao de capital cultural nao sancionada pelo sistema escolar, as discrepancias entre os Wulos escolares e a competencia cultural sao, entretanto, bastante freqtientts para que seja salvaguardada
a irredutibilidade,
que a propria escola reconhece,
"autentica" ao saber "escolar", desvalorizado como tal. Wio seria necessario demonstrar que a cultura adquirida forma particular
de competencia
a que chamamos
da cultura ou que essa
"gosto" e um produto
da
educar;ao ou que nada e mais banal do que a procura da originalidade se urn conjunto de mecanismos sociais nao viesse dissimular essas verdades primeiras que a ciencia deve restabe1ecer, deterrninando as condir;oes e funr;oes de sua dissimulaC;ao. Assim, a ideologia
do gosto natural, que repousa
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negar;ao de todas essas evidencias, obtem sua aparencia e efiClicia daquilo que, como todas as estrategias ideol6gicas que se engendram na Iuta de classes cotidiana, ela naturaliza as diferenr;as reais, convertendo em diferen<;:as de natureza observa
aquelas
nas palavras
deri vadas do modo de aquisiC;ao da cultura. de urn esteta
da arte culinaria
Isso se
que nao diverge
de
Francastel quando, a urn autodestrutivo historiador da arte, reconhece como competencia Iegftima em materia de pintura apenas aquela que permitesentir, e nao compreender: Nao se pode confundir 0 gosto com a gastronomia. Se 0 gosto e urn dom natural de reconhecer e de amar a perfei9aO, a gastronomia, ao contnirio, e 0 conjunto de regras que presidem a cultura e a educa~ao do gosto. A gastronomia e , para 0 gosto, 0 que a gramiitica e a literatura sac para 0 sentido literario. Eis aqui colocado 0 problema essencial: se 0 gourmet e urn conhecedor refinado, sera 0 gastronomo urn pedante? (...). o gourmet e 0 gastronomo de si mesmo, como 0 homd;m de gosto e seu pr6prio gramMico (... ). Nem todos sao gourmets; eis por que e preciso 0 que haver gastronomos (... ). E preciso pensar dos gastronomos pensamos dos pedagogos em geral: que sao, as vezes, pedantes insuportaveis, mas que tern sua utilidade. Pertencem ao genero inferior e modesto e deles depende a melhora desse genero um pouco subalterno a fon;a de talo, de medida e de elegante Ieveza (...). Existe urn mau gosto (...), e osrefinados
sentem isso por instinto. Para aqueles que nao
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Por meio das modalidades de competencia cultural e de utiliza<;ao, a ideologia do gosto natural op6e dois modos de aquisic;ao da cultura: 0 aprendizado total, precoce e insensivel, levado a efeito desde a primeira infancia no seio da famnia, e 0 aprendizado tardio, met6dico, acelerado, assegurado por uma ac;aopedagogic a expHcita e expressa. 0 aprendizado quase natural e espontaneo da cultura se distingue de todas as formas de aprendizado forc;ado, nao tanto (como quer a ideologia do "verniz" cultural) pela profundidade e durabilidade de seus efeitos, mas pelaI modalidade da relac;ao com a cultura que ele favorece. Esse primeiro aprendizado confere a certeza de si, correlativa a certeza de deter a legitimidade cultural, verdadeiro principio do desembarac;o ao qual identificamos a excelencia. Ele produz uma relac;aofamiliar, mais proxima e desenvolta, com a cultura como urn bem de familia que sempre conhecemos e do qual nos sentimos herdeiros legitimos. A musica nao sac os discos e a eletrola, gra<;as aos quais descobrimos Bach e Vivaldi, mas 0 piano da famflia, ouvido desde a infancia e vagamente praticado ate a adolescencia; a pintura nilo sac os museus, de repente descobertos no prolongamento de urn aprendizado escolar, mas 0 cenario do universo familiar. Alem disso, como bem 0 sentem as profetas do gosto natural, todo aprendizado racional sup6e urn minimo de racionalizac;ao que deixa sua marca na relac;ao mais intelectual com os bens consumidos. 0 prazer soberano do esteta dispensa 0 conceito. Ele se op6e ao prazer sem reflexao do "ingenuo" (que a ideologia exalta par meio do mito do olhar novo da infancia) e ao pensamento (presumido) sem prazer do pequeno-burgues e do parvenu, sempre expostos a formas de perversao ascetica que levam a privilegiar 0 saber em detrimento da experiencia, 0 discurso acerca da obra em detrimento de sua contemplac;ao, assim como os cinefilos que sabem tudo sobre filmes que nao viram. Nao e que 0 sistema escolar realize completamente sua verdade; 0 essencial daquilo que a escola comunica e adquirido tambem por acrescimo, tal como 0 sistema da classifica<;ao que 0 sistema esco;ar estabelece pela ordem de inculcac;aodos saberes ou da organiza<;aoda institui<;aoencarregada de assegura-Ia (hierarquia das disciplinas; sess6es, exerdcios). Mas 0 sistema escolar deve operar, para as necessidades da transmissao, urn minimo de racionaliza<;ao daquilo que transmite: dessa forma, substitui os esquemas prMicos de classifica<;ao, sempre parciais e ligados a contextos pniticos, pelas taxionomias expHcitas e padronizadas, fixadas uma vez pOl'todas sob a forma de esquemas sin6pticos ou tipologias dualistas (como classico/romiintico) e expressamente inculcadas, portanto, conservadas na memoria sob a forma
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de saberes suscetiveis de ser restituidos, mais ou menos identicos, por todos os agentes submetidos a sua a<;ao.Fornecendo os instrumentos de expressao que permitem levar para a ordem do discurso quase sistematico as preferencias pr:iticas e organiza-Ias expressamente em torno deprincfpios explfcitos, 0 sistema escolar torna possivel 0 dominio simb6lico (mais ou menos adequado) dos principios praticos do gosto mediante uma opera<;ao anaIoga a que realiza a gramatica ao racionalizar, para aqueles que a conhecem, o "sentimento da beleza", dando-Ihes meios de referir-se a regras, preceitos e receitas em vez de remeter-se aos acasos da improvisa<;ao e substituindo a quase sistematicidade intencional de uma estetica pela sistematicidade objetiva da estetica em si que e produzida pelos princfpios praticos do gosto. Desse modo (0 que determina 0 furor dos estetas contr~ os pedagogos e a pedagogia), 0sistema escolar procura substitutos a experiencia direta, oferece atalhos ao longo encaminhamento da familiariza<;ao, possibilita praticas que sac produto do conceito e da regra ao inves de surgir da pretendida espontaneidade do "gosto natural" e oferece um recurso para aqueles que esperam recuperar 0 tempo perdido.
Reintegrando a rela<;ao entre cultura e estilo de vida, da qual este constitui uma dimensao mais privilegiada (sendo um principio altamente distintivo de classifica<;aosocial), podemos caracterizar 0 estilo de vida das classes sociais (sua cultura, no sentido amplo da etnologia) como algo que engloba a posse, ou sua falta, da "cultura" (no sentido restrito e normative do usa ordinario). Seria tao inutil tentar definir 0 gosto dominante sem reinseri-Io no estilo de vida do qual ele e uma das manifesta<;oesquanta tentar - por medo de se expor a descreve-Io como privG<;iio - defini-Io em si e por si mesmo, fora de qualquer referencia a cultura legftima e ao estilo de vida dominante, 0 qual, como 0 estilo das classes populares, deve suas propriedades precisamente a priva<;ao.20 Em mais de um caso, 0 culto a "cultura popular" e apenas uma forma irrepreensivel do racismo de c1asse que
20. Nao basta lembrar, contra
0 relativismo
semi-erudito,
cada, de panta a ponta, peia cultura dominante
que a "cultura" dominada
e pela desvalorizayao
estii mar-
da qual ela e objeto.
A cultura dominante deve tambem suas propriedades mais fundarncntais sempre se define negativamente em rela9iio as "culturas" dominadas.
leva a ratificar a priva<;aocultural (justificando a evasao do sistema escolar). o estilo de vida das classes populares deve suas caracteristicas fundamentais (incluindo as.que parecem mais positivas) ao fatode r;epresentar umaforma de adaptQl;iio a posi<;aoocupada na estrutura social: par isso, encerra sempre - nem que seja como sentimento de incapacidade, de irrcompetencia, fracasso ou indignidade cultural - uma forma de reconheeimento dos valores dominantes. 0 que distingue as classes populares das outras e menos (e cada vez menos) a inten<;aoobjetiva de seu estilodo que os meios economicos e culturais quepodem colocar em a<;aopara realiza-Ia. Esse desapossamento da capacidade de formular os pr6prios fins (e a imposi<;ao correlativa de necessidades artificiais) e a forma mais sutil da aliena<;ao. 0 estilo de vida popular se define tanto pela ausencia de todos os conSumos de luxe - ufsque au quadros, champanhe ou concertos, cruzeiros ou exposi<;oesde arte, caviar ou antigilidades - quanto pelo fato de que esses consumos apresentam-se sob forma de substitutos (0 vinho gasoso no lugar do champanhe, uma imita<;aono lugar do couro), indfcios de um despojamento de segundo grau que acata a defini<;aodos bens dignos de posse. A rela<;aodos membros das classes populares com a cultura dominante (literaria, artfstica e cientffica) nao e tao diferente daquela que mantem com seu universe de trabalho. Exc1ufdos da propriedade dos instrumentos de produ<;ao, sac tambem privados dos instrumentos deapropria<;ao simb6lica das maquinas a que servem, nao possuindo 0 capital cultural incorporado que e a condi<;ao da apropria<;ao (ao menos na defini<;ao legftima) do capital cultural objetivado nos objetos tecnicos. Sob forma de oposi<;ao entre a competencia - saber que implica um poder - e a incompetencia, entre 0 dominio pratico e 0 te6rico, entre 0 conhecimento dos princfpios e 0 dos discursos de acompanhamento, eles sentem concretamente seu desapossamento. Dominados pelas maquinas a que servem e pOl'aquelesque detem os meios legftimos (isto e, te6ricos) de domina-los, eles reencontram a cultura (na fabrica e na escola, que ensina 0 respeito pelos saberes inuteis e desinteressados) como um principio de ordem que nao tem necessidade de desmontar sua utilidade pnitica para ser justificado.21 A obra de arte deve boa parte de sua legitimidade ao fate de que a experiencia - que dela podem ter as que estao desprovidos de saberes inuteis aos quais ela e solidana - nada
ao fato de que ela
21. Uma das principais
funyoes do ensino tecnico consisle emfimdar essa ordem na razuo,
natllraliza-Ia conferindo-Ihe a autoridade da razao pedag6gicae L'ordre des Chases. Paris: Minuit. 1971).
cientffica (GRIGNON. C.
mais e do que 0 limite de algo mais fundamental e ordinario: a eisao, que tende a reproduzir-se no terreno politico. Ela se estabelece entre saberes praticos, parciais e tacitos e conh ecimentos te6ricos, sistematicos e explfcitos; ciencia e tecnica; "concepc;ao" e "execuc;ao"; 0 "criador" que da seu nome a obra "original e pessoal" e assume sua propriedade e 0 operiirio sem qualificac;ao, simples servidor de uma intenc;ao que 0 ultrapassa, executor desapossado do pensamento de sua pratica. "Do mesmo modo que 0 povo eleito trazia inscrito sobre sua fronte que ele pertencia a Jeova, a divisao de trabalho imprime no trabalhador da manufatura um selo que 0 consagra propriedade do capital." Esse selo e estigma, do qual fala Marx, nao e senao 0 proprio estilo de vida pelo qual os mais despossufdos se denunciam imediatamente, ate no uso de seu tempo livre, destinando-se, assim, a servir de contraste para todos os empreendimentos dedistinc;ao e para contribuir de maneira inteiramente negativa, com a dialetica da pretensao e da distinc;aoque esta no princfpio das mudanc;as incessantes do gosto, Nao contentes em nao deter pelo menos alguns dos conhecimentos ou maneiras valorizados no mercado dos exames escolares ou das conversas mundanas e em possuir apenas habilidades ou saberes sem valor nesses mercados, nao contentes em estar despojados do saber e da boa educac;ao,eles sac ainda aqueles que "nao sabem viver" e mais se sacrificam por alimentos materiais - mais pesados, grosseiros e que mais engordam, como pao, batatas e gorduras, e mais vulgares, como 0 vinho. Sao aqueles que destinam menos recursos ao vestuario e aos cuidados corporais, aos cosmeticos e a est6tica; aqueles que "nao sabem descansar" e "encontram sempre alguma coisa para fazer"; que fincam a barraca nos campings superlotados e fazem piquenique a beira da estrada; que se metem com seu Renault 5 au seu Simca 1.000 nos engarrafamentos das safdas de Urias; que se dedicamaos lazeres pre-fabricados concebidos para eles pelos engenheiros de produc;ao cultural em massa; aqueles que, por todas essas escolhas tao mal-inspiradas, confirmam 0racismo de classe na convicc;ao de que nao tern senao 0 que merecem,
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fazem os funcionarios, e as operarias 83,7%. Eles compram as mesmas roup as mais baratas (83% em casac5es; 68,7% em casacos; 83,5% em sapatos, diferen<;a muito mais marcada nas mulheres) e, sobretudo, roupas diferentes: casacos de couro, ou imita<;oes, e capotes, em oposi9ao aos casac5es dos funcionarios; conjuntos, jardineiras ou macac5es de trabalho em oposi9ao a blusas e aventais, jaquetas, casacos e japonas. Os openirios qualifieados, tiniea categoria isolada nas estatfstieas disponfveis, distinguemse quase tanto dos funcionarios, ainda que tenham 0 mesmo salario, quanta do conjunto dos operarios (salvo nas despesas com filmes e discos). Tudo parece indicar que entre os operarios e os funcionarios M uma verdadeira fronteira, ao menos de estilo de vida. 23 0conjullto dos operarios, qualquer que seja seu estatuto profissional ou sexo, permanece submetido ao princfpio de conformidade que, em mais de urn caso, deixa de ser urn principio negativo para produzir uma solidariedade ativa. Nao e no terreno da cultura, entretanto, que se pode esperar encontrar uma distfmcia ou distanciamento, salvo que seja inteiramente negativa, a revelia, com rela9ao a classe dominante e seus valores. Em tudo que se refere a arte de viver existe uma sabedoria adquirida a custa de necessidade, sofrimento, humilha<;ao e sedimentada numa Iinguagem herd ada, densa ate nos seus estere6tipos, bem como urn sentido do regozijo e da festa, da expressao de si e de solidariedade pr
23. Seria interessante determinar, mediante uma analise propriamente linglifstica, como se define essa fronteira no domfnio da linguagem. Se aceitarmos 0 veredito do "sentido social" dos entrevistadores, boa parte - nao do estatuto lingUfstico da Ifngua utilizada pelos entrevistados - da imagem social que dela podem fazer os interlocutores cultos (as taxionomias empregadas para classificar as linguagens e as pronuncias sao as de uso escolar), veremos que essa diferenc;a e muito marcada entre os openirios (e tambem os artesaos e os pequenos comerciantes) e os funcionarios: dentre os primeiros, 42% somente falam uma linguagem julgada "correta", contra 77% entre os funcionarios (a que e preciso acrescentar 4% de linguagem "polida", totalmente ausente entre os operarios); do mesmo modo, a "ausencia de sotaque" passa de 12,5% para 28%.
- devem encontrar, se forem la ver, apenas uma forma mutilada, diminufda, empobrecida e parcial da cultura dominante, e nap 0 que eles chamam de contracultura, a qual e realmente dirigida contra a cultura dominante e conscientemente reivindicada como sfmbolo de urn estatuto ou profissao de existencia separada. Se nao existe arte popular no sentido de arte da c1asse trabalhadora urbana, e talvez porque esta classe - ainda que tenha suas hierarquias, no fundo negativas e definidas pela distancia em rela9ao a miseria e a inseguran9a absolutas do subproletariado - permanece definida fundamentalmente pela rela9ao de despossufdo a possuidor que 0 une a burguesia, em materia de cultura e do resto.24 0que se entende comumente por arte popular (arte das classes camponesas nas sociedades capitalistas e pre-capitalistas) e 0 produto de uma intengao de estiIiza<;aocorrelativa da existencia de uma hierarquia: os isolados relativamente autonomos com base local tern tamMm sua hierarquia do luxo e da necessidade, que as marcas simb6licas (vestuario, m6veis, j6ias) redobram ao exprimi-la. Tambem af a arte marca diferen<;,as e as pressupoe. Nao por acaso, a Ifngua e 0 tinieo dominio da pnitica dasclasses populares em que 0estilo tern acesso a estiIiza<;ao(a gfria, lfngua dos chefes etc.), e encerra a afirma9ao de uma contralegitimidade, por exemplo, pela inten<;aode irrisao e de dessacraliza9ao dos "valores" da moral e da estetica dorninantes, mesmo em terrenos como a arte de viver. Nao se leva em conta que a 16gica especffica da dornina9ao simb6lica faz que urn forte reconhecimento da legitimidade cultural possa coexistir, e coexista muitas vezes, com uma contestagao muito radical da legitirnidade polftica. E tambem que a tomada de consciencia polftica e freqtientemente solidaria a urn empreendimento de restaurar;ao da dignidade cultural que, vivida como libertadora (0 que ela tambem e), implica uma forma de subrnissao aos valores dorninantes e aos princfpios sobre os quais a classe dorninante funda sua domina<;ao, tais como 0recClnhecimento de hierarquias Iigadas a tftulos escolares ou a capacidades que a escola supostamente garante. Sobre esse ponto (que, somente ele, exig: uma investigar;ao quanto
24. A "carreira" que se oferece aos trabalhadores e vivida em primeiro lugar como 0 inverso da carreira negativa que conduz ao subproletariado; 0 qUe,C0ntanas "promoc;6es" sao, juntamentecom as vantagens financeiras, as garantias suplementares contra a ameac;a sem pre presente da recafda na inseguran9a e na miseriaJA potencialidade da "carreira negativa" e tao importante para explicar as tendencias dostrabalhadores qualificados quanto a potencialidade da promoc;ao pata compreender as teildencias dos funcionirios e dos quadros medios.)
a posi<;ao na divisao de trabalho, a consciencia polftica e a representa<;:ao cultural), a pesquisa estabelece que 0 reconhecimento da cultura dominante (manifestada por meio da vergonha da ignorancia ou do esfor<;opor adequarse) e quase universal e que, se deixamos de lade a cultura hist6rica e polftica - nao medida aqui, mas cujas varia<;5esprovavelmente seguem os mesmos princfpios -, as diferen<;:asmais marcadas no seio da classe trabalhadora concemem a todos os graus de conhecimento da cultura dominante e estao ligadas as diferen<;asde escolariza<;ao. Mais velhos que os openirios especializados e os nao-especializados e mais escolarizados, os openlrios qualificados e os contramestres manifestam uma competencia culturalligeiramente superior: 17,5% conhecem pelo nome menos de duas obras de music a, contra 48,5% dos primeiros, os quais (numa propor<;aobem elevada) nao conseguem responder a quest5es sobre pintura e musica; eles citam mais freqiientemente os pintores canonicos - da Vinci (38% contra 20%), Watteau, Rafael - enquanto os trabalhadores especializados apontam mais ou menos ao acaso nomes conhecidos (Picasso, Braque, Rousseau).25 Enquanto os openhios especializados e os naoespecializados admitem facilmente que a pintura nao lhes interessa ou que a musica erudita parece "complicada", os qualificados, mais submetidos a legitimidade cultural, se identificam com maior freqtiencia com uma profissao reconhecida, mas acompanhada de uma admissao de ignorfillcia ("eu gosto da musica erudita, mas nao a conhe<;o", ou "a pintura e bonita, mas e diffcil").26 Tudo leva a pensar que a fra<;ao mais consciente da classe operaria permanece submissa, em materia de cultura e de ]fogua, as normas e aos valores dominantes e, portanto, profundamente sensivel aos efeitos de imposic;ao de autoridade exercida, inclusive na polftica, por todo detentor de
25. 10,5% dos operarios especializados e dos nao-especializados e 17% dos pequenos comerciantes citam Rousseau entre os pintores, contra 6% dos operarios qualificados, 3% dos professores primarios e dos tecnicos, e 0% dos quadros administrativos medios (parece que o nome de Braque, citado por 10,5% dos trabalhadores qualificados, e objeto de urn conhecimento ex auditu, ja que a pesquisa coincidiu com a morte do pintor, que foi objeto de numerosos comentarios na televisao e no ractio). 26. Os efeitos da diferen9a de idade e de instru9ao se combinam para produzir diferen9as bem marcadas nos gostos em materia de musica: os contramestres e os operarios qualificados tendem para cantores mais antigos e mais estabelecidos, mas tambem os melhor colocados na hierarquia dos vulores culturuis - Piaf, Becaud, Brei, Brassens - enquanto os openidos especializados e os nao-especializados citam Johnny Halliday e Fran90ise Hardy.
prestfgio cultural sobre aqueles em quem 0 sistema escolar inculcou urn reconhecimento sem conhecimento - que e uma das fllll<;5essociais do ensino primario.'
Toda rela<;:aocom a cultura, sem duvida 0elemento mais caracterfstico do estilo de vida da pequena burguesia, em certa medida pode ser deduzida da distancia.muito marcada entre 0 conhecimento e 0 reconhecimento, na maior parte das vezes incondicional, na qual se exprimem a posi<;aoatual, a trajet6ria passadalpotencial (a "carreira") e a disposi<;:aoquanto ao futuro, correlati vo que define essa classeY Tal distancia esta no princfpio da pretensiio cultural que assume formas diferentes segundo 0 grau de familiaridade com a cultura legftima, a origem sociale 0correlativo modo de aquisi<;ao da cultura. Isso ocorre na hipercorre(:iio da pequena burguesia ascendente que acumula semi-saberes, de antemao desvalorizados (relativamente) por suas condi<;:5esde aquisi<;ao,e que investe sua boa vontade desarmada nas formas men ores de pratiCas e de bens culturais legftimos - visitas a monumentos e castelos (em oposi<;:ao a mus1eus e cole<;:oesde arte), leitura de revistas de difusao cultural, pn:iticada fotografia, aquisi<;:aode cultura cinematografica. TamMm e 'o caso do desembara90 fo r( :a do da nova pequena burguesia, que procuranas estrategias de blefe cultural uma:outra maneira de resolver a tensao resultante da distancia entre o reconhecimento e 0conhecimento, e que emprega: prodigios de energia e engenhosidade para viver "acima de seus meios". Por exemplo, na moradia ela usa 0 artiffcio dos "cantos" (os "canto-cozinha", "canto-refei<;:ao","cantoquarto" das revistas femininas) destinados a multiplicar os comodos, ou
27. AJem de dever a educa9ao e de esperar dela tudo que sao e que podem ter, esses funcionarios e quadros medios (ou mesmo os professores primarios) oriundos das classes populares mant~m uma rela9ao - que e a da execu9ao com a concep9ao - com os quadros superiores; (redatores das instru90es que eles aplicam, autores de modelos que colocam em a9ao) e tendem, por causa disso, a identificar as hierarquias a diferen9as de competencia ou, mais simplesmente, a tftulos escolares. Muitas vezes, aqueles que safram dessas fileiras se chocam com os limites (por exemplo, ignorilncia de algebra) que as barreiras escolares fazem arbitrariamente surgir diante deles, fora de qualquer necessidade tecnica realmente inscrita no exercfcio de sua fun9ao. .
"truques" para aumenta-Ios ("armarios", separa~5es m6veis, "sofascamas"), sem falar de todas as formas de imitac;ao e dess!ls coisas capazes de "fazer as vezes de", diferentes daquilo que realmente sac: kitc~enettes que "fazem as vezes de copa" e de "canto para refei~oes", mesas de cozinha que tambem "fazem as vezes de sala" - maneiras de 0 "pequeno fazer as vezes de grande". A boa vontade cultural se exprime, entre outras coisas, numa escolha freqtiente dos mais incondicionais testemunhos de docilidade (escolha de amigos "que tern educa9ao", gosto por espetaculos "educativos" ou "instrutivos"), freqiientemente acompanhados de um sentimento de indignidade ou de demissao ("a pintura e bonita, mas e diffcil"). Pouco seguros de suas classifica~6es e divididos entre seus gostos de inclinac;ao e de vontade, eles estao destinados a escolhas disparatadas: no radio, juntam as variedades e as transmissoes culturais, dois tipos de bens que, nos extremos do espa~o social, sac exclusivos; alguns citam ao mesmo tempo Petula Clark, a Raps6dia Hungara, Cravo Bem-temperado, As Quatro Estafoes, Rafael, da Vinci e Watteau; na questao do estilo de vida, urn deseja amigos artistas de espirito positivo~outro diz go star de A Arlesiana, Rapsody in blue, As Quatro Estafoes, Goya, Renoir, Van Gogh, Brassens, Edith Piaf e Jacques BreI, tendo preferencia por pratosoriginais e ex6ticos e por amigos ponderados e dinamicos. Os pequenos-burgueses se inclinam particularmente para as artes medias: dentre eles esta maior parte de fot6grafos fervorosos, especialistas em jazz e em cinema ou em amantes de operetas (aos olhos das classes medias, a arte liriea representa 0 apiee da "musica erudita") e, no conjunto, eles conhecem (relativamente) mais os diretores de cinema do que os compositores de musiea. Quanto as artes mais legftimas, suas eseolhas se orientam com freqUencia para as obras "medias" - Buffet, Vlaminck (pintura) e Sheherazade, Rapsody in Blue ou A Traviata (musica) -e eles tem 0 quase-monop6lio de obras "desqualificadas" como A Arlesiana au a Dam;a do Sabre. A aparencia disparatada dos sistemas de prefereneias, a eonfusao de generos e de hierarquias, opereta e 6pera, vulgariz'ac;;ao e eiencia, imprevisibilidade do conhecimento e da ignorancia, 0 vinculo que reune as saberes nao e senao a seqUencia dos acasos biograficos: tudo isso remete as particularidades de urn modo de aquisir;;iio.Essa cultura e adquirida ao sabor dos encontros, da audi<;aode radio, leitura de jornais e !ivros, na ausencia de classifica<;ao por generos e estilos que a tradic;;aoescolar produz e inculca, em que Goldoni pode ser misturado a Tchekov au a Robert Lamoureux; e
uma especiede "Palais Ideal du Facteur Cheval"28.Nele se justapoem os labirintos e as galerias, as cascatas e as grutas, Veleda, a druidisa e Inize, a adega a sarnicena e 0 castelo da Idade Media, a gruta da Virgem Maria e 0 templo hindu, 0 chale sui~o e'a Casa Branca, a mesql.litae a "Maison Carre" da Argelia, magia de novela diretamente saida das gravuras da VeilUe des chaumieres. Nao existe ai outro plano ou razao senao a paixao pura do trabalho-pelo-trabalho que 0 construtor simbolizou nO:barrinhode mao, balde, regador e p~expostos num nicho e que exprimerr(claramente as divisas presentes: "Quem for mais perseverante do que eu, que se ponha a trabalhar"; "A urn cora<;~ovalente nada e impossfvel"; "Diremos as novas gerac;5es que voce sozinho construiu este templo"; "No campcLdo labor, espero meu vencedor"; "A vida sem objetivo e uma quimera". Para quem interiorizou os sistemas de classifica9ao legftimos (arbitrarios, e desconhecidos enquanto tais), 0 ecletismo fon;ado e inconsciente dessa cultura (objetivamente sistematica e cujo princfpio unificador e a boa vontade cultural, earrinho de mao do Facteur Cheval que entesoura, amontoa e carrega as belas obras encontradas ao aeaso no eaminho) e 0 oposto do ecletismo erudito dos estetas que podem encontrar na mistura de generos e na subversao das hierarquias uma oeasHio de manifestar a onipotencia da disposic;;aoestetica. A maneira do bilingUismo eulto que domina os dois c6digos, isto e , as distinr;;oesentre eles, 0 estetismo supoe 0 domfnio consciente e explfcito de uma especie de c6digo dose6digos, de uma gramatica dos genero~ e estilas que permite aplicar eonscientemente a disposi~ao erudita fora de seu campo de apliea~ao ordinaria. Para ficar ao abrigo dessas interferencias que traduzem 0 gosto pouco segura do autodidata, e precise possuir os sistemas de classificac;ao e as tecnicas de identifica~ao dos sfmbolos de distin93.0, 0 dornfnio pnitico dos fndices da "c1asse", da hierarquia social de pessoas e objetos, que define 0
28. Bourdieu t;efere-se ao "Palacio Ideal", construfdo pelo Factelfr (Ferdinand) Cheval (18361924), nas proximidades da a1deia francesa de Hauterives. A curiosa hist6ria dessa constru9B.Ocome9a em 1879, quando Cheval, em uma de suas inC,umbencias como funcionario dos correios franceses, trope90u numa "pedra trabalhada pelas aguas e pela for9a dos tem pos", 0 que reavivou urn sonho que tivera 15 anos antes, em que se vira construindo urn "Palacio Ideal". A partir de entao, por 33 anos, Cheval sededica a esse trabalho, carregando pedras por quilometros e quiI6metros para construir ciseu "palacio imaginario, tem pIa da Natureza, templo hindu e tumulo egfpcio" (ver Funda9B.OBiena1 de Sao Paulo. Catalogode Ane Incomum. XVI Bienal Internacional d,e S. Paulo, Sao Paulo, 1981, p. 67-70). (N. da Ed.)
que se chama "born gosto", 0 conhecimento de pessoas, autores, diretores e compositores, ou lugares, teatros, salas de concerto, editoras, revistas, galerias, esta<;oesde radio, ou tftulos institucionais, universitanos, academic os, que sac "garantias de qualidade". Esses fndices funcionam sempre a maneira de "lojas de luxo", as quais, como mostraram as entrevistas, os burgueses dos EVA (e de outros lugares) delegam suas escolhas que envolvem 0 gosto (compra de m6veis ou objetos decorativos), ainda que apelem para grandes lojas ou liquidac;oespara comprar objetos nao rotulados esteticamente, como geladeiras ou maquinas de lavar. Como todo mundo, os pe'auenos-burgueses tern seus taste makers: os objetos de sua preferencia e admira<;ao lhes sao tambem designados por esses mediadores cujo prestfgio e autoridade se comunicam aos objetos e lhes conferem valor. E como os pequenos-burgueses nao se reconheceriam nesses novos intermediarios culturais que (por sua posir;ao de instabilidade no universo cultural e de sua rela<;aoambivalente com as autoridades) gostam de operar revolu90es parciais das hierarquias, tais como a reabilita9ao das artes em via de legitima9ao (cinema, jazz, desenho animado) e das formas menores das artes legftimas, ou produzir essas misturas estranhas de sabir culture[29: arranjos de temas classicos para a can<;ao ou 0 jazz, can<;oes "poeticas" publicadas no Seghers, semanarios "intelectuais" de grande tiragem que associam (segundo a f6rmula experimentada das tribunas televisionadas) as vulgariza<;oesque brincam de autoridade e as autoridades que se vulgarizam, transmissoes de televisao que misturamjazz e musica sinfOnica, music-hall e musica de camara, quarteto de cordas e orquestra cigana, 0 violinista e 0 mau tocador de rabeca, 0 bel canto e a cantata, a cantora e 0 canr;onetista, o pas de deux do Lago dos Cisnes e 0 Duo des Chats de Rossini? Essa mistura de generos e confusao de ordens, essa especie de bricabraque em que se alinham os produtos legftimos "fiiceis" ou "ultrapassados", fora de moda, desclassificados e portanto desvalorizados (posto que urn sfmbolo de distinr;ao apropriado com atraso perde seu valor distintivo) e os produtos "medios" do campo da produ9ao em massa: eis a imagem objetivada de uma cultura pequeno-burguesa. Nada menos revolucionario que essa subversao das hierarquias que trai 0 mais total reconhecimento delas, no entanto desguarnecido dos sinais de reconhecimento; nada menos subversivo que essas transgress6es vencidas que se inspiram numa preocupa9ao de
29, Mistura de
reabilitac;ao eenobrecimento. Os espectadores 0 cOij1.preendembern, assim como reconhecem como representantes da cultura legftima os academicos ou professores da Sorbonne em debates na TV, os Menuhins e Torteliers dos espetaculos d.evariedades "de qualidade", que sac uma garantia de distinC;ao. A cultura media, nao nos enganemos, se pensa em oposi<;ao a vulgaridade. Mas essa cultura, vivida de forma lacunar, descontfnua e desconexa, protege mal contra a ansiedade permanente da ignorancia inconfessavel au do engano imperdoavel. A tudo que the aparece como uma prova de "cultura geral", no sentido escolar do termo, 0 pequeno-burgues, que se sente obrigado a mostrar-se experiente, nao pode opor nem'.a indiferen<;a daqueles que nao estao na corrida, nem 0 desprendimento liberado daqueles cujos tftulos autorizam a confessar ou mesmo a reivindicar suas lacunas. Vftima das estrategias de distinr;ao, 0 pequeno-burgues esta destinado a ser esnobado; ele sempre sabe demais ou muito pouco, a maneira dos her6is dos jogos televisionados cuja erudi<;ao mal-colocada torn a ridIculos aos olhos dos "espfritos cultos". 0modo de aquisi9iio, que se perpetua na modalidade das aquisir;oes, sempre se arrisca a ser trafdo pela qualidade de seus saberes e pela maneira de se servir deles, do mesmo modo que 0macaco de Hoffmann educado como homem mundano por urn chanceler, mas que se sobressaltava ao ouvir uma noz sendo quebrada. A metiifora do macaco encerra a verdade de todos os racismos. Assim, na luta de classes simb6lica que op6e os detentores dos diplomas de qualifica9ao cultural ao candidato "pretensioso" - a enfermeira confrontada com 0 medico, 0 tecnico diante do politecnico, o quadro q~e entrou pela "porta dos fund os" em oposi<;aoao que saiu pela "porta da frente" -, este tern todas as chances de yer desvalorizados seus saberes e tecnicas, como sendo "interessados" e es6;eitamente subordinados a fins praticos, demasiadamente marcados pelar>ressa e pelo ardor na aquisi<;iio em prolde conhecimentos mais fundamentais e gratuitos (cujo efeito sensfvel nao e senao a legitimidade) controlados por aqueles que devem sua posir;ao dominante a certificados de cultura. Seria 'viio ou perigoso tentar corp.preender.~. relac;ao infeliz c,om a cultum das fra95esda pequena burguesia (cuja posi9,a,0repousa sobre a posse de urn pequ{\no capital cultural acumulado mediaqfe urn empreendimento autodidata)sem relaciona-Ia aos efeitos que exer¢e, pelo simples fato de existir, urn sistema de ensino que oferece de modo muito desigual a possibilidade de urn aprendizado de progress5es institucionalmente organizadas segundo urn cursus e programas estandardizados (como testemunha 0 fato de que as analises aqui propostas ja valem muito menos para uma gera9ao que se beneficiou de urn acesso mais amplo ao ensino
secundario). A correspondencia entre saberes (mais ou menos arbitrariamente hierarquizados segundo areas e disciplinas) e titu10s por si mesmos hierarquizados faz que, por exemplo, urn titulo escolar mais elevado seja visto como garantia da posse de todos os conhecimentos correspondentes aos tHulosde nivel inferior ou, ainda, que dois individuos portadores das mesmas competencias uteis (diretamente necessarias a sua fun~ao) serao distinguidos por uma diferen~a de natureza (e, claro, de tratamento). Por isso, a competencia certificada por tltulos mais elevados e a unica que confere garantia de acesso as condi~oes verdadeiras (as famosas "bases") que, tais como urn primeiro motor, fundamentam todos os saberes .Ie nlvel inferior. Nao e paradoxa! dizer que 0autodidata e urn produto do sistema escolar, sendo este 0 unico habilitado a transmitir 0 corpo hierarquizado de aptidoes e saberes que constitui a cu1turalegltima e 0 tinieo a consagrar, pelo exame dos tltulos, o acesso a urn nivel deten:ninado de inicia~ao. Porque 0 autodidata ignora 0 direito de ignorar, privilegio dos virtuosos, e porque nao adquiriu sua cultura segundo a ordem legftima da instituicrao escolar, trai sem cessar (na sua ansiedade da boa c1assificacrao) 0 arbftrio de suas classificacroes e de seus saberes, especie de perolas sem fio acumuladas ao longo de urn aprendizado singular que ignora as etapase obstaculos institucionalizados e estandardizados, os programas e' progressoesque fazem da culturaescolar umconjunto rigorosamente hierarquizado e hierarquizante dos saberes implicativos.3o Suas carencias, l,acunas e c1assificacroesarbitrarias s6 existem . em relacraoa uma cultura escolar capaz de fazer desconhecer 0arbitrario de suas classifica90es e de se fazer reconhecer ate em suas lacunas. Mas as representa90es mais redutoras que "espiritos distintos" fazem dos pequenos-burgueses e de sua rela~ao ansiosa e crispada com a cultura . tern fundamento na realidade. 0 esforcropatetico pelo qual os despossufdos i tentam reapropriar-se de sua pratica ou restaurar sua dignidade tern sempre alguma coisa de desesperado. Perante os saberes legitimos, os saberes disparatados e muitas vezes desclassificados que entesouram representam 0 que a colecrao de pequenos objetos de pouco valor - selos, objetos tecnicos em miniatura aos quais consagram seu tempo e minucia classificat6ria representa para as colegoes de obras de arte e de objetos de 1uxodos grandes
30, A representaq1io que os produtos da escola fazern do autodidata e urn belo exernplo das verdades parciais e interessadas que produz a lucidez parcial da percepq1ioordinaria e das estrategias (inconscientes) pelas quais cada arte de viver se rcforqa, sern cessar, na convic91iode sua excelencia, confrontando-se, para desvaloriza-las, a outras artes de viver.
burgueses: uma cultura em miniatura. Quando falta a competencia especifica que exige a apropriagiio legltima das formas mais 1egitimas das artes 1egitimas, as disposi~6es e taxionomias postas em a9ao na abord~gem das obras de arte sac simplesmente uma dimensao do sistema de disposicroes que confere sua sistematicidade objetiva ao conjunto de preferencias subjetiva ou objetivamente esteticas e, de modo mais geral, ao conjunto das pniticas. A perversao ascetica do cinefilo ou do amante de jazz qlie -levando ate 0limite do absurdo 0 que esta implicado na definigiio legftima da contempla~ao cultivada - substitui 0 consumo da obra pelo consumo de saberes acess6rios (genericos, ~omo a composicrao da orquestra, datage gravacr8.oetc.) ou a obstina98.0in:is6ria de colecionadores de saberes inesgotaveis sobre assuntos socialmente. infimos, traem as disposi~6es eticas que estiio no princlpio do estilo de vida pequeno-burgues, com seu ascetismo, rigorismo, malthusianismo e propensao a economia e alodas as formas de entesouramento. E manifesta a relacr8.oentre a ansiad~ conformidade cultural que determina uma busca ansiosa de autoridades e modelos de conduta e que leva a escolha de produtos seguros e certificados (como os chissicos e os premios literarios) e a tendencia a hipercorrecrao lingiiistica - especie de rigorismo qlle leva a fazer demais pelo medo de nao fazer 0 bastante e a perseguir, emsi e nos outros, as incorrecroes (como oerro moral) - ou a sede quase insaciavel de tecnicas ou regras de conduta que levam a submeter a existencia, por exemplo em materia de alimenta~ao, auma disciplina rigorosa e a govemar"se em todas as coisas por princfpios e preceitos.
Restaintroduzir a distincrao dos nativos da atte de viver legftima detentores do monop61io do desembara90 e seguran9a (;Iadospela familiaridade e competencia, que os aprendizados mais precoces e prolongados asseguram - para colocqr em marcha a dialetica da pretensao e da distin9ao, princfpio da transformagiio permanente dos gostos. Nesse jogo de recusas' que recusam outras recusas, de superacroesque superam outras superagoes, estao engajadas as~isposi96es fundamentais do estilo de vida que (no momento em que se constituem em sistemas de princfpios esteticos explfcitos) permanece,menraizadas nUma arte de viver. Desde que se inspirem em certa pretensao estetica, as preferencias sao afirmacr6es ultimas de uma arte de viver que implica ~ecusas opostas a autras artes de viver. :porexemplo, recusa em
professores primarios, tecnicos e sobretudo na nova pequeno-burguesia (onde freqUentemente sac recrutados os fot6grafos fervorosos) dos temas de cromos populares - paisagens de montanha, pores-do-sol e cervos a sombra dos bosques - ou das fotografia~ de lembran9as (primeira comunhao, dan9as folcl6ricas, monumentos ou quadros celebres). Recusa, em professores e produtores artfsticos, da estetica pequeno-burguesa do fot6grafo amador, primeiro grau do estetismo que se volta para os objetos pr6ximos da estetica popular mas ja meio neutralizados pela referenda mais ou menos explfcita a uma tradi9ao pict6rica ou por uma inten9ao visfvel de busca temarica (teceUio no seu trabalho, dan9a folcl6rica) ou formal (pedras, corda, casca de arvore). Recusa, enfim, na vanguarda artfstica, de todas essas recusas, e recupera9ao ao mesmo tempo sublimadora e par6dica, de todos os objetos que a estetica de grau imediatamente inferior recusa, mas nao dos objetos, sumamente comprometedores, que ela escolhe. a artista concorda, ainda, com 0 "burgues" num ponto: ele prefere a "ingenuidade pretem;aO"31. Basta registrar que, alem de objetos propostos ja constitufdos na data da pesquisa - seja por uma tradigao pict6rica (como a armagao metlllica de Leger ou Grommaire, a briga dos mendigos, variante de urn velho tema de pintura realista muito retomado na fotografia, ou a bancada de corte do a90ugueiro), seja pela tradi9aO fotografica (0 tecelao no trabalho, a dan9a folcl6rica, a casca de arvore) -, a maior parte dos objetos foi elaborada desde a pesquisa por algum pintor de vanguarda: Richer, que pinta por-do-sol sobre o mar a partir de fotografias de paisagens tipicamente romanticas; os ingleses Long e Fulton, que fazem fotografias de paisagens com intenc;ao"conceitual"; a Land Art; 0 acidente de carro, com Andy Warhol; ou a briga dos mendigos sobre 0 Bowery dos hiper-realistas norte-americanos; ou a primeira comunhao, com Boltanski, que elaborou ate urn album de falTI11ia. Os unicos objetivos "nao-recuperados" e provisoriamente "irrecupeniveis" sac os temas
a
31. De fato, a "pretensao" deixa os pequenos-burgueses particularmente desarmados nos domfnios pouco legftimos ou em via de legftima~1io que os privilegiados da cultura, no entanto, lhes cedem, quer se trate da fotografia ou do cinema, em que freqUentemente se exprimem suas ambiyoes (como mostra 0 fato de que a distancia entre a pequena burguesia e a burguesia e nitidamente menor para 0 conhecimento dos diretores de cinema do que para os compositores de musical: os pequenos-burgueses que, colocados diante de julgamentos objetivamente hierarquizados, sabem escolher a melhor resposta, mostram-se quase tao desarmados quanto as classes populares diante do ato de constitui~1io estetica (nenhum comerciante de arte diz que urn acidente de carro pode ser objeto de uma bela foto e que 0 cemiterio de ferro-velho suscita reac;5es semelhantes).
privilegiados do estetismo de primeiro grau: tecelaono seu trabalho, danr;a folcl6rica, casca de arvore, mulher amamentando. Nao suficientemente distanciados~ eles sac menos propfcios a exibi9ao de,um poder absoluto de constitui<;aoestetica; menos favoraveis a manifestar;ao da distanda, estao mais amear;ados de ser tornados por intengoes de primeiro grau. Quanto mais manifestamente a estetica em si (a qual a reapropriar;ao se aplica) trair 0 reconhecimento daestetica dominante e quanto mais despercebida passar a distancia distihtiva, mais faci! sera a reapropriar;ao. A legitirnidade dadisposi9ao pura e tao totalmente reconhecida que tudo leva a esquecer que a defini9ao da arte e, por meio dela, da arte de viver, e urn lugar de luta entre as classes, tanto mais que as artes de viver antagonicas tern muito poucas chances de se exprimir, tendo em vista as condi<;oesdas quais sac oproduto. Sempre percebidas apenassob o ponto de vista destruidor ou redutor da estetica dominante, elas sac objeto de urn malentendido que nao e menos total quando se inspira numa intenr;ao de reabilitagao:a pretensao etnocentrica de dar valor a praticas em fungao de urn sistema de valores estranho nega 0 sistema de valores das quais elas sao 0 produto tao certamente quanta a inten9ao oposta de desvaloriza9ao. Como nao ver que 0 estetismo (que faz da inten<;aoartlstica 0 princIpia da arte de viver) implica uma especie de agnosticismo moral, a antftese perfeita da disposi<;aoetica que subordina a arte aos valores da arte de viver? A intengao artfstica s6 pode contradizer as disposigoes do ethos ou as normas eticas que definem a cada momenta para as diferentes classes sociais os objetos e os modos derepresentarao leg(timos - se excluir do universo do representavel certas realidades e certas maneiras de representa-las. A maneira mais elementar (a mais freqUente e visfvel) de demonstrara extensao do poder de constitui9aoestetica nao seria transgredir cada vez mais radicalrnente as censuras eticas (em materia sexual, por exemplo) que as outras classes se deixam impor ate no terreno daquilo que a disposigao dominante constitui como estetica? au, mais sutilmente, em constituir como esteticos as objetos ou maneirasde representa-Ios que estao excluldas pela estetica dominante do momento ou objetos constitufdos esteticamente por,';'esteticas" dominadas? Essa decisao de transgressiio simb6lica, associado muitas vezes a um neutralismopolftico ou a urn estetismo revolucionar~o,e a antitese mais ou menos perfeita do moralismo pequeno-burgues OJ} daquilo a que Sartre chamava de Hserio" revolucionario.32 32. Isso se ve coomevidencia na Iiteratura ou no teatro (comoallouvelle cana dosanos
1960).
vague norte-ameri-
A indiferenr;a
etica que a disposir;ao
estetica
implica
quando
"
se torn a
Q,LJADRO 2 - A representa9ao
o principio da arte de viver explica em boa parte a repulsa etica ao artista que s e m an if es ta c om u m a f o rr ;a p ar ti cu la r n o s ei o d a s c la ss es m ed ia s, e nt re o s a rt es ao s
e o s c om er ci an te s
m an if es ta m prM ica
d is po si r; oe s
(esp ecial
s ob re tu do , r eg re ss iv as
men te
a educ ar;ao
f ra r; oe s
d ec li na nt es
e r ep re ss iv as dos jove ns,
e m t od os
e a me ar ;a da s
q ue
o s d om in i o s d a
ou a prop osito
dos estu dant es
o artista zomba do publico
e suas manifestar;oes). Proudhon33
faz uma descrir;ao,
sistematica
esterica pequeno-burguesa que, subordinando da arte de viver, ve na perversao do primado
absoluto
cinica
a forma:
conferido
em sua ingenuidade,
da
a arte aos val ores fundamentais
da arte de viver do artista
0 principio
Sob a influencia da propriedade, 0 artista, depravado em sua razao, dissoluto em seus costumes, venal e sem dignidade, e a imagem impura do egofsmo. A ideia do justo e do honesto escorrega em seu coracr8.o sem d ei ta r r al ze s e , de t o da s a s cl as se s d a s oc ie da de , a do s a rt is ta s e a m ai s pob re em alma s forte s e em nob res carac teres 34 ( ... ). A arte pela arte como f oi c h am ad a, n ao t en do l eg it im id ad e e m s i me sm a, n ao s e a ss en ta nd o sabre nada, nao e nada. E devassidiio do cora9ao e diss.olUl;iiodo espfrito. Separada do direito e do dever, cultivada e rebuscada como 0 mais elevado pen same nto da alma e a sup rema man ifest a<;ao da hum anid ade, a arte ou o ideal, despojados da melhor parte de si mesmos, reduzidos a nao mais que uma excitar;rio da fantasia e dos sentidos, e 0 principio do pecado, origem de toda servidao, fonte envenenada de onde escorrem, segundo a e abomina90es da terra (...). A arte pela arte, Bfblia, todas as fomica90es digo, 0 verso pelo verso, 0 estilo pelo estilo a forma pela forma, a fantasia pela fant asia, toda s essa s doen <;as que corr oem nos sa epoc a como uma 0 m al e m s ua doen<;a pedicular, sao 0 v id o e m t o do 0 seu refinamento, quintessencia. 35
o
a
que 6 c on de na do e a a ut on om ia d a fo rm a e 0 direito do artista pesq uisa form al pela qual ele se arrog a 0controle do que deveria reduzir-se a u m a " ex ec ur ;a o" : " N ao q ue ro d is cu ti r n em s ob re a n ob re za , a e le gf in ci a, a pos e, 0 estilo , arte e que escolha
0 ges to,
e 0 objeto
nem nada habitual
de seus objetos,
do que cons titua
exec ur;ao
de uma
da velha critica"36. Submetidos
os artistas
se desforram
agricul operatores rios
a
obra de
d em an da
na execur;ao:
33 . Poderiamos ter, do mesmo modo, invocado Dickens. 34. PROVDHON, P. 1. ContradictionsEconomiques.Paris: Riviere, cap. XI, p. 226. 35. Ibid., p. 7 1. 36. Ibid., p. 166.
na
6
13
o Estado nao deveriaadquirirobras de artistas vivo,s
39
38
A p inturamO derfJanao pass a d e u ma transa9ao comercial
20
20
pinturamoderna exprimebem a decad~nciada epoca
18
14
A exposi9ao PicCjsso e uma manifesta9ao mundana
31
social da arte e do artista
artesilos e peq ueno s comerclantes
20
funcionarios e quadros admlnistratlvos medlos
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(SOFRES. Le
frE1n9aiseU'art modeme. 24·29
de abrilde 1972, n = 1 000.)
Vma c1asse ou' frac;ao de classe se define menos pelo julgamento global que faz dos intelectuais e dos anistas em geral (ainda que 0 anti-intelectualismo seja uma caracterfstica determinante de certas fra90es da pequena burguesia e da burguesia) do que pelos anistas e escritores que' escolhe no leque oferecido pelo campo de proc!"Uc;ao.Dessa forma, 0 antiintelcctualisl11O'da frac;ao dominante da classe dom inante podeexprimir-se na escolha de intelectuais quesua posic;ao no campo intelectual consagra '10 'aJiti-intelectualismo. Quanto mais afastadosdos generos mais "puros" - os mais completamente purificados de toda referencia ao m.undo social e 11polftica (pela ordem, a musica, a poesia, a filosofia, a pintura) -, mais os proqutores que reconhecem as frac;oes dominantes, autores dramaticos e crfticos de tealro ou fil6sofos e ensafstas polfticos, sao afastados dos que sao reconhecidos por eles mesmos. Emoutras palavras, como faz lembrar a reac;ao que's uscitam entre a pequena burg uesi a deca dente , 0 estilo de vida artfstico e tudo aquilo que nele conteste a relac;lio ordinaria entre a epoca ou 0 status social e os atributos sil11b6licos (0 vestuario e os comportamentos, as condutas sexuais ou polfticas) encerram uma dent1ncia dos postulados prat icos que est1 10nos fund amen tos da ane burg uesa de vive r. Ass im com o aque las vel has mulheres dos mitos australianos que subvertiam a estrutura das rela90es estabelecidas entre as gera90es ao conservar, por meios magicos, a pele doce e lisa dos seus vinte anos, os artistas e intelc~ctuais- como Sartre ao recusar 0 prem io Nob el, ou con vive ndo com jove ns de esquerda, numa epoca em que OUlrOScorrem atras de premiosie freqUentam as poderosos - talvez pos sam por em ques t1i.ourn dos fund amen tos mais prof und amen te ocu ltos da orde m social: 0 obsequium de que falava Espinosa, dispasi9aO daqueles que "se respeitam" e se sentem no dire\to de exigir respeito.
Ha pintores de igrejas, de hist6ria, de bata1has, de generos (quer dizer, de anedotas ou de farsas), pintores de retratos, de paisagens, de
- das quais ela e adimensao
animais, de marinhas, de Venus, de fantasia. Um cultiva a nu, outro as roupagens. Depois, cada um se esfor9a por se distinguir por um dos meios que concorrem para a execu~ao. Urn se aplica no desenho, outro na cor; este cuida da composi9aO, aque1e da perspectiva, este outro das roupas au da cor local; um brilha pe10 sentimento, outro pela idealidade au pelo realismo de suas figuras; tal outro compensa, peIo acabamento dos detaIhes, a nu1idade do tema. Cada um se esfor9a por ter uma habilidade, uma originalidade, uma maneira - com a ajuda da moda, as reputa90es se fazem e se desfazemY
classes com a obra de arte (au, mais exatamente, a relac;ao entre as classes sociais com respeito a obra de arte) na linguagem, cara a Halbwachs, da "distancia com relar;ao ao foco dos valores culturais".Relar;ao de forr;a,
No lado oposto dessa arte separada da vida social, sem fe nem lei, a arte digna desse nome deve subordinar-se ciencia, moral e justic;a, ter excitar a sensibilidade moral, suscitar os sentimentos de pOl' finalidade
a
a
a
dignidade e delicadeza, idealizar a realidade, substituindo a coisa pelo ideal da coisa, aperfeir;oando 0 verdadeiro e nao 0 real. A arte deve educar e, para tanto, e precise nao transmitir "impressoes pessoais" (como David com Le
Serment du leu de Paume, au Delacroix),
mas restituir
(como Courbet
em
Le s Pay sans de Flag ey) a verdade social e hist6rica que todos podemjulgar.38 Cito, para terminar, urn elogio da pequena casa indi vidual que receberia certamente a aprovar;ao de uma frar;ao esmagadora das classes medias e populares: Eu daria 0 Museu do Louvre, as Tuilleries, Notre-Dame - e de quebra as coIunas - para morar numa casa propria, uma casinha feita a minha maneira, que ocuparia sozinho no centro de urn pequeno cercado de urn decimo de hectare, onde haveria agua, sombra, grama e si1encio. Se eu me preocupasse em co1ocar Ii dentro uma estitua, nao seria nem um Jupiter, nem um ApoIo (nao tenho nada a ver com esses senhores), nem vistas de Londres, Roma, Constantinop1a ou Veneza. Deus me gllarde de morar aft Eu colocaria 0 que me falta: a montanha, 0 vinhedo, a campina, cabras, vacas, carneiros, ceifeiros e pastores.39
E
preciso
considerar
0 fato
de que a disposir;ao
estetica,
[apresente como universal, se enrafza em condir;oes particulares
embora
se
de existencia
i
37. Ibid., p. 271. '38. "Bastariaque cada urnde n6s consultassea si rnesrnopara ser capazde, ap6s urnacurta inforrna~ao,ernitirurn julgamento sobrequalquer obra de arte". PROUDHON, P. J. Du
Principe de I'art et de sa Destination Sociale. Paris:Riviere 1939,p. 49. 3 9 . P R O U DH O N , P . 1 . Contradictions Economiques, p. 268.
vida - para compreender
indiscutivelmente,
mais rara, distintiva e diferente de urn estilo de
que s6 se pode descrever
mas tao desigual
a rela9aO das diferentes
que tern poucas
chances
de aparecer
como tal, mesmo para aqueles que, na sua relac;ao com aarte au as artistas (essa forma irreconhecfvel de luta de classes), defendem obscuramente sua arte de viver.