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cinema e, antes de mais nada, uma arte, um espetaculo artistico. E tambem uma linguage".l! estetica, poetica ou musical - com uma sintaxe e um estilo; e uma escrita figurativa, e ainda uma leitura, um meio de comunicar pensamentos, veicular ideias e exprimir sentimentos. Uma forma de expressao tao ampla quanto as outras linguagens (literatura, teatro, etc.), bastante elaborada e especifica. Fazer um filme e organizar uma serie de elementos espetaculares a fim de proporcionar uma vis~o estetica, objetiva, subjetiva ou poetica do mundo. Com coisas, e nao com palavras, numa linguagem que cabe a nos· decifrar, 0 cineasta oferece-nos uma visao pessoal, insolita e magica do mundo. Um PJlrfeito dominio da linguagem cinematografica e necessario - forma e conteudo estao intimamente ligados -, mas nao e 0 suficiente para realizar uma obra de arte.
OPUS
86
IIIIIIIIIIIIIIIIIIII Martins Fontes
Tiwfo do original: ESTI-IETIQUE DU CiNEMA Publicado pOl': Presses Univcrsiraircs de France, © Presses Universitaires de FrzlIlce, 1983
l.G edir;fio
brasileira:
outuhro
indice col. Que sais-je?
de 1987
TrodU/;(7o: Marina Appenzeller Revisiia: Alexandre Soares Carneiro
[nlrodur;;ao.
CAPITULO I- As atitudes estCticas. Diferentes modos de representao:;iio da palavra ou do pensamento .
3
I. I'reparn<;ao rigorosa ou improvisa<;ao, :3 II. 0 reali_,mo cinenmtogniflco, Z; III 0-, icbllismos, 1.3
CAPITULO ll- as signos de uma escrita. de uma linguagem . I. Il, Ill. IV.
prodll~'aogrdjim: Geraldo
Alves
Composiriio: Anel - Artes Graficas Ane-final: Maadr K. Matsusaki Capa: Alexandre
Martins
Fontes
0 tempo, J7 0 espn<;o. 28 A paluna e 0 50m, 37 Oulros elementos (espcdfkos cinGm~togdfica. 51
as elemcntos
C !laO especificos) cia lingllagem
CAPITULO III - 0 estilo cia e~crita: a~montagcm viwal e a montageOl sonora, A organizao:;aodo real.
71
I. A "lOiltugem rftmica, 71 II. A tl1()!ltagclll intetedllai 0\1 icieologicn, 74 III A lllontagem narrativa, 78
CAPiTULO IV - Do pensaOlento do HutOI' ii imaginao:;:io criadorn do c~pcl.:tador Todos os direilos para a lingua porluguesa reserl'ados il LlVRAI~IA MARTINS "ONTES EDITORA LTDA. Rua Conselheirp Ramalho, 330/340 01325 - Sao Paulo - SP - !3['asil
17
CAPITULO V - Tealm e cinCtnll. Litemtura e cincma .
83 )07
I. -I'c"lmed"o"ltl. 107 11. I.iterai""" e cinen,,", 115 f3i!J[iogra!ia
sumdda
121
"\ IntroduQiio Realizar urn mille e pintar um qlladro e compor UUla sinfoQia. Andre Delvaux A magid€SSenciai exercida pelo cinema provem do fato de 0 dudo real tomar-Sf: () pr6prio elernenlo de sua fab\lla~a(), Chrislinn Metz
o cinema e, antes de mais nada, uma arte, urn espehiculo artlstico. E tambem uma linguagem esteticll, poetica au musical-com uma sintaxe e um estilo, e umaescrita figurativa, e ainda uma ieitura, urn mein de comunicar pensamentos, veicular ideias e exprimir sentimentos. Vma foi-rna de expres sao tao ampla quanta as outras linguagens (iiteratura, teatro, etc.), bastante elaborada e especifica. Fazer urn fUme e organizar uma serie de elementos espetaculares a Hm de proporcionar nma visao estetica, objetiva, subjetiva all poetica do mundo. Com coisas., e m'io com palqvras, numa linguagem que cabe a nos decifrar, 0 cineasta oferece~nos I1ma visao pessoal, ins6lita e magica do mundo. Urn perfeito domfnio ela linguagem cinematografica necessario - forma e conteudo estao intimamente ligado$ -, mas mlo 0 suficiente para realizar uma obra de arte. A existencia artistica e a alma de uma obra-prima parecern decorrer da habilidade, mas tambem e sobretudo da arte de escolher imagens em fUD<;:aode s:ua significa9ao e de sell valor rftmico Ao lado das fonnas tradicionais que permanecem e que provavelmente serao sernpre u tilizadas, a linguagem cinematognifica evoluiu bastante. Pois e evidente que a escrita varia conforme tentamos '\lustrar'· ou nanar, ou, ao contnirio, exprimir; sugerir, e nan impor; apresentar um mundo que se organiza em nanativa, mais do que representa-lo.
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•
,.,
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/ / Capitulo I
As atitudes esteticas. Diferentes modos de represental.;iio da palnvra ou do pensamento
I - Preparw;ao rigorosa ou improvisa~ao Con forme a concepo:;ao do diretor a respeito de seu mille e cia cria<;ao cinematografica, a decupagem - ultima etapa iiteraria cia preparaQao do filme - pode ser extremamente precisa e detalhada ("decupagern de ferro"; todos as filmes de Fritz Lang, porexemp]o, passaram porum iongo trabalho preparatorio) OU, ao contnirio, bastante £lexfvel, deixando uma grande margem para a improvisaQao e, portanto, para as eventuais possibilidades de modificao:;ao durante a fllmagem. Andre Cayette escreve a prop6sito de seu filme Verdict: "A partir do momenta em que Cabin e Sophia Loren concordaram em trabalhar comigo, 3I?iainei 0 roteiro e deixei propositaimente espaQos vazios para que eles pudessem preenche-los. Nao 5e aprisiona artistas de sua categoria em urn molde fixo. Com sua legenda e sell pas.sado, e preciso deixar-lhes 0 campo livre, dar-Ihes a possibilidade de deixarem brilhar sua personalidade." E acrescenta:
r
Confesso que am bos rne ,urpreenderarn. Sofia, em q uell1 a rnuther est.! no mesmo nivel cia atriz, com seu fa'iciniO,.seu brilho, Gabin - qlle tinha vOl1tadede dirigir desde 1939, quando e,crevi para e Ie a ada pta<:;'lO de Rlfmo rqllfi,~- com sua ()bse,sao pela perlei<:;ao_M uito se Edol! sobre sell lemperamento dilYcil. De [ato, era
.•
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Estetica do
4
As atitudes esteticas
cinCTfl(l
que _Ie qLlcria completamcnte
proflssional, mas que medo de lim iniciante na hora de reprcscntar suas ccnas. Como dllas feras na arcnil, des mediram-sc, admiraram-sc, in!imidaram-<;c e lIltrapas.laram-se, I llill iilquieto
conscrvara
0
Jeanine Meerapfel declara por sua vez: "'leu
filme
(Ma/ou!
Ingrid Caven para
ficou cinco
arlOS na rninha cabcQa_ Qucria
0 papel
principal da mile (. .. ). Ela leve conhan<;a em mim. Falamos durante Ires moses ante, do inicio cia> filmagens, e nao precisei lhe uizer mais nada dopois que come~amos a radar_ Gmsha Hubert, que faz sua Rlha Hannah. exige ,cr trabalhada ate a hora de radar, tres hora.I a no, ela tern neccssidade de por ,uas emo~6cs para fora, como <;e,aissem do fundo ela terra, Ingrid e bem mais atriz. Evitando 0 sentimentalismo cheap, sabe e.\atamente 0 tipo de emo~,ao que quer lIlostrar. e 0 que deve eonter Faz isso de moJo magico ( .).
Estudei cinema com Alexander Kluge, em Ulrn. Aprendi a me interessar por tudo 0 que diz respeito a um filme, 0 som, a luz. Posso eu mesma filmar com a camera na mao. Mas tenho horror do autoritarismo no meu trabalho de filmagem. It preciso deixar o maximo de liberdade para a narrativa e para os atores, e COTJtar a historia com corte, e rupturas, de modo que 0 espectador µossa contar-se a ,i pniprio. ,e ele () (wiser.!
A improvisac;ao depende do genera do flime, da estrutura do tema tratado, daconcep9ao do diretor e da personalidade do ator que, as vezes, procede como criador, podendo entao ser considerado um verdadeiro autor. Nao podemos deixar de aprovar as ideias daqueles diretores que veem 0 roteiro como um material vivo, uma argila rnaleavel que carrega lim filme ern potencial, mas da qual se pode fazer nascer alga
-.
1 M",.~ t .ambel'l ("I'"'l\l~I"
alem (e as vezes, infelizmente, aquem) do que estava mencionado no pape!. E que as imagens sao apenas pretextos que nao devem nos aprisionar. Observemos tambem que, no cinema - assim como no teatro (na commedia dell' arte, nas pe9as de Copeau, Evreinov, Reinhards, Fabbri, Vitaly, bem como nas de Antonin Artaud) -,0 ator so pade descobrir os caminhos de sua verdadeira liberdade quando se tor" na um "atleta afetivo", que consegue unir ao talento excepcional e inato de ator 0 damfnio total de seu fisico, de seus impulsos, de suas paix6es, em nome do rigor de sell trabalho. Em resumo, a improvisaC;:lo"criadora" deve ser cuidadosamente preparada. Improvisar e exprimir talento e destilar esfon;:as.
II -
E prossegue:
[I'Cll(;D(;rvi""
p. ",
2. Le ,\/"""11. 28 de ",a;o ,k 1981. p. 22.
"l.
"{(de 7jour,·.
1" de .ilmh" dC' 1')(;1.
5
0 realismo cinematografico
Para a sensa comum, a perCeP9aOidentifica-se ao objeto. A melhor prava da existencia dos ohjetos nao eve-los, sentilos, toea-los? No infcio de Matiere et M6noire3, Bergson descreve essa atitude da seguinte maneira: "Chamo de materia o conjunto das imagens." Para os filosofos cia antigiiidade as "ffsicos" -, 0 peso, a cor, 0 calor, etc., existiam como tais e pertenciam as proprias coisas. No entanto, ha vinte e tres seculos, Democrito sustentava que todo conhecimento vinha das sensa90es, mas podia elevar-se acima delas atraves da razao 0 precursor da teoria at6mica escrevia: "0 doce e 0 amargo, 0 frio e 0 quente, as cores, tudo isso existe apenas em nosso jufzo e n50 na realidade. 0 que existe sao partfcuias imutaveis, os Momos e seu nlOvimento 110 espac;o vazio " Foi preciso aguardar Illuito tempo, somente com P!atao e que se com€o:,:aa indagar a respeito da natureza de nosso
Estetica do cinema
As atitudes esteticas
conhecimento do muncio exterior. Para 0 grande fil6sofo grego, as idejas do espirito existem em si mesmas num "muncio inteligivel", do qual 0 muncio sensivel e apenas urn reflexo imperfeito; dande a quase impossibilidade de connar nos 6rgaos dos sentidos para conhecer () mundo exterior. No entanto, voltar-se-a rapiclamente ao realismo dos objetos, do mundo sensivel, e Arist6teles critica seu mestre dessa forma: "mesma que Dunea tiv8ssemos vista as astras, eles haa deixariam de ser subst
nas complexa em sua infinita variedade, em sua infinita diversidade, mas que ela e, alem disso, movente, Seria entao possivel capta-Ia? A esse respeito, varias teorias se confrontaram, e continuam se confrontandoo. As formulag6es insuncientes dessas doutrinas fazem com que as contradi<;:6es sejam muitas vezes apenas aparentes. E, em uma como em outra, parece que tudo foi dito, mas nada compreendido. E claro que lIma parte de nossos conhecimentos vem de nossas sensa<;:6es e que, sendo estas variaveis de acordo com os individuos, tais conhecimentos s6 podem ser relativos e transit6rios (relativismo). Alem elisso, estara provado que "num certo nivel de penetrac;ao, 0 real e a materia, mesmo permanecendo de fato conheciveis, ou provavelmente canheciveis, deixam de se assemelhar aquilo que nossos sentidos, nossas faculdades de percep<;:ao nos permitem conhecer'? A celula deixa de ser a carne amorosa, a constelagao dos eletrons do :Homo deixa de ser a materia, a inscri<;:ao espectrografica eleixa de ser a [UZ, carne, materia e luz das quais e feita nossa experiencia, nos sa espirituaJidade, nossa vida"6. Independentemente das experiencias tecnico-cientificas que ampliam nossas faculdades sensoriais ou compensam suas deficiencias, resta compreender 0 que esta alem do realismo, a imagina<;:ao, a intui<;:fioque permite sentir, pressentir, adivin~ar (intuicionismo); mas ainda af a teoria de Husser! mostrou que a representagao intuitiva tem seus limites. Parece que nao podemos conhecer as coisas de modo absoluto, ou seja, "tal como elas sao nelas mesmas", que
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4. Todo, sabem qn~ ",na estrela ainda aparece. ",e,mo quando ja ni'o exi,te ma;,. A rigor. V~Il'OS apena, 0 passado e lOilo0 que realmente c: a nebnlosa de
.,
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OdOll, po~ exemplo. nus inrorllm sobre 0 que era lni mil e quilll;ento., anos, 0 Space Tcl"sco]w (telesc6pio posto em Ol'bita no e.'pa\,o) nao permite "retrocede, no tempo". como disse~am alguns. mas "vet'· os primeiros instant"" do Universo. .). F.xistiria uma realidade independentc. mas acc.%fvel a nos? (Questao que atl'avessa 0 princlpio de niio-separabilidnc1e,) 0 leitor interes.,,,do no problema do reul, sobretud"do ponto de vista mm,mco> pode se reportarao livro de Bernard d'Espagnat .. Illn ,'cchc,'che,JIi rie!, Ed. Gauthier·Villars, 1981. 6. Barthelemy Amengual. Clh µo"r Ie d,,{ma. Eel. Seghers. p. 54.
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Estetica dQ cinema
s6 conhecemos as aparencias, os fen6menos, mas Dunea as "eoisas em si" e que nao podemos conhecer a totalidade de coisa alguma, nem os princfpios primeiros das coisas, da materia, do espirito, do tempo, do espa~o, da [Of9a, etc. Essa ideia do m'io-cognosclvel e encontrada, na ciencia, nos princfpios de incerteza e na interpreta9:lo probabilista cia mecaniea ondulat6ria. E evidente que essa impossihilidade de captar 0 real em sua globalidade e a todo momenta DaQ exclui de forma alguma a possibilidade de existirem fora de nos fonnas e verclades 16gico-matem:1ticas que possam seT descobertas, e nao inteiramente criadas pelos estudiosos. Observemos que alguns sistemas filos6ficos admitem que a real, para alem de sua diversidade mliltipla, e essencialmente uno: urn taolsta, por exemplo, rode evadir-se pela rellexao, pela contempiac;ao, e clepois relo extase, do muneIo ilu56rio, atingindo a realidade suprema, 0 Tao, 0 "Caminho", oode todas as contradic;6es aparentes desfazem-se (sfotese do !lin e do yang, do positivo e do oegativo, do verdadeiro e do falso, etc.). Os cientistas modernos nao teill a pretensao de atingir a realidade prime ira, e, mais "abertos", nao reeusam a priori nenhuma abstrac;ao {nao mais ignoram que as duas metades de nosso cerebra desempenham papeis igualmente importantes, apesar de diferentes e complemeotares: raciocinamos, percebemos 0 espac;o e as form as, e ao mesma tempo exercemos nosso pensamento intuitivo)7. Como escreveu Andre Breton, "a 11IH racionalismo aberto, que e a posiC;aoatual dos estudiosos (como conseqiiencia das concept;'oes da geometria nao-eucliciiana, e depois da geometria generalizada, da mecanica nao-newtoniana, da ffsica naomaxweliana, etc.), oao poderia deixar de corresponder urn realismo aberto, ou surrealismo, que provoca a rUlna do edi7 A btcraliza<",io das fllll~'6es cerebrais e comple.,a: f]Uanto a est" a,peclo Bco\J ,'''l"""lenlentc comprovado q\Je 0 cerebrr> de 1I1ll o("idental c diferente do de um japon,'"
As atitudes esteticas
.9
ficio cartesiana-kantiano e subverte totalmente a sensibilidade". Por vias diferentes e ate opostas, 0 artista e 0 estudioso acabam pOl' se reunir numa concepc;ao renovada e ampliada do real, que inclui "tudo 0 que este pode, alA segunda ordem, conter de irracionaJ"8. Desde 0 infcio do cinema, buscou-se uma reproduc;ao cada vez mais fiel e completa da realidade: cenarios dando uma imagem exata da natureza, com numerosos detalhes da existenciacotidiana, sonorizac;ao e linguagem do diaa dia; posterionnente, a cor, 0 releva, a ampliac;ao das dimeosoes da tela, 0 uso freqiiente do plano-seqiiencia, da profundidade de campo, 0 respeito a dura~;ao real do aconteciment09. A imagem fllmica suscita certamente um sentimento de realidade no espectador, pois e dotada de todas as aparencias da realidade. Mas 0 que aparece na tela nao e a realidade suprema, resultado de inumeros fatores ao mesmo tempo objetivos e subjetivos, imbricac;ao de at;'oes e interac;6es de ordem ao mesmo tempo ffsica (integrac;ao e panlmetros "sensoriais" e, principalmente, do continuum espac;o-tempo) e pSlquica (com todos os sentimentos e reilexos pessoais), o que aparece e um simples aspecto (relativa e transit6rio) da realidade, de uma realidade estetica que resulta da visao eminentemente subjetiva e pessoal do realizador. E nohivel que a esse realismo captado pela perCePC;a0- 0 ciavida cotidiana com sua beleza, mas tambem com 0 que ele tern de feio e vulgar - possam se misturarintimamente e de modo tao fecundo a magia, 0 sonho, fantastico, a poesia. Esse " casamento do realismo com 0 sonha e com a fantastico pode /
°
8. Palavras de Andre Brelon recolhid", '"Q\Je snis-je'(', n" 432. p. 25.
por Yvonne Dupkssis.
Le s"rraalisme,
9. Cra9a, ao rlesenvolvimenlodaeletro!lsiologiu, da qUlmicae da bionicu. e'pem-,,,, lransmiti,. - n\Jm fi,tU'"Dprowve\m(mle longinquo, Indo 0 que ~Ollcerne ao, outros sentidos qne n.io a vi,ao '" a audi<,'''''' "s odores. os perfi.nnes. 0 go.,to. '" .sen"Wile' IMeis (ef.. do me.,rno autor, Acnps;.s-, n:' 11. P' 23).
As atitudes esteticas
Estetica d() cinema
10
ser encontrado em tocIas os grandes artistas e escritores (estetismos de Poe, de Gogol ... ): 0 horn em e igualmente capaL de imitar, de reprocluzir as formas do universo e de inventar. A poesia detem 0 privilegio de nos fazer cap tar os aspectos ocuitos cia realidade "imediata", de "dar-nos a impressao de que existe alga por tras". "Se voce fornecer uma simples copia ciarealidacle, nao e muitoprov:lvei que a arte se beneficie com isso. Nao 56 no cinema, a antinomia entre 0 real e 0 sonho, entre a realidade e a verdade, e a fonte inesgohive\ de toda criac;5.oartfstica (. ,.). 0 fato de UlTla aquarela poder desnaturar
a realidade
a ponto de nos fazer admirar
0
que,
na natureza, nan passa de urn objeto de inciiferem;a, ou ate de aversiio, e 0 paradoxo da arte realista e, na verdade, 0 misterio da arte em geraL"j() Parece claro portanto que 0 conceito de realismo tem um sentido muito amplo e vago, Como Roger Boussinot assinala, "ha tantos realism os quantos metod os de conhecimento: realismo diaJetico platonico, realismo carte siano, realismos hegeliano, marxista, naturalista, impressionista, expressionista, realismo surrealista, realismo onirico ou freudiano, realismo tecnol6gico, etc." E, no limite, podemos dizer que todo mme - assim como toda obra de arte - e realista. Assim, em Rua scm alegria, de Pabst, 0 realismo mescla-se a vestigios expressionistas; em Miracolo a Atilano, de Vittorio de Sica, encontramos uma mistura de realismo e de fantastico social ... E mesmo de idealismo, que simultaneamente se opoe e se mistura ao realismo: "Tocla obra de arte e sempre a expressao de um idea]"', dizia Delacroix, "mas, para um artista realista, esse ideal nasce quase que imediatamente do contatocom 0 real" realismo nada mais e, Bnalmente, que uma tendencia contra as tendencias irrealistas: uma rear;ao contra 0 preciosismo, 0 buriesco, 0 expressionismo, 0 romantismo, etc. Fala-se do "realismo poetico" de
a
10. Jean
Don1>lfchi.
/..1'.1'c(Jhicl"s d" (;;""""'.
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II
Marcel Carne (Lejour se (eve, HOtel du nord), ou de Andre Cavette (Les amants de Virane), do "realism a intimista" de Paul Fejos (Big house), dos filmes de Vittorio de Sica inspirados nas preocupagoes sociais da epoca (Umberto D, Ladri di bieiclelte), do "realismo intuitivo e de improvisagao" de Ralph Nelson (Soldier blue) ou de Max Ophii!s (na vioiencia ecrueldade de certas situar;oes; Ophiils e freqiientemente influenciado par r..-1aupassant, Flaubert e Turgucniev na busca cIa "verdade humilde"); do realismo e do iinagin;irio que se controutam em certos filmes de Resnais (como Providence). Mas todos os diretores, em nome de sua personalidade, e em cada uma de suas obras, oferecem-nos um aspecto sempre diferente do realismo. 0 de Rene Clement (Gervaise, drama adaptado a partir de Zola, Au-dela des grilles) difere nm pouco do realismo de Gremillon, de Duvivier, de John Ford (The grapes afwrath), de Dina Risi (Projumo di donna), do cineasta indiano Satyajit Ray (0 intennedjario), ou ainda do realismo de Rossellini, Fellini, Francesco Rosi, Visconti, Antonioni, Jules Dassin, Joseph Losey, Robert Rossen, Elia Kazan, John Huston. a realismo psicoi6gico classico manifesta-se em Griffith. Cecil B. de Mille, Chaplin (Puhlic opinion) e, na mesma epoca (por volta de 1925), no Kammerspiel (com Carl Mayer, Lupu Pick, Henrick Galeen e Murnau), no cinema sovietico, principalmente em Pudovkin (Amae), e mais tarde em Becker (Edouard et Caroline) e Bresson (Le journal d'un cure de campagne). Define-se por uma "realidade media", corrente, banal, verossimil, facilmente acessivel do ponto de vista psicol6gico. Esse ciassicismo exclui 0 excepcional, o irracional, a expressao do desagradavel, a vulgaridade e, por isso, imp6e limites ao artista. a realismo poetico (rea9ao anti-romantica) dos anos 30, proximo, sob alguns aspectos, do movimento impressionista frances dos anos 20, anrma que a poesia Ii uma teo ria do conhecimento. Interessa-se com um3 impassibilidade objetiva
12
t
Estetica do cinema
pelos fen6menos gerais, nao indiyiduais, pelos divers os aspectos da realidade hist6rica, exterior, social e psicol6gica, deixando 0 hom em de ser considerado 0 centro do universo, a realismo poetico caracteriza notadamente as obms de Jean Renoir (de 1935 a 1939) e da dupla Marcel Carne-Jacques Prevert (Quai de brume), mas tambem de Robert Flaherty, (The man ofaran) e de Jacques Feyder (adapta
a
As atitudes esteticas
111-
13
Os idealismos
Da mesma forma que lui uma grande diversidade de r~alismos, existem diversos iclealismos: idealismos racionalistas (cartesiano, leibniziano, kantiano, etc.), idealismos empiristas (Locke, Berkeley ... ), idealismos dialeticos (idealismo subjetivo ficbteano, objetivo de Hegel, ou sintetico de Hamelin ... ), idealismo critico e reflexivo de Leon Brunschvicg), idealismos anglo-saxoes (de Bradley, Josiah Royce ... ). Finalmente, ohserva-se que nem sempre e facil distinguir o realismo do iclealismo: os dais simultaneamente misturamse e op6em-se, e a distancia que os separa tende a diminuir, sobretudo nas doutrinas contemporaneas do realismo (bergsonismo, fenomenologia - particularmente na teo ria de Husserl- existencialismo ... ) e no idealismo moderno (neokantismo, hegelianismo, empiriocriticismo, instnlrnentalismo, convencionalismo, crftica das ciencias, etc.), o idealismo caracteriza-se pela escolha de assuntosfant
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As atituMs esteticas
Estetica do cinema
mente em imimeras obras que fazem apelo ao sonha, ao fanhistico, ao sobrenatural: filmes da escola expressionista a1emol, alguns filmes de Carne (juliette au fa cie des songes), de Clair (Les belles de nuit), de Fritz Lang (Os Nihelungos), de Cocteau (Orphee, Le eternel retour, La belle et la hete), de Hitchcock (em tocias as suas obms, exceto talvez em I confess, a imaginagao tern mais importancia do que aI6gica). o idealismo simbolista tenta, por todas as mdos simb6lieas, revelar a realidade oculta e, tanto quanta passivel, as diversas facetas ciapessoa humana.' A combina9ao desses aspectos, que decorrem de uma ieitura diferente cia imagem, fornece uma chave para a interpretag:lo; temos acesso assim a urn numero maior de "verdades" diferentes, nao sendo nenhuma delas, alias, mais verdadeira do que as outras. "0 expressionismo nao v€:, tern visoes"; impoe-nos vigorosamente sua sensibilidade na representa9ao do mundo exterior, afastando-se assim da simples visao empfrica dos objetos. Desta forma, para fazer com que 0 fator mental intervenha e para que a n09ao de tempo entre emjogo, 0 artista expressionista (ver cap. II) recorre essencialmente a estiliza9ao do cenario, aos efeitos de ilumina9aO e ao desempenho dos atores. H
15
oho, a sugestao do misterio do incousciente, a antilogica, a imagina9ao, buscando ultrapassar 0 real: "0 imaginario e o que tende a se tornar real", escreve Andre Breton. Quando se perguntou a Picasso sobre suas rela90es com 0 surrealismo, ele respondeu: "Tento sempre observar a natureza. Prendo-me a semelhao9a, uma semelhao9a mais real do que oreal, que atinge 0 surreal. Compreendio surrealismo nesse sentido ... " "As possibilidades de emprego do surrealismo no cinema sao amplas e excitantes", precisa Vincente Minelli. "0 surrealismo pennite exprimir 0 que pertence a urn universo mental, ao sonho ou a fantasia. Umasubitajustaposi9ao de objetos ou de imagens que nao tern qualquer rela~~ao entre si na realidade. A SenSa9aO de fugir do tempo e do espa90, que todos nos ja experimentamos. 0 surrealismo 8 capaz de explorar e de esclarecer, de uma forma nova e maravilhosa, toda a gama de em090es, a histeria, a alegria, o ciume, a confusao, a loucura, a temura, 0 delfrio e, evidentemente, todos os aspectos do 6dio, as infioitas complexidades do amor, com seus extases e depress6es, seu setimo ceu e sua agonia, sua Citera e seu Getsemani. Nao quero esperar nem mais urn in stante para me envolver nisso .. "12 Poucos filmes sao, na essencia, puramente surrealistas, e isso por v,l:rios motivos, diffceis de analisar aqui (diflculdade do cinema em captar 0 pensamento; contradi9ao com a arte progressista, que 8 profundameqte realista, ligada a realidades sociais concretas, a causas econ6micas; 0 fato de tais filmes serem dirigidos a um publico muito restrito, etc.); La coquille et le clergyman, de Germaine Dulac; Un chien andalou e Cage d'or, de Bunuel e Dali; Cetoile de mer, de Man Ray e Desnoss, j\v{asmuitos outros filmes estao bastante pr6ximos do surrealismo: Entr'acte, de Rene Claire Picabia; Le sang d'un poete, de Cocteau; Zero en conduite e Catalante, de Jean Vigo; alguns filmes de Prevert, de Autant12, Surrealisme
et cinema, HElude, cinelllatographique,'
,Il
40_42, p, 171
16
Estetica do cinema
Lara .. Nao develTlos nos esquecer tambem dos filmes burlescos ou de humor negro, como 0 primeiro filme dos irmaos Marx, Animal crackers; de Victor Heerman (1930) e, naturaJrnente, dm desenhos animados de certos fllmes americanos que dao livre curso a fantasia do espfrito. Bem fi"equentemente, hA tambem uma boa dose de surrealiSlllO nos filr:les de terror, de suspense e de fic<;ao cientffica.
e
Capitulo II
as signos de uma escrita. as elementos de uma linguagem
1-0
tempo
o clomfnio
cia escala do tempo
e
Uill
dos proceciimentos
mais notaveis do cinema: n3 tela, a dura<;ao de um fen6meno pode sel", a vontade, interrompicla, aiongacla, encurtada e ate mesmo invertida. "Assilll como a pedra fllosofal" -dizia Epstein - "() cinema tem 0 poder de trammuta(,'(Jes universais. Mas esse segredo e extraordinariamente simples: toda essa magia reduz-se a capacidade de fazer com que a dimensao e a orient;l(,';io temporais varit'm," DescontiIluidade, camera lenta, acelerao;;ao, inversao da escala do tempo, todas essas trucagens - que s6 0 cinema pennite - tern urn inestimavei valor educativo, cientffico, fiIosJifico, humorlstico e artfstico. 1. A camera lenta - Sabemos que a camera lenta apresenta urn grande interesse para os cientistas que desejam estudar, anaiisar, e assirn conhecer melhorcertos fen6menos e certos movimentos dos'seres vivos ()u de alguns elementos seus que 5e desenvolvem nipido demais para que 0 olho os acompanhe. Esse procedimento permite colocar em evidencia a beleza de um gesto ou a eleg;lncia de uma atitude (exercfcios de um ginasta, evoluo;;6esde um cavaleiro, passos de UIll hale
18
Estetica do cinema
Os signos de uma escrita
au de uma dan~:a>etc.). Alem clisso, demonstrou-se que 0 efeito cia camera lenta provoca muitas vezes a adesao com" piela do espectador, um recuo de sua consciencia, acompanhado de reagoes afetivas cliversas (mal-estaI', ang(istia, tristeza, nostalgia, exuben'incia imaginativa, etc.) e as vezes psi-
hole, de Gary Nelson (0 movimento lento elo buraeo negro, a nave espacial atravessando uma chuvade metearitos, etc.).
comotoras
(atividade onirica). A camera lenta pode sugerir
imagens de paz, de resignagao, de esforgo intenso e contInuo, de impotencia, ClU, ao contr
provocado
par um adminivel
desfile em
camera lenta, sincronizado com uma encantadora musica de Jaubert tocada ao contrario. As cenas que se pass am na imaginar;:aodas personagens siio tambem freqlientemente filmaelas em camera lenta: e esse 0 casu em Un chapeau de paille d'Italie, onde vemos m6veis voarem, em camera lenta, pela janela do apartamento do recem -casado, que imagina a cena; o mesmo acontece em La ravi,'lsante Mme. Beudet, em Le ddserteur (onde uma personagem pensa em se suicidar), em Fail divers, ou ainda em Zabrinski Point (nesse filme, Antonioni recorreu a cameras especiais capazes de filmar 3000 imagens por segundo, Daria Halprin imagina a explosao de urn apartamento luxuoso. Pulverizaclos num cogumelo atomico, as objetos que simbolizam a sociedade de consumo volteiam no arlo Voltamos a encontrar os efeitos ela camera lenta em Les chases de fa vie, nas cenas do aciclente de carro de Pierre (Michel Piccoli). Ap6s 0 acidente, este revive fragmentos de sua vida durante as duas horas que preceelem seu falecimento_ 0 mesmo aconteceu em Choue em Sa.ntia.go, de Helvio Soto, reconstitlli~:ao do golpe militar que p6s fim ao regime democr"ltieo de Salvador Allende no Chile, em 1.973. Os efeitos de dmera lenta S"lOlargamente utilizados, ao !ado de outras trucagens, para traduzir () estaclo de auseneia de peso, isto e, para res saltar a queda ciaforgagravitacional nos filmes de fieO;:
r
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2. A camera nap ida - Os cientistas usarn com frequencia a tecnica da camera nipida ou cla camera ultra-rapida nos sellS estudos sobre fen6menos lentos: processos de cristaliza9iio, crescimento vegetal ou animal, clivisiio dos ovos e celulas, desenvolvimento de embrioes, corrosao de metais, etc. Sem essa tecnica, iIllimeros fenomenos escapariam total mente a observao;:ao visual normal. "A camera ignora a natureza morta" e, na tela, em alguns segundos, uma flor fecundada metamorfoseia-se em fruto madura. "Em camera rapida, a vidadas flores e shakespeariana", escreveu poeticamente Blaise Cendrars, e Cermaine Dulac disse: "Podemos sentir visualmente a dificuldade de uma haste para sair da terra e florescer." Cra9as a Menica dOlcamera rapida, e possivel erial' inumeros efeitos e6micos, e mesmo as cenas rnais dramaticas ou mais dolorosas podem provoear risos ou tornarem-se francamente camicas (em co medias mimicas, nas persegui90es e conidas do infcio do cinema, ou nos filmes mudos, especiaimente nos de Max Linder e Chaplin); produz-se no espectador um rebaixamento cla tensiio psfquica, resultante cia sensao;:ao de uma espeeie de degrada9iio sem gravidade das pessoas e dus coisasl. Alem disso,.o cineas,ta pode aeelerar voluntariamente uma a9iio em fun9iio de necessidades pSicol6gicas precis as:! A aceiera9iio do tempo vivifica e espiritualiza, A camera l~nta mortifica e materializa/passa-se portanto clas aparencias espirituais as aparencias materiais ou vice-versa C.o) pOl' simples eontra90es ou extens6es do tempo", esereveu com justeza Jean Epstein. Em Lc tempcsI. t\'o tcalro cOlllico dn ""b()ll"·c'poq,,,,·', princip"lnlcnlc '"'si,timos
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EstCticii do cinema
Os signos de uma escrita
taire, por exemplo, acorrida desenfreada clasDUyenS no diu materializa a fuga inexonivel do tempo, criando assim urn efeito dramatico intenso.
mente a morte. A interrupc;ao do movimento naa tern, portanto, nenhuill sentido fisico,Gll psicoi6gico. Por isso, as tentativas de utilizaresse proceciimento em alguns filmes, como em Les visiteurs du soir, para mostar a interrupc;ao cia marcha do tempo, geralmente fracassaram (de fato, somas tao mais sensiveis ao tempo quanta mais ha descontinuidades, mudaw;as, percep90es sllcessivas). Combinado corn outros proceclimentos (efeitos de iluminac;ao, efeitos sonoros, etc.), poderia a parada do movimento evocar a morte? 0 efdto produzido e bastante estranho e surpreendente, par exemplo, em Monsieur et madame Curie, quando Pierre Curie morre esmagado pOl'um caminhao, mas ele nao e esteticamente valido (JU psicologicamente justificado - tanto mais porque todos os' elementos, tOMS os componentes da imagem sao congelados, e, ainda, porque os seres vivos sao quase sempre imobilizados nas posi<;6esverticais ou obl1quas, o que exprime, ao contrario da marte, a for<;a,a domina<;iio, o movimento, a bnsca de equilibrio.
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3. A interrup~ao do movimento - 0 cinema e essencialmente movimento. Epstein escreveu: "Em sua essencia, 0 cinema e de tal forma ligado ao movimento que ele 0 detecta pOl' toda parte, revelando, assim, a mobilidade universal (... ). 0 movimento parece inerente a forma, ele e, ele faz a forma, a sua forma." Henri Agel 2 sublinha que 0 cinema "sente uma repugnancia instintiva por tudo 0 que e estatico, geometrico, razao raciocinante. Em fun<;aode sua fluidez, tem afinidade essencial com 0 movimento, com a sinuosidade". a tempo nunca para ("nao tem descanso"), e um fluxo inesistfvel e, por sua obm incessante, tudo muda continuamente no mundo: os desejos manifestadospor Lamartine em seus celebres versos.
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o temps
suspends ton vol; et vous hcures propices. Suspendez votre cours. *
nao podem ser atendidos. A vida e dissimetria, desequillbrio, movimento; caracteriza-se (pelo menos entre os animais superiores) pela rnobilidade, pela atividade, pelo dinamismo, nao pode ser suspensa (nao totalmente, peln menas, nem mesmo pOl'uma insensibiliza9aO completa no vazia mais elevado ou nos confins do zero absoluto). 0 comportamento humano -assirn como qualquer fen6meno psiquico ou biol6gico - nao admite equilibria naausencia de movimento. Sabemos pelaciencia, pela observa<;ao e pela intui9ao, que a imobilidade absoluta nao existe e que a inercia aparente nao significa necessaria2. Eslheti'l"C du cinema, PUF, «Qnesais-je?" 0"751 .')'"d_, 1971 tt'mpo. _""pende teu v6o:_e v6s, horas prop;cias,,' Suspendd "osso curso."' {N do T)
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4. Invcrsao do movimento - Uma das possibilidades mais nohlveis do cinema e a que pennifE' que 0 tempo se desenvolva na dire<;ao oposta a normal; reverslvel, aquilo que € atra<;aopode se tornar repulsa, e vice-versa. 1.1 \lito cedo (de fato, desde Lumiere), 0 processo de inversao do movimento serviu para realizar imimeras trucagen''>'lfepara criar (sobretudo quando cornbinado com acamer
Estdica do cinema
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"0 cinema clescreve de um s6 golpe, com uma nftida exatidao, um mundo que caminha do sell fim para 0 seu inicio, um antiuniverso que 0 homem dificilmente poderia imaginal', Folhas mortas levantam-se do chao para agarrarem-se de novo aos galhos das arvores ... A flor nasce do seu envelhecimento e murcha num botao que volta a sua haste." E Epstein acrescenta, interrogando-se sobre a natureza do universo: "Seria e\a ambivalente? Admitiria uma 16gica dupia, dais detenninismos, duas finalidades contrarias?" A inversao do movimento (0 pintinho que volta ao ova, oobjeto reconstitufdo a partir de suas partes .. ) permite uma melhor com preen sao de certas nO<;
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tcmpo, port;mto, neeessariamente irreversivel. Qualquer rcloJ'110e illlj)os>ivel. Mesmo '>lI)lOIl(.I0 que, por \1macol1tecimcnto extraorrlin;\rio. pO",'Jmo<;rcviver os al1()~que vivemos rctornanrlo no curso do tempo. ,"%,1 volta aill(b seria \Jma mareha "para fren3. Lewis CarnJl. elf] S!ll~;u "",I 8m"o, j"z com que 0 tempo corn< ao contd,.i\>, gra\',,, ao "mec""ismo de i""C
Os signos de uma escr1ta
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te·'. Heviveriamos ao contnirio ()tempo vivido, mas depois de te-lo 0 verd"deiro retorno seri;) lnula9iiopllrJ e simples do tClllpO. ou seja, do qlle foi. Apagnl'famos [lOSSO passado retornando no cur<;o das cois
'io as reviverimnos Sc podemos nos deslocar no espa\:o e porque 0 espa90 tem varias dimens6es (0\1 dire\:oes) e porCj\1Cno, situamo<; !iempre em llmu dela, em rela~iio as duas outws, Se houvesse apenas uma dire9iio (e ~i nan seria mais um espa~o), m'io mais poderiamos nos deslocar neb. assim como niio podemos E:tze-lono tempo. Tempo e espa~() confundir-se-iam: seriam a mesma cois(l.
jii vivicio. Seria umJ pcrsegui9iio as avessas, nito um retorno,
Os professores Cronin e Fitch, alias, dividiram 0 premio Nobel de frsica de 1980 por terem revelado, a partir de uma experiencia realizadadezessete anos antes, um novo aspecto da dissimetria clanatureza: a simetria por reversao do tempo nao e mais respeitada pela natureza do que as simetrias fundamentais: a simetria dita "de paridade" (pensava-se que a natureza nan fazia nenhuma distiw;ao entre a direita e a esquerda) e a simetria dita "de conjugar;ao de carga" (a cada partfcula deveria cor responder uma antipartlcl1la de carga identica oposta, ambas possl1indo as rnesmas propriedades e obedecendo as mesmas leis)5. Os trabalhos desses dais fisicos demonstraram finalmente que era imposslvel voltar no tempo, Oll ao menos voltarcom exatidao ao ponto de partida, e que urn fenomeno, que teve lugai'"n0' passado, w'io tern replica no futuro Como a simetria por inversao de tempo nao existe, e tambem pouco provavel (na realidade, impossive] em termos flsicos) que os macacos de Borel possam reconstituir os manuscritos da Biblioteca Nacional batendo ao acaso em maquinas de escrever e que as folhas mortas pos-
5. Em 1949. Feynmun s\lgeria flue 0 p6sitron talvez fosse I'm detron quc volt~· va temporaria11lCHte no tempo; disso na~ce" ~ idein quf.: 3' antip;Hticlllas nada "'ais seriam doqllc partic"las que voltam nO tempo, podencio serest<; enluo ,,,vcr· lido em rela~"io ~o no."o liaS g"l,)xi~s rorm~da, de a"timateria.
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Estetica do cinema
Os signos de uma escrita
sam voar do chao e voltar para as galhos nos pontos precisos em que estavam penduradas antes de cair. Na tela, durante a projec;ao, quando viramos a peiicula ao contnirio, a direita e a esquerda tambem 5e invertem.
sentada como identica a duraQao da aQao. um exemplo seria The rope, mme de Hitchcock rodado praticamente em um unico plano, a camera seguin do continuamente as personagens e a decupagem-espaGo suhstituindo totalmente a decupagem-ternpo. Evidentemente, 0 tempo da percepGiio, 0 tempo pSico16gico, diferem total mente do tempo cientffico, que e determinado por movirnentos exteriores, independentes do espectador (0 tempo vivido pela consciencia e 11ma slntese do passaclo e do futuro). E essa duraQao eminentemente subjetiva e percebida de forma muito diferente. Por outro lado, e importante observar que, do ponto de vista qualitativo, imlmeros filrnes (como The rope, High noon, Strangers on a train, Suspicion, Bad day at black rock) apresentam um aumento progressivo da ten sao pSico16gica, havendo uma dramatizaGiio, 11mavalorizaGao cia dura<;:ao. De fato, no univers{) fllmico, e raro que 0 tempo seja respeitado. Ha quase sempre eJipses e concentraQoes temporais (supressao das partes inuteis e dos tempos fracas da a9ao). Uma narraQao resumida, servindo-se de algumas tomadas marcantes - em numero recluzido - provoca freqiieutemente um maior impacto sobre 0 espectador. t possfvel traduzirentao, com 0 maximo de inLensidade, emoGtles e sentimentos violenLos e inesperados. 0 plano de corte, que permite interromper a a9:10sem qualquer problema para retoma-la posteriormente, e largarflente utilizado para contrair 0 tempo, para refor9ar a intensiclade das ideias, evitando assim 0 superfluo, e tambem para dar a entender algo Sem que seja necessario exprimi-lo diretanlente. As vezes uma personagem que se desdobra age, num mesmo plano e num mesmo espa<;~odram
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Se 0 mme apresentar somente acontecimentos naturais, a inversao direita-esquerda nao apresenta qualquer inconve-
niente e 0 espectadornem
a percebera(assim
como fla pintufa, para urn grande mimero de quadros ... ). 0 mesmo nao acontece quando 5e trata de cenas naturais contendo estruturas 011 objetos realizados rela homem e bilateral mente assimetricos (inscrir;oes num painel, numeros no mostrador de um rel6gio, veiculos indo por urn determinado !ado cia pista, au detalhes mais dif{ceis de detectar, como duas pes-
soas apertando as maos esquerdas, por exemplo). Em seu livro 0 Uniuerso amhidestro (Ed. Dunod), Gardner pergunta-se: "Seria possfvel um bom core6grafo realizar um bale palfndromo com simetria bilateral no tempo, au seja, um bale que, filmado, produziria duas vers6es mais ou menos identicas quando se projetasse 0 filme no sentido normal e no invertido'?" De fato, flO que concerce aos processos naturais hmdamentais (crescimento de um cristal, reaGao qufmica desenvolvendo-se, etc.), os fisicos atualmente podem afirmar se um filme esta invertido ou nao, e isso desde quando os trabalhos de Lee e Yang, em 1956-1957, que receberam 0 premio Nobel de fisica (e, posterior mente, a celebre experiencia da Sra. Wu) revelaram a falencia da lei "de paridade". E preciso lembrar que os acontecimentos naturais podem ser fllmados e 0 filme projetado ap6s inversao sem que 0 espectador 0 perceba (e evidente que este n<10 disp6e de cobalto 60 nem do equipamento necessario para a experiencia, que ele nao quer nem tem qualquer motivo para realizar). 5. Contra9fio e dilatagao do tempo. Prescote, passado e futuro - l<: bastante raro que a dura9iio do filme seja apre-
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Estetica do cinema
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dire~iio ao proximo ou longinquo
em rela9ao ao presenteD em reia9ao a urn primeiro passado) da fic9ao, a retornos (jlashback de primeiro ou segundo grau). Quais as raz6es para misturar a a9ao presente seqiiencias relativas a a90es anteriores? Antes de rnais nada pm raz6es esteticas, como explica Marcel Martin 7:
(rnais raramente,
Com 0 objetivo de aplicar rigorosamente a regra de unidade de tempo (e, eventualmente, ade lugar); seria errado sllbestimar a importanda da unidade de tempo nagenese de uma atmosfera dratmitica. M \litos filmes encootraram ai uma das raziJes de sell valor (A !loUe de Sao Sikestre, Lejour Sf lh;e, Huit he11res de 8unis, The informers, Let portes de la mdt, etc.). Essa unidade de tempo pode ser bastante abrandada, quando a aQiiose divide ern duas parte, separada, por urn longo perfodo: portanto, ao inve, de apresen tar as origens do drama e, em seguida, mostrar a conclusiio vinte ou trintaanos depois, comec,:a-se0 mme nesse segundo perfodo, ap6s 0 que um retorno expDe 0 passado, antes que se volfe ao presente para 0 desenlace do drama: desta forma, a ohm fecha-se em si mesma segundo uma simdria estrutural 12 esteticamente bastante satisfat6ria, e, ao mesmo tempo. segundo uma simetria tem· poral que the fornece uma unidade centrada no presente, (jlle e o tempo mais eminentemente participavel.
Em Man in the wilderness, mme bastante nohivel de Richard C. Sarafian, Zachary Bass (Richard Harris), gravemente ferido par um ursa, revive a passado de forma intermitente, e as imagens de sua mulher, de seu mho e do capitao Henry (John Huston), que 0 abandonara it sua propria sorte, misturam-se a a9ao presente. Todo 0 atrativo desse retrospecto reside numacombina9ao sutil de d09ura e selvageria. Ha tam bern admiraveis retrospectos em Lafaute, de Andre Cayette, com Michel Duchaussoy no papel do doutor Leroy, em Je vous aime, de Claude Berri, com Catherine 6. E 0 caso, por exemplo, do celebrc filme de Andrzej Wajda, 0 homem de m(innm-e, onclc pre'ente € pussado se fundem do eome<;o ao f[m la "bra. .. Le.i(111f!,aceci"'!lIIatographiq"e, Les Editeurs Fran~ai' Rennis,. pp, 261-262.
as signal>de 1Hna escrita
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Deneuve no papel de Alice, em Lola Montes, de Max Ophiils (sob a lona de um circo gigantesco, Lola Montes Martine Carol - relembra momentos de sua vida, ao sabor das pergllntas e dos comenbirios do estribeiro. Nos filmes de Alain Resnais, passado e futuro, imaginario e real; sobrepoem-se e confundem-se, e ai encontramos muitas vezes 0 tema favorito do diretor: a perCep9:l0 de um acontecimento passado sllperposto ao instante presente: assim acontece em Carmie derniere a Aladenbad e em Hiroshima, mon amour, um dos mais belos fillTles franceses (em 1959, em Hiroshima, cidade marth, durante a rodagem de urn filme, uma jovem francesa, EmmanueJle Riva, vive urn breve e patetico amor com urn japones, Eiji Okada, Essa liga9:l0 a faz lembrar de uma outra relao:;aovivida em Nevers durante a OCUpa9aOalema da Fran9a). Evidentemente, e raro a tecnica do flashhack ser manejada com tanto talento e genio quanto na obra de Resnais, e seu emprego apresenta riscos: h8:0 perigo de, ao desvendar aconc\us;lo, suprimir-se ou atenuar-se suspense, tornar-se o filme incompreensivel, ou de roteiro par demais elaborado, Hma sitlla(,~aoparalisada, n:lO"em tranSfOnlla9ao". Tambem podemos assistir, embora com menor freqiiencia, a um salta para 0 futuro a partir de uma seqiiencia no presente (flash-forward). 11: uma montagem audaciosa, poh nem sempre 0 pensamento do autorjica evidente: como, na realidade, 0 futuro e incerto, ha m'uih;'s futuros possfveis nos quais 0 homem pode engajar-se e a fabu\osa inteligencia da hip6tese de Laplace, diante da qual "0 futuro, assim como o passado, sera um presente", nao passa de uma constru9ao do espfrito. Nos filmes de fiC9:l0cientlfica (como nos romances do tipo The time machine de Wells), tudo e possfvel, principalmente os deslocamentos no tempo8. as autores
°
8. Dc fato, dcwle h1 alguns nnos, 0' risicos nO, mostram CJuehaveria em nas>O \lniverso cs!rn!uras CJueencerrmn espa\:o e mll tempo con'piemellta.es aquc·
,,,n
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Estetica tin cinema
criam grandes
mudanC;:3s de ambiente,
Os signos de uma escrita 0
maravilhoso,
0 fan-
tastico, at raves de hist6rias de viagens, em geral para 0 futuro (0 presente situ3-se no futuro e a narra!iva torna-se entao compreensivel, a intrusao de um futuro oum determinado presente e que pode nao parecer clara). Em Le livre des mondes oublies (Ed. rai Lu, p. 223), Robert Charroux diz: Nurn universo de cinco dirnens6es, poderfarnos prbvaveimente viver, em e'itado consciente, na ldade Media e no seculo xx simllltaneamente. Em seis dimens6es, urn hornern poderia estar ao mesrno tempo morto, vivo, ca<;ar auroques nurn vale pre-hist6rico, pilotar urna rnaquina voadora rumo a Sirius e tran'imutar-se pelo pocier de seu pensamento. Nurn universo de oilo dirnens6es tudo se,ia permitido, desde a viagem no tempo e no espa<;o ate a integra<;iio dos varios reinos da natureza.
II - 0 espa~o Acabamos de ver que 0 cinema tem totalliberdade para brincar com 0 tempo; pode condens:i-lo, estic:i-lo, desacelera-lo, aceler:i-lo, inverte-Iu, imobiliza-lo, subverte-Io ou valoriza-lo. Arte do tempo, ele e tambem arte do espaoyo· "Nunca antes do cinema", escreve Jean Epstein, "foj nossa imagina9ao for9ada a lim exercicio tao acrobatico de representaoyao do espac;o quanto aquele a que nos obrigarn os filmes em que se sucedem ininterruptamente primeiros pianos e long shots, tomadas ascendentes e descendentes, normais e obliquas, segundo todos os angulos posslveis."9 De fato, 0 cinema vale-se de um total dominio do espac;o. Rarales a que e.ltamos aeo,turnado$. Do outro !ado de nosso univcgo visivcl. onde ,c e.,condem "'. buraeo, negro" 0 espa90 e 0 tempo irocum de I'upeis; '" 0 cspn~o e ",io mai$ 0 tempo 'l"e pnssa de nlll1eira ;"c.'odvel: e podc.sc passcar no tempo da mc""a forma que, do lado de d do u"iverso. podemos 110S desloc", no cspa~o. 9. Lc cincmo till
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men te 0 diretor contenta-se em reproduzir u In' espago global tal qual ele e: ele cria um espago puramente conceptual, im'aginariolO, estruturado, artificial, pOl' vezes defonnado (filmes expressionistas), lim universe I-'flmico allele h,i condensagoes, fragmentac;:oes e jUllc;:oes espaciais (a imagem e 11m transporte no tempo, mas tambem um transporte no espa-
90). 0 espa90 fllmico nao e apenas um quadro, da mesma forma que as imagens nao sao apenas representa90es em duas dimens6es· ele e um espa90 vivo, em nada independente de seu conteudo, intimamente ligado as personagens que nele evoluem. Tern um valor dram:Hico ou psicol6gico, uma significa9ao sirnb6lica; tem tam bern urn valor figurativo e plastico e urn considenivel carater esh~tico (Blmes abstratos de Len Lye ou de MacLaren; produc;oes de alguns cineas"tas italianos dos an05 40 - os "caligrafos" - ou dos neoformalistas, entre os quais Bolognini, principal nome dessa tendencia; inurn eros filmes de Antonioni; algumas obms de John Ford, como Stagecoach [No tempo das diligencias] ou Rio grande, ainda que Ford seja urn mestre do intimismo; pensemos ainda no western de Willian Wyler, com Gregory Peck, The big country). Ar6s a teo ria da relatividade, sab.:mos que 0 espa90 perdeu sLlaespecificidade; a realidade e um amalgama de durac;6es e comprimentos, 0 espar;o-tempo, complexo que e "01'dem de situac;6es", "ordem de coexistencias possiveis", segundo Leibniz, "conjunto ordenado de posic;oes ocupadas sucessivamente pOl" todas as coisas e toelos os seres". 0 espac;ofilmico nao e indissochivel do tempo, e Epstein dizacertadamente II: "Na represenb19ao cinematografica, 0 espaoyoe 10. Observe-so:;par e.~cmploque 0> j~l'oneses, por vivCl"<;m o:;tn gl"J'lde ",'",orO "Um e,pU,o 11luitopequeno. oi,lIn 'lin espa<;oimagin,trio: h:i ull"lmultip);cidnde de imagen, nns lojas. brcs. ,uas. lugnres pt',blicos. tebs do:; tdev;s;'(o gigr.mtescns au m;niat\lri;:ud"s. dczcnus ,I., redes de (elevis,lo (ver Science digesl. n'.'2. mar~o de 1982). \1 1;:sl''';/
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Estetica do cinema
Os signos de uma esc rita
o tempo estao inseparavelmente ligados, unidos para constituir um quadro de espa<;:o-tempo, onde coexistencias e sucess6es apresentam ordem e ritmos que variam ate a reversibilidade. Al, para balinr os fen6menos, existem apenas sistemas m6veis de relaQ6es que nao podemos associar a qualquer valor fixo." E acrescenta (Le cinema du diahle, p. 1(1): "5e 0 cinema ins creve a dimensao temporal junto com a dimens:J:o espaciai, ele demonstra al8m disso que toclas essas reiac;6es nada tern de absoluto au de fixQ, mas que sao, ao contdrio, natural e experimentaimente variaveis ao infinito," De fata, ora eo tempo, 0 sentimento de durac;ao, que imp6e sua presen<;a (principaimente nos mmes psicol6gicos e de suspense), ora e a percep9ao do espa90, a sensat;'ao de extensao, que chama a nossa atent;'ao, ou ainda, tempo e espat;'o parecem fugir total mente de nossa intui9ao e de nos sa perceP9ao, dando lugar a uma outra dimensao (principalmente ada "fisionomia", nos primeiros pIanos de rostos, como observa Bela Balazs). 0 sistema espa90-tempo (0 espago sem urn contel'ido) seria criador? Criador de materia, primeiro inerte, em seguida organizada, viva e pensanteI1. Mas para a materia - assim como para 0 Universo - ten} havido um comego? Havera um Hm?
depois Griffith (Broken blossoms, Intolerance, The birth oj a nation) e Cecil B. de Mille (The cheat), em seguida Epstein (Coel.lrjidele, principalmenle na celebre sequencia da festa da feira), Eisenstein (em 0 encotlrar;ado Potemkin, ap6s 0 medico ter sido jogado na agua, vemos sell pince-nez balangar preso na extremidade de uma corda, imagem em primeiro plano que ficou celebre na historia do cinema, e cujo contelldo simb6lico reaka 0 comportamento ridiculo e sinistro daquele homem), Pudovkin (A miie, Tempestade sobre a A.sia}e Dreyer. Bela Balazs escreve a respeito de La paission de Jeanne d'Arc: "Encontramo-nos na dimensao de uma expressao humana isolada na tela." E, mais tarde, Jean Renoir diz sobre La Mte humaineI3:
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1. 0 primeiro plano - Juntamentecom a montagem, 0 primeiro plano e, certamente, um dos elementos rnais essenciais da linguagem cinematografica. Desde ha muito os grandes diretores de cinema souberam empregar admiravelmente os recursos do primeiro plano, de objetos ou de atores, para obter efeitos dramaticos e psicol6gicos e, freqlientemente, para intensificar os efeitos ja obtidos, alternando planas gerais e primeiros pIanos. 0 ingles Smith, ja em 1900, 12. C"rlas J"ea\'(jes q\liln;c", p,'oI'OC"'ll (Jsc;bs::oes no tempo e "",n eslrlltllraC;jo no e>pa90. Tais ,.ea~'(jc.1qllino;cas o"ci)a"tes podcria", prod",,;,· a vicln. segundo Ilya Pr;goginc.
E talvezo mme ondeeu tenha ultrapassauo as pr6prias imagens. E, alem disso, havia nesse filme, se me permitem a imode<;tia. um dos rnais belo, planas que jii rodei, e que nao se ve porque roi coria· do. Quando Simone Simon (Severine) jazia estirada sohre a cama apos ter sido esfaqueada por Cabin (Jacques Lantier), a camera, partindo do, pes, subia bem lentamente, acariciava seu corpo, pas,ava sabre seu ferimento e chegava ate a sua cabega, terminando com um plano de Cabin, com umaexpressao vazia. Para que Claude Renoir na camera pudesse conser"ar 0 ritmo da seqiienl!ia, um disco toeava Le petit C06UT de Ninon. Nao me lembro muito bern par que cortamos esse plano. Talvez temessemos que de Fosse violento demaio.
-
o primeiro
.
plano interessa-se apenas por uma parte significativa da pessoa. Cria assim uma proximidade e urn isolamento privilegiados, oferecendo grandes recursos: em particular, permitindo valorizar 0 rosto do ator, ele revela ou trai uma expressao. Malraux disse: "0 cinema permitiu que se descobrisse a infinita diversidade do rosto humano." E ainda: m ator de teatro um pequeno rosto numa grande
"u
e
13. Entrcvista com Jean Renoir. "La biHe huma'ne. LeI/res jrauy'aises, 25 de agosto d" 1.966.
m;i\ha melhor Icmbra1ll,a",
EsMtica do cinema
Os signos de uma escrita
sala; 0 ,ator de cinema e urn grande rosto numa pequena sala .." Gertamente, 0 primeiro plano mio constitui a unica diferen9aeritre 0 cine mae 0 teatro, mas e urn elemento essencial de$sa diferen9a. Jean Epstein soube caracteriza-la admiravelrnentel4: Niio ha nenhuma ribalta entre espetaculo e espectadOL Nao se olha a vida, penetra-se neb. Esta invasiio permite todas as intimidades. Um rosto sob a lupa exibe-se, ostenta sua geografia fervente, E 0 milagre cia presengl real, a vida manifesta, aberta como uma bela rom:i sem casca, assimilavel, barbara. Teatro d~ pele.
Temos ent.§:oque concordar pienamente Bergman:
com Ingmar
Hu muit05 dirctores que esquecern que 0 rosto humano e 0 pOOto de partida de OOS.lOtrabalho. Certamente, podemos nos dedicar a estetica da montagem, podemos irnprimir ritmos adminiveis a objetos au natureza.> rnortas, mas a proximidade do rosto e, segura" mente, a nobreza e a caractcrislica do mme. 0 mais belo meio de expressiio do ator e seu ollw,. 0 primeiro plano composto com objetividade, conduzido e representado com perfei9iio, eo meio rnai.l poderoso de que 0 diretordispiJe para influenciar seu publico, sendo tambern 0 criterio mais seguro para avaliar sua competcncia ou sua insuflcicncia. A ausencia ou abundancia de primeiros pIanos caracteriza infalivelmente 0 temperamento do realizador e 0 seu grau de interesse pelos homen.>,
o
estudioso de arle ale mao Lichtenberg observa que "para n6s a superf{cie mais apaixonante da terra e a do rosto humano" ("a imagem da alma", como diz Cicero). 0 que faz em larga medida 0 talento e 0 encanto de urn ator de cinema e certamente a sua fisionomia, a expressao de seu rosto ede s(ousolnos, que trai sentimentos que nos comovem enos penetram a alma. Renee Falconetti prestou-se admiravelmente a primeiros pianos (em La passion de Jeanne 14. La poesie d'a.,jorlrd·/w;,
p. 171
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d'Arc, 1928, de Dreyer). 0 mesmo aconteceu com Greta Garbo (principalmente em Queen Christina, 1929, de Mamoulian). Nao sao a fisionomia e 0 olhar uma lingiJagem uni;versal? Nao e maravilhoso que num rosto, num olhar, todos, em todos os palses·, possamos instantaneamente ler todos os graus de amor, ternura, alegria, tristeza, indiferem;a, desprezo, suplica, ciumes, furor, 6dio? Quem de nos nunca se sentiu perturbado ou seduzido par urn primeiro plano do olharde Gerard Philippe, James Dean, Tony Curtis, Paul Newman, Yul Brynner, Steve McQueen ... ou de uma personagem dos filmes de Alexandre Dovjenko? E 0 olhar de Michele Morgan, Marie Lafon~t, Romy Schneider, Marina Vlady, Maria Schell, Fram;oise Fabian, Sophia Loren, Marie Dubois, etc., nao nos lembram os versos de Frarl(;ois Copee:
Dieu v()ulut resumer les charmes de la femme En un seul, mais qui flit Ie plus essen tieL Et mit dans son regard tout nnflni du cieL *
Existiria a fisionomia fora do espa90 e do tempo, teria ela acesso a uma outra dim en sao? Para Bela Balazs, ela pode ser uma dimensao em si, que escapa a concepgao do espago e do tempo: "Nos filmes mudos, a ex;pressao da fisionomia, isolada daquilo que a cercava, parecia permitir-nos alcam;ar uma dimensao estranha e nova, a dim en sao da alma. Revela-lios urn novo mundo: 0 mundo da microfisionomia que, de outra forma, nao poderia ser percebido a olho nu ou na vida cotidiana." 15
* "Deus 'luis l'esllmil' os encantos cia mulhel' Num s6, ",3, que !,>sse 0 mai, "s.'enciul. E co\oGOu em 'en o\h", lodo 0 infinito doccll." (N. dc) T.) 15. Theorynfthejl1m,
p. 65.
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as angulus - 0 :'ingula de uma tomada e sempre justificado pela configuragao do 2.
Os signos de uma escrita
Estetica do cinema Dunea
e gratuito,
cenario, pela iluminagao, pela valoriza9ao desse au daquele aspecto do assunto, pela angula do plano precedente e do seguinte, mas tambem pela desejo de mostrarfen6menos afetivo~, suscitar cleterminados sentimentos, determinadas emoc;oes. Cada angula implica uma escolha (tada arte e escolha), uma pastura intelectual e, porvezes, afdiva do diretor. Distingue-se geralmente: a) 0 iingulo "normal" - Geralmente a camera e rnantida horizontaimente, na altura do homem. 0 ponto de vista e "normal", nao ha: deformac;ao de perspectiva. b) 0 plongee (a camera situa-se acima da pessoa) - Os diversos pianos distinguem-se claramente. As personagens em primeiro plano parecem "esmagadas", "pregadas" no chao. Deforma96es muito marcadas fornecem uma visao particular geralmente desajeitada, au senao abstrata, em que subsistem apenas as estruturas essenciais. 0 plongee "diminui" a pessoa, cria um efeito de esmagamento, de rufna psicolclgica, sugere () sllfocamento, a insensibilidade, a augustia, a sujeig:lo das personagens, que 5e tarnam joguetes de um destino inexoravel ou da vontade divina. As tomadas em plongee vertical produzem efeitos curiosos, como no me de Hitchcock, The paradine case, no momento em que o advogado, ap6s as conflss6es de sua cliente, deixa a sala do tribunal, ou ainda naq uele estranho filme de George Schaefer, Pendulum, quando 0 jovem assassino Paul Martin Sanderson (Robert F. Lyons) e pressionado contra a parede de sua cela. c) 0 Gontl-e-plongee (a peS50a encontra-se acima da camera) - Essa tomada tambem falseia a perspectiva: os varios pIanos, normalmente diferenciados, comprlmem-se, e as personagens em primeiro plano parecem maiores. 0 contreplongee magnifica os indivfduos, evoca a superioridade, 0
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poder, 0 triunfo, 0 orgulho, a majestade, ou senao a trageclia eo pavor. Encontramos alguns bons exemplos desses efeitos psicol6gicos ou dramaticos em 0 [tm de Sao Petershurgo de Pudovkin, Alexandre Nevski e Que viva Mexico de Eisenstein, ou ainda em Play time, obra-prima de Jacques Tab, quando 0 senhor Hulot descobre 0 mundo com seus grandes edificios de concreto e de vieiro, e on de a uniformizagao domina. As tomadas em contre-plongee verticais (pontos de vista geralmente subjetivos) sao bastante raras: visao de uma personagem que, por exempla, e transportada numa padiola (A farewell to arms de Frank Borzage), ou num caixiio em cuja tampa hoi(no caso) lima janelinha (Vampyr de Dreyer). Quando a camera pende em torno de seu eixo 6tico, obtem~se enquadramentos ditos "inclinados" ou "desorganizados", 0 ponto de vista podendo ser 0 de espectador (camera objetiva) ou de uma personagem (camera subjetiva). Seria preciso acrescentar que existem uma infillidade de anguios que dao todas as nuances desejaveis, e que hoi apenas uma posigao ideal, todo 0 resto sen do fraquezas? Enfim, 0 efeito obtido nem sempre e aquele que se espera (no limite, 0 deito produzido pode ser 0 contrario daquele que 0 cineasta preve teoricamente).
m-
3. Os movimentos de camera - U ill movimento de camera e um meio de expressiio fllmica importante, podendo ser belfssimo. Busby Berkeley soube filmar bales de um modo admirtivel, dando uma grande mobilidade a camera, imprimindo-Ihe movimentos complexos e sutis, cleixando tn?s ou quatro aparelhos fixos dispostos em varios pontos do estudio. Gene Kelly escreve sobre esse realizador (e core6grafo). "Quem quiser aprender 0 que e possive\ fazer com uma camera, deve estudar cada plano roclado por Berkeley. Ele fez de tuclo." Em All quiet on the western {mnt, 1930, Lewis Milestone soube utilizar adn).iravelmente todas as possibi-
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as signos
Estetica do cinema
lidades elas novas Mellicas,
principaimente
Il'ovellings
l1onlrnicas. Os movimentos de acompanhamento tituiveis.
Da mesma
e p<1-
sao insubs-
ell's!Jc/'o{og;c
(Ima
escrii(l
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tambem uma funr;ao "rftmica", como nos filmes de Godard e Resnais. Marcel Martin escrj::veI7:
forma, as mudaor;:as de ponto de vista
imp6em-se quando 5e trata de descrever uma paisagem, umacena ou um objeto de grandes dimensoes. Mas um movimento de camera cleve sempre corresponder a LIma necessidade imperiosa, seja ela ffsica, psicol6gica au dralmHica; cleve ser utilizado com uma intew;;:ao bem precisa, salidamente motivada do ponto de vista artistico, podenclo ate seT vantajoso substituf-Io par urn encadeamento mais interessante de pianos fixos (como 0 mostra 0 maravilhoso filme de Chris Marker, Lajetee, que e composto de uma sucessao de planas fixos tornados em slides). E recomend:ivel usar com discernimento as movimentos de aproxima<;ao e de afastamento, alternando-os com pianos fixos· repetidos excessivamente, produzem vertigem no espectador, ou senao urna sensa<;ao de mal-estar. Jean Mitry escreve sobre a inutilidade de alguns travellingsl6: "Nunca sera demais falar sobre a in utili dade de alguns travellings, cuja tinica razao parece serade acompanharo deslocamento de uma personagem, com 0 pretexto de descrever a realidade do acontecimento (. .. ). Em lugar desse travelling intitil (em The old maid, de Edmund Goulding), uma elipse teria si9h inelhor. Seguir inteiramente uma a~:aopara respeitar 0 "tempo real" e algo muito lfcito, contanto que a duragao tenha algum significado, pois, quando se trata apenas de descrever 0 vazio, podese faze-Io inciefiniciarneilte, e isso e uma arte ao alcance de todos. A quest9:o nao e, portanto, 0 travelling 'ern si', mas o que 5e coloca nele, para que ele serve." UIll movimento de camera nao tem uma fUl1gao unicamente descritiva. Pade tambem ter uma funr;iio psicol6gica au dram:itica, particulannente ao exprimir ou materializar a tensao mental de uma personagelll. Finalmente, pocie ter 16. EO'I/"W'IIIC
de
d" c;m;mu.
I Il. p. 33.
Em A bOlil de sOlljfle (Acossado), a camera, constantoomente movel, cria uma espl::Cie de dinamizi!-<;<'iodo espat;:o, que. ao invcs de permanecer como lim quadro rigido, torna-5e fluido e vivo: a, personagens·parecem se movimentar como num bale (quase poderiamas [alar de umafimrao coreogni!ic(1 da camera, na medida e~1 que ela propria danra): par oulro lado, as movimentos incessantes (da camera. ao modificarem a todo instante a ponto de vista do espectador em relao;:aoii cena, desempenham lim papel quase analogo ao da montagem, terminando par conferir ao filme um ritmo proprio, que e \lm dos elementos essenciais de sell estilo< Em Resnais (Hiroshima mon amOIII",L·anneederniereaMarienbad enos seus curtas-metragens), as movimento'i de camera (principalmente a tr(l1xlling!orward mio tern ao menos e!isencialmente urn papel propriamente descritivo, mas umajJ~!{a() de penetra· rao, seja no universo de urn pintar (Van Gogh) ou na lembrant;:a, nos arcanos da mem6ria (Nuit et Brouillard, o~ travelling; de Nevers em Hiroshima): pelo seu carater irrealista e qua~e o~frico (e bastante proximo dos movimentos que fazemos em no~sos sorihos-), o travelling completa e refort;:a 0 papel (analogo, em Qutros pIanos) da mlisica e do comentario falado no prescnte; final mente, os movimentos do aparelho valem, por vezes, apena.> por sua pura beleza, pela presen~a viva e envoI vente que conferem ao mundo material c peb intensidade irresistfvel de seu lento e longo desenrolar (as trat;cllings nas ruas de Hiroshima). Podemos dizer qlle hi uma!ullI;ao cncantat6ria dos movimentos de camera, que corresponde, no p)an~sensorial (sensual), aos efeitos da montagem rapida no planci intectual (cerebral).
ill - A palavra e
0
som
o material son oro tem uma grande importancia no cinema. Podemos afirmar que a estetica deste transformou-se 17. Marcd nis. p. 51.
Martin,
Le iUllgagecinhrwwgraphique,
Lcs Editcnrs
FraH\,n,s
Ho:;u-
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'
Estetica do cinema
Os signos de uma escrita
profundamente com 0 advento dos di.:ilogos e cia ffillsica. 0 sam destina-se a facilitar 0 entendimento cia narrativa, a aumentar a capacidade de expressao do filme e a eriar uma determinada atmosfera. Ele compieta e reforra a imagem. Obtem-se resultados freqiientemente bem diferentes atrayes cias diversas combina~6es cias duas linguageus, 0 som e a imagern: combina~:6escompiementares, redundantes, contradit6rias (contrastantes) au ern contraponto. 0 acornpanhamento musical e fundamental mente urn problema de sensibilidade e de gosto, nan h3 regras imutaveis, mas COllvern que musica e efeitos sonoros se hannonizem com 0 coment:=irio e com a imagem. A dificuldade reside ua sobriedade e na proprieclade do comenUirio, a palavra - 0 menos abundante possfveltem 0 seu lugar, em principio, imediatamente ap6s a a~ao. A mudan<;a do timbre de voz (voz masculina seguida por uma voz feminina, por exemplo), bern como a alternancia de pianos sonoras, on de rufdo e silencio, tern um grande poderdranuitico e sugestivo, sendo freqiienternente rnais eficazes do que 0 contraste que se pode criar pelajustaposir;ao de imagens.
de, 0 senti men to de credihilidade material e esteticada imagem. Ele assegura Ulna continuidade no plano da percep9:l0 e da unidade organica do filme; "As legendas sempre cortanlo imperhnentemente as imagens", escrevia Pierre Porte, "obrigarao a ler ap6s ter visto, quebrarao 0 ritmo do filIlle. Ao ver um mme, temos sempre a impressao de que ha de um lado imagens e de outro legeodas. It preciso que esse antagonismo desapare~'a: e preciso que texto e imagem fundam-se e caminhem Dum mesmo ritmo." Alt'im disso, 0 som "valoriza" 0 silencio e amplia seu poder expressivo: os filmes de Tat! (como Play time), bern proximos dos filmes ditos "mudos", e apelando largamente para a imaginaC;ao do espectador, au ainda os fllmes de Bresson, especialmente Le journal d' un cure de campagne, comprovam-na abundantemente. "0 cinema mudo", escreve Edgard MorinJ8, "ja representava 0 silencio, mas 0$0001'0 pode traduzi-Io por rufdo, enquanto 0 mudo traduziao silencio pOl' silencio. 0 mudo colocava em cena 0 siiendo. 0 sonoro concede-Ihe a palavra." Caso haja uma superposic;ao de som e imagem, suas linguagens se reforr;arao entao para apresentar a IIlesma informaC;''io(combina~:ao redundante). A atenc;ao do receptor e concentrada e condicionada, e este permanece passivo (mensagem "fechada"). Existe 0 risco de satura~ao e de rejeic;ao. Aqui, a func;ao da rnensagem e descrever, formar ou condicionar. ,~ " A combina~ao complementar e usada freqiientemente nos documenhlrios. Por seu carater didatico, visa essencialmente informar e descrever: nesse caso, som e imagem cornentam-se reciprocamente, cada uma destas duas linguagens sen do fonte de lima parte da informac;ao. A mensagem e do tipo "semifechada", eo receptor e mais ou menos passivo; sua aten~ao e solicitada pela conjunc;ao dos dois tipos de percepc;ao, mas pode se dissipar 5e a mensagem for longa
1. Os dial6gos - "0 filme mudo", escreveu Andre Bazin, "constitu{a urn universo privado de som, 0 que explica os . multiplos simbolismos destinados a compensar essa deficiencia.·' A imagem, amputada de urn de seus cornponentes essenciais, 0 som, nao podia S8 limitar a um papel expressivo, psicol6gico ou dramatico: devia necessariamente tambern preencher uma fun~ao descritiva e explicabva; daf 0 emprego da sobre-impressao, de primeiros pianos e da mOlltagem rapida (da mesma forma que nao se enxerga apenas com os olhos, mas tambem com 0 tato e 0 olfato, por exemplo, tamb6n e possivel au vir com outros 6rgaos alem dos ollvidos. na realidade, todos os sentidos participam, todo 0 corpo e todo 0 esp{rito). o som permitiu incremental" a impressao de autenticida-
,
18. Le CiminI(! ou (/10"''''(:
;mugi"airc.
p_ 1-11
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Estetica do cinema
Os signos de «rna escrita
au prolixa demais (hi sempre uma quantidade maxima de informa<;;iiosuscetivel de ser comunicada e recebida). Em rela9:lo a imagem, 0 sam pade ainda ser utilizado em contraste (combina<;;iiocontradit6ria). Nesse caso, 0 sam principal e a imagem tern conteudos opostos; a infonnagiio esconde-se num segundo nivel de leHura; sendu a atengao do espectador estimulada 00 refi:m;ada (efeito choque) e sua imagina<;ao solicitada, este, em gera!, nao deixa de reagir (mensagem "semiaberta"), mas h.1risco de contra-sensa na interpretw;:ao caso se compreenda apenas uma elas linguagens utilizadas; de fato, e alga delicado solicitar ao mesma tempo dais seotielos perceptivos quando as duas inform a<;oe$ simultaneas"uao convergem 10, Os grandes te6ricos da setima arte logo perceberam a grande importancia da nao coincidencia, da dissocia9ao entre sam e imagem. Eisenstein, Pudovkin e AlexandrafF exprimem a ideia do "contraponto orquestral" no celebre Manifesto rios [res, publicado em 1928, Tambem Bela Balazs atribui nma grande importancia ao que chama de "assincronismo", Hene Clair observava que "e 0 emprego alternado da imagem de urn ser e do som produzido por ele - e nao seu emprego simultiineo - que cria os melhores efEdtosdo cinema sonoro e falado". E que "pode ser que essa regra, a primeiraa se destacar do caos da Mcnica nascente, tome-5e uma das leis da tecnica de arnanha". Na "combinat;'ao em contraponto", 0 sam e a imagem sao, alternadamente, fonte de informat;'6es especffi:casque remetern umas as outras. A informat;'ao oferece-se a leitura de forma dialetica: ela m'ioe redutivel a nenhuma das duas lingua-
gens, mas ao movimento dialetico que se estabelece entre as duas. A alternancia das linguagens pode ser vista num primeiro momenta e escutada num outro. Num terceiro momenta, 0 espectador e ativo (mensagem de tipo "aberto"): participa, toma consciencia, analisa. "5e 0 cinema se define como urn conjunto de sons e imagens", escreve Louis Porcher 20, "deve-se dizer com c1areza que nenhuma dessas duas caracteristicas e mais importante que a outra, e, alem ciisso, que eJas interferem-se con stantemente, modificam-se mutuamente. (... ) 0 som contribui para 0 sentido daimagem e, mais do que esta, estimulaa imaginaGao." No tempo da "literatura ilustrada", 0 texto prevalecia sabre a imagem e, em principia, a precedia (como no filrne de Alexandre Astruc, Le rideau crarnoisi). Contudn, a superioridade da imagem sobre a palavra ja se rnanifesta em 1929 em Applause de Rouben Mamoulian. Hoje ja se reconhece que 0 sam e um fator constitutivo, urn componente privilegiado da imagem, E admite-se que 0 comel1tario deve intervir apos a imagem, e mio antes dela. "Dessa forma", escreve Jean Mitry 21, "a em09ao precede a expressao (... ). Ora, uma emoGaoja significada nao podj2mais emocionar, \lma vez que essa ern09ao esta inteiramente na significa9ao dada C .. ). No cinema, 0 que deve prevalecer nao e nem 0 significado nem a significat;'ao, mas a passagern gradual e continua do nilo-significado aD significado, do emocional ao intelectual, atraves de uma significar;iio sempre contingente." A linguagem fotografica e mais "polissemica" (urn significante recobre varios significados, perrnitindo assim multiplas interpreta90es) do que a linguagem falada (que, no limite, quando constituida de tennos tecnicos, c "mono sse mica", ad mite apenas uma interpreta9ao). Ao se pas sal' da linguagem dirigida aos olhos a [inguagem dirigida
19 "A lei geml cia fun<:,,,onervosa e que us informa<;,oe, sensitiva, quo chegam ao c6rtex SOfremlltlW 'triagcm' de acordo com as necG
20. L'A'I(];o'T/;s,wl, Ed, Ret7., cup, "Le '0"-21 ESlhitique "I P,\~(.·hologie rill ~i"e",a, t, II, p, 105
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Est6tica do cinema
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Os signos de uma escrita
aos Qllvidos, passa-se do nao significado ao significado, acionando-se, primeiro,
a afetividade do receptor,
e s6 depois
a sua inteligencia. o material sonoro e de emprego muito flexfvel, penni~ tiwlo erial efeitos particuiarmente interessantes e variados. assim, nao e excepcional que diti!ogos e mon6iogos, que exprimem 0 conteudo mental de uma personagem, e comeotarios de uma terceira pessoa, no presente, passado ou futuro, sejam utilizados alternadamente num mesmo filme (referima-nos, por exemplo, acomedia de Woody Allen Take the money and run (Um assaltante bem trapalhiio). Bern mais raros sao os mmes em que efeitos surpreendentes sao criados por um simples descompasc.o entre palavras e ruidas: eo caso em Le million, Les belles de nlJit, MiracoZo a Milano e Okraina. Efeitos curiosos podem ser produzidos quando ha contradi<;ao entre as imagens e as palavras: em Scarface, a mentira que uma personagem conta sobre seu passado (em vuz off) e desvendada pelas imagens que nao correspondem a narrativa. A voz off tem um grande poder de sugestao e pennite efeitos extremamente interessantes: isto acontece, particularmente, na famasa seqiiencia do filme de Aldo Ver~ gano, Ilsole sorge ancora, quando 0 paroco e um outro resistente saoconduzidos ao supl{cio pelos nal.istas. 0 padre redta litanias; algumas pessoas respondem Ora pro nobis; em seguida, poueo a pouco, toda a multidao entoa esse re5ponso Dum crescendo extraordinariamente comovente; mas a imagem 56 mostra, em primeiro plano, 0 paroco e sell companheiro, e mais dois ou tn§s homens da multidiio. "Escutamos o som inchar como 0 rugir de uma torrente. Sentimos a revolta do povo; este som isolado, simb6lico, nao e5hi num espa<;o real, mas numa espede de espa<;o mftico. Seu poder ameac;:ador torua-se urn formidavel sfmbolo son oro, predsamente porque nao podemos ver a multidao."22 22. Bela Balazs, Theory of the film, p. 203.
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Trabalho eminentemente eoietivo, lim bom filme, ass,im como toda boa cria<;ao, 56 pode ser 0 resultado de um entendimento harmonioso entre todos os participantes. Destaforma, os sucessos de Resnais podem ser explicados em grande parte pelo iato de 0 cinegrafista ser sempre 0 prolongamento sensfvel do diretor, a18m da estreitfssima colabora<;ao do ultimo com seus roteiristas e dialogistas. Cada obrade Resnais e urn encontro, um entendimento e uma criac;:aocontfnua junto a urn autor: com Jorge Semprum (La guerre est jinie), Jean Cayrol (Muriel), Robbe-Grillet (L'annee derniere a Marienbad) e especialmente com Marguerite Duras (Hiroshima mon amour). Esse acordo perfeito e pa;·ticularmente fecundo entre um grande diretor e um criador de dialogos de talento pode ser encontrado, de urn lado, em i\hrcel Carne e, de Dutro, em Jacques Viot, Henri Jeanson, ou ainda, singularmente, Jacques Frevert. As obras de Carue~Prevert tem urn clima bem particular ("realismo poetico"), nascido ciacolabora<;ao entre os dois hom ens. a hist6ria freqiientemente sombria e 0 desfecho por vezes tragico sao atenuados por uma poesia terna, de inspira9ao popular, que exala tanto dos dialogos quanto das imagens (Quai des brumes, Le jour se leve, Les partes de la ntlit); por vezes, a poesia e bern caracterizada (Dr6le de drame, Les visiteurs du soir, Les enfant's du paradis). Os melhores dialogos sao aqueles-que "alimentam" ou provocam a a<;ao,correspondendo perfeitamente ao car:Her, ao temperamento, a personalidade intima e a sensibilidade do ator: tal acontece, por exemplo, nos dialogos de Michel Audiard, bern adaptaclos a personagem de Jean Cabin (Le pacha, Les grandes familles, etc.). Por esse motivo, seria desejaveltanto nos dialogos "de comportamento", que nos esclarecem a respeito das personagens, quanta nos Jialogos "de cena", qlie nos informam as pensamentns, as inten goes e os sentimentos dos her6is - que os atores pudessem, qualquer que seja a situa<;ao, improvisar largamente
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Est6tica do
cinclI!{1
Os signos de uma esc rita
a partir de U111 texto escrito segundo as necessidades de COI11preensao cia hist6ria e segundo a psicologia dos parceiros. A simples auclic;50 de
lllYla
voz pode dar uma imagem
incri-
velmente exata cia maior parte das caracterfsticas f[sicas e mentais de Ulna pessoa, e particulannente de um atar. 0 poder de convencimento cia palavra humana nao esta unicamente nas palavras pronunciadas e nas icleias que estas sugerem: ele reside tam bern no proprio som cia YOZ, e esta nao sornente tern um paeler de sugestao, mas tambem um valor pSicol6gico incontestavel (eia exalta a emotividade). Na ve1"clade, a entona<;ao, 0 ritmo e 0 timbre sao mais importantes que a sintaxe, e se aceitarmos, com Merleau-Ponty, que "a prodigalidade au a avareza de palavras, sua plenitude ou seu vazio, sua exatidao ou a sua afeta(,'ao fazem senti!" a essencia de uma personagem de forma mai~ segura do que muitas descrio;oes", perceberemos 0 absurdo fundamental da dublagem. Nenhuma dublagem permite, sem alteragao da versao original, transportar para uma lIngua diferente 0 dialogo de personagens que se exprimem na lingua de Dante, de Cervantes, de Goethe, de Shakespeare ou de outros Certamente, uma obra pode ser refllmada com interpretes que falam a lingua do pafs ao qual se destina: por isso, nos infcios do cinema falado, Jacques Feyder tentou resolver 0 problema contratando interpretes talentosos, como Andre Luguet e Fran(,'oise Rosay, para as versoes francesas, que, alLis, foram as vezes superiores as americanas. Mas nesse caso tratase de Ulna nova cria<;~ao.Seria desejavel que todos os atores de um fllme dominassem perieitamente diversas linguas e pudessem, sem nada mudar de uma obra, interpretar, com o mesrno talento e 0 mesmo SLicesso, a versao destinada a seu proprio pafs e aquelas destinadas aos oub-os. Mas, a rigor, seria isso posslvei? Meslllo antes do advento do genero falado, 0 cinema ja nao era um "esperanto universal", como queira Rene Clair, poi.'>uilla imagem nem sempre tem 0 mesmo significado em toclos os paf.ses.
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A credibilidade de urna narrativa falha q{wnclo uma personagem 5e exprime ern qualquer lugare em qualquercircunsh'incia nUllla lfngua diferente daquela que ela usaria normalmente. em The enemy below, 0 capitiio Murell (Robert Mitchum), que eomanda um destr6ier americana, e seus homens falam frances, e iS50nos parece conforme a realidade Mas que 0 comandante Von Stolberg (Curd Jurgens), sell imediato Schwaffer (Theodore Bickel) e todos as outros membros ciatripulagao do submarino ale mao tambem falem frances e um poueo desagrada:vel, nao dando ao filme 0 tom de autenticiclade desejado par Dick Powell. Mas qual seria a sua sa(dar Em inumeros filmes de guerra (de Rene Clement, Duvivier, Melville, Dewever, Autant-Lara, Lindtberg, sobc'etudo em La derniere chance, etc.) as personagens, prineipalmente as alem:.'is, falam sua lingua materna, o que aumenta consideravelmente a credibilidade da historia, mas 0 emprego prolongado clas legendas apresenta serios inconvenientes: as imagens sao desagradavelmente cortadas e quebra-se 0 ritmo do filme. "Cada seqliellcia, cada plano, reclama uma certa hannoIlia entre dia]ogo e imagem - ou mesmo, mais genericamente, entre som e imarem", escreve Etienne Fuzellier23. E acrescenta: "Em algumas circunstancias, a prioridade e evidente: pode haver sequendas 'mudas' de uma grande intensidade dramatica, oude a imagem-exprime naturalmente, por si propria, 0 que 0 autor quer dizer. POl' outro lado, ha outras - e penso particularmente em cedos confrontos drama:ticos - em que 0 dialogo representa elemento mais vivo, mais comovente. Nesse caso, seria um erro complicar a imagem, fU'l..e-laexprirnir demais: e preciso conserv::i-la bastante discretae quase neutra para que aaten~ao do espectad or volte-se ullicarnente para 0 jaga, para a expressao e para as palavras das personagens. (. .. ) 0 dia[ogo e insubsti-
°
23. Clm;",,, et litter"l",.c,
Ed. d\l Ce,.f.
f 46
Estetica do cinemn
tufvel, eleva vantagem quando se trata de dar ao publico LltTIaidonna<;:ao precisa e nipida, ou quando a situa<;:ao atinge um n(vel clramatico que diz respeito particularmente aos sentimentos cias personagens." De fato, em alguns filllles, a palavra e a expressao natural clas personagens e seu papeJ e entaQ primordial, 0 que ocorre principal mente nos filmes de Eric Rohmer e de Joseph L. Mankiewicz. Um born dialogo falado cleve ser simples, claro, espontan eo, eficaz, exprimindo a realidade vivida, dela conservando 0 natural e a verossimilhao9a. 0 eixo do desenvolvimento 16gico, dramatico e psicol6gico prende-se a continuidade visual, e "as palavras surgem da situa<;:ao". 0 texto pode ser abundante, mas nao hi palavras inUteis, 0 ritmo e preservado, havendo sempre adequagao entre sons e imagens. 0 dialogo literario, "bern escrito", comentado, rico, onele se distingue facilmente a "opiniao do autor", suas ideias filos6flcas e metafisicas, nao se adapta bem ao cinema. mesmo acontece com 0 dialogo de teatro, que tem urn valor "em sf': no teatro, "a situagao e criacla por palavras", o encadeamento verbal e eleterminante, a palavra e escrava de urn feixe de conveng6es, a verdade LImconjunto de artifidos. 0 pior e que artistas em demasia pretendem-se capazes de desempenhar todas as fungoes. Assim, na maioria das vezes, os dialogistas de cinema sao tambem gente de teatro (ao menos na Frangal, poelendo urn unieo individuo 5er ao mesmo tempo diretor, roteirista, elialogista, as vezes ator, e £linda autor e adaptaelor. E diffdl admitir que uma pessoa cereada de uns poucos parceiros, por mais dotada que seja, possa reunir todas as aptidoes necessarias para a elaboragao de Limmme. Nao surpreende que a maioria clas tentativas ten ham fracassac\o (sao excegoes homens completos como Sacha Guitry, Marcel Pagnol, Jean Cocteau, Jean Anouilh, de quem aclmiramos a verve, os di6logos brilhantes e 0 encanto cintilante). No que COllcerne a transposigao de pegas de teatro para a tela, os reSl1ltaclo.ssao geralmente decepcio-
o
l
AS signos de uma escrita
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nantes: nao passam de simples pe9as filmadas, palidas e frias, "em relevo (a tela possui somente duas dimensoes), em que falta 0 contato humano, e onele 0 publico se ve privado do prazer eleaplaudir atores em carne e osso. Contudo, algumas adaptagoes, especialmente do teatro shakespeariano, foram bem-suceelielas: Hew'y V, Hamlete RichardIII ele Laurence Olivier; Macbeth e Othello de Welles; A megera domada e Romeu e Julieta de Zefirelli; Julio Cesar de Mankiewicz e Macbeth de Kurosawa. Mais recentemente, Roger Coggio transpos com sucesso para a tela lima obra de Moliere, Les fourheries de Scapin, dando a pe9a um realismo inusitado, uma contemporaneidade nohivel. Devemos admitir que, ao menos na Fran9a, nao h::'ill1uitos dialogistas de talento preparados para escrever di::ilogos "realistas", que sao os mais aelequados para 0 cinema; citaremos Daniel Boulanger (L'homme de Rio, La menace, Les maries de l'an II, Les caprices de Marie), Roger Vailland, que se revela muitas vezes urn moralista ir6nico e mordaz (Le jour et l'heure de Rene Clement) e Charles Spaak, que colaboroll em muitos mmes de i\JarceJ Carne (Therese Raquin), de A. Cayette (Avant Ie diluge), de P. de Brocea (Cartouche), de Y Allegret (Germinal) e de Jean Gremillon
,. (Gueule d'a1l1our). 2, A musica - A musica tem umaconsideravel fU1l9aopsico16gica no cinema, ja reconhecida nos tempos do cinema mudo: ade darao espectador a sensa~'ao de lImaduragao efetivamente vivida e "de liberta-lo do terrivel peso do siJencio". Tem tambem uma fU1l9aOestetica e pSicol6gica de altfssimo grau, criando urn estado onfrico, uma atmosfera, choques afetivos que exaltam a emotividade. Escreve Lo Duca2'1 COJll 0 1';\mo, p1'evalecem os Jll()v;mcnI'OS curitm;cos (dan9'1~. and;)r): com a harmonia, ,I e.\press:'io humana; 0 elemento hanml24, r"d",jque
"t!
cindmlI. pur, "Q"e sai,;_j,-,'i",n~ 118, p. 92.
48 '
Estetica d()cinema nico e instrumental sugere e.ltados de alma. D'll,t, analogias entre o .Iome as imagen>, e entre as sensfl~,,3escri'ldas por urn e pehs ()utras. Verificam-se 'novos ritmos: 0 sincronismo entre tnlhica e imagem mio e necessariamente apenas ritrnico, pode tam bern ser psieol6gieo (eena de movimento = rnusica unif()rme; eena estatica = musica sincopada, etc.).
A mllsica mIo deve parafrasear a expressao visuaL Nao deve "comentar a aGao",explica-la, sustenta-la ou amp liar seus efeitos visuais (salv'oexce<;6es:musira de fundo ou leitmotiv, isto e, refrao). Assim como 0 di,ilogo cinematografico, ela mIo tem qualquer valor em si, "a m(lsica deve renunciar a lima forma propria se esta aliadaa imagem", observa Roland Manuel; ela e um e1emento constitutivo, urn simples e1emento de significa<;aodo espetaculo audiovisual, que deve evocar, sugerir sutil e discretarnente, suscitar operac;6es da consciencia. Nao vamos ao cinema para escutar lmisic,l. S6 pedirnos que ela aprofllnde em nos Ulila impressao visual. Nao pcdimos que ela nO.1 "expJique'" as imagens, m~s que lhes acnoscente llma ress()nfincia de natureza especifl~amente diferente. Nilo Ihe peciimos que .\eja "expressiva" e que acre.lcente <;eusent imento ao cias per<;onagens ou do diretor, mas que sej,l "dec()rativa" e Clueacre-'Cente .\eu pr6prio arabesco aCjuele que a tela nos prop6e. finalmellte, que ela se liberte de todos os seus elementos subjetivos, que nos (orne fisicamente semfvel 0 ritmo intenso ria imagem. sern que para isso queira traduzir sell conteucio sentimental, dram,\tico ou poctico. Por isso, acho essencial (lue a m\isica de cinema tenha um e,tilo proprio. Se ela tr01)xer a tela sua preOCllpa~ao tradicional de composi9ao ou de exprcssao, 010inves de entrarCOlllo associada no 111undo das imagens, criani urn mundo ciistinto, urn mUlldo do som, que obedece as S\las leis pr6prias .. Que a mtisica de cinema libeJ"te-se de todos esses elementoo sllbjetivos; que se tome, como a imagem, realis\a: utiJi;:ando meios estritamente musicais, e nao dramaticos, que eLl sustellte 0 ("OIlteddo piastico da irnagem eom urn material sonoro "irnpessoal", pOl'111eiode.\sa mistcriosa alquimia de correspondencias que pertenl'e it propria eS.lencia da profis~;;:odo compositor de trilhas sono-
Os signos de uma escrita
49
ras. Que nos tome perceptive!, enfirn, 0 ritmo da imagem, sem bbstinar-se em forneeer uma tradu9ao de seu conteudo, seja.ele de ordem emocional, dramatiea ou poctica. Libertada de to&as suas contigencias academicas (desenvolvimento ,infilnico, "efeitos orqueshais", etc.), a musica, gragas ao cinema, nos revelanl um novo aspecto dela mesma. Resta-Ihe explorar todo 0 domlnio que se estende entre suas fr()nteiras e as do som natural. Atraves da, imagem cinematognificas, ela restabeleceni a dignidade das formulas mais gastas, apresentando-as sob uma nova IlIz: se conespondercm ao que redarna uma determinada imageru, tn§s notas de aeordeao serao sempre mais comoventes do que a musica da Sexta-feira Santa de Parsifal. A m\isica nunea devc esquecer de que, no cinema, seu carMer de fenomeno sonoro prevalece sobre seus aspectos inlelectuais e mesmo metaffsicos. Quanto mais ela se apagar por tras da imagem, mais chances ted de abrir HOVOS horizontes p~ra ,i. Z.'i
De acordo com as concepQ6es de Maurice Jaubert, a musica de cinema nao e de forma alguma uma "musica para oeupar espac;osvazios", urn simples elemento de "preenchimento"; prevista desde a decupagem, juntamente com 0 dialogo, a iluminac;ao, cemirio, etc., insere~se harmoniosamente no contexto visual. 0 papel que se Ihe atribui e considenivel, mas discreto, e 0 alto poder dramatico do silencio e empregado com inteligencia: e 0 que acontece marcantemeute nos filmes de Bresson, de Antonioni e de Mizoguchi. Na linha de Maurice Jaubert (Quatorze-juillet, Carnet de hal, Le jour se leve, Quai des b'rumes, LaIin dujour), temos excelentes compositores franceses e estrangeiros, como Georges Aurie (L'eternel retour, La belle et la b&te, Orphee, Les sorcieres de Salem, Gervaise), Joseph Kosma (Les enJants des paradis, Les amants de Verone, La biJte humaine), Francis Lai (Mariage, Mayerling, Anima persa), Maurice Jarre (Doutor Jivago, Lawrence daAnibia, The longest day), Francis Roubaix, Michel Magne, George Van Parys, Cl~ude Bolling, Michel Legrand (que compos a musica de
°
25. Maurice Jauber!, ~a musil/ric de film.
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\ 51
Estetica do cinema
Os signos de uma escrita
diversos filmes, principaimente para J. Demy, J. Losey, Rappeneau, Jean-Luc Godard), Georges Delerue e ainda Miklos Rozsa, Jerry Goldsmith, Hanns Eisler, Kurt Weil, Nino Rota, Giovanni Fusco, a quem se cleve, principalrnente (em colaboragao com Georges Delerue) a musicado famaso Hiroshima mort amour. i\hrcel Martin26 escreve.
fen bach (Le plaisir), etc., sem esquecermos, e claro, de Vicent Scotto, cuja musica facil e arias leves se adaptam particulannellte bern aas filmes de Pagnol (LaIemme du boulanger, La fille du puisatier, NaYs); quanto ao jazz, as improvisayoes de John Lewis (Sait-on-jamais), de Miles Davis o.:ascenseur pour rechafaud), etc.
50
Giovanni Fusco reCllsa sistematicamente qualquer missao 0\1 cornprometimento dramalizante cia mllsica. 56 a hz intervjr nos momenta, mais importantes dofllmc (qll8 nern scm pre sao os mais cruciais
cia u(,:ao aparente.
mas os mais decisiv()s
na evojw;ao
p,ico-
16gica das personagens) como llma especie de l'undo mllsicuL bern Jimitado em dtlra~ao, bern apagacio em volume, recusando qualquer facilidade mel6dica, e perrnanecendo absolutamente neutro do ponto de vista sentimental: aD que pal'ece, ,ell papel e .Iomente o de dilatar 0 complexo espa~'o"dura~£io e de acrescentar it imagem lim elemento que c de ordem sensorial, lllas que concerne mais ao intelecto do que a aktividade. A compos~~ao intervem, em gera], sob a forma de lim solo instrurnental (piano, saxofone) e e extremamente discreta; sua recusa a qualquer parafi'a~e servil da a<;aocarresponde a urna vontacie de rle8dramatizflr;iio da musica de cinema: ela age como lima tataJidade afetiva, numa especie de e.ltad() segundo que se dirige antes de rnais nadll ,to suhconsciente.
Despojamento, objetividade, modestia na expressiio, discriyao dramatica, neutralidade no plano sentimentaL .. tais qualidades, altamente desejaveis nurn contexto sonoro, sao geralmente encontradas na musica cIassica e no jazz moderno, POI' isso, muitos cineastas empregaram com sucesso obras ja existentes de grandes compmitores: Beethoven (Une Iemmemarieej, Mozart (La maison des Bodes, Fievre), Bach e Vivaldi (Les enIants terdbles), Verdi (FolIe ii luer), Rachmaninoff (Brief encounter), Franz Lehar (The merry window), Erik Satie (Entr'acte, Une his-toire immortelle), Gustav Mahler (sinfonias n~",3 e 5, La Morte a Venezia), Of~ 26. Le /rmgnge c;nemalographique,
IV - Qutros elementos (espceifieos e miD especificos) cia linguagem cinematografica L 0 cenario - Vise 0 cineasta umarepresentagao impessoal e desinteressada das pessoas e das coisas, ou, ao contrario, uma irnagem comovida, ha sempre uma disposiyao privilegiada para os diferentes elementos que comp6e essa imagem. A arte da composigao consiste essencialmente em organizar e arranjar da melhor maneira passivel todos os elementos, do principal aos secund
52 teragem,
Os signos de uma escrita
Est6tica do cinema forrnando
juntos
um sistema macrosc6pico
as cenarios podem ser reais (naturais) - paisagens ou construc;:oes humanas - au artificiais - construfdos em estudio ou ao ar livre - com vistas a servir de ambiencia para uma ac;:8.o.as Genarios artificiais sao as vezes grandiosos, majestosos, por vezes cicl6picos. Como nos filmes de Cecil B. de Mille, ou em superprodu<;:6es como Ben-Hur, Quo Vadis, Giani·(Assim caminha a humanidade}, Spartacus, Cle6patra, Fara6, A Blblia, Os centuri6es ... Toda uma cidade pode ser reconstitufda (Aurora, La kermesse hero"ique), ou mesmo uma paisagem: um [ago gelado (Alexandre Nevski), uma floresta (A ?!lo·ne de Siegfried, Juliette ou fa ele des songes), uma selva (King Kong), etc. Podemos distinguir varias tendencias na concepc;ao geral do cenario:
profun-
damente vinculado ao tempo. A menos que 0 cliretor tome o fundo deliberadamente nebuloso, jogando com a profundidade de campo, 0 cenario e freqlientemente mais um protagonista do que um simples ambiente sem outra implicagao alem de sua pr6pria materialidade. Muitos cineastas atribuem, com ra~dio, uma grande importancia ao cen
mesma forma que n6s,
a
pensar
sentimo-nos
medida que nos acostumamos a cada vez mais solidarios com 0 resto do mundo. "Numa civiliz3gao que glorificou complexamente,
magnificamente "a cOllvivencia
indivfduo", escreve Jean Hamburguer27, com 0 cemirio anele as homens evoluem, 0
a
cumplicidade com os outros habitantes desse cenario, a magia da pedra, daarvore e do passaro, 0 sentido do lac;osecreto que nos une ao resto do mundo COlllec;aralll a se atrofiar Parece-llle que esse senti do de iigaC;3ocom 0 muncio volta a suscitar, atualmente, impetos passionais, quase esteticos, que talvez estejam nascendo como uma reac;ao contra a secura dos sistemas devotados apenas ao culto do indivfciuo " Apesal' de 0 cenario ser muito importante, ele deve no entanto eclipsar-se par tras da a930 c contribuir para formar um toclo harmonioso, sob pena de a aten9ao do espectador deter-5e nUlll detalhe, desviando-se assim da ideia principal do filme: "Realmente, no campo total", escreve Jean Mitrv'28, "devo ver tudo, mas minha aten~:ao deve se voltar a todo in stante para aquilo que e 0 mais importante. Isto, porem, s6 pode me ser reve/ado pefa pr6pria arao, pois e ela que dirige meu olhar. Se, portanto, ela me guia, nao pas so mais escolher [iv.remente. Na verdade, 0 espectador e sempl"e atrafclo, nurna imagenl, pOl' aquilo que Minge, piastica ou dramaticamente, () maximo em signiflcat;ao." Cabe ao cllJ"etoJ"S8r suficienteI1Honte convincente. 27. Un.i'''''' 'I"I""""'e. r:d. 1"1"",",,,,.;on. I). 129. 2il. C,·/I,,;lill"" cI '''·!I',·I",{")!.ie,{,, ci"';'''rI. Ed. Unjvcrsi(ail"<'''. I. II. p.• 11.
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.'
•
a) Realista ou neo-realista - Da escola realista dos anos trinta, representada par Renoir, Feyder, Duvivier e Carne, dos cineastas sovieticos e americanos (as paisagens grandiosas e majestosas dos Estados Unidos, Texas, Montana, Oregon, Wyoming, etc. sao cenarios naturais incomparaveis, especialmente para os westerns) e da escola italianado p6s-guerra (uma tendencia reune os cineastas que possuem uma visao rigorosamente "realista", pontilhista e direta da vida, como Antonioni, Blasetti, Renata Castellani, De Sica, Luciano Emmer, Germi, Rossellini, Zampa,~Z
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Estetica do cinema
dencia predominantemente sensorial (au sensualista) e intuitiva (Bunuei, Dovjenko. ). c) Expressionista - Da escolaalema, nascida nos ano.';vinte, e cuja inf1uencia estetica bastante profunda marcou e aincla marca as obms de um grande numero de realizadores do cinema mundial: Bergman, Dreyer, Carne, Eisenstein, Epstein, Lang, Staudte, Sternberg, Welles. Esse movimenta rejeita 0 realismo, 0 naturalismo e 0 impressionismo, baseando-se numa visao subjetiva do mundo, na tradu~ao da interioridacle, expressas pela deforma<;ao, pela estiliza9:10,pela abstra<;:lo e pelo simbolismo. Ivan ColF9 comenta a respeito do filme expressionista aleman Da aurora it meianolte, que conta a hist6ria de urn caixa de banco que [oge com 0 conteudo do cafre: "Tudo se desenvolve numa atmosfera febril, e eis que urn grande ejovem diretor, Karl Heinz Martin, tambem d,iretor do Deutsches Theater de Reinhardt, apodera-se do assunto e cria com ele, auxiliado pelos melhores pintores de sua cidade, 0 primeiro mme expressionista cubista: isto e, todas as paisagens, todos os objetos sao aumentados ou diminuidos desmedidamente, segundo a concep9aO da cena; tudo e visto atraves dos olhos db caixa alucinado: guiches de banco oscilantes, mas oblfquas, homens que gritam como loucos; toda a alma do her6i e reproduzida nas coisas, nas formas e na atmosfera interior do mme." gahinete do dOlltor Caligari a ohra-prima do expressionismo pictllral: 0 cen
o
e
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os cenarios sao grandiosos, majestosos, estilizados, organizados em superficies simples oude se confrontam zonas de luz e de sombra. 2. A i1uminas:ao - A ilumina9ao e "urn cenario vivo e quase urn ator". Cria lugares, dimas temporais e psico16gicos, cria estetica. Assim como as linhas, as formas e as cores, a luz pode produzir efeitos sobre a sensibilidade de nossos olhos, mas tambem sobre nossa sensibilidade como urn todD. As percep90es efetivas (au mentais) sao acompanhadas de sensas:oes e de seutimentos agrada:veis au desagradaveis, donde os efeitos de uma bela paisagem ou de uma musica harmoniosa, beneficas ao carpo e ao espirito. Atraves do jogo e da arte dos valores - ou seja, das diferen tes grada90es de sombra e luz - 0 cineasta pode obter a sensas:ao de realce, dando a seu assunto a atmosfera e 0 valor expressiv~ que dcseja. A arienta9ao do criador em rela9ao a luz condiciona o modelado. "A ilumina9ao", escreve Ernest Lindgren 30, "serve para definir e moldar os contomos e pianos dos objetos, para criar a impressao de profundidade espacial, para produzir uma atmosfera emocioual e mesma certos efeitos dramaticos." A ilumina9ao de ambiente (1uz gera1 e difusa) serve para criar urn ambiente psico16gico geral, enquanto a iluminas:ao de efeito (tuz dirigida e contrastada) permite obter efeitos dramaticos precisos. Reguiaudo convenientemente os projetores e refletares, todos os efeitos desejados sao posslveis; imagens muito suaves, contrastes fracos ou medios, com inumeras nuances intermediarias entre 0 preto eo branco, ou, ao contrario, imagens duras, com Iuzes violentas, sombras exageradamente acentuadas, fortes oposi90es entre sombras profundas e luzes intensas, silhuetas escuras sobre fundo branco, sem meios-tons ... Os italianos e dinamarqueses ha muito mostraram-se capazes de utilizar
29. III Cinea. n" 1
30. The An oj the film, p. 129.
Estetica do cinema
Os signos de uma escrita
as possibilidades expressivas da luz artiflcial, mas foi Cecil B. de Mille 0 primeiro a faze-1o, em The cheat, sombrio drama de dume, onde se avan90u ern muito na pesquisa de uma dramatiza9ao da luz, abusando-se das contraluzes, dos claro-escuros, dos efeitos de si]hueta, das sonibras projetadas, e das ilumina<;oes dos rostos ern contra-plongee, etc. A partir de 1919, 0 expressionismo alemao e 0 Kammerpiel inspiram-se largamente !las pesquisas de De Mille sobre a ilurnina<;ao, a Bm de expressar valores psicol6gicos e dramabcos e simbolizar plasticamente os estados de alma. Esse Stimmung, esse ambiente sentimental do claro-escuro aparece no famoso Caligari de \Viene e, particularmente, nos filmes de Lang (A morte can<;ada, Os Niebelungos, While the city sleeps) e de Murnau (lv'osferatu, Fausto, 0 ultimo homem ~ a obra-prima da Kammerspie{j e tambem A noite de Sao Silcestre, de Lupu Pick, A rua sem alegria de Pabst (corn 'Verner Kraus, que fez 0 doutor Caiigari, e Valeska Gert, atriz de ffsico ingrato, que mais tarde trabalhara com Fellini). Aapresenta<;ao do con£lito da luz e da sombra, a ubliza9iio dramatica do claro-escuro, sao encontradas em varios filmes "noirs", psicoi6gicos ou polidais, onde 0 confronto das luzes acompanha a violencia da a<;ao:filmes de Carne, \Vyler, John Ford, depois de Welles, Dassin, Kazan, Wilder, Dmytryk, Robson, Huston, Siodmak, etc. Urn born exemplo e o filme Laura de Otto Preminger. Apartir de 1945, 0 neo-realismo italiano reintroduz a moda da ilumina<;ao natural, plana e poueo contrastada, estilo "jornai". Essa rea<;aoantiexpressionista acentua-se mais ainda por volta do final dos anos dnquentacom a nouvelle vague francesa e movimentos similares: as tomadas sao feitas ao ar livre e em cemirios reak
tudo nas comedias burlescas e de pasteiao enos filmes expressionistas, oode as roupas sao extravagantes e a maquilagem exagerada. Em gera], 0 guarda-roupa cias comedias musicais e rico e suntuoso: Yolanda and the thief, An american in Paris, The bandwagon, de Vincent i\Hnelli, The wizard ofOz de Victor Fleming, Cabaret, de Bob Fosse, Babes on Bradway de Busby Berkeley e Singing in the rain de Stanley Donen. 0 ohjetivo do guarda-roupa e exaltar a beleza, 0 carater, a personalidade dos "'her6is", e "valorizar os gestos e atitudes das personagens". "N um mme", escreve Lotte Eisner:l], "0 guarda-roupa nunca e urn elemento isolado. Devemos avaJia-Io em rela<;aoa um certo estiJo de encena<;ao,do qual de pode ampliar ou dimuir 0 efeito. Sobressaini do fundo dos diferentes cemirios para valorizar os gestus e atitudes das personagens, d~ acorda com a postura e a expressao das mesmas. Deixara sua marca, por harmonia ou contraste, no grupo dos atores e no conjunto de urn plano. Finaimente, sob esta ou aquela ilumina<;iio,podera ser modelado, real<;adopela luz ou apagado pelas sornbras." Os trajes pod em serfrancamente realistas, tendo 0 cineasta enb'io um grande cuidado com a reconstitui<;ao hist6rica: La kennesse heroique, obra-primade Feyder,Jeanne d'Arc, de Victor Fleming, Othello, de \Velles, Horneu e Julieta, de Cukor, Os sete samurais, de Kurosawa, etc. As imagens podem ser muito elaboradas, as encena9i3es~reciosas, rebuscadas com exalta<;aopoetica, como em Mayerling, de Terence Young, Fattj di gente per bene, de Bolognini, La ronde, de Roger Vadim, nos filJnes de Max Ophuls (La ronde, Lola Montes), etc. 0 quarda-roupa pode ser intemporal quando a exatidfio hist6riea cede a LImapreocupa<;ao maior: a de sugerir ou traduzir simbolicamente caracteres, :;stados de alma, au, ainda, de criar efeitos dramaticos au psicol6gicos (Alexandre Nevsky,. Metropolis, 0 anjo . azul, 0 11ltimolwmem).
3. 0 guarda-roupa ~ 0 guarda-roupa dos atores esta muitas vezes intimamente ligado a atmosfera geml, sobre-
31. In HCLue ,z" Cillema (num"ro wbee 0 guunla-roupa). p. (i8
57
58·
Est6tica do cinema
4. A cor - Lembremos desde ja que a ausencia de cores e uma das conveo96es cinematograficas das menos discutlveis (sentimos bern menos as cores do que os vaiores, isto e, as diferenQas relativas de i[uminaQao entre as partes claras e as partes escuras de um mesmo objeto). Dito isso, arepresentaGao em preto-e-branco e pelfeitamente justificavei em filmes puramente psico16gicos (como Le journal d' un cure de campagne, Les enfants terribLes, Brief encounter, etc.) enos filmes de violencia. "0 principal problema", escreve Roger Boussinot .'32, "6'saber se a cor cleve ser 'realista' au mIo. Na primeira concep9:l0, a cor tentara 5e conformal' a realidade: lembremos que hto e realmente diffcil, e que 0 cineasta corre 0 risco da 'bela imagem', do 'cartao postal'. Ocupando lim espa90 desproporcional em rela950 aque ocupa na visao natural, a cor impoe uma nuance 'decorativa' a imagem flimica, 0 que conduz facilmente ao maneirismo: razao pela qual parece ser contra-indicada paraalgum assuntos violentos (como filmes de guerra, filmes policiais e filmes de terror)." E 0 que acontece com A rua da vergonlw., de Mizoguchi (que, no entanto, e um dos mestres da cor), com o filme de Martin Scorcese, Raging bull ~ retrato de um hom em quase primitivo, brutal tanto num ringue como num quarto ou num escrit6rio, possu{do pela vontade de destruir e mesmo de se autodestruir - obra notavelmente feita em preto-e-branco. Eric Moreau 33 escreve a respeito do mme Elephant man de David Lynch· "Elephant man tenta ser decididamente uma ohm de arte, buscando a em09ao, 0 sensivel, 0 sensual e 0 cultural. Narrada quase como uma hist6ria infantil por lima mae bela e feminina que quer adormecer seu filho monstruoso, dar-HIe finalmente 0 sono ciasestrelas e a paz do .'leu amor, a filme comove-nos a cada imagem. Mas nao 58 trata apenas de uma singularidade de nOS50Ssen32. L'cl1e"dophiie
d" cine",,,. Ed. Borelas,
:):3 L'Ecolelih'mlricli,
n"25. p. 1175
p_ 33.1.
59
Os signos de uma escrita
timentos; extremamente cuidada, utilizando os recurs os mais sutis do preto-e-branco, a fotografia revela urn mundo pesado, sensorial, onde a procura do estranho, da nor do mal, acompanha necessariamente uma abordagem decididamente realistadas coisas. John Merricke 0 mme em camera lenta de seu nascimento, que ele decomp6e em sua cabe9a, sao produtos do real, surgem de uma minllciosa observa9aOdaqi.lilo que e: realismo das s6rdidas mas do Soho (e claro!), do hospital, do teatro. David Lynch (assim como Scorcese em Raging bulT) devolveu a nobreza ao preto-ebranco. A verdade e que e diffcil imaginar esse mme em cores. Precisamente por ser 0 mundo colorido em demasia, a cor paradoxalmente apaga 0 que e, atenua a luz, os contrastes, ela suaviza, ou melhor, absorve os fragmentos de sensualidade de que os objetos sao feitos. Dickens escrevia certarnente ern preto-e-branco." Em seu tJ.lme Chasse-croise, Adelle Dombasle tambem emprega admiravelmente 0 preto-e-branco para cap tar a obsessiio e 0 misterio das personagens masculinas. CO!l1preendendo que os momentos dralwiticos ou de grande intensidade psicokigica mesclam-se muitas vezes corn momentos de dis ten sao all de feJicidade, alguns cineastas (Alain Resnais, Marcel Hanolln, Ettore Scola, etc.) tentaram, em geral com sucesso, introduzir momentaneamente acor, Oll combina-la, de forma permanente ou nao, com 0 preto-e-branco (Nuit ethyouillard, Le huitieme jour, C'eravamo tanti amati). Marc Hillel e Clarissa Henry foram extremamente bem-sucedidos ao combinar cor e preto-e-branco em sell documentario hist6rico (Ern nome da ra9a), filme-dentincia que revela uma das mais misteriosas institnigoes nazistas, os Lehensborne. Contudo, em certos casos, a cor, sern apoio do preto-e-branco, destaca a violencia: e 0 que temos, pOl'exemplo, nos epis6dios viris do filme de John Sturges, Gunfight at the 0 K. Corral. A cor se irnp6e em filmes onde ela possa exibir sell carater feerico, caloroso, artificial e invasor, onde possa "frustrar a
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60
Estetica do cinema
Os
a~ao de recalque": comedias rnusicais (Singing in the ,rain, de Donen, An american in Paris, e The bandwagon, de Minelli), as mmes mio-realistas (Le ballon rouge, de Lamorisse, Henry V, de L. Olivier, Sadka, de Ptochko), as fihnes ex6ticos (Porta do inferno, de Kinusaga, Orfeu Negro de Camus), hist6ricos (La carrosse d'or, de Renoir), as mmes de aventura e os westerns. 0 cineasta nao busca sistematicamente" a-reprodugao exata das COfes: pode expJorar as tonalidades "mais quentes"-(vermelho alaranjaclo) ou "mais frias" com finalidades artisticas, visando 0 contraponto com 0 conteudo dramatico das imagens. Escreve Jean Mitry 31: Sc naD e possivel modiflcar os valores nas tomadas, ao menos pode-se esc-olher seus elementos e compor cemirios adequados. Urn detcrrninado quadro que responde melhor, par suas tonalidades naturais, Ii. expressiio de um deterrninado sentimento, pode ser preferido a um outro. A melhor prova disso e Set:en men/rom now, western exaltante, cuja progressiio nos arrasta, a medida q llC a tens:io dramatica cresce, de uma pai,agem verdejante do Oeste americano ao fosco implacavel das rochaS', a secura dos areais. no meio dos quais acontece 0 aeerto de eontas final, enq uanto a pequena cidade de madeira evoca, peio eneanto ins6lito dos s(;loons !illdamente dccorados, todaa nostalgia de urna epoea que fil'OUdefini" !ivamen!e para tds. E.I<;aprogressao, essa mudall9a de paisagem, teria sido possivel scm dllvida em preto-e-branco, rna., a cor af tem UIll papelllada llcgligenciaveL As cores, ao me.'mo tempo brutais € matb-:adas, daa urn tom, uma res.loll:incia tragiea a rudeza do cemirio, alga que 0 prcto-c-branco mais suave nao scria capn de reproduzir, e a cidadezinha do oeste deve todo seu esplendor ao ('fomatismo suti! dos falbala.l 1860
As cores imprimem em nosso ser sentimentos e impress6es, agem sabre uossa alma, sobre nosso estado de espfrito; podem servir, portanto, para 0 desenvolvimento da a<;iio, 3<1.Eslhe!ique
el psychologic
r/" cinema, Ed. Univcrsitair",.
t. II, p. 128,
signos de uma esciita
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participando ditetamente na cria<;iioda atmosfera, do clima psicoI6gic'); ess'e alto valor psicoi6gico e dramaticd cia cor e judiciosamenteaproveitado na segurida parte de Ivan; n terr{vel, de Eisenstein, onde uma dominante vermelha e~-' prime 0 dinamismo, a exalta<;iio das cenas de ba~q-uete e. de dan<;a, e uma d.ominante azul glacial, terror do preten-' dente ao trbno que percebe que vai ser vftirnade urn engano e que a S4~hora chegou. Qutros cineastas que tambem fizeram,e~celentes filmes depesquisas de cores foram Antonioni (It deserto rosso), Renoir (La fleuve) Tchukhrai' (Aquadragesima primeira), Visconti (Senso, Il gattopardo), Rene Clement (Barrage contre le pacifique, Plein soleil" La maison sous Ies arbres - neste filme, 0 amarelo brilhante exprime a alegria de viver do pequeno Patrick [Patrick Vinc'ent], o azul, a d09ura e afemiriilidade de Jill Hallard [Faye DUlla-way], os lil~ses, a inquieta<;iio do amanhii, a angustia'de Jill). Mamouliai-dinha ideias precisas sobre 0 emp;ego da~or: como comprovam Dr. Jekyll andi\'lr. Hyde, de 1931, Becky sharp'; de 1935, primeiro longa-metragem em Technicolor ti-icromo da hist6ria do cinema, e Blood and sand, de.1941. :Para 0 coiorido deste ultimo filme, Mamoulian inspirou-se, na pintU:ra espanhoia, no reaiismo mfstico .de Coya, Creco e Velasquez" ~ .. No,estado atual de nossos conhecimentos, e dificil, seniio imposslve!, racionalizar uso de imagens para fins psico16gicos: e principal mente a subjetividade do criado[ que determina seu emprego. E verdade·queexiste lim simbolismo dacor, mais ou menos confusamente sentido, podendo esta ser associada a sentimentos, a signos ea conceitos: A difictildade e considerar as cores nao isoladamente, mas com vistas a formar..um todo harmonioso entre elas, em sua continuidade, em sua ligaryaoimediata ou longfnqua e em seu dina~. mismo. "A signifiea<,;iiopsicol6gica das cores e feita de har-
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Estetica do cinema
Os signos de uma escnta
manias reiativas, naa de cores 'em sj' ", escreve Jean,Mitry3.,\ "associar 0 vermelho a c61era, 0 azul a ternura·e 0 amarelo a traig:'io e de urn simbolismo priIO
et I's,!choiol'.ie d" C;,,,jIllQ, Ed. Universitaire,.
t. ll, pp. 129 e 139
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as sens3Qoes visuais, e mais especificarnente entre a Coi·e v,irios estfmulos, especialmente as auditivos, da mesma forma que podemos associar lim colorido a um odor ou inversamente: "os perfumes, as cores e os sons se correspondem". Mizoguchi nao declarava que gostaria de tornar 0 tato e os odores de seus mmes perceptiveis? Essas associag6es de sentidos (sinestesias) e correspondencias sensoriais, essa ideia da correspondencia universal,.ia cara aos romanticos, sao evocadas por Paul Eluard "Tudo e compadvel a tudo, tudo encontra seu eco, sua razao, sua semelhanga, seu oposto e seu devir por toda parte. E este devir e infinito." Sinestesias e correspondencias sensoriais sao fen6menos intuitivos ou de ordem afetiva: da{ a dificuldade de extrair suas regras gerais ou, ao menos, certas relaQ6es rigorosas, equagoes matem:Hicas que poderiam interferir na elaboragao de urn filme. 0 que e certo e que as palavras - assim cdmo os sons e as imagens - nao sao apenas a expressao do pens amen to: elas tem por vezes uma virtude magica. Por isso, sublinhou justamente Pierre Brisson, h3: nm versos do Annonce Marie de Claudel "0 odor da pradaria, dos poma" res, do gada trabalhador e lento, a fioresta, os campos ceifados, a lavoura e os diversos trabalhos que seguem () rilmo das estag6es"
a
5. Atela larga - Permite ampliar 0 hoi·izBnte para fins espetaculares. Impoem-se particularmente o
64
Estetica
do cinc1JW .
tem~s historicos), como em A Tunica, grandioso melodrama cristao de H. Koster (em Cincm.ascope); em White Christmas, music-hall de M. Curtiz, especialista em lilmes_ de aventuras mar{timas (em Vistavision), Cle6patra, de J. Manckie\vicz e,Oklahol1w, de F ..Zinnemann,(em TQddA 0); -Ben-HUT, com a batalha naval a a carrida: de bigas, de W. Wyler" e Spartacus, de S Kubrick (Panavision); El Cid, s-uperprodu~iio de A. ~hnn (Technirama); A Bfblia, de John .Huston (D-150); A conquista do Oeste, de. John Ford e-.A qveda do imperio romano, de A. Mann (Cinerama).·. E;l!l compensac;ao, nao,permitindo a tela Jarga, em prindpio,Q pri.meiro plano isolado, elaadapta-se mal ~tScenas dramaticas de interior e aos assuntos "intimistas", de-colora\,ao psicoi6gica (no entanto, Max Ophiils conseguiu·:notavelmeqte, y,arias vezes - em Lola Montes por exempJQ--, deixarno ~scuro as cantos da tela de Cinemascop.e, au empregar frqg~entos docenario como caches*; Teinosuke Kinugasa conseguiu 0 mesmo em A Gan;a Branca). 6.A profundidade de campo - Reintroduzindo a ter('ceira dim en sao (0 relevo) na encena9ao,. a profundidade.de campo pern).ite ef(?itos interessantes e muito eficazes. 0 fot6grafo pode ou procmar uma grande nitidez em todos as planQs (do primeiro plano ao plano geral), ou limitar a nitidez em profundidade (decupagem :virtual), com vistas a isolar esse ~)Uaque1e elemento da imagem, para criar efeitos espeeiais, dar a ilusao de relevo, ou pi-ender mais forte mente a atengao. Durante muito tempo, a encena9ao no cinemaJoi concebida da mesma forma como 0 era no teatro, 0 ator evoluindo diante_d9. cemirio (tela pintada) e nao com 0 cenario: 0 valor expressivo especfnco da encenagao em prohmdidade {au seja, cOll-'itrufda em torno do eixo de tomadas, num espaqo longi'Cache _ nO sentido literal, "esconde "; na linguagern ciIJematogr:ifica, papel negro usado,Para cobrir llma parte cia pelicllla a Wr impressa. (N. do T.,)
Os signos de uma escrita
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tudinal'em que as personagens evoluem em liberdade) era desconhecido Encontramos uma utilizagao sistematica nutavel da profundidade de campo na obra de Renoir (Boudu salve des eam:, com fotografia de L. H. Burel, La regle du jeu, fotografia de J. Bachelet) e sobretudo na de \Velles (Citizen Kane, com fotografia de Greg Toland, urn dos maiores fot6grafos do cinema mundial, The magnificent ambersons (Soberbal, com a celebre seqiiencia do baile que devemos ao excelente diretor de fotografia Stanley Cortez), mas tambern nos filmes de 'Wyler (The best years of ow"liues, Wuthering heights, que tern uma sequencia difleil, j:'i celebre, admiravelmente fotografada por Greg Toland) e em Ozoguchi (A elegia de Osaka e As irmi1s de Cion). Com a encena9ao em profundidade, os deslocamentos no quadro tend em a ser substituidos pela mudanga de plano e pelos movimentos de camera. 0 espago nao e mais fragmentado, estatico, temporalizado, mas representado em sua totalidade, urn verdadeiro "espago-tempo", com suas estruturas espaciais mais-dinamicas e mais psico16gicas. Com a introdugao do pluno-seqiiencia (plano longo Ull muito longo), a decllpagem classica e substitllfda por uma decupagem virtual, baseada ou na mobilidade das personagens e na sua disposi9ao relativa durante 0 plano (a £"1mosacena da cozinha, em Soberha, onde cunversam George e sua tia), ou na simultaneidade de varias agoes, no e_5cakmamento em profundidade de diversos centros de interesse (a cena de tentativa de suiddio de Susan, em Citizen Kane: 0 copo e 0 Frasco de veneno em primeiro plano, sua cabe9a na sombra em segundo plano e, ao fundo, a porta). A profundidade de campo nao necessaria mente ohriga a camera:'i. imobilidade (como Resnais admiravelmente demonstrou), nem os longos pianos fixos implicam fon;osamente estatismo teatral ou monotonia (sobretudo Welles e Ow conseguiram escapar notavelmente a esse risco, gra9as a escolha judiciosa dos enquadramentos, clos angulos e clos efeitos de ilumina.:;ao).
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Est6tica do cinema
Com adecupagem tradicional (montagem analftica de pIanos slIcessivos), participamos diretamente na a<;:1o,sentimonos diretamente envolvidos e comprometemo-nos apaixonadamente. Com 0 plano-sequencia, a encenagao "realista" cria uma ten sao dramatica intensa, valoriza 0 drama psico16gico do qual nos tornamos testemunhas atentas e objetivas (nossa liberdade em reia9iio ao acontecimento e ilus6ria, ao contnirio do que pensava Andre Bazin). 7. A representm;:fio - 0 cinema -exatamente como 0 teatro (segundo a concepgiio de Grotovski) - pode existir sem guarda-roupaou cenarios, sem muska, sem efeitos de ilumiOa9:10,sem palavras, mas mlo existe sem atores. "A representagao (jeu) e uma atividade natural ao homem, constatada em todas as sociedades desde a aivorada de nossa hist6ria. Nada mais espont:1neo do que 0 gosto do simulacra ou do disfarce, que permitem a todos projetar-se em imagens de si mesmos, reunidas para dar prazer, para reconfortar all, mais agressivamente, para conquistar 0 mundo e dominar u outro. "36 Normalmente distingue-se: - A representa9ao estilizada, altamente teatral, voltada para urn dramatismo tenso dos dia]ogos. Cada replica, densa e penetrante, exprime 0 pensamento, 0 estado de espiritu, a ideia, 0 carate)". A psicoiogia nao e expressa, tudo e "representa9ao", sfmbolo (Ivan, a tenivel de Eisenstein). Observe-5e que os grandes atores do expressionismo (Conrad Veidt, Emil Jannings, Werner Krauss, Heinrich George, entre os mais celebres), tern tun desempenho bastante pes adO",teatral, pr6ximo da enfase, as vezes da exibic;:ao. - A representag:lo est:itica, que e ados atores que, por 36. Hob~rl Abiraclwd ... Lc jCHX d" r~1rc ~ dn p",.a;I",,··. Le thJm I"e. Ed. Ho,·· ,bs. p. 154.
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Os signos de urna escrita
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sua per;sonalidade forte, imp6em sua presen<;a excepcionaJ na tela (Raimll, Jannings, Cooper, Wayne, Cabin, Welles, Laughton .. ). - A representa<;ao dinamica, vohivel, quE"corresponde bem ao temperamento mediterranico (filmes italianos em geral). - A representa<;ao frenetica pode ser encontrada COI1Stantemente no cinema japones, no frenesi dos adolescentes e no humor "glacial": Kurosawa, principaimente por intermedia de seus dais interpretes favoritos, Toshiro Mifune e Takashi Shimura, apresenta-nos em sua abra aspectos COll"tradit6rios: ora e a violencia, a fuga, a exuberancia, ora c o comico, ora a serenidade harmoniosa, a medida, 0 pader de uma sabedoria e de uma reflexao amadurecida. - A representagao excentrica: e particuiarmente 0 estilo da FEKS (Fabricado Ator Excentrico), movimento sovietico de vanguarda fundado em 1922 por Kozintsev, Trauberg, Yutkevitch e Guerassimov, e que se op6e ao cinema-olho de Dziga vertov (que pretendia captar a realidade·ao vivo) e ao "laborat6rio experimental" de· Kulechov (que contava unicamente com a expressao do ator, "modelo vivo", e com a montagem). Deve-se observar que os atores da escola expressionista representavam, de acordo com a concepc;:ao do cenario, estaticamente au, ao contnirio, desarticuladamente, com gestos e movimentos acelerados·. Na realidade, 0 estilo de representac;:ao dos atores pade variar ao infinito: elemento essencial de uma ohra, deve se moldar a exigencias plasticas, psicoi6gicas e dramaticas bem determinadas Pode exprimir a violencia e a paixao (Fagos na planicie de Ichikawa, Ham-Kiri de Kobayashi), a violenci~ e a cruelclade, mescladas ao realismo e a poesia (os filmes de Yamamoto, por exemplo), a anglistia (Lola Montes), problemas nervosos (Beiissima, de Visconti), 0 vigor (Due soLdi di speranza, de Castellani, com Maria Fiore e Vicenzo Muso-
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Estetica do cinema
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lino), a paixiio conticla (filmes com Marie-Jose Nat), a paixao
desenfreada. Robert Enrico diz sabre.Romy Schneider37;."e I1ma atriz maravilhosa e de \lma fotogenia diab6lica. Quer 5er a primeira. Ela sabe 58 entregar a fundo -a um pape!. Na cena crucial (do mme Le vieuxfusil), em_CJue eia e vl0lentaela, onele 5e debate e assiste ao ass3ssinato ela filha de seu marido,- estava possuida a ponto de kr,derrubado urn atar das escadas. No final da filmagem estava cheia de hemato-~nas, tinhas -as unhas quebradas
e urn declo machucado.
Cor-
tei cle'proposito 0 sam para s6-cleixar a imagem agir, mas os uivoserarn aterrorizantes, .. " Por vezes as atores sao ob1'igados a rep res en tar de forma introspectiva, como, por exemplo, no filme de Bresson, Lejottrnal d'un cure de came pagne, ou no de Dreyer" La passion de Jeanne d'Arc (as dramas e as paixoes sao lidos nos rostos e nas atitudes). Os grandes atores tem uma deterrninada personalidade, mas tambem 0 dom de se transformar"facilmente. Michel Piccoli diz de si mesmo. "H:i atores que Beam fora de si, que·tentam agradar, que gostam de ser vistos Quanto a rnim, gosto quevejam as personagens que interpreto. Nao estou querendo 'aparecer', .. Dobro-me, eclipso-me. Para ser ator, e preciso ser flexfvel." 0 desempenho dos atores adolescentes e sernpre natural, espontaneo, cheio de pureza e poesia: Fran(,~oisTruffaut diz a respeito ela atua9ao das criangas3~: "Como as criangas trazem automaticamente poesia, acho que se deve evitar introduzir elementos poeticos num filme de criangas, de maneira a deixar que a poesia nasga por si mesma, como lIm acrescimo, como urn resultadq e nao como um meio, nem tampouco como um objetivo a ser atingido. Para dar urn exemplo, eu acharia mais poetica uma sequencia que mostrasse llma crianqu enxugando louga do que uma outra em que a mesma cHauga, vestida de veludo, colhesse 37 '"I.e" belles de M Cinema '. 0126. /m(1gesct 10;0'11'.< 38. "Fair" dn cinema a\"('c Ie, enfanti . Le cOllrrier de rUlle.,'eo, mdr~'()de 1979.
Os signos de uma escrita
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flares numjardim ao som de MozarL" E acrescenta: "Basta urn sorrisu de crianga na tela e a partida esta ganha (... ). Osatores adolescentes trazem uma pureza extraordin:hia que nem sempre se obtem com atores profissionais (.,.), Ao contnirio dos atores profissionais, as criangas nao disp6ern de truques. Nao procurarn se colocar em posigao vantajosa em relac;ao a objetiva, niio sabern se tem um perfil 111elhol' do que 0 outro, nunca usam maliciosamente um sentimento. Tudo 0 que a criam;:a hlZ na tela parece curiosall1ente estar fazendo pela prirneira vez." Essas observa~:()es explicam, sem duvida, 0 grande Sllcesso do filme de Yves Robert, A guerra dos boWes, que, no entanto, mio foi do agrado dos distribuidores.
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Capituio III
o estilo
da escrita: a montagem visual e
a montagem sonora. A organiza(,iio do real
A
montagem naa 5e limita -longe disso -'a urn simples trabalho de cortes e colagens: e tambem e sobretudo uma criar;ao. Linguagem do realizador, "ela imp6e urn estilo e revela uma visao-original do mundo," A montagem preside a ,organizac;ao do real visando satisfazer simultaneamente a inteligencia e a sensibilidade provocando a emo<;:ao artfstica, o efeito dramatico ou onrrieo. faz malabarismos com 0 tempo eo espaQo, com cenarios e personagens (trucagens e dubles). Eo elemento mais especifieo cia iinguagem cinematognifica, "0 funclamento estetico do filme" (Pudovkin). Os gran des cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim, etc.) esfofc;aram-se em estabelecer a nomenclatura dos diversos process os de montagem e em analisar seus efeitos.psico!ogicos..., '" A partir desses estudos pod em os classificar os tipos de montagem em tres categorias principais: 1. A montagem
ritmica --':";CQmQafinna Bela Balazs, ciaarle da montagem resulta 0 ritmo do Hlme: "Gragas a montagem, o movimento da narrativa sera ora rapido e amplo como 0 hexametro do canto epicodos Antigos, orasemelhante a uma balada, ,cuja cadencia, a inicio impetuosa, vai aos pOUCOS S8 abrandando ,. Para Eisenstein, "quer se trate da composigao dos conjuntos, ciahar-monia das massas justapostas, da orde-
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o estilo
Estetica do cinema
da escrita
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gundo as rela96es precisas criadas pelo cineasta (e montador): rela96es de extensiio, que determinam no espectadoL uma impressao de duragao definida simultaneamente pela extensao real do plano e par seu conteiido dramatico, e relagoes de densidade, que se traduzem por um choque psicol6gico que e tao mais intenso quanto maior for () plano. "As combiha(,'oes rftmicas", escrevia Leon Moussinac, "que decorrerao da escolha e da ordem das imagens, provocaraono espectador uma emogao complementar a em09ao determinada pelo tema do filme (... ). It do rHmo que a ob1'a ciilematogranca extrai sua' ordem e sua ProPor9ao, seril que nao teria ela as caracteristicas de uma obra de arte." Diferentes fatores intervem na cria9ao do 1'itmo, especialmente 0 movimento no plano (conteudo estatico ou din
na<;ao mel6dica das fonnas au do martelar rftrnico qpsdeta-, Ihes, estamos em presen<;a de uma 'dao<;a'. Essa mesma 'danga', que eshi na origem das cria<;oes musicais e picturai,s, preside a ll1()uta'gelil dnematograBca".' Para 'Elie' FaU're' '\)' ciheMa,.'arquitehira em movimeritd; consegue despertar. sens3<;oes musicaLs que 5e solidarizam no esp:l<;o atraves de sensa<;oes visuais que se solidarizam no tempo". "Na verdade", cliz, "e lIllla ffi!lsica que nos atinge por intermedio do olho." Alternancia peri6dica de tempos fortes e tempos fracas, "ordem e propon;iio no e5pa<;0 e no tempo", tudo isso decorre de uma montagem criativa habilmente realizada, que faz de urn born mme.l1m poema, uma "arq\i'itetura: em movimentd', lima ·"m6sica que 'nos' atinge'por intermeclio 1 do olho", uma criaQao pictural; uma dan<;a: It diffciL dar' unia definiQao p1'ecisa,do 1it\l1o ((ill .umipa), dos fatores extremamente \\ibjetivo"s e vahaveis que intervem (como aaten9ad do espedador)f,Ele-resulta do movimento das:imagel1s'entre si is da,cohvergenciaentre 0 rhovimento·cia aten9ao'do espectador e 0 das imageris. "Um piano", did, -Po Chartier;'''naO'e percebidoda'mesma maneira do come(,'o'ao nm'. A princip'id, e reconhecidbe'situa:do': e, digail1os, ,'ae.xpo_~{9ao. 'VelD entao,um il1oment'o'deaten9ao, mdxima em que a-s-ignincaQdo/-a razao-de set de l1rri'plano e captada: gesto, palav1'a;ou 'mov.inient6 fazem"Q'des8livolvimento progredir; em seguida, aaten<;ao baixa, e, 5e 0 plano se prolongar, nasce uin moiue'nto de aborreeiihento-, de impaciencia. 5e cada plano for'co1'tado no m(imento'exato da baixa da aten<;ao para ser substitufdo par outro, a aten9ao sera sempre mantida, 0 filmeteni ritmo;-·O'que chtnnamosl de ritmb cinemat-ograflcd nao e port'allto a apreensao das rela906s de tempo entr'e os pIanos', mas a coincidencia entre a dfll'a~'ao de cada phoo e os'mbvimehtos de ateogao ;qoe ' ela suscita e satis,hz. Nao se tratade'um ritmotemporabhstrato, mas de 1'lln ritrhry,da aten¢ail," A
°
.J
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Estetica do cinema
querprovoca um ritmo sem tonalidade dram
comlmil>'.
Ed. ["ny""d, p_ 2G6,
o estilo
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da esc rita
e de sndio Um celuia viva e mais do que a SOlllado nlicleo e do citoplasma, sen do que, considerados separadamente, n8m um nem outro sao vivos. Ull1a l1<1<:;ao e mais do que a soma de seus cidad:los. Uma desintegrag:)o at(lmica e mais do que a libera<;ao de algumas partfculas: e a destruiQao da unidade atomo." E acrescenta. "r~evidente que, qlla~do se libera contigente, ou seja, quando se desincorpora os recrutas que estavam incorporados ao exercito, este nem por iS50 se desintegra. Quando se desincorpora partes, a perda nao acarreta a desintegragao do todo. Quando se desintegra um todo, este deixa de existir." Essas li!timas observat;oes nos lembram que longas-metragens podem niio ser projetados integral mente, e isso sem muito prejulzo, sem altera<:;iioda obra, ainda que essa pnitica (a nao ser quando vise suprimir certos prolongamentos, isto e, certas fraquezas) possa prejudicaJ' a inteligibilidade e a com preen sao da narrativa: pois, em principia, como sublinha Scherer: "S6 e possivel compreender algo em sua liga<;aocom todo () resto." A mantagem icleo16gica consiste ern dar da realidade uma visao reconstru(da intelectualmente. "Fotografar apenas de um ,'-inguioum gesto au paisagern qualquer", escreve Pudovkin, "como um simples fot6grafo poderia faze-lo, e utilizar a cinema para criar uma imagem de (lrdem puramente tecnica, poisnao devemos nos contentar em observar passivamente a realidade. necess:hio ten tar 'WCrdiversas (Jutras coisas que nao seriam perceptfveis a qualquer um preciso nao so mente olhar, mas exalllinar; nao somente ver, mas conceber. nao somente to mar conhecimento, mas com·preender. E e nesse ponto que as procedimentos de montagem sao de UI113 ajuda eficaz ao cinema ( ). A montagem e entao insepanivel cla icleia, que analisa, critica, une e generaliza (. .. ). A montagem e en tao um novo rnetodo, descoberto e cultivado pela setima arte para precisar e evidenciar toc1as as liga<:;6es,exteri()res ou interiores, que existem n:1 realic1:1dedos acontecimentos diversos_"
t
t
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Estetica do cinema
o estilo
A montagem pode criar ou evidenciar relai;6es puramen te intelectuais, conceituais, de valor simb6lico: reJa<;oes de tempo, de lugar, de causa e conseqiiencia. Pode fazer urn paralelo entre openirios fuzilados e animais degolados (A greve). As vezes, a liga<;i'io e sutil e pode nao atingir 0 espectador. Em Le Langage cinematographique (p. 176), Marcel Martin relata urn efeito de montagem em Montanhas de aura (de Serge Youtkevitch), resultante daaproxima<;ao simb6tica
pOl'
paralelismo
Sao Petersburgo
entre
"uma manifesta<;ao
openiria
e uma delega<;<'iode trabalhadores
pedir ao seu patn'io a assinatura ca<;oes (em Baku)",
em
que vai
de lima pauta de reivindi-
os operaTio:; diante do patrao; as manifestantes diante do oHcia! de poiicia; - 0 patrao com a caneta na mao; - 0 oHcia! ergue a mao para dar ordem de atirar; - uma gota de hnta cai na folha de reivindicagoes; - 0 oficial abaixa a mao, salva de tiros; urn manifestante tomha; - uma segunda gota de tinta cai no pape! (essa segunda gota evoca simbolicamente lima gota de sangue)." "-
-
Em seu filme Zuyderzee, Joris Ivens aproxima varias vezes cenas de destruigao de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante a crise capitalista de 1930 da imagem comovente de uma crianc;;afaminta. "0 reaiizador", escreve Balazs, "apenas fotografa \Jma realidade, mas ele 'recorta' uma determinada significagao. Suas [otos sao incontestavelmente a realidade. Mas a montagem da-Ihes lim sentido (... ). A montagem nao mostra a realidaele, mas a verdade - ou a mentira." It nessa perspectiva - procurar 0 maximo efeito de choque que a imagem for capaz de produzir a servigo de uma causa - que a montagem ideol6gica p6de ser utilizada pelos cineastas sovieticos para fins de propaganda, como uma arma eflcaz na longa batalha relo triunfo da Revolu-
da escrita
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gao. A "experienciade Kulechov" demonstra 0 papel criador da montagem: urn primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a urn prato de sopa fl.lmegante, um rev6lver, urn caixao de crianga e uma cena erotica. Quando se projetava a seqiiencia diante de espectadores desprevenidos, 0 rosto de Mosjukine passava a exprimir afome, 0 medo, a tristezaou odesejo. Outras Illontagens celebres podem serassimiladas ao "efeito Kuleehov": a montagem dos tres leoes de pedra - 0 primeiro adormecido, o segundo acordado, 0 terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas urn, rugindo e revoltado (em Potemkin\ ou ainda 0 da estatua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situagao polftica (em Outubro). Robert Bresson precisa: "Assim co'mo as palavras do dicionario, as imagens s6 adquirem poder atraves de sua relagao." It faeil constatar que imagens (ou sons) neutras, tomadas isoladamente, sao "influenciadas" peb justaposigao de outras imagens (ou de outros sons) (0 mesmo se da com a justaposi9ao de cores). "0 cinema deve se exprimir", diz Bresson, "nao por imagens, mas por rebgoes de imagens, 0 que nao e de maneira alguma a mesma coisa. Da mesmaforma, urn pintornao se exprime porcores, mas por relagoes de COres: urn azul e um azul por si mesmo, mas 5e esta ao lado de urn verde ou de urn vermelho, ja nao e mais 0 mesmo azul."2 Ternos a tend~ntia natural de projetar, sobre todas as coisas, nossas impress6es, nossos sentimentos e nossos pensamentos. Estes, alias, podem serconscientes ou inconscientes. Albert Einstein dizia que "quanto a mirn, naa ha duvida de que nosso pensamento funciona na maior parte do tempo sem utilizar palavras e, a18m dis so, de forma largamente ineonsciente". A impassibilidade do rosto de Mosjukine, que assumia diversas tonalidades na famosa "experiencia Kulechov", com eerteza levou os direto2. Pabvra, de Robert Bresson, in Cahiers
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o estilo da escrita
Est6tica do cinema
res a acreditarem no grande poder cia montagem, do ator sen do, no limite, totalmente negligenciado.
0
papel
III. A montagem narrativa - Utilizada para coqtar uma 3(aO atraves da reuniao de diversos fi·agmentos de realiclade, cuja sucessiio sedestinaa formar lima totalidade significativa. Esse tipo de montagem tern uma hm<;ao "descritiva" - a mais natural e a mais comum -, enquanto a montagem rftmica e a intelectual antes se clistanciam do domfnic descritivo. Sendo 0 tempo a dimensao fundamental de qualquer narrativa, pode-5e clistinguir, de aeordo com a ardem das sucessoes, quatro tipos de montagens narrativas: a) A montagem linear - E a mais simples e a mais ci::issica: um3 a9ao tiniea e exposta em uma sucessao de cenas dispostas umas ap6s as outras numa ordem l6gica e cronol6gica. b) A montagem invertida - Nessecaso, a ordem cronologiea nao e mais respeitada. 0 filme e eonstrufdo a partir de uma 011 varias regress6es (}lash-back) Um au mais fragmentos da a9ao pass ada sao inseridos numa
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e) A montagem alternada - Baseia-se no paralelisl110 entre duas ou varias a90es contempon1neas: imagens justapostas que mostram alternadamente personagens numa discussao, um perseguidor e urn perseguido (como nos westerns e filmes de perseguigao), etc. As montagens alternadas rapidas podem sllScitar no espectador uma em09ao intensa e mante-Io em suspense, traduzindo a iminenciado drama, dafatalidade, como vemos frequentemente nos filmes de Hitchcock (Strangers on a train, par exemplo). A sequencia da procissao em A linhageral e um celebre exemplo de montagem alternada bem elaborada: e construfda a partir de uma serie de linhas de forga visuais, dramaticas e plasticas, montadas alternadamente, analisadas pelo proprio Eisenstein da seguinte forma3. 1) a linha de for9a do ealor, que aumenta de uma imagem para outra; 2) a linha de fOfgados diversos primeiros planos, que crescem em intensidade plastica; 3) a linba de for9a do extase crescente, que perpassa 0 contelido dramatico dos primeiros pIanos; 4) a linhade for9adas "vozes" femininas (rostos dascantoras); 5) a linha de for9a das "vozes" masculinas (rostos dos cantores), 6) a linha de for9a dos que se ajoelham sob os leones que passam (tempo au crescendo); essa-coiltracorrente anima urna contraconente mais ampla que atravessa 0 tema primario - 0 dos carregadores de leones, de cruzes e de estandartes; 7) a linba de for9a dos que se prosternam, unindo as duas correntes ao movimento geral da sequencia, "do ceu a poeira". Das pontas brilhantes das cruzes e dos estandartes erguidos para 0 eeu.aos personagens prostrados, as cabe9as mergulhadas no p6 .. 3. Thej1/"'-'Cllse.
p. 65.
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Estetica do cinema
d) A montagem paralela - Baseia-se na aproximac;ao sim b6licade varias ac;oescom 0 objetivo de fazer surgir uma significac;ao de sua justaposic;ao. A simultaneidade temporal das varias ac;6es [Jao e absolutamente necessaria. Encontramos urn exemplo tlpieo de montagem paralela em Intolerance, de Griffith: quatro epis6dios - a tomada de Babi16nia por Ciro, 0 massacre de Sao Bartolomeu, a Paixao de Cristo, e urn drama moclerno, acondenac;ao a marte de urn inocente nos Estados Unidos - tudo conduz a urn unico tema: a intolerancia social e religiosa atrave.s das eras. "A audacia", escreve Jean Mitry1, "reside no fato de as quatro narrativas nao serem sucessivas, mas entremeadas, 0 autor passando de uma para autra segundo a tecnica, entao completamente nova, da montagem alternada. Para 0 espectador, tudo se passa como se cada elemento de uma hist6ria continuasse dramaticamente urn elemento da outra, os acontecimentos relletindo-se uns nos outros num ritmo cada vez mais 'cerrado'. Vejamos 0 exemplo da sequencia final: 0 movimento tresloucado dos carros de Cira e 0 das radas dos autorn6veis sucedem-se de forma tao precipitada que acabam se confundindo para aMm dos seculos na visao do espectadoT. Psicologicamente contestavel, de certa forma ingenuo e tambem um pouco primario, esse filme nao deixa de ser urn dos monumentos do cinema mudo. Seu ritmo e prodigioso." Outro ~xemplo de aproximagao simb6lica encontra-se em A mae de Pudovkin, entre a ascensao do povo russo rumo a sua Hbertagao e os hlocos de gelD arrastados pelo degelo do Neva. Marcel Martin5 escreve:
o eineasta tende cada vez menus a decupar seu filrne de maneira a destacar uma serie unilinear e inequivoca de acontecimentos; ja nao sublinha par meio de montagem ou de movimentos de camera aquilo sabre 0 que ele deseja fixar a atengao do espe("'.adoc a 4. D;ctiomw;re " cimima 5. Le {a"ga!;e cine"'atogrlllJhiqlle.
pp. 2.83-281
o estilo
da escrita
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camera nao desempenha mais 0 seu papel habitual de nos dar 0 ponto de vista de uma testemunha virtual e privilegiada sobre todos os acontedmentos facilitando assim 0 trabalho perceptivo e estirnulando a preguiga intelectual do espectadur (. ). 0 abandono da linguagem concebida como conjunto de procedimentos de escrita \igados a tecnica, lal como era praticada por Eisenstein au Welles> e portanto acompanhada de uma rejei9ao do espetaculo. nogao ligada a da diregao (... J. Passamos a urn outro plano: 0 cinema de roteiristas cede espago ao cinema de cineastas_ 0 cinema mio mais CDusiste essencialmente em con tar uma hist6ria pOTmeio de imagens, como outras 0 fazem por meio de palavras Ollnotas musica;s: consiste na necessidade insubstituivel da imagem, na preponderancia absoluta da espec;ficidade visual do filme sobre seu cara.ter de veiculo intelectuai ou litenirio. Nos filmes decididamente "modernos", 0 espectauor nan mais tem a impressao de estar assistindo a um espetaculci lnteiramente preparado. mas de cstar sendo acolhido na intimidade do-cineasta, de estar participando COlli ele da criag:lO:diante desses rostos que se oferecem, des5es personugens disponivcis, desses acontecimentos em plena constituigao, desses pontos de intcnogagao dramaticos, 0 espectadur conhece a anglistia criadora.
Tais filmes oferecem bern freqiientemente uma riqueza de reflex6es sobre 0 nosso devir, referindo-se de certa forma a todas as esfera5, a todas as dimens6es de nossa existencia. Convidam-nos a sonhar, a meditar sobre urn c'aminho novaliseano, que se faz ao caminhar, uma rota sem balizas onde o provavel se misturaconstantemente ao iircerto e ao inesperado. No cinema, hem como no teatro, 0 sentido Hunea e dado ao espectador, e5M sempre em projeto, sernpre em construgao. Encontramos essa ideia de mudan!)'a, no teatro, na narrativa brechtiana, que se op6e a concepgao dramatica aristoteIica da narrativa em que todas as partes sao interdependentes, articularn-se entre 5i com perfeigao e subordinam-se ao desfecho. A dificuldade em racionalizar, em homogeneizar ou concluir pode desnortear 0 espectador que nao esta preparado para 0 inesperado, para apostar no improvavel e para pensar
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Estetica do cinema
de forma complexa6. E e hem mais faeil educar urn ator do que 0 publico, pais este naa e homogeneo, apreendendo as signas de forma diversa. Os mmes nos quais "0 espectacior conhece a angiistia criadora" lembram, pela estrutura cia narrativa, pela processo de narra98.0, as reflex6es de Michel Salomon: "Nada e simples. Nada e estabelecido, nenhum resultado e definitivo, e as mudanQ3s mais desconcertantes podem nos desviar a qualquer momenta em direQao a novos horizontes, terms prometidas au miragens, triunfos inesperados au impasses ... "7 E ainda 0 teorema geral evocadd; por Ilya Prigogine: "Qualquer qU'e seja 0 seu grau de complexidade, nenhum sistema e estruturalmente estaveL Nenhum sistema esta ao abrigo das transforma<;6es ligadas a introdu<;iio de novos atores, de novas perspectivas. Niio existe urn final da hist6ria. "
6. Entre os grandes pensador6s contemporaneo.s dotados de llma grande preocupaQao de sintese, os mais mafcantes sao. sem duvida, Eimtein e Teilhard de Chardin (mortos elIl 1955). Falando do ultimo, disse (em col6quio da Une.,co) Amadon Mahtar M'Bow: "Tal COmO\lOla partitura musical, seu pensamento nao pode ser compreencliclo em fragmentos ,eparados.· 7. L'aveu;r de la vie, Ed. Seghcn, p. 29. A vida, a evolu~ao dos acontecimentos cnracterizam-se por periodos de continuidadc intcrrompidos por bifllrca,,6es. Quando se chega a um ponto de hifurca"ao, diversas solu,,6es sao possiveis, e basta que \lm pequeno f"enomeno chamado "flutuu"iio" intervenha para quc se En--ore<;apreferencialmente uma da" evolu,,6es. 0 que desmente 0 proverbio pell!: "Se conheces outem e hoje, conheceras amanhii,"' S.lhid" PI', 69-70.
Capitulo IV
Do pensamento do autor it imagina9iio criadora do espectador
•
Como escreveu Renato Mav, "0 cinema e uma arte de colabora<;ao, e 0 mme, obra de urn s6". Exceto nos casos em que estamos diante de autores completos, como Chaplin, Clair, Eisenstein, Keaton, Stroheim, etc. e de certos representantes da "Nouvelle Vague", 0 problema e saber quem eo guia desse empreendimento coletivo. Jeanson nao tem duvidas de que 0 autor do fllme e seu roteirista. Para outros, eo ator principal (nao [alamos de um mme de Fernandel, de Cabin, de Marilyn tvlolUoe?); mais raramente, 0 publico atribui a autoria de um filme ao autor da adapta~ao Oll do texto, ao autor das composi~6es musicais, ao responsavel pela fotografia, pelos efeitos especiais o.uao cen6grafo (0 (iltimo tem as vezes, contudo, urn papd determinante: no expressionismo alemiio, pOl' exempl0, e em igllmeros filmes em que se celebrizaram cen6grafos como ~hx Douy, Bernard Evein, Alexandre Trauner, Cedric Cibbons, Lyle Wheeler, Mario Carbublia; Excalibur e um bom exemplo de mme recente [1981] em que os achados forarn obra mais de cen6grafos e guarda-roupas do que de roteiristas). Enfim, sobretudo nos Estados Unidos, 0 produtor pode ser considerado "autor do filme", da mesma forma que dire tor: e 0 caso de Stanley Kramer, executive producer de 0 Trem apitani tres vezes, dirigido pOl' Fred Zinnemann. Quanto a n6s, admitiremos - salvo exce<;6es e com 0 objetivo de sirnplificar
°
r
°
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Do pensamento do autor ..
Est6tica do cinema
0 diretor como sen do 0 autor do filme, concordando com as afinna<;:oes de Christian-Jacque; "0 verdadeiro autor de um filme e () diretor, da mesma forma que 0 roteirista e 0 autor do roteiro. 0 diretor eo diretor-autor do filme, que e uma obra figurativa original, sem qualquer rela<;:flocom a obra literaria. Se 0 mesmo roteiro for filmado por dois diretores diferentes, teremos dois flImes diferentes 0 que prova que 0 autor do filme e exatamente 0 diretor." Desta forma diremos: Ordinaql people (Gente como a gente), filme americaoo de Robert Redford com Donald Sutherland, Mary Tyler Moore, Judd Hirsch, Timothy Hutton Certamente, cia rnesma forma que uma partitura traz em si urn concerto em potencial, om roteiro, obra literaria, traz em si um filme; mas 0 dire tor, junto com os atores, cen6grafos, figurinista5, iluminadores, fot6grafos, etc" tem, mais tarde, a possibilidade de fazer brotaralgo mais e melhor do que a roteirista escreveu. Alguns diretores, como Julien Duvivier, Edouard Molinaro, etc., mostr3m-se a vontade em qualquer genero, e sua produ9ao, muito abundante, mio se atem a nenhum estilo definiclo: em vao procuramos em suas obras a expressao de urn pensamento au mesmo de um temperamento, de uma real continuidade au de uma repeti9ao. Mas normal mente o autor 5e conta em suas obras, fazendo sempre 0 mesmo mme: todas as obras sao mais ou menos autobidgrJficas e sempre se repetem. Assim como todos os criadores (pintores, mtisicos, escultores), os diretores, quaisquer que sejam as categorias em que os ciassificarmos, fingem con tar 0 mundo exterior quando con tam a si pr6prios e ao mundo interior do pensamento dos homens. As ideias de um autor coincidem com as de suas personagens ou com a apresentaQao de sua obra. Na realidade, pOl' pudor, e raro que um artista "desnude-se" total mente em sua obra; uma parte de sua intimidade e sempre preservada. E quando os criadores exprimem tudo 0 que tt;m a dizer, nada mais fazem aiem de se
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repetirem: os quadros de Chagall, as pegas de Anouilh desde sua Antigona, as de Ionesco desde Le roi se meurt e La soil et laJaim (os mesmos temas aparecem em assuntos diferentes). "0 artista faz seu mundo e 'revela-o a mim' (e problema meu aceita-lo ou fugir dele). Ele fabricou-o em suas dim ens6es, que sao variaveis Sua importancia, tao evidente quanto impossivel de delimitar, depende da extensao e da riqueza de seu mundo."1 "A vida", diz Breton em Nadja, "e urn criptograma. Os cineastas decifram-no a sua maneira, e suas obms sao outros criptogramas, cujos signos falam a alguns espectadores e emudecem diante de outros." E Ceorge Lukacs: "Os grandes cineastas sao aqueles que colocam e perseguem problemas que eles pr6prios nao superararn." Atraves da camera, os cineastas realizam os desejos reprimidos de sua infancia Oll de sua maturidade (a repressao e um dos meios acionados pelo individuo para fugir da angustia, que e provocada pela amea9a de perda do objeto amado ou pOl' qualquer conflito que ameace sua seguranga pr6pria). Como todos os artistas, os cineastas s6 estao felizes quando criam.; s6 se realizam plenamente na agao, no exercfcio de sua liberdade criadora, segundo 0 tema sartriano. E suas obras dao a impressao de uma incrfvel flexibilidade evasiva, de uma leveza aerea, de uma facilidade negligente. Nunca se sente nelas 0 esforQo, a aplicagao, 0 cansw;~o, 0 trabalho, e tem, geralmente, 0 aspecto de um jogo .. _D~raTlte a filmagem, liberam-se, brincam (toda criagao e um ate ludico, um jogo elaborado), provam emog6es fortes, dificeis de distinguir, alias, daquelas que nos, espectadores, sentimos "passivamente". Isto e particularmente caracteristico em Fellini e Stroheill1 It flagrante como quase sempre Fellini conta-se a si mesmo" (geralmente par intermedio de Marcello Mas-
-
.",,=,
l. Jean Jacques,
in Les cOllj".-siollS ,fUll chillliste
IJrd;)luire,
Ed. Fayard,
1981,
p. 170.
2. Fdlini,
por e.,eml'lo,
du vida a ,uas oi.:>sessOcse a seus hnt"""""
n" cOHlcdb
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Estetica do cinema
troianni, seu interprete-fetiche)3; Renzo Renzi escreve a prop6sito de Vitt.eloni (Os boas-vidas), referindo-se a Fellioi: "eJe sobrep6s seus pr6prios complexos a epis6dios que sua mem6ria Ihe trazia de forma cleformada, nao para falar de outras pessoas, mas para contar-se a si pr6prio. Nao existern 'Vitelloni' como os de Fellini Mas existe um estado de alma analogo, de desconfian<;a, de aspira<;6es insatisfeitas, de revolta .. Esse estado de alma e, em suma, a mais verfdica explica<;ao do filme". Urn hom diretor explara os temas e as assuntos que 0 preocupam e obcecam, num estilo que Ihe e hem particular. Antonioni e obcecado pela fragilidade do casal, pela impossibilidade do amor, pela incomunicabilidade entre os seres, pelo universo feminino, em Bergman, e a vida, a morte, 0 amor, 0 sexo, a homossexualiciade (seus filmes, como os de Dreyer, f3.zem con stante apelo aos sortilegios da agua); Liliana Cavani Hda com os fantasmas da sexualidade e ciamorte; os filmes de Vittorio de Sica ins piramose nas preocupac;:6es sociais cia epoca; os de Richard Brooks sao ousados e virulentos, e, com Orson Welles e Samuel Fuller, a violencia atinge a condic;:ao do estetico; Akira Kurosawa prefere os confrontos, os contrastes surpreendentes (para esse grande cineasta, a estetica substitui a moral), os temas comuns dos westerns de Howard Hawks sao justic;:a e injusti9a, coragem e covardia; Georges Lautner e um especialista em filmes policiais, de espionagem e de humor negro. Hitchcock e 0 mestre do suspense, John Ford distingue-se em westerns (e tambem om grande autor intimista), e Michael Curtiz em aventuras marftimas; Marcel Carne e urn mestre do realismo "poetico"; Jean Cocteau, clas "imagens-surpresa" que brotam do inconsciente; Jacques Tati, d raIl "it i~·"C (lSi! !I()~lI dc Fell; II; ",,' lIl1ivcrw(Osln",bo.
(J1lli<;" tll;l ",
ul Iid,io de "'0,,>1 ros e [anta"""l5 I)o\'oa
3. Muit(J' grandes cj",:ast~s 10m (ou tiveram) S~lIS;ltor(.'s-f~liches: ~1;lSt,.oiHnnilFellini. Willialll Dictcrlell'a,,) ;Vtllni. lean-Vaniel Pollet/Claud" M"lki. Edol,urd l...l"linaro/JacqUQS 1.Irel.
Do pensamento do autor.
J.'
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da arte da poesia; Mankiewicz, da arte da introspecg:io, as obms de J. Donio-Valcroze, de uma elegancia suprema, estao cheias de nuances esutilezas; as de Eric Rohmer revelam uma grande fineza na analise psicol6gica; as qualidades essenciais dos filmes de Jean Gn§millon sao 0 realismo, a 050briedade, 0 sentido agudoda verdade humana; eo tema mais caro a Rene Clement e 0 do homem prisioneiro de si mesmo, a dificuldade de viver, a coragem para "permanecer de pe" - mas, de fato, se localizamos tendencias (0 hieratismo de Mizoguchi, 0 sopro epico de Kurosawa, 0 intimismo de Ozu, a introspec9ao onirica de Terayama, 0 anticlericalisrno e 0 erotisrno de Bunuel), a verdade e que nenhum cineasta, nenhum artista de urn modo geral (se for grande), deixa-se encerrar numa classificac;:aorigorosa que pretenda atribuir-lhe uma linha dominante. Feita essa reserva, todo cineasta, assim como todo criador, revela-nos, atraves de suas obras, seus pensamentos, suas emo96es e suas angustias. Tem a liberdade de escolher seu tema, mas nao de trata-lo ou de exprimir-se sem revelar sua personalidade e sem trail' seus pr6prios pensamentos e emo96es4. Na realidade, podemos dizer que ele esta como que encerrado numa redoma: nela evolui livremente, mas nao pode escapar nem tampouco se subtrair ao olhardo observador: como Albee, nunca termina de explorar as fronteiras do mundo totalmente fechado em que esta - em que todos estamos - encerrados. Ja se disse que, uma vez concluido, urn filme basta-se a si proprio, sendo espectador dispensavel, diferentemente de uma pec;:ade teatro, que, na ausencia do espectador, e apenas uma criac;:aoem potencial. Essa afhma9aO seria exata se 0 autor de um filme, em fun93.0 de sua "analise", nao sen4. Georges Simenon contt"3diz ardentcm
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Do pensamento do auior.
Estetica do cinema
tisse nenhuma necessidade de 5e!" ()uvicio e observado, negiigencianclo a intera9ao c1assica entre "analisando" e "analista" (sern £alar da "micropsicamilise" de Silvio Fanti e seus discfpulos que consiste, entre outras coisas, numa aproxi-
ma9ao bem maior do pacientel). A cineasta Liliana Cavani diz: "Espectaclora
de cinema au de teatro,
quero ser sur-
preendida rela que vejo. Caso contrario, terei a impress:l0 de estar escutando
pela centesima
vez um concerto au um
discurso. Isto mI0 me impede de preferir alguns momentas a Qutros, mas quero receber
saber se o horror
0
uma impressao
imediata para
espetacuio sera bom au nan (. .. ). Nos meus filmes,
e
uma categoria
esh§tica.
Nao e
provocagiio,
mas
uma vontade de surpreender, de provocar uma rea\,ao (. .. j. Fa~o 0 cinema que gostaria de ver na tela, sentada numa sala. Nada mais que isso. ".";Notamos com prazer que Liliana Cavani, ao contrario de muitos cineastas - e dos atores de teatro ale 0 seculo passado -, faz 0 que gosta, ao mesmo tempo em que se preocupa com seu publico. Quer agir e julgar seu ato, estar na a<;aoe depois fora dela. No cinema, como em outras artes, nao ha temas ruins, apenas maneiras ruins de trata-los. 0 que importa e a arte, a maneira de aborda-los. Pouco importa se encontramos freqiientemente as mesmos temas. as re!a<;6esdiffceis entre um pai e sua filha teimosa, dificil, agressiva, irredutfve!, fechada em si mesma (La gijZe, de Claude Pinoteau, com Lino Ventura e Isabelle Adjani, Un etrange voyage de Alain Cavalier, com Jean Rochefort e Camille de Casabianca, Tout feu tout jlamme, de Jean-Paul Rappeneau, com Yves Montand e Isabelle Adjanj), 0 amOTdesenfreado e imposs(vel de lim adolescente pOI uma mulher casada (Le diahle (iU corps, de Claude AutantLara, Tea. and sympathy de Vincent Minelli, La maison des Bories, de J. Doniol-Valcroze). 5. Pnlavras f"colhid", p. 21
por Colette
Godard. Le ,\/O/ule.
28 de Ill>ljo de 1981
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o espectador gosta quando hi! uma rela~ao de harmonia ede simpatia entre suas pr6prias ideias, seu modo de pensar, suas convic90es pessoais e aquila que 0 autor exprime (mesmo se for bem objetivamente) e isto alias vale para qualquer obra de cria~ao. Chocado por uma ohra, por uma imagem ou pensamento, 0 "receptor" nem sempre tem 0 espfrito suficientemente aberto para dizer: "0 filme e born, bem interpretado, em bora me choque". Tais observa90es poclem explicar um grande numero de insucessos: 0 fracasso comercia!, nos Estados Unidos, do belo filme de Michel Cimino, Heaven's gale, onde 0 espectadortem dificuldade em se envolver e em se identificar as personagens (ele considera impossive! assimilar-se a uma personagem se esta for r.1Uito individual ou muito excepcional); da mesma forma, 0 filme de Samuel Fuller, The big red one, foi mal recebido naepoca (1953) nos Estados Unidos. Ha diversos outros exemplos: lH. Victor de Jean Gremillon; Casque d'or, de Becker (com Simone Signoret), etc. No entanto, os bons diretores nao hesitam em fazer filmes que perturbam, culpabilizam, que oferecem oportunidade para a introspec~ao, que colocam interroga~6es (Eugenio de Luigi Comencini, Sauf qui peut-La vie de Jean-Luc Godard, Inquerito sobre uma paixao de Nicholas Roeg ... ) Uma obra, principal mente uma tragedia (como.ia observava Racine), exige um certo "distanciamento", um certo afastamento no esp3<;Oou no.tempo. Por motivos mais complexos, inumeros filmes hoje celebres (La fin du monde, Citizen Kane, Hiroshima mon amour, L'annee derniere a Marienbad, 81/", Les pones de la nuit, 0 Jlautista de Hamelin .. .) s6 5e tornaram sucessos muitos anos depois de serem lan~ados. Durante muito tempo, tais fllmes nao foram compreendidos; os diretores eram provavelmente muito avan~ados para sua epoca. Talvez 0 filme de Fellini, A cidade dasmulheres, POllCO apreciado hoje (0 inconsciente do espectador nao reagiu ao inconsciente do diretor, !lao hoLlveacordo, eco, ressonancia), seja um sucesso !TIaistarde,
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EstCtica do cinema
quando aumental" 0 interesse pelas divagag6es e fantasmas felinianos e quando 5e conhecer melhor 0 mecanismo do souho (no caso, 0 sooho de Mastroianni no trem): acompanhamenta deformado e disfan;ado de urn desejo esquecido au reprimido, proJu~~a()de imagens inexplid.veis que 5e imp6em sem qualquer i6gica, mas segundo urn simbolismo decifrtivel.T ais fUmes exigem do espectador uma "participa9:l0 de 500ho a sooho" (J. Delay), 0 mesma acontece com as realiza96es de grandes cineastas, cujos simbolos demos sao dificilmente decifniveis (Possessao de Andrezj Zulawski, Fantasma d'amore de Dina Risi, Da vida das marionetes de Ingmar Bergman, Shining [0 IZurninadoJ de Stanley Kubrick, etc. Ninguem pode afirmar se, no futuro, esses filmes seriio esquecidos ou se serao urn sucesso)6. Pois 0 cinema, como observa Bresson, nao e urn espetticulo, mas uma linguagem com uma sintaxe e urn estilo: existe uma diferen9a entre saber ler e Saber Ler (dificuldade de Saber Ler ____ dificuldade de compreender urn filme, de acompanhar 0 pensamento do diretor); qualquer urn percebe que se assistirmos a urn fUme n vezes, iremos interpreta-Io de n maneiras diferentes, de acordo com 0 nosso momento pSicol6gico, nosso estado de espfrito do momenta ... e, a1em disso (como A. No que -'(' refere ao teatro. e snrpreendente cOllstatar como p01lca.S pe.;;""' re.sistiram a prova do tempo. A mai",. parte das obms d"U!witici\, .foi esquecida. "Rejeitamos em bl"co todo 0 teatro do final do seculo XIX e do.s quinze primciros anos de nosso seeulo" (Emile Henriot). Alfred Carllls, 0 ator cclmico mais aplaudido nOcome\iO do sekulo. estii completamen te e,'l )lecido hoje. E m compensa~'fio. Ubu mi. de Jarry. a prindpio vaiado em Pari,. foi a~\llhido Gnlu~iasticamenle peio p\lbJico sessenta anos mais tarde. No que se refere a pintllra, os quadros de La Tour OUde Nattier. muito apre_ dado.s hi I,.iola Oll qllarenta anos. nao 0 siio de ,ieito algum hoje. as de Vermeer. muito procurados hoje em dia. serao tao valorindos daqui a algumas deeadas? A m\lsiea est" sujeita as mesmas l1utll~oes da moda (a., obras de Mendelssohn. por exemplo. sao hoje menos apredadas que onlmra). Em 5e lratando de literatura. execto Balzac, n!)ohum dos eontempor:lneos de Stcndhal soube reeonheeer o carat!)r e a imporl:ineia da obra do escritor, que iri", pouco a pouco, obler S)lcess".
Do pensamento do autor.
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veremos mais tarde), quase nunca da mesma forma que imaginou autor do filme ("E 0 espedador que se torna~ dire tor do filme, e ele quem 0 cria", observa MartlOulian). Vma obra de arte depende menos da obra do que da pessoa a quem se dirige: a apreciac;ao depende do individuo, de seu passado (urn efeito de remanencia marca inevit:ivel e indelevelmente nossa imaginaC;aoe nossa mem6ria), de sua educac;ao, de sua r3c;a, de seu meio, de seu humor no momento. Assim, em uma obra sobre Van Gogh, um autor come9a seu livro expondo suas recorda96es de infancia, seus primeiros juizos sobre 0 pintor: "Havia grandes manchas de cor, grossas pinceladas, uma espeSSUr3excessiva, nao era liso,., eu rejeitei esse pintor. .. ": para uma crianc;a, uma tela deve ser lisa e bern estruturada, e preciso que a representa9ao seja absolutamente conforme a realidade corrente, ou ao menos :'i. sua visao das coisas, A opiniao, portanto, varia tambem com a idade, com a maturidade. Roger Caillois escreve7: "A ideia de beleza parece variar de acordo com as latitudes, com as epocas e mesmo com os individuos. As esteticas provem do babito, cia educac;ao, Divergem a ponto de as dizermos contradit6rias. Cada cultma prop6e insidiosamente ao homem inclinac;6es inconfessas, que ele considera naturais mas que vern da hist6ria ou da escola. 0 mundo senslvel sempre e captado atraves de uma tela que in£lui sobre nos so modo de ver as coisas, sugerindo prefen§neia5).secretas que, em principia, excluem-se." E acrescenta: "Como entao e possivel ao olho deixar-se domesticar por uma arte de antipocias au de umaoutra era, que repousam visiveimente sobre escolhas opostas? E necessaria urn suporte comum ao consentimento quase unanime, sem 0 que seria inexplicavel que algumas rela96es de grandeza, algumas combinac;6es de cores parec;am tao amplamente harmoniosas, provoquem urn fremitodimplice, enquanto outras, nan menos geralmente, de-
°
7 Estl",li'lllegh"jrulisee, Ed. Gallima ..d. p. 19.
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Est6tica do cinema
Do pensamento do autor.
sagradem, ou seja, traiam uma obscura e irremediavel discordia." E Jean Jacques escreveH, "Ninguem lentaria demonstrar que 0 conhecimento para 0 qual ela (a. arte) contribui pocle encontrar sua confirma9ao na all pela prova do tempo. A importancia atribufda, num determinado momenta, a urn pintoI', muska, escuitor, arquiteto (ou cineasta) nada prova quanta it qualidade de sua obra. 0 rename entre os contemporaneos, 0 favor dos mecenas, 0 montante de eocomendas ou pn§mios comerciais, 0 numero de discfpulos ou de imitadores medem apenas a importancia social de urn fen6meno artlstico datado_ Esses interessantes dadas ajudam a tra~ar, em fUflgao elas latitudes
e dos anos, aeurva
elas varia-
90e5 de gosto que valorizaou de,svaloriza, quase semp1'e p1'oyisoriamente, as obras passadas· em reia9ao as obras pres entes que se sucedem." Da mesma forma que nao ha uma realidade, mas uma infinidade de realidades ~ a "Healidade Absoluta", total, que integraria todas as verda des elementares (parciais), e inacessfvel~, nao h8:uma 16gica, mas uma infinidade de 16gicas, A lOgica dos filmes de Hitchcock e sempre inesperada, razao do interesse desses filmes, mas tao verossimil quanto a 16gica pel a qual 0 conceito precede aquila que e percebido. Em Hitchcock, 0 objeto da percepgao esta sempre adiantado em rela9ao a ideia express a pela imagem 0 milagre realizado relo filme de Franklin] Schaffner, Patton, e que podemos interpreM-lo como \lma saUra antimilitarista au ainda como a apologia deste general rubicundo. Ha imlmeros exemplos de interpretag6es passfveis de serem completamente COlltrarias as ideias do autor. Muitos artistas, especialmente as "vanguardistas" revolucionarios (abstratos, surrealistas, etc.), cujo renome foi superestimado, benellciaram-se bastante ~ e, sem ch'tvida, para sua grande surpresa~, cla interpretagao das suas obms dada pela pliblico bem como das ~. Les cOOljessioJl.\',/""" chimiste ","dilUlire. Ed. du Seuil, Pl'. 133·134.
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conclus6es a que este chegou (e necessaria constatar que. em ciencia, a revolu9ao - alias permanente ~ e sin6nimo de progresso, em materia de arte e frequentemente sinonimo de catastrofe). Diz Alain Virmaux9: E Cjlle 0 espectador de cinema enC()ntra-se numa situa9ao muito particular, a meio-caminho entre a consciencia e a inconsciencia: assim como 0 sonho, 0 filme instala-se numa especie de alucina9ao CQosciente. nascida da, pr{)prias concii"oes da representa9ao (obscuridade, feixe luminoso. fundo musical). Corolario: de maneira bern mais f:kil dQ Cjlle a lingllagem corrente, 0 filme permite-se rep!ldiar a /6gica Para nos convencer, Jean Goudal citava urn verso de Philippe Soupau!t: "Une eglise se dressait eclatante comme line cloche. nt Ao analisar a constru9ao da imagem. 0 autor desse estudo demonstrava sem dificuldades que esta era diffcil de ser aceita logicamente por urn !eitor. mas que, se v cinema nosmostra,-uma igrcja ncslrondosa'· e dcpois, scm t,-ansir;ao, um sino "esl,-ondoso ... nossos olhos aceita,-ao esta S!lcessiio Ele acrescenta que essa visao. imediatamentc aceita por n6s, sem referencia a um mecanismo 16gico, corresponder:i bem melhor que 0 poema escrito ao processo cerebral que sugeriu a imagem ao poeta. "5e eu conto" - dizia Cocteau - que um homem entra n!lm espelho, as pessoas dao de ombros, mas, se eu m08tro isso. elas mio mais Jao de ombros"
E sabemos a que ponto Cadeau, maid ito pelos surrealistas, foi habil em assimilar suas ligoes. J>m sua Esthetique generaliseelO, Roger Caillois escreve: No inido, exige-se que urn discurso au urn quadro sejam exatos. ou seja, que colTespondam precisamente aquilo que pretendcm exprimir ou represcntar. Depois. percebemos que a arte esta no modo de dizcr ou de representar. ~ mio no qu~ e dito au represcntacio, de maneira que a exatidao imediata deixa de ser 0 mcrito
9. S!lrrea/isme
* ··Urna
et cinema. co!. "Etudes cinernatognlphiqum·.
igrcja crgu;n-se. estrouciosa comO urn 'ino.'· {N. do T \0. Ed. C~llimal'd, [l[l. 32-33.
t. I. p. 106
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Estetica do cinema principal. Desconfia-se, descobrem-se as virtudes da sugest:io, da reticencia, do desvio, que, em surna, sao os recursos da urtc, e tambem sells dircitos_ Passa-se aadmitir as andacias, as liberdades, que, de toleradas, tornam-se e:rigiucis e logo obrigat6rias. Esse procedimento e feliz, essencial e constitutilJo cia propria arte. Nao 58 conseguiria mais interrompe-lo. Oeve-se leva-Io ate 0 Hm. Como conseq(iencia, na avaliaQiio do rnedto artlstico de urn texto ou de um quadro, aparece irnediatamente urn elemento novo, que e a diHculdade de atingir seu ,entido, 0 que faz com que pintor e pacta sejam levados a dissimula-lo. Atraves de rcfinamentos e pesqllisas, oncle demomtram sua seriedade e provam que nao 58 contentam em repetir receitas vas, adiam no leitor ou no apreciador 0 prazer de penetrar imediatamente em seu segredo. Na verdade, esse prazer sed tanto mais vivo quanto melhor ele recqmpensar uma inicia<;:aomais prolongada_ Os atores sao levados a acilmular obstaculos, Mastam-se da expressao direta, da representa<;itofiel (... ). E quando e dado 0 passo decisiYo: 0 artista suspende seus procedimentos dificeis e fornwla de urn s6 golpe 0 resultado ou, ao menos, a improvisar;iio fulgurante que 0 substitui. Cabe ao apreciador interpreta-Ia a sua yontade, ou obstinar-se em procurar 0 significado oculto, a chave do enigma que nao e apenas Ulna.
As reflex6es precedentes dizem respeito a poesia e a pintura, mas poderiam ser igualmente aplicadas ao cinema e a arte em geral. Na boa produgao contemporanea estamos longe do cinema de outrara, com sua superabundancia, com a ingenuidade de seus roteiros, com 0 exagero e 0 cabohnismo de seus atores, com seus textos "pn'i-digeridos": hoje as imagens mais mostram do que contam; cabe ao espectaclor decifrar 0 real a partir de um mundo tal como ele e, em transformagao, com suas incertezas, suas mutagoes, e naodecifrar urn .mundo construfdo em imagens: ele e bern mais livre e sua atividade mental e, bern mais apaixonante, mas e, em contrapartida, mais diffcil. Como enfatiza Henri Angelll, "antigamente, uma sequencia articulava-se a partir da pre11, "J)u film en forme de chronlque", Ret:llc des lettre,< jranQuises, n~'36-38.
Do pensamento
do autor.
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cedente e clava infcio a seguinte, de acordo com uma progressao dramatica implacavel: um plano formava com 0 plano anterior, e este com todos os outros, uma constrm;
12. Le lang
F,.anpi,
8.('\1ni"
Pl'_ 280-281
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EstCtica do cinema participaQao e ao mesmo tempo rnais deliberada (cahe a ele fazer o esfol'(;o de penetrar no univerno que Ihe e apresentado) e mais dificil (puis 0 mundo da tela, repitamos, nao the e !TIaisoferecido de maneira total mente as_limilada como na epoca da montagemsoberana) (.. ). 0 espectador lem a impressao de que 0 acontecimento 5e constr6i sob <;eus olhas e de que assiste agel18se de uma a<;aodramatica, em l'ela"ao a qllal 0 realizador deixou-o livre para participure para aderir - 011 nao.
A liberdade e 0 valor do julgamento do espectador clepenclem de sua maturidade de espirito, de sua cultura e principalmente dafamiliaridade com a linguagem visual, que difere da linguagem verbal com a qual ele esta acostumado. Diante cia imagem, a atitude do espectador pode ser esquematizada da seguinte forma: imllgem __ w1lceit!! __
ohjet!! da percepr;(/O (alitude passica) ohjeto dll percepr;iio (emfilmes ruins)
e nos casas mais favoraveis: objeto dll percepr;ao __
srmtimentos
ou: objeto da percepr;{10 __ cOllceit!! __ emor;iJes __ rear;oesafeliws di1;ersas (as t;Czes psicomotoras [atividade on[ricllj)
A situa<;aoimprevis{vel das persanagens "em evolw;ao"13, procurada pelos cineastas de hoje, e as vezes encontrada ate a ultima imagem do filme, que entao nao e uma conciusao, mas um esbo<;ode prolongamento da hist6ria: assim, no filme de Claude Berri, On moment d'6garement, como acaba 13. No filme de Pierre Cranier-Deferre, Le to"hih (encal"ll~dopur Alain DeIon), pociia·,e preyer qne Harmonie (Veronique Jnnnot), alingidn por lesnes irreversivei, nos pnlmocs" condenada a mOn-er em breve, fo,"c moner com a explo"jo de nn"'lllinu~ Nesse, fllmes, 0 provavcl nao exclni d" forma algnmao poss;ve!.
,
Do pensamento do autor.
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o idI1ioentre a adolescente Fran<;oise (Agnes Soral) e 0 homem de quarenta anos, Pierre (Jean-Pierre Marielle)? Encontramos muitos mmes sem conclusao definitiva em Claude Lelouch (La bonne annee), Michel Drach (Elise ou fa vmi vie), Lam-Ie (Encontro das nuvens e do dragiio) e mesmo em Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi. Nos bans filmes, 0 eoneeito vem sempre depois do objeto dOlpercep9ao: os filmes de Hitchcock, High noon (de Zinnemann), Last trainfrom GunHill(de John Sturges) sao exemplos tfpic9s - a emo<;ao e 0 suspense vao num crescendo. o espectador nunea con segue preyer 0 que vai acontecer e encontra-se permanentemente 11amesma situa<;ao de Louis Pasteur quando 0 ilustre quimico J.-B. Dumas pediu ao cientista para estudar a doen<;a do bicho da seda: "Tanto melhor que 0 senhor nada saiba sabre 0 assunto", escreveu Dumas a Pasteur14, "pais assim 0 senhor s6 empregara as ideias provenientes de suas pr6prias observa<;oes." Sabemos, alem disso, do lugar de homa atribuido pelo surreaiismo ao deseonhecido, 0 unieo criador (a cria<;aonao seria resultado de urn conhecimento pelfeito do passado e do presente). Os grandes filmes sao geralmente hist6rias simples, mas, como em todas as grandes cria<;oes, a simplicidade e apenas aparente, dissimulando um enorme trabalho de pesquisa e de elabora<;ao: 0 tema e tenue, frequentemente a vida em sua complexidade cotidiana,~o n.Umero de personagens e restrito (dois ou tres), e cada espeetador pode "ver" seu pr6prio filme, como em Man oncle d'Amerique, de Resnais, La fiUe prodigue, de Doillon, Un etrange voyage, de Cavalier, Un mauvais fils e Une histoire simple, de Sautet, Cons-tans, de Zanussi, Pourquoi pas nous?, de Berny .. As emogoes vivas libertam-nos momentaneamente de nossas angustias. Nossas obsessoes sao substituidas par outras obsess6es. E 0 espectador parece sentir cada vez mais 14 Cnrta dc 6 de junho de 1865.
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Estetica do cinelJUl
a necessidade de 5er, antes de tudo, surpreendido, chocado, de tremer hsicamente, e mesmo de 5er agredido, para depois ser tranqiiilizadol3. It 0 que pro vavel mente explica que filmes violentos (como A Pele de Cavani au Apocalypse now de Coppola) e de terror (nascidos do expressionismo ale mao e, depois, dos "nairs" americanas: Sexta-feira 13, de 5 Cunnigham, Terror eyes, de K. Aughes, Mother's day, de C. Kaufman, etc.) estejam tao em voga hoje em dia (apredados sobretudo pOl' urn publico cuja media de idade nao ultrapassa as trinta anos)lG. 0 fen6meno nao e novo: durante
Do pensame'1to do autar.
guaJl7: "Quem se conta se ve, observa-se naquele a quem canta como num espelho", e, analisando as palavras de Richter ("De pe diante de um espelho, digo a mim mesmo, aterrorizada: quero ver nesse espelho com 0 que me pare~o quando meus olhas estaa fechadas") Amengual acrescenta: 'Ril:hter vi! af urn terror que seria a unicajustificativa do carMer aparentemente insensato da experiencia. Mas 0 desejo que 0 ins· pira e bern natural. Ele quer se ver de olhos fechados, ou seja, tal como e quando n:io e ele quem .Ie olha. Quer se ver como os outros 0 veem, como ele e para os outros. Quer sair de si mesmo e tornar-se ooutro. E este 0 sonho que 0 romance quer realizar, e, mais ainda, 0 cinema, cnjas narrativas sao dotada.I do proprio ser do acontecimento. Valery define perfeitamente a funo;iiodo ci· nema: "0 cinema sansfa::. µerfeitamente 0 desejo ou a necessidade que ()homem temdeseassist;rvivendo." Afinai, diante de um mme ou de umromance, dcspersonalizo-me. Torno-me, por projeo;ao ou par simpatia, o(s) heroi(s} do mme. Vivo em oeu lugar, em seu mundo. E, como estou aDmesmo tempo na salae na tela, vejo-me vivel'. Quando vou emhora, vejo-me ir embora de costas, pOSSO ficar a janela para me ver passar na ma. "0 auto,. dmmdtico". confia-nos Sar\re, "apresenta aos homens 0 eidos de sua existencia cotidiana: moslra-lhes slta propria vida como se eles a vissem de fora." Alias, ver-se pode, as vezes, significar nao se vel'. Se desejo, do fundo da minha alma, saber 0 que sao minha vida e os seres que sao importantes para ela quando nao estou presente para Ihes impor essa inevitavel "relaO;:iiode indeterminao;:ao" teorizada par Heisemberg, posso imaginar uma abordagem do mundo que tenha a objetividade radical do cinema. .....
as anos que se seguiram a crise econ6mica de 1929, Hollywood propunha ao publico comedias musicais, filmes que
convidavam ao sonha au a fuga ciarealidade (Dnicula, Frankenstein, A mumia, King Kong), mmes c6micos (com Laurel e Hardy, W. C. Fields, as irmaos Marx), que beiravam 0 surreal. Cra<;as a tais filmes, as espectadores podiam se entregar, atraves dos protagonistas, as suas puls6es de morte e destrui<;ao. o cinema permite que cada espectador conte-se a si pr6prio, veja-se viver, julgue-se. Revela-nos imJ.meros desejos insuspeitos ("ha muitas coisas que poderfamos desejar das quais nao temos qualquer ideia"). Como disse 0 presidente Ronald Reagan: "0 cinema revela-nos nao apenas a forma como nos exprimimos, mas, 0 que e ainda mais importante, revela-nos 0 que sentimos." Escutemos Barthelemy Amen15.
\Valtel"Benjamin "econheee nOcillenw Um poder terapclltico: '\) cinema
e a forlllade arte correspondente a vida cada vez mai.'.pCl'igosapromelida ao ho· mem de hoje. A necessidade de se of"recer ao.\choq\les e uma adapla<;ii(} do homem ao, pengos qne 0 amea<;aralll:' 16. Podemos imaginar as consequencias e 0 impacto rla deseoberta, previ,ta para 0 ano 2000 ()llanle,. de S11bslfincias psieotr6picas q11edariam comcienci3 ma;s profUlld~do Be!o! A inform,Hi~aja no.
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Toda ham em se angustia com a ideia da solidao, da desconhecido, da morte - de sua morte - e sente uma necessidade constante de ser amado e de se sentir existindo, vivendo. Ele projeta sobre os Qutros seus pr6prios pensamentos, suas emo<;6es, seus sentimentos, e 0 contato direto (ou imaginario) com seus semelhantes tranqi.iiliza-o, certificando-o de sua existencia real. Ver e escutar os outros, finalmente, e escutar-se ever-se (tados n6s samas um pauco mais ]7.
Cleo' po",. Ie cinema, Ed. Seghers. PI'. lOS-lOg.
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Estetica do cinema
/
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Do pensamento do autor.
all menos narcisistas). A necessidade de 58 ver liga-se tambern a necessidade consciente au inconsciente de se con heeer melhar para melhar 5e julgar. Se por vezes tern os horror de espelhos e de vef-OOS a n6s pr6prios, e taivez porque isso nos mostra impiedosamente a imagern (mesma que invertida, em termos de direita/esquerda) de nosso envelhecimento, que nos recorda a ideia de nos sa morte, que no minima nos repugna, pois 0 envelhecimento vai contra 0 110S50 desejo de agradar, dito claramente, contra 0 nosso desejo de sermos amados. Para cada mme lui tantas interpretaQoes quantos espectadares. 15s0 5e cleve a complexidade da vida, oode nada e absoluto, e a relatividade das caisas. Em Hythme Helle Clair escreve poeticamente: "0 pensamento rivaliza em velocidade com 0 desfile de imagens. Mas ele atrasa e, vencido, e dominado. Abandona-se. A tela, novo olhar, imp6e-se a nos so olhar passivo. (0 pensamento) gaJopa, cavaleiro. Torne-5e est,itua, casa, cachorro jovem, saco de ouro, rio arrastando carvalhos. Nao sei mais isolar-te no meio de teu reina, 6 cac;:ador."E conclui: "Louro, ergue tua cabec;:ae tua cabeleira revela teu rosto. A esse olhar, a esse gesto, posso atribuir 0 sentido que eu escolher. Voce e meu, 6 cam ilusao de 6tica. It meu esse universo recriado cujos aspectos servis dirijo segundo a minha vontade." No cinema, oao h:i uma L6gica, mas i6gicas; nao h:i uma Verdade, mas verdades; nao h:i oposic;:6esou contradic;:oes; o pensamento dito racional desaparece e, como diz Andre Breton no Second manifeste dll slirrealisme, "tudo leva a crerque exisLeum certo ponto no espfrito onde vida e morte, real e imagin:irio, passado e futuro, comunic:ivel e incomunicavel, deixam de ser percebidos contraditoriamente. E seria vao procurar para 0 surrealismo Hma outra motivac;:aoque nao a esperarH;a da determinac;:ao deste ponto". Objeto ou sujeito, contfnuo e descontfnuo, contnhios ou oposic;:oestornam-se aspectos de uma mesma realidade
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A imagem filmica suscita no espectador um sentimento de realidade (muitas pessoas veem 0 que acreditam ver), do que resulta uma participar;ao "ativa", total ou tocada pelo espfrito crftico (no espectador mais evolufdo), don de decorre a noc;:aode conteudo aparente ou explidto (diretamente legfvel). da imagem e de conteudo latente Ol! implicito da mesma (ieitura eventual, de segundo grau). "Podemos manter urna certa 'distancia' das coisas", escreve Jean Mitryl8 "Certamente, naa como na vida real, poh a vida da qual participamos eshi inserida em um devir que nao nos pertenee e que se submete a condic;:6esque s6 descobrimos il. medida que vivemos. Mas podemos ao menos afastanno-nas lim pouco dos aeontecimentos ao mesmo tempo em que as observamos e os julgamos. Se nos submeternos a eles, e na medida em que os vivemos e, mais ainda, em que sua vivencia nos e imposta. Pensamos e agimos com as personagens ao mesmo tempo em que refletimos sobre seus atos, porque as sentimos e lhes medimos a contingeneia (... ). Ternos a impressao de que talvez pudessemos modifiear 0 curso das coisas. Ao mesmo tempo que mantemos um certo recuo em reia1;ao aos atos ou comportamentos, participamos plenamente deles. Ao inves de sermos introduzidos em umarealidade fletfcia apenas pelo poder do 'fato fJ1mieo', vivemos mn simulacro de realidade. Nossa 'convicgao'e estabelecida pelo sentimento de atualidade ativa que{0Saconteeimentas considerados nos dao. Em suma, nossa participac;:ao e mais 'ativa'.» E, ainda ref1etinda sobre a participac;:ao do espectador, Barthelemy Amengual escreve19: "Qualquer que seja ela, e necessario urn mfnimo de aeordo entre as solicitac;:oes do filme e nossas disposig6es. Se perteneesse a cada espectador toear ()filme-instrumento de aeardo com as suas possibilidades, seria passlvel eseonder que muitos filmes sao ViDe 18 i':sthelique d" cinema. Editions Univer,itaircs. p. 37. 19. S",.n!a.li.ww ct ci"enw. "Elude, cinen»ltogrnphiqll€S'. l. 1I, pp. 210-211.
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Estetica do cinema
Do pensamento
Joes sem cordas? Com justeza, Ado Kyrou aconselha enriquecer 0 mme com nossas pr6prias hcgoes. Se Dele projetarmos nossas fantasias, nossos desejos,nossas
obsess6es, assis-
tiremos a urn filme compietamente diferente daquele a que os Qutros estao assistindo. Por que nao trazera relicula assim recomposta para fora da tela e mistura-Ia a nossa vida real [alias, nao e 0 que acontece? Veremos i550 mais tarde] (., .). Durante a projegao, Bossa participa9ao e espontanea au mesma obrigat6ria. Basta que a obm seja capaz de conquishi-Ia. Mas, olhando pelo lado negativo, llossa recusa seguiria antes a tendencia inversa it cias disposi90es tao favoniveis mencionadas por Kyrou, au seja, a de empobrecer ainda mais 0 mme." Mora a fen6menu de participa~ao, acontece um fen6meno de identificac;ao20 com as personagens, urn mecanismo psfquico -comum e narmal nas criaw;as - pe10 qual nos canfundimos com outras pessaas. Tamama-nos por nossos her6is familiares e fixamo-nos um ideal de semeIhanga em relagao a eles. 0 espectador relaciona diretamente a si as imagens da tela, podendo assim idenbficar-se as personagens e as situag6es nas quais estas esUio envolvidas. H:i uma transformagao na personalidade. Em um profundo estudo sobre 0 efeito catartico, D. Barrucand fala da seguinte formasobre os processos detomadade conscienciae sabre a emogao: "A tomada de consciencia (distanciamento) nao sucede a emogao (identi{tcat;ao), pois 0 compreendido esta em relagao dialetica com 0 experienciadu. Ha menos uma passagem de uma determinada atitude (reflexiva) a uma outra (existencial) do que oscilag6esentre elas, por vezes tiio pr6ximas que quase poderfamos falar em dois processos simuitaneos, cuja pr6pria unidade e catartica'" "0 especta" dor", escreve Marguerite Bonnet2\ "experimenta as rea20. 0 processo de idenlifica950 lambem pode aconlecer com 0 alor. quando este, complelamenle lomado por "-'" [lapel. poo-,c a viVCl".,un [Jel"sonagem. 21. S"""ea/isme «I dnema, "Etude, cinematographique,', t. 1, p. 86.
do autor.
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goes e us sentimentos do her6i, identiflca-se completamente a ele; vive 0 mme de dentro, se e que se pode dizer isso, e nao 0 olha como a um espetaculo. Estamos bem longe do que normalmente se chama de crftica: 0 que conta e sentir, perturbar-se, emocionar-se, e niio julgar em nome de criterios esMticos; afronteira entre obra e vida deve serabolida." As formas e os nfveis de identificagao com os her6is das ag6es representadas - fantasmas disfar~ados - sao infinitos. Assim como 0 pensamento de nossa vida cotidiana, a pensamento do espectadar e condicionado pelo consciente e pe10 inconsciente, como explica-nos Jean-E. Charron22: T udo
0 que
vivemos desde 0 no.lso nascimento transi'fou por nosdeixando nele lembranQas conscientes ou subconscientes. Eo conjunto de'>sas lembranQas que mode!a a cada instante 0 pensamento que teremos, a palavra que dirigiremos a outrem, a nossa pr6xima aQao. It esse espirito qu'e nos fa?: amar e odiar (... ). Nossocorpo e portador de milhares de emanat;6es( eons) Sao essas emanaQoe<;> e apenas eias, que contem 0 que chamamas de nosso espirita. Cada uma delas possui uma memoria de milh(les de anos, lembranQa de existencias sucessivas vividas atraves de imimeros organismos evolutivos. Essa mem6ria de mtiltiplas raizes, que narra experiencia.> completamente diferentes, 11 0 rwsso inconsciente. Urn grande numero dessas emanw,iles, as que acompanharam nossa vida do inicio ao flm, de nosso nascimento a nos.>a mOite (as que pertencem ao ADN de nossas celula<; nervosas, por exemplof tem em comum, poroutro !ado, a meI"Q6ri~ do que vivemos desde o )105<;0nascimento, ou seja, 0 conjunto de informa90es sobre a vida que vivemos, fonnalizado por meio de nossos pre-julgamentos e de no,sa linguagem: e 0 nosso consciente. Consciente e inconsciente constituem a personalidade humana. Na verdade, a personalidade, 0 "eu" de todo organismo vivo, da ameba ao homem
so Espirito,
No cinema, 0 espectador esta a meio caminha entre 0 sonha e a reaiidade. Esta num estado simultaneamente cons22. Le}igaro.magazine. 22 de dezembro de 1979 (Jean-E. Charron de L'esprit eet inco"'''' e Mort, void ta deJaile. Ed. Albin Michel).
e
0 mltor
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Estetica do cinema
ciente e inconsciente: consciente, pode ver as imagens, apreender,a linguagem filmica, julgar e retIctir sabre a artc do diretor; inconsciente, vive em universo aparentemente i16gico, irracionai, do qual ressurgem desejos e frustra<;oes reprimidas. o que acontece depois da projc<;ao? "Depende do filme", escreve Barthelemy ArnenguaP3; "ele pode enfeiti<;ar au 0010. Depende ainda mais cia idade. Garato, vivi semanas inteiras junto com todas as personagens dos filmes que via. Junto com as heroinas, vivia novamente as aventuras, prolongava-a~, corrigia-as. Imaginava novas aventuras - que terminavam melhar - e desenraizando-as, transplantava-as no mcu universo familiar. Mais tarde, quis reencontraresses rostos de sonho nas pessoas que me cercavam e, na ausencia de um arquetipo, pelo menos sua imagem em negativo. Quantas vezes me voltei para os cabelos, para uma voz', para os olhos, uma silhueta, um andar, que eram os de MartheMicheline Presle, de Lulu-Louise Brooks, de Marylin-Cherie? Por muito tempo, conservei no cora9ao a revolta ambigua de Le jour se leve, a Festa amarga de A 6pera dos tres vintens, a felicidade 'apesar de tudo' de Unrath em 0 anjo azul- exemplos entre cem outros. E curiosa, isso infelizmente acabou, mas nunca, mesmo nos 'bons tempos', encontrei rnaravilhas ou paralsos nessas aflitivas investiga90es." E realmente bastante freq1.iente que esse fen6meno de identifica<;ao evocado acima persista ap6s a proje9ao, 50bretudo entre as jovens: e a adolescente que imita consciente au inconscientemente sua herolna favorita (os gestos e atitudes, 0 p'enteado, a maneira de se vestir, etc.), 0 menino que imita () grito do Tarza, 0 adolescente que adoraria ter as temporas grisalhas do sedutor mundano para parecercom Piccoli, Paul Newman, Cary Cooper ou Stewart Granger. o ator Larry Hagman -que viveuJ. R. Ewingna famasa 23. Surniali.
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t.
IL p. 21I.
r
Do pensamenta
do autor.
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serie americana Dallas - s()ube encarnar corn tanta perfei930 a personagem odiosa que representa~~, que a polfcia de Los Angeles e guarda-costas sao obrigados a protege-Io e garantir a prote9ao de sua familia. Ele diz: "E a primeira vez na hist6ria da televisao americana que 0 publico identifica a este ponto uma personagem odiosa ao ator que representa o seu papel (... J. SOil atualmente homem mais odiado dos Estados Unidos e tenho de levar a serio as il1l.imeras amea9as que recebo." H:i milhares de pessoas que nao separam 0 cinema da realidade: um deles, John Warnock Hinckley, atentou contra a vida do presidente Ronald Reagan (em Washington, a 30 de mar90 de 1981). ApaixoIlado pela jovem atriz Jodie Foster, do filme Taxi drir.;cr, Hinckley teotou impressiomi-Ia e chamar a sua aten9ao sobre ele. ldentificou-se ao ator Robert De Niro (melhor ator do filme Raging hull) que, para se vingar da sociedade, tenta, em Taxi driver, assassinar um candidato a presidencia dos Estados Unidos.
°
••
24. Algun_1~torc->(Roge" Hanin nos hlmes dc Molinaro. por e,,,'mploj cncnrnam", notavclmcnte pcrsonagen, odio""
IJIl j,l
Capitulo V
Teatro e cinema. Literatura e cinema
1- Teatro e cinema
i II
Por muHo tempo, 0 cinema foi considerado pelos grandes homens de teatro (que foram e continuam a ser, em sua maiaria, grandes cineastas) como artc menor, teatro rebaixado. Com exce~iio do cinema mudo, que priyilegia a "teatralidade", all de algumas obras-primas, os filme., dos aDos b-inta nao passavam de pec;as filmadas, submetidas a tirania do palavreado e das "opini6es do autor", 0 texto escutado substituindo 0 texto au 0 diaJogo falado diante de urn publico por atores fisicamente presentes. t preciso render hamenagens a alguns faros pensadores !ucidus, notadamente a Cocteall, que com preen de ram rapidamentegue 0 cinemafalado era uma outra forma de teatro, detentora de seus pr6prios meios de express:lo, lange de ser, como pretendia Pagnol, uma tecnica que permitia "conservar 0 teatro", as significados verbais permanecendo essenciais. Reall1lente, cons" tatamos na evolugao da arte teatral que 0 texto nem sempre foi considerado lim elemento maior, pod en do ao menos ser dissociado dos componentes capitais da a<;ao.Assim acontece na "commedia clell'arte", onde as palavras s50 apenas murmuradas Em Grotowski, partid:hio de um "teatro do despojamento total", a escolha e radical: 0 ator eo urrico
Estetica do cinema
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elemento essencial Essa ideia foi retomada por Qutros diretores; por Stanislawski: 0 ator e "[onte criadora de vida artlstica e de emo9ao verdadeira"; porVitez: "0 mundo inteiro e represenUivel no carpo, em um carpo", etc. Mas ffiuitos hom ens de teatro tern uma visao mais sintetica das coisas, bastante semelhante ados grandes cineastas; consideram que 0 verbal e a visual devem formar urn todo indissociaveL Artaud, por exemplo, deseja urn teatro total, composto por atores (com seus gestos, movimentos e gritos), pOl' muska, iluminagao e (em mellor propon;ao, e verdade) por um texto.. Sonha com urn espebkulo total, urn cerimoniai, uma festa, "onde 0 teatro conseguisse englobar 0 cinema, 0 music-hall, adreu e a propria vida, que sempre the pertenccll". Tambem para Ionesco, a expressao verbal, as "palavras que interrompem e paralisam 0 pensamento" (segundo Artaud) nao sao de forma alguma elementos essenciais da a\!ao: "A progressao dramatica resulta do encadeamento de imagens obsessivas, da linguagem, dos gestos, da liberdade dos jogos cenicos que precedem a palavra, tornada simples apoio do conjunto cenico de imagens." Peter Brook preocupa-se em valorizar 0 texto atraves do vigor e da beleza de uma imagem, dando uma grande imporhincia ao cenario, ao guarcla-roupa e ao fundo musicaL Essa preocupa<;ao em realizar uma sintese entre poesia, musica, dan\!a e encena<;ao pode ser encontrada em Wagner ou naqueles muitos outros que desejam ampliar 0 grau de receptividade dos espectadores e a comunica<;ao imediata (consciencia e inconsciente coletivo) entre estes e os atores, lan<;ando mao de todos os recursos do verbal e do visual para fazer da representa<;ao teatral uma festa, um espebiculo audiovisual completo. Svoboda revelou-se j.
1. 0 a!vr nao e apenas 0 (mie() clemeIlt() que nao se pode dispem",- Ele e. como todo arlda. e diferen!emente do eientista. imubs!ituivel, scm )I.·jozar!. ncnhuma de sua_, sinfonia, leria existido (sem E. Gallois ou Einstein. a leoria rlos eonjuntos 011 a da relatividade lerimn sido inventadas rna;, tarde)
TeatrolLiteratura
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urn dos mestres da arte de utilizar a luz paraconstruiro espa<;0,completar ou substituir 0 cenario, criar uma atmosfera, isolar ou agrupar (como no primeiro plano do cinema) os atores. Da mesma forma que, no cinema, todo espa90 de tempo deve ser acompanhado por um ato concreto, ou, ao menos, poruma imagem do espa<;o, no teatro, todo espa<;o de tempo cleve ser sustentado por lIma expressao verbal. No teatro, o silencio torna-se rapidamente insuportavel, ainda que seja este aexpressao supremadalinguagem, ainda que as pessoas s6 se compreendam quando nao se falam. lsto sem duvida explica, ao menos em parte, 0 fracas so de algumas pe9as de Tardieu e de Mauriac, par exemplo; tais pegas, principalmente se sao diffceis (corno Le pere humilie, de Mauriac), sao mais adequadas para leitura do que para 0 palco, Evidentemente, nao se deve confundir silencio com 0 "nao expresso", em Claude Vildrac au Jean-Jacques Bernard, por exemplo, nada e dito, tudo 6 sugerido, assim como nas obras de muitos cineastas e escritores de hoje. Ibsen coloca quest6es sem dar respostas, Brecht nos faz tomar consciencia dos problemas colocados pelarealidade da vida, tendo suas pe<;as, a16m de um sentido imediato, urn sentid(i mais escondido que devemos decifrar. Em suas pegas, Gatti prefere recorrer como acontece no cinema - a sfncopes e a alus6es do que ao discurso. A dificuldade aparece quando se quer exprimir id€ias filos6ficas, orientar-se segunoo !teu temperamento em dire9ao a urn simbolismo capaz de fazer as personagens viverem - objetivo prirnordial-, e, ao mesmo tempo, fazer um teatro vivo e dramatico, que nao seja reservado apenas a uma elite intelectual. Id6ias filos6ficas sao bem melhor recebidas em literatura do que em teatro ou cinema (a maioria das obras dramaticas estrangeiras, e mesmo francesas, s6 sao conhecidas pela leitura). Em oposi9ao ao teatro de ideias, existe a interpreta<;ao realista e naturalista das obms dram
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Estetica rW cinema
TeatrolLiteratura
do mundo senslvel), que consiste simples mente em capiar, em procurar, em imitar a vida (claramente oposta as ideias de Shakespeare e de Evreinov, segundo as quais "a vida e tocia ela marcada pela 'teatralidade' "). Brecht, Piscator, Strehler e Litterwood, entre Qutros, compreenderam perfeitamente que (}teatro devia tentar reproduzir a vida, mas atraves de conveogoes, segundo urn estetismo, e nao dar a ilusiio do real. Hoje a arte teatral consiste mais em estilizar que em capiar; em sugerir, mais do que em impor: assistimos, portanto, ao reCUfSOa SOlu96es intermediarias entre a precisiio e a exatidiio de Kazan, Visconti, etc., e os excessos de inspirag30 simbolista, expressionista, surrealista ou abstrata dos anos vinte e trinta.
nao e apenas complexo, mas descontinuo. Os diversos pIanos de consciencia interpenetram-se, sobrep6em-se sem se deixar reconhecer. 0 princfpio de identidade e aholido; 0 mesmo e 0 outro, o riso lagrima. 0 tempo mia e mais sentido como homogeneo, uniforme, mas estando a passagem da tempo ligada a subjetividade de uma eonscieneia dilacerada, presente e passado confundelll-se na imobilidade do instante. De on de vern 0 sentimento de desdem, de engodo, 0 homem canhece apenas uma par6dia da existencia. Cada qual encontra-se aprisionado Il\lJna rede de aparencia<;, de fingimentos, incapazde comunicar·se e de instauraro menor dialogo com a outro, mesmo ao nivel das verdades mais elementares.:l
e
do
o abandono do naturalismo e a escolhade uma enCena!;aO suge,tiva, liberando a imagina!;ao e entregando 0 palco ao espirito, pressupi'iem que 0 espectador saiba percorrer 0 caminho necessaria para encontrar a significado por tds do signo, como diante de urn quadro cubista ou abstrato. Signo alusivo au exp!icito, pouco importa: a orienta!;ao da encena!;ao nao se baseia nem na escolha dos meios cenicos nem tampouco em sua utiliza9iio, mas no conjunto de inten90es. Ela aceita tanto 0 despojamento de Vilar e a exubedincia de Chereau quanto a mimicia racionalista de l'lanchon e o sentido de Festa de Mnouchkine.' o que mais conta no teatro e 0 latente, 0 oculto, 0 informulado e, ao mesmo tempo, apluralidade Jo texto e da imagem 0. Lassalie) Dizer sem discorrer, mostrar sem demonstrar, sem mergulhar nela. (Copferman)
con tar a hist6ria
Acabou 0 mundo - e 0 teatro - onde tudo e explicado, onde tudo e definido, Racine obstinava-se em trazer a consciencia clara os estadas de espfrito mais turvas. A atitude inverteu-se ha cinqiienta auos, Dos diversos planas de conscicncia, 0 mais rico e aguele onde se situam os sonhos, as angustias do homem diante cia absurdidade do mundo, 0 sentimento de umaculpa sem causa, os poderes do imaginario e as deforma9i'ies da memoria. 0 real
1lJ
Nao se trata de comover {)espectadar, mas de traumatiza-Io: nao se trata de ajuda-Io a pensar, mas de rorneeer-Ihe um material bruto e iuerte ao qual 0 publico, como criador, e ehamado a dar () sentido que 0 autor evita impor ou mesmo propor. As obras evitam desenvolver-se de acordo com uma linha progressiva euja teusaa conteria 0 germe de uma significaC;ao (.. ), Acontecimento, e nao narrativa: choque, e nao reflexao sobre 0 drama. As pe!;as apelam mais para os sentidos do que para a inteligencia. Ela, contam com .leu poder de agressao para obrigar opublico a entrar ern contata com elas.;
Somas obrigados a constatar as rela<;:6esIntimas entre 0 teatro e 0 cinema. Neste como naquele, encontramos, principalmente a partir de uns cinqiienta anos, a in£luencia de Freud e Pirandello: a importanciado inconsciente, os misterios da personalidade, as rela<;:6esdo real e do imaginario, etc, Os graves problemas relacionadQS a incomunicabilidade entre os seres, ii impossibilidade de amor e de captar 0 Eu verdadeiro, as dramas dasolidao em qualquercircunstancia, da dificuldade de viver, do homem em sua infinita diversidade e mesmo da angustia diante da absurdidade da vida, podem ser encontrados em Salacrou, Anouilh, Adamov, Strindberg, Billetdoux, Beckett, Ionesco, Montherland, 3. Michel Corvi", Lethallre
,w"~ea,, en FrarICe, PU F, "Que sais-je? " n': 1072,
p, g,
2. Michel Corvin, Le tl"Wt,.e nO""eau en France, PUF, "Que sais',ie?", n° 1072 p.
lOQ,
4. 1>'1ichelCorvin, 11:16, p. 31
Le tj,{(il"e
,W"~C{j,, it ((;trauger,
PUF, "Que sais-je?',
n':
112 Camus,
Estetica do cinema Lorca, Alberti,
assim como em Antonioni,
TeatrolLiteratura Fellini,
Rene Clement, Bergman, etc. Desta forma, 0 tema do belo filme de Ingmar Bergman, Sonata de Gutono, serviria bem para 0 teatro. um pesado conflito afetivo que surge entre mae e filha: a antiga admira9ao de Eva (Liv Ullmann) por sua mae, Charlotte (Ingrid Bergman),
transforma-se
poueo a poueo em agressividade
ranconJsa. Na verdade, convencemO-llOS de que esse conflito edipiano teria fannas diferentes no palco e na tela principalmente porque: 0 teatro se beneficiaria da presen9a de duas atrizes (com receptividade m,ixima da libera9:l0 de suas [oryas pSlquicas e fisicas), mas 0 cinema pode oferecer closes de rostos torturados pela sofrimento moral, alga que as maquilagens e as efeitos de sombra e Iuz nao podem substituir. Cinema e teatro tocam-se e distanciam-se e isto e bern evidente quando se reve 0 excelente filme de Julien Duvivier, Marie octohre, construfdo como uma tragedia classica (unidade de ,1(;aO,de tempo e de lugar). Voitamos a ideia fundamental de que 0 cinema e 0 teatro SolO artes com pI etas e, sendo meins de expressao diferentes, s6 podem exprimir diferentemente as mesmas coisas, mesmo quando eneontramos os temas mais comuns - por exemplo, os b(ms contra os maus, que no final recebem 0 castigo mereeido, em Brecht ou em Giraudoux (em Lafolle Clwillot, por exemplo) - 011 nos melodramas chissicos e westerns da mais pura tradigao. If hcH constatar que muitos diretores (Meyerhold, Brecht, Piscator, Gatti, Salacrou, Rozewicz, Planchon, Bernstein, Miller, etc.)souberampreservar, em suas pec;:as, as caracteristicas especificas do teatro ao mesmo tempo em que se inspiravam em tecnieas cinematograficas: proje<;oes, decomposiC;:cles das pe<;as numa sequencia de quadros mais ou menos dramaticos, recurs,o as sfncopes e alus6es, mais do que aos diseursos, exposi<;ao diferenciada, flash-backs, reversibilidade do tempo, justaposi<;ao dos lugares .. Piscator, Meyerhold, Brecht, etc. em-
Il3
pregam proje<;oes cinematograficas para dar 010 teatro uma visiio realista do mundo. A obra dram:itiea de Brecht, por exemplo, tem como missao niio arras tar 0 espectador para um universo magico, mas, ao contrario, permitir-Ihe tamar consciencia dos problemas colocados pela realidade da vida. Os outras recursos ffimicos, tais como 0 flash-back ou a reversibilidade do tempo, parecem ser bern adaptados ao teatro, mesmo que freqlientemente tenha-se pretendido 0 contnirio (Death of a Salesman, de A. Miller). Com efeito, 0 teatro baseia-se "numa fic<;ao consentida do pensamento" (Paul Arnold); 0 ator tem uma presen9a fisica e objetiva, mas vive num mundo imaginario, e, a rigor, a realidade 8 uma realidade de uconvenc;:ao", uma realidade "ensinada". Louis Jouveteaptou hem toda a importancia dessas relac;:oes pirandelianas entre 0 real e 0 imaginarin. "0 teatro serve para mostrar as pessoas que existe algo aJem daquilo que acontece ao seu redor, al8m daquilo que acreditam ver all escutar, que existe urn avesso do que acreditam ser 0 lugar das coisas e dos seres, serve para reveLl-los a si mesrnos", dizia ele Qunto com Brecht, VilaI' e outros, Jouvet e partidario do distanciamento; 0 ator deve ter uma "segunda lucidez"). 0 cinema, ao eontrario, pareceria, a priori, poueo adequado ao emprego dessas tecnicas, que se op6em a visao realista do mundo, a uma ilusao dos sentidos que conduz a uma realidade diretamente percebida. Mas, ...Jonge de ser uma arte passiva, ela apela, al8m da ilusao dos sentidos, para 0 acordo cllmpliee do pensamento do espectador, para a liberdade deste criar fic96es.
Teatro presen9a do ator _ tes de uma realidade fisica, objetiva e "dramatica" e mundo ficticio
palavras ---- sentimentos "ensinada"
proceden-
• 114
EsMtica do cinema
TeatrolLiteratura
Cinema
aplaudir as imagens projetadas na tela, sejam ebs a fotograHa literal de Othello ou de A. megera.domada. r,
presen<;:ado atar _ imagens _ tes de uma realidade percebida com espac;o e cenario (presenC,'a do mundo)
sentimentos proceden-
o teatro nao traz ao cspectador, como 0 cinema, Uilla irnagem ja completamente construida (6 0 espectador que vai focaliza-la e enquadni-Ia), nem uma imagem ahstrala, !!las urn scr ao mesmo tempo presente e ausente; cabe ao espectador organizar e5sa preseoga-amencia A todo momenta, sua perccpgao ()scila. 0 trabalho psiquico, que e () proprio prazer do tcatro, consiste justamentc nessc vaivem do presente ao ausente, do agora ltD pussado, do real ao representado, do jogo a ilcqao. Vaivem que mio deixa de 10mbrar o jogo do carrete], de celebre memoria freudiana.'\ Todo artista (ao contraria do cientistaj tern necessidade de urn publico (que pode se reduzir a urn unico admirador, no caso de uma proje9ao cinematografica), e muitos deles, alias.notaveis, tern necessidade de aplausos constantes, de urn pl:iblico que lhes repita que siio admiraveis. 0 teatro pressup6e necessariamente a presenra de espectadores em l1l.imerosuficiente, ativos e talentosos, au seja, capazes de transmitir sua energia aos atores e de entrar de bom grado no jogo da representa<,~ao.
o
4··
,
Literatura
e cinema
Um breve exame do delieado problema colocado vela adapta9ao de lima obra literaria a tela pela sua transforma9ao em cinema, permite-nos fazer um ap~nhado das inumeras semelhan9as, bern como das divergencias consideraveis que existem entre estas duas linguagells. cineasta pode se eon ten tar emjnslJlirar-se na hist6ria hteraria e segui-la passo a pas so: "ele reproduz 0 equilibria e os centros de interesse do original" (Karel Reisz), sendo o fUme apenas representaGao, ilustra9ao de uma narrativa, transcri9ao de linguagem a linguagem. Mas a fideiidade a obm original e rara, senao imposslve!. Em primeiro lugar, porque nao se pode representar visualmente signiBcados verbais, dOlme sma forma que e praticamente impossfvel exprimir com palavras 0 que eshi expresso em linhas, form as
o
e
'oLe textc draIllLltique·.
No teatro, 0 publico nunea esta isolado, "forma um carpo, oude 0 olhar de cada um reage aos olhares de tados". Existem mUltiplos e complexas intercambios entre emissares e reeept()res, mas tambem dentro do pr6prio audit6rio. Todas essas interaGoes entre quem abserva e quem e observado, vis6es multipias e moventes, contribuem em iarga medida para fazer de llma pera de teatro uma cria9ao unica, eminentemente nao reprodutivel, que desaparece eom seu publico. Um filme e uma obra nao perecfvel em si, mas porem sujeita aos juigamentos de urn publico dividido e heterogeneo, as transformar6es e as mudanGas reverslveis ou nao da moda e do gosto,
II -
publico do dramaturgo uma pessoa l!oletiva eonv{)cada fisicamente para um lugar concehido e preparado para a celebra<;:iio de um rito cultural de comunhiio social. Esse rito scria inoperante scm a presew;a magnetica do ator. quc, por SUfi vet., niio provocaria qualquer cldto em lima ,ala vazia. Os ,lplausos (ou vaia.l) sao os sinais convencionados pelo costume
5. Antle ULersldd,
115
Le l/'hlll"e, Ed. Borda.,. p. lOG
6. Robcrt Pignarrc. Histo;rc d" Ihhilrc,
:'~
PUF, "Que sais·je?·, n'; 160. p. 6
\ 116
TeatrolUteratura
Estetica do cinema
e cores. Em segundo lugar, porque a imagem conceitual, que a leitura faz oascer no espfrito, e fundamentalmente diferente da imagem ffimica, baseada em urn dado real que nos e oferecido imediatamente para se vel' e nao para 58 imaginar gradualmente. "0 tempo do romance e constru{clo com palavras. No cinema, ele e construfdo com {atos. 0 romance suscita lim mundo, enquanto 0 filme nos coluca diaute de urn mundo que ele organiza de acordo com uma certa continuidade. 0 romance e uma narrativa que S8 organiza em mundo, enquanto 0 mme e urn mundo que se organiza em narrativa" (Jean Mitry). A fidelidade de uma aclaptagao geralmente mio coloca maiores problemas quando se trata de descrever "do exterior", como testemunhas objetivas que nao emitem qualquer ponto de vista subjetivo a respeito das personagens e dos eventos, quando a narra<;ao cinematografica se coloca sob forma de um espetaculo, de uma rep res enta<;ao,de uma introdu<;ao a tudo 0 que eabstrato, "interior", "conteudo latente" ou subjetivo, ela coloca imediatamente graves problemas: 0 filme nao pode sugerir ou revelar temperamentos e provocarimagens mentais senao por uma rela<;30de imagens e pela palavra 7. It possfvel perceber toda a difkuldade, talvez impossibilidade de transpor para tela uma obra literaria eminentemente psicoi6gica. Podemos explicar assim os fracassos das tentativas de transposi<;ao cinematografica de inumeras obras-primas (Os misera.veis, Cr!.me e castigo) e a quase impossibilidade de colocar as her6is stendhalianos~ ou balzaquianos na tela, po is os narradorespsic610gos souberam iluminar suas personagens a partir de seu interior, com sutileza, precisao e profundidade extre-
7. ju em 1931., Rnuben Mam()lllian lltili"loU ua tela tim rccnrso tipicamente litenirio, 0 mon6logo interior, em City st!"Ce/s. Il. Clallde Antant·Lara lran,pos em imagen., alguns rOmanCes de Stendhal. por exemplo Le rouge et Ie "oil", e tambem de Colelte (I.e hie en herhe), de Marcel Ayme, de Raymond Radiguet. etc.
117
mas, revelando com perfei<;ao os temperamentos, as ideias, os sonhos, as opini6es e 0 cora<;aodos homens. A dificuldade daadapta<;ao tambem reside na necessidade de tornar a narrativa perfeitamente inteligfvel a primeira vista (ao contr:irio do lei tor de romance, 0 espectador nao pode voltar ahas, apesar de poder - e nao deve deixar de faze-Io quando se trata de obras-primas - ver um filme varias vezes, quando captara todos os aspectos, todas as sutilezas que lhe escaparam nas proje<;oes precedentes). Alem disso, ha o problema de "temporalidade": e importante reunir 0 maximo de coisas num mlnimo de tempo, exprimir tudo pela a<;:1o num tempo limitado; donde a necessidade de estilizar, de suprimir uma grande parte dos elementos do romance que se esta adaptando para conservar somente 0 essencial da a9:10,0 que existe de mais significativ() nas individualidades. E, nesse sentido, a escoiha ja e um ato de cria<;:1o,por mais que a adapta<;ao seja passiva e altamente respeitosa e conscienciosa, como a de Wutherin heights, de Wyle. Dadas as diferenps fundamentais entre os meios de expressao da literatura e do cinema, a adapta<;aomais escrupulosa e necessariamente a passagem de uma linguagem a outra, e lima tradu<;ao e, portanto, "uma trai<;aocriativa", segundo Robert Escarpit. It importante que 0 roteirista (ou adaptador) e 0 diretol" sejam fieis ao original, mas, mais ainda, Finefa9am uma obra de arte "preocupando-se com aexpress30 atraves da imagem e com a contribui<;ao que ela fornece", e fazendo viver as personagens, para que elas nos comovam, nos intriguem, nos surpreendam, nos sujeitem. Essa foi a preocupa<;ao de Robert Bresson quando adaptou para 0 cinemao romance de Georges Bernanos, Lejournal d'uTi cure de campagne. Jean Semoule escreve (Bresson, Ed. Presses Universitaires):
o romance
de Bernanos e um longo grito: em .Ieu diario, 0 paroq lle,tiona-se ora com temor, ora com desespero.
co de Ambricourt
118
Est(jtica do cinenw
TeatrolLiteratu
Por vezes a ang\istia anora, por vezes irrompe violentamente (. .. J. A intensiclnde da obra velll de~~:l .lerie de questiJes e de reflex6es sabre a
o
.J Que
existe
mas que
e pOlleo
aparente
no livro
problema era entao reror~ar a progre<;siio e a continuidade do romance sem sacl'ificar seu tom, continuando 0 mElle a scr (como sell modelo) antes de ludo uma longa meciitac;ao sobre a angustia. A ligag:lo d05 acontecimentos, como no livro, mio e apenas llma simples liga~'ao de eausa e efeito: e llma ligaQao interna. 0 mme nasce inteiramente do diario, Vemos 0 p,iroeo esereve-Io e escutamos sua voz dar-lhe vida. Os acontecimentos exteriores sucerlemse perdendo seu contorno pr6prio e impregnando-se de vida interior Nao no, desligamos do paroeo d'Ambricourt como aconteceria em uma narrativa impessoal. 0 tom do diario intimo e uma justilicativa estetica e psicol6giea do fUme, como era no romance, g
Essa foi igualmente a preocupa9aO de Pierre Tchernia na realiza9ao de seu filme para a televisao, Le voyageur" imprudent, a partir do romance de Rene Barjavel: Eu .lei que Le wyageur imprudent e uma obra de imenso lirismo, e que me dediq uei, nos limites de uma obra feita para televisao, com ()cora\"lo partido, a uma afetuosa trai9iio a Harjayel: clesloquei-me atraves de .leu romance como Uill yiajante imprllclente. Espero que dele re,te 0 el)Canto da, personagens, a melancolia doclesenlace e a v()ntade de ler 0 romance. Sei que os atores (exceJenks desempenhos de J eall-Yiarc Thibault e Thierrv Lhermitte) deram vida, COIllO eu desejava, as pel's()nagens que adaptei (pois o adaptador e um pai adotivo) e ell Ihes agrade90.
Na maioria dos casas, a transposi9ao para 0 cinema e uma re-cria9ao. ~ tradutor - alem da escolha fundamental que se impoe - realiza uma obra pessoal e manifesta-se nao co9, l'"lavfllS ]"(:col],id"., po,- Hog"r l-\o!LSSi!Lot CII' Sua Encyclopedia d" cim!m", Ed. BonJas, p. 697
ra
119
mo "ilustrador", mas como urn verdadeiro criador: inspirase numa obra literaria - todo artista extrai sua argila, sua materia bruta, do patrimonio cultural. Mas, sem a preocupa9ao de continuar fiel a letra ou ao espirito, repensa totalmente seu terna para Ihe canferir uma visao inteiramente pessoal., as vezes completamente diferente da do romancistao "0 adaptador", dizia Bela Balasz (Der Geist des Films), "deve usar a obra existente apenas como materia-prima, considerando-a sob 0 anguio especifico de sua pr6pria forma de arte, como se Fossea realidade bruta: nao tern de se ocupar da formaja conferida a essa realidade." Foi assim que Murnau, Welles, Buiiuel e Renoir sempre souberam transformar uma ideia ou um tema em urna cria9ao eminentemente pessoai e nao numa simples caricatura medIocre, emba9ada e sem alma. Se muitos escritores nao se interessam por aqui10 que 0 cinema pode fazer de suas obras, outros, ao contrario, preocupam-se bastante em preservar seus sentidos e significa90es. Georges Simenon e indubitavelmente bastante exigente quando declara que nunca ve as adapta90es cinematogr:ificas de sellS livros (cerca de 58 filmes de Renoir, Fellini, Duvivier, Clouzot), pOl' considerar extremamente desagradavel ver na tela personagens diferentes daquelas que imaginava em seus !ivros. Esse desejo de fidelidade nao po de ser satisfeito, nao passa de uma quimera, mesmo sendo "observavel que a inconsciente de urn h"f)mem pode reagir ao inconsciente de um outro homem" e, mais concretamente, apesar de uma colaboragao par vezes bastante estreita do escritor durante a adapta9ao. Um DOS gran des meritos das adapta90es fieis e/ou inteligentes e de qualidade (Ha'mlct, La bete iUl'maine, Le rouge et le noiT, Le diable au corps, Lejournal d'un cure de campagne, GerlJaise, de Rene Clement, inspirado no romance de Emile Zola, L'assomoir) e permitir que um grande numero de pessoas tenha acesso as obras-primas da literatura, vista que esses filmes geralmente fazem com que 0 espectador
(
')
120
Estetica do cinema
tenha vontade de ler os originais. E podemos apenas nos alegrar com 0 fata de que sempre, para 0 bern de todos, os gran des cineastas 10 ten ham se inspirado nas obms dos grandes mestres cia literatura (Shakespeare, Dumas pm, Dickens, Toistoi, Hugo, Balzac, Puchkin, Jack London, Zola, Dostoievski, etc.). Vma transposi~a() que peca pelos excessos de liberdade, e as vezes por erros de interpreta9:l0, pode provocar 0 desejo de lef 0 livro. foi 0 que aconteceu, por exemp!o, com 0 filme de Roger Vadim, Les liaisons dangereuses, inspirado no romance de Chordelos de Ladas, romance cujo sucesso, apesar de imediato e consideravel, tornou-se em pOlleos meses fulminante. lvJasacontece tambem que 0 filme seja decepcionante, nao dando qualquer motiva<;ao a leitura do livr~, como ocorreu, por exemp]o, com a filme de Jean-Louis Richard, Le corps de Diane (apesar de bern interpretado par Jeanne Moreau e Charles Denner), adaptado de urn helo romance de Frangois Nourissier. 0 obstaculo e que, se tais adaptag6es nao levam 0 espectador a se reportar a obra, este nao enriquecera de forma alguma seus'conhecimentos litenirios. Ao contnirio, arrisca-se a ter uma impressao compietamente falsa da obra.
10, A obm de Jean DelalHlOY,por exemplo (apejidado "0 mais lited,.io dos di,.clares"), inspiru-se freqlienlemente nas obras dos g:l'andesescritores clUssicos e modern os: La prillces.se de eMus. de Mme. de La Fayette, Notre-Dame de Paris, de Vidor Hugo. L"ctcrnel retour. de Coctcau. La simpliorlie pastomle, de GiJe, etc. Geol'ge Cukor adaptou com Bdelidade para a tela in,imeros romances de Dickens, Shakespearee Alexandre Dumas Blho(Romcu eJn/ieta, David Copperfield, La dame aux Glm,,!!;as). William Dieterle fOiigualmenle uw especialista em adapta~"cs de obras litera. ria.' (50,,1108 de "ma noite de oeriJo, em colabora\,iio com 1I-hx ReinharJL [lor ",empIo), A obra de Dostoiev,ki imp(rou (numeros artislas, principalmenle cineastas (0 idiota, de Ivan Pyricv> COIll Yuri Yakovlev no papel do principe Mvchkinc e L Parkhom(enk" nOde Rogojinc).
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