Arendt e a Questão Da Responsabilidade

Theoria -Revista Eletrônica de Filosofia Faculdade Católica de Pouso Alegre

ARENDT E A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE1 ARENDT AND THE QUESTION QUESTION OF RESPONSIBILITY RESPONSIBILITY

José João Neves Neves Barbosa Barbosa Vicente 2 Marilane Ramos Luz3

RESUMO De um modo geral, a questão da responsabilidade em Arendt aparece de forma clara a partir da sua obra Eichmann em Jerusalém, mas o nosso estudo percorrerá as análises da autora sobre esse assunto a partir da coletânea Responsabilidade e julgamento. É nessa coletânea que, ao aprofundar sobre o tema da responsabilidade, Arendt o relaciona de modo claro com a moral e a lei. Palavras-chave: Política; Julgamento; Moral; Lei. ABSTRACT Generally speaking, the issue of responsibility in Arendt appears clearly from his work Eichmann in Jerusalem, but our study will cycle through the analyses of analyses of the the author about this topic from the collection Responsibility and Responsibility and judgment judgment . This is the collection that, to elaborate further on the topic of responsibility, Arendt the lists clearly with the morals and morals and the law. Keywords: Politics; Judgment; Moral; Law.

Considerações iniciais

A questão da responsabilidade já aparece nos escritos de Arendt com a publicação de Origens do totalitarismo (1989), mas foi a partir do julgamento de Eichmann que ela começou a refletir de um modo mais sistemático sobre esse tema como aparece em sua obra Eichmann em Jerusalém (1999). Mas, para uma compreensão abrangente das ideias da autora sobre a questão da responsabilidade é indispensável uma análise da coletânea Responsabilidade Responsabilidade e julgamento (2004). É nessa coletânea que ela tenta elucidar não apenas o significado da responsabilidade, mas também o poder do julgamento.

1 Artigo

recebido em 15/02/2014 e aprovado para publicação em 17/02/2014. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Professor Assistente de Filosofia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] .br .. 3 Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: [email protected] . 2

Volume VI - Número 15 - Ano 2014 - ISSN 1984-9052

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Nesse sentido, Arendt faz uma severa crítica à teoria do “dente de engrenagem”,

alegação de Eichmann de que apenas obedeceu ordens, por isso não poderia ser responsabilizado pelos crimes que cometeu. Para Arendt, essa justificativa, no entanto, nada mais é do que uma tentativa de impossibilitar a atribuição individual de culpabilidade e responsabilidade moral e legal. O conflito, a culpa e o julgamento

Acreditar que todos são culpados é, para Arendt um absurdo, essa crença elimina a possibilidade de se encontrar o culpado e, também, de ser julgado. Onde todos são culpados ninguém em ultima instancia pode ser julgado. Diante do conflito e da emergência do fenômeno totalitário, ou em outros termos, diante da nova ordem moral que se estabeleceu, como uma desvalorização de todos os valores, uma espécie de crepúsculo dos deuses e catástrofe da ordem mundial moral, as pessoas perderam a capacidade de pensar e de julgar. Nesse clima, inúmeros inocentes a se sentiram totalmente culpados e os verdadeiros criminosos não demonstravam o menor resquício de culpa ou remorso. Uma situação que induziu a uma confissão de culpa coletiva prejudicando assim a identificação dos verdadeiros culpados (ARENDT, 2004, p.90). Arendt sublinha que é preciso averiguar quem são os responsáveis bem como estabelecer que tipo de responsabilidade atribuir a cada um dos sujeitos envolvidos nesse episódio. Nesse sentido, ela assinala para uma questão de âmbito moral e político presente na contemporaneidade: a recusa pelos assuntos da esfera pública, em outras palavras, a recusa em participar das questões políticas, aquelas questões que dizem respeito a todo o cidadão e ao futuro da humanidade, como também , “o medo de julgar, dar nomes e atribuir culpa” (ARENDT, 2004, p. p.83). De acordo com Arendt, o desinteresse pelas coisas públicas levou os homens a um estado de alienação tornandoos incapazes de pensar e julgar por si mesmos. Transformaram-se em presas fáceis para todo tipo de ideologia e manipulação que, aliados ao poder de persuasão, são capazes de induzir as massas a cometer crimes de forma tão automática como se produz objetos de consumo. Nessas situações em que cometer um crime ou produzir objetos de forma automática se tornaram funções corriqueiras, o indivíduo é incapaz de pensar. Agindo


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de forma maquinal, apenas obedece ordens, seja por medo ou por necessidade, abnegando-se do poder de questionamento e da própria liberdade. Liberdade esta, que é entendida por Arendt em sua obra A condição humana (2009), como oposta a essa situação irrefletida, pois a liberdade é percebida como a ação que se dá na pluralidade do espaço público da palavra e da ação, como fruto original de cada ser humano. Posto isto, a necessidade de discutir o problema da responsabilidade pessoal e coletiva, distinguindo seus aspectos morais e legais e procurando entender como é possível resgatar a capacidade do homem de participar da coisa pública, das atividades políticas, do interesse pelo coletivo acima dos interesses individuais. A política, o pensar, a responsabilidade e o julgamento

Percebe-se, portanto, que para Arendt, na contemporaneidade o interesse pelas coisas públicas foi relegado ao segundo plano, os homens modificaram o sentido original da política, deixando de defender os interesses públicos para buscarem suprir apenas os interesses pessoais. De acordo com a autora, isso está relacionado com a perda da capacidade de pensar; não aquela ligada apenas ao raciocínio, mas a capacidade de pensar que faz com que o sujeito tenha consigo mesmo um dialogo (do “dois-em-um”)

que Sócrates praticava na pólis. Sócrates provocava os indivíduos para

que buscassem o entendimento sobre as coisas e não simplesmente emitissem juízos sobre elas ou aceitassem as definições que eram sugeridas por outros, ou simplesmente utilizadas pelo senso comum. É por isso, como disse Wagner (2006, p.167) que Arendt “deu maior destaque ao fato de que Sócrates, num momento em que a polis encontravase em crise, interrompia os atenienses em suas atividades e os questionava”.

Num momento em que a pólis encontrava-se em crise com a morte de Péricles, assolada por um individualismo exacerbado, Sócrates procurava instaurar um espaço de compreensão através de um diálogo consciente consigo mesmo que, de acordo com Arendt, possibilita uma conduta moral adequada, principalmente em momento de crise ou conflito social. Para Arendt, a conduta moral tende a depender do relacionamento do homem consigo mesmo. por isso, ele não pode “ se

contradizer abrindo uma exceção em

seu favor ”. Em outros termos, diz Arendt, o homem pode “ se colocar numa posição em que teria de desprezar a si mesmo. Em termos morais, isso deveria bastar, não só para


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torná-lo capaz de distinguir o certo do errado, mas também para fazer o certo e evitar o errado” (ARENDT, 2004, p. 131). Nesse sentido, é a conduta moral que auxilia o sujeito a tomar decisões e fazer escolhas, sendo cada um responsável pelas suas próprias escolhas, e mesmo que sejam obrigados pela força a decidir, ainda existe uma segunda opção. Pois, mesmo em situações absurdas como a experiência totalitária, na qual as pessoas foram obrigadas pelos governantes a cometerem crimes, havia a alternativa de obedecer e cometer o mal ou de desobedecer e sofrer o mal. Sócrates, por exemplo, ao aceitar à sua condenação à morte, quis deixar bem claro para a humanidade que sejam quais forem as circunstâncias, é preferível sofrer a injustiça a cometê-la, assim como é errado, também, querer retribui-la. Portanto, para ele, como disse no Criton (1985), “de modo nenhum é correto praticar o mal ou retribuir o mal, repelindo-o e devolvendo-o quando se o sofre ” (49d). O mal que a injustiça faz a alma se assemelha a um punhal espetado no próprio corpo. No mundo totalitário, os indivíduos se encontravam atordoados e solitários, e muitos perderam essa capacidade de pensar e de julgar a si mesmos e aos outros, perdendo também a noção de responsabilidade. Diante do tamanho do mal que foi o fenômeno totalitário, os padrões morais se tornaram obsoletos, uma vez que “o novo regime nos propunha então nada mais que um problema político muito complexo, e um de seus aspectos eram a introdução da criminalidade n o domínio público” ( ARENDT, 2004, p.86). Os valores morais se inverteram, como se estes fizessem parte apenas dos costumes de um povo, assim matar e mentir, de uma hora para outra se tornaram parte das atividades dos soldados da SS. Assim, diz Arendt (2004, p.162): “O critério do certo e errado, a resposta à pergunta: ‘o que devo fazer? ’, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor nem de uma ordem de origem divina ou humana, mas do que decido com respeito a mim mesma ”. Para a autora, o que está em questão na busca pelos culpados, não são os novos padrões estabelecido nem tão pouco o Estado ou as instituições, mas todos aqueles que por algum motivo participaram dos crimes cometidos durante o holocausto, pois estes são sim, responsáveis por suas ações, e, portanto, culpados pelos crimes, já que “não

existem coisas como a culpa coletiva ou a inocência coletiva. A culpa e a inocência só fazem sentido se aplicadas aos indivíd uos” (ARENDT, 2004, p. 91). Arendt entende


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que os atos de Estados são soberanos e por isso nenhum tribunal tem jurisdição, pois estão fora da estrutura legal, portanto não tem restrições nem legais nem morais (ARENDT, 2004, p. 100). Mas, sendo o ato de Estado parecido com o crime, a alegação de estar agindo em nome do Estado não deve ser válida. Pois, levado ao júri pode ser condenado pelos seus atos pessoais; a jurisprudência leva em consideração apenas o ato criminoso em si e a responsabilidade pessoal de cada sujeito que agiu em obediência a ordens superiores, e não se o crime foi cometido em função do Estado ou não. Arendt deixa claro que apesar “da responsabilidade pessoal sob a ditadura não permitam a transferência de responsabilidade do homem para o sistema, esse sistema não pode ser deixado fora de cogitação.” (ARENDT, 2004, p.94 -95).

Isso porque um

sistema necessita de homens em seu comando, por isso deve-se atribuir a cada um dos seus membros a devida parcela de culpa, ou seja, devem-se julgar individualmente as pessoas que apoiaram e formaram esse sistema. Foi por isso que durante o julgamento de Eichmann o tribunal decidiu declará-lo, como mandante dos crimes de Auschwitz, mais culpado que aqueles que executaram as vítimas. (ARENDT, 2004, p.13). Para Arendt, os crimes devem ser avaliados de acordo com o grau de culpa de cada um. Somente aqueles que optaram em não participar se eximiram da responsabilidade legal por toda espécie de crime cometido pelo regime nazista. Esses sim, não perderam a capacidade de pensar e julgar por si só, pois mesmo sabendo que suas vidas estavam em risco, não apoiaram a criminalidade, não foram contra seus valores morais e contra a sua própria consciência, assumiram uma responsabilidade pessoal na medida em que foram capazes de julgar o que era certo ou errado e desse modo adotaram uma postura moral diante da situação. Assim, diz Arendt (2004, p.51), “ao se renegar participação política, a responsabilidade pessoal torna -se

derradeira

forma de responsabilidade política”.

A situação inusitada vivenciada pela Alemanha Nazista, na qual o Estado ao invés de preservar a vida tornou-se aquele que aniquilava vidas em prol de um ideal racial, conduziu a ruína da capacidade de pensar e julgar daqueles indivíduos que não cultivavam o hábito de pensar por si só, pois estes, diante do inusitado, não encontraram parâmetros para discernir entre o certo e o errado. Viram-se diante de um conflito: como julgar aquilo que não se conhece e que não tem comparação? Ao que se deve recorrer numa situação sem precedentes? Para Arendt (2002, p.31-32), numa situação na qual


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não se encontram parâmetros, “não pode recorrer a coisa alguma senão a própria

evidencia do julgado, não possui nenhum outro pressuposto que não a capacidade humana do discerniment o” (ARENDT, 200 2, p. 31-32). Tal capacidade, não é algo intrínseco ao intelecto ou mesmo as opiniões do senso comum, mas uma espécie de exercício reflexivo, ou seja, um diálogo consigo mesmo, capaz de habilitar o indivíduo a emitir julgamentos sobre determinada questão. O que nos faz compreender que a capacidade de pensar não está necessariamente associada às atividades cognitivas. O nazismo, por exemplo, teve apoio de vários intelectuais e membros da alta sociedade, pois estes, apesar de terem grande conhecimento sobre as coisas do mundo, exercem suas atividades cognitivas, no entanto, não estavam aptos a exercer a atividade do pensamento. Entende-se que a ausência do pensar, advém de uma espécie de isolamento que faz com que o indivíduo perca o contato com o outro, um outro, que tanto pode ser uma pessoa, um livro ou ele mesmo. Segundo Arendt, o isolamento “ocorre quando não estou nem junto comigo mesma, nem na companhia de outros, mas preocupada com as coisas do mundo”

(ARENDT, 2004, p. 164). O pensar, como entendido por Arendt, sugere homens no plural e não no singular, pois o pensamento leva ao diálogo que requer mais de um para se realizar. E quando o sujeito não consegue dialogar consigo mesmo, entra na total solidão (loneliness), por isso que é preciso cultivar esse dialogo, porque é mais importante estar bem consigo mesmo do que com o mundo. Isso porque o diálogo do “ dois-em-um”, faz

com que o sujeito aprenda a julgar e escolher que tipo de outro ele quer como seu companheiro, assim saberá também tomar decisões mais acertadas, que não comprometam o relacionamento consigo mesmo nem com o outro. Nessa perspectiva, diz Arendt (2004, p.161), “é realmente verdade que a minha conduta com os outros vai depender da minha conduta comigo mesma ”. A perda da capacidade de pensar significa, também, a perda da capacidade de se relacionar. Tal situação leva necessariamente ao isolamento e, por conseguinte, ao afastamento do espaço público e dos interesses pelas questões que dizem respeito a coletividade. Para um sujeito nessa situação, não interessa mais quem é o outro, ele se torna indiferente às coisas externas, e recusa o julgar. Quando o homem chega ao ponto de recusar “escolher os seus exemplos e a sua companhia” devido a uma “incapacidade


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de estabelecer uma relaç ão com os outros pelo julgamento”, diz Arendt (2004, p.212), aparecem então os “ skandala reais, os obstáculos reais que os poderes humanos não podem remover porque não foram causados por motivos humanos ou humanamente compreensíveis. Nisso reside o horror e, ao mesmo tempo, a banalidade do mal ”. Foi o que ocorreu com o regime n azista, a “banalidade do mal”, se manifestou entre os homens, através da aniquilação da atividade de pensar. Para Arendt, é preciso estar sempre nos espaços públicos, interessar pelas opiniões alheias e pelos assuntos da cidade; ouvir a instigar os cidadãos a expor suas ideias e fazer julgamento sobre os acontecimentos relacionados à convivência no espaço público. É preciso dialogar e valorizar a coexistência, fazer-se presente nos espaços públicos comuns através do pensar e do julgar. No domínio público aparecemos sempre como um cidadão entre cidadãos lançado na aventura do espaço público. O palco não pertence a ninguém em particular, apesar de parecer diferente para cada espécie e também para cada indivíduo da espécie. É no espaço público que os indivíduos se constituem, debatem seus problemas e encontram as soluções. É examinando as questões como fazia Sócrates, que os homens exercitam sua capacidade de pensar e assim podem emitir julgamentos sobre determinadas demandas. Porém, esses julgamentos não devem ser realizados de maneira egoísta, é preciso antes de tudo encontrar uma empatia com o outro, ou seja, hipoteticamente, é preciso se perceber no outro, sem com isso, se deixar influenciar pelas opiniões alheias, mas saber discernir por si só. Esse posicionamento, diz arendt, foi denominado por Kant de “mentalidade alargada”. Pois

só quando o sujeito se afasta da situação e a percebe por

representação, através da observação do senso comum, ele dialoga com a coletividade, julgando as questões de modo que seja favorável para o todo e não apenas para si. Isto é pensar na pluralidade através da intersubjetividade. Por que para Kant, lembra Wagner (2006, p.260), quando “se é humano não é possível viver sem companhia” (WAGNER, 2006, p.260), para ele “é o senso de comunidade que faz com que o egoísmo daquele que pensa seja superado, transformando- o em cidadão do mundo” (WAGNER, 2006, p.255). Nesse sentido, diz Arendt (2004, p.207), “a validade do senso comum nasce da interação com as pessoas - assim como dizemos que o pensamento nasce da interação comigo mesma” (ARENDT, 2004, p. 207).


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De posse desse entendimento, o sujeito passa a se ver não apenas como um indivíduo, mas como um cidadão do mundo, como o próprio Sócrates se sentia um cidadão da pólis. O mundo para ele era a sua comunidade, e viver fora dela seria o pior dos castigos, por isso preferiu a morte a ter que sair da pólis e viver como um estranho. Logo, Arendt o escolheu como exemplo para ser seguido pelos homens, pois ele cultivava o “amor

mundi”. Nas

palavras de Wagner (2006, p.271), com esse amor

Sócrates foi um exemplo “integral” e “particular”.

Isto é, refere-se “à moralidade do

indivíduo” e, também, “ao mundo”. Isso é em essência “a forma como um princípio filosófico, que é um conceito, pode fazer parte dos assuntos humanos sem interferir no impulso individual para a ação – o amor à liberdade – e na espontaneidade dos atores – o exercício da liberdade”. Esse amor de Sócrates ao mundo seria, portanto, o melhor exemplo para ser seguido pela humanidade, porque seu agir não interferiria na liberdade dos atores, todos seriam ouvidos e respeitados, não haveria imposição de opiniões, mas uma elucidação. Desse modo, a integridade dos indivíduos e, por conseguinte a liberdade de expressão estariam preservadas. No Totalitarismo ocorreu uma obliteração da liberdade de expressão e também da particularidade dos sujeitos. A pluralidade deixou de existir na medida em que apenas a opinião do líder político prevalecia e todos deveriam obedecer sem contestá-la. Os diálogos entre os homens se tornaram impossíveis levando a perda da noção de comunidade. A transformação que ocorreu com as pessoas durante o regime totalitário, foi a aniquilação da pluralidade pela padronização dos homens, pois estes perderam a capacidade de se ver através do outro. As rupturas provocadas pelo totalitarismo tais como a ruptura do contato com o mundo, a ruptura da comunicação com os outros, provocaram a ruptura do contato do indivíduo consigo próprio. Quando a pessoa perde a capacidade de se comunicar perde também sua identidade e também a sua integridade dentro da comunidade em que coabita. Pois, a ação e o discurso são os meios pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens. É no espaço público, atuando como cidadão, que o indivíduo exerce suas atividades políticas, assumindo uma responsabilidade pessoal, na medida em que exerce uma ação refletida e autorizada pela faculdade de julgar, ponderando o que é bom para a coletividade. Uma atitude autônoma, que não necessita ser conduzida, nem por uma


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ideologia, nem por um outrem, mas pela consciência, de forma intersubjetiva, como membro de uma coletividade. Trocando em miúdos, quando assumo uma postura diante de uma situação, mesmo que a maioria da população venha contra mim, estou assumindo uma responsabilidade moral, na medida em que ajo conforme minha capacidade de julgar, de modo que meu agir, não interfira na minha convivência comigo mesma, gerando em mim um sentimento de culpa. É também uma responsabilidade pessoal, pois estarei correndo o risco de ser punido posteriormente pelos meus atos. No entanto, quando tenho essa atitude refletida e me sinto parte da coletividade através da representação e da imaginação, estou também tendo uma atitude política, pois estarei mais preocupada com o bem estar da humanidade do que com o meu próprio bem estar. Deste modo, a pressuposição é que não só vivo junto com outros, mas também com meu eu, e que esse viver junto, por assim dizer, tem precedência sobre todos os outros. Assim sendo, minha participação ou não participação nos assuntos políticos implica em uma liberdade natural em relação à política que, no entanto, aludem em questões que dizem respeito a toda a coletividade, pois sou também parte deste todo. Igualmente sou considerada responsável pelas coisas das quais eu não participei, mas que foram realizadas em meu nome. Este é um caso de responsabilidade coletiva e também vicária. Toda responsabilidade coletiva é também vicária na medida em que, os membros de uma comunidade são responsáveis pelos benfeitos ou malfeitos realizados pelos seus antepassados ou por seus governantes, e para isso não é preciso participar do acontecimento em si, mas apenas fazer parte da comunidade. Este é um caso, diz Arendt, especial de responsabilidade que muitas vezes independe de uma escolha por parte dos membros da comunidade, o que não o desobriga de ser “considerado responsável por coisas de que não

participou, mas que

foram feitas em seu nome” (ARENDT, 2004, p.221) . Deste modo, podemos afirmar que

a responsabilidade coletiva está presente em todas as nossas ações, sejam elas de apoiar ou rejeitar, isto porque o homem não vive isolado ele é parte de um todo. Assim, entendemos que o homem se constitui socialmente, e por isso, reconhece sua individualidade na totalidade dos indivíduos. Assim, a responsabilidade coletiva não advém de uma conduta moral pessoal, mas do fato de que o homem inevitavelmente deve estar em meio aos outros.


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Esta é, portanto, uma necessidade de exercer sua atividade política. Pois, a responsabilidade pessoal pode ser moral, legal ou política, mas a responsabilidade coletiva é estritamente uma responsabilidade política, porque meu agir diz respeito a todos os membros da coletividade e , deste modo, “no centro das considerações morais da conduta humana está o eu; no centro das considerações políticas da conduta está o mundo”

(ARENDT, 2004, p. 220). Uma consciência que advém da atividade do

pensamento, definida como o dialogo do “ dois em um” que se desdobra através da

faculdade da imaginação e da representação, alcançando assim a pluralidades dos indivíduos por meio da ação, que para Arendt é a faculdade política por excelência, deve ser cultivada e preservada, pois dela depende a preservação da nossa espécie e o bem estar ou mal estar comum. Considerações finais

De acordo com Arendt, quando o sujeito perde a capacidade de pensar e de julgar, torna-se um sujeito egoísta, incapaz de se envolver em questões que dizem respeito a coletividade, ou quando se envolve busca apenas atender aos seus interesses pessoais. Assim, pensar a questão da responsabilidade é pensar o panorama político da nossa modernidade onde as pessoas cada vez mais se recusam a pensar sobre os acontecimentos que se referem ao futuro da humanidade; assim como o totalitarismo se instaurou, outros regimes podem surgir e causar danos ainda maiores. É preciso que estejamos cientes deste perigo, assumindo nossas responsabilidades pessoais e coletivas e agindo de forma consciente para impedi-lo. Assim, Arendt chama atenção para a necessidade constante de se refletir sobre o sentido da política e evitar se tornar escravo do sistema político que dita às regras e as pessoas são usadas como “dentes de engrenagem”. Nesse sentido, sem mudar o sistema, “cada pessoa deve ser descartável ”. Essa é uma “ pressuposição subjacente a todas as

burocracias, a todo o serviço público e a todas as funções propriamente ditas ” (ARENDT, 2004, p.91). O interesse pelas coisas públicas deve ser prioridade, pois a história do

totalitarismo mostrou que a rejeição a tudo que é público, pode ter efeito desastroso para os homens. É necessário que medidas sejam tomadas antes que o crepúsculo se faça presente; é preciso buscar soluções para que os homens possam resgatar os valores


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éticos que deveriam caminhar juntos com a política e que se vejam responsáveis por si e pelo mundo, de tal forma, que apenas aqueles capacitados possam nos representar depois de serem julgados por suas próprias consciências e daqueles que os elegeram. Em Arendt, portanto, a discussão sobre responsabilidade resgata a ética no domínio público da ação e da política através da reflexão e da crítica como atividades intelectuais decisivas no mundo pós-totalitário, em que a hierarquia dos valores varia segundo as oscilações da aparência e a alienação impede o discernimento. Incentiva, também, o pensar e o julgar por conta própria. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ______. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ______. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ______. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ______. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo; Companhia das Letras, 2004 . PLATÃO. Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton . Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,1985. WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt : ética & política. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.


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