Sumário
Introdução e plano de curso
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Perfil Biográfico - Canhoto
p. 2
1a Parte: O Choro e sua árvore genealógica
p. 4
2a Parte: O Choro e seus gêneros musicais
p. 19
Exemplo musical 1 – CHORO
p. 19
O CHORO – História
p. 19
Exemplo musical 2 – POLCA
p. 20
A POLCA – História
p. 21
Exemplo musical 3 – LUNDU
p. 21
O LUNDU– História
p. 22
Exemplo musical 4 – TANGO-HABANERA
p. 22
Exemplo musical 5 – TANGO BRASILEIRO
p. 23
O TANGO BRASILEIRO – História
p. 24
Exemplo musical 6 – MAXIXE
p. 24
O MAXIXE – História
p. 25
Exemplo musical 7 – SCHOTTISCH
p. 26
O SCHOTTISCH – História
p. 27
Exemplo musical 8 – VALSA BRASILEIRA
p. 27
VALSA BRASILEIRA – História
p. 28
Exemplo musical 9 – QUADRILHA
p. 28
A QUADRILHA – História
p. 29
Exemplo musical 10 – CHORO-SAMBA
p. 30
O CHORO-SAMBA e O SAMBA-CHORO – História
p. 31
BIBLIOGRAFIA PARA O ESTUDO DO CHORO
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Introdução e plano de curso Em sua quarta edição, o Festival Nacional de Choro de 2008 vem consolidar cada vez mais a importância e a força de um dos mais importantes gêneros populares urbanos do Brasil. Como dito na apostila do Festival de 2007, a história do choro é rica e complexa, e ainda está, em grande parte, por ser escrita, apesar do esforço de grandes pesquisadores do passado. É por este motivo que a cada ano procuramos refundir e ampliar o curso de História do Choro do Festival, apresentando novos enfoques e resultados de uma pesquisa que está continuamente em andamento. Tal como nos anos anteriores, o curso tem como objetivo principal apresentar um panorama geral da História do Choro, tendo como foco principal os seus aspectos musicais. De fato, quando se analisa a bibliografia existente a respeito de choro, verifica-se que normalmente aspectos sociais e históricos ganham muito mais relevo do que os aspectos musicais, visto que na maioria das vezes estes estudos são publicados por não músicos. Nos últimos anos, no entanto, esta situação vem se revertendo graças ao trabalho de pesquisadores que são eles mesmos músicos de choro, o que permite que tenham outra visão sobre o assunto. Por isso, pretendemos durante este curso realizar um trabalho calcado na análise musical dos diferentes gêneros que compõe o choro (polca, valsa, maxixe, schottisch, quadrilha, lundu etc). É claro que também serão abordados aspectos históricos e sociais, mas tendo sempre a música como referência primordial. Temas como o papel dos acervos de partituras dos primeiros chorões, a importância das “levadas” (acompanhamentos rítmico-harmônicos), o improviso e o contraponto no choro, dentre muitos outros, serão relacionados com as diferentes gerações e os diferentes períodos do choro. Tudo isso com farto material discográfico e iconográfico a ser apresentado durante o curso. A apostila deste ano está dividida em três partes. Na primeira parte você encontrará uma breve biografia do homenageado do ano: Waldiro Tramontano, o Canhoto do Cavaquinho. Na segunda parte apresentamos um artigo da professora Anna Paes, intitulado O Choro e sua Árvore Genealógica que traz uma síntese histórica das diversas gerações do choro. Finalmente, na terceira parte, apresentamos pequenos resumos sobre os já mencionados gêneros “conformadores” do choro, apenas como forma de “roteiro” do que será desenvolvido em aula. Esta seção foi revista e ampliada a partir do material apresentado nos anos anteriores. Ao final da apostila há uma uma bibliografia que servirá servirá como referência para aqueles que desejarem se aprofundar em temas específicos. Como nas edições anteriores, o curso de História do Choro se apresenta ainda como uma rara oportunidade de troca de experiências, resultados de pesquisa e formulação de projetos, por reunir músicos e pesquisadores de todo o país. Esperamos que mais uma vez o curso seja uma experiência frutífera f rutífera e proveitosa para todos. Anna Paes e Pedro Pedro Aragão
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Introdução e plano de curso Em sua quarta edição, o Festival Nacional de Choro de 2008 vem consolidar cada vez mais a importância e a força de um dos mais importantes gêneros populares urbanos do Brasil. Como dito na apostila do Festival de 2007, a história do choro é rica e complexa, e ainda está, em grande parte, por ser escrita, apesar do esforço de grandes pesquisadores do passado. É por este motivo que a cada ano procuramos refundir e ampliar o curso de História do Choro do Festival, apresentando novos enfoques e resultados de uma pesquisa que está continuamente em andamento. Tal como nos anos anteriores, o curso tem como objetivo principal apresentar um panorama geral da História do Choro, tendo como foco principal os seus aspectos musicais. De fato, quando se analisa a bibliografia existente a respeito de choro, verifica-se que normalmente aspectos sociais e históricos ganham muito mais relevo do que os aspectos musicais, visto que na maioria das vezes estes estudos são publicados por não músicos. Nos últimos anos, no entanto, esta situação vem se revertendo graças ao trabalho de pesquisadores que são eles mesmos músicos de choro, o que permite que tenham outra visão sobre o assunto. Por isso, pretendemos durante este curso realizar um trabalho calcado na análise musical dos diferentes gêneros que compõe o choro (polca, valsa, maxixe, schottisch, quadrilha, lundu etc). É claro que também serão abordados aspectos históricos e sociais, mas tendo sempre a música como referência primordial. Temas como o papel dos acervos de partituras dos primeiros chorões, a importância das “levadas” (acompanhamentos rítmico-harmônicos), o improviso e o contraponto no choro, dentre muitos outros, serão relacionados com as diferentes gerações e os diferentes períodos do choro. Tudo isso com farto material discográfico e iconográfico a ser apresentado durante o curso. A apostila deste ano está dividida em três partes. Na primeira parte você encontrará uma breve biografia do homenageado do ano: Waldiro Tramontano, o Canhoto do Cavaquinho. Na segunda parte apresentamos um artigo da professora Anna Paes, intitulado O Choro e sua Árvore Genealógica que traz uma síntese histórica das diversas gerações do choro. Finalmente, na terceira parte, apresentamos pequenos resumos sobre os já mencionados gêneros “conformadores” do choro, apenas como forma de “roteiro” do que será desenvolvido em aula. Esta seção foi revista e ampliada a partir do material apresentado nos anos anteriores. Ao final da apostila há uma uma bibliografia que servirá servirá como referência para aqueles que desejarem se aprofundar em temas específicos. Como nas edições anteriores, o curso de História do Choro se apresenta ainda como uma rara oportunidade de troca de experiências, resultados de pesquisa e formulação de projetos, por reunir músicos e pesquisadores de todo o país. Esperamos que mais uma vez o curso seja uma experiência frutífera f rutífera e proveitosa para todos. Anna Paes e Pedro Pedro Aragão
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Canhoto – Waldiro Frederico Tramontano T ramontano Um dos mais importantes instrumentistas de choro de todos os tempos, Canhoto nasceu a 9 de agosto de 1908 na rua São Clemente, bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Começou a tocar o cavaquinho ainda bastante jovem, tomando parte, desde os seus 8 anos de idade, em numerosas reuniões festivas integrando diversos conjuntos que iam exibir-se à rua General Polidoro. Segunda informação que consta em seu próprio arquivo pessoal, Canhoto foi aluno de Galdino Barreto, um dos mais célebres cavaquinhistas do início do século XX, e que havia sido também mestre de Mário Álvares da Conceição, o famoso Mário Cavaquinho. Ainda segundo apontamentos de seu arquivo pessoal “em 1928, trabalhando na Saúde Pública, veio a conhecer uma pessoa de nome Benjamim, amizade esta que lhe propiciou inúmeras oportunidades para freqüentar bailes em companhia do mesmo, que era excelente trombonista. Tocando certa vez em casa de Alfredinho Flautim, que fazia parte do conjunto de Pixinguinha, fez camaradagem com o violonista Gorgulho, integrante do grupo instrumental de Benedito Lacerda.” Tomando contato com Benedito Lacerda, Canhoto é logo convidado por ele a integrar o famoso grupo Gente do Morro, criado no início da década de 1930. Além de Canhoto e Benedito, faziam parte do conjunto Russo do Pandeiro, Macrino, Bernardo e Doidinho. Este grupo foi o responsável por algumas das primeiras gravações de sambas do Estácio, interpretados por Francisco Alves. Pouco tempo depois o grupo é desfeito, para dar lugar ao famoso Conjunto Regional de Benedito Lacerda. Em sua formação inicial o conjunto tinha o próprio Benedito, Gorgulho (Jaci Pereira) e Ney Orestes aos violões, Canhoto, e Russo do Pandeiro. O grupo sofreria algumas substituições até chegar a formação “clássica”, com Dino e 2
Meira aos violões, Canhoto ao cavaquinho e Popeye ao pandeiro. O Conjunto de Benedito Lacerda — que frequentemente assinava como Boêmios da Cidade, quando gravava em gravadoras das quais não era exclusivo — acompanhou com alguns dos mais importantes intérpretes da época como Orlando Silva, Silvio Caldas, Carmen Miranda, entre outros. Em 1940 o conjunto realiza algumas das mais importantes gravações de choro de todos os tempos: com a participação de Pixinguinha ao sax-tenor seriam gravados clássicos como Proezas de Sólon, Naquele Tempo, Descendo a Serra, entre muitos outros, em gravações que constituem até hoje uma referência obrigatória para todos aqueles que estudam o gênero. Em 1950, com a saída de Benedito Lacerda, Canhoto assume a liderança do conjunto, que passa a se denominar Regional do Canhoto, e conta com a participação de Altamiro Carrilho na flauta (algum tempo depois o conjunto ganharia o reforço de Orlando Silveira ao acordeom). Contratado pela Rádio Mayrink Veiga o regional faz enorme sucesso, gravando diversos discos pela Victor. Entre as músicas gravadas estavam diversos choros de Altamiro Carrilho (Canarinho Teimoso, Enigmático), Orlando Silveira (Romântico), Guio do Morais (Pitoresco), e do próprio Canhoto (Gingando, em parceria com Dino). Em 1957 Altamiro Carrilho sai do grupo sendo substituído por Carlos Poyares: o grupo continua atuando na rádio até o início da década de 1960. Na década de 1970, Canhoto ainda participaria, com Dino e Meira, de diversas gravações de música popular: pode-se destacar, por exemplo, o primeiro disco de Cartola, lançado pela gravadora Marcus Pereira em 1974, que contou com este trio de músicos.
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1ª Parte: O Choro e sua Árvore Genealógica
Até pouco tempo atrás, o choro, principal gênero de música instrumental brasileira, era estigmatizado como uma música de gente velha, repetitiva, cristalizada no tempo, que nunca se renovava. Houve um período em que o repertório do choro parecia se esgotar nos mesmos clássicos – Noites Cariocas, Brasileirinho, Pedacinhos do Céu, Lamentos, Naquele Tempo, Carinhoso, Tico-Tico no Fubá, Brejeiro, Odeon, Flor Amorosa, em arranjos para a tradicional formação regional: violões, cavaquinho e
pandeiro; e um ou dois instrumentos solistas. Mas qualquer pessoa que aceitar a aventura de percorrer a trajetória desse gênero desde a sua origem aos dias de hoje perceberá o quão superficial foi essa visão. É tão flagrante a ampliação do cenário do choro que hoje em dia dificilmente seria possível se taxar o gênero como passadista. O choro vem atraindo um número cada vez maior de jovens músicos que vêem no gênero a escola ideal para sua formação; programas de rádio com repertório de choro vão ao ar com maior freqüência; cursos e oficinas de choro são organizados em várias cidades; as universidades, que durante muito tempo estiveram alheias à nossa música popular, acolhem o choro em seus cursos de música; diversas teses acadêmicas vêm sendo feitas, não só no Brasil como no exterior, tendo o choro como objeto de estudo; músicos de extraordinário talento vêm surgindo e lançando no mercado CDs de choro de excelente qualidade, muitos deles com repertório autoral. Percebe-se claramente que o choro vive um momento de grande fertilidade, mas a que fato podemos atribuir essa guinada? Para responder a essa pergunta é necessário nos voltarmos para o fato histórico que foi o encontro do maestro Radamés Gnattali (RS, 1906-1988) com uma nova geração de músicos de choro que despontava no final da década de ’70. O grupo de músicos que constituiu a primeira formação da Camerata Carioca: o bandolinista Joel Nascimento, a cavaquinista Luciana Rabello, os violonistas Raphael Rabello, Mauricio Carrilho, Luiz Otávio Braga, e o pandeirista Celsinho Silva; além dos violonistas Sergio e Odair Assad, que formariam o célebre Duo Assad , são alguns dos jovens que tiveram a sorte de conviver e usufruir dos ensinamentos desse grande mestre, que nessa fase da vida, já acumulava 50 anos de carreira.
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Radamés foi peça chave para abertura de uma nova perspectiva no universo do choro, transpondo a barreira entre a música popular e a música erudita. Pianista virtuoso, compositor prolífico de peças eruditas e populares, Radamés atuou ao lado de Pixinguinha como o principal arranjador de grande parte das gravações do nosso cancioneiro a partir da década de ’30. Sua Suíte Retratos (que homenageia quatro mestres do choro: Pixinguinha, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga) , uma peça de concerto para bandolim, regional de choro e orquestra de cordas, dedicada à Jacob do Bandolim e gravada originalmente por ele, foi um divisor de águas na história da música popular brasileira. Pela primeira vez um compositor brasileiro compunha uma peça que integrava a linguagem e a instrumentação do choro à música de concerto. Na versão de Retratos dedicada a Joel Nascimento, para bandolim, 3 violões (sendo um de sete cordas), cavaquinho e pandeiro, o conjunto regional passou a funcionar como um conjunto de câmara, com as funções de solista e acompanhante se alternando entre os intrumentos, explorando novos timbres e formas de harmonização. A Camerata Carioca apresentou a Suíte Retratos em 1979, no famoso espetáculo Tributo a Jacob do Bandolim , e deslanchou na década de ’80, em outros trabalhos
inovadores como o espetáculo dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, Vivaldi e Pixinguinha, revelando o ponto em comum entre o choro e a música barroca através da
arte do contraponto. A partir do exemplo da Camerata, novos grupos surgiram com a certeza de que pra se tocar choro não era necessário repetir os mesmos clássicos do repertório do gênero, nem reproduzir os mesmos arranjos ou a mesma instrumentação tradicional. Mas talvez o maior ensinamento de Radamés tenha sido a sua reverência aos grandes mestres, o exemplo da sua postura em acreditar que a renovação de um gênero só é possível a partir de um profundo conhecimento das suas raízes. Postura igualmente defendida por Villa-Lobos na geração anterior. Seguindo esse princípio, dez anos após a morte de Radamés, um de seus discípulos, Mauricio Carrilho, empreende uma pesquisa com apoio do Programa de Bolsas da Fundação Rio-Arte: Inventário do Repertório do Choro (1870 – 1920), com intuito de preencher uma enorme lacuna de conhecimento do repertório das origens do choro. Realizei essa pesquisa em parceria com Mauricio, e reunimos mais de 6.000 obras em partituras manuscritas e editadas, de cerca de 1.300 compositores nascidos no
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século XIX. Com base nesse material, reunido e catalogado, várias gravações contemporâneas puderam ser feitas, lançadas a partir de 2002 pela primeira gravadora especializada em choro, a Acari Records, criada por Mauricio Carrilho e Luciana Rabello. Ao mesmo tempo em que eram lançados esses CDs, passávamos a ter acesso ao precioso acervo de discos de 78 rpm de Humberto Franceschi, recentemente digitalizado e incorporado ao Centro Petrobras de Referência da Música Brasileira, contendo grande parte da produção fonográfica realizada no Brasil nas primeiras décadas do século XX. O retorno desse repertório aos dias de hoje, na forma de gravações originais ou através da sua vivência em releituras contemporâneas, permitiu que músicos de longa carreira profissional no cenário do choro – como o bandolinista Pedro Amorim; o pandeirista Celsinho Silva; o clarinetista e saxofonista Proveta (Nailor Azevedo); os flautistas Toninho Carrasqueira e Marcelo Bernardes; o pianista Cristovão Bastos; Luciana Rabello, Mauricio Carrilho, entre outros que participaram das gravações – ampliassem o seu entendimento sobre a diversidade de gêneros que compõem o universo do choro. Esse conhecimento passou a ser transmitido no Rio de Janeiro a partir do ano 2000, época da fundação da Escola Portátil de Música, e passou a servir como fonte de inspiração para criação de novas composições entre alunos e professores, fato que vem acontecendo até os dias de hoje. Essa pesquisa também permitiu que começássemos a delinear a árvore genealógica do choro a partir de uma perspectiva musical e não apenas histórica. Duas figuras centrais contribuiram para o delineamento dessa árvore: a primeira delas foi Alexandre Gonçalves Pinto, violonista, cavaquinista e carteiro, nascido no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. Conhecido pelo apelido de Animal, Gonçalves Pinto foi o primeiro músico a nos oferecer como legado seu livro de memórias, O Choro -reminiscências dos chorões antigos , editado em 1936, já no final da sua vida, onde relaciona mais de 460 personalidades das primeiras gerações do choro em pequenas biografias, relatando aspectos musicais e sociais em histórias divertidíssimas testemunhadas por ele, e vividas entre os chorões na virada do século XIX para o século XX. Esse livro, segundo muitos musicólogos, tornou-se a principal referência bibliográfica sobre o choro. A segunda figura central foi o jornalista, crítico e
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musicólogo carioca Ary Vasconcelos (1926-2003), um dos mais importantes estudiosos da música popular brasileira. Vasconcelos foi o primeiro pesquisador a fazer uma análise da história do choro em gerações e a iniciar um inventário do seu repertório a partir da sua coleção de discos de 78 rpm. Seguindo os passos desses grandes mestres, começo então a mapear a árvore genealógica do choro de forma panorâmica, com intuito de ressaltar as características principais de cada geração, destacando seus principais expoentes. Nesse ensaio estão focalizadas apenas seis gerações, visto que a trajetória das que surgiram a partir da década de 1980 ainda está em desenvolvimento. O critério utilizado aqui para classificação de expoentes dentro de uma determinada geração considera não só a época de nascimento mas também a representatividade da sua produção musical num período específico da história do choro.
A primeira geração O choro nasce no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX, quando músicos brasileiros começam a se organizar em grupos instrumentais compostos por flauta, cavaquinho e violão, e passam a interpretar as danças européias introduzindo elementos rítmicos do batuque e do lundu, provenientes da cultura dos escravos africanos. O choro nessa época ainda não designava um gênero e sim o grupo instrumental que tocava as danças européias de forma particular. Até então esses gêneros importados, entre eles a polca, a quadrilha, o schottisch, o pas-de-quatre, a valsa, a mazurca, o tango e a habanera, quando tocados por orquestras nos bailes nobres da cidade, mantinham suas características originais preservadas. A polca foi o gênero que mais caiu no gosto popular, tornando-se a principal matriz do choro. Começam a surgir edições de partituras com diversas modalidades de polcas (polca-lundu, polcatango, polca-maxixe, polca-cateretê, polca-chula), revelando o seu processo de nacionalização. Neste período merecem destaque os seguintes compositores pioneiros: o flautista Joaquim Callado (RJ, 1848-1880), músico de grande fama pelo seu virtuosismo, o primeiro a formar um conjunto de choro; o maestro Henrique Alves de Mesquita (RJ, 1830-1906), muito prestigiado na corte do Rio de Janeiro, autor do primeiro tango brasileiro, gênero que surgiu como resultado da fusão da polca já nacionalizada com as
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danças espanholas (zarzuelas, tangos andaluzes e habaneras), em voga na década de '60; a pianista Chiquinha Gonzaga (RJ, 1847-1935), primeira mulher a se profissionalizar como musicista popular e maestrina, produzindo centenas de músicas nos seus 88 anos de vida, entre elas vários clássicos que marcaram a história da música popular e do teatro brasileiro; e o pianista Ernesto Nazareth (RJ, 1863-1934), consolidador do tango brasileiro, que enriqueceu o repertório do choro compondo peças de grande sofisticação harmônica, trazendo para o piano a rítmica das polcas e lundus tocados pelos grupos instrumentais de choro. À primeira geração pertencem ainda os flautistas Duque Estrada Meyer (RJ, 1848-1905), Viriato Figueira da Silva (RJ, 1851-1883), Juca Kallut (RJ, 1857-1922), Pedro Galdino (RJ, 1860?–1919), Pedro de Alcântara (RJ, 1866-1929), e o cavaquinista Galdino Barreto (RJ, 1850-1933?), criador de uma escola de cavaquinho perpetuada por seus discípulos Mário Álvares (RJ, 1861-1905) e Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto (RJ, 1908-1987).
A segunda geração De 1889, ano da Proclamação da República, até o final da década de ‘20 é a fase em que o choro se consolida como gênero. A abolição dos escravos e os progressos tecnológicos provocam mudanças na estrutura da sociedade brasileira. Surge uma classe social intermediária no Rio de Janeiro, inexistente até então, de funcionários públicos (carteiros, funcionários dos telégrafos, da Casa da Moeda, do Arsenal da Marinha, das estradas de ferro, da Alfândega), que muito irá contribuir para o desenvolvimento do choro, tocando de forma diletante, nos quintais, nas festas e bailes da cidade. Esse é o período em que a formação instrumental dos conjuntos de choro se amplia, incorporando instrumentos como o clarinete, o oficleide, o trompete, o trombone e o bombardino, e esse fato se deve em grande parte à atuação de um dos principais mestres do choro: Anacleto de Medeiros (RJ, 1866-1907). Anacleto levou o choro ao recesso das bandas civis e militares, foi fundador e primeiro mestre da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro em 1896, regendo-a em solenidades, festas públicas e diante dos primeiros aparelhos de gravação da Casa Edison para registro dos primeiros discos brasileiros. No repertório das bandas, o gênero de maior popularidade nessa época é o maxixe. Surgido inicalmente como uma dança praticada nos bailes
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populares da Cidade Nova, o maxixe se desenvolveu nas primeiras décadas do século XX, executado por bandas e orquestras nas sociedades carnavalescas e no teatro de revista. Despontaram nessa fase, no âmbito das bandas ou ranchos carnavalescos, os seguintes instrumentistas de sopro: Leandro Sant’anna (RJ, 1870?-1930?) , Raul Malaguti (RJ, 1880?-1940?), tio do pianista, compositor e arranjador Paulo Malaguti, dos dias atuais; José Silva (Baianinho) (RJ, 1880?-1965?) ; Manoel Malaquias (RJ, 1870?-1940?); Zumba (José Gonçalves Jr) (PE, 1889-1974), e André Vitor Correia (RJ, 1888-1948) – todos clarinetistas, sendo que os dois últimos também foram saxofonistas; o trombonista Álvaro Sandim (RJ, 1862-1922), autor do clássico Flor do Abacate; e os trompetistas Luiz de Souza (RJ, 1865?-1920) e Casemiro G. Rocha (RJ, 1880-1912). O primeiro, autor da valsa Clélia, e o segundo, autor da famosa polca Rato Rato. Pertencem a essa geração os seguintes mestres compositores: o trompetista Albertino Pimentel (RJ, 1874-1929), sucessor de Anacleto como regente da Banda do Corpo de Bombeiros; o oficleidista, trombonista e bombardinista Irineu de Almeida (RJ, 1873-1916), mestre na arte do contraponto e professor de Pixinguinha; o cavaquinista virtuose Mário Álvares (RJ, 1861-1905), professor de Donga e Pixinguinha; os violonistas Satyro Bilhar (CE, 1860-1927), Quincas Laranjeiras (PE, 1873-1935) e João Pernambuco (PE, 1883-1947), mestres que contribuíram para elevar o reconhecimento do violão como instrumento solista; Arthur de Souza Nascimento, o Tute (RJ, 18861951), primeiro violonista de 7 cordas da história do choro, que também pertenceu à primeira formação da Banda do Corpo de Bombeiros tocando bombo e prato; o flautista virtuose Patápio Silva (RJ, 1880-1907), primeiro solista a realizar um registro fonográfico no Brasil em 1902; Candinho Silva (RJ, 1879-1960), trombonista da orquestra do Teatro Municipal, autor de centenas de choros recolhidos em partituras manuscritas por Jacob do Bandolim. Também se insere nesta geração o maestro Heitor Villa-Lobos (RJ, 1887-1959), pois embora sua obra pertença ao âmbito da música de concerto, ela também reflete a enorme influência da linguagem do choro adquirida a partir do convívio com os principais chorões desse tempo em reuniões musicais. É a partir da segunda geração que o choro deixa de ser uma música restrita ao Rio de Janeiro, passando a se expandir por vários estados brasileiros, como podemos constatar: no Pará, na obra de Clemente Ferreira Júnior (1864-1917) e José Agostinho
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da Fonseca (1886-1945); no Maranhão, na obra de Adelman Brasil Corrêa (1884-1947); no Rio Grande do Norte, na obra de Tonheca Dantas (1870-1940); em Pernambuco, na obra de Alfredo Gama (1867-1932); em Alagoas, na obra de Misael Domingues (18571932); em São Paulo, na obra de Zequinha de Abreu (1880-1935), Eduardo Souto (1882-1942) e Marcelo Tupinambá (1889-1953); e no Rio Grande do Sul, na obra de Octávio Dutra (1884-1937).
A terceira geração A terceira geração do choro é marcada pelo início da influência norte-americana na presença de jazz bands e orquestras de salão, a partir do início da década de ’20. É nessa fase que desponta o grande Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho) (RJ, 1897-1973), um dos pilares da música popular brasileira, cuja trajetória como compositor, instrumentista, regente e orquestrador contribuiu para fixar as bases do choro contemporâneo. No início de sua carreira, Pixinguinha criou o conjunto lendário Os Oito Batutas com a finalidade de tocar no elegante Cinema Palais, onde tradicionalmente apenas músicos eruditos se apresentavam. Com a formação instrumental de flauta, violões, cavaquinho, bandola, pandeiro, ganzá e reco-reco, e com repertório composto de maxixes, sambas e emboladas nordestinas, a atuação do conjunto fez um sucesso estrondoso, chamando a atenção de pessoas influentes da sociedade carioca, como Arnaldo Guinle, que em 1922 decidiu patrocinar uma viagem do conjunto a Paris. Os Oito Batutas fazem a primeira excursão internacional de um conjunto de música popular brasileira. A platéia francesa, que de música popular só conhecia o jazz americano e o tango argentino, foi surpreendida e contagiada pela força da música popular brasileira autêntica e pela flauta genial de Pixinguinha. De volta ao Brasil, após a participação nas comemorações do Centenário da Independência, o grupo seguiu para a Argentina, onde realizou 20 gravações mecânicas. Nessas gravações, a percussão, que até então só havia aparecido nas gravações de bandas, é ouvida pela primeira vez numa pequena formação instrumental. Ouve-se também a estréia do saxofone de Pixinguinha.
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Após a dissolução dos Batutas surgem as primeiras orquestrações de Pixinguinha para novos conjuntos instrumentais como a Orquestra Típica PixinguinhaDonga, Orquestra J. Thomaz, Orquestra Victor Brasileira e a Diabos do Céu. Embora ainda guardasse as características musicais do maxixe, o samba carioca começa a despontar em 1917 a partir do primeiro registro fonográfico com essa denominação: Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida. Outros nomes de destaque na terceira geração do choro além dos já citados são: os pandeiristas Jacó Palmieri (RJ, 1880?-1960?) e João da Baiana (João Machado Guedes) (RJ, 1887-1974), este último considerado o primeiro grande mestre no instrumento; os flautistas Antônio Maria Passos (RJ, 1880? – 1940?), Agenor Bens (RJ, 1890?-1950?), Raul Silva (SP, 1889-1938); os clarinetistas Louro (Lourival Inácio de Carvalho) (RJ, 1894-1956) e Marambá (José Mariano da Fonseca Barbosa) (PE, 18961968), irmão do mestre Capiba; os saxofonistas Romeu Silva (RJ, 1893-1958) e Ratinho (Severino Rangel de Carvalho) (PE, 1896-1972); os trompetistas Bonfiglio de Oliveira (SP, 1894-1940) e Napoleão Tavares (MG, 1892-1965); o cavaquinista Nelson Alves (RJ, 1895-1960); os violonistas Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos) (RJ, 18901974), Américo Jacomino (SP, 1889-1928), José do Carmo (PE, 1895-1977), Alfredo Medeiros (PE, 1892-1961), Romualdo Miranda (PE, 1898-1971), Levino da Conceição (RS?, 1895-1955); os bandolinistas Adalberto de Azevedo (Betinho) (RJ, 1896-1969) e Aristides Júlio de Oliveira, o Moleque Diabo (RJ?, 1895?-1938); os pianistas Sinhô (José Barbosa da Silva) (RJ, 1888-1930), Luís Nunes Sampaio (Careca) (RJ, 18861953), Aristides Borges (RJ, 1884-1967), Freire Júnior (RJ, 1881-1956), Oswaldo Cardoso de Meneses (RJ, 1893-1935), Tia Amélia (PE, 1894-1983); e o compositor Erothides de Campos (SP, 1896-1945).
A quarta geração Em 1927, o progresso tecnológico representado pela chegada de microfones, auto-falantes, vitrolas e discos elétricos, abre uma nova fase na história da música popular brasileira. Até então, os cantores precisavam berrar dentro dos tubos acústicos e os músicos tinham que tocar com toda força para que fosse impressa a cera da matriz do disco. A mudança permitirá o surgimento de gravações de sons jamais ouvidos na
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música instrumental, no registro de solos de violão, bandolim e cavaquinho; e na música vocal, no registro de vozes menos empostadas e mais espontâneas. Surge nessa época, no bairro do Estácio de Sá, a primeira escola de samba, a Deixa Falar, fundada por Ismael Silva, Bide, Marçal, Nilton Bastos, Brancura, entre outros. É nessa fase que o samba carioca se consolida como gênero, deixando de se assemellhar ao maxixe, e passando a apresentar características rítmicas próprias. Abrese caminho para um rol de compositores magníficos que irão abrilhantar nossa música popular: Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Assis Valente, Cartola, Dorival Caymmi, Capiba, entre outros. A fase de 1930 a 1945 é considerada a Época de Ouro do Rádio, quando surge um grande mercado de trabalho para instrumentistas, arranjadores, compositores e cantores. A atividade do compositor popular ganha valor comercial e cresce o número de sociedades defensoras dos direitos do autor, tendo sido a SBAT a primeira delas, fundada em 1917 pela pioneira Chiquinha Gonzaga. Os músicos de choro irão atuar em conjuntos regionais contratados para acompanhar grandes estrelas da música vocal (Mário Reis, Sílvio Caldas, Francisco Alves, Moreira da Silva, Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Orlando Silva, etc.) em programas de rádios, como a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Nacional, valorizados por terem grande versatilidade para tocar de ouvido, improvisar arranjos instantâneos e tapar os “buracos” da programação com um vasto repertório de choros. Pixinguinha e Radamés Gnattali serão os principais responsáveis pelos arranjos de orquestras no acompanhamento de cantores, criando uma escola brasileira de orquestração. O conjunto regional de maior destaque nessa época é o do flautista Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), que reúne alguns dos melhores músicos de acompanhamento da história da música popular brasileira: Dino 7 cordas (Horondino José da Silva) (RJ, 1918-2006) e Meira (PE, Jaime Tomás Florence) (1909-1982) nos violões e Canhoto (Waldiro Frederico Tramontano) (1908-1987) no cavaquinho. De 1946 a 1950, o conjunto vive uma fase brilhante, com a entrada de Pixinguinha fazendo os famosos contrapontos aos solos de Benedito no programa “O Pessoal da Velha Guarda”, dirigido por Almirante na Rádio Tupi. A partir de 1951, com as constantes ausências de Benedito, Canhoto assume a liderança do grupo, chamando o flautista Altamiro Carrilho (RJ, 1924) e mais tarde o
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acordeonista Orlando Silveira (SP, 1922-1993). Assim nasce o lendário Regional do Canhoto, o mais célebre regional da história da música popular brasileira. Outros grandes nomes que deslancharam suas carreiras nas rádios e orquestras desse tempo foram: o genial bandolinista Luperce Miranda (PE, 1904-1977), o clarinetista e saxofonista Luís Americano (SE, 1900-1960); os flautistas Dante Santoro (RS, 1904-1969), João Dias Carrasqueira (SP, 1908-2000) e Copinha (Nicolino Cópia) (SP, 1910-1984); os saxofonistas Sandoval Dias (BA, 1906) e Fon-Fon (Otaviano Romero Monteiro) (AL, 1908-1951), este também diretor de orquestra; os bateristas Valfrido Silva (RJ, 1904-1972) e Luciano Perrone (RJ, 1908-2001), precursores na criação do estilo brasileiro de se tocar bateria, sendo o último, mestre de nosso contemporâneo Oscar Bolão; os pianistas Nonô (Romualdo Peixoto) (RJ, 1901-1954), tio dos cantores Ciro Monteiro e Cauby Peixoto, Custódio Mesquita (RJ, 1910-1945), Gaó (SP, Odmar do Amaral Gurgel) (1909-1992), Vadico (SP, Oswaldo de Almeida Gogliano) (1910-1962); Carolina Cardoso de Meneses (RJ, 1916-1999), herdeira de uma linhagem de várias gerações de pianistas em sua família. Foi célebre o seu duo com o violonista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha) (SP, 1915-1955), um dos principais mestres do violão brasileiro, virtuose de vários instrumentos de corda. Outros violonistas que se destacaram nessa geração foram Armandinho Neves (SP, 19021976), organizador de um dos primeiros conjuntos regionais de São Paulo, Aymoré (José Alves da Silva) (SP, 1908-1979), Antônio Rago (SP, 1916); Dilermando Reis (SP, 1916-1977), Laurindo de Almeida (SP, 1917-1995), Rogério Guimarães (SP, 19001980), Mozart Bicalho (MG, 1902-1986), Henrique Brito (RJ, 1908-1935), integrante do Bando de Tangarás, Valzinho (Norival Carlos Teixeira) (RJ, 1914-1980), cujas composições foram celebrizadas pela cantora Zezé Gonzaga; Claudionor Cruz (19141995), que ao lado do compositor Pedro Caetano cultivou o gênero samba-choro, compondo clássicos do repertório do choro cantado; o violinista Fafá Lemos (Rafael Lemos Júnior) (RJ, 1921-2004) e o acordeonista Antenógenes Silva (MG, 1907-2001), autor da famosa valsa Saudades do Matão.
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A quinta geração A partir da segunda metade da década de 1940 tem início a fase em que se destacam as estréias em disco de grandes ícones do choro: Jacob do Bandolim (RJ, 1918-1969), com seu choro-sambado Treme-Treme, e o solista de cavaquinho Waldir Azevedo (RJ, 1923-1980), com o choro Brasileirinho, ambos lançados em 1947. O clarinetista e saxofonista Abel Ferreira (MG, 1915-1980) deslancha a sua carreira em 1946, com a gravação de Chorando Baixinho; o trombonista Raul de Barros (RJ, 1915), autor do clássico Na Glória, grava em 1948 seu primeiro disco com composições de Donga: Pobre Vive de Teimoso e Malabarista. No ano seguinte o flautista Altamiro Carrilho (RJ, 1924) grava dois choros de sua autoria, Flauteando na Chacrinha e Travessuras do Sérgio . Alguns anos mais tarde faria enorme sucesso com
o maxixe Rio Antigo, gravado por sua Bandinha. O acordeonista Luiz Gonzaga (PE, 1912-1989), que no início da década de 1940 surgira como instrumentista de choro e música regional nordestina, se lança como cantor em 1946, gravando Baião, parceria com o compositor Humberto Teixeira que ditaria o gênero da nova moda nacional dos anos 1950. Seguindo os passos da moda, Waldir Azevedo lança em 1951 o baião Delicado, um grande sucesso comercial, não só no Brasil como no exterior. Nessa fase
também estréiam em discos o acordeonista Sivuca (PB, 1930-2006) e Chiquinho do Acordeon (Romeu Seibel) (RS, 1928-1993), além do cavaquinista Edinaldo Vieira Lima, o Índio do Cavaquinho (AL, 1924-2003). O lançamento da carreira desses grandes ícones do choro, curiosamente, se dá em meio a um cenário musical onde a influência da música norte-americana se faz sentir: na música vocal, nos gêneros fox canção e samba-canção estilo “dor-de-cotovelo”; e na música instrumental, no sucesso de grandes orquestras inspiradas nas big bands, que tocam em cassinos, teatros e salões de gafieira. Destacam-se orquestras como as dos maestros Fon-Fon, Carioca, Cipó e a célebre Orquestra Tabajara do clarinetista Severino Araújo (PE, 1917), atuante até hoje, que lança sua primeira gravação em 1945 com Chorinho em Aldeia. Essas orquestras lançaram instrumentistas virtuoses, entre os quais compositores que enriqueceram o repertório do choro com suas composições marcadas pelo estilo jazzístico. É o caso do saxofonista K-Ximbinho (Sebastião de Barros) (RN, 1917-1980), autor dos clássicos Sonoroso, Ternura e Sempre ; o trompetista Porfírio Costa (PB, 1913), autor de Peguei a Reta; o trombonista José
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Leocádio, autor de Paraquedista, gravado também com letra pelo cantor Jorge Veiga; Zé Bodega (PE, 1923-2003), considerado um dos maiores saxofonistas brasileiros; o próprio Severino Araújo, autor do clássico Espinha de Bacalhau; o trombonista Norato (MG, 1923) e o clarinetista Paulo Moura (SP, 1933). Desde o início da década de 40, o maestro César Guerra-Peixe (RJ, 1914-1993), compositor erudito e popular, musicólogo, violinista e arranjador, compõe uma série de peças para orquestra de salão incluindo choros, sambas, marchas e sambas-canções. Destacamos entre elas, os choros para quinteto de saxofones e orquestra, onde faz uso de harmonizações que seriam popularizadas somente vinte anos mais tarde. Surgem novos conjuntos trazendo arranjos e formações instrumentais inéditas: o Quinteto Radamés Gnattali composto pelo próprio Radamés ao piano, Chiquinho do Acordeon, Luciano Perrone na bateria, Pedro Vidal Ramos no contrabaixo, Zé Menezes (CE, 1921) na guitarra elétrica; o Trio Surdina, formado por Fafá Lemos, Chiquinho do Acordeon e Garoto. Alguns músicos irão desenvolver suas carreiras fora do Brasil, incorporando outras linguagens, mesmo tendo suas raízes no choro: é o caso dos violonistas Bola Sete (Djalma de Andrade) (RJ, 1923-1987) e Laurindo de Almeida; e do saxofonista e maestro Moacir Santos (PE, 1924-2006), que só recentemente teve suas composições de choro reveladas. Abrimos um parêntese para ressaltar nessa fase, a trajetória notável do instrumentista, compositor e pesquisador Jacob do Bandolim. Prevendo as dificuldades para viver como músico de choro e por não querer fazer concessões à indústria fonográfica, Jacob segue a tradição dos chorões da segunda geração, tornando-se funcionário público. Talvez esse fato explique a constância da sua carreira, imune aos modismos, resgatando a obra de vários mestres do passado e renovando o gênero com suas próprias composições que hoje são, parte do repertório fundamental do gênero. Jacob foi responsável por manter acesa a tradição das rodas de choro, fazendo saraus memoráveis na sua casa em Jacarepaguá. Um dos saraus mais lembrados foi em 1959, quando convidou músicos pernambucanos, além do genial violonista Canhoto da Paraíba (PB, 1928) para um encontro com Pixinguinha, Dilermando Reis, Radamés Gnattali, entre outros. O espírito de preservação da memória musical brasileira norteou Jacob na organização de um extenso arquivo musical. Desde 1975 esse arquivo é mantido pelo
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Museu da Imagem e do Som-RJ, onde se encontram gravações inéditas de saraus, ensaios, além de partituras preciosas, como as que recebeu como herança de chorões de várias gerações, em 35 cadernos manuscritos, organizados em ordem cronológica de 1887 até meados da década de ’60, contendo mais de 1.300 títulos de choros. A partir do final da década de 1950, a produção musical no ambiente do choro fica ofuscada pelo movimento da bossa nova. Entretanto, alguns discos fundamentais serão produzidos na década de 1960, entre eles: Choros Imortais vol. 1 e 2, por Altamiro Carrilho e Regional do Canhoto; Vibrações, por Jacob do Bandolim e o lendário conjunto Época de Ouro, formado por alguns dos melhores acompanhadores de choro de todos os tempos: Dino 7 Cordas, César Faria (pai de Paulinho da Viola) (RJ, 19192007), Carlos Leite (violões), Jonas Silva (cavaquinho) (RJ, 1934-1997) e Gilberto d’Ávila (pandeiro); além do primeiro disco do maestro Moacir Santos, intitulado Coisas, trazendo uma linguagem musical moderna que influenciaria uma geração de
músicos de choro na década seguinte. Embora o choro não ocupasse mais um lugar de destaque no mercado fonográfico a partir da bossa nova, a sua influência continuará se fazendo sentir na produção dos principais compositores da música popular brasileira desse tempo. Podemos observa-la na obra de Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime, Baden Powell (RJ, 1937-2000), este discípulo do mestre Meira, assim como foram Mauricio Carrilho (RJ, 1957) e Raphael Rabello (RJ, 1962-1995).
A sexta geração Chegamos aos anos 70, década em que vários acontecimentos irão contribuir para um movimento de revitalização do choro. No mesmo ano da morte de Pixinguinha, em 1973, a participação do Conjunto Época de Ouro (com nova formação após a morte de Jacob – com Déo Rian (RJ, 1944) ao bandolim, Damásio (violão) e Jorginho do Pandeiro (RJ, 1930), e os veteranos Dino 7 Cordas, César Faria e Jonas), no show Sarau, de Paulinho da Viola, torna-se a grande atração da temporada.
Em 1976, Paulinho da Viola evidencia seu berço musical, lançando o disco Memórias Chorando, onde grava choros dos mestres Ary Barroso e Pixinguinha, além
de choros de sua autoria em solos de cavaquinho e violão.
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Surge no mercado fonográfico, dominado pelas gravadoras multinacionais, a gravadora Marcus Pereira, preocupada em enaltecer a obra de artistas do choro, lançando os discos A Música de Donga; Brasil, Flauta, Bandolim e Violão, com Evandro do Bandolim e Regional; Brasil Trombone, com o trombonista Raul de Barros (RJ, 1915); Brasil, Sax e Clarineta com Abel Ferreira; Pixinguinha, de Novo com Altamiro e Carlos Poyares (ES, 1928-2004), Artur Moreira Lima interpreta Ernesto Nazareth vol. I e II , etc.
A tradição das rodas de choro se mantém em bares como o Sovaco de Cobra, na Penha, ponto de encontro de chorões estreantes e veteranos. Os grupos que se destacam no Rio de Janeiro nesse período são Os Carioquinhas, que em 1977 lança seu único LP, o Galo Preto e o Nó em Pingo d’Água. Os dois últimos fazem suas estréias fonográficas respectivamente em 1978 e 1983, e estão em atividade até os dias de hoje. A partir de 1977 a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro passa a estimular a formação de novos conjuntos, lançando o projeto Concerto de Choro e promovendo concursos anuais de conjuntos de choro. Em São Paulo a TV Bandeirantes começa a promover o Festival Nacional de Choro, onde participam grupos de chorões de vários estados, entre eles o Amigos do Choro do bandolinista Rossini Ferreira (PE, 1919-2001); o Lenha da Casa do flautista Plauto Cruz (RS, 1929); o Regional do Evandro (PB, 1932-1994), do bandolinista Josevandro Pires de Carvalho; o Conjunto
Atlântico, onde se destacam o violonista Antonio d’Auria (SP, 1912-1998) e o bandolinista Isaías Bueno de Almeida (SP, 1937); e o regional de Esmeraldino Salles (SP, 1926-1979), parceiro do acordeonista Orlando Silveira. Surgem Clubes do Choro que se espalham pelo país. Merece destaque o Clube do Choro de Brasília que surgiu a partir do encontro de chorões que se reuniam pra tocar na casa da flautista Odette Ernest Dias (Paris, 1929), e também do jornalista Raimundo de Brito: entre eles Waldir Azevedo, residente em Brasília desde 1971, o cavaquinista Chico de Assis, conhecido como Six, os violonistas Hamilton Costa e Alencar 7 Cordas, Bide da Flauta, Pernambuco do Pandeiro (Inácio Pinheiro Sobrinho) (PE, 1924), o citarista e compositor Avena de Castro (RJ, 1919-1981), o clarinetista Celso Cruz dos Carioquinhas, o bandolinista e compositor carioca Cincinato, frequentador das
tradicionais rodas de choro do Retiro da Velha Guarda, na casa de João Dormund em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
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Radamés lança em 1975 o disco do seu novo sexteto, que conta com a participação do pianista Laércio de Freitas (SP, 1941), além dos integrantes do seu quinteto. Na década de 80 a experiência da Camerata Carioca abre caminho para o surgimento de grupos como o Água de Moringa, ainda em atividade, e a Orquestra de Cordas Brasileira, inspirados na mesma linguagem de arranjo. Também tem destaque a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco e a Oficina de Cordas – celeiro de excelentes instrumentistas como os violonistas João Lyra, Henrique Annes, Bozó, os bandolinistas Marco César, Ivanildo Maciel e Adalberto Cavalcanti, os violistas Nilton Rangel e Adelmo Arcoverde – cujos primeiros discos foram idealizados por Hermínio Bello de Carvalho, então diretor da Divisão de Música Popular Brasileira da Funarte. Outro lançamento precioso, idealizado por Hermínio em 1982, é o encontro do jovem violonista Raphael Rabello com o mestre Radamés Gnattali num disco dedicado à obra de Garoto. Raphael 7 Cordas, como tornou-se conhecido, sendo discípulo direto de Dino 7 Cordas, desponta sua carreira de solista, lançando quatro anos depois, parte da obra de Radamés para violão solo, no disco Raphael Rabello interpreta Radamés Gnattali. Raphael se projeta como um dos maiores violonistas brasileiros realizando
centenas de shows e gravações como solista e acompanhante, e apesar do seu falecimento prematuro, ainda é referência para o surgimento de novas gerações de excelentes violonistas brasileiros e estrangeiros. O crescente interesse de músicos estrangeiros pelo choro aponta para uma perspectiva de internacionalização do gênero no século XXI. Em países como EUA, Japão e França existem Clubes de Choro empenhados em divulgar o gênero, realizando shows e workshops. Os lançamentos de CDs autorais de choros de músicos estrangeiros como da flautista japonesa Naomi Kumamoto e do violonista australiano Doug de Vries pela Acari Records, revelam que a árvore genealógica do choro já começa a se expandir para além das fronteiras do Brasil. O enorme poder de congregação do choro continuará reunindo músicos de origens, culturas e idades diferentes, que se orgulham de cultivar esse gênero musical. Conscientes da ancestralidade do choro, a maior herança cultural da música popular brasileira, futuros músicos e pesquisadores vão seguir completando essa árvore, desvendando a obra de mestres do passado e revelando a atuação dos músicos de hoje.
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2ª Parte – O Choro e seus gêneros musicais 1. CHORO a) “Ingênuo” (Pixinguinha)
O CHORO No Rio de Janeiro do século XIX, por volta de 1870, a palavra “choro” designava o grupo instrumental composto por flauta, cavaquinho e violão, e o local onde se executavam as abrasileiradas danças européias. O flautista e compositor Joaquim Callado foi um dos primeiros músicos a constituir um conjunto com essa formação chamado Choro Carioca. Os chorões eram músicos amadores que se reuniam para tocar em comemorações festivas. Eram, na sua maioria, servidores públicos, civis e militares, do Arsenal da Marinha, da Estrada de Ferro, da Alfândega, e especialmente dos Correios. Na última década do século XIX o maestro Anacleto de Medeiros fundou a Banda do Corpo de Bombeiros constituída por muitos músicos de choro. Este fato revela que no final do século a formação instrumental dos conjuntos de choro já havia incorporado novos instrumentos como o clarinete, o oficleide, o trompete, o trombone e o bombardino. Vários desses conjuntos participaram das primeiras gravações feitas no Brasil para Casa Edison a partir de 1902, como o Grupo do Malaquias (clarinete, violão, cavaquinho), a própria Banda do Corpo de Bombeiros, com formação reduzida, Grupo Carioca de Candinho Silva, (trombone, cavaquinho, violão), Choro Carioca de Irineu de Almeida, Bonfiglio de Oliveira e Pixinguinha (oficleide, trompete, flauta, cavaquinho e violão). Na virada do século, com o aumento da produção musical de compositores populares brasileiros e a definição do estilo interpretativo, o choro passa a ser considerado um gênero musical. 19
2. POLCA a) “Choro e Poesia” (Pedro de Alcântara)
b) “Apanhei-te Cavaquinho” (Ernesto Nazareth)
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A POLCA Gênero originário da Boêmia, Tchecoslováquia, de onde a partir de 1837 (data da primeira partitura impressa em Praga) iria se espalhar rapidamente pela Europa e por todo o mundo. No Brasil, teria sido apresentada pela primeira vez em julho de 1845 no Teatro São Pedro, no Rio de Janeiro. A partir daí torna-se uma coqueluche nacional, sendo incorporada ao repertório de inúmeros instrumentistas e compositores, como Callado, Anacleto de Medeiros, Irineu de Almeida, entre muitos outros. A tal ponto se tornou popular no Brasil que Alexandre Gonçalves Pinto a definiu da seguinte forma: “A polca, assim como o samba, é uma autêntica tradição brasileira.” Ao contrário do que afirmam inúmeros dicionários de música, a polca não precisa ser necessariamente em andamento vivo. Polcas como Só para Moer de Viriato Figueira e Polca em Sol de Mário Álvares, são exemplos de polcas em andamento lento. No Brasil, a polca se fundiu com outros gêneros como o maxixe e o lundu, resultando daí inúmeras variações de acompanhamento.
3. LUNDU “Isto É Bom” (Xisto Bahia)
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O LUNDU Era originalmente uma dança de roda e umbigada angolana, trazida pelos escravos na segunda metade do século XVIII, acompanhada por atabaques. Mais tarde o lundu foi introduzido nos salões das cortes do Brasil e Portugal, assumindo a forma de canção, acompanhado ao piano, muito semelhante à modinha. No século XIX tornou-se cantiga de duplo sentido, só para homens, quando acompanhado ao violão, como mostra a gravação do lundu Isto É Bom, de Xisto Bahia (1841-1894), um dos principais cultores do gênero. A integração do lundu com as danças européias gerou novos gêneros musicais como a polca-lundu ou tango-lundu. Podemos afirmar que o lundu foi o principal canal por onde a influência africana chegou ao choro.
4. TANGO-HABANERA a) “Ali-Babá” (Henrique Alves de Mesquita)
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5. TANGO BRASILEIRO a) “Brejeiro” (Ernesto Nazareth)
Variação: experimente tocar o mesmo trecho modificando o ritmo da segunda linha para
b) “Batuque” (Henrique Alves de Mesquita)
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O TANGO BRASILEIRO Gênero que surgiu no Rio de Janeiro em 1870 como resultado da fusão da polca já nacionalizada com as danças espanholas (zarzuelas, tangos andaluzes e habaneras), muito em voga na década de '60 na América do Sul. O tango argentino, surgido cerca de dez anos mais tarde, não se assemelha ao tango brasileiro apesar de guardar a mesma influência das danças espanholas, pois o processo de fusão ocorreu a partir da milonga criolla. O tango Olhos Matadores do maestro Henrique Alves de Mesquita (18301906), editado em 1871, é considerado o primeiro tango brasileiro, apesar da partitura não ter sido localizada pelos principais pesquisadores da sua obra. O tango Ali Babá, entretanto, apresentado no ano seguinte, com grande sucesso na peça teatral homônima, chegou até nossos dias, podendo ser escutado na coleção Princípios do Choro (Acari Records, 2002). Ali Babá ainda guarda forte influência da habanera, em movimento lento e compasso binário com ritmo de colcheia pontuada-semicolcheia seguida de duas colcheias no acompanhamento. O tango brasileiro continuou seu desenvolvimento, sendo cultivado por vários compositores nas últimas décadas do século XIX e início do XX, mas foi na na obra de Ernesto Nazareth (1863-1934) que o gênero atingiu sua culminância. Nazareth acrescentou ao tango a rítmica da forma de execução dos pequenos conjuntos instrumentais de choro, compostos por flauta, cavaquinho e violão. No acompanhamento do tango Brejeiro, primeiro tango do compositor, lançado em 1893, o primeiro tempo do compasso binário em colcheia pontuada-semicolcheia é repetido no segundo tempo, substituindo as duas colcheias, característica da rítmica da habanera. Outro exemplo de tango na obra de Nazareth, talvez seja sua música mais conhecida: o tango Odeon. 6. MAXIXE a) “Ou Vai ou Racha” (Anônimo)
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Variação: experimente tocar o mesmo trecho modificando o ritmo da segunda linha para
b) “Le-Lê” (Ida Leal do Canto)
O MAXIXE Surgiu no Rio de Janeiro, em torno de 1880, como uma forma de dançar a polca, o tango, a habanera e o lundu nos bailes populares da Cidade Nova. Inicialmente era considerado uma dança indecente e proibida nos salões da alta sociedade. Na virada do século, a partir da sua entrada nos salões das sociedades carnavalescas e no repertório dos compositores de teatro de revista, o maxixe passa a ser considerado um gênero, atingindo todas as classes sociais. Pela semelhança rítmica em compasso binário e sincopado, o maxixe é muito confundido com o tango brasileiro. O fator que melhor distingue o maxixe do tango brasileiro é a presença dos baixos sincopados, provenientes do acompanhamento dos violões na execução das baixarias (contracanto na parte grave do instrumento) ou dos instrumentos de sopro de registro grave. Como apontou o maestro Guerra-Peixe: “o costume de empregar a baixaria era tão apreciado que em certas ocasiões a melodia principal ficava colocada no registro grave, cabendo aos instrumentos restantes, dos registros médio e agudo, uma significação secundária por alguns momentos na estrutura do trecho musical”.
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Na história do choro alguns exemplos de maxixes que se celebrizaram são: O Gaúcho ou Corta-Jaca (Chiquinha Gonzaga), Dorinha, Meu Amor (José Francisco de Freitas), Jura (Sinhô), Rio Antigo (Altamiro Carrilho).
7. SCHOTTISCH a) “Não Me Olhes Assim” (Anacleto de Medeiros)
b) “Bouquet” (Mário Álvares)
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O SCHOTTISCH Segundo a definição clássica de muitos dicionários e livros especializados, a schottisch cujo nome quer dizer escocesa, seria uma dança de origem alemã, originalmente de compasso binário semelhante a polca sendo porém mais lenta. Foi levada para Inglaterra e para França na primeira metade do século XIX e introduzida no Brasil em 1851 pelo professor de dança José Maria Toussaint, ganhando grande popularidade e variantes em diferentes regiões do Brasil. No nordeste deu origem ao xote, gênero aparentado ao baião. No universo do choro, é mais conhecido por ser um gênero masculino (o schottisch) de compasso quaternário. Bastante popular entre os chorões até meados do século XX, foi cultivado por grandes compositores como Anacleto de Medeiros (autor dos clássicos Santinha e Iara), Mário Álvares, Pixinguinha, entre muitos outros. A partir da década de ‘50 começa a haver um declínio na produção de schottischs: Pixinguinha e Jacob do Bandolim, por exemplo, compuseram poucos schottischs, levando-se em conta o tamanho das suas obras. A partir da década de ‘90 há um ressurgimento da produção de schottisch na obra de compositores de choro, principalmente no que se refere aos músicos da Acari Records, como Maurício Carrilho e Pedro Amorim.
8. VALSA BRASILEIRA a) “Flor do Mal” (Santos Coelho)
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A VALSA BRASILEIRA Primeira dança de salão de par enlaçado, em compasso ternário, a valsa chegou ao Brasil na segunda década do século XIX, trazida da Áustria pelo compositor Sigismund Neukomm que veio residir no Rio de Janeiro em 1816. A valsa brasileira se expandiu por todas as classes sociais e figurou em diversos níveis artísticos da nossa música – folclórica, popular e erudita. Essa variedade de estilos que a valsa assumiu torna-se evidente na nomenclatura usada nas edições nacionais, indicando o caráter expressivo das peças: valsa brilhante, valsa espanhola, valsa de concerto, valsa de salão, valsa seresteira, valsa sentimental, valsa de bravura, valsa sertaneja. As primeiras edições de valsas no Brasil, da primeira metade do século XIX, ainda guardam muita semelhança com o modelo europeu. Na segunda metade do século XIX, por volta de 1870, o abrasileiramento da valsa pode ser percebido na produção de compositores especialistas no gênero, como os pianistas Aurélio Cavalcanti, Carlos T. de Carvalho, José Garcia Christo, Viúva Guerreiro, Ernesto Nazareth, entre outros. No ambiente do choro temos exemplos de diversos estilos de valsas que se celebrizaram tais como: Subindo ao Céu (Aristides Borges), Primeiro Amor (Patápio Silva), Terna Saudade (Anacleto de Medeiros), Abismo de Rosas (Américo Jacomino), Saudades do Matão (Jorge Galati), Confidências (Ernesto Nazareth), Vôo da Mosca (Jacob do Bandolim), Rosa (Pixinguinha).
9. QUADRILHA a) Estamos Trabalhando (Anônimo )
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b) Soirrée Brésilienne (Henrique Alves de Mesquita)
A QUADRILHA Segundo José Ramos Tinhorão, a quadrilha é uma “dança coletiva de salão baseada em formas de alegres danças populares, surgida na Europa de inícios do século XIX como continuação modificada da contradança (...) Foi chamada de quadrilha por suas figuras lembrarem a formação militar da squadra, cujo diminutivo se vulgarizaria acompanhando o espanhol cuadrilla. A dança e a música da quadrilha fizeram sua entrada no Brasil no tempo da Regência (1830-1841) através do modelo francês de contradança a dois ou quatro pares (quadrilha dupla), de som alegre e movimentado”. A quadrilha é formada por cinco partes que obedecem, na maioria dos casos ao seguinte esquema: a primeira e a terceira partes em seis por oito — e as três outras (segunda, quarta e quinta) geralmente em dois por quatro. A quadrilha se incorporou ao universo do choro no início do século: inúmeros chorões compuseram quadrilhas, como Callado, Henrique Alves de Mesquita, Saturnino, entre muitos outros. Sempre foi uma música associada à dança, e por isso seu andamento era vivo, conforme comprovam as poucas gravações de quadrilha que nos chegaram do início do século. Segundo Alexandre Gonçalves Pinto: “ A quadrilha era uma dança figurada com cadência de seis por oito e dois por quatro no compasso. (...) Esse estilo de dança traz saudades das marcações: ‘Travessê’! ‘Balancê’! ‘Tour’! ‘Anavancatre’! ‘Marcantes anavan’! ‘Caminhos da roça’! ‘Volta gente que está chovendo’! Na quadrilha era que o dançarino mostrava as suas habilidade e o seu devotamento a “Terpesychore”. Por exemplo_ no “Travessê!”
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muita gente boiava quando um cavalheiro pulava do seu lugar e ia figurar ao lado de uma dama que se achava distante. (...) Para ser “marcante” era preciso conhecer todas as evoluções da quadrilha e estar muito atento ao desenrolar da música”
A quadrilha caiu em completo desuso entre os chorões a partir da terceira década do século XX, tendo sido o único gênero ligado ao choro cuja tradição oral desapareceu completamente: A partir da década de 1990, graças ao violonista Maurício Carrilho, a quadrilha foi “recriada”, assumindo um caráter mais camerístico, com um andamento mais lento, que possibilita salientar as belas melodias e o caráter lírico das antigas quadrilhas.
O CHORO-SAMBA a) Noites Cariocas (Jacob do Bandolim)
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O CHORO-SAMBA e O SAMBA-CHORO O samba sempre esteve relacionado historicamente com o choro — a maioria dos músicos que acompanharam cantores de samba era formada pela escola do choro: Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dino, Meira, Canhoto, entre muitos outros. A influência do choro pode ser sentida também nas composições de muitos sambistas, como Nelson Cavaquinho — cujo modo de tocar violão, repleto de baixarias, nos remete aos contrapontos do choro — ou D. Ivone Lara, afilhada do chorão Candinho do Trombone, autora de composições com sofisticação harmônica e melódica típica dos grandes choros. Desta relação entre samba e choro nasceram dois outros gêneros que poderíamos chamar de samba-choro e choro-samba. O samba-choro é uma composição com características rítmicas e melódicas de um choro, mas feita originalmente com letra: é o caso de algumas composições de Bororó (Da cor do pecado, Curare), Pedro Caetano e Claudionor Cruz (Nova Ilusão, Engomadinho) entre outros. Note-se que existem choros que receberam posteriormente letra. Estes não constituem samba-choro, pois não foram compostos originalmente para receber letra, como é o caso de Doce de Côco e Ingênuo (letrados por Hermínio Bello de Carvalho e Paulo César Pinheiro, respectivamente). São simplesmente choros. O choro-samba é um choro com características rítmicas e melódicas típicas do samba: é o caso das músicas Receita de Samba, e Bole-Bole, e Noites Cariocas de Jacob do Bandolim. Observe no exemplo como o acompanhamento reproduz a levada típica de um tamborim de samba.
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