Alain de Benoist, o liberalismo actual e a sua negação da liberdade do indivíduo
RECOMENDO A LEITURA deste texto de Alain de Benoist, Benoist , em que faz uma análise
resumida da evolução do liberalismo desde a revolução burguesa de 1789. Não há nada no texto com que eu discorde: tenho vindo a dizer aqui essencialmente a mesmas coisas embora de forma esparsa e ao longo de muitos verbetes — embora eu pense que Alain de Benoist se esqueceu de referir o “factor China” que é
contraditório na actual tendência ideológica ocidental.
Eu tenho referido aqui, por exemplo e a espaços, a visão de Fernando Pessoa acerca da ligação li gação essencial entre o indivíduo e a nação. Para Fernando Pessoa, a Humanidade é uma entidade abstracta, e apenas existem os indivíduos e as respectivas nações. Alain de Benoist Ben oist parece compartilhar muito do pensamento de Fernando Pessoa (incluindo o paganismo, com o que eu não concordo). Ora, foi essa composição biunívoca “indivíduo/nação” que não só foi negada pelo
liberalismo actual — de esquerda (Partido Socialista e Bloco de Esquerda) ou de direita (Partido Social Democrata e parte do CDS/PP) —, mas também entra em contradição com o liberalismo clássico. No fundo, Alain de Benoist condensa no
texto, e de uma forma magistral, o conceito de “atomização da sociedade” que eu
tenho referido aqui em vários verbetes. A revolução de 1789 — de facto, uma revolução liberal ou burguesa — deu origem à emergência dos estados-nação na Europa; os impérios trans-nacionais foram destruídos por Napoleão (com excepção do Reino Unido e da Rússia). Depois de Napoleão, surgiram as aglutinações das nacionalidades — Bélgica, Itália, Alemanha, etc., e já no século XX, desmembrou-se o império austro-húngaro. Acontece que, hoje, os desígnios da revolução liberal — a instauração dos estados-nação e a independência das nacionalidades mediante a biunivocidade “indivíduo/nação” de
que nos falava Fernando Pessoa — são negados por um liberalismo radical que tem algumas características comuns à esquerda e à direita; e uma dessas características comuns é a depreciação do estado-nação em favor de uma aparente exaltação do indivíduo. Ou seja, o liberalismo actual renega e recusa os princípios basilares do liberalismo clássico, e por isso não podem ser confundidos um com o outro.
Digo “aparente exaltação do indivíduo” porque de facto o que está por detrás da actual ideologia de exaltação do indivíduo em detrimento da comunidade nacional é algo de sinistro, e que pretende (maquiavelicamente) chegar ao contrário daquilo que aparentemente defende. Através de uma ideologia deliberada de atomização da sociedade, o liberalismo actual não se revela liberal, mas em vez disso, revelase totalitário — na medida em que coloca o indivíduo totalmente isolado face ao Estado. É neste contexto que tenho falado em sinificação que é um ponto central da política globalista emanada da plutocracia internacional (o actual “grupo dos trezentos”, segundo Fernando Pessoa) e com a anuência dos caciques locais de “esquerda” (por exemplo, China). Se reparamos bem, é essa a impressão digital da política de Passos Coelho (a sinificação de Portugal), independentemente de ele a querer ou não. Passos Coelho não tem livre-arbítrio.
Uma das dúvidas que tenho é acerca do papel desempenhado pela maçonaria neste processo actual de atomização das sociedades europeias por via de um aparente exacerbamento do individualismo (sublinho: aparente), porque a maçonaria esteve presente na revolução de 1789 (que defendeu o princípio do estado-nação) que evoluiu hoje para a negação dos princípios liberais clássicos. Ou seja, ou o actual liberalismo é anti-maçónico, ou a maçonaria operou uma reviravolta radical nas suas posições de há 200 anos a esta parte. Outra coisa que me causou imensa “confusão”: ¿como foi possível que os defensores acérrimos e fiéis do federalismo europeu e da União Europeia
tivessem recusado a inserção da herança cultural europeia comum do Cristianismo? Ou
seja, existe aqui uma aparente contradição, porque o Cristianismo seria talvez um dos factores de aglutinação dos povos da Europa na construção do federalismo europeu. Mas as elites políticas europeias recusaram a inclusão do Cristianismo como um dos factores de aglutinação europeia no recente “tratado constitucional” e no Tratado de Lisboa. Portanto, a minha “confusão” é
apenas aparente, porque o que está em causa hoje não é uma construção democrática de uma Federação Europeia, mas antes a sinificação de alguns países da Europa mediante a construção de um leviatão — e tudo isto em nome do exacerbamento radical de putativos direitos do indivíduo! Estamos em presença de um cinismo político inédito. Outra coisa de que o Alain de Benoist fala e que eu já referi aqui muitas vezes é a prevalência actual dopresentismo. Diz Alain de Benoist: «os liberais actuais encoraj am o “narcisismo”; vivem num eterno presente» .Viver num eterno presente é sinónimo de presentismo. O presentismo é uma peça essencial do actual processo de sinificação de algumas sociedades nacionais europeias (nem todas!) rumo a uma submissão incondicional ao leviatão. Alain de Benoist escreve o seguinte: “O actual liberalismo não defende a liberdade: em vez disso, destrói a independência do indivíduo. Por via da corrosão das memórias históricas, o liberalismo (actual) retira o Homem da História: propõe dar ao Homem os meios de subsistência, mas rouba-lhe a razão de viver e retira-lhe a possibilidade de ter um destino”.
ALAIN DE BENOIST
escreve o seguinte:
« Uma nação só pode sobreviver se:
a) se o povo mantém plena consciência da sua História e das suas origens; b) quando o povo se reúne em volta de um mediador, seja um indivíduo e/ou um símbolo (por exemplo, o Rei), que é capaz de juntar as energias e catalisar vontades para um destino comum;
c) se o povo consegue manter a coragem de designar os seus inimigos.
A liberdade não pode ser reduzida ao sentimento que alguém tenha acerca dela. Porque se assim for, tanto o escravo como o robô podem igualmente sentir-se livres.
Nenhuma destas condições ocorrem em sociedades que colocam o ganho económico acima de todos os outros valores, e consequentemente essas sociedades
a) dissolvem as memórias históricas; b) extinguem o sublime e eliminam ideias subliminares respectivas; c) assumem que é possível não ter inimigos. »
O que se passa hoje na União Europeia é que existe uma categoria de países – por
exemplo grandes países como a Alemanha, França, a Inglaterra, Polónia e Itália, por um lado, e por outro lado pequenos países como a Irlanda que possui uma Constituição que baliza a sua soberania, a Hungria que tem vindo a ser literalmente perseguida pela União Europeia e pelo FMI (ou seja, perseguida pela maçonaria internacionalmente organizada), a Eslováquia, a Dinamarca que possui mecanismos de democracia directa, e Malta — que procuram ainda a manutenção das três regras de sobrevivência segundo Alain de Benoist. E depois existe uma segunda categoria de países europeus — por exemplo, Espanha que se desmembra nas suas nacionalidades, Portugal que se submete caninamente ao directório da União Europeia, Grécia que coloca o bemestar económico acima da Nação e do Estado, Bélgica que se debate com uma secessão — que seguem um caminho de dissolução nacional erradicando as suas memórias históricas, extinguindo o sublime, e assumindo que já não há inimigos externos. Alain de Benoist acaba o seu ensaio com um trecho lapidar: “A liberdade não pode ser reduzida ao sentimento que alguém tenha acerca
dela. Porque se assim for, tanto o escravo como o robô podem igualmente sentir-se livres. O
significado de liberdade é inseparável dos fundamentos da antropologia humana, na medida em que o indivíduo compartilha uma história e cultura comuns em uma mesma comunidade. A decadência vaporiza os povos, frequentemente de uma maneira civilizada. É esta a razão por que os indivíduos que agem apenas como indivíduos só podem esperar fugir da tirania, ao passo que cooperando activamente como uma nação, os indivíduos podem geralmente derrotar a tirania.”
http://espectivas.wordpress.com/2012/12/05/alain-de-benoist-o-liberalismo-actual-e-a-suanegacao-da-liberdade-do-individuo-1/
“O regime [republicano] está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional — trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicano português — o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da e rva de que, por direito mental, devem alimentar-se.”
--- Fernando Pessoa