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L. Alons Alonso o Schõkel
A PALAVRA INSPIRADA A Bíblia à luz da ciência da linguagem
B íb l ic a L o y o l a 9
; Ediçõe Edições s L oy o ia
L. ALONSO SCHOKEL
A P A L A V R A I N S P I R A D A A Bíblia à luz lu z da ciên ciênci ciaa da lingu lin guag agem em
Ediçõ Ed içõ es Lo yo la
SUMÁRIO
.................................... ......................... ............. ABREVIATURAS DOS LIVROS BÍBLICOS ........................
9
...................................... .......................... ......................... ............... ... PRÓLOGO À PRIMEIRA EDIÇÃO .........................
11
..................................... ......................... ......................... ................. .... PRÓLOGO À TERCEIRA EDIÇÃO ........................
13
Primeira Parte A PA L AV R A D IV IN O -H U M A N A
1.
2.
3.
...................................... ..................... ......... O A R T IG IG O D E F É E S E U C O N T E X T O ..........................
17
...................................... ......................... .......................... ......................... ......................... .......................... ................ ... Artigo de fé .......................... ..................................... ......................... ............ No contexto do espírito ........................ ...................................... ......................... .......................... ......................... ...................... .......... No contexto do logos .......................... .................................... ......................... ......................... ............ Três caminhos de revelação ........................ Revelação pela criação ...................... .. ......................... ........................... ...................................... ......................... ......................... .......................... .................... ....... Revelação pela história ......................... Revelação pela palavra .......................... ...................................... .................. ...... .. ........... ................. Palavra Palav ra humana . . ................. Palavras de homens .......... ............... . ^ ........................ ........................
17 IS 20 22 23 27 31 33 35
A PALA VRA DIVINODIV INO-HUMANA HUMANA .....................
36
A ação do Espírito ................... Inspiração e encarnação . ........................ ..................................... ......................... ......................... .......................... ................. .................................. ......... Definições negativas ......................... Quatro analogias ...................... ..................................... ................ .... Instrumento ......................... Ditado .............. ........................... Mensageiro ..............................* ......................... ............ O autor e seus personagens .......................... Deus, autor da Escritura Conclusão ............
36 36 39 41 42 47 51 52 54 58
TESTEMUNH OS BÍBLICO S
60
Profetas .............. Fórmulas proféticas Análise literária
........................ .................................. ..........
. ......................... ...................................... ......................... ......................... .......................... ..................... ........ ............
60 62 63
Sum ár i o
Sapienciais Os historiógrafos . Con clusão: A inspiração inspiração do N ovo Testamento A p ó s to lo s e p ro feta fe tass Unidade e distinções Os evangelhos Conclusão
................... .................. .................... .................. .................. .................
................... ................... .................. .................... .................
.....................................
................ .................... .................. .................... ................
.................. .................. ..................... .................. ..............
..........................
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64 67 69 69 70 72 75
Segunda Parte O CONTEXTO DA LINGUAGEM
A E S C R I T U R A C O M O P A L A V R A
..........................................
O contexto da linguagem A a n a log lo g ia A e n c ar n aç ã o ....................................... ......................................................... .................................... ....................................... ................................. ............ Novo enfoque A E sc ritu ri tu ra co m o p a la v r a . Quatro sentidos do termo “linguagem” Teologia Conclusão
.................... .................. .................... .................. .........
79 80
................. .................. .................... .................. .................... ...........
81
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84
................... ................... .................... ............
85
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90
................. .................. ..................... .................. .................. ..................... .
TRÊS FUNÇÕES DA LINGUAGEM Exposição A lin guag gu agee m insp in sp irad ir ad a A lg u n s ex em p los lo s Funções monológicas Outras funções da linguagem
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.................... .................... ................. .................... .................. .......
.................... ................... ................... ..................
.................. .................. .................... .................. .................... ..
............
..................................
TRÊS NÍVEIS DA LINGUAGEM Língua comum Língua técnica Língua literária Comparação de níveis
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.................. .................... .................. .................... .................. .........
..........................
.................. .................... .................. .................... .................. .........
................ .................. .................... .................... ...............
91 91 93 94 98 100 10 0 10 4 104 10 4 Í0 6 110 112
Terceira Parte OS AUTORES INSPIRADOS
PSICOLOGIA DA INSPIRAÇÃO O O O O O
modelo leonino modelo dos manuais teológicos m od o d el elo de de B e n o i t modelo da criação literária artista da linguagem
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.................. .................. .................... .................. .................
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12 1 12 1 12 2 12 3 12 4 12 5
7 Um grande poeta Um simples artesão Uma árvore Um detalhe de estilo e um salmo de imitação Uma narração Inspiração sucessiva A e n tona to na ção çã o Novo Testamento Síntese
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SOCIOLOGIA DA INSPIRAÇÃO Crítica Língua Literatura
12 8 13 1 13 3 13 4 137 13 8 13 9 13 9 141
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-
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F A LA R E E S C R E V E R
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O problema Soluções Falar e escrever Técnicas de composição Composição literária na Bíblia A p a l a v r a
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14 5 149 14 9 15 0 152 154 155 156 15 8 15 9 160 16 0 16 2
Quarta Parte A O B R A IN S P IR A D A
U .
A O B R A I N S P IR IR A D A Os livros sagrados Obra literária? Estrutura múltipla Pluralidade estruturada Consistência Repetibilidade Fidelidade Na Igreja
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i.
A OBRA E SUA TRAD UÇÃO Princípios teológicos Revisão histórica A tra tr a d u çã o g reg re g a dos do s L X X A V u lg a ta Traduções modernas modernas
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167 16 7 169 16 9 172 175 177 17 8 179 180 18 0 183 18 3 183 18 3 18 4 18 6 188 18 8 18 9
g
Sum ár i o
12 .
RECEPÇÃO DA OBRA A o bra br a m ed iad ia d ora or a Na obra, os fatos Na obra, o autor
......................... ................................ ........................
.............................. ................................ .............................. .
......................... .............................................................. ........
.............................. ............................. ................................ .......
19 2 19 4 19 5 196
Quinta Parte C O N S E Q Ü Ê N C I A S D A I N S P IR IR A Ç Ã O 13.
NO CONTEXTO DO LOGOS: A VERD ADE A v e rd a d e lite li terá rá ria ri a A ve rd a d e fin fi n ita, ita , hu m an a, é muitas vezes busca A ve rd a d e ló g ic a V e rd a d e sem erro er ro Conclusão
...................................
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....................................
......................... ................................ .............................. ........
...................................................
.............................. ................................ .............................. ..................
14.
A D O U T R I N A E S EU E U U SO SO Toda a doutrina? Escritura e tradição Uso da doutrina Pregação e catequese Uso na teologia
.............................. ................................. ............................
................................. ............................. ................................ ....
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N O C O N T E X T O D O E S P IR IR I TO TO : A F O R Ç A A lin li n gu agem ag em h um an a Formas enérgicas da linguagem A n t ig o T e stam st am e n to Evangelhos Novo Testamento Santos padres Magistério Liturgia Homilia Liturgias bíblicas Leitura
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206 20 6 2 11 2 12 213 2 16 2 17
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15.
203 20 3
.
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217 2 17 221 221 223 22 3 227 227 228 22 8 230 23 0 233 23 3 23 5 239 23 9 240 24 0 2 44 2 46 247 248 24 8
PA LA V R A E ESP PII R I TO TO : R E F L E X Õ E S À G U I S A D E C O N C L U S Ã O
251
C O N S T I T U IÇ I Ç Ã O “ D E I V E R B U M ” S O B R E A D IV IV I N A R E V E L A Ç Ã O
2 58
SIGLAS UTILIZADAS
2 65
ÍNDICE ONOMÁSTICO
............................ ................................ .............................. .....
266 26 6
PRÓLOGO À PRIMEIRA EDIÇÃO
Este livro não pretende ser um tratado sobre a inspiração: nem pelo tema, nem pelas categorias com que se desenvolve, nem pelo modo de exposição. O tema é antes a palavra do que a inspiração; isto é, o artigo de fé “falou pelos pro fetas” . E, tratando-se de um mistério mistério am plo e inesgo tável, desejei desejei abordá-lo numa região limitada. limitada. Christian Christian Pesch me introduziu no milenar pensamento da Igreja e eu pensei em utilizar categorias da filosofia da lingua gem e da realidade realidade liter literária. ária. Elas representam representam um cam po que, embora limi limi tado, abrange muitos aspectos particulares numa visão unitária. Eis a linha linha deste deste ens aio: a capacidad e humana radical de falar — atualizaatualiza-se se em divers diversas as língua línguass — cada língua língua se atuali atualiza za no uso indivi individual dual — o uso indivi indivi dual às vezes se atualiza atualiza numa ob ra — a obra se se atualiza atualiza na representação e na repetição repetição — a repetição repetição e a represent representação ação se encerram encerram na recepção. Para fa lar-n lar-nos, os, Deus desce à capacidade humana humana de de falar (logos, (logos, cond escendência) escendência) — essa descida se atualiza em duas duas línguas línguas (eleição h istórica, istórica, social) — Deu s atua liza essa essa eleição movendo homens escolhidos (inspiração, psicologia) — essa essa moção se atualiza em muitas obras que se tornam uma obra (obra inspirada, Escritura) — essa essa obra se atualiza atualiza na proclamação e na leitura leitura na Igreja Igreja — essa essa proc lamaç ão e leitura leitura se encerram encerram na recepção. Deu s fala ao homem , o homem homem escuta e responde. O livro não é um estudo estritamente científico: nem pelo conjunto orga nizado de erudição, nem pela indagação profunda de um problema único. É an tes o resultado de reflexões que giram em torno dessa realidade misteriosa que é a palav ra de De us na Igreja. A s minhas reflexões buscaram mais a amplitude que a profun didade. Em certo sentido, este este livro não é senão um interva lo na reflex ão, para ordenar e decantar, antes antes de continu ar a refletir. refletir. E também para pedir o auxílio da crítica e do diálogo, porque o monólogo é menos fecundo. Preferi o tom expositivo do ensaio, por ser mais livre e acessível, e remeti a inform ação mais técnica às notas. O ensaio me perm ite um a reflex ão em termos imaginativos e simbólicos, sem chegar muitas vezes à fórmula conceituai diferenciada. A o co m p o r este es te liv li v ro , tiv ti v e em m en te um p ú b lic li c o cris cr istã tãoo a du lto, lt o, já in c o r porado ao m ovimento bíblico. Po r isso isso,, o livro gostaria gostaria de encontrar encontrar nova mente esse público que já esteve presente e ativo na elaboração. Jerusalém, Páscoa de 1964. Roma, festa de Todos os Santos de 1964.
PRÓLOGO À TERCEIRA EDIÇÃO
A p rim ri m e ira ir a r e d a ç ã o d esta es ta o b ra fo i e lab la b o r a d a p o r m im em Jeru Je rusa salé lém m, no ano de 1964 , como depuração de cinco anos de ensino ensino da matéria. matéria. N o Insti tuto Bíblico de Roma, eu herdara do cardeal Agostinho Bea a cátedra de Ins piração e Herm enêutica. N o decorrer dos cursos, cursos, dep arara com com problemas problemas s pontos de vista novos. Eu estava condicionado em parte pela prática da exegese do Antigo Tes tamento, em parte pela experiência literária e por um crescente interesse pela análise análise da linguagem. linguagem. A ind a não havia se se intensific intensificado ado o envolvente avan ço do estruturalismo, com as suas conseqüências e desenvolvimentos. Creio que a novidade da obra consistiu em transpor o tratado de inspira ção do campo do conhecimento para o campo da linguagem. linguagem. A inspiração inspiração costumava ser estudada e proposta como carisma de conhecimento, de julga mento; a verdade bíblica era considerada como qualidade das suas proposições, e a conseqüência principal, se não única, da inspiração era a inerrância. Os dados bíblicos me ofereciam uma imagem diferente: a inspiração como carisma de linguagem, a verdade bíblica freqüentemente sob a forma de re presentação literária, sendo necessário incluir, entre as conseqüências da inspi ração, com un icação e influência. Dian te do contraste entre entre ensino ensino es colar e múltiplos dados bíblicos, ocorreu-me a possibilidade de repensar o artigo de fé sobre a inspiração bíblica com categorias da linguagem: funções, níveis, obra literár literária. ia. Parecia-me que esse esse enfoqu e correspondia correspondia melhor à realidade da B í blia bl ia e p r e p a ra v a m elh el h o r o terr te rren en o p a ra u m a h er m en ê u tica ti ca r e n o v a d a ( o liv li v r o h ei t u n d M et h o d e, e , de 1960, apenas começava a se destacar). de Gadamer, W a h r he Entre 1965/66, a obra foi simultaneamente publicada em inglês e em es panhol, breve se seguindo edições em italiano, francês e alemão, uma segunda edição espanhola e, há pouco, uma polonesa. A p ó s vin vi n te anos an os da p u b lic li c a ç ã o d a o b ra e da c o n s titu ti tu ição iç ão c o n c ilia il iarr D ei V e r b u m , refletimos sobre o trabalho. N o que me diz respeito, pude constatar constatar que A Palavra inspirada foi foi para mim germinal, germinal, programática. M uito do que escrevi depois deco rre daí. P or essa essa razão , quis quis manter isso, citando oportun a mente artigos artigos ou livros. N o que tange tange a público e tema, d esen volveram -se de mo do semelhante o interes interesse se pela B íblia e o interess interessee pela linguagem. linguagem. Isso pa rece justificar justificar uma nova e dição da obra. E la foi submetida a revisões e acrés cimos bibliográficos, mas conserva a estrutura e o teor originais. Roma, Pentecostes de 1986.
PRIMEIRA PARTE
A PALAVRA DIVINO-HUMANA Lo L o c u t u s est per pe r prop pr ophe heta tass
1.
O artigo de fé e seu context con textoo
2.
A palavra palavr a divino-humana divino-hum ana
3.
Testemunhos bíblicos
1 O ARTIGO DE FÉ E SEU CONTEXTO
ARTIGO DE FÉ Na missa dominical, as pessoas, dirigidas pelo sacerdote, se levantam para professar a sua fé. Trata Tr ata-se -se de um ato litúrgico solene: solen e: a comunidade de pé, não em pé de guerra, mas em pé de profissão; em posição firme, porque está exprimindo firmeza de espírito; em posição uniforme, porque as pessoas exprimem ânimos unânimes. Mas, Ma s, ao mesmo tempo, humildes, porque o ato de fé é um ato de humildade e um dom da graça. Nesse momen m omento to litúrgico litúrgi co uma onda de graça nivela, levantando todos os presentes; e ela os nivela ao nível nível do sacerdote, sacerdo te, ao nível da vida sobrenatural. Um cresciment cre scimentoo sobre-hu mano põe a comunidade de pé, porque flui uma profunda avalancha de graças. Entende Ente nderão rão todas as pessoas o que professam? professam ? Sim, pelo menos de de modo elementar; porque crer é já compreender, é abrir-se e entregar-se numa com preensão. Entend Ent enderão erão todas as pessoas o mesmo, isto é, com a mesma clareza, c lareza, profundidade, profundidade, precisão, riqueza? Não, Nã o, porque essas essas perfeições variáveis podem ser ser ampliadas ampliadas com a meditação medi tação,, o estudo. estudo. A atividade atividade intelectual, intele ctual, atuando so bre o objeto obj eto da fé, nos leva a ganhar conheciment conhec imento. o. Aqui Aq ui vemos vemos descrita, de maneira sumária, a teologia como atividade: uma fé que busca compreender. Já J á na liturg lit urgia ia poderi pod eriaa ocor oc orre rerr uma ampli am pliaçã açãoo do entend ent endime imento nto acer ac erca ca da fé professada: profes sada: a composiç com posição ão do ofício ofíci o litúrgico de uma festa procura iluminar o mistério celebrado, apresentando e revivendo uma harmoniosa e intuitiva com posição de elementos diversos, como leituras do Antigo e do Novo Testamentos, orações, hinos, gestos etc. etc. Além disso, durante a cerimônia cerim ônia litúrgica, o sacer sace r dote pode explicar o sentido da festa e do mistério, sentido que amplia o en tendimento do objeto obje to da fé. Esse Es se aumento do entendimento, por meio da cele cele bração litúrgica, litúrgica, é mais mais vital e orgânico, menos consciente e sistemático. sistemático. Por Po r isso, o cristão continua a buscar uma compreensão da sua fé fora da liturgia e, impelido por ela, numa ciência denominada teologia. A nossa profissão de fé é articulada, articula da, ou seja, dividida dividida em artigos. artigos. Na ter ceira seção, dedicada ao Espírito Santo, professamos: Qui locutus est p e r pr op heta he ta s. E nessas palavras está está contida, de de modo substancial s ubstancial,, a nossa fé na realidade misteriosa da Sagrada Escritu Esc ritura, ra, dos dos livros inspirados. Entende Ente nderão rão todas todas as as pessoas esse artigo de fé que professam? profess am? Sim, pois é fácil fáci l compreen compre en der o que é falar, não é difícil ter algumas idéias sobre os profetas e, generi camente, podemos compreender compreend er o que é falar por meio de outros. Ora, essa compreensão elementar sobre a atividade do Espírito Santo e sobre a palavra O artigo de fée seu contexto
O artigo de fée seu contexto
de Deus também pode ser enriquecida enriquecida por um estudo teo lógico: a atividade atividade inspiradora do Espírito, o feito histórico de alguns autores inspirados, a pre sença na Igreja de certos livros inspirados, as conseqüências dessa realidade para a nossa vida cristã. cristã. Eis a qui cam inhos pelos quais po de amp liar-se liar-se a nossa compreensão do artigo de fé Q ui l ocutus ocutus es est per prophet prophet as. NO CONTEXTO DO ESPIRITO Sobre os carismas, além dos comentários às Epístolas aos Romanos e à primeira Epístola aos Coríntios, e afora obras gerais, como a T e o l o g i a ãel N u e v o T e s t a m e n t o , de Meinertz, e o D i c c i o n a r i o t eo l ó gi gi c o ãel N u ev e v o T es t a m en t o (G. (G . âm m i c o en l a I g l es es i a , “Quaestiones Kittel), pode ser consultado K. Rahner, L o d i n â dispu tatae” (Barc elon a, 1963) 1963).. Nesse volume, o au tor estuda os carism as com o constitutivos da Igreja, bem co mo em suas relações com os ofícios. ofícios. Pode tam tam bém ser consultado o artigo de síntese de Hans Küng, Estructura carismática de la Iglesia, C o n c i l i u m 4 (1965), 44-65; com referências bibliográficas, especialmente na nota 7. Há também a importante obra de H. Mühlen, U n a p er er s o n a M y st s t i ca (T967), e D. Grasso, L o s c a r i s m a s e n l a I g l e s i a (Madri, 1983).
An A n te s d e cheg ch eg a r a prec pr ecis isõe õe s, co nsid ns ider erem em os o co n te x to em qu e nos no s m o v e remos: 1 trata-se trata-se do contexto contexto do Espírito. Este é um “ vento divino” (G n 1 ) , é uma força elementar: o Espírito pairava sobre o abismo no começo da cria ção, invadia tumultuoso o herói Sansão e o impelia às façanhas que salvaram o seu povo, convergia dos quatro pontos cardeais e vivificava os ossos secos que Ezequiel, o profeta, contemplava; o Espírito também era um sopro de Deus que dava vida a Adão, uma brisa suave que enxugava a angústia de Elias e um quádruplo vento dócil que embalava o rebento de Jessé; o Espírito é vento furioso e línguas de fogo no dia de Pentecostes, é quem dita, em voz baixa, a invocação “Pai”, e é dispensador de dons e carismas policromos na Igreja primitiva e em todos os tempos da sua história. Ass A ss im d evem ev em os co n sid si d e ra r o E sp írit ír itoo : fo rte rt e e lib érri ér rim m o, ativ at ivoo e m ú ltip lt iplo lo,, presente presente e invisível. invisível. E é nesse nesse contexto dinâmico e aberto aberto que devemos con ceber a inspiração dos livros sagrados. Perseguiremos d efinições e o Esp írito escapará da nossa classificação mental; aperfeiçoaremos os conceitos e o vento os ultrapas sará; aplicarem os distinções e o Esp írito as tornará permeá veis. Po r que o Espírito sopra onde quer; você ouve a sua voz e não sabe de onde vem nem para onde vai. Num contexto de múltiplos carismas, de Israel e da Igreja, situa-se o ca risma da inspiração da Escritura: permeável a outros carismas e convivendo com eles. Com essa essa flexibilidade flexibilidade intelectual intelectual — cuidando das realidades realidades d inâmicas e dispostos dispostos à hum ildade de sentir sentir-nos -nos ludibriados — , podem os abo rdar o estudo estudo dos autores e dos livros inspirados, que, em última análise, são um mistério da nossa nossa fé. E, para que possamos possamos entender um pouco a açã o do Espírito, Espírito, que o próprio Espírito nos conceda o dom da inteligência. Quando dizemos que a inspiração é um carisma, professamos uma das características da Igreja. Os livros sagrados perten cem à instituição da Igreja, à sua constitu ição: são algo institucional institucional e constitutivo. M as o institucional na Igreja está sempre aberto ao carisma, porque sem carismas a Igreja não pode 1.
Sob re o con texto trinitário , vejam-se tamb ém pp. 36ss. e 194ss. 194ss.
d
cont ext o do Espíri t o
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subs subsis isti tir. r. A s suas institui instituições ções — pap ado , episcopado, sacerd ócio, definições dogmáticas dogmáticas etc. etc. — estão permeadas de carisma, carisma, isto é, da presença ativa ativa do Espírito, que garante na Igreja a existência de coisas sobre-humanas como a infalibilidade ou a santidade; além de todas as instituições conhecidas e registra das, o carisma imprevisto e irresistível sempre encontra lugar nela, porque o Espírito ativo na Igreja não está aprisionado. Por isso, considerar a inspiração um “carisma” tem conseqüências im portantes: a presença da Escritura na Igreja é uma presença do Espírito e, portanto, uma atividade; é um dos caminhos institucionais da ação do Espírito; e. ao mesmo tempo, a Igreja permanece aberta e disponível a novas ações ines peradas do Espírito. Po r outro lado, a leitura leitura e a interpretação da Sagrada Escritura penetram na esfera dos carismas: há uma interpretação infalível e de autoridade, há uma interpretação inspirada e espi ri t ual; e é ao serviço delas que se dispõe o humilde trabalho humano de investigar, trabalho que também pode ser ser tocado pelo E sp írito .2 Tud o isso isso é elemento elemento constit constitutiv utivoo da tradição, tradição, animada pelo Espírito também através da Escritura inspirada. Considerar a inspiração um “carisma” nos impele a não pensar nesse mis téri térioo isoladamente dos outros outros carismas que animam animam a vida vida da Igreja: como fios de um único e maravilhoso tapete, se entrecruzam, para dar forma, o ca risma da santidade e o da inspiração, o de milagres e curas, o de sabedoria e conselho, o de pregação etc. Há pouco tempo, o Pe. Benoit tentou ampliar o âmbito da “inspiração” divi dividi dindo ndo e organiz organizando ando o conceito conceito por “ analogi analogias” as” . 3 Desse modo, ele ele fala da inspiração cognoscitiva para conhecer, da inspiração oratória (que se subdivide em profética e apostólica) para falar, da inspiração para escrever ou hagiográfica; fala também de uma inspiração dramática para atuar (inspiração ativa na vid vi d a de Is ra e l co m o p o v o e em p erso er sona na ge ns e leit le itoo s) e d a insp in sp iraç ir aç ã o ecle ec lesi siás ás ti ti ca ou assistência no magistério. Essa organização de Benoit restitui a inspiração da Sagrada Escritura a um contexto amplo, múltiplo, múltiplo, “ ana lógico” , assinalando cone xões e o parentesco parentesco comum no Espírito. E le pod e citar a seu favo r a etimologia da palavra “ in-spi in-spi-ração” e o uso flutuante de escritores antigos, que também designam como “inspirados” os concílios e alguns escritores eclesiásticos. Contud o não considero recomendável a terminologia terminologia de Benoit. O uso mode rno consagrou e especificou especificou o termo termo “insp iração” : em pregá-lo anulando a diferenciação admitida facilmente nos fará deslizar da analogia para a am bigü bi güid idad ad e. M u ito it o m ais ai s tr a d icio ic ion n a l e m enos en os p e rigo ri go so é re co rrer rr er ao term te rm o “ ca risma”, enquanto contexto de unificação e de conexões, reservando ao termo “ inspiração ” um uso técnico. Isso não nos impedirá de distingui distinguirr diversos diversos está gios ou aspectos aspectos no processo total da inspiração. Ne ssa linha, os estudos de Benoit são um progresso na diferenciação especulativa do mistério. Sto. Tomás nos ensinara a inserir a “profecia” (não a “inspiração” em sentido estrito) no contexto dos carismas ou grati ae grati s datae (Suma Teo- 2. Na terce ira sessão do do Vaticano Vaticano II, em outubro de 196 1964, 4, esse tem a do Espírito foi apresentado, com particular vigor, por D. Edelby. A constituição D e i V e r b u m 12 diz: “ A Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi escrita”. Veja-se o meu comentário no volume publicado pela BAC, C o m en t ár i o s a l a co co n s t i t u c i õn õn “ D ei e i V e r b u m ” s o b r e l a d i v i n a r ev e v el a c i ó n (Madri, 1969). 3. P. Be no it, Le s analogies de 1’inspira tion, S a c r a P a g i n a I (Gembloux, 1959): 86-99; id., Inspiración y revelación, C o n 10 (19 65 ): 13-2 13-22. 2.
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lógica, 17 1 -1 7 8 ).
Devo tado à sábia sábia ordem das das divis divisões, ões, ele distri distribui buiu u os ca rismas em três grupos: graças de conhecer, a profecia e o êxtase; graças de falar, a glosso lalia e o discurso; graças de atuar, os os milagres. milagres. De ssa mane ira, a profecia se insere no primeiro grupo, um pouco contra a abundante evidên cia bíblica. bíblica. O respeito rígido rígido a essa divisão divisão acarretou problema s desnecessários desnecessários ao tratado neo-escolástico D e Inspi rat i one Sacrae Script urae. urae. Adiante teremos ocasião de volta r a esse esse tema. P or ora, basta afirmar, afirmar, sem entrar em em “ questões questões controversas”, que a inspiração é um carisma de linguagem: locutus est. NO CONTEXTO DO LOGOS A teoria da revelação está novamente ativa e é alvo de interesse. Como síntese histórica e exposição sistemática, pode ser consultado: R. Latourelle, T e o l o g i a d e l a r e v e l a c i ó n (Salamanca, 1966). Em sua parte histórica, essa obra oferece resumos claros das teorias e controvérsias mais importantes. A parte sistemática tem início com três capítulos intitulados “La revelación como palabra, testimonio y encuentro”, “Revelación y creación” e “Historia y revelación”. Trata-se de uma descrição breve, que não aborda as relações mútuas. Veja-se e o l o g i c a l S t u d i es , 1964. O livro oferece o amplo levantamento de A. Dulles em T h eo também, além da bibliografia geral, uma bibliografia específica de cada capítulo. Um ponto de vista mais fenomenológico e uma exposição menos acadêmica e l i g i o n u n ã O f f en en b a r u n g podem ser encontrados na obra de R. Guardini, R el e l i g i ó n y r ev e v e l a c i ó n , Madri, 1960). A primeira (Wurzburgo, 1958; trad. espanhola: R el parte descreve o fato ou fenômeno da experiência religiosa; a segunda, algumas configurações concretas desse tipo de experiência e a terceira, a sua formulação em conceitos e imagens. en W i s se s en . Uma exposição muito clara pode ser vista em H. Fries, G l a u b en W eg e z u r e i n e r L õs u n g d es e s P r o b l em s (Berlim, 1960; trad. espanhola: C r e e r y s a b e r , Madri, 1963). Além da exposição histórica, o que apresenta grande interesse aqui é a descrição da fé na pessoa e da fé em suas proposições. A fé na pessoa é uma forma autêntica e superior de saber. Podem-se consultar C. Geffré/I. de la vé l at i on de D i eu et et l an gage des ho m m es (Paris, 1964) e C o n - Pottérie (eds.), R é c i l i a m 21 (1967), R e v el e l a c i ó n y f e . Cf. N. Schiepers/K. Rahner/H. Fries, Revelación, S a cr c r a m e n t a m M u n di d i VI, cols. 78-113, e P. Ricoeur/E. Levinas (eds.), L a r é vé l a t i o n (Bruxelas, Universidade de Saint-Louis, 1971).
No carisma da inspiração, a atividade do Espírito se especializa em lingua gem: exposição, com unicação , conhecimen conhecimen to. Tu do isso pertence à esfera do logos, que é conhecimento mental e sua comunicação em palavras: pensar e dizer. dizer. Co m un icação e conhecimento são elementos de revelaçã o. Se tomarmos a palavra “revelação” num sentido amplo, poderemos partir de experiências experiências estrita estritamente mente humanas. humanas. Po r exem plo, denominam os “ revelar” a operação química pela qual a emulsão fotográfica exposta à luz manifesta e libera a imagem gravada e escondida. Pod em os dizer que os átomos, átomos, os genes revelam os seus segredos a uma investigação matemática e experimental. Num grau mais alto ou mais profundo, posso dizer que uma paisagem, uma tempes tade, um céu noturno tropical foram uma revelação para mim, porque me des vela ve lara ram m a lgo lg o qu e está es tá a cim ci m a ou p o r d etrá et ráss dele de les. s. T ra ta -se -s e de o b jeto je toss qu e se revelam; ou será que um algo, diverso de um mero objeto, se desvela neles? Sem se aprofundar tanto, pode-se dizer que o mais humilde objeto do mundo está patente, manifestando-se ao homem; o seu ser é presença, mani festação; o seu ser é cognoscível e, por isso, diremos que ele tira um véu ou
N o co co n t ex t o d o l o g os os
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se revela. Qu ando se apodera dessa man ifestação e contemp la esse esse ser que assim se manifesta à sua inteligência, o homem, num ato do espírito, o nomeia, vo lta lt a a m an ifes if es tá-l tá -loo , a trib tr ibu u ind in d o-lh o- lhee u m a n o v a q u a lid li d a d e de p re se n ça e de e v i dência; em certo sentido, o homem revela o objeto a si mesmo e aos outros. Já vislumbramos aí a conexão radical entre “revelação” e linguagem. Se quisermos agir com escrúpulo terminológico, reservaremos a palavra “revelação” a uma esfera superior. Mas, como a linguagem comum não tem esses escrúpulos, eu quis começar por esse estágio tão sugestivo, anterior ao rigor da diferencia ção terminológica terminológica.. A criança é a grande grande descobridora descobridora de um “ novo m undo” , porque todo o mundo é novo para ela; para a criança, tudo é revelação ou manifestação, e o fato de dar ou usar nomes também representa um prazer para ela. O termo “revelação” tem melhor emprego quando aplicado a sujeitos, pes soas. soas. Du as característic características as servem servem pa ra descrever descrever a pessoa: a autoposse intelec tual, tual, ou consciência, e a autoposse volitiva, ou liberdade. O cão também tem um conhecimento sensorial, mas não sabe que sabe, possuindo tendências que não possui de modo livre. Inversamente, no ato de conhece r um objeto, eu me conheço como conhecedor em ação, posso acumular o conhecimento e atualizá-lo em novas ocasiões, como meu e como passado: possuo o meu conheci mento e, e, nele, a mim mesmo. D e mod o ainda ainda mais radical, possuo a minha von vo n tade ta de , p ois oi s tom to m o d ecis ec isõõ es, es , susp su spen en d o-as o- as,, r ev o g o -a s, d irij ir ijoo a ativ at ivid idad ad e p a ra um fim previsto, reflito e pondero antes de decidir, e, depois da ação, sinto-me dono e, por isso, responsável: na decisão, possuo a minha vontade e a mim mesmo, possuo a minha decisão e, nela, nela, a mim mesmo. Essa posse é algo que está interiorizado em mim, está fechada em si mesma; por isso, posso conservar para mim a posse exclusiva dessa atividade, escondê-la dos olhares externos, ou posso revelá-la. Por possuir a mim mesmo, posso esconder-me e fechar-me, ignorando pressões e violências; por possuir a mim mesmo, posso abrir-me em comuni cação com outra pessoa, revelando-me em doação livre. livre. A qu i, em atos atos de plenitude plenitude pessoal, se justifica justifica o uso do termo “ reve lação ” . É verdade que, involuntariamente, nos desvelamos em gestos, em reações espontâneas, em em ações; há ciências ou técnicas que decifram esses esses sintomas sintomas.. Em plena revelação livre, desejada e produzida, não se decifra a partir de sintomas, mas se se conhece e se penetra. penetra. Essa re velação pessoal, consciente consciente e livre, pode realizar-se em ocasiões intencionais, como a oferta de um ramalhete (“diga-o com flores ” ), em gestos propositais, propositais, como um aperto de mãos, ou em palavras. Pela revelação pessoal, tornamos o outro partícipe da nossa própria posse e, de maneira recíproca, compartilhamos a sua posse. Desembocamos de novo na linguagem enquanto veículo ideal de revelação pessoal; além disso, veio à tona o tema da revelação mútua, consumada na palavra dialogada. O tema voltará a aparecer; que baste por ora a sua enunenunciação. E quanto a Deus, é pessoa? Pod e ele velar-se e revelar-se? revelar-se? Neste contex to, a fé nos ajuda, pois nos diz que Deus vive em três pessoas; só que a fé já im plic pl icaa u m a re v e la ç ã o . A e sp ec u la çã o ago ag o stin st inia ian n a so br e a T rin ri n d ad e , ba sead se ad a em alguns dados bíblicos, nos guiará. Ninguém como Deus se possui, em seu conhecimento e liberdade: a ple nitude de Deu s só pode ser possuída por Deus. O P ai possui a plenitude de Deus, que é possuir-se a si mesmo; mas ele não reserva exclusivamente para si essa posse, comunicando numa Palavra, misteriosa e total, a sua plenitude
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divina à pessoa do Filho, que, dessa maneira, possui a divindade integral, a mesma do do Pai: o F ilho é a imagem, a Palav ra do Pai. A plenitude de divin dade, que o Pai e o Filho possuem de forma compartilhada, é comunicada por eles em nome do amor ao Espírito Santo, de tal sorte que a terceira pessoa também possui a plenitude da divindade. Des dobra ndo muito o termo termo “ reve lação”, poderíamos dizer que dentro de Deus há uma espécie de revelação, ou melhor, que a vida divina é revelação interna, do Pai para o Filho, do Pai no Filho. Isso é especulaçã o sobre um fato que é mistéri mistério. o. 4 Não saímos com isso da divindade; pelo contrário, entramos na divindade com agostiniana agostiniana audácia especulativa. Se usamos o termo termo “ rev elaç ão ” num sen tido menos amplo, a vida interna de Deus não nos basta; precisamos de um movime nto de abertura de De us que se exteriorize em ações ou palavras. Esse tipo tipo de revelaçã o será possível por parte de Deus? M ais uma vez, seguindo a especulação de Agostinho (que por seu turno se apóia em dados bíblicos), podemos dizer: como há dentro de Deus uma palavra que é expressão total da divindade, é possível a existência de uma ação externa que seja reflexo par cial e m ultiplicado ultiplicado d a divindade. divindade. Po r essa razão, João e Paulo dizem que tudo tudo foi feito por ele e nele, já que toda manifestação externa de Deus reside na manifestação interna interna que que é o Filho, a Imagem , o Logos. To da revelação de Deus voltada para o exterior é reflexo da misteriosa manifestação interna de Deus. Se sabemos algo acerca da vida interna de Deus e podemos falar sobre isso é porque se realizou uma revelação externa de Deus que, de algum modo, nos permite penetrar em sua própria vida. T R ÊS Ê S C AM A M I NH NH O S D E R E V E L A Ç Ã O Hebreus se se inicia inicia de maneira maneira solene: “ Em múltiplas múltiplas ocasiões ocasiões e de mui tas tas maneiras Deu s falou outrora a nossos pais pais pelos profetas. A go ra , nesta nesta etapa final, falou-nos por um Filho, a quem nomeou herdeiro de tudo, o mes mo por quem criara os mundos e as eras. eras. E le é o reflexo de sua glória, ex pressão de seu ser; ele sustêm o universo com a palavra potente de Deus; e, depois de realizar a purificação dos pecados, sentou-se à direita de sua majes tade nas alturas, tornando-se um protetor mais poderoso, que os anjos, tanto mais extraordinário é o título título que herdou ” . Nessa síntese teológica só nos falta uma enunciação explícita da revelação pe la história ■ — enu nciaçã o que encon tramo s no capítulo 11 e que está implí cita nas formas verbais do prólogo . En contram os um a referência a Cristo co mo resplendor de sua sua glória e expressão do seu Ser. Ser. Essas palavras se referem referem estritamente ao Cristo encarnado, mas na encarnação existe essa participação da divindade como imagem substancial — o que é próprio da vida trini trinitári tária. a. Vim V im o s , além al ém diss di sso, o, q u e p o r ele el e fo i cria cr iad d o o u n ive iv e rso rs o , p rim ri m e ira ir a re v e la ç ã o de D e u s vo lta lt a d a p a ra o e xter xt erio ior. r. A n te s da vin vi n d a h istó is tó rica ri ca de Jesu Je sus, s, p re p a ra n d o os dias dia s da etapa final, houve uma revelação em muitas palavras, ditas por profetas. No Cristo encarnado temos a revelação final e plena, que se realiza em sua pessoa pessoa (como “ resplendor resplendor e expressão” ), em suas suas ações de “ purificação purificação dos 4. Veja-se Veja-se E . Eilers, G o t t es W o r t . E i n e T h eo e o l o g i e d e r P r eãi g t n a c h B o n a v e n t u r a (Friburgo, 1941); A. Gerken, T h eo l o g i e ães W o r t es . D a s V er h a l t n i s v o n S c h õp õp f u n g u n d I n k a r n a t i o n b ei ei B o n a v en t u r a (Düsseldorf, 1963).
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peca dos” e em suas palavras, visto visto qu e nele fala o Pai. Criaç ão, escritura escritura san san ta, ta, redenção em Cristo — tudo está estreit estreitamente amente unido, unido, sendo, para nós, ma nifestação divina. REVELAÇÃO PELA CRIAÇÃO Além do capítulo específico de R. Latourelle, com a bibliografia correspon dente, convém destacar aqui o tema do mito. Trata-se de um tema de interesse central no pensamento atual e, por isso, a bibliografia é imensa. Uma exposição abundante, suficientemente clara e com boa bibliografia, pode ser encontrada Su p p l é m e n t (DBS) VI, pp. 225-258. Entre os autores em D i c t i o n n a i r e d e l a B i b l e, Su mais reconhecidos e lidos hoje, deve ser citado Mircea Eliade, cujas obras foram as traduzidas para as principais línguas; veja-se, por exemplo, a sua H i s t o r i a d e l as c r e e n c i a s y d e l a s i d e a s r e l i g i o s a s , 4 vols. (Madri, Cristiandad, 1978-86). O tema do mito é desenvolvido em toda a sua obra, sendo abordado de modo especial no qu e T r a t a d o d e H i s t o r i a d e l a s R el i g i o n es . M o r f o l o g ía y ãi a l é c t i c a d e l o s a g r a d o , que analisa as “hierofanias” numinosas; ele descobre o homem no Neolítico em con tato com a agricultura e cedo utiliza mitos, ritos e símbolos, que mantêm o humano em contato com o divino (Madri, T981). Mencionaremos alguns outros dos seus livros; E l m i t o ãel e t er e r n o r e t o r n o (1949), I m ágenes y sím bo l os (1952), (1971), I m ágenes y sím bo - M i t o y r ea l i ãa ã (1968), L a no sta l gia d e lo s or ígenes l o s (1974). Por sua importância, devem-se consultar os dois estudos de P. Ricoeur, S y m b o l i s m e ãu m a l , tomo II de F i n i t u d e et c u l p a b i l i t é (Paris, t i ca ( Paris, 1960), e P o é e s i m b ó l i c a in I n i ci a ção à p r át i ca da t eol ogi a, vol. 1 (Edições Loyola, São Paulo, 1992), 29-48 Em outra direção caminha a complicada controvérsia sobre a arte de desmitologizar o Novo Testamento, de tal sorte que o Pe. Nober precisou dedi car-lhe um título especial em seu “Elenco Bibliográfico Bíblico anual”. O livro de H. Noack, S p r a c h e u n ã O f f e n b a r u n g (Gütersloh, 1960), se movimenta nesse horizonte de problemas, com a típica e difícil linguagem que o caracteriza. Sobre a mudança na valorização do mito pode-se consultar J. Pépin, M y t h e (Paris, 1958) — apenas o primeiro capítulo. A sua explicação da et A l l é go r i e alegoria cristã é equivocada, como o demonstra H. de Lubac em sua E x é g ès e Mé ãi é v a l e. Veja-se também P. Barthel, I n t e r p r é t a t i o n ãu l a n g a g e m y t h i q u e et t hé ol ogi e bib l i qu e st a m en t (Leiden, 1963). Cf. J. W. Rogerso n, M i t h i n O l ã T e st I n t e r p r e t a t i o n (Nova Iorque, 1976). Cf. uma boa iniciação ao símbolo em J. Mateos, Símbolo in C o n c e p t o s f u n d a m e n t a l e s d e P a s t o r a l (Madri, 1983), 960-971, com bibliografia.
A s pa lavr la vras as “ n a tu re za ” , “ u n ive iv e rs o ” e “ co sm o s” sã o p o b re s subs su bstit titut utos os da palavra “ criaç ão” . Porq ue a verdade ira substância de toda a natureza é ser criatura e, como tal, revelação de Deus; ou, se desejamos evitar um vocábulo demasiado preciso, man ifestação de Deus. Tud o o que Deus realiza fora de si mesm o o man ifesta, sendo, em sentido amplo, uma espé cie de língua: “ Os céus proclamam a glória de Deus” apenas por ele existir e agir. Sem que falem, sem que pronunciem, sem que ressoe sua voz, sua proclamação atinge toda a terra, e sua sua linguagem, linguagem, até até os limites limites do orbe
(SI 19 ,4- 5) .
Quando não se fecham, os olhos mortais compreendem a linguagem da natureza como criatura que fala do Criador. E é uma imagem freqüente, freqüente, tópi tópi ca, falar do livro da criação:
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0 art i go de f ée seu seu cont ext o
O mnis mundi creatura reatura quasi quasi l i be berr et et pi ct ura nobis est et speculum
escreve Alano de Insulis (PL 210, 579); e Boaventura, no seu Brevilóquio, afirma: creat reat ura m und i es est quasi quasi qui dam li be berr i n quo r el u cet cet . . . Tri nit as fabri (II, 2 ). 5 catrix (II, Paulo nos diz: “O que se pode conhecer de Deus está a seu alcance, pois De us lho manifestou. Já que, que, desde a criação, sua natureza invisível, invisível, seu seu poder eterno e sua divindade são conhecidos por uma reflexão sobre as coisas cria das” (Rm 1,19 -2 0) . Ou seja seja,, as criatur criaturas as revelam Deu s a uma mente que que saiba refletir. refletir. Pau lo não fornece detalhes sobre a realizaçã o dessa reflexão , empregando o termo filosófico nooúmena, que podemos traduzir rigorosamente por “ (coisas) pensadas” pensadas” . E o Livro da Sabedori Sabedoriaa o formula formula da segui seguint ntee ma neira: “ Pe la magnitude e beleza das criat criaturas uras se descobre por analogia quem lhes deu o ser” ser” (Sb 13 ,5 ). Um a forma de reflexão reflexão intelectual intelectual ocorrerá atrav através és de silogismos, que, apoiados no princípio da causalidade, levarão rigorosamen te a De us, aos seus seus atributos atributos e perfeições. Ma is ou menos, as diferentes diferentes provas da existência de Deus, ou “vias”, são uma aplicação do grande princípio da razão suficiente. suficiente. Pa ra os gregos do tempo de Paulo, pa ra os homens de uma época científica, os caminhos do silogismo sempre estão franqueados, e todos terminam em Deus. E isso vale radicalmente para todos os homens, já que a racionalidade é essencial ao homem, e a capacidade de raciocinar, em ação, pode conduzi-lo a Deus. Fa lo aqui de possibilidade, possibilidade, no no sentido sentido do Co ncilio Vaticano 1 . 6 Para povos primitivos, para culturas pré-filosóficas, parece existir outro caminho, a que se se costuma dar o nome de simbólico. simbólico. N ão me refiro ao cam i nho da “demonstração”, porque demonstrar é uma operação filosófica rigorosa, ao passo que o caminho simbólico conduz a Deus sem a aplicação do rigor dos silog silogismos ismos.. A percepção de uma presença superior superior numa tormenta: tormenta: a tormenta tormenta se transcende a si mesma, nela se descobre algo superior e imponente, algo sagrado e divino; não por meio de raciocínios, mas sob a forma de experiência profunda e emocional. emocional. O mesmo acontece com um profundo céu estrel estrelado, ado, com um vulcão em erupção, com a imensidão tranqüila do mar, com o silêncio intimidante intimidante de uma s elva . . . O fato de esse caminho estar mais exp osto a deformações é demonstrado pela história comparada das religiões; mas a própria ciência demonstra que esse é o caminho religioso, sinceramente religioso, de muitos povos. O fato de se tratar de um caminho em otivo, carregado de intensa intensa emoção, não exclui a sua natureza intelectual, já que toda percepção simbólica, embora possa repousar em esquemas subconscientes da alma, é intelectual. Essa
5. E . R. Curtius, E u r o p ãi s ch c h e L i t e r a t u r u n ã l a t ei n i s c h es es M i t t e l a l t er , Berna, 21954, capítulo 16: “O livro como símbolo”. Repassando da Grécia a Shakespeare, mostra a constância e as variações do símbolo. De particular interesse é a idéia dos dois livros, natureza e Escritura, freqüente em autores medievais (trad. cast.: L i t er a t u r a e u r o p e a y E ãa ã M ed i a l a t i n a , México, 41984), 423-489. g ès e M é ãi é v a l e. L es q u a t r e s en s d e Veja-se também H. de Lubac, E x é V Éc r i t u r e, I (Paris, 1959), 121-125. 6. Veja-se R. Lato urelle, T h é o l o gi e d e l a R é vé l a t i o n , p. 356.
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percepção simbólica se traduzirá depois em mitos e em grandes imagens poé ticas, dotados de valor cognoscitivo e expressivo.7 Entre os salmos encontramos um que foi tomado e adaptado do culto cananeu; isso quer dizer que o autor sagrado viu nele uma autêntica experiência religiosa, formulada com suficiente correção para ser transportada para o con texto javista. javista. Trata-se do SI 29, que canta o De us presente na tormenta. tormenta. É poesia autêntica, sem vestígio de raciocínio: um fato da natureza, dinâmico e impression impressionante, ante, é contemp lado e submetido submetido a uma reflexão sim bólica bólica — trovão se aprofu aprofunda nda em voz de Deus. D e modo se se nooúmena — , na qual o trovão melhante, os poetas religiosos hebreus utilizam grandes símbolos da religião cananéia para formular alguma qualidade de Deus; por exemplo, o tumulto oceânico, visto como uma rebelião ou desordem, sobre o qual Deus impõe a ordem de forma vitoriosa: Levantam os rios, Senhor, levantam os rios sua voz, levantam os rios seu fragor; porém, mais potente que a voz de águas caudalosas, mais potente que as vagas do mar, mais potente, no céu, é o Senhor (SI 93,3-4). É equivocado pensar que as imagens, símbolos e mitos dessas religiões orientais sejam puro embuste e falsidade e que, ao entrar no uso israelítico, se transformem de repente em autênticos e santos; não é desse tipo a trans mu tação bíblica. bíblica. E mais ridículo ainda seri seriaa pensar que os autores bíblicos procedem através de raciocínios e silogismos, que depois recobrem e dissimulam com imagens, imagens, por causa da ignorância ou falta de cultura cultura dos leitore leitores. s. A poe sia não é a arte de vestir silogismos. Nesses e em numerosos outros exemplos bíblicos aparece um evidente pon to de contato com as religiões do Oriente antigo: isso significa que, pelo menos nesses pontos de contato, e mesmo intersecções, as religiões extrabíblicas dão testemunho de uma autêntica experiência de Deus, muito embora esta se mos tre contaminada e deformada em em muitos muitos outros outros pontos pontos de não-contato. Ve jaSalm os, os, pp. 296s. -se Tr ei nt a Salm De resto, essa é uma explicação comumente admitida hoje, explicação que continua a ser menosprezada por aqueles que ainda pensam os mitos com ca tegorias ilum ilum inistas ou racionalistas . Os autores se atêm à discussão das van tagens desses modos de acesso a Deus; quanto a nós, aqui nos interessa sim plesmente o fato de que a criação manifesta Deus. Essa man ifestação ifestação de Deus é uma linguagem linguagem divina? divina? Ou se realiza por um acréscimo acréscimo da linguagem linguagem humana ao mero dad o da natureza? natureza? Esse nooúmena da Epístola aos Romanos não constitui já uma espécie de linguagem interior? Não ocorre nele uma síntese simbólica, ou um processo racional de proposições encadeadas? De fato, não faltará ness nesses es casos pelo menos um acompanh a mento rudimentar de linguagem interior; mas, por ora, prefiro não considerar essa essa ação da inteligência como ato formal de linguagem. Será necessário necessário escla recer e empregar diversos diversos sentidos sentidos do termo termo “ linguagem ” . 7. R. Guardin i, R el e l i g i ón ó n y r ev e v e l a c i ó n , capítulo primeiro, “El caracter sim bólico de las cosas” e seu precioso livro L o s s i g n o s s a g r a d o s .
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No Logos, o Pai se diz a si mesmo, comunicando a sua divindade ao Filho de maneira integral. integral. Cham amos analogicamente esse ato ato — pelas suas suas caracte caracte rísti rísticas cas de vitalidade vitalidade e de expressão — de palavra, logos. Mas ele é único e total, não dividido nem articulado: é imagem permanente e natural, não con ve n cio ci o n a l nem ne m tran tr ansi sitó tóri ria. a. Q u a n d o D e u s co m eç a a atua at uarr v o lta lt a d o p a ra o ex te te rior, rior, por intermédio do Filho , é diferente diferente.. Deu s não pode esgotar a sua imagem numa criatura; o que ele faz é d i v i d i r e a r t i c u l a r a sua imagem em muitas ima gens ordenadas e compostas, e isso é uma espécie de linguagem, sistema orde nado de formas representati representativas. vas. De us não pode comunicar ao exterior a sua er d a d e existência, mas apenas uma existência contingente; e essa necessária p er s u b s t â n c i a também se se assemelha a uma linguagem. linguagem. Ca da ser represent representa, a, em pe quena escala e sem sem consistência própria, uma perfeição interna de D eus: como um imenso imenso voca bulár io de palavra s significativas. significativas. Os seres seres se relacion am numa ordem parcial, representando algo da unidade e das relações divinas: como frases bem-com postas. E todos os seres seres compõem um sistema sistema ordenado: como a obra perfeita de uma linguagem. linguagem. N ão é muito original falar do grand e livro livro da natureza. Frei Luis de Granada fala das letras letras “ que serão serão depois todas todas as criaturas deste mundo, tão formosas e tãoacabadas, tão acabadas, mas algumas como letras desiguais e iluminadas que mostram bem o primor e a sabedo ria do autor” . Po r outro lado, Dante escolhe a imagem das folhas soltas na natureza e encader nadas em Deus. N el
s u o p r o f o n d o v i d i c h e s ’ i n t er er n a , l eg eg a t o c o n a m o r e i n u n v o l u m e , c i ò c h e p e r V u n i v e r so so s e s q u a d e r n a (Par 33, 83).s
O A T emprega a representação da linguagem no próprio momento da ação criativa. O autor de G n 1 faz uma sutil sutil distinção nas primeiras obras: a rigor, tem preced ência a ordem, seguindo-se a existência, existência, o nome. Isso fica muito claro quando o vocábulo é diferente no chamado criativo e na imposição do nome: “ Q ue a luz exista, exista, e a luz luz existiu. . . e Deu s cham ou à luz dia” . P o demos falar de uma “vocação” à existência e, depois, de uma “nomeação” em seu seu ser ser.. O chamado chamado à existênc existência ia é um “ dizer” de Deus — “ Deus disse” disse” — , aparece como ato de linguagem, com um fortíssimo e invencível impulso na forma verbal “ exista” e com uma d iferenciação iferenciação sucessiva sucessiva nos substantivos substantivos “ luz, água, continente” . N a sucessiva sucessiva nom eação, proclam ada por De us, fica estabeleci estabeleci da a realidade distinta de cada ser, a sua presença cognoscível. Desde o princípio são nom eadas e para sempre continuam a ser nom eáveis. No s atos criativos se guintes, o autor mantém a sublime economia da sua descrição, renunciando por essa essa razão à multiplicidade multiplicidade explícita. explícita. No quarto dia, Deus chama à existênc existência ia os “luzeiros” e, entre todos, distingue os dois luzeiros maiores, um diurno e outro noturno: este estess recebem recebem a sua função própria, “ sol, lua” . Seria contrário ao estilo simples e hierático desse capítulo nomear separadamente as inumerá veis vei s estr es trel elas as;; o auto au torr cont co nten en ta-s ta -see em dize di zerr “ e as es trel tr elas as”” . M as, as , no SI 1 4 7 , lemos que Deus chama as estrelas pelo nome, o que implica que lhes impusera um nome a cada uma, tal como o fizera com o sol e com a lua. lua. Alg o seme lhante ocor re nos atos atos criativos seguintes: o autorinsiste autor insiste no fato de serem criados “ segundo a sua espécie” ,dotados de virtudes virtudes “ segundo a sua sua espécie” espécie” , sem sem repetir repetir o nome imposto imposto por Deus a cada um. 8.
E . R. Curtius, L i t er a t u r a eu r o p e a y E ãa ã M ed i a l a t i n a , 457ss.
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Na Bíblia atual, em que o capítulo 2 prolonga o 1, parece que Deus cede a Ad ão o direito de nomear os animais animais de mod o diferenciado. diferenciado. Co m o o ho mem age à imagem e semelhança de Deus, a sua nomeação correta não exclui a designação prévia, fundacional, de Deus. O redator que uniu as duas narrações não encara todos os problemas teo lógicos: podemos afirmar que o “dizer” de Deus é o princípio da existência dos seres seres e que o “ nom ear” divino é o princípio da sua nom eabilidade. Isso ocorre de form a eficaz, diferenciada, ordenada. Reco rdem os que, entre susumérios e babilônios, o começo da ciência consiste na confecção de listas de nomes por grupos ordenados: plantas, animais, fenômenos atmosféricos etc.; trata-se de uma prática ainda viva em toda a ciência ocidental, nas classifica ções de Linné, na série de Mendeleyef, na anatomia descritiva, nos dicionários por cam pos de linguagem. 9 Deus cria com a sua palavra, que é sabedoria e ação orientada para fora: a sua ação é corretamente representada como manifestação em linguagem arti culada e que articula; e o resultado dessa ação é o sistema ordenado de seres, que, pela sua nomeabilidade diferenciada e ordenada, pode ser comparado com uma linguagem e que, com a chegada do homem, se transformará em lingua gem formal. É possível que se pense que nos nos m ovemos num círculo vicioso: partimos partimos da nossa experiência comum de linguagem para explicar, por analogia, a ati vid vi d a de c ria ri a tiv ti v a de D e u s; d epoi ep oiss en con co n tram tr am os u m a se m e lhan lh an ça de lin li n guag gu agem em nessa atividade, atividade, seja seja na Bíblia, seja na especulação teológica. Con tudo o uso uso bíb bí b lico li co con co n seqü se qü en te, te , que qu e e x p lica li ca a a çã o cr iad ia d o ra sob so b a fo rm a de lin gu ag em , e as fórmulas teológicas de João, prolongadas pelo uso secular dos santos padres, garantem-nos a validade da nossa explicação. Se podemos partir da nossa experiência de linguagem para explicar analogicamente a atividade divina, isso ocorre porque a nossa linguagem linguagem de fato fato imita imita a atividade divina. divina. Vere m os como mais adiante. Em conclusão, temos temos a prime primeira ira manifestação manifestação de D eus — que que denomina mos genericamente genericamente revelaçã o — através das obras da sua criação, através das criatura criaturas. s. Nestas encontramos já uma prefiguração e uma analogia da lingua gem formal, que será a revelação em sentido estrito. REVELAÇÃO PELA HISTÓRIA atual o tema da revelação pela história, sobretudo na teologia protestante. É Entre as obras recentes, podem-se consultar: W. Pannenberg (ed.), R e v e l a c i ó n c o m o h i st s t o r i a (Salamanca, 1977) e T eo e o l o g i a d ei e i A n t l g u o T es t a m e n t o , de G. von Rad. A. Vogtle, Revelación e historia en el Nuevo Testamento, C o n c i l i u m 21 (1967), 43-55. Existem agora duas obras teológicas que, ao buscar a renovação da teologia segundo o espírito do Vaticano II, partem da base da realidade histórica da revelação. M y s t er er i u m Sa l u t i s, s , a primeira delas, tem como subtítulo “Manual de Teologia como historia de la salvación”. Consta de cinco grandes volumes, cujos títulos exprimem de fato a sua orientação: I. Fundamentos da Teologia como História da Salvação (1102 pp.); II. A História da Salvação Antes de Cristo (933 pp.); III. O Acontecimento Cristo (1105 pp.); IV. A Igreja (1700 pp., 2 vols.); V. O Cristão no Tempo e a Consumação Escatológica (891 pp.). Publicado por Ediciones Cristiandad, Madri, 1980-85.
9. L i s t en e n w i s se s e n s ch ch a f t : veja-se G. von Rad, T e o l o g i a d e i A n t l g u o T e s t a m e n t o I (Salamanca, 1969), 441ss., com bibliografia.
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A segunda obra, I ni cia ção a p rát i ca d a t eol ogi a, que está sendo publicada por Edições Loyola (1992ss.), consta também de 5 vols.: I. Introdução; II. Dogmá tica l; m . Dogm ática ática 2; IV. Ética; V. A Prática. Ações Ações Pastorais. Preparada pelos Dominicanos de Paris, trata-se da resposta francesa à concepção alemã de teologia. Com menor intenção crítica e científica, a obra é mais simples e acessível aos que se iniciam nessa matéria. No comentário da BAC à constituição D e i V e r b u m , pode-se ler o artigo C a r ác t e r h i s t ó r i c o d e l a r e v e l a c i ó n , cujo índice é: A História como Cenário da Revelação; como Objeto; como Prova; A História Reveladora. O Progresso dos Esquemas. Os Fatos Reveladores: a razão bíblica. O fato e a série: teoria de Pannenberg. Palavras e fatos: relação orgânica; o Fato Humano, sua ambigüidade, densidade e unicidade. A Palavra com o Fato. Conseqüências Teológica e Pastoral. Sobre esse tema existe uma alentada bibliografia recente. Citaremos os livros que julgamos mais importantes: E. Cassirer, F i l o s o f i a d e l a I l u s t r a c i ón ón (México, 1943, sobre a revelação da Modernidade); R. Bultmann, U h i s t o r i c i t é d e V h o m m e et et l a r é vé l a t i o n , vol. I de Fo i et co m p r é h ensi o n (Paris, 1970); E. Lévinas/ P. Ricoeur (eds.), L a r é vé l a t i o n (Bruxelas, 1977); Ch. Duquoc, A l i a n z a y d i s cu cu r s o s o b r e D i o s , e m I n i c i a c i ó n a l a p r ác t i c a d e l a T eo eo l o g i a , II (Madri, 1984), 19-86 (edição brasileira no prelo).
A n a tu re za n ã o é m ais ai s q u e o ce n ár io d a h istór ist ória ia.. A rig ri g o r, só o h o mem tem história, história, enquanto enquanto processo contínuo de fatos irreversívei irreversíveis. s. U m pen samento evolucionista, também em sua versão aceitável, transpõe essa dimen são de história história ao grande processo d a natureza. A história dos hom ens re ve v e la o ho m em . P o d e ela el a tam ta m bé m re v e la r D e u s? U m a p rim ri m eira ei ra resp re sp o sta st a nos no s dirá que sim, sim, que a história hum ana revela a providência divina. divina. Con tudo, pa ra muitos, a história da humanidade é mais um escândalo que uma manifestação de Deus; e não é tão fácil ver continuamente a providência de Deus em todos os acontecimentos da nossa vida, adversos, humilhantes, estúpidos, anódinos. O SI 136 , genial síntes síntesee de criação e de história, e scolhe entre as criaturas criaturas um cenário em três planos: o céu (m orada de D eu s), a terra terra (morad a dos ho mens), as águas inferiores (morada das forças adversas); e os dois luzeiros que assinalam assinalam os tempos. Se não é inteiramente inteiramente consciente, essa referência ve lada à história história não d eixa de ser um achado genial. A natureza vinculada com a história e já parte dessa história.10 Descartando por ora um procedimento que chamaríamos de distante e ge nérico, interessa-nos algo mais concreto: Deus pode ser um personagem ativo na história humana e revelar-se nessa atividade? Um historiador que quisesse escrever a verdadeira história de uma aldeia chamada Lourdes teria de contar com um personagem, muitas vezes protago nista, nista, que é Deus. É certo que, para exp licar corretamente alguns fatos histó ricos, ricos, ele precisaria de uma luz penetrante, a fé. Um agnóstico deveria registrar registrar na história de Lourdes uma cadeia de fatos enigmáticos que passam a determi nar a história história da cidade. O agnóstico chegaria a um a narração de fatos e a uma reflexão negativa: negativa: “ Sem explicação até o mom ento” ; aquele que que crê crê re colheria o fenôme no perceptível e explicaria o seu seu verdadeiro sentido. sentido. É ver dade que, para explicar o sentido profundo, a um só tempo revelado e oculto no fato, ele usaria certos meios narrativos que não estão previstos no método da historiografia moderna, segundo Bernheim; mais ainda, só leitores que crêem entenderiam de fato a história dessa cidade. 10.
L. Alonso Alonso Schõkel, Psalm us 136 136 (135 ), V D 45 (19 67 ): 129-1 129-138, 38, revis ado em T r e i n t a S a l m o s : P o e s i a y o r a c i ó n (Madri, 21986), 389-402. Tratei desse tema, de modo relativamente extenso, no início do comentário a P r o f e t a s I (Madri, 1980), 17-28: “La palabra profética”.
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O que dizemos de Lourdes poderia ser transposto a outras regiões e épo cas em que a presença e a ação da Igreja exigem uma explicação superior do processo histórico. histórico. E, para além desse desse âmbito, temos de contar com um a rea lidade histórica, um povo cujo nome e cujos feitos são registrados pelas crô nicas profanas, e cuja história só pode ser explicada mediante a introdução de Deu s como protagonista. protagonista. O fato de essa história, história, contada pelos que a viveram, não empregar os métodos da historiografia crítica moderna não se deve apenas ao distanciamento temporal e cultural, mas também ao seu gênero peculiar: eles queriam narrar a verdadeira história, a profunda, a que é entendida à luz da fé. E essa história tem um protago nista: D eus. Ora, quando reduz um pouco a sua transcendência para intervir na história, De us man ifesta a sua presença e a sua ação. Se reitera as interven ções, até até criar uma continuidade de ação, as revelações particulares, que se assemelha va m a po n tos, to s, u nem ne m -se -s e n um a lin h a e a lin h a e sb o ç a um a fig ura. ur a. A fig fi g u ra de uma continuidade e de uma constância: Deus revela-se em sua atuação cons tante, e o homem pode conhecê-lo como uma pessoa amiga e exigente, clari vid vi d ente en te e pr otet ot etoo ra. ra . D e u s re v elael a-se se na hist hi stór ória ia.. O que a história é para um povo, a biografia é para um indivíduo: tam bém este, est e, re flet fl et ind in d o sobr so bree a pró pr ó p ria ri a v ida id a , p o d e d es co b rir ri r u m a série sér ie de pon po n tos to s de intervenção divina especial e traçar sobre eles uma linha, compondo com essa essa linha linha uma figura, que revela Deu s. Essa reve lação entra igualmente igualmente na presente presente categoria, muito embora tenha um caráter sobretudo p rivado. N ão nos esqueçamos de que essa revelação privada pode ser comunicada a outros, partilhada com eles, e transformar-se em ponto de irradiação divina, já que todo povo se compõe de pessoas individuais. Teoricamente, a ação de Deus pode impor-se por sua força ou unicidade; quando da terceira praga, os magos confessam: “ O dedo de Deus está está aqui” . Costumamos precisar de uma palavra acrescentada à ação para que esta revele o seu sentido. No filme “Viver um Grande Amor” (adaptado do romance de Graham Greene), o diretor Dmitrik faz-nos contemplar uma cena sem palavras: a casa de M aurício , o escritor, escritor, bom barde ada, o terror de Sara. Gesto s, aç ão, ruído, estrépito: estrépito: nenh uma palavra. O filme prossegue prossegue e a protagonista começa a agir de maneira estranha, incoerente, e não é compreendida nem pelo personagem principa l nem pelo espe ctador. Isso até que o protag onista en contra o diário dela, senta-se e começa a lê-lo em voz alta (para si mesmo e para o especta d or ). A o fazê-lo, retorna a cena inicial, inicial, com as as mesmas mesmas imagens, a voz do protagonista lendo as palavras da m ulher. E a cena torna-se torna-se inteligível pela palavra. O exemplo tomado do cinema sugere-nos uma pergunta: a ação de Deus na história história não será uma espécie de linguagem? Isso no que tem de aber tura para fora, do que possui de diferenciação diferenciação e ordem. É possível falar da “linguagem cinematográfica”, num sentido analógico legítimo; Eisenstein, entre os criadores, e Renato May, entre os críticos, expõem algumas carac terísticas dessa linguagem: elementos formais, significativos, expressivos, sin taxe e es tilístic a.11 a.11 Neste caso, a analogia não é fruto de capricho, mas ins ins trutiva, trutiva, fazendo-nos fazendo-nos conh ecer de fato. fato. O cinema, mesmo o sonoro, consta subs subs-11.
en s e (Nova Iorque, 1957); Renato May, S. Eisenstein, F i l m F o r m . F i l m S en
I I l i n g u a gg g g i o d ei ei c i n e m a . L ’ a v v en t u r a d ei c i n e m a .
O artigo de fée seu contexto '.ancialmente de imagens: imagens que se sucedem, se compõem, se articulam; imagens que contam uma históri história. a. Isto é, é, um a série série de ações que traça um desenho desenho inteligível, inteligível, revelando os personagens e a história em ação. Re cord e mos alguns expoentes do cinema mudo, “O Encouraçado Potemkin”, de Eisenstein tein,, “A M ãe” , de Pudovkin, “ Joana d’A d’A rc ” , de Dreyer, e tere teremos mos elemento elementoss suficientes para atribuir à ação um caráter de linguagem; naturalmente, através da seleção e composição das imagens, que realizam essa ação de modo artístico. Da mesma maneira, poderíamos dizer que a ação de Deus na história é uma espécie de linguagem analógica, já que também Deus escolhe, realiza e com põe sabiamente as suas suas ações, dotando-as de senti sentido. do. A lém disso, disso, Deu s emprega a linguagem como meio de ação na história: o profeta não apenas prevê um fato futuro com o também age com o oráculo na história. história. 12 O povo de Deus começa a existir convocado por Deus, convocado a existir como “povo de De us” , de tal modo que o nome “m eu pov o” , “ povo do Senhor” , é um nome que define define e subordina a sua consistênci consistência. a. Esse po vo recebe uma ordem ativa, religiosa religiosa e ética, ética, numa série série de mandamentos, que se se denominam “ palavras” . As A s s im co m o a hist hi stór ória ia de um am or n ã o tran tr an sc orre or re sem elem el em ento en toss de lin guag gu agem em dialogada, assim como a criança vai realizando a sua existência sob a ação do pai e em diálogo com ele, também o povo de Deus de fato tem a Deus como protagonista e interlocutor. interlocutor. N ão podemos separar, separar, a não ser mentalmente, a revelação de Deus pela história da revelação em palavras. Recordemos de passagem que Deus atua na história usando a natureza co mo instrumento: esse é o signo das teofanias, da ação cósmica nos transcen dentes “dias do Senhor”, da presença cósmica como testemunha do julgamento do Senhor. Retomemos agora o nosso exemplo cinematográfico para extrair as con clusões: para manifestar o seu sentido, para chegar à plena manifestação, a história história requer normalmente o concurso da palavra. No cinema, os fatos, reais reais ou fictícios, transformam-se e subsistem em imagens organizadas, e nesse es tado já recebem e transmitem a sua interpretação; bastante medíocre é o di retor que precisa ir explicando o sentido de suas imagens, seja em voz nar rativa, seja levan do os personag ens a discursar. discursar. De us atua na história, cria e dirige essa história; ele envia a sua palavra para explicar o sentido de sua obra. Esta é a grande tarefa do profeta, do inspirad inspirad o: interpretar o sentido sentido da história, contan do-a. Nã o se se trata de primeiro con tar os fatos, fatos, co m o uma vo v o z em o f f ; trata-se de, contando, interpretar. interpretar. A seleção e com posiç ão dos fatos é significativa; interpretando o verdadeiro sentido dos fatos, revela Deus como protagon ista. A lém disso, o autor sagrado reserva-se o direito direito de utilizar outros meios de linguagem para interpretar fatos: discursos na boca de personagens, introduções, reflexões reflexões etc. etc. Por meio da palavra de M oisés e dos profetas, o povo de Deus começa a compreender a história que está vivendo; essa com preensão é-nos legada em alguns escritos que poderíamos denominar “as me mórias de Deus”. 12.
Sobre a palav ra pro fética com o elemento ativo na história : G. von Rad, T eo e o l o g i a d e i A n t i g uo u o T e s t a m en t o I, pp. 381ss. Cf. igualmente id., Sa b i ãu r ía en I s r a e l (Madri, 1985), em especial pp. 183-220: “Epifanía de la creación”. Será proveitosa a leitura do livro, perspicaz e repleto de sugestões, de P. Beauchamp, L e y P r o f e t a s S a b i o s (Madri, 1977), particularmente o cap. II: “Los Profetas”, ci t , la l ett re et le pp. 71-101. Veja-se também do próprio Beauchamp, L e r é corps (1982), em especial os caps. IV e V.
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Diz Paulo (IC o r 1 0 ,1 1 ): “ Estas Estas coi coisa sass sucedi sucediam am a eles eles para para que que apren apren dessem, e foram escritas escritas para que nos nos corrijamos” . Os fatos transformad transformad os em palavra narrativa, recebendo assim a interpretação autêntica através da palavra, elevando-se a revelação formal. Mais uma vez concluímos acerca dessa segunda forma de revelação, pela história: ela mostrou-nos o seu caráter específico e, ao mesmo tempo, a sua união íntima com a palavra ativa e interpretativa. REVELAÇÃO PELA PALAVRA Introduzirei o capítulo 4 com uma bibliografia escolhida. Por ora, podemos considerar o artigo de J. R. Geiselmann, Revelación in C o n c eepp t o s f u n ãa m en t a l es ãe l a T eol o gi a II (Madri, J1979), 569-578, com ampla bibliografia. Para um horizonte bíblico e patrístico, veja-se R. Gõgler, Z u r T h e o l o g i e ães B i b l i s ch c h e n W o r t es b ei ei O r i g en en e s (Dusseldorf, 1963). J. J . Le vie, vi e, L a B i b l i a p a l a b r a h u m a n a y m e n s a j e ãe D i o s (Bilbao, 1961). P. Grelot, L a B i b l i a , p a l a b r a ãe D i o s (Herder, Barcelona, 1968).
A p a la v ra é a fo rm a p len le n a d e c o m u n ica ic a ç ã o hu m a na , e D e u s e sc olh ol h eu tam ta m bém, bé m, e sob so b re tu d o , essa es sa fo rm a de co m un icar ic ar-s -se, e, de reve re vela larr-se se.. Pensemos numa experiência humana intensa: amor, dor, beleza, desco be b e rta rt a . . . A v iv ê n cia ci a é a lgo lg o tota to ta l, e n vo lve lv e n te : p a re ce -n o s qu e o eu n a ve ga arra ar ras s tado pela intensidade da experiência, que somos testemunhas levadas pelas águas, mu dos de estupor, sem sequer co mp reende r. Saímo s então dessa tor rente, interpomos uma distância contemplativa, confrontamo-nos com a nossa experiência. Primeiro dividimos a totalidade totalidade contínua contínua em peças discretas; de pois, compomos essas peças numa unidade significativa, numa estrutura orde nada. nada. J3 A experiência experiência transf transformou-se ormou-se numa peça de linguagem: linguagem: A i m inha in ha s entr en tran anha has, s, m inha in ha s entr en tran anha has! s! Estremecem-me as paredes do peito, o meu coração está perturbado e não posso calar; porque eu mesmo escuto o toque de trombeta, o alarido de guerra, um golpe chama outro golpe, o país está devastado; de repente destroçam-se as tendas e em um momento os pavilhões. A t é q u a nd o tere te reii de ve r a ba n d eira ei ra e escu escuttar a . trombe ro mbeta ta em _ alar alarme me?? erfli ,v'i.UIn iJfj!;,r. - V i ! - - í b í ; ! í'í' . , iJfj!;,M eu po vo e insensato, nao me recon hece , ÇTlÇ .L , ': ' 1' 'l são filhos néscios que não rem em oram : wm v L g ; são hábeis para o mal, ignorantes para o bem. Observo a terra: caos informe! O céu: está sem luz; observo os montes: tremem; as colinas: dançam; observo: não há homens, as aves do céu migraram; observo: o vergel é um páramo, os povoados estão arrasados: pelo Senhor, pelo incêndio de sua ira (Jr 4,19-26). h -
13.
Veja esses aspe ctos na linguagem poé tica: Amado Alonso, Alonso, M at é ri a y fo r - m a e n p o e si s i a (Madri, 1955), sobretudo o primeiro artigo, “Sentimiento e intuición en la lírica”, 11-20.
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Tendo dado forma à minha vivência, domino-a e possuo-a, posso atuali zá-la mais tarde com clareza, posso comunicá-la. Descrevi o movimento articulatório: do contínuo da experiência passamos ao caráter discreto de elementos que recompomos em unidade de linguagem; porque a unidade natural natural de linguagem é a sentença. sentença. M as podem os acrescentar outros movim entos: um complementar, outro de direção oposta. O m o v i m e n t o complementar ocorre quando, em lugar da vivência intensa, temos uma obser va ç ã o m u ltip lt iplic licaa d a, o u u m a série sé rie d e im pres pr essõ sõ es qu e p o d e co n fu n d ir-m ir -m e com co m a sua variedade; essa multiplicidade tende a fundir-se e confundir-se num con tínuo, e mais uma vez a linguagem, agrupando, compondo, ajuda-me a dividir e a ordenar. Mais importante que o movimento complementar é o mov im ent o cont rári o: neste caso, o pon to de partida é o simples nom ear. O ser co ncreto , qu e se manifesta em sua presença e é apreendido pelo espírito, que nomeia essa pre sença enquanto tal. tal. A to elementar e espiritual espiritual que, no nomear, possui o objeto e a si mesmo; que designa o ser concreta e globalmente, ainda sem precisões nem distinções (a distinção seria uma parte do movimento articulatório). O no me é idêntico à sua significação, porque todo ele é significação, mas global e concreta. D o nomear passa-se à sentença, sentença, que com põe num ato dois nomes ou designações ou significações, porque os apreendeu em sua relação e reflexo mútuo; essa relação e esse reflexo apreendidos estão presentes na sentença, que, por um lado, precisa na composição as significações globais de cada nome e, po r outro, eleva as duas significaçõ es a um sentido. M ais um a vez, esse esse sentido é idêntico à sentença, é global e concreto, e pode diferenciar-se ulteriormente através do contexto de ação, de vida, de pensamento, no qual ocorre a sentença. sentença. Tam bém na sentença, e com ma ior plenitude, plenitude, o homem possui os objetos em unidade, bem como a si mesmo, num ato espiritual. Esse terceiro movimento é de tipo ascendente e partilha com o anterior o caráter estrutural; diferenciação e ordem, possibilidade de divisão e compo sição, posse e comunicabilidade. Ou, de preferência, a necessidade de comunicar-me com outra pessoa for ça-me a articular a minha vivência. vivência. Nom eio e enuncio enuncio apenas para mim, para a minha própria posse posse do m undo e de mim mesmo? Ou nom eio e enuncio enuncio para poder comunicar a minha posse a outrem, num afã de revelação pessoal e mútua? O homem foi criado com o ser social; “ criou-os homem e mu lher” , que não significa exclusivamente a inicial e elementar sociedade de dois, mas que esses dois são a origem necessária da sociedade, pela vontade de Deus: “Crescei e multiplicai-vos”. Socialmente subsiste o homem, socialmente se aperfeiçoa, socialmente do mina a terra; e o meio natural de convivência social é a linguagem, ou, se se preferir, o diálog o. P or isso isso é muito difícil, talve z infrutífero , decidir se a lin guagem é, em primeiro primeiro lugar, lugar, ato pessoa l ou ato social. social. D ad a a situação social em que cresci, é possível que eu adapte a minha vivência ou que nomeie para o meu uso particular, o que é um exercício posterior à situação social primária. 14 Numa sociedade ampla, existirão os diversos tipos: o comunicativo, o reservado. Isso não diminui o caráter social da linguagem, nem sua forma natural de diálogo. 14. 14. As funções monológicas da linguagem linguagem costum am ser consideradas pos teriores. Veja-se Fr. Kainz, P s y c h o l o g i e d e r S p r a c h e , volume III, A 1.2.
Palavra hum ana
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O mundo humaniza-se ao entrar em nossa vida e nós o transformamos num novo mundo ordenado, no qual nos revelamos. revelamos. A linguagem é uma cria cria ção feita pelo homem à sua imagem imagem e semelhança: é mú ltipla ltipla e ordenada, re vela ve la um a riqu ri qu eza ez a e um a orde or dem m . D iz-s iz -s e no G ên es is qu e A d ã o ge rou ro u um filh fi lh o a sua imagem e semelhança, e chamou -o de Set. Set. N a linguagem, o homem também também exerce uma paternidade. paternidade. O Filho é a expressão plena do Pai: é sua Palavra; o homem, na palavra autêntica, sente-se como que gerando um filho à sua imagem. Ago stinho diz: “ Escre ve de modo que, sentindo-te sentindo-te pai, tu te sint sintas as vivificado pelo filho que geraste” geraste” . M as a linguagem linguagem , mesmo nas mais elevadas criações literári literárias, as, não possui possui a consistência consistência da pessoa humana. O ho mem revela-se revela-se dividindo e diluindo consistênci consistência. a. N a atividade de falar, falar, o homem também é imagem e semelhança de Deus: criando uma ordem, ele se revela. Cum pre-se na linguagem a suprema revelação humana. E Deus escolhe também esse modo de comunicação para revelar-se ao homem, superando assim a natu reza e a história. E trata-se de rev elaç ão for m al, em sentido estrito. estrito. Confirm a-o Ch . Pesch da seguinte seguinte maneira: “ To da revelação sobrenatural, sobrenatural, à medida que se opõ e à revelaçã o natural de Deus, é imediata. imediata. Na revelação natural, Deus cria e governa as criaturas, que o homem pode usar como meios para chegar ao conhecimento analógico de Deus: isto é, Deus manifesta-se co mo o b j e t o cogn oscível de maneira mediata. mediata. Em contrapartida, contrapartida, na revelação so bren br enat atur ural al,, D eu s m an ifes if esta ta a su a m ente en te,, tal ta l co m o um a p e s s o a comunica os seus seus pensamentos a outra: em linguagem linguagem propriam ente dita. Es sa man ifesta ção pessoal, como sujeito, é, por natureza, mais imediata do que a manifestação sc r i t u r a , como objeto, da causa pelo efeito. efeito. E D e u s n o s f a l a i m ed i a t a m en t e n a E sc porque a Escritura Escritura é palavra de Deu s form al em sentido sentido estrito” estrito” . J5 Delimitamos o contexto da nossa profissão de fé: o fato de Deus falar pertence ao contexto do Logos, da revelação; concreta, formalmente, através da palavra . De us se abre, abre, revela-se a nós com o pessoa a pessoa, num meio pessoa] pessoa] ou interpessoal. É interessante interessante notar que, no com eço da Ep ístola aos Hebreus, o verbo “falar” não tem objeto direto, enunciando apenas as pessoas: “ Antigamente Deus falou a nossos nossos pa is. . . a go ra. . . fa lou -no s. . . ” Nesse contexto, devemos continuar a fazer precisões, tal como o faz o nosso artigo de fé l o c u t u s e s t p e r p r o p h e t a s . Deus fala-nos numa linguagem humana, por meio de homens. A qu i o artigo artigo de fé com eça a adensar adensar o próprio mistério. P A L A V R A H U M AN A M as pode Deus falar-nos em palavras humanas? Se deve deve falar-nos falar-nos a nós, homens, não pode fazê-lo de outro modo. A palavra é meio de com unicação interpessoal quando a língua é comumente compartilhada por duas pessoas: um meio comum torna a ambas vasos comunicantes. Deu s pode ter uma linguagem em em comum com os homens? Suponhamos um missionário que procure traduzir a nossa elaborada teologia, ou parte dela, para um a língua língua primitiva: primitiva: entre entre a língua culta ocidental e a hipotética língua primitiva há um desnível de recursos, sobretudo no âmbito de conceitos e rela ções intelectuais. Par a compen sar o desnível, o missionário extrai alguns alguns ele 15.
D e I n s p i r a t i o n e S a c r a e S c r i p t u r a e (Friburgo, 1905), n. 411.
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O art i go ãe f ée seu con t ext o
mentos do seu ensinamento para colocá-los ao alcance da língua menos de senvolvida; se fizer um esforço sistemático nesse sentido, de tanto adaptar e traduzir, irá elevando o níve l da língua primitiva. primitiva. Esses contatos de tradução e adaptação nivelaram, no melhor sentido, muitas línguas à nossa cultura oci dental. M as, nesses casos, partimos de uma semelh ança radical, à medida que todas as línguas partem da faculdade humana, comum, de comunicação arti culada; em todas as línguas humanas realiza-se uma essência comum. O mesmo não ocorre com a linguagem de Deus; o desnível é de uma or dem incalculável. incalculável. A transcendência transcendência de Deus deve ser ser levada a séri sério. o. Ap ena s num esforço de descer, de condescender, Deus pode dirigir-se a nós em palavras human as. É um ato de liberda de e de graç a: o fato de D eus ab rir-se a nós, nós, de abrir-se abrir-se a nós em em nossa próp ria lingua lingua gem human a. É pos sível que, a partir dessa descida divina, a nossa linguagem se permeie de divindade e se eleve a uma nova região significati significativa. va. M as nunca deixa de ser ser uma linguagem humana. Quando falamos da palavra de Deus, empregamos uma fórmula analógica. Essa descida de Deus foi denominada pelos padres gregos synkatabasis e traduzida pelos latinos como condescendentia. João Crisóstomo recorre a esse esse princípio quando encontra alguma fórmula bíblica que não pode ser tomada ao pé da letra; letra; por exemplo, comentando comentando Gn 3,8 3,8 — “ Deus passeava à bris brisaa no entardecer” entardecer” — , ele diz: “ Nã o menosprezemos menosprezemos o que é dito dito pela Sagrada Sagrada Escritura, nem nos detenhamos na letra; consideremos que, por causa da nossa fraqueza, ela usa essa linguagem humilde para operar a nossa salvação de um modo digno de Deus; pois, se quiséssemos tomar todas as palavras ao pé da letra, e não em sentido sentido digno de Deu s, não ocorreriam absurdos?” . 18 Observemos nessas palavras o duplo tema da nossa fraqueza e da digni dade divina; para a nossa salvação, Deus utiliza a linguagem humana e como tal deve isso ser entendido. O princípio da fraqueza , dignidad e, salva ção, a pli ca-se a toda a Sagrada Escritura, ainda que algumas passagens imponham a sua aplicação de maneira incontornável. De m odo semelhante, abordando a criação criação de Adã o, ele comenta: “N ão tomes as palavras humanamente, mas atribui atribui à fraque za hum ana o estilo estilo material. Pois, se se não empregasse essas essas palavras, como poderíamos aprender os mistérios mistérios inefáveis? N ão n os detenhamos detenhamos nas nas meras palavras, mas entendamos tudo dignamente a partir partir de D eus ” . 17 O tema do mistério que se procura revelar é acrescentado aqui aos dados 16. 16 . Mx) aixXwç napaS nap aSpa papt ptogE ogEv, v, ayaTcxjxoi, xa etp etpr)| r)|A Aeva eva 7xapa xx)ç 0£ta 0£ taçç Tp ay ri ç, [ítjSe xatç AeÇeo AeÇeoív ív EvaTxojisi EvaTxojisivwp vwpsv, sv, aÀX’ Evvowpsv Evvowpsv oxt 8ta 8t a xxjv xxjv aa0E aa 0Evs vsta tavv xx)v xx)v xjpsxepav xepa v Y) xaixsi xa ixsivox voxns ns ■tb)v tb)v Asgs Asgsrov rov EyxE Ey xEix ixai, ai, x a t 0Eoixp 0Eoixps7t s7twç wç 7xavxa ytyv yt yv sxa sx a t Sta xxjv xxjv owxyjptav xx) xx)v x;jts x; jtsxs xspa pav. v. Eux Eu x s yap y ap pot, st |3ou |3ouAx Ax)0s )0six)p ix)pev ev rxj 7zpocpopa xwv px]gaxwv xxxax xxx axoA oAou ou0x 0x)aa )aat., t., %at pxj Oso Osoxt xtp pETtwç twç s^Xa^Eiv s^Xa ^Eiv x a Xeyog Xe yogEva Eva,, txwç txwç ou TxoX xoXXa s^ sxa sx a i xa axoTca ( I n G en . 3, homília 17; PG 53, 13-35). Veja-se P. Dreyfus, La condescendence divine ( s y n k a t a b a s i s ) comme príncipe d’herméneutique dans la tradition juive et dans la tradition chrétienne, V e t u s T e s t a m e n t u m . Supplementum. Volume do Congresso de Salamanca (Leiden, 1984). 17. 17 . K a t opa xxjv xxjv auvxaxa|3aaiv xx)g xx)g 0etaç 0eta ç rpa
Palav ras de ho m ens
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anteriores; esse mistério não poderia ser revelado senão mediante o emprego da fraca linguagem linguagem humana. Esse princípio princípio vale para toda a Sagrada E sc ritu ra .18 .18 Tom ás de Aq uino , por seu seu turno, turno, estabelece estabelece o princípio: princípio: “ N a Sagrada Escritura, são-nos comunicadas as coisas divinas sob a forma que os homens cost costumam umam usar” . 19 PALAVRAS DE HOMENS Se Deus fizesse o ar vibrar com as freqüências sucessivas de uma sentença gramatical, o homem que o escutasse escutasse escutaria um a palavra h umana. M as não dita dita por homens. D o m esmo modo, Deus poderia levar um anjo a falar, falar, ou suscitar nos centros nervosos um sistema de sensações equivalentes, ou ainda atuar diretamente diretamente na fantasia. Tu do isso isso seria seria linguagem humana, m as não falada por homens. E algumas pessoas pensarão ser essa essa a form a ideal de co mu nicação divina: através de anjos, anjos, de audição interna. interna. T al avaliação possui escasso sentido encarnacionista. Deus quis falar-nos em palavras rigorosamente humanas, ditas por ho ophet as. Portanto, numa linguagem mens: per pr ophet linguagem concreta — hebraico hebraico e grego grego — e através através de homens concretos concretos — Jeremias Jeremias e Paulo. Nas palavras hebraicas hebraicas ou gregas desses autores, Deus está falando a mim. Co m o isso isso é possível? possível? Jeremias fala, com toda a sua alma, e quem está está falando é Deus; Paulo fala, com toda a sua paixão, e Deus é quem está falando. A lg o m iste is teri rioo so tem te m d e o co rr e r em P a u lo e em Jere Je rem m ias ia s p a ra qu e, fa la n d o eles el es,, Deus fale por meio deles. Co m efeito, realiza-se realiza-se um a ação misteriosa, misteriosa, formu lada na Segunda Segunda Epístola de Pedro : “ Ante s de mais mais nada, tende presente presente que nenhuma predição da Escritura está à mercê de interpretações pessoais; porque nenhuma predição antiga ocorreu por desígnio humano; homens como eram, falaram falaram da parte parte de Deus, movidos movidos pelo pelo Espírit Espíritoo Santo” (2Pd 1, 2 0 -2 1) .20 .20 Tal como uma barca empurrada pelo vento que traça o rastro de sua via gem, os autores bíblicos falavam, em nome de Deus, pela ação do Espírito. Damos a essa ação do Espírito o nome de “inspiração”, e é ação do Espírito com vistas à palavra. O resultado resultado dess dessaa ação é-nos é-nos descrito descrito em 2Tm 3,16 : “ To do escrit escritoo ins ins pirado pirado por Deus serve serve para ensinar ensinar,, repreender repreender e educar na retidão” . A Escri tura provém de um sopro divino, de uma ação do Espírito. Essas são as duas passagens clássicas em que se formula o fato da inspi ração bíblica. bíblica. Com elas elas fechamos um círculo círculo e unimos unimos o contexto do Logos com o contexto do Espírito ou Pneuma. Deus se revela, Deus se se revela em palavras, Deus se revela em palavras humanas e de homens; para isso, o Espí est p er prophet prophet as. rito move e dirige o falar desses homens. L ocut us es Fechamos um círculo de intelecção e vemos abrir-se diante de nós outro mais alto, talve z mais mais difícil: como é essa essa ação do E spírito? Desejam os pe netrar de alguma maneira no m o d o da inspiração para enriquecer a nossa in teligência com o mistério, embora sabendo que a nossa pergunta nos põe peran te problemas definitivamente insolúveis. 18. F. Fa bbi, L a condiscen denza divina nell’ nell’ispirazione ispirazione biblica secondo S. Giovanni Crisostomo, B íbl i ca 14 (193 3) :330-347. :330-347. 19. “In Scripturis divin divinaa tradu ntur nobis per modu m quo homines solent solent uti” ( C o m . a d H eb . , cap. 1, lect. 4). 20. Não cito o Novo Te stam ento no original grego por ser esse livro facilmente acessível; faço-o somente na tradução da N u ev e v a B íb l i a E sp sp a n o l a .
2 A PALAVR PALA VRA A DIVINO-HUMANA DIVINO-HUMA NA
A A Ç Ã O D O E S P I R I T O Jesus Cristo explicava a um intelectual de sua época o enigma do vento: "Sopra onde quer, ouves o ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde va i” (Jo (J o 3 ,8 ) . O mesmo ocorre com o Espírito: não será audácia perguntar quais os seus caminhos? N ão poderá ele ser encarado com a nossa especu lação humana, tal com o o fez Deus com Jó? M ais ainda, quando às vezes a sua voz é um cicio de brisa e, às vezes, nem mesmo o inspirado escuta o ruído do vento que se move dentro dele, que o move a partir de dentro. Mais uma vez, acreditemos na flexibilidade e eficácia do Espírito, capaz de atuar atuar de muitas maneiras e de mover-se livremen te por céus e terra. terra. Cap az de mover os homens sem forçar a liberdade, a personalidade, o estilo. Onde e como se situa essa ação do Espírito, tão suave que às vezes o homem não a percebe, tão eficaz que a ela pode ser atribuído tudo o que resulta? resulta? Essa ação do Espírito, que consagra a palavra humana em palavra de Deus, é um mistério: professemos diante dele a nossa fé, confessemos nossa ignorância e incapacidad e. E continuemos com humildade a nossa nossa busca. INSPIRAÇÃO E ENCARNAÇÃO Para a comparação “palavra encarnada-palavra inspirada” é fundamental o g ès e M é dié v a l e I I capítulo II, § 5, “Verbum abbreviatum”, de H. de Lubac, E x é (Paris, 1961), 181-197. Grande influência exerceu o pensamento de Orígenes. Veja-se o livro citado: c h e n W o r t es b e i O r i g en en es e s (Dusseldorf, 1963). R. Gõgler, Z u r T h eo l o g i e ães B i b l i s ch es e u n ã D o g m a t i k , H. Schelkle, Schelkle, Heilige Heilige Sc hr ift und W ort Go ttes in E x e g es editado por H. Vorgrimler (Mogúncia, 1962). Um bom resumo, com citações escolhidas: L. Charlier, Le Christ, Parole su s C h r i st (Tournai, 1961). de Dieu in L a Pa r o l e ãe D i eu en Jé J. J . W ille il lem m se, se , Je s ú s, P r im e r a y ú ltim lt im a p a la b r a de D ios, io s, C o n c i l i u m 10 (1965): 81-98.
Procurem os entender entender algo algo do mistério. mistério. Ora, a primeira primeira coisa que devemos fazer com um mistério da nossa salvação é relacioná-lo com o mistério central da salvação, que é a encarnação. Isso não significa tentar tentar explicar o obscuro
I n sp i r a ção e en en ca r n a ção
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pelo obscuro; pelo contrário, dada a unidade da obra de salvação e dada a uni dade da revelação, referir a um centro já é iluminar e explicar. De modo particular, no caso da inspiração, não temos de inventar nada, pois Escritura e tradição repetem repetem esse esse movim ento cognos citivo. O grande texto texto teológico teológico de H b 1 ,1 form ula-o com grande clareza: “E m múltiplas múltiplas ocasiões e de muitas maneiras, maneiras, Deus falou outrora a nossos pais pelos profetas. profetas. A go ra, nest nestaa eta etapa pa final final,, falo falou-nos u-nos por um F ilh o . . . ” A s m últi úl tipl plas as pa lav la v ras ra s dos do s p rofe ro feta tass o rien ri en tam ta m -se -s e p a ra a p a lav la v ra defi de fin n itiv it ivaa “num Filho”. Encontra-se com freqüência entre os santos padres a idéia de que Cristo já fa la v a no A n t ig o Te s tam ta m en to, to , prep pr ep a ran ra n d o a sua su a vin vi n da, da , p ren re n u n cian ci an do a si mesmo. Nã o me refiro à teoria que atribui atribui ao V erb o ou Log os, como segunda pessoa da Trindade, todas as palavras da Escritura; refiro-me ao Verbo encar nado, a Cristo. Con tudo não é fácil separar separar com rigor os textos, textos, já que na linguagem linguagem de alguns alguns padres o V erb o é praticamente o Ve rbo encarnado. V ej a mos alguns textos escolhidos. Hipólito escreve um opúsculo contra o herege Noeto, que identificava o Filh o com o Pai. Falan do dos dos profetas, profetas, diz: “ Neles habitava o Ve rbo , falando de si mesmo; já então ele era arauto de si mesmo, mostrando que o Verbo apareceria entre os homens”. “ Somente a Palavra de Deus é visível, visível, a palavra humana é au dív el. . . a Palavra ou o Verb o de Deus é visível pela pela encarnação.” 1 “ Esta [a palavra palavra criadora] se manifesta, e contemplamos o Verbo encarnado, e por ele conhe cemos o Pai.” 2 A m b r ó s io p ress re ss u põ e a c o m p ara ar a ç ão , tam ta m bém bé m n u m a a lusã lu sã o eu carí ca ríst stic ica, a, ne s tas tas palavras: “B ebe a Cristo e beberás as suas suas palavras: palavra sua é o An tigo Testamento, palavra sua é o No vo Testamento. Bebe -se a Sagrada Escritura, devora-se a Sagrada Escritura, quando a seiva do Verbo eterno desce às veias e faculda faculdades des da alma” alma” . 3 Cirilo de Jerusalém, insistindo na unidade dos dois Testamentos, obra de um único Espírito, conclui conclui com a seguinte seguinte fórm ula trinitária: trinitária: “ Un o é Deus Pai, senhor do Antigo e do Novo Testamento; uno é o Senhor Jesus Cristo, que foi profetizado no Antigo Testamento e veio no Novo; uno é o Espírito Santo, que por meio dos profetas pregou sobre Cristo e, tendo chegado este último, último, desceu e o man ifestou” . 4 1. Ev xoux xouxoi oiçç xoiv xoivuv uv TOÀi TOÀixs xsuo uops psvo voçç o Aoyoç Aoy oç s t p O s y y ^ s p t airco aircou. u. H5-rç yap auxoç sauxou xrjpoÇ sysv sy svsx sxo, o, Sstxvuwv psÀAovxa psÀAovxa Aoyo Ao yovv tpaivscOai sv avO avOpwxx pwxxoi oiç. ç. OuOuxouv xouv svaapx sva apxov ov Aoyov Osop Osopou oups psv, v, Ilax Il ax sp a 8’auxou 8’auxou vooojisv vooojisv (PG (P G 10,8 1 0,820 20). ). 2. Aoyoç Aoy oç Ss Ss 0sou ixovo ixovoçç opaxoç, avO avOpcimo imou Ss axoo ax ooox oxoç oç (PG ( PG 10, 820) 82 0).. Veja Ve jam m -se -s e e r r a n t i a S a c r a e S cr cr i p t u r a e : N o t a e as observações de A. Bea, D e i n s p i r a t i o n e et i n er h i s t o r i c a e e t d o g m a t i c a e (Roma, 1947), 2-6. 3. “Bibe Christum ut bibas sermones eius: eius: sermo eius Testam entum est Vetus, sermo eius Testamentum est Novum. Bibitur Scriptura divina et devoratur Scriptura divina, cum in venas mentis ac vires animae succus Verbi descendat aeterni” (PL 14, 940; CSEL 64, 29). a X x i a ç x a i xatvrjç 4. E tç Osoç soç o U a x r i p n aX xatv rjç Sia0Yíxr;ç Sia0Yíxr;ç 5so7 5so7xo xoxiq xiqç. ç. Ka K a i stç Kupioç Iy Iyjcodç codç Xp tax oç o sv mxXoaa ixpocpsxsuOsiç xat, sv xatvx] Txapaysvopsvoç. Kat. sv nvsutxa Ayio Ay iovv 8i,a 7xpotpY tpYíxco íxcovv gsv gs v Ttep Ttepii xou X p i a x o u xripuÇav, xripuÇav , sÀOo sÀOovxo vxoçç 8s xou Xp X p ta x o u xaxaJS xaxa JSav av xai ETuSsiçav auxov (Catequese 16 sobre o Espírito Santo; PG 33, 920).
A pal avr a ãiv i nohum ana
A co m p ar a çã o “ p a la v ra e n ca rn ad a -p a lav la v ra in s p ira ir a d a ” ap a re c e de m od o mais explícito nos teólogos e exegetas exegetas medievais. O V er e r b u m D ei a bb b b r ev ev i a t u m chega a passar à própria lírica religiosa. Ru perto de De utz escreve, em seu tratado sobre o Espírito San to: “ O que cremos cremos ser ser a Sagrada Sagrada Escritur Escritura, a, senão senão a Palavra de D eu s?. . . A totali totalidade dade das das Escrituras é a Pa lavra única de De us . . . Qu ando lemos a Sagrada Escritura, lidamos com a Palavra de Deus, temos diante dos olhos, num espelho e em enigma enigma,, o Filho de de De us” . 5 “Que significava para Moisés e para os profetas compor a Sagrada Escri tu ra ra — q ue ue é a Palavra de Deus — , senão, por meio do espírit espíritoo profético, profético, conce ber m entalmente e dar à luz oralmente Cris to?” 6 “Toda a Escritura, lei e profetas, foi estabelecida antes que Deus concen trasse no ventre de uma virgem a totalidade das Escrituras, a sua Palavra única. Essa virgem concebeu mentalmente, antes de conceber carnalmente, deu à luz profetizando oralmente, antes antes de dar à luz do ventre. ventre. Portanto, é falso dizer que Cristo não existiu antes de M aria. Pois, antes de parir a sua carne, a be m -ave -a ve n tura tu rada da S ião iã o p ariu ar iu p e la b o c a d os p ro fe ta s o m esm es m o e ú n ic o C rist ri sto, o, o mesmo e único Verbo.” 7 Garnier, no sexto sermão sermão sobre o Natal: “A ntigam ente, Deu s nos escreveu escreveu um livro, encerrando em muitas palavras uma única; hoje nos abre o livro, em que num a palav ra condensa m uita s. . . Trata -se do livro que, em vez de per gaminho, tem carne, carne, em vez de escrita, escrita, tem a Pa lavra do Pa i. . . O livro m á ximo é o Filho encarnado; porque, assim como pela escrita a palavra se une ao pergaminho, assim também, assumindo a humanidade, a Palavra do Pai une-se -se à carne” carne” . 8 A p li c a n d o a c o m p ar a ç ã o tra tr a d ic io n a l à ins in s pira pi raçç ão e h erm er m en êu tica ti ca,, P io X I I diz na encíclica D i v i n o aaff f l a n t e Sp i r i t u : “ As sim com o a Pala vra subsistent subsistentee de Deus se assemelhou aos homens em tudo, exceto no pecado, também as pala vras vra s de D e us , expr ex pres essa sass em lín lí n gu as h um an as, as , se as se m elh el h am à lin li n gu agem ag em h u mana em tudo, tudo, exceto exceto no erro” . 9 Deduz-se dessas citações que a inspiração da Escritura se orienta para a encarnação: prepara-a, prolonga-a, explica-a. 5. “Quid Quid autem Scripturam Sanctam nisi nisi Verbum Verbum Dei Dei esse esse cr ed im us ?... Unum est Verbum Dei universitas Scripturarum... Cum igitur Scripturam Sanctam legimus, Verbum Dei tractamus, Filium Dei per speculum et in acnigmate prae oculis habemus” (PL 167, 1575-76). 6. “Quid Quid fuit Moysi Moysi et prophetis san ctam S criptu ram , quae quae Verbum Dei Dei est, contexere, nisi Christum et corde per spiritum propheticum concipere et ore parere” (PL 167, 1157). 7. “Sic omnis Scrip tura legal legalis is et prop hetica condita est antequam omnem Scripturae universitatem, omne Verbum suum Deus in utero virginis coadunaret. Ipsa virgo prius mente quam carne concepit, prius ore prophetando quam ventre parturiendo peperit. Igitur falsum est ante Mariam non extitisse Christum. Nam antequam carnem eius parturiret, peperit ore prophetarum beata Sion unum eumdemque Christum, unum idemque Verbum” (PL 167, 1362). 8. “Olim “Olim librum nobis scrip sit Deus, in quo sub multis verbis unum comprehendit; hodie librum nobis aperuit, in quo multa sub uno verbo conclusit... Ipse enim liber est, qui pro pelle carnem habuit et pro scriptura Verbum Patris... Liber maximus est Filius incarnatus, quia sicut per scripturam verbum unitur pelli, ita per assumptionem hominis Verbum Patris unitum est carni” (PL 205, 609-10). 9. Parcialmente incorporado incorporado à constituição constituição D e i V e r b u m , 13.
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D efi ni ções negat negat i v as
Deduz-se também que a analogia dos dois mistérios permite uma ilumina ção mútua. An tes de tudo, é clara a dupla dupla natureza da palav ra inspirada: inspirada: di vina vi na e h um an a. C o n tr a essa es sa do utri ut rin n a b á s ica ic a po de m -se -s e v o lta lt a r h eres er esia iass o u erros err os análogos aos erros cristológicos: uma espécie de docetismo ou monofisismo que nega, menospreza ou reduz a natureza humana dessa palavra; um tipo de nestorianismo que minimiza o seu caráter divino. Outra conseqüência será observar sempre a teoria da encarnação tomando dela a luz necessária a questões particulares da inspiração. Por último, assim como a encarnação é um fato misterioso que sempre nos transcende e que adoramos em silêncio agradecido, assim também a inspiração pertence à região do mistério e nunca poderemos resolver o seu problema últi mo, básico, já formulado: como pode uma palavra ser ao mesmo tempo hu mana e divina? “ Com o Cristo” , soa a primeira resposta. resposta. A partir dela, bus caremos elaborar outra série de precisões negativas e positivas.10 DEFINIÇÕES NEGATIVAS Muito bem desenvolvidos, com o seu fundo histórico, na obra clássica sobre a inspiração de Christian Pesch, De i n s p i r a t i o n e S a c r a e S c r i p t u r a e (Friburgo, 1905). Veja-se também P. Benoit, Inspiración y revelación, C o n c i l i u m 10 (19 65 ): 13-3 13-32. 2. Definições negativas são oferecidas também por V. Mannucci, B i b l i a c o m e p a r o l a ãi D i o (Brescia, 31983), 149-141; A. Artola, D e l a r ev e v el a c i ó n a l a i n s p i r a c i ó n , op. cit., 217-220; T. Engelder, S cr cr i p t u r e ca ca n n o t b e b r o k e n . Si Si x O b j ec ect i o n s t o V er er b a l I n sp s p i r a t i o n (Mora Minn., 1971).
O C oncilio Vatica no I propõe duas: duas: “A Igreja Igreja considera considera ess esses es livros livros sa sa grados e canônicos não por tê-los aprovado com a sua autoridade depois de terem sido elaborados unicamente pelo esforço humano, tampouco por conte r e m a reve revela lação ção sem sem erro. err o. . . ” 11 Suponhamos que a Igreja aprove uma obra espiritual: A I m i t ação d e Cristo, os Exercíci os Espi Espi ri t uai s de de Inácio de Lo yo la etc. Essa a p r o v a ção não transforma transforma tais tais escritos escritos em palavra de D eus. Isso porque a Igreja não não pode tornar tornar palavra de De us o que era palavra puramente puramente humana. Nem mesmo o Espírito pode esperar que o resultado humano esteja completo para apoderar-se rar-se dele: assim assim não o transformará transformará em palavra sua. D o mesmo m odo, Jesus Cristo não é Deus por uma apoteose tardia no seio da Igreja, que tributa hon ras divinas ao seu herói; tampouco por uma irrupção do Espírito que se 10. Veja-se a discuss ão de J. H . Crehan, The Analogy Analogy between Verbum Dei Incarnatum and Verbum Dei scriptum in the Fathers, J o u r n a l o f T h e o l o g i c a l St u ãi es, N.S. 6 (1955):87-90; P. Bellet, El sentido de la analogia “Verbum Dei Incarnatum-Verbum Dei Scriptum”, E s t úd i o s B íb l i c o s 14 (1955): 415-428. O primeiro desses autores começa por citar algumas autoridades a favor e contra: Loisy, Hurter, Bainvel, Bentley (a favor) e Billot (contra); dep ois acrescenta e comenta alguns testemunhos de santos padres: Eusébio, João Damasceno (eles falam da humanidade de Cristo como instrumento), Inácio de Antioquia, Orígenes, Eusébio, Columbano, Ruperto de Deutz. O segundo responde demonstrando que a analogia usada por esses autores tem uma finalidade hermenêutica, para interpretar alegoricamente o Antigo Testamento e para extrair todo o sentido do Novo. c h i r i ãi o n B i b l i c u m (Roma, “1965), n. 77. Daqui por diante, será citado 11. E n ch com a sigla EB.
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A p al a l a v r a d i v i n o hu hu m a n a
apodera de um homem perfei perfeito to e o deifica. deifica. N ão h á nenhum m omento na vid v idaa do h om em Jesus Je sus em que qu e esse ess e h om em n ã o seja se ja v e rd a d eiro ei ro D e u s. P o rq u e a ação do Espírito situa-s situa-see no primeiro primeiro mom ento da geraçã o: “ O Espírito Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; e, assim, o santo santo que nascer chamar-s chamar-se-á e-á Filho de De us” . Outra questão é o emprego de materiais prévios: o Espírito não cria do nada a matéria orgânica ou mineral que se irá transformando no corpo de Jesus; ele usa uma matéria animada preexistente, o corpo santificado de uma virge vir gem. m. T a m b ém na insp in sp iraç ir aç ão o au tor to r em preg pr egaa m ater at eria iais is pree pr ee xist xi sten en tes: te s: lin li n guagem, m otivos literários, literários, procedimentos estilíst estilísticos icos,, citações etc. N ão é ne cessário cessário que que esse esse material seja, por sua vez, obra do E sp írit o.12 o.12 Um a dife rença importante é que, no domínio literário, uma transposição total de contexto pode ser um autêntico ato literário, criador de novo sentido, que transforma a p r i o r i , não podemos excluir esse mé obra utilizada em matéria preexistente; a pr todo de transposição na Bíblia.13 Segunda definição definição negativa: negativa: “ Não por conter conterem em a revelação s e m e r r o ” . Em termos teóricos, podemos imaginar um livro puramente humano, que re colhe e formula a revelação; suponhamos que de fato ele consiga propor a dou trina trina revelada sem nenhum erro. erro. Nem por isso seria seria inspirado, inspirado, nem por isso isso seria seria palavra de Deus em sentido sentido estrit estrito. o. Proviriam de Deus a m atéria, o tema, os dados; mas a transformação desses dados num livro continuaria a ser obra humana, e não divina. D e maneira semelhante, semelhante, diremos diremos que uma coleção de todas as definições infalíveis da Igreja contém e formula revelação sem erro, mas nem por isso é palavra de Deus. Nessa definição conciliar sobressai uma distinção utilíssima, que ilumina poderosamente o problem a: inspiração e revela ção. Simplificando por ora os dados do problema, poderíamos dizer: enquanto a revelação afeta antes os ma teriais, a inspiração atinge sobretudo a atividade da linguagem. Mas não dissemos que a inspiração pertence ao contexto da revelação? Certo, mas pelo caminho da linguagem linguagem verdadeiramente humana. Distingamos entre revelação precedente e subseqüente: um autor sagrado pode escrever sob a moção do Espírito quando elabora documentos oficiais, ou quando compõe por imitação um salmo, sem receber nenhuma revelação especial de Deus, nem antes antes nem durante durante o seu trabalho. Nesse caso, hou ve inspiração inspiração sem revelaçã o prévia. Se esse esse autor escreveu sob a m oção do Espírito, suas palavras são pa lavras de Deus, e toda palavra de Deus revela a Deus; ou seja, o resultado é revelaçã o para nós, subseqüente. subseqüente. To da a Bíb lia é revelaçã o para nós, porque é palavra de Deus; nem toda a Bíblia foi composta com revelações prévias feitas aos autores. Tomás de Aquino já elaborara com perspicácia essa distinção quando discerniu entre a recepção ou apresentação dos dados e o julgamento sobre eles (q. 173); trata-se atualmente de doutrina comum no tratado da inspiração. Atr A tree v o -m e a d izer iz er qu e é um a das da s ch av e s p a ra en ten te n d er o trat tr at ad o , reap re ap arec ar ecen en d o, 12. No sentido sentido específico que aqui nos ocupa. Não se pode excluir um a ação providencial, nem é impossível a priori que o Espírito tenha atuado de forma específica, já antes do momento formal, no seio do povo escolhido. 13. N. Lohfink denomina-o ato hag iográfico: üb er die Irrtum Irrtum slosigkeit, und e r Z ei ei t 84 (1964) :161-1 díe Einheit der Schrift, S t i m m em d er :161-181. 81. Sob re a insp iração S a n Je Je r ó n i m o ” V (Madri, e a inerrância, cf. R. P. Smith, C o m en t ár i o B íb l i c o “ Sa 1972), 9-48.
Q uatro analogias analogias
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por isso, isso, nestas nestas páginas. páginas. M uito embora encerre também um perigo de simpli simpli ficação, de conceber-se a revelação prévia apenas como transmissão de enun ciado já concluído. Ac A c r e s c e n te m o s o u tra tr a d e fin fi n içã iç ã o n e ga tiv ti v a aos ao s do V a t ic a n o : p a ra qu e a p a la vra vr a h u m an a seja se ja p a la v ra divi di vin n a, n ã o é sufi su fici ciee n te u m a m o ç ã o m oral or al,, um sim si m ples ple s conselho conselho ou mandato mandato de Deus. Essa m oção faria de Deus autor moral da obra e esta esta manteria a sua qualidade qualidade hum ana. A ação do Espírito deve ser ser física, física, deve afetar o autor human o em sua ativi atividade dade de linguagem. Essa m oção física é carismática, pertence à ordem sobrenatural e constitui o que denominamos “inspiração” em sentido estrito. Outras definições negativas aparecerão na seção seguinte, que nos transpor tará ao domínio das analogias. QUATRO ANALOGIAS Sobre a função cognoscitiva do símbolo, além da página de Sõhngen citada, pode-se consultar W. Stãhlin, S y m b o l o n . V o m g l e i c h n i s h a f t e n D e n k e n (Stuttgart, 1958). A função simbólica na religião é descrita por A. Brunner, D i e R e l i g i o n . E i n e p h i l o s o p h i s ch ch e U n t er s u ch c h u n g a u f g es es ch ch i c h t l i c h er e r G r u n d l a g e (Friburgo, 1956; e l i g i ón ó n , Barcelona, 1963). R. Guardini dedica o capítulo II trad. castelhana: L a R el e l i g i ó n y r ev el a c i ó n às imagens de Deus e observa que algumas do seu livro R el são anteriores e até mesmo intraduzíveis em conceitos (Madri, 1964), 183-274.
Para explicar o mistério de uma palavra que é ao mesmo tempo divina e humana, os teólogos da Igreja, desde os primeiros tempos, recorreram a di vers ve rsas as an alog al og ias. ia s. A n a lo g ia s co m o inst in stru rum m ento en toss d e co n h ec im en to, to , co m o ilu il u stra st ra ções positivas positivas e válidas, ainda que limitadas, limitadas, do fato fato transcendente. transcendente. Ob serve mos o seguinte: não se trata de haver a precedência de uma intelecção concei tuai, rigorosa, que pedagogicamente se envolve em imagens aptas; pelo contrá rio, a visão analógica é um ato cognoscitivo, anterior à definição conceituai. Trata-se, pois, de uma teologia “simbólica”, que precede historicamente a teo logia conceituai e a acom panh a em em todas as suas suas etapas etapas fecundas. Os santos padres davam a loão o nome de theologos, e muitas vezes este último propõe a sua teologia em em símbolos. símbolos. “ Sem dúvida, quando falamos da Palav ra de Deus, do ser verbal do mundo, falamos em m etáforas; no entanto entanto não falamos apenas apenas em bonitas bonitas comparações , mas em metáforas de de gravidade metafísica. Falam os imaginativa, não impropriamente; ou melhor, falamos imaginativa e, assim, pro priamente. priamente. O teólogo teólogo e o filósofo começam a sê-lo quando contemplam numa visã vi sã o o m e tafí ta físs ico ic o n o m e tafó ta fó rico ri co , o m etaf et afóó rico ri co n o m etaf et afís ísic ico. o. E x iste is te,, é ve rd ad e, uma metafísica que renuncia às metáforas, sem as quais não se formou nenhu ma metafísica importante importante e original. M etafísica não significa significa exclusão da me tafórica. tafórica. Ass im , para a inteligência humana, são metáforas as fórmulas fórmulas ‘palavra de Deus’, ‘palavra do Criador’, ‘a palavra em Deus’; mas não são expressões puramente imaginativas, mas analógicas, não constituindo meras analogias me tafóricas, m as en unciado s me tafísicos na ordem do ser e do atuar.” 14 14.
Cit. em G. Sõhngen, A n a l o g i e u n ã M et a p h e r n . K l e i n e P h i l o s o p h i e u n ã T h eo l o g i e d e r S p r a c h e , p. 104.
A p a l a v r a d i v i n o h um um a n a
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A s s im fa la o p r o fe ss o r de filo fi lo s o fia fi a e de te o lo gia gi a S o e h n ge n : a te o lo g ia n ã o pode prescindir de símbolos e imagens, porque toda a criação é imagem de Deus, sendo o homem imagem e semelhança semelhança de Deus. A analogia não reside reside apenas no domínio dos conceitos abstratos, mas também no concreto e sensível. Esse é o segredo das grandes metáforas literárias. Ora, o fenômeno da linguagem é algo humano radical: ele deve empres tar-nos as suas imagens para que, por analogia, nos elevemos ao mistério da linguagem divina em linguagem humana. Co m essa seriedade, podemos e de vem ve m o s a b o rd a r as im agen ag enss m ais ai s im p orta or tant ntes es fo rn e cid ci d a s p o r sé cu los lo s de te o lo g ia ; e nos atreveremos mesmo a acrescentar algumas por nossa própria conta. INSTRUMENTO Para a exposição das analogias seguintes, inspirei-me basicamente nos apontamentos de A. Bea, D e I n s p i r a t i o n e et i n er e r r a n t i a S a c r a e Sc Sc r i p t u r a e . N o t a e h i s t o r i c a e et et ão g m a t i c a e (Roma, 1947). A matéria está distribuída nas seções: “ t h e o p n e u s t i a , instrumento, ditado, autor”; com bibliografia escolhida até 1946. Insistirei sobretudo no aspecto de imagem, desenvolvendo a sua análise nesta direção concreta: da vida e da cultura.
Essa é, sem dúvida, a imagem que obteve maior êxito em nosso tratado. Em alguns tratados tratados escolares, escolares, é a única. E ch egou mesmo a haver uma época em que os autores discutiam se se deveria partir do conceito (não imagem) de instr instrumento umento ou do conce ito de autor. autor. Discussão ho je superada, e eu diria diria que sem sentido: uma imagem única não nos proporcionará mais luz do que um feixe de imagens convergentes.15 “Aqueles santos homens não precisavam de palavras artificiosas nem ti nham de falar com afã polêmico; bastava-lhes oferecer-se sinceramente à ação do Espírito Santo para que o divino plectro, descido do céu, fazendo uso dos homens como de instrumentos musicais, citara ou lira, nos revelasse as realidades celestiais celestiais e divinas.” 16 “Partindo do fato de que o hagiógrafo, ao escrever o seu livro, é instru mento mento do Espírit Espíritoo Santo, Santo, inst instrumen rumento to vivo e r a c io n a l.. .” 17 Entre essas duas explicações transcorreram quase 17 séculos, havendo uma admirável continuidade: Pesch, em sua seção histórica, compila 24 textos sobre a exp licação instrumental, instrumental, escalonados no decorrer dos séculos. V al e a pena escolher alguns mais significativos para penetrar na constância e em suas va riantes. Ate A te n á g o r a s : “ N o ssas ss as test te stem em u nhas nh as são sã o os p ro feta fe tas, s, qu e fa la ra m p o r virt vi rtu ude do Espírito Espírito Sa nto . . . o Espírito Santo Santo movia a boca dos profetas profetas como um
15. Grelot ainda se m ostr a francam ente otim ista quanto ao valor dessa idéia em sua versão filosófica: L’inspiration scripturaire, R S B 51 (1963) :368. 1 6 . Otç ou Àoy wv sSsY ías °u 5 e xou epta ep ta xixw xi xw g xt %at c|) c|),iÀ ,iÀov ovst stxu xu> >g eitc ei tcíi íivv a l i a . x-aB x-aBapo apoug ug sauxoug xrj xrj xou Beto Betou u nv su pa xo g ita pa ax et v sv sp ys ta , iva auxo xo Bstov Bstov sg ou oupavou pavou xaxtov uXr)xxpov, uXr)xxpov, wa nsp opyavw xtBapag xtvog xtvog f] Xupag Xupag xotg xotg Stxa totg a v 5 paatv Xpw psvov, xYjv xwv Bsiwv tj[uv tj[uv x at oupaviwv aTc aTcoxaXutjJT) yvcoatv (C lem en te de A lex an dria, E x h o r t a c i ó n a l o s g r i e g o s ; PG 6, 256). 17. ( D i v i n o a f j l a n t e S p i r i t u , EB n? 556).
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Instrumento
instrum ento. . . o Esp írito Santo fazia uso deles com o um flautista que to ca a flau ta” . 18 Hipólito: “Os profetas, imbuídos do espírito profético, honrados com a Palavra, tinham o Verbo como um plectro, sendo eles os instrumentos: assim movidos, anunciavam anunciavam o que que Deus queria” queria” . 19 Teó filo de An tioquia: “M oisés. . . ou melhor, melhor, o Verb o de Deus que fa lava através dele como por meio de um instrumento” . 20 Jerônimo (sobre SI SI 45,2 , “ minha língua língua é a pena de um escriba escriba ve loz ” ): “Devo preparar a minha língua como um estilo ou uma pena para com ela escrever o Espírito Santo no coraç ão e nos ouvidos dos ouvintes. ouvintes. Ca be a mim oferecer a língua como instrumento; a ele cabe fazer ressoar a sua doutrina como através de um instrumento. Se a lei foi escrita escrita pelo dedo de Deu s, pela mão de um m ediad or. . . tanto m ais o evan gelho será escrito escrito com a m inha língua língua pelo Espírito Santo” . 21 Gregório Magno (discutindo qual o autor do livro de Jó, declara supérflua a questão): “ Suponhamos que recebemos e lemos uma carta carta de de um persona gem importante e perguntamos que pena a escreveu; seria ridículo que, conhe cendo o autor e o sentido da carta, começássemos a investigar com que pena foram escritas as palav ras. Se, pois, con hec em os o assunto e cremos ser o Espírito Santo o seu autor, quando indagamos quem foi o escritor, o que fazemos é ler ler uma carta carta e perguntar pela pen a” . 22 A g o s tin ti n h o : “ C rist ri stoo , p o r sua su a h um an idad id ad e, é c a b e ç a dos do s ap ós to los lo s , m em bros br os do seu se u co rp o . P o rtan rt an to , qu an do estes este s es cre cr e vera ve ram m , n ã o se p o d e d izer iz er que qu e ele não tenha escrito, já que os membros realizavam o que conheciam pelo ditado da cabe ça. O que ele ele quis quis que lêssemos de seus feitos e ditos orden ou 18. 18 . HpEi Hp Eiçç 5s wv voouixs voouixsvv x a i Kzizioxsux Kzizioxsuxa[zz a[zzv v e/ofiev izpotprizaç jxapxupsç, ot IIvsoliav. evBew efwcstpwvr/zaoi %oci nsoi xou 0so0 xai 7tepi xwv xou Osou. Eotoixe 5’av x a i ufiEig ouveoei xat, xi) t i s pi to ov ovTtog Ttog 0siov 0sio v euae eu aefk fkia ia xouç xouç aAAo aAAouç uç Ttpou Ttpouxov xovTsg Tsg,, u ç saxiv sax iv aAoyov, na.palvKovzce.ç maxeu ma xeusiv siv xw tcapa tou 0eou 0eou nvEujxaxi, wç opyava op yava zsxivrj zsx ivrjzoT zoTtt xa xwv 7tpocpr)TWv axo|iaxa, 7Tpoasxstv SoÇaig avOpwmvaig ( M en s a j e a c e r c a d e l o s cr cr i s t i a n o s , 7; PG 6, 906, 908; BAC 116, p. 637). 19. 19 . O otoi ot oi yap ya p TT TTVEupaxi axi Txpoçrjxtxco Txpoçrjxtxco oi Txavxsç Txavxsç xaxTr)pia[isvot, opyavwv Sixyjv sausxovxsg z v ôauxotg as i xov Aoyov Aoy ov wç TtXrjxxpov, Sdo Sdou u xtvou xtvou|j,s |j,svo voii a n p y ] coig YTsAAov xauxa aicsp tjOeAsv 0íoç ( S o b r e C r i s t o y e l A n t i c r i s t o , II; PG 10, 728-29; GCS I, 2.4-5). 2 0 . Mwuoyjs Se o x a i SoAo^tovog 7x00 txoàAw txoàAwvv exwv ysvo[ae ysvo [aevoç, voç, iiaAAo iiaAAovv Se o Aoyo Ao yog g o xou 0eou wç Sdopyav Sdo pyavov ov Sdauxou
21. “Debeo “Debeo ergo et linguam linguam me am quasi stilum stilum et calam um pra ep arare, ut per illam in corde et auribus audientium scribat Spiritus Sanctus. Meum enim est quasi organum praebere linguam, illius quasi organum sonare, quae sua sunt... Si enim lex per manum mediatoris digito Dei scripta est, et quod destructum est glorificatum est, quanto magis evangelium, quod mansurum est, per meam linguam scribetur a Spiritu Sancto” (PL 22, 627; CSEL 54, 623-624). Ele põe essas palavras na boca do salmista, que considera um evangelista por profetizar a Cristo. 22. “Si magn i cuiusd am viri susce ptis epistulis epistulis legeremu s verba, sed quo calamo fuissent scripta quaereremus, ridiculum profecto esset epistularum auctorem scire sensumque cognoscere, sed quali calamo earum verba impressa essent indagare. Cum ergo cognoscimus eiusque rei Spiritum Sanctum auctorem teneamus, quia scriptorem quaerimus, quid aliud agimus, nisi legentes litteras de calamo percontamur” (PL 75, 515).
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A pal av ra ãiv i nohum ana
que que os apóstolos o escreves escrevessem sem como com as próprias mãos. Que m com preen der essa união e esse mistério de membros concordes sob uma cabeça, nos assuntos divinos, receberá a narração dos apóstolos sobre Cristo no evangelho com o se fosse escri escrita ta pela própria mão do Senhor, a do seu próp rio c orpo ” . 23 Temos aqui três séries de textos patrísticos que mostram algumas variantes interessantes: o grupo mais antigo emprega a imagem do instrumento musical; o segundo grupo ou não especifica o instrumento ou se refere ao instrumento de escrever; por último, Agostinho fala de órgãos corporais. O i n s t r u m e n t o é uma experiência radical do homem . O h o m o f a b er er e o h o m o l u d e n s logo recorrem ao instrumento para exercitar a sua atividade. Gn 4, descrevendo as origens da cultura, apresenta-nos Jubal, pai dos que ma nejam a citara e a flauta, e Tubalcaim, chefe dos que forjam o bionze e o ferro ferro (G n 4,2 1-2 2) . Trata-se de uma cultura cultura seminômade, posterior posterior ao Neolítico. tico. A fabrica ção de instrumentos instrumentos é signo do h o m o f a b e r : dos machados do Paleolítico às nossas fábricas automatizadas há uma continuidade; a única di ferença é que a experiência do primitivo com o seu arado, o seu dardo, é muito mais mais profund a e íntima, íntima, mais imediata. E le sente o instrumento instrumento como algo seu, como prolongamento da sua atividade, como colaborador necessário e dócil. O instrumento depende do homem e o homem depende do instrumento: uma curiosa unidade, um prolongamento humano e uma mediação íntima são ingre dientes dientes dessa dessa experiência. A prod ução em série de instrumentos instrumentos levou à re dução da intensidade dessas experiências, sendo preciso voltar a uma escassez para reavaliar a nossa dependência do instrumento. Tomemos o i n st s t r u m en t o m u si s i c a l : o homem cantou sem instrumentos, in vent ve ntou ou a arte ar te de ac o m p a n h a r e erig er igiu iu o inst in stru rum m ento en to c o m o m eio ei o m u sica si ca l des de s ligado ligado da vo z: “ M úsica instrumental instrumental”” . O intérprete maneja o instrumento e, ao mesmo tempo, está submetido a ele: timbre, melodia, expressividade são condicionados pelo instrumento, isto é, toda a obra musical interpretada. Se o cravo está bem temperado, desenvolve-se um sistema harmônico; quando o cravo aprende a distinguir intensidade de pul sação p i a n o f o r t e , a expressão musical evolui com novas possibilidades; uma afi nação de quartas de tom produziria outros sistemas musicais, e os instrumentos eletrônicos, em em princípio, ampliam as possibilidades. Pensem os no que é para um solista o seu instrumento: o pianista que viaja com o seu piano. Pensemos um momento no flautista, que oferece o seu sopro à palheta e os dedos aos furos bem g rad ra d u a d o s do seu se u inst in stru rum m ento en to.. O u , em v e z de pen pe n sar, sa r, fa ç a m o s nó s m es es mos a experiência: o que é um instrumento desafinado, estragado, excelente. . . Começamos a compreender o que é o instrumento para o h o m o l u d e n s ? É de maneira parecida que o Espírito move o seu instrumento huma no a fim de executar a sua sua obra de linguagem : ele coloc a o sopro, mov e 23. “Omnibus “Omnibus autem discipul discipulis is suis, suis, per hominem quem assum psit, tam qua m membra sui corporis caput est. Itaque cum illi scripserunt, quae ille ostendit et dixit, nequaquam dicendum est quod ipse non scripserit, quandoquidem membra eius id operata sunt, quod dictante capite cognoverunt. Quidquid enim ille de suis factis et dictis nos legere voluit, hoc scribendum illis, tamquam suis manibus imperavit. Hoc unitatis consortium et in divinis officiis concordium membrorum sub uno capite ministerium quisquis intellexerit, non aliter accipiet, quod narrantibus discipulis Christi in evangelio legerit, quam si ipsam manum Domini, quam in proprio corpore gestabat, scribentem conspexerit” (PL 34, 1070; CSEL 43, 60).
Instrumento
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e pulsa, enquanto cada autor humano põe o seu timbre, a sua clave, a sua lin guagem e esti estilo. lo. A melodia result resultante ante pertence pertence a ambos — ao Espírito Espírito e ao inspirado inspirado — , una e indivisível, indivisível, perfeitamente hum ana e m isteriosamente isteriosamente divina. divina. escrev rev er é muito menos sugestiva e menos A c o m p a r a çã o com co m a pena d e esc freqüente na literatura antiga, muito embora pudesse ser favorecida pela no ção de Escritura. N o final final das contas, a notaçã o gráfica da linguagem linguagem é muito mais artificial e extrínseca, e a colaboração do instrumento é apenas apreciá vel, ve l, po is n ã o se trat tr ataa de c a l ig r a f i a .24 .24 O terceiro símbolo está carregado de ór gão s co r p o r a i s. É difícil dizer se a experiência quase instrumental instrumental dos nossos nossos órgãos é primitiva. D e fato, a pa lavra “ órgã o” significa em grego, de m odo e xato, “ instrumento” . Em nossas línguas, a palavra sofreu uma dupla evolução semântica: órgão-instrumento musical, órgãos corporais, órgãos sociai sociais. s. Se estabeleço estabeleço uma distância distância reflexiva entre o meu projeto e a mão que o executa, entre o meu pensamento e a língua que o articula, tenho uma experiência de tipo instrumental em que sobressaem o caráter vital e a íntima íntima pertinência: a obra é tão minha quanto da minha mão, as palavras são tão minhas quanto da minha língua; e são tão materiais quanto espirit espirituais. uais. A cabe ça m anda um impulso pelos centros centros nervosos e a mã o, ou a língua, executa a obra. obra. Essa semelhança pode ria determinar o mod o pelo qual imaginamos imaginamos a ação do Esp írito e a do escritor escritor sagrado. Ago stinho pensa sobretudo em Cristo e em seus discípulos; quanto a nós, poderíamos introduzir em sua especulação o dado de um impulso enviado por Cristo: esse impulso é o seu Espírito. O exemplo de Agostinho tem outra dimensão a ressaltar: ao recorrer ao grande símbolo do corpo místico, ele aponta a dimensão social, eclesiástica, dos hagiógrafos do NT, que escrevem como órgão de um grande corpo misterioso, a Igreja. No A T , o profeta profeta pode ser ser denominado denominado “ a boca de De us” . Em Is 30,2 30,2,, o Senhor acusa o seu povo : “E não consultas consultastes tes a minha bo ca ” = o profeta, Is 30,2); promete a Jeremias (15,19): “Se retornares, eu te farei retornar a esta rás diante de mim, se se separares separares o metal da escória, escória, serás serás minha bo ca ” . Tam bém é freqüente a fórmula de que Deus atua beyad, pela mão dos seus profetas. Eíimologicamente, beyad signific significaa “ pela mão de” ; semanticamente, lexicalizou-se lexicalizou-se em mero “ por” , “p or meio de” . Po r exemp lo, “ o preceit preceitoo do Senhor por intermédio de Moisés” (Nm 36,13); “a palavra do Senhor por meio do pro feta Ageu” (Ag 1,1.3; 2,2); “as palavras que o Senhor proclamou por inter médio dos profetas antigos” (Zc 7,7.12 etc.). Ou seja, encontramos duas fórmulas: a de instrumento instrumento genérico e a de órgão corpora l ou boca. D e m odo semelhante, semelhante, o imp erador inimigo pod e ser um instrumento de castigo nas mãos do Senhor: uma vara (Is 10), um martelo (Jr 51,20.23 etc.). Os escolásticos tomam a imagem do instrumento e elaboram-na conceitualmente, segundo o sistema das causas aristotélicas: material-formal-eficiente24. É curio so o desenvolvimen to de Teod oro de Mop suéstia, que divide divide o fenômeno em três elementos — escritor, tinta, pena —, que, transpostos, resultam em: Espírito Santo, revelação, hagiógrafo. Tudo isso sofre uma segunda trans posição para o fenômeno da fala, já que o texto bíblico comentado usou a comparação “a minha língua é uma pena de escrivão” (R. Devreesse, Essai sur Théodore de Mopsueste, St u ãi e Testi, 141, Roma, 1948).
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A pal avra ãiv ino humana
-final: a causa eficiente eficiente pod e ser ser principal e ins ins tru m en tal.25 tal.25 O instrumento pos sui uma causalidade instrumental, que é de ordem eficiente, mas é subordinada e secundária; o instrumento é elevado pela causa principal, a fim de produzir um efeito que ultrapassa o seu poder; a obra é efeito das duas causas e con serva a semelhança de ambas. ambas. Po r exemplo, a pena é eleva da pela mo ção da mão humana com vistas a executar uma série de signos com significado espi ritual; a flauta é elevada para executar uma obra de arte de condição espiritual. Do mesmo modo, o hagiógrafo recebe uma moção do Espírito, que é a causa principal, para produzir com ela um efeito que supera as suas meras possibi lidades human as, de conhece r ou de falar. A diferença é que que o instrumento instrumento é um objeto inerte, inerte, ao passo passo q ue o hagió grafo é vivo, inteligente e livre. livre. O Pe. Benoit observa que Tomás de Aquino não faz um uso extenso do termo “ins trumento” para explicar a profecia. E le prefere falar falar d e um quase-inst quase-instrumento, rumento, ou de instrumento em sentido sentido lato, ou evitar o te rm o .26 .26 Nos manuais teológicos neo-escolásticos, a doutrina da causa instrumental, aplicada à inspiração, costuma ocupar um lugar de destaque. Po r exemp lo, o tratado tratado do Pe. Tromp apresent apresentaa a proposição IV : “ Inspiratio, Inspiratio, qua Deus est vere ve re auct au ctor or prin pr inci cipa pali liss libr li brii sacr sa cri,i, ho m o aute au tem m ve re a uc to r secu se cund nd ariu ar ius, s, in eo est, quod Deus in ordine ad librum sacrum conficiendum homine utitur tamquam causa instr instrumental umentali, i, supernaturali supernaturali virtute elevata” . O autor divide o instrumento segundo a sua utilidade para mover-se, para receber ou para fazer; esse instrumento pode ser adequado e inadequado, sepa rado e unido, inanimado e racional; tem uma ação instrumental e outra própria. Depois, o auto r aplica as distinções ao caso da inspiraçã o bí b li ca .27 .27 No índice analítico de Pesch, o verbete inslrumentum remete a causa ins afirma: “ Co m estas e com outras t ru m eníal i s; e, no n. 403 do texto, o autor afirma: frases, os santos padres ensinam com toda a clareza que os hagiógrafos são cau sas sas instr instrumentai umentaiss e Deus, causa principal” . 28 Pesch atribui atribui aos padres uma ela bo raçã ra çã o m etaf et afís ísic icaa p ró p ria ri a da esco es colá lást stic icaa , nu n ca ensi en sina nada da p o r eles. el es. Se co m pararmos a formulação conceituai medieval e moderna com a formulação sim bó b ó lic li c a dos do s anti an tigo gos, s, ve rem re m o s que qu e gan ga n ham ha m os em rigo ri go r, m as perd pe rdem em os em suge su gest stão ão e vitalidade. vitalidade. A encíclica encíclica Di vi no afflante Spirit u emprega simplesmente o termo “instrumento” em grego e em latim, e refere-se à “moção divina” (EB, n. 556) sem men cionar de man eira explícita a doutrina metafísica das ca u sa s.29 s.29 O símbolo do instrumento, no plano antropológico, e o conceito de causa instrumental, no plano metafísico, foram-nos úteis para de algum modo expli car o mistério mistério da dupla natureza da Escritura. Escritura. Digo “ de algum algum mo do” por que a explicação analógica, embora positiva, exige a consciência dos seus limi tes. tes. Essa con sciência de limitação tornou-se agud a com a crise m on tan ista.30 ista.30 Montano (meados do século II) usa a comparação da lira e do plectro para ccncluir que o homem inspirado atua inconsciente, mecanicamente movido pelo 25. Grelot estabeleceu uma boa distinção entre o uso pré-filosófico pré-filosófico dos padres e a elaboração filosófica dos escolásticos; ele dá preferência à segunda: art. cit. 26. P. Synav e/P. Beno it, L a P r o p h é t i e, sobretudo pp. 103-107 (ST II-II. q. 173, a. 4) e 286-293. Sa c r a e S c r i p t u r a e I n s p i r a t i o n e (Roma, 31936). 27. D e Sa 28. Op. cit ., n. 403. 29. G. M ortari, L a n o z i o n e ãi c a u s a i n s t r u m en t a l e e l e s u e a p p l i c a z i o n i a l i a q u e st st i o n e ãel V i n s p i r a z i o n e v e r b a l e (Verona, 1928). 30. P. de Labriolle, L a c r i s e m o n t a n i s t e (Paris, 1913).
Ditado
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Paráclito; em estado de êxtase, mania ou furor sacro, possuído à força por Deus. A o rebaixar de man eira brutal a atividade atividade especificamente especificamente hum ana, essa essa teoria de ascendência platônica caía numa espécie de monofisismo escriturário, sendo sendo claramente claramente contra a tradição tradição da Igreja — motivo pelo qual foi atacada com vigor por vários padres, entre os quais Epifânio. A tran tr an sp o siçã si çã o a n aló al ó g ica ic a é c o n cr etiz et izaa d a p e lo m on tan ta n ism is m o sem se m r ec o n h e cimento dos limites; negando os limites, para proclamar uma nova presença reveladora do Espírito, por meio de Prisca e Maximila. O homem, enquanto pessoa, pode ser movido por influxo moral, por or dens, dens, conselhos, am eaças. . . Se é movido mecanicam ente com v iolência física, ou por drogas, drogas, um homem não age como homem. Isso ocorre quando o for çam fisicame nte a assinar um docum ento, a disparar um a pistola etc. Or a, o influxo do Espírito não pode pertencer à ordem da violência física, fazendo uso mecânico do homem; por outro lado, a moção moral não é suficiente para que o Espírito seja verdadeiro autor da obra. Tem os de imaginar imaginar para nós uma moção física, e não violenta, eficaz, e não mecânica: a ação misteriosa do Espírito, que sopra como quer. Os escolásticos também têm consciência da limitação do conceito de causa instrumental aplicado à inspiração; a encíclica de Pio XII formula o limite em dois adjetivos: adjetivos: “ O autor sagrado, ao compo r o seu seu livro, é instrumento instrumento do Espírito Espírito Santo, Santo, vivo e racional” . 31 Tomás de Aquino também elaborou a doutrina da humanidade de Cristo como instrumento da divindade (da natureza divina) na obra da salvação; hu manidade cheia de graça, em sentido dinâmico, em toda a sua ação durante a vida vi da m or tal ta l e em sua su a pr ese es e n ça ativ at ivaa na I g r e j a . 32 DITADO A. Bea, Libri sacri Deo dictante conscripti, E s t E c l 34 (1960 ): 329-3 329-337. 37. E . R. e a y E ãa d M ed i a l a t i n a , op. cit., “Ars dictaminis”, 117s. Curtius, L i t e r a t u r a e u r o p ea ev el a c i ó n a l a i n s p i r a c i ó n , op. cit., pp. 75-78, e J. T. Burtchaell, Cf. A. Artola, D e l a r ev C a t h o l i c T h e o r i e s o f B i b l i c a l I n s p i r a t i o n s i n c e 1 8 1 0 (Londres, 1969).
Entre os padres latinos encontramos a fórmula d i c t a r e aplicada à ação do Espírito Santo na confecção da Escritura: Jerônimo: Jerônimo: “ To da a Epístola aos Rom anos exige uma interpret interpretação, ação, es es tando envolta em tantas obscuridades que, para entendê-la, precisamos da graça do Espírito Santo, Santo, que ditou essas essas coisas por meio do apóstolo” . 33 A g o s tin ti n h o : “ O s m em bros br os ex ecu ec u tara ta ram m o que qu e co n h ec era er a m p el o d itado ita do da c a b eç a ” . 3,4 31. Spiritus Sa ncti opy opyav avov ov seu instrum entum , idque idque vivum ac ratione praeditum (EB, n. 556). 32. Veja-se T. Tschipk e, Die Me nschheit Ch risti ais Heilsorg an der Gottheit, unter besonderer Berücksichtigung der Lehre des hl. Thomas von Aquin, F r e i b u r g e r T h e o l o g i s c h e S t u ãi e n 55 (Friburgo, 1940). 33. “Omnis ad Rom anos epistula interp retation e indiget et tantis obscuritatibus involuta est, ut ad intellegendam eam Spiritus Sancti indigeamus auxilio, qui per apostolum haec ipsa dictavit” (PL 22, 997; CSEL 55, 500). 34. “M embra eius eius id op erata sunt quod quod dictante capite capite cognoverunt” (PL 34, 34, 1070; CSEL 43, 60).
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A p a l a v r a d i v i n o h u m a na na
Gregório Magno: “ Aq uele que o ditou ditou escrer escrerveuveu-o” o” . 35 Sanctt o dictante O Concilio de Txento emprega também a fórmula Spiri t u Sanc aplicada às tradições. O fato de ditar pertence à nossa cultura, sendo por isso muito fácil com preender essa essa segunda analogia. M as há um grav e perigo na familiaridade porque a arte arte de de ditar ditar e o termo “ ditar” sofreram sofreram uma grande evolução. Chega mo s a uma exatidão do ditado por meio de ditafones ou de fitas gravadas; sem esses meios, também também os antigos antigos conheceram o ditado ditado exato e a taquigrafia. taquigrafia. A o es cutar a fórmula, a primeira reação é conceber da seguinte maneira o Espírito Santo que dita: um chefe à sua secretária, um ponto que vai dizendo todas as palavras da comédia; ou ainda, como na estátua egípcia, a ave familiar sobre o ombro do escriba, soprando-lhe o que deve escrever. N ão se trata disso: disso: a pom ba do Espírito Santo não pousa no ombro do hagiógrafo, como se fosse fosse um ponto. Nã o é esse o sentido sentido da palav ra “ ditar” ditar” no contexto em questão. Basta reler os textos citados: citados: Jerônimo não diz que o Espírito Santo ditou ditou aos apóstolos, mas por meio dos apóstolos. Ag ostinh o diz que os mem bros co nhecem porque a cabeça dita. dita. M ais explícitos são Gre gório e Isidoro: “ Cr e mos que o Espírito Santo é o autor da Sagrada Escritura: pois quem ditou aos seus seus profetas profetas para que escrevessem, escrevessem, ele mesmo escreveu” . 36 A pa rtir rt ir d o C o n c ilio il io de T ren re n to teve te ve iníc in ício io a co n ce p çã o de um d itad it adoo puro pu ro e total total,, que transforma transforma o hagiógrafo em simples simples amanuense. amanuense. A um amanuense não se pede senão que en tenda mate rialmente as palavras esaiba esaiba reproduzi-las ortograficamente. É essa a interpretação estri estrita ta do decreto tridentino? tridentino? Ve jam os um autor importante. Domingo Bánez publicou em Roma, em 1548, o seu tratado Scholastica Comm ent ari a in pri mam part em ange angeli ci doct doct oris D . Tho m ae usque ad sexage sexage simam quartam quaestionem complectentia.
“Conclusão segunda: o Espírito Santo não apenas inspirou a matéria con tida na Escritura como também ditou e sugeriu cada uma das palavras para ex pr im i-la . . . Dit ar significa determinar as próprias palav ras. Conclusão terceira (esta doutrina não é de fé, mas é mais segura): assim como Deus dispõe tudo suavemente, assim também iluminava a mente de cada hagiógrafo e lhe ditava as palavras que melhor se adaptavam ao seu estado e con diç ão .” 37 37 Em meados do século XVIII, C.R. Billuart publica a sua Summa Theo logica, que exerce u grand e influência. influência. Em sua dissertação sobre as regras da fé, ele diz: “ De fend o que todas as as sentenças da Escritu ra foram inspiradas e ditadas pelo Esp írito San to. . . Sentença mais pro vá vel : a natureza da Sagrad a Escritura exige que não só o sentido e o pensamento como também cada uma das palav ras sejam ditados pelo Espírito Santo. É a sentença m ais ac eita . . . O Espírito Santo adaptava-se ao gênio, ao estilo e aos gostos de cada escritor sagrado, e ditava ca da coisa com o se o escritor escrevesse po r conta p rópr ia” . 38 35. “Ipse igitur igitur haec scrip sit qui scribend a dictav it” (PL 75, 515). 38. “Auctor earumdem Scrip turaru m Spiritus Sanctus esse esse creditur. Ipse enim scripsit, qui prophetis suis scribenda dictavit” (De eeclesiasticis officiis, 1, 12; PL 83, 750). 1, ar t . 88.. 37. I n q. 1, ssert at i o 1. 38. D e regul a fi dei, ãi sse
D itad o
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Os protestantes denominados “ortodoxos” procediam de maneira paralela. Numa profissão de fé suíça, Formula consensus Helvetica (1675), conside ram-se ram-se sagradas sagradas as consoantes, as as vogais e a pon tuação — ou o seu equiva lent lentee — do texto hebraico. En tre os autores protestantes protestantes clássicos, clássicos, J. J. Gerha rd, em sua obra D e locis locis Theol Theol og ogii c i s (1657), cap. 15, afirma, por dedução teo lógica, que Deus inspirou o texto hebraico com as vogais e a pontuação que hoje hoje lemos. Quenstedt, em sua obra Theologia Theologia didact didac t i copolemi opolemi ca (1658), I, 4, ehama os hagiógrafos de “amanuenses e notários” do Espírito Santo; os hagiógrafos são autores em sentido impróprio; “as mesmíssimas palavras, cada vo cábulo individual foi fornecido, inspirado e ditado pelo Espírito Santo aos ha giógrafos” ; as diferenças de estilo estilo são explicada s pelo fato de que o E spírito Santo Santo se adaptava ao temperamen to de cada autor, ditando as palavras que o autor autor teria empregad o se escrevesse escrevesse por sua conta. Essas posições paralelas, de católicos e protestantes, embora não possam negar certo sabor monofisista, provocaram duas reações diferentes: entre os protestantes, o racionalismo, que passa ao extremo oposto e simplesmente eli mina Deus do jogo; entre os católicos, a grande controvérsia sobre a inspiração verb ve rbal al.. É a seguinte a sua proposta: a inspiração não é mero ditado, a teoria do ditado ditado anula praticamente a atividade humana. Portanto, p ara conciliar as duas duas afir afirmações mações — “ Deus é autor autor da da Escritura” ; “ o homem é autor autor da Escrit Escritura” ura” — , é preciso estabelecer estabelecer um a distinção. E a distinção distinção é bem simples: De us põe o conteúdo, o homem põe a forma; Deus põe as idéias, o homem põe as palavras; Deus põe o pensamento, o hom em põe o estilo. estilo. Cam peão dessa teoria foi, no século passado, o cardeal Franzelin, que ampliou idéias de teólogos pós-tridentinos tinos,, com o Less io, Suárez, A . La pid e etc. etc. Pesch escreve o seu grande livro sob o peso da controvérs ia e muitas vezes procura trazer os santos padrespara padres para essa dis tinçã tin ção. o. 39 Essa propos ta está ho je superada. N ão apenas a solução “ Deu s, as idéias, idéias, o homem, as palav ras” , com o a própria form ulaçã o “ ou as idéias ou as as pala vra v ra s” . Is so p o rq u e supõ su põ e u m a c o n c e p ç ã o da lin li n gu ag em e do estil es tiloo que qu e n ão funciona na realidade; trata-se de uma distinção especulativa, de laboratório, que peca por intelecíualismo , como se só contassem contassem as idéias. idéias. A lém disso, o dilema implícito implícito na argumentação é incorreto: “ Ou Deus dita as palavras ou esta estass pertencem tão-somente ao hag iógrafo ” . H á uma terceira terceira proposta, que é a m oção vital sem ditado estrit estrito. o. H oje, a m aioria dos teólogos teólogos considera ins ins pirado o concreto literário, sem distinguir entre fundo e forma; o concreto lite rário é um sistema de palav ras sign ificativas. M as inspirar não é igual a ditar, na acepção comum. A p a r e n ta d a co m a co n tro tr o v ér sia si a an teri te rior or é a d iscu is cu ssão ss ão dos do s padr pa dres es,, no C o n cilio Vatican o I, sobre a seguinte seguinte questão: a Sagrada Escritura contém a pala vra vr a de D e u s ou é a p a la v ra de D e u s ? A d isti is tin n çã o era er a su g erid er idaa p elo el o s o rá c u lo s 39. Naturalm ente, sem pre oco rre ce rta influênci influênciaa nas palavra s, sendo esse fato admitido por todos à medida que o tema já restringe os campos de lin guagem e a exposição do tema exige fórmulas adequadas. Mas, segundo a teoria indicada, Deus move imediatamente a atividade das idéias e, de maneira mediata, a ativi atividade dade da form ulação adequada. Na distinção distinção de Trom p “reru m conceptio est simpliciter ex illustratione divina: verba sunt etiam ex illustratione divina, attamen non necessário quatenus sunt haec verba simpliciter, sed quatenus sunt haec verba apta” ( D e i n s p i r a t i o n e S a c r a e S c r i p t u r a e , n. 91).
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A palav ra ãiv i nohum ana
que a Bíb lia apresenta apresenta formalmente como pa lavra de De us: “ Assim diz D eu s. . . Orá culo do Senho r. . . Pala vra do Senhor a. . destacados do resto resto da Es cri tura. tura. Segundo a tradição, deve-se dizer que que toda toda a Sagrada E scritura é palavra de Deus. Comentando lT s 4,15 , João Crisóstomo Crisóstomo diz: diz: “ Paulo sempre sempre fala inspirado, mas o que diz aqui havia escutado literalmente de D eu s” . 4fl Semelhante é outra discussão recente sobre ipsissima verba, formulada nos escritos proféticos e nos evangelhos: o profeta dá-nos as mesmíssimas pa lavras de Deus ou oferece-nos uma elabora ção sua? Há no orácu lo uma parte que é a própria palav ra de De us e outra parte que é exp licação do profeta? 41 Paralelamente: os evangelis evangelistas tas dão-nos as as próprias próprias palavras de de Cristo? Ou dão-nos apenas a palavra de Cristo pela ação do Espírito? Mais adiante adiante voltare mos a esta esta última última questão. Pod em os retornar agora à analogia analogia do ditado. ditado. Observemos a evolução semântica da palavra latina d i c t a r e: por um lado, Gedicht, D i c ht ung; desembocou no grupo D i cht en, Gedicht, por outro, nos termos dita dor, D i k t a t . A primeira linha conduz-nos às artes dictaminis medievais, que eram simples artes poéticas, isto é, manuais que ensinavam a arte de desenvolver e comp or poeticamente. O “ ditar” med ieval era um a opera ção inteli inteligente gente e mesmo poética. Encontra-se a sua origem nas nas chancelarias, onde trabalham trabalham alguns empregados que possuem a arte do ditado, ou seja, de redigir segundo as regras regras o material, a idéia propo sta pelo governante. Dessa técnica retórica retórica passa-se à técnica poética aparentada; e logo é possível formular o princípio: “Quem quiser ser poeta ( d i c t a t o r ) deve estudar a arte poética (ars di c t ami ni s)”, )”, e Dante denomina os poetas dictatores ilustres. A segunda segunda linha linha de evolução evolução refere-se ao domínio da vontade, do mandato, da legislação: a vontade do so be rano ra no dita di ta no rm as; as ; mas ma s tam ta m bém bé m re co n h e ce m o s e segu se guim imos os o d ita d o da ra zã o ou da consciência. Essa dupla evolução semântica impõe-nos flexibilidade no manejo da se gunda analogia da inspiração. Em termos modernos, deveríamos pensar pensar no secretário inteligente, capaz de redigir corretamente em poucas páginas algumas notas do seu chefe; ou no secretário de um chefe de Estado, que prepara e redige os discursos discursos deste. deste. Nesses casos, casos, ocorre uma colab oraç ão inteli inteligente, gente, ajustada, ajustada, para produzir a obra. obra. O chefe propõe o tema, o desenvolvimento, as idéias, algumas fórmulas, e o secretário redige; o chefe revisa, o secretário cor rige; o chefe aprova e redige, e pron uncia o discurso. D e quem é o discurso? De certo modo, dos dois; de certo modo, um é o autor principal e o outro, o secund ário, sendo ambos inteligentes. inteligentes. Em bo ra para efeitos jurídico s o discurso seja do presidente, para efeitos literários e de linguagem o discurso também é do secretário, que conhece a sua ars dictami nis do estilo moderno. host w ri t er, ou redator de estilo, é menos útil, Creio que a comparação do ghost porque, nesse caso, o “autor” original só oferece certos materiais, não sendo ve rd a de iro ir o au tor to r liter lit erár ário io.. 40 . O Se HauÀoç ou xad t)[ísvov t)[ísvov l8(dv, aAris/cov sv sauxw AasAouvxa xov Xp:axov, z i Kuptoç, sAsysv, V Soxtpiqv Çrjxsixs sv yjix avxi xou xa5s \ z y zi yjixiv iv AaAouvxo AaAouvxoçç K ptax pt axou ou;; x a i naXiv IJauAoç a-JxoaxoAoç I-rçaou Xpiaxcu Sstxvuç; oxi ouSsv auxou scmv, o yap ajxoaxoAoç xa xou xou axxoaxsiA axxo axsiAavxoç avxoç cp0sYTsx cp0sYTsx a '-- K a t Tca TcaA Aiv Aoxw 8s x a y o Txvsuita 0sousxs'-v- Exsiva jrsv ouv ouv Tcvsupaxi ruavxa ruavx a scpOs scpOsyY yY£X0> touxo tou xo Ss o X s f z i vuv xai prjzcoç Tjxouaa Tjxouaa xcapa xou 0sou (I n 1 Th.es, Th.es, homilia 8; PG 62, 439). c h e R ed e b ei ei Je Je r e m i a (Zuri 41. H. Wildberger, Ja h w ew o r t u n d p r o p h e l i s ch que, 1942).
M ensage nsagei ro
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As A s s im en ten te n dido di do , o dita di tarr ilu m ina in a a n a log lo g ica ic a m en te o m isté is téri rioo da insp in sp ira ir a çã o. Mas, satisfeitos com a sua luz, não nos esqueçam os dos seus limites. No últim o caso descrito, é possível uma dissecção de contribuições entre o chefe e o se cretário, é possível distinguir os tempos para repartir a contribuição, é pos sível pressupor o redator mais literário e o chefe mais pensador, é possível atri buir bu ir a um a ciê ci ê n cia ci a e ao o u tro tr o o estil es tilo. o. E s sa d isse is se cç ã o nã o é a p licá li cá v e l ao tra tr a balh ba lhoo do E s p írit ír itoo Sa nto nt o p o r inte in term rm é dio di o d o au tor to r sagr sa grad ad o. As A s s im co m o em C rist ri stoo o co rr e m duas du as vo ntad nt ad e s e du as o p e ra çõ e s , que qu e nã o se confundem nem se opõem, e assim como a vontade humana de Cristo está submetida à vontade divina, assim também, no mistério da inspiração, existe uma operação humana literária ou de linguagem, submetida, e não oposta, à operação do Espírito Espírito Santo. Santo. E rebaixar a ope ração humana à de mero ama nuense não é glorificar a operação divina.12 MENSAGEIRO Resumo histórico de teorias e explicação pessoal em Cl. Westermann, G r u n ãf o r m e n p r o p h e t i s ch c h e r R e d e (Munique, 1960). O que é denominado pelos alemães B o t e n s t i l , estilo de me nsage iro. Cf. sobre isso o livro livro cit. de G. von Rad , Sab i ãu r ía en I sr a el (Madri, 1985).
Eis aqui outra imagem, de grande enraizamento enraizamento bíblico. Os profetas são enviados de Deus, mensageiros, arautos do Senhor; os apóstolos são enviados e arautos de Cristo. Numa cultura sem telefone, telégrafo nem aviões, o mensageiro desempenha uma fun ção importantíssima. Se o seu ofício consiste apenas em transpo rtar e entregar cartas escritas, é suficiente que seja bom cava leiro. M uitas vezes, o mensageiro precisava transmitir a mensagem em voz alta, decorada, porque o es crito era apenas uma comprovação; a esse bastava a técnica de memorizar. Mas havia também o mensageiro categorizado, que recebia o assunto para expô -lo e desen volvê-lo segundo segundo as circunstâncias. circunstâncias. Esse mensageiro era uma espécie de em baixador com amplos poderes. Em nossa cultura subsiste subsistem m o enviado especial, o embaixador, com instruções precisas e liberdade de adapta ção ao ao momento. Trata-s e de mediadores que informam informam sobre a vontad e de quem os envia, mas não dizemos que as palavras do embaixador sejam as do seu presidente. Os profetas apresentam-se como enviados de Deus e utilizam fórmulas típi cas do estil estiloo postal: “ As sim disse o Senhor a N . . . ” Eles compensam a dis tância entre Deus e o homem com a palavra. Co m o se se vê, essa essa terceira analogia pou co a crescenta à anterior. anterior. N o pri meiro caso, o mensage iro nem sequer precisa falar. N o segundo, a sua mem ória recebe tal como lhe foi ditado. ditado. N o terceiro, exercita um a atividade atividade intelig inteligente ente e de linguagem, e, de certo modo, aquele que o envia fala através dele.
42.
Cf. Den zinger -Schõ nm etzer, 550-55 550-559, 9, sob re as op era çõe s de Cristo , aSiat aSiatpe pe--
*coç, aipsTucoç, apEptaiuç, aai)Yxu"twS-
A pal avr a ãiv in ohum ana
O AUTOR E SEUS PERSONAGENS Em geral, os livros que abordam arte e ficção narrativa acabam, de uma maneira ou de outra, tocando no tema. Uma síntese com múltiplas referências e o r i a L i t er a r i a (Madri, 1953; original americano, Nova em R. Wellek/A. Warren, T eo Iorque, 1949; pocket-book, Harcourt Brace, Nova Iorque). e r s on o n W r i t i n g, g , refundido e Testemunhos escolhidos de autores em W r i t er editado por Walter Allen, Nova Iorque, 1948; capítulo 13, “Characters”.
Essa é uma analogia que me é proporcionada pelo mundo da criação lite rária. rária. Introduzi-la-ei com uma citação de Justin Justino, o, fixando-m e apenas no que tem tem de notaç ão literária: literária: “ Qu ando escutais escutais as palavras dos profetas ditas ditas como que pela boca de alguém, não penseis serem elas ditas pelos inspirados, mas pela Palavr a de Deus que os mov ia. Pois às vezes anuncia profeticamente profeticamente o porvir, outras vezes fala como se falasse o Deus Pai e Senhor de todos, às vezes como se falasse Cristo, outras como se falassem as pessoas que respondem ao Senhor ou ao seu seu Pai. Podeis com prová -lo em vossos escritores, escritores, de tal modo que, sendo um o que escreve tudo, introduz várias pessoas dialogan do” . 413 A Bíb lia oferece-nos alguns alguns casos casos signifi significativos cativos do procedimento. O livro de Jó é elaborad o com o diálogo dramático entre entre vários vários personagens. Ma is sig nificativo é o relato de 2Sm 14, em que Joab ensaia uma mulher hábil numa cena fingida, que ela deve representar diante de Davi e com Davi, a fim de levar o rei rei à clemência clemência.. Ve ja-se o meu artigo artigo “ Da vid y la mujer mujer de Tecua, 2Sm 14, como modelo hermenêutico”, B íbl i ca 57 (19 76 ): 192192-205 205.. Pensemos em teatrólogos ou romancistas, autores que manejam ou criam personagens em sua obra. Simplificando, nesse domínio dos personagens, po demos distinguir o escritor vigoroso e o medíocre. Um romancista medíocre não é capaz de criar personagens autênticos: uti liza e move marionetes para seus fins particulares, que podem ser uma tese ou um desenlace de argumento. argumento. Para que o argumento argumento tenha procedência, para que não se interromp a, para que atinja a con clusã o prevista. Esses p ersonagens falam no romance, no cenário, mas a sua linguagem não é autêntica: o autor está soprando-lhes as palavras que eles não sentem ou que não se ajustam a eles. Mas o grande romancista cria personagens autênticos dos quais brotam o argumento e a ação; personagens que dizem suas palavras sinceramente, a par tir tir de dentr dentro. o. Pensemos em alguns alguns expoentes: D om Q uixo te e Sancho Pança, Ham let, os irmãos Kara m azovi, A n a Karenina. Escutem os as palavras desse dessess personagens a viva voz e perguntemos: de quem são essas palavras, de Ivan ou de Aliosha? A resposta resposta é fácil. fácil. Quem fala, Dom Quixote ou o seu seu escudei escudei ro? Nã o há dúvida. dúvida. Continuemo s perguntando: de quem são essas essas palavras, de Aliosha ou de Dostoievski, de Sancho ou de Cervantes, de Laerte ou de Shakespeare Shakespeare?? A resposta resposta provoca-nos provoca-nos reflexão. reflexão. 43 .
O x a v 8 s x a g A s g e iç iç x w v
r.pocpe x w v A s y o p e v a ç a r c o
n p o a u n z o o « x o o y j x s , p r ; om ’
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p. 221).
S t a A s Y o p s v a n a p a ( J ís í s p o v x a ( A p o l o g i a I , 3 6 ; P G 6 , 3 8 5 ; B A C 1 16 16 ,
O aut or e seus seus persona gens gens
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Os personagens são criação do autor, dependem dele em seu ser, em seu atuar, em seu falar; por sua vez, o romancista depende de seus personagens, devendo respeitá-los. A lg u n s escr es crito ito res re s e xp lica li ca m que qu e escu es cuta tam m inte in teri rior or m ente en te a co n v ersa er sa de seus seu s personagens, como se fossem antes espectadores que autores; paradoxalmente, esses esses autores autores escutam a fala de sua fantasia. fantasia. Um romancista contou-me que teve de levar à morte um de seus personagens porque este começou a crescer em força e ameaçava devorar o romance. Trollope conta que convivia convivia com os seus personagens, que conhecia o tom de voz de cada um, o que diria ou não em determinada situação, e que procura introduzir o leitor no conhecimento dos personagens. Ninguém descreveu com o Piran dello o crescimento crescimento dos per sonagens na mente do autor: já não é este último que procura os seus perso nagens; são os seis personagens que buscam o seu autor para poder viver, agir e falar. É notável como alguns personagens populares adquirem corporeidade e uma espécie de vida independente: basta recordar a vida de Sherlock Holmes (com a discussão sobre se ele teria estudado em Oxford ou em Cambridge); a vida de Dom Quixote e Sancho Pança, escrita por Unamuno; as memórias de Ma ígret, escri escritas tas pelo próprio Sim enon etc. etc. Grand es figuras com o Do n Juan, Juan, Hamlet etc., passam ao domínio da antropologia e da psicologia. Tudo isso para mostrar que personalidade podem ter esses personagens da fantasia e o grau grau de verdade com que podem reivindicar para si as “ suas” palavras. N ão recordamo s os mon ólogos de Shakespeare, mas o de de Ham let, o de Henrique IV; as confissões de uma alma atribulada são de Ivan Karamaes sueno sueno é do príncipe Sigismundo. zov; e o monólogo de L a vi da es Contudo, enunciamos meia verdade: o que os personagens autênticos di zem no romance, no drama, são são palavras suas. suas. Acrescen temo s a outra metade: e são palavras do escritor. escritor. Porq ue, sem dúvida, Calderón m onologa sobre o sentido da vida, com certeza Dostoievski fala da sua própria plenitude atribu lada e Shakespeare medita em voz alta com Henrique IV . Shakespeare, Cer vant va ntes es e D o st o ievs ie vs k i p o d em re ivin iv ind d ica ic a r p a ra si a a u tori to riaa de c a d a uma um a das da s p a lavras pronunciadas por seus grandes personagens, bem como a autoria das que são dialeticamente pronunciadas pelos personagens contrários: Quixote e Sancho, Otelo e lago, Ivan e Smerdiakov. Guy de Maupassant, opondo o romance de tipo objetivo ao romance de análise psicológica, afirma que, neste último, o eu do autor assume diversas personalidades e age em todas elas: “ Co m o eu me portaria se fosse um rei, rei, um assassino, um ladrão, uma prostituta, uma monja, uma jovem, um vendedor?”, já qu e o au tor to r só p o d e “ tran tr an spla sp lan n tar ta r a sua su a p r ó p ria ri a vis vi s ão d o m u nd o, o seu se u p r ó prio conhecimen to do mundo, as suas suas próprias idéias idéias sobre a vida” . É fam osa a resposta de Flau bert: “ M adam e Bov ary , c’est moi” 44 O romancista fala em seu romance não apenas quando escreve autobiograficamente ou conta fatos, mas também quando falam os seus personagens; o dramaturgo fa la nos palcos, na fala de seus seus personagens. E , no caso de dois dois personagens se oporem, que diz diz o autor? De pend e: pod e ser ser que o seu pen44. O próprio Flau bert conta-nos que, ao descrever o envenenamento envenenamento de Madame Bovary, sentiu em si mesmo os sintomas da intoxicação. Vejam-se sobre isso as perspicazes observações de Ortega y Gasset a propósito de Azorín in O b r as a s C o m p l et a s II, p. 175, e, sobre os personagens de Dostoievski e de Proust, em Ideas sobre la novela, O b r a s C o m p l e t a s III, pp. 399-407.
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A palavra div inohumana
sarnento surja dialeticamente, pode ser que o antagonista seja condenado num ju ízo íz o de v a lo r d ad o n o c o n te x to tota to ta l. M e sm o um pe rs o n a ge m o d ia d o ou d es prezado pelo autor fala palavras desse autor; embora o ódio possa facilmente levar à criação de personagens inautênticos, motivo pelo qual um romancista recomendava aos seus seus colegas “ um amor universal, universal, como como o de Cristo” . Como são possíveis esse desdobramento múltiplo e essa conjunção de autor e personagem em algumas palavras? Po r um lado, a rique za de experiênc ia hu mana do grande escritor; além disso, a sua penetração intuitiva, capaz de cap tar fatos mínimos, de compreender o seu sentido, de ampliar-se por analogia. Sobretudo, incluindo o anterior, trata-se da capacidade do artista de conviver com os personagens, de viver e encamar-se em seus personagens. Surgiu a palavra “encarnar-se” como um salto metafórico ao contrário, que volta a um ponto ponto de partida ou de referênci referência. a. Dizemos que Deus encarnouencarnou-se num homem, que a sua palavra se encarna em palavra humana, tal como o artist artistaa se encarna em seus seus personagens. A qu i desem boca a nossa analogia. Como as anteriores, ela tem os seus limites; o personagem literário não é uma pessoa viva e real, com corpo e alma, direit direitos os e deveres. M esmo as mais mais ricas ricas e complexas personali personalidades dades liter literária áriass — denominadas denominadas por E . M. Forster “caracteres redondos” (round character) 45 — são uma estilização, um a sim plificação . Segundo W. Som erset Mau gham , “ o escritor escritor não copia os seus seus m o delos, mas toma deles o que deseja — algumas características características que atraíram atraíram a sua atenção, uma maneira de pensar que inflamou inflamou a sua sua imaginação imaginação — e com com isso isso constrói o seu seu personagem ” . A existência, a liberdad e e a responsabilidade dos personagens literários literários são translatícios. translatícios. En quan to o hom em vivo, a pessoa humana, existe e age antes e fora da sua atividade de falar, o personagem dra mático só existe em seu falar ou em sua presença cênica, e o personagem ro man esco existe quando fala ou quando se fala dele. São coisas muito diferentes diferentes mover na fantasia personagens que são de linguagem e mover um homem res ponsável na sua atividade de escritor. Esse é o limite limite da última última analogia. Ap esa r disso, disso, atrevo-me a concluí-la com uma citação citação por semelhança semelhança de de Agostinho: “ Se dois numa única carn carne, e, por que não dois dois numa única voz? Fa le a cabe ça, falem falem os mem bros, é o mesmo Cristo quem fala” . 46
DEUS, AUTOR DA ESCRITURA Os dois artigos fundamentais: A. Bea, Deus auctor Scripturae: Herkunft und Bedeutung der Formei, A n g e l i c u m 20 (194 3) :16-31; :16-31; N. I. W eyns, De notione inspirationis biblicae iuxta Concilium Vaticanum, A n g e l i c u m 30 (1953):315-336. Da bibliografia recente podem ser indicados: A. M. Artola, La inspiración de la Sagrada Escritura in L. Alonso Schokel (ed.), C o m en t ár i o s a l a co co n s t i t u c i ó n “ D ei V e r b u m ” s o b r e l a d i v i n a r ev ev e l a c i ó n (Madri, 1969), 371-391; id., D e l a r ev ev e- l a c i ó n a l a i n s p i r a c i ó n . L o s o r íg en en e s d e l a m o d e r n a t eo l o g i a c a t ó l i c a s o b r e l a i n s p i r a c i ó n b íb l i c a (Valencia, 1983); A. Torres Queiruga, L a r e v el e l a c i ón ón d e D i o s e n l a r ea e a l i z a c i ón ó n d ei ei h o m b r e (Madri, 1986).
ec t s o f t h e N o v el e l , especialmente 67-78. 45. E . M. Fo rster, A s p ec 46. “Si duo in una carne, cu r non duo duo in una voce? Sive Sive capu t loquitur loquitur sive membra, unus Christus loquitur” (CCL 40, 2027).
D eus, us, aut or áa Escri t ur a
5 5
Trata-se de uma simples imagem ilustrativa ilustrativa?? E, se é um a imagem, não está está incluída na imagem anterior do autor e suas suas personagens? Será “ autor” sobretudo um conceito que devemos definir com precisão para poder aplicá-lo a Deus inspirador? A fó rm u la “ D e u s é auto au torr da E s c ritu ri tu ra ” fa z part pa rtee de u m a d efin ef in ição iç ão de fé: fé : "Professa que um mesmo e único Deus é autor do Antigo e do Novo Testa mentos, isto é, da lei, dos profetas e do evangelho; porque os santos de ambos os Testamentos falaram inspirados pelo p róprio Espírito Santo” . 47 “ O Con cilio de Tren to. . . recebe e ven era. . . todos os livros livros do An tigo e do do No vo Testamentos, Testamentos, pois pois Deus é o único autor de am bo s. . . ” 48 “ A Igreja considera esses esses livros livros sagrados e can ôn ico s. . . porque, inspira dos pelo Espírito Santo, têm D eus com o autor.” 49 “D eus é o autor que inspira inspira os livros de ambos os Te stam entos.” 50 Nas duas primeiras primeiras fórmulas, a ênfase recai no adjetivo “ único ” : ambos os concílios insistem na unidade dos dois Testamentos, das duas economias, contra a divisão de M arcião ou dos maniqueus. N ão é lícito atribuir atribuir o Antig o Testamento ao espírito do mal, ou a um Deus diferente; pelo contrário, os dois Testamentos formam uma verdadeira unidade, porque o seu autor é o mesmo Deus. Em ambas as fórmulas, o fato de Deus ser autor da Sagrada Escritura c uma afirmação indiscutível. O Concilio Vaticano I prossegue com a delimitação da natureza da ins piração: em primeiro lugar, com algumas afirmações negativas e, depois, positi vam va m ente en te.. A d efin ef in ição iç ão po siti si tiva va u ne sint si ntat atic icam am en te, te , nu m a sent se nten ença ça,, estes es tes dois do is elementos: elementos: “ Inspirados” Inspirados” , “ Deus autor” . O verbo verbo princip principal al da sentença sentença é “ têm têm Deus como autor” . Do fato da definição não decorre o caráter conceituai ou simbólico de uma fórmula — “ ascender”, “céus” , formulam simbolica simbolicamente mente um mistéri mistérioo de Cristo glorificado. Que sentido sentido preciso tem a palav ra “ autor” nas definições definições dogmáticas? Em nossa cultura moderna, “ autor” tem tem um sentido sentido dominante literário ou artístico, sentido que se torna unívoco quando nos movemos no do mínio da literatura literatura.. Qua ndo um a história história da literatura literatura fala de autores, autores, ninguém tem dúvidas sobre o termo; a “Sociedade de Autores” é uma instituição bem definida, definida, tal com o os “direitos “direitos autorais” . Oc orre o mesmo com a Sagrada Escritura? A n te s de tudo tu do , o auto au torr de ép o ca s anti an tiga gas, s, e em pa rtic rt icu u lar la r do m u nd o b íb li co, é diferente da realidade que conhecemos: o anonimato, a pseudonímia, a colab oração , a reelabora ção etc. são fatos fatos comuns. M as agora nos referimos a Deus: é unívoco e indiscutível dizer que Deus é autor da Sagrada Escritura? Também aqui nos movemos no domínio literário e, de modo involuntário, to mamos a palav ra “ autor” em seu seu sentido sentido específico de autor literário. literário. Lem os nesse sentido o já citado parágrafo de Gregório Magno acerca do destinatário que lê uma carta e indaga da pena, lê a Sagrada Escritura e pergunta pelo autor humano, quando sabe que o autor é Deus. Nessa interpretação da palavra “ au tor” tor” , mov emo-n os claramente no d omínio da a nalogia, devendo esta esta seção ser ser a última última de “C inco analogias” analogias” . 47. 48. 48 . 49. 50.
Concilio Concilio de Flo ren ça (14 42), Denzinger-Schõnmetzer, 1334 1334.. 1546; id. 1501. Concilio Concilio Vatican o I (1870 ); id. 3006 3006.. D ei e i V e r b u m , 16.
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A p a l a v r a d i v i n o hu h u m a na na
Mas, ainda que a interpretação estrita “autor literário” seja razoável e legítima, legítima, temos temos o direito direito de impô-la como dogm a? E la corresponde de fato ao sentido original dos documentos conciliares? Em grego, podemos estabelecer uma distinção entre os termos ouYYP«
D eu s, s, a u t o r d a E s cr cr i t u r a
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dizendo, não Paulo, mas a graça do Espírito, dita uma carta a toda uma cidade, a um grande grande povo, povo, e, por eles, eles, a todo o m und o. . . ” 54 Na linha oposta está sobretudo o Cardeal Bea, que, reconhecendo ser essa uma questão controversa, interpreta a palavra em seu sentido comum, tal como o fizeram os antigos. A fó rm u la a pa rece re ce p e la pr im eira ei ra v e z nos no s ch am ad os A n t ig o s E sta st a tu to s da Eccl esiae A nt i qua, que propõem ao bispo, em sua consagração, Igreja, Statuta Eccl a seguin seguinte te pergunta: pergunta: “ Crê que Deus é o autor único único do Antigo e do Novo Testam ento, isto é, da lei, d os profe tas e dos apó stolo s?” 55 O texto já é co nhecido no início do século século V I e opõe -se à doutrina maniqueísta. Ago stinho , em controvérsia com os maniqueus, cita algumas palavras do herege Fausto: à igreja maniqueísta “repugnam-lhe os dons do Antigo Testamento e do seu autor; preocupada com a sua sua própria própria fama, só recebe cartas cartas de seu esposo esposo Cristo” . 56 Esses textos não são unívocos: o primeiro não fala expressamente de escritos, o segundo tem tem um marcado caráter caráter metafó rico. Em outros escrit escritos os antimaniantimaniqueíst queístas, as, a referência referência à Escritura — e não apenas apenas à economia — parece clara: nas nas atas atas de Ar qu elau , há referência à doutrina de Man es: “ O que está está escrito escrito na lei e nos profetas d eve ser atribuído a Sa taná s. . . que quis escreve r algumas verd ve rdad ad es p a ra qu e, m ov ido id o s p o r elas el as,, acei ac eita tass ssem em os erro er ross rest re stan an tes” te s” ; e S era er a p ião iã o Thm uiense polem iza com os maniqueus: “ Se o m aligno, que não tem esplen esplen dor e é pura treva, treva, escreve escreveu u a lei, lei, como pôde conhecer a vinda do Filho ?” . Bea conclui a sua exposição histórica interpretando a palavra “autor” em sentido estrito, autor literário. Esses são os dois veredictos na questão disputada. Ora, a fórmula can ô nica locutus e numerosas afirmações dos padres nesse sentido parecem favore cer a interpretação de autor literário: Justino: Justino: “ Nã o as diziam diziam os inspirados, inspirados, mas o Ve rbo divino que os os movia” movia” . 57 Eu sébio: “ Ou não crêem que a Sagrada Escritura tenha tenha sido sido escr escrita ita pelo Espírito Espírito Santo e, e, então, então, são he rege s. . . ” 58 Irineu: Irineu: “A Sagrada Escritura Escritura é perfeita, perfeita, porque foi dita dita pelo Ver bo de Deus e pelo seu seu Espírito” . 59 Clemen te de Ale xan dria: “ O Senhor em pessoa pessoa fala por Isaía Isaías, s, por Elias, Elias, pela boca dos profetas” profetas” . 60 54 . IlauÀou Se ypacpovTo; [xaÀXov Be ou IlauÀoo, a X X a t t q ; xou nveupaT nve upaT o; x a Pll:0S ll:0S t y j v sraoxoArjv urrayopeuouar]; cAoxXepw vooouvw, xai Bdexetvuv t rj c . x o u i ís í s v t ] Ttaanj ( I n R 16, 3; PG 51, 187). 55. “Si novi et veteris Testamen ti, id est, legi legiss et proph etarum et apostoloapostolorum unum eundemque credat auctorem.” 56. “Sordent ei ei Testam enti Veteris et eius au ctoris m une ra, famaeque suae custos diligentíssima, nisi sponsi sui non accipit litteras” (PL 42, 157). 5 7. Mr) aidauxwv aidauxw v tcov tcov egTten egTtenveua veuaixev ixevwv wv ÀEyecOat vojnayjxs, vojnay jxs, a l V a n o v ou ou yc.voimoç !7u-ouç Oeiou Àoyou ( A p o l o g i a , 1, 36; 36 ; PG 6, 3 85 ). 58. H yap ou luaxsuooaiv ayiw 7i v s u |í « t i XeXsxôat x a ; 0e ia; ia ; ypacp ypacpaç, aç, x a i siaiv am o v o i ( H i s t o r i a ec ec l es e s i ás t i c a , 5, 28; PG 20, 516; GCS II, 506). 59. “Scriptu rae quidem perfec tae sunt, quipp quippee a Verbo Dei et Spiritu eius eius dictae” (A ãv ersus h a ereses, ereses, 2, 28; PG 7, 805). x t a o xuptoç ÀaÀwv, «uxo; ev HXux, s v axo\ axo\ M v npow ri víov auxo; 60 . A u t o ; ev H o xt ( E x h o r t a c i ó n a l o s p a g a n o s , 1; PG 8, 64; GCS I, 9).
A palav ra ãiv ino humana
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Orígenes: Orígenes: “ O Espírito Espírito Santo narra isto” . 61 Cirilo Cirilo de Alex and ria: “ To da a Escritura é um único livro, livro, dito dito pelo único Espírito Espírito Santo” . 62 Cirilo de Jerusalém: “ Quem mais conhece a profund idade de Deu s senão senão o Esp írito Santo, qu e falou as divinas divinas Esc ritu ras . . . ? Po r que andas revolven do o que nem o Espírito Santo escreveu na Escritu ra?. . . O E spírito em pessoa pron uncio u as Es critu ras . . . Diga m os o que ele disse; disse; o que não disse, disse, não me atrevo atrevo a dizê-lo” dizê-lo” . 63 Todas essas citações, que se poderiam multiplicar sem esforço, parecem favorecer uma concepção de Deus como autor literário, e não apenas como origem. origem. Con cluam os com uma afirmação de Isidoro Isidoro de Sevilha que sintetiz sintetizaa os dois elem en tos: “ Esse s são os escritores escritores do s livros sagr ad os . . . M as o autor das próprias Escrituras, professamos ser o Espírito Santo. Santo. Pois ele mesmo escreveu quando ditou para que os seus profetas escrevessem” . 84 A p lic li c a n d o ao E sp írit ír itoo Sa nto nt o a p a la v ra a u to r em seu se u sent se ntid idoo liter lit er á rio ri o , m o vem ve m o-no o- no s no d om ínio ín io d as an a logi lo giaa s; isso iss o incl in clu u i o lim ite. it e. T r a ta -s e d e um au tor to r especial, que escreve por intermédio de outros, que são verdadeiros autores. Como analogia, pôde entrar na seção anterior; mas a controvérsia acerca do sentido impôs a separação. CONCLUSÃO Recorremos a algumas imagens para esclarecer de certo modo o mistério da inspiração. inspiração. A imagem latente latente no termo i n sp i r a ção , sopro ou alento pene trante trante é toma da do mundo cósmico, elementar; mostra um aspecto aspecto vital vital e di nâmico; é inteiramente inteiramente bíblica e, po r isso, isso, privilegiada. privilegiada. A sua elaboraçã o con ceituai na teologia afastou-se do conteúdo imaginativo. A im agem ag em do i n s t r u m e n t o provém da cultura humana, trabalho e música; origina-se de duas qualidades radicais do homem: h o m o f a b er e r e h o m o l u d en e n s. s. Embora seja escassa a sua base bíblica rigorosa, ela foi privilegiada em seu estado de símbolo e favor ecida na transposição conceituai metafísica. metafísica. Con serva intactas as suas possibilidades simbólicas; a sua especialização não anula o seu va lor lo r an tro tr o p o lóg ló g ico ic o . A im ag em de d i t a r provém do mundo das chancelarias, cúrias, e do mun do literário, tendo grande fundamento bíblico em algumas fórmulas proféticas. 61. “Qui “Qui haec ges ta na rra t quae legimus, legimus, neque puer es t qualem supra descripsimus, neque vir talis... sed sicut traditio maiorum tenet Spiritus Sanctus haec narrat... Constat ea per Spiritum Sanctum dieta, et ideo conveniens videtur haec secundum dignitatem immo potius secundum maiestatem loquentis intelligi” ( I n N m , hom. 26, 3; PG 12, 774; GCS VII, 247). 62. Ev voto ri mxaa soxt so xt xoct xoct ÀsAaÀm ÀsA aÀmat at St St,’evoç vou otytou 7tvsuu«xoç ( I n I s 29, 29 , 12; III, 2; PG 70, 656). 63.
T t £ 0 x i v s x s p o v y t v w o x w v x a j3,a 07 07) x o u 0 s o u , s t p r ; u o v o v x o TXV Eu Eupa x o a y t o v ,
x o À a À r j a a v x a ç 0 E t a ç y p a c p a ç , . . . T t xotvuv TOAunpotyfj TOAunpotyfjto tovEi vEiçç oc [í^ Se xo 7tvs 7tvsu[J u[Jia ia xo a y to v a y p a tp t p s v e v x a tg t g y p a i p a tç tç ( C a t e q u e s i s 1 1 , 1 2 ; P G 3 3 , 7 0 5 ) .
64. “Hi sunt scriptores sacrorum lib ro ru m ... Auctor autem earundem earundem Scripturarum Spiritus Sanctus esse creditur. Ipse enim scripsit, qui prophetis suis scribenda dictavit” (PL 83, 750).
Co n cl u são
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Ela passou por uma conceitualização perigosa, que recomenda cautela no uso. A o m esm es m o tem te m po , a sua su a e lab la b o ra ç ã o co n ce itu it u a i é u m a e x ce len le n te p ro v a d o p r o gresso da teoria. A im ag em da m issã is sãoo o u do mensageiro também se origina no mundo das chancelarias, e possui sólida ascendência bíblica. Só recebeu elaboração con ceituai e pouco acrescenta às anteriores. A im agem ag em d o autor e seus personagens procede estritamente da criação literári literária. a. N ão tem raízes bíblicas, porque na época não existia existia uma reflexão conseqüente sobre a atividade atividade literária. literária. Em sua aplicação à Escritura, essa essa imagem não entrou em processo de conceitualização. Se a tomamos como imagem, a expressão “Deus, autor da Escritura” pro cede do mundo literário literário e tem tem claras claras raízes bíblicas. A sua ap licação ao tra tado teológico sobre a inspiração suscitou discussões, sem que se chegasse a uma opinião comumente aceita. Todas as analogias oferecem-nos algum conhecimento positivo acerca da inspiração. inspiração. To das elas, elas, mantendo-se a consciência da sua limitação, afirmam o mistério da inspiração.
3 TESTEMUNHOS BÍBLICOS
Com a finalidade de elaborar uma idéia mais exata do que é a inspiração, faremos agora outra excursão p elo domínio domínio bíblico. Iniciamos Iniciamos essa essa viagem viagem ocut us est p er pr ophet ophet as repetindo a nossa profissão de fé qui l ocut e não visitamos a Escritura apenas em busca de provas ou argumentos, mas tão-somente para elabora r uma idéia real, basead a nos fatos literários literários ao nosso a lcance. Seria perigoso elaborar uma idéia muito precisa e definida da inspiração sem con sultar os textos inspirados: correríamos o risco de afastar da nossa admirável constru ção determinados livros inspirados. inspirados. A nossa idéia idéia da inspiração deve ser ampla o bastante para acolher todos os casos e formas concretas de obras inspiradas, pois quem somos nós para determinar limites ao Espírito? PROFETAS Informação geral sobre os diversos aspectos do profetismo, J. Lindblom, P r o p h ec e c y i n A n c i en e n t I s r a el e l (Oxford, 1962). Veja-se a recensão de P. Beauchamp in B íbl i ca 45 (1964). Sobre a pesquisa dos últimos dez anos acerca dos profetas, G. Fohrer: T h e o l o g i s c h e R u n d s c h a u 28 (1962):l-75.235-297.301-415, e S. Bretón: La investigación profética en este siglo in P r o f e t a s I (Madri, 1980), 29-89.
Nossa profissão de fé convida-nos a começar pelos profetas; Tomás de A q u in o n ã o e sc re veu ve u expr ex pres essa sa m en te sobr so bree a ins in s p ira ir a ç ã o , m as so b re a p r o fec fe c ia, ia , e de seu tratado os autores mod ernos extraíram muitos elementos. elementos. Os profetas não são os únicos inspirados, mas neles surge com maior força e clareza a ação do Espírito: são os pr ínci pes anal ogat i e é bom começar por eles. descrevem-nos d etalhadamente etalhadamente a sua vocação, V o ca ções. Três profetas descrevem-nos ísaías contem pla no templo o Senhor em seu seu trono, trono, “ a orla de seu seu m anto en en chia o tem plo” , escuta o canto dos serafins, serafins, presencia o tremor intimidad intimidad o das portas em seus seus gonzo s e a fum aça que se adensa no loc al (cap. 6 ). E grita: “ A i de mim, estou estou perdido! perdido! Eu, homem de lábios lábios impuros que habito habito em meio meio de um p ovo de lábios lábios impuros” . Em v ez de lábios, lábios, a tradução poderia ser ser “ linguagem” linguagem” , porque a primeira primeira reaç ão do futuro futuro profeta é uma consciência pe nosa da sua “ linguagem linguagem ” : não se trata trata de ele ele ser incapaz, incapaz, ou m alformado, mas de a sua linguag linguagem, em, tal como a do seu povo, ser ser “ profan a” , não corresponder à esfera de santidade que lhe parec eu tão impressionante. Um fogo sagrado manejado por um serafim serafim toca toca e santifica santifica os seus seus lábios, lábios, a sua “ linguagem linguagem ” :
Projetas
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não lhe são dados uma nova língua, um novo estilo, uma nova capacidade ex pressiva; pelo contrário, são seus lábios que são santificados, consagrados, trans portados portados à esfera esfera da santidade santidade divina. E acontece a missão: “ Escu tei a voz do Senhor que dizia: ‘A quem enviarei? Quem irá de nossa parte?’ Respon di: 'Aq ui estou, estou, envia-me’ . E ele replicou: ‘Va i e diz a esse esse po vo . . ” A missão missão toda toda consist consistee em falar, da parte parte de Deus, ao povo de Deus. Tradu zindo a nossa terminologia proposital, o profeta recebe uma missão e um carisma de lingua gem; ainda não se diz nada acerca de escrever; essa missão inicial será seguida por outras particulares, sempre com vistas a dizer ou proclamar. Jeremias conta-nos a sua vocação (cap. 1): já antes de nascer, Deus o havia formado, escolhido, santificado ou consagrado, e o tinha constituído pro feta. Jeremias Jeremias compreen de o que é ser profeta e objeta: “A h! Senhor meu, meu, olha que não sei falar, que sou um a criança !” . Algu ns querem ver nessas nessas pa lavras uma evasiva ditada pelo medo das conseqüências dessa vocação; mas a sua objeçã o refere-se refere-se à incapacidade em termos termos de linguagem. Naturalmente, se pode responder, Jeremias sabe falar, mas não sabe falar do modo conve niente niente a um profeta; é possível que sinta sinta falta de preparação literári literária. a. Deus responde à objeção do profeta afirmando afirmando a missão missão eficaz: eficaz: “ Ao nd e eu te enviar irás, irás, e o que eu mandar falarás” ; e sela a missão com um gesto ritual, ritual, sacra mental: “ O Senhor estendeu estendeu a m ão, tocou-m e a bo ca e me disse: disse: ‘Vê , ponho minhas palavras em tua boca, hoje te estabeleço sobre povos e reis, para arran car, destruir destruir e demolir, edificar e plantar’ M issão para falar, para falar uma linguagem poderosa — eis eis os elementos preponderantes. Por ora nada se diz sobre sobre escreve escrever. r. É um carisma carisma de linguagem linguagem ef ica z. 1 Ezequiel narra com menos sobriedade e precisão, mas repete os elementos fundamen fundamentai tais. s. A missão: missão: “ Eu te te envio envio a Israel, Israel, povo rebelde” rebelde” (2 ,4 ). A p ala vra vr a : “ ‘A b r e a b o c a e c o m e o que qu e te d o u ’ . V i entã en tãoo um a m ão este es ten n dida di da p ara ar a mim com um rolo. Ab riu-o diante de mim: estava escrito no verso e no re vers ve rso; o; tin ha escri es crito toss eleg el eg ias, ia s, lam la m en tos to s e ais” ai s” . “ E n tã o m e diss di sse: e: ‘F ilh il h o de A d ã o (com e o que ren renss a í) ; come este este rolo e vai falar falar à casa de Israel’. A br i a boca bo ca e m e deu de u a co m er o ro lo, lo , dize di ze n d o -m e: ‘F ilh il h o d e A d ã o , alim al im enta en ta teu te u vent ve ntre re e saci sa ciaa tuas tu as entr en tran anh h as co m este est e ro lo que qu e te d o u ’ . E u o co m i e na m inha in ha bo ca era er a d o ce com co m o o m el. el . E m e diss di sse: e: ‘F ilh il h o de A d ã o , anda an da,, v a i à casa ca sa de Israel Israel e diz-l diz-lhes hes minhas minhas palavras’ ” (2,8-10; 3 ,1-4 ). É evident evidentee o tema da da linguagem: o rolo já está escrito e o profeta pode distinguir os gêneros literá rios nele contidos; mas a sua tarefa não consistirá em tomar o rolo nas mãos, desenrolá-lo e lê-lo em voz alta diante do povo; ele deve comê-lo, assimilá-lo e falar a partir da sua plenitude interior. interior. Ob servem os o aspecto vital, nada mecânico, do' do' processo e da atividade atividade profética. O esclarecimento esclarecimento de Deus vem alguns versículos adiante: “Todas as palavras que eu te disser, escuta-as aten tamente tamente e guarda-as no coração. A nd a, vai ter com os deportados, teus teus com patriotas e dize-lhes” (3,10-11), onde “escuta-as atentamente e guarda-as no coração” poderia ser interpretado como decorar (par coeur, by heart), sendo assim um caso particular. 1. H á pouco temp o, Von Rewentlow pro curo u reduzi reduzi-l -loo inteiram ente a fórmulas, exacerbando a reação contra certo psicologismo anterior, L i t u r g i e u n ã p r o p h e t i s ch ch c s I c h b ei ei J er er e m i a (Gütersloh, 1963). Sobre esse tema é importante ci a l en l o s o livro de J. L. Sicre, “C o n l o s p o b r e s ãe l a t i er r a ” . L a j u s t i c i a s o ci pr of eta s ãe I sra el (Madri, 1984), no qual o autor analisa de forma pormenorizada a vocação e as marcas autobiográficas de cada um dos profetas em seus oráculos.
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M issão, consagração e linguagem linguagem são os elementos elementos que que obtivemos. Na da de mero ditado, mas algo vital: Isaías recebe a consagração dos lábios, Jere mias recebe as palavras de Deus nos lábios, Ezequiel assimila-as no ventre. Autobiografias. Podem os com pletar esses esses dados da vo caçã o com certas certas declarações autobiográficas proféticas: Jeremias é o mais explícito. E le recebeu de Deus um encargo árduo e perigoso: ou zombam dele ou perseguem-no até a morte; e ocorre a ele calar-se, para evitar o perigo, não proclamar a palavra do Senhor: “Seduziste-me, Senhor, e me deixei seduzir, forçaste-me, violaste-me. Eu era o escárnio de todo dia, todos zombavam de mim. A o fa lar, la r, d e v o grit gr itar ar,, cla cl a m a n d o : ‘V io lê n c ia , d e stru st ru ição iç ão !’ , a palavra do Senhor tornou-se para mim escárnio e zombaria constantes, e disse a mim mesmo: não me lembrarei dele, não falarei mais em seu nome. Mas eu a sentia por dentro como fogo ardente percorrendo-me os ossos: esforçava-me esforçava-me por contê-la contê-la e não podia” (Jr 20,7-9). O profeta sente a palavra do Senhor vitalmente dentro de si: como um fogo nos ossos, como lava ardente de um vulcão, que força de maneira explo siva a sua saída. saída. N ão se assemelha isso à com com pulsão criativa atestada atestada por alguns alguns escrit escritores? ores? A diferença é que, aqui, aqui, a forç a advém de tratar-se tratar-se da pa lavra do Senhor. Senhor. Essa forç a não tira a liberdade liberdade do profeta, pois Jeremias de cidiu cidiu calar-se; mas é uma força interior e eficaz. eficaz. A liberdade do profeta é expressamente formulada por Ezequiel: o profeta é como uma sentinela que deve gritar gritar “pe rigo” ; se gritar, gritar, não será responsável responsável pela vida dos que não se protegem; se não gritar, será responsável por ela (33,1-9). FÓRMULAS PROFÉTICAS c h er e r R e d e (Munique, 1960), Veja-se Cl. Westermann, G r u n d f o r m e n p r o p h e t i s ch t i co ãe vo cación y m i sión (no prelo). com bibliografi bibliografia. a. S. Bre tón, For m ul ári o p ro fé
A s fó rm u las la s pro pr o féti fé tica ca s sem se m pre pr e pert pe rten ence cem m à orde or dem m d a lin li n gu ag em : “O Senhor dirigiu-me a palavra.” “A palavra recebida recebida pelo profeta profeta N .” “Escutai a palavra do Senhor.” “Assim diz o Senhor.” “Oráculo do Senhor.” Nã o há distinção distinção entre entre a palavra de de Deus e a do profeta: “A casa de Israel não quererá fazer caso de ti, porque não quer fazer caso de mim, porque não quer escutar-me” escutar-me” (E z 3, 7 ); “ Enviei-lhes os meus servos, servos, os profetas, todos os dias, dias, mas não me escutaram, escutaram, nem deram ouvidos” (Jr 7, 2 5 ). Fracassam irremediavelmente as tentativas de alguns pesquisadores modernos no sentido de
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separar nos oráculos o que é palavra de Deus e o que é palavra do profeta. Surge uma espécie de communicatio idiomatum, semelhante à comparação entre o autor autor e os seus seus personagens (palavras de Sancho Sancho — palavras de Ce rvan tes). O profet profetaa é o homem de Deus (l R s 2 ,27 ); é o homem homem do espí espíri rito to (Os 9 ,7 ); é a boca de Deus (Jr 15,19). A N Á L I S E L I T E R Á R I A Obra fundamental: L. Alonso Schõkel, Est úd i os de po é t i ca h ebr ea ( B a r c e lona, 1963), resumida e atualizada em Poésie hébraique, S u p p l é m ent au D icti on n a i r e d e l a B i b l e VIII, 47-90, com bibliografia completa e crítica. De obras posteriores podemos citar o tomo I da T e o l o g i a d e i A T e S a b i d u r ía e n I s r a el , de G. von Rad, nos quais quais o tem a é am plam ente abo rdad o pelo auto r. Cf., Cf., além disso, meus artigos La Biblia como obra literaria, C u B i 20 (19 63 ): 131-14 131-148, 8, e So bre el estúdio literário dei AT, B i b 53 (1972):544-556, e A. M. Artola, De “Dios autor de los libros sagrados” a “la Escritura como obra literaria”, E s t E c l e 56 (1981): 651-669. W. G. E. Watson, C l a s si si c a l H eb r ei o P o et e t r y . A G u i ãe t o i t s T e ch ch n i q u es (Sheffield, 1984).
O que foi dito significa que o profeta escreve segundo o que lhe é ditado, ou que repete de cor e ao pé da letra a mensagem aprendida? An alisem os as obras literárias dos profetas : em bora nem todos, ou nem sempre, tenham um estilo próprio, há coisas características do clássico Isaías, do romântico Jere mias, mias, do barroco E zequ iel. E se observarmos os detalhes, detalhes, aplicando uma rigo rosa análise estilística, apreciaremos o trabalho de artesanato do profeta: como procura uma onomatopéia, como acumula assonâncias, como dispõe um quiasmo de seis membros, como modifica expressivamente uma fórmula rítmica, co mo constrói o oráculo de modo calculado, como desenvolve uma imagem tópi ca; veremos também que ele emprega fórmulas tópicas, ao pé da letra ou trans formando-as, que imita imita um profeta profeta anterior anterior etc. etc. Em resumo, podem os tocar o profeta e enxugar-lhe o suor da testa, ele que extraiu o poema ou o oráculo da pedreira da da linguagem. linguagem. Dep ois da nossa nossa análise, análise, poderíamos dar ao profeta uma uma medalha por seu seu honesto trabalho de artesanato. artesanato. E ele a recusaria: “ É pa lavra de D eu s” . Estranho ditado ditado que que tamanho trabalho trabalho d á ao profeta. É que não se trata de ditado. Se queremos conciliar esses esses dois fatos fatos — o trabalho trabalho impresso na obra e a fórmula “ palavra de De us” — , devemos devemos procurar em outr outroo lugar. A ação do Espírito não pode ser um ditado, e tampouco tampouco ser mecânica. Deve mo s situá-la numa região vital da atividade da linguagem; em termos concretos, da linguagem literária. Isso nos é ensinado pelos pr ínci pes anal og está próximo da ogat at i . Se alguém está palavra imediata de Deus, se alguém pode ser receptivo e repetidor, esse alguém será o profeta. Co ntud o, este último, com as suas palavr as e a sua sua obra, com a tensão entre fórmulas e trabalho literário, mostra que a inspiração é uma ação profunda, interior, maravilhosa. O divino e o humano estão presentes: o divino eleva o humano, não o supri suprime. me. A voc açã o eleva a personalidade do profeta, não a destrói destrói;; polariza a sua sensibilidade literária, exalta a sua sua atividade atividade literária. O p rofeta per ten ce à sua sociedade, a uma escola profética, a uma tradição literária, a determi nadas nadas institui instituições ções religiosas religiosas.. Se no Antig o Testamento encontramos person ali dades vigoros as, trata-se trata-se dos dos profetas. Po rqu e a força interior do Es pírito Santo
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T e s t e m u n h o s b íb l i c o s
é eficaz para despertar e sustentar grandes grandes personalidades. personalid ades. O literato de vulto não mostra a sua grandeza criando marionetes; a sua grandeza não apequena os seus seus personagens, muito muito pelo contrário. E la consiste precisamente em criar grandes personagens. Assim, a ação do Espírito Esp írito Santo Sant o demonstra o seu poder suscitando suscitando grandes grandes personalidades personalidades literárias. Mas sem exageros; exagero s; ela também pode fazer uso de modestos artesãos da linguage linguagem m (existem igualmente pro fetas “menores” em termos de qualidade literária). SAPIENCIAIS Exposição clara, com sensibilidade literária, em A. M. Dubarle, L e s s a g e s c íl s r a e l (Paris, 1946). Mais técnicos são os estudos de W. Baumgartner, I s r a e - l i t i s c h e u n d a l t o r i e n t a l i s ch c h e W e i s h eü e ü , 1933; Die israelitische Weisheitsliteratur, T h e o l o g i s c h e R u n d s c h a u 5 (1933):259-288 (informativo); The Wisdom Literature e s t a m e n t a n d M o d e m St u d .y .y , 1951. G. von Rad, in O l d T es Ra d, S a b i â u r ía e n I s r a e l ; nova no va trad . de D. Míngu Mínguez ez (Madri, 1985). H. Du esb erg./I. Fra nse n, L e s s c r i b e s i n s p i r és (Maredsous, 1968). J. Vílchez, Historia de la investigación sobre la literatura sapiencial in P r o v ér b i o s : C o m e n t ár i o t e o l ó g i c o y l i t e r ár i o (Madri, 1984). Também é possível consultar os capítulos dedicados a cada um dos Sapienciais no C o m e n t ár i o B íb l i c o “ S a n J e r ó n i m o ” , Antiguo Testamento II, muitos deles excelentes.
O estudo de outro grupo de escritores cu autores sagrados fortalece o re sultado sultado anterior. anterior. Tomarem Tom aremos, os, como caso-limite, um escritor de de personalidade personalidade fascinante que se autodenomina autodenomina “pregador” : um anticonformista, que transfor ma o seu desengano em desafio e ataca atac a através da da sugestão. Vamo Va moss ler as fór fó r mulas com que dá início às suas meditações, comparando-as com as fórmulas proféticas: “Dediquei-me a investigar e a explorar com método tudo o que se faz sob o céu” (Ecl 1,13). “Pensei “Pensei comigo” ( 1, 16 ) . (Assim diz o Senhor.) “Minha mente alcançou muita sabedoria e muito saber” (1,17). “Então me me disse” disse” ( 2 , 1 ) . (Escutai (Escu tai a palavra palavra do Senhor.) “Observei todas as tarefas que Deus deu aos homens” (3,10). (O Senhor me mostrou.) “Observei todas as opressões que se cometem debaixo do sol” (4,1). (Veio-me a palavra do Senhor.) “Já vi de tudo em minha vida sem sentido” (7,15). “Pus-me a indagar a fundo buscando sabedoria e juízo reto” (7,25). “Refleti sobre sobre tud tudoo isso isso”” ( 9, 1) . “E me disse: mais vale a sabedoria do que a força” ( 9 , 1 6 ) . ( O que que escute escuteii do do Senhor eu vo-lo comunico.) comu nico.) E assim assim por diante. diante. E le nunca proclama t er recebido recebido a palavra palavra de de Deus, Deus, nunca pretende pronunciar oráculos; trata-se sempre do seu olhar, da sua in
Sapienciais
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Ora, embora o homem professe honrosamente o seu trabalho, a Igreja diz-nos -nos ser esse esse livro livro parte parte da Sagrada Escritura, ser ser palavra de De us. A ind a que o autor não sinta em si mesmo nenhum fogo nem sopro do Espírito, a Igreja diz-nos ser esse livro inspirado. É claro que não podemos conceber a inspiração como um ditado, pois ela não anula a personalidade, personalidade, m uito pelo contrário. contrário. Se essa essass palavras tão pate ticamente humanas são palavras de Deus, isso ocorre porque, em sua criação, houve uma ação interior, interior, misteriosa misteriosa e eficaz, do Espírito Santo. E essa moção deve ter algo em comum com a moção profética para que possamos usar, em dois dois casos extremos, o termo comum “ inspiração” ; ao mesmo tempo, a enorme distância entre os casos parece recomendar o conselho de Benoit: ver os diver sos autores participando em proporção diferente do carisma comum. De outro tipo são as confissões sobre a sua atividade literária feitas pelo últi último mo autor sapiencial da série série hebraica, Jesus Jesus Be n Sirac. Sirac. E le tem plena con s ciênci ciênciaa do — e também complacência para com o — seu talent talentoo e trabalho trabalho literár literário. io. Ben Sirac confessa-nos ter aprendido muito muito viajando (3 4 ,9 -1 2 ); re corre muitas vezes à sua experiência; diz que “o sábio escuta uma palavra e acrescenta outra por sua conta” (21,14); insinua com modéstia saber mais do que que diz (3 4 ,1 1 ). O profeta profeta dizia: dizia: “E scutai a palavra do Senhor” ; Ben Sirac diz: diz: “ Escutai-me, príncipes” . N o capítulo 39, 39, ele nos dá uma descrição lapidar do sábio. É um poema de quatro estrofes: a primeira fala dos seus estudos, a segunda, da sua atividade na corte, bem como das suas viagens e orações, a terceira, da sabedoria como fruto do trabalho e da oração, e a quarta, da sua glória: “Em contrapartida, o que se entrega por inteiro a meditar a lei do Altíssimo perscruta a sabedoria dos seus predecessores e estuda as profecias, examina as explicações de autores famosos e penetra nas sutilezas das parábolas. Investiga o mistério dos provérbios e deleita-se com enigmas. Presta serviços ante os poderosos e se apresenta diante dos chefes, via v ia ja p o r país pa íses es estr es tran ange ge iro s, provando o bem e o mal dos homens; madruga pelo Senhor, seu criador, e reza diante do Altíssimo, abre a boca para suplicar pedindo o perdão de seus pecados. Se for da vontade do Senhor, ele será repleto do espírito de inteligência; Deus o fará derramar sábias palavras, a categoria do autor, que que não fin finge ge receber revelações. De resto , creio n ão ser mero artifício (Zur Darbictungsform “ich-Erzãhlung” in Buche Qohelet, C a t h o l i c B i b l i c a l Q u a r t er e r l y 25 [ 1963] :46-59; Q o h el e l e t u n ã áe r A l t er O r i en t [Friburgo, 1964]). Recentemente, N. Lohfink publicou um bom livro sobre K o h e l e t (Würzburgo, 1980). Cf. G. von Ra d, E l libro dei Ecle sias tés in Sab i ãu r ía en I sr a el (Madri, 1985),
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confessará o Senhor em sua oração; guiará os seus conselhos prudentes, meditará seus mistérios; lhe comunicará sua doutrina e ensinamento, se gloriará da lei do Altíssimo.”
(Ben Sirac Sirac [ = Eclesi Eclesiásti ástico] co] 39,1-8.) ev a B i b l i a E sp a n ol ol a . Tradução da N u ev Como se vê, o sábio recorre a Deus pela oração e recebe um espírito de sabedoria, e não d e profecia; ele recorre à Escritura e medita sobre ela. No entanto, trata-se de um trabalho rigorosamente humano. Podemos voltar a fazer a reflexão anterior: o fruto dessa reflexão e desse trabalho literário é palavra de Deus; esse homem escreve inspirado por Deus. De vem os conceber a inspiração inspiração de modo flexível. flexível. Num m omento fugaz, Ben Sirac parece vislumbrar o valor inspirado de suas palavras, ainda que a sua afirmação possa ser tomada como um paralelismo paralelismo menos categórico: “ De rra marei a doutrina como uma profecia” (24,33). Outro dado significativo: enquanto o oráculo é denominado “palavra de Deus”, há no Antigo Testamento conjuntos de sentenças sapienciais que rece bem be m o no m e d e “ m áx im as de d o u tore to re s” ( P r 2 2 , 1 7 ; 2 4 ,2 3 ) . A lé m disso dis so,, d ev e-se e- se co n sid si d e ra r qu e a “ sa b e d o ria ri a ” b íb lic li c a é um fa to h u mano, internacional, de livre importação e exportação; a sua temática é ba sicamente sicamente antropológica antropológica — o que não quer dizer dizer a-religi a-religiosa osa — e o seu método consiste basicamente na observação e experiência.3 Os livros sapienciais, sobretudo quando comparados com os proféticos, im~ põem-nos, se os consideramos como palavras de Deus, uma imagem interna e vita vi tall da insp in sp iraç ir aç ão . Creio que devemos ler nesse sentido Teodoro de Mopsuéstia, acusado por alguns de racionalismo bíblico, ou de restringir restringir a inspiração: “ En tre os livros escritos com doutrina humana devem-se contar os de Salomão, ou seja, os Provérbios e o Eclesiastes, que ele compôs por conta própria para o uso de outros; pois ele não havia recebido a graça da profecia, mas a graça da pru dência, sendo sendo essas essas graças, segundo Pau lo, diferentes” . 4 Teo doro não utili utiliza za o termo termo inspir inspiração. ação. Recon hece que Salomão Salomão possui um verdadeiro carisma, que não é idêntico ao carisma profético; isso não sig nifica negar ou restringir a inspiração, mas assinalar uma diferença objetiva. Re corde mo s que Ben Sirac atribui a si mesmo um “ espírito espírito de sabe doria” . Teodoro, no início do século V, não formulava o problema da inspiração como hoje o fazemos. 3. W. Zimmerli, Zur Struk tur der alttestame ntlichen Weisheit, Z A W 51 C1933 ): 177-20 177-204. 4. Vejam -se o m eu artig o Die stilistiche Analyse bei den Pro ph eten , V T S u p 7 (19601:154-164, e as introduções temáticas e históricas de L. Alonso rb i o s: Com ent ári o t eol ógico y l i t erári o Schõkel/J. Vílchez, P r ov é (Madri, 1984). 4. “His quae pro doctrina h ominum scripta sunt et Salomon Salomon is libri libri connumerandi sunt, id est Proverbia et Ecclesiasta, quae ipse ex sua persona ad aliorum utilitatem composuit, cum prophetiae quidem gratiam non accepisset, prudentiae vero gratiam quae evidenter altera est praeter illam, secundum beati Pauli vocem” (Mansi, IX, 223). Sobre o valor do texto citado, que pertence às atas do Segundo Concilio de Constantinopla, deve-se consultar: R. Devreesse, Essai su r T h é o ão r e de M op suest suest e, “Studi e Testi” 141 (Roma, 1948), especialmente pp. 34-35.243-258.283-285.
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Os hist ori ó grafos
Deve-se situar o resto do Antigo Testamento entre os dois extremos ana lisados. Em mu itíssimos itíssimos casos, será difícil desco brir a que grupo pertencem os livros ou de que tipo se aproximam mais. OS HISTORIÓGRAFOS schi cht s Podem-se consultar: G. Hõlscher, D i e A nf ãnge d er hebr ãi schen G eschi s c h r e i b u n g , 1942; O. Eissfeldt, G e s c h i c h t s ch c h r ei e i b u n g i m A l t en T e st st a m en t , 1948. Uma abordagem simples pode ser encontrada nos opúsculos correspondentes da série sa n c e d e “Los Libros Sagrados”. Cf. igualmente P. Gilbert, L a B i b l e à l a n a i s sa 1’ h i s t o i r e (Paris, 1979).
São profetas ou sapienciais os autores do Gênesis e do Êxodo, de Josué, Samuel e Reis? A tradição tradição judaica denominou denominou profetas, profetas, nebi’im, os narrado res que não fazem parte da t o r á; e Moisés, autor da t o r á, é o maior dos profetas. O decálogo chama-se tecnicamente “palavra do Senhor”, e o termo parece amp liar-se e reco brir outras prescrições legais. O s narradores, à medida que interpretam os fatos da história com a luz que recebem de Deus, participam do carisma profético. Em seu método de trabalho, assemelham-se assemelham-se antes antes aos aos sapienciais: recolhem materiais, consultam arquivos oficiais, elaboram poemas antigos; não recorrem a uma revelação nem chamam os seus escritos de “pala vra vr a de D e u s ” . E m algu al guns ns caso ca soss — p o r ex em p lo, lo , na n a rra rr a çã o do p ara ar a íso ís o — , encontramos marcas indubitáveis de reflexã o sapiencial. sapiencial. 6 O Deuteronômio muitas vezes nos faz deparar com um autor que pergunta e busca a razão de alguns alguns fatos teológicos teológicos — uma espécie espécie de fides quaerens intellectum — , coisa que o aproxima da reflexã o sapiencial. sapiencial. Se o autor autor do Deuteronômio reflete sobre fatos de salvação, Ben Sirac reflete sobre a Sagrada er o ap oca l ípt i co puro, o autor reflete sobre o sentido da his Escritura. No gên ero tória, organiza-a esquematicamente, em períodos, transpõe a sua reflexão para alegorias intelectuais; se depois recorre a uma suposta revelação de Deus, isso é um artifício próp rio do gênero. Os autores dos salmos também não denomi nam “palavra de Deus” os seus produtos literários, pois são palavras usadas como resposta do povo a Deus. E a esses autores mais consistentes dever-se-iam acrescentar os editores, glosadores, escoliastas, que adicionam palavras inspiradas e atualizam as pas sadas; eles serão por vezes profetas modestos, normalmente escritores de tipo sapiencial. Em resumo, a maior parte do Antigo Testamento não pertence ao gênero profético estri estrito, to, aproximando -se antes antes da atividade atividade sapiencial. sapiencial. Con tudo, rece bem b em os tod to d o o A n ti g o T e sta st a m en to co m o p a la v ra d e D eu s. E m b o ra a E p ís tola aos aos Hebreus mencione apenas apenas os profetas profetas — “D eus falou aos nossos nossos pais pais por meio dos profe tas” — •, e o nosso artigo de fé só se refira aos profe ocut us es est per p roph et as — , sabemos tas — qui l ocut sabemos que todo o An tigo Testamen Testamen to é de algum modo profecia que olha para o Novo e sabemos também que toda a Sagrada Escritura, Escritura, An tigo e Nov o Testamentos, Testamentos, é palavra de Deus. Os concílios afirmam afirmam que toda a Escritura é inspirada. inspirada. A conseqüên cia é que não podemos conceber a inspiração como um ditado mecânico e uniforme, mas co 5. L. Alonso Schõk el, Mo tivos sapien ciales y de alianza en Gn 2-3, 2-3, B íb l i ca 43 (1962) (196 2) :295-316
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Testem un ho s bíbl icos
mo uma moçã o interna, eficaz e misteriosa. misteriosa. D ad a a distância distância entre os extremos “profeta-sapiencial”, parece razoável usar o termo inspiração com certa ampli tude, reconhecendo a variedade do Espírito, que moveu homens tão diferentes, em situações sociais e políticas tão divergentes, sob formas literárias tão diver sas: sempre com a finalidade de revelar-nos a Deus na palavra. Para explicar um pouco o modo da inspiração, são suficientes as distinções elementares propostas. Seria possível acurar mais a distinção pela incorpor ação de uma descrição analítica de gêneros literários segundo o seu modo de ins piração. Isso Isso exigiria exigiria espaço demasiado demasiado e talvez não fosse tão proveitoso. A va riedade riedade de gêneros ou tipos tipos literários literários usados pelos autores do A T comprova a pluralidade e a riqueza da vida religiosa, a vitalidade literária do povo de Deus. E é um testemunho da varied ade e da riqueza do Esp írito, que dirigiu dirigiu essa mú ltipla atividade para falar a nós à man eira dos homen s. “ D e muitas maneiras falou D eus aos nossos pais.” 0 A o disc di scut utir ir os “ m o d o s” d a S ag rada ra da E scri sc ritu tu ra, ra , os teó te ó lo g o s esco es colá lást stic icoo s a va liaram muito bem essa variedade. Segun do eles, a ciência teo lógic a funda-se na Sagrada Escritura. Mas a Sagrada Escritura não emprega o modo da ciência, que é definidor (definir conceitos, notiones), divisivo (distinções), coletivo (de duções, silogismos); ela faz uso de um modo “narrativo, preceptivo, proibitivo, cominativo, promissivo, promissivo, deprecatório deprecatório e laudativo ” . A razão dessa dessa variedade é o objetivo da Escritura, que deve atingir os homens aos quais se destina: “Assim, se alguém não é movido por preceitos e proibições, sê-lo-á ao menos pelos exemplos narrados; se estes não o movem, movê-lo-ão os benefícios concedidos; se estes não o fizerem, fá-lo-ão os avisos sagazes, as promessas verdadeiras, as ameaças terríveis, e, assim, ele pelo menos se animará a louvar e a servir a D eu eu s” . 7 Ale A le x a n d r e de H a les le s regi re gist stra ra cin ci n co m od o s: “ P rece re ce p tiv ti v o , na lei le i e n o e va n gelho; exemplificativo, nos livros históricos; exortativo, nos livros de Salomão e nas epístolas dos apóstolos ; revelador, nas pro fecias; oracion al, nos salmos” . 8 E, seguindo o estilo escolástico, pondera e justifica essa multiplicidade por suas causas eficiente, eficiente, mate rial e final: “ A primeira razão é a causa eficiente, eficiente, ou seja, o Espírito Santo, que, como diz Sb 7,22, é um Espírito de inteligência único e m últiplo . . . A segunda razão é que o m odo d eve ser mu ltiforme para correspon der à matéria. A terceira razão é o fim, fim, que é instruir para a sal va v a ç ã o ” . 9 Os escolásticos medievais não só têm sensibilidade para apreciar o fato da variedade como também buscam para ela uma razão teológica bastante con vin vi n cen ce n te. te . 10 inspirat i one S. Sc Scri pt urae Pesch, na obra tantas vezes citada, D e inspirat (Friburgo, 1905), admite graus de intensidade na moção recebida pelo autor sagrado, mas não reconhece graus na Escritura, como se um livro fosse mais inspirado 6.
Descrição classificatór ia dos gêneros do Antigo Antigo Testam ento in O. Eissfeldt. E i n l e i t u n g i n d a s A l t e T e s t a m e n t (Tubinga, T963). E os meus artigos in D B S . “Poésie hébraique”, bem como a série sobre G ên ero s l i t erári os in V i d a N u e v c (1965-66). 7. Boaventura, B r e v i l o q u i u m . 8. “Eius modus dicitur esse praeceptivus, exem plificativus, plificativus, exh ortativu s. revelativus, orativus” ( S u m m a , q. 1, a r t. 1). 1) . 9. Ibid., q. 1, ar t. 3. eu r o p ea e a y E d a d M ed i a l a t i n a (México, T984' 10. E . R. Curtius, L i t er a t u r a eu 213-323, descreve como a teoria dos modos passa para a teoria poética de Dante
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A pós póst olos e pr ofeta s
ou mais palav ra de Deus do que que outro (n. 42 9) . M as ele acrescenta um artigo artigo bast ba stan ante te dife di fere ren n te (n. 4 3 6 -4 5 0 ) no qu a l e x p lica li ca em qu e sent se ntid idoo são sã o p a la v ra de Deus os diversos enunciados da Escritura: embora demasiado intelectual e um tanto atomístico, o seu enfoque indica uma interessante linha de trabalho. C O N C L U S Ã O : A I N S P IR IR A Ç Ã O N O N O V O T E S T A M E N T O O AT, em lugar de esclarecer-nos a nossa idéia sobre o modo da inspira ção, impôs-nos impôs-nos a variedad e e a flexibilidade. Se o nosso nosso conceito, ou a nossa idéia, idéia, não é muito preciso, pelo menos é real, correspond e aos fatos. Ad iante terei ocasião de elaborar alguns dos dados aqui propostos: no capítulo VII, dedicado à “Psicologia da Inspiração” . No NT, ocorre algo novo e definitivo: depois de muitas palavras, ressoa a Palavra. Um a Palavra audível, audível, visív visível, el, palpável: Hb 1,1 . Essa Palavra é a ve rda rd a d eira ei ra ra z ã o de tod to d as as an terio te rio res, re s, a som so m a de tod to d as ( v er b u m a b br b r ev ev i a t u m ) , a explicação . É a Pa lavra total e definitiva, definitiva, enviada a todos os homens, com o uma luz verdadeira. Par a chegar a todos os homens, essa essa Pala vra, que é Jesus Jesus Cristo, deve continuar continuar ressoando, presente e viva em todas as gerações. “ A sal va v a çã o co m e ç o u a ser se r an u nc iad ia d a no p rin ri n cíp cí p io p e lo Se nh or, or , send se nd o-no o- no s co n firm fi rm a da por aqueles que a ouviram” (Hb 2,3). Para que que a sua sua palavra — e ele ele mesmo mesmo enquanto enquanto Palavra — conti continue nue ressoando, Cristo envia os apóstolos, em continuidade sem termo, e envia-lhes o Espírito Santo. Santo. Os apóstolos são “ enviados” po r nome, apóstolos, e por ta refa: não é jogo de palavras dizer que a sua missão é m i ssão . Com esse esse tema se ence encerr rram am — e permanec permanecem em abertos abertos — os evange evangelhos lhos:: Mt 28,18-20, 28,18-20, M c 16,15-16, Lc 24,47-49, Jo 20,21. A P Ó S T O L O S E P R O F E T A S A m issã is sãoo a qu e são sã o ch am ad os asse as sem m elh el h a os ap ó sto st o los lo s aos ao s p ro fe tas, ta s, que qu e também também recebiam recebiam a missão de proclamar proclamar a palavra de Deus. Ago stinho form u la-o resumidamente: “ A qu ele que, antes antes de sua descida, enviou enviou os profetas para precedê -lo, depois de sua sua ascensão enviou os apósto los” . 11 E em outra outra passagem: “ Deu s falou quando julgou conveniente, primeiro primeiro pelos profetas, depois po r si si mesmo, mais tarde pelos ap óstolos” . 12 O paralelismo paralelismo profetasprofetas-apóstolos apóstolos é freqüente freqüente no N T . O texto texto de de E f — “edificados sobre o cimento dos apóstolos e profetas, com Cristo como pedra angular” (2,2 0) — parece referir-se, referir-se, em primeira anális análise, e, aos profetas da nova economia, como podem indicar indicar outras outras passage passagens ns da mesma mesma epístola epístola (3,5; 4 ,1 1 ) ; não obstante, acredito que dificilmente se poderia excluir toda referência aos profetas do Antigo Testamento. Um texto muito significativo é encontrado na primeira epístola de Pedro, 1,1 0 -12 : “ Os profetas que predisseram predisseram a graça destinada destinada a vós com eçaram a se interessar interessar e a perscru tar essa essa salva ção . O Espírito de C risto que estava neles 11. “Qui “Qui prop hetas ante descensionem suam praem isit, ipse et apostolos post ascensionem suam misit” (De c o n s en en s u e v a n g el el i s t a r u m ; PL 34, 1070; CSEL 43, 60). 12. “Deus “Deus prius pe r prop hetas, dein pe r se ipsum, poste a per ap ostolos, quantum satis esse iudicavit locutus...” (De c i v i t a t e D ei e i ; PL 41, 318; CC 48, 322-23).
Test em un ho s bíbl i cos
lhes declarava antecipadamente os sofrimentos por Cristo e os triunfos que se seguiriam. seguiriam. Ele s indagava m querendo saber para quand o e para que circunstân circunstân cia o indicava e se lhes revelou que aquele ministério profético não dizia res peito peito a eles eles,, mas a vós. Ag ora, por meio dos que vos trouxeram a bo a nova, foi comunicado a vós o Espírito Santo enviado do céu” . Esse mistério mistério foi vis lumbrado e anunciado pelos profetas, que tinham “em si o Espírito de Cristo dando testemunho” ; nisso consistia a inspiração dos profetas, em ter em si um Espírito que é o Espírito de Cristo; os profetas não conseguiam descobrir o tempo tempo dessa dessa “ graça” e des dessa sa “ salvação” . “ A go ra” — isto isto é, na etapa etapa de finitiva finitiva — , os os apóstolos apóstolos recebem recebem “ o Espírito, enviado do céu” por Jesus Jesus Cristo Cristo já g lo rifi ri ficc a d o ; in sp irad ir ad os com co m a m o ç ã o dess de ssee E s p írit ír itoo , eles el es “ an u n ciav ci av am o ev an gelho” , a boa nova da salvação em Cristo. Cristo. Deve-se levar em conta outra outra inter inter pretação desse texto, que identifica os “profetas” com profetas das primeiras gerações cristãs e considera que as duas etapas referidas se inserem na nova economia. O que os apóstolos proclamam é “palavra de Deus”, ou seja, a típica fór m ula profética: “ Po r isso damos graças a Deu s sem sem cessar, porque quando recebestes de minha boca a mensagem de Deus, a acolhestes não como palavra humana, mas, como na realidade o é, como palavra de Deus, que desenvolve sua energi energiaa em vós, os crente crentes” s” (l T s 2 ,13 -1 4 ). É palavra de Paulo, que que a pronuncia, e é palavra de Deus, que atua atua de de maneira eficaz. A essa essa fórmu la, de ascendência profética, eqüivale outra em que, em vez de Deus, se diz Cristo: “Quando voltar, não perdoarei a ninguém, já que quereis uma prova de que Cristo fala em mim ” . Observemos o paraleli paralelismo smo da expressão expressão grega: “ Deus fala-nos n u m Filho” (Hb 1,2), Cristo fala em Paulo; a partícula em mostra-se mais forte e imediata, e o paralelismo recorda o princípio fundamen tal: “ Com o meu Pai me enviou, enviou, eu vos envio” (Jo 20 ,2 1). Encontramos uma fórmula aparentada aparentada na própria segunda segunda Epístola aos Coríntios (2 C or 2 ,1 7 ): “P orque não vamos comerciar com a mensagem de Deus, como o faz a maioria, antes falamos conscientes de nossa sinceridade, conscientes de que o fazemos da parte parte de Deus, movidos por Cristo” . Esta segunda fórmu fórmu la “ em Cristo” leva mos à fórmula profética profética “ em Esp írito” ( = in-spirado ), também registr registrada ada pelo pelo No vo Testamento: “P orque o nosso nosso evangelho vos foi pregado não somente somente com palavras, palavras, mas mas com com grande eficácia eficácia no Espírito Espírito Santo” (l T s 1,5; cm grego, grego, preposição e m ) . “ O mistério mistério de Cristo não se manifestou a outras outras gerações humanas, como agora o revelou o Espírito aos ‘consagrados’, a seus apóstolos e profetas” (Ef 3,5). Mateus aplica a mesma fórmula em Espír i t o (ev Ttvsupcm) a profetas do A n t ig o T es ta m en to : “ C o m o D a v i, in sp irad ir ad o, lh e ch a m a S e n h o r?” r? ” ( 2 2 ,4 3 ) . UNIDADE E DISTINÇÕES R. Gõgler, Z u r T h e o l o g i e d es es B i b l i s ch ch en e n W o r t es b ei ei O r i g en en es e s (Dusseldorf, 1963). Sobretudo os capítulos III e IV da segunda parte (“La palabra como mediadora de la revelación e presencia divinas”): a palavra no Antigo Testamento, no judaísmo, na gnose, no Novo Testamento, o Logos em João; o Logos na criação, no homem, em Jesus, na Escritura. O volume L a P ar ol e de D i eu en Jé susC hr i st (Tournai, 1961) tem essa preocupação central, como o demonstra a composição dos diversos artigos: I. A revelação da palavra de Deus: 1) Escritura; 2) Cristo, palavra de Deus. II. A proclamação da palavra de Deus: pregação e sacramento.
U ni da de e di st i nções
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Podemos estabelecer no Novo Testamento uma distinção semelhante à que fizemos fizemos no A ntig o? Ã primeira vista, vista, é clara a diferença entre evangelhos, epís epís tolas, Atos, Apocalipse: uma diferença menos complexa do que a que ocorre no Antigo Testamento, mesmo levando-se em conta os gêneros contidos nessa divisão primária. A n te s d e dist di stin ingu guir ir,, é p r ec iso is o insi in sist stir ir n a u n i d a d e: evangelhos e epístolas têm uma fortíssima unidade em Cristo, muito mais do que as “múltiplas” pala vras vra s do A n ti g o T es tam ta m en to. to . C o m efe ef e ito it o , P a u lo d en om ina in a a sua su a p r e g aç ã o “ n o s so evan gelho” e o seu ofício, “ evan gelizar” ; e o que ele escreve nas epístolas epístolas não é diferente diferente do que prega; as suas suas epístolas epístolas são também também “ evan gelho ” . “Para mostrar que todo o Novo Testamento é evangelho, podemos adu zir as as palavras de Pau lo quan do escreve ‘segundo meu evangelh o’. En tre os escritos escritos de Pau lo, nenhum costuma receber o nom e de evangelho . M as o que proclamo u e disse, disse, ele o escreveu; por isso, isso, o que escreveu é evangelho. E , se os escritos de Paulo são evangelho, também o são os de Pedro, e, resumindo, os escritos que confirmam a sua vinda ou preparam a sua parusia, ou introduzem-na nas almas que desejam receber a quem está de pé à porta, chamando e querendo entrar: a palav ra de De us .” 13 A ra z ão dess de ssaa u n id ad e é o fato fa to de os ap ó sto st o los lo s n ã o p o d er em ac re sc e n tar ta r nada à Palavra de Cristo, isto é, a Cristo como Palavra, e não precisamente às palavra s de C risto. É certo que as palavras de Cristo são limitadas em número e que Pa ulo d iz muitas coisas coisas que C risto não dissera dissera antes. antes. N o entanto entanto Cristo não apenas apenas diz palavras, mas é Palavra : em seu seu ser, ser, atuar e dizer. dizer. Em Cristo ocorre a revelação plena de Deus, não restando senão tomar consciência dessa dessa plenitude, penetrar nela. Po r isso, todo o N ov o Tes tamen to tem unidade indestrutível e inseparável no mistério de Cristo.14 Se assim assim é, e o fato de que o Esp írito vos ensinará m uitas coisas? Cer to, o Espírito ensina muitas coisas aos apóstolos, mas todas referentes ao mistério de Cristo, com vistas a explicar a sua riqueza inesgotável. inesgotável. Na da que não esteja esteja contido em Cristo como Palavra, em seu ser, dizer e atuar, é acrescentado pelo Espírito. Espírito. Po r isso, isso, toda a prega ção e os escritos escritos de Pau lo são evangelho, o mesmo ocorren do com as outras epístolas. epístolas. Os A to s são uma segunda segunda parte da obra de Lucas , continuação continuação do seu evangelho. evangelho. O Ap oca lipse intitul intitula-s a-see “Revelação de Jesus Cristo: Deus lha concedeu para que mostrasse aos seus servos”. Decorre daí que, lendo Paulo, estamos lendo a Palavra de Cristo, ainda que Paulo não repita palavras literais pronunciadas por Cristo. 13. 13 . E a x i 5s 7xpoaaxOrivat xpoaaxO rivat TWV u7t0 IlauAou Àsyogevwv Txept tou Jtaa Jt aaav av xrjv xrjv -.'p -.'paacprj cprjvv Eivai Eivai suaYYsA suaY YsAta, ta, oxav to u '(oocyr) Kaxa to EuaYYsAov pou. Ev y patxaxi Ya P llauAou llau Aou oux exojxev exoj xev íhfhUo íhfhUou u c.uaYY£^ c.ua YY£^'0V '0V ouvrj ouvrjO Owg xaXouftEvo xaXou ftEvov. v. AAÀa Jiav Jia v o EXY)puaas xa xat eAsys xauxa xau xa x a t EYpa<|)s a £YP0^ £YP0^ 8 a Pa suaYYsAtov y]v. ]v. El E l 8s xa IlauÀou suaYYS" suaYYS" Àtov 7]v, axoAouBov àsyslv oxt xai xa Ilexpou suayY£7lov tjv, xat a7xai;a7tÀwç xa auviaxavx xa vxaa xou xou XpLaxou XpLa xou s-T s-TuSTiiii iiiiaav, x a t xaxa xa xaox oxeu eu aÇ ovxa ov xa xtjv Txapo Txapouaia uaiavv auxou, £;x7xat £;x7xatouv ouvxa xa xe auxrjv auxrjv xaiç tJjuxatj tJjuxatj xwv xwv PouÀ PouÀof ofis isvw vwvv itap it ap a5s§ a5 s§ea ea0a 0aii xov saxwx sax wxaa sxi tt)v 0upav, x a i xpou xpou-ovxa x a t EiasAôeiv j3ou j3ouA Ao[xev [xevov ov siç xa j
u uxaç àoyov àoy ov 0eou (O ríge rí ge n es, es , I n I o , I, 6; PG 14, 32). 14. Cristo é “med iador e plenitude plenitude de toda a revela ção ”, diz a cons tituição D e i V e r b u m 1. Veja-se o comentário sobre essa fórmula no volume da BAC (Madri, 1969).
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Testemunhos bíblicos
Afirmada de fato a unidade, impõe-se a distinção: “Paul “P auloo tudo o dizia inspirado, mas o que que diz aqui [ lT s 4,15 4,1511 escutou-o literalmente literalmente de Deus” ; 15 o texto citado diz: “Dizemos “Dizem os a vós com a autorida auto ridade de do Senhor” Senh or” (sv Xoyw -/.•jp’.ou). .ou). Paulo Pa ulo diz em sua Epísto Epí stola la aos Tessa Te ssalon lonice icense nses: s: “O que q ue vou dizer-vos dizer -vos apóia-se apóia-se numa palavra palavra do Senhor”. Os comentadores modernos costumam ver na expressão “a palavra do Senhor” antes um exemplo de tradição primitiva do que uma revelação direta. direta. Contudo a distinção distinção de de Crisóstomo Crisóstomo representa os diferentes modos pelos quais Paulo adquiriu a sua doutrina. Paulo recebeu revelações de Deus e conhece muitas palavras de Cristo, às quais adiciona uma profunda e iluminada reflexão teológica que, em termos de método, pode aproximá-lo de alguns alguns sapien sapienciai ciais. s. A sua maneira mane ira de abordar o Antigo Testamento aparenta-o com Ben Sirac. Sirac. Numa Num a ocasião, apresenta ex press pr essam amen ente te uma um a orde or dem m ou conse co nselho lho como co mo dout do utrin rinaa sua: sua : “Aos “A os casado cas ados, s, ord or d e na-lhes o Senhor, não e u . . . aos outros, lhes digo eu, não o Sen S en hor. ho r. . . Quan Qu an to aos solteiros, não tenho um mandamento do Senhor, mas dou meu pare cer. . . ” (IC ( IC o r 7,10.12 .25). Outras veze vezes, s, podemos podemos comparar formulações formulações su cessivas de uma doutrina, progredindo em clareza e plenitude; por exemplo, a Epístola aos aos Gálatas e a Epístola aos Romanos. A inspiração de Paulo não pode po de consi co nsistir stir em escrev esc rever er segund seg undoo o ditad dit adoo do Espí Es pírit ritoo Santo, San to, nem em re re petir pe tir de ouvid ou vidoo doutr do utrin inas as já form fo rmula ulada dass por po r Cristo. Cri sto. O caris ca risma ma do Espí Es pírit ritoo não nã o lhe poupa o trabalho literário. Entre Rm e o bilhete de recomendação a Filemon há uma grande distân cia: os dois extremos e o que existe no meio são palavra pa lavra inspirada. inspirad a. Veja-se o prólogo de Jerônimo a essa epístola.10 OS EVANGELHOS Nos No s quat qu atro ro evang ev angelho elhoss ressoa res soam m mais próx pr óxim imas as a pala pa lavr vraa e a obra ob ra de Cris Cri s to; por esse motivo, eles sempre ocuparam um lugar privilegiado entre todos os escritos bíblicos. bíblicos. De que modo os evangelhos transmitem transm item a palavr pa lavraa de Cristo? Suponhamos que Cristo, desejando transmitir as suas palavras a todas as gerações para que elas ressoem autenticamente, aconselhe-se conosco e peça que sugiramos sugiramos algum algum método. A nossa primeira sugestão: registro em fita fita cas sete. sete. Isso daria uma u ma autenticidade única e chegaria mesmo a preservar o som original original das tão preciosas preciosas palavras. É a maneira mane ira pela qual escutamos o dis curso de João X X III na noite de abertura abertu ra do Concilio Concilio Vaticano II. Que relí relí 15. 15. João Crisósto m o, In I n 1 T h e s 4, hom. 8, 1; PG 62, 439. 16. “Qui nolunt inter epistulas Pauli eam recipere, recipere, quae ad Philemo nem scribitur, aiunt non semper apostolum nec omnia Christo in se loquente dixisse, quia nec humana imbecillitas unum tenorem Sancti Spiritus ferre potuisset nec huius corpusculi necessitates sub praesentia Domini semper complerentur, velut disponere prandium, cibum capere... Eis et caeteris huiusmodi volunt aut epistulam non esse Pauli, quae ad Philemonem scribitur, aut etiam, si Pauli sit, nihil habere quod aedificare possit, et a plerisque veteribus repudiatam, dum commendandi tantum scribatur officio, non docendi... Sed mihi videtur, dum epistulam simplicitate arguunt, suam imperitiam prodere, non intelligentes, quid in singulis sermonibus virtutis ac sapientiae lateat” (PL 26, 637-638).
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quia melhor do que as palavras de Cristo gravadas e multiplicadas em fita casset cassete? e? Vale a pena estudar aramaico para poder entendê-las de imediato. O fato de, naquela época, não ter ainda sido inventado esse meio de gravar a voz não é objeção grave, pois Deus podia ter disposto os tempos de forma que Cristo coexisti coexistisse sse com esse esse invento na terra. E ra só ter t er adiantado adian tado um centésimo o relógio da civilização, e tudo estaria arranjado. Mas Deus não escolheu escolheu esse esse método. As palavras de Cristo Cristo não são uma relíquia. Às vezes vezes nos surpreendemos surpreen demos corrigindo a Deus, cremos que q ue seriamos capazes de de fazer melhor melho r as coisas, de maneira man eira mais simples do que ele. Deus sorri diante dessas dessas infantis pretensões dos homens. “Quem é esse esse que denigre denigre os meus desígnios desígnios com palavras sem sentido?” sentido? ” (Jó (J ó 38,2 38 ,22) 2).. A fita magnética é um meio inerte, mecânico, ao passo que Deus escolhe os caminhos da encar nação, fazendo uso dos homens. Ocorre-nos então uma segunda solução, menos garantida, a nosso ver mas de valor aproximado: escolher a memória verbal mais privilegiada, capaz de, ouvindo um texto uma única vez, aprendê-lo de cor, e firme para con servar inalterado o texto aprendido. Para Par a maior ma ior segurança, segurança, escolh escolhem-se em-se qua tro, ou mesmo doze desses homens de memória excepcional, tomando-os como testemunhas da própria próp ria pregação. Se num deles deles pode haver have r algum algum erro hu h u mano, no conjunto eles asseguram a perfeita conservação. Esse método não é mecânico, mas humano; consiste na colaboração de um grupo escolhido e não é alheio ao caminho da encarnação. Outra Ou tra vez Deus sacode a cabeça diante diante da da nossa proposta: propo sta: “Quem mediu o espírito do Senhor? Quem lhe sugeriu o seu projeto? Com quem se acon selhou para que o compreendesse, para que lhe ensinasse o caminho certo?” (Is 40,13 40 ,13). ). Deus também não deseja deseja essa memória quase mecânica, mecânica, sobretudo sobretudo passiva, passiv a, p a ra que as suas sua s palav pa lavras ras ressoem ress oem para pa ra sempre. semp re. Cristo emprega outro meio, mais sutil e inesperado; tenhamos a humil dade de reconhecer reconhec er que ele sabe fazer melhor as coisas. Sobe ao céu, de lá envia o seu Espírito, com a tarefa de ensinar aos apóstolos o mistério de Cristo, de recordar-lhes as suas palavras, de dirigi-los no encargo de conservar e fazer ressoar essas palavras. Cristo interpõe a inspiração entre as palavras que ele própri pró prioo pronu pro nunc ncio iouu e os ouvidos ouv idos perdu pe rduráv ráveis eis da Igreja. Igre ja. O NT, NT , e em parti pa rticu cula larr os quatro Evangelhos, é palavra de Cristo; não tanto por registrar a sua lem bránça, brán ça, mas princ pri ncip ipalm almen ente te por po r ser se r um livro inspir ins pirado ado pelo pe lo Espí Es pírit ritoo de Cristo. “Isso é o que tinha de dizer-vos enquanto estava convosco; o advogado que o Pai vos enviará quando aduzirdes meu nome, o Espírito Santo, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos disse” (Jo 14,25-26). “Quando vier o advogado que vos enviarei da parte de meu Pai, o Espí rito de verdade que procede do Pai, ele testemunhará em minha causa; vós sois testemunhas, pois estais comigo, desde o princípio” (Jo 15,26-27). “Tenho ainda muito a vos dizer, mas não o suportaríeis agora: quando vier o Espírito da verdade, ele vos guiará à verdade plena, pois não falará em seu nome, mas comunicará o que lhe foi dito e interpretará para vós o que se suceder. Ele manifestará minha glória, porque tomará tom ará do que que é meu e o inter inte r pret pr etar aráá p ara ar a vós” vó s” (Jo (J o 16,1 16 ,122-14 14). ). Diante disso, algumas pessoas sentem certa desilusão, como quem desco bre que a relíqu rel íquia ia de sua maior ma ior devoçã dev oçãoo não nã o é autên au têntica tica.. E ntão nt ão o evangelis evan gelista ta
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não repete ao pé da letra as palavras ditas por po r Jesus? Jesus? Muitas vezes vezes não: nã o: es es creve em grego, não concorda inteiramente com o seu companheiro evangelista, po r exemplo exe mplo,, nas na s palav pa lavra rass do pai-n pa i-noss osso, o, da cons co nsag agra raçã ção. o. Issoquer Issoquer dizer que as palavras não importam, o que interessa interessa é apenas o sentido? sentido? Falso: as pa lavras têm importância porque são inspiradas e porque nelas chega a mim, res sonante, a palavra original de Cristo. O nosso gesto de desilusão é outra maneira de querer ensinar a Deus o caminho caminh o mais seguro. Em bora bo ra se dissimule num gesto de piedade, piedad e, ele está, está, na realidade, mais próximo da impiedade. Não aceita gozosamente o caminho de Deus, considera as palavras como relíquias. relíquias. Mas as as palavras inspiradas são vida, vida, e não relíquia de devoção. Repitamo-lo: Repitam o-lo: o melhor caminho é o da encar nação. Pela inspiração, as palavras de Cristo, Cristo, bem como Cristo enquanto P a lavra, voltam a encarnar-se nas palavras humanas dos evangelistas. Isso não suprime — na verdade, inclui — a memória, que é uma faculdade humana. human a. Assim como como a inteligênci inteligência, a, para pa ra entender o que que a memória sugere: “Quando ressuscitou, seus discípulos se recordaramdo recordaramdo que havia dito e creram na Escritura e nas palavras de Jesus” (Jo 2,22). “Os discípulos, a princípio, não compreenderam isto; mas quando a glória de Jesus se manifestou, lembraram-se de que nele se cumprira o que estava escri to” (Jo 12,16). “Agora não compreendes o que estou fazendo; mais tarde o compreenderás” (Jo 13,7). A glorificação de Cristo — na qual se inclui o envio do Espírito, “que glorifica a Cristo” — permite que os apóstolos se lembrem e compreendam o que antes antes não tinham tinham compreendido. O Inspirador Inspira dor mobiliza mobiliza em em profundidade a memória e a inteligência. Além da memória e da inteligência, fá-lo também todo o trabalho literário de compor compo r e redigir. redigir. Tudo o que pertence perten ce a uma atividade a tividade literária é assumido pelo pe lo Espí Es pírit ritoo Santo San to com vistas vista s a trans tra nsm m itir-n iti r-nos os as pala pa lavr vras as de Cristo Cri sto vivas. Ambrósio, comentando o prólogo de Lucas (“Visto que muitos já tenta ram compor uma narra na rração ção”” ), escreve: escreve: “S. “S. Lucas afirma que muitos começa ram e não concluíram quando quand o diz diz que muitos tentaram. tentaram . Aquele Aque le que procura ord enar en ar fá-lo com o seu trabalho trab alho,, e não o conclui. Mas os dons e carismas de Deus são isentos de esforço: onde se derramam, regam de tal modo que o talento do escritor escritor não escasseia escasseia,, mas mas redobra. Não se esforçou esforçou Mateus, não se esforçou Marcos, não se esforçou João, não se esforçou Lucas; pelo contrá rio, providos pelo divino Espírito da abundância de palavras e de todos os fei tos, tos, concluíram conc luíram o seu seu trabalh trab alhoo sem esforço” esforç o”.. 17 A explicação de Ambrósio é equivocada: porque tentar não significa fra cassar, porque Lucas fala expressamente do seu trabalho e diligência, porque 17. “Muitos coep isse nec imp levisse etiam sanctus Lucas testim onio locuple locuple-tiore testatur dicens plurimos esse conatos. Qui enim conatus est ordinare, suo labore conatus est nec implevit. Sine conatu enin sunt donationes et gratia Dei, quae, ubi se infuderit, rigare consuevit, ut non egeat sed redundet scriptoris ingenium. Non conatus est Mathaeus, non conatus est Marcus, non conatus est Ioannes, non conatus est Lucas, sed divino Spiritu ubertatem dictorum rerumque omnium ministrante sine ullo molimine complerunt” (PL 15, 1534; CC 14, 7).
Conclusão
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as graças de Deus não poupam o trabalho humano, mas, na verdade, suscitam-no e dirigem-no. dirigem-no. Quem estudar um pouco os procedimentos de redação dos evangelhos avaliará avalia rá o seu trabalh trab alhoo lúcido e meticuloso. Os evangelistas com puse pu sera ram m os seus livros livro s divinos divin os com o suor suo r do seu rosto ro sto e com o sopr so proo do Espírito. Agostinho possuía uma capacidade muito maior de reflexão sobre o traba lho literário e se interessava pelo enigma da memória mem ória humana. humana . Ele procurou proc urou explicar as discrepâncias dos evangelist evangelistas as da seguinte maneira: ma neira: “Que “Qu e importa impo rta a ordem da disposição, ou seja, que alguém disponha ordenadamente, ou res gate algo esquecido, ou adiante um fato posterior, contanto que não se con tradiga a si mesmo nem a outros na narração? narra ção? Não Nã o está em nosso poder po der a ordem da recordação, embora se trate de coisas muito bem, e fielmente, co nhecidas (porque não depende de nós a ordem em que nos ocorrem as coisas); po r isso, com tod to d a a prob pr obab abililid idad ade, e, cada ca da evang eva ngelis elista ta cons co nsid idero erouu opor op ortu tuno no n arra ar rarr na ordem em que Deus desejou trazer à sua memória as coisas que queria que fossem contadas, à medida que uma ordem ou outra não afeta a autoridade evangéli evangélica. ca. O Espírito Santo, que repar te os os seu seuss dons segundo a sua sua vontade, em atenção aos livros que ocupariam o nível mais elevado da autoridade, diri gia a mente dos hagiógrafos, recordando-lhes o que deviam escrever e permi tindo que cada um ordenasse de de modo diverso a narração. Aquele que indagar a razão disso disso com mente devota encontrá-la-á en contrá-la-á com o favor de Deus” . 18 Agostinho observa a atividade de composição e narração dos evangelistas, a ação do Espírito fazendo sugestões à memória e dirigindo o entendimento, a vontade vonta de de de Deus, o objetivo de verdade verd ade e autorida auto ridade de dos livros sagrados. Como ele discute o problema da diferente ordem narrativa dos evangelistas, a sua solução limita-se a um aspecto; como princípio geral, as suas palavras podem ser transpos tran spostas tas a toda tod a a atividade dos evangelistas. evangelistas. De fato, a investigação re cente ampliou muito esse horizonte. CONCLUSÃO Analisando de modo relativamente profundo os escritos do Novo Testa mento, encontraremos também a variedade: eles dependem de uma tradição anterior, muitas vezes utilizam fórmulas parenéticas ou litúrgicas, empregam textos escolhidos do Antigo Testamento; ocasionalmente emitem opiniões, quan 18. 18. “Quid “Quid inter est quis quo loco pona t, sive quod ex ordine inserit, sive quod omissum recolit, sive quod postea factum ante praeoccupat, dum tamen non adversetur eadem vel alia narranti, nec sibi nec alteri? Quia enim nullius in potestate est, quamvis optime fideliterque res cognitas quo quis ordine recordetur (quid enim prius posteriusve homini veniat in mentem, non est ut volumus sed ut datur), satis probabile est, quod unusquisque evangelistarum eo se ordine credidit debuisse narrare, quo voluisset Deus ea ipsa quae narrabat eius recordationi suggerere, in iis dumtaxat rebus, quarum ordo, sive ille sive ille sit, nihil minuit auctoritati veritatique evangelicae. Cur autem Spiritus Sanctus, dividens própria unicuique, prout vult, et ideo mentes sanctorum propter libros in tanto auctoritatis culmine collocandos, in recolendo quae scriberent sine dubio gubernans et regens, alium sic alium vero sic narrationem suam ordinare permiserit, quisquis pia diligentia quaesiverit, divinitus adiutus poterit invenire” (De co c o n se n s u evangelistarum ; PL 34, 1102; CSEL 43, 153).
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do o requer uma circunstância concreta da vida da Igreja; possuem estilo pró prio, proced pro cedim iment entos os favorito fav oritos, s, visão teológica teoló gica pessoal pess oal e t c . 19 Poderíamos aplicar de novo a toda essa variedade humana — que com prova pro va a natur na turez ezaa hum hu m ana an a dos livros inspir ins pirado adoss e a vitalid vit alidade ade da Igre Ig reja ja — a teo teo ria medieval dos “modos”, ou a teoria de Benoit sobre a diferente proporção de influência do carisma. Porque Porq ue grande parte do que foi dito sobre o Antigo Testamento Testam ento aplica-se também ao Novo. Novo. Preferi destacar aqui algun algunss aspectos peculi pec uliare aress da inspir ins piraçã açãoo do Novo No vo Testam Tes tamento ento..
19. 19. Pode-se Pode-se consultar qualquer introdução ao Nov o Testam ento, com o a de W ikenha user (Ba rce lon a, 21966 21966), ), E. Loh se (Madri, 2198 21986), 6), ou o liv ro de X. Léon L o s E v a n g e lio li o s y la h is to r i a d e J es ú s (Madri, 31982). -Dufour, Lo
SEGUNDA PARTE
O CONTEXTO DA LINGUAGEM noÀu[isp(oç xai
TíoXuipomüç o ©sog ÀaATjaag
4.
A escritura escritura como palavra palavra
5.
Três funções da linguagem
6.
Três níveis da linguagem
4 A ESCRITU ESC RITURA RA CO COMO MO PAL PA L A VRA
O CONTEXTO DA LINGUAGEM No volum vol umee Parole de Dieu et Liturgie (Paris, 1958), pode-se ver o artigo de H. Urs von Balthasar, Dieu a pa parl rléé un langage d ’h o m m e , 51-70. Do mesmo autor veja-se Ensayos teológicos I, Verbum Caro, primeira parte: Palavra, Escritura, tradição. Palavra e história. Implicações da palavra. Deus fala como homem (Madri, 1964), 19-125. Mais centrado na palavra bíblica é o volume La Parole de Dieu en JésusJés us-Chr Christ ist (Tournai, 1961); a introdução de A. Léonard, Vers une théologie de la Parole de Dieu ; E. Verdonc, Phénoménologie de la parole (com grande influência de Merleau-Ponty); a conclusão do próprio Léonard, La Parole Parol e de Dieu , mystère et événement , vérité et présence . Ponto de vista protestante: Das Prob Pr oble lem m der Sp Spra rach chee in Theol The ologi ogiee un und d Kirche, editado por W. Schneemelcher (Berlim, 1959), com artigos sobre a palavra no Antigo Testamento (W. Zimmerli) e no Novo (E. Puchs), na Igreja primitiva (W. Schneemelcher), na pastoral (D. Müller), na liturgia (H. R. Müller-Schwefe), bem be m como com o o aspe as pect ctoo filosó fil osófic ficoo (K. Lõ Lõwi with, th, n a lin li n ha de H u m b o ldt) ld t).. W. Pannen Pan nen- berg be rg (ed.), (ed .), Offenbarung ais Geschichte (Gotinga, 41970; trad. castelhana: La reve re ve lación como historia , Salamanca, 1977). Visão católica: H. Schlier, Rasgos fundamentales de una teologia de la pala bra b ra de Dios en el Nuevo Nuev o T esta es tam m ento en to,, Concilium 33 (1968):36 (1968):363-37 3-373. 3. L. Sche Sc heff ffcz czyk yk,, Von der Heilsmacht des Wortes (Munique, 1966). Esse livro tem início com um brev br evee tra tr a tad ta d o filosóf filo sófico ico sob so b re a lingua lin guagem gem,, 27-10 -107; depo de pois is e stu st u d a a funç fu nção ão d a pal p alav avra ra na h istó is tóri riaa da salv sa lvaç ação ão e n a Igre Ig reja ja;; a p alav al av ra insp in spir iraa d a da E s c ritu ri tu ra forma a terceira seção do capítulo sobre a palavra na Igreja. Podem-se consultar: J. Barr, Semantics of Biblical Language (Londres, 1969). L. Alonso Schõkel, El estúdio literário de la Biblia, Razó Ra zónn y Fe 157 (1958):465-476; id., La Biblia como obra literaria, CuBi 20 (1963): 131-14 -148; id., S obre ob re el est e stúú d io literário dei AT, Bib Bi b 53 (1972):544-556. Palabra y mensaje dei Antiguo Testamento (Barcelona, 1972); A. Church, The theology of the Word of God (Notre Dame, 1970); T. A. Thomas, The Doctrine of the Word of God (Nova Jersey, 1972); O. Semmelroth, La palabr (S an Sebastiá Seb astián, n, 19 1976). L. Scheffczyk, P alabr ala braa pal abraa eficaz efi caz (San de Dios in Sacramentum Munãi V (Her (H erdd er, er , B arce ar celo lona na,, 1974 1974), ), 147-159. P. Rico Ri coeu eur, r, Hacia una teologia de la palabra. Reflexión sobre el lenguage in Exégesis y ( M adri ad ri,, 1976), 1976), 237-25 -253. J. Guill Gu illet, et, Un Dieu qui parle (Paris, 1977). Herm He rmen enêu êuti tica ca (M A. M. Artola, De “Dios autor de los libros sagrados” a “la Escritura como obra literaria”, EstEcl 56 (19 (1981): 81):65 6511-66 669. 9. H. Haag, Haa g, La Pal P alab abra ra de Dios se hac h acee libr li broo
A Escr Es critu itura ra com co m o palav pa lavra ra
80 A ANALOGIA
Para situar corretamente as páginas seguintes, é necessário estabelecer uma clara distinção entre o caminho da communicatio idiomatum e o caminho da analogia. Em Cristo, pela encarnação, ocorre a “communicatio idiomatum”, ou seja, o intercâmbio de predicados: se tomo Cristo como sujeito da minha oração, posso poss o dizer diz er que Deus De us m orre or reuu por po r nós, que o Home Ho mem m é todo to do-po -pode dero roso. so. Mas não existe intercâmbio de predicados quando se fala das naturezas como tais, já que estas existem “sem mesclar mes clar-se -se nem conf co nfun undi dir-s r-se” e” . Se reflito sobre Cristo, o conceito total, devo empregar muitos dados hu manos para pa ra conhecê-lo c onhecê-lo e descrevê-lo. descrevê-lo. Mas, se quero conhec c onhecer er o que é Deus enquanto tal, o que é o Logos enquanto pessoa divina, não me servem as pre gações humanas hum anas de Cristo; é preciso que eu siga siga o caminho camin ho da analogia. Po Po derei dizer e saber algo de Deus partindo do homem, porque o homem é ima gem de Deus, não apenas porque Deus se fez homem; tratando-se de uma ana logia, devo estar consciente dos seus limites — que não ocorrem do mesmo modo no caso de Cristo, homem inteiro e total. Para Pa ra saber e dizer algo da Trindade, posso usar a analogia da filiação humana, que inclui limites: a filia ção trinitária é verdadeira filiação, mas não como a humana, não carnal, não por po r uniã un iãoo de sexos, não nã o por po r distinç dist inção ão tem te m pora po rall etc. E m cont co ntra rapa part rtid ida, a, a filiação filia ção humana hum ana de Cristo Cristo tem como limite limite a maternidade maternidad e virginal. virginal. Se tomo a concep ção mental da palavra, como meio analógico para pensar e entender algo da Trindade, também devo estabelecer uma série de limites a essa analogia, im postos po stos pela pe la infin inf initu itude de divina div ina,, pelo pe lo fato fat o de a “ Pala Pa lavr vra” a” trin tr inititár ária ia ser verda ve rdade deira ira pessoa pe ssoa etc. Contudo, no caminho da analogia, sendo Cristo verdadeiramente homem, verdadeiro filho de Maria, a sua natureza humana constitui um meio privile giado de conhecer a Deus, a Trindade, também pelo caminho da analogia. Passando à palavra inspirada, podemos levar em conta as considerações anteriores. anteriores. Também ocorre uma espéc espécie ie de de “communicatio idiom atum”, atum” , ou intercâmbio de predicados, quando consideramos o conceito bíblico, o oráculo, a narração narra ção,, o salmo. salm o. . . Posso dizer que escutamos a palavra palavr a de Deus, que possui pos sui a forç fo rçaa de Deus. Deu s. Se quero qu ero descr de screve everr esse concei con ceito to divin di vino-h o-hum uman ano, o, devo levar a sério as suas qualidades humanas, advindas do fato de ser ela verda deira linguagem humana, verdadeira literatura humana. Mas se desejo conhecer a formalidade divina desse conceito, o seu caráter divino enquanto tal, a “communicatio idiomatum” não tem utilidade para mim; devo seguir o caminho caminh o da analogia, com plena consciência dos seus limites. limites. Sa berei bere i de m aneir an eiraa parc pa rcial ial o que é form fo rmalm almen ente te a palav pa lavra ra divina divin a ad extra pela analogia do que é o falar humano; sendo analogia, tem limites, que devo reco nhecer para pa ra não cair em equívocos equívocos.. Contudo a linguag linguagem em inspirada, inspirada, a palavra bíblica bíb lica,, ocup oc upaa um lugar lu gar preem pre emine ineníe níe no proce pro cesso sso analóg ana lógico ico que qu e nos no s leva a en tender algo da palavra divina. Repito: se pretendemos saber e dizer algo da natureza divina da palavra inspirada, ou da palavra divina aos homens, não podemos usar o caminho da “communicatio idiomatum”, mas o da analogia — da língua humana no que tem de características comuns, de determinada língua humana em particular, da língua bíblica como caso caso especial. especial. Se queremos saber sab er e dizer algo da pala vra divino-humana, devemos seguir o caminho do intercâmbio de predicados
.4 encarnação
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aplicado ao conceito de linguagem; e devemos descrever a realidade humana assumida por Deus. A primeira parte, o divino da palavra inspirada, foi abordada por mim, de maneira concisa, no primeiro capítulo; usei a analogia da linguagem humana em geral, geral, remetendo ao denominador denominad or comum de de “manifestação” . Neste capí tulo, desejo refletir sobre o enigma dessa união entre o divino e o humano. Falarei depois do conceito que denomino “a palavra inspirada”, dando prefe rência aos seus aspectos de palavra e literatura humana. É importante importan te ter em conta ess essas as distinções distinções para evitar equívoco equívocos. s. Tudo o que a palavra inspirada tem de revelação e de graça advém-lhe do fato de ter sido assumida pela palavra divina; tudo isso está encarnado numa palavra realmente realmen te humana. huma na. Se me detenho em descrever a riqueza de sentido e de força da palavra humana é para mostrar com clareza o corpo verbal em que se encarnam a revelação e a graça divina. Por isso chamo este livro de “a palavra inspirada”, considerando a reali dade bíblica como realidade divino-humana. A ENCARNAÇÃO fal ou pelos profetas, e os Em nossa profissão de fé, afirmamos que Deus falou santos padres repetem sem cessar que, na Sagrada Escritura, Deus nos fala ou nos escreve. escreve. A Bíblia é designada pela expressão “palavra de Deus” Deu s”.. É pre ciso ciso repetir que que a inspiração é carisma de linguagem? linguagem? Não entenderemos melhor o que é esse carisma se entendermos entendermo s o que é a linguagem? A Sagrada S agrada Escritu Es critura ra é palavra de Deus: que é palavra? Na Sagrada Escritura Esc ritura Deus nos fala: que é falar? Não N ão enfatiz enf atizem emos os tant ta ntoo o genitivo genit ivo “ de Deus De us”” a pont po ntoo de nega ne garr a analog ana logia ia do substantivo “palavra” . Tampouco Tampo uco pensemos que Deus não pode contaminarcontaminar-se com a palavra humana, tão material e limitada, e que só pode escolher um elemento mínimo, menos indigno da sua transcendência. Afirmar a transcen dência e a analogia é important imp ortante, e, a minimização é inaceitável. Leiamos as pa lavras de Pio XII: XI I: “Assim como a Palav Pa lavra ra subsistente subs istente se assemelha aos ho ho mens em tudo, exceto no pecado, assim também as palavras de Deus, expressas em línguas humanas, se assemelham à linguagem humana em tudo, exceto no erro”. 1 A referência à encarnação é em extremo importante: Deus não escolheu alguns elementos mais dignos, mais espirituais, do homem para encarnar-se; pelo contrário, ele assumiu assumiu toda a natureza huma h umana na concreta. Não é válido válido dizer dizer que assumiu apenas a alma, encoberta por um corpo fantástico e aparencial (docetismo); não é válido objetar que o corpo material e mortal é indigno de Deus. Não glorificamos a Deus menosprezan meno sprezando do os seus seus planos de salvação. salvação. O mesmo ocorre com a linguagem; não é válido dizer que, dela, Deus assume apenas as idéias puras — que não são linguagem e que só existem no homem sem nenhum nenh umaa forma forma de linguagem. linguagem. Não é válido restringir restringir a inspiração inspiração às asserções asserções formais, purificadas purificada s da ganga de imagens, emoções etc. Essa res trição não corresponde ao modo de falar dos santos padres nem aos ensina mentos pontifícios, mal podendo dissimular certo ranço de docetismo ou monofisismo. nofisismo. Para Pa ra falar-nos, Deus assume a linguagem human hu mana, a, total e concreta: conc reta: 1.
E B 559. 559.
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A Escr Es crit itur uraa como co mo pala pa lavr vraa
“Deus fala por meio do homem, à maneira humana, porque, falando assim, nos nos busca”. busca” . 2 Essa admirável admirável síntes síntesee afirma afirma a condescend condescendênci ênciaa de Deus por amor. A descida de Deus à palavra hum h umana ana é uma espécie espécie de de kenosis ou esva ziamento, como como o da encarnação. E não consist consistee em Deus Deus adotar ado tar um estilo estilo medíocre — como equivocadamente equivocadamente disseram alguns padres — , mas no fato básico básic o de ele assum ass umir ir a linguag ling uagem em h u m a n a .3 Portanto, para compreender algo da inspiração, não comecemos por ex purg pu rgar, ar, espirit esp iritua ualiz lizar ar a linguag ling uagem em hum hu m ana, an a, como com o se tentás ten tássem semos os torn to rnáá-la la ange ang e lical; lical; não comecemos por po r aumentar aumen tar a distância distância e acumular negações. negações. Se que remos entender o significado do que Deus nos fala, comecemos com sincera hu mildade, considerando a nossa linguagem humana como é, e estendamos o estudo à realidade plural dessa linguagem humana, sem exclusões preconceituo sas. Só se exclui o erro, como só se se excluía exclu ía o pecado. pecado . NOVO NO VO E N FO Q U E Esse será o sentido das páginas seguintes. seguintes. Elas são tradicionais tradic ionais à medida medi da que pretendem conhecer positivamente por analogia; em mais de um ponto, pode po dem m reivi rei vind ndica icarr uma um a ascend asc endênc ência ia origeni orig eniana ana.. São novas nova s pelo pe lo enfoq en foque ue formal form al e reflexivo. D e inspir ins piratio atione ne Sacrae Sacra e Scriptur Scr ipturae ae Com efeito, o nosso tratado moderno De é herdeiro de um tratado tratad o medieval medieval sobre a profecia. Na versão clássica clássica de Tomás de Aquino, o carisma profético é um carisma de conhecimento: “de cognitione cognitione prophetica” proph etica” . Isso sign signifi ifica ca situar a Escritura E scritura num contexto de ca rismas: para conhecer, a profecia; para falar, a pregação; para agir, os milagres. Se o contexto amplia o horizonte do carisma, tornou-se perigoso limitar o tema à profecia como caso exemplar exe mplar ou “princeps “princep s analogatum analog atum”” . Foi Fo i essencial si tuá-lo no plano do conhecimento,4 e não no plano da linguagem, contra todos os testemunhos bíblicos. A insistência unilateral na profecia levou alguns a desterrar da inspiração toda a literatura sapiencial e outros livros não-proféticos; em outros autores, o caráter exemplar exemplar dos profetas condicionou o resto resto do tratado. A violenta violenta redução à “cognitio” canalizou as discussões para o juízo lógico sobre os enun ciados. ciados. Os profetas podiam obter novos conhecimentos por revelação imediata de Deus ou por meios humanos. No segundo caso, eles eles acrescenta ac rescentavam vam um juízo juíz o sobre so bre a verda ve rdade de do conhe co nhecid cido; o; e esse juízo juíz o realiza rea lizavava-se se “ilum “i lumina inado do pela pe la luz da verdade divina” ou “no espelho da verdade divina”. A Escritura E scritura trans formava-se num catálogo de juízos, afirmando-se a inerrância de cada um deles. Na N a pista pi sta do juízo, juíz o, perseg pe rseguiauia-se se a anális aná lisee ampli am plian ando do e distin dis tingu guind indo: o: juízo juíz o teórico e juízo prático prát ico etc. Davam-se Dava m-se passos ú teis te is.. . . sem sair da pista traçada. traça da. Outro desenvolvimento foi a distinção, de grande influência, entre idéias e palavras. Concebiam-se Concebiam -se as idéias idéias num estrato estra to superior, anteriores anteriore s e inde pend pe nden entes tes das palav pa lavras ras.. Num Nu m segundo seg undo mome mo mento nto,, essas idéias revest rev estiam iam-se -se de 2. “Deus per hominem more humano loquitur, quia sic loquendo nos, D e c iv it a te D ei, 17, 6; PL 41, 537; CC 48, 567). quaerit” (Agostinho, De 567 ). 3. R. Gogler, Zu Z u r T h e o lo g ie ã e s b ib lis li s c h e n W o r te s b e i O rig ri g e n e s (Düsseldorf, 1963), 1963), 2;-1 parte, pa rte, ca p. V I, “Ada “Ada ptaçã o e ke k e n o s is da Palavra”, 307ss. 4. Na retoma retoma da histórica de R. Latourelle, realm ente destaca-se Lugo Lugo nesse processo ( Théologie ãe la Révélation, pp. 195-197).
Novo Nov o enfoque enfo que
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palav pa lavras ras,, como com o capa ca pa acide aci denta ntall e prescind pres cindível ível.. Deus De us inspir ins pirava ava nos no s escritor escr itores es sagrados as idéias e o autor dispunha as palavras, ajudado por Deus para não errar. Dessa maneira, man eira, a linguagem é claramente claram ente excluída da inspiração, inspiraçã o, muito mu ito embora acolhida em termos da “assistência” do Espírito. Não N ão era er a possível poss ível progr pro gred edir ir substa sub stanc ncial ialme mente nte nem ne m pela pe la trilh tr ilhaa do juízo juíz o nem pela pe la dicoto dic otomi miaa idéia idé ias-p s-pala alavra vras. s. Tamp Ta mpou ouco co era er a possív pos sível el elab el abor orar ar uma um a dout do utrin rinaa da inspiração que desembocasse com coerência numa teoria hermenêutica satis fatória. Era Er a preciso voltar à linguagem ou confrontar-se confro ntar-se com ela seriamente. Deviam-se enfatizar e estudar os termos “falou” e “palavra”, pertencentes à profi pr ofiss ssão ão de fé “ falou fal ou pelos prof pr ofet etas as”” e à fórm fó rmul ulaa “pal “p alav avra ra de Deus De us”” . Por Po r que não se fez antes esse esse estudo? Em parte, pela inércia de uma tradição tradiçã o que se torna torn a rotina e, em parte, porque po rque os estudos modernos mod ernos sobre a linguagem não haviam amadurecido ou não tinham penetrado na teologia. A reflexão filos filosófic óficaa sobre a linguage linguagem m é relativamente moderna. Não des conhecemos o diálogo platônico Crátilo 5 ou os trabalhos gramaticais de estóicos e alexandrinos; também não devemos esquecer-nos de alguns momentos culminantes, como o movimento dos “modistas” em finais do século XIII ou a gramática universal de Port-Royal.6 A filosofia da linguagem tomou forma, na prática, com Humboldt, tendo assumido hoje importân im portância cia decisiva nas ciências ciências do espírito. Como os nossos tratados de inspiração pertencem ao movimento neo-escolástico, não é de es tranhar que não incorporem esse elemento da filosofia ou antropologia moder na; nas raras vezes em que abordam questões de linguagem, operam com pres supostos de realismo ingênuo ou desconhecem o sentido profundo da lingua gem. 7 Recentemente, um poderoso movimento de revisão, vinculado com a tra dição milenar da teologia católica, voltou a interessar-se pelo lugar e pela função da palavra pa lavra na economia econom ia de salvação. E ele nos convida a repensar repens ar a inspiração em seu caráter de linguagem. s A sensível lacuna da neo-escolástica e o reaparecimento teológico da pa lavra explicam a novidade e a conveniência desse novo enfoque, que não procura suplantar, mas completar, os anteriores. 5. K. Büch ner, P la to n s K r a t y l o s u n d d ie m o d e r n e S p r a c h p h ilo il o s o p h ie (Ber lim, 1936). iv u s T h o m a s 6. V. Warnach, Warnach, Erkenn en und Sprechen bei Thom as v. Aquin, Aquin, D ivu 15 (1937): (1937 ): 18 1899-21 218; 8; 26 2633-29 290; 0; 16 (1938): (1938 ): 16 161-1 1-196 96;; 39 393-4 3-419 19 ( o ú ltim lti m o artig ar tig o m o d ific if icaa o título, mas dá continuidade ao tema). A segunda parte, em especial, oferece dados históricos. Fr. Manthey, Die D ie S p ra c h p h ilo il o s o p h ie ã e s hl. hl . T h o m a s v. A q u in (Paderti k in M it te l a lt e r (Stuttgart, 1972). born, 1937). J. Pinborg, L o g ik u n d S e m a n tik t- R o y a l (Berna, 1967). R. Donzé, La g r a m m a ir e g é n é r a le e t r a is o n é d e P o r t-R 7. Indicação bibliográfica selecionada em me u artigo He rm eneu tics in the Light of Language and Literature, CB Q 25 25 (1963 (1963)) :371s :371ss. s. Pub licado co m acr ésc im os em L’Herméneutique à la lumière du language et de la literature, B ib le e t V ie Chrétienne 10 (1964):21-37. E resumido in B ib le T r a n s la to r 18 (1967):40-48. 8. Um testemunh o recente desse interesse interesse é a coleção de artigos publicada publicada na série “Readings in Theology of the Word" (Nova Iorque, 1964). Contribuições extraídas de livros e revistas: Theologisches Jahrbuch, La Vie Spirituelle, Gre go g o ria ri a n u m , L u m iè r e e t Vie; Vi e; autores: R. Latourelle, H. Rahner, L. Claussen, A. Léonard, A. Deissler, J. Giblet, L. Bopp, Y.-B. Trémel, J. Ratzinger, D. Grasso, E. Schillebeeckx, O. Semmelroth, L. M. Dewailly. Pode-se consultar, no Ele E le n c h u s B ib lio li o g r a p h ic u s B ib lic li c u s de P. Nober, a seção II, 5, i “Theologia verbi et analysis linguae”.
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A Escr Es critu itura ra como com o palavr pal avraa
Em sua obra citada, L. Scheffczyk expõe algumas razões que hoje exigem uma teologia da palavra; destaco entre elas: a volta à Escritura, o movimento litúrgico, o diálogo com a teologia protestante, correntes antropológicas moder Hac ia nas (pp. 11-26). 11-2 6). Veja-se Veja-se também o estudo, já citado, de P. Ricoeur, Hacia una teologia de la palabra. Sobre a evolução do conceito de inspiração até o Concilio Vaticano I, D e la revelaci reve lación ón a la inspira pode po de-se -se cons co nsul ulta tarr a obra ob ra já citad cit adaa de A. Arto Ar tola la,, De ción (Valencia, 1983), especialmente a introdução. A ESCRITURA COMO PALAVRA Podemos partir dos livros inspirados e chegamos ao mesmo resultado. No AT, AT , enco en contr ntram amos os pessoas, pesso as, ações, palav pa lavras ras,, de Deus Deu s e dos home ho mens: ns: verdadeiros personagens humanos e Deus como pessoa; verdadeiras ações hu manas e a ação de Deus como protagonista; verdadeiras palavras humanas e a palavra de Deus Deus ressoando ressoan do na história. Encontra Enc ontramo moss tudo isso em estado de linguagem: no rigor ontológico, os fatos não voltam a ocorrer nem as pessoas voltam a viver viver ou a pronunc pron unciar iar as suas palavras palav ras na situação situaç ão original. A sua condição contingente torna-as passadas, mas, em estado de linguagem, elas che gam até nós. Isso não pode ser aplicado a Deus, que transcende transc ende o tempo. “Estas coisas lhes aconteceram para que aprendessem e foram escritas para que nos corrijamos” (ICor 10,11). O mesmo ocorre com o Novo Testamento: temos muitos personagens hu manos e a pessoa de Cristo; as ações ações e palavras dos homens e de de Cristo. Aque Aqu e les seres mortais que viveram sobre a terra uma única vez chegam a nós em estado de linguagem: na narração dos fatos, na relação das palavras, na apre sentação das pessoas. Isso tampouc tam poucoo pode ser aplicado, de modo simples, simples, a Cristo, que, como Senhor glorificado, transcende o tempo. Confessamos que essa linguagem que conserva para nós pessoas, fatos e palav pal avras ras é pala pa lavr vraa de Deus. Tertu Te rtulia liano no diz: “Par “P araa que pudésse pud éssemo moss chegar che gar com maior plenitude e intensidade ao próprio Deus, às suas disposições e von tade, acrescentou o instrumento da literatura: para quem deseje buscar a Deus e, buscando-o, encontrá-lo, e, encontrando-o, crer nele, e, crendo, servi-lo. . . A pregação [dos profetas] e os milagres que faziam para provar a divindade per manecem nos tesouros literários, que já não estão ocultos”. 9 O texto literário conserva para nós as palavras e ações dos antigos; essa realidade literária é um instrumento de que dispomos para chegar a Deus, cons tituindo uma realidade patente para cada geração.10 Em conseqüência, se queremos compreender a natureza e a função desse instrumento que nos aproxima de Deus, parece razoável que estudemos a natu reza dessa dessa realidade realidad e da linguagem. Palavra Pala vra inspirada, autores inspirados, livros inspirados: eis os temas da investigação seguinte. 9. “Quo “Quo plenius et imp ressius tam ipsum, disp ositione s eius et voluntates adiremus, instrumenta adíecit litteraturae, si quis velit de Deo inquirere, et inquisitum invenire, invenire, et inven inven to credere, et credito deservire. Voces eorum item que virtutes, qvae ad fidem divinitatis edebant, in thesauris litterarum manent, nec istae nunc latent” (Apologeticum , 18, 19; PL 1, 377: CSEL 69, 46). 10. Alguns Alguns escritor es ecle siástico s cham am a Escritura simp lesm ente de instrumentum, talvez derivando o sentido do uso legal e jurídico; cf. Forcellini, Onomasticon totius latinitatis, s.v. instrumentum.
Quatro sentidos do termo “linguagem”
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QUATRO SENTIDOS DO TERMO “LINGUAGEM” Durante a gestação e elaboração destas páginas (1959-1964), os estudos de teoria da linguagem haviam dado passos importantes, mas ainda não havia ocorrido, ou apenas despontava, a explosão de estudo de lingüística geral, na linha linha saussuriana ou sob form as novas. Mantenho aqui a bibliografia bibliografia das edições anteriores e, à guisa de orientação, acrescento algumas referências: a) Sobre filoso filoso fia da linguagem: linguagem: O. Jespersen, The Philosophy of Grammar L a n g u a g e a n ã R e a l it y (Londres, 1939; tradução (Londres, 1924). W. M. Urban, La espanhola Fondo de Cultura Cultura Econ ôm ica, M éxico). N a linha linha de Hu mboldt: L. D a s G e s e tz d e r S p r a c h e (Heidelberg, 1951, com bibliografia sele Weisgerber, Da cionada). Exposição competente e acessível: W. Porzig, Das Wunder der Sprache (Berna, 1950). P sy c h o lo g ie d e r S p ra c h e (Stuttgart, 1954ss.), cinco b) Psicologia: Fr. Kainz, Psy vols. Veja-se especialmente l , A, 5: “Diversos aspectos da linguagem”. e) Nov as tendências. Tod os reconhecem com o pai F. de Saussure, cujos apontamentos são publicados em 1916 sob o título Cours de linguistique générale L a n g u a g e: A n J n tr o ã u c ti o n to th e (versão espanhola, Madri, 1982). Ed. Sapir, La Study of Speech (Nova Iorque, 1921). L. Hjelmslev, P r ín c ip e s d e g r a m m a ir e gén g én é r a le (C openha gue, 1928) L a n gu a ge, ge , T h o u g h t a n d R e a li t y (Lon 1928).. B. L. L. Whorf, La dres, 1956). L es n o u v e lle ll e s te n d a n c e s d e la li n g u is ti q u e d) Orientação geral: geral: B. Malmb erg, Les li n g ü ís tic ti c a g en er a l (Ma (Paris, 1968). A. Martinet, E le m e n t o s d e lin ( Madri, dri, 1980). 1980). G. Mouli n g ü ísti ís ticc a . D e sd e lo s o ríg rí g e n e s al sig si g lo X X (Madri, 31982). nin, H i s t o r i a d e la lin
1. Em primeiro prim eiro lugar, linguagem signifi significa ca a capacidade humana radical de expressar-se: com o seu duplo movimento de nomear e compor, de articular e diferenciar. A capacidade hum ana de comunicação comun icação social social,, interpessoal. A ca pacid pa cidad adee hum hu m ana an a de hum hu m aniz an izar ar o m undo un do,, de criar cri ar um novo no vo mund mu ndo, o, à imagem imag em do homem, revelador do homem. homem. Falei desse desse tema no primeiro capítulo, quando inseri a inspiração no contexto do Logos. Dele se se ocupa a filosofia filosofia da lin guagem. 2 . O segundo sentido são as línguas particulares. A capacida capacidade de humana de expressar-se realiza-se em muitas línguas diferentes. diferentes. Língua Líng ua só existe existe no plural plu ral.. N ão que qu e essa situa sit uação ção seja prim pr imog ogên ênita; ita; trat tr ataa-se se de um fato fat o do qual qu al pa p a rtim rt im o s .11 .11 A pluralidade das línguas afirma duas coisas: primeiro, o simples fato da variedade em que se realiza uma capacidade idêntica; segundo, cada língua é uma realidade social. O primeiro é uma um a coisa coisa óbvia, que deveria gerar estranheza. Muitos — entre outros, o capítulo 11 do Gênesis — indagaram a origem da multiplicidade. Cada uma das línguas subsiste como realidade social, é compartilhada por uma comunidade comun idade que denominamos denominamo s “lingüística”. À medida med ida que é essa reali dade, a língua é produto de uma sociedade em sua vida histórica: gerações de homens, em intercâmbio espiritual, contribuíram para a formação dessa riqueza social; de maneira peculiar, os literatos, autores de manifestações orais ou es critas. Essa realidade realida de social, constituída, é anterior anter ior ao indivíduo, sendo-lhe send o-lhe ofe recida como uma um a necessidade, necessidade, uma riqueza, uma condição. Por Po r ela, o indiví 11.
Hu mboldt partia dele para a sua análise filosófica da linguagem: linguagem: ü b e r
die d ie V e r s c h ie ã e n h e it d e s m e n sc h lic li c h e n S p r a c h b a u e s u n ã ih r e n E in f lu s s a u j ã ie g e is ti g e E n tw ic k lu n g d e s M e n sc h e n g e s ch le c h ts , 1830-35.
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duo se inicia na vida interpessoal, na vida social da comunidade, e assim de senvolve a sua personalidade. F. de Saussure Saussure estabelecia estabelecia uma distinção distinção entre “langue” e “parole” “paro le”.. Langu Lan guee é uma realidade social usada numa época definida — sincronicamente — por uma comunidade. A característica caracterís tica dessa realidade realid ade disponível é o fato de ser “estrutura”. Parole é o uso individual da linguagem. Como realidade social, a língua não consiste apenas na gramática com plet pl etaa — com exceções exceçõ es — e no voca vo cabu bulár lário io exaustivo. exaus tivo. Outro Ou tross element elem entos, os, como idiotismos, modismos, fórmulas literárias, expressões culturais etc., são de fato incorporad incor porados os à língua enquanto enqu anto realidade social. social. Sendo formas form as já feitas, eles eles transformam-se em possibilidades: pelo caráter dinâmico da linguagem e pela liberdade de quem a maneja.12 Como realidade social, que o indivíduo aprende e incorpora, a língua tem certa influência na formação intelectual de cada um, muito embora a verdadeira formação intelectual lhe seja dada não tanto pela língua enquanto tal, mas pelas pel as obras obr as que existem e são assimila assi miladas das nessa ness a língua. líng ua. Contu Co ntudo do,, o sistema sist ema de uma língua pode condicionar em parte o modo de pensar, de distinguir, de articular, sobretudo no indivíduo médio, que assimila e não cria em sua língua. O indivíduo médio costuma aceitar os sentidos das palavras, com as suas car gas de conotação, com a sua precisão ou ambigüidade, com a sua lucidez ou sugestão; junto com isso, ele aceita sistemas de categorias e articulações como instrumental para dar forma aos seus pensamentos, aceita um sistema de rela ções lógicas lógicas oferecidas pela sintaxe. Nesse sentido, a língua colabora colab ora na n a edu cação da sensibilidade e mentalidade do indivíduo com o fator decisivo: as asserções, as teorias, as doutrinas. Apliquemos Apliqu emos essas essas noções à palavra pala vra inspirada. inspirada . A palavra de Deus, ao en en carnar-se em palavra humana, deve necessariamente assumir uma língua con creta, porque só em línguas concretas se realiza a radical capacidade humana da linguagem. A língua língua concreta é o ponto de inserção da transcendên transce ndência cia no tempo, da mensagem divina divina na linguagem linguagem humana. hum ana. E depende depend e de uma eleição positiva pos itiva de Deus. Deu s. H istor ist orica icam m ente, ent e, sabemo sab emoss que as línguas líng uas escolhi esco lhidas das são o hebraico, o grego e, em pequena escala, o aramaico. No caso do hebrai heb raico co,, a revela rev elação ção divina, divin a, sucessiv suce ssivame amente nte form fo rmul ulad adaa por po r muitos autores inspirados, exerce enorme influência na conformação da língua: tal como a terra da Palestina, o hebraico fica assinalado com as marcas de Deus. No começo, trata-se de uma língua já existente: existente: uma variedade do cacananeu. naneu . Essa língua vai se se desenvolvendo historicame histo ricamente nte sob a influência da preg pr egaç ação ão profét pro fética ica,, da reza rez a dos salmos, salm os, das narr na rraç açõe õess religiosas religi osas.. Tu Tudo do isso enriquece, afina, depura, atualiza e amplia as possibilidades dessa língua, sem quebrar quebra r a sua sua estrutura. estrutura. Deve-se Deve-se observar que o hebraico que conhecemos conhecemos é o hebraico bíblico; não possuímos amostras de linguagem comum ou rigorosa mente profana. Por Po r isso isso,, a nossa opinião é um tanto parcial: quase todo o he braico bra ico que qu e conhec con hecem emos os eleva-se eleva -se ao nível da revelaç reve lação. ão. 12. 12. Sob re a liberdade exercida no uso da linguagem , veja-se: veja-se: Ph. Lersch, Sprache ais Freiheit und Verhãngnis (Munique, 1947). E, num horizonte mais filosófico: H. G. Gadamer, Wahrheit und Methode (Tubinga, 1960), sobretudo pp. 419-420; trad. espanhola, Verãaã y método (Salamanca, 1977). É o segundo caráter que H. Urs von Balthasar descobre na linguagem, Dieu a parlé un lanle d D ie t li tu i (Paris, 1958), 87ss. gage d’homme in P
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No N o que qu e diz respe re speito ito ao grego, greg o, a situaç situ ação ão é difer dif eren ente te:: uma um a linguag ling uagem em já existente, com uma admirável tradição literária e filosófica, oferece-se aos auto res inspirados. A assunção do Espírito Espír ito especializa essa linguagem no setor re ligios ligioso, o, induz movimentos semânticos, transforma transfo rma palavras pala vras em termos. Além disso, ocorre a influência do hebraico, à medida que, pela tradução, este incide na língua grega. grega. Compare-se Comp are-se o grego do do livro da Sabedoria Sabedo ria com algumas tra tr a duções dos LXX. A multiplicidade das línguas impõe à expansão da palavra de Deus a ne cessidade cessidade da tradução, tradução , com todos os os seus seus problemas teóricos e práticos. Desse assunto específico tratarei mais adiante (cap. 11). O povo de Deus, quando funcionacomo funciona como tal, e o povo de Deus presente, presente , que é a Igreja, em sua vida cristã, também possuem uma língua como realidade soci social. al. Essa língua língua foi prep arada arad a sob a ação aç ão do Espírito e está disponível disponível como como sistema ordenado para o desenvolvimento religioso do indivíduo e da comuni dade. A criança hebraica, a criança criança cristã são introduzidas na vida religi religiosa osa também pela língua particular do povo de Deus, que é língua inspirada; ao aprender essa língua, passam a ter acesso aos seus tesouros literários e, re ciprocamente, ao conhecer esses tesouros, vão dominando a língua em ques tão. Não é indiferente a língua religiosa religiosa que o cristão aprenderá apre nderá e usará em suas relações com Deus: a língua dos livros que escuta, a língua em que reza. A língua religiosa é um fator a mais no desenvolvimento da sua sensibilidade e da sua mentalidade religiosas. Muitas deformações religiosas penetram no indivíduo em virtude de defor mações da língua religiosa que aprende: por exemplo, sentimentalismo, ambi güidade, perda do sentido sentido do mistério mistério etc etc.. Daí Da í decorre a importância importân cia de uma boa form fo rmaç ação ão na língua líng ua religiosa, relig iosa, coisa cois a que se conseg con seguir uirá, á, basicam bas icament ente, e, através atra vés de uma volta à língua bíblica, sendo send o a liturgia o instrumento instrume nto mais efica eficaz. z. “De “De volver volver ao ao povo de Deus a palavra palav ra de Deus” é um lema sério. Naturalmente, Naturalm ente, pelo pe lo cami ca minh nhoo da trad tr aduç ução ão,, como com o verem ver emos os adian ad iante: te: Cristo Cris to enca en carn rnou ou-se -se numa nu ma raça e num povo, mas o seu domínio rompe os limites no que estes têm de obstáculos e abre-se a todos os povos e raças; a palavra de Deus encama-se numa língua nacional e, ao encarnar-se, rompe as limitações dessa língua e, pela pe la trad tr aduç ução ão,, inun in unda da todas tod as as restan res tantes. tes. As diversas línguas, em seu aspecto social, podem ser objeto da sociologia. Em seu aspecto de língua, são objeto da lingüística — estrutural, comparada, histórica — , dotada dos ramos da fonética, fonética, da sintaxe, sintaxe, da semântica etc. etc. Isso explica por que a irrupção da palavra divina na história mobilizou todas as ar mas da ciência ciência da lingua linguagem. gem. 13 E não é legítimo legítimo protestar protes tar contra esse essess estu dos áridos e positivos positivos acerca da Bíbli Bíblia. a. Em bora bo ra não sejam o principal nem o último estudo, são exigidos pela natureza da inspiração, que assume uma língua humana.14 3. Um terceiro sentido sentido do termo “linguagem” “linguagem” é o uso individual que uma pessoa faz da realidade realidad e social anterior. anterior . Como sistema de formas forma s signi signifi fi cativas e de possibilidades expressivas, a linguagem atualiza-se no uso individual. A ação de falar é um processo complexo, analisado e descrito pela psicologia da linguagem linguagem.. O mesmo mesmo acontece com a ação de entender o falado, bem como 13. Fr. Ka inz, P sy c h o lo g ie d e r S p ra ch e, volume primeiro. I, A 6. E o livro de W. Porzig, D a s W u n ã e r d e r S p r a c h e. li c u m , 561; cf. infra, “Sociologia de la inspiración”. 14. E n c h ir iã io n B ib lic
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com a alternância de ambas as ações no diálogo, que é a forma normal de atualizar a linguagem. Como meio de comunicação, a linguagem tem várias funções fundamentais e outras secundárias. A linguagem falada pode ser registrada num sistema de de sinais gráficos inteligíveis: escrever, ler. Essas Essa s atividades também tam bém são sã o objeto da psicologia da linguagem. O uso individual pode acusar características pessoais, constantes, de uso ou de preferência, que podem chegar a constituir um estilo. estilo. Isso é objeto da estilística estilística descritiva. descritiva. Mas a estilíst estilística ica pode analisar an alisar e classificar classificar também todo o sistema de procedimentos de estilo realizados por obras e indivíduos con cretos. 15 No uso de sua língua, líng ua, o indivíd indi víduo uo pode po de ocup oc upar ar vários vári os lugare lug ares: s: o tipo tip o co mum é condicionado pela linguagem ordinária e submete-se a ela; um segundo tipo domina a língua e a utiliza com acerto e empenho; o tipo extremo é cria dor no domínio da sua língua. 16 Abordarem Abo rdaremos os vários desses desses temas nos capítulos seguintes seguintes.. Por Po r ora, obser vemos que a inspiração move um processo de atualização individual da lingua gem: será possível estudar um processo típico, a fim de especular onde atua a moção do Espírito, e será conveniente ter em conta variedades individuais que diferenciam essa moção. A hermenêutica, por seu turno, não pode contentar-se com o sistema gra matical; ela precisa da análise estilística para interpretar os autores inspirados. 4. Num quarto qua rto sentido, o termo “linguagem” pode pod e designar as obras con cretas nas quais se realiza o uso individual de uma língua: textos literários em sentido estrito e todo tipo de textos de linguagem. Estes são sistemas sistemas concretos e significativos de palavras, fixados numa tradição oral, e, muitas vezes, por meio da escrita. Essas realidades de linguagem que constituem “textos” e obras literárias são objeto da filologia, como ciência ou arte de determinar o sentido exato de um texto. texto. Como boa parte da cultura cultura humana huma na subsiste em obras acumuladas de linguagem — além da dimensão presente e ativa dessa cultura —, foi dito com acerto que a filologia está para as ciências do espírito como a matemática par p araa as ciências ciênc ias da n a tu r e z a .17 .17 A ciência da literatura também se ocupa das obras literárias, seu objeto de estudo próprio, muito embora alguns tenham desejado erigir como objeto dessa ciência as pessoas e a vida privad pr ivadaa dos autores. a utores. 18 15. 15. É po ssível ter um a idéia de tendências, ramo s e m étodo s da estilística a partir do grande repertório bibliográfico de H. Hatzfeld, B ib li o g r a f ia c r ít ic a de d e la N u e v a E s t i l í s ti c a (Madri, 1955). E de vários capítulos da obra informa A llgg e m e in e L i te r a tu r w is s e n s c h a f t (Zurique, 1951). Aplicada ao tiva de M. Wehrli, All Antigo Testamento, vejam-se meus E s t ú d i o s d e p o é t i c a h e b r e a (Barcelona, 1963), com ampla bibliografia; veja-se igualmente, A. M. Artola, De “Dios autor de los libros sagrados” a “la Escritura como obra literaria”, E s tE c l 56 (1981) (19 81) :651-669. :651-669. D as G e s e tz d e r S p r a c h e 16. Tratado exp ress am ente por J. J. L. W eisgerber, Das (Heidelberg, 1951), 137-147. 17 17.. E . R. Curtiu s, L it e r a tu r a e u r o p e a y E ã a d M e d ia la ti n a (México, T984),12. 18. Ex posição fundam ental em R. Wellek/A. Warren, Warren, Theory of Literature, reeditada várias vezes e traduzida para as principais línguas, entre elas o espanhol (Editorial Gredos), com o título Teoria literaria, prólogo de D. Alonso (Madri, 51985). 1985). Cf. Cf. a rec en te tr adu ção d o livro d e W. W elte, Lin L in g ü ís ti c a m o d e r n a . Terminologia y bibliografia (Madri, 1985).
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“Bíblia”, substa substantiv ntivoo plural ( = livros), revela a sua natureza de col coleção eção de obras de linguagem, linguagem , sistemas verbais fixados por po r escrito. escrito. As distinções ante ante riores terão importância para a inspiração quando formularmos a questão autor-obra, Para Pa ra a hermenêutica, hermen êutica, é indispensável indispensável o instrumento exato da filolo gia, assim como o menos exato, mas muitas vezes mais adequado, da ciência literária. É possível também descrever a obra literária pelo método fenomenológico, a fim de explicar o que esses sistemas de linguagem significam no seio de uma sociedade; em termos concretos, no seio da Igreja. Por fim, as obras de linguagem instauram de modo mais agudo o problema da tradução como meio normal de expansão e de acesso; pois a aprendizagem da língua original é para o povo de Deus extraordinário meio de acesso. TEOLOGIA Chegamos assim à nossa teoria: a inspiração é um carisma do Espírito, que move o autor humano no processo de transformação da experiência humana em palav pal avra. ra. O auto au torr inspi ins pira rado do parti pa rtilh lhaa com o seu povo pov o uma um a experiê exp eriência ncia religio relig io sa ou tem uma experiência pessoal; por seu talento pessoal e sua missão es pecífica, pecíf ica, ele deve trans tra nsfo form rm ar as experiênc expe riências ias hum hu m anas ana s em palav pal avra, ra, a fim de que sejam sejam comunicáveis e permaneçam. permane çam. Para Par a isso, isso, usa individual, individual, pessoalmente, a realidade realidad e social da linguagem linguagem compartilhada comp artilhada — hebraico, heb raico, grego, grego, aramaico aram aico — , realizando uma obra de linguagem. A ação do Espírito insere-se insere-se nessa nessa ativi ativi dade, de tal maneira que o resultado seja obra de linguagem do escritor ou autor e fique consagrado como palavra de Deus. Encaixa-se aqui a definição e descrição oferecida por D. Neóphytos Edelby, em nome da tradição oriental, oriental, no Concil Concilio io Vaticano II: “Queríamos propor o testemunho testemunho das Igrejas Igrejas do do O rien te. . . Os nossos nossos irmãos ortodoxos ortodoxos reconhecerão nesse testemunho a nossa fé comum mais pura. Primeiro princípio: não se pode separar a missão do Espírito da missão da Palavra feita carne. . . Segundo princípio: a Escritura Es critura é uma realidade realida de litúrgica e profética. profétic a. . . As Igrejas orientais vêem nela a consagração da história da salvação sob espé cies de palavra humana, inseparável da consagração eucarística, que recapitula toda a história no corpo de Cristo. . . Terceiro princípio: a tradição é a epiclese da história da salvação, a teofania do Espírito Santo, sem a qual a história é incompreensível e a Escritura é letra morta. morta. . . ”
A experiência ainda não é palavra; as idéias não são palavra — supondo-se que preexistam desencarnadas desenca rnadas de toda palavra. Quando Qua ndo a história, a expe riência humana, renasce transformada em palavra, nasce consagrada pela ação do Espírito. É palavra sagrada, que será Sagrada Escritura. Escritu ra. Recorram Rec orramos os à analogia da encarnação. encarna ção. “O anjo anjo responde respo ndeu: u: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra; por isso isso o que vai nascer será chamado cham ado de o Consagrado C onsagrado Filho F ilho de Deus’ Deus ’ ” (Lc 1,35). 1,3 5). Na encarnação, encarna ção, a criatura hum h umana ana que surge surge no seio de Maria é, desde o primeiro prime iro momento, mom ento, sagrada, é Filho de Deus. Analogicamente, a criatura verbal — à imagem do homem — que se configura pela ação do autor está
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consagrada, é Palavra de Deus. Assim como como a criatura criatu ra que nasce de Maria Ma ria está destinada a crescer e a permanecer, também a palavra inspirada se crista liza em obra literária liter ária com vistas a crescer e durar. dura r. Adiante Ad iante teremos ocasião de observar e comentar com entar alguns limites limites daanalogia daanalogia prop pr opos osta ta.. A consagração ardente dos lábios de Isaías, o colocar as palavrasna palavrasna boca de Jeremias, Jerem ias, o rolo escrito que Ezequiel Ezequ iel devora dev ora e assimila, assimila, o fogo infindável nos ossos de Jeremias, a mão que submete, o vento que arrebata são imagens da ação do Espírito ordenada na palavra. CONCLUSÃO Esses quatro sentidos da palavra “linguagem” são progressivos: a capaci dade radical humana de falar, linguagem, realiza-se em muitas línguas diversas, fa la ; o como realidades sociais; cada língua atualiza-se no uso individual ou fala individual consolida-se às vezes na realização de um sistema fixo, que é a obra literária. Os quatro sentidos traçam-nos um amplo programa destinado a estudar e pala vra inspirada. Se muitos aspectos particulares foram elucidar o que é a palavra considerados e explicados por autores que nos precederam, o estudo sistemático perm pe rman anec ecee por po r fazer; faz er; e as página pág inass seguintes segu intes só pode po dem m aspi as pira rarr a ser um a pri pr i meira tentativa.
TRÊS FUNÇÕES DA LINGUAGEM
EXPOSIÇÃO Além da obra de Bühler, pode-se consultar R. Cenal, La L a te o r ia d e i le n g u a je de d e C a rlo rl o s B ü h le r (Madri, 1941), com quadro histórico, crítica e bibliografia abun dante. Fr. Kainz aceita substancialmente a posição de Bühler, ampliando-a, ao passo que Sõhngen parece ignorá-la. Segundo esta obra já clássica de Karl Bühler, Teoria ãel lenguaje, trad. esp an ho la d e J. M aría s (M adri, 1950, 1950, 619 1967 67;; ed. orig . alemã: Sprachtheorie, Iena, o r g a n o n , descrito 1934), a linguagem pode ser considerada um instrumento, or segundo as suas funções essenciais: informação, expressão, chamada. Essa obra básica é muito acessível em virtude da sua publicação pela Alianza Editorial, Madri, 1985. Acrescentarei outros livros recentes importantes: E. Cassirer, Ph iloilo so s o p h ie d e r s y m b o lis li s c h e n F o rm en , 2 vols., tradução para o espanhol sob o título M ito it o y len le n g u a je (México, 1959); K. Vossler, F ilo il o s o fia fi a ã e l len le n g u a je (Madri, 1943). Sobre todos os problemas da linguagem, cf. J. Ferrater Mora, Lenguaje in D icc ic c io n a rio ri o d e F ilo il o so fia fi a , 4 vols. (Madri, 1979), 1937-1944, com ampla bibliografia. Sobre a linguagem religiosa: I. T. Ramsey, R e lig li g io u s L an g u ag e: An E m p ir ic a l Pla P la c in g o f T h e o lo g ic a l P h r a se s (Nova Iorque, 1957); cf. F. K. Mayr, Lenguaje, SM , IV (Herder, Barcelona, 1973), 214-231, com bibliografia; D. Antiseri, E l p r o b le m a ã e l len le n g u a je r e lig li g io s o . D io s en la f ilo il o s o f ia r e lig li g io s a (Madri, 1976).
Informamos sobre fatos, coisas, eventos, com certa preferência pela ter ceira pessoa, pelo modo indicativo; trata-se de uma função objetiva, que se di rige ao mundo, característica da historiografia, da didática. Expressamos a nossa interioridade, as nossas emoções e sentimentos, a nossa participação em coisas e eventos, com certa preferência pela primeira pessoa pes soa;; trata tra ta-s -see de uma um a funçã fu nçãoo subjetiv sub jetiva, a, que se dirige ao indiv in divídu íduo; o; cara ca ract cte e rística das memórias e confissões, da lírica. Apelamos ao interlocutor, provocando a sua resposta em ação, influindo nele, impressionando-o, com certa preferência pela segunda pessoa, pelo modo imperativo; trata-se de uma função intersubjetiva, que se dirige à sociedade; ca racterística da oratória. Esse esquema, tão claro e inteligível, é a rigor uma distinção de laborató rio; não porque não existam as três diferentes funções na realidade, mas porque o seu funcionamento é gestáltico ou estrutural, e porque a informação — en quanto representação representaçã o — domina e polariza as outras. É muito difícil difícil encontrar formas puras de cada função na realidade da linguagem: uma informação clí nica, uma interjeição interjeiçã o expressiva, expressiva, um imperativo elementar. elem entar. Na realidade, realidad e, as
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três funções operam entrelaçadas, mutuamente condicionadas: o que podemos fazer diante de uma unidade de linguagem é distinguir o seu caráter de sí s í m b o l o (informação, representação), de sin s in t o m a (expressão da interioridade), de si n a l (chamado ao outro). A informação é minha porque eu falo e é sua porque você escuta: já está em jogo o elemento subjetivo, intersubjetivo. N a informaçã inform ação, o, ou no modo de informar, eu me expresso expresso e o impressiono. impressiono. E o impressiono impressiono justamente por que me expresso, e também pelos conteúdos e pelo tom com que informo. E, como a minha informação expressiva provoca uma reação em você, você me responde, iniciando uma alternância no processo que passa a elevar a po tência e a tensão da linguage linguagem. m. É o diálogo. diálogo. Nele funciona funciona a informação mú tua, a mútua expressão, a mútua influência: num ato de comunicação inter pesso pe ssoal al plena ple na.. E m bora bo ra polar po larize ize e domine dom ine,, a repr re pres esen enta taçã çãoo da infor in form m ação aç ão por po r si só não bastaria para a plenitude de comunicação. O funcionamento gestáltico gestáltico 1 das três funções funções da linguagem linguagem garante a com plexi ple xida dade de e rique riq ueza za desta, des ta, pode po dend ndoo restit res tituir uir-lh -lhee a sua eleme ele ment ntari arida dade. de. Antes An tes de complicar as coisas, voltemos ao tema central. Roman Jakobson, oriundo da gramática estrutural e do formalismo russo, dotado de formidável rigor para a análise lingüística e de sensibilidade para a análise estilística, propõe o seguinte diagrama: locutor
contexto (tema) dito contato (relação) linguagem
destinatário
O comentário poderia ser o seguinte: alguém fala a outro sobre algo numa lín gua e, assim, assim, se relaciona. Se se concentra conce ntra no locutor locu tor (ou (o u remetente, rem etente, ou es critor), a linguagem exerce a função expressiva ; se se concentra no destinatá rio, exerce a função impressiva (conative , no inglês de Jakobson); se se con centra no tema (que Jakobson denomina c o n t e x t ) , exerce a função informativa (referendai , ut or). ). Essas três funções coincidem com as de Bühler; Bühl er; , segundo o a utor mas Jakobson Jako bson acrescenta três outras. O ato de falar fala r pretende prete nde às vezes vezes estabe lecer, manter ou interromper o contato pessoal, sem informar, expressar ou indu zir a nada; são as chamadas iniciais de atenção, a palavra final, as perguntas para pa ra assegu ass egurarrar-se se de que o diálogo diál ogo proc pr oced ede; e; são sobr so bret etud udoo as frases fras es tópicas tópi cas,, gerais ou triviais, nas quais falamos sem nada dizer, para unir-nos ou sentir-nos unidos. Malinowski observou essa função funçã o e deu-lhe o nome nom e de fá f á tic ti c a (Jakob son denomina-a de contat con tato). o). Se o falar se se volta para o meio de comunicação, isto é, sobre a linguagem, esclarecendo o sentido das palavras, perguntando li n g u a l ou metalingüística acerca de uma construção etc., temos a função m e ta lin (embora este segundo adjetivo costume ser aplicado a um ramo da análise que não entra na lingüís lingüístic tica, a, como física física e metafísica). meta física). Por Po r último, último, a função p o é t ic a fixa-se no dito enquanto tal, que adquire uma realidade e um valor de objeto, e não apenas de meio. Ora, se a subdivisão traz à luz determinados aspectos, a simplificação con serva o seu valor. A função funçã o metalingual é mera me ra função informativa inform ativa sobre certo 1. Isto é, com o unidade orgânica, que não se reduz adequa dam ente à soma das partes, ou a uma associação de simultaneidade, segundo os princípios da chamada lei gestáltica.
A linguagem lingu agem inspir ins pirad adaa
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tema peculiar, peculiar, fato pressuposto pelo próprio Jakobson Jako bson quando qu ando diz: diz: “Todas essas essas propos pro posiçõe içõess equa eq uacio ciona nais is contêm con têm infor in forma maçã çãoo unica un icame mente nte sobre sob re o código códig o lexical lexic al inglês”; inglês” ; facilitar informação inform ação é exercer exercer a função informativa. in formativa. A função funç ão fática fática é síntese ou mescla de expressão e chamado, desprovida apenas de conteúdo informativo, em movimento dialógico, sendo ao mesmo tempo resultado e invó lucro de toda a conversação. conversação. A função função poética seria seria um modo peculiar de abordar o meio de comunicação. Em nossa reflexão sobre a linguagem inspirada, o conceito de função fática serviria para acentuar a idéia e experiência de comunicação, de contato “ime diato” , que Deus deseja deseja realizar falando. O tema já apareceu no primeiro ca pítulo pít ulo,, quan qu ando do falei fal ei da revela rev elaçã çãoo pessoa pes soall pela pe la pala pa lavr vra, a, surgi su rgirá rá no próx pr óxim imoo sobre sob re a conversação e reaparec reap arecerá erá na última página deste livro. Mas, em sua forma típica, textos sem conteúdo, ou com conteúdo convencional, não são encontrados na Escritura, embora possam existir textos dessa espécie na oração privada. A LINGUAGEM INSPIRADA Qual das três funções é assumida p or Deus? Aqueles Aque les que estabelecem estabelecem uma distinção entre idéias e palavras inclinam-se a dizer que Deus só assume a função informativa da linguagem humana. Numa Nu ma conc co ncep epçã çãoo pura pu ram m ente en te objeti ob jetiva va da revela rev elação ção,, recair rec airíam íamos os na mesma distinção: Deus quer propor-nos prop or-nos verdades reveladas. Na asserção asserção de verdade, as funções expressivas e impressivas são acessórias e separáveis; seriam contri buição bui ção exclusiva exclu siva do auto au torr h u m a n o .2 Numa Nu ma concep con cepção ção puram pu ramen ente te objeti ob jetiva va da fé — isto é, uma um a fé que tem como objeto exclusivo “verdades reveladas” — também devemos prescindir das funções expressiva e impressiva, restando-nos a informação simples, que é o objeto da nossa fé. A não ser que o expressivo expressivo ou o impressivo sejam sejam elevados à forma de proposição, sacrificando o caráter imediato da função original. Ora, a fé inclui com certeza um elemento intelectual, um conteúdo formulável em proposições: a fé não é um vago sentimento, destituído de conteúdo intelectual. Tampou Tam pouco co é um mero acontecimento, acontecimen to, sem conteúdo conteúd o cognoscitivo cognoscitivo formulável, que coloca o homem numa nova n ova situação como pessoa. Nova Nov a si si tuação pela decisão pessoal como como resposta à chamada pura. Veja-se Veja-se J. Ashton, Cristo mediador y plenitud de la revelación in Comentários a la Constitución “Dei Verbum” sobre la divina revelación (Madri, (Mad ri, 1969 19 69), ), 166-193. A fé fé é uma virtude sobrenatural pela qual “cremos que é verdadeiro o que Deus nos re velou”. velou” . Mas a definição do Vaticano Vatica no I tem um valor assertivo, assertivo, não nã o exclusivo, exclusivo, pois antes ante s afirmav afir mavaa que “pela “p ela fé oferecemo ofere cemoss a Deus De us o dom pleno ple no do nosso nos so entendimento entendimento e vontade”. 3 A fé fé incl inclui ui um element elementoo intel intelectu ectual, al, mas não se reduz a ele, uma vez que é livre, é princípio de salvação e compromete toda a pessoa. A revelação, em sentido estrito, pode ser definida como co mo locutio Dei attestans. Isso é assertivo, não exclusivo, à medida que o supremo da revelação é a manifestação de Deus como pessoa, com vistas à comunidade. Lemos em Jo: “A vida eterna é esta: reconhecer-te a ti como único Deus verdadeiro, e a teu 2. R. Lato urelle, Théologie de la Révélation, aponta, sem desenvolver, essa distinção: pp. 336-337. D ei V e r b u m do Vaticano II 3. Denzinger-Sch õnm etzer, 3008 3008.. A Co nstituição Dei insiste na totalidade da fé, pela qual o “homem se entrega inteira e livremente a Deus”. Veja-se a obra clássica de P. Mouroux, Yo creo en ti: estructura personal áe á e l a c to d e fe (Madri, 1958).
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enviado Jesus Cristo” Cristo” (1 ( 1 7,3 7, 3 ). Observemos a enorme concentração pessoal da fórmula: fórmu la: ela não fala de conhecimento de objetos, objetos, mas de pessoas pessoas — “a ti, Je Je sus Cristo” —, e, por isso, pertence a esse tipo superior de conhecimento inter pessoa pes soal.l. (Rec (R ecor orde dem m os que qu e os Exercícios de Inácio de Loyola concentram a ati vidade em conhecer e amar Jesus Cristo.) É certo que a pessoa desdobra a sua unidade em séries de proposições; através de enunciados parciais chegamos a reconstruir a pessoa que se mani festou a nós, é claro, não nã o por mera soma ou por simples simples silogism silogismos. os. Mas a pessoa pes soa não nã o utiliza utiliz a apen ap enas as prop pr oposi osiçõ ções es forma for mais is como com o meio de comu co munic nicaçã ação, o, mas a linguagem como meio total. 4 Resumindo: se Deus queria revelar a sua pessoa aos homens, devia, para o trato pessoal, assumir como meio de comunicação a linguagem humana em todas as suas funções. funções . Ou, dito inversamen inversa mente: te: se Deus assumiu assum iu a linguagem humana como meio de comunicação é porque buscava uma revelação pessoal. “Sua palavra assemelha-se inteiramente à linguagem humana, exceto no erro.” São sérias as conseqüências desse princípio para a leitura e compreensão da Sagrada Escritura. Escritu ra. Já não n ão é legítimo legítimo desmontar desmo ntar a Bíblia em em vários milhares de proposições, propo sições, cada uma contendo contend o uma verdade verda de objetiva de fé. fé. Não é legít legítimo imo extirpar todos os elementos emocionais, expressivos, bem como tudo o que chama a nossa resposta. A Sagrada Escritur Esc rituraa deve deve ser lida como obra de lin guagem total, funcionando plenamente, na qual Deus me fala. Crisóstomo Crisóstom o exprime muito bem isso: “Que cada um considere que, pela língua língua dos profetas, escutamos escutamos Deus falando cono sco”. sco” . 5 O mesmo pensam Hilário e Jerônimo Jerôn imo:: “Por “P or meio de teus servos, servos, Moisés Moisés e os profetas, instruísteinstruíste-me me com os livros livros sagrados sagrados para par a que eu te conhecesse” conhecesse”.. 6 “Esse tesouro em que estão escondidos todos os tesouros de sabedoria e ciência é a Palavra de Deus ou a Sagrada Escritura, na qual se encontra o conhecimento do Salvador.” 7 “Desconhecer a Escritura é desconhecer a Cristo.” 8 ALGUNS EXEMPLOS Imaginemos uma tese de um manual de teologia: Deu D euss am amat at po popu pulum lum suum\ suu m\ definições — que é amar, que é povo, pov o, que é seu povo; divisões — amor 4.
Veja-se a lúcida exp osição de sses asp ecto s na obra de H. Pries, Cree y s a b e r (Madri, 1963). A Constituição Dei D ei V e r b u m afirma: “Nessa revelação, Deus invisível, m ovido pelo pelo am or, fala aos hom ens com o a am igos e lida com eles para convidá-los convidá-los e recebê-los recebê-los em sua comp anhia”. 5. Ou Ya P ofj\iaza eoxiv anXtòg, aXXa t o u xvsupaxoç t o u ayiou prjpata, xai 8ia toÀuv s tm v xov 0 -rçaaupov suosiv xat. sv ina auXXafbj... oxiBta t y j ç t w v TTpocp-f/: c u t o TtoÀ t c ü v y X m t t y j ç t o u 0 e o u u p o ç ? jjpp , a ç SiaXsyouiievou axouop e v (Crisóstomo, In Gn 2, ho m ili a 15, 1; 1; P G 53, 53, 119). 119). 6. “Ad cogn itionem me tui, sacr is ut arbitror, per servo s tuo s Moysen et prop hetas, volum inibus eru disti” (H ilário Pict.; Pict.; PL 10, 10, 17 171) 1).. 7. “Thesaurus iste in quo sunt omn es thesauri sapientiae et scientiae scientiae absconditi, aut Verbum est, aut sanctae Scripturae, in quibus reposita est notitia I n M t 2, 13; PL 26, 97). Salvatoris” (Jerônimo, In Is ; PL 24. 8. “Ignoratio Scripturarum , ignoratio Christi Christi es t” (Jerônim o, In Is; 17; CC 73, 1).
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carnal, emocional, espiritual, povo de Israel, Igreja. Igre ja. . . Argumen Argu mento to de Escri Esc ri tura: tura : o versículo “assi “ assim m amou Deus o mundo mu ndo.. . . ”, “Deus é amor” amo r” etc. etc. Não sei se haveria um argumento de concílios: no índice de assuntos de Denzinger-Schonmetzer, amor e caritas referem-se à virtude com que amamos a Deus. Concluir-se-ia com algum comentário oferecendo conseqüências para a vida es piritua pir itual.l. No manu ma nual al de teolog teo logia ia que estude est udeii havia ha via teses sobre so bre a onipre oni presen sença ça de Deus, sobre a sua ciência — incluída inclu ída a dos possíveis e imagináveis imagináveis — , mas não havia uma tese sobre o amor de Deus. Comparemos essa tese imaginária, construída com proposições compostas de conceitos, com uma página de Oséias em que Deus fala na primeira pessoa. Peço ao leitor que pare um momento e mude de atitude, para escutar a palavra de Deus. 9 “Quando Israel era menino, eu o amei e do Egito chamei meu filho. Quanto mais os chamava, mais se afastavam de mim: ofereciam sacrifícios aos baalim e queimavam oferendas aos ídolos. Eu ensinei Efraim a andar, e o tomei em meus braços, e eles não se deram conta de que era eu quem deles cuidava. Com correias de amor os atraía, com cordas de carinho. Fui para eles como quem levanta uma criatura e a aproxima do rosto; eu me inclinava, lhes dava de comer. Voltará, pois, ao Egito, Assur será um rei, porq po rque ue não nã o quise qu iseram ram conver con verterter-se. se. A espada devastará suas cidades, destruirá seus ferrolhos; por p or causa cau sa de suas sua s maqu ma quina inaçõ ções es,, meu me u povo, pov o, prop pr open enso so à aposta apo stasia, sia, será devorado, mesmo que invoquem seu Deus, não os levantará. Como poderei deixar-te, Efraim; entregar-te, Israel? Como abandonar-te como a Adamá, tratar-te como a Seboim? Sinto contorcer-se em mim o coração, minhas entranhas se comovem. Não N ão levarei lev arei a cabo cab o minh mi nhaa conde co ndenaç nação ão,, não tornarei a destruir Efraim; pois sou Deus Deu s e não homem, hom em, o Santo no meio de ti e não inimigo devastador” (Os 11,1-9). Lido o texto, façamos uma reflexão: o enunciado da tese eqüivale a essa página pág ina apaix ap aixon onad ada? a? Que Qu e é mais mai s revela rev elado dor? r? Os versícu vers ículos los de Oséias, Osé ias, que in in cluem uma série de enunciados com função informativa dominante, ativam as 9. Dentre os com entários, veja-se veja-se o recente de W. H. Wolff, na série “Biblischer Kommentar” (Neukirchen). Cf. estudo e comentário em P r o f e ta s I I, pp. 859-921, com a bibliografia mais recente.
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outras funções funções elementares: Deus se expressa expressa e me impressiona. impressiona. Lido o enun enun ciado da tese, posso permanecer frio e indiferente; se a página de Oséias me deixa frio e indiferente é porque eu não soube lê-la. Nat N atur ural alm m ente en te,, a lingua lin guagem gem de Oséias Oséia s é simbólic sim bólicaa e antro an tropo pom m órfic ór fica, a, mas é uma analogia analogia o que me leva a compreendê-la. Gregório Magno diz: diz: “ Co nhece o coração de Deus nas palavras de Deus”. 10 Escolhi um exemplo extremo de propósito, para fazer uma demonstração mais clara. Tsso pode pod e gerar várias objeções, quase todas redutíveis a um “nem toda a Escritura é assim”. Primeira resposta: bastaria um caso para demonstrar que nem toda a lin guagem inspirada se reduz a proposições com função informativa. Vejamos um exemplo em que fala o homem: homem : Paulo. Em Rm 7, ele ele des creve pateticamen patetica mente te a luta interior interio r do do homem. É um crescendo vigoroso, com repetições, que culmina numa num a frase conc co nclus lusiva iva.1 .111 Essa frase conclusiva tem formas sintáticas sintáticas diferentes diferentes no original grego e na traduç tra dução ão latina. Para Pa ra que qu e a experiência seja proveitosa, devemos fazer uma dupla leitura, com toda a inten sidade: apresentarei uma tradução do texto latino e, depois, a tradução do grego: “Sabemos que a lei é espiritual; enquanto eu sou carnal, vendido ao pecado. O que faço, não o compreendo: pois não faço o bem que quero, mas o mal que odeio é o que faço. Mas, se faço o que não quero, admito que a lei é boa. Então não sou eu quem faz isso, mas o pecado que habita em mim. Sei que em mim, isto é, em minha carne, não habita o bem: pois o quer qu erer er está est á ao meu me u alcan alc ance, ce, prat pr atic icar ar o bem, be m, não nã o o consigo. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero é o que faço. Mas, se faço o que não quero, não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Encontro essa lei que rege a minha vontade de fazer o bem: que ao meu alcance está o mal. Segundo o homem interior deleito-me na lei; mas vejo em meus membros outra lei que se opõe à lei de minh’alma e me faz prisioneiro da lei que habita em meus membros. Sou um homem infortunado: Quem me livrará deste corpo mortal? A graça de Deus, por Jesus Jesus Cristo Cristo nosso Senhor” (Rm 7,14-2 7,1 4-25). 5). O leitor terá apreciado uma quebra nos versos finais: o crescendo insis tente tente culmina numa pergunta, e a ela ela corresponde uma proposição propo sição exata. Não é o que esperávamos, há aqui uma um a quebra estilísti estilística. ca. Leiamos Leiamo s o texto segundo o original grego (sem nenhum salto): “A lei é espiritual, admito, mas sou um homem de carne e osso, vendido como escravo ao pecado. O que realizo, não o entendo, pois o que quero, 10 10.. 11.
“Disce “Disc e cor Dei in in verb ve rb is Dei” De i” (PL 77 77,, 706). sa lvaaVejam-se alguns com entá rios recentes: S. Lyonnet, H is to r i a ã e la salv ció ci ó n en la c a r ta a lo s R o m a n o s (San Sebastián, 1967); O. Kuss, Carta a los R o m a n o s (Herder, Barcelona, 1974); P. Dornier/M. Carrez, Carta a los Romanos in Cartas de Pablo y Cartas Católicas (Madri, 1985), 135-172.
Alguns exem ex emplo ploss
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não o executo, e, em contrapartida, o que detesto, isso o faço eu. Ora, se o que faço é contra a minha vontade, concordo com a lei que ela é excelente, mas então já não sou eu quem realiza isso, é o peca pe cado do que habi ha bita ta em mim. Vejo claro que em mim, isto é, em meus baixos instintos, nada habita de bom, porque o querer o excelente, tenho-o à mão, mas o realizá-lo não; não faço o bem que quero; o mal que não quero, esse executo-o eu. Ora, se o que faço é contra a minha vontade, já não sou eu quem o realiza, é o pecado que habita em mim. Assim, quando quero fazer o bem, acho-me fatalmente com o mal nas mãos. No N o íntim ín timo, o, é certo ce rto,, apre ap recio cio a lei de Deus, De us, mas em meu corpo percebo critérios diferentes que guerreiam contra os critérios da minha razão e fazem-me prisioneiro dessa lei de pecado que está no meu corpo. Desgraçado que sou! Quem me livrará deste meu ser, instrumento de morte? Mas quantas graças dou a Deus, por Jesus, Messias, nosso Senhor!” (Tradução de Nu N u eva ev a Bibli Bi bliaa Espa Es pano nola la)) Segundo o grego, à pergunta patética, quase desesperada, corresponde um grito grito de libertação. Paulo se debate, registrando em em movimentos opostos a bata ba talh lhaa de que é espe es pect ctad ador or,, ato at o r e pacie pa ciente nte;; ele é o camp ca mpoo de bata ba talh lha, a, a terr te rraa disputada, e os os dois dois contendores contendo res ao mesmo tempo. tempo. Exclama, Exclama , pergunta, p ergunta, grita. grita. Em sua linguagem operam as três funções: ele enuncia, expressa-se, impres siona-nos. E onde está está a revelação de Deus nessa passagem? passagem? Deve-se observar que a Sagrada Escritura não só nos revela Deus em sua ação sobre o homem, como também nos revela o homem em sua reaçã re açãoo diante de Deus. 12 Na N a página pág ina de Paulo, conhecemo-nos a nós mesmos perante Deus; a nossa reação revela-nos -nos mediante median te a ação divina divina em nós. E, por po r ser ser palavra de Deus, ela revela-nos Deus falando-nos e iluminando-nos. Como diz Basílio, “assim como os nossos olhos vêem o mundo externo e não se vêem a si mesmos, a não ser que deparem com algo sólido e polido, em que se se reflita a visão. visão . . . assim também tamb ém a nossa alma, que tudo vê, para p ara ver-se a si si mesma deve refletir-se na Sagrada Sagra da Escritura Esc ritura.. A luz que dela sai reflete-se reflete-se e nos faz contem con templar-n plar-nos os a nós nós mesmos” . 13 D ei V e r b u m diz: “A verdade profunda de Deus e da 12 12.. A C ons tituiçã o Dei salvação salvação do hom em que essa revela revelação ção tra nsm ite.. . ”, 2. “ .. . Contêm Contêm ensinamen tos sublimes sobre Deus e uma sabedoria salvadora acerca do homem”, 15. 13. wo7T wo7T£p £p y a p oi ocp0aÀ|roi rj|i(üv i a £§w PAercovxêÇ Eautouç oux opcoatv, sav ;ay] xou Aisou xivoç atpcüv atpcüvxat xat axsp sou , xat õxeiOev avaxÀaa0£i oa r\ ocEs ( ú o k z o a n o mxAippo:aç op av au -o oç Ttonqenr) x« sauxrov xax o7 iiv, ouxw x#i o voug o r/jisxspoç, aAAa opwv, aÀAwç sauxov ou fiÀsxEt sav pirj xaiç ypacpaij Eyxuc))r). To yap svxauOa cpwç avaxXü)[i£vov t o u x a d o p a o Q o í i e x a a x o v a t x i o v r j jjuu ov ov y i v s x a i (São Basílio, Sobre la naturalesa hum h um an a, 1; PG 30, 12).
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Três funções da linguagem.
Neste Ne ste caso, caso , tem utilid uti lidad adee p ara ar a nós a analo an alogia gia do auto au torr e seus person per sonage agens. ns. Eu quis dar esse exemplo de Paulo porque ele mostra muito bem as funções da linguagem inspirada e porque, nele, Deus não fala na primeira pessoa. A função “impressiva” da linguagem bíblica, ou seja, a sua capacidade de interpelar, é evidente nos oráculos proféticos e na retórica do Deuteronômio. Mais difícil é apreciá-la em textos narrativos: às vezes por nos fixar no exótico ou arcaico dos relatos, às vezes em virtude da enorme discrição de Deus, que mal aparece na ação, e às vezes porque a interpelação é contextual, reside antes no contexto contexto global que em em momentos particulares. Contudo devemos devemos ler a Escritura Escritu ra como palavra pala vra que Deus nos dirige. dirige. Recordem Reco rdemos os que, muitas vezes, vezes, o relato em em si impressiona impressio na mais que o comentário. comen tário. Desconfiamos Desconfiam os com freqüên freqüên cia de uma intenção didática demasiado evidente, receamos ser manipulados, e nos rendemos à força dos dos fatos fatos narrados. A distinção é sobretudo gradual: interpelação imediata ou mediata. mediata. E a mediação pode ser próxima ou distante distante.. Veja-se a recente obra de M. Sternberg, The Poetics of Biblical Narrative. Ideological Literature and the Drama of Reading (Indiana, 1984). Poderíamos destacar muitas outras formas pelas quais Deus fala e se co munica como pessoa pessoa.. Basta-nos por ora or a ter apreciado ap reciado este este dado fundamental: as três funções da linguagem inspirada. Essas três funções podem referir-se a três aspectos também básicos da re velação divina: o aspecto objetivo, o aspecto pessoal, o aspecto dinâmico. A par tir de agora, devemos incluir estas três dimensões na linguagem inspirada: a dimensão de objetos ou dados revelados, a dimensão do Deus pessoal no ato de revelar-se, revelar-se, a energia energia sobrenatural atualizada na comunicação. comun icação. Começaremos a extrair as conseqüências disso nas páginas seguintes. FUNÇÕES MONOLÓGICAS Fr. Kainz, Ps P s y c h o lo g ie d e r S p r a c h e (Stuttgart, 1954), I, III, A 2, “Funções monoltígicas da linguagem”.
As três funções descritas costumam ser denominadas “dialógicas”, porque se referem a um interlocutor, interlocu tor, funcionam na comunicação. comu nicação. Delas derivam três três outras funções paralelas, denominadas monológicas: pela função informativa ou representativa, a linguagem serve para que eu pense; na função expressiva me desafogo, escuto-me a mim mesmo como sujeito; com a função impressiva estimulo-me a mim mesmo, instigando-me à ação. Dificilmente podemos indicar essas três funções na Sagrada Escritura, visto ser ela ela palavr pal avraa de Deus, voltada para os leitores ou ouvintes. Contudo, Con tudo, elas elas nos servem para examinar duas hipóteses. Ao longo de um texto bíblico pode haver algum momento monológico, arrastado arrastad o pela corrente dialó dialógica gica.. Tal como como certas memórias rigorosamente pri vadas que se se publicam pub licam depois da morte mo rte do autor. auto r. É possível que Ecl contenha co ntenha algo de reflexão monológica, a não ser que o autor tenha escolhido um “eu” literário como procedimento procedimen to de estilo. estilo. É difícil difícil pensar pen sar que Qohelet Qoh elet tenha es crito a sua obra para si mesmo; não é difícil pensar que estejam incorporados à sua obra alguns alguns momentos monológicos. monológicos. De maneira man eira semelhante, Paulo P aulo pode pode incorporar alguns desabafos monológicos às suas cartas. Em todo o caso, repito, a corrente dialógica é mais poderosa e arrasta todo .o resto: no estado presente, a integridade integridad e da obra dirige-se dirige-se ao leitor. No Cântico de Moisés (D t 32,26-27 32,26 -27))
Funções mono mo noló lógi gica cass
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há um momento em que, por ficção oratória, Deus aparece em monólogo interior.14 “Pensei: ‘Vou dispersá-los e apagar sua memória de entre os homens’. Mas não; pois temo a jactância do inimigo e a má interpretação do adversário.” Mais interessante é o caso da oração; em termos concretos, a oração ins pirad pi rada. a. P o r exemp exe mplo, lo, o SI 73 apres ap resen entata-se se como com o um monó mo nólog logo, o, como co mo refle ref lexã xãoo agitada e insatisfeita sobre uma doutrina tradicional: a retribuição de bons e maus. A maioria maio ria dos dos salmos mostra mo stra pretensões dialógica dialógicas, s, louvand lou vandoo a Deus ou suplicando-lhe. Alguém objetou que esse louvor humano de Deus não afeta a Deus, re sultando em puro desabafo monológico, com certa função social, caso seja re citado pela comunidade. comun idade. E alguém alguém considerou que a oração de súplica súplica tem mera função de estímulo pessoal, quando nos instiga à ação, ou é simples de sabafo, se se nos deixa inat in ativ ivoo s.1 s. 15 Essa concepção é insustentável: a oração inspirada da Bíblia apresenta-se sempre com função dialógica — objetivamente, atinge a Deus na ordem da graça. Deus escuta de fato o nosso louvor e constitui a nossa honra máxima; Deus deixa-se impressionar de fato pelas nossas súplicas e constitui a nossa esperança máxima; mesmo que a reflexão interior seja um “derramar o coração” diante de Deus. Tudo isso não exclui exclui que essa essa oração arraste muitos elementos monológicos, como o manifestam vários salmos. “Desafogai vosso coração diante dele” (SI 62,9). “Alteio minha voz gritando, ergo minha voz a Deus para que me ouça. Em minha angústia, busco a ti, Senhor Deus meu; à noite, agitam-se minhas mãos sem descanso meu arquejo não se acalma; eu me ponho a gemer e de Deus me lembro; e meditando me sinto desfalecer; mantenho os olhos descerrados, mas a agitação não me deixa falar. Repasso os tempos antigos, recordo os anos passados; à noite recordo meu cântico, Medito-o dentro de mim e meu espírito indaga: — Será que qu e o Senh Se nhor or nos recha rec haço çouu para pa ra sempre sem pre e não voltará a favorecer-nos? Já se esgotou a sua misericórdia, extinguiu-se para sempre sua promessa? Deus se esqueceu de sua bondade,
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Três junções da linguagem.
ou a cólera suas entranhas? E digo a mim mesmo: pobre de mim! A destra do Altíssimo já não é a mesma” (SI (SI 77,277 ,2-11 11). ). Neste Ne ste últim úl timoo exempl exe mplo, o, o oran or ante te fala fal a da sua su a expe ex periê riênc ncia ia inte in terio rior, r, das suas tentativas e fracassos, e chega mesmo a pronunciar em voz alta parte do seu monólogo interior: “Digo”. A nossa oração feita com palavras inspiradas, pai-nosso ou salmos, é ver dadeiro diálogo: é resposta a Deus pela sua bondade manifestada e por seus benefíc ben efícios, ios, é com co m unic un icaç ação ão com Deus, De us, é mani ma nifes festa taçã çãoo da nossa no ssa pesso pe ssoaa a Deus, De us, é dinamismo com que influímos nele. nele. Isso é antropomórfico, analógico, mas não nã o é falso. falso. N a oração inspirada, inspirada , chega à plenitude, de modo supremo, o caráter cará ter dialógico da linguagem humana: essa plenitude advém do fato de essa lingua gem ter sido assumida pela inspiração. A oração o ração inspirada é palavra pala vra de Deus, que nos ensina a orar. Nela fala o homem. Deus não pode revelar-se como pecador pecado r ou ou necessitado; necessitado; mas reve la-se como salvador, acessível, interessado, companheiro de viagem no mo mento e de vida para pa ra sempre. Pode-se ver a exposição exposição sobre os os salmos salmos como expressão, bem como a apropriação do seu texto e linguagem, em Treinta Salmos (Madri, Cristandad, 21986), 25-27. Concluamos com um exemplo evangél evangélico. ico. A Palavra Palav ra feita feita carne caminha cam inha um dia pela Galiléia e chega às portas de uma cidade chamada “A Formo sa”. sa” . Um a viúva vai chorand cho randoo atrás do cadáver ca dáver do seu filho filho único, e Jesus “ficou “ficou comovido” (Lc 7,13 ). O poder de Cristo Cristo não é uma onipotência indi ferente e distante; ele participa de fato das nossas dores, o seu coração se co move. move. E essa é uma constante da Sagrada Escritura: não apenas palavra palav ra dou trinai, superior e impassível, mas palavra expressiva, na qual vibra e se co munica o afeto cordial. cordia l. “Aprox “A proxima imandondo-se, se, Cristo C risto tocou toco u o esquife, esquife, e os que o carregavam pararam. parara m. Disse então: então : ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’ A pa pa lavra de Cristo é dinâmica e eficaz: brota da compaixão e atualiza-se em saúde e salvação. salvação. E essa essa é outra constante con stante da palavra p alavra bíblica: bíb lica: o seu dinamismo e a sua eficácia eficácia para a salvação. salvação. “E o morto sentou-se e começou a falar.” fala r.” Esse Esse c o resultado de escutarmos a palavra de Deus: despertamos e começamos a falar, entabulando diálogo com Deus. OUTRAS FUNÇÕES DA LINGUAGEM Fr. Kainz fala de funções secundárias, estéticas e éticas: Psy P sy c h o lo g ie d e r Sprache (S tuttga rt, 1954 1954), ), volum e 1, III B. A sua class ificaçã o é estranha, mas a lista é sugestiva e poderia servir para ampliar as reflexões.
Alguns autores acrescentam às três funções primárias, monológicas e dialógicas outras funções, que denominam secundárias: funções estéticas e funções éticas. En Entre tre as funções funçõe s estéticas estéticas inclui-se, inclui-se, por exemplo, exem plo, a questão questã o da plastici dade no gênero descritivo; entre as funções éticas, a questão da mentira, do eufemismo etc. Soehngen elaborou recentemente um harmonioso sistema da linguagem, fi losofia e teologia, seguindo a linha das funções.10 A n a lo g ie u n d M e ta p h e r. K le in e P h ilo il o s o p h ie u n d T h e o log lo g ie 16 16.. G. Sõh ngen, nge n, An d e r S p r a c h e (Munique, 1962). Veja-se o levantamento de H. G. Fritzsche in Theoiogische Literaturzeitung 89 (19641:373-375.
Conseqüências
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Sua obra compõe-se de três partes, com quatro seções em cada uma: fun ções lógicas, lógicas, funções estéticas, estéticas, funções energético-éticas. São quatro qu atro as funções lógicas lógicas — denomin den ominação, ação, enunciado, enun ciado, silogismo, silogismo, termo — , em ordem dinâmica d inâmica de composição sucessiva, que desemboca na definição conceituai. As estéticas estéticas são quatro: imitação de coisas, expressão de pessoas, metáfora, concepção do mun do; a terceira terceira tem importância capital no livro livro e domina o título. Também são quatro as funções energético-éticas: ação eficaz, testemunho e profissão, per suasão, suasão, formação da opinião pelo diálogo. diálogo. O autor au tor traça uma proporção prop orção e cor respondência ideal entre as três divisões quaternárias. As 120 páginas de Soehngen oferecem uma leitura sugestiva, bastante den sa; não vou alongar-me aqui, mas recomendo o livro como leitura ulterior. Tratarei das funções estéticas, com outro enfoque, no próximo capítulo; a fun ção energética terá um lugar importante no final deste livro. Quero observar aqui que a classificação de Soehngen pode reduzir-se, em grande parte, às funções fundamentais que a psicologia distingue; a ação e a persu pe rsuasã asãoo reduz red uzem em-se -se à tercei ter ceira ra funç fu nção ão impress imp ressiva, iva, post po stoo que qu e atuam atu am sobre sob re o ouvinte ou interlocutor; a profissão é uma forma de expressão, de tipo total, que compromete a pessoa diante de outra, numa ordem moral ou religiosa, po dendo, ao mesmo tempo, exigir uma resposta equivalente — na Sagrada Escri tura, Deus dá testemunho de si mesmo e exige como resposta a nossa profissão, em movimento movim ento dialógico. dialógico. Como o dinamismo da palavra pala vra pode pod e criar cria r ação ou convicção, a distinção de Soehngen refina, diferenciando, a terceira função ele mentar. O autor au tor registra o sentido dialógico dialógico sobretudo sobre tudo no n o final do livro, atri buindo bu indo menos men os impo im portâ rtânc ncia ia à distinç dis tinção ão dialógic dial ógico-m o-mono onológi lógica. ca. Krings apresenta outro tipo de divisão; mais que funções, ele as denomina formas básicas do discu dis curs rso. o.117 A primeira prim eira é a forma form a discursiva: como articula ção temporal e sucessiva da unidade, por relações lógicas, mantendo e mani festando a unidade, unidad e, de signo signo dialético. A forma de atualização realiza a pre sença no ato de dizer: língua da poesia, do culto. A forma for ma existencial: ma nifestação e, a um só tempo, realização do homem, de modo compromissado. A terminologia é totalmente diferente, revelando a ligação do autor com mo vimentos filosóficos filosóficos recentes. A segunda segund a forma fo rma pode ser-nos ser-n os útil para com preen pr eende derr uma um a palav pa lavra ra insp in spira irada da em b o a parte pa rte poétic po éticaa e atualiz atu alizad adaa no culto. A linguagem linguagem “perfor “p erformativ mativa” a” realiza de fato o que a palavra palav ra diz: “Felici to-o, to-o, declaro declaro aberta a sessão, sessão, o acusado é inocente, dou-lhe a minha p alavra = comprom eto-me”. Essa função especial da linguage linguagem m é exercida também na liturgia. liturgia. Podemos Podem os dizer que a palavra pala vra inspirada, inspir ada, atualizada atualiz ada na liturgia, funcio na como linguagem performativa. perform ativa. O colofão “palavra “palav ra de Deus” Deu s” ratifica-o. Além Além disso, é possível isolar na Escritura momentos em que Deus emprega uma lin guagem performativa, perfor mativa, como: “Estou “Esto u contigo, contigo, eu te envio, os teus pecados estão estão perd pe rdoo ados ad os”” . CONSEQÜÊNCIAS Apliquemo Apliq uemoss o que foi dito à linguagem inspirada. Se Deus assumisse ape nas a primeira função — exposição de idéias e doutrinas, por um lado, e de fatos, por outro —, caberia a nós extrair esse elemento “inspirado”, separando-o 17 17.. N o term o Palavra in Conceptos fundamentales ãe la Teologia II (Madri, 21979), 231-241.
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da ganga humana hum ana não inspirada. inspirada. Refinaríamos o produto extraído em fórmulas mais claras e precisas, e, nesse caso, a Sagrada Escritura já não seria necessária àquele que chegasse ao estágio final (recordemos que as funções lógicas de Soehngen Soehngen desembocam desembocam na formação de conceit conceitos os precisos precisos e distintos). Teríamos a doutrina “inspirada” depurada nas fórmulas dogmáticas e na especulação teo lógica lógica conceituai conceituai,, e a Escritura já não nos faria falta. falta. A prática — não pro pr o clamada nem defendida — de certos autores seguiu em parte esse procedimento. Quanto aos fatos, imitaríamos a postura polêmica — geradora de contro vérs vérsia iass — de Belarm ino.1 ino .1SS Esse autor procura provar que a Sagrada Sagrada Escritura é inferior à tradição, ou até mesmo desnecessá desnecessária. ria. Uma Um a das razões é que que narra muitos fatos que não se relacionam com a doutrina: eles não são con tados tados para pa ra que acreditemos; acreditamos neles neles porque porq ue são contados. Como esses fatos, propostos com função informativa, carecem de relevância doutrinai, não é preciso elaborá-los e traduzi-los em conceitos; a única coisa que devemos fazer é acreditar que aconteceram. A sua problemática prob lemática reside na historicidade. historicidade. Essa atitude diante da Escritura não é uma fantasia inventada por mim. Se a função informativa é a única inspirada, e se essa função tern sua razão de ser ser na doutrina, para pa ra que que tantas repetições repetições na Sagrada Escritura? Para que tantos fatos passados passad os que não nos interessam? interessam? Para Pa ra que a busca dialética de um Qohelet ou um livro de Jó? Na N a Sagra Sa grada da E scri sc ritu tura ra há dout do utrin rina, a, e a dout do utrin rinaa ocup oc upaa um lugar lug ar impo im porta rtant ntee na vida cristã (nós (nó s o veremos mais adian ad iante) te).. O que é injusto injusto é sacrificar tudo à doutrina: o conhecimento pessoal de Deus, a fé como dom de pessoa, a graça como pacto e união.19 A pluralidade de funções descrita explica de maneira parcial, a partir da vertente humana, por que os santos padres podiam buscar e encontrar na Sa grada Escritura Esc ritura a doutrina cristã, cristã, a oração cristã, cristã, a vida vida cristã. cristã. Nessa lingua gem total não ocorre a distinção entre doutrina e vida, teoria e prática, que aflige a nós, modernos, e que estamos prestes a solucionar, precisamente atra vés de uma volta à Escritura e à liturgia. A liturgia deve atualizar a Sagrada Escritura em sua tríplice função: uma leitura ou proclamação que apresenta os conteúdos da informação, que enfatiza os valores expressivos, expressivos, que chega a impressiona impre ssionarr os ouvintes. ouvintes. Na liturgia, a Sagrada Escritura deve recuperar a sua virtude dialógica. Não N ão é comum, com um, na oraç or ação ão priva pr ivada da,, part pa rtir ir de “verd “v erdad ades es teológ teo lógica icas” s” que tran tra n s formamos em língua bíblica, em sua integridade funcional. Outro setor intervém com a pretensão de uma nova interpretação existen cial. cial. 20 Inspira Ins pirada da (atençã (ate nçãoo à m etáfora etá fora)) seria a função funçã o bíblica bíblic a de buscar bus car a mi mi nha resposta existencial; essa função baseia-se no caráter de profissão existen18 18.. J. R. Ge iselm ann , Sagrada Escritura y traãición (Herder, Barcelona, 1968). D ei V e rb u m publicado em 1969 pela BAC, 19. No com entário à Con stituição stituição Dei dedico um artigo ao tema “Revelação e doutrina”. E len n cu s 20. Ess a é uma questão atual, atual, discutida discutida em num erosos artigos: artigos: no Ele bib b ib lic li c u s correspondente a 1963, P. Nober registra 14 títulos referentes a Bultmann. Mas não é fácil encontrar uma exposição acessível. H. Noack, Sprache und Offenbarung (Gütersloh, 1960), aborda a questão numa linguagem difícil; em última análise, defende a necessidade de uma linguagem “mítica” (simbólica) para formular a experiência religiosa. ti e n e t le m y th e . L a th é o lo g ie d e R. B u ltm lt m a n n L. Malevez, Le m e s s a g e c h r é tie (Bruges, 1954). Exposição bastante clara, embora não se atenha muito ao tema da linguagem.
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ciai ciai do autor. Mas, enquanto enqu anto função fu nção ativa, ativa, é perfeitamente separável, separável, e deve ser separada com cuidado, da linguagem concreta do autor; ela deve ser intei ramente transp transposta osta a outra out ra linguagem linguagem para que possa possa funcionar em em mim. mim. O con teúdo informativo, doutrina e fatos, é excluído; e mesmo a função de impres sionar é antes uma metafunção da d a lingua linguagem gem inspirada. E a designação “inspi rada” é uma metáfora enganosa, que, para adquirir sentido — isto é, virtude de impressionar — , deve ser inteiramente transposta. Nos No s manu ma nuais ais teológ teol ógico icoss sobr so bree a insp in spir iraç ação ão costu co stum m a have ha verr um capí ca pítu tulo lo de D e exte ex tens nsio ione ne inspiratio inspi rationis. nis. Isso porque nominado De porq ue alguns alguns autores faziam cor tes na Escritura, excluindo da inspiração alguns segmentos: as frases casuais e ditas de passagem, o não-doutrinal, o que não se refere à fé e aos costumes. Trata-se de cortes longitudinais: na citação gráfica da palavra escrita, podem-se seccionar palavras, sentenças, linhas, montando-se o resto, a fim de obter um puro livro inspirado. Nem a explicação explicação nem a proposta pro posta unidimensional un idimensional são hoje aceit aceitávei áveis. s. Um corte mais profun pro fundo do é o já referido de matéria maté ria e forma, conteúdo e estilo, matéria e palavras: trata-se da grande discussão sobre a ins pira pi raçã çãoo verb ve rbal al que Pesch Pes ch proc pr ocur uraa reje re jeititar ar em trin tr inta ta página pág inass conc co ncen entra trada das. s. R e pito que essa limita lim itação ção do caris ca risma ma não nã o enco en cont ntra ra adep ad epto toss nos no s dias de hoje. hoje . O Pe. Benoit divide da seguinte maneira o capítulo sobre a extensão da inspiração: inspiraç ão: “A todas as faculdades, a todos os que concorrem para a formação formaçã o do livro; a todo o conteúdo con teúdo”” . A proposta é mais rica. rica. E poderíamos, poderíamo s, com vistas a um tratado escolar, acrescentar a extensão a todas as funções da lin guagem; porque também aqui é preciso rejeitar uma limitação imposta ao ca risma do Espírito.
6 TRÊS NÍVEIS DA LINGUAGEM
LÍNGUA COMUM, LÍNGUA TÉCNICA, LÍNGUA LITERÁRIA A língua atualiza-se em três níveis fundamentais, com um plano interme diário e muitas regiões de interpenetraçã interpen etração. o. A língua comum, a língua técnica, a língua literária. Veja-se Style in Language, editado por Thomas A. Sebeok (Cambridge, Mass., 1966), especialmente a terceira parte: “Abordagens lingüísticas da arte da lin guagem”, com artigos de C. F. Vôgelin, Ed. Stankiewicz, Sol Saporta, Archibald A. Hill; Hill; e os dois a rtigos finais finais d e Rom an Jakob son e René W ellek. ellek. Não é rara, rara, entre lingüistas profissionais, a abordagem da linguagem artística como desvio de uma norma; por outro lado, os representantes da estilística consideram a linguagem literária uma realização superior da linguagem.
LÍNGUA COMUM A língua comum é o húmus de todo o resto, é a língua da comunicação familiar, à qual retornamos com prazer infantil; é a língua do amor e a língua de compartilhar com partilhar ideai ideais. s. É uma língua de grande riqueza pessoal e de moderada preci pre cisão são.. A tuali tu aliza za espo es ponta ntane neam amen ente te as três trê s funçõe fun çõess element elem entare ares. s. Algum Al gumas as ve zes nos oferece o gosto de conhecer, outras vezes, com pouco conteúdo obje tivo, dá-nos o prazer da comunicação pessoal com o amigo, ou ainda nos per mite a satisfação de influenciar os outros com as nossas palavras. Essa língua da conversa comum, familiar, social, dirige-se por inteiro ao que se comunica, de modo que o processo de transformar experiências, objetos e eventos numa série sonora significativa se automatiza e se torna inconsciente — incom inc omod oda-n a-nos os o inter in terlo locu cuto torr que qu e “ está escuta esc utand ndoo a si mesm me smo” o”,, e só os erros, erro s, ou algum acerto excepcional, restituem-nos a consciência do meio lingüístico. 1 Como o foco não são as palavras em si, essa língua não é concebida para perd pe rdur urar ar,, mas apenas ape nas para pa ra manif ma nifest estar. ar. Como Com o diz Valér Va léry, y, “ dissolve-s disso lve-see na cla cla ridade” ridad e”.. É feita para pa ra passar passa r e, passando, passand o, comunicar. comunicar. Como um curso fluvial fluvial que fosse, todo ele, ponte entre as margens; como uma cremalheira que, ao mover-se, juntasse duas velas. velas. Na terminologia termino logia de Jakobson Jako bson,, diríamos que há o domínio da função fática e que não se considera o dito como tal {mensagem). 1.
Da dos bá sico s in Fr. Kainz, Ps P s y c h o lo g ie d e r S p ra c h e , III, 3.
Líng Lí ngua ua c o m u m
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Essa língua pode ter uma variante utilitária, esquemática: a língua para comprar, pagar e viajar (números antes de tudo, e o gesto para indicar ou subs titui tit uir); r); é “ o alemão alemã o em quinze dias” , o “basic english”. Não Nã o se deve deve confun con fun di-la com o conhecimento limitado de uma língua estrangeira, barreira que pode ser superada por uma grande força de comunicação (lembro-me de um espa nhol que, sabendo quatro palavras de italiano, mantinha vários americanos presos pre sos a suas h istó is tóri riaa s). s) . E ssa ss a língu lín guaa mal ma l sabid sa bidaa pode po de ser ainda ain da instru ins trum m ento en to de comunicação, ao passo que a língua utilitária é instrumento de distancia mento, semelhante a alguém que evita sujar-se com o contato. Existe na Bíblia a língua elementar da conversa conversa?? Jerônimo, defendendo a inspiração da Epístola a Filemon, Filemon, diz: “Na Epístola aos Romanos Rom anos e às às outras Igrejas, e, sobretudo, na Epístola aos Coríntios, há muitas coisas ditas em estil estiloo simple simples, s, quase quase em em linguag linguagem em cotidiana” 2 (onde é preciso preciso observar observar que remissius é termo técnico da retórica que designa o estilo mais simples); além disso, o gênero epistolar adota com maior facilidade uma linguagem co mum. Leão Leã o XIII, X III, defendendo a inerrância bíblica nas passagens passagens que descre vem a natureza natu reza,, diz de seus autores: autor es: “Mais que se dedicar dedic ar às ciências ciências na turais, eles descrevem os fenômenos, ou com metáforas, ou segundo a linguagem comu comum m da época época”. ”. 3 E Pio XII, falando de passagens históricas, propõe uma explicação seme lhante: lhant e: “Onde “Ond e alguns pretensiosam preten siosamente ente acusam os autores sagrados de falsi dade histórica ou de inexatidão, trata-se apenas das formas comuns de dizer e de narrar características dos antigos, que costumavam ser usadas na conversa norma normal”. l”. 4 Contudo, nem Jerônimo nem os dois pontífices recentes respondem afir mativamente à nossa pergunta, porque nã o a formulam a si si mesmos. mesmos. Lingua Lingua gem comum em estado puro não ocorre na Bíblia; à medida que é o húmus de tudo, de onde partem e para onde retornam as demais, ela não pode inexistir totalmente na Bíblia. Na N a língu lín guaa religi rel igiosa osa de uma um a oraç or ação ão part pa rtic icul ular ar a Deus, Deu s, o fala fa larr pode po de perd pe rder er importância e consistência, o processo verbal pode automatizar-se, pode discor rer unindo-m e a Deus. Não é essa a língua bíblica nem a língua da d a liturgia. liturgia. Dissemos que, a partir da língua comum, comum, se desenvolvem desenvolvem as outras. No caso da língua inspirada, não preexiste uma língua religiosa cotidiana que se elevaria depois pela inspiração; pelo contrário, a língua inspirada seleciona os seus materiais na língua comum cotidiana, profana, exceto quando o autor ins pirad pi radoo utiliz uti lizaa e adap ad apta ta a linguag ling uagem em religi rel igiosa osa de outro ou tross povos. povo s. Como Com o toda to dass as línguas revertem de algum modo na língua comum, a língua inspirada influi indiretamente na língua religiosa comum e, de maneira indireta, pode influen ciar a língua profana: exemplo, as marcas bíblicas na literatura ocidental e em muitos modismos das nossas línguas. Friso Melzer pesquisa algumas dessas marcas na língua alemã, sobretudo nos capítulos VII e VIII do seu livro Unsere Sprache im Lichte der ChristusEntre tre os subtítulos, subtítulos, lemos: “Morte “M orte de palavras pagãs” , “Nova -Offenbarung. En 2. “ .. . inveniri inveniri plurima plurima et ad Rom anos et ad ceteras ecclesias, ecclesias, maxim e quae ad Corinthios, remissius et cotidiano paene sermone dictata” (PL 26, 637-38). 3. EB 12 1211. Segundo “as exp ressõe s que então se usavam na conver sação comum”: Dei D ei V e rb u m , 12. 4. EB 560. 560.
Três níveis da linguagem
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vida de palavras pagãs alemãs”, “Palavras derivadas do latim”, “Traduções de rivadas” . Como prova, o autor toma algumas algumas palavras cristãs cristãs iniciadas iniciadas por po r D. perse pe rsegu guind indoo a sua su a evolu ev olução ção semânt sem ântica ica,, os seus paren pa rentes tesco coss e derivaç deri vações ões.. É o seguinte seguinte o título do capítulo X: “Como a oração influi na língua” língu a” . Não co nheço um trabalho equivalente em castelhano, e a sua realização seria muito interessante. interessante. Helmut Helm ut Hatzfeld, em em sua obra El Quijote como obra de arte dei lenguaje, dedica um capítulo às influências ou imitações bíblicas. LÍNGUA TÉCNICA O segundo nível que nos interessa é a língua técnica ou científica. Uma Um a mãe leva ao médico o filho de seis seis anos; chega excitadíssima. excitadíssima. Come Come ça a dar explicações mescladas com frases de compaixão, multiplica detalhes descritivos descritivos num a efusão efusão de carinho, solicita solicita o auxíli auxílioo do médico. médico. Este procura procu ra acalmar a mulher, para eliminar dados que não lhe interessam e chegam a con fundir; formula uma série de perguntas a fim de reduzir as explicações a sin tomas; reduz esses sintomas até chegar a um diagnóstico preciso, numa língua que a mãe não entende, mas aceita com confiança; por último, o médico pres creve um tratamento e uma receita. A mãe levara a sua linguagem materna funcionando a todo o vapor; mas o médico não se deixou “impressionar” por aquelas “expressões”, conseguindo po p o r elimina elim inação ção o seu objetivo obj etivo.. As dores do res trans tra nsfor form m am-se am -se em “ sintom sin tomas as clínic clí nicos” os” , as frases genéricas tornam -se “diagnóstico” “diagn óstico” exato e preciso. A linguagem ma terna se reduz reduz à linguagem clínica. clínica. Para Par a transform ar em relato judicial ou cri minal uma história agitada e controvertida, um policial ou um advogado po dem agir de modo semelhante. Quando o homo faber desenvolve uma técnica específica, quando o homo sapiens desenvolve uma ciência, eles elaboram em seguida uma língua científica ou técnica. Os povos primitivos, que possuem algumas técnicas técnicas particulares, co mo a pesca, a caça etc., também têm em suas línguas termos técnicos precisos. Em nossa cultura ocidental, foram os gregos os grandes criadores da língua científica. 5 Bruno Snell escreveu uma obra fundamental, já clássica, sobre o assunto: Die E ntde nt deck ckun ungg des Geiste Ge istess (Hamburg (Ham burgo, o, 219 21947 47), ), Nela, o autor descreve descreve um proce pro cess sso: o: como co mo nasce na sce e se desenv des envolv olvee a arte art e de pens pe nsar ar e com co m pree pr eend nder er raci ra cio o nalmente. Em outros termos, como o centro espiritual do pensamento pensam ento vai se tornando torna ndo consciente. O ato e processo de pensar pen sar é acessív acessível el a nós em obras de linguagem literária ou filosófica; por isso, o livro descreve também a for mação de uma linguagem conceituai e terminológica a partir da linguagem mí tica, simbólica, simbólica, imaginativa. imaginativa. Traduzo Trad uzo os títulos de dois dois capítulos: V III. II I. Com par p araç ação ão,, símil, m etáfo etá fora ra,, analo an alogia gia.. Pass Pa ssage agem m do pens pe nsam amen ento to mític mí ticoo ao p en en samento lógico; lógico; XI. A formação de conceitos das ciências ciências naturais em grego. grego. Referi-me no capítulo anterio r ao ao estudo de Soehngen. Nele, o au tor expõe a passagem passagem do símbolo ao conceito, do conceito ao termo. termo. Mas não analisa o fato com exemplos literários. 5. 90-169.
Sobr e a língua dos prim itivos, Fr. Kainz, P s y c h o lo g ie d e r S p r a c h e II, II ,
Lín Lí n gua gu a técn té cn ica ic a
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A língua técnica procede da língua comum por remoção, limitação e di visão. Ela remove o pessoal e subjetivo para atingir o máximo de objetividade. Em outras palavras, procura inibir as funções expressiva ou impressiva da lin guagem guagem.. Procura Pro cura remover o condicionado da língua concreta para produzir uma língua quase universal, ou, pelo menos, rigorosamente rigoros amente traduzível. Em Empre pre ga conceitos abstratos, que vai subdividindo até a máxima precisão; usa senten ças ças simpl simples es,, que pode delimit delimitar ar de modo circun stanciado .6 Não se trata de de ela ela encontrar enco ntrar os conceitos conceitos abstratos já formados. formado s. Se alguns já existem na lín gua comum, a ciência deve refiná-los e fixá-los, com valor único e permanente. Quanto aos outros, deve formá-los por um processo de abstração, a partir de nomes comuns ou de de usos metafóricos. Algumas pessoas denominam deno minam “noções” “noçõ es” o que eu chamo de “term o”. Qualquer ciência ciência pode compor compo r o seu seu “dicionário “dicionário terminológico da ciência...”, sendo compilados dicionários bilíngües especia lizados. O ideal da língua técnica seria seria a língua absoluta. De fato, essa língua utópica foi perseguida pela lógica matemática, mas o resultado revelou-se um sistema de fórmulas matemáticas que não é verdadeira linguagem. O extremo utó pico pic o mostr mo stra-n a-nos os com clarez cla rezaa a tendê ten dênc ncia ia e direçã dir eçãoo desse tipo tip o de língua. líng ua. Como Com o mostra Heisenberg, a física mais refinada não pode prescindir de elementos de linguagem comum, chegando mesmo a manter, em certas ocasiões, formas me tafóricas mais ou menos lexicalizadas. Na língua líng ua técnica, técn ica, as palav pa lavras ras não nã o são ind in d ifer if eree n tes. te s.77 Têm Tê m grand gra ndee impo im por r tância a fixidez dos termos, o seu uso rigoroso, a exatidão das fórmulas, com todas as peças intocáveis (por isso, o professor exige no exame “a palavrinha”). O sistema conceituai de uma ciência, por sua vez, transforma-se em instrumen tal de pensamento e conhecimento posterior: assim se conjugam a qualidade de ergon e a qualidade de energeia. Temos uma língua língua semelhante na Sagrada Escritura? Definindo a per per gunta, a inspiração assume uma um a língua técnica preexistente? Desenvolve-se uma língua religiosa técnica sob a influência da inspiração? Respondem Respo ndemos os afirma afirm a tivamente às duas perguntas. As leis de tipo casuístico ocupam uma boa parte da legislação bíblica, em pregam pre gam uma um a linguage ling uagem m bast ba stan ante te técnic téc nicaa e fora fo ram m toma to mada dass da cultu cu ltura ra orien or iental tal por po r interm in termédi édioo dos canane can aneus. us. s As leis cerimon cerim oniais iais ou rubr ru brica icass também tam bém são re re digidas em língua bastante técnica, não parecendo provável ser elas mera cria ção dos autores inspirados. inspirados. Mas não n ão se deve deve confundir a língua língua técnica com as fórmulas fixas e os tópicos de uma língua literária, um gênero literário, uma escola literária: apesar da sua fixidez, eles não funcionam como termos.9 Muito mais importante é o processo que denomino tecnificação, que res pond po ndee à segund seg undaa perg pe rgun unta: ta: como vai se form fo rman ando do,, sob a influê inf luência ncia da inspi ins pi ração, uma língua técnica. 6. 7.
H. G. Gadam er, W a h r h e i t u n ã M e t h o d e (Tubinga, 1960), 392-395. Contra D. J. McCarthy, McCarthy, Person ality, Society and Insp iration, T h e o l o g i c a l S t u d i e s 24 (1963):553-576. 8. E stu do básico : A. Alt, D ie U r s p r ü n g e ã e s I s r a e li ti s c h e n R e c h te s , “Kleine Schriften” I, 278-332; revisado recentemente por E. Gerstenberger, W e s e n u n ã H e r k u n f t ã e s “ap “a p o d i k t i s c h e n R e c h t s ” (Neukirchen, 1965). 9. Alguns dados, com bibliografia selecionada, no m eu arti artigo go Herm eneutics in the Light of Language and Literature, C a t h o l i c B i b l i c a l Q u a r t e r l y 25 (1963):371.
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108 Tomemos três exemplos anteriores ao processo:
1. O Deuteronômio Deuteronô mio emprega um vocabulário próprio para pa ra designar designar a lei e os preceitos: *huqqim, mishpatim, mishwot, debarim, ‘edot, torah, dibrê hattora. A série septenária prestava-se a uma diferenciação técnica, mas o autor cons cientemente mistura e muda os nomes, buscando sobretudo o sentido de pleni tude, de interpenetração.10 2. Em Js 7, aparece como Lei L eitw twor ort t a palavra *herem em diversas formas gramaticais. *Herem é a consagração a Deus do inimigo e dos despojos da guer ra santa; pode ser extermínio da população, dos guerreiros, e dedicação ao culto dos objetos preciosos. A palavra palavr a muda mu da de sentido ao ao longo do capítulo: “ . . . cometeram cometer am um pecado pecad o com o cons co nsag agrad rado. o. . . roubar rou baram am do consagra consagr a do (1 ). . . têm têm roubado do consagr consagrado ado ( 1 1 ) . . . tornara tornaram-se m-se execrávei execráveis. s. . . se não extir extirpardes pardes a execra execração ção ( 1 2 ) . . . há algo algo execrá execrável vel dentro dentro de vós. . . en quanto não extirpardes a execração (13)... quem for surpreendido com algo consagrado (15).” Essa mudança de sentido concreto, mantida a identidade da palavra, con jura ju ra a prese pr esenç nçaa de uma um a realid rea lidad adee pode po dero rosa sa,, mister mi steriosa iosa e ativa. O auto au torr pode po de conjurá-la literariamente, e não descrevê-la ou denominá-la com rigor. 3. Paulo Pau lo emprega de modo semelhante semelhante a palavra amartía, que não é o conceito técnico do pecado individual, mas a poderosa e terrível realidade, o mundo do pecado em sua manifestação ativa. Não N ão é legítimo legítim o ler essas passage pas sagens ns com m entali en talida dade de técnic téc nica; a; tampo tam pouc ucoo é boa bo a exegese reduz red uzir ir a termos term os preciso pre cisoss o que o auto au torr desejou des ejou imprec imp reciso iso e global. global . Uma palavra, uma fórmula, de tanto reiterar-se num texto preciso, com uma função idêntica, adquire certa fixidez, fixidez, tecnifica tecnifica-se. -se. Por Po r exemplo, a fórmula fórm ula “ter “ter ra que mana leite e mel” é de ascendência mítica e conjura uma terra habi tada pelos deuses, terra de vegetação paradisíaca, que produz sem trabalho. Os israelitas tomam essa fórmula dos cananeus, aplicam-na fixamente a seu território e utilizam-na nos símbolos de fé e em seus derivados: assim é fixada numa fórmula relativamente técnica, que não perde inteiramente a conotação, poten po tencia ciall ou atualiz atu alizad ada, a, de sua origem orig em mítica. mític a. D a mesm me smaa mane ma neira ira,, algumas algum as instituições e práticas religiosas possuem o seu vocabulário e o seu formulário fixos, que chegam a adquirir uma fixidez quase técnica.11 Os formulários ou repertórios de fórmulas são parte constitutiva de uma língua, de uma um a literatura, literatu ra, de um corpo literário. Pensa-se com freqüência freqüênc ia que é possível encerrar em dois volumes — gramática e dicionário — toda uma lín gua. Se o concebemos como puro p uro repertó rep ertório rio de palavras, o dicionário precisa do complemento comp lemento do formulário. form ulário. Hoje Ho je em dia, dia, os bons dicionários costumam incluir grande quantidade de fórmulas de conversação, literárias ou técnicas, que fazem parte par te da realidade realidad e viva de uma língua. Sobre o tema, pode-se pode -se con 10 10..
N. Loh fink, D a s H a u p t g e b o t. E in e U n te r s u c h u n g l i t e r a r i s c h e r E in le it u n g sf s f r a g e n z u D t 5-11 (Roma, 1963), 54-58. 11. Trabalham ness a linha obras cujo título é explícito: K. Baltzer, D a s B u n á e s f o r m u l a r (Neukirchen, 1960). Richter, em sua obra sobre os Juizes, e Lohfink, em seu estudo sobre o Deuteronômio, elaboram esse elemento das fórmulas: T r a ã i t i o n s g e s c h i c h t l i c h e U n t e r s u c h u n g e n z u m R i c h t e r b u c h (Bonn, 1963) e D a s H a u p t g e b o t (Roma, 1963).
Líng Lí ngua ua técn té cnic icaa
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sultar a introdução teórica do livro Formulário profético de vocación y misión, de Santiago Bretón (Roma, 1987). Algo semelhante pode ocorrer com pares opostos ou complementares, usa dos de modo fixo: por exemplo, mamlaka costuma designar o “reino”; no par paral pa ralelo elo goy-mamlakto, especializa-se como “povo — seu rei”; ‘am significa apenas “povo”; oposto paralelamente a goyyim, designa o povo escolhido etc. Existe o processo paralelo de espiritualização e abstração: um fato e um nome concretos e globais passam pela especulação, perdem a sua referência ma terial e, com ela, a concreção: é o que ocorre com o maná, segundo a expli cação de Von V on Rad. Ra d. 12 Esse processo recebe um forte impulso na tradução dos LXX, seja pela influência da nova língua, o grego, seja por condições históricas (uma época mais reflexiva), seja pelo distanciamento de fatos e instituições, que já tinham se transformado transformad o em liv li v ro .53 .53 Ao traduzir, os LXX LX X espiritualizam espiritualizam muitas muitas fór mulas materiais, transformam em termos muitas designações do Antigo Testa mento, às vezes sacrificando a qualidade simbólica do original, às vezes rele gando-a gando -a a um segundo plano. Dessa maneira, eles tecnificam. Mas, ao mesmo tempo, a espiritualização eqüivale a um processo de simbolização, à medida que a realidade material assume um sentido espiritual, realizando na palavra a prof pr ofun unda da síntese sínt ese simbólica. simbó lica. Assim, Ass im, os tradu tra duto tore ress prep pr epar aram am uma um a lingua lin guagem gem in termediária, que será instrumento preciso para formular o mistério de Cristo no Novo Testamento. A tradução dos LXX LX X é uma ponte po nte providencial, providencial, espiri tual e de linguagem, entre o Antigo e o Novo Testamento. L a no notio tionn À guisa de exemplo, pode-se citar o estudo de L. Monsengwo, La Nele, o autor mostra como de Nomos dans le Pentateuque grec (Rom a, 197 3). Nele, se reduz e delimita o sentido da palavra hebraica torah na sua tradução para o grego por nomos. Em Embora bora os grandes dicionários dicionários teológi teológicos cos do Novo Testa mento ofereçam abundantes materiais quando explicam o fundo hebraico das palav pa lavras ras gregas, ainda ain da não nã o foi feito o estud est udoo sistemáti sist emático co do proces pro cesso so ment me ntal al ou de algumas linhas dominantes desse processo. Natu Na tural ralme ment nte, e, toda to dass essas designa des ignações ções e fórm fó rmul ulas as em vias de tecnificaç tecni ficações ões,, ou já tecnificadas, adquirem validade verbal enquanto fórmulas: a palavra exata e constante é importante. Isso deve deve ser ser levado levado em conta na tradução. Além disso, essas designações, fórmulas e termos podem servir como ponto de partida para a elaboração de uma teologia bíblica, seja mantendo-se no nível bíblico bíb lico de tecnif tec nifica icação ção,, seja dand da ndoo cont co ntin inui uida dade de ao process pro cessoo com as possi po ssibi bi lidades do nosso pensamento moderno. Multiplicam-se no Novo Testamento os elementos de linguagem técnica, sobretudo na especulação especulação teológica de Paulo. Enquan Enq uanto to João é intensamente simbólico, Paulo busca às vezes certo rigor conceituai que sempre terá como limite o mistério, a função pastoral, o estágio teológico em que se encontra. O que foi dito sobre a língua técnica tem particular interesse para a her menêutica. Num estudo estudo sobre a palavra inspirada, convém notar o seguinte fato: dada a unidade e continuidade do Espírito, que move vários e sucessivos autores, o processo de tecnificação pode p ode sujeitar-se à sua sua ação. É um processo 12. D a s f o r m g e s c h ic h tl i c h e P r o b le m d e s H e x a te u c h (BZAW, 1938): G e s a m m e l t e S t u d i e n (Munique, 1958). 13. Sobre ess a tradução, tradução, consultem-se os informes oficiais: oficiais: M i tt e il u n g e s d e s S e p t u a g i n t a - U n t e r n e h m e n s (Gotinga). Entre outros autores, J. Ziegler e I. L. Seeligman.
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na revelação, revelação, encarna a revelação revelação num avanço contínuo. A linguagem linguagem inspirada é o meio da continuidade em marcha. Fora da inspiração, uma teologia que aspire a ser ciência deve necessaria mente desenvolver, como instrumento de pensamento e de exposição, uma lin guagem teológica técnica. Voltarei Vol tarei a esse esse ponto pon to adiante. LÍNGUA LITERÁRIA Ed.ward Sapir, L a n g u a g e (Nova Iorque, 1949), capítulo XI, “Língua e Litera tura”. Algumas observações na obra de Dámaso Alonso, P o e s i a e s p a n o l a . E n s a y o ã e m é t o d o s y l i m i t e s e s t i l í s t i c o s (Madri, 1950), e, de maneira mais detalhada, na de C. Bousono, T e o r i a ã e l a e x p r e s i ó n p o é t i c a , 2 vols. (Gredos, Madri, 71985), espe cialm ente os caps. I-II I-II do vo lum e I, pp. 15 15-89. Será de grand e utilidade utilidade para o hermeneuta bíblico o livro de W. Kayser, J n t e r p r e t a c i ó n y a n á l i s i s ã e la o b r a l i t e r a r i a (Gredos, Madri, 11985). De grande interesse é o livro de Laurence Lerner, T h e T r u e s t P o e t r y : W h a t i s L i t e r a t u r e ? (Nova Iorque, 198 1984) 4).. Nele, o autor expõe e discute as teorias que consideram a literatura como conhecimento, como expressão, como retórica, como forma particular da linguagem. O cap. VI, intitulado “Uma linguagem dentro da linguagem”, é , em sua maior parte, uma discussão e refutação da posição extrema de P. Valéry. Lerner mantém uma posição equilibrada e sensata: a linguagem poética/literária é diferente, mas não descontínua com referên cia à comum.
A língua literária origina-se também da terra-mãe, que é a língua comum. Não Nã o provém pro vém da língu lín guaa utili ut ilitá tária ria nem ne m é apenas ape nas uma um a língu lín guaa antiu an tiutil tilitá itária ria.. N ão prece pr ecede de da língu lín guaa técnica técn ica,, como com o se fosse o utra ut ra especia esp ecializa lização ção para pa rale lela la ou opos op os ta — Ortega definiu a poesia ultraísta como “álgebra superior das metáforas”, mas estava fazendo uma metáfora. A língua literária não provém da língua comum por remoção, depuração, especialização — a poesia pura, que deseja constituir-se por depuração abso luta, ou se torna hermética ou atinge a quintessência. A língua literária proced e da língua comum p or potenciação. poten ciação. 14 Nem sem pre pr e tod to d a a rique riq ueza za das experiên exp eriências cias que desejam des ejamos os comp co mpart artilh ilhar, ar, tod to d a a riquez riq uezaa da nossa vida interior que queremos comunicar atingem plena objetivação na linguage linguagem m comum da conversação. conversação. Esta é complementada, complementada, em boa parte, pelo pelo contexto, pelo conhecimento prévio, pelos fatores extralógicos que podem acom panh pa nhar ar o diálogo. diálog o. Term Te rmin inad adaa a convers con versa, a, muitas mu itas vezes sentimo sent imoss a distâ di stânci ncia, a, a inadequação das nossas palavras, que já passaram e cumpriram de modo re gular a sua tarefa. Tivemos de diluir um repentino vislumbre em meandros prolon pro longa gado dos, s, uma um a intu in tuiçã içãoo cent ce ntral ral torn to rnou ou-s -see demas de masiad iadoo reflexiv refle xivaa ou periféri peri férica, ca, a urgência do diálogo roubou-nos as palavras, a intensidade do sentimento ini biu, em vez de favore fav orecer cer,, a express exp ressão. ão. É nesses nesse s mome mo mento ntoss que lamen lam entam tamos os:: “Não sei sei como como dizê-lo. d izê-lo. . . faltamfaltam-me me as palavr pal avras. as. . . ” A língua literária não se conforma com essa aporia, procurando atualizar e objetivar em plenitude: encadeando todas as funções da linguagem e poten cializando o seu seu rendimento. rendim ento. O literato aproveita apro veita todos tod os os recursos da sua lín gua com vistas à expressão, mesmo os recursos ainda não postos em prática; 14. Rom an Jakobson diz: diz: “A poeticidade não é um com plem ento do discurso com ornato retórico, mas uma reavaliação total do discurso e de todos os seus diversos componentes”.
Lín L íngg u a lite li terá rá ria ri a
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quando sente que a língua lhe falta, ele não se dá por vencido, ampliando-a e moldand mo ldando-a. o-a. Mais ainda, a resistência e limitação de sua língua pode pod e excitá-lo, como o mármore ao escultor. Potencializar não é exatamente multiplicar, e, no nosso caso, nem sequer é uma multiplicação de multiplicações. multiplicações. A língua literária aprecia aprec ia muitas vezes vezes a densidade, a concentração. Quanto Qua nto mundo mu ndo e quanta qua nta alma em muitos poemas de poucos pou cos versos: ver sos: To see a world in a grain of sand and a Heaven in a wild flower, hold Infinity in the palm of your hand, and eternity in an hour. (Blake)
Por essa força e para essa força, a língua literária muitas vezes estiliza, simplifica, pula os espaços neutros. Na N a língu lín guaa liter lit erár ária ia,, as pala pa lavr vras as têm impo im port rtân ânci ciaa abso ab solu luta ta,, sendo sen do norm no rm al al mente buscadas com com grande exigênci exigência. a. Não são um modo de dizer, dizer, perfeita mente separável da coisa dita. O que importa são as palavras em sua qualidade sonora, em sua disposição rítmica, em seu halo de conotações, em sua resso nância semiconsciente. semiconsciente. . . Ch. du Bos formula-o muito bem: “Toda “Tod a literatura é encarnação, e, em literatura, nenhuma encarnação é possível senão por meio da palavra”. 15 Um pintor dizia dizia a seu seu amigo amigo Mallarmé: Mallarm é: “Também “Tam bém sou poeta, ocorrem-me muitas idéias, mas não encontro as palavras” . E Mallarmé Mallarm é lhe respondia: “A poesia poesia é feita com palavras” . E, segundo Valéry: “A signifi significação cação não é pa p a ra o poet po etaa o eleme ele mento nto essenci esse ncial al e único úni co da linguag ling uagem em;; n ão é mais ma is que qu e um dos seus seus constitui con stituintes. ntes. ... ... Do mesmo modo, mo do, a simples noção noç ão do sentido das pala pa lavr vras as não nã o é suficie sufi ciente nte para pa ra a poesia poe sia,, eu falo fal o de ress re sson onân ânci cia. a. . . ” 16 Por isso, a poesia é sempre parcialmente, e às vezes totalmente, intraduzível. A poesia ama a multiplicidade, aceita e chega a buscar a ambigüidade (Em (E m pson ps on), ), usa imagens e símbolos, evita a lógica. A poesia funde o objetivo com o subjetivo, produz uma presença quase mágica. Por fim, a língua literária, que busca a permanência das palavras, costuma realizar essa permanência na obra literária. Encontramos língua literária literária na Sagrada Sagrada Escritura? Escritura? A maior parte p arte do AT e parte pa rte do Novo pertencem perte ncem a esse esse nível da linguagem. Nos dois sentidos antes expostos: os autores sagrados trabalham com uma língua literária preexistente e, sob a ação do Espírito, desenvolvem a sua própria língua literária. Esse fato, que tem uma importância relativa para a inspiração, é de enor me transcendência para pa ra a hermenêutica. Devemos pensar que a inspiração inspiração mo ve e assume toda a riqueza concreta desse tipo de língua. Por ser uma realidade de linguagem literária, a Sagrada Escritura pode poss po ssuir uir rique riq ueza za e plen pl enitu itude de.. Pode Po de ser inte in teira iram m ente en te hum hu m ana, an a, e não nã o apena ape nass dou do u trinai; pode conter uma totalidade de revelação em estado não proposicional (Escritura e tradição). 15. 16.
iÇué es literatura?, 1938. Vinvention esthétique.
Três níveis da linguagem.
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Como língua literária, ela requer uma interpretação voltada para a leitura e, depois de cada interpretação, continua sendo inesgotável, como indica Cle mente de Alexandria: Alexan dria: “Essas são, são, para nós, as Sagradas Escrituras: dão à luz luz a verdade e permanecem virgens, ocultando os mistérios da verdade”. 17 A Sagrada Escritura admite leituras diversas, substancialmente corretas. Como língua literária, pode receber pluralidade de conteúdo — não só de senti sentido. do. Os conteúdos plurais podem ser racionalizados na interpretação, mas não são adequadamente racionalizáveis (R. Petsch). Como língua literária, não é uma língua vulgar, não devendo ser vulgari zada para pa ra ser posta ao alcance alcance do vulgo. vulgo. Pelo contrário, é preciso preciso elevar os leitores leitores introduzindo-os na compreensão com preensão imediata. O “povo de Deus” não deve ser vulgo. vulgo. (Isso deve ser levado levado em conta em termos termos de traduç ão.) Como língua literária, não é apenas conceituai; portanto, não se deve re montar a um suposto estágio conceituai prévio, que o autor teria “revestido” de formas literárias. Ela é anterior ante rior aos aos conceitos, noções ou termos, não sendo o seu sentido obtido por depuração sistemática do literário (teologia). Como língua literária, a sua interpretação não pode consistir formalmente em diferenciar conceituai e proposicionalmente os conteúdos; pelo contrário, deve-se passar de uma primeira compreensão elementar a outra, mais profunda e articulada, do texto literário, e, através dele, aos conteúdos. Como língua literária, ela valoriza substancialmente as palavras, nelas sub sistindo e por elas se atualizando; não subsiste nem se atualiza como idéia de sencarnada. Como língua literária, exige que manejemos com sutileza a distinção “o que o autor au tor quis dizer” . Um literato litera to costuma costum a dizer o que quer dizer. dizer. A distinção d istinção ê legítima à medida que se opõe à leitura superficial, ingênua, sem sensibili dade, desafinada, desenfocada de senfocada.. A distinção é ilegítima se se considera conside ra que o autor diz o que não quer e não diz o que quer (como se a literatura fosse uma mal dição que que habita os membros do litera to). A distinção distinção é legítima legítima à medida que não nos restringimos ao texto como tal, mas ao texto como objetivação dos conteúdos nele subsistentes. Esta seção quase se transformou para mim num programa de exegese, e creio ser necessário desenvolvê-lo. As páginas seguintes seguintes o farão ao mudar circularmente o ponto de vista: serão repetição com novidade. COMPARAÇÃO DE NÍVEIS Em bora necessária, a nossa separação foi um pouco esquemática. Como todas as línguas têm raízes no húmus da língua cotidiana, as comunicações fi cam abertas, abertas, atingindo atingindo formas de co-penetração. Vamos examinar e xaminar agora os três três níveis comparativamente, mostrando oposições e vias de comunicação. Lí ngua ua com co m um e técnica 1 . Líng Heinz Ischreyt, Studien zum Verhãltnis von Sprache unâ Technik (Düsseldorf, 1965). Um caso interessante e particular dessa relação é a recente filosofia inglesa da “linguagem ordinária”, que toma essa linguagem para controlar e mesmo 17.
C lem ente en te de Alexan dria, PG 9, 530. 530.
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refutar afirmações dos filósofos (Moore) e como fonte de conhecimento filosófico. A análise, conduzida muitas vezes em estilo simples (Austin), evita os tecnicismos, recorrendo, no entanto, a fórmulas técnicas, ou refinando e precisando algumas fórmulas da linguagem comum. Sobre essa questão, pode-se ver: O r d i n a r y L a n gu g u ag e, editado por V. C. Chappell (Nova Jersey, 1964).
A língua comum precede a técnica; põe à sua disposição palavras que se especializam em termos, oferece formas e raízes para criar e diferenciar con ceitos, exceto nc caso de a língua técnica importar a sua terminologia de uma língua estrangeira ou antiga, como costumamos costum amos fazer com o grego. Ela El a oferece as estruturas sintáticas para a composição de sentenças e raciocínios, e fornece os materiais de conexão. A língua técnica restitui à língua comum alguns termos e fórmulas; estes se vulgarizam, perdem precisão e rigor, e, com essa perda, enriquecem a língua comum (e os cientistas se aborrecem porque, vulgarizada a sua ciência, o povo confunde os os termo s). Por Po r exemplo, exemplo, reação reação em cadeia, cadeia, antibiótico, antibiótico, complexo. complexo. Por muitos meios, bastante eficazes, se verifica em nossa cultura moderna essa descida da língua técnica à comum. Às vezes a ciência assume fatos óbvios e simples, já formulados na língua cotidiana. cotidiana . Ao transp tra nspor or essas coisas tão simples simples a uma um a nova nov a linguagem técnica, ela provoca um momento de espanto esp anto e outro de ridículo: “Ah, era isso isso o que queriam queria m dizer! dizer! P o r que não disseram logo?” . Até agora, a sociologia é a cam peã pe ã do proc pr oced edim imen ento to.. Em bora bo ra seja eviden evi dente te o perigo pe rigo do peda pe dant ntism ismo, o, a tran tr ans s posiç po sição ão é legítim leg ítima, a, à medi me dida da que qu e difere dif erenc ncia ia o conh co nheci ecime mento nto e perm pe rmite ite uma um a ma ma nipulação precisa. O Antigo Testamento não tornou sociologia as experiências humanas so ciais, contentando-se com a forma literária simples do provérbio, da etopeya etc. 2 . Líng Lí ngua ua com co m um e literária E. Stankiewicz, P o e ti c a n ã N o n - P o e ti c L a n g u a g e in th e i r I n t e r r e l a t i o n (Varsóvia e Haia, 1961).
A língua comum precede a literária e lhe oferece tudo como possibilidade. A língua literária aprecia aprecia manter certo distanciamento da cotidiana. Costuma começar com eçar por po r formas form as hieráticas e estilizadas, e evolui até até o realismo. Mas, se mantém por muito tempo a distância e progride em ângulo divergente, ela pode cair no hermetkm herme tkmoo ou mandarinismo. Tem então de voltar à linguagem linguagem comum, comum, par p araa que qu e a poesi po esiaa exangu exa nguee recob rec obre re forças forç as (T. S. E lio li o t). t) . Trata Tr ata-s -see da prát pr ática ica constante de Ezra Pound em seus Cantos, sendo relativamente freqüente na poesia poe sia cont co ntem empo porân rânea ea.. A língua bíblica tem momentos de grande estilização (Gn 1) ou de grande refinamento (Jó); nunca caiu no hermetismo nem no mandarinismo. Segundo po demos julgar, alimentou-se constantemente da língua do povo, a quem se desti nava. Esse pode ser um dos dos sentidos da fórmula Sitz im Leben : literatura arrai gada na vida do povo. A língua literária influencia a língua ordinária de maneira profunda: modifica-a, tornator na-aa mais mais flexível, flexível, amplia-a. Muitas metáforas literárias literária s congelam-se, lexicalizam-se; muitas fórmulas literárias felizes cristalizam-se em frases
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feitas, clichês, clichês, tópicos. Leo Spitzer dizia que a gramática gram ática é estilística conge lada. 13 A língua bíblica também influenciou, através de traduções, as línguas co muns de povos cristãos, deixando uma marca remota da passagem do Espírito pela linguag ling uagem em hum hu m ana an a (M elze el zer) r).. É conhecida e valorizada a enorme influên cia que teve a tradução da Bíblia feita por Lutero sobre a criação de uma língua alemã unificada, o mesmo acontecendo com a versão do Rei James com refe rência à língua inglesa inglesa.. Não se deve esquecer que um dos objetivos de Afonso, Afonso , o Sábio, ao empreender a tradução da Bíblia, era enriquecer e aperfeiçoar a língua castelhana. (Veja-se La Biblia de Alfonso Alfon so el Sabio, Cuadernos Bíblicos 10 [1984]: [1984]: 67-68.) 67- 68.) Essas marcas podem, em termos termos teóricos, teóricos, servir para refa zer o caminho, para atualizar religiosamente fórmulas profanizadas: esse proce dimento pode dar vivacidade e atualidade à linguagem da pregação. Lí ngua ua literária literár ia e técnica técnic a 3 . Líng No quadro da aspiração da teologia a ser uma ciência, o problema da sua linguagem foi bastante discutido há alguns anos, ainda que ligando a linguagem teológica à religiosa. Cito alguns livros sobre o tema: J. Macquerrie, Goã-Talk. A n E x a m in a ti o n o f th e L a n g u a g e a n d L o g ic o f T h e o lo g y (Londres, 1967); I. T. Ramsey, R e li g io u s L a n g u a g e (Nova Iorque, 1967); I. G. Barbour, M y t h s , M o ã e ls an a n ã P a r a d ig m s . T h e N a t u r e o f S c ie n ti f i c a n d R e li g io u s L a n g u a g e (Londres, 1974); D. Antiseri, E l p r o b l e m a d e i l e n g u a je r e l ig io s o (Madri, 1976); W. Pannenberg, T e o r i a de la ciência y teologia (Madri).
A língua técnica técnica e a língua literária avançam avançam por p or caminhos diversos. diversos. Uma língua técnica pode ser antiqüíssima, visto não ser inacessível ao povo primi tivo. tivo. Como sistema, sistema, a língua literária é mais antiga do que a técnica. As re re lações entre ambas podem ajudar-nos a compreender a Sagrada Escritura. Citei antes dois textos de encíclicas recentes, e devemos agora voltar a eles: “Mais que investigar expressamente a natureza, descrevem os fenômenos em metáforas, ou segundo a linguagem comum da época; e hoje se usa também na vida cotidiana, cotidiana, até entre homens de ciência”. 19 “Trata-se de modos de falar e de contar comuns entre os antigos, que costumavam usá-los no trato normal.” 20 Leão XIII fala da linguagem comum, da metáfora — que pode entrar na linguagem linguagem literária — e da linguagem científica científica;; ele nega a última. Pio X II refere-se à linguagem comum num parágrafo que fala de formas literárias; de modo indireto, indire to, ele exclui exclui a linguagem científi científica. ca. Segundo os papas, a Bíblia não usa nem a língua científica da astronomia e de outras ciências naturais nem a língua científica de uma história crítica. Detalhando os dados, poderíamos dizer que os autores bíblicos empregam uma linguagem literária na qual sobrevivem e se transformam elementos de linguagem comum comu m e de linguagem linguagem técnica. A língua de Gn 1 não é conversacional; a classificação da natureza está permeada pela ciência da época (catá L iste tenw nw isse is sens nsch chaf aft) t).. Tudo logos, Lis Tud o é composto compos to numa linguagem literária de ma18. Em qualquer nação com história cultural, o estudo estudo da língua faz uso de modelos literários já desde a escola (comecei com o Quixote aos nove anos). 19. EB 121. 121. 20. EB 560. 560.
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feitas, clichês, clichês, tópicos. tópicos. Leo Spitzer dizia que a gramática gram ática é estilís e stilística tica conge lada. 18 A língua bíblica também influenciou, através de traduções, as línguas co muns de povos cristãos, deixando uma marca remota da passagem do Espírito pela linguage ling uagem m hum hu m ana an a (M elze el zer) r).. É conh co nhec ecida ida e valor va loriza izada da a enorm eno rmee influê inf luên n cia que teve a tradução da Bíblia feita por Lutero sobre a criação de uma língua alemã unificada, o mesmo acontecendo com a versão do Rei James com refe rência à língua inglesa. inglesa. Não se deve esquecer que um dos objetivos de Afonso, o Sábio, ao empreender a tradução da Bíblia, era enriquecer e aperfeiçoar a língua castelhana. castelhan a. (Veja-se La Biblia de Alfonso el Sabio, Sabio, Cuadernos Bíblicos 10 [198 4]:67-6 4]:6 7-68.) 8.) Essas marcas podem, em termos teóricos, teóricos, servir servir para refa zer o caminho, para atualizar religiosamente fórmulas profanizadas: esse proce dimento pode dar vivacidade e atualidade à linguagem da pregação. 3.
Líng Lí ngua ua literária e técnica técni ca
No quadro da aspiração da teologia a ser uma ciência, o problema da sua linguagem foi bastante discutido há alguns anos, ainda que ligando a linguagem teológica à religiosa. Cito Cito alguns livros sob re o tema: J. Macquerrie, Goã-Talk. A n E x a m i n a ti o n o f t h e L a n g u a g e a n d L o g ic o f T h e o lo g y (Londres, 1967); I. T. Ramsey, R e li g io u s L a n g u a g e (Nova Iorque, 1967); I. G. Barbour, M y th s , M o ã e ls a n d P a r a d ig m s . T h e N a tu r e o f S c ie n t i f ic a n ã R e li g io u s L a n g u a g e (Londres, 1974); D. Antiseri, E l p r o b l e m a d e i le n g u a j e r e l i g i o s o (Madri, 1976); W. Pannenberg, Teoria de la ciência y teologia (Madri).
A língua técnica e a língua literária literá ria avançam por caminhos caminh os diversos. diversos. Uma língua técnica pode ser antiqüíssima, visto não ser inacessível ao povo primi tivo. tivo. Como sistema, sistema, a língua literária é mais antiga do que a técnica. As re lações entre ambas podem ajudar-nos a compreender a Sagrada Escritura. Citei antes dois textos de encíclicas recentes, e devemos agora voltar a eles: “Mais que investigar expressamente a natureza, descrevem os fenômenos em metáforas, ou segundo a linguagem comum da época; e hoje se usa também na vida cotidiana, cotidiana, até entre homens de ciência”. 19 “Trata-se de modos de falar e de contar comuns entre os antigos, que costumavam usá-los no trato normal.” 20 Leão XIII fala da linguagem comum, da metáfora — que pode entrar na linguagem literária literá ria •— e da linguagem científica; ele nega a última. última. Pio XII X II refere-se à linguagem comum num parágrafo que fala de formas literárias; de modo indireto, indireto , ele exclui exclui a linguagem linguagem científi científica. ca. Segundo os papas, a Bíblia não usa nem a língua científica da astronomia e de outras ciências naturais nem a língua científica de uma história crítica. Detalhando os dados, poderíamos dizer que os autores bíblicos empregam uma linguagem literária na qual sobrevivem e se transformam elementos de linguagem comum e de de linguagem técnica. A língua de Gn G n 1 não é conversacional; a classificação da natureza está permeada pela ciência da época (catá logos, List linguagem literária de ma Li sten enwi wiss ssen ensc scha haft) ft).. Tudo é composto numa linguagem 18. Em qualquer nação com história cultural, o estudo da língua língua faz uso de modelos literários já desde a escola (comecei com o Quixote aos nove anos). 19. E B 12 121. 1. 20. EB 560. 560.
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ravilhosa concentração elementar: o texto não usa metáforas, porque se situa no tempo aurorai dos nomes, antes da metáfora (a não ser que leiamos como metáfora o termo “luzeiros” aplicado ao sol e à lua); ao mesmo tempo, man tém uma distância consciente e elevada de todo o comum e ordinário, empre gando palavras bastante comuns. A história das pragas, por exemplo, emprega uma linguagem literária de sobriedade e grandeza épicas, com um leve toque irônico, sem cair no ordiná rio. E as cenas cenas que podem parecer-nos ordinárias e comuns, comuns, na vida dos pa triarcas, as histórias de reis e profetas, embora surjam à primeiro vista como modelos de língua comum, estão estão na verdade verdad e muito estili estilizada zadas. s. Porque Porq ue a trans trans posiç po sição ão liter lit erár ária ia consist con sistee muitas mu itas vezes na sábia sáb ia seleção sele ção de mome mo ment ntos os relevan rele vantes, tes, pulan pu lando do espaços esp aços neutr ne utros os.. Diálog Diá logos os com três trê s ou cinco interve inte rvençõ nções, es, negocia neg ociações ções numa página não são fatos da linguagem comum. Quando falavam dos “modos bíblicos”, os escolásticos medievais propu nham esse mesmo problema e resolviam-no de maneira correta: a Escritura não emprega os “modos” “mo dos” ( = linguagem) da ciênci ciência, a, que são definir definir e precisar con ceitos, argüir com silogismos e raciocínios ( m o d u s d e f i n i t iv u s , d i v i s i v u s c o l l e c t i vus')\ ela usa os modos literários. Até aqui, indiquei indique i genericamente o tipo tipo de linguagem linguagem bíblica. É possível possível avançar, comparando e relacionando a língua literária e a técnica. A língua técnica pode desenvolver-se a partir da língua literária, especia lizada numa área: num primeiro estágio depende ainda de imagens e símbolos. O começo da filosofia, nas mãos dos pré-socráticos, é intensamente simbólico. A água de Tales não é o nosso H20, o fogo de Heráclito não é a nossa reação química, os átomos de Demócrito Dem ócrito não são os da físic físicaa nuclear. São “elemen tos” captados em sua qualidade simbólica e vistos à distância por uma reflexão filosófica incipiente. Quand Qu andoo tem início início uma um a nova etapa de reflexão filosófica, não é estranho que se volte a encontrar imagens e símbolos, anteriores ao mundo conceituai: é o que acontece com Bergson e com Teilhard de Chardin. Mesmo autores tão abstratos quanto os escolásticos especulam sobre o carisma profé pr ofético tico recor rec orre rend ndoo à “luz da verd ve rdad adee divina div ina”” , ao “ espelho esp elho da eter et erni nida dade de”” . Soehngen se compraz em encher três páginas com algumas imagens extraídas na da menos que de K a n t.21 t.21 A língua técnica retorna à língua literária num terceiro estágio, depois da conceitualização conceitualizaçã o sistemática (que (q ue é o segundo estágio). estágio ). O terceiro estágio é a didática. Nesse momento, mom ento, ela emprega imagens para pa ra “revestir” “rev estir” ou ilustrar ilust rar as suas operações e conclusões conceituais; nesse momento, podemos passar das palav pa lavras ras do prof pr ofes esso sorr “ ao que qu e ele quer qu er dizer” diz er” , “ ao que qu e quer qu er ensin en sinar ar”” . Infel In feliz iz mente, alguns professores de hermenêutica só conhecem esse terceiro estágio, o que praticam por profissão, e quiseram encerrar nele todos os poetas bíblicos.22 A língua técnica pode oferecer à língua literária algumas fórmulas e termos, que serão explorados explo rados pela fantasia. A literalização dos tecnicismos tecnicismos é relativa mente moderna — Gôngora usou-a na poesia, o ensaio moderno serve-se dela. 21. A n a lo g ie u n ã M e ta p h e r , 65-68. 22 22.. A classificação habitual do Antigo Antigo Testam ento, em bora tenha tenha a sua utilidade convencional, pode induzir a erro: livros históricos, livros proféticos, livros didáticos. E, entre os livros didáticos, estão Jó, os Salmos e o Cântico. Mais ainda: as introduções especiais costumam abordar a poética hebraica como introdução aos chamados livros didáticos, sendo essa poética normalmente redu zida ao paralelismo e à métrica.
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A língua literária pode desenvolver-se no rumo da técnica, segundo vimos, por po r depu de pura raçã çãoo e racio ra ciona naliz lizaçã açãoo do símbolo sím bolo — por po r exempl exe mplo, o, “instr “in strum umen ento to — causa instrumental” instrumen tal” — , por po r repetição repetição constante de uma pa lavra usada no mes mo sentido, por fixidez de uma fórmula num contexto, por cspiritualização. A língua literária pode ser parcialmente transposta para a língua técnica: por po r extra ex tração ção do element elem entoo cognos cog noscitiv citivoo ou prop pr oposi osicio ciona nall com nova no va form fo rmula ulação ção.. Obtém-se assim uma espécie de visão distante, um tipo de paráfrase conceituai. Mediante extração, costumamos chegar a um extrato que não adapta o original. Alguns querem ver nisso a exegese; mas isso não é verdadeira interpretação, é transposição. Algumas pessoas, pessoas, com formação e mentalidade conceituai, conceituai, po po dem pensar que só a formulação conceituai é inteligível, ou que é mais inteli gível. 23 Isso não n ão quer qu er dizer que essa formu for mulaçã laçãoo inte i nterp rprete rete de modo mo do mais fiel fiel um texto que não é conceituai, ou que apreenda mais fielmente um conteúdo que é transcendente transcenden te e mister misterioso ioso.. A transposição transpo sição conceituai conceituai não é propriamen propriam en te exegese; é uma operação distinta, deveras importante. No mapa ma pa de front fro nteir eiras as traç tr açad ado, o, vemos vemo s form fo rmula ulado do um dos temas tem as mais atuais da teologia. É proposto de algum modo o problema da relação entre Escri tura e tradição, assim como o é, de forma plena, o problema da relação entre Sagrada Escritura e teologia, entre teologia bíblica e teologia dogmática. Na N a prep pr epar araç ação ão de uma um a definição dogmática ocorre esse esforço de trans posiçã po sição, o, essa busca bu sca de fórm fó rmula ulass mais rigoros rigo rosas, as, essa p rocu ro cura ra de enun en uncia ciado doss e prop pr oposi osiçõ ções es que form fo rmule ulem m um conte co nteúd údoo da nossa nos sa fé. Trata Tr atarr-se se-á -á p o r vezes de transposição de uma passagem bíblica, por vezes de uma formulação de rela ções mais sutis que ligam várias passagens. Em Embo bora ra nunca possa esgotar o mistério particular, a formulação dogmática é verdadeira, é definitiva, não pode ser invalidada. invalidad a. Por Po r seu seu turno, turn o, ela ela não exclui exclui outras definições complem entares nem outras definições que dêem continuidade ao esforço da anterior, contanto que não a invalidem. Como a formulação dogmática busca o rigor e a precisão, bens que se obtêm removendo e limitando, não é difícil compreender que a Sagrada Escri tura supera, em termos de conteúdo de revelação, todas as definições dogmáti cas, permanec perm anecend endoo sempre sempr e inesgotável. inesgotável. Se empregasse exclusivamente uma um a lin lin guagem técnica, a Sagrada Escritura seria bem mais precisa e muito menos rica. Contudo as fórmulas dogmáticas dogmáticas não podem po dem prescindir por completo de de símbolos e imagens, que desempenham uma função essencial na apresentação do mistério da salvação. A formulação bíblica é superior à formulação dogmática à medida que é palav pa lavra ra form fo rmal al de Deus; Deu s; a form fo rmul ulaç ação ão dogm do gmátic ática, a, como com o palav pa lavra ra form fo rmal al da Igreja — depois da sua cristalização c ristalização fundacion fun dacional al — , tem funções específicas, específicas, diferentes diferentes das da Sagrada Escritura. Disso Disso decorre que a Sagrada Escritura pode po de conte co nterr em estado esta do literár lite rário io a integr inte grida idade de da revelaç rev elação, ão, sem basta ba star-s r-see a si mesma. Muitas vezes, vezes, o que chamamos chamam os de “interpreta “inter pretação ção autêntic au têntica” a” é, na ter minologia destas páginas, uma “transposição autêntica”, que define, delimita uma parte par te do conteúdo conteúd o total, com com valor assertivo, assertivo, não exclusivo. exclusivo. Em contr co ntra a 23. Exacerbado por Max Eastm an em seu livro livro T h e L i t e r a r y M i n ã : “Os poetas lutam pelo direito dos literatos de falarem vagamente e de, apesar disso, serem levados a sério numa época científica”; “o literato... possui ainda liber dade soberana no vasto reino da nossa ignorância". Veja-se também a controvérsia aceita, e resolvida a favor da linguagem literária, por Philip Wheelwright, em sua obra T h e B u r n i n g F o u n t a i n : A S t u ã y i n t h e L a n g u a g e o } S y m b o l i s m (Bloomington, 1954).
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part pa rtid ida, a, excluir exc luir em nome no me da E scri sc ritu tura ra as definiçõe defin içõess dogmá dog mátic ticas as seria seri a desco de sconhe nhe cer a vitalidade da palavra, que exige e provoca essas várias formas de expan são. 24 Uma segunda transposição da linguagem bíblica é constituída pela ciência instrum ental técnico de de linguagem: linguagem: teológica. Como ciência, ela precisa de um instrumental conceitos e proposições. De onde a ciência teológica deve deve extrair extra ir e como deve elaborar esse esse instrumental? Em termos teóricos, teóricos, podemos distinguir distinguir três cami nhos: ou ela parte das definições dogmáticas, ou se equipa com um instru mental filosófico alheio, ou ainda parte das fórmulas bíblicas. O primeiro caminho não é linear, mas dialético: isso porque, precisamente, a reflexão teológica prepara prep ara as fórmulas fórmula s da definição. É ingênuo e anti-histórico pens pe nsar ar que as fórm fór m ulas ula s das definiçõe defin içõess fora fo ram m sendo sen do ditas dit as de ouvido ouv ido,, esoteri eso tericacamente, pelos bispos e papas, até o momento em que estes decidiram torná-las pública púb licas. s. A exper ex periên iência cia e a info in form rmaç ação ão recen rec ente te sobre sob re o Concili Con cilioo Vatic Va tican anoo II devem ter curado e vacinado quem acaso sofresse de semelhante ingenuidade. No sentid sen tidoo inverso inv erso,, num nu m deter de termi mina nado do m omen om ento to da histó hi stória ria da Igrej Ig reja, a, um tra tr a ta ta do teológico pode partir do corpus de definições existente nesse momento: é um caminho norm al e necessári necessário. o. O importante imp ortante é não considerar fim fim o que é caminho. Além disso, a ciência teológica desenvolve-se pela especulação com um instrumental instrum ental filosóf filosófico ico exterior à revelação. A escolástica usou o instrumental instrum ental aristoté aristotélico lico.. Roger Bacon dizia: dizia: “A sabedoria integral integral está encerrada na Sa grada Escritura, e deve ser explicada pelo direito e pela filosofia; assim como o punho encerra na mão o que se espalha, assim também toda a sabedoria útil ao homem está contida na Sagrada Escritura, embora não inteiramente desen volvida, volvida, sendo a sua explicação o direito canônico e a filosofia” . 25 Ningué Nin guém m pode po de nega ne garr a valid va lidad adee e a fecun fec undi dida dade de do instru ins trum m enta en tall arist ar isto o télico nas mãos dos grandes teólogos escolásticos. escolásticos. Do mesmo modo, modo , ninguém ninguém pode po de proc pr ocla lam m ar ser essa a form for m a m elhor elh or,, ou única úni ca,, por po r todo to doss os séculos. século s. Um novo contexto cultural pode, em princípio, oferecer e exigir um novo instru mental especulativo. O que nunca pode faltar, sem grave prejuízo, é o contato com as fórmulas bíblica bíb licas. s. A linguag ling uagem em bíblica bíb lica deve ter te r sempre sem pre um luga lu gar, r, e um luga lu garr privileg priv ilegiado iado,, na ciência teológica. Mas essa proposição propo sição não contradiz con tradiz toda a explicação anterior? Se a lin guagem bíblica é literária, e a linguagem teológica é técnica, a linguagem teo lógica lógica não pode ser bíblica. bíblica. (Veja-se sobre isso isso a minha comunicação na XVII X VII Semana Espanhola de Teologia [1957] acerca do Arg A rguu m ento en to de Escritu Esc ritura ra y teologia bíblica en la ensenanza de la teologia, Madri, 1960.) Ela não pode ser puramente bíblica; pode tomar a linguagem bíblica como pont po ntoo de part pa rtid idaa e m ante an terr o cont co ntat atoo com ela para pa ra ampli am pliarar-se se e renov ren ovarar-se. se. O fato de ela não poder ser puramente bíblica é demonstrado pelas me lhores teologias bíblic bíb licas as.2 .266 Um von Rad, que se distingue pela sua sintonia com 24. Veja -se in H e r ã e r K o r r e s p o n d e n z 22 (1968): Gegenwártige Versuche der Dogmeninterpretation, especialmente p. 270. 25. Opus Maíus. 26 26.. L. Alonso Schõke l, Biblische T heologie des Alten Testam ents, S t i m m e n (19 63) :34-51 :34-51;; id., id ., T e o l o g i a b í b l i c a : A n t i g u o T e s t a m e n t o , SM VI d e r Z e i t 172 (1963) (Herder, Barcelona, 1976), 565-570); id., Salvación y liberaeión, C u a ã e r n o s B í b l i c o s 5 (1980):5-13.
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o mundo do Antigo Testamento e por seus dotes de escritor exigente, não usa em sua teologia do Antigo Testamento uma linguagem puramente bíblica, rea lizando freqüentes transposições transposiçõe s a uma linguagem linguagem mais conceituai: “Dissolu ção da fé patriarcal nos cultos de fertilidade cananeus. . ., alusão a uma nova ação salvífica. . ., familiaridade fam iliaridade com as ações ações históricas históricas do Senhor S enhor”” . Essas não são fórmulas bíblicas. No N o Novo No vo Testa Te stam m ento, en to, em que Paulo Pa ulo nos oferece ofer ece um a rica ric a termi ter mino nolog logia ia teo teo lógica, sente-se também a necessidade de continuar o processo de conceitualizar. O grande dicionário de G. Kittel não é composto numa linguagem puramente bíblica bíb lica,, mas inco in corp rpor oraa toda to da um a tradi tra diçã çãoo alem ale m ã de form fo rmula ulaçã çãoo concei con ceituai tuai.. Ora, Or a, se a linguagem bíblica não é suficiente aos exegetas e professores de teologia bíblica, bíblic a, como exigir que o seja aos profes pro fessore soress de teolog teo logia ia sistemáti siste mática? ca? As teologias analítica, especulativa e sistemática nunca deverão ser consi deradas terminadas; sempre restarão elementos bíblicos que esperam uma trans posiçã pos içãoo p ara ar a a linguagem lingu agem concei con ceitua tuaii da teologia. teolo gia. E , volta vo ltand ndoo sem cessar cessa r às fórmulas bíblicas, a fim de recomeçar novas jornadas, a teologia científica sem pre pr e se m ante an terá rá viva. Nesse Ne sse sentido, sen tido, é legítimo legítim o trab tr abal alha harr por po r uma um a teologia teol ogia mais bíblica bíb lica:: ela enco en contr ntrar aráá os seus mater ma teriai iaiss imedia im ediatos tos nas obras ob ras interm int ermed ediár iárias ias — dicionários bíblicos, temas bíblicos, monografias de teologia bíblica — e na próp pr ópria ria leitu le itura ra repo re pous usad adaa e repe re petid tidaa do texto tex to bíblico. bíb lico. G rand ra ndee part pa rtee da taref tar efaa teológica é uma tarefa de linguagem, no sentido mais profundo. CONCLUSÃO Fizemos um corte vertical na linguagem para refletir sobre os seus níveis Esse corte não mostra necessariamente uma sucessão histórica, como os estra tos arqueológicos de uma escavação. Em termos cronológicos, seria preciso distinguir a linguagem primitiva da linguagem linguagem da cultura. Essa distinção não nos ajuda muito no estudo da palavra inspirada, pois a linguagem bíblica não é uma linguagem primitiva; ela nasce e cresce em ambiente de cultura. Se o hebraico bíblico é paupérrim o em adje tivos, modesto em vocabulário, simples em estrutura sintática, possui, em com pensaç pen sação, ão, uma um a conju co njuga gação ção diferen dife rencia ciada, da, chegan che gando do a atingir, atingir , nas mãos mã os dos seus bons poetas, poe tas, um vigor vigo r eleme ele menta ntar. r. É possível que alguém se interesse por saber que a língua do Antigo Tes tamento é mais rica em força do que em refinamento (embora seja mestra em efeitos sonoros), que tem uma concreção elementar de substantivos e verbos. Essas qualidades referem-se à língua que os autores bíblicos usaram e nos le garam, não constituindo um diagnóstico universal da língua língua hebraica. Quanto à língua grega, todos sabemos que é uma das línguas mais bem cultivadas que conhecemos e que o Novo Testamento se contenta com algumas possibilidades dessa língua.
TERCEIRA PARTE
OS AUTORES INSPIRADOS OTW 7iv£ 7iv£U U[jwjio [jwjioçç ay a y iou io u
7. 8.
Psicologia da inspiração
9.
Falar e escrever
Sociologia da inspiração
7 PSICOLOGIA DA INSPIRAÇÃO
Considerada formalmente como moção do Espírito, a inspiração não pode ser submetida a estudo psicológi psicológico. co. O processo processo humano hu mano que o Espírito Santo Santo move e dirige pode ser objeto de uma análise especulativa, e os seus resultados podem pod em ser design des ignado adoss como co mo uma um a psicolo psic ologia gia da inspi in spira raçã ção, o, hipoté hip otétic tica. a. Um título títu lo mais exato e menos cômodo poderia ser “psicologia do processo inspirado”. Essa análise análise é legítima? legítima? É útil? útil? Não Nã o será será melhor mantê-la man tê-la no mistéri mistério? o? Há uma objeção: assim como é inútil analisar o processo de pensamento ma temático que um professor realiza em estado de graça, e com expressa intenção sobrenatural, sobrenatu ral, para pa ra compreender compreen der o fato da graça graça também é estéril estéril estudar um proce pro cesso sso hum hu m ano an o de conh co nhec ecim imen ento to ou de criaç cr iação ão liter lit erár ária ia p ara ar a ente en tend nder er melhor me lhor o carisma da inspiração. Essa objeção menospreza uma diferença radical: enquanto a graça não se refere especificamente ao pensamento matemático, a inspiração bíblica refere-se especificamente a uma operação de linguagem: ela recebe toda a sua especi ficação do objeto que deve produzir. 1 Para enfrentar essa questão, sigo a prática comum dos tratadistas da pro fecia e da inspiração. O MODELO LEONINO Na N a prát pr átic icaa recen rec ente te dos manu ma nuais ais,, impe im pera ra o model mo deloo leonin leo nino, o, form fo rmul ulad adoo da seguinte seguinte maneira: mane ira: “Não tem importância alguma o fato de o Espírito Santo ter assumido os homens como instrumentos para escrever, como se algum erro pude pu desse sse esca es capa parr aos auto au tores res inspi in spirad rados, os, mas n ã o ao auto au torr princ pri ncip ipal. al. Pois Poi s ele, com uma força sobrenatural, impulsionou-os e moveu-os a escrever, assistiu-os enquanto escreviam, de modo que eles conceberam retamente em sua mente, decidiram escrever fielmente e exprimiram aptamente com verdade infalível tudo e só o que ele ele queria; caso contrário, não seria ele autor da Sagrada Escritura” Escritu ra” . 2 Lemos essa descrição de Leão XIII na parte da encíclica que trata da inerrância, contra os que pretendiam admitir erros na Bíblia, atribuíveis ao autor 1. Mas quem insistir insistir na objeção e estiver persuadido da da inutilidade inutilidade de um estudo desse tipo dispõe de uma solução simples: pular para a p. 200. 2. E B 125. A en cíclica parece retom ar o pensa m ento de Franzelin. Franzelin.
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humano hum ano e não a Deus. O pontífice rejeita rejeita essa essa distinção estabelecendo um prin cípio definido — “Deus é autor de toda a Escritura” — e acrescentando uma explicação explicação especulativa especulativa — o que sign signifi ifica ca ser autor. A descrição descrição não é pro post po staa como com o ensin en sinam ament entoo inde in depe pend nden ente te in recto, mas enquanto subordinada à doutrina da inerrância in obliquo. Que dizer do modelo leonino? Antes de tudo, afirmamos a sua validade fundamental. fundamen tal. Um esquema psicológic psicológicoo conserva a validade enquanto aceito aceito co mo esquema, e perde-a caso seja tomado como forma adequada e exclusiva. Deixando de lado a escrita automática e outros casos anormais ou pato lógicos, todo processo literário pode ser decomposto esquematicamente em três tempos: um tempo intelectual de conhecimento — da ordem o rdem que for — , um tempo de vontade livre dirigida para a objetivação literária, um tempo de execução ou realização. O fato de, na realidade, os tempos poderem sobrepor-se, de cada um poder desdobrar-se e adotar formas diversas, não nega a vali dade básica do esquema. Para abordar de modo genérico os problemas do processo inspirado, é útil dividir esquematicamente esse processo e continuar a diferenciação no âmbito de cada tempo. É o que fazem fazem os os autores de manuais e o q ue vou repetir aqui, resumindo exposições de outros autores. O MODELO DOS MANUAIS TEOLÓGICOS 1 . Entendimento. O autor humano pode receber os os seus seus conhecimentos diretamente de Deus, por revelação prévia; e essa revelação pode chegar por diversos diversos caminhos: caminhos: visão, visão, imaginação, imaginação, percepção intelectual. intelectual. O autor humano pode po de adqu ad quiri irirr os seus conh co nheci ecime mento ntoss po r suas próp pr ópria riass força fo rças: s: expe ex periên riência cia,, es tudos, consulta a fontes etc. Nesse caso, o autor auto r inspirado inspir ado realiza um julga julga mento interior sobre sob re a verdade de tais conhecimentos — “assim é” (explícito ou implícito) —, e esse julgamento ocorre iluminado por Deus — “sob a luz da verdade divina” . Essa iluminação é parte integrante do do processo inspirado. Pela luz divina, os julgamentos são divinos: não tanto o enunciado enquanto tal, tal, a sua matéria, mas o juízo de verdade, verda de, que q ue é a forma form a do enunciado. enunciad o. Sendo verdade divina, essa forma exige de nós o assentimento formal da fé na verdade revelada. Não é necessário necessário nem comum que o hagiógrafo esteja esteja consciente consciente da influência divina em sua mente. 2. “Nenhuma “Nenhum a profecia ocorre por vontade hum ana.” Deus move a von tade humana de escrever, sem tirar a liberdade; normalmente, sem que o ho mem esteja consciente da moção divina; a moção divina é infalível em obter o resultado. resultado . Essencial é a influência física física interna; inte rna; às vezes vezes ocorre também també m a in fluência divina moral, dirigindo as circunstâncias que moverão de fato a von tade do escritor. Sob a ação infalível de Deus, a decisão do homem é divina: Deus é autor do processo e, por ele, do livro. 3 . Execução. É o fato de escrever escrever,, que o autor humano human o realiza por po r si si ou através de outros; e é o fato de formular em termos aptos e sem erro. A execução não é dirigida por uma moção sobrenatural de Deus, ocorrendo apenas a assistência divina para que as fórmulas sejam aptas e para que não haja a infiltração infiltração de erros. erros. Essa assistênc assistência ia não é uma moção física física nas faculda faculd a des executivas.
O modelo de Benoit
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Estou certo de que, ao ler a exposição anterior, o leitor escutou em seu interior uma saraivada de perguntas e objeções que nem sequer teve tempo de formular: “Mesmo sendo esquema, é demasiado sintético. . . É um modelo psi cológic cológicoo prim itivo. itivo . . . Considera apenas o caso caso do escrit esc ritor. or. . . A fantasia de de um poeta po eta é faculdade faculd ade executiva? executiva? Que dizer de tudo o que não é julgamento julgamento nem doutrina doutr ina?. ?. . . A formulaçã fo rmulaçãoo ocupa um lugar lug ar secund se cundário. ário. . . Desconhece a psicologia da linguag linguagem. em. . . Ressente-se da visão visão da profecia profec ia como com o carisma de conhecimento. . .” Vamos abrandar a saraivada para poder entender-nos e continuar discor rendo. Outros autores sentiram a insuficiência insuficiência do esquema e procura pro curaram ram dife renciá-lo em sua especulação teológica. O MODELO DE BENOIT Pode-se começar por seu último artigo, que retoma e corrige os anteriores: Révélation et inspiration. Selon la Bible, chez Saint Thomas et dans les discussions modernes, B B 70 (1963) (1963) ;32 3211-37 3700. A prim eira pa rte do artigo é ded icada a u m a visão mais ampla e flexível do pensamento de Tomás de Aquino, 321-336; a segunda procura obter amplitude e flexibilidade, repassando textos bíblicos, 336-349; a terceira, na qual desembocam as anteriores, restringe-se ao tema dos julga mentos especulativo e prático. A. Desroches, J u g e m e n t p r a t i q u e e t j u g e m e n t s p é c u l a t i f c h e z V é c r iv a in inspiré (Ottawa, 1985). Trata-se de uma tese de 140 pp., de tipo sobretudo des critivo, pobre de documentação.
Dou-lhe esse nome porque ele impulsionou de modo especial a distinção. O próprio Benoit informa-nos que pela primeira vez propõe a distinção do exegeta do século XVI, XV I, Nicolau Serário: “Segundo: Deus ilumina o entendimento entendime nto do escritor: com uma luz sobrenatural, ou com uma luz natural, mas sobre naturalmente concedida ou aumentada. E isso, isso, ou apenas para perceber o dita do, ou para pa ra julgá-l julgá-lo, o, ou para pa ra ambas operações o perações.. . . Terceiro: o julgamento julgamento do escritor sobre o ditado pode ser teórico ou prático. prático . Teórico, quando qu ando o escritor escritor julga jul ga que o ditado dita do é verda ver dade deiro iro.. Práti Pr ático co,, quan qu ando do julga jul ga que deve escrevê-lo escre vê-lo precis pre cisam amen ente te com deter de termi mina nadas das palav pa lavras ras,, de deter de termi mina nado do modo, mo do, em deter de termi mina na do tempo”. 3 O julgamento teórico tem como objeto a verdade; o julgamento prático tem como objeto o bem, um fim a ser obtido. O julgamen julgamento to teórico é cognoscognoscitivo, citivo, o julgamento prático é de ação. Esses julgamentos julgamento s existem existem e atuam de maneiras diversas nos autores inspirados. Tomemos o caso de um profeta; quando anuncia a próxima e inapelável desgraça, “ireis para o desterro”, o profeta enuncia uma proposição verdadeira em nome de Deus; o julgamento especulativo ou teórico determinou o oráculo profétic pro fético. o. Quan Qu ando do preg pr egaa um sermão ser mão ao povo, pov o, a fim de que este se conver con verta, ta, o profeta visa a um bom fim: o julgamento prático iniciou e dirigiu a atividade literária, um julgamento sobre o fim a que se propõe e sobre a aptidão dos meios. 3. As I n s t i t u t i o n e s B ib l i c a e (Roma, 61951) I, 35, dão-nos a citação de Serário, extraída da obra P r o le g o m e n a B i b l i c a (Mogúncia, 1612). Desroches e Grelot também se referem a Serário. A fonte de todos talvez seja a ampla citação desse autor in I n s t i t u t i o n e s B ib l i c a e (Pontificium (Pontificium Institutum Biblicum): D e i n s p i r a t i o n e (Merk-Bea), 35s.
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O julgamento teórico dominante suscita um julgamento prático sobre a conveniência ou decisão de comunicá-lo; o julgamento prático dominante de sencadeia julgamentos julgamentos teóricos parciais, que que subordina ao seu fim. fim. Para Pa ra que, em cada caso, se julgue o resultado, é preciso levar em conta quem domina e dirige a atividade: se for o julgamento teórico, pergunta-se pela verdade, afirma-se a inerrância; se for o julgamento prático, pergunta-se pela aptidão. Ambos os processos são inspirados, analogicamente, cada um segundo a sua natureza. natur eza. Aos dois julgamentos julgame ntos iniciais iniciais sucede um processo de execução: execuç ão: ação das faculdades faculda des executivas sob a assistência assistência do Espírito Santo. Em seu último último artigo, artigo, Benoit resume o seu pensamento pensame nto em três proposições: “A composição dos livros sagrados exige julgamentos teóricos sobrenaturais e julgamentos prá ticos. ticos. Esses julgamentos julgamen tos teóricos não são necessariame necess ariamente nte anteriores anteriore s aos julga mentos práticos, podendo pod endo ser posteriores ou concomitantes. Esses julgamentos teóricos podem ser qualificados pela influência dos julgamentos práticos”. 1 Mais adiante, no mesmo artigo, o autor sente a necessidade de uma dis Ju gem m ent en t prati pr atiqu quee et juge ju gem m ent en t tinção posterior proposta por A. Desroches, Juge spéculatif chez Vêcrivain inspire (Ottawa, 1958 ). Diz Benoit: “Julgamento “Julgamento teórico absoluto, abso luto, que se refere à verdade em si m esm es m a. . . Julgam ento teórico de ação, que tem como objeto a verdade em sua referência à obra. . . na me dida do possível. . . Julgamen Julga mento to prático, que tem tem como objeto a verdade verdad e em sua relação com o apetite reto . . . que tende de forma devida de vida ao fim fim da arte, que que é a obra”. 5 A distinção de Benoit não perde de vista a inerrância, permitindo-lhe gra duar o peso afirmativo com que o autor se compromete, chegando mesmo aos casos em que o autor enuncia sem comprometer-se, com vistas à sua finalidade: “à écrire certaines choses sans s’engager”. Além disso, o último artigo de Benoit oferece uma breve história das dis cussões recentes sobre os os dois julgamentos: julgam entos: Franzelin Fra nzelin,, Levesque, Crets, Calmes, Pesch, Merkelbach, Lagrange, Bea. . . Sem dúvida, o esquema que designei como de Benoit diferencia e toma precis pre cisoo o model mo deloo leonin leo nino. o. É um progr pr ogress esso, o, à m edida ed ida que se apro ap roxim ximaa mais mai s da realidade realid ade psicológica psicológica da criação criaçã o literária. literária. Contudo Con tudo creio que não satisfaz satisfaz todas as necessidades: ainda centra tudo no julgamento, ainda rebaixa fatores eminentemen emin entemente te criativos criativos do poeta poe ta a faculdades faculda des executivas. executivas. Por Po r isso, isso, reconhe reco nhe cendo o valor dessas explicações, parece-me oportuno procurar outro caminho, mais positivo e mais moderno: o caminho da criação literária. O MODELO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA Esta análise divide-se em duas etapas: a primeira será uma descrição típica da criação literária, tal como a conhecemos a partir de depoimentos de auto res; a segunda consistirá em tentar aplicar as conclusões aos autores bíblicos, apoiados em suas confissões ou em suas obras. As duas dua s etapas suscitam sérias objeções. A primeira: não existindo uma um a doutrina comum sobre a matéria (só existem confissões dispersas), a seleção e classific classificação ação pode mostrar-se pouco representativa. A segunda objeção é mais 4. 5.
RB, n. cit. Ibid. Ib id.,, 361-36 361-362. 2.
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séria, pois nega qualquer paralelo enlre os autores da nossa cultura e os autores bíblicos bíb licos:: o concei con ceito to “ auto au tor” r” é um equívoc equ ívoco, o, ou uma um a analo an alogia gia tão tã o dista dis tante nte que não tem utilidade para a indagação intelectual. Obviamente os hagiógrafos não são poeta po etass român rom ântic ticos osnem nem poetasmoder poetasmoder nos. nos. Têm um sentido sentido diferente de toda a literatura. A sua técnica de compo compo sição, mais que verdadeira criação, é muitas vezes composição de materiais já elaborados. O profeta bíblico não se preocupa preoc upa com a obra enquanto tal, mas com a proclamação proclam ação do oráculo divino. divino.O O autor bíblico não procuraafirmar procuraafirmar a sua persona pe rsonalidad lidadee no estilo ena obra. Mantida a devida distância — creio que não se tem o direito de exage rar ra r — , afirmo a existência de uma um a analogia suficiente. suficiente. Chego às vezes vezes a me perg pe rgun unta tarr se aquele aqu eless que negam neg am todo to do pont po ntoo de cont co ntat atoo não nã o estar es tarão ão quere qu erend ndoo tranqüilizar a consciência, a fim de abordar os autores bíblicos com técnicas autônomas; outros pesquisadores parecem não possuir grande sensibilidade lite rária. Quem defende defende não haver have r literatura nem poesia poesia no Antigo Testamento tem um conceito particular de ambos os termos. Pensemos no Cântico dos Cânticos (ou em suas unidades inferiores), no livro de Jó (mesmo removendo acréscimos), na introdução do Qohelet, num salmo escolhido, em tantas tant as páginas proféticas. Se a nossa sensibilidade artística vibra com a sua leitura é porque não se trata de um mundo poético absoluta mente distante do nosso. nosso. De uma obra para a outra, descobrimos uma analogia analogia suficiente para pa ra justificar a tentativa tentati va de análise. Além disso, disso, no âmbito âm bito da nossa cultura também existem as distâncias: da arte poética de Horácio à de Verlaine ou de Gerardo Diego há uma boa distância a percorrer. O ARTISTA DA LINGUAGEM H. Lusscau, E s s a i s u r 1’i n s p i r a t i o n s c r i p t u r a i r e (Paris, 1930). Essa tese, defendida em 1928, dedica um capítulo à “Psicologia do escritor” antes de desen volver o modelo leonino. São treze páginas. Entre os autores citados estão Pesch, Billot, Schiffini, Tomás de Aquino; há uma breve citação de Boileau e referências a Pascal; são citados em nota dois discursos, um de M. H. Houssaye (1895) sobre Leconte de Lisle e outro de Brunetière (1894) sobre Bossuet. A. Desroches, J u g e m e n t p r a t i q u e e t j u g e m e n t s p é c u l a t i f c h e z V é c ri v a in i n s p ir é (Ottawa, 1958). O autor também dedica um capítulo à “Psicologia do autor literário”, pp. 107-123. As autoridades evocadas são Cayetano, Tomás de Aquino, João de Santo Tomás, Aristóteles. Há uma citação de Chateaubriand, uma de Maritain e duas de Longhaye. Não posso seguir esse método. As poucas páginas que escreverei devem ter uma base mais ampla. Com base em uma grande familiaridade com o fato literá rio e a técnica literária, eu não conseguiria mencionar todos os autores que influenciam a minha exposição. Só posso citar algumas autoridades com quem recentemente, tendo em vista estas páginas, comparei as minhas idéias. J. Maritain, C r e a t i v e I n t u i t i o n i n A r t a n d P o e t r y (Nova Iorque, 1955). O autor elabora com categorias tomistas o aspecto filosófico; sobre o esforço do tomismo moderno no sentido de incorporar o fato poético, veja-se E. R. Curtius, L i t e r a tu r a e u r o p e a y E d a ã M e d i a l a t i n a (México, T984), 322-323. Maritain escreve com expe riência pessoal de escritor e com sensibilidade de leitor d e poesia. O seu modelo psicológico é diferenciado. Interessa-nos aqui, sobretudo, o capítulo 4, “Intuição criadora e conhecimento poético”, no qual o autor explica a virtude cognoscitiva e criativa desse tipo de intuição. Brewster Ghiselim, T h e C r e a t i v e P r o c e s s (Nova Iorque, 1955). Depoimentos selecionados de matemáticos (Poincaré, Einstein), músicos (Mozart), pintores (Van Gogh, Picasso), escultores (Moore) e vários literatos.
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Charles Norman, P o e t s o n P o e t r y (Nova Iorque, 1962). Depoimentos de dezesseis poetas de língua inglesa sobre a poesia; embora nem todos se refiram ao processo criativo, quase todos incluem dados sobre a técnica literária. H. M. Block e H. Salinger, T h e C r e a t i v e V i s i o n : M o d e r n E u r o p e a n W r i t e r s o n t h e i r A r t (Nova Iorque, 1960). Poetas, romancistas e dramaturgos. te r s o n W r i ti ti n g (No va Iorque, 1948) W. Allen, W r i te 1948).. É um a excelente e abun dante seleção de testemu testemu nho s de vários autores, a maioria de língua inglesa, organi zados com grande adequação. Foi o livro que mais utilizei. A. Maurois, T h e A r t o f W r i t i n g (Nova Iorque, 1962). O primeiro ensaio fala do ofício de escritor e dá conselhos sobre ele. Malcolm Cowley, W r i t e r s a t W o r k (Nova Iorque, 1959). Uma série de entre vistas com escritores de teatro e romancistas. Contém muitos dados sobre o processo e a técnica do escritor. John W. Aldridge, Critiques anã Essays on Modern Fiction 1920-1951. U m a coleção de ensaios de primeira categoria. Além disso, oferece uma rica bibliogra fia, da qual podem interessar, sobretudo, II, 2, “Writers on their Craft”, com 56 títulos, e II, 3, “The Artist and the Creative Process”, com 89 títulos (livros ou revistas). Vários dados dispersos no livro de R. Wellek/A. Warren, T e o r i a L i t e r a r i a (Madri, 1953), original americano (Nova Iorque, 1949). Com referência à Escritura, podem-se ver: L. Alonso Schokel, Preguntas nuevas acerca de la inspiracidn in X V I S e m a n a B í b l i c a E s p a n o la (1957), 275-290; id., Die stilistische Analyse bie den Propheten, V T S u p 7 (196 ( 1960): 0): 15 154-1 4-164; 64; A. A rto la, la , La inspiración de la Sagrada Escritura in L. Alonso Schokel (ed.), C o m e n t á r i o s a l a c o n s t i t u c ió n “D e i V e r b u m ” s o b r e la d i v i n a r e v e l a c i ó n (BAC, Madri, 1969), 371-391.
Procuremos Procurem os caracterizar um artista artista da nossa cultura. Costuma ser um ho ho mem capaz de vivências intensas, múltiplas ; em si, essas vivências não são ainda de natureza especificamente poética, podendo ser iguais às dos outros mortais (por (p or exemplo, um um desengano amoro am oroso). so). Capaz de vivências vivências próprias próp rias e, ao mesmo tempo, de incorporar vivências alheias, revivendo-as por misteriosa simpatia. Capaz de suscitar uma vivência vivência não apenas apen as pelo impacto impac to da vida, vida, mas também pelo da literatura: litera tura: o artista pode ter uma sensibilidade especial especial para pa ra capt ca ptar ar obras obr as poética poé ticas. s. E ele se entre en trega ga à vivência, vivênci a, aceit ac eitan ando do a sua su a inte in ten n sidade e a sua dor, ou, por outro lado, considera-a em sua fantasia com dis tanciamento intelectual. Recordemos a multiplicidade de Lope de Vega, a intensidade de Antonio Machado, a entrega de que nos fala Rilke, a vivência de João da Cruz suscitada por po r um poema poe ma amoro am oroso. so. E m bo ra pareç pa reçam am de tipo român rom ântic tico, o, esses cara ca racte cteres res não são exclusivos dessa escola (nenhum autor citado é romântico); grande parte pa rte da recent rec entee liter lit erat atur uraa engaja eng ajada, da, muitos mui tos clássicos clássico s de grand gra ndee estat es tatur uraa (Pe(Pe trarca, frei Luís) Luís ) podem pode m reivindicar semelhantes privilégi privilégios. os. O mesmo não ocorre com os exercícios de imitação desencadeados por alguns escritores po derosos, como a explosão de petrarquismo na Europa do século XVI. O artista, que dessa maneira se entregou à sua vivência, mantém-se curiosa mente distante: é como se se desdobrasse para contemplá-la. À entrega en trega inten inten sa, ele opõe um ponto pont o de observação distante e superior. Entrega-se Entreg a-se ao amor e à dor como poucos e, ao ao mesmo tempo, possui uma lúcida consciência refle xiva para pa ra observar obse rvar o seu amor amo r e a sua dor como material materia l de trabalho. Rilke expressou esses dois elementos de modo soberbo: “Oh, velha maldição dos poetas, que se queixam quando deviam dizer que sempre opinam sobre os seus sentires em lugar de formá-los, e supõem
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que o que neles é triste ou gozoso saberiam e poderiam em poemas chorá-lo cho rá-lo ou festejá-lo. Como enfermos convertem em lamento a sua linguagem, para pa ra dizer diz er onde on de lhes lhe s dói, em vez de se transformar, duros em palavras, como o canteiro de uma catedral se transforma na calma da pedra.” 6 R é q u i e m p a r a u m p o e t a (trad. de José Maria Valverde).
Thomas Mann fez deles tema de algumas narrações: Tonio Kroeger, Tristão. Em alguns autores, autore s, o distanciamen distancia mento to é máximo: máx imo: pode pod e ser de de tipo clássi clássico co ou uma auto-ironia muito moderna. O distanciamento também pode dominar na visão de vivências humanas alheias, sem participação sincera: curiosidade fria, contemplação que chega às raias da impiedade, defesa egoísta da própria posiçã pos içãoo de artist art ista. a. Mas certo cer to dista dis tanc nciam iamen ento to,, próp pr ópri rioo e alheio, alhe io, é necessá nec essário rio ao escritor. O grande artista recebe a intuição inicial, central, unificadora, dominadora; é o caso de dramaturgos como Shakespeare e Calderón, dos grandes romancis tas russos. russo s. . . Na poesia de menor men or fôlego também pode o correr corre r essa essa intuição inicial, central e dominadora: Keats, Juan Ramón, Valéry. . . Finalmente, o literato possui o dom da linguagem', com facilidade ou com esforço esforço maneja a língua, língua, submete-a, restringe-a, molda-a. A facilidade de Lope de Vega pode contrastar com a dificuldade de Schiller; Tolstoi escreve sete ve zes Guerra e Paz. . . Se quiséssemos transformar as quatro características num processo, con servaríamos servaríamos a mesma ordem: vivência, vivência, contemplação, intuição, execução. execução. Que esse esquema — outra vez um esquema — nos baste por ora. No extrem ext remoo opost op ostoo ao artis ar tista ta pode po deros roso, o, olham olh amos os com respe res peito ito o hone ho nesto sto artesão da linguagem, com a sua moderada graça poética, com os seus achados pouco pou co espeta esp etacu cular lares es,, e não nã o meno me nospr spreze ezemo moss o artes ar tesão ão imita im itado dorr que não nã o obteve obt eve o dom da poesia. Mesmo o grande artista a rtista muitas vezes vezes se se encontra sozinho com a sua capacidade artesanal, e ela pode transformar-se no ponto de partida da criação. Valéry formula-o da seguinte seguinte maneira: man eira: “O poeta é despertado no homem por um acontecimento inesperado, por um incidente interior ou exterior: uma árvore, um rosto, um tema, uma emoção, emoçã o, uma um a palavra. Às vezes, vezes, quem dá a partida é uma vontade de expressão, uma necessidade de traduzir o que sentimos; às vezes, pelo contrário, trata-se de um elemento formal que busca a sua causa, que que busca um sentido no espaço de minha alma. alm a. . . Fixai-vos bem nessa dualidade passível de entrar em jogo: às vezes algo deseja expressar-se, às vezes um meio de expressão quer fazer uso de algo”. 7 Com esses dados aproximados, empreenderemos uma exploração pela terra prom pr omet etid idaa do Antig An tigoo Testa Te stam m ento en to.. Não Nã o sei se o resu re sulta ltado do será se rá extre ex trema mam m ente ent e frutífero ou se esse mundo diferente nos derrotará. Em todo o caso, vale a pena tentar.
6. Pode-se men cionar tamb ém a distinção feita por Collingwood Collingwood en tre expressar emoções e delatá-las ( e x p r e s s i n g - b e t r a y i n g ): The Principies of Art, VI, 7. 7. O e u v r e s 1338.
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UM GRANDE POETA Um dos trechos líricos mais intensos de todo o Antigo Testamento é o poem po em a de Oséias Osé ias sobre sob re a mulhe mu lherr infiel. s A fora fo ra dificuld difi culdade adess menor me nores es,, ninguém ningu ém nega o sentido fundamental do poema, sua unidade substancial, seu vigor de linguagem. linguagem. De maneira m aneira imediata ou refletida, todos todos podem admirar a envol envol vente co-penetração do plano matrimonial, do plano da terra e do plano di vino: Os 2,4-22. O bom amor: pleito e reconciliação
Pleiteai com vossa mãe, pleiteai que ela não é minha mulher, nem eu seu marido, pa ra que se afastem afa stem do rosto ro sto suas sua s fornic for nicaç açõe õess e de entre os peitos os seus adultérios; senão a deixarei nua e em cueiros, como no dia em que nasceu; convertê-la-ei em estepe, transformá-la-ei em terra erma, eu a matarei de sede; e de seus filhos não me compadecerei, porq po rque ue são basta ba stard rdos os.. Sim, sua mãe se prostitui, aquela que os gerou caiu em desonra. Dizia: vou atrás de meus amantes, que me dão meu pão e minha água, minha lã e meu linho, meu vinho e meu azeite. Vou cercar o seu caminho com espinhos e a ele antepor uma barreira pa p a ra que não nã o enco en contr ntree suas sendas. Perseguirá seus amantes e não os alcançará, proc pr ocur uráá-lo loss-áá e não nã o os enco en cont ntra rará rá,, e dirá: Vou voltar para o meu primeiro marido, pois outr ou tror oraa eu estava esta va melh me lhor or do que agora. ago ra. Ela não compreendia que era eu quem lhe dava o trigo e o vinho e o azeite, e ouro, e prata em abundância. Por isso voltarei a lhe tirar meu trigo em seu tempo e meu vinho em sua estação; tomarei minha lã e meu linho, com que cobria a sua nudez. Descobrirei sua infâmia diante de seus amantes, e ninguém a livrará de minha mão; porei po rei fim a suas alegrias aleg rias,, a suas festas, festa s, suas luas novas, sábados e todas as suas solenidades. Arrasarei sua vide e sua figueira, das quais dizia: são o meu pagamento, me foram dadas por meus amantes. Reduzi-las-ei a matagal, e os animais selvagens as devorarão. Pedirei contas de quando oferecia incenso aos baals e se endomingava com anéis e colares 8.
Veja-se o com entár io in P r o fe ta s II, pp. 874-880.
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par p araa ir ter te r com seus amant am antes, es, esquecendo-se de mim — oráculo do Senhor. Por isso, olha que vou reduzi-la levando-a comigo ao deserto e falando-lhe ao coração. Lá lhe darei suas vinhas, e o Vale da Desgraça será Passagem da Esperança. Ali me responderá como em sua juventude, como quando saiu do Egito. Naqu Na quele ele dia di a — orácu or áculo lo do Senho Sen horr — me cham ch amará aráss “ Meu Me u m arid ar ido” o”,, já não nã o me cham ch amará aráss de “Meu “M eu Ído Íd o lo” lo ” . Afastarei de tua boca os nomes dos baalim, e seus seus nomes não nã o mais serão invocados. Naq N aque uele le dia, dia , farei far ei para pa ra eles uma um a alianç ali ançaa com as bestas bes tas selvagens, selvage ns, com as aves do céu e com os répteis da terra. Arco e espada e armas, quebrá-los-ei no país, e os deixarei dormir tranqüilos. Casar-me-ei contigo para sempre, me casarei contigo ao preço de justiça e direito, de afeto e de carinho. Casar-me-ei contigo ao preço da fidelidade, e conhecerás o Senhor. Podemos reconstruir o processo criativo desse poema partindo do próprio poema po ema?? Podem Po demos os tent te ntar ar,, utiliz ut ilizan ando do dado da doss mais narra na rrativ tivos os de outro ou tro capítu cap ítulo, lo, 1,2-9. 1,2-9. Oséias Oséias aparece como um marido que ama apaixonadam ente sua mulher, mulher, com força total to tal e exclusiva; exclusiva; e essa mulher lhe é infiel. infiel. Sobrevêm uma dor aguda, persistente, que se aprofun apro funda da em si si mesma.Todo Tod o o amor transform tran sforma-se a-se em dor, a dor suscita a cólera, deseja tornar-se torna r-se ódio para pa ra não n ão sentir se ntir a dor; mas não o consegue, porque o amor é indestrutível, nostálgico, conquistador. Até aqui — isto é, é, na reconstrução hipotética — , Oséia Oséiass ainda não n ão é um poeta, é um marido tragicamente enganado. Em algum momento ele consegue distanciar-se, ver a sua dor; talvez se perg pe rgun unte te qual qu al a razão raz ão dessa des sa dor, do r, talvez talv ez se queixe que ixe de uma um a escolha esco lha que consi cons i derava inspirada por Deus. Nesse Ne sse plúm pl úmbe beoo clima clim a de torm to rmen enta ta,, fulgu ful gura ra um raio rai o de luz ofus of usca cant nte: e: a sua experiência é iluminada a partir do alto, torna-se transparente e mostra de repente repen te o seu sentido. Não se trata trat a de Oséias e de sua mulher, mas de Deus e de seu povo; ou melhor, a experiência autêntica de Oséias com sua mulher reflete e descobre o amor amo r de Deus por p or seu povo. A experiência do profeta teve de ser muito dolorosa e muito profunda para poder refletir a profundidade do amor divino. Essa intuição foi de tipo poético-religioso: o poeta sente agora a compul são de transformá-la em poema, a fim de que, sob essa forma, ela perdure e continue revelando a outros esse amor divino por po r ele ele descoberto. O poeta co meça a trabalhar com toda a sua maestria de linguagem, com paciente trabalho de artesanato: escuta e combina a sonoridade das palavras, mede o ritmo das frases, constrói as imagens de maneira coerente, intensifica a dramaticidade até o desenlace. desenlace. Nesse processo de execução ocorrem-lhe novas intuições parciais ou subordinadas; na configuração verbal, o sentido se articula, se enriquece, perme pe rmeia-s ia-see de matizes. matiz es.
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Oséia Oséiass desaparece e o seu poema permanece para sempre. sempre. Ele sabe que o seu seu poema é oráculo oráculo e transmite-o transmite-o como palavra de D e u s;9 s; 9 é também como palav pa lavra ra de Deus Deu s que nós o recebe rec ebemo moss e relemos. relem os. Aceitamos como hipótese a reconstrução proposta e perguntamos: onde se inseriu a moção do Espírito? Espí rito? Suponhamos que a hipótese seja solidamente solidamente pro p ro vável: a explicação de Pesch — “como, por exemplo, os poetas muitas vezes suam e passam frio para encontrar uma roupagem adequada aos seus pensa mentos” mento s” 10 — é suficiente suficiente para pa ra nós? Essa Ess a concepção concepç ão do poeta como alfaiate que veste veste decentemente os seus seus pensamentos pensame ntos cheira a racionalismo. A poesia não é alfaiataria, nem mesmo ateliê de alta-costura. Que constitui con stitui Oséias autor auto r do seu poema? A experiência da d a vida vida en quanto tal não pertence ao processo, anterior a ele: com relação ao poema, a experiência é o material mate rial prévio. A intuição é o verdadeiro verdad eiro começo com eço da ati vidade literária: literári a: ela ativa e ilumina todo o processo de objetivação. Porta Po rtan n to, devemos pensar que essa intuição é carismática; nela — pelo menos — tem início início a ação do Espírito. O processo de de execução é essencial essencial para objetivar e configurar a intuição, para transformar os materiais materiais em poema. Devemos Devemos pens pe nsar ar que todo tod o esse traba tra balh lhoo é realiz rea lizad adoo sob a moção mo ção do Espíri Es pírito. to. Observemos que todo esse processo de execução é criativo: nele atuam, harmonios harm oniosaa e criativamente, os poderes do poeta sobre a linguagem. linguagem. “Esse esta do de modificação íntima — nas palavras de Valéry — no qual todas as pro pried pri edad ades es d a nossa no ssa língu lín guaa são convoc con vocada adass indist ind istint intam amen ente, te, mas de m odo od o h a r monioso.” 11 O erro de muitos autores que discutem sobre a inspiração é pensar que o poema ou a obra já estejam concluídos antes da sua configuração verbal, que esta seja secundária e fundamentalmente indiferente, contanto que haja a “apti dão”. Em poesia e literatura, o poema só existe em sua configuração verbal, a intuição só se objetiva e se tom to m a comunicável em sua realização verbal. Nisso consiste consiste ser ser autor poético ou literário (recordemos a frase de Mallarmé: a poesia é feita com palavras). Portant Por tanto, o, essa essa tarefa tare fa essencial essencial não pode ser excluída da inspiração. Pode Pod e mos decompô-la numa série de julgamentos práticos ou especulativos de ação sobre a aptidão da fórmula escolhida? Não nego a existência existência desses desses julgamen julgamen tos; muitas vezes são explícitos, ocorreu no final das tentativas, outras vezes estão implícitos implícitos no prazer praze r do achado fulgurante. Afirmo que a realização lite rária rári a é mais do que esses esses julgamentos e anterior anter ior a eles. eles. Nem sequer po sequer po identificar a intuição que contempla com um julgamento especulativo que afirma, explícita explícita ou implicitamente, a verdade verdad e do do enunciado. A intuição intuiç ão pode p ode fazer-se fazer-se acompanhar por uma afirmação tácita “assim é”, mas me parece difícil reduzir a intuição poética a um julgamento especulativo. O modelo psicológico dos julgamentos não explica de modo adequado a poesia poe sia do Antig An tigoo Testa Te stame mento nto,, ou uma um a boa bo a parte pa rte dela; dela ; por po r conseg con seguint uinte, e, a ins piraç pi ração ão dessa dess a poesia poe sia rompe rom pe o esquem esq uemaa propo pro posto sto.. O exemplo apresentado apresen tado como hipótese tem as suas limitações de prob pr obab abi i lidade. Por Po r escrúpulos morais, comentadores comen tadores de muitos séculos atrás conside ravam o incidente matrimonial de Oséias como pura ficção literária, espécie 9. 10. 11. 11.
Em bora não o inicie com a fórmu la “assim “assim diz o Senh or” etc. Op. cit., cit ., n. 414. 414. P. Va léry, Oeuvres 1, 1334.
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Um simples artesão
de alegoria. alegoria. Muitos comentadores comen tadores modernos mod ernos aceitam a historicidade do fato como base psicológica psicológica do oráculo. Outros insistem insistem no caráte c aráterr de ação simbó lica lica.. Esta última pode ser tomada tomad a como como episódio episódio real ou como pura p antomi antom i ma; considero mais justa a explicação histórica. histórica. Mesmo os que minimizam a realidade psicol psicológica ógica reconhecem a intensidade intensidade do sentimento do profeta. Ou seja, quem negar a realidade psicológica da vivência deverá reconhecer em Oséias uma prodigiosa capacidade poética de submergir em vivências humanas alheias para pa ra fazer delas matéria maté ria da sua criação poética. Seria uma um a instância da necessária distinção feita pelo crítico entre o eu do poema e o eu do poeta. UM SIMPLES ARTESÃO Passemos do grande poeta e profeta do amor a um anônimo artesão de tempos posteriores que não recebeu sequer uma pitada de temperamento poéti co. Ele é um amante am ante da lei; a lei lei que vai se se tornando tornan do um a realidade realidad e interme interm e diária, sem perd pe rder er a relação imediata com Deus. Ocorre-lhe Ocorre- lhe expressar expres sar o seu amor e as glórias de sua amada, a lei, em versos: alguns versos que mostrem a totalidade totalid ade e a perfeição. Ele decide empregar um artifício artifício de estilo, estilo, o acróstico alfabético, que consiste em começar cada verso com uma letra do alfabeto. Outros autores já o haviam utilizado em salmos breves, no abecê da boa esposa, nas lamentações lamentações atribuídas atribuíd as a Jeremias. Nestas últimas, um poema poe ma iniciava iniciava com com a mesma letra os os três versos de cada estrofe. estrofe. Ele os superará supera rá a todos; para par a expressar plenitude, começará com cada letra do alfabeto oito versos seguidos, 7 + 1, os os quais, quais, multiplicados m ultiplicados pelas 22 letras do alfabeto, alfabeto , darão ao “poema “poe ma”” uma extensão extens ão de 176 versos, versos, cada um com seis seis acentos. Mas a ocorrência ocorrê ncia e o empreendimento não são muito poéticos. Ele começa a trabalhar; na primeira estrofe — letra alef —, dois “felizes”, uma conjunção “mas”, um advérbio “então”, uma preposição “a”, um pronome “tu”, uma interjeição “oxalá” e uma primeira pessoa verbal do futuro, que co meça com alef. A palavra inicial inicial,, naturalm natu ralmente, ente, condiciona condicion a o resto do verso ou do hemistíquio, e, de verso para verso, não há verdadeira continuidade, mas pura pu ra sucessão. sucessã o. A primeira estrofe estrofe não incluiu repetições demasiadas. A segunda segund a — letra bet — repete sete vezes a preposição be (com, em) e acrescenta um “bend “be ndito” ito” : o autor não precisou suar muito. A terceira estrofe — letra gimel — caminha bem — “retri “r etribu bui,i, abre, abr e, foras fo rasteir teiro, o, desfalece, des falece, repr re preen eendes deste, te, retir re tira” a” — e se en en cerra com com dois dois “também” “també m”.. A quarta q uarta — letra dalet — tem de gastar cinco “caminhos”, derek. Chega a quinta estrofe, que deve iniciar-se com a letra he. (Nos nossos dicionários hebraicos completos, a letra H ocupa muito poucas páginas.) O au tor conta com hinne (vê, eis aqui), que reserva para o último verso; procura com afã e, por fim, recorre a uma repetição: uma conjugação que começa no perfe pe rfeito ito pela pe la prépr é-ef efor orm m ante an te ha. É a conjugação que os gramáticos denominam den ominam hifil e que tem um sentido sentido básico factitivo. factitivo. Traduzirei Trad uzirei desdobran desd obrando do com o ver bo fazer: faz er: “Faze “F aze-m -mee enten en tende der. r. . . faze-me faze- me com co m pree pr eend nder er.. . . faze-me faze -me cam ca m inha in har. r. . . faze-me inclinar. inclin ar. . . faze-me desviar os olho ol hos. s. . . faze f aze firmes as tuas pala p alavr vras. as. . . faze passar a minha min ha vergon ver gonha. ha. . . vê que desejo os teus preceitos” . Em defesa defesa do autor, diremos que talvez não possuísse a nossa consciência gramatical de estudiosos estrangeiros e não pensasse em termos de raízes e conjugações; em
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todo o caso, a sua atividade literária foi a caça caç a de agás iniciais. iniciais. Onde Ond e está a inspiração poética? poética? Em lugar luga r nenhum, mas m as a inspiração carismática deve esta estar. r. Aquele que lê essa estrofe com interesse teológico recebe-a entusiasmado: ali o autor afirmou uma profund pro fundaa verdade. Com todo todo o seu seu amor à lei lei e todos os seus propósitos de observá-la, ele enuncia aqui o mais importante da lei: o fato de a sua sua observância observância ser obra de Deus e não do homem. Os verbos factifactitivos mostram isso: faze-me inclinar o coração, faze-me desviar os olhos, faze-me caminhar, faze-me compreender compree nder para pa ra que eu observe a tua lei. . . Deus não dá apenas os seus mandamentos, mas também a força — a graça — para observá-los. observá-los. Essa é a lição teológica teológica presente numa súplica prosaica. Voltando à atividade literária: a intenção do autor não era ensinar teolo gia, gia, mas encon en contrar trar agás. agás. Como interp in terpreta retarr esse esse fato artesanal artes anal em termos termo s de inspiração? Diríamos de maneira aproximada: aproximad a: a ocorrência inicial inicial,, ou escolha escolha da forma acróstica multiplicada por oito, acontece sob a ação do Espírito; a pacie pa ciente nte e pros pr osai aica ca realiz rea lizaç ação ão arte ar tesa sana nall també tam bém m é dirigid diri gidaa pelo Espí Es pírit rito, o, de tal modo que, no processo de realização, o autor recebe novas iluminações com as quais quais articular articu lar e desenvolver o seu afeto pela lei. lei. Esse afeto foi a matéria maté ria remota dos versos; o ponto de transformação foi uma escolha artesanal. Aquele que desejar empregar o modelo de Benoit ou de Desroches dirá que o salmo teve início com um julgamento prático ou especulativo de ação; que esse julgamento inicial provocou e qualificou outros julgamentos especulativos poste po sterio riores res.. Mas Ma s não nã o se esqueç esq ueçaa de com co m plet pl etar ar o mode mo delo lo de Benoi Be noit,t, reco re conh nhe e cendo a importância decisiva da realização verbal como processo verdadeira mente formador formad or da obra. Esse processo processo deve ser concebido sob a moção ca rismática do Espírito. Repassando juntos os dois exemplos extremos, Oséias e o SI 119, pode mos repetir e compreend comp reender er melhor as palavras de Valéry: “O poeta poe ta é desper tado no homem por um acontecimento inesperado, por um incidente exterior ou interior: uma árvore, um rosto, rosto, um tema, uma emoção, uma palavra. Às vezes é uma vontade de expressão que dá a partida, uma necessidade de tra duzir o que a pessoa sente; outras vezes, pelo contrário, é um elemento formal que busca a sua causa, que busca o seu sentido no espaço espaç o da alma. alm a. . . Fixai-vos bem nessa dualidade passível de entrar em jogo: às vezes algo quer ex pressa pre ssar-s r-se, e, às vezes um meio mei o de expres exp ressã sãoo quer qu er servir servi r para pa ra algo” algo ” . 12 Este é o momento para defender o modelo leonino de algumas simplifica ções que sofreu sofreu em em certos certos manuais. manuais. O papa falava de uma “ reta concepção men m en tal” (recta mente conciperent ) : o termo “concepção” “conce pção” é bastante bastan te genéric genérico, o, po dendo referir-se a conceitos bem-formados, a uma concepção ou idéia ampla, ou à concepção da obra. Por que interp retar Leão XIII X III no sentido sentido excl exclusi usivo vo de conceitos e julgamentos? julgamen tos? Na hipótese de Oséias: o momento mom ento inicial da con cepção é a intuição, seguido pela concepção genérica do plano; vem depois um momento intermediário, de impulso para a obra, e a conclusão é a etapa de realização criat criativa. iva. A expressão leonina “expressar “ expressar aptamente” aptam ente” (apte exprimerent) também pode ser tomada em sentido amplo, como a autêntica confi guração literária da concepção inicial (o inciso infallibili veritate não seria idên tico a apte). Entenden Ente ndendo do dessa maneira as as palavras do pontífice, pontífice, poderíamos insistir no terceiro tempo e deixaríamos provisoriamente aberto o tema “es crever”. 12.
Oeuvres I, 1338, cf. supra, nota 7.
Uma árvore
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UMA ÁRVORE Trata-se de um exemplo provável. provável. Valéry iniciou com com uma um a árvore a lista lista de incidentes incidentes exteriores exteriores que despertam o poeta. Um profeta passeia numa manhã manh ã de quase primavera; na paisagem campestre, é surpreendido por uma árvore já em flor. flor. A visão visão lhe sugere sugere o nome, o profeta profe ta pronuncia-o. pronun cia-o. Ao pronunciá-lo, p ronunciá-lo, vem à tona a etimologia implícita, que deriva de “vigiar” — a amendoeira vigia ou madruga mad ruga para florescer. florescer. Ao pronunciar pronun ciar o nome, um relâmpago de percep ção perpassa perp assa o profeta: pro feta: “Ramo “Ram o vigilante, vigilante, Deus vigia” vigia” (maqquel shaqed — nom e da árvore árvore tornou-se signific significat ativo ivo de uma um a realidade yahw ya hwee s h o qed) qe d).. O nome superior: Deus vigia vigia na história para cumprir cum prir a sua palavra. O vislumbre vislumbre ou ou intuição foi uma analogia transcendente. Reconhecendo essa percepção como oracular, Jeremias precisa transfor má-la em oráculo proclamável através do seu seu trabalho artesanal. Para Pa ra isso, isso, aproveita uma fórmula já conhecida, talvez tópica desde o tempo de Amós: “O Senhor me dirigiu a palavra pala vra:: ‘Que vês, vês, Jeremias?’ Jerem ias?’ Respond Resp ondi: i: ‘Vejo um ramo de amend am endoeir oeira’. a’. E o Senhor Sen hor me disse: ‘Bem o vês, vês, pois eu estou estou alerta para pa ra cum cu m prir pr ir minh mi nhaa pala pa lavv ra’ ra ’ ” ( J r 1 ,11 ,1 1 -12 -1 2 ). Segundo essa reconstrução, o processo inspirado começa com o vislumbre de compreensão, passa pelo movimento ou impulso e tem prosseguimento com o trabalh trab alhoo artesanal. Este último teve apenas apen as valor criativo, pois consistiu em rechear uma fórmula preexistente. preexistente. Sobre essa essa paronomásia utilizada pelo pro pro feta (adaptada em alerce [lariço] — alerta), veja-se L. Alonso Schokel, Pro jetas jet as I (Madri, 1980), 423ss. Gosto de comparar esse exemplo de Jeremias com um poema castelhano de Antonio Machado. O poeta que passeia passeia contempla um olmo, olmo, fendido por um raio — dir-se-ia dir-se-ia morto — , com inesperadas folhas novas na ponta pon ta de um um ramo. E, na árvore reverdecida, o poeta intui intui o mistério mistério da vida, da primavera, da esperança; a árvore árv ore é uma intimação a sua melancolia. E ele decide — impulso — anotar essa descoberta, antes que a árvore seja cortada: olmo, quero anotar em meu caderno a graça do teu ramo verdejante. O meu coração também espera, de rosto para a luz e a vida, outro milagre da primavera. O poeta de Castela descobriu no olmo um sentido humano transcendente; o profeta de Anatot, polarizado por sua escolha, descobriu um sentido divino na amendoeira. O profeta moldou a sua descoberta numa forma tópica, de ascendência conhecida e brevidade incisiva; o outro emprega uma forma perso nalista de confissão, revelando a sua alma diante da revelação da árvore. Limites de probabilidade. O passeio passeio pelo campo é reconstrução; o profeta pode po de ter te r olhad olh adoo da p o rta rt a ou p ela janela jan ela.. Segund Seg undoo alguns, algun s, o ram o em flo fl o r é um tronco de amendoeira (não sei se é tão fácil reconhecer a espécie de ma deira); mesmo assim, o funcionamento do nome persiste, com menor halo poético. poé tico. E os que qu e supu su puser serem em uma um a visão extátic ex táticaa ou de p ura ur a fant fa ntas asia ia cons co nserv erva a rão o funcionamento poético do do nome. Mas não nã o é preciso preciso recorre rec orrerr a visões visões extraordinárias quando sabemos que Jeremias recebe um oráculo vendo um oleiro trabalhar; tampouco devemos pensar que uma coisa tão corriqueira quanto
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uma panela fervendo e vazando precise ser vista pelo profeta em visão preternatural. O exemplo de Jeremias mostrou-nos o papel da tradição artesanal na rea lização do poema; com isso, ele nos mostra boa parte da literatura e da poesia do Antigo Testamento, no qual a tradição formal, gêneros e fórmulas, assume tanta importância. “Disse-me: Não me lembrarei dele, não mais falarei em seu nome; Mas eu a sentia dentro de mim como fogo ardente encerrado nos ossos: fazia esforços para contê-la e não podia” (Jr 20,8-9). Esse impulso interior assemelha-se à “coação espiritual” (spiritual comartigo The Making of a puls pu lsio ionn ) reconhecida por Stephen Spender em seu artigo Poem . 33 Na N a mesma mes ma passage pass agem, m, Jerem Jer emias ias afirma afir ma que o seu orácu or áculo lo é um grito: gr ito: “Violência!”. Segundo Von Rad, trata-se do grito grito do oprimido o primido que pede pro teção ou ju stiç st içaa .14 .14 Esse grito pode pod e ter diversas explicações: explicações: a) pode ser um resumo que substitui substitui aqui, aqui, por po r razões funcionais, funcionais, oráculos inteiros; nesta hi pótese, pótes e, não nã o estamos estam os diante dia nte de uma um a form fo rmaa nova, nov a, irred irr edutí utíve vel;l; b ) pode po de ser a p a lavra germinal de alguns oráculos; nesta hipótese, seria uma forma redutível, por po r exemplo exem plo,, ao orácu or áculo lo da amen am endo doeir eira; a; um simples grito grit o trans tra nsfo form rma-s a-see no germe que dá o tema e o tom a todo o oráculo; orácu lo; c) o grito grito pode constituir todo o oráculo: uma inspiração elementar sugere-lhe o nome e o faz gritar; neste caso, nada nad a resta de intuições, intuições, julgamentos julgamento s e trabalh trab alhoo literário. O grito des nudo adquire ad quire sentido concreto concre to no contexto vital do povo. Mas é preciso dizer que esses supostos gritos oraculares não estão compilados autonomamente nas coleções proféticas, fato que de modo algum exclui a sua existência na ativi dade profética oral. (Pode-se (Po de-se ver o meu comentário comen tário a esse essess versículos de Jere Je re mias em Profetas II, pp. 504ss.) UM DETALHE DE ESTILO E UM SALMO DE IMITAÇÃO Examinemos agora dois maravilhosos poemas, o primeiro de Isaías e depois um salmo. Antes An tes de tudo, tudo , o do profeta Isaías, que veremos de passagem; ele dá forma literária à querela matrimonial de Deus com o seu povo ou cidade. Eis o texto: A cidade cida de infiel infie l
Tornou-se uma rameira a Cidade Fiel! Antes plena de direito, morada de justiça; agora, de criminosos. Tua prata se transformou em escória, teu vinho está aguado, teus chefes são bandidos, comparsas de ladrões; todos amigos de subornos, atrás de presentes. 13. 13. 1949). 14. 14.
R. W. Stall m an , Critics anã Essays in Criticism 1920-1948 (Nova Iorque, D a s e r s t e B u c h M o s e s I, 104; II, 162. G. Vo n Rad , Da
Um detalhe de estilo e um salmo de imitação
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Não Nã o defen def endem dem órfão órf ão,, não se encarregam da causa da viúva. Por isso — oráculo do Senhor dos Exércitos, o herói de Israel — : vingar-me-ei dos meus inimigos, tomarei satisfação dos meus adversários. Voltarei minha mão contra ti, par p araa limpa lim par-t r-tee de tuas tu as escórias escóri as no crisol criso l e remover-te a ganga; dar-te-ei juizes como os antigos, conselheiros como os de outrora: Então te chamarás Cidade Justa, Cidade Fiel. (Is 1,21-26) O grito ai pode ser dito ayka, ayk (em pronúncia posterior será eka, ek ) ; o profeta escolhe escolhe a forma bissilábica bissilábica.. A palavra cidade pode ser ‘ir ou qirya; o prof pr ofeta eta escolhe esco lhe a segun seg unda da forma for ma.. P o r quê? Basta Ba sta que qu e se leiam leia m em voz alta alt a as duas alternativas (acentos agudos!) para obter a resposta: ’ayk hayeta lezona ‘ir ne’mana ’ayka hayeta lezona qirya ne’mana (Is 1,21) A realidade concreta do poema, do verso, muda com essa quíntupla rima enfática. Não falemos aqui de de julgamentos, julgamento s, mas da escolha de de uma um a alternativa alternat iva estilística estilística (Marou (M arouzeau zeau:: o estilo estilo é escolh esc olh a). O verso não é um simples enuncia do ou um juízo de verdade: é um grito e uma queixa em que Deus se exprime. O conteúdo conteúd o cognoscitivo cognoscitivo está dissolvido dissolvido na expressividade. Se o poeta, acres centando duas rimas em -a, acrescenta dois graus de força à expressão divina, também isso isso é inspirado, inspirad o, porqu po rquee revela mais mais e impressiona impression a mais. mais. A intensidade inten sidade é uma dimensão do espírito (Bruno Snell) que tem valor na comunicação pes soal e interessa à linguagem literária. Devemos pensar que o trabalho traba lho artesanal, estilístico de Isaías, ocorreu sob a moção do Espírito, e que o resultado é rele vante. Observemos de passagem que a linguagem literária literá ria assume e potencia pot encia liza as funções da linguagem comum (veja-se sobre esse poema o meu comen tário em Profetas I, pp. 121ss.). Salmo 29
'Filhos de Deus, aclamai o Senhor, aclamai a glória e o poder do Senhor, 2aclamai a glória do nome do Senhor, prost pr ostrai rai-vo -voss dian di ante te do Senho Sen horr no átrio átri o sagrado sag rado.. 3A voz do Senhor sobre as águas, o Deus da glória tronou, o Senhor sobre as águas torrenciais. 4A voz do Senhor é poderosa, a voz do Senhor é magnífica, 5a voz do Senhor despedaça os cedros, o Senhor despedaça os cedros-do-líbano. 6Faz o Líbano pular qual bezerro e o Sarion como cria de búfalo. "A voz do Senhor lança chispas de fogo,
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8a voz v oz do Senhor sacode o deserto, de serto, o Senhor sacode o deserto de Cades. 9A voz do Senhor Senho r retorc r etorcee os carvalhos, o Senhor descasca as florestas. Em seu templo um grito unânime: Glória! 10O Senhor senta-se sobre o dilúvio, o Senhor senta-se como rei eterno. uO Senhor dá força a seu povo, o Senhor abençoa seu povo com a paz. Abordei com detalhes o salmo 29 no livro Treinta Salmos: Poesia y oración (Madri, 1981; ,21986), 121-132, analisando-o verso por verso, os seus recursos formais, antecedentes e raízes, raízes, transposição cristã cristã etc. etc. O ponto po nto de partida do salmo é a experiência de uma tempestade; a experiência em si não é senão o material. Na surpreendente surpreenden te experiência experiência da tempestade, tempestade, o homem captou a prese pr esenç nçaa terrív ter rível el e fasci fas cina nante nte de Deus De us:: a tem te m pesta pe stade de ofere of ereceu ceu-se -se como com o teofa teo fania nia,, como manifestação de Deus poderoso, à visão visão simbólica simbólica.. Essa penetração penetraç ão de sentido transcendente transcen dente é o ponto de igniçã igniçãoo do poema. Para Par a objetivar a percep percep ção central, o poeta escolhe a forma do hino litúrgico, e essa escolha inicial de termina uma atitude dominante configuradora do poema: louvor comunitário. Para realizar o poema, ele estiliza a tempestade em sete trovões, substantivos, quase corpóreos, sujeitos sujeitos ativos. ativos. Esses elementos foram aparecendo aparec endo na exe cução, intensamente criativa. Até aqui, o caso parece facilmente redutível ao exemplo típico de Oséias. Mas há a entrada de um novo fator: o salmo, com toda a probabilidade, é de origem origem cananéia, tendo tend o sido adaptado adaptad o por um autor bíblico, inspirado. Esse dado provável impõe-nos uma pergunta: quem é o inspirado? Onde se insere e como opera a ação do Espírito? Mais uma vez vez a resposta será se rá hipotética. O autor israelita teve uma experiência semelhante de uma tempestade, fato não incomum tratando-se de um fenômeno elementar e de um povo com aber tura simbólica. simbólica. Desejando objetivar essa essa experiência, experiência, ele encontra o salmo cananeu, reconhece a sua sua adequação adequaçã o e faz retoques, retoques, acréscimos acréscimos e mudanças. Seria Seria um caso um tanto semelhante à execução que vimos em Jeremias: mais imitativa do que criativa, não menos inspirada. Há outra hipótese: o poeta israelita lê o salmo cananeu e vibra com a leitura; pela força da palavra poética, que presentifica o fenômeno, o leitor repete uma experiência parecida com a do autor, só que num contexto de fé javista jav ista.. H ouve ou ve conti co ntinu nuida idade de e homo ho moge gene neid idad ade, e, à medi me dida da que o leito le itorr repe re petiu tiu a experiência religiosa; houve transposição, à medida que o sentido religioso se especificou no novo contexto significativ significativo. o. O leitor quer agora objetivar literariamente a sua experiência, suscitada pelo poema lido, e percebe que a melhor forma de fazê-lo é o próprio poema, adaptado, num tempo de execução, ao contexto de sua fé: o nome de Deus, a relação com o povo. povo. O resultado dessa d essa atividade é um novo poema literário, semelhante ao anterior e, não obstante, diferente em sua realidade concreta. A adaptação adap tação foi criativa, criativa, à medida que modificou de maneira substancial o sentido; isso porque a mudança de sentido não é medida estatisticamente pelo número de palavras modificadas, mas pela mudanç mud ançaa de sentido imposta, imposta , talvez com economia de meios. meios. Nesta Nes ta segunda hipótese, poderíamos ver a moção do Espírito, a partir do momento da expe riência poética, em uma nova perspectiva: na escolha básica do modelo, na
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Uma narração
adaptaç ada ptação ão artesanal artesa nal ao novo uso religioso religioso.. Observemos que, nessa explicação, explicação, admitimos um plano religioso comum. Nisso, ele se distingue distin gue de um exemplo exem plo nosso, nos so, rigoro rigo rosam samen ente te contr co ntrolá oláve vel:l: o poema do pastorinho de João da Cruz. Conhecemos o poema amoroso ori ginal, ginal, que sobressai sobressai entre outros do gênero e da época. O grande místico, místico, voltado exclusivamente para o seu Senhor, Jesus, lê o poema e sente-o como chama cham a viva. viva. Desejando Desejan do objetivar e comunicar com unicar esse esse incêndio interior, toma o modelo, faz-lhe alguns retoques e transpõe todo o poema a um novo sistema de significação. significação. O resultado resulta do é prodigioso. prodigioso. Antes de ser descoberto o modelo, um crítico positivista teria suspeitado e procurado possíveis dependências dos versos de João da Cruz; outro crítico positivista, tendo encontrado o original, veria nele toda a chave do poema cristão e, remontando ao modelo, não se incomodaria com a obra de João da Cruz, “plágio sem um único detalhe ori ginal”. ginal” . Esse crítico, crítico, que invento invento para par a o meu uso particular, particu lar, não compreend com preendeu eu o poema; não o entendeu e, e, naturalmente, naturalm ente, não n ão o explicou. explicou. Diria que não se incomodou em compreendê-lo porque a genética e a estatística não são as antenas da recepção poética. O que João da Cruz C ruz fez foi feito feito por muitos auto res espanhóis do século de ouro, que criaram assim toda uma literatura que denominaram “ao divino” divino” ; nela, obras profanas inspiram inspiram obras religio religiosas. sas. Em toda essa atividade secular há obras artesanais mais modestas e outras mais per meadas de graça poética. 15 O exemplo de João da Cruz realizava a transposição de um plano profano a um plano religioso através das analogias do amor. Pode Pod e assim assim esclarecer um um movimento semelhante de autores bíblicos: por exemplo, um canto de trabalho, que significa um canto de amor, que significa o amor de Deus por seu povo (Is 5,1-7); um canto de sentinela (Is 21,11-12). Não Nã o duvido duv ido que, que , no caso do SI 29, possam pos sam ser isolados isola dos julgam julg ament entos os es peculativ pecu lativos os de ação açã o sobre sob re o uso do salmo salm o cana ca nane neuu na liturgia litur gia israel isr aelita, ita, assim como julgamentos práticos sobre as adaptações oportunas para a realização da transposição. Se o primeiro julgamento é explícito, explícito, os outros acom panham im plicitam plic itament entee o traba tra balh lhoo artes art esana anal,l, sendo send o mesmo mesm o poster pos terior iores es à busca bus ca e à escolha. escolh a. Mas não sei se, nesse caso, essa via de dissecção tem alguma utilidade parti cular. Em contra c ontrapartid partida, a, os tempos de de concepção concepç ão e de execução do modelo leonino, interpretados de maneira ampla, podem servir-nos. UMA NARRAÇÃO A narração das dez pragas em Ex não é um trecho lírico nem brota ime diatamente de uma experiência intensa: é uma narração de caráter épico e re vela um processo de de composição compo sição calculado. Não é razoável duvidar duvid ar que qu e o autor da narração em sua forma atual tenha utilizado narrações preexistentes, que naquele momento se achavam compiladas numa narração javista e numa segunda versão sacerdotal. Algumas pragas eram pura cópia, outras eram variantes livres, outras ainda não coincidiam. São diferentes o papel dos personagens, perso nagens, os estribilhos estribilhos e algu15 15.. Dá ma so Alonso, P o e s ia e s p a n o l a . E n s a y o ã e m é t o d o s y l i m i t e s e s t i l í s t i c o s (Madri, 1950), 256-258, e o resto do capítulo, que aborda a poesia “ao divino”. Sobre o SI 29, analisado aqui, podem-se ver E. Vogt, Der Aufbau von Psalm 29, B ib 41 (1960): (1960 ): 17 17-2 -24, 4, e J. L. Cu nchill nc hillos os,, E s t ú d i o d e i S a lm o 29 (Valencia, 1976).
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mas fórmulas fixas fixas.. Não Nã o importa: impo rta: o nosso nosso autor a utor toma essas essas duas versões versões como base e m atéria até ria para pa ra uma um a compos com posiçã ição. o. Ele El e escolhe escol he o núm nú m ero er o dez como com o estru est ru tura numérica simples e maneja esse número com intenção significativa: serão sete mais três. A primeira prim eira e segunda pragas mostram-se mostram -se ambíguas, a terceira é decisiva decisiva:: “O dedo dedo de Deus” . Na quarta qu arta tem início uma segunda onda cres cente, moderada na sexta, que prepara a soleníssima sétima praga, sonoramente enunciada, enunciada, teofânica, que arranca uma um a confissão: confissão: “Pequei” ; antes antes da oitava, oitava, um novo prólogo divino, começando com ela um novo movimento de conces sões, sões, até a final fortíssima dos primogênitos. Não detalho deta lho aqui outros outro s proce proc e dimentos usados para igualar, suavizar suavizar diferenças diferenças (nem sempre com êxito). O resultado final é uma narração épica, composta de modo dinâmico, e, en quanto tal, obra do autor último (espero que nenhum leitor confunda “épica” com “pura ficção” ). Veja-se o meu artig artigoo Strutture numeriche nell’AT, nell’AT, Strumenti crittici 3 (1969 (19 69)) :331-342. Nesse caso, o mais mai s criati cri ativo vo foi o trab tr abal alho ho de compos com posiçã ição, o, já que os ma ma teriais e as fórmulas já existiam; a execução fica subordinada à construção, pre sidindo a tudo uma entonação épica que revela a grandeza da ação divina. Seria necessário situar a moção inspiradora em todo o processo construtivo, des de a escolha inicial até até o término do trabalho trab alho.. Não seria difíc difícil il aplicar a esse esse caso o modelo dos julgamentos especulativos de ação ou a teoria da concepção. INSPIRAÇÃO SUCESSIVA O último caso tem importância especial porque muitas partes do Antigo Testamento, tal como chegam a nós, foram compostas com métodos semelhan tes. tes. Além de explicar vários casos bíblicos, ele nos nos propõe prop õe uma pergunta perg unta im port po rtan ante te:: as formu for mulaç laçõe õess prévias prév ias eram era m inspi ins pirad radas? as? Ou, pelo cont co ntrá rário rio,, só é inspirada a última, a canônica? Trata-se da questão da “inspiração “inspiração sucessiva sucessiva”. ”. Ainda na época de Pesch Pesch era possível conceber a composição dos livros sagrados um pouco ao estilo moderno: Moisés escreve o seu Pentateuco, Isaías escreve e edita o seu livro etc. Isso é insustentável hoje. Muitos livros livros bíblicos vão crescendo num a série de etapas literariamente criativas: tradições locais, composição do javista, ver são variante do eloísta, reflexão cúltica de um corpo sacerdotal, novas redações e combinações etc.; ou cantos de gesta profanos e religiosos, compilação em unidades maiores, unificação com um princípio religioso, adição de um quadro de reflexão ao SI 51 para uso durante o exílio; ou adição de um versículo para endereçar a Judá um oráculo dirigido a Israel; ou composição de três oráculos autônomos em nova unidade dinâmica em três tempos (Is 8) etc. Precisamos imaginar o Espírito Santo de braços cruzados, contemplando todo o trabalho literário dos homens, até que decide intervir, fazendo-o exata mente na etapa final? final? Devemos considerar inspirado apenas o compilador, o editor que corrigiu? corrigiu? Temos de supor sup or que a inspiração se manifeste em épocas épocas poste po sterio riores res,, entre en tre o deste de sterro rro e Esdra Es dras? s? As perguntas encontram respostas por si si sós. sós. Uma visão visão tão pobre da inspiração que afasta o Espírito Santo nos momentos mais criativos, abrindo-lhe a porta quando quase não há nada para fazer, no momento de concluir a edição me parece parec e inaceitável. De um modo ou de outro, outro , devemos aceitar a “inspi ração sucessiva” sucessiva” como explicação em em princípio correta. correta . Onde houve verdadeira verda deira contribuição literário-religios literário-religioso, o, ali atuou o Espírito. Na etapa profan p rofanaa e neutra, ou não-israelítica, não é necessário postular a inspiração, o mesmo acontecendo
Nov N ov o T e s ta m e n to
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na etapa de simples compilação, com pilação, desprovida despro vida de contribuiç con tribuição ão literária. Os livros bíblicos bíbli cos crescera cres ceram m organ org anica icame ment ntee com a vida vid a do povo po vo,, e o Espí Es pírit ritoo Santo San to não nã o ficou indiferente a esse crescimento; pelo contrário, ele próprio o moveu com o seu sopro misterioso e eficaz. Grelot soluciona a questão distinguindo três espécies de carismas aparen tados: 1) carisma profético no Antigo Testamento e apostólico no Novo, com com vistas vistas à proclamação proclam ação da palavra palav ra de Deus; 2) carismas funcionais de lingua gem para pa ra conservação, elaboração e desenvolvimento desenvolvimento dessa dessa palavra; 3) ca risma escriturário, escriturário, a fim fim de fixar por po r escrito escrito o resultado do anterior. Os três carismas referem-se à palavra, à linguagem, em graus diferentes: o último é o menos intenso, embora essencial para a constituição do “livro” sagrado.16 A ENTO NAÇÃO NAÇ ÃO 17 Outra consideração sugerida pelo exemplo das pragas: falei da “entonação épica”, que, no poeta, é uma atitude de espírito diante do seu tema e, na obra, é uma estrutura unificadora. unificadora. Podemos atribuir a essa essa “entonaç “en tonação” ão”,, enquanto enqua nto atitude do autor, uma função criativa, em virtude da sua influência sobre toda a execução, sobre a obra integral, em sua unidade. unidad e. Se não se identifica com a intuição inicial inicial,, bro ta dela com facilidade. facilidade. Portanto, Portan to, colocamo-la colocam o-la sob a influên cia da inspiração. O autor viu viu e abordou abord ou o seu personagem Judite com atitude heróica. O ge nial narrado na rradorr abordou abo rdou o seu seu personagem personagem Jonas com atitude irônica. irônica. Joel escuta escuta as vacas vacas famintas famintas mugir mugir com com compaixão lírica lírica.. Com atitude dramática, dram ática, Naum contempla a saída de Nínive, o mesmo ocorrendo com o autor de Dn com re lação à sucessão dos impérios durante o banquete de Baltasar. Essa atitude do autor determina a concreção da obra e nela se objetiva, determinando a partir part ir daí a atitude do leitor que sabe sintonizar. sintonizar. Por Po r iss isso, o, adquire uma função reveladora importante, às vezes tão importante quanto o fato narrado. Por outro lado, parece-me muito difícil reduzir essa atitude central ou en tonação a julgamentos de qualquer tipo, e não posso conceber que um fator tão importante seja excluído do carisma da inspiração. NO N O VO TE TEST STA A M ENTO EN TO Repassei Rep assei alguns alguns casos típicos do Antigo Testamento. Testamento . Seria possível acres centar outra ou tra série menos poética, mais didática e rotineira. A esses esses casos é mais fácil aplicar o modelo leonino ou o modelo psicológico dos julgamentos. Em seu seu conjunto, o Novo Testamento apresenta menos variedade. Os evangelhos vão se formando numa etapa de tradição oral em que ainda são “evangelho”. Nessa etapa, vão recebendo forma literária, isto é, formas de composição em unidades maiores (como a paixão), esquemas ou padrões em unidades menores, que se repetem como gêneros (gênero milagre, gênero pa rábola etc.) e tc.),, e fórmulas mais ou menos fixa fixas. s. Dessa maneira, o “evangelho” 16. P. Grelot, Gr elot, La L a B íb lia li a , p a la b r a d e D ios io s (Herder, Barcelona, 1968), cap. II; id., Sentido teológico ãel AT (Bilbao, 1967). I n te r p r e t a c ió n y a n á lis li s is d e la o b r a 17. 17. Sob re a enton ação , veja-se W. Kay ser, In literaria (Madri, 41985 1985); ); na últim a pa rte do livro, o autor de sen volv e a su a teor ia da “atitude narrativa”, pp. 385ss.
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chega a transformar-se num material pré-formado, que os evangelistas usam em suas obras originais. Os evangelistas realizam um verdadeiro trabalho literário pessoal; por isso, cada um oferece uma imagem de Cristo diferente e complementar. complem entar. Eles man m an têm muitas formas e fórmulas do material que elaboram e impõem a forma superior, seja de movimento narrativo, narrativ o, seja de interpretaçã interpr etaçãoo teológica. teológica. Sem dúvida, o trabalho traba lho literário dos evangelist evangelistas as é inspirado: da intuição ou con cepção inicial, que seria a compreensão pessoal do mistério de Cristo, ao re sultado final de um paciente trabalho literário. Não é tão certo c erto que a etapa anterior seja inspirada; mas, dada a influência decisiva dessa etapa na formula ção definitiva do evangelho, é razoável supor que tenha ocorrido sob o carisma da inspiração.18 As epístolas são principalmente doutrinais, com áreas parenéticas. parenéticas. Em muitos casos, elas fixam de maneira definitiva fórmulas da pregação apostólica, prop pr opon ondo do-n -nos os o prob pr oblem lemaa do dizer e escreve escr everr (que (q ue abor ab orda dare reii mais adia ad iant nte) e).. A primeira epístola epístola de Pedro apresenta-se apresenta-se como trabalho de colaboração: colaboração: “Por meio de Silvano, Silvano, irmão fiel, fiel, vos vos escrevi escrevi esta esta breve carta” carta ” . Parece Par ece que o traba tra ba lho de Silvano foi mais que o de amanuense; devemos considerá-lo inspirado à medida que colaborou eficazmente para a formulação definitiva da mensagem. Hb parece ser uma homilia aprovada e recomendada por Paulo; não é justo pensa pe nsarr que a inspira insp iração ção tenha ten ha início apenas ape nas quand qua ndoo Paul Pa uloo a aprov ap rova; a; devemos devem os considerar o seu autor verdadeiramente inspirado. As epístolas às vezes incorporam fórmulas litúrgicas; por exemplo, referem-se a “cantos inspirados” inspirad os” (rcveug (rcveuganxa anxai: i: Ef 5,19; Cl Cl 3,16 3, 16 ), citam hinos ou fragmentos (F1 (F1 2 ), profissões de fé ( IC o r 15,3ss.). 15 ,3ss.). Sobre isso, isso, pode-se ler o A rchh iv für fü r importante artigo de O. Casei, Zur Kultsprache des heiligen Paulus, Arc Litur Li turgie giewis wisss I (1950): 1-64. Além disso, no Novo Testamento ocorre uma colossal transposição do An tigo, tigo, à luz do acontecimento Cristo. Não se trata apenas de aplicar certas pro fecias explícitas ou de elucidar outras implícitas; não se trata apenas do uso homilético, teológico ou parenético de passagens selecionadas do Antigo Tes tamento. É algo algo mais mais profundo prof undo e radical: todo o Antigo Testamento, enquanto en quanto livro, é levado à sua plenitude de sentido, que ele ainda não atingira; todo ele é introduzido num novo novo contexto de energia energia transform transfo rmadora adora.. Não Nã o se nega o sentido sentido anterior; pois, pois, para pa ra encher, não é preciso preciso esvaziar primeiro. Tam pouc po ucoo se defor de forma ma o sentido sen tido prece pre ceden dente, te, pois a trans tra nsfor form m ação aç ão consum con sumaa um m o vimento, impondo uma um a forma form a superior que assume as anteriores. anteriores. Dessa ma m a neira, todo o Antigo Testamento, enquanto livro, converte-se em evangelho. É uma das doutrinas favoritas de Orígenes: “Quando “Qu ando o Logos Logos os os tocou, le vantaram vantar am os olhos e viram apenas Jesus e ninguém mais. Moisés — a lei — e Elias — a profecia — transformaram-se numa única coisa, identificaram-se com Jesus, que é o evangelho. evangelho. E as coisas coisas já são como antes: já não são três, por p or que os os três são agora um único ser” . 19 “Responderia a isso que a lei e os profetas, antes da vinda de Cristo, que esclareceria os seus mistérios, não continham a mensagem que a definição de L o s E v a n g e li o s 18. 18. Sobre os evang elhos, podem -se consultar: X. Léon-Dufour, Léon-Dufour, Lo y la h is to r ia d e J e sú s (Madri, 31982); J. R. Scheifler, Así A sí n a c ie r o n lo s E v a n g e lios (Bilbao, 1964), com bibliografia selecionada e classificada, e riquíssimo ma
terial de informação detalhada nas notas. 19. H o m 6 in L e v 2.
Síntese
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evangelho inclui. inclui. Mas quando quand o o Salvador veio veio e deu um corpo ao evangelho, então, com o evangelho, transformou tudo numa espécie de evangelho.” 20 Cristo realiza essa transposição em primeiro lugar em sua encarnação, ex plici pl icita tand ndoo-aa depois dep ois em suas palav pa lavras ras:: quan qu ando do anun an uncia cia na sinagog sina gogaa de Naza Na zaré ré que “hoje se realizou essa Escritura” (Lc 4,21), quando comenta “porque está escrito” e, sobretudo, quando, depois da ressurreição, explica aos seus apóstolos o mistério pascal “abrindo-lhes “ abrindo-lhes as Escritura Esc rituras”. s”. Não Nã o é totalmente totalm ente exato dizer que a Igreja recebe a Bíblia da sinagoga; isso só acontece de modo mediato, porq po rque ue é Cristo Cri sto quem que m entreg ent regaa o Antig An tigoo Testa Te stam m ento en to à sua Igreja. Igre ja. E , com essa ação, ele dá um exemplo que será seguido pelos apóstolos e demais escritores do Novo Testamento, bem como pelos santos padres e por muitos teólogos. Ora, essa transposição de sentido, esse preencher de sentido, é uma autên tica atividade atividade literária; Lohfink denomina-a “ato hagiográfico”. hagiográfico”. 21 Porque P orque se trata de dar forma literária à nova realidade misteriosa, de completar o sentido de fórmulas literárias que estavam em em formação. Esse ato só pode ser movido pelo Espí Es pírito rito.. P o r isso, traz tr az como conse con seqü qüên ência cia inevitáve inev itávell a “com “c ompr preen eensã sãoo es piri pi ritu tual al”” do Antig An tigoo T e s tam ta m e n to.2 to .222 SÍNTESE Depois disso, disso, desejo desejo propo pro porr um um esquema que complemente os outros. Ele terá três tempos: materiais; intuição; execução. Materiais. Mater iais. A matéria pode ser uma experiência vital, 1. vital, própria próp ria ou alheia (de algum modo ela se torna própria), ou uma série de experiências que se acumulam na consciência com o ritmo observação-reflexão. A matéria m atéria do ro mancista pode ser a sua própria vida e a vida que o circunda, que ele contem pla ou descob des cobre. re. A experiê exp eriênci nciaa pode po de ter sido prov pr ovoc ocad adaa pela pel a vida ou pela pe la lei tura literária. A matéria pode ser um conhecimento puro, informe ou ou sob a forma de materiais literários preelaborados. A rigor, esses materiais ainda não pertencem ao processo criativo, inte ressando-nos apenas por sua relação com a obra futura, à medida que se trans formarem formare m em matéria maté ria configurada na obra. ob ra. Podemos Podem os avaliar assim assim os eventos eventos bíblicos, bíblico s, as crônicas crôn icas palac pa lacian ianas, as, os materi ma teriais ais profa pr ofano noss literário liter ários. s. Eles Ele s podem pod em estar sob a direção de Deus, alguns são mesmo autêntica intervenção de Deus; no entanto ainda não se acham sob a inspiração. 20. A í x 0 - tl') S’av S’av ■r ■rcpwç xouxo xouxo o it tipo xr/ç xr/ç Xpt X ptox oxou ou sTuor sT uorijuaç ijuaç o vojv vojvoç oç x a i oi npocf/j cf /jta tai,i, ax e iLT iLTjõs jõsTxo) sÀr/ÀuOotoç sÀr/ÀuOotoç xoo xa sv auxotç aux otç axr/ ax r/pt ptaa aacp aacp-rç -rçvtÇ vtÇov ovxo xoç, ç, oux e tx o v STcaYYS STcaYYSÀ|ta À|ta xou Txspi xspi xou opo op o u. O Se ScoiTjp ET ETTi8 Ti8rj|;nr)a rj|;nr)aaç aç x a t xo zuayye.Xiov aw;iaxo7xoi7 aw;iaxo7xoi7j0Y]va j0Y]vaii 7xory;oaç 7xory;oaç,, xw sua su a Y Y ^ tü) tü ) 7iavxa 7ia vxa w aei ae i Txer Txerto totY tYixe ixevv (Orígenes, In I o I, 8; PG 14, 33; GCS 4, 11). “Todos os livros do Antigo Testamento, incor porados à gregação evangélica, atingem e mostram a sua plenitude de sentido no Novo Testamento, e, ao mesmo tempo, iluminam-no e explicam-no”, segundo D ei V e r b u m , 16. Veja-se o amplo comentário a esse tema existente a constituição Dei no volume da BAC. 21 21.. N. Lohfink, Über die Irrtum slosigkeit und die Einh eit der Schrift, Stimmen der Zeit 89 (196 (1 964) 4):: 161-181. 161-181. 22. P. Gre lot, Sentido cristiano dei Antiguo Testamento (Bilbao, 1967). Veja-se B ib 44 (1963):210-216. L. Alonso Schõkel, The Old Testament, a “Christian Book", Bib
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In tuiçã ção. o. Às vezes, 2 . Intui vezes, a iluminação ilumina ção ocorre oco rre depois de uma etapa eta pa de incubação dolorosa, como um relâmpago sobre a matéria informe das nossas experiências; podemos acre ditar ser ela o fruto da nossa busca. Às vezes, vezes, co meça de modo mo do absoluto, deixando deixand o suspensa toda tod a a alma. Sentimo-la como algo algo súbito, dominador ou sereno, que nos inunda de gozo com a sua luz, como uma um a descoberta. descoberta. Às vezes vezes é uma um a penetração penetraçã o simbólica, simbólica, outras vezes, vezes, a desco desco bert be rtaa de uma um a analogi ana logia. a. Essa intuição torna-se central, ativa, iniciando e iluminando o processo subseqüente. subseqüente . Stephen Spender Spend er denomina deno mina-a -a idéia inicial, inicial, masculina, germinal. germinal. Proust Prou st indica que a intuição precede o trabalho trabalh o da compreensão. Virginia Virginia Woolf Woolf enfatiza enfatiza o seu seu pod er de unificação, a visão visão simples simples.. Numa Nu ma passagem me m e morável, Pirandello descreve como, enquanto lutava com alguns personagens que surgiam diante da sua fantasia, ocorreu-lhe a intuição que iluminou tudo e foi o germe da sua obra Seis personagens em busca de um autor. Os autores são unânimes em indicar a intuição como o verdadeiro momento inicial da obra e como a energia que leva à fermentação dos materiais. Se o autor bíblico procede desse modo, deve-se afirmar que a intuição so brevêm brevê m sob a moçã mo çãoo do Espí Es pírito rito,, que é reve re vela lado dora ra de uma um a real re alida idade de,, mas não nã o ainda sob sob a forma de proposição. E deve haver tolerância tolerânc ia para p ara admitir diver diversos sos graus de intensidade intensid ade e extensão nessas intuições iniciais. iniciais. Nem sempre o re sultado são obras de grande fôlego.
3 . Execução. À intuição pode suceder uma espécie espécie de necessidade necessidade inte rior de de escrever escrever ou de compor. Goethe Goeth e falava de alguns alguns poemas que lhe ocor riam de repente e que insistiam em ser compostos sem demora; desse modo, ele sentia um impulso instintivo e hipnótico para escrever em seguida. Esse impulso impulso interno ativa o processo processo de realização. Trata-se de um tra balho ba lho que o escr es crito itorr execu ex ecuta ta acer ac erca ca da linguag ling uagem; em; em que outra ou trass pala pa lavr vras as,, toda to da a objetivação da “idéia poética”, ou do germe, ou ainda da intuição, é ordenada desde o princípio para a linguagem. Não N ão devemos deve mos cons co nside iderar rar a linguage lingu agem m como com o pedr pe draa inerte ine rte,, mas como com o algo que, de certa maneira, colabora colabo ra com o autor. Entendendo-se Entend endo-se por lingua linguagem, gem, como eu disse antes, não apenas o dicionário e a gramática, mas também todos os recursos e possibilidades acumulados numa língua. A linguagem linguagem é uma um a matéria ma téria que às vezes apresenta apresen ta resistência. Essa qua qua lidade é bem avaliada quando uma pessoa começa a traduzir um poema que captou com matiz matizes es e de modo imediato. Também quando compomos em nossa nossa próp pr ópria ria língua língu a sentimo sen timoss a resistê res istênci ncia, a, pode po dend ndoo ela torn to rnar ar-s -see um desafio desa fio ou a condição para chegarmos à fórmula lapidar — a língua língua é a pedra. Quando Quan do se queixam de que o poema não corresponde à sua visão interior, certos poetas, afora o possível exagero romântico, talvez se refiram a essa resistência da lin guagem, não vencida, com relação à intuição. E isso não vale apenas para o poeta ou o literato; a didática também im põe põ e um esforço esfo rço de form fo rmula ulaçã çãoo ao autor au tor.. Pesch Pes ch registr reg istraa esse fato fa to — basta ba stant ntee óbvio — quando amplia o seu modelo psico psicológ lógico: ico: “Uma pessoa pode estar estar decidida a escrever, sabendo o que quer escrever, e ficar indecisa e trabalhar em busca busc a da fórmula do que quer escrever. escreve r. . . que sirvam de exemplo não apenas os poetas, que muitas vezes suam e passam frio para encontrar uma roupagem adequada aos seus pensamentos, mas também outros escritores, que muitas vezes, depois de superar toda dúvida sobre o que querem dizer, não encontram a forma conveniente para dizê-lo senão depois de muitas tentativas,
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e, em edições posteriores, com freqüência formulam de outra maneira as mes mas coisas” . 23 O que Pesch não explica suficientemente é a função do formular como momento criativo. criativo. E tanto tan to é que que justamente justamente na arte de formular reside reside grande parte pa rte do tale ta lent ntoo do escrit esc ritor or;; não nã o aceita ac eitamo moss a desc de sculp ulpaa de um m au escr es crito itorr que recorre a suas grandes ou geniais idéias. O que constitui o escritor é a sua capacidade de transformar os materiais, o mundo mu ndo e suas experiências em sistema sistema de palavras, pala vras, de formas form as significat significativas. ivas. E isso se realiza por um processo de linguagem, no qual colaboram todas as faculdades e sentidos da linguagem. No proce pro cesso sso de form fo rmul ular ar surgem surg em novas no vas intuiç int uições ões subo su bord rdin inad adas as,, novas nov as ocor oc or rências menores; às vezes brota nesse momento uma intuição mais poderosa que destrona e submete a si a inicial, tomando a obra um curso novo. A colaboração da linguagem no processo de realização é clara em escrito res de grande sensibilidade de de linguagem. Esses homens hom ens que, talvez com trei tre i namento filológico, escutam as raízes das palavras, que são capazes de passar das analogias verbais às analogias ontológicas. ontológicas. Ao final do processo, fácil fácil ou penoso, linear ou intrincado, produz-se obra. Esta contém co ntém os materiais num novo estado: objetiva a intuição, sem enun ciá-la como proposição, e registra, patente ou oculto, o processo de execução. 4 . No caso caso de muitos autores bíblicos, bíblicos, uma análise atenta mostra-nos o seu trabalho traba lho de execução. execução. Em bora não saibamos exatamente exatamen te se foi fácil ou ou difícil, difícil, ele é ineg in egáv ável el.2 .244 É um traba tra balho lho sobre a língua que esses esses autores autore s rece bera be ram m e, p a ra o fazer faz er,, eles se deixa de ixaram ram às vezes ajud aj udar ar pelo pe lo som das p a lavras, pelo ritmo alternado tradicional para equilibrar, pelo ritmo breve para concen con centrar trar.. . . Devemos conce c onceber ber todo tod o esse esse processo sob a ação aç ão do espírito. Aqui, reside, de modo particular, o carisma: a missão dos hagiógrafos é trans formar em sistemas de formas significativas a história do povo, as suas expe riências pessoais, as iluminações de Deus, o sentido da história, as obras de salvação, a resposta do povo de Deus. Deu s. . . A inspiração insp iração é carisma de linguagem e a linguagem se consolida conso lida nessa etapa. Não Nã o há dificuldade em conceber conceb er duas formulações inspiradas distintas, uma melhor do que a outra, ainda que do mesmo autor; precisamente do mesmo autor. Antes dessa atividade atividade não existe existe a palavra, não há palavra pa lavra de Deus. Nesse Nesse proce pro cesso sso se realiz rea lizaa o nasci na scime mento nto da pala pa lavr vra: a: se a Bíbli Bí bliaa é pala pa lavr vraa de Deus, De us, isso ocorre porque o Espírito dirigiu dirigiu esse esse processo. processo. Por outro ou tro lado, o ser ser das pa lavras é significação e sentido, o ser da obra é sistema de formas significativas: na palavra bíblica está está presente e patente, como seu sentido, sentido, a revelação. Evito aqui, explicitamente, a expressão “está contido” porque ela pode induzir a pensa pe nsarr num nu m a distin di stinçã çãoo real rea l entre en tre a p alav al avra ra como co mo recipi rec ipien ente te e o significado signif icado como conteúdo. Isso não ocorre: na palavra palav ra se se realiza o sentido e no sentido consiste consiste o ser da palavra. O resto são são murmúrios infrutíferos. infrutíferos. 23. Ch. Ch. Pesc h na obra tanta s vezes citada, De inspiratione Sacrae Scripturae (Priburgo, 1906), n. 414. 24 24.. Dem onstrei isso com abundantes abundantes análises análises nos m eus E s t ú d i o s d e p o é t ic a he h e b re a (Barcelona, 1963), 71-355; id., Poésie Hébraique, Supplément au Dictionnaire de d e la B ib le VIII, 47-90; id., Das Alte Testament ais Menschenwort und Gotteswort in Wortunã Botschaft (Wurzburgo, 1967; trad. espanhola, Barcelona, 1972); 1-13; I n s p ir a c ió n d e la S a g r a d a E s c r it u r a (Herder, Barcelona, 1970); id., K. Rahner, In Die D ie H e ilig il ig e S c h r if t — Bu B u ch G o tte tt e s u n d B u c h d e r M en sch sc h en : 202 (1984):35-44.
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A moção do Espírito e, sob ela, a obra de linguagem do hagiógrafo con cretizam a revelação. Contexto do Logos e contexto do Espírito: eles eles estão estão unidos ontologicamente e voltam a encontrar-se aqui, no final da análise. Nota. No ta. Antes da conclusão deste tema, é possível que alguém deseje uma exposição mais detalhada das faculdades que colaboram no processo de exe cução. Isso seria seria interminável: seria preciso falar do sentido rítmico, tão im porta po rtant ntee em várias vári as formu for mulaç lações ões,, tão tã o sensível para pa ra regis re gistra trarr varian var iantes tes de emo em o ção; do sentido sonoro, ouvido e musicalidade; da fantasia reprodutora ou cria tiva, faculdade capital do poeta; da discrição de matizes e valores; de outros impulsos semiconscientes também envolvidos. Mais econômico será levar em conta o princípio de Benoit sobre as ana logias da inspiração: a moção carismática estende-se a todas as faculdades, de acordo com a sua própria pró pria função na atividade a tividade literária. E, completando comp letando essa essa teoria, direi que, se as faculdades não funcionam de modo paralelo, mas gestáltico, também a moção carismática assumirá essa forma; em outras palavras, ela deve ser concebida como central e total.
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tl ic h e G lau la u b e, 1823. Schleiermacher, D e r c h r is tlic I n s p ir a c ió n ã e la S a g ra d a E s c r it u r a (Herder, Barcelona, 1970). K. Rahner, In Veja-se o levantamento de Zerwick-Nober in Verbum Domini 36 (1958 (19 58)) :357-365; :357-365; R S P h T h 43 (1959):106. A. M. Dubarle: RS J. L. McKenzie, The Social Character of Inspiration, Catholic Biblical Quarterly 24 (1962) (196 2) :115-12 :115-124. 4. D. J. McCarthy, Personality, Society and Inspiration, Theological Stuãies 24 (1963) :553-576. J. L. Topei, The Social Theory of Inspiration: Rahner anã McKenzie; J. J. Brown, Inspiration in the Bible according K. Rahner. A Criticai Analysis, A lm a Studies 7 (1963): 1-17 1-17 e 19-37 19-37;; N . K. K . Go ttw ald , The Hebrew Bible. A Socio-Literary In I n tr o ã u c ti o n (1985).
Dediquei várias páginas ao “autor inspirado”, pressupondo ser os inspi rados autores individuai individuais. s. Mas não será essa uma um a concepção moderna mod erna da ati vidade literária, literária , inaplicável aos autores au tores bíblicos? bíblicos? Segundo alguns, seria ne cessário falar antes de povo inspirado que de autores inspirados; a inspiração seria um carisma difuso, um vento forte que varre ou açoita toda a faixa da Palestina Palestina e arredores. Falando Falan do de autores inspirados, inspirados, repartimos o Espírito com conta-gotas, ao passo que ele anima todo o povo escolhido, tcdo o corpo da Igreja. É assim assim que se deve explicar a Bíblia; a obra ob ra de um povo. Essa opinião — que, sem muita necessidade, parece ter ficado na moda — leva-nos a abordar expressamente o tema, sob o título um tanto simplificado de “sociologi “sociologiaa da inspiração” . Não trato, portanto, porta nto, dos condicionamentos condicionamentos socioecosocioeconômicos da atividade literária segundo o método de A. Hauser em suas conhe Hi storia ria social soc ial de la Liter Li teratu atura ra y el A r te e Sociologia dei Arte, M a cidas obras Histo dri, 1957 e 1975, respectivamente. Creio ser Schleiermacher Schleierm acher o precurso prec ursorr dessa teoria. O pai do semi-racionalismo lismo também tamb ém fala do Espírito Santo. De acordo acord o com ele, ele, este último é o espí rito da comunidade — concepção bastante romântica, que inclui a palavra má gica Geist. Recordemos o fervor com que os românticos auscultam o “espírito” “esp írito” dos povos. povos. Herder Herd er (pré-ro mântico) mâ ntico) estuda o “espírito” da poesia poesia hebraica, Humboldt Hum boldt discerne o “espírito” “e spírito” das diversas línguas. línguas. O espírito santo (com minúsculas) da Igreja é o espírito religioso que ela recebeu de Cristo; esse espírito religioso religioso é um movimento movim ento irracional. irracional. Cristo in-spirou na Igreja o ver dadeiro espírito religioso, e esse sentido in-spira toda a atividade daquela, in clusive clusive a escrita dos livros sagrados. Os livros livros históricos são inspirados in spirados à medida medid a
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que o espírito da comunidade se reconhece a si mesmo e aos seus feitos, e di rige a conservação dessas memórias. Isso é dito a respeito do Novo Testamento; Testam ento; quanto ao Antigo, apenas alguns fragmentos são inspirados, porque neles se encontra, de alguma maneira, o espírito, antes de organizar-se como espírito comum da Igreja. Observemos estes dois pontos: o espírito da comunidade move, in-spira a atividade literária; o espírito da comunidade exprime-se e se reconhece nas nar rações. Até aqui, aqui, temos temos o elemento social social.. Mas Schleiermacher Schleiermacher coordena coo rdena esse dado com o dado pessoal: o espírito de Cristo é apreendido pelos apóstolos, sendo eles os formadores do espírito da comunidade; toda a atividade dos após tolos era inspirada a título pessoal — portanto, também a atividade de escrever. Temos aqui o elemento pessoal, coordenado com o elemento social.1 Para Pa ra fazer a crítica de Schleiermacher, observo ob servo em primeiro lugar: lu gar: o fato fato de uma concepção ser de origem ou de gosto romântico não significa automa ticamente que seja falsa ou ridícula. Schleiermacher busca um compromisso entre o racionalismo da época e o sentido cristão; por isso, algumas de suas idéias podiam ser depuradas e transpostas para o sentido católico, como o sen tiram os os teólogos de T u bin bi n g a.2 Também Ta mbém nós nó s cremos que o Espírito Espír ito Santo anima a Igreja como a um corpo, mas não identificamos a pessoa do Espírito Santo com um sentido comunitário. No início do século, século , a visão social pene pe netra tra na exegese do Antigo An tigo Testa Te sta mento. Pedersen escrev escrevee uma obra o bra sobre a vida vida socia sociall de Israel — Israel: its Lif L ifee an andd Cu Cultu lture re I-IV (Londres, 1946-47) —, tirando o Antigo Testamento do isolamento isolamento intelectua intelectuall e assentando-o na vida do povo. Hermann Herm ann Gunkel, em sua famosa Sitz im Leben, procura e encontra uma situação social como ori gem e meio de transmissão dos diferentes gêneros literários; por exemplo, o culto é a situação situação social de muitos salmos. Nem Pedersen nem Gunkel Gunk el abor abor dam formalmente form almente a inspiração. Pelo contrário, contrá rio, este este último último rejeita-a form al mente: “Já foi derruba derr ubado do o belo mito da inspiração inspir ação”” . Mas a dimensão social da Bíblia ficou firmemente estabelecida. Na N a nova no va perspe per spectiv ctiva, a, dever-s dev er-se-iam e-iam indicar ind icar os estudos estu dos de M endenh end enhall all e Gottwald sobre as origens de Israel e os de Carroll sobre os profetas. A partir de Gunkel, a preocupação passa para o Novo Testamento através de quatro qua tro corifeus: corifeus: Dibelius, Bultmann, K. L. Schmidt, Schmidt, Bertram. Segundo eles eles,, os evangelhos sinóticos não são obra dos evangelistas -— redatores secundários sem importânc imp ortância ia — , mas da comunidade comunid ade cristã, em suas suas diversas necessidades necessidades e atividades.3 Feitos e ditos de Jesus, ou atribuídos a ele, são compilados em formas típicas repetíveis (Sitz im Leben ) ; na transmissão, transmiss ão, eles eles vão se formando form ando ou transformando (história das das formas, história história da form ação ). A comunidade é 1. De modo definitivo, definitivo, é irreconcili irreconciliável ável a sua negação do E spírito Santo como pessoa trinitária. Inaceitável a sua explicação humana, como um espírito humano, social, de que o indivíduo participa (esse humanismo é o que, sobretudo, enfurece K. Barth contra Schleiermacher). D ie S c h r if ti n s p ir a ti o n . E in e b ib li s c h g e s c h ic h tlic tl ic h e S tu ã ie 2. P. Dausch, Die (Friburgo, 1891), sobretudo “Die Katholische Tübinger Schule”, 186-192. 3. Exp osição e crítica particularmente lúcidas: lúcidas: Ed. Schick, F o r m g e s c h ic h te
und Synoptikerexegese. Eine kritische Untersuchung iiber die Mõglichkeit und die Grenzen der formgeschichtlichen Methode (“Neutestamentliche Abhandlungen” 18, Münster, 1940), e K. Koch, Was ist Formgeschichte? (Neukirchen, 1964).
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eminentemente criativa, conformadora, e é inútil perguntar qual o autor de eada unidade literária: muitos colaboraram colabo raram e muitos são autores. O máximo que se pode po de fazer faz er é disting dist inguir uir a comu co munid nidad adee pales pa lestine tinense nse e a comu co munid nidad adee helenís hel enística. tica. No culto, cul to, a comu co munid nidad adee realiza rea liza a apote ap oteose ose de Cristo Cri sto e, do culto, cul to, deco de corr rree mais tarde o dogma da divindade de Cristo (Be rtram rtra m ). A comunidade missionária missionária conta ou inventa milagres milagres para opor-se à propagan p ropaganda da dos cultos cultoshelenísticos, helenísticos, pond po ndoo na boca bo ca de Jesus Jesu s a soluç so lução ão de um caso atual. atua l. Este não é o lugar adequado para uma crítica extensa de uma teoria desse tipo. As suas origens estão em Durkheim Dur kheim,, mas a doutrina do filósofo francês chega tarde à pesquisa do Novo Testamento, quando já está desacreditada em outros setores. Há na teoria um elemento verdadeiro, que aceita a versão católica do mé todo: a fundamentação comunitária do material já pré-formado empregado pelos sinóticos. sinóticos. Mas trata-se de uma comunida com unidade de organizada, organiz ada, responsável, de teste munhas. Além disso, disso, volta-se a reconhecer agora, no método denominado denom inado “His tória da Redação”, o intenso e consciente trabalho dos evangelistas. Os autores citados não abordam a inspiração; em contrapartida, uma ver são católica dessa teoria deve perguntar-se pergun tar-se:: quem é o inspirado? Antes de o material literário chegar às mãos dos evangelistas, parece coerente pensar que o trabalho de formulação e adaptação também recai sob a ação do Espírito: não apenas sob uma ação preparatória, mas especificamente na área da lin guagem. K. Rahner aborda a borda a questão de outro ponto de vista. vista. A sua preocupação é concretizar o conteúdo de uma fórmula que sofreu demasiada formalização. Que significa que Deus é autor da Sagrada Escritura? A Igreja tem uma etapa etap a inicial de consolidação e cristalização: é a etapa de fundar-se ou de ser fundada, que não é um momento indivisível, estenden do-se pela geração das testemunhas. Faz parte p arte da fundação fun dação da Igreja Igreja o fato de ela dizer-se, expressar-se a si mesma, em fórmulas permanentes e definitivas, dirigidas a todas as gerações seguintes da Igreja; trata-se de uma atividade de objetivação literária que é componente comp onente essencial da cristalização cristalização da d a Igreja. Ora, Deus, em sua ação histórica salvífica, quer e funda a Igreja, como economia his tórica e escatológica, e leva-a a consolidar-se com todos os seus elementos essen ciais e definitivos; assim sendo, ele também quer e determina com sua ação a atividade da Igreja no sentido de expressar-se a si mesma, como elemento fundacional; determina-o por uma predefinição formal infalível. infalível. Desse modo, Deus Deus é autor auto r da Escritura. Por exemplo, Deus e Paulo são autores de uma epístola: epístola: Paulo é autor de Fm enquanto tal; Deus é autor da ação na qual a Igreja exprime a sua caridade, como nota no ta constitutiva, nessa epístola. Um efeito co mum, duas formalidades forma lidades diferentes. De maneira man eira semelhante, o AT é a expres são da comunidade do povo eleito, que prepara a economia definitiva da Igreja. Observemos com clareza: segundo Rahner, esse expressar-se autêntico da Igreja ocorre por meio da atividade de pessoas concretas, que, incitadas por ocasiões eclesiásticas, sob uma direção unitária do Espírito, exercitam o seu labor literário. literário. Não entenderam ou não leram Rahner Rahne r aqueles aqueles que que o acusam acusam de negar a inspiração pessoal; ele apenas não aprofunda o modo pelo qual Deus opera a sua predefinição formal em cada autor humano. Rahner coordena com perfeição os elementos social e pessoal da inspira ção, enfatizando com acerto o sentido eclesiástico dos autores e dos livros ins
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pirad pi rados os.. Essa Es sa é a sua prin pr inci cipa pall contr co ntrib ibui uiçã çãoo ao tema tem a (e me parec pa recee have ha verr nela nel a um eco remotíssimo de Schleiermacher). Benoit aborda o tema de maneira um tanto resumida. Em seu artigo artigo so so bre as analog ana logias ias da inspi ins piraç ração ão,, fala fa la de uma um a “ins “i nspi piraç ração ão dram dr am átic át ica” a”,, que qu e é a moção do Espírito dirigindo o povo em sua ação histórica, tema e matéria dos livros livros inspirados. Por Po r sua sua origem origem — o Espírito — e por estar orientada orien tada para os livros, essa inspiração comunitária partilha um contexto comum com a ins pira pi raçã çãoo escri es critur turári ária. a. E u já disse antes ante s que não nã o aprec ap recio io a nom no m encl en clat atur uraa e que prefir pre firoo o termo ter mo carism cari smaa como com o sinal de unid un idad ade, e, no qual qu al podem po dem ser indica ind icadas das distinções e relações. D. J. McCarthy tratou da questão num artigo recente: Personality, Society and Inspiration (ThSt 24 24 [1963]:55 [196 3]:55 3-57 6). A sua sua afirmaç afirmação ão inicia iniciall — “a Bíblia foi formada numa, por uma e para uma sociedade” — é equilibrada por perspic pers picaze azess observ obs ervaçõ ações es sobre sob re o eleme ele mento nto pessoa pes soall conjug con jugado ado com a tradi tra diçã çãoo que sustenta a sociedade. O autor sagrado escreve para pa ra a comunidade, comun idade, sabe que a sua obra será recebida e usada diretamente pela comunidade; esta última apo dera-se da obra, usa-a e elabora-a. Mas não se pode falar de uma fonte im pessoa pes soal;l; no máximo máx imo,, de anônim anô nimos. os. O tema do caráter social da inspiração foi formulado com particular vigor por po r J. L. McKen Mc Kenzie, zie, num nu m breve bre ve artigo arti go no qual qu al reconh reco nhece ece a sua depe de pend ndên ênci ciaa de Rahner: The Social Character of Inspiration, CBQ 2) : 115ss 115ss.. Uma CB Q 24 (1 96 2): série de questões decorrentes do conhecimento crítico da literatura bíblica é prop pr opos osta ta com incisiva incis iva auto au torid ridad ade. e. O artigo arti go é de abril ab ril de 1962, 196 2, e posso pos so obser ob ser var que, embora fruto de um trabalho independente, coincide com algumas preo cupações minhas, como, por exemplo, os autores sucessivos, a relação entre dizer e escre es cre ver.4 ve r.4 Concordo com ele em vários pontos ponto s básicos; po r exemplo, o fato de os autores autores funcionarem como membros da comunidade. Quero apon apon tar aqui alguns aspectos que considero exageros. A descrição me parece desmedida quando procura dissolver os indivíduos: “No mundo antigo, o manuscrito era manejado com grande liberdade; ele esta va sujeito a ser corrigido e ampliado por cada proprietário sucessivo, e esse proces pro cesso so consta con stant ntee suscitou sus citou os nossos nos sos proble pro blema mass críticos. crític os. N a tradi tra diçã çãoo oral, ora l, o material é em extremo flexível, e podemos dizer sem exageros que cada jogral ou rapsodo sucessivo criava de novo a narração”. 6 Bem, dizer que isso não é exagero me parece um exagero ao quadrado. É um fato que na Bíblia conservamos marcas da ortografia antiga e que, em qualquer cultura literal oral, existe o corpo de recitadores treinados que pro fessam fidelidade a uma versão recebida; em Israel, como em outros povos, há a força preservadora e conservadora do culto, no qual eram transmitidos vários textos. Parece-me constituir outro exagero — por falta de matiz — a oposição entre o autor moderno, desejoso de manifestar a sua personalidade, e o autor bíblico, bíb lico, desejoso dese joso de escondê esco ndê-la, -la, p ara ar a ser a voz da comu co munid nidade ade.. Muitíssim Muit íssimos os autores da nossa cultura foram vozes autênticas de sua sociedade (e quiseram sê-lo), e alguns autores bíblicos exprimiram-se na primeira pessoa, como pro 4.
Pr e“Semana Bíblica E spa no la” 195 1956, publicado em 1958, 958, com o título título Pre-
5.
P. 117. 117.
gu g u n ta s n u e v a s a c e rc a d e la in sp ir a c ió n .
Crítica
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fetas e sábios. sábios. Se é certo que o grau de consciência da próp ria individualidade aumentou com a reflexão renascentista, com a ensimesmação romântica e com o individualismo liberal, também é certo que o autor moderno quer ser conheci do e famoso, enquanto o autor antigo muitas vezes teve o nome preservado gra ças à devoção de seus discípulos; também é freqüente em tempos antigos a pseudonímia, donímia, e não apenas apenas a anon ímia.0 ím ia.0 Nesse Nesse ponto, a formulação formulação de D. D. J. McCarthy é mais acertada. Terceiro ponto: McKenzie insiste nos autores como porta-vozes da socie dade. Num sentido genérico, isso isso é certo; mas esse esse sentido genérico pode diferenciar-se, como veremos mais adiante. Quando fala da experiência que o profeta obtém de Deus — experiência que depois articula na palavra profética (p. 121) —, McKenzie introduz de novo o elemento pessoal que complementa o social. À parte os exageros, a teoria de McKenzie não dissolve as personalidades numa massa amorfa, enraizando-as em sua sociedade; nesse sentido, a inspiração revela-se um carisma da comunidade, que não anula, mas exige a voz dos seus seus porta-vozes. “Israel “Isra el expressou a sua fé fé — escreve ele — e recitou as suas suas tradições por meio dos seus sacerdotes, profetas, reis, poetas, sábios, e até mesmo por intermédio dos seus jograis e rapsodos, que criavam e transmitiam oralmente as tradições.” 7 Outro ponto interessante: o artigo de McKenzie mostra como a crítica bíbli ca nos leva a uma nova consciência social que vai ao encontro da consciência eclesioló eclesiológica gica renovada. Essa relação, não formu lada pelo autor, confere especial especial importância ao artigo. CRITICA Que pensar dessas dessas teorias? Antes de tudo, tudo , rejeito rejeito toda concepção de uma comunidade amorfa criativa, bem como a existência dessas obras escritas e compostas por todo mundo. Não vejo vejo a utilidade de de ressuscitar ressuscitar o velho con ceito romântico, dissolvendo dissolvendo a Bíblia na massa. massa. Não que o fato de ser român român tica leve a teoria a ser falsa; mais cedo ou mais tarde, muitas intuições ro mânticas deverão ser repensadas repensa das por nós. Mas não nã o a idéia em questão, nem nessa forma. Isso não se relaciona absolutamente com o que chamei de “inspiração su cessiva” cessiva” : dividir o Pentateuco Pentate uco em quatro autores, au tores, mais tradições, mais redato red ato res, não é dissolvê-lo na massa; tampouco o é distinguir vários autores e reda tores no livro de Isaías. Eliminada a explicação extrema, buscarei outro ponto de vista para ava liar a dimensão social dos autores e livros inspirados; será o ponto de vista da língua e da literatura. 6.
Es tud o fundam ental: J. A. Sint, P s e u d o n y m it ã t im A lt e r tu m . I h r e F o rm en und Grünãe (Innsbruck, 1960). Crítica de M. Porderer in Gnomon 33 (1961):440-445, e resposta de Sint in Z e i ts c h r if t f ü r k a th o li s c h e T h eo lo g ie 83 (1961):493s. Veja-se também K. Aland, The Problem of Anonymity and Pseudonymity in Christian Literature of the first two Centuries, Jo J o u rn a l o f T h e o lo g ic a l S tu d ie s 12 (1961):39-49. 7. P. 120.
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LÍNGUA Esses aspectos são expostos com clareza, e com alguns exageros, por J. L. Weisgerber, Da D a s G e s e tz d e r S p r a c h e (Heidelberg, 1951). A seção I tem o subtítulo “Sociologia da linguagem”, e o item b) aborda a “Comunidade Lingüística”. A seção II, “Psicologia da Linguagem”, refere-se constantemente à primeira. Cita dos nesse livro: A. Sommerfelt, La L a la n g u e e t la S o c ié té , 1938; Fr. Kainz, Psychologie der Sprache, vol. V; T. T. Segerstedt, Die Macht des Wortes: E in e S pr a ch so s o z io lo g ie (Zurique, 1947); J. Bram, Lan L an g u a ge a n ã S o c ie ty (Nova Iorque, 1955).
Recordemos o que foi dito a propósito da língua como realidade social, com as limitações limitações esboçadas. O indivíduo aprende a sua língua; o seu voca bulári bul árioo organi org anizad zado, o, os seus pode po deres res de form fo rmaç ação ão analógica analó gica,, os seus modismo mod ismoss e expressões, as suas distinções e campos, bem como tantos tesouros seculares depositados na língua concreta concre ta que a criança vai aprendendo. aprend endo. Ela desenvol ve-se conscientemente na língua, maneja-a para comunicar-se e para aprender a pensar, recebe a sua influência. E, nesse sentido, a pessoa fica fica condicionada para pa ra sempre sem pre pela pe la força for ça social soci al de sua língua. Isso não é mais que preparação remota para o carisma da inspiração; quando protestava — falando — que não sabia falar, Jeremias referia-se ao domínio literário da língua; Isaías recebeu a consagração da língua que já era a sua. Tocamos aqui numa energeia que de algum modo colaborará na etapa de execução; e por aqui a sociedade entra, de maneira remota, no autor inspirado. Como a língua não é inerte no trabalho literário, podemos imaginar a socie dade como presente e ativa, através da língua, no processo total do autor. Mas não exageremos essa presença e essa influência; muitos outros, não inspirados, usaram a mesma língua e com ela disseram coisas profanas, neutras, ímpias. Quando começa a usar a língua que aprendeu, o indivíduo pode simples mente deixar-se levar — em fórmulas aproximadas, aproxim adas, modismos, clichês. clichês. Pode sucumbir ao poder da linguagem, caindo num realismo ingênuo ou manejando esquemas sonoros sem apreciar aprec iar o seu sentido. Mesmo sem cair no extremo, pode pod e aceit ac eitar ar sem discussã disc ussãoo um conte co ntexto xto em que seria seri a neces ne cessár sária ia certa ce rta distânc dist ância ia reflexiva. De alguma maneira, e em diferentes graus, o indivíduo adapta a língua às suas necessidades e ao seu temperamento, afirmando assim a sua liberdade diante dessa realidade disponível. Esse é o sentido da linguagem linguagem como sistema sistema de possibilidades e essa é a sua grandeza como meio de liberdade humana de expressão, e, através dela, de realização humana; liberdade tanto maior quanto mais amplo é o domínio. E essa essa é a contrapar contra partida tida do pessoal com com relação re lação ao social; o pessoal dado precisamente em sua referência social, a pessoa mani festada e realizando-se realizando -se diante de outras pessoas, num meio compartilhado. compa rtilhado. Isso já pode po de entr en trar ar na região reg ião dema de marc rcad adaa da inspir ins piraçã ação, o, enten en tendid didaa como com o caris ca risma ma pes pes soal que atua num meio e diante de um contexto social. As possibilidades de uma língua são de certo modo limitadas — não me refiro às possibilidades remotíssimas que, acumuladas, mudarão de fato a língua. Alguns argumentam que, com uma língua, pode-se dizer qualquer coisa, tradu zir qualquer qualq uer coisa. coisa. Certo, em parte. Tomemos os campos de linguagem;s número limitado de palavras, refe rentes a um campo de realidade, que se delimitam por contigüidade, cores, pa 8. J. Trier, Das D as s p r a c h lic li c h e F elã , 1934, dá início ao estudo sobre campos de linguagem; dão prosseguimento a ele Weisgerber, Geckeler e Coseriu.
Lín L íngg u a
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rentes, tempo. temp o. . . E faltam as palavras intermediárias, intermed iárias, que existem existem em outra ou tra língua. língua. E, quando quand o queremos queremos traduzir tradu zir esse esse ponto pon to intermediário, intermed iário, precisamos re correr corre r a uma um a circunlocução circunlocução ou paráfrase. paráfrase . É possível que, em termos do con teúdo informativo, o original e a tradução digam a mesma coisa, mas ainda não se igualam no que se refere à totalidade totalid ade do conteúdo. E, se chegamos chegamos a equi librar os conteúdos para nos entender sobre algo, isso é suficiente para a con versa comum, mas não para a conformação literária. literária. Não são a mesma coisa coisa a frase lapidar lapida r e a sua tradução parafrástica. E se, para preench er os inter valos vazios, recorremos a formas técnicas, abandonamos o nível e a qualidade da linguagem. Traduzindo Paulo, para fazer a proclamação litúrgica em espanhol, pude mos avaliar, dolorosamente, a pobreza de preposições simples da nossa língua; isso sem falar da nossa desesperadora desesperado ra ambigüidade de possess possessivos. ivos. Num poema poem a inglês ninguém confundirá um his com um her\ em espanhol podemos distinguir “su de él” (seu dele) de “su de ella” (sua (su a dela d ela). ). Mas desafio um poeta a escrever um verso como “su mano de ella agitaba el aire y mi corazón” (sua mão dela agitava o ar e o meu coração). O grande artista da linguagem pode triunfar justamente nesses casos de limitação, introduzindo novas soluções que se transformam em possibilidades novas. E isso acontece na ordem do vocabulário ou na ordem ord em das combina comb ina ções ções — pensemos em Gôngora, Quevedo, Q uevedo, Aleixandre. Aleixand re. Através da língua, o escritor está atuando indiretamente sobre a comunidade lingüística. Podemos conceber ações desse tipo no contexto da inspiração: não apenas a sociedade influi no escritor, por meio da língua, como também, reciproca mente, o escritor escritor influi na sociedade pelo mesmo meio. A ação dos autores inspirados enriqueceu de possibilidades a nossa expressão e o nosso pensamento religioso. Mais ainda: assim como a sociedade elabora a sua língua num esforço co mum, assim também, mais tarde, a língua se torna constitutiva da sociedade. Isso ocorre em termos da sociedade total ou de especializações dentro da so ciedade. Se nós, cristãos, cristã os, somos um povo “cham “ch amad ado” o” ■— isto é, respondemos respond emos ao chamado da palavra com unanimidade na fé —, podemos estender a outro plano pla no essa influê inf luência ncia da pala pa lavr vraa e afirm afi rmar ar que uma um a língua líng ua religios reli giosaa comum comu m é a língua inspirada — não precisamente hebraica, inglesa ou chinesa, mas bíblica. bíblic a. Dess De ssaa mane ma neira ira,, a insp in spira iraçã çãoo també tam bém m tem uma um a seríssim serí ssimaa dimens dim ensão ão so cial: poucos cristãos são chamados à criatividade no âmbito da língua religiosa; os autores inspirados inspirado s tiveram essa essa vocação, que é uma um a vocação social. social. Não temamos as reformas litúrgicas: seremos unidos mais por boas traduções de uma língua bíblica comum do que por um latim uniformemente incompreen dido. Essas traduções continuam propiciando, propician do, por séculos séculos e gerações, a expan são social à palavra inspirada. O homem: homem : a) recebe certa influência genérica e condicionad condic ionadora ora de sua língua; b) em termos de usos concretos, recebe pela língua a influência de outros; outro s; c) age sobre a língua dando exemplo e ampliando a liberdade e o domínio; d) influencia outros através da língua. As duas primeiras influências influências são anteriores ao fato específico da inspiração; as duas últimas podem incluir-se no processo inspirado. E assim, assim, pela língua, a inspiração adquire adq uire uma dimen são social.
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LITERATURA R. Wellek/A. Warren, Teoria literaria (Madri, 1953, original americano, Nova Iorque, 1949); capítulo IX, “Literatura e sociedade”, com bibliografia pertinente. Vejam-se também D. Daiches, L it e r a tu r e a n ã S o c ie ty (Londres, 1938), e R. Escarpit, Sociologie de la litérature (Paris, 1968).
Nor N orm m almen alm ente te,, o futu fu turo ro escri es critor tor ou auto au torr começa com eça apren ap rende dend ndo, o, isto é, assi milando realizações realizações literárias literárias anteriores. anteriores. Escutando, Escutand o, lendo, ele se insere numa num a tradição qque é condição de vida; entra numa escola, assimila motivos e formas literárias. literárias. Tudo Tud o isso é preparação preparaçã o social e tradicional tradiciona l para par a a sua atividade futura. futura. Na Bíbli Bíblia, a, essa essa preparação antecede o processo processo in spirad sp irad o.9 Mais tardei o literato, sem deixar de aprender, começa a criar utilizando o que recebeu de sua comunidade. Em sua atividade literária, ele ele pode perten perten cer a diversos tipos de integração social. 1. Aquele Aqu ele que fala ou escreve escreve em nome do povo; vox populi. Quando o escuta, o povo se reconhece e aceita-o como o seu poeta. E o intérprete de sua comunidade, de tal modo que o povo se sente autor daqueles dizeres, re conhecendo ao mesmo tempo o prestígio e o privilégio do seu cantor. Ou então, distanciado geográfica ou temporalmente, mesmo sem conhecer o autor, aceita as suas obras. Isso é poesia popular no melhor sentido, e não a poesia obtida por degeneração gene ração de uma um a poesia culta, em processo process o de vulgarização. E não n ão é difíc difícil il acontecer de o povo apoderar-se do cantar, torná-lo seu e esquecer-se do autor. Nesse conte co ntexto xto,, popu po pula larr eqüiv eq üivale ale a anônim anô nimo. o. O cant ca ntoo não nã o é prod pr odut utoo de uma um a comunidade amorfa; pelo contrário, o nome do autor desaparece porque ele se identificou com o povo. Ningu Nin guém ém expri ex primiu miu isso m elho el horr do que qu e M anue an uell M acha ac hado do,, auto au torr de quad qu adririnhas estritamente populares: “Hasta que el pueblo las canta, las copias, copias no son; y cuando las canta el pueblo, ya nadie sabe él autor. Tal es la gloria, Guillén, de los que escriben cantares: oír decir a la gente que no los ha escrito nadie. Procura tú que tus copias vayan al pueblo a parar, aunque dejen de ser tuyas par p araa ser de los demás. demá s. Que al fundir el corazón con el alma popular, lo que se pierde de nombre, se gana de eternidad”. 9. Entre vários outros testem unh os, podem-se ver os con selho s de A. MauMaurois para a formação do escritor in The Art of Writing (Nova Iorque, 1962), primeiro ensaio, “The Writer’s Craft”.
Lit L itee r a tu r a
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Nesse Nes se sentid sen tido, o, gran gr ande de p arte ar te da lite li tera ratu tura ra litúrg lit úrgica ica do Antig An tigoo Testa Te stame ment ntoo é popular e social, assim como uma parcela de suas narrações épicas e do re per p ertó tório rio de prové pro vérbi rbios. os. 2 . Pertence ao segundo tipo tipo o autor auto r que age age sobre o seu povo, dirigin dirigin do-o, reagindo contra ele, ele, adiantando-se como precursor. Mesmo no caso da oposição, o poeta é social à medida que age provocado e mantido pela resis tência social social.. To Toda da a sua sua razão de falar ou escrever é o seu seu povo, a sua co munidade: ele não se afasta desesperado, não foge temeroso, mas entra em confronto. Grande parte da literatura profética pertence a esse tipo, e Jeremias pode servir de modelo: Deus faz dele cidade fortificada e muro de bronze diante do povo po vo,, a fim de que qu e bata ba talh lhee sem tem te m or; or ; em vez de conv co nvers ersão ão,, as suas palav pa lavra rass prov pr ovoc ocam am zomb zo mbari arias as;; o prof pr ofet etaa quer qu er escap esc apar, ar, e Deus De us v o lta lt a a situá-l situ á-loo no campo cam po de batalha. Unamuno não é um escritor popular, mas tem grande força de comuni cação. cação. Escutemos alguns mandam entos da sua atuação: “A primeira coisa coisa que se precisa para escrever com eficácia é não ter nenhum respeito pelo leitor, que não o merece”; “se pudesse, eu te cravaria um aguilhão ardente para ouvir o teu gemido”; “irritar as pessoas pode chegar a ser um dever de consciência”. Unamuno Unamu no é um autor auto r social social,, agressivamen agressivamente te social: social: “Comb “C ombater ater alguém alguém é um modo de animá-lo e dar-lhe apoio”; mas ele não é uma voz do seu povo. O público pode influenciar e condicionar as obras literárias, e até ameaçar gravemente a sua qualidade; o escritor recebe essa influência do público como pedi pe dido do,, prov pr ovoc ocaç ação ão,, ameaça ame aça.. Se ele sabe sab e conc co nced eder er e defen de fender der-se -se n a medid me didaa certa, a sociedade ajuda-o no melhor sentido. Na pregação dos profetas, profetas, a co munidade está atuando como público que condiciona a obra literária: pelo me nos, por reação. reação. Essa dimensão social da Sagrada Escritura pode ser anterior ao processo inspirado ou incluir-se no movimento total da inspiração. 3. Existe em nossa cultura o literato de torre de marfim, de de cenáculo, cenáculo, poet po etaa mald ma ldito ito,, herm he rméti ético co,, de iniciad ini ciados. os. Alhe Al heio io à socie so cieda dade de e depr de prec eciad iador or do povo pov o sadio. sad io. Esse Es se tipo tip o de poet po etaa esquisi esq uisito, to, supe su perio riorr e indif in difere erente nte,, n ão existe na fauna bíblica. bíblica. Nem mesmo o autor de Qohelet — caso extremo extremo — se inclui nessa categoria: ele pensa em voz alta e desafia os hábitos do leitor. Isso é tudo o que podemos encontrar de dimensão social na inspiração. Não Nã o posso po sso ofere of erecer cer mais. mais . E mesmo mes mo o que ofereç ofe reçoo cons co nsum uma-s a-see no conte co ntexto xto,, aberto e permeável, permeá vel, do indivíduo. A explicação de Schleiermacher Schleiermach er e a de RahRah ner adaptam-se sobretudo ao primeiro item: o autor que exprime a sua comu nidade e a comunidade comun idade que se reconhece a si si mesma na obra do autor. A expli expli cação de Benoit não ultrapassa os materiais que entrarão na obra literária. McCarthy insistia na recepção viva e no uso vivo por parte da comunidade. Abordarei outros aspectos sociais no capítulo dedicado à obra literária. Em conjunto, pode-se dizer que a mais forte influência da sociedade no literato é a sua característica de receptora, de público: numa realidade que implica essencialmente a referência, o termo de referência é fator fato r constituinte. Isso se se realiza, realiza, de modo fundamen fun damental, tal, pela obra. Ora, não é exato exato dizer que a moção carismática de inspiração move e dirige a atividade da sociedade receptora, mas que move o autor au tor com vistas vistas a esse fim. fim. A sociedade receptora possui um carisma paralelo, complementar, não especificamente de inspiração: povo de Deus, Igreja.
9 FALAR E ESCREVER
Evitei até agora aplicar aplicar o termo “ escritor” aos aos autores bíblicos. bíblicos. Po r que esse esse medo à fórmula fórmu la habitual? Trata-se de fato de uma fórmula habitual, comumente aceita por uma um a grande tradição. Se tomamos como exemplo uma encíclica, podemos ler na Proviâentissimus Deus: “Quare “Qu are nihil admodum refert, refert, Spiritum Sanctum assumpsisse homines tamquam instrumenta ad scribendum, quasi, non quidem primário auctori, sed scriptoribus inspiratis quidpiam falsi elabi potuerit. Nam supernaturali superna turali ipse virtute ita eos eos ad scribendum excitavit et movit, ita scribentibus adstitit, ut ea omnia eaque sola, quae ipse iuberet, et recte mente conciperent, et fideliter conscribere vellent, et apte infallibili veritate ritate exprimerent”. exprimerent”. 1 A raiz de escrever aparece cinco vezes em oito linhas: Deus toma os ho mens como instrumentos para escrever, os escritores inspirados opõem-se ao autor primário, Deus impele-os a escrever, faz com que desejem escrever, assis te-os te-os no ato de escreverem. escreverem. Alguém poderia explorar a distinção distinção pontifícia — Deus autor/o homem escritor —, derivando-a de novo para uma teoria do amanuense que escreve segundo o ditado: explicação contrária à linha geral da encícli encíclica. ca. Contudo Con tudo é certo que os hagiógrafos são vistos apenas como escri tores (e “hagiógrafo” signi signific ficaa “escritor “escritor sagrado” ). En Entre tre os tratadistas, po demos escolher Pesch como figura representativa: “Deve conceber mentalmen te a idéia do livro que escreverá, isto é, deve julgar o que deverá escrever-, se gundo, deve considerar com que palavras deve expressar o que julgou dever escrever-, terceiro, deve decidir colocar por escrito o que concebeu mentalmen te; quarto, deve realizar a sua decisão decisão por po r si mesmo ou por outro” outr o” . 2 No N o quar qu arto to pont po ntoo falta fa lta a palav pa lavra ra “ escrev esc rever” er” , para pa ra dar da r lugar lug ar ao amanu am anuen ense, se, já que qu e a insp in spira iraçã çãoo não nã o exige que o hagió ha giógr grafo afo seja aman am anue uens nsee de si mesmo. mesm o. Quanto ao mais, Pesch só concebe o autor sagrado como escritor de livros. A coisa é tão óbvia que não tem contrapartida problemática. Entre os autores recentes, Rahner usa essa terminologia quando se refere às ocasiões eclesiásticas de escrever; ele admite, sem problemas, uma possível distinção quando qu ando enuncia enu ncia a sua teoria da Igreja que se diz a si mesma, que se expressa; concretiza esse esse princípio no fato de escrever. escrever. 1. 2.
E B , n. 125. 125. Op. cit., cit ., n. 414. 414.
O problema
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Com efeito, esse modo de falar é antiquíssimo e se apóia na própria Escri tura: os santos padres conhecem o termo “hagiógrafo”; os autores do Novo Testamento citam ou comentam o Antigo Testamento como “escritura”, e po demos ler que Moisés escreveu: Mc 10,5; Lc 20,28; Jo 1,45; 5,46; cf. B. Childs, Intro In trodu ducti ction on to the O T as Scriptur Scri pturee (1979). O PROBLEMA A opinião e a terminologia comuns dos manuais consideram a Escritura como resultado do ato de escrever: cada livro livro supõe um ato de escrever escrever.. Moisés escreve o Pentateuco, Isaías, o livro que leva o seu nome, Davi, um livro de salmos etc. etc. Em Embo bora ra seja seja extenso e persistente, esse ato pode ser considerado unidade psicológica e pertence à atividade cultural de escrever; do mesmo modo, o autor do manual produziu o seu livro com um ato específico de escrever. Mas a pesquisa histórico-crítica destruiu essa visão simplista: não se pode falar de de um ato, mas de de muitos atos, de diversos diversos autores sucessi sucessivos. vos. E nem to dos os atos são especificamente de escrever, porque ocorrem a composição e a transmissão oral. Quanto Qua nto ao resto, resto, o Novo Testamento Testame nto também utiliza às veze vezess o termo genérico genérico “dizer”, “dizer” , evitando, para pa ra os profetas, o termo “escrever” “e screver” : Hb 1: “Deus falou aos nossos pais pelos profetas”. 2Pd 1,21: “Os homens, movidos pelo Espírito Santo, falaram da parte de Deus”. Lc 1,70: “Como falou pela boca dos seus santos profetas”. At 3,21: “Falar a palavra de Deus” (cf. At 4,29.31). At 8,25: “Eles deram testemunho e falaram a palavra de Deus” (14,2 (1 4,2 5). At 28,25: “O Espírito Santo falou por meio de Isaías”. Rm 3,19: “Tudo o que diz a lei”. Hb 7,14: “Moisés falou”. Tg 5,10: “Os profetas falaram”. Há uma preferência nesses textos pelo termo “falar” quando se trata dos profet pro fetas, as, aplica ap licado do algumas algum as vezes a Moisés Mois és e à lei; por po r outro ou tro lado, lad o, a atividad ativ idadee apostólica de pregar pode ser denominada “dizer a palavra do Senhor”. Esses são alguns fatos — composição oral, transmissão oral — que hoje todos admitem. Ora, ao se se m udar uda r os fatos elaborados por uma u ma teoria, é mui to fácil mudar mu dar o sentido sentido das fórmulas que essa essa teoria empregava. em pregava. É o caso da fórmula “inspiração “inspiração da Escritura” Escritura ” . Antes, a palavra “escrever” incluía incluía tudo tudo num ato; agora, cobre apenas uma etapa do processo e, por isso, suscita uma pergu pe rgunta nta:: que é inspir ins pirado ado,, o dizer, o escreve escr everr ou tudo? tud o? Ou se amplia o carisma, de modo a cobrir com a sua sombra todas as fases do processo — fases analógicas —, ou se restringe esse carisma ao mo mento de escrever. A segunda solução pode parecer um ato de fidelidade à opinião comum; no entanto, ao mudar o sentido real do termo, manter a fórmula é mudar o sentido, é romper rom per com a doutrina comum. comum . Além disso, disso, essa segunda solução solução pode po de às vezes consi co nside derar rar a inspir ins piraç ação ão como com o um ato poste po sterio riorr à palav pa lavra ra de Deus Deu s já const co nstituí ituída da e fixada fix ada;; de certo cer to modo, mo do, ela parece par ece recair rec air na teoria teo ria inaceitá inac eitável vel da “aceitação posterior” como constitutiva da inspiração. Por outro lado, o momento de escrever é indispensável e não pode ser ex cluído do carisma. Para Pa ra que haja “Esc “ Escritur ritura” a”,, é preciso haver escrita; escrita; para p ara
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Falar e escrever
que haja escrita, é necessário que alguém a tenha escrito; se queria dar-nos “escritura”, o Espírito Santo teve de mover, de alguma maneira, escritores. Isso Isso é óbvio e quase tautológ tautológico; ico; tão óbvio que quase não suscita reflexão. Por Po r que disso não decorre simplesmente que a técnica e o processo de composição tenham ocorrido por escrito. H á um século e meio, o teólogo teólogo tubinguense João Batista Drey formulou o problem pro blem a nos seguint seguintes es termos: term os: “Estranho! Quer Qu er dizer que, até que não lhes ocorreu escrever sobre isso, o que os apóstolos pregavam oralmente, no dia-a-dia, em todos os os lugares, por muitos anos, não era palavra palav ra de Deus. Isso signi significa fica que a primeira comunidade de Jerusalém e as outras, bem como todos os pri meiros cristãos, escutavam apenas a palavra dos apóstolos, e não a palavra de Deus; esta só começava a sê-lo quando eles a liam escrita”. 3 Os artigos de Drey são publicados em 1820 e 1821. 1821. A sua problemática problem ática passo pa ssouu a segundo seg undo plan pl anoo e desap de sapare areceu ceu.. Hoje, Ho je, que conhec con hecem emos os de m aneir an eiraa muito mais detalhada o processo de composição dos dois Testamentos, o pro blema blem a volta vo lta a impo im por-s r-see a nós. É indiscutível que boa parte do Antigo Testamento existiu e foi transmitida por po r tradi tra diçã çãoo oral, ora l, antes ant es de ser escrita. escr ita. N o Novo No vo Testa Te stam m ento en to há uma um a tradi tra diçã çãoo oral que antecede a redação dos sinóticos: o evangelho precede os evangelhos. Onde se deve colocar a inspiração? SOLUÇÕES O Pe. Benoit dedicou dedicou muita atenção ao problema. Num primeiro estudo, à guisa de comentário e apostilas ao tratado de Tomás de Aquino sobre a pro fecia, Benoit distinguia uma “inspiração profética”, para pronunciar o oráculo, e uma “inspiração escrituraria”, para escrever escrever o livro: “A esse esse propósito, po po demos distinguir duas vocações distintas: a que faz p r o n u n c ia r u m o r á c u lo des cido do céu e a que impele a c o m p o r u m li v r o . Designá-las-emos com os nomes típicos de p r o f e ta e e s c r it o r s a g r a d o . . . No caso do p r o f e ta , que recebe uma mensagem de Deus para comunicá-la, o julgamento especulativo ocupa o pri meir meiroo pla no . . . É dife diferen rente te o caso caso do escritor sagrado, que recebe de Deus o impulso para pa ra compor comp or um liv ro . . . Nesse caso, o impulso inspirado inspi radorr atinge pri pr i meiro a razão prática do escritor e tem por objeto primário o julgamento prát pr átic ico” o” . 4 Benoit Beno it escreveu isso isso em 1947. Doze anos depois, no volume Sacra Pagina, corrige essa essa distinção, distinção, substituindo-a por outra mais refinada. No plano psi cológico, podem-se distinguir: inspiração para conhecer (cognoscitiva); inspi ração para falar (profética, apostólica, oratória); inspiração para escrever (hagiográfica, escriturai). No plano pla no social, devemdev em-se se distinguir distin guir a inspir ins piraç ação ão p ara ar a falar fa lar,, de ação açã o ime ime diata e momentânea, e a inspiração para escrever, que supera o tempo para uma ação mediata e ampla. Em Embora bora não tenha concluído a reflexão, Benoit tem o mérito de haver enunciado a distinção no âmbito de um contexto unitário. 3. Veja-se P. Da usch, D ie S c h r if tin ti n s p ir a ti o n . E in e b ib lisc li sc h -g e sc h ich ic h tlic tl ich he Stuãie (Friburgo, 1891), 188, e todo o capítulo sobre a escola de Tubinga. 4. La p r o p h é ti e , pp. 317-318.
Soluções
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Considero P. Grelot mais preciso preciso e lúcido: “Será útil examinar exam inar com toda amplitude o problema dos carismas relacionados com a Palavra de Deus antes de abordar o estudo da inspiração escriturária”. 5 No A T, é prim pr imor ordi dial al o caris ca risma ma profét pro fético ico,, que trans tra nsm m ite a Pala Pa lavr vraa revela rev ela-dora de Deus; essa Palavra se desenvolve sob a ação múltipla de homens esco lhidos, que possuem carismas funcionais, com vistas à Palavra; por último, ele se fixa por escrito, escrito, num complexo processo, sob o carisma escriturário. De modo semelhante, na economia do Novo Testamento, começa-se pela Palavra, proc pr ocla lam m ada ad a com carism car ismaa apostól apo stólico ico,, seguindo seg uindo-se -se a ela o carism car ismaa escritu esc riturár rário io para pa ra fixar fixa r por po r escrito escr ito a P alav al avra ra e, na Igreja Igr eja,, em torn to rnoo dessa des sa Palav Pa lavra ra,, os caris car is mas funcionais. “No AT, a profecia (em sentido estrito) de certa maneira fundava a co munidade mun idade de salvação, porque porq ue lhe levava a Palavra Palav ra de Deus. Depois vinham outros carismas que estruturavam essa comunidade, para que, nela, a Palavra pudesse pud esse conser con servar var-se -se e desenv des envolv olver er as suas possibili poss ibilidad dades. es. No deco de corre rrerr desse proces pro cesso, so, a inspir ins piraç ação ão escr es critu iturá rária ria p o r vezes confe co nferia ria uma um a form fo rmaa escrita esc rita à P a lavra, para que a comunidade pudesse referir-se a essa Escritura como à sua norma de fé. No final fin al dos tempos tem pos,, Cristo, Cri sto, Pala Pa lavr vraa de Deus De us enca en carn rnad ada, a, troux tro uxee aos ho ho mens a revelação total, em suas palavras e ações; ao mesmo tempo, ele revelou o sentido definitivo definitivo da antiga Escritura. Escritu ra. Mas essa revelação é explicitada na mensagem evangélica; daí decorre a função do carisma apostólico como funda mento da Igreja Ig reja.. . . à qual traz a Palavra. A esse carisma sucedem outros o utros que estruturam a tradição viva da Igreja, a fim de que nela se conserve e frutifique, ao longo do tempo, temp o, a Palavra. Palav ra. Esse é o sentido do magistério magistério hierárquico, hierá rquico, que, assistido assistido pelo Espírito Santo, continua a velar vela r pelo depósito apostólico. Esse depósito foi o objeto de uma fixação escrita, graças à inspiração escriturária concedida a alguns depositários de funções carismáticas, ainda bastante próxi mos dos apóstolos para poder dar testemunho direto do depósito que lhes fora legado.” IJ Na N a explica exp licaçã çãoo de Grelo Gr elot,t, o term ter m o “insp “in spira iraçã ção” o” está unido uni do ao adjetivo adje tivo “es “e s crituraria” : trata-se de um um carisma final para fixar por escrito, escrito, mas subordinado e dependente de outros carismas de cultivo da palavra, os quais, por seu turno, dependem por inteiro da Palavra profética ou ou apostólica. apostólica. Dessa maneira, G re lot oferece um contexto unitário, a Palavra, uma diferenciação de carismas e uma inspiração em sentido estrito para pa ra escrever. É claro que qu e esta última inspi ração escriturária não pode ser abordada simplesmente com as categorias dos manuais. Já não fica tão claro que a atividade de muitos autores sapienciais é um carisma funcional a serviço da Palavra profética; também não é desenvolvido o tema da fixação da Palavra. Vemos em Benoit e em Grelot o esforço para distinguir, a propósito da inspiração, a atividade de falar da atividade de escrever. escrever. Ora, é legít legítimo imo prob pr oble lem m atiza at izarr um a coisa cois a tão tã o óbvia? óbvi a? To Todo do m undo un do cham ch amaa a Bíblia Bí blia de Sagra Sag ra da Escritura, sacra pagina, o termo bíblia significa livros, os autores sagrados são denominados hagiógrafos, o A T é citado apenas como “a “ a Escritu Es critura” ra” . Assim Assim se expressou expressou uma tradição milenar. Estamos tentando ten tando desqualif desqualificá-l icá-la? a? 5.
Lrinspiration Lrinspiration scriptu raire (RSR 51 [1983] :349). :349). In corp ora do ao livro La B íb lia li a , p a la b r a d e D io s (Herder, Barcelona, 1968). 6. Ibid., Ib id., pp . 364-36 364-365. 5.
Falar e escrever
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Antes de responder ao problema bíblico, vamos considerar resumidamente o fato genérico da linguagem e o fato de sua realização literária, sem outras preocu pre ocupaç pações ões.. FALAR E ESCREVER Dados básicos em Fr. Kainz, P s y c h o lo g ie d e r S p r a c h e IV (Stuttgart, 1956), L a p a r o le e t 1’é c r it u r e (Paris, 1947). Deve-se considerar com capítulo I. L. Lavelle, La atenção A. B. Lord, The Singer of Tales (Cambridge Mass., 1964); os seus estudos acerca dos recitadores de poesia épica tiveram notável influência também sobre alguns pesquisadores bíblicos.
A linguagem é primariamente falada, a palavra é primariamente sonora. O analfabetismo é algo perfeitamente humano, que durou milhares de anos e que continua sendo patrimônio pelo menos das crianças. A escrit e scritaa é uma notação nota ção secundária e simplificada. simplificada. Já a linguagem linguagem falada é estilização e simplificação, embora inclua múltiplos elementos de tom e declamação que não são registrados em nossa nossa notação notaç ão escrita. escrita. Comparemos Comparem os a notação literária com a notação musical moderna, que indica o movimento — allegro, andante, presto —, a intensidade — piano, pia no, forte fo rte — , as mudanças mudanç as di nâmicas — rallentando, accellerando, crescendo, diminuendo —, os modos rít micos — staccato, legato etc. De fato, a nossa notação notaçã o escrita da palavra palav ra é basta ba stant ntee primi pri mitiva tiva e apro ap roxi xim m ada; ad a; a razã ra zãoo disso é, em parte pa rte,, o fato fat o de termo ter moss descuidado da palavra primária. George L. Trage dedicou seus trabalhos a essa série de fenômenos, reunidos p a r a lin li n g u a g e m . Veja-se uma informação resumida desse sob o denominador de pa P a ra la n g u a g e: A F ir s t A p p r o x im a tio ti o n , em La L a n g u a g e in C u ltu lt u r e a n d S o c ie ty . autor: Pa A R e a ã e r in L in g u is tic ti c s a n d A n th r o p o lo g y (Nova Iorque, 1964).
A escrita é um sistema de símbolos de terceiro grau — palavra interior, sonorização, notação notaçã o gráfica. gráfica. A sua sua função primária é conservar a palavra. Tendo uma cultura desenvolvido a arte de escrever, a notação escrita co meça a desenvolver uma série de funções peculiares e pode influir reciproca mente na linguagem falada (“fala como um livro”): o autor do SI 45 compara a sua língua à pena de um escrivão ágil. A escrita pode conferir à palavra um valor jurídico: contratos, desde a época sumeriana. O texto texto escrit escritoo pode ser instrumento judicial, judicial, como testemu nho; pode também assumir uma função mágica: textos de execração egípcios. A escrita escrita pode fixar fixar o processo fluido fluido da tradição oral. Freia Fre ia o processo de de variações fonéticas e mesmo semânticas. Tende Ten de a transformar transfor mar-se -se em norma nor ma de uma língua: os bons escritores escritores derrotam os bons puristas. puristas. Influencia a pro núncia: núnc ia: camadas cama das sociais sociais que ascendem culturalmen cultura lmente. te. A escrita facilita a re petiç pe tição ão e a difusão difu são,, m ante an tend ndoo a unid un idad adee norm no rmat ativa iva do texto. tex to. Chegamos hoje à produç pro dução ão em série de livros: as grandes máquin m áquinas as devo ram e expelem industrialmente, lançam-se “séries” e “coleções” às centenas, os editores acossam os os autores. No outro extremo, renasce hoje, felizmente, a pala pa lavr vraa sono so nora ra,, regi re gistr strad adaa em fitas fita s e discos, repetí rep etíve vell sem a inter int erme medi diaç ação ão da notação escrita, sem o empobrecimento dos trinta caracteres e dez sinais de pontua pon tuaçã ção. o.
Técnicas de composição
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Num N umaa cultu cu ltura ra escrita esc rita já desenv des envolv olvida ida e triun tri unfan fante, te, alguns algun s autor au tores es perde per dem m a consciência consciência e a noção da realidade primária da palavra falada. Pensam em letras, e não em sons, e crêem que o outro, mesmo há séculos de distância, pensava pen sava como com o eles: “ O. Jespe Jes perse rsenn explica exp lica que qu e a maior ma ioria ia dos lingüis ling üistas tas é im poten po tente te diant di antee da língua líng ua viva, porq po rque ue confu co nfund ndee sem reflexã refl exãoo língua líng ua com escrita esc rita e não é capaz de pensar em sons em vez vez de pensar em letras”. letras” . 7 Eduard Sievers lutou contra isso com a sua análise sonora (também na Bíblia), Bíblia ), e toda a nova tendência estrutural parte da língua língua falada sonora. sonora. Os modernos estudos sobre a técnica de comunicação deram grande impulso ao retorno à língua falada.8 Muito do que Jespersen disse ocorreu no estudo da Sagrada Escritura e no pensamento pensam ento sobre a inspiração. Devemos agora repensar repen sar os problemas le vando em conta este fato tão fundamental quanto menosprezado: o fato de que a palavra primária é oral. TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO Tendo a cultura desenvolvido a arte de escrever, o preço do papel se reduz — pensem pen semos os nos no s velhos vel hos palim pal imps psest estos os,, no valor va lor do papi pa piro ro e do perga pe rgamin minho ho para pa ra os antigos, antig os, comp co mpara arado do com essa realid rea lidad adee cultu cu ltural ral deno de nomi mina nada da “ cesto de papéi pa péis” s” — e a impres imp ressão são é faci fa cilita litada da;; afirmam afir mam-se -se então en tão duas dua s técnicas técni cas distinta dist intass de composição literária, que correspondem bastante ao processo temporal. A composição oral o ral é normal norm al em tempos e culturas cultura s antigos. Ela emprega com maior freqüência fórmulas estereotipadas, simples, e utiliza artifícios mnemônicos. mônicos. Com essas essas formas, consegue certa fixidez, fixidez, que a transmissão transmiss ão oral se encarrega de moderar: em nossos dias, podemos comparar os cantos populares orais com a música impressa. Correlativamen Correla tivamente te à composição compo sição oral, surge uma associação de recitadores, rapsodos, com a sua técnica de memorização e de recitação, com um respeito básico e gremial pela versão escolhida como norma. Da composição oral primitiva, e sua transmissão oral durante certo tempo, passa pas sa-se se à fixação fixa ção escrita esc rita poste po sterio rior, r, que implica impl ica um recon rec onhe hecim ciment entoo ou privi pri vi legia uma das versões variantes: pensemos no entusiasmo pelo folclore desper tado no coração dos românticos e hoje organizado. organizado. 9 Essa fixação escrita está está a serviço da sociedade, difunde a tradição e a coíbe, reduz variantes e, de certo modo, torna-se normativa (pensemos nos contos de Grimm). A composição escrita pode ser mais rigorosa e também mais livre de for mas estereotipadas, já que não necessita delas para persistir ou ser memorizada. Emprega com freqüência materiais literários preexistentes: por exemplo, os nos sos livros intelectuais provêm em boa parte de outros livros (a citação cien tífica que chega ao fetichismo). Ocorre por fim que a própria técnica de escrever influencia circularmente o processo de composição. Por Po r exemplo, escrever escrever a máquina máquin a pode impor um ritmo mais rápido de formulação; um autor escreve a mão todos os seus esque mas de conferências ou aulas, redige a máquina todos os seus artigos, enquanto outro autor tem um te m p o de formulação sincrônico com o escrever a mão. 7. 8.
Cit. Cit. por Fr. Fr. Kainz, P s y c h o lo g ie d e r S p ra c h e , vol. V. Veja-se a inform ação (já um tanto atrasad a) de J. B. Carroll Carroll,, The Study of o f L an gu a ge (Cambridge, Mass., 1955), cap. 7. 9. Sobretudo a sociedade finlandesa Folklore Fellows, com a sua publicação F. F. C o m m u n ic a tio ti o n s , e uma série de sociedades e revistas nacionais.
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Como carece de muitas notações expressivas, a palavra gráfica utiliza outros recursos, não se podendo pod endo escrever como se fala. Um caso extremo será a in fluência gráfica sobre a composição literária: poemas escritos para ser vistos, poem po emas as em form fo rmaa de pêra pê ra,, Rengif Ren gifo, o, caligra cali grama mass de A p o llin ll inai aire re.. . . Há autores, sobretudo poetas, que continuam compondo mentalmente — que é um a forma de composição oral ou não-escrita — e só só começam a escre escre ver quando quand o têm na cabeça cabeça o poema completo. O comum, há séculos, séculos, é a com com posiç po sição ão por po r escrito, escr ito, usan us ando do-se -se o pape pa pell como com o terre ter reno no de tentat ten tativ ivas as e correç cor reções ões,, até se chegar à fórmula definitiva. COMPOSIÇÃO LITERÁRIA NA BÍBLIA D ie P r o fe te n , K. Koch, Was ist Formgeschichte? (Neukirchen, 1964), 85-100, e Die 2 volu m es (S tuttga rt, 1978) 1978).. Cf. Cf. igualm ente L. L. Alonso Sc hõk el, La Biblia com o obra literaria, Cultura Bíblica 20 (1963): 131131-1148; 48; id., S ob re el estú es tú dio di o lite rário rá rio dei AT, B íb li c a 53 (1972):544-566.
A arte de escrever era bem conhecida (Jt 8,15), existia o ofício de escri vão, escreviam-se escreviam-se os anais da corte. Importav Imp ortava-se a-se o papiro pap iro e preparava prep arava-se -se o perga pe rgami minh nhoo ou a pele; pe le; esse perga pe rgami minh nhoo era rasp ra spad adoo para pa ra que qu e se voltass vol tassee a escrever (um palimpsesto encontrado em Qumrân parece ser do século VII a.C .). Conheciam-se as tábuas de madeira ou de metal para escrever escrever com com cinzel (Jó 19), e, em caso de necessidade, recorria-se a fragmentos de cerâ mica (cartas de Laquish) Laqu ish).. Por outro ou tro lado, nas escava escavações ções da Palestina Palestina é en contrado apenas material escrito: ou se perdeu pela qualidade do material (só um clima como o do mar Morto podia preservar-nos o presente de Qumrân) ou esse material tendia a concentrar-se em locais oficiais, palácio e templo. Outra série de fatos mostra-nos que alguns poemas bíblicos foram escritos já nos séculos século s X I e X a.C., a.C ., como o demo de mons nstra tram m as marca ma rcass de orto or togr grafi afiaa his his tórica em contraste com a ortografia fonética posterior (estudos de Albright, Cross e Freedman). Vejamos Vejamo s alguns alguns testemun testemunhos hos da própria pró pria Bíblia. A aliança, os preceitos, o decálogo, as bênçãos e maldições devem ser escritos: Nm 5,23; Ex 24; Dt 4-5. Segundo o costume antigo, a escritura do contrato confere-lhe validade jurídica; podem po demos os pens pe nsar ar que o mesm me smoo aconte aco ntece ce em Israel Isr ael.. Além Alé m disso, a escrita esc rita ofe ofe rece rece um texto texto fixo fixo e de autoridade para a renovação anual da aliança. aliança. Portanto, a escrita não é mera notação gráfica de uma palavra, mas novo ato constitutivo de sentido, pois transforma a palavra em instrumento jurídico, em norma imu tável, em testemunho futuro. O registro pertence pertenc e a uma ordem semelhante. Js (cf. cap. 18) descreve a distribuição da terra em lotes feita por lançamento de sortes e diz que essa distribuição distribuição é registrada numa espécie espécie de cadastro. cadastro. Tal como lemos na nar ração, o ato constitutivo da propriedade é a sorte divina, que concede uma parte de “sua terra” a uma parte de “seu povo”; só que esse ato divino fica juridi camente registrado. Aqui, Aqui , a escrita não é constitutiva, acrescentando um ins trumento trumen to jurídico à posse já existente. existente. Em contra co ntraparti partida, da, o registro de pessoas descrito pelo SI 86 parece ter valor jurídico constitutivo: a partir desse mo mento, “nasceram ali”, ficam formalmente incorporados ao povo, como cidadãos com os mesmos direitos; e, por esse ato, a cidade de Sião é constituída mãe de povos.
Composição literária na Bíblia
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Às vezes, a escrita assume a simples função de superar a distância e o tempo. No primeiro caso, encontram-se as cartas, de que temos exemplos no AT e que compõem boa parte do NT; o segundo caso visa à continuidade do povo sagrado. E, então, o ato de de escrever facilmente facilmente transform trans formaa a palavra em tes tes temunho. temunho . O SI 102,17-19 102,17-1 9 retoma reto ma expressamente expressamen te esse esse valor valo r da escrita, que que inclui a preservação e, de algum modo, o testemunho: “Quando o Senhor reconstruir Sião, e aparecer em sua glória; e se inclinar às súplicas dos indefesos, e não desprezar seus rogos, escreva-se isto para a geração futura e o povo que será criado louvará o Senhor”. A geração futura, a que será criada, não testemunhou os feitos salvadores de Iahweh; em outros tempos, a proclamação cúltica atualizava os fatos pas sados: “não “nã o vossos vossos pais, mas vós mesmos. mesm os. . . como no dia de hoje” (D t 5,3 5 ,3); ); a escrita realizará agora a mesma função, podendo mover o povo ao louvor do Senhor. O SI 149 149 parece aludir à sentença sentença judicial judicial escrita: “Executar “Exec utar a sen tença ditada [ = escrita] escrita] é uma honra honr a para pa ra todos os seus seus fiéis” fiéis” : é possí possível vel que a escrita fosse então um ato jurídico para a validade da sentença. O caráter de testemunho que a escrita confere à palavra está muito claro em Is 8,16. No que se refere à preservação preserv ação da palavra, pa lavra, é muito significati significativo vo o episódio episódio narrad nar radoo em em Jr 36. O rei desafia desafia a perduraçã perdu raçãoo da palavra profética, rasgando o manuscrito e lançando ao fogo os fragmentos; mas a palavra pro fética é superior à trama real, permanece ainda na memória e voltará a ser registrada para futuras gerações. Na N a lite li tera ratu tura ra sapien sap iencia cial,l, temos tem os testem tes temun unho hoss da arte ar te de escrev esc rever: er: no caso de Pr, trata-se de uma atividade acadêmica de compilar, inclusive com varian tes, tes, até mesmo coleções coleções anteriores e estrangeiras. Atividade Ativid ade parecida parec ida com a dos nossos especialistas de folclore, mas, ao que parece, dotada de intenção re ligiosa. ligiosa. Como veremos no capítulo seguinte, essa essa atividade também teve um um caráter cará ter literário literário de compor uma antologia. No final de Ecl, Ecl, um um discípulo discípulo dá testemunho sobre sobre a atividade atividade de de compor compo r do mestre: “Estudou, “Estudou , inventou e for mulou muitos provérbios; procurou um estilo atraente e escreveu a verdade com acerto”. Em resumo, alguns testemunhos bíblicos indicam que o fato de escrever nem sempre é pura notação gráfica para a preservação, podendo, além disso, acrescentar um valor jurídico, de instrumento, de testemunho, de norma. Outra série de fatos demonstra que parte da literatura bíblica tem uma pré pr é-hi histó stória ria oral. ora l. A tare ta refa fa básic bá sicaa dos prof pr ofeta etass é a proc pr ocla lam m ação aç ão:: como co mo se diz no mandato divino ou segundo a descrição do “evangelista” ou arauto em Is, cap. 40: “Alteia fortemente a voz”. voz” . Em contrapartida contra partida,, parece-me ilegítima ilegítima a conclusão de alguns; Deus manda que Jeremias escreva os seus oráculos, por tanto, tanto , antes ele não havia escrito nada. nad a. A coisa é possível, a conclusão é sim plista pli sta.. Q uant ua ntoo ao NT, NT , m ostra os tra-n -nos os a intens inte nsaa ativid ati vidad adee oral or al dos apósto ap óstolos los,, ante an te rior rio r à, ou coexistente coex istente com a, ativida a tividade de de escrever. escre ver. 10 10 10..
É, com o vim os, o argum ento principal de J. B. Drey.
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A análise sonora 11 de fragmentos proféticos e de outras outra s passagens poéticas demonstra que a composição se dirigia à recitação oral; eram poemas para soar e ressoar. Por Po r outro lado, o delicado cuidado cu idado com a sonoridade sonoridad e e o ritmo mui tas vezes indica uma fixação definitiva nesse estágio oral; desse modo, a etapa escrita se contentaria em acrescentar versos, notas, ou em compor unidades superiores. A análise aná lise também demonstra dem onstra que, no estágio estágio escrito, ocorre oco rre um proce pro cesso sso semelh sem elhant antee de comp co mposi osição ção com mater ma teriai iaiss prévios pré vios,, chega ch egand ndoo mesmo mes mo a sugerir que a composição escrita utiliza com maior liberdade as suas fontes escritas. Isso quer dizer que não se pode simplesmente identificar escrita com fixa ção: porque existe existe uma fixação oral e um processo fluido fluido escrito. escrito. Para Pa ra a fi xação, o gênero da obra pode ser tão importante quanto a técnica oral ou escrita. Com efeito, efeito, há gêneros literários que exigem exigem uma fixidez fixidez definitiva, definitiva, que são intocáveis: “Não “Nã o voltes a tocá-lo, que assim é a rosa” ros a” , dizia Juan Ramón. Ramón . Em contrapartida, o gênero literário “chiste” exige exige uma fixidez fixidez na na fórmula final, nas palavras do jogo, e dá ampla liberdade criativa ao narrador oral; e, no gênero dramático, conhecemos o que se chama recitare a soggetto . 12 Temos na Bíblia duas variantes de um mesmo texto — salmo, provérbio — e, no extremo oposto, parece parec e que o culto fixava oralmente oralme nte alguns textos. textos. Como se vê, mesmo a função de fixar mostra-se complexa e múltipla. A PALAVRA Pressupondo-se esses dados, que mostram a complexidade da relação en tre dizer e escrever, no que diz respeito aos livros sagrados, os autores recentes dividem-se quanto qua nto à explicação real ou à terminologia. Benoit Beno it usa como termo comum “inspiração” , no qual distin distingue gue a “profética ou apostólica apostólica = oratória” orató ria” , a “escrituraria” e a que se costuma denominar “inspiração da Escritura” — que se compõe de ‘cognosci cognosciti tiva va + escrituraria” ou de “oratória + escrituraria”. escrituraria ”. Grelot toma como centro a palavra e como termo comum “carisma”; ele re serva o termo aceito “inspiração” para o momento ou etapa última de escrever, mas afirma a existência de carismas prévios para produzir a palavra ou para conservá-la e elaborá-la. Eu também preferi (independentemente) tomar como centro a palavra (e foi sobretudo por essa razão que eu quis escrever um livro sobre a Palavra inspirada, e não sobre a inspiração). Em seu discurs discursoo conciliar conciliar (5-1 ( 5-1 0-1 964), 96 4), D. Edelby dizia: dizia: “A Escritura é uma realidade litúrgica e profética; mais do que um livro, é uma proclamação, é o testemunho do Espírito Santo sobre o acontecimento de Cristo, cujo mo mento privilegiado é a liturgia eucarística. eucarística. Por Po r esse esse testemunho testem unho do Espírito Santo, toda a economia do Filho revela o Pai. A controvérsia con trovérsia pós-tridentina pós-tride ntina viu na Escritura, de modo particular, uma norma escrita; as Igrejas orientais vêem nela uma consagração da história da salvação sob as espécies de palavra 11 11.. capítulo 12. estudos
Veja-se o meu livro E s tú d i o s d e p o é ti c a h e b r e a (Barcelona, 1963), 71-117; 3, "Estilística dei material sonoro”. Um exemplo conspícuo d essa falta falta de fixidez verbal é-nos é-nos oferecido pelos sobre os rapsodos populares da Sérvia e da Croácia. Albert B. Lord, 1960). Cf. sobre The Singer of Tales (Harva rd Un iversity Press, Cambridge Mass., 1960). D e Z a lm o x is a G en g is-K is -K h a n . R e lig li g io n e s y F o lk lo re d e D a d a y isso M. Eliade, De de d e la E u r o p a O r ie n ta l (Madri, 1985), 167-191.
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humana, mas inseparavelmente da consagração eucarística, em que toda a his tória é recapitulada no corpo de Cristo”. Detenhamo-nos sobretudo no tema da “consagração”, bem como na trans posiç po sição ão desse tem te m a p a ra o passa pa ssado do.. A histó hi stória ria é revel rev elaç ação ão,, que qu e p rep re p ara ar a a vin vin da de Cristo, realiza-a, prolonga-a; a história compreende, em sentido lato, tudo o que é fato: eventos, palavras pronunciadas, experiências religiosas, a oração do povo. pov o. . . Tu Tudo do isso é encontrado encontra do primeiro prime iro em estado de evento, até at é que, que, pela pe la ação aç ão de um eleito ele ito,, cada ca da um desses acon ac ontec tecim iment entos os se tran tr ansf sfor orm m a num nu m a realidade de linguagem — num oráculo, num salmo, numa narração, numa me ditação etc. A atividade que transform a o fato em palavra é atividade atividade de lin guagem, em em sentido inclusivo. inclusivo. Ora, essa atividade ocorre oco rre sob o carisma do Espí rito, que projeta a sua sombra fecunda; e, por isso, a realidade “santa” ou sagrada sagrada que que “nasce. “nasc e. . . se chama” cham a” palavra “de Deus”, da mesma maneira maneira como como Maria concebe à sombra do Espírito e como “o santo que dela nasce se chama Filho de Deus” . Esse é o momento mome nto transcendental transcende ntal que constitui constitui o fato em pa pa lavra, e, no mesmo momento, a palavra é tornada palavra de Deus. Mas, como na geração da palavra, o processo é mais variado e divisível do que o processo da geração humana, razão pela qual o princípio geral se diferencia segundo os casos. Em princípio, interessa-nos sobretudo o momento transcendental em que o fato se se torna torn a palavra; a ele se refere refere primariam ente o carisma. carisma. De m aneira concreta, esse momento situa-se ou desenvolve-se em diversas ações. Às vezes, a composição oral é perfeita e definitiva, a notação posterior registra e conserva o texto. A composição enquanto enqua nto tal tem de ser ser inspirada. Às vezes,13 a composição oral é válida, mas sujeita a reformas e mudanças numa num a tradição oral — controlada co ntrolada — , até a fixação por escrit escrito. o. A inspiração se estenderá aos membros da série que tenham contribuído literariamente, a parti pa rtirr do prim pri m eiro. eir o. E deve-se dev e-se admi ad mitir tir a possi po ssibil bilida idade de extre ex trema ma de que o anter an terior ior se reduza a materiais em mãos do verdadeiro criador, que chega ao final: hi pótese pót ese que nos no s leva ao caso ca so seguinte. seguin te. Às vezes, a composição é escrita, utilizando materiais literários anteriores, orais ou escri escritos. tos. Essa verdadeira composição — não simples simples edição edição ou com pila pi laçã çãoo — deve ser inspi in spirad rada. a. É difícil dizer, dize r, segund seg undoo os casos, que quan qu antiti dade de material anterior era inspirada; mas deve-se deixar aberta a possibilidade. Às vezes, a composição com posição é simplesmente escrita. Essa composição composiç ão é ins pira pi rada da.. Trat Tr ataa-se se do caso que os manu ma nuais ais costu co stum m am cons co nside iderar rar.. Em todos os casos casos citados — e nos que possam ser acrescentados — , é preciso prec iso afirm afi rmar ar uma um a ação açã o do Espí Es píri rito to que assegure asse gure a nota no taçã çãoo escrita. escr ita. Pois, Poi s, na ordem concreta da salvação, Deus desejou que a sua palavra fosse conservada e transmitid trans mitidaa a nós por escrito. “Todas “To das essas essas coisas ocorriam a eles como exemplos e foram escritas para a nossa instrução, a nós, que devemos viver na etapa definitiva.” O fato de escrever escrever é parte pelo menos integrante do processo processo total da inspiração; sem essa ação final e definitiva, não teríamos Escritura na Igreja. De algum algum modo, mod o, nessa ação final e definitiva presentifica-se o “teste munho” do Espírito. O fato de escrever acrescenta, ou pode acrescentar, à palavra uma signi ficação de norma definitiva, de incorporação a um contexto maior, sacro, total. 13. Essa enumeração quer assegurar um m ínimo. Não pode m os excluir a ação do Espírito de outros momentos, e tampouco postulá-la.
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Essa substancial adição de sentido afeta de fato o ser concreto da palavra e, enquanto tal, ocorre sob o carisma do Espírito. Recordem Reco rdemos os o texto de Tertulian Ter tuliano: o: “Os seus discursos, discursos, os milagres que que fazia faziam m para provar a divindad divindadee conser conservam-s vam-see nos tesouros tesouros escritos”. escritos”. 34 E o texto de Agostinho: Ago stinho: “Deus falou primeiro pelos pelos profetas, profe tas, depois por po r si si mesmo, mais tarde, quando lhe pareceu conveniente, pelos apóstolos; e estabeleceu a Escritura, que denominamos denominam os canônica, canônica, de máxima autoridade” autorida de” . 15 O que realmente realm ente está está escrito escrito tem para pa ra nós a garantia da inspiração, “como tal foiconfiado foiconfiado à Igreja” (Concilio Vaticano I ). A Igreja recebe-o e no-lo no-lo entrega como escrit escrito. o. Seguindo Seguindo toda a tradição, podemos empregar devota mente a fórmula “Sagrada Escritura”, ao lado da fórmula “que falou pelos prof pr ofet etas as”” . Consumada a fixação escrita definitiva, tem prosseguimento ou início o proces pro cesso so de recit re citar ar,, aplica apl icar, r, inte in terp rpre reta tar: r: um proc pr ocess essoo que pode po de ser oral ora l ou escrito, escrito, um processo vital vital e livre. livre. Como tem por objeto a obra obr a já terminada term inada,, esse processo será abordado por nós no próximo capítulo. Reformulado nos termos anteriores, o problema suscita novas questões; por po r exemplo, exem plo, a rela re laçã çãoo entre en tre tradi tra diçã çãoo oral or al e escrita. escr ita. São possíveis possívei s trecho tre choss ou fórmulas verdadeiramente inspirados que não tenham chegado à notação final por po r escrito esc rito?? Se são possíveis, podem pod emos os descob des cobri-lo ri-loss e resgatáresg atá-los? los? Conte Co ntento nto--me por ora em ter formulado as perguntas.
14. 15.
PL 1, 377. PL, 318.
QUARTA PARTE
A OBRA INSPI INSPIRADA RADA tc« o «
ypatpYj ÔEor.vcUOioç
10. A obra obr a inspirada inspir ada 11. A obra obr a e sua tradução traduç ão 12. Rec R ecep epçã çãoo da obra
10 A OBRA INSPIRADA INSPIRADA
OS LIVROS SAGRADOS Dos dois textos bíblicos clássicos no tratado da inspiração, um se refere aos autores — “movidos pelo Espírito Santo, os homens falaram em nome de Deus” (2Pd 1,20) — e o outro, às suas obras — “toda Escritura é inspirada” (2Tm 3,1 6). Qual dessas dessas afirma afirmações ções é primária? Pode-se dizer que os santos padres preferem a segunda fórmula, sem exclusivismos: “A Escritura é perfeita, pois foi dita pelo Verbo de Deus e pelo seu Espíri Espírito”. to”. 1 “Como toda a Escritura daria testemunho dele se não procedesse de um único P a i?. i? . . . Por Po r toda to da a Escritura Esc ritura está semeado o Filho de Deus” . 2 “Impossível não serem sagradas letras que não só santificam como também divinizam. divinizam. Po r isso, isso, as Escrituras Esc rituras,, ou os volumes que contêm essas letras e sílabas sílabas sagradas, são são denominadas inspiradas pelo apóstolo”. apóstolo ”. 8 O NT, quando cita o AT, prefere a fórmula “Escritura” aos nomes dos autores, sem exclusivismos. Os comentadores medievais, por sua orientação hermenêutica, preferem a segunda fórmula. fórmula. Eles não aplicam aplicam a teoria dos quatro sentidos sentidos aos aos autores, mas aos livros, às obras: os sentidos alegórico, tropológico e anagógico estão prese pre sente ntess no texto tex to,, visíveis p ara ar a o cristã cri stãoo que lê com fé. N ão consti con stitui tui um prob pr oblem lemaa pa ra os medie me dievai vaiss sabe sa berr se o auto au torr do Antig An tigoo Testa Te stam m ento en to viu e con con cebeu esses sentidos com a mesma precisão. Quando tem início a especulação escolástica sobre o carisma profético, o prob pr oblem lemaa se situa sit ua na mente me nte profé pr ofétic tica; a; em termo ter moss concr co ncreto etos, s, no conhe con hecim cimen ento: to: de cognitione prophetica. E a especulação neo-escolástica neo-escolás tica do século passado passad o concentrou-se no psicológico, na cabeça do autor, fazendo-o, em minha opinião, com um perigoso exclusivismo. 1. “Scripturae quidem perfectae sunt, quippe a Verbo Dei et Spiritu Spiritu eius dictae” (Irineu, A d v e r s u s h a e r e s e s 2, 28: PG 7, 804). 2. “Quomodo testabantur de eo Scripturae, Scripturae, nisi ab uno et eodem essent P a tr e ...” (Iri (Irineu, neu, A d v e r s u s h a e r e s e s 2, 28; PG 7, 100). izpa fccp wç aÀ 3. aÀTjOtüç TjOtüç ia i a isponoiomxa %ai Oscmoioima Ypa\x\xa-ía (Clemente Ale E x h o r ta c ió n 9; PG 8, 197; GCS 1, 65). xandrino, Ex
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A definição vaticana elege como objeto os livros, que “são santos e canô nicos. . . porque, sendo escritos sob a inspiração do Espírito, têm Deus como autor, e, enquanto enqua nto tais, foram confiados à Igreja” Igre ja” . Observemos o final: não foram confiados à Igreja os autores, mas suas obras; e essa é a realidade que perm pe rman anec ecee viva viv a na Igreja. Igre ja. Por seu enfoque especializado — “a moção do Espírito” —, os manuais de inspiração abordam essa questão apenas de passagem. Numa Nu ma visão ampla, amp la, é conven con venien iente te equil eq uilibr ibrar ar o enfoque enfo que psicológ psic ológico ico com um enfoque mais literário.4 “Não sejais como vossos pais, a quem os antigos profetas pregavam: Assim disse o Senhor: ‘Convertei-vos de vosso mau proceder proce der e de vossas vossas obras más’, mas não me obedeceram nem me deram atenção — oráculo do Senhor Agora, onde estão os vossos pais? Vivem eternamente os vossos profetas? Mas as minhas palavras e os meus preceitos, que dei por mandamento a meus servos, os profetas, acaso não atingiram os vossos pais, de modo que se converteram dizendo: ‘Tudo o que o Senhor dos exércitos dispôs para nós realmente ocorreu, ocorreu, por po r nosso nosso comportamento comportamen to e obras’ ” (Zc 1,4-6). Podemos adaptar essas palavras ao nosso caso: onde estão os autores sa grados? vivem vivem ainda dentro da Igreja terrena? terren a? Mas as as suas suas palavras chegam a nós e os seus livros vivem na Igreja. Quando dizem que a inspiração se refere primariamente aos autores e se cundariamente aos livros, os tratadistas estão enunciando uma prioridade tem pora po rall e rejeit rej eitan ando do,, em termo ter moss prátic prá ticos, os, a teor te oria ia de uma um a aceitaç acei tação ão p o s teri te rioo r.5 r. 5 Na N a ordem or dem da impo im portâ rtânc ncia ia da inten int enção ção,, o princ pr incip ipal al são as obras ob ras;; todo to do o trabalho traba lho dos dos autores e a sua vocação estão voltados para p ara a obra. Exagerando Exagera ndo um pouco, podemos dizer que Jeremias não nos importa, mas a sua obra: sua obra como palavra de Deus. Desse modo, vamos ao encontro de uma tendência da pesquisa literária atual. 6 Durante certo tempo, a ciência literária consistia em egtudar a vida e a época dos autores; a obra reduzia-se a sintoma, inclusive para uma análise de psicologia profunda profu nda e mesmo de patologia. Alguns comentadores comentadore s racionalistas estudaram de maneira semelhante “as estranhas experiências dos profetas”. Os estudos afirmam hoje que o objeto da ciência literária é a obra literária, e que o autor e a época, a sociologia e a ideologia, interessam à medida que levam à compreensão da obra. 4. 5. 6.
Ch. Pesch Pe sch , op. op . cit., n. 468 468.. A. Bea , N o ta e h is to r ic a e e t d o g m a ti c a e , 6. Trata-se Trata-se do enfoq ue que norteia a obra de R. W ellek/A. Warren, Warren, Teoria L it e r a r ia (Madri, 1953; original, Nova Iorque, 1949), que se divide em duas partes: a abordagem extrínseca e a abordagem intrínseca da literatura. É a tendência de Leo Spitzer e de boa parte do N e w C r it ic is m . Informação sobre tendências: ll g e m e in e L it e r a tu r w is s e n s c h a f t (Zurique, 1951). Sobre métodos de M. Wehrli, A llg análise: S. E. Hyman, The Armed Vision. A Study in the Methoãs of Modem L it e r a r y C r it ic is m (Nova Iorque, 1947); H. L. Arnold/V. Sinemus (eds.), Grundzüge de d e r L it e r a tu r — unã Sprachwissenschaft, I. L it e r a tu r w i s s e n s c h a f t (M uniqu un ique, e, 41976 41976). ).
Obra literária?
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Em certo ambiente, considerava-se grande façanha demonstrar que deter minada obra não era de N.L., mas de P.L., e com isso se concluía a pesquisa. Dizemos hoje: embora seja de P.L., merece ser estudada; embora seja de N.L., não merece ser estudada. Todas essas razões, bíblicas e literárias, levam-nos a abordar as obras ins pira pi rada dass num capít ca pítulo ulo específico. específic o. OBRA LITERÁRIA? R. Ingarden, D a s lite li te r a r is c h e K u n s t w e r k (Halle, 1931). Trata-se de uma análise fenomenológica. H. G. Gadamer, Verdaã y método (Salamanca, 1977), em especial a 2? parte. R. Wellek/A. Warren, Teoria literaria (Madri, 1953), capítulo XII. Dámaso Alonso, P o es ia e sp a n o la . E n s a y o d e m é to d o s y li m it e s e s ti lí s ti c o s (Madri, 1950). L. Spitzer, L in g ü ís tic ti c a e h is to r i a li te r a r ia (Madri, 1982). I n te r p r e ta c ió n y a n á lisi li siss d e la o b r a lite li te r a r ia (Madri, 41985). W. Kayser, In C. Bousono, Teoria de la expresiôn poética. 2 vols. (Madri, 71985). si s, em Style anã Language I. A. Richards, P o e ti c P r o c e s s a n d L it e r a r y A n a ly sis, (Cambridge Mass., 1966), 9-23. Les L es c h e m in s d e la c r it iq u e , organizado por Georges Poulet (Paris, 1967), especialmente caps. II, V, VII e XII.
A língua língua literária costuma atualizar-se numa obra literária. Fora For a da obra literária, a língua literária pode prestar os seus serviços ocasionais: à conversa, à técnica. E então pode ocorrer de a conversação tornar-se brilhante, quase obra de arte (como contam de Cocteau), ou de as formas literárias se lexicalizarem e perderem perdere m a sua tensão. É possív possível el também acontecer de a técnica transfor transfor mar-se em obra pedagógica, com virtudes literárias, capaz de ocupar um lugar secundário na história da literatura — a história natural de Buffon. Adquirem consistência objetiva na obra a intuição do poeta (ou do ro mancista, ou do do dram aturgo atur go)) e os materiais do mundo e da vivência vivência selecio selecio nados; a sua consistência são formas de linguagem, essencialmente significativas, comunicáveis. Acaso ocorre o mesmo na Sagrada Escritura? Já disse disse que uma um a grande parte pa rte da Bíblia Bíb lia empre em prega ga uma um a linguag ling uagem em literár lite rária. ia. Essa Es sa linguage ling uagem m está confi conf i gurada gura da numa nu ma série de obras literárias? Antes de analisar an alisar as obras bíblicas à luz da obra literária, convém delimitar as analogias. A obra do Antigo Testamento pode diferir de obras modernas em seu proce pro cesso sso de prod pr oduu ção; çã o; por po r exem ex emplo plo,, quan qu ando do é o resu re sulta ltado do de duas dua s elabor ela boraç açõe õess sucessivas, feitas por diversos autores, de uma composição final feita por um quarto autor, essa obra não se parece com um romance de Mauriac. Mas o proces pro cesso so não nã o é a obra ob ra e, pelo pe lo proce pro cesso sso bíblico bíb lico,, pode-s pod e-see també tam bém m dese de semb mboc ocar ar na obra. Recordemos Recordem os que El alcalde de Zalamea baseia-se solidamente num drama de Lope, quase copiando trechos inteiros; recordemos também os já ci tados exemplos de João da Cruz e das pragas do Egito. Outra diferença poderia pode ria estar na intencionalidade. intencionalidade. Diz-se Diz-se que a obra lite rária é desinteressada, voltada por completo para a contemplação, e não para a ação. ação. E o que tem de contemplação consuma-se na obra, como m undo fe chado chad o e autojustificado. Em contrapart contra partida, ida, os autores autore s bíblicos sentem a urgên urgên cia de proclamar a mensagem, de influenciar; com isso, eles rompem o fecha mento da obra.
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Procura-se dizer que as obras da Bíblia devem ser comparadas com outro tipo de literatura, que também realiza obras: literatura engajada, de mensagem, de ação. E isso isso bastaria para justificar a comparação. Recorremos de novo ao exemplo definitivo de João da Cruz (“não o preocupavam a arte pela arte nem a arte arte em si” si” ) ; 7 ele ele não procurou procurou fazer “obras de de arte” e, não obstante, obstante, há algo em toda a poesia cristã que se aproxime dos seus poemas? Insistamos na intencionalidade. Quando protesta que não procura procur a dize dizer, r, mas fazer ( poiem po iem a, poie po iesi sis) s),, P. Valéry está reagindo a uma atitude exagerada de expressivi expressivismo smo que podia chegar che gar ao desprezo da forma. E, em sua sua reação, exagera na direção contrária — não diz nada o Cementerio marino? Mais ma tizado, Rilke pede ao poeta que “diga em vez de queixar-se”, que se transforme, como um canteiro, na calma calma da pedra. De modo geral, geral, podemos dizer: o poeta ou o artista entregam-se imediatamente à elaboração da obra, de maneira que, por po r certo cer to tempo, tem po, a obra ob ra ocup oc upaa o prime pri meiro iro plan pl anoo ou toda to da a consciênc cons ciência. ia. Essa Es sa intencionalidade imediata não exclui absolutamente outra superior, ou latente, que, em determinados momentos, pode chegar ao primeiro plano da consciên cia: uma um a intencionalidad intenc ionalidadee genérica de serviço serviço ao homem, ao ser, a Deus. O que acontece é que essa intencionalidade genérica exercita a sua influência justa mente na consumação da obra. João da Cruz realizou muito bem o seu poema: não importa se, para isso, teve teve pouco ou muito trabalho. trabalh o. Também Tamb ém é possível possível que, no seu caso, a presen presen ça de Deus fosse avassaladora no próprio período de elaboração do poema. O importante é que essa presença não destruiu, mas exaltou, a capacidade poé tica e artesanal artesana l do autor, impeliu-o a fazer bem a obra. Os grandes poetas, com uma grande devoção pela obra que criavam, realizaram uma grande ambi ção de conhecer, dizer, manifestar. Como profissão explícita, a arte pela arte pode ser uma reação anti-român tica e uma depravação humana, que tem por castigo dialético a pobreza artís tica — exceto no caso de uma feliz insinceridade ou de uma inconseqüente infidelidade ao motivo. Isto é, a suposta oposição oposiçã o de intencionalidad intenc ionalidadee é gra tuita, ou então reflete uma mentalidade contra “a arte pela arte”, uma menta lidade que que parte de de uma formulação superada. O que importava ao profeta profe ta era proclamar o oráculo de Deus; portanto, ele nunca pensou em compor um poema. poe ma. A lógica desse dess e racioc rac iocíni ínioo é admirá adm irável vel.. O que impo im porta rtava va ao prof pr ofet etaa era proclamar o oráculo de Deus; por isso, ele executou bem o seu ofício li terário. É possíve possívell abordar aborda r a questão de outro ponto de vista vista.. Na obra de lingua gem, gem, o espírito se manifesta criando cr iando e manifesta um mundo recriado. Toda Tod a obra de arte é criação de um mundo por imposição de forma e toda criação humana hum ana é reveladora. revelador a. Nesse sentido, sentido, afirma-se afirm a-se que a arte é essencialmente ex pressã pre ssãoo (não (n ão precis pre cisam amen ente te expr ex pres essiv sivid idad ade) e),, ou que é linguag ling uagem. em. A o trans tra nspo porr o mundo utilitário ou biológico para um mundo de representação, a obra lite rária despoja-o de sua contingência e toma-o profundamente significativo: ela evidencia a sua verdade de ser não precisamente em proposições (que não se excluem), mas mas por represen rep resen tação .8 Quando dize dizemos mos que uma obra é fals falsa, a, 7. Dám aso Alonso, P o e si a es p a n o la . E n s a y o â e m é to d o s y li m it e s e s ti lí s ti c o s (Madri, 1950), 280; e veja-se todo o capítulo sobre S. João. 8. Veja-se Charles du Bos. Qu’est-ce la littérature?, 1938, cap. IV; também o livro citado de Laurence Lerner, The Truest Poetry: What is Literature? (Nova Iorque, 1964). Quanto à vertente hermenêutica da questão, pode-se ver o m eu
Obra literária?
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não nos referimos referimos às suas proposições. proposições. Nesse sentido, sentido, comparar com parar a Escritura com a obra de arte não é despojá-la de significação, muito pelo contrário. A realidade do imperador assírio, conquistador soberbo e satisfeito, é irremissivelmente manifesta à luz de Deus na representação do poema de Is 10.9 Alguns acreditam que falar de poemas bíblicos, de obras literárias bíblicas e da Bíblia como literatura é tirar-lhes a importância; isto é, tirar-lhes a im portâ po rtânn cia ci a reve re velad lador oraa e, porta po rtant nto, o, aniqu ani quiláilá-los los.. É clar cl aroo que, em termo ter moss meto me to dológicos, é possível uma análise estilística paralela à lingüística, à margem da condição profund pro fundaa da Escritura. Não me refiro aqui a essa essa especialização especialização me todológica. todológica. Falar Fa lar da Escritura Esc ritura em termos de obra literária não é diminuir-lhe a impo im portân rtância.1 cia.100 Mas não é uma falsifi falsificação cação dos fatos? É difícil difícil ler a epístola de Tiago co mo obra literária, literária, o mesmo acontecendo com muitas exortações exortações de d e Paulo. Mes mo nesses casos, podemos manter a denominação “obras”, como o prova o uso litúrgico que tiveram desde o princípio. Nelas, não se tratava apen as de resolver um assunto, mas de manifestar em certo momento o ser da Igreja. Enquanto solução de um assunto menor, não se tornaram livros da Igreja. Pro cura-se hoje ampliar o campo da literatura incluindo-se nele a “literatura fun cional”, como a carta e o sermão, as memórias e o ensaio, o artigo e a confe rência. Vejam-se breves informações informaçõ es sobre sob re isso isso em H. Belke, B elke, em H. L. Arnold/V. Sinemus (eds.), Grundzüge der Literatur-und Sprachwissenschaft I (Munique, 1976), 320-341. Isso quer dizer que consideraremos de forma ampla o termo “obra”, a fim fim de que inclua uma preleção e uma um a aliança. Com esses esses esclarecimentos, esclarecimentos, pa rece-me legítimo abordar uma descrição da obra segundo algumas caracterís ticas mais importantes; ao passar para a Bíblia, por analogia, aceitarei as ressal vas necessárias. Que é a obra obr a literária em sua realidade genérica? genérica? O capítulo XII X II do livro de Wellek e Warren expõe amplamente a questão, e contento-me aqui em resumi-l resumi-lo. o. A obra ob ra literária não são os os materiais materiais nem a soma deles; deles; não n ão é o texto escrito, que não é senão notação; tampouco é, a rigor, o texto recitado, que, em termos concretos, é sempre um indivíduo distinto; não é a experiência do leitor, que se multiplica e muda; não é a experiência do autor, que só se pode po de objet ob jetiv ivar ar pela pe la m etade eta de;; tampo tam pouc ucoo é a inten in tençã çãoo do auto au tor, r, que pode po de restr re strin in gir-se à boa intenção; não é a múltipla experiência social da obra. A obra literária é um sistema preciso de palavras, ordenado e significativo; é uma estrutura, ou um sistema de estruturas. estruturas. Como estrutura estrutu ra feita, feita, é um ato realizado, e, ao mesmo tempo, é uma potencialidade que pede para ser atuali zada. A esse esse sistema se referem a notaçã no taçãoo gráfica, as leituras, as recitações. recitações. Isso se aplica à obra unitária, nascida de uma única intuição central, e à obra que resultou da composição lúcida de materiais prévios; aplica-se também à obra de colaboração dotad d otadaa de um princípio princípio diretor. Em escala escala difere diferente, nte, aplica-se a um simples provérbio, a um poema de dois versos (Juan Ramón, Montale), a Guerra e Paz, a um construidíssimo auto sacramental de Calderón.
artigo Hermeneutical Problems of a Literary Study of the Bible, VTSup 28 (1975):1-15. 9. Tres imá genes de Isaías, E s t B i 15 (1956):74-79. L a tr a d u c c ió n b íb lic li c a : 10. Pode-se ver sobre isso o cap. I do meu livro livro La lingüística y estilística (Madri, 1977), em especial pp. 18ss.
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ESTRUTURA MÜLTIPLA A obra literária é uma estrutura múltipla. Isso quer dizer que possui di versos planos. Num caso ideal, os diversos planos plano s se se correspond corresp ondem, em, em har ha r monia ou em contraponto, em assonância ou em dissonância completa. Existe o plano sonoro, com múltiplos valores expressivos, ligados ao sen tido, afora o afago sensível; o plano rítmico, com o seu valor formal e expres sivo, ordenador e quadro de referência na ordem, com a sua flexibilidade para registrar e manifestar movimentos da emoção; o plano de significados, com os seus círculos concêntricos de conotações, de ressonâncias, que a combinação pode po de intensi inte nsifica ficar; r; o plan pl anoo das imagens, imag ens, como com o desco de scobe berta rta e mani ma nifes festaç tação ão das analogias do ser, como enlace inesperado e fecundo; o plano de formas parciais de desenvolvimento, herdadas, renovadas, inovadas; o plano de formas totais, que denominamos gêneros; e o plano de idéias, pensamento e concepções. Ness N essaa tram tr am a verb ve rbal, al, torn to rnam am-se -se prese pr esent ntes es e manifes man ifestos tos o intele int electu ctual, al, o ima im a ginativo, o emotivo, e atuam as três funções da linguagem. linguagem. Dámaso Dám aso Alonso descreveu com grande sensibilidade e experiência literária essa riquíssima trama, descoberta desco berta em em preeminentes casos de poesia. poesia. Se quisermos ampliar amp liar a sua des crição, deveremos limitar e selecionar aspectos segundo o tipo da obra em questão: poesia, poesia, prosa, oratória, hino, exposição exposição doutrinai, narração etc. etc. E deve-se deixar lugar a elementos introduzidos na obra, à medida que afetem po sitiva ou negativamente o sentido total, e para os casos em que uma compo sição sição posterior não tenha tenh a harmonizado todos os elementos elementos prévios. prévios. A vantagem do caso ideal é permitir-nos uma descrição mais ampla e despertar a nossa sensibilidade e o nosso senso crítico crítico para pa ra uma um a gama mais m ais extensa. P or outro ou tro lado, partir do mínimo mínimo pode expor-nos à surdez parcial, ao daltonismo. daltonismo. Como se, na música, só contássemos com a melodia; embora o canto monódico seja uma realidade freqüente, não posso considerá-lo norma universal, devendo a minha preparação estender-se também à harmonia, ao contraponto, ao tim bre br e etc. etc. Decorre do que foi dito dito o caráter da pluralidade. Não é possível possível esgotar esgotar a percepção percepç ão e a análise de uma obra ob ra considerando consideran do apenas ap enas um aspecto: o con ceituai, o emotivo, o imaginativo, os personagens, a ação, a intenção de influen ciar. ciar. Po r necessidade de método ou por po r treinam ento sistemático, sistemático, posso sele cionar um aspecto, sob a condição de não me esquecer de que se trata de um aspecto, nada mais, e de que, quando foi isolado, ele sofreu certa deformação, po p o r perd pe rdaa de referênc refe rências. ias. D a riquez riq uezaa da obra ob ra posso pos so extra ex trair ir um element elem entoo — em função da minha inclinação natural, do meu estado de ânimo específico, ou como objeto de estudo. O que não posso fazer é identificar o extrato com a obra. Essa pluralidade admite adm ite graus. graus. Falando da inspiração, eu afirmava que o processo inspirado se volta para a obra como para par a um fim. fim. Supondo o caso máximo de uma ob ra bíblica plural e rica, que dizer da sua inspiração? Dever-se-á pensar pen sar que só um ou alguns plano pla noss são inspir ins pirado ados? s? Será preciso pre ciso desc de scar artar tar,, p or exemp exe mplo, lo, a funç fu nção ão expres exp ressi si va da linguagem atualizada num ritmo? ritmo? Será necessário tirar tir ar as conotações, cer cear as alusões, para obter as significações conceituais puras, concebidas como único elemento inspirado? inspirado ? Ou, de preferência, preferên cia, dever-se-á considerar conside rar a obra inspirada em sua concreção total, cada plano segundo a sua natureza e a sua função no sistema? Afirmar que todos os planos da obra concreta recaem sob a inspiração não é nivelar todos os planos, não é elevar uma quebra rítmica expressiva ao nível
Estrutura múltipla
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de proposição propo sição infalível. infalível. Quando Qu ando dizemos que a natureza natu reza humana hum ana de Cristo é assumida pela Pessoa divina, não excluímos, por um lado, nenhum membro, órgão ou tecido da encarnação, e, por outro, não transformamos em massa uniforme o complexo organismo do do homem Cristo. Cada Cad a membro, mem bro, órgão e tecido é assumido, segundo a sua função particular: a língua para falar, as mãos para curar, os pés para andar, alguns nervos para sofrer, o sangue para ser derramado. derramad o. E, paralelamente, p aralelamente, falaríamos do seu seu mundo afetivo: afetivo: tédio e temor, carinho e compaixão, indignação e misericórdia. Devemos conceber de modo análogo a obra, que é uma imagem do ho mem: toda a sua concreção é inspirada, cada elemento segundo a sua função de ampliar am pliar para pa ra nós a revelação de Deus. E, se nos parece parec e que, com isso, isso, a simples, espiritual e puríssima intelecção de Deus é rebaixada, aceitemos esse mistéri mistérioo de rebaixamento rebaixamen to ou ou “esvaziamento” “ esvaziamento” como revelação de de amor. Junto com o humiliavit semetipsum da encarnação, os padres repetem o ocultamento da divindade “na humilde expressão”. Por outro lado, os padres, secundados por um coro unânime de autores medievais, exaltam a riqueza da Escritura: é um bosque, um oceano, um ban quete, um céu que alarga as suas fronteiras: “infinita sensuum silva” “latissima scripturae silvam” “in tanta profunditate, velut altíssimo pelago” “Mensa “M ensa divitis divitis sacra Scriptura Sc riptura est. . . cuius divitiarum divitiarum altitudinis non est finis” “Huius mensae delicias tam impossibile est explicare, quam universum abyssi pelagum absorbere” “Scriptura sacra, morem rapidissimi fluminis tenens, sic humanaram mentium profunda replet, ut semper exundet; sic haurientem satiat ut inexhausta perm pe rm anea an eat” t” “mysteriorum immensitate extenditur” “Mira profunditas profunditas eloquiorum eloquiorum tuoram!” . 11 Selva infinita de sentidos; selva imensa da Escritura, semelhante à fundura de profundíssimo oceano. Mesa abastecida é a Sagrada Escritura. . . Não N ão têm fim as suas imensa im ensass riquezas riqu ezas.. Tão impossível é explicar as delícias dessa mesa quanto sorver o oceano todo. A Sagrada Escritura, como rio impetuoso, preen pre ench chee a prof pr ofun undid didad adee da m ente ent e hum hu m ana an a e de tal forma a ultrapassa que sacia aquele que bebe e nunca se esgota. Dilata-se com a imensidão dos mistérios. Admirável profundidade a das tuas palavras! Os santos padres e os doutores medievais derivam essa riqueza do fato da inspiração, inspiração , da sua divindade. Ora, essa essa riqueza riqueza não reside na Sagrada Escri11.
H. de Lubac, E x é g è s e m é d iê v a le I, 119-128; “Mira profunditas”
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lura contrariando a ação humana; não é um tesouro que Deus esconde na obra, enquanto o autor humano está dormindo ou distraído; é a pluralidade que, de algum algum modo, se encarna na obra. Podemos dizer, dizer, dando continuidade ao pen samento dos padres, que a pluralidade da obra é assumida pela inspiração para manifestar man ifestar a pluralidade pluralid ade da revelação divina. E, visando a completar comp letar essa essa expli expli cação, podemos acrescentar a teoria medieval dos quatro sentidos e dos diversos modos. Deixemos Deixemos Boaventura Boave ntura falar em nome de muitos: muitos: “A sua largura consist consistee na grande quantidade de suas partes; o seu comprimento, na descrição de tem pos e idade ida des; s; a sua altur alt ura, a, na descriç des crição ão escalo esc alonad nadaa das hier hi erar arqu quias ias;; a sua p ro ro fundidade, na multiplicidade de sentidos e interpretações. . . [A Escritura tem essa multiplicidade de sentidos] por causa de seu múl tiplo tem a. . . pois o seu tema, no que se refere à substân s ubstância, cia, é Deus, no que tange ao poder, é Cristo, no que se relaciona à ação, é a obra redentora, e em tudo é o objeto da fé. . . [Ela também tem múltiplos sentidos] sentidos] por p or causa dos ouvintes. . . para reprimir os soberbos, rechaçar os imundos, evitar os embus teiros, instigar instigar os negligentes. . . abrange todo entendimento, entendim ento, condescende a todo entendimento, ultrapassa todo entendimento, ilumina e inflama com os seus múltiplos raios todo entendimento que a contemple com atençã ate nção. o. . . Por Po r causa do seu princípio, pois ela procede de Deus por Cristo e pelo Espírito Santo, que fala pela boca dos profetas e dos outros que escreveram essa dou trina. Como Deus não fala apenas com palavras, mas também tamb ém com fatos, por por que o seu dizer é fazer e o seu fazer é dizer, e todas as criaturas, como efeitos de Deus, sugerem a sua causa, por isso, na Escritura dada por Deus, não só as palav pa lavras ras devem significar, mas ma s também tam bém os fatos. fato s. Cristo Cri sto mestre, me stre, embor em boraa hu hu milde na carne, era grande na divindade; por essa razão, ele e a sua doutrina uniam a humildade hum ildade da linguagem linguagem à profundid prof undidade ade do sentido se ntido.. . . Também o Espírito Santo ilustrava e revelava de modos diferentes no coração dos profetas: nenhuma inteligência dele se oculta, tendo sido ele enviado para revelar toda a verdade; por isso, a sua doutrina devia esconder numa forma múltiplos sen tidos. . . Por causa do fim, porque porq ue a Escritura Esc ritura dirige o homem no conhecer e no agir, agir, para que que est estee chegue chegue ao que ela esper a. . . ” 12 O texto de Boaventura aponta para os quatro sentidos — o método aceito na época época de descobrir as riquezas riquezas da Escritura. Ao partir da prática p or ra ra zões de conveniência, conveniência, ele nos oferece um horizonte h orizonte teoló teo lógic gico.1 o.133 il o q u iu m in Obras Completas 6 (BAC, Madri), 170ss. 12. B r e v ilo 13 13.. A riqueza não provém ex clusivam ente da qualidade da obra literária. literária. Uma simples fórmula, um simples enunciado de verdade, podem ser ricos e fecundos, podem dizer muito em poucas palavras. Sobretudo quando o enunciado abrange um amplo horizonte humano. Nesse caso, a riqueza da fórmula ou do enunciado desenvolve-se por articulação sucessiva. Estamos diante de uma grande, poderosa intuição inicial, enunciada numa fórmula simples. Por outro lado, a qualidade da obra pode ser fonte de riqueza, embora a obra não seja rigorosamente literária. Isso ocorre com as grandes construções intelectuais, que podem possuir uma riqueza imensa — apesar de erros parciais —, para além da mera soma de enunciados. A Suma Teológica de Tomás d e Aquino, A C id a d e d e D eus, eu s, de Agostinho, a construção de Hegel e um auto de Calderón são ricos em sua categoria de obras, concretizando uma beleza intelectual semelhante. Certamente pertencem à categoria de obra, em sentido amplo, Rm e Hb (A. Vanhoye mostrou a sua elaborada construção). A moderna técnica que pesquisa a redação dos evangelhos, R e d a k tio ti o n s g e s c h ic h te , está chegando a im-
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gênese da Sagrada Escritura; em contrapartida, é freqüente o caso da antologia sucessiva e posterior. Pode-se dar o nome de “obra” “ob ra” a essa essa antologia? antologia? Num sentido analógico, analógico, sim; e, nesse sentido, ela também possui a sua riqueza e estrutura, podendo igualmente igualm ente ser lida e analisada. Isso é o que faz faz a exegese quando quan do compa co mpara ra passag pas sagens ens,, fórmu fó rmulas las,, esquem esq uemas, as, temas. tem as. E isso é o que faz a liturgi litu rgiaa quan qu ando do proc pr oced edee a uma um a nova no va escolha esco lha e orde or dena naçã çãoo de unid un idad ades es meno me nores. res. A percepção unitária do leitor é o resultado de uma leitura sucessiva e integral da obra, porq ue a obra literária é, como o seu meio meio — a linguagem linguagem — , essencialmente essencialmente temporal. Mas a sua sua unidade temporal não é a soma de mo mentos nem de leituras parciais autônomas. Em Embora bora pratiquemos a etapa ana lítica de isolar unidades e explicá-las separadamente, ascendemos depois à eta pa p a sintéti sin tética, ca, de visão vis ão unitá un itária ria.. P o r exempl exe mplo, o, prim pr imeir eiro, o, m étodo éto do de form fo rmas as:: etapa eta pa analítica de isolar isolar unidades prévias prévias + comparação com paração sinótica sinótica tipológica; tipológica; segundo, segundo, método de redação: análise e visão unitária de cada evangelista, integrando os resultados do método anterior a partir de constâncias internas e diferenças sinóticas; terceiro, teologia dos sinóticos, como visão unitária e integração de resultados prévios. prévios. Em con trapartida, na liturgia a etapa de unidade unid ade tem intei intei ro domínio: dom ínio: ciclo litúrgico, litúrgico, mistério mistério de Cristo, história histó ria da salvação. Como ve remos mais tarde, essa unidade deve-se, em grande parte, ao caráter de repe tição e representação da liturgia. Em resumo, o tipo de unidade ou estrutura é variável na Bíblia e muitas vezes vezes não coincide com o nosso. Por Po r seu seu caráter caráte r de revelação pública, viva e perd pe rdur uráv ável, el, é mais mai s impo im porta rtant ntee nela nel a um tipo tip o de unid un idad adee supe su perio riorr que, que , de algum algu m modo, transcende os autores individuais: unidade de projeto no plano de Deus, unidade histórica, coerente e dialética, unidade de transformação sucessiva por assunção e transposição transp osição,, unidade unida de de cristalização final na Igreja. Essa é mais uma razão para não se permanecer num psicologismo, isto é, para não haver um enfoque exclusivo na mente do autor como se esta fosse o âmbito único ou defini definitivo tivo de explicação. explicação. Essa unidade unidad e transcendente transcen dente não anula a nula as estrutu ras individuais, autor au tor e obra, ob ra, mas assume-as. Quant Qu antoo aos vários tipos de uni dade, não são problema grave para a percepção. Porque da unidade estrutural decorre outra conseqüência interessante: a possi po ssibil bilida idade de de se cheg ch egar ar ao cent ce ntro ro da o bra br a por po r diverso div ersoss caminh cam inhos. os. E , atin atin gido o centro, é possível perceber a unidad un idadee a parti p artirr de dentro. Ou seja, a par p artitirr de dent de ntro ro da obra, ob ra, não nã o preci pr ecisam samen ente te a p arti ar tirr de dent de ntro ro do auto au tor. r. To Tolst lstoi oi usava a imagem imagem de convergência: “Num a obra de arte, o importante impo rtante é que haja uma espécie espécie de foco, um ponto pon to para onde o nde convergem e de onde saem os raios” raios ” . 35 Às vezes, a própria obra abre uma porta especial, às vezes se defende exibindo um plano menos importante; às vezes ainda, é a sensibilidade tempe ramental do leitor ou do analista que escolhe escolhe a porta p orta de acesso. acesso. Há ocasiões ocasiões em que os pesquisadores anunciam com seriedade que finalmente descobriram a chave; não se trata tra ta de de soberba, so berba, mas de de entusiasmo entus iasmo de especialista. especialista. A reali dade é que a Bíblia, como obra total, e suas partes, como unidades reais, abrem muitas portas para que o povo de Deus possa penetrar em seu recinto sagrado. 15. Baseia-se Baseia-se nisso o m étodo de leitura leitura e interpretação de Leo Spitzer. Veja-se a descrição de R. Wellek in Style in Language, pp. 408-419, bem como a de H. Hatzfeld, Stylistic Criticism as art-minded philology, Yale French Studies 2 (1949) (19 49) :62-70 :62-70..
Consistência
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A atividade pastoral se encarregará de manter abertas as portas e de encaminhar para pa ra elas o povo po vo de Deus. Deu s. O que foi dito vale de acordo com o caráter das obras; haverá algumas que possuem uma única porta, apenas uma porta a ser usada por todo tipo de pessoas pess oas,, sem distinçã dist inção. o. As próp pr ópria riass unida un idade dess menor me nores es da Sagrad Sag radaa Escr Es critu itura ra diferem em clareza, em poder de manifestação: a liturgia sempre foi seletiva. CONSISTÊNCIA Uma Um a segunda característica da obra obr a literária é a sua consistência consistência.. Por Po r ser uma obra concluída, sustenta-se a si mesma enquanto obra, o que não exclui a sua abertura ao público público ou ao contexto de uso vital. vital. A forma dá consistên consistên cia à obra, ou é a sua consistência. consistência. “Só a forma form a recebe, recebe, retém e preserva preserv a a substância”, diz Henry James.16 Recordemo Reco rdemoss o que foi dito sobre a linguagem linguagem da conversa. Mesmo quan quan do não utilitária, a conversa esgota-se em seu fluir. fluir. A sua influência sobre uma vida pode ser profunda, decisiva; ainda assim, a conversa existe passando e para passar (mesmo que um gravador indiscre indiscreto to a registre). registre ). Uma Um a entrevista jorna jo rnalís lístic ticaa não nã o é simples simple s conver con versa, sa, mas forma form a liter lit erár ária ia parti pa rticu cula lar, r, e, nesse ness e sen sen tido, é obra, tal como o são as conversas de Eckermann com Goethe. Em contrapartida, a obra quer subsistir e subsiste realizada no sistema de formas da linguagem. O meio torna-se constitutivo e revelador; revela dor; é nesse sentido que pode ser lida a distinção distinção de Lützeler: Lütz eler: “Na ciência, ciência, a língua língua serve ao sen tido, na poesia a língua faz sentido” ( sinndienend, sinndienend, sinnbildend sinnb ildend ). 17 Enquanto o diálogo unia duas pessoas com o seu fluir, a obra permanece aqui como bloco esculpido. Poderá Pode rá haver exceções, exceções, literatura litera tura casual e circuns tancial; mas essas exceções não anulam a norma geral nem se aplicam à nossa Bíblia. Na N a provid pro vidên ência cia da revela rev elação ção,, Deus Deu s quis manif ma nifest estar-s ar-see em obras ob ras de lingu lin gua a gem que não se esgotam num dia, mas permanece “por gerações de gerações”. Isso é o que os padres enfatizam quando instintivamente falam mais da Escri tura do que dos seus autores. Sempre ocorreu dessa maneira? Todas Tod as as obras inspiradas chegaram a nós? Em termos teóricos, não podemos impor limites ao Espírito Santo; ele pôde perfe pe rfeita itame mente nte insp in spira irarr uma um a série de obras ob ras circun cir cunsta stanci nciais ais,, p a ra uma um a geraç ger ação; ão; tantos profetas não-escritores pronunciaram os seus oráculos como palavra de Deus. Ao afirmar afirm ar que “tudo “tud o isso isso lhes acontecia acontecia em imagem e foi escrito escrito para nós, que devemos viver na etapa definitiva”, Paulo fala assertivamente dos fatos que lê na Bíblia, Bíblia, e não exclusivamente. Saindo da mera m era possibilidade, é pro pro vável vável que o Espírito Esp írito Santo tenha procedido dessa maneira? Na teoria do cânon de Geiselmann, ocorreria o seguinte: a Igreja escolheu, dentre muitas obras ins pirad pi radas as,, aquela aqu elass de que precis pre cisava ava ou que lhe convin con vinham ham — o Espí Es pírit ritoo Santo San to é como a natureza, naturez a, pródiga em flores e sem se m entes en tes.1 .188 Em E m contrap co ntrapartida artida,, outros au tores querem deduzir do caráter da inspiração a sua rigorosa economia. 16 16.. Carta a Hu gh Wa lpole. 17. Ein E in fü h r u n g in ã ie P h i lo s o p h ie ã e r K u n s t , 1934, p. 10. 18 18.. J. R. G eiselm ann , Sagrada Escritura y traãición, “Quaestiones disputatae” (Herder, Barcelona, 1968).
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Pelo que sabemos hoje da formação da Bíblia, é razoável pensar em obras inspiradas não perduráveis; nada podemos afirmar além dessa probabilidade. Por outro lado, a pergunta é um pouco acadêmica e só indiretamente esclare cedora; porque, quando falamos da Sagrada Escritura, referimo-nos aos livros que “como tais foram confiados à Igreja”. A obra deve a subsistência à sua realização em sistema de palavras, e não precis pre cisam ament entee à notaç no tação ão escrita. escr ita. Posso Pos so conse co nserv rvar ar artific art ificial ialme mente nte uma um a conversa conv ersa num disco, sendo gratuita essa duração que lhe concedo; pode-se perder a gran de obra dramática, e essa perda representa a morte violenta da obra — pen semos no cânon dos dos alexandrinos. A natureza da primeira é passar, passar, a da se gunda é permanecer. É secundária a forma form a de conservar conserv ar a obra. As antigas associações associações de rapsodos utilizavam a memória. Nossa cultura escolheu a forma escrita, com as suas variantes ideográficas, silábicas, silábicas, literais. literais. Deus escolheu de fato a forma escrita para conservar e transmitir as suas obras inspiradas, que, por essa razão, são denominadas Escritura. É curioso e sugestivo que, a rigor, não se conserve a obra, mas a sua no tação. tação. Abrindo Abrind o as páginas páginas de uma partitura de Mozart, não posso dizer que aquilo é a sua sinfonia sinfonia em sol sol menor. Porque Por que um a sinfonia é um sistema so noro, orquestral, e o que eu tenho na mão é um bloco de papel, páginas cheias de linhas paralelas, com curiosas manchas negras. É inútil aplicar o ouvido ao papel pa pel para pa ra escuta esc utarr a sinfonia. sinfo nia. De modo mo do semelh sem elhant ante, e, a escrita escr ita conse co nserva rva a part pa rti i tura da obra literária, nada mais; mas a escrita põe a obra literária ao meu alcance, alcan ce, nad n adaa menos do que isso. 19 Como temos uma cultura de textos escritos, e como a técnica de escrever e imprimir influencia circularmente a técnica de compor, chegamos a identi ficar a obra com a sua escrita, lemos os poemas em voz baixa (isto é, sem voz), vo z), concebemos a linguagem em em termos de letras, letras, e não de sons. A imagina ção pode suprir: os maestros lêem e escutam internamente uma partitura nova. Mas a maioria dos ouvintes precisa escutar; além disso, acompanha a audição lendo a partitura. Em contrapartida, c ontrapartida, a maior parte dos leito leitores res ainda não sente sente a necessidade de escutar em voz alta; eles se julgam mesmo capazes de ler uma peça pe ça de teatro tea tro em voz baixa. baix a. O livro sagrado também é uma simples notação da palavra e da obra ins pirad pir ada: a: nada na da mais e nada na da menos. men os. Essa característica de consistência em si, bem como de dependência da notação, leva-nos à terceira característica com que procuro descrever a obra literária. REPETIBILIDADE A obra literária literári a pode e deve ser repetida. Numa Nu ma conversa, só repetimos ou pedimos que se repita quando não entendemos; repetimos a leitura ou au dição de uma obra por ter entendido e, com o entendimento, aumenta em nós a vontade de repetir. A obra é manifestação que se atualiza apenas quando um ouvinte ou leitor volta a recriá-la. Muitos leitores repetem a obra e ela não se esgota. O leitor leitor 19.
L. Lavelle La velle,, La L a p a r o le e t V écri éc ritu ture re (Paris, 1947). H. G. Gadamer, Verdad y m é to d o II, 16.
Fidelidade
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ou recitador recria ativamente a obra e esta esta permanece perman ece intacta. A obra o bra sempre modifica algo mediante a colaboração ativa do recitador e sempre permanece idêntica a si mesma. A obra o bra repete-se indefinidamente indefinida mente e não se multiplica. Esse é o parado xo do poema que subsiste subsiste em seu registr registroo escrito. Ele não existe enquanto não é repetido e não é repetido de fato enquanto o leitor não refaz o sentido unitário, nunca é repetido de maneira idêntica. A obra é apresentação que só se atualiza na representação; essa represen tação (em sentido lato) presentifica a obra e o que a obra representa, isto é, prese pre sent ntific ificaa a obra ob ra como com o mani ma nifes festaç tação ão de sentid sen tidoo que qu e é. A tuali tu aliza zaçã çãoo implica imp lica atualidade; na representação, não se trata apenas de recordação, mas de con templação presente. A retórica antiga fazia a seguinte distinção: “ars in faciendo posita, ars in agendo posita, ars in iudicando posita”; ou seja, composição, recitação e crí tica. tica. Veja-se a obra clássica clássica de H. Lausberg, Lau sberg, Man M anua uall de retórica retór ica literaria ( = Handb Ha ndbuc uchh der Literar Lite rarisc ischen hen R heto he tori rik, k, 1960 1 960). ). Emilio Betti, Betti, em sua Teoria Generale delia Interpretazione (Milão, 1955), distingue uma interpretação “re prod pr odut utiv ivaa ou repre rep rese sent ntat ativ iva” a”,, que ocorr oc orree sobr so bretu etudo do n a dram dr amatu aturg rgia ia e na música. músi ca. É nesse sentido que a Igreja recebe e conserva a Sagrada Escritura. Escritu ra. Não por po r mera me ra cons co nserv ervaç ação ão mater ma terial, ial, mas p ara ar a que os membr mem bros os da Igrej Ig rejaa — e, de maneira mediata, todos os homens que o desejem — façam reviver em si as obras inspiradas. inspirad as. E daqui daq ui se se origina o tratame trata mento nto privilegiado que o livro livro sa grado recebe na liturgia. Imaginemos dois casos: uma comunidade de monges conhece de cor e recita o saltério, cujos exemplares escritos são-lhes tomados e queimados du rante uma perseguição; um cristão tem no escritório, como enfeite, uma luxuo sa edição dos salmos, que nunca lê. No primeiro caso, as obras inspiradas não n ão se perderam; no segundo, não existem. FIDELIDADE I. A. Richards, Variant Read ings and M isreadings in Style in Language, it g e n o s s is c h e d e u ts c h e G e d ic h t z w is c h e n pp. 241-252. D o p p e li n te r p r e ta ti o n e m . D a s z e itg 1966).. Cf. Cf. a A u to r u n ã L es er , organizado por Hilde Do m in (Fra nkfurt do Meno, 1966) tt u r a m o l ti p l ic e d e lia li a B ib lia li a (Bolonha, 1981). obra P e r u n a le ttu
Essa necessidade de repetição ou representação suscita o problema da fi delidade. delidade. Em Embora bora a obra só exista na repetição, e esta seja seja necessariamente necessariamente múl tipla e variável, há uma norma permanente e certos limites de tolerância para a variação. Para Pa ra maior ma ior clareza, escolho escolho o exemplo do do teatro ou da música. música. Deve fixar-se numa tradição estável o modo de representar o teatro barroco de Calderón? Cald erón? É aceitável a recriação cênica que os netos de Wagner Wag ner fazem das obras do avô? avô? Em que velocidade devem ser interpretad interp retados os os mestres mestres do contraponto, Vitoria, Lasso? Para responder a essas questões de maneira prática, a nossa cultura pro duziu dois corpos de homens hom ens aos quais quais de certa form a confia as as obras. Em primeir prim eiroo lugar, lug ar, o corp co rpoo de inté in térp rpret retes es:: piani pia nista stas, s, maes ma estro tros, s, recita rec itado dores res,, atores ato res dramáticos; o segundo corpo é formado por críticos, historiadores e musicólogos. logos. Ambos Amb os sustentam uma u ma força que, por p or sua vez, vez, os os sustenta a eles: eles: a força da tradição tradiçã o viva. viva. E a essa força total se incorpor inco rporam am a recepção e o controle social.
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Todo bom pianista dará uma interpretação pessoal a Beethoven, manten do-se no âmbito da fidelidade substancial; para o piano romântico conservamos uma tradição viva ininterrupta. ininterrup ta. O maestro costuma possuir uma rigorosa for mação técnica: harmonia, harmo nia, contraponto, contrapo nto, composição, musico logia. . . Em Embo bora ra em última instância caiba a ele a tarefa de recriar a obra em cada interpretação concreta, é muito útil que o maestro se oriente escutando num disco a maneira pela pe la qual qu al o au tor to r dirige dirig e a sua su a p rópr ró pria ia obra. ob ra. Em nossa cultura ocidental, a tradição interpretativa é transmitida com relativa fidelidade; contudo as mudanças de sensibilida sensibilidade de implicam necessaria mente mudanças mudança s na maneira de interpretar interp retar a mesma obra. Cabe ao ao corpo de técnicos cuidar para que essas modificações não ultrapassem a margem tolerada pela pe la fideli fid elida dade de substa sub stanci ncial. al. Usei o exemplo da música, no qual a nossa experiência da interpretação é iniludível. iniludível. O mesmo acontece na literatura, literatura , embora acreditemos que qualquer qualqu er leitura silenciosa seja seja válida. Está Est á na moda mod a considerar cons iderar ideal ideal a leitura mais veloz veloz possível pos sível,, divu di vulga lgand ndo-s o-see uma um a técnic téc nicaa p a ra ler três trê s págin pá ginas as p o r minuto min uto.. pr esto to u m adagio de Bach; É bom para ler jornais. jornais. Mas não posso posso tocar pres pre sto, posso neste contexto, ninguém admitiria o argumento de que, tocando presto, tocar simultaneamente cinco adagios — não toquei nenhum. No entanto, na literatura literatu ra e, e, de modo concreto, na poesia, usamos esse argumento argumento falso. Se te mos tão pouco tempo, é melhor não gastar meia hora lendo mal trinta páginas de poesia ou sessenta de narração. É possível que uma das funções do recitativo litúrgico seja conservar um mo derado de leitura. leitura. Oxalá a nova técnica técnica de gravar em disco disco leituras leituras tempo moderado literárias nos restitua o sentido da interpretação da obra, com o seu tom e o seu ritmo exatos. NA IG R E JA “Cabe aos exegetas aplicar essas normas ao seu trabalho para compreender e expor o sentido da Sagrada Escritura, de maneira que, com esse estudo, possa amadurecer amadu recer o julgamento da Igreja Igreja.. Tudo o que foi dito dito sobre a interpretação da Escritura fica submetido ao julgamento definitivo da Igreja, que recebeu o encargo e o ofício de conservar e interpretar a palavra de Deus” (Dei Verbum, 1 2 ). 20 Chegando-se a este ponto, é fácil resvalar da atualização para a interpre tação, tação, porque porq ue a própria atualização atualização é uma interpretação. Na terminologia terminologia de Betti, “reprodutiva”, enquanto diferente da “cognitiva” (“ricognitiva”) e da “norma “nor mativa tiva”. ”. O fato de serem diferentes diferentes não significa significa que sejam inteiramente inteiram ente separáveis. E vimos que os atores dramáticos dram áticos dependem de pendem dos filólogos críticos e historiadores para se orientar de modo correto quanto aos personagens que “represen “repr esentarão” tarão” . O mesmo mesmo aconteceri aconteceriaa a um declamador declamad or de poesia e, analogicamente, gicamente, a um maestro. Sem Sem estrita autoridade autorid ade jurídica, a tradição trad ição e seus seus técnico técnicoss exercem exercem uma função normativa. Isso quer dizer que o “reprod “rep rod utor” uto r” que atualiza a obra move-se no âmbito de certas margens de interpretação. No noss no ssoo terre te rreno no bíbli bí blico co,, a coisa cois a é mais neces ne cessár sária. ia. 20.
Veja-se o com entá rio no volu m e da BAC, BAC, Comentários a la constitución “Dei Verbum” sobre la divina revelación (Madri, 1969).
Na Ig r e ja
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Dado que a Sagrada Escritura só existe na repetição e que foi confiada à Igreja, esta última deve também possuir órgãos ou corpos que assegurem a fide lidade do livro recebido. A diferença é que, aqui, tudo é elevado a um plano p lano superior, que é o contexto do Espírito. O que em outros casos é um fato fa to da cultura humana, aqui é, além do mais, realidade carismática. Em primeiro lugar, um corpo que possa interpretar com autoridade o sen tido da obra sagrada e traçar limites autênticos para a variação pessoal de ge rações e de leitores ou recitadores. Esse corpo, investido de de autoridade, a utoridade, rea liza a sua tarefa com muito mais segurança e profundidade do que uma insti tuição puramente humana, já que tem vivo e ativo o próprio Espírito que ins pirou pir ou as obras. obr as. Dam Da m os a esse corp co rpoo o nom no m e de magistér ma gistério. io. Esse primeiro grupo costuma agir com a colaboração de outro grupo su bord bo rdina inado do:: técnicos técn icos,, analista ana listas, s, críticos, crítico s, que aplicam apli cam todos tod os os métod mé todos os da ciên cia humana para remover obstáculos e preparar uma percepção cada vez mais rica e profunda prof unda dos livros sagrados. Eles podem corrigir interpretações interpreta ções equi vocadas, mas sem a autoridade autorida de característica do magistério. magistério. Como eles aplicam métodos humanos de pesquisa a obras também humanas, é possível e normal que descubram aspectos na obra literária sem agir por influência formal do Espírito Santo; mesmo nesse caso, a contribuição humana do técnico leva, em última análise, a uma melhor compreensão da manifestação divina, já que todos os aspectos da obra literária, cada um segundo a sua natureza e função, foram assumidos pelo carisma. Além disso, disso, esses esses técnicos, técnicos, como bons cristãos, ab or dam a Sagrada Escritura participando, à sua maneira, da complexa atividade do Espírito em sua Igreja. E, assim, assim, prolongam e diferenciam as interpretações interpretaçõ es passad pas sadas as do magisté ma gistério rio e prep pr epar aram am as futur fu turas: as: “Por “P or essa lei, cheia ch eia de pru pr u dência, a Igreja não detém nem restringe as pesquisas da ciência bíblica, mas proteg pro tege-a e-ass de todo tod o erro er ro e contr co ntrib ibui ui pode po deros rosam amen ente te para pa ra o seu verda ve rdade deiro iro pro pr o gresso. gresso. Diante Dian te do doutor dou tor privado abre-se um vasto campo no qual, com passo seguro, ele possa exercitar, de modo glorioso, a sua atividade de intérprete, com prove pro veito ito para pa ra a Igreja Igr eja.. Porq Po rque ue,, nas na s passagen pas sagenss da Sagra Sa grada da Escr Es critu itura ra que ainda ain da esperam por uma explicação certa e definida, pode ocorrer, por benévolo de sígnio da providência divina, que o julgamento da Igreja chegue a amadurecer com esse estudo preparatório; nas passagens já definidas, o doutor privado tam bém pode po de ser útil, explica exp licando ndo-as -as ao povo pov o fiel, abord ab ordan ando do-a -ass cientific cien tificam ament entee diante dos especialistas, especialistas, defendendo-as defendendo- as com brilho contra os adversários” . 21 Um terceiro grupo é formado pelos intérpretes entendidos como recitado res; o seu seu cenário ideal é a ação litúrgica. Se a sua tarefa tare fa havia se restringido basta ba stante nte nos últimos últim os tempos, tem pos, enco en contr ntram amo-n o-nos os agora ag ora num nu m mome mo mento nto de renov ren ova a ção, já que a liturgia da Palavra reassume o seu posto tradicional. Denominarem Deno minaremos os esse esse terceiro terceiro grupo “a ordem de leitores”. A importância que essa função pode ter na Igreja e a necessidade de formar bons leitores, no sentido sentido mais profundo, profundo, podem ser avaliadas avaliadas à luz do que foi dito. dito. H o mens com temperamento e formação suficientes para “representar” dignamen te o texto sagrado: não apenas o seu conteúdo intelectual, mas também to da a realidade realidade plural e estruturada estruturad a da obra. obra. Não se deve deve recorrer recorre r apenas à dignidade, ao esplendor. Trata-se Tra ta-se de algo algo muito mais sério: do ser da obra, o bra, que não se realiza senão senão na repetição. A existênci existênciaa autêntica da Palavra ins pir p irad adaa n a Igre Ig reja ja depen de pende de tam bém bé m dos “leitor “lei tores es”” . E não nã o tem valid va lidad adee aqui aq ui uma um a 21. P r o v i d e n ti s s i m u s , EB n. 109.
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negligência que faz uso da onipotência divina; porque se trata da Palavra, e a via da onipotência salvadora salvad ora é via de encarnação. encarn ação. Na voz significat significativa iva e ex pressiv pre ssivaa do leito le itorr litúrgic litúr gicoo volta vo lta a encar en carna nar-s r-see e a existir; exist ir; a P alav al avra ra de Deus; De us; nessa representaç repre sentação ão oral, a comunidad com unidadee se presentifica. E, sem essa voz, toda a cadeia de autores, escritores e transmissores não chegou a consumar-se. É curioso e estranho que se tenha dado tão pouca importância a esse últi mo elo da cadeia, cadeia, quando quan do tanto depende dele. dele. Não há h á escolas escolas nem cursos de de leitores, os interessados não preparam as leituras com antecedência e não as ensaiam em em voz voz alta. As cerimônias são mais ensaiadas do que as leituras. Não há discos nem cassetes cassetes de leituras bíblicas para pa ra a escuta e o exemplo. O que o poet po etaa ou narr na rrad ador or compôs com pôs com tant ta ntoo traba tra balh lho, o, o que o trad tr adut utoo r tradu tra duziu ziu com tanto esforço, esforço, é destruído, e em público. Em outras épocas e regiões regiões usou-se a cantilena, em parte para conseguir uma emissão de voz mais clara e uma leitura mais audível e inteligív inteligível. el. Permanece Perm anecem m vestígio vestígioss de leitura de textos na r rativos distribuídos em em três vozes na Semana Santa. À margem marg em da d a liturgia, recitadores profissionais praticaram a leitura para públicos diversos. “Ars in agendo posita”, técnica e arte de ler e declamar a serviço da obra inspirada, que precisa dessa voz, exige-a, deseja configurá-la a partir de dentro. Pelos três corpos circula a força total da tradição, sempre viva e ininter rupta rup ta na Igreja. A autoridade autorida de do magistério, o sensus fidelium, a diligência dos exegetas exegetas não são forças divergentes aplicadas à Escritura; Escritur a; eles constituem uma força unitária hierarquizada, uma força do Espírito que brota da Palavra e a ela retoma.
11 A OBRA E SUA TRADUÇÃO TRADUÇÃ O
Tudo o que foi dito sobre a obra nos põe diante do agudo problema da tradução. tradu ção. Se só existe na repetição, como atualização atua lização e representação, represent ação, a obra se repete de fato e se atualiza numa tradução? Deus fala-nos em linguagem humana e, portanto, numa língua humana; desse modo, a língua não é veículo indiferente de idéias desencarnadas, mas meio real de comunicação. comuni cação. E eu não entendo enten do essa língua; de que me serve Deus ter falado se não fala a mim? Aceitei o sentido intercambiável de “interpretar” e “representar”, manifesto sobretudo na arte dramática. Representar Rep resentar é interpretar, interp retar é re-presentar. tar. A “interpretação” “interpreta ção” específi específica ca de de traduzir traduz ir uma obra representa verdadeira mente men te a obra ob ra original? Observemos de passagem a fluidez fluidez semântica existente, em diversas línguas, entre entr e “interp “in terpreta retar” r” e “tradu “tr aduzir” zir” : o grego spgrjv spgrjvst stmv mv,, la tim medieval interpretari (oposto a exponere, que é comentar), “escola de in térpretes”. A tradução trad ução é um fato tão estabelecido estabelecido em nossa cultura c ultura que já possui algo algo de óbvio; tanto ta nto é assim que o leitor médio de romances traduzido trad uzidoss não nã o se co loca o problema desse fato tão óbvio. No caso da Sagrad Sag radaa Escr Es critu itura ra,, não nã o resta res ta senão sen ão aceita ace itarr o prob pr oble lem m a e refle ref le tir sobre ele, ele, a partir parti r de alguns fatos. O fato primário e imediato da nossa vida religiosa deveria ser o fato litúrgico: a liturgia proclama a palavra de Deus, e eu não a entendo, ou escuto-a numa tradução. Partindo Partind o desse desse fato, vamos vamos olhar para pa ra trás. PRINCÍPIOS TEOLÓGICOS A língua humana hum ana só existe existe no plura p lural: l: línguas humanas. hum anas. As regiões as as separam e os tempos tempos as modificam. modificam. A pluralidade é bênção e maldição; as línguas são barreira e riqueza, confusão e descoberta, relativizando e afirmando perem pe rem ptor pt oría íam m ente en te o plural plu ralism ismoo e a limita lim itação ção do huma hu mano no.. Em bora bo ra existam exis tam os “universais de linguagem”, não nos entendemos neles, mas nas línguas con cretas. Deus quis encarnar a sua Palavra em palavras humanas: portanto, em algu ma língua língua hum ana concreta. Ele não usou uma língua celestia celestial,l, angélica — que não existe — , nem criou uma língua exclusiva e obrigatória obriga tória para todos. todo s. Assim como a Palavra nasceu por antonomásia de uma mulher concreta, numa estreita
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intersecção das coordenadas de tempo e espaço, assim também se cingiu a um pa p a r de línguas líng uas,, histo hi storic ricam amen ente te pouc po ucoo menos men os que cond co nden enad adas as à morte mo rte.. M orreu or reu e ressuscitou, para não voltar a morrer; terão as línguas faladas morrido para que a sua Palavra viva para sempre e em todas as partes? A encarnação histórica implica escolha; ele escolhe um povo, uma família, uma época, e escolhe apenas três línguas. Mas a encarnaç enc arnação ão carrega pretensões universais universais e absolutas. O ponto pon to de intersecção de tempo e espaço era ponto po nto de expansão, de irradiação. irradiação. “Irradiação “Irrad iação”” refere-se refere-se a “raios” : não apenas apen as pelos pelos dois braços da cruz, mas também por todos os raios, expande-se e atua a força salvadora da “admirável encarnação ” . O mesmo acontece com a palavra: palav ra: sur gida no seio, acolhida no regaço de algumas línguas “mães”, ela deve tornar-se conterrânea e contemporânea de todos, respeitando a condição das línguas. O caminho de expansão é a tradução (cf. meu artigo Lenguas y lenguaje, Se minários 9 [1963]:127-132). Assim, a tradução da Bíblia não é mero exercício cultural, não é curiosi dade dad e sobreposta sobrepo sta a obras exóticas e arcaicas. arcaicas. É exigência exigência da obra inspirada ins pirada,, é força expansiva expansiva a partir de dentro. dentro. Sair é ordem categórica para Ab raão, ordem ordem que o transforma transform a em peregrino; sair é o chamado do Êxodo. Êxodo . A Igreja precisou precisou sair do seu seu reduto natal e começar a caminhada. Tudo porq ue o Filho “ saiu saiu do Pai e veio veio ao mundo ” . A obra ob ra inspirada também também deve sair, sair, viajar e acli acli matar-se a outras línguas línguas e culturas. A tradu ção é exigência exigência teológica teológica da P ala vra de Deus, encarnada num ponto, dirigida a todos os homens. De fato, o trabalho de traduzir começou cedo, à medida que havia judeus que falavam outra língua. Com efeito, efeito, a Bíblia é o livro mais traduzido traduz ido da história. história. Com maior ou menor consciên consciência cia teológica teológica,, a tarefa foi realizada por p or exércitos de tradutores, que só no céu poderão reunir-se em congresso. Quando a palavra inspirada se consolida ou cristaliza, o carisma do Espí rito a consagra. Acontece o mesmo quando quand o ela renasce em outra língua? Em princ pri ncípi ípio, o, não nã o se deve con co n tar ta r com isso. O trad tr aduu tor to r pode po de viver viv er a vida vid a do espírit esp íritoo como outros cristãos e pôr a serviço da comunidade um talento particular, mas não desfrutar de um carisma específico denominado “inspiração”. Se é um fato inteiramente particular a exigência da obra inspirada de ser traduzida, a atividade de traduzi-la está submetida às regras dessa atividade hu mana ma na específica, específica, mescla de arte e ciência. Não Nã o se devem postu po stular lar normas norma s dife rentes e autônomas para a tradução da Bíblia, e seria perigoso invocá-las. REVISÃO HISTÓRICA No Elenco Bibliográfico de B ib lic li c a , P. Nober apresenta um item, “Textus et Versiones”, que pode incluir 122 títulos: sobre o texto original hebraico e grego, sobre traduções antigas e modernas. Esse item amplia com bibliografia o capítulo correspon dente de qualquer qualquer introdução geral à Sagrada Escritura. Escritura. En tre as traduções antigas estão Targumim, LXX e outras gregas. Vetu s Latina, Latina, Vulgata, Vulgata, Etíop e, Armênia, Copta, Copta, Georgiana, Gótica, Pa leoslava, Siríaca . O valor da s tra duçõ es antigas encontra-se às vezes na recuperação do texto original. original. InteresInteressam-me aqui porque, desde tempos antiqüíssimos, testemunham a expansão da palavra inspirada por intermédio da tradução. Sobre traduções vernáculas, veja-se o artigo básico, síntese em colaboração, editado por J. Schmidt, Moderne Bibelübersetzungen. Eine Übersicht, Z e it s c h r if t fü f ü r K a th o li s c h e T h e o lo g ie 82 (1960):290-332, assim como os meus artigos ;,Cuántas traducciones de la Biblia?, E c c le s ia (fevereiro de 1965):21-23, e Una traducción pre fere nte de la B iblia, ibid. (27 de m arç o de 1965 1965)) -.27-30.
Re R e v isã is ã o h is tó r ic a
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Os apóstolos não desconheciam inteiramente o hebraico e falavam o aramaico. maico. Mas, quando começaram a pregar aos gentios gentios — então de cultura cultu ra e língua grega —e passaram a escrever, utilizaram o Antigo Testamento na tra dução grega chamada chamad a dos LXX. LX X. O evangelho — que, segundo uma um a tradição, tradição, foi escrito em aramaico — logo foi traduzido tradu zido e adapta ad aptado do para pa ra o grego. grego. Seguin do o exemplo, a maioria dos santos padres utilizou como Sagrada Escritura a tradução grega do Antigo Testamento, assim como o original grego do NT e dos livro livross tardios do A T (quan do eles eles os consideravam canônicos). canônico s). Alguns padr pa dres es estud es tudam am o hebra he braico ico p ara ar a comp co mpree reend nder er m elhor elh or a Sagrad Sag radaa E scrit sc ritur uraa e cotejam a tradução dos LXX com outras traduções gregas (Orígenes). Não Nã o tard ta rdoo u que qu e a cultu cu ltura ra emigrasse emig rasse p ara ar a R oma om a e se torna tor nasse sse latin lat ina, a, até perd pe rder er o grego como com o língu lín guaa falad fal ada. a. Come Co meçam çam em seguid seg uidaa as tradu tra duçõ ções es latina lat inas, s, e o papa Dâmaso encomenda uma tradução traduç ão fiel fiel e revisad revisada. a. O estudioso estudioso Jerônimo estende os seus conhecimentos latinos e gregos ao âmbito semítico, he braico bra ico e arama ara maico ico,, e, aprov ap roveit eitan ando do traba tra balh lhos os anter an terior iores, es, apres ap resen enta ta u m a tra tr a d u ção da Bíblia em língua vernácula, para que o povo a entenda: em latim. (Toda língua é vernácula em seu lugar e em sua época; quando deixa de sê-lo, torna-se estrangeira, morta ou acadêmica.) Durante o domínio da cultura latina, a tradução elaborada por Jerônimo se difunde, difunde, passa a ser Vulgata, normal. Quando Quan do ocorre o desmembramento desmembramento da latinitas, bem como em regiões européias não-latinas, logo são feitas tra duções vernáculas, pelo menos de fragmentos selecionados, como perícopes litúrgicas, saltério, evangelhos. A Reforma dá um forte impulso às traduções vernáculas: do original, da Vulgata, Vulgata, de de Lutero. E esse esse esforço esforço influi influi profundamente profund amente na n a criação ou desen volvimento de línguas literárias nacionais. Em alguns países, os católicos rea gem lançando traduções vernáculas da Vulgata, chegando mesmo, às vezes, a se basear no trabalho de seus inimigos, os protestantes. O Renascimento impõe um novo gosto de latim clássico e favorece o estu do das línguas; tudo isso dá origem a novas traduções latinas mais elegantes, ou mais literais, e até mesmo a traduções interlineares, feitas a partir dos ori ginais ginais ou de outras versões versões antig antigas as (poliglo (p oliglotas). tas). Para Par a deter o perigo perigo de con fusão, o Concilio de Trento escolhe e impõe como norma, entre as diversas traduções latinas, a chamada chama da Vulgata, destinada destinad a à Igreja ocidental. E, ao mes mo tempo, impõe certos limites às traduções traduç ões em línguas vernáculas. Essas duas decisões tridentinas recebem aplicação rigorista em alguns países. Por volta de meados do século XVIII, em pleno Iluminismo, Bento XIV exorta a que se façam traduções vernáculas da Vulgata, e vários escritores, em diversos países, executam obras de valor literário: Petisco em espanhol, Martini em italiano. Recentemente, Pio XII estimula enormemente as traduções dos originais para pa ra as língua lín guass verná ve rnácul culas, as, a tal ta l pont po ntoo que qu e a edição ed ição da Bíbl Bí blia ia se trans tra nsfo form rmaa em negócio editorial, com grave perigo para a qualidade. Os poucos fatos selecionados põem o leitor moderno da Bíblia no centro de uma rosa-dos-ventos, desorientando-o. Eu leio Nácar, meu amigo amigo lê lê Cantera, meu vizinho lê Petisco, o vigário lê a Vulgata; quem lê a palavra de Deus? Não seria melhor que todos os espanhóis espanhóis tivess tivessem em uma um a tradução tradu ção espa nhola? Ou, de preferência, que todos os ocidentais aprendessem aprendess em latim, ou re montassem ao grego, ou ainda que todos os cristãos aprendessem hebraico? Caso o original original seja seja inacessível, inacessível, não há traduçõe trad uçõess preferíveis? preferíveis? Sim, Sim, houve houv e duas traduções que ocuparam um lugar privilegiado.
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A TRADUÇÃO GREGA DOS LXX P. Auvray, Comment se poser le problème de l’inspiration des Septante, R B 59 (1953):321ss. P. Benoit, La S e p ta n te e s t-e t- e lle ll e in s p ir é e ? Hom. dedicada a Meinertz, 41ss. 41ss. A. Vaccari, Las citas dei Antiguo T estam ento en la ep ístola L ’in s p ir a ti o n d e s “ad Hebraeos”, Cultura Bíblica 13 (1956):239ss. P. Benoit, L’ Septante ã’après les Pères. Hom Ho m . ded icad a a Lubac Lub ac (1963), 169 169-1 -187 87.. P. Grelot, Gre lot, Sur 1’inspiration et la canonicité de la Septante, Sciences Ecclésiastiques 16 (1964 (1964): ):387 387-4 -418. 18. D. Barth élem y, L’Ancien L’Ancien Tes tam en t a m üri à Alexand rie, Theolo gis g iscc h e Z e it s c h r if t 21 21 (1965) (1965 ) :358-3 :358-370. 70. S. D an iel, ie l, R e c h e r c h e s su r le v o c a b u la ir e ãu cu c u lt d a n s la S e p ta n te (Paris, 1966). A. Rose, L’influence des Septante sur la tradition chrétienne, Questions liturgiques et paroissiales 46 (1965) (19 65):: 192-21 192-210; 0; 284-301. 284-301.
Discutiu-se recentemente o seguinte problema: a tradução grega dos LXX faz parte dos livros inspirados, em sentido estrito, ou é simples tradução de livros inspirados? É o seguinte o raciocínio de alguns autores: os escritores do Novo Tes tamento citam a versão dos LXX como “Escrituras”, isto é, como palavra de Deus. Em várias ocasiões, ocasiões, o sentido da citação grega difere do original. Po r tanto, ou ou não poderia pode ria ser citada como Escritura Esc ritura ou é inspirada. Quando Qua ndo a tra dução é exata ou fiel, não há problema; quando o meu texto grego não traduz o original, não cito a Escritura nem uma tradução da Escritura, a não ser que esse esse meu texto também tam bém seja inspirado. E, se isso isso ocorre em alguns alguns casos, com que direito podemos limitar a inspiração a versículos selecionados? Em algumas de suas partes, a tradução grega dos LXX traduz o original; em outras, deforma o original, por não tê-lo entendido bem; em outras ainda, transforma o original, continuando ou induzindo um processo de evolução se mântica, impondo uma nova mentalidade e sensibilidade como sistema geral. No N o caso cas o de simples simpl es defo de form rmaç ação ão,, é um tant ta ntoo forç fo rçad adoo afirm af irmar ar que qu e o Espí Es píri rito to Santo inspirou uma deformação de sua palavra para oferecê-la à Igreja; outra coisa é dizer que ele permite imperfeições humanas na transmissão e interpre tação de pontos não essenciais, já que também permitiu imperfeições nos ori ginais hebraicos. No caso de tran tr ansf sfor orm m ação aç ão,, temos tem os um exempl exe mploo de nova no va leitur lei tura, a, nova no va inte in ter r pret pr etaç ação ão,, nova no va repre rep rese sent ntaç ação ão.. N ão pode po demo moss pens pe nsar ar que as recita rec itaçõ ções es e leitu le itu ras dos originais sejam perfeitamente iguais, fiéis às raias da identidade; isso contradiz a natureza nature za da obra enquanto repetível e existente existente na repetição. Um passo pas so a mais n a mesm me smaa dire di reçã çãoo é a tradu tra duçã çãoo que trans tra nsfo form rma, a, ou seja, escolh esc olhee um aspecto do original, evidencia o possível elemento conceituai, espiritualiza, restringe o símbolo símbolo etc. etc. Essas operaçõe op eraçõess não são com pletamente pletam ente distintas e opostas à variedade das recitações originais; também existe o recitador frio, intelectual, ao lado do veemente, veemente, do contemplativo e do de ação. Tampouco Tam pouco são opostas ou alheias ao original, que sempre conserva algo de potencialidade à espera de atualização. O que podemos afirmar, nesses nesses casos casos,, é que a norma norm a última não é a tradução, mas o original. Ora, se citam dessa maneira, os hagiógrafos estão citando uma interpre tação possível da Sagrada Escritura. Mas o que acontece é que nem sempre eles citam assim, distanciando-se de fato do sentido original. En Entra tra aqui aqu i outro elemento: eleme nto: o uso de um texto,
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atividade em si posterior e diferente da mera interpretação como repetição.1 Usamos Usamos o texto para ilustrar, ilustrar, para argumentar, p ara incitar à reflexão. Não nos acomodamos na obra, mas submetemo-la a outra intenção, para além dela •— não necessariamente necessariamen te contra ela. Um literato litera to sabe sa be o que qu e é usar fórmulas, frases, imagens de outro: nem mera citação nem simples interpretação. De modo semelhante, os autores do Novo Testamento podem utilizar o Antigo para argumentar ao estilo dos rabinos da época, para introduzir uma reflexão que ilumina o mistério mistério de Cristo etc. Esse uso, enquanto enquan to operação opera ção literária objetivada na obra, é inspirado. A inspiração não transform a o uso uso livre livre em pura citação ou em simples simples interpretação. interpretação. Por Po r tratar-se de um uso, o autor se reserva maior liberdade. Esses casos são possíveis porque estamos lidando com a obra inspirada, e não com os autores. autores. O que a rigor houve na mente do au tor quando quan do este es es crevia com intenção e consciência reflexiva não adapta a realidade da obra, sobretudo quando qua ndo essa obra se inseriu numa tradição viva. viva. De alguma maneira, a obra ultrapassa ultrapas sa o autor. Diz Kainz: “Um teorema pode desenvolver uma fecundidade na qual o próprio pesquisador, ao escolher ou encontrar para o seu novo conhecimento justamente essas essas palavras, palavras, nem seq uer pensou. Uma fe cundidade que supera em em muito a intenção inicial inicial de seu autor. À formulação dada pode unir-se uma capacidade de exploração que se encontra numa dire ção muito diferente do fim fim para o qual o enunciado foi concebido. concebido. Uma ocor rência do tipo jogo de palavras, ou glossomórfica, também pode mostrar mais tarde uma fecundidade fecun didade real, que não podia ser imaginada imaginad a no prin pr incí cípi pio. o. . . A fórmula mostrou-se mais inteli inteligente gente do que o seu criador”. criado r”. 2 E o que Kainz diz acerca do pensamento científico tem uma aplicação muito maior no caso da obra literária: repetição, interpretação e uso têm aqui um espaço legítimo, bastante mais amplo. Voltando ao caso dos LXX, podemos distinguir três planos literários: o sentido do original hebraico, o sentido diferente da versão grega e o uso lite rário no Novo Testamento. Benoit e Auvray Auv ray defendem a inspiração inspiraç ão dos dois prime pri meiro iross plan pl anos os como com o única ún ica alter alt erna nativ tivaa p ara ar a o enten en tendi dime ment ntoo de muitas mu itas citações cita ções do Antigo Testamento no Novo. Creio noutra nou tra alternativa: alternativa: p ôr a inspiração inspiração no prime pri meiro iro e no tercei ter ceiro ro plan pl anos os.. Insp In spira irado doss são o origin ori ginal al hebr he brai aico co e o uso que o hagiógrafo do Novo Testamento faz da palavra; disso não decorre que João prete pr etend ndaa defin de finir ir a ment me ntee de Isaías Isa ías,, usan us ando do uma um a irrepr irre preen eensív sível el técni téc nica ca filológica. filoló gica. Não N ão é m inha in ha preten pre tensã são, o, a parti pa rtirr disso, resol res olve verr defini def initiv tivam ament entee uma um a con con trovérsia trovérsia que nenhuma nenhu ma definição solucionou. A maioria dos autores não aceita aceita essa teoria da inspiração dos LXX; os artigos de Benoit e Auvray não tiveram grande aceitação. Num Nu m artigo arti go recent rec ente, e, P. Grel Gr elot ot volta vo lta a estu es tuda darr a ques qu estão tão:: prime pri meiro iro os dado da doss históricos, depois sistematicamente. Estão Estã o entre os os seus seus argumentos a favor favo r da inspiração da tradução grega: a criação lingüística como veículo para transmi tir a revelação de maneira válida; o progresso da revelação no âmbito dessa tradução; os textos perdidos no original hebraico; a tradição grega (Sur l’ins pirat pi ration ion et la canon can onicit icitéé de la Septan Sep tante, te, ScEc 16 [1964]: 3 87-41 87 -418). 8). 1. C. H. Giblin, Giblin, “As it writte n”. A ba sic Problem in N oem atics and its Relevance to Biblical Theology, Catholic Biblical Quarterly 20 (1958):327-353.477-498. 2. P s y c h o lo g ie d e r S p r a c h e I, pp. 259-60.
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Mas a tradução dos LXX conservará sempre o prestígio de ter sido, na prátic prá tica, a, a Bíblia Bíb lia dos hagió ha giógra grafos fos do Novo No vo Testa Te stam m ento, en to, da Igre Ig reja ja em seu m o mento de formação. É uma preferência preferênc ia que se prolonga prolong a na Igreja oriental. A VULGATA A. Allgeier, Haec vetus et vulgata editio. Neue wort — und begriffsgeschichtliche Beitráge zur Bibel auf dem Tridentinum, H is to r is c h e s J a h rb ü c h 60 (1940): 142-158; B ib lic li c a 29 (1948):253-290.
Outra tradução com pretensões de privilégio é a latina denominada Vul gata: por mais de um milênio, ela foi texto litúrgico, foi o texto do estudo teo lógico por muitos séculos; nela se expressaram a fé e a devoção da Igreja oci dental por muitas gerações. Ningué Nin guém m pens pe nsaa em afir af irma marr que qu e a V ulga ul gata ta é obra ob ra insp in spira irada da,, mas muitos mu itos atribuíram a ela uma autoridade privilegiada, como se constituísse o único texto fidedigno fidedigno da palavra de Deus. Basta citar o teólogo pós-tridentino Melchor Cano, que, através da sua metodologia teológica De locis theologic theo logicis, is, exerceu vasta influência em séculos posteriores.3 Ao raciocínio de Cano não falta o argumento polêmico.4 Em apoio à Vulgata, ele supõe que o seu tradutor tenha possuído um caris ma aparentado com o carisma profético, sem maiores esclarecimentos: esclarecimentos: “Ou “O u o antigo tradutor traduziu a Sagrada Escritura por dom especial do Espírito Santo, ou a Igreja latina possui, há muitos séculos, não o evangelho de Deus, mas de um homem. E, se objetas que o tradutor trad utor não era profeta, respondo reconhe cendo que não era profeta, mas teve um carisma semelhante ao profético” . 5 Por fim, no capítulo 15, Cano admite a utilidade das línguas hebraica e grega: para discutir com os fiéis, circunstância em que a latina tem menos força, para pa ra obte ob terr vários vár ios sentido sent idoss de uma um a mesm me smaa passag pas sagem em,, p ara ar a conh co nhec ecer er idiotismos, idiotis mos, frases e provérbios, para corrigir erros de tipógrafos ou copistas, para explicar algumas passagens, para entender palavras hebraicas ou gregas incorporadas ao latim. Essa foi a doutrina comum — ou, pelo menos, a prática comum — por muitas gerações. gerações. Quando Qua ndo as atas do Concil Concilio io de Trento foram fo ram publicadas, p ublicadas, viu-se que os zelosos teólogos, em seu afã polêmico, haviam exacerbado as posi ções ções rígi rígidas. das. E Pio X II encerrou o assunto, com autoridade, em sua encíclica encíclica desejo do Concilio Concilio de Trento de Div D ivin inoo affla af flant ntee Spiritu: Spi ritu: “No que se refere ao desejo que a Vulgata fosse a versão latina ‘que todos deviam usar como autêntica’, isso, como todos sabem, tem validade apenas para a Igreja latina e para o uso públic púb licoo da Escr Es critu itura ra,, e com certez ce rtezaa não nã o diminui, dim inui, de m odo od o algum, algu m, a autor au torid idad adee e o valor valo r dos textos originais. originais. Porque Por que na época não se trata va deles, mas das traduções latinas já correntes, entre as quais a justa preferência do concilio re caiu sobre a que ‘o ‘o amplo amplo e secular uso da d a Igreja havia aprovad apro vado’. o’. Assim, po po r tanto, essa autoridade preferencial, ou autenticidade, da Vulgata não foi esta 3. N os capítu los 12 12, 13 e 14, 14, ele apresen ta os argu m ento s do s que afirm am que a Escritura só pode ser lida em hebraico e grego, bem como daqueles que aceitam a autoridade da Vulgata. 4. Contra Contra os doutores hebreus e gregos que procuraram corromper os textos hebraico e grego para “adaptá-los às suas teorias”. 5. Op. cit., cap . 13.
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belecida bele cida pelo concilio con cilio por po r razões raz ões críticas crít icas,, mas pelo pel o uso legítimo legíti mo e secula sec ularr den de n tro da Igreja; isso demonstra que essa tradução, tal como a Igreja a entendeu e entende, em questões de fé e costumes, está isenta de todo erro, de tal modo que, como o testemunha e confirma a Igreja, pode ser aduzida, sem perigo de erro, à disputa, disputa, à aula e à pregação. É uma autenticidade que não denomina de nomina mos crítica, crítica, mas antes jurídica” . 6 Insatisfeitos com a Vulgata ou levados por outros motivos, diversos auto res fizeram novas traduções da Bíblia para o latim, que era então a língua culta. Devem-se destacar as duas interlineares da Poliglota Complutense, a de Santes Pagnino, que teve grande êxito (foi revisada mais tarde por Arias Montano), a de Cayetano, incorporada aos seus comentários, a condenada de Clario, a pro testante de Muns M unster. ter. . . (veja-se Dictio Dic tionn nnair airee ãe la Bible: Bib le: L a tine ti ne s). s) . Pois bem, dentre as diversas traduções latinas, a Vulgata foi escolhida para o uso público na Igreja latina. Trata-se do alcance alcance do decreto tridentino. tridentino. Quem quiser, hoje, conhecer em primeira mão a nossa riquíssima tradição teológica deverá consultar a Vulgata, que foi praticamente a base dogmática de quase todo o pensamento pensam ento teológico teológico durante séculos. Disso não decorre que a Vulgata deva ocupar a mesma posição para sempre, nem é possível afirmar que tenha sido expressão sincera da fé e da devoção daqueles que não enten diam as suas palavras, ou, por outro lado, que era objeto de um ato global de fé ou devoção. Muito menos ainda pode ser erigida como norma norm a última últim a de interpretação e representação. TRADUÇÕES MODERNAS Sobre a arte da tradução em geral, pode-se consultar The Craft and Context of o f T r a n sla sl a tio ti o n , editado por William Arrowsmith/Roger Shattuck (Nova Iorque, 1964); num apêndice lêem-se observações de autores latinos e ingleses sobre a K in g J a m e s B ib le. le . Tinham sido publi arte de traduzir, incluindo Jerônimo e a Kin cados antes: Th. Savory, The Art of Translation (Londr (Lo ndr es, 1957) 1957) e A.H. A.H. Smith (ed.), A s p e c ts o f T ra n s la tio ti o n (Londres, 1958). L es p r o b lè m e s th é o r iq u e s ã e la tra Mais técnico é o livro de G. Mounin, Les ã u c ti o n (Paris, 1963; trad. espanhola: L o s p r o b le m a s te ó r ic o s ã e la tr a ã u c c ió n [Madri, 1971]). Citaremos os que consideramos mais acertados: W. L. Wonderly, B ib le T r a n s la tio ti o n s f o r P o p u la r U se (Un ited Bible So cieties, 19 1968 68); ); E. Nida /Ch. R. Taber, The Theory anã Practice of Translation (Leid en, 1969 1969;; trad .espanhola L a T r a ã u cc ió n : T e o r ia y p r á c tic ti c a , Madri, 1986); Revista de A. de la Fuente: La La L a n g a g es n. 28 (Pa ris, 1972), L a P a ro la T r a ã o tt a 1972), ded icado à trad ução . C. Bu zzetti, La (Bréscia, 1973; trad. espanhola: Traducir la Palabra [Estella, 1976]). A revista The Bible Translator dá informações sobre a teoria e a prática da tradução bíblica e sobre traduções para línguas específicas. Com um dos colaboradores de N u e v a B ib lia li a E s p a n o la , Eduardo Zurro, es L a T ra ã u c ció ci ó n crevi um livro particularmente voltado aos problemas do estilo: La B íb lic li c a : L in g ü ís tic ti c a y E s ti lí s ti c a (Madri, 1977), com bibliografia selecionada.
Delimitados os privilégios de duas grandes autoridades, podemos considerar agora as traduções modernas. Toda tradução deve corresponder à sua época, como aconteceu com a Vulgata, que foi uma tradução vernácula enquanto o latim foi a língua falada e escrita escrita.. Assim como os LX X e a Vulgata Vulga ta influenciaram influen ciaram a formação formaç ão de uma 6.
EB 549. 549.
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língua cristã, também as novas traduções influirão na formação de uma língua religiosa segundo as necessidades da época. Nessa Ne ssa taref tar efa, a, o princ pri ncíp ípio io é sempre sem pre chegar che gar a uma um a “rep “r epet etiç ição ão”” ou “int “i nter erpr pre e tação” da obra original de tal maneira que, ao ser recitada a versão, o sistema de formas verbais significat significativas ivas que é a obra volte de fato a existir hoje. Isso é possível? Se a obra é um sistema de estruturas, como conseguir que, na nova língua, sejam atualizadas as mesmas estruturas estrutura s no mesmo sistema? É impossível ser fiel fiel a todos os planos simultaneam s imultaneamente. ente. Quanto Qu anto melhor melh or alguém alguém conhece a lín gua original, tanto mais difícil lhe parece a tradução; quanto mais tenha pene trado, de modo imediato ou por análise, na riqueza original, tanto mais intraduzível ela lhe parece. E Croce considera intraduzível to da obra obr a de arte. arte. Mas um mestre da linguagem, Edward Sapir, exorta-nos à moderação e reconhece que a literatura pode às vezes ser traduzida com assombrosa fideli dade. 7 A sua explicação do fato é mais discutível. Pela pluralidade da obra em si e por sua condição de repetibilidade, são possíveis possív eis e até necess nec essária áriass diversas dive rsas tradu tra duçõ ções es que qu e ressalte ress altem m um aspect asp ectoo part pa rti i cular, chegando mesmo a tomá-lo tomá -lo como centro de sistema. Assim como os LXX punham em prática um processo de espiritualização, assim também, hoje, é possível dar seguimento a um processo de conceitualização; o grave perigo dessa tendência é querer transpor uma língua literária para uma língua técnica, o que impediria a verdadeira atualização. atualização. Espreita Esp reita aqui, aqui, entre outras, a “falá cia lógica”, da qual falei num artigo sobre a arte de traduzir poesia bíblica. 8 Embora admitindo várias traduções possíveis, até na mesma época, em função da inadequação mútua das línguas, existe um ideal que todas essas tra duções devem levar em conta: a capacidade de repetição ou atualização imedia ta e unitária. A obra de teatro deve ser traduzida primariamente para o palco, o poema lírico lírico para a recitação. recitação. E a tradução bíblica deve deve pensar na proclamação litúrgica. gica. E, para atingir esse ideal, quero indicar ind icar aqui dois princípios de amplo alcance: 1 . O princípio de nível estilístico estilístico diz que devemos considerar cons iderar o nível nível em que se move o original: tom de conversa, tom lírico, oratório, alta poesia. . . Pode-se tolerar que a poesia perca o seu ritmo na tradução, mas não se pode tolerar que se torne prosaica: uma tradução prosaica da poesia não é tradução, é assassinato (a não ser que seja usada como trampolim para se atingir o ori gina gi nal). l). Para Par a ter êxito êxito no nível estilístico, estilístico, não basta bast a o conhecimento conhecim ento lógico dos dos originais; é preciso sensibilidade e familiaridade com a obra. 2. O princípio princíp io do sistema estilísti estilístico co diz que a obra obr a original deve mostrar mo strar o seu seu sistema para par a que este se torne torn e o centro da obra traduzida. traduzi da. O traduto trad utorr descobre isso isso por intuição, por tentativa, tentativa, por po r análise. análise. Suponhamos que o fator sonoro seja o centro de um poema; a tradução também deverá enfatizar esse princíp pri ncípio, io, mesmo mesm o subo su bord rdin inan ando do uma um a supo su posta sta fideli fid elidad dadee termin ter minoló ológic gica. a. Se a ár ár vore do poema não foi escolhida por razões botânicas, mas por uma aliteração, 7. Langua La ngua ge, p. 222. 222. 8. Traducción de texto s poé ticos hebreos, E s t B i 19 (1960):311-328, e um li c a , pp. 29-160. longo capítulo de La T r a d u c c ió n B íb lic
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seria infidelidade inspirar-se na botânica e esquecer a aliteração. O mesmo pode ser dito do ritmo, das imagens, da plasticidade, da idéia etc. Uma tentação freqüente de mentes ocidentais, sobretudo de professores, é querer tornar a tradução mais precisa do que o original, como se este fosse um sistema de gêneros que devem ser transformados em espécies, o símbolo em conceito conceito,, a sugestão sugestão em afirmação. Outra tentação é querer q uerer que numa passa gem concreta se explicitem todas as ressonâncias do original, por causa da sua existência no contexto total. Toda Tod a a tradução trad ução deverá realizar o contexto total, contexto em que a passagem concreta reassumirá as suas ressonâncias. 9 Tentação é pensar que a tradução literal seja a melhor, porque, embora tenha a sua utilidade, ela não é fiel. fiel. Tentação Tenta ção é pedir que a tradução traduçã o seja har ha r moniosa, porque é na dissonância e na quebra do ritmo que muitas vezes reside a expressividade. Grande Gra nde tentação tenta ção é a paráfrase. paráfra se. E há muitas outras tentações pa ra o tra tr a du tor to r que não nã o cabe cab e deta de talh lhar ar nem ne m e rum ru m e rar ra r aqui, já que não nã o se tra tr a ta de escrever um tratado prático. Em função da natureza de uma palavra divina encarnada em língua huma na, o que me interessava de modo claro era o fato em si da tradução bíblica. A partir da concreção de uma língua, de um autor, de uma obra, a palavra de Deus deseja deseja atingir todos os homens: homens : “Paulo “Pa ulo escreve escreve a uma um a cidade; cida de; através de Paulo e de uma cidade, o Espírito Santo nos escreve a todos” (Crisóstomo). A palavra inspirada, por sua natureza, exig exigee a tradução. Traduzir é um um grande e árduo serviço à Palavra.
9. Comentei a técnica da tradução, com exem plos selecionados, num a série série de artigos em Cubi n. 17, 18 e 19 (1960-1962), sob o título Traducción de textos p o é t ic o s , retomados depois numa nova série in Ecc E cc lesi le siaa , em janeiro, fevereiro e março de 19 1965. Cf. Cf. igua igua lmen te E l nuevo salterio litúrgico espa nol, Pa storal litúrlitúrgica de los evangelios: Razón de sus singularidades, SalT 55 (19671:706-720; 56 (19681:445-56.
12 RECEPÇÃO DA OBRA
Não N ão é meu me u objetiv obj etivoo aqui aq ui p rop ro p o r nem ne m discu dis cutir tir o prob pr oblem lemaa herme he rmenê nêut utico ico,, mesmo sabendo que estou a um passo dele; interessa-me sobretudo o papel mediador da obra, a superação de uma leitura puramente estética. Depois de termos obtido uma atualização da obra inspirada através da tradução, essa obra volta a tornar-se potencialidade até a sua recitação pública ou a sua leitura privada. privada . Prim ária é a atualização social, diante da comunidade à qual se destina; secundária é a do leitor privado. Quando o povo de Deus se reúne em ato litúrgico para escutar a palavra de Deus, em sua língua, em voz alta, ali volta a existir, de maneira especial, a palavra palav ra de Deus. Ã confissão de de fé inicial — qui locutus est per prophetas (que pronunciamos num ato litúrgico) — podemos acrescentar outra confissão: “Que volta a falar-me falar-me por intermédio intermédio do recitador litúrgico”. “Cristo está sem pre pres pr esen ente te em sua Igre Ig reja ja.. . . E stá st á presen pre sente te em sua su a Palav Pa lavra, ra, pois, quan qu ando do se lê na Igreja a Sagrada Escritura, é ele quem quem fala.” 1 “Na liturgia, liturgia, Deus fala a seu povo; Cristo continua anunciando o evangelho.” 2 A percepção consuma e completa o processo processo da linguagem linguagem.. O que se se ha via objetivado é outra vez subjetivado. A língua que atualiza e manifesta uma interioridade, a obra que atualiza em linguagem uma experiência, a repetição que atualiza o sistema de formas significativas permanecem de algum modo num estado de potencialidade que tem a sua atualização definitiva quando o ouvinte ou leitor a recebe. A representação cênica destina-se aos outros; caso contrário, seria ensaio ou mero jogo. Na leitura privada, privada , o leitor é o público da obra; obra ; e, se recita em voz alta, chega a fundir os papéis de ator e espectador. A recepção lingüística não é uma operação passiva, como se o espectador ou o ouvinte se entregassem entregassem a uma prazerosa praz erosa inatividade. Pelo contrário, con trário, é uma intensa atividade espiritual, em todas as fases de um complexo processo. Essa complexa atividade, que mal percebemos, ocorre num simples ato de compreender um segmento de linguagem, desenvolvendo-se no diálogo e multi plican plic ando do-se -se n a recep rec epçã çãoo de uma um a obra ob ra comple com plexa. xa. Como Com o tant ta ntas as outra ou trass atividad ativ idades es humanas, ela pode tornar-se agradável: em si ou pela comunicação com outra pessoa. pesso a. 1. 2.
Co nstituição con ciliar sob re a liturgia n. 7. Ibid., n. 33. 33.
Re R e ce p çã o ãa ob ra
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ção. Mas quando quand o isso isso é comercializado para par a fins fins turísticos, turísticos, Deus retira-se do seu posto de espectador e o jogo perde o seu caráter de representação sacra: o que ocorre não é a atualização final da obra, mas uma falsificação. A atualização litúrgica, além disso, confere atualidade à obra: a represen tação presentifica a Palavra. Não os conteúdos da obra, o bra, enqua e nquanto nto diferentes diferentes dela e anteriores a ela, ela, mas o sentido sentido que a obra revela na representação. Refiro-me agora à parte de Palavra que há na ação litúrgica. Como essa atualização ocorre pela participação ativa, integrando-se ao jo go, compreende-se, também do ponto de vista da Palavra inspirada, o esforço da constituição conciliar para restabelecer esse caráter da ação litúrgica: não apenas na parte de ação como também na parte de palavra. “Os pastores de almas devem zelar para que, na ação litúrgica, sejam observadas as leis relativas à celebração válida e lícita, mas também para que, por outro lado, os fiéis dela parti pa rticip cipem em conscie con sciente nte,, ativa ativ a e prov pr ovei eito tosa sam m ente en te”” (SC (S C 1 1 ). “A santa sa nta m adre ad re Igre Ig re ja deseja des eja arde ar dent ntem emen ente te que se levem leve m todos tod os os fiéis à parti pa rtici cipa paçã çãoo plen pl ena, a, cons co ns ciente e ativa nas celebrações litúrgicas, participação exigida pela natureza da próp pr ópria ria liturgi litu rgiaa e à qual qu al tem direito dire ito e obrig ob rigaç ação ão,, em virtud vir tudee do batis ba tismo mo,, o povo pov o cristão, ‘linhagem escolhida, esco lhida, sacerdócio sacerdó cio real, rea l, nação naç ão santa, s anta, povo po vo adquirid adq uirido’ o’ ” (SC 14).4 A OBRA MEDIADORA Laurence Lerner, The Truest poetry: What is Literature (Nova Iorque, 1966). L es c h e m in s d e la c r it iq u e Boris de Schloezer, L’oeuvre, 1’auteur et l’homme in Les (Paris, 1966), pp. 157-179. Há uma introdução clara à questão da contribuição da semiótica à semântica nos livros do Grupo de Entrevernes Signos y Parábolas. Semiótica y texto evangélico, e A n á lis li s is s e m ió ti c o d e lo s te x to s . I n tr o ã u c c ió n , te o r ia y p r á c tic ti c a , Madri, 1979 e 1982, respectivamente.
Quando insisto na importância da obra, em sua consistência estruturada e repousando em si mesma, não se deve entender isso como imanência formal. A obra é manifestação de sentido, a obra apresenta-se a si mesma presentificando um sentido. Na obra ob ra convivo conv ivo de algum modo mo do com muito mu itoss perso pe rsona nage gens ns,, conh co nheço eço fatos fato s e ccisas, ccisas, sinto sinto em muitos momentos a companhia do autor que fala. Podemos dizer que, na obra ou através dela, chegamos às coisas, aos fatos, ao autor. E alguém preferirá a fórmula “na obra encontro” à fórmula “pela obra chego”. Sem pretender encerrar a discussão, opto pela primeira fórmula, em sentido não diferenciado. Deve-se observar que a obra é mediadora enquanto estrutura unitária. Isso quer dizer que nenhum dos seus elementos está em relação imediata e autônom a com com a realidade exterior à obra por projeção simples simples de sentido. sentido. Ca da elemento é, antes de tudo, parte constitutiva da unidade, convivendo e man tendo relações com os outros elementos, fazendo parte de um universo poético ou romanesco. São múltiplas e variadas as relações relações entre os elementos no âm bito da obra ob ra:: conti co ntigü güida idade de e distânc dist ância, ia, semelh sem elhan ança ça e opos op osiçã ição, o, tensã ten sãoo e harm ha rmo o nia, posição posição e importân cia relativa relativa etc. etc. Por Po r isso, isso, é necessário necessário conhecer a orga nização da obra antes de passar de um ponto dela para o seu correlativo 4.
Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia.
Na N a ob ra, ra , os f a to s
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real. A semiótica semiótica prepa pre para ra a semântica. Na obra, os fatos e realidades exterio res res são são transformados, transformados, dotados de uma existênc existência ia nova. Esse é o árduo sen tido da “obra “ob ra mediadora” med iadora” . (Cf. A. A. Schoekel Schoekel,, David y la mujer de Tecua: 2Sm 2Sm Bi b 57 [1976]: 192-205.) 14 como modelo hermenêutico, Bib 192-205 .) NA OBRA OB RA,, OS FATO FA TOSS Os fatos transitórios, limitados e irrepetíveis, são fixados no sistema de palav pal avras ras que qu e é uma obra, lato sensu. Nas palavras de Dante Gabriel Rossetti: Rossetti: “Soneto: monumento de um instante, que a alma eterna erige a uma hora já m orta ort a e imor im ortal tal.. Fá-lo Fá -lo resp re speit eitar ar — por po r rito rit o batis ba tisma mall ou p o r presság pres ságio io temeroso — sua plenitude difíci difícil; l; conforme reine a noite ou reine o dia, deves talhá-lo em ébano ou marfim”. 5 Eis o princípio capital do narrar: ser uma memória subsistente da comu nidade. Na palavra, pala vra, os fatos não se repetem simplesmente; simp lesmente; eles eles recebem uma interpretaçã interp retaçãoo humana, human a, pessoal. Interp Int erpreta retarr não signif significa ica falsificar, falsificar, muito pelo contrário; significa penetrar no sentido, superar a mera aparência (evidente mente, a falsa interpretação é possível). Há uma escola artística que procura interpretar a interioridade e mani festá-la por meio de uma justificada deformação da aparência: simplificação de traços expressivos, transformação transform ação de linhas e cores. Trata-se Tra ta-se do expressioexpressionismo em suas variadas formas, quase sempre mais verdadeiro do que o figurativism rativismo. o. Por exemplo, exemplo, Van Gogh G ogh interpreta o sol sol como uma força giratória giratória cujo movimento movimen to contagia os seres da terra. Será mais verdadeiro verda deiro o sol mono mo no cromático e redondinho de um pintor figurativista? 6 Ao interpretar o fato, a palavra pode aumentar a validade, libertando-o da sua limitação temporal, tornando-o repetível na fantasia, elevando-o a um sentido universal sem aniquilar a sua concreção. A Sagrada Escritura nos põe diante de múltiplos fatos, interpretados em sistemas sistemas de linguagem. linguagem. A inspiração garante-nos garante -nos que a interpretaçã interp retaçãoo é exata em profundidade. Para Par a recompo recomporr uma história história crítica, crítica, um pesquisador po derá extrair da Escritura o que houver em termos de puros fatos, mas o seu extrato não é inspirado e ele terá menosprezado o melhor, o sentido profundo dos fatos. Além de ações humanas, são ações de Deus e, por essa razão, manifestação ou revelação na história. Em termos geográficos, eram fatos como outros o utros quais quer; o escritor sagrado obteve uma compreensão desses fatos que o guia na realização da sua obra narrativa. Pela obra chegamos aos fatos interpretados; e, ao repetir ou representar a obra, essa dimensão transcendente que configurava o fato como revelação de Deus em em ação volta a ocorrer. Não o mero fato empírico, que qu e é irreversível irreversível 5. 6. obtidas de Van
De The Hours of Life. I ll u s t r a t e d L o n ã o n N e w s , algumas fotografias solares, Vi, na revista Ill a partir de globos altíssimos, que se assemelham curiosamente ao sol Gogh.
Rec R ec e p ç ã o da ob ra
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na história, nem uma simples repetição poética, ainda que intensa e válida, mas aquilo que, no fato, decidiu a história e volta a decidir as nossas vidas. Na N a “ ob ra” ra ” bíblica bíb lica,, liturg litu rgica icame mente nte repr re pres esen enta tada da ou recitad rec itada, a, os fatos fato s nos atingem, isto é, Deus em ação na história chega a nós. “Quando o Senhor reconstruir Sião, e aparecer em sua glória; e se inclinar à súplica dos indefesos e não desprezar seus rogos; registre-se isso para a geração futura e o povo que será criado louvará o Senhor” (SI (SI 102,17 10 2,17-19 -19). ). NA N A OBRA OB RA,, O A U T O R George T. Wright, The Poet in the Poem: The Personae of Eliot (Berkeley, 19 1962 62). ). V. Erlich, The Concept of the Poet as a P roblem of Poe tics in P o e ti c s (H aia , 1961), 707-7 707-717. 17. L. Lerne Le rner, r, The Truest Poetry (N ov a Iorqu e, 1964). 1964). J. MaMaritain, Creative Intuition in Art anã Poetry (Nova Iorque, 1955). Os autores bíblicos, conhecidos ou anônimos, falam com outro tipo de objetividade, menos reflexiva e complexa; eles também usam a “persona dra m ática”, talvez de ma neira inconsciente. No livro de Wright considero parti cularmente interessantes, tendo em vista a presente discussão, o final da introdução “The faces of the Poet” e o capítulo sobre Ezra Pound. Será necessário um dia estudar parte do AT de acordo com a seguinte problemática: o eu pessoal e o eu profético; o eu dos salmos é “persona”?; que relação mantém o autor de Jó com os seus personagens?; o profeta é “persona” de Deus?; Deus é “persona” do hagiógrafo? Essas questões transcen dem este capítulo.
Neste Ne ste contex co ntexto, to, não nã o consid con sidero ero a obra ob ra como com o sintom sint omaa psicológico psicol ógico de clas clas sificação sificação do autor: au tor: “introvertid “in trovertido, o, ciclotímico, neurótico neu rótico”” . Isso seria tomar tom ar o autor como objeto objeto de conhecimento mediato, não como pessoa. pessoa. Refiro-me aqui ao acesso acesso pessoal. pessoal. O que ocorre no diálogo verdadeiramente humano, humano , e não simplesmente utilitário. Esse acesso acesso é possível através da obra ob ra de arte? arte? Sus cita interesse? Ou a obra é uma um a presença total que afasta para pa ra sempre o seu autor? Dir-se-ia que a pesquisa atual deseja apenas e tão-somente a obra, e que o autor não interes interessa. sa. A reação ao psicologis psicologismo mo pode ter exacerbado as fór mulas. É certo que o nosso interesse literário não nã o consiste co nsiste em conhecer conh ecer a vida par p artic ticul ular ar do auto au tor: r: como com o se vestia ves tia e que m arca arc a de uísqu uís quee bebia, beb ia, o nome no me da dama de plantão plan tão a quem dedicou ded icou o seu seu soneto. Conhecer Conh ecer o sobrenome, sobreno me, a classe classe social, a data de nascimento e de morte de Laura não é exatamente o objeto do estudo literário petrarquista. petrarqu ista. Os dados pessoais interessam-nos interessam-n os à medida que influenciam a obra e nela ficam objetivados. Vejam-se, entre outros testemunhos, algumas linhas categóricas de W. K. Wimsatt: Wimsatt: “O poema não é propriedade propried ade do crítico crítico nem do autor au tor (ao nascer, nascer, separa-se do autor e caminha pelo mundo, fora do alcance da sua intenção ou do seu contr co ntrol ole). e). Um poema deveria ser, e não significar. significar. Eis um epigrama que merece ser citado em todo ensaio sobre a poesia”. 7 7.
The Verbal Icon. Stuãies in the Meaning of Poetry, 1954, pp. 5 e 81.
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Re R e c ep çã o ãa ob ra
pois poi s m uitas uit as vezes é a omissão omis são que exige uma um a decisão dec isão mais mai s m otiva oti vada da.. Um prin pr incí cípio pio filosófic filo sóficoo ou teológ teo lógico ico pode po de ser o cent ce ntro ro de um a compo com posiç sição ão n a r rativa; ele está presente, muito embora não seja formulado em nenhum lugar. O autor pode manifestar uma tendência apologética, um prazer de contar, um entusiasmo entusiasmo épico, épico, uma preocupaçã preoc upaçãoo com a exatidão etc. etc. A mentalidade mentalida de do autor manifesta-se concretamente na obra sem que cheguemos a ela por dedu ções ou silogismos silogismos.. M. Sternberg desenvolve amplame amp lamente nte o tema em seu livro Two Poetics of Biblical Narrative, em particular o capítulo 3. O autor pode falar por seus personagens (e agora, embora repita conceitos, não repetirei repetirei a analogia analogia da palavra inspirada do do capítulo 2) . Num caso extre extre mo, o autor faz seus personagens falar com ironia sofocliana — Êdipo Rei, Caifás no evangelho. evangelho. No outro extremo, o autor auto r identifica-se identifica-se com um de seus seus perso per sonag nagen ens, s, entr en traa como co mo perso pe rsona nage gem m n a obra ob ra e fala fa la como com o auto au torr e como com o pers pe rso o nagem ao leitor; nesse caso, mostra-o abertamente ou dissimula-o deixando uma chave. E ntre ntr e esses esses dois dois extremos, extremos, o autor auto r pode pod e estar afastado de seus seus person per sonag agens ens,, e pode po de,, com a forç fo rçaa do conte co ntexto xto,, trans tra nsm m itir-n iti r-nos os a sua reaç re ação ão pes pe s soal à conduta dos personagens. Isso é muito claro num num romance roman ce de tese: quando o autor repete a sua reprovação a um comportamento, condenando ao fracasso, no romance, o personagem “mau” ou premiando ostensivamente o “bom” . Outros autores cercam seus seus personagens de carinho e compreensão, como Cervantes fez em relação a Dom Quixote; esse afeto paternal também é um modo de de o autor nos falar. O leitor costuma entrar no mundo do ro r o mance e esquecer por completo o autor; no final, num vislumbre ou num ins tante de reflexão, descobre que o autor também se encontrava no romance, con vivendo com o leitor na contemplação e recriação de uma região de realidade. Não Nã o discuto disc uto aqui aq ui se essa ess a convivê con vivência ncia é de tipo tip o rigor rig oros osam amen ente te estético esté tico ou literário. Creio Creio pertencer perte ncer de fato à linguagem. linguagem. Tampouco Tam pouco defendo ser ser algo algo universal: universal: todos os leitores com todas as obras. Recorro Rec orro simplesmente à expe riência de muitos leitores; conheço alguns que adoram Antonio Machado, Dostoievski, o autor do Eclesiastes — lírica, romance, ensaio. Eles gostariam de ter conhecido esses autores, convivido com eles; não po p o r vaida va idade de,, mas ma s pela pe la rique riq ueza za hum hu m ana an a que neles nele s enco en contr ntram am.. O leitor lei tor acredi acr edita ta que se tom aria íntimo do autor e se entenderia entende ria muito bem com ele. ele. É claro que, em alguns casos, o encontro real provocaria uma grande decepção, quando o leitor descobrisse no homem privado N uma pessoa diferente do poeta N; sa bemos bem os de ocorr oc orrên ência ciass desse tipo. tipo . Isso mostra que a obra é muitas vezes revelação parcial do autor; deseje mos que o seja seja de sua melhor melh or parte. De qualquer qualque r modo, será uma um a revelação de sua parte mais mais inteligente inteligente e penetrante. penetrante . Adm irando o talento de um autor cruel com os seus personagens, ou de um autor cínico, gostaríamos de conhe cê-lo cê-lo melhor. O homem por trás do au tor de alguma maneira limita e restringe restringe a sua personalidade complexa e total; mas essa limitação é uma concentração e uma um a revelação intensas intensas de de um aspecto de sua personalidade. E é justamente essa faceta revelada de modo intenso que nos atrai. A distância entre a pessoa privada e a pessoa literária pode ser maior ou menor, meno r, de acordo acord o com a época, as as escolas, os indivíduos, os os gêneros. Nos dias de hoje, muitos poetas, inclusive líricos, preferem a distância, reagem à “con fissão” romântica demasiado pessoal, mas sem renunciar a um estilo pessoal e característico. característico. Muitas páginas da Bíblia Bíblia aproximam-se mais da distância distância mo mo derna do que do caráter imediato romântico.
Na N a obra ob ra,, o a u to r
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Quanto ao mais, essa limitação e concentração na revelação da pessoa ocor re também em outras ações ou atividades, não sendo exclusiva da atividade literária. Também Tam bém fora do livro ou do poema, na vida comum, o nosso nosso co nhecimento e a nossa convivência limitam-se a situações, conversas, temas indi viduais: alguns nos aproximam da pessoa, outros nos levam a desejar uma maior convivên convivência, cia, outros nos afastam, afastam, outros ainda não nos vêm à mente. A di ferença fundamental é que o poema permanece limitado, ao passo que o poeta continua em sua vida real; uma diferença secundária é o fato de, na vida co mum, a concentração não ser a norma como o é na literatura. Por essa característica de extensão e revisão no tempo — mais do que pela pe la irrem irr emed ediáv iável el limita lim itaçã çãoo — , gosta go staría ríam m os de ter te r conh co nhec ecid idoo o auto au torr “ pessoa pes soal l mente”, e, quando isso é impossível, procuramos ler mais obras suas, a fim de completar o nosso conhecimento acerca dele pela convivência. No N o camp ca mpoo estri es trita tame ment ntee liter lit erár ário io,, conhec con hecem emos os o auto au tor: r: às vezes p o r seu modo de falar direto e imediato, às vezes pela pessoa literária que assume para pa ra fala fa lar, r, às vezes por po r sua atitu at itude de dian di ante te da tota to talid lidad adee do p o e m a .11 .11 Resumo um pouco pouc o antes de prosseguir. Para Pa ra saber como o autor se presentifica sentifica na obra, devem-se estabelecer três distinções. distinções. Primeira Prim eira distinção, bá sica, sica, entre o eu vivo, vivo, civil civil,, e o eu que fala no poem p oema; a; em outras palavras, entre o eu do poeta poe ta e o eu do poema. Segunda, Segunda, a necessária necessá ria distinção de gê neros: a épica e a didática costumam requerer um autor distante, que perma neça no exterior; a lírica permite uma aproximação maior do autor, em graus diversos, segundo o tipo de lírica; a dramaturgia oferece uma mediação com plexa pl exa que dific di ficult ultaa a ident ide ntifi ifica caçã çãoo do auto au tor, r, pois este pode po de distri di stribu buirir-se se em vá vá rios personagens ou aproximar-se mais de um deles, chegando mesmo a prati camente came nte identificar-se identific ar-se com ele. ele. Terceira Ter ceira distinção: distinção : autores auto res e épocas. Na N a Bíblia Bíb lia,, os prov pr ovér érbi bios os costu co stuma mam m ser “imp “i mpess essoai oais” s” . Os narr na rrad ador ores es fre fre qüentemente afetam distância, embora às vezes tomem partido e deixem isso claro. En Entre tre os profetas, Jeremias é um caso excepcional: excepcional: irrompe irrom pe em poemas mais “objetivos” e recorre a “confissões”. Posso chegar ao autor através da obra; posso chegar a Deus através da Bíblia? Bíblia? Não falo, falo, naturalm ente, da via silogí silogísti stica. ca. Deus quer que o autor me diga tais e tais coisas, de tal e tal forma; a vontade de Deus manifesta-se a mim, digamos digamos assim, assim, num ato soberano. Nada Nad a mais do que um ato de vontade? Os padres entenderam isso num sentido mais imediato e real (sem negar a ana logia) : Deus dialoga, permite perm ite que eu entre em seu coração. “Que cada um considere conside re que, pela língua l íngua dos profeta pr ofetas, s, escutamo e scutamoss Deus faland f alandoo conosco.” 12 “Que é a Escritura senão uma carta de Deus onipotente à sua criatura?. . . Medita todos todos os dias, com diligênci diligência, a, nas palavras do teu Criador. Conhece o coração de Deus pelas palavras de Deus.” 13 Alguns padres nos dizem dizem isso; isso; quanto quan to a nós, perguntamos de novo: Qual o modo de Deus estar na obra? Como tema abordado, abo rdado, na terceira terc eira pessoa? Como um dos personagens, que fala na primeira pessoa, dialoga, entra e sai? Ou como narrador ou autor que impõe o seu ponto de vista? 11.
Veja-se Veja-se sobre esse tema a obra citada de George T. Wright, The Poet
in the Poem.
12 12.. Jo ão Crisó stom o, PG PG 53 53,, 119 119.. 13. “Quid Quid est autem Scriptura nisi quaedam epistula om nipotentis Dei ad creaturam suam?... Stude ergo, quaeso, et cotidie Creatoris tui verba meditare. Disce cor Dei in in verb is D e i .. .” (Gregório Magno, PL 77 77, 706). 706).
Re R e ce p çã o ãa ob ra
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No âmbito âm bito da obra ob ra,, onde on de o leitor lei tor enco en cont ntra ra a Deus? De us? No proce pro cesso sso narr na rraa tivo, tivo, superfície superfície patente da obra? Ou num observatório ou ponto de vista su perio pe rior, r, que trans tra nsce cend ndee a obra ob ra,, ainda ain da que qu e entre en tre nela ne la de algum modo? mo do? Definitivamente, Deus é um personagem, o protagonista, da Bíblia como conjunto. Quando Qua ndo o autor narra nar ra um milagre que de fato aconteceu aconteceu ou um evento que é realmente “signo” de ação divina, quando o profeta transmite uma palav pa lavra ra efetiva efe tivamen mente te receb rec ebida ida.. Tamb Ta mbém ém quan qu ando do o n arra ar rado dorr usa us a o orác or áculo ulo como ficção narrativa, a fim de afirmar a ação real de Deus na história (sem afirmar que Deus tenha pronunciado historicamente aquelas mesmas palavras), ou quan do simula simula um milagre milagre para afirmar afirma r que o fato era “signo”. Nesses casos, casos, so bretu br etudo do no últim últ imo, o, temos tem os a impres imp ressão são de inver inv erte terr a fórm fó rmul ulaa usad us adaa no capít ca pítulo ulo II do livro, “o autor e seus personagens”: o javista é o autor e Deus é um de seus seus personagens. Para Pa ra o fiel, fiel, isso isso é aceitável, já que sabe que esse Deus não é pura invenção do autor, mas se apresentou em revelação autêntica. Além disso, cremos que, pela inspiração, Deus é, de algum modo, autor das palavras bíblicas bíblicas,, embora o seja através de autores humanos. Assumindo a figura de narrador ou autor, ele impõe um ponto de vista, efetua uma revela ção pessoal do seu ser, um aspecto limitado e concentrado. concentra do. Assumindo Assum indo os autores como personagens, cria uma obra total a partir de várias obras parciais, estabelece estabelece um ponto de vista, vista, que é também uma u ma revelação pessoal sua. sua. Ocorre aí o encontro do leitor com Deus no âmbito da obra: é-nos comunicada não apenas a compreensão mas também toda uma atitude para que possamos com parti pa rtilhá lhá-la -la.. Isso Iss o é revela rev elaçã çãoo pessoal. pesso al. Através dos hagiógrafos que compõem e através do seu mundo narrativo, Deus de fato fala fala a mim. mim. Pela obra chego a Deus, Deus, porque na obra, num a espé cie de encarnação, Deus fez fez consolidar-se uma manifestação sua. Nova criação pe r prop pr ophe hetas tas e nova manifestação de primeiro grau locutus est. de segundo grau per Nas Na s palav pa lavra rass já citad cit adas as de Pesch Pes ch:: “Deus “D eus fala-n fal a-nos os de m anei an eira ra imed im ediat iataa na Sa grada Escritura, na medida em que a Escritura é, em sentido próprio, palavra formal de Deus. Certo, os os hagiógrafos hagiógrafos são mediadores m ediadores entre nós e Deus; não como meio objetivo pelo qual conhecemos a Deus, mas como meio subjeti vo, vo, como boca de Deus, pela qual Deus Deus nos fala” . 14
14.
Op. cit., cit. , n. 441.
QUINTA PARTE
CONSEQÜÊNCIAS DA INSPIRAÇÃO Xoyovv xkjj aAriôsiaç (Ef 1,13) «iwooavTeg xov Xoyo
13 .
N o c o n t e x t o d o L o g o s : a v e r d a d e
doutr utrina ina e o seu se u uso 14. A do
?(ov o Aoyoç xou ©sou %
13 NO CONTEXTO DO LOGOS: A VERDADE
Alguns preferem falar de “efeitos “efeitos da inspiração” . Em termos mais traba lhados, o efeito da inspiração é constituir a palavra humana em palavra de Deus, em sua origem origem e fim. O efeito efeito da ação do Espírito na e ncarnação é o homem-Deus Cristo: Cristo: “O Espírito Santo virá virá sobre ti e a força do Altíssimo Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso, o santo que vai nascer se chamará Filho de Deus”. Da ação do Espírito sobre Maria, da força e da sombra, decorre que o que vai nascer como homem é de fato o Filho de Deus. Deus. Da ação do Espírito sobre o hagiógrafo decorre que esse sistema de palavras humanas que vai nascer é de fato Palavra de Deus. E desse efeito derivam derivam várias conseqüências. Mas, entrando-se entrando -se em em acordo, não haveria dificuldades em adotar a expressão habitual “efeitos da inspiração”. Muito mais difícil é chegar a um consenso sobre o s final, que parece uma minúcia minúcia e constitui toda uma concepção. Os manuais não costumam falar de efeitos, efeitos, mas do efeito, efeito, no singular. Da ação do Espírito, Espí rito, da natureza naturez a da pa pa lavra de Deus, Deus, só decorre uma coisa: coisa: a inerrância. Uma coisa tão importante importan te que ocupa quase a metade do livro; tão fundamental que norteia todo o tra tado de hermenêutica, tanto que o aluno chega a pensar se a hermenêutica não será a arte de salvar a Bíblia de erros.1 Imaginemos um tratado D e V e r b o l n c a r n a t o dividido em duas partes equi libradas: 1) a encarnação: encarnaç ão: o fato e o modo; mo do; uma um a pessoa e duas naturezas etc.; 2) o efeito efeito da encarnação: encarna ção: impecabilidade de Cristo. Cristo. Esta última é provada prova da r g u e t m e d e p e c c a t o , por com argumento de Escritura q u i s e x v o b i s a rg po r deduç ded ução ão r e p u g n a t s a n c t i t a t i d i v i n a e \ a teoria é depois aplicada a objeções par metafísica re ticulares: o menino permanece no templo sem permissão (desobediência), ex pulsa pu lsa os vende ve ndedo dores res ( i r a ) , acusa ac usa os fariseus fari seus (vin (v ingg ança an ça), ), escond esc onde-se e-se n a perse pe rse guição (covardia), assiste a banquetes e bodas, deixa-se tocar por uma pecad o ra . . . Não são acusações novas novas e poderiam tomar tom ar a metade metad e do nosso tra tado D e V e r b o l n c a r n a to . 1. Pesch não a denom ina efeito, m as lhe atribui um po sto imp ortante na série. Van Laak (1911), provada a existência da inspiração, extrai uma conse qüência: a inerrânc ia. B illot (419 (41929 29)) pro põ e vária s conseq üên cias: o sen tido esp iri tual, a inerrância, a interpretação. Tromp fala da última parte do livro inspirado, cuja verdade infalível afirma; essa afirmação divide-se em duas partes: inerrância, verdade segundo o sentido (gêneros literários). Hõpfl-Gut fala de um efeito da inspiração: a inerrância.
N o c o n te x to do L og os : a v er d a d e
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Isso seria aceito? Já escuto os os protestos: pro testos: onde ond e fica a solidariedade solida riedade huma huma na de Cristo, o fazer-nos filhos de Deus, o exemplo de vida, a revelação do P a i . . . ? Em Embo bora ra tenha tenh a perdido perd ido a seção clássica “De mysteriis vitae Christi” Christi ” , a maioria dos nossos manuais D e V e r b o I n c a r n a to não chegou à limitação desse tratado que precisei simular. Por que ocorreu tal limitação no tratado D e I n s p ir a ti o n e , que deveria ser para pa rale lelo lo ao D e V e r b o I n c a r n a to ? A razão foi histórica, e remonta a alguns decênios. Po r que tantos castelos castelos e muralhas na Idade Média? Para Par a que serve serve a muralha muralh a de Ávila ou a de de Avinhão? Sem dúvida, para que os turistas turistas as visi visi tem: como testemunho testemunh o artístico e histórico. histórico. Castelos Castelos e muralhas eram construí dos como habitações e para servir de defesa em épocas de hostilidades decla radas ou de paz ameaçada: conquistar um castelo era assegurar para si uma posiç po sição ão de pode po der; r; abri ab rirr brec br echa ha num nu m a m ural ur alha ha era er a entr en trar ar na cidade. cidad e. Por volta do fim do século passado, a Sagrada Escritura encontrava-se em guerra, diante de hostilidades hostilidades declaradas. Num a época já remota, remo ta, os os perse guidores exigiam a entrega dos livros sagrados, para os destruir, e os cristãos morreram heroicamente para salvar os os livros livros inspirados. Em tempos de incultura, o inimigo era a negligência, a incúria, e os monges medievais trabalharam para pa ra multip mu ltiplic licar ar e cons co nserv ervar ar as cópias cóp ias da Bíblia. Bíb lia. E m fins do século sécu lo pass pa ssad ado, o, as armas do inimigo eram os supostos erros da Bíblia, pelos quais penetravam no recinto sagrado e aniquilavam a inspiração. E ra preciso preciso defender a Bíblia: nesse momento mom ento nascem e consolidam-se os nossos manuais de inspiração. inspiração . Não é estranho que estejam fortemente cercados de argumentos e réplicas sobre a inerrância. Não Nã o seria ser ia respei res peitos tosoo nem conven con venien iente te dedic de dicarar-se se agora ag ora a derr de rrub ubar ar a mu ralha, que continua a ter a sua função, mas deve-se ver se a muralha é o essencial da cidade e se o fato de habitá-la em paz constitui algo desprezível. Com certeza, a milenar tradição da Igreja considerou a Sagrada Escritura com maior amplitude, e me parece eqüitativo e saudável seguir essa tradição mile nar, sobretudo numa conjuntura maravilhosa de renovação bíblica. Para isso, volto à divisão do primeiro capítulo: no contexto do Logos e no contexto do do Espírito. No contexto contexto do Logos: a verdade. No contexto do do Espírito: Esp írito: a força. força. Não como como duas conseqüências únicas, mas como conjuntos de conseqüências. E afirmando afirma ndo expressamente expressa mente que verdade verda de e força se unificam na ação divina, múltipla e una. Os santos padres enunciam a ação trinitária nos livros sagrados, ou então unem o Pai com o Verbo e este este com com o Espírito: Esp írito: “ Os livros sagrados foram fo ram escritos sob a inspiração do Espírito, por vontade do Pai, através de Jesus Crist Cristo”. o”. 2 “Uno é Deus Pai, senhor do Antigo e do Novo Testamento; uno é Nosso Senhor Jesus Cristo, profetizado no Antigo Testamento, vindo no Novo; uno é o Espírito Santo, que pregou sobre Cristo por intermédio dos profetas e que, depois da vinda de Cristo, desceu e manifestou-o. Portan Po rtanto, to, que ninguém se par p aree o Antig An tigoo Testa Te stame ment ntoo do Novo No vo;; ningu nin guém ém diga que h á um Espí Es píri rito to no pri pr i 2.
D e p r., r. , PG 11, 359; cf. E. Gõgler, Z u r T h e o lo g te d e s b ib li sc h e n Orígenes, De Wortes bei Orígenes (Dusseldorf, 1963), em especial pp. 282-298.
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meiro e outro no segundo; se o fizer, ofenderá o Espírito Santo, que é hon rado com o Pai e o Filho.3 Embora esse texto se refira à unidade dos dois Testamentos, interessa-me aqui a sua profissão trinitária. “A Escritura é perfeita, pois foi dita pelo Verbo de Deus e pelo seu Espírito.” 4 “Todos estavam preparados com o Espírito profético e honrados com o Verbo.” 6 Cristo, Cristo, como revelador revelado r de Deus, é a verdade. verdade. Não só diz diz a verdade como faz e é a verdade. De modo semelhante, e participado, a Sagrada Escritura, enquanto revelação de Deus, é verdade. Podemos pensar na verdade ontológica — manifestação do ser, do seu sentido — e na verdade lógica — reflexiva e enunciada sob a forma de pro posiçã pos ição. o. N a Sagra Sa grada da Escr Es critu itura ra enco en contr ntram amos os uma um a mani ma nifes festaç tação ão de sentido sent ido do ser, o seu sentido de salvação, e muitas proposições formais sobre a salvação. No prim pr imeir eiroo sentido, sen tido, pode po demo moss dizer diz er que ela é verd ve rdad ade; e; no segundo, segu ndo, dizemos dizem os que contém verdade. Podemos conceber a verdade em sua unidade total ou em sua unidade relativa ao ponto de vista (não verdade relativa, mas totalidade relativa). A uni dade total da revelação ou as unidades de revelação. Quando conhecemos uma pessoa, possuímos unitariamente a verdade des sa pessoa: articulamos tal verdade, dividimo-la e diferenciamo-la numa série de conhecimentos sobre a pessoa — opiniões, planos, caráter, reações, atitudes, gostos, gostos, ideais etc. Como a pessoa não se manifesta manifest a a nós em puro pu ro ato, nem em sua simplicidade total, vamos conhecendo-a numa série de verdades ou unidades de verdade, que podemos desdobrar em proposições — por exemplo, quando nos nos pedem informações sobre ela. ela. Por trás de todas essas essas manifesta ções, nelas percebemos a unidade radical dessa pessoa, como verdade máxima. De modo semelhante, Deus quer revelar-se como pessoa, convidando-nos à convivência através de uma salvação; ele divide essa manifestação pessoal sua em muitas informações, que denominamos sua vontade, suas ações, seus preceito prec eitos, s, seus conselh con selhos. os. Pode Po demo moss redu re duzi zirr essa soma som a de infor inf orma maçõ ções es a uma um a síntese, como unidade superior de verdade; também podemos perceber, presen te em todas as manifestações, a pessoa que se se manifesta. “Quis Deus, com sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e manifestar o mistério da sua vontade (cf. Ef 1,9): por Cristo, a Palavra feita carne, e com o Espírito Santo, os homens podem chegar ao Pai e participar da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4). Nessa revelação, Deus invisí invisível vel (cf. Cl 1,15; lT m 1,17), 1,1 7), impelido pelo pe lo amor, am or, fala fa la aos homens hom ens como com o a amigos (cf. Ex 33,1 33 ,11; 1; Jo 13,1 13 ,144-13 13)) e comunica-se com eles (cf. Br 3,38) para convidá-los e recebê-los em sua com D ei Verb Ve rbum um,, 2. panh pa nhia ia”” , Dei A unidade da revelação é o mistério da salvação em Cristo: é a nossa ver dade m áx im a7 e, em si si, uma totalidade de verdade. verdade. Essa verdade pode ser 3. Cirilo de Jer usalém us além , PG 33, 33, 919. 919. 4. Irin eu, eu , PG 7, 804. 804. 5. H ipólit ip ólit o, PG PG 10, 10, 727. 727. 6. No processo de conh ecimen to de uma pessoa, ocorre ocorre o cham cham ado círcul círculoo hermenêutico: das partes para o todo, do todo para as partes. Veja-se Roger Lapointe, L e s t r o i s d im e n s io n s ã e V h e r m é n e u ti q u e (Paris, 1967), particularmente o cap. VII. 7. Ie I e s u , c o r o n a c e l s i o r e t v e r i t a s s u b l im i o r (hino do comum de confessores).
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articulada articu lada e dividida numa num a série série de verdades. Quand Qu andoo dizemos uma série de verdades, logo pensamos numa série de proposições teóricas; por exemplo, o tratado de soteriologia — salvação, mistério unitário — divide-se num deter minado minad o número núm ero de tese teses. s. Na realidade, a articulação do mistério mistério de Cristo ocorre numa série de fatos, ordenados, que denominamos historia salutis. Como estamos num contexto de verdade, devemos considerar esses fatos em seu sen tido. São fatos significativos, significativos, o seu sentido de salvação é a sua verdade, verdad e, a sua explicação — desenvolvimento — do mistério de Cristo é a sua verdade. Neste contexto, entendemos “fatos” em sentido lato, como eventos, experiências e também palavras pronunciadas; pronunciad as; mas, mas, sobretudo, sobretudo, trata-se de eventos. eventos. Ex Expo porr o sentido desse dessess fatos fatos é manifestar man ifestar a sua verdade verd ade transc transcende endente. nte. E essa verdade verdad e é fundamentalmente a verdade da Sagrada Escritura: única no mistério de Cristo revelado, articulada na história da salvação que manifesta o seu sentido. “A verdade profunda de Deus e da salvação do homem que essa revelação transmite resplandece em Cristo, mediador e plenitude de toda a revelação” (Dei V e r b u m , 2 ) . Como revelam essa verdade, os hagiógrafos nos ensinam e nos fazem aprender; nesse sentido genérico, é possível falar de um ensinamento, de uma instrução, de uma doutrina. Assim, Assim, alguns dirão que a Escritura Escritu ra é a doutrina da salvação, enquanto outros afirmarão que contém a doutrina da salvação; quase tudo depende de como se entende o termo. Mas de modo algum de vemos entendê-lo como ideologia, como ensinamento doutrinário; pelo contrá rio, devemos devemos considerá-lo amplamente como como “ensinamento” “ensinamento ” . Dizemos Dizemos também que a vida ensina, uma desgraça ensina. Em algumas obras bíblicas, sobretudo no Novo Testamento, o ensinamen to assume um evidente aspecto didático, d idático, e até doutrinai. Isso não ocorre oco rre no Antigo Testamento, nem nem mesmo mesmo nos autores sapien sapienciai ciaiss ou “doutrinais” “do utrinais” . Por isso, os escolásticos formularam a questão dos “modos” da Escritura, que, sem ser os da ciência, ciência, superam -na em em certeza. Dessa maneira, mane ira, a Escritura Esc ritura é fonte e norma de verdade teológica, mesmo quando não se apresenta como doutrina. Os “modos” literários ostentam a máxima verdade. “Deus é amor.” “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho unigênito, a fim de que aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna eter na.” .” O primeiro é um enunciado enuncia do simples; o segundo é complexo. Ambos enunciam, afirmam, ensinam com clareza suficiente; a sua terminologia não é puram pu ramen ente te conceit con ceitua uai,i, mas també tam bém m simbólic simb ólicaa e de mistério mis tério,, fato fat o que não nã o destrói o seu caráter proposicional de ensinamento. Em casos semelhantes, freqüentes na Bíblia, o tema da verdade não é difícil; eles propõem a verdade como manifestação do mistério, ao mesmo tem po que velam e provo pro vocam cam a busca bus ca de maio ma iorr intelecç inte lecção. ão. Esse Es se tipo tip o de verda ve rdade de bíblica bíbli ca é simples simple s e basta ba sta afirmá-lo afirm á-lo.. Em cont co ntra rapp artid ar tida, a, a outr ou traa verda ve rdade de,, a de “modos” literários, pode tornar-se mais difícil; por isso, seguindo os medievais, abordare abo rdareii essa verdade da Bíblia separadamente. separadame nte. Usarei para par a isso categorias da cultura atual, de compreensão mais fácil. A VERDADE LITERÁRIA D ie W a h r h e it d e r D ich ic h ter. te r. Além de Meyerhoff, podem-se consultar: W. Kayser, Die Wanãlung eines Begriffes in der deutschen Literatur (Hamburgo, 1959). R. Wellek./ A. Warren, Teoria Literaria (Madri, 1953), em especial capítulos III e X.
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Assim como a vida, a literatura literatu ra também ensina. E, em acepção amplíssi amplíssi ma, a literatura literatu ra não é um exercício exercício doutrinai. De que modo mod o a literatura literatu ra ensi ensi na? Qual é a verdade verda de literária? Seguirei Seguirei aqui aqui Hans Han s Meyerhoff, recomendado recom endado por po r sua clarez cla rezaa e x po sitiv si tiva. a.88 Uma obra literária contém uma série de informações, elementos descritivos de vida e história, artes e ofícios ofícios etc. etc. Trata-se Tra ta-se de dados extrinsecamente extrinsecam ente con c on troláveis troláveis que, às vezes, vezes, fazem parte da obra. Isso é o que o historiado histor iadorr crítico, crítico, o sociólo sociólogo, go, o arqueólogo procuram procu ram quando qu ando consultam monumentos literários. literários. Ilí adaa aprendemos muitas coisas sobre os costumes da época micênica e Na Ilíad da época em em que que foi foi fixada (século V I I I ) ; na Odisséia podemos aprender usos náuticos de uma época. Nenhuma Nenh uma dessas informações informações constitui a verdade espe espe cífica da obra literária, e o erudito que busca apenas esses dados não percebe a obra literária. A Sagrada Escritura também nos fornece múltiplas informações sobre cos tumes e concepções da época: casas de dois andares, com colunas para apoiar o piso superior; moinho manual movido por duas mulheres; a idéia de uma abóbada sólida no “firmamento”; as fundas usadas pelos pastores; a idéia de depósitos de granizo existent existentes es no céu etc. Essas informações não constituem a verdade específica da Sagrada Escritura. Agostinho já o explicara, e o car deal Barônio (segundo testemunho de Galileu) assim o formulava: o Espírito Santo quis quis ensinar-nos como como se vai para pa ra o céu, e não como vai o céu. (Faz (Fa z sessenta anos, L. Murillo queria encontrar informações científicas reveladas no Gênesis.) Mais ainda: essas informações secundárias podem ser manejadas com certa liberdade pelo autor, já que ele ele as subordina subor dina à verdade verdad e de sua obra. O autor pode po de simplific sim plificar ar a inform inf ormaç ação ão,, pode po de aceitá ac eitá-la -la sem preoc pre ocup uparar-se se com o seu controle crítico, pode inventar elementos informativos segundo a sua necessida de, pode distorcer positivamente algumas informações por conveniências nar rativas ou ou express expressivas, ivas, pode exagerar exager ar uma um a informação. Nada Na da disso disso é armadi arm adi lha nem capricho, mas sentido funcional, pois tudo deve ficar subordinado à ver dade da obra e ser assumido por po r ela. Se utiliza a obra literária como fonte de informação fidedigna, o erudito assume a responsabilidade por seus próprios erros, sem direito de atribuí-los ao autor. A priori, não podemos negar ao autor sagrado esse sentido funcional, esse controle sobre as informações, já que ele não está escrevendo uma obra de referência.9 Uma segunda verdade da literatura são as teorias ou doutrinas pregadas pelo auto au torr a part pa rtir ir da obra ob ra ou na obra, ob ra, pela pel a boca bo ca de seus perso pe rsonag nagens ens ou sob a forma form a de considerações que interrompem interrom pem o curso narrativo. narrativo . Em bora bor a não seja a forma ideal de literatura, é uma forma fo rma existente. existente. E, na Bíblia, que não n ão é literatura pura, esse procedimento é freqüentemente usado para ensinar: uma reflexão sintética sobre o sentido da vida, de um acontecimento, pode ser posta pelo pel o autor au tor na boca bo ca de um de seus person per sonage agens ns impor im portan tantes tes.. Por Po r exemplo, exem plo, o 8. Time in Literature (Berkeley, 1960), capítulo 4. 9. Se não me equivoco, equivoco, o julgamen to prático, prático, tal tal como d esenvolvido por Benoit, indica isso. Pode tornar-se perigoso usar o livro de Judite como fonte de informações geográficas e históricas (Nabucodonosor, rei dos assírios em Nínive). Por outro lado, numa obra de história, a informação sobre os fatos é a sua verdade, ao lado do sentido dos fatos, no qual podem ser especificados diversos tipos de história (genética, épica, religiosa etc.). Portanto, o que foi dito sobre as informações não tem validade automática para uma obra de história.
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chamado “Deuteronomista” põe na boca de Josué e de Samuel grandes dis cursos de despedida desped ida e recapitulação. recapitulaç ão. O artifício artifício literário, literário, bastante basta nte evidente, ser ve para que o autor exponha o seu ensinamento, isto é, a sua verdade; quando da queda de Samaria, não dispondo de um personagem digno que faça a re capitulação, o próprio narrador toma a palavra para explicar o sentido da tra gédia. 10 Passando à verdade específica da obra literária, Meyerhoff distingue uma verdade primária e uma secundária ou de inferência. inferência. A verdade primária é uma coerência interna da obra, que nos revela a verdade como atributo do ser e, enquanto enq uanto tal, pode apelar à pessoa. Alguns autores dizem dizem que uma um a obra desse tipo é “convincente” : não no sentido de persuasão persu asão oratória, oratór ia, mas como simples representação. Nat N atur ural alm m ente, en te, muitas mu itas passage pas sagens ns da Sagra Sa grada da Escr Es critu itura ra são convin co nvincen centes tes nes nes se sentido. Pensemos na descrição do bêbado de Pr 23: ‘Para Pa ra quem os os ais? Para Pa ra quem os os gemidos? Para Pa ra quem as rixas? Para Pa ra quem qu em os lamentos? Para Pa ra quem os golpes em vão? Para Pa ra quem os olhos turvados? turvados? Para aquele que exagera no vinho e vai à cata de bebidas. Não N ão olhes olh es o vinho vin ho quan qu ando do fica verme ver melho lho,, e faz reverberar a taça; se escorre suavemente, no fim, morde como cobra e pica como víbora. Teus olhos verão maravilhas, teu coração imaginará absurdos; serás como quem jaz em alto-mar ou se senta na ponta de um mastro. ‘Golpearam-me e dor não senti, Espancaram-me e não percebi! Quando despertar, pedirei mais’ ”. Autêntico, verdadeiro, convincente, são adjetivos que os diversos leitores pode po derão rão usar. us ar. Segundo Segu ndo a distinç dis tinção ão de Meyerh Mey erhoff off,, temos temo s aqui aq ui uma um a apres apr esen entaç tação ão artística verdadeira, isto é, autêntica, bem como uma comunicação com o leitor verdadeira, ou seja, proveitosa; o texto incorpora uma experiência, própria ou alheia, alheia, autêntica, verdadeira, e pode provocar prov ocar uma decisão autêntica autêntica ou jus ju s ta .11 .11 Mas nem toda a Sagrada Escritura tem essa capacidade de convencer, so bretu br etudo do quan qu ando do o auto au torr simplifica simplif ica os fatos fato s às raias rai as do esquem esq uematis atismo. mo. Lit Litera era-10. E m Jt, Jt, o autor põe o discurs o na boca de Aquior, amo nita; ele o faz com certa intenção dialética, exaltando a confissão religiosa. Embora às vezes nos pareça pouco feliz o procedimento de fazer personagens reais ou fictícios falar, devemos escutar com atenção esses discursos interca lados, que costumam ser fundamentais para a interpretação do sentido geral. 11. E ssa verdade norm almente inclui um m om ento de reconhecimento, ao ao qual se sobrepõe uma percepção de sentido novo ou mais amplo. No ato de reco nhecer, o conhecer caminha em alguma direção. Na apresentação, o fato ou a realidade torna-se patente, o que eqüivale a mostrar a sua verdade.
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riamente, as figuras de muitos reis não se mostram convincentes, embora o en sinamento do autor seja verdadeiro. Passemos ao que Meyerhoff chama de v e r d a d e s s e c u n d á r i a s ou deduzidas, que implicam certa generalização. A obra literária apresenta-nos novos aspectos da realidade e da experiên cia, e amplia o nosso conhecimento por fa f a m i l i a r i d a d e . No N o prim pr imei eiro ro tipo tip o men me n cionado, o conhecimento era obtido através de informações acidentais; a infor mação não era a verdade verda de específica específica da obra ob ra literária. literária. O conhecimento po r fa miliaridade é diferente; de tipo mais integralmente humano, ele nos é transmi tido tido pela obra literária. O grau ideal desse desse conhecimento é o pessoal; os obje tos que fazem parte da nossa vida ocupam graus inferiores. A Sagrada Escritura com freqüência nos oferece esse conhecimento por fa miliaridade: de Deus, como pessoa que desce ao nível da convivência com os homens, e de muitos seres que, com essa descida, entram no círculo dessa nova vida vida.. Trata-se de uma verdade importantíssima da Sagrada Escritura, Escritura , verdade que não ocorreria num mero extrato de proposições. Encaixa-se aqui a prática cristã da contemplação de passagens bíblicas: na leitura lenta e na repetida representação, a passagem pouco a pouco libera a sua verdade, até impregnar po r inteiro o contemplativo. A história de Cristo Cristo revela por familiaridade fam iliaridade o mistério mistério de Crist Cristo. o. Dentre De ntre os “exercícios” “exercícios” propostos por po r Inác In ácio io de Lo Loyo yola la “ a quem qu em se exer ex ercit cita” a”,, esse é o princ pr incipa ipal,l, muito mu ito supe su perio riorr à meditação intelectual com conseqüências volitiv volitivas. as. Observemos que, na me ditação, o entendimento opera sobre a verdade por deduções e analogias; a ver dade abordad abo rdadaa pelo entendimento costuma c ostuma ser proposicional. Por Po r outro lado, a contemplação é presença e percepção, liberação de sentido e recepção: tudo isso ativamente. A obra literária ilumina e revela a nossa interioridade, nossa profundidade, tornando-a tornan do-a consciente para nós. nós. Lendo, Lendo , conhecemo-nos a nós mesmos, mesmos, à luz luz do autor ou da obra; e, conhecendo-nos, podemos passar à ação ou à correção próp pr ópria rias. s. Foi Fo i nesse nes se senti se ntido do que Rilk Ri lkee pôde pô de conc co nclui luirr assim o seu sone so neto: to: “ D e ves ves mudar muda r de vida”. 12 Hb diz que a palavra de Deus penetra até a medula e discerne os senti mentos mais profundos. Essa é uma importante verdade da Sagrada Escritura, que nos revela o que de fato somos diante de Deus. Por Po r exemplo, Deus chega c hega a debater com o homem num julgamento dialogado: “Achas que vou me calar depois do que fizeste? fizeste? Achas Ach as que sou como tu? Te acusarei, tudo te lançarei lança rei ao rosto” rosto ” (SI (SI 10,2 1 0,21); 1); e o homem responde a Deus: “Reconheço “Recon heço minha culpa, tenho sempre presente o meu pecado” (SI (SI 51 ,5). ,5) . O que Deus faz no no salmo salmo por po r argum arg umen ento to dire di reto, to, em form fo rmaa de acusa ac usaçã ção, o, pode po de também tam bém ser feito feit o por po r ele po p o r com co m para pa raçã çãoo com co m o utra ut ra pesso pe ssoaa em ação aç ão;; p o r exempl exe mplo, o, D avi av i peca pe cand ndoo e arrependendo-se. Sem Sem formular form ular nenhuma nenh uma proposição, ele ele está me revelando a minha verdade, isto é, o meu ser diante de Deus; a partir daí, impele-me à penit pe nitên ência cia e à m udan ud ança ça.. Essa Es sa é uma um a verd ve rdad adee prof pr ofun unda da e ativa ati va da Sagr Sa grada ada Escritura. A obra literária pode revelar uma estrutura do ser; por generalização, do nosso ser. Ao ser apresentado, o fato libera um sentido que transcend transcendee a sua limitação individual. 12.
A um tors o arcaico. Citado por vários exe getas alem ães.
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Na Sagrad Sag radaa Escr Es critu itura ra,, um fato fat o históri hist órico, co, único ún ico e irrepet irre petíve ível,l, é apre ap rese senta ntado do com o seu sentido patente, de tal modo que esse sentido e l u c i d e o u t r a s é r i e de fatos. fatos. Contando fatos irrepetí irrepetíveis, veis, o hagiógrafo hagiógrafo revela uma estrutura da his tória movida por Deus, faz uma teologia da história, ou, pelo menos, um ca pítulo. pítu lo. Q uand ua ndoo conta co nta a vida da Igreja Igr eja nasce na scente nte,, o segund seg undoo livro livr o — ou segunda segu nda parte pa rte — de Lu Luca cass está revela rev eland ndoo a estru es trutu tura ra da Igre Ig reja ja como com o institu inst ituiçã içãoo histó hi stó rica, cuja cuja existência é temporal. temp oral. Sem ser um tratado tratad o de eclesiologi eclesiologia, a, com téc nica proposicional, ele representa a luz para se compreender o ser dinâmico da Igreja. Meyerhoff conclui mostrando o parentesco, em termos de temas e méto dos, entre entr e a filosofia existencialista e a literatura. literatu ra. Os melhores autores au tores existen cialistas estudam e citam generosamente obras literárias como fonte de conhe cimento ou iluminação iluminação da existênc existência. ia. 13 Em Embora bora o caso da Sagrada Escritura não seja exatamente igual, a observação de Meyerhoff pode ajudar-nos a com pree pr eend nder er o tipo tip o pecu pe culia liarr de verd ve rdad adee — a sua valid va lidad adee e a sua forç fo rçaa — que nela encontramos. encontram os. E não estamos muito longe dos autores medievais, medievais, que tinham nos “modos” literários da Escritura um saber mais certo e mais elevado. À distinção de Meyerhoff devemos acrescentar a v e r d a d e s o b a f o r m a d e te t e s t e m u n h o , 14 que é verdade de tipo jurídico e de tipo existencial, capaz de comprometer comprome ter o homem integral. integral. Não falo aqui do que a testemunha ocular conta pelo prazer pra zer de contar: conta r: isso isso não é testemunho testem unho em sentido estrito. O teste munho exigido pela lei obriga e é instrumento eficaz de justiça; daí decorre a gravidade do falso falso testemunho. O testemunho exigido e movido pela pe la fé chega chega,, po p o r consegu cons eguinte inte,, às raias rai as do m artír ar tírio io (em grego, grego , ixap-cuç significa “teste “te stemu mu nha”; em latim cristão antigo, dava-se ao mártir o nome de c o n f e s s o r f i d e i ) . Esse tipo de verdade, com o seu elemento jurídico e o seu empenho existencial, é constitutivo da vocação profética e apostólica. Em suas partes mais importantes, a Sagrada Escritura apresenta a verda de como testemunho. No testemunho assim entendido, a testemunha presentifica a verdade com toda a sua força: como realidade iniludivelmen iniludivelmente te presente, envolenvolventemente invasora. Em sentido amplo, assim como toda a Sagrada Escritura é apresentação da h i s t o r i a s a l u t i s , exposição do mistério de Cristo, assim também toda a Sagrada Escritura Esc ritura é testemunho dado a essa essa realidade misteriosa. misteriosa. Depa Depa ramos aqui com a verdade substancial da Escritura, exposta antes. Cristo é a verdade (Jo ( Jo 14,6) 14 ,6) e é testemunha da verdade (Jo 18,37). 18,3 7). Suas Suas palav pa lavra rass dão testem tes temun unho ho dele e de sua missão. missã o. E tudo tu do o que qu e é pala pa lavr vraa sua, o NT N T e també tam bém m o A T , é teste tes temu munh nhoo da pessoa pes soa e da missão miss ão de Cristo. Cristo . Cristo Crist o empenhou sua vida nesse testemunho quando foi julgado, e, empenhando-se com toda a sua vida, deu total tota l e indestrutível validade ao seu seu testemunho. Aqui Aq ui se apóia e daqui extrai força toda a validade da verdade bíblica como teste munho. A lei e os os profetas profetas deram deram testemunho de de antemão (Rm 3,2 3 ,21) 1),, os os apóstolos dão prosseguimento ao testemunho (Jo 19,35; lJo 4,14).
13. Sobretudo H eidegger e Jaspers. Por outro lado, Sartre atua atua em duas frentes. A n a lo g ie u n d M e ta p h e r (Munique, 1962), 107-110. Cf. também 14. G. Sõ hn gen , An R. Asting, D ie V e rk ü n d ig u n g d e s W o r t e s G o tt e s im U r c h r is te n tu m d a r g e s te ll t an d en B e g r iffe if fe n W o r t G o tte tt e s , E v a n g e liu li u m u n d Z eu g n is (Stuttgart, 1939).
A ve rd a d e fin fi n ita it a , h u m a n a , é m u it a s ve ze s bu sca sc a
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A VERDADE FINITA, HUMANA, Ê MUITAS VEZES BUSCA P. Benoit, Inspiración y revelación, Concilium 10 (1965), 13-32; id., Inspiration et révélation chez la Bible, saint Thomas et les discussions modernes, R B (1963): 321-370. A. M. Artola, La inspiración de la Sagrada Escritura in L. Alonso Schõkel (ed.), Comentários a la constitución “Dei Verbum” (BAC, Madri, 1969), 371-391; id., D e la re v e la c ió n a la in s p ir a c ió n (V alencia, 1983) 1983).. J. Au dinet/H . Bau illard ie u e t la n g a ge d e s h o m m e s (Paris, 1972). P. Ricoeur/E. (eds.), R é v é la ti o n d e D ieu L a R é v é la ti o n (Bruxelas, 1977). Levinas (eds.), La
Porque nenhuma das nossas verdades é a verdade total, embora cada uma seja uma verdade verda de em si mesma mesm a perfeita. A busca pode p ode ser feita na meditação m editação par p artic ticul ular ar ou no diálogo diálo go amistoso. amis toso. A dedu de duçã çãoo é verda ve rdade de em proce pr ocesso sso:: o silo gismo é uma um a peça peç a da dialética. dialética. Mas também se busca a verdade no contraste co ntraste de opiniões, sendo isso igualmente dialética, quaestio disputata. A disputa disputa dia lética pode mobilizar duas pessoas, dois grupos, duas escolas etc.; é assim que ela adquire amplitude histórica. Ora, na exposição didática ou literária, é possível seguir dois caminhos: expor os resultados da busca, a conclusão do silogismo, o texto do consenso; ou apresentar o processo de busca como uma espécie de lírica intelectual ou como um drama dram a de personagens. Este segundo procedimento procedim ento foi explorado de modo inigualável por Platão: os seus diálogos são “dramáticos” e essa caracte rística rística dinâmica não prejudicou a influência influência do seu pensamento pensamento (tampouco de vemos pensar ser-lhe indiferente a exposição dinâmica ou a exposição objetiva). Que dizer da Escritura? Escritu ra? Se é revelação, revelação , parece parec e que deve dar-me d ar-me a ver dade como resultado, proposta por Deus ou em nome de Deus; a revelação não é produto produ to da busca hum ana nem a busca é possível possível em Deus. Isso exclui exclui ria a indagação pessoal e a indagação dialogada. Contudo Con tudo os fatos contradizem essa teoria. Porque Por que a revelação é progres siva, desafia o homem, incita-o a perguntar; a revelação não é um bloco de verdade caído do céu céu sem preparação prepar ação.. Uma Um a revelação desperta d esperta o homem, leva-o a perguntar, preparando-o assim para novas revelações. Se uma função da linguagem — monológica — é apoiar substancialmente o processo de pensar e se outra função — dialógica — é o contraste de opiniões rumo à verdade encontrada e compartilhada, não se vê por que esta dimensão da linguagem deva deva ser excluída da inspiração. inspiração . O diálogo é algo algo muito humano e muito nobre nob re para ser excluído excluído a priori da Bíblia: “No dia da páscoa, dois discípulos discípulos de Jesus Jesus dirigiam-se dirigiam-se a Emaús. Ema ús. No caminho dialogavam sobre os acontecimentos acontecimentos da sexta-fei sexta-feira. ra. En Enqua quanto nto conversavam conversavam e juntos buscavam (sv (sv ia) ojuÀstv xm ouÇrjxetv) . . . ” Eis o precioso precioso verbo usado por po r Lucas: juntos busca bu scavam vam;; esse é o diálogo diál ogo da m anhã an hã pascal. pasc al. E, nessa ness a busca bus ca conju co njunta nta,, surgiu entre eles a Verdade, Jesus, ainda que tenha demorado para os dois discípulos reconhecê-la. É emocionante e sugestiva sugestiva essa essa cena do evangelho. evangelho. Não esqueçamos o precio pre cioso so verbo ver bo grego ougy ougyjr jrsi siv, v, busc bu scar ar juntos jun tos.. A mais perfe pe rfeita ita definiç def inição ão do diálogo: “Duas pessoas compartilharem com partilharem a busca da verdade e da da Verdade ”. 15 Ecl incorpora ao seu livro o processo de meditação, ou vai revelando a sua verdade verdad e de maneira man eira dinâmica. E só é possí possível vel entender enten der esse esse livro e o de 15. 15.
P e d a g o g ia d e la c o m p r e n s ió n (Barcelona, 1961), 117. L. Alon so Sch õkel, Pe
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Jó como peças dialéticas na grande discussão da retribuição, espécie de quaestio disputata. É evidente evidente a intenção dialética dialética de Tg. E Sb parece pensar pensa r e res pond po nder er ao Qohe Qo helet. let. Q uant ua ntoo ao gran gr ande de prob pr oblem lemaa discu di scutido tido,, não nã o receb rec ebee resp re spos osta ta satisfatória senão em Cristo. O Deutero De uteronom nomista ista investiga o sentido de alguns alguns fatos, às vezes busca a coerência de dois deles: é uma espécie de fides fid es qua quaere erens ns intellectum. Podemos dizer que a Sagrada Escritura, sobretudo o Antigo Testamento, prop pr opõe õe-n -nos os a verd ve rdad adee també tam bém m sob a form fo rmaa de busc bu sca. a. E isso faz part pa rtee do seu dramatismo interno. Com isso isso,, ela também nos revela o homem sob a luz difusa difusa do mistério mistério ou sob sob o dom e desafio da palavra. palavra . E, como não oferece todas as verdades em forma de resposta final, ou de proposição conclusiva, a Escritura permanece continuamente aberta à indagação e à compreensão dos fiéi fiéis. s. “Essa tradição apostólica vai vai crescendo na Igreja com a ajuda do Espí Esp í rito Santo; isto é, a compreensão de palavras e instituições transmitidas aumen ta quando os fiéis as contemplam e as estudam repassando-as em seu coração. . . A Igreja caminha cam inha através dos séculos séculos rumo à plenitude da verdade. verdade . . . O Espí rito Santo, por quem a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja, e, por ela, em todo o mundo, vai introduzindo os fiéis na verdade plena” (Dei Verbum, 8 ) . Palavra que obriga a perguntar, que dirige a pergunta, que, possuindo o Espírito, vai nos introduzindo na verdade integral. Invocando uma teoria do conhecimento, seria possível acusar a exposição anterior de complicada complicada e substituí-l substituí-laa por algumas categorias categorias simples simples.. Reconhe Reco nhe ço que a minha intenção foi mostrar diversos aspectos da verdade bíblica que parec pa recem em não nã o se enqu en quad adra rarr em certo ce rtoss limites. A Sagr Sa grad adaa E scrit sc ritur uraa possui pos sui uma um a verdade transcendental, como manifestação do mistério — que também é ser —, e contém muitas verdades lógicas, de julgamento e proposição, que articulam a transcendental. A VERDADE LÓGICA Este é um ponto específico que assumiu especial importância na história do trata tratado do de inspiração. inspiração. A verdade verda de que denominamos lógica lógica é verdade da prop pr opos osiçã içãoo forma for mal.l. O seu cont co ntrá rári rioo é o erro er ro lógico, lógic o, erro er ro da prop pr opos osiç ição ão form fo rmal. al. Verdade lógica lógica e erro têm uma área limitada e comum de subsistência: subsistência: a pro pro posiç po sição ão.. A sua estr es trut utur uraa comp co mpós ósita ita perm pe rmite ite a alte al tern rnat ativa iva de afirm af irmaç ação ão ou ne ne gação contraditórias. Diante de uma proposição, são legítimas legítimas a pergunta e a avaliação: avaliaç ão: ou verdade ou erro. Em alguns casos, casos, é possível e legítima legítima a dis-' tinção que consiste em dividir a proposição em duas, delimitando o sujeito ou o predicado. Antes da divisão, divisão, em termos lógic lógicos os rigorosos rigorosos,, a proposição não nã o é ao mesmo tempo verdadeira e falsa; ela não é verdadeira proposição, na medida em em que não enuncia precisamente um sentido. sentido. Já a freqüente freqü ente técnica técnica da distinção nos mostra, no método dialético, na vida comum, que nem tudo o que se apresenta sob a forma de proposição de linguagem é proposição lógi ca rigorosa. Ora, se trago uma preocupação de verdade e de erro lógico para a Sagrada Escritura, limito de antemão o campo e não tenho o direito de impor indiscri minadamente minadam ente o meu dilema a nenhum versículo versículo bíblic bíblico. o. Suscitar Suscitar nesse nesse domí nio a questão do erro eqüivale a limitar, pelo menos em termos metodológicos, o alcance da verdade verda de bíblica. E isso por po r definição, à medida que excluímos toda verdade que não nã o seja proposicional. proposicional. Essa limitada formula formulação ção foi pro
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posta po sta agress agr essiva ivame mente nte pelo pe lo racion rac ionali alism smoo e aceita ac eita apolog apo logeti etica came mente nte por po r vários vár ios teólogos católicos. Como recuperar a universalidade nessa formulação? Expressando-a em forma negativa, negativa, já que a negação tem valor universal. universal. Alguns versículos versículos bí blicos contêm con têm verdad ver dade. e. Nenh Ne nhum um versículo versíc ulo bíblico bíb lico contém con tém erro. err o. Num Nu m concu con curso rso de cães, o juiz faz um pequeno discurso; um jornalista não pode informar: “Todos os presentes interpretaram bem as suas palavras”, mas poderia afirmar: “Ninguém interpretou mal as suas palavras” — os cães não as interpretaram nem bem nem mal. mal. Se num concurso há alguns alguns participantes fracassados, fracassados, não se pode dizer que todos perderam, mas se pode dizer que nenhum ganhou. Uma ordem positiva não obriga universalmente a “dar esmola”: não a cada pobr po bree ou em cada ca da mome mo mento nto;; uma um a ordem ord em nega ne gativa tiva obrig ob rigaa unive un iversa rsalm lmen ente te “não “nã o blas bl asfe fema mará rás” s” . Não N ão posso pos so afirm afi rmar ar unive un iversa rsalm lmen ente te que toda to da a Bíblia Bíb lia contém con tém verd ve rdad adee lógi ca; interjeições, perguntas, ordens, sugestões, alusões, imagens não são propo sições sições e, por po r definição, não são passíveis passíveis de verdade verda de lógica. lógica. Mas eu posso ne ne gar universalmente: nenhuma parte da Bíblia contém erro; porque interjeições, pergu pe rgunta ntas, s, ordens ord ens,, sugestões suge stões,, alusões alus ões e imagens imag ens não nã o pode po dem m ter te r erro er ro lógico. Esse é o signif significa icado do da da fórmula negativa “inerrância” “inerrânc ia”.. Em Embora, bora, como fór f ór mula negativa, seja universalmente aplicável à Bíblia, ela na realidade supõe um estreitamento estreitamento do horizonte da verdade bíblica bíblica.. Como outros estreitamentos cognoscitivos, tem a vantagem da precisão; o perigo começa quando alguém se deixa de tal modo dominar por esse horizonte limitado que tenta reduzir a Sagrada Escritura a um catálogo de proposições formais. formais. Zelosa em defender a inerrância bíblica, bíblica, essa atitude atitude descarregaria na Bíblia Bíblia caminhões de erros. Para evitar o perigo, convém incluir a inerrância no contexto mais amplo da verda de bíblica; assim, a sua universalidade negativa e a sua precisão serão puro D ei Verb Ve rbum um adota um enfoque lucro. A constituição Dei enfoque positivo: positivo: “Como tudo o que os hagiógrafos ou autores inspirados afirmam é afirmado pelo Espírito Santo, disso decorre que os Livros Sagrados ensinam solidamente, fielmente e sem erro a verdade que Deus fez consignar nesses livros para a nossa salvação” (1 1 ). O objeto direto da afirmação é “ensinar a verdade” , que é delimitado delimitado po r uma um a cláusu clá usula la final fin al “par “p araa a nossa nos sa salva sa lvaçã ção” o” e rubr ru bric icad adoo com três trê s advér adv ér bios: bios : “solid “s olidam ament ente, e, fielme fie lmente, nte, sem erro er ro”” . Esse Es se enfoqu enf oquee positivo posi tivo vai sendo sen do pouc po ucoo a pouco adotado pelos escritores pós-conciliares. VERDADE SEM ERRO Entre os escritos anteriores ao concilio, podem-se destacar: A. Moretti, De Scripturarum inerrantia et de hagiographis opinantibus, D i v u s T h o m a s 62 (1959): 32 32--68. Cf. Cf. M. de Tuya, La inerran cia bíblica y e l h agiógr afo o pinan te, E s t ú d i o s E c l e s i á s t i c o s 34 (1960) (19 60):: 339-347. 339-347. No comentário à constituição D e i V e r b u m da BAC há o artigo informativo de R. Jacob. Nele, o autor com pila escritos recentes (até o final de 1967) 1967),, tendo consultado oralmente alguns dos protagonistas. L a v e r i t à d e li a S a c r a S c r i t t u r a n e l ã i b a t t i t o Veja-se também o volume La a t t u a l e (Brescia, 1968), que reúne colaborações de Benoit, Coppens, Cipriani, Grillmeier, Lohfink, de la Potterie. O. Loretz, D ie W a h r h e i t d e r B i ã é l (Friburgo, 1964). O autor quer identificar a verdade bíblica com a fidelidade de Deus às suas promessas: a Escritura é verdadeira porque, em Cristo, Deus cumpriu todas as suas promessas e foi fiel à aliança e ao seu povo. Segundo Loretz, Loretz, esse é o conceito bíblico de verdade e o único a pod erm os pregar acerca da Escritura. Veja-se o m eu levanta levanta me nto crítico in B í b l i c a 46 (1965):378-380.
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É bastante fácil entender o princípio da inerrância: Deus não pode enga nar-se nem enganar-nos; se Deus propõe algo na Escritura, a sua proposição é verdadeira, é contraditório que seja seja falsa. falsa. “Nenhum “Nenh um erro err o pode recair re cair sob a inspiração; a tal ponto que ela não apenas exclui por si mesma o erro, como também o exclui pela própria necessidade de que Deus, Verdade suma, não pode pod e ser auto au torr do erro er ro.” .” 16 Trata-se de uma dedução simples: Deus fala, Deus não pode dizer erros. Nem vale o subterf sub terfúgio úgio:: a Escr Es critu itura ra é divina divin a e hum ana, an a, a verd ve rdad adee é divina e o erro, humano, porque isso supõe uma falsa divisão da palavra inspirada: “E não vale a distinção de que o Espírito Santo usou os homens como instru mentos, e, embora ao autor primário não possam escapar os erros, podem estes escapar aos escritores escritores inspirados” inspirado s”.. 17 Pelo contrário, é falsa a seguinte dedução: Deus fala, logo diz proposi ções; isso porque concluímos que Deus assume inteiramente a linguagem hu mana. O princípio geral, obtido por dedução simples, torna-se complicado quan do passamos passam os às aplicações. Tanto Ta nto que, por po r mais de meio século, essa foi a grande controvérsia católica acerca da Bíblia. Bíblia. Não creio oportuno introduzir introduz ir aqui uma síntese histórica dessas disputas (que o leitor encontrará em detalhes em qualquer m anual). anu al). Basta recordar Salvatore Salvatore di di Bartolo, que restringia restringia a inerrância à doutrina de fé e de costumes, o cardeal Newman, que excluía as coisas ditas “de passagem”, obiter dicta\ Lenormant, com a sua distinção entre inspiração e revelação: toda a Escritura é inspirada, nem tudo nela é revelação, apenas esta última exige assentimento infalível. Leão XIII recusa toda limitação da inerrância e começa a propor alguns princíp prin cípios ios destina des tinados dos à resolu res oluçã çãoo das dificuld difi culdade ades; s; são conselh con selhos os que entram entr am no campo da interpretação e que de algum modo podem ser reduzidos ao áureo conselho de Agostinho: “Antes de admitir adm itir erro no livro sagrado, de vemos vemos pensar que nós nós não o entendemos” . Por Po r isso, isso, o papa propõe como deve deve ser entendido o que a Escritura diz sobre questões físicas e sugere que se dê uma solução semelhante às questões históricas. À mesma intenção concreta — entender bem a Escritura com vistas à inerrância — referem-se outras tentativas infelizes, repudiadas por Bento XV: a história segundo as aparências, as citações implícitas, os gêneros literários em sua versão imatura. imatura . Havia algo algo de verdade nessas tentativas: a suposição de que, que, entendendo-se bem bem a Escritura, Esc ritura, desapareceriam desap areceriam supostos erros. erros. Só que a boa intenç inte nção ão não nã o salva as teorias. teor ias. Di vinoo affla af flant ntee Sp Spiri iritu, tu, repete o princípio ao Pio XII, em sua encíclica Divin qual poderíamos dar esta tradução livre: entendamos bem a Escritura e os su postos pos tos erros err os desap de sapar arec ecer erão ão;; mas, mas , ao mesm me smoo tempo tem po,, admita adm itamo moss que não nã o po po demos resolver todas as dificuldades.18 Dessa maneira, o princípio da inerrância transforma-se também numa orien tação hermenêutica negativa; não é admissível uma interpretação que implique erros na Bíblia. Bíblia. Dadas Dad as as manifestas discrepâncias dos evangelist evangelistas, as, essa essa urgên urgê n cia foi particularmente sentida na interpretação dos evangelhos sinóticos. Pesch dedica 63 páginas do seu tratado sistemático à inerrância, retoman do o assunto assunto em seu folheto folheto suplementar, que vai vai até 1926. Por Po r trinta anos 16. 17. 18.
E B 124. 124. E B 125. 125. E B 560. 560.
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Div ino afflan aff lante te é antes há um único pensamento novo sobre o assunto, já que a Divino uma mudanç mu dançaa de enfoque. Contentar-me-ei Conten tar-me-ei em indicar algumas voze vozess recentes. recentes. Benoit contribui para a questão com as suas idéias sobre o julgamento especulativo e o julgamento julgamen to p rátic rá tic o .10 .10 O julgamento especulativo especulativo tem por objeto a verdade e, portanto, está aberto humanamente ao erro, a não ser que Deus garanta esse esse julgamento, julgamento, coisa que ocorre sob a inspiração. O julgamento prát pr ático ico tem por po r objeto obj eto o bem e, por po r consegu con seguinte, inte, não nã o está subme sub metido tido ao erro err o nem à verdade, mas ao acerto; quando o julgamento prático os submete aos seus seus fins fins,, os julgamentos especulativos especulativos são condicionados por po r ele. ele. Em outras palav pal avras ras,, Beno Be noitit insiste: insis te: antes ante s de perg pe rgun unta tarr se um julgam julg ament entoo é verda ve rdade deiro iro ou fals falsoo — para p ara acusar ou pa ra defender — , deve-se deve-se perguntar se é um ver dadeiro julgamento lógico. A. M oretti desenvolve a teoria da op iniã in iãoo .20 .20 Uma opinião pertence por natureza a uma região intermediária de probabilidade; ela só se transforma em erro quando, sendo em em si errônea, se propõe prop õe como verdadeira. Quando Qua ndo dize mos mos “eu “eu p enso . . . eu cre io. . . parece parece-me -me qu e. . . eu diria. . . ”, enun enunci ciamo amoss explicitamente a categoria de opinião e não incorremos no erro, já que o nosso julgam jul gamen ento to verba ve rball afirm afi rmaa form fo rmalm alment entee a nossa nos sa adesão ade são cond co ndicio icionad nada, a, o que é um fato. Em Ecl ocorrem oc orrem essas essas opiniões opiniões explícitas explícitas — exceto o termo, que não existe existe de maneira man eira tão rigorosa em em hebraico. Na linguagem linguagem normal, em muito do que escrevemos ou propomos em conversas, têm lugar vários enun ciados de opinião implícitos, ou seja, enunciados que, em sua forma verbal, se apresentam como proposição formal e não o são; o contexto particular ou geral determina determ ina a sua verdadeira verda deira característica c aracterística de opinião implícita. implícita. A priori, se não queremos transformá-la num livro inumano ou num catálogo de proposições, não podemos podem os excluir da Bíblia este segundo tipo de opiniõ opiniões. es. Os nossos nossos tra tr a tados de teologia costumam escalonar cuidadosamente o grau de verdade de cada tese: “De fé fé definida, de fé, doutrina doutrin a eclesi eclesiástica, ástica, teologicamente teologicame nte certa, certa cer ta doutrina dou trina comum, doutrina doutrin a mais mais provável etc.”. etc.” . A conversa e a linguagem linguagem literária não podem fazer o mesmo, sob o risco de cair no pedantismo. N. Lo Lohf hfin inkk abor ab ordo douu rece re cente nteme mente nte o probl pro blem emaa com um progre pro gresso sso substa sub stan n cial. cial. A sua preocupaçã preocu paçãoo prim ária é obter obte r uma fórmula fórm ula que seja seja fiel fiel à tradição e, ao mesmo tempo, tempo, pastoral. pasto ral. Com referência à tradição, tradiç ão, deve-se deve-se superar super ar o psicologismo psicolo gismo do século sécul o passad pas sado, o, que situou situ ou todos tod os os probl pr oblem emas as e busc bu scou ou todas tod as as soluções soluções na mente m ente do autor, bem b em como voltar à realidade realidad e literária. literária. Essa realidade não pode ser o versículo isolado, que é um produto artificial obtido po r tritur tri turaç ação ão do context con texto. o. Serão Serã o os livros? Na pesquis pes quisaa m odern od ernaa avaliamo avali amoss o crescimento orgânico da literatura bíblica, em sucessivas assunções, com suces sivas integrações de sentido, até a definitiva assunção por Cristo, para entregar a Escritura à Igreja. Igreja. Por Po r isso, isso, a fórmula fórmula “livros inspirados” torna-se menos menos cla ra e demasiado demasiado problemática. A inerrância pode e deve deve ser afirmada acerca da Sagrada Escritura tal como foi confiada à Igreja: et qua tales Ecclesiae traditi sunt. Essa é a unidade de sentido primária, em cujo âmbito será necessário avaliar o sentido das unidades menores, livros, oráculos, versículos.
19. 19. Veja-se no ta 9. Th o20. 20. De Scripturarum inerrantia et de hagiographis opinantibus, D iv u s Tho m a s 61 (1959):32-68.
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CONCLUSÃO Não N ão abor ab orde deii de m anei an eira ra concisa con cisa o tema tem a da iner in errâ rânc ncia ia p o r cons co nside iderá rá-lo -lo se cundário, mas por duas razões posit positivas ivas.. Primeira: em qualquer qua lquer manual m anual se se encontra uma ampla exposição, exposição, histórica e teórica, do problema. Segunda: pre pre D ivin inoo affla af flant ntee Spiritu Spi ritu,, que transporta o centro firo seguir a linha da encíclica Div de gravidade para a hermenêutica. hermenêutica. A história recente ensinou-nos ensinou-nos que uma excessiva preocupação com a inerrância entorpece a pesquisa exegética, ao passo que uma exegese sólida e serena impede o próprio surgimento das dificuldades contra a inerrância. inerrância. Exagerando Exagera ndo a fórmula com um pouco de afã, seria seria pos sível dizer: há sessenta anos, os exegetas católicos lutavam por defender a Sagrada Escritura; hoje, trabalham no sentido de entendê-la. Por fim, é ilegítimo e perigoso considerar a hermenêutica um apêndice da inerrância. Por Po r exemplo, o método dos gêneros gêneros literários literários não nã o é um remédio in extremis, fracassados todos os anteriores, para salvar a inerrância; trata-se de um procedimento procedime nto fecundo de pesquisa e interpretação. interpretação . Em sua encíclica encíclica Divino Div ino affla af flante nte Sp Spiritu iritu,, Pio XII deduz a hermenêutica da natureza humano-divina da Escritura; esse enfoque, que prevalece na exegese atual, deveria preva lecer também nos manuais sobre a inspir ins piraç ação ão.2 .211
21.
Cf. 556-557, igitur; 560, quapropter; 561, igitur.
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são os que estudam as teorias pós-tridentinas, já que estas estão sob a influên cia da controvérsia. Mais positivos são os que abordam o conceito ou o problema do ponto de vista bíblico (Peuillet, Bigaux) e patrístico (Ortiz de Urbina, oriental; Holstein, padres ocidentais depois de Agostinho). Quatro artigos informam sobre a posição dos antigos reformadores (Stakemeier, Beaupère), dos orientais nãocatólicos (Schultze), dos anglicanos (Biemer). Contém abundante bibliografia. Um excelente resumo da questão antes do concilio: Neue Forschungen über das Traditionsprinzip, H e r d e r - K o r r e s p o n d e n z 13 (1958-59):349-353; 14 (1959-60): 567-573. G. Morán, S c r i p t u r e a n d T r a d i t i o n . A s u r v e y o f t h e C o n t r o v e r s y (Nova Iorque, 1963) 1963).. J. R. de Diego , Un pr oblem a actual: E scritu ra y Tradición, R a z ó n y F e 17 1700 (1964): ( 1964): 18 1899-20 208. 8. A. Varg as-M as- M ach uca, uc a, E s c r i tu r a , t r a d ic i ó n e I g l e s ia c o m o re r e g i a s s e g ú n F r a n c is c o S u á r e z (Granada, 1967). A. Franzini, T r a á i z i o n e e S c r i t t u r a (Brescia, 1978). Depois do concilio: veja-se o E le n c o B i b l io g r á f i c o de P. Nober 45 (1964), n. 82 e 48 (1967), em que o autor indica o grande número de obras publicadas sobre o tema (da perspectiva protestante e católica) nesses anos. Veja-se também Concilium 20 (1966): La dinâmica de la tradición bíblica. Entre os livros, podemos indicar K. Rahner/J. Ratzinger, O f f e n b a r u n g u n d ü b e r l i e f e r u n g (Herder, Friburgo, 1965); W. Pannenberg (ed.), O f f e n b a r u n g a i s G e s c h i c h t e (Gotinga, 41970); A. Torres Queiruga, L a r e v e l a c ió n d e D io s e n la re a lili za z a c ió n d e i h o m b r e (Madri, 1986).
Assim formulada, a pergunta soou por toda a terra como um eco das discussõe discussõess conciliare conciliaress do Vaticano II. Nessa fórmula fórmu la se confrontaram duas correntes de pensamento. Como não posso resumir aqui toda a controvér controvérsia sia nem expor todas as opiniões, devo contentar-me em expor concisamente o esta do da questão. H á consenso entre os católicos em admitir adm itir a Escritu Es critu ra e a tradição. Os prote pr otest stan ante tess de hoje, ho je, esclarec escl arecido idoss pelo métod mé todoo das formas, form as, voltam vol tam a admiti adm itirr uma tradição oral da Igreja, anterior à fixação escrita; muitos protestantes bus cam de novo uma tradição interpretativa. interpretativa. Quando Quan do um protestante afirmava a suficiência da Escritura, queria dizer que só a Bíblia, sola Scriptura, se deli mita a si mesma (câno (câ non) n) e se interpret inte rpretaa a si si mesma. “A Escritura Escritu ra canônica, palav pa lavra ra de Deus, Deu s, dada da da pelo pel o Espí Es pírit ritoo Santo San to e prop pr opos osta ta ao mund mu ndoo pelos pel os profet pro fetas as e pelos apóstolos, é a mais antiga e perfeita filosofia, e apenas ela contém toda a piedade piedad e e o modo de viver perfeitamente. perfeitame nte. Só nela deve ser encontr enc ontrada ada a sua interpretação, de maneira que ela se interprete a si mesma, sob a direção da fé e da caridade.” 2 Quando um católico fala da suficiência da Escritura, quer dizer que a Escritura catholice tractata, entendida na Igreja Igreja e pela Igreja, basta. No livro de Geiselmann encontram-se numerosos testemunhos antigos sobre a suficiência da Escritura. Escri tura. Cito dois exemplos; “O cânon da Sagrada Escritura Esc ritura é perfeito e inteiramente suficiente para tudo”, “perfectus sibique ad omnia satis superque sufficiens” (Vicente de Lerins); “fons et suma totius fidei nostrae” (Hugo de São Vítor).3 Até aí aí os católicos coincidem. coincidem. A discordância discordân cia começa quando qua ndo se procura pro cura definir a relação entre Escritura Escri tura e tradição tradiç ão oral. Duas explicações, que caracte rizarei resumidamente, se opõem; de diferença quantitativa e de diferença qua litativa. A primeira diz: a Escritura contém uma série de verdades reveladas, a tradição contém essas e outra série de verdades; a tradição acrescenta quanti 2. 3.
C o n f e s s i o H e l v e t i c a p r i o r (1536). J. R. Geiselm ann, S a g r a d a E s c r i t u r a y t r a d i c i ó n (Herder, Barcelona, 1968).
Escritura e tradição
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tativamente à Escritura. Se, Se, por exemplo, exemplo, catalogamos catalogamos a revelação em 1.30 1. 30 0 verdades reveladas, a Escritura, digamos, oferece-nos 1.000 e a tradição, ou tras 300. Ou seja, seja, a revelação está está contida parte na Escritura, parte na tradi tra di ção ( p a r t i m - p a r t i m : fórmula não aceita em Trento). A segunda diz: a revelação integral encontra-se na Escritura, mas num estado particular. É uma fixação não puramente puram ente proposicional, que cont contém ém algumas coisas explícitas e outras implícitas, algumas em conceitos e outras em símbolos, algumas como proposições e outras como possíveis deduções, algu mas desenvolvidas e outras em germe, algumas formuladas e outras contidas nas múltiplas múltiplas relações de um um organismo organismo unitário. Portanto, Porta nto, essa essa revelação inte gral que existe na Escritura requer, por sua natureza, uma constante leitura e interpretação, explicação e desenvolvimento contínuos que nunca terminarão. Isso é a tradição. É assim assim que que Congar pode chegar à conclusão: nenhuma nenhu ma ver dade revelada apenas na Escritura, nenhuma verdade revelada apenas na tradi ção. Exceto uma, que, por po r sua condição particular, deve ser ser exterior à Escri tura: “Esses livros são inspirados”. Essas duas teorias teorias representam duas mentalidades. mentalidades. A primeira considera a revelação sobretudo sobretudo sob forma forma proposicional. proposicional. Não tanto revelação da pessoa como revelação revelação de verdades, e verdades verdades são proposições. proposições. De m aneira corres pond po nden ente, te, a fé, mais do que entreg ent regaa à pessoa, pes soa, é um a ativid ati vidade ade intele int elect ctua uall que tem proposições como objeto. Ora, é claro que há vários dogmas de fé que não são propostos na Escritura. Escrit ura. Por Po r isso, isso, o grande defensor d efensor recente dessa teoria, Lennerz, pedia aos professores de teologia que prescindissem com valentia do a r g u m e n t u m S c r i p t u r a e em algumas algumas teses. teses. Mas tampouco se encontram pro pro posta po stass nos docu do cume mento ntoss antigos antig os do magist ma gistério ério e dos santos san tos padr pa dres es;; po r conse con se guinte, essa teoria proposicional deve recorrer a um ensinamento oculto que é transmitido oralmente sem deixar vestígios, até o momento de ser proposto pu blicamen blica mente. te. E, se não nã o reco re corre rre a esse ensina en sinam m ento ent o oculto, ocu lto, ela deve adm ad m itir com relação à tradição antiga uma atividade de explicitação que não quer admitir no tocante à Escritura. Os defensores defensores dessa dessa teoria consideram consideram a tradição so bretud bre tudoo em seu grau gra u últim últ imoo de magist ma gistério ério ordi or diná nário rio e extra ex traor ordi diná nário rio,, aten at entan tando do menos para a tradição viva que é o se s e n s u s f i â e l i u m de toda a Igreja. A segunda é uma um a mentalidade mais orgânica orgânica e integradora: a revelação não é apenas proposicional, mas ocorre na pessoa de Cristo, em suas ações e doutrinas. Os próprios próp rios evangelhos começam a atividade de explicação explicaçã o e, em bora bo ra fixem norm no rmati ativa vam m ente en te a tradi tra diçã ção, o, não nã o a interr int errom ompem pem . A reve re velaç lação ão pode po de adotar uma forma literária plural e pode residir na vida antes de ser formulada. Por isso, junto com e sob o magistério autêntico, tem grande importância o se s e n s u s f i d e l i u m . Essa mentalidade deseja sobretudo ver a unidade das duas rea lidades da Igreja, que são a Escritura e a tradição. Qual dessas dessas teorias é a verdadeira? Até agora a questão não foi encerrada, continuando a ser q u a e s t i o d i s p u t a t a . 4 Perguntem os antes qual a mais provável. E, para responder, não nos basta discorrer e especular; devemos consultar a tradição. E aqui as duas teorias voltam a dividir-se quanto qua nto ao modo m odo prático de it io n e , um dos colaboradores 4. No citado volum e De S c r ip tu r a e t T ra d itio afirma categoricamente que é de fé o fato de nem todas as verdades reveladas estarem contidas na Escritura (Agustín Trapé, p. 326). Como ele não esclarece se se refere a outras verdades além do cânon da Escritura, todos podem concordar com essa afirmação. Cf. Concilium 200 (1985), inteiramente dedicado ao M a g is té r io d e lo s c r e y e n te s .
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A d o u tr in a e s e u u so
estudar a questão. questão. A primeira teoria teo ria fundamenta-se em parte nos manuais de um século atrás e nos catecismos que propõem tranqüilamente a distinção quan titativa, considerando-os expoentes ou formadores de uma opinio communis. É citada, além disso, disso, a maneira ma neira de falar de algumas encíclicas recentes: recente s: “Ex ipsis, sicut pariter es divina traditione”. 5 “Os teólogos devem mostrar que a Sagrada Escritura e a divina tradição contêm, explícita e implicitamente, o que é ensinado pelo magistério.” 6 Por último, cita-se o decreto tridentino tal como interpretado por Belarmino: “Essa verdade verda de e disciplina disciplina está está contida nos livros escritos e nas tradi trad i ções não-escritas”. 7 A segunda teoria, em conjunto, ampliou a consulta à tradição, remontando aos séculos antigos e considerando conside rando a prática prá tica ao lado das fórmulas. Três auto au to res principais realizaram o estudo histórico da tradição. tradiç ão. J. R. Geiselmann reela boro bo rouu os traba tra balh lhos os dos teólogo teó logoss tubingu tub inguens enses es Mo Molle llerr e Kuhn Ku hn,, estud es tudou ou o senti sen ti do da definição tridentina e sua interpretação posterior, e repassou os autores medievais medievais posteriores. Com seus livros e artigos tão ricos em informação inform ação,, ele conseguiu despertar a consciência para o problema e dirigir a atenção para uma solução mais orgânica e mais tradicional. tradicional. H. de Lubac L ubac não estuda e studa diretamente esse tema, mas, em sua grandiosa obra sobre a exegese medieval — que, por sua ligação com Orígenes, cobre quase mil anos de pensamento teológico ca tólico — , chega à mesma conclusão. Y. Congar Cong ar dedicou ao assunto dois dois volu mes: o primeiro, prime iro, histórico, e o segundo, sistemático. A consulta cons ulta à tradição tradiçã o feita pelos três autores, é matizadamente favorável à teoria da unidade orgâ nica. nica. Rahner, Rahn er, por sua vez, vez, aborda a questão de um ponto pon to de vista mais mais espe culativo e adere plenamen plena mente te a essa teoria. Unem-se a ele, com variantes de interpretação, Beumer (em múltiplos artigos de abundante informação e visão pess pe ssoa oal) l),, Holste Ho lstein in,, Tava Ta vard rd,, assim como com o outro ou tross estudos estu dos mais mono mo nográ gráfic ficos; os; por po r exemplo, o de J. L. Murphy M urphy sobre Driedo. Dried o. Por Po r fim, graças à segunda sessão do Concilio Vaticano II, a questão desceu a todos os níveis da vulgarização. Tendo em conta o atual estado da pesquisa, proponho essa avaliação pro vável vável.. A teoria teoria e a prática milenar m ilenar da Igreja não são explicadas explicadas pela teoria da distinção quantitativa; o magistério, em suas definições e ensinamentos, os padre pa dres, s, em sua su a preg pr egaç ação ão e refle re flexã xãoo teológ teo lógica ica,, e os autor au tores es mediev med ievais ais busc bu scar aram am na Escritura a revelação. A teoria da distinção distinção quantitativa é recente: o Con cilio de Trento não quis defini-la (Geiselmann); nasce num contexto polêmico de controvérsia antiprotestante (Belarmino); é repetida nos manuais sem que o problema seja formulado com seriedade. seriedade. Ela implica uma desvalorização da Escritura que não é tradicional na Igreja; à medida que se revalorizou a Escri tura na vida da Igreja, o problema tornou-se iniludível. A teoria da unidade orgânica entre Escritura e tradição explica melhor a prát pr átic icaa milen mi lenar ar da Igre Ig reja ja;; é mais ma is coeren coe rente te em sua visão perso pe rsona nalis lista ta da reve re ve lação e da fé, bem como em sua visão unitária dos carismas. Vários dados e reflexões de capítulos anteriores podem elucidar também esta questão: a doutrina dos “modos” literários, a estrutura plural da obra lite rária, as diversas formas de verdade (inclusive a busca da verdade), a relativa autonomia da obra, a obra e o seu contexto, a obra e a sua repetição como 5. P r o v iã e n ti s s im u s D eu s, EB 114. is , EB 611. 6. H u m a n i g en er is, 7. E B 57 57..
Pregação e catequese
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representação, o conhecimento e a formulação simbólica, a inspiração no con texto dos dos carismas. Estes e talvez talvez outros dados dispersos dispersos no livro podem fa cilmente integrar-se à teoria da unidade orgânica entre Escritura e tradição.8 USO DA DOUTRINA Esta Est a questão questão depende parcialmente da anterior. Na etapa atual da Igreja — segund seg undaa m etade eta de do século sécu lo X X — , um cristã cri stãoo dispõe dis põe de muito mu itoss ensina ens iname mento ntoss autênticos, inclusive reunidos e catalogados, com excelentes índices, no volume de Denzinger-Schonmetzer Denzinger-Schonmetzer publicado pela Herder. Herd er. Um cristão pode consultar esse Enchiridion ou manual para resolver uma questão ou para conhecer a doutrina cristã: o volume o conduzirá pela história; o terceiro índice forne ce-lhe ce-lhe uma detalhada detalha da visão sistemática. sistemática. Em bora todos esses esses documentos de algum modo provenham da Escritura (segunda teoria), o leitor pode sentir-se dispensado da consulta direta aos livros sagrados, já que o seu manual dirige-se a ele numa linguagem mais precisa e mais bem organizada. Mas a formação completa de um cristão não pode seguir esse procedimen to: a afirmação de Belarmino de que a Escritura não é necessária é uma afir mação polêmica muito pouco pouco trad icion ici onal. al.99 Se Deus confiou à Igreja a sua re velação na Escritura, a Igreja deve pôr essa revelação ao alcance de seus filhos. Ela o faz em vários níveis, que esquematizarei aqui: o contexto litúrgico, a catequese, a teologia. PREGAÇÃO E CATEQUESE Não pretendo expor aqui a questão, mas tão-somente fazer referência a essas duas atividades, atribuindo-lhes um lugar numa síntese sobre a palavra inspirada. Obras fundamentais: J. Jungmann, D ie F r o h b o ts c h a f t u n ã u n s e r e G la u b e n s v e r k ü n á ig u n g (Ratisbona, 1936), obra de extraordinária importância histórica. No elenco bibliográfico suplementar (pastoral), P. Nober costuma registrar, como a revista alemã B i b e l u n ã L it u r g ie , livros e artigos sobre Bíblia e liturgia, Bíblia e catequese. C o n c i l i u m 20 (1966), bibliografia sobre a homilia: francês, inglês, alemão, espanhol, italiano, holandês: pp. 478-508. No volume V de In I n ic ia ç ã o à p r á t i c a d a te o l o g i a (Edições Loyola), há dois capítulos dedicados à pregação e à catequese, ambos com ampla bibliografia.
No contexto litúrgico, a Escritura volta a ser ensinamento quando é lida e entendida. entend ida. Ela não é entendid ente ndidaa nem ensina quando quand o a língua, em vez de de ser meio de comunicação, torna-se meio de separação: os emigrantes e turistas que não entendem a língua do país onde estão, os milhões de cristãos que não entendem latim. latim. Para remediar rem ediar isso, isso, ou se ensina ensina latim (ou a língua língua do outro país pa ís)) a todo to doss eles ou se tradu tra duze zem m os textos tex tos:: “ Contu Co ntudo do,, já que, que , ou na missa, ou na administração dos sacramentos ou em outras partes da liturgia pode, não raro, o emprego da língua vernácula ser muito útil ao povo, permite-se 8. As batalhas conc iliares iliares acerca da questão conseguiram torná-la torná-la atual e interessante; elas incitaram ao estudo teológico. Os teólogos certamente aprofun darão e elucidarão as relações mútuas entre essas duas realidades essenciais ao existir da Igreja: a Escritura e a tradição. 9. Afirmação que o próprio Belarmino m atiza e com pleta.
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dar-lhe um lugar mais amplo, principalmente nas leituras e admoestações, em alguma algumass orações orações e cânticos. . . ” 10 A constituição conciliar optou pela tradução, e alguns acreditam que tudo esteja resolvido. Não Nã o é exata ex atame ment ntee assim, mas não nã o está tão dista di stante nte disso. A linguag ling uagem em bí bí blica, mesmo mesm o bem tradu tra duzid zida, a, ou por po r estar esta r bem tradu tra duzid zida, a, pode po de mostr mo strarar-se se es tranha, tranha , ininteli ininteligível, gível, não passível passível de um ensinamento ensinament o imediato. Alguém que nunca tenha conhecido Paulo não o entende apenas por tê-lo escutado em cas telhano. 11 Será necessário traduzir traduz ir a Bíblia a uma um a terceira língua não-bíblica? Ou será preciso preciso ensinar a linguagem bíblica a todos os cristãos? Um pouco pouc o das duas coisas. 12 Uma Um a das tarefas principais da homilia hom ilia litúrgica é tornar torn ar inteli gível gível a linguagem linguagem bíblica. bíblica. No atual estado da renovação renov ação bíblica na maioria dos países, atrevo-me a dizer que essa será a tarefa mais importante pelo espaço mínimo de uma geração. Tanto Tan to assim assim que é concebível uma espécie espécie de de homilia como preparação para a leitura, ou uma homilia que suceda à proclamação e desemboque numa nova leitura final. Pouco a pouco, a linguagem bíblica voltará a ser familiar, e o “povo de Deus” Deus ” entenderá entend erá a língua de Deus. Dessa maneira, mane ira, com tempo e paciência, p aciência, é possível possív el ensina ens inarr a linguag ling uagem em bíblica bíb lica a todo to doss os cristão cris tãos. s. Assim, Assi m, a simples simp les lei tura torna-se torna-s e de de novo ensinamento. Mas esse esse ensinamento é ampliado e apro ap ro fundado pelo contexto litúrgico total, isto é, pelas relações dos textos entre si e por sua referência à ação litúrgica. litúrgica. Esses ensinamentos são desenvolvidos e esclarecidos na homilia, que, desse modo, se transforma no prolongamento do ensinamento bíblico. bíblico. É a grande tradição tradiçã o da Igreja, um pouco obscurecida nos últimos tempos. Diz o seguinte a Constituição sobre a Sagrada Liturgia : “Embora “Embo ra a Litur gia seja principalmente culto da Majestade Divina, encerra também grande ensi namento name nto ao povo fiel. fiel. Pois na Liturgia Deus fala a seu povo. Cristo ainda ainda anuncia o Evangelh Eva ngelho” o” . “Deve a pregação, em primeiro lugar, ha urir uri r os seus seus temas da Sagrada Escritu Es critura ra e da Liturgia.” Liturg ia.” “Recomend “Rec omenda-se a-se vivamente como como par p arte te da próp pr ópri riaa Litur Li turgia gia a homil ho milia, ia, pela pe la qual, qua l, no decurs dec ursoo do ano litúrgic litú rgico, o, são expostos os mistérios da fé e as normas da vida cristã a partir do texto sa grad gr ado. o.”” 13 13 A esse centro litúrgico se referem, como preparação ou prolongamento, as outras formas de atualização da doutrina bíblica. bíblica. A catequese como prepara ção. A Contra-Re Con tra-Reforma forma concebeu a catequese como um um ensinamento à criança de uma série de fórmulas rigorosas e precisas; não tem importância o fato de ela não entender essas essas fórmulas, já que as entenderá enten derá mais tarde. E, sob a in fluência do Iluminismo, esse tipo de catequese (ainda Ripalda e Astete) pa recia corresponder correspon der ao ideal de precisão intelectual. A renovação renov ação litúrgica e past pa stor oral al dos nossos nos sos dias impôs imp ôs um enfoqu enf oquee difer di ferent ente: e: a catequ cat equese ese como práti pr ática ca pedagóg ped agógica ica que se adap ad apta ta ao crescim cres ciment entoo intele int electu ctual al da criança cria nça,, isto é, come come 10. SC 36, 2. 11 11.. Em no sso trabalho para para a tradução espanhola de perícopes litúrgicas, recebemos observações como esta: “Não se entende que é o Senhor Jesus”. O título Senhor (Kyrios) é peça básica da teologia paulina, sendo comum a fórmula Nosso Senhor Jesus Cristo. 12. Trata-s Trata-see de um esqu ema reduzido, reduzido, no qual praticamente me con tento em indicar caminhos, bem como a relação dos problemas com o tema da palavra. 13. SC 33; 35, 2; 52.
Uso na teologia
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çando pela história da salvação e, a partir dos fatos, remontando a fórmulas mais doutrinais. Por Po r outro lado, a catequese como iniciação a uma linguagem, linguagem, a um mundo religios religioso, o, a uma vida vida.. A renovação catequética ca tequética volta espontanea mente à Sagrada Escritura. USO NA TEOLOGIA A. Grillmeier, Von symbolum zur Summa. Zum theologiegeschichtlichen Verhãltnis von Patristik und Scholastik in “ K i r c h e u n ã Ü b e r l i e f e r u n g ” (Friburgo, 1960), 119-169. A. Lang, D ie L o c i th e o l o g i c i ã e s M e l c h io r C a n o u n ã ã ie M e t h o d e d e s th e o l o g is c h e n B e w e i s e s (Munique, 1925). L. Alonso Schõkel, A r g u m e n t o d e E s c r i t u r a y te o l o g i a b í b l i c a e n la e n s e n a n z a d e la t e o l o g ia , em XVII Semana Espanola de Teologia (1957), publicado pelo Consejo Superior de Investigaciones Científicas (Madri, 1960), 225-241. E x e g e s e u n ã D o g m a t i k , editado por H. Vorgrimler, Mogúncia, 1962. K. Rahner, E s c r i t o s d e T e o lo g i a V (1962), E x é g e s is y d o g m á t i c a (Madri); D. H. Kelsey, T h e u s e o f S c r i p t u r e i n r e c e n t T h e o l o g y (Lon dres, 1975); H. Bouillard, Exégesis, hermenêutica y teologia. Problemas de método in E x é g e s is y h e r m e n ê u t i c a (Madri, 1976), 213-224.
A doutrina doutrin a bíblica atualiza-se na ciência teológica. teológica. “É muito desejável e necessário que o uso da Sagrada Escritura influencie todo o ensinamento teo lógico e seja como que a sua alma; sempre foram essas a doutrina e a prática dos padres e dos teólogos mais famosos. Pois o que é objeto de fé ou dela decorre, eles esforçaram-se por afirmá-lo e comprová-lo, sobretudo com os li vros sagrados; fizeram uso dos livros sagrados e da divina tradição para re futar as novas heresias, para investigar o sentido, a razão e as relações mú tuas dos dogmas católicos. católicos. Não se surpreenderá surpreen derá com isso isso aquele que considerar o lugar privilegiado dos livros sagrados entre as fontes da revelação; a tal ponto que, sem o seu estudo e emprego assíduo, a teologia não pode ser exposta com a dignidade que requer. Pois, embora em bora os jovens, jovens, em universidades e seminários, devam exercitar-se para entender e aprender a dogmática, deduzindo dos arti gos de fé outras verdades, segundo o método acreditado de uma filosofia sólida, o teólogo sério e devotado à pesquisa não deve descuidar a demonstração dos dogmas com argumentos de Escritura.” 14 O princípio proposto pelo pontífice, e confirmado por uma doutrina e uma prática antigas, é de grande transcendência e mal começa hoje a ser uma realidade. A Sagrada Escritura Esc ritura deve animar o estudo dos dos dogmas ( o b ie c tu m f i d e i ) , das conclusões teológicas ( a b eo c o n s e q u u n tu r ) da controvérsia (hae re r e ti c o r u m c o m m e n l a ) , da teologia especulativa ( ra r a ti o n e m ) e sistemática ( vin cu c u l a ) .
O próprio pontífice, de acordo com a situação teológica do momento, aplica o seu princípio de maneira m aneira restrita: o aluno, mesmo mesm o no curso universi tário, parte dos artigos da fé (símbolos e definições dogmáticas) e avança por rigorosa dedução filosófica; o professor que pesquisa (para além da tarefa es colar, que deverá corresponder ao trabalho dos alunos) não pode descuidar a demonstração dos dogmas com argumentos de Escritura. O aluno prepara-se para estudar a Bíblia, com esperança de êxito e sem perigos, perigo s, estud es tudan ando do prim pr imeir eiroo a filosofia filos ofia e a teologia teolo gia segund seg undoo Tomás Tom ás de Aquino Aqu ino.. 14. P r o v i d e n t i s s i m u s D e u s, EB 114.
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No final fin al do século sécu lo passa pa ssado do,, To Tomá máss de Aqui Aq uino no era er a apenas ape nas o auto au torr das duas Sumas e mal se considerava o seu trabalho como exegeta; tampouco se considerava o que significava em sua época ser m a g is te r th e o lo g ia e . Além disso, os estudos bíblicos encontravam-se numa conjuntura menos favorável, em vir tude da influência do racionalismo. racionalismo. Leão X III deu um passo passo importante, impo rtante, não o último. Pio XII vai vai adiante: “Mostrem sobretudo sobretudo a doutrina teológica teológica,, acer ca da fé fé e dos costumes, de passagens e livros particulares. particu lares. Dessa maneira, m aneira, a sua explicação será útil para que os professores de teologia expliquem e defen dam os dogmas de fé, para que os sacerdotes expliquem a doutrina cristã ao povo, pov o, p ara ar a que os fiéis levem leve m uma um a vida vid a santa, san ta, digna dig na de um cris cr istã tão” o” . 15 A doutrina teológica da Bíblia é posta a serviço do professor de teologia par p araa que ele possa pos sa expo ex porr e conf co nfirm irmar ar os dogmas dog mas;; a serviço servi ço do sacerd sac erdote ote para pa ra que ele possa explicar a doutrina dou trina cristã ao povo. Observemos a distância im plic pl icad adaa pela pe la especia esp ecializa lização ção m oder od erna na:: na Idad Id adee Média Mé dia (aí (a í incluí inc luído, do, é evidente evid ente,, Tomás de Aquino), o professor de teologia, m a g is te r th e o lo g ia e , tinha como tarefa explicar a Sagrada Escritura, legit sacram paginam', hoje, a sua tarefa é pro p ropo porr os dogma dog mass e confirm con firmá-lo á-los. s. Na antiga ant iga conce co ncepçã pçãoo da homí ho mília lia,, o preg pr egad ador or expõe a Sagrada Escritura; agora, sem grandes esclarecimentos, expõe a doutri na cristã. A doutrin do utrinaa teológica exposta pelo exegeta é auxiliar (porque (por que ele também se especializou espec ializou). ). Ao falar de “textos e livros particu pa rticulare lares”, s”, a encíclica encíclica ainda não leva em conta a teologia bíblica sistemática como disciplina autônoma. As normas de Pio XII são um progresso com relação a Leão XIII, já avançado; elas estimulam a contínua caminhada, sobretudo quando se lêem os últimos parágrafos da D iv i n o a ff la n te S p irit ir itu u. A forma habitual ou dominante de explorar a doutrina da Escritura nos manuais teológicos é ainda o “argumento de Escritura” (a situação tem me lhorado desde a primeira edição deste livro). livro ). Se fos fosse se um mero recurso pe dagógico — destinado a se retroceder, a partir da fórmula dogmática, à fórmula bíblica bíbli ca primitiv prim itivaa ou germ ge rmina inall — , esse m étodo éto do seria seri a aceitáve acei tável.l. Mas ele criou cri ou uma mentalidade distorcida: a Escritura é um depósito de argumentos, tem função secundária e subordinada com referência à teologia dogmática. Num artigo arti go sobre sob re o tema, tem a, mostre mo streii a origem orige m e o luga lu garr desse mecani mec anismo smo intelectual que é o ar a r g u m e n tu m ; ele provém da D i a l é ti c a de Aristóteles e im põe-se põe -se m edia ed iante nte o trat tr atad adoo de Melch Me lchor or Cano Ca no D e lo c is th e o lo g ic is . 16 El E le só é encontrado onde há a necessidade de provar uma proposição discutível ou discutida ( th t h e s i s ), ou seja, na controvérsia, que metodologicamente aceita como discutível o que é negado pelo adversário (historicamente, os protestantes); é encontrado encontrad o também também na disputa, como como exercíci exercícioo escolar de de treinamento. treinamento. Da con trovérsia e da disputa, ele passou para toda a teologia, conferindo-lhe um ca ráter básico básico de controvérsia. controvérsia. A própria retórica influi influiuu parcialmente no p ro cesso (Lonergan). É inútil agora querer melho rar os os argumentos de Escritura Escr itura.. O que se se deve deve fazer é reduzir o argumento ao seu legítimo lugar e ampliar a teologia na di reção de uma forma mais expositiva, como interpretação e exposição da dou trina revelada; isso isso eqüivale eqüivale a uma um a volta ao método medieval. medieval. A renovação já está em andamento, em parte pela convicção de muitos professores, em parte 15. 16.
E B 551. 551. A. La ng , D ie lo c i th e o l o g ic i ã e s M e lc h io r C a n o u n ã ã ie M e t h o d e d e s th t h e o l o g is c h e n B e w e i s e s (Munique, 1925).
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pela pe la insatisf insa tisfaç ação ão de muitíssim mu itíssimos os alunos. alun os. Em ambos amb os os lados lado s atua atu a uma um a nova no va consciência do lugar da Sagrada Escritura na Igreja. Essa renovação suscitará um enriquecimento teológico, já que explorará riquezas riquezas ainda pouco exploradas. No ensino, ensino, por razões de tempo, imporá uma seleção temática, omitindo ou reduzindo algumas questões mais condicio nadas pelo tempo e menos atuais. Nessa Nes sa direç dir eção, ão, parec pa rece-m e-mee de extra ex traor ordi diná nária ria impo im portâ rtânc ncia ia o pará pa rágr graf afoo 16 da Constituição sobre a Sagrada Liturgia: “Empenhar-se-ão, “Empenha r-se-ão, além além disso disso,, os profes sores das demais disciplinas, especialmente de Teologia Dogmática, Sagrada Es critura, Teologia Espiritual e Pastoral, que, pelas exigências intrínsecas do obje to próprio de cada uma, ensinem o Mistério de Cristo e a história da salvação, de tal modo que transpareçam claramente a sua conexão com a Liturgia e a unidade unidade da formação sacerdotal” . 3T D ei Verb Ve rbum um repete o ensinamento: “A Sagrada Teologia E a Constituição Dei apóia-se, como em perene fundamento, na palavra escrita de Deus juntamente com a Sagrada Tradição, e nesta mesma palavra se fortalece firmissimamente e sempre se remoça perscrutando à luz da fé toda a verdade encerrada no mis tério de Cristo. Ora, as Sagradas Escrituras Escritu ras contêm a palavra pala vra de Deus e, por que inspiradas, são verdadeiramente palavra de Deus; por isto, o estudo das De i Verb Ve rbum um,, Sagradas Páginas seja como que a alma da Sagrada Teologia” ( Dei 2 4 ). Sobre ess essee tema, pode-se ver o artigo de J. M. Lera, Sacrae Paginae studium sit veluti anima Sacrae Theologiae. Notas Nota s sobre a origem e procedência dessa frase em Palabra y Vida, homenagem a José Alonso Díaz (Madri, 1984), 409-422. O mistério de Cristo e a história da salvação são o tema da Sagrada Escri tura. Esse parágrafo da Constituição Constituição deixa deixa entrever entrever uma grande reforma, a parti pa rtirr de dentro den tro,, dos m étodos étod os de form for m ação aç ão sacerd sac erdota otal.l. A espera esp erança nça suscitad susc itadaa pelo ensina ens iname mento nto concil co nciliar iar torno to rnouu-se se,, em grand gra ndee parte pa rte,, realida rea lidade. de. P a ra com com prová pr ová-lo -lo,, seria seri a necessá nec essário rio proc pr oced eder er a um a com co m para pa raçã çãoo entre ent re os manua ma nuais is teoló teo ló M ysteegicos gicos atuais e os manua ma nuais is teológicos anteriores anter iores ao concilio. O caso de Myst rium Salutis, traduzido para os principais idiomas e de grande sucesso, pode ser a melhor prova da mudança. Não N ão se deve pens pe nsar ar que a pregaç pre gação, ão, a catequ ca tequese ese e a teolog teo logia ia sejam os únicos únicos canais pelos quais se atualiza a doutrina dou trina revelada. Como se a Igreja em geral ou o magistério em partic pa rticula ularr fossem excluídos dessa exigência. exigência. Isso não ocorre: a Igreja e o magistério devem escutar, bem como aceitar e expor a Sagrada Escritura. Escritu ra. Usemos as palavras do professor professo r Pesch: “A Escritura Escr itura é uma regra de fé da qual a Igreja não pode afastar-se; esta última está subor dinada à autoridade daquela, que é a autoridade do próprio Deus que fala”. “A Escritura foi entregue ao magistério eclesiástico por Deus, para que aprenda a partir dela o que deverá ensinar a sábios e ignorantes.” 18 O exegeta pode ter uma função subordinada no âmbito dessa função do magistério, pois “nas passagens que ainda não receberam interpretação certa e definitiva, pode ocorrer, segundo o desígnio da providência, que o estudo do exegeta exegeta faça amadurecer amadurec er a decisão decisão da Igreja” Ig reja” . 19 17. 18. 19. tituição
SC 16. Op. cit., ci t., 578, 579. 579. EB 109 109. Tem a retoma retoma do, com rep etição de alguma alguma s palavras, palavras, na con s D e i V e rb u m , 12.
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O exegeta atualizará a doutrina da Escritura mediante uma exegese teoló gica de passagens particulares e mediante sistemas parciais ou totais de teologia bíblica. bíblic a. 20 Esses Esse s result res ultad ados os serã se rãoo estend est endido idoss pelo pe lo teólog teó logoo dogmá dog mático tico e ecoado eco adoss pelo pe lo past pa stor or de almas. alma s. A orde or dem m não nã o é rígida rígi da nem exclusiva. exclusiva . Um padre pad re da Igreja afirmou: “Todas “To das as palavras humanas human as precisam de prova pr ovass e teste tes temu munho nhos; s; mas a pala pa lavr vraa de Deus De us dá testem tes temun unho ho de si mesma mes ma,, pois o que é dito pela verdade infalível necessariamente é testemunho infalível de verdade. Contudo, como Deus quis que, por meio da Sagrada Escritura, sou béssemo béss emoss algo de sua miste mi sterio riosa sa intim int imida idade de,, já que qu e o orác or áculo ulo da E scri sc ritu tura ra é, em certo sentido, a intimidade de Deus, não calarei o que ele quis que conhe cêssemos e pregássemos” pregásse mos” . 21
20 20.. Cf. Cf. meu artigo Biblische Theologie des Alten Alten Testam ents, S t i m m e n d e r Z e it 88 (1963):34-51. Descrevo o enfoque medieval em seus dois estilos, bem como a crise denunciada por R. Bacon. No que se refere à atualidade, apresento os dois problemas básicos da teologia bíblica entre os protestantes: verdadeira teologia? verdadeiro sistema? Entre os católicos, o problema do adjetivo: teolo gia bíblica. O. Sem melroth, Do gma tik und Ex egese ais glaub ensw issenscha ftli ftliche che Diszi Diszi-plinen, Scholastik 36 (1961) :497 :497-5 -511 11.. O. Ku ss, E xe ge se ais t he olo gisc he Aufgabe, B ib lis li s c h e Z e it s c h r if t 5 (1961), 161-85. 21 21.. “Alia Alia omnia, i.e . hum ana dieta, argum entis ac testibus egent, Dei autem sermo ipse sibi testis est, quia necesse est, quidquid incorrupta veritas loquitur, incorruptum sit testimonium veritatis... Sed tamen cum per Scripturas Sacras scire nos quasi de arcano animi ac mentis suae quaedam voluerit Deus noster, quia ipsum quodammodo Scripturae Sacrae oraculum Dei mens est, quidquid ag nos ci vel prae dicari D eus vo luit, non tace bo ” (S alviano , PL 53, 53, 57).
15 NO CONTEXTO DO ESPÍRITO: A FORÇA
Por ser palavra inspirada, a Sagrada Escritura contém a doutrina de sal vação e possui força de salvação. No contexto contex to do Logos, a verdade; verda de; no con texto do Espírito, a força. força. A Sagrada Escritura não só ensina como também atua sobre nós; não só nos ensina a agir como também nos leva a agir. Essa doutrina tradicional foi um pouco negligenciada, e é necessário rea firmá-la. A LINGUAGEM HUMANA Obra fundamental: O. Semmelroth, W i r k e n ã e s W o r t . Z u r T h e o l o g i e ã e r V e r k ü n ã i g u n g (Frankfurt, 1962). Veja-se o levantamento-resumo de M. Zerwick in V e r b u m D o m i n i 40 (1962):153-157. H. Volk, Z u r T h e o l o g i e ã e s W o r t e s G o t t e s (Münster, 1962). L. Scheffczyk, V o n d e r H e i l s m a c h t ã e s W o r t e s (Munique, 1966). J. Betz, W o r t u n ã S a k r a m e n t : V e r k ü n ã i g u n g u n ã G a u b e , Hom. dedicada a F. X. Oyente yente ãe la Palabra (Herder, Barcelona, Arnold (Friburgo, 1958); K. Rahner, O 1968). P. Ricoeur, Hacia una teologia en la Palabra. Reflexión sobre el lenguaje in E x é g e s i s y h e r m e n ê u t i c a (Madri, 1976), 237-253.
Na linguag ling uagem em hum hu m ana an a reside res idem m força fo rça e pode po der. r. J á indiqu ind iquei ei esse aspecto asp ecto quando quan do falei da função “impressiva” “impressiv a” da linguagem. Vou Vo u desenvolvê-lo aqui aqui de maneira resumida. Fundamentalmente, a energia da linguagem parte da vontade e chega à vontade por meio da linguagem linguagem expressa e compreendida. Essa explicação ge nérica exige diferenciação. A força da vontade, que se objetiva em formas significativas de poder, pode po de ating ati ngir ir uma um a região reg ião intelectual, criando uma convicção; em grau inferior, uma opinião; em horizonte amplo, uma mentalidade. Vista socialmente, socialmente, como vontade irradiante em círculo, pode criar uma opinião pública — força colos sal — , uma mentalida me ntalidade de coletiva, uma convicção con vicção social. social. Podemos denominar autoridade essa energia que reside naquele que fala; ela é a sua sua autêntica au têntica força. Mas podemos considerá-la n a lingu linguagem, agem, isolada daquele que fala, por seu signifi significado cado e por sua organização literária. Como che ga a acontecer que, na linguagem humana, esses elementos se dissociem, pode ocorrer que um homem sem autoridade se torne o frágil portador de uma fór mula poderosa, bem como que conteúdos sem autêntica energia — erro, mal dade — se tornem poderosos pela força da linguagem ou pela autoridade da
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quele que que fala (acusação que Platão dirigi dirigiaa aos sofistas). É claro que, quando quand o Deus fala, não ocorre essa dissociação; a sua autoridade transmite-se às pala vras e, por po r elas, atinge o ouvinte, sem sem necessidade necessidad e de artifícios. artifícios. O caso do mal e do erro disseminados com energia demolidora demonstra-nos a força da palav pa lavra. ra. Em segundo lugar, a força objetivada na linguagem pode atingir uma re gião volitiva, provocando a decisão: no sentido de agir ou de adotar uma ati tude total. Se à primeira prim eira ação damos o nome nom e de convencer, denominamos denomina mos esta última persuadir. A primeira prefere argumentos, argumentos, a última, última, valores valores e motivos. motivos. Esta tem também uma irradiação social; por isso, a oratória é parte da ação polític pol ítica. a. Em terceiro lugar, a energia da palavra pode atingir uma região afetiva, prod pr oduz uzin indo do uma um a m udan ud ança ça parc pa rcial ial ou uma um a situaçã situ açãoo total to tal.. A pala pa lavr vraa consol con sola, a, anima, alegra; alegra; infunde infunde simpatia, simpatia, confiança, serenidade. serenidade. Mais que que brotar da au toridade ou transmitir vontade, ela, nesses casos, transmite uma participação afetiva penetrante pen etrante,, como um contágio. A irradiação irradia ção social desse poder po der é mais limitada, exceto quando se trata tra ta de afetos afetos sentimentais. Nos três casos, falo da linguagem como meio de comunicação, como forma significativa, isto é, idên tica ao seu sentido. Pela característica dialógica da linguagem, as forças descritas podem atuar em movimento alternativo, alterna tivo, multiplicando multiplican do de vários modos a intensidade. intensidad e. Ao convencer o outro, redobro a minha convicção; ou, começando a convencer o outro, eu acabo sendo convencido por ele; ou ainda ocorre um intercâmbio de convicçõe convicções. s. Impelimo-nos mutuamente mutua mente à ação ação comum, ou complementar, ou diferente. E nem precisamos menciona men cionarr a força afetiva suscitada pelo diálogo. Em função do caráter unitário do nosso espírito, as ações indicadas não costumam existir separadamente; além disso, ocorre um predomínio de uma ação sobre as outras duas. Mu Muitas itas vezes vezes se busca e se se consegue a ação total. A palavra de Deus deve possuir essa energia em grau extremo; por pro ceder da suprema autoridade, ela não pode dissociar-se do bem e da verdade, e atinge atinge o homem de maneira integral integral.. E, como a palavra de Deus ocorre, tod a ela, na esfera sobrenatural, com vistas à salvação, a sua energia é salvadora. A palavra de Deus é portado po rtado ra de graça, graça, opera salvação. salvação. “Em sua palavra, Deus não apenas revela o que é graça como também nos dispensa a sua graça.” 1 FORMAS ENÉRGICAS DA LINGUAGEM Há formas particulares da linguagem em que se manifesta e atualiza a pe rform rmati ativas vas e que de algum modo energia: as formas que Austin denominava perfo se reduzem à função impressiva (conative de Jak obso ob son). n). Indicarei algum algumas. as. Chamada: o mero fato de chamar o outro pelo nome torna-o atento e disposto a escutar. escutar. Há a chamada para par a o exército e a chamada chama da jurídica da testemunha. Posso invocar o nome de outro e torná-lo presente para mim; posso po sso invocá inv ocá-lo -lo dian di ante te de outro ou tro para pa ra obter ob ter o seu favor. fav or. Em sua su a dimen dim ensão são so cial, essa invocação é convocação conv ocação:: de uma assembléia, de um parlamento. parlamen to. E também da assembléia cúltica. io s, em CFT II (Ed. Cristiandad, Madri, 1. H. Sc hlier /H . Volk, P a la b ra ã e D ios, 21979), 241-271.
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Outra forma de chamada é a nomeação, que estabelece juridicamente uma pessoa pes soa num cargo. carg o. Costu Co stuma ma-se -se fazer faz er um a eleição elei ção válid vá lidaa simples sim plesme mente nte nom no m ean ea n do a pessoa num contexto regulamentado, de maneira oral ou por escrito. escrito. A for fo r ça reside aqui na convergência de uma maioria para determinado nome. A chamada pode adotar formas secundárias: o convite pessoal, o slogan que convoca. E a chamada chama da pode ser mútua: mú tua: um nome faz eco a outro. Im pe rati ra tivv o : é a forma pura pur a de vontade,e vontade, e o seu objetivo é provocar ação. Se procede de uma autoridade autoridad e em sentido estrito, estrito, constitui uma ordem ou uma lei. lei. Se provém de um direito, pode pod e ser uma um a exigência. exigência. Em outros casos, pode ser apenas pedido. Pedem Ped em ser consideradas conside radas variantes lingüísticas lingüísticas ou estilíst estilísticas icas do imperativo o infinitivo “não fumar” e a negação categórica no futuro do indicativo “não “nã o o dirás a ninguém” ninguém ” . O imperativo imperativo pode po de ser individual, mútuo, social. Pergunta: pede uma resposta verbal e, por isso, é ativa. A pergunta é um pedid pe didoo tácito tác ito ou orde or dem, m, como com o se vê n a perg pe rgun unta ta judicia jud icial,l, ou naqu na quel elaa que qu e o pro pr o fessor dirige ao aluno. Há uma forma de pergunta que não pede resposta para o inquiridor, mas pretende que o interpelado se responda a si mesmo; costuma-se denominá-la denom iná-la pergunta retórica, e ela possui uma força imensa. Uma Um a pergunta desse tipo pode perseguir um homem durante anos, visando a confrontá-lo con sigo mesmo numa radical decisão. pro posiçã içãoo também pode ser portadora de energia A forma gramatical de propos pecu pe culiar liar.. H á um a senten sen tença ça grama gra matic tical al que é um a senten sen tença ça judicia jud icial,l, com força for ça jurídi jur ídica ca.. Uma Um a decla de claraç ração ão pode po de ser de ordem or dem jurídi jur ídica ca,, com todos tod os os seus efeitos. Também há declarações de princípio ou de atitude, que tornam poderosos o princ pr incípi ípioo ou o objet ob jeto; o; e há decla de clara raçõ ções es pessoais pesso ais que têm um a exem ex empla plarr força for ça impulsionadora impu lsionadora.. É em forma form a de proposição prop osição que se redige o que, em espanhol, denominamos “sua última vontade”, documento que possui verdadeira força. A declaração pode ser ser m útua e comprometer comprom eter duas duas pessoas pessoas por toda tod a a vida (uma declaração de amor), ou então duas sociedades. Há outras formas de linguagem mais ou menos redutíveis às anteriores: aconselhar, aconselhar, exortar, sugerir, sugerir, insinuar, insinuar, recomendar recomenda r a outro, interceder. Qualquer Qualqu er língua possui uma boa coleção de verbos desse tipo, que indicam a atividade da palavra. A outra esfera pertencem as fórmulas mágicas, que alguns povos conside ram ativas ativas —■ não tanto pelo que dizem dizem como como pela pura p ura m aterialidade das palav pa lavra rass pronu pro nunc nciad iadas as.. As conju co njura raçõ ções es assem ass emelha elhamm-se se um pouc po ucoo a isso. P or último, as bênçãos e maldições, que muitos povos consideram eficazes, de fato o são em determinados contextos religiosos. A maioria dessas formas é encontrada nos livros sagrados; sendo palavras de Deus, a sua energia não pode diminuir — na verdade, ela pode atingir a intensidade máxima. máxima . E, pertencen perte ncendo do elas ao plano de salvação, a sua energia e a sua ação são são salvadoras. salvadoras. Veremos adiante a diante algumas formas par ticu lare s.2 Escutemos o que a Bíblia diz de si mesma como palavra e também como apresenta a palavra palav ra em ação. Desta vez vez quero ser generoso generoso na apresentação de textos, porque a doutrina da energia da palavra bíblica é de suma importância e foi injustamente negligenciada.
2.
Cf. Cf. infra, p. 333, 333, text o de Crisóstom o.
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ANTIGO TESTAMENTO A palavra c r ia d o r a . O primeiro capítulo do Gênesis, o pórtico glorioso da nossa Bíblia, é uma admirável liturgia da criação. criação. Deus clama clama e convoca à existência; a sua palavra ressoante faz existir; as criaturas respondem ocupando o seu lugar no cosmos. cosmos. A palavra articulada estabelece estabelece a distinção distinção e a ordem; as criaturas respondem ocupando ocupan do o seu seu lugar no cosmos. A palavra palav ra de Deus está carregada de vontade, de força criado ra: “Haja luz e houve luz; luz; Deus cha mou mo u à luz ‘dia’ dia ’ ” . Nem o nada nad a nem o caos amorfo to t o h u - b o h u pode po dem m oporop or-se se a ele. ele. E Deus não apenas ape nas cria uma um a existência, como presença pres ença estática, mas também uma atividade, um dinamismo irresistível. “Crescei, multiplicai-vos, enchei as águas do mar.” “Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie, árvores frutíferas que dêem fruto segundo sua espécie e que tenham semente.” Assim é a primeira palavra e assim será a nova criação. A l i a n ç a . Do Egito Deus chama o seu filho, e a existência do povo eleito tem também o caráter de uma “vocação” “voc ação”,, que é palavra palav ra em ação. ação. Uma massa de homens elevar-se-á elevar-se-á a povo de Deus. Deus. Aqui Aqu i não é o nada nad a ou o caos informe informe que se submete sem resistência; são vontades humanas e cabeças-duras. M a n d a m e n to s . A palavra de Deus, que soava de forma i n j u n t i v a no pri meiro capítulo do Gênesi Gênesis, s, soa agora em futuro futuro categórico: “Não terás outros deuses, deuses, não m atarás” . No imperativo, a linguagem linguagem hum ana realiza realiza uma forma de vontade, uma descarga dinâmica na direção da pessoa interpelada; por seu conteúdo, o imperativo é dinâmico, dirigido a uma vontade livre, que pode resist resistir. ir. Ele não possui força mágica, mágica, mas força hum ana e pessoal, pessoal, podendo ser portad po rtador or de autoridade. Ora, parece oco rrer que esse esse imperativo, sem per der a forma da segunda pessoa, se toma mais contundente ao ser transposto para pa ra o futu fu turo ro do indica ind icativ tivo: o: “não “n ão mates, mat es, não nã o m atar at arás ás.. . . não nã o roub ro ubes, es, não nã o rouro u bará ba rás” s” . N a aceit ac eitaç ação ão livre liv re consum con suma-s a-see a carga ca rga dinâm di nâmica ica,, capaz cap az de orde or dena narr uma um a sociedade religiosa, capaz de manter uma aliança, que é convivência espiritual. Escutar Esc utar essa palavra é obedecer (smc). O homem pode fechar-se, livre e culpa do, para “ouvindo não escutar”. escuta r”. Por Po r isso isso,, na futura fu tura redenção, redenção, o próprio Deus se encarregará de imprimir essa palavra dinâmica no coração do homem redi mido, para fazer avançar a aceitação e cumprir-se o dinamismo da palavra. Além do chamado ao povo, e dentro dele, ocorre a v o c a ç ã o par p artiticu cula lar: r: do apóstolo, do profeta, do servo; e esse chamado pode implicar também uma nova nomeação (Simão-Pedro). No N o cont co ntex exto to da alian al iança ça h á o u tra tr a pala pa lavr vraa dinâm di nâmica ica de Deus De us:: b ê n ç ã o e m a l d iç ã o . Elas permanecem aí, acumuladas como energia potencial, prontas a des carregar o seu dinamismo quando qu ando o homem hom em abrir a porta po rta para pa ra elas. elas. Se for fiel, o homem da aliança terá bênçãos em abundância; se não obedecer, des carregará a maldição. O profeta Zacarias, numa num a visão visão de sabor surrealista, des creve-nos essa palavra terrível, dinâmica e corrosiva: “Levantei novamente os olhos e vi um rolo voando. O anjo me perguntou: ‘Que vês?’. Respondi: ‘Vejo um rolo voando, de dez metros por cinco’. Ele me explicou: “É a maldição mald ição que se estende pela pe la superfíc sup erfície ie de todo to do o país. De um lado do rolo: ‘Os ladrões permanecem impunes’; de outro: ‘Os perjuros permanecem impunes’.
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Eu a desembainhei — oráculo do Senhor dos exércitos — par p araa que qu e entre en tre n a casa cas a do ladr la drão ão e na do que jura falso por meu nome. Instalar-se-á na casa e a consumirá com suas madeiras e suas pedras”. (Veja-se o comentário em P r o f e t a s II, p. 1164.) A palavra p r o f é t i c a . Quando pronuncia o oráculo divino, o profeta às vezes move as vontades do povo, como pregador, e, às vezes, prevê o futuro. Essa previsão do futuro é amiúde um atuar sobre ele, não por força mágica, mas pela virtude da palavra divina. divina. O oráculo penetra como co mo elemento elemento ativo ativo na complexa reação da história humana, não permanecendo como simples cons tatação apriorística. aprioríst ica. Isso não nã o anula a previsão divina, já que o oráculo se baseia baseia no jogo das vontades humanas. hum anas. As chamadas ch amadas profecias condicionadas situam o seu dinamismo na encruzilhada das decisões humanas e, por isso, não são simples previsões. Pode-se Pode -se ver o meu artigo L’ L ’infaillibilité infaillibilité de 1’ 1’oracle prophéprop hétique in U i n f a i l l i b i l i t é : s o n a s p e c t p h i l o s o p h i q u e e t t h é o l o g i q u e (Paris, 1970), 495-503. A d e c l a r a ç ã o de Deus é válida não por constatar o já existente, mas por criar a situação; situaçã o; nisso é como a sentença sentenç a judicial. Quand Qu andoo Davi se arrepend arrep endee do adultério adultério e assassinato, assassinato, o oráculo lhe diz: “O Senhor perdo ou o teu pecado” pecado ” . O mesmo mesmo ocorre nas sentenças sentenças de condenação: conden ação: “Por “P or três três pecados de NN e por po r um quarto, não perdoarei” (Amós). O n o m e de Deus “Senhor” (Iahweh), quando é a garantia da autoridade de um preceito, destaca também o seu dinamismo: 3 “Cumpri minhas leis e meus mandamentos, que dão vida àquele àquele que que os os cumpre. cumpre. Eu sou o Senhor”. “Respeitai os vossos pais. Eu sou o Senhor”. “Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”. (Lv 18,5; 19,3.18) Quando os sacerdotes o invocam sobre alguém, como bênção: “Invocarão assim o meu nome sobre os israelitas e eu os abençoarei” (Nm 6,27). E quando se impõe a uma criança um nome teofórico, invocando prote ção contínua sobre a sua pessoa. Não N ão é apen ap enas as a senten sen tença ça judic ju dicial ial que se compõ com põee de palav pa lavras ras dinâm din âmica icas; s; também a ca c a u s a j u d i c ia l dirigida por Deus: perguntas, argumentos, interpela ção, denúncia, denúncia, ameaça, testemunho. A palavra de Deus encurrala agressi agressiva va mente o homem, até que este confessa: 7
“Escuta, povo meu, que vou falar-te; Israel, vou testemunhar contra ti.
16 Po r que recitas recitas meus preceitos, preceitos, e tens sempre na boca minha aliança, 17 tu que detestas minha minh a disciplina e dás as costas a meus mandamentos? ti g u o T e s ta m e n to 3. R. Criado, Criad o, E l v a lo r d in â m ic o ã e l n o m b r e d iv in o en el A n tig (Granada, 1950).
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18 Quand Qu andoo vês um ladrão, ladr ão, corres com ele, ele, e te juntas aos adúlteros. 21 Ages assim e vou me calar? cala r? Crês que sou como tu? Acusar-te-ei, te lançarei tudo isso à face” (SI 50). No outro ou tro extre ext remo mo,, a pala pa lavr vraa do povo pov o que ora também possui um dinamis mo concedido por Deus e pode resgatar a imanência e atuar na esfera sagrada, chegando até Deus. Um caso admirável é a intercessão de Moisés, que obtém a vitória dialogando com Deus: “E o Senhor se se arrependeu arrep endeu da ameaça ame aça que pro nunciara contra seu povo” (Ex 32,14). Finalmente, quando Deus jura jur a por sua vida, a palavra atinge a intensidade da vida divina. O Livro da Consolação (Is 40-55) oferece material para uma síntese ou par p araa uma um a medi me ditaç tação ão sobre sob re a pala pa lavr vraa ativa ativ a de Deus. Deus . Palavra de vocação, que determina os eventos: “Quem o fez e cumpriu? Aquele que anuncia o futuro de antemão” (41,4). Palavra que nomeia, tomando posse: “Não temas, que te redimi, chamei-te pelo teu nome: tu és meu” (43,1). Palavra que anuncia eficazmente e cumpre a palavra do profeta: “Mas realiza a palavra de seus servos, cumpre o projeto de seus mensageiros; aquele que diz: ‘Jerusalém, serás habitada; cidades de Judá, sereis reconstruídas; ruínas, vos reerguerei’; aquele que diz: ‘Ciro, tu és meu pastor e cumprirás cumprirás todo o meu desígn desígnio” io” ’ (44 ,26s.). ,26s .). Palavra irreversível: “De minha boca sai uma sentença, sentença, uma palavra irrevogáv irrevogável” el” (45 ,23 ). Palavra escutada pelos céus e pelos reis: “Minha destra estendeu o céu; eu os chamo e junto ju ntoss se apre ap rese sent ntam am”” ( 4 8 ,1 3 ). “Eu, eu é que falei, e eu o chamei, e o trouxe, e concedi êxito a seu empreendimento” (48,15). Palavra de vocação, que comunica eficácia à palavra do profeta: “O Senhor me chamou desde o ventre de minha mãe, nas entranhas maternas, e pronunciou meu nome. Fez de minha boca uma espada afiada” (49,1-2).
Evangelhos
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Esses textos, escolhidos dentre os mais significativos, caracterizam-se por uma grande inclusão que abre e encerra o livro. As palavras pron unciadas unciad as nes ses capítulos, espécie de poema ou canto fluvial, são verdadeiras e ativas, por que são palavras de Deus. “Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, senão depois de regar a terra, de fecundá-la e fazê-la germinar, para pa ra que qu e dê sement sem entee ao seme se mead ador or e pão pã o ao que qu e come, assim será minha palavra, que sai de minha boca: não voltará a mim vazia; mas fará a minha vontade e cumprirá meu encargo” (55,10.11). O Antigo Testamento concebe assim a palavra de Deus: não apenas como instrumen instru mento to cognoscitivo, mas também como força forç a em ação. O seu reino é a criação, a história, a redenção. Opomo-nos Opomo -nos a essa essa concepção da palavra? ProPro tegemo-nos dela, declarando-a primitiva, ingênua, ou alegórica e fantástica? Cui dado! O que se se mostrará mo strará equivocado será a nossa concepção ou a nossa limitada limitada experiência da palavra: instrumento neutro, sinal convencional, veículo transi tório. Reconhecemos Reconh ecemos na teoria o poder das idéias, mas, na prática, prática , estamos submetidos ao poder das palavras, não enquanto som vazio, mas de acordo com a sua natureza significativa. Uma reflexão sincera leva-nos ao reconhecimento da energia da lingua gem humana e, a partir daí, podemos investigar a energia de salvação com que Deus carrega a sua palavra. EVANGELHOS Os evangelhos apresentam-nos Cristo falando e agindo pelas terras da Pa lestina, pregand preg andoo o reino dos céus, fazendo milagres. Involun Inv oluntariam tariam ente, ente , sem uma formulação explícita, fazemos uma divisão conseqüente das duas atividades de Cristo Cr isto : suas palavras pala vras ensinam, suas obras ob ras salvam. 4 Vejamos um caso adicional: adicional: a ressurreição ressurreição de Lázaro, Lázaro , contada por João. João . Um enunciado sobre a pessoa de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida” ; não apenas “eu trago, eu anuncio anu ncio”” , mas “eu sou”. sou” . Cristo revela a vida e dá a vida, porq po rque ue ele p rópr ró prio io é a vida vid a e, desse dess e centro cen tro,, irra ir radi diaa a vida vid a até p ara ar a os m orto or tos, s, em função da ressurreição de Cristo. Cristo. Uma informação revela-nos os sentimen sentimen tos tos de Jesus: “Quando “Qu ando os viu viu chorando, chorando , comoveu-se”. Nessa participação participaçã o sin cera, cordial, Cristo demonstra e atualiza a sua solidariedade radical com os homens; nela se realiza uma comunicação concreta com os que choram e com o amigo amigo vencido pela morte. As irmãs, de boa-fé, e alguns alguns judeus, murmu mu rmuran ran do, imaginam imaginam que, se estivesse estivesse presente, presen te, Cristo evitaria essa morte: mo rte: “Se esti esti vess vesses es aqui, ele ele não teria teria mo rrid o. . . Não pôde aquele aquele que que abriu os olho olhoss de de um cego cego de nascimento evitar que este este homem morresse?” m orresse?” . Eles não especif especifi i cam como seria essa eficácia de Cristo; as irmãs só enunciam a presença, os 4. K. Wen nemer, Theologie ães Wortes in Johannesevangelium. Das innere Verhaltnis ães verkündigten logos theoü zum persõnlichen Logos: “Scholastik” 38 J e s u c r is to -P a la b r a y p a la b r a ã e J e s u c r i s to (Mé (1963), 1-17. A. González Morfín, Je xico, 1962).
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No cont co ntex exto to ão Espí Es píri rito to:: a força for ça
que murm uram recordam uma ação. Outro enunciado como testemunho: Cristo Cristo dá graças ao Pai, porque este o escutou, e dá graças em voz alta, para que os presen pre sentes tes acred ac redite item m em sua missão. mis são. P o r fim, Cristo Cr isto grita gr ita:: “Láz “L ázar aro, o, vem para pa ra fora!” . E Lázaro o fez. fez. Que o milagre realiza? H á várias respostas para p ara isso: isso: o poder pod er pessoal pessoal de Cristo, Cristo, a compaixão comp aixão de Cristo, a oração oraç ão de Cristo, a palavra pala vra de Cristo. Todas, se bem entendidas, são parcialmente verdadeiras: o poder de Cristo advém de sua missão, atualiza-se na oração, passa à ação por sua compaixão e realiza o prodíg pro dígio io pela pe la pala pa lavr vra. a. Perig Pe rigoso oso e falso fals o seria ser ia imag im agina inarr aqui aq ui uma um a espécie esp écie de ocasionalismo: a onipotência de Deus atua de modo imediato e o resto só serve par p araa que o públic púb licoo seja inform inf ormad ado. o. Essa é uma um a concepção inaceitável para um cristão. cristão. Levada Leva da às últimas últimas con seqüências, significa que a onipotência de Deus nos salva e que a encarnação é desnecessária; ou, por Cristo ter se sacrificado, Deus nos dá um prêmio de vida, vida, ou então, pela palavra de Cristo, Deus faz um milagre. Quem crê c rê na encarnação rejeita qualquer tipo de ocasionalismo. Não N ão se tra tr a ta de imag im agina inarr o que Deus De us pôde pô de fazer, faz er, mas ma s de comp co mpre reen ende derr o que fez. fez. O amor de Deus não é um querer que rer de longe, longe, é Cristo chorando choran do co nosco; o cego não é curado pela onipotência divina, mas por um pouco de lama aplicado por Cristo, bem como pela ordem de lavar-se; e não é a vontade divina que nos salva, mas a morte mo rte e ressurreição ressur reição de Cristo. Isso porqu po rqu e a Pa lavra de Vida não é uma formosa concepção platônica, mas algo que vimos, ouvimos e pegamos. Afirmado o princípio, não podemos restringir a força salvadora de Cristo às suas ações, ações, excluindo as suas palavras. palavras . Assim como todas as ações de Cristo são palavras, à medida que revelam o Pai, assim também todas as palavras são ações e possuem energia. No caso de Lázaro, Lázar o, o poder pod er que restitui a vida está nas palavras “Lázaro, vem para fora!”; elas fazem o milagre e, ao mesmo tem po, revela rev elam m o seu se u sentid sen tido. o. É um pode po derr de salva sa lvaçã ção, o, porq po rque ue,, n a pala pa lavr vra, a, Cristo Cr isto prese pr esentif ntifica ica,, de ante an tem m ão, ão , a sua ressu re ssurr rreiç eição ão.. E esse pode po derr da pala pa lavr vraa não nã o se restringe aos milagres, mas abrange abran ge todas toda s as palavras palav ras de Cristo. C risto. Basta Bas ta aludir aqui a coisas conhecidas. Quando ensina, Cristo o faz com autoridade: autoridade : “Quando “Qu ando terminou seu dis dis curso, a gente se admirou porque lhes ensinava com autoridade, e não como os letrados e fariseus” (M t 7,28-29; Lc 4,32 4, 32 ). As pessoas pessoas não admiram ape nas a profundidade, a novidade ou o estilo dessa doutrina; na verdade, reco nhecem nela um um poder, porque porq ue o experimentaram. Uma possível possível tradução traduç ão livre do grego efouoia seria “era convincente”. Cristo chama, e seu chamado eficaz eficaz é a vocação. Repete Rep ete o chamado e a vocação se torna convocação. “Nomeia” “Nom eia” apóstolos os doze especialmente especialmente chamados; dá o nome de Pedro a Simão. Cristo ordena aos ventos e às águas, à febre e aosdemônios, aosdemônios, e o seu im pera pe rativ tivoo é pode po deros roso, o, irresistív irre sistível. el. São pouc po ucos os os milagr mil agres es que Cristo Cri sto reali re aliza za sem palav pa lavras ras,, como com o quan qu ando do “lhe “l he escap esc apa” a” o pode po derr pela pe la b a rra rr a da capa. ca pa. U m lepro lep roso so recorre à sua vontade — “se queres” — , e Cristo Cristo impõe a sua vontade em duas palav pa lavra ras: s: “Que “Q uero ro;; fica lim po” po ” . Cristo prom lei com plena autoridad autor idade: e: “Mas eu vos digo” digo” ; e pr omul ulga ga a sua lei essa lei pode transformar-se numa bem-aventurança. p erdd ão : “O Filho do Homem Cristo pronuncia a sua palavra eficaz de per Hom em tem poder para perdoar os pecados”; e Cristo concretiza esse poder numa sen tença salvadora.
No N o v o T e s ta m e n to
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Cristo pronuncia a sua palavra sobre o pão e o vinho, e o sacrifício imi nente se presentifica, pão e vinho tomam-se a sua carne e o seu sangue, é esta beleci bel ecida da uma um a alian ali ança ça que é, a um só tempo tem po,, um testam tes tamen ento. to. Cristo ora ao Pai e o Pai o escuta. A palavra de Cristo Cristo não nã o só é meio para conhecer como também espírito espírito e vida. E a força forç a de sua palavra pala vra reside em sua pessoa pesso a e em sua missão; não se deve concebê-la concebê-la independentemente da obra redentora. As suas palavras tam bém adqu ad quire irem m nova no va força fo rça depois dep ois da ressu res surre rreiçã ição, o, pois, poi s, ao seu lado, lad o, sofre so freram ram uma espécie espécie de morte, morte , limitação e fracasso. Se a palavra pala vra de Cristo, em sua vida mortal, foi poderosa — “poderoso em obras e palavras” —, depois da res surreição ultrapassa os limites e vence os obstáculos — “a palavra de Deus não está está presa” . E essa essa é a palavra que chega chegaa nós, cristãos. cristãos. Parece para pa ra doxo, mas é verdade: agora, lemos o Evangelho e escutamos Cristo melhor do que o fizeram os apóstolos durant du rantee a vida mortal morta l de Jesus. Assim como a eucaristia é hoje o corpo do Senhor, Kopioç, Cristo glorificado, assim também o evangelho evangelho é hoje a palavra de Cristo Cristo glorificado. glorificado. Ela passou pelo túnel da morte sem corromper-se e ressurge para não perecer — “já não morrerá” mo rrerá” . Do mesmo modo, as suas palavras “não perecerão ” . Portanto, Portan to, depois depois da ressur ressur reição, as palavras de Cristo não só são mais bem entendidas como atuam de maneira mais eficaz. À luz desses princípios, e considerando que toda a força da palavra reside em Cristo, veremos outros textos do Novo Testamento nos quais a palavra dá testemunho de si mesma, e o seu testemunho é verdadeiro. NO N O V O TE TEST STA A M ENT EN T O H. Schlier, Rasgos fundamentales de una teologia de la Palabra de Dios en el Nuevo Testamento, Concilium 33 (1968): (1968): 369s. Cf. J. M ateos, ate os, E l N T y s u m e n s a je , introdução à sua tradução do Novo Testamento (Madri, 1975), 13-44; id., Palabra in V o c a b u l á r i o t e o l ó g i c o d e i E v a n g e l i o d e J u a n (Madri, 1980), 236-240.
O NT, refere-se à palavra de Deus também como “escritura”; primeiro ao AT e, por conseqüência, ao NT. Assim como nos oferecia o texto fundamental sobre a palavra inspirada, Hb também nos oferecerá um texto desse tipo acerca da eficácia dessa palavra: “A Palavra de Deus é viva e enérgica, mais penetrante que uma espada de dois gumes; pene pe netra tra até a união un ião de alma alm a e espírit esp írito, o, de órgãos e medulas, julga jul ga sentim sen timen entos tos e pens pe nsam amen ento tos” s” (H b 4 ,1 2 ). Cf. L. Alonso Schõkel e P. Proulx, Hb 4,12-13. Composición y estructura, B ib 34 (1973):431-439.
Deve-se observar a posição enfática do adjetivo “viva”, que, no original, encabeça encabeç a toda tod a a frase. Viva como Deus, tem a atividade que qu e é o poder de Deus agindo; concretamente, a sua atividade é um penetrar no mais recôndito, no mais íntimo do ser, nesse ponto misterioso em que o espírito encontra o nosso princípio vital. vital. Ela possui, possui, aí dentro, um a capacidade de julgar e de de
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sentenciar, porque obriga o homem a tomar posição; não são possíveis, diante dessa palavra, a dissimulação, o compromisso. Repassemos Repassem os os três adjetivos: viva, viva, enérgica, penetrante pene trante.. Aquele Aqu ele que, em em nome da inerrância, não aceitar esses adjetivos estará acusando a Escritura de erro. Aquele que, em nome da inerrância, esquecer esses esses adjeti adjetivos vos estará se se tornando impenetrável à energia energia da palavra. palavra. Esperemos que a palavra possa possa pene pe netr trar ar nele. nele . Um dos dois textos clássicos dos manuais, usado para provar o fato da inspiração, prova também, caso seja citado na íntegra, a virtude dessa palavra. O contexto é uma carta pastoral: conselhos e doutrina para um pastor de almas. Pode-se interpretar nesse sentido limitado a fórmula “homem de Deus”, o que dá à Escritura Escritu ra um valor instrumental no texto. texto. Mas, tratando-se tratand o-se da atividade atividade pasto pa stora ral,l, esse efeito efei to ultra ul trapa pass ssaa os limites limite s do pasto pa storr ou do bispo, bisp o, pois todo tod o o seu sentido se dirige à vida cristã dos seus seus fiéis. fiéis. Nisso, Paulo Pau lo é categórico: “Tu, permanece no que aprendeste e te confiaram, pois sabes de quem o aprendeste. deste. Desde a infância, infância, conheces conheces a Sagrada Escritura, capaz de instruír-te instruír-te para a salvação concedida pela fé em Jesus Cristo. Pois toda a Escritura Esc ritura é inspirada e serve para ensinar, repreender, corrigir, instruir na justiça; para que o homem de Deus esteja em forma, equipado para toda boa obra” (2Tm 3,14-17). Na N a obra ob ra da salvaç sal vação, ão, que se realiz rea lizaa pela pe la fé em Cristo Cri sto — isto é, pela pe la acei tação e pela entrega — , a Sagrada Escritura tem uma função particular, particula r, um pode po derr de confe co nferir rir ao home ho mem m a sabe sa bedo doria ria:: sabe sa bedo dori riaa que não nã o é ciênc ciê ncia ia teóri teó rica ca nem habilidade prática, mas tem conotação con otação moral. Timóteo familiarizou-se familiarizou-se desde a infância com a Escritura, não havendo necessidade de demonstrar-lhe o poder desta última; essas letras sagradas possuem “espírito” e, por isso, são úteis e eficazes para ação apostólica. Sente-se um afã de totalidade, de integralidade, nessa enumeração e nes ses adjetivos escolhidos, na ampliação amplia ção rítmica da última frase. Paulo Pau lo afirma afirm a de de passag pas sagem em a inspir ins piraç ação ão,, por po r que deseja des eja enfat en fatiza izarr a forç fo rçaa salva sal vador dora. a. N atur at ural al mente, ela não possuiria essa virtude se fosse uma palavra falsa ou errônea; um pouco antes ele dizia que “os malvados e sedutores avançam na maldade enganados e enganando”, e esse é um fundo de contraste para o que se segue. Contudo, a conseqüência primeira, a razão de ser da inspiração, é que a pala vra atua com eficácia na vida cristã, através da ação apostólica do pastor. Tomás de Aquino comenta essa eficácia: eficácia: “O efeito efeito da Escritura é quádru quádru plo: pl o: na ordem or dem teórica teór ica,, ensin en sinar ar a verd ve rdad ade, e, refu re futa tarr o erro er ro;; na orde or dem m prát pr átic ica, a, arrancar do mal, induzir ao bem; o último efeito é levar os homens à per feição”. 5 Na N a mesma mes ma epísto epí stola la lemos lemo s outr ou troo text te xtoo inter int eress essan ante; te; Paul Pa uloo reco re cord rdaa o seu “evangelho” ou proclamação, cujo conteúdo substancial é Cristo ressuscitado e glorificado — por isso, ele não é uma mera informação indiferente, que possa ser calada ou suprimida, ou pelo menos contrariada com propaganda oposta. Sendo ao mesmo tempo palavra sobre o Senhor glorificado e do Senhor glori ficado, não é possível possível aprisioná-la: aprisioná-la: “Lembra-te “Lem bra-te de Jesus Cristo, Cristo, ressuscitado ressuscitado da morte, nascido da linhagem de Davi, segundo o que te anunciei. Por Po r esse evan gelho me maltratam a ponto de encarcerar-me, como a um malfeitor; mas a Palavra de Deus não está está encarcerada!” encarcerad a!” . . . (2,8(2 ,8-9) 9).. 5.
Citado por Spicq, L e t tr e s P a s to r a le s , p. 378.
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A epístola mais antiga antiga de Paulo é lT s. Paulo fez fez ressoar e escutar a sua palav pa lavra, ra, e essa pala pa lavr vraa é de D eus; eu s; Deus De us fala fa la por po r Paul Pa ulo. o. Os cristã cri stãos os aceita ac eitam m essa pregação; sabendo que é palavra de Deus, não a recebem como palavra pura pu ram m ente en te hum hu m ana, an a, mas ma s em tod to d a a sua real re alida idade de,, que a fé desco des cobre bre e assimila. Essa palavra, recebida pelos fiéis, não é uma informação teórica nem um dado inerte; ela possui possui energia: “Damos graças a Deus sem sem cessar; cessar; pois, pois, ao ouvir-nos preg pr egar ar a mensa me nsagem gem de Deus, De us, n ã o a acolheste acolh estess como com o pala pa lavr vraa hum hu m ana, an a, mas como com o o que é realmente, como Palavra de Deus que estende sua energia (evgpYsixat) a vós, os crentes” (lTs 2,13). Rm oferece-nos dois testemunhos testemunh os importantes. O primeiro, no início início da epístola, epístola, é program prog ram ático: “Não “N ão me envergonho do do evangelho, evangelho, força forç a de Deus (Suv (Suvap aptç tç 6eou 6eou)) par p araa salvar a todo tod o aquele que crê” (1 ,1 6 ). O evangelho é a pregação de Paulo, é a Palavra ressoante que anuncia o mistério de Cristo; esse evangelho não apenas fala do poder de Deus com vistas à salvação, como também é o poder de Deus Deus em em ação. ação. Como toda a obra da salvação, salvação, realiza-se pela pe la fé; o seu pode po derr não nã o é mecâ me cânic nicoo nem ne m coativo coa tivo — o home ho mem m pode po de consci con scien en temente rejeitá-lo. rejeitá-lo. Mas aquele que o recebe, recebe nele a salvação. salvação. O outro texto está mais no final da epístola e é uma síntese de vida cristã. O mistério mistério de Cristo consumou-se na morte m orte e ressurreição. Cristo sofreu sofreu até a morte, mor te, e o Pai o ressuscitou e glorificou. Morremos Morre mos e ressuscitamos com Cristo, part pa rtic icip ipan ando do nest ne staa vida vi da de seus sofrim sof riment entos os e de sua su a glorific glor ificaçã ação. o. Parti Pa rticip cipam amos os de sua morte quando sofremos com paciência e de sua ressurreição quando recebemos recebem os a sua graça e o seu consolo. O aspecto admirável dessa participaç parti cipação ão é que o consolo se enxerta justamente no sofrimento; dessa maneira, experi mentamos de fato o poder de Cristo glorificado e, com essa experiência, con firma-se a nossa esperança de uma glória final, que será total participação na glória de Cristo. Sofrer com paciência é uma um a graça, sentir o consolo no sofri mento é uma graça, e essa essa graça nos é dada pelas Escrituras: “Tudo o que que está escrito, foi escrito para nosso ensinamento, a fim de que, entre nossa cons tância tância e o consolo consolo dado pelas Escrituras. Mantenhamos Mantenham os a esnerança” esnerança ” (Rm 15,4). para klesis, is, com inevitável alusão ao paraklet para kletos, os, Em grego, esse consolo é parakles o Espírito consolador que Cristo ressuscitado envia do céu, também sob a forma de escritura inspirada. Eíá um texto semelhante semelh ante em lM c 12,9: “Com o estímulo estímulo dos livros san L o s Libr Li bros os Sagrados Sagrad os tos, não necessitamos de tais alianças”; cf. Macabeos in Lo (Madri, 1976), 109. Em lPd lemos uma exortação ao amor mútuo, fraterno; esse amor deve proc pr oced eder er do nasci na scime mento nto comum com um,, que cria cr ia um paren pa rentes tesco co espirit esp iritua ual,l, da mesma mes ma maneira que o nascimento numa família cria vínculos vínculos de amor. O nascimento espiritual não é resultado de uma semente corruptível, mas de uma semente incorruptível, incorrup tível, por meio da palavra pala vra de Deus que vive vive e permanece. perman ece. Deus Deu s vive vive e transmite a sua vida, vive para sempre e pode oferecer uma vida perdurável. Ele o faz por intermédio da Palavra, que, como Ele, permanece para sempre. A palavra de Deus é o AT, que, como palavra de Deus, não terminou, mas continua e se realiza plenamente na palavra do evangelho: “Internamen “Intern amente te pu pu rificados pela resposta à verdade, que leva ao carinho sincero pelos irmãos, amai-vos amai-vos uns uns aos aos outros de coração e intensamente. Porque Porqu e renascestes, renascestes, e não de uma semente mortal, mas de uma imortal, por meio da palavra de Deus viva e permanente; porque ‘todo mortal é erva e toda a sua beleza é flor de
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erva: seca a erva erva e cai a flor. flor. Por Po r sua vez, vez, a palavra do Senhor permanece para sempre’ sempre’.. Esta é a palavra que vos vos anunciaram” ( lP d 1,22-25). O desenvolvimento vital da palavra de Deus aparece várias vezes em AT, descrevendo o crescimento e a consolidação da Igreja. Observemos essa fun ção eclesiásti eclesiástica ca da palavra — funcional na época, vital sempre. sempre. “A mensagem de Deus ia se estendendo, e, em Jerusalém, crescia muito o número dos discí pulo pu los” s” ( 6 ,7 ) . “A mensag men sagem em do Senh Se nhor or se espalh esp alhava ava e se prop pr opag agav ava” a” (1 2 ,24 ,2 4 ). “A mensag mensagem em do Senhor se difundia difundia vigorosamente” (19,2 (1 9,2 0). 0) . “A mensagem mensagem da verdade verdad e chegou até vós. vós. Assim, em todo o mundo, vai dando dand o crescente fruto” fru to” (Cl 1,6 ). Em grego, grego, “mensagem” “mensagem ” é Xoyos. Não Nã o só o hom em que crê pode po de ser santifi san tifica cado do pela pe la pala pa lavr vraa de Deus, Deu s, mas todas as as criaturas. A palavra divina criou-as e, por po r isso isso,, todas são belas ou boas, boa s, inclusive incl usive o aliment alim entoo e o matrim ma trim ônio. ôn io. A pala pa lavr vraa divina, divina , santific san tificaa e, assim sendo, devem ser aceitas aceitas com agradecimento: agradecim ento: “Tudo “Tud o o que Deus criou c riou é bom, não se pode desprezar nada; basta tomá-lo com agradecimento, pois a palavra de Deus e nossa oração o consagram” consagram” ( lT m 4,4 ). Deus toma a iniciativa da salvação; assim como, em outra época, com a sua palavra palav ra poderosa, podero sa, ele foi chamando chama ndo as criaturas à existência, existência, assim assim tam tam bém agora, ago ra, com a sua palav pa lavra ra verda ve rdade deira ira,, dá a vida aos escolhi esc olhidos dos de sua cria cria ção, os cristãos. Cabe a nós uma atitude humilde para receber essa palavra palav ra que Deus semeia ou planta dentro de nós, a fim de que ela realize a nossa salvação: “Por “P or vontade própria ele ele nos gerou pela Palavra da verdade, a fim fim de sermos como que as as primícias primícias dentre as suas cria turas tur as.. . . P or essa ra z ã o . . . recebei com humildade a Palavra que foi plantada em vossos corações e é capaz de salvar as vossas vidas” (Tg 1,18.21). Escutemos, para terminar, a emocionada despedida de Paulo; que ela seja objeto da nossa meditação: “Sabeis como me comportei convosco todo esse tempo, desde o dia em que pela primeira vez pus o pé na Ásia: servi ao Senhor com toda a humildade, entre as penas e provações que as maquinações dos judeus me proporcionaram. Sabeis que não me recusei a vos pregar nada do que vos fosse útil e a vos ensinar pública e privadamente, instando a que judeus e gregos se convertessem a Deus e cressem em Nosso Senhor Jesus. “Agora me dirijo dirijo a Jerusalém, impelido pelo Espírito. Não sei o que me aguarda ali, só sei que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que cárceres e lutas me aguardam. aguardam . Mas para pa ra mim a vida não importa; imp orta; devo com com plet pl etar ar minh mi nhaa carre ca rreira ira e cum cu m prir pr ir o ministé min istério rio que o Senh Se nhor or Jesus Jes us me confer con feriu: iu: ser testemunha da boa nova, do favor de Deus. “Olhai agora: sei que nenhum daqueles entre os quais preguei o Reino voltará a ver-me. Por Po r isso isso declaro que não sou responsável pela sorte so rte de nin guém, porque não me recusei a anunciar-vos o plano de Deus integralmente. Cuidai uns dos outros e de todo o rebanho de que o Espírito Santo vos cons tituiu guardiães, sendo pastores da Igreja de Deus, que ele adquiriu com o sangue de seu Filho. “Bem sei que, quando vos deixar, introduzir-se-ão entre vós lobos ferozes que não pouparão o rebanho; mesmo do meio de vós surgirão alguns que cor romperã rom perãoo a doutrina, doutrin a, arrastando arrasta ndo os discípulos discípulos atrás de si. si. Por Po r isso, isso, estai alerta: recordai que durante três anos, de dia e de noite, não cessei de aconselhar com lágrimas nos olhos a cada um em particular. “Agora deixo-vos nas mãos de Deus e da mensagem de sua graça, que tem pode po derr p ara ar a edifica edif icarr e dar da r a hera he ranç nçaa a todos tod os os cons co nsag agrad rados os”” (A t 20,1 20 ,188-32 32). ).
Santos Padres
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Toda a atividade apostólica de Paulo consistiu no processo de construir a Igreja de Cristo, de distribuir a herança do reino dos céus, por meio da pro clamação do evangelho. evangelho. Essa atividade será concluída conc luída numa num a região região da Igreja, e Paulo não pode p ode partir par tir sem sem deixar algo que continue a tarefa. A Igreja Ig reja de Éfeso é confiada aos seus pastores, e estes o são a Deus e à palavra de Deus; essa palavra continuará construindo a Igreja e distribuindo a todos a herança do reino. Nós Nó s não nã o conh co nhece ecemo moss pesso pe ssoalm almen ente te Paul Pa uloo nem ne m o acomp aco mpan anha hamo moss chor ch oran ando do até o barco, mas ele nos deixou a sua palavra, e nós a recebemos — como de fato o é — enquanto palavra de Deus; e essa palavra continua construindo, em nós e a partir de nós, a Igreja. SANTOS PADRES Veja-se o recente e sugestivo estudo de Linus Bopp, The Salvific Power of the Word According to the Church Fathers in Toward a Theology of the Word (Nova Iorque, 1964), 147-167. Em dez parágrafos, o autor expõe o paralelismo encarnação-inspiração; o seu valor de complemento da eucaristia, enquanto louvor e oferenda; complemento da eucaristia enquanto alimento da alma; objeto de culto, paralelo à eucaristia; doador de vida, como o batismo; instrumento de per dão dos pecados, como a penitência; portador do Espírito Santo, é como uma confirmação; pronunciado na missa, une-nos aos mistérios da redenção e trans forma-nos em Cristo; revela a dignidade do homem e a vocação do universo; reúne a família da Igreja.
Os santos padres retomam a despedida de Paulo e continuam a construir a Igreja com a palavra e a professar o poder salvador dessa palavra. “Irmãos e irmãs: escutamos o Deus verdadeiro e agora eu vos leio a mi nha exortação, para que, considerando o que está escrito, vós vos salveis a vós mesmos e àquele que lê no meio de vós.” 6 “As Sagradas Escrituras e as sábias instituições conduzem-nos rapidamente à salvação.” 7 “É impossível não serem sagradas essas letras que não só tornam santos como também chegam a tornar divinos.” 8 “As fontes da salvação são os santos profetas, evangelistas e apóstolos, que, assistidos pelo Espírito Santo, oferecem ao mundo a palavra sublime, ce lestial, lestial, salvado salv adora.” ra.” 9 “A alma pode adoecer e curar-se com as palavras, pois elas a impelem à cólera e a amansam; um mau discurso inflama-a em concupiscência e uma pa lavra honesta leva-a leva-a à temperança. Portanto, Porta nto, se a simple simpless palavra tem tal poder, x a i aõsXzpai, iiexa t o v 0 e o v ttjç aÀ7;0sta(;, avaytyvcoaxw up.i-v sv6. QatE Qa tE,, aSeÀ aSeÀtp tpot ot xa tsugiv eiç to 7tpo 7t poas asxEl xElvv TOta yeyp ye yp ap psvo ps vo iç, iç , y-at eosotouç owo7)t£ xai xov avayiyvwaxcma sv utnv (Clemente Romano 2C 19, 1). 7. Tpacp Tp acpai ai Ss a i 0s 0 s ta i x a i Tco TcoÀ ÀLTEiai iai awcp awcppo povE vEÇ Ç ouvTO ouvTOp.o p.oii owzrjpiaç oSoi (Clemente Alexandrino, Cohortatio 8; PG 8, 188; GCS 59). 8. I z o o í yap coç aÀr;0coç z a ispoTLoiouvxa xaiflsoTroiouvTa ypap.paTa (Clemente Ale xandrino, Cohortatio 9; PG 8, 197; GCS 65). ayiouç npocprjzaç EuayyEÀiaTaç xai a9. £üU7)piou Se iz-qyaç sivat cpapsv no n o o zo lo o ç, ot avwQsv avw Qsv xai e§ oupavou x a i oiüzrjpt oiüz rjptov ov « o %oo\m ftpuouoi Àoyov, x 0?7)' 0?7)' D e r e c ta fid fi d e , 2, 1; PG youvxoç auxoiç aywu ay wu TTveupaxoç (Cirilo (C irilo Alexa Ale xand nd rino, rin o, De 7 6 , 1337). t o u ç
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por p or que qu e sube su besti stima marr a Escri Es critu tura ra?? Se a exor ex orta taçã çãoo pod po d e tant ta nto, o, que qu e não nã o p o d erá er á uma exortação inspirada? Pois a palavra que ressoa das das divinas divinas Escrituras amo lece a alma endurecida mais do que o fogo e a dispõe para toda obra boa.” 10 “Do campo provém o gozo da messe, da vinha, o fruto que alimenta; da escritura, escritu ra, a doutrin do utrinaa que dá vida.” vid a.” 11 “Bebe-se a Sagrada Escritura, devora-se a Sagrada Escritura, quando o po p o d er da pala pa lavr vraa etern et ernaa desce pelas pe las veias d a alma alm a e pelas pe las potên po tência ciass inte in terio riore res. s.”” 12 Os antigos usavam os evangelhos para expulsar demônios e para curar enfermos, prática que ainda não desapareceu na Igreja. MAGISTÉRIO Escolho três declarações recentes: “Essa é a força própria e singular da Sagrada Escritura, inspirada pelo Espírito Santo, que dá autoridade ao orador sagrado, oferece-lhe liberdade apostólica, apostólic a, confere-lhe uma eloqüência eloq üência vigorosa e convincente. Pois aquele que em seu discurso carrega a força espiritual da palavra de Deus não fala apenas com palavras, mas também com força, com Espírito Santo, com plenitude.” 13 “Pois a palavra de Deus, viva, eficaz e mais cortante que uma espada de dois gumes, que penetra até as junções da alma e do espírito, articulações e medulas, juiz de pensamentos e intenções do coração, não precisa de floreios nem adaptações humanas para pa ra mover os ânimos. ânimos. A Página Sagrada, inspirada pelo pe lo Espí Es pírit ritoo Santo, San to, tran tr ansb sbor orda da p o r si mesma mes ma em sentid sen tidoo natu na tura ral;l; dota do tada da do pode po derr divino, divin o, tem força fo rça p o r si mesma; mes ma; ado ad o rnad rn adaa de beleza bele za sublime, subli me, p o r si mesma reluz e brilha. Basta que o intérprete intér prete a explique de modo m odo integral e exato, revelando todos os tesouros de sabedoria e prudência que ela encerra.” 14 A constituição conciliar sobre a liturgia, enfatiza a presença ativa de Cristo em sua palavra quando a Sagrada Escritura é lida na Igreja. Esse parágrafo coloca a palavra na série “sacrifício-eucaristia-sacramentos-palav -pa lavra-o ra-oração ração”” , toda tod a ela litúrgica. Nas linhas seguintes, ela ela afirma acerca da série litúrgica: “Deus é perfeitamen perfe itamente te glorificado e os homens santificados” santificados ” ; “os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação do hom em” em ” . E a palavra palav ra é um desses desses sinais sinais sensíveis sensíveis.. Leia-se com com atenção ate nção todo o texto: “Para levar a efeito obra tão importante, Cristo está sempre presente em Sua Igreja, sobretud so bretudoo nas ações litúrgicas. litúrgicas. Presente Prese nte está no sacrifí s acrifício cio da missa, 10.
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Ma M a g isté is téri rioo
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tanto na pessoa do ministro, ‘pois aquele que agora se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz’, quanto sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela Sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo Cristo mesmo mesmo que batiza. Presente está pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja. Está Es tá presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prom pr om eteu et eu:: ‘Onde On de dois ou três trê s estivere esti verem m reuni reu nido doss em meu me u nome no me,, aí estar est arei ei no meio deles’.., (Mt 18,20). Realmente, em tão grandiosa obra, pela qual Deus é perfeitamente glori ficado e os homens são santificados, Cristo sempre associa a Si a Igreja, Sua Esposa diletíssima, que invoca seu Senhor e por Ele presta culto ao eterno Pai. Com razão, pois, a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo pecu pe culia liarr a cada ca da sinal, sin al, real re aliza izada da a santifi san tifica caçã çãoo do hom ho m em; em ; e é exercid exe rcidoo o culto cult o públ pú blico ico integ in tegral ral pelo pe lo Corp Co rpoo Místico Míst ico de Cristo, Cri sto, Cabe Ca beça ça e memb me mbros. ros. Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sa cerdote, e de Seu Corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja.” 15 A Constituição Dei De i Verb Ve rbum um alude brevemente ao tema no número 12 (cap. III) e o expõe no capítulo VI, número 21: “A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, da mesma forma como o próp pr óprio rio Corp Co rpoo do Senhor Sen hor,, já que, prin pr inci cipa palm lmen ente te na Sagra Sa grada da Litur Li turgia gia,, sem cessar toma da mesa tanto da palavra de Deus quanto do Corpo do Cristo o pão pã o da vida, vid a, e o distr di stribu ibuii aos fié fi é is. is . . . E é tão tã o grand gra ndee o pode po derr e a eficácia efic ácia que se encerram na palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual.” Recordemos por último a fórmula cotidiana do sacerdote na missa: Per evangélica dieta deleantur nostra delicta (que as palavras do evangelho perdoem os nossos pecados). Essa série de textos escolhidos mostra-nos tratar-se de uma doutrina tra dicional. Devemos agora explicar em que sentido se entende entend e esse esse poder pode r salva dor da palavra inspirada. A palavra de Deus exerce o seu poder salvador sob a forma de palavra. Portanto, não de maneira mágica, como nos textos de execração ou como nas fórmulas, fórmu las, muitas vezes vezes ininteligíveis ininteligíveis,, de feitiçaria. A palavra palavr a purame pura mente nte huma hu ma na é dotada de um poder por ela exercido exercido sob a forma de palavra: quando é entendida e aceita, e, mesmo quando é rejeitada, também pode ter exercido o poder pod er de exigi exigirr uma reação. A palavra p alavra divina possui um poder divino divino na obra da salvação quando é entendida como palavra e aceita na fé; e, se é recusa da, também exerce o seu poder “crítico”. “Um sinal de que a palavra de Deus é ação salvífica atual de Deus está no fato de que a palavra pala vra de Deus conduz ao julgamento. julgam ento. Julgamen Julga mento to signi significa fica aqui, como na Bíblia, uma situação decis decisiva iva da graça. A palavra de Deus é ao mesmo tempo julgamento e graça, porque revela o nosso ser de pecado e, além disso, disso, oferece-nos a salvação em Cristo. Isso suscita crise, na medida m edida em que o homem deve decidir se reconhece o seu ser de pecado e aceita Cristo 15.
Constituição sobre a Sagrada Liturgia, 7.
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como a sua salvação. salvação. Esse tipo tipo de situação decisi decisiva va não é produzido por nenhu ma espécie de verdade, mas apenas pelo confronto atual com o próprio Deus, confronto confronto que acontece na palavra de Deus. E, como a decisã decisãoo pela palavra de Deus é algo necessário, a palavra de Deus é mais do que falar sobre alguma coisa; na palavra de Deus presentifica-se a graça de Deus e, em certo sentido, o próprio Deus.” 16 O costume de ouvir epístolas e evangelhos numa língua ininteligível poderá induzir algumas pessoas a não reconhecer a força da palavra e outras a pen sar num poder oculto ou mágico. mágico. Não deve ser assim; assim; a palavra que qu e não entendo ente ndo não é, é, para pa ra mim, palavra, palavra , mas ruído ou música. Os seus seus efeitos em mim não são efeit efeitos os de linguage linguagem. m. Por Po r isso, isso, na renovação renova ção litúrgica litúrgica promo promo vida pela constituição conciliar, busca-se uma proclamação da palavra de Deus em língua vernácula, a fim de que ela volte a atuar como verdadeira palavra na Igreja. Tratando-se Tratan do-se de uma um a força força sobrenatural, deve deve ser recebida com fé. fé. No mo mo mento inicial, inicial, a proclamação proclama ção evangélica evangélica pode suscitar suscitar a fé: “A fé decorre da mensagem, mensagem, e a mensagem mensagem é o anúncio do Messias” Messias” (Rm 10,17 10 ,17); ); “fui eu quem quem vos vos gerou gerou a vós com o evangelho” evangelho” (IC (I C o r 4,15) 4,1 5) . Essa é a nova criação pela pela palav pa lavra ra salva sa lvador dora. a. O cristão, cris tão, que já possui pos sui a fé, deve escuta esc utarr a palav pa lavra ra de Deus Deu s em atitude explícita explícita de fé — como palav p alavra ra de Deus, que qu e de fato o é. é. Nesse caso, a palavra pala vra irradia a sua energia nos que crêem. No que tem de radical e total, bem como pelo seu caráter de graça, essa atitude de fé cria um novo contexto espiritual, no qual a palavra inspirada pode ressoar de modo adequa do. Fora Fo ra desse contexto, a Bíblia é rebaixa reb aixada da a objeto de estudo, de curiosidade, de deleit deleitee — como palavra puramente humana. Não se pode ler le r a Escritura como qualquer qualque r outro livro, livro, mesmo de cunho espiritual. Na ação litúrgica tem lugar um contexto total de fé e de graça no qual ocorre a proclamação; além disso, em todas as liturgias a proclamação da palavra de Deus é precedida por uma advertência que pretende suscitar reflexivamente a atitude de fé dos ouvin tes; e, assim, o termo “ouvintes” eleva-se à sua plena categoria, que pode de finir os cristãos como verdadeiros ouvintes da palavra de Deus. A ação salvífica da Escritura não é mediata, paralela ou conseqüente com relação à palavra. É possível que alguém alguém conceba a coisa da seguinte ma neira: o homem escuta a palavra de Deus num ato humano (com boa intenção) e, paralelamente, Deus atua dando a sua graça. Desse modo, a graça provém provém integralmente da ação imediata de Deus, ao passo que a palavra é uma ocasião. Essa teoria é inaceitável; eqüivaleria a negar que a palavra de Deus seja uma ação de Deus, ou que este este possa atuar atu ar através de sua palavra. palavra . É um ocasionalismo que não faz justiça aos múltiplos textos da Sagrada Escritura nos quais a palavra dá testemunho de si si mesma. As palavras de Jesus não eram uma um a oca sião para que o Pai fizesse imediatamente os milagres; era Cristo que agia por sua palavra. Pois bem, a Escritura é palavra pala vra de Cristo, sempre presente na Igreja. Nem Ne m sequ se quer er basta ba sta a explicaç exp licação ão de um a ação açã o m edia ed iata ta pela pe la dout do utrin rina; a; isto é, a Sagrada Escritura me instrui, e essa doutrina influencia depois a minha con duta cristã e humana. hum ana. De modo m odo semelhante, a doutrina dou trina que estudo em meu tratado tratad o de teologia ou de moral influi no meu comportam com portam ento cristão. cristão. Isso P a la b ra , em H. Fries (ed.), CFT II (Ed. Cristiandad, Madri, 16. 16. H. Volk, Volk , Pa T979), 263s.
Mag M ag isté is té rio ri o
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está certo, mas não basta. Rebaixar a virtude da palavra de Deus ao nível nível da doutrina doutrin a do meu manual manu al é inaceitável inaceitável.. Deve-se Deve-se insistir insistir no seguinte: seguinte: não se trata apenas de a palavra inspirada falar de Cristo, mas de, nela, Cristo falar “com autoridade” “palavras de vida”; não se trata apenas de ela falar da graça, mas de ser um ato de graça. graça. A palavra p alavra de Deus não é só só fonte de verdades; verdades; é tam bém font fo ntee de graças. graça s. Tampouco é suficiente dizer que a Sagrada Escritura, ou melhor, Deus, outorga graças como prêmio pelo mérito de lê-la; isso eqüivaleria a rebaixá-la ao nível nível de qualquer obra feita feita com boa bo a intenção. intenção. Em Embo bora ra o Espírito possa dar a sua graça de acordo com a sua vontade, objetivamente a sua palavra su pera pe ra as obras ob ras huma hu mana nass boas bo as,, do mesmo mes mo m odo od o como com o o sacram sac ramen ento to da eucaris euc aristia tia supera objetivamente as obras boas porven tura feitas feitas por po r algué alguém. m. E é muito estranho dizer que o Espírito Santo pode dar a sua graça como desejar, exceto o n u s p r o b a n d i ) . por po r meio de sua pala pa lavr vraa (aq (a q u i o on A ação salvífica da palavra inspirada não é sacramental; no sacramento, além da palavra, há uma realidade terrena que atua simbolicamente, isto é, de fato e com a sua característica característic a de símbolo “faz o que significa”. significa” . Por Po r outro lado, a Sagrada Escritura é muito mais do que um sacramental. Semmelroth distingue e une as duas ações do seguinte modo: Cristo rea liza a salvação por sua morte e ressurreição e pela pregação de sua mensagem. As duas coisas fundamentadas e divinizadas na mesma pessoa, as duas comple tando-se mutuamente; além de explicação, a palavra é ação e a ação revela o seu sentido sentido na palavra. palavra. Não podemos pod emos compreender nem po ssuir Cristo se se sepa ramos estas duas realidades realida des de sua vida: ação e palavra. As duas se prolongam prolong am na Igreja: a ação no sacrifício da missa e em todos os sacramentos que con vergem para ele; a palavra na Sagrada Escritura confiada à Igreja e nela pro clamada. As duas realidades realidades atuam em conjunto; conjunto ; a palavra, enquanto enquan to procla mada ou lida, também é ação ação e a ação ação revela revela o seu sentido sentido na palavra. A união litúrgica litúrgica entre palavra e ação não é casual casual nem facultativa: facultativa: “As duas partes, partes, de que consta de certa forma a missa, a liturgia da palavra e a liturgia eucarístic rística, a, estão estão tão estreitamente estreitamente unidas que formam um único ún ico ato de culto”. culto” . 17 Uma concepção demasiado corpuscular da graça e uma idéia muito ritualística dos sacramentos podem atrapalhar o entendimento da doutrina da força salvífica salvífica que a palavra palav ra possui. Insiste-se muito no fato de d e que a graça é uma entidade criada, que Deus vai dispensando por unidades, segundo a sua gene rosidade e os nossos méritos, e, com isso, talvez se negligencie o outro ele mento: o Deus pessoal pessoal benévolo, benévolo, a convivência convivência,, a união. Rahn Ra hner er reformulou a questão, partindo da glória: Deus não comunica a glória celestial por meio de uma entidade criada intermediária que nos satisfaça, mas comunicando-se. Assim, Assim, também podemos conceber a graça como comunicação comunicação e união. Isso não eqüivale a cair num extrinsecismo, como se a graça permanecesse fora da alma sem modificá-la; muito pelo contrário, na medida em que introduz a alma em Deus, a graça torn a-a partícipe partícip e da vida divina. Pois bem, assim assim como no diálogo o homem se dirige pessoalmente a outra pessoa humana, assim tam bém Deus De us,, falan fal ando do-no -nos, s, dirige-se dirig e-se a nós nó s num nu m ato de comu co muni nicaç cação ão;; e comu co muni nica ca ção de Deus é graça: “Pela língua língua dos profetas escutamos Deus conversando conosco” (Crisóstomo). 17.
Constituição Conciliar, n. 56.
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Em sua palavra, Deus mostra-se ao nosso conhecimento, introduzindo-nos no seu mistério; e conhecer conhe cer a Deus é graça: graç a: “E esta é a vida eterna, reconherec onhecer-te a ti como único Deus verdadeiro e a teu enviado, Jesus, como Messias” (Jo 17,3). 17,3 ). Segundo Segundo Gregório Gregório,, conhecemos “o coração de Deus nas palavras de Deus”; de acordo com Jerônimo, “desconhecer as Escrituras é desconhecer a Cristo”. O que foi dito não pretende excluir outras formas de graça nem os as pectos pec tos de dom do m e mérit mé rito; o; prete pr etend ndee tão-s tão -som omen ente te afirm af irmar ar o luga lu garr da pala pa lavr vraa na salvação.18 Quanto aos sacramentos, Schillebeeckx enfatizou a sua função no encontro com Cristo: encontro inferior ao celestial, porque ainda imperfeito, em símbo los e figuras; encontro superio s uperiorr ao natural, natu ral, feito por dedu de duçõ ções es.1 .199 Nesse sen sen tido, a palavra pala vra apare a parenta-se nta-se com os os sacramentos, sacramentos, sem sem ser um deles. deles. De resto, o paral pa raleli elism smoo euca eu caris ristia tia-E -Esc scritu ritura ra rem re m onta on ta ao capít ca pítulo ulo 6 de São João Jo ão.. Dado o caráter da palavra, é razoável reconhecer graus de intensidade ou densidade em sua energia salvadora. salvadora . Também Tamb ém é possível possível que a própria pró pria palavra pa lavra vá desenvolvendo a sua força em diversos graus de compreensão, admitindo ainda graus de acordo acord o com a disposição disposição do ouvinte. Também Tamb ém nesse aspecto os evangelhos ocupam o lugar central e privilegiado. Quando fala do poder “inspirador” da Sagrada Escritura, Orígenes não tenta definir o termo “inspiração” nem estabelecer o sentido primário do texto paulin pa ulino, o, mas apenas ape nas descre des creve verr uma um a carac ca racter terísti ística ca real re al da pala pa lavr vraa insp in spir irad ada: a: “ Os profe pr ofetas tas receb rec eber eram am da plen pl enitu itude de divina, divin a, cant ca ntar aram am o que qu e haviam hav iam receb re cebido ido da plenit ple nitud ude, e, e, por po r isso, os livros sagrad sag rados os exalam exa lam a pleni ple nitud tudee do Espír Es pírito ito,, nada na da havendo nos profetas, na lei ou no evangelho que não provenha da plenitude da divina majestade. Por Po r essa essa razão, na Sagrada Escritura Es critura as palavras plenas plenas continuam inspirando até hoje. Mas inspiram os os que têm olhos para pa ra ver o ce lestial lestial,, ouvidos ouvidos para p ara escutar o divino, divino, olfato para aspirar a plenitude” . 20 A virtude salvífica da Sagrada Escritura é uma energia potencial que deve ser concretizada. E essa concretização concre tização realiza-se em em diversos diversos contextos, à m a neira de círculos concêntricos. LITURGIA As conferências do congresso de Estrasburgo publicadas com o título P a r o le d e D ie u e t L i t u r g ie . E o livro de Daniélou, B íb l ia y L it u r g ia . Sobre a pregação, o volume intitulado La L a P a r o le ã e D ie u e n J é s u s -C h r is t
(Tournai, 1961). Sobretudo a segunda parte, “A proclamação da palavra de Deus: pregação e sacramento”. E. Hãnsli, L a p r e d i c a c i ó n h o y s e g ú n la v is i ó n d e la te o l o g i a v iv a , no volume P a n o r a m a ã e la T e o l o g i a a c tu a l (Madri, 1961), com bibliografia selecionada. Cf. O. de la Brosse, La L a p r e d i c a c i ó n , e m In I n i c ia c i ó n a la p r á c t i c a d e la T e o lo g i a V (Madri, 1986), 307-345; A. Houssiau, L a li tu r g i a , ibid., pp. 346-389, com bibliografia.
O círculo central — proporcionalmente o mais denso círculo de atualiza ção — é a liturgi liturgia. a. Esse princípio norteou o uso uso da Escritura na comunidade 18. O. Schillin Sc hillin g, D a s W o r t G o t t e s i m A lt e n T e s t a m e n t . Z u r D i s k u s s i o n u m d i e S a k r a m e n t a l i t a t d e s W o r t e s G o t t e s , “Miscellanea Erfordiana” (Leipzig, 1962), 7-26. 19. Em P a n o r a m a ã e la t e o l o g i a a c t u a l (Madri, 1961). 20. Orígenes, In I n I e r , homilia 21, 2; PG 13, 536.
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israelita; não apenas os salmos, mas muitos outros textos tiveram uma função litúrgica e continu con tinuaram aram a ser lidos em em contexto context o litúrgico. litúrgico. Liam-se desse modo as epístolas de Paulo e os evangelhos, e muitas vezes era este o critério prático de distinção de textos canônicos: “Lê-se na assembléia litúrgica” litúrg ica”.. Por Po r conse guinte, proibia-se a leitura litúrgica litúrgica de outros textos. textos. Num a época em que a leitura dos livros sagrados decaiu entre os católicos, foi a liturgia que conservou de alguma maneira a prática tradicional. Na N a liturgi litu rgia, a, lê-se a pala pa lavr vraa insp in spir irad adaa como com o font fo ntee de instr in struç ução ão e como com o fonte fon te de graça. graça. Não se trata de recordar recor dar apenas o que Cristo C risto disse disse em em determinada ocasião, mas o que volta a dizer aqui, com a sua autoridade e o seu poder, “locutus est per prophetas, loquitur per lectorem”. “Presente está pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja.” “Pois na Liturgia Deus fala a seu povo. povo. Cristo Cristo ainda anuncia o Evan gelho.” 21 A fórmula inicial “naquele tempo” parece reduzir a leitura a mera recor dação; a rigor, ela deve ser tomada como afirmação do acontecimento histórico de Cristo, que se se encarnou e falou no espaço espaço e no tempo humanos. Não Nã o é a recordação da palavra que “permanece para sempre”, mas ela mesma; isso porq po rque ue,, na proc pr ocla lama maçã çãoo litúrgi litú rgica, ca, volta vo lta a apres ap resen entar tar-se -se a dimens dim ensão ão trans tra nsce cen n dente do fato histórico. Decorre do que foi dito a importância da leitura ou proclamação litúrgica da palavra. Recordemos as afirmações afirmações sobre sobre a atualização atualização e representação da obra literária, que, através do leitor ou dos intérpretes, volta a existir plena mente, em sua única existência possível. Lembremo Lem bremoss o que foi dito sobre a representação diante do público, bem como sobre a participação integral, sem públi pú blico co,, na repres rep resen entaç tação ão.. O leito lei torr empre em presta sta a sua voz e a sua sensib sen sibilid ilidade ade à notação gráfica para que esta volte a ser palavra. Ele não deve esconder a sua qualidade de leitor atrás de um tom frio, impessoal, hierático. hierático . É possível que a recitação recitaçã o hierática, hierá tica, o pregão impessoal, im pessoal, tenha tido eficácia máxima em algumas épocas, mas agora queremos que toda a expressividade literária do texto seja revivida; e, na voz do leitor, ocorre essa nova espécie de encarnação, loquitur per lectorem. Daqui decorre a necessidade de formar bons leitores, assim como, talvez, a própria conveniência de promo vê-los vê-los a uma um a ordem, com vistas vistas ao ao serviço serviço litúrgico litúrgico.. Mesmo sem promoção promoç ão especial, a constituição conciliar afirma expressamente que os leitores desem penh pe nham am uma um a verd ve rdad adei eira ra funç fu nção ão litúrg lit úrgica ica (n. (n . 2 9 ). O ator dramático entrega sua vida ao texto literário, para que este seja revivido nos palcos e na contemplação dos espectadores; e, dando vida ao texto, é ele que vive vive espiritual e corporalme corpo ralmente. nte. O leitor litúrgico deve entre gar-se gar-se assim assim ao texto — sem fazer fazer teatro — , dando-lhe dand o-lhe a sua própria vida, vida, para pa ra servir serv ir à comu co muni nidad dade. e. O texto tex to volta vo lta entã en tãoo a viver viv er e a comu co muni nicar car um a vida vid a superior ao leitor e aos ouvintes, “para que, ouvindo a Escritura, vos salveis a vós mesmos e àquele que lê no meio de vós” (Segunda Carta de Clemente). A assembléia deve ser verdadeira verd adeira ouvinte. ouv inte. Na época épo ca em que as leituras litúrgicas eram ininteligíveis para o povo, a leitura simultânea e multiplicada do missal missal pessoal era era a melhor melh or solução. solução. Restaurad Rest auradaa a verdadeira proclamação, as 21.
Constituição sobre a Sagrada Liturgia, 7 e 33.
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coisas se modificam. Suponhamos Suponham os um livro de enorme sucesso; todos os mem bros bro s de um clube clu be inglês, afun af unda dado doss em suas sua s imensa ime nsass poltr po ltron onas as,, estão estã o lend le ndoo o mesmo livro. livro. Não podemos dizer que eles eles estejam fazendo uma leitura comu com u nitária, mas acidental e externamente, extername nte, coincidem coincidem numa mesma mesm a leitura. Algo semelhante ocorreria na liturgia se os assistentes prescindissem da leitura ofi cial para pa ra ler por po r sua conta os missai missais. s. Não; Nã o; deve haver um público unido, uma união na n a palavra. Palavra Palavr a única e múltipla que se se distribuiu a todos e une a todos, tornando-os tornand o-os partícipes de uma mesma vida. vida. Desse modo, essa etapa — de espectadores atentos — poderá desembocar na seguinte, na qual todos representam e atuam, cantando em uníssono um mesmo hino, rezando uma mesma oração (Constituição sobre a Sagrada Liturgia, 33). Essa oração comum dos fiéis será em alguns casos palavra inspirada; por exemplo, um salmo. salmo. Aqui, a atualização se consuma precisamente na recitação conjunta: o salmo plural só adquire a sua plena atualidade quando recitado em comum. Se recitado em particular, sofre uma adaptação adaptaç ão e uma restrição vá lidas. lidas. A força forç a salvífi salvífica ca dessa palavra inspirada insp irada pertence à ordem da oração; nela, Cristo ora conosco de maneira muito especial, e essa oração é eficaz: “Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio de les’ ” . 22 “Não “N ão se equivocará equivoca rá quem disser que q ue esse esse salmo salmo [59.60] [5 9.60] foi escrito pa p a ra nós. P o r isso, são nossa no ssass as palav pa lavra rass de Deus, De us, e da Igre Ig reja ja de Deus, De us, como com o prese pre sente ntess enviado env iadoss p o r Deus. De us. E elas são lidas lida s em cada ca da assem as semblé bléia ia como com o ali mento men to espiritual oferecido pelo E spírito.” spír ito.” 23 É evidente que, na liturgia, o texto não se atualiza em sua forma original purís pu ríssim sima, a, mas receb rec ebee uma um a nova no va inte in terp rpre reta taçã çãoo ao ser recita rec itado do.. Isso ocor oc orre re a tra tr a vés da seleção de textos, de sua combinação; em resumo, através de sua inser ção num novo contexto vivo vivo.. O contexto não é uma decoração alheia e intercambiável; ele faz parte da representação, afetando o sentido concreto dos textos. textos. E isso, isso, em princípio, não é distorção, mas parte da condição do texto literário — muito mais se ele for inspirado —, que não pode esgotar-se numa representação ou numa tradução. Eu disse “em princípio” porque não estão excluídos por graça celestial to dos os erros erros ou qualquer qualqu er tipo de distorção. Sabemos que não há distorção no aspecto substancial; quanto ao acidental, que pode ser bastante amplo, cada ge ração deve buscar a forma mais exata e mais eficaz. HOMILIA Um segundo círculo de atualização, concêntrico à leitura e ainda no mes mo contexto, é a homilia litúrgica: “Seja também anotado nas rubricas, conforme a cerimônia o permitir, o lugar mais apto para o sermão, como parte da ação litúrgica; e o ministério da prega pre gaçã çãoo seja cum cu m prid pr idoo com m uita ui ta fideli fid elida dade de e exati ex atidã dão. o. Deve De ve a preg pr egaç ação ão,, em prime pri meiro iro lugar, lug ar, h auri au rirr os seus temas tem as da Sagr Sa grad adaa E scrit sc ritur uraa e d a Litur Li turgia gia,, sendo send o 22. Constituição sobre a Sagrada Liturgia, 7. oíkr\ r\% %eiag. Ato 23. H [nv oov YsypaçBat. YsypaçBat. xov xov cji cjiaX aXgo govv sw swxwt xwt tis ti s oux av a gap xot xrjg xrjg oík xai 7]gsTspa eaxt xa 0 e m Aoyi« xai xt j x o u 0eou enxArjai® wg Gsoitegixxa Swpa, xa0’exaaxov auÃÀoyov uuavaYivwaxexai, otov xtg xpoçY) cJjuxwv xoprjYoogsvrj 5ta xou Txvsuga I n P s 59; PG 29, 464). tog (Basílio, In
Lit L ituu rg ia s b íblic íb lic a s
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como que a proclamação das maravilhas divinas na história da salvação ou no mistério de Cristo, que está sempre presente em nós e opera, sobretudo nas celebrações litúrgicas”. “Recomenda-se vivamente como parte da própria Liturgia a homilia, pela qual, no decurso do ano litúrgico, são expostos os mistérios da fé e as normas da vida cristã a partir do texto sagrado; não deve ser omitida sem grave causa nas missas dominicais e nos dias de guarda, celebrados com assistência do povo po vo.” .” 24 A homilia parte do texto sagrado para explicar os mistérios da fé e as normas norm as da vida cristã. Ela El a foi, foi, durante duran te séculos, séculos, um espaço esp aço vital da teologia, da moral m oral cristã, da ascética. ascética. Mais que razões, ela aborda abord a mistérios; mais que ética, ética, vida cristã. cristã. H á trechos da Sagrada Escritura que são homilias concen tradas: o Deuteronômio é um bom exemplo no Antigo Testamento, assim como muitas epístolas de São Paulo, no Novo. A homilia explica, isto é, desdobra o que está concentrado, revela, expõe à luz luz e distribui distribui os tesouros (EB 553, 5 53, 5 66 ). A homilia ho milia litúrgica litúrgica é uma expan são da palavra palav ra inspirada: ganha amplitude, perde concentração. Não posso afirmar que tudo o que o sacerdote diz é, em sentido estrito, palavra de Deus, mas posso dizer dizer que faz parte da palavra de Deus. Deus. Portanto, Portan to, a verdadeira ho ho milia participa também da verdade e da força dessa palavra. É outra o utra maneira de atualizar essa energia. Existe uma variante, que não é homilia em sentido próprio, dotada de uma função importante: a explicação explicação como como introdução à leitura. A homilia homilia prop pr opria riam m ente en te dita di ta supõe sup õe que se tenha ten ha enten en tendi dido do o texto tex to e tira tir a parti pa rtido do dessa prime pri meira ira intele in telecçã cção. o. A intro in trodu duçã çãoo supõe sup õe que qu e h aja aj a dific di ficuld uldade adess p a ra enten en tende derr o texto texto e prep ara os ouvintes ouvintes para escutá-lo escutá-lo com adequação. Observemos Observemos que algumas obras de teatro ou de música oferecem ao ouvinte introduções desse tipo à audição proveitosa. Na N a atual atu al conj co njun untu tura ra da Igrej Ig rejaa em alguns algun s países, país es, em que qu e o povo pov o cristã cri stãoo está afastado da palavra inspirada, será necessária essa repetida introdução à lin guagem bíblica, ao estilo estilo bíblico, ao mundo mund o bíblico. Essa Ess a introduç intro dução ão termina logicamente na leitura e poderia ocupar um importante lugar nas liturgias da palav pa lavra. ra. Reali Re aliza-s za-see assim um movim mo viment entoo dialéti dial ético co de pene pe netra traçã çãoo que pode po demo moss descrever em duas fórmulas: a) introdução-leitura-comentário introdução-leitura -comentário;; b ) leitura-holeitura-homilia-leitura. A forma litúrgica característica é proclamação-h proclam ação-homilia. omilia. Circuns tâncias particulares poderão exigir formas complementares provisórias, até se chegar à fórmula tradicional. LITURGIAS BÍBLICAS Num Nu m contex con texto to ainda ain da litúrgi litú rgico, co, mas só relaci rel acion onad adoo com o sacrifíc sac rifício io de modo mo do mediato, a palavra palav ra inspirada insp irada atualiza-se nas liturgias bíblicas: “Incentive-se a celebração sagrada da Palavra de Deus nas vigílias das festas mais solenes, em algumas férias do Advento e da Quaresma, como também nos domingos e dias santos, sobretudo sobretud o naqueles lugares onde falta o padre. padre . Neste caso seja o diácono ou algum algum outro delegado pelo bispo quem dirija a celebração” . 25 24. 25.
Ibid., Ibi d., 35, 2; 52. 52. Ibid., Ibi d., 35, 4.
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Por ser liturgia, e da palavra, ela se refere necessariamente ao centro, que é o sacrifício eucarístico, e forma assim outro círculo concêntrico de atualiza ção. Tendo Tend o a Palavra Pa lavra como objeto específico, específico, pode usar recursos particulares particu lares de leitura, recitação ou representação; ela abre espaço para a introdução e comentário, para a leitura repetida e o tempo intermediário de contemplação etc. Essa maior liberdade no modo de atualizar a palavra pode ter vantagens didá ticas e vitais; mas disso não decorre que ela ocupe o lugar ideal e máximo na vida vida cristã. cristã. Na medida em que atualiza a palavra e faz participar dela, dela, tam tam bém atualiz atu alizaa a força for ça salvífica salví fica da Pala Pa lavr vra; a; tamb ta mbém ém nela ne la Cristo Cr isto fala fa la ao seu povo, pov o, da mesma maneira como, na bênção eucarística, abençoa de fato esse povo. Encontra-se em outro círculo concêntrico o resto da pregação feita em nome da Igreja. Também esta deve deve participar particip ar da palavra inspirada. Toda pre gação cristã tem como objeto o mistério de Cristo, ou seja, a revelação, e a revelação está está contida contida na Sagrada Escritura. A pregação deve derivar da Escri tura; em primeiro lugar, na doutrina que explica, em segundo, na linguagem que emprega, em terceiro, na força que suscita. Colocar a retórica a serviço da pregação costuma ser cristão, tendo sido feito por muitos padres; fazer uso da eloqüência para preparar a conversão praepara tio fidei. fide i. Mas a força da pregação cristã não pode po de corre co rresp spon onde derr a uma um a praeparatio reside especificamente no poder de persuasão, mas no contato com a palavra insp irad a.26 a.26 Ainda há quem conceba a virtude da pregação como simples eloqüência; com uma artilharia de argumentos preparados, forçamos a rendição da vontade livre e, abertas as portas da liberdade, Deus introduz imediatamente a sua graça. Isto é, é, a função do sermão é estritamente estritamente humana: human a: é uma batalha bata lha de persu pe rsuasã asão, o, que prep pr epar araa a graça, gra ça, sem perte pe rtenc ncer er de modo mo do estrito estr ito à esfera esfe ra da graça. graç a. Isso é possível, possível, mas não especificamente cristão. Quando Quan do deriva de fato da pala pa lavr vraa de Deus De us e a prolo pr olong nga, a, a próp pr ópri riaa preg pr egaç ação ão é instru ins trume mento nto de graça gra ça,, por po r que atualiza a virtude salvífica da palavra palav ra inspirada. inspirad a. Nesse sentido, sentido, e só ness nesse, e, a eloqüência e a retórica, se bem entendidas, podem transformar-se em prolon gamento da palavra de Cristo.27 LEITURA Veja-se a obra clássica de C. Charlier, L e c tu r a c r i s ti a n a d e la B íb li a , ELE, Barcelona, 1956. C. Castro Cübells, E n c u e n tr o c o n la B íb li a (Madri, 1977). São abundantes hoje, em diversas línguas, as orientações práticas para a leitura. Por exemplo: como dividir a Bíblia num ciclo anual ou de vários anos; leitura em família; livros selecionados da Bíblia com extensas notas (a Bíblia passo a passo ); leituras leituras para para diversas idades, classes, culturas culturas etc. P. Nober dá informações sobre isso em seu E le n c o s u p l e m e n ta r io .
Há outro círculo que reservei para o final, muito embora não o considere extremo ou último: último: a leitura particular particu lar da Sagrada Escritura. Particular Partic ular não quer dizer independente, referindo-se ao modo não-comunitário e mais pessoal da leitura. leitura. Ela não é inteiramente particular, porque porqu e o cristão cristão recebe a Sa grada Escritura da Igreja, e não exatamente do seu livreiro (seria uma bela cerimônia litúrgica a entrega do livro sagrado ao pai de família ou ao cristão 26. 26. 27.
P. Dup loyé, R h é t o r i q u e e t P a r o le d e D ie u (Paris, 1955). G. Sõh ngen , A n a lo g ie u n ã M e ta p h e r , pp. 125-129.
Le L e itu it u ra
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individual) indiv idual).. Esse fato fundam ental transform a toda leitura devota devota da Bíblia Bíblia em ação cristã, e, portanto, eclesiástica e comunitária. Mas eu me refiro aqui ao fato de recolher-me à minha casa, ou a uma igreja, igreja, e ler para pa ra mim uma página da Escritura. Escritu ra. Também Tamb ém aí, no recôndito, atualiza-se a palavra inspirada, volta a existir, Deus fala de novo e me atinge com a sua palavra para pa ra salvar-me: “Falando, “Faland o, assim assim nos busca” busc a” (Agostin (A gostinho). ho). O bom cristão vive inserido em Cristo, e o Espírito Santo habita ativa mente nele. Não pensemos que, quando o cristão lê com boa vontade vontad e a pala pala vra do Espírito, o Espírito inspirador se ausente ou contemple inativo o de voto leitor leitor.. O cristão de boa vontade não está excluindo excluindo de sua leitura o ensi namento da Igreja; ele está abordando a leitura do livro sagrado com a sua fé cristã, com com a sua formação formaç ão cristã, com a sua vida cristã. Esse cristão possui em sua vida uma disposição e uma naturalidade para entender a palavra de Deus. Isso, embora não o dispen dispense se de de uma formação diligent diligente, e, do estudo para aprofundar, da modéstia para consultar, é uma garantia. “Como tens o consolo da Sagrada Escritura, não precisarás de mim nem de ninguém para apreciar o justo, pois é suficiente para ti possuir o conselho do Espírito Santo e a sua instrução para o bem.” 28 “É esta a calamidade: pensais que a leitura da Escritura é só para os mon ges, ges, quando, qua ndo, na verdade, ve rdade, é a vós que faz mais falta.” falta .” 29 “Por isso vos exorto a não olhar com rapidez o conteúdo da Sagrada Escritura, Escritura , mas a ler ess essee conteúdo com atenção. Tirareis assim assim proveito dela e algum dia recebereis em troca a virtude que apraz a Deus.” 30 “Imitemos estes: já libertos da tormenta passada, do estampido e das vagas, dirijamos dirijamos a nossa alma à leitura da Escritura, como a um porto seguro. Pois Pois é um porto não agitado pelas ondas, é um muro intransponível, uma torre que não treme, glória que ninguém rouba, arma que não falha, serenidade que não perec pe rece, e, praz pr azer er contí co ntínuo nuo,, e tudo tud o de bom bo m que se possa po ssa imag im agina inarr está reuni reu nido do na Sagrada Sagra da Escrit Es critura ura.” .” 31 28. Exouoa S 0siwv ypacpwv TxapaxÀxjaiv ouxs Y ] | r w v aÀAou xivoç SsnO SsnOiQ iQax ax)) Ttp Ttpoç xo xo xa Ssovx Sso vxaa auvo a uvopav, pav, auxapxx) auxapxx ) xv xvjv jv xou ay a y lou ■ rcvs rcvsuujrax jraxoç oç sx o u a a au|i,( au|i,(3o 3oooÀtav xai oSvjyiav txpoç xo auiicpspov (Basílio, Carta 283; PG 32, 1019). 29 29.. Touxo Toux o yap ya p sax s axiv iv o rcavxa EÀuporç orçva vaxo xo oxi sxsi sx sivv o ig piovoiç piovoiç v o [u Çs x e Txpoaxjxsiv xrjv avayvwaiv xwv 0 e l w v ypacpwv, t x o à à w t x à s o v e x s k w v u [x e i j 5 e o |í ,s v o i . T o iç yap ev ;iEaw ;iEaw axpecpo axpecpopisv pisvoiç oiç x a i x a 0 ’sxaax7 ’sxaa x7]v ]v Yj|iE j|iEpav pav xpaujraxa Ssxopis Ssx opisvoiç voiç xouxoiç [vaÀiaxa Se i cpappiaxwv. “Qaxs xou (ívj avayivwaxsiv t x o à à w x etP et P0V T0 x a i t x e o i x x o v sivai xo 7ipay;j,a Mt , homilia 2; votnÇsiv. Tauxa yap oaxavix^lS [xeàexyíç; xa pYjpiaxa (Crisóstomo, In Mt, PG 57, 30; BAC 141, 36). 30 30.. Aio ixa pa xaÀ w jjjjiyj axÀ wç eTxspxw uxiOaxa sv xaiç Oeiag ypacj ypacjwuç wuç xs ip.e va , a X X c c e
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53,, 183). 5, ho m ilia 21; PG 53 31. Touxouç Sr] xa x a i xjíisiç xjíis iç pugTjawpisOa, x a i x7)ç x7)ç Tipw Tipwyj yjvv yEvoji yEvojiEVT EVTjj jj x a p a x n s aTCa_ XÀaysvx Ej x a i xou 0opu|3ou 0opu|3ou x a i xtov xtov xu|iax w v, woxi woxiEp Ep sic sic;; xiv a Aipisva Aipisva suoiov xwv xwv y p aç w v xy]v xy]v av ay v w aiv ai v xxjv xxjv ó uXr]v uXr]v vtjv Tjp TjpiE iEX XEpav op|j.iaw ;isv. K a i y ap Àijx ijxxjv sax iv axup -avxoç, x ai xsixos appay sg, x ai xupyoç aoEiaxoç, aoEiaxoç, xa i So?a avacpaipsxoç;, avacpaip sxoç;, x a i otx otxX Xov. ov. axpoixov y] auvoux a i Eu0u|iia ajjiapavxoç, x a i Tiavxa Tiavxa oa a av suxoi xiç xaX a, xwv Oei Oeiwv wv ypacpw ypacpwvv y] I n Ps 48; PG 55, 513. cia (Basílio, In
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Em todos os casos indicados — leitura litúrgica, homilia, pregação, leitura part pa rtic icul ular ar — abreab re-se se um últim úl timoo círculo círc ulo de resso res sonâ nânc ncia: ia: a medi me ditaç tação ão.. To Toda da pala pa lavr vraa hum hu m ana an a possu po ssuii ou cria cri a esse espaço esp aço elástico elá stico de resso res sonâ nânc ncia ia no inter in terio iorr do espírito: “devo pensar nisso em silêncio” — uma palavra ficou gravada em nós, um poema, depois de de terminado, terminado , impõe-nos um silê silênci ncio. o. “Conferir “Co nferir no co ração” é conceder uma tranqüila ressonância à palavra, a fim de que ela se torne penetrante ao extremo, possa atingir a medula e embeba as profundezas da alma. alma. Uma música penetrou em nós, retorna, reto rna, sintetiza sintetiza os motivos que nos nos impressionaram, prolonga a sua doçura ou renova a sua insistência; quando terminamos de escutar ou de interpretar certas obras musicais, não queremos escutar, mas procuramos o recolhimento. “Pois, embora emb ora a frase seja breve, o seu sentido é grand gr ande. e. . . e às vezes vezes bas b asta ta um a pala pa lavv ra tom to m ada ad a dali da li p a ra alime ali ment ntarar-no noss por po r tod to d o o camin cam inho ho da vida.” 32 Toda essa ressonância não é repetição estrita da palavra; no entanto, cons titui parte de sua atualização. Abramos em nosso espírito um espaço em que ressoe a palavra de Deus, a qual, ao ao ressoar, ressoar, nos tocará com a sua graça. E que, ao ressoar dessa dessa pala pala vra, o espaço do nosso espírito espírito se amplie para receber maior ma ior ressonância. Nesse espaço interior, Deus está está presente em sua palavra. E então o nosso espíri espírito to toma outra palavra de Deus, para responder-lhe, em forma de hino e de oração; e volta a deixá-la ressoar internamente, a fim de que essa palavra, agora nossa, toque Deus no espaço interior. Continua Continu a assi assim m o diálogo, diálogo, a união com Deus que é graça e salvação — a união pessoal numa palavra, que é verdadeira mente divina e humana. human a. Falando Fala ndo numa n uma língua língua humana, hum ana, à maneira humana, Deus nos procurou e nos encontrou; e, tendo Deus nos encontrado, nós o encontramos, no mistério de sua Palavra.
32.
E t ytxp x a t j 3 p a x s t a P prjoig, a k X a . n o X k p f ) õ u v a j x t ç . . . H §£ xoo 7tv£onaxog x a p t ç . .. Sia [itxpwv pn jiax wv 7xaai xotg xotg ixpoas x®ua i tptAo tptAoao aocp cpta tavv svxt svxt0Y 0Y)O )Ot. t. K a t a p % st prjH,a TtoXXaxig sv Xa]3ovxaç svxsuOsv n t x o p ç xt]ç Çwyjç Çwyjç sç oS to v (Crisóstomo, De
sta s ta t u is , homilia 1: PG 49, 18).
PALAVRA E ESPÍRITO: Reflexões à guisa de conclusão
No dia 18 de nove no vemb mbro ro de 1965, 196 5, o Concil Con cilio io V atica ati cano no II prom pr omul ulgo gouu a constituição dogmática Dei D ei Verb Ve rbum um sobre a revelação divina. Depois de um capítulo sobre a revelação e de outro sobre a tradição, há quatro capítulos so bre br e a E scrit sc ritur ura: a: o tercei ter ceiro ro,, sobre so bre inspi in spiraç ração ão e inte in terp rpret retaç ação ão;; o quart qu arto, o, sobre sob re o Antigo Testamento; o quinto, sobre o Novo; o sexto, sobre a Escritura na vida da Igreja. Igreja. É clara a importância atribu ída à Sagrada Escritura, à palavra inspirada. Dever-se-iam percorrer as suas linhas para apreciar as freqüentes referên cias à ação do Espírito Santo em todos os momentos: do nascimento, da trans missão e da recepção da palavra: 9. Com efeito , a Sagrada Escr itura é a palavra de Deus enquan to é redigida sob a moção do Espírito Santo; a Sagrada Tradição, por sua vez, transmite integramente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos para que, sob a luz do Espírito da verdade, eles por sua pregação fielmente a conservem, exponham e difundam. 10 10.. Tal M agistério agistério evidentem evidentem ente não está acim a da palavra de Deus, mas a seu serviço, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe. Pica portanto claro que, segundo o sapientíssimo plano divino, a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão de tal maneira entrel entrelaçado açadoss e unid os. .. e .. . sob a ação ação do mesm o Espírito Espírito Santo, Santo, con con tribuem eficazmente para a salvação das almas.
O documento enfatiza também outra coisa: a conexão da Escritura com a Eucaristia. Convém ler alguns alguns parágrafos: parág rafos: 21 21.. A Igreja sempre venerou as divinas divinas Escrituras, da m esm a forma como o próprio Corpo do Senhor, já que, principalmente na Sagrada Liturgia, sem cessar toma da mesa tanto da palavra de Deus quanto do Corpo do Cristo o pão da vida, e o distribui aos fiéis. 26 26.. Assim com o a vida da Igreja se desenvolve pela assídua participação participação no mistério eucarístico, assim é lícito esperar um novo impulso de vida espiritual de uma acrescida veneração pela palavra de Deus...
Essa união faz parte de uma antiga tradição que pode ter influenciado o relato de Emaús feito por Lucas, relato no qual Jesus Cristo expõe as Escri turas e depois parte o pão. A sua formação nos termos conciliar conciliares es coroa um process pro cessoo relati rel ativa vame ment ntee recente rece nte..
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Palavra e Espírito
Deve-se recordar a posição dos jansenistas, que, enquanto restringiam a comunhão freqüente, recomendavam generosamente a leitura bíblica (veja-se, p. ex., Denz De nzin inger ger-Sc -Scho honm nmetze etzerr 2 4 7 9 -85 -8 5 ). Pio X deu um renov ren ovad adoo impuls imp ulsoo à prát pr ática ica eucarí eu carísti stica ca no início do século sécul o (1 9 0 5 ). Com a comu co munh nhão ão prem pr emat atur uraa e freqüente, ele esperava fomentar fom entar a união com Cristo e com com os irmãos. Esse impulso prolonga-se ininterruptamente ininterruptamen te até hoje. hoje. Não foi semelhante semelhante o seu seu es es forço bíblico. bíblico. Este havia recomeçado com com Leão X III II I ( Providentissimus, 1893), do qual se pode passar a Pio XII ( Divi Di vino no affla af flant ntee Spiritu Spi ritu,, 1943) e ao con cilio cilio.. A Escritura Esc ritura será fonte fonte de vida espiritual espiritual na Igreja. Igreja. Palavra e refeição: Há algo mais fácil de entender? entende r? É estranho que seja a mesma a boca com que falamos e com que comemos. Não Nã o sei se se é estranho que o banquete, como convivência humana elementar, se realize ao lado da conversa. É possível imaginar um banquete ban quete em silêncio? silêncio? “Convite” “Co nvite” inclui o morfema “con” de simultaneidade — como o grego grego sym-posion sym-posion ( = beber jun tos ). “Conversa” “Conv ersa” possui o mesmo morfema. Comer a sós sós parece-nos algo bio lógico, animal; comer em companhia, compartilhando e conversando, é ato hu mano: mano : família, amizade, sociedade. Se os discursos num banqu ba nquete ete nos abor abo r recem é porque impedem a conversa agradável. Não N ão devemos dev emos estra es tranh nhar, ar, pois, poi s, essa uniã un iãoo eucar eu caríst ística ica entre en tre refeiçã ref eiçãoo e p ala al a vra. Por Po r qual delas começaremos para pa ra explicar a outra? É possível que elas elas se expliquem expliquem mutuamente (testarei essa hipótese). hipó tese). A conversa é como ofere ofere cer-se e compartilhar um alimento espiritual; nela, os dois co-mensais (con-mensa = mesa em comum ) enriquecem-se enriquecem-se sem se se empobrecer. Pode-se apreciar, apreciar, degustar e saborear uma conversa. conversa. Frases robustas como fatias fatias de carne, sen tenças leves como creme, palavras doces, confidências amargas, ocorrências salgadas salgadas,, críti críticas cas ácidas, ácidas, recordações sum aren tas. . . Às veze vezess lembramos lembramos mais mais a conversa que o cardápio de um banquete. Tentarei Tent arei agora o caminho contrário. Um con-vite é como uma um a conversa saborosa; uma vez recebido o convite do anfitrião, os comensais participam em regime de igualdade. Não há manjares deliciosos para o dono da casa e esmo la insípida para pa ra o convidado. Na conversa triunfa aquele que pode d ar mais, mais, em termos de pensamento ou de expressão, embora, por outro lado, saia ga nhando o que recebe. recebe. Assim, no banquete, é uma glória para o anfitrião poder oferecer, oferecer, a fim de que todos compartilhem. A conversa é comunicação huma na, o mesmo acontecendo acontecen do com o convite. (Compr (Co mprovo ovo ser mais fácil fácil o primeiro itinerário, do convite convite à conversa. Assim, portant por tanto, o, começaremos com eçaremos pelo banquete banqu ete eucarístico.) Eucaristia. No convite eucarístico é repartido repa rtido conosco o corpo, carne e sangue, de Jesus Cristo glorificado. E também també m o seu Espírito; Esp írito; não nã o nos esque çamos disso. Por essa carne somos irmãos carnais de Jesus, e o corpo da Igreja mantém uma um a carnadu carna dura ra sadia. sadia. Sem ela, ela, a Igreja e os seus membros estariam desca de scarn rna a dos. Essa carne carn e que foi escarnecida antes de ser glorificada, glorificada, o corpo que ficou em carne viva antes de ser transformado. Por esse sangue somos consangüíneos de Cristo e, na Igreja — que é o seu corpo— corpo— , há uma nova e misteriosa misteriosa circulação circulação do sangue. sangue. Sem Sem ele, ele, a Igreja Igreja e seus seus membros membro s estariam dessangrados, dess angrados, exangues. Trata-s Tra ta-see do sangue que foi derramado, porque o Messias, para completar a sua missão, se exauriu até a última gota do lado. Por Po r ele os cristãos são agora “puro sangue” , porque porqu e essa essa é a autêntica pureza de sangue.
Re R e fle fl e x õ e s à gu isa is a ãe con co n clu cl u são sã o
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Também o Espírito. Assim como o sangue leva oxigênio oxigênio a cada célula célula do corpo, assim também o sangue de Cristo transporta Espírito a cada membro da Igreja. Na antropologia hebraica, hebraica, como como o corpo humano (ou a carne) vive vive pela pe la respi res pira raçã çãoo ( e nefesh = respiração signifi significa ca também vida) vid a),, concebe-se concebe-se que a carne vive vive pelo sangue. sangue. “A vida da carne é o sangue” (Lv 17,11 17 ,11 ); por po r isso isso,, o sangue não é comido, destina-se ao Senhor; por isso, derramar sangue é tirar a vida, matar. O Espírito é vento = anemos = anima = alma. Sem ele, a Igreja e seu seuss membros expirariam, expirariam , desfaleceriam. É ele quem alenta os os desalentados, anima os desanimados desanimad os (os que carecem dele por po r inteiro inteiro são são desalm ados). ado s). Com ele ele respiramos e por ele suspiramos. Uma tradição antiga aplicou à eucaristia os episódios paralelos de Elias e Eliseu. Eliseu. Trata-se de um menino morto mo rto (ou em coma) com a) a quem o profeta devol devolve ve o calor ou alento vital para que recobre a vida. lRs 17,19: Elias respondeu: “Dá-me teu filho”. E, tomando-o de seu regaço, levou-o ao quarto de cima, onde dormia, e o deitou na cama. 21 D epois estendeu-se trê s vezes sobre o m enino, clama ndo ao Senhor: “Senhor Deu s meu, que este me nino re ssu scite ”. 22 22 O Senh or ouviu a súplica de Elias, o alento ( n e f e s h ) voltou ao menino, que ressuscitou. 2Rs 4,32: Eliseu entrou na casa e encontrou o menino morto na cama. 33 Entrou , fecho u a port a e orou ao Sen hor. 34 D epo is subiu à cama, deitou-se sobre o menino, boca com boca, olhos com olhos, mãos com mãos, esten did o sob re ele. A carne do men ino se aqueceu. 35 En tão Eliseu pô s-se a circular pelo quarto, de cá para lá; tornou a subir na cama e se estendeu sobre o menino, e assim sete vezes. O menino espirrou e abriu os olhos.
Qua ndo no concilio concilio se discutia o texto sobre a Da D a eucaristia eucaris tia à palavra. Quando revelação divina (talvez demasiado tarde), D. Neóphytos Edelby, em nome da tradição oriental, descrevia a inspiração bíblica como “a consagração da his tória da salvação salvação sob espécies espécies de palavra pala vra”” . A história da d a salvação culmina culm ina e condensa-se em Cristo; também a sua vida se oferece “sob espécies de palavra” no evangelho. Cristo é vida. vida. Ele deu a sua vida terrena terre na por nós e nos dá a sua vida glorificada. A sua vida é o seu sangue e o seu Espírito. Mt 27,50 27 ,50 diz: “Jesus deu outro forte grito e exalou o espírito” ( apheken to pneuma). Jo 19,30 afir ma : “E reclinando reclinan do a cabeça, c abeça, entregou o espírito” (paredoícen to pneuma). Esse entregar, tradidit spiritum, é o início da “tradiç “tra dição ão”” da Igreja. Cristo se dá inteiramente, como palavra total, numa palavra final, ele que nos dera as suas palavras. Com elas nos dera Espírito: Esp írito: “Minhas “M inhas palavras são são espírito e vida” (Jo 6,64). João apresenta a última ceia de Jesus, na qual insere as suas últimas pa lavras, o seu testamento; testam ento; nelas, Jesus promete prom ete a ação do Espírito. (Mais uma vez, vez, convite e conversa.) conve rsa.) A assinatura ou selo é posto numa última palavra palav ra de Jesus — “Está consumado” —, depois da qual ele entrega o espírito (19,30). A presenç pres ençaa do Espí Es pírit ritoo na palavra pala vra talvez seja mais fácil de sentir e enten der do que a presença nos dons eucarísticos. Dizemos “palav “p alavra ra inspirada” inspirad a” e pode po dería ríamo moss cruza cru zarr significados signific ados e funções fun ções dizendo dize ndo “ espírito espí rito pala pa lavr vrad ado” o” . “Pal “P ala a vra” remete-nos ao Logos; “in-spirad “in-s pirada” a”,, ao Pneum a. Jesus Cristo, que é a pa pa lavra e possui a plenitude de Espírito, volta a tornar-se palavra inspirada, por tadora tado ra de Espírito. Lemos em Hb 6,4s. que os cristãos são “os que uma um a vez foram iluminados, saborearam o dom celeste e participaram do Espírito Santo, tendo tendo saboreado saboreado a palavra palavra favorá favorável vel de de D eu s. . . ”
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Palavra e Espírito
A união palavra e espírito apresenta-se às vezes na Bíblia como dado nar rativo e, às vezes, como paralelismo explícito: Em Gn 1 soa a palavra criadora de Deus, e o espírito divino atua sobre o caos. Is 34,16: Ordenou-o a boca do Senhor ( p i Y h w h ) e o seu alento ( ru á h ) os reuniu. Is 40,7: Seca-se a erva, murcha-se a flor, quando o alento do Senhor (ruah Y h w h ) sopra sobre elas. s seca-se a erva, murcha-se a flor, mas a palavra do no sso D eus (ãébar ’elohenu) sempre se cumpre. SI 336: A palavra do Senhor ( d a b a r ) fez o céu; o alento (ruah) de sua boca, seus exércitos. 2Sm 23,2: O espírito do Senhor fala por mim, sua palavra está em minha língua.
O paralelismo é inteligível no quadro da antropologia hebraica, em que ainda se experimenta e concebe a palavra de modo bastante ba stante material. É algo algo que sai da boca, mots a’ pi N: Dt 8,3; Nm 30,13; Jr 17,16; Dt 23,24; SI 89,35. Atravessando o espaço intermediário, a palavra chega ao ouvido daquele que escuta; pelo ouvido, desce ao seu coração e daí às entranhas, “descem às câ maras do do ventre” (P r 20,30; 20,30; 26 ,32). ,32) . Daí “sobem “sobem ao coração” e podem ser ser emitidas pela boca. Ora, Ora , o que sai da boca é alento, sopro, sopr o, em forma de som. som. O mesmo ar, que é respiração e alento, é palavra que se comunica. Embora devamos corrigir o seu aspecto demasiado material, há algo nessa concepção que merece ser mantido e adaptado. Que é a palavra? Não Nã o é o mesmo ar que aspiramos e expiramos com o ritmo dos pulmões? Podemos Podem os dei xá-lo sair sem esforço consciente, podemos concentrá-lo ou abreviá-lo em sopro que move move e dissip dissipa. a. Também podem os retê-lo retê-lo por um instante na boca bo ca para dar-lhe forma. O ar tem tem forma? Nós, dotados de garganta, palad ar, língua, língua, dentes e lábios, o modelamos e modulamos, configuramo-lo em sistemas de vibrações que transportam transporta m sentido sentido articulado articu lado:: palavra p alavrass e sentenças. Nosso alen alen to = espírito espírito é já palavra. Quando Quand o nos comunicamos verbalmente com os outros, transmitimos-lhes algo da nossa vida espiritual: pensamentos, sentimen tos, tos, desejos, fanta fa ntasia sias. s. . . Podemos Podem os enriquecer enriquece r a vida espiritual do outro com a nossa, nossa, por meio da palavra. Falar Fa lar com o outro é quase uma respiração do nosso espírito. Outro aspecto interessante da antropologia hebraica é a pressão interna do alento ou espírito ( r u a h ) , que procura proc ura uma u ma saída ■— sob a forma de palavra palav ra — para pa ra comunic com unicar-s ar-se. e. Cito Cit o três textos tex tos do Liv Livro ro de Jó, ao lado lad o de um brev br evee co mentário : 7,11: Por isso, não refrearei minha língua, falará o meu espírito angustiado e queixar-se-á a minha alma entristecida.
“Espírito angustiado” é, em hebraico, tsar ruah, isto é, limitação ou estreiteza de vento. Um vento como que encaixotado, comprimido, comprim ido, que procura pro cura impetuosamente uma saída. saída. A “ alma entristecida” entristecida” é a garganta ou alento ( nefesh ) amargo. 8,2: Até quando falarás dessa maneira? As palavras de tua boca são um furacão.
Re R e fle fl e x õ e s à gu isa is a ã e co nc lu sã o
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“Furacão” é, em hebraico, ruah kabbir = vento vento impetuoso. impetuoso. A sua força interior o faz sair arrebatadamente, sob a forma de palavras, de discursos que açoitam como um vendaval. 32,18-19: Porque estou cheio de palavras, o seu ímpeto me oprime as entranhas. Minhas entranhas estão como odres novos que o vinho encerrado arrebenta.
“ímpeto” é, em hebraico, ruah = vento, e tem o sentido paralelo de “palavras”. Essas imagens tinham para os hebreus um realismo realismo moderado. mo derado. Para Par a nós, continuam a ser imagens válidas, pois também conhecemos por experiência essa pres pr essã sãoo inte in tern rnaa que qu e p rocu ro cura ra uma um a saída saí da p ara ar a fora, fo ra, p ara ar a o outro ou tro.. E não nã o sai como com o sopro indiferenciado de algumas bochechas infladas de pintura mitológica. O próprio próp rio vento forte de Pentecostes anunciou as língua línguass de fogo. fogo. “Todos ficaram cheios cheios do Espírito Esp írito Santo e começaram a falar em outras línguas.” língua s.” Espí Esp í rito, vento, fogo, língua, linguagem. Um poeta (não-crente) sentiu-o assim: E todos os fiéis chegaram ao auge de suas vozes; língua desconhecida pelos falantes com um vigor que exige sua forma, seu vocábulo, quente ainda e para além do fogo, Dom do Espírito Santo (J. Guillén, “Pentecostes”).
Da antropologia bíblica passo, pela ponte de Pentecostes, a refletir sobre a uniãoentre uniãoentre Palavra Palav ra de Deus e Espírito, palavra palav ra in-spirada. Lemos em em ICor: IC or: 2,10 ,10-12 -12: Porque o Esp írito tudo son da, até o m ais profun do de D eus. Quem conhece a fundo a maneira de ser do homem, senão o espírito do homem que está dentro dele? Assim, pois, ninguém conhece a maneira de ser de Deus, exceto o Espírito de Deus. E nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus: assim conhecemos a fundo os dons que Deus nos deu.
Do manancial de Deus, num sempre que é agora, brota a Palavra Palav ra que é Deus; e o Espírito de Deus a exterioriza exterioriza para pa ra que Deus se se comunique. Essa Palavra torna-se homem e é Jesus, concebido pelo poder do Espírito (Lc 1,35), é plename plen amente nte espiritual. Com a sua vida, ele presentifica o Espírito. Esp írito. Além disso, articula-o em linguagem, que é expressão de sua vida interior, comunicação do seu Espírito. Jesus Cristo é a palavra concentrada, “verbum abbreviatum”, preparado e prefi pr efigu gurad radoo pelas pel as palav pa lavras ras do Antig An tigoo Testa Te stam m ento en to:: Hb 1,1-2: Em muitas ocasiões e de muitas maneiras Deus falou antigamente a nossos pais por meio dos profetas. Agora, nesta etapa final, falou-nos por um filho.
Também as muitas palavras do AT brotavam sob a pressão do Espírito, eram ins-piradas. E assim assim elas chegam a nós, como comunicação co municação articulada articula da do Espírito.
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Palavra e Espirito
Resso Re ssonân nância. cia. A rigor, rigor, a palavra pronunciada por alguém alguém não pula como um esguicho nem voa como uma flecha para atingir o outro; ela propaga um sistema de vibrações num espaço acústico compartilhado. compartilha do. Imprimimos Imprim imos ou imim pomos pom os ao espaço esp aço os nossos acorde aco rdess em conson con sonân ância cia:: “Do “D o equilíbr equi líbrio io entre en tre o pulm pu lmão ão e o vent ve nto” o” ( “El “E l acor ac orde de”” , G uillé ui llén) n).. Às vezes o espaço esp aço acústico acústi co começa com eça a vibrar por consonância, chegando mesmo a somar harmônicos ao tom emiti do. Sabemos como ressoa o órgão numa grande catedral. O ar ou espaço em que estamos e que fazemos nosso ao respirar torna-se nosso quando o fa zemos vibrar e continuamos continuam os dentro dele: “Ajusta-nos “Ajus ta-nos ao concerto o grande acorde aco rde”” (idem (id em ). O espaço acústico é contagiado e oferece a sua contribuição sonora. Exagerand Exag erando, o, eu diria que não escutamos e scutamos a sonância, mas a ressonância. Isso era desconhecido pela antropologia hebraica. O máximo que recordo, record o, e é bastante diferente, é aquele deserto, o vazio solitário e ululante (Dt 32,10), ou que “um “um grito vai girando pelas fronteiras de M oab” (Is 15,8). 15,8 ). Nós o sabemos e isso nos basta para a nossa reflexão, que começa com algumas linhas da Constituição Dei De i Verbu Ve rbum: m: 21. Sempre as teve e tem, tem, juntam ente com a Tradição, Tradição, como suprema regra regra de sua fé porque, inspiradas por Deus e consignadas por escrito de uma vez para sempre, comunicam imutavelmente a palavra do próprio Deus e fazem ressoar através das palavras dos Profetas e Apóstolos a voz do Espírito Santo.
pe rsona nare re ). O recinto vivo, Retomo e acentuo o termo ressoar ( perso vivo, catedracatedra lício, lício, da Igreja está está cheio do vento do Espírito: Esp írito: “Esquecestes que sois sois templo templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” vós?” (IC (I C or 3,16) 3,1 6).. Pois Pois bem, o Espírito que respiramos (porque enche a Igreja de Deus) ressoa com a palavra de Deus. Está em consonância com a palavra palav ra in-spirada e, quando esta ressoa, ressoa, ele acrescenta os seus harmônicos. harmôn icos. A Tradição Tradiçã o é a ressonância enriquecida enriqu ecida da Escritura no âmbito da Igreja. As próprias palavras de Cristo no evangelho chegam a nós pela ressonân cia da Igreja apostólica. Sem o espaço espaço sonoro, vibrante, do Espírito, Espíri to, a palavra palav ra não pode ressoar. Se não estamos dentro desse espaço, não podemos escutá-la. “A Sagrada Escritura deve ser lida (escutada) naquele mesmo Espírito em que foi escrita” (cf. Dei De i Verb Ve rbum um 12). Respo Re sposta sta,, diálogo. diálog o. A resposta também é vibração do mesmo mesmo ar que que res piram pir amos, os, do ar que nos vivifica ritmica ritm icame mente nte e que é meio de comu co munic nicaçã açãoo de vida espiritual. espiritual. Respondam Resp ondamos os à comunicação pontual ou articulada artic ulada de Deus com a nossa ânsia total, com desejos particulares, com linguagem articulada. E, em nós, a ânsia e o desejo são um su-spirar, ação do Espírito. Rm 8,2 8,26: O Esp írito em pe ssoa interced e por nó s com gem idos inena rráveis,27 e aquele que perscruta o coração conhece a intenção do Espírito, porque ele intercede pelos consagrados como Deus quer.
O Espírito que nos nos sugere sugere a primeira palavra, quase um balbucio, Abbá = Pai, ensina-nos a articular palavras para responder a Deus e dialogar com ele. Ele nos inicia e nos educa na linguagem da oração, põe em nossa boca as suas palavras inspiradas. Nós, ou melhor, a Igreja, como comunidade, comunidade , e os seus membros em particular. Com as palavras inspiradas dos salmos, o nosso interior se expressa, o nosso coração desabafa diante de Deus:
Re R e fle fl e x õ e s à guis gu isaa de c oncl on clus us ão
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SI 62,9: Povo seu, confiai sempre nele, desafogai diante dele vosso coração. 142,3: Desafogo diante dele meus afãs, diante dele exponho minha angústia. ISm 1,1 1,155: Es tava desab afand o diante do Senhor.
O nosso diálogo com Deus, escuta e resposta, é como um aspirar e expi rar no âmbito do Espírito; é a respiração que nos mantém vivos, sem a qual expiraríamos. Cristo. O Espírito de Cristo. Falamos do Espírito de Deus, Espírito de Cristo. “Se alguém alguém não tem o Espírito de Cristo, ess essee não é cristão” (Rm ( Rm 8,9 ). O Es pírito pí rito dinâmi din âmico, co, infatigá infa tigável, vel, pene pe netra trant ntee no que qu e diz respe res peito ito à revela rev elaçã çãoo do mis mis De i Verb Ve rbum um:: tério de Cristo. Lemos Lemo s na Dei 5. A fim de tornar sempre m ais profunda a com preensão da Revelação, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de Seus dons. 23. 23. A Es posa do V erbo Encarnado, ou seja, a Igreja, instruída pelo Esp írito Santo, se esforça para conseguir uma compreensão cada dia mais profunda da Sagrada Escritura.
Podemos usar o Livro da Sabedoria para pa ra caracterizá-lo: caracterizá-lo: “É um espírito espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante. . . lúcido. . . incoercível” (Sb 7,22). “O Espírito de Deus Deus pairava sobre o oceano” (Gn 1). Dando forma, di ferenciando, ia transformando o caos em cosmos: luz e trevas, mares e conti nentes, sol e lua, plantas plan tas e animais segundo múltiplas mú ltiplas espéc es pécies. ies. . . E ra como com o a fantasia de Deus esbanjan es banjando do formas variadas, variada s, variáveis. Nessa criação multiforme parece faltar um centro; fala-se de um em cima e de um embaixo, não há menção a um ponto central. E os homens imaginam-no geocêntrico, heliocêntrico trico ou antropocêntrico. Modos humanos de conceber. conceber. O mundo mu ndo bíblico ordenad ord enadoo pelo Espírito Esp írito assemelha-se ao cosmos. Rico de figuras, personagens, eventos; pululando de símbolos cósmicos, humanos, his tóricos. tóricos. Mera variedade varie dade dispersa? dispersa? São todos todo s autônomos, autôno mos, divergentes, paralelos? Podemos perder-nos procurando procu rando a referência referência individual de cada um. Se não encontramos o seu centro de gravidade, a Bíblia nos desintegra. É o Espírito quem indica um centro pa ra o cosmos cosmos e para a Bíblia: Jesus Cristo. Desse modo, mod o, tudo tud o deve ser concêntrico a ele, ele, em virtude virtud e da força de sua atração atração gloriosa. Ao receber do centro um impulso vibratório, vibratório, cada cad a página bíblica bíbli ca o reflete refl ete m anife an ifest stan ando do uma um a faceta fac eta do mistério mist ério de Cristo. Crist o. E assim o Deus que outrora falou mantém um permanente diálogo com a esposa de seu dileto Pilho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, leva os crentes à verdade toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo ( D e i V e r b u m 8 ).
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Este é o livro pelo qual sé iniciaram na Escritura as gerações posteriores ao Concilio, gerações cujo espírito e angústia ele reproduz, aprofundandoas nos domínios da linguagem. À época da 1- edição, edição, Schòkel acabava de herdar do Cardeal Bea, no Instituto Bíblico, \a cátedra de Inspiração e Hermenêutica, e dedicou o livro a esses dois amplos temas, seguindo uma linha inovadora, ousada e até revolucionária. Ninguém poderá negar hoje que este reduzido volume introduziu na hermenêutica bíblica vertentes lingüísticas que significam uma trajetória radicalmente nova para a leitura e o estudo da Escritura. A Bíblia é palavra de Deus, espiritualidade, teologia; mas também é literatura — poesia, poes ia, história, narra narratitiva — , que é preciso analisar com os critérios de um texto literário, através de palavras, estruturas e unidades amplas, para determinar o sentido de um texto. A Palavra Inspirada é o primeiro momento dessa nova abordagem, de onde a importância e influência que tem exercido através dos anos. A edição brasileira fezse a partir da 5 - edição espanhola, submetida a amplas revisões (sobretudo em seu aspectos bibliográficos), embora conservando a estrutura e o teor originais, incluindose aí os textos dos Padres em grego e em latim, como instrumento de formação humanística.
ISBN 8515004925
Cód. 2613
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