A importância da história Carlos Nougué Por dois ângulos principais se pode demonstrar a imprescindibilidade da história, ou seja, sej a, do seu estudo e ensino, para os homens. Primeiramente, do ângulo pessoal, é (como já se disse) no colo da mãe que começa para cada um de nós o ensino da história: uma narração impressionante, ou tocante, de um episódio qualquer da história pátria ou mesmo familiar nos insere, já em tenra idade e ao modo de elo, na grande e complexa cadeia da humanidade. Cada um de nós logo se descobre parte de um todo, de um fio temporal que se vem estendendo, sem solução de continuidade, desde a origem do homem. E o robustecimento dessa mesma descoberta, por sua vez, também não sofre interrupção; muito pelo contrário, ganha alicerces cada vez mais firmes ao longo dos sucessivos anos e graus de instrução. Por certo, em maior ou menor medida, cada um de nós terá a sua chave de abóbada deste edifício; alguns se aprofundarão efetivamente no estudo da história, mas todos, inexoravelmente, terão a imaginação tingida de certo colorido histórico, e terão preenchida a memória de fatos mais ou menos marcantes da história de seu povo, de sua nação, do mundo inteiro, enfim. Tudo isso, por conseguinte, propiciará uma base às suas convicções e à sua vida moral inteira. Cícero, o filósofo romano, com toda a justeza chamou a história de “mestra da vida”. Em segundo lugar, do ponto de vista social, o gênero humano, assim como o indivíduo humano, não pode de modo algum prescindir da memória, e memória de si mesmo. É uma exigência, uma necessidade, uma imperiosidade moral, e sem ela a humanidade se veria reduzida a perpétuo estado de ressurgimento, não renascendo incessantemente senão para tornar a cair no nada. Como poderia haver a filosofia, as artes, as ciências, as tábuas das leis, as instituições políticas, a própria religião, ou seja, toda a trama do tecido social, sem tal memória? Sábia, sumamente sábia é a Providência, que faz sucederem-se no tempo as eras e as idades, impedindo assim a ruptura da continuidade do homem. A história, ou seja, o seu estudo e ensino, é, ainda segundo Cícero, a testemunha dos tempos: a partir do efêmero presente, ela estende uma ponte entre o passado e o futuro, e garante assim a permanência da civilização. Neste sentido, a história é tradição — é a embarcação segura em que a humanidade navega no tempo, singrando-lhe as ondas freqüentemente revoltas e as correntes sempre muito fortes e contrapostas. E como não atestar, facilmente, que uma grande ignorância ou esquecimento da história provoca inevitavelmente num espírito a turvação e em toda uma sociedade o caos? Não se afirma com isso que é necessário a todo e qualquer indivíduo um estudo muito aprofundado da história, ou à sociedade um grande número de historiadores altamente capazes; o que se afirma é que sem certa quantidade de alimento para a memória, isto é, sem um mínimo de conhecimento da própria humanidade — que, como já vimos, ou é histórica, ou não seria nada — , qualquer indivíduo e qualquer povo tende a afogar-se no pântano de seu próprio esquecimento. Ouçamos ainda a Cícero: “A história é a luz dos tempos, a contemporânea de todo o gênero humano, a depositária dos acontecimentos, a testemunha da verdade, a alma das lembranças, a grande conselheira e oráculo da vida humana, a mensageira e intérprete dos séculos passados. É meditando-a que se alcança a fonte dos sábios desígnios e da prudência, e que se descobre a regra da boa conduta e dos costumes. Sem ela permanecemos circunscritos aos limites estreitos do tempo e do lugar em que estamos, e vivemos numa vergonhosa ignorância de tudo o que nos precedeu e de tudo o que nos rodeia. E isso não é senão uma puerilidade eterna, que faz de nós criança s e estranhos a todo o restante do universo” (De Oratore, liv. XVIII).
E a Bossuet, quando tentava fazer entender ao Delfim “quão vergonhoso seria, não somente a um príncipe, mas, em geral, a qualquer homem honesto, ignorar o gênero humano. [...] A Religião e o governo político são os dois pontos sobre os quais rolam as coisas humanas: descobrir-lhes toda a ordem e toda a seqüência é compreender [...] tudo o que há de grande entre os homens, e possuir, por assim dizer, o fio de todos os assuntos do universo. Ora, aí reside o grande ensinamento da história: por ele, tudo se vos tornará proveitoso. Não se passará nenhum fato de cujas conseqüências não vos apercebereis. Admirareis em seguida os conselhos de Deus nos assuntos da religião: vereis assim o encadeamento das coisas humanas, e por isso conhecereis com quanta reflexão e previsão elas devem ser governadas” (em Discurso sobre a história Universal).1 Mas note-se que o mero conhecimento dos fatos e datas históricos não é mais que um escalão preliminar do estudo histórico propriamente dito. Para que nos alcemos efetivamente a este, é preciso compreender as causas daqueles fatos e os resultados que eles produziram. De outro modo não serviria a história, como de fato serve, de elemento essencial da educação moral. Se assim é, tudo vai depender, em história, de saberes que lhe são superiores: a filosofia e a teologia. Ora, a história é, como alguém já disse, um reservatório de onde saem numerosos canais destinados a regar e fecundar a inteligência das novas gerações segundo o conhecimento do passado. Logo, se o reservatório estiver envenenado de falsa filosofia, os canais não verterão senão veneno nas almas. Por isso dizia no século XIX o Bispo francês Louis Delalle (e seja-nos permitido citá-lo longamente): “Tanto na ordem histórica como na ordem natural, a última palavra, a chave de abóbada da verdadeira ciência, a explicação final e a razão suprema de todos os fenômenos é Deus, Alfa e Ômega, princípio e fim dos [entes] contingentes. Tal é a conclusão que se impõe por uma soberania que não se destronará jamais — a do bom senso. Quem quer que queira subtrair-se a ela cairá, forçosamente, nas aberrações do fatalismo e do panteísmo, porque não quer ver no universo senão uma força cega inerente à matéria cósmica, fazendo-a piruetar de evolução em evolução, da molécula ao átomo, do átomo à condensação desejável, deste agregado progressivo ao surgimento da vida animal, onde a natureza começa a se sentir, e do surgimento desta sensação ao do ente inteligente, no qual a dita natureza começa a se pensar pela revelação do eu. “Esta última fase, em que vemos o homem saído provavelmente do macaco ou do lagarto, não é ainda senão provisória, e deve dar lugar a outra, em que a natureza desarranjará talvez tudo o que ela fez, para recomeçar ainda as suas evoluções: tudo sob a influência do axioma eterno que se pronuncia no ápice luminoso do éter, como diz o filósofo Taine. Daí resulta que, segundo o filósofo Hegel, o ser [...] ainda não existe. Chega-se assim à negação de toda e qualquer verdade absoluta e da concepção mais geral do entendimento, a do Ser, porque não há mais que o devir. “Em verdade, esta teoria não é senão a de Epicuro, completada por Espinosa e maquiada pela cor científica da sofística contemporânea. E aos homens que repisam essas loucuras os consideramos homens de ciência! E eles dizem-se os pedagogos do gênero humano! [...] “Tal é o abismo profundo em que se debate o racionalismo com seus sistemas filosóficos e suas teorias históricas, dos quais se eliminou o elemento sobrenatural. O livre-pensamento, na impotência em que se encontra, pelo seu isolamento, de explicar o enigma da origem das coisas e a marcha do gênero humano ao longo dos séculos, é devorado pela Esfinge do 1
Não se deduza desta citação que sejamos admiradores sem reservas de Bossuet. Por grande que seja, e de fato o é, pesa contra ele, sobretudo, o fato de ter sido galicano, ou seja, um defensor da independência administrativa da Igreja nacional com relação ao Papado. Nunca é demais lembrar que o rei francês Francisco I quase tomara o mesmo caminho do inglês Henrique VIII, e que o galicanismo não era de todo estranho a esse clima.
ceticismo. Quando a razão humana se insurge contra Deus, que é o seu princípio, cai sob a tirania do sistema e cava o seu próprio túmulo. “A teoria do naturalismo e do fatalismo panteístico aplicada à história não somente leva a negar, como impossíveis, os fatos da ordem sobrenatural, ou a explicá-los por hipóteses extravagantes, mas degrada a humanidade rebaixando-a ao nível de mera engrenagem que funciona no mecanismo da substância universal. Ela destrói a noção do bem e do mal moral ao negar o livre-arbítrio e a conseqüente responsabilidade; diviniza o evento, que aos seus olhos não passa de evolução irresistível da natureza; anistia todos os crimes que se cometeram e avilta todas as virtudes que sucumbiram, e não reconhece outra moralidade além do triunfo de uma força preponderante. Em suma, o homem existe apenas para esmagar e ser esmagado, sem nenhum mérito nem demérito. Ele não é mais vicioso nem mais virtuoso que o vento que sopra, que o cata-vento que gira, que o alambique que destila o veneno ou o remédio; porque tanto o mal como o bem não são mais que uma força, ou melhor, não há bem nem mal, há tãosomente forças a operar fatalmente as transformações sucessivas que compõem a trama da história do gênero humano, assim como as revoluções materiais do globo que são objeto dos estudos geológicos. “Tal é a última palavra dessas teorias abjetas e embrutecedoras que se proclamam atuais com um cinismo revoltante, como a fórmula de uma ciência transcendente que deve destronar toda e qualquer idéia religiosa e livrar o gênero humano dos julgamentos e terrores da consciência, minando pela base a ordem moral inteira. “À vista de tal degradação da inteligência, ou melhor, de tal cretinice, poderíamos crer -nos transportados a um asilo de loucos. “Por esta exposição, é fácil compreender a enorme influênci a que a história, verdadeira ou falsa, exerce para o bem ou para o mal nas questões religiosas, filosóficas, políticas e morais, e que parte lhe cabe nos destinos futuros das novas gerações” (Carta do Bispo Louis Delalle ao Doutor Jacquinot acerca do seu opúsculo Philosophie chrétienne et théories rationalistes dans l‟étude de l‟histoire, apud L‟Abbé Rohrbarcher, Paris, Librairie Louis Vivès, 1904, t. 1, pp. 163-164). E a “mestra da vida” tornou -se, tristemente, em todo o mundo, mestra das mais variadas perversões e corrupções.
O que é a história Nosso primeiro olhar para a história nos deixa um sabor de indistinção: será ela uma mera coleção de fatos variados, dispersos no tempo e espargidos no espaço? As memórias particulares e as crônicas coletivas têm por certo a sua função, e função insubstituível: fornecer o material a partir do qual podemos elevar o olhar para as causas. Sucede, todavia, que se pode fugir do empirismo por duas vias, uma falsa, a outra verdadeira. No primeiro caso, em vez de se entregar à sua tarefa como o fizeram os Evangelistas, ou seja, elevando o olhar dos fatos ou eventos para a única Causa que efetiva e derradeiramente os pode explicar, o historiador se entregará ao orgulho de criar sistemas utópicos ou quiméricos, antinaturais e antidivinos. Não que se negue aqui a importância e o valor intrínseco do estudo sistemático da história, o qual, no entanto, não pode dar nascimento a sistemas absolutos de caráter naturalista ou meramente humano. Schelling, Cousin, Thierry, Guizot, Saint-Simon, Fourier, Proudhon, Hegel, Comte, Marx e Engels viram a fonte e o motor da história ou no deus progresso ou no deus Estado, ou num Espírito imanente ou num infinito finito, ou na luta de raças ou na luta de classes — é a história romanceada, ou caricaturada. É a história vista do ângulo dos interesses humanos mais vis ou das seitas mais
virulentas, e cujas máscaras ocultam os sonhos mais tresloucados e as ambições mais inconfessáveis. No segundo caso, tem-se a sã vinculação e submissão dos eventos históricos aos princípios do plano divino e às regras do governo da Providência: abre-se, então, um vastíssimo panorama. Ainda assim, porém, deve-se ter o cuidado de não tentar explicar em história tudo, todos os eventos da humanidade: tem a história, como veremos em outra série, os seus muitos mistérios, as suas obscuridades insondáveis, e temos de considerá-los pressupostos. Como explicar os eventos passados sem a discrição de considerá-los imbricados indissoluvelmente com os segredos mais escondidos da alma humana e, sobretudo, da Vontade divina? Além disso, como é difícil, se não impossível, distinguir a parte que cabe ao individual e a parte que cabe ao coletivo nos eventos nacionais e internacionais! É por isso que já se pôde dizer, brilhantemente: “A história escrita por um homem não é senão o julgamento de Deus em primeira instância”, ou, mais diretamente: “A história do mundo só será conhecida pelo julgamento de Deus” (Staudenmaier). Mas reconhecer a existência das faces misteriosas da história não deve de modo algum levar-nos a negar-lhe bases sólidas e certas, princípios estáveis e definíveis, tendências principais e razoáveis. São muitas também as suas luzes, e pode o homem compreendê-la, se não como o pode Deus, ou seja, pelo âmago mesmo do seu princípio, motor e fim, ao menos em termos suficientes. Fórmula absoluta, com efeito, nunca a encontraremos para a história; munidos, porém da razão fecundada pela fé, podemos defini-la de modo verdadeiro. Façamolo por aproximações sucessivas. Será a história um mero seguir-se de impérios e dinastias, batalhas e conflagrações, reis e capitães, partidos e federações, seja no plano das nações, seja no do planeta inteiro? Já vimos que não, ao rejeitar a miséria do empirismo. E pela mesma razão tampouco será ela o mero desdobrar-se do direito e das instituições políticas ou das artes e das ciências, nem, muito menos, o da indústria e do comércio. No entanto, ela não deixa de abarcar, como globalidade, aquele seguir-se e este desdobrar-se: a história é, nesta primeira aproximação, o quadro da marcha do gênero humano através dos séculos. Dito de outro modo, os diversos movimentos da humanidade — o jurídico, o político, o artístico, o científico, o militar, o econômico — são como que coordenados, ordenados, capitaneados pelo movimento geral, movimento este que não é senão o movimento que vai de um princípio motor para um fim ou termo designado ou planejado. Ou isto, ou se estaria diante do absurdo. Com efeito, se assim não fosse, seria preciso comparar a Terra e os homens que a habitam a um campo onde animais lutam pelo alimento escasso, e onde corujas chirriam no meio da noite entre o nada e a morte. Não se trata, pois, insistamos, de desconhecer a importância da história política e militar, da história do direito, das ciências ou das artes. O que dizemos é que todas essas histórias dependem, principalmente, da sua relação com a história fundamental da humanidade: a história da sua origem, da sua natureza, do seu destino, e, como já se disse, “do movimento coletivo do mundo moral para o seu fim último”. Essa é a única história verdadeiramente geral, a única que estabelece um laço ou vínculo entre os povos de todos os tempos. Mas como a história que se indica por este laço ou vínculo pode chamar-se geral ou universal? Ela não é uma mera adição de eventos particulares, assim como a mera agregação dos mapas nacionais não constitui o mapa-múndi. Mas esse grande laço que faz perceber o conjunto do mundo moral não une os povos entre si senão com a condição de vinculá-los a um mesmo princípio e a um mesmo fim. Ora, o que religa o mundo ao seu princípio e ao seu fim chamase religião, “e aí está por que”, como diz Dechamps, “a história religiosa é necessariamente a alma e a unidade viva da história do mundo”. Em suma, a história religiosa é a alma da história geral porque só ela descreve o arco que vai do seu princípio ao seu fim, e porque só ela, no desenho deste arco e num mesmo movimento global, é capaz de impelir indissociavelmente todos os movimentos parciais do
gênero humano em todos os tempos e em todos os espaços. E, ao fazê-lo, influi tão decisivamente sobre eles, determina-lhes tão absolutamente o resultado, que é o grau mesmo em que as diversas sociedades e civilizações resistem a seu impulso ou o aceitam o que as caracteriza essencialmente. Não poderia ser de outro modo: este laço geral é propriamente divino, e a história só é uma marcha global na medida em que é a história do gênero humano sob o governo de Deus. Com efeito, tanto qualquer indivíduo como qualquer família, tanto qualquer personagem ilustre como qualquer grande evento, tanto qualquer sociedade como qualquer regime político, todos e tudo só têm sentido providencial, e por conseguinte existência histórica, pelas relações que mantêm com a história religiosa. Fora do governo da Providência, que os produz e dirige, tanto os homens como os eventos não passam de complicação ininteligível, de absurdidade hermética, algo sem razão porque, em si, não tem fim nenhum. Mas dizer história religiosa é dizer, contrariamente ao que quer fazer crer o liberalismo ou o modernismo, a história do Paraíso e a subseqüente história da salvação. Ou seja, a história sacra ou santa. A história das religiões que se afastam dela se define, precisamente, por esse afastamento, mas tampouco escapa às grandes linhas reitoras do desígnio eterno de Deus, e compreender a ordem global da Providência é compreender a precisa correspondência entre a preparação e o desdobramento do Evangelho. Que dizer, então, das relações entre a história sacra e a história eclesiástica? Mesclar-se-ia esta com uma pretensa história autônoma da sociedade e não com a história do Corpo Místico de Cristo, visto serem os seus atores homens “de carne e osso” como quaisquer atores da marcha total da humanidade? De modo algum, embora seja verdade que se misturam sempre, em maior ou menor grau de atração ou rejeição, aqueles atores com estes — é que ainda esta mistura obedece ao desenho da Providência. Ora, deve-se considerar antes de tudo, com respeito à história eclesiástica, o nascimento, o crescimento, a conservação miraculosa da Igreja Católica, e de modo especial o seu mesmo desenvolvimento interno, enquanto se deve considerar antes de tudo, com respeito à história política ou social ou civil, a própria Igreja em sua ação externa sobre as nações e as civilizações, sobre os próprios fiéis, mas também sobre os infiéis, considerando igualmente o seu maior ou menor grau de atração ou rejeição a ela. Tal ação da Igreja, tal ação de Deus mediante a Igreja explica todos os fatos da marcha global da humanidade, antes (ao modo de preparação) e depois de Cristo, incluída a chamada história moderna, com a sua progressiva emancipação do poder espiritual da Igreja. Há, sim, é claro, além da ação do Cristianismo, outras ações que influem sobre os povos; mas, como tais ações não fazem senão desenvolver a potência divina da Igreja, seja pela sua colaboração, seja pela sua contraposição, tudo se reduz, afinal, à ação da mesma Igreja, com respeito à qual, como já se disse, “tudo é meio, até o próprio obstáculo”. Recapitulemos o que em essência se disse até aqui. No fundo, não há senão uma história, a história da humanidade sob o governo de Deus, na qual se insere inextricavelmente a história artística, a história científica, a história política, a história militar, a história econômica. Todas estas partem daquela, e a ela retornam. Naturalmente, há neste indissociável conjunto épocas principais e épocas secundárias, partes integrantes e partes acessórias, elementos de destacar e elementos de esquecer; mas não só o todo como estas mesmas épocas, partes e elementos se tornariam ininteligíveis sem o estreito vínculo destes àquele, sem o estreito laço de Deus que faz com que estes elementos sejam inextricavelmente solidários àquele todo sem perder, porém, o seu próprio caráter de parcialidade. O homem, a nossa falível inteligência não pode operar sem distinguir, porque, ao contrário da inteligência angélica, não lhe é dado compreender nem penetrar nada com exatidão e profundidade num só, digamos assi m, “lance de vista”. Daí o necessário fracionamento da história global em histórias parciais. Mas, insistamos, tais frações da história universal não têm independência simpliciter, e são parte
integrante, ainda que desmembrável, de um todo superior: o da história religiosa, da história do governo de Deus sobre os homens, da história, enfim, da Igreja. Ora, tal asserção é o que nos permite uma terceira aproximação da história: ela é a história do gênero humano enquanto constituído e conservado por Deus, primeiramente e ao modo de preparação, no seio do povo eleito e, depois e ao modo de consumação, no seio da Igreja Católica. Por conseguinte, pode-se dizer que a própria matéria da história é obra direta de Deus no plano fugitivo da duração, dos tempos, dos séculos, donde ser imperioso estudar a história, como já se disse, do ângulo do Divino, do ângulo do desenho da Providência; é preciso procurar e perscrutar a ação do Altíssimo sobre os elementos e eventos humanos, constatar-lhe e interpretar-lhe as conseqüências. Cabe ao estudioso da história, muitíssimo mais que perseguir os desígnios e iniciativas humanos, fazê-lo com respeito aos desígnios e iniciativas divinos. É a seiva divina, como já se disse, o que vivifica todas as coisas. Ser historiador não pode significar senão tornar-se humilde intérprete da obra do Senhor dos exércitos. E reconhecê-lo, reconhecer não só que há preeminência absoluta de Deus sobre os homens e dos Seus desígnios e iniciativas sobre os destes, mas também que os desígnios e iniciativas do Criador se fazem normalmente mediante os desígnios e iniciativas dos mesmos homens, levanos à derradeira e cabal definição da história: sendo a história do governo de Deus sobre os homens, ela é o conjunto dos eventos sociais humanos que, tanto nos tempos como nos espaços, cumpre a Providência através do livre-arbítrio do homem, antes de tudo para a maior glória do próprio Senhor, e depois para a consecução dos destinos sobrenaturais da humanidade. Chamamos sociais aos eventos para sublinhar que, aqui, só se trata dos eventos que importam para as sociedades, para as nações, para as civilizações. Por outro lado, dizemos que os eventos sociais se cumprem pela Providência através do livre-arbítrio do homem, o que é noção teológica básica: Deus não governa as sociedades e o homem sem o concurso pessoal deste. Ele não lhe tira a capacidade de mover e de automover-se como causa segunda. Fazendo-o, o soberano Criador nada aliena da sua soberania absoluta; apenas o governa e move sem lhe violentar a natureza de pessoa (ausência de violência que, aliás, é verdadeira até com respeito aos corpos inferiores: cf. o Capítulo LXXXV do Livro I da Suma contra os Gentios, de Santo Tomás de Aquino: “A vontade divina não tira a contingência das coisas nem lhes impõe necessidade absoluta”). Segundo uma ousada expressão, “somos livremente escravos sob a Sua mão todo- poderosa”. Deve -se, porém, dizer mais: não só Deus é, mediante a Sua providência, o criador que conduz a seu fim todos os aspectos da atividade humana, mas também, como autor da graça, é o agente causador de todos os bens que se ordenam à salvação do homem, uma vez que o homem não opera estes bens senão enquanto movido pela graça divina. Por fim, falamos em consecução dos destinos sobrenaturais da humanidade, e é preciso explicá-lo algo detidamente. Antes de tudo, obviamente não se trata aqui da humanidade endeusada que governa os sistemas históricos do panteísmo ou do neopaganismo moderno, mas sim do conjunto de indivíduos, famílias e nações que se mantiveram ou mantêm sob o governo direto do Senhor, quer, antes de Cristo e ao modo de preparação, no seio do povo judeu, quer, depois de Cristo, no seio da Igreja. Ora, o homem possui (ou pode possuir) dois elementos muitíssimo diversos: a natureza e a graça, entendendo-se a natureza como o seu corpo e alma unidos complementarmente, e entendendo-se a graça como o dom gratuito de Deus à natureza criada por Ele próprio — como a comunicação de uma operação infinita ao ente finito para elevá-lo sobrenaturalmente, sem que se diminua a divindade ao comunicar-se, nem se destrua a natureza do ente finito. Mas “como posso, Senhor, conter o Infinito no pequeno vaso do meu coração?”, perguntava -se o Padre Pio. Tal é possível porque “[...] na alma humana, como em qualquer criatura, [há] dois tipos de potência passiva, uma com
relação ao agente natural, e a outra com relação ao agente primeiro, [potência esta] que pode levar uma criatura qualquer a algum ato mais elevado que o ato a que é levada pelo agente natural; e a [este segundo tipo de potência passiva] se costumou chamar potência obediencial da criatura” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 11, a. 1, corpus; destaques nossos). E, com efeito, na atual e derradeira etapa da economia da salvação, necessita o homem de três tipos de sociedade: dois naturais, a família e o Estado, e um formalmente sobrenatural, a Igreja, devendo-se ordenar aqueles a esta. Necessita da família para o aprendizado ético; do Estado pelo que suas instituições e leis lhe proporcionam, para ajudá-lo a adquirir e conservar os bens que lhe competem segundo a sua própria natureza; e da Igreja pelo seu magistério, pelas suas próprias leis, e sobretudo pelos seus sacramentos, que são causa da graça. Ora, a graça permite ao homem um saber infinitamente mais alto e virtudes imensamente mais elevadas, ou seja, o mais excelente viver, em que não só se é maximamente homem, mas, muito mais que isso, pode o homem, pela fé e com sua natureza conformada ao sobrenatural, ter incoada já aqui na Terra a vida eterna. E é justamente por isso que o estudioso da história pode, ao traçar os eventos sucedidos sob o governo de Deus e sob a ação da graça, relacionar a vida dos indivíduos, das famílias e dos Estados aos destinos sobrenaturais da humanidade. O mais, ou seja, todos os sistemas históricos quiméricos preparados no caldeirão do anticristianismo, não visa senão a um triplo esquecimento: do Altíssimo, da Igreja e da lei natural. É a enfermidade que, cada vez mais aguda ao longo de séculos de voluntarismo, nominalismo e humanismo, se torna crônica com as escuras luzes dos anos de sangue e guilhotina. Daí é só um passo para que sobrevenham, qual monstros nascidos daquele monturo de sombras e terror, o super-homem, e o homem econômico, e o Estado e as corporações totais — o “admirável mundo novo” da multidão dos sem -fé e dos indiferentistas religiosos. P.S. 1: O mérito humano em ordem à salvação não reside em nada que façamos por nós mesmos, mas no que faz Deus através de nós. P.S. 2: Muitos hão de se perguntar: onde estará a liberdade do homem, se Deus não só o criou para fazer o bem, mas também é quem o leva a fazer cada bem em ordem à sua salvação? Se o perguntam, é porque estão impregnados da noção de liberdade que, a começar com Pelágio e passando, séculos depois, pelo voluntarismo de Duns Scott, acabou por tornarse amplamente dominante. Quem mais livre que Deus? E por que o é tão superior e unicamente? Porque tudo quanto há lhe é incomensuravelmente inferior, e é incapaz, portanto, de afetá-Lo. E quem são os mais livres dos homens? Os santos, porque nada do que está abaixo de Deus e dos anjos pode afetar-lhes o espírito, que, movido e moldado pela graça divina, é perfeitamente ordenado a Ele mesmo. É por isso que podia dizer o Padre Pio: “Os santos amam mais do que as pessoas apegadas ao mundo”. Em verdade, são o ápice do mundo visível. P.S. 3: Falamos acima de sistemas históricos quiméricos, e de fato mostraremos, na série “Liberalismo e comunismo ― rebentos da mesma raiz”, que tanto o comunismo como a democracia liberal são, em sentido estrito, impossíveis. Além de monstruosos, que é o outro sentido da palavra “quimérico”. O mistério da história “Cremos que uma das vindas [de Cristo] mais inauditas, e mais consoladoras, será a conversão do povo de que Ele procedeu segundo a carne, o povo judeu [...]. Nós somos
advertidos pela Escritura de que o Senhor o reconduzirá. Ignoramos as modalidades desta reintegração [...]. O que importa é apressar pela nossa prece a conversão de Israel, o povo de que o Filho de Deus se originou segundo a carne, o povo da Virgem Imaculada e dos doze Apóstolos. Que o Senhor, em cada Missa, digne-se lembrar do nosso pai Abraão, que Lhe ofereceu como figura o sacrifício que nós oferecemos realmente; e que Ele reconduza a Si a descendência carnal do primeiro patriarca. Supra quæ propitio ac sereno vultu respicere digneris... Vinde, Senhor Jesus. E temos certeza de que vireis. Seja resplandecente a vossa visita ou permaneça oculta no seio da noite — vireis infalivelmente. Nunca rejeitais a prece de vossa Esposa; nunca lhe frustrais a espera. — Quando não concedeis exatamente o que pedimos, concedeis o que preferiríamos se já tivéssemos sido admitidos na contemplação face a face de Vós. O Senhor está perto de todos os que O invocam, de todos os que O invocam com sinceridade (Salmo 144). Vinde, Senhor Jesus. — Sim, venho depressa” (R. -Th. Calmel O.P., Théologie de l‟histoire, pp. 109-110). Que é, teologicamente, um mistério? Antes de tudo, não confundamos este tipo de mistério com enigma. Enigma pode ser, correntemente: uma questão proposta em termos obscuros, ambíguos, para ser interpretada ou adivinhada por alguém; qualquer enunciado ambíguo ou velado; coisa inexplicável, aquilo que não se pode compreender. Mistério, por seu turno, nos termos que nos interessam aqui, é o objeto — objeto de fé, dado pela Revelação — que possuímos, sim, intelectualmente, embora nunca lhe possamos esgotar o conhecimento: é multifacetado ao infinito. Suas faces são como as páginas do livro de areia que inventou, em sua ficção, o agnóstico escritor argentino Jorge Luis Borges, as quais, quanto mais se viram, mais se multiplicam. O mistério, todavia, nós, os católicos, o queremos possuir e possuir pela fé, ao contrário do que sucede com o personagem borgiano: não suportando a visão de tal livro, acaba por livrar-se dele. A fé, que nos é infundida por Deus mesmo, e que tem por sede ou vaso a razão, é-nos dada justamente para nos possibilitar aquele querer e aquela efetiva posse. Também a história é, de muitos modos, um mistério, igualmente multifacetado. E a face mais superficial deste mistério é talvez o fato de que todos os intentos dos diversos povos invariavelmente malogram, quando muito, no instante mesmo em que estes parecem mais seguros de suas rédeas. Trata-se de uma evidência, e nem a necessitaríamos exemplificar com os casos sem fim de civilizações e povos pagãos cujo ápice foi a sua própria ruína. O Império de Alexandre? O Império Romano? O Império britânico? Basta-nos o caso mais decisivo, e tão diretamente concernente a nós, os católicos: a Civilização Cristã, cujos alicerces começam a fender no momento mesmo (século XIII) em que ela atinge o zênite com as esguias torres de suas catedrais e do tomismo. Pois bem, falar nesta face mais superficial do mistério da história é falar, já, em outra, muito mais profunda e tenebrosa: “O mistério da iniqüidade está em ação desde o presente”, escrevia São Paulo aos Tessalonicenses já no momento mesmo em que surgia a Igreja fundada por Cristo. Ora, falar no mistério do mal é tocar imediatamente o mistério da permissão do mal pelo Altíssimo, o Qual, no entanto, é a própria Bondade, razão por que, se o permite, é necessariamente por um bem infinitamente superior. Além do mais, o Verbo — o Filho unigênito de Deus — se fez carne e habitou entre nós, e eis-nos perante uma face capital do mistério da história: o termos entrado na plenitude dos tempos precisamente quando começava o tempo “maior” da Redenção (vide Gálatas IV e Efésios I, 10). “O Pai amou tanto o mundo, que chegou a lhe dar o seu próprio Filho único e com Ele todos os bens [...]”, escreve o Padre Calmel; “por outro lado, a Igreja sempre santa fundou-se para sempre, com os seus poderes hierárquicos definidos e indestrutíveis, para nos fazer participar dos tesouros inefáveis de sabedoria e de graça que estão ocultos no coração do
Senhor Jesus” (ibid., pp. 9 -10). E, se saber esta verdade misteriosa, ou seja, que estamos desde Cristo na plenitude dos tempos, impede a adesão às teses modernistas segundo as quais a Igreja há de ser ultrapassada por uma “Supra -igreja”,2 sabê-la é também, por outro lado, ferir de morte todo e qualquer milenarismo, como veremos no próximo artigo. Assim como, na Terra, a Igreja nunca se verá totalmente desembaraçada de pecadores e traidores (as varas da videira que não dão fruto, como se lê em João XV, 1-2), nem nunca poderá depor a Cruz do Esposo, assim também nunca tornará a haver um paraíso terrestre, porque, como quer que seja, em maior ou menor medida, as cidades morredouras sempre acabam por contagiar-se de peçonhas diabólicas. Só a Igreja, enquanto tem por cabeça a Cristo mesmo e enquanto o Lavrador acaba sempre por lançar-lhe ao fogo as varas estéreis e secas (João XV, 6), é isenta de tal contágio, a mesma Igreja que, todavia, conquanto sabedora da perecibilidade das cidades carnais, sempre buscou trazê-las para as fileiras do Senhor dos Exércitos. Se porém tal é fato, por que, então, a sucessão dos séculos e a própria perecibilidade das civilizações? Porque é justamente no interior da sucessão dos séculos, tornada plenitude irreversível dos tempos, e mediante os esforços e provações dos movidos pelo Espírito, que se vai formando o corpo da Igreja triunfante — para a maior glória de Deus e para o bem do mundo que Ele tanto amou, o mundo dos eleitos. E como se completará o número dos membros da Igreja triunfante? Sempre pela graça e pelo mérito de Cristo, e em meio às tribulações e sofrimentos inauditos do fim dos séculos. Será então que, fazendo cessar a história, Cristo introduzirá a Esposa na Jerusalém celeste e lançará para sempre Satã e os demais demônios no lago eterno de fogo e enxofre, o lugar da segunda e definitiva morte (Apocalipse XXI e XXII). Por certo — e devemos precaver-nos de um falso desprezo do mundo, dado que o desprezo do mundo ou será católico e místico, ou será uma contrafação — há ainda a finalidade terrestre da sucessão dos tempos, a saber, “permitir à natureza humana desdobrar as suas virtualidades na obra de civilização” (R. -Th. Calmel O.P., Théologi e de l‟histoire, p. 12); mas tal finalidade permanecerá sempre secundária e terá sempre caráter de meio, uma vez que a finalidade suprema e última da história não é temporal, não é secular — “é a manifestação, pela Igreja, da glória de Cristo e da virtude da sua cruz em todos os santos e em todos os bemaventurados” (idem), ou seja, por outro ângulo, a já referida completação do número dos eleitos. Tudo o mais a isto se subordina, inapelavelmente. E eis que o próprio Senhor nos quis dar luzes sobre os derradeiros dias deste mundo e sua figura, sobre tal misterioso remate da história: ainda que inauditamente tremendos, medonhos e estranhos, os últimos anos do definitivo declínio terão algo em comum com todos os milênios que os terão precedido e preparado desde a Anunciação, desde a Encarnação, desde o Calvário, desde Pentecostes. Eles se inserirão, como os demais, justamente na plenitude dos tempos, que não é senão, por tudo quanto já vimos, um dom do Verbo encarnado ao mundo dos eleitos. Nunca perderá o Filho o poder de que o investiu o Pai, e nunca deixará de percorrer vitorioso a Terra sobre o seu corcel branco. (“Depois vi o céu aberto, e eis um cavalo branco, e o que estava montado chamava-se o Fiel e Verdadeiro, que julga com justiça, e combate. E os seus olhos eram como uma chama de fogo, e ele tinha sobre a cabeça muitos
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“São Paulo sem dúvida libertou do Judaísmo a Igreja nascente, mas o fez para permitir à Igreja afirmar -se tal qual é: Igreja de Jesus e da nova lei, não igreja da lei mosaica, que terminou para sempre desde o dia da Páscoa e de Pentecostes. Seria pois uma sinistra facécia reclamar-se por exemplo de São Paulo para pretender libertar a Igreja de não sei que sobrevivências arcaicas, quando se sabe que estas sobrevivências não são senão as estruturas da Igreja queridas pelo Senhor: doutrinas definidas e sacramentos determinados. T al facécia sinistra [pretende livrar] a Igreja do peso de vinte séculos de tradições, e [ultrapassar] vinte Concílios dogmáticos. [...] Ultrapassagem que é um embuste” (R. -Th. Calmel O.P., op. cit., p. 10).
diademas, e um nome escrito, que ninguém senão ele mesmo conhece. E vestia uma roupa salpicada de sangue; e o seu nome é Verbo de Deus” [Apocalipse XIX, 11 -13].) “É por um desígnio de am or que o Senhor quer que Sua Esposa, a santa Igreja, seja configurada à Sua Paixão; que ela faça em certa medida a experiência das trevas e do desamparo do Jardim das Oliveiras. Ela deve ressentir à sua medida o alcance misterioso deste „Sinit usque huc‟ ( Lucas XXII, 51) que Jesus pronunciou em sua santa agonia. Se o Senhor quis para Sua Esposa, em certas épocas, uma experiência mais profunda das dores da Sexta-Feira Santa, é porque quis dar-lhe também provas ainda mais profundas da eficácia de Seu Poder e da intensidade de Seu Amor” (idem). Assim é: todo o mistério da história se resolve no Amor efusivo do Criador, este Amor cuja grandeza é sem medida, e cuja onipotência e onipresença são um seio sempre providencial e beatífico. Em tempo: “É muitíssimo verd adeiro que em nossos dias as nações rugiram e os povos meditaram projetos insensatos contra o Criador (Salmo 2); eles gritaram com voz quase unânime: Retirai-vos daqui (Jó XXI, 14). Daí, em grandíssimo número, o desaparecimento completo do respeito ao Deus eterno; daí os hábitos da vida privada e pública que fazem total abstração da sua soberania; muito mais ainda, esforçam-se por todos os meios e com toda a astúcia possível para fazer desaparecer absolutamente a lembrança de Deus e até a sua noção. Quem considera essas coisas não poderá evitar o temor de que tal perversão dos espíritos seja como que um antegosto e prelúdio dos males que devem sobrevir no fim dos séculos, e de que o filho da perdição de que fala o Apóstolo já esteja em ação sobre a terra (II Epístola aos Tessalonicenses II, 3), de tão extraordinários que são a audácia e o furor do assalto generalizado contra a piedade e a religião, os ataques contra os dogmas da fé revelada, a obstinação em pôr fim a todo e qualquer dever religioso ” (São Pio X, Encíclica E Supremi Apostolatus Cathedra).